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CURSO DE DIREITO
PROCESSUAL CIVIL
Volume i - Parte Geral
(Lei n.Q13.105/15 - Novo CPC)

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VERBATIM
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iiiiiliiiii,iilaicnulavAocinrrucsinitura(20l4)
|vki 1111)1 lincharei cm direito pela USP
\il\ii|i,nlo Professor de direito processual
(I N IM A K . PUC SP. MAC KI N Z Ii; e
I |*l)| c milor de livros c artigos no ramo do
illlvllo processual civil. I)irvtor iki ( T APIM >
. liH iiihiiiilo IB D I’

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O I IV F IK A . IXiutomnda em Direito
ProvcsMial Civil pela PIJC7SP. Mestra cm
I incito ( onsthucfcmal pela Instituição loledo
de I usino de Bauru (2006). lispcciulista cm
Dlruiki Processual Penal pela Universidade
( uldlicu IX>m Bosco (2005) e graduada em
Direito pelo Universidade Federal do Mato
( nosso I I W ) . Delensorj Pública do listado
ilc Mato Cirosso do Sul desde l‘WX. Diretora
da I seolu Superior dn IX-lciisoria Pública
I SIJP/MS (2013-atuiil >. Membro do IBDP
Insiituio Brasileiro de Direito Processual
c do IB IX Instituto Brasileiro de Direito
( onstitueional. Professora universitária.
O lavo de O liveira N eto
Elias M arques de M edeiros N eto
Patrícia Elias C ozzolino de O liveira

Curso de direito
PROCESSUAL
CIVIL
Volume 1 - Parte Geral
(Lei n.° 13.105/15- Novo CPC)

editora
VERBATIM
D ado, Inlarnaiinnal» ilr ( atal"K*\ An na PnMlM fáolt II')
(('Amara Brasileira do 1 Iviu. SI', llratll)

Oliveira Neto. ( )ldvn «Ir


t urco dc direito processual civil / Olavo de Oliveira Neto. RUás Marque» ile
Medeiros Neto, Patrícia fila» Couolín» dc Oliveira l.ed. SioPtulo Editora
Vcrbatim, 2015.

Bibliografia.
ISBN 978-85-8399-012-3

1. Processo civil 2. Processo civil • Brasil I Medeiros Neto, Elias Marques de.
IL Oliveira, Patricia Hlias Cozzollino dc. III. Titulo.

15-01180 CDU-347.9(8I)

índices para catálogo sistemático:


1. Brasil: Direito processual civil *47.9(81)
2. Brasil: Processo civil 347.9(81)

E ditor : Antonio Carlos Alv es Pinro Serrano


Assistente E ditorial : Marina Magalhães Serrano
C onselho E ditorial : .Antonio Carlos Alves Pinro Serrano, André M auro Lacerda
Azevedo, Fernando Reverendo Vidal Akaoui, Fulvio Gianella Júnior,
Josc Luiz Ragazzi, Hélio Pereira Bicudo, Luiz Alberto Das id Araújo,
Luiz R oberto Sallcs, Marcelo Sciorilli, Marco Antônio Moreira da Costa,
Marilcna I. Lazzarini, M otauri Cioehetti Souza, Ossvaldo Peregrina Rodrigues,
Roberto Ferreira Archanjo da Silva, Suelli Dallari, Vanderlci Siraque,
Vidal Serrano N unes Júnior, Vinícius Silva C outo Domingos.
Assistentes editoriais : Bárbara Pinzon de Carvalho Martins e Klaus Prellwitz
C apa e diagramaçào: Manuel Rebelato Miramontes

Direitos reservados desta edição por


E D IT O R A V ER B A TIM LTDA.
Rua Zacarias de Góis, 2006
CEP 04610 000 - São Paulo - SP
Tel. (O x x ll) 5533.0692
www.cditoraverbatim.com.br
c-mail: editoraverbatim@editoravcrbatim.com.br
PREFÁCIO

l h irv n um curso dc direito processual civil, cremos, representa uma das


hmIhd , aspirações de todos aqueles que se dedicam ao estudo desta disciplina
• • a. ailrmid Entretanto, não se trata de uma tarefa fácil. Pelo contrário. Tra-
i -i . .I,i ii all/.açào de esforço hercúleo na medida em que a matéria é muito
• ♦!• ir.,1, ilc conteúdo complexo e bastante abstrato, além da sempre presente
ni|iu lio dc realizar um bom trabalho acadêmico.
I mboi.i essa aspiração sempre fosse presente no atribulado dia a dia dos
«uti•(»*•», o estopim que deu ensejo a iniciativa foi a primeira noticia sobre a
li'Miiin,,|o de uma comissão encarregada de elaborar texto base para um novo
' iidlgo de Processo Civil. Esse seria o momento ideal para o lançamento da
"liiii, 11«liando do novo sistema a ser implantado. Começou ai o trabalho de
•diilMtMç.io dos textos relativos aos diversos capítulos, que no momento da
nl i iil.i cm vigor da Lei n° 13.105, de 16 de março de 2015, ainda está se com-
i l, inulo, o que acontecerá até o termo a quo da vacatio legis, conforme denota
” |'Iiiihi da obra.
Mal» do que a satisfação pessoal de ver as infindáveis horas gastas na frente
•Ia tela do computador recompensadas com a publicação do trabalho, os auto-
i, ■speram que ele possa contribuir de modo efetivo para uma melhor com­
ei, , n ,ao da matéria, agora tratada sob o enfoque de uma nova lei e, fatal-
i i i c m I c , de novos problemas.

Por isso, embora se trate de um Curso de Direito Processual Civil, que em


i■ , sc destina ao estudo por parte dos acadêmicos de direito, o que se procura
• abordar todos os temas de uma forma bastante técnica e aprofundada, apre-
cntiuido a doutrina mais autorizada, seja ela nacional, seja ela estrangeira,
bem como as questões mais polêmicas sobre os temas; de modo a perm itir
<|iii i obra também se preste para uso de todos aqueles que militam no dia a
,Ii.i lorcnse e por parte de alunos de cursos de aperfeiçoamento, atualização e
pó» graduação.
A larga experiência dos autores nas áreas acadêmica e profissional enri­
quece sobremaneira o conteúdo do trabalho, que por questão de método,
, nino se alerta no plano da obra, optou por evitar a citação de jurisprudência
na primeira edição. Afinal, todo o arcabouço jurisprudencial foi elaborado
sol) a égide cio Código de 1973, podendo não ser mantidas as orientações ado­
tadas sob a vigência do atual diploma.

Por fim, os autores encarecidamente solicitam que os leitores comuniquem


eventuais falhas ou dúvidas que possam advir do texto deste curso, com­
prometendo-se a examiná-las cuidadosamente e a promover as retificações
necessárias ao aprimoramento da obra.

São Paulo, 16 de março de 2015.

Olavo de Oliveira Neto


Elias Marques de Medeiros Neto
Patrícia Elias Cozzolino de Oliveira
PLANO DA OBRA

' t pnxente curso de direito processual civil é elaborado, precipuamente,


.....I........ vista a estrutura do novo Código de Processo Civil (Lei n° 13.105, de
In d) m arçode 2015) e o programa dos cursos de graduação e de mestrado da
I niili< Ia t iniversidade Católica de São Paulo - PUCSP, onde o autor Olavo de
i iliwiia Neto atua como professor de carreira e os autores Elias Marques de
•I».I» tros Neto e Patrícia Elias Cozzolino de Oliveira já atuaram como assis­
tí iili >iem estágio docente.
li ilando se de obra cujo lançamento foi pensado para coincidir com a
mI i ada cm vigor do novo Código de Processo Civil, mas sem olvidar que o

I , i n ido da vaca tio legis se presta, dentre outras finalidades, ao conhecimento


. iludo da nova legislação, o curso foi dividido em três volumes, com lança-
nin picvislos, aproximadamente, para março de 2015, para agosto de 2015
. |* ii o levereiro de 2015. Com isso se objetiva que o lançamento paulatino
......... plete juntamente com o momento em que a nova legislação passará a
piodu/li os seus efeitos.
11 ptlmeiro volume tem por conteúdo a Parte Geral do código, tratando
.l.i. Institutos essenciais do direito processual civil, o segundo volume trata
•I*• 1*1111 esso de conhecimento e o terceiro volume tem como objeto o pro-
........ Ir exet ução e os meios de impugnação das decisões judiciais (recursos).
I'm i.i/ões didáticas o livro relativo ao cumprimento de sentença é tratado
mm Iru n ro volume, juntamente com o processo de execução, já que ambas
> iitivid.ules possuem a natureza jurídica executiva. Alerta-se, entretanto,
•|ui prqoenus e pontuais alterações ainda podem acontecer na estrutura ora
» XpONlll,
I\i i .i viabilizar a elaboração desta obra no prazo originalmente previsto, os
iiiIimi •. dividiram entre si os diversos capítulos que compõe os volumes. Os
1 1*1*11 ulos constantes do primeiro volume foram todos elaborados pelo autor
1 tlrtvu de Oliveira Neto, enquanto os demais volumes têm seus capítulos divi­
didos entre os três autores. Por isso restou convencionado que, sendo o capí­
tulo de autoria do autor Olavo de Oliveira Neto, não haverá qualquer indica­
ção cm nota de rodapé. Mas quando o capítulo for elaborado pelo autor Elias
Marques de Medeiros Neto ou pela autora Patrícia Elias Cozzolino de Oli
veira, ou mesmo pelos autores em conjunto, então será especificada na nota
de rodapé a sua autoria.
Observa-se, por fim, que houve um grande esforço para que a primeira edi
ção deste curso fosse elaborada dando-se uma maior ênfase para a doutrina,
deixando-se de apresentar posições jurisprudenciais sobre os temas, já que
com o passar dos anos e o amadurecimento na aplicação do código, espera-se
a criação de uma nova jurisprudência, embasada diretamente no texto em
vigência. Nas próximas edições, portanto, pretende-se acrescentar ao texto a
nova doutrina e a nova jurisprudência oriundas da aplicação do código agora
em vigor.

São Paulo, 16 de março de 2015.

Olavo de Oliveira Neto


Elias Marques de Medeiros Neto
Patrícia Elias Cozzolino de Oliveira
Dedico esta obra a Patrícia, razão de todas as
razões. Espero que a teoria das cordas esteja certa e
que a doutrina espírita seja a correta. Assim continu­
arei te amando em todos os universos paralelos e por
todas as minhas encarnações.
Olavo

“Aos meus mestres e aos meus alunos, os quais


constante e diariamente me convidam a ser um pro­
fissional melhor.”.
Elias

“O amor é uma companhia. Já não sei andar só


pelos caminhos, Porque já não posso andar só...” (Fer­
nando Pessoa). E assim é graças a você, Olavo, meu
amor e razão de todas as minhas razões! A vocês
meus filhos, Isabel e Olavinho, porque o amor que
eu sinto é tão profundo e único que me faz querer ser
um ser humano melhor todos os dias da m inha vida!
Patrícia
OS AUTORES

• *1 W O líl OI | VKIR A NETO graduou-se em direito pela Pontifícia Uni-


< i i.l t.l. ( .iinli. ,i dc Sao Paulo em 1984, iniciando já no ano de 1985 os seus
' i‘ld . 1. |' m , graduação e sua a carreira no magistério, atuando como assis-
...... ■oluiii.ii Io do Professor Doutor João Batista Lopes e da Professora Dou-
i <• 11 | lls.tbcth de Castro Lopes, ambos na PUCSP. Também nesse ano
*i tulo no concurso de Procurador do Estado de São Paulo, sendo lotado
i i ■■m i.loi m de assistência Judiciária - PAJ e exercendo suas atividades
..... u i ,n ( 11 ivel, quanto na área criminal. Em 1988, aprovado no concurso
i i iM.ii.ilm de Justiça no Estado de São Paulo, foi promotor substituto na
........... i i.,.h>Judiciária de Taubaté e promotor titular nas Comarcas Estrela
i ■ 1 I. i. ,< Kv.i Ido Cruz e Jales, tendo se exonerado em 1990, isso em virtude de
i i 1. 1.. iiprovudo no concurso de Juiz de Direito no Estado de São Paulo. Foi
i M Miln.iilulo na Comarca de Jales e Juiz Titular nas Comarcas de Palmeira
....... i<. P.limitai, Marília e Araraquara, de onde se removeu para o cargo
i. I•11. I llul.ii 1 da 39". Vara Cível da Comarca da Capital. Atualmente está
i m .iilii como Juiz Assessor da Presidência da Seção de Direito Privado do
11 iIhumI de Justiça do Estado de São Paulo, onde atua principalmente com a
■ .mi «•, ao i admissibilidade de recursos para os Tribunais Superiores (STF e
M 11 . u.lo o Juiz Coordenador do Núcleo de Recursos Repetitivos (NURER).
• .1.ui gi.ui de Mestre em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universi-
i i.lr t alolica de São Paulo, em 1992, com a dissertação intitulada “Conexão
p. . l'i.indiciai idade”; e, de D outorem Direito Processual Civil na mesma ins-
'iiHii in. no ano de 1996, com a tese intitulada “Formas inominadas de inter-
■In, .Io de terceiros no processo de execução por quantia certa contra devedor
•if . nte Em 1999/2000 realizou estudos de Pós-doutorado em Direito Pro-
*.iial i ívil pela Università degli Studi di Milano (Milão-Itália), sob a super-
i ui do professor Edoardo Flavio Ricci. Atualmente é professor nos cursos
!■ i i a.Inação e de mestrado da PUCSP, tendo sido contratado tanto na gradu-
« ui. quanto na pós-graduação, após aprovação em Io lugar e com a nota dez
li* *i dois concursos, o segundo em empate com o Professor Doutor Wiliam
m i n . l erreira. Também atua como professor da Escola Paulista da Magis-
i mi ui a de São Paulo. Já foi Professor Titular de Direito Processual Civil dos
Cursos de Graduação, Mostrado c Doutorado da Instituição Toledo de Ensino
- Bauru/SP e da Univem, Professor Convidado do Curso de Mestrado da Uni
versidade Estadual de Londrina - UEL; Professor de Direito Processual Civil
da Unimar, da Faculdade de Direito Araraquara, da Escola da Magistratura
do Paraná e da Escola da Magistratura do Mato Grosso do Sul; e, Professor em
Cursos de Pós-graduação “Lato Sensu” em diversas Cidades, dentre elas: Ara-
çatuba, Bauru, Campinas, Campo Grande, Cascavel, Curitiba, Cuiabá, Feira
de Santana, Foz do Iguaçu, Franca, Jacarezinho, Londrina, Manaus, Marí-
lia, Maringá, Ourinhos, Paranavaí, Presidente Prudente, Ribeirão Preto, São
José do Rio Preto, São José dos Campos, São Paulo, Sorocaba, Toledo, Tupã e
Umuarama. É membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP),
do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP), do Centro de Estudos de
Direito Civil e Processual Civil (CECIPRO) e do Centro de Estudos Avança­
dos de Processo (CEAPRO). Publicou, dentre outros, os seguintes trabalhos:
a) Livros: Manual da monografia jurídica. 2a ed. São Paulo: Verbatim, 2013; A
defesa do executado e dos terceiros na execução forçada. São Paulo: RT, 2000;
Liquidação da sentença. São Paulo: Oliveira Mendes, 1998; Comentário a Lei
das Contravenções Penais. São Paulo: RT, 1994; e, Conexão por prejudiciali-
dade. São Paulo: RT, 1994; b) Livros Organizados: A prova no direito proces­
sual civil. São Paulo: Verbatim, 2014; Princípios processuais civis na Consti­
tuição. São Paulo: Elsevier, 2008; Tutelas coletivas e efetividade do processo.
Bauru: EDITE, 2005; c) Capítulos de livros publicados: Princípios informati­
vos da execução civil. In Execução civil e temas afins. São Paulo: RT, 2014; O
perfil das novas formas positivadas de intervenção de terceiros no projeto do
CPC: desconsideração da personalidade jurídica e amicus curie. In O direito
de estar em juízo e a coisa julgada. São Paulo: RT, 2014; O objeto da prova
no direito processual civil. In A prova no direito processual civil. São Paulo:
Verbatim, 2013; Breves considerações sobre o conteúdo e eficácia das decisões
proferidas na ação de improbidade administrativa. São Paulo: Atlas, 2013; O
respeito à forma como coadjuvante da doutrina dos precedentes na obten­
ção da segurança jurídica. In 40 anos da Teoria Geral do Processo no Brasil.
São Paulo: Malheiros, 2013. O processo como instituição constitucional. In
Panorama atual das tutelas individual e coletiva. São Paulo: Saraiva, 2011 . O
terceiro adquirente de bem penhorado ou alienado em fraude de execução -
Meios processuais adequados para a efetivação dos seus direitos. In O terceiro
no direito processual civil brasileiro e assuntos correlatos. São Paulo: RT, 2010.
\ i< iponsabil idade civil do estado por duração n&o razoável do processo. In
lb ipnnsabllldade civil do listado Desafios contemporâneos. São Paulo:
' tiMitin I atin, 2010 . O perfil jurídico da ação de impugnação de mandato
■I*i i '. > ln Temas de direito eleitoral - Estudos em homenagem ao Ministro
I" ■ Augusto Delgado. São Paulo: Pilares, 2009. O Princípio da fundamen-
'" itn das decisões judiciais. In Princípios processuais civis na Constituição.
M. Paulo: l lsevier, 2008; Princípio da Isonomia. In Princípios processuais
i• 1%iu ( ionstituição. Organizador. São Paulo: Elsevier, 2008. Os meios cxe-
ulivns e a real efetividade das ações afirmativas. In Direito Civil e processo
I it tidos em homenagem ao professor Arruda Alvim. São Paulo: RT, 2008;
\ it lorma do judiciário e a promoção por merecimento do magistrado. In
n> li.tma do judiciário. Curitiba: Juruá, 2006; O novo perfil da liquidação de
i iileuça. In Processo de execução civil - Modificações da Lei 11.232/05. São
P.mln (.)uartier Latin, 2006; Evolução do perfil jurídico e das limitações do
i|iiavo. Qual (Há) o futuro? In O novo regime do agravo de instrum ento e do
m mvii retido. São Paulo: Q uartier Latin, 2006; Breve notícia sobre a evolução
estrutura da tutela específica. In Tutelas coletivas e efetividade do processo.
Ii.itii u EDI TE, 2005; Novas perspectivas da execução civil - cumprimento da
utença. In Execução no processo civil - Novidades e tendências. São Paulo:
l' todo, 2005; O reconhecimento judicial da fraude de execução. In Execução
" il Aspectos polêmicos. São Paulo: Dialética, 2005; d) Artigos publicados
i mi periódicos: A necessidade de pedido específico na ação de indenização
I••o dano moral. In Revista do IASP n° 23. 2009; Condenação ao pagamento
>l> honorários na nova execução civil. In Revista do IASP n° 19. 2007; A Lei
n II 182. de 06 de dezembro de 2006 e o novo procedimento da execução de
tlliilii extrajudicial. In Revista do Tribunal Regional Federal da 3a Região n°
l<)B. 2007; Efetividade da defesa e os remédios processuais ofertados ao
u|< iln passivo na execução forçada. In Revista do Instituto de Pesquisas e
I iiuliis. 2007; Noções do procedimento monitório brasileiro para os italia-
ii" In Scientia luris. Londrina: UEL, 2005. O autor recebeu, dentre outras, as
. c.iiinles láureas: Vencedor, no ano de 1998, do prêmio “Professor Nota 10”,
iu i ituido pelo Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de
I ii .mu Superior no Estado de São Paulo; Vencedor no ano de 1994, do prêmio
|n .(• I icderico Marques”, instituído pela Escola Paulista da Magistratura; e,
• in <ijor no ano de 1992, do prêmio “Edgard de Moura Bittencourt”, insti­
tuído pela Escola Paulista da Magistratura. Por fim, no curso de sua atuação
como professor cm cursos de pós graduação, o autor já participou de mali
de duzentas bancas de mestrado e doutorado, cm inúmeras instituições de
ensino.

ELIAS MARQUES DE MEDEIROS NETO é Doutor e Mestre em Direito


Processual Civil pela PUC/SP (títulos obtidos em 2014 e em 2009). Pós Dou­
torado em Direito Processual Civil na Faculdade de Direito da Universidade
de Lisboa (2014/2015), com a supervisão da Professora Catedrática Paula
Costa e Silva. MBA em Gestão Empresarial pela FGV (2012). Especialista
em Direito da Economia e da Empresa pela FGV (2006). Especializações em
Direito Processual Civil (2004) e em Direito dos Contratos (2005) pelo IICS/
CEU. Pós Graduação Executiva no Programa de Negociação da Harvard Law
School (2013). Pós Graduação em Direito de Energia (2013) e em Direito da
Regulação e Infraestrutura (2014) pelo IBDE. Bacharel em Direito pela USP
(2001). Professor de Direito Processual Civil no Curso de Mestrado na Uni­
versidade de Marilia - Unimar (desde 2014). Professor Convidado na matéria
de Direito Processual Civil em cursos de Pós Graduação e Atualização (desde
2012, destacando-se a PUC/SP, a Escola Paulista de Direito - EPD, Macken-
zie). Professor assistente convidado na matéria de Direito Processual Civil na
graduação da PUC/SP (desde 2012). Advogado. Membro fundador e Diretor
do Ceapro - Centro de Estudos Avançados de Processo (desde 2014). Membro
do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Associado efetivo do Ins­
tituto dos Advogados de São Paulo (IASP). Presidente da Comissão de Direito
Processual Civil da OAB/SP, Pinheiros (desde 2013). Presidente da Comissão
de Energia do IASP (desde 2013). Membro da Comissão de Estudos do Judi­
ciário do IASP (desde 2013). Membro da Comissão de Estudos de Processo
Constitucional do IASP (desde 2013). Membro consultor da comissão espe­
cial de estudos do novo código de processo civil do conselho federal da OAB
(2013/2014). Autor de livros no ramo do Direito Processual Civil, dentre os
quais se destacam: “Proibição da Prova Ilícita no Processo Civil Brasileiro”
(Fiúza, 2010), “Aspectos Polêmicos da Nova Execução, Vol. 4” (RT, 2008, na
qualidade de coautor), “Aspectos Polêmicos do Agronegócio: Uma visão atra­
vés do contencioso” (Castro Lopes, 2013, na qualidade de organizador e coau­
tor), “A prova no direito processual civil: estudos em homenagem ao professor
João Batista Lopes” (Verbatim, 2013, na qualidade de segundo organizador
¥ . M.iiilor), "<»() desafios do Direito" (Atlas, 2013, na qualidade de coautor), e
I Marítimo e Portuário: novas questões" (Quartier Latin, 2013, naqua-
ii l «I. «I. co.mtor). Autor de diversos artigos no ramo do Direito Processual
' h d dentre os quais se destacam: RSDPC 28/55, RePro 209, RDDP 86, 99,
Ui ‘ . IIIASP 30/2012.

PMIMCIA ELIAS COZZOLINO DE OLIVEIRA é Doutoranda em


I um Uh Processual Civil pela PUC/SP, Mestre em Direito Constitucional pela
Im illulç.tn Toledo de Ensino - ITE/Bauru (2006) e Especialista em Direito
P..... v.iitd Penal Universidade Católica Dom Bosco (2003). Defensora Pública
•In I '.i.nlo tie Mato Grosso do Sul desde 1998, atualmente exerce a função de
I 'uclm.i da Escola Superior da Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul.
i membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP) e do Insti-
iiiIh Bi.isilciro de Direito Constitucional (IBDC). Professora Universitária,
n ii udo ministrado aulas na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
I I MS, na AKMS em Três Lagoas/MS, na Instituição Toledo de Ensino de
u mi u/SP e no Curso Preparatório para Concursos Pró-Ordem de Marília/SP.
1'nili soí a convidada em programas de pós-graduação ministrando aulas de
111 >ii.i constitucional, direito processual constitucional e direito processual
Ml Publicou os seguintes trabalhos: a) Livros: Habeas corpus: teoria e prá-
ii i Ia cd. São Paulo: Editora Verbatim, 2012 e A proteção constitucional e
111111 mu ional do direito à liberdade de eligiáo. São Paulo: Verbatim, 2010. b)
1 ipitulos de livros publicados: A prova do dano moral. In: Olavo de Oliveira
... |n. I lias Marques de Medeiros Neto e Ricardo Augusto de Castro Lopes
• A prova no direito processual civil: estudos em homenagem ao pro-
i. .ni João Batista Lopes. São Paulo: Verbatim, 2013; Breves considerações
......... tio conteúdo e da eficácia das decisões proferidas na ação de improbi-
il i.lc administrativa. In: Paulo Henrique dos Santos Lucon; Eduardo José da
........et a Costa; Guilherme Recena Costa. (Org.). Improbidade administrativa:
i p u to s processuais da Lei no. 8.429/92. São Paulo: Atlas, 2013; O processo
.uno instituição constitucional. In: Alberto Camina Moreira; Anselmo Prieto
Vlvurcz; Gilberto Gomes Bruschi. (Org.). Panorama atual das tutelas indivi­
dual c coletiva. São Paulo: Saraiva, 2011; Responsabilidade civil do Estado por
.luiaçáo não razoável do processo. In: Alexandre D artanhan de Mello Guerra;
1111s Manuel Fonseca Pires; Marcelo Benacchio. (Org.). Responsabilidade civil
i IhI nhuln I Rvs.ilios Contemporâneos. São Paulo: Quartier Latin, 2010; Sis-
ti m.i, n uras e princípios na Constituição brasileira de 1988. In: OLIVEIRA
NI T<),( Jl.ivo de; LOPES, Maria Elisabeth de Castro (Org.). Princípios proces­
suais civis na Constituição. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008; Princípio da isono-
miu. In: OLIVEIRA NETO, Olavo, LOPES, Maria Elisabeth de Castro (Org.).
Princípios processuais civis na Constituição Federal. Rio de Janeiro: Elsevier,
2008; A Prioridade de Tramitação Para Os Processos de Pessoas Portado­
ras de Deficiência. In: ARAÚJO, Luiz Alberto David; RAGAZZI, José Luiz
(Org.). A Proteção da Pessoa Portadora de Deficiência. Bauru: EDITE, 2006;
O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana na Constituição de 1988. In:
OLIVEIRA, Flávio Luis de (Org.). Perfis da Tutela Constitucional dos Direi­
tos Fundamentais. Bauru: EDITE, 2005. c) Artigos completos publicados em
periódicos: A necessidade de pedido específico na ação de indenização por
dano moral. Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo, v. 23, p. 250-
263, 2009; Um Olhar Sobre a Defensoria Pública - Instrum ento de Igualdade
no Estado Democrático de Direito. RDI. Revista Discente Interinstitucional
(UFSC), v. 1 , p. 325-342, 2006.
SUMARIO

PREFÁCIO................................................................................................................ 3
PLANO DA OBRA.................................................................................................. 5
OS AUTORES...........................................................................................................9

Livro I
NOÇÕES PROPEDÊUTICAS.
I. NOÇÕES PRELIMINARES............................................................................29
1.1. Vocabulário básico de direito processual civil............................................. 29
1.2. A estrutura do Código de Processo Civil.................................................... 34
1.3. Breve evolução histórica do direito processual civil....................................37
1.3.1. Importância da história do direito....................................................... 37
1.3.2. O Direito sem escrita............................................................................38
1.3.3. O Direito dos povos antigos................................................................. 39
a) Código de Hamurabi............................................................................40
b) Código de Manu.................................................................................. 42
1.3.4. O Direito na Grécia...................*......................................................... 43
1.3.5. O Direito Romano................................................................................ 44
1.3.6. O Direito dos povos germânicos...........................................................47
1.3.7. O processo comum (1088 até 1868)...................................................... 49
1.3.8. Processo civil científico........................................................................51
1.4. O direito processual civil brasileiro.............................................................. 52
1.5. As normas processuais e sua aplicação......................................................... 57
1.5.1. Norma processual no espaço (eficácia espacial ou territorial)..............59
1.5.2. Norma processual no tempo (eficácia temporal)..................................60
Verificação de Aprendizagem............................................................................. 62
Plunlficaçdo para aula...........................................................................................63
2. NOVOS PAKADKiMAS 1)0 D IR EITO PROCESSUAL CIVIL...................... 67
2.1. A reforma ideológica do processo civil c o CPC de 1973............................. 67
2.2. Constitucionalizaçio do direito processual civil e Modelo constitucional do
processo..........................................................................................................71
2.3. A revisitação dos institutos processuais....................................................... 75
Verificação de Aprendizagem..............................................................................76
Planificação para aula......................................................................................... 77
Bibliografia..........................................................................................................77
3. PRINCÍPIOS DO PROCESSO CIVIL.............................................................. 79
3.1. Princípios constitucionais do processo civil................................................. 81
a) Princípio do devido processo legal............................................................. 81
b) Princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional
(do direito de ação)............. .'................................................................83
c) Princípio do acesso à Justiça.......................................................................85
d) Princípio do contraditório......................................................................... 86
e) Princípio da ampla defesa........................................................................... 88
f) Princípio da Isonomia................................................................................ 90
g) Princípio do Juiz Natural........................................................................... 93
h) Princípio da publicidade dos atos processuais........................................... 95
i) Princípio da fundamentação das decisões judiciais....................................97
j) Princípio do duplo grau de jurisdição........................................................105
k) Princípio da proibição da prova ilícita......................................................106
l) Princípio da celeridade processual............................................................ 108
1. Meios que garantem a celeridade de tramitação..................................111
2. Razoável duração do processo.............................................................112
3.2. Princípios informativos do processo civil................................................... 115
a) Princípio dispositivo................................................................................. 117
b) Princípio do impulso oficial......................................................................119
d) Princípio da paridade de tratamento........................................................123
e) Princípio da oralidade...............................................................................126
f) Princípio da economia processual............................................................ 128
g) Princípio da fungibilidade....................................................................... 130
h) Princípio da lealdade processual............................................................ 131
Verificação de Aprendizagem............................................................................ 133
Planificação para aula........................................................................................134
Bibliografia........................................................................................................ 137
I. MECANISMOS COGNITIVOS DO PROCESSO CIVIL............................141
4.1. Teoria da cognição...................................................................................... 142
4.2. Relação de prejudicialidade......................................................................... 146
4.2.1. Breve apresentação do instituto...........................................................146
4.2.2. Evolução do conceito de relação de prejudicialidade..........................148
a) Escorço histórico................................................................................. 148
b) Concepção hodierna........................................................................... 151
c) Classificação proposta por Barbosa Moreira...................................... 155
Verificação de Aprendizagem............................................................................ 159
Planificação para aula........................................................................................160
Bibliografia.........................................................................................................161

Livro II
INSTITUTOS FUNDAMENTAIS
DO DIREITO PROCESSUAL CIVIL
5. TUTELA JURISDICIONAL........................................................................... 165
5.1. Considerações gerais....................................................................................165
5.2. Poderes inerentes à jurisdição..................................................................... 167
5.3. Características............................................................................................. 168
5.4. Definição..................................................................................................... 171
5.5. Tutela jurisdicional de direitos.................................................................... 173
5.6. Classificação das tutelas jurisdicionais........................................................175
5.7. Procedimentos de jurisdição voluntária (não contenciosos)....................... 179
Verificação de Aprendizagem............................................................................ 182
Planificação para aula........................................................................................ 183
Bibliografia........................................................................................................ 184
6. DIREITO DE AÇÃO........................................................................................ 187
6.1. Evolução histórica......................................................................................187
6.2. As condições chi ação no atual ordenamento processual........................... 19-1
a) As partes................................................................................................ 200
b) O Objeto (pedido)...................................................................................203
c) A causa de pedir......................................................................................204
6.3. As condições da ação.................................................................................205
a) Legitimidade de parte............................................................................ 205
b) Interesse de agir...................................................................................... 208
Verificação de Aprendizagem.......................................................................... 213
Planificação para aula......................................................................................214
Bibliografia...................................................................................................... 215
7. PROCESSO......................................................................................................219
7.1. Principais vertentes de pensamento acerca da natureza do processo........ 219
7.1.1. Natureza contratual............................................................................219
7.1.2. O processo como relação jurídica...................................................... 220
7.1.3. Outras concepções relevantes sobre a natureza do processo..............223
7.1.4. A revisitação do processo................................................................... 225
7.1.5. O que é instituição?............................................................................ 226
7.1.6. O processo como instituição constitucional...................................... 228
7.2. Definição....................................................................................................229
7.3. Finalidade...................................................................................................230
7.4. Características............................................................................................232
7.5. Pressupostos...............................................................................................234
Verificação de Aprendizagem.......................................................................... 239
Planificação para aula...................................................................................... 240
Bibliografia.......................................................................................................242

Livro III
ELEMENTOS ESSENCIAIS
À ESTRUTURA BÁSICA DO PROCESSO
8. COMPETÊNCIA INTERNACIONAL............................................................247
8.1. Os limites da jurisdição brasileira..............................................................247
8.2. Cooperação internacional..........................................................................252
Verificação cie Aprendizagem.......................................................................... 254
Planificação para aula.......................................................................................254
Bibliografia....................................................................................................... 255
9. COMPETÊNCIA INTERNA........................................................................... 257
9.1. Definição.................................................................................................... 257
9.2. Critérios determinativos.............................................................................259
a) Critério objetivo....................................................................................... 259
b) Critério funcional.................................................................................... 261
c) Critério territorial.................................................................................... 265
9.3. Princípio da perpctuatio jurisdictionis ..................................................... 271
9.4. Competência absoluta e competência relativa............................................ 273
9.5. Foro de eleição............................................................................................ 275
9.6. Cooperação nacional.................................................................................. 277
Verificação de Aprendizagem........................................................................... 279
Planificação para aula.......................................................................................280
Bibliografia....................................................................................................... 280
10. CONEXÃO DE CAUSAS............................................................................... 283
10.1. Noções gerais............................................................................................ 283
a) A conexão na França................................................................................284
b) A conexão na Alemanha..........................................................................286
10.2. A teoria tradicional. (Teoria clássica ou Teoria de Pescatore)................. 287
10.2.1. Conteúdo..................................*...................................................... 287
10.2.2. Influência da teoria tradicional........................................................ 289
a) Influência na Itália............................................................................. 290
b) Influência no Brasil............................................................................ 291
10.2.3. Outras teorias acerca da conexão de causas: a) A teoria de
Carnelutti (Teoria da identidade de questões).
b) A teoria materialista...................................................................... 293
a) A teoria de Carnelutti (Teoria da identidade de questões)................. 294
b) A teoria materialista...........................................................................302
10.3. Nossa posição acerca da conexãode causas...............................................303
10.4. Atual perfil da conexão de causas............................................................ 308
10.5. Possibilidade de aplicação da teoria materialista da conexão
em face do Direito Positivo Brasileiro.......................................................... 314
10.6. Continência de causas...............................................................................317
Verificação de Aprendizagem........................................................................... 320
Planificação para aula....................................................................................... 321
Bibliografia....................................................................................................... 322
11. AS PARTES E OS PROCURADORES..........................................................325
11.1. Capacidade processual.............................................................................. 325
a) Incapazes..................................................................................................326
b) Cônjuges.................................................................................................. 328
c) Pessoas jurídicas e universalidades.......................................................... 332
d) Regularização da capacidade processual em juízo.................................. 333
11.2. Dos deveres das partes e dos seus procuradores.......................................334
11.2.1. Litigância de má-fé............................................................................ 338
a) Taxatividade e limites subjetivos........................................................338
b) Processamento e conteúdo.................................................................340
11.2.2. Despesas processuais........................................................................ 343
a) Despesas e multas...............................................................................345
b) Honorários advocatícios.................................................................... 347
11.2.3. Da gratuidade de justiça................................................................... 352
a) Limites do benefício........................................................................... 352
b) Processamento....................................................................................355
11.3. Dos procuradores......................................................................................357
11.4. Sucessão das partes e dos procuradores....................................................360
a) Sucessão das partes.................................................................................. 360
b) Sucessão dos procuradores.......................................................................363
11.5. Substituição processual.............................................................................365
Verificação de Aprendizagem........................................................................... 367
Planificação para aula....................................................................................... 369
Bibliografia.......................................................................................................371
12. LITISCONSÓRCIO....................................................................................... 373
12. 1. Definição..................................................................................................373
12.2 . Classificaçfto............................................................................................. 374
12.2.1.1.itlsconsórcio unitário ou simples....................................................375
a) Distinção do litisconsórcio necessário............................................... 375
b) Conteúdo............................................................................................377
12.2.2. Litisconsórcio necessário ou facultativo.........................................379
a) Distinção............................................................................................ 379
12.3. Princípio da autonomia dos litisconsortes............................................... 385
12.4. Intervenção iussu iudicis......................................................................... 387
Verificação de Aprendizagem........................................................................... 389
Planificação para aula.......................................................................................390
Bibliografia....................................................................................................... 391
13. DA INTERVENÇÃO DE TERCEIROS...................................................... 393
13.1. Noções Gerais........................................................................................... 393
13.1.1. Definição........................................................................................... 394
13.1.2. Interesse............................................................................................ 395
13.1.3. Classificação......................................................................................398
13.2. Assistência................................................................................................ 401
13.2.1. Definição...........................................................................................401
13.2.2. Admissão do assistente.....................................................................403
13.2.3. Assistência simples e assistência litisconsorcial................................405
13.3. Denunciação da lide................................................................................. 407
13.3.1. Denominação....................................................................................407
13.3.2. Definição e natureza.........................................................................409
13.3.3. Hipóteses de cabimento.................................................................... 411
13.3.4. Processamento.................................................................................. 415
13.4. Chamamento ao processo........................................................................ 420
13.4.1. Definição e natureza.........................................................................420
13.4.2. Hipóteses de cabimento...................................................................423
13.4.3. Processamento..................................................................................426
13.5. Incidente de desconsideração da personalidade jurídica..........................427
13.5.1. A desconsideração da personalidade jurídica.................................427
13.5.2. Perfil do incidente.......................................................................... 42s>
13.6. Amicus curiac........................................................................................ 4.12
13.6.1. Noções gerais.................................................................................... 432
13.6.2. Natureza e definição......................................................................... 433
13.6.3. Admissão no processo...................................................................... 435
Verificação de Aprendizagem........................................................................... 439
Planificaçâo para aula.......................................................................................440
Bibliografia....................................................................................................... 444
14. OS PERSONAGENS DO PROCESSO........................................................ 447
14.1. Magistratura............................................................................................. 447
14.1.1. Definição........................................................................................... 447
a) Acepção objetiva................. 448
b) Acepção subjetiva.............................................................................. 449
14.1.2. Seleção dos magistrados....................................................................451
14.1.3. Garantias constitucionais................................................................. 453
14.1.4. Princípios insertos no CPC............................................................... 455
14.1.5. Impedimento e suspeição do magistrado..........................................459
a) Hipóteses de ocorrência..................................................................... 459
14.2. Auxiliares da Justiça................................................................................. 465
14.3. Ministério Público.................................................................................... 468
14.3.1. Generalidades................................................................................... 468
14.3.2. Princípios institucionais................................................................... 471
14.3.3. Atribuições no juízo cível................................................................. 472
14.4. Da Advocacia Pública............................................................................... 474
14.5. Defensoria Pública....................................................................................479
14.5.1. Generalidades.................................................................................... 479
14.5.2. Princípios institucionais e objetivos................................................. 481
Verificação de Aprendizagem...........................................................................484
Planificaçâo para aula.......................................................................................485
Bibliografia....................................................................................................... 487
l i. TEORIA GI RAI DOS A l OS PROCESSUAIS............................................ 489
15.1. Noções gerais............................................................................................ 489
15.2. Princípios..................................................................................................491
15.3. Classificação............................................................................................. 498
a) Atos da parte............................................................................................499
b) Atos do juiz..............................................................................................500
c) Atos dos auxiliares da Justiça...................................................................502
15.4. Lugar dos atos processuais........................................................................503
15.5. Flexibilização do procedimento............................................................... 504
Verificação de Aprendizagem...........................................................................506
Planificaçâo para aula.......................................................................................506
Verificação de Aprendizagem........................................................................... 506
Planificaçâo para aula.......................................................................................506
Bibliografia...................................................................................................... 507
16. TEORIA DOS PRAZOS................................................................................509
16.1. Definição...................................................................................................509
16. 2. Princípios................................................................................................. 510
a) Paridade de tratamento............................................................................ 511
b) Brevidade e utilidade................................................................................513
c) Não continuidade..................................................................................... 514
d) Inalterabilidade........................................................................................ 515
16.3. Classificação........................................................................................... 516
16. 4. Contagem.................................................................................................518
16. 5. Verificação dos prazos e penalidades.......................................................523
16. 6. Tempo dos atos processuais..................................................................... 525
16. 7. Preclusão.................................................................................................. 528
Verificação de Aprendizagem........................................................................... 531
Planificaçâo para aula....................................................................................... 532
Bibliografia.......................................................................................................533
17. ATOS PROCESSUAIS EM ESPÉCIE............................................................535
17.1. Comunicações dos atos processuais.......................................................... 535
17.2. Dal cartas..................................................................... 536
17.3. Da citação............................................................................................... 539
17.3.1. Noções gerais.................................................................................. 539
a) Definição e natureza jurídica...........................................................539
b) Necessidade........................................................................................542
c) Destinatário e local............................................................................ 544
17.3.2. Efeitos................................................................................................545
17.3.3. Modalidades......................................................................................548
a) Citação real indireta: correio e meio eletrônico................................. 548
b) Citação real direta: oficial de justiça e escrivão.................................. 551
c) Citação ficta ou presumida: edital e hora certa.................................. 552
17.4. Intimações................................. ..............................................................557
17.5. Distribuição e registro.............................................................................560
17.6. Do valor da causa.................................................................................... 564
a) Necessidade e mensu ração..................................................................... 564
b) Finalidades...............................................................................................566
c) Impugnação............................................................................................. 568
Verificação de Aprendizagem........................................................................... 569
Planificação para aula....................................................................................... 569
Bibliografia....................................................................................................... 571
18. TEORIA DAS NULIDADES......................................................................... 573
18.1. Noções gerais............................................................................................ 573
18.2. Regimes de decretação de nulidades.........................................................575
18.3. Classificação..............................................................................................576
18.4. Princípios.................................................................................................. 579
Verificação de Aprendizagem.......................................................................... 581
Planificação para aula......................................................................................582
Bibliografia...................................................................................................... 582
19. FORMAÇÃO, SUSPENSÃO E EXTINÇÃO DO PROCESSO..................... 585
19.1. Formação................................................................................................... 585
19.2. Suspensão..................................................................................................588
19,3. Extinção...............................................................................1................... 592
Vcriflcaç&o dc Aprendizagem........................................................................... 593
Planificaç&o para aula.......................................................................................594
Bibliografia....................................................................................................... 594
Ml DAS MEDIDAS CAUTELARES AS TUTELAS DE URGÊNCIA............... 597
20.1.0 processo cautelar como uma terceira espécie de processo....................597
20.2. Evolução do processo cautelar no Brasil.................................................. 600
20.3. Perfil da tutela antecipada no CPC de 1973............................................. 605
20.3.1. Âmbito de cabimento....................................................................... 605
20.3.2. Concessão da medida.......................................................................606
20.3.3. Requisitos......................................................................................... 608
20.4. Perfil da tutela cautelar no CPC de 1973.................................................. 610
20.4.1. O processo cautelar........................................................................... 610
20.4.2. Poder geral de cautela....................................................................... 613
20.4.3. Procedimento cautelar...................................................................... 615
Verificação de Aprendizagem........................................................................... 617
Planificação para aula....................................................................................... 618
Bibliografia....................................................................................................... 619
21. TUTELA PROVISÓRIA................................................................................ 621
21.1. Noções gerais............................................................................................ 621
21.1.1. Classificação...................................................................................... 622
21.1.2. Eficácia..............................................................................................624
21.1.3. Efetivação.......................................................................................... 626
21.1.4. Demais aspectos tratados..................................................................628
21.2. Tutela de urgência..................................................................................... 629
21.2.1. Perfil..................................................................................................629
21.2.2. Requisitos..........................................................................................631
21.2.3. Liminar............................................................................................. 633
21.2.4. Responsabilidade por dano causado pela tutela de urgência............637
21.3. Tutela antecipada antecedente.................................................................. 638
21.3.1. Estabilização da tutela de urgência.................................................638
21.3.2. PetiçAo simplificada........................................................................ Md
21.3.3. Aditamento ou emenda da petição simplificada............................. M t
21.3.4. Estabilização do provimento........................................................... 6-h
21.4. Tutela cautelar antecedente......................................................................MV
21.4.1. Noções iniciais................................................................................. 64V
21.4.2. Procedimento.................................................................................. 650
21.5. Tutela de evidência.................................................................................. 655
21.5.1. Definição..........................................................................................655
21.5.2. Hipóteses de cabimento...................................................................657
Verificação de Aprendizagem..........................................................................660
Planificação para aula......................................................................................661
Bibliografia...................................................................................................... 666
LIVRO I

NOÇÕES PROPEDÊUTICAS.
1. NOÇÕES PRELIMINARES

1.1. Vocabulário básico de direito processual civil. 1.2. A estrutura do Código de Pro
cesso Civil. 1.3. Breve evolução histórica do direito processual civil. 1.3.1. Importância
da história do direito. 1.3.2.0 Direito sem escrita. 1.3.3.0 Direito dos povos antigos, a)
( lódigo de Hamurabi. b) Código de Manu. 1.3.4. O Direito na Grécia. 1.3.5. O Direito
Romano. 1.3.6. O Direito dos povos germânicos. 1.3.7. O processo comum (1088 até
1868). 1.3.8. Processo civil cientifico. 1.4. O direito processual civil brasileiro. 1.5. As
normas processuais e sua aplicação. 1.5.1. Norma processual no espaço (eficácia espa­
cial ou territorial). 1.5.2. Norma processual no tempo (eficácia temporal).

1.1. Vocabulário básico de direito processual civil.


Quando se inicia o estudo de uma língua estrangeira há necessidade de
uma fase inicial, destinada ao conhecimento das suas noções básicas, sem as
quais não será possível a compreensão do novo idioma. Como formar uma
frase, por exemplo, quando se desconhece o significado de um termo ou a
maneira de se conjugar determinado tempo verbal? O mesmo se dá com rela
çáo a qualquer ciência ou disciplina de uma determinada ciência. Isso porque
Ioda ciência possui um vocabulário básico próprio, que deve ser conhecido,
para que seja possível a compreensão inicial dos seus institutos.
Daí a razão pela qual os dois primeiros itens do presente capítulo se des
tinam especificamente àqueles que ainda não tiveram contato com o direito
processual civil, ou seja, aos estudantes que iniciam seus estudos acerca da
disciplina; podendo os demais passar diretamente ao estudo da evolução his
tórica do processo civil.
Inicialmente, portanto, serão apresentadas algumas noções básicas de
institutos que serão devidamente estudados no decorrer deste curso, sem a
preocupação de uma definição precisa, na medida em que acreditamos que
até mesmo uma noção técnica, no primeiro momento, traria dificuldade para
alguns estudantes, desacostumados com a linguagem jurídica e, em especí­
fico, com a linguagem do processo civil.
Em seguida, como se verá, faremos uma apresentação do nosso Código
de Processo Civil, isso para que o estudante tenha contato com o instru
mento que será utilizado do primeiro até o último momento da sua carreira
profissional, coni o qual irá se acostumando pnulutinamente, ao estudar os
Institutos nele contidos.
Começamos, portanto, com a apresentação de um vocabulário básico
do direito processual civil, utilizando uma linguagem bastante coloquial e,
advirta-se mais uma vez, comprometida apenas com a finalidade de apresen­
tar o tema ao estudante, para que possa ter a ideia inicial dos institutos que
futuramente irá estudar de maneira mais aprofundada.
Vejamos, destarte, a definição dos seguintes termos:
AÇÃO - Várias são as acepções do termo ação, que também é utilizado
para representar os autos do processo e a possibilidade de provocar o Poder
Judiciário para que processe e julgue uma determinada questão. Na verdade a
ação deve ser compreendida como um direito que a parte exerce, com a fina­
lidade de obter a prestação de tutela jurisdicional. Embora sejam inúmeras
as classificações a respeito da ação, costuma-se falar que ação declaratória é
aquela que visa apenas declarar um direito, ação constitutiva é aquela que visa
constituir ou desconstituir uma relação jurídica e ação condenatória é aquela
que visa impor uma obrigação ao réu.
- ACÓRDÃO - Trata-se da decisão proferida, normalmente em grau de
recurso, por um órgão Jurisdicional colegiado; mantendo, reformando ou
anulando uma decisão judicial.
- APELAÇÃO - Apelação é a espécie de recurso cabível contra sentença.
- AGRAVO - Agravo é a espécie de recurso cabível contra algumas deci­
sões interlocutórias.
- ATOS DO JUIZ - Os atos jurisdicionais do juiz são classificados como
sentença, decisão interlocutória e despacho. Enquanto os despachos não pos­
suem cunho decisório, servindo apenas para movimentar o processo; as deci­
sões interlocutórias e as sentenças decidem algo. No caso da sentença, o juiz
decide o conteúdo do processo ou sua falta de viabilidade técnica; enquanto
na decisão interlocutória o juiz resolve uma questão pendente, como a admis­
sibilidade ou não de uma perícia em determinado processo.
- AUDIÊNCIA - Momento processual designado pelo magistrado, com a
finalidade de conciliar, instruir ou julgar o feito. Vários atos processuais são
realizados na audiência, como a tentativa de conciliação, a oitiva das partes ou
das suas testemunhas, os debates entre os defensores e a prolação de sentença.
I nislem audiências que visam apenas conciliar as partes c audiências que
vi ..mi instruir o processo, sendo o momento oportuno para a produção da
pinva oral.
AUTOS - O termo autos é utilizado, normalmente, para representar
m.iterialmente o processo. Assim como um conjunto de folhas compõe uma
rrvista, o conjunto das peças produzidas pelas partes (petições) e dos docu­
mentos produzidos em juízo (auto ou termos processuais, sentenças, decisões
interlocutórias e despachos) dão forma aos autos.
- CITAÇÃO - É o ato que comunica a existência do processo para o réu,
pura o executado ou para o interessado, advertindo-o que deve responder ao
«hamamento do juízo, oferecendo resposta.
- COISA JULGADA - Grosso modo e em termos atécnicos, trata-se da
Imutabilidade de uma sentença, que não pode mais ser objeto de impugnação
válida. (A rigor deve ser definida como o caráter de imutabilidade c incontes-
tabilidade que se agrega ao comando emergente da sentença).
- COMPETÊNCIA - É a parcela da jurisdição (Poder Jurisdicional) atribu­
ída a um determinado Órgão Jurisdicional, segundo critérios previstos por lei.
I rata-se, por exemplo, da regra segundo a qual um determinado juízo possui
competência para resolver as questões cíveis ocorridas dentro do seu território
(competência territorial). Quando o juízo não é competente para conhecer e
decidir determinada demanda, diz-se que o juiz ou juízo são incompetentes.
- CONCLUSÃO - O termo é utilizado para indicar que o processo está
com o magistrado. Quando o processo encontra-se com o patrono das partes,
com o promotor, defensor ou perito diz-se que está com carga para tais sujei­
tos processuais.
- CONTESTAÇÃO - Contestação é a peça produzida pelo réu com a fina­
lidade de se defender no processo, contrariando as alegações formuladas pelo
autor em sua petição inicial. Nela o réu deve alegar toda a matéria de fato e de
direito que pretende ver discutida, sob pena de não poder aduzir novas alega­
ções posteriormente. Sua ausência importa a revelia, com a presunção de que
as alegações do autor são verdadeiras.
- CUMPRIMENTO DA SENTENÇA - O cumprimento da sentença é uma
fase do processo, posterior a sentença do juiz, destinada a realização de atos
que visam efetivar a decisão proferida.
DIREI TO PROCESSUAL CIVIL - Enquanto disciplina da ciência jurí
dica, o direito processual civil pode ser definido como um sistema de princí­
pios e regras, que tem por finalidade regular a conduta das partes, do juiz e de
todos que intervém no processo.
- DOUTRINA - É a opinião dos estudiosos do direito acerca de determ i­
nado tema. Fala-se em doutrina dominante quando vários autores, de quali­
dade reconhecida, assumem uma posição semelhante acerca de um mesmo
problema.
- EMBARGOS - O termo embargos, que significa embaraço, possui inúm e­
ras acepções no processo civil. Dentre os vários significados os mais comuns
são: a) os embargos de declaração, uma espécie de recurso que visa esclarecer
o conteúdo de uma decisão; b) os embargos de terceiro, um procedimento
especial contencioso; e, c) os embargos à execução, uma ação utilizada pelo
executado para se defender da execução que lhe é proposta. Curiosamente,
o juiz que toma assento em Tribunal recebe a denominação de desembarga­
dor, que textualmente, por força do prefixo negativo des, significa àquele que
desembaraça, ou seja, aquele que em razão de sua larga experiência judicante
tem condição de decidir uma causa mais intrincada de uma maneira mais
acertada.
- EXECUÇÃO - Em contraposição a atividade desenvolvida no processo
de conhecimento, onde o magistrado promove o acertamento da relação jurí­
dica de direito material controvertida; na atividade executiva o magistrado
pratica atos de força, visando satisfazer uma obrigação que não foi esponta­
neamente cumprida. Também se utiliza o termo para designar a espécie de
processo precisamente destinada à realização de tais atos, sempre visando à
satisfação da obrigação.
- FEITO - Assim como os autos, feito é um dos termos utilizados para
representar materialmente o processo.
- JURISDIÇÃO - O poder do Estado sobre o seu território é uno, mas pode
ser exercitado através de atividades ou funções diversas. Assim, enquanto a
função executiva se presta a administração e a função legislativa à elabora­
ção de leis, a função jurisdicional, normalmente exercida pelo Poder Judi­
ciário e também conhecida por jurisdição, tem por finalidade solucionar as
i ontrovérsias que sào levadas ao seu conhecimento (julgar) ou para efetivar o
i onteúdo de uma decisão judicial ou de seu equivalente (executar).
JURISPRUDÊNCIA - Trata-se da reiteração das decisões judiciais num
mesmo sentido. Várias decisões, normalmente dos Tribunais, resolvem casos
< teses jurídicas de modo semelhante, retratando o entendimento que tais
órgãos judicantes têm sobre a matéria. Periodicamente esses Tribunais cos­
tumam publicar súmulas da jurisprudência dominante, isso para orientar
•is partes litigantes e outros órgãos jurisdicionais (juizes ou mesmo outros
Tribunais).
- LITISCONSÓRCIO - Um feito tem que ter ao menos uma pessoa como
.uitor e outra como réu. Quando existem vários autores ou vários réus estes
litigam como litisconsortes. O litisconsórcio é definido, pois, como a plura­
lidade de sujeitos em um ou em ambos os polos do processo. Sendo vários
autores, teremos um litisconsórcio ativo; sendo vários réus, teremos um litis­
consórcio passivo; e, sendo vários autores e vários réus, teremos um litiscon­
sórcio misto.
PARTES - Autor e réu, exequente e executado, impetrante e impetrado,
dentre outras várias e específicas denominações, são aqueles que pedem e
contra os quais se pede a prestação de tutela jurisdicional.
- PENHORA - É o ato executivo que visa afetar determinado bem, desti­
nando-o a alienação pior parte do juízo, com a finalidade de obter o montante
em dinheiro necessário a satisfação de uma obrigação.
PETIÇÀO INICIAL - A petição inicial é a peça elaborada pelo autor com
a finalidade de dar início ao processo. Exige o respeito à forma prescrita em
lei, com o preenchimento de inúmeros requisitos, dentre eles a indicação do
juízo competente, a qualificação das partes, a narração dos fatos e o pedido da
tutela que se pretende obter.
- PROCEDIMENTO - Trata-se da maneira pela qual os atos processuais
sào realizados, variando conforme varia o tipo de processo.
- PROCESSO - Termo que também possui inúmeras acepções, analitica-
mente o processo pode ser conceituado como o conjunto de atos processuais.
- RECURSO - Recurso pode ser concebido como o meio ou remédio pro­
cessual que visa à alteração ou anulação de uma determinada decisão judi­
cial. Várias são as suas espécies, sendo as mais conhecidas a apelação (contra
sentença),» agravo (contra algumas decisões interlocutórias), o recurso espe­
cial (proposto para o Superior Tribunal de Justiça) e o recurso extraordinário
(proposto para o Supremo Tribunal Federal).
- RÍP1JCA - Peça utilizada pelo autor para se manifestar sobre alguma
preliminar ou fato novo alegado pelo réu em sua contestação. Afora tais hipó­
teses, não há previsão legal para que o autor se manifeste em réplica.
- REVELIA - Revelia é a inação do réu, que regularmente citado deixa
de oferecer resposta no prazo previsto em lei. Nesse caso os fatos articulados
pelo autor em sua inicial, saldo disposição em contrário, serão tidos como
verdadeiros.
- TERCEIROS - O conceito de terceiros é obtido de forma negativa: são
terceiros aqueles que não são partes no processo. Daí a ideia de que aquele que
intervém em processo alheio é terceiro com relação aquele processo. Logica­
mente o juiz, o advogado e os demais profissionais que atuam no feito não
são considerados terceiros, já que desempenham atividades eminentemente
técnicas e desvinculadas do direito em litígio.
- TUTELA - Tutela significa proteção. Por isso a utilização do termo tutela
jurisdicional para representar a proteção mediante o exercício da jurisdição,
ou seja, a proteção mediante decisão judicial.

1.2. A estrutura do Código de Processo Civil.


Em se tratando esta obra de um curso de Direito Processual Civil, a pri­
meira aula deve se ater à apresentação do nosso atual Código, diploma com
o qual o aluno e o profissional que atuam no foro vão conviver pelo resto de
suas vidas ou até que outro código o revogue. Trata-se, pois, de um primeiro
contato e uma apresentação da Lei n° 13.105/15, que instituiu nosso Código de
Processo Civil; dispensada para os já versados na matéria.
Nesse passo, o atual diploma processual foi inicialmente dividido em uma
Parte geral e uma Parte Especial, atendendo com isso constante objeção for­
mulada pela doutrina, no sentido de que um dos maiores pecados do CPC de
1973 era a ausência de uma parte geral, que pudesse ser aplicada indistinta-
inente a todos os tipos de processo. Ademais, dizia-se que a falta de uma parte
k<i «ti denotava má técnica legislativa, na medida em que um código sempre
drve ter uma parte específica para tratar das questões comuns ao todo.
I ssa parte geral é composta por seis livros distintos, sendo que o primeiro
•lidos, denominado “Das normas processuais civis”, apresenta os princípios
i oiiMitucionais e infraconstitucionais do processo civil, servindo como ver­
dadeiro indicador da maneira pela qual devem ser aplicados os institutos pro-
. essuais. Não se trata de colocar à disposição do interprete uma fonte para
i nlmalação de lacunas, mas sim de definir a estrutura básica de todo o sis­
tema processual e sua forma de interpretação e aplicação. Também aborda a
aplicação das normas processuais no tempo e no espaço.
Km seguida, no Livro II, denominado “Da função jurisdicional”, são ini­
cial mente tratados, no Título I, os institutos fundamentais ao processo civil
da jurisdição e da ação. Embora sucintamente abordados, a colocação de tais
matérias logo após os Princípios Constitucionais do Processo demonstram a
importância que a lei lhes quis atribuir. )á os Títulos II e III disciplinam o que
u código anterior classificava como competência internacional e competência
Interna, agora sob a denominação Dos Limites da Jurisdição Nacional e da
( Cooperação Internacional e Da Competência Interna. Trata-se de determ inar
onde uma causa deverá ser proposta e qual juízo poderá decidi-la, além de tra­
çar regras para resolver dúvidas quanto à fixação e alteração da competência.
Por sua vez, enquanto o Livro III trata das partes, de seus procuradores e
dos personagens do processo, como o juiz, o promotor, o defensor público e
os auxiliares da Justiça, tecendo regras de conduta para cada qual, suas atri­
buições, ônus, deveres e faculdades no processo, e, de algumas formas nomi-
nadas de intervenção de terceiros em processo alheio; o Livro IV disciplina
os atos processuais, traçando regras gerais atinentes à forma e ao prazo, bem
como abordando alguns atos processuais em específico, como as citações e
intimações.
O Livro V unifica e substitui o Livro III, do CPC de 1973, que tratava do
processo cautelar, com a antecipação de tutela prevista no art. 273 daquele
mesmo estatuto, traçando um novo perfil para o gênero agora denominado
Tutela Provisória, que por força do que está expressamente previsto no art.
294 é classificada como tutela provisória de evidência e como tutela provisória
de urgência, que por seu turno apresenta como espécies a tutela de urgência
cautelar e a tutela de urgência antecipada; todas aptas a perm itir a obtenção de
provimento jurisiiicion.il. mesmo que de forma provisória, antes do momento
adequado.
Finalizando a Parte Geral, o Livro VI trata da formação, suspensão e extin­
ção do processo.
A parte especial encontra-se distribuídas em quatro livros distintos, sendo
o Livro I relativo ao processo de conhecimento e ao cumprimento da sentença,
o Livro II relativo ao processo de execução, o Livro III relativo ao processo nos
tribunais e aos meios de impugnação das decisões judiciais e um Livro Com­
plementar, destinado as disposições finais e transitórias.
O Livro I foi consagrado ao processo de conhecimento e dividido em
três grandes Títulos. O primeiro trata de um único procedimento comum,
abordando peculiaridades da petição inicial, da resposta e do processamento
do feito; assim como da disciplina da prova civil e da sentença judicial. Já o
segundo disciplina as várias modalidades de cumprimento da sentença, que
variam conforme varia a natureza da obrigação; enquanto o terceiro trata dos
procedimentos especiais contenciosos e não contenciosos (jurisdição volun­
tária), com exclusão de procedimentos previstos no código anterior, como a
ação de nunciação de obra nova, por exemplo; e, a inclusão de outros não
previstos pelo CPC de 1973, como a ação de dissolução parcial de sociedade e
as ações de família.
O processo de execução e a atividade executiva vêm previstos no Livro
II, que após tratar de disposições gerais para todas as espécies de execução,
o que faz no seu Título I; aborda no Título II as execuções em espécie, com
especial atenção para a execução por quantia certa contra devedor solvente,
rito processual executivo subsidiário aos demais. Nos dois últimos Títulos (III
e IV) trata o Código dos embargos do devedor e da suspensão e extinção do
processo de execução; regras estas que também se aplicam a todas as execu­
ções em espécie.
Seguindo o padrão do CPC de 1939, que em sua terceira parte tratava dos
recursos e processos de competência originária dos tribunais (arts. 782 a 881),
o Código atual trás no Livro III regras atinentes aos processos nos Tribu­
nais e aos meios de impugnação das decisões judiciais. Enquanto o Título I
trata dos precedentes, do incidente de resolução de demandas repetitivas e
do processamento dos feitos nos Tribunais e de algumas ações autônomas de
Impugnação, o Título II trata dos recursos, abordando a chamada teoria geral
dos recursos e os diversos recursos em espécie.
Por fim está o Livro Complementar que apresenta disposições finais e
transitórias necessárias para garantir a harmonia do sistema e tornar viável
sua aplicação.

1.3. Breve evolução histórica do direito processual civil.

1.3.1. Importância da história do direito.


Poucas são as instituições de ensino superior que mantêm em seu currí­
culo uma disciplina ligada essencialmente à história do direito, que acaba por
ser estudada apenas superficialmente e como parte introdutória para outros
temas. Não se faz uma análise dos textos em consonância com a época em que
loram editados, perdendo-se muito em relação ao seu verdadeiro conteúdo.
Analisar um texto jurídico ou a legislação de um determinado povo exige
do interprete que se contextualize com a situação vivida à época, sob pena de
não se obter conclusão correta. Basta ver, nesse sentido, que a toda norma se
agrega um valor, que não pode ser aquele vigente em outro período da própria
história humana.
Se assim não for, algumas regras podem parecer extremamente cruéis
ou extravagantes, o que não acontece se analisadas em face do momento e
dos valores sociais da sua época. Na antiga Roma, por exemplo, na fase da
execução conhecida por manus injectio, sendo diversos os credores lhes era
permitido esquartejar o devedor em tantas partes quantas fossem as dívidas,
não im portando o tamanho dos pedaços, distribuindo-se a cada credor sua
respectiva parte do corpo do devedor. Este ato, hoje extremamente cruel, sim­
bolizava a satisfação do crédito de todos os credores e a recomposição da sua
honra pessoal. Afinal, ainda não havia uma nítida separação entre o ilícito
civil e o ilícito penal, sendo a inadimplência tomada como uma injúria ao
credor, fato gravíssimo na sociedade romana.
Já uma análise correta dos aspectos históricos do direito permite notar a
transformação da sociedade e dos seus valores, o que credencia o interprete
da lei atual a não realizar uma leitura retrógrada do texto, mas sim aplicá-lo
38 LIVRO I-NOÇÕES PROPEDÊUTICAS.

cm consonância com os valores atuais, permitindo a obtenção de sua máxima


eficácia.
Em outros termos, pois, quem conhece e compreende corretamente a evo­
lução de um instituto, o que só se dá por meio do estudo escorreito da sua
evolução histórica, está mais credenciado a aplicá-lo da forma correta, sem o
risco de pregar sua involução. Com isso, até mesmo no aspecto profissional,
terá uma probabilidade maior de ter suas teses acolhidas, mesmo que se trate
de discussão posta em juízo.

1.3.2. O Direito sem escrita.


Trata-se de ponto comum a afirmação de que o homem é um ser gregário
e que, por tal razão, necessita viver em sociedade. Se tal ideia vale para o pre­
sente, tem ainda maior valor para o início das civilizações, quando o dia a dia
dependia de um confronto direto com as forças da natureza.
Assim sendo, reunindo-se em pequenos grupos familiares, chamados de
clãs, o ser humano passou a submeter-se as regras talhadas para esta vida em
grupo, que embora rudimentares já se impunham por força dos costumes.
Ainda não havia regras claras sobre alguns institutos conhecidos desde os
povos antigos, na medida em que tudo que pertencia a um grupo era por
todos compartilhados, mas já existiam regras relativas às coisas do dia a dia,
como a divisão dos alimentos ou a divisão das tarefas. Enquanto o homem
saia a caçar, por exemplo, a mulher cuidava da prole.
O estudo antropológico de indígenas isolados, até bem pouco tempo exis­
tentes no País, demonstra essa situação no dia a dia das aldeias, onde pelos
costumes passados de geração para geração se estabelece uma obrigatoriedade
de condutas tipificadas para todos os membros da comunidade. Essas diversas
aldeias, por vezes desmembradas de uma origem única para facilitar o estilo
de vida dos seus componentes, que precisam de um certo território para sua
manutenção, baseada no extrativismo, quando consideradas como um todo,
dão origem a uma etnia, que é a origem para a formação de um Estado.
Pode-se dizer, portanto, que regras de conduta derivada de costumes sem­
pre existiram e que são Inerentes à vida em sociedade, embora ainda não se
possa falar propriamente de um sistema jurídico consolidado. No dizer de José
Fábio Maciel c de Kenun Aguiar "... no momento em <ftic <» povos entram na
1. NOÇÕES PRELIMINARES 39

história, a maior parte das instituições jurídicas já existem, mesmo que ainda
misturadas com a moral e com a religião, como o casamento, a propriedade, a
sucessão, o banimento, etc. [...] Característica corrente desta fase do direito, a
fonte pode ser considerada quase exclusivamente o costume, ou seja, a forma
tradicional de viver em comunidade, as normas estabelecidas consensualmente
pelos membros do grupo. A obediência aos costumes era assegurada pelo temor
dos poderes sobrenaturais e pelo medo da opinião pública, especialmente pelo
medo de ser desprezado pelo grupo em que se vivia. Naquela época, um homem
fora do seu grupo, vivendo isoladamente, podia considerar-se fadado à morte.V
Destarte, se nessas sociedades primitivas existiam regras de conduta que
deveríam ser obedecidas, então também deveria existir um método, nem que
losse uma cerimônia ou ritual religioso, praticado quando do descumpri-
mento das regras, para a aplicação da penalidade decorrente do não cum pri­
mento da conduta esperada. Isso porque a regra material, em nosso entender,
n.io sobrevive sem a regra de forma, relativa à sua efetivação, nem vice-versa.
Daí a possibilidade de concluir que mesmo para os povos antigos, ainda
em o advento da escrita, já existia um conjunto de regras de conduta e rituais
p.tra a realização destes costumes ou para a punição pela sua não observação,
0 que, em última análise, pode ser considerado como uma norma de natureza
processual.

1 1,3. O Direito dos povos antigos.


( >s conjuntos de normas mais antigos de que se tem notícia vem da região
.l.i antiga Mesopotâmia, onde hoje se localiza o Iraque, em especial da região
banhada pelos Rios Tigre e Eufrates. Ali, devido às características geográficas,
11 onstrução de grandes cidades foi favorecida, florescendo as civilizações dos
minérios, assírios, hititas e acadianos.
I )entre eles atribui-se o status de código mais antigo ao Código de Uruka-
i'ina, da Cidade de Lagash, datado de aproximadamente 2350 a. C.. Segundo
Ih mm José Ricci Boaventura “Este Código tem uma importância histórica rele-
. ante, sobretudo por representar um mecanismo legal de limitação dos poderes
sacerdotes, dos altos funcionários públicos, estabelecendo meios concretos

M Ar III, Jurí l ilhlo HndrltyiicH o A< ÍUI Alt. Ueiinii Ithlórhi ilo direito. Stlo 1’milo: Surolvu, 2007.
|. 2H 2V.
de justiça social, pela garantia, dentre outros, de direitos aos cegos, pobres, viú
vas e outros. No prólogo do Código está escrito: “El poderoso no oprimirá al
huérfanoya la viuda: pues tal pacto ha establecido Urukagina con Ningirsu.’’.'
Na sequência, em 2040 a.C.. aproximadamente, é elaborado o Código de
Ur-Nammu, que “...surgido na Suméría, descreve costumes antigos transfor
mados em leis e a enfatização de penas pecuniárias para delitos diversos ao
invés de penas talianas. Considerado um dos mais antigos de que se tem notí
cias, no que diz respeito a lei, foi encontrado nas ruínas de templos da época do
rei Ur-Nammu, na região da Mesopotâmia.”.3
Pouco mais de um século após surge o Código de Esnunna, composto
de apenas sessenta artigos, que serviu de parâm etro para a elaboração do
famoso Código de Hammurabi, datado de 1694 a.C.; cujas características
veremos a seguir.

a) C ódigo de H am urabi.
Reconhecido como o mais importante conjunto de leis da antiguidade, os
282 artigos do Código de Hamurabi foram entalhados, em escrita de caracte­
res cuneiformes, numa pedra negra de 2,25 metros, que atualmente se encon­
tra no Museu do Louvre, em Paris. Como lá também se encontram pedaços
de argila com a reprodução de parte do texto, há conjecturas no sentido de
que tais pedaços eram utilizados para divulgar o conteúdo de certas partes do
código e por todos que se dispunham a aplicar o direito da época. Também
se diz que o entalhe na pedra se prestava a fornecer matriz para a cópia em
papiro ou argila, que com o tempo acabavam por se deteriorar .4
Após uma introdução onde se justificava a origem divina do documento
(também contida na inscrição que fecha o texto) e a escolha do rei Hammu­
rabi para confeccioná-lo, os artigos eram divididos em 18 capítulos, sem a*

BOAVENTURA, Bruno José Ricci. A g ê n e s e d a s i d e a liz a ç õ e s o c id e n ta is d a le i e d o le g is la d o r . In


Kww.jusvi.com. Capturado em 29.09.2010.
■' C ó d ig o d e U r - N a m m u . http//pt.wikipedia.org. Capturado em 29.09.2010.
* C ó d ig o d e H a m m u r a b i . http//pt.wikipedia.org. Capturado em 29.09.2010. “N o c a s o d a e s te ia d e
H a m m u r a b i e m q u e s tã o , v ia ja n te s d e o u t r a s re g iõ e s, q u a n d o e m p a s s a g e m p o r S u s a , t i n h a m a
o p o r t u n i d a d e d e o b t e r c ó p ia s p a r a s e r e m lid a s p o r e s c r ib a s e m s u a s a ld e ia s e p a r a iss o n o r m a l m e n t e
u t i l i z a v a m o p r o c e s s o s i m i l a r a o d e x ilo g r a v u r a , t r a n s c r e v e n d o d i r e ta m e n t e d a E s te ia p a r a o p a p e l
o u p a p ir o , q u e c o m o p a s s a r d o t e m p o e o u s o , p o r s e tr a t a r d e m a t e r i a l p e r e c ív e l, s e p e r d e r a m , p e r ­
m a n e c e n d o a p e n a s e s s a s m a t r i z e s d e p e d r a p a r a c o n t a r a o r ig e m d a s le is ."
preocupação de distinguir casos de natureza civil c casos de natureza penal.
Isso porque, á época, não havia uma distinção clara entre o que seria um ilí­
cito de natureza civil e o que seria um ilícito de natureza penal, bem como das
conseqüências e efeitos desta distinção. Diante de um ilícito, valia a regra de
talião, que exigia reparação semelhante ao dano sofrido.
Já havia, todavia, a previsão e tratamento especial para alguns tipos de
contratos, como a compra e locação de casas (capítulo 6 ), o empréstimo e
os juros (capítulo 7), as sociedades (capítulo 8), os honorários profissionais
(capitulo 12 ), os empréstimos e locações de bois (capítulo 13), as tarifas para
>1s diversas locações (capítulo 17) e as vendas de escravos (capítulo 18). Nos
capítulos mesclavam-se regras para contratação, para rescisão, preços e inú­
meras penalidades para todos os envolvidos no contrato.
Também havia a existência de regas interessantíssimas e bastante atuais,
como a inserta no art. 23, referente à responsabilidade civil. E costumeira
.i afirmação de que o Estado teve longo período em que não respondia por
danos causados aos seus súbitos, conhecido como fase da irresponsabilidade,
com posterior e recente evolução (meados do Século XIX) da doutrina e juris­
prudência para uma segunda fase, conhecida como fase da culpa subjetiva.
Todavia o art. 23, do Código de Hamurabi, dispõe que “Art. 23. Se o assal­
tante não fo i preso, o assaltado declarará diante de deus todos os objetos
roubados; a cidade e o governador, em cuja terra e distrito foi cometido o
assalto, o compensarão por todos os objetos perdidos.".5
Vê-se, portanto, que mais de três mil anos antes do início do reconheci­
mento da responsabilidade civil do Estado em tempos modernos, o instituto
já era objeto de previsão legal; não se olvidando, ainda, que o teor do texto
leva a crer que se tratava de responsabilidade objetiva, prescindindo de dolo
ou culpa e sem importar a identificação de agente; o que apenas se verificou
na última fase de evolução da responsabilidade do Estado no direito pátrio.
No capítulo 02, cuja denominação é "Do falso testemunho e prevaricação
tios juizes”, existem inúmeros artigos que tratam de regras de condutas de
quem intervém num processo, caracterizadoras das normas de natureza pro­
cessual, com a utilização expressa dos termos “processo, testemunho, causa,

VIEIRA, Jair Lot (Supervisor). C ó d ig o d e H a m u r a b i . C ó d ig o d e M a n u . L e i d a s X I I T á b u a s . 2* »•


São Paulo: ED1PRO, 2002. p. 13.
42 LIVRO I-NOÇÕES PROPEDÊUTICAS.

juiz e sentença”, que transmitem à nítida ideia de que havia um procedimento


padrão oral, perante um órgão colegiado, que decidia qual das partes tinha
razão e já determinava a penalidade que deveria ser imposta a parte contrá­
ria. O rito devia seguir o determinado pelos costumes da época, com a ampla
possibilidade de colmatação por parte de quem era encarregado de decidir as
questões discutidas.
Observa-se, por fim, que aparentemente havia a possibilidade de que a sen­
tença final fosse escrita, já que o art. 5o dizia que “Se um juiz julgou a causa,
deu uma sentença e exarou um documento selado ...” (grifo nosso). Isto,
porém, apresenta-se como conjectura, dependendo de comprovação material.

b) C ódigo de M anu.
Outro diploma de enorme importância para o mundo antigo, elaborado na
índia por volta do ano 600 a.C., é o Código de Manu. Trata-se de uma con­
solidação de leis orais, bastante extenso e originalmente redigido em versos,
de forma bastante poética. É composto de doze livros, nos quais são tratados
aspectos históricos, religiosos, políticos, sociais e jurídicos da época. Basta ver,
nesse sentido, que o conteúdo do Livro I diz respeito, dentre outros aspectos,
a criação do mundo e ao alternar-se da vida e da morte em cada ser criado.
Os livros oitavo e nono, todavia, “São os que mais interesse trazem aos juris­
tas, pois contém normas de direito substancial e processual, como também as
normas de organização judiciária. A justiça vem do rei, que deve decidir pesso­
almente as controvérsias que podem ser resumidas nos dezoito títulos do Livro
Oitavo e nos três do Livro Nono.’’.6
Analisando o conteúdo do Livro Oitavo é possível ter uma vaga ideia do
que era o sistema judiciário da época, se é que assim podemos denominá-lo.
Isso porque vários artigos aludem aos termos corte, tribunal, juizes, exame
das causas e partes contestantes; tudo a dar ideia de que havia, efetivamente,
um ritual que implicava na instrução e decisão dos conflitos.
O primeiro capítulo da parte geral, denominado "Da administração da
justiça. Do oficio. Dos Juizes.’’, iniciava por definir que embora o primeiro
juiz natural da causa fosse o rei, pois o art. Io dizia que "Um rei. desejoso de
examinar os negócios judiciais, deve comparecer à Corte de Justiça em um

lila*lli II «I \
1. NOÇÕES PRELIMINARES 43

porte humilde, sendo acompanhado de Bràmane e de Conselheiros experi­


mentados.’’-, este podia encarregar um brâmanc (espécie de sacerdote) trei­
nado para decidir do julgamento da causa (art. 9o), que teria de se fazer acom­
panhar por três assessores (art. 10).
Aparentemente, portanto, quando o rei não decidia de forma monocrática,
após se aconselhar com seus conselheiros, que parecem ter exercido parte da
função que atualmente cabe ao advogado, encarregava um órgão colegiado,
presidido por um brâmanc cspccialmente treinado para fazê-lo.
Assim como aconteceu com o Código de Hamurabi, também aqui se tem a
impressão de que o procedimento era oral, desenvolvendo-se perante um local
chamado Tribunal (Art. 13. E preciso virou não ao Tribunal ou fa la r segundo
a verdade, ...); embora não se tenha indício de que a decisão proferida ao final
losse escrita. Era ampla a produção da prova testemunhai, amparada por inú­
meros tipos de compromissos e de penalidades para os que faltavam com a
verdade, tudo dependendo de suas respectivas castas.

1.3.4. O Direito na Grécia.


A Grécia, devido a sua excepcional evolução no campo político e cultural
pode ser considerada, junto com a civilização romana, como o marco inicial
da sociedade ocidental. Seus estudos e sua maneira de viver influenciaram
profundamente a formação das nossas sociedades, em especial quanto aos
Ideais democráticos que ali floresceram.
Nesse contexto cultural e artístico bastante fecundo merecem destaque dois
conjuntos de leis: as Leis de Drácon, datadas de 621 a.C., e as Leis de Sólon,
datadas de 594 e 593 a.C., ambas oriundas de Atenas. As Leis de Drácon eram
lamosas pela sua rigidez, ao ponto de ter dado origem a expressão “draco­
niana", termo até hoje utilizado para representar norma, clausula contratual
ou decisão judicial cujo conteúdo pode ser considerado excessivamente rigo­
roso. Curiosamente o termo draco também representa um gênero de lagartos
(Aganiídeos) e a palavra dragão, que levam a ideia de algo perigoso. Logo em
seguida as leis de Drácon houve uma alternância política no poder de Atenas,
iti/âo pela qual foram editadas as Leis de Sólon, ao que parece com o desi-
.Inalo de consolidar novos valores políticos e flexibilizar algumas normas
i onslderadas rigorosas.
44 LIVRO I-NOÇÕES PROPEDÊUTICAS.

Outrossim, embora pouco se saiba acerca da maneira pela qual o processo


se desenvolvia nessa época ,7 cremos que havia uma grande consciência das
classes mais elevadas (os cidadãos) a respeito do direito e da sua forma, já que
“Assim como os poemas de Homero, os gregos tinham o costume de aprender
de cor (recitando em forma poética) alguns textos jurídicos. As leis de Sólon,
por exemplo, eram ensinadas como poemas, de modo que praticamente todos
os cidadãos atenienses conheciam sua tradição jurídico-política comum. Como
os cidadãos sabiam ler, a literatura jurídica era uma das fontes de instrução
e prazer.’'.9
Na lição de Humberto Theodoro Junior o ponto de relevo do processo
grego podia ser encontrado no tratamento que se dava a prova, que superou
até mesmo o sistema probatório do período comum, durante a idade média.
Segundo o autor, além da existência de vários meios de prova, como a teste­
munhai e a documental, ganhava relevo "...o respeito à livre apreciação da
prova pelo julgador, que exercia uma critica lógica e racional, sem se ater
a valorações legais prévias em torno de determinadas espécies de prova. ”.9
Nada obstante, a influência do processo Grego nos sistemas derivados da
civil law, se é que podemos considerá-la existente, tói absorvida pelo imenso
desenvolvimento do Direito Romano, como a seguir se verá.

1.3.5. O Direito Romano.


Em que pese à existência dos sistemas anteriormente mencionados, foi o
Direito Romano que deu origem a uma das grandes famílias do direito, deno
minada sistema do civil law, que juntamente com os sistemas derivados da
comom law influenciam até hoje o ordenamento jurídicos dos povos, inclusive
o nosso. Porém, devido ao enorme lapso temporal no qual o Direito Romano
regulou a vida de Roma e das suas províncias (754 a.C. até 568 d.C), sucede-
ram-se três períodos distintos, por vezes sobrepostos, identificados como a)
período da legis actiones (ações da lei), b) período per formulas (formulário) e
c) período da cognitio extra ordinem (cognição extraordinária).

THEODORO JUNIOR, H um berto. C u r s o d e d i r e it o p r o c e s s u a l c iv il. 47** ed. Rio de janeiro:


Forense, 2007. p. 12.
M Al II I José Fábio Rodrigues e AGUIAR, Renan. H i s t ó r i a d o d ir e ito . São Paulo: Saraiva, 2007
p. AO,
• < ..ll n M l
1. NOÇÕES PRELIMINARES 45

O período das ações da lei é caracterizado pela existência de uma tipicidade


rígida, onde os aspectos formais se sobressaíam em relação ao aspecto mate­
rial. No dizer de Michele Ducos “O rito criava o direito. O que quer que tenha
sido, os adversários afirmavam sua propriedade do objeto mediante declara­
ções paralelas. E o que se via freqüentemente era um simulacro de combate.".10
(grifo nosso) Tamanha a rigidez no aspecto formal que se tornou clássico o
exemplo de Gaio, mencionado no Livro Quarto das Institutas (item 11), do
litigante que perdeu a causa apenas porque utilizou o termo vites (videira) ao
invés de utilizar o termo arbor (árvore), que era o previsto na lei."
Eram cinco as ações da lei, sendo que a actio sacramenti, a iudicis pos-
lulatio e a condictio possuíam a natureza de ações de conhecimento; e, a
numus injectio e a pignoris capio possuíam a natureza executiva. Nas ações
de conhecimento, já que as demais serão tratadas em momento oportuno, era
obrigatória a presença das partes perante o magistrado, o que se fazia com o
chamamento do réu a juízo (ius vocatio), ainda não existindo o instituto da
revelia.
Uma vez diante do magistrado, se iniciava a fase chamada in iure, onde as
partes declaravam de forma solene e necessariamente precisa, quase ritualísti-
i as, as formas previstas pela lei, para depois pedirem a indicação de um iudex
(juiz) que presidiria o feito. Em outros termos, o magistrado limitava-se a
conferir o acerto das postulações formuladas, tanto por parte do autor, quanto
por parte do réu, declarando que estavam em consonância com o contido na
lei, para em seguida indicar o iudex, que era um cidadão que fazia parte de
iiiii <i lista existente no Tribunal e que teria a incumbência de conhecer e deci­
dir n controvérsia .12 Iniciava-se, então, a chamada fase apudiudicem, onde as
partos sustentavam as suas teses oralmente, produzia-se prova também oral

D U C O S , M ichclc. R o m a e o d ir e ito ( R o m a e t le D r o it). Tra d . Z A R Z A N A , Sílvia e P U G L IE S E


N I I O , M á rio. São Paulo: M adras, 2007. p. 116.
( R lIZ I T U C C I , José Rogério: A Z E V E D O . Lu iz Carlos de. L iç õ e s d e h is tó r ia d o p r o c e s s o c iv il
n o n a n o . São Paulo: R T, 1996. p. 198. N o anexo das Institutas de G aio, item 11: " ...D a í, o te r -s e r e s­
p o n d i d o q u e p e r d i a a a ç ã o q u e m , a g i n d o p o r c a u s a d e v id e ir a s c e ifa d a s m e n c i o n a r a videiras, p o i s a
1 1■/ d a s X I I T á b u a s , n a q u a l se f u n d a v a a a ç à o p o r v id e ir a s c o r ta d a s , f a l a v a d e á r v o r e s c o r ta d a s e m
g e r a l" .

Idem, p $7. *R e a l iz a d a a c ita ç ã o , a s p a r t e s c o m p a r e c ia m p e r a n t e o m a g i s t r a d o e d e b a t i a m f o r m a l -


n ic n le a c a u s a N e g a n d o o r<‘u a s a fir m a ç õ e s d e d u z i d a s p e lo a u to r , d e t e r m i n a v a - s e a m a n u t e n ç ã o
d o e s ta d o a t u a l d a c o is a lltlg lo s a P r o c e d ia se, e n tã o , a p o s <■p r a z o d e t r i n t a d ia s I n s t i t u í d o p e la
l e \ P in a r ia ( h a l o , I, I 15), ,1 e s c o lh a d o l u d c \ , p e la v o n ta d e m m i i m d a s p a r le s , ou p a r in d ic a ç ã o
46 LIVRO I-NOÇÕES PROPEDÊUTICAS.

e proferia-se a sentença, que prescindia de fundamentação, da qual não havia


recurso.
Tratava-se, ousamos chamar, de uma arbitragem obrigatória, com uma
fase inicial de instituição perante funcionário do Estado e uma segunda fase,
sequencial, onde o particular, em procedimento oral e com as partes sempre
presentes, instruía e julgava.
A evolução do direito romano, que passou do período das legis actiones
para o período per formulas, ou formulário, não ocorreu de forma abrupta,
mas sim paulatinamente, com a convivência de ambos os sistemas por algum
espaço de tempo. Isso porque a evolução de um sistema jurídico se faz, nor­
malmente, com o aprimoramento de institutos antigos, que coexistem com
institutos novos, estes fazendo com que aqueles, gradativamente, caiam em
desuso.
A principal característica do novo sistema foi flexibilizar as ações até então
existentes, permitindo que o magistrado indicasse, em conjunto com as pró­
prias partes, qual seria a ação a ser proposta e quais seriam as regras as quais
estaria submetido o iudex no processamento e decisão da causa. Como ensina
Michele Ducos “Nesse novo procedimento, subsiste ainda a divisão do processo
cm duas fases, mas a etapa in iure, que se desenrolava diante do magistrado, foi
profundamente modificada. Os dois adversários não tinham mais de pronun­
ciar as palavras nem realizar gestos previamente estabelecidos. Não usavam
mais a uerba solemnia, mas recorriam às fórmulas (formulae). As duas partes
enunciavam em conjunto as suas reivindicações diante do pretor, que, a partir
desses ilados, concedia a ação e redigia a fórmula que permitiría ao juiz decidir.
l:ssc documento continha, por sua vez, as pretensões dos dois adversários e as
instruções destinadas ao juiz.”.li
Nada obstante, o processo continuava a ser instruído e decidido por um
particular, embora com um aumento considerável no que toca aos tipos de
ação até então existentes e a com simplificação do procedimento, observado
em seu todo.

d o m a g is tr a d o , o u . a n u l a . p o r s o r te io ( s o r titio ) d e n t r e a q u e le s c i d a d ã o s c o n s ta n te s d e u m á l b u m
e x is te n te n o tr ib u n a l" .
1. NOÇÕES PRELIMINARES 47

Embora não seja possível definir exatamente o momento do seu surgi­


mento, o sistema da cognitio extraordinária, assim chamado porque põe fim
á separação das fases in iure e apud iudicem, considerados como pertencen­
tes à cognição ordinária (ordo iudiciorum privatorum), é implantado com a
nítida intenção de fortalecer e manter o Poder estatal. A função de julgar, nos
períodos anteriores atribuída a um particular, com uma pequena intervenção
Inicial do magistrado na fase in iure, passa a ser também de um funcionário
estatal, fundindo-se a figura do magistrado e do juiz .14
Fortalecido, o Estado passa a impor ao particular a jurisdictio, chamando
para si a função de dizer o direito no caso concreto. O juiz estatal recebe a
ii< tio, instrui, julga de maneira já fundamentada e ainda promove os atos exe-
i utivos baseados na própria decisão judicial. Institui-se, ainda, a possibilidade
<lr um recurso denominado appellatio, que é a forma encontrada para permi-
lli ao soberano controle sob este Poder Jurisdicional, distribuído aos diversos
magistrados então existentes.
Totalmente jurisdicionalizada a atividade de julgar e de executar, nasce o
processo que até hoje serve como modelo para os modernos sistemas proces­
suais, inclusive o nosso.

1.1.6. O Direito dos povos germânicos.


Durante a dominação da Europa por Roma sempre houve a necessidade
•I. manter a ordem nas províncias conquistadas, sendo comuns os pequenos
levantes e revoltas passageiras. “Mas as rápidas pilhagens tornaram-se, nos
<i idos IV e VI, grandes invasões que resultaram no estabelecimento dos povos
1 1 1 mânicos e eslavos em território Romano. A ocupação de Roma por Odroaco,

I' >lt< a-., l-lávio C.hcin. A p e la ç ã o c ív e l. São Paulo: RT, 1999. p. 22-23. “N a e x t r a o r d i n á r ia c o g n itio
o l» n i a l i m e n t o p a s s a a s e r u n ific a d o , d e s e n v o lv id o a té o f i n a l p o r f u n c i o n á r i o s e j u i z e s e s ta ta is ,
'<"> q u a is se tr a n s fe r e a p l e n i t u d e d a ju r is d iç ã o . O m a g is tr a d o , e a g o r a t a m b é m j u i z , p a s s a a se r
l l l l ll a i d o p o d e r d e v e r d e e x a m i n a r a s p r o v a s e p r o fe r ir s e n te n ç a , a q u a l, p e la p r i m e i r a v e z n a
hitlãila ilo p r m e s so i l v i l r o m a n o , n ã o m a i s c o n s is tia n u m a to e x c lu s iv o d o c i d a d ã o r o m a n o , n ã o
l i n h a m a is c u r á tc i a r b itr a i, rn a s ■a n s u l u l a m la v a se n u m a a t u a ç ã o e m q u e e r a e x p r e s s a a v o n ta d e
d o > a h e ia n a ( » ) u l t ju lg a v a o p n u e s sa n a q u a l i d a d e d e / u m h m á r l o d a li s t a d o e r e p r e s e n ta n te d a
n n p iiia d a r ."
rei dos hérulos, em 476, simboliza o fim do império romano do Ocidente e t>
início da Idade Média.".'*
Com a conquista de Roma pelos povos bárbaros (todos os não romano ,
eram considerados bárbaros), o sistema jurídico então vigente viu-se frente .1
um sistema jurídico bem mais primitivo e cujos valores eram completamenti
diversos. O titular da Jurisdição no chamado período germânico, como anota
James Goldschmidt ,151617era uma assembléia de homens livres dos povoados,
denominada Ding, cabendo ao juiz função de mero investigador e mediadoi
dos debates entre as partes.
O procedimento adotado, extremamente formal, iniciava-se com a citação
do réu e constituição da assembléia, desenvolvendo-se oral e publicamente,
com as alegações do autor e a contestação do réu. Terminada a instrução
o próprio juiz (Alta Alemanha e Frísia) ou uma comissão por ele indicada
(Francos), formulava uma proposta de decisão, que era então votada pelos
membros da Ding. Em seguida podia o credor, sem qualquer interferência do
Estado, aprisionar o devedor e optar pela execução pessoal ou patrimonial.
Nada obstante, o que mais chama atenção daqueles que estudam o sistema
germânico é o regime jurídico atribuído às provas. Isso porque o principal
meio de prova é o juramento, onde a reputação do demandado era atestada
por conjuradores, que não são testemunhas dos fatos, mas apenas do cará
ter daquele que jura. “Subsidiariamente, para o caso em que 0 juramento seja
impugnado ou quando não se consegue a ajuda de conjuradores, ou quando
0 acusador, substitui 0 juramento do demandado por uma provocação a um
duelo, deveram existir os julgamentos de Deus (ordálios) [...] Está provado que
foram empregados com este caráter a prova da água quente, a do fogo, a do
ferro candente, 0 duelo, o ordálio aleatório e a prova da água fria .”.'7 (sic)
A utilização generalizada destes meios de prova demonstra, à evidência,
a íntima relação do direito com a religião, na medida em que se acreditava
que aquele que estava com razão não seria atingido pela dor ou por qualquer

15 KEMMERICH, Clóvis Juarez. O d ir e ito p r o c e s s u a l d a i d a d e m é d ia . Porto Alegre: SAFE, 2006. p.


36.
16 GOLDSCHMIDT, James. D i r e i to p r o c e s s u a l c iv il. Campinas: Bookseller, 2003. Tomo I, p. 29-33.
17 Idem, p. 31.
outra consequência da submissão as provas, enquanto a parte que estivesse
nem razão senliria toda consequência divina da sua conduta.
A execução germânica, por fim, como se verá adiante de modo mais apro-
Iundado, se realizava sem a intervenção estatal, podendo atingir a pessoa do
devedor, como acontecia no primeiro período da execução romana, há muito
Hiiperado.

1.3.7. O processo comum (1088 até 1868).


Dominado o império romano por volta do ano de 476, como aludido, o
decorrer do tempo foi gradativamente minando as restrições que cada povo
fazia ao outro. A vida social e política de ambos os povos passou a ser comum
e, por volta do ano 1000, estabeleceu-se na Europa uma nova ordem políti­
co-social, com o fortalecimento das comunas e o surgimento das Cidades-
Estado. O intenso comércio desenvolvido foi, naquele momento histórico, o
lator principal de fortalecimento destes agrupamentos urbanos.
Essa conjuntura histórica e a necessidade de criação de uma ordem jurí­
dica adequada à realidade social provocou uma miscigenação dos sistemas
jurídicos romano e germânico, gerando um terceiro sistema jurídico misto,
denominado de sistema romano-germânico ou romano-barbárico, que pode
ser considerado como o embrião do direito contemporâneo de diversos países,
dentre os quais, o nosso.
Aliás, ao tratar dos elementos originários e derivados do moderno pro­
cesso civil, bem como dos momentos e lugares mais importantes onde ocorre­
ram seus encontros e fusões, Chiovenda assevera que “La historia dei proceso
cn general y de nuestro argumento en particular debe, por tanto, ocuparse, de
um modo especial, de los momentos en los que aquellos encuentros ocurrieron
y las fecundas relaciones se consumaron. Y estos momentos, como es sabido,
son vários: primero las invasiones germânicas em las tierras latinas, después el
florecimiento dei derecho romano en Italia, ...”.18
O saldo qualitativo do novo sistema jurídico, que englobou as qualidades
do sistema romano e do sistema germânico, deveu-se, em grande parte, à
retomada dos estudos daquele nas Universidades Italianas, em especial nas

CHIOVENDA, Giuseppe. E n s a y o s d e d e r e c h o p r o c e s a i c iv il. Buenos Aires: Ediciones Furidicas


Europa América, 1949. v. I, p. 315.
Universidades de Bolonha (ano de 1088), Provenza, Lombardia e Ravena,
onde foi dada nova roupagem aos antigos institutos dc cada escola.
Embora a miscigenação entre os direitos romano e germânico tenha ocoi
rido paulatinamente através dos séculos, esse momento especial pode sei
apontado como o marco inicial do processo comum, que se difundiu por todo
o continente europeu. Tratava-se de “...um processo misto, comum, porque se
aplicava desde que não o derrogassem as leis especiais locais, e nos quais vigiam
ainda numerosas formas e institutos do processo germânico e, principalmente,
perdurava seu espírito formalístico.”.19
O estudo dos textos romanos e dos influxos germânicos sobre tais textos
é feito, nas universidades, por estudiosos que anotam suas observações entre
as linhas e nas laterais dos textos, fato esse denominado “glosa”. Dai o sur
gimento da chamada escola dos glosadores, composta em seu início destes
comentários as antigas Institutos e a outros textos considerados importantes,
para depois dar ensejo à publicação de trabalhos mais ou menos vastos sobre
o processo.
Já no início do século XIII o processo civil passa a receber ainda mais influ
ência do Direito Canônico, então vivendo momento de muito prestígio, como
informam José Rogério Cruz e Tucci e Luiz Carlos de Azevedo ao ensinar: “O
processo canônico atinge seu ápice nos séculos XIII e XIV: é o momento em que
a Igreja reúne extraordinário poderio, dentro dos limites do ocidente europeu.
[...] O processo civil canônico neste contexto histórico é informado pelos postu
lados da unidade, segurança, organização, revelando estrutura lógica e obje­
tiva, destinada a alcançar, tanto quanto possível, a perfeição. [...] E, por isso,
afirma-se que a história do processo civil, a partir deste momento, é a história
para tornar o processo mais racional, menos complicado e mais célere...”.20
Percebe-se, portanto, a partir deste momento, o surgimento de formas pro­
cedimentais que visavam buscar agilidade e pregavam o desapego ao forma­
lismo demasiado, com o aparecimento, entre os séculos XIV e XV, de processo
chamado processo sumário, em que se aplicavam regras mais simples, havia
um pequeno retorno a oralidade e aumento dos poderes do magistrado.*10

19 CHIOVENDA, Giuseppe. I n s t i t u i ç õ e s d e d ir e ito p r o c e s s u a l c iv il. Campinas: Bookseller, 1998.


p.137.
10 CRUZ E TUCCI, José Rogério; AZEVEDO, Luiz Carlos de. L iç õ e s d e p r o c e s s o c i v i l c a n ô n ic o . São
Paulo: RT. 2001. p. 58-59.
X

() período do direito comum se estende até agosto de 1868, quando é publi­


cada em Giessen a obra denominada Die Lehre den prozesseinreden und die
1'rozessvoraussetzungen,1' de Oscar Von Bülow, que deu início a fase do pro-
t esso civil científico.

1.3.8. Processo civil científico.


Fm que pese à existência de estudos anteriores direcionados a uma revi-
Ao dos institutos do processo, a obra de Bülow pode ser considerada como
marco inicial do processo civil científico porque rompe com o entendimento,
ale então existente, de que o processo era uma simples consequência do direito
material. Sustentou o autor, como se verá quando do estudo específico do
lema, que o processo é uma relação existente entre os sujeitos, inclusive o juiz,
diversa da relação jurídica de direito material controvertida. Trata-se de rela-
çao que guarda autonomia em face da relação de direito material, sendo com­
plexa porque estabelece direitos, deveres, ônus e obrigações recíprocos entre
Iodos os participantes do processo.
Quase ao mesmo tempo vinha a lume o Código de Processo Francês de
1869, que fez uma mescla dos direitos romano, canônico e alemão, adaptan­
do os as suas necessidades específicas. Segundo Chiovenda “O contato ou
i onhecimento do Code de Procédure Civile determinaram em quase todos os
I slados europeus, como acentuamos, enérgica reação contra o processo comum
. iis legislações dele derivadas, aos quais contrapunha, em violento contraste,
«•// caráter singelo e claro, sua oralidade e publicidade, o princípio da soberania
do juiz, a agilidade de suas formas.".12
A partir deste momento se intensificam os estudos que procuram dar
i unho científico ao processo civil, destacando-se inicialmente os estudos
.icerca da autonomia do direito de ação, com a monografia de Adolf Wach
nobre a ação declaratória, denominada Der Feststellungsanpruch, publicada
rm 1888, a partir da qual a teoria civilista da ação foi considerada superada,
.issentando-se o entendimento de que o direito de ação e o direito material são
autônomos.

Teoria das exceções processuais e os pressupostos processuais.


CHIOVENDA, Giuseppe. I n s t i t u i ç õ e s d e d ir e ito p r o c e s s u a l c iv il. Campinas: Bookseller, 1998.
p.180.
Muitos foram os estudos que se seguiram, principalmente nos paísr» da
Europa continental, destacando-se na Itália as figuras de Chiovenda. • .11
nelutti, Calamandrei e Liebman, dentre muitos outros, cuja contribuirão l' “
inestimável para o desenvolvimento do processo civil.
A partir do início do século passado, mais propriamente de sua metade <111
diante, novas idéias passam a permear o processo civil, onde são realçados •>
ideais de acesso à Justiça, instrumentalidade e efetividade do processo; dand<<
perfil ao que alguns concebem como uma nova fase denominada contempo
rânea, que será efetivamente estudada no capítulo seguinte, sob a denomina
ção de novos paradigmas do direito processual civil.

1.4. O direito processual civil brasileiro.


O direito processual civil no Brasil deve ser estudado a partir do momenln
em que a antiga colônia tornou-se independente de Portugal, ocasião em que
também passou a exercer sua soberania através de um sistema jurídico apli
cável ao seu território. A partir de então, devido à diversidade dos regime,
políticos e jurídicos que se sucederam, o direito processual civil brasileiro pas
sou por uma evolução notória, delineada com precisão por Moacir Lobo d.i
Costa ,23 que identificou cinco períodos distintos do nosso processo civil e dc
sua literatura.
Editado seu estudo em 1970, porém, não alcançou o que poderiamos cha
mar de sexto período, cujo termo a quo foi a entrada em vigor do Código
de Processo Civil de 1973, elaborado pelo então Ministro da Justiça Alfredo
Buzaid. Por isso podem ser identificados mais três períodos em nosso Direito
Processual: o sexto período que vai da entrada em vigor do CPC de 1973 até
a entrada em vigor da Constituição da República de 1988; o sétimo período,
iniciado após a promulgação da Constituição até a entrada em vigor do atual
Código, em 16.03.2016, fase em que se concentraram as chamadas reformas
setoriais do código então vigente; e, finalmente, o oitavo período, referente
à fase que vivemos atualmente, com a entrada em vigor do atual Código de
Processo Civil.

•" LOBO DA COSTA, Moacir. Breve noticia histórica do direito processual civil brasileiro e de sua
literatura. São Paulo: RT, 1970.
O primeiro periodo identificado vai do ano de 1832 até 1850. Proclamada
I i Independência em 1822, impunha-se aos governantes a criação de uma nova
ordem legal, o que teve início com a instalação de uma Assembléia Cons-
llluinte e Legislativa, aos 03 de maio de 1823. Para não deixar o País num
hiato legislativo, o colegiado editou uma lei, em 20 de outubro de 1823, espe-
t lllcando qual legislação seria aplicada até a promulgação da carta Constitu-
i tonal. Esta lei, porém, nada mais fez do que mandar aplicar o sistema então
Vigente em Portugal, representada pelas Ordenações Filipinas e algumas leis
extravagantes.
No ano seguinte, mais precisamente em 25 de março de 1824, veio a lume
I primeira Constituição do Brasil. Ela criava o Supremo Tribunal de Justiça e
indicava suas atribuições, mas deixava para a lei infraconstitucional a tarefa
de elaborar normas específicas de cunho processual. Com isso, no ano de
IK30, foi promulgado o Código Criminal do Império, que teve a ele acostado,
itm 29 de novembro de 1832, uma lei que tratava das disposições provisórias
«obre a administração da Justiça Civil. A entrada em vigor destes dois últimos
diplomas, segundo Moacir Lobo da Costa ,24 foi o marco inicial do processo
civil no Brasil.
Nesta primeira fase, por exemplo, a execução era de competência dos juí-
/,es municipais, que também tinham a atribuição de preparar o processo de
conhecimento para que os juizes de direito proferissem sentença, sendo obri­
gatória a tentativa de conciliação.2S
O segundo período inicia-se com a entrada em vigor do Regulamento n°
737, de 25 de novembro de 1850, que disciplinou o procedimento a ser adotado
nas causas de natureza comercial. Em vigor o Código Comercial desde 25 de
junho de 1850, dispunha um Título único, encartado no final do diploma
sob a denominação “Da administração da Justiça nos negócios e causas
comerciais”, em seu artigo 27, que o Governo deveria, mediante expedição
de regulamentos, disciplinar o procedimento e as formalidades necessárias à
ordem do juízo nos processos comerciais. Foi aí, então, que toram editados o14*

14 Idem. p. 01-11.
Sobre essa competência dizia a Disposição Transitória acerca da Administração da Justiça Civil:
" A r t. 8°. O s j u i z e s m u n i c i p a i s f i c a m a u t o r i z a d o s p a r a p r e p a r a r e m e p r o c e s s a r e m to d o s o s f e i t o s , a té
s e n te n ç a f i n a l e x c lu s iv e , e p a r a a e x e c u ç ã o d a s e n te n ç a .''.
regulamento acima citado e o Regulamento n" 738, ambos com a finalidade
de complementar a legislação codificada.
As qualidades do regulamento n° 737 eram tantas2* que em 19 de setem
bro de 1890, após a Proclamação da República, por meio do Decreto n° 763.
o Governo Provisório, mandou aplicar às causas cíveis a legislação referente
ao processo comercial. Com isso, mesmo após a Proclamação da República e
a instituição do pluralismo legislativo, quando se atribuiu aos Estados a com
petência para legislar sobre processo civil, a citada legislação continuava a set
utilizada, enquanto não elaborados os códigos estaduais.
O terceiro período do Direito Processual Brasileiro (1890-1934) inicia-se
com a fase do pluralismo legislativo. Proclamada a República, as idéias libe
rais da época impunham que a competência para legislar sobre o processo
civil fosse conferida aos Estados, o que ocorreu com a promulgação da cons
tituição de 24 de fevereiro de 1891.*27 Antes mesmo da promulgação da Carta,
porém, através de legislação infraconstitucional, o Governo Provisório havia
abolido a conciliação obrigatória e criado e regulamentado a Justiça Federal,
como conseqüência da natureza do sistema federativo.
Enquanto os Estados não elaboravam seus próprios diplomas, todavia, o
Regulamento n° 737 continuava em vigor, com a finalidade de evitar um hiato
legislativo. Por isso, nos Estados onde a codificação demorou a ser elaborada,
referido regulamento teve longa vida, como nos casos de São Paulo, Espírito
Santo e Paraíba, que só editaram seus diplomas no ano de 1930.
O quarto período do nosso direito processual civil ocorreu entre os anos de
1934 e 1938, que não apresentou qualquer evolução significativa em termos das
instituições do processo. Com a vitória da revolução de 1930, foi promulgada
a Constituição de 1934, que restabeleceu a unidade do sistema processual,

u LOBO DA COSTA, p. 33. Essa a lição do autor: “O e x a m e c o m p a r a tiv o d o r e g u la m e n to c o m os


C ó d ig o s ita lia n o , p o r t u g u ê s e e s p a n h o l, q u e lh e s ã o p o s te r io r e s , r e v e la a s u p e r i o r i d a d e d a q u e le , n o
o r d e n a r o p r o c e s s o d a s c a u s a s c o m e r c ia is , e s p e c ia lm e n te n o q u e r e s p e ita à e c o n o m i a e s im p lic id a d e
d o s a to s e d a s f o r m a s p r o c e d i m e n t a i s . M a s , s o b r e tu d o , o v e lh o r e g u la m e n to m e r e c e r e s p e ito e l o u ­
v o r e s, p e lo m u i t o q u e c o n t r ib u i u p a r a a p r ó p r ia f o r m a ç ã o d a c o n s c iê n c ia p r o c e s s u a l b r a s ile ir a ."

27 Idem, p. 63. Diz o autor: “E m d e c o r r ê n c ia d e f a l s o e n t e n d i m e n t o d a e s t r u t u r a d o r e g im e fe d e r a tiv o ,


p r e v a le c e n a A s s e m b l é i a C o n s t i t u i n t e R e p u b lic a n a a id é ia , d e f e n d i d a p o r C a m p o s S a lle s , d e se a t r i ­
b u i r à s a n tig a s p r o v ín c ia s , a l ç a d a s à c a te g o r ia d e E s ta d o s - m e m b r o s d a F e d e r a ç ã o , a c o m p e tê n c ia
p a r a le g is la r s o b r e d ir e ito p r o c e s s u a l, r e s e r v a n d o - s e p a r a a U n iã o a d e fa z ê - l o a p r o p ó s ito d o p r o ­
c e s so d a J u s tiç a F e d e ra l.".
atribuindo exclusiva mente á União a competência para legislar sobre a maté-
ila. Foi, então, nomeada uma comissão para elaboração do novo Código de
Processo Civil, que não chegou a vir a lume, já que ocorreu a ascensão do
I stado Novo, nos moldes do regime fascista, com o fechamento do Congresso
Nacional e outorga de nova Carta Constitucional. Em resumo, portanto, não
houve tempo hábil ou vontade política para elaboração do estatuto processual
unificado.
Já sob a égide da Constituição de 10 de novembro de 1937, o quinto período
do processo civil brasileiro tem como marco inicial a entrada em vigor do
( iodigo de Processo Civil de 1939, que implantou substanciais modificações
no sistema então vigente, em especial no que toca ao processo de execução.
Seguindo doutrina já ultrapassada em países que inicialmente a adotaram ,28
o Estatuto de 1939 distinguiu duas formas de ação de execução: a ação exe-
CUtiva e a ação executória de sentença. A ação executiva tinha por escopo
efetivar a prestação de uma obrigação não determinada por sentença judicial,
isto é, promover a execução de título extrajudicial; enquanto a ação executó­
ria destinava-se a efetivar condenação imposta em sentença, tendo um rito
mais abreviado. O Código de 1939 também apresentava um sistema recursal
bastante complicado e formalismos exagerados, além de não ser permeável a
nova ideologia que informava o processo civil à época, como adiante se verá.
Daí as razões por que acabou sendo substituído pelo Código de 1973, que
entrou em vigor em Io de janeiro de 1974.
Nasce, então, o sexto período do direito processual civil brasileiro, que vai
da entrada em vigor do CPC de 1973 até a entrada em vigor da Constituição
da República de 1988. O desiderato principal do código era conduzir o pro­
cesso civil para seara mais moderna, adaptando-o a evolução decorrente da
vinda de Liebman para o Brasil e do surgimento da Escola Processual de São
Paulo, cujos membros operaram uma verdadeira revolução no estudo e na
compreensão dos institutos processuais.
O Código de 1973, todavia, como abaixo se verá (Capítulo 02 - Novos
Paradigmas do Direito Processual Civil), nasceu novo no aspecto técnico, mas

LIEBMAN, Enrico Tulio. E s tu d o s s o b r e o p r o c e s s o c iv il b r a s ile ir o . São Paulo: Saraiva, 1947. p. 83.


"... e n c o n tr a m o s , a s s im , tio d ir e ito v ig e n te (b r a s ile ir o ), in c o r p o r a d o s a u m o r d e n a m e n t o j u r í d i c o
q u e s e g u e o s p r i n c íp i o s d a m a i s m o d e r n a té c n ic a j u d i c i á r i a , i n s t i t u t o s j á m u i t o d e s a p a r e c id o s d a s
le is d o s p a ís e s e m q u e n a s c e r a m e se f o r m a r a m e m s é c u lo s lo n g ín q u o s ." .
superado no aspecto ideológico, na medida em que os valores então difundi
dos foram relegados a um segundo plano, tornando-se necessário pensar na
reformulação dos institutos nele contidos, para adaptá-lo aos parâmetros dos
ideais de acesso à Justiça, instrumentalidade e efetividade do processo. Poi
isso foi nomeada uma comissão para a reforma do Código de 1973, composta
por Joaquim Corrêa de Carvalho Junior, José Joaquim Calrnon de Passos,
Kazuo Watanabe, Luis Antônio de Andrade e Sérgio Bermudes, que elaborou
anteprojeto de reforma no ano de 1985,29 que não chegou a ser aprovado.
A rejeição do projeto e a ainda existente necessidade de alterar o código
vigente, deu origem à ideia de promover reformas setoriais, alterando-se as
partes consideradas mais importantes e deixando para reforma posterior
aquelas cuja modificação exigiam uma vontade política então não existente.
Todavia, antes que fossem processadas e aprovadas as reformas pretendidas,
entrou em vigor a Constituição da Republica de 1988; que deu ensejo a um
Modelo Constitucional de Processo Civil, cuja observância passou a ser obri­
gatória para a legislação infra-constitucional.
Começa, então, o sétimo período do direito processual civil brasileiro,
que medeia da entrada em vigor da Constituição da República de 1988 até a
entrada em vigor do atual Código, em 16.05.2015, fase em que se concentra­
ram as chamadas reformas setoriais do código então vigente. Esse período
foi marcado por intensa elaboração legislativa, com a reforma de institutos
já existentes e o ingresso no sistema de novos institutos, alterando profunda­
mente o diploma então vigente, a ponto de levar parte da doutrina a sustentar
que de um código de processo passamos a ter uma consolidação das leis de
processo civil, com a quebra da congruência e da harmonia do sistema, tudo a
reclamar a elaboração de um novo Código de Processo Civil.
Diante de tal panorama, pelo Ato do Presidente do Senado Federal n° 379,
de 2009, foi instituída uma comissão de juristas destinada a elaborar Ante­
projeto do Novo Código de Processo Civil, Presidida pelo então Ministro
do STJ Luiz Fux e que teve como Relatora Geral a professora Teresa Arruda
Alvim Wambier; que apresentou a proposta de reforma que, após tram itar
por ambas as Casas Legislativas e sofrer inúmeras alterações, converteu-se na
Lei n° 13.105, de 16 de março de 2015; nosso atual Código de Processo Civil.

29 REPRO 43/86 (Revista de Processo, vol. 43, p. 86116) e DOU 24.12.1985.


Nasce, assim, o ainda em desenvolvimento oitavo período do Direito Proces
suai Civil Brasileiro.

1.5. As normas processuais e sua aplicação.


Pm que pese a infindável série de objeções à escola que tomou a denorai
nação de Positivismo Jurídico, suas idéias, agora superadas, foram de enorme
valia para consolidar o direito como uma ciência. Isso porque a existência de
uma norma hipotética fundamental dando suporte a todo o sistema jurídico
mlraconstitucional representava, à época, um postulado necessário à existên
i Ia de uma ciência autônoma, assim como a matemática, a física ou a biologia
riam consideradas ciências porque também possuíam seus próprios postula
ilos. Sem a existência de postulados, definidos como proposições admitidas
sem demonstração e que servem de ponto de partida para a dedução de novas
proposições; não se caracterizava a disciplina como uma ciência autônoma
«l.ts demais.
Uma má interpretação do pensamento Kelseniano, todavia, realizado de
lorma superficial e simplista, acabou por fazer com que, durante largo período
de tempo, o direito fosse confundido com a própria lei; esquecendo-se que as
lontes primárias ou imediatas do direito são a lei e os costumes, enquanto as
Imites secundárias ou mediatas são a doutrina e a jurisprudência. Tratava-se
da lei como sinônimo de direito e vice-versa, não havendo direito onde não
havia lei.
Dentre as inúmeras outras teorias a respeito do direito e de seu conteúdo,
que aqui não serão abordados já que não se trata de obra voltada ao estudo
específico do tema, há aquela que entende que a norma jurídica deve ser con
siderada um gênero, do qual derivam duas espécies: os princípios e as regras.
Kmbora exista viva polêmica, ainda não definida, entre o conteúdo de cada
qual, aqueles seriam normas mais fluídas, enquanto estas teriam um conte
údo mais concreto. Na conceituada lição de Robert Alexy: "Aqui las regias y
los princípios se agruparán bajo el concepto de norma. Tanto las regias como los
princípios son normas porque ambos establecen lo que es debido. Ambos pueden
ser formulados, con Ia ayuda de las expresiones deónticas básicas dei mandato,
el permiso y la prohibición. Los princípios, al igual que las regias, son razones
para llevar a cabo juicios concretos de deber ser, aun cuando sean razones de
un tipo muy diferente. La distinción entre regias y principias es entornes una
distinción entre dos tipos de normas.".30
Aparentemente adotando tal distinção, o nosso Código, como se viu quando
da apresentação da sua estrutura (item 1 .2 , supra), possui uma parte geral qui­
tem início com o tratamento dos princípios constitucionais e infraconstitucio
nais do processo civil, servindo como verdadeiro indicador da maneira pela
qual devem ser aplicados os institutos processuais; para em seguida, ainda
no mesmo título, tratar da temática da aplicação das normas processuais e
dos institutos fundamentais ao processo civil da jurisdição e da ação. Sob
denominação "Da aplicação das normas processuais”, portanto, trata a lei
nos art. 13 a 15 da aplicação das normas processuais no tempo e no espaço,
delimitando, assim, sua eficácia temporal e espacial (ou territorial).
Nada obstante, antes de analisar a eficácia da norma processual deve ser
fixado o que se deve entender por norma de natureza processual. Para Fran
cesco Carnelutti ‘‘...a) As normas processuais, como todas as normas ju r í­
dicas, foram feitas para ser aplicadas, ou melhor dizendo, regulam a con
duta dos homens, por meio de sua aplicação nos casos da vida. Aplicar uma
norma significa confrontar sua hipótese com uma situação prática para dela
deduzir se, dada a conformidade de uma com a outra, tem de ser observado
o preceito da mesma (supra, n° 7). A aplicação é, por conseguinte, uma obra
de confrontação, com frequência difícil, cuja realização exige, antes de tudo,
a fixação dos dois termos a confrontar: norma e fato. ”.31
Em outros termos e levando-se em conta também àquilo que propõem a
lógica deôntica, podemos definir a norma processual como um enunciado
que obriga, proíbe ou permite uma determinada conduta no bojo (âmbito) do
processo.

30 ALEXY, Robert. T e o r ia d e lo s d e r e c h o s f u n d a m e n t a l e s . 2• ed. Carlos Bernal Pu lido (Trad.).


Madrid: Centro de estúdios políticos y constitucionales, 2008. p. 64-65.
31 CARNELUTTI, Francesco. S i s t e m a d e d ir e ito p r o c e s s u a l c iv il. São Paulo: ClassicBook, 2000. v.I,
1 *,l. Norma processual no espaço
(Hkácia espacial ou territorial).
Sendo o Estado soberano nos limites do seu respectivo território, o exercí-
i In da função jurisdicional, como abaixo se verá, apresenta-se como corolário
natural do exercício desta soberania. Em outros termos, decorre da sobera-
iii.i o fato de que o exercício da jurisdição, em regra, segue o Princípio da
in ritorialidade.
Em consequência, a norma processual, que serve para regular a atividade
.Ir quem intervém no processo, também tem a sua eficácia limitada ao territó-
i m onde se exerce a jurisdição, nenhum valor tendo onde o Estado não exerce
.1 sua soberania. Por isso, aliás, que a sentença estrangeira nenhuma eficácia
produz entre nós, a não ser após ser homologada pelo Superior Tribunal de
lustiça, nos exatos termos do que está disposto no art. 961, do Código de Pro-
. esso Civil. A regra da territorialidade, que já era adotada no ordenamento
.mierior,32 também foi adotada pelo atual sistema processual, ao determinar,
cm seu art. 13, que "A jurisdição civil será regida pelas normas processu­
ais brasileiras, ressalvadas as disposições específicas previstas em tratados,
11 invenções ou acordos internacionais de que o Brasil seja parte. ”.
O mesmo acontece quando se trata de norma processual cuja competência
para elaboração é do Estado Membro, onde os exemplos de maior relevância
•..lo representados pelas Leis de Organização Judiciária de cada um dos Esta­
dos. No âmbito de seus respectivos territórios, portanto, a competência para
conhecer e decidir acerca de determinada causa também é estabelecida pela
I ei Estadual, de modo supletivo ao CPC, mas essa nenhuma eficácia vai pro­
duzir perante outro Estado integrante da Federação.
F.m resumo, portanto, a lei processual está sujeita ao Princípio da Territo-
nalidade, devendo ser aplicada no âmbito espacial onde o Brasil exerce a sua
soberania, aqui não tendo qualquer eficácia a norma processual estrangeira, a
não ser que venha a integrar formalmente nosso sistema jurídico, m ediante a
adesão do País a tratados ou acordos internacionais.

CPC 1973. A r t. 1.211. E ste C ó d ig o re g e rá o p r o c e s s o c iv il e m to d o o t e r r itó r io b r a s ile ir o . A o e n t r a r


e m vigor, s u a s d is p o s iç õ e s a p lic a r - s e -ã o d e s d e lo g o a o s p r o c e s s o s p e n d e n te s .
I. 5.2. Norma processual no tempo (eficácia temporal).
Ao contrário do que ocorre com a aplicação da norma processual no
espaço, onde os problemas encontrados não suscitam controvérsias mais acir
radas; a eficácia da lei processual no tempo, parte de uma temática maior
relativa à vigência e aplicação das normas, denominada Direito Intertempo-
ral, assume caráter bastante relevante e problemático, mormente quando nos
deparamos com o rompimento de um sistema jurídico já existente, que vem a
ser substituído por outro, como acontece quando um novo Código sucede um
anteriormente em vigor.
A nova lei demanda um período para ser conhecida e estudada pelos seus
operadores, bem como pela população de uma forma geral, antes mesmo que
possa substituir a antiga e produzir plena eficácia. Daí a razão pela qual existe
um período em que a lei já foi publicada, mas ainda não entrou em vigor,
denominado vacatio legis, no qual a legislação antiga ainda tem plena apli­
cação, até o momento em que vem a ocorrer à substituição efetiva da eficácia
do sistema antigo pela eficácia do novo sistema. No caso do atual CPC, publi­
cado em 16.03.2015, esse momento de transição de um para outro sistema se
dará em 16.03.2016, já que o art. 1.045 dispõe que “Este Código entra em vigor
decorrido um ano da data de sua publicação oficial.”.
Em vigor a nova lei, a primeira indagação que surge a respeito da aplicação
das normas processuais guarda relação com a possibilidade ou não de que
estas venham a retroagir e atingir os processos em tramitação ou os processos
já findos, o que pode gerar alteração até mesmo do teor da decisão proferida.
Imagine-se, por exemplo, a alteração do prazo para interposição de embargos
do devedor, que era de 10 dias na redação original do CPC de 1973 e passou
a ser de 15 dias a partir da alteração promovida naquele diploma pela Lei
II. 382, de 06 de dezembro de 2006, mantido pelo art. 915 do atual diploma.
O executado que na lei anterior teve declarado intempestivos os embargos
protocolados no 12 a dia, baseado na alteração da lei, poderia requerer o desar-
quivamento do processo, a decretação da nulidade dos atos processuais ali
praticados após a rejeição dos embargos e o recebimento, processamento e
julgamento destes mesmos embargos?
Se a execução já tivesse sido encerrada, com o trânsito em julgado da sen­
tença de extinção, certamente a resposta à questão seria negativa, na medida
cm que o art. 5", XXXVI, da Constituição da República, aduz que ",A lei não
prejudicará o direito adquirido, o alo jurídico perfeito e a coisa julgada". Por­
tanto, as disposições da nova lei nâo poderíam prejudicar a coisa julgada exis­
tente. Mas e nas execuções ainda em andamento? Poderia o executado pleitear
as providências acima aduzidas? Afinal, como bem pondera João Batista Lopes
"... a irretroatividade só é proibida com relação à lei que prejudique o direito
adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, o que permite concluir que,
respeitados esses limites, pode o legislador, ainda que excepcionalmente, esta­
belecer disposições retroativas.”.33 Também aqui a resposta à indagação seria
necessariamente negativa, mas isso em decorrência de proibição imposta pelo
próprio sistema processual, conforme dispõe o art. 14, do CPC; que adotou
como regra o principio da irretroatividade da lei, como adiante se verá.
Segundo noticia Moacyr Amaral Santos ,'4 três são os sistemas que procu-
lam resolver os problemas referentes à aplicação da lei processual no tempo.
O primeiro, denominado sistema da unidade processual, compreende o pro­
cesso como um todo indivisível, razão pela qual a lei aplicada durante todo
o seu curso há dc ser sempre a mesma. Assim, entrando em vigor uma nova
legislação, os dispositivos nela contidos retroagem para atingir os processos
que ainda estão em andamento, repetindo-se os atos já praticados, mas na
forma disciplinada pela nova lei.
ü segundo sistema, por seu turno, considera que o processo de conheci­
mento se desenvolve por fases autônomas (postulatória, probatória e deci-
sória) e que. por isso, a conclusão das fases deve se dar pela regra vigente
quando estas se iniciaram, mas adotar as regras novas com relação às fases
ii iniciar. Seria um sistema misto, cora a ultra-atividade da lei revogada ate
o término de uma fase já iniciada e com a aplicação imediata da nova lei as
fases ainda não principiadas.
Por fim, o terceiro sistema, embora considerando o processo como uma
unidade, entende que os atos processuais podem se realizar de forma isolada;
razão pela qual prega a imediata aplicação da lei que entra em vigor, respei­
tada a validade dos atos processuais realizados sob a égide da lei revogada.

" LOPES, João Batista. C u r s o d e d i r e it o p r o c e s s u a l c iv i l . São Paulo: Atlas, 2005. v.I, p. 16.
" SANTOS, Moacyr Amaral. P r im e ir a s l i n h a s d e d i r e i t o p r o c e s s u a l c iv il. 25* ed. São Paulo: Saraiva,
2007.V. I.p. 31-32.
Nosso Código adota como regra geral o terceiro sistema, ao disciplinar
em seus art. 14 e 1.046 que a norma processual não retroagirá e será aplicável
imediatamente aos processos em curso. Daí, não incide a nova lei aos pro­
cessos já encerrados, incide plenamente aos processos ainda não iniciados e
incide de imediato aos processos pendentes, respeitando a validade dos atos
processuais praticados sob a vigência da legislação anterior.
Nada obstante, o próprio código regula inúmeras exceções à aplicação
imediata da lei processual, que vêm reguladas na Parte Especial, Livro Com­
plementar, relativo às Disposições Finais e Transitórias. Assim, por hipótese,
extinto o procedimento comum sumário e alguns procedimentos especiais
de jurisdição contenciosa previstos no CPC de 1973; dispõe o art. 1.046. §1°,
que aos feitos relativos a tais procedimentos iniciados antes da vigência do
diploma atual aplica-se a lei revogada, até que seja proferida sentença.
Visando não prejudicar direito adquirido e ciente de que as normas rela­
tivas à prova judiciária são, em grande parte, de natureza material, o art.
1.047 faz com que as novas disposições relativas à prova só se apliquem àque­
las cuja produção foi requerida ou determinada de ofício após a vigência do
novo CPC; preservando com isso a expectativa existente no campo probatório
quando da propositura do feito.
Observa-se, por fim, que assim como se deu com relação à extensão da
coisa julgada a algumas questões prejudiciais (art. 503, §1°), que somente se
aplicou aos feitos iniciados após a vigência do atual diploma (art. 1.054); seria
conveniente a inserção no texto da lei de preceito referente aos recursos que
foram suprimidos (embargos infringentes) ou cujo alcance foi reduzido pelo
novo sistema processual (agravo de instrumento); já que assim como ocorre
com as provas, ao propor uma determinada ação ainda na vigência da lei ante­
rior, tem a parte expectativa de dispor do recurso existente, podendo ocor­
rer prejuízo a sua atuação processual e, com isso, infringência ao disposto na
Constituição da República.

Verificação de Aprendizagem
01 . Havia direito nos povos sem escrita?
02. Quais os períodos evolutivos do Direito Romano?
it I, Em que consiste o chamado período romano-barbárico?
0 l Quais os períodos evolutivos do Direito Processual Civil Brasileiro?
II'. Como se classifica a norma jurídica? Como definir norma processual?
llii Em que consiste o Princípio da Territorialidade da lei processual civil?
il7. Quais os sistemas relativos à aplicação da lei processual no tempo?
Ou Em que consiste o Princípio da Irretroatividade da lei processual civil?

Planificação para aula


AULA 01.
1 Vocabulário básico do direito processual civil.
Apresentação do Código de Processo Civil.
AULA 02.
I, Direito nos povos sem escrita.
- Vida em família e costumes
- Grupo familiar / Aldeias / Etnia / Estado.
- Aplicação das regras de conduta - Ritual religioso.
O Código da antiguidade.
- Código mais antigo - Código de Urukagina (2350 a.C.)
- Código de Hammurabi (1694 a.C.)
- Código de Manu (600 a.C.)
i. O Direito na Grécia. Leis de Drácon (621 a.C.) e de Sólon (594 a.C.)
I. O Direito Romano (754 a.C. a 568 d.C.)
- Io Período - LEGIS ACTIONES - 03 ações de conhecimento e duas
ações de execução - Duas fases: In iure (magistrado indicava a ação) e
apuei iudicem (particular instruía a julgava).
- 2o Período - PER FORMULA (Clássico) - Fórmula escrita na madeira ou
papiro - Duas fases: In iure (magistrado indicava a ação) e upud iudicem
(particular instruía a julgava).
MACIEL, José Fábio Rodrigues e AGUIAR, Renan. Historia tio direita São
Paulo: Saraiva, 2007.
REPRO 43/86 (Revista de Processo, vol. 43, p. 86-116).
SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. 25a ed.
Sâo Paulo: Saraiva, 2007.
THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 47a ed.
Rio de Janeiro: Forense, 2007.
VIEIRA, Jair Lot (Supervisor). Código de Hamurabi. Código de Manu. Lei das
XII Tábuas. 2a e.. São Paulo: EDIPRO, 2002.
2. NOVOS PARADIGMAS DO DIREITO
PROCESSUAL CIVIL

2,1. A reforma ideológica do processo civil eoC P C dc 1973. 2.2. Constitucionaiização


do direito processual civil e Modelo constitucional do processo. 2.3. A revisitação dos
Institutos processuais.

Pura que se possa ter a exata noção dos parâmetros que moldam o direito
l>i(M ssual civil, mister se faz observar a evolução (ou revolução) da maneira
ilr pensar e aplicar seus institutos, que se operou a partir de dois movimen
lus distintos e convergentes, que foram à reforma ideológica do processo e .1
• slruturação, pela Constituição da República, de um Modelo Constitucional
t!n Processo Civil.
A partir destes novos ideais, verdadeiros paradigmas para o estudo e apli-
1 ação dos institutos do processo, nasce o processo civil da atualidade, com
.iitibuição de nova roupagem a antigos institutos, otimizando a prestação da
1niela jurisdicional.

