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LITERATURA BRASILEIRA
André Gardel / Edgar Roberto Kirchof / Maria Márcia Matos Pinto / João Amálio Pinheiro Ribas

56744

Fundação Biblioteca Nacional


ISBN 978-85-387-6343-7

Fundação Biblioteca Nacional


9 7ISBN
8 8 5978-85-387-6319-2
38 763437
André Gardel
9 788538 76319 2 Edgar Roberto Kirchof
Maria Márcia Matos Pinto
João Amálio Pinheiro Ribas
Literatura Brasileira

André Gardel
Edgar Roberto Kirchof
Maria Márcia Matos Pinto
João Amálio Pinheiro Ribas

IESDE BRASIL S/A


2017
© 2017 – IESDE BRASIL S/A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito dos
autores e do detentor dos direitos autorais.

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO


SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
L756
2. ed.
Literatura brasileira / André Gardel ... [et al.]. - [2. ed]. -
Curitiba, PR : IESDE Brasil, 2017.
244 p. : il. ;
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-387-6343-7

1. Literatura brasileira - Estudo e ensino. I. Gardel, André.


CDD: 807
17-44337
CDU: 82

Capa: IESDE BRASIL S/A.


Imagem da capa: Shutterstock

Todos os direitos reservados.

IESDE BRASIL S/A.


Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200
Batel – Curitiba – PR
0800 708 88 88 – www.iesde.com.br
Apresentação

O presente livro propõe, ao leitor, um panorama de alguns dos prin-


cipais temas ligados à história da literatura brasileira, abrangendo desde
o período colonial até a produção contemporânea. Por se tratar de um
livro didático, está organizado de acordo com a periodização tradicio-
nalmente aceita nos âmbitos da história da literatura e da crítica literária,
sendo inicialmente discutido o próprio estatuto literário dos primeiros
textos produzidos no contexto da conquista do continente americano.

O ponto de vista que permeia os textos aqui apresentados é marca-


do pela convicção de que a literatura não é um mero discurso estético, ou
um código a ser decifrado de modo unívoco, como se fosse destituído de
valores e princípios ideológicos. Antes, a literatura brasileira, assim como
qualquer outro universo de nossa cultura, deve ser compreendida como
um campo discursivo que foi sendo construído historicamente e, portanto,
não está isento de todos os conflitos e contradições inerentes a qualquer ati-
vidade realizada no âmbito da cultura.

Por outro lado, por seu caráter conciso e abrangente, este livro não
apresenta discussões profundas a respeito das disputas que emergem
das posições ocupadas pelos vários agentes que atuaram – e continuam
atuando – na produção do campo da literatura brasileira. Antes, procura
apenas apresentar alguns de seus principais protagonistas, limitando-se,
em alguns casos, a mencionar algumas das problemáticas e sugerindo
bibliografia de apoio.

Em ordem cronológica, são apresentados os períodos abordados:


o período colonial, o Barroco, o Arcadismo, o Romantismo, o Realismo,
o Naturalismo, o Parnasianismo, o Simbolismo, o Pré-Modernismo, o
Modernismo e a literatura contemporânea. Acrescenta-se, ainda, um ca-
pítulo sobre o afro-brasileiro e o indígena na literatura brasileira.
Sobre os autores

André Gardel

Doutor em Literatura Comparada pela Universidade Federal do Rio


de Janeiro (UFRJ). Mestre em Literatura Comparada pela UFRJ. Bacharel
em Língua e Literatura Portuguesa pela Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo (PUC-SP).

Edgar Roberto Kirchof

Pós-doutor em Semiótica pela Universidade de Kassel (Alemanha).


Doutor em Teoria da Literatura pela Pontifícia Universidade Católica do
Rio Grande do Sul (PUCRS). Mestre em Comunicação e Semiótica pela
Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos). Bacharel em Teologia
pela Escola Superior de Teologia (EST). Licenciado em Letras português-
-alemão pela Unisinos.

Maria Márcia Matos Pinto

Bacharel em Letras – Inglês/Português pela Universidade de São


Paulo – USP. Mestre e Doutora em Literatura (área de Estudos Comparados
de Literaturas de Língua Portuguesa) pela USP.

João Amálio Pinheiro Ribas

Mestre em Estudos Literários pela Universidade Federal do Paraná


(UFPR). Especialista em Literatura Brasileira pela Universidade Estadual
de Ponta Grossa (UEPG). Graduado em Licenciatura em Letras (UEPG).
É professor de Ensino Médio e Superior. Tem experiência na área de
Letras, com ênfase em Literatura.
Sumário

1 Literatura no Brasil Colônia: questões preliminares 9


1.1 Breve contextualização histórico-filosófica: o Renascimento 9
1.2 Portugal permanece na Idade Média 11
1.3 Os textos fundadores 12
1.4 Uma questão preliminar: o estatuto da literatura no Brasil Colônia 13

2 Literatura de informação e literatura jesuítica 23


2.1 A literatura de informação 23
2.2 A literatura jesuítica 28

3 O Barroco e a literatura brasileira 35


3.1 Barroco no Brasil: questões preliminares 35
3.2 Cultismo e conceitismo no Brasil? 37

4 O Arcadismo brasileiro 51
4.1 Arcadismo no Brasil 51
4.2 Duas tendências 52

5 O Romantismo brasileiro 65
5.1 Primeira geração romântica (1836-1850) 66
5.2 Segunda geração romântica (1850-1860) 68
5.3 Terceira geração romântica (1860-1870) 70
5.4 A prosa romântica 72
5.5 O teatro romântico no Brasil 76
5.6 Contribuições do Romantismo 78

6 O Realismo 83
6.1 O que é Realismo 83
6.2 Realismo e realidade 85
6.3 Principais características 86
6.4 Realismo no Brasil 87

6 Literatura Brasileira
Sumário

7 Naturalismo 99
7.1 O que é Naturalismo 99
7.2 Principais influências ideológicas 101
7.3 Principais características 102
7.4 O Naturalismo no Brasil 103
7.5 Naturalismo de inspiração regional 105
7.6 Naturalismo estilizado 106
7.7 Naturalismos 107

8 Parnasianismo 113
8.1 O que é Parnasianismo 113
8.2 Principais características 114
8.3 Precursores do Parnasianismo no Brasil 116
8.4 O Parnasianismo no Brasil 116

9 Simbolismo 127
9.1 Origens e principais fundamentos do Simbolismo 127
9.2 Decadentismo e Simbolismo 128
9.3 Principais características 130
9.4 Simbolismo no Brasil 131

10 O momento pré-moderno no Brasil 141


10.1 Os estilos pós-românticos 142
10.2 A ambiência cultural pré-modernista 142
10.3 Lima Barreto e Euclides da Cunha 143
10.4 Augusto dos Anjos e Raul de Leoni 146

11 A fase heroica: a Semana e os principais manifestos 151


11.1 Antecedentes da Semana 152
11.2 A Semana de 1922 153
11.3 Manifestos de Mário de Andrade 154
11.4 Manifestos de Oswald de Andrade 157
11.5 Os grupos de direita e seus manifestos 160

Literatura Brasileira 7
Sumário

12 A prosa dos anos 30 165


12.1 As duas faces da prosa dos anos 30 165
12.2 Rachel de Queiroz e José Lins do Rego 166
12.3 Graciliano Ramos 168
12.4 Jorge Amado 170
12.5 Erico Verissimo 171
12.6 Lúcio Cardoso 172
12.7 Marques Rebelo 173

13 Literatura contemporânea brasileira:


Modernismo e diversidade cultural 177
13.1 As transformações modernistas 177
13.2 As vertentes estéticas modernistas 178
13.3 Tendências das artes plásticas que influenciam a literatura contemporânea 180
13.4 Tendências artísticas no Brasil da segunda metade do século XX 183

14 Rumos da poesia brasileira contemporânea 189


14.1 Novas atitudes poéticas a partir do Modernismo 189
14.2 A poesia brasileira a partir de João Cabral de Melo Neto 190
14.3 Carlos Drummond de Andrade 193
14.4 Inovação e tradição na poesia brasileira 195

15 O romance contemporâneo: introspecção e contestação 201


15.1 O romance: do surgimento ao Modernismo 201
15.2 O romance contemporâneo 203

16 O Afro-brasileiro e o indígena na literatura brasileira 213


16.1 A presença do afro-brasileiro e do indígena na construção de uma
identidade e de uma literatura nacional – Do Quinhentismo ao Pré-Modernismo 214
16.2 A reconfiguração da presença do indígena e do afro-brasileiro na modernidade –
Os anos 20 e 30 do século XX 221
16.3 O afro-brasileiro e o indígena na literatura contemporânea nacional –
Dos anos 40 do século XX aos dias atuais 224

8 Literatura Brasileira
1
Literatura no Brasil Colônia:
questões preliminares
Edgar Roberto Kirchof

1.1 Breve contextualização histórico-


-filosófica: o Renascimento

Antes de abordarmos os textos ligados à literatura no período colonial, é neces-


sário compreender um pouco do contexto sociocultural em que tais textos emergiram
a fim de obtermos uma compreensão mais crítica e profunda de seus fundamentos
ideológicos, bem como de suas principais intenções.

Durante o século XVI, com a fundação da Universidade de Paris, ocorreu um reavi-


vamento da teologia medieval realista, um retorno aos grandes mestres, principalmente
a Agostinho e aos neoplatônicos. Na Alemanha e nos Países Baixos, com Reuchlin1 se
valorizavam os gregos e com Erasmo2, o estoicismo, sendo que a França passava por
uma redescoberta do humanismo cristão, principalmente por meio de Jacques Lefèvre
(1455). Em poucos termos, intelectualmente, os ideais teológicos medievais – princi-
palmente a filosofia escolástica, de Tomás de Aquino – foram perdendo terreno para
ideais mais humanistas e menos teocêntricos, baseados principalmente em um retorno
à cultura greco-romana, anterior à cultura cristã instaurada a partir da Idade Média.
1 Johann Reuchlin (1455-1522): humanista alemão, professor de grego e de hebraico.
2 Erasmo de Roterdã (1466-1536): humanista holandês, autor de O Elogio da Loucura (1511).

Literatura Brasileira 9
1 Literatura no Brasil Colônia: questões preliminares

Todas essas mudanças relativas à vida política, econômica e sobretudo intelectual no


continente europeu formaram a base daquilo que se convencionou chamar de Renascimento
ou Renascença, cujo principal espaço de irradiação foi a Itália. Foi uma espécie de retorno
à visão de mundo humanista e antropocêntrica que predominava na cultura greco-roma-
na, em contraposição à visão teocêntrica e cristã da Idade Média. Grandes artistas, como
Leonardo da Vinci, Michelangelo, Brunelleschi, Bramante, entre numerosos outros, passa-
ram a se inspirar em modelos gregos e romanos para produzir suas obras, não mais utili-
zando preceitos cristãos.
Se, de modo genérico, a arte medieval estava mais interessada nas conotações religio-
sas que poderiam emanar dos signos pictóricos e literários, a arte renascentista, por sua
vez, passou a valorizar sobremaneira a cópia ou a imitação da própria realidade, em um
apelo sensualista que foi suspendendo, de forma quase imperceptível, a cosmovisão pre-
dominantemente religiosa da Idade Média. Daí uma busca constante pelo aperfeiçoamento
da técnica, inspirada nos novos conhecimentos angariados no bojo dos campos de saber
que se transformariam naquilo que hoje denominamos de ciências, como a Matemática e a
Anatomia, por exemplo.
Quanto à literatura, as influências greco-romanas já se fizeram sentir, pelo menos desde
o século XIV, na Itália, com autores como Petrarca e Boccaccio, que privilegiaram temas pro-
fanos e humanistas em suas obras – como o amor mundano, a ironia, com críticas e sarcasmo
em relação à instituição eclesiástica. A literatura influenciada pelos novos ideais buscou
inspiração em clássicos como Ovídio, Horácio, Virgílio e em outros autores da Antiguidade
Clássica, construindo efeitos estéticos rebuscados, baseados em um conjunto de preceitos
teóricos herdados de obras como as poéticas e retóricas de Aristóteles, Horácio, Longuino e
Quintiliano, entre outros.
Figura 1 – Uma pietá Medieval.

Figura 2 – A Pietá de Michelangelo.

Fonte: José M. Azcona.

10 Literatura Brasileira
Literatura no Brasil Colônia: questões preliminares 1
1.2 Portugal permanece na Idade Média

Essa nova visão de mundo encontrou enorme resistência na Península Ibérica, de modo
geral, e em Portugal, especificamente – em grande parte por causa da fortíssima atuação
da ordem fundada por Inácio de Loyola, em 1534, a Companhia de Jesus (cujos membros
são denominados jesuítas até os dias de hoje) com o objetivo explícito de servir como um
obstáculo para as reformas protestantes. No intuito de barrar a eclosão de movimentos re-
formatórios que levavam invariavelmente a cismas e novos movimentos, acreditava-se ser
necessário realizar reformas no interior da própria Igreja Católica.
Em Portugal, desde que D. João III entregara aos jesuítas o Colégio das Artes, em 1555,
a influência dessa ordem religiosa sobre a cultura lusitana passou a ser tão forte que chegou
mesmo a, senão impedir, pelo menos frear de forma surpreendentemente eficaz a chegada
da maior parte dos valores e concepções renascentistas, que atingiam, a passos largos, os
demais países europeus. Dessa maneira, enquanto a Europa se modernizava a partir dos
novos ventos trazidos pelo Renascimento, os jesuítas se encarregavam de manter a cultura
portuguesa mais atrelada à visão de mundo e às tradições da Idade Média.
Talvez não seja demasiado exagero afirmar que, cultural e intelectualmente, Portugal
permaneceu sob o domínio do pensamento jesuítico desde 1555 até 1759, quando o Marquês
de Pombal, influenciado pelos ideais do Iluminismo, expulsou-os tanto de Portugal quanto
das colônias portuguesas.
Os jesuítas possuíam uma consciência muito forte da importância da educação, espe-
cialmente a educação das crianças, para a manutenção da fé cristã, razão pela qual se dedi-
cavam de forma intensa à fundação e ao cuidado de numerosos colégios, muitos dos quais
se transformariam posteriormente em universidades. Nos colégios jesuíticos eram aceitos
tanto alunos com intenções de se tornarem religiosos (padres jesuítas), quanto alunos inte-
ressados apenas em obter uma formação acadêmica consistente.
No entanto, a filosofia dos jesuítas era de fundamento medieval, notadamente teológica,
o que os tornava muito avessos aos novos conhecimentos científicos que se desenvolviam
principalmente na Itália e se espalhavam pelos demais países da Europa. Em vez de privile-
giar a observação, o cálculo e a descoberta do novo, os jesuítas prezavam a manutenção da fé
por meio do conhecimento da tradição, principalmente a tradição teológica cristã, o que os
levou a promoverem uma cultura (embora erudita) livresca, gramaticista e, na maior parte
das vezes, maniqueísta3 e moralizante.
No que diz respeito especificamente às artes e à literatura, os jesuítas se mantiveram
medievais e, posteriormente, barrocos. Na verdade, o Barroco pode ser visto como uma
tentativa de conciliação entre o pensamento religioso medieval, de um lado, e o apelo sen-
sualista renascentista, de outro, tendo sido promovido amplamente pela ordem de Inácio
de Loyola. Massaud Moisés acredita que os jesuítas, em decorrência do seu fundamento

3 O Maniqueísmo tem sua origem na filosofia do persa Mani, que pregava um dualismo intranspon-
ível entre o bem e o mal: para ele, tudo que está ligado à matéria é mal por essência, ao passo que o
espírito representa o bem.

Literatura Brasileira 11
1 Literatura no Brasil Colônia: questões preliminares

intelectual escolástico – que combatia as inovações renascentistas –, contribuíram sobrema-


neira para a manutenção do obscurantismo intelectual tanto em Portugal quanto no Brasil.
Sua aversão aos clássicos (a maioria deles considerados pagãos e, portanto, nocivos para a
conservação da fé cristã) era tão grande que eles chegaram a proibir a recitação de sonetos e
de coplas4 em festas religiosas, além de colocarem vários dos principais autores latinos em
um index5, proibindo, dessa maneira, a leitura de grandes autores como Plauto, Terêncio,
Horácio, Ovídio e Marcial (MOISÉS, 2000, p. 26).
Em vez de explorar as novas formas literárias e artísticas, como era a prática dos autores
influenciados pelo Renascimento, em Portugal e no Brasil os jesuítas mantiveram a tradição
medieval cristã. Os dois principais gêneros literários por eles cultivados foram, de um lado, a
poesia lírica de fundo religioso e, de outro, o teatro cristão, cujas principais formas são os autos
e os mistérios medievais. O primeiro gênero prevaleceu no caso da edificação da espiritualida-
de, ao passo que o teatro foi utilizado de forma intencional para catequizar os índios.

1.3 Os textos fundadores

Ao lançarmos um olhar panorâmico sobre o conjunto dos textos considerados como os


fundadores da tradição literária no Brasil, de imediato salta aos olhos que, em sua grande
maioria, não se trata de textos propriamente estéticos ou literários, no sentido restrito desses
conceitos, e isso tanto no que diz respeito aos gêneros predominantes quanto à própria qua-
lidade da composição.
Embora muito se tenha discutido até os dias de hoje nos campos da teoria da literatura
e da crítica literária, sobre o que efetivamente deva ser considerado um texto literário – e as
literaturas moderna e contemporânea têm sido pródigas em criar formas cada vez mais
surpreendentes –, o fato é que o cânone tradicional comporta, em sua grande maioria, textos
em que predomina, de um lado, a ficcionalidade e, de outro, um arranjo linguístico dotado
de alto grau de literariedade6.
Entretanto, na produção literária ligada ao contexto dos séculos XVI e XVII, no Brasil,
predominaram, de um lado, textos de ordem documental – que abrangem desde meros tex-
tos informativos até crônicas, testemunhos de viagem e textos considerados históricos – e,
de outro, textos de cunho religioso, marcadamente produzidos pelos padres jesuítas envia-
dos ao Brasil juntamente com os colonos e os representantes da elite governante portuguesa.
Seu principal intuito era cristianizar os nativos e cuidar da manutenção da fé dos colonos e
da classe dirigente.

4 A copla é uma forma poética muito popular, originada na Espanha, sendo utilizada na composição
de canções com temas geralmente cômicos, mas também eróticos e escatológicos.
5 Index librorum proibitorum: lista de livros proibidos criada em 1559 pela Igreja Católica.
6 Literariedade: conceito criado pelos teóricos do Formalismo Russo para dar conta de todos os ele-
mentos linguísticos e estruturais inerentes a um texto literário. Tais elementos permitiriam distinguir
a especificidade da literatura em relação a outros tipos de texto.

12 Literatura Brasileira
Literatura no Brasil Colônia: questões preliminares 1
Os principais textos de origem portuguesa que merecem destaque, de acordo com o
historiador da literatura brasileira Alfredo Bosi (1994, p. 13), são:
• a Carta a el-rei D. Manuel, de Pero Vaz de Caminha, referindo o descobrimento de
uma nova terra e as primeiras impressões da natureza e do aborígene ou nativo;
• o Diário de Navegação, de Pero Lopes e Sousa, escrivão do primeiro grupo coloniza-
dor – o de Martim Afonso de Sousa (1530);
• o Tratado da Terra do Brasil e a História da Província de Santa Cruz a que Vulgarmente
Chamamos Brasil, de Pero Magalhães Gândavo (1576);
• a Narrativa Epistolar e os Tratados da Terra e da Gente do Brasil, do jesuíta Fernão
Cardim (a primeira certamente de 1583);
• o Tratado Descritivo do Brasil, de Gabriel Soares de Sousa (1587);
• os Diálogos das Grandezas do Brasil, de Ambrósio Fernandes Brandão (1618);
• as cartas dos missionários jesuítas escritas nos dois primeiros séculos de catequese;
• o Diálogo sobre a Conversão dos Gentios, do padre Manuel da Nóbrega;
• a História do Brasil, de frei Vicente do Salvador (1627).
Embora menos influentes em relação à formação do cânone literário brasileiro, também
merecem destaque alguns textos de origem não portuguesa:
• Viagem à Terra do Brasil, do calvinista francês Jean de Léry (1578);
• As Singularidades da França Antártida, do frade André Thévet (1558);
• Viagem ao Brasil, do alemão Hans Staden (1557).

1.4 Uma questão preliminar: o estatuto


da literatura no Brasil Colônia

Antes de abordarmos alguns desses textos fundadores, é necessário enfrentar algumas


questões importantes para que se possa discutir, com coerência, o tema das manifestações
literárias no Brasil Colônia, entre as quais destacamos as seguintes:
• Por que tratar dos textos ligados à colonização enquanto literatura?
• Trata-se realmente de literatura?
• Uma vez que tais textos foram escritos por portugueses e outros europeus, pode-
-se dizer que se trata realmente de literatura brasileira?
• Nesse caso, quais seriam as suas marcas de brasilidade?
• Afinal, como definir uma literatura genuinamente brasileira a partir do perío-
do colonial?
Seria muita pretensão tentar fornecer respostas realmente consistentes para esses pro-
blemas, mesmo que de forma resumida, em um livro introdutório à literatura brasileira.
Por esse motivo, nesta seção apenas apontamos para alguns dos principais argumentos em

Literatura Brasileira 13
1 Literatura no Brasil Colônia: questões preliminares

favor de se incluir tanto a literatura de informação quanto a literatura jesuítica dos séculos
XVI e XVII, notadamente europeia (pois incluem-se textos de espanhóis, franceses e mesmo
alemães), naquilo que se pode denominar de cânone da literatura brasileira.
Em primeiro lugar, não devemos esquecer que o Brasil iniciou sua existência para o
mundo ocidental e europeu enquanto colônia. Nesse sentido, por uma questão histórica,
não é aconselhável desconsiderar a visão de mundo do colonizador. A colonização deu iní-
cio a um processo irreversível de hibridação cultural, uma mescla da cultura do colonizador
tanto com as culturas aqui preexistentes quanto com aquelas para cá transportadas, princi-
palmente da África.
Essa confluência de culturas acarretou, no caso brasileiro, o surgimento de uma cul-
tura nacional complexa e heterogênea à medida que o Brasil deixou de ser colônia para se
transformar no sujeito de sua própria história – embora, de um ponto de vista crítico, tal
afirmação deva sempre ser vista com cautela. Como afirmou Alfredo Bosi (1994, p. 11), “essa
passagem fez-se no Brasil por um lento processo de aculturação do português e do negro à
terra e às raças nativas; e fez-se com naturais crises e desequilíbrios”.
Nesse contexto histórico da formação da cultura e da literatura brasileira não é possível,
portanto, desconsiderar os textos deixados pelos colonizadores, pois esses textos não consti-
tuem apenas meros testemunhos de uma época. Ao longo da história da literatura brasileira,
tais textos se transformaram em uma espécie de fundamento pré-literário, tanto em termos
temáticos quanto em termos formais. Como breve exemplo, pode-se citar o interesse pelo in-
dianismo no caso de José de Alencar, que retomou e reinterpretou a literatura de informação
do século XVI. Mas também os modernistas Oswald e Mário de Andrade que, entre outros,
recorreram à literatura quinhentista e seiscentista quando procuraram pelos fundamentos
da brasilidade literária, mesmo que seu intuito, muitas vezes, tenha sido descontruir os mi-
tos criados a partir dessa literatura.
Assim sendo, a despeito de sua relativa baixa qualidade literária, a literatura de infor-
mação, juntamente com a literatura jesuítica dos séculos XVI e XVII, devem ser considera-
das – em uma ousada e muito acertada formulação de Alfredo Bosi – como a pré-história das
nossas letras.

1.4.1 Literatura colonial e valor estético-literário


Apesar de muito revelar sobre a mentalidade, os objetivos e os preconceitos do colo-
nizador, a literatura de cunho documental não possui objetivos artísticos e estéticos, mas
pragmáticos: o que se considerava essencial, naquele contexto específico, era descrever as
novas terras, sua gente, sua riqueza – enfim, sua potencialidade enquanto um novo mundo a
ser explorado e cristianizado. Apesar de ser possível destacar aspectos de qualidade estética,
por exemplo, na composição da Carta a el-rei Dom Manuel, de Pero Vaz de Caminha, ou mes-
mo na História da Província de Santa Cruz, de Gândavo, tratá-los como textos propriamente
literários seria um exagero.

14 Literatura Brasileira
Literatura no Brasil Colônia: questões preliminares 1
No que tange à literatura religiosa, seu caráter marcadamente catequético e doutrinário,
fundamentado na visão de mundo escolástica que dominava o universo jesuíta no século
XVI, constituiu um empecilho quase intransponível para que atingisse um grau verdadei-
ramente literário. Talvez uma possível, porém controvertida exceção, seja a poesia lírico-
-mística de José de Anchieta, à qual já foram atribuídos muitos elogios, desde comparações
com Ovídio e Virgílio até afirmações de que se trata de uma espécie de precursora do estilo
barroco, que despontaria, mais tarde, em padre Vieira e, principalmente, em Gregório de
Matos (COUTINHO, 2004a).
Entretanto, uma análise atenta da obra anchietana permite perceber que o padre je-
suíta utiliza a rima e esquemas rítmicos como mero ornamento formal, pois o conteúdo
de sua produção está por demais preso à sua visão doutrinária marcada pela catequese
(PIZZARRO, 1993, p. 197), no caso do teatro, e por um forte misticismo medieval, no caso
da lírica. Observe, por exemplo, como a atmosfera lírica é utilizada, nos primeiros versos do
“Poema da Virgem”, de Anchieta (2008c), com o fim de comover o leitor a partir dos sofri-
mentos da Virgem Maria ao enxergar Jesus crucificado:
Por que ao profundo sono, alma, tu te abandonas,
e em pesado dormir, tão fundo assim ressonas?
Não te move a aflição dessa mãe toda em pranto,
que a morte tão cruel do filho chora tanto?
O seio que de dor amargado esmorece,
ao ver, ali presente, as chagas que padece?
Onde a vista pousar, tudo o que é de Jesus,
ocorre ao teu olhar vertendo sangue a flux.
Olha como, prostrado ante a face do Pai,
todo o sangue em suor do corpo se lhe esvai.
A despeito de julgamentos críticos sobre a qualidade estética da poesia anchietana, o fato
é que textos marcadamente literários, no contexto jesuítico, constituem exceção, se é que exis-
tem. A maior parte dos textos produzidos pelos numerosos padres jesuítas para cá envia-
dos – Manuel da Nóbrega, João de Aspilcueta Navarro, Luis da Grã, Francisco Pires, Fernão
Cardim, para citar apenas alguns – entra no rol dos textos informativos ou caem na vala co-
mum dos textos catequéticos e maniqueístas, com evidente intenção de edificação espiritual
e conversão do indígena para a fé cristã, embora seja possível perceber intentos literários ou
estéticos em alguns textos, como o Diálogo sobre a Conversão do Gentio, de Manuel de Nóbrega,
alguns poemas de Anchieta ou alguns manuscritos de Fernão Cardim, entre outros.
Por outro lado, se os textos fundadores não primam pelo seu valor propriamente artís-
tico – no sentido restrito desse conceito –, é possível afirmar que os primeiros escritos sobre
o Brasil, produzidos tanto por autores não ibéricos quanto por autores ibéricos, adquirem
um grande valor historiográfico, mesmo para a história da literatura, pelo fato de nos terem

Literatura Brasileira 15
1 Literatura no Brasil Colônia: questões preliminares

legado alguns dos mais fortes mitos sobre a nossa terra e seu povo nativo. Vários deles
ressurgirão constantemente, ao longo da história posterior da literatura brasileira, e isso de
forma consciente ou inconsciente por parte dos autores que deles lançam mão.

1.4.2 O mito do paraíso perdido


Nesse sentido, um dos mais significativos mitos é o do Brasil enquanto um eldorado ou
uma terra da qual emanam leite e mel, criado nos primeiros relatos de viagem e perpetuado,
ao longo da história da literatura, por todos os autores e períodos literários em que houve
a exploração de ideais ufanistas, como o nacionalismo romântico de Alencar, por exemplo.
Apesar de o primeiro documento realmente escrito sobre o Brasil ter sido a Carta de
Pero Vaz de Caminha, esta permaneceu praticamente desconhecida até 1773, guardada nos
arquivos portugueses. Por essa razão, os primeiros documentos sobre as terras americanas
a se tornarem realmente conhecidos e populares na Europa foram as cartas de Américo
Vespúcio, nas quais já se encontram alguns dos principais mitos criados e reforçados a res-
peito do Novo Mundo e de sua gente nativa: uma terra da qual emana leite e mel e cujos
habitantes são dóceis, inocentes e destituídos de religião. Observe o modo paradisíaco como
Vespúcio descreve as suas primeiras impressões, no fragmento de sua carta de 18 de julho
de 1500, destinada a Lorenzo di Pierfrancesco de Medici:
O que aqui vi foi uma infinitíssima quantidade de pássaros de diversas formas e
cores, e tantos papagaios e de tão diversas formas que eram uma maravilha: alguns
coloridos como grama, outros verdes e coloridos e de cor limão, e outros todos ver-
des e outros negros e encarnados. E o canto dos outros pássaros que estavam nas
árvores era uma coisa tão suave e de tanta melodia que se nos ocorreu muitas vezes
ficar parados por sua doçura. As árvores são de tanta beleza e de tanta suavidade
que pensávamos estar no Paraíso Terreno. E nenhuma daquelas árvores nem suas
frutas se pareciam com as nossas. (VESPÚCIO, 2008, tradução nossa)
Essa mesma visão sobre as novas terras descobertas pode ser percebida em numerosos
outros documentos da época. Como esclarece Pizzarro (1993, p. 154), essa perspectiva ideali-
zada deve muito aos escritos de Marco Polo7, de Mandeville8 e do Preste João9, em que terras
estranhas são descritas como paraísos dotados de povos exóticos e tesouros incalculáveis,
como as amazonas. Como você verá adiante, a Carta de Caminha também reforça essa visão
de mundo, que mais revela sobre o imaginário europeu da Idade Média do que sobre a pró-
pria terra que passava a ser explorada.

7 Marco Polo (1254-1324), viajante veneziano. Foi um dos primeiros ocidentais a percorrerem a Chi-
na e a Mongólia no final da Idade Média, tendo deixado um fantasioso livro de crônicas sobre essas
viagens.
8 Jean de Mandeville (1357-1371) – suposto cavalheiro inglês ou francês que também deixou um fanta-
sioso livro de crônicas sobre as viagens que realizou por países como Turquia, Armênia, Pérsia e Egito,
entre vários outros.
9 Preste João – lendário monarca cristão no Oriente, na verdade, Etiópia. Segundo a tradição mítica, ele
seria descendente de Baltasar, um dos três reis magos, e seu reino seria repleto de monstros, tesouros
e paisagens idílicas.

16 Literatura Brasileira
Literatura no Brasil Colônia: questões preliminares 1
1.4.3 O índio sem fé, sem lei e sem rei
Entre os principais mitos criados e reforçados pelos primeiros documentos produzidos
na era colonial também merece destaque a ideia do nativo como o bom selvagem, destituído
de sentimento de cobiça, de propriedade, de hierarquia e, mesmo, de religião. Essa ideia
está muito presente na Carta de Pero Vaz de Caminha, mas também pode ser encontrada
nos escritos de Léry, entre vários outros. Observe, na passagem a seguir, como Pero Vaz de
Caminha se deixa imbuir desse mito:
Parece-me gente de tal inocência que, se nós entendêssemos a sua fala e eles a
nossa, seriam logo cristãos, visto que não têm nem entendem crença alguma, se-
gundo as aparências. E portanto se os degredados que aqui hão de ficar aprende-
rem bem a sua fala e os entenderem, não duvido que eles, segundo a santa tenção
de Vossa Alteza, se farão cristãos e hão de crer na nossa santa fé, à qual praza a
Nosso Senhor que os traga, porque certamente esta gente é boa e de bela simpli-
cidade. E imprimir-se-á facilmente neles qualquer cunho que lhe quiserem dar,
uma vez que Nosso Senhor lhes deu bons corpos e bons rostos, como a homens
bons. E o Ele nos para aqui trazer creio que não foi sem causa. E portanto Vossa
Alteza, pois tanto deseja acrescentar a santa fé católica, deve cuidar da salvação
deles. E prazerá a Deus que com pouco trabalho seja assim! (CAMINHA, 2008)
Essa ideia de que os índios não teriam qualquer religião, lei ou autoridade, já presente
na Carta, também está presente nas descrições de Pero de Magalhães Gândavo, por exem-
plo, no sétimo capítulo de seu Tratado da Terra do Brasil (aproximadamente 1570), conforme
a citação a seguir:
Não há como digo entre eles nenhum Rei, nem Justiça, somente em cada aldeia
tem um principal que é como capitão, ao qual obedecem por vontade e não por
força; morrendo este principal fica seu filho no mesmo lugar; não serve de outra
coisa se não de ir com eles à guerra, e aconselha-os como se hão de haver na
peleja, mas não castiga seus erros nem manda sobre eles coisa alguma contra
sua vontade. Este principal tem três, quatro mulheres, a primeira tem em mais
conta, e faz dela mais caso que das outras. Isto tem por estado é por honra. Não
adoram coisa alguma nem têm para si que há na outra vida glória para os bons, e
pena para os maus, tudo cuidam que se acaba nesta e que as almas fenecem com
os corpos, e assim vivem bestialmente sem ter conta, nem peso, nem medida.
(GÂNDAVO, 2008)
Essas formulações de Gândavo e de Caminha forneceram o fundamento para a criação
do famoso mito “Sem F, sem L e sem R”, segundo o qual os nativos não possuiriam fé (F), lei
(L) e tampouco rei (R). Esse mito seria consagrado por Gabriel Soares de Souza, uma década
mais tarde.

Literatura Brasileira 17
1 Literatura no Brasil Colônia: questões preliminares

1.4.4 Canibalismo e antropofagia


Se no início da colonização prevalece uma visão idealizada do índio, segundo a qual ele
é uma espécie de “bom selvagem” que habita um paraíso natural, sem cobiça, sem governo
e sem religião, aos poucos, na medida em que o colonizador passa a enxergar o índio um
pouco mais de perto, descobre alguns de seus rituais religiosos, sendo que o ritual que mais
lhe chama atenção é a antropofagia, ligada ao culto que realizavam aos seus antepassados.
A partir de então vai surgindo um mito oposto ao do bom selvagem, a saber: surge a ima-
gem do índio enquanto canibal.
O mito do canibalismo é já iniciado por Vespúcio, que logo percebe a existência da prá-
tica antropofágica entre os nativos:
E percebemos que eram de um povo que se diz canibais e que quase a maior parte
desse povo, senão todos, vivem de carne humana. E isto, tenha-o por certo, Vossa
Magnificência! Não se comem entre eles, mas viajam em embarcações que se cha-
mam canoas e vão trazer presas das ilhas ou terras vizinhas, de um povo inimigo
deles ou de um outro povo que não o seu. (VESPÚCIO, 2008, tradução nossa)
No livro de Hans Staden, esse mito recebe uma configuração quase romanesca, o que
contribuiu para a sua rápida popularização na Europa. Thévet, por sua vez, introduziu um
elemento novo nessa questão, uma vez que distinguiu canibal e antropófago: ao passo que o
primeiro realmente se alimentaria da espécie humana, o segundo comeria a carne de seus
inimigos apenas como uma forma de vingança. Com Manuel de Nóbrega, que chega a rea-
lizar comparações entre o canibal indígena brasileiro e os canibais africanos citados por
Rabelais no quarto livro de Pantagruel10, o mito do indígena americano como um canibal
acaba se consagrando e entrando definitivamente para o imaginário do europeu.
Um século mais tarde, um frade agostiniano influenciado pelo Arcadismo, Frei de Santa
Rita Durão, tornaria esse mito ainda mais concreto no corpo do cânone literário luso-bra-
sileiro, porquanto realizou uma separação dicotômica entre o índio, selvagem canibal, de um
lado, e o europeu, civilizado e cristão, de outro.
Para finalizar, podemos chamar a atenção para o fato de que os primeiros escritos acer-
ca do Brasil não entraram na história da literatura nacional por seu valor propriamente
estético, mas sim por terem criado – sobre os nossos nativos, sobre o próprio colonizador e
sobre a terra brasileira – uma série de representações míticas que se perpetuariam no imagi-
nário dos europeus acerca de nosso país, mas também no imaginário de nosso próprio povo.
Os numerosos mitos criados por Caminha, Gândavo, Nóbrega, Vespúcio, Anchieta e todos
os demais escritores do Brasil Colônia surgem e ressurgem ao longo de nossa trajetória his-
tórica e literária, muitas vezes imbricados em outros mitos, que passam a ser questionados
e desconstruídos a partir do Modernismo. Em poucos termos, não é possível estudar nossa
identidade nacional sem recorrer à literatura colonial.

10 François Rabelais (1493-1553): escritor francês da Renascença. Sua obra inspira-se no folclore popu-
lar e Pantagruel é um de seus livros cômicos. O título faz referência ao protagonista, monstro grotesco,
ao mesmo tempo cômico e assustador.

18 Literatura Brasileira
Literatura no Brasil Colônia: questões preliminares 1
Ampliando seus conhecimentos

Os viajantes que aludem ao Paraíso


(HOLANDA, 1992 p. 158-159)

Os viajantes que aludem ao Paraíso materialmente presente em alguma


parte da Terra, e que tentaram chegar a ele, não teriam melhor sorte do que
Alexandre. “De paradis terrestrene vous saroie ie proprement parler car ie
ny fui oncques”: assim se expressa, com efeito, o autor ou compilador das
viagens de Mandeville, que não obstante refere o que outros lhe teriam
narrado a respeito, como quem diz que a interdição não era irrevogável.
De qualquer modo, deixa claro que a possibilidade de vencê-la não está
unicamente no arbítrio dos homens. Outras grandes personagens, antes e
depois, teriam procurado muitas vezes, e com o maior empenho, par moult
grande volonté, avançar sobre os rios que correm do Paraíso. Assim, a fabu-
losa narrativa das viagens “nas quatro partidas do mundo” de D. Pedro,
o Infante de Portugal, consta que, tendo esse príncipe alcançado licença
do Preste João para ir até onde não houvesse mais geração de homens,
venceu 17 jornadas de dromedário (os dromedários que lhe deu o Preste),
que valem por 680 léguas, sobre um deserto onde não há caminho por mar
ou terra, e chegou à vista de umas montanhas, de onde não quiseram ir
além os homens mandados a acompanhá-lo, e avistou então o Tigre e o
Eufrates e o Gion e o Fison, que são os rios do Paraíso terreal, e mais não
viu. O mesmo aconteceu com quantos tentaram igual demanda, porque
ou não lograram vencer os ínvios desertos, ou não puderam seguir via-
gem as naus onde navegavam; ou morreram cansados de remar contra a
corrente; alguns ficaram cegos, outros surdos, do estrondo que ali fazem
as águas, insuportáveis a ouvidos mortais; muitos naufragaram, ou se
perderam, de sorte, escreve Mandeville, que nenhum homem conseguiu
chegar lá pelo próprio capricho se ce nestoit par especial grace de Dieu.

Por especial graça de Deus: isso mesmo dará a entender Cristóvão


Colombo, quando, chegado à altura da “província” do Pária, se imagina
à porta do Paraíso Terreal. “Já disse”, escreve, “aquilo que achava deste
hemisfério e de sua feiúra, e creio, se passasse por debaixo da linha equi-
nocial, que ali chegando, neste lugar mais alto, acharia maior temperança
e diversidade nas estrelas e nas águas, não porque acredite que onde se
acha a altura extrema seja possível navegar-se ou seja possível subir até lá,
pois creio que lá está o Paraíso terrestre, onde ninguém pode chegar, salvo
por vontade divina [...]”. A graça de Deus, a vontade divina, é todavia

Literatura Brasileira 19
1 Literatura no Brasil Colônia: questões preliminares

caprichosa, ou assim parecerão suas razões, superiores aos nossos limites


humanos e terrenos.

A história das Ilhas Afortunadas e do horto das Hespérides, como tosca


imagem do Éden, tão tosca, em verdade, quanto seria dado concebê-la aos
que não conhecem a luz da verdadeira fé, só era imperfeitamente válida
para quem procurasse uma representação material do sítio onde Deus
pusera os nossos primeiros pais. Não pelo fato de se achar literalmente no
lugar onde para seu curso o carro do Sol, ao passo que o sítio do verdadeiro
Éden ficava da banda do Oriente: assim o dizem as traduções correntes e
mais acreditadas entre os doutores. Pois dado que a Terra tem forma esfé-
rica, e essa era a noção conhecida já entre os antigos gregos, o Oriente pode-
ria ficar em qualquer de suas partes, como dirá o Bispo de Chiapa.

A razão mais poderosa e verdadeiramente decisiva contra a assimi-


lação da verdade revelada às diabólicas mentiras do paganismo está
em que palavras humanas não bastam para reproduzir ou comunicar
aquilo que naturalmente transcende a mente humana, quanto mais o
saber dos que ignoraram a palavra de Deus. Na melhor hipótese cabe-
ria acreditar que aqueles homens se apropriaram de relatos verídicos
e inspirados em palavras dos que obedeceram à lei divina, como sude-
cera a Homero, segundo São Justino Mártir, o qual, no pintar em sua
Odisseia o jardim de Alcino, se teria limitado a copiar Moisés. Ainda
assim seria forçoso admitir que tais cópias, como sempre sucede, fica-
vam muito aquém do original.

Atividades
1. Marque (R) se a afirmativa se refere à Renascença e (IM) se ela se refere à Idade Média.

(( Tendência a uma concepção filosófica humanista e estoica.

(( A arte possui um caráter simbólico e religioso.

(( Literatura marcada por temas profanos, como o amor mundano e a sátira.

(( A arte passa a incorporar conhecimentos provindos de áreas como a Matemática


e a Anatomia.

20 Literatura Brasileira
Literatura no Brasil Colônia: questões preliminares 1
2. Assinale apenas as afirmativas corretas.

a. Os primeiros textos produzidos no Brasil Colônia se destacam por um alto valor


literário, especialmente a Carta de Pero Vaz de Caminha.

b. Segundo vários críticos, a poesia religiosa de Anchieta possui um alto valor li-
terário.

c. Durante os primeiros séculos da colonização do Brasil, os textos produzidos pe-


los europeus fizeram emergir vários mitos acerca de nossa identidade nacional.

d. Um dos mitos mais recorrentes na literatura colonial diz respeito à representa-


ção do Brasil como um lugar idílico.

3. Quais os principais mitos sobre a identidade do Brasil surgidos a partir da literatura


colonial? Por que eles são importantes para a história da literatura?

Resolução
1. Na ordem: R, IM, R, R.

2. São corretas as afirmativas b e c.

3. Nos séculos XVI e XVII, a literatura produzida por autores europeus foi responsável
pela criação de vários mitos sobre a identidade nacional, especialmente no que diz
respeito terra e ao povo. Um dos mais recorrentes foi o mito segundo o qual o Brasil
(assim como as demais colônias) seria uma espécie de paraíso perdido, marcado
por uma natureza exótica e abundante, repleto de riquezas. Um segundo mito diz
respeito ao índio, retratado como se não possuísse governo, religião e tampouco
leis. Outro mito extremamente influente diz respeito à prática da antropofagia pelos
indígenas. O motivo por que tais mitos são tão importantes para a historiografia
literária está relacionado ao fato de que eles foram sendo apropriados por escolas
literárias nos séculos posteriores, mesmo que, por vezes, essa incorporação se desse
para contestá-los.

Literatura Brasileira 21
2
Literatura de informação e
literatura jesuítica
Edgar Roberto Kirchof

2.1 A literatura de informação

De forma simplificada e didática, seguindo uma sugestão de Pizzaro (1993, p. 157),


é possível dividir a Literatura de informação por um critério histórico (1500-1550 e
1550 em diante). Os primeiros documentos (principalmente a Carta de Caminha e os
escritos de Vespúcio) estão por demais influenciados pelos mitos de Marco Pollo e de
Mandeville, o que faz com que ressaltem, de forma quase caricata, aspectos marca-
dos pela inocência paradisíaca dos habitantes nativos, ligada principalmente ao modo
“ingênuo” como apresentavam a sua nudez.

Para esses autores, os índios eram como que uma tabula rasa, destituídos de vários
vícios europeus e, por isso mesmo, aptos para receberem a fé cristã. Por outro lado, foi
Vespúcio o primeiro autor a mencionar o fato de que os nativos eram antropófagos, o
que, contudo, não chegou a abalar sua crença na inocência e na ingenuidade do nativo.
Observe como, apesar de descrever a prática antropofágica, Vespúcio não chega a rea-
lizar um julgamento negativo do índio, muito pelo contrário, conforme se pode perce-
ber a partir do excerto destacado em itálico a seguir:

Literatura Brasileira 23
2 Literatura de informação e literatura jesuítica

Não comem mulher alguma, salvo aquelas que têm como escravas, e disso ti-
vemos a certeza em muitos lugares onde encontramos tais pessoas, porque nos
ocorreu muitas vezes ver os ossos e as cabeças de alguns que foram comidos. E
eles não o negam; ademais, o afirmam os seus inimigos, que estão continuamen-
te atemorizados por eles. São gente de gentil disposição e de boa estatura: andam de
todo desnudos (VESPÚCIO, 2008, tradução nossa).

2.1.1 Um alemão e dois franceses


A partir de 1550, foram surgindo informações menos imprecisas, em parte, produzidas
por autores ibéricos diretamente vinculados à colonização, como missionários, administra-
dores e moradores; em parte, por autores não ibéricos que aqui vieram com o fim de obter
lucros e vantagens comerciais ligadas ao escambo. Alguns dos nomes que podem ser citados
são Ulrich Schmidel, Peter Carder, Robert Withrington, James Lancaster, entre vários ou-
tros. Destacaremos aqui apenas um alemão e dois franceses pela repercussão que suas obras
obtiveram ainda em sua própria época.
O alemão Hans Staden permaneceu prisioneiro dos tupinambás e sua obra, Viagem ao
Brasil (1557), conheceu prestígio e popularidade imediatos, pois sua crônica de aventuras foi
reeditada quatro vezes em apenas um ano, o que se deve mais ao estilo vivo e arrebatador
que o autor utiliza para narrar suas peripécias do que à veracidade ou confiabilidade das
informações que apresenta.
Certamente, as várias reedições da obra de Staden muito contribuíram para a dissemi-
nação do mito do “índio canibal” entre os europeus, já no século XVI. Observe a passagem
a seguir:
Em seguida, as mulheres, sobretudo as velhas, que são mais gulosas de carne
humana e anseiam pela morte dos prisioneiros, chegam com água fervendo, es-
fregam e escaldam o corpo a fim de arrancar-lhe a epiderme; e o tornam tão
branco como na mão dos cozinheiros os leitões que vão para o forno. Logo de-
pois o dono da vítima e alguns ajudantes abrem o corpo e o esquartejam com tal
rapidez que não faria melhor um açougueiro ao esquartejar um carneiro.
E então – incrível crueldade – assim como os nossos caçadores jogam a carniça
aos cães para torná-los mais ferozes, esses selvagens pegam os filhos, uns após
outros, e lhes esfregam o corpo, os braços e as pernas com o sangue inimigo, a
fim de torná-los mais valentes.
Em seguida, todas as partes do corpo, inclusive as tripas depois de bem lavadas,
são colocadas no moquém, em torno do qual as mulheres, principalmente as ve-
lhas gulosas, se reúnem para recolher a gordura que escorre pelas varas dessas
grandes e altas grelhas de madeira. Em seguida exortam os homens a procede-
rem de modo que elas tenham sempre tais petiscos e lambem os dedos e dizem
iguatu, o que quer dizer “está muito bom!” (STADEN, 2006).

24 Literatura Brasileira
Literatura de informação e literatura jesuítica 2
Durante a ocupação francesa no Brasil por Villegaignon (1555), dois cronistas franceses
deixaram, por escrito, suas impressões sobre a terra e o povo nativo. Ao passo que o calvi-
nista Jean de Léry, em sua Viagem à terra do Brasil (Histoire d´un voyage facit en la terre du Brésil,
autremment dite Amérique, 1578), apresenta uma visão simpática ao índio brasileiro, chegan-
do mesmo, em algumas partes, a elevar elementos da cultura indígena acima da própria
cultura europeia, por sua vez o franciscano André Thévet, em suas Singularidades da França
Antártica (Les singularitez de la France Antartique, autremment nommée Amérique, et de plusieurs
terres et isles, 1558), retrata o índio de forma francamente preconceituosa e deformada, a
ponto de Léry tê-lo criticado severamente como “mentiroso e caluniador”.

Figura 1 – Um “monstro” de Thévet.

Fonte: André Thévet.

Na ilustração anterior (uma réplica dos “monstros de Thévet”), você pôde observar
como o franciscano contribuiu para aumentar o mito do exotismo selvagem e quase sobre-
natural acerca do Novo Mundo, na medida em que descreve as criaturas monstruosas que
teria visto em terras brasileiras.
Já o calvinista Léry se mostra mais comedido em suas descrições, chegando mesmo a
relativizar a pretendida superioridade da cultura europeia em relação à cultura do índio
americano. Observe, na passagem a seguir, como a simpatia que Léry nutre pelo nativo faz
com que atenue o horror que a prática antropofágica suscitava na mente do europeu. Em
vez de criticar o ritual do nativo, Léry critica, em uma surpreendente analogia, uma prática
europeia que seria tão nociva quanto o canibalismo – a saber, a usura:
É útil, entretanto, que ao ler sobre semelhantes barbaridades os leitores não se es-
queçam do que se pratica entre nós. Em boa e sã consciência acho que excedem em
crueldade aos selvagens os nossos usurários [agiotas], que, sugando o sangue e o
tutano, comem vivos órfãos, viúvas e outras criaturas miseráveis, que prefeririam
sem dúvida morrer de uma vez a definhar assim, lentamente (LÉRY, s/d).

Literatura Brasileira 25
2 Literatura de informação e literatura jesuítica

2.1.2 A Carta de Pero Vaz de Caminha


A Carta a el-rei dom Manuel, de Pero Vaz de Caminha, pode ser considerada uma espécie
de certidão oficial de batismo do Brasil para o mundo europeu, pois é dela que procede a
famosa data do descobrimento, 21 de abril de 1500:
E assim seguimos nosso caminho, por este mar de longo, até que terça-feira das
Oitavas de Páscoa, que foram 21 dias de abril, topamos alguns sinais de terra,
estando da dita Ilha – segundo os pilotos diziam, obra de 660 ou 670 léguas
(CAMINHA, 2008).
A carta foi escrita a pedido de D. Manuel I, rei de Portugal, para dar conta da emprei-
tada realizada pela frota de Pedro Álvares Cabral em direção ao Novo Mundo. Datada de
Porto Seguro, ela constitui uma espécie de diário de bordo. No estilo vivo de uma crônica de
viagem, relata os principais acontecimentos ligados à viagem, desde a data de partida, 9 de
março, até a chegada ao que naquele momento se chamou de Ilha da Vera Cruz, quando foi
datada: 1.º de maio de 1500.
Embora seu principal valor resida no fato de constituir um documento vivo das pri-
meiras impressões do europeu acerca da terra e do povo do chamado Novo Continente ou
Novo Mundo, tratando-se, portanto, de um documento informativo, muito se tem elogiado
o estilo literário ou quase literário de Caminha, em que se percebe uma crônica viva, bem
articulada, além de, inclusive, certos arroubos estético-formais, como trocadilhos e figuras
de construção. Por exemplo, no trecho a seguir, para descrever a nudez das índias, Caminha
utiliza, além do polissíndeto “tão... tão... tão”, o trocadilho entrementes já antológico entre
“vergonhas” e “envergonhavam”:
Ali andavam entre eles três ou quatro moças, bem novinhas e gentis, com cabelos
muito pretos e compridos pelas costas; e suas vergonhas, tão altas e tão cerra-
dinhas e tão limpas das cabeleiras que, de as nós muito bem olharmos, não se
envergonhavam (CAMINHA, 2008).
Tanto na descrição do índio quanto na descrição da terra, Pero Vaz se revela, como não
poderia deixar de ser, um homem medieval, fruto de seu tempo, imbuído do espírito da
conquista, de um lado, e do espírito da difusão da cristandade, de outro, ambos mesclados a
uma ingenuidade motivada, talvez, não só pelo ideário medieval de que está imbuído, mas
também pelo próprio êxtase do inédito. Por essa razão, o escrivão escolhe pormenorizar o
que lhe parece exótico, as plantas, as aves, as cores, a exuberância da natureza, os ornamen-
tos e a nudez do índio, fornecendo elementos para alimentar o mito do eldorado brasileiro,
de um lado, e da ingenuidade e inocência do nativo, de outro.
O espírito da conquista se manifesta principalmente na descrição da terra, que é apre-
sentada naquilo que possui de potência para ser conquistado e transformado em riqueza,
seu tamanho e a abundância das águas:
Esta terra, Senhor, parece-me que, da ponta que mais contra o sul vimos, até à
outra ponta que contra o norte vem, de que nós deste porto houvemos vista, será
tamanha que haverá nela bem vinte ou vinte e cinco léguas de costa. [...] Águas

26 Literatura Brasileira
Literatura de informação e literatura jesuítica 2
são muitas; infinitas. Em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-
-se-á nela tudo; por causa das águas que tem! (CAMINHA, 2008).
A intenção de exploração de metais preciosos também permanece evidente, por exem-
plo, na seguinte passagem:
Até agora não pudemos saber se há ouro ou prata nela, ou outra coisa de metal,
ou ferro; nem lha vimos. Contudo a terra em si é de muito bons ares frescos e
temperados como os de Entre-Douro-e-Minho, porque neste tempo d’agora as-
sim os achávamos como os de lá (CAMINHA, 2008).
Na descrição do índio, prevalece, como já se afirmou, a ideia de um povo dócil e ao
mesmo tempo exótico. Caminha se demora nos detalhes visuais do exótico, aquilo que di-
ferencia o índio do europeu, principalmente a cor da tez, os adornos e adereços corporais, o
fato de andarem nus:
A feição deles é serem pardos, um tanto avermelhados, de bons rostos e bons
narizes, bem feitos. Andam nus, sem cobertura alguma. Nem fazem mais caso de
encobrir ou deixar de encobrir suas vergonhas do que de mostrar a cara. Acerca
disso são de grande inocência. Ambos traziam o beiço de baixo furado e metido
nele um osso verdadeiro, de comprimento de uma mão travessa, e da grossura
de um fuso de algodão, agudo na ponta como um furador. Metem-nos pela parte
de dentro do beiço; e a parte que lhes fica entre o beiço e os dentes é feita a modo
de roque de xadrez. E trazem-no ali encaixado de sorte que não os magoa, nem
lhes põe estorvo no falar, nem no comer e beber.
Os cabelos deles são corredios. E andavam tosquiados, de tosquia alta antes
do que sobre-pente, de boa grandeza, rapados todavia por cima das orelhas
(CAMINHA, 2008).
O espírito da catequese é explicitado com todas as letras ao final da carta:
Contudo, o melhor fruto que dela se pode tirar parece-me que será salvar esta
gente. E esta deve ser a principal semente que Vossa Alteza em ela deve lançar.
E que não houvesse mais do que ter Vossa Alteza aqui esta pousada para essa
navegação de Calicute bastava. Quanto mais, disposição para se nela cumprir
e fazer o que Vossa Alteza tanto deseja, a saber, acrescentamento da nossa fé!
(CAMINHA, 2008).
A visão de mundo medieval de Caminha se revela, da forma mais evidente, na maneira
como trata a cultura do outro. A crença maniqueísta na divisão do mundo entre o bem e o
mal, sendo que a cristandade europeia constituiria o único bem possível e aceitável, leva o
cronista não apenas a idealizar o índio como um “um ser facilmente passível de conversão
à fé cristã”, mas, o que é pior, a nem sequer procurar compreender o outro no que efeti-
vamente possui de diferente. Por essa razão, Caminha chega à conclusão, evidentemente
equivocada, de que o índio não possui qualquer religião:
Parece-me gente de tal inocência que, se nós entendêssemos a sua fala e eles a
nossa, seriam logo cristãos, visto que não têm nem entendem crença alguma,
segundo as aparências. [...] E imprimir-se-á facilmente neles qualquer cunho que

Literatura Brasileira 27
2 Literatura de informação e literatura jesuítica

lhe quiserem dar, uma vez que Nosso Senhor lhes deu bons corpos e bons rostos,
como a homens bons. E o Ele nos para aqui trazer creio que não foi sem causa
(CAMINHA, 2008).

2.2 A literatura jesuítica

Os jesuítas chegaram ao Brasil em 1549, juntamente com Tomé de Souza, primeiro go-
vernador geral das principais regiões do Brasil (Rio de Janeiro, Bahia e Pará). Aqui, assim
como em Portugal, fundaram colégios parecidos com o Colégio das Artes, em que ensina-
vam Filosofia, Teologia e Humanidades, a fim de preparar neófitos para a ordem inaciana.
Os jesuítas foram os responsáveis pela manutenção de uma certa vida intelectual na Colônia,
sendo que suas reflexões e produções escritas norteavam-se por objetivos muito pragmáti-
cos: catequizar os índios e promover ou fortalecer a fé e a moral cristã entre os colonos.
Os jesuítas acreditavam que era necessário manter os colonos sob o domínio da fé e da
moral cristã na medida em que a Colônia era vista como um local repleto de tentações, em
que rondava o que eles entendiam como o perigo da libertinagem moral. Quanto aos índios,
acreditavam os jesuítas, pelo menos em seus primeiros escritos, no mito do bom selvagem
que estaria à espera da doutrina cristã para se tornar um ser humano completo. Nesse senti-
do, os padres jesuítas aqui aportados produziram um material escrito relativamente amplo,
composto de epístolas, relatórios, cartas ânuas, crônicas de viagem, gramática, poesia (lírica
e épica) e teatro. Essa produção pode ser dividida em dois grandes blocos:
• literatura de edificação e educação; e
• literatura de informação.
Ao passo que a gramática, a poesia e o teatro eram utilizadas para catequizar o índio
e para educar o colono, constituindo, portanto, uma literatura de edificação, as epístolas,
os relatórios e as crônicas serviam como documentação informativa sobre a terra que
estava sendo explorada, cujo principal destino era informar os superiores, na metrópole,
a respeito das possibilidades de outros projetos missionários. Nesse sentido, formam a
literatura de informação.
Apesar de seus autores serem relativamente numerosos, pela importância política na
Colônia e também pela relativa superioridade do material produzido, podem ser destacados
Manuel da Nóbrega, Fernão Cardim e José de Anchieta, sendo que, desses três, Anchieta é
indubitavelmente o mais significativo. Por essa razão, ele será tratado com mais profundi-
dade na próxima seção.
Manuel de Nóbrega chegou ao Brasil em 1549, juntamente com Tomé de Sousa, sendo
nomeado como o primeiro provincial da ordem inaciana no Brasil. Suas atividades eram di-
rigidas à conversão dos índios e à educação moral dos colonos. Entre suas principais obras,
destacam-se as Cartas do Brasil, em que, além de fornecer numerosas informações sobre a
terra e a gente da Colônia, coloca uma grande ênfase naquilo que considerou uma degene-
rescência moral tanto da parte dos índios quanto dos colonos, o que, segundo ele, contribuía
para a propagação da promiscuidade sexual. Entre as muitas informações que deixou nas

28 Literatura Brasileira
Literatura de informação e literatura jesuítica 2
Cartas, podem ser destacadas aquelas sobre rituais antropofágicos não apenas entre os ín-
dios, mas também entre alguns portugueses que teriam aderido a essa prática.
Outro padre jesuíta a deixar uma obra relevante sobre a colonização do Brasil foi o por-
tuguês Fernão Cardim. Em 1582, ele foi designado para acompanhar o primeiro governador
geral nomeado sob domínio espanhol, Manuel Teles Barreto. Seus principais manuscritos
lhe foram roubados por piratas em 1601, quando regressava a Lisboa, e acabaram caindo
nas mãos de Samuel Purchas, um colecionador. Por essa razão, tornou-se conhecido apenas
tardiamente para a historiografia do Brasil colonial. Em suas obras, o Brasil é descrito como
um Éden, igual e muitas vezes superior à Europa, sendo que essa idealização também se
estende ao próprio indígena. Contudo, sua empolgação pelo Brasil o levou a um excesso de
imaginação em alguns casos – por exemplo, quando fala de homens marinhos e monstros do
mar, ou quando descreve o uru como um pássaro que coloca tantos ovos e tão brancos que
os campos pareciam cobertos de neve.

2.2.1 José de Anchieta


José de Anchieta nasceu no dia 19 de março de 1534, em São Cristóvão de la Laguna, ca-
pital de Tenerife, nas Ilhas Canárias. No entanto, ainda criança foi enviado para estudar em
Coimbra. Lá, cursou filosofia e, aos 17 anos de idade, ingressa na ordem de Inácio de Loyola,
a Companhia de Jesus, tornando-se, dessa forma, um jesuíta. Em 1553, veio para o Brasil, in-
corporado à missão jesuítica chefiada pelo padre Luís da Grã, que acompanhava Duarte da
Costa, o segundo governador geral do Brasil. De sua biografia podem ser ressaltados, entre
outros fatos, a fundação do colégio de Piratininga, em São Paulo, juntamente com Manuel
da Nóbrega, e a sua permanência, também junto com Nóbrega, como refém dos tamoios em
Iperoig. Falece em 1597, na cidade de Reritiba, hoje Anchieta, no Espírito Santo.
O gênio de Anchieta o torna, sem dúvida, o escritor mais relevante no que tange à lite-
ratura jesuítica de seu período. A obra de Anchieta é muito vasta e abrange gêneros varia-
dos, desde obras líricas, épicas e dramáticas, até cartas, sermões, crônicas e até uma Arte de
gramática. Além disso, foi redigida em quatro idiomas diferentes (português, espanhol, tupi
e latim), o que torna seu estudo um projeto complexo. A distribuição dos seus textos quanto
ao idioma é a que segue:
• 12 em português;
• 35 em castelhano;
• 2 em latim (além de dois poemas sobre Mem de Sá e Nossa Senhora);
• 18 em tupi;
• 6 plurilíngues.
Neste livro introdutório, serão apenas apresentadas, de forma breve e panorâmica, al-
gumas das questões mais relevantes da obra anchietana para a crítica contemporânea.
Chama a atenção a predominância de obras em espanhol, o que pode ser explicado, em
parte, pelo fato de ser essa a sua língua materna. No entanto, uma análise um pouco mais

Literatura Brasileira 29
2 Literatura de informação e literatura jesuítica

atenta dos gêneros que predominam em cada idioma nos ajuda a compreender o sistema
literário de José de Anchieta.
Em sua língua materna, predominam poemas líricos, sendo que alguns também foram
escritos em português e uns poucos em latim.
O tupi, por sua vez, predomina de forma absoluta no que diz respeito às obras de tea-
tro. Percebe-se, portanto, que o espanhol e o português lhe servem para expressão de uma
espiritualidade mais subjetiva, resultado de uma experiência mística pessoal, ao passo que o
tupi é a língua utilizada para produzir obras com o intuito explícito de catequese do índio.
Assim sendo, existe uma divisão clara, diria-se mesmo dualista, na obra de Anchieta:
ao passo que sua lírica possui aspectos literários dotados de intensa personalização, mani-
festando, em versos bem construídos, questões relativas tanto à intimidade quanto à tensão
entre o eu terreno e a divindade cristã, o teatro anchietano possui uma intenção explícita de
cristianizar o índio por meio de várias estratégias de aculturação, o que o torna didático,
rígido, estereotipado e autoritário.
No que tange à lírica, Alfredo Bosi (1994, p. 82) sugeriu existirem duas linhas de forma-
ção poética:
• uma voltada à criação de símbolos tomados da vida cotidiana; e
• outra mais afeita a uma linguagem místico-efusiva.
No primeiro caso, Anchieta (2008a) utiliza símbolos retirados principalmente do campo
semântico da alimentação e das relações de parentesco para exprimir o êxtase da ligação
com Deus; por exemplo, no poema “Ao Santíssimo Sacramento”:
[...]
enquanto a presença tarda
do vosso divino rosto
o saboroso e doce gosto
deste pão
seja minha refeição.
[...]
No segundo caso, Anchieta (apud MOISÉS, 2000) lança mão de vários recursos imagé-
ticos e sensórios, apelando para uma ligação mais direta e efusiva com a divindade, com a
extrapolação de pulsões afetivas, como nos versos de “O Menino Nascido ao Pecador”:
Yo nací porque tu mueras,
porque vivas moriré,
porque rías lloraré,
y espero porque esperes,
porque ganes perderé.
É no teatro anchietano, contudo, que se encontram as questões mais relevantes e con-
troversas para uma discussão sobre a influência da literatura jesuítica sobre a formação da
literatura e da identidade brasileira, pois se trata de um projeto claramente orientado por

30 Literatura Brasileira
Literatura de informação e literatura jesuítica 2
uma subjugação cultural. Se, nos primeiros relatos de viagem, havia a impressão de que o
índio não possuía religião, aos poucos os portugueses foram percebendo que existia sim
uma religiosidade indígena, marcadamente centrada no culto dos mortos. A partir desse nú-
cleo, organizavam-se vários rituais comandados pelos pajés, como cerimônias de canto e
dança em que se praticava o fumo (ou o ato de fumar) e as cauinagens (em que se consumia
bebida alcoólica), o que levava os participantes a uma espécie de transe. Ligado ao culto dos
mortos, também estava o ritual da antropofagia.
A estratégia de Anchieta foi utilizar as peças teatrais – de influência medieval, princi-
palmente os autos de Gil Vicente – como meio de cristianizar e suplantar a religiosidade
original. Suas principais estratégias foram:
• inserir a teologia cristã a partir do imaginário indígena;
• demonizar os heróis indígenas;
• demonizar e animalizar os costumes nativos.
O teatro de José de Anchieta ataca e demoniza não apenas os heróis, mas também os
rituais indígenas. Imbuído de uma visão de mundo absolutamente maniqueísta, em suas pe-
ças Anchieta divide o mundo entre o bem e o mal, sendo que o primeiro está figurativizado
por todas as personagens cristãs e europeias, ao passo que o segundo é construído a partir
do imaginário religioso do indígena. Por exemplo, no Auto de São Lourenço o mal é represen-
tado pela personagem principal, o herói tamoio Guaixará, que havia atacado os portugueses
duas vezes, e pelo chefe indígena Aimbiré. São Sebastião e São Lourenço, por outro lado,
são os representantes do bem. Note, na passagem a seguir, como o ritual da cauinagem, da
maneira como é exaltado por Guaixirá, acaba ridicularizado e representado como uma be-
beragem imoral, o que deprecia seu teor religioso original:
Boa medida é beber
cauim até vomitar.
Isto é jeito de gozar
a vida, e se recomenda
a quem queira aproveitar.
A moçada beberrona
trago bem conceituada.
Valente é quem se embriaga
e todo o cauim entorna,
e à luta então se consagra (ANCHIETA, 2008b).
Pode-se concluir que o teatro jesuítico dos séculos XVI e XVII, principalmente sob a
pena de Anchieta, serviu como o suporte de uma política colonizadora que reduz o outro
a si mesmo e, paralelamente, cria um dualismo de códigos. Como afirmou Alfredo Bosi, o
caso de Anchieta é exemplar porque revela a postura do colonizador de construir um código
válido para si mesmo e seus pares, de um lado, e outro código, válido para o povo, de outro:
“Lá o símbolo e a efusão da subjetividade; aqui, o didatismo alegórico rígido, autoritário. Lá
a mística da devotio moderna; aqui a moral do terror das missões” (BOSI, 1994, p. 93).

