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2023
1. Poesia de Gertrude Stein
Gertrude Stein nasceu em 1874 no estado de Pensilvânia nos Estados Unidos, filha de
comerciantes ricos. Em 1903 se mudou com seu irmão Leo para Paris , que era o local para
aqueles que iriam “criar a arte e literatura do século XX”, em suas próprias palavras
(Harrison, 1974). De fato, em Paris, Stein se inseriu na cultura boêmia e avant garde e junto
de seu irmão começou a colecionar obras de arte modernas. Com seu dinheiro e
conhecimento, criou uma comunidade para artistas modernistas, recebendo-os em sua casa
compartilhada com a sua companheira de toda a vida, Alice B. Toklas. Ajudou e conectou-se
a artistas e escritores como: Pablo Picasso, Henri Matisse, Ernest Hemingway e F. Scott
Fitzgerald.
Estando inserida na cultura modernista, Gertrude Stein não era apenas uma
divulgadora, mas também produzia arte modernista através da escrita. Dentre as diversas
vanguardas artísticas desenvolvidas na Europa do início do século XX, Stein utilizou,
principalmente, do cubismo, tendo como inspiração seus colegas Picasso e Matisse, além de
Cézanne, a quem é atribuída a gênese do cubismo, através de suas obras fauvistas. Em uma
entrevista dada em 1946, Stein falou sobre a nova perspectiva trazida por Cézanne para a
arte em relação ao Realismo do final do século XIX:
Naquele tempo a composição consistia em uma ideia central, da qual todo o resto
era acompanhamento. Mas não era um fim em si mesma. Cézanne concebeu a ideia
de que, na composição, uma coisa era tão importante quanto outra coisa.
Aguiar et al. ainda adiciona que, assim como nas artes visuais cubistas, em que há
uma redução da paleta de cores a ser utilizada, com foco nas cores primárias, principalmente,
e, também, a redução de formas, sendo utilizadas as formas geométricas como forma de
representação, nas obras de Stein há uma redução de vocabulário, que é usado repetidamente
e de diferentes formas. Acerca disso, é citado Abreu (2008), que escreve: “para Stein, este
vocabulário reduzido permite que palavras e motivos repetidos adquiram uma panóplia de
significados acumulados, que se altera e expande à medida que a narrativa avança”.
Enfim, assim como nas obras visuais cubistas de Picasso ou nas obras fauvistas de
Cézanne, o poema A substance in a Cushion, de Gertrude Stein, publicado no livro Tender
Buttons, foi interpretado e traduzido com a perspectiva de justaposição, que são colocadas
imagens sobrepostas pela autora, com a intenção de construir um “quadro mental”. Acerca
dessa obra, publicado em 1913, Stein disse:
Then as I said I had the feeling that something should be included and that
something was looking, and so concentrating on looking I did the Tender Buttons
because it was easier to do objects than people if you were just looking
Sobre a fala da escritora, Abreu (2008) adiciona que Tender Buttons defende os “[...]
princípios de fragmentação e diferença, e celebra a escrita como um jogo de combinações
limitado apenas pelas leis sistémicas da linguagem.”. A escolha pela descrição de objetos
leva a interpretação dos textos como equivalentes a quadros de natureza morta.
Além das escolhas formais, sintáticas e lexicais motivadas pelo cubismo, há também a
recorrência de temas nas obras de Gertrude Stein, em especial, a posição da mulher na
sociedade e a homossexualidade. Stein passou a vida junto de sua parceira, Alice B. Toklas, e
as duas viveram juntas na Rue de Fleurus, nº27, em Paris. Lá que aconteciam os encontros
dos artistas mencionados anteriormente.
2. A Substance in a Cushion
The change of color is likely and a difference a very little difference is prepared.
