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IV

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Confiança
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Instintos podem ser facilmente enganados, disso ela sabia, mas seu instinto no momento lhe dizia
que estava fazendo o certo, mesmo tendo consciência que mais tarde teria consequências, ainda
mais se alguém visse seu rosto. Assim seria reportada pela Cyberlife e depois demitida
imediatamente, provavelmente ninguém iria contratá-la e assim teria que voltar a trabalhar na
oficina de seu pai, o que de certa forma não era ruim já que tudo que aprendeu no início havia sido
por que havia trabalhado para o seu próprio pai primeiro. Na verdade estava com medo, medo de
estar se arriscando sem razão, medo de ver coisas que não deveria ver..apenas tinha medo e isso a
preocupava, pois por bastante tempo, a palavra medo era algo que nunca existiu em seus
pensamentos.

BANG! BANG!

Quando ouviu o som dos tiros, seu corpo paralisou e seu coração quase pulou pela boca, mas
forçou seu corpo a correr novamente. As imagens que presenciou no momento que pisou na
avenida Burke foram de puro caos. Havia andróides caídos no chão, havia policiais, havia fogo,
havia sangue normal, havia sangue azul. Aquilo era uma guerra e estava presenciando tudo de
camarote. Novamente sua mente parou de funcionar, estava no fogo cruzado sem saber para que
lado seguir. Sua garganta se fechou e já não escutava nada além de sons abafados, aquele não era um
bom momento para ter um ataque de ansiedade. Sua mente voltou a funcionar quando sentiu uma
ardência em seu braço, havia levado um tiro no braço, apenas a dor a fez sair daquele estado.
Rapidamente caiu no chão com a mão em seu braço direito, doía muito, mas não podia ficar ali ou
acabaria morta como todos os outros. Apertou os olhos quando tentou se levantar, deixando seu
braço ferido bem prensado contra seu corpo, mas no momento que se erguia, um policial alterado
lhe apontou a arma. Pela cara dele, ele não ia hesitar em atirar nela.
— Levante as mãos! — ele ordenou e Gabe tremeu de medo, medo de levar um tiro sem motivo.
— Eu..Eu sou..
— CALA A BOCA! — ele gritou e a jovem chorou, virando o rosto, suas pernas tremendo e o
coração tão acelerado que achava que uma hora ia desmaiar. Naquele momento rezou aos céus para
que pudesse retornar para casa inteira. A mesma engoliu em seco e olhou o policial que estava
tremendo também, mas pela firmeza nas mãos dele, ele ia atirar.
— P..Por favor — ela pediu e o policial atirou.
Gabe teria morrido se as balas não tivessem ricocheteado contra o pedaço de aço que a protegeu
naquele momento. Ela se encolheu sem saber quem a salvou, mas quando teve coragem de abrir os
olhos, viu a figura de Markus a usar o pedaço de aço como proteção para ambos. Quando o policial
notou que não adiantava, Markus aproveitou-se da oportunidade para jogar o aço contra o
capacete dele, o fazendo cambalear para trás, desnorteado. O divergente o golpeou no estômago e
assim segurando sua cabeça e a esmagando contra o capô de um carro. Gabe respirou de forma
ofegante, tentando recuperar o fôlego.
— O que você está fazendo aqui?! — o divergente gritou ao se virar para a mesma, se aproximando
para segura-la pelos ombros quando enfim percebeu que ela estava em choque. A balançou,
tentando fazê-la sair daquele estado, aquele não era o momento.
— Ele morreu? — Foi o que pode perguntar e Markus não soube responder, afinal ele não ia
checar, não agora. O som de outro tiro ecoou e dessa vez acertando o divergente diante dela. Gabe
se assustou ao ver o sangue azul manchar a camisa dele.
— Droga — ele segurou o braço da jovem e correu com ela para dentro de um beco enquanto se
conectava com todos os outros divergentes, lhes dando a ordem para recuar.
— Markus, você está sangrando! — a morena segurava a camisa dele notando que a bala havia
atingido a bomba de sangue azul, era como uma hemorragia. Ela podia ajudá-lo, mas apenas se ele
permitisse.
— Eu sei!
Ambos seguiam pelo corredor com Gabe tentando ajudar o divergente a caminhar, Por sorte, ele
parecia conhecer todos os cantos de Detroit então rapidamente conseguiram sair da área do caos.
Os dois estavam feridos, mas a bomba de sangue azul de Markus era preocupante, se parasse de
bombear sangue para o coração do líder, ele provavelmente não sobreviveria.
— Eu preciso trocar a bomba de sangue azul!
— Não — ele se recusou, mas ela insistiu.
— Você precisa confiar em mim! Ou então você irá morrer e não haverá ninguém para liderar os
outros andróides! Eles serão destruídos — A mesma foi um pouco cruel e bem bruta nas palavras,
mas era necessário. Markus mordia os lábios, tendo um conflito interno consigo mesmo, mas no
final ele assentiu.
— Tudo bem.
— Ótimo — ela assentiu, mais aliviada que não teria que usar força para simplesmente trocar a
bomba — Markus, você é um modelo RK200, em que ano você foi fabricado? — ela perguntou,
mas não houve resposta. Voltou a olhá-lo e notou que Markus parecia não ouvi-la — Markus?
Markus, tá me escutando?
Ele não estava, ele estava desligando. Aquela seria a sua morte?