2.1. A reforma ideológica do processo


t ivil e o CPC de 1973.
O direito processual brasileiro, como ensina Moacir Lobo da Costa ,'5 pas
■ou por cinco fases bem delimitadas antes da entrada em vigor do Código dc
1473, todas preocupadas com a defesa dos direitos individuais entre partícula
1cs, em reflexo a ideologia existente à época. Por isso o CPC de 1939, além dc
t arecer de uma atualização sob o aspecto técnico, ainda sentia a necessidade
dc um novo método de aplicação do processo, fundado nos valores que então
lloresciam, lastreados nos ideais de acesso à Justiça, instrumentalidade e efe
lividade do processo.

l» COSTA, Moacir Lobo da. B r e v e n o tic ia h is tó r ic a d o d ir e ito p r o c e s s u a l c iv il b r a s ile ir o e d c s u a lile


r a tu r a . São Paulo: RT, 1970.
Ora, havia no início do século passado um anseio por uma sociedade mais
justa, fruto da nova concepção do Estado do Bem Estar Social, que surgiu para
se opor ao ideal do Estado Comunista. Ambas as ideologias, embora opostas,
pregavam uma maior Justiça Social, situação esta que também deitou luzes
sobre o processo, onde floresceu e sedimentou-se a ideia de que não bastava
um processo que fosse formalmente acessível a todos, devendo a possibilidade
de manuseio de tais meios ser efetiva.
Foi daí que nasceu a ideia de acesso à Justiça, com a nítida finalidade de
perm itir a utilização do processo por todos, eliminando o que mais tarde pas­
sou a ser denominado de litigiosidade contida. Ampliaram-se às vias proces­
suais e se procurou, então, neste movimento que foi mundial, eliminar os óbi­
ces para que alguém pudesse atuar de maneira real perante o Poder Judiciário.
Também foi nessa quadra que nasceu a ideia da proteção a “novos direitos”,
não decorrentes das relações entre indivíduos.
A evolução deste ideal também pode ser sentida em nossa legislação, com
a edição de diversos diplomas, alguns já extintos, onde se procurava atender
ao reclamo de ampliar o acesso à Justiça, como a lei de assistência judiciária
(Lei n° 1.060/1950), a lei do mandado de segurança (Lei n° 1.533/1951), a lei da
ação popular (Lei n° 4.717/1965), a lei de imprensa (Lei n° 5.250/1967), e, de
inúmeros outros diplomas, em especial quanto ao meio ambiente, as relações
de consumo e juizados de conciliação.
Ocorre, porém, que embora tenha efetivamente acontecido um aumento
de número de feitos, já que ampliado o acesso à Justiça e eliminados alguns
óbices relevantes, como o custo do processo para àqueles que não tinham con­
dição de litigar sem prejuízo à sua manutenção; a estrutura do Poder Judiciá­
rio continuou arcaica, dando causa a um aumento na demora dos processos.
Afinal, ampliada a entrada de feitos e mantida a mesma estrutura, não pode­
ría mesmo ser outra a consequência; o aumento do tempo de tramitação dos
feitos.
Pensou-se, então, numa forma de agilizar o processo, reduzindo o tempo
gasto para a sua tramitação e para o alcance da maturidade necessária à deci­
são final; o que se buscou com a diminuição das formalidades então existen­
tes. O resultado passou a ser considerado mais im portante do que a forma,
surgindo à ideia do processo civil de resultados, com o abandono de formas
consideradas supérfluas.
Km outros termos, como ensinou com maestria Cândido Rangel Dinamar
co,3* o direito processual se libertou de formalidades excessivas e passou a
ser observado sob a ótica da instrumentalidade, ou seja, passou a ter valor na
exata medida em que se presta à realização do direito material.
Todavia, mesmo tendo em conta a simplificação das formas, não se ope
rou o resultado esperado, com a otimização do processamento dos feitos e
com uma demora menor na solução dos litígios. Em outros termos, o sistema
continuou a ser moroso e não eficaz, com demora exacerbada na solução dos
processos.
Lembraram-se os processualistas, então, na antiga e sempre presente lição
de Chiovenda: 7 / processo deve dare perquanto è possibile praticamente a qui
lia um dirrito tutto quello e próprio quello chegli ha dirrito di conseguire.".''
Se o sujeito ativo obtém menos do que tinha direto o Estado estará negando a
prestação de tutela jurisdicional e, se obtêm mais, o processo se converte em
instrumento de enriquecimento sem causa.
Mas o ideal de efetividade contido nestas sábias palavras, no pensar de
Barbosa Moreira, ainda deve ser ampliado para abarcar outros prismas rele
vantes. Cinco são os aspectos que, segundo o professor, devem ser mencio
nados: a) existência, expressa ou implícita no sistema, de instrumentos aptos
para a tutela de todos os direitos; b) acesso a todos estes instrumentos, ainda
quando indeterminado o sujeito; c) condições propícias para a exata e com
pleta reconstituição dos fatos relevantes, a fim de que o convencimento do
magistrado corresponda, o quanto for possível, à realidade dos fatos; d) o
resultado do processo deve dar ao vencedor tudo aquilo a que tem direito em
face do ordenamento jurídico; e, e) o resultado obtido deve ser semelhante
ao cumprimento da obrigação, com um mínimo de dispêndio de tempo e
energia .38
Realmente, como afirma José Roberto dos Santos Bedaque,39 a efetivi
dade não se resume na afirmação de Chiovenda, pois “não se pode aceitai

w DINAMARCO, Cândido Rangel. A in s tr u m e n ta lid a d e d o pro cesso . São Paulo: RT, 1987.
CHIOVENDA, Giuseppe. S a g g i d i d i r i t t o p r o c e s s u a le c iv ile . Volume primo. Milano:Giufrè, 199 1
p. 110.
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. N o t a s s o b r e o p r o b le m a d a 'e f e t i v i d a d e ' d o processo in Tenun
Terceira série. São Paulo: Saraiva, 1984. p. 27.
d e d i r e it o p r o c e s s u a l c iv il.

" BEDAQUE, José Roberto dos Santos. D ir e ito ep ro cesso . São Paulo: Malheiros, 1977. p.15.
que alguém tenha que aguardar 3, 4, 5, ás vezes dez anos, para obter, pela via
jurisdicional, a satisfação do seu direito. Quem procura a proteção estatal, ante
a lesão ou a ameaça a um interesse juridicamente assegurado no plano mate­
rial, precisa de uma resposta tempestiva, apta a devolver-lhe, da form a mais
ampla possível, a situação de vantagem a que faz jus.”; ou, como afirma Sérgio
Shimura ,40 “de nada adianta a existência dos direitos se, quando vêm judicial­
mente reconhecidos, ou exigidos, não mais tem utilidade prática, seja porque se
alterou a situação fática, seja porque a situação emergencial já se transmudou,
de dano temido a dano lamentado.”.
Destarte, portanto, ainda sob a égide do Código de 1939, clamava a socie­
dade e a comunidade jurídica da época pela reforma na ideológica do processo
civil, ancorada nos novos ideais de acesso à Justiça, instrumentalidade e efe­
tividade do processo.
Nesse contexto, ao elaborar a exposição de motivos do Código de Processo
Civil de 1973, asseverou Alfredo Buzaid que a finalidade precípua do novo
diploma era a construção de um processo civil moderno, “...em consonância
com o progresso científico dos tempos atuais ” (item 01 ); optando-se pela ela­
boração de um novo diploma, ao invés da reforma do antigo, sempre tendo
em vista as finalidades de “...simplificar a estrutura do Código, facilitar-lhe
o manejo, racionalizar-lhe o sistema e torná-lo um instrumento dúctil para a
administração da Justiça.” (item 02).41
Percebe-se, pois, que a intenção dos que elaboraram o estatuto processual
de 1973 era a de trazer o processo para a era da modernidade, alinhando-o a
evolução sentida na doutrina por obra da vinda de Liebman ao Brasil; móvel
este que colocou em relevo os aspectos técnicos e procedimentais do então
novo estatuto, relegando a um plano um pouco inferior a nova ideologia que
à época já estava bastante difundida.
O Código de 1973, portanto, nasceu novo no aspecto técnico, mas superado
no aspecto ideológico, na medida em que os valores acima tratados foram
relegados a um segundo plano; tornando-se necessário pensar na reformula­
ção dos institutos nele contidos, para adaptá-lo aos parâmetros dos ideais de
acesso à Justiça, instrumentalidade e efetividade do processo.

SHIMURA, Sérgio Seiji. A r r e s to c a u te la r . São Paulo: RT, 1993.


41
Exposição de Motivos do Código de Processo Civil (LEI N.° 5.869, DE 11-1-1973).
Pouco tempo depois da entrada em vigor do CPC de 1973, o que revela a
preocupação da comunidade jurídica com a evidente necessidade de traçar o
novo perfil dos institutos processuais, formou-se uma comissão de juristas,
composta por Joaquim Corrêa de Carvalho Junior, José Joaquim Calnion de
Passos, Kazuo Watanabe, Luis Antônio de Andrade e Sérgio Bermudes, que
foi encarregada de elaborar o projeto de um novo CPC. Veio a lume, então, o
Anteprojeto de 1985,42 que acabou por não ser aprovado, mas que deu origem
à ideia de promover reformas setoriais do código então vigente. Afinal, per­
cebeu-se que sob o aspecto político seria mais fácil alterar algumas partes do
código, ao invés de alterar a sua totalidade.
Antes, porém, que houvesse tempo suficiente para a implementação das
alterações pretendidas, atualizado-se o perfil dos institutos e adaptando-os
aos novos ideais largamente difundidos pela doutrina; foi outorgada a Cons­
tituição da República, que trazia em seu bojo inúmeras normas de natureza
processual, visando a garantia de direitos, em especial dos direitos fundam en­
tais, dando ensejo a uma nova maneira de estudar e aplicar as normas do
processo, fundada na primazia da Constituição, conforme a seguir se verá.

2.2. Constitucionalização do direito processual


civil e Modelo constitucional do processo.
O fenômeno conhecido por constitucionalização do direito, para nós com
maior importância quanto ao direito processual civil, pode ser analisado sob
um duplo enfoque: a) como resultado de um movimento que acabou por tra­
zer para dentro da Constituição normas de natureza processual e b) como um
método para o estudo, a interpretação e aplicação do direito processual civil.
No que toca ao primeiro aspecto, já tivemos a oportunidade de observar,43
ao analisar o perfil do princípio da isonomia, que o ingresso generalizado
de normas processuais na Constituição da República foi apenas o resultado
de um movimento cujo inicio remonta ao início da criação das leis, mas que
teve como primeiro marco relevante a Carta Magna da Inglaterra, datada de

REPRO 43/86 (Revista de Processo, vol. 43, p. 86-116) e DOU 24.12.1985.


OLIVEIRA NETO, Olavo de e COZZOLINO DE OLIVEIRA, Patrícia Elias. P r in c ip io d a is o -
n o m i a . In P r in c íp io s p r o c e s s u a is c iv is n a C o n s titu iç ã o . Coord. OLIVEIRA NETO, Olavo de e
LOPES, Maria Elizabeth de Castro. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008. p. 138 e ss.
1215, seguido da Declaração de Direitos da Virgínia de 1776 e da Revolução
Francesa em 1789, para depois alcançar os textos das demais Constituições.
Destarte, nessa linha evolutiva a primeira Constituição a positivar de modo
amplo os direitos do homem foi a Constituição Mexicana de 1917, embora o
mundo jurídico não tenha, à época, lhe conferido a merecida importância, na
medida em que se tratava de diploma oriundo de país latino-americano, con­
siderados até hoje como integrantes dos chamados países periféricos. Foi por
isso que a Constituição de Weimar, de 1919, é considerada como o diploma
que deu início à ampla constitucionalização dos direitos humanos. Ironica­
mente, foi sob a égide de tal carta que surgiu e se fortaleceu o movimento
nazista, gerador da 2a Grande Guerra Mundial; lamentável momento de des­
respeito a toda humanidade.
Com o fim do conflito mundial, a Organização das Nações Unidas fez
publicar, em 1948, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, onde
vários direitos inerentes ao ser humano foram tratados como dogmas a serem
seguidos e respeitados, inspirando o desenvolvimento dos povos.
Dentre nós, embora as cartas constitucionais anteriores tratassem de
alguns princípios e apresentassem algumas disposições de ordem processual,
em especial quanto à composição de Tribunais e ações constitucionais, foi
a atual Constituição Federal, de 1988, chamada de constituição cidadã , que
positivou em larga escala os direitos humanos, tornando-os direitos funda­
mentais a efetiva constituição do Estado Democrático de Direito.
Ocorre, igualmente, que para garantir a efetividade de tais direitos funda­
mentais acabou por ser necessário trazer para o bojo da Constituição normas
capazes de garanti-los, na sua maioria normas de caráter processual; o que
tomou a denominação de constitucionalização do processo civil, na sua pri­
meira acepção.
A segunda acepção da locução, nascida como consequência lógica e natu­
ral da primeira, leva em conta não à evolução do movimento, mas sim os seus
efeitos enquanto método para o estudo, a interpretação e aplicação do direito
processual civil. Na sempre precisa lição de João Batista Lopes "De acordo
com as tendências atuais do direito processual, o estudo do processo civil tem,
como ponto de partida, a Constituição Federal e não o Código de Processo Civil.
Ê a chamada constitucionalização do processo civil, que não constitui nova
disciplina jurídica, mas tão somente nova forma ou novo modo de estudar o
direito processual".4,1
Nesse mesmo sentido as lições de Paulo Roberto Gouveia Medina ao afir
mar “É que sefaz, hoje, impossível compreender o processo em sua exata dimen
são fora da perspectiva constitucional. [...] Compreende-se, pois, que um dos
movimentos mais importantes que atualmente se verificam nos quadrantes </<>
IUrei to Público seja o da constitucionalização do processo', que a teoria geral,
como disciplina dedicada ao estudo dos fundamentos do direito processual e.
por via de consequência, das novas tendências que o dominam, não pode ficai
alheia.”;*5 e, de Cândido Rangel Dinamarco ao ensinar que “O processualista
moderno adquiriu a consciência de que, como instrumento à serviço da ordem
constitucional, o processo precisa refletir as bases do regime democrático, nela
proclamados; ele é, por assim dizer, o microcosmos democrático do estado de
Direito, com as conotações da liberdade, igualdade e participação (contradito
rio), em clima de legalidade e responsabilidade.”.*6
Em suma, portanto, em sua segunda acepção, trata-se de estudar e aplicai
o direito processual no perfil que lhe determina a Constituição e para a efeti
vação do Estado Democrático de Direito.
Percebe-se, portanto, que a constitucionalização do processo civil, com
a introdução de regras e princípios processuais no bojo da Constituição da
República, criou um sistema de princípios e regras que, por sua vez, deu ensejo
ao fenômeno conhecido por Modelo Constitucional do Processo. Em outros
termos, a carta Magna institui os parâmetros que vão moldar o processo,
assim como a estrutura do alicerce determina o espaço físico da construção.
A relação que se estabelece entre esse novo modelo, baseado na Consti
tuiçâo, com todo o restante do sistema processual, pode ser ilustrada com
o exemplo utilizado por Adriano De Cupis, que ao relacionar os direitos da
personalidade com as demais espécies de direitos que lhe são afins, afirma: "A
personalidade se não identifica com os direitos e com as obrigações jurídicas,
constitui a pré-condição deles, ou seja, o seu fundamento e pressuposto." / /1

11 LOPES, João Batista. C u r s o d e d ir e ito p r o c e s s u a l c iv il. São Paulo: Atlas, 2005. v.l, p.38.
' MEDINA, Paulo Roberto Gouvèa. D ir e ito p r o c e s s u a l c o n s t it u c i o n a l . Rio de janeiro: Eorcnsr,
2003. p. 07.
" DINAiM ARCO, Cândido Rangel. A i n s t r u m e n t a l i d a d e d o p ro cesso . São Paulo: RT, 1987. p.2r> l h
“No que diz respeito particularmente aos direitos, tem-se socorrido à imagem
da ossatura, que aliás se pode aplicar igualmente as obrigações: a personalidade
seria uma ossatura destinada a ser revestida de direitos, assim como os direitos
seriam destinados a revestir a ossatura.”. 474
8
Tratando desse novo modelo, base de todo o ordenamento processual, Cás-
sio Scarpinella Bueno4S traça com incomum perspicácia seu hodierno perfil e
estrutura. Após falar sobre a constitucionalização do processo assevera que o
mais importante, ainda quanto ao raciocínio desenvolvido, é aquilatar como
a constituição quer que o direito processual seja. “Ê verificar na Constitui­
ção Federal, qual é (ou, mais propriamente, qual deve ser) o 'modo de ser (de
dever-ser) do direito processual civil como um todo. É extrair, da Constitui­
ção Federal, o 'modelo constitucional do direito processual civil' e, a partir
dele, verificar em que medida as disposições legais anteriores à sua entrada em
vigência foram por ela recepcionadas e em que medida as disposições norma­
tivas baixadas desde então encontram-se em plena consonância com aqueles
valores ou, escrito de forma mais precisa, bem realizam os desideratos que a
Constituição impõe sejam realizados pelo direito processual civil ou que têm
condições de concretizar o modelo constitucional do direito processual civil.".49
Em seguida o professor aduz que o modelo constitucional do processo reúne
normas (princípios e regras) que podem ser classificados em quatro grupos,
diversos, segundo as suas características estruturais e teleológicas: a) tutela
constitucional do processo, que reúne os princípios e garantias que vão moldar
as leis infraconstitucionais e a atuação dos órgãos jurisdicionais; b) os proce­
dimentos jurisdicionais constitucionalmente diferenciados, que dizem respeito
às chamadas ações constitucionais (mandado de segurança, ação declaratória
de inconstitucionalidade, etc.); c) organização da Justiça, que trata da estru­
turação e competência dos tribunais; e, d) disciplina das funções essenciais da
Justiça, que traça o perfil, estrutura e finalidade das carreiras de Estado.
Esse arcabouço legislativo e principiológico, portanto, compõem o Modelo
Constitucional do Processo Civil Brasileiro, dando forma a todo o sistema
segundo as diretrizes impostas pela Constituição da República.

47 DE CUPIS, Adriano. O s d ir e ito s d a p e r s o n a lid a d e . Lisboa: Livraria Moraes Editora, 1961. p. 15.
48 BUENO, Cássio Scarpinella. C u r s o s i s t e m a t i z a d o d e d ir e ito p r o c e s s u a l. 3* c.. Sâo Paulo: Saraiva,
2009. p. 85 e ss.
49 Idcm, p. 86.
2. J. A revisitação dos institutos processuais.
A reforma ideológica do direito processual civil e a adoção, pela nossa
i «instituição, de um Modelo Constitucional do Processo Civil Brasileiro,
driam causa a uma necessidade ainda maior de repensar o direito processual,
pmmovendo uma adaptação dos institutos existentes a essa nova realidade.
Tratando da necessidade de re-elaboração da doutrina existente afirma
|ose Roberto dos Santos Bedaque que “a partir do momento em que se aceita
a natureza instrumental do direito processual, torna-se imprescindível rever
■viis institutos fundamentais, afim de adequá-los a esta nova visão. Isso porqia
nula a construção científica se deu na denominada fase autonomista, em que.
devido à necessidade de afirmação da independência do direito processual.
v valorizou demasiadamente a técnica. Passou-se a conceber o instrumenti
pelo próprio instrumento, sem a necessária preocupação com os seus objetivos,
que, obviamente, lhe são externos. Em nenhum momento pode o processualistc
esquecer que as questões internas do processo devem ser solucionadas de modi
11 favorecer os resultados pretendidos, que são exteriores a ele.”. 50
No mesmo sentido João Batista Lopes,51 que ao tratar da ideia de revisita
t,ao do processo civil afirma: "Por influência da doutrina italiana, os proccs
■ ualistas brasileiros passaram a utilizar o termo revisitação para designarpos
tara mais moderna orientada no sentido de rever os institutos fundamentai
tio Direito Processual Civil. Essa tentativa de atualização (aggiornamento) si
/a presente na doutrina mais autorizada, que, reconhecendo embora a impor
táncia da contribuição de autores clássicos como Chiovenda, Carnelutti, ( '.ala
mandrei e Liebman, procura avançar em busca de um modelo de processo mal.
moderno, ajustado aos anseios e reclamos da sociedade. Para alcançar o Jín
colimado, sentiram os autores a necessidade de revisitar os institutos proics
suais no sentido de lhes dar nova visão e configuração em harmonia com a
exigências da vida moderna. Assim, os institutos da jurisdição, ação eproí e.s.so
além dos princípios do acesso à justiça, do contraditório, da igualdade das par
les, do dispositivo, etc., foram, submetidos a rigorosa revisão ou reformulação i
que se convencionou chamar de revisitação”.

BEDAQUE, José Roberto dos Santos. D ir e ito e p r o c e s s o . São Paulo: Malheiros, 1977. p. 13.
w LOPES, João Batista. T u te la a n te c ip a d a . São Paulo; Saraiva, 2001. p.14-15.
Diante de tal realidade, como se viu, houve uma tentativa frustrada de ela­
boração de anteprojeto de reforma do Código de Processo Civil em 1985, que
veio a desencadear a ideia de que a necessidade de alteração do sistema pro­
cessual deveria ser feita setorialmente, com a elaboração de inúmeros diplo­
mas alterando pontos específicos do código então vigente. Foi nesse ambiente
que se multiplicaram diplomas que alteravam a legislação existente, por vezes
reelaborando um de instituto por inúmeras vezes, como aconteceu com o
recurso de agravo.
Vê-se, pois, que as inúmeras reformas setoriais realizadas no Código de
Processo Civil de 1973, não devem ser vistas como a causa de um novo pen­
samento que se deveria ter sobre os institutos, mas sim como a consequência
de uma evolução que foi pensada, debatida, questionada, criticada e elogiada,
mas que foi uma profunda evolução no modo de pensar o processo civil. Tra­
tou-se de uma nova roupagem que foi dada aos vários institutos processu­
ais, sob a primazia dos novos princípios programáticos do processo (acesso à
Justiça, instrumentalidade e efetividade) e do Modelo Constitucional do Pro­
cesso Civil imposto pela Constituição da República.
Ocorre, entretanto, que as modificações efetivadas no Código de 1973
acabaram por transformar o diploma numa colcha de retalhos, dando causa
a inúmeras contradições, gerando a necessidade da elaboração de um novo
código, onde uma das principais finalidades foi assegurar a integralidade do
sistema e a viabilidade de uma interpretação e de uma aplicação coerentes da
lei processual.
Diante desses novos paradigmas foi que nasceu, portanto, nosso atual
Código de Processo Civil.

Verificação de Aprendizagem
01. Em que consiste a chamada reforma ideológica do direito processual
civil?
02. Quais as duas acepções possíveis para a chamada constitucionalização
do processo civil?
03. O que é o modelo constitucional do processo?
u i Como é que o professor Cássío Scarpinella Bueno classifica as normas
(princípios e regras) que compõem o modelo constitucional do processo?
OV Km que consiste a revisitação do direito processual civil?

1’lanificação para auia


I) Evolução da maneira de pensar o processo.
- Acesso a Justiça
!) Novos paradigmas - Instrumentalidade
- Efetividade
3) Os paradigmas, gerando uma nova forma de pensar o processo. A
reforma ideológica.
4) O CPC de 1973 e a opção pelo tecnicismo.
lí) O abandono do projeto de 1985 e as reformas setoriais do CPC de 1973.
6) A constitucionalização do processo civil. Duplo aspecto.
7) Perfil do modelo constitucional do processo.
a) tutela constitucional do processo - princípios e garantias
que vão moldar as leis infraconstitucionais e a atuação
dos órgãos jurisdicionais;
8) Classificação b) os procedimentos jurisdicionais constitucional mente
diferenciados - ações constitucionais;
c) organização da Justiça - estruturação e competência
dos tribunais;
d) disciplina das funções essenciais da Justiça.
9) A revisitação dos institutos processuais.

Bibliografia
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Notas sobre o problema da efetividade
do processo in Temas de direito processual civil. Terceira série. São Paulo;
Saraiva, 1984.
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito eprocesso. São Paulo: Malheiros,
1977.
BUENO, Cássio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual. 3a ed..
São Paulo: Saraiva, 2009.
CHIOVENDA, Giuseppe. Saggi di diritto processuale civile. Volume primo.
Milano:Giufrè, 1993.
COSTA, Moacir Lobo da. Breve notícia histórica do direito processual civil bra­
sileiro e de sua literatura. São Paulo: RT, 1970.
DE CUPIS, Adriano. Os direitos da personalidade. Lisboa: Livraria Moraes
Editora, 1961.
DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. São Paulo:
RT, 1987.
Exposição de Motivos do Código de Processo Civil (LEI N.° 5.869, DE
11-1-1973).
LOPES, João Batista. Curso de direito processual civil. São Paulo: Atlas, 2005.
v.I.
_______ . Tutela antecipada. São Paulo: Saraiva, 2001 .
MEDINA, Paulo Roberto Gouvêa. Direito processual constitucional. Rio de
Janeiro: Forense, 2003.
OLIVEIRA NETO, Olavo de e COZZOLINO DE OLIVEIRA, Patrícia Elias.
Principio da isonomia. In Princípios processuais civis na Constituição.
Coord. OLIVEIRA NETO, Olavo de e LOPES, Maria Elizabeth de Cas­
tro. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008.
REPRO 43/86.
SHIMURA, Sérgio Seiji. Arresto cautelar. São Paulo: RT, 1993.
3. PRINCÍPIOS DO PROCESSO CIVIL

3.1. Princípios constitucionais do processo civil, a) Princípio do devido processo legal,


b) Princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional (do direito de ação), c) Prin­
cípio do acesso à Justiça, d) Princípio do contraditório, e) Princípio da ampla defesa.
0 Principio da isonomia. g) Princípio do juiz natural, h) Principio da publicidade dos
atos processuais, i) Princípio da fundamentação das decisões judiciais, j) Princípio
do duplo grau de jurisdição, k) Princípio da proibição da prova ilícita. 1) Princípio da
celeridade processual. 01. Meios que garantem a celeridade de tramitação. 02. Razoá­
vel duração do processo. 03.02. Princípios informativos do processo civil, a) Princípio
dispositivo, b) Princípio do impulso oficial, c) Princípio da cooperação, d) Princípio
da paridade de tratamento, e) Princípio da oralidade. f) Princípio da economia proces­
sual. g) Princípio da fungibilidade. h) Princípio da lealdade processual.

Já se disse, no capítulo anterior, que a constitucionalização do processo


civil, com a introdução de regras e princípios processuais no bojo da Consti­
tuição da República, criou um sistema de princípios e regras que, por sua vez,
deu ensejo ao fenômeno conhecido por Modelo Constitucional do Processo.
A carta Magna institui os parâmetros que vão moldar o processo, assim como
a estrutura do alicerce determina o espaço físico da construção.
Destarte, podendo o direito processual civil ser definido como o sistema
de princípios e regras que tem por escopo regular a atividade das partes, do
juiz e de seus auxiliares no processo civil; ganha fundamental importância o
estudo dos princípios essenciais do processo, sejam eles diretamente previstos
na Constituição da República, sejam eles previstos na legislação infra-consti-
tucional. Tal tarefa, entretanto, encontra sua primeira dificuldade na defini­
ção de princípio, que não se apresenta uníssona na doutrina.
Em termos léxicos, princípio significa “1. Ato de principiar. 2. Momento
cm que uma coisa tem origem; começo, início. 3. Ponto de partida. 4. Causa
primária. 5. Fonte primária ou básica de matéria ou energia. 6. Filos Aquilo
do qual alguma coisa procede na ordem do conhecimento ou da existência. 7.
Característica determinante de alguma coisa. ...”.52 Trata-se de ideia ligada a
algo que está no começo.

S2 MICH AEL.1S. M o d e r n o d ic io n á r io d a lín g u a p o r tu g u e s a . São Paulo: Melhoramento, 2002.


Diante dessa concepção Miguel Reale define os princípios como "... verda­
des ou juízos fundamentais, que servem de alicerce ou de garantia de certeza a
um conjunto de juízos, ordenados em um sistema de conceitos relativos a dada
porção da realidade.”.53
Já Robert Alexy, em lição já clássica, sustenta que “El punto decisivo para Ia
distinción entre regias y princípios es que los princípios son normas que orde­
nam que algo sea realizado em la mayor medida posible, dentro de las posibili-
dades jurídicas y reales existentes. Por lo tanto, los princípios son mandatos de
optimización, que se caracterizan porque pueden cumplirse cm diferente grado
y que la medida debida de su cumplimiento no sólo depende de las posibilidades
reales sino también de las jurídicas.” 54 Noutros termos, como bem percebido
por Jefferson Aparecido Dias: “Os princípios, por sua vez, como mandatos de
otimização, admitem um cumprimento gradual de acordo com o caso concreto.
É uma norma que pode ser cumprida de diferentes formas, tudo de acordo com
o caso concreto. É uma razão que se inclina numa ou noutra direção, sugerindo
uma ou outra solução.”.55
Como se vê, portanto, os princípios são normas de suma importância para
a interpretação e aplicação do direito ao caso concreto, podendo-se fazer coro
com Patrícia Elias Cozzolino de Oliveira para afirm ar que os princípios
são qualitativamente mais importantes do que as regras, e mesmo não exis\
tindo hierarquia form al entre ambas as modalidades no sistema constitucional,
há hierarquia material.”.56
Justifica-se, assim, o estudo dos princípios de ordem processual inseridos
na Constituição da República e nas leis processuais, em especial no Código de
Processo Civil; pois sua compreensão é absolutamente necessária e indispen­
sável à aplicação da norma processual civil.

44 REALE, Miguel. I n tr o d u ç ã o à filo s o fia . 3* e.. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 46.
44 ALEXY, Robert. T e o r ia d e lo s d e r e c h o s f u n d a m e n t a l e s . 2 ‘ e.. Trad. Carlos Bernal Pulido. Madrid:
Centro de Estúdios Políticos y Constitucionales, 2008. p. 67-68.
45 DIAS, )efferson Aparecido. P r in c ip io d a e fic iê n c ia e d a m o r a li d a d e a d m i n i s t r a t i v a . Curitiba:
Juruá, 2004. p. 36.
46 COZZOLINO DE OLIVEIRA, Patrícia Elias. S i s t e m a , r e g ra s e p r i n c í p i o s n a C o n s t i t u iç ã o B r a s i­
le ir a d e 1 9 8 8 . In P r in c íp io s p r o c e s s u a is c iv is n a C o n s titu iç ã o . Coord. OLIVEIRA NETO, Olavo de
e LOPES, Maria Elizabeth de Castro. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008. p. 10.
Advirta-se, porém, que além dos princípios insertos na Constituição da
República, podemos identificar princípios informativos do processo civil, pre­
vistos explicita ou implicitamente na lei processual e que se aplicam a todos os
institutos processuais; bem como princípios específicos para cada um dos ins­
titutos, apenas a eles aplicáveis, como os princípios que informam a teoria dos
recursos. Trataremos aqui dos dois primeiros, abordando os demais quando
do tratam ento específico de cada um dos institutos.

3.1. Princípios constitucionais do processo civil.


Dentre os princípios processuais inseridos na Constituição da República
destacam-se os seguintes: a) Princípio do devido processo legal; b) Princípio
da inafastabilidade do controle jurisdicional; c) Princípio do acesso à justiça;
d) Princípio do Contraditório; e) Princípio da ampla defesa; f) Princípio da
isonomia; g) Princípio do juiz natural; h) Princípio da publicidade; i) Prin­
cípio da fundamentação das decisões judiciais; j) Princípio do duplo grau de
jurisdição; k) Princípio da proibição da prova ilícita; e I) Princípio da celeri­
dade processual.
Trataremos superficial e individualmente de cada qual, mas para um
estudo mais aprofundado remetemos o leitor à obra Princípios processuais
civis na Constituição, que tivemos a honra de coordenar em conjunto com a
Maria Elizabeth de Castro Lopes (Rio de Janeiro: Elsevier, 2008), onde foram
realizados estudos bastante profundos e esclarecedores acerca de cada um dos
princípios acima elencados.

a) Princípio do devido processo legal.

Já se tornou clássica a lição de Nelson Nery Junior acerca do princípio do


devido processo legal: “O principio fundamental do processo civil que entende­
mos como a base sobre a qual todos os outros se sustentam, é o devido processo
legal, expressão oriunda da inglesa due process of law. [...] Em nosso parecer,
bastaria a norma constitucional haver adotado o princípio do due process of
law para que daí decorressem todas as consequências processuais que garanti­
ríam aos litigantes o direito a um processo e uma sentença justa. É, por assim
dizer, o gênero do qual todos os demais princípios constitucionais do processo
são espécies.”.S7
Em outros termos, segundo o autor, trata-se de um princípio que engloba­
ria todos os demais, sendo desnecessária a menção pela norma constitucional
de outros princípios, bastando o devido processo legal, previsto no art. 5o,
LIV, da Constituição da República, para que todos dele decorressem.
Nada obstante tal concepção, que atualmente nos parece a mais aceita, cre­
mos que agiu bem a Constituição da República em enunciar os demais prin­
cípios tratados no presente capítulo. Ocorre que por bastante tempo, desde
a promulgação da Carta Magna até a chamada reforma do Poder Judiciário,
operada pela Emenda Constitucional nu 45, de 08 de dezembro de 2004, o
princípio da razoável duração do processo não foi considerado como prin­
cípio constitucional, tendo a norma que dele tratar expressamente, sob pena
de boa parte da comunidade jurídica repudiá-lo como princípio derivado do
devido processo legal.
Basta ver a tal respeito à polêmica existente entre os que sustentam que
o duplo grau é um princípio constitucional e os que sustentam que nem ao
menos seria um princípio, quando parece natural que esteja inserido no his
day in Court o direito de poder ver submetido a uma segunda apreciação deci­
são proferida em juízo.
Por sua vez, como bem demonstra Jefferson Aparecido Dias ao tratar da
evolução e perfil do devido processo legal, a Suprema Corte Americana tra­
çou parâmetros para distinguir aspectos diversos do princípio, conforme o
tipo de proteção prestada. Distinguiu o procedural due process do substantive
due process, evoluindo para a proteção, além dos aspectos formais, dos aspec­
tos materiais. Segundo o autor “Deixou de se dar ao referido princípio um
conteúdo meramente form al ou instrumental, atribuindo-lhe uma nova força
que permitia questionar o mérito da atuação estatal. O Judiciário não mais
se limitava a verificar se o ato do Poder Público estava de acordo com a forma
previamente estabelecida na lei, chegando a analisar o conteúdo do próprio ato,
anulando-o nos casos em que ele se revelava irrazoável ou declarando a incons-
titucionalidade de leis não-razoáveis. Foi estabelecida a “rule o f reason” (regra

57 NERY JUNIOR, Nelson. P r in c íp io s d o p r o c e s s o c i v i l n o C o n s t i t u iç ã o F e d e r a l. Sâo Paulo: RT, 1992.


r iim iv h \*\0 » liw » i m w v » f *».

da razão) ou o padrão da reasonableness (razoabilidade), que permite ao Poder


judiciário analisar, caso a caso, os atos do Poder Executivo e do Poder Legisla
tivo, verificando se a atuação estatal é não arbitrária e se ela parece sensata,
digna de aplauso e compreensível aos intérpretes' (RODRIGUES, Lêda Boe-
chat, A Corte Suprema e o direito constitucional americano. Rio de Janeiro:
borense, 1958, p. 140). Assim, o devido processo legal substantivo fo i adotado
como sinônimo do principio da razoabilidade.”.58
No sentido processual, em nosso entender, o princípio do devido processo
legal poderia ser considerado no seu sentido inverso, ou seja, num todo repre­
sentado pelo conjunto dos princípios constitucionais previstos, explicita ou
implicitamente, em nossa Constituição; o que em verdade caracteriza aquilo
que vem sendo chamado de Modelo Constitucional de Processo, já tratado
anteriormente.
Em suma, pois, no sentido substancial o princípio pode ser considerado
como a regra da razoabilidade, enquanto no sentido processual como o con­
junto dos princípios processuais constitucionais, que dão forma ao Modelo
Constitucional do Processo Civil.

b) Princípio da inafastabilidade do controle


jurisdicional (do direito de ação).
O art. 5o, XXXV, da Constituição da República, ao aduzir que “A lei não
excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de lesão a direito.”,
dá ensejo a identificação de dois ideais que se convertem em princípios pro­
cessuais constitucionais: a) o princípio da inafastabilidade do controle jurisdi­
cional ou princípio do direito de ação, ora tratado; e, b) o princípio do acesso
á Justiça, que será tratado no item subsequente.
Previsto explicitamente a partir da Carta Constitucional de 1946, mas
implicitamente desde a Constituição de 1891, como salienta Leonardo Feres
da Silva Ribeiro ;59 em sua primeira acepção a preocupação do legislador se

DIAS, Jefferson Aparecido. P r in c íp io d o d e v i d o p r o c e s s o leg a l. In P r in c íp io s p r o c e s s u a is c iv is n a


C o n s titu iç ã o . Coord. OLIVEIRA NETO, Olavo de e LOPES, Maria Elizabeth de Castro. Rio de
janeiro: Elsevier, 2008. p. 10.
RIBEIRO, Leonardo Feres da Silva. In
P r in c ip io d a i n a fa s ta b ilid a d e d o c o n tr o le j u r i s d i c i o n a l .
Coord. OLIVEIRA NETO, Olavo de e LOPES, Maria
P r in c íp io s p r o c e s s u a is c iv is n a C o n s titu iç ã o .
Elizabeth de Castro. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008. p. 50-51.
volta contra a vedação à prestação de tutela jurisdicional, ou seja, proíbe que a
lei vede a qualquer um o acesso ao Poder Judiciário.
Na lição de Alexandre Freitas Câmara o destinatário da norma contida
no mencionado inciso X X X V do art. 5o da Constituição Federal é o legislador,
o qual fica impedido de elaborar normas jurídicas que impeçam (ou restrinjam
em demasia) o acesso aos órgãos do Poder judiciário. [...] Assim é que deve ser
tida por inconstitucional qualquer norma jurídica que impeça aquele que se
considera titular de uma posição jurídica de vantagem, e que sinta tal posição
lesada ou ameaçada, de pleitear junto aos órgãos judiciais a proteção de que se
sinta merecedor.”.60
Realmente, o primeiro destinatário da norma é o legislador, que fica impe­
dido de elaborar normas que possam vedar ou embaraçar de forma expres­
siva a prestação da tutela jurisdicional; como em diversas ocasiões já se viu,
em especial quando da edição de planos econômicos que visavam reduzir a
inflação que assolou o País. Tal limitação, porém, não se restringe apenas à
propositura de ação, mas alcança também a ideia mais ampla que se tem atu­
almente de acesso à Justiça, englobando a concessão de liminares, a produção
de provas, a participação no processo e o manuseio de recursos, dentre outras
faculdades processuais.
Nesse passo, parece lógica a conclusão de que, se o legislador está proi­
bido de obstar o exercício do direito de ação, então o magistrado também não
poderá proferir decisão que venha a impedir o exercício de tal direito. Seja em
sede de liminar, seja em sede de decisão definitiva.
Daí a impossibilidade, como diuturnam ente se vê no foro, do atendimento
ao pedido de concessão de liminar para impedir que alguém vá ao Poder Judi­
ciário para fazer valer direito que diz possuir. Embora comuns tais pedidos,
por vezes acompanhados de caução idônea, não poderá o magistrado emitir
ordem proibindo a propositura de ação contra o que requereu a medida.
Destarte, o amplo exercício do direito de ação, mesmo por parte daquele
que sabe não ter o direito que alega e que, por isso, litiga de má-fé, não pode
ser previamente impedido por qualquer tipo de norma ou vedado em hipótese

“ CÂMARA, Alexandre Freitas. L iç õ e s d e d ir e ito p r o c e s s u a l c iv il. 9* e.. Rio de janeiro: Lumen luris,
2003. v.I. p. 46-47.
concreta por decisão judicial, seja cia provisória ou definitiva; sob pena de
infringência ao principio em comento.

c) Princípio do acesso à Justiça.


Se a primeira acepção contida no art. 5o, XXXV, da Constituição da Repú
blica - "A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça
de lesão a direito.”- dá suporte ao princípio da inafastabilidade do controle
jurisdicional; a segunda acepção dá suporte ao princípio do acesso à Justiça.
Trata-se da bilateralidade do preceito, que ao mesmo tempo que impede a
vedação ao controle mediante o exercício da jurisdição, confere a alguém o
direito de buscar esse controle mediante a utilização dos meios adequados
para a sua obtenção. Ou, na concepção de Medina e Teresa Wambier “Não
se limita a norma constitucional a obstar que alguma lei impeça o acesso a
jurisdição, mas vai além, para assegurar o direito de exigir do Estado a tutela
jurisdicional.".6'
A concepção de acesso à Justiça, todavia, desbordou os limites da possi­
bilidade de propor uma ação, como antigamente se pensava, para alcançar
também a plena atuação das faculdades oriundas do processo e a obtenção
de uma decisão aderente ao direito material, desde que utilizada a forma ade­
quada para obtê-la.
Ainda como dizem Medina e Teresa Wambier; “Modernamente tem-se
pensado em tutela jurisdicional não apenas como resultado, mas também para
designar os meios tendentes a sua consecução. [...] O direito de ação, assim,
compreende não apenas a tutela jurisdicional adequada, mas também um pro­
cesso adequado.”.62
Mas a concepção de acesso à Justiça pode ainda ser ampliada para abar­
car, além do exercício do direito de ação e de um processo adequado para a
obtenção da tutela jurisdicional, permeado pior todas as garantias e dotado de
iodos os mecanismos previstos por lei, também aos escopos sociais do pro­
cesso, em especial no que diz respeito a efetivação do Estado Democrático de
Direitos. Na precisa lição de Flávio Luis de Oliveira ao afirm ar "... o Acesso à

MEDINA, José Miguel Garcia e WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. P r o c e s s o c iv il m o d e r n o . São


Paulo: RT, 2008. v.l, p. 58.
' Idein. p. 59.
Justiça requer um processo justo, à luz de uma Justiça imparcial, que permita
não apenas a participação igualitária das partes, independentemente das posi
ções sociais, mas, sobretudo, a efetiva realização de direitos. Nesse contexto,
no que concerne aos objetivos fundamentais da República, insta salientar que
o Acesso à Justiça contribui, sobremaneira, para a inclusão social e, portanto,
para a redução das desigualdades sócio-econômicas. Portanto, o acesso à ordem
jurídica justa é, antes de tudo, uma questão de cidadania. Por esta razão, a
Justiça deve ser pensada sob o ponto de vista dos consumidores da prestação
jurisdicional.”.6i*6
4
Nesse passo, portanto, sob o prisma do destinatário da tutela jurisdicional,
além de um processo adequado, o acesso à Justiça deve perseguir o abranda­
mento das desigualdades sociais existentes, permitindo que a isonomia dos
litigantes atinja seu patamar máximo, realizando os ideais previstos na Cons­
tituição da República.

d) Princípio do contraditório.
O princípio do contraditório, atualmente previsto no art. 5o, LV, da Cons­
tituição da República, sempre esteve tradicionalmente ligado à ideia da dialé­
tica no curso do processo, ou seja, à possibilidade de manifestação de uma
das partes acerca da atuação da outra. Nesse sentido a definição e Joaquim
Canuto Mendes de Almeida, para quem o contraditório é “a ciência bilateral
dos atos e termos processuais e a possibilidade de contrariá-los."^ da qual não
destoa o pensamento de Alfredo Soveral M artins ao asseverar que “No fundo,
o princípio do contraditório traduz-se no direito de cada uma das partes exigir
do ju iz que lhe dê a possibilidade de contraditar, em plano de igualdade, as
narrações e pretensões que lhe são apresentadas pela parte contrária.”.65
Atualmente, todavia, houve uma evolução no pensamento noticiado, para
acrescentar ao binômio informação-reação um terceiro elemento, que é a par­
ticipação. Com isso, além do direito de ser informado de qualquer conduta

“ OLIVF.IRA, Flávio Luis. P r in c íp io d o a c e s s o à J u s tiç a . In P r in c íp io s p r o c e s s u a is c iv is n a C o n s t i ­


tu iç ã o . Coord. OLIVF.IRA NETO, Olavo de e LOPES. Maria Elizabeth de Castro. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2008. p. 79-80.
64 ALMEIDA, Joaquim Canuto Mendes de. P r in c íp io s f u n d a m e n t a i s d o p r o c e s s o p e n a l . Sâo Paulo:
R T, 1973. p. 82.
65 MARTINS, Alfredo Soveral. D ir e ito P r o c e s s u a l C iv il. Coimbra: Fora do texto, 1995. p. 172-173.
ur

praticada pela parte contrária no processo e de ter a possibilidade de reagir


a essa conduta, a parte ainda deve ter a possibilidade de interferir na condu­
ção do processo, praticando atos tendentes ao convencimento do magistrado
acerca da relação jurídica de direito material que se pretende acertar, efetivar
ou assegurar, conforme o tipo de tutela pretendida.
Daí a atual afirmação de Maria Elizabeth de Castro Lopes no sentido de
que “Hoje, os autores mostram que se cuida, na verdade, de um trinômio. (...]
\ informação é sempre obrigatória para que o adversário possa comparecer
cm juízo e ser ouvido. A reação é sempre possível, embora não obrigatória. E a
participação, no sentido de poder influenciar na formação do convencimento
do juiz, completa o trinômio a que nos referimos.".66
Trata-se, pois, de uma visão mais ampla do conteúdo do princípio, que
acresceu à ideia original da defesa também a possibilidade de exercer condu­
tas aptas a influenciar a decisão proferida. Para José Lebre Freitas “O escopo
principal do princípio do contraditório deixou assim de ser a defesa, no sentido
negativo de oposição ou resistência à actuação alheia, para passar a ser a influ­
ência, no sentido positivo do direito de incidir activamente no desenvolvimento
c no êxito do processo.’’.67
Não se olvide, porém, que o processo não é composto apenas de atos das
partes, mas também por uma grande gama de atos praticados pelo magis-
irado, que certas hipóteses, para evitar o perecimento de um direito ou facul­
dade processual, devem ser praticados ex officio e independentemente de
requerimento. Afinal, decorre do princípio do impulso oficial o dever de fazer
com que o processo siga sua marcha de forma regular, até o momento da sua
extinção.
Também nestas hipóteses, à evidência, deve o magistrado zelar pela obe­
diência ao princípio 68 e perm itir as partes que, após informação acerca do ato

i.OPES, Maria Elizabeth de Castro. P r in c íp io d o c o n tr a d itó r io . In P r in c íp io s p r o c e s s u a is c iv is n a


Coord. OLIVEIRA NETO, Olavo dc e LOPES, Maria Elizabeth de Castro. Rio de
C o n s titu iç ã o .
Janeiro: Elsevier, 2008. p. 104-106.
FREITAS, José Lebre de. I n t r o d u ç ã o a o p r o c e s s o c iv il. Coimbra: Coimbra Editora, 1996. p. 96-97.
I.UISO, Francesco Paolo. D i r i t t o p r o c e s s u a l e c iv ile . 2“ e.. Milano: Giufrè, 1999. v. I, p. 29-30. “N o n
solo, p e r ô , le d e d u z i o n e d e ll a v v e r s a r io , m a a n c h e le i n i z i a t i v e d e i g i u d i c e d e b b o n o g a r a n t ir e i l p r i n ­
c ip io d e i c o n t r a d d it t o r i o . p e r c h è il p r o c e s s o n o n è u n d ia lo g o tr a le s o le p a r t i ; c 'è u n te r z o , il g iu d ic e ,
ll q u a le d ir ig e l a t t i v i t à , i n d i r i z z a il p r o c e s s o , h a p o t e r i d í t r a t t a z i o n e e d i is t r u z i o n e , e d a lia f i n e ,
ra c c o lto t u t t o il m a t e r i a le n e c e s s á r io , h a il p o te r e d i s ta tu ir e . D i f r o n t e a lie i n i z i a t i v e d e i g iu d ic e , Ia
processual, possam reagir à sua prática e influenciar em sua eventual revisào,
sob pena de nulidade do feito. Trata-se do chamado contraditório diferido,
ulterior ou posterior, que é amplamente aceito, desde que no caso concreto,
em ponderação com os direitos em jogo, apresente-se mais razoável e até
necessária a decisão antes da realização do contraditório.
Voltaremos posteriormente a tal sistemática, em especial quando do trata­
mento das liminares e atos executivos, analisando o sistema de contraditório
diferido que lhes é natural e peculiar.

e) Princípio da ampla defesa.


No tópico acima observamos que o Princípio do Contraditório não se
resume apenas à possibilidade de dialética no processo, mas importa na infor­
mação de uma conduta da parte, ou do magistrado, para que a outra parte
possa reagir e participar ativamente do processo, influenciando seu processa­
mento e julgamento.
Essa possibilidade de reação se efetiva mediante a existência, à disposição
das partes, de todos os meios que possam utilizar para fazer valer suas pre­
tensões e faculdades dentro do processo. Trata-se da possibilidade de defesa,
com todos os meios a ela inerentes, garantida pelo art. 5o, LV, da Constituição
da república.
Na definição de Delosmar Mendonça Junior “Ampla defesa é direito fu n ­
damental de ambas as partes, instrumentalizando-se pelo contraditório. Por
meios e recursos a ela (defesa) inerentes, colocam-se todas as manifestações do
princípio destinadas a influenciar na formação da convicção judicial. Não ape­
nas instrumentos de prova, mas alegações nos momentos oportunos, igualdade
de tratamento e recursos previstos no ordenamento. São os meios necessários ao
adequado contraditório.”.*69
Realmente, o Princípio da Ampla defesa não está limitado à formulação
de defesa por parte do réu, mas abrange tanto a sua possibilidade de reação,

p a r t e d e v e e s se r e s e m p r e i n g r a d o d i p o t e r r e p lic a r e , d i p o t e r a s s u m e r e i n i z i a t i v e c o n tr a r ie a q u e lle
c h e I u f f i c i o h a d is p o s to , in v is ta d e i m e d e s ir n o f i n e c h e a b b i a m o d e tto : u m p i ú c o r r e tto e s e r c iz io d e i
I a ttiv ità g iu r is d iz io n a le .

69 MENDONÇA JUNIOR, Delosmar. P r in c íp io s d a a m p l a d e fe s a e d a e f e t i v i d a d e n o p r o c e s s o c iv il


b r a s ile ir o . São Paulo: Malheiros, 2001. p. 57.
quanto à possibilidade de reação do próprio autor, quando é o réu quem pra­
tica o ato processual. Inúmeros são os exemplos contidos no Código, como a
regra do art. 437, §1°, que determina que sempre que uma parte juntar docu­
mento aos autos o juiz deverá ouvir a parte contrária, no prazo de cinco dias.
Destarte, pois, o princípio poderia ser denominado como “princípio da
ampla possibilidade de reação das partes”, referindo-se com isso à possibili­
dade de reação de qualquer uma delas (embora também alcance os terceiros
legitimados intervenientes no feito), com a finalidade de efetivar o contraditó­
rio no bojo do processo.
Tal faculdade, porém, não pode ser considerada como a possibilidade de
atuação ilimitada. Ensina João Batista Lopes, com a sua já costumeira preci­
são, que “Ê corrente a identificação de ampla defesa com defesa ilimitada, mas
esta concepção implicaria outorgar-lhe caráter absoluto o que entraria em con­
flito aberto com a própria idéia de unidade, que só se alcança por meio de uma
operação relacionai (LUHMANN, Niklas. Socicdad y sistema: la ambición de
la teoria. Trad. Santiago Lopez e Dorothe Schmitz. Barcelona: Ediciones Paidós
Ibérica, 1990. p. 89) 70. Quando se fala em ampla defesa, não se pretende, pois,
cogitar de defesa ilimitada ou indiscriminada, mas sim de defesa completa ou
abrangente. A utilização do adjetivo ampla revela o propósito de evitar o cer­
ceamento, mas de modo algum pode dispensar a adequação e a pertinência,
requisitos indispensáveis para o exercício do direito de defesa. Por exemplo, se
se cuidar de pleito petitório, não poderá o réu valer-se de defesa de caráter pos-
sessório, salvo excepcionalmente, de modo que o juiz deverá indeferir eventual
requerimento de prova para esse fim .”.7'
Pode-se concluir, pois, de todo o exposto, que a reação da parte, seja ela
autor, réu ou terceiro interveniente, poderá ser efetivada mediante todos os
meios legais e disponíveis colocados à sua disposição, bem como pelos meios
não previstos, mas condizentes com o sistema processual (Ex.: incidente de
pré-executividade); com o que se estará cumprindo o ideal de ampla defesa.
Observa-se, por fim, que a reação da parte, em regra, é um ônus processual,
pois sua inércia pode dar causa a uma preclusão ou presunção (v. g.: Art. 344.

LOPES, João Batista. P r in c íp io d o c o n tr a d itó r io . In P r in c íp io s p r o c e s s u a is c iv is n a C o n s titu iç ã o .


Coord. OLIVEIRA NETO, Olavo de e LOPES, Maria Elizabeth de Castro. Rio de Janeiro: Elsevier,
2008. p. 121.
Se o réu não contestar a ação, será considerado revel e presumir-se-ão verda­
deiras as alegações de fato formuladas pelo autor); mecanismos sem os quais o
processo não teria uma marcha adequada, deixando de atender a necessidade
de não exceder duração razoável.

f) Princípio da Isonomia.
A igualdade é um dos ideais que acompanha o homem desde o nascimento
da civilização, sendo elemento que está presente nas condutas dos seres hum a­
nos da mais tenra idade. Basta observar várias crianças que brincam juntas
para notar que elas sempre procuram estabelecer uma situação de igualdade
entre si, numa relação de poder que permite a continuação da distração.
Quando este equilíbrio se rompe, normalmente a brincadeira termina.
Sentimento ínsito à natureza humana, pois, o elemento igualdade foi uma
das molas propulsoras para o desenvolvimento dos povos, ganhando impor­
tância ímpar quando se fala em Estado Democrático de Direito.
Nesse sentido a lição de Paulo Bonavides, ao tratar do princípio da igual­
dade, também conhecido como princípio da isonomia, alerta que “O centro
medular do Estado social e de todos os direitos de sua ordem jurídica é indu­
bitavelmente o princípio da igualdade. Com efeito, materializa ele a liberdade
da herança clássica. Com esta compõe um eixo ao redor do qual gira toda a
concepção estrutural do Estado democrático contemporâneo. De todos os direi- ,
tos fundamentais a igualdade é aquele que mais tem subido de importância no
Direito Constitucional de nossos dias, sendo, como não poderia deixar de ser, o
direito-chave, o dircito-guardião do Estado social.”.72
Canotilho também ressalta a importância deste princípio ao afirmar: “Um
dos princípios estruturantes do regime geral dos direitos fundamentais é o prin­
cípio da igualdade. A igualdade é, desde logo, a igualdade formal (“igualdade
jurídica”, “ igualdade liberal” estritamente postulada pelo constitucionalismo
liberal: os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos. Por isso se
considera que essa igualdade é um pressuposto para a uniformização do regime
das liberdades individuais a favor de todos os sujeitos de um ordenamento

72
BONAYrIDES, Paulo. C u r s o d e d ir e ito c o n s t it u c i o n a l . 144 e.. Sào Paulo: Malheiros, 2004. p. 376.
jurídico. A igualdade jurídica surge, assim, indissociável da própria liberdade
individual.”.7' (sic)
Entretanto, assumir papel de vital importância no sistema implica, à evi
dência, a necessidade de receber um tratamento mais harmonioso com os ide­
ais da modernidade. Por isso a antiga máxima de todos conhecida, apresen­
tada por Aristóteles, de que igualdade seria tratar desigualmente os desiguais
para, no finai, obter uma igualdade, não mais se demonstra suficiente para
preencher o conteúdo do princípio. Há necessidade de traçar novos parâm e­
tros para que se possa compreender seu exato conteúdo.
Daí a advertência de Bandeira de Mello: para o desate do problema é
insuficiente recorrer a notória afirmação de Aristóteles, assaz de vezes repe
lida, segundo cujos termos a igualdade consiste em tratar igualmente os iguais
r desigualmente os desiguais. Sem contestar a inteira procedência do que nela
se contêm e reconhecendo, muito ao de ministro, sua validade como ponto de
partida, deve-se negar-lhe o caráter de termo de chegada, pois entre um e outro
extremo serpeia um fosso de incertezas cavado sobre a intuitiva pergunta que
aflora ao espírito: Quem são os iguais e quem são os desiguais ?”.74
Nesse passo, torna-se forçoso perquirir quais seriam os critérios passíveis
de utilização para identificar os iguais e os desiguais, permitindo que a lei
lhes conferisse um tratamento diferenciado, tudo com a finalidade de alcan­
çar a chamada igualdade material, efetiva ou concreta, segundo a qual o que
\e busca é obter um efetivo equilíbrio no mundo empírico. Sem isso não seria
possível a satisfação de uma gama mínima de necessidades que o ser humano
precisa para ter dignidade em sua vida.
Quais seriam, entretanto, tais critérios? Uma proposta bastante atraente é
i formulada por Bandeira de Mello75 ao estudar o conteúdo jurídico do prin­
cípio da igualdade.
Para o eminente administrativista três seriam os enfoques passíveis de
exame para identificar a ocorrência de eventual desrespeito ao princípio da

c:ANOTILHO.). |. Gomes. D ir e ito c o n s t it u c i o n a l e te o r ia cia c o n s titu iç ã o . 7* e.e. Coimbra: Alme


dina, 2006. p. 426.
' BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. C o n t e ú d o j u r í d i c o d o p r i n c íp i o d a ig u a ld a d e . 3* e.. São
Baulo: Malheiros, 2001. p. 10-11.
n Idem, p. 21-.
isonomia: “a) a primeira diz com o elemento tomado como fator de designa -
lação; b) a segunda reporta-se a correlação lógica abstrata existente entre o
fator erigido em critério de discrímem e a disparidade estabelecida no trata­
mento jurídico diversificado; c) a terceira atina à consonância desta correla­
ção lógica com os interesses absorvidos no sistema constitucional e destarte
juridicizados.”.76
O primeiro fator para identificar desrespeito a isonomia, que estaria no cri­
tério adotado como discrímen, deve ser analisado à luz daquilo que seja razo­
ável para a situação concreta. Assim, se a lei estabelece que somente mulheres
poderão prestar um concurso público para merendeira, não há justificativa
razoável no discrímen, uma vez que tal tipo de atividade pode ser norm al­
mente desenvolvida por ambos os sexos. Entretanto, se um concurso público
para estivador exige a altura mínima de um metro e meio, nada haverá de
arbitrário no discrímen, na medida em que para desenvolver tal atividade é
necessária certa compleição física.
Partindo da ideia de proibição geral do arbítrio como forma de evitar a
lesão ao princípio da isonomia, Canotilho procura fixar critérios objetivos
para identificar situações que estariam a infringir o princípio, que denomina
fundamento material ou critério material objectivo. Nas palavras do autor "...
existe uma violação arbitrária da igualdade jurídica quando a disciplina jurí­
dica não se basear num: (i) fundamento sério; (ii) não tiver um sentido legítimo;
(iii) estabelecer diferenciação jurídica sem um fundamento razoável”.
Já o segundo critério adotado diz respeito ao exame da relação de pertinên­
cia existente entre o discrímen e o fator de desigualdade. Assim, no exemplo
acima apresentado, relativo ao concurso para estivador, se a altura mínima
fosse de um metro e noventa, com certeza haveria infração a isonomia, na
medida em que uma pessoa de um metro e oitenta reúne compleição física
suficiente para exercer a atividade.
Por fim, o terceiro critério adotado deve estar em consonância com os inte­
resses ditados pelo sistema constitucional, ou seja, deve respeitar os valores
impostos pela ordem jurídica, como a dignidade da pessoa humana.
Em suma, desde que respeitados os critérios propostos, "... a constatação da
existência de discriminações, por conseguinte, não é suficiente para a definição

76 Ibidem , p. 21.
de respeito ou de ofensa ao princípio <Ia isonomia, pois, como se viu, em deter­
minadas situações a discriminação empreendida, longe de contraditar, realiza
o preceito constitucional...".”
Fixados os critérios hodiernos para o estabelecimento dos parâmetros que
delimitam a isonomia substancial, resta claro que a isonomia formal não se
presta à definição de uma efetiva igualdade entre as partes, devendo o pro­
cesso buscar sempre a realização daquela, sob pena de incorrer em ofensa ao
princípio ora tratado.

g) Princípio do Juiz Natural.


Antes de analisar o exato conteúdo do princípio do juiz natural é de rigor
,i advertência de que sua denominação, embora usual e amplamente difun­
dida, pode levar a certa confusão quanto ao seu conteúdo. Isso porque, em
verdade, o princípio do juiz natural não se refere propriamente ao elemento
subjetivo, ou seja, a pessoa do magistrado, mas sim ao elemento objetivo, isto
é, ao órgão jurisdicional competente para conhecer e decidir a causa. Por isso,
para precisa expressão daquilo a que se refere, seria conveniente a utilização
iia denominação princípio do juízo natural, que não é encontrada na doutrina,
embora possam ser encontradas as denominações princípio do juízo legal,
princípio do juiz constitucional e princípio da naturalidade do juiz. Continu­
aremos, todavia, a utilizar a expressão já consagrada pela doutrina, na medida
em que a alteração de denominação em nada contribuiría para a evolução da
compreensão que se tem do instituto.
Nesse passo cabe observar, inicialmente, que a Constituição da República,
no art. 5o, incisos XXXVII (não haverá juízo ou tribunal de exceção), e, LIII
(ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade compe­
tente), confere ao princípio um duplo aspecto: a) a proibição de tribunais de
exceção e b) julgamento por juízo competente. Mas nem sempre foi assim,
endo longa a trajetória necessária à formação dos parâmetros que definem
■i atual perfil do princípio do juiz natural, que hoje só pode ser entendido em
Im e desta dupla concepção.

ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JUNIOR, Vidal Serrano. C u r s o d e d ir e ito c o n s t it u c i o n a l .


7* e.. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 97.
Parafraseando Olivar Augusto Roberti Coneglian7* a gênese do princípio
reporta à idade medieval, quando as pessoas deviam ser julgadas por seus
pares, ou seja, por pessoas pertencentes ao mesmo grupo social daquele que
era julgado. Pretendia-se com isso, aparentemente, que os julgadores tivessem
a exata compreensão do meio no qual se inseria o julgado, suas dificuldades,
angústias e privilégios. Com isso a decisão proferida teria melhor condição de
alcançar o ideal de Justiça.
Posteriormente, nos Estados Unidos, o princípio foi previsto, apenas em
seu primeiro aspecto na petition o f rigths (1627) e na Bill o f righs (1688); pas
sando a ser observado no duplo aspecto apenas na Constituição da Virgínia
(1976). Foi em França, porém, na Constituição de 1791, que surgiu o termo
Juiz natural.
Já no Brasil, embora a Constituição do Império (1824) tivesse previsto o
princípio em ambas as acepções, a Constituição de 1937 foi omissa ao seu
respeito e a Constituição de 1967 previa apenas o primeiro aspecto, relativo à
proibição de tribunais de exceção. Foi em 1988, como já se viu, que ambas as
vertentes acabaram consagradas.
Nada obstante, o mencionado autor traça os limites para ambos aspectos,
sustentando que “Tribunal de exceção deve ser considerado aquele que é criado
ou designado (quando já existe) para julgar determinado caso específico, sem
que antes exista previsão nesse sentido, subtraindo o poder do órgão consti­
tucionalmente previsto. Proíbem-se, assim, tribunais extraordinários criados
após os fatos, como se proíbe a transferência da causa por avocação, sem previ­
são legal antecedente. É assim uma garantia da coletividade que, por vezes, se
concretiza em alguns indivíduos, para evitar julgamentos viciados no que diz
respeito ao aspecto político ou sociológico. Também se manifesta a violação a
este aspecto do princípio do juiz natural quando, mesmo existindo previamente
o órgão julgador, para ele são designadas pessoas não investidas de acordo com
o ordenamento constitucional. O segundo aspecto do principio do juiz natural,
de que o julgamento deve se dar por uma autoridade competente, demonstra
que, ocorrida determinada situação violadora da ordem jurídica, os partici­
pantes, através da análise da organização do sistema constitucional e legal, já 78

78 CONEGLIAN, Olivar Augusto Roberti. P r in c ip io d o j u i z n a t u r a l . In P r in c íp io s p r o c e s s u a is c iv is


n a C o n s titu iç ã o . Coord. OLIVEIRA NETO, Olavo d ee LOPES, Maria Elizabeth de Castro. Rio de
Janeiro: Elsevier, 2008. p. 156.
podem, ao menos abstratamente, saber tomo e por qual órgão ou juízo serão
julgados. Evita-se a designação de um julgador de modo subjetivo.".79
Em ambos os aspectos, portanto, para que seja respeitado o princípio do
juiz natural, o órgão jurisdicional deverá estar previsto (instalado) antes da
ocorrência dos fatos que irá julgar; deverá ser previsto sem ter por cotejo
um fato específico, mas sim levando em conta hipótese abstrata; e, deverá
ser geral, estando apto ao conhecer e decidir todos os casos semelhantes. Em
suma: para o princípio do juiz natural o órgão judicante deve ser previsto pré­
via, abstrata e de forma geral.
Por fim, ainda sob as luzes da doutrina de Olivar Augusto Roberti Cone-
glian, para a concretização do princípio mister se faz a presença de quatro ele­
mentos: a) a legitimidade - o juiz deve estar investido na função jurisdicional;
b) a autonomia - autonomia em relação as pressões de todas as matizes, para
que seja mantida a independência do Poder Judiciário; c) a imparcialidade - o
juiz parcial presta apenas um simulacro de tutela jurisdicional; e, d) paridade
de tratamento - devem as partes receber tratamento paritário, velando-se pela
isonomia entre os litigantes.

It) Princípio da publicidade dos atos processuais.


A existência de Poder sem a possibilidade de fiscalização acaba por gerar,
como se sabe, um campo propício para o arbítrio, pois impede a possibilidade
de reação contra a eventual pratica de um ato ilegal. È por isso que se pode
■ilirmar que a publicidade de qualquer ato emanado de agente público é ele­
mento crucial para a manutenção do Estado de Direito e da Democracia, que
não se compactuam com a prática de atos de forma secreta.
Daí a razão pela qual a Constituição da República aponta a publicidade
como requisito para as três funções de Poder existentes, disciplinando que a
atividade legislativa, os atos da administração pública e os atos emanados do
Poder Judiciário, que aqui nos interessam, devem ser públicos.
Nesse sentido a lição de Nelton Agnaldo Moraes dos Santos ao sustentar
que “O judiciário deve resolver os litígios à vista da lei ou, à falta dela, com
base nos costumes, valendo-se da analogia ou aplicando os princípios gerais
de direito (CPC, 126). Assim, não há razão para que o faça em segredo; e para

Idem. p. 159-160.
1

que se possa acompanhar a atuação do Poder Judiciário no desempenho </•


seu mister, dá-se publicidade a seus atos. Ademais, a publicidade propicia um
julgamento independente e imparcial, traduzindo-se, destarte, em garantia d<i
reta aplicação da lei. Prestada a jurisdição publicamente, os destinatários do
provimento e - por que não dizer - a sociedade como um todo contam com
eficiente escudo contra arbitrariedades e abusos.”.*0
Realmente, a ideia de que a publicidade é essencial para a efetivação do;,
ideais democráticos, permitindo a fiscalização da atividade jurisdicional poi
todos não é difundida e amplamente aceita apenas no Brasil, mas uma ten
dência natural de todos aqueles países que, como nós, repudiam o arbítrio
acobertado pela prática de atos secretos.
É por essa razão que losé Lebre de Freitas, ao comentar o princípio em
face do art. 209, da Constituição Portuguesa, sustenta que “Pela publicidade
realiza-se a transparência da função jurisdicional, a fim de evitar o arbítrio do
secretismo e permitir o controlo público da boa administração da justiça.".*1
Não bastasse, para que ocorra o efetivo respeito ao Princípio do Contradi
tório, a publicidade do ato processual é imprescindível, pois sem ela as partes
não terão a possibilidade de exercer a faculdade de reagir a conduta da parte
adversa, simplesmente porque não terão conhecimento da sua prática.
Essa publicidade, entretanto, pode sofrer pequenas limitações decorjentes
da necessidade de resguardar a ordem e o decoro públicos, bem como a inti­
midade das próprias partes envolvidas, seja em razão da natureza da causa
discutida, seja em virtude das pessoas nela envolvidas.
É por isso dentre outras hipóteses, que a própria Constituição da República, J
como já tivemos oportunidade de alertar quando da realização de estudo
acerca da ação de Impugnação de Mandado Eletivo, adotou a tramitação em
segredo de Justiça para tal tipo de feito. “Recebida a ação no juízo competente, I
estará o julgador obrigado a decretar segredo de justiça, nos termos do Art. 14 , 1
§11, da Constituição da República. A norma é expressa a tal respeito, não dei-1
xando qualquer margem de decisão ao magistrado. Com isso se objetiva evitar

*° SANTOS, Nelton Aguinaldo Morais. P r in c íp io d a p u b l i c i d a d e . In P r in c íp io s p r o c e s s u a is c iv is n a


C o n s titu iç ã o . Coord. OLIVEIRA NETO, Olavo de e LOPES, Maria Elizabeth de Castro. Rio de
lanciro: Eisevier, 2008. p. 175.
91 FREITAS, |osé Lebre de. I n t r o d u ç ã o a o p r o c e s s o c iv il. Coimbra: Coimbra Editora, 1996. p. 109.
danos decorrentes da publicidade que se pode dar a uma ação indevidamente
proposta, apenas com o fito de causar prejuízo a candidato eleito de forma
legitima e regular.”.*2
O mesmo acontece com causas de família ou que envolva criança ou ado­
lescente, situações que se procura minimizar ao máximo o dano marginal que
a propositura e tramitação de um processo possa causar as partes.
Nada obstante, em que pesem essas pequenas limitações à publicidade dos
atos processuais, a vida moderna exige transparência máxima em todas as
situações, não podendo os atos emanados de Poder Judiciário contrariar tal
sentimento, dominante e amplamente considerado, cremos, um direito de
todo cidadão.

i) Princípio da fundamentação das decisões judiciais.


Partindo da Revolução Francesa de 1789, com seus ideais de liberdade,
igualdade e fraternidade, a atuação do juiz era entendida como uma con­
duta que deveria ser isenta de influências externas, em especial influências
de ordem política, cabendo-lhe apenas declarar a vontade da lei. O juiz era
a “boca da lei” Daí o prestígio atribuído ao pensamento de Montesquieu no
sentido de que “le juges de la Nation ne sont, comme nous avons dit, que la
bouche qui pronuncie les paroles de la loi, des êtres inanimés.”.83
Nesse cenário parece intuitivo concluir que o juiz, praticamente, não tinha
nenhuma liberdade de atuar seu próprio pensamento, cabendo-lhe apenas apli­
car as regras de hermenêutica para extrair da lei aquilo que o legislador optou
por positivar. Sob este enfoque, na poética e precisa lição de Couture, “O juiz
é um homem que se move dentro do direito como um prisioneiro dentro de seu
cárcere. Tem liberdade para mover-se e nisso atua sua vontade; o direito, entre­
tanto, lhe fixa os limites muito estreitos, que não podem ser ultrapassados.”.84
Com o passar dos anos a ideia do Estado liberal, com a prevalência da auto­
nomia da vontade, passou a ceder espaço à ideia de um Estado mais ativo, cuja

OLIVEIRA NETO, Olavo de. O p e r f i l j u r í d i c o d a a ç ã o d e im p u g n a ç ã o d e m a n d a t o e le tiv o . In


T e rn a s a t u a i s d e d ir e ito e le ito r a l. Org. COSTA, Daniel Castro Gomes da. São Paulo: Pillates, 1999.
p. 234.
COUTURE, Eduardo. I n t r o d u ç ã o a o e s t u d o d o p r o c e s s o c iv il. Rio de janeiro: Forense, 1998. p. 53.
M Idem. p. 58.
atuação não poderia limitar-se apenas a uma abstenção de atuação em prol da
liberdade individual, mas sim mediante uma conduta positiva que permitisse
ao seu súdito obter igualdade substancial em todas as suas relações. Nesse sen
tido as ponderações de Juraci Mourão Lopes Filho, aduzindo, em preliminar,
que uma Constituição pode optar por duas formas antagônicas de atuação do
Estado, a primeira dando maior relevo à conduta absenteísta (Estado reativo)
e a segunda dando maior relevância à conduta ativa e intervencionista (Estado
ativo). Enquanto neste caso o Estado “...organiza a vida do cidadão e guia a
sociedade (estado ativo) em busca de fins sociais previamente estabelecidos...";
naquele caso o Estado “...mantêm o equilíbrio social e fornece uma moldura
de auto-organização da sociedade e autodeterminação dos indivíduos (estado
reativo).” .85
De uma forma geral, pois, visando fazer frente às promessas de índole
comunista, onde havia uma bandeira de igualdade e fraternidade mais sedu­
tora decorrente da conduta ativa do Estado, os Estados que tinham perfil rea­
tivo passaram, paulatinamente, a abandonar a conduta baseada na abstenção
e assumiram uma posição mais ativa, dando ensejo ao que se convencionou
denom inar welfare State ou État providence, isto é, o Estado do bem estar
social.
Esse novo perfil de Estado, todavia, não foi implantado apenas com a mera
inserção nas constituições de um rol cada vez maior de direitos fundamentais,
em especial os de segunda dimensão, mas acabou por gerar inúmeras trans­
formações nas estruturas de Poder das sociedades que regulavam, implicando
um crescimento das atividades dos poderes executivo e legislativo. Ora, se
agora o Estado devia agir para implementar uma real igualdade entre seus
súditos, então era necessário o crescimento da atividade administrativa, com
uma conduta ativa e iniciativa dos administradores com relação às questões
sociais; bem como uma ampliação do sistema legislativo com a finalidade de
regulamentar toda essa nova atividade.
Daí a advertência de Mauro Cappelletti no sentido de que “Constitui um
dado da realidade que a legislação social ou de welfare conduz inevitalvelmente
o estado a superar os limites das funções tradicionais de proteção' e repressão'.

KS LOPES FILHO, Juraci Mourão. A a d m in is tr a ç ã o In C o n s t i t u iç ã o e


d a J u s tiç a n o E s t a d o S o c ia l.
Coord. Paulo Bonavides, Francisco
d e m o c r a c ia . E s tu d o s e m h o m e n a g e m a J.J. G o m e s C a n o tilh o .
Gérson marques de Lime e Faygá Silveira Bedê. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 363-364.
0 /><//>(•/ tio governa não pode mais se limitar n ser o de um gendarme' ou right
>vati hman'i no contrário, o estudo social o ('.tal providence', como o chamam,
r »pressivamentc, 05 franceses deve fazer sua a técnica de controle social que os
>icntistas políticos chamam de promocional. Tal técnica consiste em prescrever
Inogramas de desenvolvimentos futuros, promovendo-lhes a execução gradual,
iii* invés de simplesmente escolher, como é típico da legislação clássica, entre
•erto' e 'errado', ou seja, entre 0 caso 'justo' e 0 'injusto', right and wrong. E
momo quando a legislação social cria por si mesma direitos subjetivos, cuida­
do mais de direitos sociais do que meramente individuais.”.86
Certo, pois, que a implantação do perfil de um Estado ativo implicou num
iiuinento da atividade dos poderes executivo e legislativo, rompendo o equilí­
brio de poderes que deve existir num Estado de Direito que pretende chamar-
se de democrático.
Para restabelecer este necessário equilíbrio, portanto, deparou-se o Poder
liuliciário com a premente necessidade de abandonar sua usual inércia e
assumir seu papel nessa nova ordem social, restando-lhe duas possibilidades:
á) permanecer fiéis, com pertinácia, à concepção tradicional, tipicamente do
•valo XIX, dos limites da função jurisdicional, ou b) elevar-se ao nível dos
outros poderes, tornar-se enfim 0 terceiro gigante, capaz de controlar 0 legisla-
1 lor mastodonte e o leviatanesco administrador.”.87
Optar pela primeira via, que é a mais cômoda e natural a um poder que
lom como um de seus parâmetros a inércia inicial, além de representar uma
ntltude anti-democrática e de não colaborar para manter um Estado equili-
lirado, facilitando a implantação de uma ditadura ou de outro regime déspota,
ainda acaba por gerar um fenômeno interessante, que é o surgimento de orga­
nismos que passam a exercer função para preencher o espaço vazio deixado
pelo Estado judiciário.
Opera-se, em outras palavras, um fenômeno inverso daquele que se opera
quando um Estado se torna forte e, por isso, passa a impor aos seus súditos a
obrigatoriedade de ir ao Poder Judiciário para solucionar seus conflitos. Tra-
1.1 se da chamada desjurisdiocionalização dos conflitos, que ganha contornos
1 .ilastróficos nas favelas existentes nas metrópoles do nosso Brasil. Ali, devido

( APPEI.LETTI, Mauro. J u iz e s le g is la d o r e s . Porto Alegre: SAFE, 1999. p. 41.


' Ideru. p. 47.
ao vazio de poder deixado pelo Estado, que não exerce quaisquer de suas ati
vidades no intuito de implementar a inclusão social, o traficante preenche
o vácuo do poder e passa a exercer a atividade executiva, promovendo uma
política assistencialista da comunidade; passa a exercer a atividade legislativa,
elaborando as leis que devem ser seguidas pela população; e, passa a exer­
cer a atividade judiciária, julgando e executando, no mais das vezes de forma
sumária, aqueles que podem ser denominados seus súditos.
Da mesma forma que acontece nestes guetos, mas no seio da sociedade
organizada, ao optar pela primeira via, mantendo sua forma de atuação, o
Poder judiciário permite o surgimento de organismos que na feliz expressão
de Cappelletti podem ser chamados de quase-judiciários, ávidos para ocupar
o vácuo de poder existente e promover o reequilíbrio social, com evidente
perda de prestígio da atividade jurisdicional. No dizer do autor mais cedo
ou mais tarde, as várias sociedades são chamadas a reagir (e muitas de fato já
reagiram com eficácia variada) a essa patológica situação dc perigoso desequi­
líbrio no âmbito do sistema de poderes do estado. Gradualmente instituíram,
ou estão instituindo, organismos quase judiciários de natureza e denominação
diversa - agências, conselhos, tribunais administrativos, 'ombudstnen, árbi­
tros e conciliadores e até 'árbitros do estado' e similares - investidos de tarefa
não exercida pela ordre judiciaire, ou seja, pela magistratura ordinária: exata­
mente o controle dos ' poderes políticos' e, com isto, a proteção cios cidadãos e
da sociedade em geral, contra o abuso daqueles.".**
A segunda via, por sua vez, importa numa mudança do perfil do Poder
Judiciário e, em especial, de seus magistrados. Além do exercício da atividade
judiciária comum de resolver conflitos, deve o magistrado assumir um papel
de controlador das atividades políticas do Estado administrativo e do Estado
legislativo, velando para que eventuais abusos de poder não possam ser capa­
zes de subverter uma ordem jurídica justa e harmoniosa.
Tal conduta, da qual a moderna magistratura do nosso País não se furta,
importa, cada vez mais, na necessidade de preencher o conteúdo de normas
jurídicas que apresentam conceitos não determinados, mediante um juízo
axiológico, que o magistrado deve realizar sempre dentro dos limites e pres­
crições contidas nas normas constitucionais. Conforme salientou Klaus Stern:

Ibidem. p. 47.
"A aplicação dos direitos privado e público entra em elevado grau na esfera de
influência do direito constitucional. Sobretudo o efeito de irradiação dos direi­
tosfundamentais sobre o direito privado - desde o princípio uma evidência per
se para o direito administrativo - tornou-se, ao lado da interpretação da lei em
conformidade com a constituição, uma figura de argumentação que produziu
efeitos conseqiientes para a interpretação genérica das leis.”.*9
Em resumo, pois, o atual perfil da atividade jurisdicional e do magistrado
i|ue a exercita exige, além da postura tradicional de solução de controvérsias,
uma atividade valorativa dirigida à implementação dos valores contidos na
Constituição Federal, com o fito de preencher o conteúdo das normas fun­
dadas em conceitos não determinados, cada vez mais comuns em nossa
legislação.
Por sua vez, o aparecimento de um Estado que assumiu uma postura ativa,
conhecido como Estado do bem estar social, implicou o crescimento dos
poderes do magistrado, chamado a desenvolver tarefas às quais até então não
estava acostumado a realizar. Surgiram novos direitos e a ampliação da ati­
vidade do Estado legislador implicou a elaboração de leis repletas de normas
de conceitos não determinados, onde a criatividade do juiz deveria completar
aquilo que a lei não disse. Ademais, não tendo os direitos sociais uma natu­
reza meramente normativa, mas também um aspecto promocional e proje­
tado para o futuro, com a finalidade da gradual realização de seus objetivos,
coube ao magistrado zelar pela efetivação das aspirações contidas no ideal do
novo modelo, decidindo em consonância com seus valores .90
Esse novo papel atribuído ao magistrado, que cada vez mais se afasta
do ser inanimado que pronuncia as palavras da lei, implica a ampliação da
importância da justificação que dá às suas decisões, ou seja, num aumento
de importância da fundamentação da decisão judicial. Se antes bastava jus­
tificar a razão pela qual aplicava ou não uma determinada norma no plano
meramente jurídico; agora a operação tornou-se mais trabalhosa, na medida
em que há de acrescentar, à sua antiga tarefa, a tarefa de justificar a opção
por um ou outro valor utilizado no preenchimento das normas de conceitos

‘ STERN, Klaus. O j u i z e a a p lic a ç ã o cio d ir e ito . In Direito Constitucional - estudos em homenagem


a Paulo Bonavides. Coord. Eros Roberto Grau e Willis Santiago Guerra Filho. São Paulo: Malhei-
ros, 2003. p. 505-515.
CAPPELLETTl, Mauro, j u i z e s ir r e s p o n s á v e is ; 1 Porto Alegre: SAFF., 1989. p. 21-23.
não determinados. Pense-se, por exemplo, que ao julgar um conflito entre
vizinhos bastaria ao magistrado aplicar as normas civis pertinentes à espécie
e que agora, em sua nova tarefa, deverá fazê-lo segundo a função social da
propriedade, o que implica justificar quais são os limites desta norma de con
teúdo fluído.
Nesse sentido esclarece Chaím Perelman que “o juiz é considerado, em
nossos dias, como detentor de um poder, e não como 'a boca que pronuncia
as palavras da lei ', pois, mesmo sendo obrigado a seguir as prescrições da lei,
possui uma margem de apreciação: opera escolhas, ditadas não somente pelas
regras de direito aplicáveis, mas também pela busca da solução mais adequada
à situação. Ê inevitável que suas escolhas dependam de juízos de valor; ...”.9‘
Ora, se aumenta o âmbito de atuação do magistrado, que agora também
deve formular escolhas fundadas em juízo de valores; então também aumenta
a necessidade de justificar o motivo pelo qual houve uma opção por um valor
em detrimento do outro. Deve o magistrado ponderar e fundam entar quais
motivos preponderam sobre outros e por qual razão isso acontece.
Não basta, todavia, que a justificativa se dirija apenas às partes. Esse novo
papel também exige que o magistrado fundamente sua decisão de modo a
justificá-la perante a sociedade na qual está inserido, demonstrando que apli­
cou à sua decisão os valores da própria sociedade e não seus valores pessoais.
No dizer de Rui Portanova “não se pense que o destinatário da motivação è
somente a parte. O princípio não é tão restrito. Trata-se de uma garantia para o
Estado, os cidadãos, o próprio juiz e a opinião pública cm geral.”.92
A fundamentação da decisão proferida, além de clara e adequada ao tema
tratado, deverá ser elaborada de forma a perm itir que as partes e a sociedade
possam entendê-la e dela se convencer. Interessante, sobre tal aspecto, a ideia
de Chain Perelman, no sentido de que a decisão judicial deve ser destinada a
um determinado público, o que exige do magistrado a interpretação e aplica­
ção da lei segundo os valores que este mesmo público considera como o ideal
para a hipótese decidida. Nas palavras do autor: "... a própria idéia de motiva­
ção, de justificação de uma decisão judiciária, muda de sentido ao mudar de
auditório. Enquanto, pela motivação, o ju iz só tinha de justificar-se perante o

91
PERELMAN, Chain. É tic a e d ir e ito . São Paulo: M artins Fontes, 1996. p. 566.
92
PORTANOVA, Rui. P r in c íp io s d o p r o c e s s o c iv il. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 250.
legislador, mostrando que não violava a lei, bastava lhe indicar os textos que
aplicava em sua sentença. Mas, se a motivação se dirigir à opinião pública, esta
i/in rerá, além disso, que a interpretação da lei pelo juiz seja o mais conforme
possível tanto à equidade quanto ao interesse geral.”P
(',01110 se vê, portanto, se o novo perfil do Estado implicou o crescimento da
atividade do magistrado, obrigado a formular juízo de valores para preencher
n conteúdo de normas de conteúdo não determinado; então essa atividade
i imbém implicou o aumento da importância da fundamentação da decisão,
.igora não mais voltada apenas para a parte, mas também para o meio social
(inde a decisão é prolatada. Cresceram a liberdade e os poderes do magistrado
•l>ntro do processo; mas também cresceu, proporcionalmente, a sua respon-
.íbilidade perante a sociedade na qual judica.
Daí a conclusão de que a fundamentação da decisão judicial, que deve ser
•In igida à sociedade na qual judica o magistrado, onde também as partes estão
inseridas, tem fundamental importância, na medida em que servirá para que
,i própria sociedade possa fiscalizar a atuação do magistrado, verificando se
• sle decide segundo os valores sociais vigentes em determinada época e em
delerminado local.
Outrossim, enquanto nos regimes ditatoriais, onde o poder é concentrado
nus mãos de poucos indivíduos que subjugam os demais mediante o uso da
lorça, as decisões proferidas são impostas e não justificadas; numa sociedade
democrática há necessidade de justificar as decisões tomadas. Daí, para todo
I stado que pretende intitular-se democrático, o fato do magistrado funda­
mentar sua decisão para a sociedade na qual está inserido tem implicação
maior do que a mera satisfação desta própria sociedade. Tal dever se justi-
tua porque somente através do exame da decisão é que a responsabilidade
do magistrado poderá ser aferida. No dizer de Cappelletti: “Os juizes exerci­
tam um poder. Onde há poder deve haver responsabilidade: em uma sociedade
organizada racionalmente, haverá uma relação diretamente proporcional entre
poder e responsabilidade. De conseqüência, o problema da responsabilidade
indiciai torna-se mais ou menos importante, conforme o maior ou menor poder
ilos juizes em questão.”.9*

PERELMAN, Chain. É tic a e d ir e ito . São Paulo: Martins Fontes. 1996. p. 565.
" CAPPELLETTI. J u iz e s ir r e s p o n s á v e is ? p. 18.
Realmente, para que se possa falar em exercício da democracia, torna-se
necessário conceber mecanismos através dos quais o povo possa participai
da atuação do poder. Se as atividades executiva e legislativa são legitimadas
pelo voto direto, o mesmo não acontece com a atividade judiciária, já que em
nosso País os juizes não são eleitos, como ocorre em alguns Estados ameri
canos, mas recrutados mediante concursos públicos de provas e títulos. Por
isso se torna fundamental permitir que o povo possa fiscalizar a atuação dos
seus juizes, sendo a fundamentação das decisões o meio encontrado para tal
finalidade.
Nesse sentido assevera Teresa Arruda Alvim Wambier que “Em face do
estado de Direito, nos dias atuais, se pode estabelecer o porquê desta exigên­
cia num sentido, sob certo aspecto, unívoco. O Estado de Direito efetivamente
caracteriza-se por ser o Estado que se justifica, tendo como pauta a ordem ju rí­
dica a que ele próprio se submete. Assim, quando o Estado intervém na vida
das pessoas, deve justificar a intromissão: materialmente, pois a intromissão
tem fundamento, e, formalmente, pois o fundamento é declarado, exposto e
demonstrado. [...] A obrigatoriedade e a publicidade de motivação é que perm i­
tem o exercício eficaz do controle extraprocessual.".^
Daí a pertinência da afirmação de que a legitimação da atuação do magis­
trado decorre da fundamentação da decisão judicial, sendo a falta de funda­
mentação verdadeiro atentado à democracia e aos valores inseridos na Cons- 1
tituição Federal.
Torna-se possível à conclusão, pois, que a importância da fundamentação
das decisões judiciais reside: a) na necessidade do preenchimento de conceitos
não determinados com os valores sociais dominantes; b) na justificação do
decidido perante a sociedade na qual o magistrado encontra-se inserido; c) na
possibilidade de fiscalização da atividade desenvolvida pelo magistrado; e, d)
na legitimação da atuação do magistrado, como agente de Poder, num Estado
democrático de direito.
Em termos pouco ortodoxos, quando se pensa na larga margem de liber- 1
dade que a lei confere ao magistrado ao elaborar normas de conceitos não
determinados, que implicam um juízo de valores da sua parte, não é errado 95

95 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. N u l i i t a d e s d o p r o c e s s o e d a s e n te n ç a . São Paulo: RT, 1998. p.


248-249.
afli mar que o preço da liberdade ó a eterna vigilância ; que se dará através da
verificação dos fundamentos da decisão.

)) Princípio do duplo grau de jurisdição.


)á tivemos a oportunidade de sustentar, ao analisar o Princípio da Fun­
damentação das Decisões Judiciais, que toda decisão emanada de agente de
poder deve ser devidamente justificada, isso para que seu conteúdo possa ser
analisado e fiscalizado, sem o que não haverá respeito ao Princípio Democrá­
tico inserido na Constituição da República.
Nada obstante, a obrigatoriedade de fundamentação de pouco adiantaria
se não fosse possível, àquele legitimamente interessado, impugnar a forma ou
0 conteúdo da decisão, pleiteando a sua alteração. Permitir a mera contempla­
ção da decisão, sem possibilidade do manuseio de meios para alterá-la, seria,
etn nosso ver, ainda pior que não fundamentá-la, caracterizando situação
lomum aos Estados autoritários. Daí a afirmação de Oreste Nestor de Souza
1aspro no sentido de que “Trata-se, na verdade, de mecanismo de há muito
enraizado na generalidade dos ordenamentos jurídicos, sendo desconhecidas,
atualmente, sociedades civilizadas que o tenham abolido totalmente."?b
Todavia, em razão do fato de que os demais princípios aqui estudados
constam expressamente no texto constitucional, enquanto o do duplo grau
não é expresso, já houve discussão acerca da existência ou não do duplo grau
como verdadeiro princípio, o que ficou resolvido em prol dos que sustentavam
a sua existência implícita.
Realmente, se a Constituição da República e a legislação infra-constitu-
i ional prevêem a existência de Tribunais Estaduais e Federais, competência
originária e recursal, a composição da magistratura com magistrados cuja
atividade é rever a decisão de outros, dentre outras distinções, então é por­
que delimitou diversos elementos que dão corpo ao modelo do duplo grau de
jurisdição, admitido a existência do princípio, embora de forma implícita.
Definida a existência do duplo grau como princípio, aduz Alexandre Sor-
mani que “O princípio do duplo grau de jurisdição consiste na possibilidade de
adnneter o litígio a mais de um exame, por juízos diferentes. Cuida-se de um*

LASPRO, Oreste Nestor de Souza. D u p lo g r a u d e j u r i s d i ç ã o n o d ir e ito p r o c e s s u a l c iv il. São Paulo:


RT, 1995. p. 18.
princípio, porquanto se mostra como um valor nuclear de sistemas judiciário e
processual. Em razão dele, que a legislação de organização judiciária e a pro­
cessual fazem a previsão de instâncias recursais e estipulam os recursos como
instrumentos aptos para o acesso às referidas instâncias.”? 7
Já Oreste Nestor de Souza Laspro define o duplo grau como “...sendo aquele
sistema jurídico em que, para cada demanda, existe a possibilidade de duas
decisões válidas e completas no mesmo processo, emanadas de juizes diferentes,
prevalecendo sempre a segunda em relação a primeira.”? 8
Das definições apresentadas emerge questionamento acerca da necessi­
dade ou não da revisão do julgado ser feita por juízo diferente daquele do qual
emanou a decisão, bem como sobre a necessidade de que os juízos tenham
hierarquia diferente.
Existe viva discussão na doutrina sobre tais questões, que serão melhor
abordadas quando da análise do princípio no capítulo relativo à teoria geral
dos recursos, bastando afirm ar que acreditamos que tais circunstâncias são
decorrentes de opção legislativa, ou seja, poderá o legislador criar recurso
para o mesmo julgador (juízo de retratação) ou para julgadores com a mesma
hierarquia (Juizados especiais).
Nesse passo, podemos afirm ar que o Princípio do Duplo Grau de Juris­
dição, implicitamente previsto no Modelo Constitucional de Processo Civil,
consiste na possibilidade de reexame da decisão judicial por dois órgãos juris-
dicionais sucessivos, de igual ou superior instância, com a concessão ao legiti­
mado de meios aptos a provocar tal revisão.

k) Princípio da proibição da prova ilícita.


A Constituição da República estabelece, no art. 5o, LVI, que “são inadmis­
síveis no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”, positivando o Princípio
da Proibição da Prova Ilícita.
Em que pese à redação do dispositivo não aludir expressamente, como faz
o inciso LV, ao tratar dos princípios do contraditório e da ampla defesa, tanto 97

97 SORMANI, Alexandre. P r in c ip io d o d u p lo g r a u d e ju r is d iç ã o . In P r in c íp io s p r o c e s s u a is c iv is n a
Coord. OLIVEIRA NETO, Olavo de e LOPES, Maria Elizabcth de Castro. Rio de
C o n s t i t u iç ã o .
Janeiro: Elsevier, 2008. p. 215.
,s Op. cit., p. 27.
«o processo judicial, quanto ao administrativo, tratando-se de regra que leva
em conta a licitude de uma prova a única interpretação possível é a de que a
norma se aplica a qualquer tipo de processo, sob pena do paradoxo de restar
legalizado para algumas espécies aquilo que é ilegal.
Após analisar os preceitos constitucionais supracitados e, em especial, o
art. 332, do CPC de 1973, Sérgio Shimura ensina que "... de acordo com a dou­
trina dominante, [...] prova ilegal é a que viola o ordenamento jurídico como
um todo (leis, princípios gerais), quer sejam de natureza material ou proces­
sual. Ê gênero das espécies prova ilícita e prova ilegítima, a) prova ilícita é a, ao
ser colhida, contraria norma de direito material; b) prova ilegítima é a que fere
disposição de caráter processual.”.9*
Entretanto, embora não exista divergência quanto à vedação de quaisquer
das espécies de ilicitude em quaisquer das espécies de processo, há contro­
vérsia no que toca a aplicação absoluta do princípio ou a possibilidade de sua
relativização, permitindo-se ao julgador, em hipóteses especiais e justificáveis,
valorar algumas provas quando da fundamentação da sua decisão.
Também a demonstrar tal divergência é a lição de Sérgio Shimura, ao ensi­
nar que “Uma primeira corrente (proibitiva ou obstativa) pugna pela vedação
absoluta da prova ilegal ou obtida por meio ilícito. O f undamento dessa posição
deita raízes nos direitos e garantias individuais, como o direito à intimidade,
honra, imagem, domicílio, sigilo de correspondência e de comunicações. Uma
segunda corrente, mais flexível, vale-se do princípio da proporcionalidade,
conhecida como a do interesse predominante, admitindo a prova, conquanto
ilícita ou ilegal, tudo a depender dos valores jurídicos e morais em discussão
no caso concreto. [...] E no rumo dessa segunda posição, há os que sustentam
a validade da prova, tendo em vista que a finalidade do processo é a verdade,
sem prejuízo de a parte poder ser responsabilizada, até penalmente, pela produ­
ção da prova ilícita. O critério da proporcionalidade passou a ser adotado ini­
cialmente pela Justiça alemã, idéia que se alastrou para os Estados Unidos da
América (princípio da razoabilidade), com a função de evitar ou prevenir injus­
tiças que a aplicação da vedação absoluta das provas ilícitas poderia acarretar.*

M SHIMURA, Sérgio Seiji. P r i n c í p i o d a p r o ib iç ã o d a p r o v a ilíc ita . In P r in c íp io s p r o c e s s u a is c iv is n a


C o n s t i t u iç ã o . Coord. OLIVEIRA NETO, Olavo de e LOPES, Maria Elizabeth de Castro. Rio de
Janeiro: Elsevier, 2008. p. 263.
Temperam-se outros valores ou princípios, igualmente dotados de credencial
constitucional.”.10010
Essa segunda corrente, que paulatinamente foi sendo a mais adotada entre
nós, acabou até mesmo por ser expressamente incorporada ao texto do pri­
meiro projeto de reforma do CPC de 1973, o Projeto de Lei do Senado n°
166/2010, cujo art. 257, no parágrafo único, indicava que “A inadmissibilidade
das provas obtidas por meio ilícito será apreciada pelo juiz à luz da ponderação
dos princípios e dos direitos fundamentais envolvidos”. No texto final, todavia,
nâo foi repetido o parágrafo pelo art. 369, do CPC.
Nada obstante o uso do termo inadmissibilidade (forma negativa) dar a
impressão de que a regra era a admissão da prova ilícita, o que em verdade
é exceção, o preceito acolhia, em nosso entender, o melhor entendimento
que se deve dar à matéria, na medida em que a ponderação de princípios é a
melhor forma para se alcançar a Justiça numa hipótese concreta de utilização
de prova ilícita.
Fica aberta à doutrina e a jurisprudência, doravante, com a edição do novo
diploma processual, a tarefa de fixar, dentre as hipóteses mais comuns, como
a gravação de conversa e a interceptação telefônica, quando poderá ou não ser
utilizada a prova ilícita como meio de prova, independentemente do seu autor
responder cível e criminalmente, se for o caso, pela ilicitude.

1) Princípio da celeridade processual.


Para que o processo possa se desenvolver regularmente é necessário, por
força dos princípios do contraditório e da ampla defesa, respeito aos prazos
estabelecidos pela lei. Em outras palavras, o tempo é um fator inerente ao pro­
cesso, sem o qual este estará fadado ao não cumprimento do seu desiderato,
que é a prestação de uma tutela jurisdicional efetiva.
Mas ao lado deste tempo que faz parte da fisiologia do processo, também
existe a demora que pode ser considerada como doentia ou patológica,10' que

100 Idem, p. 264-265.


101 LIMA GUERRA, Marcelo. E s tu d o s s o b r e o p r o c e s s o c a u te la r . São Paulo: Malheiros, 1995. p. 14.
“Desse modo, por mais simples que seja a estrutura atribuída ao processo, sempre marcada pelo
contraditório, tende ele, inexoravelmente, a durar, e esta duração, em si mesma, já significa uma
fonte perene de obstáculos à própria efetividade da tutela jurisdicional a ser através dele prestada.
Seja sublinhado que esta duração não se trata, necessariamente, de uma duração ‘patológica’, mas
.» » M B H i w j v u » n w w i f w v i t i i .

faz com que o próprio direito material venha a perecer. No lúcido exemplo de
|osé Roberto dos Santos Bedaque "Náo se pode aceitar que alguém tenha que
aguardar 3, 4, 5, às vezes dez anos, para obter, pela via jurisdicional, a satisfa­
ção do seu direito. Quem procura a proteção estatal, ante a lesão ou a ameaça a
um interesse juridicamente assegurado no plano material, precisa de uma res
posta tempestiva, apta a devolver-lhe, da forma mais ampla possível, a situação
de vantagem a que faz jus.”. 102*
Em verdade, a demora excessiva para que o Estado preste a tutela juris
dicional implica a negativa de prestação de tutela jurisdicional, situação que
infringe o princípio do devido processo legal e pode justificar que o particu­
lar efetive seu direito pelas próprias mãos, subjugando o Estado de Direito e
implantando o caos social.
Em vista disso, como vimos no capítulo anterior, nosso processo civil tem
passado por ampla reformulação, fundada em três ideais que já podem ser
considerados verdadeiros princípios informativos da disciplina: o acesso á
lustiça, a instrumentalidade e a efetividade do processo. Trata-se de revisitar
os institutos existentes para dar-lhes um novo perfil ideológico, sempre tendo
em vista a necessidade de criação de meios mais céleres para a obtenção dos
resultados almejados.
Todavia, embora a ideia de efetividade esteja intimamente ligada à ideia de
celeridade do processo,l(B pois a excessiva demora na prestação da tutela juris­
dicional náo permite que a parte obtenha exatamente àquilo que teria direito
de obter,104 sempre houve recalcitrância da comunidade jurídica em aceitar a
celeridade processual comum um princípio processual constitucional implí­
cito no sistema.

antes aquela que bem pode ser chamada de 'fisiológica'. Duração, portanto, ineliminável, pois
decorrente das garantias fundamentais com as quais se pretende assegurar a justiça do resultado
final a ser alcançado através do processo.
BEDAQUE, )osé Roberto dos Santos. D ir e ito c p ro c e ss o . 2■ e., São Paulo: Malheiros, 1995. p. 15.
"" BARBOSA MORF.IRA, |osé Carlos. N o ta s s o b r e o p r o b le m a d a 'e f e t i v i d a d e ' d o p r o c e s s o . In T e m a s
d e d ir e ito p r o c e s s u a l c iv il. Terceira Série. São Paulo: Saraiva, 1984. p. 27.. Para o autor o ideal de
efetividade deve ser ampliado para abarcar outros prismas relevantes, que em seu quinto aspecto
contêm a ideia de que o r e s u lta d o o b tid o d e v e s e r s e m e lh a n te a o c u m p r i m e n t o d a o b r ig a ç ã o , c o m
u m m í n i m o d e d is p ê n d io d e t e m p o e e n e r g ia .

CHIOVENDA, Giuseppe. S a g g i d i d i r i t t o p r o c e s s u a le c iv ile . Volume primo. Milano:Giufrè, 1993.


p. 110. "II p r o c e s s o d e v e d a r e p e r q u a n t o è p o s s i b i l e p r a tic a m e n te a q u i h á u m d i r r i t o t u t t o q u e llo e
p r ó p r io q u e llo c h e g l i h á d i r r i t o d i c o n s e g u i r e .”
Ademais, mesmo para os que admitiam a celeridade processual como
princípio constitucional, se ampla defesa e contraditório eram expressamente
previstos e a celeridade prevista apenas de forma implícita, então como sus­
tentar que esta poderia se sobrepor àquelas e permitir, por exemplo, que uma
execução chegasse a termo, com a satisfação da obrigação, mesmo pendente
recurso? Os argumentos perdiam muito sua força e os processos, muitas vezes,
acabavam por demorar tempo além do suficiente para sua solução.
Daí, pois, a razão pela qual a Emenda Constitucional 45/04, denominada
‘reforma do judiciário’, trouxe para o bojo da Constituição expressa referência
ao princípio, consagrando-o como um dos princípios processuais constitu­
cionais. Afinal, ninguém desconhece a grande polêmica existente com rela­
ção à existência ou não do duplo grau de jurisdição como princípio proces­
sual constitucional, decorrente da ainda ausência da sua previsão expressa, o
que gera inúmeras dúvidas quanto aos limites da atividade recursal, gerando
situações práticas de perplexidade, o que é bastante inconveniente.
Nesse passo, visando por termo à discussão sobre ser ou não a celeridade
um princípio processual constitucional, a Emenda Constitucional 45/04, que
instituiu a chamada Reforma do Judiciário, acrescentou ao art. 5o, da Consti­
tuição Federal, o inciso LXXVIII, cujo teor é o seguinte: “LX X V I1I - a todos,
no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a, razoável duração do
processo e os meios que garantem a celeridade processual.”.
Além de consagrar expressamente o ideal da celeridade, positivando-o no
sistema constitucional, o preceito ainda traçou alguns limites importantes
quanto ao seu alcance. Por primeiro, ao utilizar o termo “a todos", delimitou
o âmbito subjetivo do princípio pelo padrão da universalidade, ou seja, tanto
o homem quanto a mulher, tanto o idoso quanto o infante, tanto o nacional
quanto o estrangeiro, tanto a pessoa física quanto a pessoa jurídica, passaram
a ser alcançados pela norma.
Não bastasse, a lei também traçou os limites objetivos do princípio ao se
referir ao “âmbito judicial e administrativo”, demonstrando que vale a celeri­
dade para todo tipo de processo ou procedimento, com a necessidade de que
o término se dê dentro de um período de tempo razoável.
Após traçar os limites do princípio, positivando que se aplica a todos e em
todos os tipos de processo, o preceito apresentou duas expressões que exigem
juízo axiológlco: a) a razoável duração do processo e b) meios que garantam
a celeridade de tramitação; que agora passamos a analisar individualmente.

1. Meios que garantem a celeridade de tram itação.


Embora se trate de conceito bastante elástico, os meios que garantem a
celeridade processual devem ser compreendidos como toda a técnica que pode
ser utilizada, no âmbito do processo, para obter a prestação de uma tutela
jurisdicional mais rápida e eficaz, desde que respeitados os princípios do con
Iraditório e da ampla defesa.
Nesse passo, portanto, os meios de agilização do processo encontram limi
tes no devido processo legal, não se podendo atropelar as formas e, por conse
quência às garantias constitucionais, em prol da celeridade de tramitação do
processo.
Basta ver a esse respeito o que sempre acontecia em relação ao julgamento
antecipado da lide, previsto no art. 330, do CPC de 1973. Ultrapassada a fase
de providências preliminares e não sendo o caso de extinção do processo,
deveria o juiz julgar antecipadamente à lide se as questões postas em juízo
fossem unicamente de direito; se fossem de direito e de fato, mas não houvesse
necessidade de produção de provas em audiência; e, se ocorrida à revelia, não
estivessem presentes quaisquer das causas de sua elisão. Mas o que acontecia,
na segunda hipótese, quando o juiz julgava antecipadamente processo onde
se considerava, posteriormente, que havia necessidade de produção de prova
testemunhai? O Tribunal, em grau de recurso, anulava a decisão proferida e
determinava a produção da prova, com evidente prejuízo à celeridade da tra­
mitação do processo.
ü ra, na hipótese aventada, por má aplicação da técnica existente e ade­
quada, havia priorização da celeridade, mas com evidente prejuízo à ampla
defesa da parte, gerando a nulidade do processo por vício dc forma. Portanto,
antes de pensar na criação de novos instrumentos para agilizar um processo
c necessário respeitar os já existentes, utilizando-os adequadamente e sem
Infringência ao modelo constitucional do processo; obviamente sem seguir a
forma pela forma, mas sim a aplicando de forma consciente e responsável, no
desiderato de obter a maior eficácia possível do instrumento.
Além de tal conduta, que se exige de todos os personagens do processo,
também podem ser considerados como meios que garantem a celeridade todas
às técnicas processuais que permitem uma agilização no curso do processo,
tendo em vista a efetividade do direito material. É por isso que a existência
dos juizados especiais cíveis, o sistema das tutelas de urgência, a prioridade
de tramitação de processos em que as partes são idosas, a arbitragem, dentre
outros, podem ser alocados como tais meios.
Ao assegurar a todos os meios que garantem a celeridade processual, pre­
tende a Constituição que todos os personagens do processo pratiquem uma
conduta de respeito à forma já existente, dela derivando apenas para otimizar a
tramitação processual; e, que possam ser utilizados instrumentos processuais,
previstos ou não na lei, aptos a levar, com maior agilidade, maior rapidez e com
menor dispêndio de atos processuais, a definição ou satisfação do direito objeto
do litígio; sempre sem ofensa ao modelo constitucional do processo civil.
2. Razoável duração do processo.
Definir o que é razoável duração de um processo não é tarefa fácil, na
medida em que se trata de um conceito vago e que deve tomar em conta
inúmeras variantes. Foi por isso que Américo Bêde Freire Junior aduziu que
“Andou bem o constituinte em não deduzir o conteúdo material do princípio,
uma vez que tal núcleo depende das peculiaridades do caso concreto.”"*.
Um sistema que se poderia adotar diz respeito à fixação legal de limites
máximos para a conclusão de um determinado tipo de processo, levando-se
em conta apenas à natureza do feito. Afinal, se para o magistrado processar
e julgar um despejo com revelia é bem mais simples do que processar e jul­
gar uma ação civil pública relativa à improbidade administrativa, entre fei­
tos semelhantes, a princípio, poderia existir a fixação de um prazo mínimo e
máximo, assim como acontece com as penas cominadas aos crimes.
Tal tipo de sistema, que pode ser conhecido como sistema de prazos defini­
dos ou sistema de prazos tarifados, traria dois grandes inconvenientes. Por pri­
meiro, o que aconteceria se o processo não viesse a termo no prazo máximo?
Deveria ser proferida decisão mesmo que pendente a realização de uma prova
pericial, por exemplo? Cremos que não. Por isso, sendo justificado o atraso
no processamento e julgamento do feito, em se permitindo a dilação do prazo 105

105 FREIRE JUNIOR, Américo Bêde. B r e v e a n á l i s e s o b r e o d ir e ito f u n d a m e n t a l à d u r a ç ã o r a z o á v e l


d o p r o c e s s o . In R e fo r m a d o j u d i c i á r i o . Coord. SILVA, Bruno Freire e MAZZEI, Rodrigo. Curitiba:
Juruá, 2006. p. 466.
máximo, estar-se-ia transformando tal tipo do prazo em prazo impróprio e,
com isso, tornando letra morta o principio constitucional.
Em segundo lugar, se fosse fixado prazo para cada etapa do processo, estar-
se-ia permitindo que todos que intervcm no processo pudessem utilizar, sem
qualquer justificativa, o prazo máximo. Assim, mesmo que um determinado
ato processual, cujo prazo para a prática fosse de 15 dias, pudesse ser pra
iiçado em 24 horas, muitas vezes isso não aconteceria pelo simples fato da
existência do prazo.
Destarte, portanto, por essas e outras razões não menos relevantes, cremos
que a adoção do sistema dos prazos tarifados não seria conveniente ou eficaz,
ilevendo ser desprezada.
Após analisar com profundidade o problema, Paulo Hoffman conclui que
o critério mais adequado para definir o que é prazo razoável reside na ideia
tia “posta in gioco”. Essa a lição do autor: “Quer nos parecer, contudo, que o
mais eficiente critério para definição do que venha a ser 'razoável duração' seja
realmente o adotado pela Corte Européia dos Direitos do Homem, o critério da
posta in gioco: a) complexidade do caso; b) comportamento das partes; c) atu­
ação dos juizes, dos auxiliares e da jurisdição.”.106
Nesse mesmo sentido a opinião de João Aveiro Pereira, que após aduzir que
os critérios para apurar a razoável duração são "... a complexidade do processo;
0 comportamento do requerente e o das autoridades competentes.”, traz à cola­
ção trecho de decisão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, cujo teor
é o seguinte: “Le caractere raisonable de la durée d une procédure s'apprécie
\uivant les circonstances de la cause et eu égard aux critères consacrés par la
jurisprudcnce de la Court, en particulier la complexité de l affaire, le comporte-
ment du requérant et celui des aulorités competentes ainsi que 1'enjeu du litige
pour le requérant.”.107
Nesse passo, quando se trata do primeiro critério deve ser levada em conta
1complexidade da causa. Como já se disse acima, levando-se em conta a ati­
vidade do magistrado e da unidade cartorária, processar e julgar um despejo

HOFFMAN. Paulo. P r in c ip io tia r a z o á v e l d u r a ç ã o d e p ro c e ss o . In P r in c íp io s p r o c e s s u a is c iv is n a


Coord. OLIVEIRA NETO, Olavo de e LOPES, Maria Elizabeth de Castro. Rio de
C o n s titu iç ã o .
Janeiro: Elsevier, 2008. p. 328-329.
PEREIRA, João Aveiro. D a r e s p o n s a b ilid a d e c iv il p o r a c to s ju r i s d i c i o n a i s . Coimbra: Coimbra Edi-
lora, 2001. p. 196.
com revelia é bem mais simples do que processar e julgar uma ação civil
pública relativa à improbidade administrativa. Enquanto neste caso aspec­
tos sub-reptícios deverão ser analisados, com produção de prova por todos os
meios disponíveis, inclusive com a possibilidade da determinação de produ
ção de provas de ofício, devido ao fortalecimento dos poderes instrutórios do
magistrado; naquele caso basta aplica a presunção de veracidade decorrente
da revelia (art. 344, do CPC) e proferir a decisão cujo conteúdo pode ser bem
mais sucinto e objetivo.
Se assim é, portanto, e levando-se em conta que até em processos do mesmo
tipo existem peculiaridades diferentes (v.g. a mesma ação de despejo, mas com
réu citado por edital e nomeação de curador de ausentes; ou com inúmeros
litisconsortes; ou com parte incapaz, exigindo a participação do Ministério
Público); torna-se imprescindível analisar a complexidade do processo em
face do caso concreto, não sendo viável definir previamente qual é o prazo
para o término de certa categoria de feitos.
Como segundo critério de aferição do prazo razoável está o comporta­
mento das partes. Isso porque, embora o Código de Processo Civil estabeleça
a conduta de cada um dos personagens do processo, nem sempre as partes, por
meio de seus representantes, colaboram para que o processo tenha seguimento
adequado. Basta ver o amplo sistema de penalidades previstas no sistema pro­
cessual para quem age em desacordo com o princípio da lealdade processual,
praticando atos como litigante de má-fé, interpondo recursos meramente pro-
telatórios ou praticando atos atentatórios à dignidade da Justiça; sem esquecer
de outros aspectos antiéticos e até criminosos, como a subtração de autos.
Assim sendo, também tendo em vista o caso concreto, a conduta de cada
uma das partes deverá ser sopesada, sendo possível, cremos, responsabili­
zar quem pratica as condutas acima lembradas pelos danos decorrentes da
demora do processo, sob a tipificação de culpa exclusiva de terceiro.
Por fim, o terceiro critério diz respeito à atuação do magistrado e dos fun­
cionários do Estado, a quem se atribui à prática dos inúmeros atos destinados
a atuação da atividade jurisdicional, que devem ser praticados com a eficiên­
cia que destes funcionários se espera.
Nesse passo, assevera Diógenes Gasparini sobre o Princípio da Efici­
ência Administrativa que “Conhecido entre os italianos como 'dever de boa
i rnnwnwp iwynwiww vmi i

administração o principio da ef iciência impõe à administração pública direta


c indireta a obrigação de realizar suas atribuições com rapidez, perfeição e ren­
dimento, além, por certo, de observar outras regras, a exemplo o princípio da
legalidade.”.m
Destarte, também à luz do caso concreto, se deve aferir se o magistrado
e os funcionários agiram de forma a atender ao princípio da eficiência
administrativa.
Entretanto, faz-se aqui um adendo a este terceiro critério, nele incluindo
aspectos relativos à estrutura que o Estado mantém para a prestação de uma
tutela eficiente, do que depende sobremaneira a atuação do seu funcionário,
para observar que a estrutura do Poder Judiciário é arcaica e exige inúmeras
modificações, isso para propiciar a possibilidade da realização de trabalho
produtivo por parte dos seus funcionários.
Em suma, portanto, sempre tendo em conta o caso concreto, podemos
adotar o critério já consagrado pela jurisprudência do Tribunal Europeu dos
Direitos do Homem para definir o que é razoável duração do processo, que
variará segundo a complexidade do feito, a atuação das partes e a atuação do
magistrado e dos seus auxiliares, bem como da estrutura existente para a atu­
ação de tais agentes incumbidos da tramitação e solução dos processos.

3.2. Princípios informativos do processo civil.


No início deste capítulo tivemos a oportunidade de advertir que além dos
princípios insertos na Constituição da República, podemos identificar prin­
cípios informativos do processo civil previstos explícita ou implicitamente na
lei processual e que se aplicam a todos os institutos processuais; bem como
princípios específicos para cada um dos institutos, como os princípios que
informam a teoria dos recursos. Optamos, então, por tratar dos dois primei­
ros, abordando os demais quando do tratamento específico de cada um dos
institutos.
Nesse passo, embora tenha o código agido bem ao dedicar seu primeiro
capítulo aos princípios e garantias fundamentais do processo civil (artigos Io
até 11 ), o fez de forma bastante desprovida da técnica adequada, na medida em

li»
GASPARINI, Diógenes. D ir e ito a d m i n i s t r a t i v o . São Paulo: Saraiva, 2000. p. 19.
que misturou num único capítulo os princípios das diversas categorias; men
cionando alguns princípios constitucionais do processo e esquecendo-se dos
demais, situação que pode induzir o intérprete à conclusão de que algum deles
é mais importante do que o outro, quando todos se prestam, como já vimos, a
moldar o perfil infra-constitucional do processo civil brasileiro. Tratou, tam
bém, de princípios que não são exclusivos do processo (art. 8o, do CPC), mas
atinentes ao Estado Democrático de Direitos, como a dignidade da pessoa
humana (art. Io, III, da Constituição da República); bem como de princípios
que são reguladores da atividade administrativa em geral, como a legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (art. 37, da Constituição
da República).
Ora, se todos estes princípios estão previstos na Constituição da República
e se alguns não são ao menos específicos ao processo, porque tratar deles no
código, repetindo de forma inútil aquilo que já foi tratado anteriormente? Em
outros termos, por exemplo, se simplesmente fossem excluídos do código,
dentre outros, o art. 6o ou o art. 11 , deixaria o nosso processo de ter que ser
público e as decisões proferidas fundamentadas? E o magistrado, agente
público e de poder, poderia deixar de aplicar a lei sem observar a dignidade
da pessoa humana ou agir de forma imoral ou sem a mínima eficiência? Evi­
dentemente que não, pois continuariam as normas Constitucionais a impor a
observância de tais preceitos.
Melhor seria, portanto, que o código fosse omisso quanto aos princípios
constitucionais processuais e não processuais que menciona em seu pri­
meiro capítulo, limitando-se a mencionar os princípios gefais e informativos
do processo, na sua dimensão infraconstitucional, classificando-os de uma
forma mais clara e delineada, como fez o art. 2 o, da Lei n° 9.099/95 (Juizados
Especiais).
Nada obstante, podemos identificar no capítulo e no sistema processual
posto, expressa ou implicitamente, os seguintes princípios informativos do
processo civil, que doravante trataremos de forma pormenorizada: a) Princí­
pio dispositivo; b) Princípio do impulso oficial; c) Princípio da cooperação; d)
Princípio da paridade de tratamento; e) Princípio da oralidade; 0 Princípio da
economia processual; g) Princípio da fungibilidade; e, h) Princípio da lealdade
processual.
I v rninunui iA»rmn m u i mi I l /

a) Princípio dispositivo.
Não é nova a oposição existente entre o sistema inquisitório, no qual o juiz
tem poderes ativos na instauração e na condução do processo, e o sistema
dispositivo, onde o magistrado atua como mero expectador da atividade das
partes, sem ter poder de iniciativa quanto à limitação do objeto do processo e
a produção das provas. Variando a época e o local, ambos já foram adotados
de maneira bastante preponderante sobre o outro, o que ainda acontece ao
sabor da ideologia que permeia cada sociedade.
No sistema inquisitório, que dá ensejo à existência do princípio inquisi­
tório, o juiz tem plena liberdade de ação tanto para dar início ao processo,
quanto para determ inar a produção das provas que entende necessárias à apu­
ração da verdade. Gozou de enorme prestígio na idade média, dando nome até
mesmo a época conhecida como inquisição, onde a notícia de alguma situação
contrária a moral cristã era considerada como heresia ou como bruxaria e, por
isso, punida rigorosamente. Posteriormente, teve novamente seu ápice com o
regime adotado pela extinta URSS (União das Repúblicas Socialistas Sovié­
ticas), onde tudo era de interesse do povo e do Estado e, por isso, passível de
investigação independentemente da vontade das partes. Tem-se notícia, tam ­
bém, de sua enorme influência no direito aplicado na China.
Vê-se, portanto, que o princípio inquisitório, na sua versão mais radical,
costuma ganhar extremo prestígio nos Estados com regime político que se
impõe mediante o uso da força, sendo utilizado como forma de manutenção
do poder. Afinal, atribuindo-se ao magistrado o poder de instaurar o pro­
cesso, de produzir as provas e de julgar a demanda, abre-se campo fértil e
propício ao abuso do Poder, limitando-se ao extremo a real possibilidade de
defesa daquele que se vê atingido pelo processo. Talvez seja por tais razões que
Rui Portanova ,109 ao analisar o processo inquisitivo, utiliza-se da expressão
"juiz ditador", em oposição ao “juiz espectador" de outrora e ao atual “juiz
diretor” do processo atual.
Nada obstante, a utilização com parcimônia de um sistema inquisitório
abrandado é extremamente útil e aconselhável em determinadas circuns­
tâncias, como acontece com o sistema adotado no Brasil para a apuração de
crimes, representado pela possibilidade de instauração de ofício de inquérito

l« PORTANOVA, Rui. P r in c íp io s d o p r o c e s s o c iv il. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 121.


policial, embora não tenha a autoridade policial o poder de iniciar a açào
penal e deva ser o inquérito, por força de diretriz constitucional, permeado
pelo contraditório.
Já para o sistema dispositivo, que dá ensejo à existência do princípio dis
positivo, cabe às partes limitar a atuação judicial, seja quanto aos fatos que
serão objeto de apreciação, seja quanto à iniciativa da produção da prova. No
pensar de Rui Portanova “Ninguém pode ser obrigado a agir, ninguém pode sei
impedido de agir. Mais: as partes têm liberdade também de limitar a atuação
investigativa do juiz (e do processo) aos fatos que elas trazem para os autos e
quanto aos pedidos (provimento jurisdicional) que elas entendem suficientes
para a solução do conflito. Essa liberdade de alegar fatos e apresentar pedidos
chama-se princípio dispositivo."."0
No mesmo sentido, embora se utilizando de uma linguagem mais didática,
ensina João Batista Lopes que “o principio dispositivo, em sua concepção tra
dicional, significava que a iniciativa das alegações, pedidos e provas incumbia
exclusivamente ds partes, uma vez que o juiz devia julgar segundo o alegado c
provado. A visão dos processualistas clássicos repelia a idéia do chamado ati-
vismo judicial, isto é, não se admitiam iniciativas probatórias do juiz. Essa
orientação fundava-se na idéia de que a determinação de provas pelo juiz, sem
requerimento das partes, ofendia o princípio da imparcialidade e, por isso, não
podia ser admitida.”.'"
Vê-se, portanto, que ao contrário do princípio inquisitório, o princípio
dispositivo, na sua concepção tradicional, cujo auge teve por inspiração os
ideais da Revolução Francesa onde o juiz era apenas a “boca da lei”, pregava a
absoluta imparcialidade e passividade do magistrado; situação essa que levou
Alfredo Soveral M artins a afirm ar que “na sua versão mais absoluta, costuma
dizer-se que o princípio dispositivo equivale a reduzir o ju iz à posição inerte
de mero árbitro.";"2 enquanto Maria Elisabeth de Castro Lopes se utilizou da
feliz expressão “convidado de pedra”,113 isso para indicar sua situação de mero
expectador no processo.*12

Idem, p. 121.
111 LOPES, João Batista. C u r s o d e d ir e ito p r o c e s s u a l c iv il. São Paulo: Atlas, 2005. v. I, p. 59.
112 MARTINS, Alfredo Soveral. D ir e ito p r o c e s s u a l c iv il. Coimbra: Fora do texto, 1995. p. 146.
LOPES, Maria Elisabeth de Castro. O j u i z e o p r i n c íp i o d is p o s itiv o . São Paulo: RT, 2006. p. 116.
Atualmente, porém, embora nosso sistema processual civil tenha esco­
lhido o principio dispositivo para preponderar sobre o princípio inquisitório,
optou por fazê-lo de forma mitigada, permitindo ao juiz, em determinadas
hipóteses, agir de ofício em prol da realização dos escopos do processo (capí­
tulo 07, infra). Daí a locução, dentre outros, do art. 2o, do CPC, ao dizer que o
processo começa por iniciativa da parte (podia dizer do autor) nos casos e nas
formas legais; mas que a própria lei indicará exceções a esta regra. Por isso, a
iniciativa de requerer e de produzir provas é atribuída às partes, mas em casos
especiais pode o magistrado decidir e determ inar a produção de provas de
ofício, isso quando houver permissão legal para fazê-lo ou desde que a ponde­
ração dos direitos e interesses em conflito o justifiquem.
Na hipótese da ausência de previsão legal, a possibilidade do juiz agir sem
i|ue exista iniciativa das partes deve ser examinada diante do caso concreto,
onde será feita uma ponderação entre os valores em disputa e a necessidade
ila iniciativa, inclusive quanto a instrução probatória. Aplicando-se as regras
da proporcionalidade e da razoabilidade, deverá observar o magistrado se a
situação empírica justifica a superação da necessidade da iniciativa da parte,
tomando de ofício a providência exigida para evitar o perecimento de um
direito ou faculdade processual. Trata-se de um aumento nos poderes ins-
trutórios do magistrado, em prol de viabilizar decisão aderente ao direito
material, que poderia não acontecer se a iniciativa fosse totalmente deixada
ao alvedrio da parte. Nesse sentido, aliás, a lição de Maria Elisabeth de Castro
Lopes,1" em monografia que estudou profundamente o tema, traçando seu
atual perfil no direito brasileiro.

b) Princípio do impulso oficial.


O art. 2o, do CPC, como acima exposto, apresenta em sua primeira parte o
princípio dispositivo e, em sua segunda parte, o Princípio do Impulso Oficial,
que se contrapõe ao princípio do impulso particular; segundo o qual deverá
o juiz fazer com que o processo tenha andamento em direção a sua solução,
mdependentemente da vontade ou da conduta das partes.
Ora, depois de exercitado o direito de ação e proposta a demanda, o pro­
cesso deve seguir sua marcha em direção à solução da controvérsia objeto de

Idem.
discussão, que só virá a acontecer após percorrer todas as fases processuais
necessárias à instrução e ao julgamento do feito. Para isso cabe ao magistrado
velar para que as partes pratiquem os atos processuais que são da sua respon
sabilidade, exortando-as a agir da maneira exigida por lei e a fazer com que a
marcha processual não pare. Na lição de Rui Portanova “As partes continuam
com o dever de impulsionar o andamento do processo, mas essa obrigação tem
um co-devedor solidário, vigilante e poderoso. Tanto assim que, se as partes
não movimentarem o processo, o juiz provocará o andamento a ponto de extin
gui-lo, com ou sem mérito. Pelo impulso oficial, há evidente abrandamento
do princípio da disponibilidade das partes em relação ao processo. Por isso, se
algum motivo trouxer às partes dificuldade em promover o andamento do feito,
melhor que requeiram dilação de prazos, (seforem dilatórios - art. 181) ou que
requeiram, a suspensão do processo (art. 265, II).”.m
Realmente, dispõe o art. 485, do CPC, que se o processo ficar parado em
virtude da negligência das partes por mais de um ano (inciso II) ou devido à
inércia do autor por mais de um mês (inciso III), deverá o juiz proferir sen­
tença sem resolução do mérito; mas que antes disso deverá intim ar a parte
para suprir sua falta no prazo de 05 (cinco) dias (§1°). Essa necessidade de
intimação representa a essência do princípio do impulso oficial, na medida
em que atribui ao juiz o dever de velar para que o processo continue a andar,
independentemente da atividade dos litigantes.
Embora tenha esse sistema merecido tratamento diverso em uma das ver­
sões do projeto do Código, a opção final foi a de adotar a intimação pessoal da
parte para que dê andamento ao feito, assim como fazia o art. 267, §1”, do CPC
de 1973, em evidente descompasso com a realidade forense atual e em nítido
prejuízo ao Princípio da Celeridade Processual. Perdeu-se, com isso, a opor­
tunidade de aprimorar o instituto, na medida em que a intimação deveria ser
efetivada pela imprensa, gerando uma menor dificuldade ao andamento do
processo.
Na entrada em vigor do CPC de 1973 o volume de feitos era muito menor
do que o volume hoje registrado, sendo que não representava demora signi-
ficante intim ar pessoalmente a parte. Na atualidade, porém, com o elevado
volume de processos que tram itam perante o Poder Judiciário, não se justifica

115
Op. cit., p. 154.
intimar pessoalmente e por mandado a parte indolente, o que retarda sobre­
maneira o curso da demanda e representa uma verdadeira benesse para aquele
que pretende apenas protelar o andamento do feito, deixando de praticar ato
em prol do direito que alegou possuir.
Não bastasse, sendo boa parte dos processos oriundos daquilo que se cos­
tuma chamar de advocacia de massa, onde grandes escritórios movimentam
milhares de processos de uma mesma empresa; não há razão para intimar
pessoalmente um banco, uma seguradora, uma empresa de plano de saúde
ou de telefonia, que são representados em juízo por vários escritórios gigan­
tescos, com milhares de profissionais que estão perfeita mente aptos a defesa
dos direitos de seus representados. Tal medida com certeza fere o Princípio da
Celeridade Processual e, por isso, pode ser reputada inconstitucional.
Daí a razão pela qual entendemos que, nas hipóteses tratadas pelo art. 485
II e III, do CPC, poderá o juiz determ inar a intimação pela imprensa, sem
com isso deixar de cum prir o princípio do impulso oficial, na medida em que
o Princípio Constitucional da Celeridade Processual estará sendo plenamente
atendido.
Observe-se, por fim, que o Princípio do Impulso Oficial tem por escopo
fazer com que o processo siga sua marcha processual normal, devendo ser
aplicado quando da inércia das partes, mas não serve para que o magistrado
atropele o andamento do feito, dispensando a prática dos atos processuais
necessários para que o processo tenha normal andamento. Age o magistrado,
pois, apenas para forçar as partes a imprimir ao processo a marcha necessária,
de modo suprir eventual inércia dos litigantes.
c) Princípio da cooperação.
Quando analisamos o princípio do contraditório, observamos que houve
uma evolução da sua concepção inicial, estreitamente ligada a ideia da dialé­
tica no curso do processo, para um plano mais amplo, acrescentando ao
binômio informação-reação um terceiro elemento, que é a participação. Com
isso, além do direito de ser informado de qualquer conduta praticada pela
parte contrária no processo e de ter a possibilidade de reagir a essa conduta,
a parte ainda deve ter a possibilidade de interferir na condução do processo,
praticando atos tendentes ao convencimento do magistrado acerca da rela­
ção jurídica de direito material que se pretende acertar, efetivar ou assegurar,
conforme o tipo de tutela pretendida. Na significativa linguagem de José Lebre
Freitas “O escopo principal do princípio do contraditório deixou assim de ser n
defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à actuação alheia, para
passar a ser a influência, no sentido positivo do direito de incidir activamente
no desenvolvimento e no êxito do processo.”.m
Como corolário dessa nova concepção acerca do contraditório, nosso
código apresenta, no art. 6o, o Princípio da Cooperação, também chamado
Princípio da Participação, segundo o qual as partes devem cooperar ativa
mente com o magistrado na condução do processo. Em outros termos, as par
tes têm o direito de participar ativamente do processo, fornecendo ao juízo
elementos que possam influenciar na solução do processo de conhecimento,
na eletivação da tutela executiva e na efetivação das medidas de urgência; mas
também têm o dever de participar de modo a contribuir para a rápida solução
do litígio, sempre respeitando o princípio da lealdade processual, abstendo-se
de praticar condutas e de provocar incidentes infundados, não necessários e
de cunho procrastinatório (art. 5o).
Excelente explicação acerca do conteúdo do princípio e dos citados arti
gos pode ser encontrada no Direto Português, que no Decreto-Lei n° 329
A/95, de 12 de dezembro de 1995, aduz “...as linhas mestras de um modelo
de processo,...'’, assim se expressando: “Consagra-se o princípio da cooperação,
como princípio angular e exponencial de processo civil, de form a a propiciar
que juizes e mandatários cooperem entre si, de modo a alcançar-se, de uma
feição expedita e eficaz, a justiça do caso concreto; [...] Tem-se, contudo, plena
consciência de que nesta sede se impõe a renovação de algumas mentalida
des, o afastamento de alguns preconceitos, de algumas inusitadas e esotéricas
manifestações de um já desajustado individualismo, para dar lugar a um espí
rito humilde e construtivo, sem desvirtuar, no entanto, o papel que cada agente
judiciário tem no processo, idôneo a produzir o resultado que a todos interessa
- cooperar com boa-fé numa sã administração da justiça. Na verdade, sem a
formação desta nova cultura judiciária facilmente se poderá por em causa um
dos aspectos mais significativos desta revisão, que se traduz numa visão parti
cipada do processo e não numa visão individualista, numa visão cooperante e
não numa visão autoritária.” ."7* 17

114 FREITAS, José Lebre de. I n t r o d u ç ã o a o p r o c e s s o c iv il. Coimbra: Coimbra Editora, 1996. p. 96-97.
117 C ó d ig o d e P ro c e s so C iv il ( A c t u a l i z a d o ) . Porto: Almeida & Leitão, 1997. p. 19.
Nesse mesmo sentido é o pensamento de Luiz Guilherme Marinoni e de
I Janiel Mitidiero, que analisando a primeira versão do projeto que deu origem
.10 atual CPC assim se manifestaram: "O projeto é fértil em normas sobre a
(olaboração. Ê possível afirmar sem qualquer dúvida que o modelo de processo
i ivil proposto pelo projeto é indubitavelmente um modelo de processo civil coo­
perativo. No Estado Constitucional o direito fundamental ao processo justo
implica direito à elaboração no processo civil. Várias são as normas que densi-
ficam o dever de colaboração do Estado para com o jurisdicionado no processo
i ivil. É altamente positiva a tópica previsão dos deveres de esclarecimento, pre­
venção, diálogo e auxílio inerentes à colaboração ao longo de todo o Projeto.”.11*
Nota-se, portanto, que mais do que simplesmente acenar com a possibili­
dade de um maior envolvimento das partes no desenvolvimento e solução do
processo, o princípio da cooperação visa implantar uma nova mentalidade
cm nosso processo civil e nos seus principais personagens; chamando à res­
ponsabilidade todos os participantes do processo e eliminando a figura do
magistrado que age sem levar em conta atividade das partes, efetivando assim
0 ideal de uma maior participação popular na administração da Justiça, o que
sem dúvida implicará uma maior responsabilidade das partes e de seus pro-
vuradores no âmbito da atividade judiciária.

d) Princípio da paridade de tratamento.


Consequência natural do Princípio Constitucional da Isonomia, o princí­
pio da paridade de tratamento faz com que o magistrado deva velar, no bojo
do processo, para que as partes tenham igualdade de condições para o exer-
1leio de seus deveres e de suas faculdades processuais. Trata-se de um prin-
l ípio destinado a moldar a conduta do juiz no processo, para que a prática
ilos atos processuais respeite as diferenças entre os litigantes, aproximando-os
dc uma igualdade substancial e eliminando fatores que possam influir num
ilesequilíbrio de forças dentro do processo. Exemplo marcante de tal situação
i a inversão do ônus da prova nas relações de consumo, prevista no art. 6o,
VIII, do CDC, que deverá ser aplicada pelo magistrado sempre que a alegação
Im mulada for verossímil ou quando o consumidor for considerado hipossu-
Ikiente técnico.