Sugar is not a vegetable. (1º parágrafo)
Light blue and the same red with purple makes a change. It shows that there is no
mistake. Any pink shows that and very likely it is reasonable. Very likely there
should not be a finer fancy present. Some increase means a calamity and this is the
best preparation for three and more being together. A little calm is so ordinary and
in any case there is sweetness and some of that. (6º parágrafo)
A closet, a closet does not connect under the bed. The band of it is white
and black, the band has a green string. A sight a whole sight and a little groan
grinding makes a trimming such a sweet singing trimming and a red thing not a
round thing but a white thing, a red thing and a white thing. (8º parágrafo)
Haslam utiliza a interpretação de Perloff para propor que a discussão sobre o novo
adereço seria entre Stein e sua parceira, Alice B. Toklas, e no trecho acima se extrai uma
visão erótica sobre o relacionamento das duas mulheres. A repetição da palavra “closet”,
diretamente depois da outra, demonstra um gaguejar. Depois, a repetição de “the band”, com
uma oração entre as duas repetições, constrói um ritmo através da anáfora. Por fim, a
repetição “a sight a whole sight” leva a uma leitura rápida, que é completa pelos verbos em
gerúndio “grinding”, “trimming”, “singing”. O ritimo do parágrafo pode ser associado ao ato
sexual, além das escolhas lexicais, como “trimming”, que se associa a tesoura como uma
metáfora para o sexo entre mulheres, e “a red thing not a round thing, but a red thing and a
white thing” sendo, possivelmente, uma metáfora para o órgão genital feminino.
Um pouco antes e durante a escrita de Tender Buttons, houve a mudança, em 1909, de
Alice B. Toklas para a casa de Stein fazendo com que o seu irmão se retirasse e resultando na
vida conjunta das duas mulheres apenas. A casa e o ambiente privado eram associados à
mulher, mas, nesse caso, era também o único lugar que Stein e Toklas poderiam ter a sua
relação amorosa em paz. Para o mundo externo, Toklas se apresentava como a secretária de
Stein. No entanto, a mudança da companheira resultou na perda do irmão e Hadas (1978)
analisa que é a isso que a autora se refere quando escreve “Some increase means a calamity
and this is the best preparation for three and more being together.”
No artigo Unlikely Modernism, Unlikely Postmodernism: Stein’s Tender Buttons,
Pitchford chama atenção para o título do poema ter um objeto – “cushion” – mas esse objeto
não ser abordado nos dois primeiros parágrafos do texto, e propõe: “This poem proceeds, I
would argue, not by presenting the "thing" but by exploring the set of assumptions through
which the ‘thing’ is known” (“thing” sendo “cushion”). A autora segue dizendo que o poema
pode ser sobre o processo de reconhecimento do objeto, mas adiciona que Stein vai além
disso, colocando que esse “processo de reconhecimento depende de um conjunto de
diferenças binárias de gênero, mergulhado na linguagem”. Como exemplos: “hardening” e
“soft” – “Thus Stein explores the politics of the urge to differentiate in the very terms that
might describe the "Substance in a Cushion": hard and soft.” Outra interpretação trazida por
Pitchford é a dos prazeres que a vida doméstica e convencional, tipicamente femininas,
podem trazer – “[...] the cushion's "cover" becomes the emblem of a masquerade, a dressing
up of both domestic space and self in which pleasure is possible.”
A minha tradução de A Substance in a Cushion, por fim, foi feita considerando as
características cubistas da obra e, também, a relação de Stein com Toklas: seu aspecto
doméstico e sexual.
3. Discussão
A tradução feita pode ser lida em completo no Anexo I. Utilizei, além da interpretação
definida na parte anterior do trabalho, a tradução feita por Arthur Lungov, junto com todo o
resto da obra, que foi traduzida como Botões Tenros, lançada pela editora Jabuticaba em
2022.
Em primeiro lugar, a questão do título foi questionada em sala de aula, pelo uso da
preposição “in”, indicando que a substância estaria dentro da almofada. Originalmente, o
título foi traduzido como “Uma substância na almofada” e pensei em modificar para “Uma
substância dentro de uma almofada”. Porém, em sua tradução, Lungov colocou “Uma
substância em um colchão”. Decidi manter também “Uma substância em uma almofada”,
pois no texto a autora não faz indicação nenhuma a substância em si, se ela está dentro como
o enchimento ou se está por fora. Sendo assim, considerei que falar “dentro” seria uma
especificação desnecessária. Há, também, a questão de Lungov ter escolhido a palavra
“colchão” como a tradução para “cushion”. Não considerei a melhor opção e mantive
“almofada”, pois nela está a ideia de decoração do ambiente, algo que você escolhe a capa de
acordo com o ambiente, etc e, como foi falada na parte anterior do trabalho, há a ideia de
conforto nas atividades domésticas e tipicamente femininas, como a decoração.