Literatura Brasileira 31
2 Literatura de informação e literatura jesuítica

Ampliando seus conhecimentos

Reatando os fios
(BOSI, 2005, p. 92-93)

O missionário que se volta para o índio, prega-lhe em tupi e compõe autos


devotos (e, por vezes, circenses) com o fim de convertê-lo, é um difusor
do salvacionismo ibérico para quem a vida do selvagem estava imersa na
barbárie e as suas práticas se inspiravam diretamente no demônio.

As cerimônias indígenas resumiam-se, em última instância, ao fenômeno


da tentação vitoriosa. O mal se abatia, como uma cobra, sobre os par-
ticipantes dos cantos, das danças, da cauinagem, do rito antropofágico.
O fora dominando o dentro, a pura exterioridade, a mais brutal reifica-
ção: essa a imagem que os jesuítas conceberam e nos legaram das festas
tupis. Não admira, portanto, que as mensagens fundadoras e originais do
cristianismo, como a igualdade de todos os homens e o mandamento do
amor universal, tenham sofrido, no processo de catequese, um alto grau
de entropia. A pedagogia da conversão apagava os traços progressistas
virtuais do Evangelho fazendo-os regredir a um substituto para a magia
dos tupis. No entanto, a poesia do Anchieta que escreve líricas sacras já
estava entrando em outro tempo histórico e psicológico, o tempo da pes-
soa que escolhe aceitar ou recusar o amor de um Deus pessoal e entranha-
damente humano.

Estamos tão resignados a pensar com “realismo” (se assim foi, é porque
não poderia deixar de ter sido), que não nos perguntamos se, na verdade,
o que aconteceu não terá significado uma franca regressão da consciência
culta europeia absorvida pela práxis da conquista e da colonização. Como
nas cruzadas e nas guerras santas, a religião e a moral coletiva degradam-
-se rápida e violentamente a pura ferramenta do poder; e o que se ganha
em eficiência tática perde-se em qualidade no processo de humanização.

O caso de Anchieta parece exemplar porque se trata do nosso primeiro


intelectual militante. O fato de ter vivido inspirado pela sua inegável boa-
-fé de apóstolo apenas torna mais dramática a constatação desta quase-fa-
talidade que divide o letrado colonizador em código para uso próprio (ou
de seus pares) e um código para uso dos povos. Lá o símbolo e a efusão da
subjetividade; aqui, o didatismo alegórico rígido, autoritário. Lá a mística
da devotio moderna; aqui, a moral do terror das missões. E depois virá o

32 Literatura Brasileira
Literatura de informação e literatura jesuítica 2
Iluminismo que se combinará com a ditadura recolonizadora; e o libera-
lismo que se casará com a escravidão...

Anchieta fala não só várias línguas, mas linguagens distintas conforme o


seu auditório. O universalismo cristão, peculiar à mensagem evangélica
dos primeiros séculos, precisa de condições históricas especiais para man-
ter sua coerência e pureza. No processo de transplante cultural a aliança
do cristianismo com estratos sociais e políticos dominantes é letal para
sua integridade.

A cisão, que este ensaio aponta, entre um teatro de catequese como exte-
rioridade e uma lírica do sentimento religioso, talvez sirva de estímulo
para repensar os contrastes internos do intelectual “que vive em colônias”.

Atividades
1. Entre as alternativas a seguir, assinale quais são verdadeiras (V) e quais são falsas (F).

(( Os escritos de Jean de Léry sobre o índio brasileiro demonstram uma grande


aversão por parte desse autor em relação ao nativo, o que se deve provavelmente
à sua ideologia calvinista.

(( Na Carta de Pero Vaz de Caminha, já há indícios de que o índio pratica rituais


antropofágicos.

(( Um dos principais objetivos dos jesuítas que acompanharam Tomé de Souza


ao Brasil era a conversão do nativo ao cristianismo.

(( Entre os vários autores do período da Colonização, destaca-se, pela importância,


a obra de José de Anchieta.

2. Relacione a primeira coluna com a segunda.

a. Léry. ( ) Foi um dos primeiros autores a destacar a prática


da antropofagia entre os índios.
b. Anchieta. ( ) É o primeiro autor a afirmar que os nativos não
possuíam nem fé, nem lei, nem rei.
c. Gândavo. ( ) É responsável pela escrita do primeiro documento
a respeito do Brasil.
d. Vespúcio. ( ) Representa o índio de forma humanizada.
e. Caminha. ( ) Possui uma vasta obra dramática destinada à cate-
quização do nativo.

Literatura Brasileira 33
3. Explique as principais estratégias discursivas que Anchieta utilizou em sua obra dra-
mática para convencer o nativo a abandonar sua cultura e aceitar a religião cristã.

Resolução
1. Na ordem: F, F, V, V.

2. Na segunda coluna, na ordem: d, c, e, a, b.

3. Ao perceber que os nativos não compreendiam a noção de uma entidade divina abstrata,
como o deus judaico-cristão, José de Anchieta tratou de adaptar a teologia escolástica
da qual estava impregnado para o imaginário indígena, muitas vezes utilizando figuras
ligadas à natureza – como Tupã, o trovão, utilizado para designar Deus. Além disso, no
intuito de desacreditar a cultura religiosa dos índios, em suas peças Anchieta transfor-
mava os heróis indígenas em vilões e colocava as personagens ligadas aos rituais nativos
como vilões ou demônios.
3
O Barroco e a
literatura brasileira
Edgar Roberto Kirchof

3.1 Barroco no Brasil: questões preliminares

Quando se fala na influência da estética barroca sobre a cultura brasileira, não é


demasiado repetir que, nos séculos XVI e XVII, especificamente, esse sistema estético
e ideológico não chegou realmente a motivar o surgimento de uma escola barroca
brasileira, de forma geral, e muito menos o surgimento de uma escola brasileira de
literatura barroca, de forma específica. Isso porque:

Literatura Brasileira 35
3 O Barroco e a literatura brasileira

[...] praticamente não houve tipografia entre nós ao longo dos séculos coloniais,
ipso faco, não se publicaram livros no Brasil nesse lapso de tempo. Nem jornais:
o primeiro periódico, a Gazeta do Rio de Janeiro, apareceu a 10 de setembro de
1808, por consequência da Impressão Régia. E como os livros que pudessem vir
da Metrópole eram submetidos à censura e se destinavam precipuamente ao en-
sino religioso, segue-se que de um modo geral, afora uns quatro compêndios
escolares de Latim e de Lógica, catecismos e vidas de santos, uns raros romances
inocentes de cavalaria e um outro ripanço de leis, não havia o que ler na Colônia.
Mesmo a circulação manuscrita, supletiva do inexistente comércio livresco, tor-
nava-a inexequível a carestia do papel (MOISÉS, 2000, p. 75).
No Brasil colonial, portanto, os meios de comunicação eram escassos e precários, sendo
que os poucos existentes estavam concentrados nas mãos das ordens religiosas, o que fez
com que o obscurantismo que grassava já em Portugal pela resistência em absorver os ideais
da Renascença predominasse de modo ainda mais intenso entre nós. Por essa razão, não é
adequado pensar na literatura barroca brasileira como se efetivamente houvesse difundido
no Brasil um espírito barroco já nos séculos XVI e XVII. Talvez se possa falar de um embrião
desse estilo ou dessa ideologia, que lograria se impor – sobretudo na arquitetura e nas artes
plásticas – apenas no século XVIII, quando a literatura já havia abandonado os excessos da
estética barroca.
Por outro lado, devem ser destacadas três dimensões importantes sobre o Barroco
brasileiro.
Em primeiro lugar, se o espírito barroco não se impôs na colônia como uma visão de
mundo generalizada, na medida em que iam a Portugal para lá viverem um tempo ou ape-
nas para estudarem, alguns brasileiros ou mesmo portugueses aqui radicados, acabavam
se impregnando desse novo ideário. Foi o caso evidente de Gregório de Matos, cuja família
era abastada e, por isso mesmo, enviou-o, com 16 anos de idade, para estudar em Coimbra,
sendo que o poeta retornou ao Brasil apenas aos 46 anos de idade: sua formação barroca
certamente se deve à sua estadia em Portugal.
Outra dimensão do Barroco brasileiro está indissociavelmente ligada à influência jesuí-
tica entre nós, pois, apesar de não se tratar de um estilo religioso em primeira instância, o
fato é que a ordem de Inácio de Loyola acabou incorporando a estética barroca – em muitos
casos, contribuindo com seu estilo e mesmo ampliando suas temáticas – como uma estraté-
gia para combater os vários movimentos de reforma religiosa que se alastravam a passos lar-
gos pela Europa. No entanto, da forma como geralmente se manifesta no contexto jesuítico,
o Barroco adquire algumas singularidades que devem ser tratadas em específico.
Por fim, não se deve esquecer que, apesar de o Barroco não ter sido um sistema ideoló-
gico e estético generalizado no Brasil dos séculos XVI e XVII, sua influência para a formação
da identidade brasileira não deve ser subestimada, notadamente pela importância de autores
como o padre Antônio Vieira e, sobretudo, Gregório de Matos, que acabaram influenciando
movimentos literários posteriores, o que levou o crítico Afrânio Coutinho, por exemplo, a
afirmar que “a civilização desenvolvida no Brasil colônia é uma civilização barroca, e [...] o
Barroco ficou sempre congenial ao espírito brasileiro” (COUTINHO, 2004a, p. 34).

36 Literatura Brasileira
O Barroco e a literatura brasileira 3
3.2 Cultismo e conceitismo no Brasil?

Massaud Moisés (2000, p. 72) nos fornece uma relação dos principais autores do perío-
do Barroco no Brasil a partir de um critério cronológico, que pode ser útil, à guisa de intro-
dução, para chegar a uma visão panorâmica:
• nos 50 anos iniciais do século XVII, Pernambuco é o centro, sendo que o principal
autor, frequentemente considerado o primeiro autor barroco no Brasil, é Bento
Teixeira, com sua Prosopopeia;
• a segunda metade do século XVII caracteriza-se como o apogeu do Barroco na
Bahia, tendo como principais autores Gregório de Matos Guerra e o padre Vieira;
• o final do século XVII e o século XVIII caracterizam-se como o declínio e o final do
Barroco na literatura brasileira, cujo marco geralmente é reconhecido a partir das
Obras (1768), de Cláudio Manuel da Costa.
No conjunto das obras produzidas no Brasil durante esse período, destacam-se apenas
dois autores por uma certa qualidade literária e pela importância ideológica e estética que
angariaram ao longo da história de nossa literatura: o baiano Gregório de Matos e o portu-
guês Antônio Vieira, que aqui passou a maior parte sua vida. Muitos críticos e historiadores
da literatura brasileira costumam afirmar que esses dois autores representam duas faces di-
cotômicas do Barroco, especialmente do Barroco espanhol, e chegam a explicar tal fenômeno
pelo fato histórico de Portugal ter sido anexado à Espanha entre 1580 e 1640, permanecendo,
durante 60 anos, sob o domínio político de Felipe II e seus sucessores, o que teve consequên-
cias no âmbito cultural e literário de Portugal e de suas colônias.
Afrânio Coutinho (2004a, p. 34) acredita que justamente por causa desse fato político
o Barroco não se impôs em Portugal, pois teria angariado uma certa aura de “ideologia do
opressor”, ao passo que, no Brasil, teria se imposto pelo motivo inverso. A despeito desse
tipo de especulação, certos críticos afirmam que Gregório de Matos e o padre Vieira se-
riam os nossos representantes do Cultismo e do Conceitismo, respectivamente. Nessa visão,
Gregório de Matos estaria mais para o maneirismo acentuado de Gôngora (cuja escola ficou
conhecida como cultismo ou culteranismo), enquanto Antônio Vieira representaria o estilo de
Quevedo, que ficou conhecido como conceptismo.
É comum afirmar que o estilo de Gôngora é mais marcado pelo preciosismo exagera-
do advindo de um uso extensivo de figuras retóricas e poéticas, especialmente metáforas
sensoriais, figuras de oposição e de sintaxe, e o estilo de Quevedo, por sua vez estaria mais
marcado pela retórica escolástica, o que explicaria sua predileção por figuras de raciocínio
lógico, como silogismos.
Note como nos últimos versos do soneto “La dulce boca que a gustar convida”, Gôngora
(2008) utiliza as metáforas visuais – “manzanas” (maçãs) e “rosas” – para expressar o amor
como algo paradoxal: perfumado e venenoso ao mesmo tempo. Além do forte apelo senso-
rial (visual, olfativo e gustativo), o poema apresenta jogos de inversão sintática – por exem-
plo, no último verso, cuja ordem direta seria “Y solo el veneno queda del amor” (E só o veneno
do amor permanece).

Literatura Brasileira 37
3 O Barroco e a literatura brasileira

Manzanas son de Tántalo, y no rosas,


Que después huyen del que incitan ahora,
Y sólo del Amor queda el veneno.

Por outro lado, já o primeiro verso do poema“¡Ah de la vida!” ... Nadie me responde?, de
Quevedo, em vez de privilegiar imagens visuais sensórias, apresenta um raciocínio lógico
destinado a criar uma espécie de paradoxo: “Represéntase la brevedad de lo que se vive y cuán
nada parece lo que se vivió” (Representa-se a brevidade do que se vive, quando nada parece
com aquilo que se viveu). Em vez de metáforas ou alegorias, há dois enunciados em oposição
lógica: no primeiro, uma asserção; no segundo, outra asserção, que se opõe à primeira. Assim,
o paradoxo não surge de imagens, mas da oposição entre o conteúdo lógico dos enunciados.
As aproximações entre Gregório e Gôngora, assim como entre Vieira e Quevedo, são justi-
ficáveis. No entanto, classificar o primeiro como cultista e o segundo como conceptista pode con-
duzir a simplificações exageradas. No caso de Gregório, já se demonstrou que seus poemas são
tributários de influências tanto de Gôngora quanto de Quevedo (COUTINHO, 2004a, p. 122).
No caso de Vieira, por sua vez, muito de sua tendência para um raciocínio mais lógico
e menos afetado se deve ao próprio gênero que predomina em sua produção: o sermão,
um discurso retórico por excelência. E, mesmo assim, também em seu discurso há um uso
extensivo de imagens sensórias, analogias (a maior parte delas provindas de textos bíblicos
e biografias de santos) e outras figuras de retórica, inclusive antíteses, embora seu uso ex-
cessivo tenha sido condenado pelo próprio autor em seu famoso “Sermão da Sexagésima”.
Em poucos termos, se é possível elencar elementos cultistas e conceptistas nas obras de
Gregório de Matos e do padre Antônio Vieira, classificá-los a partir desses dois movimentos
ibéricos pode conduzir ao risco da simplificação excessiva e da consequente negligência
quanto a aspectos específicos estilística e ideologicamente importantes nesses dois autores.

3.2.1 Gregório de Matos


Gregório de Matos Guerra nasceu em 1633, na Bahia. Sua família era rica e tinha fortes
laços com Portugal. Por isso mesmo, Gregório de Matos foi enviado ainda muito jovem
para estudar direito na Universidade de Coimbra. Enquanto menino, contudo, estudara no
colégio jesuítico baiano. Em 1663, tornou-se juiz e foi trabalhar em um pequeno lugarejo no
interior de Portugal, sendo que, logo em seguida, foi nomeado para trabalhar em Lisboa,
onde se casou com a filha de um magistrado. Em 1678, enviuvou. Quando tinha 46 anos, re-
tornou ao Brasil como clérigo, mas dois anos depois foi destituído pela Igreja em decorrência
de seu estilo de vida, considerado “pouco cristão”. Em 1680, casou-se com Maria de Póvoas.
Logo em seguida, por causa de seu comportamento irreverente e sobretudo por suas sátiras
contra autoridades e outros membros da sociedade bahiana, foi denunciado ao tribunal da
Inquisição (que foi criado pela Igreja Católica para investigar e julgar sumariamente preten-
sos hereges e feiticeiros, acusados de crimes contra a fé católica), sendo absolvido por conta
da influência de sua família. No entanto, como não parou de escrever sátiras e poemas sem-
pre mais ferinos, irreverentes e, muitos deles, obscenos, em 1694 sofreu um desterro para

38 Literatura Brasileira
O Barroco e a literatura brasileira 3
Angola. Foi-lhe permitido voltar ao Brasil um ano depois, desde que fosse morar no Recife.
Lá faleceu, em 1695, vítima de uma malária contraída na África.
O primeiro e principal problema em relação à literatura de Gregório de Matos diz respei-
to à edição de seus poemas. Como inexistia imprensa no Brasil daquela época, a maior parte
de sua produção foi realizada em manuscritos, vários dos quais estão perdidos irremediavel-
mente. Além disso, por circularem de forma pouco organizada e visto não ter sido realizada
uma coletânea confiável na sua época, não é possível ter certeza de que todos os poemas que
hoje possuímos com a rubrica de Gregório de Matos realmente são de sua autoria.
Outra questão preliminar relevante é o fato de que alguns de seus poemas são pra-
ticamente idênticos a poemas de Gôngora, o que levou alguns críticos literários não só a
depreciarem a obra de Gregório como também a considerá-lo um poeta menor, incapaz de
produzir criativamente. Apesar de continuar gerando controvérsias, esse assunto foi tratado
com muito cuidado por Afrânio Coutinho, que foi capaz de demonstrar, de forma convin-
cente, que a imitação era a norma estética daquele período, sendo praticada por todos os
grandes autores – não apenas do Barroco, mas de todos os períodos literários anteriores
ao Romantismo. É apenas a partir do Romantismo que a criatividade individual do artista
passa a adquirir importância central como critério de avaliação estética: “Naquele tempo era
motivo de superioridade e não de inferioridade artística [...] um escritor mostrar que imitava
um modelo da Antiguidade” (COUTINHO, 2004a, p. 10).
A poesia de Gregório de Matos é de capital importância para compreender a formação
da identidade cultural e literária brasileira, pois certamente ele foi o primeiro escritor a
realizar uma “manifestação eloquente da mestiçagem cultural que se implantou no Brasil”
(COUTINHO, 2004a, p. 31). Nesse sentido, estudar a obra de Gregório é fundamental para
compreender vários mitos e práticas culturais ainda hoje perceptíveis em nossa sociedade –
como preconceitos de raça e de classe.
Além disso, Gregório pode ser considerado, sem dúvida, uma manifestação genuína e
de alta qualidade do espírito barroco, sendo que sua poesia manifesta, de forma exemplar,
um dos maiores paradoxos daquele período: uma religiosidade beata e piedosa junto com
uma sensualidade que, no caso de Gregório, chega às raias da obscenidade escancarada,
em uma vã e desesperada tentativa – sempre fadada ao fracasso – de conciliar o espírito e a
carne. Compare os quatro primeiros versos de um poema satírico de Gregório (o soneto “Ao
mesmo assunto do batizado”), em que o poeta conclama explicitamente ao gozo dos praze-
res terrenos, com os quatro primeiros versos de um de seus poemas religiosos (“Ao mesmo
assunto”), cujo tema principal é a culpa e o arrependimento:

Ao mesmo assunto do batizado Ao mesmo assunto


Se a morte anda de ronda, e a Ofendi-vos, meu Deus, é
vida trota, bem verdade,
aproveite-se o tempo, e ferva o baco; É verdade, Senhor, que
haja basófia, tome-se tabaco, hei delinquido,
venha rodando a pipa e ande a bota. Delinquido vos tenho, e ofendido
(MATOS, 2008a) Ofendido vos tem minha maldade.
(MATOS, 2008c)

Literatura Brasileira 39
3 O Barroco e a literatura brasileira

A poesia de Gregório pode ser dividida a partir de três temas ou subgêneros, que pre-
dominam em sua produção: poesia sacra, poesia satírica, poesia erótico-amorosa.
Na primeira, prevalece o tema tipicamente barroco da culpa pela consciência do peca-
do, advindo do apego incontornável à vida terrena, e a necessidade do perdão divino.
A poesia satírica de Gregório de Matos foi a principal responsável pelos seus problemas
com a Inquisição e pelo seu desterro. De fato, a linguagem feroz, ofensiva e frequentemente
obscena que o poeta utilizava para se referir aos seus desafetos fez com que ficasse conheci-
do como O Boca do Inferno.
Pertencente a uma classe social que se encontrava em franca decadência – a aristocracia
portuguesa – em decorrência do avanço do Mercantilismo, Gregório viu uma série de no-
vos tipos sociais angariando prestígio econômico em detrimento da velha classe dirigente
do Brasil, de origem aristocrática. Sua pena se dirigiu sobretudo contra os comerciantes
ingleses (chamados, ironicamente, de brichotes), os cristãos-novos (judeus convertidos) e os
novos “burgueses” brasileiros, que o poeta denomina de “netos de caramuru”, em uma
franca demonstração de preconceito contra as etnias indígenas. Note os versos abaixo, em
que Gregório (MATOS, 2008b) procurou ridicularizar a linguagem indígena já presente no
vocabulário português da época:

Há cousa como ver um Paiaiá


Mui prezado de ser Caramuru,
Descendente de sangue de Tatu,
Cujo torpe idioma é cobé pá.

Sua maior indignação, contudo, dirige-se contra mestiços forros que, agregados a fa-
mílias abonadas, recebiam deferências negadas a ele próprio, que se considerava de uma
classe social, econômica e racial superior. É exatamente nesse ponto que surgem algumas
das questões sociológicas mais relevantes no que diz respeito a uma discussão da poesia de
Gregório sob o pano de fundo da formação da cultura brasileira. Como observou o crítico
literário Alfredo Bosi (2005, p. 106), quando está em jogo o prestígio econômico é que sur-
gem, em nossa cultura, da forma mais cruel, os preconceitos de cor e de raça evidentes entre
inúmeros outros exemplos, nos versos a seguir:

Não sei para que é nascer


neste Brasil empestado
um homem branco e honrado
sem outra raça (MATOS, 2008f).

A poesia amorosa de Gregório revela um dualismo inconciliável, que pode ser lido à luz
do pensamento barroco, mas que também revela aspectos sociológicos importantes quanto
aos mitos da fundação da cultura brasileira. Quando o poeta toma como objeto de seu desejo
mulheres brancas, preferencialmente pertencentes à classe social aristocrática, utiliza o que
a poesia barroca possui de mais exemplar para exprimir seu erotismo, como trocadilhos,
hipérbatos, antíteses, metáforas e alegorias, o que, a despeito de gerar um efeito estético de

40 Literatura Brasileira
O Barroco e a literatura brasileira 3
opulência sensória, acaba criando uma atmosfera sóbria e galanteadora. Já quando se dirige
à mulher negra ou mestiça, os preconceitos raciais já manifestos na poesia de cunho político
adquirem uma intensidade realçada pelo obsceno, que, muitas vezes, beira o pornográfico.
Observe os exemplos abaixo:
Parte de um poema dedicado a Parte de um poema dedicado a uma
Dona Ângela mulata
Se a boca vos fede a caca,
Anjo no nome, Angélica na cara! e tanto puta, fedeis,
Isso é ser flor, e anjo juntamente: eu creio que descendeis
Ser angélica flor, e anjo florente, de alguma Jaratacaca:
Em quem, senão em vós, se uniformara sobre seres tão velhaca,
que não há pobre despido
Quem veria uma flor, que a não cortara que vos não tenha dormido,
De verde pé, de rama florescente? Jaratacaca bufais,
E quem um Anjo vira tão luzente, e quando vós fornicais,
Que por seu Deus, o não idolatrara? deixais o membro aturdido.
(MATOS, 2008e) (MATOS, 2008g)

Alfredo Bosi explica que, na poesia erótica de Gregório, há uma desclassicação explícita
daquela mulher que não se pretende tomar por esposa, ao mesmo tempo em que há uma
idealização da mulher com quem se pretende casar. Nesse último caso, os impulsos eróticos
são sublimados (elevados, purificados) por meio do rico repertório de imagens e figuras
literárias do Barroco, ao passo que a mulher negra e mestiça transforma-se em objeto de de-
sejo luxurioso ao mesmo tempo em que é vista como digna de desprezo. Em poucos termos,
no tratamento concedido ao erotismo por parte de Gregório, “o preconceito [...] dobra-se e
complica-se porque desce ao subterrâneo de uma prática erótica onde se geram, íntima e
simultaneamente, a atração física, a repulsa e o sadismo” (BOSI, 2005, p. 107).

3.2.2 Padre Antonio Vieira


Antônio Vieira nasceu em Lisboa, no ano de 1608, mas veio ainda criança para o Brasil,
aos seis anos de idade. Iniciou seus estudos no Colégio da Companhia de Jesus, em Salvador,
e muito cedo decidiu iniciar seu noviciado com os jesuítas, na intenção de se tornar um clé-
rigo inaciano. No final de 1634, foi ordenado e se tornou professor de teologia e pregador.
Em 1641, retornou a Portugal, onde, por obra do seu grande talento como orador e sua inte-
ligência privilegiada, foi nomeado orador régio por D. João IV.
Nessa época, Vieira recebeu três principais incumbências políticas, sendo que não obte-
ve sucesso em nenhuma delas:
• negociar a paz com a Holanda;
• negociar o casamento de D. Teodósio com a filha do Duque de Orleans;
• tentar uma reaproximação de Portugal com a Espanha por meio do casamento de
D. Teodósio com a filha de Felipe IV.

Literatura Brasileira 41
3 O Barroco e a literatura brasileira

Em 1652, após 11 anos em Portugal, Vieira retornou ao Brasil, onde se tornou uma
figura politicamente influente. A partir de então, engajou-se em vários projetos políticos e
ideológicos, entre os quais podemos destacar dois:
• sua luta contra o recrutamento de índios para trabalharem como escravos, no
Maranhão;
• seu intento de persuadir D. João IV a aderir ao espírito mercantil já incorporado
pelos mais importantes rivais econômicos de Portugal – Holanda e Inglaterra.
Novamente sem sucesso, no ano seguinte retornou ao Maranhão, onde residia desde sua
volta à colônia, e sua atuação acabou por levá-lo a ser expulso do Brasil, juntamente com outros
jesuítas, o que o conduz novamente a Portugal. Lá, Vieira foi preso por ordem da Inquisição
sob acusação de profetismo messiânico. De fato, em alguns textos escritos após esse retorno
a Portugal as imagens e analogias criadas pelo jesuíta exprimem a ideia do Brasil como uma
terra prometida, na qual Cristo reinaria soberano sobre todos os males e heresias.
Em 1669, ele se transferiu para Roma, na intenção de tentar anular o processo da
Inquisição, o que ocorreu em 1675. Nesse intervalo, Vieira tornou-se pregador nos espaços
literários criados pela rainha Cristina, da Suécia, que lá se encontrava. Em 1681, ele retornou
ao Brasil e na Bahia se dedicou à publicação de suas obras e ao ofício de pregador. Falece em
1697, no Colégio da Bahia.
A primeira questão a ser destacada quando se fala da obra de Antônio Vieira é o pró-
prio estatuto de sua produção, que praticamente não abrange a ficção e tampouco a lírica
tradicional: trata-se de textos literários ou não literários? Embora muito já se tenha discutido
a esse respeito – e a crítica literária tem oscilado quanto às respostas –, historicamente seus
textos têm sido valorizados, no âmbito da crítica, juntamente com os textos de Gregório de
Matos, apenas após a década de 1930 (MOISÉS, 2000, p. 197).
A segunda questão mais discutida no âmbito da crítica tradicional é a filiação de Vieira
a uma das duas principais correntes do Barroco ibérico. Se Gregório de Matos foi classifi-
cado, de modo apressado, como cultista, Vieira, de modo similarmente apressado e pouco
consistente, tem sido considerado nosso representante do conceptismo. A arbitrariedade
dessas classificações já tem sido devidamente discutida no âmbito da crítica contemporânea
e, assim como existem estudos demonstrando a influência de Quevedo sobre Gregório de
Matos, também há estudos que abalam a crença no conceptismo puro de Vieira.
De fato, o próprio Vieira, em um de seus mais famosos sermões, o “Sermão da
Sexagésima”, também chamado “Sermão do Evangelho”, condena diretamente a linguagem
cultista, muito apreciada e praticada amplamente pela ordem dos dominicanos, especial-
mente pelo Frei Domingos de São Tomás:
Este desaventurado estilo que hoje se usa, os que o querem honrar chamam-lhe
culto, os que o condenam chamam-lhe escuro, mas ainda lhe fazem muita honra.
O estilo culto não é escuro, é negro, e negro boçal e muito cerrado (VIEIRA, 2008).
Note como Vieira ataca ironicamente a hiper-retórica do estilo cultista, que considera
nada mais do que um jogo vazio de efeitos estéticos baseados em antíteses pobres, sem
qualquer conteúdo:

42 Literatura Brasileira
O Barroco e a literatura brasileira 3
Não fez Deus o céu em xadrez de estrelas, como os pregadores fazem o sermão
em xadrez de palavras. Se de uma parte está branco, da outra há de estar negro,
se de uma parte está dia, da outra há de estar noite, se de uma parte dizem luz,
da outra hão de dizer sombra; se de uma parte dizem desceu, da outra hão de
dizer subiu. Basta, que não havemos de ver num sermão duas palavras em paz?
(VIEIRA, 2008).
Apesar de seus ataques diretos ao cultismo, já se demonstrou de forma convincente
que, quando lhe convinha, Vieira sabia empregar com maestria as técnicas retóricas típicas
do gongorismo (COUTINHO, 2004a, p. 87).
No “Sermão da Sexagésima”, Vieira desenvolveu uma verdadeira teoria de retórica,
baseada em imagens e ações concretas: “O pregar há de ser como quem semeia, e não como
quem ladrilha ou azuleja.” Além disso, em franca oposição à ideia de que a forma é mais
importante do que o conteúdo, Vieira afirma que o bom discurso depende:
• da adequação do assunto;
• do domínio da técnica;
• da impostação da voz;
• do comprometimento com a verdade do discurso; e
• da coerência entre o discurso enunciado e a vida pessoal do orador.
Para sermos coerentes com a concepção de Vieira, portanto, é à luz de seus projetos
políticos e ideológicos que deve ser lida a sua obra e o modo como esse brilhante orador se
apropria da estética barroca. Ressalte-se novamente que Vieira não é um ficcionista, mas,
antes de tudo, um retórico e portanto, utiliza o estilo, em primeira instância, para persuadir
e não para criar efeitos de forma puramente estética. As analogias, os silogismos, as metáfo-
ras e as alegorias bíblicas, além de recursos de uso frequente por parte dos cultistas (como
hipérbatos, oxímoros e antíteses), são utilizados, pelo padre jesuíta para persuadir a classe
dirigente de Portugal em favor de suas concepções políticas e ideológicas.
Apesar de Vieira ter se pronunciado sobre numerosos assuntos e questões importantes
para a sua época, destacaremos aqui de modo muito panorâmico, apenas duas:
• sua visão política e econômica, favorável ao mercantilismo e à necessidade de bus-
car apoio pecuniário junto aos cristãos-novos;
• seu engajamento na questão da escravidão do índio e do negro.
Quanto ao primeiro ponto, diferente de Gregório de Matos, que defendia a classe aristo-
crática contra a máquina mercante, Vieira tinha consciência de que, para sobreviver economi-
camente, a classe dirigente de Portugal (os nobres, os teólogos, o Santo Ofício) deveria ven-
cer seus preconceitos contra os judeus (cristãos-novos), pois estes eram grandes banqueiros
e comerciantes. Enquanto conselheiro de D. João IV, Vieira o havia persuadido a fundar uma
Companhia das Índias Ocidentais, que dependia do capital de cristãos-novos. Na verdade,
Vieira pretendia imitar as estratégias mercantis já adotadas pela Holanda e pela Inglaterra,
mas para tanto precisava enfrentar e combater o pensamento dogmático de uma aristocracia
que não estava disposta a abdicar de seus privilégios, assentados em uma tradição religiosa
e ainda medieval em vários aspectos.

Literatura Brasileira 43
3 O Barroco e a literatura brasileira

Um dos principais sermões dedicados a esse assunto é o “Sermão de São Roque”, no


qual, segundo Alfredo Bosi, Vieira realiza “uma singular simbiose de alegoria bíblico-cristã
e pensamento mercantil” (BOSI, 2005, p. 120). De forma resumida, o principal argumento
desse sermão é um ataque às falsas aparências, sendo que a mensagem principal se constrói
no sentido de demonstrar que os judeus parecem um risco para a fé cristã, mas na realidade
podem ser a fonte da salvação. A fim de demover a elite portuguesa de seu apego aos títulos
e privilégios que deles advêm – o que Vieira considerava um grande empecilho para um
projeto alinhado com o mercantilismo necessário para que vingasse a Companhia das Índias
–, Antônio Vieira escreve vários sermões em que utiliza estrategicamente imagens bíblicas
e outras alegorias.
Por exemplo, no “Sermão da Terceira Dominga do Advento”, os atos humanos são con-
siderados superiores aos títulos, sendo que essa ideia é desenvolvida, entre outros, à luz da
imagem de João Batista no deserto.
Já no “Sermão de Santo Antônio”, Vieira ataca diretamente os privilégios gozados pelo
clero e pela nobreza graças ao sistema de isenção tributária, utilizando, para tanto, além de
imagens bíblicas, imagens motivadas por fenômenos naturais, como a terra, o firmamento
e a água.
No que se refere à visão de Vieira sobre a escravidão, deve-se ressaltar de início que
é uma visão contraditória, fruto de uma vã tentativa de conciliar aquilo que não pode ser
conciliado: de um lado, a fraternidade e o universalismo cristão; de outro, os interesses da
Coroa e da instituição eclesiástica à qual pertence o próprio Vieira. Seus sermões dedicados
ao tema escravidão tanto dos índios quanto dos negros são sempre contraditórios, sendo
que no caso dos índios há um engajamento mais explícito em prol de ações práticas, ao pas-
so que, no caso dos negros, Vieira, quando muito, emite palavras de consolo – o sofrimen-
to terreno seria compensado pela salvação da alma –, ao mesmo tempo em que ressalta o
universalismo da espécie humana, segundo o qual, para Deus, não existem diferenças entre
pessoas de cor diferente.
Vieira aborda diretamente o tema da escravidão negra em alguns dos “Sermões do
Rosário” – os de número XIV, XVI, XX e XXVII. Muitas irmandades voltadas ao culto de
Nossa Senhora do Rosário eram constituídas apenas por negros, razão pela qual Vieira
procurou tematizar esse assunto em tais sermões. De forma geral, Vieira inicia apelan-
do para o argumento da universalidade do humano, a partir do qual esperar-se-ia uma
conclusão libertária ou subversiva. No entanto, enquanto homem atrelado às instituições
de poder de sua época, Vieira se limita a consolar o escravo, comparando seu sofrimento
com o sofrimento de Cristo. Em alguns casos, os senhores são chamados a tratar bem seus
escravos, mas a ênfase é colocada na salvação da alma e não do corpo. Nesse sentido, é
especialmente interessante o “XXVII Sermão do Rosário”, em que Vieira utiliza a doutrina
platônica da divisão entre matéria e espírito para afirmar que apenas os corpos dos negros
estão escravizados, ao passo que seus espíritos são mais livres do que as almas dos pró-
prios brancos que os aprisionam.
A visão de Vieira sobre a escravidão indígena está muito marcada pelas lutas que tra-
vou contra os colonos do Maranhão, que recrutavam índios para trabalharem como escravos

44 Literatura Brasileira
O Barroco e a literatura brasileira 3
em suas plantações. Em 1654, Vieira chegou a retornar a Portugal na esperança de negociar
uma solução a partir de sua influência política. Entre os jesuítas e a Coroa havia um acordo
segundo o qual os padres da Companhia de Jesus ajudariam os portugueses a buscar os
índios no sertão, trazendo-os para São Luís, a fim de trabalharem como escravos apenas
durante a metade do ano – o restante do tempo deveria ser dedicado à catequese e à dou-
trinação cristã, realizada pelos padres. No entanto, na medida em que o trabalho nas roças
aumentava e se intensificava, os colonos exigiam que os índios trabalhassem o tempo todo
(BOSI, 2005, p. 136).
É contra esse abuso específico que Vieira se pronuncia, por exemplo, no “Sermão da
Primeira Dominga da Quaresma” ou no “Sermão da Epifania”. Assim como no caso dos
escravos negros, também na argumentação destinada a defender os índios, Vieira cai em
numerosas contradições – que podem ser lidas como contradições ou paradoxos do Barroco,
mas também servem como um ícone das contradições do próprio projeto de colonização do
Brasil. Nas palavras de Alfredo Bosi, “como poderia uma instituição, que vivia dentro do
Estado monárquico, e à custa dos excedentes deste, desenvolver um projeto social coeso à
revelia das forças que dominavam esse mesmo sistema?” (BOSI, 2005, 137).
Para concluir, ressalte-se que um dos aspectos mais curiosos quando se avalia a obra de
Antônio Vieira à luz do Barroco, e especialmente à luz do Barroco jesuítico, é o fato de que,
primeiro, Vieira não sobrepõe a forma ao conteúdo e, segundo, o fato de que tampouco se
revela um pessimista ou um desiludido, para quem a vida seria mero sonho ou aparência.
Comprova-o seu messianismo – alegórico ou não –, fundamento de uma esperança de re-
denção ainda neste mundo. Homem de ação e não de quimeras, Vieira desafia conclusões
simplórias sobre a maneira como a filosofia inaciana influenciou o pensamento barroco.

Ampliando seus conhecimentos

Prefácio
(CAMPOS, 1995, p. 9-14)

De longa data tenho insistido com meu amigo, o Prof. Segismundo Spina,
no sentido de que fizesse reeditar a sua antologia de Gregório de Matos,
publicada em 1946 pela Editora Assunção em São Paulo, e há muitos anos
esgotada.

De fato, o século XX é o século da ressurreição do barroco. Na Espanha,


Damaso Alonso, García Lorca, Gerardo Diego reavaliam Gôngora; na
Inglaterra, T. S. Eliot revê os chamados “poetas metafísicos”; na Itália,
críticos como Luciano Anceschi e poetas como Ungaretti – este último,
tradutor de Gôngora – voltam-se para esse período antes negligenciado
ou visto com prevenção; na Alemanha, Walter Benjamin encontra, no

Literatura Brasileira 45
3 O Barroco e a literatura brasileira

expressionismo, parâmetros que o incitam a estudar o procedimento da


alegoria no “auto fúnebre” barroco.

Tardou bastante o reconhecimento, entre nós, da importância do bar-


roco, e em torno de Gregório de Matos, o nosso mais destacado poeta
do período e um dos maiores nomes de toda a nossa literatura (“grande
poeta colonial”, chama-o Segismundo Spina), travou-se uma querela que
assumiu por vezes aspectos injustos e virulentos.

Nesse sentido, o livro de juventude de Spina, publicado na segunda


metade da década de 1940, é anterior em edição, no tempo, à publicação
da tese de Afrânio Coutinho Aspectos da Literatura Barroca (1950), ine-
gavelmente uma referência obrigatória, em nosso país, no que respeita
à problemática teórico-literária do barroco, à luz de uma nova crítica
estético-periodológica. Após a edição da obra gregoriana pela Academia
Brasileira de Letras (1923-1933), só a partir da década de 1960 começariam
a surgir trabalhos críticos relevantes sobre o poeta do Recôncavo, a cul-
minar, na década de 1980, depois da corajosa edição não expurgada de
1968, aos cuidados de James Amado, no livro de Fernando Peres, pesqui-
sador informadíssimo da vida e da obra de Gregório (Gregório de Matos
Guerra: Uma Re-visão Biográfica, 1983) e, num plano estilístico, no traba-
lho de João Carlos Teixeira Gomes (Gregório de Matos, O Boca de Brasa:
um estudo de plágio e criação intertextual, 1985).

Mas não só como livro pioneiro, isto é, em termos de primazia cronoló-


gica, deve ser avaliada a importância da contribuição de Spina. Vários dos
aspectos abordados em seu ensaio introdutório à antologia gregoriana
revelaram-se antecipatórios no que respeita à leitura posterior do poeta.
Assim, por exemplo:

• A evocação do carnaval barroco, “verdadeira saturnal cristã”, onde se


misturavam as raças e os estratos sociais (monges e índios, negros e
mulheres, nobres e o próprio vice-rei), complementada, no plano das
formas literárias, com a indigitação de Gregório como o introdutor
do “filão da farsa” em nosso meio. Isso permitirá lobrigar, em outra
etapa dos estudos gregorianos, e a partir do contexto da época em que
viveu o poeta, ingredientes para a individuação do traço bakhtiniano
da “carnavalização” na pena mordaz e destabocada do satírico baiano
(“Gregório foi, em última instância, uma emanação do ambiente cir-
cundante e o látego do próprio meio”, Spina).

46 Literatura Brasileira
O Barroco e a literatura brasileira 3
• O levantamento e o estudo preliminar da “linguagem brasileira” de
Gregório (dos brasileirismos, tupismos e africanismos do léxico gre-
goriano), uma característica de seu “barroco tropical” (Spina).

• O reconhecimento de que Gregório, numa época em que a imprensa


era proibida no Brasil, “foi, sem dúvida o primeiro prelo e o primeiro
jornal que circulou na Colônia”. A ênfase nessa observação diz muito
sobre o público da primeira recepção do poeta. Desenvolvidas num
percuciente corolário que junta a Gregório o Padre Vieira (“Mas é por
intermédio desses dois autores e dos cronistas da época que podere-
mos reconstituir fielmente o retrato da sociedade brasileira do século
XVII”), ambas essas verificações pré-constituem-se numa refutação a
teses ou construções como aquela que nega a existência de Gregório
“em perspectiva histórica” para fins de evolução literária – justamente
daquele “Boca de Inferno” que é fonte dessa mesma história.

• A contestação, a partir do “conceito clássico da imitação”, reforçado


pelas noções de tradução e enxertia, de paródia e adaptação poética,
do libelo acusatório de plágio, movido contra Gregório, com ardor
verrinoso, pelo truculento filólogo parnasiano Sílvio Júlio, num
estudo que, além de investir contra Gregório, vitupera a nossa música
popular (“o abestalhado samba”) e a literatura modernista (“a futu-
ristice dejectada por Marinetti”). A esse estudo não faltam condimen-
tos de preconceitos de cor e status (“O que rutilava em Gôngora e
era música de violino tornou-se parda nefelibatice em Gregório de
Matos Guerra e batuque africano”, Sílvio Júlio, Reações na Literatura
Brasileira, 1938).

• A ênfase na valorização do “lirismo crioulo” e, em particular, da sátira


gregoriana (“A sátira foi a maior porção do poeta baiano; foi satírico
por excelência e nesse gênero ninguém o excedeu ainda talvez em
toda América Latina”). É verdade que esse aspecto é “o mais estu-
dado do poeta baiano, desde Araripe Jr.”, como reconhece Spina; mas
é certo também que a pudica edição Afrânio Peixoto de 1923-1933, da
Academia Brasileira de Letras, por meritória que seja, ressente-se do
expurgo das mais violentas e escabrosas composições erótico-satíri-
cas do “Boca de Inferno” (“...impublicável a Erótica”, sentencia mora-
lizante Afrânio Peixoto em seu Panorama da Literatura Brasileira,
1940). Essas produções só vieram à luz em 1968, na destemida edição
James Amado.

Literatura Brasileira 47
3 O Barroco e a literatura brasileira

Sem prejuízo de eventuais diferenças de opinião quanto a determinados


pontos de vista de Spina, diferenças que antes cumprem a saudável função
de estimular debate (como, por exemplo, no que respeita à necessidade de
se aguardar uma problemática “edição crítica” para o julgamento estético
da obra gregoriana, “majestoso monumento” no dizer do próprio Spina;
ou, então, no que toca ao cabimento ou não de Gregório de Matos no con-
ceito de barroco, uma questão que, a meu ver, se resolveria adequadamente
pela inclusão do nosso poeta num continuum maneirista-barroquista, com
a aceitação da tese de Jorge de Sena sobre o maneirismo de Camões), sem
prejuízo do aprofundamento desse debate, a verdade é que a reedição de
Gregório de Matos de Segismundo Spina deve ser saudada como um evento
muito auspicioso. Não só por ter o autor, finalmente, consentido em dá-la
à estampa, mas, ainda, pelo fato de ter-se aplicado a uma ampla revisão da
obra, de modo a dar-lhe a dimensão de um virtual livro novo, de uma “obra
diferente”, segundo expressão da “Advertência” inicial.

Ganham os leitores da poesia, não só os estudiosos da literatura, mas o lei-


tor em geral, interessado em compartir do humor e do amor (quando não
do furor) da musa gregoriana. Ganham, especialmente, os poetas, que
podem retemperar o seu engenho e a sua arte enriquecendo-os na inven-
tiva lavra gregoriana, de que a antologia anexa, cuidadosamente anotada
por Spina, dá uma generosa medida.

Atividades
1. Leia as afirmações a seguir.

I. Ao passo que o cultismo explora principalmente figuras de pensamento, o con-


ceptismo explora figuras sensórias e visuais.
II. Gregório de Matos utilizava o estilo cultista, ao passo que o padre Antônio Vieira
era conceptista.
III. É possível encontrar características cultistas e conceptistas tanto na obra do pa-
dre Vieira quanto na de Gregório de Matos.

Agora, assinale a alternativa correta.

a. As afirmativas I e II estão corretas.

b. As afirmativas I e III estão corretas.

c. Apenas a afirmativa II está correta.

d. Apenas a afirmativa III está correta.

48 Literatura Brasileira
O Barroco e a literatura brasileira 3
2. Assinale nas alternativas seguintes (V) quando estiver relacionada com a obra de
Vieira e (G) quando estiver relacionada com a obra de Gregório de Matos.

(( A maior parte de sua obra possui um caráter retórico.

(( Em sua obra, há uma defesa da camada aristocrática portuguesa no Brasil e


uma oposição aos mercadores estrangeiros e mestiços brasileiros.

(( O autor se dedicou a numerosos temas relevantes para a sua época, destacando-


se a escravidão, tratada a partir de um discurso de consolo ao negro escravo,
baseado no dualismo maniqueísta entre corpo e alma.

(( Sua obra pode ser dividida a partir de três gêneros principais: satírico, amoroso
e sacro.

3. Por que a obra de Gregório de Matos é tão importante no quadro da literatura bra-
sileira?

Resolução
1. d.

2. Na ordem: V, G, V, G.

3. Há pelo menos dois motivos principais para que a obra de Gregório de Matos seja con-
siderada de extrema importância para o cânone literário brasileiro:

• ele foi um dos primeiros escritores a abordar a mestiçagem cultural de


nosso país, manifestando-a não apenas nos temas de sua poesia como tam-
bém a partir do léxico;

• a sua obra é de elevada qualidade estética, revelando uma manifestação ao


mesmo tempo genuína e original do Barroco entre nós.

Literatura Brasileira 49
4
O Arcadismo brasileiro
Edgar Roberto Kirchof

4.1 Arcadismo no Brasil

A expulsão dos jesuítas em 1759, as reformas promovidas pelo Marquês de Pombal


em Portugal e no Brasil, sobretudo no que tange ao ensino, juntamente com a ruptura
do monopólio comercial (COUTINHO, 2004a, p. 200), criaram um ambiente propício
para que as ideias do arcadismo europeu encontrassem ressonância em solo brasileiro.
Apesar de no Brasil não ter existido uma verdadeira Arcádia – como a italiana e a lusi-
tana –, essa estética, com sua visão de mundo, foi incorporada (nem sempre de modo
muito fidedigno) por vários intelectuais brasileiros ou portugueses identificados com
as questões brasileiras, a maioria deles residente em Minas Gerais, o que marca a forte
ligação desse movimento com o período da mineração de ouro e diamante em Vila Rica.

Como destacou Antônio Cândido (2000, p. 60), a poesia pastoril tem significado
próprio e importante no contexto brasileiro, pois, stricto sensu, é apenas a partir do
Arcadismo que se esboça uma poesia genuinamente brasileira. A despeito de um certo
artificialismo quanto às representações tanto da natureza quanto dos sentimentos,
consequência do próprio código estético seguido pelos árcades, fato é que, na pena de
Cláudio Manuel da Costa, Tomás Antônio Gonzaga ou Basílio da Gama, entre outros,
pela primeira vez em nossa história literária temas genuinamente brasileiros e ligados
à formação de uma identidade nacional ganharam representação poética, ainda que de
forma tímida e incipiente.

Literatura Brasileira 51
4 O Arcadismo brasileiro

Nesse ponto, devem ser destacados três temas principais:


• a representação da terra natal e de sua paisagem, especialmente em Cláudio
Manuel da Costa;
• o índio como representante de uma naturalidade brasileira, sobretudo em Basílio da
Gama;
• a expressão de uma subjetividade capaz de revelar o contexto sociocultural em
que se insere o poeta, o que permite dar os primeiros passos em direção à possi-
bilidade de superar o cânone neoclássico, o que levaria, primeiro, ao que se tem
chamado de pré-Romantismo e, no século XIX, ao próprio Romantismo.

4.2 Duas tendências

O crítico literário Afrânio Coutinho (2004a, p. 219) afirmou que, na poesia neoclássica
brasileira, podem ser encontradas duas principais tendências.
• Uma tendência a repetir os cânones estéticos e literários do século XVIII, que da-
vam fundamento à poesia neoclássica na Europa, especialmente as poéticas de
Horácio e de Boileau, além dos autores que lhes serviam como modelo e inspira-
ção: Anacreonte, Píndaro, Virgílio, Horácio, Ovídio, Sannazaro, Petrarca, Camões
e Garcilaso. Os principais efeitos buscados eram a clareza, a simplicidade, o equi-
líbrio e a harmonia.
• Uma tendência não tão tributária das normas neoclássicas, que alguns autores de-
nominam como uma tendência pré-romântica: apesar de estarem sujeitos aos códi-
gos e normas do neoclassicismo, alguns autores árcades conseguem imputar uma
marca pessoal em suas obras, dessa forma revelando uma subjetividade mais au-
têntica a partir de traços do contexto histórico e, mesmo, cultural em que estão
inseridos. Em algumas passagens de Marília de Dirceu, principalmente na segunda
parte dessa obra, por exemplo, percebe-se um tom mais pessoal, pouco típico do
arcadismo, como nos versos a seguir (a última estrofe da “Lira II”), em que o eu
lírico afirma um amor extravasado (coração maior que o mundo), mais típico do
Romantismo, e não contido, o que seria esperado de um poema árcade:

Eu tenho um coração maior que o mundo,


Tu formosa Marília bem o sabes:
Um coração e basta,
Onde tu mesma cabes. (GONZAGA, 2008).

Também quando abordam o índio como personagem de seus épicos, de certa forma,
Basílio da Gama, Santa Rita Durão e mesmo Silva Alvarenga e o Cláudio Manuel da Costa

52 Literatura Brasileira
O Arcadismo brasileiro 4
da última fase acabam burlando o código neoclássico. Na poesia desses autores, “o índio ia
se tornando símbolo do Brasil”, como nota Antonio Candido (2000, p. 108).
Apesar de sua ideologia fortemente eurocêntrica e religiosa, Santa Rita Durão acabou
apresentando traços da flora e da fauna brasileira, além de certos costumes indígenas, em
seu Caramuru. Basílio da Gama, por sua vez, acentua o mito do índio como representante
da verdadeira naturalidade a que aspiravam os árcades, na medida em que os colocou como
heróis de seu O Uraguai.
Um caso especialmente interessante de poetas árcades que acabaram se desviando da
normatividade neoclássica são os mestiços Silva Avarenga e Domingos Caldas Barbosa, que,
em pleno Arcadismo, conseguem captar e traduzir poeticamente elementos de nossa nacio-
nalidade, embora menos na temática propriamente dita e mais na musicalidade e mesmo
na atmosfera emocional, mais terna e “dengosa”. Sobre Silva Alvarenga, Antônio Candido
afirma que:
[...] foi o primeiro em nossa literatura que sentiu e exprimiu certos tons da nossa
sensibilidade: o quebranto da volúpia à flor da pele e a surdina em que gostamos
de cantá-la. Menos por haver inserido plantas e bichos do Brasil, do que por ter
suscitado ritmos tão brasileiramente langorosos, merece a estima que lhe votam
os amantes da cor local. (CANDIDO, 2000, p. 138)
Observe como as características melódicas apontadas por Candido se fazem presentes
no estribilho do “Rondó X”, retirado de Glaura, sua principal obra:

Glaura! Glaura! não respondes?


E te escondes nestas brenhas?
Dou às penas meu lamento;
Ó tormento sem igual. (SILVA ALVARENGA apud MOISÉS, 2005).
Domingos Calda Barbosa era músico e, na verdade, não possuía um grande gênio cria-
dor. Dedicou-se a compor modinhas, nas quais também se faz presente um espírito genui-
namente brasileiro, muito diferente das poesias de Cláudio Manuel e de Tomás Gonzaga.
A principal importância de seus versos reside em:
[...] candura e amor com que falam das coisas e sentimentos da pátria, definin-
do de modo explícito os traços afetivos correntemente associados ao brasileiro
na psicologia popular: dengue, negaceio, quebranto, derretimento. (CANDIDO,
2000, p. 142)
Observe tais características nos versos a seguir, do poema caracteristicamente chamado
“A Ternura Brasileira”:

Não posso negar, não posso,


Não posso por mais que queira,
Que meu coração se abrasa
De ternura brasileira. (BARBOSA, 2008).

Literatura Brasileira 53
4 O Arcadismo brasileiro

4.2.1 Inconfidência Mineira

Deve ser ressaltado que o fundamento ideológico libertário e iluminista que perpassava
o arcadismo europeu se revestiu, na Colônia, de uma ideologia liberal, nacionalista e pró-in-
dependência do Brasil, sendo que os principais motivos se devem às políticas adotadas pelo
governo português quanto ao modo como deveria ser explorado o ouro recém-descoberto
nas Minas Gerais.
Apesar do rigoroso controle realizado nas Casas de Fundição, onde o ouro era obriga-
toriamente transformado em barras – garantindo-se, dessa forma, o pagamento dos tributos
–, em 1765, o governo português decretou a derrama, uma lei segundo a qual, caso a soma
destinada aos impostos não chegasse a cem arrobas de ouro por ano, a população mineira
deveria completar a quantia faltante.
Essa política, adotada pela Coroa para retirar Portugal da estagnação econômica em
que se encontrava, foi como que um fermento para grupos independentistas que já havia no
Brasil. Nesse contexto, destaca-se um movimento que ficaria conhecido como a Inconfidência
Mineira e cujos participantes eram, predominantemente, da elite mineira, destacavam-se en-
tre eles os principais poetas árcades: Cláudio Manuel da Costa e Tomás Antônio Gonzaga.
Entre as principais reivindicações dos inconfidentes estava a criação de uma república
cuja capital seria a cidade mineira de São João Del Rei. O fundamento ilustrado do grupo se
manifesta sobretudo nas intenções de industrialização e de criação de uma universidade na
colônia. Contudo, é necessário lembrar que os inconfidentes representavam a elite financei-
ra e intelectual do Brasil Colônia e, enquanto tal, não chegaram a questionar a distribuição
interna das riquezas em nosso país. Como destaca Alfredo Bosi (1994, p. 60), os inconfiden-
tes não pretendiam acabar com a propriedade privada e tampouco se colocaram, de forma
declarada, contra a escravidão.

4.2.2 Cláudio Manuel da Costa

Filho de portugueses ligados à exploração de minério no Brasil, Cláudio Manuel da


Costa nasceu em Minas Gerais, em 1729. Sua formação inicial se deu no Rio de Janeiro,
com os jesuítas, sendo que, posteriormente, formou-se em Direito em Coimbra. De volta
ao Brasil, passou a exercer o direito em Vila Rica e gerir o patrimônio que herdara, ligado à
mineração. Era favorável à política e sobretudo às reformas do Marquês de Pombal. Após
sua atuação no movimento inconfidente, foi preso e interrogado uma vez apenas. Foi encon-
trado morto no cárcere. Apesar de se ter afirmado, na época, que o poeta cometera suicídio,
as verdadeiras circunstâncias de sua morte nunca se tornaram realmente claras.
A importância de Cláudio Manuel da Costa para o Arcadismo brasileiro tem sido tema de
discussão e contendas entre os críticos, pois, apesar de pertencer oficialmente ao movimento

54 Literatura Brasileira
O Arcadismo brasileiro 4
neoclássico, grande parte de seus poemas está muito mais próxima do Barroco do que da esté-
tica neoclássica propriamente dita, como se pode perceber no seu Soneto XXIV.

Soneto XXIV
Sonha em torrentes d’água, o que abrasado
Na sede ardente está; sonha em riqueza
Aquele, que no horror de uma pobreza
Anda sempre infeliz, sempre vexado:

Assim na agitação de meu cuidado


De um contínuo delírio esta alma presa,
Quando é tudo rigor, tudo aspereza,
Me finjo no prazer de um doce estado.

Ao despertar a louca fantasia


Do enfermo, do mendigo, se descobre
Do torpe engano seu a imagem fria;

Que importa pois, que a ideia alívios cobre,


Se apesar desta ingrata aleivosia,
Quanto mais rico estou, estou mais pobre. (COSTA, 2008).
Observe como nesse soneto Cláudio Manuel faz uso abundante de antíteses (pobreza e
riqueza, rigor e prazer, aspereza e doce estado, rico e pobre; ) e de imagens sensórias, muito
ao gosto de poemas barrocos, como aquelas ligadas ao fogo (“ardente”) e à água (“torrentes
d’água”). Nesse contexto, chama especialmente atenção a sinestesia “imagem fria”, no 13.º
verso, também tipicamente barroca.
Além disso, note o uso do hipérbato – que os neoclássicos tanto combatiam – logo nos
dois primeiros versos. Se fossem colocados em ordem direta, sua disposição seria a seguinte:
“O que está abrasado na sede ardente sonha em torrentes d’água”.
No que diz respeito à temática, grande parte dos poemas de Cláudio Manuel da Costa
revela uma forte ligação com o Barroco, pois a maneira como o poeta apresenta o amor
geralmente está vinculada à ideia de sofrimento, desencanto com a vida e, mesmo, efemeri-
dade. Como demonstrou Candido, dois dos principais temas de sua obra são “o amante in-
feliz” e “o contraste entre o rústico e o civilizado”, sendo que o poeta demonstra predileção
especial por imagens ligadas à pedra e à água.
Contudo, por outro lado Cláudio Manuel da Costa aderiu a uma série de preceitos
tipicamente neoclássicos, como a delegação do nome: o poeta se autodenomina um pastor,
ao mesmo tempo em que se dirige às suas mulheres amadas como ninfas gregas ou roma-
nas, entre as quais Nise é uma das mais frequentes. Outra característica que demonstra sua
adesão ao arcadismo é a temática greco-romana em vários de seus poemas: além das musas

Literatura Brasileira 55
4 O Arcadismo brasileiro

e das ninfas, um dos mitos mais interessantes reinterpretados pelo poeta é o de Polifemo,
segundo o qual o gigante monstruoso se apaixona por uma bela ninfa.
Por essa razão, é possível falar em duas fases na poesia de Cláudio Manuel da Costa:
• uma primeira, em que o autor ainda está muito ligado ao cultismo, sendo que vá-
rios de seus versos são muito semelhantes aos de Gôngora;
• uma segunda, em que, pela influência mais do quinhentismo português (especial-
mente Camões) que de seus contemporâneos árcades, o poeta acaba se alinhando
com vários preceitos do Arcadismo.
Por essas razões, Cláudio Manuel da Costa tem sido considerado um poeta de transição
entre o Barroco e o Arcadismo no Brasil. Uma de suas principais contribuições para a litera-
tura brasileira pode ser a maneira como insere a temática da pátria em seus poemas. Antonio
Candido (2000, p. 85) chamou a atenção para o fato de que,
[...] enquanto a maioria dos poemas pastoris, desde a Antiguidade, tem por ce-
nário prados e ribeiras, nos de Cláudio, há vultosa proporção de montes e vales,
mostrando que a imaginação não se apartava da terra natal e, nele, a emoção
poética possuía raízes autênticas, ao contrário do que dizem frequentemente os
críticos, inclinados a considerá-lo um mero artífice.

4.2.3 Tomás Antônio Gonzaga


Nascido em 1744, Tomás Antônio Gonzaga era filho de um magistrado brasileiro e pas-
sou a maior parte de sua infância na Bahia, onde estudou no colégio jesuítico. Em Coimbra,
formou-se em Cânones e escreveu uma tese sobre Direito Natural. Durante alguns anos,
exerceu sua magistratura em Portugal, mas retornou ao Brasil em 1782, para exercer o cargo
de ouvidor e procurador. Tomás Antônio Gonzaga tornou-se logo conhecido, em Vila Rica,
por dois principais episódios:
• suas querelas com as autoridades locais (o que leva grande parte da crítica literária
a lhe atribuir a autoria das Cartas Chilenas); e
• seu amor pela adolescente Maria Joaquina Dorotéia de Seixas, que ele imortaliza-
ria com o codinome Marília, na obra Marília de Dirceu.
Após ter sido nomeado desembargador, Gonzaga foi delatado por suas atividades jun-
to ao movimento inconfidente. Por essa razão, foi preso e, inicialmente, enviado à Ilha das
Cobras. De lá, após três anos, sofreu um desterro para Moçambique, onde acabou casando
com dona Juliana Mascarenhas, filha de um rico mercador de escravos.
Se Cláudio Manuel da Costa é tido como um poeta de transição, Tomás Antônio Gonzaga
é considerado a expressão mais genuína e autêntica que o Arcadismo logrou alcançar entre
nós, o que pode ser percebido, de forma especial, em sua principal obra, Marília de Dirceu.
A primeira parte desse livro foi composta ainda no Brasil, anteriormente à sua prisão,
dedicada à jovem por quem se apaixonara ao chegar em Vila Rica. Ela contava então 17 ou
18 anos de idade, e o poeta já estava na casa dos 40. Note o tom ao mesmo tempo equilibrado
e pessoal dos versos a seguir, da primeira estrofe da “Lira III”.

56 Literatura Brasileira
O Arcadismo brasileiro 4
De amar, minha Marília, a formosura
Não se podem livrar humanos peitos:
Adoram os heróis, e os mesmos brutos
Aos grilhões de Cupido estão sujeitos.
Quem, Marília, despreza uma beleza,
A luz da razão precisa,
E se tem discurso, pisa
A lei, que lhe ditou a Natureza. (GONZAGA, 2008)
Na primeira parte de Marília de Dirceu, percebe-se, da forma mais evidente, a intimida-
de de Tomás Antônio Gonzaga com a estética árcade, pois foi capaz de conferir uma repre-
sentação lírica autêntica e convincente a um amor que de fato sentiu, fazendo uso da maior
parte dos recursos e dos temas neoclássicos:
• o locus amoenus, local prazeroso, marcado por prados e bosques, isto é, por toda
área temática do bucolismo;
• a aura mediocritas, meio-termo aspirado pelos árcades, em que os sentimentos são
expressos de forma equilibrada e harmoniosa, evitando-se grandes sobressaltos;
• o carpe diem, a ideia de aproveitar cada dia, presente no fato de o eu lírico não se
privar de viver o amor que sente.
Note nos versos a seguir (oitava estrofe da “Lira XVII”) como esses temas se fazem pre-
sentes, sobretudo no lirismo rococó (festa, dança) dedicado a Marília, bem como no espaço
físico bucólico (a floresta) em que o espaço é configurado:

Quanto há, Marília,


Alguma festa
Lá na floresta,
(Fala a verdade!)
Dança com esta
O bom Dirceu?
E se ela o busca,
Vendo buscar-se,
Não se levanta,
Não vai sentar-se
Ao lado teu? (GONZAGA, 2008)
Na segunda parte dessa obra, contudo, há uma mudança de tom que tem sido expli-
cada, por vários críticos, pelo fato de tê-la Gonzaga escrito quando estava preso, no Rio de
Janeiro. Na primeira parte de Marília de Dirceu predomina um tom alegre e encantador, e
na segunda, uma visão mais negativa, marcada por um tom choroso e de lamento, muitas
vezes beirando o desespero – o que tem sido caracterizado como um tipo de lirismo que já
escapa da concepção propriamente árcade (equilibrada, quase impessoal), apontando para
o período literário que viria a se contrapor ao Arcadismo no século XIX: o Romantismo.
Observe como o poeta extravasa seu sentimento de dor na primeira estrofe da “Lira XIX”:

Literatura Brasileira 57
4 O Arcadismo brasileiro

Nesta triste masmorra,


De um semivivo corpo sepultura,
Inda, Marília, adoro
A tua formosura.
Amor na minha ideia te retrata;
Busca, extremoso, que eu assim resista
À dor imensa que me cerca e mata. (GONZAGA, 2008).
Pode-se dizer que uma das principais contribuições de Tomás Antônio Gonzaga para a
literatura brasileira é o fato de ter explorado à exaustão – e com grande talento – a estética
neoclássica, a ponto de superá-la, principalmente na segunda parte de Marília de Dirceu, em
que se percebem já traços pré-românticos. Nas palavras de Candido,
[...] superando a todos os contemporâneos brasileiros e portugueses no verso
gracioso, não é porém nisto que fundamenta a sua preeminência. Esta deriva
principalmente do realismo e do individualismo, com que elabora, em termos
de poesia, um sentimento da vida e uma afirmação de si mesmo. (CANDIDO,
2000, p. 117)

4.2.4 Basílio da Gama


José Basílio da Gama nasceu em São José do Rio das Mortes (hoje Tiradentes), Minas
Gerais, em 1741. Quando o Marquês de Pombal decretou que todos os jesuítas seriam expul-
sos do território brasileiro, Basílio da Gama era seminarista na Companhia de Jesus, o que o
levou à Itália. Lá ele se envolveu com o Arcadismo de forma mais intensa, tendo se tornado
um membro oficial da Arcádia Italiana, com o nome fictício de Termindo Sipílio. Mais tarde,
Gama foi a Portugal, onde acabou conseguindo a proteção do próprio Marquês de Pombal.
Essa relação ambígua de Basílio da Gama com Pombal acabou marcando não apenas a
sua biografia como também, principalmente, a sua obra na medida em que o autor passou a
combater, de forma muitas vezes declaradamente tendenciosa, a Companhia de Jesus e seus
seguidores – quando antes ele mesmo era um aspirante a jesuíta.
Logo no início de sua estadia em Portugal, ele escreveu um epitalâmio (hino nupcial)
para o casamento da filha de Pombal com o evidente objetivo de obter os favores do déspota
esclarecido. No entanto, é em sua obra principal, O Uraguai, que se evidencia, da forma mais
explícita, seu antijesuitismo, principalmente no modo como constrói a personagem Balda,
um padre jesuíta traiçoeiro e pérfido que, para conseguir casar seu filho adotivo – o índio
Baldeta – com a bela índia Lindóia, envenena o seu pretendente, o bravo índio Cacambo.
Existe, inclusive, a alusão de que Baldeta seja filho de sangue do padre Balda, o que aponta-
ria para uma hipocrisia do clero jesuítico quanto à defesa do celibato.
Além disso, a obra atribui toda a suposta culpa pela rebelião dos índios aos jesuítas,
conforme os versos a seguir, do segundo canto:

Eu sei que não sois vós – são os bons padres,


Que vos dizem a todos que sois livres,

58 Literatura Brasileira
O Arcadismo brasileiro 4
E se servem de vós como de escravos.
Armados de orações vos põem no campo
Contra o fero trovão da artilharia,
Que os muros arrebata; e se contentam
De ver de longe a guerra: sacrificam,
Avarentos do seu, o vosso sangue. (GAMA, 2008)
Essa obra, com objetivos épicos, possui como tema a tomada das missões jesuíti-
cas do Rio Grande do Sul pela expedição liderada por Gomes Freire de Andrade, em
1756. Basicamente, após Gomes Freire explicar os objetivos da expedição no primei-
ro canto, inicia-se a batalha entre os portugueses e os índios no segundo canto. Embora
esse épico termine com a (evidente) vitória do exército luso-espanhol, os índios são re-
tratados com um certo respeito e até admiração. Dessa maneira, tanto a milícia luso-
-espanhola quanto os índios se caracterizam como protagonistas, vítimas dos jesuítas, os
verdadeiros antagonistas nessa obra.
Os principais méritos de O Uraguai são estéticos, pois ele é composto de versos muito
bem construídos do ponto de vista estilístico: cesuras bem realizadas, enjembements e efeitos
sonoros convincentes.
No que diz respeito à temática, a obra perde valor por causa de sua visão explicitamente
tendenciosa, em que os jesuítas são representados de modo quase caricato, ao mesmo tempo
em que há laudações muito explícitas ao Marquês de Pombal. Na temática da natureza, tão
cara ao Arcadismo, também existe uma tendência quase romântica, pois Basílio da Gama
apresenta uma relação mais direta entre o eu lírico e os sentidos do mundo.