' ‘ MARINONI, Luiz Guilherme, MITIDIBRO, Daniel. O p r o j e to d o C P C - C r ític a e p r o p o s ta s . Sáo


Paulo: RT, 2010. p. 72-73.
Ao discorrer sobre o princípio no Direito Português assevera Alfredo Sove
ral M artins que "... as partes, no processo, hão-de estar colocadas num plano
de igualdade perante o juiz, dispondo de iguais direitos, poderes e deveres. Só
com dois pratos iguais é que não se vicia a balança da justiça. Neste sentido, <■
como vimos, este princípio é igualmente um princípio modelador da actividadc
do juiz, impondo-lhe trato idêntico a ambas as partes. [...] Trata-se, como c
óbvio, da afirmação de um princípio de igualdade em abstracto cuja garantia
pressupõe a adopção, a nível do processo, de todo um sistema que atenue fac
tores de desigualdade econômica, cultural e técnica susceptíveis de a afectarem
em concreto.”. 119
Em resumo, portanto, o princípio da paridade de tratamento nada mais é
do que uma norma dirigida ao magistrado, com a finalidade de que assegure,
no bojo do processo e diante da situação concreta de cada um dos ligantes,
igualdade de tratamento; mesmo que para isso tenha que tratar as partes de
forma diversa.
Previsto anteriormente no art. 125,1, do CPC de 1973, seu correspondente
no atual diploma processual está no art. 139, que também tratou do tema na
parte referente aos princípios fundamentais do processo civil, aduzindo no
art. 7o, do CPC, que “É assegurada às partes paridade de tratamento ...” ; ado­
tando a denominação corrente na doutrina.
Ao analisar o conteúdo do art. 7o, ainda tendo por óptica o texto original
do projeto que deu origem ao atual CPC, observaram Luiz Guilherme Mari-
noni e de Daniel Mitidiero que: um processo de cariz realmente democrá­
tico não pode prescindir da previsão de participação em contraditório mediante
paridade de armas. Isto porque a paridade de armas é pressuposto para que o
contraditório encontre ambiente propício ao seu cabal e pleno desenvolvimento.
O “legislador e o ju iz ”, como já dissemos, 'estão obrigados a estabelecer as dis­
criminações necessárias para garantir e preservar a participação igualitária
das partes, seja considerando as dificuldades econômicas que obstaculizam a
participação, seja atentando para as particularidades do direito material e do
caso litigioso'. Esta é a razão pelo qual o Projeto propôs o art. 7°: para atender à
necessidade de conformação em concreto de um processo justo.”.'ll)

"• O p.cit.,p. 170/171.


120 Op. cit., p. 74.
Esse mesmo preceito, porém, cm sua parte final, dispõe que compete ao
I juiz “...zelar pelo efetivo contraditório.", locução apta a gerar fundadas dúvi­
das no espírito do intérprete, na medida em que aflora a questão acerca da
possibilidade ou não do magistrado poder, no caso concreto, declarar a parte
Indefesa, destituir seu advogado dos poderes que lhe foram conferidos e deter­
minar a regularização da representação processual, com a indicação de outro
patrono para a defesa dos interesses da parte mal representada.
Pense-se, por exemplo, na corriqueira hipótese em que o patrono da parte
perde um prazo no curso do processo, gerando daí a preclusão de uma facul­
dade processual. Por se tratar a perda de prazo de uma questão eminente­
mente técnica, poderia o magistrado considerar prejudicada a defesa da parte
c, tendo o dever de velar pelo efetivo contraditório, agir na forma acima arti­
culada? Cremos que a resposta à questão deverá ser afirmativa já que não se
lustifica, nesse novo perfil de colaboração das partes no desenvolvimento do
processo, que uma delas continue a ser representada por patrono que atue de
forma desidiosa e sem dar a devida atenção aos interesses do seu representado.
Destarte, se a atuação do advogado deixa a desejar no aspecto técnico e
com isso causa prejuízos processuais ao seu constituinte, em especial quanto a
perda de prazos e o oferecimento de defesas infundadas, independentemente
da possibilidade de posterior ressarcimento, deverá o magistrado, em decisão
fundamentada, declarar a parte indefesa, comunicar a Ordem dos Advogados
do Brasil acerca dos motivos da destituição e determ inar que a parte regula­
rize sua representação processual, nomeando outro patrono ou confirmando
ti opção de continuar a ser representada pelo mesmo causídico. Nessa segunda
hipótese, então, principalmente nas defesas destituídas de fundamento, deverá
o juiz aferir se a conduta da parte configura ou não litigância de má-fé, apli­
cando-lhe as penalidades pertinentes.
Por seu turno, o art. 12, caput, do CPC, ao estabelecer que “os juizes e
os tribunais deverão obedecer à ordem cronológica de conclusão para profe-
fir sentença ou acórdão’’, estabelece uma ampliação o princípio da paridade
ile tratamento para além do âmbito do processo no qual as partes litigam,
lazendo com que o tratamento igualitário também deva ser observado com
relação aos diversos feitos de uma mesma espécie e que tramitam perante um
determinado Órgão Jurisdicional. Isso porque não se justifica que processos
que integram uma mesma categoria deixem de ser decididos na ordem crono
lógica de suas respectivas conclusões.
O controle desse “macro-aspecto” do princípio se faz mediante a publica
ção de uma lista dos feitos que estão em fase de julgamento, não havendo
dificuldade nenhuma na sua elaboração, já que basta separar os feitos pelas
suas respectivas classes e preferências legais, colocando-os então em ordem
cronológica, o que sempre aconteceu de forma global e sem distinção com
o livro de registro de conclusões de processos para sentença existentes nas
unidades judiciárias. Com isso basta o desmembramento do registro do que
sempre foi feito em livro próprio, o que pode ser feito automaticamente pelo
próprio sistema de informática, dando-se dele publicidade a todos.

e) Princípio da oralidade.
Embora o processo oral e o processo escrito tenham convivido nos siste­
mas desde a criação da escrita, foi a partir do pensamento de Giuseppe Chio-
venda que se espalhou o pensamento de que o processo oral deve prevalecer
sobre o processo escrito, embora mitigado pela necessidade de documentação
de certos atos processuais. Dai a imensa importância que o grande mestre
peninsular deu ao princípio da oralidade, aduzindo, ainda na primeira metade
do século passado, que “Entre os muitos problemas concernentes ao procedi­
mento, este é o fundamental. O tipo e os característicos de um processo deter-
minam-se, sobretudo pelo prevalecer do elemento oral ou do elemento escrito.
Basta, para demonstrá-lo, confrontar o nosso processo penal, que é oral, com o
nosso processo civil, que é escrito. A experiência deduzida da história permite
concluir sem detença, que o processo oral é, com ampla vantagem, melhor e
mais conforme à natureza e às exigência da vida moderna, porque exatamente
sem comprometer, antes assegurando melhor a excelência intrínseca da deci­
são, proporciona-a com mais economia, simplicidade e presteza. E, pelo que
se refere à celeridade do processo, frisamos, desde logo, a esta altura, um dado
extraído das estatísticas judiciárias dos países de processo oral em confronto
com o nosso, e é que o processo escrito dura em média três ou quatro vezes mais
que o processo oral.".111

IJI CHIOVENDA, Giuseppe. I n s titu iç õ e s d e d ir e ito p r o c e s s u a l c iv il. Campinas: Bookseller, 1998. v. 3,


p. 56-57.
Nada obstante, para atendimento ao princípio da oralidade e caracteriza­
d o de um procedimento misto, com prevalência do elemento oral sobre o
demento escrito, ensinou o autor que devem estar presentes cinco elemen­
tos,122 que podem ser considerados verdadeiros sub-princípios da oralidade:
.1) prevalência da palavra como meio de expressão, mas com 0 uso de meios
escritos para a documentação dos atos processuais; b) imediação entre o juiz
c as pessoas ouvidas; c) identidade da pessoa física do magistrado durante a
condução da causa; d) concentração da instrução da causa, preferencialmente
cm uma única audiência; e, e) irrecorribilidade das decisões em separado.
Observa-se, portanto, que segundo a visão do autor é possível afirmar que
0 nosso CPC adotou o princípio da oralidade, mas o fez de forma bastante
mitigada, já que os cinco sub-princípios foram adotados apenas de forma par-
1ial. Mesmo assim, não se pode olvidar que existem inúmeros procedimentos
eminentemente escritos, como o mandado de segurança ou o incidente de
pré-executividade.
Nesse passo, nosso código optou por concentrar a produção da prova numa
única audiência de instrução e julgamento, prevista nos art. 358 e seguintes,
dispondo o art. 365 que esta audiência é una e contínua; ou seja, deverá ser
uma só e realizada de uma só vez. Ao adotar esse perfil, ao menos com relação
produção da prova oral, instituiu uma prevalência da palavra como meio de
expressão, com a utilização de meios escritos para a documentação dos atos
processuais, o que se dá quando se lavram, dentre outros, o termo de audiên-
eia e o termo de oitiva de testemunhas. Atendeu dois dos aspectos essenciais
("a” e “d ”) a caracterização de um processo predominantemente oral.
Por sua vez, ao contrário do que se dava sob a vigência do CPC de 1973,
i|uando o advogado não podia perguntar diretamente à testemunha, agora
pode fazê-lo (art. 459, caput), cabendo ao magistrado a direção da audiência
c a formulação de perguntas antes ou após as formuladas pelas partes (art.
459, §1°), podendo indeferir aquelas que reputar infundadas ou impertinentes.
Com isso houve uma atenuação do princípio da imediatidade (“b ”), embora
onda reste caracterizado, isso em razão da fiscalização exercida pelo magis­
trado com respeito às perguntas que são formuladas pelos patronos das partes.

' Idem, p. 61-68.


Por seu turno, em que pese fosse ideal que um mesmo magistrado atuasse
no processo desde o recebimento da inicial até a prolação da sentença, situa
ção essa que permite um conhecimento mais aprofundado da causa e facilita
sobremaneira a atuação do juiz; essa identidade já ficava parcialmente preju
dicada no sistema anterior por conta da evolução funcional do magistrado <
por questões de ordem pessoal, como o gozo de férias ou o infortúnio de uma
doença, momento em que a pessoa física do juiz era substituída por outm
magistrado. Daí o maior desacerto do atual sistema que não manteve o prin
cípio da identidade física do juiz (“c”), contido no art. 132, do CPC de 1973
segundo o qual o magistrado que concluía a audiência de instrução e julga
mento, salvo nas exceções que a própria lei especificava, deveria julgar a causa
Por fim, como se verá quando do estudo do agravo de instrumento (arl
1.015 e seguintes), existem hipóteses taxativas para a interposição do recurso,
isso em respeito ao princípio da irrecorribilidade das decisões em separado
(“e”), situação essa não existente no sistema anterior, onde quase todos os
casos de decisões interlocutórias eram passíveis de recurso, fosse mediante a
utilização de agravo de instrumento ou do extinto agravo retido.
Vê-se, portanto, que o nosso código, embora sem encartar no capítulo rela
tivo aos princípios e garantias do processo civil norma expressa a respeito do
princípio da oralidade, albergou em maior medida os sub-princípios que mol
dam a sua estrutura, sendo perfeitamente cabível afirm ar que admitiu expres
samente a sua existência.

f) Princípio da economia processual.


O postulado matemático que aduz ser a reta o menor cam inho entre dois
pontos demonstra, à evidência, qual é a melhor e mais rápida forma para
alcançar um determinado objetivo. Tal ideia representa a reunião dos ideais
da eficiência, da objetividade e da simplicidade, que deve valer para todo tipo
de fenômeno, inclusive para o veículo utilizado em juízo com a finalidade de
acertar ou efetivar direitos, que é o processo.
Tais aspectos também caracterizam o princípio da economia processual,
ainda conhecido por princípio econômico ou princípio da simplicidade, para
o qual no processo se deve alcançar o resultado almejado com o mínimo de
esforço possível; ou, na lição de João Batista Lopes, "... deve-se objetivar o
máximo rendimento com o mínimo de trabalho, isto é, só devem ser praticados
os atos necessários, cumprindo ao juiz evitar os inúteis ou supérfluos.”.123
Todavia, o princípio em comento não se resume apenas a economia refe­
rente à prática de atos processuais. Nesse sentido a precisa opinião de Rui Por-
lanova 124 ao afirm ar que a economia processual pode ser analisada sob quatro
aspectos diversos, que não são autônomos, mas imbricados: a) a economia de
custos; b) a economia de tempo; c) a economia de atos; e, d) a eficiência da
administração judiciária.
Sempre que possível e sem ofender aos demais princípios processuais,
em especial os previstos na Constituição da República, devem as partes e o
magistrado velar por um processo com custo mais baixo. Daí, por exemplo,
.t razão pela qual devem as partes preferir os meios de provas mais baratos
aos mais caros, quando isso for possível, deixando de requerer a produção de
uma prova pericial quando pelos demais modos puderem comprovar as suas
alegações. O mesmo se diga quanto ao magistrado, que deve velar para que o
custo final do processo seja mais acessível, indeferindo a produção de provas
aparentemente não necessárias.
Por outro lado, como se verá com maior profundidade quando do estudo
da teoria dos prazos, os atos processuais devem ser praticados o mais breve
possível, desde que o prazo seja suficiente para que se alcancem os resultados
almejados. É a plena aplicação dos principais princípios da teoria dos prazos,
que são os princípios da brevidade e da utilidade: praticar o ato o mais rapi­
damente possível, desde que alcance a sua finalidade. Também se deve velar
para que os atos processuais não sejam repetidos ou praticados de modo des­
necessário, já que tal prática impede o normal andamento do feito, gerando
prejuízo de tempo e de custo.
Por fim, a eficiência do serviço judiciário, seja por parte dos auxiliares do
|uízo, seja por parte do próprio magistrado, complementa a ideia de economia
processual; potencializado os aspectos acima tratados, que restam desperdi­
çados e não atingidos quando o processo fica paralisado em cartório ou no
gabinete do juiz.

" Op. Cit., p. 64.


tll
Op. Cit., p. 25.
g) Princípio da fungibilidade
O princípio da fungibilidade, que não está previsto expressamente no capi
tulo relativo aos princípios informativos, mas que pode ser compreendido
como implícito no sistema processual, normalmente é estudado quando do
estudo da teoria geral dos recursos, sob a óptica da fungibilidade dos meios
recursais. Nada obstante, o princípio da fungibilidade dos recursos é apenas
uma das facetas do princípio da fungibilidade, que se aplica também a outros
institutos; como a fungibilidade dos procedimentos, a fungibilidade dos meios
executivos e a fungibilidade das tutelas antecipadas, da qual tratava de forma
expressa o art. 273, §7°, do CPC de 1973.
Trata-se, como indica a sua própria denominação, já que ser fungível sig
nifica ser substituível, da substituição de uma determinada forma por outra,
sempre que tal manobra não for vetada pelo sistema, adaptando-se à forma
correta aquilo que originalmente tomou uma forma não adequada. F a corre
çáo da forma, permitida e recomendada pelo sistema processual, em prol de
se atingir o objetivo almejado.
Essa substituição, que poderá até mesmo ser determinada de ofício pelo
magistrado, sem requerimento expresso de uma das partes, pode ser operada
em três hipóteses diversas: a) quando houver dúvida objetiva acerca do ins­
trum ento a ser utilizado; b) quando, embora não havendo dúvida, não há erro
grosseiro ou má-fé por parte de quem se utilizou da forma erroneamente; e, c)
quando a volatilidade da situação de fato não confere a segurança necessária
para a utilização de apenas um meio processual.
A ideia de dúvida objetiva surgiu em razão do complicado sistema recur
sal existente no CPC de 1939, quando se entendia que havia certas hipóteses,
controvertidas na doutrina e na jurisprudência, aptas a geral perplexidade no
espírito de quem devia interpor um recurso. Por isso aceitava-se um recurso
pelo outro. Ao tratar do tema alerta Araken de Assis: “Situações desse naipe
geraram dúvidas concretas e reais que logo receberam o epíteto de objetivas. São
hipóteses controversas, na doutrina e na jurisprudência, por força de razões
mais ou menos convincentes, a respeito do recurso próprio contra algum ato
decisório. Só em casos tais se pode cogitar, razoavelmente, do aproveitamento
do recurso impróprio no lugar do próprio.".12*125

125 ASSIS, Araken. M a n u a l ilo s re c u rs o s. 2* e.. São Paulo: RT, 2009. p. 89.
Na segunda hipótese, embora nao exista divergência a respeito do tema,
cm razão das circunstâncias de fato nao se pode considerar que houve erro
grosseiro ou má-fé por parte de quem utilizou o meio processual de modo não
adequado. É o que pode acontece com o recurso inominado previsto na Lei
9.099/95 e a apelação prevista no CPC, sempre examinada a hipótese de fato.
Por fim, a terceira hipótese é justamente a que vem prevista no art. 554, do
<1PC, onde se positiva a fungibilidade das ações possessórias, isso em razão
da volatilidade da situação de fato, que de um momento para o outro pode se
liansmudar de ameaça à posse em turbação ou em esbulho, e vice-versa. Daí a
opção por se permitir a proteção efetiva à posse, qualquer que seja a natureza
do ato praticado.
Presentes quaisquer das três hipóteses narradas e não havendo expressa
vedação legal, torna-se plenamente viável aplicar o princípio da fungibilidade
em prol de se alcançar o escopo inicialmente almejado.

h) Princípio da lealdade processual.


No sentido léxico o termo leal pode ser entendido como “1 Conforme as
leis da probidade e da honra. 2 Digno, honesto. 3 Franco, sincero. 4 Fiel.”'lb ;
enquanto o termo probo pode ser entendido como "De caráter integro; honesto,
insto, reto.”.127 Daí a razão pela qual o escopo do princípio é exigir de todos
que participam do processo transparência e retidão de conduta, penalizando
iqueles que agem de maneira contrária.
Não é qualquer conduta, todavia, que está apta a caracterizar atitude con-
uária ao ideal da lealdade no processo, mas apenas situações consideradas
lora de padrões da normalidade e da urbanidade necessária à convivência no
processo. Assim, como os valores de cada indivíduo e de cada comunidade
variam, é diante do caso concreto que se deve fixar o intérprete para reco­
nhecer se houve ou não ofensa ao princípio, deixando de lado suas convic-
i.òes pessoais e levando em conta os valores da comunidade na qual tramita
ii processo.

AI IC H A E L IS : M o d e r n o d ic io n á r io d a lín g u a p o r tu g u e s a . São Paulo: melhoramentos, 1998. p.


1.236.
Idem. p. 1699.
Deve-se ter em conta, também para a conduta daqueles que de qualquei
modo intervém no processo, a teoria dos papéis sociais, que expressa à situa
ção em que um indivíduo se amolda dentro de seu convívio social. Para Ri/
zato Nunes “O indivíduo é uma soma de papéis e por vezes este indivíduo,
enquanto ser real, confunde-se com os papéis que exerce. O indivíduo é pai,
filho, irmão, estudante, profissional, político, torcedor, etc. num conjunto de
papéis sociais. E nesse ponto podem estar papéis sociais públicos e privados,
nem sempre sendo fácil distinguir quando o comportamento social real é de un i
ou de outro.".118
Nesse passo, em se tratando de causa eminentemente patrimonial que
envolva pessoas físicas maiores e capazes, não vislumbramos conduta
ímproba no ato do advogado que desiste da oitiva das testemunhas que arro
lou, isso após ouvir as testemunhas da parte contrária e perceber que nada
sabem sobre o caso. Trata-se de evitar que a parte contrária produza prova
por meio das testemunhas ainda não ouvidas e de trabalhar as regras do ônus
da prova, situação plenamente aceitável na hipótese. Porém, em se tratando de
causa relativa ao meio ambiente ou a improbidade administrativa, por exenv
pio, onde os valores envolvidos são bastante diferentes e relevantes para toda
a sociedade, tal prática deverá ser coibida pelo magistrado, justamente sob o
argumento de que não condiz com os valores discutidos em juízo, ocasião eni
que deverá o juiz ouvir as testemunhas mesmo contra a vontade daquele que
as arrolou, buscando reconstituir a verdade acerca da situação de fato venti
lada no processo.
Por sua vez, como a aplicação de penalidade depende da existência de pré­
via tipificação de uma conduta, a lei processual regula várias situações em que
a infringência ao princípio poderá gerar algum tipo de pena, como acontece
nas hipóteses de litigância de má-fé (art. 80), dos atos atentatórios à dignidade
da Justiça (art. 774) ou de interposição de embargos de declaração meramente
protelatórios (art. 1.026, §3°), dentre inúmeras outras; mas também apresenta
situações nas quais não há previsão de penalidade para seu descumprimento,
como acontece com aqueles que não colaboram com a rápida solução do lití­
gio, em obediência ao princípio da cooperação.2

I2* RIZZATO NUNES, Luiz Antonio. C o m e n t á r i o s a o C ó d ig o d e d e fe s a d o c o n s u m id o r . São Paulo:


Saraiva, 2000. p. 33.
Nada obstante, o principio é de caráter geral e impessoal, atingindo a todos
os que participam do processo e até mesmo o magistrado, para o qual o atual
código impôs a regra da vedação da decisão surpresa, nos art. 9o e 10, do CPC;
situação que aos olhos do legislador pareceu ferir o dever de lealdade para
com as partes. Com isso não pode o magistrado proferir sentença ou decisão
contra uma parte sem que ela seja previamente ouvida (art. 9o) e não pode
decidir com base em fundamento não alegado, a respeito do qual não tenha
dado as partes a oportunidade de manifestação, mesmo que se trate de maté­
ria da qual tem o dever de decidir de ofício (art. 10).
Essa imposição, em nosso crer, não poderá ser considerada de forma abso­
luta, mesmo porque nem mesmo os princípios de ordem constitucional são
absolutos. Deve-se adotar para a hipótese a solução encontrada pelo Direito
Português, que mesmo consagrando a vedação da decisão surpresa substituiu
o critério da “diligência devida ” pelo critério da “manifesta desnecessidade",129
ao dispor no art. 207, do CPC de Portugal, que “A arguição de qualquer nuli-
dade pode ser indeferida, mas não pode ser deferida sem prévia audiência da
parte contrária, salvo caso de manifesta desnecessidade.”, (grifo nosso)
Destarte, portanto, sendo manifesta a não necessidade da oitiva da parte,
não se justifica a prática de atos processuais desnecessários, em evidente pre­
juízo ao princípio da economia processual e a situação da parte contrária, que
também tem o direito a uma solução rápida do litígio na qual se vê envolvida,
eliminando-se com isso a incerteza inerente ao processo e o dano marginal
dele decorrente.

Verificação de Aprendizagem
01. Há hierarquia entre princípios e regras?
02. Em que consiste o princípio do devido processo legal, no sentido
substancial?
03. Pode o magistrado, mediante liminar, impedir a propositura de demanda
infundada?

'' Decreto-Lei n” 180/96, de 25/9. C ó d ig o d e P ro cesso C iv il ( A c tu a iz a d o ) . Porto: Almeida 8c Leitão,


1997. p. 63. “..., s u b s t i t u i - s e , {...] n o q u e s e re fe r e à p r é v ia a u d iê n c ia d a s p a r te s p a r a a s p r e c a v e r c o n ­
tr a d e c is õ e s - s u r p r e s a , o c r ité r io f u n d a d o n a d ilig ê n c ia d e v i d a ' p e la d a m a n i f e s ta d e s n e c e s s id a d e
d a a u d i ç ã o , ...”
04. O princípio do acesso á Justiça limita se a propositura da ação?
05. Quais os elementos essenciais do contraditório?
06. O que é contraditório ulterior?
07. Ampla defesa significa defesa ilimitada?
08. Em que consiste as isonomias formal e material?
09. Quais são os critérios para aferir a isonomia substancial?
10. Em que consiste o princípio do juiz natural?
11 . O que justifica a fundamentação das decisões judiciais?
12 . É possível sustentar a existência do princípio do duplo grau de jurisdição
13. É possível admitir, em casos especiais, a utilização de prova obtida dr
forma ilícita?
14. Quais os critérios aptos a aferir a razoável duração do processo?
15. Quais são e qual é o conteúdo dos princípios informativos do direito
processual civil?

Planificação para aula


1. Definição de princípios. Hierarquia entre princípios e regras.
2. Princípios processuais inseridos na Constituição da República
3. Devido processo legal - reunião de todos os princípios processuais?
- no sentido substancial o princípio pode ser considerado como a regr.
da razoabilidade.
- no sentido processual pode ser considerado como o conjunto dos
princípios processuais constitucionais, que dão forma ao Modelo
Constitucional do Processo Civil.
4. Princípio da inafastabilidadc do controle jurisdicional - Tambéme
conhecido como princípio do direito de ação, define que o amplo
exercício do direito de ação, mesmo por parte daquele que sabe não ter o
direito que alega e que, por isso, litiga de má-fé, não pode ser previamente
impedido por qualquer tipo de norma ou vedado em hipótese concreta
por decisão judicial, seja ela provisória ou definitiva.
v Princípio do acesso â justiça Sua concepção desbordou os limites da
possibilidade de propor uma ação, como antigamente se pensava, para
alcançar também a plena atuação das faculdades oriundas do processo
e a obtenção de uma decisão aderente ao direito material, desde que
utilizada a forma adequada para obtê-la.
ft. Princípio do Contraditório
- Trinômio informação-reação-participação.
- Contraditório posterior, ulterior ou diferido.
Princípio da ampla defesa - Reação da parte, seja ela autor, réu ou terceiro
interveniente, poderá ser efetivada mediante todos os meios legais e
disponíveis colocados à sua disposição, bem como pelos meios não
previstos, mas condizentes com o sistema processual.
K. Princípio da isonomia.
- Isonomia formal x isonomia substancial.
- Critérios para obter a isonomia substancial
a) razoabilidade do discrimen em face da situação concreta.
b) pertinência (justa medida) entre o discrimen e o fator de desigualdade.
c) respeito aos valores impostos pela ordem jurídica.
9. Princípio do juiz natural - órgão judicante deve ser previsto prévia,
abstrata e de forma geral.
a) a legitimidade - o juiz investido na função jurisdicional;
- Elementos b) a autonomia - autonomia do magistrado;
c) a imparcialidade
d) paridade de tratamento - isonomia entre os litigantes.
10. Princípio da publicidade - Necessidade e limitações.
11 . Princípio da fundamentação das decisões judiciais - A importância da
fundamentação das decisões judiciais reside:
a) na necessidade do preenchimento de conceitos não determinados com
os valores sociais dominantes;
b) na justificação do decidido perante a sociedade na qual o magistrado
Bibliografia
encontra-se inserido;
c) na possibilidade de fiscalização da atividade desenvolvida pelo AI EXY, Robert. Teoria de los derechosfundamentales. 2a e.. Trad. Carlos Bernal
magistrado; Pulido. Madrid: Centro de Estúdios Políticos y Constitucionales, 2008.
d) na legitimação da atuação do magistrado, como agente de Poder, num AIMEIDA, Joaquim Canuto Mendes de. Princípios fundamentais do processo
Estado democrático de direito. penal. São Paulo: RT, 1973.

12. Princípio do duplo grau de jurisdição - Previsto implicitamente no Modelo ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JUNIOR, Vidal Serrano. Curso de
Constitucional de Processo Civil, consiste na possibilidade de reexamc direito constitucional. 7a ed.. São Paulo: Saraiva, 2003.
da decisão judicial por dois órgãos jurisdicionais sucessivos, de igual ASSIS, Araken. Manual dos recursos. 2a ed. São Paulo: RT, 2009.
ou superior instância, com a concessão ao legitimado de meios aptos a
HANDF.IRA DF. MELLO, Celso Antonio. Conteúdo jurídico do princípio da
provocar tal revisão.
igualdade. 3a ed.. São Paulo: Malheiros, 2001.
13. Princípio da proibição da prova ilícita - Ponderação de princípios c
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Notas sobre o problema da efetividade do
admissibilidade da prova ilícita.
processo. In Temas de direito processual civil. Terceira Série. São Paulo:
14. Princípio da celeridade processual. Saraiva, 1984.
- Critérios da Corte Européia. BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e processo. 2a ed., São Paulo:
- Complexidade do feito Malheiros, 1995.

- Critérios - Atuação das partes BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 14“ ed.. São Paulo:
Malheiros, 2004.
- atuação do magistrado e dos seus auxiliares.
CÁxMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. 9a ed.. Rio de
15. Princípios informativos do processo civil.
Janeiro: Lumen Iuris, 2003. v.I.
a) Princípio dispositivo.
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7a
b) Princípio do impulso oficial. ed.. Coimbra: Almedina, 2006.
c) Princípio da cooperação. CAPPELLETTI, Mauro. Juizes legisladores. Porto Alegre: SAFE, 1999.
d) Princípio da paridade de tratamento. _______ . Juizes irresponsáveis? Porto Alegre: SAFE, 1989.
e) Princípio da oralidade. CHIOVENDA, Giuseppe. Saggi di diritto processuale civile. Volume primo.
f) Princípio da economia processual. Milano:Giufrè, 1993.
g) Princípio da fungibilidade _______ . Instituições de direito processual civil. Campinas: Bookseller, 1998.
h) Princípio da lealdade processual. Código de Processo Civil (Actualizado). Porto: Almeida & Leitão, 1997.
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WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do processo e da sentença. São
Paulo: RT, 1998.
4. MECANISMOS COGNITIVOS
DO PROCESSO CIVIL

4.1. Teoria da cognição. 4.2. Relação de prejudicialidade. 4.2.1. Breve apresentação do


instituto. 4.2.2. Evolução do conceito de relação de prejudicialidade. a) Escorço histó
rico. b) Concepção hodierna. c) Classificação proposta por Barbosa Moreira. 4.3. Jtdzo
de admissibilidade e juízo de mérito no direito processual civil.

Muito se fala, nos compêndios de direito processual, acerca do perf il c tia


aplicação dos institutos, mas não se apresenta como preocupação corriqueira
analisar a maneira pela qual se conhece o conteúdo de um determinado meio
processual ou a maneira pela qual interagem as questões suscitadas ou os lei­
tos pendentes.
Embora tais problemas, em nosso entender, apresentem um grau de difi­
culdade bastante profundo, cremos que não é mais possível estudar e aplicar
o processo, ao menos no aspecto pragmático, sem analisar tais tipos de inte
ração. Por isso a elaboração do presente capítulo, que tem por finalidade a
apresentação inicial da problemática.
Em linguagem coloquial, pretende-se introduzir o questionamento sobre
três aspectos: a) como se conhece a matéria objeto de um determinado meio
processual (processo, incidente, fase processual, recurso)?; b) como uma deter­
minada questão influencia no conhecimento e apreciação de outra?; e, c) qual
o percurso a ser seguido pelo magistrado até a decisão da questão de mérito?
A resposta a estas três indagações, em nosso entender, tornará bem mais
fácil a resolução de outros problemas bastante intrincados, que serão analisa­
dos no decorrer deste curso, como reunião de feitos conexos, a limitação de
cognição de certos meios processuais (incidente de pré-executividade) ou a
concomitância de recursos e ações autônomas (agravo e embargos de tercei­
ros), dentre outros inúmeros problemas com os quais nos deparamos no dia
a dia forense.
4.1. Teoria da cognição.
Costuma-se tom ar o termo cognição como sinônimo de conhecimento,
o que leva a ideia de que o processo de cognição é idêntico ao processo dt
conhecimento. Ocorre, porém, que conhecimento e cognição, em termos té*,
nico-jurídicos, são realidades diversas.
O termo conhecimento é utilizado, efetivamente, para designar uma das
espécies de processo, ao lado do processo de execução e do processo caute
lar. Aquele tipo de processo, conhecido na doutrina italiana como processo
de acertamento, onde a atividade do juiz é voltada, preponderantemente, á
finalidade de solucionar a controvérsia que é levada ao seu conhecimento, poi
meio do processo.
Cognição, por sua vez, diz respeito à relação que se estabelece entre uma
pessoa e a coisa que será objeto do seu conhecimento. É o exame apurado que
fazemos no automóvel que pretendemos adquirir, a verificação do prazo de
validade do produto que compramos ou a simples constatação do preço de
uma revista que está sendo vendida. Tal relação acontece em todos os momen
tos do nosso dia a dia e ocorre, também, no bojo de cada processo que o juiz
analisa. O exame dos autos e as operações mentais levadas a termo para pro
ferir uma decisão nada mais são, nesse passo, do que a materialização deste
relacionamento conhecido por cognição.
Se essa atividade é mais nítida no processo de conhecimento, e talvez daí
venha a gênese da confusão, ela ocorre em todo e qualquer tipo de processo,
como bem afirma Kazuo Watanabe ao ensinar que “Inexiste ação em que o
juiz não exerça qualquer espécie de cognição: até mesmo na ação de execução
por título judicial, o juiz ‘é seguidamente chamado a proferir juízos de valor’,
como anota Cândido Dinamarco.” 130 Não é possível, pois, a existência de pro­
cesso sem atividade de cognição.
Ocorre, porém, que nem sempre é permitido ao juiz analisar todo o con­
teúdo da relação jurídica de direito material controvertida, uma vez que esta
pode sofrer limitações em inúmeros aspectos. Trata-se, pois, dos limites150

150 WATANABE. Kazuo. D a c o g n iç ã o n o p r o c e s s o c iv il. 2 “ ed. atualizada. São Paulo: CEBEPEJ, 1999.
. p. 37.
da cognição impostos ao órgão jurisdicional, conforme o processo que é
analisado.
Essa realidade, diga-se de passagem, já era percebida por processualis-
las antigos, como Carnelutti, que efetuou sua classificação de lide, quanto à
extensão, em lide total e lide parcial. Dizia o mestre que “Unas veces el pro-
ceso se utiliza para componer enteramente la litis, resolviendo todas sus cues-
tones; otras veces se pide al juez que resuelva sólo algunas de ellas. Prescindo
de ejemplos, ya que los he aducido abundantemente en mis Lezioni; agrego,
en cambio, aun a peligro de abusar, que también el médico más de una vez
combate separadamente las causas dei mal. Comprobado este simples fenô­
meno, he creído oportuno distinguir com los nombres diferentes los dos tipos
de proceso que corresponden a esas dos hipótesis, y he hablado de proceso
integral y de proceso parcial .”. 131 A teoria da lide parcial, desenvolvida por
Carnelutti, nada mais é do que um antecedente, destarte, da ideia atual que se
deve ter de cognição no plano horizontal, abaixo analisada, como bem assi­
nala Luiz Guilherme M arinoni .132
Chiovenda, por sua vez, explicou a cognição, já no tocante a sua profun­
didade, classificando-a em duas espécies: a cognição ordinária e a cognição
sumária. Ensinou que “ Diz-se ordinária, ou seja, plena e completa, a cognição
do juiz, quando tem por objeto o exame a fundo de todas as razões das partes,
quer dizer, de todas as condições para a existência do direito e da ação e de
Iodas as exceções do réu. Qualifica-se de sumária ou incompleta a cognição
do juiz quando o exame das razões das partes ou não é exaustiva ou é parcial.”.
IJ3

Nada obstante, mais recentemente, Victor Fairén Guillen 134 propôs uma
nova classificação para a cognição, identificando a maneira pela qual ela é
exercida em quatro tipos de processos, que deram nome a sua obra: “Juicio
ordinário, plenários rápidos, sumário e suinaríssim o”. A cognição ordinária *1

CARNELUTTI, Francesco. E s tú d io s d e D e r e c h o P r o e e s a l. Buenos Aires: EJEA, 1952. v. II, p. 27.


MARINONI, Luiz Guilherme. T u te la c a u t e l a r e t u t e l a a n te c ip a tô r ia . São Paulo: RT, 1992. p.
21. “N o p l a n o h o r i z o n t a l , p o r t a n t o , a c o g n iç ã o v i n c u l a - s e à lid e C a r n e l u t t i a n a , o u a o c o n f l i t o d e
in te r e s s e s

111 CHIOVENDA. Giuseppe. I n s t i t u i ç õ e s d e d ir e ito p r o c e s s u a l c iv il. Campinas: Bookseller, 1998. v. 1.


p. 218.
,M GUILLÉN, Victor Faircn. “J u ic io o r d in á r io , p l e n á r io s r á p id o s , s u m a r i o , s u m a r i s s i m o ." In Tem as
d e i o r d e n a m i e n t o p r o e e s a l. Madri: Tecnos, 1969. v. 2, p. 825.
c a exercida nos plenários rápidos é idêntica, correspondendo á cogniçâo ordi­
nária de Chiovenda. O juiz conhece de maneira profunda todas as questões
constantes do processo, proferindo sobre elas um juízo de valor. O que dife­
rencia ambas as espécies é a sumarização do procedimento. Enquanto a pri­
meira se presta, especialmente, ao procedimento que aqui denominávamos
de ordinário, a segunda diz respeito a um procedimento sumarizado, onde o
rito do processo é mais condensado. É o caso do nosso antigo procedimento
sumário, dentre outros.
Já nos juízos sumário e sumaríssimo, que não devem ser confundidos com
procedimentos que já foram previstos em nosso ordenamento e tomaram a
mesma denominação, o conhecimento que o juiz faz do objeto do feito é limi­
tado. Ele não analisa a fundo as questões propostas, mas apenas faz um juízo
hipotético de sua probabilidade.
Parece-nos, todavia, que quem melhor tratou do tema, em monografia de
leitura obrigatória, foi Kazuo Watanabe .135 Para ele a cogniçâo se subdivide
em dois planos: o horizontal, ou quanto à amplitude, e o vertical, ou quanto a
sua intensidade. Quanto a sua amplitude a cogniçâo pode ser plena ou parcial.
Aqui se trata do segmento do conflito de interesses que pode ser conhecido
pelo juiz. Se ele pode conhecer totalmente o conflito, então a cogniçâo é plena.
Mas, ao contrário, se pode conhecer apenas parte do conflito, então a cogni-
ção é parcial.
Essa limitação no tocante à extensão do conflito de interesses pode ocorre
de duas maneiras. Na primeira é a lei que limita o objeto de conhecimento
do juiz, como ocorre na proibição imposta no juízo possessório de se discutir
matéria atinente ao juízo petitório. Na segunda é o próprio autor que, ao pro­
por a demanda, limita o segmento da relação jurídica de direito material que
o juiz deve conhecer. Nesse caso, diante do princípio da congruência (limita­
ção) da sentença ao pedido, não pode o juiz julgar além, aquém ou fora do que
consta no pedido. Tal situação, aliás, pode implicar a necessidade de reunião
de processos conexos quando duas causas veiculam segmentos diversos de
uma mesma relação jurídica de direito material, como já tivemos oportuni­
dade de afirm ar .136134

115 WATANABE. Op. cit..


134 OLIVEIRA NETO, Olavo de. C o n e x ã o p o r p r e ju d ic ia lid a d e . São Paulo: RT. 1994.
lá no plano vertical, ou quanto â intensidade, o juiz pode conhecer de três
modos diversos o conteúdo do feito. Pode exercer cogniçâo exauriente, cogni-
>,.tn sumária ou cogniçâo superficial.
Ora, a intensidade (profundidade) da maneira pela qual se conhece um
objeto pode variar. Podemos afirmar, tomando como exemplo o Código de
Processo Civil, que o Professor Moacyr Amaral Santos conhecia, pratica-
mente, todos os seus artigos. Conhecia, pois, profundamente o diploma legal.
11 um estudante de direito, embora conheça a estrutura do código, conhece
ns artigos de lei apenas de modo limitado. Por sua vez, o vendedor de livros
|á leve contato com o Código, mas pouco sabe do seu conteúdo. O conhece de
modo superficial.
Assim também acontece no que diz respeito ao processo. Por vezes, na
i ognição exauriente, o juiz deve conhecer a fundo e de forma completa todo
0 conteúdo da relação jurídica de direito material que irá acertar. Decide
baseado em juízo de convicção, que faz em função de atividade investigató-
lia plena, respeitado o princípio da iniciativa das partes. Aqui o juiz decide
usando o tempo verbal “é”, ou seja, decide com a convicção de que a afirma-
.,.io de direito constante da inicial é verdadeira. É o caso das operações lógicas
utilizadas, dentre outros, em processos de conhecimento de rito comum, na
maioria dos procedimentos especiais e no rito sumaríssimo empregado nos
juizados especiais.
lá no outro extremo, caracterizado pela cogniçâo superficial, o juiz faz um
juízo baseado apenas na hipótese de que os fatos articulados na inicial podem
ser verdadeiros. Em outros termos, seu pensamento pode ser resumido na
possibilidade de que, se verdadeiros os fatos afirmados, então o pedido formu­
lado deve ser atendido. Decide com base no “pode ser”. É o caso da concessão
de liminares nas tutelas de urgência não satisfativas.
Por fim, a cogniçâo sumária é o meio termo entre a exauriente e a superfi-
1ial. Nela o juiz faz um juízo fundado no “deve ser”, que à evidência não chega
ao “é”, mas também está acima do “pode ser”. Já existem elementos suficientes
para que se possa ter um grau maior de probabilidade e, salvo prova em con­
trário, produzida em processo de cogniçâo exauriente, os fatos articulados na
inicial devem ser verdadeiros, merecendo amparo o direito. Estamos em sede,
dentre outras, das liminares concedidas nas ações possessórias, nas tutelas de
urgência satisfativas ou em mandado de segurança.
Em resumo, pois, a cogniçáo deve ser observada quanto a sua extensão ou
amplitude (aspecto horizontal) ou quanto a sua intensidade ou profundidade
(aspecto vertical). Quanto à extensào, pode ser plena (total) ou parcial (seg
mentada), sendo a parcial limitada pela lei ou pela atuação da parte. Quanto
a sua intensidade, possui três graduações: é exauriente quando o juiz conhece
profundamente as questões da relação jurídica de direito material (“é”); é
sumária quando conhece tais questões de modo intermediário (“deve ser”);
e, é superficial quando as conhece com base num juízo de mera aparência
(“pode ser”).

4.2. Relação de prejudicial idade.

4.2.1. Breve apresentação do instituto.


Encerradas as observações acerca da maneira pela qual se dá a cognição no
processo, ou seja, o modo pela qual se conhece a matéria objeto de um deter
minado meio processual (processo, incidente, fase processual, recurso); cabe
agora analisar a maneira pela qual uma determinada questão influencia no
conhecimento e apreciação de outra, o que se fará mediante a análise da teoria
da relação de prejudicialidade.
Nesse passo, devemos observar que entre a propositura da ação e a sua
decisão existe um caminho lógico que deve ser percorrido, formado por uma
sequência coordenada de atos processuais, que têm formas e prazos diversos.
Trata-se do procedimento ditado por lei para cada espécie de processo.
Todavia, embora exista um procedimento estabelecido pelo legislador para
ser seguido, pode surgir, durante seu desenrolar, um incidente que exija deci­
são por parte do juiz. Tomando um exemplo do cotidiano, é o caso do indiví­
duo que todos os dias percorre o mesmo caminho para chegar ao seu emprego.
Ele sai de casa com o mesmo veículo, atravessa os mesmos cruzamentos e obe­
dece aos mesmos faróis até chegar ao seu destino. Adota uma conduta e um
comportamento costumeiros, que se transformam num procedimento usual.
Certo dia, porém, depara com uma das ruas interrompida para recapeamento,
tendo de se desviar de seu caminho para, superado o trecho pelo qual não
pôde trafegar, voltar a retomá-lo até chegar ao emprego.

I
-Ti r m v . 1 V W g i l l l l f V J l/W r n w i J J \ f V l f l l 11/

I )a mesma forma procede o juiz ao se deparar com um incidente no decor-


in de qualquer tipo de procedimento descrito pela lei. Ele o isola e o decide,
para depois retomar o caminho normal do feito até final decisão; se a decisão
«Ir tal incidente de percurso não lhe impedir de conhecer os demais aspectos
vdeulados pela ação.
Esses incidentes que surgem no decorrer do procedimento recebem o nome,
por parte de alguns autores ,137138de questões prejudiciais (do que discordamos,
«orno se verá adiante), porque devem ser decididos necessariamente antes da
«ler isão final. São considerados antecedentes lógicos dela.
Embora conhecidas desde o Direito romano, como se verá, as questões
prejudiciais não receberam, até recentemente ,139 a devida atenção, surgindo
«livcrsas concepções equivocadas do instituto. Nesse sentido, a colocação de
11). Moniz de Aragão 140 que diz: “Na observação de Hélio Tornaghi, o assunto
das questões prejudiciais ou não fo i tratado ou fo i cuidado por madrastas, no
Urusil. Em parte, esse descuido se explica pela pouca necessidade que os brasi­
leiros têm de enfrentar o problema, pois, afora a prejudicialidade entre o civil
i o penal, poucos são os demais casos, ao contrário do que sucede nos países
• uropeus, nos quais a multiplicidade de jurisdições e competências provoca inú­
meras dificuldades, que exigem a atenção constante dos teóricos e práticos”.
Vejamos, pois, como se desenvolveu o conceito de prejudicialidade, que foi
i st udado, na maior parte dos casos, diante da relevância que tem para a ação
«Irdaratória incidental.

ÍIUZAID, Alfredo. A ç ã o D e d a r a t ó r i a n o D ir e ito B r a s ile ir o . São Paulo: Saraiva, 1943. p. 187-189.


Veja-se essa conclusão: “E m to d a s a s h ip ó te s e s , o j u i z te r á d e a p r e c ia r , j u n t a m e n t e c o m a q u e s tã o
ú ltim a e p r i n c ip a l d a d e m a n d a , a q u e la q u e lh e é a n t e c e d e n t e ló g ic o e q u e r e c e b e t e c n i c a m e n t e a
d e n o m i n a ç ã o d e q u e s t ã o p r e ju d ic ia l" .

" GRINOVER, Ada Pellegrini. A ç ã o D e c la r a tó r ia I n c id e n ta l. São Paulo: RT, 1972. p. 9-11. São essas
as palavras da autora: “O j u l g a m e n t o d a q u e s tã o f i n a l s ó p o d e s e r f e ito a p ó s a e l i m i n a ç ã o g r a d a t i v a
d e to d a s a s q u e s tõ e s p r e ju d ic ia is , a s s im c h a m a d a s p o r c o n s t it u í r e m o a n t e c e d e n t e ló g ic o d a d e c is ã o
fin a l, e p o r s e r e m j u l g a d a s a n t e s q u e se p o s s a d e c i d i r s o b r e a q u e s tã o p r i n c i p a l ”.

MENESTR1NA, Prancesco. L a P r e g iu d ic ia le n e l P r o c e s s o C iv ile . Milão: Giuffrè, 1963; BARBOSA


MOREIRA, José Carlos. Q u e s tõ e s P r e ju d ic ia is e C o is a J u lg a d a . Rio de janeiro: [s.n.], 1967; e,
ARRUDA ALVIM, Thereza Celina Diniz de. Q u e s tõ e s P r é v ia s e L im ite s O b je tiv o s d a C o is a J u l­
g a d a . São Paulo: RT, 1977.

" MONIZ DE ARAGÀO. Egas Dirceu. C o m e n tá r io s a o C ó d ig o d e P ro c e s so C iv il. Rio de Janeiro:


Porense, 1989. p. 509.
4.2.2. Evolução do conceito de relação de prejudicial Idade.

a) Escorço histórico.
O fenômeno da prejudicialidade era conhecido em Roma, onde existiam as
praeiudicialis. Tratava-se de fórmulas destituídas de carga condenatória, onde
se objetivava apenas a certeza acerca de determinada intenção. Em outras
palavras, segundo a lição de José Carlos Barbosa Moreira: “Acerca dos pra
eiudicia romanos, a despeito de obscuridades e contradições que se apontam
nas fontes, algumas noções precisas podem ter-se por assentes, à vista das con
clusões a que chegaram os mais autorizados estudiosos do assunto. Na sua fei
ção mais característica, o instituto visava precipuamente à fixação judicial da
certeza jurídica em torno de certa relação ou estado. A fórmula praeiudicialis,
desprovida de condemnatio, reduzia-se à intentio ”.141
Vê-se, pois, que a prejudicialidade estava jungida à gênese da nossa ação
declaratória ,142 pois a fórmula romana não continha carga de condenação,
limitando-se a tornar certa a interpretação acerca de determinada relação
jurídica .143 Não havia uma definição própria do fenômeno prejudicialidade,
embora fosse conhecido e identificado para efeito da declaração.
Como essas actiones praeiudicialis (denominação do período Justiniano)
diziam respeito, quase sempre, ao estado das pessoas, o direito pátrio mais
remoto entendia que existia uma espécie de ação denominada prejudicial, que
tratava apenas desse tipo de matéria. Em outras palavras, entendia-se que as
ações prejudiciais eram aquelas que tratavam do estado de pessoas.
João Mendes Junior, com a clareza que lhe é peculiar, ensinava: A s acções
prejudiciaes são aquelas em que se trata de acautelar ou firm ar o estado da
pessoa. Hoje, o estado de liberdade é garantido por actos administrativos r
pelo habeas corpus; o estado de cidade é garantido pelos actos administrativos

1,1 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Q u e s tõ e s P r e ju d ic ia is e C o is a j u l g a d a . Riu de janeiro: [s.n.J,


1967. p. 15.
14! BUZAID, p. 6-7. Essa é a observação do autor: “A s a ç õ e s p r e ju d ic ia is , n o d ir e ito r o m a n o , s ã o a p e
n a s o p o n t o d e p a r t i d a d o d e s e n v o l v i m e n t o d a a ç ã o d e c la r a tó r ia ”.

143 CHIOVENDA, Giuseppe. P r in c ip ii d i d i r i t t o p r o c e s s u a le c iv ile . Napoli: Dott Eugênio Jovenc.


1965. p. 167. São essas as palavras do autor, após tratar da função declaratória ganhando auto
nomia: “R o m a c i p r e s e n ta v a r ie fig u r e p r o c e s s u a li d i q u e s ta c a te g o r ia : p r i n c i p a l m e n t e le formul.tr
praeiudicialis o praeiudicia, f o r m o l c m c u i m a n c a v a Ia condemnatio, e n o n s i a v e v a c h e /'intentio
[ ...] ; n e l d i r i t t i g i u s t i n i a n e o s i p a r la a n c o r a d i a c tio n e s p r a e i u d ic ia l e s .”
t pelos recursos judiciaes, nos casos em que dos actos administrativos consta
i/' c.v.: nos alistamentos eleitoraes) o desconhecimento das prerrogativas deste
tttado; de sorte que, propriamente, a ação judiciária prejudicial, só pode ser
invocada para o estado de fam ília”." 4
Não obstante a adoção da concepção romana houve avanço no tocante à
pnjudicialidade, uma vez que os autores lograram identificar e definir ques-
lõfs prejudiciais, que deveríam ser solucionadas antes de se dar uma decisão à
ttt,ão chamada por eles de principal. Nesse sentido, a colocação de Affonso D.
i ituna, que oferecia a seguinte definição: “Questões ou excepçôes prejudiciaes
itJo aquellas de cuja solução depende a vitalidade de uma acção principal, ou,
segundo a definição de Le Graverend, são aquellas, cuja prévia decisão é neces-
uiria para que possa haver julgamento sobre outras questões, que se lhes pren-
ilem, e que pódem ficar sem objecto, conforme as prejudiciaes forem decididas
itesta ou d aquella maneira.”."*
Kmbora insatisfatória a definição formulada, percebe-se que nela se encon-
li .t o embrião do moderno conceito de prejudicialidade, que está relacionado
. om as consequências que uma questão exerce sobre outra. Esse conceito flo­
resceu sob a égide do estatuto de 1939, em que pese à existência de grande
dificuldade na sistematização da matéria.
Jorge Americano ,146 por exemplo, afastando-se da evolução natural do ins-
llluto, o que lhe outorgou fundadas críticas ,147 lecionava que as questões pre-
imliciais eram aquelas relacionadas com o “próprio juízo, em sua composição”.
Identificava a existência de três espécies, quais sejam: 1) a que diz respeito à
tispeição do juiz; 2) a que diz respeito à competência do juízo; e, 3) a que diz
respeito à legitimidade das partes. Em seguida, aventava a existência de outro
iipo de questões, chamadas preliminares, que diziam respeito ao processo
(nulidades processuais) ou ao mérito (litispendência, coisa julgada e exceções
dc direito substantivo, como a novação, compensação, prescrição, etc.).

ALMEIDA JUNIOR, João Mendes de. D ir e ito J u d ic iá r io B r a z ite ir o . 2. cd.. Rio de Janeiro, Typo-
grafiha Baptista de Souza, 1918. p. 110.
GAMA, Affonso Dionysio Gama. D a s A c ç õ e s P r e ju d ic ia e s . São Paulo: Saraiva, 1928. p. 17.
" AMERICANO, Jorge. C o m e n t á r i o s a o C ó d ig o d e P r o c e s s o C iv il d o B r a s il. São Paulo: Saraiva, 1940.
v. l.°, p 601-.
' BA RBOSA MOREIRA, p. 28-29.
Pontes de M iranda, por seu turno, embora nào tenha chegado a essência d.i
relação de prejudicialidade, percebeu que ela estava relacionada com a relação
existente entre questões. Por isso definiu: “Compreende-se que o princípio de
serem julgadas antes da questão principal as questões prejudiciais seja dedu
zido da própria definição de prejudicialidade e até do étimo (praejudicialis).
dá-se prejudicialidade quando alguma questão se interpõe que pode excluir a
obrigação de sentenciar sobre a questão principal.”}**
Desenvolvendo com correção a matéria, embora de forma um pouco con
fusa, o operoso autor distinguiu a existência do ponto, da questão e da causa
prejudicial, dando-lhes definições distintas,14'' e apurando que se tratava de
realidades diversas. Também procurou afastar a confusão terminológica que
reinava, propondo que “Melhor é que se use o termo questões prévias para
abranger as preliminares e as prejudiciais.”.
Com esses ensinamentos já se percebe uma aproximação dos conceitos
modernos, pois existe uma classificação das questões prévias (questões prc
liminares e questões prejudiciais) e a distinção entre elas, o ponto e a causa
prejudicial.
Diante dessa evolução e observando as lições até agora expostas, Ada Pel-
legrini Grinover elaborou uma classificação das questões dizendo que aquelas
que surgem durante o processo são prejudiciais em sentido lato. Reservou a
denominação de prejudiciais em sentido estrito “para as questões relativas a
outros estados ou relações jurídicas, que não dizem respeito à relação jurídica
controvertida, mas que, podendo embora ser por si só objeto de um processo
independente, apresentam-se naquele determinado processo apenas como
ponto duvidoso na discussão da questão principal. [...] às questões prejudiciais
em sentido lato, dá-se hoje o nome de questões preliminares.”} 50 Ensina, ainda,
que existe diferença entre o significado de questão prejudicial e questão pre
liminar, sendo ela precisamente exposta por Alfredo Buzaid ,*150 151 que asseve­
rou que a preliminar diz respeito aos pressupostos do processo, enquanto as

ua PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcante. C o m e n t á r i o s a o C ó d ig o d e P r o c e s s o C iv il. Rio dc


Janeiro: Forense, 1947. p. 333.
IW Idem. p. 334-.
150 GRINOVER, p. 10-11.
151 BUZAID, P. 195-196.
I'if|tulidais seriam aquelas que constituem objeto próprio da ação declarató-
rls Incidental.
Nada obstante, em que pese à qualidade dos autores mencionados, as lições
il.ulas demonstram que ainda não se havia apurado a verdadeira concepção
•Io instituto. As divergências de entendimento eram gritantes e os conceitos
Ititulados em premissas pouco sólidas, sem base científica. O que ocorria, isto
tlm, era que cada autor adotava uma posição frente o problema, segundo sua
"lua particular e às vezes isolada. Algumas idéias, porém, como já se disse,
lotam aproveitadas e encampadas pela doutrina mais moderna, como vere­
mos a seguir.

b) Concepção hodierna.
A obra de Menestrina 152 abriu caminho para a moderna concepção de
tolução de prejudicialidade, que foi minuciosamente estudada por Barbosa
Moreira,'” Thereza Alvim15'' e Scarance Fernandes,1” autores que em muito
•ontribuíram para a elucidação do fenômeno.
No entender desses autores, todas as questões que surgem no decorrer do
processo, devendo ser conhecidas e decididas antes da decisão de mérito, são
•hamadas de questões prévias. Na linguagem de Thereza Alvim “essas ques­
tões, todas, são logicamente antecedentes de outras, havendo entre elas uma
relação de dependência; são questões prévias
Nota-se, pois, que toda questão que surge no decorrer de um processo e
exige decisão antes do mérito da causa deve ser considerada uma questão pré-
• Ia. Se, em senso contrário, o juiz puder conhecer e julgar a causa sem deci-
•llr a questão, então ela não será uma questão prévia. O que caracteriza uma
questão como sendo prévia é o seu aparecimento na pendência de um deter­
minado processo e a necessidade de sua decisão antes da decisão de mérito.
I xiste uma relação de dependência entre o mérito e a questão previa porque

MENESTRINA, Francesco. L a P r e g iu d ic ia le n e l P r o c e s s o C iv ile . Milão: Giuffrè, 1963.


BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Q u e s tõ e s P r e ju d ic ia is e C o is a J u lg a d a . Rio de janeiro: [s.n.],
1967.
' ARRUDA ALVIM, Thereza Celina Diniz de. Q u e s tõ e s P r é v ia s e L im ite s O b je tiv o s d a C o is a J u l­
g a d a . São Paulo: RT, 1977.

FERNANDES, Antônio Scarance. P r e ju d ic ia lid a d e . São Paulo: RT, 1988.


ARRUDA ALVIM, p. 1112.
esta deve, lógica e necessariamente, ser apreciada e dei Idlda necessariamente
antes daquela.
Em suma, questão prévia como aquela que aparece no decorrer do pro
cesso e deve, lógica e necessariamente, ser decidida antes do julgamento final
da causa.
Sendo correto afirm ar que tais questões influenciam a questão final, poi-.
se assim não fosse não haveria necessidade de decidi-las antes, também é certo
que essa influência não se dá sempre da mesma maneira. Foi, por isso, que
Barbosa Moreira direcionou seus estudos para a relação que se estabelecí
entre as questões e a maneira pela qual uma influencia a outra. Para o autoi
“É sobre a idéia de influência, de condicionamento, que merece aqui ser proje
tado ofoco luminoso. Se a solução de uma questão influi necessariamente na de
outra, e se em razão de tal influência é que se lhe vai atribuir tal ou qual nomen
juris, parece óbvio que a investigação deva concentrar-se no esclarecimento da
relação que liga as duas questões, como dado principal para fundar qualquer
esquema classificatório. A melhor doutrina não escapou essa consideração
Faltou-lhe, porém, de modo geral, aprofundar a pesquisa para diferenciar dois
tipos absolutamente irredutíveis de influência e, portanto, duas espécies per
feitamente distintas de relação. Com efeito, a solução de certa questão pode
influenciar a de outra; a) tornando dispensável ou impossível a solução dessa
outra; ou, b) predeterminando o sentido em que a outra há de ser resolvida".'''
Nesse passo, podemos dizer que as questões prévias são um gênero que
apresenta duas espécies: as questões preliminares e as questões prejudiciais
Se a solução da questão antecedente pode tornar dispensável ou impossível
à solução da outra questão, estaremos diante de uma questão preliminar
Se a sua solução apenas influenciar na solução da subsequente, estaremos
diante de uma questão prejudicial. As questões preliminares são aquelas que
devem, lógica e necessariamente, ser decididas antes da questão subsequente,
pois impedem sua decisão; enquanto as questões prejudiciais são aquelas que
devem, lógica e necessariamente, ser decididas antes da questão subsequente,
porque influenciam na sua solução.

157
BARBOSA MOREIRA, p. 22.
I sscs conceitos, todavia, como adverte Barbosa Moreira,1'" devem sei
observados com certa relatividade. Ocorre que a questão X pode ser preli
minar da questão Y, mas quando relacionada com a questão Z a influência
ausada pode ser diversa, caracterizando uma questão prejudicial. O que
importa observar para definir a espécie da questão é a natureza da influência
i|ii< .1 questão condicionante exerce sobre a condicionada, e não propriamente
■matéria que cada uma veicula. Consequentemente, imperiosa a conclusão
ilr que não sc pode estabelecer previamente quais questões são preliminares e
i|tiuis são prejudiciais como parte da doutrina pretendeu, conforme se viu no
Hem anterior.
Ultrapassada a compreensão da maneira pela qual uma questão influen-
■ui outra, resta saber qual a natureza da relação que se estabelece entre elas.
l ma primeira tentativa de estabelecer qual a natureza e verdadeira essência
il.i relação entre a questão condicionante e a questão condicionada rumou
|Mia a seara do Direito Substantivo. Corrente oriunda da Alemanha, na pri­
meira metade do século XIX, “fo i retomada em época recente na Itália, onde
oleançou interessante desenvolvimento.”.159
Para os substancialistas, as relações jurídicas não existem isoladas. Elas se
i ulrelaçam num amalgamado que ata umas às outras, havendo imbricações
ii i iprocas. Por isso, a essência da prejudicialidade residiría no liame de depen-
.1' ncia entre duas ou mais relações jurídicas, sendo esse liame que determina-
i ui .1 influência que uma exercería na outra. “Nessa perspectiva, pode definir-se
n lação jurídica prejudicial ” como aquela que integra o pressuposto de fato
iIr outra relação jurídica. E distinguiu-se entre a prejudicialidade “em sentido
1'osltivo", que ocorre quando a existência da relação prejudicial é condição de
• \istencia da relação subordinada, e a prejudicialidade “em sentido negativo”,
i/ue se verifica quando a existência da última depende, ao contrário, da inexis­
tência da prim eira”.'60
I sse pensamento, todavia, não pode ser aceito. Embora se trate de teoria
i|iie albergue grande número de casos, não está apta a abarcar a sua totalidade.
Serve para determ inar os casos que dizem respeito a questões substanciais,

• ldem ,p. 32-33.


" lindem, p. 37.
Iludem, p. 38.
mas deixam de lado aquelas que tratam de matéria exclusiva mente p rocei
suai, que não podem ser desconsideradas, pois também nelas está ínsita a rela
ção de prejudicialidade.
Ora, na Comarca de São Paulo a solução de uma preliminar de impugn.i
ção ao valor da causa (art. 338, III, do CPC) pode ser prejudicial em relação
à decisão quanto ao acerto da competência para processar e julgar o feito, iu
medida em que os Foros Regionais detêm competência para causas até 501)
(quinhentos) salários mínimos, sendo as superiores a tal montante de com
petência exclusiva do Fórum Central (Fórum João Mendes Junior). Ambas a
questões são de natureza processual (valor da causa e competência), nelas nàu
se encontrando qualquer relação jurídica material. Por isso, pode-se dizer que
a corrente substancialista é insuficiente para deduzir todos os casos de preju
dicialidade, embora sirva de índice de sua ocorrência.
Fixada a noção de que a prejudicialidade é instituto de direito processual,
devemos ressaltar que, até agora, só a observamos sob o aspecto lógico, ou
seja, para definirmos questões prejudiciais e preliminares levamos em conta
critérios lógicos e não jurídicos. Todavia, esse caminho era necessário, já
que “não há prejudicial jurídica que não seja antes prejudicial lógica.”.'6' No
dizer de Menestrina: “Accanto alia concezione lógica giova dunque porre una
concezione giuridica delia pregiudicialità. La pregiudicialità giuridica nasce
dalVunirsi di un nuovo elemento alia pregiudicialità lógica: e il nuovo elemento
e Veguale natura dei giudizio pregiudiciale e dei finale. Da ciò segue che tutto
quello che é giuridicamente pregiudiciale è tale anche logicamente, ma no
viceversa.”.'61
Nesse passo, definindo prejudicial em sentido jurídico, Barbosa Moreira"’'
ensina que o critério a ser levado em conta diz respeito àquelas matérias que16*3

161 Ibidem, p. 46.


“ MENESTRINA, p. 103.
163 BARBOSA MOREIRA, p. 51. Essa é a lição do autor: “O r a , se a s s im é, p a r a r e v e s tir -s e d e in te re ss e
p r á tic o , o c r ité r io d c d i s t i n ç ã o e n tr e a p r e j u d ic ia l i d a d e m e r a m e n t e ló g ic a e a p r e j u d ic ia l i d a d e j u r í ­
d ic a h á d e a t e n d e r a u m r e q u is ito e s s e n c ia l: s e r b a s t a n t e p a r a i s o l a r a s q u e s tõ e s e m r e la ç ã o a s q u a is
te n h a s e n t id o i n d a g a r s e f a z e m o u n ã o c o is a j u l g a d a o s p r o n u n c i a m e n t o s j u d i c i a i s q u e a s re so lv e m ,
s e m e x c l u i r a p r io r i, p o r o u t r o la d o , n e n h u m a q u e s tã o a p r o p ó s ito d a q u a l s e ja lic ito s u s c ita r o p r o
b l e m a . O r e q u is ito f i c a p r e e n c h i d o c o m a n e g a ç ã o d a q u a l i d a d e d e p r e j u d ic ia l e m s e n t id o j u r í d i c o :
a ) à s q u e s tõ e s r e fe r e n te s à i d e n t i f i c a ç ã o e i n te r p r e ta ç ã o d a n o r m a : b) à s m e r a s q u a e s t io n e s f a c t i . t.
e x a t a m e n t e o r e s u lta d o d a a p lic a ç ã o d o c r ité r io a q u e s e a lu d e : l i m i t a e le o h o r i z o n t e á s q u e s tõ e s
U/i'in coisa julgada, isto é, se a matéria veiculada na prejudicial fizer coisa
lulgiul.i, além de lógica, será também jurídica. Nega, aprioristicamente, a qua-
lidiulc de prejudicial jurídica para as questões que contêm matéria referente
•i Identificação e interpretação da norma, bem como àquelas que veiculam
mu k i s fatos. As demais questões devem ser examinadas casuisticamente. Res-

•ill.i, ainda, que a questão deve ser de conhecimento necessário, tendo o juiz,
mm m u iter lógico, de decidi-la.

A prejudicialidade que se estudou até agora teve em vista, principalmente,


m i|ue ocorre entre as questões. Não se pode, portanto, deixar de observar
|ur o termo “questão” tem sentido específico, significando uma dúvida con-
ild.i numa razão, seja de pretensão, seja de discussão (ver capítulo relativo à
■nncxão de causas). Daí, nada obstante essa maior atenção dada à relação de
Imrjudicialidade entre as questões, ela também se manifesta de outras formas,
ungindo o que chamamos de ponto prejudicial e de causa prejudicial. Aquele
Ilida mais é do que uma questão que foi decidida anteriormente ao processo,
i um força de coisa julgada,1Menquanto esta "resulta de pronunciamento emi­
tido principaliter em processo distinto, mas ao menos em parte contemporâ­
neo..., que pode ter nascido independentemente, mas também pode ter-se origi­
nado do próprio processo em que se discute a questão subordinada...”.'6*
Definida, portanto, a maneira pela qual uma determinada questão influen-
. 1.1 no conhecimento e apreciação de outra, vejamos como se dá a classificação
-l.»s prejudiciais segundo por Barbosa Moreira, já que tais concepções serão
li.istante úteis no decorrer deste curso.

t ) Classificação proposta por Barbosa M oreira.


A classificação proposta pelo autor166 leva em consideração três prismas
distintos: 1) quanto à origem: homogênea ou heterogênea; 2 ) quanto aos efei­
tos: obrigatória ou facultativa; e, 3) quanto à influência exercida sobre a ques-
tâo condicionada: total ou parcial.

iju e i m p l i c a m v a lo r a ç ã o ju r íd ic a d e f a t o s - e s â o e s s a s a s q u e s tõ e s a c u jo r e s p e ito , e m p r in c ip io , v a le
f o r m u l a r a in d a g a ç ã o r e la tiv a à c o is a j u l g a d a . ”.

,M ARRUDA ALVIM.p. 28.


BARBOSA MOREIRA, p. 51.
Idem, p. 55-.
O primeiro critério leva em conta o ramo do direito ao qual pertence cada
uma das questões. Se a questão prejudicial e a prejudicada pertencem ao
mesmo ramo do direito, teremos uma prejudicial homogênea. Se ambas as
questões, todavia, pertencem a ramos de direito diversos, teremos uma preju
dicial heterogênea. Exemplo clássico da segunda espécie é a ação penal conde
natória e a ação civil de indenização sobre os mesmos fatos; enquanto para a
primeira temos a ação de reconhecimento de paternidade com relação à ação
de alimentos.
No que toca ao segundo critério, em certa medida rejeitado sob o argu
mento de que representa confusão doutrinária entre a prejudicialidade e sem
efeitos, quando a solução da questão prejudicial impõe ao juiz a suspensão do
processo temos uma prejudicial obrigatória; mas quando a suspensão é discri
cionária temos uma a prejudicial facultativa.
Finalmente, o terceiro critério adotado diz respeito à influência que uma
questão exerce sobre a outra. Ocorre que o grau de influência que uma ques
tão exerce sobre a outra pode variar de intensidade, existindo questões que
influenciam suas prejudicadas de maneira absoluta no que toca à sua decisão,
que são as prejudiciais totais. Aquelas que influenciam suas prejudicadas ape
nas parcialmente são as prejudiciais parciais.
4.3. Admissibilidade e mérito no processo civil.
Já vimos, mediante estudo da teoria da cognição, como é que se conhece a
matéria objeto de um determinado meio processual (processo, incidente, fase
processual, recurso); e, mediante estudo da relação de prejudicialidade, como
uma determinada questão influencia no conhecimento e apreciação de outra.
Resta, agora, examinar qual é o percurso a ser seguido pelo magistrado ale
a decisão da questão substancial, que está ligado à distinção entre o juízo dc
admissibilidade e o juízo de mérito.
Observa-se, nesse passo, que no processo de conhecimento, em qualquer
das suas modalidades, o juiz deve percorrer um caminho obrigatório antes de
proferir uma sentença que decida o mérito da causa. Deve decidir uma série
de questões que a própria lei considera como questões prévias, isso porque
devem ser decididas antes das questões de fundo. Nesse sentido o art. 338, do
CPC, ao relacionar uma série de matérias às quais a doutrina atribui, impro
priamente, a denominação de preliminares.
I ssas questões, que estüo relacionadas com três diferentes conjuntos, o pri­
meiro atinente a regularidade do exercício do direito de ação, o segundo ati
nente a regularidade do processo, e, o terceiro, atinente ao preenchimento de
'•t tos requisitos específicos para o meio processual de que se utiliza; formam
i »alegoria que se convencionou chamar de juízo de admissibilidade.
Destarte, antes de realizar seu juízo acerca do mérito do feito, deverá o
magistrado examinar, obrigatoriamente, as questões relativas ao exercício do
direito de ação e a regularidade do processo; e, se a lei assim o determinar, afe
ui a existência de alguma questão preparatória, que pode ser definida como
mna conduta que deve ser tomada para viabilizar o exercício de um direito
(ex.: para poder propor ação de busca e apreensão de veículo, a instituição
lliwnceira, antes, deve comprovar a mora).
Em outros termos, a prestação de tutela jurisdicional de conhecimento
.<• compreende dentro de três planos distintos e autônomos, que devem sei
rquencial e obrigatoriamente conhecidos e decididos pelo julgador, a saber;
>0 o das condições da ação; b) o dos pressupostos processuais; e, c) o do méri
Io." Eventual mente, exigindo a lei o cumprimento de questão preparatória,
n que na prática pouco acontece, esta deve ser alocada no âmbito do juízo de
admissibilidade.
Essa sequência, em nosso entender, parece mais lógica e tem se demons­
trado mais correta quando observamos os mecanismos de raciocínio utili­
zados pelo julgador. Antes de examinar os pressupostos processuais, o juiz
deve observar se o direito de ação pode ser exercido, pois, caso não o possa,
a inicial deve ser indeferida, deixando de se desenvolver a própria relação
lurídica de direito processual. Por isso discordamos da posição de Marcelo
Navarro Ribeiro Dantas, no esteio da lição ministrada por Teresa Arruda
\lvim Wambier,168 quando este afirma quanto aos pressupostos processuais
q u sendo eles requisitos do processo, dentro do qual se desenrola a ação,

DINAMARCO, Cândido Rangel. L itis c o n s ó r c io . São Paulo: RT, 1984. p. 187. “S a b e - s e q u e a cog-
n iç ã o d o j u i z , n o p r o c e s s o d e c o n h e c im e n to , te m p o r o b je to u m t r i n ô m i o d e q u e s tõ e s , i n c lu in d o
a q u e la s s o b r e a r e g u la r id a d e d o p r o c e s s o m e s m o (v.g., o s p r e s s u p o s to s p r o c e s s u a is ) , a s q u e v e r s a m
so b r e a s c o n d iç õ e s d a a ç ã o e, f i n a l m e n t e , a s q u e s tõ e s d e m é r ito ." .

' WAMBIER. Teresa Arruda Alvim. N u l i d a d e s d a S e n te n ç a . São Paulo: RT, 1987. p. 16.
sejam analisados antes das condições desta. Ou, em outras palavras, primeiro
o continente, e depois, o conteúdo.".'69
Ademais, além dos argumentos já aduzidos, o direito de ação não está con­
tido na relação jurídica de direito processual. O que ali existe, isto sim, para
usar a linguagem do direito italiano, é a demanda, que é o ato inicial do exer­
cício do direito de ação, onde também são aferíveis às condições existentes no
próprio direito que se exerce.
Ora, o direito de ação, como direito que é, tendo seu exercício vinculado a
uma conduta ativa do autor, acaba por quebrar a inércia inicial do Poder Judi­
ciário através do processo, que tem como ponto de partida a petição inicial
(semelhante à demanda dos Alemães e Italianos). Portanto, parece-nos que
um primeiro passo do juiz ao receber a inicial deve ser observar se ela poderia
ter sido proposta, o que nos leva ao exame das condições necessárias para o
exercício do direito de ação, que nosso direito positivo denominou condições
da ação.
Por sua vez, as condições da ação e os pressupostos processuais, embora
tenham campo de atuação diverso, (e as questões preliminares quando for o
caso) são aglutinados em relação ao mérito, formando um só compartimento.
Em outras palavras, quando o juiz analisa as condições da ação e os pressu­
postos processuais, está fazendo um juízo de admissibilidade quanto à pres­
tação da tutela jurisdicional. Se não preenchidos estes requisitos do direito de
ação e do processo, ficará o juiz impedido de decidir o mérito.
Tudo isso acontece, em verdade, em decorrência da autonomia que tem o
direito de ação em face do direito material, bem como em razão da distinção
existente entre a relação jurídica de direito material e a relação jurídica de
direito processual, que cria compartimentos estanques e independentes para
efeito de apreciação por parte do julgador. São planos distintos e autônomos,
embora guardem entre si uma relação de necessidade e interdependência;
mesmo porque as condições da ação e os pressupostos processuais, como viu,
funcionam como verdadeiras questões prévias em relação ao mérito.
Em resumo, portanto, deve o magistrado analisar o feito em uma sequ­
ência lógica, primeiro resolvendo as questões relativas às condições da ação
e sequencialmente as atinentes aos pressupostos processuais. Superadas tais

m DANTAS, Marcelo Navarro Ribeiro. A d m i s s i b i l i d a d e e m é r ito na E xecu çã o , in KEPRO 47/26.


questões e não havendo questões preparatórias a resolver, então poderá o
magistrado decidir a questão de fundo, julgando o mérito da causa.
Observamos, por fim, que o conceito de mérito de uma causa, que é seu
«onteúdo, será abordado oportunamente, quando da análise do conteúdo da
sentença.

Verificação de Aprendizagem
01. O que é cognição? Trata-se de sinônimo de conhecimento?
02. Como se classifica a cognição quanto à extensão ou amplitude (plano
horizontal)?
03. Como se classifica a cognição quanto a intensidade ou profundidade
(plano vertical)?
04. O que são questões prévias?
05. O que são questões preliminares e questões prejudiciais?
06. Há diferença entre prejudicial lógica e prejudicial jurídica?
07. Como se classificam as questões prejudiciais?
08. Como se subdivide o juízo de admissibilidade no processo de
conhecimento?
09. Qual o percurso lógico que deve ser percorrido pelo magistrado antes de
analisar o mérito de um feito?
Planificarão para aula
01 . Cognição - É a relação que se estabelece entre uma pessoa e a coisa que
será objeto do seu conhecimento.
- Plena (total)
- Qto a extensão - Por força de lei
(horizontal) - Parcial (segmentada)
- Por força da atuação das partes
- Exauriente (é)
- Qto a profundidade - Sumária (deve ser)
(vertical) - Superficial (pode ser)
02. Questões prévias - são aquelas que devem, lógica e necessariamente, ser
decididas antes do mérito.
- questões preliminares
Questões prévias
- questões prejudiciais
- Questões preliminares - São as que devem, lógica e necessariamente, ser
decididas antes do mérito, porque impedem o seu conhecimento.
- Questões prejudiciais - São aquelas que devem, lógica e necessariamente, ser
decididas antes do mérito, porque direcionam a sua solução.
- As questões prejudiciais jurídicas são aquelas que, além de lógicas, ainda
operam a eficácia de coisa julgada.
- Quanto à origem: homogêneas ou heterogêneas
- Questões prévias - Quanto aos efeitos: obrigatória ou facultativa
- Quanto à influência: total ou parcial
03. Juízo de admissibilidade e juízo de mérito.
- condições da ação
- Admissibilidade - pressupostos processuais
- questões preparatórias
Bibliografia
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de Janeiro, Typografiha Baptista de Souza, 1918.
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BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Questões Prejudiciais e Coisa Julgada. Rio
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MENESTRINA, Francesco. La Pregiudiciale nel Processo Civile. Milão: Giuf-
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WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil. 2a ed. atualizada. São
Paulo: CEBEPEJ, 1999.
Li v r o II

IN STITUTO S FUNDAMENTAIS
DO DIREITO PROCESSUALCIVIL
5. TUTELA JURISDICIONAL

5.1. Considerações gerais. 5.2. Poderes inerentes à jurisdição. 5.3. Características. 5.4.
Definição. 5.5. Tutela jurisdicional de direitos. 5.6. Classificação das tutelas jurisdicio-
nais. 5.7. Procedimentos de jurisdição voluntária (não contenciosos).

r>.l. Considerações gerais.


A ordem jurídica internacional reconhece que os Estados são titulares,
ilentro dos seus respectivos territórios, do exercício de um Poder atinente à
gerência de seu próprio destino, que se denomina soberania. Enquanto o exer-
i leio deste Poder não extrapola os limites do próprio Estado, não se justifica
qualquer intervenção de outro Estado ou de organismo internacional, sob
pena do rompimento da ordem jurídica existente entre os povos.
A soberania de cada Estado, também denominada pelo Direito Constitu­
cional de Poder do Estado, caracteriza-se por ser uno, embora possa ser exer-
i ido de forma diferente. Daí a conhecida distinção que se faz na afirmação de
i|ue o Poder é uno, mas que pode ser exercido através de funções diversas, que
são as funções executiva, legislativa e jurisdicional.
Tal distinção, relacionada à natureza dos atos praticados, já era conhecida
na antiguidade, isolando Aristóteles três tipos de atos praticados pelo Estado:
a) as deliberações sobre assuntos de interesse comum; b) a organização de car­
gos; e, c) as magistraturas e atos judiciais. Todavia, a classificação elaborada
pelo filósofo “...não teve grande importância prática, até que fo i desenvolvida
por Montesquieu, nos séculos X V II e XVIII, porque pouco importava distinguir
ii natureza dos atos, se todos eles, em última análise, decorriam da manifesta­
ção de vontade de uma única pessoa: o monarca ou imperador. Com a revolu­
ção francesa e, consequentemente, adoção do Estado de Direito, revelou-se a
grande virtude da teoria desenvolvida por Montesquieu, que afirmava que as
funções do Estado deveríam ser exercidas por órgãos distintos e autônomos".170
São três, portanto, as funções do Estado no exercício de sua soberania: a)
a função executiva, também denominada administrativa, através da qual o

IW OLIVEIRA NETO, Olavo. C o n e x ã o p o r p r e j u d i c i a l i d a d e . São Paulo: RT, 1994. p. 13.


Estado cumpre espontaneamente a lei e executa programas com a finalidade
de implementar o desenvolvimento da sociedade; b) a função legislativa, atra
vés da qual o Estado elabora as normas necessárias à organização e desenvol
vimento do País; e, c) a função jurisdicional, através da qual o Estado resolve
conflitos e efetiva direitos que não foram espontaneamente solucionados.
A função jurisdicional, ou simplesmente a jurisdição, sempre foi reputada
uma das categorias básicas do direito processual civil, juntamente com os ins
titutos da ação e do processo. A ideia corrente para a teoria tradicional é a de
que não é possível conhecer a estrutura e desenvolver o conteúdo de todos os
institutos processuais sem o conhecimento destes três pilares de sustentação
da ciência processual civil. Nesse sentido a clássica lição de Ramiro Podetti ao
ensinar que “Tres son, a mi juicio, las bases principales de la moderna ciência
procesal, que pueden considerarse por ello, como sus piedras angulares. Sobre
ellas, isoladamente o en íntima correlación, han construído los procesalistas las
teorias que la explican como rama autonómica de las ciências jurídicas y sobre
ellas debe asentarse la legislación positiva, con los datos contingentes, valorados
de acuerdo a los princípios procesales. Son ellas los conceptos de jurisdición, de
acción y de proceso.V7' Daí a relevância que tais institutos têm para uma cor­
reta compreensão do direito processual.
Em seu sentido etimológico, jurisdição deriva do latim jurisdictio, que
significa a ação de adm inistrar a Justiça, ou em outros termos, a atividade
desenvolvida pelo magistrado no sentido de dizer qual o direito aplicado ao
caso concreto. Embora tal ideia esteja em maior consonância com a atividade
desenvolvida no processo de conhecimento, tal terminologia é empregada
indistintamente para indicar também as atividades que o juiz exerce na ati­
vidade executiva e pertinente as tutelas de urgência, onde efetiva o direito
ou presta tutela de segurança. Embora já se tenha sugerido utilização mais
precisa do vocábulo, mantendo-o para o processo de conhecimento e atri­
buindo a execução à denominação de atividade juris-satisfativa e, na época,
para a cautela, a denominação de atividade juris-assecuratória, o fato é que
a expressão é utilizada largamente desde a época romana, não sendo conve­
niente reduzir seu alcance, já que tal alteração não tem qualquer relevância
pragmática.17

171 PODETTI. J. Ramiro. T e o r ia y té c n ic a d e i p r o c e s o c iv il. Buenos Aires: EDI AR, 1963. p. 99.
'*.2. Poderes inerentes à jurisdição.
A atividade desenvolvida pelo magistrado quando investido de jurisdição,
n ime um feixe de vários poderes, também conhecidos como elementos da
lurisdição, necessários ao desempenho de seu mister, sem os quais não seria
(*»issível alcançar a real efetividade do processo. São eles a notio, a vocatio, a
mit reio, o judicium, o imperium e a executio.

A notio é o poder de conhecer do pedido formulado e de todos os fatos e


. iicunstâncias a ele relacionados. Encontra limitação nas alegações das partes,
|.i que ao juiz é vedado, em regra, agir de ofício, isso por conta do princípio da
Inércia do Poder Judiciário, que só se manifesta quando provocado. Exemplo
significativo dos limites deste poder está na regra de que o tribunal só pode
i onhecer daquilo que foi objeto específico do recurso de apelação, conhecida
i nino tantum devolutum qucmtum appellatum.
A vocatio é o poder de convocar as partes ou outros sujeitos ligados ao
processo para a prática de um ato processual. Trata-se do poder de citar o réu
para oferecer resposta ou de intim ar as testemunhas para prestar depoimento,
dentre outras inúmeras providências. Embora possa haver confusão entre este
poder e a coercio, ambas representam realidades diversas, na medida em que
i sta pode ser compreendida como o poder de coerção atribuído ao magistrado
para que possa impor a realização de um determinado ato processual.
Em outras palavras, enquanto a vocatio é o poder de convocar a coertio
e o poder de coagir, que nem sempre são atribuídos a um mesmo órgão ou
Indivíduo. É o que acontece, por exemplo, na hipótese prevista no art. 22, §2°,
mfine , da Lei n° 9.307/96, que diz respeito à testemunha faltante em processo
arbitrai. Nesse caso o arbitro, ou o tribunal arbitrai, têm o poder de convocar
a testemunha, mas não têm o poder de fazê-la comparecer mediante condu­
ção coercitiva para prestar depoimento, necessitando “...requerer à autoridade
judiciária que conduza a testemunha renitente, ...”
O judicium, por seu turno, é o poder de implementar a discussão entre
as partes, visando à instrução do feito e o esclarecimento das alegações for­
muladas. Na lição de De Flácido e Silva tal poder “...promove pràticamente o
exercício da jurisdição, ou a atividade do juiz ou da autoridade, mostra-se a
formação da discussão, pela qual se promove o esclarecimento da demanda,
para a elucidação da verdade.".172
Dentre os poderes atribuídos ao magistrado investido na jurisdição, o ju di
cium é o que mais evoluiu com as alterações imprimidas ao nosso sistema
processual após 1994, sendo evidente o aumento e consolidação daquilo que
se convencionou chamar, conforme precisa lição de José Roberto dos Sant<>>.
Bedaque,1” de poderes instrutórios do juiz.
O imperium , por seu turno, diz respeito ao poder de decisão que possui o
magistrado ao prolatar decisões interlocutórias e sentenças. Tais atos processuais,
não fosse o império do Estado, que decorre da sua soberania, não teriam a força
impositiva que possuem, assemelhando-se aos demais atos jurídicos praticados
entre particulares. A partir do momento, porém, que são realizados sob o manto
do comando estatal, ganham status de uma ordem, devendo ser obedecidos pelas
partes e acatados por todos que não participaram do processo.
Por fim, a executio é o poder de invadir a esfera de direitos de outrem, até
mesmo do próprio Estado, com a finalidade de tornar real a ordem emanada
do juízo, visando à efetividade empírica do comando estatal.
Sem tais poderes não seria possível o exercício da atividade jurisdicional
em sua plenitude, o que permitiría ao particular efetivar seu direito pelas pró
prias mãos, em nítida subversão ao Estado Democrático de Direito.

5.3. Características.
Não há uniformidade nas opiniões dos diversos autores no que diz respeito
às características da atividade jurisdicional. Embora algumas características,
como a substitutividade e a coisa julgada apresentem-se de forma mais cons
tante, diverge a doutrina com relação a inúmeras outras.
Para Arruda Alvim,174 que trata do problema com amplitude, a atividade
jurisdicional tem índole eminentemente substitutiva e secundária, já que o
juiz profere uma decisão que substitui a vontade das partes, que não chegam a

DE PLÁCIDO E SILVA, V o c a b u lá r io j u r í d i c o . Rio de Janeiro: Forense, 1963. v. III. p. 897.


173 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. P o d eres in s tr u tó r io s d o ju i z . 2* ed. São Paulo: RT, 1994.
174 ARRUDA ALVIM, José Manoel. T r a ta d o d e d ir e ito p r o c e s s u a l c iv il. 2a ed. São Paulo: RT, 1990. v
I.p. 191-196.
uma composição espontânea. Assevera que esta substituição, porém, tem que
In validade absoluta para as partes, pois em caso contrário o conflito acaba
por perdurar.
Diante disso apresenta como primeira característica da atividade jurisdi-
i lonal o fato de que é exercida por órgão adequado e desinteressado no con-
llilo, sob pena de ser maculada a própria substituição da vontade das partes.
11 .ila-se do fenômeno conhecido por terzietá do juiz.
A segunda característica é o exercício, pelo juiz, de uma atividade supra-
p.u tcs, que faz coisa julgada e imprime eficácia a decisão proferida; enquanto
i terceira característica é a de que se desenvolve mediante contraditório regu-
l,ii, obedecendo a um procedimento pré-estabelecido por lei.
|á Humberto Theodoro lunior assevera que “...a jurisdição se apresenta
i amo atividade estatal secundária, instrumental, declarativa ou executiva,
ihslnteressada e provocada.”;'75 enquanto Alexandre Freitas Câmara aduz que
Verdadeiramente essenciais à jurisdição, pois, apenas as três características
apontadas: inércia, substitutividade e natureza declaratória.V76
Por seu turno, em excelente e didática monografia acerca do tema, Athos
i nisinão Carneiro177considera a jurisdição como atividade provocada, pública,
■ubstitutiva, indeclinável, exercida exclusivamente por juiz natural e que faz
i nisa julgada.
Vè-se, pois, que efetivamente não há uniformidade na opinião da doutrina
no que toca as características da jurisdição, sendo necessário analisar quais
«uacteres seriam essenciais ao exercício da atividade e aptas a identificá-la em
i u c de outras atividades, como aquela exercida pela administração.
Observando o processo como um todo e não apenas tendo em mente a
estrutura do proceso de conhecimento, relegando a um segundo plano a
, sirutura do processo de execução, assim como da tutela coletiva, cremos
que a atividade jurisdicional tem como características: i) ser secundária; ii) a

IHEODORO JUNIOR, Humberto. C u r s o d e d ir e ito p r o c e s s u a l c iv il. 44* ed. Rio de Janeiro:


forense, 2006. v. I. p. 40.
CÂMARA, Alexandre Freitas. L iç õ e s d e d ir e ito p r o c e s s u a l c iv il. 9“ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris,
2003. v.l. p. 70.
( :ARNF.IRO, Athos Gusmão. J u r is d iç ã o e c o m p e tê n c ia . 4“ ed. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 07-17.
substitut ividade; iii) a inércia inicial; iv) a imparcialidade do juiz; e iv) a pos
sibilidade de produção de coisa julgada material.
As obrigações nascem com a finalidade de que a sua extinção se dê natu
ralmente, isto é, mediante o cumprimento espontâneo daquele que deve pres
tar. Por isso é que se diz que o cumprimento espontâneo é a forma primária
e natural para a satisfação da obrigação. Se tal não acontece, todavia, nasce
para aquele que sofreu as consequências do não adimplemento a faculdade
de ir a juízo e pleitear sua satisfação. Como tal conduta só tem razão de sei
na medida em que a forma primária de cumprimento não se realizou, diz-se
que o acesso à atividade jurisdicional é a forma secundária para satisfação das
obrigações.
A substitutividade, por seu turno, que é a característica mais importante da
atividade jurisdicional, diz respeito à substituição da vontade das partes pela
decisão judicial. Ao órgão jurisdicional, em verdade, pouco importa qual é a
vontade das partes com relação à solução de determinada questão ventilada
no processo. Observando as alegações formuladas, as provas produzidas e o
ordenamento jurídico, o magistrado profere decisão desvinculada da vontade
de cada um dos litigantes, por entender que aquela é a solução mais adequada
ao problema apresentado.
Embora tal operação fique inicialmente mais clara com relação ao processo
de conhecimento, ela também acontece no processo de execução e nas tutelas
de urgência, desde que sob a ótica destes respectivos tipos de tutelas. Ora, se
na atividade executiva já há definição do direito, o que permite a prática dos
atos executivos, então a substitutividade não diz respeito à solução de contro
vérsias, como acontece no processo de conhecimento, mas sim a submissão à
atividade executiva. Em outras palavras, nem o exequente pode efetivar seu
direito pelas próprias mãos, nem o executado pode deixar de suportar atos
de constrição que recaem sobre o seu patrimônio ou a pressão de medidas
de apoio. Ambos estão sujeitos e submetidos ao procedimento previsto em
lei para a efetivação do conteúdo do título. O mesmo ocorre nas tutelas de
urgência não satisfativas, já que aqui a jurisdição é uma mescla da atividade
de acertamento e da atividade executiva, como adiante se verá.
A terceira característica da jurisdição é sua inércia inicial. Ao aduzir que o
processo começa por iniciativa da parte, mas se desenvolve por impulso ofi­
cial, o art. 2o, do CPC, trabalha com dois princípios opostos e harmônicos; a)
ii principio dispositivo (ou da iniciativa das partes) e o princípio do impulso
nllk uil. Assim, para que a atividade jurisdicional possa iniciar-se, mister se faz
que a parte venha a juízo e tome a iniciativa, exercendo seu direito de ação e
nlerccendo uma petição demandando o início do feito. Apenas em raríssimas
exceções, como acontecia em nosso sistema processual civil no caso de inven-
l,nio (art. 898, do CPC de 1973), poderá o juiz iniciar de ofício a atividade
judicial.
Entretanto, iniciado o processo é dever do magistrado fazer com que tenha
normal andamento até a prestação da tutela, mediante prolação de uma sen-
irnça. Por isso, quando a parte é inerte, deixando de atender as determinações
indiciais, deve o magistrado determ inar a sua intimação pessoal para que dê
andamento ao feito, no prazo de 05 (cinco) dias, sob pena de extinção sem
i('solução do mérito (art. 485, §1°, do CPC).
A quarta característica da jurisdição é a imparcialidade do juiz; local onde
n side a principal diferença entre a atividade jurisdicional e a atividade adm i­
nistrativa. O magistrado deve ser isento de quaisquer influências que possam
ildar seu modo de decidir, tendo o dever de se declarar impedido (art. 144, do
i IC) ou suspeito (art. 145, do CPC) quando não tiver absoluta isenção para
olucionar a causa. Já na atividade administrativa o órgão julgador pode fazer
|>arte da própria administração, situação que o sujeita a seguir certos parâme-
lros ditados por sua própria empregadora. É o que acontece, por exemplo, com
iis recursos administrativos interpostos no INSS, que são sempre decididos
cgundo uma óptica própria do instituto, gerando milhares de ações perante
u Poder Judiciário.
Por fim, a possibilidade de produção de coisa julgada material, desde que
presentes certos requisitos quando da solução do feito, é a quinta caracterís­
tica da atividade jurisdicional. Daí, por conta de política legislativa que tem
por escopo a segurança jurídica, a decisão de mérito proferida em processo
judicial produz eficácia de coisa julgada material, que torna imutável e indis-
utível o comando (ordem) que emerge da sentença.

5.4. Definição.
Conceito e definição, embora muitas vezes tomados por sinônimos, são
ical idades diversas. Enquanto o conceito é uma ideia que se tem sobre algo,
definição é uma "proposição onde se expõe com clareza c exatidão os caracteres ( jiuseppe Chiovenda: "...a Junção do Estado que tem por escopo a atuação
genéricos e diferenciais de uma coisa”.'78 Quando se fala o termo cadeira, por ,l,i vontade concreta da lei por meio da substituição, pela atividade de órgãos
tanto, o conceito que vem a mente é a figura de uma cadeira qualquer; o que /tublicos, da atividade de particulares ou de outros órgãos públicos, já no afir­
é diverso da sua definição, que pode ser elaborada como o objeto ou móvel, mar a existência da vontade da lei, já no torná-la, praticamente, efetiva.”.'87,
normalmente composto de encosto, assento e quatro pernas, que serve para Não obstante, já tivemos a oportunidade de definir jurisdição como "... a
sentar. lunção do Estado, exercida pelo Poder judiciário e substitutiva da vontade das
Em outros termos, pois, definir algo é reunir, em um mesmo enunciado, /tartes, que tem por finalidade compor os conflitos de interesses que são levados
todas as características daquilo que se define. Daí a diversidade das definições ao seu conhecimento, mediante o exercício do direito de ação e de um processo
de um mesmo instituto, já que cada autor procura dar ênfase àquelas carat tegular.”.'8*
terísticas que entende mais relevantes. Vejam-se, nesse sentido, as seguintes Tal definição, entretanto, foi elaborada antes da entrada em vigor da Lei
definições de jurisdição: n" 4.307/96 (que trata da arbitragem) e em momento em que tínhamos uma
- Emane Fidélis dos Santos: “...o poder-dever do Estado de compor os litl . uncepção de processo mais influenciada pela estrutura e finalidade do pro-
gios, de dar efetivação ao que já se considera direito, devidamente acertado, r ■i st) de conhecimento. Essas duas deficiências, pois, levaram-nos a elaborar
de prestar cautela nos processos em andamento ou a se instaurarem, para que u m a nova definição acerca da jurisdição, que não deixa de lado a particular
não percam sua finalidade prática.”;'79 posição de que a arbitragem tem a natureza de atividade jurisdicional e nem
- Moacyr Amaral Santos: “A jurisdição, portanto, é uma das funções da i Importância da função executiva e da prestação das tutelas não satisfativas.
soberania do Estado. Função de poder, do Poder Judiciário. Consiste no poder Daí, pois, hodiernamente entendemos que jurisdição é a função do Estado,
de atuar o direito objetivo, que o próprio Estado elaborou, compondo os confli normalmente exercida pelo Poder judiciário e substitutiva da vontade das
tos de interesses e dessa form a resguardando a ordem jurídica e a autoridade p.irtes, que tem por finalidade compor as relações jurídicas de direito mate-
da lei.”;'80 ■ioI controvertidas que são levados ao seu conhecimento, efetivar o conteúdo
- Cândido Rangel Dinamarco: “...função do Estado, destinada à solução •Io um título executivo ou de determinação judicial e prestar proteção urgente
imperativa de conflitos e exercida mediante a atuação da vontade do direito em i direito, mediante o exercício do direito de ação e de um processo regular
casos concretos.”;'8' processo.

- Enrico Túlio Liebman: “...é a atividade do órgão do estado, destinada a


form ular e atuar praticamente a regra jurídica concreta que, segundo o direito r>.5. Tutela jurisdicional de direitos.
vigente, disciplina determinada situação jurídica.”;'81e,178
2
*0
O tratamento até aqui dispensado ao tema jurisdição teve em mente a con-
• itpção tradicional de tal instituto, que sempre levou em conta os aspectos
178 MICHAELIS. M o d e r n o d i c i o n á r i o d a l ín g u a p o r t u g u e s a . São Paulo: Melhoramentos, 1998. p. 645
miemos da atividade jurisdicional, relacionados com a sua estrutura enquanto
175 SANTOS, Ernane Fidélis dos. M a n u a l d e d ir e ito p r o c e s s u a l c iv il. 3* ed São Paulo: Saraiva, 1994 lunção do Estado. Com a evolução ideológica do proceso civil, entretanto, esta
v.l. p. 8. visão tradicional da atividade jurisdicional passou a perder espaço para uma
180 SANTOS, Moacyr Amaral. P r i m e i r a s l i n h a s d e d ir e ito p r o c e s s u a l c iv il. 23* ed São Paulo: Saraiva,
2004. Io v.. p. 67.
181 DINAMARCO, Cândido Rangel. I n s titu iç õ e s d e d ir e ito p r o c e s s u a l c iv il. São Paulo: Malheiro», CHIOVENDA, Giuseppe. I n s t i t u i ç õ e s d e d ir e ito p r o c e s s u a l c iv il. São Paulo: Saraiva, 1943. v. II. p.
2001. p. 305. 11.
182 LIF.BMAN, Enrico Túlio. M a n u a l d e d ir e ito p r o c e s s u a l c iv il. São Paulo: Saraiva, 1943. v. I. p. 07. " Ol.lVEIRA NETO, Olavo. Conexão p o r p r e j u d i c i a l i d a d e . São Paulo: RT, 1994. p. 14-15.
nova visão, que ao invés de se preocupar com seus aspectos internos e estrutu
rais passou a dar maior relevância aos seus aspectos externos, analisando tal
atividade sob o prisma do efetivo acesso à atividade jurisdicional.
Nesse sentido a precisa lição de Mauro Cappelletti e Bryant Garth ao alet
tar que “Afastar a 'pobreza tio sentido legal' - a incapacidade que muitaspes
soas têm de utilizar plenamente a justiça e suas instituições - não era preocu
pação do Estado. A justiça, como outros bens, no sistema do laissez-faire, só
podia ser obtida por aqueles que pudessem enfrentar seus custos; aqueles que
não pudessem fazê-lo eram considerados os únicos responsáveis por sua sorte
O acesso formal, mas não efetivo à justiça, correspondia à igualdade, apenas
formal, mas não efetiva. [...] De fato, o direito ao acesso efetivo tem sido progres
sivamente reconhecido como sendo de importância capital entre os novos direi
tos individuais e sociais, uma vez que a titularidade dos direitos é destituída de
sentido, na ausência de mecanismos para sua efetiva reivindicação. O acesso
à justiça pode, portanto, ser encarado como o requisito fundamental - o mais
básico dos direitos humanos - de um sistema jurídico moderno e igualitário que
pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos.".m
Diante dessa nova perspectiva o termo jurisdição passou a ser substitu
ido pela expressão Tutela Jurisdicional, com a finalidade de indicar uma
importância maior atribuída a proteção dada pelo Estado ao direito do juris
dicionado. Não uma proteção formal caracterizada pela mera possibilidade
de acesso aos serviços judiciários, mas sim uma proteção real, que viesse a
perm itir o etétivo acesso e a proteção de novos direitos até então relegados a
um segundo plano por conta dos valores individualistas. Conveniente, então,
a utilização do termo tutela jurisdicional, já que tutela significa proteção,
levando a conclusão de que o que se têm é a proteção de um direito mediante
a atuação da jurisdição.
Tal proteção, entretanto, não se limita ao dever atribuído ao magistrado de
proferir uma sentença que ponha termo à controvérsia. Ela vai além deste ato
final e permeia todo o processo, exigindo igualdade de oportunidades para
as partes e para os terceiros, análise e valoração da prova produzida, respeito
aos princípios constitucionais que norteiam o processo; tudo no desiderato185

185 CAPPEL1.F.TTI, Mauro e GARTH, Bryant. A cesso à ju s tiç a . Tradução Ellen Gracie Northflcel.
Porto Alegre: SAFE, 1988. p. 912.
■Ir permitir a mais ampla e efetiva atuação em defesa de um direito perante o
1'iuler Judiciário.
I'.tl posicionamento foi bem sintetizado por Luiz Guilherme Marinoni ao
ostentar que “...tutela jurisdicional, em nosso entendimento, não é sinônimo
■ Ir sentença, mas sim de procedimento estruturado (mediante, por exemplo,
>umarização form al e material, tutela antecipatória, sentença imediatamente
<\ccutável) para tutelar efetiva e adequadamente o direito material.”1*6; bem
i mno por João Batista Lopes, ao ensinar que “Em rigor técnico, o conceito de
tutela abrange não só a proteção dada pela autoridade judiciária durante a
Ihimitação do processo, assegurando a plena participação do autor e do réu
quanto às alegações e provas, mas também o resultado do processo, a garantia
i/r que serão cumpridas as decisões judiciais.”.1*7
I lodiernamente a doutrina prefere tratar do fenômeno da jurisdição pela
•Iniominação tutela jurisdicional de direitos, com o fito de indicar a aderência
do direito processual ao direito material, relevando seu caráter instrumental.
Na medida em que cada direito se efetiva de uma forma e, por isso, várias são as
• Iicácias exigidas para sua implementação, a doutrina acabou por elaborar inú­
meras classificações a respeito das tutelas jurisdicionais, como adiante se verá.

r>.6. Classificação das tutelas jurisdicionais.


Diversas são as classificações relativas às tutelas jurisdicionais, dependendo
•ua divisão da óptica através da qual se analisa o fenômeno da proteção dada
pelo Estado aos direitos submetidos à apreciação judicial.
A doutrina tradicional, que foi originalmente adotada quando da elabo-
taçào do CPC de 1973, levando em conta o tipo de providência pleiteada em
Juízo, classificou as tutelas jurisdicionais em tutela de conhecimento, tutela de
execução e tutela cautelar. A primeira com o escopo de resolver uma relação
lurídica de direito material controvertida; a segunda tendo a finalidade de
satisfazer uma obrigação, mediante a prática de atos de coerção que recaem
.obre o patrimônio do executado; e, a terceira, com o desiderato de garantir as

MARINONI, Luiz Guilherme. T u te la i n ib itó r ia . São Paulo; RT, 1998. p. 22.


" LOPES, João Batista. C u r s o d e d ir e ito p r o c e s s u a l c iv il. São Paulo: Atlas, 2005. v. I. p. 19.
anteriores, mediante prestação de uma segurança. Cada qual estava discipli
nada em um livro próprio, que tomava sua respectiva denominação.
O Código atual preferiu adotar uma concepção mais avançada quanto .i
classificação das tutelas, mantendo a clássica divisão entre tutela de conheci
mento e tutela executiva, abarcando a tutela cautelar no gênero tutela provi
sória, prevista a partir do art. 292, do atual diploma. Portanto, embora ainda
exista como espécie da tutela de urgência, na atual concepção legal e doutri­
nária, a tutela cautelar não mais figura isoladamente como uma das espécies
de tutela.
Por seu turno, a tutela de conhecimento se subdivide em tutela declarató-
ria, constitutiva, condenatória, mandamental e executiva lato sensu; conforme
o tipo de eficácia preponderante na sentença prolatada.
A tutela declaratória, agora prevista nos art. 19 e 20, do CPC, e anterior­
mente tratada nos os art. 4o e 5o, do CPC de 1973, tem por finalidade decla­
rar a existência ou não existência de uma relação jurídica de direito material;
ou, a falsidade ou não de um determinado documento. A essas duas hipóte­
ses a doutrina acrescenta uma terceira possibilidade, que é a declaração do
exato conteúdo de uma cláusula contratual. Nesse sentido, por todos, ensina
João Batista Lopes que “da interpretação de uma única clausula contratual
depende, muitas vezes, a solução de todo o litígio, o que autoriza o ajuizamento
da declaratória, presente o interesse processual. É a orientação mais liberal,
seguida pela doutrina e pela jurisprudência.”.m
Não é viável, pois, o manuseio de ação com essa natureza para a declaração
de fato, limitando-se as hipóteses de cabimento aos três casos citados. Tam­
bém não há que se falar na execução de uma eficácia declaratória, já que esta
dispensa processo de execução ou medida executiva posterior, como adiante
se verá no estudo do título executivo judicial.
A tutela constitutiva, por sua vez, vai além da mera declaração do direito
e a ela acrescenta eficácia relativa à criação, modificação ou extinção de uma
nova relação jurídica. É a hipótese típica da ação de divórcio, onde ocorre a
extinção do vínculo matrimonial, nascendo um novo estado para as partes,
que passam a ser divorciados.

188 LOPES, Joào Batista. A ç ã o d e cla ra tó ria . São Paulo: RT, 1982. p. 40.
j niTwmnmm;wHm i / t

A tutela condenatória, por sua vez, acrescenta à declaração do direito uma


obrigação que deve ser cumprida pelo vencido. O magistrado, ao proferir sua
.In isào, acrescenta à certeza do direito uma carga de condenação que faz com
•|iu* o vencido fique obrigado a cumprir o determinado, sob pena de ser for-
.,.ulo a fazê-lo. Por isso nosso código estabelece vários tipos de cumprimento
.Ir sentença, prevendo a partir do art. 513 as disposições gerais do instituto
c nu seguida os cumprimentos de sentença em espécie, como os relativos ao
pagamento de quantia (arts. 520 a 527), obrigação de prestar alimentos (arts.
..!H a 533), contra a fazenda (arts. 534 e 535), de obrigação de fazer e não fazer
(ai ts. 536 e 537) e de entregar coisa (arts. 538).
A quarta forma de tutela a ser prestada é a tutela executiva lato sensu, onde
n.to há necessidade de um processo ou fase executiva para a implementação
.Ia eficácia da sentença. Basta que o juízo determine a realização do ato em
decisão sem conteúdo decisório, que pode mesmo acontecer ex officio ou ex
legge. É o caso, por exemplo, da expedição do mandado de reintegração na
posse ou da expedição de mandado de desocupação, em caso de despejo.
Na tutela mandamental a decisão prolatada implica a emissão de uma
urdem que deve ser cumprida por seu destinatário. Sustenta a doutrina que
• xiste eficácia mandamental quando não é possível a substituição da atuação
da parte pela prática de atos de sub-rogação emanados do juízo. Nesse sentido
.i advertência de João Batista Lopes ao afirmar que “Costuma-se dizer que a
tutela mandamental é marcada pela infungibilidade, isto é, o destinatário da
ordem não pode ser substituído por outra pessoa: a ordem só pode ser cumprida
(ou descumprida) pelo réu."'*1’; bem acompanhada pela lição de Eduardo Tala-
mini no sentido de que "... o provimento mandamental (rectius: a força man­
damental contida no provimento) jamais propicia atividade executiva (sub-ro-
gatória) - nem mesmo naquele processo em que fo i proferido. Ele é efetivado
l>or meios de pressão psicológica, para que o próprio réu, por conduta própria,
cumpra a ordem que lhe fo i dada.".'90
Embora esta seja a doutrina majoritária, cremos que o traço distintivo do
provimento mandamental reside, em verdade, na impossibilidade de seu não
cumprimento. Em outros termos, quando proferida ordem, não cabe ao seu

LOPES, João Batista. C u r s o d e d ir e ito p r o c e s s u a l c iv il. São Paulo: Alias, 2005. v. I. p. 21.
TAI.AMINI, Eduardo. T u te la r e la tiv a a o s d ir e ito s d e f a z e r e d e n ã o fa ze r. São Paulo: RT, 2001. p.
205.
destinatário opção para cumpri-la ou não. Se o destinatário não cumpre a
determinação judicial, então o juízo o substitui por outra pessoa para que a
cumpra.
Pense-se no seguinte exemplo, bastante comum em nosso País: a lei orgã
nica de determinado município dispõe que é dever da municipalidade for
necer transporte gratuito para os estudantes universitários que estudam em
cidade vizinha. Por razões de caráter político, o prefeito municipal faz cessar o
transporte, o que implica a interposição de mandado de segurança pela asso
ciação dos estudantes. O magistrado examina a hipótese e concede a ordem,
de natureza mandamental, determinando o fornecimento do transporte aos
estudantes. Todavia, o alcaide se prostra diante da porta do coletivo e ameaça
de demissão o motorista que transportar os estudantes. Como fazer, nesta
hipótese, para cum prir o provimento mandam ental emitido? A única solução
é afastar o alcaide do local e colocar outra pessoa para cum prir a determina
ção, sem prejuízo da aplicação do art. 79, do CPC. Observa-se, portanto, que
o juízo não pode praticar atos de sub-rogação, na medida em que cabe ao des­
tinatário da ordem, ou àquele que lhe suceda, cumpri-la, sem a possibilidade
de deixar de fazê-lo.
For fim, deve-se observar que as decisões proferidas sempre apresentam
todas essas eficácias, que não subsistem isoladamente. Ao tratar das eficácias
das ações acentuou Pontes de Miranda que “Não há nenhuma ação, nenhuma
sentença, que seja pura. Nenhuma é somente declaratória. Nenhuma é somente
constitutiva. Nenhuma é somente condenatória. Nenhuma é somente manda­
mental. Nenhuma é somente executiva. A ação somente é declaratória porque
sua eficácia maior é a de declarar. Ação declaratória é ação predominante­
mente declaratória. Mais se quer que se declare do que se mande, do que se
constitua, do que se condene, do que se execute.V9'
Em outros termos, qualquer que seja a decisão proferida pelo magistrado,
tendo o ato processual cunho decisório, em especial no tocante as sentenças,
a tutela prestada é um a mescla de todas as tutelas existentes, embora algumas
delas possam ser imperceptíveis em face da forte presença das demais.19

191 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcante. T r a ta d o d a s ações. Atualizador: ALVES, Vilson


Rodrigues. Campinas: Bookseller, 1998.Tomo I, p. 137/138.
Existem, ainda, inúmeras outras classificações de tutelas, como as tutc
Ias diferenciadas e as tutelas de urgência, que serão analisadas no momento
oportuno.

>.7. Procedimentos de jurisdição


voluntária (não contenciosos).
Em contraposição a jurisdição contenciosa, o art. Io, do CPC revogado,
indicava a existência da jurisdição denominada voluntária, também conhe-
i Ida como administrativa ou graciosa, que agora está prevista a partir do art.
19, do CPC. Dos vários projetos que se sucederam até a versão final que deu
ensejo ao nosso atual CPC, por várias vezes a expressão “jurisdição voluntá­
ria” foi abandonada e substituída pela expressão “procedimentos não conten-
• lusos”. Nada obstante a pertinência técnica, ou não, de se alterar a tradicional
denominação, cremos que a manutenção da utilização do termo jurisdição
voluntária foi, no aspecto pragmático, bastante adequada, já que não houve
mudança ontológica do instituto e porque tal denominação é utilizada desde
Roma “...porque as pessoas se apresentavam espontaneamente frente ao magis­
trado, para pedir sua intervenção em determinado assunto. As questões, assim,
, ram levadas pelas partes, de comum acordo, ao magistrado, ao qual se sub­
metiam.”.'92 Grosso modo, pois, na jurisdição contenciosa existe litígio a ser
resolvido, enquanto na jurisdição voluntária à vontade de todos os participan­
tes é convergente.
Entretanto, embora a lei apresente tais espécies, há viva controvérsia na
doutrina acerca da real natureza jurídica da jurisdição voluntária, com inú­
meros autores a sustentar posição já tradicional, no sentido de que ela não é
verdadeira jurisdição. Nesse sentido encontramos Chiovenda, Calamandrei,
I iebman, Frederico Marques, Pontes de Miranda, Lopes da Costa, Arruda
Alvim, Ovídio Baptista da Silva, Ernani Fidelis dos Santos, Humberto Theo-
doro Junior, Athos Gusmão Carneiro, Luiz Rodrigues Wambier, Nelson Nery
lunior, Rosa Maria de Andrade Nery, dentre outros; enquanto entendem que
.1 jurisdição voluntária é verdadeira atividade jurisdicional João Batista Lopes,

l«J PRATA, Edson. J u risd içã o v o lu n tá r ia . São Paulo: LEUD, 1979. p. 12.
Luiz Guilherme Marinoni, Vicente Greco Filho e Cândido Rangel Dina nessas hipóteses deve ocorrer um acompanhamento próximo da solução do
marco, dentre outros. problema, tudo para evitar que o descumprimento da lei venha a gerar inú­
Acreditamos, com a primeira corrente, que a jurisdição voluntária não é, meras controvérsias que, fatalmente, converter-se-ão em vários processos. É
em sua essência, uma atividade jurisdicional. Trata-se, em verdade, de ativí 0 caso, por exemplo, da alienação judicial de bem (art. 730), do divórcio con­
sensual (arts. 731 a 734) e da interdição (arts. 747 a 758), dentre outros; campo
dade que poderia ser atribuída a órgão da administração, mas que foi atribu
ida ao Poder Judiciário por uma opção legislativa e pelas razões que veremos Ireundo para o desentendimento entre os envolvidos.
abaixo. A reforçar esse entendimento a precisa explanação de Luiz Rodrigues Destarte, pois, podemos definir a jurisdição voluntária como a atividade
Wambier ao afirm ar que a jurisdição voluntária "...não é assimilável à natu «dministrativa, exercida pelo Poder Judiciário, com a finalidade de fiscali­
reza da atividade jurisdicional, porque nela não há decisão que diga o direito zar os interesses privados, prevenindo a ocorrência de litígios decorrentes de
aplicável à lide, em substituição à vontade dos interessados. Também não se situações potencialmente ofensivas a direito.
assemelha a atividade jurisdicional, porque não consiste em resolver conflitos, Por conta de sua natureza administrativa, onde não há litígio entre os
mas apenas em chancelar, por força de lei, aquilo que os interessados entre si jt) 1nvolvidos, mas apenas a necessidade da fiscalização de sua atuação, costu­
resolveram, mas cuja eficácia depende dessa chancela, isto é, da manifestação ma-se afirm ar que na jurisdição voluntária não existem partes (que necessa-
do Poder Judiciário, ainda que apenas com caráter homologatório da vontade i lamente seriam contrapostas e antagônicas), havendo apenas interessados; o
dos interessados. Também não tem os mesmos efeitos da atividade jurisdicional i|Ue é ratificado por força da redação do art. 238, do CPC, onde se indica que
típica, não produzindo, por exemplo, coisa julgada material.”.193 a citação chama em juízo o réu, o executado ou o interessado.
Em verdade, três são os motivos que levaram a lei a optar pela atribui Embora exista necessidade de citação de todos os interessados (art. 721),
ção das atividades realizadas na jurisdição contenciosa ao Poder Judiciário: ‘■stes estão dispensados de elaborar peça que preencha os requisitos da peti-
a) a tradição, já que desde a época romana era o Poder Judiciário que deci slo inicial, prevista no art. 319, do CPC, por força da redação constante do
dia tais questões; b) o conhecimento da lei, já que ninguém melhor do que o art. 720, do CPC, que permite que o início do feito se dê por mero requeri­
Poder Judiciário para conhecê-la; e, c) a eliminação de uma instância, pois se mento. Daí a razão pela qual se afirma que não há relação jurídica processual
outro fosse o órgão a decidir a questão poderia haver recurso ao Poder Judi na jurisdição voluntária, existindo mero procedimento. Também se afirma,
ciário, tornando mais morosa à solução do problema. Todavia, já se observa mormente tendo-se em conta que não há litígio entre os interessados, que não
um movimento no sentido de desjurisdicionalizar tais atividades, atribuin­ há exercício de direito de ação.
do-a aos cartórios extrajudiciais, como aconteceu com o inventário e com o
Por fim, com a afirmação corrente na doutrina de que a jurisdição voluntá-
divórcio consensuais, que a partir da entrada em vigor da Lei n° 11.441, de 04
i ia não produz coisa julgada, podemos parafrasear, parcialmente, Athos Gus­
de janeiro de 2007, passaram a poder ser realizados também fora do Poder
mão Carneiro,19'1relacionando as principais diferenças entre as duas espécies
Judiciário.
de jurisdição:
* Fixada a premissa de que a jurisdição voluntária é atividade administrativa,
devemos observar que a sua finalidade é exercer a fiscalização das ativida
des dos particulares, com a finalidade de evitar que situações potencial mente
ofensivas a direitos possam gerar litígios. Existem situações em que, embora
não exista um conflito, são propícias para sua formação. Daí entende a lei que

1,1 WAMBIER, Luiz Rodriguez, ALMEIDA, Flivio Renato Correia de, TALAMINI, Eduardo. C u r so
a v a n ç a d o d e p r o c e s s o c iv il. 7* e.. São Paulo: RT, 2005. v. 1, p. 45-46. CARNEIRO, A thos Gusmão. J u risd iç ã o e c o m p e tê n c ia . 4* e.. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 35-36.
Jurisdição contenciosa Jurisdição voluntária
N a tu reza d e ativ id a d e ju risd ic io n a l N a tu re z a d e a tiv id a d e a d m in is tra tiv a
P etição in icial M ero re q u e rim e n to
E xercício d o d ire ito d e ação N ã o h á ex ercício d o d ire ito d e ação
L itígio a s e r c o m p o s to O s in teresses são co n v e rg e n te s
P artes c o n tra p o s ta s e a n ta g ô n ic a s In te re ssa d o s co m v o n ta d e c o m u m
P ro d u z co isa ju lg a d a N ão p ro d u z co isa ju lg a d a

Observamos, por fim, que para a jurisdição voluntária o magistrado não


está vinculado ao princípio da estrita legalidade (art. 723, parágrafo único),
o que significa dizer que poderá solucionar o caso de modo diverso daquele
previsto em lei, bastando que perceba que assim agindo melhor resolve o pro
blema existente entre todos os interessados.

Verificação de Aprendizagem
01. Quais são os poderes inerentes à jurisdição?
02. Quanto aos poderes da jurisdição, há diferença entre vocatio e coertio?
03. Quais são as características da jurisdição?
04. Defina jurisdição.
05. Porque a jurisdição, atualmente, é tratada por tutela jurisdicional de
direitos?
06. Como se subdivide a tutela de conhecimento?
07. A jurisdição voluntária é atividade jurisdicional ou administrativa?
08. Quais as características da jurisdição voluntária?
09. Em que consiste a não vinculação ao critério da estrita legalidade?
j, i u i r i « w m jw M u iim 103

rianificação para aula


m lurisdição (jurisdictio ) - Trata-se de função decorrente da soberania,
aplicando-se a todas as espécies de processo.

- notio
- vocatio
02. Poderes - coercio
- judicium
- imperium
- executio
Notio é o poder de conhecer do pedido formulado e de todos os fatos e
circunstâncias a ele relacionados.
Vocatio é o poder de convocar as partes ou outros sujeitos ligados ao processo
para a prática de um ato processual.
Coercio é o poder de coerção atribuído ao magistrado, para que possa impor
a realização de um determinado ato processual.
ludicium é o poder de implementar a discussão entre as partes, visando à
instrução do feito e o esclarecimento das alegações formuladas.
Imperium é o poder de decisão que possui o magistrado ao prolatar decisões
interlocutórias e sentenças.
Executio é o poder de invadir a esfera de direitos de outrem, até mesmo do
próprio Estado, com a finalidade de tornar real a ordem emanada do
juízo, visando a efetividade empírica do comando estatal.
- secundária
- substitutiva
03. Características - inércia inicial
- imparcialidade do juiz
- possibilidade de produzir coisa julgada material
I*
?IIV II II« II M V I V / • I w i i i m i i i i m m . i i .i \ i n m i t w r m n r n u n i i m i

0 4 . Definição - Jurisdição é a função do Estado, normulmente exercida


pelo Poder judiciário e substitutiva da vontade das partes, que tem poi
finalidade compor as relações jurídicas de direito material controvertid.r.
que são levados ao seu conhecimento, efetivar o conteúdo de um título
executivo ou de determinação judicial e prestar proteção urgente a
direito, mediante o exercício do direito de ação e de um processo regulai
processo.
05. Jurisdição - Tutela jurisdicional - tutela jurisdicional de direitos.
- declaratória
- constitutiva
06. Tutela de conhecimento - condenatória
- executiva lato sensu
- mandamental
07. Procedimentos de jurisdição voluntária (não contenciosos)
- Denominação.
- Natureza jurídica.
- Diferenças do procedimento contencioso.

Bibliografia
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2005. v. 1.
6. DIREITO DE AÇÃO

6.1. Evolução histórica. 6.2. As condições da ação no atual ordenamento processual.


6.3. Elementos, a) As partes, b) O objeto (pedido), c) A causa de pedir. 6.4. As condi­
ções da ação. a) Legitimidade de parte, b) Interesse de agir.

6*1. Evolução histórica.


Não é possível usar de poucas palavras para tratar do direito de ação, pois,
mino assevera Celso Agrícola Barbi: “O conceito de ação talvez seja o mais
l>olêmico entre todos os do Direito Processual. Iniciada a divergência há um
Jculo, até hoje não se harmonizaram os doutrinadores sobre o que seja ação. ”.195
Para os romanos a ação nada mais era do que o próprio Direito Material
t|lie, uma vez violado, assumia posição de ataque para buscar a recomposição
tio status quo anterior. Não existia ação sem o respectivo direito, pois aquela
náu tinha outra razão senão a proteção do próprio Direito Material.
A esse respeito noticia Arruda Alvim que a definição clássica de ação
rncontra-se no Digesto, 44, 7, 51, sendo de autoria do jurista Celso. Dizia
ele: “Supercst, ut de actionibus loquamur. Actio autem nihil aliud est, quam
lus persequendi iudicio quod sibi debetur" (“Resta-nos falar das ações. Pois
hem, a ação não é outra senão o direito de perseguir em juízo aquilo que nos é
devido'j.196
Mas, se a ação não podia existir sem o respectivo Direito Material no qual
leve gênese, já que era entendida como a possibilidade de perseguição em juízo
de uma providência relativa ao Direito Material ofendido ou ameaçado, o sis­
tema adotado pelos romanos também não concebia um Direito Material sem
.i respectiva ação. Em outras palavras, embora a ação dependesse do Direito
Material, este também dependia daquela para sobreviver.

BARBI, Celso Agrícola. C o m e n t á r i o s a o C ó d ig o d e P ro c e s so C iv il. 6 ‘ ed. Rio de Janeiro: Forense.