Na sala de aula houve também a dúvida sobre como manter as perguntas que são
feitas no texto, todas sem ponto de interrogação, mas com a inversão entre verbo e sujeito da
frase que é feita no inglês – permitindo entender que é uma pergunta. Originalmente, também
tinha colocado sem ponto de interrogação, mas como foi trazido pelo professor e pelos
colegas, isso poderia gerar dúvidas nos leitores, já que em português não é possível fazer a
inversão. Foi proposto como solução o uso de “será”, o que permite entender que é uma
pergunta e é o que Lungov faz em sua tradução. Decidi colocar pontos de interrogação por
medo de terem dúvidas sobre a natureza da frase.
Em relação a brincadeiras com palavras, essa obra de Stein não tem tantas em
comparação a outras, mas há, no 3º parágrafo, o uso da expressão “come to season” na frase
“Come to season that is there any extreme use in feather and cotton.”, em que não consegui
encontrar nenhum equivalente para a expressão e sequer uma definição para ela em inglês.
Inicialmente, pensei que fosse uma brincadeira com a expressão “come to reason”, utilizada
para demonstrar uma conclusão lógica, mas com o uso da palavra “season”, que indicaria a
conclusão lógica associando os materiais utilizados com o clima das estações, querendo dizer
“Em que estação se usaria muito penas e algodão? Nenhuma”. Lungov, no entanto, traduziu
como “Venha temperar isso há algum uso extremo de algodão e penas”, sendo “temperar” um
dos sentidos de “season”. Por fim, decidi traduzir como “Pense se há estação para algum uso
extremo de penas e algodão.”
Além disso, procurei manter a falta de vírgulas que, para mim, indicam a
sobreposição das imagens e as repetições. As imagens que tentei traduzir foram a de vida
doméstica, seja de uma mulher qualquer pensando no que vestir ou no que comprar para a
casa, justaposta com a vida doméstica de Gertrude Stein e Alice B. Toklas, o que mostra
especialmente no 8º parágrafo, como um comentário sobre seu relacionamento secreto e sua
vida sexual.
Bibliografia
ABREU, Andreia Manuela Passos de. Gertrude Stein e o cubismo literário. 2008.
Dissertação (Mestrado em Estudos Americanos)–Universidade Aberta, Porto, 2008.
Disponível em:
<https://repositorioaberto.uab.pt/bitstream/10400.2/1225/1/Microsoft%20Word%20-%20Gert
rude%20Stein%20e%20o%20Cubismo%20Literário.pdf>
AGUIAR, Daniella; QUEIROZ, João. Cubismo e fluxo de pensamento em Gertrude Stein.
Todas as Letras Z, São Paulo, v. 17, nº 2, p. 51-69, maio/ago, 2015. Disponível em:
<https://editorarevistas.mackenzie.br/index.php/tl/article/view/6555/5415>
HADAS, Pamela. Spreading the Difference: One Way to Read Gertrude Stein’s Tender
Buttons. Twentieth Century Literature , Spring, 1978, Vol. 24, No. 1, Gertrude Stein Issue,
pp. 57-75, 1978. Disponível em:
<https://www.jstor.org/stable/pdf/441064.pdf?refreqid=fastly-default%3Ac84174599fd42b0a
090d2daa070e789b&ab_segments=&origin=&initiator=&acceptTC=1>
LUNGOV, Artur. Uma substância em um colchão. In: STEIN, Gertrude. Botões tenros.
Editora Jabuticaba, 2022: São Paulo.
OTOCH, Janaína Nagata. Retratos inacabados: Gertrude Stein e Picasso. Revista Criação &
Crítica, nº 25, p. 89-104, Universidade de São Paulo, 2019. Disponível em:
<https://www.revistas.usp.br/criacaoecritica/article/view/161749>
The change of color is likely and a difference a very little difference is prepared. Sugar is not
a vegetable.
Callous is something that hardening leaves behind that will be soft if there is a genuine
interest in there being present as many girls as men. Does this change. It shows that dirt is
clean when there is a volume.
A cushion has that cover. Supposing you do not like to change, supposing it is very clean that
there is no change in appearance, supposing that there is regularity and a costume is that any
the worse than an oyster and an exchange. Come to season that is there any extreme use in
feather and cotton. Is there not much more joy in a table and more chairs and very likely
roundness and a place to put them.
What is the use of a violent kind of delightfulness if there is no pleasure in not getting tired of
it. The question does not come before there is a quotation. In any kind of place there is a top
to covering and it is a pleasure at any rate there is some venturing in refusing to believe
nonsense. It shows what use there is in a whole piece if one uses it and it is extreme and very
likely the little things could be dearer but in any case there is a bargain and if there is the best
thing to do is to take it away and wear it and then be reckless be reckless and resolved on
returning gratitude.