4.2.5 Santa Rita Durão


O Frei José de Santa Rita Durão nasceu em 1722, em Cata Preta, Minas Gerais. Estudou
com os jesuítas, no Rio de Janeiro, até os 10 anos de idade, quando partiu para Portugal. Lá se
doutorou em Filosofia e Teologia, em Coimbra. Apesar de ter entrado para a ordem de Santo
Agostinho, acabou fugindo para a Itália por desavenças com o Marquês de Pombal. Em
Roma, trabalhou como bibliotecário, tendo se dedicado aos estudos e à escrita do Caramuru.
Voltou a Portugal após a queda de Pombal, mas nunca chegou a retornar para o Brasil, de
modo que Caramuru pode ser caracterizado como uma obra inspirada em reminiscências e
fantasias de sua infância.
O Caramuru surgiu 12 anos após a publicação de O Uraguai e possui várias diferenças
em relação ao predecessor. Uma das mais importantes diz respeito ao nível ideológico: se
Basílio da Gama é declaradamente antijesuítico e a favor da política pombalina, Santa Rita
Durão se opõe ao iluminismo de Pombal e defende a fé cristã. Assim sendo, O Uraguai pos-
sui uma visão que tende ao anticlericalismo, ao passo que o Caramuru é uma obra completa-
mente alinhada com um catolicismo proselitista e catequético, de acordo com o qual o índio
não passa de um canibal primitivo, quase um animal, símbolo daquilo que poderia se tornar
o próprio europeu caso se afastasse da fé cristã. Tal condição pode mudar, contudo, caso o
índio se deixe converter ao catolicismo e incorpore a cultura do europeu.

Literatura Brasileira 59
4 O Arcadismo brasileiro

Essa ideologia se torna explícita pelo próprio tema da obra: a narração da lenda segun-
do a qual o aventureiro Diogo Álvares Correia, ao naufragar na costa da Bahia, viu seus
homens sendo literalmente devorados pelos nativos. Após desferir um tiro de espingarda,
Diogo Álvares foi chamado de Caramuru pelos nativos, o que segundo Durão significaria
“filho do trovão”. Observe como o autor atribui a prática do canibalismo aos indígenas,
conforme os versos a seguir, encontrados no primeiro canto.

Correm depois de vê-lo ao pasto horrendo,


E retalhando o corpo em mil pedaços,
Vai cada um famélico trazendo,
Qual um pé, qual a mão, qual outro os braços:
Outro na crua carne iam comendo;
Tanto na infame gula eram devassos.
Tais há, que as assam nos ardentes fossos,
Alguns torrando estão na chama os ossos.
Que horror da humanidade! ver tragada
Da própria espécie a carne já corrupta! (DURÃO, 2008)
Na verdade, parece haver uma dupla estratégia nessa caracterização do índio como
bruto: de um lado, a corroboração do catolicismo como única religião verdadeira; de outro,
um combate ao crescente anticlericalismo propagado de forma sutil por Pombal e pelos
ideais iluministas que se alastravam pela Europa. É como se o frade agostiniano pretendesse
demonstrar a que nível de animalidade os próprios portugueses poderiam chegar caso ab-
dicassem de sua religião. Como afirmou Alfredo Bosi, Santa Rita Durão “via os Tupinambás
sub specie Theologiae, como almas capazes de ilustrar para os libertinos europeus a verdade
dos dogmas católicos”1 (BOSI, 1994, p. 68).
A ideologia proselitista e catequética da obra torna-se ainda mais evidente pelo fato de
que o protagonista, após se apaixonar pela índia Paraguassu, decide levá-la para a Europa e
lá desposá-la. Ao se tornar cristã, a índia muda inclusive de nome: de Paraguassu, passa a se
chamar Catarina Álvares. Além disso, mesmo antes de casar com Diogo, já em sua terra na-
tal Paraguassu não é representada como uma verdadeira índia e sim como se fosse uma no-
bre dama europeia que, embora não sendo cristã, já possui todas as virtudes de uma dama
da corte. Na caracterização de Paraguassu, a inverossimilhança que mais chama a atenção é
o fato de ter sido retratada inclusive como uma mulher branca. Observe os versos a seguir:

Paraguassu gentil (tal nome teve)


Bem diversa de gente tão nojosa,
De cor tão alva como a branca neve,
E donde não é neve, era de rosa;
O nariz natural, boca mui breve,
Olhos de bela luz, testa espaçosa. (DURÃO, 2008)

1 Sub specie Theologiae: segundo a teologia, teologicamente.

60 Literatura Brasileira
O Arcadismo brasileiro 4
A obra de Durão foi muito valorizada pelos românticos – na verdade, mais por sua vi-
são nacionalista e não tanto por causa de sua qualidade enquanto obra literária, pois nesse
ponto reside a principal debilidade do Caramuru. Além do defeito de uma ideologia tão
marcada ao ponto de comprometer a verossimilhança, Durão não tem o mesmo domínio da
linguagem literária demonstrado por Basílio da Gama. Na avaliação de Alfredo Bosi, Diogo,
o protagonista dessa obra, é um
[...] misto de colono português e missionário jesuíta, síntese que não convence os
conhecedores da história, mas que dá a medida justa dos valores de Santa Rita
Durão. Na medida em que o herói encarna, aliás ossifica tais valores, ele se enrijece
e acaba perdendo toda capacidade de ativar a trama épica [...]. (BOSI, 1994, p. 70)

Ampliando seus conhecimentos

Uma nova geração


(CANDIDO, 2000, p. 105-106)

Os ideais neoclássicos só se realizaram, quanto aos escritores brasilei-


ros, nos da geração seguinte à dos fundadores da Arcádia Lusitana, dos
quais receberam, polidos e afinados, os instrumentos literários. São, de
um lado, Basílio da Gama e Silva Alvarenga, acentuadamente pombalinos
no pensamento e muito libertos na forma; de outro, Alvarenga Peixoto
e seu parente Gonzaga, mais presos formalmente aos cânones arcádicos
e à influência direta de Cláudio Manoel da Costa, que os estimulou sem
dúvida no caminho da poesia – pois a absoluta maioria dos poemas que
deixaram, e que podem ser datados aproximadamente, são posteriores
ao convívio com ele. Em todos, porém, há nítida superação do momento
inicial do compromisso entre Cultismo e novo estilo, característico de sua
obra, inclusive menor interesse pelas formas tradicionais, como o soneto
e a écloga. Basílio da Gama transfunde musicalidade serena, mas calo-
rosa, no decassílabo solto; Gonzaga dá admirável plasticidade à ode;
Silva Alvarenga imprime nova orientação melódica ao verso, inventando
o rondó; Caldas Barbosa empresta categoria literária à modinha. São
traços importantes para completar a expressão da nova sensibilidade,
amaciando, colorindo, adoçando o verso português a fim de dobrá-lo às
suas exigências, num processo de contrapeso ao estilo regular e lógico
do Classicismo. Junto ao legado harmônico da Arcádia e às suas nobres
cadências prepara-se deste modo uma invasão de melodia que habi-
tuará o ouvido à melopeia, facilitando, desintelectualizando a percepção
lírica. A sensibilidade natural começa a se tornar sentimental e procura

Literatura Brasileira 61
4 O Arcadismo brasileiro

as formas expressionais adequadas, que o Romantismo levará às últimas


consequências.

Basílio da Gama e Silva Alvarenga, mineiros de nascimento, são cario-


cas pelo sentimento da água, das cores, exprimindo-se com certa macieza
que nos faz imaginá-los nas sombras frescas do Passeio Público, envoltos
no denso fascínio da natureza tropical e na clara luminosidade do mar.
Alvarenga Peixoto, carioca de nascimento, é mineiro de sensibilidade,
como Cláudio, impregnado pela aspereza e os problemas da terra do
ouro. Gonzaga, português, filho de carioca, crescido na Bahia, participa de
um universo plástico e psíquico mais genérico, e talvez por isso mesmo foi
o que melhor realizou a compenetração do sentimento com a expressão
universal. Em todos eles, sobretudo quando querem ser anacreônticos,
repontam laivos de amaneiramento que são um eco, ou uma transforma-
ção do Cultismo, e que marchetam a sua orientação neoclássica de um
preciosismo que chamaríamos por analogia, e com as precauções devidas,
de rococó.

Basílio e Silva Alvarenga conviveram na metrópole, indo o segundo


em 1782 para o Rio, onde ficou até morrer; em Vila Rica esteve Cláudio
só desde 1754; depois, na companhia de Alvarenga Peixoto a partir de
1776, completando-se o trio com a chegada de Gonzaga em 1782. Durão
(caso à parte) saiu do país aos nove anos e nunca mais voltou. Não há
portanto uma Escola Mineira como grupo; mas é fora de dúvida que o
Arcadismo brasileiro encontrou a sua mais alta expressão em poetas liga-
dos à Capitania das Minas por nascimento ou residência, podendo-se por
este lado justificar a velha designação.

Atividades
1. Assinale verdadeiro (V) ou falso (F).

(( O Arcadismo brasileiro segue fielmente todos os preceitos da estética árcade


europeia.

(( A ligação dos poetas árcades com a Inconfidência Mineira pode ser explicada,
entre outras razões, a partir da influência dos ideais iluministas sobre esses
poetas.

(( A reforma de ensino realizada pelo Marquês de Pombal teve repercussões


também na Colônia.

62 Literatura Brasileira
O Arcadismo brasileiro 4
(( Um dos principais temas da poesia épica árcade brasileira é o índio.

2. Relacione a característica do autor com seu nome.

a. Cláudio Manuel da Costa ( ) Sua poesia é marcada por experiências


biográficas.
b. Silva Alvarenga ( ) Sua obra possui uma visão ideológica
antijesuítica.
c. Tomas Antonio Gonzaga ( ) É considerado um dos primeiros poetas
a introduzir ritmos genuinamente brasi-
leiros em seus versos.
d. Basílio da Gama ( ) Sua narração a respeito do indígena e
da terra brasileira é baseada em reminis-
cências da infância.
e. Santa Rita Durão ( ) Trata-se de um autor de transição entre
o Barroco e o Arcadismo.

3. Quais as principais diferenças ideológicas entre Basílio da Gama e Santa Rita Durão?

Resolução
1. Na ordem: F, V, V, V.

2. Na ordem: e, c, a, b, d.

3. As principais diferenças ideológicas entre Basílio da Gama e Santa Rita Durão tor-
nam-se evidentes a partir da maneira como o índio é retratado em suas respectivas
obras – O Uraguai e Caramuru. Ao passo que na primeira, existe uma simpatia para
com o nativo (e o vilão é caracterizado na figura do jesuíta), na segunda existe um
combate entre o europeu cristão e o índio pagão. Apesar de ter iniciado seus estudos
junto aos jesuítas, Basílio da Gama acabou aderindo à visão iluminista do Marquês
de Pombal e por essa razão possui uma concepção mais humanista, que se revela na
maneira como retrata o índio. Santa Rita Durão, por sua vez, manteve-se um repre-
sentante da visão de mundo católica e proselitista segundo a qual o índio só adquire
um estatuto realmente humano quando se torna cristão.

Literatura Brasileira 63
5
O Romantismo brasileiro
Edgar Roberto Kirchof

Quando se fala em Romantismo brasileiro deve ser destacada, de forma muito


especial, a importância da vinda da família real portuguesa para o Brasil, acompa-
nhada pela Corte, em 1808, pois esse fato histórico propiciou um clima favorável
para o desenvolvimento intelectual da Colônia, antes barrado de forma explícita pela
Metrópole. Tornando-se sede da Corte, o Rio de Janeiro tornou-se, consequentemente,
um centro cultural ou mesmo a capital literária brasileira. Além do fato de o próprio
príncipe D. João, futuro rei D. João VI, ter sido admirador das artes, tendo trazido
para cá numerosos artistas europeus, deve ser mencionado que a fundação de uma
imprensa nacional só aconteceu por causa da presença da família real entre nós e con-
tribuiu sobremaneira para a veiculação não apenas das obras literárias dos românticos
(vários dos romances que hoje lemos, na forma de livro, foram lançados originalmente
como folhetins) como também para a propagação de uma atmosfera intelectualizada
no Brasil, em que se discutiam temas os mais diversos – entre eles, a literatura.

Em nosso país, a crítica tradicional aceita que o Romantismo foi introduzido ofi-
cialmente por Gonçalves de Magalhães, com seus Suspiros Poéticos e Saudades, em 1836.
Como sugeriu Alfredo Bosi, de romântico esse livro tem mais a intenção do que a
realização, pois apesar de abordar temas comuns a Lamartine e Manzoni falta-lhe o
mais importante, “a liberdade expressiva, que é o toque da nova cultura” (BOSI, 1994,
p. 98). Embora também seja uma obra de transição, em que se percebem ainda nitida-
mente vários traços da tradição árcade, A Confederação dos Tamoios (1856), também de
Magalhães, já permitia vislumbrar a importância que a questão da identidade nacional
iria adquirir entre nós, pela influência dos ideais românticos.

Literatura Brasileira 65
5 O Romantismo brasileiro

Se os árcades brasileiros foram os primeiros autores a trabalhar com questões ligadas à


nacionalidade brasileira, de fato é apenas com os românticos que essa questão será explora-
da de forma sistemática e consequente. Preocupados em criar uma representação ao mesmo
tempo mítica e literária de nossa identidade enquanto brasileiros, os autores românticos
recorreram inicialmente ao índio como símbolo mais puro de nossa brasilidade ou america-
nidade, em uma atitude similar à do europeu que procurava na Idade Média (isto é, no pas-
sado, em um momento anterior) as suas origens mais remotas. Segundo Candido e Castello:
[...] na literatura brasileira, o movimento romântico adquiriu um reflexo
excepcional. Coincide com o momento decisivo da definição da nacionalidade,
com propósitos expressos de reconhecer e valorizar o nosso passado histórico,
embora recente, as nossas origens americanas, as tradições e legendas esboçadas,
e de investigar o nosso folclore [...] (CANDIDO; CASTELLO, 1987, p. 167)
Apesar de controvertido, Gonçalves de Magalhães é, efetivamente, o primeiro escritor
a buscar a realização de uma reforma intelectual no Brasil a partir do ideário romântico eu-
ropeu. Conforme Candido e Castello,
[...] nesses momentos iniciais, a sua preocupação principal é dar ênfase no sen-
tido moral, religioso e nacionalista do romantismo. Entrega-se à inspiração de
maneira mais objetiva do que subjetiva, em termos de uma experiência total e
de momento, e ressalta a missão social e reformadora do poeta, ser privilegiado,
cuja voz, refletindo experiência e sabedoria, é guiada por Deus [...]. (CANDIDO;
CASTELLO, 1987, p. 162)
O projeto idealizado por Gonçalves de Magalhães alcançaria uma realização mais con-
sequente e esteticamente bem acabada, contudo, somente a partir dos autores que lhe suce-
deram, principalmente Gonçalves Dias e Castro Alves, no caso da poesia, e José de Alencar,
no caso da prosa. Nesses autores, a representação de uma identidade brasileira se dá de
modo autenticamente romântico, visto tais escritores não estarem mais presos à tradição
neoclássica, sendo que merece uma menção especial, nesse contexto, o trabalho de José de
Alencar, notadamente em suas obras que tratam do índio a partir de um gênero literário
genuinamente romântico: o romance. Além disso, em sua vasta obra, Alencar também ex-
plorou outras nuances da vida e da identidade brasileira, como a ambientação urbana e o
regionalismo, por exemplo.
E assim como na Europa, também no Brasil o Romantismo passou por diferentes fases
ou gerações ao longo dos anos, havendo predomínio de distintas temáticas, interesses e por
vezes inclusive formas literárias, sendo que as diferenças quanto às gerações românticas se
fazem notar predominantemente na poesia.

5.1 Primeira geração romântica (1836-1850)

No Brasil, inicialmente pode-se falar de um primeiro grupo de românticos que se con-


centrava no Rio de Janeiro e cuja principal importância é mais histórica do que propriamente
literária. Trata-se do grupo que Gonçalves de Magalhães reuniu em torno da revista Niterói,

66 Literatura Brasileira
O Romantismo brasileiro 5
ainda bastante influenciada pelo arcadismo. A primeira geração realmente romântica – re-
presentada principalmente por Gonçalves Dias – existiria apenas entre aproximadamente
1840 e 1850, principalmente a partir da obra do próprio Gonçalves Dias. Percebe-se, nessa
fase, um forte predomínio de temas nacionalistas, abordados principalmente por meio do
imaginário que vai sendo criado em torno do índio, mas também se fazem perceber outros
temas românticos, como o panteísmo e o culto à natureza, por exemplo.

5.1.1 Gonçalves de Magalhães


Domingos José Gonçalves de Magalhães nasceu no Rio de Janeiro, em 1811. Sob a influên-
cia de Debret, ele iniciou o curso de Belas Artes na Academia do Rio de Janeiro, mas acabou se
tornando médico. Em 1878, lançou suas Poesias, ainda sob a influência da estética árcade. Foi
apenas após sua viagem para a Europa, na qual assimilou traços de Chateaubriand, Lamartine
e Manzoni, que passou a produzir uma obra propriamente romântica. Em 1836, publicou em
Paris a obra Suspiros Poéticos e Saudades. Como já foi afirmado, a crítica literária tradicional
fixou esse livro como um marco do início do Romantismo brasileiro.
Em 1837, Gonçalves de Magalhães voltou ao Brasil, dedicando-se ao teatro e à teoria
que deveria levar a uma reforma nacionalista e espiritualista da literatura brasileira. Suas
principais reflexões encontram-se na revista Niterói (também lançada em 1836), juntamente
com textos de Manoel de Araújo Porto Alegre, Torres Homem e Pereira da Silva.
Magalhães era conservador e muito ligado a Dom Pedro II, o que explica o fato de o pró-
prio imperador ter editado seu poema épico A Confederação dos Tamoios (1857). Justamente
por causa dessa obra se deu uma das mais acaloradas contendas do movimento românti-
co brasileiro, entre Magalhães e José de Alencar. Magalhães foi duramente criticado por
Alencar por ter tentado representar o índio brasileiro a partir do gênero épico e não do ro-
mance, pois este último seria, na opinião de Alencar, um gênero genuinamente romântico.
Nessa contenda, D. Pedro II ficou a favor de Magalhães, embora a crítica, até hoje, dê razão
a Alencar. A amizade de Gonçalves de Magalhães com Dom Pedro II era tamanha que lhe
rendeu o título de Barão e Visconde de Araguaia.

5.1.2 Gonçalves Dias


O principal representante da primeira fase romântica, em termos de significação propria-
mente literária, foi Antônio Gonçalves Dias. Filho de um comerciante português e de uma
mestiça, Gonçalves Dias nasceu na cidade maranhense de Caxias, em 1823. O poeta se di-
zia descendente do português, do índio e do negro, e muito de seu interesse pela promoção
do indianismo como principal tema da nacionalidade brasileira tem sido explicado por sua
origem. Por volta de 1840, Gonçalves Dias estudou em Coimbra, onde foi influenciado pelo
Romantismo nacionalista português, especialmente Almeida Garrett e Alexandre Herculano.
Após o seu retorno ao Brasil, em 1845, Gonçalves Dias obteve a proteção do Imperador
e se aproximou do grupo de Magalhães. A partir de então, tornou-se professor de Latim
e História do Brasil no Colégio Pedro II, passando a publicar algumas de suas obras mais

Literatura Brasileira 67
5 O Romantismo brasileiro

renomadas (nas quais já se fazem perceber alguns dos principais temas românticos – natu-
reza, pátria e religião):
• Primeiros Cantos (1846);
• Segundos Cantos (1848);
• Sextilhas de Frei Antão (1848); e
• Últimos Cantos (1851).
Essas obras são marcadas por um forte tom pessoal, motivado por um fato da bio-
grafia do poeta: o pedido de casamento de Gonçalves Dias à jovem Ana Amélia foi re-
cusado pela família dela por conta de um preconceito de cor. Por essa razão, os temas
românticos da natureza, da pátria e da religião estão fortemente ligados, em sua obra,
ao tema do amor impossível.
Gonçalves Dias se dedicou também a estudos etnográficos e linguísticos, chegando
a realizar pesquisas na Amazônia. Desse seu interesse surgiram Brasil e Oceania (1852) e
um Dicionário da Língua Tupi (1858). Por fim, também deixou um poema épico inacabado,
Os Timbiras.
Gonçalves Dias morreu regressando de uma viagem à Europa: seu navio naufragou no
litoral do Maranhão.

5.2 Segunda geração romântica (1850-1860)

Na segunda geração romântica brasileira, também chamada Geração Egótica (represen-


tada por autores como Álvares de Azevedo e Casimiro de Abreu, entre outros), prevalece a
influência de Byron e de Musset, o que leva, especialmente os poetas líricos, a explorarem
um subjetivismo extremo, intimista, praticamente voltando as costas para a questão da iden-
tidade brasileira, tão importante na primeira fase. O estilo de vida decadente de Byron e de
seus seguidores passa a ser imitado pelos românticos da segunda geração, o que os leva à
boêmia, ao pessimismo e, mesmo, ao satanismo, sendo que a maioria acaba morrendo muito
jovem, de tuberculose. Os temas principais passam a ser o amor e a morte, a angústia e o
tédio da existência, um escapismo em direção à infância ou ao exótico, entre outros.

5.2.1 Álvares de Azevedo


Manoel Antonio Álvares de Azevedo é um dos autores mais representativos dessa
fase. Ele nasceu em São Paulo, em 1831, e morreu ainda muito jovem, de tuberculose, no
Rio de Janeiro, em 1852. Álvares de Azevedo chegou a cursar Humanidades no Colégio
Pedro II e Direito em São Paulo. Seu talento precoce foi responsável pela produção de
uma obra significativa, embora não madura, em um curtíssimo período. Suas principais
influências foram o Byronismo e o Satanismo, que o levaram a fazer parte de grupos boê-
mios e da Sociedade Epicureia.

68 Literatura Brasileira
O Romantismo brasileiro 5
Sua obra foi reunida em livro apenas postumamente, sendo que devem ser destacados
A Lira dos 20 Anos, a prosa narrativa A Noite na Taverna, e O Livro de Fra Gondicario além de
uma composição livre de tom satanista, Macário.

5.2.2 Junqueira Freire


Luís José Junqueira Freire é um dos representantes mais lúgubres dessa segunda
fase. Ele nasceu em 1832, na Bahia, e morreu, também muito jovem, em 1855. Estudou
Humanidades no Liceu Provincial de Salvador e, aos 19 anos de idade, tornou-se noviço na
Ordem Beneditina. Como afirma Alfredo Bosi (1994, p. 113), Junqueira Freire não demons-
trava uma vocação segura ao noviciado e provavelmente ingressou nessa ordem no intuito
de fugir de uma vida familiar muito infeliz. Por essa razão, o poeta abandonou o sacerdócio
após um ano de exercício. Após voltar para casa, em 1854, faleceu de problemas cardíacos
no ano seguinte.
Sua única obra de poesia, As Inspirações do Claustro (1855), revelam um tom extrema-
mente pessoal, marcado pelo desgosto na casa paterna, por ilusões em relação à vida reli-
giosa, manifestando dúvidas e desesperos vividos durante o tempo em que fazia parte da
ordem beneditina. Como se percebe, é impossível compreender a obra de Junqueira Freire
desvinculando-a de sua biografia, o que aponta para a importância da vida do artista para
o Romantismo, sobretudo no Romantismo da segunda fase, inspirado em Byron e outros
românticos europeus excêntricos, como George Sand e Musset, por exemplo.

5.2.3 Casimiro de Abreu


Outro importante poeta desse período foi Casimiro José Marques de Abreu, filho de
um abastado fazendeiro português, razão pela qual passou sua infância no campo. Casimiro
de Abreu nasceu em Barra de São João, Rio de Janeiro, em 1839, vindo a falecer em 1860,
também muito jovem. Casimiro de Abreu iniciou os estudos em Humanidades em Nova
Friburgo, mas antes de terminar seu curso foi obrigado pelo pai a se transferir para o Rio de
Janeiro a fim de se dedicar aos negócios da família. Esse fato lhe causou vários ressentimen-
tos, que são expressos, em um tom autobiográfico, em alguns de seus poemas.
Mais tarde, viajou para Lisboa onde se tornou poeta e dramaturgo. De volta ao Rio,
trouxe consigo os manuscritos de seus principais poemas: Canções do Exílio. Casimiro de
Abreu publicou apenas uma obra em toda a sua vida, com os recursos de seu pai: Primaveras
(1859), em que constam, além das Canções do Exílio, outros poemas escritos já no Brasil. No
ano seguinte, Casimiro de Abreu morre de tuberculose.

5.2.4 Fagundes Varella


Dos autores da segunda fase do Romantismo, deve ser mencionado ainda Luís Nicolau
Fagundes Varella, que nasceu em 1841, em Rio Claro, no Rio de Janeiro, também filho de

Literatura Brasileira 69
5 O Romantismo brasileiro

fazendeiros. Sua infância no campo é tema corrente de seus versos. Pelo fato de seu pai ter
sido magistrado da província, sua família era obrigada a mudar-se de domicílio muitas vezes.
Ainda muito jovem, Fagundes Varella começou a estudar Direito na faculdade de São
Paulo, onde entrou em contato com o byronismo e com a vida boêmia que lhe era caracterís-
tica. Por essa razão, entregou-se a grandes bebedeiras, que lhe renderam alguns escândalos
e problemas financeiros.
Casando-se com Ritinha Sorocabana, uma artista circense, o poeta teve um filho, que se
chamava Emiliano e morreu aos três meses de idade. Sua obra Cântico do Calvário é inspirada
nesse fato.
Após a morte da esposa, Fagundes Varella se entregou novamente ao álcool e a vários
problemas emocionais. Nesse contexto, ele retornou à fazenda de seus pais. Apesar de ter
se casado novamente, em 1869, jamais chegou a superar o problema do alcoolismo, sendo
que era visto frequentemente perambulando por fazendas próximas à sua, provavelmente
alcoolizado. Morre em 1875, vítima de um derrame.
Suas principais obras são
• Noturnas (1861);
• Vozes da América (1864);
• Cantos e Fantasias (1865);
• Cantos Meridionais (1869);
• Anchieta ou o Evangelho nas Selvas (1875).

5.3 Terceira geração romântica (1860-1870)

Por fim, a terceira geração romântica, também chamada de Condoreirismo (uma alu-
são ao condor, que voa soberano sobre os céus), surge após 1860 e possui, como principal
representante, o poeta baiano Castro Alves. Com forte influência das concepções sociais que
Vitor Hugo já inseria em suas obras (como em Os miseráveis, por exemplo), apesar de ainda
cultivarem um certo intimismo amoroso, os poetas da terceira geração passaram a introdu-
zir temas de cunho político e social em suas poesias, o que já aponta, de certo modo, para a
superação do próprio Romantismo. O principal tema foi a abolição da escravidão no Brasil,
retratado principalmente por Castro Alves, sendo que o próprio poeta era afrodescendente.

5.3.1 Castro Alves


O mais importante poeta desse período foi, sem dúvida, Antonio Frederico de Castro
Alves, que nasceu na localidade baiana de Curralinho, hoje Castro Alves, em 1847. Filho de
pais abastados, o mestiço Castro Alves fez seus primeiros estudos no Ginásio Baiano. Mais
tarde, iniciou o curso de Direito em Recife, onde se engajou como um dos primeiros líderes

70 Literatura Brasileira
O Romantismo brasileiro 5
na campanha liberal abolicionista, junto com Tobias Barreto. Lá se apaixonou pela atriz
portuguesa, Eugênia Câmara, de quem se tornou amante ainda aos 19 anos de idade. Sua
peça Gonzaga ou a Revolução de Minas é dedicada a Eugênia. Após casar-se com a atriz, Castro
Alves seguiu com a esposa para Salvador, onde a peça é apresentada no Teatro São João.
Mais tarde, Castro Alves foi para São Paulo, a fim de retornar ao curso de Direito.
Contudo, permaneceu dois meses no Rio de Janeiro, onde entrou em contato com José de
Alencar e Machado de Assis, conquistando-lhes a simpatia de imediato.
Após crises amorosas com Eugênia Câmara, que o abandonou, Castro Alves passou a se
dedicar à caça. Em uma de suas caçadas, sofreu um acidente no pé, que infeccionou, sendo
preciso amputar – então, o poeta retornou à Bahia, onde acaba vítima da tuberculose, mor-
rendo em 1871, com 24 anos incompletos.
Suas principais obras são:
• Espumas Flutuantes (1870);
• A Cachoeira de Paulo Afonso (1876);
• Os Escravos (1883); e
• Gonzaga (1875).

5.3.2 Sousândrade

Embora cronologicamente também pertença à terceira geração romântica, Joaquim de


Sousa Andrade – ou Sousândrade, como assinava seus trabalhos – possui uma obra mar-
cada por traços bastante singulares. O autor nasceu em 1833, na cidade de Alcântara, no
Maranhão. Visto provir de uma família muito abastada, desde muito cedo teve a chance de
viajar para fora do Brasil. Formou-se em Letras pela universidade francesa de Sorbonne. Em
Paris, também estudou Engenharia de Minas (geologia). Após viajar muito por países euro-
peus e vários países latino-americanos, fixou-se em Nova York, nos Estados Unidos, onde
editou e imprimiu suas Obras Poéticas e alguns cantos do poema Guesa Errante.
Em 1889, retornou ao Maranhão, onde participou ativamente da vida política da
República. No entanto, viveu de forma muito simples, como professor de grego, tendo mor-
rido praticamente na penúria e desconhecido da crítica literária do seu tempo.
Sua obra tem sido redescoberta e revalorizada apenas recentemente, principalmente
pelo interesse demonstrado pelos irmãos Augusto e Haroldo de Campos, que apontaram
para o seu aspecto experimentalista.
Seus principais títulos são:
• Harpas Selvagens (1857);
• Obras Poéticas (1874); e
• Guesa Errante (1866 a 1884).

Literatura Brasileira 71
5 O Romantismo brasileiro

5.4 A prosa romântica

O florescimento e a consolidação da prosa romântica brasileira se dá mais ou menos


concomitantemente ao período da segunda geração de poetas românticos. No entanto, ao
passo que nesse período predomina um intimismo desesperado na poesia, consolida-se a
melhor prosa de ficção do Romantismo brasileiro, com seus principais autores e temas.
Nesse contexto, destacam-se, sobretudo, José de Alencar, Bernardo Guimarães, Franklin
Távora, Taunay, entre outros, sendo que os principais temas são:
• indianismo (Iracema e O Guarani, de José de Alencar);
• a vida urbana (Lucíola e Senhora, de José de Alencar, A moreninha, de Joaquim
Manuel de Macedo);
• sertanismo (Inocência, do Visconde de Taunay);
• regionalismo (O Gaúcho, de José de Alencar).
A seguir, serão apresentados alguns dos mais importantes autores da prosa de ficção
do Romantismo brasileiro.

5.4.1 José de Alencar


José Martiniano de Alencar nasceu em Mecejana, no Ceará, em 1829. Ex-padre, seu pai
era o senador José Martiniano de Alencar, que deu ao seu filho exatamente o mesmo nome
e era uma figura importante no cenário da política liberal. Muito jovem, o futuro escritor
José de Alencar se mudou para a corte (o Rio de Janeiro), visto que o senador Alencar havia
sido um dos membros do clube da maioridade, que levou Dom Pedro II a assumir o trono
em 1840.
Mais tarde, o jovem Alencar cursou Direito em São Paulo e Olinda. Após iniciar sua car-
reira de advogado no Rio, ele passou a se dedicar, de forma cada vez mais intensa, à literatu-
ra. Inicialmente, foi cronista no Correio Mercantil, com a coluna “Ao Correr da Pena” (1854).
Mais tarde, tornou-se redator do Diário do Rio de Janeiro. Com o pseudônimo de IG., escreveu
vários artigos criticando o poema A Confederação dos Tamoios, de Gonçalves de Magalhães
(1856). Também no Diário do Rio de Janeiro, na forma de folhetim, foram editados seus três
primeiros romances: dois de ambientação carioca (Cinco Minutos, 1856, e A Viuvinha, 1857) e
um romance histórico (O Guarani, 1857).
Entre 1857 e 1860, Alencar produziu algumas obras teatrais: a ópera bufa A Noite de São
João, as comédias O Crédito, Demônio Familiar, Verso e Reverso, além dos dramas As Asas de
um Anjo e Mãe.
Em 1860, José de Alencar elegeu-se deputado provincial pelo Ceará e obteve a pasta
da Justiça no Ministério, de 1868 a 1870. Nesse período, o romancista revelou tendências
altamente conservadoras, principalmente no que diz respeito ao problema da escravidão.
Como afirma Alfredo Bosi,

72 Literatura Brasileira
O Romantismo brasileiro 5
[...] ao contrário do pai, que sempre se batera por teses liberais, o romancista
assumiu posições retrógradas (patentes em face do problema escravista) e foi,
no fundo, antes um individualista que um homem voltado para a coisa pública:
sabe-se que o motivo do seu afastamento da política, quando entrava na casa dos
40 anos, foi o ressentimento de ver--se preterido por Pedro II na indicação para o
Senado. (BOSI, 1994, p. 135)

Porém, parece que ter saído da política estimulou sua produção literária, pois, na déca-
da de 1860, escreveu muitas obras:
• As Minas de Prata (1862-66);
• Lucíola: Perfil de Mulher (1862);
• Diva: Perfil de Mulher (1864); e
• Iracema: Lenda do Ceará (1865).
Além disso, ainda na década de 1860, Alencar escreveu obras políticas:
• Ao Imperador: Cartas Políticas de Erasmo (1865);
• Ao Imperador: Novas Cartas Políticas de Erasmo (1865);
• Ao Povo: Cartas Políticas de Erasmo (1866);
• Juízo de Deus: Visão de Jó (1867); e
• Sistema Representativo (1868).
José de Alencar morreu em 1877, vítima da tuberculose. No entanto, os sete anos que
precederam sua morte foram extremamente produtivos, pois lhe renderam as muitas obras
de ficção:
• Gaúcho (1870);
• A Pata da Gazela (1870);
• Sonhos d’Ouro (1872);
• Til (1872);
• Alfarrábios (O Ermitão da Glória e O Garatuja, 1873);
• A Guerra dos Mascates (1873);
• Ubirajara (1874);
• Senhora (1875);
• Sertanejo (1875).
Postumamente, também foram publicados um romance (Encarnação, 1877) e uma auto-
biografia (Como e por que sou romancista, 1893).
Alencar foi, sem dúvida, o maior e o mais importante autor de obras literárias vincula-
do ao movimento romântico no Brasil. Figura contraditória e dotado de um grande talento,
contribuiu para a introdução de uma nova concepção quanto à nacionalidade brasileira (que
deveria, segundo os românticos, superar os preceitos árcades), porém, além de sua postura

Literatura Brasileira 73
5 O Romantismo brasileiro

conservadora em relação a alguns pontos centrais da política brasileira, envolveu-se em vá-


rias polêmicas ao longo de sua carreira literária.
A primeira e mais importante de todas diz respeito às suas disputas com Gonçalves de
Magalhães e seu grupo, os quais ainda se baseavam em princípios árcades para representar
a nacionalidade brasileira. Como se sabe, em sua Confederação dos Tamoios, Magalhães inspi-
ra-se principalmente no indianismo de Basílio da Gama. A consequência dessa disputa, para
Alencar, foi a perda de uma indicação para o Senado. Outras polêmicas com as quais José de
Alencar se viu envolvido foram:
• a censura de sua obra teatral As Asas de um Anjo;
• a crítica do conselheiro Lafayette contra sua Lucíola, chegando a chamar a protago-
nista desse romance de “monstrengo moral”;
• as críticas de Franklin Távora contra seus romances regionais.
Outra polêmica, muito importante do ponto de vista cultural, diz respeito às inovações
linguísticas de José de Alencar, que postulava uma linguagem genuinamente brasileira em
oposição ao artificialismo do português de Portugal. Por conta da absorção de vários bra-
sileirismos em seus romances, alguns acadêmicos portugueses (Pinheiros Chagas, Antônio
Henriques Leal e Antônio Feliciano de Castilho) chegaram a afirmar que Alencar escrevia
de forma incorreta.

5.4.2 Joaquim Manuel de Macedo


Outro importante autor desse período – mais pela popularidade alcançada junto ao
público do que pela real qualidade de sua obra – é Joaquim Manuel de Macedo. O autor
nasceu em Itaboraí, Rio de Janeiro, em 1820, e pode ser considerado o escritor mais popular
do Romantismo brasileiro em sua época. Apesar de muito cedo ter se formado em medicina
pela Faculdade do Rio de Janeiro, não chegou a se dedicar a essa profissão. Juntamente com
sua carreira literária, Macedo foi professor de História do Brasil no Colégio Pedro II e pre-
ceptor dos netos do Imperador. Além disso, Macedo também se dedicou à política, sendo
várias vezes eleito deputado pela ala conservadora do Partido Liberal. Alguns biógrafos
afirmam que seus últimos anos de vida foram marcados por uma doença mental. Sua obra
é extremamente vasta e consta de mais de 40 títulos.
Entre alguns de seus livros mais importantes, deve ser destacado, A Moreninha (1844),
responsável por sua enorme e imediata popularidade. Além disso, alguns de seus romances
mais populares são
• O Moço Loiro (1845);
• Os Dois Amores (1848);
• Rosa (1849);
• Vicentina (1853);
• A Carteira do Meu Tio (1855);
• Forasteiro (1855);

74 Literatura Brasileira
O Romantismo brasileiro 5
• Culto do Dever (1865);
• Memórias do Sobrinho do Meu Tio (1868);
• Rio do Quarto (1869);
• A Luneta Mágica (1869);
• As Vítimas Algozes (1869);
• Nina (1869);
• A Namoradeira (1870);
• Mulheres de Mantilha (1871);
• Um Noivo e Duas Noivas (1871);
• Os Quatro Pontos Cardeais (1872);
• A Baronesa do Amor (1876).

5.4.3 Bernardo Guimarães


Bernardo Guimarães, outro importante ficcionista romântico, nasceu em 1825, em Ouro
Preto, Minas Gerais. Na sua adolescência, mudou-se para São Paulo para fazer o curso de
Direito. Assim, entrou em contato com a atmosfera romântica de influência byroniana, tor-
nou-se amigo de Álvares de Azevedo e se identificou com o satanismo e o humorismo.
Ficou conhecido na época por alguns poemas pornográficos. Após ter sido nomeado juiz
no interior de Goiás e ter sido exonerado por causa de sua vida pouco regrada, acabou
voltando a Ouro Preto, onde se casou e tornou-se professor secundário. Sua principal obra,
A Escrava Isaura, foi escrita em 1875 e o tornou extremamente popular em sua época. O pró-
prio Imperador resolveu visitá-lo em Ouro Preto por conta desse livro. Além de A Escrava
Isaura, suas principais obras são as seguintes:
• O Ermitão do Muquém (1864);
• O Garimpeiro (1872); e
• O Seminarista (1872).

5.4.4 Visconde de Taunay


Na lista dos principais autores do Romantismo brasileiro também deve constar o nome
de Alfredo D’Escragnolle Taunay. Nascido no Rio de Janeiro, em 1843, Taunay provém de
uma família aristocrática e muito afeita às artes. Era neto do pintor Nicolas Antoine Taunay,
que viera ao Brasil juntamente com a missão francesa encomendada pelo Imperador Dom
João VI. Seu pai, também pintor, era o Barão Felix Emílio Taunay.
Alfredo Taunay cursou física e matemática na Escola Militar e, durante a Guerra do
Paraguai, atuou como engenheiro no Mato Grosso. Essa experiência rendeu-lhe uma de suas
melhores obras, A Retirada de Laguna, escrita originalmente em francês, em 1871 (La Retraite
de Laguna).

Literatura Brasileira 75
5 O Romantismo brasileiro

Assim como José de Alencar, Taunay também nutria uma forte vocação política: militan-
te do Partido Conservador, foi deputado e senador por Santa Catarina. Após a Proclamação
da República, no entanto, abandonou a política. Deve-se notar que o Visconde de Taunay,
como ficou conhecido, era um artista talentoso, não apenas no que se refere à literatura, mas
também na pintura e na música. No entanto, entre suas várias obras literárias nem todas se
destacam pela qualidade estética, o que tem sido explicado, em parte, justamente por seu
talento, que fazia com que Taunay produzisse de modo um pouco apressado e, algumas ve-
zes, descuidado. A crítica tem considerado Inocência (1872) e A Retirada de Laguna (tradução
para o português realizada por Salvador de Mendonça em 1874) como suas melhores obras.
Além disso, o autor também produziu:
• Cenas de Viagem (1868);
• A Mocidade de Trajano (1872);
• Lágrimas do Coração (1873);
• Histórias Brasileiras (1874);
• Da Mão à Boca se Perde a Sopa (1874);
• Narrativas Militares: Cenas e Tipos (1878);
• Estudos Críticos (1881-1883).

5.4.5 Franklin Távora


Por fim, João Franklin da Silveira Távora também merece destaque como ficcionista
romântico, sobretudo por sua obra regionalista. O autor nasceu em Baturité, no Ceará, em
1842, tendo saído muito cedo para Pernambuco. Embora tenha estudado Direito e exercido
essa profissão por algum tempo, sua maior vocação foi a política: Franklin Távora foi de-
putado e ocupou postos importantes em Pernambuco. Muito cedo, escreveu os contos de
A Trindade Maldita (1861), e o romance Os Índios do Jaguaribe (1862). No entanto, foi apenas
em 1870 que deu início a uma famosa campanha a favor do regionalismo, vinculado so-
bretudo ao Norte e Nordeste do Brasil. É dessa época a sua disputa ferrenha contra José
de Alencar. Em suas Cartas a Cincinato (1870), criticou o regionalismo alencariano usando
o pseudônimo de Semprônio. Suas obras mais importantes, de cunho regional e colonial,
foram escritas ao final de sua carreira:
• O Cabeleira (1876);
• O Matuto (1878); e
• Lourenço (1881).

5.5 O teatro romântico no Brasil

No Brasil, o teatro romântico foi produzido em escala relativamente larga, pois a maior
parte dos principais romancistas românticos também escreveu obras dramáticas – é o caso
de José de Alencar, Franklin Távora e Joaquim Manoel de Macedo, entre outros. Além disso,

76 Literatura Brasileira
O Romantismo brasileiro 5
também havia autores que se dedicavam quase que exclusivamente ao teatro, como Quintino
Bocaiúva, Agrário de Meneses, Pinheiro Guimarães, Martins Pena, entre muitos outros.
Na época, nas mais importantes capitais de província havia várias casas de espetáculos
em que eram mantidas companhias compostas por atores brasileiros e europeus. Note-se
que a arte dramática gozava de uma grande popularidade na Corte, sobretudo pelo incen-
tivo de uma certa vida burguesa e aristocrática promovida pela própria família real e pela
aristocracia que a circundava.
Mas no caso do teatro romântico brasileiro vale o dito popular de que quantidade não
é qualidade: a forte tendência folhetinesca presente em romances de Éugene Sue e em nosso
Macedo, por exemplo, torna-se quase caricata nas obras dramáticas de nosso Romantismo.
A tendência para melhorar os vícios da elite e a incapacidade de representar questões real-
mente fundamentais da sociedade brasileira da época acabou comprometendo, enorme-
mente, a qualidade dessas obras.

5.5.1 Martins Pena


Nesse contexto do teatro romântico brasileiro se destaca, por uma certa qualidade, o dra-
maturgo Martins Pena, não tanto por todas as suas obras propriamente dramáticas e mais por
suas comédias, nas quais foi capaz de conferir um caráter genuinamente brasileiro. Em suas
sátiras, tanto da vida rural quanto da vida urbana, Martins Pena é capaz de fomentar uma sau-
dável ironia sobre a sociedade brasileira, ao mesmo tempo em que apresenta tipos, situações e
costumes genuinamente nacionais e facilmente identificáveis pelo público brasileiro.
Luís Carlos Martins Pena nasceu em 1815, no Rio de Janeiro, no seio de uma família
pobre e foi órfão de pai. No entanto, ainda jovem conseguiu frequentar a Academia de Belas
Artes, onde estudou desenho, arquitetura e música. Grande parte de seu sucesso se deve ao
fato de ter caído nas graças do ator João Caetano, que possuía uma célebre companhia tea-
tral no Rio de Janeiro. Desse modo, já em 1838, sua primeira comédia, O Juiz de Paz na Roça,
foi encenada por essa mesma companhia.
A partir de então, ingressou na vida diplomática. Tendo sido enviado a Londres em
1847, contraiu tuberculose e morreu no ano seguinte, em Lisboa, com apenas 33 anos.
Martins Pena produziu 20 comédias e 6 dramas, sendo que podem ser destacados, de sua
obra, o drama Itaminda ou o Guerreiro de Tupã (1839), e as comédias:
• O Juiz de Paz na Roça (1842);
• Os Três Médicos (1845);
• Judas em Sábado de Aleluia (1846);
• O Diletante (1846);
• Quem Casa quer Casa (1847);
• O Noviço (1847);
• Os Dois ou o Inglês Maquinista (1871).

Literatura Brasileira 77
5 O Romantismo brasileiro

5.6 Contribuições do Romantismo

Para concluir este capítulo, pode-se frisar que no Brasil o Romantismo foi um período
extremamente importante para a consolidação de uma literatura genuinamente nacional,
tanto no que diz respeito à poesia quanto à prosa e ao teatro. Algumas de suas principais
contribuições para a literatura e para a cultura brasileira foram:
• propor uma representação da cultura brasileira a partir de um substrato realmente
nacional, realizada por autores realmente brasileiros;
• introduzir nas obras literárias a língua portuguesa da maneira como é falada entre
nós, deixando de reproduzir o português na maneira como é falado e escrito em
Portugal;
• abrir espaço para uma maior liberdade quanto à criação, tanto em termos de gêne-
ros quanto em termos de temática.

Ampliando seus conhecimentos

Um menino gótico
(TEIXEIRA, 2001, p. 9-11)

Foi o escritor argentino Julio Cortazar (1914-1984) quem disse: “Todo


menino é gótico”. De fato, quando não é refreada ou censurada pelos
preconceitos pedagógicos dos adultos, a imaginação infantil pode tomar
gosto por fantasmas, vampiros, objetos encantados etc. E essa mistura de
terror e fascínio que os porões, sótãos e quartos escuros exercem sobre nós
quando somos crianças também tem qualquer coisa de gótica.

A observação de Cortazar aparece em um pequeno ensaio intitulado


“Notas sobre o gótico do Rio da Prata”. Ele mesmo um grande autor de
contos fantásticos, Cortazar, nesse texto, está preocupado apenas com a
literatura fantástica de seus compatriotas. Mas a frase cai bem para definir
nosso Álvares de Azevedo: era um menino gótico. (Morreu, afinal, com 20
anos, idade em que aquela tia velha e chata ainda insiste em nos chamar
de menino.)

O termo gótico foi roubado da arquitetura. Designa um estilo de constru-


ção muito elaborado, imponente e algo sombrio, que predominou durante
a Idade Média – a catedral de Notre Dame, em Paris, é um bom exemplo.
Ocorre que as primeiras obras do gênero tinham como cenário castelos
medievais – e, daí, foi um passo para surgir a expressão romance gótico.

78 Literatura Brasileira
O Romantismo brasileiro 5
Curiosamente, a literatura gótica surgiu no século XVIII – o chamado
Século da Luzes. Talvez fosse uma reação ao racionalismo que então
predominava na literatura e na filosofia. Otto Maria Carpeaux, em sua
História da Literatura Ocidental, explica que o gênero surgiu para atender
ao novo público leitor que então se formava na Europa. Não eram ainda
leitores sofisticados: precisavam de histórias que “excitassem os nervos”.

Considera-se que o fundador do gênero foi o inglês Horace Walpole


(1717-1797), com O Castelo de Otranto, publicado em 1764. Já temos nessa
obra o cenário por excelência do gótico, que ainda aparece, com muitas
variações, em filmes de terror de hoje: o castelo com passagens secretas,
quadros que se movem, corredores longos e labirínticos, ruídos inexpli-
cáveis. Parece que Walpole se levava a sério: mandou construir para si
mesmo um castelo medieval.

Depois de Walpole, surgiram autores como William Beckford (1760-1844),


Ann Radcliffe (1764-1823) e Gregory Lewis (1775-1818), autor de um escan-
daloso best-seller, O Monge (1796). Essa moda do romance gótico foi breve,
e hoje os primeiros representantes do gênero não são muito lidos. Sua
influência sobre o século seguinte, porém, daria frutos variados e bizarros.
Mary Shelley (1797-1851) criou Frankenstein, o livro que – segundo diz
Carpeaux, cheio de desdém pelo gótico – alcançou uma “imortalidade
inexplicável”. Outro grande personagem das histórias de terror ganharia
sua versão definitiva em 1897, com Drácula, de Bram Stoker (1847-1912).
Na Alemanha, E. T. A. Hoffmann (1776-1822), autor de novelas e contos
como “O Homem da Areia”, conseguiu, ainda segundo Carpeaux, “trans-
figurar” (isto é, elevar) artisticamente o “elemento fantástico” do gótico.
E, nos Estados Unidos, surgiria talvez o maior de todos os ecritores de
contos fantásticos: Edgar Allan Poe (1809-1849), autor de clássicos como
O Gato Preto e William Wilson. Também há elementos góticos em O Morro
dos Ventos Uivantes, desvairada história romântica da inglesa Emily Brontë
(1816-1855), e em Jane Eyre, da irmã de Emily, Charlotte Brontë (1816-1855).

A tradição gótica vai longe. Já no século XX, temos autores como o arre-
piante norte-americano H. P. Lovecraft (1890-1937). O cinema aproveitou
os motivos do gótico e os transformou em clichês cada vez mais difíceis de
suportar. Autores de best-sellers, como Anne Rice e Stephan King, faturam
muito repetindo esses mesmo clichês. Isso para não falar na versão pop mais
barulhenta do gótico: os concertos de heavy-metal, com toda a sua paraferná-
lia cênica – morcegos, esqueletos etc. – e o seu satanismo de butique.

Literatura Brasileira 79
5 O Romantismo brasileiro

Mas já ultrapassamos cronologicamente nosso assunto, o paulista Álvares


de Azevedo. Repare, por exemplo, que em Noite na Taverna há muito de
macabro, de sombrio, de estranho – mas não há um pingo de sobrenatural,
como seria de se esperar de um gótico de carteirinha. O enredo é às vezes
exagerado e francamente inverossímil, mas tudo se resolve aqui mesmo
na Terra, sem recurso a planos superiores ou inferiores. Na peça de teatro
Macário, ainda aparece um personagem de outro mundo: Satã. Em Noite
na Taverna, Satã é quase que só uma figura de linguagem. Ou um insulto:
Bertram, para dividir o vinho, chama a taverneira de “bastarda de Satã”.

Álvares de Azevedo foi um gótico relativamente tardio: chegou ao gênero


não através de seus ingênuos fundadores, mas já pela “transfiguração
artística” de um Hoffmann.

Atividades
1. Assinale:

a. quando a afirmação for pertinente à primeira geração romântica;

b. quando se referir à segunda geração; e

c. quando se tratar da terceira geração.

(( Tendência a um subjetivismo exacerbado, levando a uma literatura escapista e


pessimista.

(( Influência de Vitor Hugo e preocupação com temas sociais.

(( Ênfase na temática ligada à identidade nacional.

(( Forte influência do byronismo e tendência à boêmia.

(( O índio é um herói idealizado, representando um passado heróico.

2. Relacione as colunas.

a. Joaquim Manuel ( ) O romancista possuía um dos mais ela-


de Macedo borados projetos nacionalistas, tendo
retratado o Brasil tanto em suas caracte-
rísticas urbanas quanto em suas nuances
regionalistas.

80 Literatura Brasileira
O Romantismo brasileiro 5
b. José de Alencar ( ) Abordou a temática sertanista a partir de
um romance que pode ser caracteriza-
do como uma espécie de Romeu e Julieta
caboclo.
c. Visconde de ( ) Foi um dos primeiros romancistas a
Taunay adaptar o folhetim europeu ao contexto
brasileiro.
d. Franklin Távora ( ) Criou numerosas peças dramáticas satiri-
zando e ironizando costumes rurais e ur-
banos da sociedade brasileira.
e. Martins Pena ( ) Insere-se no projeto regionalista do
Romantismo, tendo abordado principal-
mente a temática do cangaço.

3. Explique as principais divergências ideológicas e estéticas entre José de Alencar e


Gonçalves de Magalhães.

Resolução
1. Na ordem: b, c, a, b, a.

2. Na ordem: c, a, b, e, d.

3. Gonçalves de Magalhães foi o primeiro escritor brasileiro a conferir um sentido mo-


ral, religioso e nacionalista ao Romantismo, tendo iniciado o projeto de uma repre-
sentação mítica da identidade brasileira. No entanto, em Confederação dos Tamoios
Magalhães inspira-se principalmente no indianismo de Basílio da Gama e não reali-
za uma verdadeira inovação quanto ao gênero.

José de Alencar, por sua vez, trata a temática do índio a partir de um gênero literário
genuinamente romântico: o romance, desprendendo-se da ideologia neoclássica da
qual em certa medida Magalhães ainda é tributário.

Literatura Brasileira 81
6
O Realismo
Edgar Roberto Kirchof

6.1 O que é Realismo

Como movimento estético e literário, o Realismo surgiu oficialmente na França, na


segunda metade do século XIX, em oposição ao Romantismo. Nesse contexto, a pri-
meira utilização do conceito foi pelo pintor Gustave Courbet, em 1855, em uma expo-
sição que ele decidiu organizar para suas próprias obras, que haviam sido recusadas
na Exposição Universal, especialmente O Enterro em Ornans e As Banhistas. No catá-
logo que elaborou para a sua mostra, Courbet atacou diretamente a estética romântica.
Além disso, mandou colocar na fachada da galeria o seguinte anúncio:

O Realismo – G. Courbet / Exibição de quarenta telas de sua obra.

Figura 1 – COUBERT, Gustave. Mulheres peneirando trigo. 1854. Óleo sobre tela. 131 x 167 cm. Musée des Beaux-
Arts de Nantes, França.

Literatura Brasileira 83
6 O Realismo

No campo da literatura, o termo realismo foi utilizado pela primeira vez por Champfleury
(pseudônimo de Jules Husson) em um manifesto escrito em 1857, chamado O Realismo.
Outro autor importante nesse contexto foi E. Duranty, que lançou, também em 1857, a revis-
ta O Realismo, agregando-se, dessa maneira, ao grupo que já iniciava a se organizar em torno
de Courbet e Champfleury.
De forma simplificada, pode-se dizer que o Realismo é um movimento que pretende
se opor tanto à estética quanto à ideologia do Romantismo. Se a filosofia romântica pregava
a subjetividade, as emoções, os sonhos e a fantasia como canais privilegiados para obter o
conhecimento, os realistas passaram a apregoar a objetividade, a sobriedade, o apego aos
fatos – em um termo, a necessidade de “observar” o que acreditavam ser “o real”, evitando
fantasias ou concepções metafísicas.
No que diz respeito às suas concepções estéticas (válidas tanto para as artes, de forma
geral, quanto para a literatura, de forma específica), um dos principais fundamentos realis-
tas está baseado na noção positivista segundo a qual a arte e a literatura não deveriam se
guiar pelos sonhos e pela emoção – como pregavam os românticos –, mas pela própria realida-
de, pois os realistas acreditavam que o ideário romântico servia como fundamento filosófico
para manter o status quo de uma burguesia decadente e conservadora, cujo poder estava
alicerçado, principalmente, na família tradicional e na Igreja.
Os intelectuais identificados com o Realismo acreditavam que tanto a instituição fami-
liar burguesa quanto a instituição eclesiástica escondiam uma enorme gama de hipocrisia e
de relações doentias, acobertadas pela ideologia fantasiosa do Romantismo. Por isso, pas-
saram a postular que a melhor maneira de promover uma purgação social seria mostrar não
apenas as contradições das instituições burguesas, mas principalmente suas fragilidades e
mazelas. É por essa razão que os romances realistas geralmente abordam, entre vários ou-
tros, temas polêmicos, como a exploração do mais fraco pelo mais forte, a violência física e
psicológica, adultério, o abuso de poder, o rompimento do celibato por parte dos clérigos.
Madame Bovary (1857), de Gustave Flaubert, é tido pela maior parte da crítica tradicional
como o marco oficial do surgimento do Realismo literário. Nesse romance, Flaubert aborda
o adultério feminino, que era um tabu dos mais extremos para a sociedade de sua época
e passou a ser tema de numerosos outros livros realistas, como O Primo Basílio, de Eça de
Queirós, e mesmo Dom Casmurro, de Machado de Assis, por exemplo. Por causa de Madame
Bovary, Flaubert chegou a ser processado pelo governo francês, sob pena de ter atentado
contra a moral e a religião, mas acabou sendo absolvido. Nas palavras de Massaud Moisés,
[...] enquanto o romance romântico gira em torno do casamento, ou melhor, dos
antecedentes que conduzem ao enlace burguês, o romance realista focaliza a
situação criada pelo casamento, não a feliz, suposta pelas veleidades burgue-
sas, senão a degenerescente, encoberta pelo “manto diáfano” que a classe média
jogava sobre as suas instituições. E no panorama “real”, que a instrumentação
científica permitia, via-se, em lugar da bem-aventurança pacóvia, o câncer do
adultério. (MOISÉS, 1999, p. 25)

84 Literatura Brasileira
O Realismo 6
Além de Flaubert, alguns dos mais importantes representantes do Realismo europeu
são Balzac, Stendhal e Maupassant, entre outros. As principais influências ideológicas e
teóricas dos realistas provêm de uma tendência cientificista que, de forma cada vez mais
abrangente, vai se impondo na Europa da segunda metade do século XIX, derrubando – ou
pelo menos questionando – as bases metafísicas e platônicas em que se assentava grande
parte da doutrina romântica. Nesse contexto, devem ser destacadas várias teorias filosóficas
e sobretudo científicas que vão se pautando por uma concepção materialista da existência, em
oposição às concepções espiritualizadas, religiosas e metafísicas do Romantismo.
Algumas das mais influentes teorias, no que diz respeito ao movimento realista, são o
positivismo de Auguste Comte, o evolucionismo social de Herbert Spencer, a teoria evoluti-
va de Charles Darwin e, principalmente no caso da literatura, a crítica positivista-evolucio-
nista realizada pelo francês Hippolyte Taine.

6.2 Realismo e realidade

Segundo os realistas, o projeto de reforma social só poderia ser realizado a partir de uma
arte radicalmente mimética, que, segundo essa concepção, deveria antes apresentar que repre-
sentar. Esse aspecto torna-se bastante evidente quando comparamos uma pintura romântica,
de Delacroix, por exemplo, com uma pintura de Courbet. Mas também pode ser facilmen-
te percebido se compararmos, por exemplo, um romance de Musset com um romance de
Flaubert – no caso europeu –, ou quando comparamos A Moreninha, de Joaquim Manuel de
Macedo, com Dom Casmurro, para citar apenas um entre vários exemplos possíveis a partir da
literatura brasileira. Ao passo que o romance de Macedo pinta uma sociedade idílica, em que
não há conflitos de outra ordem que não os amorosos – sendo que estes são resolvidos como se
a vida fosse um conto de fadas –, o romance de Machado nos apresenta o tema espinhoso do
adultério, para o qual não se vislumbra uma verdadeira solução ao longo da narrativa.
O projeto estético realista é marcado por uma série de contradições, sendo que uma
das mais importantes diz respeito à maneira simplista e ingênua como eles compreendiam
a relação da linguagem com a realidade. Mesmo uma tela que pretende simplesmente copiar
a imagem de um objeto da realidade já é uma representação na medida em que é realizada a
partir de certas técnicas que permitem criar um “efeito de realidade” em quem observa essa
tela. Da mesma forma, ao contrário do que acreditavam os realistas, um romance realista
não deixa de ser um recorte e jamais a própria realidade. Em termos estritamente semióticos,
o que mudou em relação à estética romântica foi apenas o modo como os realistas utilizam
a linguagem a fim de gerar, nos leitores, uma impressão de que estão diante da própria rea-
lidade e não diante de uma representação.
Se o Barroco e o Romantismo, por exemplo, exploravam imagens sensórias, enredos
ligados ao imaginário e a seres míticos, muitas vezes criando uma representação que trans-
cende a experiência, o Realismo preferiu adotar a descrição minuciosa dos detalhes, aprofun-
dando as características sociais e psicológicas das personagens. Em vez de figuras míticas ou

Literatura Brasileira 85
6 O Realismo

aristocráticas, os realistas priorizavam figuras que retratam tipos menos favorecidos, como
proletários, empregados subalternos, prostitutas, mulheres solitárias, entre outros.
Quando eram apresentados personagens que representavam a burguesia favorecida,
por outro lado, geralmente caracterizavam-se por suas mazelas, faltas e contradições. Em
suma, algumas das características formais mais prezadas pelos realistas foram, além da
construção de um enredo o mais verossímil possível, a descrição pormenorizada de ambien-
tes e de fatos, em detalhes, muitas vezes, banais, o que torna a narrativa realista geralmente
lenta do ponto de vista da leitura. A partir desses e de outros recursos, os realistas preten-
diam chegar ao que eles acreditavam ser um retrato fiel da própria realidade.

6.3 Principais características

Não é possível reduzir a obra de todos os autores considerados realistas a algumas pou-
cas características, até porque alguns oscilam entre traços românticos e realistas, ao passo
que outros – como Machado de Assis, por exemplo – foram capazes de desenvolver uma
linguagem tão própria que, muitas vezes, denominá-los de realistas parece um reducio-
nismo. No entanto, a crítica tradicional tem elencado alguns traços gerais, passíveis de ser
encontrados (senão em todos) pelo menos em grande parte dos autores considerados realis-
tas, muitas vezes de modo diluído. Isso vai nos permitir formar uma espécie de sistema da
estética realista, que pode nos servir como um aporte didático.
A seguir, apresenta-se um pequeno conjunto de algumas das principais características
do romance realista, baseadas, entre outros, em autores como Alfredo Bosi (1994), Afrânio
Coutinho (1994c), Massaud Moisés (1999) e Antonio Candido (1987).
• Busca de objetividade – ao contrário dos românticos, que viam no sujeito, com
suas fantasias e emoções, a fonte de toda criatividade, os realistas acreditavam no
esforço técnico do escritor. No que diz respeito ao conteúdo de suas obras, se os
românticos buscavam retratar a alma agitada por suas emoções, os realistas pre-
feriam representar as ações humanas com uma certa distância, de forma muitas
vezes descritiva, evitando excesso de recursos estéticos e estilísticos.
• Fé na razão e na ciência – na base filosófica do Romantismo se encontram ideias
platônicas e metafísicas, sendo que os românticos possuíam um profundo apreço
pela religião. Os realistas, por sua vez, atacavam a religião e a metafísica, defen-
dendo a posição segundo a qual apenas a ciência, com seus métodos baseados na
observação e na experimentação, é capaz de nos levar à verdade.
• Engajamento político-social – paradoxalmente, ao mesmo tempo em que critica-
vam os ideais metafísicos dos românticos, os realistas eram ”idealistas” na medida
em que acreditavam na possibilidade de uma transformação social, que seria reali-
zada justamente com o auxílio da arte e principalmente da literatura. Assim sendo,
suas obras estão repletas de denúncias das mazelas da sociedade burguesa, tanto
na vida pública quanto na vida íntima.

86 Literatura Brasileira
O Realismo 6
• Recorrência ao tipo e às situações típicas – como estratégia para atingir o objetivo
de denúncia social, o romance realista procurava abordar tipos sociais e psicológi-
cos em vez de explorar idiossincrasias. Desse modo, pode-se facilmente identificar
heróis injustiçados (“o proletário”, “o pobre”, “o mendigo”, “a prostituta”) e vi-
lões (geralmente “o rico”, “o burguês”, “o fazendeiro”).
• Preferência pelo ambiente urbano – o romance realista, principalmente na Europa,
priorizava problemas sociais ligados à industrialização e aos efeitos nefastos que o
incipiente capitalismo desencadeava na sociedade. Por essa razão, predominavam
ambientes urbanos, onde se podiam perceber, de forma mais nítida, as injustiças
sociais geradas pela nova ordem econômica.
• Ênfase na descrição e apresentação de detalhes – como decorrência de seu cienti-
ficismo e de seu idealismo desejoso de transformar a sociedade, os realistas acre-
ditavam que era necessário “descrever” ou simplesmente “apresentar” as mazelas
sociais, em vez de “embelezá-las” a partir de inúmeros recursos estilísticos.
• Ênfase no aprofundamento das personagens em detrimento do enredo – como
consequência de sua visão cientificista, o romancista realista se entende como uma
espécie de psicólogo social ou sociólogo, interessado não apenas em “contar uma
história” (ênfase no enredo), mas principalmente em “analisar” razões, causas e
consequências dos problemas apontados a partir das personagens.
• Promoção de uma linguagem simples e regional – os realistas levavam adiante o
projeto já iniciado no Romantismo de abolir a linguagem excessivamente formal e
artificial que predominava nas obras neoclássicas, permitindo, dessa forma, o uso
de regionalismos e variações linguísticas de diferentes ordens.