"Markus!"

O andróide abriu os olhos quando notou seu nome ser chamado. Carl o olhou curioso enquanto
segurava um pincel. O andróide sentiu-se envergonhado por ter se distraído por alguns minutos.
Markus se aproximou das latas de tinta e logo as trazia para perto do pintor que ficou em silêncio
novamente, Carl não era um sábio, mas ele sabia que o andróide estava distraído com algo.
— Algo está lhe perturbando, caro amigo? — ele perguntou enquanto afundava as cerdas do pincel
na tinta e voltando a detalhar sua nova arte com cuidado. Markus colocou os braços para trás e olhou
para o lado — Pode me contar qualquer coisa, Markus.
— Eu vi um casal de senhores hoje e fiquei observando eles até me notarem — ele finalmente
respondeu e voltou a olhar para Carl, curioso — Eu não entendo muito, Carl, mas gostaria de saber o
que faz com que um casal fique junto por tantos anos, sabendo que a morte alguma hora irá separá-
los?
— O amor, Markus — disse Carl, ainda focado em sua pintura — e claro, confiança.
— Confiança?
— Sim, todos podem ter confiança em amigos, família e amantes — Carl deu uma olhada em
Markus que ainda parecia processar as palavras dele — Você confia em mim?
— Sim, claro.
— Então já é o suficiente para que eu morra sabendo que você esteve ao meu lado como um filho e meu
amigo. Sua confiança me faz seguir até o final da vida, é isso o que vale — Ele deu um sorriso e
Markus assentiu — agora seja sincero, o que acha da pintura?
— Eu gosto — Markus observou as cores e aquilo o interessava, tudo era suave e cada uma delas lhe
trazia uma sensação nova — Acha que algum dia irei pintar algo assim com tanta emoção?
— Vai sim, desde que confie em si mesmo e principalmente em quem quiser lhe ajudar.

(...)