1991. v. I, p. 16.
' ARRUDA ALVIM NETO, José Manoel. T r a ta d o d e D ir e ito P r o c e s s u a l C iv il. 2* ed. São Paulo: RT,
1990. v. I, p. 309.
O pensamento romano, atrelando a ação ao Direito Material, deu origem
ao chamado conceito civilista da ação, como bem salientam Antônio Cai
los de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarcu
que ensinam: "Durante muitos séculos, dominados que estavam os jurista «
pela idéia de que ação e processo eram simples capítulos do direito substancial,
não se distinguiu ação do direito subjetivo material. Assim sendo, pela escola
denominada clássica ou imanentista (ou, ainda civilista, quando se trata da
ação civil), a ação seria uma qualidade de todo o direito ou o próprio direita
reagindo a uma violação. Tal conceito reinou incontratado, através de várias
conceituações, as quais sempre resultavani em três conseqüências inevitáveis
não há ação sem direito; não há direito sem ação; a ação segue a natureza da
direito.”.197
O conceito civilista da ação, como se vê, nada mais é do que a projeção da
ideia romana através dos tempos. A ação é uma faceta do Direito Material,
representada pela possibilidade de provocar o Estado juiz na busca de protc
ção ao direito ofendido.
Diante do que se viu, pois, pode-se afirmar, com Celso Agrícola Barbi.
que para o conceito civilista da ação "não se considerava que a ação fosse um
direito distinto daquele direito subjetivo que ela visava a proteger. Direito sub
jetivo material e ação eram um único direito: seriam o verso e o reverso de uniu
medalha. Em linguagem poética, sustentou-se que a ação è o mesmo direito
subjetivo que, violado, se arma para a guerra.”.'9*
Esse conceito, embora tenha perdurado no Brasil até o início do século,
já havia sido atacado desde meados do século XIX, quando passaram a ser
tidos como mais precisos os conceitos que propunham a desvinculação entre
o Direito Material e o exercício do Direito de Ação. Havia a objeção de que
não se explicavam satisfatoriamente os casos da ação julgada improcedente e
da ação declaratória negativa.
Ora, se o autor propunha a ação e no final era ela improcedente, com .1
declaração de que não possuía o direito invocado, tinha exercido o direito de
ação, acionando a manifestação estatal, embora não tivesse Direito Material

197 ARAÚJO CINTRA, Antônio Carlos de, GRINOVER, Ada Pellegrini e DINAMARCO, Cândid..
Rangel. T e o r ia g e r a l d o P ro c e s so . 18* ed. Sào Paulo: Malheiros, 2002. p. 250.
|,w BARBI, Celso Agrícola. C o m e n tá r io s a o C ó d ig o d e P r o c e s s o C iv il. 6* ed. Rio de Janeiro: Forense,
1991. v.I, p. 16.
r
Di-parava-se, então, coni um caso no qual o autor tinha ação, mas não tinha
direito, o que contrariava frontalmente o pensamento civilista. O mesmo
ocorria com a ação declaratória negativa. O autor vinha ajuizo pedir a decla-
i ação da inexistência de um direito, o que fazia com que a procedência do seu
pedido gerasse verdadeira antinomia, já que exercia o direito de ação numa
iiçfto que declarava a inexistência do direito.
Diante desses obstáculos, a partir da monografia de Adolf Wach sobre
ii nção declaratória (Pretensão de declaração - Der Feststellungsanspruch),
il.itada de 1888, a teoria civilista da ação foi considerada superada, assentan­
do se o entendimento de que a ação e o Direito Material são autônomos, na
medida em que é possível o exercício do direito de ação independentemente
«Ia existência do direito material do qual a parte se diz titular.
Surgiram, então, diversas teorias quanto ao conceito e natureza da ação,
t|iic podem ser agrupadas em dois blocos distintos. O primeiro, encabeçado
por Chiovenda, que encampou alguns pontos da teoria de Wach, conside­
rando a ação como direito concreto de agir; e, o segundo, reunindo a maioria
ilos processualistas modernos, tratando da ação como direito abstrato de agir.
Nesse sentido a precisa lição de Celso Agrícola Barbi ao ensinar que “O reco­
nhecimento da existência da ação declaratória negativa foi a golpe de morte na
doutrina civilista da ação. Mas, a essa harmonia inicial quanto a ser a ação
um direito autônomo, seguiu-se profunda divergência sobre a natureza e as
i aracterísticas desse direito. Quase se pode dizer que cada processualista criou
tua própria teoria da ação, de modo que seu número já anda aproximada­
mente em uma centena. Podem elas, todavia, ser agrupadas em duas grandes
correntes: uma primeira, menos numerosa, que considera existir nexo bastante
estreito entre o direito de ação e o direito subjetivo material que ela visa a prote­
ger, corrente essa qualificada como da ação como direito concreto de agir: uma
segunda, mais numerosa, que desvincula a ação do direito subjetivo material
i/ue ela visa a proteger, corrente essa qualificada como da ação como direito
abstrato de agir.".'99
Para Giuseppe Chiovenda, a lei é a manifestação da vontade de uma coleti­
vidade, visando regular a atividade dos cidadãos e do próprio Estado. Tem por
linalidade a conservação dos sujeitos que a compõem e a distribuição dos bens

ldem, p. 17.
da vida existentes entre eles. Assim, pode o sujeito aspirar obtenção e con vlolnçâo da vontade abstrata da lei geradora de uma vontade concreta. Tam­
servação dos bens da vida que lhe são assegurados pela lei, mesmo que paru bém é colocada como condição para a existência do direito de ação a existên-
isso tenha de usar de coação. Tal aspiração foi por ele denominada direito <i.i do Direito Material, isto é, a procedência da ação. Nesse passo, classificou
subjetivo, que por sua vez teve a seguinte definição: “A expectativa de uni bem ii nçâo como direito potestativo, que não exige qualquer obrigação que lhe
da vida garantida pela vontade da lei.”.200 i oi responda, mas apenas sujeita o adversário à ação.
Analisando essas idéias, explicou que toda norma legal representa um For fim, ressalte-se que para o citado autor, ao contrário do que propunha
dever ser e, portanto, uma vontade geral abstrata; isto é, a norma legal é hipo Wuch, a ação é movida contra o adversário e não contra o Estado, já que não
tética e sua concretização está condicionada ao surgimento de determinados i- pode presumir a existência de um conflito de interesses entre o Estado e o
fatos nela previstos. Quando esses fatos se verificam, forma-se, então, uma • liladão que teve seu direito lesionado por terceiro.
vontade concreta da lei, "ao tempo que da vontade geral e abstrata nasce uma Embora a teoria demonstre toda a genialidade do seu elaborador, seus
vontade particular que tende a atuar no caso determinado.”.20' Desrespeitada adversários objetavam que continuavam sem explicações os casos em que o
essa vontade concreta da lei, surge para a pessoa que teve seu direito lesionado lUtor propunha ação e, ao final, perdia a causa. Ocorre que não havia justi-
duas vias para obter uma recomposição: mediante prestação espontânea do Iu ativas para a movimentação do aparato judicial uma vez que não existia
que lesionou ou mediante coação, exercida por intermédio do órgão judicial. I direito violado e, consequentemente, o próprio direito de ação também não
por isso que o autor afirma que "... a ação é um dos direitos que podem flu ir da rxistia.
lesão de um direito; e eis como aquela se apresenta na maioria dos casos: como
Diante disso, criou-se uma corrente defendendo a abstração do direito de
um direito por meio do qual, omitida a realização de uma vontade concreta da
ição, ou seja, que esse direito não depende de ter ou não o autor razão. Tanto
lei mediante a prestação do devedor, se obtém a realização daquela vontade por
iquele que pleiteia com direito, quanto àquele que não o tem, são titulares do
outra via, a saber, mediante o processo.”.202
ilireito de ação. Em realidade, mesmo antes dessas objeções, no ano de 1877
Esse direito, embora tenha gênese independente de qualquer ato de von na Alemanha, Degenkolb já elaborara a teoria da ação como direito abstrato
tade do titular do direito lesionado ou de terceiro, não aciona espontânea de agir. “Quase ao mesmo tempo, por outra coincidência curiosa, Plász form u­
mente o pronunciamento judicial. Está ele sujeito a uma condição que é a lava doutrina idêntica, na Hungria.”.20*
manifestação de vontade do indivíduo, uma vez que, como já se viu, ‘ nemo
Para os autores adeptos deste pensamento, o direito de ação independe da
judex sine actore”.
existência do próprio Direito Material. Existe ação mesmo que a lide seja jul­
Destarte, após elaborar todos os conceitos acima mencionados, o autor gada improcedente, reconhecendo-se a falta do Direito Material, ou mesmo
definiu ação como "o poder jurídico de dar vida à condição para a atuação da quando o autor tenha conhecimento prévio da ausência do direito invocado,
vontade da lei”.2m dizendo-se seu titular por má-fé. É suficiente para a existência da ação que
Como se vê, pois, para Chiovenda e para os adeptos da teoria da ação como o autor afirme ter um direito protegido. Concebem, em maioria, que a ação
direito concreto de agir, existe um nexo bastante estreito entre o direito sub­ é movida contra o Estado, que tem a obrigação de sujeitar o réu às sanções
jetivo material e o direito de ação, já que tem a mesma origem, qual seja: a legais, segundo o que pretende o autor, embora existam os que entendam que

200 CHIOVENDA Chiovenda, I n s titu iç õ e s d e D ir e ito P r o c e s s u a l. São Paulo: Saraiva, 1965. v. 1, p.


3-36.
201 [dem, p. 4.
202 Ibidem, p. 20-21. ARAÚJO CINTRA, Antônio Carlos de, GRINOVER, Ada Pellegrini e DINAMARCO, Cândido
20:1 Ibidem, p. 24. Rangel. T e o r ia g e r a l d o P ro c e s so . 6* ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 251-252.
a ação é movida contra o próprio juiz e que se trata de um direito constituem
nal de petição.205*
Visando a afastar as deficiências existentes nos conceitos civilista e dualisi.i
da ação, em todas suas modalidades, Liebman elaborou sua teoria acerca dn
ação salientando sua autonomia frente ao Direito Material. Nas palavras elu
próprio autor “Lazionc, come diritto al processo e al giudizio di mérito, noii
garantisce um risultato favoravole dei processo: il risultato dei processo dipendt
dalla convinzione che il giudice si fará sulla fondatezza iti fatto e in diritto dello
domanda proposta e potrà perciò essere favoravele allattore o al convenuto
Solo dali 'esperimento dellaziotie risulterà seVattore ha ragione o ha torto: solo
affrontando il rischio di perdere, láttore può cercare di vincere.".200
Para o grande mestre italiano, portanto, o exercício do direito de ação.
enquanto concebido como forma quebrar a inércia inicial do Poder Judiciário,
também é autônomo e abstrato, já que independe do direito material e pode
ser exercitado independentemente de qualquer requisito. Porém, limitada .1
ideia de exercício do direito de ação à obtenção de uma decisão de mérito,
então deverão estar presentes certos requisitos, que denominou condições d;i
ação, quais sejam: a possibilidade jurídica do pedido, o interesse de agir e .1
legitimidade de parte.
Portanto, se o autor propõe a ação e o juiz verifica a coexistência das con
dições enumeradas, então terá ele exercido seu direito de ação, independente
mente do resultado final. Independentemente do acolhimento ou da rejeição
do pedido formulado, existe direito à obtenção de uma sentença que aprecie
o mérito da causa. Aduz, ainda, que o direito de ação é exercido "contra 0
Estado, porque este é que tem o poder de julgar, e não contra 0 réu.”.207

' ”5 Idem, pp. 252. Segundo os autores, Carnelutti concebe a ação " c o m o u m d ir e ito a b s t r a t o e d e n a tu
r e z a p ú b lic a , m a s d ir ig id a c o n tr a o j u i z e n ã o c o n tr a o E s t a d o " . Já Couture " c o n c e b e - a in te g r a d a
n a c a te g o r ia c o n s t it u c i o n a l direito de petição”.
LIEBMAN, Enrico Túlio. M a n u a l e d e d i r i t t o p r o c e s s u a le c iv ile . 5* e.. Miiano: Giuffrè, 1992. “A
ação, como direito ao processo e ao julgamento do mérito, não garante um resultado favorável do
processo: o resultado do processo depende do convencimento que 0 juiz faz sobre os fundamen
tos de fato e de direito da demanda proposta e poderá, por isso, ser favorável ao autor ou ao réu
Somente da experiência (do exercício) da ação resultará se o autor tem razão ou está errado: só
enfrentando o risco de perder é que o autor poderá procurar a vitória.” (Tradução livre)
“ 7 BARBI.p. 19-20.
A teoria de Liebman, também conhecida por teoria eclética, da ação con-
dliionada ou da asserção (embora para alguns seja esta uma variação), alcan­
çou enorme repercussão entre os processualistas, em especial no nosso País.
Ocorre que o mestre peninsular, por causa da situação política efervescente
n,i Kuropa e da 2a Grande Guerra Mundial, mudou-se para a cidade de São
r.uilo e lá passou a m inistrar aulas de processo civil na faculdade de direito
•Io Largo de São Francisco, desenvolvendo estudos que acabaram por gerar
um incomum e incontestável avanço desse ramo do direito. Nasceu deste
encontro a chamada Escola Processual de São Paulo, "...hoje em dia reconhe­
cida internacionalmente (e esse nome surgiu pela primeira vez num trabalho
,1c Alcalá-Zamora), seja pela unidade metodológica em torno de certas pre­
missas fundamentais, seja pela coerente aceitação de certos princípios e pela
maneira comum de ver os institutos que estão à base do grande edifício da
processualística.”.m
Dentre os discípulos de Liebman estava o Professor Alfredo Buzaid que,
nomeado M inistro da Justiça, tratou de completar projeto de Código de Pro-
icsso Civil do qual ele mesmo participara, encaminhando-o ao Poder Legis­
lativo. Nesse texto, transformado no Código de Processo Civil de 1973, foi
expressamente adotada a teoria elaborada por Liebman acerca do direito de
ação, com diversos artigos fazendo expressa referência às condições da ação
acima apresentadas.
Embora a teoria de Liebman tenha sido positivada, logo após a promul­
gação da Constituição da República, em 1988, voltou-se a discutir acerca da
sobrevivência ou não das condições da ação, isso devido à expressa admissão
do princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional (supra, item 03.01).
Para alguns a teoria da ação adotada pelo CPC de 1973 não teria recebido
suporte de validade do novo texto constitucional, já que em última análise
representaria uma limitação ao exercício do direito de ação.
Ocorre, todavia, que a lei não pode impedir ou inibir o exercício do direito
de ação, mas pode muito bem discipliná-lo, o que faz mediante o estabeleci­
mento das condições da ação, sem as quais não será possível a obtenção de
uma sentença de mérito. Usando uma figura do cotidiano, trata-se da pos­
sibilidade que todos têm de dirigir veículo automotor, desde que respeitadas

DINAMARCO, Cândido Rangel. “A f o r m a ç ã o d o m o d e r n o p r o c e s s o c iv il b r a s ile ir o ( U m a h o m e n a ­


gem d E n r ic o L ie b m a n ) . In F u n d a m e n t o s d o p r o c e s s o c i v i l m o d e r n o . São Paulo: RT, 1986. p. 09.
as regras de trânsito. Se cada condutor insistisse em dirigir em velocidade iiiíc ocorre carência de ação, devendo o juiz negar o julgamento de mérito e
excessiva ou desrespeitando todas as regras básicas do trânsito, a confusão então declarar inadmissível o pedido.".209*
seria de tam anha ordem que ninguém mais conseguiría conduzir seu veículo.
Independentemente de formular uma resposta firme para tal questão,
Do mesmo modo, quem pretende ir a juízo e obter uma solução acerca do
cassou-se a definir a chamada possibilidade jurídica do pedido como a não
mérito de uma demanda deve seguir regras estabelecidas para tal, sob pena de
i nistência de fundamento no sistema para obtenção da providência pleiteada
tornar inviável a prestação da tutela jurisdicional. Se cada juiz, por exemplo,
i in juízo, ou, no dizer de Moacyr Amaral Santos, como a “condição que diz
pudesse alterar os prazos processuais segundo sua conveniência, com certez.i
irspcito à pretensão. Há possibilidade jurídica do pedido quando a pretensão,
tornaria inviável o exercício da advocacia. Daí a necessidade da existência de
i ui abstrato, se inclui entre aquelas que são reguladas pelo direito objetivo".
regras que disciplinam a macha do processo, inclusive quanto ao exercício do
" Opinião semelhante era a de Humberto Theodoro lúnior, quando ensi­
direito de ação.
nava que a possibilidade jurídica do pedido “consiste na prévia verificação que
Outrossim, tendo em conta que a par do direito de ação existe o direito de nu umbe ao juiz fazer sobre a viabilidade jurídica da pretensão deduzida pela
petição aos órgãos públicos, este sim ilimitado e que não exige forma expressa parte em face do direito positivo em vigor. O exame realiza-se, assim, abstrata e
para seu exercício, não há qualquer ofensa ao citado princípio constitucional idcalmente, diante do ordenamento jurídico.”; 2" embora tal autor tenha refor­
que possa decorrer da existência das condições da ação. mulado seu entendimento acerca do instituto sob o argumento de que “para
efeitos práticos e pedagógicos, o caminho mais recomendável é a limitação das
6.2. As condições da ação no atual . iindições da ação apenas às figuras do art. 2 o, ou seja, o interesse processual e
11 legitimidade de parte.".212
ordenamento processual.
Para parte da doutrina, todavia, a definição de possiblidade jurídica deve
O nosso código trata da ação na Parte geral, Livro II, Título I, onde o art. 17 .it formulada pelo seu aspecto negativo, ou seja, deve-se levar em conta o que
alude expressamente a duas condições da ação, o art. 18 trata do fenômeno da ti sistema jurídico proíbe e não propriamente o que ele permite. É por isso que
substituição processual e os art. 19 e 20 tratam da ação declaratória. Interes- Moniz de Aragão sustenta que “A possibilidade jurídica, portanto, não deve
sa-nos, no momento, observar que o art. 17 exige do autor interesse e legitimi wr conceituada, como se tem feito, com vistas a existência de uma previsão do
dade para que possa propor a ação; mas não se refere, como fazia a lei anterior ordenamento jurídico, que torne o pedido viável em tese, mas, isto sim, com
em preceito de redação semelhante (art. 3o, do CPC de 1973), à possibilidade vistas à inexistência, no ordenamento jurídico, de uma previsão que o torne
jurídica como condição da ação. inviável. Se a lei contiver um tal veto, será caso de impossibilidade jurídica do
A ausência de tal condição da ação no art. 3o, do CPC de 1973, mas sua pedido; faltará uma das condições da ação.”.212
expressa menção no art. 267, VI, também do código revogado, gerou viva
polêmica acerca da existência ou não da possibilidade jurídica como condição
da ação. Afinal, o próprio Liebman, ao retornar para a Itália após o término da LIEBMAN, Enrico Tullio. M a n u a l d e d ir e ito p r o c e s s u a l c iv il. Rio de Janeiro: Forense. 1984. p. 151.
2" Guerra Mundial, quando da publicação da terceira edição do seu manual SANTOS. Moacyr Amaral. P r im e ir a s l i n h a s d e d ir e ito p r o c e s s u a l c iv il. 8* ed. São Paulo: Saraiva,
1992. p. 172.
e por conta da aprovação da lei do divórcio italiana, seu principal exemplo de
1 TEODORO JUNIOR. Humberto. C u r s o d e d ir e ito p r o c e s s u a l c iv il. 7* ed. Rio de Janeiro: Forense,
impossibilidade, retirou a possibilidade jurídica do elenco das condições da 1991. v. Io, p. 56.
ação, relacionando apenas o interesse de agir e a legitimidade de parte. Nesse TEODORO JUNIOR, Humberto. C u r s o d e d ir e ito p r o c e s s u a l c iv il. 47“ ed. Rio de Janeiro: Forense,
sentido a seguinte colocação: “Quando, em determinado caso, faltam as condi­ 2007. v. 1°, p. 66

ções da ação ou mesmo uma delas (interesse e legitimação para agir), dizemos " MONIZ DE ARAGÂO, Egas Dirceu. C o m e n tá r io s a o C ó d ig o d e P ro c e s so C iv il. 6* ED. Rio de
Janeiro: Forense, 1989. v. II, p. 563
Nada obstante as posições acima explanadas, apresenta-se como bastante
interessante a tese ampliativa advogada por Cândido Rangel Dinamarco,JM
para quem o perfil do instituto ainda não se encontra plenamente esboçado,
talvez em razão de tratar-se de teoria recente. Partindo de hipóteses clássi
cas de impossibilidade jurídica, o autor observa que existem diversas causas
que determinam o reconhecimento da falta da condição da ação. No caso da
cobrança de uma dívida de jogo, por exemplo, o pedido que o autor formula
não está desamparado pelo sistema jurídico. Este permite, em tese, o provi
mento jurisdicional condenatório e a cobrança de certa quantia em dinheiro,
assim como ocorre nos casos das demais obrigações. O que impede que o
autor possa cobrar judicialmente a dívida é uma peculiaridade da causa de
pedir, qual seja, a negativa de fundamento jurídico para que a cobrança seja
efetuada. Aí, portanto, a impossibilidade jurídica teria origem na causa de
pedir.
Já no caso da impossibilidade de exame do mérito do ato administrativo
pelo Poder Judiciário, isto em razão do princípio da autonomia dos pode­
res, ocorre outro fenômeno. O sistema jurídico deixou de oferecer qualquer
tipo de ação para que as situações criadas pelo ato pudessem ser revistas. Por
isso, observa a negativa legal de tutela jurisdicional em razão da natureza do
pedido. A impossibilidade, então, reside no âmbito de outro elemento da ação,
qual seja, a não existência de pedido imediato previsto em abstrato.
Por fim demonstra que não é possível alguém propor execução contra
devedor solvente em face da fazenda pública, porque esta goza de prerroga
tiva legal, tendo procedimento próprio que lhe é reservado pelo ordenamento.
Assim, a impossibilidade jurídica residiría, no caso, em aspecto atinente à
qualidade da parte.
Explanadas estas, dentre outras hipóteses, conclui que, entre elas, existe
uma heterogeneidade, “fundamentando-se a negativa de jurisdição na natu­
reza do pedido, às vezes em peculiaridade da causa petendi, ou até na prerro
gativa de que goza uma das partes.". Mas, em que pese a divergência de causas,
todas elas apresentam o traço comum de que o sistema jurídico, aprioristica
mente, indica hipóteses que não serão objeto de julgamento pelo mérito. Em

214
DINAMARCO, Cândido Rangel. E x e c u ç ã o c iv il. 2* ed. São Paulo: RT. 1987. v. Io, p. 213-.
outras palavras, o juiz não pode, em qualquer dos exemplos, julgar o mérito,
porque o próprio sistema legal o proíbe de fazê-lo.
Nesse momento, então, alerta o doutrinador para o fato de que, em nosso
direito, o conceito de demanda é pouco estudado e difundido, como ocorre
entre italianos e alemães. Para eles não é a ação que é proposta, já que esta
representa apenas um poder conferido a alguém. O que se apresenta ao juiz é
uma pretensão (interesse de que o interesse próprio se sobreponha ao interesse
alheio), que é veiculada pela demanda, traduzida esta pelo ato de provocação
da atividade jurisdicional. Se o ato que rompe a inércia judiciária, a demanda,
possui os mesmos elementos que identificam uma ação (as partes, o pedido
c a causa de pedir), então faz sentido concluir que a impossibilidade jurídica
reside nos elementos da demanda; já que as hipóteses estudadas estão relacio­
nadas com o pedido formulado (impossibilidade do exame do mérito do ato
administrativo pelo Poder Judiciário), a causa de pedir (dívida de jogo) e a
uma especial condição da parte (execução contra a pessoa jurídica de direito
público). Por fim, demonstra que a possibilidade jurídica e o interesse de agir
são realidades diferentes, já que este tem caráter eminentemente processual
e "corresponde à utilidade do provimento”, enquanto aquele “é conceito que
recebe mais intensos influxos do direito substancial e se mostra como o reflexo
processual dos limites da área que o próprio direito substancial cobre.”.115
Realmente, não há como negar que a possibilidade jurídica deve ser sempre
aferida tendo em vista o sistema jurídico em vigor. Isso, porque ela decorre
da possibilidade que o sistema confere à parte de buscar o socorro do Poder
Judiciário, com a finalidade de obter a prestação da tutela jurisdicional. Como
pudemos observar nos exemplos acima citados, o que acontece é que o próprio
Estado, por motivos de ordem política, impede que a parte obtenha deter­
minado tipo de prestação jurisdicional, subtraindo-lhe o direito material
respectivo ou impedindo que tenha ação para efetivá-lo. Trata-se, sempre,
do estabelecimento de uma disciplina para a obtenção da tutela jurisdicio­
nal ou, quando a própria Constituição da República permite, uma proibição
quanto a sua obtenção, em exceção ao Princípio da Inafastabilidade da Tutela
Jurisdicional.

Idem, p. 220.
Em sentido contrário as posições acima narradas encontram-se aqueles
que, ainda sob a égide do CPC de 1973, entendiam que a impossibilidade juri
dica não possui natureza jurídica de condição da ação, mas sim de mérito
Nesse sentido, dentre outros, as opiniões de Donaldo Armelin,216 José Miguel
Garcia Medina e Teresa Arruda Alvim Wambier217 e de João Batista Lopes,
para quem, “Em rigor técnico, a impossibilidade jurídica do pedido constitui
matéria de mérito, isto é, se o tipo de tutela não fo r previsto expressamente, ou
se fo r proibido, tem-se, a priori, hipótese de inexistência do direito pleiteado, e
não simples ausência de requisito para julgamento do mérito.”.2™
Entretanto, como já tivemos a oportunidade de asseverar,219 sob a regên
cia do CPC de 1973 e no plano exclusivamente legal, ou seja, sob a óptica do
direito positivo, não restava dúvida de que a possibilidade jurídica era efeti
vamente uma das condições da ação. Isso, porque diversos artigos do CPC
de 1973 indicam a possibilidade jurídica do pedido como condição da ação,
sendo que o art. 267, inciso VI, o mais expressivo a este respeito, determinava
que o juiz deveria extinguir o processo sem resolução de mérito “quando não
concorrer qualquer das condições da ação, como a possibilidade jurídica, a
legitimidade das partes e o interesse processual.” (grifo nosso).
No mesmo sentido, aliás, a posição de Cássio Scarpinella Bueno ao afir­
mar que “..., não há como negar a peculiaridade do direito brasileiro de tê-la
acolhido expressamente e, por isto, nenhuma diferença faz o fato de, doutri-
nariamente, ela ser mais ou menos aceita pelo seu próprio idealizador ou pela
doutrina que se seguiu a ele, no exterior e no Brasil. [...] Destarte, não há como
recusar a possibilidade jurídica do pedido como uma das condições da ação no
direito processual civil brasileiro. Quaisquer críticas que a ela se façam devem
ser recebidas como considerações de lege ferenda, nunca como de lege lata.”.
Toda essa polêmica, como se verificou, que foi travada sob a égide do CPC
de 1973, resta agora superada com a entrada em vigor do novo código, que

2,6 ARMELIN, Donaldo. L e g i t i m i d a d e p a ra a g ir n o d ir e ito p r o c e s s u a l c iv il b ra s ile ir o . São Paulo: RT,


1979. p. 53.
217 MEDINA, |osé Miguel Garcia e WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. P ro c e s so C iv il M o d e r n o . São
Paulo: RT. 2009. v. 1, p. 90
218 LOPES, João Batista. C u r s o d e d i r e i t a p ro c e ss u a l c iv il. São Paulo: Atlas, 2005. v. I, p. 91.
219 OLIVEIRA NETO, Olavo J<\ A d e f e s a d o e x e c u ta d o e d o s te r c e ir o s n a e x e c u ç ã o fo r ç a d a . São Paulo:
RT,
tulotou a idcia de que a possibilidade jurídica deve ser reconhecida como
mérito da causa e não como condição da ação. Isso porque o atual CPC traz
cm seu bojo, no art. 485, VI, regra semelhante a do revogado art. 267, do CPC
ile 1973, mas que não menciona a possibilidade jurídica como condição da
iição. Diz apenas que “O juiz não resolverá o mérito quando: [...] V. verificar
ausência de legitimidade ou de interesse processual.”.
Portanto, com a ausência do termo “possibilidade jurídica” no art. 485, VI,
do CPC, harmoniza-se o sistema processual, deixando de existir contradição
tom o atual art. 17, do mesmo diploma, que se refere apenas a legitimidade de
parte e ao interesse de agir. Está aberta a porta, pois, para o reconhecimento
geral de que a vedação prévia do sistema para que o juiz profira decisão de
mérito é, em verdade, o reconhecimento legal da necessidade de rejeitar a pró­
pria matéria de mérito.
Destarte, é plenamente aceitável e absolutamente pertinente, doravante, a
posição há muito adotada por Calmon de Passos de que a impossibilidade
jurídica é, em verdade, uma das formas de improcedência prima facie. Na
lição do autor “Pode-se concluir, por igual, pela improcedência, quando o tipo
de pedido formulado pelo autor é desconhecido pelo ordenamento jurídico a
que se reporta. Desconhecido porque vetado expressamente, desconhecido por­
que nele não prevista solução que agasalhe sua acolhida. E a igual conclusão
sc chega, pela improcedência, se os fatos narrados desautorizam, de imediato,
como consequência jurídica, em face à previsão abstrata e genérica do direito
objetivo, deferir-se ao autor o bem da vida por ele pretendido.".220
Em resumo, podemos afirm ar que a possibilidade jurídica, sob a égide do
atual CPC, não mais pode ser considerada como condição da ação, devendo
ser reconhecida como matéria atinente ao mérito.
6.3. Elementos da Ação
Explanadas as principais correntes acerca do exercício do direito de ação,
mister se faz estabelecer quais são os elementos que diferenciam uma ação de
outra, na medida em que a compreensão das condições da ação pressupõem,
necessariamente, o conhecimento do perfil dos elementos identificadores da
ação.

: jo CALMON DF. PASSOS, José Joaquim. C o m e n t á r i o s a o c ó d ig o d e p r o c e s s o c iv il. 6 ‘ ed. Rio de


Janeiro: Forense, 1V8V. v. III, p. 265.
Sobre o assunto destaca-se a teoria dos três eadem, ou teoria da trípliu
identidade, segundo a qual a ação tem três elementos essenciais à sua identi
ficação: as partes, o objeto (que segundo o Código de Processo Civil recebe
a denominação de pedido) e a causa de pedir.221 Havendo coincidência des
ses elementos haverá identidade de ações. Caso contrário, dois feitos serão au
menos parcialmente diferentes. Ou, na lição de Carnelutti: “La identidad dei
litígio resulta, como es natural, de la identidad de sus elementos: sujetos, objeto,
prctensión. Si uno de los tres elementos varia, desaparece la identidad.”.222
Essa orientação, embora exista notícia de algumas críticas quanto ao seu
conteúdo,223 é amplamente adotada pelos processualistas e foi transformada
em norma legal pelo legislador pátrio ao definir a identidade de ações, con
forme teor do art. 337, § 2o, do CPC, como já acontecia com o art. 301, §2°, do
CPC de 1973, com redação semelhante a atual.
Vejamos agora, separadamente, os aspectos principais dos três elementos,

a) As partes
A divergência existente entre a teoria concreta e a teoria abstrata da ação
repercutiu no tocante ao entendimento sobre a definição de parte. Sob a égide
da teoria concretista, não se duvidava que parte fosse o titular do Direito
Material litigioso; enquanto para os adeptos das teorias abstratas, o sentido de
parte tinha caráter exclusivamente formal. Alguns autores, com objetivo didá
tico, passaram então a classificar as partes no sentido substancial e processual.

221 PARÁ FILHO, Tomás. E s t u d o s o b r e o c o n e x ã o d e c a u s a s n o p r o c e s s o c iv il. São Paulo: [S.N.l, 196-1.


p. 33. “ V e ja m o s , e m l i n h a s g e r a is , c o m o s e d e s d o b r a a te o r ia d o s tr ê s e a d e m . T o d o o s e u e s fo r ç o í
p a r a a n a l i s a r o u d e c o m p o r o s e l e m e n t o s c o n s t it u t i v o s d a a ç ã o . o s q u a is n ã o s ã o tã o f a c i l m e n t e
r e c o n h e c ív e is c o m o o s d e m a i s d ir e ito s s u b je tiv o s , e m v i r t u d e d a n a t u r e z a i n s t r u m e n t a l d a a ç ã o . A
a ç ã o e x p r e s s a o d ir e ito d e r e c la m a r d o E s ta d o à p r e s t a ç ã o j u r i s d i c i o n a l , n u m c a s o c o n c r e to . Q u e m a
p r o m o v e , m a n i f e s ta p r e t e n s ã o s o b r e c e r to b e m . e m r e la ç ã o a o u t r e m , r e c l a m a n d o d o E s ta d o d e t e r ­
m i n a d a p r o v i d ê n c i a j u r i s d i c i o n a l , is to é, a r e s p e c tiv a t u t e l a . P o r e s s a v ia , p o d e m o s a tin g ir , lo g o , os
e l e m e n t o s e s s e n c ia is d a a ç ã o : a) a s p a r te s , is to é, o s s u j e it o s d a lid e o u d a a ç ã o ; b) o o b je to , is to é,
o b e m a c u jo r e s p e ito s e r e c la m a o p r o v i m e n t o ju r i s d i c i o n a l ; c) a c a u s a d o p e d i d o , is to é, a s r a z õ e s
s o b r e a s q u a i s s e a p ó i a m a p r e t e n s ã o e o p r o v i m e n t o r e c la m a d o . Personae, res (petitum) e causa
petendi s ã o , e m e s s ê n c ia , o s e le m e n t o s in te g r a tiv o s d a a ç ã o ."

’1' CARNELUTTI, Francesco. S i s t e m a d e D e r e c h o P r o c e s a l C iv il. Buenos Aires: Uleha Argentina,


1944. v. 11, p. 16.
223 Arruda Alvim Neto, losé Manoel de. M a n u a l d e d ir e ito p r o c e s s u a l c iv il. São Paulo, RT, 1979. p.
251. “O c r ité r io d a s tr ê s i d e n t i d a d e s , a p e s a r d e te r r e c e b id o c r itic a s , f o r n e c e c la r o e s q u e m a p a r a essa
t a r e f a ”.
Aqueles seriam os titulares do Direito Material controvertido e estes os que
llgtuavam nos polos ativo e passivo da relação jurídico-processual.
I'al distinção, entretanto, não tem mais razão para ser efetuada, a não ser
|ura fins didáticos, com o desiderato de explicar a natureza da definição de
| m i te. Como salientou Liebman “a noção de parte em sentido substancial, que

unia o sujeito da lide ou da relação controvertida (e que um setor de doutrina


i ontrapõe à parte em sentido processual), é estranha à lei e ao sistema de direito
/'rocessual. A chamada parte em sentido substancial, quando não coincide com
ii parte em sentido processual, é apenas um terceiro.".22'*
Atento a tal concepção, Goldschmidt já dizia que as partes não precisam
mm necessariamente os titulares de res in judicium dedueta. Basta, para defi­
ni Ias, aferir quem solicita a tutela jurídica e contra quem essa tutela é pedida.
Nas palavras do autor: “Las partes son los sujetos de los derechos y de Ias car­
gas procesales. En todo proceso civil han de intervenir dos; no se concibe una
demanda contra si mismo, ni siquiera en calidad de representante de otra per-
*ana. Se llama actor ai que solicita la tutela jurídica (is qui rem in judicium
ilcducit), y demandado aquél contra quien se pide esta tutela (is contra quem
res in judicium). No es preciso que las partes sean necesariamente los sujetos
dei derecho o de la obligación controvertidos (es decir, de la “res in iudicium
dedueta”). El conccpto de parte es, por consiguiente, de caráter formal.".222.
Realmente, para a maioria dos estudiosos do processo civil, parte pode ser
definida, hodiernamente, como aquele que pede e contra o qual se pede a
prestação da tutela jurisdicional.
Outrossim, a esse conceito acrescenta Chiovenda que “a identidade física
das partes nem sempre produz identidade subjetiva de ações: a mesma pes-
\oa pode ter diversas qualidades, e duas ações só são subjetivamente idênticas
quando as partes se apresentam na mesma qualidade.”,226 isto é, deve ser veri­
ficado a que título demanda a parte e não apenas sua identidade.
Nesse passo, analisando situação inversa, também pode ocorrer uma
mudança na identidade física da parte, sem que isto venha a modificar sua
qualidade. É o caso da sucessão daquele que figura como parte num dos polos1

1 LIEBMAN, Enrico Tullio. M a n u a l d e d ir e ito p r o c e s s u a l c iv il. Rio de janeiro: Forense, 1984. p. 90.
GOLDSCHMIDT, James. D e r e c h o P r o c e s a l C iv il. Barcelona: Editorial Labor, 1936. p. 191.
" CHIOVENDA. Op. cit., p. 355.
da relação jurídica processual, quando a alteração da parte não implica pro
priamente a alteração da sua qualidade.
A definição de parte como quem pede e contra quem se pede a prestação
da tutela jurisdicional, adotada pela grande massa dos processualistas pátrios
ou não, encontra objeção no pensamento de Liebman, seguido entre nós pot
Cândido Rangel Dinamarco. Liebman diz que “são partes do processo os sujei
tos do contraditório instituído perante o ju iz ”,222 acrescentando que essa con
dição pode ser adquirida: 1) por força da propositura da ação; 2) por força de
sucessão na posição da parte originária; e, 3) por força de intervenção em um
processo pendente. Por isso aquele que propõe a ação e aquele contra quem ela
é proposta, bem como o sucessor, podem ser enquadrados dentro do conceito
de parte já exposto, mas o terceiro interveniente não pode ser considerado
parte, porque nada pede e contra ele nada é pedido no processo.
Diante disso Cândido Rangel Dinamarco, ainda sob a égide do CPC de
1973, aponta que se deve distinguir entre partes na demanda e partes do pro
cesso. Autor e réu, bem como seus eventuais sucessores, seriam partes na
demanda, porque são os que pedem e contra quais se pede a tutela jurisdi­
cional. Já o assistente, "... ingressa na relação processual sem nada demandar
e nem por isso deixa de ganhar a titularidade dos mesmos poderes e mesmos
ônus processuais que tem a parte assistida (art.52); é parte , consequentemente,
ainda que secundária, agregada à principal...”.22S E, para comprovar sua pro
posição, diz o autor que o CPC de 1973 adotou, em seu art. 52, “a linha do
pensamento liebmaniano”,227*229 dando ao assistente o status de parte secundária.
Com o devido respeito à posição delineada, preferimos entender, com a
maioria, que a definição inicialmente indicada é a mais pertinente, já que
também abarca os casos de assistência, seja sob a égide do CPC de 1973, seja
sob a égide do Código atual. Dividida a assistência em simples (art. 121) e litis-
consorcial (art. 124), deve-se observar no primeiro caso que o assistente é um
terceiro e não parte na relação jurídica estabelecida. Ele tem interesse jurídico
na vitória do assistido porque será atingido pelos efeitos da sentença, estando

227 LIEBMAN. Manual, p. 89-90.


221 DINAMARCO, Cândido Rangel. L itis c o n s ó r c io . São Paulo: RT, 1984. p. 8.
229 Idem. Comentário n° 86, p. 115.
Mibordinado à sua atividade. Por isso não pode ser considerado parte, seja na
demanda, seja no processo.
Jã na segunda hipótese, o assistente litisconsorcial é aquele que poderia
in sido parte, mas não foi indicado na inicial como sujeito passivo, isso por
omissão proposital ou não do sujeito ativo. Ele tem relação jurídica com o
adversário do assistido (sujeito ativo) e está abrangido no conceito daqueles
i|ue pedem ou contra os quais se pede a tutela jurisdicional. Mesmo que não
venha a ingressar no feito será atingido como se dele houvesse participado
desde o início, já que entre ele e a parte nomeada existe um regime de unidade
lio que toca aos efeitos da coisa julgada. Portanto, ao contrário do que afirma
,i segunda posição explanada, o assistente ingressa na relação jurídica proces­
sual demandando direito próprio, embora não indicado na inicial como parte,
sendo titular dos mesmos direitos e ônus processuais das partes simplesmente
porque também integra um dos pólos da relação jurídica processual.
Adotamos, pois, a posição inicialmente explanada, considerando partes os
que pedem e contra os quais se pede a prestação da tutela jurisdicional.

h) O Objeto (pedido).
Esse elemento identificador da ação pode ser encontrado no próprio con-
icito de parte, quando se afirma que é autor quem pede e réu contra quem se
pede a prestação da tutela jurisdicional. Toda demanda ajuizada, portanto,
deve conter um pedido de determinada providência objetivada pelo autor, que
visa a impô-la ao réu.
Ora, o autor não traz para apreciação do juiz toda controvérsia que tem
com o réu. Do conflito de interesses entre ambos só é objeto da ação aquilo
que vem delimitado pelo pedido formulado. O que não constou do pedido
não pode ser conhecido e decidido, sob pena de nulidade da decisão proferida,
f por isso que o nosso Código de Processo Civil, quando trata do objeto da
ação, lhe dá o nome de pedido (art. 322-329). Pode-se dizer, pois, com Antônio
( iarlos Marcato, que "o pedido é o objeto da ação, aquilo que se pede ao juiz, a
matéria objeto do provimento jurisdicional.”.230
A doutrina costuma identificar duas espécies de objeto (ou pedido): o
objeto imediato e o objeto mediato. Objeto imediato é o tipo de providência

" MARCATO, Antônio Carlos. A ç ã o d e C o n s ig n a ç ã o d e P a g a m e n to . São Paulo: RT, 1985. p. 64.


jurisdicional que o autor formula e pleiteia ao Estado-juiz (declaratória, cons
titutiva, condenatória, executiva lato sensu e mandamental, no processo d»
conhecimento), enquanto o objeto mediato é o bem da vida que o autor pre
tende obter com o acolhimento do que pleiteou em juízo. Para que haja ideu
tidade de ações, mister se faz que ambos sejam idênticos. Caso contrário, não
ocorrerá litispendência.
O exemplo que se costuma dar para elucidar a questão é o da ação decla
ratória negativa que visa o reconhecimento da não existência de uma divido
e a ação de cobrança judicial do mesmo crédito. Um exame de ambas indica
que existe uma identidade de partes, embora figurem em posições opostas,
e de causa de pedir, já que os fatos e fundamentos jurídicos são idênticos.
Também o pedido mediato é idêntico, uma vez que o bem da vida é o mesmo,
ou seja, um valor determinado oriundo da mesma relação jurídica material.
O objeto imediato, todavia, diverge. Na primeira ação prepondera pedido de
provimento dedaratório, enquanto na segunda prepondera o pedido de pro
vimento condenatório.
Ora, se a ação de cobrança for infundada e, portanto, for julgada impro­
cedente, a sentença proferida será idêntica àquela que será proferida no caso
da ação declaratória negativa. O reverso, entretanto, não é verdadeiro, já que
sentença que julga improcedente a ação declaratória não tem qualquer carga
de condenação, como se verá quando da análise da teoria do título executivo
extrajudicial. Daí a conclusão de que o objeto imediato da ação de cobrança
abrange a negativa do objeto imediato da ação declaratória negativa, o que
apresenta os contornos de continência entre as causas e não de litispendên­
cia. É por isso que o tipo de ação proposta é importante para identificar duas
ações que tramitam simultaneamente.
O perfil completo deste instituto, entretanto, será examinado com maior
profundidade no capítulo que trata especificamente do pedido e de sua estru­
tura básica, após o estudo da petição inicial.

c) A causa de pedir.
Quando o autor propõe a ação ele o faz em função de determinados fatos
que, segundo alega, criaram, modificaram ou extinguiram o direito que
afirma. A conjugação desses fatos com os fundamentos jurídicos que invoca
constitui a causa geradora do pedido que faz perante o juiz, denominada
i .msa de pedir ou causa petendi. Trata-se do terceiro e último elemento iden-
lllicador da ação, que vem positivada no art. 319, III, do CPC, como “o fato e
os fundamentos jurídicos do pedido”.
Torna-se possível extrair da locução legal e da doutrina tradicional que a
causa de pedir se decompõem, portanto, em causa de pedir próxima e causa
de pedir remota. Enquanto esse diz respeito aos fatos articulados na inicial,
aquela diz respeito ao fundamento jurídico invocado.
A necessidade de indicação de uma ou de ambas as formas de causa de
pedir dá ensejo a duas teorias distintas, normalmente relativas à petição ini-
i ial: a teoria da individualização e a teoria da substanciação. Para a primeira,
hasta que o autor descreva o direito que afirma possuir para que se identifique
a ação, enquanto para a segunda existe a necessidade de descrição do fato
constitutivo do pedido.
A adoção da teoria da substanciação permite que o autor possa propor duas
ações semelhantes, desde que fundadas em fatos diferentes. É o caso da ação
de despejo fundada em falta de pagamento e da ação de despejo fundada em
infração contratual, movidas entre as mesmas partes, que seriam considera­
das idênticas se adotada a teoria da individualização.
Nosso código, assim como o seu antecessor, optou pela teoria da subs­
tanciação, já que exige que a petição inicial narre os fatos que dão ensejo ao
pedido e o fundamento jurídico em que o pedido é embasado.

6.3. As condições da ação.

a) Legitimidade de parte
Já abordamos, quando do estudo dos elementos da ação, a definição de
parte, que deve ser entendida como aquele que pede e contra quem se pede
a prestação de tutela jurisdicional. Na ocasião, porém, passamos ao largo do
problema relativo à legitimidade, já que esta, sendo uma condição da ação,
não poderia ter sido abordada no tópico referente aos seus elementos, de modo
atécnico.
Não é tarefa fácil, entretanto, aferir quem pode ser considerado part<
legítima para figurar no polo ativo ou no polo passivo de uma determinada
demanda, o que levou Juan Montero Aroca a observar que “intento de aclanu
um concepto que resulta más confuso cuanto más se escribe sobre él.”11' e Cân
dido Rangel Dinamarco a negar a existência dogmática da legitimidade como
verdadeira condição da ação, afirmando que “Em rigorosa técnica processual,
a legitimidade ad causam insere-se no âmbito do interesse de agir porque sua
falta traduz-se em ausência de utilidade do provimento jurisdicional .”.21J
Nada obstante, embora tenha se tornado clássica a repetida afirmação de
Liebman,231*233234também adotada por Buzaid, no sentido de que a legitimidade de
parte é a pertinência subjetiva da ação; tal definição não se demonstra suli
ciente para dar a entender em que efetivamente consiste a legitimidade. N.i
crítica de Moniz de Aragão “Nota-se nesse conceito aparente círculo vicioso
tem legitimidade para propor a ação aquele a quem esta pertine; a ação por sua
vez pertine àquele que pode propô-la e, por isso, é considerado parte legítima.
Diante de tal realidade, elaborando regras para um estudo sistemático da
legitimação extraordinária, embora sob a ótica do processo de cognição, como
acentua o autor cm sua primeira nota, José Carlos Barbosa Moreira define
legitimação como "... a coincidência entre a situação jurídica de uma pessoa,
tal como resulta da postulação formulada perante o órgão judicial, e a situação
legitimante prevista na lei para a posição processual que essa pessoa se atribui
ou que ela mesma pretende assumir:”. 2M
Em outras palavras, a lei estabelece determinados modelos nos quais a
parte, em tese, estaria legitimada para estar em juízo, defendendo seu alegado
direito. Tais modelos, ou tipos, para utilizar uma linguagem mais comum

231 AROCA, Juan Montero. L a I c g itim a c ió n e m e l p r o c e s o c iv il. Madrid: Civitas, 1994. Apud LIMA
FREIRE, Rodrigo da Cunha. C o n d iç õ e s d a a ç ã o . São Paulo: RT, 2000. p. 73.
231 DINAMARCO, Cândido Rangel. I n s titu iç õ e s d e d ir e ito p r o c e s s u a l c iv il. São Paulo: RT.2001. v. II,
p. 305.
233 LIEBMAN. Manual, p. 157. " L e g itim a ç ã o p a r a a g ir /legitimatio ad causam) é a t i t u l a r i d a d e (a tiv a
e p a s s iv a ) d a a ç ã o . O p r o b l e m a d e l e g itim a ç ã o c o n s is te e m i n d i v i d u a l i z a r a p e s s o a a q u e m p e r te n c e
o in te r e s s e d e a g ir (e, p o is , a a ç ã o ) e a p e s s o a c o m r e fe r ê n c ia a q u a l [ n e i c u i c o n fr o n ti] e le e x is te ; em
o u t r a s p a la v r a s , é u m p r o b l e m a q u e d e c o r r e d a d i s t i n ç ã o e n tr e a e x is t ê n c i a o b je tiv a d o in te r e s s e d t
a g ir e a s u a p e r t in ê n c i a s u b j e ti v a .“.

234 BARBOSA MOREIRA. losé Carlos. A p o n ta m e n t o s p a r a u m e s t u d o s i s t e m á t i c o d a le g itim a ç ã o


e x t r a o r d i n á r ia . RT 409/09.
« rw • « y w » ________ ___________ ^ '

i lòncia jurídica, foram batizados pelo autor com a denominação de “situação


legitimante”. A coincidência entre a situação que a pessoa se atribui quando
postula em juízo (afirmação de direito contida na inicial), com a situação
Irgitimante prevista em lei, ou a tipificação da alegação formulada à hipótese
legal, consiste na legitimação.
Ocorre, porém, que, em determinadas situações, a lei permite que outras
pessoas, que não as titulares do direito alegado, estejam em juizo como parte
legítima. “Quando a situação legitimante coincide com a situação deduzida
em juízo, diz-se ordinária a legitimação; no caso contrário, a legitimação diz-se
extraordinária. Ali, a regra concreta que se vier formular na sentença incidirá
iliretamente sobre a esfera jurídica do próprio legitimado; aqui, incidirá direta-
mente sobre a esfera jurídica de outra pessoa, ou de outras pessoas, conquanto
possa, por via indireta atingir a esfera do legitimado e até seja tal a razão mais
i omum de reconhecer-se eficácia legitimante à situação subjetiva deste. O legi­
timado ordinário deve encontrar na sentença a disciplina de sua própria situa­
rão; o legítimo extraordinário, a disciplina de situação alheia, talvez suscetível
ih• repercutir na sua.”.2iS
A legitimação extraordinária, por seu turno, comporta uma subdivisão, que
.1 classifica em autônoma e subordinada. No primeiro caso, o legitimado atua
em juízo com total independência com relação à pessoa que, originalmente,
■•cria legitimada. Sua atuação não encontra limitação na vontade daquele que,
originalmente, deteria a legitimação, podendo agir livremente. Na segunda
hipótese, porém, a atuação do legitimado extraordinário está subordinada à
.ituação daquele que é, ordinariamente, legitimado, já que, apenas este, pode
propor a ação ou respondê-la, ficando o legitimado extraordinário em posição
acessória com relação ao autor e ao réu.
For fim, a legitimação extraordinária autônoma comporta, ainda, uma
ultima subdivisão, no sentido de ser concorrente ou exclusiva. Nesta a atuação
ilo legitimado extraordinário impede que o legitimado ordinário participe do
processo como parte principal, enquanto naquela o legitimado extraordinário
r o ordinário podem promover ou sofrer a ação em igualdade de condições.

|ll ldem, p. 10.


Planificando tal situação, podemos obter o seguinte esquema:
Ordinária Concorrente
Legitimação Autônoma
Extraordinária Exclusiva
Subordinada
Tal classificação, como demonstra o autor, propicia uma correta aprecia
ção dos casos de legitimação extraordinária no processo de conhecimento,
fazendo com que seja possível explicar diversas hipóteses de intervenção no
processo, como os casos de substituição processual, onde existe legitimação
extraordinária autônoma exclusiva.
Nesse passo, podemos afirmar que a legitimidade de parte nada mais é do
que a coincidência entre a situação legitimante prevista em lei (em todas as
suas modalidades), com a afirmação de direito contida na inicial.
Tal definição importa na conclusão de que a legitimidade deve sempre ser
aferida segundo a afirmação de direito constante da petição inicial e de fornia
hipotética;236 situação que faz com que, no mundo empírico, por exemplo, o
resultado negativo de um exame de DNA em ação de investigação de paterni
dade não implique a carência da ação por ilegitimidade de parte, mas sim na
sua improcedência em razão da não existência do direito.
Salientamos, por fim, que as considerações relativas a legitimidade de
parte no processo de execução serão estudadas em tópico próprio, quando do
estudo da admissibilidade em tal tipo de processo, isso devido ao relevante
papel que a doutrina atribui ao título executivo em relação as condições da
ação executiva.

b) Interesse de agir.
Interesse, segundo leciona Calmon de Passos, "é a relação que se estabelece
entre uma necessidade e o bem que pode satisfazê-la. Seja necessidade de ordem
material, seja necessidade de ordem imaterial (moral, psicológica, intelectual,

J56 LOPES, João Batista. C u r s o d e d ir e ito p r o c e s s u a l c iv il. São Paulo: Atlas, 2005. v. I, p. 9 2 . ",I n s is ta - s e ,
p o r é m : e s sa a n á lis e d a le g i t i m i d a d e é s e m p r e f e i t a n o p la n o h ip o té tic o , c o m o se se d iss e ss e : a d m i t i n ■
d o - s e . p o r h ip ó te s e , a e x is tê n c ia d o d ir e ito , q u e m é o t i t u l a r a t i v o e e m f a c e d e q u e m e sse d ir e ito é
e x e r c id o ? "
v . vmiiM V wk n«jnw &v#

1'iplrítual, etc.).".1*7 Quando esse interesse está protegido pelo direito, surge,
rnt.in, um interesse jurídico, que não se confunde com o interesse processual.
Uso porque se trata de um interesse primário, que pode ser satisfeito sem a
interferência do órgão jurisdicional. A partir do momento em que o sujeito
lem o seu interesse insatisfeito, seja por oposição de outrem ou por qualquer
nutro fator, surgindo a necessidade de buscar o amparo do Poder judiciário
para obtê-lo, nasce o interesse processual.238
lál distinção também é formulada por Liebman,239 que afirma que “o inte­
resse de agir é o elemento material do direito de ação e consiste no interesse cm
obter o provimento solicitado. Ele se distingue do interesse substancial, para
i uja proteção se intenta a ação, da mesma maneira que se distinguem os dois
elementos correspondentes: o substancial que se afirma pertencer ao autor e o
processual que se exerce para a tutela do primeiro. Interesse de agir é, por isso,
um interesse substancial, secundário e instrumental com relação ao interesse
mbstancial primário; tem por objeto o provimento de um interesse primário
lesado pelo comportamento da parte contrária, ou, mais genericamente, pela
atuação de fato genericamente existente
Observa-se, pois, que o interesse de agir tem evidente natureza processual,
u&o se confundindo com o interesse em obter determinado bem da vida, que
t fundado no direito material. O interesse processual é a necessidade de obter
do Estado-juiz um provimento acerca de um interesse substancial insatisfeito.
A partir de tal ideia, Cândido Rangel Dinamarco240 introduziu e desenvol­
veu no Brasil doutrina dos alemães Stein e Neuner, segundo a qual, o interesse
de agir se funda em dois elementos distintos: a necessidade e a adequação do
provimento jurisdicional. Esse pensamento calou fundo nos processualistas
pátrios que, hoje, adotam, em sua maioria, tal pensamento. Dentre diversos
autores podemos citar:

Op. cit. p. 268.


’ Idem. p. 269. Nas palavras do autor: “E s ta n e c e s s id a d e n o v a e e s te b e m d a v id a o r i g i n a r i a m e n t e
d e s e ja d o e c o n s e q u e n te s a tis fa ç ã o d o b e m d a v id a o r i g i n a r i a m e n t e c o n s titu íd o , é o q u e s e d e n o m i n a
in te r e s s e p r o c e s s u a l. E m o u tr a s p a la v r a s , n e c e s s id a d e d a p r o te ç ã o j u r i s d i c i o n a l , n e c e s s id a d e d a
t u te la j u r í d i c a p e l o E s t a d o - ju i z .“.

LIEBMAN. M a n u a l ..., p. 154.


"" DINAMARCO. E x e c u ç ã o ..., p. 230.
a) Calmon dc Passos - "Assim, tanto carece de ação, por Jalta de interesse vemos distinção entre a necessidade, a utilidade e a adequação do provimento
processual, quem aciona por dívida ainda não exigivel (falta do interesse-ne |ui isdicional.
cessidade), como a tutela de uma pretensão suscetível apenas de ser posta como ( ]omo já tratado, o interesse de agir tem natureza preponderantemente
objeto de um processo de conhecimento (falta de interesse-adequação).”;24' processual, não se confundindo com o interesse primário ou substancial. Mas
b) Vicente Greco Filho - “O interesse processual, portanto, é uma relação essa condição da ação, assim como as demais, deve ser aferida, tendo em conta
de necessidade e uma relação de adequação, porque é inútil a provocação do n próprio direito material objeto da ação, já que tais condições são “verdadeiro
tutela jurisdicional se ela, em tese, não fo r apta a produzir a correção da lesão ponto de contato entre a ação e a situação jurídica de direito material.”.2'6
argiiida na inicial.”-,2
41242 A necessidade de se obter um provimento jurisdicional é, realmente, uma
c) Ernani Fidelis dos Santos - “A ausência de conflito de interesses e a falto torma secundária de realização de um direito, já que só terá razão de ser na
de adequação do pedido do autor revelam falta de interesse processual, que é o medida em que não ocorre o cumprimento natural de uma obrigação. Assim,
terceira condição da ação.”; 243 alere-se a necessidade do ponto de vista unicamente processual, isto é, a parte
precisa propor a ação e, com isso, acionar o Poder Judiciário, para obter aquilo
d) José Rogério Cruz e Tucci - "0 interesse processual deve ser aferido em
que deveria ser cumprido espontaneamente.
função da necessidade da tutela jurisdicional e da adequação do remédio judi
ciai eleito pelo autor.”.2™ Já a utilidade, entretanto, em que pese o pensamento da doutrina até aqui
exposta, não tem natureza exclusivamente processual, mas também de direito
Em resumo, pois, poderiamos concluir, com os renomados autores, que
material, sendo aferida principalmente neste aspecto. Aqui, observa-se qual
a adição do interesse-necessidade, que tem em vista também a utilidade do
é o interesse primário a ser recomposto, dando à parte aquilo e exatamente
provimento, ao interesse-adequação resulta no interesse de agir. Ou, que o
aquilo que teria, se a obrigação fosse naturalmente cumprida. A instauração
interesse de agir é representado pela necessidade de se obter um provimento
c desenvolvimento de um processo sem se levar em conta a transformação
jurisdicional útil, mediante a utilização do tipo de ação adequada.
que este deve produzir no mundo empírico, por si só, descaracteriza o seu
Para Tereza Arruda Alvim Wambier, porém, o elemento adequação está caráter instrumental de veículo para realização do direito material, o que não
contido na ideia de utilidade. Por isso assevera: “Parece-nos, entretanto, que é admissível, pois se estaria desconsiderando um dos Princípios Informativos
no binômio de que se falou - utilidade e necessidade - está embutida a idéia de do Processo Civil, que é a instrumentalidade.
‘adequação’, pois se a via escolhida é inadequada, por conseguinte, é inútil. Só
Noutros termos, ao examinar a inicial e aferir a existência das condições
a via adequada há de ser útil para que, teoricamente (= se fundado o pedido),
da ação, deve o juiz levar em conta a utilidade prática que o autor terá ao obter
possam ser atingidos os objetivos colimados ”. 245
uma sentença de mérito. Caso contrário estará aberta a porta para emulações
Cremos, porém, permissa venia, que se pode avançar um pouco na análise pessoais, com nítido prejuízo à atividade jurisdicional.
dos elementos que formam o interesse de agir e, com isso, dar-lhe uma cono­
Seria, no aspecto prático, permitir a utilização da via executiva para cobrar
tação mais adequada àquilo que entendemos acerca do instituto. Isso porque
urna dívida de apenas um real. Nessa hipótese o credor possui interesse-ne­
cessidade, já que a obrigação não foi espontaneamente cumprida, de acionar
241 CALMON DE PASSOS. C o m e n tá r io s , p. 269.
o Poder Judiciário para obter a sua satisfação. Todavia, qual a utilidade que
242 GRECO FILHO, Vicente. D ir e ito p r o c e s s u a l c iv il b r a s ile ir o . 19* ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 84.
obterá no mundo empírico? Com certeza nenhuma.
243 SANTOS, Ernani Fidelis dos. M a n u a l d e d ir e ito p r o c e s s u a l c iv il. 12’ ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
v. 1, p. 54.
244 CRUZ E TUCCI, José Rogério. C a u s a p e t e n d i n o p r o c e s s o c iv il. São Paulo: RT, 1993. p. 138. CINTRA, Antonio Carlos Araújo, GRINOVER, Ada Pelegrini e DINAMARCO, Cândido Rangel.
245 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. N u l i d a d e s d a s e n te n ç a . 4“ ed. São Paulo: RT, 1998. p. 47. T e o r ia g e r a l d o P ro c e sso . 6* ed. São Paulo: RT, 1986. p. 217.
Poder-se-ia objetar tal conclusão o fato de que executar uma dívida de um
milhão ou de um real são situações idênticas no que toca ao aspecto jurídico,
não havendo diferença entre o direito de cada credor, mas apenas distinção no
que toca a quantificação.
Todavia, os Princípios do Acesso a Justiça, da Instrumentalidade e da Ele
tividade aproximam o processo civil, cada vez mais, do cam inho da verdade
real, mitigando o dogma frio e insensível da verdade formal, que já não mais
tem validade absoluta no que toca a certos tipos de Direitos, como, por exem
pio, dentre outros, os ligados aos hipossuficientes, à família, os relativos ao
estado da pessoa e aos interesses difusos ou coletivos.
Por fim, deve o autor utilizar-se, ainda, do meio adequado que o sistema
lhe confere para alcançar a recomposição do seu direito, sob pena de faltar-lhe
interesse. Meio adequado esse que também não pode ser confundido com a
utilidade. Tomemos, como exemplo, o fato do locador que propõe ação de
reintegração de posse, alegando que tem com o réu uma relação de comodato.
Neste caso existe a necessidade de socorrer-se do Judiciário, porque o réu sc
nega a desocupar o imóvel. A utilidade do provimento é manifesta, na medida
em que o réu será compelido a deixar o imóvel, podendo o autor ocupá-lo.
Porém, a ação escolhida pelo autor não permite ao juiz que decida a questão
de mérito, isto é, se houve ou não o descumprimento do contrato de locação.
Isso porque estaria conhecendo e julgando matéria diversa da que foi alegada
na petição inicial, o que implica evidente nulidade da sentença. Por isso, nos
deparamos com situação onde existe a necessidade e a utilidade empírica do
provimento pedido, mas não existe possibilidade de alcançá-las em razão da
utilização da via não adequada, devendo o juiz reconhecer a carência da ação.
Na hipótese do exemplo, na prática, costuma o réu alegar a ilegitimidade
de parte. Diz que não faz parte da relação locatícia e que, por isso, não pode
figurar no polo passivo da ação. Porém, como se viu, trata-se de caso de carén
cia da ação por falta de interesse de agir, decorrente da inadequação do pro­
vimento jurisdicional. O réu não é parte ilegítima porque ocupa o imóvel e
sofrerá as consequências de uma decisão que determine sua desocupação, seja
em função de relação locatícia, seja em função de relação de comodato, preen­
chendo, assim, a situação legitimante do sujeito passivo. Em outras palavras,
contra ele será executado o pedido mediato, que é a desocupação do imóvel.
I »i.intc do exposto, pois, podemos afirm ar que o interesse de agir é repre-
Mtntado pela necessidade de acionar o Poder Judiciário, visando à obtenção
<1. provimento jurisdicional útil no mundo empírico, mediante uso adequado
■l< m eios colocados à disposição da parte pelo sistema jurídico vigente. Com
liv>, aglutinamos na definição os três requisitos que consideramos necessá-
ilos á composição do interesse de agir, que são a necessidade, a utilidade e a
ulequação do provimento jurisdicional.

Verificação de Aprendizagem
01 Em que consistem a chamada teoria imamentista e as teorias que pregam
a autonomia e a abstração do direito de ação?
Diante do Princípio da Inafastabilidade do Controle Jurisdicional é
possível sustentar, sob a égide do novo CPC, a existência das condições
da ação?
01 Diante do conteúdo do novo CPC, em especial dos art. 17 e 485, V,
é possível sustentar a existência da condição da ação denominada
possibilidade jurídica?
04. Quais são os elementos da ação?
05. Como se subdivide o pedido e a causa de pedir?
00. Em que consiste a legitimidade de parte?
07. Como se subdivide o interesse de agir?
Planificação para aula
-D. Romano - Não há ação sem o respectivo D. material.
-T. Civilista (Imamentista) -Idem. Ação é faceta do direito
material. “Não há ação sem direito; não há direito sem ação,
a ação segue a natureza do direito material.”
1) Evolução
-Concreta (Chiovenda) - Lcl
representa a vontade geral e abstrata
Norma violada da ensejo a vontadi
concreta, que quer a recomposição
do estado anterior.
-T. Autonomia
-Abstrata.
Ex. Ação improcedente e declaratória negativa (Wacli
1888)
-T. Liebman - autônoma e condicionada.

- Partes (Sent. substancial e processual)


-Imediato (tutela jurisdicional)
2) Elementos - Pedido
(objeto) -Mediato (bem da vida)
-Próxima (fundamento jurídico)
- Causa de pedir
-Remota (fatos)
Leg. Parte - Pertinência subjetiva da ação. Legitimação
ordinária e extraordinária. Situação legitimante coincide
com a afirmação de direito da inicial.
\) Condições
- necessidade (direito processual)
- Int. de agir - utilidade (direito material)
- adequação

A possibilidade jurídica, que é a prévia proibição a que se preste tutela


jurisdicional em determinada hipótese, na estrutura do CPC atual deve
ser considerada como mérito da causa.

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UAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades da sentença. 4a ed. São Paulo:
RT, 1998.
7. PROCESSO

7.1. Principais vertentes de pensamento acerca da natureza do processo. 7.1.1. N atu­


reza contratual. 7.1.2. O processo como relação jurídica. 7.1.3. Outras concepções
relevantes sobre a natureza do processo. 7.1.4. A revisitação do processo. 7.1.5. O que
é instituição? 7.1.6. O processo como instituição constitucional. 7.2. Definição. 7.3.
Finalidades. 7.4. Características. 7.5. Pressupostos.

7.1. Principais vertentes de pensamento


acerca da natureza do processo.
Assim como nos outros ramos da ciência jurídica, o Direito Processual
t ,'ivil trata de alguns temas em que a polêmica é bastante acentuada, não sendo
possível a realização de um estudo sério sem uma apresentação inicial da evo­
lução do instituto. É exatamente o que acontece com a natureza jurídica do
processo, discussão que se arrasta ao longo dos séculos, mormente tendo em
vIsta a volatilidade do conceito, que varia conforme o momento histórico que
.(■vive e os valores de determinada sociedade em certo momento, o que faz
i om que seja sempre interessante e conveniente um olhar sobre o problema.
Daí a advertência inicial formulada por Ada Pellegrini Grinover et all, no
sentido de que "Tão variadas são as teorias acerca da natureza jurídica do
processo e tantas divergências surgiram a respeito, que alguns autores chegam
<i manifestar ceticismo quanto à possibilidade de uma conceituação científica,
pilando do processo como jogo, do mistério do processo, afirmando que ele
r como a miséria das folhas secas de uma árvore, ou vendo nele uma busca
proustiana do tempo perdido.”.2"17
Nada obstante, vejamos as principais teorias acerca da natureza do processo.

7.1.1. Natureza contratual.


O processo civil de Roma, como já vimos, apresenta três períodos distin­
tos e sucessivos: a) o período da Legis actiones, em que o interessado usava
das ações previstas perante um particular, que instruía e julgava a demanda

1 GRINOVER, Ada Pellegrini, ARAÚJO CINTRA, Antonio Carlos, DINAMARCO, Cândido Ran­
gel. T e o r ia g e r a l d o p r o c e s s o . 18" e.. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 278.
sempre na presença das partes; b) o período Per formula (Formulário ou ( 'lá»
sico), em que o interessado recebia uma fórmula para o exercício do direito di
ação, normalmente escrita na madeira, levando ainda ao particular a instru
ção e decisão do feito; e, c) o período da Cognitio extra ordinem, em que um
agente oficial recebia, instruía, julgava e executava a sua decisão.
Nos três períodos, ao que parece, os romanos entendiam que a submissão
das partes ao processo se dava por força de um contrato, na medida em que o
interessado praticava os atos necessários à instauração do procedimento e o
sujeito passivo, ao apresentar resistência (litiscontestatio), concordava com sua
própria submissão ao que fosse decidido. Em outras palavras, a conduta ativa
do interessado e a resistência do sujeito passivo eram compreendidas como
um contrato tácito, em que ambos se comprometiam a se submeter à decisão
que fosse proferida.
Essa ideia do processo como um contrato, como indicam Ada Fellegrini
Grinover et all,148 foi englobada pela doutrina francesa dos séculos XVIII c
XIX, pois era a que mais se aproximava dos ideais da sociedade como con
trato social, que gozavam de repercussão e prestígio social na época.
Todavia, como as partes em verdade não teriam liberdade para contratai
quando existe um processo em juízo, a ideia do processo como contrato foi
abandonada, havendo uma tentativa de enquadrá-lo como quase-contrato. Em
outros termos, como não seria possível um contrato contrário à vontade das
partes, sua submissão à decisão proferida advinha de algo que era quase um
contrato, mas sem a necessidade de manifestação de vontade, que era suprida
pela vontade da lei. Tanto uma quanto outra concepções restaram totalmente
abandonadas, na medida em que o processo passou a ser observado sob á
óptica do direito público e não do direito privado.

7.1.2. O processo como relação jurídica.


A concepção do processo como relação jurídica foi elaborada por Oscar
Von Biilow, na obra Die Lehre den prozesseinreden und die Prozessvoraus
setzungen, em Giessen, agosto de 1868, ocasião em que sustentou que o pro
cesso é uma relação existente entre os sujeitos, inclusive o juiz, diversa da rela
ção jurídica de direito material controvertida. Trata-se de relação que guarda

Idem. p. 279.
luilonomia em face da relação de direito material, sendo complexa porque
estabelece direitos, deveres, ônus e obrigações recíprocos entre todos os parti­
cipantes do processo.
Para o autor “O processo é uma relação jurídica que avança gradualmente
f que se desenvolve passo a passo. Enquanto as relações jurídicas provadas que
constituem a matéria do debate judicial, apresentam-se como totalmente con-
cluídas; a relação jurídica processual se encontra em embrião. /.../ Esta ativi­
dade ulterior decorre também de uma série de atos separados, independentes
r resultantes uns dos outros. A relação jurídica processual está em constante
movimento e transformação.”. E arremata que o processo deve ser visto
como uma relação de direito público, que se desenvolve de modo progressivo,
entre o tribunal e as partes, ...”.2A'>
Em seguida, após sustentar que o processo é uma relação jurídica diversa
c independente da relação jurídica de direito material controvertida, o autor
propõe que os elementos constitutivos desta relação processual devem ser
i hamados de “pressupostos processuais”; estando o juízo obrigado a conhecer
ambos os aspectos quando chamado a proferir sua decisão.
Nas palavras do próprio autor: “Com os mencionados grupos de requisi­
tos processuais - os pressupostos processuais - acrescenta-se à relação litigiosa
substancial existente no processo (a chamada merita causae) uma matéria de
debate mais ampla e particular. O tribunal não somente deve decidir sobre a
existência da pretensão jurídica em pleito, mas também, para poder fazê-lo,
deve certificar-se se concorrem as condições de existência do processo mesmo:
ademais do suposto de fato da relação jurídica privada litigiosa {da res in judi-
cium dedueta [coisa deduzida em juízo (ou levada a juízo)]} deve comprovar se
dá-se o suposto de fato da relação jurídica processual (do judicium).”.250
Já tivemos, anteriormente, a oportunidade de afirm ar nossa filiação a tal
corrente de pensamento,251252 que também é adotada pela maioria dos autores,

" BÜLOW, Oskar Von. T e o r ia d a s e x c e ç õ e s e d o s p r e s s u p o s to s p r o c e s s u a is . Campinas: LZN. 2003. p.


06-07.
1,0 Idem. p. 10.
" ' OLIVEIRA NETO, Olavo de. C o n e x ã o p o r p r e j u d ic ia l i d a d e . São Paulo: RT, 1994.
OLIVEIRA NETO, Olavo de. A d e fe s a d o e x e c u ta d o e d o s te r c e ir o s n a e x e c u ç ã o f o r ç a d a . São Paulo:
RT, 2000.
dentre outros: Arruda Al vim,253 Calmon de Passos,2'3 Cândido Rangel Dina
marco,255 Cassio Scarpinella Bueno,256 Clito Fornaciari Junior,257 Eduardo
Talamini,258 Flávio Renato Correia de Almeida,259260*Fredie Didier Junior, "
Gelson Amaro de Souza,251 Gilson Delgado M iranda,252 Humberto Theo
doro Junior,263 José Carlos Barbosa Moreira,264 José Frederico Marques,265 Jo m
Miguel Garcia Medina,266 Jorge Luis DalTAgnol,267 Luiz Rodrigues Wam
bier,268 Marcos Destefenni,269 Marcos Vinícius Rios Gonçalves,270 Moacyi
Amaral Santos,271 Ovídio Baptista da Silva,272 Paulo Lúcio Nogueira,273 Pinto

255 ARRUDA ALVIM, José Manoel de. M a n u a l d e d ir e ito p r o c e s s u a l c iv il. 7* e.. São Paulo: RT, 2001
'4 CALMON DE PASSOS, José Joaquim. C o m e n t á r i o s a o C ó d ig o d e P ro c e s so C iv il. 6* e.. Rio d<
Janeiro: Forense, 1989.
255 DINAMARCO, Cândido Rangel. I n s titu iç õ e s d e d ir e ito p r o c e s s u a l c iv il. São Paulo: Malheiroy
2001.
256 BUENO, Cássio Scarpinella. C u r s o s i s t e m a t i z a d o d d i r e it o p r o c e s s u a l c iv il. 3* e.. São Paulo
Saraiva, 2009.
287 FORNACIARI JUNIOR, Clito. D a r e c o n v e n ç ã o n o d ir e ito p r o c e s s u a l c iv il b r a s ile ir o . 2" e.. São
Paulo: Saraiva, 1983.
251 TALAMINI, Eduardo. C u r s o a v a n ç a d o d e p r o c e s s o c iv il. 7* e.. São Paulo: RT, 2005.
254 ALMEIDA, Flávio Renato Correia de. C u r s o a v a n ç a d o d e p r o c e s s o c iv il. 7a e.. São Paulo: RT, 2005,
260 DIDIER JUNIOR, Fredie. C u r s o d e d ir e ito p r o c e s s u a l c iv il. Salvador: Podium, 2007.
241 SOUZA, Gelson Amaro de. C u r s o d e d ir e ito p r o c e s s u a l c iv il. Presidente Prudente: Data Júris,
1998.
262 MIRANDA, Gilson Delgado. P r o c e d im e n to s u m á r i o . São Paulo: RT, 2000.
265 THEODORO JUNIOR, Humberto. C u r s o d e d i r e it o p r o c e s s u a l c iv il. 47“ e.. Rio de Janeiro
Forense, 2007.
244 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. O n o v o p r o c e s s o c iv il b r a s ile ir o . 25“ e.. Rio de Janeiro: Forense.
2007.
265 FREDERICO MARQUES, José. M a n u a l d e d ir e ito p r o c e s s u a l c iv il. São Paulo: Saraiva, 2002.
244 MEDINA, José Miguel Garcia. P r o c e s s o C iv il m o d e r n o . São Paulo: RT, 2008.
247 DALL' AGNOL, Jorge Luis. P r e s s u p o s to s p r o c e s s u a is . Porto Alegre: Lejur, 1988.
244 WAMBIER, Luiz Rodrigues. C u r s o a v a n ç a d o d e p r o c e s s o c iv il. 7“ e.. São Paulo: RT, 2005.
247 DESTEFENNI, Marcos. C u r s o d e p r o c e s s o c iv il. São Paulo: Saraiva, 2006.
270 GONÇALVES, Marcos Vinícius Rios. N o v o c u r s o d e d i r e it o p r o c e s s u a l c iv il. 4* e.. São Paulo:
Saraiva, 2007.
271 SANTOS, Moacyr Amaral. P r im e ir a s lin h a s d e d ir e ito p r o c e s s u a l c iv il. 25“ e.. São Paulo: Saraiva,
2007.
272 SILVA, Ovídio Baptista da. C u r s o d e p r o c e s s o c iv il. 7“ e.. Rio de Janeiro: Forense. 2005.
273 NOGUEIRA, Paulo Lúcio. C u r s o c o m p le to d e p r o c e s s o c iv il. São Paulo: Saraiva, 1990.
I crreira, ‘ Sérgio Seiji Shimura;175Teresa Arruda Alvim Wambier374e Vicente
<liceu Filho.177
Nada obstante o posicionamento majoritário da doutrina acerca do pro-
i osso ter a natureza de relação jurídica processual, outras explicações foram
elaboradas, contrárias à teoria de Bülow, sobre a concepção de processo, como
adiante se verá.

7.1.3. Outras concepções relevantes


sobre a natureza do processo.
Como se viu no início do presente capítulo, são inúmeras as teorias que
pretendem explicar a natureza jurídica do processo, sendo que algumas delas
despertam atenção em razão da sua substância. Dentre todas merecem men-
i.io, além das já citadas, as teorias do processo: a) como serviço público, b)
como situação jurídica, c) como instituição jurídica, e, d) como procedimento
cm contraditório.
Noticia Carreira Alvim que “Dentre as chamadas teorias publicistas, alguns
vislumbram o processo como serviço público (Gaston Jezè). É a teoria dos cultores
ilo Direito Constitucional e do Direito Administrativo. [...] As regras processuais
mio seriam normas jurídicas impositoras do cumprimento de determinadas
obrigações em face de determinados direitos, mas instruções a respeito daquilo
que o Estado considerou melhor para se alcançar a finalidade do processo.'.2'*
Embora um pouco vaga a ideia apresentada, pensar a prestação da tutela
jurisdicional sob a ótica do seu consumidor, colocando o Estado ao seu dispor
apenas alguns “produtos” pré-determinados, com o devido respeito, seria prá-
lica contrária ao princípio da inafastabilidade do direito de ação, o que con-
Iraria nosso Modelo Constitucional de Processo. Ademais, o serviço público
não seria propriamente o veículo processo, mas sim a prestação da tutela

' FERREIRA, Pinto. C u r s o d e d i r e it o p r o c e s s u a l c iv il. Sâo Paulo: Saraiva, 1998.


SHIMURA, Sérgio Seiji. A r r e s to c a u te la r . São Paulo: RT, 1993.
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. P r o c e s s o C iv il m o d e r n o . São Paulo: RT, 2008.
GREGO FILHO, Vicente. D ir e ito p r o c e s s u a l c iv il b r a s ile ir o . 19a e.. São Paulo: Saraiva, 2006.
’ CARREIRA ALVIM, J.E. . E le m e n to s d e te o r ia g e r a l d o p r o c e s s o . 7* e.. Rio de Janeiro: Forense,
1998. p. 136-137.
jurisdicional, assim compreendida como o conjunlo de todas as modalidade»
de atos processuais praticados em prol da satisfação da pretensão dedu/id.i
em juízo.
Atribuindo a Kohler a elaboração do conceito de situação jurídica, Jame»
Goldschimidt considera o processo como tal, asseverando que: “Pode comr
ber-se o direito como um conjunto de imperativos que devem ser seguidos pel <>'
submetidos às regras jurídicas, porém também como uma série de normas qtii
devem ser aplicadas pelo juiz. [...] A partir desse ponto de vista, as normas ju rí
dicas constituem, para os submetidos a ela, as cominações de que o ju iz obser
vará determinada conduta, e, em última análise, de que ditará uma sentença
judicial de determinado alcance. Os vínculos jurídicos que nascem daqui entn
as partes não são propriamente ‘relações jurídicas’ (consideração 'estática” do
direito), isto é, não são faculdades nem deveres no sentido de poderes sobre
imperativos ou mandamentos, senão situações jurídicas (consideração ditu)
mica do direito), quer dizem, situações de expectativa, esperanças de conduto
judicial que há de produzir-se e, em última análise, da decisão judicial futuro,
numa palavra: expectativas, possibilidades e ônus.”.279
Nota-se, portanto, que o autor nega que o processo tenha a natureza de
uma relação jurídica, sustentando que as partes não têm direitos ou deveres no
processo, mas apenas a expectativa de que a decisão final venha a ser proferida
dentro das regras jurídicas previstas no sistema. Trata-se de um aglomerado
de incertezas para ambas as partes, que têm o ônus de praticar determinados
atos processuais, o que não lhe garante o acolhimento de suas pretensões.
Também Jaime Guasp contesta a doutrina que vê no processo uma relação
jurídica, propondo que se trata, em verdade, de uma instituição. Isso porque
“Instituición es un conjunto de actividades relacionadas entre si por el víncolo
de una idea común y objetiva a la que figuran adheridas sea esa o no su fina
lidad individual, las diversas voluntades particulares de los sujetos de quienes
procede aquella actividad. Hay, pues, dos elementos fundamentales em todo
la instituición: la idea objetiva o común y a las vontades particulares que sc
adhieren a la misma; [...] A sí entendido, el processo es, por su naturaleza, uma
verdadera instituición.”280*
2

2,9 GOLDSCHM1DT, (ames. D ir e ito p r o c e s s u a l c iv il. Campinas: Bookseller, 2003. p. 21.


2,0 GUASP, Jaime. D e r e c h o p r o c e s a l c iv il. i ‘ e .. Madríd: Instituto de Estúdios Políticos, 1968. T. I, p.
22.
Nesse passo, para tal corrente de pensamento, como há no processo um
conjunto de atividades (conjunto dos atos processuais) destinadas a um obje-
i ivo comum (marcha dos atos processuais em prol do avanço do processo e de
uma decisão que solucione o mérito), aderindo às partes a esse desenvolver de
atividades vinculadas (participação das partes na formação dos atos do pro-
«isso); deve-se pensar no processo como instituição jurídica.
For fim, além das correntes acima expostas, há ainda o pensamento de
I lio Fazzalari, para quem o processo nada mais é do que um procedimento
permeado pelo contraditório.
Ensina o autor que o processo "... é um procedimento do qual participam
(não habilitados a participar) aqueles em cuja esfera jurídica o ato final é desti­
nado a desenvolver efeitos: em contraditório, e de modo que o autor do ato não
possa obliterar as suas atividades. Não basta, para distinguir o processo do pro-
i alimento, o relevo que no processo tem a participação de mais sujeitos, cujos
atos que o constituem são movidos não somente pelo autor do ato final, mas
também por outros sujeitos. [...] É necessária alguma coisa a mais e diversa;
uma coisa que os arquétipos do processo nos permitem observar: a estrutura
dialética do procedimento, isto é, justamente, o contraditório.”.m
Em suma, portanto, estas são as principais correntes de pensamento, além
ilas aduzidas nos itens anteriores, acerca da natureza jurídica do processo.

7.1.4. A revisitação do processo.


Levando-se em conta que as discussões acerca da natureza jurídica do pro-
icsso, em sua grande maioria, são anteriores aos novos paradigmas do direito
processual civil (capítulo 02, supra), torna-se de rigor a conclusão de que há
também que se revisitar o processo, para aquilatar se a teoria da relação jurí­
dica atende ao novo perfil imposto pelo Modelo Constitucional do Processo
Civil.
Para João Batista Lopes a resposta a tal questão é negativa. Sustenta o
autor que "A clássica concepção de processo como relação jurídica, que já fora
impugnada por Goldschmidt, não se ajusta ao modelo constitucional de pro­
cesso civil, pós-constituição de 1988.”.2*2 No mesmo sentido a opinião de José

1 FAZZALARI. Elio. I n s t i t u i ç õ e s d e d ir e ito p r o c e s s u a l. Campinas: Rookseller, 2006. p. 118-119.


LOPES, João Batista. A^iio d e c la r a tó r ia . São Paulo: RT, 2009. p. 26.
//o l i v m j II ~ IIN3IIIUIU3 r W fW W m iffW f l/V v n r v s n w m u v u n r n i , *»▼»».

de Albuquerque Rocha, para quem “A teoria cia relação processual só difere tias
teorias do contrato e do quase contrato quanto aos fundatnentos do processo
Em ambas, porém, está presente a idéia do processo como relação jurídica. Só
que as anteriores fundamentaram essa relação na vontade das partes. Já a cha
tnada teoria da relação processual fundamenta-a na lei.”.2**
Real mente, parece ter chegado o momento de pensar na natureza do pro
cesso em consonância com o modelo imposto pela Constituição Federal, em
especial pelos princípios que regem o processo civil. Não há mais como falai
no processo como uma simples relação jurídica, que estabelece direitos e deve
res entre as partes, na medida em que há um modelo pré-estabelecido, mol
dado pelas normas constitucionais, do qual o processo não pode se afastar.
Cada vez mais se robustece o caráter público do processo. Aumentam
os poderes instrutórios do juiz brasileiro, aproximando-o da figura do juiz
gerenciador do processo do direito inglês (case management powers), tendo as
partes como contrapartida a participação no gerenciamento do feito.
Destarte, portanto, nosso processo cada vez mais prescinde da disponibili
dade das partes, situação que em nosso crer o descaracteriza como uma típica
relação jurídica, aproximando-o mais da ideia de instituição.

7.1.5. O que é instituição?


Afirmar que o processo se aproxima da ideia de instituição exige que se
questione, previamente, qual é o significado do termo instituição.
No sentido léxico podemos encontrar a seguinte explicação sobre o que é
uma instituição: ‘Instituição s f (lat institutione) 1 Ato ou efeito de instituir 2
Instituto... [...] Instituto sm (lat instituiu) 1 Coisa instituída. 2 regulamenta
ção. 3 Norma, regime, regra. 4 Desígnio, intento. 5 Constituição de uma ordem
religiosa. 6 Corporação literária, científica ou artística. 7 Título de alguns esta
belecimentos de instrução. I. jurídico: toda figura de direito de caráter perma
nente.”.2M (grifo nosso)

m ROCHA, José de Albuquerque. T e o r ia g e r a l d o P ro c e s so . 7* e.. São Paulo: Atlas, 2003. p.209.


284
MICHAEUS. M o d e r n o d i c i o n á r i o d a lín g u a p o r t u g u e s a . São Paulo: Melhoramentos, 2002.
Por sua vez, ao responder a questào “O que è instituição?”, Carreira Alvim-S‘’
explica que nos grupos primitivos as atividades eram livres, mas que surgiam
alguns hábitos sociais, denominados folkways (caminhos do povo), cuja obedi­
ência não era exigida. Como o passar do tempo demonstrava que seguir tais
hábitos beneficiava toda a comunidade, o próprio grupo acabava por exercer
uma pressão social quanto à obediência dos hábitos, que então se tornavam
mores (costumes). Por fim, quando seguir os costumes se tornava essencial à
vida social, estes se elevavam à categoria de instituição.
Para o autor, portanto, “As instituições são formas padronizadas de com­
portamento, relativamente a alguma necessidade. São modos de agir, sentir e
pensar do homem em sociedade e que esta reputa tão importante que qualquer
procedimento contrário a eles resulta numa sanção específica.”. Portanto, se ‘A
sociedade reputa o processo tão importante e decisivo que não abre mão dele
para a garantia e estabilidade da paz jurídica, e do próprio ordenamento ju rí­
dico, afim de que a tranqüilidade social ou a tranquilidade pública não sejam
perturbadas. Então, o processo seria uma instituição.”.1**'
Por outro lado, utilizando o método comparativo podemos observar a
tradicional polêmica do Direito Civil acerca da natureza do casamento, que
contrapõe a corrente institucionalista a corrente contratualista. Para estes o
casamento é um contrato porque as partes formulam declarações de vontade
convergentes, visando obter certas consequências jurídicas; enquanto para
aqueles o casamento é instituição social porque “... reflete uma situação ju rí­
dica, cujas regras e quadros se acham previamente estabelecidos pelo legislador,
com vistas à organização social da união dos sexos.”.2*7
Destarte, embora não seja conveniente definir o que é instituição jurídica,
podemos afirm ar que para sua existência três requisitos básicos devem ser
preenchidos; a) ser um modelo moldado pela lei, que deve apresentar sua
estrutura essencial; b) possuir caráter permanente; e, c) apresentar-se como
imprescindível para a obtenção de determinado desiderato. Presentes tais
característica, estaremos diante de uma instituição.

' CARREIRA ALVIM, J.E .. E le m e n to s d e te o r ia g e r a l d o p r o c e s s o . 7* e.. Rio de Janeiro: Forense,


1998. p. 137-138.
Idem. p. 138-139.
' PEREIRA, Caio Mário da Silva. I n s titu iç õ e s d e d ir e ito c iv il. 4J e.. Rio de Janeiro: Forense, 1981. v.
V, p. 38.
7.1.6. O processo como instituição constitucional.
Conhecidos os requisitos que permitem identificar qual fenômeno podi
ser reconhecido como sendo uma instituição, resta aferir se o processo efeti
vamente se amolda a tais elementos.
No primeiro aspecto se observa que a Constituição da República, como
se viu, apresenta um rol de princípios que visam moldar a estrutura do pro
cesso. Não atendidos tais preceitos, o ato processual praticado em desacordo
com o padrão exigido deve ser reputado nulo ou não existente, devendo sei
produzido outro que atenda a determinação prevista. Assim, se o processo
tem andamento sem a citação do réu e sobrevêm uma sentença de procedeu
cia, há desrespeito ao Princípio Processual Constitucional do Contraditório,
devendo o feito ser anulado e praticados novamente todos os atos processuais,
salvo os atos que por determinação judicial possam ser aproveitados.
Não bastasse a obrigatoriedade de respeito aos princípios que dão perfil ao
Modelo Constitucional do Processo, este ainda deve observar a estrutura das
regras constitucionais, os princípios informativos do processo civil, os prin
cípios específicos de cada tema e as regras infraconstitucionais que moldam .1
prática do ato processual.
Vê-se, destarte, que existe um enorme emaranhado de normas constitucio
nais e infraconstitucionais a regular a atividade praticada pelas partes no pro
cesso, sendo certo que tais regras moldam a estrutura essencial do processo.
O mesmo se dá quanto ao segundo requisito. Embora existam as formas
alternativas de solução dos conflitos, o processo é um fenômeno permanente,
integrando o cotidiano de todas as sociedades e existindo desde épocas mais
remotas, como demonstra a história do direito. Não há qualquer indício de
que no futuro irá desaparecer, já que apenas se cogita em digitalizá-lo, o que
seria apenas o fim dos autos, mas não do fenômeno processo.
Por fim, o processo também atende ao terceiro requisito, pois é um veículo
imprescindível para a obtenção da tutela jurisdicional, mormente tendo em
vista que os princípios do contraditório e da ampla defesa tornam inviável um
processo instantâneo.
Conclui-se, portanto, que o processo é efetivamente uma instituição.
Essa a posição, aliás, de Comoglio, Ferri e Tarufo,2** de José de Albuquer­
que Rocha2"1' e de Maria Elizabeth de Castro Lopes, que ensina: "De todas
essas concepções, a que, em nosso entender, melhor explica a natureza do pro-
. esso é a de Guasp (instituição jurídica).”.21*0
Por fim, se o padrão que se espera do processo é estabelecido pela Consti­
tuição da República, que delimita o âmbito de todas as demais regras que tra­
iam do instituto, então resta reconhecer que assiste plena razão a João Batista
1opes ao afirm ar que o processo é "... uma instituição com status constitucio­
nal. O modelo de processo civil brasileiro é traçado, em primeiro lugar, pela
Constituição. A Constituição é seu ponto de partida e de chegada.”.291
Concluindo, pois, a natureza jurídica do processo, com a devida vênia da
doutrina majoritária, é de Instituição Constitucional.

7.2. Definição.
A definição de processo, à evidência, está intimamente vinculada e varia
conforme a posição que se adota acerca da sua natureza jurídica, em que a
corrente majoritária afirma existir uma relação jurídica processual, autônoma
da relação jurídica de direito material.
Nada obstante, discute a doutrina qual seria o tipo de relação jurídica exis­
tente, surgindo três posições a tal respeito. A primeira diz que a relação jurí­
dica é linear, já que se estabelece entre autor e o estado-juiz; a segunda sustenta
que se trata de uma relação jurídica angular, na medida em que a participa­
ção do réu é imprescindível para sua formação; enquanto a terceira justifica
que a relação jurídica é triangular, na medida em que estabelece faculdades,
deveres, ônus e obrigações recíprocas entre todos os sujeitos do processo. A
terceira posição é a que prepondera, conforme assevera João Batista Lopes
ao ensinar que "é vencedora na doutrina a tese de que o processo constitui

COMOGLIO, Luigi Paolo, FERRI, Corrado, TARUFFO, Michele. L e z io n e s u l p r o c e s s o c iv ile .


Bologna: 11 Mulino, 1995. p. 14.
ROCHA, José de Albuquerque. T e o r ia g e r a l d o P ro c e sso . 7 ‘ e.. São Paulo: Atlas, 2003. p. 210.
LOPES, Maria Elizabeth de Castro. O j u i z e o p r in c íp io d is p o s itiv o . São Paulo: RT, 2006. p. 86.
' LOPES, João Batista. A ç ã o d e c la r a tó r ia . São Paulo: RT, 2009. p. 26.
verdadeira relação jurídica. Há entre as partes e o juiz vínculos que permitem
assimilar o processo a uma relação jurídica triangular.”.191
Sob tal perspectiva, portanto, Clito Fornaciari funior define processo “como
um conjunto de atos interligados sucessivamente, com vista a definição de um
conflito de interesses, levado diante de um órgão competente.";191*J.J. Calmon
de Passos como “o conjunto de atos necessários à obtenção de uma providêm ia
jurisdicional num determinado caso concreto.”;19'1 Humberto Theodoro Junioi
como “o sistema de compor a lide em juízo através de uma relação jurídica
vinculativa de direito público.”;195 e Moacyr Amaral Santos como “uma relação
entre os sujeitos processuais juridicamente regulada.”.19''
Para nós, entretanto, que pensamos no processo como uma instituição, su.i
definição deve conter a ideia de que tem seu perfil moldado pela Constituição
e complementado pela legislação infra-constitucional, de que se trata de uma
realidade permanente e de que é imprescindível para a obtenção da prestação
da tutela jurisdicional.
Por isso podemos definir processo como a instituição constitucional que
disciplina a atuação de todos que nele intervém, cujo perfil está traçado pela
Constituição da República e complementado pelo Código de Processo Civil,
permanente e imprescindível para a obtenção da tutela jurisdicional.

7.3. Finalidade.
Em plena consonância com os ideais da sua época, relativos à fase do pro
cesso civil científico (capítulo 01 - infra), a doutrina sempre apresentou como
as finalidades do processo aspectos de ordem jurídica, deixando de observar
finalidades alheias a este campo de conhecimento. Famosa a tal respeito â

2,2 LOPES, João batista. C u r s o d e d ir e ito p r o c e s s u a l c iv il. São Paulo: Atlas, 2005. v. 01, p. 102.
FORNACIARI JUNIOR, Clito. D a r e c o n v e n ç ã o n o d ir e ito p r o c e s s u a l c iv il b r a s ile ir o . 2* ed. São
Paulo: Saraiva, 1983. p. 125.
2M CALMON DF. PASSOS, José Joaquim. C o m e n tá r io s a o C ó d ig o d e P r o c e s s o C iv il. 6* c.. Rio dc
Janeiro: Forense, 1989.
»s THEODORO JUNIOR, Humberto. C u r s o d e d ir e ito p r o c e s s u a l c iv il. 47* e.. Rio de Janeiro:
Forense, 2007. p. 49.
M SANTOS, Moacyr Amaral. P r im e ir a s l in h a s d e d ir e ito p r o c e s s u a l c iv il. 25* ed. São Paulo: Saraiva,
2007. p. 281.
distinção entre as doutrinas de Chiovenda (teoria dualista) e de Carnelutti
(teoria unitária). Enquanto para este o direito material não produz qualquer
eficácia a não ser após sua declaração por sentença, o que implica a existência
de um único plano jurídico; para aquele os direitos preexistem à sentença, que
apenas reconhece a sua existência.297*
Para Cândido Rangel Dinamarco, que em nosso entender foi quem melhor
tratou dos escopos do processo, o verdadeiro escopo jurídico do processo é
aquele proposto por Chiovenda, ou seja, a atuação da vontade concreta do
direito. Nas palavras do autor “Tem-se por correta, portanto, a teoria dualista
tio ordenamento jurídico. Confirma-se que a sentença não cria direitos, mas
revela-os; e a execução forçada, que também tem caráter jurisdicional, confe­
re-lhes efetividade quando falta o adimplemento voluntário pelo obrigado. O
escopo jurídico do processo civil não é a composição da lide, ou seja, a criação
tnt complementação da regra a prevalecer no caso concreto - mas a atuação da
vontade concreta do direito.".m
Nesse passo, esposando a ideologia acima explanada, podemos dizer que
o verdadeiro escopo jurídico do processo é aplicar o sistema jurídico vigente
para a composição da relação jurídica controvertida ou para a efetivação do
conteúdo de um título executivo.
Além da finalidade jurídica, o mencionado autor ainda classifica as fina­
lidades do processo como social e política.299 No campo social os escopos do
processo seriam a pacificação social e a educação, na medida em que o pro­
cesso serviría para buscar a eliminação dos conflitos, ofertando aos envolvi­
dos definição quanto a angústia da incerteza, e para “educar para a defesa de
direitos próprios e respeito aos alheios".

DINAMARCO. Cândido Rangel. I n s titu iç õ e s d e d ir e ito p r o c e s s u a l c iv il. São Paulo: Malheiros,


2001. v. I, p. 132. " T r a ta - s e d a s te o r ia s s e g u n d o a s q u a i s o e s c o p o d o p r o c e s s o s e r ia a justa compo­
sição da lide ou a atuação da vontade concreta do direito. A p r i m e i r a d e la s i d e n tific a - s e c o m o teo­
ria unitária d o o r d e n a m e n t o j u r í d i c o ( C a r n e l u tt i ) e a s e g u n d a , dualista ( C h io v e n d a , L ie b m a n ) . O
o r d e n a m e n t o j u r í d i c o s e r ia u n i t á r i o s e p r o c e s s o e d ir e ito m a t e r i a l se f u n d i s s e m n u m a u n i d a d e s o e a
p r o d u ç ã o d e d ir e ito s s u b je tiv o s , o b r ig a ç õ e s e c o n c r e ta s r e la ç õ e s j u r í d i c a s e n t r e s u je ito s fo s s e o b r a d a
s e n te n ç a e n ã o d a m e r a o c o r r ê n c ia d e f a t o s p r e v i s t o s e m n o r m a s g e r a is . A c o r r e n te d u a l i s t a a f i r m a
q u e n o u n iv e r s o d o d ir e ito d e o r ig e m r o m a n o - g e r m â n i c a (civil law) a o r d e m j u r í d i c a d iv id e - s e e m
d o is p l a n o s m u i t o b e m d e f i n i d o s , o s u b s ta n c ia l e o p r o c e s s u a l, c a d a q u a l c o m f u n ç õ e s d is tin ta s ." .

;i* Idcm, p. 134.


Ibidem, p. 125-145.
Já no aspecto político, seriam três os escopos do processo: a) a estabilidade
cias instituições políticas, fortalecidas em razão da pacificação dos conflitos c
da consequente estabilidade do próprio ordenamento jurídico; b) o exercício
da cidadania, mediante a utilização de meios processuais aptos a permitir .1
participação do cidadão nas decisões do Poder Público; e, c) a preservação do
valor liberdade, na medida em que permite a defasa contra eventuais abusos
perpetrados contra o Estado Democrático de Direitos.
Embora de pleno acordo com a classificação e definições propostas pelo
processualista, ousamos acrescentar a finalidade ou escopo social a manuten
ção do equilíbrio econômico, na medida em que vemos no processo um meio
de recompor o equilíbrio quebrado pelo descumprimcnto de uma obrigação
ou pela prática de um ilícito de natureza civil; seja de forma definitiva, seja
mediante a prevenção ou remoção de situações adversas ao direito de alguém,
como acontece mediante a concessão de determinados tipos de tutelas dife­
renciadas. Afinal, levando-se em conta a atual realidade do dia a dia forense,
pode-se dizer, mesmo sem levantamento específico, que há uma imensa quan
tidade de ações que buscam tal finalidade, que não pode ser desprezada.
Em suma, portanto, podemos dizer que as finalidades ou escopos do pro­
cesso se subdividem em três planos distintos: o jurídico, o social e o político.
No plano jurídico encontramos duas espécies: a) aplicar 0 sistema jurídico
vigente para a composição da relação jurídica controvertida ou b) aplicar o
sistema jurídico vigente para a efetivação do conteúdo de um título executivo;
no plano social encontramos três espécies: a) pacificação social, b) educação
e c) manutenção do equilíbrio econômico; e, no plano político encontramos
também três espécies: a) estabilidade das instituições políticas, b) exercício da
cidadania e c) preservação do valor liberdade.

7.4. Características.
Tratando das características do processo Alfredo Araújo Lopes da Costa,
em clássica lição, ensina que “Essa relação é: a) uma relação jurídica [...]; b) de
direito público [...]; c) autônoma [...]; d) complexa [...]; e) unitária [...]; f ) concreta
[...]; dinámica.V00 Cremos, todavia, que são características do processo, seja3 0

300 LOPES DA COSTA, Alfredo de Araújo. D ir e ito p r o c e s s u a l c i v i l b r a s ile ir o . Rio de Janeiro: Forense,
1959. v. I. p. 204.
T--------- -----------------
como relação jurídica, seja como instituição, a) a natureza pública, b) a auto­
nomia, c) a complexidade; d) a unitariedade; e, e) o dinamismo.
O Estado exerce, sobre seu território, o poder denominado soberania, do
qual decorrem as funções executiva, legislativa e jurisdicional. Daí, se a Sobe­
rania do Estado e suas funções são consideradas como institutos de direito
público, então o processo, também decorrente da Soberania do estado e inti­
mamente jungido à atividade jurisdicional, também deve ser considerado
como uma instituição de direito público.
Por sua vez, como já vimos quando do estudo do juízo de admissibilidade
no processo (item 04.03, infra), este é composto por várias espécies de ques­
tões, que estão relacionadas com três diferentes conjuntos, o primeiro atinente
.1 regularidade do exercício do direito de ação, o segundo atinente a regulari­
dade do processo, e, o terceiro, atinente ao preenchimento de certos requisi­
tos específicos para o meio processual de que se utiliza. As três espécies, por
sua vez, também são independentes do juízo de mérito. Portanto, as ques­
tões atinentes ao processo guardam autonomia com relação a todas as demais
categorias, não se confundindo com as condições da ação, com as questões
preparatórias quando existentes e com a relação jurídica de direito material
controvertida.
Como terceira característica, o processo deve ser observado como um ins­
tituto complexo, na medida em que é inconcebível como ato único, devendo
ser observado como um conjunto concatenado de atos processuais que criam,
modificam e extinguem faculdades processuais entre todos os seus persona­
gens. Trata-se de um conjunto de direitos, deveres, ônus e faculdades; todos
coordenados para propiciar o avanço da marcha do processo.
Não bastasse, todos esses atos só existem com a finalidade de propiciar a
prestação da tutela jurisdicional, seja ela de acertamento, seja ela executiva,
razão pela qual podemos asseverar que o processo também tem por caracte­
rística a unitariedade.
Por fim, como o processo está em constante modificação, superando fases
e caminhando para seu desfecho final, não alcançando estabilidade a não ser
depois que encerrado, quando poderá operar a eficácia de coisa julgada, afigu­
ra-se correto afirmar que se trata de instituto marcado pelo dinamismo, cuja
mola propulsora encontra albergue no princípio do impulso of icial, segundo
o qual cabe ao magistrado velar pela sua constante e regular tramitação.

7.5. Pressupostos.
Para a concepção dom inante em nossa doutrina, que sustenta ter o pro
cesso a natureza de relação jurídica, esta relação está sujeita a certos pres
supostos para que possa ter existência e desenvolvimento válido. Em outras
palavras, para que o processo possa existir e se desenvolver, como conjunto do
atos sucessivos e interligados, é necessário a concorrência de certos requisitos,
que a doutrina denomina pressupostos processuais. Sem sua presença, exigida
pelo sistema (art. 485, III, do CPC), não pode o juiz apreciar o mérito da causa,
Na definição de Jorge Luís DalLAgnol os “pressupostos processuais são aqueles
elementos indispensáveis para a existência jurídica do processo e as condições
necessárias para o seu desenvolvimento válido. Sinteticamente: são os requisitos
necessários para a existência jurídica e o desenvolvimento válido do processo".
301

No entanto, se já não existe consenso quando se procura classificar a rela


ção jurídica processual (linear, angular ou triangular); a discórdia aumenta
sobremaneira quando passamos a analisar a classificação dos pressupostos
processuais, seara em que cada autor, praticamente, procura elaborar sua pró
pria doutrina. Analisar todas as classificações propostas, entretanto, é tra
balho de fôlego, que não permite um conhecimento apenas incidental, como
estamos a fazer nesta obra. Por isso passaremos ao largo de tal polêmica, sem
deixar de esclarecer, porém, que temos simpatia pela classificação elaborada
por Arruda Alvim,302 para quem os pressupostos processuais dividem-se em
intrínsecos ou positivos e extrínsecos ou negativos. Estes aferidos fora da rela
ção jurídica processual que se analisa, impedindo a sua eficácia; aqueles afe
ridos na própria relação jurídica. Por seu turno, os pressupostos processuais
intrínsecos se subdividem em pressupostos de constituição e pressupostos de
desenvolvimento válido e regular do processo, ainda segundo o que se extrai
da legislação (art. 485, III, do CPC).

,01 DALL’AGNOL. Jorge Luis. P r e s s u p o s to s p ro c e ss u a is. Porto Alegre: LEJUR, 1988. p. 22.
ARRUDA ALVIM NETO. José Manoel d e M a n uai d e d ir e ito p r o c e s s u a l c iv il. São Paulo: RT. 1979
v. I. p. 286.
Nesse passo, o primeiro pressuposto de constituição da relação jurídica
processual é a existência de uma petição inicial. Isso, em decorrência do Prin­
cípio da Inércia do Poder Judiciário, imbricalmente jungido ao Princípio Dis­
positivo. Não existe, salvo raras exceções previstas por lei, como acontecia
com o inventário no código anterior (art. 989, do CPC de 1973), possibilidade
de existência do processo se a parte deixar de acionar o Poder Judiciário para
pleitear a prestação da tutela jurisdicional.
Não basta, porém, a existência de petição inicial se não há jurisdição. O
pedido veiculado pela petição inicial deve ser formulado perante um órgão
investido de jurisdição, mesmo que incompetente, para que possa nascer a
relação jurídica processual. Se a petição inicial for despachada por juiz apo­
sentado, que não possui jurisdição, o processo não existe, a não ser aparen­
temente, já que o Estado, salvo nas exceções previstas pela própria lei (v.g.
arbitragem), detêm o monopólio da prestação da tutela jurisdicional, como
decorrência da sua soberania.
É necessário, ainda, para aqueles que adotam a teoria angular ou trian­
gular acerca da relação jurídica processual, que a outra parte seja chamada a
juízo para responder a ação, exercitando seu direito de defesa. Assim, sem que
ocorra citação, não se pode falar em constituição da relação.
A citação, por definição legal (art. 238, do CPC), é o ato pelo qual são con­
vocados o réu, o executado ou o interessado para integrar a relação proces­
sual. Se esta não ocorre, a relação jurídica não chega a se completar, o que faz
com que o processo não exista.
Por fim, por exigência do sistema, mitigada em face da Lei n.° 9.099/95, que
instituiu os Juizados Especiais Cíveis, o último requisito para a constituição
da relação jurídica processual é a capacidade postulatória, que é a capacidade
de atuar em juízo, requerendo a produção de atos processuais válidos, sendo
exclusiva dos advogados. Ainda nas palavras de Arruda Alvim “O requisito
da capacidade postulatória nada mais é do que a exigência de a parte postular
em juízo através de advogado, salvo as exceções legais. Aplica-se ao réu, não
como requisito indispensável à formação do processo, em relação a ele, mas
como requisito consistente em que o réu só pode validamente se defender por
advogado.”. 303


Op. cit., p. 290.
Em resumo, pois, são pressupostos de constituição da relação jurídica pro
cessual a existência de petição inicial; a existência de jurisdição; a citação; e, a
capacidade postulatória.
Tendo em vista que o processo é um conjunto de atos interligados e unidos
por uma finalidade comum, porém, não basta sua constituição para que a
parte possa alcançar seu objetivo final, que é a prestação da tutela jurisdicion.il
pleiteada. Isso porque a existência de uma relação é uma realidade, enquanto
o seu desenvolvimento, como relação que se projeta no tempo, é outra. Não
basta, pois, o processo existir. Deve ele se desenvolver num constante avanço
em busca do seu momento final, que é a prolação da sentença. Sem isso não
teríamos o dinamismo como uma das características do processo.
Nesse passo, para que o processo possa se desenvolver de modo válido c
regular são necessários outros requisitos, intimamente jungidos à dinâmica
do próprio instituto, que tomaram a denominação de pressupostos de desen
volvimento válido e regular do processo, como acima aduzido.
O primeiro deles é que a petição inicial apresentada seja apta, pois, caso
contrário, deverá ser indeferida, nos termos do art. 330, I, do CPC, fazendo
com que o desenvolvimento do processo seja interrompido. Petição apta é
aquela que preenche os requisitos exigidos por lei, digam eles respeito sua a
forma ou ao seu conteúdo, em especial no que toca as matérias elencadas no
art. 319, do CPC.
O segundo requisito é a competência e a imparcialidade do juízo. Embora
todo juiz exerça jurisdição, esta é exercida nos limites de sua competência.
Assim sendo, tratando-se de competência absoluta, que não pode ser pror
rogada, será inválida a relação jurídica devido, em última análise, à própria
ausência de jurisdição no que toca à determinada matéria. Ora, se um juiz è
absolutamente incompetente para conhecer e decidir certa matéria, ele não
está investido de jurisdição com relação a ela, não podendo o processo ter nor
mal desenvolvimento. O mesmo ocorre com o juiz parcial, que está impedido
de conhecer e decidir o feito já que tal circunstância afeta mortalmente diver
sos princípios informativos do processo, tornando inválida a decisão profe
rida. Nessa hipótese, aliás, existe expressa previsão legal para a propositura
de ação rescisória, nos termos do art. 966, II, do CPC, com a finalidade dc
desconstituir a coisa julgada.
() terceiro pressuposto desta espécie é a citação válida. Isso porque, embora
i citação inválida constitua a relação jurídica processual, não pode fazer com
que o processo tenha normal seguimento, já que não se produzirão os efeitos
previstos no art. 240, do CPC, a não ser aparentemente, viciando a relação
lurldica.
Finalmente, deve a parte ter capacidade processual. Torna-se necessário
que tenha aptidão não apenas para possuir direitos, o que caracteriza a capa-
t idade civil, mas que possa validamente exercitá-los, produzindo em juízo
■ilos processuais válidos. Por isso, tal pressuposto não é encontrado quando
um menor deixa de ser representado ou assistido num processo, ou quando
mitro tipo de incapaz demanda sem representação, embora tenham advoga­
dos constituídos.
Ao lado destes pressupostos processuais, denominados intrínsecos e posi-
l ivos como já aludido, já que são aferidos em face do próprio processo e devem
fitar presentes; estão os pressupostos processuais extrínsecos, que devem ser
.itcridos fora do processo e que devem estar ausentes, uma vez que impedem
•i formação da relação jurídica processual e seu desenvolvimento válido. São
fies a litispendência, que é a identidade de ações em andamento porque idên­
ticos seus elementos; a coisa julgada, que é o caráter de imutabilidade e incon-
li stabilidade que se agrega ao comando emergente da sentença; a perempçào,
que é a perda do direito de ação por desídia do autor que, por três oportuni­
dades, permite a extinção do processo; e, o compromisso arbitrai, que não
permite o conhecimento da matéria eleita pelo Poder Judiciário; fenômenos
que impedem o juiz de proferir uma decisão de mérito, devendo extinguir o
processo sem a sua solução.
Pensando no processo como instituição constitucional, algumas pequenas
alterações devem ser observadas no perfil acima traçado, ainda com fulcro
na teoria que reconhece o processo como relação jurídica. Os pressupostos
processuais podem continuar a ser definidos como os requisitos necessários
a existência (constituição) e ao desenvolvimento válido e regular do processo,
*in consonância com a redação do art. 485, IV, do CPC, que se utiliza dessa
terminologia. Também é possível uma primeira classificação entre pressupos-
lo.s positivos e negativos, já que existem elementos que devem estar presentes
e elementos que devem estar ausentes para que o processo possa existir e para
que possa de desenvolver de forma regular.
Todavia, cremos que dentre os pressupostos de existéncia devem permanc
cer a jurisdição, a petição inicial e a capacidade postulatória; excluindo-se do
rol a citação. Isso porque, em nosso entender, o processo existe antes mesmo
da realização da citação e, independentemente de tais atos, pode produzir efei
tos. Assim, quando ocorre o indeferimento da petição inicial, na forma do art.
330, do CPC, ou a improcedência liminar do pedido, na forma do art. 332, do
mesmo diploma, o autor sofre as consequências da existência de um processo,
mesmo sem a participação do réu.
Não bastasse, há processos em que não existe a figura do sujeito passivo,
como acontece no caso da ação declaratória de inconstitucionalidade de lei.
em que em momento algum do procedimento aparecerá um réu, um execu
tado ou um interessado para responder a demanda; e nem por isso se afirma
que neste procedimento específico não há processo e que não se obedeceu ao
Modelo Constitucional de Processo inserido na Constituição da República.
Também a classificação dos pressupostos de desenvolvimento válido c
regular comporta uma pequena correção, substituindo-se a citação válida por
uma categoria mais ampla, que é o respeito ao Modelo Constitucional do pro
cesso, com a manutenção dos demais pressupostos, qual sejam, a competên
cia (absoluta) e imparcialidade do juízo, a petição inicial apta e a capacidade
processual.
Na verdade não discordamos com o fato de que, sem a citação válida, o
processo não pode se desenvolver de modo válido e regular. Apenas enten­
demos que tal situação é abarcada por outra, de maior amplitude, que é o
respeito ao Modelo Constitucional do Processo. Isso porque, assim como sem
a citação válida o processo não pode se desenvolver, já que há desrespeito ao
Princípio do Contraditório; também a falta de publicidade importa na impôs
sibilidade de desenvolvimento válido e regular do processo, mas por conta de
desrespeito ao Princípio da Publicidade, ou redução dos prazos para a defesa,
já por desobediência ao Princípio da Ampla defesa.
Em outros termos, se o processo não poderá ter desenvolvimento válido
e regular sempre que houver infringência ao Modelo Constitucional do Pro­
cesso, então a ideia da citação válida como pressuposto deve ser substituída
pela ideia de respeito a todos os matizes do modelo de processo previsto na
Constituição da República.

Km resumo, pois, podemos classificar os pressupostos processuais de exis­
tência (constituição) em: a) existência de jurisdição, b) petição inicial e c) capa­
cidade postulatória; e, os pressupostos processuais de desenvolvimento válido
e regular em: a) competência e imparcialidade do juízo; b) petição inicial apta;
c) capacidade processual e d) respeito ao modelo constitucional do processo.
Por fim, devemos observar que a teoria dos pressupostos processuais tem
aplicação irrestrita no processo de execução, como salientou Marcelo Lima
( iuerra.304 Isso porque, embora os dois tipos de processo sejam espécies que
não podem ser reduzidas a apenas uma, derivam do mesmo gênero, que é o
processo. Por isso, se é com respeito a este que devemos observar a existência
dos pressupostos processuais intrínsecos ou a ausência dos pressupostos pro­
cessuais extrínsecos, então a teoria até aqui demonstrada tem plena aplicação
no processo de execução, em que o juiz também deve, antes de examinar o
mérito, aferir se o processo foi efetivamente constituído e se estão preenchidos
os requisitos válidos para o seu normal desenvolvimento.

Verificação de Aprendizagem
(II. Explique a concepção de processo como relação jurídica processual.
02. Pode o processo ser considerado uma instituição constitucional?
03. Defina processo observando a sua concepção como relação jurídica e a
sua concepção como instituição.
04. Segundo o pensamento de Cândido Rangel Dinamarco, quais são os
escopos do processo? É possível acrescentar mais alguma modalidade a
classificação do referido autor?
05. Quais são as características do processo?
06. Como se classificam os pressupostos processuais?

1 LIMA GUERRA. Marcelo. E x e c u ç ã o fo r ç a d a . São Paulo: RT, 1995. p. 117. "... n o q u e d i z r e s p e ito <1
i n c id ê n c ia d o s p r e s s u p o s to s p r o c e s s u a is n o p r o c e s s o d e e x e c u ç ã o , é p o s s í v e l a d e r i r in te g r a lm e n te a
e sse e n t e n d i m e n t o ...”
Planificação para aula
01. Natureza:
a) Natureza contratual - Não é acatada pela doutrina, já que no processo nito
existe o acordo de vontades.
b) Situação jurídica (Goldschmidt) - É uma situação porque não se estabelecem
vínculos entre os participantes. Eles só têm expectativas, mas nenhum
direito ou dever.
c) Processo como instituição (Jaime Guasp) - Já que “é o conjunto de atividade '
relacionadas entre si pelo vínculo de uma idéia comum e objetiva,” a que
aderem as partes.
d) Relação Jurídica (Büllow) - Os pressupostos não são meramente exceções
dilatórias. Há vínculos entre as partes e o juiz, assim como na relação
jurídica obrigacional. Doutrina mais aceita.
02. Concepção do processo como instituição constitucional.
03. Definição:
- como relação processual - É a relação entre os sujeitos processuais,
juridicamente regulada.
- tipos de relação: a) linear, b) angular e c) triangular
- como instituição - É a instituição constitucional que disciplina a atuação
de todos que nele intervém, cujo perfil está traçado pela Constituição da
República e complementado pelo Código de Processo Civil, permanente
e imprescindível para a obtenção da tutela jurisdicional.
a) aplicar o sistema jurídico vigente para a composição da relação jurídii ,i
controvertida.
- Plano jurídico
b) aplicar o sistema jurídico vigente para a efetivação do conteúdo de um
título executivo.
a) pacificação social
III finalidades -P lano social b) educação
c) manutenção do equilíbrio econômico

a) estabilidade das instituições


políticas
- Plano político b) exercício da cidadania
c) preservação do valor
liberdade
d) público (decorre da
soberania)
- Autônoma (face as demais categorias, v.g. relação
jurídica material)
(IV C aracterísticas - Complexa (direitos, deveres, ônus e faculdades
recíprocos)
- Unitariedade (atos aglutinados para um mesmo fim)
- Dinâmica (só se estabiliza após seu término - impulso
oficial)
1)6. Pressupostos processuais.
Definição: São os requisitos necessários para a constituição e
desenvolvim ento válido e regular do processo.
Classificação:
- Jurisdição
- Existência - P. Inicial
- Capacidade postulatória
- Positivos (intrínsecos) - Comp. e imparcialidade
- D. Válido - P. I. Apta
- Capacidade processual
- respeito ao Modelo Constitucional do
Processo P.P.
- Litispendência
- Negativos - Perempção
(extrínsecos) - Coisa julgada
- Compromisso arbitrai

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THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 47a el •
Rio de Janeiro: Forense, 2007.
WAMBIER, Luiz Rodrigues, TALAMINI, Eduardo, ALMEIDA, Flávio Renato
Correia de. Curso avançado de processo civil. 7a ed. São Paulo: RT, 200!>
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, MEDINA, José Miguel Garcia. Processo
Civil moderno. São Paulo: RT, 2008.
LIVRO III
ELEMENTOS ESSENCIAIS
A ESTRUTURA BÁSICA DO PROCESSO
T
8. COMPETÊNCIA INTERNACIONAL

8.1. Os limites da jurisdição brasileira. 8.2. Cooperação internacional.

K.l. Os limites da jurisdição brasileira


A atividade jurisdicional exercida por um determinado Estado pode ser
iplicada, em tese, como sustenta a autorizada doutrina,305 a todas as causas
existentes em todos os países. Trata-se do princípio da universalidade da
mi isdição, segundo o qual a jurisdição é universal e pode ser exercitada inde-
pendentemente de quaisquer limites.
Entretanto, por dois importantes aspectos os sistemas jurídicos dos países
procuram determ inar limites ao exercício da atividade jurisdicional. Em pri­
meiro lugar, por uma questão de ordem prática, se o juiz de um país tivesse
lurisdição sobre todas as causas do mundo, o exercício da atividade com cer-
h /a restaria prejudicado, já que não teria ele condição para desenvolver seu
trabalho de maneira eficaz. Em outros termos, a ideia da jurisdição universal
<■".barra na capacidade física do ser humano e, também, em questões de ordem
financeira, já que tornaria extremamente caro um processo que tram ita em
país distante, seja pela necessidade de produção de provas, seja pela necessi­
dade de deslocamento das partes para a prática de atos processuais. Ademais,
nenhum país estaria disposto a custear uma demanda que não lhe afeta de
modo algum, arcando com o ônus de manutenção de uma máquina judiciária
maior do que a necessária para dirim ir as causas que de algum modo reper-
i utem em seu território.
A segunda razão que impede a aplicação da ideia reside na própria existên-
• ía da soberania dos povos, já que cada Estado encontra limites para o exercí-
i ui de sua soberania dentro de uma ordem jurídica internacional e que deve,
para o bem de todos, ser previamente delimitada e harmoniosa. Em outros
lermos, se a soberania encontra limites e se a atividade jurisdicional repre­
senta uma das facetas desta soberania, então essa atividade também deverá

OARNELUTTI, Francesco. L i m i t i d e lia g i u r i s d i z i o n e d e i g i u d i c e ita lia n o . In R iv is t a d i d i r i t l o p r o -


c e s s u a le c iv ile . Padova: Cedam, 1931. v. II, p. 218-,
possuir limites, não podendo ser ilimitada no espaço. Afinal, mesmo que um
juiz pudesse julgar qualquer tipo de demanda de qualquer local, a efetiva», .m
da decisão sempre dependeria do uso da força, não podendo um Estado impor
ao outro tal conduta. Daí a razão pela qual os países costumam adotar doli
sistemas acerca dos limites da jurisdição: a) o sistema da determinação direi.>
e b) o sistema da determinação indireta.
Para os que optam pelo sistema da determinação direta, como acontece
com o direito italiano e português, a lei deve ser expressa acerca das caus.i
que podem ser conhecidas e decididas por seus magistrados. Na lição de In
bman os limites podem ser disciplinados por lei ao “...fazer uma determina
ção direta da extensão da jurisdição do próprio país, dispondo expressamenh
quais são as causas a ela sujeitas, excluindo, portanto, implicitamente, toda»
as outras. Tal é o método adotado pela lei italiana, que nos arts. 105 e 106 do
Código de Processo Civil indica, de modo completo e taxativo, em que casos <>■
tribunais italianos podem conhecer das causas propostas contra réu estrangeiro
...”.30<’ Já para os que optam pelo sistema da determinação indireta, como acon
tece com o direito alemão, austríaco e acontecia no CPC brasileiro de 1939, a
lei não prevê “...qualquer disposição expressa sobre a matéria, de modo que v
limites da jurisdição se deduzem mediatamente dos dispositivos legais sobre o
competência territorial de cada um dos órgãos judiciários internos.”.*07
O CPC de 1973 e o código atual, todavia, migraram do sistema da detci
minação indireta para o sistema da determinação direta, prevendo de forma
expressa as causas que podem ser conhecidas e decididas pelo juiz brasileiro
O CPC de 1973 previa, sob a denominação de Da competência internacional.
em seus art. 88 e 89, as causas que podiam ser conhecidas e decididas de form.i
concorrente e exclusiva pelos nossos tribunais; enquanto o código atual, aten
dendo a objeção relativa à denominação, formulada por Ovídio Baptista e poi
Botelho de Mesquita,308 preferiu elencar tais causas sob a denominação de Do»
Limites da Jurisdição Nacional, prevendo nos arts. 21 e 22 hipóteses dn

LIEBMAN, Enrico Túllio. O s l im ite s tiii j u r i s d i ç ã o b r a s ile ir a . In E s tu d o s s o b r e o p r o c e s s o civil


São Paulo: Bestbook, 2001. p. 12.
b r a s ile ir o .

Idem, p. 13.
im SILVA, Ovídio A. Baptista da. C o m e n tá r io s a o C ó d ig o d e P ro c e s so C iv il. São Paulo: RT, 2000 v
1, p. 408. “D a í d i z e r B O T E L H O D E M E S Q U I T A q u e , s o b r e a s c a u s a s n ã o i n c lu íd a s n a c h a m a d o
c o m p e tê n c ia i n t e r n a c io n a l d o B r a s il, o q u e f a lta r á a o s s e u s m a g is tr a d o s n ã o s e rá c o m p e tê n c ia e sim
j u r i s d i ç ã o . ”.
>Ihimada competência concorrente, no art. 23 hipóteses da chamada compc
•i' ih ia exclusiva e no art. 24 as litispendência e conexão internacionais.

Assim sendo, o cotejo dos art. 21 e 22 com o art. 23 demonstra a existência


li duas classes de feitos distintos. Neste estão relacionadas hipóteses de com
l'i léncia exclusiva, onde apenas a autoridade judiciária brasileira pode conhe
•t’i e decidir a controvérsia; enquanto naqueles estão previstas hipóteses de
■'inpetência concorrente, onde a ação pode ser proposta tanto no Brasil como
• m outro país.
( om o já acontecia no sistema anterior, pois o art. 21 repete com pequena
dleração no caput o teor do art. 88, do CPC de 1973, se o réu, qualquer que
■m a sua nacionalidade, estiver domiciliado no Brasil; se no Brasil tiver de ser
timprida a obrigação; e, se o fundamento do feito for relativo a fato ocorrido
li ato praticado no Brasil; então a demanda poderá ser proposta tanto no
Hnisil, quanto em outro país, estando ambas as autoridades judiciárias aptas a
processar e decidir a controvérsia.
|á o art. 22 não tinha similar no CPC de 1973 e apresenta algumas situa
,ues tratadas em leis esparsas, mas que também consubstanciam hipóteses
li competência concorrente. As duas hipóteses iniciais, já que o art. 2 2 ,1, do
• l'C, relaciona em suas duas alíneas situações autônomas entre si, dizem res
prllo à demanda de alimentos quando o credor tenha domicílio ou residência
no Brasil e a demanda de alimentos quando o réu tiver vínculos pessoais no
Brasil, que lhe permitam aferir algum tipo de renda ou de ter bens passíveis
■ir constrição e alienação; tudo com o fito de satisfazer o crédito alimentar.
Ki sta evidente, pela redação das alíneas, o desiderato de proteger o credor de
alimentos, possibilitando que possa, mesmo em se tratando o alimentante de
•Irangeiro não residente no país, obter a satisfação da prestação alimentícia,
lais uma vez prepondera, a nosso ver com inteira razão, a ideia de proteção
•ni hipossuficiente, em especial ao credor de alimentos, tipo de dever ou obri
i.açào que pela sua própria natureza trás ínsita a ideia de necessidade ime
ili.ita e de proteção à vida e à saúde do alimentando. O critério da alínea “a"
. objetivo, bastando ao credor ter domicílio ou residir no Brasil; enquanto o
h ui da alínea “b” apresenta norma exemplificativa, seja porque alude gene
iii .imente a "...vínculos pessoais...’’, seja porque se utiliza da locução "...tais
,.imo...”: expressões cujo conteúdo semântico torna imperiosa a conclusão de
que se trata de mera enunciação de regra fluida, que deverá ser definida em
face do caso em concreto.
Outrossim, a terceira hipótese, tratada no art. 22, II, do CPC, permite .1
propositura de açâo que veicule relação de consumo, isso quando o consumi
dor tiver residência ou domicílio no País. Mais uma vez agiu bem a lei, pois m
não houvesse uma limitação da competência ao residente ou domiciliado no
país, com certeza haveria um fluxo muito grande de feitos que não guardam
relação com nosso Estado, em especial quanto aos vizinhos de América do
Sul, cuja legislação consumerista esta muito menos desenvolvida que a nossa
Por fim, ao contrário do que se dá com relação aos demais incisos, aqui
agiu mal a lei ao reconhecer expressamente, no art. 22, III, do CPC, a validade
de cláusula de foro de eleição firmada por quem originalmente não estaria
submetido à Justiça Brasileira, permitindo que as partes expressa ou tacila
mente se submetam à jurisdição nacional. Isso porque permite que o juiz bm
sileiro tenha que decidir causa absolutamente irrelevante para o país, em evi
dente detrimento da tramitação das demais causas que efetivamente devem
ser decididas pelos nossos órgãos jurisdicionais.
Já o art. 23, do CPC, prevê duas hipóteses em que apenas o juiz brasileiru
poderá conhecer e decidir a demanda, razão pela qual recebe a denominação
de competência internacional exclusiva. Por isso as ações relativas a imóvei'.
que estejam situados no Brasil (art. 2 3 ,1, do CPC), qualquer que seja a natu
reza da causa, somente terão validade se processadas e decididas perante juiz
brasileiro; sendo inviável a homologação de sentença estrangeira que trate d.t
matéria. O mesmo acontece com relação ao inventário de bens situados no
Brasil, mesmo que o autor da herança seja de nacionalidade estrangeira (arl
23, II, do CPC); tudo com a finalidade de proteger a soberania da Nação sobn
o seu respectivo território.
Encerrando o capítulo relativo aos limites da jurisdição, o art. 24, do CP( ,
trata da litispendência e da conexão entre o juízo nacional e o juízo estran
geiro, que à evidência só tem razão de ser quanto às hipóteses de competênci.i
concorrente, pois nos casos de competência exclusiva o processo existente em
outro Estado nunca produzirá qualquer tipo de eficácia no Brasil, mesmo que
lá tenha ocorrido o trânsito em julgado da decisão. Daí a afirmação de Celsn
Agrícola Barbi, comentando o art. 90, do CPC de 1973, no sentido de que
“A norma deveria ter sido colocada mais adequadamente como parágrafo ao
iit i. HH, porque se aplica as causas a ele enumeradas. As mencionadas no art.
NV sdo de competência exclusiva da Justiça brasileira, de maneira que seria
i*í ioso dizer que a propositura, em país estrangeiro, de uma ação que nossa
lei ><> reconhece como possível no Brasil, pudesse impedir seu ajuizamento em
nosso País.”.309
I m se tratando das hipóteses previstas nos arts. 21 e 22, porém, como regra
«iTal, a existência de ação idêntica em curso perante a Justiça de outro país
ii .io gera litispendência com relação à ação proposta no Brasil. Isso porque

i decisão proferida por juiz estrangeiro só estará apta a gerar eficácia após
un homologação pelo Superior Tribunal de Justiça, antes do que não estará
irvcstida do caráter de soberania necessário à produção de efeitos em nosso
território. Ao contrário e por questão de ordem lógica, quando as exceções se
l.i/em presentes (art. 24, infine), então a ação proposta em outro país poderá
gorar prevenção no Brasil, como acontece com as causas relativas a matéria
contratual, no âmbito do Mercosul, por força do Decreto 2.095, de 17.12.1996,
que aderiu ao Protocolo de Buenos Aires, assinado em 05.08.1994.
Problema interessante surge, entretanto, havendo duas ações idênticas em
países diversos, uma aqui e outra em país estrangeiro, porque apenas uma
poderá ser executada em nosso território, sob pena de incompatibilidade na
execução dos julgados (quando antagônicos) ou de ocorrência de bis in idem
(quando semelhantes). Como o parágrafo único, do art. 24, menciona que a
pendência de causa no Brasil não impede a homologação da sentença estran-
geira; em interpretação contrária torna-se forçosa a conclusão de que o trân
■iito em julgado de ação proposta no Brasil impede a homologação da sentença
estrangeira, que consequentemente nunca mais poderá ser executada em ter­
ritório nacional (art. 963, IV, CPC). Mas se a sentença estrangeira é hom o­
logada antes do trânsito em julgado da sentença nacional; então aquela está
(«•vestida de soberania e por isso estará apta a gerar litispendência, devendo
•r extinta a ação aqui proposta. Com isso fica compatibilizada a não possibi­
lidade de execução das duas decisões judiciais.*I,

BARBI, Celso Agrícola. C o m e n t á r i o s a o C ó d ig o d e P r o c e s s o C iv il. Rio de Janeiro: Forense, 1991. v.


I, p. 244.
8.2. Cooperação internacional.
Os arts. 26 a 41, do CPC, apresentam inovação com relação ao CPC d«'
1973, que não possuía capítulo específico acerca da cooperação internacional,
deixando ao critério de legislação esparsa a disciplina da matéria. Agora, além
de indicar formas mediante as quais será prestada cooperação ativa e passiva
o código ainda traça linhas gerais acerca dos procedimentos que deverão m *i
adotados, inclusive quanto à competência e aos requisitos das diversas espé
cies de cooperação jurídica internacional. Essa inovação, em nosso sentir, vem
em bom momento, já que o fenômeno da globalização e dos blocos econômi
cos acabou por gerar a necessidade de uma maior cooperação entre as diversa1,
nações, sem o que haveria aumento da insegurança nos negócios realizados
entre países diversos. Como outros países não exercem sua soberania no Bra
sil e vice-versa, torna-se imprescindível à existência de instrumentos aptos a
perm itir a cooperação jurídica entre eles, realidade da qual não se descuidou
nosso atual diploma processual.
A cooperação entre o Brasil e os diversos países tem como base legal à exis
tência de tratado (art. 26) ou, na sua falta, o Princípio da Reciprocidade, mam
festada pela via diplomática (art. 26, §1°); que é um dos princípios mais impoi
tantes do direito internacional. Assim, havendo tratado entre os países esti
deverá ser cumprido aqui e, em não havendo regra específica, então o Brasil
deverá atender ou solicitar pedido de cooperação jurídica na medida em que o
outro Estado se declare, por via diplomática, comprometido à mesma conduln
quando solicitado.
Dentre os atos de cooperação observa-se uma classificação que os agrupa
em duas espécies distintas, segundo o local em que o ato de cooperação deva
ser realizado ou deva produzir eficácia. Por isso denomina-se cooperação pas
siva aquela em que os atos estrangeiros são recepcionados pelo Brasil e deve
rão produzir eficácia em nosso território; enquanto denomina-se cooperação
ativa a solicitação de realização de atos pelo Brasil em outros países.
Quanto aos meios destinados à implementação da cooperação internado
nal, que poderá ser executada por procedimento administrativo ou judicial, o
capítulo relaciona dois instrumentos jurídicos que são: a) o auxílio direto e b)
a carta rogatória; que poderão ter por objeto as hipóteses previstas no art. 30
do CPC, cujo rol à evidência era apenas elucidativo quando da tramitação do
projeto do CPC, na medida em que o inciso VI apresentava regra geral para
.ihurcar as hipóteses não previstas, ao aludir a respeito de "qualquer outra
medida judicial ou extrajudicial não proibida pela lei brasileira". Na redação
lin.il do preceito, todavia, esse inciso acabou por ser excluído, o que com cer
ir/a acabará por dar ensejo a dúvida sobre a taxatividade ou não do preceito.
No tocante ao procedimento adotado para a prática do auxílio direto, os
nrt. 29 e seguintes determinam que o pedido de auxílio seja encaminhado á
autoridade central, que na ausência de designação específica será o Ministério
•Ia lustiça (art. 26, §4°), para a verificação do preenchimento dos requisitos
de admissibilidade impostos ao cumprimento do ato em seu país de destino,
formalmente em ordem o pedido e a documentação que o acompanha, tra-
duzidospara a língua oficial do Estado requerido (art. 38), como acontece com
*is cartas rogatórias ativas expedidas para cumprimento no exterior, será o
processo remetido ao Ministério das Relações Exteriores para que encaminhe
0 pleito ao Estado destinatário ou a quem determ inar tratado firmado entre o
Urasil e o Estado destinatário.
)á a admissão do pedido de cooperação internacional passiva, diante do
•lisposto nos arts. 33 e 34, somente ocorrerá se não houver contrariedade da
providência pretendida com a ordem jurídica nacional, bem como se não se
configurar manifesta ofensa à ordem pública (art. 39). É o que ocorre, v. g.,
<om uma ordem de pena de morte no âmbito criminal ou com o pedido de
«onstrição de bem público (pertencente a um determinado Município) no
âmbito cível.
Por sua vez, enquanto a ação de homologação de sentença estrangeira está
prevista nos art. 960 a 965, do CPC, e em grande parte no Regimento Interno
do Superior Tribunal de Justiça; os arts. 28 a 34, do CPC, apresentam inúme-
i.is regras a respeito do auxilio direto, que pode ser considerado como um
instrumento geral e supletivo a ser empregado toda vez que não houver uma
Inrma específica para a prática do ato de cooperação internacional.
Em se tratando de medida que não exige a prestação de tutela jurisdicional,
1autoridade central será competente para o cumprimento dos atos necessários
i efetivação do pedido de cooperação passiva (art. 29). Entretanto, em caso de
necessidade da propositura de medida judicial, o pedido será encaminhado
ã Advocacia-Geral da União (art. 33), que proporá a medida cabível perante
,i lustiça Federal do local onde deverá ser executada a medida, conforme o
disposto no art. 34, do CPC. Se a ação proposta apresentar procedimento - Passiva Ato praticado no Brasil
específico, este será observado integralmente quanto à tramitação do feito
o t ooperação Internacional
enquanto mesmo na ausência de procedimento previsto em lei o interessado
será citado para, querendo, se manifestar sobre o auxílio direto solicitado - Ativa - Ato praticado em outro país
porque se adotará o rito ordinário. Num ou noutro caso, entretanto, a decisão Auxílio direto (arts. 28 a 34)
proferida será passível dos recursos previstos pelo código ao Tribunal compe
tente, seguindo a sua execução as regras previstas no CPC.
ilihliografia
Por fim, deixando de seguir a técnica adequada, nosso código cindiu o
tratamento da carta de rogatória em locais diversos, tratando do tema nni HARBI, Celso Agrícola. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de
art. 36, e, também, nos art. 260 a 268, razão pela qual tornaremos ao instituto Janeiro: Forense, 1991. v. I.
quando do estudo da comunicação dos atos processuais. i ARNELUTTI, Francesco. Limiti delia giurisdizione dei giudice italiano. In
Rivista di diritto processuale civile. Padova: Cedam, 1931. v. II.
Verificação de Aprendizagem 111 BM AN, Enrico Túllio. Os limites da jurisdição brasileira. In Estudos sobre o
processo civil brasileiro. São Paulo: Bestbook, 2001.
01. Em que consiste o sistema da determinação direta e da determinação
II.VA, Ovídio A. Baptista da. Comentários ao Código de Processo Civil. São
indireta?
Paulo: RT, 2000. v. 1.
02. O que é competência internacional exclusiva?
03. A ação proposta perante tribunal estrangeiro gera litispendência quanto
à ação proposta no Brasil?
04. Em que consiste a cooperação internacional ativa? E a passiva?

Planificação para aula


1. Universalidade da jurisdição.
2. Sistema da determinação direta e Sistema da determinação indireta.
3. Competência internacional concorrente (arts. 21 e 22)
- Perfil do instituto.
- Hipóteses de cabimento.
4. Competência internacional exclusiva (art. 23)
5. Litispendência internacional.
9. COMPETÊNCIA INTERNA

9.1. Definição. 9.2 Critérios determinativos. a) Objetivo, b) Funcional, c) Territorial.


9.3. Princípio da p e r p e t u a t i o j u r i s d i c i o n i s . 9.4. Competência absoluta e competência
relativa. 9.5. Foro de eleição. 9.6. Cooperação nacional.

l>. 1. Definição.
)á estabelecidas as noções essenciais acerca da atividade jurisdicional, deve­
mos observar que seria impossível o exercício desta função como um todo.
I m outras palavras, a imensa gama de conflitos existentes e a diversidade
(Ia matéria veiculada nas ações propostas obrigam o legislador a estabelecer
determinados critérios para distribuir, entre os juizes, as causas ajuizadas.
Assim sendo, embora todos os juizes, investidos que estão na função de
lulgar, desempenhem atividade jurisdicional, não o fazem por inteiro, uma
vez que sofrem uma limitação em razão de determinados critérios estabeleci­
dos por lei. Nas palavras de Alhos Gusmão Carneiro: “Todos os juizes exercem
jurisdição, mas exercem numa certa medida, dentro de certos limites. São, pois,
iompetentes somente para processar e julgar determinadas causas. A compe­
tência, assim, é a medida da jurisdição, ou ainda, é a jurisdição na medida em
i/ue pode e deve ser exercida pelo juiz.”.m
Ksse conceito de competência é seguido por todos os autores, embora apre­
sentem definições um pouco diversas. Vejamos algumas delas:
a) Marcos Afonso Borges: “Competência, pois, é a parte do poder jurisdicio-
Hal que compete a cada juiz. É a limitação da jurisdição ou a jurisdição apli­
cada a um caso concreto. A jurisdição é um todo. A competência uma fração.
Pode o juiz ter jurisdição sem competência. Não poderá ter competência sem
jurisdição”. 311

CARNEIRO, Alhos Gusmão. J u r is d iç ã o e c o m p e tê n c ia . 4“ ed.. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 45.