6.4 Realismo no Brasil

Tem-se aceito, de forma didática, que o Realismo foi introduzido no Brasil com o ro-
mance Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881), de Machado de Assis. Essa nova estética
serviu para marcar grandes mudanças sociais e econômicas pelas quais passava o país no
final do século XIX, quando já se anunciava o caminho de transição de uma sociedade rural
para o capitalismo. Se até então o Brasil tinha sido um país eminentemente escravocrata,
agrário e aristocrático, tornava-se, pouco a pouco, mais urbanizado e aberto para (ainda que
incipientes) formas de modernização capitalista. Assim sendo, ao passo que o Romantismo
continuava servindo de base ideológica para uma burguesia avessa às transformações que
se vislumbravam, o Realismo passou a ser visto como um movimento revolucionário, ver-
dadeiro arauto dos novos tempos que se anunciavam entre nós.
Apesar da enorme importância que esse movimento angariou no contexto intelectual
brasileiro do final do século XIX, em termos de quantidade de escritores, não encontrou gran-
des representantes capazes de produzir uma literatura com qualidade estética reconhecida.
A maior exceção, sem sombra de dúvida, foi Machado de Assis, que captou e retratou, de
modo brilhante e ao mesmo tempo pessoal, as contradições dessa nova sociedade que emergia.

Literatura Brasileira 87
6 O Realismo

Machado conhecia e foi influenciado pelo Realismo europeu, mas jamais chegou a se
tornar caudatário dessa escola, além de não ter se entregado, de modo ingênuo, ao ufanismo
e à empolgação sem limites com relação ao progresso que as novas teorias científicas supos-
tamente estariam trazendo – atitude muito comum entre vários intelectuais brasileiros da
época, como Sílvio Romero, por exemplo. Machado sempre se manteve como um crítico,
além de ter criado um estilo literário próprio, desse modo nos legando uma original e insti-
gante representação das relações sociais do Brasil em sua época.
Além de Machado de Assis, no contexto do Realismo brasileiro também desponta o nome
de Raul Pompéia, autor que morreu ainda muito jovem, o que o impediu de produzir um con-
junto de obras consistente. E O Ateneu, seu principal romance, é marcado por fortes traços não
realistas (que oscilam entre expressionistas e impressionistas), fugindo dos preceitos da escola
realista e também apontando na direção de um novo movimento literário – o Simbolismo.

6.4.1 Machado de Assis


Joaquim Maria Machado de Assis nasceu em 21 de junho de 1839. De origem humilde,
era filho de um pintor de paredes e de uma lavadeira açoriana, sendo que seu pai era mulato.
Além disso, tornou-se órfão de mãe muito cedo. Após a morte da mãe, o pai casou-se com a
doceira Maria Inês, que ensinaria o jovem Joaquim Maria a ler e a escrever. Com a sempre
precária situação financeira da família, foi obrigado a trabalhar desde cedo, vendendo doces e
caramelos na frente de colégios abastados. Além das dificuldades materiais, Machado de Assis
também teve que lidar com outros problemas: desde sua infância, era acometido por crises de
epilepsia e sofria de gagueira, o que em parte pode explicar sua fama de reservado e tímido.
Machado de Assis frequentou inicialmente uma escola pública, mas obteve aulas de
francês e de latim junto a Silveira Sarmento, um padre amigo. No entanto, deve-se ressaltar
que sua grande erudição literária é fruto de um forte autodidatismo que ele cultivou desde
muito jovem: ainda adolescente, lia autores como Swift, Sterne e Leopardi, entre vários ou-
tros. Sua inteligência e sua vasta cultura literária contribuíram para que, já aos 16 anos de
idade, obtivesse um emprego na Imprensa Nacional como tipógrafo aprendiz.
Aos 18 anos, Machado de Assis compõe os seus primeiros versos para a revistinha
A Marmota da editora de Paula Brito. A partir disso, passou a trabalhar na redação do Correio
Mercantil, como revisor e colaborador, tendo a oportunidade de conhecer e conviver com
vários autores do Romantismo brasileiro: Casimiro de Abreu, Joaquim Manoel de Macedo,
Manoel Antônio de Almeida, Quintino Bocaiúva, entre outros. Desses escritores, recebeu
vários elogios e estímulos para continuar escrevendo.
Em 1869, casou-se com Carolina Xavier de Novaes. Em 1874, conseguiu o emprego de
Primeiro Oficial da Secretaria de Estado do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras
Públicas. Com a estabilidade financeira garantida, Machado passou a se dedicar de forma
intensa à produção de suas principais obras.

88 Literatura Brasileira
O Realismo 6
6.4.1.1 Machado romântico
Na década de 1860, Machado já havia escrito quase todas as suas comédias e seus poe-
mas românticos, reunidos em Crisálidas. Na década de 1870, ele produziu ainda várias obras
de fundo marcadamente romântico, nas quais não explora as crises morais e sociais da tra-
ma: trata de abrandá-las, muitas vezes as dissimulando, o que revela a forte influência do
Romantismo, que mais tarde iria superar.
Algumas das principais obras dessa fase:
• Contos Fluminenses (1870);
• Ressurreição (1872);
• Histórias da Meia Noite (1873);
• A Mão e a Luva (1874);
• Helena (1876); e
• Iaiá Garcia (1878).

6.4.1.2 Machado realista


Apesar de suas obras da década de 1860 já apontarem para traços que não se encaixam
completamente na estética romântica (e muito se tem discutido sobre serem tais obras real-
mente românticas), foi a partir da década de 1880 que Machado de Assis revelou seu ver-
dadeiro gênio literário, com a publicação de Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881). Nessa
obra, como afirma Alfredo Bosi, “o escritor atinge a plena maturidade do seu realismo de
sondagem moral” (BOSI, 1994, p. 174). De fato, como se afirmou anteriormente, Machado de
Assis é considerado pela crítica como o introdutor do Realismo no Brasil, justamente com a
publicação de Memórias Póstumas de Brás Cubas.
A partir de então, surgiram várias de suas obras-primas, em que conflitos morais e
psicológicos, em vez de serem abrandados, passam a ser explorados até as últimas conse-
quências. Destacaram-se, nesse contexto,
• Histórias sem Data (1884);
• Quincas Borba (1892);
• Várias Histórias (1896);
• Páginas Recolhidas (1899);
• Dom Casmurro (1900).

6.4.1.3 Últimos romances


Seus últimos romances, embora não retrocedam a qualquer tipo de visão romântica,
apontam para algumas mudanças na concepção temática de Machado. Tanto Esaú e Jacó
(1904) quanto Memorial de Aires (1908) abandonam, de certa forma, o realismo ácido e pas-
sam a explorar temas arquetípicos, como é o caso do conflito fraterno de Esaú e Jacó, ou um

Literatura Brasileira 89
6 O Realismo

certo estoicismo ou resignação frente à solidão na terceira idade, em Memorial de Aires. Esse
romance foi sua última obra, escrita logo após a morte de sua esposa e no ano de seu próprio
falecimento, e alguns críticos têm encontrado nele rasgos autobiográficos.
Não é exagero algum afirmar que Machado de Assis está entre os melhores escritores
de nossa literatura, além de ter exercido em outras áreas de nossa cultura uma grande in-
fluência que perdura até os dias de hoje. Ainda em vida, foi considerado o maior romancista
brasileiro, sendo que também foi um dos fundadores e o primeiro presidente da Academia
Brasileira de Letras. Como afirma Alfredo Bosi,
Machado de Assis também animou a excelente Revista Brasileira, promoveu os
poetas parnasianos e estreitou relações com os melhores intelectuais do tempo,
de Veríssimo a Nabuco, de Taunay a Graça Aranha. Não obstante essa ativa so-
ciabilidade no mundo literário, ficaram proverbiais a fria compostura pessoal e o
absenteísmo político que manteve nos anos derradeiros: atitude paralela à análi-
se corrosiva a que vinha submetendo o homem em sociedade desde as Memórias
Póstumas. (BOSI, 1994, p. 174)
Bosi também sugere, didaticamente, uma lista dos temas predominantes na obra
machadiana:
• mesquinhez e sorte precária – heranças inalienáveis;
• a história humana é marcada pelo cinismo e pela indiferença;
• forte visão de destino;
• humor baseado nos signos do cotidiano;
• não importam tanto os fatos, mas as intenções e as ressonâncias que o envolvem.
Ainda segundo Bosi, as principais características estéticas da obra machadiana, são:
• humor;
• microrrealismo;
• ambivalências;
• oculta sensualidade;
• reiterações;
• narrador onisciente (que serve para veicular o desprezo pelas idealizações
românticas);
• narrador em primeira pessoa (que serve para mostrar o indivíduo fraco e
incoerente);
• estrutura informal e aberta das personagens.

6.4.2 Raul Pompéia


Raul d’Ávila Pompéia nasceu em Angra dos Reis, Rio de Janeiro, em 1863. Uma de
suas experiências mais marcantes foi a vida de aluno interno no Colégio Abílio, que serviria
como fundo para a composição de seu romance e obra principal, O Ateneu (1888). Mais tarde,

90 Literatura Brasileira
O Realismo 6
Raul Pompéia estudou no Colégio Pedro II e terminou a faculdade de Direito em Recife.
Destaca-se sua militância política quando ainda estudava em São Paulo, onde participou
dos movimentos abolicionista e pró-República. Além disso, Raul Pompéia também foi dire-
tor do Diário Oficial, professor de mitologia na Escola Nacional de Belas Artes e diretor da
Biblioteca Nacional.
Sua vida foi marcada por algumas polêmicas e um temperamento angustiado, que o
levaria ao suicídio aos 32 anos de idade. Entre os conflitos em que se envolveu, podem ser
destacados dois principais:
• no velório do presidente Floriano Peixoto, Pompéia realizou uma oração fúnebre
de exaltação, o que fez com que Prudente de Morais (sucessor de Peixoto) o exone-
rasse do cargo que ocupava na Biblioteca Nacional;
• o duelo ao qual desafiou o poeta parnasiano Olavo Bilac.
Como afirma Massaud Moisés “em 1892, por questões de honra, entrou em duelo com
Olavo Bilac, sintoma da perturbação mental que, recrudescendo, o induziria ao suicídio,
cometido a 25 de dezembro de 1895.” (MOISÉS, 1984, p. 117).
Embora tenha escrito já em 1880 a novela Uma Tragédia no Amazonas, além de outras
poucas obras editadas apenas postumamente (Microscópicos, 1881; As Joias da Coroa, 1882;
Canções sem Metro, 1900), o fato é que sua única obra de valor reconhecido pela crítica é
O Ateneu (1888), na qual se percebe um fundo autobiográfico, feito de reminiscências, e um
intenso trabalho literário e intelectual sobre tais reminiscências. Como afirmou Alfredo Bosi,
na verdade, em sentido restrito, esse romance mal pode ser definido como realista por sua
fortíssima carga de passionalidade:
[...] se já houve quem o dissesse impressionista, afetado pela plasticidade ner-
vosa de alguns retratos e ambientações, por outras razões se poderiam nele ver
traços expressionistas, como o gosto do mórbido e do grotesco com que deforma
sem piedade o mundo do adolescente [...]. (BOSI, 1994, p.183)
Algumas das principais virtudes desse romance são, além do excelente domínio em
termos de linguagem literária, suas investigações psicanalíticas – a partir das quais emerge
o complexo de Édipo da personagem principal, o adolescente Sérgio. Na trama, o jovem
se apaixona, ao final da obra, justamente pela mulher de seu algoz, Aristarco (diretor do
Colégio Ateneu), caracterizado como um pai tirano, com quem é necessário entrar em dis-
puta pela mãe que se apresenta como uma mulher doce e sensual. Além disso, Pompéia tam-
bém foi capaz de abordar, de maneira bastante honesta e ousada, alguns conflitos relativos
à maturação sexual, ligados à fase da adolescência notadamente, na medida em que surgem
alguns jogos de sensualidade entre os alunos do Colégio.
Infelizmente, contudo, Pompéia não foi capaz de produzir outras obras com o mesmo
nível de profundidade e domínio literário, o que levou alguns críticos a julgamentos, talvez
excessivamente duros, como se percebe, por exemplo, nas palavras de Massaud Moisés,
abaixo transcritas:
Raul Pompéia pertence à classe dos escritores de um livro só: O Ateneu. Tudo
o mais que criou, apesar do muito engenho que ali se manifesta, não passa de

Literatura Brasileira 91
6 O Realismo

exercício, preparação para a obra-prima e única que sua imaginação engendrará,


como síntese de talentos e visão do mundo. E, como de hábito nesses casos, os
demais textos do autor acabam recebendo luz da obra magna, obrigando os crí-
ticos a neles descortinar sinais da genialidade que se define na criação principal.
Escusa fazê-lo, pois, tivesse Raul Pompéia ficado nos produtos menores, fatal-
mente ocuparia diverso lugar nos quadros da Literatura Brasileira. (MOISÉS,
1983, p. 117)

Ampliando seus conhecimentos

Características do período
(CANDIDO; CASTELLO, 1987, p. 281-284)

Entre 1875 e 1922, mais ou menos, estende-se um período rico e diver-


sificado – o primeiro, em nossa literatura, que apresenta um panorama
completo da vida literária, com todos os gêneros modernos florescendo,
com as instituições culturais se multiplicando, com periódicos numero-
sos e relativamente lidos. Ele corresponde, historicamente, à maturação
da nacionalidade, tendo visto a realização de muitas das grandes tarefas
iniciadas depois da Independência, com a modernização das cidades, a
codificação racional das leis, o equipamento técnico, o ensino superior, a
penetração nas zonas internas, a demarcação legal das fronteiras com os
países limítrofes.

A essa dinamização e consolidação da vida nacional (com as suas gran-


dezas e iniquidades sociais) correspondeu um incremento na vida da cul-
tura; ela não apenas ampliou o seu âmbito, mas incorporou com maior
solidez à vida geral do país, tornando-se elemento vivo na sociedade.

Com efeito, ocorreu um fenômeno que se pode qualificar de aceitação


da cultura em geral, da literatura em particular, pelos setores instruídos
das classes dominantes e das camadas médias. De elemento marginal
que era, o escritor foi-se tornando aceito, considerado parte integrante da
vida social; em consequência, tributou-se à sua obra um acatamento que
antes mal existia, fora de pequeno círculo. Esse processo é simbolizado
pela fundação da Academia Brasileira de Letras (1897), que veio de certo
modo oficializar a literatura, ao se tornar uma instituição consagrada pelo
mundo oficial e pela opinião. Ela desempenhou com maior eficácia a partir
de então, para a literatura, o papel que o Instituto Histórico desempenha

92 Literatura Brasileira
O Realismo 6
modestamente durante o romantismo, como intermediário entre a produ-
ção intelectual e o poder público.

Essa circunstância teve vantagens e desvantagens, pois se por um lado


tornou-se respeitável a literatura para a sociedade, como uma das forças
atuantes do país, por outro lado deu-lhe um certo cunho oficial, ajustan-
do-a aos ideais da classe dominante e gerando o academismo, no mau
sentido da palavra. Sobretudo na fase final do período, depois de 1910,
quando os grandes nomes do momento áureo haviam desaparecido, ou já
tinham escrito o melhor da sua obra.

Esse momento áureo fora mais ou menos de 1880 (publicação das


Memórias Póstumas de Brás Cubas) até 1908 (morte de Machado de
Assis). Nele se observa um contraste interessante, que ilustra o processo
de oficialização literária. De um lado, a tendência acadêmica, respeitosa
do decoro, procurando instaurar nas letras os padrões de dignidade exte-
rior, de respeitabilidade burguesa, que assegurassem a consideração do
público. De outro, a irregularidade de uma boemia vigorosa, a mais viva
e fecunda que o nosso país conheceu, e que procurava, ao contrário, opor
a vida sem preconceitos do escritor livre, considerado um tipo à margem
dos padrões burgueses. A literatura militante nutriu-se muito tempo da
tensão entre essas duas concepções (extremadas aqui para simplificar).
Mas a primeira acabou vencendo, quando os elementos mais represen-
tativos da segunda se acomodaram na respeitabilidade, sendo simbólica
sob esse aspecto a eleição para a Academia Brasileira, em 1917, do invete-
rado boêmio e humorista Emílio de Menezes (1867-1918), poeta de rígida
observância parnasiana.

Em todo esse processo, avulta a figura tutelar de Machado de Assis, que


veio do Romantismo e da boemia, e que aos poucos foi compondo para
a sua conduta um estilo de equilíbrio convencional, de impecável digni-
dade, no qual se espelhou, como num modelo, a consciência literária do
tempo. Essa função de paradigma lhe deu em vida uma projeção quase
incontestada de expoente maior da literatura, e se concretizou no fato de
ter sido, enquanto viveu, presidente único e sempre reeleito da Academia.

A importância desse período é completada pelo relevo adquirido durante


ele pela oratória civil, os estudos históricos, os escritos publicísticos, a gra-
mática, a crítica literária. Quando pensamos nele, lembramos imediata-
mente a figura de grandes oradores, como Rui Barbosa (1849-1923), que
encarnou para o brasileiro médio a vida intelectual, sob a forma mais aca-
tada do discurso e da correção da língua. Lembramos, ainda, figuras de

Literatura Brasileira 93
6 O Realismo

jornalistas, como José do Patrocínio (1854-1918), Ferreira de Araújo (1846-


1900), Alcindo Guanabara (1865-1918); de historiadores, como Joaquim
Nabuco (1849-1910), Capistrano de Abreu (1853-1927), Oliveira Lima
(1867-1928); de estudiosos da língua, como Pacheco Júnior (1842-1899),
Júlio Ribeiro (1845-1890), João Ribeiro (1860-1934); de críticos, como Sílvio
Romero (1851-1914), Araripe Júnior (1848-1911), José Veríssimo (1857-
1916); de ensaístas e pensadores como Tobias Barreto (1839-1889), Clóvis
Beviláqua (1859-1944), Eduardo Prado (1860-1901), Euclides da Cunha
(1866-1909), Farias Brito (1864-1917). Eles, e muitos outros, compõem um
belo panorama da nossa cultura desse período, ao lado dos poetas e fic-
cionistas. Em geral, caracterizam-se pelo esforço de pensar e investigar
a realidade do Brasil, seja no nível mais sumário do jornalismo, seja nas
sínteses eloquentes do discurso e dos ensaios, seja na pesquisa documen-
tária, que adquire um rigor antes desconhecido. Foi uma geração de alto
relevo, que aliou a consciência crítica à inspiração, buscando geralmente
as grandes sínteses e as formulações lapidares.

A maioria desses esforços sofreu de um modo ou de outro, e ainda que


por oposição, a grande influência então exercida pela divulgação científica
e pelas filosofias de cunho materialista, nela inspiradas. “Naturalismo”,
no sentido mais amplo, significou a busca de uma explicação materia-
lista para os fenômenos da vida e do espírito, bem como a redução dos
fatos sociais aos seus fatores externos, sobretudo os biológicos, segundo
os padrões definidos pelas ciências naturais. As instituições da sociedade,
principalmente as jurídicas, deixaram de ser consideradas como mani-
festações da Providência, ou da razão humana, para serem interpretadas
como produtos, como consequência necessária de certos fatores condicio-
nantes, dos quais se destacam os meios físicos e a raça. O romantismo
foi combatido, entre outras coisas, no que tinha de compromisso com as
filosofias de cunho espiritualista, e no que tinha de idealização da ver-
dade. E os partidários das novas ideias foram levados a investigar os
caracteres originais da nossa sociedade, à luz do determinismo da raça
e do ambiente, ao mesmo tempo que divulgavam e aplicavam à política,
ao direito, à literatura, os princípios das novas filosofias europeias, como
o positivismo e o evolucionismo, principais encarnações do materialismo
de origem científica.

Esse movimento desenvolveu-se desde o fim do decênio de 1860,


ganhando ímpeto nos seguintes, mormente nos estudos jurídicos e
filosóficos. Salientou-se nele, como centro irradiador, a Faculdade de
Direito de Recife, onde Tobias Barreto pregava a cultura alemã, o direito
moderno e o modernismo filosófico-científico. No Ceará, na Bahia, no

94 Literatura Brasileira
O Realismo 6
Rio de Janeiro, um pouco por toda parte, formaram-se grupos que fize-
ram da divulgação científica a base para uma renovação do pensamento,
em sentido acentuadamente crítico. Deles, sobressai Sílvio Romero, que,
tendo cultivado a literatura, o folclore, a sociologia, a política, o direito,
foi sobretudo um grande crítico da nossa civilização, lançando alguns
dos temas que formaram a base do pensamento sociológico dos nossos
dias. A sua esclarecedora teoria da mestiçagem racial e espiritual é uma
concepção ampla, que interpreta a constituição da sociedade brasileira à
luz da mistura étnica, da vida da família, da troca de experiência civili-
zadora entre europeus e americanos, entre senhores e escravos, segundo
o princípio de interdependência das sociedades, formulado por Auguste
Comte sob o nome de consenso.

A literatura enquadrava-se nessa moldura ampla, e ele a concebeu como


segmento orgânico da civilização total, subordinado aos mesmos proces-
sos de formação e desenvolvimento que os demais. Esse ponto de vista
era mais ou menos comum a toda a opinião culta, servindo de base às con-
cepções estéticas. Não espanta que repercutisse nos escritores, nem que
estes procurassem dar às suas obras, sobretudo no romance e no conto,
o mesmo caráter de crítica social, de análise realista, de interpretação da
conduta à luz dos fatores condicionantes.

No fim do século XIX e no início do [XX], manifestou-se, em paralelo


com as tendências neo-românticas do simbolismo, uma reação de cunho
espiritualista de que se destacam, no plano religioso, o padre Júlio Maria
(1850-1916), no plano filosófico Farias Brito (1862-1917), na crítica literária
Nestor Vítor (1868-1932).

Atividades
1. Leia com atenção o vigésimo capítulo de Dom Casmurro, de Machado de Assis.
Mil padre-nossos e mil ave-marias
Levantei os olhos ao céu, que começava a embruscar-se, mas não foi para vê-lo
coberto ou descoberto. Era ao outro céu que eu erguia a minha alma; era ao meu
refúgio, ao meu amigo. E então disse de mim para mim: “Prometo rezar mil pa-
dre-nossos e mil ave-marias, se José Dias arranjar que eu não vá para o seminário”.
A soma era enorme. A razão é que eu andava carregado de promessas não cum-
pridas. A última foi de 200 padre-nossos e 200 ave-marias, se não chovesse em

Literatura Brasileira 95
6 O Realismo

certa tarde de passeio a Santa Teresa. Não choveu, mas eu não rezei as orações.
Desde pequenino acostumara-me a pedir ao céu os seus favores, mediante ora-
ções que diria, se eles viessem. Disse as primeiras, as outras foram adiadas, e à
medida que se amontoavam iam sendo esquecidas. Assim cheguei aos números
20, 30, 50. Entrei nas centenas e agora no milhar. Era um modo de peitar a von-
tade divina pela quantia das orações; além disso, cada promessa nova era feita e
jurada no sentido de pagar a dívida antiga. Mas vão lá matar a preguiça de uma
alma que a trazia do berço e não a sentia atenuada pela vida! O céu fazia-me o
favor, eu adiava a paga. Afinal perdi-me nas contas. “Mil, mil”, repeti comigo.
Realmente, a matéria do benefício era agora imensa, não menos que a salvação
ou o naufrágio da minha existência inteira. Mil, mil, mil. Era preciso uma soma
que pagasse os atrasados todos. Deus podia muito bem, irritado com os esqueci-
mentos, negar-se a ouvir-me sem muito dinheiro...
Homem grave, é possível que estas agitações de menino te enfadem, se é que
não as achas ridículas. Sublimes não eram. Cogitei muito no modo de resgatar a
dívida espiritual. Não achava outra espécie em que, mediante a intenção, tudo
se cumprisse, fechando a escrituração da minha consciência moral sem déficit.
Mandar dizer cem missas, ou subir de joelhos a ladeira da Glória para ouvir
uma, ir à Terra Santa, tudo o que as velhas escravas me contavam de promes-
sas célebres, tudo me acudia sem se fixar de vez no espírito. Era muito duro
subir uma ladeira de joelhos; devia feri-los por força. A Terra Santa ficava mui-
to longe. As missas eram numerosas, podiam empenhar-me outra vez a alma...
(MACHADO DE ASSIS, 2008).

Machado de Assis é considerado o precursor do Realismo no Brasil. Qual das


características tipicamente realistas, a seguir citadas, pode ser encontrada no ca-
pítulo XX de Dom Casmurro?

a. Narrador onisciente neutro.

b. Determinismo social.

c. Narrativa objetiva, com predomínio de descrições.

d. Heróis e protagonistas ligados às classes sociais mais baixas.

e. Uma visão de mundo destituída de idealismos.

2. Leia as afirmativas a seguir, relacionadas com o capítulo XX de Dom Casmurro.

I. Pode-se perceber a fina ironia de Machado de Assis com relação à religião, pois,
com sua atitude religiosa, a personagem principal procura apenas obter benefí-
cios pessoais.

96 Literatura Brasileira
O Realismo 6
II. É possível perceber o pessimismo de Machado de Assis com relação ao espíri-
to humano na medida em que a personagem principal não age de acordo com
valores nobres e abstratos, mas unicamente de acordo com seus interesses mais
imediatos.
III. Percebe-se nitidamente a influência que Machado de Assis recebeu do
darwinismo, pois a personagem principal é apresentada em seus aspectos natu-
rais ou biológicos.

Agora, assinale a afirmativa correta.

a. Apenas a afirmativa I está correta.

b. Apenas as afirmativas I e II estão corretas.

c. As afirmativas I, II e III estão corretas.

d. Apenas as afirmativas I e III estão corretas.

e. Apenas as afirmativa II e III estão corretas.

3. Disserte sobre as principais características do Realismo a partir da oposição desse


movimento ao Romantismo.

Resolução
1. e.

2. b.

3. Os realistas pregam a necessidade de evitar a fantasia e a emoção exacerbada, bem


como o excesso de imaginação da estética romântica, pois acreditavam que essas
características estéticas se opunham ao ideal da racionalidade científica por eles de-
fendido e ainda que tais características refletiam uma ideologia burguesa retrógrada
e conservadora. Assim sendo, passaram a defender a necessidade de engajamento
da arte na transmissão de conhecimentos objetivos e um ponto de vista crítico em
relação às mazelas da sociedade. Em termos de estética literária, procuraram realizar
uma literatura dotada de objetividade, racionalidade e engajamento político-social,
preferindo ambientes urbanos e enfatizando a descrição.

Literatura Brasileira 97
7
Naturalismo
Edgar Roberto Kirchof

7.1 O que é Naturalismo

O movimento estético e literário denominado Naturalismo pode ser considerado


uma espécie de continuação e aprofundamento do movimento realista, a ponto de,
muitas vezes, ser difícil determinar quando um autor desse período é realista e quando
é naturalista. Um caso bastante típico é o português Eça de Queirós, caracterizado
pela crítica ora como realista, ora como naturalista. Todos os pressupostos ideológi-
cos e científicos que servem de fundamento para o Realismo também o servem para
o Naturalismo. Mesmo no que tange às principais características estéticas, ambos os
movimentos apresentam semelhanças, sendo que, muitas vezes, o que as difere é ape-
nas o grau de intensidade em que ocorrem.

Por outro lado, embora não tão evidentes à primeira vista, há entre esses movi-
mentos diferenças de cunho histórico, político-ideológico e mesmo estético que permi-
tem delinear dois estilos distintos. Nas palavras de Afrânio Coutinho, o Naturalismo

Literatura Brasileira 99
7 Naturalismo

[...] é um Realismo a que se acrescentam certos elementos que o distinguem e


tornam inconfundível sua fisionomia em relação a ele. Não é apenas um exagero
ou uma simples forma reforçada do Realismo, pois que o termo inclui escritores
que não se confundem com os realistas. É o Realismo fortalecido por uma teoria
peculiar, de cunho científico, uma visão materialista do homem, da vida e da
sociedade. (COUTINHO, 2004c, p. 11)
Historicamente, o novo movimento foi criado pelo escritor francês Émile Zola, que pas-
sou a utilizar o termo naturalismo, juntamente com seu grupo, a partir de 1880. Zola e seus
seguidores eram adeptos extremos das teorias científicas que também serviam de base para
muitas teses do Realismo, especialmente o positivismo e o evolucionismo. No entanto, di-
ferentemente dos realistas – que retiravam dessas teorias apenas inspiração ideológica e
fundamentação epistemológica –, os naturalistas pretendiam empregar os próprios métodos
das ciências experimentais na prática da escrita literária. Em outros termos, acreditavam que
as ciências humanas (e nesse campo eles incluíam também as artes e a literatura) deveriam
se pautar pelos métodos das ciências naturais.
O principal modelo seguido por Zola foi a obra Introdução ao Estudo da Medicina
Experimental (1865), escrita pelo grande fisiologista francês Claude Bernard, que na época
estava promovendo uma verdadeira revolução em termos de descobertas na área médica:
entre suas várias contribuições, Bernard descobriu a função do pâncreas na digestão de
ácidos graxos, o que foi determinante para a compreensão do funcionamento da diabete.
Extremamente empolgado com as descobertas de Bernard e de outros cientistas naturais,
Émile Zola escreveu um livro intitulado O Romance Experimental (1880), que veio a se tornar
uma espécie de manifesto naturalista e no qual defendeu um paralelismo direto entre as
atitudes do médico-cientista e as do escritor literário: ambos deveriam se guiar pela obser-
vação da realidade, enxergando o ser humano não como um ente espiritual, mas como um
ser formado a partir de leis físicas, químicas e biológicas.
Thérèse Raquin (1867), o primeiro romance considerado naturalista, foi escrito pelo pró-
prio Zola, tendo causado na época furor em grande parte da crítica, que o considerou vulgar
e mesmo pornográfico.
De modo muito resumido, a obra apresenta uma trama cujo principal tópico é o assas-
sinato de um marido considerado não apto para a mulher com quem casara. O enredo está
centrado em Thérése Raquin, que após a morte da mãe (uma argelina) é levada pelo pai para
viver com Madame Raquin, sua tia. Assim, convive com Camille, seu primo doente, de sua
idade. Quando os jovens completam 21 anos, Madame Raquin decide que Thérèse e Camille
devem se casar – sem levar em conta a vontade de Thérèse. No decorrer da trama, Thérèse
acaba iniciando um caso amoroso com Laurent, um amigo de infância, e ambos armam e
realizam o assassinato de Camille.
Nessa obra, considerada um protótipo do romance naturalista, Zola procurou aplicar
as teorias científicas, inspiradas em Bernard e nos demais evolucionistas, à literatura. Como
explicou no prefácio, não pretendia apresentar “caracteres”, mas “temperamentos”. Para
ele, o que ocorreu na trama é uma questão de lógica científica: basta analisar os tempera-
mentos das personagens para se concluir que não haveria outro desfecho verossímil – em

100 Literatura Brasileira


Naturalismo 7
sua concepção, uma mulher que não pode saciar suas inclinações naturais por ter se casado
com um marido doente irá, necessariamente, procurar outro homem e tentará se desemba-
raçar do marido. Nesse sentido, o romance de Zola (assim como todos os romances realistas
e, principalmente, os naturalistas) é considerado um romance de tese, ou seja, uma obra com a
explícita intenção de demonstrar e comprovar uma tese supostamente científica.

7.2 Principais influências ideológicas

Visto que uma das principais reivindicações do Naturalismo é a necessidade de aplicar,


da forma mais direta possível, os fundamentos das ciências naturais e positivas às artes e às,
assim chamadas, ciências humanas, é importante ter em mente, mesmo que de forma super-
ficial e panorâmica, alguns dos principais postulados científicos que norteavam esse projeto.
Entre as várias teorias e os vários cientistas em voga no final do século XIX, destacam-se, por
sua influência sobre os naturalistas, o positivismo de Augusto Comte e o evolucionismo de
Charles Darwin.

7.2.1 Auguste Comte


Auguste Comte (1798-1857) pode ser considerado o “pai da sociologia”, tendo se torna-
do conhecido principalmente por sua classificação evolutiva das ciências: para ele, as diver-
sas áreas de conhecimento não evoluem todas ao mesmo tempo, algumas dependendo de
outras. Assim, a biologia não poderia aparecer antes da química, por exemplo. Em seu Curso
de Filosofia Positiva (1830-1842), Comte desenvolveu uma explicação evolutiva para as várias
organizações sociais, a partir de três estados da humanidade:
• no estado teológico (característico de sociedades primitivas), os fenômenos são
explicados por meio do sobrenatural;
• no estado metafísico (um grau mais avançado em relação ao anterior), o sobrena-
tural é substituído, enquanto fundamento para as explicações, pelas abstrações
filosóficas – em outros termos, nesse estágio a religião e a magia são substituídas
pela filosofia;
• no estado científico ou positivo (o mais evoluído de todos), não se procuram mais
explicações sobrenaturais e tampouco se criam sistemas especulativos – antes, pes-
quisam-se as leis que efetivamente regem os fenômenos e que permitem a sua
previsão.

7.2.2 Charles Darwin


Juntamente com Comte, Charles Darwin (1809-1882) foi, sem dúvida, o cientista que
mais influenciou os escritores naturalistas. Em sua principal obra, A Origem das Espécies
(1859), Darwin defendeu a tese segundo a qual em nosso universo toda a vida é fruto de
uma evolução, sendo que as alterações provocadas pela evolução são graduais, levando

Literatura Brasileira 101


7 Naturalismo

milhares de anos para ocorrerem. Em termos bastante simplificados, as inúmeras espécies


que hoje existem provêm todas de uma única forma de vida.
Para Darwin, o mecanismo pelo qual a evolução atua é a seleção natural, ou seja, a so-
brevivência ou a extinção de cada espécie depende exclusivamente de suas capacidades de adaptação.
Um dos aspectos mais revolucionários na teoria evolutiva de Darwin é a tese antimetafísica,
pela qual não existe uma força, um poder ou um ser sobrenatural controlando essas variações:
segundo Darwin, elas ocorrem regidas unicamente pelo acaso.

7.2.3 Outros autores


As ideias de Comte e de Darwin foram extremamente influentes não apenas nos círcu-
los literários, mas em muitos círculos intelectuais e acadêmicos, a partir do final do século
XIX. Imediatamente, o darwinismo e o positivismo passaram a motivar o surgimento de
novas teorias, muitas vezes, interpretações ou adaptações apressadas e deturpadas, princi-
palmente do evolucionismo. Uma das correntes mais influentes, nesse contexto, foi o darwi-
nismo social, fundado por Herbert Spencer, que passou a interpretar as sociedades humanas
a partir do princípio da seleção natural. Desvirtuando em muitos aspectos a teoria da sele-
ção natural como fora elaborada originalmente por Darwin, Spencer passou a defender a
ideia de que nas sociedades humanas, sobrevive apenas o mais forte. Desse modo, a teoria
de Spencer serviu para legitimar divisões sociais de classe e divisões racistas.
Outro autor importante, especialmente para a literatura, nesse contexto, foi Hippolyte
Taine (1828-1893), que, em várias de suas obras, procurou explicar tanto a literatura quanto
as demais artes a partir da tese de que o homem é produto da hereditariedade (raça), do
condicionamento histórico e do meio. Assim sendo, também a arte e a literatura, nessa pers-
pectiva, são determinadas por causas naturais (raça, clima e temperamento) e por causas
culturais (meio e educação).

7.3 Principais características

As principais características estéticas (tanto formais quanto estruturais) do Naturalismo


são bastante semelhantes às características que predominam nas obras realistas. No entan-
to, há alguns traços que permitem delimitar esses estilos. A seguir, apresentam-se alguns
dos principais traços estéticos de obras literárias naturalistas (cf. COUTINHO, 2004c; BOSI,
2004; CANDIDO, 1997).
• Nas obras naturalistas, as teorias científicas são utilizadas de forma quase direta,
sendo que a maior parte dos romances desse estilo procura, por meio de sua es-
trutura formal e temática, comprovar uma tese que se acredita ter base científica.
• Visto que predomina uma visão de mundo biológica e evolutiva, as personagens
humanas são mostradas em sua animalidade, muitas vezes de modo caricato.
Ressaltam-se aspectos ligados aos instintos mais primitivos, como a sexualidade,

102 Literatura Brasileira


Naturalismo 7
a agressividade e a alimentação, sendo que, no campo lexical, utilizam-se termos
ligados ao campo semântico animal para caracterizar o humano.
• Juntamente com essa visão de mundo naturalizada, predomina uma concepção
determinista e mecanicista segundo a qual o ser humano é como que “vítima” das
condições raciais, sociais e ambientais em que nasce e cresce. Suas ações, portanto,
decorrem como consequência lógica e natural dessas condições e, portanto, são
altamente previsíveis.
• As obras naturalistas possuem uma intenção de denúncia das mazelas da socieda-
de burguesa e os intelectuais ligados a esse movimento acreditavam ser possível,
a partir dessa denúncia, realizar uma espécie de reforma social.

7.4 O Naturalismo no Brasil

Assim como no caso do Realismo, também no que diz respeito ao Naturalismo não hou-
ve muitos escritores brasileiros capazes de produzir obras dotadas de grande valor literário
a partir dessa estética. Como notou Afrânio Coutinho, no Brasil,
[...] o Naturalismo, como escola, não durou mais que a década de 1880. O que
se encontra mais comumente na ficção da época são as suas impregnações aqui
e ali.

Não fossem este ou aquele livro realizados de Aluízio de Azevedo, Adolfo


Caminha, Domingos Olímpio, um ou outro conto, regional ou não, e páginas
esparsas por toda parte, poderia asseverar-se que o Naturalismo foi um movi-
mento gorado no Brasil. (COUTINHO, 2004c, p. 16)

Para a maior parte dos críticos, o Naturalismo foi introduzido em solo brasileiro pelo
romance O Mulato, de Aluísio Azevedo, em 1881, mesmo ano em que Machado de Assis
publicou Memórias Póstumas de Brás Cubas. As obras mais identificadas com essa estética
fizeram uso especial de um elemento característico da literatura brasileira: o regionalismo,
em suas várias facetas, sendo que um dos aspectos mais explorados foi a influência que as
duras condições climáticas e ambientais, principalmente no Norte e no Nordeste, exercem
sobre os indivíduos. Essa temática tipicamente naturalista estará presente mesmo após o
término desse movimento – por exemplo, em Os Sertões, de Euclides da Cunha, e mesmo em
romances modernistas que exploram a temática da seca.
Juntamente com obras mais influenciadas pelo Naturalismo europeu também se pro-
duziu no final do século XIX um estilo a que Alfredo Bosi denominou naturalismo estilizado,
representado principalmente por Coelho Neto e Afrânio Peixoto, que estavam mais interes-
sados em retratar a vida galante da burguesia brasileira por meio de uma literatura forte-
mente guiada por efeitos estéticos do que realmente denunciar mazelas sociais ou defender
teses científicas.

Literatura Brasileira 103


7 Naturalismo

7.4.1 Aluísio Azevedo


Aluísio Tancredo Gonçalves de Azevedo nasceu em São Luís do Maranhão, em 1857, e
era filho do vice-cônsul português. Após seus estudos primários e uma breve passagem pelo
comércio, Aluísio Azevedo seguiu para o Rio de Janeiro, junto de seu irmão, o comediógrafo
Artur Azevedo, a fim de estudar artes plásticas. Lá, trabalhou como caricaturista em jornais
políticos e humorísticos: O Mequetrefe, Fígaro e Zig-Zag. No entanto, após o falecimento do pai,
acabou regressando a São Luís, onde colaborou com a imprensa e iniciou sua carreira literária.
No Maranhão, envolveu-se em algumas polêmicas, pois utilizava a imprensa como
meio para satirizar posições conservadoras e retrógradas da sociedade local, o que lhe ren-
deu alguns desafetos.
Em 1880, realizou sua primeira tentativa de produção literária com uma obra ainda
bastante alinhada com o Romantismo sentimental: Uma Lágrima de Mulher. Assim, foi so-
mente no ano seguinte, com a publicação de O Mulato, que Aluísio Azevedo logrou desen-
volver sua potencialidade enquanto grande romancista e intelectual engajado nos ideais
do Naturalismo francês. De fato, o livro atacou diretamente o preconceito racial ainda em
grande voga, não apenas no Maranhão, mas em todo território nacional, caracterizando-se
como um legítimo romance de tese.
A crítica tem considerado O Mulato como marco do início do Naturalismo no Brasil.
Pela boa recepção que angariou já em sua época, tendo sido bem aceito inclusive na corte,
Aluísio Azevedo decidiu retornar ao Rio de Janeiro na tentativa de viver como escritor – o
que de fato realizou entre 1882 e 1895. Esse foi o seu período mais produtivo, pois desses
anos datam vários romances, contos, operetas e revistas teatrais, sendo que merecem desta-
que Casa de Pensão (1884) e O Cortiço (1890).
Por outro lado, chama a atenção o fato de que, apesar de ser o maior expoente no
Naturalismo brasileiro, Aluísio Azevedo jamais deixou de produzir obras marcadamente
românticas, de baixo valor literário, tais como os folhetins A Condessa Vésper (1882, com o
título original de Memórias de um Condenado), Girândola de Amores (1882, com o título original
de Mistérios da Tijuca) e A Mortalha de Alzira (1884), entre outros.
Em 1895, ele foi aprovado em um concurso para Cônsul e passou a se dedicar quase que
inteiramente à carreira diplomática. A partir de então, serviu em Vigo, Nápoles, Tóquio e
Buenos Aires, cidade em que faleceu, aos 55 anos de idade.
Assim, durante sua fase diplomática, Aluísio Azevedo praticamente abandonou o ofício
literário, no qual se destacou sobretudo por ter sido o maior representante do Naturalismo
europeu – de inspiração de Émile Zola e Eça de Queirós – no Brasil.
Entre as inúmeras obras que nos legou, merecem destaque, pela qualidade literária
e pelo bom êxito na representação da estética naturalista, O Mulato (1881), Casa de Pensão
(1884) e O Cortiço (1890), sendo que, entre essas três, O Cortiço se sobressai pela criativida-
de da trama, pela utilização do espaço como uma espécie de personagem naturalizada e,
principalmente, pela habilidade demonstrada ao retratar as mazelas sociais da sociedade
brasileira do final do século XIX.

104 Literatura Brasileira


Naturalismo 7
7.5 Naturalismo de inspiração regional

Apesar de Aluísio Azevedo ter sido o maior expoente do Naturalismo brasileiro, também
devem ser mencionados alguns autores que, ligados ao Naturalismo, destacaram-se pela utili-
zação de traços do regionalismo geográfico e social para dar corpo às necessidades de ambien-
tação inerentes à estética naturalista. Autores como Inglês de Souza, Adolfo Caminha, Manoel
de Oliveira Paiva, Domingos Olímpio, Rodolfo Teófilo, Antônio Sales e outros utilizaram te-
mas como o cangaço, a seca nordestina e peculiaridades da região amazônica para ilustrar as
teses deterministas de Taine acerca da influência do meio sobre o indivíduo.

7.5.1 Adolfo Caminha


Adolfo Ferreira Caminha nasceu em Aracati, Ceará, em 1867. Sua infância foi marcada
por algumas adversidades, como orfandade e doenças, além da seca de 1877. Após cursar
a Escola Naval no Rio de Janeiro, conheceu os Estados Unidos, em 1886, sendo que essa
viagem lhe rendeu um livro de crônicas, No País dos Iankes (1894). De volta ao Ceará, raptou
a esposa de um alferes, com a qual passou a viver. Mais tarde, mudou-se para Fortaleza,
onde se tornou um dos líderes da Padaria Espiritual, grupo que promoveu o Naturalismo
na província entre 1892 e 1898. Morreu de tuberculose, aos 29 anos de idade, tendo dei-
xado, como principais contribuições para o Naturalismo brasileiro, entre outras obras,
A Normalista (1893) e o Bom Crioulo (1895), além de uma obra crítica marcadamente influen-
ciada por Taine, as Cartas Literárias (1895), nas quais também se faz perceber, de modo para-
doxal, uma certa simpatia pelo simbolismo de Cruz e Souza.

7.5.2 Inglês de Souza


Herculano Marcos Inglês de Souza nasceu em Óbidos, Pará, em 1853, sendo que reali-
zou seus estudos secundários no Maranhão e fez o curso de Direito em Recife e São Paulo.
Inglês de Souza, como ficou conhecido, era um positivista liberal, tendo exercido uma vida
política influente: foi presidente do Sergipe e do Espírito Santo durante o Império. Além
disso, é importante mencionar que foi membro fundador da Academia Brasileira de Letras.
Suas obras realizam uma combinação entre regionalismo e processos de composição inspi-
rados na obra de Zola, sendo fortemente marcadas por sua concepção positivista. De sua
produção, destaca-se o romance O Missionário (1888) e os Contos Amazônicos (1893).

7.5.3 Outros autores


Além de Adolfo Caminha e Inglês de Souza, poucos outros autores chegaram a escrever
obras efetivamente inovadoras no contexto naturalista brasileiro. Por outro lado, podem
ser mencionadas algumas exceções, tais como Luzia-Homem (1903), de Domingos Olímpio;
A Fome (1890), Os Brilhantes (1895) e O Paroara (1899), de Rodolfo Teófilo; além de Dona
Guidinha do Poço, escrito por volta de 1891, por Manoel de Oliveira Paiva. Nesse contexto,

Literatura Brasileira 105


7 Naturalismo

apesar da pouca qualidade estética de várias obras naturalistas, não deve ser subestimado
o impacto que o seu regionalismo conseguiria exercer sobre o Modernismo, principalmen-
te na década de 1930, manifesto em autores como José Américo de Almeida e Rachel de
Queiroz, por exemplo.

7.6 Naturalismo estilizado

Ao mesmo tempo em que no final do século XIX uma linha dos autores brasileiros
procurava seguir de modo bastante fidedigno as teses naturalistas de Taine, juntamente
com as sugestões de composição ditadas por Émile Zola, Eça de Queiroz e outros natura-
listas europeus, também se desenvolveu em solo brasileiro um tipo de literatura que não
pretendia ser tão vinculado a teses científicas ou assuntos considerados por demais sérios.
Nas palavras de Alfredo Bosi, “desenvolve-se um estilo mundano, meio jornalístico, meio
sofisticado, aquele ‘sorriso da sociedade’ como entendia a literatura Afrânio Peixoto” (BOSI,
1994, p. 197). Principalmente a partir do final do século XIX até a Primeira Guerra Mundial
(1914-1918), autores como Coelho Neto e Afrânio Peixoto inspiraram-se no estilo art
nouveau, típico da Belle Époque, oriundo principalmente da arquitetura decorativa em voga
na Europa naquela época. Ainda segundo Bosi, as principais características dessa literatura,
por ele denominada de naturalismo estilizado, são o “estetismo, evasionismo, ‘pureza’ verbal
precariamente definida, sertanismo de fachada, lugares-comuns herdados à divulgação de
Darwin e Spencer, resíduos da dicção naturalista de cambulhada com clichês do romance
psicológico à Bourget”(BOSI, 1994, p. 196).
Nesse contexto, adquiriram especial relevância Henrique Maximiniano Coelho Neto,
nascido em Caxias, no Maranhão, em 1864, e Júlio Afrânio Peixoto, nascido em Lençóis, na
Bahia, em 1876. Tanto Coelho Neto quanto Afrânio Peixoto possuem uma produção literária
bastante volumosa, o que torna tarefa difícil listar todas as suas obras em uma introdução
à literatura.
Na obra de Coelho Neto prevalece um senso de virtuosismo exercido a partir da ex-
ploração de temas muitas vezes triviais. Predomina, ainda, uma certa ambivalência entre
o folhetinesco e o mundano. Em um termo, a literatura de Coelho Neto é sincrética, “na
medida em que tende a amalgamar a intenção documental com o brilho da palavra plástica
e sonora” (BOSI, 1994, p. 205).
Afrânio Peixoto, por sua vez, ambientou boa parte de seus romances no sertão baiano,
sendo que seu realismo acaba revelando fortes traços de um romantismo tolerante e epicu-
rista1. Algumas de suas principais obras são A Esfinge (1908), Maria Bonita (1914), Fruta do
Mato (1920), Bugrinha (1922) e Sinhazinha (1929).

1 Epicurista: aquele que procura os prazeres, os deleites da cama ou da mesa.

106 Literatura Brasileira


Naturalismo 7
7.7 Naturalismos

Para finalizar este capítulo, é importante ressaltar que, enquanto uma tendência estética
e ideológica que enxerga o ser humano principalmente sob o viés de suas determinações na-
turais e biológicas, o Naturalismo não se restringe à escola naturalista que se impôs na França
a partir do final do século XIX, sob a influência de Émile Zola e seu grupo. No estudo crítico
da literatura, é necessário distinguir movimentos literários, como o Barroco, o Romantismo, o
Realismo, o Naturalismo, por exemplo, de tendências baseadas em traços estéticos.
No primeiro caso, temos as escolas literárias, que sempre são situadas historicamente a
partir de um grupo ou movimento específico, bem como a partir de uma série de documen-
tos ou manifestos que contêm as poéticas e as intenções político-ideológicas desse grupo.
No segundo caso, por sua vez, temos tendências estéticas, que devem ser compreendidas
como um conjunto de estratégias semióticas que, utilizadas na composição literária ou ar-
tística, são destinadas a causar um tipo de efeito sobre o receptor: um efeito barroco, um efeito
realista ou naturalista, entre outros. Nesse sentido, é possível perceber traços naturalistas em
obras anteriores ao século XIX (por exemplo, na pintura de Rembrandt ou na literatura de
Chaucer, entre outros), mas também é possível perceber traços naturalistas em inúmeros
escritores e artistas posteriores, mesmo na atualidade.
No que se refere à crítica artística e literária, em pleno século XXI um grupo de biólogos
e críticos literários – ligados à sociobiologia e à psicologia evolutiva – tem reafirmado valores
e critérios comuns ao Naturalismo do século XIX como programa ideológico e estético a ser
seguido por artistas e escritores. Um dos mais importantes representantes dessa tendência
é o biólogo Richard Dawkins, que, em seu livro Desvendando o arco-íris, argumenta em favor
de uma literatura orientada pela ciência e não pela pura fantasia. Segundo sua concepção, a
arte deve buscar inspiração nos mistérios das leis do universo (ou seja, o universo da ciência)
e não na pura imaginação, pois, segundo o autor, uma arte puramente imaginativa pode
estimular a credulidade e inibir o senso crítico, tão necessário na vida adulta (KIRCHOF,
2008, p. 94). Como se percebe, as disputas travadas entre os românticos e os naturalistas, já
no século XIX, continuam repercutindo até os dias de hoje.

Ampliando seus conhecimentos

Legado do Naturalismo
(MONTELLO, 2004b, p. 88-90)

Não se pode afirmar que foi com o Naturalismo, através de seu pro-
cesso de captação da realidade objetiva, que se fixaram pela primeira
vez no romance brasileiro os nossos tipos e os nossos costumes. Antes
de Aluísio Azevedo, Júlio Ribeiro, Inglês de Souza e Adolfo Caminha,

Literatura Brasileira 107


já a nossa vida urbana, com as suas peculiaridades mais destacadas, se
espelhava no romance. Em pleno Romantismo brasileiro, José de Alencar
pinta a vida na corte, nos perfis de mulher de sua galeria copiosa. Taunay,
Bernardo Guimarães, Macedo, Franklin Távora, são hábeis pintores da
vida brasileira, isto para não falar em Manoel Antônio de Almeida, em
cujas Memórias de um Sargento de Milícias, de tanto sabor picaresco, há
um realismo enxuto, sóbrio, de tintas firmes e definidas. Inspecionando
a alma de suas personagens, Machado de Assis, em lugar de fixar direta-
mente as paisagens, contempla-as através dos olhos das figuras de seus
contos e romances.

Antes do Naturalismo, havia, assim, em nossas letras, um Realismo


discreto, sem exageros ou excessos, a que o Naturalismo veio dar maior
vigor, com um colorido por vezes brutal. A obra de Balzac, construída
no curso dos 20 anos em que se elabora o nosso Romantismo, não influi
efetivamente em nossa literatura: há um ou outro traço acidental, sem
maior significação, da presença do criador de Vautrin em nossas letras.
O dom de ver, observou certa vez um dos mestres do romance natu-
ralista, é menos comum que o dom de criar. Se tínhamos olhos para
captar os costumes e as tradições brasileiras, transplantando-as para
romances e contos, ficávamos dentro do convencional sempre que os
tipos movimentavam, com seus sentimentos e os seus problemas, nos
ambiente que lhes destinávamos.

O Naturalismo contribuiu poderosamente para destruir o convenciona-


lismo do elemento humano do romance brasileiro. Essa herança român-
tica como se desbarata, ou pelo menos se enfraquece, após o advento do
romance naturalista. É verdade que o Naturalismo criou outras figuras
convencionais, como a sua preocupação falaciosa de fazer ciência. Em
breve os tipos se repetiam, uniformes e estereotipados, conforme se viu
na reprodução instantânea da Magda de O homem. Esse abuso foi um
bem, porque retificou a nova escola nos seus exageros.

Não será fora de propósito lembrar alguns nomes de romancistas, mui-


tos deles de vocação autêntica, que foram sacrificados pelo crepúsculo do
Naturalismo. Horácio de Carvalho, Pardal Mallet, Papi Júnior, Rodolfo
Teófilo, José do Patrocínio, Marques de Carvalho, Antônio de Oliveira,
Batista Capelos, Faria Neves Sobrinho A. de Paiva, Aderbal de Carvalho,
Tomás Alves Filho, Carneiro Vilela, Virgílio Brígido, Carmen Dolores,
Naturalismo 7
Antônio de Sales, Canto e Melo podem ser evocados, no levantamento da
escola naturalista do Brasil. É bem verdade que de muitos deles ficaram
mais os nomes que as obras, sendo que algumas vezes até os nomes com
dificuldade sobreviveram até os nossos dias. Em todo caso, representam
eles o elemento de ligação entre fases distintas da literatura brasileira.

Na literatura corrente, o Naturalismo é um processo plenamente ultrapas-


sado, mas muitas de suas lições podem ser rastreadas ao longo das obras
que, refletindo realidades regionais, se pautam pelas coordenadas do
Realismo, embora com uma liberdade de criação que supera as limitações
impostas pelo Naturalismo, na sua miragem do romance experimental.

Atividades
1. Leia o início do terceiro capítulo de O Cortiço, de Aluísio Azevedo.
Eram cinco horas
Eram cinco horas da manhã e o cortiço acordava, abrindo, não os olhos, mas a
sua infinidade de portas e janelas alinhadas.
Um acordar alegre e farto de quem dormiu de uma assentada sete horas de
chumbo. Como que se sentiam ainda na indolência de neblina as derradeiras
notas da última guitarra da noite antecedente, dissolvendo-se à luz loura e tenra
da aurora, que nem um suspiro de saudade perdido em terra alheia.
A roupa lavada, que ficara de véspera nos coradouros, umedecia o ar e punha-
-lhe um farto acre de sabão ordinário. As pedras do chão, esbranquiçadas no lu-
gar da lavagem e em alguns pontos azuladas pelo anil, mostravam uma palidez
grisalha e triste, feita de acumulações de espumas secas.
Entretanto, das portas surgiam cabeças congestionadas de sono; ouviam-se am-
plos bocejos, fortes como o marulhar das ondas; pigarreava-se grosso por toda a
parte; começavam as xícaras a tilintar; o cheiro quente do café aquecia, suplan-
tando todos os outros; trocavam-se de janela para janela as primeiras palavras,
os bons-dias; reatavam-se conversas interrompidas à noite; a pequenada cá fora
traquinava já, e lá dentro das casas vinham choros abafados de crianças que ain-
da não andam. No confuso rumor que se formava, destacavam-se risos, sons de
vozes que altercavam, sem se saber onde, grasnar de marrecos, cantar de galos,
cacarejar de galinhas. De alguns quartos saiam mulheres que vinham pendurar

Literatura Brasileira 109


7 Naturalismo

cá fora, na parede, a gaiola do papagaio, e os louros, à semelhança dos donos,


cumprimentavam-se ruidosamente, espanejando-se à luz nova do dia.
Daí a pouco, em volta das bicas era um zunzum crescente; uma aglomeração
tumultuosa de machos e fêmeas. Uns, após outros, lavavam a cara, incomoda-
mente, debaixo do fio de água que escorria da altura de uns cinco palmos. O
chão inundava-se. As mulheres precisavam já prender as saias entre as coxas
para não as molhar; via-se-lhes a tostada nudez dos braços e do pescoço, que elas
despiam, suspendendo o cabelo todo para o alto do casco; os homens, esses não
se preocupavam em não molhar o pêlo, ao contrário metiam a cabeça bem debai-
xo da água e esfregavam com força as ventas e as barbas, fossando e fungando
contra as palmas da mão. As portas das latrinas não descansavam, era um abrir e
fechar de cada instante, um entrar e sair sem tréguas. Não se demoravam lá den-
tro e vinham ainda amarrando as calças ou as saias; as crianças não se davam ao
trabalho de lá ir, despachavam-se ali mesmo, no capinzal dos fundos, por detrás
da estalagem ou no recanto das hortas. O rumor crescia, condensando-se; o zun-
zum de todos os dias acentuava-se; já se não destacavam vozes dispersas, mas
um só ruído compacto que enchia todo o cortiço. Começavam a fazer compras na
venda; ensarilhavam-se discussões e resingas; ouviam-se gargalhadas e pragas;
já se não falava, gritava-se. Sentia-se naquela fermentação sanguínea, naquela
gula viçosa de plantas rasteiras que mergulham os pés vigorosos na lama preta
e nutriente da vida, o prazer animal de existir, a triunfante satisfação de respirar
sobre a terra. (AZEVEDO, 2008).

Entre as características abaixo, quais se reportam de modo correto ao excerto do


terceiro capítulo de O Cortiço?

I. Predomínio de uma visão biológica e evolutiva do ser humano, especialmente


por meio da analogia entre personagens humanas e características ligadas à ani-
malidade.
II. Pessimismo acentuado em relação a qualquer possibilidade de reforma social.
III. Concepção determinista da realidade, na qual o ser humano é uma vítima de
suas condições raciais, sociais e ambientais.

Agora, assinale a alternativa correta.

a. Apenas a afirmativa I está correta.

b. Apenas as afirmativas I e II estão corretas.

c. As afirmativas I, II e III estão corretas.

d. Apenas as afirmativas I e III estão corretas.

e. Apenas as afirmativas II e III estão corretas.

110 Literatura Brasileira


Naturalismo 7
2. Relacione as colunas.

a. O Mulato ( ) Apesar de ter sido escrita por um dos principais re-


presentantes do Naturalismo brasileiro, essa obra está
alinhada com a estética romântica.
b. O Cortiço ( ) Nessa obra, o autor explora a questão do preconceito
racial a partir de uma personagem mestiça que retorna
ao Maranhão após vários anos na Europa.
c. O Missionário ( ) Nessa obra, há uma denúncia da vida mesquinha leva-
da pela burguesia de Fortaleza no final do século XIX.
d. A Normalista ( ) A obra está centrada na quebra de castidade de um
padre e é ambientada na Amazônia.
e. Uma Lágrima ( ) Essa obra retrata o fatalismo do meio sobre o indiví-
de Mulher duo, apontando principalmente para a influência do
coletivo sobre o particular.

3. Explique os principais fundamentos teóricos na base do Naturalismo.

Resolução
1. d.

2. Na ordem: b, e, d, c, a.

3. Pode-se dizer que o Naturalismo busca suas bases epistemológicas principalmente em


três principais teorias: o positivismo de Auguste Comte (1798-1857), o evolucionismo
de Charles Darwin (1809-1882) e o determinismo de Hippolyte Taine (1828-1893).

De Comte, os naturalistas se apropriam principalmente de seus “três estados da hu-


manidade”:

• o estado teológico, em que os fenômenos são explicados através do sobrenatural;


• o estado metafísico, em que são buscadas explicações em abstrações filo-
sóficas; e
• o estado científico e positivo, no qual são pesquisadas as leis que efetiva-
mente regem os fenômenos e que permitem a sua previsão.

De Charles Darwin, os naturalistas incorporam a tese segundo a qual o universo é


fruto de uma evolução que ocorre a partir da seleção natural, sendo que a sobrevivência
ou a extinção de cada espécie depende exclusivamente de suas capacidades de adaptação.

Por fim, de Taine, os naturalistas incorporam a tese segundo a qual o ser humano é
produto da hereditariedade (raça), do condicionamento histórico e do meio.

Literatura Brasileira 111


8
Parnasianismo
Edgar Roberto Kirchof

8.1 O que é Parnasianismo

Parnasianismo é um movimento de origem francesa cujos fundamentos episte-


mológicos e ideológicos se encontram nas teorias científicas do final do século XIX,
principalmente o positivismo de Comte. No entanto, se o Realismo e o Naturalismo
são movimentos voltados predominantemente para a produção de ficção narrativa
(embora tenha havido também um movimento de poesia realista, mas de pequena
expressão), o Parnasianismo restringe-se ao universo da poesia em versos. De certa
forma, pode-se dizer que o Parnasianismo corresponde em termos de poesia ao que
representaram o Realismo e o Naturalismo em termos de prosa.

A origem histórica do Parnasianismo remonta a um grupo de poetas franceses lide-


rados por Théophile Gautier, alguns deles anteriormente vinculados ao Romantismo,
que passaram a repudiar fortemente os princípios estéticos e ideológicos da escola
romântica. Assim sendo, retomaram como modelo a literatura clássica e neoclássica, a
esses moldes aliando um fundamento ideológico e científico buscado nas teorias posi-
tivistas e evolucionistas do século XIX.

Literatura Brasileira 113


8 Parnasianismo

Já no prefácio de sua obra Primeiras Poesias (1832), Gautier investe contra a estética ro-
mântica. No entanto, o movimento parnasiano propriamente dito se configuraria apenas
quando – juntamente com Théodore de Banville e Leconte de Lisle, entre outros – Gautier
organiza Le Parnasse Contemporain (O Parnaso Contemporâneo), uma antologia de poemas
em três volumes (1866, 1871 e 1876). É interessante notar que alguns dos poetas como
Stephane Mallarmé, Paul Verlaine e Charles Baudelaire, que originalmente fizeram parte
desse grupo, romperam com ele mais tarde e criaram um movimento diametralmente
antiparnasiano, o Simbolismo.
O nome Parnasianismo se refere ao monte Parnaso, na Grécia, que, segundo a lenda,
era moradia de musas e poetas. Os parnasianos afirmavam, alegoricamente, que era ne-
cessário levar a poesia novamente ao Parnaso, de onde Lamartine a teria retirado, fazendo
uma alusão ao fato de que os românticos haveriam corrompido os valores neoclássicos que
vigoravam até então na literatura europeia. Essa adesão implícita no nome por si só já revela
a tendência do Parnasianismo na direção de uma estética voltada para os valores clássicos e
neoclássicos, em oposição a movimentos fundamentados na imaginação e nos sentimentos,
como o Barroco e o Romantismo, por exemplo.
Assim sendo, a ênfase da poesia parnasiana recai sobre a forma perfeita, exata, precio-
sista, a partir da qual se busca um efeito de impessoalidade e distância em relação às emo-
ções. Justamente pelo apego excessivo à técnica em detrimento da criatividade, em muitos
casos a poesia parnasiana se torna artificial e pouco convincente.
Uma das fórmulas mais populares utilizadas pelos próprios parnasianos para defini-
rem seu projeto poético é a “arte pela arte”, que se traduz como apelo a um formalismo
extremado de acordo com o qual o único objetivo da obra de arte – e, portanto, também da
poesia – é gerar efeitos estéticos, não lhe cabendo, assim, a tarefa de se engajar em projetos
que não sejam artísticos. Não deveria ser objetivo da arte, portanto, abordar questões sociais
ou filosóficas, e muito menos se engajar politicamente.

8.2 Principais características

Visto que se trata de um movimento literário cuja ênfase recai mais na forma do que no
conteúdo, as características estéticas predominantes da poesia parnasiana dizem respeito
à maneira como esses poetas faziam uso de vários recursos estilísticos, principalmente do
verso. Ao contrário de movimentos que priorizam a inspiração, a criatividade e a imagina-
ção, na medida em que a estética parnasiana promove a técnica, torna-se relativamente fácil
fornecer uma lista de características desse movimento. Algumas delas encontram-se a seguir
(MOISÉS, 1984; RAMOS, 2004; BOSI, 2004).
• Antirromantismo – assim como os poetas, filósofos e cientistas realistas e socia-
listas do século XIX, precursores do Parnasianismo propriamente dito, os parna-
sianos também pretendem realizar uma poesia diametralmente oposta aos ideais
românticos, sobretudo no que diz respeito ao sentimentalismo e ao subjetivismo.

114 Literatura Brasileira


Parnasianismo 8
Em vez da emoção e da imaginação, os parnasianos priorizavam a razão e a dis-
tância como fundamentos da poesia.
• Arte pela arte – a despeito de, enquanto movimento literário, o Parnasianismo
também possuir um ideário político, o principal objetivo de um poema parnasiano
é gerar efeitos estéticos sobre o leitor e não necessariamente influenciar sua visão
de mundo, como pretendiam os românticos.
• Culto pela forma – os parnasianos acreditavam que o artista literário deveria tratar
a linguagem verbal da mesma maneira como um artesão trabalha na pedra bruta
ou na madeira, esculpindo-a de tal modo que atinja uma forma perfeita. Apenas
desse modo o poema seria capaz de gerar os efeitos estéticos que lhe são próprios.
• Erudição – sob influência dos referenciais científicos que também forneciam fun-
damento para o Realismo e o Naturalismo, os parnasianos acreditavam que a li-
teratura deveria manifestar alguma forma de erudição. Por isso, muitos poemas
parnasianos recuperam lendas, mitologias e formas poéticas antigas, sobretudo
do mundo greco-romano, mas também se reportam a uma série de conhecimentos
vinculados às grandes religiões, à história e a diferentes culturas.
• Moderação – ao contrário da poesia romântica, afeita a grandes arroubos senti-
mentais, mesmo quando aborda temáticas subjetivas a poesia parnasiana procura
apresentar os sentimentos humanos de forma moderada e comedida. Nesse sen-
tido, a principal influência é o neoclassicismo, acrescido de um viés cientificista,
típico do final do século XIX.
• Sensualismo – já na poesia realista de Carvalho Júnior e Teófilo Dias se manifesta
um apelo sensual, principalmente pela influência de Baudelaire, e nos poemas
parnasianos se faz sentir esse sensualismo, sobretudo na poesia destinada à des-
crição da figura feminina. No entanto, ao contrário da mulher romântica – que tem
exaltadas suas características mais espirituais –, a mulher parnasiana é exaltada a
partir de seus atributos físicos, embora tal exaltação sempre ocorra de forma mo-
derada e comedida.
• Utilização de formas fixas – em parte pela necessidade de demonstrar erudição,
em parte como legado da influência dos neoclássicos, na poesia são privilegiadas
as formas fixas e antigas, como o rondó, o rondel, a balada, o soneto, entre várias
outras. Mas também são utilizadas formas exóticas, como o pantum (de origem
malaia, já utilizado por Hugo e de Lisle), o gazel (de origem árabe). Sem dúvida, o
soneto foi a forma mais popular nos círculos poéticos parnasianos.
• Predomínio de versos decassílabos e alexandrinos – os parnasianos, ao contrário
dos românticos, fazem pouco uso de versos hendecassílabos e eneassílabos, prefe-
rindo decassílabos e alexandrinos.
• Preocupação com rimas ricas – versos brancos são raros, e as rimas pobres passam
a ser vistas como falta de habilidade poética.