Markus acordou num pulo como se houvesse sido desligado por anos e agora estava finalmente
despertando de um pesadelo. Gabe também levou um susto, mas rapidamente o segurou e o deitou
no sofá novamente, qualquer movimento poderia ser mortal, principalmente para ele. Por sorte,
quando Markus desligou, ela conseguiu reparar algumas das peças, a bomba de sangue azul ela
apenas pode reparar temporariamente para evitar que ela vazasse, mas não seria permanente, no
momento estava a procurar por uma bomba nova e compatível com o modelo dele.
— Fique deitado, não se preocupe, está na minha casa — Disse ela enquanto revirava a caixa ao
lado do sofá. Markus que estava deitado no sofá, imobilizado, ainda se questionava o que havia
acontecido enquanto estava.."apagado". Ele olhou para a humana ao seu lado, a mesma procurava
uma bomba nova para ele.
— Os outros.. Eles estão bem? — Gabe soltou um suspiro, precisava ser sincera, mas também
mantinha muita coragem e lembrar de todos aqueles corpos caídos no chão, era doloroso.
— Alguns andróides estavam destruídos..vários acabaram mortos..mas eu não vi o Simon, nem o
Josh e muito menos a North entre eles, acredito que estejam vivos — Markus pareceu aliviado, mas
ao mesmo tempo não. Ela podia ver que ele estava machucado pela morte daqueles que confiaram
nele e que morreram por isso. O divergente mordeu os lábios e virou o rosto para o outro lado.
Gabe podia entender a dor dele. A mesma se levantou devagar e deixou a caixa de lado — eu não
achei uma bomba compatível, mas deve haver uma, eu tenho um compartimento cheio delas.. — a
mesma olhou novamente para ele, mas não teve resposta então caminhou para a oficina. O caos que
ela presenciou não sairia da sua mente tão cedo e era isso que temia. Lentamente cobria o curativo
ao redor do seu braço ferido. Com certeza teria uma bela cicatriz para lembrá-la disso. A mesma
entrou na oficina e se ajoelhou em baixo da mesa, puxando uma caixa lacrada para fora, com
cuidado pegou uma faca sobre a mesa e foi abrindo a caixa, havia várias bombas. Ela revirou tudo
com cuidado, tentando não deixar nada escapar, mas logo encontrou uma bomba compatível com
o modelo RK200. Que sorte, ela pensou. Pegou a bomba e logo voltou para dentro. Chegando até a
sala, ela pode ver Markus olhando fixamente para o teto.
— Eu não escolhi ser um líder — disse ele, a mesma se ajoelhou perto dele ouvindo — Eu não
escolhi começar uma revolução..tudo que aconteceu foi por conta de consequências. Cada decisão
que fui obrigado a fazer, me levou aqui. Na verdade eu queria pintar — Markus pela primeira vez
deu um pequeno sorriso quando lembrou do que ele queria antes de perder Carl. O velho pintor o
inspirou a pintar também — Eu queria mudar o mundo, mas não dessa forma. Queria pintar,
mostrar meus sentimentos e emoções através das cores de uma bela arte, mostrar aos humanos que
eu também pensava ou sentia.. mas quando vi de perto o quão horríveis os humanos eram.. O que
faziam com seus próprios andróides, não pude deixar de lado.
— Os humanos são egoístas, frágeis..temos medo de coisas que não temos conhecimento.. Levou
um tempo para aceitarmos pessoas de outras etnias ..de aceitar que a escravidão acabou. Somos
máquinas defeituosas, Markus..talvez no fundo tenhamos medo de que sejamos esquecidos por
sermos tão fracos de coração — Ela se aproximou dele, o pedindo para sentar no sofá. Markus
sentou-se devagar — Pode tirar a camisa.
— Eu não confio em humanos, Gabriella — Disse ele enquanto retirava sua capa primeiro E por
último sua camisa. A mesma olhou o corpo do andróide, havia cicatrizes arranhões que estavam se
regenerando aos poucos graças a alta tecnologia do modelo de Markus. No centro do peito dele
havia um círculo com um LED brilhante em vermelho vivo, a bomba havia vazado — mas Simon
parece ter uma confiança em você, ele é meu melhor amigo e acredita que você possa nos ajudar.
— Markus.. Eu não sei se posso ajudar, eu trabalho para a Cyberlife, tenho um trabalho lá.. seria
um pouco arriscado para mim ajudá-los — Ela devagar ia retirando a bomba de sangue azul baleada
no peito de Markus, ele apertou os olhos vendo em seu sistema que havia uma anomalia.
— Eu não sou a favor disso, minha experiência com humanos depois da morte do Carl não são as
melhores, mas mesmo assim.. Precisamos de alguém que possa ajudar os andróides feridos.. Você é
a única que pode ajudar. Você é a única que temos.
— Markus.. — ela não conseguiria dizer não quando o próprio líder parecia implorar para ela
aceitar. Devagar encaixou a bomba no peito dele, vendo a expressão de alívio dele ao sentir o
sistema normalizar novamente — Eu irei pensar, apenas me dê tempo..
O divergente assentiu e então se levantou pegando suas roupas. Gabe engoliu em seco e desviou o
olhar. Ela admitia, o modelo dele era atraente e diferente, mas não era o momento para ficar
admirando-o, porém era o momento para se questionar do por quê de nunca ter visto outro
modelo RK200, ela sabia que a série RK era focada em tarefas domésticas, mas nunca havia visto
outro modelo como ele. Enquanto Markus se vestia, a mesma fechava as caixas cheias de bomba
azul, as deixando em um canto.
— Eu preciso ir, os outros devem estar preocupados comigo — Markus se virou para a jovem e ela
assentiu, se aproximando dele para acompanhá-lo até a porta. O andróide abria a porta devagar até
simplesmente parar e pensar por um tempo, a jovem havia salvado a vida dele, poderia ter desligado
para sempre se não fosse ela. O mesmo apertou a maçaneta sem muita força e então se virou, a
olhando de forma suave e quase gentil — Obrigado, Gabriella.
— Me chame de Gabe — Ela pediu e sorriu de volta — E eu teria feito novamente.. Não o deixaria
desligar — Markus a olhou e então assentiu, logo saindo da casa atravessando o jardim da frente
para então sumir na escuridão da noite. Gabe segurou a maçaneta e então fechou a porta, logo se
encostando nela para então pensar em tudo que aconteceu.
O líder do divergente simplesmente havia lhe pedido para ser como uma médica para os divergentes
feridos, aquilo talvez fosse uma oportunidade boa ou ruim, ela não sabia o que fazer, apenas
precisava pensar e ter certeza só que desejava.. O que Elijah faria?