1 BORGES, Marcos Afonso. C o m e n t á r i o s a o C ó d ig o d e P ro c e s so C iv il. São Paulo: LEUD, 1974/1975.
b) Moacyr Amaral Santos: “Competência, assim, é o poder de exercer a
jurisdição nos limites estabelecidos pela lei. Ou, conforme conceituaçâo genna
lizada, é o âmbito dentro do qual o juiz pode exercer a jurisdição.”.3'2
c) Vicente Greco Filho: “A competência, portanto, é o poder de fazer atuar a
jurisdição que tem um órgão jurisdicional diante de um caso concreto. Decorre
esse poder de uma delimitação prévia, constitucional e legal, estabelecida
segundo critérios de especialização da justiça, distribuição territorial e divisão
de serviço ”. 313
d) Arruda Alvim: “Competência é a atribuição a um dado órgão do Podei
Judiciário daquilo que lhe está afeto, em decorrência de sua atividade jurisdl
cional específica, dentro do Poder Judiciário, normalmente excluída a legitimi
dade simultânea de qualquer outro órgão do mesmo poder (ou, a fortiori, de
outro poder).”. 314
e) Pontes dc Miranda: “Chama-sc jurisdição à competência judiciária dis
tribuida a cada Estado pela ordem supra-estatal. É o poder de julgar, indi
ferente à repartição desse poder feita pelo Estado. Quando o Estado reparte
essa jurisdição, essa iudicis dandi licentia, então se chama, ao poder de julgai
‘repartido’, competência.”. 315
0 L. Pietro-Castro: “En un sentido objetivo, competência será, por tanto, Ia
regia que se sigue para atribuir a los distintos órganos jurisdiccionales el cono
cimiento de los negocios.”. 316
g) Chiovenda: “La competenza di un organo è dunque quella parte dipotere
giurisdizionale che esso può esercitare ”. 317

112 SANTOS. Moacyr Amaral. P r im e ir a s lin h a s d e d ir e ito p r o c e s s u a l c iv il. 25* ed.. Sâo Paulo: Saralvj
2007. p. 207.
3,3 GRECO FIL.HO, Vicente. D ir e ito p r o c e s s u a l c iv il b r a s ile ir o . 19‘ ed.. São Paulo: Saraiva. 200<> |<
172.
314 ARRUDA ALVIM, José Manuel de. M a n u a l d e D ir e ito P r o c e s s u a l C iv il. São Paulo: RT, 2001. v I
p. 262.
313 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcante. C o m e n tá r io s a o C ó d ig o d e P r o c e s s o C iv il. Rio tl>
Janeiro: Forense, 1947. p 172.
314 PIETRO CASTRO, L. D e r e c h o P ro c e s a l C iv il. Madrid: Revista de Derecho Privado, 1964. pn
meira parte, p. 210.
317 CHIOVENDA, Giuseppe. P r in c ip io d i D i r i t t o P r o c e s s u a le C iv ile . Napoli: Casa Editrice Doll
Eugênio Jovene, 1965. p. 483.
Qualquer que seja o conceito que se opte por adotar, entretanto, pode-se
Mtndensar a ideia nelas contida na definição de que a competência é uma
parcela da jurisdição atribuída ao juízo, conforme as regras estipuladas pelo
legislador.

‘>.2. Critérios determinativos.


Para efetivar a divisão da jurisdição pelos inúmeros juízos existentes no
l'ais, a doutrina apresenta determinados critérios que, diante da finalidade
de determinar de quem é a competência para conhecer e decidir certa causa,
tomam a denominação de critérios determinativos de competência. Em outros
lermos, mediante a adoção prévia de certos critérios determina-se a compe­
tência de um órgão jurisdicional, dando aplicação ao princípio do juiz natural,
vIsto no capítulo III deste curso.
Embora sejam várias as classificações encontradas na doutrina acerca
dos critérios determinativos de competência, nossa legislação, nos art. 42 a
■I, adotou a classificação proposta Chiovenda,518 que apresenta três critérios
diversos: a) o objetivo, b) o funcional e c) o territorial. Aliás, essa classificação
t.imbém era encampada pelo Código de 1973, que, ao tratar da competência
interna (art. 91 e ss.), utilizava-se de uma seção para cada um dos critérios.
Nesse passo, na forma do prevista no art. 42, do CPC, excetuada a hipótese
d.is partes optarem pelo juízo arbitrai, as causas cíveis serão processadas e
./o ididas pelo fuiz nos limites de sua competência, que resta estabelecida pelos
*ritérios determinativos previstos pela lei, a seguir examinados.

a) Critério objetivo.
O critério objetivo leva em conta elementos que não dizem respeito à pró­
pria lide, ou seja, procura determ inar a competência segundo aspectos alheios
' relação controvertida veiculada pela ação. Com isso pode-se estabelecer uma
subdivisão segundo a natureza da causa, o seu valor e as condições pesso­
a i s das partes; normalmente previstas pelo CPC (art. 44) e complementadas
pelas normas de organização judiciária, que levam em conta as peculiarida
des e necessidades dos órgãos jurisdicionais vinculados a um determinado
Tribunal.
Na primeira hipótese, relativa à natureza da causa (ratione materiae), o»
juizes são competentes para conhecer apenas determinadas matérias, exclu
idas outras cuja lei não lhes atribuiu. Assim, um juiz trabalhista é incompc
tente para conhecer e julgar uma causa que veicula matéria relativa a direito
de família. Da mesma maneira, existindo varas especializadas, como é o caso
das comarcas de maior movimento, um juiz titular de vara criminal não tem
competência para conhecer e julgar uma causa de indenização fundada em
acidente de veículo ou relativa a despejo pior falta de pagamento.
A segunda hipótese diz respeito ao valor que é atribuído à causa. Sendo
ele superior a um determinado montante, estabelece-se competência paro
juizes diferentes. Embora se trate de caso de competência concorrente entre
dois órgãos jurisdicionais, a doutrina519costuma apresentar como exemplo da
divisão de competência em razão do valor as causas propostas perante os juí
zados especiais cíveis, que obrigatoriamente devem possuir valor inferior a 40
salários mínimos, sob pena de renúncia ao montante superior a este patamai.
na forma prevista no art. 3o, §3°, da Lei. 9.099, de 26.09.1995.320
No Estado de São Paulo, já logo após a entrada em vigor do CPC de 1973, a
Resolução n.° 02, de 15.12.76, do Tribunal de Justiça, determinava, em seu art
5 4 ,1, competir às varas distritais, processar e julgar causas cíveis e comerciai1,
cujo valor não excedesse 50 vezes o salário mínimo vigente. Criava, portanto,
norma de determinação de competência fundada no valor de causa. Poste
riormente, porém, a Lei n.° 3.947, de 8.12.83, em seu art. 4.°, I, revogou o crité­
rio anterior, atribuindo aos foros regionais o julgamento de causas em matéria
cível independentemente do valor que lhes era atribuído.
Na atualidade, entretanto, para atender as circunstâncias existentes no
momento e para aperfeiçoar a prestação da tutela jurisdicional, foi alterada

,w LOPES, )oão Batista. C u r s o d e d ir e ito p r o c e s s u a l c iv il. São Paulo: Atlas, 2005. v. I, p. 114; e, TH I
ODORO JUNIOR, Humberto. C u r s o d e d ir e ito p r o c e s s u a l c iv il. 47* ed. Rio de laneiro: Forenu,
2006. v. I, p. 193.
wo L e i n .“ 9 .0 9 9 /9 5 . A r t . 3 o. O m is s is ... §3". A o p ç ã o p e lo p r o c e d i m e n t o p r e v i s t o n e s ta L e iimportatil
e m r e n ú n c ia a o c r é d ito e x c e d e n t e a o l i m i t e e s ta b e le c id o n e s te a r tig o , e x c e tu a d a a hipótese 11<
c o n c ilia ç ã o .
mais uma vez a regra atinente à competência em razão do valor. Assim, foi
iiiihuida competência, aos Foros Regionais, para decidir causas de natu-
ir/a cível de até 500 salários mínimos.321 Daí que somente as Varas Cíveis do
11>i um Central (João Mendes Junior) passaram a ter competência para conhe-
i ei e julgar as causas de valor superior ao montante preestabelecido.
Por fim, a competência também pode se estabelecer segundo uma especial
qualidade da parte (ratione personae). Na lição de Moacyr Amaral Santos "...
há algumas pessoas que, por motivos de interesse público, gozam de foro espc-
lul, c então se fala em competência em razão das pessoas - ratione personae.
Tais são, entre outras, as pessoas jurídicas de direito público, as autarquias, e,
ftti certas causas, o presidente da República, os ministros de Estado, o governa­
dor de estado, seus secretários etc., que têm foros privativos.”.312 Nessas hipóte-
.t’s, portanto, a mera participação da parte no processo, desde que preenchido
u lipo legal relativo à competência, implica o estabelecimento do juízo onde a
i ausa será conhecida e decidida.

h) Critério funcional.
A lei pode determ inar que no curso de um determinado processo atue mais
tle um magistrado, seja para que um complemente a atuação do outro, seja
|i(ira que um promova a revisão daquilo que foi deliberado pelo outro. Essa
possibilidade de atuação de diversos juizes num mesmo processo foi eleita
pelo CPC como um dos critérios determinaiivos de competência, qual seja, o
. ntério funcional. Sobre ele já tivemos a oportunidade de afirmar que “O cri­
tériofuncional [...] leva em conta ofato de que em determinado processo podem
luncionar diversos juizes, que têm delimitado seu campo de atuação. Empres­
tando do processo penal um exemplo, trata-se do caso do juiz que conhece e pro-
Icrc sentença de pronúncia em processo que será julgado por jú ri popular. Após
proferir sentença de pronúncia, torna-se o juiz incompetente para prosseguir no
frito, devendo remetê-lo à vara do jú ri .”.323
Nada obstante, talvez o exemplo mais interessante de competência funcio­
nal tenha sido a existência, no primeiro período do nosso direito processual,

Resolução n° 148/2001 do TJSP.


*’ SANTOS, Moacyr Amaral. P r im e ir a s l i n h a s d e d ir e ito p r o c e s s u a l c iv il. 23* ed São Paulo: Saraiva,
2004. l°v. p. 211.
" OLIVEIRA NETO, Olavo de. C o n e x ã o p o r p r e j u d ic ia l i d a d e . São Paulo: RT, 1994. p.20.
dos chamados juizes municipais, que tinham competência para processai ■ i usina Patrícia Miranda Piz/.ol que "... podemos afirmar que a competência
executar os feitos de natureza cível, mas não podiam, porque incompetente', funcional é gênero, que abrange, além da competência hierárquica (que diz res
proferir sentença nesses mesmos processos, que eram julgados apenas pelo l'1'ilo a interposição de recurso, podendo ser chamada de recursal), a competên
Juizes de Direito. Dizia o Código Criminal do Império, em título único deno , m originária dos tribunais, as hipóteses em que o juiz fica vinculado a causa
minado “Disposições provisórias acerca da administração da Justiça C ivil”, I ei i/ior exemplo: ação de execução de sentença, cf. art. 575, do CPC; ação principal
de 29 de novembro de 1832, em seu art. 8o, que “Os juizes municipais ficam , ação cautelar, cf. art. 800 do CPC) e também nas hipóteses em que o juiz de
autorizados para prepararem e processarem todos os feitos, até sentença final . ei to território recebe a atribuição de julgar a causa por mais útil e eficaz, sendo
exclusive, e para execução da sentença.”; enquanto o art. 9o complementava . hamada de competência territorial funcional (por exemplo: ações relativas a
que “Os juizes de direito poderão mandar reperguntar as testemunhas em sua bens imóveis previstas no art. 95, 2 a parte, do CPC; ações coletivas, cf. arts. 2 o
presença e proceder outra qualquer diligência, que entenderem necessária, r da l.ACP e 93 do CDC; ação de falência, cf. art. 7o da Lei de Falências).”.*1*
julgaram à fin a i”. Cremos que dessa forma tentava a lei resolver problema', Em suma, pelo critério funcional a distribuição de competência considera
relativos ao número de juizes de direito então existentes, que devido a Lnexis i**. interesses do próprio Estado quanto a uma eficaz prestação de tutela juris
tência de curso jurídico no País eram bastante escassos à época. tllcional, motivo pelo qual se trata de matéria de ordem pública, represen
A atuação de mais de um juiz em um determinado processo permite que i.mdo espécie de competência absoluta, que adiante será estudada de forma
se estabeleça classificação acerca das formas pelas quais se distribui a com pormenorizada.
petência pelo critério funcional, o que encontra alguma divergência em sede
doutrinária.
Por sua vez, o art. 45 não trata propriamente da determinação de com
Ao tratar do tema, explica Humberto Theodoro Junior, que a "Competên potência, na medida em que a competência da Justiça Federal Comum está
cia funcional classifica-se: a) pelas fases do procedimento; b) pelo grau de juris­
prevista no art. 109, da Constituição da República, mas sim de uma causa de
dição; c) pelo objeto do juízo.”. Explica o autor que na primeira espécie leva-v
modificação de competência fundada na vis actrativa que as causas atribuídas
em conta que o ato deve realizar-se por outro magistrado (penhora, avaliação
i esta Justiça exercem em relação as demais.326 Daí, tram itando o feito perante
e praceamento de bens localizados em outra comarca); a segunda abrange <>i
lilízo que não o federal, já que ele é especial perante a Justiça Estadual, se nele
casos de competência originária e recursal dos Tribunais, daí porque tain
intervier a União, suas empresas públicas, entidades autárquicas e fundações,
bém é denominada competência hierárquica; e, a terceira, verifica-se quando
c os conselhos de fiscalização profissional, na qualidade de parte ou de terceiro
determinada matéria é decidida por órgãos diversos (quando é suscitada que\
mterveniente, então o processo deverá ser remetido para conhecimento e deci­
tão de inconstitucionalidade, ocorrem duas decisões por órgãos distintos: .i
são do Juiz Federal. Tal ocorre, por exemplo, em ação de usucapião de imóveis
Câmara decide o recurso e o Pleno decide o incidente).324
<|iiundo a União intervém sob o argumento de que a área confronta com rio
A classificação mais usual, todavia, é aquela que compreende a competên navegável; situação que exige a remessa do feito da Justiça Estadual para a Jus
cia funcional como um gênero, que abrange espécies diversas, agrupadas num liça Federal. O próprio preceito, todavia, após indicar a regra geral a respeito
plano horizontal e num plano vertical. A competência funcional no plano tio tema, relaciona as suas exceções, indicando as ações de: I - de recuperação
horizontal é aquela que se verifica entre juizes que estão no mesmo grau dc
jurisdição; enquanto a competência funcional no plano vertical é aquela qm
1’IZZOL, Patrícia M iranda. A c o m p e tê n c ia n o p r o c e s s o c iv il. São Paulo: RT, 2003. p. 149-150.
se verifica entre juizes que estão em grau de jurisdição diverso. A esse respeito
HARBI, Celso Agrícola. C o m e n t á r i o s a o C ó d ig o d e P r o c e s s o C iv il. 6“ e.. Rio de Janeiro; Forense.
1991. p. 270. “A r e g r a n ã o è d e d e t e r m i n a ç ã o d e c o m p e tê n c ia , m a s s i m d e m o d i f i c a ç ã o d e la , e m
”4 THEODORO JUNIOR, I tumberto. C u r s o d e d ir e ito p r o c e s s u a l c iv il. 47“ e.. Riu de Janeiro: Forenr.. c o n s e q u ê n c ia d a in t e r v e n ç ã o d a U n iã o . D e v e r ia , p o is , e s t a r c o lo c a d a n o c a p í t u l o d a s m o d ific a ç á e s
2007. p. 195. d a c o m p e t ê n c i a . ’’.
judicial, de falência, de insolvência civil e de acidente de trabalho; II - sujeita
à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho.
Com relação à admissibilidade do pedido de intervenção, cremos que está
absolutamente equivocado o entendimento contido na Súmula 150, do S'l I
segundo a qual “Compete à Justiça Federal decidir sobre a existência de inte
resse jurídico que justifique a presença, no processo, da União, suas autarquia-
ou empresas públicas.”. Isso porque, em se tratando ontologicamente de crité
rio de modificação de competência, não há como subtrair do juiz originaria
mente competente para conhecer e decidir a causa, a possibilidade de analisai
e decidir sobre a presença ou não do critério de modificação; mormente sendo
ele o juiz natural do processo. A súmula é antagônica, portanto, ao Princípio
do Juiz Natural, fazendo com que o próprio órgão a quem a lei atribui a com
petência não possa deliberar sobre a legitimidade ou o interesse que implicará
a remessa do feito a outro juízo.
Não bastasse, o conteúdo da súmula também ofende o Princípio da Eco
nomia processual, pois uma interpretação literal de seu texto faz com que o
juiz natural receba pedido de intervenção absolutamente infundado e esteja
obrigado a remetê-lo para a Justiça Federal, onde fatalmente será reconhecida
a falta de interesse ou de legitimidade, devolvendo-se o processo para a Justiça
Estadual, sem que nenhum ato processual relevante ao bom desenvolvimento
do processo tenha sido realizado. Seria oportuníssima, pois, a revogação da
súmula que consubstancia empecilho a uma razoável duração do processo.
Por fim, assim como é dever do magistrado estadual, nos casos em que*
ocorre a admissão de um dos entes relacionados remeter o feito para a Justiça
Federal; também é dever do magistrado federal, nos termos do art. 45, §3",
devolver o processo caso ocorra a exclusão do feito do ente federal cuja pre
sença levou o juízo estadual a declinar sua competência, sem suscitar conflito;
na medida em que cessada a intervenção o magistrado estadual volta a ser o
juiz natural da causa. Esse, aliás, o teor da Súmula 224 do STJ,3r positivado
pelo artigo em comento.

S ú m u l a 2 2 4 . “E x c lu íd o d o f e i t o o e n t e fe d e r a l, c u ja p r e s e n ç a le v a r a o J u i z E s t a d u a l e d e c lin a r n
c o m p e tê n c ia , d e v e o J u iz F e d e r a l r e s t i t u i r o s a u t o s e n ã o s u s c i t a r o c o n f l i t o .”
i ) Critério territorial.
O último critério determinativo de competência adotado pelo CPC é o ter
illorial, que procura fixar competência tendo em vista o território afeito á
lim.sdição do juízo. Em outras palavras, um órgão jurisdicional possui um
inritório previamente demarcado por lei, dentro do qual será exercida sua
liirisdiçâo.
Essa divisão espacial do território se dá com a finalidade de tentar equi
librar as posições de vantagens e desvantagens do autor e do réu que litigam
■ui juízo, fazendo com que seja eliminado um possível desequilíbrio inicial
ilivorrente da parte inferiorizada ter que litigar em local distante de seu domi-
. llio. É por isso que a regra geral para as ações fundadas em direitos pessoais
■ para as ações fundadas em direito reais sobre bens móveis é que a ação seja
proposta no domicílio do réu (art. 46), se não houver regra especial de compe­
tência a respeito daquela situação discutida em juízo.
Ora, o autor pode preparar a tese defendida na sua inicial, obter os docu­
mentos necessários para sua instrução e propor a ação num prazo bem supe-
Hor ao prazo que possui o réu para oferecer sua defesa, pois a sua atuação
• .lá limitada apenas ao prazo prescricional. Permitir que a regra geral fosse a
piopositura da ação no domicílio do autor acabaria por desequilibrar ainda
mais essa posição de vantagem em relação ao réu, que poderia ter que liti-
.11 em local diverso do seu próprio domicílio, onde nada conhece. Seria bem
mais difícil contratar um advogado de sua confiança, obter documentos em
u tórios que não sabe onde se localizam ou até mesmo ir ao Fórum obter
mlormações acerca do feito, caso não seja digital. Daí as razões pelas quais,
\ Isando manter o equilíbrio entre as partes, elegeu o CPC o foro do domicílio
tio réu como regra geral.
Fixada a regra geral para a propositura de uma ação, passa o CPC a esta­
belecer foros especiais levando em conta as peculiaridades de cada uma das
.11 nações, sempre sem descuidar da manutenção do equilíbrio entre as partes.
l'or isso, em se tratando de ação fundada em direito real sobre imóvel, reza o
ui 47 que o foro competente será o do local do imóvel. Isso porque desapa
ia e a desvantagem acima aduzida, já que é pouco provável que alguém seja
proprietário de imóvel onde nunca esteve, bem como porque a produção da
prova resta facilitada pela proximidade física do juízo ao bem.
Nos artigos seguintes (art. 48 até 52) o código trata de algumas situaçõcn
especiais, determinando onde deverá ser proposta a ação que tenha como
parte o espólio, o ausente, o incapaz e as pessoas jurídicas de direito público
interno. Para isso indica que ações promovidas pelo ou contra o espólio terão
como foro o local do seu último domicílio (art. 48); sendo idêntica a regra para
o ausente. Assim, se o autor da herança era domiciliado em São Paulo, seu
inventário será processado nesta Comarca e todas as ações contra ele inten
tadas, se não houver outra regra que a esta se sobreponha, como acontece
no caso da ação de alimentos, também serão proposta neste mesmo local. O
mesmo acontece quanto ao ausente, cujo foro para dem andar ou ser deman
dado é o do seu último domicílio.
A regra do art. 50, que reproduz em conteúdo o art. 98, do CPC de 1973, e
que trata da demanda proposta contra o incapaz, poderia ter sido eliminada
do sistema, na medida em que o incapaz, por força do que dispõe o art. 76,
parágrafo único, do Código Civil, tem domicílio necessário no local onde tem
domicílio seu representante ou assistente. Daí, mesmo que o art. 50 não cons
tasse da parte que trata da competência territorial, a ação contra ele intentada
teria como foro competente o previsto na lei civil. Aliás, a redação dada ao
art. 50, do CPC, seguiu a melhor estrutura apresentada pela redação do art.
76, do Código Civil, na medida em que agora também se utiliza dos termos
“representante” e “assistente”, dirim indo qualquer dúvida acerca da expressão
incapaz abarcar também o relativamente incapaz.
Outrossim, necessário notar que a regra do art. 50 é especial e afasta a
regra geral do art. 46, ambas do CPC, razão pela qual sua interpretação deve
ser restritiva. Por isso nas ações onde o incapaz for autor o foro competente
será o do domicílio do réu, já que o art. 50 não se refere ao incapaz como
parte, mas apenas como réu.
Já o art. 51, do CPC, em consonância com o art. 109, da Constituição da
República, disciplina o foro onde deve litigar a União, estabelecendo que “É
competente o foro de domicílio do réu para as causas em que seja autora a
União; sendo esta a demandada, poderá a ação ser proposta no foro de domicí­
lio do autor, no de ocorrência do ato ou fato que deu origem à demanda, no de
situação da coisa ou no Distrito Federal”. Com isso a regra facilita à atuação
da parte contrária, que sempre será demandada no seu domicílio, mas poderá
optar por uma ampla gama de locais para acionar a União.
Encerrando a seção relativa à competência territorial o art. 53 repete,
mm algumas alterações e com enorme vantagem, o conteúdo do art. 1U0, do
t l'C de 1973; traçando regras especiais de competência para hipóteses bas
tante comuns dia a dia do foro. Começa por alterar o foro competente para as
ações de divórcio, que antes deveriam ser propostas no local da residência da
mulher, situação que reputávamos inconstitucional.
A esse respeito tivemos a oportunidade de observar que “O art. 100, inciso
I, do CPC, estabelece que o foro da residência da mulher é o competente para
a propositura da ação de separação judicial, divórcio e de anulação de casa
mento; excepcionando a regra geral de que o foro competente seria o do domi­
cilio do réu. Como tal redação foi determinada pela Lei n° 6.515, de 16 de
dezembro de 1977, portanto anterior à Constituição de 1988, muito se debate,
seja na doutrina, seja na jurisprudência, se o preceito foi ou não recepcionado
pela nova ordem jurídica. Seria a regra contrária aos arts. 5o, I, e 226, § 5o,
da Constituição; e, portanto, inconstitucional? Para obter uma resposta ade­
quada a tal questão, mister se faz a aplicação dos três critérios antes delinea­
dos, estabelecendo-se a razoabilidade do discrímen, sua pertinência ao fator
de desigualdade e sua consonância com o sistema constitucional. Nesse passo,
podemos notar que a razão de existir a regra se prendeu, quando da sua edi­
ção, ao fato de que a mulher estava em situação social inferior a do homem.
Séculos de submissão à vontade do pai ou do marido, numa sociedade eminen­
temente patriarcal, fizeram com que a mulher tivesse inúmeras dificuldades
no momento da separação, o que justificava o discrímen com a finalidade de
obter o equilíbrio entre as partes. Atualmente, porém, cremos que não é mais
razoável a manutenção de tal fator de diferenciação. Passados 30 anos da Lei
do Divórcio, a sociedade é outra. A mulher está inserida no mercado de traba­
lho e tem as mesmas oportunidades que os homens para desenvolver-se física,
psíquica e mentalmente. Por que, então, dispensar tratamento diferenciado a
ambos? Ademais, a manutenção da norma no sistema infraconstitucional, com
a devida vênia, representa verdadeiro menosprezo à mulher, pois a considera,
em certa medida, inferior ao homem, já que necessita de umforo especial para
litigar quando da sua eventual separação. Destarte, o fator de discriminação
não é razoável e o art. 10 0 ,1, do CPC, não está em consonância com os arts. 5 o,
I, e 226, § 5o, da Constituição Federal; razão pela qual se verifica desrespeito ao
princípio da isonomia, sendo inconstitucional o referido preceito.“d1*
^ Nesse passo, acolhendo a lei o entendimento mais moderno e em con
sonância com nossa realidade social, estabeleceu no art. 5 3 ,1, do CPC, cjiu-
para as ações de divórcio, de anulação de casamento e de reconhecimento ou
dissolução de união estável, o foro competente é o do domicílio do guardião
de filho incapaz. Não havendo filho incapaz, então a competência será do
foro do último domicílio do casal, e, se nenhuma das partes residir no antigo
domicílio, será competente o foro de domicílio daquele que for o réu. Com
isso, cremos, se restabelece o equilíbrio entre homem e mulher e se cumpre a
igualdade material prevista na Constituição da República.
O art. 53, II, do CPC, repete a redação do art. 100, II, do CPC de 1973,
sobre o qual se manifestou com precisão Patrícia M iranda Pizzol ao comentar
que “O alimentando não se encontra em pé de igualdade com o alimentante;
ele, seguramente, é a parte mais fraca na relação jurídica processual. Se o ali

mentando tivesse de submeter-se à regra geral de competência, ou seja, foro do
domicilio do réu (devedor de alimentos), aí sim verificar-se-ia uma desigual
dade. Imaginem se aquele que precisa dos alimentos para subsistir, para se ali
mentar, estudar, se vestir, ir ao médico etc. e depende do processo judicial para
ver seu direito a eles reconhecido tivesse de propor a competente ação no foro do
domicilio do réu, que, muitas vezes, além de não coincidir com o seu, fica muito
distante dele? Na maioria dos casos, seria impossível ao alimentado deman
dar, diante dos custos relativos ao deslocamento, à contratação de advogado no
local do domicilio do réu etc. Por conseguinte, entendemos que a norma não <■
inconstitucional, como poderia parecera um intérprete apressado.V29
A redação do preceito, que se utilizou de ambas as locuções, indica que a
ação poderá ser proposta no local do domicílio ou no local da residência do
alimentando, ficando a seu cargo a opção por um ou por outro local. Optando
pelo local do domicílio, entretanto, não poderá o alimentando deixar de cum
prir o determinado no art. 50, do CPC, já que o incapaz, como se viu, por*129

H* OLIVEIRA NETO, Olavo de, COZZOLINO DE OLIVEIRA, Patrícia Elias. P r in c íp io d a I s o iw


m i a . In P r in c íp io s p r o c e s s u a is c iv is n a C o n s t i t u iç ã o . Coord. OLIVEIRA NETO, Olavo d ee LOPlV
Maria Elizabeth de Castro. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008. p. 144-145.
129 PIZZOL, Patrícia Miranda. C P C , a r t. 100. In C ó d ig o d e P rocesso C iv il In te r p r e ta d o . MARCATO,
Antonio Carlos (Coord.). São Paulo: Atlas, 2004. p. 277.
lorçn do que dispõe o art. 76, parágrafo único, do Código Civil, tem domicilio
necessário no local onde tem domicílio seu representante ou assistente.
Por fim, como o inciso não especifica qualquer tipo de ação de alimentos,
limitando-se a aduzir genericamente “...para a ação em que se pedem alimeti
los.“, qualquer que seja a modalidade do procedimento adotado o foro com
petente será sempre o do domicílio ou da residência do alimentando. A esse
respeito, aliás, esclarece a Súmula 01, do STJ, que “O foro do domicílio ou da
residência do alimentando é o competente para a ação de investigação de pater
nidade, quando cumulada com a de alimentos.’’.
Ao contrário do que fazem os incisos I e II, do art. 53, o inciso III não fixa a
i ompetência em razão do tipo de ação que será proposta (divórcio, alimentos),
mas apresenta seis hipóteses de foros especiais aglutinadas pela indicação de
um lugar onde deverão ser propostas variadas espécies de ações, independeu
temente do seu conteúdo. Assim, na forma da alínea “a”, é competente o lugar
onde está a sede da pessoa jurídica para a ação em que for ré, sendo oportuna
a observação de que “A pessoa jurídica de direito privado pode ter vários domi
cllios (CC 75 §1°; CC/1916 35 $3°), mas só uma sede, onde deverá ser ajuizada
a ação contra ela.n.m
Nada obstante, se a pessoa jurídica possui agência ou sucursal, como acon
tece com as instituições financeiras, que possuem inúmeras agências em loca
lidades diversas, então as ações relativas às obrigações que a pessoa jurídica
contraiu nessas filiais, por força do disposto na alínea “b ”, deverão ser pro
postas nessas localidades. Portanto, se o cliente discute judicialmente a abu-
sividade de um contrato bancário de empréstimo que firmou na simpática
e acolhedora cidade de Palmital/SP, então o foro competente para conhecer
e decidir a causa e o da Comarca de Palmital/SP, embora a sede da empresa
esteja em outra localidade.
Essa regra também se aplica à obrigação decorrente de ato ou fato ocorrido
na agência ou sucursal, mesmo que se trate de ato ilícito de natureza civil e
que por isso dê ensejo a reparação de danos, por força da Súmula 363, do STF.
que tem o seguinte teor: “A pessoa jurídica de direito privado pode ser deman
dada no domicilio da agência ou estabelecimento em que se praticou o ato..

IMJ
N E R Y IUNIOR, Nelson, NERY, Rosa M aria de Andrade. C ó d ig o d e P r o c e s s o C i v i l C om enlaihi 7*
e.. São Paulo: RT, 2003. p. 499.
Por sua vez, conforme dispõe a alínea “c", para a ação em que for ré a sot ic v Rosa Maria de Andrade Nery que "í: do autor a opção pelo ajuizamcnto do
dade sem personalidade jurídica, o foro competente será o do lugar onde a ação no foro de seu domicílio ou no foro do lugar do acidente. O réu não pode
empresa exerce a sua atividade principal; enquanto por força da alínea "d Opor-se a opção do autor. Este, entretanto, pode renunciar à prerrogativa de
será competente o foro do lugar onde a obrigação deve ser satisfeita, para u foro e ajuizar a ação no domicilio do réu (CPC 94). Se isso ocorrer, ao réu é
ação em que exige o seu cumprimento. vedado argüir a incompetência relativa, por falta de interesse processual, já que
A alínea “e” não constava do rol existente no art. 100, IV, do CPC de 1973. estaria sendo beneficiado com a escolha do autor pelo foro do domicílio dele,
sendo introduzida no diploma atual como uma consequência lógica e neces teu.”. Em resumo, tais ações podem ser propostas no domicílio do autor, no
sária de uma melhor implementação do direito das pessoas idosas, nos termos domicílio do réu ou no local dos fatos, à livre escolha do autor.
previstos pelo Estatuto do Idoso (Lei n.° 10.741, de Io de outubro de 2003). Daí
dizer o preceito que é competente o lugar “de moradia do idoso, nas causas que 9.3. Princípio da perpetuatio jurisdictionis.
versem direitos individuais previstos no respectivo estatuto;”. Com isso, o foro
competente para conhecer e decidir ação que verse direito previsto no estatuto A determinação do juízo competente para conhecer e para decidir deter
será o da moradia do idoso. Assim sendo, se pessoa idosa for impedida dc minada demanda depende, além das regras acima apresentadas, da fixação
prestar um concurso público de bibliotecária, por exemplo, cuja natureza do dc um marco temporal, sem o que cada alteração na situação de fato ou de
cargo não exige vigor físico extremado para o desempenho da atividade,” 1a direito poderia implicar a alteração da competência inicialmente fixada. Pen
ação para discutir a lesão ao seu direito será proposta no local da sua morada se-se na seguinte hipótese: o alimentando que reside em Bauru/SP na data em
Por fim, as ações referentes à reparação de danos causados em razão da que propõe a ação, muda-se no dia seguinte para a cidade de Marília/SP, onde
atuação de serventias notariais ou de registros, como uma ação de indeniza permanece até a data em que o alimentante é citado. Muda-se novamente,
ção fundada na elaboração de ata notarial que retrata situação inversa da exis antes do término do prazo para a resposta, para a cidade de Araraquara/SP,
tente, deverão ser propostas na sede da serventia, conforme dispõe a alínea mas quando da decisão acerca da preliminar de incompetência está residindo
“ f ” do preceito.
na cidade de São Paulo. Não houvesse marco temporal para estabelecer o juízo
competente, em qual das comarcas seria processada e decidida a ação de ali
O art. 53, IV, do CPC, estabelece como foro competente aquele “do lugar do
mentos proposta?
ato ou do fato para a ação: a) de reparação de dano; b) em que fo r réu o admi­
nistrador ou o gestor de negócios alheios.”. A importância da alínea “a” reside Diante da necessidade, pois, da fixação de um momento em que a incidên
na grande quantidade de ações de reparação de danos materiais e morais que cia das regras de determinação da competência devem ser observadas, esta
tramitam perante nossos Tribunais, cujo volume é sentido visu et intuito, belece o art. 43, do CPC, que “Determina-se a competência no momento do
embora não tenhamos conhecimento de estatísticas confiáveis a esse respeito. registro ou distribuição da petição inicial,...”; ou seja, por força do disposto no
art. 312, do CPC, determina-se a competência no momento em que a petição
Por fim, o inciso V do artigo, ao dispor que nas ações de reparação do
inicial for protocolada, uma vez que em proceso de base eletrônica é nesse
dano sofrido em razão de delito ou acidente de veículos, inclusive aeronaves,
exato momento que também se dá o seu registro.
será competente o foro do domicílio do autor ou do local do fato, dá ensejo à
existência de foros concorrentes, cuja opção quanto ao local da propositura da A previsão legal deste momento para aferir qual é o juízo competente,
ação fica ao livre critério do autor. Nesse sentido ensinam Nelson Nery Junior fixando no tempo a relação jurídica de direito material, assim como uma
loto torna inerte um momento que fatalmente sofrerá alteração futura; pot
Lei n.“ 10.741, de Io de outubro de 2003. “A r t . 27. N a a d m i s s ã o d o id o s o e m q u a l q u e r tr a b a lh o o u influência do Direito Romano denomina-se princípio da “perpetuatio juris
e m p r e g o , é v e d a d a a d i s c r i m i n a ç ã o e a f i x a ç ã o d e l i m i t e m á x i m o d e id a d e , i n c lu s iv e p a r a c o n c u r s o s ,
dictionis”, também conhecido como princípio da perpetuação da jurisdição
r e s s a lv a d o s o s c a s o s e m q u e a n a t u r e z a d o c a r g o ex ig ir.".
ou regra da perpetuação da jurisdição; sempre a indii .11 que uma vez fixado
o juízo competente, essa competência só virá a sofrer alterações em hipótese»
excepcionais, previstas na parte final do art. 43, do CIH .
Nada obstante as críticas existentes 11a doutrina quanto a imprecisão da
denominação perpetuação da jurisdição,"2isso sob o argumento de que o que
se perpetua em realidade é a competência, a denominação está consagrada
desde o Direito Romano, como esclareça Celso Agrícola Barbi ao aduzir que:
“Desde 0 direito romano existe a regra de que a competência para uma determi
nada causa, uma vez fixada, não mais se modificará, a não ser em casos muito
especiais. É 0 princípio da perpetuado jurisdicionis, consagrado do Digesto ubi
acceptum est semel judicium, ibi et finem accipere debet e que se justifica por
uma questão de conveniência e de estabilidade. Não houvesse a regra, poderio
ser mudado 0 lugar do processo tantas vezes quantas o réu transferisse 0 seu
domicilio, se a competência fosse decorrente dele.”.m
Fixada a competência pelo momento em que a petição inicial é protoco­
lada, sendo irrelevantes as alterações de fato e de direito ocorridas após esse
momento; estabelece a parte final do art. 43, assim como já fazia o art. 87, do
CPC de 1973, que somente poderá ser aferida novamente a competência em
razão da supressão do órgão judiciário ou caso ocorra alteração da competên
cia absoluta. Nessas hipóteses deverá novamente ser verificado o juízo com
petente tomando-se por conta o momento em que houve a supressão do órgão
jurisdicional ou a alteração da competência absoluta. Por isso, utilizando
novamente o exemplo acima mencionado, proposta a ação de alimentos em
Bauru/SP, se esta comarca for suprimida, então é no momento da supressão
que se irá aferir o juízo competente; independentemente de outra localidade
ter herdado o território da comarca extinta.
Ressalte-se, por fim, que na hipótese de supressão do órgão jurisdicional,
por ser tratar de competência relativa, a não arguição importará em pror­
rogação da competência do foro que herdou o território da unidade extinta;
enquanto no caso de competência absoluta deverão os processos ser remetidos
de imediato ao juízo competente.334

02 PIZZOL. A c o m p e tê n c ia . . . . p. 334-335.
UJ Op. cit., p. 237.
554 Súmula 10 do STJ: “S ú m u l a 10. I n s ta la d a a J u n ta d e C o n c ilia ç ã o e J u lg a m e n to , c e s sa a c o m p e ­
t ê n c ia d o j u i z d e d ir e ito e m m a t é r i a tr a b a lh is ta , in c lu s iv e p a r a a e x e c u ç ã o d a s s e n te n ç a s p o r ele
‘>.1. Competência absoluta e competência relativa.
Uma das classificações mais importantes acerca da competência diz res
peito a ser ela relativa ou absoluta, sendo corriqueira e errônea a ideia de que a
• oinpetência absoluta é aquela que se prorroga, enquanto a competência rela
Uva é aquela que não se prorroga. Isso porque uma definição pelos próprios
eleitos de um instituto nada define, servindo apenas para gerar confusão e
perplexidade acerca do seu conteúdo. Afinal, a competência absoluta é a que
mU> se prorroga ou a competência que não se prorroga é a absoluta? Qual foi,
eíctivamente, o conteúdo declarado desta espécie de competência com uma
ilelinição embasada em seus próprios efeitos?
O que acontece, em verdade, é que ao repartir a jurisdição entre os diver­
sos juizes a lei leva em conta que, em certas situações, o interesse do Estado
ilcve preponderar sobre o interesse particular, isso para que se possa prestar
.i tutela jurisdicional de forma adequada. Daí, por uma questão de interesse
público, determina que a competência de um foro não poderá ser alterada,
na medida em que tal alteração causaria problemas quanto ao serviço pres­
tado pelo Poder Judiciário (v. g , causa trabalhista julgada pela Justiça Comum
I stadual). Cria, assim, as hipóteses de competência absoluta. Em outras hipó­
teses, porém, o interesse do particular prepondera sobre o interesse do Estado,
|á que a alteração de foro nenhum prejuízo causa a prestação da tutela, motivo
pelo qual apresenta hipóteses de competência relativa (v. g., feito de competên­
cia da Comarca de São Paulo julgado na Comarca de Guarulhos).
Nesse sentido as precisas lições de Liebman e de João batista Lopes que
ensinam, respectivamente, que "A distribuição de competência é feita pelo
modo que a lei considera mais oportuno para o bom andamento da função
jurisdicional, sendo por isso inderrogável (C.P.C. art. 6o); somente nos casos em
que a lei pretendeu levar em conta o critério da maior comodidade das partes
<l que podem estas pôr-se de acordo para derrogar a ordem legal.”;33* e, que
"lintende-se por competência absoluta a que é fixada pela lei de modo inflexí­
vel, atendendo a razões de ordem pública, isto é, sem permitir qualquer altera
(<íopelo juiz ou pelas partes. Já a competência relativa é estabelecida atendendo

p r o f e r i d a s .”.

" LIEBMAN, Enrico Tullio. M a n u a l d e d ir e ito p r o c e s s u a l c iv il. Rio de Janeiro: Forense, 198-1 p.
59-60.
às razões de conveniência das partes, segundo critérios que podem por elas sei
alterados.”.336
Em conclusão, portanto, a competência absoluta é fixada por razões dr
ordem pública, visando à otimização da prestação da tutela jurisdicional e.
por isso, não pode ser alterada por conveniência das partes; enquanto a com
petência relativa reúne critérios onde prevalece o interesse do particular sobre
o interesse público, razão pela qual as partes podem alterar o foro competente
para conhecer e decidir um determinado feito. Por isso são critérios de com
petência absoluta o material e o funcional; e, são critérios de competência rela
tiva o territorial e o fundado no valor atribuído à causa. Portanto, as partes
não têm disponibilidade para alterar o foro competente por motivos ligados
à matéria ou a função, mas podem alterar a competência quando se tratar de
território ou de valor.
Observe-se, por fim, que pela sistemática do CPC de 1973 a incompetência
absoluta era alegada como preliminar em contestação, enquanto a incompc
tência relativa era alegada mediante exceção de incompetência, que era autu
ada e decidida em separado (art. 307 a 311), com a necessária suspensão do
processo (art. 265, III). Atualmente, porém, por força do disposto no art. 64,
do CPC, tanto a incompetência absoluta quanto a relativa, deverão ser alega
das como preliminar na contestação, devendo ser solucionadas quando do
saneamento do feito.
Na nova sistemática quanto à alegação da incompetência do juízo, a incom
petência absoluta continua a poder ser reconhecida de ofício pelo juiz (art.
64, §1°), importando o seu reconhecimento na imediata remessa dos autos
ao juízo competente (art. 64, §2°), com a conservação dos efeitos das deci
sões proferidas pelo juízo incompetente, salvo decisão judicial em contrário
(art. 64, §3°); enquanto a incompetência relativa não pode ser reconhecida de
ofício, devendo ser objeto de alegação da parte, sob pena de prorrogação da
competência do juízo originalmente incompetente, na forma prevista no art.
65, do CPC.
Em que pese à sedimentação de tal entendimento, consubstanciado na
Súmula 33, do STJ, segundo a qual “a incompetência relativa não pode ser
declarada de ofício”, acreditamos que a propositura de uma ação fora do

Op. cit., p. 126.


domicílio das partes apenas prejudica seu processamento, potencializando a
illlículdade de defesa do réu e gerando custos adicionais para as próprias par
Irv Tal conduta, não bastasse, afronta ao Princípio da Ampla Defesa, pois não
hii justificativa plausível deslocar para comarca alheia das partes a demanda
que as envolve.
A adoção da tese contrária a exposta, com o devido respeito a opinião no
momento dominante, importa em perm itir a propositura de feito em comarca
distante da que seria originalmente competente, inviabilizando-se ainda mais
0 oferecimento de defesa. Foi por tais razões e porque restaram flagrantes e
usuais, infelizmente, tais artifícios, que a Lei n° 11.280, de 17.02.2006, acres-
lentou parágrafo único ao art. 305, do CPC de 1973, permitindo a interposi-
çào e recebimento de exceção de incompetência no juízo do domicílio do réu,
1oibindo com isso prática cada vez mais vislumbrada no foro.
Configurando, em nosso entender e sempre com o devido respeito a posi­
ção majoritária, abuso do direito de ação litigar em local diverso de onde estão
.is partes e de seus principais interesses comerciais, reputamos absolutamente
pertinente a adoção da tese de que o juiz pode declarar de ofício também a
incompetência relativa, sendo juiz da sua própria competência e contribuindo,
com isso, para uma otimização da prestação da tutela jurisdicional.

9.5. Foro de eleição.


Diante da possibilidade de prorrogação da competência de um juízo, ori­
ginalmente incompetente para conhecer e decidir uma causa, permite a lei
que as partes, mediante certas condições, estabeleçam um determinado local
para o julgamento de causas futuras entre elas, o que deve ser previsto por
i ontrato e toma a denominação de foro de eleição. Daí a redação do art. 63, do
CPC, segundo a qual “As partes podem modificar a competência em razão do
valor e do território, elegendo foro onde será proposta ação oriunda de direitos
e obrigações”.
A possibilidade das partes elegerem, nos casos de competência relativa, o
local onde deverá ser decidida a causa é da tradição do nosso direito e remonta
á época do direito romano, como adverte Leonardo José Carneiro da Cunha
ao ensinar que “Não é de hoje que as partes podem escolher o foro compe­
tente. Remonta ao direito romano o chamado ‘foro do contrato’, consistente
y rw tv n irw i m » v i j j u
- - - - - - - - - - - - - --- —

na 'competência determinada pelo contrato’. Com efeito, a escolha do lugar do Para que a cláusula de eleição do foro possa produzir eficácia é necessário o
adimplemento da obrigação como elemento idôneo a fundar um critério </< preenchimento dos requisitos previstos no art. 63, §1°, do CPC, que exige que
competência territorial originou-se no direito romano, quando o locus destin.i ela conste de contrato escrito e que se refira a determinado negócio jurídico.
tae solutionis se pôs ao lado, em talfunção, da conclusão do contrato.”.™ Como Portanto, deixando de lado nosso entendimento sobre o tema, utilizando se a
anotam o citado autor e também Pontes de M iranda,338 nossas legislaçúr I<i da ideia de eficácia (produz efeito) e não da ideia de validade, acreditamos
sempre permitiram a eleição do foro, à exceção do CPC de 1939 que não tra que a cláusula não escrita sobre a eleição do foro também é válida, podendo
tava expressamente da matéria, mas mesmo assim a doutrina e jurisprudência produzir efeitos se a parte contrária anuir expressamente com o seu conteúdo,
da época se encarregaram de firmar o entendimento quanto a possibilidade confirmando o acordado quanto ao foro de eleição.
de eleição do foro, o que deu origem ao entendimento contido na Súmula 33f>, Preenchidos os requisitos exigidos pelo art. 63, §1°, do CPC, a eleição do
do STF, segundo a qual “É válida a cláusula de eleição do foro para os processos loro obriga os herdeiros e sucessores das partes (§2°), se o próprio contrato
oriundos do contrato.”. não trouxer qualquer disposição em contrário, já que o sistema não proíbe
Nada obstante, em que pese ser da tradição do nosso direito a possibilidade ,i elaboração de cláusula segundo a qual o foro de eleição cessa com o faleci­
de fixação de foro de eleição, tal prática, com a devida vênia, não se coaduna mento de uma das partes que originalmente firmou a avença. Nesse sentido
com o processo civil moderno, onde cada vez mais se busca a otimização da ensina Celso Agrícola Barbi que “A regra é supletiva, isto é, aplica-se na falta
prestação da tutela jurisdicional. Isso porque o deslocamento da competência de convenção em contrário. Esta é perfeitamentepossível, porque nem a lei nem
por deliberação das partes não leva em conta as necessidades de todos os júris i».sprincípios impedem que as partes estabeleçam que a morte de qualquer delas
dicionados, acarretando um aumento de feitos desproporcional entre as várias laça desaparecer a convenção sobre foro. Mas não é possível contratar que oforo
unidades cartorárias, sempre criadas em razão de critérios de ordem pública se modifique em razão de morte da parte após proposta a ação, porque isto viria
Não se justifica, como se vê no foro, que as partes possam litigar em local contrariar a regra da perpetuatio jurisdictionis, constante da segunda parte do
diverso de seus domicílios, residências ou local onde exercem a sua principal art. 8 7 ” .■539
atividade, desprezando os critérios válidos para todos os demais que precisam
ir ao Poder Judiciário. Ademais, não raras vezes o instituto propicia que a 9.6. Cooperação nacional.
parte mais forte dificulte a defesa da parte mais fraca, o que levou ao acrés
cimo de parágrafo no art. 112, do CPC de 1973, permitindo ao juiz declarar de Além de prever as hipóteses em que se dará a cooperação internacional,
oficio a nulidade da cláusula de eleição de foro nos contratos de adesão, regra o código disciplina em seus art. 67 a 69 a cooperação entre os Órgãos Juris-
cujo conteúdo se repete no atual art. 63, §3°, do CPC, segundo a qual - “Antes dicionais brasileiros, impondo a todos o dever de cooperar para que o pro­
da citação, a cláusula de eleição de foro, se abusiva, pode ser reputada ineficaz cesso alcance seus escopos, em especial o relativo à efetividade da prestação
de ofício pelo juiz que determinará a remessa dos autos ao juízo do foro dc da tutela jurisdicional. Daí a razão pela qual o art. 67, impondo a ideia de
domicílio do réu.”. Pelo exposto tivemos a oportunidade de sugerir a supressão universalidade do princípio da cooperação, refere-se a todas as possíveis sub­
do preceito relativo ao foro de eleição quando da elaboração do projeto que divisões previstas para os órgãos jurisdicionais, mencionando a Justiça Esta
deu origem ao atual CPC, mas a sugestão não foi acolhida, estampando a lei o dual e a Justiça Federal, a Justiça comum e a Justiça especializada, os juízos de
posicionamento hoje majoritário. primeiro e de segundo grau, além de todos os Tribunais Superiores. Em suma,
nenhum dos integrantes do Poder Judiciário; seja magistrado, seja servidor,
está isento desse dever recíproco de cooperação.
CUNHA, Leonardo José Carneiro da. J u r is d iç ã o c c o m p e tê n c ia . São Paulo: RT, 2008. p. 195.
“• PONTES DE MIRANDA, p. 283. »" BARBI. p. 195. '< V( ” 'V '
Realmente, para utilizar uma alegoria popular comum a esse tipo de situa
ção, não se justifica que aqueles que estão na mesma canoa remem para dire
ções opostas, fazendo com que a embarcação não saia do local. Se todos os
agentes públicos estão submetidos ao Princípio Constitucional da Eficiência
da Administração, os esforços devem ser somados e não divididos, sob pena
de prestação de um serviço ineficaz e inadequado àqueles que deste serviço
público precisam.
Nada obstante, embora seja dever de todos a cooperação, o art. 69 trans
mite a falsa ideia de que deverá ela ser imediata e que não precisa atender a
forma específica, ao aduzir que “o pedido de cooperação jurisdicional deve sei
prontamente atendido...” e que “'...prescindem de forma específica,...”; o que em
verdade não acontece. Isso porque o atendimento as solicitações de outro juízo
devem levar em conta a situação do juízo que presta a colaboração, sendo que
o mero pedido não tem a propriedade de gerar prioridade com relação aos
processos que tram itam perante o juízo solicitado.
Do mesmo modo, só não haverá forma específica para a prática do ato
quando a lei for omissa a tal respeito. Caso contrário, quando o próprio código
prevê hipóteses em que uma determinada forma deverá ser observada, esta
deverá ser efetivamente seguida; sob pena de nulidade do ato praticado, seja
por expressa cominação legal, seja porque o desrespeito à forma causou algum
tipo de prejuízo para as partes ou para terceiros intervenientes no processo.
Essa é a razão, aliás, pela qual as expedições de cartas de ordem, precatórias
ou arbitrais devem seguir o regime previsto pelo código, na forma determi­
nada pelo próprio art. 69, §1°, do CPC.
Há de ser observar, ainda, que a redação dada ao art. 69 não foi feliz ao
indicar quatro hipóteses para a execução dos pedidos de cooperação, que
poderíam se resumir ao inciso primeiro, ou seja, a previsão de auxílio direto.
Isso porque, quanto ao inciso II, que diz respeito a reunião ou apensamento de
processo, existem regras expressas que disciplinam a reunião de feitos, como
ocorre com a conexão ou a continência, sem as quais haveria infringência
ao Princípio do Juiz Natural, com a remessa de feito a juízo que original­
mente não fosse o competente para conhecê-lo e para decidi-lo. Já no que toca
ao inciso III, relativo a prestação de informações, essas podem ser pleiteadas
sem maior formalidade e constituem uma forma de auxílio direto de um a
outro juízo; enquanto o inciso IV, que trata de atos concertados entre os juizes
inoperantes, também está abarcado pelo auxílio direto na medida em que o
Irr nio concertados é utilizado como ato ajustado ou combinado.
Nada obstante, o dia a dia forense, rico em novas experiências, virá a indicar
as formas mais usuais de auxílio direto, cuja estrutura e procedimento dever a
.cguir a técnica mais adequada ao ato processual que se pretenda realizar.

Verificação de Aprendizagem
1)1. Defina competência.
02. Quais são os critérios determinativos de competência? Explique cada um
deles.
03. É possível detectar, na Súmula 150, do STJ, ofensa ao Princípio do juiz
natural?
04. Onde será proposta a ação contra o espólio? E contra o ausente?
03. Qual o foro competente para julgar a ação promovida pelo incapaz?
06. Explique o princípio da “perpetuatio jurisdictiones"7.
07. Em que consistem a competência absoluta e a competência relativa?
Quais seus critérios e como são alegadas?
08. Quais os requisitos exigidos para que a cláusula relativa ao foro de eleição
possa produzir eficácia?
09. Como deve agir o juiz ao perceber que a cláusula que institui o foro de
eleição é abusiva?
10. Em que consiste a ideia de universalidade do princípio da cooperação
nacional?
H

Planificação para aula |l( )RGES, Marcos Afonso. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo:
LEU D, 1974/1975.
01. D e fin iç ã o . É uma parcela da jurisdição atribuída ao juízo, conformi
( ARNEIRO, Athos Gusmão. Jurisdição ecompetência. 4a e.. São Paulo: Saraiva,
regras estipuladas pelo legislador.
1991.
0 2 . C r ité r io s d e te r m in a tiv o s d e c o m p e tê n c ia .
< 11IOVENDA, Giuseppe. Principio di Diritto Processuale Civile. Napoli: Casa
a) Matéria Editrice Dott. Eugênio Jovene, 1965.
- Objetivo b) Valor i XJNHA, Leonardo José Carneiro da. Jurisdição e competência. São Paulo: RT,
c) Especial qualidade da parte 2008.
Obs.: Leva em conta critérios alheios a lide. (iRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro. 19a e.. São Paulo:
Saraiva, 2006.
- horizontal
I OPES, João Batista. Curso de direito processual civil. São Paulo: Atlas, 2005.
- Funcional
I IFBMAN, Enrico Tullio. Manual de direito processual civil. Rio de Janeiro:
- vertical (hierárquico)
Forense, 1984.
Obs.: Intervenção da União e de entes federais - art. 51.
NERY JUNIOR, Nelson, NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo
- regra geral - art. 46 Civil Comentado. 7a e.. São Paulo: RT, 2003.
- Territorial OLIVEIRA NETO, Olavo de. Conexão por prejudicialidade. São Paulo: RT,
- regras especiais 1994.
03. P r in c íp io d a “perpetuatio jurisdictionis”. (a rt.4 3 ) ________ e COZZOLINO DE OLIVEIRA, Patrícia Elias. Princípio da Isono-
0 4 . C o m p e tê n c ia s a b s o lu ta e re la tiv a , (declaração de ofício?) mia. In Princípios processuais civis na Constituição. Coord. OLIVEIRA
NETO, Olavo de e LOPES, Maria Elizabeth de Castro. Rio de Janeiro:
05. F o ro d e e le iç ã o - Art. 63 do CPC.
Elsevier, 2008.
- Manutenção no sistema - Posição dominante.
PIETRO CASTRO, L. Derecho Procesal Civil. Madrid: Revista de Derecho
- Requisitos e eficácia da cláusula. Privado, 1964.
- Abusividade da cláusula. PIZZOL, Patrícia Miranda. A competência no processo civil. São Paulo: RT, 2003.
0 6 . C o o p e r a ç ã o N a c io n a l. ________. CPC, art. 100. In Código de Processo Civil Interpretado. MAR
CATO, Antonio Carlos (Coord.). São Paulo: Atlas, 2004.
Bibliografia PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcante. Comentários ao Código de
Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1947.
ARRUDA ALVIM, José Manuel de. Manual de Direito Processual Civil. São
SANTOS. Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. 25a e..
Paulo: RT, 2001.
São Paulo: Saraiva, 2007.
BARBI, Celso Agrícola. Comentários ao Código de Processo Civil. 6a e.. Rio de
THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 47° ed.
Janeiro: Forense, 1991.
Rio de Janeiro: Forense, 2006.
10. CONEXÃO DE CAUSAS

10.1. Noções gerais, a) A conexão na França, b) A conexão na Alemanha. 10.2. A teoria


tradicional (Teoria clássica ou Teoria de Pescatore). 10.2.1. Conteúdo. 10.2.2. Influên­
cia da teoria tradicional, a) Influência na Itália, b) Influência no Brasil. 10.2.3. Outras
teorias acerca da conexão de causas, a) A teoria de Carnelutti (Teoria da identidade
de questões), b) A teoria materialista. 10.3. Nossa posição acerca da conexão de cau­
sas. 10.4. Atual perfil da conexão de causas. 10.5. Possibilidade de aplicação da teoria
materialista da conexão em face do Direito Positivo Brasileiro. 10.6. Continência de
causas.

10.1. Noções gerais.


Como os demais temas ligados à teoria da ação, a conexão de causas apre
senta dificuldades no que toca a sua compreensão e estudo. É tema árd u o ,'1"
de escassa literatura, que não teve o desenvolvimento merecido. Em sentido
léxico, segundo aponta Caldas Aulete, conexão é: “Enlace ou ligação de uma
coisa com outra. Nexo, relação de dependência; analogia entre coisas diversas;
noção ainda vaga, (...) de que há conexão e unidade entre as leis fisiológicas
(l.at. Coelho, Oração da Coroa, I, c. 20, p. 334, ed. 1918) F. lat. Connexio .”;MI
mas para o direito a expressão conexão ainda não possui significado unívoco,
lã que nossa lei a utiliza de maneiras diversas, dando-lhe conotações distintas,
no que é seguida pela doutrina e pela jurisprudência.
Essa falta de compreensão adequada e científica se deve, em grande parte,
à divergência doutrinária sobre a possibilidade ou não de sistematização dos
casos de conexão. A esse respeito encontramos duas correntes antagônicas,
contando cada qual com juristas de vulto. A primeira diz não ser possível a
sistematização prévia das hipóteses de conexão, enquanto a segunda a admite
c indica como fazê-la. As legislações, por seu turno, seguindo a divergência

"" FIGUEIREDO FERRAZ, Manuel Carlos d e . N o t a s s o b r e a C o m p e tê n c ia p o r C o n n e x ã o . São Paulo:


Saraiva, 1937. p. 04. Diz o autor: " A s s u m p to e x t e n s o e c o n fu s o , d e n o m i n a - o C a s te lla r i, a u t o r d a
m e l h o r m o n o g r a p h ia q u e n o s fo i d a d o c o n s u l ta r a re s p e ito , e q u e c o n s t i t u e o p r e c io s o “A p p c n d i t <

a o s $$ 750 e 7 5 2 d a o b r a d e G lu c k (4); m a r e m a g n o d e c o n tr o v é r s ia s , m a t é r i a f a t i g a n t e e tr a b a lh o s a ,
c o n c e ito v a g o e i n d e f m i v e l , t e r r ib ilís s im o c a p i t u l o s ã o o u tr a s t a n t a s e x p r e s s õ e s e n c o n t r a d i f a s n o s
e s c r ip to r e s e q u e j u s t i f i c a m d e s o b r a o a s s e r to c o m q u e se i n i c i a m e s ta s p á g i n a s ”.

CALDAS AULETF.. D ic io n á r io C o n t e m p o r â n e o d a L í n g u a P o r tu g u e s a . Rio de Janeiro: Delta.


1958. v. II.
dos doutos, também se dividem em dois grandes blocos, um admitindo, outro
não, a sistematização dos casos de conexão. As legislações francesa e alemA
pertencem ao segundo grupo, enquanto a italiana faz parte do primeiro.
De qualquer forma, porém, uma advertência inicial se faz necessária em
face do perfil que a nossa lei deu ao instituto, com a finalidade de delimitai
seu âmbito de incidência: a conexão, bem como a continência, não são causas
determinativas de competência, isto é, causas que fixam a competência de um
determinado órgão jurisdicional para conhecer e decidir determinado feito;
mas sim causas de modificação de competência, na exata medida do nome
dado à Seção II, Título III, Livro II, da Parte Geral, do Código de Processo
Civil, e que, por força da essência da competência e do contido no art. 54, do
mesmo estatuto, só poderão ser aplicadas nos casos de competência relativa,
ou seja, aquelas que dizem respeito ao valor e ao território.

a) A conexão na França.
A legislação de França e seus principais autores adotam a posição de que
não é possível sistematizar todas as hipóteses de conexão. A diversidade com
que se apresenta o fenômeno e a dificuldade de encontrar pontos comuns que
identifiquem um gênero tornam impossível a elaboração de norma hipotética
e abstrata sobre a matéria, pois as exceções seriam mais frequentes que a pró­
pria regra. Por isso delegam ao arbítrio do Juiz a tarefa de examinar e decidir
em que caso existe conexão e em que caso é recomendada, ou não, a reunião
de diferentes processos.
Expondo esse pensamento Tomás Pará Filho ensina com precisão que "no
direito francês, tem-se acentuado não ser possível extrair regra positiva relati­
vamente aos elementos constitutivos da conexão, pois o fenômeno em estudo
revela seu caráter de mera apreciação móvel de circunstâncias e fatos, ou, como
já se acentuou, de intuição arbitrária pela lei conferida à responsabilidade do
juiz. A esses autores, portanto, parece impossível precisar as condições de atu­
ação e a essência do princípio da conexão, cabendo ao juiz a apreciação sobe­
rana das circunstâncias, da influência de uma ação sobre outra e do risco dos
julgados contraditórios.”.W25
43

543 PARÁ FILHO, Thomas. E s tu d o s o b r e a c o n e x ã o d e c a u s a s n o p r o c e s s o c iv il. São Paulo: EDUSP,


1964. p.I5.
Nesse mesmo sentido são as lições de Manuel Carlos de Figueiredo Fer-
iii/.'" que traz à colação as opiniões de Bourbeau, Garsonnet, Boitard, Japiot
9 Kené Morei; e, de Glasson, que assim sintetiza o problema; “A conexão é
ittais difícil de definir que a litispendência. O artigo 172 não contém nenhuma
1'in isâo ou dispõe de algum marco que permita refletir sem erro ou perquirir de
/oi ma ordenada se a contestação é conexa a urna outra já pendente perante um
outro tribunal. Os julgados da Corte de Cassação não são, de outra parte, de
uma concordância perfeita. Alguns admitem, de ordinário, na doutrina como
ou jurisprudência, uma noção larga, mas um pouco imprecisa, de conexão.
I hi conexão entre duas demandas não apenas se elas têm a mesma causa ou
i» mesmo objeto, mas de uma feição geral, se existe entre elas um liame seme­
lhante de interesse por uma boa justiça, decorrente da instrução e julgamento
ao mesmo tempo. Em cada caso, o conteúdo das decisões dos juizes em matéria
Je conexão ocorre pelo simples motivo de que “o liame que existe entre feitos
tende a oportunidade, no interesse de uma boa justiça, de seu processamento
l>crante um a mesma jurisdição ”. Isso é pouco e dificulta a elaboração deform u­
las mais precisas pra escapar a todas as críticas.”.iu
Como se vê, pois, a doutrina e a legislação francesas extremaram sua
posição sobre a matéria, delegando ao juiz todo o poder de decisão sobre a
ocorrência ou não de conexão de causas, posição esta criticada por permitir a
ocorrência de abusos por parte de juizes que não tenham a cultura ou retidão
necessárias ao exercício de sua profissão.

" FIGUEIREDO FERRAZ. Op. Cit., p. 09.


’11 GLASSON. E.. T r a ité T h é o r i q u e e t P r a t i q u e D 'O r g a n is a tio n J u d ic ia ir e , d e C o m p é te n c e e t d e P ro c é -
d u r e C iv ile . Paris: Librairie Recueil Sirey, 1925. t. IA, p. 722. Tradução livre do seguinte texto: “L a
c o n n e x i t é e s t p l u s d i ffic ile à d é f i n i r q u e Ia litis p e n d a n c e . L a r tic le 172 n e c o n t i e n t a u c u n e p r é c i s i o n
e t s e b o r n e à d is p o s e r q u e le r e n v o i p o u r r a ê tr e d e m a n d e e t o r d o n n é s i Ia c o n t e s t a ti o n e st c o n n e x e à
u n e n u t r e d é ja p e n d a n t e d e v a n t u n a u t r e t r i b u n a l. L e s a r r à ts d e Ia C o u r d e C a s s a tio n n e s o n t p a s ,
d a u t r e p a r t , d ’u n e c o n c o r d a n c e p e r f a it e . O n a d m e t , d o r d i n a i r e . c n d o c t r in e c o m m e e n j u r i s p r u -
d e n c e , u n e n o t i o n la rg e , m a i s u n p e u im p r é c is e . d e la c o n n e x ité . II y a c o n n e x i t é e n tr e d e u x d e m a n ­
d e s , tio n s e u l e m e n t s i e lle s o n t la m ê m e c a u s e o u le m é m e o b je t, m a is , d u n e f a ç o n g é n é r a le , s 'i l
e x is te e n tr e lle s u n lie n te l q u ’i l y a i t in t é r è t, p o u r u n e b o n n e j u s t i c e , à les i n s t r u i r e e t ju g e r e n m é m e
te m p s . O n lit, d a n s d e s a r r è ts d e r è g l e m e n t d e j u g e s e n m a t i è r e d e c o n n e x ité , ce s im p le m o t i f l e lie n
q u i e x i s t e e n tr e d e d e u x i n s t a n t e s r e n d o p p o r t u n , d a n s in t é r ê t d u n e b o n n e j u s t i c e , le r e n v o i d e v a n t
u n e m ê m e j u r i d i c t i o n " . II e s t p e u t ê t r e d i f f i c i l e d e d o n n e r d e s f o r m u l l e s p l u s p r e c is e s n ê c h a p p e n t p a s
á to u te c r itiq u e ."
b) A conexão na Alemanha.
Para a maioria dos processualistas alemães, assim como para os francc.M
é impossível definir a conexão de causas, tarefa que fica delegada ao prudculi
arbítrio do Juiz. Porém, ao contrário da legislação francesa, na qual existem
poucos preceitos que tratam da conexão, o legislador alemão construiu iium
rede de preceitos que disciplinam os diversos casos de conexão, tomando sem
pre o cuidado de nunca definir ou apresentar elementos que possam individu
alizar um conceito genérico.345
Aliás, é por isso que Manuel Carlos de Figueiredo Ferraz diz que “em vei
dade, o legislador Allemão não se curvou ante as dificuldades legendárias da
connexão de causas; o que elle fez, foi estabelecer-lhe um cêrco com espaço .
cautelas sufficientes para se forrar ás surpresas das complicações imprevls
tas.”;3At' posição que pode ser aferida pelas lições de Leo Rosenberg,347 Adoll
Wach348 e Adolfo Schónke,349 que tratando da matéria deixam clara a existên
cia de preceitos que tratam da conexão, embora não exista definição legal do
instituto.
Nota-se, destarte, que embora a concepção dominante seja a de que não <
possível sistematizar a conexão, o gênio alemão, fiel as suas idéias, procurou
criar um mecanismo para coibir eventuais abusos por parte do juiz, disci
plinando diversas situações em que ocorre conexão. Assim agindo, procurou
dar ao sistema maior segurança e precisão, com a diminuição do âmbito do35

335 PARA FILHO. Op. Cit., p. 16-17. São essas as palavras do autor: " R e v e la n d o m a i o r p r e o c u p a n d o
s is t e m á t i c a e m e s ta b e le c e r o s c a s o s d e c o m p e tê n c ia p o r c o n e x ã o , d e litis c o n s ó r c io e d e in te r v e n ç ã o
d e te r c e ir o s , d e m o d o a e x a u r i r a s h ip ó te se s p o s s ív e is , o C ó d ig o a le m ã o , to d a v ia , n ã o d e f i n e a c o n e
x á o e, ta m b é m , d e i x a d e m i n i s t r a r regras p a r tic u la r e s d e q u e s e p o s s a e x t r a i r f ó r m u l a ló g ic o - c ie n ti
fic a , à cuja ilh a r g a c a ib a m o u d e v a m ca b er os c a s o s p o s s ív e is d e c o n e x ã o ." .

349 FIGUEIREDO FERRAZ. Op. Cit., p. 30.


347 ROSENBERG. Leo. T ra ta d o d e D e r e c h o P ro c e sa l C iv il. Buenos Aires: ed. Jurídicas Europa-Amé
rica, 1955.1.1, p. 192. " U n f u e r o p o r c o n e x ió it re a l, (...) e x i s t e t a m b i é n a q u i e n lo s m i s m o s c a s o s q u e
e n lo s d e la c o m p e tê n c ia m a te r ia l, (...)"

349 WACH, Adolf. M a n u a l d e D e r e c h o P rocesal C iv il, Buenos Aires: ed. luridicas Europa-América
1977. p. 238. “S e d is c u te si co n la lic e n c ia q u e e l 2 5 3 c o n c e d e e n g e n e r a l a la s p a r t e s , se s a n c io n a u n
f u e r o d e c o n e x ió n m a t e r i a l.”.

34,1 SCHÕNKE, Adolf. Barcelona: Bosch, 1950. p. 145. “E n tr e lo s fu e r o s espe


D e r e c h o P r o c e s a l Civil.
Cita os casos da reconvenção, cumulaçáo
c ia le s s e e n c u e n tr a f i n a l m e n t e e l f u e r o d e a C o n e x ió n ." .
de ações e alguns casos especialmcnte estabelecidos por lei, como a demanda contra a execução
forçada e a oposição aos embargos.
bltrio judicial. A teoria, entretanto, não fica imune ã crítica daqueles que lhe
ninbuem pouco cunho científico, o que seria mais eficiente e correto do que
relegar a tarefa à casuística.

10.2. A teoria tradicional.


(Teoria clássica ou Teoria de Pescatore)

10.2.1. Conteúdo.
Na Itália, ao contrário do que ocorreu na França e na Alemanha, firmou-se
u entendimento de que é possível a sistematização e a definição da conexão de
i ausas. Essa posição, chamada de doutrina tradicional, é devida ao brilhante
1'rocessualista Matteo Pescatore, que desenvolveu sua teoria ainda na metade
do século XIX, expondo-a na clássica obra Sposizione Compendiosa delia Pro-
• i‘dura Civile e Criminale, publicada em 1864.
Partindo da observação de que a ação tem três elementos constitutivos,
. orno acima já se expôs, constatou o autor que a coincidência entre esses ele­
mentos gera a necessidade de união das causas, para que não ocorram decisões
. onflitantes. Surge, daí, um vínculo que une duas ou mais demandas, fazendo
com que se possa definir o fenômeno da conexão de causas. Nesse passo, diz
Pescatore que “Causas conexas são as que têm alguns elementos comuns e
alguns diversos; se todos os elementos fossem comuns, disso resultariam causas
idênticas e não apenas conexas. Se todos os elementos fossem diversos, faltaria
qualquer vinculo de conexão. Ora, se os elementos constitutivos de todas as
i ausas são: l.°) as pessoas litigantes; 2.°) o título litigioso, isto é, o titulo em que
se apoiam a demanda e a exceção relativa; 3.°) a coisa demandada (personae,
musa petendi e causa excipiendi, res): então emergem daí dois sumos gêneros
de causas conexas: o primeiro das que têm dois elementos comuns e um só
diverso; o segundo, das que têm dois elementos diversos e um só comum. Cada
um desses gêneros se subdivide depois em três espécies, porquanto, sendo três
os elementos, o elemento diverso do primeiro gênero e o elemento comum do
segundo podem variar três vezes.”.m

PESCATORE, Matteo. S p o s i z i o n e C o m p e n d io s a d e lia P r o c e d u r a C iv ile e C r im in a le . Bologna:


|s.n.J, 1864. p. 168. Tradução livre do seguinte texto: “C a u s e c o n n e s s e s o n o q u e lle c h e a b b ia n o
a lc u n i e l e m e n t i c o m u n i , e a l c u n i d iv e r s i; s e t u t t i g l i e le m e n t i f o s s e r ò c o m u n i , n e r is u lte r e b b e r o c a u s e
Em seguida, o autor identificou e deu exemplos das seis hipóteses em qur
pode ocorrer a conexão de causas, conforme a variação de combinação do*
elementos da ação. Catalogou as seguintes espécies: 1) conexão porque lia
identidade de partes e de causa de pedir, sendo diverso o objeto; 2) conexão
porque há identidade de objeto e causa de pedir, sendo diversas as partes; »i
conexão porque há identidade de partes e de objeto, sendo diversa a causa d<
pedir; 4) conexão porque há identidade de partes, sendo diversos o objeto •
a causa de pedir; 5) conexão porque há identidade de causa de pedir, sendo
diversas partes e o objeto; e, 6) conexão porque há identidade de objeto, sendo
diversas as partes e a causa de pedir.
A doutrina de Pescatore teve como seu grande arauto Mattirolo, que a
declarando a mais perfeita procurou difundi-la em suas obras. Observando
que as relações entre as coisas são de três espécies: a identidade, a diversi
dade e a analogia; ensinou que as causas são idênticas quando apresentam
mesmos elementos constitutivos, diversas quando têm elementos constituti
vos diferentes e análogas quando alguns de seus elementos constitutivos vu>
idênticos e outros diversos. Acentuou que causas análogas são, na linguagem
legal, o mesmo que causas conexas;351 acrescentando que a simples analogia
entre duas causas não é o suficiente para determinar a reunião dos processos
para que tenham julgamento conjunto. Por fim mister se faz, também, que
se observe a finalidade do próprio instituto, que é de evitar sentenças contra
ditórias, propiciar uma maior celeridade do processo e acarretar, mediante a
reunião dos feitos conexos, maior economia processual.152

id e n t i c h e e n o n s o l a m e n t e c o n n e s s e : S e t u t t i g l i e l e m e n t i f o s s e r o d iv e r s i, m a n c h e r e b b e o g n i v in c o lo
d e c o n n e s s io n e . O r a g li e l e m e n t i c o s t it u t i v i d i t u t t e le c a u s e so n o : 1 °) le p e r s o n e c o n t e n d e n ti; 2.°) II
t i to lo d e lia c o n te s a , c io e q u e llo a c u is i a p p o g g ia Ia d o m a n d a e la r e la tiv a e c c e z io n e ; 3.°) Ia co sa cltr
s i d o m a n d a : (p e r s o n a e , c a u s a p e t e n d i e c a u s a e x c ip ie n d i, res): o n d e e m e r g o n o d u e s o r n m i g e n e r i dl
c a u s e c o n n e s s e : il p r i m o d i q u e lle c h e a b b i a n o d u e e l e m e n t i c o m u n i e u n s o lo d iv e r s o : il s e c o n d o di
q u e lle s e a b b ia n o d u e e le m e n t i , e u n so lo c o m u n e . C ia s c u n o d i q u e s ti g e n e r i s i s u b d i v id e p o i in Ire
sp e c ie ; p a r ic c h e tr e e s s e n d o g li e l e m e n t i / 'e l e m e n t o d iv e r s o n e l p r i m o g e n e r e , e /'e l e m e n t o c o m u n e
n e l s e c o n d o p u o v a r ia r e tr e v o lte ."

351 MATTIROLO. T r a tta to d i D i r i t t o G i u d i z i a r i o C iv ile I ta lia n o . 4* E.. [S.L.]: [s.n.], 1892. v. I, P. 749
São essas as palavras do autor: “D u e c a u s e a d u n q u e si d i r a n n o - I d e n tic h e , a llo r c h e , d e c o m p o s te
n e i lo r o e l e m e n t i c o s t it u t i v i , p r e s e n t i n o le s te s s e p e r s o n a e , la m e d i e s i m a res, la s te s s a c a u s a p e te r n li
- d iv e r s e , s e in e s so s o n o d i f f e r e n t i t u t t i e tr e g l i e l e m e n t i c o s t it u t i v i - a n a lo g h e f i n a l m e n t e , o (In
l i n g u a g g io le g a le ) c o n n e s s e , s e r i s u l t a n o c o r s titu ie d i e le m e n t i , in p a r t e id e n tic i, in p a r t e d iv e r si." .

152 Idem. p. 750. Com o seguinte destaque: "D a u n la to , in v e r o . s e m b r a c h e la s e m p lic e a n a lo g ia n o n


d e b b a s e m p r e b a s ta r e a d e r o g a r e a i p r i n c ip i i g e n e r a li, i q u a li a s s ic u r a n o a d o g n i c a u s a d i s t i n t a la
A terminologia usada por Mattirolo, que não constava da teoria formulada
por Pescatore, recebeu diversas críticas por empregar o termo aD^og*3 coni
uma significação diversa daquela que tem para o direito, o que poderia ser
i ausa de confusões. Nesse sentido a lição de Manuel Carlos de Figueiredo
Ferraz, que comenta: “A doutrina contida nessa página de M attif°i° * boa e
>onforma-se com os melhores ensinamentos. Alas deixa a desejar qtiant0 à ter­
minologia empregada, que não é a melhor. A palavra análoga appbcada ás
causas connexas póde effectivamente acarretar confusão.”.353
Nada obstante a crítica acima exposta e de inúmeras outras objeções for­
muladas, que serão objeto de tópico próprio, abaixo desenvolvido, a intluência
da tese apresentada pela teoria tradicional se estendeu por diversos países e
ainda tem, na atualidade, seguidores de renome, como a seguir se verá.

10.2.2. Influência da teoria tradicional.


A teoria clássica influenciou sobremaneira todas as legislações que opta­
ram por adotar a corrente que admite a sistematização dos casos de conexão,
sendo adotada em alguns países sem quaisquer restrições. Na ItáÜa e no Bra­
sil, que são os países cuja elaboração doutrinária mais nos interessa>a obra de
Pescatore calou fundo no espírito dos juristas e dos legisladores. F°i P°r isso
que E.D. Moniz de Aragão afirmou que “de um balanço nas opiniões, entre
criticas e elogios, conclui-se que a tese de Pescatore ainda p r e p o n d e f a , assim na
Itália como no BrasilZ'.354
Vejamos, portanto, quais são os principais aspectos da repercussão da teo­
ria em ambos os países, o que será de grande valia para se ter ciência da evo­
lução do instituto da conexão.

c o m p e t e n z a e Ia p r o c e d u r a , c h e le s o n o p r o p r ie . D ã l t r o c a n to , I e c o n o m i a d e i g i u d i ^ i , la m a g g io r e
p o s s ib ile c e le r ita n e lla s p e d iz io n e d a lle c a u s e , il b is o g n o d i e v ita r e 1’e v e n t u a l i t a d i d t i c o p iti s e n te n z e
f r a d i lo ro c o n t r a d d it t o r i e s u l m e d e s i n o p u n t o d i q u e s tio n e , c o n s ig lia ito m a n i f e s t a r e i e n t e in v a r i c a s i
la r i u n i o n e d e l l e c a u s e c o n n e s s e in u n s o lo g iu d iz io ." .

FIGUEIREDO FERRAZ. Op. cit., p. 39.


m MONIZ DE ARAGÀO, E. D.. C o n e x ã o e tr íp lic e id e n t i d a d e . Repro 29/54.
a) Influência na Itália. Uma análise perfunctória do preceito transcrito já é suficiente para con
iluir que o legislador italiano adotou as idéias da teoria clássica. Quando o
Tratando da origem das disposições atinentes á conexão e à própria gêncs*
do instituto, ensina Manuel Carlos de Figueiredo Ferraz355 que apesar das ler .u ligo diz que "... se são conexas pelo objeto ou pelo título...”, adota o conceito
.Ir que a conexão de causas deve ser aferido segundo a identidade dos elemen
romanas conterem dispositivos expressos relativos a casos de conexão, a orl
lus da ação, o que é propagado pela referida escola e reafirmado no preceito
gem da doutrina não se deve ao direito romano, que não a disciplinou ou llu
que trata do litisconsórcio facultativo, no art. 103 de seu estatuto processual,
deu contornos. Também não coube essa primazia ao direito canônico, que
tclerindo-se novamente à conexão pelo objeto e pelo título.
apenas se utilizava das regras atinentes à conexão para estender sua jurisdl
çâo a casos que não eram da sua competência, mas nos quais havia interesse Passemos, agora, a estudar a penetração das idéias de Pescatore na legisla­
Assim agia o clero para influenciar politicamente e para obter vantagens pot ção pátria.
meio da pressão exercida pelos seus julgadores.
b) Influência no Brasil.
Os primeiros a disciplinar com êxito a matéria, continua o autor, foram
Apresentando a evolução histórica da conexão no Brasil ensina Tomás
os estudiosos do período medieval italiano, que formularam noções sobre .1
Cará Filho358 que as Ordenações Filipinas, legislação que vigorou após a pro-
competência por conexão. Segundo consta foi com base neles que De Affictis
. lamaçào da independência, não definia o instituto, dele tratando apenas de
enumerou diversas hipóteses abstratas em que ocorrería conexão, nas quais
maneira indireta, já que se limitava a regular poucos casos específicos. Já com
Pescatore hauriu subsídios para elaborar sua doutrina, na forma acima expl.i
.1 edição do Regulamento 737, que passou a vigorar em 25.11.1850, não teve
nada. Por isso, sendo a Itália 0 berço da teoria clássica, já que seus precursores,
o instituto melhor sorte do que com as Ordenações. O estatuto limitava-se a
seu elaborador e principais discípulos ali ensinavam, não é de se estranhai
disciplinar a conexão nos institutos mais afetos a sua influência, deixando de
que tenha aquele País adotado os conceitos por ela apresentados, que foram
formular uma regra geral compreensiva de uma generalidade de casos.
encampados pela legislação.
No período em que vigorou entre nós o pluralismo legislativo, sendo dos
Nesse passo, 0 CPC italiano destinou uma de suas seções356 para tratar da
listados a competência para legislar sobre a matéria processual civil, surgiram
competência por conexão, além de apresentar várias regras esparsas sobre o
alguns códigos que disciplinavam parcialmente a conexão. Merecem desta­
tema. Dentre os artigos que compõem essa seção (arts. 31-36) merece desta
que, nesse aspecto, os códigos baiano e paulista. O código baiano, seguindo
que 0 de n. 33, que fornece elementos para uma definição legal de conexão. A
.1 orientação da legislação alemã, procurava tratar de modo exaustivo o insti-
redação do preceito é a seguinte: “33. Cumulo soggetivo. - Le cause contro piú
luto, disciplinando em diversos artigos as várias hipóteses em que ocorrería
persone che a norma degli articoli 18 e 19 dovrebbero essere proposta davanti a
.1 conexão. Entretanto, formulava também uma norma de natureza genérica,
giudice diversi, se sonno connesse per l 'oggeto 0 per il titolo [40] possono essere
cm que intencionava abarcar os casos eventualmente não previstos. Tratava-se
proposte davanti il giudice dei luogo di residenza 0 domicilio (c.c. 43, 46] di una
de um sistema misto, intermediário entre o que julga possível a sistematização
di esse, per essere decise ncllo stesso processo [103, 274].".™ *56
e a definição dos casos de conexão e do que não as concebe. O código paulista,
por seu turno, seguiu a mesma trilha do código baiano, inclusive quanto à
iK FIGUEIREDO FF.RRAZ. Op. cit. P. 32-. existência de uma norma de cunho genérico para resolver os casos não pre­
5S6 C ó d ic e d ip ro c e d u ra civile. Napoli: Edizioni Giuridiche Simone, 1999. “S e z i o n e I V - D e lle m o d i f l vistos. Diferia o estatuto paulista do baiano porque foi ainda mais exaustivo
c a z i o n i d e lia co m p eten za p e r ra g io n e d i c o n n e s s io n e .”.
ao tratar da matéria.
>s? Idem. Tradução livre: "33. C u m u lo su b je tiv o . A s c a u s a s c o n tr a p e s s o a s d iv e r s a s , q u e n a f o r m a dos
a r ts . 18 e 19 deveríam se r p ro p o sta s p e r a n te j u í z o s d ife r e n te s , se s ã o c o n e x a s p e lo o b je to o u p e lo
t itu lo , p o d e m ser p ro p o sta s p e r a n te o j u i z o d o lo c a l d a r e s id ê n c ia o u d o d o m i c i l i o d e u m d o s ré u s.
p a r a q u e se ja m d ecididas n o m e s m o p ro c e sso .”. PARÁ FILHO. Op. cit., p. 143-.
Unificada a legislação processual civil e com a entrada em vigor do Esta
tuto de 1939, a doutrina passou a divergir acerca da adoção ou não de unia
definição legal relativa à conexão de causas. Enquanto José Frederico Marques
dizia que o código “não definiu a conexão, como também não o fez, muito
menos, com a continência.”;359 Tomás Pará Filho entendia que o Código deli
nia implicitamente a conexão, ensinando que “se o exame conjugado das noi
mas vigentes, em contexto, permite - ao intérprete - delas extrair, máxime com
base no citado art. 134, $ 2°, elementos de caracterização da conexidade, ou th
seu reconhecimento, pode-se dizer, ao menos, em que pese às opiniões em con
trário, inclusive a do pranteado autor de seu anteprojeto, que o Código tende ii
uma certa sistematização, embora não esboçada com nitidez.”.36036 1
O Código de 1973, por seu turno, adotou a teoria tradicional, o que se vè
com clareza pelo teor do seu art. 103, que dizia: “Art. 103. Reputam-se conexas
duas ou mais ações, quando lhe fo r comum o objeto ou a causa de pedir”. Ao
tratar da conexão em virtude do objeto ou da causa de pedir, nosso legislador
erigia em norma a antiga doutrina construída por Pescatore, já que definia .i
conexão em virtude da identidade dos elementos da ação.
Comentando sobre o tema, alerta Celso Neves que “O legislador brasileiro
do CPC de 1973 conhecia a elaboração do Direito Comum sobre o assunto.
eram-lhe familiares as tentativas de sistematização que tiveram ponto saliente
na doutrina de Pescatore; estava a par das dificuldades de se chegar a um con
ceito de conexão pleni-abrangente; não ignorava a opinião dos que entendiam
pertencer a matéria ao plano do prudente arbítrio dos juizes, nem a dos que
repudiavam esse entendimento, vendo na conceituação legal a fórmula de solu­
ção do problema. Assim situado, tomou posição, ficando com a velha sugestão
do Prof. Morato: definiu conexão, tal como parece no art. 103 do Código vigente.
Ou melhor, apontou-lhes os elementos de estrutura e eventual composição...”.36'
Por seu turno, secundariamente, existiam ainda outras normas no CPC de
1973 que tratavam do fenômeno conexão de causas, cujo teor indica filiação
à teoria clássica, como as que tratavam do litisconsórcio facultativo (art. 46),

359 F R E D E R I C O M A R Q U E S , Jo s é . Instituições de Direito Processual Civil. R io d e J a n e ir o : F o re n s e ,


1 9 6 6 . v. U I, p . 2 5 5 .

340 PARÁ FILHO. O p.cit.,p. 149.


361 N E V E S . C e ls o . Notas a propósito da conexão de causas. R E P R O 3 6 /3 4 .
«In cumulaçào de pedidos num só processo contra o mesmo réu (art. 292) e da
extinta reconvenção (art. 315).
São estes, grosso modo, os principais aspectos da influência da teoria tra-
tlu ional em nosso País e na Itália. Passemos, agora, às objeções feitas às idéias
<le Pescatore.

10.2.3. Outras teorias acerca da conexão de causas:


a) À teoria de Carnelutti (Teoria da identidade
de questões), b) A teoria materialista.
A teoria tradicional, como já se pôde sentir, gerou enormes controvérsias
entre autores de renome, uns a defendê-la irrestritamente, outros com res­
trições, enquanto alguns preferem pregar sua total insuficiência. Como essa
teoria predomina em nosso País e no estrangeiro, sendo recepcionada pelas
legislações, não é surpresa constatar que o número de seus adeptos supera o
daqueles que a atacam. A sustentar suas idéias podemos citar, dentre outros,
Chiovenda, Satta, Calamandrei, Celso Neves, Frederico Marques, Moniz de
Aragào, Arruda Alvim, Moacyr Amaral Santos e Celso Agrícola Barbi; sendo
que os dois primeiros e os dois últimos ressalvam a existência de outras for­
mas de conexão.
Entretanto, em que pese ao elevado número de defensores angariado pela
teoria, ela vem sendo atacada há muito, sob alegação de que não é suficiente
para sistematizar os casos de conexão entre duas causas. Cogliolo, já em 1883,
afirmava que a regra da tríplice identidade é falha porque não existe uma
definição unívoca quanto aos elementos da ação. Não bastasse, ela não abarca
todos os casos e deixa de explicar as situações mais complexas. Tratando do
assunto dizia que “Segundo os princípios da lógica jurídica, uma regra tem
razão de existir quando regula os casos de difícil solução. Uma regra que seja
verdadeira para decisões visu et intuito e que não seja verdadeira para os casos
que precisam de uma regra, não é uma regra, mas a expressão superficial c
inútil de uma condição das coisas que se verificam na conjuntura e pouco
complexas.V62

"■ Trattato Teorico e Pratico delia Eccezione Di Cosa Giudicata. R o m a : F r a te lli


C O G L IO L O , P ic tro .
“Secondo i principii delia lógica giuridica, una regola ha
B o c a , 1 8 8 3 . v. 1 ° , P. 2 0 7 . T r a d u ç ã o li v r e d e
ragione dessere quando ci dá le n o rm ep er i casi d iffk ili a risolversi; una regola che sia vera per si
decidono visu et intuito e non sia vera per casi, che di una regola hanno bisogno, non è una regola
Seguindo esse entendimento Tomás Pará Filho, dentre outros, atacou com
tenacidade a teoria tradicional, chegando mesmo a dizer que ela estava, diante
das críticas que lhe foram formuladas, definitivamente sepultada. Ali.ís
quanto aos casos omissos, diz ele que “tão extenso é o número dessas exceções,
que mais parecem a regra e a regra dos três eadem, a exceção.".i6i
Náo obstante, como sugerem a maioria dos críticos, a tarefa de combatei .1
teoria tradicional é bem menos árdua do que formular uma regra que abarque
todos os casos de conexão existentes, como passamos a explanar.

a) A teoria de C arnelutti (Teoria da identidade de questões).


Antes de apresentar as idéias e fórmulas básicas da teoria de Carnelutti.
mister se faz uma advertência inicial, sem a qual pode haver confusão sobre .1
posição adotada pelo mestre peninsular. Isso porque suas concepções sobre o
processo civil foram desenvolvidas, dentre outros estudos, em três obras clás
sicas: Sistema de Direito Processual Civil, Instituições de Processo Civil Italiano
e Lições de Direito Processual Civil. Nas duas primeiras, além de noções de
institutos básicos, como lide e pretensão, o autor trata da conexão parecendo
adotar a teoria tradicional. Flenca a conexão segundo a identidade de elemen
tos da lide e ainda formula classificação baseada nesses elementos, indicando
duas espécies: a conexão material e conexão instrumental.
Essa colocação, todavia, se deve apenas ao fato de que a legislação italiana
da época adotou a teoria de Pescatore, identificando a conexão segundo os
elementos da ação, não exprimindo o pensamento dogmático próprio que tem
o autor sobre o instituto; desenvolvido na terceira obra citada (Lições), quando
Carnelutti formula um conceito de conexão fundado na identidade de ques
tões e não na identidade dos elementos da ação.
Nesse passo, sob o aspecto eminentemente teórico-dogmático, a teoria for
mulada pelo grande processualista italiano possui fundamentos que lhe são
próprios e originais, demonstrando grande grau de maturidade e profundi
dade jurídica, o que exige uma prévia exposição de alguns de seus conceitos.

ma 1'espressiotie superficiale e inutile di una condizione di cose che si verifica in congiunture epoco
complesse."
M P A R Á F IL H O , T o m á s. Conexão de causas. I n Enciclopédia Saraiva de Direito. S ã o P a u lo : S a r a iv a ,
1973. p. 481.
Segundo suas concepções, com o início da vida em sociedade passaram .1
ungir relações entre as pessoas que a compõem e os bens existentes. Procuram
«•Ias obter os “bens da vida ” para satisfazer suas vontades. Ocorre, todavia, que
existe uma maior quantidade de pessoas do que de bens, motivo pelo qual
duas ou mais delas podem pretender um mesmo bem, o que faz nascer um
tonflito entre os interesses antagônicos, que não diz respeito exclusivamente
.10 campo do direito, sendo pré-processual e essencialmente sociológico. Seu
Âmbito de atuação está nas relações entre as pessoas, o que não é objeto espe
1 it ico do estudo jurídico.
0 grande perigo dessa situação conflitante, sem dúvida, reside no fato de
que um dos antagonistas pode se valer da força para obter para si o bem da
vida, subjugando o oponente mais fraco. Isso ocorria nas sociedades primi
livas, sendo a forma mais rudim entar de soluções dos conflitos de interes
.i.*s; ocorrendo ainda em casos especiais, como no exemplo dado pelo autor,
que ilustra: “Cuando dos hombres que iienen hambre se encuentran ante um
pedazo de pan, es probable, ya que no seguro, que cada uno de ellos intente
tomarlo por la fuerza.”.M
Pode acontecer, entretanto, que o conflito de interesses não se resolva de
um modo violento, mas de maneira pacífica. Os antagonistas podem, reci
procamente, limitar seu interesse em face do interesse do outro, chegando a
uma composição mediante o sacrifício de parte de seus interesses, que vem a
se autodelimitar. Essa forma de composição, segundo o próprio autor, recebe
o nome de solução moral.
A par da solução moral, identificam-se duas outras formas de composição
que são a solução contratual e a solução arbitrai. Essa consiste na composição
em virtude do temor da força de um terceiro a quem desagrade uma solução
de violência; enquanto aquela reside no temor à força do próprio antagonista
Todas essas formas de solução dos conflitos de interesses não resolvem de
maneira conveniente o problema, já que estão fadadas a durar pelo mesmo
período em que durar a violência ou o temor pelo opositor ou pelo terceiro.''*17

1 CARNELUTTI, Francesco. Sistema dederecho procesal civil. Buenos Aires: UTHEA, 1944. v. 1.1
17.
SANTOS. Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. 25* e.. São Paulo: Snraivj
2007. V. 1, p. 05. “Mas qualquer dessas soluções não é estável nem definitiva. A violência gera violén
cia. reavivando o dissídio; a solução moral repousa no equilíbrio do espirito e enquanto o cquilitu i,
Cria-se, consequentemente, uma instabilidade nas relações sociais, o que i tle servir para componerlo. I)e ahí que entre proceso y litigio medie la misma
prejudicial para toda sociedade. relm ión que entre continente y contenido.” 368
O panorama acima exposto fez com que surgissem os sistemas jurídicos, Ora, se processo e lide são realidades distintas, não podendo ser confundi
compostos de regras permissivas, proibitivas e obrigatórias, destinadas a esta das, então seus elementos também são necessariamente diferentes. Partindo
belecer condutas abstratas que devem ser seguidas, com o fulcro de compoi iln definição de lide é forçoso convir que o primeiro de seus elementos são as
os conflitos de interesses existentes de modo definitivo. É o ordenamento partes. O sujeito que afirma uma pretensão perante o Juiz e aquele que lhe
jurídico dirimindo os conflitos de interesses entre os membros da sociedade opõe resistência. Essa dualidade é necessária e suficiente, pois inexiste lide
Entretanto, como o conflito de interesses é fenômeno que independe do sis de uma pessoa contra si mesma e não é possível a existência de três partes.
tema jurídico, pois este procura apenas dirimi-lo quando se transmuda em No segundo caso explica o autor que pode haver mais de uma pessoa lili
lide, pode ocorrer que uma das pessoas pretenda ver seu interesse prevalecei gando num dos polos da relação jurídica processual, mas que nem por isso
sobre o interesse do seu antagonista, esteja ou não amparado pelas normas deixa de existir apenas um sujeito da lide. Cita como exemplo os casos que
postas. Essa pretensão é definida pelo autor como a "esigenza delia subordina veiculam direitos coletivos.369 O segundo elemento da lide é o bem da vida
zione di un interesse altrui alVinteresse próprio.”.*66 objeto da pretensão resistida, devendo ele ser entendido em sentido amplo e
Pois bem, se essa pretensão é resistida pelo outro antagonista, que não não na acepção estrita do termo, para abranger também as coisas imateriais e
admite ter seu interesse subordinado no interesse de outrem, surge o que o os direitos; enquanto o terceiro elemento da lide é a pretensão qualificada pela
autor denomina de lide, que “può definirsi corne un conflito (intersoggettivo) di resistência, cujas características adiante serão examinadas. Em síntese, pois,
interesse qualificato da una pretensaresistita (contrastata).”.*67 os elementos da lide são: 1) as partes; 2) o bem da vida que se disputa; e, 3) a
Cientes das definições formuladas acerca da lide e de pretensão, podemos pretensão resistida.370
agora, avançar na teoria traçada pelo autor, que embasa nestes dois institutos Ao classificar esses elementos o autor371 ensina que os dois primeiros (par
os pilares de sustentação de suas lições. Afirma Carnelutti, ainda, que existe les e bem) são elementos genéricos do conflito de interesses, já que aparecem
um estreito contato entre processo elide, embora sejam conceitos distintos, o lambém em outras formas de conflitos juridicamente transcendentes, como a
que tem contribuído sobremaneira para que os termos sejam tomados como relação jurídica e a relação possessória. Com isso, quer ressaltar que eles não
idênticos. Ocorre que o processo é o veículo utilizado para reproduzir a lide são aptos, por si sós, para caracterizar a existência de uma lide. Em outras
perante o juiz. Ele não é a lide, mas contém a lide. Tem a finalidade precípua palavras, sua inexistência implica a inexistência da lide, mas sua existência
de propiciar que ela seja resolvida. São significativas suas palavras ao tratar não é suficiente para que ela exista.
do tema: “La distinción consiste en <\ue el proceso no es el litigio, sino que lo Nesse passo, chama a pretensão e a resistência que a ela se opõe de elemen
reproduce o lo representa ante el juezo, en general, ante el oficio. El litigio no tos específicos, embora as enumere como um único elemento. Diz que esse
es el proceso, pero está en el proceso; ha de estar en el proceso si el proceso ha elemento é o mais importante de todos, já que por meio dele se constata a exis
tência ou não de uma lide, nos termos definidos. É o elemento que só aparece

perdura; as duas últimas, fu n d a d a s no temor, têm a duração deste: estabelecido o contrato ou pro­ CARNELUTTI. Sistema..., p. 03.
ferido o arbitramento, pode cessar o temor recíproco entre os contendores, ou destes em relação ao ,M Idem, p 04-05.
árbitro, propiciando o renascimento do conflito”.
CARNELUTTI, Fracesco. Lezioni di dirito processuale civile. Padua: Cedam, 1931. v. 4o,p. 04 c 05.
166 CARNELUTTI, Francesco. Istituizioni delprocesso civile italiano. 5* e.. Roma: Soc. Ed. dei Foro São esses os ensinamentos do autor: “Elem enti differenziali delia lite sono soltanto; a) le parti: b) in
Italiano, 1956. v. 1, p. 07. bcne; c) gli interessi in contrasto, cioé la situazione che rispetto al bene ciascuna parte pretende."
567 Idem. CARNELUTTI. Sistema .... p. 04.
na lide e é ausente dos outros tipos de conflitos citados. Em decorrência, a pre
tensão e sua resistência assumem capital importância na teoria, sendo mesmo
seu ponto central.
Quando alguém exige a subordinação de um interesse alheio ao interessi
próprio, como já se viu, surge uma pretensão. Essa exigência nada mais é do
que um ato praticado pelo sujeito. Não se trata de um direito, mas de uma
manifestação de vontade na qual o sujeito intenciona que seu interesse prev.i
leça sobre o do seu opositor. Na linguagem de Carnelutti: “La pretensión es un
acto y no un poder, o sea algo que el titular dei interés hace, y no algo que tienc;
una manifestación y no una superioridad de su querer."?71
Diante disso, podemos afirmar que uma pessoa pode ir a juízo propor
uma ação mesmo que saiba não ter o direito que a embasa, isto é, pode for
mular uma pretensão destituída de qualquer direito. Se a pretensão é apenas
um fazer e não um direito, uma declaração de vontade de quem a formula,
então pode existir pretensão sem direito. Nesse caso ocorre o que se denomina
pretensão infundada, que pode ser definida como aquela que não está emba
sada no direito objetivo. Contrariamente, se a pessoa formular sua pretensão
amparada pelo direito objetivo, teremos a chamada pretensão fundada.
O autor traz a lide ao conhecimento do juiz, mediante um processo, afir
mando querer que o interesse alheio seja subordinado ao seu. Alega que assim
deve ser porque seu interesse está de acordo com o direito objetivo, enquanto
a resistência do réu não está. Essa declaração de pertinência entre sua preten­
são e o direito objetivo é chamada de razão.37' Ou seja: razão é a afirmação da
conformidade da pretensão com o direito objetivo.
Ora, "puesto que la tutela jurídica se traduce en la atribución de determi­
nados efectos a determinados hechos, la razón se traduce, a su vez necesaria-
mente, en la afirmación dei efecto en que la tutela se concreta y en la afirmación
dei hecho de que la tutela desciende"?7AIsso implica duas espécies de elemen­
tos componentes da razão: os elementos de fato e os elementos de direito
das razões. Em outras palavras, quando alguém afirma a conformidade da*37

371 I d e m , p . 0 8 .
373 I b i d c m , p . 0 8 - 0 9 . E s s a é a liç à o m i n i s t r a d a : “La razón (de la pretensión) es la afirmación de la
tutela que el orden jurídico concede al interés cuyo prevalecímiento se exige; o en olras palabras: la
afirm ación de la conformidad de la prelensión con el derecho (objetivo)".
,74 I b i d e m , p . 10.
pretensão com o direito objetivo, está a dizer que esta pretensão se f unda em
determinados fatos e em suas necessárias consequências jurídicas.
Se a razão da pretensão comporta elementos de fato e elementos de direito,
tomo se viu, deve-se observar que a resistência a essa pretensão também
admite a mesma classificação, embora em sentido diametralmente oposto.
I rata-se da negativa formulada por quem não quer ter seu interesse subordi
nado ao interesse alheio, que pode negar os elementos de fato ou os elemen
tos de direito da pretensão. Como essa negativa recebe o nome de discussão,
t onclui-se que existem elementos de fato e elementos de direito da discussão.
Quando uma declaração contida na razão, seja de pretensão ou de dis
cussão, gera dúvida, surge o que se denomina questão. Na definição do autor
"In quanto la ragione, delia pretensa o delia contestazione, sia dubbia, sorge
tina questione, la quale è pertanto il dubbio intorno a una ragione.”? 7* Des­
tarte, a ideia de questão apresenta-se isolada das idéias de lide e de processo,
sendo uma “soldadura” entre ambos, que serve para esclarecer a definição de
conexão.376 É o elo de ligação a lide e o processo e dela se serve o autor para
formular sua concepção de lides conexas. Foi por isso que assumiu relevo e
desenvolvimento de suas idéias acerca dos institutos básicos do processo civil
até esse momento.
Surge daí, para o grande jurista, a definição de conexão: “São lides cone
xas aquelas cuja decisão requer a solução de questões comuns ou, em outras
palavras, de questões idênticas. È na identidade de questões, não na identi­
dade (total ou parcial) dos elementos da lide, que determina o que constitui a
- N *77
conexão..
Essa definição já demonstra um afastamento das idéias veiculadas pela teo
ria tradicional. Se para aquela o que importa é a identidade dos elementos da
ação, para Carnelutti a essência da conexão reside na existência de questões57

575 CARNELUTTI. I s t i t u i z i o n i ..., p. 12.


' CARNELUTTI. Lezioni..., p. 25. São essas as palavras do autor: “Overe isolato in confronto alia
nozione delta lite la nozione delia questione, che é una specie di attaco o di soldatura fra la lite e ll
processo, serve se n o n m i slaglio, a chiarice con moita semplicità anche la nozione delia connessione
Idem, p. 25-26. Tradução livre de “Sono lili connesse quelle. Ia cui decisione richiede la soluzlone
di questioni com uni o, in altre parole, di questione identiche. £ la identità delia questioni, non la
identità (totale o paziale) degli elementi delia lite. che determina o costituisce la connessione.".
idênticas entre duas lides.1'" É a identidade de questões, e nào a identidmli
de elementos, que gera a conexão entre lides diferentes. É por isso que "
autor afirma que a conexão é uma forma de parentesco e não de semelhaiiv'
entre lides, embora a identidade de elementos possa servir de índice de sua
ocorrência.*379
As operações lógicas do juiz são, portanto, diversas em ambos os casos
No que toca à teoria tradicional, deve-se identificar e separar os elementos il>
cada uma das ações, verificando se eles são ou não semelhantes. Constatada >
comunhão do elemento haverá a conexão. Já no caso da teoria de Carnelutll,
deve-se identificar quais são as afirmações contidas nas razões de pretensão
e de discussão, atentando para a circunstância delas gerarem ou não dúvida-.
Em outras palavras, deve-se identificar quais são as questões de cada uma dan
lides, reputando-as conexas quando elas coincidem.
Assim, usando exemplo de Carnelutti, se o locatário aciona o locador para
obter reparação no imóvel locado e este, por seu entre turno, aciona o ter
ceiro causador do dano para se ressarcir, existe conexão entre as lides, já que-
ocorre uma questão comum, consistente em saber se a coisa apresenta ou não
estragos. O mesmo exemplo, todavia, para a doutrina tradicional, não repre
senta um caso de ações conexas. As partes, o objeto (a reparação do imóvel
na primeira e o ressarcimento na segunda) e a causa de pedir (a utilização
da coisa para a primeira e reparação do dano na segunda) são diversos, não
se verificando a repetição de qualquer dos elementos. O exercício formulado
demonstra a diferença entre as duas teorias no que toca aos efeitos de seus
enunciados. Casos típicos de conexão para os que adotam a teoria tradicional
não apresentam traços de conexidade para os adeptos da teoria de Carnelutti,
e vice-versa.
Por seu turno, salienta o autor que a noção de conexão comporta grande
elasticidade, já que está intimamente ligada à ideia de questão. Como as ques­
tões que surgem podem ser poucas ou muitas, graves ou leves, complexas ou

,7“ PARÁ FILHO. Estudo..., p. 58. Ilustra com precisão a problemática dizendo que: “Consoante a
doutrina tradicional, lides conexas são as que se assemelham por terem comuns a causa e o objeto,
ou um só desses elementos. Carnelutti, porém, mostra que a identidade das questões em nada diz
com a identidade da lide; e só a identidade das questões explica o fenôm eno da conexão."
379 CARNELUTTI. Lezioni..., p. 27. "Se m i fosse lecito il paragone, direi che Ia connessione consiste
nella parentela, non nella somiglianza tra due piú liti; questa puó tu ttd l piú costituire un índice di
quella."
«liuples, de direito ou de fato,-"10 o grau de conexão entre duas lides variará
uniform e a comunhão de uma ou mais dessas questões, bem como diante de
«i m s características. Consequentemente, assim como o parentesco acima de
um determ inado grau é irrelevante, também a relação de conexidade existente
• ul i e duas lides pode ser tão inexpressiva que não chegue a determinar a ocor
m iu ia de conexão entre elas. A comunhão das questões é de tal maneira irre
I. vunte que torna o vínculo de conexão por demais fraco para gerar qualquer
i o ito. Diante disso, "...nella massa indistinta dellc liti connesse, sipuó tracciarc
una grande linea di separazione. [...] ...si puó contrappore la connessionc impro
Iiria alia connessione própria...”.™' A conexão própria corresponde à interde­
pendência de lides, enquanto a conexão imprópria indica uma comunhão de
questões meramente eventuais. Aquela é o elemento central para o estudo do
processo com lides parciais.
Outrossim, sabemos que a tutela jurídica se constitui na atribuição de
determinados efeitos a determinados fatos. Pode ocorrer, porém, que um fato
produza mais de um efeito, como é o caso do casamento, que faz nascer diver
hos direitos e obrigações entre os cônjuges. Contrariamente, podem diversos
latos gerar um só efeito, como ocorre no caso de um empréstimo bancário c
da cambial para garanti-lo, que são dois fatos que visam a apenas um efeito,
qual seja, o pagamento. “Tais relações, derivadas de um mesmo fato, ou ten
dentes a um mesmo efeito, são necessariamente conexas, ou interdependentes.
No primeiro caso, conexão causai; no segundo, conexão final. Uma e outra se
dngularizam pela convergência de duas ou mais relações em direção à mesma
causa ou ao mesmo efeito, confundindo-se ou unificando-se, no ponto de par­
tida, ou no de chegada, sendo, na linguagem viva e colorida do mestre, "un
fascio di rette divergenti che se diramano da un punto solo, ou unfascio de rette
convergenti che confluiscono verso un punto solo.”.™2 Destarte, se os fatos ou os
efeitos oriundos de uma relação jurídica estão presentes em duas causas, então
ocorrerá conexão própria ou interdependência entre elas. Se, ao contrário, os
fatos ou efeitos são diversos, então ter-se-á conexão imprópria, pois a comu
nhão das questões é apenas eventual.

m I d e m , p . 29.

I b i d e m , p . 31.

'*■ P A R Á F IL H O . Estudo.... P. 6 2 .
Em suma, pois, o que indica a conexão entre lides é a identidade de questoc que a conexão de causas é material, é a afinidade relativa ao negócio jurídico
e não de seus elementos. Na grande massa de lides conexas pode-se classií ii ai material.”; e, para o autor, “o critério para reconhecer a relação de conexuludc
a conexão como imprópria ou própria, sendo esta subdividida em conexão t' i ritério material, pois, por via dele, se cotejam em sua origem e nos fins mira
causai ou final, que são as duas subespécies em que existe interdependência tios, direitos vinculados aos mesmos fatos, ou às mesmas relações jurídicas.''.""
entre as lides. Essa interdependência é o elemento genético da conexão, nele
Nesse passo, a conexão é pré-processual, ou seja, existe fora e antes do pro
repousando o vínculo que une duas lides diversas, sendo também o respon
<i sso, sendo ele campo fecundo apenas para o desenvolvimento dos seus elei
sável pela deflagração dos efeitos gerados pela efetiva união das causas; o que
tos, que são a possibilidade de julgados contraditórios e o encarecimento do
não ocorre no caso da conexão imprópria, que não é apta a gerar tais efeitos
processo,585 embora alguns admitam como efeito único o primeiro.58'’
b) A teoria m aterialista. Por fim, resta asseverar que são essas idéias que levam o autor a afirmar
Observando as insuficiências da teoria tradicional e da ideia de que a cone que “a concepção moderna, consoante a qual conexidade de causas é, sobre­
xão é fenômeno aieito à semelhança ou equivalência de questões, procura tudo, afinidade relativa ao negócio jurídico material, ou projeção de uma afi­
Tomás Pará Filho,583 partindo das lições de Carnelutti, aprofundar seu estudo nidade no plano do processo, correspondente à própria evolução da processu
sob o tema. Segundo leciona, para melhor compreensão da ideia de conexão, iilistica.”;iS7 visão esta que demonstra toda sua genialidade ao perceber, ainda
é necessário se ter em mente o conceito de processo parcial, que fornece ele rin 1964, o liame existente entre o direito material e o direito processual, hoje
mentos para o desenvolvimento das suas concepções. Quando dois indivíduos i unsagrado pelo pensamento da totalidade dos autores, que sempre buscam
têm interesse sobre o mesmo bem, nasce entre eles um conflito, que pode aplicar o processo sob a ótica da instrumentalidade.
ser composto extrajudicial mente ou mediante decisão judicial. Esse conflito,
todavia, nem sempre é levado em sua totalidade ao conhecimento do juiz. O 10.3. Nossa posição acerca da conexão de causas.
que ocorre, usualmente, é que as partes delimitam a extensão do conflito de
interesses mediante o pedido do autor e a resistência do réu. A exposição efetuada indica que, para os que admitem a sistematizaçào
dos casos de conexão, existem três teorias principais formuladas a respeito do
Sendo o processo, no entendimento do autor, o veículo que reproduz .1
tema: 1) a tradicional, que afere a conexão segundo a identidade dos elementos
lide perante o juiz e havendo limitação pelas partes da extensão do conflito
da ação; 2) a teoria de Carnelutti, que procura a gênese do fenômeno na identi
de interesses apresentado, pode-se afirm ar que existe o que Carnelutti con
dade de questões; e, 3) a teoria materialista, que diz que a conexão é fenômeno
vencionou chamar de processo parcial, que se caracteriza por reproduzir cm
afeito à relação jurídica de Direito Material.
juízo apenas uma fração do conflito existente. Nesse passo, como apenas uma
tração do conflito de interesses pode ser apresentada mediante um processo,
pode ocorrer que sobre os diversos segmentos de um mesmo conflito de inte
resses exista mais de um processo. Em outras palavras, um mesmo conflito de Ibidem, p. 76.
interesses pode gerar diversos processos. " Ibidem. p. 85. É essa a lição m inistrada “Q u e r d iz e r , a c o n e x ã o e x is te f o r a d o p r o c e s s o o u p r e e x is te
a e le. p o r q u e a s u a e x is tê n c ia e s s e n c ia l n ã o e s tá s u b o r d i n a d a a o a j u i z a m e n t o d a s r e la ç õ e s j u r í d i c a s
Destarte, se esses vários processos derivam do mesmo conflito de interes so b r e a s q u a i s in c id e . M a s . é s o b r e tu d o , p o r m e i o d o p r o c e s s o , q u e se n o t a a s u a r e le v â n c ia p a r a o

ses, então existe entre eles uma relação de Direito Material comum, que há de D ir e ito .”.

ser resolvida uniformemente. Não se pode decidi-la diversamente nos vários ' CUANDRAO, Jesús. C ó d ig o P r o c e s a l C iv il y C o m e r c ia l d e Ia N a c ió n C o m e n t a d o y C o n c o r d a ta d o
Buenos Aires: Dcpalma, 1969. p. 222. “L a n e c e s i d a d d e e v i t a r s e n te n c ia s c o n tr a d ic to r ia s re sp e i to
processos porque se tratam dos mesmos fatos. “Por isso, já se disse com acerto, d e u n m i s m o h e c h o o d e u n a m i s m a c u e s tió n d e d e r e c h o , y n o p r i n c ip i o d e e c o n o m i a p r o c e s a l. cs <•/
f u n d a m e n t o d e e s ta in s titu c ió n ..." .
J83
Idem, o. 65-. PARÁ FILHO. E s tu d o .... P. 86.
A teoria tradicional, em que pese ser a adotada pela maioria dos processu parte delas, sob pena de ter sua aplicação restrita. Adotar entendimento con
alistas pátrios e a contida no art. 55 do nosso CPC, é insuficiente para abarcar Irário conduziría, em última análise, à falta de sistematização, delegando ao
todos os casos de conexão.188 Ela se limita, como já se disse, apenas àqueles de iirbltrio do juiz a identificação das ações conexas.
mais fácil solução. Todavia, não se lhe pode retirar o mérito de ter sido a pri E. 1). Moniz de Aragão,392 por seu turno, interpreta a teoria tradicional,
meira tentativa de sistematização científica da matéria, podendo ter seu valor • utáo contida no art. 103 do CPC de 1973, afastando a divergência doutrinária
aferido pela repercussão obtida e pelo tempo durante o qual perdura, que já • Mstente sobre a definição dos elementos da ação. Diz que o legislador pátrio,
atinge quase 150 anos. ui Iratar da litispendência e da coisa julgada (art. 300 do CPC de 1973), bem
Essa imensa repercussão encontrada nas idéias de Pescatore fez com que ■oino ao definir a continência (art. 104 do CPC de 1973), havia usado o termo
alguns autores procurassem “salvar” a teoria, propugnando sua aplicação con identidade, o que significava que os elementos da ação deviam ser iguais. Já
comitante com outros critérios ou uma interpretação diferente de seu enun pnra definir a conexão, utilizava-se a lei do termo comum, que não significa
ciado. Moacyr Amaral Santos,389 Celso Agrícola Barbi390e Henrique Fagundes igualdade, mas semelhança. Essa diferença terminológica também foi anu­
Filho,391 dentre outros, ainda sob a égide do CPC de 1973, cujo art. 103 apre lada por Henrique Fagundes Filho.393
sentava redação semelhante a do atual art. 55, caput, alertavam para o fato de Destarte, pois, para o autor, o que importa para o reconhecimento da cone­
que a conexão prevista no art. 103 era apenas uma espécie de um gênero que x o entre duas lides é a existência de um elemento comum, embora não neces-
ainda não havia encontrado a sua devida sistematização. Porém, não obstante .Ite ser idêntico. Com essa interpretação afasta-se o problema da diversidade
identificar apenas parcialmente o fenômeno, advogavam os dois primeiros a parcial de objeto e da causa petencii, permitindo-se que duas causas que pos-
sua aplicação, uma vez que abarcava grande número de casos. Essa orienta u.im, por exemplo, o mesmo objeto mediato e objeto imediato diverso sejam
ção, aliás, também foi a adotada pelo atual CPC italiano, que apresenta pre icputadas conexas. Esse enfoque, porém, não leva em conta a característica
ceito embasado na teoria tradicional (art. 33) e preceitos que indicam outras essencial do fenômeno, que no caso da conexão não pode ser considerado a
formas de conexão, como a conexão por acessoriedade (art. 31) e a conexão identidade de elementos. Como já alertaram Cogliolo e Tomás Pará Filho,
por garantia (art. 32). onforme acima observado, na medida em que os casos de conexão entre lides
Com o devido respeito aos citados autores e ao legislador italiano, não se diversas vão se tornando mais complexos, a teoria vai tendo menor aplicação.
pode adotar essa construção. Ocorre que uma regra, como já se viu, deve ser Náo serve, consequentemente, para as hipóteses que dela mais necessitam.
formulada tendo em vista todas as hipóteses que pretende regular e não apenas I m outras palavras, usando de linguagem matemática, sua aplicação é inver
amente proporcional ao grau de dificuldade de identificação do fenômeno.
R T 650/140. Os reparos à teoria tradicional, como se vê, não elidiram as objeções que
A M A R A L S A N T O S , p . 2 6 3 . D iz o a u t o r : " N a d o u t r i n a d e P e s c a to r e n ã o s e a c h a to d a a te o r ia d a llie foram formuladas, sendo bastante sedutora a ideia de simplesmente aban­
conexão. A in d a h a v e r á o u t r a s h ip ó te s e s d e c o n e x ã o , m a s q u e n ã o e s tã o s u f i c i e n t e m e n t e s i s t e m a t i donar a concepção de Pescatore, uma vez que não representa o melhor enten­
za d a s p a ra se re m e x p o s t a s n u m b r e v e c u r s o d e p r o c e s s o .”.
dimento que se pode dar à matéria.
m BARBI, C e ls o A g r íc o la . C o m e n t á r i o s a o C ó d ig o d e P r o c e s s o C iv il. 6* e .. R io d e J a n e ir o : F o re n s e .
1991. p. 2 8 4 . “A a f i r m a ç ã o c o n t i d a n o a r tig o n ã o é e r r a d a , p o r q u e , r e a lm e n te , s e g u n d o a d o u t r i n a A teoria de Carnelutti, por seu turno, representa significativo avanço em
d o m in a n te , a s c a u s a s q u e tiv e r e m a q u e la s c a r a c te r ís tic a s s ã o c o n e x a s . A f a l h a d a le i e s tá e m q u e a
h ipótese p re v ista é a q u e l a u m a , e n t r e a s v á r ia s e m q u e o c o r r e a c o n e x ã o ”.
finsca da essência da conexão de causas. Sua concepção permite que sejam
F A G U N D E S F IL H O , H e n r i q u e . A c o n e x ã o d e c a u s a s . S ã o P a u lo : S e t o r d e P ó s - G r a d u a ç ã o . P o n
identificados casos de conexão que a teoria tradicional não admite, como é o
tilícia U n iv e r s id a d e C a tó l i c a d e S ã o P a u lo - P U C S P , 1 9 8 8 . p. 4 0 0 . " O ra . s e o a r t. 103 d e fin is s e , d e
m a n eira e x a u s tiv a , o f e n ô m e n o d a c o n e x ã o d e c a u s a s , n ã o h a v e r ia r a z ã o , p a r a o le g is la d o r m e s m o ,
M O N I Z D E A R A G Ã O , E .D . C o n e x ã o e tr íp lic e i d e n t i d a d e . R e p r o 2 9 /5 0 - 5 6 .
n o art. 46, III, f a l a r e m c o n e x ã o p e l o o b je to o u p e la c a u s a d e p e d ir , p o r q u e a p a r t i c u l a r i z a ç ã o f a z
su p o r a e x is tê n c ia d e o u t r a s m o d a l i d a d e s o u e s p é c ie s d e c o n e x ã o ." . 1 I A G U N D E S F IL H O , p. 393.
caso, dentre outros, da conexão entre uma ação de despejo por falta de pagu
mento e uma ação de consignação em pagamento. Ora, pelos critérios da teu
ria tradicional, deverá o juiz identificar o objeto e a causa de pedir de cada
uma das ações. Constatará quca consignação tem como objeto mediato a qul
tação e como objeto imediato, em regra, uma prestação declaratória. Conm
causa de pedir próxima a recusa no recebimento do aluguel e como caus.i
de pedir remota o contrato de locação. Já a ação de despejo tem como objeto
mediato a desocupação do imóvel, como objeto imediato uma sentença ext
cutiva lato sensu, como causa de pedir próxima a falta de pagamento e como
causa de pedir remota o contrato de locação. Após essa operação constatara
que os elementos não são comuns, não existindo conexão nos termos ao ai l
55, do CPC.
Já para a teoria de Carnelutti, observará o juiz que entre ambas as ações
haverá dúvida quanto a determinadas razões de fato ou de direito comuns
formuladas na pretensão e na discussão, ou seja, haverá uma identidade di
questões, como a recusa no recebimento dos aluguéis ou, se o locador admilu
a recusa, a justiça ou não de sua conduta. Com isso reconhecerá a existência
de conexão entre as causas.
Embora tenha avançado emdireção ao elemento essencial da conexão d«
causas, deixou Carnelutti de dar o último passo, para identificar na relação dr
Direito Material a gênese do fenômeno, o que foi feito por outros processua
listas, como Tomás Pará Filho. Realmente, a conexão entre a ação de consig
nação em pagamento e a de despejo reside no simples aspecto que será deu
dida a mesma relação jurídica material, embora sob enfoques diferentes. Em
ambas as ações o ato do pagamento é que determinará a decisão do juiz: se foi
recusado ou se a recusa foi injusta, será procedente a consignação e improce
dente o despejo. Caso contrário, a sorte das ações será diametralmente oposta
Como se trata do mesmo fatoe,consequentemente, da mesma relação jurídii.i
de direito material, não pode ojuiz decidi-la de forma diferente, sob pena di
ocorrer uma contradição lógica.394
Comungamos, pois, pelas razões expostas, do pensamento daqueles qut
identificam na relação jurídica do Direito Material a gênese do fenômeno dn

3,4 ECHAVE, Delia Teresa. URQU1|Ü, Maria Eugenia e GUIBOURG, Ricardo A.. L ó g ic a , p r o p a tl
c ió n y n o r m a . 2* e.. Buenos Aires: Astrea, 1986. p. 70-71.
<micxão de causas."''’ Esse entendimento permite uma explicação coerente de
alguns aspectos que vêm sendo contundidos com causas da conexão, quando
<in realidade são consequências dela.
Nada obstante, não é incomum encontrar explicações no sentido de que as
•iiisas da conexão são: a) a necessidade de evitar julgados contraditórios e b) a
■mnomia processual; o que efetivamente não é correto. Isso porque a contra
illsáo dos julgados e o desperdício de atividade jurisdicional não são propria­
mente causas da conexão, mas sim uma possível consequência de se decidir
mais de uma vez acerca de uma mesma relação jurídica de direito material.
Usando um exemplo diuturno pense-se na criança que vai até a mãe, que
. .1.1 na sala da casa, e pede para brincar na casa do vizinho. A mãe nega o
Iml ido e o filho, então, vai até o pai, que está na sala, e formula novamente o
mesmo pedido, sendo que o pai permite a saída do filho. A contradição das
•iidens, e a provável discussão que lhe seguirá, decorrem do fato de que o
mesmo pedido foi decidido duas vezes por pessoas diversas. O mesmo acon-
ln c com as causas conexas quando julgadas por juiz diferente, quando as deci
i<tes podem ser contraditórias e até mesmo, conforme a situação, inexequíveis.
Portanto, se as causas são conexas porque veiculam seguimentos diver-
o.s de uma mesma relação jurídica de direito material, então é consequência
•Io vínculo de conexidade que os julgados sejam uniformes. Também seria
dentar contra o princípio da economia processual decidir mais de uma vez a
mesma relação jurídica de direito material. Em suma: os julgados não podem
<i contraditórios e haverá desperdício de atividade judicante porque a relação
jtn ídica material é a mesma nas duas causas. Ambos os argumentos são uma
i onsequência de se decidir por duas vezes uma mesma coisa e não causa para
i reunião de ações conexas. Ocorre aqui o mesmo fenômeno que se verifica
nos casos de litisconsórcio unitário, em que a decisão deve ser uniforme para
Iodos os litisconsortes porque existe apenas uma lide, isto é, as causas devem

l’A R A F I L H O e F A G U N D E S F I L H O , s e n d o q u e o s e g u n d o s a l ie n ta , a o e n c e n a r s u a d i s s e r t a ç ã o ,
q u e : “A e s s ê n c ia d a c o n e x ã o d e c a u s a s è d a d a p e lo D ir e ito M a t e r i a l , r e le g a n d o -s e p a r a o d ir e ito
p r o c e s s u a l a s c o n s e q u ê n c ia s d e d e t e r m i n a ç ã o o u m o d ific a ç ã o , c o n fo r m e o c a s o , d a c o m p e tê n c ia o u
d a r e u n i ã o d a s “a ç õ e s p r o p o s t a s e m s e p a r a d o " . T a m b é m n e s s e s e n t id o , e m b o r a p r o c u r e a p r o v e i t a r
a d e f i n i ç ã o le g a l, a n t i g a d e c i s ã o i n s e r t a n a R /T J S P 1 3 1 /4 2 2 , q u e c o n t é m a s e g u i n t e e x p la n a ç ã o :
" A s s im s e i m p õ e f i q u e o r a d e c id id o , n o s e x a to s t e r m o s d o lú c id o p a r e c e r : T o d a s a s a ç õ e s e m q u e s tã o
tê m p o r f u n d a m e n t o a m e s m a re la ç ã o ju r íd ic a d e D ir e ito M a te ria l.” (g rifo n o sso ).
» w u •■*¥ n w III u k » . i f i i m i w .1 i j J i m . i n i i n i " iu m u iim u n j i v n w \j i n w v u w

ser julgadas numa mesma sentença porque a relação jurídica de direito mau- de direito material. Parágrafo único. Aplica-se o disposto no caput entre os Jei
rial é única. iiis que pleiteiam tutela executiva e os que pleiteiam tutela de conhecimento.''.
Todavia, uma observação deve ser feita no que toca a unicidade da relação I uiretanto, a sugestão parece ter sido implicitamente rejeitada, já que além
jurídica de direito material veiculada pelas ações conexas: ela deve ser enlo <lo aviso de recebimento da nota não houve qualquer comunicação acerca da
cada como um todo e tendo em vista um mesmo momento da sua dinâmii .1 Iimposta efetivada.
Isso porque duas ações podem veicular segmentos parciais de uma relação Nada obstante, embora o atual diploma tenha repetido a redação que já
jurídica continuativa (que se prolonga no tempo), que se altera em virtude . onstava do diploma anterior, o artigo veio com três acréscimos representados
do decorrer do próprio tempo. Daí a razão pela qual não há conexão entn pela inserção dos §§ Io, 2o e 3o; tratando o primeiro de matéria que era disci­
uma ação de despejo por falta de pagamento e uma ação de consignação dr plinada pelo antigo art. 105, do CPC;396 o segundo procurando por termo ao
períodos distintos, embora proposta entre as mesmas partes e fundadas num • ntendimento de que a conexão é fenômeno possível apenas no caso da reu­
mesmo contrato de locação; ou, porque não há conexão entre processo em nião de processos que pleiteiam tutelas de acertamento; e, o terceiro, tratando
andamento e processo findo. Em suma, pois, deve-se enfocar a unicidade da da reunião de feitos ainda que entre eles não exista conexão.
relação jurídica de direito material sob um prisma estático, como se fosse uma Nesse passo, o art. 55, §1°, do CPC, trata de ações conexas propostas sepa-
fotografia, cujo momento retratado é o da propositura das ações conexas. nulamente, substituindo com vantagem o art. 105, do CPC de 1973, pois
icsolve debate que já se eternizava a respeito de ser ou não uma faculdade do
10.4. Atual perfil da conexão de causas. magistrado a reunião dos feitos. Isso porque o revogado art. 105 utilizava-se
do termo “pode”, dando a impressão de que se tratava de uma faculdade judi-
O atual CPC prevê e regulamenta a conexão de causas, juntamente com • lal a reunião das ações conexas; enquanto o atual preceito utiliza-se da locu-
a continência, nos art. 55 a 59, do CPC, sob a denominação “Da modificação «,1o “serão reunidos”, demonstrando a obrigatoriedade da reunião dos feitos
da competência ”, alertando que os fenômenos somente podem ser reconhecí para julgamento conjunto.
dos quando se tratar de competência relativa, ou seja, competência referente Na vigência do Código de 1939 0 termo empregado já ensejava controvér-
à matéria ou ao valor da causa, isso por expressa determinação contida no .la, uma vez que a redação do art. 116 era semelhante à do art. 105, do CPC
art. 54, do CPC. Definido o âmbito de incidência das causas de modificação de 1973. Assim dispunha o art. 116: “Art. 116. Antes de proferida a sentença, 0
de competência, o art. 55, do CPC, assim como já fazia o art. 103, do CPC de fUiz poderá ordenar, ex officio ou a requerimento, a reunião de ações conexas,
1973, passando ao largo das objeções doutrinárias acima analisadas, houve bem como, antes de finda a instrução, 0 desmembramento de processos reu­
por bem definir conexão sob o prisma da teoria tradicional, ou seja, definiu nidos”. Comentando o conteúdo do preceito, ensinava Pontes de M iranda’97
conexão tendo em vista a semelhança entre os elementos da ação. Daí dizei lialar-se de norma de direção material do processo e não de regra de compe­
o “caput” do preceito que “Art. 55. Reputam-se conexas duas ou mais ações, tência, motivo pelo qual a reunião ou desmembramento dos feitos não eram
quando lhes for comum 0 objeto ou a causa de pedir.”. obrigatórios para o juiz, o qual deveria observar se as circunstâncias da causa
Por entender que seria uma boa oportunidade para colaborar com a evo justificavam a providência.
lução do instituto da conexão, migrando da proposta da teoria tradicional
para a proposta da teoria materialista, tivemos a oportunidade de remetei
C P C d e 1 9 7 3 . A r t . 105. H a v e n d o c o n e x ã o o u c o n t in ê n c ia , o j u i z , d e o fíc io ou a r e q u e r im e n to d e
Nota Técnica ao Senado Federal propondo a alteração da redação do pre q u a l q u e r d a s p a r te s , p o d e o r d e n a r a r e u n iã o d e a ç õ e s p r o p o s t a s e m se p a ra d o , a f i m d e q u e s e ja m

ceito nos seguintes termos: “Art. 40. Consideram-se conexas duas ou mais d e c id id a s s i m u l t a n e a m e n t e .

P O N T E S D E M I R A N D A , F r a n c i s c o C a v a l c a n t e . C o m e n t á r i o s a o C ó d ig o d e P rocesso C iv il. R io d e
ações quando veicularem segmentos diversos de uma mesma relação jurídico
l a n e i r o : F o r e n s e , 1947. v. II, p . 4 2 0 .
Já na vigência do Código de 1973, Marcos Afonso Borges"'* dizia que a
reunião das ações era uma faculdade do juiz. Acompanhando essa posição
encontramos os ensinamentos de Vicente Greco Filho,399 Athos Gusmão ( .11
neiro,40" Humberto Teodoro Júnior401 e Henrique Fagundes Filho,402 denlrt
outros. Farta jurisprudência da época também firmava posição nesse sen
tido,403 o que motivou, durante o 5.° Encontro Nacional dos Tribunais dt
Alçada, a aprovação, por 10 votos contra 8, da seguinte conclusão: “O art. IV'<
deixa ao juiz certa margem de discricionariedade na avaliação da intensidadt
da conexão, na gravidade resultante da contradição de julgados e, até, na detn
minação da oportunidade da reunião de processos.”.
Por outro lado, juristas não menos renomados sustentavam posição di.i
metralmente oposta, no sentido de que a regra contida no art. 105 obrigava
o juiz a reunir as ações conexas. Arruda Alvim404 ensinava que cabia ao jui/
"ordenar a reunião dos processos que correm separadamente”, devendo agir c\
officio - apesar do art. 105, com impropriedade, falar em pode - ou atendendo
requerimento de qualquer das partes. No mesmo sentido era lição de Celso
Agrícola Barbi,405 além de algumas decisões da época.406
Tratando do tema tivemos a oportunidade de cerrar fileiras com o segundo
entendimento, aduzindo que "A controvérsia deve ser resolvida em favor daque
les que sustentam a obrigatoriedade da reunião das ações para julgamento

ln BORGES, Marcos Afonso. C o m e n t á r i o s a o C ó d ig o d e P r o c c s o C iv il. Sào Paulo: EUD, 1974/1975 t


I.p. 114.
GRECO FILHO, Vicente. D ir e ito p r o c e s s u a l c iv il b r a s ile ir o . 19* e.. São Paulo: saraiva, 2006. p. 21
400 CARNEIRO, Athos Gusmão. J u r is d iç ã o e c o m p e tê n c ia . 4* e.. São Paulo: Saraiva, 1990. p. 63.
401 "THEODORO JUNIOR. Humberto. C u r s o d e d ir e ito p r o c e s s u a l c iv il. 47* e.. Rio de Janeiro: Foren-i
2007. v. 1, p. 209.
402 FAGUNDES FILHO, p. 459.
405 R T 471/172, 491/133, 493/137. 499/222, 553/156. 569/216. 600/194, 677/131 e 678/123; J T A C iv S I'
34/280.43/195, 69/242, 98/34, 103/332, 122/219 e 130/189.
404 ARRUDA ALVIM, José Manoel de. M a n u a l d e d ir e ito p r o c e s s u a l c iv il. São Paulo: RT, 1979. v. I, |>
123.
405 BARBI, p. 286. São essas as palavras do autor: “E s s e a r tig o t e m a m e s m a im p r o p r i e d a d e d e r e d a ç ã o
j á o b s e r v a d a n o s c o m e n t á r i o s a o a r t. 1 0 2 , p o r q u e u s a , e m r e la ç ã o a o j u i z , o v e r b o p o d e r , p a r e c e n d o
a s s i m q u e é fa c u l d a d e s u a a t e n d e r o u n e g a r o p e d id o . M a s , c o m o j á se v iu n o s c ita d o s c o m e u tá r i <»
o j u i z , q u a n d o h o u v e r c o n e x ã o , t e m o d e v e r le g a l d e m a n d a r r e u n i r a s v á r ia s a ç õ e s . E s s e d e v e r , ele
e x e r c e r á a p e d i d o d a s p a r t e s o u m e s m o d e o fíc io , c o m o e s tá n o a r t . 1 0 5 .“.