Literatura Brasileira 115


8 Parnasianismo

8.3 Precursores do Parnasianismo no Brasil

No Brasil, o movimento parnasiano foi precedido por alguns poetas ou movimentos


que já manifestavam claramente sua insatisfação com o predomínio do gosto romântico en-
tre nós e já apontavam para a necessidade de os intelectuais brasileiros se alinharem com os
novos pressupostos teóricos e científicos em voga na Europa, principalmente o positivismo
e o evolucionismo. O nome de maior destaque nesse contexto é o de Sílvio Romero, menos
pela qualidade dos inúmeros versos que produziu – estes foram criticados impiedosamente
inclusive por seu contemporâneo Machado de Assis – e mais pela influência que exercia no
meio intelectual e literário brasileiro, na segunda metade do século XIX.
De fato, Sílvio Romero foi um dos primeiros intelectuais brasileiros a criticar veemente-
mente o Romantismo. Por outro lado, havia também outros poetas produzindo versos que
já se alinhavam, de alguma forma, com os ideais científicos do Realismo e do Naturalismo.
Péricles Eugênio da Silva Ramos (2004, p. 91) sugeriu reunir esses poetas a partir de três
grupos distintos, de acordo com a influência temática e filosófica predominante.
O primeiro desses grupos se caracteriza pela produção de uma poesia filosófico-científica
e tem no próprio Sílvio Romero seu maior representante, juntamente com Teixeira de Souza,
Prado Sampaio e Martins Junior. O principal mote nos poemas desses autores é uma exacer-
bada exaltação do positivismo e da ciência, que deveria substituir a imaginação romântica
pela verdade científica.
O segundo grupo se caracteriza pela produção de poesia realista, que procurava abordar
principalmente a temática do amor não mais apelando para o idealismo romântico, mas
buscando inspiração no realismo literário. Por essa razão, o amor é mostrado de forma ex-
tremamente sensual, por vezes beirando o pornográfico. Ao passo que os autores Carvalho
Júnior, Teófilo Dias, Afonso Celso e Celso Magalhães, entre outros, exploraram principal-
mente temáticas urbanas, outros autores, como Gonçalves Crespo, exploraram temáticas
mais ligadas ao ambiente rural.
Por fim, o terceiro grupo está sob a influência direta dos poetas socialistas portugueses,
especialmente Antero de Quental e os demais escritores vinculados à Questão Coimbrã,
em Portugal. Um de seus principais representantes no Brasil é Lúcio de Mendonça, que,
juntamente com outros poetas simpatizantes do socialismo, acreditavam no ideal da justiça
social uma vez que fosse ligado às noções do progresso e da ciência, conforme amplamente
apregoados pelo positivismo.

8.4 O Parnasianismo no Brasil

Não é tarefa muito simples afirmar quando o Parnasianismo propriamente dito foi inau-
gurado no Brasil, pois alguns dos autores acima mencionados (Gonçalves Crespo, Artur de
Oliveira e, de modo especial, Luís Guimarães) produziram poemas que já se enquadram na
maior parte das características formais e ideológicas geralmente atribuídas aos parnasianos

116 Literatura Brasileira


Parnasianismo 8
antes de esse movimento ter sido oficialmente introduzido no Brasil. Visto que a crítica tra-
dicional, didaticamente, costuma escolher obras específicas para considerar como marcos
fundadores dos vários movimentos literários, muitos críticos têm concordado que a primei-
ra obra brasileira realmente parnasiana é Fanfarras (1882), de Teófilo Dias, embora se trate
de um livro bastante medíocre.
Seria necessário o advento de poetas como Olavo Bilac, Raimundo Correia e Alberto de
Oliveira para que o Parnasianismo brasileiro conseguisse produzir obras dotadas de algum
valor literário, sendo que, mesmo no caso desses três autores, muitas vezes o excessivo apelo
à técnica compromete a qualidade dos poemas, transmitindo uma sensação de que se trata
mais de um exercício de laboratório linguístico do que propriamente um ato criativo.
Por outro lado, é necessário esclarecer que o Parnasianismo brasileiro engendra uma
certa complexidade, pois há algumas diferenças – que não são irrelevantes – no que respeita
aos poetas ligados a esse período. Seu maior representante entre nós é Olavo Bilac, pois foi
ele o responsável por elaborar uma verdadeira poética parnasiana, por meio de sua “Profissão
de Fé”, no culto pela forma pura, muito semelhante ao que já fora realizado por Gautier,
como se pode conferir na estrofe a seguir:

Assim procedo. Minha pena


Segue esta norma,
Por te servir, Deusa serena,
Serena Forma! (apud MOISÉS, 2005)

De fato, Bilac se tornou uma espécie de mentor intelectual desse período, sendo que
sua obra serviu também ideologicamente como um aporte político para a visão de mundo
ufanista e nacionalista propagada pelo governo militar que se instalava juntamente com a
recém inaugurada República brasileira. Alguns autores chegam a afirmar que a relação do
Parnasianismo com a ideologia positivista que reinava também nos círculos políticos gover-
nantes de nosso país, no final do século XIX, explicaria por que esse movimento conseguiu
se tornar tão influente entre nós, a ponto de frear o desenvolvimento do Simbolismo e, mes-
mo no século XX, ter gerado tantos epígonos.
Porém, é Alberto de Oliveira o parnasiano em que mais se percebe a técnica sendo uti-
lizada de forma um tanto mecânica e escolar – e isso apesar de ele ter iniciado sua trajetória
poética como um romântico. Seu famoso “Vaso Grego”, por exemplo, não passa de um exer-
cício formal totalmente descompromissado com qualquer conteúdo realmente lírico.
Raimundo Correia, por sua vez, apesar de ter sido duramente criticado porque vários
de seus poemas são quase idênticos a poemas de Metastásio e Gautier, confere um grande
lirismo a vários de seus versos, a ponto de ser considerado, por alguns críticos, como um dos
únicos parnasianos capazes de produzir uma obra original a partir dessa estética.

8.4.1 Prestígio
Com o forte prestígio que, no final do século XIX e início do século XX, o Parnasianismo
adquiriu no contexto intelectual brasileiro – em grande parte promovido pelo governo militar

Literatura Brasileira 117


8 Parnasianismo

–, não é de estranhar que, além dos já citados Raimundo Correia, Olavo Bilac e Alberto de
Oliveira, vários outros poetas tenham buscado apresentar uma produção alinhada com essa
estética. Surgem, dessa maneira, vários epígonos dos parnasianos, os assim chamados neo-
parnasianos, tais como Raul de Leoni e, antes dele, Francisca Júlia, Luís Delfino, Bernardino
da Costa Lopes, José Albano, entre inúmeros outros.
Nas palavras de Coutinho, “o Parnasianismo no Brasil penetrou muito além dos seus
limites cronológicos, paralelamente ao Simbolismo e mesmo ao Modernismo, sobretu-
do constituindo uma subescola de poesia, muito generalizada nas províncias das letras”
(COUTINHO, 2004c, p. 13).

8.4.2 Alberto de Oliveira


Antônio Mariano Alberto de Oliveira nasceu em Palmital de Saquarema, província do
Rio de Janeiro, em 1859. Embora tenha iniciado o estudo de medicina, diplomou-se em far-
mácia, tendo exercido vários cargos públicos ligados ao ensino. Alberto de Oliveira também
foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras e, em 1924, foi eleito príncipe dos
poetas brasileiros.
Deve-se destacar, contudo, que Alberto de Oliveira não foi um legítimo parnasiano em
todas as suas obras. Nos livros iniciais – por exemplo, Canções Românticas –, prevalece a es-
tética romântica. Em obras como Livro de Ema e Por Amor de uma Lágrima, existem traços que
beiram o Simbolismo. Nas demais obras, entretanto, prevalece um Parnasianismo bastante
escolar, no qual o amor, a forma, os temas clássicos, a mitologia e a sintaxe extremamente
apurada levam a efeitos muito rebuscados no que tange à forma, mas veiculam a impressão
de uma poesia artificial e pouco verdadeira quanto ao conteúdo.
Além disso, na temática de seus principais versos existe algo que Alfredo Bosi denomi-
nou fetichismo do objeto, que consiste em uma interpretação equivocada de Baudelaire quan-
do este falava na necessidade de que a poesia captasse a “moral das coisas”: “O parnasiano
típico acabará deleitando-se na nomeação de alfaias, vasos e leques chineses, flautas gregas,
taças de coral, ídolos de gesso em túmulos de mármore... e exaurindo-se na sensação de um
detalhe ou na memória de um fragmento narrativo” (BOSI, 1994, p. 221). Esse fetichismo do
objeto a que se refere Bosi pode ser percebido, de modo evidente, por meio da leitura de um
dos mais famosos sonetos de Alberto de Oliveira:

Vaso Grego
Esta de áureos relevos, trabalhada
De divas mãos, brilhante copa, um dia,
Já de os deuses servir como cansada,
Vinda do Olimpo, a um novo deus servia

Era o poeta de Teos que o suspendia


Então, e, ora repleta ora esvasada,

118 Literatura Brasileira


Parnasianismo 8
A taça amiga aos dedos seus tinia,
Toxas de roxas pétalas colmada.

Depois ... Mas, o lavor da taça admira,


Toca-a e, do ouvido aproximando-a, às bordas
Finas hás de lhe ouvir, canora e doce

Ignota voz, qual se da antiga lira


Fosse a encantada música das cordas,
Qual se essa voz de Anacreonte fosse. (OLIVEIRA, 2008)

Entre as várias obras deixadas por Alberto de Oliveira, podem ser mencionadas algu-
mas das mais importantes: Canções Românticas (1878), Meridionais (1884), Sonetos e Poemas
(1885), Versos e Rimas (1895).

8.4.3 Raimundo Correia


Raimundo da Mota Azevedo Correia nasceu em Costas do Maranhão, em 1859. Estudou
no Colégio Pedro II e se formou em Direito em São Paulo, tendo ingressado na magistratura.
Raimundo Correia foi considerado por seus pares como um dos melhores poetas do final
do século, embora fosse de espírito tímido e pouco tenha participado da vida literária de
sua época. Suas principais obras são Primeiros Sonhos (1879), Sinfonias (1883), Versos e Versões
(1887), Aleluias (1891) e Poesias (1898).
Na opinião de vários críticos, embora tenha sido considerado o melhor entre os parna-
sianos de sua época, Raimundo Correia teria aderido parcialmente ao Parnasianismo, assim
como seu coetâneo Alberto de Oliveira. Na verdade, Raimundo Correia permanece um caso
controvertido no contexto da crítica literária: extremamente apreciado por alguns críticos
(inclusive o modernista Mário de Andrade), mas tido, também por alguns críticos, como um
parnasiano criador de uma filosofia de cores existenciais que beira o clichê.
Em Primeiros Sonhos prevalece uma concepção ainda claramente romântica, tanto na
forma como nos temas: melancolia, natureza e amor imbuídos de um lirismo oitocentista.
No entanto, mesmo em sua obra supostamente parnasiana, o poeta aborda temas ligados ao
pessimismo e a uma certa reflexão filosófica de teor existencial, o que também o afasta do
ideário parnasiano.
É em Sinfonias (1883) que Raimundo Correia se filiaria de fato ao formalismo parnasia-
no. No entanto, apesar de ter aderido aos preceitos formalistas apregoados pelos parnasia-
nos europeus, o poeta foi capaz de produzir uma obra que escapa aos lugares comuns da
temática parnasiana. Segundo Massaud Moisés,
[...] sob o influxo de V. Hugo, de Th. Gautier e sobretudo dos parnasianos france-
ses, como adianta em nota à primeira edição de Poesias, o poeta alcança, talvez
mais do que os outros parnasianos entre nós, o perfeito enlace entre a forma,

Literatura Brasileira 119


8 Parnasianismo

correta sem ser marmórea, e o conteúdo, pessoal (romântico, no mais amplo


sentido), sem perder-se em sentimentalidades piegas. (MOISÉS, 1984, p. 191)

A seguir, encontra-se um de seus mais estimados poemas já em sua época.

As Pombas
Vai-se a primeira pomba despertada...
Vai-se outra mais... mais outra... enfim dezenas
De pombas vão-se dos pombais, apenas
Raia sanguínea e fresca a madrugada...

E à tarde, quando a rígida nortada


Sopra, aos pombais de novo elas, serenas,
Ruflando as asas, sacudindo as penas,
Voltam todas em bando e em revoada...

Também dos corações onde abotoam,


Os sonhos, um por um céleres voam,
Como voam as pombas dos pombais;

No azul da adolescência as asas soltam


Fogem... Mas aos pombais as pombas voltam,
E eles aos corações não voltam mais. (CORREIA, 2008)

Autores como Manuel Bandeira e Mário de Andrade não escondiam sua grande ad-
miração por vários sonetos de Raimundo Correia. Em poucos termos, Raimundo Correia
conseguiu se valer da estética parnasiana para criar uma obra pessoal, sendo que, em muitos
de seus versos, existem tendências que extravasam o formalismo abstrato, apontando, in-
clusive, para temas e construções pré-simbolistas. Principalmente em Aleluias, por exemplo,
predominam temas mais ligados ao Simbolismo do que ao Parnasianismo ortodoxo, tais
como a desilusão, o desengano, o pessimismo, a dor e mesmo a necessidade de superação
espiritual expressa pelo nirvana.

8.4.4 Olavo Bilac


Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac nasceu no Rio de Janeiro, em dezembro de
1865. Embora tenha iniciado o curso de medicina no Rio de Janeiro e o curso de Direito
em São Paulo, não chegou a terminar qualquer um deles. O poeta dedicou-se muito cedo à
vida jornalística e ficou conhecido por sua fama de boêmio. Quando ocorreu a Revolta da
Armada, em 1893, Bilac declarou-se antiflorianista e, por essa razão, foi obrigado a se refu-
giar em Minas Gerais, onde escreveu suas Crônicas e Novelas.

120 Literatura Brasileira


Parnasianismo 8
Em 1907, Olavo Bilac foi eleito o príncipe dos poetas brasileiros. Devido ao seu grande
talento e à sua facilidade com a retórica, recebeu numerosos cargos administrativos e diplo-
máticos, desde inspetor escolar até secretário da 3.a Conferência Pan-Americana, secretário
do prefeito do Distrito Federal (na época, a cidade do Rio de Janeiro era o Distrito Federal)
e do governador do estado do Rio de Janeiro. Era grande admirador da vida cívica e militar,
o que o levou, principalmente nos últimos anos de sua vida, a assumir o papel de poeta
cívico brasileiro, engajando-se em uma campanha a favor do serviço militar obrigatório. De
fato, essa sua propensão o levou a tomar o nacionalismo triunfante como um dos principais
temas de sua poesia, que se prestou, por essa razão, como um grande aliado do positivismo
militar que imperava nos círculos governantes da época. Observe como o Brasil é descrito,
na primeira estrofe do soneto a seguir, escrito em sua obra Viagens.

Para! Uma terra nova ao teu olhar fulgura!


Detém-te! Aqui, de encontro a verdejantes plagas,
Em carícias se muda a inclemência das vagas ...
Este é o reino da Luz, do Amor e da Fartura! (BILAC, 2008a)

Olavo Bilac também foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras. Tendo fa-
lecido em 1918, com 53 anos de idade, o poeta deixou uma vasta produção, cujo valor estético
e literário tem sido objeto de algumas das mais sérias contendas entre os críticos. Se, em sua
época, Bilac foi considerado o maior dos poetas brasileiros, durante o Modernismo – prin-
cipalmente pelo fato de ter sido visto como o maior representante do Parnasianismo – foi
considerado também um poeta de brilho falso, responsável por versos prolixos, artificiais e
ufanistas, cujos efeitos derivariam de uma utilização mecânica da técnica. Hoje, na opinião de
Alfredo Bosi, “parece consenso da melhor crítica reconhecer em Bilac não um grande poeta,
mas um poeta eloquente, capaz de dizer com fluência as coisas mais díspares, que o tocam de
leve, mas o bastante para se fazerem, em suas mãos, literatura” (BOSI, 1994, p. 227).
No que diz respeito à forma, Olavo Bilac demonstra verdadeira obsessão pelo efeito,
utilizando – de modo quase sempre perfeito – a maior parte dos recursos preconizados pe-
los parnasianos europeus, tais como o brilho da frase isolada e a chave de ouro nos sonetos,
em que a mensagem principal do poema é resumida a partir do último verso.
No que diz respeito aos temas, despontam, entre outros, uma exaltação da beleza física
da mulher, embora em um sensualismo pouco convincente; os cenários geográficos de nos-
so país e grandes momentos históricos do Brasil. No entanto, seu intenso apego à técnica
cria um forte efeito de distanciamento que torna sua poesia pouco pessoal e, com frequência,
pouco convincente.
Além disso, no plano ideológico, certamente Olavo Bilac foi o parnasiano que mais ab-
sorveu as tendências conservadoras em voga após a Proclamação da República. Nesse senti-
do, sua adesão acrítica ao positivismo levou-o a promover um ufanismo cívico exacerbado,
no qual a tradição é considerada bela pelo simples fato de ser tradição. É por tais influências

Literatura Brasileira 121


8 Parnasianismo

que Olavo Bilac se torna uma espécie de cantor cívico da bandeira e das armas nacionais.
Note-se que esse civismo foi utilizado como uma espécie de bandeira pelo governo militar,
sendo que Olavo Bilac produziu, destinadas à infância, obras com esse teor ideológico.
De sua vasta produção podemos mencionar, como das mais relevantes, as obras:
• Poesias (1888);
• Poesias Infantis (1904);
• Crítica e Fantasia (1906);
• Conferências Literárias (1906);
• Ironia e Piedade (1916);
• A defesa nacional (1917); e
• Tarde (1919).

Ampliando seus conhecimentos

Machado de Assis
(RAMOS, 2004, p. 135-143)

Se de alguém se pode afirmar que tenha sido o precursor do Parnasianismo


brasileiro, foi este, sem margem de dúvida, Joaquim Maria Machado de
Assis. Não só por sua crítica – a qual, como vimos, influi na mudança
de rumos da corrente realístico-social para o Parnasianismo – mas ainda
por sua poesia, correta quanto à língua e correta quanto à forma desde
seu primeiro livro – Crisálidas –, Machado prenunciou o Parnaso indí-
gena. Ao falarmos em correção de forma, não se julgue que estamos acei-
tando o argumento de Alberto de Oliveira de que os parnasianos reagi-
ram contra as incorreções românticas; a forma do Romantismo não foi
incorreta, foi apenas diferente da parnasiana. E isso por uma simples
razão: em 1851 Antônio Feliciano de Castilho publicara o seu Tratado
de Metrificação Portuguesa, no qual catalogara certas formas de versos e
desprezara outras; as primeiras foram as que se tornaram canônicas para
o nosso Parnasianismo, caindo as segundas, como o alexandrino espa-
nhol, em rápido esquecimento em nosso meio: Fagundes Varela e Castro
Alves foram os últimos poetas de importância a usá-los. Em seu lugar,
veio o alexandrino francês, que Castilho já usara em Escavações Poéticas
(1844) e registrou depois no Tratado, silenciando sobre o espanhol. Daí
por diante, o alexandrino francês começou a insinuar-se em nossa poesia,
com Teixeira de Melo (Sombras e Sonhos, 1858), Bruno Seabra (Flores e
Frutos, 1862) e Machado de Assis (Crisálidas, 1864). Este soube usar tão

122 Literatura Brasileira


Parnasianismo 8
bem a novidade que Castilho o chamou, como não se ignora, “príncipe
dos alexandrinos”.

No setor formal, Machado de Assis ainda influiu sobre as gerações antir-


românticas por meio do triolet, que foi na mão destas uma terrível arma
de combate. Essa forma fixa foi importada por Machado de Assis, que
a empregou em Falenas (1870), na poesia “Flor da Mocidade”. Daí tal-
vez derive (mas não se esqueçam Banville e Leconte) o gosto parnasiano
pela importação das formas fixas. (Bilac foi buscar na França o rondel e o
pantum, Alberto de Oliveira tentou rejuvenescer o vilancete, Raimundo
Correia praticou numerosas variedades do soneto, com tercetos à frente,
entremeados de metros desiguais, etc., modalidades essas de soneto que
também usaram, parcialmente, Luís Delfino e o próprio Machado.)

A musa de Machado de Assis, em Crisálidas, Falenas e ainda em


Americanas (1875) era romântica; mas desde Crisálidas sua expressão
aliava à metrificação pós-catilhana um certo senso de medida que a distan-
ciava do que Wilhem Giese chama “as desordens da irrupção sentimen-
tal dos românticos”. Com “Lira Chinesa” de Falenas, Machado de Assis
começou a sentir as atrações do exotismo; “Uma Ode de Anacreonte”, do
mesmo livro, confirma essa atração, ressoando seus alexandrinos como
alexandrinos parnasianos. Se Américas reproduzem a tendência india-
nista do nosso Romantismo, embora com outra forma, já em Ocidentais,
nas Poesias Completas (1901), desaparecem de todo em todo as tota-
lidades românticas de Machado de Assis; seus versos já representam o
Parnasianismo brasileiro. São desse livro suas composições mais famosas,
como o “Círculo Vicioso”, “A Mosca Azul”, o “Soneto de Natal”. O poeta,
a essa altura, se mostrava tomado por uma “filosofia negra de vida”, isto
é, por um sentimento de cansaço e um pessimismo basilar que o faziam
ver a existência dominada pela crueldade e pelo mal, como consta de
“Suave Mari Magno” e “No Alto”.

A nota da saudade, finalmente, encontraria expressão num de seus sone-


tos finais, na formosa e humana dedicatória de Relíquias de casa velha à
esposa morta (“A Carolina”):

Querida, ao pé do leito derradeiro


Em que descansas dessa longa vida,
Aqui venho e virei, pobre querida,
Trazer-te o coração de companheiro.

Literatura Brasileira 123


8 Parnasianismo

Pulsa-lhe aquele afeto verdadeiro


Que, a despeito de toda a humana lida,
Fez a nossa existência apetecida
E num recanto pôs um mundo inteiro.

Trago-te flores – restos arrancados


Da terra que nos viu passar unidos
E hoje mortos nos deixa e separados,

Que eu, se tenho nos olhos malferidos


Pensamentos de vida formulados,
São pensamentos idos e vividos.

Por sua estrutura, por sua rigorosa economia, as composições de Machado


de Assis, desde Crisálidas, são composições de um clássico; compreen-
de-se, pois, porque prenunciou o Parnasianismo (no que este reflete
o Classicismo), e por que, sendo no início moderadamente romântico
pela expressão, terminou perdendo os matizes românticos dessa expres-
são. Machado nada mais fez do que seguir os ditames de seu próprio
temperamento.

[...]

Atividades
1. Leia os versos a seguir.

Não quero o Zeus Capitolino


Hercúleo e belo,
Talhar no mármore divino
Com o camartelo.

Que outro – não eu! – a pedra corte


Para, brutal,
Erguer de Atene o altivo porte
Descomunal.

Mais que esse vulto extraordinário,


Que assombra a vista,
Seduz-me um leve relicário
De fino artista.

124 Literatura Brasileira


Parnasianismo 8
Invejo o ourives quando escrevo:
Imito o amor
Com que ele, em ouro, o alto relevo
Faz de uma flor.

(BILAC, 2008b)

Agora, assinale V (verdadeiro) ou F (falso).

(( Os versos são construídos com um grande cuidado no que tange à métrica,


sendo que o primeiro e o quarto versos de cada estrofe possuem oito sílabas
poéticas, ao passo que o segundo e o terceiro possuem quatro sílabas poéticas.

(( Os versos fazem parte do poema chamado Profissão de Fé, no qual Olavo Bilac
apresenta uma série de preceitos estéticos do Parnasianismo.

(( Ao longo do poema de que esses versos fazem parte, existe uma tendência à
desilusão e ao pessimismo, contrariando a estética parnasiana.

(( Trata-se de um típico poema parnasiano, escrito por Olavo Bilac, no qual se


percebe uma de suas temáticas preferidas: a sensualidade profana.

2. Entre as características a seguir, assinale apenas aquelas que são típicas da poesia
parnasiana.

a. Culto à natureza e predomínio de gêneros pastoris.

b. Predomínio de formas fixas.

c. Engajamento social e político.

d. Tendência ao subjetivismo, que pode se manifestar a partir de temas escapistas.

e. Poesia contrária aos ideais românticos da emoção e da imaginação, privilegian-


do um distanciamento racional.

3. Quais as principais diferenças entre Alberto de Oliveira, Olavo Bilac e Raimundo


Correia, que são os três mais importantes poetas do Parnasianismo brasileiro?

Resolução
1. Na ordem: V, V, F, F.

2. b, e.

Literatura Brasileira 125


8 Parnasianismo

3. Alberto de Oliveira pode ser considerado um poeta de transição, pois vários de


seus poemas ainda revelam uma forte influência de formas e temas românticos.
Além disso, em vários poemas ele se aproxima da estética simbolista e o seu par-
nasianismo propriamente dito é bastante escolar.

Assim como Alberto de Oliveira, Raimundo Correia aderiu apenas parcialmente ao


Parnasianismo e muitos de seus poemas apresentam características como um liris-
mo acentuado e uma tendência a realizar reflexões de cunho filosófico, que se des-
viam do ideário parnasiano.

Olavo Bilac, por sua vez, pode ser considerado o representante mais significativo
da estética parnasiana no Brasil. Em seus poemas, há um predomínio de temáticas
nacionalistas, sensualismo e ufanismo. No que se refere à forma, o poeta é extrema-
mente cuidadoso no exercício de criar efeitos elegantes a partir de vários recursos
estilísticos, tais como a métrica e as rimas.

126 Literatura Brasileira


9
Simbolismo
Edgar Roberto Kirchof

9.1 Origens e principais fundamentos do Simbolismo

Ao passo que a década de 1870 ficou marcada pela dominância do Parnasianismo,


na década de 1880 uma outra corrente literária, radicalmente oposta aos fundamentos
racionais e científicos do movimento parnasiano, passou a dominar o cenário da litera-
tura na Europa, especialmente na França. Se o Parnasianismo pregava a objetividade,
o cientificismo e a busca de efeitos a partir da mera representação poética de objetos,
o Simbolismo postulava um retorno ao subjetivismo, em poesia alcançado a partir da
sugestão e da interioridade.

Essa forte ênfase na subjetividade levou alguns críticos (até mesmo críticos atuais)
a afirmarem que se trata de um retorno ao Romantismo. No entanto, em alguns auto-
res o subjetivismo romântico abria espaço para idealismos e mesmo para reformas
sociais e políticas, enquanto o subjetivismo simbolista é desenganado e altamente
cético quanto a qualquer possibilidade de transformação deste mundo, o que lhe ren-
deu o título de “movimento decadente”.

Paradoxalmente, de certa forma o Simbolismo teve sua origem junto ao


Parnasianismo, pois vários de seus principais representantes – como o próprio
Baudelaire – participaram da primeira edição do Parnasse Contemporain, de 1866. De
fato, apesar de haver divergências fundamentais entre esses dois movimentos, os sim-
bolistas compartilhavam do apego à forma, conforme era pregado pelos parnasianos,
e mesmo de sua concepção da arte pela arte.

Literatura Brasileira 127


9 Simbolismo

No entanto, contrariamente àquele movimento, acreditavam que a forma poética tem a


capacidade de sugerir algo que está além da própria realidade sensível. Em outros termos,
na perspectiva simbolista a poesia tem a capacidade de “dizer o indizível” e, dessa ma-
neira, tangencia algo do mundo espiritual ou metafísico. Essa privilegiada capacidade de
representação provém do símbolo, cujo conceito é usado – de modo amplo – para designar o
poder sugestivo da linguagem poética por meio de suas figuras de linguagem. Assim sendo,
metáforas e símbolos são amplamente utilizados por poetas simbolistas, juntamente com as
demais figuras, com ênfase em figuras sensórias, que evocam a multiplicidade dos sentidos
na percepção poética.
Um dos principais fundamentos para essa concepção foi elaborado por Charles
Baudelaire (1821-1867), no quarto soneto de seu Les Fleurs du mal (As Flores do Mal), deno-
minado “Correspondências”. Nele, em uma perspectiva claramente platônica, inspirada no
Banquete, o poeta prega a existência de uma espécie de analogia entre as formas sensíveis e
as formas espirituais, sendo que apenas a poesia teria a capacidade de articular esses dois
universos, por meio dos símbolos. Observe como o poeta expõe essas ideias na primeira
estrofe do soneto:

A Natureza é um templo onde vivos pilares


Podem deixar ouvir vozes confusas: e estas
Fazem o homem passar através de florestas
De símbolos que o veem com íntimos olhares. (BAUDELAIRE, 2008).

A maneira como se chega a tais símbolos é justamente buscando as correspondências


entre os vários níveis da sensoriedade, o que se realiza, poeticamente, por meio da figu-
ra da sinestesia, em que um determinado percepto (isto é, o conteúdo de uma percepção)
não é captado pelo sentido que lhe é próprio, mas por outro correspondente. Nesse mesmo
soneto, Baudelaire fala em “perfumes frescos” e “oboés de doçura”, que exemplificam cla-
ramente o uso simbolista da sinestesia: perfume/olfato; frescos/tato; oboé/audição; doçura/
paladar. No último verso da segunda estrofe, Baudelaire afirma essa unidade presente nas
correspondências sensórias:

Como os ecos além confundem seus rumores


Na mais profunda e tenebrosa unidade,
Tão vasta como a noite e como a claridade,
Harmonizam-se os sons, os perfumes e as cores. (BAUDLEAIRE, 2008e)

9.2 Decadentismo e Simbolismo

Talvez a mais radical diferença ideológica entre o Parnasianismo e o Simbolismo resida


no fato de que o primeiro possui uma visão de mundo otimista com relação aos grandes acon-
tecimentos históricos do século XIX, ao passo que o segundo cultiva um pessimismo desenga-
nado quanto aos supostos benefícios que a modernidade científica e econômica (tão celebrada

128 Literatura Brasileira


Simbolismo 9
naquele final de século) estaria trazendo para a humanidade. Em poucos termos, o pessimis-
mo simbolista deve ser entendido como uma crítica à talvez ingênua adesão dos parnasianos
ao capitalismo industrial e à triunfante ideologia baseada no progresso da ciência.
Pela forte influência de Charles Baudelaire entre os demais simbolistas, vários temas
típicos de sua poesia acabaram sendo incorporados, sendo que no universo da poesia bau-
delairiana podem ser destacados três temas principais:
• o satanismo, em que Baudelaire utiliza Satã como símbolo de uma sabedoria
mundana;
• o spleen, um sentimento de melancolia que acompanha o poeta desiludido com
relação aos grandes projetos de seu tempo; e
• o erotismo desviante, por meio do qual Baudelaire procura sublimar o sensualismo
explorando o insólito.
Em um artigo escrito por volta de 1880, o crítico francês Paul Bourget chamou atenção
para a vida boêmia, irreverente e libertina levada não apenas por Baudelaire, mas também
por vários outros poetas ligados ao Simbolismo. Bourget utilizou o termo decadente para ca-
racterizar essa revolta contra a moral burguesa e familiar – uma revolta presente nas obras
simbolistas e incorporada nas atitudes de vida dos poetas dessa tendência. Por essa razão, o
movimento também foi chamado de decadentismo. Uma das principais excentricidades do
grupo foi o satanismo baudelairiano, que rendeu a Baudelaire a alcunha de Poeta Maldito.
O nome Simbolismo, por sua vez, deve-se a um manifesto escrito por Jean Moréas, em
1886, o Manifesto Simbolista, no qual rejeitou veementemente os fundamentos objetivos e
científicos do Realismo e do Parnasianismo em prol de uma poética que integrasse a arte pela
arte parnasiana a uma realidade cósmica, mais típica do pensamento platônico e romântico.
Juntamente com Baudelaire, podem ser destacados como o grupo dos precursores do
Simbolismo os nomes a seguir.
• Stéphane Mallarmé (1842-1898) – com suas investidas contra a lógica da própria
linguagem. Alguns críticos se referem à sua poética afirmando que se trata de uma
metafísica do silêncio.
• Paul Verlaine (1844-1896) – muito influenciado pelo decadentismo baudelairiano,
foi marcado principalmente pelo tema da marginalidade.
• Arthur Rimbaud (1854-1891) – que realiza uma ruptura radical com as concepções
religiosas de sua época e com as próprias tradições literárias. Tornou-se impor-
tante no contexto do Simbolismo também por ter elaborado uma teoria dos sons
vocálicos.
Esse grupo de poetas obteve tamanha repercussão na vida literária, não só na França
como em toda a Europa, que conseguiu angariar um grande número de seguidores.
Alguns dos principais simbolistas franceses, ainda no século XIX, são Laforgue, Corbière,
Samain, Le Cardonnel, Guérin, Moréas, Ghil, Maeterlinck, Villiers de l´Isle Adam, Régnier,
Huysmans, Stuart Merrill, Dujardin, Fontaias, Moekel, Francis Jammes, Vielé-Griffin, Paul
Fort, Verhaeren. Além disso, deve-se notar a influência desse movimento para além do

Literatura Brasileira 129


9 Simbolismo

século XIX, atingindo alguns autores do século XX, como Valéry, Rilke, George, Blok, Yeats,
entre vários outros.

9.3 Principais características

A seguir, apresentam-se algumas das principais características formais e temáticas do


Simbolismo a partir de autores como Afrânio Coutinho (2006), Alfredo Bosi (1994), Antonio
Candido e José Aderaldo Castello (1979).
• Preferência por temas místicos e espirituais, geralmente ligados à ideia de conteú-
dos inconscientes ou subconscientes – os simbolistas cultivavam uma visão de
mundo mística e religiosa, contrariando o objetivismo científico parnasiano.
• Subjetivismo – o Simbolismo é uma expressão de desgosto em relação às solu-
ções racionalistas e mecânicas apregoadas pelo Parnasianismo, bem como pelo
Realismo-Naturalismo. Por essa razão, em vez da “descrição realista”, os simbo-
listas optavam pelo conhecimento subjetivo, calcado nas paixões e na imaginação.
• Conhecimento intuitivo – na medida em que se colocavam contra a ratio (“razão”)
cientificista, realizando um retorno ao subjetivismo, os simbolistas também se co-
locavam contra a possibilidade de conhecimento direto da realidade. Daí a impor-
tância da linguagem poética, que capta a verdade mais por sugestão e analogia do
que por deduções lógicas. O conhecimento intuitivo, portanto, tornava-se superior
ao conhecimento lógico.
• A natureza era desprezada em prol do místico e do sobrenatural – se o conheci-
mento lógico não é capaz de captar a verdade, então o mundo que nos cerca só
é capaz de nos fornecer algum conhecimento por meio de analogias. Em vez de
“descrever” a natureza, portanto, o poeta simbolista procurava ou construía ana-
logias entre sensações provindas da natureza e ideias metafísicas.
• Paixão pelo efeito estético, sobretudo a musicalidade – pela necessidade de cons-
trução de símbolos capazes de tangenciar o mundo das ideias, o poeta simbolista
(assim como os parnasianos) dedicava-se à construção de efeitos estéticos perfei-
tos a partir de uma gama de figuras estilísticas, sendo que predominavam figuras
de sonoridade (anáforas, paralelismos, aliterações e assonâncias) e figuras sensó-
rias (especialmente a sinestesia).
• Teoria das correspondências – a paixão pelo efeito encontrava na teoria das corres-
pondências elaborada por Baudelaire em suas Fleurs du mal um fundamento epis-
temológico. Tratava-se de um postulado segundo o qual, por meio das analogias
sensórias, chegava-se às analogias espirituais: “Tão vasta como a noite e como a
claridade / Harmonizam-se os sons, os perfumes e as cores.”
• O símbolo tangencia o Todo universal – dentro da concepção de que existem cor-
respondências entre as sensações e as ideias, os simbolistas acreditavam que o

130 Literatura Brasileira


Simbolismo 9
símbolo – originalmente utilizado em contextos religiosos – é capaz de vincular as
partes ao Todo universal de que essas partes provêm.
• Principais temas – as paixões e os sonhos, transfigurados em símbolos. Para supe-
rar o calculismo racional reinante nas poéticas parnasiana e realista, os simbolistas
apelam para o sonho, as paixões e a fantasia – que, em sua concepção, deveriam
ser veiculados de forma mística e transcendente pela arte.
• Pouco interesse pelo enredo – apesar de o Simbolismo ter predominado na poe-
sia, também houve vários experimentos de prosa simbolista, sendo que Rimbaud
pode ser considerado um precursor. No entanto, ao passo que a prosa realista
funda-se no enredo e na análise das personagens, os simbolistas valorizam a prosa
poética, em que a narrativa é fortemente impregnada de características líricas, a
ponto de, muitas vezes, perder-se a linearidade narrativa.

9.4 Simbolismo no Brasil

No Brasil, o Simbolismo começou a repercutir principalmente a partir do final do


decênio de 1880, mas principalmente depois de 1890. O movimento teve grande dificul-
dade de se instalar em solo brasileiro por causa do enorme prestígio que o Parnasianismo
possuía por aqui, inclusive junto a instituições políticas. Por essa razão, além de haver
grande resistência por parte dos críticos da época em relação a essa nova proposta estética
– os simbolistas brasileiros chegaram a ser chamados de nefelibatas (pessoas que são muito
idealistas, que vivem nas nuvens, fugindo da realidade) –, não foi dada a devida atenção
aos vários poetas e movimentos que, já no final do século XIX, começaram a se alinhar com
os ideais simbolistas.
Apesar de também em Portugal haver eclodido um influente grupo simbolista
(Antônio Nobre, Guerra Junqueiro e Eugênio de Castro, entre outros), Araripe Júnior (apud
COUTINHO, 2006, p. 324) nos informa que o Simbolismo brasileiro tem sua origem direta
na França, pois Medeiros e Albuquerque já recebia livros dos “decadentistas” desde 1887,
sendo que em 1891 publicou-se, na Folha Popular, uma lista dos principais poetas ligados à
nova estética. Oficialmente, contudo, aceita-se que o início do Simbolismo brasileiro ocorreu
com a publicação dos dois livros de Cruz e Souza: Missal e Broquéis, ambos em 1893.
Apesar de não ter recebido o devido valor da crítica, em sua época, o Simbolismo bra-
sileiro se desenvolveu a partir de gerações sucessivas, que, pode-se dizer, chegaram até a
segunda fase do Modernismo, já no século XX, com os autores identificados com a linha
mística ou religiosa, tais como Cecília Meireles, Jorge de Lima e Mario Quintana, por exem-
plo. Imediatamente após a morte de Cruz e Souza, formou-se o grupo a ele anteriormente
vinculado, em torno da revista Rosa Cruz (Rio de Janeiro, 1901-1904): Saturnino de Meireles,
C. D. Fernandes, Castro Meneses, Tavares Bastos, Gonçalo Jácome, Félix Pacheco, Pereira da
Silva, Tibúrcio de Freitas, Rocha Pombo e outros.

Literatura Brasileira 131


9 Simbolismo

Alguns grupos efêmeros se formaram no Paraná, sob a liderança de Emiliano Perneta,


sendo que alguns representantes iminentes foram Dario Veloso, Silveira Neto, Jean Itiberê,
Euclides Bandeira, entre vários outros.
No Rio Grande do Sul, a principal influência foram os versos de Gabriele D´Annunzio.
Alfredo Bosi (1994, p. 284) procurou explicar essa influência pela forte imigração italiana
naquele estado. Alguns dos principais representantes desse grupo foram Zeferino Brasil,
Álvaro Moreyra, Felipe D´Oliveira, Homero Prates, Alceu Walmosy e Eduardo Guimarães.
Também houve grupos em São Paulo (Batista Cepelos, Rodrigues de Abreu, entre ou-
tros), Minas Gerais (José Severiano de Resende, Álvaro Viana, Arcângelus de Guimaraens,
entre outros), na Bahia (Pedro Kilkerry, Francisco Mangabeira, Dural de Moraes, entre ou-
tros), no Ceará (o grupo da Padaria Espiritual), no Rio de Janeiro (o grupo liderado por
Mário Pederneiras, responsável pela revista Fon-Fon) e mais ao Norte: Sobrinho e Xavier de
Carvalho no Maranhão; Da Costa e Silva no Piauí; Flexa Ribeiro no Pará.

9.4.1 Cruz e Sousa


João da Cruz e Sousa nasceu em Florianópolis, Santa Catarina (chamada Desterro no
século XIX), em 1861. Seus pais eram escravos negros que foram libertos pelo marechal
Guilherme Xavier de Sousa. Dessa maneira, o poeta permaneceu sob a tutela do marechal
até a sua adolescência. Após a morte de seu protetor, foi obrigado a abandonar os estudos
e passou a percorrer o país junto a uma companhia teatral. Já nessa época, Cruz e Sousa era
um ativista em favor do abolicionismo, escrevendo crônicas para a imprensa catarinense,
em A Tribuna Popular.
Ainda em 1885, publicou, juntamente com Virgílio Várzea, a obra Tropus e Fantasias,
na qual ambos ainda se demonstram vinculados ao Naturalismo e ao Parnasianismo, em-
bora alguns dos seus poemas em prosa já apontassem para elementos pré-simbolistas. Na
verdade, a principal influência dessa obra é o romantismo social, inspirado principalmen-
te em Castro Alves, pois o principal tema da obra é a escravidão e a conclamação para
atitudes abolicionistas.
Em 1890, Cruz e Sousa decidiu se transferir para o Rio, onde entrou em contato, de
forma mais intensa, com a estética decadentista ou simbolista. Seus dois principais livros,
Missal (poemas em prosa) e Broquéis (versos) foram publicados em 1893 e são considera-
dos até hoje as obras que introduziram o Simbolismo no Brasil. De imediato Cruz e Sousa
passou a ser considerado uma espécie de líder simbolista entre nós. Um dos poetas mais
eminentes em sua época, Alphonsus de Guimaraens, chegou a chamá-lo de Dante Negro
quando o visitou, em 1895.
A poesia de Cruz e Sousa é de alta qualidade e nitidamente simbolista. Nela, o sensua-
lismo parnasiano se dissolve em um amor sublimado, no qual o erotismo acaba congregando,
de forma paradoxal, vida e morte, prazer e sofrimento. Observe como, nos dois últimos ver-
sos de seu poema “Lésbia”, aparece o tema da sensualidade desviante, típico de Baudelaire, em
que o erotismo é apresentado como algo simultaneamente arrebatador e trágico:

132 Literatura Brasileira


Simbolismo 9
Lésbia nervosa, fascinante e doente,
Cruel e demoníaca serpente
Das flamejantes atrações do gozo.

Dos teus seios acídulos, amargos,


Fluem capros aromas e os letargos,
Os ópios de um luar tuberculoso... (CRUZ E SOUSA, 2008a).

Um dos temas mais recorrentes na poesia de Cruz e Sousa, contudo, é a obsessão pelo
branco, que o poeta reverencia a partir de numerosas imagens, como lírio, neblina, espuma,
lua, entre várias outras. Um importante intérprete de Cruz e Sousa, o sociólogo Roger Bastide
(apud BOSI, 1994, p. 275), viu nessa obsessão, uma “busca de cristalização” das ideias eternas
e espirituais, exatamente o oposto do que propunha Mallarmé com sua estética do silêncio.
De fato, na poesia de Cruz e Sousa, o branco é uma espécie de materialização simbólica do
mundo platônico formado por ideias puras e imateriais. O escuro, por sua vez, caracteriza
o mundo sensório e decadente, marcado pelo sofrimento. Observe como o poeta faz uma
verdadeira reverência mística à brancura já no primeiro poema de Broquéis, denominado
“Antífona” (uma forma litúrgica). A seguir, encontram-se as duas primeiras estrofes:

Ó Formas alvas, brancas, Formas claras


De luares, de neves, de neblinas!...
Ó Formas vagas, fluidas, cristalinas...
Incensos dos turíbulos das aras...

Formas do Amor, constelarmente puras,


De Virgens e de Santas vaporosas...
Brilhos errantes, mádidas frescuras
E dolências de lírios e de rosas... (CRUZ E SOUSA, 2008a).

O ano de 1896 é marcado por duas grandes tragédias na vida de Cruz e Sousa, que aca-
baram se refletindo em sua obra produzida após essa data: a morte de seu filho e a loucura
de Gavita, sua mulher. Assim, foram escritas duas obras: Evocações (poemas em prosa, 1898)
e Faróis (versos, 1900), publicadas mais tarde, postumamente. Somando-se àquelas duas tra-
gédias, Cruz e Sousa foi acometido pela tuberculose, e então procurou abrandar seus sin-
tomas mudando-se para Minas Gerais, onde acabou falecendo no dia 19 de março de 1898.
Nessa época, surgiram ainda os Últimos Sonetos, que foram publicados postumamente, em
1905, além de outras composições em prosa e verso que podem ser lidas em alguma edição
organizada da obra do poeta.
Desse período, tomemos os Faróis, em que se percebe um tom ainda mais sofrido e
doloroso se comparado com as obras anteriores. O sofrimento é abordado de forma direta,
sendo que não é utilizado como denúncia ou como apelo social: antes, trata-se de uma vi-
vência aristocratizante, típica do decadentismo francês, segundo a qual a arte é o único ou
último refúgio do espírito agonizante. Nesse contexto, o poeta agrega temas nitidamente
autobiográficos, como a angústia do negro escravo, retratada no poema “Pandemonium”;

Literatura Brasileira 133


9 Simbolismo

um canto a Gavita, que retornava do hospício, no poema “Ressurreição”; e, mesmo, um


poema dedicado ao filho morto, em “Recolta de Estrelas”, cujas quatro primeiras estrofes
estão transcritas a seguir:

Filho meu, de nome escrito


Da minh’alma no Infinito.

Escrito a estrelas e sangue


No farol da lua langue...

Das tuas asas serenas


Faz manto para estas penas.

Dá-me a esmola de um carinho


Como a luz de um claro vinho. (CRUZ E SOUSA, 2008b)

9.4.2 Alphonsus de Guimaraens


Afonso Henriques da Costa Guimarães nasceu em Ouro Preto, Minas Gerais, em 1870.
Era filho de pai português e mãe brasileira, sobrinha do romancista romântico Bernardo
Guimarães. O jovem Afonso Henriques iniciou o curso de engenharia em Minas Gerais, mas
acabou se formando em Direito em São Paulo. Nessa cidade, conheceu e se filiou ao grupo
simbolista de Freitas Vale e Ferreira de Araújo, ao qual se manteve ligado por toda a vida.
Alphonsus de Guimaraens dedicou a maior parte de sua carreira à magistratura, tendo
sido promotor em Conceição do Cerro, Minas Gerais, e, a partir de 1906 até a sua morte, em
1921, juiz municipal em Mariana, também Minas Gerais.
A maior parte de sua obra foi produzida durante sua estadia em São Paulo. Foi ape-
nas em 1894 que o poeta adotou o pseudônimo literário Alphonsus de Guimaraens. Com
esse nome, deixou Centenário das Dores de Nossa Senhora (1899), Câmara Ardente (1899), Dona
Mística (1899) e Kiryale (1902), todos livros de poemas, e Mendigos (1920), um livro escrito
em prosa. Deve ser ressaltado que Kiryale foi, na verdade, o primeiro livro que escrevera,
embora tenha sido publicado apenas mais tarde.
Conforme observou Alfredo Bosi (1994, p. 278), a maior parte dos críticos concorda que
a poesia de Alphonsus de Guimaraens não atingiu o grau da poesia de Cruz e Souza – entre
outros motivos, pelo fato de Guimaraens ter centrado quase toda a sua obra sobre um único
tópico, a saber, a morte de sua amada, a “doce Constança”. A partir desse tema, o poeta de-
riva os principais assuntos marcadamente simbolistas que decide abordar, especialmente a
morte e a religiosidade ou espiritualidade. Em termos muito simplificados, é possível dizer que

134 Literatura Brasileira


Simbolismo 9
“o fantasma da amada [...] coloca-o em face da morte enquanto dado insuperável, que a sua
religião estática não logra transcender” (BOSI, 1994, p. 278).
Em seu Kyriale, prevalece um tom litúrgico, mas funesto. Contudo, diferentemente de
Cruz e Souza, a religiosidade de Alphonsus de Guimaraens não chega a lhe causar nenhum
tipo de arrebatamento. Antes, permanece um tom triste e, mesmo, depressivo, como se pode
perceber no soneto a seguir.

XIX
Hão de chorar por ela os cinamomos
Murchando as flores ao tombar do dia
Dos laranjais hão de cair os pomos,
Lembrando-se daquela que os colhia

As estrelas dirão: – “Ai! nada somos,


Pois ela se morreu, silente e fria ...”
E pondo os olhos nela como pomos,
Hão de chorar a irmã que lhes sorria.

A lua, que lhe foi mãe carinhosa,


Que viu nascer e amar, há de envolvê-la
Entre lírios e pétalas de rosa.

Os meus sonhos de amor serão defuntos...


E os arcanjos dirão no azul ao vê-la,
Pensando em mim: – “Por que não vieram juntos?”
(GUIMARAENS, 2008)

9.5 Movimento literário e atitude estética

Para concluir, pode-se ressaltar que se o Simbolismo brasileiro não obteve o devido
valor da crítica literária em sua época, por outro lado ele foi um movimento extremamente
importante para o posterior desenvolvimento de nossa literatura, tendo influenciado, de
forma mais ou menos direta, uma série de escritores no século XX. Assim como existem o
Barroco, o Romantismo, o Realismo e o Naturalismo enquanto movimentos literários, ao
mesmo tempo em que existem enquanto ideais ou estilos que transcendem grupos situados
historicamente, também o Simbolismo consegue ser, ao mesmo tempo, um movimento lite-
rário e uma atitude estética.

Literatura Brasileira 135


9 Simbolismo

Ampliando seus conhecimentos

Manifesto Simbolista – Jean Moréas, 1886


(TELLES, 1985, p. 59)

Os fundamentos de uma teoria simbolista encontram razão de ser na pró-


pria constituição da linguagem, no sentido de que a linguagem é uma
estrutura simbólica. As palavras são símbolos (signos) das coisas e tam-
bém do que as coisas representam quando tomadas num plano alegórico.
É dessa possibilidade de indicar o real e de expressar uma abstração que
se origina o problema fundamental da linguagem literária, a de oscilar,
historicamente, entre o real e o irreal, caracterizando períodos que se
denominam, de um lado, clássico ou realista, e, de outro, romântico ou
simbolista. Quando a linguagem fica mais próxima da realidade, repre-
sentando-a metonimicamente, estamos no realismo literário; e quando se
afasta do real sensível e busca ou a realidade psíquica ou a pura abstração,
valendo-se para isso preferentemente da metáfora e dos símbolos, temos
os períodos romântico e simbolista das histórias literárias. Lembre-se que
a comutação metonímia/metáfora foi nesse sentido estudada por Roman
Jakobson, que deu uma nova perspectiva linguística a esses tão conheci-
dos termos da retórica literária. Sendo, pois, a linguagem uma estrutura
simbólica, que representa a realidade em um plano, valendo-se de outra
realidade que lhe corresponde, mas noutro plano, podem-se admitir dois
tipos básicos de simbolismo: o que é inerente à linguagem, sendo, por-
tanto universal e comum; e o que se inventa dentro da linguagem, sendo
portanto particular e especificamente literário.

As raízes do simbolismo na França se confundem inicialmente com as


do movimento decadentista, que, como vimos, predominava por volta
de 1880. Depois do soneto “Correspondances”, de Baudelaire, em que
se fala da sinestesia (“Os perfumes, as cores e os sons se correspon-
dem”), e depois da meteórica experiência verbal de Rimbaud, as obras
de Verlaine e Mallarmé, pela sugestividade musical do primeiro e pela
magia da linguagem do segundo, constituem os monumentos literários
que os transformam em mestres da nova geração de poetas, em 1885.
É em torno dessas influências que se vai dar a separação dos grupos deca-
dentistas e simbolistas, fundando cada grupo a sua revista e lançando o
seu manifesto. Depois do artigo de Paul Bourde sobre os “Poetas deca-
dentes”, Jean Moréas, discípulo de Verlaine, tomou a defesa dos então

136 Literatura Brasileira


Simbolismo 9
“decadentes”, enaltecendo as influências de Baudelaire, declarando que
“Os pretendidos Decadentes procuram antes de tudo na sua arte o puro
Conceito e eterno Símbolo”, e sugerindo então que o nome mais exato
seria portanto o de “Simbolistas”. No mesmo ano, em companhia de Paul
Adam, fundou a revista Le Symboliste. No ano seguinte, depois do mani-
festo de Anatole Baju, Moréas publicou em 18 de setembro, em Le Figaro,
o seu manifesto simbolista, o primeiro de uma série de manifestos que
vão aparecer durante a Belle époque. Segundo esclarece Bonner Mitchell,
o manifesto causou “uma impressão enorme, superior à produzida por
todas as outras declarações simbolistas e decadentes”. Daí por diante, o
nome proposto por Moréas acabou por se impor e, desaparecidas as revis-
tas grupais, o movimento simbolista teve em 1890 a sua grande revista Le
Mercure de France, mas já a personalidade irrequieta de Jean Moréas se
apressava em procurar novos rumos criadores.

Para bem compreender o manifesto simbolista de Moréas, sobretudo


pelo equilíbrio clássico que ele deixa transparecer, é preciso que se
conheçam alguns traços da vida de Moréas, pseudônimo de Johannès
Papadiamantopoulos (1856-1910), grego de nascimento mas desde cedo
com uma governanta francesa que lhe ensinou a língua e o despertou
para a literatura da França. Seus primeiros versos são escritos em grego e
francês, chegando a editar em Atenas a revista Le Papillon (A borboleta).
Depois de estrear-se com um livro bilíngue, deixou a sua pátria em 1879,
indo viver em Paris, onde morreu. Passou a frequentar aí os meios lite-
rários mais em voga, mas em vez de se tornar boêmio, como era moda,
apresentava-se como um dândi, conquistando logo amigos e reputação
literária. Em 1884 publicou seu primeiro livro na França (Lês syrtes), onde
já apareciam temas e formas decadentistas, revelando também influência
de Verlaine que em 1882 havia publicado a sua “Ars poétique”. Em 1886,
com a publicação do segundo livro de poemas (Cantilenes) e com a divul-
gação de seu manifesto simbolista, seu nome adquiriu notável ressonân-
cia que não chegou, entretanto, a obscurecer os de Verlaine e Mallarmé.
Pouco tempo depois, em 1891, o mesmo Le Figaro publicava uma carta
de Moréas (o manifesto do romanismo), de tendência neoclássica, reivin-
dicando o princípio fundamental das letras francesas e, assim, rompendo
com o simbolismo que, diz o manifesto, “não teve senão o interesse de
um fenômeno de transição” e, portanto, está morto. A partir daí Moréas
perdeu seu gosto pelas doutrinas e polêmicas literárias, não chegando a
assistir ao apogeu da época dos ismos que ele havia ajudado a inaugurar.

Literatura Brasileira 137


9 Simbolismo

Atividades
1. Leia os versos a seguir, de Cruz e Sousa.

Satã
Capro e revel, com os fabulosos cornos
Na fronte real de rei dos reis vetustos,
Com bizarros e lúbricos contornos,
Ei-lo Satã dentre os Satãs augustos.

Por verdes e por báquicos adornos


Vai c’roado de pâmpanos venustos
O deus pagão dos Vinhos acres, mornos,
Deus triunfador dos triunfadores justos.

Arcangélico e audaz, nos sóis radiantes,


A púrpura das glórias flamejantes,
Alarga as asas de relevos bravos...

O Sonho agita-lhe a imortal cabeça...


E solta aos sóis e estranha e ondeada e espessa
Canta-lhe a juba dos cabelos flavos!

(CRUZ E SOUSA, 2008a)


Sobre esse soneto, considere as afirmativas a seguir.

I. Na temática, é possível perceber nitidamente a influência do poeta francês Char-


les Baudelaire.
II. A sonoridade é acentuada, sendo construída, entre outros recursos, pela forte
presença de assonâncias e aliterações.
III. É usada uma série de recursos estilísticos, principalmente hipérbatos.
IV. Em seu plano semântico, existe uma certa ilogicidade, motivada pelo tom subje-
tivo e místico.
V. A fim de se afastar da estética parnasiana, Cruz e Sousa evita elaborações muito
rebuscadas com relação à forma poética.

Agora, assinale a alternativa correta.

a. Apenas as afirmativas I e II estão corretas.

b. Apenas as afirmativas I, II e III estão corretas

c. Apenas II, III e IV estão corretas.

138 Literatura Brasileira


Simbolismo 9
d. Apenas as afirmativas I, II e IV estão corretas.

e. Apenas as afirmativas I, IV e V estão corretas.

2. Assinale as alternativas que contêm características da literatura simbolista.

a. Valorização de todas as faculdades do conhecimento, com ênfase no conheci-


mento objetivo e racional.

b. Intensa utilização de recursos expressivos, principalmente aqueles ligados à mu-


sicalidade e à sinestesia.

c. Valorização da sugestão em detrimento da descrição objetiva.

d. Preferência por temas históricos, com ênfase na denúncia social.

e. Arte engajada.

3. Explique a relação histórica do Simbolismo com o Parnasianismo, apontando as


principais divergências entre esses movimentos.

Resolução
1. d.

2. b, c.

3. Embora os fundamentos ideológicos do Simbolismo sejam muito diferentes daque-


les utilizados pelo Parnasianismo, historicamente esses dois movimentos estão mui-
to próximos, pois vários dos principais representantes do Simbolismo (como o pró-
prio Baudelaire) participaram da primeira edição do Parnasse Contemporain (1866).
As principais divergências entre essas escolas são de cunho ideológico e estético.

Ideologicamente, o Parnasianismo é adepto do racionalismo, ao passo que o Simbo-


lismo é adepto do irracionalismo.

Em termos estéticos, ambos os movimentos se caracterizam por intensa utilização


de recursos formais. Porém, enquanto para os parnasianos esses recursos servem
apenas para criar efeitos estéticos, os simbolistas acreditam que os símbolos poéticos
apresentam capacidade para tangenciar o mundo espiritual ou metafísico.

Literatura Brasileira 139


10
O momento pré-moderno
no Brasil
André Gardel

O Pré-Modernismo brasileiro configura-se no período que vai da última década do


século XIX até as duas primeiras décadas do século XX. Esse momento é marcado por
um intenso diálogo entre as artes e a realidade nacional, já que com a Proclamação da
República, em 1889, ocorre a “maioridade” do povo brasileiro em relação a Portugal.

Essa “maioridade” nacional traduz um momento de “maturidade” mental, esté-


tica e social do Brasil. Na busca de atingir a sua afirmação, o país tenta criar novos sím-
bolos e roteiros da nossa nacionalidade. E, como não podia deixar de ser, a literatura
torna-se um instrumento de rara utilidade – refletindo sobre os hábitos e costumes,
aprofundando as dimensões psicológicas do homem brasileiro etc. – para a configura-
ção de um perfil específico para a nação emergente.

Na verdade, trata-se de uma busca antiga de nossas Letras que, em momentos


históricos diversos e sob diferentes perspectivas, desde suas origens tentou incorporar,
por exemplo, elementos culturais coloniais na produção barroca de Gregório de Matos
e Guerra. Isso sem falar no sentimento nativista já presente em nossos árcades inconfi-
dentes1 ou no nacionalismo idealizado de nossos escritores românticos.
1 Entre os poetas árcades mineiros, destacam-se Cláudio Manuel da Costa (1729-1789) e Tomás Antonio Gonzaga
(1744-1810). Eles são autores que estudaram em Coimbra e que, influenciados pelas ideias enciclopedistas e pela
independência dos EUA, participaram da Inconfidência Mineira, demonstrando essa consciência da nacionalidade.

Literatura Brasileira 141


10 O momento pré-moderno no Brasil

10.1 Os estilos pós-românticos

Contudo, no momento pré-moderno, há o aparecimento de nossa primeira geração


de grandes ensaístas sociológicos, fundamentais para os debates políticos que vão levar à
Abolição e à instauração da República. Oradores como Rui Barbosa; jornalistas como José do
Patrocínio; historiadores como Capistrano de Abreu e Joaquim Nabuco; críticos como Sílvio
Romero e José Veríssimo; ensaístas como Tobias Barreto e Euclides da Cunha nos dão um
panorama dessa geração de intelectuais que vai estimular uma maior qualificação crítica em
nossos prosadores e poetas.
O Pré-Modernismo está relacionado a uma confluência de estilos literários que se
cruzam num mesmo contexto histórico, assinalando a presença de variadas tendências na
literatura brasileira. Esse cruzamento de estéticas e suas múltiplas dicções possibilitam a
origem de um fenômeno conhecido como sincretismo, através do qual se manifestam os
autores mais representativos do Realismo, do Naturalismo e do Impressionismo, na prosa;
e do Parnasianismo e do Simbolismo-Decadentismo, na poesia.

10.2 A ambiência cultural pré-modernista

Ainda não houvera a Primeira Guerra Mundial. Estamos no Brasil do início do século
XX. No Rio de Janeiro – a capital do país – transitam, pela Rua do Ouvidor, os escritores re-
presentativos do momento pré-moderno e a maioria dos 730 mil habitantes da cidade. Eles
vivem a esperança esplendorosa da Belle Époque2. O progresso e a ciência apresentam suas
armas sedutoras que traduzem a nova percepção urbana: bares, cafés, bondes elétricos, con-
feitarias, revistas, iluminação pública. O Rio consome livros e modelos europeus, cervejas
alemãs e conhaque francês.
Nesses cenários de ritmos e estéticas variados destaca-se a visão urbana e moderna
do administrador Pereira Passos e a abertura da Avenida Central, hoje Av. Rio Branco. Na
cena pré-modernista, os cafés e as livrarias são os espaços das relações intelectuais. Na im-
prensa, A Quinzena Alegre, O Diabo, a Revista da Época (da qual Lima Barreto foi secretário) e
O Correio da Manhã, entre outros, anunciam a ebulição sociopolítica e cultural que toma con-
ta da capital da República.
Nas primeiras décadas do século XX, o cenário literário carioca ostenta figuras de peso
nacional como Machado de Assis, Euclides da Cunha, Lima Barreto, Coelho Neto, José
Veríssimo, Gonzaga Duque e, entre outros, João do Rio – um dos personagens satirizados
por Lima Barreto no seu romance Recordações do Escrivão Isaías Caminha, de 1909.
No início do século XX, a cidade ostentava amplos salões festivos e culturais. Os salões
são o signo reluzente da época de ouro vivida pelo Rio de Janeiro no pórtico do novo século.

2 A Belle Époque traduz a nova sensibilidade urbana que surge no final do século XIX, em sintonia com
os avanços tecnológicos. No Brasil, corresponde ao período que vai da Proclamação da República, em
1889, até a Semana de Arte Moderna, em 1922.

142 Literatura Brasileira


O momento pré-moderno no Brasil 10
Por eles passaram celebridades estrangeiras em visita ao Rio, como os escritores Anatole
France e Rubén Darío. Em 1919, a bailarina precursora da dança livre, Isadora Duncan,
apresentou suas coreografias nos salões cariocas.
Nem todos os autores do momento pré-moderno se identificavam com esse país de
identidade mais europeia do que brasileira. Autores como Lima Barreto, entre outros, opta-
ram por uma leitura dos elementos constitutivos do seu contexto e da realidade brasileira.
Para isso, Lima Barreto rompeu com as narrativas do passado e pôs em cena personagens
marginalizados, como veremos a seguir.

10.3 Lima Barreto e Euclides da Cunha

Lima Barreto e Euclides da Cunha são os autores mais representativos da prosa produ-
zida no Pré-Modernismo. Embora os seus textos possuam temáticas e características estéti-
cas diferentes, ambos os autores apresentam-se comprometidos com as ideias de representa-
ção daquele Brasil do início do século XX. A seguir, estudaremos a narrativa social na obra
de Lima Barreto, e a Guerra de Canudos na ótica de Euclides da Cunha.

10.3.1 Lima Barreto e a narrativa social


A literatura de Lima Barreto (1881-1922) tem como base o registro de suas memórias e
da sociedade de sua época, o que o torna um escritor “confessional” – como sugere Francisco
de Assis Barbosa (BARBOSA, 2002, p. 38).

Figura 1 – Lima Barreto escreve sobre as questões sociais do seu tempo.