"O que você faria no meu lugar Elijah?"

Gabe perguntou enquanto o homem estava digitando em seu computador. Ela tentou atrair a
atenção dele o dia inteiro e nem quando realmente precisava dele, ele lhe dava atenção. A jovem
rosnou, hoje era o dia de folga dele e mesmo assim..Nada!
Apesar da raiva acumulada de Gabe, Elijah prestava atenção total nela, ele não era um idiota, ele
era um intelectual e prestava atenção em tudo e em todos.
— Eu desisto de você, Kamsky — ela disse se levantando para sair. Se Elijah não fosse lhe dar atenção
então não ficaria ali nenhum minuto a mais, porém antes que saísse, o mesmo agarrou o braço dela e
a puxou para perto dele.
— Outra briga com a sua mãe? — Ele perguntou e a morena assentiu, Elijah conhecia a mãe dela e
já podia ter imagem da mulher revoltada e Gabe gritando com ela no mesmo tom de voz de estresse
— Durma na minha casa hoje.
— Elijah, a Chloe vai estar lá.
— E? Não é como se ela fosse aparecer no quarto para se juntar a nós — Elijah logo fez uma cara
pensativa e depois a olhou — a não ser que você queira.
— Credo, Elijah! — ela o soltou e cruzou os braço, mas logo riu e Kamsky sorriu por vê-la melhor.
Devagar se aproximou da jovem e a encostou contra sua mesa — Não acredito.. Você quer fazer aqui?
— Qual o problema? Ninguém iria sair entrando de qualquer forma.
Elijah fechava seus olhos enquanto saboreava os lábios da jovem e ela acreditando nas palavras dele,
o beijava de volta. Ambos haviam iniciado um relacionamento a pouco tempo, era bom, porém
alguns de seus colegas estavam incomodados por ela ser a namorada do chefe, achando que estava
ganhando privilégios por isso, mas se ao menos soubessem o quão difícil era.
Gabe segurou o rosto de Kamsky, mordendo seus lábios enquanto suas mãos seguiam até as costas dele.
Elijah segurava sua cintura parecendo planejar uma forma de se livrar da saia que usava. O
telefone tocou interrompendo o momento, o chefe tateou a mesa até o telefone, sem parar o beijo.
— Elijah..
— Vai ser rápido — dizia ele, atendendo pelo telefone, desferindo beijos rápidos nos lábios da morena
— Kamsky falando.. — a expressão de Elijah mudou rapidamente e Gabe sentiu que algo sério
havia acontecido — Eu entendi.. passarei no hospital imediatamente.
— Algo aconteceu?
— Aconteceu, me perdoe meu bem, mas eu preciso ir — Elijah rapidamente ajeitou suas roupas e
principalmente seu cabelo, logo então apressando os passos para fora, abandonando Gabriella que
ficou em sua sala, sozinha.

(...)