404 J T A C iv S P 37/101, R T 534/169 e RP 05/355.


! V \ w m A MW| / | « . r w j n i

iimultâneo. Ocorre que, veiculando as ações conexas segmentos de uma mesma


relação jurídica de Direito Material, não se pode decidir questões idênticas de
maneira diferente. Assim, há ofensa ao principio da economia processual na
permissão de que uma mesma relação jurídica seja decidida mais de uma vez,
mesmo que tenha solução idêntica por parte de juizes diferentes. Ademais, <>
ilsco de julgados contraditórios sobre uma mesma relação jurídica de Direito
Material impõe, em beneficio da credibilidade do Poder Judiciário e da paz
meial, a interpretação que conduz a obrigatoriedade da reunião das ações.".4'1'
Outra divergência que se verificava residia no fato de poder ou não o juiz
lulgar apenas uma das ações reunidas.408 Essa discórdia, todavia, tinha sim
pies solução quando se observava que, havendo uma soma de segmentos de
uma mesma relação jurídica de Direito Material nas ações conexas, haveria
. ontradição lógica no julgamento de apenas uma delas. Deveria o juiz, assim,
"hrigatoriamente, decidir ambos os feitos. Aliás, o próprio art. 105, na sua
parte final indicava que a finalidade da reunião dos feitos era o julgamento
imultâneo, quando dizia: "... a fim de que sejam decididas simultaneamente",
i»que fazia com que o julgamento de apenas uma das causas tornasse a regra
i ontida no artigo inócua; perfil que foi repetido na parte final do art. 58, do
atual CPC, ao utilizar da locução “onde serão decididas simultaneamente.".
Nesse passo, portanto, venceu o debate a opinião daqueles que entendem
a obrigatória à reunião das causas conexas para julgamento simultâneo, na
medida em que também o art. 55, §1°, do CPC, se utiliza da locução “...serão
munidos para decisão c o n j u n t a , . o que põe termo definitivo as discussões
existentes sob a égide dos CPC de 1939 e de 1973.
Essa obrigatoriedade de reunião dos feitos desaparece e se converte em ver
«ladeira proibição de reuni-los quando um dos processos já está sentenciado,
na exata medida do que dispõe a exceção contida na parte final do preceito cm
lomento ao dizer “..., salvo se um deles já estiver sentenciado.”. Aliás, mesmo
oh a vigência da lei anterior, essa já era a opinião de Nelson Nery Junior e de
Rosa Maria de Andrade Nery ao afirmar que “... O termo fin a l para a reunião,
portanto, é o momento imediatamente antecedente a prolação da sentença de*

OLIVEIRA NETO, Olavo de. C o n e x ã o p o r p r e ju d ic ia lid a d e . São Paulo: RT, 1994. p. 70.
* A favor do julgamento independente das causas: R J T /S P , 51/71 e 51/68; RT 492/164; J T A C iv S P
48/209. Contra o julgamento de apenas uma das causas conexas: I T A C iv S P 43/195, 59/296 c
106/330.
mérito. Proferida a sentença, não é mais possível ordenai se a reunião de ações
conexas.”;409 bem como o conteúdo da Súmula 235, do ST), segundo a qual "A
conexão não determina a reunião dos processos, se um deles já fo i julgado.”.
Por seu turno, embora o preceito tenha deixado de se manifestar exprcs
samente quanto a possibilidade do juiz determ inar a reunião das causas dc
ofício, o art. 337, §5°, do CPC, permite que isso ocorra ao dispor que, à exceção
da incompetência relativa e da convenção de arbitragem, poderá o juiz conhe
cer de ofício das preliminares objeto dos seus incisos. Mas mesmo que assim
não fosse, a opção por tornar obrigatória a reunião dos feitos conexos, por sl
só, implica tornar a matéria questão de ordem pública e, por isso, reconhecível
ex officio e sem a necessidade da provocação de qualquer das partes.
Já o art. 55, §2°, do CPC, como se disse acima, sepulta de forma definitiva
o entendimento de que a conexão é fenômeno possível apenas no caso da reu
nião de processos que pleiteiam tutelas de acertamento, excluindo-se a possi
bilidade de reunião entre uma ação de conhecimento com uma ação executiva,
ideia que já defendíamos em passado remoto ao afirm ar que “Pode ocorrer,
sendo até mesmo comum, que concomitantemente à propositura da execução
pelo credor, o devedor ajuize uma ação objetivando a declaração de nulidadc
do título, visando a eximir-se de obrigação. Tanto a execução quanto a ação
de conhecimento têm origem na mesma relação jurídica de Direito Material,
existindo conexão entre elas. O título é representativo de uma dívida líquida
e certa que tem o devedor para com o credor, sendo que sua anulação estará,
fatalmente, fundada em parte do mesmo conjlito de interesses que alberga a
necessidade de execução do título.”.410
Em que pese o avanço contido nos §§ 1° e 2o, com a adoção de um posi
cionamento mais adequado ao fenômeno da conexão, foi muitíssimo mal o
atual diploma ao inserir na última versão do projeto, que deu origem ao atual
código, um §3°, determinando o julgamento conjunto de causas não conexas,
quando houver risco de que seus julgamentos gerem decisões conflitantes ou
contraditórias. Isso porque pelo teor do texto torna-se possível determinar
a reunião de uma ação de alimentos em trâmite no Rio Grande do Sul com
outra ação de alimentos em trâmite no Amapá, apenas porque numa o jui/

m NERY JUNIOR, Nelson, NERY, Rosa Maria de Andrade. C ó d ig o d e P r o c e s s o C iv il C o m e n ta d o . 7*


e.. São Paulo: RT, 2003. p. 505.
410 OLIVEIRA NETO, p. 93-94.
entende que os tios não devem pagar alimentos aos sobrinhos, enquanto no
nutro o juiz adota tese contrária. A existência de posições divergentes sobre
um mesmo tema, por si só, acabaria a dar ensejo à conexão de causas, o que
descaracteriza por completo o instituto.
Nada obstante, outra questão que obteve, no diploma atual, um tratamento
lustante superior à disciplina do CPC de 1973, diz respeito ao local de reunião
ii.is causas conexas. Estabelecia o art. 106 do CPC de 1973 que: “Correndo em
aparado ações conexas perante juizes que têm a mesma competência territo-
rial, considera-se prevento aquele que despachou em primeiro lugar”. Trata­
va se de regra que procurava fixar qual era o órgão competente para julgar
determinada causa, quando havia competência concorrente de dois ou mais
(ui/.es. Uma análise conjunta daquele artigo com o art. 219, também do CPC
de 1973, gerava dúvida, uma vez que ali também existia regra que tinha a
mesma finalidade, mas dizendo “A citação válida torna prevento o juízo...”.
Assim, aparentemente, existia uma contradição entre as duas normas, já
que enquanto uma dizia que gerava prevenção o despacho inicial do juiz, a
outra dizia que o que fixava a prevenção era a citação válida. Essa contradi­
rão, porém, não resistia a uma observação mais atenta ao teor dos artigos. A
doutrina e a jurisprudência da época se pacificaram ao solucionar a questão,
dizendo que o art. 106 tratava de competência de foro e o art. 219 de compe
lência de juízo."1 Realmente, o art. 106 tratava daquelas causas que corriam
perante juizes que tinham a mesma competência territorial. Neste caso estava
prevento o que despachava em primeiro lugar. Por seu turno, o art. 219 tratava
de juízos que não tinham a mesma competência territorial, sendo prevento
aquele cuja citação válida efetivava-se em primeiro lugar.
Mas quanto se tratava de competência de juízo, ainda se discutia sobre qual
deveria ser a natureza do despacho proferido pelo juiz para fixar a prevenção,
sendo que o entendimento majoritário era o de que apenas o despacho que
ordenava a citação tornava prevento o juízo.412

' Vicente Greco Filho, Arruda Alvim, Athos Gusmão Carneiro, Marcos Afonso Borges e Celso
Agrícola Barbi, dentre outros; R T 506/212, 508/184 e 537/104; J T A C iv S P 37/288. 91/422 e 116/67,
dentre outras.
RP 2/346 e 3/330; R J T 1 S P 110/408.
RP 2/346 e 3/330; R JTJSP 110/408.
Visando superar essas divergências e adotar a posição preponderante lunltt
na doutrina, quanto nos Tribunais, a redação do art. 59, do CPC, dispõe qm
“Art. 59. O registro ou distribuição da petição inicial torna prevento o juízo
fazendo com que não possa mais existir dúvida a respeito do tema. Detectada
a conexão entre duas ou mais causas, sejam elas de conhecimento ou de ex*
cução, a reunião dos feitos dar-se-á no juízo prevento, conforme determin.i
art. 58, do CPC; que é aquele em que a petição inicial de uma das ações com
xas foi anteriormente distribuída, conforme preceitua o art. 59, do mc.sm<>
estatuto.

10.5. Possibilidade de aplicação da teoria materialista


da conexão em face do Direito Positivo Brasileiro.
O legislador pátrio houve por bem definir conexão no art. 55 do CP(
reputando conexas duas ou mais ações quando comuns o objeto ou a causa
de pedir. Adotou a teoria tradicional, fazendo com que, à primeira vista, n<t"
possa o juiz determinar a reunião de ações conexas tendo em vista os critt
rios da identidade de questões ou da unicidade de relação jurídica de Direito
Material.
Todavia, não se pode interpretar o tratamento que foi dado à conexão ap<
nas em razão desse preceito, devendo ser observados os demais artigos qur
tratam da matéria. Se o nosso legislador não fez como o italiano, que em capí
tulo especial tratou de diversas hipóteses de conexão, espalhou pelo código
diversas normas que tratam do tema, demonstrando ser influenciado pelav
teorias que apareceram após a tradicional.
Nesse passo, é de curial importância a interpretação sistemática,414 espc
cialmente tendo em vista o disposto no art. 113 do CPC, que trata do litiscon
sórcio facultativo, elencando três hipóteses nas quais ele ocorrerá. Este é seu
teor: “Art. 113. Duas ou mais pessoas podem litigar, no mesmo processo, em
conjunto, ativa ou passivamente, quando: 1 - entre elas houver comunhão th31

313 A redação original do Anteprojeto de alteração do CPC, que era “A r t . 4 4 . O d e s p a c h o q u e o r d e n a i


a c ita ç ã o t o m a p r e v e n t o o j u í z o . ”; foi alterada por sugestão contida em Nota Técnica de autoria iln
CAJ - Centro de Apóio ao Juizes do Fórum João Mendes, do qual tive a honra de ser conselheim
4H MAX1MILIANO, Carlos. H e r m e n ê u t i c a e A p lic a ç ã o d o D ir e ito . 9“ e.. Rio de Janeiro: Forcno
1984. p. 128-.

iIhaitos ou de obrigações relativamente ri lide; II - entre as causas houver cone


til<> pelo pedido ou pela causa de pedir; III - ocorrer afinidade de questões por
ioh ponto comum de fato ou de direito.”.

Uma primeira observação que deve ser feita, conforme alertava Arruda
\lvim ao analisar o art. 46, do CPC de 1973, que possuía redação semelhante
it do art. 113, é no sentido de que as hipóteses contidas no artigo em estudo são
l ixativas, ou seja, “é incogitável pensar-se no art. 46 como sendo exemplificati-
iv V"5 Não existe caso de litisconsórcio facultativo que não se tipifique numa
ilas três hipóteses do preceito, o que já nos permite estudá-las.
O primeiro inciso do artigo trata da “comunhão de direitos e obrigações
mlativamente à lide ”, que nada mais é do que a identidade do objeto de direito,
«•ndo diversos seus titulares. Em outras palavras, existe comunhão de direitos
c obrigações entre as pessoas que estão na mesma qualidade perante o direito
ou a obrigação. É o caso, dentre outros, dos co-proprietários, dos compossui-
ilores, dos credores e dos devedores solidários.
Ora, se nesse inciso o que se pretende é facultar a possibilidade de eleger
litisconsorte àqueles que são titulares dos mesmos direitos e obrigações na
órbita do Direito Material, então existe uma relação jurídica material comum
tomo fato determinador do litisconsórcio facultativo; embora possa ser ela
■iudida em vários segmentos. Vêem-se, aí, traços de semelhança entre a hipó-
Icse e a teoria da conexão fundada na relação jurídica de Direito Material, que
nos parece o entendimento mais adequado que se pode dar à matéria.
O segundo inciso, por seu turno, abarcou os incisos II e III, do art. 46,
tio CPC de 1973, que em verdade tratavam de uma mesma hipótese de cabi­
mento. Afinal, o inciso terceiro tratava do litisconsórcio devido à conexão
pelo objeto e pela causa de pedir, enquanto o segundo tratava dos casos de
ilircitos e obrigações derivados dos mesmos fundamentos de fato e de direito.
Assim, se a causa petendi pode ser decomposta em fatos e fundamentos jurí-
ilicos, então a hipótese do inc. II nada mais era do que a existência de direitos
<• obrigações que dela derivavam. Nesse sentido, aliás, a posição de Henri
que Fagundes Filho, que dizia: “A hipótese do inc. II do art. 46, do CPC é, na

ui ARRUDA ALVIM, José Manoel. T r a ta d o d e d ir e ito p r o c e s s u a l c iv il. São Paulo: RT, 1990. v. 1, p.
355.
verdade, despicienda, porquanto já se acha incluída no preceito mais amplo do pertinente, é possível ao magistrado reconhecer a conexão tendo em visia a
inc. III desse mesmo artigo...”.*'6 Identidade da relação jurídica de Direito Material.
Sanado pelo atual diploma esse “cochilo legislativo”, resta observar que o
atual inciso II adota o posicionamento da teoria tradicional, que reputa cone 10.6. Continência de causas.
xas duas ou mais causas quando comuns o objeto ou a causa de pedir.
Por fim, o inc. III trata da afinidade de questões, que é a posição adotada Tradicionalmente tratada em conjunto com a conexão de causas, o fenô­
por Carnelutti para definir conexão. Esse preceito, todavia, usou do termo meno da continência entre as causas sempre foi compreendido como uma
“questão” de modo equívoco, como anota com precisão Arruda Alvim.'"/ I lôrma de conexão mais intensa, chegando a afirmar Costa Machado que “A
que sendo a questão uma dúvida decorrente de contradição entre as razões de /Igura da continência traz em seu bojo a idéia de uma conexão muito intensa,
pretensão e as razões de discussão, não poderá ser identificada no momento lauto que não dispensa a identidade quanto a causa de pedir nem a identidade
em que é proposta a ação, uma vez que ainda não existe oferecimento de defos.i <lc partes (que na conexão não é exigida).".*'1' Nesse passo, se a continência for
por parte do réu. Entretanto, esse fato em nada prejudica a remissão às idéias considerada como uma forma de conexão mais intensa, então não há razão
do mestre italiano. |>ara o tratamento diferenciado e em artigos diversos do mesmo fenômeno,
sob pena de incidência em bis in idem ; assistindo razão a Celso Neves quando
Como se vê, portanto, o artigo em estudo adotou, para definir as hipóteses
afirmou que "Como a conexão exige menos que a continência, mus exige um
de litisconsórcio facultativo, também chamado de cumulo subjetivo faculta
elemento que também é essencial nesta (mesma causa de pedir), a conclusão
tivo, critérios das três principais teorias acerca da conexão.
é que a continência é um caso especial de conexão; esta está para aquela na
Ora, sendo a eleição do litisconsórcio facultativo de exclusiva opção do relação de gênero e espécie: a continência é espécie do gênero conexão. Resulta
autor, não podendo haver recusa do réu de litigar em conjunto ou não com do exposto que o art. 104 é inútil, porque toda vez que houver continência entre
corréu, se o juiz não determinar a integração de um dos polos da relação juri duas causas elas são conexas; basta o fato de terem a mesma causa de pedir,
dica, então poderá acontecer que existam casos nos quais o autor não eleja para se enquadrarem na conceituação do art. I03.”.*'')
determinado litisconsorte. Nessa hipótese, poderá o litisconsorte preterido
Nada obstante, cremos que a continência não pode ser compreendida
propor ação que será conexa com aquela da qual foi excluído, podendo las
como uma espécie de conexão ou apenas como uma forma mais intensa dela,
trear-se a conexão em fundamento diverso do contido no art. 113, II e III, do
mas sim como uma forma de identidade parcial entre dois feitos, bem mais
CPC, devendo ainda assim ser determinada a reunião dos feitos para proces
próximo de uma litispendência parcial. Daí o erro do CPC de 1973 ao atribuir
sarnento e para julgamento conjunto.
os menos efeitos para a reunião de causas conexas e para a reunião de causas
Destarte, tendo em vista que a lei adota critérios diversos para os casos de continentes, qual seja, o julgamento conjunto de ambos os feitos, sem a ime­
litisconsórcio facultativo e que mesmo para os que adotam a teoria tradicional diata extinção da causa contida no caso da continência. Aliás, sobre a iden­
existem outras hipóteses de conexão além daquelas previstas no art. 55, do tidade das causas já dizia Pontes de Miranda que “A expressão continência’,
CPC, podemos afirmar que é possível à aplicação do critério por nós adotado referente à causa, vem de séculos na língua e no direito português. É a relação
para determinar a reunião de causas devido ao reconhecimento da conexão entre duas causas, entre duas ações, por uma conter em si, como parte, a outra.
Em resumo, face ao sistema legal, em interpretação analógica e perfeitamente A confusão com a conexão perdurou muito tempo, principalmente em leis e

"" COSTA MACHADO, Antonio Cláudio da. C ó d ig o d e p r o c e s s o c iv il in te r p r e ta d o . 2* e.. São Paulo:


4" FAGUNDES FILHO, P. 355. Manole. 2008. p. 385.
4,7 ARRUDA ALVIM. T r a i,u h .... p. 358-359. m NEVES, Celso. C o m e n tá rio s a o código d e pro cesso civil. 6* e.. Rio de laneiro: Forense, 1991. p. 285.
juristas italianos. /.../ Na continência, mna causa há <lc estar totalmente com
preendida (contida) na outra.".*1"
Observando a diferença existente entre a conexão e a continência, o atual
CPC houve por bem manter, no art. 56, a definição de continência atrelada .1
teoria tradicional, mas alterou as consequências da ocorrência da continênc m
que não são mais as mesmas das causas conexas, estando agora disciplinada*,
no art. 57.
No tocante a adoção da teoria tradicional para definir continência, fu 11
dando seus elementos constitutivos nos elementos da ação, a continência m
dá entre duas ou mais causas sempre que as partes e a causa de pedir sejam
idênticas, mas o objeto de uma abrange o objeto da outra. Em outras pala
vras, na continência de causas 0 sujeito ativo e sujeito passivo são os mesmos
a causa de pedir próxima (fundamento jurídico) e a causa de pedir remota
(fatos) também são idênticas, mas 0 pedido que se faz em uma causa abrangí
o pedido que se faz na outra. A guisa de exemplo, seria continente de uma
causa que pleiteia apenas danos materiais àquela que possui partes e causa
de pedir idênticas, mas que contêm pedido de condenação ao pagamento dc
danos materiais e de danos morais.
Em regra, portanto, vale para a continência tudo aquilo que se disse a res
peito da adoção da teoria materialista para a conexão, com a diferença de que
enquanto as causas conexas veiculam seguimentos diversos de uma mesma
relação jurídica de direito material, na continência uma das causas veicula
seguimento da relação jurídica abrangido por segmento maior, que é veicu
lado pela outra.
As figuras abaixo seriam a expressão gráfica de ambos os fenômenos: a) 0
círculo maior, em ambas as figuras, representa a totalidade da relação jurídica
de direito material controvertida; b)na FIGURA A os círculos menores (n°s I,
2 e 3) representam as causas conexas; e, c) na FIGURA B o círculo menor (n"
1) é a causa contida e o círculo maior (n° 2) é a causa continente.

•4 2 0
PONTES DE MIRANDA, p. 264.
FIGURA A FIGURA B

Quando aos efeitos do reconhecimento da continência aduz o art. 57, do


( l’( s e m similar no código anterior, duas hipóteses distinta: a) a extinção da
H,.10 contida; e, b) a absorção da ação contida pela ação continente.
Na prim eira situação, ao dispor que proposta primeiro a ação continente
Hprocesso da ação contida será extinto sem a resolução do mérito, reconhece
ii lei, implicitamente, que se trata efetivamente de um caso de litispendência
imrcial, já que o único fundamento do art. 485 que permitiría a extinção seria
n indicado no inciso V, ou seja, a existência de litispendência. Já no caso em
que a ação contida é proposta antes da ação continente, esta absorve aquela,
I'.m > porque ambos os feitos terão processamento e julgamento conjunto, como
.<■ambas fossem um só processo, na medida em que são em parte idênticos.
Melhor seria, porém, que a lei não houvesse feito distinção entre ambas
is hipóteses, determinando sempre a extinção da ação contida. Isso porque
decorre do regime diferenciado o perigo de que se venha a pensar que, na
segunda hipótese, uma causa não absorveu a outra e, por isso, que se venha a
i obrar custas e despesas processuais como se duas causas fossem e se venha
iliscutir a condenação ao pagamento de honorários dobrados. Afinal, conti­
nuarão a ser dois registros e ainda haverá necessidade de extinguir formal-
mente ambos os feitos, já que o processo só se extingue mediante sentença
(iirt. 316). Não bastasse, ainda poderá surgir discussão acerca de juízo pre-
u-nto para a reunião dos feitos, já que a ausência de especificação faz com que
se possa pensar na aplicação dos art. 58 e 59, do CPC, que regulam a reunião
ilos feitos conexos.
Cremos, porém, que a cobrança de custas e a fixação de honorários dobra
dos não se justifica na medida em que se trata de um só processo, enquanto
a competência, conforme já decidiu o STF,4,1 deverá sempre ser do juízo qu< IManificação para aula
recebeu por distribuição a causa continente.
m . Dificuldade quanto à aferição do fenômeno conexão.

Verificação de Aprendizagem 12 Significado etimológico - Enlace ou ligação entre duas coisas.


) .

03. Direito comparado.


01. Relativamente à conexão, no que consiste a chamada teoria tradicional
- França - Não é possível sistematizar.
(teoria da identidade de questões ou teoria de Pescatore)?
- Alemanha - Idem - Aponta inúmeros casos.
02. Relativamente à conexão, no que consiste a chamada teoria da identid.uli
de questões (teoria da Carnelutti)? - Itália (1864) - Pescatore - T. Tríplice identidade
03. Relativamente á conexão, no que consiste a chamada teoria materialist.r - Ordenações - não tratava
04. Qual a teoria adotada, por nosso CPC, para definir conexão? Serlrt - Reg. 737 - Poucas regras específicas.
possível a adoção das demais teorias? - Baiano = Alemão + regra geral
05. Há conexão entre causa processada perante a Justiça do Trabalho c .i 04. Brasil - Pluralismo
Justiça Comum?
- Paulista = Idem + exaustivo
06. O juiz está obrigado a reunir as causas conexas?
- Fred. Marques - não define
07. Pode o juiz, de ofício, determ inar a reunião de causas conexas?
-C PC 1939
08. Qual é o juízo competente para processar e julgar causas conexas?
- Tomás - define implicitamente
09. Reunidas causas conexas, poderá o magistrado julga-las separadamente?
- CPC 1973 - T. Tradicional - Art. 103
10. O que é continência?
- CPC 2011 - T. Tradicional - Art. 55
11. Reconhecida a continência, como deverá proceder o magistrado com
05. Críticas à teoria tradicional
relação ao processamento da causa contida?
06. Teoria de Carnelutti
12. Havendo continência entre causas qual o juízo competente para conhecei
e decidir as demandas? - Razão de pretensão
- Pretensão
- Razão de discussão
- Questão - Ocorre quando as razões geram dúvida.
- Def. Conexão - Aquelas cuja decisão depende da solução de questões
comuns.
NEGRÃO, Theotônio, GOUVFA, José Roberto F.. C ó d ig o d e p r o c e s s o c iv il e le g is la ç ã o p r o c e s s u a l - Conexão reside na identidade de questões.
em vig o r. 40" e.. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 251. “Art 106: 4. E s ta re g ra não se aplica a o s c a s o s th
continência: ‘S e lu í d u a s a ç õ e s c o m c o n t i n ê n c i a p o r u m a , a c a u s a m a io r , c a u s a c o n t i n e n t e , s e m p r e 07. Teoria materialista
c h a m a r á p a r a s i a c o m p e tê n c ia , s e m te r d e p r e v i n i r ' ( S T J - 5“ T . R c s p 6 8 1 .7 4 0 - E D c l - E d c l, M in
N a n c y A n d r i g h i . j . 1 4 .1 2 .0 6 , D j U 5 .2 .0 7 ).".
- Conflito de interesses - Lide parcial Identidade da relação jurídica d> ( ódice di procedura civile. Napoli: Edízioni Giuridiche Simone, 1999.
direito material.
i t KiLIOLO, Pietro. Trattato Teorico e Pratico delia Eccezione Di Cosa Cindi
- Há conexão entre causas que veiculam segmentos diversos da mesma cata. Roma: Frateili Boca, 1883.
relação jurídica de direito material. ( UANDRAO, Jesús. Código Procesal Civil y Comercial de la Nación Comeu
08. Perfil da conexão no direito Brasileiro. tado y Concordatado. Buenos Aires: Depalma, 1969.
- Conteúdo do art. 55 !< IIAVE, Delia Teresa, URQUIJO, Maria Eugenia e GUIBOURG, Ricardo
- Obrigatoriedade de reunião dos feitos A.. Lógica, proposición y norma. 2a e.. Buenos Aires: Astrea, 1986.

- Juízo prevento IAGUNDES FILHO, Henrique. A conexão de causas. São Paulo: Setor de Pós
-Graduação. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUCSP,
- Possibilidade de aplicação da teoria tradicional - analogia ao art. 113
1988.
09. Continência de causas - A causa contida veicula seguimento da relação
11( iUEIREDO FERRAZ, Manuel Carlos de. Notas sobre a Competência por
jurídica abrangido por segmento maior, que é veiculado pela causa
Connexão. São Paulo: Saraiva, 1937.
continente.
1KFDERICO MARQUES, José. Instituições de Direito Processual Civil. Rio de
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1991.
11. AS PARTES E OS PROCURADORES
OLIVEIRA NETO, Olavo de. Conexão por prejudicialidade. São Ptmln III
1994.
11.1. Capacidade processual, a) Incapazes, b) Cônjuges, c) Pessoas jurídicas e univcr-
PARÁ FILHO, Thomas. Estudo sobre a conexão de causas no processo t n ll San salidades. d) Regularização da capacidade processual em juízo. 11.2. Dos deveres das
partes e dos seus procuradores. 11.2.1. Litigância de má-fé. a) Taxatividade e lim i­
Paulo: EDUSP, 1964.
tes subjetivos, b) Declaração e conteúdo. 11.2.2. Despesas processuais, a) Despesas
_______ . Conexão de causas. In Enciclopédia Saraiva de Direito. Sio Piuilu e multas, b) Honorários advocatícios. 11.2.3. Da gratuidade de justiça, a) Limites do
benefício, b) Processamento. 11.3. Dos procuradores. 11.4. Sucessão das partes e dos
Saraiva, 1973. procuradores, a) Sucessão das partes, b) Sucessão dos procuradores. 11.5. Substituição
PESCATORE, Matteo. Sposizione Compendiosa delia Procedura Civile e ( tlnil Processual.

nalc. Bologna: [s.n.], 1864.


PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcante. Comentários ao Código il< 11.1. Capacidade processual.
Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1947.
Dentre as suas inúmeras acepções, que vão desde o volume de um determ i­
ROSF.NBERG, Leo. Tratado de Derecho Procesal Civil. Buenos Aires: ed Jurl
nado recipiente até o poder de reter corrente elétrica, o termo capacidade tam
dicas Europa-América, 1955.
Itém pode ser compreendido como a aptidão de produzir algo, seja ele mate-
SANTOS. Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. 25* t i tal ou imaterial. Daí a utilização do termo para designar os direitos, poderes,
São Paulo: Saraiva, 2007. onus ou obrigações de que alguém pode ser titular no mundo jurídico. Nesse
SCHONKE, Adolf. Derecho Procesal Civil. Barcelona: Bosch, 1950. passo, reza o Código Civil, em seu art. Io, que toda pessoa é capaz de direitos
■deveres na ordem civil, capacidade esta que começa com o nascimento, mas
THEODORO JUNIOR. Humberto. Curso de direito processual civil. 47* e.. Rio
que pode ser reconhecida desde a concepção do nascituro (art. 2o, do CC).
de Janeiro: Forense, 2007.
I ssa é a razão pela qual uma criança, mesmo recém-nascida, pode ser her­
WACH, Adolf. Manual de Derecho Procesal Civil, Buenos Aires: ed. Jurídic.r. deira de um grande grupo empresarial e proprietária de uma imensa gama de
Europa-América, 1977. bens. Trata-se da capacidade de ter direitos ou da chamada capacidade civil.
A par da capacidade civil também já tivemos a oportunidade de tecer
alguns comentários acerca da capacidade postulatória, isso quando da análise
dos pressupostos processuais de existência do processo, que nada mais é do
que a capacidade atribuída ao advogado, por força de lei, de requerer a pro­
dução de atos processuais válidos. Em outras palavras, se postular significa
pedir, tal modalidade deve ser entendida como a capacidade que tem o advo­
gado de pleitear em juízo a produção de atos processuais válidos.
O art. 70, do CPC, por seu turno, ao dispor que toda pessoa que se encontre
no exercício dos seus direitos tem capacidade para estar em juízo, passa a dis
i iplinar a chamada capacidade processual, que é a aptidão que alguém tem de
produzir atos processuais válidos.
Em resumo, capacidade civil é a capacidade dc ter direitos c obrigações iw
esfera civil; capacidade processual é a capacidade de produzir atos processual-
válidos; e, capacidade postulatória é a capacidade de requerer em juízo a pro
dução de atos processuais válidos. A criança do exemplo utilizado tem capac i
dade civil, mas não tem capacidade processual (tem que ser representada em
juízo por seu responsável) ou capacidade postulatória. Já um juiz de direito
tem capacidade civil e capacidade processual, mas não tem capacidade postu
latória. Portanto, querendo propor uma ação ou se defender em ação que lhe »'■
proposta, necessita ser representado em juízo por um advogado.
Por fim, se o art. 70, do CPC, disciplina que toda pessoa que se acha no
exercício dos seus direitos tem capacidade para estar em juízo; então, num#
interpretação contrária, aqueles que não se encontram no exercício pleno dos
seus direitos não poderão estar em juízo. Entretanto, como ninguém pode sei
impedido de ter acesso ao Poder Judiciário, a própria lei deve proporcionai
mecanismos para que essas pessoas possam ir a juízo, embora representados
por outrem. É o que veremos a seguir.

a) Incapazes.
O primeiro destes mecanismos de representação encontra-se disciplinado
no art. 71, do CPC, que repete o conteúdo do art. 8o, do CPC de 1973, segundo
o qual os incapazes serão representados ou assistidos por seus pais, tutores ou
curadores, na forma da lei. Com isso a lei processual refere-se à lei civil, em
especial aos art. 3o e 4°, do CC, que tratam respectivamente das incapacidadcs
absoluta e relativa.
O art. 3o, do CC, considera como absolutamente incapazes para a prática
de atos na vida civil os menores de dezesseis anos (menores impúberes), os
que não possuem discernimento para a prática de tais atos e os que, por causa
transitória, não podem exprimir sua vontade. Por isso uma criança, uma pes
soa que se encontra internada e inconsciente em decorrência de um acidente
vascular cerebral (AVC) ou um toxicômano internado para desintoxicação,
desde que não possam exprimir sua vontade, serão representados em juízo por
quem a lei ou a decisão judicial determinar. Se a impossibilidade de expressão
da vontade acontece quando já pendente a demanda, então deverá o magis
trado determ inar a regularização da representação processual, admitindo que
o curador, definitivo ou provisório, passe a representar a parte no processo.
|A o art. 4°, do CC, prevê as hipóteses em que a incapacidade c apenas rela
Uva. como no caso dos maiores de dezesseis anos e menores de dezoito anos,
. .isos em que tanto o menor, quanto o seu assistente deverão constar na pro
>uração outorgada ao advogado para que atue em juízo; bem como agir em
lonjunto quando se trata da prática de ato processual que implica a disponi
bllidade de direito.
Pode acontecer, entretanto, que o interesse do incapaz e o interesse do seu
irpresentante sejam contrários, ocasião em que deverá o magistrado, aten
ilrndo a determinação contida no art. 72, I, do CPC, nomear um curador
especial para representá-lo no processo. Essa nomeação limita-se ao processo
cm que se deu o conflito e no sistema do CPC de 1973 podia recair em pessoa
que não era advogado, desde que constituísse patrono para representar o inca­
paz em todas as fases do processo. Agora, como se verá, a nomeação deverá
recair em defensor público ou, em sua falta, em advogado.
Representando incapaz cujo interesse diverge do interesse do seu repre
sentante, entendemos que o curador especial, também denominado curador
i) lide, não estará obrigado a propor determinado tipo de ação ou de praticar
atos processuais que repute prejudicial para o seu representado. Daí a possi­
bilidade de, após a nomeação, entender o curador que se trata de caso em que
o representante do incapaz tem razão, sendo-lhe permitido agir de forma a
melhor salvaguardar os interesses e direitos do curatelado.
Também haverá necessidade da nomeação de um curador especial, tam ­
bém chamado curador de ausentes, no caso do réu preso e na hipótese de
réu revel, citado por edital, conforme determina o art. 72, II, do CPC, desde
que estes não tenham comparecido ao processo por meio de patrono regular­
mente constituído. Isso se dá porque o artigo em comento representa exce­
ção ao exercício do contraditório, que em regra é apenas facultado à parte.
A parte é citada para responder a demanda e, querendo, poderá deixar de
íazê-lo, embora sofra os ônus decorrentes da revelia, em especial o da presun
ção de veracidade dos fatos contidos na inicial. lá no caso do preso e do revel
citado por edital, exige a lei que o exercício do contraditório seja efetivo, sendo
vedado ao curador especial concordar com o pedido formulado. Terá ele, obri
gatoriamente, de comparecer em juízo e oferecer resposta, tornando com isso
litigioso o objeto do processo, tudo sob pena de nulidade. A esse respeito asse
vera Ovídio Baptista da Silva que “o curador especial, quando represente o réu
ausente, tem o dever de contestar a ação, sob pena de nulidade do processo. Si
o curador não cumprir este dever, cabe ao juiz destitui-lo, nomeando outro cm
seu lugar. Não pode igualmente o curador especial praticar atos de disposição
de direitos, tais como recolher o pedido e renunciar, a não ser que a parte pt»
ele representada tenha condições de expressar sua vontade e ratifique o ato."'
Tanto no caso do curador de icapaz, quanto no caso do curador de ausen
tes, a função de curador especial será exercida pela Defensoria Pública (arl
72, §1°). Trata-se de função atribuída por lei à defensoria, razão pela qual t»
defensor não poderá se recusar a exercê-la, mesmo nas hipóteses em que seu
representado tenha condição financeira para contratar advogado particular
Porém, na hipótese do inciso II, intervindo advogado constituído cessará a
atuação do defensor público.
Outrossim, não havendo defensor público na comarca, nada impede que
o magistrado nomeie um advogado para exercer a função, já que o direito a
ampla defesa e ao contraditório tem gênese na Constituição da República, não
podendo a parte sofrer prejuízo em razão da deficiência do Estado no apare
lhamento da instituição.

b) Cônjuges.
Do casamento decorrem vários direitos e obrigações inerentes a sua pró
pria condição, inclusive de ordem patrimonial. Daí a razão pela qual os art. 73
e 74, do CPC, regulam a capacidade processual dos cônjuges, estabelecendo
regras atinentes à participação ou não dessas pessoas nos polos ativo ou pas
sivo das diversas ações que especifica.
O art. 73, caput, do CPC, em interpretação contrária, aduz a regra de que
um cônjuge não necessita de consentimento do outro para propor uma ação,
a não ser que verse ela sobre direitos reais imobiliários. Mas, mesmo nessa
hipótese, se o regime de bens é o da separação, estará o cônjuge dispensado
do consentimento do outro. Trata-se da afirmação da autonomia da capaci
dade processual dos cônjuges, embora na maioria dos casos possam litigar
em litisconsórcio ativo facultativo não ações que apenas um propõe. Desse
regime de autonomia se conclui que a capacidade processual das pessoas casa
das substancialmente não difere, a não ser por exceção à regra, da capacidade

422
SILVA, Ovidio Baptista. Comentários ao código de processo civil. São Paulo: RT, 2000. v. I, p. 86.
1'roccssual dos não casados; o que implica a necessidade de concluir que a
tttao proposta por um, em regra, não beneficiará nem prejudicará o outro,
pois não há substituição processual do cônjuge que não participa da demanda
| mii aquele que dela participa.
A exceção à regra geral encontra-se nas ações que versam sobre direitos
Miis imobiliários, isto é, naquelas em que são discutidos direitos reais que
Incidem sobre bens imóveis. É o caso, por exemplo, de uma ação reivjndi-
*ntória, em que os autores pleiteiam a obtenção de bem imóvel em razão do
titulo de propriedade que possuem. Embora na atualidade não seja comum á
■lassificação das ações pelo seu conteúdo, o que era comum antes do CPC de
1973, a distinção entre as ações como sendo prejudiciais, reais e pessoais foi
■lássica em nosso direito, afirmando Corrêa Telles: “§2. As acções tiram a sua
origem, (b) ou do estado da pessoa, (c) ou do jus in re, ou da obrigação pessoal,
(il) Ás l.as chamamos prejudiciaes; ás 2.as reaes; ás 3.as pessoaes. §3. Acçõespre-
judiciaes são, pois, aquellas em que se trata de defender, ou vindicar o estado
iIr liberdade, de cidade, ou de família. §4. Acções reaes são (como disse) as que
nascem do jus in re, e competem áquelle que tem este jus contra o réo, (jUe o
não quer reconhecer, e que está possuindo a cousa, sobre que recahe o direito
real. $5. Chamam-se pessoaes as acções que nascem da obrigação de dar, fazer,
ou não fazer alguma cousa; ou esta obrigação resulte de contracto, quasi-con.
tracto, delicto ou quasi-delicto, ou preceito da Lei, ou ainda da equidade, dos
casos em que esta obriga perfeitamente. estas acções competem contra a pessoa
constituída na obrigação.”.423
No tocante a exceção, o cônjuge que propõe a ação não litiga comoljtís-
consorte necessário daquele que lhe dá o consentimento para litigar, mas sim
como seu substituto processual. A esse respeito, comentando o conteúdo do
art. 10, do CPC de 1973, asseverava Arruda Alvim que “Não trata, portanto,
o caput do artigo de litisconsórcio ativo necessário, mas de integração da capa­
cidade do cônjuge, oriunda do consentimento do outro. [...] Como vimos, oart.
6° estabelece que só poderá haver substituição processual, em havendo previsão
legal, pois determina que ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito
alheio, salvo quando autorizado por lei. O art. 10, caput, contudo, é a autoriza­
ção legal para tanto. Nessas condições, ante o regime do Código de ProcessoQvil

423 CORRÊA TELI.ES, José Homem. Doutrina das acções. Rio de laneiro: Jacinlho Ribeiro dos San
tos, 1918. p. 27-29.
podemos afirmar que, no caso em exame, não há litisconsón io aiivo, mas um
consentimento que, por força de lei, dá margem à substituição processual. V,M
Por sua vez, agiu muito bem a lei ao alterar diametralmente o sentido do
preceito que trata da união estável. Isso porque a redação não aprovada do
art. 73, §5° de projeto anterior, dispunha que a regra geral constante do prc
ceito não se aplicava a união estável, disposição esta cuja constitucionalidade
seria bastante questionável. Afinal, se a união estável goza da proteção e do
reconhecimento por parte do Estado, nos moldes previstos pelo art. 226, §3",
da Constituição da República, o que justificava a instituição de regime dife
renciado quanto à capacidade dos membros da entidade familiar? Afinal, um
dos escopos para a existência da concordância do cônjuge está justamente
na proteção do patrimônio comum, o que estaria sendo negado no caso da
união estável. Daí a razão pela qual entendíamos que o §5° deveria ser repu
tado inconstitucional, aplicando-se a regra do caput também para os casos
de união estável, desde que devidamente reconhecida em juízo ou declarada
pelas partes. Seguindo esse entendimento o atual art. 73, § 3o, do CPC, dispõe
que a regra geral também se aplica a união estável, fazendo expressa remissão
ao fato de que a comprovação da sua existência poderá acontecer nos próprios
autos, sendo desnecessária uma ação autônoma para obtenção da prova da
união.
Nada obstante, a ausência do consentimento poderá ser suprida, na forma
do art. 74, do CPC, desde que a recusa em consentir possa ser considerada
injusta ou desde que seja impossível ao cônjuge obtê-la; não havendo previsão
no capítulo da maneira pela qual se processará o pedido para que seja suprido
judicialmente o consentimento. A tal respeito, ainda sob a vigência do CPC
de 1973, comentava Celso Agrícola Barbi que o “procedimento para suprir
a outorga - O Código de 1939, nos arts. 625 e 628, regulou o procedimento
para o suprimento de consentimento em geral, nos quais se inclui o do cônjuge.
O Código atual não prescreveu procedimento especial para esse fim . Mas os
arts. 1.103 a 1.111 regulam um procedimento geral para os casos de jurisdição
voluntária que não tenham um procedimento especial previsto em lei, como se
vê no art. 1.103. O suprimento de consentimento é de natureza de jurisdição
voluntária, segundo o entendimento da mais autorizada doutrina. Logo, deve*58

ARRUDA ALVIM, José Manuel de. Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: RT, 1975. p.
58.
m i processado pela forma prevista nos mencionados artigos.";*1 posição com a
qual não concordamos, aderindo a doutrina minoritária.426
Ora, se uma das hipóteses em que caberá o suprimento diz respeito a ana
lisar se foi ou não justa a recusa, então não há que se falar na ausência de
liligiosidade do procedimento, que poderá até mesmo demandar a produção
ile provas para que possa o magistrado definir se é ou não o caso de atendei
ao pedido que lhe é formulado. Afinal, a aferição do que é ou não justo para
o caso concreto depende de valoração judicial. Por isso nos parece mais coe
rente que o pedido seja formulado de modo autônomo ou mesmo no corpo da
própria petição inicial, processando-se como um incidente processual e com
0 suspensão do curso do processo, já que a decisão quanto ao suprimento ou
não do procedimento é questão prejudicial ao processamento do feito, isso
por expressa disposição do art. 74, parágrafo único, do CPC, que comina pena
nulidade do processo para os casos em que houver falta do consentimento do
cônjuge ou, em nossa opinião, do companheiro.
Recebido o pedido de suprimento do consentimento autônomo ou no
corpo da inicial, deverá o magistrado determinar a citação da parte contrária
para oferecer resposta em prazo razoável, proferindo decisão desde logo se
não houver necessidade da produção de provas. Caso contrário, a decisão virá
após a instrução do incidente. Acolhido o pedido e suprido o consentimento,
o processo retoma seu curso natural, com o recebimento da petição inicial e a
citação do réu. Caso contrário, isto é, se o consentimento não é suprido, resta
ao magistrado indeferir a petição inicial em razão da ausência de plena capa
cidade processual do autor.
Resolvida a capacidade processual do cônjuge ou do companheiro no polo
ativo da demanda, cabe agora analisar essa capacidade quando se trata de
feito movido contra pessoas casadas ou que vivem em regime de união estável,
o que está disciplinado no art. 73, §1°, do CPC.

BARBI, Celso Agrícola. Comentários ao código de processo civil. 6* e.. Rio de Janeiro: Forense,
1991. v.l. p. 82.
' SILVA, p. 94. “O procedimento relativo à obtenção da vènia conjugal de que trata o art. II. é </<•
jurisdição voluntária, segundo o entendimento dominante em nossa doutrina, de que porém diva
giam. ante o Código anterior, PONTES DE MIRANDA c EGAS MONIZ DE ARAGÀO, em llçóes
que poderíam ser reproduzidas perante o Código atual.".
Deve-se notar, de proêmio, que ao indicar que ambos os cônjuges serão
necessariamente citados para os feitos que especifica, o art. 73, §1”, do CIH
prevê hipótese de litisconsórcio passivo necessário por força de lei, ou seja,
prevê hipótese em que duas pessoas devem obrigatoriamente litigar em con
junto, na forma do art. 114, do CPC. Daí a necessidade de citar ambos o»,
cônjuges ou companheiros nas ações 7 - que versem sobre direitos reais imo
biliários, salvo quando casados sob o regime de separação absoluta de bens; II
- resultantes de fatos que digam respeito a ambos os cônjuges ou de atos prati
cados por eles; III - fundadas em dívidas contraídas por um dos cônjuges a bem
da fam ília; IV - que tenham por objeto o reconhecimento, a constituição ou a
extinção de ônus sobre imóveis de um ou de ambos os cônjuges.”.
Por fim, diante do disposto no §2° do preceito em análise, seja no polo
ativo, seja no polo passivo da demanda, a participação de cônjuge ou de com
panheiro em ação possessória somente é exigida em casos de composse ou dc
atos praticados por ambos os cônjuges, o que implica o reconhecimento da
lei de que a posse não é um direito real, mas sim uma mera situação de fato
caracterizada como direito pessoal.

c) Pessoas jurídicas e universalidades.


Embora inserido no capítulo relativo à capacidade processual, o art. 75, do
CPC, não trata verdadeiramente da capacidade da produção de atos proces
suais válidos, mas sim do modo pelo qual as pessoas jurídicas e as universah
dades serão representadas em juízo nas demandas que figuram como partes.
A redação dada ao preceito pouco difere da redação do seu antecessor, o
art. 12, do CPC de 1973, apenas com a inserção do atual inciso III (as autar
quias e fundações de direito público, por quem a lei do ente federado designar;)
e a alteração parcial do §3°, substituindo-se a referência a tipos de processo
pela expressão mais abrangente "...para qualquer processo”.
Nesse passo, por força de lei, sempre que um dos entes mencionados no
artigo vier a juízo, as pessoas indicadas deverão comparecer ao processo para
representá-los, seja pessoalmente, seja nomeando preposto ou procurador que
possa fazê-lo; ganhando expressão a prática de certos tipos de atos processu
ais que serão analisados no tempo oportuno, como o depoimento pessoal das
pessoas jurídicas mencionadas.
<l) Regularização da capacidade processual em juízo.
Já tivemos a oportunidade de analisar, quando do estudo do processo, que
ii capacidade processual e a capacidade postulatória (na medida em que esta
depende de representação processual adequada) representam pressupostos de
existência e de desenvolvimento válido e eficaz do instituto. Sem que eles este
|,tm regulares, o processo padece do vício da inexistência ou da nulidade.
Nada obstante, o art. 76, do CPC, repetindo parcialmente o art. 13, do CP( 1
de 1973, houve por bem manter no sistema a regra de que cabe ao magistrado,
liinto no que toca a capacidade processual, quanto no que toca a irregulari
dude na representação, paralisar o feito e determ inar que seja sanado o defeito
existente, sem o que as várias consequências que especifica terão lugar com
ii lação às partes ou a terceiros. Daí, na forma do citado preceito, “verificaria
ii incapacidade processual ou a irregularidade da representação das partes, o
luiz suspenderá o processo e designará prazo razoável para que seja sanado o
vício.”. Como se tratam de defeitos inerentes a estrutura básica do processo,
cabe ao magistrado conhece-los de ofício ou mediante provocação da parle,
mas “se o defeito na representação processual da parte tiver sido argüido pela
outra parte, a esta caberá o ônus de prova-la, caso haja necessidade da produ
çào de tal prova.".*11
Ao se referir a prazo razoável, a nosso ver de forma correta, deixa a lei ao
iilvedrio do juiz fixar o prazo levando em conta os princípios da brevidade
c da utilidade dos prazos. Ou seja, deve fixar o prazo mais breve possível,
desde que suficiente para que o ato processual seja praticado de forma válida
e com a observância dos princípios constitucionais do proceso, em especial, a
ampla defesa e o contraditório. Havendo necessidade da produção de provas,
antes de fixar o prazo para a parte sanar o defeito deverá ocorrer a instrução
necessária à solução da controvérsia, inclusive com a produção de provas em
audiência, se estas se demonstrarem pertinentes à espécie. Por fim, cumprida
a providência determinada, retomará o feito seu curso normal.
Todavia, se não acontece o cumprimento da determinação que visa sanar
a làlha processual, preveem os §§, do art. 76, do CPC, que estando o feito na
instância originária, o juiz: (I) extinguirá o processo, se a providência couber
ao autor; (II) aplicará as penas da revelia, se a providência couber ao réu; ou

' SILVA, p. 99.


(III) considerará o terceiro revel ou o excluirá do processo, dependendo do
polo em que se encontre. Outrossim, se o feito está em segundo grau ou n o ,
tribunais superiores, o relator 7 - não conhecerá do recurso, se a providètu Io
couber ao recorrente; II - determinará o desentranhamento das contrarrazõc •
se a providência couber ao recorrido".
Observa-se, por fim, que agiu bem a lei ao cominar expressamente l.u
penalidades no caso da recalcitrância das partes em cumprir a determinas .to
do juízo, especialmente quando o processo se encontra em grau de recurso,
sanando omissão que havia no sistema anterior e eliminando quaisquer dúvl
das quanto a aplicação dessas penalidades.

11.2. Dos deveres das partes e dos seus procuradores.


Sendo o processo, sob seu aspecto meramente formal, um conjunto de atos
processuais destinados a uma determinada finalidade, espera-se que todos
aqueles que venham nele intervir, praticando atos processuais, o façam de
forma urbana e racional, sem dar vazão a sentimentos menores e que possam
prejudicar os demais participantes. Daí a razão pela qual o art. 77, do CPC.
repetindo em parte, mas ampliando a redação do art. 14, do CC de 1973, prevê
o que considera que são os deveres das partes, dos seus procuradores e de
todos que, de qualquer modo intervém no feito.
Comentando o conteúdo do preceito, ainda sob a vigência do antigo
diploma, Ovidio Baptista da Silva e Brunela Vieira De Vicenzi davam realce
ao princípio da boa-fé sustentando, respectivamente, que “O preceito contido
no art. 14 do CPC é uma manifestação do principio geral da boa-fé objetiva,
de que já se disse constituir, mais do que um princípio geral de boa-fé objetiva,
de que já se disse constituir, mais do que um princípio, o verdadeiro oxigênio
sem o qual a vida do Direito seria impossível.”, 428 e que “Parece que a melhor
interpretação e aplicação para o art. 14, com efeito, está na aceitação efetiva de
que ele contempla um feixe de deveres decorrentes da cláusula geral da boa-fé
(objetiva),...”.*2'1 Já Pontes de Miranda e Elício de Cresci Sobrinho430 entendiam

4J* SILVA, p. 103.


4M DE VICENZI, Brunela Vieira. A boafé no processo civil. São Paulo: Atlas, 2003. p. 98.
4,0 CRESCÍ SOBRINHO, Elicio. O dever de veracidade das parles no processo civil. Porto Alegre
SAFE, 1988.
111ii* tal realce deveria ser dado ar) dever de veracidade das partes, com entando
0 primeiro que “Quem omite, de jeito a não ser veraz, falta ao dever de vera
1idade. Quem expõe os fatos como não foram, ou não são, ou diferentemente
do que foram, ou são, ainda que só ou nada lhes acrescente, não procede veraz
mente. [...] As partes têm a escolha dos fatos que hão de apontar ao exame ju d i
i utl, mas, no expô-los, qualquer delas não pode deformá-los, podá-los, aumen
lil los, no que tenham importância para o processo,".431
Sem embargo das posições sustentadas, preferimos adotar o entendim ento
de que o art. 77, do CPC, tem por escopo o tratamento do Princípio da Lealdade
Processual, impondo a todos que atuam no processo, dentre outros deveres,
ude atuar com boa fé e de não faltar com a verdade em juízo. Nesse sentido a
lição de Celso Agrícola Barbi ao afirmar que “Se analisarmos os três primeiros
itens, veremos que são meras particularizações do principio de lealdade, feitas
para melhor destacar partes do conteúdo daquele. Realmente, o item I diz que a
parte deve expor os fatos conforme a verdade, isto é, o chamado dever de vera-
i idade; o item III dispõe que a parte não deve formular pretensões nem alegar
defesas, ciente de que são destituídas de fundamento; e o item II manda proce­
der com lealdade e boa-fé. Em última análise, como dissemos, todos eles podem
ser incluídos no dever mais geral de agir com lealdade, isto é, obedecer às regras
do jogo, no qual deve vencer aquele que realmente tem razão.”.*32
Mesmo não tendo o art. 77, do CPC, repetido expressamente a referência
no dever dos que atuam no processo de proceder com lealdade e boa-fé, o que
constava expressamente do art. 14, II, do CPC de 1973,433 e de projetos a n terio ­
res de alteração do CPC, há de se concluir que as hipóteses previstas em seus
Incisos são meramente exemplificativas, podendo ocorrer ofensa ao princípio
cm hipóteses não indicadas. Isso porque os termos lealdade e boa-fé exigem
que o magistrado realize um juízo de valor, que somente poderá ser efetuado
tendo em vista o caso concreto, que eventualmente poderá diferir das hipóte
ses previstas por lei.
Nada obstante, seguindo parâmetros que já constavam da lei anterior, os
primeiros incisos do artigo prevêem hipóteses em que se veda a m entira e a

PONTES DE MIRANDA. Francisco Cavalcante. Comentários ao Cóiligo de Processo Civil. Rio de


Janeiro: Forense, 1947. p. 366.
U1 BARBI. p. 99.
‘ ‘ CPC de 1973: “A r t . 14.[...] II. p r o c e d e r c o m le a ld a d e e b o a - fé ; ...”
prática de atos desnecessários no processo, isso apenas para protelar a decisão
do feito; enquanto os incisos IV e VI se referem à proteção da atividade dc
natureza executiva, seja ela antecipatória ou final. Já a hipótese do inciso V,
embora sem constar expressamente da lei anterior, acabava por ser acatada
pelo sistema então em vigor, na medida em que a ausência de comunicação
da alteração do endereço implicava a presunção de validade das intimações
encaminhadas ao endereço antigo (art. 238, parágrafo único, CPC de 1973).
Por sua vez, agiu bem o CPC ao pormenorizar, nos parágrafos do art. 77,
formas de punição no caso daqueles que não cumprem com exatidão as deci
sões de caráter executivo ou mandamental, bem como de quem cria embaraços
à efetivação dc pronunciamentos judiciais, sejam eles de natureza antecipató
ria ou final. Isso porque essas condutas, além de prejudicar a parte contrária,
ainda representam verdadeiras afronta a ordem jurídica e ao Poder Judiciário,
devendo ser coibidas de forma exemplar e profilática. Não se esqueça de que
já houve discussão, inclusive, quanto à possibilidade da aplicação de pena de
prisão para tais hipóteses, tese que acabou por não ser adotada em função da
proibição de ordem constitucional para prisão civil, à exceção do não adim
plemento de verba alimentar.
Descumprir o disposto no art. 77, IV e VI, do CPC, portanto, na forma
prevista pelos §§1° e 2o, implica a caracterização de ato atentatório ao exercício
da atividade jurisdicional, impondo ao juiz o dever de aplicar ao responsá­
vel multa pecuniária, que será fixada em até 20% (vinte por cento) do valor
da causa, levando-se em consideração a gravidade da conduta praticada e,
principalmente, dos resultados que ela produz no processo. Isso porque uma
conduta considerada grave pode causar um mínimo de danos, enquanto uma
conduta considerada leve poderá causar danos de grande monta. Daí a neces
sidade de aquilatar tanto a conduta quanto o seu resultado para fixar o mon
tante da multa.
Por expressa disposição do §4°, essa multa é autônoma com relação às mul­
tas previstas para a hipótese em que não se cumpre a sentença condenatória
de quantia (art. 523, §1°) e para a hipótese em que se fixa prazo para o cum
primento de obrigação de fazer ou não fazer (art. 536); devendo o magistrado
fixar um prazo razoável para o seu recolhimento, sob pena de inscrição na
dívida ativa da União ou do Estado. De tal sistemática decorrem as conclu­
sões de que a multa tem imediata exigibilidade e que é fixada tendo como
M m r n n n n u j i nwvvnniA/m,.»

beneficiário o Poder Público Federal ou Estadual. Ademais, sendo irrisório


<i valor da causa, poderá o magistrado fixá-la em até o décuplo do valor do
.a lá rio mínimo (§5°).
Por fim, resolve o art. 77, §6°, viva polêmica existente no meio acadêmico,
t borre que, quando da entrada em vigor do precursor do art. 77, IV, do CPC,
que foi o art. 14, V, e parágrafo único, do CPC de 1973, instaurou-se discussão
,i respeito de quem poderia ser atingido pela fixação da multa da qual ora se
truta, concluindo parte da doutrina que, além do autor e do réu, expressa
mente mencionados pela lei, a locução “...todos aqueles que de qualquer forma
jwticipam no processo:...” fazia com que os advogados de carreiras jurídicas,
promotores, defensores e até magistrados pudessem ser penalizados no pro-
i esso por infringir o princípio da lealdade processual. A esse respeito susten
1,1vam Luiz Rodrigues Wambier et all que “No mesmo sentido, estão incluídos
nos rigores da nova regra os magistrados que, por qualquer motivo, dificul­
tem, por exemplo, o cumprimento de cartas de ordem ou precatórias, desde que
uia conduta seja determinante para o “esvaziamento” do resultado concreto
iIo provimento judicial.”, e, Cândido Rangel Dinamarco que “Isso significa
abranger não só todas as partes, inclusive assistentes e intervenientes em geral,
i orno também seus advogados, o próprio juiz, o Ministério Público, a Fazenda
Pública, os auxiliares da Justiça e as testemunhas - dos quais, sem exceção,
i xigem-se comportamentos conformes com a lealdade e a boa-fé, fiéis à verdade
ilos fatos, sem abusar de faculdades ou poderes etc...”.*iS
Destarte, a discussão parece ter perdido a razão de ser no atual sistema
processual, já que o art. 77, §6°, do CPC, indica expressamente que os advoga­
dos públicos, os advogados privados, os membros da Defensoria Pública e os
membros do Ministério Público não respondem no processo por ofensa aos
deveres ali previstos, razão pela qual há de se concluir que também o magis­
trado não pode responder por aquilo que os outros agentes não respondem.
l’or isso a responsabilização destes profissionais ficará a cargo do seu respec­
tivo órgão de classe; independentemente da responsabilidade civil decorrente
do ato praticado.

YVAMBIHR, I.uiz Rodrigues, WAMBIF.R, Teresa Arruda Alvim, MEDIDA, José Miguel Garcia.
São Paulo: RT. 2005. p. 151.
B r e v e s c o m e n t á r i o s à n o v a s is t e m á t i c a p r o c e s s u a l c iv il.

DINAMARCO, Cândido Rangel. A r e fo r m a d a r e fo r m a . 2* e.. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 59.


11.2.1. Litigância de má-fé.

a) Taxatividade e lim ites subjetivos.


Estabelece o art. 79, do CPC, que responde por perdas e danos quem plci
teia em juízo de má-fé, seja como autor, como réu ou como interveniente. T u
ta-se da indicação de que a ofensa ao princípio da lealdade processual implu ,i
a sujeição do ofensor as penalidades previstas em lei, que vem disciplinada
no art. 81, do mesmo estatuto. Na linguagem de Adroaldo Leão "A teoria do
abuso de direito, que tem suas raízes fincadas na moral, encontra no princípio
da lealdade processual o seu grande aliado. É dever não só das partes, ma*
também dos advogados, exercer o seu direito com moralidade e probidade, não
só nas suas relações recíprocas, como também perante órgão jurisdicional. (>
desrespeito do dever de lealdade processual se traduz em ilícito processual, com
as sanções decorrentes.”.436
De proêmio, torna-se necessário registrar que a doutrina discute acerca da
taxatividade ou não do elenco de hipóteses de litigância contida nos incisos
do art. 80, prevalecendo à posição de que se trata de rol taxativo. Assim ensina
Rui Stoco afirmando que “As hipóteses de caracterização de litigância de má-Jé
estão arroladas em numerus clausus no art. 17 do CPC, ou seja, taxativamentc.
não comportando ampliação. Esse o entendimento quase pacífico dos nossm
doutrinadores.”.437
Nada obstante, mais uma vez chamamos a atenção para o fato de que as
hipóteses de art. 80 encerram situações que exigem do magistrado a realiza
ção de um juízo de valor, ou seja, exigem a utilização de critério axiológico
Em outros termos, as expressões utilizadas exigem que o magistrado encaixe
a hipótese concreta em uma das hipóteses previstas em lei, fazendo a adequa
ção daquilo que é específico e demonstrado no caso concreto àquilo que <•
genérico e previsto em lei. Não há, portanto, com a devida vênia, possibilidade
de sustentar que o conjunto de hipóteses é taxativo, quando é possível tipificar
as hipóteses concretas nos dispositivos previstos por lei.
Pense-se, por exemplo, na conduta daquele réu habitual, que litiga em
milhões de processos judiciais praticamente idênticos, como aconteceu na

<36 l.F.ÃO, Adroaldo. O litigante de má-fé. Rio de Janeiro: Forense, 1982. p. 12.
4,7 STOCO, Rui. Abuso do direito e má-fé processual. São Paulo: RT, 2002. p. 97.
hipótese dos expurgos das cadernetas de poupança derivados dos planos eco
uõmicos que o País conheceu. Embora um dos princípios constitucionais do
processo, sem o qual não se pode falar ao menos no Estado Democrático de
I h reito, seja o princípio da ampla defesa, esta deve ser realizada de forma cons-
i lente e com um mínimo de fundamento aceitável, sob pena de caracterizar
i onduta abusiva do sujeito passivo. Por anos e mais anos os réus responderam
ii» inúmeras ações relativas aos planos econômicos sempre com as mesmas
leses, que foram sistematicamente refutadas em todos os graus de jurisdição,
inclusive nos tribunais superiores, embora não sumuladas. As iniciais eram
Iguais, as respostas eram iguais, as sentenças eram iguais e os acórdãos eram
Iguais, com todos trabalhando de modo desnecessário para resolver algo que
Ia estava sedimentado. Isso porque os réus, em evidente abuso do poder eco­
nômico, esperavam desencorajar a propositura destas ações ou forçar seus
opositores, normalmente ansiosos para receber o que lhe era devido, a receber
valor menor do que aquilo que efetivamente lhes cabia. O lucro sempre acima
ilc tudo.
Ora, sendo todas as teses ventiladas conhecidas e exaustivamente rejeita­
das, não há como negar que os réus utilizaram o processo para conseguir
objetivo ilegal, ou seja, protelar a satisfação de um evidente direito do autor,
lal conduta, cremos, representa a utilização do processo para obter objetivo
que, se não ilegal (art. 80, III), ao menos é imoral; se não opõe resistência
Injustificada a processo (art. 80, IV), ao menos opõe resistência injustificada
i satisfação do direito do autor; se não representa incidente manifestamente
mlundado (art. 80, VI), ao menos representa defesa manifestamente infun
dada; e, se não é um recurso com intuito manifestamente protelatório (art.
HO. VII), ao menos é defesa com intuito manifestamente protelatório. Por tais
lazões, embora os tipos legais tenham sido apenas gramaticalmente tangeu
i lados, com certeza o princípio da lealdade processual foi atingido, sendo o
■iso do reconhecimento da litigância de má-fé.
Outra questão de excepcional importância diz respeito a aferir quem pode
M?r condenado como litigante de má-fé; em especial no que toca a condenação
do patrono da parte e não da própria parte. E nesse aspecto ousamos discor­
dar da jurisprudência dominante, que fixou entendimento de que o advogado
não responde como litigante de má-fé. Isso porque o dia a dia forense é repleto
de situações em que o magistrado percebe que, à evidência, a parte nada sabe
a respeito da conduta improba, sendo ela praticada exclusivamente pelo seu
patrono.
Para bem ilustrar essas situações extremas vem a calhar o caso discutido
na Apelação 9569135100 do TJSP (10* Câmara de Direito Público, Relatoi
Urbano Ruiz, 12/04/2010, Votação: Unânime, Voto n° 9043) cuja ementa dis
põe: “MANDADO DE SEGURANÇA - Abuso de direito - Impetração simul
tànea de dois mandados de segurança, com objetivo de burlar o princípio do
juiz natural e ampliar as possibilidades de obtenção da liminar pleiteada
Nítido ato atentatório à dignidade da justiça - Litigância de má-fé configurada
- Condenação ao pagamento de multa calculada sobre o valor dado à causa
- Responsabilidade do advogado e da parte, que devem preservar os fins éti
cos do processo - Artigo 18 do Código de Processo Civil - Recurso parcialmentc
provido.”.
Assim como acontece em outras situações também extremas, não há como
isentar o advogado de responsabilidade quando este distribui ações idênticas,
apondo sua assinatura em ambos os feitos, com a nítida intenção de ampliar a
possibilidade de obtenção de medida liminar, quebrando a regra do juiz natu
ral. Mesmo que o cliente pudesse propor tal manobra, o que é inviável diantt
do seu desconhecimento do processamento dos feitos, caberia ao advogado se
recusar à prática do ato, que além de ferir a ética da sua profissão ainda atenta
contra a dignidade da própria Justiça.

b) P rocessam ento e conteúdo.


Quando tratamos do Princípio da Lealdade Processual, no capítulo III,
observamos que tal princípio atinge a todos os que participam do processo c
até mesmo o magistrado, para o qual o atual código impôs a regra da veda
ção da decisão surpresa, nos art. 9o e 10, do CPC. Com isso não pode o juiz
ou o tribunal proferir sentença ou decisão contra uma parte sem que ela seja
previamente ouvida (art. 9o) e não pode decidir com base em fundamento
não alegado, a respeito do qual não tenha dado as partes à oportunidade do
manifestação, mesmo que se trate de matéria da qual tenha o dever de decidii
de ofício (art. 10).
Também dissemos, na ocasião, que tal imposição não pode ser conside
rada de modo absoluto, devendo-se adotar a solução encontrada pelo Direito
Português, que substituiu o critério da “diligência devida” pelo critério da
"manifesta desnecessidade". Em outros termos, sendo manifesta a não neces
'.idade da oitiva da parte, não se justifica a prática de atos processuais desne
. essários, em evidente prejuízo ao princípio da economia processual e a da
•atuação da parte contrária, que também tem o direito a uma solução rápida
do litígio no qual se vê envolvida.
Nesse passo, portanto, quando o juiz ou o tribunal, agindo de ofício ou
por requerimento, na forma do art. 81, do CPC, entender que deve condenar
a parte como litigante de má-fé, será necessário aferir a gravidade da conduta
r, se for o caso, determ inar que ela se manifeste antes de proferir a decisão.
I m se tratando de caso extremo, entretanto, como acontece com o réu que
alega a falsidade da sua assinatura cm contrato, vindo a se apurar em perícia
grafotécnica que a assinatura não é falsa, apresenta-se como manifesta a não
necessidade da sua prévia oitiva (há prova documental da hipótese prevista no
art. 80, II, do CPC), podendo ser proferida decisão sem a sua prévia intimação
para que se manifeste.
Verificados os aspectos formais quanto à declaração da litigáncia de
má-fé, no tocante ao conteúdo do ato processual as penalidades atribuídas
ao litigante passaram por uma evolução significativa mesmo após a entrada
em vigor do CPC de 1973, que originalmente não previa a condenação ao
pagamento de multa e determinava que a liquidação fosse feita por arbitra
mento, caso o magistrado não tivesse elementos para declarar desde logo o
valor devido. Como havia uma dificuldade prática quase insuperável quanto
a fixação do valor da indenização, a Lei n° 8.952, de 13 de dezembro de 1994,
alterou a redação do art. 18, §2°, do CPC de 1973, para fazer constar que o
valor da indenização poderia ser desde logo fixada pelo juiz em montante
não superior a 20% (vinte por cento) do valor da causa. Com isso esperava a
lei por fim às polêmicas acerca da necessidade da comprovação do montante
dos danos, criando uma presunção da sua ocorrência até o percentual do valor
ila causa que estabelecia. Alguns anos depois, talvez em razão da crescente
ocorrência da litigáncia de má-fé no dia a dia forense, a Lei n° 9.668, de 23 de
junho de 1998, houve por bem instituir também uma multa de até 1% (um por
cento) do valor da causa, cumulativa com a indenização e revertida em favor
da parte contrária. Embora de pequeno valor percentual, a instituição de mais
um mecanismo voltado a coibir a litigáncia veio em boa hora, acentuando a
tendência de coibir o abuso na utilização do processo, sempre prejudicial â
efetividade do direito material.
O sistema atual, por meio do art. 81, do CPC, embora com algumas alie
rações, manteve as três penalidades que podem ser arbitradas desde logo pelo
juízo ou pelo Tribunal: a) multa em montante que não deverá ser inferior u
dois por cento, nem superior a dez por cento, do valor corrigido da causa; b)
indenização pelos prejuízos que o litigante de má-fé causou a parte contrária
e, c) condenação ao pagamento dos honorários advocatícios e de todas as des
pesas que efetuou.
A multa, que possui a natureza de pena imposta pela litigância e reverte
em favor da parte contrária, conforme determina o art. 96, do CPC, teve seu
percentual fixo alterado para um montante que deverá ser fixado pelo magis
trado, diante das circunstâncias do feito, entre dois e dez por cento do valoi
corrigido da causa. Tal mecanismo está em melhor sintonia com a regra da
proporcionalidade, permitindo a fixação de uma pena mais adequada à repres
são da atividade praticada no processo. Também agiu bem a lei ao determinar,
no art. 81, §2°, do CPC, que sendo irrisório ou inestimável o valor da causa
a multa poderá ser fixada em até dez vezes o valor do salário mínimo, pois
nesses tipos de causa o que se percebia é que o litigante não se importava ent
pagar a multa arbitrada, já que o seu ínfimo valor tornava a penalidade apli
cada ineficaz.
Já a indenização pelos prejuízos que o litigante de má-fé causou a parte
contrária passa a ser regulado pelo § 3o, do preceito ora tratado, devendo
desde logo ser fixado pelo juiz ou, se não for possível mensurá-la, liquidada
por arbitramento. Retornamos, assim, a sistemática original do CPC de 1973,
em que não havia presunção de dano até o montante de 20% (vinte por cento)
do valor da causa.
Já a terceira penalidade imposta ao litigante de má-fé é a condenação ao
pagamento dos honorários advocatícios e de todas as despesas que a parte
contrária efetuou no processo, mesmo nos casos em que vence a demanda.
Nesse sentido a lição de Celso Agrícola Barbi ao afirm ar que "A obrigação de
indenizar é independente do resultado fin a l da causa. Aquele que a venceu,
mas infringiu os mandamentos do art. 17, no curso do proceso, está sujeito as
sanções do art. 18. Do contrário, ficaria sempre impune a má conduta daquele
que tem, efetivamente, razão no direito que pleiteia. E isto não é possível, porque
r
m i c w m o quem tem o direito ao seu favor deve agir corretamente em juizo puni

,i uia defesa.".***
Observe-se, por fim, como sustenta o referido autor, “Que o fato de o cul­
pado litigar com justiça gratuita não o isenta da obrigação de indenizar. Do
iindrário, a pobreza constituiría imunidade inadmissível.".**'* Em outros ter­
mos, também aquele que litiga sob o pálio da gratuidade está sujeito as penas
.Io liligância de má-fé, devendo recolher tais valores quando condenado a
I. i/ê-lo, sob pena de sofrer atividade executiva com a alienação de seus bens
l**ii ,i a satisfação da condenação imposta pela conduta ímproba; situação agora
rxpressamente reconhecida pelo art. 98, §4°, do CPC.

II. 2.2. Despesas processuais.


Já tivemos a oportunidade de afirm ar que, em nosso entender, a atividade
ili senvolvida pelo Poder Judiciário deveria ser gratuita, assim como devem
.1 a assistência à saúde, a educação e o saneamento básico, dentre outras, isso
porque se tratam de atividades essenciais ao desenvolvimento da Nação e por-
i|lie caracterizam Direitos Fundamentais previstos na Constituição da Repú-
lilica. Em que pese tal posicionamento, que no momento social que vivencia-
mos pode ser taxada de utópica, - salvo as hipóteses em que a parte litiga sob
o pálio da Justiça gratuita -, há necessidade de que as despesas geradas pelo
processo sejam custeadas por aqueles que fazem uso da atividade jurisdicio-
nal, ou seja, por aqueles que participam do processo. Assim sendo, quem atua
em juízo deverá arcar com o pagamento das verbas necessárias à propositura
da ação e a prática dos atos processuais necessários ao seu desenvolvimento
válido e regular, genericamente denominadas despesas processuais ou judi
. i.iis; que ao final serão custeadas pelo vencido no processo de conhecimento
ou pelo executado no processo de execução e no cumprimento da sentença.
Sobre a denominação despesas judiciais asseverava Pontes de Miranda que
Despesas judiciais são todos os gastos que se fazem em juízo, durante algum
processo, a partir dos selos e mais dispêndios da própria petição, quer se paguem
pelos atos processuais, quer por outra causa, inclusive por falta de alguma das
partes. As despesas compreendem as custas, honorários dos advogados, as

I» BARBI, p. 105.
O* Idem .
multas às partes, o que se desembolsou para que se verificassem as perícias, th a) Despesas e multas.
custas da perícia, a condução e indenização às testemunhas, os pareceres d> A responsabilidade pelo pagamento das despesas e multas fixadas no pro­
jurisconsultos de que lançou mão a parte para seu esclarecimento ou efeito ih cesso, além de constar em inúmeras disposições esparsas do CPC, também
melhor tratamento em público da matéria, etc.”.uo está concentrada nos arts. 82 a 97, em que é apresentada a regra geral relativa
Nada obstante, o gênero despesas processuais, na atualidade, pode ser divi .is despesas processuais, semelhante a existente no sistema processual anterior
dido em três espécies diferentes, que são: a) as custas processuais, b) os hono (art. 19, do CPC de 1973), segundo a qual incumbe às partes prover as despesas
rários advocatícios e c) as despesas processuais propriamente ditas. Nesse sen dos atos que realizarem ou requererem no processo, antecipando-lhes o paga­
tido a posição de Humberto Theodoro Junior ao ensinar que “São custas as mento, desde o início até sentença final ou, na execução, até a plena satisfação
verbas pagas aos serventuários da Justiça e aos cofres públicos, pela prática dc iIo direito reconhecido no título (art. 82, do CPC). Existe, todavia, uma série de
ato processual conforme a tabela da lei ou regimento adequado. Pertencem ao dispositivos regulando casos específicos e que não se amoldam à regra geral,
gênero dos tributos, por representarem remuneração de serviço público. Des como o pagamento pelo autor das despesas relativas aos atos determinados
pesas são todos os demais gastos feitos pelas partes na prática dos atos pro tle ofício ou a requerimento do Ministério Público, quando atua como fiscal
cessuais, com exclusão dos honorários advocatícios, que receberam do Código da ordem jurídica (art. 82, §1°); o adiantamento das despesas pelo requerente
tratamento especial (art. 20, Caput).”. " ' de procedimento não contencioso (art. 88); e, o pagamento proporcional aos
Realmente, as custas processuais são os valores recolhidos em favor do quinhões no juízo divisório sem litígio (art. 89); dentre outros que merecem
Estado ou a União, conforme previsto nas respectivas leis de custas, também um olhar mais detido.
denominadas regimentos de custas, para que a parte possa propor a ação e Nesse passo, assim como acontece com relação aos honorários advocatí­
interpor certos recursos. Trata-se da também conhecida taxa judiciária, que cios, aplica-se também às despesas processuais a regra de que a sua respon­
tem por finalidade custear a atividade desenvolvida pelo Poder Judiciário. sabilidade deve ser atribuída àquele que sucumbir no processo ou, em não
Já os honorários advocatícios servem para pagamento da remuneração dos havendo sucumbência, àquele que deu causa a prática do ato processual ou
patronos das partes; enquanto todas as demais despesas, como os gastos com a interposição, extinção ou julgamento da demanda. Daí as regras previstas
oficiais de Justiça, as despesas postais para citações e intimações, as despesas nos art. 86 e 87, do CPC, segundo as quais havendo sucumbência recíproca as
com a publicação de editais, os valores relativos aos honorários dos peritos, despesas serão distribuídas na proporção da sucumbência de cada parte; e, no
dentre inúmeros outros gastos, são chamados de despesas processuais. caso da existência de litisconsortes que sucumbem, determinando a divisão
Observamos, por fim, que as multas decorrentes da prática de conduta proporcional das despesas e dos honorários da parte contrária. Porém, o art.
não adequada no processo não deve ser incluída, em nosso entender, como 92, do CPC, por exceção, ao aduzir que “se o processo terminar por desistên­
uma quarta espécie das despesas processuais, já que caracteriza uma pena cia, renúncia ou reconhecimento do pedido, as despesas e os honorários serão
que é eventualmente aplicada à parte, tendo por isso uma natureza diversa das pagos pela parte que desistiu, renunciou ou reconheceu.”, consagra a regra da
demais despesas com o custo do processo. causalidade, independentemente de se aferir se houve ou não sucumbência na
hipótese concreta.
Nos vários projetos que se sucederam antes da versão final que deu ori­
gem ao CPC, restou demonstrada grande preocupação quanto à realização
e ao pagamento das despesas relativas à prova pericial, tendo sido propos­
"° PONTES DE MIRANDA, p. 408. tas algumas alterações substanciais. Isso porque no sistema do CPC de 1973
Ml THEODORO JUNIOR, Humberto. C u r s o d e d ir e ito p r o c e s s u a l civil. 4 7 “ e.. Rio de Janeiro: Forense, os problemas quanto ao custeio de tal meio de prova, normalmente bastante
2007. v. I, p. 102.
oneroso, acabavam por inviabilizar a própria realizarão da prova, por foi <iri ando a Fazenda com o ônus de nào ter demonstrado aquilo que lhe lncum
çar o perito a trabalhar gratuitamente em alguns casos ou a receber o valoi lua, ainda que inexista norma específica nesse sentido.
da perícia somente após o encerramento do processo; quando não era obi i A segunda questão que era expressa mente tratada e que agora deixou de
gado a executar seus honorários não recebidos. Sobre o problema, em espeiml iei disciplinada era relativa a gratuidade processual, situação em que a perl-
quanto à realização da prova em processos beneficiados pela Justiça gratml.i t Ia também seria realizada, preferencial mente, por instituição pública ou por
ensinava com precisão João Batista Lopes que “Em casos de assistência judii I perito da administração. Não concretizada tal situação, o valor da prova peri
ária, o beneficiário está isento das custas e despesas processuais, mas a lei nada i ial requerida pelo beneficiário da gratuidade de justiça seria fixado conforme
dispõe sobre a remuneração do perito e ressarcimento das despesas que fizer. (> tabela do Conselho Nacional de Justiça e pago, desde logo, pelo Estado ou
problema é delicado porque não se pode obrigar o perito a trabalhar sem remu pela União, conforme se tratasse da Justiça Estadual ou Federal. Não sendo o
neração, nem há como requisitar aos cofres públicos a verba correspondente valor recolhido no prazo fixado, nem por isso ocorrería a preclusão, devendo
Particularmente grave é o problema nas ações de investigação de paternidade o magistrado se valer dos meios de coerção necessários para que o Poder
em razão do alto custo do exame de DNA, cuja realização por entidades públi Público recolhesse, de imediato, o valor necessário à realização da prova.
cas esbarra, geralmente, em entraves burocráticos.”.441
Como se vê, repita-se, infelizmente, por questões de ordem política, já que
Todavia, em que pese a preocupação demonstrada pelos inúmeros pro o maior litigante do País sempre foi o Poder Público, deixamos de evoluir
cessualistas que atuaram na elaboração dos projetos, infelizmente, o sis rumo a um sistema mais técnico e adequado a um Estado Democrático de
tema atual fez ouvidos moucos ao reclamo da doutrina, mantendo o mesmo Direitos.
e arcaico regime para a realização da prova pericial requerida pela Fazeiul.i
Observa-se, por fim, que no tocante as multas, assim como acontecia com
Pública, Ministério Público e Defensoria Pública, bem como nos casos de Jus
o art. 35, do CPC de 1973, o capítulo trata apenas da sua destinação, dispondo
tiça gratuita. Esses dois problemas estavam tratados em projetos anteriores
o art. 96 que as sanções impostas aos litigantes de má-fé reverterão em bene­
com grande vantagem sobre o sistema atual, sendo perdida uma ótima opor
ficio da parte contrária; enquanto as impostas aos servidores públicos serão
tunidade para avançar rumo ao aperfeiçoamento do instituto.
recolhidas em favor do Estado ou da União.
No primeiro caso, exigia-se que também a Fazenda fizesse o recolhimento
do valor relativo à prova pericial por ela requerida, isso caso não houvesse b) H onorários advocatícios.
instituição pública ou perito da administração que pudesse realizar a prova Em sua origem a condenação ao pagamento de honorários advocatícios
O montante dos honorários periciais, entretanto, seria fixado pelo CNJ levan se confundia com uma penalidade imposta àquele que litigava sem ter razão,
do-se em consideração o tipo da perícia que seria realizada, devendo a fazenda o que aproximava sua natureza a uma condenação por litigância de má-fé.
recolher desde logo o valor. Isso evitaria, como acontecia no sistema ante F.ssa ideia evoluiu, todavia, para a natureza ressarcitória, inicialmente vin
rior e agora se repete, que o perito viesse a receber sua remuneração apenas culada à aferição da existência de culpa grave ou dolo na conduta de quem
depois do trânsito em julgado da decisão, o que no caso da Fazenda Pública perdia a ação, para, por fim, embasar-se na teoria da sucumbência, adotada
nunca acontece num curto espaço de tempo. A Fazenda deve ser tratada da como regra em nosso processo de conhecimento. A esse respeito aduz Yussef
mesma forma que os demais litigantes, em respeito ao Estado Democrático dc Said Cahali que “Repelindo a opinião então generalizada, que divisava na con­
Direitos. Assim, em caso, de não recolher o valor devido no prazo fixado pelo denação uma pena imposta ao litigante temerário, Weber afirma o princípio
magistrado, a solução mais plausível é decretar a preclusão da prova pericial,

442
LOPES, João Batista. A p r o v a n o d ir e ito p r o c e s s u a l c iv il. 3* e.. São Paulo: RT, 2006.
segundo o qual esta condenação, ao contrário, não é senão o ressarcimento do
prejuízo do vencedor.".**'
Daí a razão pela qual o art. 85, do CPC, prevê que a sentença condenará n
vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor, em clara demonstras.»'»
de que será no momento da decisão do processo, quando o juiz resolve a rela
ção jurídica controvertida, dizendo quem tem razão, que será fixada a conde
nação ao pagamento dos honorários aquele que perdeu a demanda. Trata m
da afirmação do princípio da sucumbência, que segundo o mesmo autor deve
ser assim compreendido: "A justificação para o principio da sucumbência »'
uniforme entre os autores: aquele que se pretende necessitado da tutela jurisdi
cional, se não é atendido senão recorrendo às vias judiciais, não deve suportai
um sacrifício econômico (que, segundo a clássica proposição, diminuiría o valot
do direito reconhecido); à sentença cabe prover para que o direito do vencedot
não saia diminuído de um processo em que fo i proclamada a sua razão'.”: 1"
Em outros termos, reafirma a regra da sucumbência o ideal de efetividade
no processo, na medida em que está se dando a parte que tem razão aquilo e
exatamente aquilo que teria se seu direito fosse espontaneamente satisfeito.
Nada obstante a adoção do princípio da sucumbência como regra geral, las
treado no “...fato objetivo da derrota...” da parte,443445 o sistema adota por exceção
a regra da causalidade (que para alguns abarcaria a sucumbência), aplicada
precipuamente as hipóteses em que não se pode dizer propriamente que um.i
das partes perdeu a demanda. O exemplo mais importante dessa exceção está
na execução de título extrajudicial e no cumprimento da sentença (art. 85, §1",
do CPC), em que não há um “ganhador ” da causa, na medida em que apenas
se praticam atos materiais tendentes a satisfação do direito do sujeito ativo.
Aplica-se também esse princípio para os casos da perda do objeto da demanda
(§10°), cabendo a quem deu causa a propositura da ação arcar com os ônus
decorrentes da sua atuação. Trata-se da hipótese, por exemplo, na qual o plano

443 C A H A L I , Y u s s e f S a id . H o n o r á r io s a d v o c a tic io s . 2* e.. S ã o P a u lo : R T . 1 9 9 0 . p . 27.

444 Id e m . p. 35.

445 C H I O V E N D A , G i u s e p p e . I n s titu iç õ e s d e d ir e ito p r o c e s s u a l c iv il. C a m p i n a s : B o o k s e lle r , 1 9 9 8 . v. 3,


p . 2 4 2 . D iz o a u t o r : “O f u n d a m e n t o d e s s a c o n d e n a ç ã o é o f a t o o b je tiv o d a d e r r o ta ; e a j u s t i f i c a ç ã o
d e s s e i n s t i t u t o e s tá e m q u e a a t u a ç ã o d a le i n ã o d e v e r e p r e s e n ta r u m a d i m i n u i ç ã o p a t r i m o n i a l p a r a
a p a r t e a c u jo f a v o r se e fe tiv a ; p o r s e r in te r e s s e d o E s ta d o q u e o e m p r e g o d o p r o c e s s o n ã o s e re so lv a
e m p r e j u iz o d e q u e m t e m r a z ã o , e p o r ser, d e o u t r o t u r n o , in te r e s s e d o c o m é r c io j u r í d i c o q u e «>»
d ir e ito s te n h a m u m v a lo r t a n t o q u a n t o p o s s ív e l n í t i d o e c o n s t a n te
--------------------------------------------
tlc saúde inicialmente nega ao seu usuário a autorização para realização de
determinado exame médico, fazendo-o apenas após ter notícia da proposituru
•Ia ação.
Nesse passo, se a natureza da verba relativa aos honorários de advogado (>
irssarcitória, então deveria ocorrer a apuração, caso a caso, do montante des-
pendido pela parte vencedora para custear a atividade de seu patrono, proce
dondo-se o pagamento do exato valor que foi gasto. Afinal todo dano material
demanda comprovação e satisfação na exata medida da sua extensão. Não é
Isso, entretanto, que acontece com os honorários advocaticios, cujos limites
s.to previamente fixados pela lei.
Nesse passo, como regra geral, levando em conta os cinco parâmetros esta­
belecidos no art. 85, §2°, I a IV, do CPC, que são o grau de zelo do profis­
sional; o lugar de prestação do serviço; a natureza e a importância da causa;
o trabalho realizado pelo advogado; e, o tempo exigido para o seu serviço;
deverá o magistrado fixar o valor da verba honorária entre o mínimo de dez
c o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito, do
benefício ou da vantagem econômica obtidos. Em caso de rejeição do pedido,
ou seja, no caso de julgamento de improcedência da demanda, tal percentual
deverá ser aplicado sobre o valor corrigido da causa, que é o benefício que o
réu obteve, pois deixou de arcar com tal despesa, sem o acréscimo decorrente
da cobrança de juros moratórios, que neste caso não são devidos.
Embora não possa o magistrado reduzir o valor da verba honorária a uni
patamar inferior aos dez por cento previstos, a não ser nos casos em que a pró
pria lei assim determinar, existem causas em que o montante objeto da conde­
nação ou o proveito obtido é bastante pequeno, o que importaria na fixação de
honorários aviltantes ao exercício da profissão. Nessas hipóteses deverá o juiz,
seguindo os mesmos parâmetros dos quais normalmente se utiliza, ultrapas
sar o patam ar dos vinte por cento previstos por lei, fixando o valor da verba
honorária em quantia que seja compatível com a atividade desenvolvida pelo
patrono da parte (§8°).
Como a maioria dos problemas derivados da fixação de honorários nunca
foram solucionados de forma tranquila, o atual sistema processual procurou
tratar daqueles que considerava mais polêmicos nos diversos parágrafos do
art. 85, do CPC, começando por estabelecer, em seu §3°, faixas diferenciadas
para fixação de honorários nos feitos em que a Fazenda Pública for parte. Isso
porque algumas ações propostas pela Fazenda Pública ou contra ela envol
vem valores bastante expressivos, o que acabava por gerar uma condenação ao
pagamento de verba honorária por demais elevada e fora dos padrões de um
montante que seria razoável para remunerar o trabalho do patrono da parte
Ademais, o risco de uma condenação ao pagamento de honorários muitís
simo elevados poderia inibir a propositura de determinadas ações pelo parti
cular, constituindo verdadeiro óbice ao acesso ao Poder Judiciário e limitando
o exercício do direito de ação. Por tal razão, aliás, que o valor das custas pro
cessuais sempre possui um limite máximo, acima do qual passam a constituo
ofensa ao Princípio da Inafastabilidade do Direito de Ação.
Nesse passo, nos feitos em que a Fazenda Pública litiga como autora ou
como ré, os honorários advocatícios deverão ser estabelecidos dentro dos
percentuais previstos no art. 85, §3°, do CPC, que são: 7 - mínimo de dez f
máximo de vinte por cento sobre o valor da c ondenação ou d o proveito e conô-
mico o btido a té duzentos salários mínimos; II - mínimo de oito e máximo dc
dez por cento sobre o valor da condenação ou do proveito e conòmico o btido a
cima de duzentos salários mínimos até dois mil salários mínimos; III - mínimo
de cinco e máximo de oito por cento sobre o valor da condenação ou do proveito
econômico obtido acima de dois mil salários mínimos até vinte mil salários
mínimos; IV- mínimo de três e máximo de cinco por cento sobre o valor da con­
denação ou do proveito econômico obtido acima de vinte mil salários mínimos
até cem mil salários mínimos; V - mínimo de um e máximo de três por cento
sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de cem mil
salários mínimos.”.
Pelas mesmas razões o §9°, do mesmo preceito limita a fixação dos hono­
rários advocatícios nas ações de indenização por ato ilícito contra pessoa, que
incidia apenas sobre a soma das prestações vencidas com o período de um ano
das prestações vincendas.
Além de tratar parcialmente da questão dos “honorários milionários”, o
art. 85, §1 Io, do CPC, atendeu a uma antiga reivindicação da classe dos advo
gados e instituiu os chamados honorários recursais, ou seja, uma verba hono
rária maior e diferenciada para as hipóteses em que ocorre a interposição de
recurso. Assim, mediante requerimento da parte ou de ofício, com a obser­
vância do disposto nos §§ 2o e 3o, a verba honorária poderá ser majorada pelo
Tribunal até o limite possível para a fase de conhecimento.
Fm que pese o preceito se utilizar do verbo no imperativo ("majorará”),
11A0 estão o relator ou o órgão colegiado obrigados a majorar o valor dos
honorários todas as vezes em que houver a interposição de recurso. Isso por
que deverão ser observados os parâmetros do §2°, que por vezes podem não
recomendar a majoração; e, principalmente, porque se estaria incentivando a
interposição de recursos protelatórios e sem fundamento, apenas com a fina
llilade de majoração da verba honorária, o que não se apresenta como hipótese
M/.oávcl.
Por sua vez, além de esclarecer que os honorários também são devidos
quando o advogado litiga em causa própria (§17°), embora nesse caso não se
possa pensar propriamente em ressarcimento; e, que a verba poderá ser paga
para a sociedade de advogados cujo advogado integra como sócio (§15°); a
lei ainda confere a estas verbas natureza alimentar, com idênticos privilégios
dos créditos trabalhistas e com a impossibilidade de compensação, no caso dc
■aicumbência parcial (§14°).
Outrossim, o art. 85, §16°, do CPC, ao dispor que os juros moratórios sobre
os honorários só incidem a partir da data do trânsito em julgado da decisão
que os arbitrou, resolve polêmica sobre o termo inicial para a contagem de
lais juros, uma vez que havia entendimento no sentido de que a contagem
dar-se-ia desde a citação válida, assim como acontece com a condenação prin
lipal imposta a parte. Agiu bem a lei em nosso entender, já que o direito ao
recebimento aos honorários somente se constitui a partir do momento em que
estes são fixados em sentença e exigíveis em cumprimento de sentença, o que
impede a retroação da mora para antes deste momento.
Por fim, observamos que a antiga Súmula 256, do STF, continua válida ao
aduzir que é dispensável pedido expresso de condenação ao pagamento de
honorários. E isso porque o art. 322 §1°. do CPC, indica que muito embora o
pedido deva ser interpretado de modo restrito, ele compreende os juros legais,
.i correção monetária e as verbas de sucumbência, consagrando o chamado
pedido implícito por força de lei.
11.2.3. Da gratuidade de justiça

a) Lim ites do benefício.


Relatando os dados e as conclusões obtidas após a realização de pesquisa
em inúmeros países, a clássica obra de Mauro Cappelletti e Bryant Gartli
denominada “Acesso à Justiça”, aponta como o primeiro problema detectado
para a ocorrência de um acesso efetivo e de uma igualdade substancial o custo
do processo, que impede aqueles que não possuem condição financeira ra/o
ável de ir a juizo pleitear um direito ou mesmo de litigar em igualdade d«
condições com quem desfrute de tal condição. Na clara linguagem dos autores
“O recente despertar de interesse em torno do acesso efetivo à justiça levou a
três posições básicas, pelo menos nos países do mundo Ocidental. Tendo inicio
em 1965, estes posicionamentos emergiram mais ou menos em seqüència cro
nológica. Podemos afirmar que a primeira solução para o acesso - a primeira
“onda” desse movimento novo - fo i a assistência judiciária; a segunda dizia res
peito às reformas tendentes a proporcionar representação jurídica para os inte
resses “difusos”, especialmente nas áreas da proteção ambiental e do consumi
dor; e o terceiro - e mais recente - é o que nos propomos a chamar simplesmente
“enfoque de acesso à justiça” porque inclui os posicionamentos anteriores, mas
vai muito além deles, representando, dessa forma, uma tentativa de atacar as
barreiras ao acesso de modo mais articulado e compreensivo.”.4*6
Visando minimizar os problemas decorrentes do custo do processo em
juízo foi editada, ainda em 03 de fevereiro de 1950, a Lei n° 1.060, que estabe
lecia normas para a concessão de assistência judiciária aos necessitados, isso
mediante a “...simples afirmação, na própria petição inicial, de que não está
em condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem
prejuízo próprio ou de sua família. ”(art. 4o).
Com o passar do tempo, o que infelizmente hoje já pode ser tido como um
fato notório, a lei que visava perm itir o mais amplo acesso ao Poder Judiciário
passou a ser utilizada de forma indevida por pessoas que, mesmo possuindo
condições financeiras, alegavam a necessidade de modo indevido, isso ape
nas para se furtar ao pagamento das custas, despesas processuais e honorá
rios advocatícios, eliminando o risco de litigar. A esse respeito já tivemos a

446
CAPPELLETTI, Mauro,GARTH, Bryant. A c e s s o à ju s tiç a . Porto Alegre: SAFE, 1988. p. 31.
oportunidade de comentar que experiência de julgador demonstra que
tem havido abuso quanto à propositura de ações que visam à reparação de
ihinos morais. O autor sofre um pequeno contratempo e procura transformá-lo
em um acidente de proporções trágicas, como maneira de ganhar uma pequena
fortuna, sem que exista causa para tal. Para obter tal desiderato, sem correr
o risco de ter de arcar com o ônus de demandar, o autor propõe a ação com o
valor da causa abaixo do que pleiteia e requer o benefício da Justiça Gratuita;
ou, propõe ação formulando pedido genérico, indicando que a indenização não
deve ser inferior a muitos salários mínimos. Se ganhar estará rico. Se perder,
nada terá de pagar ao vencedor. Um ambiente praticamente perfeito para a
propagação de uma aventura processual.V47
Diante do uso abusivo do pedido de gratuidade, mesmo antes da entrada
em vigor do novo CPC, a presunção de veracidade da declaração firmada pelo
postulante da assistência judiciária, normalmente impugnada à época por
um incidente processual denominado de impugnação ao benefício da Justiça
gratuita (agora alegável como simples preliminar em contestação), passou a
ser questionada de ofício pelos magistrados, conforme comprova o elevado
número de agravos a respeito do tema. Nesse passo, de ofício e antes mesmo
ela determinação da citação do réu, passaram os magistrados a determinar
que a parte justificasse a necessidade da gratuidade, principalmente naqueles
easos em que a matéria discutida ou a condição da parte indicava um descom­
passo entre o benefício pretendido e as condições pessoais do seu postulante.
Nesse contexto histórico veio a lume nosso atual estatuto, que fez bem ao
apresentar capítulo próprio acerca da gratuidade da Justiça, composto pelos
art. 98 a 102, do CPC, procurando atualizar o perfil do instituto, já que a
sua regulamentação já ultrapassava a casa dos sessenta anos (Lei n° 1.060/50),
dando-lhe uma dinâmica adequada ao contexto social hodierno.
A redação do art. 98, do CPC, inicia eliminando uma controvérsia que a
doutrina e a jurisprudência já haviam definido, no sentido de que tanto a pes­
soa física quanto a pessoa jurídica podem pleitear o benefício da justiça gra
tuita. O simples fato de se tratar de pessoa jurídica não exclui a possibilidade
da concessão do benefício, desde que preencha os requisitos necessários a sua

" OLIVEIRA NETO, Olavo, OLIVEIRA, Patrícia Elias Cozzolino de. A n e c e s s id a d e d e p e d id o e s p r


In Revista do IASP. São Paulo: RT, )aneiro/)ulho de
c ific o n a a ç ã o d e i n d e n i z a ç ã o p o r d a n o m o r a l.
2009. Ano 12, n“ 23. p. 250-263.
obtenção. Aliás, da redação do caput do preceito deflui seu caráter geral, ou omissão, fixar tal condenação também nos casos em que uma ou ambas as
seja, que pode ser obtido independentemente da situação da pessoa natural ou partes são beneficiárias da gratuidade.
jurídica, brasileira ou estrangeira. Ainda com relação ao alcance do benefício, agiu bem o §4° ao dispor
Além do caráter geral da norma, procurou o preceito abarcar todas as i*Kpressamente que a sua concessão não atinge eventuais multas impostas, que
hipóteses em que a gratuidade deve ser concedida (§1°), embora tenha ido ’.ciáo devidas, já que são aplicadas a título de pena. Ampliar o benefício para
além daquilo que, em nosso entender, deveria dispor. Fiel a nossa concep alcançar as multas implicaria, em última análise, conceder a parte um salvo
ção, anteriormente e sempre mencionada, de que a Justiça é serviço essencial i onduto para infringir o princípio da lealdade processual, sem que qualquer
assim como a educação e a saúde, razão pela qual deveria ser gratuita; não há penalidade lhe fosse imposta, o que não é aceitável.
como questionar o acerto dos incisos que dispõem acerca isenção quanto aos Da mesma forma há de se elogiar as possibilidades insertas nos §§ 5o e 6o,
valores destinados ao Estado. Porém, isentar a parte da indenização devida ás que permite a redução do percentual que deve ser recolhido a título de custas
testemunhas ouvidas (inciso IV), dos valores necessários à realização de perí iniciais (adiantamento) ou mesmo o seu parcelamento, agora estendido para
cias feitas por particulares (inciso V) e dos honorários dos peritos, intérpre qualquer tipo de feito.
tes e tradutores (inciso VI), implica concretizar a antiga figura de linguagem
“fazer caridade com o chapéu alheio”, na medida em que não é o Estado que b) Processam ento.
está abrindo mão da sua receita, mas impondo que um profissional deixe de Para obtenção do benefício da gratuidade a lei não exige forma específica,
receber o que lhe é devido. Por tal razão, aliás, no dia a dia forense é bastante podendo a parte ou o terceiro formular pedido no bojo de qualquer peça pro­
difícil a realização da prova pericial nos casos de Justiça gratuita, situação cessual ou por meio de simples petição, em qualquer instância, sem suspender
pela qual os peritos acabam por declinar da nomeação. Não tendo o Estado o curso do processo (art. 99, do CPC).
um corpo de peritos que possa desenvolver gratuitamente tais atividades, por F.mbora a mera alegação de insuficiência de recursos, form ulada por pes­
tanto, deveria remunerá-los de forma adequada nos casos da concessão do soa natural, por si só seja apta a gerar presunção relativa da situação narrada
benefício, deixando de transferir para terceiros algo que, à evidência, é de sua (art. 99, §3°), deve o magistrado, de ofício, examinar se estão ou não presentes
única responsabilidade. as hipóteses que autorizam o deferimento do benefício, determ inando que o
Nada obstante, conforme dispõem os §§ 2o e 3o, o beneficiário da Justiça requerente comprove a insuficiência, se for o caso (§2°). Na verdade trata-se
gratuita não fica imediatamente isento do pagamento das verbas decorrentes de um dever imposto ao juízo, na medida em que as custas (taxa judiciária)
da sucumbência. Assim como acontecia sob a vigência do art. 12, da Lei n° possuem a natureza tributária e a imunidade tributária é instituto de aplica­
1.060/50, que aduzia expressamente que a mudança na situação econômica do ção excepcional, que somente poderá produzir efeitos na hipótese da efetiva
beneficiário da Justiça gratuita implicava o pagamento das verbas das quais insuficiência de recursos.
foi inicialmente isento, agora o beneficiário vencido observa a suspensão da Ademais, ao dispor o art. 5o, LXXIV, da Constituição da República, que “O
exigibilidade da condenação ao pagamento destas verbas pelo período de 05 listado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem
(cinco) anos subsequentes a data do trânsito em julgado. Se dentro deste lapso insuficiência de recursos”, a locução “... aos que comprovarem...” demonstra
temporal “...o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insufici que a mera alegação depende da existência de elementos de convicção que
ência de recursos que justificou a concessão da gratuidade , ...” passa a conde possam levar o magistrado a perceber a necessidade da gratuidade, o que nem
nação a ser exigível. Em caso contrário dá-se a extinção da obrigação. Essa sempre existe no processo. Por isso, a ocorrência de situações com o a con
é a razão pela qual o magistrado deve, ao prolatar a sentença, sob pena de dição de solteiro da parte, o exercício de profissão definida, a residência em
bairro de alto padrão, a propriedade de bens de raiz ou de g ra n d e valor, .i
contratação dc advogado particular (que se isolada nào impede a concessão
da benesse, na forma do §3°), a opção de litigar no juízo comum quando a
causa pode ser proposta perante os Juizados Especiais, a recalcitrância em
juntar documentos comprobatórios de rendimentos, entre outros inúmeros
elementos; devem fazer com que a parte preste esclarecimentos acerca da suu
real situação financeira antes de litigar sob o pálio da Justiça Gratuita.
Deferido o benefício ao autor, mesmo após esclarecimentos prestados an
juízo, poderá a parte contrária impugnar a concessão em preliminar de con
testação, na forma prevista no art. 337, XIII, ou, nos moldes do art. 100, ambos
do CPC. Como a nova lei eliminou o uso do incidente de impugnação ao
benefício da justiça gratuita, deverá o autor se manifestar sobre a impugnação
na réplica (art. 351). Não havendo necessidade da produção de provas acerca
da gratuidade, a questão será solucionada na decisão saneadora do feito (art
357) ou na própria sentença, no caso de extinção do processo ou do julga
mento antecipado do mérito. Neste caso ficará o apelante dispensado do reco
lhimento do preparo até que o relator aprecie a questão, como preliminar da
apelação (art. 101, §1°).
Havendo necessidade de produção de prova acerca da situação financeira
da parte, entretanto, o deslocamento da alegação para o bojo da contestação
pode gerar um problema relativamente grave ao andamento do processo. Isso
porque, como a produção da prova sobre o fato principal exige o pagamento
das despesas processuais (intimação das testemunhas, honorários periciais,
etc), a decisão sobre a gratuidade passa a ter que ser proferida até, no máximo,
o momento do saneamento, ocasião em que o juízo definirá quem deve cus
tear a prova a ser produzida. Porém, se a fase probatória ocorre após o sane­
amento, então terá o magistrado que cindir a instrução e permitir a produ
ção da prova exclusivamente com referência à situação financeira antes do
momento da produção das demais provas. Por isso seria mais conveniente que
a lei tivesse previsto a possibilidade de produção da prova relativa à situação
financeira fora do bojo do processo, em incidente processual, primeiro para
evitar a paralisação do trâmite do processo, segundo para evitar confusão
quanto ao objeto da prova que se está a produzir. De qualquer modo, não
havendo previsão legal para o caso, cremos que nada impede ao magistrado
determ inar a instauração de incidente fora do processo para a produção da
prova, o que impedirá o tum ulto procedimental e otimizará a prestação da
tutela jurisdicional.

11.3. Dos procuradores.


)á tivemos a oportunidade de observar (capítulo 07) que a lei exige a pre-
'.ença de certos requisitos para que o processo possa ser considerado existente
e ter um desenvolvimento válido e regular, denominados pela doutrina de
pressupostos processuais. Dentre eles, por exigência do sistema, inicialmente
mitigada pela Lei n.° 9.099/95, que instituiu os Juizados Especiais Cíveis, esta
a capacidade postulatória, que é a capacidade de atuar em juízo, requerendo
u produção de atos processuais válidos. Em outras palavras, para postular
(pedir) em juízo a produção de atos processuais válidos a parte deverá estar
devidamente representada por quem possua tal capacidade, que em nosso sis­
tema processual é exclusiva de advogado regularmente inscrito nos quadros
da Ordem dos Advogados do Brasil.
Daí a razão pela qual o art. 103, do CPC, estabelece que as partes somente
poderão atuar em juízo se se fizerem representar por advogado regularmente
inscrito na OAB. Nesse aspecto, ao contrário do que constava expressamente
em projeto anterior ao que deu origem ao atual diploma, deixou o preceito
de ampliar o conteúdo do seu antecessor, o art. 36, do CPC de 1973, fazendo
expressa referência a membro da defensoria pública. Com isso teria posto fim
.i antiga e ainda viva polêmica existente entre o órgão de classes e algumas
defensorias públicas, que entendem que o defensor público não precisa m an­
ter sua inscrição como advogado para poder exercer sua atividade.
Nada obstante a redação do artigo, que parece impor ao defensor público
a inscrição nos quadros da OAB para exercer sua atividade, as leis que ins
tituem as defensorias públicas nas esferas federal e estaduais poderão con­
ter regra própria e que disponha em contrário, permitindo ao defensor atuar
sem estar inscrito nos quadros da OAB. Afinal, assim como a advocacia é
atividade essencial a Justiça; a prestação de assistência jurídica integral e gra
tuita pelo Estado, a quem dela necessita e que não possui capacidade econò
mica para defender-se, constitui direito fundamental assegurado pelo art. 5",
LXXIV, da Constituição da República. Por isso, para implementar o conteúdo
do preceito, deve o Estado manter carreiras jurídicas aptas ao desempenho de
tal atividade, podendo atribuir lhe capacidade postulatória por melo das Io!.
que as criam e disciplinam seus deveres c prerrogativas de função.
Estando a parte habilitada a postularem juízo, agora apenas como advo
gada, pois o defensor público não possui capacidade postulatória para atuai
em sua própria defesa, poderá atuar em juízo em causa própria, praticando
todos os atos necessários a defesa da sua pretensão. Embora possa parecei
uma verdadeira estupidez tal colocação, em mais de 25 anos de atuação prol e,
sional, primeiro como Procurador do Estado da assistência judiciária, depois
como Promotor de Justiça e em seguida como Magistrado, sempre no Estado
de São Paulo, tivemos a infelicidade de deparar, em algumas poucas vezes,
com a parte juntando aos autos procuração para ela mesma, como advogada,
isso quando atuava em causa própria, o que caracteriza erro crasso e não
admissível para um profissional.
Por sua vez agiu mal o art. 103, do CPC, ao não repetir parte do revogado
art. 36, do CPC de 1973, onde constava que a parte poderia atuar em causa
própria, mesmo não sendo habilitado, “..., no caso de falta de advogado no
lugar ou recusa ou impedimento dos que houver.”. Ao tentar eliminar a figura
conhecida pelos termos rábula ou calça curta, que são aqueles que não têm
habilitação, mas atuam como se advogados fossem em casos especialíssimos.
esqueceu-se o legislador que vivemos num País de dimensões continentais,
que ainda possui localidades em que não há advogados suficientes para atu
ação em juízo; ocasião em que o magistrado terá que nomear alguém para
realizar a defesa da parte, sob pena de ofensa aos Princípios do Contraditório
e da Ampla Defesa.
Para que possa atuar em juízo o advogado deverá juntar aos autos ins
trumento de mandado que lhe confira os poderes da chamada cláusula ad
judicia, isto é, poderes que o habilitam a praticar todos os atos processuais
necessários ao bom andamento do processo. Para que possa praticar atos que
podem implicar disposição de direitos, porém, faz-se necessário que receba
também os poderes da chamada cláusula ad negotia, conforme dispõe o art.
105, do CPC. Aliás, hodiernamente o advogado também pode assinar decla­
ração de hipossuficiência econômica, o que antes era ato exclusivo da parte,
mas responde pela infringência ao princípio da lealdade processual quando se
constatar que a declaração não corresponde à verdade dos fatos.
-u v

Nào havendo tempo hábil para acostar à petição inicial ou à contestação a


procuração, poderá o advogado praticar atos que visem evitar peredmento de
direito ou de qualquer faculdade processual, devendo regularizar a situação
mediante a juntada de procuração no prazo de quinze dias (art. 104, §1°, do
<TC). Não o fazendo, os atos processuais praticados serão havidos por juri
dicamente inexistentes, embora a lei utilize o termo ineficaz, respondendo
o advogado pelas despesas processuais e por perdas e danos perante o seu
cliente ou perante a parte contrária, conforme a natureza e extensão do ato
praticado (art. 104, §2°, do CPC).
Mencionando o art. 105, do CPC, que a procuração pode ser conferida
por instrumento público ou particular, já houve discussão na doutrina acerca
da obrigatoriedade da utilização de procuração pública para os casos em que
a parte litigante é menor impúbere, ou seja, menor absolutamente incapaz.
() dissídio se resolveu em favor daqueles que entendem não ser necessário,
nem mesmo nesta hipótese, a procuração lavrada por instrumento público,
conforme observou Celso Agrícola Rarbi ao afirmar que “Mesmo que o man
dante seja menor, a procuração pode ser por instrumento particular. [Na Ia
edição destes Comentários, sustentamos que a procuração do menor relativa
mente incapaz só poderia ser dada em instrumento público. Revendo agora o
assunto, modificamos o entendimento ...]."m Real mente, se o art. 692, do CC,
determina que o mandado judicial fica subordinado às normas constantes da
legislação processual e se o preceito ora aludido não impõe tal exigência, não
se pode exigir a procuração por instrumento público mesmo que a pessoa
representada em juízo seja incapaz.
Embora a regra geral acerca das intimações seja a de que elas se realizam na
pessoa do advogado com procuração nos autos e pela imprensa, sendo a inti
maçào pessoal a exceção, a petição inicial ou a contestação deverão indicar o
endereço em que o advogado receberá as intimações (art. 106,1, do CPC), sob
pena de indeferimento da petição inicial ou desentranhamento da contestação
se a omissão não for suprida no prazo de 05 dias (§1°). Também configura
dever do patrono comunicar qualquer mudança de endereço posterior (art.
106, II, do CPC), sob pena de que sejam consideradas válidas as intimações
enviadas por carta registrada ou correio eletrônico para o endereço constante
dos autos (§2°).

BARBI, p. 144.
Por fim, na forma do art. 107, do CPC, além dos direitos que lhes são con II (substituição) nada tem a ver com o instituto da substituição processual.
feridos pelo Estatuto da OAB, os advogados têm o direito de examinar quais \< reflitamos, todavia, que preferível teria sido deixar de lado a expressão sub s
quer processos, desde que não se trate de segredo de Justiça; requerer visi.i llluição e falar o legislador em sucessão no processo. A expressão sucessão no
dos autos fora do cartório por cinco dias; e, retirar os autos quando lhe coubci /irocesso não é desconhecida na literatura processual...”.***
manifestar neles. Sendo o prazo comum, porém, os autos não poderão sn
Realmente, o instituto aqui tratado não guarda semelhança alguma com a
retirados do cartório mesmo nestas hipóteses, a não ser que todos os desti
substituição processual. Enquanto na substituição, por força do disposto no
natários do prazo comum pleiteiem vista em conjunto, juntando aos auto-,
,ii t. 18, do CPC, o substituto pleiteia direito alheio em nome próprio, desde
petição informando a divisão do prazo entre eles (§2°).
que autorizado por lei; na sucessão processual, também nos casos previstos
l>or lei, acontece à sucessão da parte originária no processo por alguém que
11.4. Sucessão das partes e dos procuradores. adquire direitos com relação ao objeto litigioso ou sucede a parte original em
uzão de seu falecimento. Daí a existência de duas espécies de sucessão pro
cessual tratadas pela lei: a) voluntária ou inter vivos (art. 109), que se opera por
a) Sucessão das partes.
lorça da alienação da coisa ou do objeto litigioso; e, b) obrigatória ou causa
Quando do estudo da competência observamos que a determinação mords (art. 110), que se opera por força do falecimento de uma das partes.
do juízo competente para conhecer e para decidir determinada demanda Diante de tais aspectos podemos definir o instituto da sucessão processual
depende, além das regras que regulam a competência em seus diversos aspec como o fenômeno da sucessão da parte originária no processo, que se dá por
tos, da fixação de um marco temporal, sem o que cada alteração na situação que alguém adquire direitos com relação à coisa litigiosa ou com relação ao
de fato ou de direito pode implicar a alteração da competência inicialmente objeto litigioso (sucessão voluntária); ou, porque sucede a parte em razão de
fixada. Daí a razão pela qual o art. 43, do CPC, estabelece que “Determina-se seu falecimento (sucessão obrigatória).
a competência no momento do registro ou distribuição dea petição inicial,...";
Outrossim, enquanto a sucessão obrigatória decorre do mero falecimento
o que se denomina princípio da “perpetuado jurisdictionis” ou princípio da
de uma das partes, a sucessão voluntária, como se disse, deve ser expressa­
perpetuação da jurisdição.
mente autorizada por lei, conforme dispõe o art. 109, do CPC. Essa autori
O mesmo acontece, embora com mais exceções, no tocante determinação /.ação expressa, entretanto, deve ser entendida como ausência de vedação a
do polo ativo e do polo passivo da demanda, fixados quando da propositura transmissão do objeto litigioso, na medida em que aquilo que tiver caráter
da ação, que para alguns toma a denominação de “perpetuado legitimationis”. patrimonial em regra poderá ser alienado livremente pela parte, respeitadas
Em outros termos, em regra, a propositura do feito implica a fixação das par as limitações de ordem procedimental e as relativas aos direitos indisponíveis.
tes e da sua legitimação para a causa até o final; sendo possível eventual alte­
Promovida a sucessão voluntária, a alienação da coisa ou do direito litigioso
ração apenas nas hipóteses previstas nos art. 108 até 110, do CPC, que tratam
não altera a legitimidade das partes (art. 109), a não ser que a parte contrá­
da sucessão das partes no curso do processo.
ria concorde com a sucessão operada. Nesse sentido já alertava Celso Neves,
A redação dos preceitos sofreu poucas alterações com relação aos art. 41 a ao analisar o art. 42, §1°, do CPC de 1973: “Concordância na substituição da
43, do CPC de 1973, mas corrigiu uma imprecisão (art. 108) que era objeto de parte - O § 1° admite a substituição voluntária da parte originária pelo adqui
robusta crítica por parte da doutrina, promovendo a substituição do termo rente da coisa ou cessionário do direito objeto da demanda, mas a subordina*29 3
“substituição processual” pelo termo “sucessão voluntária” (sucessão proces­
sual) o que nos dá uma ideia mais exata da natureza do instituto em comento.
«* ARRUDA ALVIM, José Manuel de. C ó d ig o d e P ro c e s so C iv il C o m e n ta d o . São Paulo: RT, 1975. p,
A tal respeito alertava Arruda Alvim que “£ curial que o vocábulo do art.
293.
■IIIII I I I III— — — ~~

ao consentimento da parte contrária. Se esta não concordar, a substituição ,i In a utilização de um procedimento próprio para que se proceda a sucessão
não poderá ser feita, devendo a causa continuar com o alienante ou cedente, da parte falecida, que está previsto nos art. 687 a 692, do CPC.
observados os efeitos referidos no § 3 ojá comentado. Mas se a parte contrária
(irosso modo, já que este procedimento será melhor analisado quando
anuir na substituição, ela se fará, e o alienante ou cedente será excluído do
do estudo dos procedimentos especiais, falecendo a parte originária e não se
processo.”.450 Nesse caso, pois, o adquirente ou cessionário poderá ingressai
tratando de direito que não admite a transmissão; a parte contrária ou os
no processo como parte, operando-se a extromissão da parte originária. Mas
sucessores do falecido deverão se habilitar nos próprios autos (art. 689), cujo
se a parte contrária não estiver de acordo com a sucessão processual que se
trâmite ficará suspenso até o trânsito em julgado da sentença de habilitação
operou, poderá o adquirente ou o cessionário intervir no processo como assis
(art. 692). Segue o procedimento com a citação da parte contrária (art. 690)
tente do alienante ou do cedente, fazendo-o na modalidade de assistência litis
e, se não houver impugnação ou necessidade de prova, com a imediata deci
consorcial (§2°), já que passa a ter uma relação jurídica com o adversário do
são julgando habilitado o sucessor (art. 691, inftne). Havendo impugnação e
assistido, sendo que a sentença proferida entre as partes originárias estende os
necessidade de instrução probatória, porém, será determinada a autuação em
seus efeitos ao adquirente ou ao cessionário (§3°).
separado do pedido, deliberando o magistrado quanto a sua instrução. Numa
Não há previsão expressa da maneira pela qual deverá se processar o inci ou noutra hipótese, conforme dispõe o art. 692, do CPC, “Transitada em ju l­
dente relativo à admissão da sucessão processual no feito. Daí, ocorrendo gado a sentença de habilitação, a causa principal retomará o seu curso;...”, jun
à sucessão voluntária e com a finalidade de agilizar a solução do incidente, tando-se aos autos respectivos cópia da sentença de habilitação.
deverão o sucedido e o sucessor, em petição simples, que não possui requisi
Cremos, aqui, que agiu mal a lei ao condicionar a tramitação do processo
tos específicos, pleitear a substituição, juntando o documento comprobatório
ao trânsito em julgado da decisão que promove ou não a sucessão processual.
da alienação ou da cessão. É conveniente, ainda, que seja formulado pedido
Isso porque o trânsito em julgado está sujeito ao esgotamento de todas as vias
sucessivo de assistência, para o caso de eventual discordância da parte contrá­
recursais, seja pela sua nào utilização, seja pela utilização de todos os recursos
ria. Em seguida, levando em conta os princípios da brevidade e da utilidade
disponíveis, situação que com certeza retardará sobremaneira a tramitação do
dos prazos processuais, deverá o magistrado fixar prazo para a manifestação
processo, praticamente o eternizando.
da parte contrária. Aceitando a sucessão ou mantendo-se inerte, o magistrado
determinará a substituição da parte e a alteração dos registros. Caso contrá­ Por fim, acompanhando o que já acontecia sob a vigência do CPC de 1973,
rio, admitirá o terceiro como assistente litisconsorcial. e deixando de positivar o art. 109, parágrafo único, de projeto anterior ao que
deu origem ao CPC, em que havia inovação no sentido de que “na ausência
Embora a lei também seja omissa a tal respeito, tendo o sucedido relação
de sucessores conhecidos, será nomeado curador especial”; deixou a lei atual
jurídica com o sucessor e podendo ser atingido pela eficácia natural da sen­
de regular lacuna existente no sistema anterior e que por vezes forçava uma
tença, nada impede que se habilite no processo como assistente simples, pro­
busca infindável por eventuais sucessores da parte falecida, o que levava a
curando auxiliar o sucessor a vencer a demanda.
uma demora exacerbada do processo. O problema, portanto, continua a exis
Além da sucessão voluntária, que se opera por vontade das partes, o art. tir até que uma eventual revisão do preceito possa inserir norma semelhante
110, do CPC, prevê a sucessão obrigatória, que decorre do falecimento de uma no sistema, em prol de um melhor desenvolvimento do processo.
das partes originárias do processo, situação que expressamente suspende o
curso do procedimento, na forma do art. 313,1, do CPC. Nessa hipótese prevê b) Sucessão dos procuradores.
Sendo regra em nosso sistema processual o fato de que a capacidade pos
450 BARBI, Celso Agrícola. C o m e n tá r io s a o c ó d ig o d e p r o c e s s o c iv il. 6* e.. Rio de Janeiro: Forense. tulatória é atribuída ao advogado, sendo vedado à parte, a não ser em casos
1991. v. I, p. 150.
excepcionados por lei, atuar livremente em juízo, torna se necessária a cons <um isso se evita que a parte ou o terceiro possam ser prejudicados pela perda
tituição de procurador para representá-la nos feitos em que lor autora ou i< de um prazo ou pela omissão quanto a prática de determinado ato processual.
bem como nos feitos em que atua como terceiro. Para isso a parte ou o terceiro, Ao contrário do que acontecia no sistema anterior, isso por expressa dis­
como vimos, outorga ao seu patrono procuração geral, fazendo nela constai posição do art. 112, §2°, do CPC, sendo vários os advogados da parte a comu-
poderes específicos, se for o caso, na forma prescrita no art. 105, do CPC. A nk ação da renúncia é dispensada, podendo o patrono sair imediatamente do
relação que se estabelece entre o constituinte e seu patrono, assim como acon leito, sem a necessidade de continuar a exercer os poderes que lhe foram con-
tece entre o médico e seu paciente, é uma relação baseada na confiança e, poi Iri idos por mais 10 dias.
isso, a qualquer tempo poderá ser desfeita, caso desapareça a confiança inicial
Isso se dá mediante a revogação da procuração por parte do constituinte ou
mediante a renúncia aos poderes recebidos por parte do patrono constituído 11.5. Substituição processual.
Nada obstante, se a revogação da procuração ou a renúncia aos poderv. Já observamos, quando do estudo da legitimidade da parte, que a lei prevê
recebidos acontece quando na pendência de processo judicial, há necessidad» icrtos modelos (tipos) denominados “situações legitimantes”, nos quais a
de regularizar a situação da parte no processo, na medida em que sua repre parte está legitimada para estar em juízo defendendo o direito que alega ter.
sentação processual passa a ser irregular e, portanto, o feito não pode seguii A coincidência entre a situação que a pessoa se atribui quando postula em
seu curso normal. Destas hipóteses tratam os art. 111 e 112, do CPC, que Jilízo (afirmação de direito contida na inicial) com a situação legitimante pre­
regulam, respectivamente, a revogação e a renúncia ao mandato. vista em lei consiste na legitimação ou legitimidade ordinária. Entretanto, a
Nesse passo, conforme impõe o art. 111, do CPC, se a parte revoga o man lei pode perm itir que outras pessoas que não sejam as titulares do direito ale­
dato outorgado ao seu advogado, para evitar que o feito sofra interrupção em gado estejam em juízo como partes legítimas, o que caracteriza a legitimação
seu regular andamento, deverá constituir outro patrono que venha a substi­ extraordinária.'51
tuí-lo. Embora a lei utilize a expressão “...no mesmo ato...”, isso não quer dizer Em outros termos, a legitimidade para estar em juízo, que decorre de uma
que há necessidade da constituição no mesmo instrumento. É perfeitamente situação prevista em lei, pode recair sobre o próprio titular do direito, ocasião
possível, e até mesmo normal, que a revogação aconteça por um instrumento cm que se denomina legitimidade ordinária; ou, sobre quem não é o titular
e a constituição de outro patrono por meio de outro instrumento, juntando-se do direito material alegado, o que se denomina legitimidade extraordinária.
ambos ao processo. Nesse caso, se o legitimado está autorizado a litigar sem anuência do titular
Ademais, dispõe o parágrafo único, do preceito em comento, que “não do direito a legitimidade extraordinária será autônoma; enquanto será deno­
sendo constituído novo procurador no prazo de quinze dias, observar-se-á o minada legitimidade extraordinária subordinada se sua atuação depende
disposto no art. 76.“; o que impõe a conclusão de que o magistrado somente da autorização do titular do direito posto em juízo. Por fim, a legitimidade
poderá extinguir o processo se a parte, intimada para regularizar sua repre­ extraordinária autônoma comporta, ainda, uma última subdivisão, no sen­
sentação no prazo lixado pelo juiz, quedar-se inerte. tido de ser concorrente ou exclusiva. Nesta a atuação do legitimado extraor­
dinário impede que o legitimado ordinário participe do processo como parte
Do mesmo modo,por força da regra constante do art. 112, do CPC, o advo­
gado poderá a qualquer tempo renunciar ao mandato, desde que comprove
que comunicou ao seu constituinte a renúncia, isso para que ele possa nomear BARBOSA MOREIRA, José Carlos. A p o n t a m e n t o s p a r a u m e s t u d o s i s t e m á t i c o d a le g itim a ç ã o
seu sucessor. Para que da renúncia não decorra prejuízo processual ao m an­ e x t r a o r d i n á r ia . RT 409/10. “Q u a n d o a s itu a ç ã o l e g i t i m a n t e c o in c id e c o m a s i t u a ç ã o d e d u z i d a e m
j u i z o , d i z - s e o r d i n á r i a a le g itim a ç ã o ; n o c a s o c o n tr á r io , a le g itim a ç ã o d i z - s e e x t r a o r d i n á r ia . /.../ O
dante, o renunciante continuará a representá-lo até dez dias após o ato (§1°). le g i t i m a d o o r d in á r io d e v e e n c o n t r a r n a s e n te n ç a a d is c ip lin a d e s u a p r ó p r i a s itu a ç ã o ; o le g ítim o
e x t r a o r d i n á r io , a d i s c ip lin a d e s i t u a ç ã o a lh e ia , t a l v e z s u s c e tív e l d e r e p e r c u tir n a s u a ."
principal, enquanto naquela o legitimado extraordinário e o ordinário podem
promover ou sofrer a ação em igualdade de condições.
Esta classificação, já vista anteriormente, assume grande relevância no qu<
toca a tutela coletiva, situação em que as espécies de legitimidade extraordl
nária podem ser encontradas com facilidade; mas representam uma exceção
cada vez menos utilizada quando se tratam de direitos individuais e, espe
cialmente, quando esses direitos também são de caráter patrimonial. Dal .1
razão pela qual dispõe o art. 18, do CPC, que “ninguém poderá pleitear dimt<<
alheio em nome próprio, salvo quando autorizado pelo ordenamento jurídico.
estabelecendo a hipótese de legitimidade extraordinária conhecida por subs
tituição processual.
Não são poucas, entretanto, as críticas à denominação substituição pro
cessual. A esse respeito ensina Waldemar Mariz de Oliveira Junior que “No
que tange à denominação dada ao fenômeno, lembramos a crítica de Ponlc»
de Miranda, que considera imprópria a designação utilizada por Chiovenda.
para salientar os casos em que não há coincidência entre os sujeitos das relações
processual e material. De acordo com 0 insigne Mestre, substituição é o que não
ocorre, sendo certo que a doutrina, ao falar em substituído, persiste, incons
cientemente, na atmosfera da concepção privatística do processo. E fo i isso que
aconteceu com Chiovenda. Conforme já afirmamos em nosso trabalho anterior,
entendemos, também, que a denominação não é feliz, pelas razoes apontadas
pelo festejado Pontes de Miranda. Ousaríamos, até, sugerir quefôsse 0 instituto
chamado de equiparação ou equivalência processual, uma vez que êsses têrmos
expressariam, com maior precisão, 0 fenômeno em estudo.” A denomina .4 H

ção substituição processual, porém, em que pesem as críticas formuladas, está


consagrada pela lei e pela doutrina pátria, sendo desaconselhável a sua alte­
ração, que poderia gerar ainda mais dúvida quanto ao conteúdo do instituto.
Quanto à definição do instituto, enquanto Waldemar Mariz de Oliveira
Junior sustenta que é o “...o instituto pelo qual é conferido a alguém legitimação
para, em nome próprio, agir em Juízo, como autor ou réu, na defesa do direito
alheio.,*153; Ephraim de Campos Junior aduz que “Podemos, portanto, concluir
que a substituição processual sempre ocorre quando presentes simultaneamente*4 53

,s; OLI VF.IRA JUNIOR, Waldemar Mariz de. S u b s t i t u i ç ã o p r o c e s s u a l. São Paulo: RT. 1971. P. 89.
453 Idem.
d» seguintes requisitos: a) o lei atribuir a alguém direito de ação de molde a que
P»\e possa agir, em nome próprio, para a tutela de direito material alheio ; b) o
titular daquele direito material estiver ausente naquela ação como parte (prin
i Ipal).”.*** Em outros termos, a substituição processual, por força do disposto
lio art. 18, do CPC, pode ser definida como o instituto por meio do qual o
•ubstituto pleiteia direito alheio em nome próprio, desde que expressamente
autorizado por lei.
Ocorrendo a substituição processual, o substituído será atingido pela efi-
. <kia da sentença proferida no feito do qual não participou, em especial por-
»|Utí com relação a ele se opera coisa julgada formal e material. Nesse sentido
.1 opinião de Ephraim de Campos Junior ao discorrer no seguinte sentido:
‘Assim, como assinala Arruda Alvim, do ponto de vista processual, a conse­
quência mais importante da substituição processual consiste precisamente em
que a sentença proferida, no processo, produz efeitos, revestidos da autoridade
iIa coisa julgada, para quem não fo i parte processual, pois atinge alguém que
ficou estranho ao processo; os efeitos da sentença atingem não só o substituto
Indiretamente (preclusão - coisa julgada formal), como também diretamente
aquele que ficou fora do processo, isto é, o substituído.".'55
Ressalte-se, por fim, que ao contrário do CPC de 1973, que era omisso
quanto ao tema, o art. 18, parágrafo único, do CPC, dispõe que havendo subs­
tituição processual o juiz determinará que seja dada ciência ao substituído
da pendência do processo, o que se faz mediante sua intimação, isso para
que possa, querendo, participar do feito. Se o substituto comparece ao pro­
cesso cessa a substituição processual, procedendo-se a sucessão automática da
parte, independentemente da aceitação da parte contrária, como necessaria­
mente deve acontecer na sucessão processual supra analisada.

Verificação de Aprendizagem
P A R T E 01.
01. Qual a diferença entre capacidade civil, capacidade processual e
capacidade postulatória?

IV*
CAMPOS JUNIOR, Ephraim de. S u b s titu iç ã o p r o c e s s u a l. São Paulo: RT, 1985. p. 20.
.-r< n T T

02. Há diferença entre o curador à lide e o curador dc ausentes? (M Não concordando a parte contrária com a sucessão voluntária, como
03. Pode o curador de ausentes reconhecer juridicamente o pedido do autoi poderá o sucessor intervir no processo?

04. Em que circunstâncias os cônjuges estarão obrigados a litigar como 01 Na substituição processual (art. 18, do CPC), o substituído é atingido
litisconsortes passivos necessários? pela coisa julgada?