Fonte: Wikimedia Commons

O autor estetiza sua conturbada vida social, suas memórias familiares e existenciais,
como no romance Vida e Morte de M. J. Gonzaga de Sá. Sua narrativa constrói conexões entre a
vida no início da modernidade no Brasil e as dificuldades de inscrição social para um jovem

Literatura Brasileira 143


10 O momento pré-moderno no Brasil

negro, numa sociedade cujas desigualdades latentes oscilavam entre o centro e a periferia, a
maioria pobre e negra e uns poucos brancos instruídos a gozarem privilégios infindos.
A narrativa de Lima Barreto consiste num tipo de texto que se fundamenta muito mais
no plano das ideias e reflexões, em sintonia com as questões sociais do seu tempo, do que no
trabalho com a sintaxe e o significante linguístico. O crítico Sérgio Milliet destaca, no texto
de Lima, exatamente o seu caráter “antiliterário” (MILLIET apud BARBOSA, 2002, p. 176) e
a busca pela exatidão na construção das frases.
A primeira publicação jornalística de Lima foi em A Lanterna. Nesse jornal, o escritor de
cor azeitonada que sorri para as certezas das ciências começa a exibir sua produtiva porção
irônica e sarcástica: “O sarcasmo já brilha nas suas crônicas. É a reação contra o meio que
começa a se processar de modo inevitável” (BARBOSA, 2002, p. 108).
Sarcástico, irônico, ferino. Esses adjetivos nortearão a carreira profissional e a vida de
Lima Barreto, em suas relações sociais e nos ambientes profissionais pelos quais transitou.
Sua vida e obra estão repletas de imagens que refletem as margens nas quais o autor se
situou durante quase toda a sua vida. A negritude roubava-lhe a força; acentuava seu aze-
dume frente aos costumes e às regras de uma sociedade racista e socialmente muito injusta.
Junte-se às injustiças sociais, as perdas econômicas, a loucura e os delírios paternos, os seus
temas recorrentes.
Na revista Floreal, o autor inicia a publicação do romance Recordações do Escrivão Isaías
Caminha, cuja 1.ª edição – portuguesa – começa a circular no Rio de Janeiro em dezembro
de 1909. Isaías Caminha é o alter ego de Lima Barreto. Servia, às vezes, como pseudônimo
do autor. O narrador desse romance assume a predileção pelos seus autores literários mais
amados: Dostoiévski, de Crime e Castigo, Voltaire, de Contos, Tolstói, de Guerra e Paz, Flaubert,
de Educação Sentimental e, dentre outros, Eça de Queirós e Stendhal.
Entre 1920 e 1922, Lima Barreto conclui nada menos que cinco volumes: Histórias e
Sonhos, Marginália, Feiras e Mafuás, Bagatela e Clara dos Anjos. Destes, viu publicado apenas
Histórias e Sonhos.
Em 1920, após deixar o hospício pela segunda vez, começa a escrever um importante
romance que deixou inacabado: O Cemitério dos Vivos. A obra, cujo trecho foi publicado na
Revista Sousa Cruz, aponta para uma temática mais fortemente metafísica e existencial. Trata-
se de um denso registro, como atesta a voz de Vicente Mascarenhas – o narrador (BARRETO
apud BARBOSA, 2002, p. 350): “eu sentia que interiormente eu resplandecia de bondade,
de sonho de atingir a verdade, do amor pelos outros, de arrependimento dos meus erros e
um desejo imenso de contribuir para que os outros fossem mais felizes... ...uma vontade de
descobrir nos nossos defeitos o seu núcleo primitivo de amor e de bondade”.

144 Literatura Brasileira


O momento pré-moderno no Brasil 10
10.3.2 Euclides da Cunha e a Guerra de Canudos
No livro Os Sertões (1902), o engenheiro militar de alma aflita recria a guerra e a des-
truição de Canudos pelas tropas republicanas, há cerca de cem anos, cujo resultado foi o
massacre de uma cidade com uma população estimada entre 10 e 25 mil habitantes em 1897.

Figura 2– Euclides da Cunha publicou Os Sertões em 1902.

Fonte: Wikimedia Commons

Texto híbrido que rompe com a noção de gênero literário, Os Sertões pode ser lido como
um ensaio histórico de tonalidades e sintaxes romanescas, com desfecho de tragédia e alto
teor de poesia. Sua volumosa fortuna crítica registra uma gama de títulos anunciando os
múltiplos procedimentos poéticos de que Euclides lança mão, chegando a ser relacionado
por Gilberto Freyre com o seu contemporâneo Augusto dos Anjos.
Testemunha como jornalista de O Estado de São Paulo, Euclides escreve sob o impacto de
ter entrado em contato com o universo verbal e a realidade histórica do sertanejo. Seu texto
traduz as duras trilhas de um espaço cuja geografia apresenta – nos seus signos naturais e
imaginários – elementos ásperos e violentos, como o clima quente e o solo seco.
Para abarcar esse universo, onde a morte parece ser mais cultuada que a vida, Euclides
lança mão de uma série de procedimentos estéticos. Produz jogos intertextuais com autores
de diversas procedências, mune-se de sofisticados recortes vocabulares, oriundos tanto do
universo das ciências quanto da oralidade sertaneja. Tais recursos orais podem ser aferidos
nas muitas falas e expressões sertanejas que o autor ouviu da “boca jagunça do povo/ lin-
guagem/ poesia viva/ explodindo em seus tímpanos civilizados”, como diz o poeta Paulo
Leminski (LEMINSKI, 2001, p. 78).

Literatura Brasileira 145


10 O momento pré-moderno no Brasil

Em seus Anseios Crípticos, o poeta do romance experimental Catatau lê Os Sertões como


um texto “barroco positivista/ estilo de cipó” (LEMINSKI, 2001, p. 77). A bela metáfora – que
vê o texto de Euclides como um cipó – foi concebida originariamente por um dos principais
intérpretes do Brasil no final do século XIX: Joaquim Nabuco. Essa leitura, que possui a lin-
guagem como um dos seus alvos, aponta para uma gradação estilística e formal, “um longo
percurso textual”, que vai “das anotações às reportagens” até chegar à escrita definitiva de
Os Sertões. Segundo Paulo Leminski (LEMINSKI, 2001, p. 75)
Euclides da Cunha...
traumatizou
uma literatura feita por bacharéis
ornamental
“sorriso da sociedade”
brilho dos salões do 2.º império
A seguir, leremos um trecho da terceira parte do livro Os Sertões (1902):
Decididamente era indispensável que a campanha de Canudos tivesse um obje-
tivo superior à função estúpida e bem pouco gloriosa de destruir um povoado
dos sertões. Havia um inimigo mais sério a combater, em guerra mais demorada
e digna. Toda aquela campanha seria um crime inútil e bárbaro, se não se apro-
veitassem os caminhos abertos à artilharia para uma propaganda tenaz, contínua
e persistente, visando trazer para o nosso tempo e incorporar à nossa existência
aqueles rudes compatriotas retardatários. (CUNHA, 2000, p. 440)

10.4 Augusto dos Anjos e Raul de Leoni

10.4.1 A poética de Augusto dos Anjos


A poesia de Augusto dos Anjos caracteriza-se por apresentar uma linguagem inusi-
tada em relação à tradição literária, ostentando um recorte vocabular com termos baixos e
antipoéticos. Esse recorte remete, às vezes, ao grotesco, como lemos em sonetos como “O
morcego” ou nos versos “O beijo, amigo, é a véspera do escarro” e “Escarra nesta boca que
te beija” (“Versos íntimos”).
Apesar desses termos antipoéticos, a poesia de Augusto dos Anjos é extremamente mu-
sical, seja pelo rigor da sua forma, seja pelo desejo do autor de, por meio da palavra, contatar
a sonoridade potencial dos seres.

146 Literatura Brasileira


O momento pré-moderno no Brasil 10
Figura 3 – Eu é o único livro de poesia de Augusto dos Anjos, publicado em 1912.

Fonte: Wikimedia Commons

Acerca do recorte vocabular e da musicalidade desta poesia, vamos ler um trecho do


soneto “Vandalismo” (ANJOS, 1987, p. 142), um dos poemas mais cultuados do único livro
publicado em vida pelo poeta, Eu, em edição financiada por conta própria com ajuda de seu
irmão Odilon, em 1912.
Vandalismo
Meu coração tem catedrais imensas,
Templos de priscas e longínquas datas,
Onde um nume de amor, em serenatas,
Canta a aleluia virginal das crenças.
Na ogiva fúlgida e nas colunatas
Vertem lustrais irradiações intensas
Cintilações de lâmpadas suspensas
E as ametistas e os florões e as pratas.
[...]
A seguir, vamos ler a letra de canção “Bandalhismo”, recriação do soneto “Vandalismo”
de Augusto dos Anjos, uma paródia realizada em 1980 pelos compositores João Bosco e
Aldir Blanc (BOSCO, 1980).
Meu coração tem botequins imundos,
Antros de ronda, vinte-e-um, purrinha,

Literatura Brasileira 147


10 O momento pré-moderno no Brasil

Onde trêmulas mãos de vagabundo


Batucam samba-enredo na caixinha.

Perdigoto, cascata, tosse, escarro,


um choro soluçante que não para,
piada suja, bofetão na cara
e essa vontade de soltar um barro...

Como os pobres otários da Central


já vomitei sem lenço e sonrisal
o P.F. de rabada com agrião...
Mais amarelo do que arroz-de-forno,
voltei pro lar, e em plena dor-de-corno
quebrei o vídeo da televisão.

10.4.2 A poesia de Raul de Leoni


Raul de Leoni é um poeta cuja obra clareia para Figura 4 – Raul de Leoni publica Luz
Mediterrânea em 1922.
nós a noção de sincretismo, à qual fizemos referência
anteriormente como sendo própria do momento pré-
-moderno, por se tratar de uma tendência recorrente
nos versos desse autor injustamente banido das princi-
pais antologias escolares.
Autor de um único livro de poemas, Luz
Mediterrânea (1922), Raul de Leoni herda dos poetas
parnasianos o apreço pelo rigor e pela estrutura métri-
ca; possui dos autores simbolistas o gosto pelos efeitos
tonais e rítmicos e pelos símbolos como representação
da existência; e, dos modernos, antecipa o apreço pela
ironia e pelo ceticismo, como demonstram poemas
como “Ironia” e “Platônico”.
Fonte: Divulgação/Reprodução.
Segundo Borja (2001, p. 4),
não sendo exatamente parnasiano, por
consentir-se uma liberdade formal mais próxima dos autores simbolistas, Leoni
não chega também a alinhar-se com esses, dada a objetividade clássica de sua
poesia. A melhor definição, se é que alguma pode dar conta de um verdadei-
ro poeta, talvez seja aquela encontrada por Rodrigo Melo Franco, no prefácio à
segunda edição de Luz Mediterrânea: “poeta das ideologias ou das abstrações”.

148 Literatura Brasileira


O momento pré-moderno no Brasil 10
O sincretismo que caracteriza a poesia de Luz Mediterrânea aponta para uma pluralida-
de que se manifesta também na visão de mundo do poeta. Segundo Queiroz (1999, p. 102),
“ora seus poemas vêm inspirados de platonismo, ora, em posição diametralmente oposta,
inspirados de nietzschismo, assim como de epicurismo e cepticismo, parecendo contradi-
zer-se de um poema para outro”.
Alma estranha esta que abrigo,
Esta que o Acaso me deu,
Tem tantas almas consigo,
Que eu nem sei bem quem sou eu.
(QUEIROZ, 1999, p. 102)
Nessa estrofe do poema “Confusão”, o autor estetiza, ainda segundo Queiroz (1999, p. 102),
o “drama da identidade”. Essa estetização tem por base a leitura dos elementos dionisíacos e a
ideia de pluralidade que apresenta em seu livro Luz Mediterrânea.

Ampliando seus conhecimentos

Pré-Modernismo
(BOSI, 1994, p. 306)

Creio que se pode chamar pré-modernista (no sentido forte de premonição dos
temas vivos em 22) tudo o que, nas primeiras décadas do século, problematiza a
nossa realidade social e cultural

O grosso da literatura anterior à “Semana” foi, como é sabido, pouco


inovador. As obras, pontilhadas pela crítica de “neos” – neoparnasianas,
neossimbolistas, neorromânticas – traíam o marcar passo da cultura bra-
sileira em pleno século da Revolução Industrial. Essa literatura já foi vista,
em suas várias direções, nas páginas dedicadas aos epígonos do Realismo
e do Simbolismo. No caso dos melhores prosadores regionais, como
Simões Lopes e Valdomiro Silveira, poder-se-ia acusar um interesse pela
terra diferente do revelado pelos naturalistas típicos, isto é, mais atento
ao registro dos costumes e à verdade da fala rural; mas, em última aná-
lise, tratava-se de uma experiência limitada, incapaz de desvencilhar-se
daquele conceito mimético de arte herdado ao Realismo naturalista.

Caberia ao romance de Lima Barreto e de Graça Aranha, ao largo ensaísmo


social de Euclides, Alberto Tôrres, Oliveira Viana e Manuel Bonfim, e
à vivência brasileira de Monteiro Lobato o papel histórico de mover as
águas estagnadas pela Belle Époque, revelando, antes dos modernistas, as
tensões que sofria a vida nacional.

[...]

Literatura Brasileira 149


10 O momento pré-moderno no Brasil

Atividades
1. Por quais motivos podemos afirmar que o momento pré-moderno, no Brasil, foi um
período de sincretismo estilístico na literatura brasileira?

2. Como podemos definir a postura antiliterária de Lima Barreto?

Resolução
1. Trata-se de um momento histórico em que vários estilos de época ocorrem de modo
mais simultâneo do que sucessivo, sem terem a mesma força demarcatória de épocas
sociais e estéticas específicas, como aconteceu, por exemplo, com os estilos anteriores
da tradição ocidental – Classicismo e Romantismo. Com isso, não era incomum que in-
fluências de mais de uma escola do período – as principais são: Realismo, Naturalismo,
Parnasianismo, Simbolismo-Decadentismo, Impressionismo – se dessem num único
autor que, assim, frequentemente, misturava, sincretizava tendências e estilos diversos.

2. Movido por sentimentos de injustiça social e racial, tendo vivido preconceitos de di-
versas ordens durante sua vida de cidadão comum e homem de Letras, Lima Barreto
opta, em seus escritos, por utilizar um estilo mais direto, jornalístico, de denúncia
dos absurdos e desigualdades que estavam por detrás das elites políticas e literárias
oficiais de sua época. Hoje, a crítica literária vê nessa atitude de construção formal de
suas obras, mais objetiva e menos elaborada expressivamente, uma postura irônica
do autor diante do artificialismo que dominava a literatura “sorriso da sociedade”
de nossa Belle Époque.

150 Literatura Brasileira


11
A fase heroica: a Semana e
os principais manifestos
André Gardel

Nesta aula, adentramos em uma das zonas centrais do universo da modernidade:


vamos estudar o Modernismo brasileiro! Inicialmente, abordaremos a sua fase heroica,
que acontece na segunda década do século XX. O marco histórico desse momento
é a Semana de Arte Moderna de 1922. Estudaremos, com isso, os antecedentes e os
fatos que ocorreram durante momento tão significativo de nossa história literária
contemporânea.

O movimento modernista criou, segundo um dos seus ideólogos mais celebrados,


o poeta e ensaísta Mário de Andrade, “um estado de espírito nacional” (ANDRADE,
1972c, p. 231). Estudar este período da nossa historiografia literária significa, portanto,
ler os múltiplos textos que a construção da modernidade produziu no Brasil, em sinto-
nia com as ideias de arte e nação.

É nosso objetivo atentar para a produção e a recepção desses escritos modernos


e seus diferentes gêneros estéticos, sejam os manifestos de cunho político e cultural,
sejam os documentos ou os textos críticos. Vamos conhecer as propostas estéticas e
culturais inseridas nos principais manifestos da primeira fase Modernista: Pauliceia
Desvairada e A Escrava que não é Isaura, de Mário de Andrade (1893-1945), e o Manifesto
da Poesia Pau-Brasil e o Manifesto Antropófago, de Oswald de Andrade (1890-1954).

Além de manifestos dos dois principais ideólogos dialéticos de nosso Modernismo,


vamos conhecer, também, os manifestos dos artistas de direita: o Verde-Amarelismo e
o Grupo Anta, dentre outros.

Literatura Brasileira 151


11 A fase heroica: a Semana e os principais manifestos

11.1 Antecedentes da Semana

Ao reler o Modernismo brasileiro no ensaio “O movimento modernista”, Mário de


Andrade deixa claro que os antecedentes da Semana de Arte Moderna estão diretamen-
te relacionados à noção de heroísmo. Esse heroísmo vem associado às ideias de liberdade
e pureza. Segundo o poeta modernista, naquela segunda década do século XX, o grupo
modernista vivia “numa união iluminada e sentimental das mais sublimes” (ANDRADE,
1972c, p. 237).
Essa fase heroica dura, mais ou menos, seis anos. Compreende, segundo o autor de
Pauliceia Desvairada, o período que vai do escândalo causado pela exposição de pintura de
Anita Malfatti, em 1917, até a Semana de Arte Moderna que aconteceu de 11 a 18 de feve-
reiro de 1922, no Teatro Municipal de São Paulo. Referindo-se a essa exposição de Anita
Malfatti, diz o autor de “O movimento modernista”: “Parece absurdo, mas aqueles quadros
foram a revelação” (ANDRADE, 1972c, p. 232).
Essa “revelação” teria um preço. Ela seria um marco no contexto que antecede a Semana,
sendo assim relida por Bosi (1994, p. 333):
[...] o fato cultural mais importante antes da Semana e que serviu de barôme-
tro da opinião pública paulista em face das novas tendências foi a exposição de
Anita Malfatti em dezembro de 1917. Quem lhe deu, paradoxalmente, certo rele-
vo foi Monteiro Lobato que a criticou de modo injusto e virulento em um artigo
intitulado “Paranoia ou Mistificação?”.
Concebendo a Semana de Arte Moderna como “construção de uma ruptura”, o ensaís-
ta Evando Nascimento entrevê duas faces no Brasil no início do século XX. Segundo ele,
“[...] a oficialidade cultural era perfeitamente harmônica com o atraso econômico do país”
(NASCIMENTO, 2002, p. 31). Exemplo dessa harmonia é o poeta parnasiano Olavo Bilac,
citado por Nascimento, e suas campanhas educacionais de conotação cívica. Acerca da polê-
mica causada pela exposição de Anita e do texto “Paranoia ou Mistificação?”, ele diz:
No caso de Anita estão, pela primeira vez, defrontados publicamente no Brasil
dois valores radicalmente distintos. Um é o valor representativo do conservado-
rismo cultural da época; as palavras de Monteiro Lobato reproduzem os parâme-
tros de uma estética acadêmica que entendia a pintura como reprodução direta
da natureza. Outro é o valor absolutamente novo, expresso nos quadros de Anita,
de uma arte que atende a seus próprios princípios, não tendo um compromisso
fotográfico com os objetos da realidade natural... (NASCIMENTO, 2002, p. 34)
Esse “valor absolutamente novo” está em sintonia com os movimentos da vanguarda
europeia do início do século XX, e circula como ideia viajante pelas reuniões dos intelectuais
e das elites nos salões urbanos, nas quais ocorriam atividades artísticas e gastronômicas.
Mário de Andrade destaca, dentre outras, a reunião da Rua Lopes Chaves, em São Paulo.
Segundo ele, “essa reunião precedeu mesmo a Semana de Arte Moderna” (ANDRADE,
1972c, p. 239).

152 Literatura Brasileira


A fase heroica: a Semana e os principais manifestos 11
Depois de Anita, em 1917, foi a vez do escultor Victor Brecheret, em 1919, causar polê-
mica, mas com uma recepção diferente. Lobato desta vez não repudia o trabalho do artista
que estudou em Roma, e se junta a Di Cavalcanti, Oswald de Andrade e Menotti del Picchia,
dentre outros artistas e produtores, para saudá-lo.
O lançamento da revista O Pirralho, criada por Oswald de Andrade e Emílio de Menezes,
a realização desses dois eventos das artes plásticas aos quais aludimos acima, e uma série
de vários outros episódios pontuais e menores, acontecidos durante a chamada fase heroica
da nossa modernidade, contribuíram para atingirmos o marco que funda o Modernismo
brasileiro: a Semana de Arte Moderna de 1922.

11.2 A Semana de 1922

Embora tenha acontecido de 11 a 18 de fevereiro de 1922, no Teatro Municipal de São


Paulo, a Semana de Arte Moderna teve os seus eventos realizados durante três dias: 13, 15 e
17. “A proposta era unir aos festejos do Centenário da Independência em 1922, o marco de
uma outra independência, a da cultura brasileira” (NASCIMENTO, 2002, p. 43).
Na abertura da programação destaca-se a conferência do escritor Graça Aranha,
“A emoção estética na arte moderna” (vide texto complementar), ilustrada com música e
poesia. A conferência foi seguida de um concerto do maestro Villa-Lobos, e publicada de-
pois pelo autor no livro Espírito Moderno, de 1925.

Figura 1 – Cartaz da Semana de Arte Moderna. São Paulo, 1922.

Fonte: Wikimedia Commons

Dentre outros artistas importantes que participaram, direta ou indiretamente, da


Semana de Arte, podemos destacar: Manuel Bandeira, Mário de Andrade, Oswald de
Andrade, Guilherme de Almeida, Paulo Prado. Acerca da programação do evento, diz o
historiador Mário da Silva Brito (apud BOSI, 1994, p. 337):
A grande noite do festival foi a segunda. A conferência de Graça Aranha, que
abriu os festivais, confusa e declamatória, foi ouvida respeitosamente pelo pú-
blico, que provavelmente não a entendeu, e o espetáculo de Villa-Lobos, no dia

Literatura Brasileira 153


11 A fase heroica: a Semana e os principais manifestos

17, foi perturbado, principalmente porque se supôs fosse “futurismo” o artista


se apresentar de casaca e chinelo, quando o compositor assim se calçava por
estar com um calo arruinado... Mas não era contra a música que os passadistas
se revoltavam. A irritação dirigia-se especialmente à nova literatura e às novas
manifestações de arte plástica.
Ao referir-se à Semana de Arte Moderna, o poeta Mário de Andrade utiliza palavras e
expressões como: “o brado coletivo principal”, “batalha”, “escândalo público permanente”,
“coroamento lógico dessa arrancada gloriosamente vivida” e “festa” (ANDRADE, 1972c,
p. 241). Tal entusiasmo pode ser aferido nos desejos expressos no discurso realizado por um
outro participante do evento, o poeta Menotti del Picchia. Diz ele, no segundo dia da Semana:
Queremos luz, ar, ventiladores, aeroplanos, reivindicações obreiras, idealismo,
motores, chaminés de fábrica, sangue, velocidade, sonho, na nossa Arte. E que
o ruído de um automóvel, nos trilhos de dois versos, espante da poesia o último
deus homérico, que ficou, anacronicamente, a dormir e a sonhar, na era do jaz-
z-band e do cinema, com a frauta dos pastores da Arcádia e os seios divinos de
Helena! (PICCHIA apud BOSI, 1994, p. 338)
Apesar dos desejos de ruptura e demolição expressos nesses textos relacionados
à Semana de Arte Moderna, é importante atentarmos para os patrocinadores do evento.
Acerca desse patrocínio, que tem na pessoa do Paulo Prado o seu signo referente, o histo-
riador Mário da Silva Brito nos auxilia a compreender melhor o seu significado mais amplo:
“É interessante assinalar que o Correio Paulistano, órgão do PRP1, do qual Menotti del Picchia
era o redator político, agasalhava os ‘vanguardistas’, com o consentimento de Washington
Luís, presidente do Estado” (BRITO apud BOSI, 1994, p. 339).

11.3 Manifestos de Mário de Andrade

Embora não tenha escrito exatamente um texto com o título de manifesto, Mário de
Andrade publicou vários ensaios e escritos – em livros, jornais, revistas – nos quais manifes-
tava aquelas que seriam consideradas, mais tarde, as linhas mestras da nossa modernidade.
Pesquisador que empreendeu várias viagens de pesquisa folclórica e etnográfica ao
Norte e Nordeste do Brasil, Mário é um intelectual consciente da importância do nosso
passado nacional e soube louvar, de modo crítico e seletivo, a tradição literária brasileira.
Apesar de ser considerado conciliatório no universo estético, o poeta, nos momentos de
maior radicalidade e desejo de mudança, rompe com essa tradição, por estar inserido no
contexto das reverberações da fase heroica de nosso Modernismo. Isso fica claro na autoa-
valiação feita pelo autor em 1942, três anos antes de sua morte: “O Modernismo, no Brasil,
foi uma ruptura, foi um abandono de princípios e de técnicas consequentes, foi uma revolta
contra o que era a inteligência nacional” (ANDRADE, 1972c, p. 235).

1 O autor refere-se aqui ao Partido Republicano Paulista.

154 Literatura Brasileira


A fase heroica: a Semana e os principais manifestos 11
A seguir estudaremos dois textos publicados por Mário de Andrade, que podem ser
lidos como manifestos da modernidade brasileira: Pauliceia Desvairada (1922) e A Escrava que
não é Isaura (1925).

Figura 2 – Mário de Andrade, em 1928 (foto de Michelle Rizzo).

Fonte: Wikimedia Commons

11.3.1 Pauliceia Desvairada


Escrito a partir das influências das vanguardas europeias, Pauliceia Desvairada (1922) é
considerado o primeiro livro de poemas modernistas de nossa literatura. O volume possui
a cidade de São Paulo como tema e personagem, e traz na abertura um texto escrito pelo
próprio autor, com o sugestivo título de “Prefácio interessantíssimo”. Mas antes de conhe-
cermos esse texto, vejamos como surgiu, segundo Mário (ANDRADE, 1972c, p. 234), o livro
que funda nossa modernidade poética:
Me lembro que cheguei à sacada, olhando sem ver o meu largo. Ruídos, luzes,
falas abertas subindo dos choferes de aluguel. Não sei o que me deu. Fui até a
escrivaninha, abri um caderno, escrevi o título em que jamais pensara, ‘Pauliceia
Desvairada’. O estouro chegara afinal, depois de quase ano de angústias, inter-
rogativas. Entre desgostos, brigas, em pouco mais de uma semana estava jogado
no papel um canto bárbaro, duas vezes maior talvez do que isso que o trabalho
de arte deu num livro.
O canto bárbaro de Mário de Andrade abre-se com um texto que funda uma nova poéti-
ca: o Desvairismo. Essa poética, sob inspiração vanguardista, quer ter a duração da leitura do
manifesto, já que no próprio documento o autor informa que “no próximo livro” fundará ou-
tra poética. Leiamos a seguir a abertura do irônico “Prefácio interessantíssimo” (ANDRADE
apud TELES, 1985, p. 298).

Literatura Brasileira 155


11 A fase heroica: a Semana e os principais manifestos

Leitor:
Está fundado o Desvairismo.
Este prefácio, apesar de interessante, inútil.
[...]
Quando sinto a impulsão lírica escrevo sem pensar tudo o que meu inconsciente
me grita. Penso depois: não só para corrigir, como para justificar o que escrevi.
Daí a razão deste Prefácio Interessantíssimo. [...]
Nessa introdução, o autor justifica o livro. Depois ele apresenta uma teoria na qual se
destacam elementos da poética, da música e da gramática, dentre outros. Com este “Prefácio
interessantíssimo”, o autor “antecipa-se ao Primeiro Manifesto do Surrealismo de André
Breton de 1924, quando pregava o primado do inconsciente, que os surrealistas chamariam
de ‘“escrita automática”’ (ABEL, 1985, p. 8). A diferença é que Mário se dispõe a corrigir e
justificar o que escreve sem pensar, os surrealistas, ao contrário, têm como proposta trazer à
tona, para a realidade, as forças da palavra que vem do subconsciente profundo, sem esta
arrumação do intelecto.

11.3.2 A Escrava que não é Isaura


O título deste ensaio de Mário de Andrade é uma paródia do romance do escritor
mineiro e romântico Bernardo Guimarães, autor de A Escrava Isaura, publicado em 1875.
“Através de uma parábola, Mário apresenta a poesia como uma mulher nua que os homens,
com o passar dos tempos, foram cobrindo de roupas e joias, até que um vagabundo genial
(Rimbaud) deu um pontapé naquele monte de roupas e deixou outra vez a mulher nua – a
poesia moderna” (TELES, 1985, p. 302).
A seguir, leremos a primeira parte do ensaio, na qual o autor ressalta a poética (o fenô-
meno da criação), e desenvolve temas ligados à produção artística. Dentre esses temas, des-
tacam-se o lirismo, a beleza, a retórica e a relação com o passado, como recortado a seguir
(TELES, 1985, p. 303).
Primeira Parte
[...]
Belas-artes: “Começo por conta de somar: / Necessidade de expressão + neces-
sidade de comunicação + necessidade de ação + necessidade de prazer = Belas
Artes.”
Poesia: “Das artes assim nascidas a que se utiliza de vozes articuladas chama-se
poesia” [...]
Leitor: “É o leitor que se deve elevar à sensibilidade do poeta, não é o poeta que
se deve baixar à sensibilidade do leitor. Pois este que traduza o telegrama!”

156 Literatura Brasileira


A fase heroica: a Semana e os principais manifestos 11
Conclusão da primeira parte: “Assim pois a modernizante concepção de Poesia
que, aliás, é a mesma de Adão e de Aristóteles e existiu em todos os tempos, mais
ou menos aceita, levou-nos a dois resultados – um novo, originado dos progres-
sos da psicologia experimental; outro antigo, originado da inevitável realidade:
/1.º: respeito à liberdade do subconsciente. Como consequência: destruição do
assunto poético. /2.º: o poeta reintegrado na vida do seu tempo. Por isso: reno-
vação da sacra fúria”.
O ensaio continua acerca da retórica e da crítica, dando destaque para os temas relacio-
nados ao estudo da poética, como o ritmo, a noção do verso livre e a rima. No que tange às
questões de relevo relacionadas à esfera da estética, Mário ressalta a “substituição da ordem
intelectual pela ordem subconsciente” (TELES, 1985, p. 306), e destaca ainda questões como
a rapidez e a síntese na poesia moderna.
Na conclusão, o poeta alude à tradição e à história: “Os passadistas não conseguem tirar
de nós mais que o dorso da indiferença. O amor esclarecido ao passado e o estudo da lição
histórica dão-nos a serenidade” (ANDRADE apud TELES, 1985, p. 307).

11.4 Manifestos de Oswald de Andrade

Apesar do mesmo sobrenome de Mário, o escritor Oswald de Andrade não era seu pa-
rente e assumiu posturas mais radicais na vida e no texto. Rico, irreverente e irônico, casou-
-se várias vezes e colecionou alguns desafetos. Sua obra foi banida das antologias escolares
durante anos, sendo reconhecida nos Anos 60 pelos poetas concretos de São Paulo, Haroldo
e Augusto de Campos.
Sua biógrafa, Maria Augusta Fonseca, e parte da crítica sugerem explicações para o
silêncio ao qual o poeta foi relegado: “Oswald arreganhou os dentes de antropófago à men-
talidade colonizada que atrofiou e ainda atrofia o país” (FONSECA, 2007, p. 22). “Oswald
nunca pôde subordinar seu espírito a cânones métricos e aos parâmetros semânticos que
lhes são correlatos” (CAMPOS, 1978, p. 19).
Poeta que viajou à Europa e manteve contato com autores representativos das van-
guardas europeias, Oswald estreia na imprensa paulista em 1909, como repórter e reda-
tor do Diário Popular. Atua depois em várias frentes. Publica poesia, romance, teatro e
ensaio. As memórias, os diários e os manifestos ocupam grande parte da sua produção
estética e literária.
A seguir, conheceremos dois dos principais manifestos do nosso Modernismo, publi-
cados por Oswald de Andrade: Manifesto da Poesia Pau-Brasil (1924) e Manifesto Antropófago
(1928), os quais, segundo a perspectiva de alguns críticos, “formam uma peça única, o se-
gundo estando contido fundamentalmente no primeiro” (CAMPOS, 1978, p. 48).

Literatura Brasileira 157


11 A fase heroica: a Semana e os principais manifestos

Figura 3 – Oswald de Andrade.

Fonte: Wikimedia Commons

11.4.1 Manifesto da Poesia Pau-Brasil


Considerado o nosso primeiro produto de exportação, o pau-brasil é uma árvore da
época da colonização, cujo nome foi utilizado por Oswald para batizar o seu manifesto.
Publicado no Correio da Manhã, em 1924, este texto fragmentado e sucinto possui a arte e a
cultura brasileiras como temas, e se propõe a mostrar a importância da síntese entre a raiz
nativa e a antena que capta a atualidade dos saberes da modernidade para a definição de
um conceito de nacionalidade crítico e autêntico. Diz o poeta da Poesia Pau-Brasil: “Apenas
brasileiros de nossa época. O necessário de química, de mecânica, de economia e de balís-
tica. Tudo digerido. Sem meeting cultural. Práticos. Experimentais. Poetas. Sem reminiscên-
cias livrescas...” (OSWALD apud TELES, 1985, p. 331).
Na busca de redescobrir o país, o poeta explora temas e elementos folclóricos, culi-
nários, históricos e estéticos, dentre outros, ressaltando a importância da originalidade
primitiva. “Oswald recorreu a uma sensibilidade primitiva (como fizeram os cubistas,
inspirando-se nas geometrias elementares da arte negra) [...] para comensurar a literatura
brasileira às novas necessidades de comunicação engendradas pela civilização técnica”
(CAMPOS, 1978, p. 50).
O manifesto abre-se em sintonia com as teorias contemporâneas, segundo as quais os
fatos, no contexto da modernidade, são mais importantes que a crença nas convicções e es-
sências tradicionais. Diz Oswald:
A poesia existe nos fatos. Os casebres de açafrão e de ocre nos verdes da Favela,
sob o azul cabralino, são fatos estéticos. O carnaval do Rio é o acontecimento
religioso da raça. Pau-Brasil. Wagner submerge ante os cordões de Botafogo.
Bárbaro e nosso. A formação étnica rica. Riqueza vegetal. O minério. A cozinha.
O vatapá o ouro e a dança. (OSWALD apud TELES, 1985, p. 326)

158 Literatura Brasileira


A fase heroica: a Semana e os principais manifestos 11
11.4.2 Manifesto Antropófago
Lançado em 1928, o Manifesto Antropófago foi originalmente publicado no número um
da Revista de Antropofagia de São Paulo. Suas propostas ampliam as ideias nacionalistas do
Manifesto do Pau-Brasil, pois radicalizam na brasilidade primitiva, ao parodiar a famosa má-
xima shakespeareana2 em “Tupy, or not tupy that is the question”. Afora isso, destacam
a alegria e o humor como traço crítico do nosso caráter (“A alegria é a prova dos nove”).
A seguir, destacamos alguns dos trechos do referido manifesto.
Só a antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente. […]
Só me interessa o que não é meu. Lei do homem. Lei do antropófago. […]
[…] Sem nós a Europa não teria sequer a sua pobre Declaração dos Direitos do
Homem. […]
Nunca fomos catequizados. Vivemos através de um direito sonâmbulo. Fizemos
Cristo nascer na Bahia. Ou em Belém do Pará.
Mas nunca admitimos o nascimento da lógica entre nós. Contra o Padre Vieira.
Autor do nosso primeiro empréstimo, para ganhar comissão. O rei analfabeto
dissera-lhe: ponha isso no papel mas sem muita lábia. Fez-se o empréstimo.
Gravou-se o açúcar brasileiro. Vieira deixou o dinheiro em Portugal e nos trouxe
a lábia. […]
Nunca fomos catequizados. Fizemos foi Carnaval. O índio vestido de senador
do Império. Fingindo de Pitt. Ou figurando nas óperas de Alencar cheio de bons
sentimentos portugueses […]
Já tínhamos o comunismo. Já tínhamos a língua surrealista. A idade de ouro.
[…].
Antes dos portugueses descobrirem o Brasil, o Brasil tinha descoberto a felici-
dade. […]
Nesses trechos podemos observar a crítica que o autor empreende ao processo da nossa
colonização política e cultural, nas referências diretas aos portugueses e ao padre Vieira.
Trata-se da aplicação prática do conceito de antropofagia, que – ao reproduzir simbólica e
culturalmente o ato explícito realizado por tribos indígenas antropófagas, espalhadas pelo
Brasil no momento histórico de achamento de nossas terras pelos europeus, de devorar os
inimigos para adquirir suas forças físicas e espirituais –, ao invés de negar a diferença, quer

2 A máxima é “to be or not to be, that is the question”, cujo significado literal em português é “ser ou não
ser, eis a questão”, e está inserida em um dos vários solilóquios que ocorrem na arquifamosa tragédia
Hamlet, do autor inglês William Shakespeare, considerado por muitos críticos como o centro do Câ-
none Literário Ocidental. A máxima, hoje em dia, já se transformou em bordão popular. Os solilóquios
foram importantes para que, no palco elizabetano, pudesse ser expressa a psicologia profunda do
personagem teatral, que, usando esta técnica, apresenta diretamente para a plateia o que ocorre em
sua alma. Nesse aspecto, Shakespeare introduz procedimentos modernos de concepção literária do
homem, que perde muito de seu traço caricatural e ganha em densidade existencial. Oswald de An-
drade, ao parodiar a expressão, está ampliando, de modo genial, a questão existencial para o âmbito
do cultural e do nacional, além de exercitar seu conceito de antropofagia.

Literatura Brasileira 159


11 A fase heroica: a Semana e os principais manifestos

incorporá-la, filtrando apenas o que nos possa ser útil para enriquecermos nossa sociedade
e cultura. A antropofagia é o desejo do outro, do “que não é meu”.

11.5 Os grupos de direita e seus manifestos

Os manifestos modernistas dos anos 1920 representam duas tendências estéticas e ideo-
lógicas. De um lado, estão os artistas como Mário e Oswald de Andrade, influenciados pelas
vanguardas europeias e pelas ideias de ruptura com a tradição literária; do outro, encon-
tram-se os artistas de direita, representados por movimentos como, por exemplo, o Verde-
-Amarelismo e o Grupo Anta, liderados por Plínio Salgado.
Publicado em 1929, o Nhenaçu Verde Amarelo (Manifesto do Verde-Amarelismo ou da
Escola da Anta) valoriza as nossas raízes. Contra a noção de intelectualidade e a favor de
uma filosofia tupi, os verdes modernos destacam a figura do índio que nos ensinou a rir dos
sistemas, e concluem o manifesto assumindo sua porção conservadora: “Aceitamos todas as
instituições conservadoras, pois é dentro delas mesmo que faremos a inevitável renovação
do Brasil... Nosso nacionalismo é ‘verdamarelo’ e tupi”.
Referindo-se a esses grupos de cunho conservador e de direita, Haroldo de Campos
critica a sua “grandiloquência vazia”, e ressalta a supremacia das propostas artísticas e cul-
turais de Oswald de Andrade. Segundo o crítico e poeta concreto paulista,
[...] em relação à poesia “pau-brasil”, a diluição veio por volta de 1926, com
o nome de “Verdamarelismo”, depois “Escola da Anta”, sob a responsabi-
lidade principal de Menotti del Picchia, Cassiano Ricardo e Plínio Salgado.
O “Verdamarelismo” propunha-se combater os resquícios parisienses no “Pau-
Brasil”, mas, na verdade, através deste expediente diversionista, capeado de na-
tivismo, procurava escamotear o pesado tributo temático e estilístico que pagava
às inovações oswaldianas, das quais era um sucedâneo edulcorado, em pauta
decorativa e superficial. (CAMPOS, 1978, p. 47-48)
“Triste xenofobia que acabou numa macumba para turista”, é a frase de Oswald de
Andrade para definir o “verdamarelo” (CAMPOS, 1978, p. 49).

Ampliando seus conhecimentos

A emoção estética na arte moderna


(ARANHA, 1985, p. 280-284)

Para muitos de vós a curiosa e sugestiva exposição que gloriosamente


inauguramos hoje, é uma aglomeração de “horrores”. Aquele Gênio
supliciado, aquele homem amarelo, aquele carnaval alucinante, aquela
paisagem invertida se não são jogos da fantasia de artistas zombeteiros,

160 Literatura Brasileira


A fase heroica: a Semana e os principais manifestos 11
são seguramente desvairadas interpretações da natureza e da vida. Não
está terminado o vosso espanto. Outros “horrores” vos esperam. Daqui
a pouco, juntando-se a esta coleção de disparates, uma poesia liberta,
uma música extravagante, mas transcendente, virão revoltar aqueles que
reagem movidos pelas forças do Passado. Para estes retardatários a arte
ainda é o Belo.

Nenhum preconceito é mais perturbador à concepção da arte que o da


Beleza. Os que imaginam o belo abstrato são sugestionados por con-
venções forjadoras de entidades e conceitos estéticos sobre os quais não
pode haver uma noção exata e definitiva. Cada um que se interrogue a si
mesmo e responda que é a beleza? Onde repousa o critério infalível do
belo? A arte é independente deste preconceito. É outra maravilha que não
é a beleza. É a realização da nossa integração no Cosmos pelas emoções
derivadas dos nossos sentidos, vagos e indefiníveis sentimentos que nos
vêm das formas, dos sons, das cores, dos tatos, dos sabores e nos levam à
unidade suprema com o Todo Universal. Por ela sentimos o Universo, que
a ciência decompõe e nos faz somente conhecer pelos seus fenômenos. Por
que uma forma, uma linha, um som, uma cor nos comovem, nos exaltam
e transportam ao universal? Eis o mistério da arte, insolúvel em todos os
tempos, porque a arte é eterna e o homem é por excelência o animal artista.
O sentimento religioso pode ser transmudado, mas o senso estético per-
manece inextinguível, como o Amor, seu irmão imortal. O Universo e seus
fragmentos são sempre designados por metáforas e analogias, que fazem
imagens. Ora, esta função intrínseca do espírito humano mostra como a
função estética, que é a de idear e imaginar, é essencial à nossa natureza.

A emoção geradora da arte ou a que esta nos transmite é tanto mais funda,
mais universal quanto mais artista for o homem, seu criador, seu intér-
prete ou espectador. Cada arte nos deve comover pelos seus meios diretos
de expressão e por eles nos arrebatar ao Infinito.

A pintura nos exaltará, não pela anedota, que por acaso ela procure repre-
sentar, mas principalmente pelos sentimentos vagos e inefáveis que nos
vêm da forma e da cor.

Que importa que o homem amarelo ou a paisagem louca, ou o Gênio


angustiado não sejam o que se chama convencionalmente reais? O que
nos interessa é a emoção que nos vem daquelas cores intensas e surpreen-
dentes, daquelas formas estranhas, inspiradoras de imagens e que nos
traduzem o sentimento patético ou satírico do artista. Que nos importa
que a música transcendente que vamos ouvir não seja realizada segunda

Literatura Brasileira 161


11 A fase heroica: a Semana e os principais manifestos

as fórmulas consagradas? O que nos interessa é a transfiguração de nós


mesmos pela magia do som, que exprimirá a arte do músico divino. É na
essência da arte que está a Arte. É no sentimento vago do Infinito que está
a soberana emoção artística derivada do som, da forma e da cor. Para o
artista a natureza é uma “fuga” perene no Tempo imaginário. Enquanto
para os outros a natureza é fixa e eterna, para ele tudo passa e a Arte é a
representação dessa transformação incessante. Transmitir por ela as vagas
emoções absolutas vindas dos sentidos e realizar nesta emoção estética a
unidade com o Todo é a suprema alegria do espírito.

Se a arte é inseparável, se cada um de nós é um artista mesmo rudimen-


tar, porque é um criador de imagens e formas subjetivas, a Arte nas suas
manifestações recebe a influência da cultura do espírito humano.

Toda a manifestação estética é sempre precedida de um movimento de


ideias gerais, de um impulso filosófico, e a Filosofia se faz Arte para se tor-
nar Vida. Na Antiguidade Clássica o surto da arquitetura e da escultura
se deve não somente ao meio, ao tempo e à raça, mas principalmente à
cultura matemática, que era exclusiva e determinou a ascendência dessas
artes da linha e do volume. A própria pintura dessas épocas é um acen-
tuado reflexo da escultura. No Renascimento, em seguida à perquirição
analítica da alma humana, que foi a atividade predominante da Idade
Média, o humanismo inspirou a magnífica floração da pintura, que na
figura humana procurou exprimir o mistério das almas. Foi depois da filo-
sofia natural do século XVII que o movimento panteístico se estendeu à
Arte e à Literatura e deu à natureza a personificação que raia na poesia
e na pintura da paisagem. Rodin não teria sido o inovador, que foi na
escultura, se não tivesse havido a precedência da biologia de Lamarck e
Darwin. O homem de Rodin é o antropoide aperfeiçoado.

E eis chegado o grande enigma que é o precisar as origens da sensibili-


dade na arte moderna. Este supremo movimento artístico se caracteriza
pelo mais livre e fecundo subjetivismo. É uma resultante do extremado
individualismo que vem vindo na vaga do tempo há quase dois séculos
até se espraiar em nossa época, de que é feição avassaladora.

Desde Rousseau o indivíduo é a base da estrutura social. A sociedade é


um ato da livre vontade humana. E por este conceito se marca a ascen-
dência filosófica de Condillac e da sua escola. O individualismo freme
na Revolução Francesa e mais tarde no romantismo e na Revolução
Social de 1848, mas a sua libertação não é definitiva. Esta só veio quando
o darwinismo triunfante desencadeou o espírito humano das suas

162 Literatura Brasileira


A fase heroica: a Semana e os principais manifestos 11
pretendidas origens divinas e revelou o fundo da natureza e as suas
tramas inexoráveis. O espírito do homem mergulhou neste insondável
abismo e procurou a essência das coisas. O subjetivismo mais livre e
desencantado germinou em tudo. [...]

Atividades
1. Qual a importância histórica e estética, para as letras nacionais, da fase heroica de
nosso Modernismo?

2. Faça um comentário crítico acerca das duas tendências estéticas e ideológicas dos
anos 1920 que nortearam a publicação dos manifestos modernistas.

Resolução
1. A fase heroica da nossa modernidade corresponde aos anos que antecederam a Se-
mana de Arte Moderna, e culmina com a realização deste evento, em 1922. Segundo
o poeta Mário de Andrade, trata-se de um período no qual alguns participantes do
grupo modernista viviam numa união iluminada pelas ideias de liberdade e pureza.
Nessa fase de heroísmo, a exposição de Anita Malfatti, em 1917, destaca-se como o
evento que demarca o espaço estético dos modernos, já que os seus quadros foram a
revelação para o poeta entender aquele contexto artístico e cultural.

2. Duas tendências estéticas e ideológicas dominam os manifestos modernos. Uma des-


sas tendências é representada por artistas que contataram alguns representantes das
vanguardas europeias, e que são influenciados pelas ideias de ruptura e pela neces-
sidade de repensar a realidade brasileira. Mário e Oswald de Andrade são os nomes
mais representativos dessa tendência. A outra tendência dialoga também com ideias
nacionalistas, mas a partir de um ângulo conservador. A ela vinculam-se os artis-
tas de direita, representados por movimentos como o Verde-Amarelismo e o Grupo
Anta, liderados por Plínio Salgado, Cassiano Ricardo e Menotti Del Picchia.

Literatura Brasileira 163


12
A prosa dos anos 30
André Gardel

Nesta aula vamos conhecer a produção literária de um período que ficou conhecido na historio-
grafia da literatura brasileira como o Romance Moderno de 1930. Para isso, objetivamos refletir acerca
das duas vertentes básicas que fundamentam a prosa de ficção da segunda fase modernista: o romance
social nordestino e o romance intimista.
Com esse intuito, analisaremos as obras de alguns dos mais importantes ficcionistas e cronistas do
período: Rachel de Queiroz, José Lins do Rego, Graciliano Ramos, Erico Verissimo, Jorge Amado, Lúcio
Cardoso e Marques Rabelo.

12.1 As duas faces da prosa dos anos 30

As duas faces da prosa moderna produzida nos anos 30 são: de um lado, o romance nordestino;
de outro, o chamado romance intimista. Também chamada de introspectiva, a produção romanesca do
período explora o fluxo da consciência e as características psicológicas dos seus personagens. E, não por
acaso, teve como expoentes autores católicos, como Lúcio Cardoso e Otávio de Faria.
O romance social nordestino dos anos 30 pode ser compreendido como uma segunda floração da
estética realista/naturalista em nossas letras. Diferente da forma como acontecera no século XIX, ainda
retórica e determinista, a prosa romanesca de cunho social surge agora sob um viés mais politizado, de
busca direta de apreensão da fala e da cultura do povo esquecido e abandonado do mundo rural bra-
sileiro, numa denúncia típica do maior amadurecimento estético e social da segunda fase modernista
(BOSI, 1994, p. 385):
A prosa de ficção encaminhada para o realismo bruto de Jorge Amado, de José Lins do Rego,
de Erico Verissimo e, em parte, de Graciliano Ramos, beneficiou-se amplamente da “des-
cida” à linguagem oral, aos brasileirismos e regionalismos léxicos e sintáticos, que a prosa

Literatura Brasileira 165


12 A prosa dos anos 30

modernista tinha preparado. E até mesmo em direções que parecem espiritual-


mente mais afastadas de 22 (o romance intimista de Otávio de Faria, Lúcio
Cardoso, Cornélio Pena), sente-se o desrecalque psicológico “freudiano-surrea-
lista” ou “freudiano-expressionista” que também chegou até nós com as águas
do Modernismo.

12.2 Rachel de Queiroz e José Lins do Rego

Rachel de Queiroz (1910 - 2003) estreou como escritora, nos anos 1920, colaborando
para jornais. Publicou depois romances, peças teatrais, literatura infanto-juvenil e crônicas.
Diga-se de passagem, muitas crônicas. Sua bibliografia ostenta mais de dez volumes de crô-
nicas reunidas, que vieram à lume na imprensa brasileira durante mais de 50 anos. Segundo
a ensaísta que organizou as crônicas desta parenta do escritor romântico José de Alencar,
“quando Rachel era perguntada sobre a sua atividade nas letras, ela não hesitava e respon-
dia: “Antes de mais nada, sou jornalista” (HOLLANDA, 2004, p. 7).

Figura 1 – Rachel de Queiroz, autora de O Quinze (1930), um de seus romances mais famosos, foi a
primeira escritora a entrar para a ABL, em 1977.

Fonte: Instituto Moreira Salles.

Afirmando, com uma frase de efeito paradoxal, que era mais jornalista do que escrito-
ra, Rachel de Queiroz, em suas memórias, nos fala de suas primeiras leituras e nos auxilia
a trilhar os caminhos que levam à sua criação. Ao relembrar o universo intelectual de sua
infância, no qual havia muita ideologia política, apresenta o ambiente literário em que foi
criada. “A biblioteca materna formada por Eça, Balzac, Machado, Alencar e Flaubert, dentre

166 Literatura Brasileira


A prosa dos anos 30 12
outros, teve forte influência na formação da escritora. Sua mãe idem: era leitora de Gorki e
dos russos do final do século” (SOARES, 1993, p. 10).
As condições sociais e existenciais do sertanejo na região Nordeste, além de uma certa
inquietação relacionada à passagem do tempo, são temas recorrentes nos escritos de Rachel
de Queiroz. “A reflexão sobre o tempo é, ao mesmo tempo, sua grande contribuição literá-
ria e sua dor fundamental. A lucidez, muitas vezes desconfortável, sobre o fluir do tempo,
acompanhou Rachel desde seus primeiros escritos” (HOLLANDA, 2004, p. 16).
A crônica “Felicidade”, publicada em 1955, serve de exemplo da temática temporal:
“Nessa nudez, nesse despojamento de tudo, dê-lhes Deus um inverno razoável que sus-
tente o legume, um pouco de água e não pedem mais nada. De que é que eles gostam?
... Namoram sobriamente e, se apreciam mulher, como é natural, pouco falam nisso”
(QUEIROZ apud HOLLANDA, 2004, p. 146). Vejamos a seguir, na conclusão da crônica
“Um alpendre, uma rede, um açude”, de 1947, como os temas do sertanejo e do tempo
se imbricam num mesmo contexto: “O chão não se acaba – e afinal de contas só do chão
precisa o homem, para sobre ele andar enquanto vivo e no seu seio repousar depois de
morto” (QUEIROZ apud HOLLANDA, 2004, p. 106).

Figura 2 – Menino do engenho, publicado em 1926, é o primeiro romance de José Lins do Rego.

Fonte: Divulgação/Reprodução

Assim como Rachel de Queiroz, o escritor José Lins do Rego (1901-1957) é um dos no-
mes mais representativos da prosa moderna dos anos 1930, e possui os sertanejos da região
Nordeste como base contextual e temática da sua escritura.
Descendente de senhores de engenho, o romancista soube fundir numa lingua-
gem de forte e poética oralidade as recordações da infância e da adolescência
com o registro intenso da vida nordestina colhida por dentro, através dos pro-
cessos mentais de homens e mulheres que representam a gama étnica e social da
região. (BOSI, 1994, p. 398)
Composta por mais de vinte títulos, repletos de figurações dos engenhos da cana-de-
-açúcar e da fé nordestina, a obra de José Lins do Rego se deixa atravessar, também, por

Literatura Brasileira 167


12 A prosa dos anos 30

referências à cultura do povo. Suas páginas apresentam signos da história do cangaço, da


religiosidade popular e do ciclo da cana-de-açúcar. O registro memorialístico e a observação
das pessoas e dos fatos estão na “gênese” da obra do autor e se desdobram, reincidentes, na
sua produção posterior.
A gênese do ciclo inicial da sua obra, formado por Menino de Engenho, Doidinho,
Banguê, O Moleque Ricardo e Usina, é, portanto, dupla, a memória e a observação,
sendo a primeira responsável pela carga afetiva capaz de dinamizar a segunda e
dar-lhe aquela crispação que trai o fundo autobiográfico: e, de fato, a leitura de
Meus Verdes Anos, história veraz da infância do escritor, logo nos faz reconhecer
pontos nodais do romance de estreia, Menino de Engenho. (BOSI, 1994, p. 398)

12.3 Graciliano Ramos

Nascido em Alagoas, o escritor Graciliano Ramos (1892-1953) pode ser considerado


como o principal representante do chamado Romance Moderno de 1930. Nesta década, ele
publica os quatro livros mais representativos de sua obra romanesca – Caetés (1933), São
Bernardo (1934), Angústia (1936) e Vidas Secas (1938) –, tornando-se um autor reconhecido
pela construção de uma linguagem seca e econômica, sofisticada na sua correção e sutileza,
traços que ultrapassam o perfil usual do escritor regionalista.
A linguagem de Graciliano Ramos caracteriza-se pela utilização do vocábulo enxuto,
com pouquíssima adjetivação, e pela produção da frase curta. Sua prosa é depurada, “pre-
cisa”, por isso a crítica literária o chama de “escritor substantivo”. A construção sintática do
texto de Graciliano Ramos é geralmente linear, e há nos seus romances um lirismo latente
que parece querer emergir, mas que apenas se insinua, de modo fugaz, de quando em vez
para o leitor.

Figura 3 – O escritor Graciliano Ramos foi Prefeito Municipal de Palmeira dos Índios (AL).

Fonte: Grupo Editorial Record.

168 Literatura Brasileira


A prosa dos anos 30 12
A recepção crítica desta obra é excelente. Para alguns estudiosos, Graciliano Ramos sabe
“literalmente usar o mínimo de palavras e as palavras mais simples e mesmo coloquiais,
para alcançar um fim mais rico. Pobreza de meios e riqueza de fins, em suma. Pobreza como
virtude e não como deficiência” (ATHAYDE, 1992, p. 197). Já a crítica que relaciona o con-
texto histórico e os procedimentos estéticos, enfatiza, na narrativa do autor alagoano, uma
“íntima solidariedade entre a condição de carência, que é a de sua região e suas ‘vidas secas’,
e os meios literários utilizados para representá-la” (BARBOSA, 1983, p. 35).
Tradutor do livro A Peste, do escritor Albert Camus1, Graciliano Ramos “[...] representa,
em termos de romance moderno brasileiro, o ponto mais alto de tensão entre o eu do escritor
e a sociedade que o formou” (BOSI, 1994, p. 400). Referindo-se especificamente à prosa ro-
manesca de Angústia, o mesmo crítico diz: “Romance existencialista avant la lettre, Angústia
foi a expressão mais moderna, e até certo ponto marginal, de Graciliano Ramos. Mas a sua
descendência na prosa brasileira está viva até hoje” (BOSI, 1994, p. 403).
Angústia narra o drama de um intelectual pequeno burguês, o funcionário público Luís
da Silva, de 35 anos. Homem viajado, ele trabalha na imprensa e escreve resenhas sobre
romances. É um funcionário marcado pelo regulamento e que tem as mãos trêmulas. Sua
vida é estúpida e monótona. Sente um rato roer-lhe as entranhas. Leitor de livros amenos,
ele escreve por encomenda e tem desejo de outras viagens.
Livro cujo narrador-protagonista fala em 1.a pessoa, Angústia é o único romance urbano
de Graciliano Ramos. É também o livro no qual os aspectos psicológicos e existenciais dos
seus personagens são mais explorados. Trata-se de uma narrativa memorialista, repleta de
introspecção, e que possui a loucura e o crime como temas. Mas não é só isso: o romance nar-
ra também a história de amor de Luís da Silva por Marina, a jovem vizinha virgem: “Gastei
meses construindo esta Marina que vive dentro de mim, que é diferente da outra, mas se
confunde com ela” (RAMOS, 1986, p. 69).
Angústia apresenta poucos diálogos. Chama a atenção do leitor a presença de vários in-
setos e animais como pulgas, ratos, cobras, grilos, formigas, gato, papagaio, cujas presenças
metaforizam a dimensão instintiva do ser humano. O romance é um livro no qual o narrador
confessa a sua angústia afetiva: “O amor para mim sempre fora uma coisa dolorosa, compli-
cada e incompleta” (RAMOS, 1986, p. 106).
Neste terceiro romance de Graciliano Ramos, o leitor é bastante solicitado. Numa nar-
rativa em que a voz do narrador se detém frequentemente em signos inusitados como, por
exemplo, as paredes, as frases inconclusas e a presença de várias elipses, a recorrência a
esses procedimentos torna o texto às vezes meio enigmático e mais denso. Tais recursos
utilizados pelo autor possibilitam a surpresa, o inusitado, exigindo um amplo repertório e a
participação constante do leitor.

1 Albert Camus (1913-1960) nasceu na Argélia, mas é reconhecido como um escritor francês. É autor de
um clássico da literatura existencialista do século XX: o romance O Estrangeiro.

Literatura Brasileira 169


12 A prosa dos anos 30

12.4 Jorge Amado

Figura 4 – Fundação Casa Jorge Amado, no Pelourinho, em Salvador.

Fonte: Foto de Mateus Pereira/GOVBA

Dono de uma bibliografia que ostenta cerca de 50 títulos, e tendo sua obra traduzida
para mais de cinquenta países, Jorge Amado (1912 - 2001) é o escritor moderno mais conhe-
cido no Brasil e no mundo. Sua obra ganhou várias adaptações para o cinema e para a televi-
são. Devido ao contexto festivo dos lançamentos de seus livros, entre outras coisas, repletos
de alusões políticas e partidárias, e devido ao excesso de alegria e de sexo em suas páginas,
que acabam por configurar um perfil de literatura popular e de massa, a obra literária de
Jorge Amado é recebida por parte da crítica especializada com uma certa dose de descon-
fiança. Acerca da recepção dessa obra e dos seus personagens, podemos ler (CASTELLO,
2008b, p. 3):
eles são seres míticos, representativos e simples – como a forte Gabriela, para
quem coragem e sensualidade são uma coisa só, e o inconstante Vadinho que,
em “Dona Flor” nos leva à fronteira do impossível. Estes personagens sedutores
e fortes despertam, sempre, a suspeita de simplicidade.
Respondendo a essa crítica, que considera simplificadora e populista a obra do au-
tor baiano, a seguir apresentaremos uma defesa positiva dos traços específicos dos perso-
nagens de Jorge Amado, que permeiam as páginas de suas narrativas da seguinte forma
(CASTELLO, 2008b, p. 3):
como os grandes personagens da mitologia clássica, divididos entre impulsos
selvagens e ideias nobres, os personagens de Amado também se debatem entre
os apelos da carne e os limites da vida social. Muitas vezes se diz que eles não
passam de seres mundanos e preguiçosos. Amado distinguia, porém, a preguiça
da vadiagem. A vadiagem, ele pensava, inclui a inquietação e se sustenta em

170 Literatura Brasileira


A prosa dos anos 30 12
uma série de pequenos prazeres que, se são prazeres, são também impulsos de
vida – como as obsessões, as fantasias e as ideias fixas.
Lendo Jubiabá (1935) como o romance de formação proletário, a crítica acadêmica contem-
porânea observa ali a projeção inesperada de um herói marginalizado, cujo perfil agrega
várias faces da exclusão social no Brasil: negro, pobre e favelado. Ainda segundo essa leitura,
o livro de Jorge Amado filia-se também às formas da cultura popular que se expressam nos
causos orais da tradição sertaneja e nos folhetos de cordel. Acerca dessas questões, podemos
ler (DUARTE, 1996, p. 79): “[...] é preciso ressaltar o ineditismo de um romance cujo herói é
negro, pobre e favelado. Acrescente-se a isso a condição de ganhar a vida no trabalho braçal,
seja nas plantações de tabaco ou no cais do porto”.

12.5 Erico Verissimo

O escritor gaúcho Erico Verissimo (1905-1975) dividiu com Jorge Amado o sucesso jun-
to ao grande público e, também, uma certa reserva por parte da crítica culta. Teve ainda,
assim como o romancista baiano, algumas de suas obras transpostas para o cinema e para a
TV, o que muito contribuiu para a popularidade do autor e de sua produção literária.
Além de grande escritor, Erico Verissimo foi também professor de literatura brasileira
na Universidade da Califórnia, na década de 1950, tendo publicado depois, com base nesta
experiência pedagógica, uma Breve História da Literatura Brasileira.

Figura 5 – Casa da família de Erico Verissimo, em Cruz Alta (Rio Grande do Sul), hoje transforma-
da em museu.

Fonte: Foto de Lucas Mello Schnorr/Wikimedia Commons

Persistindo no jogo de duplos com Jorge Amado, podemos afirmar que, da mesma for-
ma que o autor baiano é reconhecido como aquele que melhor transpôs para as páginas lite-
rárias a vida social e os costumes culturais do povo de sua região, o autor de Olhai os Lírios
do Campo foi quem retratou de modo mais contundente os costumes sociais da burguesia
componente da sociedade gaúcha da primeira metade do século XX (BOSI, 1994, p. 408):

Literatura Brasileira 171


12 A prosa dos anos 30

para compor a saga pequeno burguesa gaúcha depois de 1930, o romancista bus-
cou realizar um meio-termo entre a crônica de costumes e a notação intimista. A
linguagem com que resolveu esse compromisso é discretamente impressionista,
caminhando por períodos breves, justaposições de sintaxes, palavras comuns e,
forçosamente, lugares-comuns da psicologia do cotidiano. A aparente frouxidão
que adveio da fórmula encontrada pareceu a certos leitores sinal de superficia-
lidade. Mas era, na verdade, o meio ideal de não perder nenhum dos polos de
interesses que atraiam a personalidade de Erico Verissimo: o tempo histórico do
ambiente e o fluxo de consciência das personagens. [...] (grifos do autor)
A busca desses dois “polos” – o tempo histórico e o fluxo de consciência das personagens –
não livra o autor de situar-se numa mediania de concepção de obra e estilo, assim justificada
(BOSI, 1994, p. 408):
[...] não se trata aqui de fechar os olhos aos evidentes defeitos da fatura que
mancham a prosa do romancista: repetições abusivas, incerteza na concepção
de protagonistas, uso convencional da linguagem...; trata-se de compreender o
nexo de intenção e forma que os seus romances lograram estabelecer quando
atingiram o social médio pelo psicológico médio. E era necessário que a nossa
literatura conhecesse também a planície ou, valha a metáfora, as modestas ele-
vações da coxilha.

12.6 Lúcio Cardoso

Figura 6 – Crônica da casa assassinada, de Lúcio Cardoso, expõe a ruína de uma família da aristo-
cracia mineira.

Fonte: Divulgação/Reprodução

172 Literatura Brasileira


A prosa dos anos 30 12
Além de romancista e dramaturgo, o mineiro Lúcio Cardoso (1913-1968) atuou na pri-
meira metade do século XX, no Rio de Janeiro, como jornalista e pintor. Mas a força central
de sua criação se dá na prosa romanesca, gênero próprio para a pesquisa em profundidade
da dimensão interna do homem, seus universos oníricos e crises por ser e estar no mundo
(BOSI, 1994, p. 413):
desde Maleita, história de um construtor perdido numa pocilga do sertão minei-
ro, Lúcio Cardoso revelava pendor para a criação de atmosferas de pesadelo. [...]
em 1936, com A Luz no Subsolo, o escritor se definiria pelo romance de sondagem
interior a que lograria dar uma rara densidade poética.
Em 1959, Lúcio Cardoso publica Crônica da Casa Assassinada – o livro que lhe deu maior
visibilidade como romancista. Levemente influenciado pelas técnicas das vanguardas, o au-
tor mantém sua densidade poética e existencial (BOSI, 1994, p. 413):
Lúcio Cardoso e Cornélio Pena foram talvez os únicos narradores brasileiros da
década de 30 capazes de aproveitar sugestões do surrealismo sem perder de vista
a paisagem moral da província que entra como clima nos seus romances. [...] Lúcio
Cardoso não é um memorialista, mas um inventor de totalidades existenciais.

12.7 Marques Rebelo


Figura 7 – Em A estrela sobe,
O escritor Marques Rebelo (1907-1973) começou publi-
Marquês Rebelo apresenta um
cando contos. O seu primeiro livro – Oscarina – foi editado retrato saboroso da era do rádio.
em 1931, tendo uma excelente recepção crítica. Escreveu
depois romances, novelas, contos, crônicas e biografia.
Herdeiro da prosa urbana que o nosso primei-
ro Modernismo inaugurou, o autor carioca se mostra
“Profundamente vinculado à paisagem moral do Rio, e
especialmente do Rio de classe média da Zona Norte”;
universo temático que Marques Rebelo continuou explo-
rando “em contos e romances escritos nos decênios de 1930
e 1940” (BOSI, 1994, p. 409).
Apesar da herança e da dívida com os autores moder-
nistas da fase heroica, Marques Rebelo não rompe com a Fonte: Divulgação/Reprodução
tradição literária, como fizeram autores como Oswald e Mário
de Andrade nos anos 1920. Na verdade, a filiação literária de Marques Rebelo finca raízes
em momentos anteriores de nossa tradição literária (BOSI, 1994, p. 410):
a sua obra insere-se, pelos temas e por alguns traços de estilo, na linha de Manuel
Antonio de Almeida (de quem escreveu uma viva biografia), de Machado de
Assis e de Lima Barreto. Com eles o autor de Oscarina aprendeu a manejar os
processos difíceis do distanciamento, o que lhe permitirá contar os seus casos de
infância e do cotidiano com uma objetividade tal que a ironia e a pena difusas
não o arrastariam ao transbordamento romântico.

Literatura Brasileira 173


12 A prosa dos anos 30

Sob esta perspectiva, o autor de A Estrela Sobe (1939) produz, “na sua simplicidade, uma
arte clássica”, que apresenta o seguinte pressuposto (BOSI, 1994, p. 410):
a sábia dosagem de proximidade e distância do narrador em face dos seres da
ficção é o pressuposto do neorrealismo de Marques Rebelo e a chave de uma
obra que testemunha o povo, sem populismo, e fixa as angústias do homem da
rua sem a mais leve retórica.

Ampliando seus conhecimentos

Noite2
(VERISSIMO, 2005)

Sempre cito “O Continente”, primeiro volume da trilogia O Tempo e o


Vento, quando me perguntam qual o livro do meu pai que prefiro. Mas
tenho outro favorito, um romance curto, um anti-O Tempo e o Vento, que
as pessoas às vezes esquecem. Talvez porque eu tenha acompanhado sua
feitura mais de perto. Noite foi todo escrito na praia de Torres, e me lem-
bro de ficar esperando para ler cada lauda assim que saía da máquina
de escrever que o pai colocava sobre a mesa depois do almoço e na qual
trabalhava a tarde inteira.