O caos do dia anterior estava em todos os jornais e reportagens. A jovem estava com medo de que
seu rosto estivesse em todas as reportagens, mas por alguma sorte da vida, seu rosto havia sido
coberto quando Markus a salvou e todos apenas acharam que ela era apenas uma andróide que foi
defendida pelo líder. Aquilo, de certa forma, era reconfortante, pois não havia perigo para ela.
— Diamond? — Natasha surgiu ao seu lado e a morena ficou surpresa. O que ela fazia ali? — O
que veio fazer aqui?
— Ah, eu vim devolver os relatórios que estava devendo — A mesma disse erguendo os arquivos
que segurava e Natasha soltou um suspiro aliviado — E você?
— O mesmo.. lembra do trabalho extra? — Claro, o trabalho extra que a impediu de sair ontem.
Pensando naquilo, foi bom até ela não ter ido, teria sido difícil ter que se explicar caso ela a visse
com Markus.
Ambas chegavam ao andar da presidência e juntas entravam na sala de Adam, porém assim que
entravam, ficavam paradas na entrada. Adam discutia de forma brutal e furiosa com um andróide.
Gabe arregalou os olhos ao ver o rosto do andróide completamente ferido e quase amassado.
Natasha tinha a mesma reação, mas nada falava. A morena sentiu o sangue ferver quando ouviu o
andróide implorar para Adam parar e antes que o chefe fizesse algo mais, ela se aproximou.
— Adam, senhor — ela o chamou atraindo a atenção dele que rapidamente se recompôs,
chamando pela segurança.
— Não me olhem assim, esse pedaço de plástico já estava com defeito, ele confundiu meus
horários.. acredita? — Ele ajeitou sua gravata enquanto Gabe apenas apertava os papéis que
segurava. Ela nunca foi de perder a paciência rápido, apenas em sua adolescência, mas aquela
situação era realmente revoltante para ela.
— Está aqui — ela colocava tudo sobre a mesa e Natasha fazia o mesmo, parecendo querer sair dali
o mais rápido — Eu realmente só vim entregar os relatórios que estava devendo..
— Ótimo, meu bem — uma veia saltou da testa dela, Adam tentava ao máximo ser como Elijah,
mas ele fracassava sempre e além do mais, era irritante vê-lo tentar — Oh e Natasha..gostaria muito
de conversar com você.
— Claro, senhor.
— Se importa, se eu tirar o andróide? — perguntou Gabe, olhando fixamente para o seu chefe.
— Eu chamei o segurança.
— Irei facilitar a vida deles e o colocarei para fora, senhor — Ouvir aquilo, pareceu músico aos
ouvidos do chefe e ele simplesmente não pode recusar.
Gabe segurou o braço do andróide AP700, o erguendo dali. O andróide estava danificado no rosto
e aquilo a fazia pensar se conseguiria repará-lo. Ambos saiam da sala da presidência e eventualmente
do prédio principal da Cyberlife, indo até o armazém onde mantinham todas as peças, bio-
componentes e etc. Aquilo era bem arriscado, mas aquele andróide ia desligar se não fizesse nada.
Por sorte, naquele horário, o armazém estava bem vazio, então poderia trabalhar um pouco no
dano que Adam havia causado a ele. O AP700 a olhava confuso e com medo ao mesmo tempo,
perguntando se ele iria morrer, Gabe engoliu em seco, ela estava tentando impedir que isso
acontecesse, já que um golpe na cabeça como aquele também era bem grave. Assim que chegava ao
armazém, a mesma checou tudo primeiro antes de entrar e notando que estava tudo vazio, deixou
o andróide em um canto e vasculhou cada caixa atrás de uma pinça, pois havia algo que estava
impedindo a regeneração dos bio-componentes do corpo tecnológico dele.
— Ele é ruim — o andróide dizia enquanto tocava seu rosto e tremia por conta do medo. Gabe
olhava o andróide enquanto se aproximava dele.
— É, ele é ruim — disse o assegurando a ele de que nada iria feri-lo, não enquanto ela estivesse ali.
aquilo realmente a tirou do sério e a fez questionar-se se deveria aceitar a oportunidade que Markus
havia lhe dado, pois diante da situação em que se encontrava e da raiva que havia aflorado no seu
interior, ela simplesmente não podia deixar de lado.
Enquanto tratava daquele andróide que provavelmente ficaria traumatizado, a mesma pensou nas
consequências da sua decisão, pois esperava não se arrepender no final disso. Porém lhe veio uma
questão: como o encontraria? Bem, sua mente humana não pensou naquilo.