05. Como se processa o incidente para suprir o consentimento do cônjuge


que se nega a consentir com a propositura de ação real imobiliária? iManificação para aula
06. Em quais hipóteses é possível desconsiderar a personalidade da pesso.i AULA 01.
jurídica para que o sócio responda por seus débitos?
01 Capacidade civil, capacidade processual e capacidade postulatória.
07. O que é desconsideração inversa?
02. Capacidade processual.
08. Como se processa o incidente de desconsideração da personalidade
- Análise dos arts. 70 a 76, do CPC.
jurídica?
- Incapazes. Curador da lide e curador de ausentes.
P A R T E 02.
- Cônjuge. Participação nos polos ativo e passivo. Incidente de suprimento
01. Descumprida decisão mandamental, está o advogado sujeito à penalidade
do consentimento.
prevista no art. 77, do CPC? E o magistrado?
- Representação das pessoas jurídicas e das universalidades.
02. Pode o juiz reconhecer a litigância de má-fé em hipóteses diversas das
contidas no art. 80, do CPC? - Regularização da capacidade processual em juízo.
03. É possível, em casos excepcionais, a condenação do advogado como 03. Desconsideração da personalidade jurídica.
litigante de má-fé? - Hipóteses de cabimento - Expressa previsão legal.
04. O juiz ou o Tribunal estão sempre obrigados a ouvir previamente a parte - Regra geral - art. 50, do Código Civil.
antes de impor condenação pela litigância de má-fé?
- Perfil do incidente: natureza jurídica, processamento e efeitos da
05. Quais as penalidades que podem ser aplicadas ao litigante de má-fé? decisão.
06. Em se tratando de Justiça gratuita, como são pagas as despesas atinentes AULA 02.
a realização da prova pericial?
01. Princípio da lealdade processual.
07. Estão o relator ou o órgão colegiado obrigados a arbitrar honorários
- O conteúdo do art. 77, do CPC.
recursais em face da mera interposição de recurso?
- Cumprimento das decisões judiciais - Inciso IV.
08. Omissa a inicial quanto ao pedido de condenação nas verbas da
sucumbência, como deve agir o magistrado? - Fixação e exigibilidade da multa.

P A R T E 03. - Aplicação da multa às partes e aos terceiros intervenientes. Exclusão


dos profissionais integrantes de carreiras jurídicas e dos advogados
01. Há diferença entre sucessão processual e substituição processual?
particulares.
02. Quais são as espécies de sucessão processual?
02. Litigante de má-fé.
- Taxatividade do art. 80, do CPC.
- Possibilidade de condenação do advogado como litigante de má-fé.
- Critério da “diligência devida" x critério da “manifesta desnecessidad<
- Casos em que a oitiva prévia da parte não é necessária ante* da
condenação como litigante de má-fé.
- Penalidades: a) multa em montante que não deverá ser inferior a do!»
por cento, nem superior a dez por cento, do valor corrigido da causa
b) indenização pelos prejuízos que o litigante de má-fé causou a parU
contrária; e, c) condenação ao pagamento dos honorários advocatícios *■
de todas as despesas que efetuou.
03. Despesas processuais.
- Custas processuais e as despesas processuais propriamente ditas.
- Despesas para realização da prova pericial: fazenda pública e justiça
gratuita.
- Honorários advocatícios:
a) Natureza - verba ressarcitória.
b) Parâmetros de fixação - Art. 85, do CPC.
c) Casuística.
AULA 03.
01. “Perpetuatio legitimationis”. A propositura do feito implica a fixação das
partes e da sua legitimação para a causa até o seu final; sendo possível
eventual alteração apenas nas hipóteses previstas em lei, que tratam da
sucessão das partes no curso do processo.
02. “Substituição processual” X “sucessão processual".
03. DEFINIÇÃO: Sucessão processual é o fenômeno da sucessão da parte
originária no processo, que se dá porque alguém adquire direitos com
relação à coisa litigiosa ou com relação ao objeto litigioso; ou, porque
sucede a parte em razão de seu falecimento.
a) a voluntária ou inter vivos (art. 109)
04. ESPÉCIES
b) obrigatória ou causa mortis (art. 110).
a) a voluntária ou inter vivos (art. 109)
- Sucessão mediante a concordância da parte contrária (109, §1).
- Sucessor recusado como assistente litisconsorcial (109, §2°).
- Sucedido aceito como assistente simples.
- Procedimento do incidente.
- Amplitude da sentença (109, §3°).
b) obrigatória ou causa mortis (art. 110).
- procedimento de habilitação (art. 658 a 690).
05. SUCESSÃO DOS PROCURADORES.
06. SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL.

Ilibliografia
ARRUDA ALVIM, José Manuel de. Código de Processo Civil Comentado. São
Paulo: RT, 1975.
BARBI, Celso Agrícola. Comentários ao código de processo civil. 6a e.. Rio de
Janeiro: Forense, 1991.
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Apontamentos para um estudo sistemático
da legitimação extraordinária. RT 409/10.
CAMPOS JUNIOR, Ephraim de. Substituição processual. São Paulo: RT, 1985.
CAPPELLETTI, Mauro, GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Porto Alegre:
SAFE, 1988.
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CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. Campinas:
Bookseller, 1998. v. 3.
COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial. 17a e.. São Paulo: Saraiva,
2006.
CORRÊA TELLES, José Homem. Doutrina das acções. Rio de Janeiro: Jacin
tho Ribeiro dos Santos, 1918.
CRESCÍ SOBRINHO, Elicio. O dever de veracidade das partes no processo civil.
Porto Alegre: SAFE, 1988.
DE VICENZI, Brunela Vieira. A boa fé no processo civil. São Paulo: Atlas, 200 »
12. LITISCONSÓRCIO
DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma da reforma. 2* e.. São Paulo
Malheiros, 2002.
DINIZ, Maria Helena. Novo Código Civil Comentado. Coord. FIÚZA, Ricardo 12.1. Definição. 12.2. Classificação. 12.2.1. Litisconsórcio unitário ou simples, a) Dis­
São Paulo: Saraiva, 2003. tinção do litisconsórcio necessário, b) Conteúdo. 12.2.2. Litisconsórcio necessário ou
facultativo, a) Distinção, b) Limitação do litisconsórcio facultativo. 12.3. Princípio da
DUARTE, Nestor. Código civil comentado. Coord. PELUSO, Cezar. 4“ e autonomia dos litisconsortes. 12.4. Intervenção iu s s u iu d ic is .
Barueri: Manole, 2010.
LEÂO, Adroaldo. O litigante de má-fé. Rio de Janeiro: Forense, 1982. 12.1. Definição.
LOPES, João Batista. A prova no direito processual civil. 3a e.. São Paulo: RT,
Já tivemos a oportunidade de estudar a conexão de causas, fenômeno que
2006.
iletermina a reunião de feitos para julgamento conjunto. Ali existe o que se
OLIVEIRA JUNIOR, Waldemar Mariz de. Substituição processual. São Paulo denomina cumulo objetivo, ou seja, a reunião de dois ou mais feitos para jul­
RT, 1971. gamento por meio de uma mesma sentença; situação que também acontece
OLIVEIRA NETO, Olavo, OLIVEIRA, Patrícia Elias Cozzolino de. A neces quanto o autor formula pedido complexo, isto é, numa mesma inicial formula
sidade de pedido específico na ação de indenização por dano moral. In iliais de um pedido. Aqui passamos a analisar o chamado cumulo objetivo,
Revista do IASP. São Paulo: RT, Janeiro/Julho de 2009. Ano 12, n° 23. que nada mais é do que a existência de mais de uma pessoa num ou em ambos
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcante. Comentários ao Código de ns polos do processo. Tem-se, então, um litisconsórcio.
Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1947. A própria palavra, por si só, já dá ideia daquilo que ela representa, na
SILVA, Ovídio Baptista. Comentários ao código de processo civil. São Paulo: medida em que a sua decomposição e inversão implica a formula “consórcio +
RT, 2000. lide", a indicar que se está tratando de pessoas que agem em conjunto numa
determinada demanda.
STOCO, Rui. Abuso do direito e má-fé processual. São Paulo: RT, 2002.
Na vigência do CPC de 1973 asseverava Ovídio Baptista da Silva que “Dis­
THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 47a e.. Rio
põe o art. 46 que poderão litigar duas ou mais pessoas, num mesmo processo,
de Janeiro: Forense, 2007. v. I.
em conjunto, ativa ou passivamente. Trata-se de uma espécie de pluralidade de
WAMBIER, Luiz Rodrigues, WAMBIER, Teresa Arruda Alvirn, MEDIDA, partes, ou de um cúmulo subjetivo de partes, form ador de um litisconsórcio
José Miguel Garcia. Breves comentários à nova sistemática processual Nem todo o cúmulo subjetivo de partes corresponde, no entanto, a um litis
civil. São Paulo: RT, 2005. consórcio. Diz-se que há litisconsórcio quando figuram na relação processual,
reunidos por algum interesse comum , dois ou mais autores, ou dois ou mais
» » .1 Q A
reus.. ,56
Dessa definição não diferem substancialmente as definições de Ernani
lidelis dos Santos e de João Batista Lopes ao ensinarem, respectivamente, que
"ü litisconsórcio é pluralidade de partes. E, se partes são o autor, que pede, e o*19
4

1 SILVA, Ovídio Baptista da. C o m e n t á r i o s a o C ó d ig o d e P r o c e s s o C iv il. São Paulo: RT, 2000. v. 1. p


194.
•t »"« r W > W W H 'W f ^ M U í v i n u r i i n r n n u i i n u m jk n j n / r m /V .|J JU /

réu, contra quem se pede, sempre haverá litisconsórcio, quando houver mais </•
um autor, ou mais de um réu."1'''; e, que "Litisconsórcio é, pois, o vinculo qiu
se estabelece entre duas ou mais pessoas que ocupam, num mesmo processo, ii
posição de autores ou réus.”.*n
Destarte, utilizando a mesma perspectiva dos autores citados, podemos
definir litisconsórcio como a pluralidade de sujeitos em um ou em ambos o
polos da relação jurídica processual.

12.2. Classificação.
Ao contrário do que sucede com outros institutos processuais, não há vai 1.1
ção relevante com relação à classificação das formas de litisconsórcio. Assim,
a doutrina mais aceita formula classificação fundada em quatro aspectos: .1)
quanto à posição ocupada no processo - ativo, passivo e misto; b) quanto no
momento da sua formação - inicial ou ulterior; c) quanto à obrigatoriedade 1I1
participação no feito - necessário ou facultativo; e, d) quanto ao conteúdo dn
sentença - unitário ou simples.
v As duas primeiras categorias não apresentam grau maior de dificuldadt
O litisconsórcio será ativo quando reúne várias pessoas no polo ativo do pro
cesso, será passivo quando reúne várias pessoas no polo passivo do processo
e será misto quando reúne várias pessoas no polo ativo ao mesmo tempo em
que reúne várias pessoas no polo passivo do processo. Por seu turno, teremos
um litisconsórcio inicial quando este se forma no momento em que a ação
é proposta e um litisconsórcio ulterior ou posterior, quando a sua formação
acontece após o momento em que 0 feito foi distribuído.
As demais categorias, entretanto, têm sido objeto de amplos e profundos
estudos, seja aqui, seja no exterior, suscitando problemas bastante complexos
e de difícil solução, na forma que doravante teremos breve notícia.458

15 SANTOS, F.rnane Fidélis dos. M a n u a l d e d ir e ito p r o c e s s u a l c iv il. 12* e.. São Paulo: Saraiva, 200H
v. 1. p. 71.
458 I.OPES, João Batista. C u r s o d e d ir e ito p r o c e s s u a l c iv il. São Paulo: Atlas, 2005. p. 191.
12.2.1. Litisconsórcio unitário ou simples. < ' ^
it) IJistinção do litisconsórcio necessário.
A primeira questão que se apresenta com relação ao litisconsórcio unitá
(In diz respeito a isolar seu conceito e o seu regime jurídico do conceito c do
i»’Hlme jurídico do litisconsórcio necessário, na medida em que nem sempre
Itmive uma nítida separação entre os institutos, chegando o litisconsórcio uni
I n to a ser compreendido como uma espécie do litisconsórcio necessário.
Cfomentando o tratamento legal que foi atribuído ao litisconsórcio pelo
projeto que acabou dando origem, após alterações, ao CPC de 1973, embora
entendesse que os institutos em tese não se confundiam, aduzia José Carlos
ll.ii bosa Moreira que "Já a vista do art. 56, caput, do Anteprojeto, o litisconsórcio
unitário terá que ser considerado como espécie do gênero litisconsórcio necessá
uo, uma vez que a presença de todos os co-interessados no processo é corolário
tnafastável do fato de precisar o juiz decidir a lide de modo uniforme'.":'™
Nesse mesmo sentido, mas já sob a vigência do referido diploma, assinalava
Contes de Miranda que “Litisconsórcio unitário é o litisconsórcio necessário em
que é exigida a unitariedade. Foi isso que sempre mostramos. Todos os litiscon
■ireios unitários são litisconsórcios necessários, mas nem todos os litisconsór-
rios necessários são unitários. O art. 47 referiu-se a unitariedade como causa
ila necessidade.”.*60
Realmente, a redação do art. 47, do CPC de 1973, ao dizer que “há litis-
i onsórcio necessário, quando, por disposição de lei ou pela natureza da relação
luridica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes;
", induzia o intérprete a conclusão de que todo litisconsórcio unitário tam ­
bém seria um litisconsórcio necessário, transformando este em gênero com
relação àquele. Já se entendia, entretanto, que a má redação do preceito não
implicava a confusão das espécies, explicando Cândido Rangel Dinamarco
que “A nossa lei não merece, como se vê, as injustas críticas que, desse ângulo,
lhe têm sido movidas; não é correto pensar que ela tenha feito confusão entre os
conceitos de litisconsórcio unitário e necessário, nem que haja disposto aquele

‘ BARBOSA MOREIRA, José Carlos. L itis c o n s ó r c io u n itá r io . Rio de Janeiro: Forense, 1972. p. 22H
P O N T E S D E MIRANDA, Francisco Cavalcante. C o m e n t á r i o s a o C ó d ig o d e P r o c e s s o C iv il. R io d r
Janeiro: Forense, 1973. p. 30.
corno subespécie deste. O que elu diz, nu sua linguagem que reconheço ser pota o
clara, é que se aferirá a necessariedade a partir da unitariedade, podendo <>t oi
rer aquela também sem esta, sempre que a lei específica o determine (infra
n. 29). Peca o art. 47, em substância, apenas por não anunciar também </n.
casos existem de litisconsórcio unitário não necessário, como todos sabemos qn,
existem;...”.46'
Nesse mesmo sentido, dentre outros, a posição dos seguintes autores:
a) Arruda Alvim - “De um modo geral a doutrina tem considerado o lilh
consórcio unitário como uma espécie do litisconsórcio necessário, ao qual, o h
último colocar-se-ia como gênero. [...] O nosso legislador, seguindo praticamenh
a torrencialidade da nossa doutrina anterior, aparentemente subordinou o litls
consórcio unitário ao necessário. [...] O litisconsórcio unitário tem fisionomia t
função autônomas. É certo que, na sistemática atual, o litisconsórcio necessá
rio, na maioria das hipóteses, implicará, no plano do direito material, darsorh
idêntica a todos os litigantes. [...] No entanto, o litisconsórcio unitário há </«
ser entendido como tendo sido disciplinado como figura autônoma, por varia *
razões: ...”.462
b) Celso Agrícola Barbi - “A fórmula legal é defeituosa por vários moüvo\
em primeiro lugar, porque nem sempre a solução uniforme da causa em relação
a todas as partes (litisconsórcio unitário) produz litisconsórcio necessário.”.4"'
c) Mathias Lambauer - “O texto da nova lei tem sido acoimado de retro
grado de vez que não teria acompanhado a evolução da ciência processual <
errados estariam mesmo os conceitos que enuncia em sua definição, na medido
em que, definindo todo litisconsórcio de necessária decisão uniforme como lilis
consórcio de necessária presença à lide, teria, ademais, incidido na indistinção
conceptual assinalada, por não distinguir entre o litisconsórcio necessário e o
unitário. Se nem todo litisconsórcio unitário é necessário, não lhe seria dado
pressupor a necessidade litisconsorcial, sempre que possível a incidência da
necessária decisão uniforme, em face de uma pluralidade de partes.”.464

161 DINAMARCO, Cândido Rangel. L itis c o n s ó r c io . São Paulo: RT, 1984. p. 114.
M ARRUDA ALVIM, José Manuel de. C ó d ig o d e P ro c e s so C i v i l C o m e n ta d o . São Paulo: RT, 1975. p
387-390.
w BARBI, Celso Agrícola. C o m e n t á r i o s a o C ó d ig o d e P r o c e s s o C iv il. 6* e.. Rio de Janeiro: Forense.
1991. p. 276.
*** LAMBAUF.R, Mathias. D o litis c o n s ó r c io n e c e s s á r io . São Paulo: Saraiva, 1982. p. 104.
r — “—
il) Cássio Scarpinella Bucno "O fato é que hoje predomina, na dou
tuna brasileira, o entendimento de que o litisconsórcio necessário não guarda
nenhuma relação cotn o litisconsórcio unitário e vice-versa. Não obstante a
icdação do art. 47, que, inequivocadamente, define o litisconsórcio necessário
itinto unitário, os critérios de classificação de uma e de outra espécie de litis-
ionsórcio não são os mesmos e, por isto, podem, ou não, conviver ambas auto-
mnnamente. Pode haver litisconsórcio necessário sem que ele seja unitário e
unitário que não seja necessário. É dizer de forma bastante direta: não é porque
tmi litisconsórcio é necessário que ele também será unitário e não é porque um
litisconsórcio é unitário que ele será também necessário.”.™
De todo o exposto, portanto, nota-se que ainda sob a égide do CPC de 1973
11A0 era possível, tecnicamente, confundir o litisconsórcio necessário com o
litisconsórcio unitário, na medida em que este é classificado em face da uni-
Inrmidade do sentido da decisão para todos os litisconsortes, enquanto aquele
iliz respeito à necessidade da participação de alguém num determinado feito.
Visando pôr fim a tal polêmica o art. 116, do CPC, definiu o litisconsórcio
unitário salientando que "O litisconsórcio será unitário quando, pela natureza
iIn relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todos
M litisconsortes."; colocando em relevo que para esta espécie de litisconsórcio
o que importa é a uniformidade da decisão e não a participação ou não das
pessoas no processo.

b) Conteúdo.
Ao litisconsórcio unitário se opõe o litisconsórcio simples. Enquanto aqui
0 conteúdo da sentença poderá ser diverso para os litisconsortes, lá o conte­
údo da sentença deverá ser idêntico para todos os litisconsortes, sob pena de
nu Iidade.
Explicando tal distinção ensina João Batista Lopes que “Quanto à natureza
iIn sentença, o litisconsórcio pode ser simples (comum) ou unitário. Simples é
o litisconsórcio se não houver necessidade de a sentença dar a mesma solução
turídica para os litisconsortes, isto é, a mesma sorte no plano do direito mate-
rial (no exemplo dos funcionários que propõem ação pleiteando vantagens,
uns poderão vencer outros não). Unitário será o litisconsórcio se, em razão da

BU ENO, Cássio Scarpinella. P a r te s e te r c e ir o s n o p r o c e s s o c iv il b ra s ile ir o . São Paulo; Saraiva, 2003.


p. 94.
natureza da relação jurídica, a sentença tiver de dar aos litisconsortes traia
mento uniforme (exemplo: na ação demolitória de um prédio de apartam ,"
tos, em que todos os réus (condôminos) serão atingidos, a sentença não podem
ser contrária a uns e favorável a outros, mas terá de dar solução idêntica ,<
todos).” *66
Em verdade, porém, já tivemos a oportunidade de adiantar nosso pmi
cionamento a respeito do tema quando tratamos da conexão de causas, olli
mando que “...não é incomum encontrar explicações no sentido de que as causa
da conexão são: a) a necessidade de evitar julgados contraditórios e b) a ecotia
mia processual; o que efetivamente não é correto. Isso porque a contradição do
julgados e o desperdício de atividade jurisdicional não são propriamente causo
da conexão, mas sim uma possível consequência de se decidir mais de uma n
acerca de uma mesma relação jurídica de direito material. Usando um exem
pio diuturno pense-se na criança que vai até a mãe, que está na sala da casa
e pede para brincar na casa do vizinho. A mãe nega o pedido e o filho, então
vai até o pai, que também está na sala, e formula novamente o mesmo pedido
sendo que o pai permite a saída do filho. A contradição das ordens, e a provai,1
discussão que lhe seguirá, decorrem do fato de que o mesmo pedido fo i do i
dido duas vezes por pessoas diversas. O mesmo acontece com as causas conexa •
quando julgadas por juiz diferente, quando as decisões podem ser contradito
rias e até mesmo, conforme a situação, inexequíveis. Portanto, se as causas s á o
conexas porque veiculam seguimentos diversos de uma mesma relação jurídit o
de direito material, então é consequência do vínculo de conexidade que os jul
gados sejam uniformes. Também seria atentar contra o princípio da economia
processual decidir mais de uma vez a mesma relação jurídica de direito mal,
rial. Em suma: os julgados não podem ser contraditórios e haverá desperdicm
de atividade judicante porque a relação jurídica material é a mesma nas duu
causas. Ambos argumentos são uma consequência de se decidir por duas vt\v
uma mesma coisa e não causa para a reunião de ações conexas. Ocorre aqui
o mesmo fenômeno que se verifica nos casos de litisconsórcio unitário, em qm
a decisão deve ser uniforme para todos os litisconsortes porque existe apenu ■
uma lide, isto é, as causas devem ser julgadas numa mesma sentença porque a
relação jurídica de direito material é única.”.

466
LOPES, p. 192.
Nesse mesmo sentido é o entendimento de Tereza Alvim ao af irm ar cjuc:
Imitindo explicar o significado e a abrangência do litisconsórcio unitário, jií
/i»/ dito por vários autores, que nele o pedido é uno, que se faz essencial, haju
ioiii idade de pedido e de causa de pedir, ainda que a esses elementos se acres
■ mia o da impossibilidade de serem, ao pedido, contrapostas defesas diversas
■ por fim, que a decisão importe em certo grau de constitutividade, vale dizer,
ipic esta sentença tenha, embora sem mesmo grau de preponderância, efeitos
■imstitutivos. Estas colocações do problema resultaram de enfoque mais escor
irllo a ele dado, mais minucioso do que a que simplesmente afirma ser o litis
tonsórcio unitário aquele que deve ser decidido de maneira uniforme para as
partes litisconsorciadas. Tem-se, então, só se tratar de litisconsórcio unitário,
i iii havendo uma só lide a ser decidida pelo Estado-juiz .”.4<’7
Em suma, portanto, entendemos que a decisão no caso do litisconsórcio
unitário deverá ser idêntica para os litisconsortes apenas em razão do fato
'li que a relação jurídica controvertida é única, não se admitindo decidir de
turma diversa uma mesma controvérsia. Já nas hipóteses de litisconsórcio
unples não existe unicidade da relação jurídica de direito material controver
lulo, decidindo o juiz as várias controvérsias em uma mesma sentença.

12.2.2. Litisconsórcio necessário ou facultativo.

.1) Distinção.
Quanto à obrigatoriedade de participação de uma determinada pessoa no
processo, o litisconsórcio se classifica em necessário ou facultativo. Enquanto
nesse caso a participação não é obrigatória, mas uma mera faculdade da parte,
naquele a participação resta obrigatória, sob pena de ineficácia da decisão
proferida.
Ainda sob a vigência do CPC de 1973, João Batista Lopes nos apresentava a
'.cguinte lição: “quanto á natureza do vínculo, 0 litisconsórcio poderá ser neces­
sário ou facultativo. Diz-se necessário o litisconsórcio que não pode deixar de ser
admitido, seja em razão de determinação legal, seja por força da relação juri
dica de direito material. Em certas hipóteses, a própria lei impõe a formação do
litisconsórcio, como na ação reivindicatória de imóvel em que devem ser citados
1orno litisconsortes (réus) 0 marido e a mulher (litisconsórcio necessário). Em

ALVIM, Tereza. O d ir e ito p r o c e s s u a l d e e s ta r e m j u i z o . São Paulo: RT, 1996. p. 152.


outras, a constituição do litisconsórcio depende da vontade humana, como no
ação de pensionistas que se unem para, com o mesmo fundamento jurldho
pedira revisão do benefício (litisconsórciofacultativo)".*6*
Atualmente previsto no art. 114, do CPC, haverá litisconsórcio necessário
quando a eficácia da sentença depender da citação de todos os litisconsortes. o
que acontece por expressa disposição legal ou em razão da natureza da relaçtl<•
jurídica controvertida que será objeto de decisão. Nesse caso, se todos aquolf
que estão obrigados a participar do feito não se fizerem presentes, a sentem,.»
de mérito proferida não produzirá qualquer eficácia quanto aos litisconsorti»
ausentes, isso por expressa vedação da regra contida no art. 115, II, do CP(
Diante do exposto, observa-se que a obrigatoriedade de participa», .0 ■
decorre de dois fatores diversos: a) da expressa determinação da lei ou I»)
em razão da natureza da relação jurídica discutida. Na primeira hipótese n
legislador, por critérios de opção legislativa, enumera que os litigantes devem
necessariamente participar do processo na qualidade de litisconsortes. Bas
tante didática a esse respeito a comparação do conteúdo do art. 952,46469do CP<
8
de 1973, com o conteúdo do atual art. 575,470 do CPC. Isso porque ocorreu ,1
transformação de um litisconsórcio necessário por força de lei em litiscon
sórcio facultativo, o que demonstra que só existirá tal espécie quanto houvn
norma expressa prevendo a sua ocorrência, isto é, vigora a ideia da taxativl
dade, que não pode ser interpretada como implícita ao sistema.
Já na segunda hipótese 0 regime de obrigatoriedade se dará em razão da
natureza da relação jurídica que será objeto de decisão judicial. Isso porque,
como não há possibilidade do magistrado decidir a relação jurídica de form.i
diferente para ambos os litisconsortes, todos deverão participar do feito. I
o caso da ação de anulação de casamento proposta pelo Ministério Público,
em que a decisão proferida anulará o casamento para ambos os cônjuges, não
sendo viável a anulação do vínculo para um deles e a sua manutenção para 0
outro. Nessas hipóteses, cremos, além de necessário, o litisconsórcio também
será unitário.

468 LOPES, p. 192.


A r t . 9 5 2 . Q u a l q u e r c o n d ô m i n o é p a r t e le g itim a p a r a p r o m o v e r a d e m a r c a ç ã o d o im ó v e l c o m u m ,
c i t a n d o - s e o s d e m a i s c o m o litis c o n s o r te s ." . (grifo nosso)
470 “A r t . 575. Q u a l q u e r c o n d ô m i n o é p a r t e le g ítim a p a r a p r o m o v e r a d e m a r c a ç ã o d o im ó v e l c o m u m ,
r e q u e r e n d o a i n t i m a ç ã o d o s d e m a i s p a r a , q u e r e n d o , i n t e r v i r n o p ro c e ss o ." , (grifo nosso)
Sendo o litisconsórcio necessário formado no polo passivo, ao despachar
a inicial e em obediência ao disposto no art. 115, paragrafo único, do CPC,
ilcverá o juiz determinar sua emenda, isso para que o autor requeira expressa
mente a citação de todos aqueles que deveríam ter sido indicados como litis
Hinsortes passivos, sob pena de indeferimento da inicial; embora o preceito
liu,a referência, de forma imprecisa, a extinção do processo, quando este ainda
nào foi nem mesmo recebido.
|á o litisconsórcio facultativo vem previsto no art. 113, do CPC, que repete
paicialmente a redação do art. 46, do CPC de 1973, aduzindo que “Duas ou
mais pessoas podem litigar, no mesmo processo, em conjunto, ativa ou passi
i’íimente, quando: I - entre elas houver comunhão de direitos ou de obrigações
ielativamentc à lide; II - entre as causas houver conexão pelo pedido ou pela
<ousa de pedir: III - ocorrer afinidade de questões por um ponto comum de fato
ou de direito.”.
Ao tratar do fenômeno da conexão de causas já tivemos a oportunidade de
analisar o conteúdo deste preceito, observando que o inciso I trata da “comu­
nhão de direitos e obrigações relativamente à lide ”, que nada mais é do que a
identidade do objeto litigioso, sendo diversos seus titulares. Em outras pala­
vras, existe comunhão de direitos e obrigações entre as pessoas que estão na
mesma qualidade perante o direito ou a obrigação. É o caso, dentre outros,
ilos coproprietários e dos devedores solidários. Daí, se o que aqui se pretende
ó facultar a possibilidade de eleger litisconsorte àqueles que são titulares dos
mesmos direitos e obrigações na órbita do Direito Material, então existe uma
relação jurídica material comum como fato determinante do litisconsórcio
facultativo; embora possa ser ela cindida em vários segmentos. Já o inciso II,
que trata do litisconsórcio devido à conexão pelo objeto e pela causa de pedir,
abarcando todos os casos que eram previstos pelo antigo inciso II, do art.
•16, do CPC de 1973, que tratava dos casos de direitos e obrigações derivados
ilos mesmos fundamentos de fato e de direito. Isso porque, se a causa petendi
pode ser decomposta em fatos e fundamentos jurídicos, então as hipóteses do
antigo inciso II, repetida em alguns dos projetos anteriores ao que deu origem
ao atual CPC, necessariamente faziam parte da causa de pedir mencionada
no antigo inciso III, atual inciso II, do art. 113, do CPC. Nesse sentido, aliás, o
alertava de Henrique Fagundes Filho, que diz: “A hipótese do inc. II do art. 46,
do CPC é, na verdade, despicienda, porquanto já se acha incluída no preceito
mais amplo do inc. III desse mesmo artigo...".*'1 Agiu muito o atual diploma
portanto, ao fundir as hipóteses repetitivas tratadas pela lei anterior.
Por fim, o inciso III trata da afinidade de questões, que é a posição adotada
por Carnelutti para definir a existência de conexão entre dois feitos, tratada
com amplitude no item 10.2.3 “a” desta obra.
Destarte, repetindo afirmação que lançamos quando do estudo do cúmulo
objetivo de feitos (conexão), o art. 113 adotou, para definir as hipóteses de
litisconsórcio facultativo, critérios das três principais teorias acerca da cone
xão: a) a teoria tradicional, b) a teoria da identidade de questões, e, c) a teoria
materialista; às quais se remete o leitor (capítulo 10).
b) Limitação do litisconsórcio facultativo.
A formação do litisconsórcio facultativo não fica ao exclusivo alvedrio do
autor, que elege os sujeitos ativos e passivos que irão litigar na ação proposta
Isso porque os parágrafos do art. 113, do CPC, permitem a limitação do litis
consórcio facultativo, seja no polo ativo, seja no polo passivo, com a finalidade
de otimizar a prestação da tutela jurisdicional.
Como o art. 113, §2°, do CPC, alude expressamente a pedido de limitação
do litisconsórcio, pode pairar dúvida quanto à possibilidade do juiz deternu
nar ex officio a limitação. A esse respeito, porém, já sustentava a doutrina, ao
analisar o art. 46, parágrafo único, do CPC de 1973, que também tratava da
limitação, ser possível ao magistrado reconhecer sem provocação a necessi
dade de limitar os litisconsortes. A tal respeito sustentavam Ovídio Baptisla
da Silva que “A relação deste parágrafo único pode sugerir que o juiz somente
estaria autorizado a limitar o número de litisconsortes quando tal limitação
seja requerida pela parte interessada. Esta não ê, porém, a exegese correta
do dispositivo sob exame. O juiz poderá, de oficio, limitar o número deles a
partir do momento em que lhe parecer prejudicial a admissão de novos litis
consortes.'1*72-, e, Fredie Didier Junior que “O magistrado, fundado no possível
comprometimento à rápida solução da demanda, pode limitar ex officio esse

4,1 FAGUNDES FILHO. Henrique. A c o n e x ã o d e c a u s a s . São Paulo: Setor de Pós-Graduação. Ponti


ficia Universidade Católica de São Paulo - PUCSP, 1988. p. 355.
47J SILVA. p. 206.
litisconsórcio ativo. Nào há um número predeterminado e máximo de litiscon
tortes: o caso concreto é que vai dizer qual é o número aconselhável. ’. '•'*
A essas opiniões acrescentamos que além da possibilidade de limitar de
nllclo o litisconsórcio, a utilização da locução poderá , constante do §1", deverá
ri lida como deverá, sendo obrigatório ao magistrado limitar o litisconsórcio
quando perceber a presença de uma das hipóteses previstas em lei para que
aconteça a limitação. Isso porque a manutenção do litisconsórcio na presença
tl.is hipóteses legais de limitação representa, em derradeira análise, infringên
i la aos princípios da celeridade processual e da ampla defesa, em desobediên
«ia ao modelo que a Constituição da República imprime ao processo.
Hssa limitação, que poderá se dar tanto na fase de conhecimento, quanto
na fase de execução, deverá acontecer quando o número de litigantes: a) puder
i omprometer a rápida solução do litígio, b) dificultar o exercício do direito de
defesa ou c) dificultar o cumprimento da sentença (art. 113, §1°). Embora as
hipóteses legais representem conceitos indeterminados e que, por isso, exigem
a realização de um juízo de valor pelo magistrado,474 reconhecida a presença
de qualquer destas situações deverá operar-se a limitação.
Nesse passo, percebendo que se trata de caso em que deve acontecer a limi-
laçào, deverá o magistrado determinar a manifestação do sujeito ativo acerca
do tema e, em seguida, proferir sua decisão. Do mesmo modo, formulado o
pedido pelo sujeito passivo, o que interrompe o prazo para manifestação ou
resposta (§2°), a parte contrária será intimada a se manifestar, decidindo em
seguida o magistrado. Do indeferimento do pedido de limitação de litiscon­
sórcio cabe agravo de instrumento com base no art. 1.015, VIII, do CPC.
Promovida a extromissão dos litisconsortes, sob a vigência do CPC de
1973 havia viva polêmica acerca do destino que teriam os sujeitos excluídos
da relação processual. Em outros termos: deveria o magistrado determinar
o desmembramento do processo em tantos quantos fossem os litisconsor-
les ou deveria, simplesmente, extinguir o feito como relação aos que fossem

D 1 D I E R J U N I O R , F r e d ie . C u r s o d e d ir e ito p r o c e s s u a l c iv il. S a lv a d o r : P o d i u m , 2 0 0 7 . v. I, p . 2 8 5 .

' 1 S IL V A , p. 2 0 5 . C o m e n t a n d o a s h i p ó t e s e s p r e v i s t a s n o C P C d e 1973, q u e e r a m s e m e l h a n t e s .e.


a t u a i s , d i z i a o a u t o r : "É c la r o q u e a m b o s o s p r e s s u p o s to s d e v e m s e r p r u d e n t e m e n t e a v a lia d o s p e lo
ju lg a d o r , u m a v e z q u e t a n t o a c o m p r e e n s ã o d o q u e se ja “ r á p i d a s o lu ç ã o d o l i t í g io ”, q u a n t o a p o s s í ­
v e l “ d i f i c u l d a d e ” c r ia d a p a r a a d e fe s a s ã o c o n c e ito s e x t r e m a m e n t e e lá s tic o s , e r e la tiv o s , q u e n ã o se
d e i x a m d e f i n i r e m te r m o s g e n é r ic o s e a b s o lu to s " .
excluídos do processo? A tal respeito sustentava Fredie Didier que "O d n bastante adequada, pois confere ao magistrado a liberdade de resolver o pro
membramento do litisconsórcio gerará outras causas, que devem ser distribu bleina relativo ao litisconsórcio multitudinário.
idas ao mesmo magistrado, por prevenção, em razão da interpretação anulo
gica do art. 253,11, CPC.”.475 Acreditávamos, entretanto, que a melhor solução 12.3. Princípio da autonomia dos litisconsortes.
seria a extinção do processo com relação ao litisconsorte excluído, que devei I.»
propor ação própria e com distribuição livre. Isso porque, em se tratando di O art. 117, do CPC, trata do princípio da autonomia dos litisconsortes,
litisconsórcio multitudinário,47'’em que há uma multidão em um dos polos do segundo o qual, em regra geral, cada litisconsorte será considerado como liti
feito, o grande volume de causas distribuídas a uma mesma unidade judiciái ia gante distinto com relação ao seu adversário comum, sendo que os atos pro­
poderia inviabilizar o processamento de todas em razão do excesso de sei cessuais ou omissões de cada qual não prejudicará os demais.
viço, comprometendo do mesmo modo a rápida solução do litígio e tornando
Sendo da tradição do nosso direito à adoção de tal sistemática, a seu res
inócua, ao menos em parte, a regra relativa a limitação.
peito ensinava Celso Agrícola Barbi, ao comentar o art. 48, do CPC de 1973,
O Projeto do Código elaborado pela Câmara dos Deputados apresentava que “O dispositivo reproduz o que constava do art. 89 do código de 39, acrescen­
no art. 113, além dos dois parágrafos hoje existentes, mais cinco parágrafos, tando-lhe, apenas, as palavras 'e as omissões’. Estabelece, como rega geral, que
que procuravam resolver o problema, optando por dar à polêmica solução as litisconsortes serão considerados, em suas relações com a parte contrária,
diversa ao nosso entendimento. Daí, por força do disposto nos $$ 3o a 6°, ao como litigantes distintos; e torna explícito que os atos e omissões de um nãopre-
deferir o pedido de limitação do litisconsórcio, deveria o magistrado estabc tudicarão nem beneficiarão os demais. Ressalva, todavia, os casos em que haja
lecer quais litisconsortes “...permanecerão no processo e o número máximo de disposição legal em contrário, quando, evidentemente, ela será atendida .”. 477
integrantes de cada grupo de litisconsortes, ordenando o desentranhamento <■
Nada obstante, o art. 117, do CPC, introduziu duas importantes alterações
a entrega de todos os documentos que sejam exclusivamente relativos aos liti
com relação ao regime anterior, isso ao dispor expressamente sobre posição
gantes considerados excedentes.” (§3°). Em seguida os litisconsortes excluídos
que já sustentava a doutrina, no sentido de que em regra geral o princípio não
deveríam distribuir por dependência, no prazo de até 15 (quinze) cópias da
se aplica às hipóteses de litisconsórcio unitário; e, que os atos ou omissões de
petição inicial original, instruída com os documentos comuns e particulares,
um dos litisconsortes agora podem beneficiar os demais (..., mas os poderão
para que os feitos fossem processados de forma autônoma do processo origi
beneficiar), o que anteriormente era vedado pela lei (art. 48, CPC de 1973),
nal, já que nele o magistrado não poderia apreciar o mérito dos pedidos que
embora pudesse acontecer no plano pragmático.
envolviam os litisconsortes excluídos (§§ 4o a 6").
No que toca à exceção da lei quanto ao litisconsórcio unitário, observa-se
Como essa sistemática, que não nos parecia a tecnicamente mais adequada,
que no regime da unitariedade, como se viu, a decisão deverá ser uniforme
acabou por não prevalescer, a polêmica permanece viva até que os Tribunais
para os litisconsortes, razão pela qual não haverá como fazer com que a atua
Superiores acabem por resolver qual será a melhor maneira de tratar a maté
çào de cada um se dê de forma autônoma da atuação dos demais. Analisando
ria. De qualquer forma, em nosso entender, a supressão dos parágrafos foi
as situações jurídicas em que é possível a atuação autônoma dos litisconsortes,
ensina Cândido Rangel Dinamarco que “Tudo isso é reflexo da natureza do
<75 DIDIER JUNIOR, p. 285.
objeto do processo, que nesses casos permite soluções diferentes para os litiscon­
476 LOPES, p. 201. Segundo o autor “D e n o m in a - s e m u l t i t u d i n á r i o o litis c o n s ó r c io q u e e n v o lv e g r a n d e
sortes: se se trata de ‘direitos divisíveis’, sendo autônomas as situações jurídico
n ú m e r o d c a u to r e s o u d e r é u s n u m m e s m o p r o c e s s o . E m a ç õ e s d e s e r v id o r e s p ú b lic o s o u d e c o n tr i
b u in te s , p o r e x e m p lo , p o d e s e r f o r m a d o o litis c o n s ó r c io , n o p ó lo a tiv o , d e s d e q u e p r e e n c h id o s os materiais dos diversos litisconsortes, dai decorre a possibilidade de julgamentos
p r e s s u p o s to s d o a r t. 4 6 d o C P C . P o r o u tr o la d o . n a s a ç õ e s p o s s e s s ó r ia s , é c o m u m o e n d e r e ç a m e n to
d o p e d i d o c o n tr a g r u p o s d e in v a s o r e s q u e , m u i t a s v e z e s , a g e m c o o r d e n a d a m e n t e e c o m v io lê n c ia n a
•77
o c u p a ç ã o d e im ó v e is u r b a n o s o u ru r a is." . BARBI, p. 169.
de mérito heterogêneos e, consequentemente, de heterogêneos situações jur 1J 1
co-processuais de cada um destes, ao longo do procedimento. Assim é que a ati
tude de cada um no processo irá influir apenas no seu destino, aumentando oh
reduzindo sua possibilidade de vitória, sem atingir o litisconsorte.’V78 Portanto
a contrário senso, se a relação jurídica é única, então não há como cindir o»
efeitos da atuação de cada uma das partes litisconsorciadas. Em outros In
mos, sendo apenas uma a relação jurídica de direito material e única à dei i
são para os litisconsortes, não há como conferir autonomia a suas respectivas
condutas processuais.
Quanto à possibilidade da conduta de um dos litisconsortes beneficiai o
outro, em que pese à vedação outrora existente, já se reconhecia essa possibl
lidade, especialmente quanto à produção da prova. Assim, sendo o destinai ã
rio principal da prova o magistrado e os destinatários secundários as parte*
e todos os interessados, a autonomia já não alcançava as situações em que .1
prova produzida por um dos litisconsortes acabava por demonstrar a existiu
cia de fato relevante para a decisão da causa. A esse respeito asseverava João
batista Lopes que a autonomia não era absoluta, ensinando que mesmo
no litisconsórcio facultativo e no necessário simples, a independência dos liti\
consortes não tem caráter absoluto: em relação aos fatos comuns a atuação di
um litisconsorte poderá beneficiar os demais (por exemplo, a alegação de um
contribuinte de que não foram observados os critérios técnicos para cálculo do
valor do tributo poderá beneficiar os demais; a prova testemunhai produzido
por um réu, em ação de indenização, em caso de engavetamento de veículos,
poderá ser aproveitada pelos demais litisconsortes).".*479
Portanto, agiu bem a lei ao prever a possibilidade de extensão de situação
benéfica gerada pela atuação de um litisconsorte ao outro, reconhecendo algo
que naturalmente pode acontecer no processo, em especial quanto à instrução
do feito.
Há que se ressaltar, ainda, que o preceito em análise tem estrutura que
é bastante comum às normas processuais, iniciando com a ressalva de qw
a própria lei pode prever situações que excepcionam a regra geral. Faz isso
ao se utilizar da locução “salvo disposição em contrário,...” antes mesmo de

,r* DINAMARCO, p. 87.


479 LOPES, p. 201.
tlrscrever a regra que irá disciplinar as generalidade dos casos do instituto que
i M.i a tratar.
Por fim, em qualquer das espécies de litisconsórcio, por expressa previ
*Ao do art. 118, do CPC, cada um dos litisconsortes têm o direito (faculdade)
dr promover o andamento do processo individualmente, devendo todos os
demais ser intimados dos atos processuais praticados.

12.4. Intervenção iussu iudicis.


Observamos, acima, que em caso de litisconsórcio necessário os litiscon-
Hortes devem necessariamente participar do processo, enquanto nos casos de
litisconsórcio unitário a decisão proferida deverá ser uniforme para todos os
litisconsortes. Porém, quais são as consequências jurídicas da ausência de um
litisconsorte necessário ou de um litisconsorte unitário em processo do qual
deveria participar? Tratando desse tema a doutrina tradicional denomina
intervenção iussu iudicis, ou litisconsórcio iussu iudicis, aquelas hipóteses
cm que o magistrado deve determinar a composição do litisconsórcio, sob
pena de nulidade do processo ou da ineficácia da decisão nele proferida. Na
linguagem de Cássio Scarpinella Bueno “Trata-se, como enaltece a doutrina,
de formação do litisconsórcio por determinação judicial, chamado, por alguns,
de iussu iudicis.”.480 O tema sempre foi objeto de controvérsias e debates na
doutrina, seja sob a égide do CPC de 1939 (art. 91), seja sob a égide do CPC
de 1973 (art. 47); recebendo tratamento mais adequado no art. 115 do atual
diploma, que procurou regular tal tipo de intervenção e os efeitos decorrentes
da sua ausência.
A primeira colocação necessária diz respeito à linguagem utilizada no caput
do preceito, que se refere à sentença de mérito "...proferida sem a integração
do contraditório,...’’, com a evidente finalidade de debelar discussão existente
sob a possibilidade do magistrado determinar a integração também do polo
ativo do feito. A esse respeito alertava Arruda Alvim que “O art. 91, que tra­
tava da intervenção iussu iudicis, era algo impreciso, portanto referia-se a que:
'O juiz, quando necessário, ordenará a citação de terceiros, para integrarem a
contestação...’, o que levou a se discutir - discussão ulteriormente superada - se

BUENO. p. 115.
a integração seria somente passiva (‘para integrarem a contestação', sie), ou,
na verdade, referia-se também ti possibilidade de integração subjetiva da lid<
quando fosse a hipótese de litisconsórcio necessário ativo. Esta última posição
era a correta. Aliás,oart. 91 era tradução, errônea, do Projeto Solmi, que usava
a palavra contradittorio, abrangente, portanto, das posições ativa e passiva. " ' 1
Não há mais dúvida, portanto, de que o juiz pode determinar a integração
tanto do polo passivo, quanto do polo ativo da demanda.
Quanto às consequências da falta de participação de litisconsorte em feito
que deveria participar, sempre houve vivida discussão na doutrina, que ac»
bou por apresentar três posições distintas: a) a ausência de um litisconsorte
implicava a inexistência da decisão judicial;481482b) a ausência de um litisconsorlr
implicava a ineficácia da decisão judicial; e, c) a ausência de um litisconsork
implicava a nulidade da decisão judicial.483 Daí a razão pela qual agiu bem o
art. 115, do CPC, ao disciplinar de forma mais detalhadas as consequência
advindas da ausência de litisconsorte em demanda que deveria participar.
Nesse passo, conforme dispõe o art. 115, I, do CPC, em se tratando da
ausência de litisconsorte necessário-unitário,484 a sentença proferida ser.i
nula. Em outros termos, a decisão proferida sem a participação de litiscon
sorte necessário-unitário será nula, isso em decorrência da própria nulidade
do feito ab initio. Entretanto, em se tratando de litisconsórcio necessário-sim
pies, na forma como esta disposto no inciso II do mesmo preceito,, a sentença
proferida não será nula, mas apenas ineficaz com relação aos litiosconsortr.

481 A R R U D A A L V I M .p .403-404.

4“ W A M B L E R , T e re s a A rruda A lv im . N u l i d a d e s d o p r o c e s s o e d a s e n te n ç a . 4* e.. S ã o P a u lo , R T , 199H


p . 2 7 1 -2 7 2 .

481 L O P E S , p . 2 0 3 . E sclarece o a u to r: "De acordo com o art. 4 7 do CPC, em se tratando de litisconsórcio


necessário, a eficácia ia sentença depende da citação de todos os litisconsortes e, se o autor não
a promover, o ju iz declarará extinto o processo. Como se vê, a lei não se refere a nulidade, mas a
ineficácia da sentença. Entretanto, a jurisprudência considera nulo a b i n i t i o o processo se faltar a
citação de litisconsorte necessário."
484 A R R U D A A L V IM , p. 403. “E n te n d e m o s , e n tr e ta n to , q u e e x is te o litis c o n s ó r c io n e c e s s á r io - u n itá r io .
q u e é d iv e r s o d o necessário e do u n itá r io . T r a ta - s e o litis c o n s ó r c io n e c e s s á r io - u n itá r io , o n d e e x is te
n ã o s ó a e x ig ê n c ia d a presença d e to d o s , p o r d is p o s iç ã o d e l e i o u n ã o . c o m o , a i n d a , a e x ig ê n c ia di­
q u e a s o r te n o p l a n o de D ireito M a t e r i a l se ja a m e s m a , n o s e n t id o d a p r o c e d ê n c ia , o u im p r o c e d ê n
c ia d a a ç ã o p a r a to d o s os litisc o n s o rte s . A s s i m , p e lo f a t o d e e s ta r e m p r e s e n te s a u t o n o m a m e n t e o»
r e q u is ito s d o litisconsórcio n ecessá rio e u n i tá r io , te r -s e -á , e n tã o , t a l e s p é c ie , q u e é a s o m a d o neces
s á r io e d o u n itá r io ." .
que nào foram citados, não havendo que se falar em qualquer vício com rela
çAo aos que dele participaram.
Por fim, de se lamentar que inovação constante de projeto anterior ao que
tleu origem ao CPC não tenha sido mantida, já que se permitia ao magistrado
determinar a citação de terceiro para participar do processo, isso quando con
«luísse pela possibilidade de que a sentença poderia atingi-lo de alguma forma
na sua esfera de direitos. Tratava-se de instrumento salutar para evitar futura
impugnação ao processo, seja em fase de conhecimento, seja em fase de exe­
cução, quando muitas vezes comparece o terceiro a juízo atacando a validade
ou a eficácia da decisão proferida. A utilização adequada de tal expediente
diminuiría em grande proporção, cremos, a ocorrência de embargos de ter­
ceiros por aqueles que se vêem atingidos indevidamente por ato de constrição
emanada de processo alheio. Citado o terceiro, poderia ele apresentar defesa
ou pretensão em face do autor, do réu ou de ambos, no prazo de quinze dias,
situação que poderia fazer com que se tornasse parte no processo, assumindo
a posição de litisconsorte ulterior de algumas das partes originais.
Nem se diga, contra a tese, que a ampliação subjetiva da demanda seria
inadequada, na medida em que tal sistemática foi adotada expressamente no
caso da reconvenção, em que se permite sua propositura “...pelo réu em litis-
consórcio com terceiro” (art. 343, §4°, do CPC).

Verificação de Aprendizagem
01. Defina litisconsórcio.
02. Como se classifica o litisconsórcio?
03. O litisconsórcio necessário é sempre unitário?
04. Porque a decisão deve ser uniforme no litisconsórcio unitário?
05. Como se classifica o litisconsórcio necessário?
06. Interprete o art. 113, do CPC.
07. A limitação do litisconsórcio facultativo implica o desmembramento do
feito com relação aos litisconsortes excluídos ou a extinção do processo
quanto a eles?
08. Km que consiste o princípio da autonomia dos litisconsortes? Aplica m »
todas as espécies de litisconsórcio?
09. Em que consiste a intervenção iussi iudicis?

Planificação para aula


01. ETMOLOGIA DA PALAVRA - consórcio + lide
02. DEFINIÇÃO - É a pluralidade de sujeitos em um ou em ambos os polos
do processo.
- ativo
a) Quanto à posição processual - passivo
- misto
- inicial
03. ESPÉCIES b) quanto ao momento de formação
- ulterior
- unitário
c) quanto ao conteúdo da sentença
- simples
facultativo
d) quanto à obrigatoriedade Força de lei
- necessário
Nat.Rel.Jur.
Obs.: Explicar cada uma delas.
04. LIMITAÇÃO do litisconsórcio facultativo.
- Hipóteses de cabimento.
- Extromissão ex officio.
- Processamento.
- Litisconsórcio multitudinário.
- Desmembramento do feito X extinção do processo.
()'*. P rin c íp io d a a u to n o m ia d o s litisc o n so rte s.
()6 In te rv e n ç ã o iussi ludicis.

Bibliografia
ALVIM, Tereza. O direito processual de estar em juízo. São Paulo: RT, 1996.
ARRUDA ALVIM, José Manuel de. Código de Processo Civil Comentado. São
Paulo: RT, 1975.
BARBI, Celso Agrícola. Comentários ao Código de Processo Civil. 6a e.. Rio dc
Janeiro: Forense, 1991.
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Litisconsórcio unitário. Rio de Janeiro:
Forense, 1972.
BUENO, Cássio Scarpinella. Partes e terceiros no processo civil brasileiro. São
Paulo: Saraiva, 2003.
IMDIER JUNIOR, Fredie. Curso de direito processual civil. Salvador: Podium,
2007. v. I.
D1NAMARCO, Cândido Rangel. Litisconsórcio. São Paulo: RT, 1984.
FAGUNDES FILHO, Henrique. A conexão de causas. São Paulo: Setor de Pós
-Graduação. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUCSP,
1988.
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LOPES, João Batista. Curso de direito processual civil. São Paulo: Atlas, 2005.
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcante. Comentários ao Código de
Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1973.
SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de direito processual civil. 12a e.. São
Paulo: Saraiva, 2008. v. 1.
SILVA, Ovídio Baptista da. Comentários ao Código de Processo Civil. São
Paulo: RT, 2000. v. 1.
VVAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do processo e da sentença. 4a e..
São Paulo, RT, 1998.

13. DA INTERVENÇÃO DE TERCEIROS

13.1. Noções gerais. 13.1.1. Definição. 13.1.2. Interesse. 13.1.3. Classificação. 13.2.
Assistência. 13.2.1. Definição. 13.2.2. Admissão do assistente. 13.2.3. Assistência
simples e assistência litisconsorcial. 13.3. Denunciação da lide. 13.3.1. Denominação.
13.3.2. Definição e natureza. 13.3.3. Hipóteses de cabimento. 13.3.4. Processamento.
13.4. Chamamento ao processo. 13.4.1. Definição e natureza. 13.4.2. Hipóteses de
cabimento. 13.4.3. Processamento. 13.5. Do incidente de desconsideração da perso­
nalidade jurídica. 13.5.1. A desconsideração da personalidade jurídica. 13.5.2. Perfil
do incidente. 13.6. A m icus curiae. 13.6.1. Noções gerais. 13.6.2. Natureza e definição.
13.6.3. Admissão no processo.

13.1. Noções Gerais.485


Antes de abordar o tema há necessidade de um breve esclarecimento. O
i apítulo que trata da intervenção de terceiros no processo civil, cremos, deve­
ria estar posicionado logo após o estudo da coisa julgada, na medida em que o
interesse que legitima o terceiro a intervir em processo alheio deriva do modo
pelo qual é atingido pela eficácia natural da sentença, tema abordado quando
do estudo dos limites subjetivos da coisa julgada.
Todavia, assim com já acontecia com o CPC de 1973, que tratava da inter­
venção de terceiros logo após disciplinar o litisconsórcio, também o atual
diploma deslocou o tratamento do tema para local não apropriado, colocan­
do-o entre as regras que tratam da petição inicial e da audiência de concilia­
ção. Isso torna bastante difícil a compreensão do instituto para os alunos da
graduação, que nunca tiveram contato com a coisa julgada e com os seus limi­
tes subjetivos. Por isso fica o conselho de que esses institutos, na graduação,
sejam estudados apenas após o estudo da coisa julgada, o que facilita sobre­
maneira o aprendizado. E assim que fazemos e que continuaremos a fazer
com nossos alunos.
Nada obstante, como o presente curso procura seguir, na medida do pos­
sível, a estrutura do CPC, passaremos a tratar das formas de intervenção de
terceiros previstas a partir do art. 119, antecipando parcialmente o estudo dos

” LOPES, João Batista. Curso de direito processual civil. São Paulo: Atlas, 2005. v. I, p. 204. “O termo
intervenção é de origem latina (inter=entre e venire=vir) e significa ingerência, interferência, intro
missão de alguém em discussão ou disputa alheia."
limites subjetivos da coisa julgada, isso para tratar do interesse que legitima os
terceiros a intervir em processo alheio.

13.1.1. Definição.
Quando tratamos do direito de ação, tivemos a oportunidade de tecei
algumas considerações acerca da definição de parte, que é um dos elemen
tos da ação. Observamos, então, que Goldschmidt já dizia que as partes não
precisam ser necessariamente titulares de res injudicium dedueta. Basta, para
defini-las, aferir quem solicita a tutela jurídica e contra quem essa tutela é
pedida. Nas palavras do autor: "Las partes son los sujetos de los derechos y dc
las cargas procesales. En todo proceso civil han de intervenir dos; no se concibc
una demanda contra si mismo, ni siquiera en calidad de representante de otra
persona. Se llama actor ai que solicita la tutela jurídica (is qui rem in judiciurn
deducit), y demandado aquél contra quien se pide esta tutela (is contra quem
res in judiciurn). No es preciso que las partes sean necesariamente los sujetos
dei derecho o de la obligacion controvertidos (j:s decir, de Ia res in judiciurn
dedueta). EI concepto de parte es, por consiguiente, de caráter form al.”.4**’ A
esse conceito acrescentou Chiovenda que “a identidade Jisica das partes nem
sempre produz identidade subjetiva de ações: a mesma pessoa pode ter diversas
qualidades, e duas ações só são subjetivamente idênticas quando as partes se
apresentam na mesma qualidade.”,4*7 isto é, deve ser verificado a que título
demanda a parte e não apenas sua identidade.
Na conclusão daquele estudo, após observar algumas posições um pouco
divergentes da explanada, acabamos por adotar, assim como a grande massa
dos processualistas pátrios, a definição de parte como quem pede e contra
quem se pede a prestação da tutela jurisdicional.
Tais considerações se fazem necessárias agora porque o conceito de tercei­
ros está ligado de modo siamês ao conceito de parte, sendo corrente e usual
a afirmação de que terceiros são aqueles que não figuram no processo como
parte. Nesse sentido a lição de Cândido Rangel Dinamarco, para quem “Esses
raciocínios conduzem a um conceito negativo e puramente processual de ter­
ceiro, em simétrica oposição ao de parte. ‘São terceiros todas as pessoas que

***' GOLDSCHMIDT, James. D e r e c h o P r o c e s a l C iv il. Barcelona: Editorial Labor, 1936. p. 191.


<8 CHIOVENDA, Giuseppe. I n s titu iç õ e s d e D ir e ito P r o c e s s u a l. São Paulo: Saraiva, 1965. p. 355.
mio sejam partes no processo, on seja, em determinado processo concretamente
i onsiderado'.".4** D isso n ã o d e s to a m as lições d e A th o s G u sm ã o C a rn e iro 4"'' c
dc C assio S carp in ella B ueno.4™
Embora seja possível questionar a exatidão desta colocação, como alias jâ o
l<v o último doutrinador mencionado, na medida em que por vezes o terceiro
vai ao processo porque de modo transverso é formulado pedido que vai atin­
gi-lo ou mesmo lá comparece para formular pedido em seu favor, adotaremos
essa definição bastante pragmática de terceiros, no sentido de que eles são
aqueles que não podem ser classificados como partes no processo.

13.1.2. Interesse.
Conforme veremos oportunamente, quando do estudo da coisa julgada, o
interesse de terceiros no processo de conhecimento sempre foi aferido, pelas
principais teorias que tratam do tema, tendo em vista a extensão subjetiva da
coisa julgada, ou como se diz usualmente, tendo em vista os limites subjetivos
da coisa julgada.
Já para os romanos a coisa julgada não podia produzir efeitos com relação
a terceiros. Como ensinava Ulpiano (D. 44.2.1): Ucum res inter alios iudicata
nullum aliis praeiudicium facien t”. Entretanto, não se pode negar que o pro­
cesso instaurado entre as partes pode produzir alguns eteitos com relação aos
terceiros, o que faz com que tal problema tenha sido sempre objeto de questio­
namento entre os diversos autores.
O primeiro a tentar resolver o problema relativo aos terceiros que eram
atingidos por processo alheio foi Savigny, que sustentava que a coisa julgada
poderia ser estendida a terceiros em razão de um elo de representação que
estes tinham para com uma das partes, o que deu origem à chamada teoria da

,M DINAM ARCO, Cândido Rangel. I n t e r v e n ç ã o d e te r c e ir o s . São Paulo: Malheiros, 1997. P. 18.


,m CARNEIRO. Athos Gusmão. I n t e r v e n ç ã o d e te r c e iro s . São Paulo: Saraiva, 1995. P. 45. “N o p la n o
d o d ir e ito processu a l, o c o n c e ito d e te r c e ir o te r á i g u a l m e n t e d e s e r e n c o n t r a d o p o r n e g a ç ã o . S u p o s ta
u m a r e la ç ã o ju ríd ic a p r o c e s s u a l p e n d e n t e e n tr e A. c o m o a u to r , e B, c o m o r é u , a p r e s e n t a m - s e c o m o
te r c e ir o s C, D, E etc., ou s e ja , to d o s o s q u e n ã o f o r e m p a r t e s ( n e m c o a d ju v a n te s d e p a r t e ) n o p r o c e s s o
p e n d e n t e . ’’.

BUENO, Cassio Scarpinella. P a r te s e te r c e ir o s n o p r o c e s s o c iv il b r a s ile ir o .São Paulo: Saraiva, 200 V


p. 02-03. “É terceiro to d o a q u e le q u e n ã o p e d e o u " c o n tr a q u e m n a d a se p e d e e m j u í z o . P a r te s sã o
o s n ã o -te rc e ir o s; te r c e iro s s ã o to d o s o s q u e n ã o s ã o p a r te s . O c o n c e ito d e p a r t e , n e s ta s c o n d iç õ e s , c
o b t i d o p e la negação d e q u e m s e ja te r c e ir o e v ic e -v e r sa ." .
representação. Para os adeptos desta teoria, alguns terceiros, como os condí» algo semelhante à eficácia "erga omnesude um direito real. O negócio jurídico
minos, eram representados em suas relações com a parte contrária por aquele *.r opera entre as partes, mas deve ser respeitado por todos.
condômino que era parte. Havia uma representação processual por força da Tal doutrina encontrou larga repercussão na Itália, especificamente no
relação jurídica existente entre a parte e o terceiro, motivo pelo qual estes magistério de Chiovenda, para quem “... come ogni atto giuridico riguardante
também poderíam ser atingidos pela coisa julgada. /<• parti tra cuí ointerviente, la sentenza esiste e vale rispetto a tutti; come il
Tal teoria, porém, teve aceitação por tempo efêmero, na medida em que contratto fra A e B vale rispetto a tutti, come contratto fra A e B; cosi la sen-
explicava poucas hipóteses em que os terceiros se viam atingidos. Ademais, lenzafra A e B vale rispeto a tutti, in quanto è sentenza fra A e B. Non conviene
não se adaptava ao sentido técnico de representação, motivo pelo qual foi ilunque porre come principio gcnerale che la sentenza fa stato solo fra le parti:
abandonada. ma bisogna invece dire che la sentenza non pud prcgiudicare altri che furono
Por isso, partindo da teoria dos efeitos reflexos do ato jurídico, elaborada estranei alia lite ...” 491 Observamos que, segundo ensina o autor, todos são
por Ihering, a doutrina alemã criou a teoria dos efeitos reflexos da coisa jul obrigados a reconhecer a existência da sentença proferida entre partes legíti­
gada. Para Ihering, os atos jurídicos produzem efeitos diretos e efeitos indi mas, embora esta não possa prejudicar aqueles que não foram partes no pro-
retos, ou seja, efeitos queridos e não queridos. Os primeiros são aqueles que iesso. Tal prejuízo, porém, pode ocorrer se for apenas de fato, ou seja, aquele
motivam o próprio ato jurídico, enquanto os segundos não são objetivados, que não afeta o direito do terceiro.
mas, inevitavelmente, são produzidos. Isso porque os atos jurídicos não se Contestando tal posição Liebman492 afirma que a teoria dos efeitos reflexos
apresentam isolados no mundo. Ao contrário, são interdependentes entre si, da coisa julgada não pode ser aceita, simplesmente porque a coisa julgada não
assim como os elos de uma corrente. é um efeito da sentença, mas sim uma qualidade especial que a torna imutável.
Explicando tal pensamento, o autor fornecia o seguinte exemplo: quando Nas palavras do autor: “A coisa julgada, contudo, assim como não é para as
alguém atira uma pedra num lago, ao redor do ponto atingido formam-se partes um efeito da sentença, a fortiori não pode sê-lo para os terceiros, nem por
vagas concêntricas. A primeira mais volumosa e menor, as demais menos via direta nem por via reflexa". O que ocorre, em verdade, é que a autoridade
volumosas e maiores, até desaparecerem. Nesta conduta o efeito querido é da coisa julgada forma-se apenas entre as partes, enquanto a eficácia natu­
acertar a pedra num determinado ponto do lago, enquanto os efeitos não que­ ral da sentença vale para todos. Portanto, os terceiros, que se veem atingidos
ridos são a formação das vagas. A esses efeitos não queridos se dá o nome de pela eficácia natural da sentença, podem opor-se à decisão prolatada, para
efeitos reflexos. demonstrar que ela é ilegal ou injusta, discutindo novamente a questão em
outro processo.
Os atos jurídicos, da mesma forma, apresentam efeitos queridos e não que­
ridos. Os efeitos que visam produzir são os efeitos diretos e os que ocorrem Entretanto, não são todos os terceiros atingidos pela eficácia natural da
em decorrência do ato, mas não são queridos, são efeitos indiretos ou efeitos sentença que podem a ela se opor. Isso, porque existem três categorias de ter
reflexos. ceiros, que são agrupados segundo a forma pela qual se veem atingidos. A
primeira categoria é a dos terceiros indiferentes ou terceiros desinteressados.
A partir disso, então, como se disse, processualistas alemães criaram a teo­
Estes, em verdade, não sofrem qualquer tipo de perturbação pela decisão pro
ria dos efeitos reflexos da coisa julgada, que adota o princípio acima dedu
latada e, por isso, não têm legitimidade para atacá-la. Todos nós, em verdade,
zido. A coisa julgada se opera entre as partes, mas produz efeitos reflexos em
relação a terceiros. Esses são efeitos não queridos, enquanto aquela é o efeito
CHIOVENDA, Giuseppe. Principii di diritto processuale civile. Napoli: Casa Editrice Dott. Eugi-
querido. Nesse sentido, dizia Wach que a sentença prolatada entre partes legí­ nio |ovene, 1965. p. 921.
timas produzia coisa julgada, que, como tal, opera em relação a todos. Seria LIEBMAN, Enrico Tulio. Eficácia e autoridade da sentença e outros escritos sobre a coisa j u l g a d a
2“ ed.. Rio de janeiro: Forense, 1982. p. 84-,
podemos ser incluídos nessa categoria, pois somos terceiros desinteressados ■analisando a maneira pela qual um terceiros pode atuarem face de um pro-
nos milhões de feitos cíveis que tramitam no País. u-sso no qual não é parte, isso no âmbito do processo de conhecimento, já
A segunda categoria é a dos terceiros interessados praticamente ou interes que no momento adequado veremos como se dá o interesse e a intervenção
sados de fato. Para eles a sentença traz algum prejuízo de fato ou econômico; ilos terceiros no processo de execução, torna-se possível elaborar classificação
porém, não há qualquer incompatibilidade entre o exercício do seu direito rmbasada em quatro critérios distintos: a) segundo a iniciativa da interven­
e aquele que foi declarado na sentença. Por isso, tais terceiros também não ção; b) segundo a atuação do terceiro; c) segundo a natureza do meio de inter­
têm legitimidade para atacar a decisão prolatada. Pense-se, por exemplo, n.i venção; e d) segundo a ampliação objetiva da demanda.
separação de um casal que é proprietário de uma empresa de ônibus com O critério que leva em consideração a iniciativa da intervenção diferencia
mil veículos e que tem apenas um filho. Com a separação e a partilha da os terceiros aferindo quem deu causa a sua participação no processo. Se a
empresa, cada cônjuge ficará com quinhentos ônibus, aumentando o custo intervenção se deu por iniciativa do próprio terceiro, como ocorre na assis­
das operações e reduzindo o lucro das novas empresas. Há evidente interesse tência, então teremos uma intervenção espontânea ou voluntária. Mas se a
econômico por parte do filho, herdeiro único do casal, para que a partilha d.i intervenção ocorre devido à provocação de uma das partes, como acontece
empresa não aconteça. Também tem ele interesse moral e afetivo, já que em no caso da denunciação da lide, então será ela provocada ou forçada. Nesse
regra nenhum filho quer ver os seus pais separados. Todavia, mesmo iden sentido a explanação de Luiz Fux ao afirmar que “..., o ingresso do terceiro no
tificadas tais modalidades de interesse de fato, não pode o filho intervir no processo pode dar-se por sua iniciativa própria, ou por provocação de uma das
processo de separação dos pais porque lhe falece interesse jurídico, ou seja. partes originárias. Quando o terceiro ingressa por sua livre iniciativa, diz-se
porque o sistema não protege seus interesses. Ao contrário: proíbe a discussão que a intervenção é voluntária. Nas hipóteses em que integra a relação proces­
de herança de pessoa viva e classifica a ação de separação como personalís­ sual, Jorçadamente, através da citação, denomina-se intervenção forçada ou
sima, impedindo que outra pessoa tenha qualquer disponibilidade quanto a coacta.'\m
tal tipo de processo. No que toca a atuação do terceiro no processo, torna-se possível distinguir
Por fim, a terceira categoria é a dos terceiros juridicamente interessados. aquele que intervém em processo alheio apenas para auxiliar uma das partes,
Estes têm o seu direito, que é protegido pelo sistema jurídico, incompatível como acontece no caso da assistência, ou, ao contrário, para se confrontar a
com o direito declarado na sentença. Por isso, podem se utilizar dos meios ambas, como normalmente acontece nos embargos de terceiros. A esse res­
legais colocados a sua disposição para ingressar em processo alheio ou dis­ peito esclarece Humberto Theodoro Junior que a intervenção pode ser “a) ad
cutir, posteriormente, a legalidade da decisão. Essa categoria, ainda segundo coadiuvandum: quando o terceiro procura prestar cooperação a uma das par­
Liebman, subdivide-se em terceiros com interesse igual ao das partes e ter tes primitivas, [...]; b) ad excludendum: quando o terceiro procura excluir uma
ceiros com interesse inferior ao das partes, sendo que ambos podem atuar no ou ambas as partes primitivas , ...” 4,4
processo alheio porque, em tese, podem ser atingidos pela eficácia natural da Quanto à natureza do meio ou técnica processual utilizada, podemos obser­
sentença proferida. var que existem casos em que o terceiro lança mão de um novo processo para
intervir, feito este cujo conteúdo virá a influenciar de algum modo na rela­
13.1.3. Classificação. ção jurídica alheia; enquanto existem casos nos quais ele apenas ingressa no
Não há na doutrina uma classificação detalhada da maneira pela qual o processo já existente, sem exercitar um novo direito de ação, propondo outra *1
terceiro intervém em processo alheio, sendo que cada autor procura ressaltar
FUX, Luiz. I n t e r v e n ç ã o d e te r c e ir o s . São Paulo: Saraiva, 1990. p. 07.
os aspectos que lhe parecem mais importantes, deixando mesmo de mencio
11 THEODORO JUNIOR, Humberto. C u r s o d e d ir e ito p r o c e s s u a l c iv il. 47* e.. Rio de Janeiro: Forense,
nar aqueles que reputam de menor envergadura. Porém, reunindo fragmentos 2007. V. 1, p. 132.
demanda. Aqui se diz que o terceiro intervém por meio dc nova ação e lá
diz que ele intervém por meio de inserção. Ou, como enfatiza Athos Gusmão
Carneiro, “Tendo em vista a forma processual de que sc reveste a intervenção
cremos adequado distinguir: a) as intervenções mediante ‘inserção" na relata»
processual existente; b) as intervenções mediante a formação de nova relação
jurídica processual, [...] por meio de nova ação, in simultaneus processus.".^1
Por fim, certas formas de intervenção de terceiros mantêm inalterada i
extensão da relação jurídica de direito material que será objeto de cogniçáo
no plano horizontal, enquanto outras acabam por ampliar sua extensão
Assim, quando o terceiro propõe uma denunciação da lide fundada no .111
125,1, do CPC, buscando exercer os direitos que da evicçâo lhe resultam, ele
está ampliando o objeto da demanda, pois além do objeto inicial do processo
o magistrado também terá que examinar o que foi objeto da denunciação,
embora examine ambos numa mesma sentença. Por outro lado, quando a o
terceiro entra no processo como assistente simples, visando auxiliar uma das
partes a vencer a demanda, ele nada acrescenta ao objeto inicial do processo
Daí a razão pela qual a intervenção de terceiros, quanto à ampliação objetivo
da demanda, pode manter o objeto inicial do processo ou pode amplia-lo
Na lição de Cândido Rangel Dinamarco “Quando se amplia 0 objeto do pro
cesso porforça da intervenção, ter-se-á uma sentença que, sem embargo de sei
formalmente única, decompõe-se em capítulos: são os capítulos da sentença,
que constituem fruto de uma abstração a ser feita sempre que 0 objeto do p w
cesso for múltiplo ou, de qualquer modo, quando a sentença contiver dispo
sições substancialmente autônomas. Os dois ou diversos capítulos dessa sen
tença, somados, serão portadores de efeitos também somados e correspondentes
à demanda inicial do processo e à que houver sido feita pelo terceiro ou pela
parte que provocou a intervenção.".*96
Em resumo, portanto, a intervenção de terceiros em processo alheio pode
ser classificada: a) segundo a iniciativa da intervenção: em espontânea ou pro
vocada; b) segundo a atuação do terceiro: para auxiliar uma das partes ou
para se opor a ambas; c) segundo a natureza do meio de intervenção: mediante
inserção em processo alheio ou mediante a propositura de nova ação; e, d)4

1,5 CARNEIRO, p. 54.


4“ DINAMARCO, p. 25.
« cg u n d o a a m p lia ç ã o o b je tiv a d a d e m a n d a : m a n te n d o o o b je to d a d e m a n d a
Inicial o u a m p lia n d o -o .

13.2. Assistência.

13.2.1. Definição.
No mais profundo estudo do nosso direito acerca do escorço histórico da
assistência, elaborado por Moacyr Lobo da Costa, denota-se que o instituto
leve a sua origem no direito romano, onde surgiu como uma forma de per
mitir a um terceiro, prejudicado por conluio praticado pelas partes, pudesse
intervir no processo alheio, para evitar o prejuízo decorrente da fraude pro
«essual. Na linguagem do autor “do exame das fontes resulta, claramente, tjuc
d processo civil romano do período imperial da cognitio extra ordinem conhe-
i cu a intervenção de terceiro no processo, em primeira instância, antes de ser
proferida a sentença pelo magistrado, e em apelação, com a finalidade de impe-
ilir que, pelo conluio, dolo ou negligência da parte, os efeitos da sentença inter
«lios viessem causar-lhe prejuízo .”.497
Embora essa finalidade original tenha perdurado - na árvore genealógica
do nosso Direito - até a época das ordenações,498 passou a ser paulatinamente
substituída por outra, no sentido de que o instituto tem por escopo auxiliar
uma das partes do processo a vencer a demanda. Aliás, curiosamente, após
i ssa transformação de finalidade não surgiu em nosso direito qualquer insti-
luto apto a colmatar a lacuna que foi deixada pela fórmula original da assistên-
i la, o que nos permite, em algumas situações especiais, a utilização de formas
Inominadas de intervenção de terceiros para suprir a omissão legislativa.499

" COSTA. Moacyr Lóbo da. São Paulo: Saraiva, 1968. p. 08.
"" Idem, p. 23. “E m P o r tu g a l, t a m b é m , u m a d a s m a is a n tig a s d e c is õ e s ju d i c i a i s , q u e s e c o n h e c e a
r e s p e ito d a a s s is tê n c ia , p r o c l a m o u , e x p l i c i t a m e n t e , a m e s m a fi n a l i d a d e . O te r c e ir o e r a a d m i t i d o a
i n g r e s s a r n o p r o c e s s o , c o m o a s s is te n te d e u m a d a s p a r t e s , d e s d e q u e a le g a s s e in te r e s s e d e im p e d ir
'Si
o p r e s u m í v e l c o n lu io d a s p a r t e s e m s e u p r e ju íz o , t a l c o m o f ô r a e s ta b e le c id o n o d ir e ito r o m a n o :
suspecta collusio sit legatariis’... Dig.5, 2, 29 pr. A finalidade própria da assistência traduzia-se na
formula n e f i a t c o llu s io ."
m OLIVEIRA NETO, Olavo de. A d e fe s a d o s e x e c u ta d o s e d o s te r c e ir o s n a e x e c u ç ã o fo r ç a d a . São
Paulo: RT, 2000. Cuja denominayão original, enquanto tese de doutorado, foi “F o r m a s i n o m i n a ­
d a s d e i n t e r v e n ç ã o d e te r c e ir o s n a e x e c u ç ã o p o r q u a n t i a c e r ta c o n tr a d e v e d o r s o lv e n te ."
Prevista atualmente nos art. 119 até 124, do CPC, a assistência é a primei ni
das formas nominadas de intervenção de terceiros constante do capitulo qu»
disciplina essa temática. Com isso ocorre a correção de erro cometido pelo
CPC de 1973, que tratava da assistência fora do capítulo relativo às formas dt
intervenção de terceiros, alocando-a juntamente com o litisconsórcio, o qm
poderia dar ensejo à errônea interpretação de que não se tratava de forma «I*
intervenção de terceiros em processo alheio. A esse respeito já tivemos a opoi
tunidade de afirmar que “A assistência, embora não venha relacionada /»«•/. •
nosso estatuto Processual como forma de intervenção de terceiro, pois constitui
capítulo à parte, juntamente com o litisconsórcio, é a forma de intervenção </<
terceiro em processo alheio mais clara e típica da nossa legislação. Em verdudi,
o Anteprojeto Duzaid colocava a oposição no capitulo relativo ao litisconsòt
cio e a assistência no capítulo da intervenção de terceiros. Porém, durante a
tramitação do diploma, tal sistemática fo i modificada por amor a tradição >
desrespeito a técnica, que fo i um dos pontos altos do trabalho elaborado pelo
processualista.”.500
Destarte, diante do moderno escopo que se deu ao instituto, transformadi <
em meio de auxiliar uma das partes a vencer a demanda, os autores definem a
assistência das seguintes formas:
a) Vicente Greco Filho - “Há assistência simples quando o terceiro, tendo
interesse jurídico na decisão da causa, ingressa em processo pendente entn
outras partes para auxiliar uma delas. Há assistência qualificada ou litiscon
sorcial (nos termos do código alemão) quando o interveniente é titular de relo
ção jurídica com o adversário do assistido, relação esta que a sentença atingirá
com força de coisa julgada.”; 501
b) Athos Gusmão Carneiro - “A intervenção por assistência é uma forma de
intervenção espontânea, e que ocorre não por via de ‘ação’ mas sim por inserção
do terceiro na relação processual pendente.”; 502
c) Moacyr Amaral Santos - “Consiste a assistência simples na intervenção
de terceiro no processo entre as partes visando a sustentar as razões de uniu

500 Idem, p. 152.


501 GRECO FILHO, Vicente. D a in t e r v e n ç ã o d e te r c e iro s . São Paulo: Saraiva, 1991. p. 54.
502 C A R N E IR O , 7* e d ., p . 107.
J.

delas contra a outra. Ê a conceituaçâo que lhe dá o Código de Processo Civil


Italiano.";™' e,
i!) Gelson Amaro de Souza - “É a participação espontânea de terceiro com
relação á causa, tendo por finalidade apenas ajudar ou auxiliar uma das partes
a obter vitória no processo." 504
Como se nota, embora nossa doutrina e nosso CPC reconheçam a exis-
ifiicia de duas modalidades de assistência, a simples e a litisconsorcial, sem
. om isso defini-las, ambas têm por finalidade auxiliar o assistido no feito em
iiiulamento, razão pela qual podemos defini-las como formas de intervenção
tlr terceiro que têm por escopo permitir ao assistente auxiliar o assistido a
vencer a demanda.

11.2.2. Admissão do assistente.


Nosso código houve por bem disciplinar a assistência em três subseções
distintas, sendo a primeira delas destinada as disposições comuns para as
espécies existentes (simples e litisconsorcial), que vêm tratadas nas seções sub-
sequentes. Com isso, embora não exista uma definição legal dessa forma de
Intervenção de terceiros, salienta o art. 119 que “Pendendo uma causa entre 2
(duas) ou mais pessoas, o terceiro juridicamente interessado em que a sentença
aja favorável a uma delas poderá intervir no processo para assisti-la”.
Decorre do texto legal que o primeiro requisito para a admissão do assis­
tente é a existência de um processo em andamento (Jeito pendente), o que se
d.i a partir do momento em que a petição inicial foi protocolada (art. 312,
do CPC) até o momento em que o feito é extinto. Daí a razão pela qual o
art. 119, parágrafo único, do CPC, menciona que a assistência tem lugar em
Iodos os graus de jurisdição, o que permite que a intervenção tenha inicio até
mesmo nos Tribunais Superiores. Porém, não se pode olvidar que o assistente
receberá o processo no estado em que se encontra, não podendo praticar ato
processual já alcançado pela preclusão.

1 SANTOS, Moacyr Amaral. 24' ed.. Primeiras linhas de direito processual civil. São Paulo: Saraiva,
2008. Volume 2, p. 51.
" SOUZA, Gelson Amaro de. Curso de direito processual civil. 2' cd.. Presidente Prudente: Data
(uris, 1998. p. 167.
Por sua vez, embora o mencionado parágrafo diga que a assistência tem rkpressamente previa o art. 51, do CPC de 1973,50* determinando a autuação
lugar em qualquer dos tipos de procedimento, deve-se ter em conta que o t Ipn i m separado do incidente, isso para evitar tumulto processual.
de processo adequado a sua utilização é o processo de acertamento (conhci i
mento), já que não há possibilidade da sua utilização no processo de execução 11.2.3. Assistência simples e assistência litisconsorcial.
A esse respeito já sustentamos que na execução “...não existe a viabilidade d>
Nosso código prevê, assim como fazia o CPC de 1973 e a doutrina pro-
aplicação do instituto, uma vez que há incompatibilidade entre o sistema ada
. i ssual de modo uníssono, duas espécies distintas de assistência, que são a
tado na assistência e a própria atividade executiva. Isso se dá, principalmenh
nssistência simples ou adesiva, disciplinada nos art. 121 a 123, do CPC, e, a
porque a sentença a que se refere o art. 50, do Código de Processo Civil, é aquela
issistência litisconsorcial, prevista no art. 124, do CPC. O principal elemento
que resolve uma controvérsia levada a juízo, típica do processo de conhei I
que levou a distinção entre as espécies reside, em especial, na titularidade da
mento. Ademais, o interesse do assistenteé aferível, segundo as teorias existen
irlação jurídica que dá ensejo a atuação do assistente. Se a relação jurídica
tes, pelo fato de que ele é, de algum modo, atingido pela coisa julgada, enquanto
que legitima a intervenção se dá entre assistente e assistido, então teremos
o interesse que deve legitimar alguém para intervir na execução emerge, como
I assistência simples. Mas se a relação jurídica que legitima a intervenção se
se verá, de constrição sofrida pelo terceiro.”.™
dá entre o assistente e o adversário do assistido, então teremos assistência
O segundo requisito, como já vimos acima, diz respeito à existência de litisconsorcial.
interesse jurídico que legitime o assistente a ingressar em processo alheio, o
Em outras palavras, na assistência simples o assistente vai ao processo para
que se dá porque ele será atingido em sua esfera de direitos pela eficácia natu
auxiliar o assistido a vencer a demanda porque a solução da relação jurídica
ral que decorre da sentença proferida entre as partes.
«liscutida entre as partes pode influenciar na relação jurídica que ele tem com
Destarte, havendo causa pendente e interesse jurídico que legitime a atua o assistido. Entretanto, ele não possui uma relação direta com o adversário
ção do assistente, que são os dois requisitos para admissão da intervenção, o do assistido ou com a relação jurídica de direito material controvertida que é
requerimento de admissão tem forma livre, já que não há uma forma espei í objeto do processo. Na linguagem de Ubiratan de Couto Maurício “...a esfera
fica prevista em lei. Por isso tal pleito pode ser feito tanto por escrito, quanto lurídica do terceiro, aquele que não fo i autor nem réu da relação processual,
verbalmente, mas neste caso somente em audiência. poderá vir a sofrer algum prejuízo decorrente da decisão de mérito prolatada
Conforme dispõe parcialmente o art. 120, do CPC, formulado o pedido para as partes, em que pese a lide dizer respeito apenas a estas... [...] Ante essa
de intervenção, que deverá estar instruído com os documentos que com possibilidade de consequências negativas para o terceiro, decorrentes da decisão
provem, desde logo, o interesse jurídico, fará o magistrado juízo de admis da lide de outrem, os ordenamentos processuais colocam à disposição do ter­
sibilidade, podendo rejeitá-lo liminarmente. Caso contrário, deverá detei ceiro meios de defesa do seu interesse, variando estes instrumentos, de sistema
m inar a intimação das partes para que se manifestem no prazo de quinze jurídico para sistema jurídico.”.507 Também nessa linha a afirmação de Gena-
dias, deferindo o pleito no caso da ausência de manifestação. Mas se qualquer céia da Silva Alberton, para quem “Não está em causa a relação jurídica ou o
das partes alegar que o terceiro não possui interesse jurídico que o legitime .i direito que o assistente se tem como titular, mas, ela poderá ser reflexamente
intervir no processo, então deverá o magistrado providenciar a instrução do
incidente ou julgá-lo desde logo, se isso for possível. Embora a lei atual sej.i " C P C d e 1 9 7 3 . “A r t . 51. N ã o h a v e n d o i m p u g n a ç ã o e m 5 (c in c o ) d ia s. o p e d id o d o a s s i s t e n t e s e rá
d e fe r id o . S e q u a l q u e r d a s p a r t e s a le g a r , n o e n t a n t o , q u e fa le c e a o a s s is te n te in te r e s s e j u r í d i c o p a r a
omissa nesse respeito, no caso da instrução do incidente, que não suspende o i n t e r v i r a b e m d o a s s is tid o , o j u i z : I - d e t e r m i n a r á , s e m s u s p e n s ã o d o p rocesso, o d e s e n t r a n h a m e n t o
curso do processo, é de todo conveniente que o juiz proceda da maneira como d a p e t i ç ã o e d a i m p u g n a ç ã o , a f i m d e s e r e m a u t u a d a s e m a p e n s o ; t i - a u to r iz a r á a p r o d u ç ã o d e
p r o v a s ; 111 - d e c id ir á , d e n t r o d e 5 (c in c o ) d ia s , o in c i d e n t e " .

M A U R Í C I O , U b i r a t a n d e C o u t o . A s s is tê n c ia s im p le s n o d ir e ito p ro c e ss u a l c iv il. S ã o P a u lo : R T,
505
O L I V E I R A N E T O , p . 154. 1 9 8 3 . P. 3 7 -3 8 .
indenizatória, pretensão ‘de reembolso', caso ele, denunciante, vier a sucumbi*
na ação principal. ”; 5'9
e) Humberto Theodoro Junior - é medida obrigatória, que leva a imiit
sentença sobre a responsabilidade do terceiro em face do denunciante, de pai
com a solução normal do litígio de início deduzido em juízo, entre autor e rcu
520

f) Sydney Sanches - "é a ação incidental proposta por uma das partes (i/.i
ação principal) via de regra contra terceiro, visando aquela a condenação deste
à reparação do prejuízo decorrente de eventual derrota na causa, seja pchi
perda da coisa (evicção), seja pela perda de sua posse direta, seja por lhe assislit
o direito regressivo previsto em lei ou em contrato (relação jurídica de garan
tia).”;*2' e,
g) Piero Calamandrei- “La chiamata in garantia é 1’instituto processuale tu
forza dei quale chi é parte di una causa vertente sopra un oggetto per cuí un
terzogli deve garantia (questione di moléstia), chiama in causa questo terzo pci
metterlo in grado di prestare spontaneamente la difesa e per estendere anche <i
lui chi effetti deigiudicato; e, in previsione che il terzi neghi di essere tenuto alht
difesa, o, pur acconsentendo a prestaria, resti soccombente, chiede, alio stesso
giudicc investito delia questione di moléstia, che dichiari il terzo tenuto a pres
tar la difesa (azione di difesa) e a resarcire in danno derivante dalla nonfatta a
non riuscita difesa (azione di regrasso).”. 522
Nesse passo, observando as definições elencadas, o direito comparado, o
escorço histórico do instituto e sua disciplina no atual Estatuto Processual
Civil, torna-se forçosa a conclusão de que a denunciação da lide nada mais l
do que uma ação incidente que visa resguardar o direito de uma das partes no
caso da perda da demanda. Não resta dúvida de que possui a natureza jurídica
de ação, em que se pleiteia uma eventual condenação do denunciado, respon
sável pelo ressarcimento do denunciante que perde a ação que lhe é proposta.
Ou, em outros termos, trata-se de ação condenatória que visa efetivar garantia*523

5,9 GUSMÀO CARNEIRO, p. 63.


520 TEODORO JUNIOR, p. 143.
SANCHES, p. 31.
523 CALAMANDREI, Piero. La chiam ata in g a r a n t i a . Milano: Società Editrice Libraria, 1913. p. 84.
decorrente da lei ou dc contrato, salvaguardando eventual direito de regresso
tl> uma das partes em relação à terceiro.

11.3.3. Hipóteses de cabimento.


Mesmo sendo a denunciação da lide uma ação condenatória, como ela está
inculada a um feito já em curso, cabe questionar em que tipo de processo
em quais situações específicas ela é cabível, iniciando-se a indagação com
relação à possibilidade do seu manuseio na atividade de natureza executiva,
eja em cumprimento de sentença, seja em execução de título extrajudicial. E,
nesse aspecto, a doutrina mais autorizada sustenta ser incabível a denunciação
da lide em atividade eminentemente executiva.
A respeito deste tema ensinam Celso Agrícola Barbi que “Examinando as
características do procedimento de execução [...] verifica-se que nele não há
lugar para a denunciação da lide. Esta pressupõe prazo de contestação, que não
existe no processo de execução, onde a defesa é eventual e por embargos. Além
disso, os embargos são uma ação incidente entre o executado embargante e o
cxeqüente, para discussão apenas das matérias de execução. Não comportam
ingresso de uma ação indenizatória do embargante com um terceiro. A sen­
tença que decide os embargos deve apenas admiti-los, ou rejeitá-los, não sendo
lugar para decidir questões estranhas à execução.”; 523 e, Aroldo Plínio Gonçal­
ves, que “A denunciação da lide - espécie de intervenção provocada por uma
das partes - é instituto típico do processo de conhecimento, e só dele, não sendo
cabível, de modo algum, em razão exclusivamente de sua natureza jurídica, por
absoluta incompatibilidade, no processo de execução que visa a atuar pratica­
mente a norma jurídica concreta através de atos materiais, nem no processo
cautelar cuja finalidade é resguardar o resultado útil de outro processo.”. M
Também não diverge desse pensamento o posicionamento de Sydney San­
ches, para quem “também não se compreende denunciação da lide no processo
de execução. A ação de execução não objetiva uma sentença que dirima a lide,
representada pelo conflito de interesses entre o exeqüente, de um lado, que pre­
tende a satisfação de seu crédito e, de outro, o executado, que não o satisfaz.
Essa lide se resolve não com sentença, mas com atos do Juízo e de seus auxiliares53

533 BARBI, p. 212.


5!4 GONÇALVES, Aroldo Plínio. Da d e n u n c ia ç ã o d a lid e . Rio de laneiro: Forense, 1983. p. 312-313.
te n d e n te s à s a tisfa ç ã o d o d ir e ito d o e x t'q u e n te c o n s u b s ta n c ia d o n o títu lo " ; r,
as conclusões de Araken de Assis52526 e de Humberto Teodoro Junior.52
Realmente, como já tivemos a oportunidade de afirmar,528 a estrutura da
atividade executiva praticada no cumprimento da sentença ou no processo (Ir
execução de título extrajudicial não é permeável à denunciação da lide, pois há
incompatibilidade entre o procedimento que visa a satisfação da condenai,a"
contida no título e o procedimento da denunciação, que visa estabelecer por
sentença a responsabilidade do denunciado e, portanto, deve ser um procedí
mento destinado ao acertamento do direito. Em outros termos, não é possível
a utilização de um procedimento único que possa tornar viável a reunião dc.
dois feitos, cuja natureza jurídica é diversa.
Tratando-se de execução de título extrajudicial não embargada, não haverá
oportunidade para o oferecimento da denunciação pelo executado, que em
respeito ao art. 126, in fin e , do Código de Processo Civil, deveria ofertá-l.i
no prazo para a contestação. Isso porque, simplesmente, aqui não existe con
testação, sendo a defesa realizada mediante ação incidente. No que toca a
denunciação de lide formulada pelo autor, existe incompatibilidade entre os
procedimentos, pois como dito não é possível utilizar via única para reali
zar a atividade executiva e a atividade de acertamento. Ademais, uma única
sentença deve decidir ação e denunciação, o que torna inviável a aplicação do
instituto, já que no processo de execução a sentença de mérito tem eficácia
exclusiva mente declaratória, enquanto na denunciação, por se tratar de ação
de garantia, a decisão tem eficácia preponderantemente condenatória.
No que toca a impugnação ao cumprimento da sentença, a ação de garantia
não será cabível, somente podendo ser aduzida em ação autônoma, se for o
caso, porque essa matéria deveria ter sido ventilada no processo de conheci­
mento. Daí, ou já houve decisão a seu respeito, ou não houve a alegação no
momento oportuno, o que torna preclusa a faculdade de intervir no processo
alheio.

525 SANCHES, p. 146.


ASSIS, Araken. M a n u a l da execução. 14* ed.. São Paulo: RT, 2012. p. 1336.
527 THEODORO JUNIOR, Humberto. Processo de execução. São Paulo: Leud, 1985. p. 63-64.
“ OLIVEIRA NETO, p. 143-146.
Por fim, a denunciando da lide também não pode ser aceita nos em bar­
gos do devedor, já que a sentença que ali proferida tem por finalidade des-
onstituir o título ou a execução, não se admitindo a ampliação objetiva da
demanda, com a discussão de questões estranhas à execução.
Km conclusão, pois, a atividade executiva e as formas tradicionais de defesa
■Io devedor, em qualquer das suas modalidades, não são permeáveis à denun-
i ittção da lide, que tem seu campo de incidência exclusivamente no processo
rin que se visa à obtenção de uma tutela de conhecimento, embora não em
Iodos os feitos desta natureza, mas apenas nas hipóteses explicitadas no art.
125, do CPC. Segundo tal preceito, sucessor do art. 70, I, do CPC de 1973,
quando o denunciante pode sofrer prejuízos advindos da perda do processo
no qual é parte, então poderá acionar o denunciado para que este promova o
icssarcimento do seu prejuízo, desde que o direito ao ressarcimento advenha
da evicção529 (inciso I), da lei (inciso II) ou de contrato firmado entre denun­
ciante e denunciado (inciso III).
A redação dada ao art. 70, caput, do CPC de 1973,” ° ao mencionar a obri­
gatoriedade da denunciação da lide para os casos que elencava, gerou intenso
debate por parte da doutrina, que acabou por se pacificar no sentido de que
apenas no caso do inciso I, relativo à evicção, é que havia efetivamente a obri­
gatoriedade da denunciação, sob pena do perecimento do direito. A esse res­
peito ensinava Arruda Alvim que “Rigorosamente, a expressão obrigatória, no
sentido de que, não feita a denunciação, haverá perda do direito regressivo (se
porventura existir), tem significação ou implicação de perda somente na hipó­
tese do art. 70, inc. I. Nos casos dos incs. II [...] e III, a não denunciação impli­
cará, exclusivamente, a não apreciação da pretensão que teria o réu, no mesmo
processo; poderá, no entanto, mover, depois, a ação regressiva.”.511
Nesse passo, como o art. 125, do CPC, suprimiu o termo obrigatória,
dizendo apenas que a denunciação da lide “é admissível”, poderá agora surgir
dúvida quanto a obrigatoriedade da denunciação no caso da evicção (inciso I),*142

G O N Ç A L V E S , C a r l o s R o b e r to . D ir e ito c iv il b ra sileiro . 9* e d .. S ã o P a u lo : S a r a iv a , 2 0 1 2 . 3 o v o l. p.
142. A s s im o a u t o r d e f i n e o i n s t i t u t o : " E v ic ç ã o é a p e r d a d a c o isa e m v ir tu d e d e s e n te n ç a j u d i c i a l ,
q u e a a t r i b u i a o u t r e m p o r c a u s a j u r í d i c a p r e e x is te n te a o c o n tr a to ."

i>0 A r t . 70. A d e n u n c i a ç ã o d a lid e é o b r ig a tó r ia :

M A R R U D A A L V IM , J o s é M a n o e l d e . M a n u a l d e d ire ito p r o c e s s u a l c iv il. 7* e d .. S ã o P a u lo : R T , 2 0 0 1 .


v. 2 , p . 166.

t
que em nosso entender continua a existir. Isso porque a obrigatoriedade nau
decorre da norma inserta no CPC, mas sim do teor do art. 456, do CC. All
nal, se “Para poder exercitar o direito que da cvicção lhe resulta, o adquirenti<
notificará do litígio o alienante imediato, ou qualquer dos anteriores, quando
e como determinarem as leis do processo.”(grifo nosso), e, se a lei processu.il
determina que isso se faça mediante o oferecimento da denunciação; então,
não havendo a denunciação, não mais poderá o adquirente exercitar o direito
que da evicçào lhe resulta.
De qualquer forma, agiu muito bem a lei ao prever a possibilidade de ape
nas uma denunciação da denunciação (art. 125, §2°, do CPC), impedindo com
isso a chamada denunciação sucessiva, que também foi objeto de polêmu.i
na literatura processual. Isso porque a admissão da denunciação sucessiva .t
todos os antecessores da cadeia dominial de um imóvel acabava por tornar
praticamente inviável a prestação da tutela jurisdicional, já que as complica
ções processuais dela resultantes não permitiam que o feito tivesse o anda
mento adequado, demorando por décadas a espera de uma decisão.532
A segunda hipótese em que se admite a denunciação, constante do inciso
II, que abrange o ressarcimento decorrente da lei e o ressarcimento decorrente
de contrato, também apresenta algumas limitações no tocante a sua admissi­
bilidade, pois a ampliação objetiva da demanda não pode tum ultuar o curso
do processo. Daí a razão pela qual não pode o denunciado, como veremos
adiante, introduzir na ação principal fundamentos completamente alheios
dos já deduzidos pelo denunciante, não constantes da relação jurídica origi
nalmente discutida, pois há necessidade de se levar em conta fatos alheios a
discussão travada na ação principal. Por tais razões, sob a vigência do CPC
de 1973, entendia a jurisprudência, de modo majoritário, que não era viável a
denunciação nestes casos, conforme demonstra a análise das decisões conti­
das nas RSTJ14/440, 58/319,133/277,142/346; RT 780/207; RJTJERGS 167/273,
168/216; e, JTA 98/122; em especial o seguinte Arresto; “A denunciação da lide
só deve ser admitida quando o denunciado esteja obrigado, por força da lei ou
do contrato, a garantir o resultado da demanda, caso o denunciante resulte

” • BUENO, p. 248-249. Para o autor " T o d a v e z q u e n o v a s d e n u n c i a ç õ e s tiv e r e m a a p t i d ã o p a r a e m p e -


c e r o e n c e r r a m e n to d o litíg io , a u n i f o r m i d a d e d a i n s t r u ç ã o e a t r a m i t a ç ã o p r o c e s s u a l, t o r n a n d o
i n d e g f i n i d a , in c e r ta o u d i s t a n t e n o t e m p o a s o lu ç ã o f i n a l d a a ç ã io p r i n c ip a l , d e v e m a s m e s m a s ser
v e d a d a s, re serva d a , se m p re - e e m q u a lq u e r caso - a v ia b ilid a d e d a p r o p o s itu r a d e fu tu r a s açócs
r e g r a s s iv a s p o r a q u e le s q u e a s s u m i r a m a c o n d iç ã o d e d e n u n c ia n te s .''.
temido. v e d a d a a in tro m is s ã o d c iu n d n m e n to n o v o n ã o constante da ação
m Iglnária" (RSTJ 142/346 g rilo nosso). T a m b é m n esse se n tid o , aliás, o a le rta
-iclson N ery Ju n io r: "A denunciação da lide somente é admissível nos casos de
e,mantia decorrente da lei ou do contrato, sendo vedada a introdução de fu n d a ­
mento novo (causa petendi), inexistente na ação principal (RJTJSP 85/282). No
mesmo sentido: RSTJ 14/440; RT 602/141; JTACivSP 98/122.”.™
Assim delimitado o campo legal para a incidência da denunciação da lide,
lias demais hipóteses a ação regressiva deverá ser promovida por ação autô­
noma, na forma do art. 125, §1°, do CPC, sempre sendo excluído o caso da
• vicção, situação em que o denunciante perde o direito à garantia.

13.3.4. Processamento.
Tendo a denunciação da lide a natureza jurídica de ação, sua utilização
implica, necessariamente, a formação de um processo que veicula pretensão
diversa daquela veiculada na ação principal, embora entre si relacionadas. Na
explicação de Arruda Alvim “sendo feita a denunciação, teremos duas ações
tramitando simultaneamente. Uma, a principal, movida pelo autor contra o
réu; outra, cuja procedência é eventual, movida pelo litisdenunciante contra o
litisdenunciado.”.™
Nesse passo, (não se olvidando da sedutora opinião daqueles que enten­
dem que a ação apenas rompe a inércia inicial, sendo que posteriormente a
esse momento o que se verifica é apenas a cumulação de novos pedidos numa
mesma ação) se a denunciação da lide possui natureza de ação e se se trata
de uma ação diversa da ação principal, então cabe observar que ela deverá
ser exercitada mediante a distribuição de uma petição inicial que preencha
os requisitos previstos pelos art. 319 e 320, do CPC, deverá respeitar um pro­
cedimento previamente previsto por lei e ainda deverá se encerrar, ao menos
quanto à fase inicial do processo, mediante sentença. Afinal, sempre que nos
deparamos com alguma via processual que goza do status de ter a natureza de
ação, todos esses aspectos devem ser observados, sob pena de infringência ao
modelo constitucional do processo civil.53

535 NERY JUNIOR, Nelson. Código de Processo Civil Comentado. 3a e. São Paulo: RT, 3a ed. Art. 70,
verbete “F u n d a m e n t o novo”
5H ARRUDA ALVIM. M a n u a l ..., p. 169.
1íiante desse perfil o primeiro problema com o qual nos defrontamos é o dr
saber se o denunciante deve elaborar uma peça específica para a denunciaçtlo
ou se poderá fazê-lo na petição inicial quando autor e na contestação quando
réu. A esse respeito alerta Athos Gusmão Carneiro que “formalmente, ii
denunciação da lide deve ser oferecida em petição própria, com os requisito»
do art.282 do Código de Processo Civil. Não haverá maior inconveniente, toda
via, em que seja redigida na mesma peça da petição inicial (na denunciação
pelo autor) ou da contestação (na denunciação pelo réu), dês que obedecido»
os requisitos mencionados, eformalmente destacada a denunciação”, 535 com o
que concordamos em parte.
Embora a lei não seja expressa a esse respeito, o art. 126, do CPC, indica
que sendo a denunciação promovida pelo autor, então esta poderá ser feita
na mesma petição inicial que deduz a pretensão relativa à ação principal, na
medida em que o preceito diz que “a citação do denunciado será requerida na
petição inicial,...”, referindo-se a petição inicial da causa principal. Afinal, se o
local propício para requerer a citação é a petição inicial, qual seria a utilidade
do preceito se estivesse a se referir à petição inicial da ação de garantia? Nesse
caso, mesmo sem a existência do texto legal, ali seria o local propício para
requerer a citação do denunciado.
Sendo denunciante o réu, a denunciação deve ser feita na contestação,
embora o ideal fosse que redação de versão anterior do projeto fosse mantida,
para permitir o oferecimento da denunciação em petição inicial autônoma.
Em redação anterior o preceito se referia ao fato de que, sendo denunciante
o réu, a denunciação deverão ser requerida no Iprazo para contestar, o que
dava a entender que deveria o denunciante ofertar uma petição inicial espe­
cífica para a ação de regresso, o que melhor atendería a circunstância de que
os requisitos da petição inicial são diversos dos requisitos da contestação,
tornando confusa a formulação de duas peças de requisitos diversos numa
mesma petição. Não bastasse, sendo a denunciação ação de regresso, deverá
ela ser distribuída e registrada, o que não acontece com a contestação, que
independe de registro e de distribuição.
Destarte, portanto, entendemos que a denunciação formulada pelo autor
dispensa uma petição inicial diversa da petição inicial da ação, podendo

*** CARNEIRO, p. 85.


t nnstar numa mesma peça processual; mas que a denunciação formulada pelo
o u deve preferencial mente ser oferecida em peça autônoma, não podendo ser
lormulada no bojo da contestação, mesmo que destacada em partes distintas.
Resolvida a questão relativa à petição inicial, cabe destacar que a natureza
lurídica de ação atribuída à denunciação da lide permite que o denunciante,
desde logo, pleiteie tutela antecipada contra o denunciado. Daí, por exemplo,
dentre inúmeras outras possibilidades, se há risco do denunciado dilapidar
•.eu patrimônio e frustrar a garantia do denunciante, poderá o magistrado,
presentes os requisitos legais, conceder a antecipação de tutela que vise asse­
gurar o resultado de futura atividade executiva.
Recebida a ação de regresso e resolvido eventual pedido de tutela anteci­
pada, o denunciado será citado na forma e nos prazos previstos no art. 131, do
CPC (art. 126), que apresenta forma diversa da citação comum. Isso porque,
ao contrário do que acontecia sob a égide do CPC de 1973, a denunciação
da lide não mais suspende o curso do processo principal, que continuará a
ter seus atos praticados normalmente, se não se tratarem de atos processuais
comuns aos dois feitos. No mais, o procedimento comum acaba por determ i­
nar uma sequência única na produção dos atos processuais para ação e para a
denunciação, com as distinções constantes dos art. 127 a 129, do CPC.
Feita a denunciação pelo autor, conforme disciplina o art. 127, do CPC,
"...o denunciado poderá assumir a posição de litisconsorte do denunciante e
acrescentar novos argumentos à petição inicial,...”. Isso não permite, todavia,
que o denunciado possa alterar substancialmente o objeto da demanda prin­
cipal, pois não lhe é dado, mesmo na qualidade de litisconsorte, acrescentar
ao pleito pedidos diversos ou causas de pedir diversas daquelas já deduzidas
pelo denunciante. Pode, apenas, acrescentar novos argumentos, que são pon­
derações para que o pedido seja acolhido, mas não pode inserir elementos que
importem a ampliação do âmbito fixado pelo autor para a instrução probató­
ria, mesmo que esta seja realizada apenas mediante prova documental.
Noutras palavras, reiterando e complementando o que já dissemos no item
anterior, o denunciado não pode promover a ampliação objetiva da demanda
originalmente proposta pelo denunciante. Nesse sentido a precisa lição de
Cassio Scarpinella Bueno ao afirmar que “Pretende-se, com a denunciação,
a otimização da prestação jurisdicional, resolvendo-se, de uma só vez e a
partir de uma mesma ou coerente instrução processual (identidade de bases
procedimentais), a ação principal' e as ações que lhe são conexas, as «o1"
repressivas'. Ioda vez que a ação regressiva a ser proposta por intermédio da
denunciação da lide basear-se em fundamento diverso ou exigir instrução pro
cessual 'qualitativamente' diversa da ação principal, movida pelo ou contra .1
denunciante, deve ela ser indeferida. Não há, é certo, qualquer vedação neste
sentido na lei processual civil. No entanto, a admissão da intervenção de tei
ceiros nestas condições seria ir de encontro à razão de ser do próprio instituto
O ST] tem entendido desta forma, indeferindo a denunciação da lide toda vc:
que sua realização não puder trazer os benefícios processuais - ,a otimização c
a uniformidade da prestação jurisdicional (princípio da economia processual)
- que justificam a adoção do instituto pelo Código de Processo Civil.”.536
Mas mesmo sendo o denunciado litisconsorte do denunciante na ação
principal, continua a ter o ônus de contestar a denunciação, sob pena de ser
revel na ação regressiva. Portanto, deverá o denunciado apresentar a sua con
testação e, querendo, ao mesmo tempo, oferecer petição em separado que
tenha por objeto o aditamento à petição inicial, acrescentando àquela peça os
argumentos que reputa pertinentes para tornar mais robusta à tese propost.i
pelo autor denunciante.
Por sua vez, feita a denunciação pelo réu, prevê o art. 128, do CPC, algu­
mas possibilidades diversas. Na primeira delas, em que se leva em conta uma
atitude de resistência por parte do denunciado (inciso I), ele poderá contes­
tar o pedido formulado pelo autor da demanda principal, o que o tornará
litisconsorte do denunciante, e, ao mesmo tempo, contestar a denunciação da
lide. Com isso o denunciado acabará por manter dois litígios no bojo de um
mesmo processo, pois estará litigando em litisconsórcio com o réu contra 0
autor e também estará litigando diretamente com o réu, apenas no que diz
respeito ao objeto da ação regressiva.
Da mesma forma como acontece com a denunciação feita pelo autor, na
denunciação feita pelo réu o denunciado poderá tecer novos argumentos em
favor da tese constante da contestação da ação principal, mas não poderá alte
rar substancialmente a tese sustentada pelo denunciante, mormente tendo em
vista a incidência do princípio da eventualidade, que não permite ao próprio
denunciante emendar a sua resposta após tê-la ofertado.

BUENO, p. 218.
|á as demais possibilidades estão ligadas a ausência de resistência eficaz por
parte do denunciado, conforme se depreende das hipóteses previstas no art.
I .'H, II c III, do CPC. No caso do inciso II, citado para responder, o denun-
. uulo se mantem inerte, tornando-se revel. Aqui o denunciante poderá dei-
■wii de prosseguir na defesa que formulou perante a ação principal e também
poderá deixar de recorrer, já que julgadas procedentes a ação principal e a
açao regressiva, poderá o autor promover diretamente atos executivos contra
o denunciado. Na hipótese prevista no inciso III, em que o denunciado com­
parece e confessa os fatos articulados na ação principal (não pode reconhecer
juridicamente o pedido apenas porque não é parte originária da ação princi-
pal), o denunciante poderá aderir a confissão e discutir apenas o conteúdo da
.u,áo de regresso, isso pela mesma razão de ser da hipótese anterior, ou seja,
porque a atividade executiva do autor poderá se voltar diretamente contra o
denunciado.
O que se vê nestes dois últimos casos, por força do disposto no parágrafo
único, nada mais é do que a admissão da possibilidade da chamada execução
per saltutn, em que a atividade executiva do autor se volta diretamente contra
o denunciado. Embora o denunciante também possa ser acionado pelo autor,
este prefere, a princípio, excluí-lo do cumprimento da sentença, facilitando o
processamento do feito e obtendo a satisfação da condenação de uma forma
mais rápida e eficaz. A positivação deste mecanismo, que sob a égide do CPC
de 1973 era questionável, permite, por exemplo, que o autor deixe de mover o
cumprimento da sentença contra o réu, fazendo-o em desfavor da seguradora,
que certamente tem situação financeira bem mais confortável para satisfazer
a obrigação. Além disso, mover um único cumprimento da sentença contra o
denunciado, ao invés de promovê-lo contra o réu e este, por sua vez, promover
um segundo cumprimento de sentença contra o denunciado, implica otimizar
o princípio da economia processual, com a prática de um número de atos pro­
cessuais bem menor do que os que seriam necessários se dois cumprimentos
de sentença fossem promovidos.
Feita a denunciação e comparecendo o denunciado ao processo, os fei­
tos são instruídos conjuntamente, sendo proferida uma única sentença, na
medida em que se trata de ações conexas por força de lei. Todavia, o julga­
mento conjunto não implica deixar dc observar que cada uma das ações (prin­
cipal e denunciação da lide) possui objeto próprio e que guardam entre si uma
relação de prejudicialidade. Por isso, se a ação principal é julgada improce
dente, então o objeto da ação de garantia não será decidido, na medida em
que a decisão que se dá a primeira ação condiciona a decisão que seria dada im
segunda, impedindo o seu conhecimento. Trata-se, portanto, de uma relação
de prejudicialidade impeditiva;537 razão pela qual não merece qualquer reparo
o teor do art. 129, do CPC, ao determinar que neste caso a denunciação da lide
não terá seu pedido examinado, arcando o denunciante com o pagamento da >
verbas de sucumbência em favor do denunciado, isso em razão da incidência
do princípio da causalidade.

13.4. Chamamento ao processo.

13.4.1. Definição e natureza.


No momento em que a ação é proposta cabe apenas ao autor, sem qual
quer colaboração de outros possíveis autores, do réu ou de terceiros, eleger
quem serão os litisconsortes facultativos que vão participar da demanda. Afi­
nal, apenas o autor da ação elabora a petição inicial, delimitando o seu con­
teúdo, tanto no aspecto subjetivo (pessoas que vão participar do processo),
quanto no seu aspecto objetivo (o que será objeto do processo). Mas a lei não
poderia deixar sem a possibilidade de agir aqueles sujeitos que originalmente
não foram indicados como partes pelo autor, mas que poderíam ter figurado
no processo nessa condição. Por isso aquele que tem relação jurídica com o
adversário do assistido, mas que não foi nomeado parte pode ingressar no
processo como assistente litisconsorcial. Assim permite a lei ao autor formar
o litisconsórcio inicial e aos que poderiam ter sido autores ingressar no feito
como litisconsortes.
Assegurada dessa forma a possibilidade do autor eleger quem serão os
litigantes e aos litigantes excluídos a possibilidade de ingressar no feito, fal­
tava apenas dotar o sistema com um instituto que pudesse perm itir a parte,
nomeada litisconsorte passivo na inicial, trazer para o processo aqueles outros

537 Vide a respeito deste tema nossa abordagem sobre a relação de prejudicialidade, constante do
capítulo intitulado “M e c a n is m o s c o g n itiv o s d o p r o c e s s o c iv il" .
litisconsortes que não loram indicados pelo autor ao propor a demanda.5’*
Como o CPC de 1939 não possuía uma via processual específica para que
isso pudesse acontecer, o CPC de 1973, buscando inspiração no art. 330, do
i ódigo de Processo Civil de Portugal então vigente, disciplinou em seus art.
77 a 80 o chamamento ao processo, que no sistema vigente é objeto de trata­
mento nos art. 130 a 132, do CPC.
Analisando o instituto Moacyr Amaral Santos define o chamamento ao
processo “como o ato pelo qual o réu, citado como devedor, chama ao pro­
cesso o devedor principal, ou os co-responsáveis ou coobrigados solidários para
virem responder pelas suas respectivas obrigações.’’; 539 enquanto José Frede­
rico Marques diz que o “chamamento ao processo é o ato pelo qual o devedor,
quando citado como réu, pede a citação também de outro coobrigado a fim de
ifue se decida, no processo, a responsabilidade de todos.”. 540Destas definições
não encontra divergência substancial o pensamento de Athos Gusmão Car­
neiro, para quem, “pelo chamamento ao processo, ao réu assiste a faculdade
(não a obrigação) de, acionado pelo credor em ação de cobrança, fazer citar os
coobrigados, a fim de que estes ingressem na relação jurídica processual como
seus litisconsortes, ficando destarte, abrangidos pela eficácia da coisa julgada
material resultante da sentença.”.™'
Por sua vez, em profundo estudo acerca do tema, Flávio Cheim Jorge nos
apresenta a seguinte definição: “O chamamento ao processo é uma das formas
de ingresso coativo de terceiro ao processo, onde é concedido ao réu a faculdade
de, sendo demandado em obrigação comum, chamar ao processo os outros
devedores, para ocuparem juntamente com ele a posição de réu, sendo todos
condenados na mesma sentença.”.™2
Das definições apresentadas é possível aferir que, em momento algum,
se verifica a existência de menção expressa ou implícita quanto a urna via
processual que tenha a natureza de ação ou de fase processual. Também se
observa que aquele que tem a iniciativa do chamamento é apresentado como*5401

558 BUF.NO, p. 277. " T r a ta - s e d e e x e m p lo d e f o r m a ç ã o d e litisc o n só rc io (p a ss iv o ) p o r in ic ia tiv a d o p r ó ­


p r i o ré u .".

sw SANTOS, p. 34.
540 MARQUES, p. 285.
541 GUSMÃO CARNEIRO, p. 99.
513 JORGE, Flávio Chein. C h a m a m e n t o a o p ro c esso . Sâo Paulo: RT, 1997. p. 22.
o sujeito passivo do processo e que os chamados s.u» apresentados como aque
les que poderíam ter sido partes, mas que não participaram da formação do
litisconsórcio inicial. Por isso já tivemos a oportunidade de afirm ar543 que o
chamamento ao processo, a nosso ver, não representa uma verdadeira forma
de intervenção de terceiro em processo alheio, já que o chamado nada mais e
do que o corréu que não foi nomeado na inicial pelo autor, que por ato facul
tativo do réu nomeado passa também a integrar o processo.
Nada obstante, há polêmica na doutrina quanto a real natureza do insti­
tuto, que para alguns apresenta a natureza jurídica de ação condenatória, na
medida em que consiste numa ação promovida pelo corresponsável que foi
acionado sozinho contra os demais corresponsáveis pela satisfação do direito
pleiteado pelo autor. Mas nesse aspecto preferimos cerrar fileiras com Flávio
Cheim Jorge, para quem tal posição "...não parece condizer com a finalidade
do instituto. Como já demonstrado, não existe pretensão alguma do chamante
em face do chamado que justifique a concepção de se tratar de uma ação conde­
natória incidente com direito de regresso. O único objetivo que o chamante pos­
sui é o d e ver o chamado condenado juntamente com ele, pois aquele que pagar
a dívida se sub-rogará nos direitos do credor, e, usando a mesma sentença, de
acordo com o art. 80, exigirá dos demais a sua cota parte. Tanto é assim que, se
o chamado pagar a dívida, ficará sub-rogado nos direitos do credor, e os papéis
se inverterão, ou seja, é o chamado que usará a sentença para receber a sua
cota-parte do chamante. E, nessa hipótese, como ficará a suposta ação conde­
natória do chamante em face do chamado P”.544
Ademais, se o chamamento tivesse efetivamente a natureza de ação, deve­
ríam os chamados responde-la, isso mediante o oferecimento de contestação
contrária a pretensão do chamante, o que não possui previsão legal, seja no
sistema anterior, seja no sistema processual atual.
Podemos dizer, portanto, que o chamamento ao processo é o ato pelo qual
o réu chama ao processo corresponsável perante o autor, para que seja decla­
rada por sentença a responsabilidade de cada qual, estabelecendo-se um litis­
consórcio passivo entre o réu e os chamados.

OLIVEIRA NETO, p. 149.


JORGE, p. 27.
13.4.2. 11ipótescs de cabimento.
Conforme se conclui após a análise das hipóteses de cabimento previstas
no art. 130, do CPC, o âmbito propício para a utilização do chamamento ao
processo é o processo de conhecimento, embora existam divergências sobre
a utilização do instituto no processo de execução. Ao comentar a questão
ensina Arruda Alvim que "Trata-se de urna faculdade, não de urna obrigação,
conferida ao réu, e somente a este, de emprego confinado ao processo de conhe­
cimento de rito ordinário. A jurisprudência brasileira já colocou em discussão
a possibilidade de utilizá-lo no processo de execução. Os primeiros pronuncia­
mentos coincidem com o nosso ponto de vista, no sentido da inaplicabilidade,
pela profunda diferença estrutural existente entre o processo de conhecimento e
o processo de execução.”. 545
Também nesse sentido é a posição de Athos Gusmão Carneiro, para quem
“Após um período inicial de certa perplexidade na doutrina e divergências
nos julgados, prevaleceu a tese de chamamento ao processo (como, diga-se, as
demais formas de intervenção no processo, exceto a assistência) é possível tão só
e unicamente no processo de conhecimento, não no processo de execução,”;546 e,
conforme já tivemos a oportunidade de indicar,547 os entendimentos de Celso
Agrícola Barbi, Bruno Afonso de André, Cunha Peixoto, Wilard C. Vilar,
Antonio Carlos de Araújo Cintra, Araken de Assis, Flávio Cheim Jorge, Hum­
berto Teodoro Junior e Vicente Greco filho.
Em sentido contrário, porém, encontramos a posição de Alcides de Men­
donça Lima e Lauro Paiva Restiffe, afirmando, de forma bastante contun­
dente, que “Naturalmente, por coerência, as autorizadas vozes que negarem a
possibilidade do chamamento na execução, por pretendido obstáculo estrutu­
ral, estarão negando, implícita, mas necessariamente, a faculdade que tem o
credor de executar de uma só vez, conjuntamente, os vários devedores comuns.
Tal ponto de vista, entretanto, é manifestamente insustentável, pois irá con­
trariar flagrantemente o art. 904 e outros do Código Civil, não se deve perder
de vista que, por força do art. 589 do CPC, aplicaram-se subsidiariamente à
execução as disposições que regem o processo de conhecimento, estando entre

ARRUDA ALVIM. C ó d ig o d e p r o c e s s o c iv il c o m e n ta d o . São Paulo: RT, 1975. Vol. III, p. 333.


5,6 CARNEIRO, p. 84.
Hr OLIVEIRA NETO, p. 150.
elas as disposições que regem o litisconsórcio, admissível também no processo de
execução, conforme nunca o negou a boa doutrina. Sabendo-se que o legisladoi
fo i confessadamente buscar a figura do chamamento ao processo no art. 330
do CPC Português, conforme ali vigorava por ocasião da elaboração do nosso
Anteprojeto, não será demais lembrar que o art. 330, n. 2, previa expressamente
um caso de chamamento ao processo na execução (era o caso do fiador, sem
benefício de ordem, a chamar o afiançado).”. 548
Cremos, em que pese a argumentação esposada pelos que defendem a
aplicação do instituto no processo de execução, inclusive a constante do v.
Arresto inserto na RTJ 81/903, que não é possível o chamamento ao processo
nas várias espécies de execução ou de cumprimento da sentença. Isso, porque
existe evidente incompatibilidade entre o rito previsto nos art. 130 e 132, do
CPC, com a estrutura da atividade executiva. O art. 131 dispõe que o réu
deve requerer a citação dos chamados na contestação, o que não existe no
processo de execução, isso para que possibilite ao juiz declarar, por sentença,
a responsabilidade de cada qual. A inexistência de contestação não seria óbice
intransponível, já que poderia ocorrer o chamamento no prazo para ofereci­
mento de embargos ou de impugnação. Porém, não é possível que se profira
sentença na execução apenas para declarar as responsabilidades de cada qual.
Seria ilógico e injusto, por sua vez, que apenas um dos devedores assumisse o
ônus de garantir o juízo, para depois chamar aqueles que também deveríam
sofrer a penhora de seus bens.
Não bastasse, no caso da atividade desenvolvida na execução ou no cum ­
primento da sentença, não existe motivo para se formar um novo e autônomo
título executivo, nos moldes do art. 132, do CPC, quando o devedor que sofre
a expropriação e que, por isso, arca sozinho com a satisfação da obrigação, se
sub-roga no direito contido no título executivo.
Por fim, com a previsão legal de existência do benefício de ordem, previsto
no art. 794, do CPC, o fiador poderá indicar bens do devedor à penhora e
sub-rogar-se no crédito ao pagar a dívida, o que faz com que se restrinja o
âmbito de incidência do instituto, nos moldes previstos pelos dispositivos que
o regulam.

RESTIFE, Lauro Paiva. C h a m a m e n t o a o p ro cesso n a e x e c u çã o . RJTJESP 31/13.


Iim resumo, pois, pelas ra/.ftcs elencadas, nào é viável a utilização do cha­
mamento ao processo na atividade executiva, seja ela praticada em processo
tlc execução, seja ela praticada em cumprimento de sentença.
Já em seu campo específico de incidência, ou seja, no processo de conheci­
mento, o chamamento ao processo é possível nas hipóteses indicadas no art.
130, do CPC; todas elas representativas de situações nas quais, por força do
ilireito material, alguém que é obrigado perante o autor acabou por não ser
indicado como sujeito passivo no processo.
Não há diferença de conteúdo nas situações descritas no art. 130,1, II e III,
do CPC, para as hipóteses que eram previstas no art. 77, do CPC de 1973. Em
todas elas (I - do afiançado, na ação em que o fiador for réu; II - dos demais
fiadores, na ação proposta contra um ou alguns deles; III - dos demais deve­
dores solidários, quando o credor exigir de um ou de alguns o pagamento
da dívida comum) o que se vê é a exclusão de um responsável prim ário pelo
cumprimento da obrigação assumida, que deveria ter sido arrolado como
sujeito passivo, isso para ter sua responsabilidade definida na sentença a ser
prolatada.
Nas versões anteriores do projeto que deu origem ao CPC havia um quarto
inciso, prevendo que o réu poderia nomear a autoria todos aqueles que "..., por
lei ou contrato, são também corresponsáveis perante o autor". Com isso, além
da norma enfatizar o caráter taxativo da nomeação, que só seria possível nos
casos dos incisos I, II e III, e, noutros casos expressamente previstos por lei ou
por contrato (quando na esfera da autonomia da vontade dos contratantes),
também ficava resolvida a polêmica acerca da possibilidade ou não de utili­
zação da nomeação a autoria no caso de alimentos, por força do disposto no
art. 1.698, do CC.549
Nada obstante, entendemos que a polêmica deve ser resolvida em favor
daqueles que admitem a utilização do chamamento ao processo para trazer
ao feito todos aqueles que podem, de algum modo, concorrer para o paga­
mento de verba alimentícia ao alimentando, já que esta hipótese se aproxima

549 Código Civil. “A r t . 1.6 9 8 . S e o p a r e n te , q u e d e v e a l i m e n t o s e m p r i m e i r o lu g a r, n à o e s tiv e r e m c o n


d iç õ e s d e s u p o r t a r t o t a l m e n t e o e n c a r g o , s e r ã o c h a m a d o s a c o n c o r r e r os d e g r a u im e d ia to : s e iu lo
v á r ia s a s p e s s o a s o b r ig a d a s a p r e s t a r a li m e n t o s , to d a s d e v e m c o n c o r r e r n a p r o p o r ç ã o d o s re sp ec
tiv o s r e c u r s o s , e, i n t e n t a d a a ç ã o c o n tr a u m a d e la s , p o d e r ã o a s d e m a i s s e r c h a m a d a s a in te g r a r a
li d e .“.
das expressamente previstas pela lei, o que implica reconhecer que a re la to
constante do preceito não é taxativa.

13.4.3. Processamento.
Diante da posição acima adotada, no sentido de que o chamamento ao pro
cesso não possui natureza jurídica de uma ação condenatória, fica eliminada a
necessidade de o réu ter que atender aos requisitos da petição inicial, bastando
que de cumprimento ao determinado no art. 131, do CPC, requerendo a cita
ção do litisconsórcio passivo (chamado) em sua contestação.
Feito tal requerimento, que é de uso exclusivo do réu (art. 130, do CPC),
serão os chamados citados na forma prevista pelo art. 131, do CPC, sob pena
da não admissibilidade da nomeação. Nada impedirá, entretanto, que o réu
acione posteriormente os corresponsáveis visando obter o ressarcimento
daquilo que pagou e que não era da sua responsabilidade. Essa forma faculta­
tiva de intervenção de terceiro, portanto, serve apenas para otim izar o prin
cípio da economia processual, definindo na ação proposta contra o réu uma
responsabilidade que, sem a utilização do instituto, exigiría a propositura de
ação autônoma.
Não há que se cogitar, por seu turno, da instauração de um incidente pro­
cessual para a discussão acerca da legitimidade do chamamento, já que se
trata de matéria que deverá ser ventilada no bojo da contestação, já que “...o
chamado também terá prazo para resposta após a sua citação, desde que se
tornará litisconsorte do chamante.".S5"
Julgado o feito, se o pedido do autor for acolhido, a sentença valerá, na
forma do art. 132, do CPC, “...como título executivo em favor do réu que satis­
fizer a dívida, a fim de que possa exigi-la, por inteiro, do devedor principal, ou
de cada um dos codevedores a sua cota, na proporção que lhes tocar.”. Neste
caso cada um dos litisconsortes passivos também arcará, na proporção da
sua respectiva responsabilidade, com o pagamento das verbas decorrentes da
sucumbência. Do mesmo modo, rejeitado o pedido do autor, tais verbas serão
de sua inteira responsabilidade.
Em qualquer das duas situações, todavia, se na sentença restar decidido que
o chamamento ao processo não era cabível, isso porque o chamado não tinha 50

550 ARRUDA ALVIM. M a n u a l.... p. 209.


responsabilidade por percentual algum da dívida, então às responsabilidades
pdo pagamento das custas decorrentes da sua intervenção e dos honorários
do seu advogado deverão ser atribuídas de forma exclusiva ao réu que efetivou
0 chamamento, já que o autor não contribuiu de forma alguma para que os
1lum ados viessem a integrar o polo passivo do processo.

13.5. Incidente de desconsideração


da personalidade jurídica.

13.5.1. A desconsideração da personalidade jurídica.


Embora a pessoa jurídica possa ser concebida como uma ficção legal, ela
goza de personalidade jurídica própria, que é autônoma e independente da
personalidade jurídica de seus sócios. Daí, como regra geral, não há que se
falar em responsabilidade da empresa por atos praticados pelos seus sócios
ou da responsabilidade dos sócios pelos atos praticados pela empresa. Se um
obtém empréstimo e torna-se inadimplente, por exemplo, a mera ausência de
bens não implica a invasão do patrimônio do outro, que se mantêm integro.551
Essa autonomia, entretanto, não é absoluta. Quando o sócio ou dirigente
da pessoa jurídica pratica atos que ofendem a legalidade, agindo de modo a
cometer fraude em prejuízo de outrem, essa autonomia pode ser desconside­
rada e, por exceção, o patrimônio do sócio ou dirigente pode responder pelas
dívidas da empresa. Trata-se da teoria da desconsideração da personalidade
jurídica, que Fábio Ulhoa Coelho explica da seguinte forma “Como se vê destes
exemplos, por vezes a autonomia patrimonial da sociedade empresária dá mar­
gem à realização defraudes. Para coibi-las, a doutrina criou, a partir de decisões
jurisprudenciais, nos EUA, Inglaterra e Alemanha, principalmente, a ‘teoria da
desconsideração da pessoa jurídica, pela qual se autoriza o Poder Judiciário a
ignorar a autonomia patrimonial da pessoa jurídica, sempre que ela tiver sido
utilizada corno expediente para a realização de fraude. Ignorando a autonomia

551 N e s s e s e n t i d o o E n u n c i a d o 7 d o C E J , c u j o t e o r é o s e g u i n te : “S<5 se a p lic o a d e s c o n s id e r a ç ã o d a


p e r s o n a l i d a d e j u r í d i c a q u a n d o h o u v e r a p r á tic a d e a to ir r e g u la r , e l i m i t a d a m e n t e . a o s a d m i n i s ­
tr a d o r e s e só c io s q u e n e la h a j a m in c o r r id o ." ; e , o E n u n c i a d o 2 8 2 d o C E ) , c u j o t e o r é o s e g u in te :
“O e n c e r r a m e n t o ir r e g u la r d a s a t i v i d a d e s d a p e s s o a j u r í d i c a , p o r s i só, n ã o b a s ta p a r a c a r a c te r iz a r
a b u s o d e p e r s o n a lid a d e ju r íd ic a ." .
patrimonial, será possível responsabilizar-se, direta, pessoal e ilimitadamente,
o sócio por obrigação que, originariamente, cabia à sociedade.”.55J
Tendo como marco inicial no Brasil uma conferência proferida por Rubens
Requião na Universidade Federal do Paraná, publicada na RT 410/12 sob .1
denominação “Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica
(Disregard Doctrine)", a desconsideração da personalidade jurídica pode ser
encontrada no art. 28 do CDC (Lei 8.078/90), no art. 18 da Lei Antitruste (Lei
n° 8.884/94), no art. 4o da Lei do Meio Ambiente (Lei n° 9.605/98) e, principal
mente, no art. 50 do Código Civil, regra esta que passou a permitir a aplicação
da teoria de forma geral e independentemente da matéria discutida.*553
No que toca ao dispositivo constante do Código Civil, esclarece Maria
Helena Diniz que “0 código civil pretende que, quando a pessoa jurídica se
desviar dos fins determinantes de sua constituição, ou quando houver confu­
são patrimonial, em razão de abuso da personalidade jurídica, 0 órgão judi-
cante, a requerimento da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber
intervir no processo, esteja autorizado a desconsiderar, episodicamente, a per­
sonalidade jurídica. Com isso subsiste 0 princípio da autonomia subjetiva da
pessoa coletiva, distinta da pessoa de seus sócios; tal distinção, no entanto, é
afastada, provisoriamente, para um dado caso concreto, estendendo a respon­
sabilidade negociai aos bens particulares dos administradores ou sócios da pes­
soa jurídica .”.554
Também entende a doutrina que, além da possibilidade de desconsidera­
ção da personalidade jurídica da empresa para atingir bens dos sócios ou diri­
gentes, afigura-se também admissível a chamada desconsideração inversa, em
que os bens da empresa respondem pela dívida contraída pelo empresário que
esvazia o seu patrimônio com a finalidade de frustrar a satisfação de determi­
nada obrigação.