Segundo a tradição de Torres, na época, nas manhãs ia-se para a Praia


Grande, de tarde ficava-se em casa ou ia-se jogar bola e tomar banho de
mar na Guarita. Durante muitos dias, adiei meu programa da tarde para
ficar lendo as páginas do Noite ainda quentes do forno, ouvindo do pai
a advertência de que faltavam as correções no que eu estava lendo. Ele
batia à máquina com os dez dedos, com grande rapidez, deixando amplos
espaços entre as linhas. Depois revisava o que tinha escrito, cortava ou
acrescentava palavras e linhas, e copiava a página corrigida. Li o Noite
nas suas várias versões, a “crua” e a pronta. É um livro sombrio, ape-
sar de escrito num verão ensolarado. A ação se passa numa única noite,
em que um homem perdido numa cidade que não reconhece, pois per-
deu até a memória, é levado por duas figuras diabólicas num mergulho
às entranhas da noite e da cidade, que é ao mesmo tempo um mergu-
lho na sua própria alma cheia de culpas reais ou imaginárias, também
não identificadas. O pai escreveu em Solo de Clarineta, seu livro de

2 Este texto foi escrito por Luís Fernando Verissimo, filho do escritor Erico Verissimo, e publica-
do na seção “Artigos” do site criado pelo Governo Estadual do RS, em 2005, em comemoração ao
centenário de nascimento do escritor Erico Verissimo. O título do texto refere-se à novela Noite,
por ele publicada em 1954.

174 Literatura Brasileira


A prosa dos anos 30 12
memórias, que não pretendeu fazer mais do que um exercício literário,
insistindo que não escreveu a novela “para exorcizar nem mesmo cutu-
car fantasmas que porventura assombrassem a casa do meu ser” mas
muita gente não acreditou nisso, interpretou o simbolismo do livro de
várias maneiras ou simplesmente não gostou. Eu acho que é um dos livros
mais bem escritos do autor – e posso atestar que o estado da sua alma,
naquele verão de Torres, não tinha nada de sombrio.

Ou será que tinha? Escrevi acima que Noite era um anti-O Tempo e o
Vento para dar uma ideia do seu tamanho, em contraste com os três volu-
mes alentados da trilogia. Mas também foi um anti-O Tempo e o Vento
no sentido de ser uma manobra diversionista do autor, para protelar o
começo da obra que precisava escrever, “O Arquipélago”, a parte final
da trilogia. Que só foi terminar anos depois. E na qual, aí sim, na cena da
reconciliação de Floriano Cambará com o pai, ele exorcizou um fantasma.

Atividades
1. Estabeleça um comentário a respeito dos principais traços que distinguem os textos
literários de José Lins do Rego e de Lúcio Cardoso.

2. Qual é a chave para a leitura da prosa romanesca de Marques Rebelo?

Resolução
1. A literatura de José Lins do Rego inscreve-se naquela face da nossa prosa moderna
escrita nos anos 1930 e que produz o romance nordestino; enquanto a prosa literária
de Lúcio Cardoso possui a sua inscrição, naquele mesmo contexto, como romance
intimista. Segundo o ensaísta Alfredo Bosi, de forma sutil e meio indireta, os autores
mais representativos do romance intimista ou introspectivo – Lúcio Cardoso, Cor-
nélio Pena e Otávio Faria – resgataram o traço freudiano-surrealista do nosso Moder-
nismo dos anos 1920. Já os autores do romance nordestino encaminharam-se para o
realismo bruto.

2. O distanciamento, a objetividade e a ironia são recursos literários que a crítica des-


taca na prosa urbana do escritor Marques Rebelo. A chave para a leitura de sua obra
estaria na dosagem de proximidade e distância do narrador em face dos seres da ficção, se-
gundo o ensaísta Alfredo Bosi, que ainda sublinha a ausência da retórica na prosa
urbana do escritor.

Literatura Brasileira 175


13
Literatura contemporânea
brasileira: Modernismo e
diversidade cultural
Maria Márcia Matos Pinto

13.1 As transformações modernistas

As produções artísticas – incluindo a literatura – que são hoje designadas sob o


rótulo de contemporâneas não podem ser compreendidas se não tivermos em mente o
processo de inovação que fez surgir a arte moderna. De fato, novo foi um termo-chave
para o Modernismo, vindo acompanhado de outros, como crise e ruptura, que vão ditar
os rumos do movimento modernista.

As transformações que direcionam a arte moderna têm suas raízes já a partir do


Romantismo, quando uma nova forma de relação entre o eu e o mundo se estabelece.
Esse movimento, que tem suas origens no final do século XVIII, vai valorizar a aproxi-
mação subjetiva com a realidade que, muitas vezes, torna-se uma projeção de sentimen-
tos e crenças do eu que a observa. Isso dá às coisas existentes um aspecto multifacetado,
isto é, que pode se apresentar de modo diferente dependendo de quem as está julgando.
Este é o ponto de partida para que, a partir do século XIX, surjam concepções filosóficas
que questionem a possibilidade de se chegar à verdade dos fatos, pois, dependendo do
ângulo de visão, os fatos podem ser encarados de maneira diferente.

Literatura Brasileira 177


13 Literatura contemporânea brasileira: Modernismo e
diversidade cultural
Assim, concepções que, até o século XVIII, eram tomadas como certezas indiscutíveis
passaram a ser pontos de discussão e de controvérsias entre os estudiosos. Veja-se, por
exemplo, o que aconteceu quando Charles Darwin (1809-1882) propôs a sua teoria sobre a
evolução humana. Até então, tanto o homem como todos os seres da natureza eram vistos
como obra da criação divina. A tese darwiniana se chocou com tal crença ao mostrar que
todos os seres, inclusive o homem, foram o resultado de milhões de anos de evolução.
As artes e a literatura, que incorporam os traços característicos do contexto em que
surgem, refletiram a atmosfera de uma mudança que se fez sentir em meados do século
XIX e estava em íntima relação com o desenvolvimento científico da época. Nesse processo,
surgiram produções que cada vez mais colocavam em foco as incertezas e a fragmentação,
elementos estes que se tornaram marcas da personalidade do ser humano moderno. Pode-se
dizer então que, nesse momento, estabeleceu-se uma crise que afetou o pensamento e a pro-
dução artística tradicionais, baseados em certezas e unidade. Essa crise levou ao surgimento
da arte moderna – que, pouco a pouco, rompeu com os valores tradicionais e reconfigurou
os elementos artísticos formais (materiais, cores e formas nas artes plásticas e a linguagem
na literatura) para dar conta dos novos modos de pensar e agir que abalavam o mundo.
Surgiram assim as vanguardas, ponto culminante desse processo de ruptura.

13.2 As vertentes estéticas modernistas

13.2.1 As vanguardas
São chamadas de vanguardas as propostas estéticas que, surgidas no início do século
XX, romperam com os padrões estéticos tradicionais, formulando princípios de produção
artística ligados às transformações do mundo moderno.
As mais famosas e as principais ideias de cada vanguarda
• Futurismo: exaltação dos elementos da modernidade (vida urbana, velocidade,
produção industrial); ruptura com as formas tradicionais de expressão; culto da
máquina.
• Expressionismo: representação da vida interior e dos aspectos mais obscuros da
natureza humana; desequilíbrio na elaboração das formas; primitivismo.
• Cubismo: fragmentação; justaposição de imagens; simultaneísmo (sobreposição
de planos).
• Surrealismo: desprezo pela lógica e pela razão; valorização do mundo inconscien-
te; representação de imagens de sonho.
• Dadaísmo: negação da ordem, da lógica e do equilíbrio; desprezo pela ordem so-
cial estabelecida, com propostas alinhadas com o anarquismo1; ausência de cren-
ças – seja no passado, no futuro, nas organizações ou instituições sociais.

1 Anarquismo: sistema que propõe uma estrutura social que abole todos os tipos de hierarquia (go-
vernamental, econômica e social). Em uma sociedade organizada em bases anarquistas, a prioridade

178 Literatura Brasileira


Literatura contemporânea brasileira: Modernismo e
diversidade cultural 13
Essas linhas de pensamento estético direcionaram realizações no âmbito de todas as
artes – pintura, escultura, música, cinema e também a literatura – na primeira metade do
século XX. Elas promoveram profundas mudanças em elementos tradicionais que estavam
presentes na arte ocidental praticamente desde a Antiguidade, como o ideal de representa-
ção da realidade (mimese), o culto ao belo, o equilíbrio e a regularidade:
As grandes obras do Modernismo vivem entre os instrumentos do relativismo
moderno, do ceticismo e do anseio por uma transformação secular, mas oscilam
na sensibilidade da transição, muitas vezes mantendo suspensas as forças que
persistem do passado e as forças que brotam do novo presente. Elas giram em
torno de imagens ambíguas: a cidade como nova possibilidade e fragmentação
irreal; a máquina, um novo vórtice de energia e implemento destruidor; o pró-
prio momento apocalíptico, a detonação ou explosão que purifica e destrói [...].
(BRADBURY; MCFARLANE, 1989, p. 37)
As vanguardas procuraram, pois, adequar as formas artísticas ao contexto de transfor-
mações pelo qual o mundo passou a partir da segunda metade do século XIX, ou seja, uma
vida mais centrada nas áreas urbanas, a praticidade oferecida pelas máquinas, a velocida-
de – que ditava o ritmo da produção assim como o comportamento das pessoas. Por isso,
a adoção de métodos de representação que privilegiassem a agilidade, a simultaneidade, a
fragmentação, a desordem, a descrença nos valores tradicionais. E, ao refletirem as dúvidas
do ser humano, essas formas de representação acabavam impregnadas pela ambiguidade.

13.2.2 A literatura moderna


Como dito no item anterior, essas mudanças não se restringiram ao âmbito das artes plás-
ticas. A literatura também sofreu grandes alterações, e muitas delas foram devidas aos ideais
estéticos veiculados pelas vanguardas. Assim, na literatura, deu-se um processo muito seme-
lhante ao que ocorreu em outras artes. Pelo fato de o ideal estético modernista estar intimamente
vinculado ao novo, novas tendências sucediam umas às outras, incorporando novidades
àquelas já existentes. Por isso, o grande número de “ismos” que vai rotular as práticas mo-
dernistas literárias desde o fim do século XIX: Simbolismo, Parnasianismo, Decadentismo,
Espiritonovismo, Experimentalismo etc.
Esse é o caráter que vai dominar a literatura durante toda a primeira metade do século
XX. O Modernismo literário tem como elemento-chave a necessidade de romper com os
padrões da arte tradicional para estabelecer valores artísticos condizentes com a realidade
do mundo moderno. A poesia, por exemplo, deixa de se regrar pela regularidade do metro,
adotando o verso livre, o ritmo descontínuo, o vocabulário mais próximo do falar cotidiano,
os assuntos ligados à vida comum. E a prosa também se volta cada vez mais para os proble-
mas das pessoas comuns – os fatos mais banais do dia a dia tornam-se, muitas vezes, o tema
principal de contos e romances modernos.

seria a liberdade individual e a igualdade social. Entre os principais teóricos desse sistema estão Pierre
Joseph Proudhon (1809-1865), Mikhail A. Bakunin (1814 - 1876) e P. A. Kropoktin (1842-1921).

Literatura Brasileira 179


13 Literatura contemporânea brasileira: Modernismo e
diversidade cultural
Por volta dos anos 1930, a literatura começou a ser atraída para uma temática dedicada
às causas sociais. Isso foi devido à crise econômica gerada pela queda da Bolsa de Nova York,
em 1929. A chamada Grande Depressão atingiu não só os Estados Unidos, tendo repercussões
em praticamente todos os países capitalistas, provocando desemprego em massa e miséria
generalizada. Essa crise trouxe à tona as fragilidades do capitalismo e levou alguns grupos
de intelectuais a considerarem o comunismo como o modelo de sociedade ideal, à prova de
qualquer crise. Diante dessa problemática, vários autores passaram a discutir em suas obras a
questão da luta de classes, enfocando os danos causados pela exploração capitalista.
Acima de tudo, o que ocorreu com a literatura modernista durante toda a primeira
metade do século XX foi o surgimento de tendências artísticas diversas que foram tomando
elementos propostos pelas vanguardas e incorporando novos princípios, que ora se ligam
aos aspectos subjetivos do ser humano, ora às causas sociais. Assim, podemos dizer que o
Modernismo tem duas palavras-chave: novidade e multiplicidade, já que, na ânsia de inovar,
ele se multiplica em um amplo conjunto de vertentes.

13.3 Tendências das artes plásticas


que influenciam a literatura contemporânea

A partir dos anos 1950, a busca pelo novo foi ganhando outros contornos. Naquilo que
trazia como proposta de inovação, a arte moderna começou a entrar em uma fase de esgota-
mento, pois as vanguardas e todas as vertentes que vieram na sua esteira faziam crer que as
rupturas possíveis já haviam sido realizadas. Além disso, deixou de haver o choque inicial
que as construções estéticas vanguardistas causaram no começo do século XX, já que, pouco
a pouco, elas foram assimiladas ao modo de vida burguês, passando a fazer parte de seus
espaços cotidianos.
A partir de então, os princípios estéticos das vanguardas – particularmente os dadaístas
– foram repensados no contexto das condições sociais que passaram a orientar a vida dos ci-
dadãos. Assim, arte e literatura trazem para o seu âmbito a cultura de massa, o consumismo,
a luta das minorias pela observância de seus direitos (movimento feminista, lutas antirracis-
tas, movimento gay), a liberação sexual, a contestação aos valores tradicionais da sociedade
(casamento, estrutura familiar convencional, métodos de educação etc.).
Tendo em vista, os rumos que a sociedade tomou desde os anos 1950, as propostas da-
daístas apareceram a muitos artistas como plenamente adequadas para representar o contexto
que se configurou. Após as duas guerras mundiais (1914-1918 e 1939-1945) e diante dos confli-
tos que se estabeleceram logo depois, consequência principalmente da polarização ideológica
que se deu com a Guerra Fria, havia uma atmosfera de desencanto, em particular entre os

180 Literatura Brasileira


Literatura contemporânea brasileira: Modernismo e
diversidade cultural 13
jovens. Havia uma descrença nas instituições – Estado, família, universidade –, já que elas não
se mostravam capazes de criar situações de convívio harmônico entre as pessoas.
Essa atmosfera foi captada pelos artistas da época, cujas elaborações estéticas torna-
ram-se expressão do desencanto, da impossibilidade de encontrar valores fixos nos quais se
apoiar. Surge daí uma arte marcada pelo niilismo, isto é, pela descrença nos valores cultiva-
dos pela humanidade há séculos e, consequentemente, pela negação desses valores. Esses
elementos já se faziam presentes no movimento dadaísta, considerado o mais radical entre
as vanguardas, pois suas formulações iam ao ponto de negar os elementos intrínsecos à cria-
ção artística, utilizando-se, por exemplo, da técnica do ready-made, isto é, de tomar objetos
prontos do mundo, trazendo-os para o ambiente do museu, tornando-os obras de arte. Isso
foi o que Marcel Duchamp (1887-1968) fez com a roda de bicicleta, o mictório e outros obje-
tos que elevou à condição de obras artísticas.

Figura 1 – DUCHAMP, Marcel. A fonte. 1917. 1 escultura, cerâmica, 61 cm x 36 cm x 48 cm, Museu


de Arte Moderna de São Francisco.

Fonte: Wikimedia Commons

Nesse sentido, o uso do ready-made, a ideia da destruição/construção, as propostas de


uma arte caótica, desregrada, indisciplinada, que estava no cerne do movimento Dadá, tor-
naram-se muito atraentes para boa parte das tendências artísticas surgidas nos anos 1960.
Vale lembrar que há uma multiplicidade de movimentos estéticos surgidos desde então,
mas, no geral, o princípio que os rege é o da antiarte, ou seja, uma arte dessacralizada que
incorpora os símbolos do consumo e da cultura de massa.

13.3.1 A arte pop


Este é um dos primeiros movimentos marcantes em se tratando de produções esté-
ticas ditas pós-modernas. A arte pop trabalha particularmente com os ícones da cultura
de massa, como imagens de celebridades, heróis das histórias em quadrinhos, produtos
para consumo cotidiano – embalagens de alimentos, de produtos de higiene e limpeza etc.
Um dos nomes mais conhecidos desse tipo de produção é o artista norte-americano Andy

Literatura Brasileira 181


13 Literatura contemporânea brasileira: Modernismo e
diversidade cultural
Warhol (1928-1987), aquele que sentenciou: “No futuro, todos serão famosos por 15 minu-
tos”. Warhol produzia pinturas a partir de imagens de ícones pop, como Marilyn Monroe e
os Beatles, e de produtos largamente comercializados nos Estados Unidos da época, como a
Coca-Cola e as famosas sopas Campbell’s.

Figura 2 – Andy Warhol transformou as latas de sopa Campbell´s em ícones da pop art.

Fonte: Wikimedia Commons

Figura 3 – O artista norte-americano Andy Warhol.

Fonte: Foto de Jack Mitchell/Wikimedia Commons

13.3.2 Minimalismo, arte conceitual,


happening, performance e arte processual
O minimalismo, uma tendência já observada desde os primórdios do Modernismo e
que ganhou novo impulso nas artes plásticas nos anos 1960, prega o uso de elementos mí-
nimos na criação artística. Assim, o objeto aparece quase que totalmente desprovido dos

182 Literatura Brasileira


Literatura contemporânea brasileira: Modernismo e
diversidade cultural 13
recursos estéticos que lhe dão a configuração de arte (cores, formas, expressão), lembrando
só muito remotamente uma composição artística.
Nessa mesma linha está a arte conceitual, que praticamente leva ao desaparecimento
do produto artístico: aos seguidores dessa vertente basta a idealização mental do objeto,
podendo ser apenas um esboço ou uma frase, pois esse mínimo já conteria toda a concepção
de arte necessária à expressão do artista e à apreciação do público.
O happening (“acontecimento”) é outro movimento que se orienta por uma visão de arte
desmaterializada. Ele se constitui em uma intervenção realizada pelo artista no ambiente
cotidiano dos centros urbanos (ruas, praças, parques) com a ideia de mostrar como arte e
vida são inseparáveis. Ao mesmo tempo, o happening acaba se tornando uma forma de pro-
vocação ao obrigar as pessoas a se defrontarem com objetos inusitados, como a escultura de
uma vaca colorida no meio de uma rua movimentada.
Associadas a essa visão veiculada pelo happening, estão também a performance (que
para a produção de objetos de arte utiliza materiais surpreendentes como substâncias co-
mestíveis) e a arte processual (que pode construir um objeto de arte a partir de máquinas,
eletrodomésticos, jornais, revistas etc.).
As propostas artísticas não param por aí, pois os anos 1980 e 90 só fizeram mostrar
que essa proliferação de tendências é realmente um elemento-chave da arte moderna, que
ainda continua dando frutos no chamado Pós-moderno. A partir de então, outros recursos
do mundo atual passaram a ser incorporados às artes, como o vídeo e a arte gráfica ligados
à tecnologia dos computadores.
A literatura, por sua vez, também foi afetada por esses conceitos de desidealização da
arte, negação dos princípios artísticos, desmaterialização do objeto. Forma e conteúdo come-
çaram a ser amplamente questionados a partir dos anos 1960, com sugestões radicais de faze-
rem desaparecer elementos tradicionalmente considerados fundamentais à produção literária
como enredo, personagens, espaço, tempo, ou com a retomada irônica de gêneros tradicionais
(o romance histórico) ou de apelo popular (obras de ficção científica, romances policiais).

13.4 Tendências artísticas no Brasil


da segunda metade do século XX

Na segunda metade do século XX, a arte e a literatura brasileiras não ficaram indiferentes
ao que estava sendo produzido na Europa e nos Estados Unidos. Porém, nos anos 1920, uma
das vertentes do Modernismo brasileiro – a antropofagia – já havia revelado a necessidade de
pensar a arte vinculada aos valores culturais próprios do nosso povo. As novidades vindas do
exterior deveriam ser “deglutidas” e assimiladas à nossa realidade cultural para que uma arte
genuinamente brasileira fosse oferecida ao público. Desse modo, a produção artística come-
çou a ser vista como inseparável dos demais aspectos que envolvem a cultura nacional.

Literatura Brasileira 183


13 Literatura contemporânea brasileira: Modernismo e
diversidade cultural
O que pode ser constatado é que, desde a Semana de Arte Moderna (1922), o conjunto
da produção brasileira se enriqueceu de modo significativo, não só na literatura como tam-
bém na música, na pintura e no cinema.
Nos anos 1950, a Bossa Nova representou um marco na criação da música popular, um
tipo de inovação musical que começou no Brasil e ganhou reconhecimento em outras partes
do mundo.
Outro marco da nossa produção artístico-cultural foi o Cinema Novo, que propunha
uma nova forma de fazer cinema pelo uso de técnicas como a fragmentação, a justaposição,
os cortes inusitados – em suma, a utilização da câmera de modo surpreendente e inovador.
Associadas a temas típicos da nossa realidade, essas técnicas fizeram surgir obras que des-
concertaram público e críticos dentro e fora do Brasil, sendo as duas mais expressivas Deus e
o Diabo na Terra do Sol (1964) e Terra em Transe (1967), ambas de Glauber Rocha.
Ainda nos anos 1960, um outro movimento que também marcou profundamente a nos-
sa produção cultural foi o Tropicalismo. Ele surgiu na esteira de um outro, este das artes
plásticas, intitulado Tropicália, expressão criada a partir da instalação2 intitulada Tropicália
(1967, um jardim com pássaros vivos entre plantas, lado a lado com poemas-objetos), desen-
volvida pelo artista Hélio Oiticica. A Tropicália trazia por fundamento conjugar as inova-
ções artísticas vindas de fora com a cultura nacional, assim como pregava a Antropofagia.
Quanto ao Tropicalismo, apesar de sua curta duração (1967-1969), sua irreverência, o
tom crítico e a incorporação de elementos culturais diversos (arte pop, movimento hippie,
cultura de massa, antropofagia, poesia concreta, rebeldia jovem, que fez explodir o movi-
mento dos estudantes na França em 1968) tornaram-no uma referência cultural daqueles
anos e que se estende até os dias atuais. Além disso, o fato de seus criadores terem sofrido
perseguição por parte do regime militar fez do movimento um dos símbolos da resistência
ao autoritarismo, sem contar que o tropicalismo representou uma atitude crítica aos valores
tradicionais da classe média brasileira.
É nesse contexto das novas propostas artísticas, vindas principalmente dos Estados
Unidos, de um Brasil que buscava afirmar a sua identidade cultural, do apelo consumista,
das estratégias manipuladoras da cultura de massa, do autoritarismo que dominou a vida
nacional a partir de 1964, que a literatura brasileira contemporânea floresceu. Assim como
as artes plásticas, a música e o cinema, ela também assimilou as tendências estéticas euro-
peias e norte-americanas, reelaborando-as no sentido de expressar as condições políticas e
sociais e os valores culturais brasileiros.

Ampliando seus conhecimentos


A seguir você lerá um texto extraído de O Que é Pós-Moderno, de Jair Ferreira dos Santos,
que mostra a passagem das tendências de arte modernistas para as pós-modernistas.

2 Instalação: obra de arte constituída por uma construção ou pelo empilhamento de materiais. Pode ser
permanente ou temporária e o espectador pode participar, alterando a disposição dos seus elementos.
A instalação também pode ter dimensões suficientes para que o espectador circule em seu interior.

184 Literatura Brasileira


Literatura contemporânea brasileira: Modernismo e
diversidade cultural 13
Em seguida, encontra-se a letra da música “Alegria, Alegria”, composta em 1967 por
Caetano Veloso, espécie de hino do movimento tropicalista brasileiro. Ela revela vários dos
elementos da arte contemporânea, como a mistura de referências culturais do cinema, da
TV, da sociedade de consumo e da ditadura.

O alegre desbundar
(SANTOS, 2006, p. 36-39)

Em meados dos anos 1950, a revolta modernista tinha esgotado seu


impulso criador. A sociedade industrial incorporara no design, na moda,
nas artes gráficas não só a estética como o culto do novo pregado pelas
vanguardas. Revistas e luminárias usavam a assimetria, desenhos abs-
tratos decoravam papéis de parede. A interpretação individual, o herme-
tismo, os escândalos soavam ocos ante a sociedade de massa.

Foi contra o subjetivismo e o hermetismo modernos que surgiu a arte pop,


primeira bomba pós-moderna. Convertida em antiarte, a arte abandona os
museus, as galerias, os teatros. É lançada nas ruas com outra linguagem,
assimilável pelo público: os signos e objetos de massa. Dando valor artís-
tico à banalidade cotidiana – anúncios, heróis de gibi, rótulos, sabonetes,
fotos, stars de cinema, hambúrgueres –, a pintura/escultura pop buscou
a fusão da arte com a vida, aterrando o fosso aberto pelos modernistas.
A antiarte pós-moderna não quer representar (Realismo), nem interpre-
tar (Modernismo), mas apresentar a vida diretamente em seus objetos.
Pedaço do real dentro do real (veja as garrafas reais penduradas num qua-
dro), não um discurso à parte, a antiarte é a desestetização e a desdefinição
da arte. Ela põe fim à “beleza”, à “forma”, ao valor “supremo e eterno”
da arte (desestetização) e ataca a própria definição de arte ao abandonar o
óleo, o bronze, o pedestal, a moldura, apelando para materiais não artísti-
cos, do cotidiano, como plástico, latão, areia, cinza, papelão, fluorescente,
banha, mel, cães e lebres, vivos ou mortos (desdefinição).

Isto só foi possível por duas razões. Primeiro porque o cotidiano se acha
estetizado pelo design e [...] os objetos em série são signos digitalizados e
estilizados para a escolha do consumidor. Depois, porque nosso ambiente
é todo ele constituído pelos mass media. Vivemos imersos num rio de
signos estetizados. O artista pop pode diluir a arte na vida porque a vida
já está saturada de signos estéticos massificados. A antiarte trabalha sobre
a arte dos ilustradores de revistas, publicitários e designers, e acaba sendo
uma ponte entre a arte culta e a arte de massa; pela singularização do
banal (quando Andy Warhol empilha caixas de sabão dentro de uma gale-
ria e diz que é escultura) ou pela banalização do singular (quando Roy

Literatura Brasileira 185


13 Literatura contemporânea brasileira: Modernismo e
diversidade cultural

Litchtenstein repinta em amarelo e vermelho, cores de massa, a Mulher


com o Chapéu Florido, de Picasso). Elite e massa se fundem na antiarte.

Ao trocar a arte abstrata, difícil, modernista, pela figuração acessível nos


objetos e imagens de massa, a antiarte pós-moderna estava revivendo
o dadaísmo, tendência modernista que durou pouco (1916-1921) e se
dedicava a brincar com objetos no caos cotidiano. No dadaísmo, como
na antiarte, o importante é o gesto, o processo inventivo, não a obra.
Acabou-se também a contemplação fria e intelectual dos modernos. A
antiarte é participativa, o público reagindo pelo envolvimento sensorial,
corporal. (Brinca-se à vontade com as bolhas de plástico criadas aqui no
Brasil por Lígia Clark.)

Pop, minimal, conceitual, hiper-realismo, processos, happenings, per-


formances, transvanguarda, videoarte – seja qual for o estilo, a antiarte
pós-moderna se apoia nos objetos (não no homem), na matéria (não no
espírito), no momento (não no eterno), no riso (não no sério). Ela é frí-
vola, pouco crítica, não aponta nenhum valor ou futuro para o homem.
Desestetizando-se, desdefinindo-se, tornando difícil saber-se o que é arte
[e] o que é realidade, ela tende ao niilismo, a zerar a própria arte. Pois na
condição pós-moderna, se o não modernista é inútil, dado o gigantismo
dos sistemas, então vamos desbundar alegre e niilisticamente no zero
patafísico. (Oposta às soluções sérias, a patafísica – segundo seu criador, o
dadaísta Jarry – é a ciência das soluções imaginárias e ridículas.)

Alegria, alegria
(VELOSO, 2008)

Caminhando contra o vento


Sem lenço e sem documento
No sol de quase dezembro
Eu vou...

O sol se reparte em crimes


Espaçonaves, guerrilhas
Em cardinales bonitas
Eu vou...

Em caras de presidentes
Em grandes beijos de amor

186 Literatura Brasileira


Literatura contemporânea brasileira: Modernismo e
diversidade cultural 13
Em dentes, pernas, bandeiras
Bomba e Brigitte Bardot...

O sol nas bancas de revista


Me enche de alegria e preguiça
Quem lê tanta notícia
Eu vou...

Por entre fotos e nomes


Os olhos cheios de cores
O peito cheio de amores vãos
Eu vou
Por que não, por que não...

Ela pensa em casamento


E eu nunca mais fui à escola
Sem lenço e sem documento,
Eu vou...

Eu tomo uma coca-cola


Ela pensa em casamento
E uma canção me consola
Eu vou...

Por entre fotos e nomes


Sem livros e sem fuzil
Sem fome, sem telefone
No coração do Brasil...

Ela nem sabe até pensei


Em cantar na televisão
O sol é tão bonito
Eu vou...

Sem lenço, sem documento


Nada no bolso ou nas mãos
Eu quero seguir vivendo, amor
Eu vou...

Por que não, por que não...


Por que não, por que não...
Por que não, por que não...
Por que não, por que não...

Literatura Brasileira 187


13 Literatura contemporânea brasileira: Modernismo e
diversidade cultural

Atividades
1. São verdadeiras (V) ou falsas (F) as afirmações abaixo?

(( Tendências artísticas como arte pop, minimalismo, happening e arte processual


negam os próprios elementos intrínsecos à construção artística, produzindo
uma antiarte.

(( No Brasil, as produções literárias contemporâneas mostram a separação entre


literatura e cultura nacional.

(( Os princípios estéticos dadaístas desapareceram completamente das artes


produzidas na segunda metade do século XX.

2. São acontecimentos de âmbito nacional que contribuíram para que a cultura brasilei-
ra se tornasse conhecida no exterior:

a. Regionalismo, Surrealismo e arte pop.

b. Nouveau Roman, antropofagia e dadaísmo.

c. Bossa Nova, Cinema Novo e Tropicália.

d. Tropicalismo, indianismo e minimalismo.

3. Que assuntos ligados à sociedade entraram para o âmbito da arte e da literatura a


partir dos anos 1960?

Resolução
1. V, F, F

2. C

3. A cultura de massa, o consumismo, os direitos das minorias (mulheres, negros, ju-


deus, gays etc.) e a contestação de comportamentos tradicionais (ligados ao casamen-
to, à estrutura familiar, à sexualidade, aos métodos de educação etc.).

188 Literatura Brasileira


14
Rumos da poesia brasileira
contemporânea
Maria Márcia Matos Pinto

14.1 Novas atitudes poéticas a partir do Modernismo

A poesia produzida a partir dos anos 1950 é, na verdade, uma continuação das
estratégias que, rompendo com os padrões tradicionais, imprimiram-se ao fazer poé-
tico desde a segunda metade do século XIX. A partir dessas rupturas, certas práticas
poéticas se firmaram, configurando o que passou a ser conhecido como poesia moderna.
Entre essas práticas, a do verso livre ficou marcada como técnica própria dos poemas
de cunho modernista. Mesmo tendo sido introduzido na poesia já no século XIX – o
autor norte-americano Walt Whitman (1819-1892) foi o responsável por difundi-lo –,
o verso livre se integrou ao projeto vanguardista no sentido de romper com a tradição
da poesia metrificada, dando mais vigor à superação de quaisquer restrições à liber-
dade no processo de criação poética.

E outro ponto importante relativo à poesia moderna é a configuração dada ao ele-


mento gráfico, com o poema passando a significar não só pela conotação das palavras
dentro do texto ou do esquema sonoro que o poeta constrói, mas também pela própria
disposição dos versos na folha de papel. O “Poema tirado de uma notícia de jornal”
(do livro Libertinagem, 1930), de Manuel Bandeira, faz esse tipo de aproveitamento do
verso ao imitar a forma como as notícias aparecem nas colunas de jornais:

Literatura Brasileira 189


14 Rumos da poesia brasileira contemporânea

Poema tirado de uma notícia de jornal


João Gostoso era carregador de feira livre e morava no morro da
Babilônia num barracão sem número.
Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro
Bebeu
Cantou
Dançou
Depois se atirou na lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado.
(BANDEIRA, 1993, p. 46)
Esses recursos também levaram à quebra da regularidade rítmica, tornando a leitura
ora próxima da fluidez da prosa, ora revelando pausas inesperadas. A rima também passou
a ser usada de modo inovador, não estando mais submetida a esquemas regulares, como na
poesia tradicional.
Todas essas mudanças na forma estão obviamente ligadas a mudanças no conteúdo.
Desde meados do século XIX, a poesia épica e a lírica, que sempre se voltaram para os temas
do mundo elevado e do sublime, foram abandonando o plano dos deuses para se aproxi-
marem cada vez mais do ser humano comum. Esses gêneros passaram a tratar de situações
cotidianas, abordando questões ligadas aos problemas enfrentados pelos indivíduos na sua
luta para superar as dificuldades que a vida moderna lhes apresenta. O poema anteriormen-
te citado é exemplo desse tipo de temática, pois trata dos últimos momentos de um homem
comum do povo, cuja trajetória descendente o leva ao final trágico.
Esses são os elementos que definem a poesia no século XX. Naturalmente, dentro das
várias tendências poéticas que vão se configurando no movimento modernista – Futurismo,
Surrealismo, Imagismo, Concretismo, Neoconcretismo etc. –, eles vão tomando novos as-
pectos, dependendo da característica que se deseja ressaltar. No entanto, as atitudes de ruptu-
ra descritas acima são as que serviram de fundamento para a configuração de todas elas.
As publicações de João Cabral de Melo Neto (1920-1999), entretanto, vão dar um impul-
so inovador às poéticas contemporâneas, como veremos a seguir.

14.2 A poesia brasileira a partir de


João Cabral de Melo Neto

Com João Cabral, a elaboração poética revelou uma nova faceta. A poesia lírica, que
sempre esteve ligada à expressão dos sentimentos de um eu, tornou-se construção objetiva.
Os poemas do autor pernambucano são geometricamente planejados e destituídos de todo
caráter sentimental. Segundo Alfredo Bosi,
[...] o poeta recifense estreou com a preocupação de desbastar suas imagens de
toda ganga de resíduos sentimentais ou pitorescos, ficando-lhes nas mãos, ape-
nas a nua intuição das formas (de onde o geometrismo de alguns poemas seus)

190 Literatura Brasileira


Rumos da poesia brasileira contemporânea 14
e a sensação aguda dos objetos que delimitam o espaço do homem moderno.
(BOSI, 1970, p. 522)
A expressão construção poética nunca fez tanto sentido como na poesia de Cabral, pois ele
atua de fato como um construtor, um “engenheiro” da palavra, planejando e arquitetando
seus poemas como um profissional da construção civil. Em entrevista concedida aos realiza-
dores dos Cadernos de Literatura Brasileira, ele define seu processo criativo da seguinte forma:
Para mim, a poesia é uma construção, como uma casa. Isso eu aprendi com Le
Corbusier1. A poesia é uma composição. Quando digo composição, quero dizer
uma coisa construída, planejada – de fora para dentro. Ninguém imagina que
Picasso fez os quadros que fez porque estava inspirado. O problema dele era pe-
gar a tela, estudar os espaços, os volumes. Eu só entendo o poético neste sentido.
Vou fazer uma poesia de tal extensão, com tais e tais elementos, coisas que eu
vou colocando como se fossem tijolos. É por isso que eu posso gastar anos fazen-
do um poema: porque existe planejamento. (MELO NETO, 1996, p. 21)
Como exemplo dessa atitude poética, observemos o poema “Catar feijão”, contido no
livro A Educação Pela Pedra (1966):
Catar feijão
A Alexandre O’Neill
Catar feijão se limita com escrever:
jogam-se os grãos na água do alguidar
e as palavras na da folha de papel;
e depois, joga-se fora o que boiar.
Certo, toda palavra boiará no papel,
água congelada, por chumbo seu verbo:
pois para catar esse feijão, soprar nele,
e jogar fora o leve e oco, palha e eco.
Ora, nesse catar feijão entra um risco:
o de que entre os grãos pesados entre
um grão qualquer, pedra ou indigesto,
um grão imastigável, de quebrar dente.
Certo não, quando ao catar palavras:
a pedra dá à frase seu grão mais vivo:
obstrui a leitura fluviante, flutual,
açula a atenção, isca-a com o risco.
(MELO NETO, 1975, p. 21-22)

1 O francês de origem suíça Charles-Edouard Jeanneret-Gris, mais conhecido pelo pseudônimo de Le


Corbusier (1887-1965), foi um dos mais influentes arquitetos e urbanistas do século XX. Suas teorias se
voltavam para a funcionalidade do objeto e sua obra influenciou a arquitetura de Brasília.

Literatura Brasileira 191


14 Rumos da poesia brasileira contemporânea

Assim, Cabral apresenta uma definição do ato de escrever poesia comparando-o ao ato
de catar feijão. É realmente um tipo de comparação inusitado, pois jamais se espera que a
elaboração poética seja associada a uma atividade tão comezinha e sem glamour. Nesse poe-
ma, o fazer poético – que sempre esteve ligado a uma espécie de dom divino recebido pelo
poeta – acaba sendo igualado a uma atividade doméstica menor. Além disso, esse fazer vai
sendo pouco a pouco detalhado no próprio ato de catar feijão, de modo que o vocabulário
que cabe a este ato – alguidar, água, grão, pedra, catar – torna-se, de fato, a concretização dos
elementos próprios à escrita – papel, palavra, seleção, escrita, leitura e interpretação.
Há apenas uma coisa que diferencia os dois atos: a pedra. Misturada ao feijão, ela é
algo extremamente desagradável, podendo causar acidentes indesejáveis, como a quebra de
um dente. Já na escrita, a pedra tem um significado especial: ela é desejável, pois “obstrui a
leitura fluviante, flutual”, a leitura monótona, sem surpresas, levando o leitor a parar para
refletir, a buscar os sentidos ocultos das palavras.
Este verso é particularmente revelador do processo de construção poética de João
Cabral. A sonoridade é trabalhada de modo bastante expressivo, pois os sons fl, que iniciam
as duas últimas palavras, apontam para a leitura fluente, sem necessidade de quebras. Já
o tr de “obstrui” e o r intervocálico de “leitura”, rompem a fluidez, pois são de pronúncia
mais difícil. Assim, há no poema uma perfeita integração entre forma e conteúdo, já que a
sonoridade está perfeitamente harmonizada à ideia expressa.
Veja-se que toda essa elaboração é produto de imagens concretas tiradas da vida co-
tidiana e não de uma expressão sentimental. Anteriormente, os recursos poéticos estavam
confinados àquilo que despertava os sentimentos mais nobres do ser humano, ou seja, a mu-
lher amada, a natureza, os deuses – fontes inesgotáveis de inspiração. Assim, o poeta surgia
como ser iluminado, com um dom que o aproximava das divindades. João Cabral anula a
inspiração e fica apenas com a construção.
Essa preocupação com a arquitetura do poema não afastou o autor das convicções ideo-
lógicas: sua poética também está voltada para os problemas sociais que afligiam e ainda
afligem o povo nordestino. No entanto, ao abordar as questões locais, seus poemas se proje-
tam para o plano universal, tratando de temas como vida e morte. A obra mais significativa
dentro dessa temática é Morte e Vida Severina: auto de Natal pernambucano, em que o autor
retoma um gênero medieval – o auto – para adaptá-lo às tragédias que marcam o viver no
Nordeste. No ano de 1965, ela foi encenada no Teatro da Universidade Católica (Tuca), em
São Paulo, com música de Chico Buarque, tendo se tornado um marco para a representação
teatral da época, já que, no ano seguinte, obteve o primeiro lugar no Festival Internacional
Mundial de Teatro Universitário de Nancy, na França.
No ano de 1984, o autor pernambucano publicou o Auto do Frade. Nesse poema dramá-
tico, ele adota um procedimento bastante em voga na literatura contemporânea: o revisio-
nismo histórico. O texto é uma representação do cortejo que leva Frei Caneca (1779-1825)
à morte por execução. De convicções liberais e republicanas, esse frade carmelita recifense
esteve envolvido em vários dos conflitos políticos do Nordeste no início do século XIX.
Apresentando pontos de vista variados – do carcereiro, do clero, do povo, dos soldados,
dos representantes da justiça, do próprio frade –, João Cabral vai dando conta dos últimos

192 Literatura Brasileira


Rumos da poesia brasileira contemporânea 14
momentos vividos pelo religioso de uma forma que questiona os fatos conforme mostrados
na história oficial.
Sem dúvida, João Cabral foi um dos escritores mais influentes da literatura brasileira na
segunda metade do século XX. Seu estilo foi fonte de inspiração para muitos dos poetas que
surgiram na cena literária a partir dos anos 1950. Particularmente, sua concepção de poesia
foi fundamental para um movimento poético que, bastante expressivo no quadro nacional,
foi lançado em 1956: a poesia concreta ou concretismo.

14.3 Carlos Drummond de Andrade

As transformações ocorridas no contexto mundial, na segunda metade do século XX,


afetaram poetas consagrados, com uma produção bastante sólida. Foi o caso de Carlos
Drummond de Andrade (1902-1987), que trilhou os rumos ditados pelas tendências mo-
dernistas, aderindo, nos anos 1940, a uma poesia engajada, cujas imagens fortes – ligadas à
guerra, destruição e morte – eram um chamado à consciência sobre o desrespeito aos valores
fundamentais da civilização. No entanto, o desencanto político levou o poeta a seguir dois
rumos, conforme aponta Alfredo Bosi. Na obra Claro Enigma (1948-1951), tratava de
Escavar o real mediante um processo de interrogações e negações que acaba
revelando o vazio à espreita do homem no coração da matéria e da história.
O mundo define-se como “um vácuo atormentado,/ um sistema de erros”. (BOSI,
1970, p. 492)
Depois, o trabalho era o de
Fazer as coisas e as palavras – nomes de coisas – boiar nesse vácuo sem bordas a
que a interrogação reduziu os reinos do ser. Da poesia metafísica dos anos 1950
passa Drummond à poesia objectual de Lição de Coisas (1959-1962), livro em que o
processo básico é a linguagem nominal: “(o poeta) pratica, mais do que antes, a
violação e a desintegração da palavra, sem entretanto aderir a qualquer receita
poética vigente” (Apresentação). (BOSI, 1970, p. 494-945)
Lição de Coisas é, portanto, um livro em que o poeta, diante dos fatos que presencia, não
vê sentido em continuar a reflexão metafísica. Ao considerar a dispersão em que o mundo
se encontra, com um ser humano que se entrega cada vez mais aos prazeres consumistas e
às imagens celebradas pela cultura de massa, as “coisas” põem “em evidência a condição de
absurdo feroz em que mais uma vez está submergido o vasto mundo” (BOSI, 1970, p. 496).
Para ilustrar, vejamos um poema dessa obra:
Amar-amaro
porque amou por que almou
se sabia
proibidopassearsentimentos
ternos ou desesperados
nesse museu do pardo indiferente

Literatura Brasileira 193


14 Rumos da poesia brasileira contemporânea

me diga: mas por que


amar sofrer talvez como se morre
de varíola voluntária vágula ev
idente?
ah PORQUEAMOU
e se queimou
todo por dentro por fora nos cantos nos ecos
lúgubres de você mesm(o,a)
irm(ã,o) retrato espetáculo por que amou?
se era para
ou era por
como se entretanto todavia
toda via mas toda vida
é indignação do achado e aguda espostejação
da carne do conhecimento, ora veja
permita cavalheir(o,a)
amig(o,a) me releve
este malestar
cantarino escarninho piedoso
este querer consolar sem muita convicção
o que é inconsolável de ofício
a morte é esconsolável consolatrix consoadíssima
a vida também
tudo também
mas o amor car(o,a) colega este não consola nunca de núncaras.
(ANDRADE, 2006, p. 239-240)
O poema é bastante representativo do trabalho formal realizado na obra. O poeta realiza
vários tipos de experimentalismos linguísticos e gráficos, como a criação de vocábulos (vágu-
la, espostejação, esconsolável, consolatrix, núncaras), quebras inesperadas (ev idente) e aplicação
de diferentes formas gráficas (uso de letras maiúsculas todas juntas em “PORQUEAMOU”,
de letras espaçadas e até de palavra escrita de forma espelhada e de cabeça para baixo –
“sopar ds s p”), entre outros.
Projetados no conteúdo, os recursos formais revelam um mundo que parece estar vi-
rado do avesso, em que um dos sentimentos mais importantes (o amor) perdeu o sentido.
Desse modo, o eu poético se esmera em tentar construir um discurso de consolo àquele que
ama e não é compreendido/correspondido – porém, ao final, percebe que nem mesmo con-
solar é possível. O poema revela, assim, como os laços humanísticos entre as pessoas estão
rompidos em um mundo em que as preocupações com o dinheiro, a visibilidade e o poder
passaram a predominar.

194 Literatura Brasileira


Rumos da poesia brasileira contemporânea 14
14.4 Inovação e tradição na poesia brasileira

Na segunda metade do século XX, outros nomes se consagraram na escrita poética, nem
sempre aderindo ao experimentalismo que predominou em certos movimentos. De fato,
muitos poetas se moveram entre a tradição e a inovação, utilizando procedimentos vanguar-
distas, mas, muitas vezes, retornando a formas poéticas mais tradicionais, como o soneto.
Com relação ao conteúdo, alguns seguiram a linha inovadora de João Cabral, enquanto
outros preferiram reatar a poesia com a subjetividade. Nesse sentido, muitos trilharam o
caminho de uma poesia filosófica, trabalhando temas ligados à existência e à religiosidade.
Vamos conhecer alguns deles.

14.4.1 Adélia Prado


Em Bagagem (1976), primeira obra desta escritora mineira, percebe-se claramente a in-
fluência de Carlos Drummond, como atestam os primeiros versos do primeiro poema desse
livro “Quando nasci, um anjo esbelto,/ desses que tocam trombeta, anunciou:/ vai carregar
bandeira.”, inspirados no “Poema de sete faces” – texto de Drummond cujos primeiro ver-
sos são “Quando nasci, um anjo torto/ desses que vivem na sombra/ disse: Vai, Carlos! ser
gauche na vida”. Na verdade, foi Drummond quem sugeriu aos editores da Imago, que pu-
blicassem a obra de Adélia Prado.
A poesia de Adélia traz como principais temas a condição feminina, a família, a vida na
pequena cidade, o amor e o desejo, a vida e a morte, e, particularmente, a relação Deus-ser
humano/ser humano-Deus. Seus poemas partem de situações simples do cotidiano para
tentar resgatar a comunhão com a divindade. É o que se dá no poema abaixo:
Exausto
Eu quero uma licença de dormir,
perdão pra descansar horas a fio,
sem ao menos sonhar
a leve palha de um pequeno sonho.
Quero o que antes da vida
foi o sono profundo das espécies,
a graça de um estado.
Semente.
Muito mais que raízes.
(PRADO, 2008)
Além de livros de poesia, a autora também escreve nos gêneros conto, crônica e romance.

14.4.2 Mario Quintana


Tendo vivido entre 1906 e 1994, este escritor sul-rio-grandense é dos mais populares da
literatura contemporânea. Sua poesia gira em torno de pequenos fatos da vida, de onde o
poeta, por meio de imagens delicadas, extrai profundas reflexões sobre a existência.

Literatura Brasileira 195


14 Rumos da poesia brasileira contemporânea

Considere o poema abaixo:


Os poemas
Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam voo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto
alimentam-se um instante em cada par de mãos
e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhado espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti...
(QUINTANA, 2008)
Nesse poema, a partir de uma imagem concreta, Quintana procura representar o que são
os poemas. Para o eu poético, eles são organismos vivos, como os pássaros, que se alimentam
da substância que o leitor lhes transfere. Assim, caso não sejam lidos, seu destino será a morte.

14.4.3 Carlos Nejar


Poeta, ensaísta, crítico e ficcionista. Membro da Academia Brasileira de Letras, Carlos
Nejar é considerado um dos grandes nomes da criação poética contemporânea. Em seus
poemas, ele se volta para as paisagens de sua terra natal, o Rio Grande do Sul, fazendo,
entretanto, uma poesia de cunho universal. Seu trabalho envereda por questões metafísicas,
abordando especialmente os mistérios que cercam a existência. Nesse percurso, o autor cria
imagens complexas que envolvem o homem, a natureza e a divindade.
Tomemos o poema a seguir como exemplo.
Redondel
O coração se acrescenta
ao coração se acrescenta
a outro e senta sob a árvore
- tudo tão nuvem entre
um coração e outro -
redondos os sins, os vãos,
a noite na concha
do coração, o pampa
e os corações sentados
e um coração voando.
Mudando, tudo é possível
recomeçar.
(NEJAR, 2008)

196 Literatura Brasileira


Rumos da poesia brasileira contemporânea 14
O poema lembra “Tecendo a manhã” (“Um galo sozinho não tece uma manhã:/ ele
precisará sempre de outros galos”), de João Cabral de Melo Neto, pois, assim como o texto
do poeta pernambucano, procura mostrar a ligação cósmica entre todos os seres. Ele traz a
imagem do coração elaborada metaforicamente, e une-a à natureza, no intuito de mostrar
que nada é definitivo, tudo pode mudar.
Obviamente, os poetas aqui abordados não são os únicos que se destacam na literatura
brasileira contemporânea. Há outros com obras bastante consistentes, mas que ainda aguar-
dam estudos a fim de que o seu valor poético seja de fato conhecido.

Ampliando seus conhecimentos


A seguir, você lerá um trecho de Auto do Frade, obra que aponta para uma ques-
tão intensamente explorada na literatura contemporânea: o relativismo das verdades.
A diversificação do ponto de vista permite que a histórica morte de Frei Caneca seja anali-
sada de forma diferente da mostrada nos livros de história, levando o leitor a refletir sobre
o que a historiografia oficial apresenta.

Da igreja do terço ao forte


(MELO NETO, 1994, p. 110-113)

OFICIAL
– Que se recomponha o cortejo

como ele vinha até então.

Todos seguirão na mesma ordem,

E ainda o réu sob proteção.

Iremos ao Forte, onde a forca

Está atrasada em sua ração.

Que todos sigam até o Forte.

Só depois se dissiparão.

A GENTE NAS CALÇADAS


– Um dia capangas jagunços

mandaram para sua defesa.

– Havia, dizem, gente paga

para caçar sua cabeça.

Literatura Brasileira 197


14 Rumos da poesia brasileira contemporânea

– Mandou os capangas de volta

e respondeu dessa maneira:

– Não sou ninguém para ser mártir,

não é distinção que eu mereça.

A GENTE NAS CALÇADAS


– Na Casa do Carmo viveu

desde que era ainda menino.

– Muito antes de ser carmelita

era aluno de seu ensino.

– Aprendeu lá tudo o que sabe

e não só rezar ao divino.

– Quando ele entrou para ser frade

mais do que qualquer tinha tino.

O MEIRINHO
– Vai ser executada a sentença de morte

natural na forca, proferida contra o réu

Joaquim do Amor Divino Rabelo, Caneca.

A GENTE NAS CALÇADAS


– Dizem que quando vinha preso

alguém lhe ofereceu a fuga.

– Alguns aceitaram de saída

e hoje andam soltos pelas ruas.

– Outros se foram para Bolívar

que livrara várias repúblicas.

– Mas a daqui, compreendeu,

precisa ainda de mais luta.

[...]

198 Literatura Brasileira


Rumos da poesia brasileira contemporânea 14
A GENTE NAS CALÇADAS
– Pela estrada dita Ribeira

onde o Capibaribe sua,

com tropa pequena e rompida

foi ao Ceará por ajuda.

– Campina Grande, Paraíba,

guarda a casa de sua cura,

e em Acauã, lá no Ceará

se rende com a tropa viúva.

A GENTE NAS CALÇADAS


– Foi contra seu Imperador

é o que se diz no veredito.

– E separatista ademais;

saberá Dom Pedro o que é isso?

– Pensa que é ladrão de cavalos

ou que é capitão de bandidos.

– Pensa não ser mal português,

sim de brasileiro, algum vício.

A GENTE NAS CALÇADAS


– Afinal o que em contra dele

disse a gente da Comissão?

– Foi contra o morgado do Cabo,

sua impopular nomeação;

foi contra que o rei português

impusesse uma Constituição;

contra enviar-se a esquadra ao Recife

por falsa ameaça de invasão.

Literatura Brasileira 199


14 Rumos da poesia brasileira contemporânea

O MEIRINHO
– Vai ser executada a sentença de morte

natural na forca, proferida contra o réu

Joaquim do Amor Divino Rabelo, Caneca.

Atividades
1. Considerando as produções poéticas contemporâneas, é correto dizer que

a. todos os poetas aderiram ao experimentalismo formal, preocupando-se mais


com a forma do que com o conteúdo.

b. em nada se alterou o que já era praticado no Modernismo, dando continuidade


aos temas e também aos recursos formais.

c. elas promoveram um retorno aos modelos da poesia tradicional e, por isso, ado-
taram o soneto como forma poética privilegiada.

d. elas seguem múltiplas tendências, de maneira que ora aderem a formas experi-
mentais e ora adotam modelos mais tradicionais.

2. Poetas contemporâneos, como Adélia Prado, Carlos Nejar e Mario Quintana

a. elaboram imagens de puro sentimentalismo.

b. constroem uma poesia de crítica política.

c. abordam temas ligados à existência.

d. exploram temas ligados ao regionalismo.

3. Por que a poesia de João Cabral de Melo Neto é considerada inovadora no que se
refere à produção poética moderna e contemporânea?

Resolução
1. D

2. C

3. Porque quebra com uma das características fundamentais da lírica tradicional, ou


seja, a poesia vista como expressão dos sentimentos de um eu: João Cabral tira da
poesia seu caráter subjetivo para apresentá-la como construção objetiva.

200 Literatura Brasileira


15
O romance contemporâneo:
introspecção e contestação
Maria Márcia Matos Pinto

15.1 O romance: do surgimento ao Modernismo

Conforme o conhecemos nos dias de hoje – ou seja, uma narrativa em prosa que
privilegia as experiências vivenciadas pelos indivíduos –, o romance teve seu surgi-
mento no século XVIII como gênero adequado às transformações sociais que se evi-
denciaram naquela época. A ascensão da burguesia como classe poderosa econômica e
politicamente gerou um novo contexto de interação dos indivíduos e a isso a literatura
não podia ficar indiferente.

Esse novo âmbito de relações sociais pedia uma construção literária mais prosaica,
que trouxesse à tona os elementos do cotidiano da classe em ascensão. Desse modo,
o romance tornou-se o gênero ideal para representar os problemas que cercavam os
novos ideais de comportamento que a burguesia disseminava pela sociedade.

Assim, na segunda metade do século XVIII e por todo o XIX, o romance definiu
as suas características fundamentais, voltando-se primordialmente para uma repre-
sentação realista do mundo, como o fizeram os grandes romancistas da época, entre
eles Stendhal (Henri-Marie Beyle, 1783-1842), Honoré de Balzac (1799-1850), Charles
Dickens (1812-1870), Gustave Flaubert (1821-1880), Machado de Assis (1839-1908) e
Eça de Queirós (1845-1900).

Literatura Brasileira 201


15 O romance contemporâneo: introspecção e contestação

Porém, com o advento do Modernismo, o romance vai sofrendo alterações que se fa-
zem sentir tanto no âmbito da forma como no conteúdo. Segundo Anatol Rosenfeld, na arte
moderna há
a tentativa de redefinir a situação do homem e do indivíduo, tentativa que se
revela no próprio esforço de assimilar, na estrutura da obra de arte (e não ape-
nas na temática), a precariedade da posição do indivíduo no mundo moderno”
(ROSENFELD, 1976, p. 97).
Portanto, para retratar uma realidade em que o indivíduo passou por um intenso pro-
cesso de fragmentação para adaptar-se às numerosas exigências que o mundo moderno lhe
apresentava, o romance passou por algumas transformações.
Um elemento marcante dessas transformações foi a tentativa de aproximar o leitor da
mente das personagens. No romance tradicional, aquele que foi produzido entre os séculos
XVIII e XIX, ocorria em geral uma narrativa distanciada, com um narrador que se colocava
à distância do que era narrado, mas dominando completamente o curso dos acontecimentos
com a sua onisciência, ou seja, seu conhecimento absoluto sobre tudo que se passava dentro
e fora das personagens. Era ele que organizava o discurso das personagens e ordenava os
fatos, de modo que o leitor não precisava de grande esforço para acompanhar a sequência da
ação, mesmo diante de flashbacks (interrupção da narrativa para apresentar acontecimentos
passados) e flashforwards (antecipação dos acontecimentos). Até quando havia um narrador
em primeira pessoa o procedimento era também o do distanciamento e da ordenação linear
do discurso.
No romance moderno, o processo narrativo torna-se mais complexo. Por meio do uso
do discurso indireto livre (recurso em que a fala do narrador e das personagens se confun-
de), o narrador praticamente desaparece para que o leitor tenha um contato mais direto com
o que se passa no interior das personagens. Surge então a técnica do fluxo de consciência,
pela qual os pensamentos das personagens aparecem sem uma organização lógica: os pen-
samentos se revelam de forma fragmentada, com lacunas e quebras abruptas, exigindo do
leitor maior esforço de leitura. Conforme define Anatol Rosenfeld,
A tentativa de reproduzir este fluxo de consciência – com sua fusão dos níveis
temporais – leva à radicalização extrema do monólogo interior. Desaparece ou
se omite o intermediário, isto é, o narrador, que nos apresenta a personagem no
distanciamento gramatical do pronome ele e da voz do pretérito. A consciência
da personagem passa a manifestar-se na sua atualidade imediata, em pleno ato
presente como um Eu que ocupa totalmente a tela imaginária do romance. Ao
desaparecer o intermediário, substituído pela presença direta do fluxo psíquico,
desaparece também a ordem lógica da oração e a coerência da estrutura que o
narrador clássico imprimia à sequência dos acontecimentos. Com isso esgarça-
-se, além das formas de tempo e espaço, mais uma categoria fundamental da
realidade empírica e do senso comum: a da causalidade (lei de causa e efeito),
base do enredo tradicional, com seu encadeamento lógico de motivos e atuações,
com seu início, meio e fim. (ROSENFELD, 1976, p. 83-84)

202 Literatura Brasileira


O romance contemporâneo: introspecção e contestação 15
Como diz Rosenfeld, há no romance moderno uma radicalização do monólogo interior por
meio do fluxo de consciência, isto é, as ideias surgem de forma extremamente fragmentada e pouco
ordenada, sendo este um meio de anular a presença do narrador e presentificar os acontecimen-
tos. Essa técnica foi utilizada com muito talento por autores modernistas como Marcel Proust
(1871-1922), James Joyce (1882-1941), Virginia Woolf (1882-1941) e William Faulkner (1897-
-1962). No Brasil, esse procedimento foi utilizado em grandes criações por vários roman-
cistas, como Graciliano Ramos (1892-1953), Clarice Lispector (1920-1977) e Guimarães Rosa
(1908-1967), entre outros.
O fluxo de consciência serviu principalmente a um tipo de romance mais subjetivo, que
adentrava os meandros psíquicos da personagem no sentido de revelar suas experiências
mais íntimas.
A partir dos anos 1920, com o aprofundamento dado à filosofia existencialista – que
especulava sobre a forma como o eu (sujeito) se define por meio do outro (objeto) –, surgiu
uma outra tendência do romance moderno, voltada para a problemática existencial. Trata-
se do romance existencialista, que procurava trazer à tona os fenômenos revelados pelas
experiências existenciais, fundadas na relação eu-outro. Dentro dessa tendência, um nome a
ser lembrado é o do escritor francês Jean-Paul Sartre (1905-1980), que escreveu tanto ensaios
filosóficos como romances e peças de teatro de cunho existencialista, influenciando autores
dentro e fora da Europa.

15.2 O romance contemporâneo

A partir dos anos 1950, alguns autores levaram o romance a um processo de renovação
que passou principalmente pelas concepções de arte pós-modernistas e pelas ideias veicu-
ladas pelo movimento de contracultura (quebra com os valores estabelecidos pela tradição).
Conforme aponta Jair Ferreira dos Santos,
Enquanto o Modernismo lutava pelo máximo de forma e originalidade, os pós-
-modernistas querem a destruição da forma romance, como no nouveau roman
[novo romance] francês, ou então querem o pastiche, a paródia, o uso de formas
gastas (romance histórico) e de massa (romance policial, ficção científica), como
na metaficção americana. Num e noutro caso, entretanto, está fora de cogitação
a representação realista da realidade, o ilusionismo. Na literatura pós-moderna
não é para se acreditar no que está sendo dito, não é um retrato da realidade, mas
um jogo com a própria literatura, suas formas a serem destruídas, sua história a
ser retomada de maneira irônica e alegre.
Há portanto uma desdefinição do romance. Existem meios para isso. O nouveau
roman, que começa nos anos 1950, destrói a forma romance banindo o enredo, o
assunto e o personagem. Nathalie Sarraute escreve romances sobre nada – ape-
nas um buraco na porta, por exemplo. Certo conto de Nove Novena, do brasileiro
Osman Lins, reduz os personagens a sinais gráficos. A fragmentação da narrati-
va é total, podendo-se misturar os narradores: em geral não sabemos quem está

Literatura Brasileira 203


15 O romance contemporâneo: introspecção e contestação

falando. Raramente o personagem tem psicologia ou posição social. Pode mudar


de nome, cor ou idade, sem razões aparentes para isso. Os finais costumam ser
múltiplos (John Fowles, em A mulher do tenente Francês, propõe dois finais dife-
rentes). E são comuns as construções em abismo: uma história dentro de outra
que está dentro de outra... sem fim.
Por sua vez, a metaficção americana, que produz ficção a partir de ficção, entre-
ga-se a paródias e a pastiches (imitações irônicas) de formas antigas [...]. Surgem
ainda gêneros indefinidos que misturam reportagem e ficção, com a atuação de
pessoas reais [...]. (SANTOS, 2006, p. 39-40)
Segundo as colocações de Santos, a ficção pós-moderna se dispersa por uma série de
subgêneros que tentam adequar a estrutura do romance à nova realidade que se apresenta.
Um desses subgêneros, chamado romance de não ficção1, é uma construção literária que
narra de forma romanceada fatos jornalísticos. Esse tipo de romance coloca em xeque a ver-
dade dos fatos conforme veiculados pela mídia, retomando, entretanto, uma estrutura nar-
rativa tradicional. Um dos expoentes dessa tendência foi o norte-americano Truman Capote
(1924-1984).
O Novo Romance constitui-se principalmente como uma narrativa aberta aos experi-
mentalismos formais, ou seja, as práticas inovadoras no uso da linguagem e dos elementos
tempo, espaço, enredo e personagens. O criador desse gênero foi o francês Alain Robbe-
Grillet (1922-2008).
Portanto, o romance pós-moderno se direciona em duas linhas principais:
• em uma delas, há uma estrutura mais tradicional e os elementos inovadores re-
caem principalmente sobre a organização do conteúdo, marcada pelo jogo irônico
que se estabelece entre verdade e ficção;
• em outra, o enredo praticamente desaparece – trata-se basicamente do registro
de fragmentos de experiências e sensações, usando recursos experimentais, que
exigem do leitor uma nova atitude de leitura.

15.2.1 O romance brasileiro contemporâneo


Quanto ao romance brasileiro, em meados da década de 1940, duas tendências eram
marcantes.
Por um lado, ainda se fazia presente a vertente regionalista, em grande voga a partir
dos anos 1930. Porém, essa vertente começou a assumir novos contornos, com um tratamen-
to mais apurado da forma, isto é, uma exploração mais aprimorada dos recursos linguísti-
cos, como ocorre na obra de Guimarães Rosa.

1 Romance de não ficção (non-fiction novel) é uma tendência literária que se configurou nos Estados Uni-
dos da América. No Brasil, esse tipo de obra, praticado principalmente durante a ditadura militar
(1964-1985), ficou conhecido como romance reportagem.