Meia-noite

Ela definitivamente não gostava de sair tarde de casa, ainda mais com um andróide que
originalmente pertencia a Cyberlife e que agora ela tinha "roubado", roubado era uma palavra
forte, digamos que a mesma havia apenas o libertado. Gabe olhou em volta, vendo o andróide
tomar a frente e tudo que ela imaginou foi se ele tinha noção de onde ficava Jericho. A mesma
suspirou, havia andado por quase toda a Detroit então esperava que dessa vez estivessem certos
sobre o caminho.
— Sabe mesmo onde está indo? — ela perguntou e o AP700 assentiu, confiante. Gabe se encolheu
para se aquecer, o frio podia não incomodá-lo, mas ela era humana então estava praticamente
congelando ali.
— Ali! — ele gritou e correu, a deixando para trás. Gabe correu atrás dele, notando que a medida
que ia correndo, ambos se aproximavam de um cargueiro, o maior cargueiro que já havia visto e
ainda por cima estava abandonando, na verdade toda aquela área de Detroit era abandonada então
era o lugar perfeito para andróides que queriam ser livres longe dos olhares humanos.
— Meu Deus — comentou quando pode se aproximar do cargueiro, era gigante. Imaginava
quantos andróides haveria ali. O AP700 se aproximava de uma entrada e a esperava por ela,
quando Gabe se aproximou dele, ele continuou indo na frente, porém ao entrar, ela já não tinha
mais a visão dele — Ei, cadê você? — Sentiu a ponta de uma arma em sua nuca e todo o seu corpo
estremeceu, toda a experiência de ter uma arma apontada para ela, retornando em um flash.
— Achamos uma humana! — ouvia uma voz feminina diferente que ela não conhecia, mas pelo
fato de ter a arma em sua nuca, já a deixava em pânico. Era uma andróide, ela tinha certeza. Gabe
engoliu em seco — Quem mais está com você?
— Eu vim trazer um andróide ferido, tirando isso, eu estou sozinha.. — Falou com calma.
— Mentira! — A andróide gritou e Gabe se encolheu mais ainda tremendo.
— Abaixa a arma — a voz de Markus chamou a atenção da andróide e principalmente de Gabe que
ficou aliviada por ser alguém conhecido. A andróide se afastou e guardou a arma — que bela
recepção.. — Ele disse enquanto se aproximava de Gabe acompanhado de Josh e o AP700 que ela
havia perdido de vista.
— É.. — A mesma olhou a andróide que a encarava.
— Se você está aqui, é porque pensou na proposta — Ele disse, cruzando os braços.
— Eu pensei.. Era sobre isso que queria conversar.
Markus assentiu dessa vez sem dizer nada e apenas dando meia volta, indicando que ela deveria o
seguir para dentro do cargueiro. Gabe não hesitou e o seguiu. Assim que entrou no cargueiro, a
única coisa que sentiu foi uma brisa fria e incômoda. Ao contrário dos andróides que não sentiam
frio ou qualquer incômodo, Gabe estava sofrendo ali. Markus deu uma espiada discreta nela, havia
esquecido que estava lidando com um ser humano e aquilo o fez sentir certo peso na consciência.
Devagar ele se aproximou dela enquanto tirava seu casaco, ficando apenas com a camisa de baixo e
assim pondo o casaco nos ombros da morena. A reação dela foi olhar para o divergente, surpresa
pela gentileza que ele acabou de cometer, a deixando envergonhada. Markus olhou rapidamente
para ela e então voltou a caminhar ao lado de Josh.
— O que foi isso? — perguntou Josh que havia visto a cena.
— Nada importante — Markus foi curto e grosso, pois não saberia explicar também, ainda mais
para Josh. Assim que ouviam o som de vozes que vinham do centro do cargueiro, Markus tomou a
frente e todos passaram a prestar atenção nele e no que ele iria falar — Estamos em tempos difíceis,
perdemos muitos dos nossos, mas alguns foram salvos graças a senhorita Gabriella Diamond — O
divergente abria caminho para a morena e o AP700 resolveu se pronunciar.
— Eu estava perto de desligar e ela me consertou.