Light blue and the same red with purple makes a change. It shows that there is no mistake.
Any pink shows that and very likely it is reasonable. Very likely there should not be a finer
fancy present. Some increase means a calamity and this is the best preparation for three and
more being together. A little calm is so ordinary and in any case there is sweetness and some
of that.
A closet, a closet does not connect under the bed. The band if it is white and black, the band
has a green string. A sight a whole sight and a little groan grinding makes a trimming such a
sweet singing trimming and a red thing not a round thing but a white thing, a red thing and a
white thing.
The disgrace is not in carelessness nor even in sewing it comes out out of the way.
What is the sash like. The sash is not like anything mustard it is not like a same thing that has
stripes, it is not even more hurt than that, it has a little top.
Uma substância em uma almofada (tradução)
A mudança de cor é provável e uma diferença uma diferença bem pequena é preparada.
Açúcar não é um legume.
Caloso é algo que o endurecimento deixa para trás que será macio se existir interesse genuíno
em estarem presentes tantas garotas quanto homens. Será que isso muda algo? Isso mostra
que a sujeira é limpa quando há um volume.
Uma almofada tem aquela capa. Supondo que você não gosta de mudar, supondo que está
bem limpa então não há mudança na aparência, supondo que há uma regularidade e um traje
seria isso tão pior quanto uma ostra e uma troca? Pense se há estação para algum uso extremo
de penas e algodão. Não há muito mais alegria em uma mesa e mais cadeiras e muito
provavelmente redondeza e lugar para colocá-las?
Qual a utilidade de um tipo violento de encantamento se não há prazer em não se cansar dele.
A questão não vem antes de existir uma cotação. Em qualquer tipo de lugar existe algo para
cobrir e é um prazer de qualquer forma existe uma ousadia em se recusar a acreditar em
bobagem. Isso mostra a utilidade que existe em uma peça inteira se alguém a usar e é extremo
e bem provável que as coisinhas pequenas podem ser mais queridas mas em todo o caso há
uma barganha e se se existe mesmo a melhor coisa a se fazer é tirar do lugar e vestir e então
ser descuidado ser descuidado e resoluto em devolver a gratidão.
Azul claro e o mesmo vermelho com roxo faz diferença. Isso mostra que não existem erros.
Qualquer rosa mostra isso e muito provavelmente é aceitável. Muito provavelmente não
existe um presente mais fino e luxuoso. Um pouco mais significa uma calamidade e isso é a
melhor preparação para três ou mais se reunirem. Um pouco de tranquilidade é tão comum e
de qualquer forma há doçura e um pouco daquilo.
A vergonha não está na falta de cuidado nem em costurar ela saí saí do caminho.
Como é a faixa. A faixa não é como nada de cor mostarda não como uma mesma coisa que
tem listras, não é nem mais machucada que isso, tem um negocinho de cima.
Anexo II
Gertrude Stein nasceu em 1874 no estado de Pensilvânia nos Estados Unidos, filha de
comerciantes ricos. Em 1903 se mudou com seu irmão Leo para Paris , que era o local para
aqueles que iriam “criar a arte e literatura do século XX”, em suas próprias palavras.
Foi uma das grandes expoentes dos movimentos avant garde e modernistas do século
XX, tendo criado laços e divulgado obras de artistas como Pablo Picasso, Henri Matisse,
Ernest Hemingway e F. Scott Fitzgerald.
Ela mesma escrevia obras modernistas, se inspirando, principalmente, no cubismo.
Ela pensava em palavras como o material com o qual se “esculpia” ou “pintava” um texto.
Dessa forma, utilizava recursos como a repetição de palavras, a sobreposição de imagens,
sem preocupação com o sentido ou uma ordem linear de eventos.
Uma das suas inspirações foi o artista fauvista Cézanne, tido como um dos
precursores dos movimentos modernistas nas artes plásticas, e sobre ele, Stein disse:
Naquele tempo a composição consistia em uma ideia central, da qual todo o resto
era acompanhamento. Mas não era um fim em si mesma. Cézanne concebeu a ideia
de que, na composição, uma coisa era tão importante quanto outra coisa.
A ideia de que “uma coisa era tão importante quanto a outra coisa” foi utilizada pela
autora quando escrevia seus textos, não apresentando clímax ou sintases habituais. Assim, se
recusava a colocar uma hierarquia em suas obras: sendo um parágrafo ou verso tão
importante quanto o outro, uma frase ou palavra tão importante quanto a outra.