204 Literatura Brasileira


O romance contemporâneo: introspecção e contestação 15
Por outro lado, uma tendência que começava a se tornar marcante era a do romance
intimista, ou seja, aquele que faz uma sondagem da interioridade do eu.
A partir dos anos 1950, a presença de certos elementos (influência cada vez maior da
cultura de massa e da sociedade de consumo, contato com os valores da cultura norte-ame-
ricana e da contracultura, repressão ditatorial após 1964) vai levar o romance brasileiro a se
encaminhar para uma série de novas tendências.
Além do romance de introspecção, que foi assumindo um caráter cada vez mais expe-
rimental, surgiu uma prosa de contestação, um tipo de romance de resistência à opressão
ditatorial. Flávio Moura, no artigo “Ficção contracultural brasileira”, demonstra como esse
tipo de romance acabou se fragmentando por tendências diferenciadas:
A urgência em dar forma e expressão a um contexto político que se mostrava
cada vez mais hostil fez com que a literatura adquirisse uma importância como
instrumento político que não se via no país desde o fim dos anos 1930. Desde a
ditadura de Vargas, o romance jamais servira tanto de veículo para disseminar
a realidade sórdida na qual estava imerso o país, e onde buscava sua inspiração.
[...]
O crítico literário e brasilianista Malcolm Silverman [...] dedicou um livro inteiro
à questão do romance de protesto nos anos 1960, 70 e início dos 80 no Brasil. Para
facilitar sua exposição, ele elegeu nove categorias diferentes de romance de pro-
testo: o romance jornalístico, o romance memorial, o romance da massificação,
o romance de costumes urbanos, o intimista, o regionalista-histórico, o realista-
-político, o romance da sátira política absurda e o da sátira política surrealista.
(MOURA, 2008)
Considerando essas múltiplas tendências, vejamos como alguns autores brasileiros de-
senvolveram as suas narrativas.
Na linha do romance introspectivo, Autran Dourado (1926- ) segue os rumos do me-
morialismo, adentrando o universo interior do indivíduo para revelar suas experiências e
sentimentos mais íntimos. Segundo Alfredo Bosi,
A refinada arte de narrar de Autran Dourado [...] move-se à força de monólogos
interiores. Que se sucedem e se combinam em estilo indireto livre até acaba-
rem abraçando o corpo todo do romance, sem que haja, por isso, alterações nos
traços propriamente verbais da escritura. O que há é uma redução dos vários
“universos pessoais” à corrente de consciência, a qual, dadas as semelhanças
de linguagem dos sujeitos que monologam, assumem um facies transindividual.
Assim, embora a matéria pré-literária de Autran Dourado seja a memória e o sen-
timento, a sua prosa afasta-se dos módulos intimistas que marcavam o romance
psicológico tradicional. (BOSI, 1970, p. 475)
Esse “afastamento do romance psicológico tradicional”, que Bosi verifica na obra de
Dourado, pode ser observado principalmente no seu romance O Risco do Bordado (1970),

Literatura Brasileira 205


15 O romance contemporâneo: introspecção e contestação

uma narrativa de caráter autorreflexivo, isto é, sua elaboração reflete sobre a própria escrita
literária. A obra é marcada por episódios que parecem não ter qualquer ligação a não ser
pela figura do protagonista, o escritor João da Fonseca Ribeiro. Os sete capítulos do livro
são, de fato, as memórias do escritor, que vai refazendo o seu percurso de vida por imagens
fragmentadas das suas experiências. O romance torna-se, nesse sentido, uma espécie de
jogo. Ao leitor são dadas as peças de um quebra-cabeça que ele deverá montar.
Outro romancista que segue os rumos da introspecção é o pernambucano Osman Lins
(1924-1978), autor de obras cuja densidade já se revelava logo nas primeiras produções. Em
O Fiel e a Pedra (1961), apesar da temática regionalista, há uma profunda sondagem interior.
Assim, não há no romance um tratamento simplista das relações de trabalho e nem das
relações individuais, visto que a exploração do universo interior das personagens revela a
complexidade de suas atitudes.
A configuração que Osman Lins imprime a suas narrativas lembra os processos experimen-
tais que os adeptos do Novo Romance aplicaram a suas obras. Porém, segundo Sandra Nitrini,
O valor da obra de Osman Lins, sobretudo a partir de Nove, Novena, pois foi com
esta que nosso autor logrou uma forma própria que desse conta de sua visão de
mundo, independe de qualquer relação que a crítica tenha feito ou venha a fazer
com realizações literárias artísticas de países hegemônicos ou não. Que Osman
Lins foi um leitor atento e meticuloso da tradição literária ocidental e de autores
contemporâneos é fato notório e por ele assumido. Incluindo-se suas leituras do
nouveau roman e seu contato pessoal com os escritores franceses. Mas em nenhum
momento, ele se valeu da teoria do Novo Romance, enquanto instrumento de
suas elaborações literárias. (NITRINI, 2003, p. 104)
A verdade é que, a partir do livro de contos Nove, Novena (1966), a construção literá-
ria de Osman Lins foi tomando caráter cada vez mais experimental, sendo precursora de
uma linguagem que prenuncia os recursos da tecnologia do computador na literatura. É o
que ocorre no romance Avalovara (1973), que, além dos elementos gráficos de que se utili-
za, cria uma estrutura que remete ao universo da computação. Segundo Ermelinda Maria
Araújo Ferreira, que realizou pesquisas sobre a relação entre esse romance e a linguagem
do computador,
Avalovara funciona como uma alegoria do romance justamente porque se elabora
como um simulacro do romance. Não é um romance convencional: é uma série
de sequências narrativas que podem ser lidas em ordens diversas, compondo
histórias diversas. O espaço desta obra não é físico: é virtual. Para representar
essa ideia, Osman Lins recorre frequentemente à imagem: a começar pelo sím-
bolo que representa graficamente o romance, uma espiral sobreposta a um qua-
drado, chave do funcionamento segmentado e interativo da leitura proposta, até
o nome da protagonista, uma mulher identificada por um signo inventado que,
curiosamente, lembra o formato de um disco flexível.

206 Literatura Brasileira


O romance contemporâneo: introspecção e contestação 15
A obra circula entre oito temas, designados pelas letras extraídas de um palín-
dromo [frase que apresenta o mesmo sentido, quer seja lida da esquerda para a
direita ou da direita para a esquerda] em latim (sator arepo tenet opera rotas), que
aparecem na última página relacionados [em] um índice. O leitor tem várias op-
ções, como num hipertexto. Pode percorrer a obra convencionalmente, do início
ao fim do livro, absorvendo a impressão ampla e variada de suas várias histórias
superpostas, ou pode ler os temas separadamente, saltando páginas, tentando
dar uma ordem ao caos de sua fragmentação. Também pode interromper uma
leitura diante de um objeto, e procurar sua explicação num outro capítulo. Há
explicações ficcionalizadas para a origem de objetos como o “Quadrado Sator”,
mapa espacial, palindrômico, da obra, na história do escravo Loreius, de seu
patrão Publius Ubonius e da cortesã Tyche; e para a sua estrutura temporal, na
história de Julius Heckethorn e do seu engenhoso relógio. (FERREIRA, 2008)
Diante dos experimentalismos realizados pelo autor, alguns críticos consideram que
esse romance é hermético, ou seja, de difícil leitura e compreensão. No entanto, é uma obra
representativa das novas possibilidades que se abriram ao romance na contemporaneidade.
Em uma linha de explícita contestação às atrocidades cometidas pelo regime militar,
dois romances merecem destaque:
• Quarup (1967), de Antônio Callado (1917-1997).
• O Que É Isso Companheiro? (1979), de Fernando Gabeira (1941).
Ambas são obras que unem a prática jornalística de seus autores à construção ficcional.
Nesse sentido, tanto Callado como Gabeira retomam, em suas criações literárias, os métodos
tradicionais de narrativa, fugindo aos experimentalismos formais aos quais outros autores
aderiram.
Quarup cobre um período de dez anos da recente história brasileira, desde as ocorrên-
cias que levaram ao fim do governo de Getúlio Vargas e a seu suicídio até a implantação
do regime ditatorial em 1964. Realizando uma narrativa distanciada, com um narrador em
terceira pessoa, Callado desvenda os meandros de algumas das práticas políticas da época,
particularmente o jogo de interesses por trás do Serviço de Proteção ao Índio (que mais tarde
se transformou na Fundação Nacional do Índio – Funai), por meio das experiências de padre
Nando, protagonista do romance. Desse modo, os fatos históricos que marcaram o período
se confundem com a trajetória de vida de Nando, o que permite avaliar de uma forma dife-
rente daquela dos livros de história ou do simples relato jornalístico.
E em O Que É Isso Companheiro? novamente vem à pauta a história recente do Brasil, mas
em um relato de caráter memorialístico. Em um discurso marcado pela subjetividade, o autor
revê, a partir do exílio, sua participação ativa na guerrilha urbana contra a ditadura, particu-
larmente o seu envolvimento no sequestro do embaixador norte-americano Charles Elbrick
(1908-1983), em 4 de setembro de 1969. A estrutura do livro foge aos experimentalismos

Literatura Brasileira 207


15 O romance contemporâneo: introspecção e contestação

formais, adotando os recursos típicos da narrativa tradicional. Entretanto, é uma obra de di-
fícil classificação pela mistura de gêneros que ali se configura, ficando entre a autobiografia,
pois há acontecimentos da vida real do autor; o romance memorialista, já que são recupera-
das situações que permaneceram na memória do narrador; e o relato jornalístico, pelo estilo
de narração que é adotado, lembrando, em alguns momentos, uma reportagem.
Os autores e obras aqui mencionados confirmam as múltiplas tendências em que se
dispersou o romance brasileiro contemporâneo. Vale lembrar, contudo, que estamos falando
de um período que ainda está em configuração. Por isso, ainda é difícil definir as linhas de
construção literária que serão realmente definidoras desta fase da literatura brasileira.

Ampliando seus conhecimentos

A seguir você lerá um trecho do romance O Que É Isso Companheiro?, de Fernando


Gabeira. A narrativa é feita em flashback a partir do exílio no Chile, onde o narrador re-
memora os fatos de sua militância política que o levaram ao sequestro do embaixador
Charles Elbrick, em 1969.

O Que É Isso Companheiro? (fragmento)


(GABEIRA, 1996, p. 12-13)

Este portanto é o livro de um homem correndo da polícia, tentando com-


preender como é que se meteu, de repente, no meio da Irarrazabal, se
havia apenas cinco anos estava correndo da Ouvidor para a Rio Branco,
num dos grupos que fariam mais uma demonstração contra a ditadura
militar que tomara o poder em 1964. Onde é mesmo que estávamos
quando tudo começou?

Sinceramente que saí buscando um pouco de ar fresco. A sala do copi-


desque do JB tinha uma luz branca e, depois de certo tempo de trabalho,
cansava. Era melhor sair para o balcão, olhar a avenida Rio Branco, ver o
trânsito fluir rumo ao sul da cidade. Gente voltando do trabalho, no fim
da tarde. De repente, não sei como, 50 pessoas se reúnem no meio da rua,
tiram suas faixas e cartazes e gritam: abaixo a ditadura. Como? Os carros
não podem se mexer: é uma passeata. Mil coisas estavam acontecendo
nos telegramas empilhados na minha mesa: guerras, terremotos, golpes
de Estado. Ali, diante dos meus olhos, 50 pessoas com faixas e cartazes,
iluminadas pelos faróis e meio envoltas na fumaça dos canos de descarga,
avançavam contra o trânsito. Mais verba, menos tanques, abaixo a dita-
dura, gritavam. Lembrei-me da minha terra. O Guarani Futebol Clube
batido mais uma vez, pelo mesmo adversário, irrompendo na rua Vitorino

208 Literatura Brasileira


O romance contemporâneo: introspecção e contestação 15
Braga com sua bandeira azul e branca, cantando “Em Juiz de Fora quem
manda sou eu”. Aquelas pessoas gritando na rua, a vida seguindo seu
curso, o trânsito apenas engarrafado por alguns minutos, tudo isso me
fazia pensar. O rosto dos jogadores do Guarani, nossas camisas meio ras-
gadas, a gente de cabeça erguida enquanto todos atacavam seu macarrão
de domingo, macarrão com ovos marca Mira, seu vinho Moscatel.

Tudo parecia já muito remoto depois do golpe de Estado no Chile, com os


cachorros latindo e o ruído dos helicópteros patrulhando a cidade. Daí a
pouco chamariam para voltar ao trabalho, mas a demonstração estudantil
não ia sair fácil da minha cabeça. Desde 1964 que estava buscando aquela
gente e aquela gente, creio, desde 1964 preparava seu encontro com as
pessoas olhando da sacada da avenida Rio Branco.

Em 1964 eu tinha dois empregos. Um era no Jornal do Brasil, outro no


Panfleto, semanário da ala esquerda do PTB que, mais tarde, depois do
golpe, iria sobreviver de forma autônoma como Movimento Nacionalista
Revolucionário, MNR. No JB, trabalhava como redator, no Panfleto,
como subsecretário de oficinas. Os dois empregos tinham uma impor-
tante função para mim. Num trabalhava de acordo com minhas ideias e,
no outro, trabalhava para ganhar dinheiro. Isso é ótimo para um depoi-
mento retocado. Na verdade, havia outro interesse, um pouco mais baixo,
mas importante também: o JB pagava por mês e o Panfleto, dirigido por
amigos, dava alguns vales que permitiam que fôssemos tocando o barco
cotidiano. E, afinal, não era um barco muito pesado: vivíamos em cinco
num apartamento do 200 da Barata Ribeiro e o aluguel não custava muito,
assim dividido por cinco pessoas. Todos eram jornalistas começando car-
reira. Quase todos comiam no trabalho e, uma vez ou outra, ali no Beco da
Fome, que ficava bem perto de casa. Alguns participavam do Grupo dos
11, uma forma de organização que o Brizola tinha proposto para a resis-
tência ao golpe. Outros não estavam muito interessados, por desencanto,
mal de amores ou mesmo problemas que iam explodindo na vida de cada
um, um pouco indiferentes à crise nacional que se aproximava.

Quando irrompeu o golpe de 1964, ninguém ficou em casa. Os que parti-


cipavam do Grupo dos 11 foram fazer a fila das armas do Aragão. Nessa
fila muita gente se encontrou, mas as armas não apareceram. Lembro-me
de ter ido para a Cinelândia até o momento em que começaram a atirar
nas pessoas, de dentro do Clube Militar. Um golpe de Estado, pelo menos
foi o que senti nos dois que me atingiram, é um pouco como uma grande
e emocionante peça de teatro. Quando termina, você sente um grande

Literatura Brasileira 209


15 O romance contemporâneo: introspecção e contestação

impulso para estar junto das pessoas de quem gosta, ou mesmo telefonar
para saber se estão bem.

Um pouco tocado pelas balas do Clube Militar e um pouco tocado pela


vontade de estar perto dos amigos, saí da Cinelândia. Para o Panfleto não
adiantava voltar, pois os homens já haviam cercado tudo, recolhido os
arquivos e empastelado a redação. Segui para o JB e encontrei um grupo
de jornalistas na Rio Branco. Era o que procurava. Fomos juntos para o
Sindicato dos Gráficos, onde resistiríamos. E nós, que pensávamos em
resistir, acabamos sendo envolvidos na confusão geral que se armou para
retirar os papéis, para escapar da polícia. Foi assim também com muita
gente no Chile. Você diz que vai resistir, você parte para resistir, mas o
que você vai fazer, de verdade, é fugir.

Atividades
1. A técnica do fluxo de consciência

a. foi utilizada desde o surgimento do romance, no século XVIII.

b. foi de amplo uso nos romances produzidos pelos românticos.

c. esteve em voga no século XIX, porém depois veio a desaparecer.

d. difundiu-se no Modernismo e se faz presente na literatura atual.

2. Romance de não ficção e novo romance são subgêneros do romance

a. contemporâneo que mantêm a ilusão de realidade.

b. que tiveram sua definição durante o século XIX.

c. contemporâneo que destroem a ilusão de realidade.

d. que não tiveram influência sobre o romance brasileiro.

3. O que ocorre com o gênero romance a partir dos anos 1950?

210 Literatura Brasileira


O romance contemporâneo: introspecção e contestação 15
Resolução
1. D

2. C

3. O romance histórico procurava recontar as origens das nações de uma forma heroica,
enfatizando valores que teriam cercado essas origens, tais como coragem, lealdade e
honra. Já a metaficção historiográfica reapresenta a história sob o ponto de vista das
minorias e dos oprimidos, revelando fatos e enfocando personagens que a história
oficial acabou deixando de lado. Desse modo, ela desmistifica a história.

Literatura Brasileira 211


16
O Afro-brasileiro e o indígena
na literatura brasileira
João Amálio Pinheiro Ribas

A identidade nacional e cultural do país sempre foi algo premente em nossa pro-
dução artística, e, obviamente, a nossa literatura não é exceção dentro dessa busca e
construção, já a literatura que contribui de forma decisiva para formar “uma consciên-
cia nacional e pesquisar a vida e os problemas brasileiros” (CANDIDO, 2006, p.140).
Dentre os aspectos basilares de nossa constituição identitária certamente o fator étnico
é dos mais importantes. Nesse sentido, ainda que, do ponto de vista da igualdade
social, os povos de origem afro e indígena tenham sofrido e ainda sofram com a explo-
ração, a exclusão e o preconceito, seu contributo para a edificação da nação e sua parti-
cipação no patrimônio artístico-cultural do Brasil são de basilares riqueza e relevância.
Tal importância e presença dentro da literatura brasileira é o que, de forma panorâ-
mica e em uma perspectiva histórica, apresentaremos neste capítulo.

Literatura Brasileira 213


16 O Afro-brasileiro e o indígena na literatura brasileira

16.1 A presença do afro-brasileiro e


do indígena na construção de uma
identidade e de uma literatura nacional –
Do Quinhentismo ao Pré-Modernismo

16.1.1 Distinção entre autores e temática


A primeira questão a se refletir sobre a presença do afro-brasileiro e do indígena em
nossa literatura talvez seja distinguir os autores pertencentes a estas etnias das obras que
especificamente apresentam a temática étnica como central em sua construção. Para Alfredo
Bosi, “há pelo menos duas maneiras de considerar a relação entre escritos e excluídos. A pri-
meira consiste em ver o excluído (...) como objeto da escrita” (BOSI, 2002, p.257). E a segun-
da consiste em observar o “excluído enquanto sujeito do processo simbólico” (idem, p.259).
Assim sendo, no presente capítulo, vamos abordar a produção afro e indígena por estes
dois vieses: tanto dos autores pertencentes a estas etnias quanto de obras que apresentem o
tema étnico como substância fulcral de sua produção.

16.1.2 O afro-brasileiro e o indígena


na literatura do Brasil Colônia
Desde o início da produção escrita em nossas terras, a representação do indígena se fez
presente na formação do sistema literário brasileiro, bem como já se mostraram os “conflitos
que envolvem a presença do invasor ao longo do contato permanente com a cultura ame-
ríndia” (SANTOS, 2009, p.15). É notório que um dos temas mais abordados pelos chamados
cronistas do século XVI era o indígena, sua constituição física, seus usos e costumes. Desde
a Carta do Descobrimento (1500), de Pero Vaz de Caminha, o índio chama atenção do coloniza-
dor europeu por seu exotismo e contrastes culturais. Podemos encontrar nos escritos destes
cronistas e, posteriormente, nas cartas dos jesuítas sobre o povo autóctone um misto de
visões. Desde o deslumbramento de um Caminha a dizer dos índios que “os corpos seus são
tão limpos, tão gordos e formosos” (OLIVIERI & VILLA, 2000, p.22), passando pelo medo e
aversão de um Hans Staden, viajante alemão que, em seu texto Viagem ao Brasil (1557), relata
detalhes de rituais antropofágicos tupinambás, dos quais quase fora vítima: “desfecha-lhe
o matador um golpe na nuca, os miolos saltam e logos as mulheres tomam o corpo, puxan-
do-o para fogo, esfolam-no... as mulheres guardam os intestinos, fervem-no e fazem uma
sopa” (idem, p. 88).
Também desde nossos primeiros escritos, já aparece aos olhos do invasor que “o índio,
como um ser bárbaro, deveria ser domesticado; por não ter a fé do colonizador, deveria ser
catequizado; dado o número incontável deles, seria mão de obra abundante” (SANTOS,
2009, p.16). Já na Carta do Descobrimento, Caminha escreve ao rei Dom Manuel que o melhor

214 Literatura Brasileira


O Afro-brasileiro e o indígena na literatura brasileira 16
fruto a tirar da nova terra seria “salvar esta gente”, pois, “não lhes falece outra coisa para ser
toda cristã, senão entender-nos” (OLIVIERI & VILLA, 2000, p.24).
Décadas depois do descobrimento, com o efetivo início do processo colonizador e a
vinda dos primeiros missionários jesuítas, o índio passa a figurar nos escritos como aquele
a ser catequizado. Como é o caso do Diálogo sobre a conversão do gentio (1556-57), do Padre
Manuel da Nóbrega, e também nas cartas e autos catequéticos do Padre Anchieta, nos quais
o índio se torna a um só tempo ator e público destas peças. Sobre essa produção jesuítica,
especialmente de Anchieta, Alfredo Bosi observa que
a aculturação católico-tupi foi pontuada de soluções estranhas quando não vio-
lentas. O círculo sagrado dos indígenas perde a unidade fortemente articulada
que mantinha no estado tribal e reparte-se, sob a ação da catequese, em zonas
opostas e inconciliáveis (BOSI, 1992, p.66).
Vale ainda dizer que apesar de Anchieta ter sido o primeiro jesuíta a usar em suas co-
municações e textos a língua tupi, em um processo de aculturação linguística, esta aparente
valorização da cultura autóctone se deu essencialmente para a transmissão da doutrina reli-
giosa do colonizador ao indígena.
Já no período Barroco, a partir do início do século XVII, o indígena constituirá uma das
maiores preocupações da vida e da sermonística de Padre Antônio Vieira, como, por exem-
plo, no “Sermão da Primeira Dominga da Quaresma” (1655) e no “Sermão da Epifania”
(1662), entre tantos outros. Crítico severo da escravização dos índios, Vieira fará a defesa
deles não só em seus sermões como também na sua ação política junto à corte e à colônia.
Contudo, mesmo dedicando-se de “corpo e alma à catequese e à defesa dos indígenas, en-
frentando a reação tantas vezes hostil dos colonos” (BOSI, 2011, p.39) faz-se necessário re-
conhecer que este mesmo empenho e vigor na defesa do indígena não se notou no que diz
respeito à escravidão dos povos africanos. A escravidão negra é tema de apenas três dos
seus sermões (décimo quarto, vigésimo e vigésimo sétimo do Rosário), sobre esta diferença
Alfredo Bosi não deixa de reconhecer que
se compararmos esses textos com a defesa coerente e sistemática que Vieira em-
preendeu da liberdade dos índios, não deixaremos de estranhar o que parece
incongruência, para não dizer flagrante injustiça...em relação aos negros trazidos
da África...(BOSI, 2011, p.76).
É também no Barroco que podemos encontrar em escritos artísticos uma primeira ma-
nifestação de discriminação com os elementos afros e indígenas. Na obra de Gregório de
Matos, em dados momentos, podemos notar um tom de desdém e menosprezo a tais mati-
zes étnicos, como no poema em que chama de “gente asnal” os “pretos, mestiços e mulatos”
(MATOS, 2010, p.42), ou ainda quando satiriza a figura do “fidalgo caramuru”, como era
chamado depreciativamente o descendente de português com linha materna indígena, “que
é fidalgo nos ossos cremos nós/... daqueles que comiam seus avós” (MATOS, 2010, p.109).
Ou ainda quando faz uso de palavras em língua indígena de maneira irônica e pejorativa:
“Há coisa como ver um Paiaiá/ mui prezado de ser Caramuru/ descendente de sangue tatu,/
cujo torpe idioma é Copebá” (MATOS, 2010, p.108).

Literatura Brasileira 215


16 O Afro-brasileiro e o indígena na literatura brasileira

Já no período literário e século seguinte, o Neoclassicismo ou Arcadismo brasileiro


registra pela primeira vez um protagonismo do elemento indígena em nossa literatura,
algo que, de certa forma, prenuncia o índio como herói estético o qual veremos em nosso
Romantismo do século XIX.
São conhecidos os personagens indígenas das empresas de poesia épica deste perío-
do. Se em Caramuru (1781), de Frei Santa Rita Durão, figuram com protagonismo as índias
Moema e, principalmente, Paraguaçu, no Uraguai (1769), de Basílio da Gama, temos os perso-
nagens Sepé Tiaraju e Cacambo, apresentados como figuras fortes e valorosas, além da per-
sonagem trágica de Lindóia. A respeito do elemento indígena em Uraguai, afirma Antonio
Cândido que “a simpatia pelo índio... acabou superando no seu espírito ao guerreiro por-
tuguês, que era preciso exaltar, e ao jesuíta, que era preciso demonizar” (CANDIDO, 1981,
p.132). Porém, mesmo com tal relevo, em O Uraguai, para a pesquisadora Luzia Aparecida
Oliva dos Santos, no poema de Durão, “permanece em sua arquitetura o traço imanente
do colonizador que rechaça a figura do nativo como homem da terra e dotado de direitos”
(SANTOS, 2009, p.19).

16.1.3 O indígena no Romantismo


É no Romantismo que se dará a primeira tentativa de construção de uma literatura
essencialmente brasileira. Tal projeto alicerçou-se especialmente na figura do índio, elevado
a um só tempo como elemento estético e identitário de nossa nação surgente. Como uma es-
pécie de resposta à literatura romântica europeia e seus cavaleiros medievais, os autores bra-
sileiros buscaram no índio uma fonte de inspiração, de distinção e singularidade, servindo
não apenas como “passado mítico (à maneira da tradição folclórica dos germanos, celtas ou
escandinavos), mas como passado histórico, à maneira da Idade Média” (CANDIDO, 1993,
p.20). Assim, praticamente contemporâneo de nossa independência política, o Romantismo,
desde seu início, legou-nos autores empenhados nesse projeto, como é o caso dos poetas da
chamada primeira geração: Gonçalves de Magalhães e o seu poema épico Confederação dos
Tamoios (1856) e, mais notadamente, Gonçalves Dias.
Gonçalves Dias já traz em sua própria vida a centralidade da questão étnica. Mestiço,
o poeta maranhense era filho de pai português e mãe cafusa. Esta mestiçagem lhe im-
pôs circunstâncias de discriminação social – vide a história do amor irrealizado por Ana
Amélia, filha de família nobre que proibiu a aproximação da moça com o jovem poeta
mestiço. Reza a lenda que esta frustração lhe inspirou muitos de seus poemas de amor,
como “Se se morre de amor” e “Ainda uma vez – adeus”. No entanto, é na temática indíge-
na que Gonçalves atingirá níveis estéticos inéditos em nossa poesia. Poemas como “I-Juca
Pirama” e “Canção do Tamoio” mostram o índio como a figura valorosa e bravia, marcada
pela idealização romântica, da mesma forma que também trazem como pano de fundo as
tradições e elementos da cultura indígena.
Capaz de “enfeixar admirável malabarismo de ritmos” (CANDIDO, 1993, p.75) em
versos que, muitas vezes, emulam os ritmos dos tambores de guerra indígenas, Gonçalves
apresenta de forma pioneira, a partir dos olhos e da voz do próprio colonizado, uma visão

216 Literatura Brasileira


O Afro-brasileiro e o indígena na literatura brasileira 16
fortemente crítica em relação à colonização e ao tratamento desigual e cruel impingido
pelo europeu aos povos indígenas. Exemplos ricos dessa postura são os poemas “Canto do
Piaga” e, especialmente, “Deprecação”. Também naquilo que se convencionou chamar de li-
rismo indianista, Gonçalves fez eco ao sofrimento indígena, como no belo poema “Marabá”,
em que uma índia sofre a rejeição de seus pares devido à sua condição mestiça.
Ainda no Romantismo, agora no âmbito da prosa, faz-se necessário mencionar o traba-
lho de José de Alencar. Mesmo que se possa observar em sua obra certa submissão do índio
ao colonizador europeu, principalmente, em O Guarani (1857). É também inegável que o
autor de Ubirajara (1974) procurou, principalmente no que diz respeito à linguagem, apro-
ximar a fala de suas personagens da forma de articulação das línguas indígenas. Alencar,
assim, recriou literariamente a maneira comparativa e metafórica de comunicação verbal do
índio, construindo dos mais belos momentos de nossa prosa romântica, como é o caso do
pequeno romance Iracema (1865).
Vale reafirmar que mesmo com o destaque da figura do índio em nosso Romantismo,
isso não significou que tal processo passou ao largo da estereotipização e descaracterização
de sua figura histórica. Muito menos que esta valorização estética correspondeu na mesma
proporção a uma valorização do ponto de vista social. Os povos indígenas permaneceram,
no contexto imperial e ao longo dos tempos, enfrentando os mais diversos e desumanos
processos de perseguição, de segregação, preconceito e extermínio por parte do colonizador
e, posteriormente, pelas classes dominantes de nossa sociedade.

16.1.4 O afro-brasileiro no Romantismo


Se em nosso Romantismo, o índio, pelo menos em termos estéticos, passou por um pro-
cesso de valorização, o mesmo não se deu em igual medida com relação aos afro-brasileiros.
Em larga medida, chancelando a visão de um país escravocrata, nossos autores românticos
apresentavam o elemento afro sob visão discriminatória, condescendente ou estereotipada,
como, por exemplo, o moleque negro, que é chamado de O demônio familiar (1857), na peça
de teatro homônima de José de Alencar. Ou o escravo despido de humanidade em As víti-
mas-algozes (1869), de Joaquim Manuel de Macedo. Ou ainda aparecendo em posições subal-
ternas, como o anão Tico, espécie de cão de guarda da protagonista, no romance Inocência
(1872), de Visconde de Taunay. Ainda mais emblemático é o caso do romance A Escrava
Isaura (1875), de Bernardo Guimarães, em que a protagonista possui a tez clara e recebe edu-
cação refinada dentro da casa grande. Em que pese o fato de o autor trazer pretensamente
uma crítica à escravidão, a construção de sua personagem ampara-se na proximidade de
Isaura com a cultura, cor de pele e classe dominante para angariar a empatia do leitor.
Mesmo assim, no âmbito de nosso Romantismo podemos encontrar alguns lances de vi-
são menos conformada e reprodutora do status quo em relação ao negro, como é o caso da
peça Os dois ou o inglês maquinista (1871), do dramaturgo Martins Pena. Nela, descontado o
fato de os personagens escravos não terem falas, as cenas em que os mesmos aparecem sendo
transportados em balaios ou espancados pela sua proprietária, D. Clemência, mostra uma ine-
quívoca crítica à situação dos negros dentro da alta sociedade brasileira do Segundo Império.

Literatura Brasileira 217


16 O Afro-brasileiro e o indígena na literatura brasileira

Ainda no período romântico, no que diz respeito ao afro-brasileiro, deve- se mencionar


o nome do poeta da chamada terceira geração, Castro Alves. Em sua poesia, o escritor baiano
transfigura o negro também em objeto de idealização, bem como de pretexto para a exaltação
da liberdade e defesa da causa abolicionista. Em poemas como “O navio negreiro” (1869) são
narrados os horrores sofridos pelos negros em razão do tráfico, inclusive já abolido à época
da escrita do texto. No entanto, vale ressaltar que neste texto, símbolo da poesia de Castro
Alves, não se atribui nenhum movimento de reação ou de revolta ao escravo. No poema, o
apelo para que levantem a causa da liberdade é feito não aos negros escravizados, mas aos
“heróis do Novo Mundo”, a Andrada, José Bonifácio, o patriarca da independência brasileira,
e a Colombo, o descobridor da América. Nenhuma alusão é feita, por exemplo, a Zumbi, num
tempo em que Palmares e outros quilombos já eram realidade.
Como observa Domício Proença Filho:
Estamos diante de uma poesia que não foge à tônica do seu tempo, necessário
dizê-lo. Apesar do seu empenho consciente e do seu entusiasmo, o poeta não
consegue livrar-se, nos seus textos, das marcas profundas de uma formação de-
senvolvida no bojo de uma cultura escravista. O que move a sua indignação é,
sobretudo, o sofrimento do negro, que ele vê como ser humano, e mais a neces-
sidade de a nação livrar-se da mancha da escravidão (PROENÇA FILHO, 2004).
Dessa forma, o negro em “O navio negreiro”, de maneira resignada e silenciosa, ouve
um poeta como seu advogado de defesa que pleiteia comover e conquistar a plateia para sua
causa. Todavia, mesmo que se faça tal ressalva a Castro Alves, é inconteste a contribuição
do poeta dentro da literatura e cultura brasileira no sentido de colocar em pauta, de forma
precursora, a situação do afrodescendente em nosso país.
Como mencionado no início do capítulo, há duas formas de se olhar para as questões
étnicas dentro de nossa literatura: a partir da temática e sob o ponto de vista biográfico dos
autores. Antes de encerrarmos este item, é preciso, portanto, mencionar um poeta afro-bra-
sileiro dentro de nosso Romantismo e contemporâneo de Castro Alves, trata-se de Tobias
Barreto, poeta, ensaísta, filósofo e jornalista, que participou da chamada Escola de Recife,
que nos legou obras como O gênio da humanidade (1866) e A Escravidão (1868).

16.1.5 O Realismo/Naturalismo
Falando em escritores de origem afro, é no período do Realismo, seguinte ao
Romantismo, que surge o maior nome de nossas letras e emblematicamente alguém fruto
da mestiçagem tão característica de nossa nação. Tecer considerações sobre os aspectos étni-
cos na obra e biografia de Machado de Assis é assunto espinhoso e que certamente necessita
de uma análise mais atenta. Há os que vejam no fato de um descendente afro-brasileiro se
tornar o maior escritor brasileiro uma forma de afirmação da etnia. Por outro lado, há os que
critiquem a ausência em sua obra dos problemas sociais diretamente ligados aos negros. Há
ainda os que enxergam na crítica mordaz à sociedade brasileira de seu tempo uma forma
de engajamento, ainda que indireto. O que nos parece é que a obra machadiana, mesmo nos

218 Literatura Brasileira


O Afro-brasileiro e o indígena na literatura brasileira 16
momentos em que envolve mais diretamente os escravos, como é o caso dos contos “O caso
da vara” (1891) e “Pai contra mãe” (1906), como sempre, aparenta transcender a questão
étnica para refletir sobre a tendência humana de explorar e, por vezes, escravizar o outro,
pelos mais diversos motivos. Nas palavras de Domício Proença Filho,
ao satirizar o comportamento comprometido dos personagens com as institui-
ções, a sua subserviência ao parecer, como garantia do sobreviver, ao caracteri-
zar o reconhecimento à necessidade do bem material como forma do estar bem
no mundo, Machado não referenda: denuncia, embora não acuse diretamente
(PROENÇA FILHO, 2004, p.15).
Também nesta mesma época temos a perspectiva naturalista, que aplicará sua visão
determinista e cientificista a uma literatura de aspiração documental, voltada especialmente
para as chagas e degradação urbanas. Nesta escola temos o nome de Aluísio de Azevedo,
que em seu romance O mulato (1881) apresenta o personagem Raimundo, belo e digno rapaz,
filho de escrava com o seu senhor, o qual ignora sua origem mestiça e sofre o preconceito e
a perseguição social, culminando num fim trágico. Assim como em Isaura, a nobreza de ca-
ráter de Raimundo associa-se ainda a uma dimensão estereotipada: a de vítima. Entretanto,
o mesmo Aluísio, que ensaia uma crítica ao preconceito neste romance, irá também incorrer
em viés discriminatório, em sua obra mais famosa, O cortiço (1900), ao sugerir a tese do ca-
ráter biologicamente predisposto à erotização e à sensualidade exacerbada do negro ou do
mestiço de negro, como é o caso das personagens Rita Baiana e seu noivo, Firmo.
Ainda no contexto do Naturalismo e nesta mesma linha do determinismo biológico,
temos o caso do romance O Bom-crioulo (1885), de Adolfo Caminha, que mostra o perso-
nagem central, Amaro, numa história em que se refere à homossexualidade como “um
vício” (CAMINHA, 1997, p.25); “imoralidade” (idem, p.30) ou um “delito contra a natu-
reza” (idem, p.38). Descontada, porém, a visão, para os padrões atuais, preconceituosa e
cientificamente equivocada, é este romance de Caminha um dos primeiros a trazer a figura
de um afro-brasileiro efetivamente como protagonista – junto de Maria Firmina dos Reis,
autora mestiça do romance Úrsula (1859), sendo também certamente o primeiro a tratar, na
cronologia do romance brasileiro, de maneira central o tema da homoafetividade.
Na última década do século XIX, viria à luz a obra de Cruz e Sousa, o mais importante
nome do Simbolismo brasileiro. De origem afro, filho de escravos alforriados, com sobre-
nome e educação esmerada recebidos dos senhores de seus pais, Cruz e Souza sofreu em
sua vida as dores do preconceito. Sua obra literária, entretanto, evidencia uma posição de
transcendência em relação às agruras da vida terrena. Porém, mesmo raramente abordando
de maneira mais direta a condição do afrodescendente na realidade brasileira, há momentos
em que a obra do autor de Broquéis (1893) nos lega profunda acuidade sobre o tema, como
é o caso do poema em prosa, “O emparedado” (1897), no qual lemos:
Artista! Podes lá isso ser se tu és d’África, tórrida e bárbara, devorada insacia-
velmente pelo deserto, tumultuada de matas bravias, arrastada sangrando no
lodo das Civilizações despóticas, torvamente amamentada com o leite amargo e
venenoso da Angústia! (SOUZA, 1995, p.359).

Literatura Brasileira 219


16 O Afro-brasileiro e o indígena na literatura brasileira

Descendente desse continente marcado pelo estigma da dor e da exploração das


“Civilizações despóticas”, vocacionado à arte, o poeta lamenta a sua condição, procurando
a saída pelo viés da sublimação ao deixar-se “para sempre perdidamente alucinado e empa-
redado dentro do teu Sonho”. Diz ainda Alfredo Bosi sobre este texto e sobre a obra de Cruz
e Souza que “a expressão de sua subjetividade rebelde é um dado inarredável que merece
manter-se em primeiro plano na tela do leitor, mas pressupõe as condições da cultura obje-
tiva do final do século XIX no Brasil” (BOSI, 2002, p.172).
Adentrando ao século XX, há que se mencionar os nomes dos chamados pré-moder-
nistas: Lima Barreto e Monteiro Lobato. No autor de Cidades mortas (1919) nota-se a discri-
minação em relação à mestiçagem, no retrato da suposta degenerescência racial do cabo-
clo Jeca Tatu, nos contos-ensaios “Velha praga” e “Urupês”, do livro homônimo de 1918.
Posteriormente, o próprio autor retrocedeu dessa visão, alegando que a condição do Jeca se
dava por motivos de saúde e não genéticos, criando a personagem Zé Brasil como uma espé-
cie resposta e reparação ao Jeca. De Lobato há ainda que se mencionar o romance O presiden-
te negro ou o choque das raças (1926), obra que, apesar de suas surpreendentes antecipações do
futuro - a eleição de um presidente americano negro depois dos anos 2000; as ideias esboça-
das do que seriam hoje os computadores, os celulares e a internet - tal livro é alicerçado lasti-
mavelmente sobre a visão da eugenia. Há que se falar ainda de certas menções depreciativas
para com as personagens negras, Tia Nastácia e Tio Barnabé, praticamente todas proferidas
pela boneca Emília, em sua obra mais famosa, o conjunto de livros infantis ambientados no
Sítio do Pica pau Amarelo. Mesmo em vista disso, acreditamos que tal fato não constitui mo-
tivo, como se defende por certos setores da intelectualidade e da educação no país, para se
censurar ou banir os livros de Lobato das escolas. O argumento central para essa postura é
que, descontados os erros e excessos do autor vistos por uma perspectiva atual, as gerações
de leitores de sua obra, que se sucedem e dos quais se tem notícia (Ziraldo, Ruth Rocha, Ana
Maria Machado, só para citar alguns dos escritores que se dizem influenciados pelo autor)
não se mostram marcados pelo racismo e pelo preconceito, muito longe e na contramão de
tais posturas, inclusive.
O escritor Lima Barreto, afrodescendente de origem humilde, viveu sob a égide do
preconceito, falecendo precocemente na pobreza, vítima do alcoolismo. Desde seu roman-
ce de estreia, o densamente autobiográfico Recordações do Escrivão Isaías Caminha (1909),
Barreto ataca frontalmente o problema do preconceito de cor existente em nosso país, do
qual foi vítima. Neste livro, Barreto, entre outras questões, põe às claras que, muitas vezes,
no Brasil, o apadrinhamento e o envolvimento em tramas escusas valem, do ponto de vis-
ta do reconhecimento social e até intelectual, mais do que o talento e o trabalho honesto.
Outra obra do autor de Triste fim de Policarpo Quaresma (1915) que ataca de forma incisiva
o preconceito étnico é o romance Clara dos Anjos (1948, publicação póstuma), no qual uma
moça, de origem afro, filha de pais humildes e moradora do subúrbio carioca é aliciada
pelo jovem branco de classe média Cassi Jones. Depois de iludida e enganada pelo canta-
dor de modinhas, Clara, grávida e abandonada, reflete ao final do enredo sobre sua condi-
ção étnica e social, lamentando: “nós não somos nada nesta vida” (BARRETO, 2011, p.146).
Certamente; se não foi o primeiro a tratar do tema em nossa literatura, Lima Barreto foi o

220 Literatura Brasileira


O Afro-brasileiro e o indígena na literatura brasileira 16
precursor tanto de uma visão mais realista e menos estereotipada de negros e mestiços em
nossa literatura, como também lhe emprestou uma voz cuja legitimidade e agudeza eram
inéditas em nossas letras. Para Alfredo Bosi, em Lima Barreto não encontramos
nem a tela escura do Naturalismo, com suas teorias dos instintos desencadeados
entre ‘gente de cor’ ou de ‘baixa extração’, nem o véu do populismo romântico
que idealiza a vida do pobre irão toldar o pensamento do narrador. O pobre
aparece-lhe real e complexo: solidário por necessidade e hábito, mas, como todo
ser humano, carente de respeito, de onde lhe vem uma irritabilidade de que se
afigura agressiva tão-só a olhos que não penetram o seu esforço para sobreviver
dignamente em um cotidiano adverso (BOSI, 2002, p.206).

16.2 A reconfiguração da presença do


indígena e do afro-brasileiro na modernidade
– Os anos 20 e 30 do século XX

16.2.1 O afro-brasileiro e o índio nos 20:


a revisão modernista
Com o advento do Modernismo no Brasil, a partir da Semana de Arte Moderna de
1922 e seus desdobramentos, nossos artistas e escritores fazem um trabalho de revisão e de
reavaliação de nosso passado histórico, cultural, artístico e literário. Autores como Mário de
Andrade e Oswald de Andrade, para projetar o futuro de nossa arte, viam como essencial
dialogar com os autores e textos do passado, muitas vezes para negá-los ironicamente, ou-
tras tantas para atualizá-los sob a perspectiva da modernidade.
É nesse sentido que vamos encontrar, por exemplo, as paródias de Oswald em seus cha-
mados poemas-pílula. Em “As meninas da gare”, ele praticamente reproduz trecho da Carta
de Caminha, colocando-o em versos: “Eram três ou quatro moças/ bem moças e bem gentis/
(...) E suas vergonhas tão altas e tão saradinhas/ Que de nós as muito bem olharmos/Não tí-
nhamos nenhuma vergonha” (ANDRADE, 1988, p.25). Numa analogia jocosa com as índias
observadas por Caminha nos 1500 e as moças de São Paulo do início do século XX. Oswald
também tece críticas ao processo colonizador, porém o que era revolta em Gonçalves Dias,
por exemplo, no autor de Os condenados, se torna uma espécie de lamento irônico, como no
poema “Erro de português”, em que lemos: “Quando o português chegou/ Debaixo duma
bruta chuva/ Vestiu o índio/ Que pena!/ Fosse uma manhã de sol/ O índio tinha despido/
O português” (idem, p.27). É ainda em Oswald de Andrade que vamos encontrar um elogio
de nossas origens indígenas nos manifestos Pau-Brasil (1924) e Antropofágico (1928). Porém
diferentemente do Romantismo, Oswald não propõe uma exaltação do índio feita por um
olhar externo e admirado (como em Alencar), nem tampouco falsear-lhe uma voz e uma
dicção emprestada de, por vezes, artificial linguagem poética (como em Magalhães ou até
G. Dias), mas, sim, o artista assumir-se como originário dessa nação mestiça, primitiva e

Literatura Brasileira 221


16 O Afro-brasileiro e o indígena na literatura brasileira

orgulhosamente, no sentido cultural, antropofágica. Nas palavras de Perrone-Moisés, “de-


vorar (metaforicamente) os aportes estrangeiros para nos fortalecermos, como faziam (lite-
ralmente) os índios tupinambás com os primeiros colonizadores do Brasil” (2007, p.24).
Afinado pelo mesmo diapasão de ideias, Mário de Andrade também faz essa viagem
revisora e reavaliadora ao passado. Estudioso das manifestações culturais e folclóricas do in-
terior do país, Mário de Andrade, sob a influência do etnógrafo alemão Koch-Grünber, escreve
a sua rapsódia Macunaíma, o herói sem nenhum caráter (1928), que nasce na floresta amazônica
e viaja, metamorfoseando-se, por todo o Brasil, indo parar em São Paulo, para, ao final do
enredo, retornar à sua terra de origem. Ainda que alguns estudiosos atualmente vejam em
Macunaíma certas inclinações preconceituosas – o personagem é, ao mesmo tempo, índio e
negro – e estereotipadas como a preguiça (do Jeca Tatu, de Lobato), o sensualismo exacerbado
e inato (da Rita Baiana, de Azevedo), a malandragem e a mentira (do Demônio Familiar, de
Alencar). Ainda assim, o que parece é que Mário de Andrade, ao dizer que seu herói era sem
caráter, talvez essa perífrase não queira apontar para um sentido univocamente negativo; ser
sem caráter algum pode também significar possuir todos os caracteres. Por isso, a exemplo do
Ulisses de Homero, Macunaíma é multifacetado e polimórfico, ele é índio, negro e também
branco (a cena da passagem dele e seus irmãos, Maanape e Jiguê pela fonte mágica, merece
especial atenção); ele é criança e adulto, feio e príncipe, indolente e desbravador, homem e mu-
lher, brasileiro e estrangeiro (vide a transfiguração ou transmutação em francesa para matar
o gigante Venceslau Pietro Pietra ao final do enredo). Assim, Macunaíma pode ser vista como
a primeira obra literária de destaque em nossa história a olhar de maneira positiva para um
fator cultural dos mais importantes para a constituição de nossa identidade como nação, que é
a miscigenação. Na contramão do Jeca de Lobato, Macunaíma é a afirmação, raspado o verniz
de gag que permeia o livro, de uma identidade brasileira múltipla e miscigenada, naquilo que
ela tem de limite e fraqueza, mas também no que possui de força e riqueza. Longe daquilo que
se chamou de mito da democracia racial (VIOTTI, 1999), cremos que em Macunaíma temos a
afirmação tanto dos elementos étnicos (índio, negro e branco) mesclados quanto também em
sua singularidade mítica, histórica e cultural.
Vale ainda lembrar que outros modernos da geração de 22 exploraram o caminho das
nossas tradições étnicas e culturais ligadas ao elemento indígena e afro. São os casos de Raul
Bopp, Cobra Norato (1931); Cassiano Ricardo, Martim Cererê (1928); e Menotti Del Picchia, Juca
Mulato (1917), entre outros.

16.2.2 Os anos 30: o indígena e afro-brasileiro para os


poetas e prosadores da segunda geração
A segunda geração do Modernismo brasileiro, também conhecida como geração de 30,
seguirá nesse processo de revisão e reavaliação de nosso passado histórico-cultural e literá-
rio. Na poesia teremos produções como as de Jorge de Lima em seus Poemas negros (1947),
os quais Gilberto Freyre chamou de afro-nordestinos, e que, mesmo escritos por uma pers-
pectiva exterior, de filho de senhor de engenho, e com certo apetite pelo pitoresco, enumera

222 Literatura Brasileira


O Afro-brasileiro e o indígena na literatura brasileira 16
poemas de intensa riqueza de imagens e aprofundada pesquisa linguístico-cultural. Neles,
Jorge de Lima fala dos seres que povoam seu universo afro-poético em termos de perso-
nagens (e situações) típicas, “embora várias delas oscilem entre o tipo e a individualidade,
incluindo-se aquelas que são evocadas pela memória da infância do poeta, como Celidônia,
Zefa Lavadeira, Maria Diamba e Benedito Calunga” (CAMILO, 2013, p.300).
Também pertencente a esta geração, Vinícius de Moraes, poeta que costumava se auto-
denominar o branco mais preto do Brasil, converteu-se a certa altura da vida ao Candomblé
e compôs com o violonista Baden Powell o antológico álbum Os afro-sambas (1966). Vinícius
também soube fundir elementos da cultura afro e dos morros cariocas com o teatro clássico
grego, na sua peça Orfeu da Conceição (1956), a qual três anos depois ganharia adaptação
cinematográfica do diretor francês Marcel Camus, com o filme denominado Orfeu Negro,
vencedor do Oscar de filme estrangeiro, no ano de 1960.
Se, na prosa dos anos 30, os elementos afro e indígena dão espaço para outro rol de ex-
cluídos da nossa sociedade como os retirantes assolados pela seca, os sertanejos explorados
pelos coronéis, os jagunços e cangaceiros afrontando o Estado que lhes negligencia direitos
essenciais, também não se pode dizer que as questões ligadas ao negro e ao índio esmaece-
ram por completo. É o que acontece, por exemplo, na obra do Jorge Amado, que, mesmo não
conseguindo fugir de certos estereótipos como o da sensualidade inata da mulher baiana, na
totalidade de sua obra e em livros como Jubiabá (1935) e Gabriela cravo e canela (1958), contri-
buiu ampla e profundamente para sedimentar uma visão positiva em relação a elementos da
cultura afro, elementos estes tão bem incorporados à cultura baiana e brasileira.
Na obra de José Lins do Rego também podemos notar a presença de personagens afro
e sua condição de pobreza e exploração, vivida no nordeste brasileiro. Sobre o romance
O moleque Ricardo (1935) e sua complementação, a primeira parte de Usina (1936), Luis
Ruffato, na introdução da antologia Questão de pele (2009), afirma que
Intercalado ao chamado ciclo da cana-de-açúcar, destoa dos romances anteriores
e posteriores pelo cenário (a ação decorre em Recife) e pelo tema (as agruras do
proletariado urbano). Negro, sem perspectivas no engenho, Ricardo foge e vai
trabalhar na capital pernambucana. Lá descobre o amor, a militância política e a
tragédia. O livro termina com sua prisão na ilha de Fernando de Noronha, mas a
história de Ricardo continua na primeira parte de Usina, que mostra o dia a dia
do presídio e seu envolvimento afetivo com o cozinheiro, seu Manuel. No final,
Ricardo volta para o engenho, derrotado (RUFFATO, 2012, p.15).
Em relação à obra de José Lins do Rego há que se mencionar os personagens José
Passarinho, Negro Floripes e Domingos, que aparecem especialmente, em Fogo Morto (1943).
Em sua obra, o denominado ciclo da cana, ao mesmo tempo em que retrata a decadência
dos engenhos, também aprese ta o fim do trabalho escravo, sintoma e causa deste contexto
(em Fogo morto, por exemplo, temos o episódio da libertação dos escravos do Engenho Santa
Fé). Entretanto, mesmo com tal mudança, o preconceito e as ideias racistas continuam sendo
traço inamovível das relações sociais e humanas daquele universo. Os personagens brancos,
até mesmo os que são pobres, estão constantemente reafirmando sua pretensa condição de

Literatura Brasileira 223


16 O Afro-brasileiro e o indígena na literatura brasileira

superioridade, maltratando e menosprezando os negros. É nesse ambiente hostil que os


afrodescendentes são (re)tratados de maneira zoomórfica e reificada: “negro do Santa Fé era
de verdade besta de carga” (REGO, 1978, p.137).

16.3 O afro-brasileiro e o indígena na


literatura contemporânea nacional – Dos
anos 40 do século XX aos dias atuais

16.3.1 O indígena
O que se percebe na literatura brasileira a partir dos anos 40 e nas décadas seguintes é
um esmaecimento da figura do indígena em nossas obras. Para Luzia Aparecida Oliva dos
Santos, “a descaracterização da figura do indígena tende, gradativamente, a alcançar o limi-
te” (SANTOS, 2009, p.34). É o que se percebe, por exemplo, no conto “Meu tio o Iauaretê”,
de Guimarães Rosa, pertencente à chamada geração de 45, em que o “nativo, representado
no sangue mestiço, chega ao ápice de sua desintegração tribal, impelido a regressar à flo-
resta como matador de onças, dada a incompatibilidade com o trabalho servil ao não índio”
(idem). O sentido de regresso ao universo totêmico, no conto, para a pesquisadora, está liga-
do à busca de uma identidade perdida, assumindo a personagem espectro de representação
coletiva do que a autora chama de “morte agônica da cultura ameríndia” (idem).
Já na década de 60 do século XX, surge o romance Quarup (1967), de Antônio Calado,
no qual
recria-se o ritual dos povos do Xingu, enquanto manifestação ritualística de re-
verência à memória de uma figura célebre, ao mesmo tempo em que questiona,
pelas linhas biográficas das personagens, o contexto histórico da era Vargas. No
entrelaçamento dos fios histórico, político e ficcional dá-se a vertente crítica do
desnudamento das circunstâncias de aculturação a que foram submetidos os po-
vos xinguanos (SANTOS, 2009, p.32).
Nos anos 70, o sociólogo Darcy Ribeiro lança seu romance Maíra (1976), resultado da
manipulação dos dados que coletou durante a experiência de dez anos de vivência entre
os indígenas. No entanto, o que o torna significativo “é sua constituição artística, pela qual
teceu as linhas frágeis da aculturação, resultantes da tragicidade do encontro do nativo com
a civilização” (SANTOS, 2009, p.33).
Nos anos 80 podemos citar A expedição Montaigne (1982), também de Antonio Calado,
apresentando novos caminhos para a construção do índio na literatura. Mais contempora-
neamente, ainda ligadas de uma forma ou outra à temática indígena, podem ser mencio-
nadas as obras Nove noites (2002), de Bernardo Carvalho; e Yuxin (2009), de Ana Miranda.
Deve-se mencionar também a antologia de poesia guarani Kosmofonia mbya guarani (2006),

224 Literatura Brasileira


O Afro-brasileiro e o indígena na literatura brasileira 16
organizada e traduzida pelo poeta Douglas Diegues em coautoria com o musicólogo
Guillermo Sequera, obra considerada dos mais sérios estudos sobre a poética indigenista.
A boa novidade das últimas décadas é o aumento de uma literatura indígena escrita por
índios e índios descendentes. Uma literatura em que a figura do indígena se faz construir
por ele próprio e a partir de suas vivências, cultura e cosmovisão. Fazem parte desta gera-
ção escritores como Olívio Jekupé, A mulher que virou Urutau (2011), Daniel Munduruku,
O Karaíba: Uma história do pré-Brasil (2010), e Kaka Werá Jecupé, A terra dos mil povos: história
indígena do Brasil contada por um índio (1998); obra na qual se diz que ser índio “é acreditar
que tudo possui espírito, até mesmo as palavras. Assim, índio seria uma qualidade de espí-
rito posta em uma harmonia de forma” (JECUPÉ, 1998, p. 13).
A literatura indígena contemporânea, portanto, é um espaço para as vozes, por tanto
tempo silenciadas, desses povos, que fazem da literatura hoje uma forma de luta e resistên-
cia para preservar sua história e cultura.

16.3.2 O afro-brasileiro
O que pode se dizer do afro-brasileiro em nossas letras é que, ao contrário do índio que
passou por um longo momento de esquecimento para retornar nas últimas décadas, a temá-
tica e produção ligadas ao elemento afro foram se intensificando até os nossos dias.
A partir da geração de 45 do século passado, podemos citar primeiramente a obra-pri-
ma A menina morta (1955), de Cornélio Pena, logo em seguida, o fenômeno editorial Quarto
de despejo (1960), de Carolina Maria de Jesus.
A partir da década de 1970, com o aparecimento de movimentos de valorização da
consciência negra, surgem inúmeras obras protagonizadas por personagens afro. Podem ser
citadas as coletâneas de contos Contos crioulos da Bahia (1961), de Dioscóredes M. dos Santos;
O carro do êxito (1972), de Oswaldo de Camargo; Um negro vai à forra (1977), de Edilberto
Coutinho; Contos afro-brasileiros (1980), organizada por Júlio Santana Braga e Cauterizai o meu
umbigo (1986), de Eustáquio José Rodrigues.
Há que se mencionar os romances Corpo vivo (1962) e Luanda, Beira, Bahia (1971), de
Adonias Filho, Os tambores de São Luís (1975), de Josué Montello, Crônica dos indomáveis delí-
rios (1991), de Joel Rufino dos Santos; e a trilogia A casa da água (1969), O rei de Keto (1980) e
Trono de vidro (1987), de Antonio Olinto. Além dos livros de poesia de Abdias Nascimento,
Axés do sangue da esperança (1983); Incursões sobre a pele (1996), de Nei Lopes; e Dionísio esfa-
celado (Quilombo dos Palmares) (1984), de Domício Proença Filho.
Mais recentemente, já no século XXI, apareceram, entre outras obras, Elegbara (2005), de
Alberto Mussa. Contos negreiros (2005), de Marcelino Freire; 20 contos e uns trocados (2006), de
Nei Lopes; além dos romances A noite dos cristais (2001), de Luís Fulano de Tal; e Um defeito
de cor (2006), de Ana Maria Gonçalves.
Por último, mas não menos importante, deve-se mencionar o trabalho do movimento
Quilombhoje, fundado em 1980 por Oswaldo de Camargo, Paulo Colina, Cuti e Abelardo

Literatura Brasileira 225


16 O Afro-brasileiro e o indígena na literatura brasileira

Rodrigues, responsável pela publicação dos Cadernos Negros, que reúne contos e poemas de es-
critores afrodescendentes, incentivando a produção de autores e obras ligados à cultura negra.
Uma das escritoras lançada pelos Cadernos Negros e que se tornou das mais destacadas
autoras de nossa contemporaneidade é Conceição Evaristo. Afro-brasileira, nascida numa
favela em Belo Horizonte, trabalhou como empregada doméstica até graduar-se em Letras
pela UFRJ e tornar-se professora. Hoje é doutora em Literatura Comparada e autora de
obras como o romance Ponciá Vicêncio (2003); o livro de poesias Poemas da recordação e outros
movimentos (2008) e o de contos Olhos d’Água (2014).
Sobre a cena literária afro-brasileira contemporânea, a mesma Conceição diz que
principalmente nas três últimas décadas, ao lado de obras que revelam um olhar
mais lúcido e coerente com a gama de experiências dos afro-brasileiros, depa-
ramo-nos cada vez mais com criações literárias em que a voz textual se impõe
como sujeito que se descreve, a partir de uma subjetividade experimentada como
cidadão negro na sociedade brasileira. Vem se consolidando um discurso como
contra voz à autoridade/autoria da letra hegemônica da literatura brasileira, que,
como a história, tende a obliterar a saga dos africanos e seus descendentes no
Brasil (EVARISTO, p.23-24).
Sendo assim, esta literatura brasileira que, atualmente, passa a dar mais voz a povos
e culturas de nossa nação que tanto foram silenciados ao longo dos tempos; esta literatura
mais plural e inclusiva pode se dizer cada vez mais legitimamente brasileira.

Ampliando seus conhecimentos

A personagem do romance brasileiro


contemporâneo: 1990-2004
(DALCASTAGNÈ, 2005, p. 2-5)

Literatura e perspectivas sociais

Ao interromper suas atividades e abrir um romance, o leitor busca, de


alguma maneira, se conectar a outras experiências de vida. Pode querer
encontrar ali alguém como ele, em situações que viverá um dia ou que
espera jamais viver. Mas pode ainda querer entender o que é ser o outro,
morar em terras longínquas, falar uma língua estranha, ter outro sexo,
um modo diferente de enxergar o mundo. O romance, enquanto gênero,
promete tudo isso a seus leitores – que podem ser leitoras, que têm cores,
idades, crenças, instrução, contas bancárias, perspectivas sociais muito

226 Literatura Brasileira


O Afro-brasileiro e o indígena na literatura brasileira 16
diferentes entre si. Portanto, a promessa de pluralidade do romance,
um sistema de “representações de linguagens”, nos termos de Bakhtin1,
envolve não só personagens e narradores(as), mas também seus(suas) lei-
tores(as) e autores(as). Reconhecer-se em uma representação artística, ou
reconhecer o outro dentro dela, faz parte de um processo de legitima-
ção de identidades, ainda que elas sejam múltiplas. Daí o estranhamento
quando determinados grupos sociais desaparecem dentro de uma expres-
são artística que se fundaria exatamente na pluralidade de perspectivas.

Assim, esta pesquisa tem início com um sentimento de desconforto


diante da literatura brasileira contemporânea, desconforto causado pela
constatação da ausência de dois grandes grupos em nossos romances:
dos pobres e dos negros. Ao pensar na realização de um grande mapea-
mento da personagem do romance brasileiro atual – com obras publi-
cadas entre 1990 e 2004 –, era atrás deles que estávamos indo, tentando
entender sua ausência a partir da compreensão do que estava se sobre-
pondo a eles. De um modo geral, esse tipo de ausência costuma ser cre-
ditada à invisibilidade desses mesmos grupos na sociedade brasileira
como um todo. Neste caso, os escritores estariam representando justa-
mente essa invisibilidade ao deixar de fora das páginas de seus livros
aqueles que são deixados à margem de nossa sociedade. A pergunta que
surgia então era se para fazer isso não seria preciso, muito mais que
excluir esses grupos de suas histórias, mostrar alguma tensão existente,
provocada pelos que não parecem estar ali.

Quando se afirma que algo é invisível, a situação é, de algum modo,


tornada objetiva. Ser invisível seria a qualidade de um objeto (uma
pessoa, um grupo de pessoas). Mas talvez o reverso da invisibilidade
seja justamente a dificuldade de enxergar. Passaríamos, então, da pre-
tensa objetividade de uma situação, para o problema da subjetividade
do observador. É ele, o observador (que somos cada um de nós, nossos
escritores preferidos, nossos melhores narradores) que escolhe (obvia-
mente imerso em sua própria experiência, de classe, de gênero, de vida)
o que quer, o que pode (o que queremos, o que podemos) ver. Por isso
mesmo, não nos bastaria mapear as personagens dos romances, seria
preciso saber também quem eram os seus autores. Se negros e pobres
apareciam pouco como personagens, como produtores literários eles

1 Bakhtin, Questões de literatura e de estética, p. 205.

Literatura Brasileira 227


16 O Afro-brasileiro e o indígena na literatura brasileira

são quase inexistentes. A partir dessas ausências, foram-se constatando


outras, entre as personagens mesmo – das crianças, dos velhos, dos
homossexuais, dos deficientes físicos e até das mulheres. Se eles estão
pouco presentes no romance atual, são ainda mais reduzidas as suas
chances de terem voz ali dentro. Os lugares de fala no interior da nar-
rativa também são monopolizados pelos homens brancos, sem deficiên-
cias, adultos, heterossexuais, urbanos, de classe média...

O silêncio dos grupos marginalizados – entendidos em sentido amplo,


como todos aqueles que vivenciam uma identidade coletiva que recebe
valoração negativa da cultura dominante, sejam definidos por sexo,
etnia, cor, orientação sexual, posição nas relações de produção, con-
dição física ou outro critério – é coberto por vozes que se sobrepõem
a ele, vozes que buscam falar em nome desses grupos, mas também,
embora raramente, pode ser quebrado pela produção literária de seus
próprios integrantes. Mesmo no último caso, tensões significativas se
estabelecem: entre a “autenticidade” do depoimento e a legitimidade
(socialmente construída) da obra de arte literária, entre a voz autoral e
a representatividade de grupo e até entre o elitismo próprio do campo
literário e a necessidade de democratização da produção artística. O
termo chave, neste conjunto de discussões, é “representação”, que sem-
pre foi um conceito crucial dos estudos literários, mas que agora é lido
com maior consciência de suas ressonâncias políticas e sociais.

De fato, representação é uma palavra que participa de diferentes contex-


tos – literatura, artes visuais, artes cênicas, mas também política e direito
– e sofre um processo permanente de contaminação de sentido. O que se
coloca hoje não é mais simplesmente o fato de que a literatura fornece
determinadas representações da realidade, mas sim que essas represen-
tações não são representativas do conjunto das perspectivas sociais. O
problema da representatividade, portanto, não se resume à honestidade
na busca pelo olhar do outro ou ao respeito por suas peculiaridades.
Está em questão a diversidade de percepções do mundo, que depende
do acesso à voz e não é suprida pela boa vontade daqueles que monopo-
lizam os lugares de fala.

[...]
Regina Dalcastagnè é professora de literatura na Universidade de Brasília,
autora do livro Literatura brasileira contemporânea: um território contestado,
entre outros.

228 Literatura Brasileira


O Afro-brasileiro e o indígena na literatura brasileira 16
Atividades
1. Na Carta do Descobrimento, Pero Vaz de Caminha descreve o indígena de maneira
deslumbrada, ao dizer que ‘‘os corpos seus são tão limpos, tão gordos e formosos”,
mas ao mesmo propõe “salvar esta gente”, pois, “esta gente não lhes falece outra coi-
sa para ser toda cristã, senão entender-nos”. Essa ambiguidade de posicionamento
se dá ao fato de que Caminha estava diante de uma nova cultura, diante do desco-
nhecido. Por meio de sua narrativa se instaura então um estereótipo da figura indí-
gena que facilmente podemos identificar, cite pelo menos dois elementos estereoti-
pados referentes ao indígena.

2. No movimento literário conhecido como Romantismo, nos deparamos com vários


exemplos de visão discriminatória em relação aos negros no Brasil. Porém, em poe-
mas de Castro Alves, como “O navio negreiro”, a figura do negro se faz principal,
enfatizando-se o sofrimento dos escravos. Por quais razões esse poema e a obra do
poeta condoreiro contribuíram para a discussão das questões afro-brasileiras na épo-
ca e por que a tal representação presente nele, vista por um olhar contemporâneo,
pode ser questionável?

3. Na segunda geração do Modernismo brasileiro, também conhecida como geração de


30, um dos autores que traz em sua obra a presença do negro é José Lins do Rego.
Que tipo de representação foi essa?

4. Na literatura contemporânea brasileira é de suma importância, quando se fala da


representação negra, mencionar o movimento Quilombhoje, fundado em 1980, por
Oswaldo de Camargo, Paulo Colina, Cuti e Abelardo Rodrigues, movimento esse
que foi responsável pela publicação dos Cadernos Negros, que reúne contos e poemas
de escritores afrodescendentes. Comente sobre a importância desse tipo de publica-
ção para o cenário cultural e literário do país.

Resolução
1. O primeiro estereótipo que podemos observar é da figura indígena como um ser
bárbaro, sem cultura alguma; o segundo é em relação à representação do índio como
seres belos, ignorantes e puros; e por último podemos notar que Caminha tinha a
visão de que o povo indígena não possuía uma religião e um sistema de crenças, o
que sabemos ser algo equivocado.

2. A obra de Castro Alves contribuiu para a discussão das questões afro-brasileiras


por justamente colocar em pauta o negro e seus sofrimentos numa época em que era
considerado normal o tratamento cruel e desumano pelo qual passavam os escravos.
Mas sob uma ótica contemporânea acerca dessas representações, podemos questio-

Literatura Brasileira 229


16 O Afro-brasileiro e o indígena na literatura brasileira

nar a maneira com que a figura do negro é exposta, por exemplo, no poema “O Na-
vio Negreiro”, pelo fato de essa representação não dar voz ao próprio negro, sendo
o elemento branco o advogado, a voz que defende um oprimido supostamente sem
capacidade para reagir.

3. Na obra de José Lins do Rego notamos muitos personagens negros que evidenciam
sua pobreza e exploração. As obras desse autor retratam a decadência dos engenhos
e o fim do trabalho escravo, mas ao mesmo tempo mostram que a libertação pouco
alterou a situação social dos negros, já que os personagens brancos, mesmo os mais
pobres, reafirmam constantemente sua suposta condição de superioridade, maltra-
tando e menosprezando os afro-brasileiros daquela região.

4. A publicação dos Cadernos Negros é de grande importância para a literatura afro e


brasileira contemporânea, já que traz representações do povo e da cultura afro por
um olhar e por uma escrita produzida por autores pertencentes a esta etnia, dando
espaço à voz tantas vezes calada desse povo. Além disso essas publicações trouxe-
ram importantes nomes para a literatura brasileira contemporânea, como por exem-
plo, a escritora Conceição Evaristo.

230 Literatura Brasileira


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244 Literatura Brasileira


Código Logístico
LITERATURA BRASILEIRA
André Gardel / Edgar Roberto Kirchof / Maria Márcia Matos Pinto / João Amálio Pinheiro Ribas

56744

Fundação Biblioteca Nacional


ISBN 978-85-387-6343-7

Fundação Biblioteca Nacional


9 7ISBN
8 8 5978-85-387-6319-2
38 763437
André Gardel
9 788538 76319 2 Edgar Roberto Kirchof
Maria Márcia Matos Pinto
João Amálio Pinheiro Ribas

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