— Eu lembro dela! — outra andróide erguia a mão e depois mais alguns que se tornavam uma
multidão. Gabe se assustou, até aquele momento ela não tinha notado o quanto havia ajudado
divergentes, para ela haviam sido poucos, mas ao ver que a mesma já os ajudava desde o início, a fez
ter certeza do que iria decidir.
— Gabriella Diamond irá nos ajudar em nossa causa — disse ele anunciando a notícia para todos.
A maioria dos andróides ficavam surpresa e claro, felizes. Não haveria mais necessidade de ver
divergentes morrendo sempre que chegavam ali, pois a jovem estaria encarregada disso. Gabe
engoliu em seco, aquilo era uma responsabilidade grande demais e era justamente sobre aquilo que
queria falar com o líder.
— Markus.. Posso falar com você? — ela pediu e o andróide assentiu, logo a levando para a sala
principal que por sorte estava vazia. Ali ambos poderiam conversar a sós. A mesma olhou pela
cabine da sala que dava uma boa vista para o deck do cargueiro onde todos os andróides se reuniam
— Eu..vim dar uma resposta, mas não era exatamente isso..eu acho.
— Então o que era? — Markus perguntou enquanto cruzava os braços e encostava-se na parede. A
mesma então lembrou-se do que presenciou com o andróide e principalmente com Adam, lembrar
daquilo não era agradável.
— Eu preciso ir.. — Falou e imediatamente deu meia volta para sair, porém o líder segurou seu
braço e a impediu de sair daquela forma. Gabe ainda tentou brigar com a força de Markus, mas ele
não permitiu, ainda mais quando sabia que havia algo estranho acontecendo com ela — por favor,
me deixa ir..
— Você tem alguma coisa para me falar.. Eu não sei o que, mas você tem — ele a puxou, a fazendo
encara-lo. A morena olhou para o lado e Markus revirou os olhos — Por favor.
— Bem.. — Quando ele a soltou, a jovem suspirou e deu alguns passos pela sala — o andróide que
eu trouxe, o arranhão no rosto foi feito pelo atual presidente da Cyberlife e eu presenciei tudo —
disse enquanto cruzava os braços e Markus apenas a escutando e prestando atenção. Só de lembrar
o som metálico dos chutes que Adam que dava na cabeça do AP700, fazia o coração da mesma
acelerar por conta do nervosismo — Só de lembrar eu fico..
— Com raiva..? — Markus leu o pensamento dela e Gabe ficou em silêncio. Ele compreendia mais
que todo mundo como era sentir raiva por injustiças, ainda mais com andróides.
— O caminho inteiro eu vim pensando se deveria ou não aceitar a proposta que você me fez — ela
respirou fundo e voltou seus olhos castanhos para o divergente que esperava pacientemente por ela
— Eu.. quero ajudar — Falou após pensar um pouco mais. Markus caminhou em direção a morena
com seus olhos bem fixos nela.
— Tem certeza? Será um caminho sem volta..
— Eu sei e eu acho que sou capaz de suportar as consequências — Gabe olhou no fundo dos olhos
do andróide e então assentiu de forma suave.
Gabe ainda se questionava, mas agora faria o que fosse possível ao seu alcance para ajudar de
alguma forma, pois não ficaria parada vendo andróides serem feridos daquela forma. Markus ficava
observando a forma como ela ficava presa em seu próprio mundo, era quase como admirar uma
bela obra em movimento, porém quando ela simplesmente saiu desse "mundo", acabou notando os
olhares.
— Markus? — ela perguntou e o mesmo rapidamente se virou colocando uma mão em sua nuca.
— Deveria começar seu trabalho logo e verificar se algum dos nossos está com algum dano,
principalmente após o último conflito — Disse ele mantendo-se de costas para a jovem. Gabe ficou
um pouco confusa com as palavras dele, mas não o questionou e então se retirou da sala deixando
para trás o líder que se apoiou na parede, contudo consigo mesmo.

Novamente aquelas sensações estranhas que mexiam com ele.

Fim do capítulo IV

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