S5: COELHO, Fábio Ulhoa. M a n u a l d e d ir e ito c o m e r c ia l. 17* e.. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 126.
553 TfSP. Agravo de instrumento n" 1198103000 - 29* Câmara de Direito Privado - Relator Manoel
Queiroz Pereira Calças, p. 26.11.2009.
DINIZ, Maria Helena. N o v o C ó d ig o C iv il C o m e n ta d o . Coord. FIÚZA, Ricardo. São Paulo: Saraiva,
2003. p. 65.
11.5.2. Perf il do incidente.
Embora prevista em lei e largamente aplicada no dia a dia forense, mesmo
após a entrada em vigor do Código Civil, o CPC de 1973 não sofreu alterações
para regulamentar a maneira pela qual seria processado um eventual pedido
de desconsideração da personalidade jurídica da empresa ou a desconsidera­
rão inversa. Em razão deste vácuo legislativo cada magistrado, praticamente,
aplicava ao caso o procedimento que entendia cabível, por vezes com o cercea­
mento da atuação das partes. Inovando acerca do tema, o atual diploma prevê,
em seus art. 133 até 137, com a finalidade de uniformizar o procedimento,
um incidente processual específico para a declaração da desconsideração da
personalidade jurídica.
Nesse passo, observa-se que houve por bem a lei objetivar os requisitos
que conduzem ao reconhecimento da ocorrência de abuso da personalidade,
utilizando-se para tal, no art. 133, §1°, do CPC, segundo o qual “o pedido de
desconsideração da personalidade jurídica observará os pressupostos previstos
em lei.”. Por isso deverá o magistrado observar se estão ou não presentes, na
hipótese que aprecia, os requisitos que a lei civil considera essenciais para a
ocorrência do abuso. No caso do art. 50, do CC, por exemplo, os elementos
necessários à configuração do abuso são a presença de desvio de finalidade ou
a existência de confusão patrimonial, sem o que não será possível acolher o
pedido de desconsideração.
Presentes tais elementos poderá a parte ou o Ministério Público, em peti­
ção que não precisa preencher os requisitos da petição inicial, já que se trata
de incidente processual, requerer a declaração da desconsideração, que a prin­
cípio não poderá ser decretada ex officio pelo magistrado (art. 133, caput),
conforme observa Nestor Duarte ao aduzir que “a desconsideração da pessoa
jurídica é ato privativo do juiz, que, também, não agirá de ofício, dependendo
de iniciativa da parte ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no
processo.”.555
Sendo o pedido de desconsideração possível em processo de conhecimento,
no cumprimento de sentença ou em execução fundada em título executivo
extrajudicial (art. 134), prevê a lei que ele será processado de duas formas*60

5SS
DUARTE, Nestor. C ó d ig o c iv il c o m e n ta d o . Coord. PELUSO, Cezar. 4a e.. Barueri: Manole, 2010. |>
60.
distintas, conforme o local onde foi formulado. Varia o rito conforme o pedido
seja feito na própria petição inicial ou em petição distinta. Daí, se o pedido i
formulado na petição inicial, não ocorrerá propriamente à instauração de uni
incidente processual (art. 134, §2°) e nem se dá a suspensão do curso do pro
cesso (art. 134, §3°). O pedido será apreciado no curso do próprio processo,
Porém, se formulado em petição autônoma, será instaurado o incidente e o
processo deverá ser suspenso, já que o termo “suspenderá” constante do
parece ser impositivo.
Com o devido respeito, em termos de procedimento, perdeu a lei uma
excelente oportunidade para regulamentar o pedido de desconsideração de
forma adequada, já que a redação confusa do capítulo acaba por gerar intime
ras dúvidas que terão, necessariamente, que receber da jurisprudência uma
interpretação adequada.
O primeiro problema diz respeito à autuação ou não do incidente em apar
tado (ou abertura de incidente vinculado em processo eletrônico), já que a lei
é omissa a esse respeito. Porém, em se tratando de cumprimento de sentença
ou de execução de título extrajudicial, como o feito poderá ter normal anda
mento se pode haver necessidade de instruir o pedido de desconsideração?
Ora, se o art. 135, in fine, do CPC, diz que o sócio ou a pessoa jurídica podem
requereras provas cabíveis, então pode existir necessidade de dilação probató
ria no incidente, o que não pode ser feito no bojo do cumprimento da sentença
ou do processo de execução. Nesse passo, melhor seria ter previsto a lei que,
havendo resposta quanto ao pedido de desconsideração, fosse instaurado o
incidente de modo autônomo, ou, ao menos, determ inar também a suspensão
do processamento do feito quando o pedido de desconsideração fosse feito no
bojo da petição inicial, evitando problemas decorrentes do seu processamento
conjunto.
Outra questão que se apresenta diz respeito à obrigatoriedade de suspensão
do processo, posição que parece estar na contramão da forma de proceder
prevista pelo sistema. Isso porque, no caso de impugnação ao cumprimento
da sentença (art. 525, §5°) e no caso de embargos (art. 919), que são defesas que
em tese possuem uma amplitude maior do que a defesa ofertada ao pedido
de desconsideração, a não suspensão é a regra, só podendo ser sobrestado o
curso dos procedimentos quando preenchidos os requisitos exigidos pela lei
para tal.
P or sua vez, nada impede que o magistrado conceda tutela antecipada no
In» lilente, seja ela tutela de urgência, seja ela tutela de evidência, desde que
fin-nchidos os requisitos específicos para o seu deferimento.
Nada obstante os inúmeros problemas que advirão da aplicação prática do
Instituto, em se tratando de incidente processual, feito o juízo de admissibili-
•liide e recebido o pedido de desconsideração, na mesma decisão deve o magis-
liado, ainda, na forma do art. 135, do CPC, determinar a citação do sócio ou
<l.i pessoa jurídica para que, no prazo comum de quinze dias, se manifestem
( re q u e ira m a produção das provas que entendem cabíveis. Embora se trate
ile u m incidente processual, em que normalmente não há a necessidade de
»ilação, bastando a intimação para a participação no procedimento, aqui agiu
bem a lei ao prever a citação para o caso da desconsideração, na medida em
»|iie a pessoa física passará a ser responsável executiva secundária e, portanto,
p assará a ser parte quando ocorrer a atividade executiva que venha a promo­
ver a constrição e alienação de seus bens.
Em suma, recebida a petição e determinada a citação do responsável execu-
Iivo primário e do responsável executivo secundário, terão eles o prazo comum
de quinze dias para oferecer defesa, devendo o magistrado proferir decisão de
plano se a questão for unicamente de direito, se não houver resposta ou se a
questão discutida é de direito e de fato, mas não houver necessidade da pro­
dução de provas. Caso contrário, visando manter a ordem do procedimento
e otimizar sua tramitação, deverá o magistrado proferir decisão que reúna os
requisitos da decisão que saneia processo (art. 354, do CPC), resolvendo ques­
tões processuais, fixando os pontos controvertidos e deferindo a produção de
provas que entender pertinentes. Então, por força do previsto no art. 136, do
CPC, o incidente será resolvido por decisão interlocutória.
Por fim, observa-se que a decisão proferida no incidente tem por escopo
reconhecer a prática de abuso na gestão da empresa e, por consequência,
declarar a desconsideração da personalidade jurídica, situação que trás ao
processo o responsável executivo secundário para que também responda pela
satisfação da obrigação; mas que também retroage para fixar o marco inicial
de quando a alienação de bem aconteceu em fraude de execução, conforme
previsto no art. 137, do CPC.
13.6. A m icus curiae.

13.6.1. Noções gerais.


Na nossa legislação processual a forma de intervenção de terceiros deno
minada amicus curiae tem história recente, como acentua Cassio Scarpinella
Bueno ao afirmar, na obra mais completa sobre o tema, publicada pela pri
meira vez em 2006, que “não há no direito brasileiro nenhuma referência legis
lativa expressa à figura do amicus curiae. Não pelo menos com o emprego desse
nome.”.556 Por isso entendemos que agiu bastante bem o atual código discipli
nando ao menos a existência desta figura, cuja função principal é colaborar
com o aprimoramento da prestação da tutela jurisdicional. Afinal, sendo o
Brasil um Estado Democrático de Direito, onde deve existir pleno respeito ao
pluralismo e as instituições, a possibilidade de participação popular na ativi­
dade jurisdicional é sempre um traço representativo de fortalecimento dessa
almejada democracia.
Ora, sabe-se que por maior que seja a cultura e o conhecimento de um
magistrado, não lhe é possível conhecer com profundidade de todos os temas
que são veiculados nos inúmeros processos que são da sua competência. Aliás,
essa é uma das razões da existência da prova pericial, em que o juiz se socorre
de conhecimentos técnicos de um profissional para poder concluir sobre algo
a respeito do que seus conhecimentos são limitados. Portanto, o afluxo a
determinados feitos de pessoas ou de entidades especializadas na matéria dis­
cutida somente pode acrescentar ao conjunto probatório melhores subsídios
para a decisão do órgão jurisdicional, reduzindo consideravelmente a margem
de erro da decisão judicial.
Não bastasse, a transparência que deve ser dada a discussão e a decisão de
certos temas, de interesse de grupos de pessoas mais ou menos determinados,
permite uma otimização do efeito de pacificação que essa decisão virá a gerar,
pois é mais fácil ao ser humano aceitar algo que, embora lhe sendo contrário,
tendo sido também por ele discutido.

556 BUENO, Cassio Scarpinella. A m i c u s c u r i a e n o p r o c e s s o c iv il b r a s ile ir o - u m te r c e ir o e n ig m á tic o .


São Paulo: Saraiva, 2006. p. 127.
Essa nova forma de intervenção de terceiros, portanto, deve ser ampla-
meute admitida naquelas causas em que a tensão social é maior e em que a
i( percussão da decisão possa gerar intranquilidade em parte da população,
tudo como um meio de perm itir ao povo uma participação na formação do
convencimento do julgador, e, por consequência, uma maior participação no
exercício da sua soberania.

13.6.2. Natureza e definição.


Já vimos, nos itens anteriores, que a definição de terceiros se obtém por
exclusão, pois quem não é parte num processo deve ser considerado terceiro; e,
que esses terceiros podem ser classificados, segundo seus respectivos interes­
ses, em terceiros desinteressados, terceiros com interesse de fato ou terceiros
(uridicamente interessados. Apenas os integrantes desta última modalidade
de terceiros é que estão legitimados a intervir em processo alheio, isso porque
serão atingidos pela eficácia natural da sentença prolatada entre as partes.
Embora o amicus curiae não venha a ser diretamente atingido na sua esfera
de direitos pela decisão proferida entre as partes, ele também possui interesse
lurídico que o legitima a intervir em processo alheio, pois o sistema jurídico
reconhece a legitimidade de diversos grupos organizados para opinar sobre
questões que são por eles consideradas importantes. Na lição de Cassio Scar­
pinella Bueno "o que enseja a intervenção desse ‘terceiro' no processo é a cir-
i unstância de ser ele, desde o plano material, legítimo portador de um ‘ inte­
resse institucional’, assim entendido aquele interesse que ultrapassa a esfera
jurídica de um indivíduo e que, por isso mesmo, é um interesse metaindividual,
típico de uma sociedade pluralista e democrática, que é titularizado por grupos
ou por seguimentos sociais mais ou menos bem definidos. [...] O amicus curiae
não atua, assim, em prál de um indivíduo ou de uma pessoa, como fa z o assis­
tente, em pról de um direito de alguém. Ele atua em prol de um interesse, que
pode, até mesmo, não ser titularizado por ninguém, embora seja partilhado
difusa ou coletivamente por um grupo de pessoas e que tende a ser afetado pelo
que vier a ser decidido no processo.”.557

BUENO, Cassio Scarpinella. C u r s o s i s t e m a t i z a d o d e d i r e it o p r o c e s s u a l c iv il. 6 ‘ ed.. São Paulo:


Saraiva, 2013. Volume 2, Tomo I, p. 497.
Sob tal perspectiva é até mesmo de se estranhar a demora para que essa
forma de intervenção de terceiros fosse expressamente admitida pelo nosso
sistema. Afinal, se existem organismos (ministério público, defensoria pública,
associações, etc) que podem propor ações coletivas na qualidade de parte, o
que justificaria que organismos na mesma situação não pudessem intervir
em processo alheio como terceiros, mesmo sendo esses processos promoví
dos entre particulares? Ademais, nosso sistema processual houve por bem,
ao instituir a ação civil pública (Lei n° 7.347, de 24.07.1985), adotar posição
restritiva quanto à legitimidade, que com o tempo foi sendo ampliada para
abarcar entes que antes não eram legitimados para manusear tal tipo de ins
trum ento (v.g. Defensoria Pública); sendo que, na atualidade, todos os projetos
que tratam do denominado “Código das ações coletivas" preveem a adoção
integral da tese ampliativa da legitimidade, permitindo até mesmo a apenas
um indivíduo, desde que se enquadre naquilo que a doutrina denomina “legi
timado adequado ”, propor a ação civil pública. Daí, se a legitimidade para que
alguém figure como autor deverá ser ampliada, a permissão expressa para a
intervenção daqueles que podem contribuir para o aprimoramento da função
jurisdicional não podia mesmo deixar de ser reconhecida.
Do exposto torna-se forçosa a conclusão de que o amicus curiae não ostenta
a natureza jurídica de parte, tratando-se efetivamente de um terceiro que, por
força de lei, está legitimado a intervir em processo alheio. Por isso, na pena
de Cassio Scarpinella Bueno deve ser definido como “...um especial terceiro
interessado que, por iniciativa própria (intervenção espontânea) ou por deter­
minação judicial (intervenção provocada), intervém em processo pendente com
vistas a enriquecer o debate judicial sobre as mais diversas questões jurídicas,
portando, para o ambiente judiciário, valores dispersos na sociedade civil e
no próprio Estado, que, de uma forma mais ou menos intensa, serão a fetados
pelo que vier a ser decidido, legitimando e pluralizando, com a sua iniciativa,
as decisões tomadas pelo Poder Judiciário.”.™ Ou, noutras palavra, o amicus
curiae pode ser definido como o terceiro juridicamente interessado (interesse
institucional), que intervém em processo alheio de onde pode advir repercus­
são social, com a finalidade de fornecer ao julgador elementos de convicção
que possam aprimorar a prestação da tutela jurisdicional.5

55* Idem, p. 500.


11.6.3. Admissão no processo.
A primeira questão que deve ser analisada quanto à admissão do amicus
. uriiic diz respeito a definir seus limites objetivos, ou seja, em quais tipos de
!• tios ele poderá intervir, já que a sua atuação não se justifica na totalidade
ili is processos. Isso porque o art. 138, do CPC, é expresso ao indicar que a
ulmissão se dará apenas nos casos que especifica, ou seja, nos casos em que:
.1) a matéria veiculada for relevante, b) a especificidade do tema recomende a
intervenção ou c) houver possibilidade de repercussão social advinda da deci­
do prolatada.
O critério da relevância da matéria se confunde, em certa medida, com
o critério da repercussão social. Isso porque, em nosso entender, a matéria
.omente terá relevância quando a sua solução for capaz de atingir um seg­
mento da sociedade. Se a matéria atinge apenas as partes, não repercutindo de
lorma alguma no meio social, então não há que se falar na relevância da inaté-
ria. Numa ação de despejo, por exemplo, em que a desocupação do imóvel
pode ser determinada na sentença, a matéria é relevante para as partes, mas
não tem relevância alguma para todas as demais pessoas. Por isso nesse caso
não seria, em tese, admissível a intervenção do amicus curiae.
Por sua vez, existem temas bastante técnicos e específicos que recomendam
ao juiz a oitiva dos vários segmentos interessados antes que sua decisão seja
proferida. Pense-se, por exemplo, em ação entre particulares em que se pede
indenização pelo fornecimento de refeições elaboradas com alimentos trans-
gênicos, e fora pactuado o uso de produtos orgânicos. Nesse caso, embora seja
o autor quem receberá uma eventual indenização, a decisão depende da aná­
lise de questões bastantes polêmicas, sendo bastante pertinente a intervenção
de pessoas ou órgãos que conheçam do tema para possibilitar ao juízo proferir
uma decisão mais adequada ao caso concreto.
Não bastasse a necessidade de concretização de uma das hipóteses previs­
tas em lei, também cabe observar que a intervenção desse terceiro não seria
possível em atividade de natureza executiva, mas apenas em processo de acer-
tamento, já que a atuação do amicus curiae está voltada para o enriquecimento
da prova e dos argumentos das partes, o que não se concebe em se tratando de
atividade executiva, mormente quando se tratar de cumprimento de sentença,
quando eventual intervenção poderia ter acontecido antes da decisão do feito.
Aliás, limitando a atuação do terceiro a fase instrutória do feito, ensina
Cassio Scarpinella Bueno que "o prazo fin a l para a intervenção do amicus
curiae, parece-nos, é a indicação do processo para julgamento, com sua inser
ção na pauta, dado objetivo que revela que o relator apresenta-se em condições
de decidi-lo. Por isso mesmo é que não se deverá admitir a intervenção do ami
cus curiae naqueles casos em que não houver dúvidas quanto ao encerramento
da 'fase instrutória' da ação direta e, consequentemente, estar o feito em condi
ções para julgamento. Uma vez iniciado o julgamento, não deve ser admitido o
ingresso do amicus curiae.”.559
A segunda questão importante a ser tratada diz respeito aos limites sub­
jetivos para a aplicação do instituto, ou seja, quem pode figurar em processo
alheio na qualidade de amicus curiae ? E o art. 138, do CPC, também responde
a esta questão dizendo que pode atuar: a) a pessoa natural ou jurídica ou b) o
órgão ou entidade especializada, desde que apresente representatividade ade
quada; acrescentando, em seu § Io, que a intervenção não implica alteração de
competência.
Nesse ponto o termo ‘representatividade adequada’ deve ser interpretado
com dupla conotação. Num primeiro aspecto o terceiro deve estar represen­
tado para atuar no processo, não se admitindo a atuação de pessoa jurídica
que não seja legitimamente constituída. Por isso uma entidade sem persona­
lidade jurídica não poderá atuar como amicus curiae, por mais especializada
que possa ser. Não há necessidade, porém, de que a pessoa física ou jurídica,
o órgão ou a entidade sejam representados por advogado. Ele é o único que
possui capacidade postulatória, traduzida pela capacidade de requerer a pro­
dução de atos processuais válidos no processo, no entanto o amicus curiae
nada requer, apenas opina em benefício da qualidade da decisão judicial, dis­
pensando, assim, a capacidade postulatória do advogado.
Por seu turno, o termo ‘representatividade adequada’ também deve ser
compreendido como a qualificação técnica (conhecimento teórico ou prático)
que legitime o terceiro a intervir. É por isso uma pessoa física, especialista em
certa matéria [v.g. um professor de agronomia em relação a pode das árvores
plantadas nas calçadas das cidades), pode colaborar com o juízo, esclarecendo
pontos obscuros da matéria apreciada.

559
BUENO. A m ic u s... p. 161.
I )e qualquer modo, sendo o amicus curiae um órgão integrante da adm i­
nistração federal, sua intervenção não implica o deslocamento da competên-
. Ia da Justiça estadual para julgar o feito onde houve a sua intervenção, já que
0 ar1. 138, § Io, do CPC, aduz expressamente que a intervenção do terceiro não
Implica alteração de competência para processar e decidir a causa.
Concretizada uma das hipóteses demarcadas pelos limites objetivos de
.íbimento da intervenção, na forma do art. 138, caput, do CPC, poderá o juiz
ou o relator admitir, de ofício ou mediante requerimento, o ingresso do ami-
1us curiae no feito. Trata-se de uma faculdade do magistrado a admissão do
terceiro, sendo que do deferimento ou do indeferimento da decisão não cabe
icvurso das partes ou do próprio terceiro. Esse, aliás, por expressa vedação
Kinstante do §1°, do preceito em comento, não pode lançar mão da utiliza­
rão de qualquer recurso no processo que interveio; embora possa recorrer da
decisão que julgar o incidente de resolução de demandas repetitivas, pois esta
decisão poderá servir de paradigma para decisões futuras, afetando com isso
eu interesse institucional (§3°). Nada obstante a vedação legal da interposição
de recurso, a decisão que admite ou não o amicus curiae no processo possui
i natureza jurídica de decisão interlocutória e, por isso, está sujeita ao Princí-
plo da Fundamentação das Decisões Judiciais, devendo o magistrado indicar
quais são as razões que o levaram a decidir pela admissão do terceiro. Por
Isso, sendo flagrante a não necessidade da intervenção, estará caracterizada a
ilegalidade do ato praticado permitindo, em tese, a interposição de mandado
de segurança da decisão proferida.
Na decisão de admissão, por expressa disposição contida no art. 138, §2°,
do CPC, deverá o magistrado “...definir os poderes do amicus curiae.”, ou seja,
deverá discrim inar quais serão os limites de atuação do terceiro, sempre tendo
em vista a finalidade específica desta modalidade de atuação, que tem por
escopo fornecer ao magistrado elementos de convicção para que possa profe­
rir uma decisão mais próxima da que poderá ser considerada a ideal.
Deve-se observar, nesse passo, que a intervenção do amicus curiae, mesmo
quando fundada na especificidade e dificuldade do tema, não substitui a reali­
zação da prova pericial, que deverá ser realizada nos moldes preconizados por
lei. Servirá a manifestação do terceiro para agregar elementos à conclusão da
perícia ou perm itir uma análise mais ampla das suas conclusões, mas nunca
para dispensar a realização quando verificada a necessidade. Por isso nada
impede, inclusive, que o magistrado confira ao Intcrvcnientc poderes p.iN
formular quesitos ao perito antes da apresentarão d.is suas informações solire
o tema decidendum. Mas, como o amicus curiae não é detentor de intercsM
próprio, não se justifica a sua atuação como se fosse assistente de uma di»
partes, mormente porque não deve ter interesse em auxiliar o autor ou o u u
propriamente a vencer a demanda. Por isso não poderá requerer a produção
de provas no processo, embora possa ser ouvido como informante do juízo
Nesse limitado espaço de atuação nada impede que o terceiro se manl
feste por escrito, inclusive mediante o oferecimento de razões finais, mas esttii
deverão ser ofertadas antes das razões das partes, que assim terão a possibl
lidade de afrontar os argumentos aduzidos pelo terceiro interveniente. Miu
se a possibilidade de manifestação escrita é certa, há séria divergência aceri u
da possibilidade de sustentação oral por parte do amicus curiae , conforme
noticia Cassio Scarpinella Bueno antes de concluir que "a sustentação oral da
amicus curiae deve ser admitida como corolário de sua atuação e para que
na última oportunidade possível, possa ele levar ao conhecimento de todos n»
Ministros votantes sua específica colaboração sobre a matéria, que, em última
análise, justifica sua própria intervenção.”.560
Admitida a participação do terceiro e não sendo dele mesmo a iniciativa
do ingresso no processo, deverá ser intimado para se manifestar no prazo de
15 (quinze) dias (art. 138, caput), não havendo qualquer penalidade prevista
para sua eventual omissão. Mesmo esse prazo, em nosso entender, deverá ser
considerado como um prazo impróprio, permitindo-se a juntada de manifes­
tação extemporânea, desde que ainda não proferida a decisão final (sentença
ou acórdão). Isso porque o amicus curiae não tem interesse próprio e sua atu
ação apenas auxilia a decisão judicial, o que justifica, a critério do magistrado,
a manutenção nos autos dos argumentos apresentados fora do prazo estabe
lecido por lei.
Por fim, embora esse terceiro não tenha ônus ou bônus por participar do
processo, pois não arcará com o pagamento de verbas decorrentes da sucum
bência e nem receberá honorários periciais pela sua atividade, poderá ser
condenado como litigante de má-fé se incidir numa das hipóteses previstas
por lei, principalmente pelo fornecimento de informações imprecisas e que

560 Idem, p. 170.


|M**»sam, de qualqviei modo, alterar a verdade dos fatos ou o conteúdo da prova
produzida.

Verificação de Aprendizagem
UI Qual critério deve ser utilizado para definir os terceiros?
II.’. O que legitima o terceiro a intervir no processo alheio?
113. Como devem ser classificados os terceiros segundo o seu interesse?
u i. O terceiro que tem interesse meramente econômico na solução de um
litígio pode intervir em processo alheio?
Of». O que é uma intervenção de terceiro provocada?
il<>. Em que consiste uma intervenção de terceiro por inserção?
07. Qual a finalidade da assistência?
0K. Quais os requisitos legais para que o terceiro possa pleitear sua admissão
como assistente no processo?
09. Qual a principal distinção entre a assistência simples e a assistência
litisconsorcial?
10. Em que consiste o princípio da limitação da atividade do assistente?
11. Por que sedizqueadenunciaçãodelide deveria, em verdade, denominar-se
chamamento a autoria?
12. Defina denunciação da lide.
13. Ê cabível a denunciação da lide no processo de execução?
14. A denunciação da lide, fundada na hipótese da evicção (art. 125, I, do
CPC), é obrigatória?
15. É possível a denunciação da lide sucessiva?
16. Pode o denunciante formular seu pedido na petição inicial da ação
principal? E na contestação?
17. Feita a denunciação pelo autor, tem o denunciado plena liberdade para
aditar a inicial? E em caso de denunciação feita pelo réu?
18. Em que consiste, na denunciação da lide, a possibilidade de execução per
saltum (art. 128, parágrafo único, do CPC)?
19. Em que consiste o chamamento ao processo? Qual a sua naturc/t II
jurídica?
20. As hipóteses de cabimento do chamamento ao processo, previstas no arl
130, do CPC, são taxativas ou exemplificativas?
21. O que é desconsideração inversa da personalidade jurídica?
22. Onde e como pode a parte formular o pedido de desconsideração d.i
personalidade jurídica?
23. É possível ao magistrado antecipar tutela no pedido de desconsideração
da personalidade jurídica?
24. O amicus curiae é parte?
25. Qual interesse legitima a intervenção do amicus curiae?
26. Quais são os limites objetivos para a intervenção do amicus curiae?
27. O amicus curiae recebe honorários periciais?

Planificação para aula


01. NOÇÕES GERAIS.
- Definição de terceiros por exclusão da definição de parte.
- Interesse dos terceiros - Decorre da maneira pela qual são atingidos
pela eficácia natural da sentença.
- Desinteressados
- Espécies - Interessados de fato
- Juridicamente interessados: a) igual e b) inferior ao das partes
- Classificação:
- a) segundo a iniciativa da intervenção: espontânea ou provocada;
- b) segundo a atuação do terceiro: para auxiliar a partes ou para se opor
a ambas;
- c) segundo a natureza do meio de intervenção: mediante inserção em
processo alheio ou mediante a propositura de nova ação;
- d) segundo a ampliação objetiva da demanda: mantém o objeto da
demanda inicial ou amplia o objeto da demanda inicial.
' ASSISTÊNCIA.
ORIGEM Teve origem Romana, como forma de permitir ao terceiro
coibir a fraude processual; mas evoluiu para um a forma de intervenção
que visa auxiliar uma das partes a vencer a demanda.
- Definição: Assistência é a forma de intervenção de terceiro que tem por
escopo perm itir ao assistente auxiliar o assistido a vencer a demanda.
- Requisitos: a) existência de causa pendente e b) interesse jurídico.
- Processamento do incidente.
- Espécies - Distinção em razão da titularidade da relação jurídica posta
em juízo.
- Assistência simples - relação jurídica com o assistido.
- Assistência litisconsorcial - relação jurídica com o adversário do
assistido. Trata-se do que poderia ter sido parte no processo, mas deixou
de ser inicialmente relacionado como tal.
- Princípio da limitação da atividade do assistente - Aplicação apenas
para os casos de assistência simples.
12. DENUNCIAÇÃO DA LIDE.
02.1. Denominação: Denunciação da lide (apenas denuncia a existência
do feito ao denunciado) X Chamamento a autoria (permite ação regressiva
juntamente com a ação principal.
- Nosso sistema optou pela tradição do CPC de 1973 e utiliza a
denominação de modo errôneo.
02.2. Definição: Trata-se da ação incidente que visa resguardar o direito
de uma das partes no caso da perda da demanda. Ou, em outros termos,
trata-se de ação condenatória que visa efetivar garantia decorrente da lei
ou de contrato, salvaguardando eventual direito de regresso de uma das
partes em relação à terceiro.
02.3. Natureza: natureza jurídica de ação, onde se pleiteia uma eventual
condenação do denunciado, responsável pelo ressarcimento do
denunciante que perde a ação que lhe é proposta.
02.4. Hipóteses de cabimento:
- Nãoécabível em atividade de natureza executiva, seja no cumprimento iU
sentença, seja em execução de título extrajudicial, por incompatibilidml#
de procedimentos.
- Não é cabível em impugnação porque o regresso deveria ter si<ln
discutido na ação de conhecimento, só podendo a parte fazê-lo, se foi o
caso, em ação autônoma.
- Não é cabível nos embargos, que visam apenas desconstituir o título ou
a execução, porque não se admite a ampliaçãp subjetiva da demanda.
- Cabível na ação de conhecimento.
-125,1, do CPC - Evicção. Obrigatoriedade. Denunciaçào da denunciaçào
e denunciaçào sucessiva (§2°).
- 125, II, do CPC - Não possibilidade da introdução de fundamento»
dissociados dos já articulados na ação principal.
02.05. Processamento.
- Art. 126 - Quando o denunciante é o autor a denunciaçào também sr
faz na petição inicial, mas quando é o réu deve, preferencialmente ser
feita em peça autônoma da contestação.
- Possibilidade de concessão de tutela antecipada na denunciaçào da lid<
- Art. 127 - Denunciado não pode alterar o pedido ou a causa de pedir
dando azo a ampliação do âmbito da instrução probatória.
- Denunciado deve contestar a denunciaçào sob pena de revelia na ação
regressiva.
- Art. 128 - Conduta do denunciado e atuação do denunciante.
Possibilidade de execução per saltum, com cumprimento da sentença
diretamente pelo autor contra o denunciado.
- Sentença - Existência de prejudicialidade impeditiva da ação em
relação a denunciaçào. Nesse caso, por força do princípio da causalidade,
o denunciante arca com o pagamento da sucumbência em favor do
denunciado.
03. CHAMAMENTO AO PROCESSO.
- Natureza - não tem a natureza de ação, mormente porque pode formar
título executivo em favor do chamado.
Definição: Chamamento ao processo é o ato pelo qual o réu chama
ao processo corresponsável perante o autor, para que seja declarada
por sentença a responsabilidade de cada qual, estabelecendo-se um
litisconsórcio passivo entre o réu e os chamados.
Art. 130 - Hipóteses de cabimento. Não cabe na execução.
- Processamento - Art. 131 e 132 - Regras atinentes a sucumbência.
11 DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA.
- Hipóteses de cabimento - Expressa previsão legal.
- Regra geral - O art. 50, do Código Civil.
- Espécies - Pedido formulado na inicial e pedido autônomo.
- Questões polêmicas: a) autuação em apartado; b) suspensão do processo;
c) concessão de tutela antecipada.
- Perfil do Incidente: natureza jurídica, processamento e efeitos da
decisão.
1)5. AMICUS CUR1AE
- Natureza - forma de intervenção de terceiro em processo alheio.
- Definição - é o terceiro juridicamente interessado (interesse
institucional), que intervém em processo alheio de onde pode advir
repercussão social, com a finalidade de fornecer ao julgador elementos
de convicção que possam aprimorara prestação da tutela jurisdicional.
- Limites objetivos (art. 133): a) em que a matéria veiculada for relevante,
b) em que a especificidade do tema recomende a intervenção e c) em
que houver a possibilidade de repercussão social advinda da decisão
prolatada.
- Limites subjetivos (art. 133): a) a pessoa natural ou jurídica ou b) o órgão
ou entidade especializada.
- Admissão do atnicus curiae:
- Decisão que admite o terceiro é interlocutória e deve ser fundamentada.
- Decisão deve fixar os limites de atuação (poderes) do terceiro.
- Não há condenação do terceiro ao pagamento de sucumbência e não
recebe honorários periciais. Pode ser condenado como litigante de má-fé.
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THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 47a e.. Rio
de Janeiro: Forense, 2007.
14. OS PERSONAGENS DO PROCESSO

14.1. Magistratura. 14.1.1. Definição, a) Concepção objetiva, b) Concepção subjetiva.


14.1.2. Seleção dos magistrados. 14.1.3. Garantias constitucionais. 14.1.4. Princípios
insertos no CPC. 14.1.5. Impedimento e suspeiçâo do magistrado, a) Hipóteses de
ocorrência, b) Arguiçâo da imparcialidade. 14.2. Auxiliares da Justiça. 14.3. Ministé­
rio Público. 14.3.1. Generalidades. 14.3.2. Princípios institucionais. 14.3.3. Atribuições
no juízo eivei. 14.4. Da advocacia pública. 14.5. Defensoria Pública. 14.5.1. Generalida­
des. 14.5.2. Princípios institucionais e objetivos. 14.5.3. Atuação.

Sem embargo da posição esposada com relação à definição de processo, a


existência de pessoas que assumem papéis diversos no seu desenvolvimento
< uma realidade que não pode deixar de ser considerada. Em outros termos,
não há como se conceber um processo sem que pessoas estejam exercendo
as diferentes atividades previstas em lei, tendentes a solução da controvérsia
levada a juízo ou a efetivação do seu resultado.
Daí a necessidade de analisar a atuação do juiz e dos seus auxiliares, das
partes, do ministério público e de todos aqueles que no processo possam
intervir, observando os direitos e deveres, ônus e faculdades, que cada qual
tem em face do processo.
São estes personagens do processo que têm a incumbência de fazer com que
o feito tenha andamento normal até final decisão de controvérsia ou efetiva­
ção de direito, encenando o enredo previsto por lei para cada qual, nos dife­
rentes momentos processuais. Vejamos, portanto, o perfil de cada um deles.

14.1. Magistratura.

14.1.1. Definição.
O primeiro e mais importante personagem do processo é o juiz, cuja pre­
sença e atuação não se pode prescindir. A ausência de uma das partes no pro­
cesso pode gerar penalidades, como a revelia para o réu regularmente citado
que deixa de oferecer resposta, mas não implica a impossibilidade de pros­
seguimento do feito. Já a ausência de magistrado, qualquer que seja o tipo
de processo, faz com que o feito não tenha movimento, Jã que não há comn
avançar no iter procedimental.
Observa-se, na prática do foro, o uso indiscriminado da expressão órgilo
jurisdicional tanto para indicar a pessoa física do juiz, quanto para indic.ii
uma determinada unidade judiciária. Porém, tecnicamente e para fins didáti
cos, afigura-se possível classificar o órgão jurisdicional na acepção objetiva c
na acepção subjetiva. No aspecto subjetivo tem-se em conta a pessoa física do
juiz, enquanto no aspecto objetivo tem-se em conta a unidade judiciária qur
ele ocupa.

a) Acepção objetiva.
Na concepção objetiva, órgão jurisdicional é uma determinada unidade
judiciária criada por lei e que recebe um conjunto de atribuições legais, ou
seja, uma determinada competência. Assim, uma vara cível tem competência
para processar, decidir e executar feitos cíveis; uma vara de execuções crinn
nais tem competência para processar causas relativas a execuções criminais,
uma vara do trabalho tem competência para conhecer, decidir e executar cau
sas de natureza trabalhista; etc., independentemente da pessoa física que atue
como juiz e do período que ela permanece à frente deste órgão jurisdicional.
Somente a lei de organização judiciária pode criar, alterar ou retirar as suas
atribuições.
Tais unidades judiciárias, porque criadas por lei, podem ter uma estru­
tura diferenciada e adequada ao tipo de tutela jurisdicional que se destinam a
prestar. Assim, quanto a sua composição, os órgãos jurisdicionais podem ser
colegiados, quando compostos por mais de um magistrado, ou unipessoais,
quando compostos por apenas um magistrado. Exemplos de órgãos colegia
dos são os próprios tribunais, suas turm as ou câmaras; enquanto o órgão uni
pessoal é o juiz singular, que decide sozinho. Mas o exemplo mais apresentado
de um órgão colegiado vem do processo penal, já que o julgamento de crimes
contra a vida por parte do júri popular é de todos conhecido, tam anha a atra­
ção que tal tipo de julgamento exerce na população.
Por seu turno, em razão da enorme extensão territorial do nosso País e
por conta do Princípio Federativo, a Constituição Federal divide a prestação
de tutela jurisdicional em dois grandes setores, sendo o primeiro relativo à
Justiça Federal e o segundo relativo à Justiça Estadual. Também cria diversos
tribunais, dentre os quais o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal
de justiça, que serão estudados no momento oportuno, órgãos revisores de
todos os demais órgãos jurisdicionais.
A justiça federal pode ser especializada, como acontece com a Justiça do
trabalho e a Justiça Eleitoral, que processam e julgam causas relativas às suas
respectivas matérias, ou comum, que aprecia o que não é de competência das
demais justiças de índole federal. Já a justiça estadual possui caráter subsidi­
ário, ou seja, processa e julga todas as causas que não são de competência da
lustiça federal ou especial.
Ainda por conta do Princípio Federativo, é dos Estados Membros a compe­
tência para disciplinar a criação e atribuições dos seus próprios órgãos jurisdi­
cionais, o que se faz por meio das respectivas Leis de Organização Judiciária.
São elas que criam, classificam ou extinguem as unidades judiciárias, con­
forme a necessidade de prestação de tutela jurisdicional.
No Estado de São Paulo, por exemplo, as inúmeras comarcas existentes
são classificadas como comarcas de entrância inicial (pequenas), de entrância
intermediária (médias) e de entrância final (grandes comarcas e a comarca da
Capital), sendo que toda comarca com mais de três varas poderá contar com
a especialização das unidades jurisdicionais (varas criminais e varas cíveis). Já
na Comarca da Capital, devido ao gigantismo da cidade de São Paulo, existe
o Fórum Central Cível (Fórum João Mendes Junior) e 15 Fóruns Regionais,
todos com inúmeras varas, distribuindo-se entre eles a competência em razão
do território e do valor. As causas cujo valor não ultrapassa o montante de 500
(quinhentos) salários mínimos são distribuídas a todos os fóruns segundo os
seus respectivos territórios (inclusive ao Fórum Central), enquanto as causas
de valor superior vão todas para o Fórum Central, sendo distribuídas a uma
das suas 45 Varas Cíveis.561

b) A cepção subjetiva.
Na acepção subjetiva leva-se em conta a pessoa do magistrado e não a
estrutura do órgão jurisdicional que ocupa. Daí a razão pela qual é possível
arguir a suspeição ou o impedimento do magistrado, isso quando é amigo
íntimo ou parente da parte litigante. A figura do magistrado e a sua atuação

V»1
Resolução n" 148/2001, do Tribunal de lustiça do Estado de São Paulo.
como agente que exercita um dos poderes do listado sempre foi objeto de inu
meros e apaixonados debates, levados, por vezes, ao sabor dos valores pessoais
daquele que escreve a respeito do tema.
Dentre as clássicas lições acerca da pessoa do juiz são interessantíssimas,
e inspiradoras, às colocações de Piero Calamandrei, Eduardo Couture e de
Afonso Fraga.
Para Calamandrei “O juiz é o direito feito homem. Só desse homem posso
esperar, na vida prática, aquela tutela que em abstrato a lei tne promete. Só se
esse homem fo r capaz de pronunciar a meu favor a palavra da justiça, poderei
perceber que o direito não é uma sombra vã.”.562
)á para Couture "O juiz é um homem que se move dentro do direito como o
prisioneiro dentro do seu cárcere. Tem liberdade para mover-se e nisso atua sua
vontade; o direito, entretanto, lhe fixa limites muito estreitos, que não podem
ser ultrapassados. O importante, o grave, o verdadeiramente transcendental do
direito não está no cárcere, isto é, nos limites, mas no próprio homem. [...] O
juiz é uma partícula de substância humana que vive e se move dentro do pro­
cesso. E se essa partícula de substância humana tem dignidade e hierarquia
espiritual, o direito tem dignidade c hierarquia espiritual. Mas se o juiz, como
homem, cede as suas debilidades, o direito cederá em sua última e definitiva
revelação. (...] Da dignidade do juiz depende a dignidade do direito. O direito
valerá, em um país e um momento histórico determinado, o que valham os ju i­
zes como homens. O dia que os juizes tiverem medo, nenhum cidadão poderá
dormir tranquilo.".562
Affonso Fraga, por sua vez, vaticina: “ ...Mas, além dellas, uma outra, e
talvez a mais importante, convém ser agóra salientada, que é a concernente a
form a porque devem ser eleitas as differentes cellulas constitutivas desse Poder.
Contraproducente ou inteiramente inútil seria para esse escopo colhe-las numa
camada social inferior, num meio de profanos em direito, de ignorantes ou
inexpertos na pratica de julgar; ou no meio de seres destituídos de moral e reli­
gião, pois se assimfôra o poder judiciário mentiría a sua missão convertendo-se
num instrumento do mal. E, portanto, necessário constitui-lo de elementos sãos

M CALAMANDREI, Piero. Eles, osjuizes, vistos por um advogado. São Paulo: M artins Fontes, 1996.
p. 11-12.
541 COUTURE, Eduardo J .. Introdução ao estudo do processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p.
58-59.
sahidos, na phrase de Eouillée, de uma elite jurídica (681), dotada de grande
i altura geral e de conducta anterior irreprehesivel. O juiz, para ser órgão legi­
timo do direito, precisa ser direito, isto ê, reunir em sua pessoa um conjunto
de qualidades taes, physicas, intellectuaes e ethicas, que o tornem digno de
magistrado e de, exornado por ellas, fazer parte da organização judicia­
ria regularmente constituída em qualquer Estado. A boa e fie l applicação das
leis depende sobretudo das qualidades peculiares do juiz a quem é confiada...
/.../ Com a exigência de taes predicados no magistrado, não se pretende que a
organização judiciaria seja composta de seres de angélica pureza, de juizes que
sejam outros tantos deuses, ou, que essas organização se alcandore em regiões
superlunares de perfeição absoluta, pois não se desconhece que ella é construída
na terra e para a terra, onde o máximo que se pode exigir e se exige realmente é
uma perfeição terrena ou relativa”.564
Realmente, em nosso entender, a judicatura exige, mais do que tudo, pes­
soas vocacionadas para exercer essa atividade tão fascinante e ao mesmo
lempo tão difícil, que por vezes se torna um fardo pesado e espinhoso. Na
atualidade tão atacada por órgãos de imprensa e tão desvalorizada pela popu­
lação, ser juiz representa, mais do que tudo, um exercício de paciência e de
perseverança. Fazer o que é certo no processo, independentemente dos inte­
resses em disputa, de acordo com sua consciência e os valores da sociedade na
qual judica. Trabalhar com afinco, sem esquecer que por trás de um monte
de papéis se encontra um drama humano, que merece toda atenção e respeito.
Ser cordial e atencioso, mesmo com aqueles maus profissionais que atuam
no foro, porque sua função assim o exige e para preservar a imagem da sua
instituição. É difícil ser juiz, mas após décadas de judicatura acredito que a
maioria dos juizes estaria disposto a começar tudo novamente, isso pela sim­
ples razão de ter ajudado as pessoas e resolvido as angústias de milhares de
jurisdicionados durante sua vida profissional, tornando-a útil ao desenvolvi­
mento da sociedade.

14.1.2. Seleção dos magistrados.


Em se tratando de atividade que caracteriza exercício de poder do Estado, a
maneira pela qual as pessoas passam a ocupar e a exercer o cargo de magistrado

w FRAGA, Affonso. I n s titu iç õ e s d o p r o c e s s o c i v i l d o B ra sil. São Paulo: Saraiva, 1940. Tomo 1, p.


291-292.
sempre foi tema que despertou paixões e acirrados debates, sendo variadas as
maneiras utilizadas no decorrer do tempo e nos diversos países para recrutai
os seus juizes.
Nos anos que precederam a Revolução Francesa (1789 d.C.), por exemplo,
como ensina Luiz Guilherme Marinoni, o cargo de magistrado era comprado
ou herdado, sendo utilizado por seus detentores de forma a manter a situação
de poder então existente, em benefício próprio e das classes dominantes. Nas
palavras do autor: “Antes da Revolução Francesa, os membros do judiciário
francês constituíam classe aristocrática não apenas sem qualquer compromisso
com os valores da igualdade, da fraternidade e da liberdade - mantinham laços
visíveis e espúrios com outras classes privilegiadas, especialmente com a aris
tocracia feudal, em cujo nome atuavam sob as togas. Nesta época, os cargos
judiciais eram comprados e herdados, o que fazia supor que o cargo de magis­
trado deveria ser usufruído como uma propriedade particular, capaz de render
frutos pessoais. Os juizes pré-revolucionários se negavam a aplicar a legislação
que era contrária aos interesses dos seus protegidos e interpretavam as novas
leis de modo a manter o status quo e a não permitir que as intenções progres­
sistas dos seus elaboradores fossem atingidas. Não havia qualquer isenção para
“julgar”.”.™
Já na metade do século passado (1940), anotava Affonso Fraga566 a calo­
rosa discussão em que se envolveu a doutrina do final do Século XIX e do
começo do Século XX sobre a melhor maneira de dar a primeira investidura
aos magistrados, narrando à existência de quatro sistemas que poderíam ser
observados: a) o da eleição por voto popular, b) o da livre escolha pelo Poder
Executivo, c) o da escolha por concurso, e, d) o da livre nomeação pelo próprio
Poder Judiciário. Contava ainda as críticas tecidas pela doutrina a todas essas
formas de seleção, mas cerrava fileira com aqueles que optavam pela seleção
por concurso, afirmando que “Em vista do quanto se há dito a respeito, parece
que o sytema a que deveria dar preferencia e que melhor consulta as condições
e necessidades do paiz, a exceção dos juizes de pax que continuariam a ser
escolhidos por eleição popular é o do concurso feito perante os Tribunaes de
Appellação e da nomeação pelo mesmo do candidato que alcançar a melhor54

545 MARINONI, Luiz Guilherme. P r e c e d e n te s o b r ig a tó r io s . Sâo Paulo: RT, 2010. p. 52-53.


544 FRAGA, p. 292-304.
t lassiflcação. /', cm summa, a nomeação do magistrado pelo magistrado, como
n< onselha o systema de cooptação.”.567
( om o advento da Constituição de 1988, por força do que está disposto no
•o 1.93,1, não há mais que se cogitar numa outra maneira de recrutamento dos
magistrados, já que a regra para a investidura inicial no cargo de juiz subs-
lituto, como para qualquer cargo ou emprego público (art. 37, II), depende
da aprovação prévia em concurso público de provas e títulos, obedecendo as
nomeações e a ordem de classificação.
Cabe a cada Tribunal, portanto, por iniciativa própria, observando a neces­
sidade e os recursos financeiros existentes, realizar concurso público para
admissão de magistrados aos seus quadros funcionais; o que apenas não acon­
tece quando se trata de nomeação para os Tribunais em respeito ao quinto
constitucional ou no preenchimento dos cargos de ministro dos Tribunais
Superiores.

14.1.3. Garantias constitucionais.


Não é por mero acaso que um dos símbolos que representa a justiça é uma
balança, já que às partes litigantes deve ser assegurada a chamada paridade de
armas, isto é, deve ser assegurado um tratamento que seja apto a concretizar a
isonomia substancial, atingindo-se com isso os escopos de um processo justo
e efetivo. Mas para que esse equilíbrio possa efetivamente existir há necessi­
dade de que o magistrado que atue no processo seja imparcial e equidistante
das partes. O julgamento proferido por magistrado que não está isento de
ânimo é o campo propício para o florescimento do arbítrio e da tirania.
Daí a razão pela qual há necessidade, num verdadeiro Estado Democrático
de Direitos, que o julgador seja cercado de determinadas garantias, sem as
quais a isenção exigida para o ato de conduzir e de julgar um processo poderia
restar comprometida. Foi por isso que se fizeram constar no art. 95, da Cons­
tituição da República, vedações e garantias que são essenciais à manutenção
dessa imparcialidade, sendo estas a vitaliciedade, a inamovibilidade e a irre-
dutibilidade de vencimentos.
Aprovado no concurso de ingresso o magistrado toma posse a passa a
exercer suas funções, tendo as suas atividades acompanhadas pelos órgãos

567 Idem, p. 303-304.

i
fiscalizadoresde sua carreira, em especial pela Corregedoria Cieral da )usti(,.i
Se no período de 02 (dois) anos, denominado período de prova ou de estágio
probatório, nenhum problema de ordem profissional ou pessoal é constatado,
então o magistrado é vitaliciado, isto é, passa a gozar da garantia da vilali
ciedade, somente podendo perder o seu cargo por força de sentença judicial
transitada em julgado (art. 9 5 ,1, da CR). Essa garantia permite ao juiz decidii
conforme sua convicção e de acordo com a prova produzida nos autos, impe
dindo que venha a perder o cargo por proferir uma decisão contrária aos inte
resses de pessoas que poderíam, inexistente tal garantia, por meios políticos,
forçar a sua demissão.
Não menos importante do que a vitaliciedade, a inamovibilidade também
permite ao juiz julgar com a tranquilidade de que não será afastado do local
onde exerce a judicatura, a não ser em razão de remoção compulsória imposta
por 2/3 (dois terços) dos integrantes do Tribunal ou do órgão que o represente,
isso após procedimento administrativo permeado pela ampla defesa e pelo
contraditório.
Para ilustrar os males que poderíam derivar da não existência dessa garan­
tia, podemos apresentar um infeliz exemplo que tivemos a oportunidade de
vivenciar durante a carreira. Tratava-se de período eleitoral, e um excelente
delegado de polícia, profissional muito qualificado e dedicado, mas que não
tinha inamovibilidade, agindo corretamente, acabou por deter o líder regio­
nal de um partido político em razão da realização de propaganda de boca dc
urna. Encerrada e apurada a eleição, o candidato daquele partido obteve a
vitória e o delegado, dois dias depois, foi removido para munícipio que ficava
a quase 1.000 quilômetros de distância do local onde trabalhava. Felizmente,
alguns meses se passaram e a situação foi contornada, retornando o profissio­
nal a sua delegacia de origem. Ora, imagine-se que o mesmo pudesse acon­
tecer com um magistrado que julgasse determinado feito contra os interesses
do Estado? Qual seria a isenção que teria o magistrado para julgar sob tal
pressão, sabendo que fatal mente sofreria enormes transtornos em sua vida
pessoal, sendo forçado a mudar para outro local, em prejuízo próprio e da sua
família?
A terceira garantia, também não menos importante que as demais, é a irre-
dutibilidade de vencimentos. Afinal, se houvesse a possibilidade de redução
dos vencimentos do julgador conforme o tipo de solução que ele desse a uma
determinada causa, com» podería ele manter a si e a sua família? Tal pres­
são seria enorme e lhe retiraria a isenção de animo necessária à atividade de
lulgar.
Além dessas garantias, consideradas essenciais ao exercício da judicatura,
.1 própria Constituição (art. 93) e a legislação infraconstitucional, instituem
Inúmeras outras garantias, deveres e vedações ao magistrado, a maioria delas
visando mantê-lo isento para que possa decidir sem as influências exercidas
pelas forças políticas, sociais e econômicas.

14.1.4. Princípios insertos no CPC.


Sob a denominação “Dos poderes, dos deveres e da responsabilidade do juiz”
o Código de Processo C iv il, em seus art. 139 até 143, trata de princípios que
devem nortear a atividade do magistrado quanto a condução e atuação nos
processos. Em que pese a existência de divergência quanto a sua classifica­
ção,568 entendemos que tias princípios são: a) o do “dominus processos", b)
o da indeclinabilidade da jurisdição, c) o da legalidade, e por fim, d) o da
responsabilidade.
O princípio do “dominus processos”, que já foi compreendido como o pleno
domínio que o magistrado tinha acerca da condução do feito, desde que res­
peitadas as disposições legais, atualmente possui um perfil moldado pelo
Modelo Constitucional do Processo, em especial pelos princípios do contradi­
tório e da colaboração. O magistrado não mais atua na condução do processo
manu militari, mas procurando gerenciar a atividade das partes para obter,
com a colaboração de todos, um resultado mais eficiente e adequado ao caso
concreto.
Em estudo de direito comparado entre os poderes do juiz na Inglaterra
e no Brasil, em que foi dada ênfase a ideia do juiz gestor do processo, con­
clui Henrique Araújo Costa que “Diminuíram as diferenças entre os poderes
dos juizes na Inglaterra e no Brasil, pois a reforma do CPR deu ao juiz inglês
poderes inquisitivos de gestão do processo, denominados de case management,
que são típicos do civil law, bem como reforçou seus poderes de controle sobre

568 Entendemos, por exemplo, que o principio da congruência não diz respeito propriamente ao
magistrado, mas sim aos limites objetivos da sentença; que o principio dispositivo é princípio
informativo do processo; e, que o princípio da vinculação à prova diz mais respeito a sua valora-
ção do que propriamente a atividade própria do magistrado.
a atividade das partes, conhecidos como compliance. Ao mesmo tempo, a
reforma do direto brasileiro deu aos juizes nacionais poderes de julgamento r
cumprimento típicos do common law, como o julgamento por precedentes e o
contempt of court.”.569
Conclui-se, portanto, que o juiz deverá exercer a gestão do processo sempre
com a colaboração das partes, zelando para que sejam atendidas as disposi
ções contidas no art. 139, do CPC; tudo no intuito de viabilizar um processo
mais célere, seguro e direcionado a obtenção da solução mais adequada ao
caso concreto.
O segundo princípio que rege a atividade do magistrado é o da indeclina-
bilidade da jurisdição, previsto expressamente no art. 140, do CPC, segundo o
qual o “...juiz não se exime de decidir sob alegaçnao de lacuna ou obscuridade
do ordenamento jurídico.”.
Assim sendo, ao contrário do que acontecia na fase inicial do Direito
Romano, em que o julgador podia deixar de decidir sob a alegação de que
não sabia como fazê-lo (non liquet), hodiernamente não pode o juiz deixar de
proferir sua decisão sob a alegação de não existe qualquer regra legal relativa
à hipótese que tem de decidir. Como as normas legais podem ser classifica­
das como princípios ou regras, percorrido todo o iter do procedimento e não
existente regra aplicável ao caso, deve o juiz julgar com base nos princípios
pertinentes à matéria.
O terceiro principio a guiar a atividade do magistrado é o princípio da
legalidade, que preconiza que cabe ao magistrado, nos processos contencio­
sos, observar a lei e aplica-la ao caso concreto. Somente será possível ao juiz
deixar de “...observar critério da estrita legalidade...” quando se tratar de pro­
cesso não contencioso (art. 723, parágrafo único, do CPC); ocasião em que
será possível uma solução diversa da prevista em lei, mas que possa ser consi­
derada mais conveniente ou oportuna para solucionar o caso concreto.
Com o devido respeito aos que crêem na escola do livre direito e na possibi­
lidade de desrespeito aos aspectos formais do processo, observamos para que
se possa ter a segurança necessária à manutenção do Estado Democrático de549

549 COSTA, Henrique Araújo. “Os poderes dojuiz na Inglaterra e no Brasil: estudo comparado sobre os
case management powers.". São Paulo: Setor de Pós-graduação. Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo - PUCSP, 2012. p. 369. Tese (Doutorado em Direito das Relações Sociais - Direito
processual civil). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUCSP, 2012.
I Mreitos há necessidade de que o magistrado siga a lei em todos os seus aspec­
tos. Quando o juiz não segue a forma a parte padece, ocorrendo um desequilí-
bi io de forças no processo e penalizando aquele que agiu em consonância com
.t lei, em detrimento daquele que deixou de cumpri-la.
Impressiona a tal respeito à atualidade da lição de Moacyr Amaral Santos,
•ui ensinar que “No processo, mais que em qualquer outro ramo do direito, vige
o principio do formalismo. Direito processual é direito formal. É que as formas
torrespondem a uma necessidade de ordem, de certeza, de eficiência prática, e
a sua regular observância representa uma garantia de regular o leal desenvol­
vimento do processo e garantia dos direitos das partes. Os menos argutos, espe-
tialmente os profanos na ciência do direito, insurgem-se contra o formalismo,
a que atribuem o sacrifício e o sufocamento do direito. Realmente, há que se
reprovar o formalismo que atribua a forma preponderância sobre o conteúdo
e olvide que ela é meio e não fim. Mas não se pode deixar de reconhecer que o
formalismo é uma necessidade, porquanto representa uma garantia para todos
que são interessados o processo, e que a ausência deformas daria lugar a incon­
venientes muito mais graves e gerais.”.570
No mesmo sentido a colocação de Calamandrei ao afirmar que “Nesta
insensata e irracional confusão entre o problema político do conteúdo e o pro­
blema jurídico da forma, a função social do direito, que é acima de tudo equipa­
ração e pacificação, obscurece-se. Abolida a forma da legalidade, que significa
tranqüilizadora consciência preventiva dos limites individuais postos a todos
e a cada um, a justiça do caso singular se reduz a ser inquietação e incerteza,
temor do arbítrio, sede de privilégio, luta perpétua e perpétua escravidão.”.571
Foi por tais razões que já tivemos a oportunidade de sustentar que “como
coadjuvante da teoria dos precedentes na obtenção de previsibilidade e de segu­
rança jurídica, a atual realidade do processo civil está por exigir que os per­
sonagens do processo respeitem as formas previstas por lei, o que fatalmente
acabará por acontecer quando da implementação do processo eletrônico, onde
a adoção de padrões decorre de necessidades de ordem técnica. No momento,
porém, algumas condutas já podem ser adotadas para que se retome a alme­
jada segurança; isso sem olvidar que o que mais importa é uma alteração de4 70

470 SANTOS, p. 286-287.


571 CALAMANDREI, Piero. E s tu d o s d e d ir e ito processual. Campinas: LZN, 2003. p. 96.
comportamento de todos nos, em prol de um maior respeito às Jormas previstas
pela lei. [...] Realmente, o enorme desrespeito ti forma tem causado malefícios
irreparáveis aos direitos das partes e ao funcionamento do Poder judiciário,
tendo chegado o momento de limitar essa pseudo-liberdade que todos têm para
atuar em juízo, retomando-se o caminho da legalidade naquilo que fo r neces
sário ao bom andamento do processo e ao atendimento dos princípios constitu
cionais processuais.”. 5725
73
O quarto e último princípio que regula a atividade do magistrado é o da
responsabilidade, previsto no art. 143, do CPC, segundo o qual o juiz respou
derá por perdas e danos quando "no exercício de suas funções, proceder com
dolo ou fraude (I) ou recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência
que deva ordenar de ofício ou a requerimento da parte (II).”.
Observa-se, portanto, que no exercício da atividade jurisdicional o juiz
responderá pessoalmente apenas quando tiver agido com dolo, não sendo
possível a sua responsabilização a título de culpa. Nesse sentido já alertava
João Batista Lopes, comentando o art. 133, do CPC de 1973, que "... os desvios
funcionais no exercício da jurisdição não podem ficar impunes e, por isso, o
legislador admite a responsabilização do juiz em caso de dolo ou fraude, [...]
Não se refere a lei processual a culpa, razão por que não poderá o juiz responder
civilmente a esse título, só sendo admissível a sua responsabilização no plano
administrativo e disciplinar perante o Conselho Superior da Magistratura
e agora, acrescente-se, perante o Conselho Nacional de Justiça.
Há de ser ressaltado, por fim, que o atual diploma silenciou quanto a um
dos princípios expressamente previstos no anterior, denominado identidade
física do juiz, razão pela qual o magistrado que conclui a instrução não está
mais vinculado ao julgamento da causa, que poderá ser feito por outro juiz.
Existem dois sistemas que regulam a atividade do juiz neste aspecto. No
primeiro sistema, adotado dentre outros pelo Direito Espanhol, aduz que o
juiz instrutor estará impedido de julgar a causa. Com isso se procura afastar o
julgador de qualquer elemento externo às provas produzidas, tornando a sua
decisão mais fria e mais técnica. Já no segundo, que era o adotado pelo art.

572 OLIVEIRA NETO, Olavo de. “O r e s p e ito à f o r m a , c o m o c o a d j u v a n t e d a d o u t r i n a d o s p r e c e d e n te s ,


n a o b t e n ç ã o d e s e g u r a n ç a j u r íd ic a " , no prelo.

573 LOPES, João Batista. C u r s o d e d ir e ito p r o c e s s u a l c iv il. Sâo Paulo: Atlas, 2003. I, p. 146-147.
I U., CPC de 1973,' 1o jui/ que termina a instrução deve decidir a causa. A seu
respeito sustentava Vicente Greco Filho que o princípio tinha por finalidade
' ..garantir a melhor apreciação da lide por aquele que colheu a prova oral. Seus
fundamentos encontram-se nos princípios da concentração e da oralidade do
processo, que enunciam que melhor terá condições de decidir o juiz que pesso-
iihnente fez a instrução.”.*
575
Com o devido respeito, discordamos da omissão legislativa quanto ao
tratamento do princípio por dois aspectos essenciais. Primeiro deveria a lei
optar por um dos sistemas existentes, de maneira expressa, com a finalidade
de evitar futuras polêmicas, mormente as decorrentes da retirada de regra
expressa do sistema processual sem dizer que adota o sistema oposto. Se não
temos em nosso sistema distinção entre o juiz que instrui e o que julga, pode­
rão dois juizes implantar tal sistema numa unidade judiciária sem previsão
legal? Enquanto o juiz auxiliar apenas instrui, o juiz titular apenas julga? Em
segundo lugar, o sistema da vinculação no processo civil funcionava bastante
bem, evitando que um juiz titular repassasse a um juiz auxiliar processos que
não quisesse decidir ou pior, que fizesse o contrário com aqueles que quisesse
decidir, gerando a quebra do princípio do juiz natural.
Por tais motivos, enfim, seria de todo conveniente a manutenção do sis­
tema já tradicional em nosso direito, sem o qual novos problemas decorrentes
da sua ausência certamente surgirão num futuro não distante.

14.1.5. Impedimento e suspeição do magistrado.

a) H ipóteses de ocorrência.
No capítulo em que foi estudado o perfil do “instituto processo”, tivemos
a oportunidade de asseverar que a competência e a imparcialidade do juízo
são pressupostos de desenvolvimento válido e regular do processo, sem o que
este não terá andamento ou validade normais, aduzindo que “Embora todo
juiz exerça jurisdição, esta é exercida nos limites de sua competência. Assim

5N "A rt. 132. O j u i z , t i t u l a r o u s u b s t i t u t o , q u e c o n c lu ir a a u d i ê n c i a ju lg a r á a lid e , s a lv o se e s tiv e r c o n ­


v o c a d o , lic e n c ia d o , a f a s t a d o p o r q u a l q u e r m o tiv o , p r o m o v i d o o u a p o s e n ta d o , c a s o s e m q u e p a s s a r á
o s a u to s a o s e u su c e ss o r.

575 GRECO FILHO, Vicente. D ir e ito p r o c e s s u a l c iv il b r a s ile ir o . 22a e.. São Paulo: Saraiva, 2010. v.I, p.
263
sendo, tratando-se de competência absoluta, que não pode ser prorrogada, será
inválida a relação jurídica devido, em última análise, á própria ausência de
jurisdição no que toca à determinada matéria. Ora, se um juiz é absolutamente
incompetente para conhecer e decidir certa matéria, ele não está investido de
jurisdição com relação a ela, não podendo o processo ter normal desenvolví
mento. O mesmo ocorre com o juiz parcial, que está impedido de conhecer e
decidir o feito já que tal circunstância afeta mortalmente diversos princípios
informativos do processo, tornando inválida a decisão proferida. Nessa hipó
tese, aliás, existe expressa previsão legal para a propositura de ação rescisória,
nos termos do art. 966, II, do CPC, com a finalidade de desconstituir a coisa
ju lg a d a ”.

Realmente, a imparcialidade do juiz, que compreende tanto as hipóteses


de impedimento, quanto as hipóteses de suspeição, representa motivo apto a
gerar a absoluta falta de confiança quanto ao que foi decidido, em desprestígio
da própria atividade jurisdicional e da segurança que esta deve propiciar. Foi
isso que levou Celso Agrícola Barbi ao afirmar que “A primeira e mais impor­
tante qualidade de um juiz é a imparcialidade. Investido da alta missão de deci­
dir acerca dos mais relevantes interesses das partes, munido de amplos poderes
para esse fim, é indispensável que o juiz realmente julgue sem ser influenciado
por quaisquer fatores que não o direito dos litigantes. O despreparo cultural ou
a morosidade do juiz podem preocupar o litigante. Mas o fator que é realmente
capaz de intranqüiliza-lo, de fazê-lo descrer na justiça humana, é a falta de
confiança na isenção do juiz .”.576
Diante desse problema nossa legislação processual, assim como o direito
alienígena,577*sempre reputou conveniente prever as hipóteses em que o juiz
não deve proferir decisões, o que o atual diploma fez expressamente nos art.
144 e 145, do CPC, onde estão positivadas as hipóteses de impedimento e de
suspeição dos magistrados.
Uma análise de cada uma das hipóteses previstas nos citados precei­
tos demonstra que o impedimento se funda em vínculos que podem ser

576 BARBI, Celso Agrícola. C o m e n tá r io s a o C ó d ig o d e P r o c e s s o C iv il. 6* ed.. São Paulo: Forense, 1991.
v. I, p. 333/334.
577 ARRUDA ALVIM, José Manuel de. C ó d ig o d e p r o c e s s o c iv il c o m e n t a d o . São Paulo: RT, 1981. V. VI,
p. 03-24.
demonstrados de modo objetivo, enquanto a suspeição tem fundamento em
vínculos que devem levar em conta aspectos subjetivos. Em outros termos,
para provar uma relação de parentesco entre o magistrado e o advogado de
uma das partes (art. 144, III), por exemplo, basta a apresentação de uma ou
mais certidões de nascimento ou casamento; enquanto a demonstração de
uma amizade íntima com a parte não pode ser comprovada diretamente por
um documento, embora esse documento possa servir como um fato que dê
ensejo ao reconhecimento, por presunção, da amizade íntima (certidão de
batismo demonstrando que o magistrado é padrinho do advogado da parte).
Daí a razão pela qual os casos de impedimento geram uma presunção abso­
luta de parcialidade do magistrado, enquanto nos casos de suspeição cabe a
parte demonstrar a caracterização da hipótese prevista em lei. Nesse sentido
a observação de Celso Agrícola Barbi, ainda sob a égide do CPC de 1973, ao
afirmar que “Os casos de impedimento do art. 134 contem verdadeira presun­
ção juris et de jure de parcialidade. São todos eles fundados em fatos objetivos,
de fácil comprovação, não dependendo do sentimento real do juiz em relação
aos participantes do processo, nem de ter ele interesse efetivo no seu desfecho.”.578
Deve-se notar, também, que “os casos de impedimento são mais graves e,
uma vez desobedecidos, tornam vulnerável a coisa julgada, pois ensejam ação
rescisória da sentença [...]. Já os de suspeição permitem o afastamento do juiz
do processo, mas não afetam a coisa julgada, se não houvera oportuna recusa
do julgador pela parte .”.579
Embora mantendo estrutura semelhante ao seu antecessor (art. 134,
do CPC de 1973), o art. 144, do CPC, acrescentou ao seu rol taxativo mais
três hipóteses em que a lei considera o magistrado impedido. Na primeira
delas, contida no inciso VI (“herdeiro presuntivo, donatário ou empregador
de alguma das partes”), houve a transformação de hipótese que era prevista
como caso de suspeição (art. 135, III, do CPC de 1973) para caso de impedi­
mento, entendendo a lei que naquelas três situações é dispensável perquirir
sobre a existência ou não de eventual interesse do magistrado no desfecho
da causa. Já na segunda hipótese, contida no inciso VII (“em que figure como
parte instituição de ensino com a qual tenha relação de emprego ou decorrente

579 BARBI, p. 335.


579 THEODORO JUNIOR, Humberto. C u r s o d e d ir e ito p r o c e s s u a l c iv il. 47“ ed.. Rio de Janeiro:
Forense. 2007. v. I. p. 235.
de contrato de prestação de serviços. '), referendou .1 lei o que já acontecia 11a
prática, embora com fundamento em suspeiçio por toro intimo, já que os
magistrados professores costumavam se declarar suspeitos em casos nos quais
atuavam as instituições de ensino as quais estavam vinculados.
A terceira e última hipótese, também não prevista anteriormente, trata dos
casos em que uma das pessoas relacionadas nos inciso III (“quando nele esti
ver postulando, corno [...] advogado [...], seu cônjuge ou companheiro, ou qual
quer parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até 0 terceiro
grau, inclusive;”) integra, como sócio de qualquer natureza ou como advogado
empregado, os quadro de um grande escritório, embora não tenha procuração
para o caso em que será reconhecido o impedimento (§3°). Esse preceito não
se aplica, porém, ao parente do magistrado que atua como estagiário, já que
se trata de rol taxativo e que se refere expressamente à condição de advogado,
o que não permite uma interpretação extensiva do preceito. Nada impede,
porém, que por esse mesmo motivo se reconheça a existência de suspeição por
parte do magistrado.
As hipóteses de suspeição, por sua vez, estão previstas no art. 145, do CPC,
que acrescentou às situações constantes da legislação anterior (art. 135, do
CPC de 1973), de modo expresso e, em nosso entender de modo correto, a sus­
peição do magistrado quando o advogado da parte é seu amigo íntimo ou seu
inimigo. Isso porque havia viva discussão a respeito deste tema, em que pese
a evidente situação de desconfiança gerada na parte que percebe, no curso do
feito, que o advogado da parte contrária é amigo íntimo do magistrado que
vai julgar a causa.
Deve-se destacar, ainda, a manutenção da previsão de suspeição quando o
juiz for “IV - interessado no julgamento da causa em favor de urna das partes.”;
já que esta construção semântica exige valoração do termo interesse de forma
ampla, o que torna as hipóteses de suspeição exemplificativas.
b) Arguição da imparcialidade.
Embora fossem inúmeras as vias processuais colocadas à disposição das
partes para a defesa de suas posições jurídicas em juízo, o art. 297, do CPC de
1973, indicava que as vias usuais para a defesa do réu eram a contestação, a
icconvcnção e as e x c e ç õ e s .O código atual manteve nominalmente a contes­
tarão (art. 335 a 342) e a reconvençào (art. 343), mas houve por bem eliminar
n termo exceção, que não é mencionado pelo art. 146, do CPC.
Embora sempre tenha existido larga confusão a respeito do exato signifi-
i ado do termo exceção, não há dúvida de que se trata de uma forma de defesa
que não possui a natureza de ação e que tem por escopo tanto o ataque de
defeitos de natureza material (exceção material), quanto de defeitos de natu­
reza processual (exceção processual), não alegáveis na contestação por opção
legislativa. Daí a razão pela qual a omissão legislativa não implica o desapare­
cimento do instituto, como bem esclareceu Pontes de Miranda ao afirmar que
"As exceções existem pela própria contextura do direito material ou processual.
Os legisladores que apenas vão tratar do processo de modo nenhum podem
exclui-las, somente porque delas não falam. O problema de técnica legislativa,
que se lhes apresenta, è o de determinar qual a espécie de defesa form al (con­
testação, ou via exceptiva) em que devem entrar e quais as que devam entrar
numa ou noutra. Assim, ou a) querem todas as exceções em via própria (fora
da contestação), ou b) umas na via da contestação e outras na da exceção, ou c)
excluem toda via especial exceptiva.”.581
Nesse passo, as exceções de impedimento e de suspeição, implícita e onto-
logicamente previstas pelo sistema, estão reguladas pelo art. 146, do CPC,
segundo o qual “No prazo de quinze dias a contar do conhecimento do fato, a
parte alegará o impedimento ou suspeição em petição específica dirigida ao juiz
da causa, na qual indicará o fundamento da recusa, podendo instruí-la com
documentos em que se fundar a alegação e com rol de testemunhas.”.
Elaborada a petição, sem a necessidade de preenchimento dos requisitos
previstos nos art. 319 e 320, do CPC, já que não se trata de exercício de direito
de ação, a peça será protocolada e seguirá para a apreciação do magistrado,
que deverá examinar se estão ou não preenchidos seus requisitos específicos,
que são a) o respeito ao prazo previsto em lei (15 dias), contado a partir do
conhecimento do vício; b) a expressa indicação do fundamento da recusa;
e c) os documentos essenciais à comprovação dos fatos articulados como

5,0 C P C d e 1 9 7 3 : “A r t . 2 9 7 . O ré u p o d e r á o fe r e c e r, n o p r a z o d e I S ( q u in z e ) d ia s , e m p e t i ç ã o e s c r ita ,
d ir ig id a a o j u i z d a c a u s a , c o n te s ta ç ã o , e x c e ç ã o e re c o n v e n ç à o ."

5“' P O N T F .S D E M I R A N D A , F r a n c i s c o C a v a lc a n ti. C o m e n tá r io s a o C ó d ig o d e P ro c e s so C iv il. R io d e


J a n e ir o : F o r e n s e , 19 7 4 . v. IV , p . 130.
fundamento da recusa; para em seguida, se for o caso, reconhecer o vício «•
determinar a remessa do feito ao seu substituto legal (art. 146, §1°).
Como ao magistrado que teve sua imparcialidade impugnada não foi atri
buído o exercício do juízo de admissibilidade das exceções, no caso do não
preenchimento dos requisitos legais ou na hipótese em que o magistrado
não reconhece o vício, a petição deverá ser autuada em apartado e o próprio
magistrado deverá apresentar suas razões, acompanhadas de documentos c
de rol de testemunhas, se for o caso, suspendendo o andamento do feito e
determinando a remessa dos autos ao juízo “ad quem”, que no caso do Estado
de São Paulo é o Conselho Superior da Magistratura.
Embora o magistrado não tenha capacidade postulatória, pois não é advo­
gado regularmente inscrito perante a OAB, o perfil e o processamento destas
exceções autoriza a conclusão de que, não obstante se trate de via que tem a
natureza jurisdicional, a lei dispensa a representação do magistrado por advo­
gado. Portanto, assim como acontece parcialmente nos juizados especiais
cíveis, trata-se de caso em que o próprio magistrado pode e deve elaborar suas
razões, embora nada impeça que o faça por meio de advogado, mormente
porque o acolhimento do incidente pode implicar a sua condenação no paga­
mento das custas processuais decorrentes do processamento da exceção.
Ao contrário do que acontecia na vigência do CPC de 1973, em que o
recebimento da exceção implicava a automática e necessária suspensão do
andamento processo,582 prevê o art. 146, §2°, que o relator tem a faculdade de
suspender ou não o andamento do feito. Se entender que existem elementos
robustos a justificar o acolhimento da exceção pelo órgão julgador, deverá
atribuir-lhe efeito suspensivo. Caso contrário, o processo retoma seu curso
natural independentemente do processamento e julgamento da exceção; mas
se for "reconhecido o impedimento ou a suspeição, o tribunal fixará o momento
a partir do qual o juiz não poderioa ter atuado . (§6°)” e “decretará a nulidade
dos atos do juiz, se praticados quando já presente o motivo de impedimento ou
de suspeição. ($7°).”.
Por fim, embora não exista a possibilidade de condenação no pagamento
de honorários advocatícios na exceção, nada impede que o reconhecimento da

5!J CPC de 1973: “A r t . 3 0 6 . R e c e b id a a e x c e ç ã o , o p r o c e s s o f i c a r á s u s p e n s o (a rt. 2 6 5 , III), a té q u e se ja


d e f i n i t i v a m e n t e ju lg a d a ." .
im manifesta improccdênci» gere a condenação do excipiente no pagamento
tl< multa agir como litigante de má-fé, na forma do art. 80, VI, do CPC.

11.2. Auxiliares da Justiça.


Sob a denominação de auxiliares da Justiça prevê o CPC, a partir do seu
o I. 149, uma série de funcionários que exercem suas atividades junto ao Poder
Judiciário, cada qual cum prindo tarefas que permitirão que o processo tenha
assegurado andamento regular, para que possa o magistrado proferir suas
decisões e para que se possa chegar a uma solução do litígio.
Por tradição nosso Código atribui ao chefe do cartório à denominação de
escrivão, embora em alguns Estados seja utilizada a denominação de coor­
denador ou de diretor. Trata-se de uma reminiscência da fase em que nem
mesmo existia máquina de escrever, tempo em que o processo era escrito
em letra cursiva e as suas folhas costuradas para a formação dos seus inú­
meros volumes. O dono do cartório era o escrivão e os seus empregados os
escreventes.
Por exercer a mais alta função administrativa da unidade judicial, cabe
ao escrivão à organização da atividade do cartório,583 distribuindo o serviço
entre os escreventes e os auxiliares, fiscalizando a sua execução, bem como a
prática dos atos processuais ordinatórios, em que não há conteúdo decisório.
Suas atribuições estão descritas de forma enunciativa no art. 152, do CPC,
já que o próprio preceito, no seu §1°, permite ao magistrado editar ato que
indique quais atos processuais serão atribuídos ao escrivão.
Quando o ato processual precisa ser realizado fora do cartório, como a
citação pessoal do réu ou a condução coercitiva de uma testemunha, por
exemplo, cabe ao oficial de justiça realizá-lo por determinação do juízo ao

MARQUES, José Frederico. M a n u a l d e d ir e ito p r o c e s s u a l c iv il.9" ed.. Sâo Paulo: Saraiva, 1982. v.
01, p. 259. Segundo o autor " E s c r iv ã o é o a u x ilia r d o ju iz o <i q u e m ca b e m o v i m e n t a r o p r o c e d i m e n t o
e d o c u m e n t a r o s a to s q u e n e le s ã o p r a tic a d o s . A a tr ib u iç ã o d e d o c u m e n ta r é a q u e c o n s t i t u i a s u a
a t i v i d a d e b á s ic a , p o i s o q u e se p a s s a n o p r o c e d i m e n t o d e v e f i c a r e sc rito e c o m p r o v a d o d e t a l a r t e q u e
f a ç a f é e te n h a a u t e n t i c i d a d e . G r a ç a s à d o c u m e n t a ç ã o , o p ro c e ss o p e r m a n e c e n o te m p o . A p r ó p r ia
s e n te n ç a , q u e é o a t o p o r e x c e lê n c ia d o j u i z , s e a p r e s e n ta c o m o f a t o tr a n s e u n te q u e , à f a l t a d e d o c u ­
m e n t a ç ã o d e v i d a , f i c a r i a s e m b a s e m a t e r i a l p a r a p r o d u z i r e fe ito s e te r a e fic á c ia q u e lh e é in e r e n te .
{...] C a b e a in d a a o e s c r iv ã o c o o r d e n a r o s a to s q u e c o m p õ e m o p r o c e d im e n to e t a m b é m p r o v o c a r a
r e a liz a ç ã o d e a t i v i d a d e s p r o c e d i m e n t a i s , p a r a q u e n ã o se e s ta n q u e o im p u ls o p r o c e s s u a l e c h e g u e o
p r o c e s s o a s u a m e t a f i n a l ." .
qual sc vincula. Suas atribuições estão previstas uo art. 154, do CPC, sendo
ele considerado como uma longa manus do juízo.SM Trata-se de uma ativi
dade essencial ao processo e muito difícil de ser exercida, já que costuma sei
por meio do oficial que alguém acaba por ver executada, dentre outras, uma
ordem de despejo ou de busca e apreensão de uma criança, situações bastante
tensas e que normalmente acabam por exigir o concurso policial para o seu
cumprimento.
O Projeto da Câmara dos Deputados havia inovado ao prever, em seu art
156, o assessor judicial, já que não havia menção a tal tipo de atividade no
CPC de 1973. Trata-se de um funcionário que assessora diretamente o magis­
trado, elaborando minutas de decisões (I); realizando pesquisa de legislação,
doutrina e jurisprudência necessárias à elaboração das decisões judiciais (11);
e, cumprindo outras tarefas atribuídas ao magistrado (III), podendo também,
mediante delegação do juiz e respeitadas as atribuições do cargo, proferir des­
pachos (parágrafo único).
Trata-se de atividade de suma importância para que os trabalhos judiciais
tenham um desenvolvimento adequado, já que existem atividades menos
complexas que poderão ser exercidas pelo assessor judicial, liberando o magis
trado para que possa realizar tarefas mais complexas. O que há muito já existe
na iniciativa privada agora alcança o Poder Judiciário, com evidente ganho de
produtividade e de qualidade na atividade judicial.
lníelizmente, na redação final do CPC esse personagem do processo aca­
bou por ter sua previsão excluída do texto, embora sua existência seja uma
realidade na maioria dos 94 (noventa e quatro) Tribunais existentes no País.
Também auxilia a atividade judicial a figura do perito, que atua no pro­
cesso “quando a prova do fato depender de conhecimento técnico ou científico,
...”(art. 156). Isso acontece porque o magistrado, por mais culto que possa ser,
não tem como conhecer todos os aspectos técnicos das causas que chegam ao
seu conhecimento. Daí se valer do conhecimento ou da experiência de alguém
que seja versado no tema discutido para auferir subsídios para proferir sua

M E N D E S J U N I O R , Jo ã o . D ir e ito j u d i c i á r i o b r a z i k i r o . 2 ‘ e d .. R io d e J a n e ir o : T y p o g r a f i a B a p tis ta
d e S o u z a , 1918. p . 77. S e g u n d o o c lá s s ic o p r o c e s s u a l i s t a : "... a c o m p e tê n c ia d o s m e i r i n h o s , t a m b é m
r e s tr ic tiv a m e n te c h a m a d o s o ffic ia e s d e ju s tiç a , te m p o r o b je c tiv o f a z e r c ita ç õ e s , n o tific a ç õ e s , i n t i ­
m a çõ es, p re g õ e s ( q u a n d o s ã o p o r te ir o s ) a r r e s to s , s e q ü e s tr o s , p e n h o r a s , d e te n ç õ e s , p r is õ e s , d e s p e jo s ,
b u sc a s e a p p r e h e n s õ e s e m a i s d ilig e n c ia s d e e x e c u ç ã o ; ..."
decisão. lísses peritos serio "nomeados entre os profissionais lega Intente habi­
litados e os órgãos técnicos ou científicos devidamente inscritos em cadastro
mantido pelo tribunal ao qual o juiz está vinculado” (§1°); tema esse do qual
li ataremos com maior profundidade quando do estudo da prova pericial.
Outros auxiliares da Justiça, mas que aparecem apenas eventualmente
«• com menor ocorrência que os demais são o depositário, o administrador,
o tradutor e o intérprete. Ao depositário ou ao administrador, conforme a
necessidade, por força do que dispõe o art. 159, do CPC, cabe a “guarda e
a conservação de bens penhorados, arrestados, sequestrados ou arrecadados.”.
Portanto, em se tratando do sequestro de um veículo, por exemplo, caberá ao
depositário sua manutenção, guarda e conservação. Já no caso de uma tintu-
raria caberá ao adm inistrador fiscalizar a atividade praticada e prestar con­
tas de todo o ocorrido, adm inistrando o funcionamento do estabelecimento
e cumprindo as diretrizes fixadas pelo juízo para a prática de determinada
ordem judicial.
O intérprete e o tradutor, a seu turno, atuarão no processo, conforme pre­
visto pelo art. 162, do CPC, quando houver necessidade de “I - traduzir docu­
mento redigido em língua estrangeira; 11 - verter para o português as declara­
ções das partes e das testemunhas que não conhecerem o idioma nacional; e,
III - realizar a interpretação simultânea dos depoimentos das partes e testemu­
nhas com deficiência auditiva que se comuniquem por meio da Língua Brasi­
leira de Sinais, ou equivalente, quando assim for solicitado”.
Por fim, embora existam outros personagens que atuam no processo como
auxiliares da Justiça (o partidor, o contador, o distribuidor, o porteiro de audi­
tórios, etc.), houve por bem o atual diploma processual regular de forma por­
menorizada neste capítulo (Dos auxiliares da Justiça) apenas os conciliadores
e os mediadores, o que fez nos art. 165 a 175, demonstrando a destinação de
onze artigos e de inúmeros parágrafos a importância que o atual sistema atri­
bui a auto composição dos litígios.
O CPC de 1973 já privilegiava a tentativa de composição das partes, isso
por entender que, muitas vezes, a sentença judicial, como ato de força que é,
resolvia o processo, mas não resolvia o litígio. Em outros termos, uma solução
imposta nem sempre pacifica o conflito, podendo por vezes ser o estopim
para problemas ainda mais danosos à paz social. Por isso em várias passagens
do código revogado havia a possibilidade de se tentar a conciliação, proposta
pelo próprio magistrado.
Com o passar do tempo e o desenvolvimento de técnicas especificas p.uo
a conciliação das partes, percebeu-se que havia uma maior ocorrência di
composições quando as partes eram ouvidas por um terceiro desinteressado
muitas vezes treinado para tal tipo de atividade, e não pelo próprio magis
trado, que embora tendo boa vontade pouco conhecia de tais técnicas e ainda
não podia utilizá-las em sua completude, sob pena de ser alegada a quebra do
princípio da imparcialidade ou a antecipação do julgamento da causa. Para
robustecer tal pensamento foi enorme a contribuição dos juizados especiais d«
conciliação e posteriormente dos juizados de pequenas causas, que demons
traram a eficiência de tal prática. Tamanho foi o sucesso da atividade, que o
atual CPC encartou no procedimento comum uma fase inicial de tentativa de
composição, realizada por pessoas treinadas para tal atividade e integrantes
de centros judiciários de solução de conflitos, “...responsáveis pela realização
de sessões e audiências de conciliação e mediação, e pelo desenvolvimento de
programas destinados a auxiliar, orientar e estimular a auto composição." (arl
165).
Somente o tempo dirá, porém, se a implantação desta nova ideologia virá
ou não a surtir os efeitos que dela se esperam, pois se trata de uma nova ati­
vidade que deverá ser desenvolvida em grande escala, dependendo em muito
da qualificação dos mediadores e dos conciliadores, o que não é tarefa fácil
num País de vasto território como o nosso. Voltaremos a abordar esse tema no
momento oportuno, ou seja, quando for estudada a audiência que se destina a
realização da conciliação ou da mediação.

14.3. M inistério Público.

14.3.1. Generalidades.
Segundo nos dá notícia Arruda Alvim, o Ministério Público teve ori­
gem na França, quando o rei Felipe, “o Belo ”, buscou no modelo romano dos
advogados do fisco a inspiração para a edição da Ordenança de 25.03.1302,
que é tida como o marco legal inicial da instituição. Segundo ensina o autor
“No mais antigo direito francês, no qual originou-se o Ministério Público,
dtnominavam se os seus membros de les gens du roi, ou, em latim Gentes
itostrae, tal como constava da Ordonnance, de 25.03.13U2, Cap. 24. Aliás, a
n pressão les gens du roi era comum a todos os funcionários do rei que, prirni-
uvamente, assim se denominavam. Dentre estes, todavia, foram os membros do
Ministério Publico que, sozinhos, guardaram mais tempo a expressão. Parece,
porém, que quando a Ordonnance de 1302fez referência expressa ao Ministério
Publico fks gens du roi) a instituição já existia, plenamente, donde o que teria
havido seria menos uma criação da lei, porém, uma adoção ou legalização do
que já precedentemente existia.”.585
Na época do seu nascimento a instituição não gozava de autonomia, pois
tepresentava os interesses do rei, que se confundiam com o interesse do pró­
prio Estado. Também nas palavras de Arruda Alvim "Havia, de certa forma,
Identificação entre a ação do Ministério Público e os interesses das monarquias,
na medida em que estas se identificavam ou pretendiam se identificar com o
próprio rei ou monarca, tal como o disse Luís XIV, em frase célebre ou que se
lhe atribuiu: 'L’État c’est moi'.”.586
A evolução institucional do Ministério público, entretanto, o desvinculou
da defesa do Estado para colocá-la na posição de guardião do interesse público,
lazendo nascer uma das mais vivas polêmicas existentes sobre a instituição,
consistente em definir sua efetiva natureza jurídica. Afinal, se o poder é uno,
mas se exerce por meio de três funções, a legislativa, a executiva e a judiciário,
em qual delas poderiamos inserir o Ministério Público? Tal polêmica pode se
resolver pela própria lei, como acontece no caso do sistema italiano, em que
o Ministério Público integra os quadros da magistratura, sendo diversas suas
atividades.
Entre nós muito já se disse a respeito do tema, sendo majoritários os enten­
dimentos no sentido de que integrava o Poder Executivo ou de que não inte­
grava nenhum deles, representando verdadeiramente um quarto poder. Na
atualidade, porém, a Constituição da República de 1988 acabou por defini­
do como uma “...instituição permanente essencial à função jurisdicional do
Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e
dos interesses sociais e individuais indisponíveis.” (art. 127).

,,s ARRUDA ALVIM, José Manoel de. C ó d ig o d e p ro c e ss o c iv il c o m e n ta d o . São Paulo: RT, 1981. v. III,
p. 384-385.
M6 Idem, p. 400.
Do que se viu e em razão do seu perfil institucional, em nosso entender, o
Ministério Público apenas não é um quarto poder porque a Constituição n.m
quis tratá-lo com esta denominação, mas tem autonomia, inclusive fm anceiu
para atuar como um órgão do Estado que não integra nenhum dos demub
poderes, sem o que não teria como realizar suas atribuições. Correta, por
tanto, a afirmação de Ovídio Baptista da Silva, para quem "...a Carta Con '
titucional de 1988 completou o círculo evolutivo através do qual o Ministério
Público de simples procurador do rei, na primeira ordenança francesa que m
refere a essa figura, no século XIV, adquire, no sistema brasileiro, a dignidade
de uma função constitucional independente.".5*7
Portanto, cientes dessa perspectiva, mas deixando de lado a polêmica pau
concentrar forças apenas na atividade desenvolvida, podemos definir o min is
tério público como fez José Frederico Marques, afirmando que "... é o órgão
através do qual o Estado procura tutelar, com atuação militante, o interessi
público e a ordem jurídica, na relação processual e nos procedimentos de jú r is
dição voluntária";5** ou como fez Vicente Greco Filho, afirmando que se tral.i
do "... órgão do Estado que exerce, junto ao Poder Judiciário, a tutela dos inte
resses sociais indisponíveis.".5*9
Por fim, assim como acontece com relação à magistratura, que por força
do Principio Federativo é dividida em magistratura federal e magistratuu
estadual, também o ministério público é dividido desta maneira. O ministe
rio público federal pode ser simples ou especial, conforme a sua atribuição
Assim, enquanto o ministério público do trabalho se enquadra na categoria
de especial, o comum é simplesmente denominado ministério público fede­
ral, composto pelos procuradores da república, que atuam junto aos juízos c
tribunais federais. Cada um dos Estados, por sua vez, conta com ministérios
públicos independentes, todos exercendo suas atribuições nos limites impos
tos pela lei.5879

587 SII.VA. Ovídio Baptista da. C o m e n t á r i o s a o c ó d ig o d e p r o c e s s o c iv il. São Paulo: RT, 2000. p
377-378.
588 MARQUES, p. 299.
589 GRECO FII-HO. v. I. p. 189
14.3.2. Princípios institucionais.
Para que possa desenvolver suas atribuições de forma adequada, a Consti­
tuição da República estabeleceu, em seu art. 127, §1°, os três princípios institu-
. limais constitucionais do ministério público, dizendo textualmente que “são
/•rlncipios institucionais do ministério público a unidade, a indivisibilidade e
,i autonomia funcional.”. Não há que se confundirem tais princípios com as
garantias dos integrantes do ministério público, que são as mesmas do magis-
11ado (inamovibilidade, vitaliciedade e irredutibilidade de vencimentos), já
que os princípios se referem à instituição enquanto as garantias aos indivíduos
que a integram.
Ao mencionar o Princípio da Unidade, a Constituição quis afirmar,
(•('.undo Hugo Nigro Mazzilli, que “...os promotores de um Estado integram
um só órgão sob a direção de um só chefe.” 590 Em outras palavras, cada pro­
motor de justiça ou procurador da república, quando age individualmente,
pratica um ato como se fosse a própria instituição, representando a vontade
•Io próprio órgão ao qual pertence.
|á o Princípio da Indivisibilidade, segundo Humberto Theodoro Junior,
permite que os diversos membros do ministério público, logicamente de um
mesmo órgão, pois um procurador da república não pode se manifestar por
um promotor de justiça, podem ser “...indiferentemente substituídos uns pelos
outros em suas funções sem que disso decorra alteração subjetiva nos processos
i m que o ministério público atua.”.59'
Por fim, pelo Princípio da Autonomia Funcional, que nos parece ser o mais
Importante para a real concretização do Estado Democrático de Direito, o
promotor de justiça ou procurador da república possui plena independência
•Ir atuação, não estando sua opinião sujeita a uma “opinião institucional”, a
ingerências dos órgãos superiores da sua respectiva carreira ou a influência
de quem quer que seja. Cabe ao promotor ou procurador agir de acordo com
dquilo que entende ser o correto e conforme sua consciência, embora seus
■ilos possam estar sujeitos a recursos judiciais ou administrativos, assim como
acontece com as decisões judiciais.

" MAZZILLI, Hugo Nigro. O m in is té r io p ú b lic o n a C o n s t i t u iç ã o d e 1 9 8 8 . São Paulo: Saraiva. 1989.


p.52.
*' THEODORO JUNIOR, p. 175.
14.3.3. Atribuições no juízo cível.
Mantendo a tradição houve por bem o atual CFC disciplinar, nos seus arl,
176 até 181, as regras respeitantes a intervenção do ministério público no pro
cesso civil, seguindo os padrões já traçados pelo CPC de 1973 e, com isso,
perdendo uma grande oportunidade de adequar à atuação da instituição ,is
aspirações atuais da nossa sociedade e as suas reais necessidades. Isso por
que, em nosso entender, nos tempos atuais, diante da realidade em que vive
mos não se justifica forçar o integrante do ministério público a atuar em uma
causa em que, a bem da verdade, não há nenhum interesse social relevante
discutido. Pense-se, por exemplo, num mandado de segurança interposto por
um professor para questionar a atribuição de aulas ou pelo contribuinte para
discutir o lançamento de um tributo; ou numa ação de divórcio, mesmo tendo
filhos o casal, em que as partes são dois advogados; ou numa ação de execução
promovida por uma criança, devidamente representada por sua mãe; além do
infindáveis outras hipóteses. Onde estaria, nestes casos, o interesse público a
tutelar?
A evolução da nossa sociedade fez com que as pessoas estejam mais fami­
liarizadas com os direitos que possuem e até mesmo dispostas a levar ao exame
do Poder Judiciário suas pretensões, além de um acesso mais fácil e completo
ao processo, que por vezes se faz de casa ou de qualquer outro local por meio
de um computador ou até mesmo do celular. Houve a criação de inúmeras
defensorias públicas estaduais e federal, além de todas as faculdades de direito
(que não são poucas) terem um departamento de assistência jurídica a popula
ção, o que faz com que mais ninguém postule os seus direitos sem ter a orien­
tação de um advogado e a fiscalização do conteúdo dos processos por uma
imensa gama de pessoas. O que justifica, portanto, hodiernamente, a atuação
do ministério público como fiscal da lei?
Essa realidade, aliás, levou o ministério público da maioria dos Estados a
editar normas internas permitindo que o próprio promotor ou procurador
se manifeste no sentido de que não possui interesse no feito, deixando assim
de atuar em determinados processos. Todavia, por imposição legal, os juizes
acabam sendo obrigados a remeter o feito ao ministério público já sabendo
que ele não irá atuar naquele processo, apenas para evitar que no futuro se
possa alegar uma eventual nulidade devido à falta de intervenção do membro
>lo p a r q u e t. Perde se tempo e se desperdiçam inúmeros atos processuais, em
. vidente contrariedade aos princípios da celeridade e da economia processual.
l oi por estas razões que tivemos a oportunidade de propor que o código
ilu.il torna-se facultativa a intervenção do ministério público em causas que
>i u ulassem interesses meramente individuais, enviando a comissão de ela-
I«oração do projeto do CPC uma nota técnica que previa a substituição do
atual art. 178, então art. 147 do Projeto de Lei do Senado n° 166/2010, por um
ai ligo com a seguinte redação: “Art. 147. O Ministério Público poderá intervir
no processo nas causas que envolvam interesse público, interesse social e nas
hipóteses exigidas por lei. Parágrafo único. A intervenção dar-se-á por mera
petição, cabendo ao juiz aferir sua legitimidade e interesse".
A nota técnica foi acompanhada da seguinte justificativa: “A intervenção
do Ministério Público em processo individual, segundo orientação do Conse­
lho Nacional do Ministério Público e do Ministério Público do Estado de São
1'iiulo, além de diversos outros Estados e do Ministério Público da União, só tem
ocorrido quando o Promotor de Justiça que intervém reputa existente interesse
publico, o que na atualidade não tem acontecido na maioria dos casos que lhe
w)o encaminhados. Manter a obrigatoriedade geral de intervenção, portanto,
implica a prática de atos processuais desnecessários, pois os autos são reme­
tidos ao Ministério Público apenas para que justifique sua falta de interesse
cm intervir no processo. Destarte, melhor tornar facultativa a intervenção do
Ministério Público nas ações individuais, o que virá a agilizar sobremaneira a
tramitação do feito c ainda permitirá à Instituição a otimização da sua atuação
nas demandas coletivas.’’.
Se tal alteração tivesse acontecido, cremos, em muito teriam ganhado as
instituições e a própria sociedade, permitindo que nossos promotores, fun­
cionários altamente qualificados, pudessem se ocupar de casos realmente
importantes e de interesse de toda a sociedade, o que muitas vezes não tendo
.i atenção necessária por conta do descomunal volume de serviço em causas
sem qualquer interesse que realmente justifique sua intervenção.
Mas como ainda não assistimos a esta evolução, cabe observar que tam ­
bém por tradição sempre foi dito que o ministério público atua no processo
civil como parte (art. 177 c.c. 180), como auxiliar da parte ou como fiscal da
ordem juridica (fiscal da lei), embora nos pareça bastante pertinente a obje­
ção de Vicente Greco Filho, para quem “Essa divisão das formas de atuação
do Ministério Público no processo civil merece críticas porque não define exa
lamente a razão da intervenção e a sua verdadeira posição processual. /.../
Modernamente, procura-se buscar a distinção da atividade do Ministério
Público no processo civil segundo a natureza do interesse público que detei
mina essa mesma intervenção. [...] Assim, é possível classificar a atuação do
Ministério Público no processo civil segundo o interesse público que ele defendí
da seguinte forma: o Ministério Público intervém no processo civil em virtude e
para defesa de um interesse público determinado, ou intervém na defesa de um
interesse público indeterminado.”.592
Nada obstante a crítica, o art. 177, do CPC, prevê a atuação do ministério
público como parte, enquanto o art. 178, do CPC, prevê as causas nas quais
deverá intervir como fiscal da ordem jurídica (fiscal da lei), restando mantida
pelo sistema a tradicional distinção quanto a sua atuação.

14.4. Da Advocacia Pública.


Embora fosse possível dizer que a advocacia pública é aquela praticada
pelos advogados da fazenda pública, esta definição de nada adiantaria sem
que se tenha em mente a extensão e real significado do termo fazenda pública,
cuja concepção também não está imune a gerar dubiedade.
Definindo o termo advertem Leonardo José Carneiro da Cunha que “Na
verdade, a expressão Fazenda Pública representa a personificação do Estado,
abrangendo as pessoas jurídicas de direito público. No processo em eu haja a
presença de uma pessoa jurídica de direito público, esta pode ser designada,
genericamente, de Fazenda Pública.",593 e, Regina Helena Costa que “Em sen
tido amplo, o conceito de Fazenda Pública traduz a atuação do Estado em juízo.
Originariamente, a idéia de Fazenda ligava-se estritamente às finanças esta­
tais e ao erário propriamente dito, mas com o tempo alargou-se, hoje servindo
para designar o nome que toma o Estado quando atua em juízo. Atualmente
é pacífico que o conceito de Fazenda Pública abrange as pessoas jurídicas de
Direito Público, vale dizer, as pessoas políticas que integram a Federação, além
das autarquias e das fundações públicas. Não estão incluídas nesse conceito as

5.2 G R E C O . p . 190.

5.3 CU N H A , Leonardo José Carneiro d a . A f a z e n d a p ú b lic a e m j u í z o . 2 ‘ e .. São Paulo: D i a l é t i c a , 2005.


p. 13.
empresas públicas c a s sociedades de economia mista porque são, não obstante,
• ates componentes da administração pública indireta, pessoas investidas da
personalidade de direito privado."?9*
Portanto, a advocacia pública atua visando a defesa dos interesses da
Iti/.enda pública em juízo; ou, na forma prevista pelo art. 182, do CPC, defen
ilendo e promovendo os interesses públicos da União, dos Estados, do Distrito
l ederal, dos Municípios e das pessoas jurídicas de direito público que inte
«ram a Administração direta e indireta. Como o preceito faz uso da locução
"...na form a da lei,...", há necessidade de consulta à legislação específica de
cada ente político para aferir quais são os limites de atuação dos seus respcc-
llvos representantes.
Nada obstante, há acirrado debate acerca da maneira pela qual atua a
fazenda em juízo, sendo absolutamente antagônico o pensamento dos que
entendem que a fazenda goza de infindáveis privilégios, do pensamento
daqueles que sustentam que a fazenda, diante do interesse público envolvido,
deve efetivamente ter certas prerrogativas. A tal respeito, analisando o con­
teúdo do art. 188, do CPC de 1973, e sob a ótica do Princípio da Isonomia,
tivemos a oportunidade de tecer as seguintes e agora oportunas considera­
ções: “Embora sejam inúmeros os preceitos que tratem de fixa r prazos dife­
renciados para a Fazenda Pública e para o Ministério Público, um dos artigos
mais polêmicos do CPC acerca do tema é o art. 188, que estabelece o prazo em
iiuádruplo para contestar e em dobro para recorrer. Acerca deste comando legal
existem duas posições antagônicas: uma sustenta que o artigo representa uma
prerrogativa da Fazenda e do Ministério Público, enquanto a outra sustenta
que se trata de um privilégio a ambos concedido; sendo que a distinção não
é apenas de ordem semântica. A primeira posição sustenta que o advogado
particular, quando assoberbado de serviço, pode recusar-se a patrocinar deter­
minada causa; enquanto a Fazenda e o Ministério Público estão obrigados a
atuar em todos os feitos em que exercem sua atribuição. Daí a necessidade
de tratar de modo desigual no processo tais seguimentos, para permitir que
eventual excesso de serviço não venha a prejudicar sua atuação, acarretando a
perda de prazo próprio. Já os defensores da segunda posição sustentam que não

,IM COSTA, Regina H e le n a . As p r e r r o g a tiv a s e o in te r e s s e d a J u s tiç a . I n D ir e ito p r o c e s s u a l p ú b lic o -


A f a z e n d a p ú b lic a e m j u í z o . Coord. SUNDFEI.D, Carlos Ari, BUENO, Cássio Scarpinella. São
P a u lo : M a l h e i r o s , 2 0 0 3 . p . 79.

1
existe justificativa para que a Fazenda Pública e o Ministério Público gozem </r
tal privilégio. Isso porque cabe ao Estado prestar os serviços ou múnus público%
deform a eficaz, devendo contratar mais servidores para exercer as atividades
onde há carência de pessoal. Após várias tentativas de alteração da redação
do artigo, debatidas nas esferas legislativa e jurisdicional, prevaleceu o teor da
Súmula n° 116, do ST), que implicitamente admite o critério distintivo como
não infringente à igualdade material. A discussão acerca do tema, entretanto,
está longe de terminar. Isso porque tramita na Câmara dos Deputados o Projeto
de Lei n° 61/2003 (número na Câmara: PL 4331/2001), que simplesmente revoga
o art. 188, fazendo com que a Fazenda e o Ministério Público não mais tenham
prazos diferenciados. Em sua justificativa o autor do projeto, deputado Roberto
Batochio, argumenta que: ‘O projeto que ora apresento tem por objetivo retirar
de nosso ordenamento jurídico um resquício dos tempos da ditadura, que é o
de tratar a Fazenda Pública de modo privilegiado em relação ao particular.
Evidentemente, em determinadas situações o modo de tratar não só pode como
deve ser diferente. Todavia quando as duas partes estão em plano processual,
não vejo porque uma parte deva ter prevalência sobre a outra. Nos dias atuais
não há motivo algum para que a Fazenda Pública, assim como o Ministério
Público, a que referem o art. 188 do CPC, tenham o privilégio de ter prazo qua
druplo para contestar e em dobro para recorrer. Os ônus decorrentes das lides
forenses têm de ser arcados por todos, sejam as partes particulares, Fazenda
Pública ou Ministério Público. Tal mudança, contudo, causaria bastante trans­
torno para as partes que deixariam de gozar desse prazo tão prolongado. Os
órgãos teriatn, evidentemente, que se adaptar à nova legislação. Por tal motivo,
proponho que esta lei, depois de aprovada, entre em vigor apenas um ano após
a sua publicação, dando assim tempo suficiente para que tanto a Fazenda
quanto o M P a ela se amoldem.'Por seu turno, concordando com a justifica­
tiva do projeto, o relator, deputado Alceu Colares, proferiu voto no seguinte
sentido: 'Nunca entendemos o porquê de certas partes, no que concerne aos
atos processuais, terem privilégios em detrimento de outras. O princípio da iso-
nomia, garantido constitucionalmente como cláusula pétrea (art. 5 o), não dá
guarida a qualquer tipo de privilégio a quem quer que seja. “A lei deve tratar
igualmente tanto quando concede benefícios, confere isenções, outorga vanta­
gens, quanto quando impõem sacrifícios, multas, sanções. (Celso Ribeiro Bastos
e Ives Gandra Martins - Comentários à Constituição do Brasil, vol. 2) Num
estado democrático de direito, como o nosso se diz fundamentar, o privilégio
t ílatiil, no que concerne aos prazos processuais, tem resquícios de feudalismo
ou ile estados totalitários, ou remonta à época em que as classes dominantes
Ino absolutismo) detinham indesculpáveis privilégios. E esses tratamentos desi­
guais, discriminadores, somente levam ao descrédito das instituições. Quando
lembramos que o conjunto altamente qualificado de representantes da fazenda
l'id>lica ou do Ministério Público é numeroso, deixamos de entender os motivos
juc podem ser levantados para dar este privilégio processual, ofendendo o prin-
<Ipio da isonomia, tão sobejamente propalado. Há que se aprovar, portanto, a
Proposição.'Das opiniões dos parlamentares é possível extrair que o discrímen,
hodiernamente, não se apresenta mais como razoável ou em consonância como
ns valores matrizes do Estado Democrático de Direito, sendo o caso da sua eli­
minação do sistema na medida em que fere o princípio da isonomia constitucio­
nal. Não obstante, entendendo que o discrímen ainda é razoável e compatível
i iimo o sistema constitucional, mas que não guarda a devida adequação com o
fator de desigualdade, o Governo apresentou proposta de alteração, mitigando
a amplitude dos prazos previstos com a seguinte redação: Art. 188. Computar-
se-á em dobro o prazo para contestar, quando a parte for a Fazenda Pública
nu o Ministério Público, ou estiver assistida pela Defensoria Pública. Parágrafo
único. O prazo em dobro não se aplica quando houver prazo destinado especi­
ficamente à Fazenda, ao Ministério Público ou à Defensoria Pública. Em meio
ii tanta polêmica preferimos cerrar fileira com os que entendem que, em face
da atual realidade brasileira, há necessidade de instituir tratamento diferen-
• iado para a Fazenda e para o Ministério Público, situação compatível com o
listado Democrático de Direitos, mas que não há adequação entre o discrímen
c o fator de desigualdade. Isso porque os entes públicos devem estar aparelha­
dos para prestar m serviços de excelência, o que ainda não acontece em alguns
setores do Estado. Uma alteração abrupta nesta situação poderia gerar o caos,
iendo pequeno o prazo de um ano para que possa ocorrer uma adaptação ade­
quada ao novo sistema proposto. O art. 188, do CPC, portanto, na redação
atual, fere o princípio da isonomia, devendo ocorrer uma adequação entre o
discrímen eleito e o fator de desigualdade, com a aprovação da nova redação
proposta pelo governo. Posteriormente, num segundo momento, com o Estado
já devidamente organizado, será outra a realidade, momento cm que será pos
sível a supressão por inteiro do prazo diferenciado.". v' '
Essas considerações, que datam de 2008, agora merecem uma nova con
clusão, isso tendo em vista o momento institucional e político que vivemos,
bastante favorável a implantação de reformas. Ocorre que o Estado, infe
lizmente, tem se demonstrado inerte e absolutamente inoperante, a não ser
quando pressionado ou obrigado, pela via judicial, a tomar as condutas que
deveria tomar espontaneamente. Daí a razão pela qual não acreditamos mais
que uma fase de adaptação seja adequada, sob pena de tornar o provisório
em definitivo, mais uma vez em prejuízo dos consumidores da tutela juris
dicional; sendo o caso de supressão do eterno privilégio da fazenda do prazo
diferenciado, em prejuízo ao Estado Democrático de Direito.
Perdida a oportunidade, pois, com a simples eliminação do art. 183, do
CPC, de proceder à reforma a tanto tempo aguardada, espera-se que nos
sos Tribunais Superiores assumam a sua verdadeira função e reconheçam a
inconstitucionalidade do preceito, que fere o Princípio da Isonomia, levando
a concretização dos ideais estampados na Constituição da República.
Por fim, havia agido muito bem nosso legislador ao prever, no art. 103,
§2°, do Projeto de Lei do Senado n° 166, que “As verbas sucumbenciais recebi­
das em decorrência da atuação dos advogados públicos, inclusive quando deví
das por quaisquer entes públicos, serão destinadas ao fundo respectivo, para
o fim exclusivo de aparelhamento do órgão e capacitação profissional de seus
membros e servidores.”. Com isso se resolvia questão que se apresentava bas­
tante polêmica acerca da destinação de tais verbas, por vezes bastante altas
e que acabavam por enriquecer o advogado em detrimento do próprio inte
resse público em aparelhar e melhorar sua carreira. Porém, no atual art. 183,
do CPC, houve a supressão dessa regra tão salutar, mantendo-se a polêmica
antes existente, isso em favor do corporativismo e em detrimento do interesse
público, tão desprestigiado nos dias atuais.

5,5 OLIVEIRA NETO, Olavo, COZZOLINO DE OLIVEIRA, Patrícia Elias. P r in c ip io d a I s o n o m ia . In


P r in c íp io s p ro c essu a is civis n a C o n s titu iç ã o . Coord. OLIVEIRA NETO, Olavo de e LOPES, Maria
Elizabeth de Castro. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008.
14.5. Defensoria Pública.

14.5.1. Generalidades.
Nenhum brasileiro desconhece a situação social pela qual atravessamos,
cm que a economia evolui, mas a igualdade social continua relegada a um
segundo plano. Numa rápida consulta na internet, encontramos na Wikipédia
.1 informação de que “O Brasil não é um país pobre, mas um país extrema­
mente desigual. Segundo pesquisa, em 2011 havia 8,5% da população brasi­
leira vivendo em fam ílias com renda inferior à linha de indigência e 15,1%,
com renda inferior à linha da pobreza. Isso corresponde a 16 e 25 milhões
ile pessoas respectivamente. [...] O Governo Federal adota como medida de
extrema pobreza fam iliar rendimentos mensais abaixo dc R$ 70 por pessoa.”.596
lim outros termos, quase um quarto da população brasileira ainda vive em
extrema pobreza, sendo enorme o contigente daqueles que não são classifica­
dos como integrantes desta categoria, mas pode ser considerados pobres para
o efeito de obter uma assistência jurídica integral.
Diante desse enorme contingente, que com certeza representa a maioria
da população brasileira, seria de se esperar que o Estado cumprisse de modo
sério sua função ao invés de “fingir que o fa z ”, pois ao que nos parece e com
o devido respeito, para a classe política os pobres somente são importantes às
vésperas da eleição. O Estado deveria criar e fortalecer as diversas defensorias
públicas, permitindo que pudessem desenvolver seus objetivos institucionais
e, com isso, atuar como um verdadeiro instrumento para a concretização dos
auspícios traçados em nossa Constituição da República, isso para a verdadeira
implantação de um Estado Demnocrático de Direito.
Porém, infelizmente, não é isso que acontece. Ao tratar do tema observa
Cassio Scarpinella Bucno que “Um exemplo parece ser bastante iliustrativo a
respeito. Não obstante a determinação constante do art. 134 da Constituição
Federal, alguns Estados-membros demoraram mais de uma década e meia
para a criação e a instalação de suas defensorias públicas.";59' enquanto aler­
tou Patrícia Elias Cozzolino de Oliveira, em 2006, que “Na atualidade, ape-

http://pt.wikipedia.org. Capturado em 31.01.2013.


w BUENO, Cassio Scarpinella. C u r s o s i s t e m a t i z a d o d e d ir e ito p r o c e ss u a l c iv il. 6* ed.. São Paulo:
Saraiva, 2012. v. 1, p. 279.
nas os Estados de Cu)ias, Santa Catarina e São Paulo nao possuem Defensor ia
Pública, e o Paraná ainda não a institucionalizou. Na maioria dos Estados du
federação, a defensoria pública é instituição recente, com 13 anos de existência,
em média. A mais antiga é a defensoria estadual do Rio de Janeiro, criada em
1954. As características da defensoria pública brasileira são bastante heteroge
neas, registrando as comarcas não-atendidas pela Defensoria Pública os pio
res indicadores sociais. De fato, os estados que menos investem na defensoria
pública são, em geral, aqueles que ostentam os piores índices de desenvolví
mento humano.”.*9*
Real mente, passou a hora de tratar com seriedade a questão, fazendo com
que as diversas Defensorias Públicas sejam devidamente aparelhadas e que
possam atender a população da maneira mais adequada possível, o que poi
vezes não se dá apenas por conta da falta de recursos humanos e materiais
necessários. Deve-se observar que não é por acaso que a redação do art. 134,
da Constituição da República, que trata da Defensoria Pública, tem uma red.i
çào bastante aproximada do art. 127, que trata do Ministério Público. Daí ,i
razão pela qual o regime jurídico de ambas as instituições deveria, em tese,
ser semelhante, sendo diferentes apenas a sua organização e as funções que
exercem.
Nesse sentido, ainda, cabe observar que os princípios institucionais do
ministério público (art. 127, §1°, da CR) são os mesmos princípios institicio
nais da defensoria pública (art. 3o, da Lei Complementar); e, que ambas as
instituições gozam de autonomia funcional e administrativa, bem como da
iniciativa de suas respectivas propostas orçamentárias, dentro dos limite!»
estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias.
Nada obtante, ainda há muito a ser feito para que a defensoria pública,
assim como aconteceu com o ministério público, se liberte da influência dos
poderes do Estado, deixando ser lesgens du roi, para se tornar uma instituição
independente como projeta a nossa Constitiuição.

O L IV E IR A , P a t r íc ia E lia s C o z z o l i n o d e . U m o l h a r s o b r e a d e fe n s o r ia p ú b l i c a - in s tr u m e n to dt
ig u a ld a d e n o e s ta d o d e m o c r á tic o d e d ir e ito b r a s ile ir o . I n R e v i s t a D is c e n te I n t e r i n s ti t u c i o n a l . Fln
r i a n ó p o l is / S C , V o lu m e 1, N ú m e r o 1, j a n / i u n 2 0 0 6 . p . 3 3 6 .

À
14.5.2. Princípios institucionais e objetivos.
A Lei Complementar 80, de 12.01.1994, alterada pela Lei Complementar
142, de 07.10.2009, disciplina a organização e a atuação das defensorias públi­
cas da União e dos Estados, relacionando em seus primeiros artigos quais são
os seus princípios institucionais e os seus objetivos enquanto instituição.
Nesse passo, dispõe seu art. 3o que “São princípios institucionais da Defen­
soria Pública a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional.”; o
que significa afirm ar que cada defensor, mesmo quando age individualmente,
pratica um ato como se fosse a própria instituição; que um defensor pode
substituir o outro sem que ocorra alteração da representação processual, e,
que o defensor possui plena independência de atuação, não estando sua opi­
nião sujeita a uma “opinião institucional”, a ingerências dos órgãos superiores
da sua respectiva carreira ou a influência de quem quer que seja.
No que toca aos seus objetivos, dispõe o art. 3°-A que “São objetivos da
Defensoria Pública: I - a primazia da dignidade da pessoa humana e a redu­
ção das desigualdades sociais; II - a afirmação do Estado Democrático de
Direito; III - a prevalência e efetividade dos direitos humanos; e IV-agarantia
dos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório.” Tal con­
junto de objetivos demonstra o acerto da afirmação de Patrícia Elias Cozzo-
lino de Oliveira, para quem “...o fortalecimento da Defensoria Pública é con­
dição indispensável para a efetivação da igualdade legal e para a realização
dos direitos no plano concreto. É verdadeira imposição da democracia a efetiva
implementação da instituição, visando o fortalecimento de um estado que prio­
rize o acesso à Justiça para os cidadãos carentes.”.*99
Realmente, tais objetivos estão intimamente ligados a real efetividade dos
direitos fundamentais, o que só poderá acontecer, para a população brasileira,
a partir de uma assistência jurídica integral e gratuita.
13.5.3. Atuação.
Devido ao fato de que a defensoria pública trabalha em prol da população
carente, há uma ideia errônea de que seu âmbito de atuação estaria limitado
àqueles processos em que o magistrado defere o pedido de gratuidade, quando
a parte não está representada por um advogado particular. Essa visão limita

Idem. p. 340.

L.
a atuação da instituição, que em verdade possui um vasto campo de atuação,
balizado pela prestação de assistência jurídica integral e gratuita, termo nem
sempre compreendido no seu exato significado.
A esse respeito esclarece patrícia Elias Cozzolino de Oliveira que “no>
dias atuais ainda se observa confusão entre os conceitos de assistência ju rl
dica, assistência judiciária e justiça gratuita. Motivo pelo qual vale referir o
entendimento de Cláudia Maria Costa Gonçalves: Justiça Gratuita - que sc
relaciona com à dispensa das despesas processuais e extraprocessuais, desde
que as últimas sejam necessárias ao perfeito andamento do processo, ou seja.
ao devido processo legal; Assistência Judiciária - engloba o serviços gratuita
de representação, em juízo, da parte que requer e tem deferida a citada assis
tência; Assistência Jurídica Integral e Gratuita - termo mais amplo, utilizada
pela atual Constituição (art. 5 o, LXXIV), que envolve não somente a assistência
judiciária, mas também a consultoria e a orientação jurídica. A assistência
jurídica englobará a esfera administrativa, tanto na área cível quanto na cri
minai, o que inclui os recursos administrativos, acompanhamento do inquérito,
acompanhamento da lavratura do auto de prisão em flagrante delito e atendí
mento jurídico carcerário, entre outros.”.600
Nesse passo, embora o art. 185, do CPC, se limite a dizer que a Defensoria
Pública exercerá a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a
defesa dos direitos individuais e coletivos dos necessitados, em todos os graus,
de forma integral e gratuita, de fato suas atribuições são bem mais amplas,
estando devidamente especificadas nos vinte e dois incisos do art. 4o, da Lei
Complementar 80.MI

m Ibidem. p. 329.
Art. 4o São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras: I - prestar orientação
jurídica e exercer a defesa dos necessitados, em todos os graus; II - promover, prioritariamente. .1
solução extrajudicial dos litígios, visando à composição entre as pessoas cm condito de interesses,
por meio de mediação, conciliação, arbitragem e demais técnicas de composição e administração
de conflitos; III - promover a difusão e a conscientização dos direitos humanos, da cidadania r
do ordenamento juridico; IV - prestar atendimento interdisciplinar, por meio de órgãos ou de
servidores de suas Carreiras de apoio para o exercício de suas atribuições; V - exercer, mediante
0 recebimento dos autos com vista, a ampla defesa e o contraditório em favor de pessoas natu

rais e jurídicas, em processos administrativos e judiciais, perante todos os órgãos e em todas


as instâncias, ordinárias ou extraordinárias, utilizando todas as medidas capazes de propiciar .1
adequada e efetiva defesa de seus interesses; VI - representar aos sistemas internacionais de pro
teção dos direitos humanos, postulando perante seus órgãos; VII - promover ação civil públn .1
e todas as espécies de ações capazes de propiciar a adequada tutela dos direitos difusos, coletivo»
Nào bastasse essa imensa gama de atribuições,6"2 que podem inclusive ser
exercidas contra as diversas Pessoas jurídicas de Direito Público, ainda não
se pode deixar de observar que muitas vezes há necessidade de mais de um
defensor atuando no mesmo processo, seja ele cível, seja ele criminal. Isso
ocorre, por exemplo, quanto tanto o autor quanto o réu de um processo civil
necessitam de assistência judiciária, o que fará com que cada um seja repre­
sentado por um defensor público; ou, em processo crime, quando há mais de
um réu e ocorre incompatibilidade entre as teses defensivas.
Em razão dessa carga de atribuições optou a lei por conferir ao defensor
público o benefício do prazo em dobro para todas as suas manifestações pro­
cessuais (art. 186, do CPC), fixando como termo a quo a sua intimação pes­
soal. Além disso, por se tratar de uma carreira de Estado, em que o ato de
nomeação do defensor é publicado pela imprensa oficial, não há necessidade

ou individuais homogêneos quando o resultado da demanda puder beneficiar grupo de pessoas


hipossuficientes; VIII - exercer a defesa dos direitos e interesses individuais, difusos, coletivos e
individuais homogêneos e dos direitos do consumidor, na forma do inciso I.XXIV do art. 5° da
Constituição Federal; IX - impetrar habeas corpus. mandado de injunção, habeas data e mandado
de segurança ou qualquer outra ação em defesa das funções institucionais e prerrogativas de seus
órgãos de execução; X - promover a mais ampla defesa dos direitos fundamentais dos necessita­
dos, abrangendo seus direitos individuais, coletivos, sociais, econômicos, culturais e ambientais,
sendo admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela; XI
- exercer a defesa dos interesses individuais e coletivos da criança e do adolescente, do idoso, da
pessoa portadora de necessidades especiais, da mulher vítima de violência doméstica e familiar e
de outros grupos sociais vulneráveis que mereçam proteção especial do Estado; XII - (VETADO);
XIII - (VF.TADO); XIV - acompanhar inquérito policial, inclusive com a comunicação imediata
da prisão em flagrante pela autoridade policial, quando o preso não constituir advogado; XV -
patrocinar ação penal privada e a subsidiária da pública; XVI - exercer a curadoria especial nos
casos previstos em lei; XVII - atuar nos estabelecimentos policiais, penitenciários e de internação
de adolescentes, visando a assegurar às pessoas, sob quaisquer circunstâncias, o exercício pleno
de seus direitos e garantias fundamentais; XV111 - atuar na preservação e reparação dos direitos
de pessoas vítimas de tortura, abusos sexuais, discriminação ou qualquer outra forma de opressão
ou violência, propiciando o acompanhamento e o atendimento interdisciplinar das vitimas; XIX
- atuar nos Juizados Especiais; XX - participar, quando tiver assento, dos conselhos federais,
estaduais e municipais afetos às funções institucionais da Defensoria Pública, respeitadas as atri­
buições de seus ramos; XXI - executar e receber as verbas sucumbenciais decorrentes de sua
atuação, inclusive quando devidas por quaisquer entes públicos, destinando-as a fundos geridos
pela Defensoria Pública e destinados, exclusivamente, ao aparelhamento da Defensoria Pública
e à capacitação profissional de seus membros e servidores; XXII - convocar audiências públicas
para discutir matérias relacionadas às suas funções institucionais.
M! LC 8 0 /9 4 . Art. 4o. ... $ 2“As funções institucionais da Defensoria Pública serão exercidas inclusive
contra as Pessoas Jurídicas de Direito Público.
da juntada de procuração para a representação do seu assistido no processo, 07. Como se conta o prazo para as manifestações processuais da fazendo
uma vez que esta decorre ope legis. pública?
Diante desse perfil institucional existem duas questões que suscitam acn 08. Como se contam os prazos nas manifestações do defensor público?
rados debates com relação à defensoria pública, sendo a primeira relativa u 09. Qual destino deve ser dado à verba honorária quando vencedor da
estabelecer se o defensor conserva ou não a sua qualidade de advogado, tendo demanda pessoa assistida pela defensoria pública?
por isso que estar regularmente inscrito junto a Ordem dos Advogados do
Brasil, ou se seu cargo o dispensa da inscrição, que deverá ficar suspensa
enquanto ele exerce sua atividade. Nesse aspecto cerramos fileiras com aque Planificação para aula
les que entendem que o defensor público, porque integrante de uma carreira
01. MAGISTRATURA
de Estado, não exerce advocacia e, portanto, sua inscrição junto a OAB deverá
ficar suspensa enquanto exercer tal função. Objetivo - Conjunto de atribuições legais

A segunda questão está ligada a destinação que deve ser dada aos honorá a) Órgão judicial
rios de sucumbência nos processos em que o assistido da defensoria pública Subjetivo - Pessoa que exerce as atribuições
é vencedor. Aqui, com o devido respeito às posições contrárias, parece sei
juridicamente impossível sustentar que a verba de sucumbência deve ser par
Colegiados
tilhada entre todos os defensores, como se fosse parte integrante dos seus ven
cimentos. Isso porque o art. 135, da Constituição da República, é expresso - Composição
ao indicar que o defensor público recebe subsídios na forma do art. 39, §4", Unipessoais
o que o impede receber os honorários a título de remuneração. Esses valo
- Comum
res, portanto, devem ser destinados ao aparelhamento da própria defensoria
e ao aprimoramento funcional dos defensores públicos e dos funcionários da - Justiça Federal
instituição. - Especializada
- Divisão
Verificação de Aprendizagem - Justiça Estadual

01. Defina órgão judicial no sentido objetivo e no sentido subjetivo.


02. Como se classifica o órgão judicial quanto a sua composição? - Inamovibilidade

03. Quais as garantias constitucionais da magistratura? Explique cada uma b) Garantias - Vitaliciedade
delas. - Irredutibilidade de vencimentos
04. Quais os princípios que regem a atividade do juiz? - “Dominus processus”
05. O incidente de impedimento do magistrado suspende o curso do c) Princípios - Indeclinabilidade da jurisdição
processo? - Legalidade
06. Quais são os princípios institucionais do Ministério Público? - Responsabilidade
d) Parcialidade
Impedimento (art. 144) e Suspeição (art. 145).
- Hipóteses de cabimento.
Forma de arguição - Incidente processual.
02. AUXILIARES DA JUSTIÇA.
- O escrivão, o chefe de secretaria, o oficial de justiça, o perito, o depositário, o
administrador, o intérprete, o tradutor, o mediador, o conciliador judicial
e outros auxiliares da Justiça.
03. MINISTÉRIO PÚBLICO.
- General idades: evolução h istór ica, natu reza ju ríd ica, defi n ição e classificação,

- Princípios institucionais: a) unidade, b) indivisibilidade e c) autonomia


funcional.
- Atribuições no juízo cível:
- Parte (art. 177)
- Tradicional - Auxiliar da parte
- Fiscal da ordem jurídica (fiscal da lei - art. 178)
Em defesa de interesse público determinado
- Segundo Greco atua
Em defesa de interesse público indeterminado
04. ADVOCACIA PÚBLICA.
- Atividade (art. 182) e prazo diferenciado (art. 183).
05. DEFENSORIA PÚBLICA.
- Defensoria pública e estado Democrático de direito.

- Princípios institucionais: a) unidade, b) indivisibilidade e c) autonomia


funcional.
- Atuação - Assistência jurídica integral e gratuita.
Atividade do defensor público e advocacia.
Destinação da verba honorária em feito em que atua o defensor público.

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THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 47“ ed..
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15. TEORIA GERAL
DOS ATOS PROCESSUAIS

15.1. Noções gerais. 15.2. Princípios. 15.3. Classificação, a) Atos da parle, b) Atos do
juiz. c) Atos dos auxiliares da Justiça. 15.4. Lugar dos atos processuais. 15.5. Flexibili­
zação do procedimento.

15.1. Noções gerais.


Sob o aspecto analítico já tivemos a oportunidade de salientar que o pro­
cesso nada mais é do que um conjunto de atos processuais, praticados de
modo à obtenção de uma sentença de acertamento da relação jurídica de
direito material controvertida ou com vista à satisfação de uma determinada
obrigação. Daí a razão pela qual assume enorme importância o estudo do ato
processual e da maneira pela qual deve ser praticado.
Segundo a doutrina clássica acerca da matéria, afirma Moacyr Amaral
Santos que “Atos processuais são atos do processo. A relação jurídica processual
que se contém no processo se reflete em atos. São atos processuais os atos que
têm importância jurídica para a relação processual, isto é, aqueles atos que têm
por efeito a constituição, a conservação, o desenvolvimento, a modificação ou
cessação da relação processual.”.603 Já José Frederico Marques asseverou que
‘Ato processual é aquele praticado no processo e que para este tem relevância
jurídica. O processo forma-se, desenvolve-se e finda-se através de vários atos
praticados pelos sujeitos que dele participam, e que são os atos processuais.
Estes atos constituem espécie dos atos jurídicos em geral, distinguindo-se por
um traço característico, que é o de pertencerem ao processo, e de produzirem
efeitos diretos e imediatos sobre a relação processual, porquanto são eles que a
constituem, movimentam e encerram.”.604
Diante de tais ponderações e tendo em vista que aquele que pratica um
ato processual assim o faz com a finalidade de obter uma determinada *40

M: SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. 25* e.. São Paulo: Saraiva,
2007. v.l, p. 285.
404 MARQUES, José Frederico. Manual de direito processual civil. 9* e.. São Paulo: Saraiva,, 1982. v. 1.
p. 313.
consequência no bojo do processo, cremos ser possível definir ato processual
como o ato praticado por um dos sujeitos processuais, com a finalidade d<
criar, modificar ou extinguir o processo.
Ksses atos processuais, segundo os ensinamentos de Lopes da Costa"'",
expostos de maneira mais didática por Moacyr Amaral Santos606, apresentam
três características próprias, que são as seguintes: a) não se apresentam isola
damente; b) os atos se ligam pela unidade do escopo; e, c) são interdependentes
Realmente, não há como pensar na prática de um ato processual de forma
isolada. Um ato de citação, uma decisão de saneamento ou a interposiçáo de
um recurso nada significam por si só, a não ser que estejam encartados numa
perspectiva maior, que é o conjunto dos atos processuais. Isso se dá porque
a prática de um determinado ato processual somente se justifica na medida
em que integra e serve ao todo, visando um mesmo e comum destino. Em
linguagem coloquial, o ato processual esta para o processo assim como o elo
esta para a corrente. Sem o conjunto dos elos não se forma a corrente, mas o
elo isoladamente não tem razão de existir, sendo nenhuma a sua utilidade.
Não basta, entretanto, a existência de um conjunto de atos processuais se
estes não se prestam ao atendimento de uma mesma finalidade, que é a decla­
ração do direito ou a satisfação de uma obrigação ou dever não adimplidos.
Daí a razão pela qual os atos processuais se reúnem em razão da existên­
cia de uma mesma finalidade, sendo os que não se destinam a tal desiderato
irrelevantes.
Por fim, além de não se apresentarem de forma isolada e de se ligarem pela
unidade do escopo, os atos processuais ainda devem ser interdependentes, isto
é, a prática de um determinado ato pressupõe a prática do ato que lhe é ime­
diatamente anterior e permite a prática do ato que lhe é posterior no curso
do procedimento. A quebra desta interdependência, por expressa disposição
legal ou se dela resultar prejuízo, poderá implicar a nulidade do processo em
razão da ocorrência de erro in procedendo. Nesse passo, após o recebimento da
contestação, contendo ela preliminares, deverá ser o autor intimado para falar
em réplica, para então adentrar o juiz na fase das providências preliminares.

I.OPES DA COSTA, Alfredo Araújo. D ir e ito p r o c e s s u a l c iv il b ra s ile ir o . 2 ‘ e .. Rio de Janeiro:


Forense, 1959. p. 111-112.
SANTOS, p. 286.
W. nwmn vfcnm. Mv/mw4 i ii w u ^Jwni>>

Cassada da contestação diretamente para as providências preliminares estará


interrompido o iter procedimental, quebrando-se a interdependência e dando
ensejo, eventualmente, a decretação da nulidade do feito.
Por sua vez, quando se fala em forma do ato processual, o que se pretende
é indicar a maneira pela qual o ato é praticado. A petição inicial e a sentença,
dentre outros, são atos escritos, enquanto a advertência acerca da prática do
crime de falso testemunho, feita antes da inquirição da testemunha, é um ato
processual oral, embora seja documentada a sua prática no termo de oitiva
da testemunha. A importância que se dá à forma do ato processual e mesmo
do ato jurídico foi sendo abrandada com o passar do tempo, evoluindo do
formalismo exacerbado (Direito Romano) para a liberdade das formas;607 não
dependendo a prática do ato processual, em regra geral, de uma forma deter­
minada para que possa ser considerado existente ou válido (art. 188, do CPC).

15.2. Princípios.
Vários são os princípios relativos aos atos processuais, individualizados por
Moacyr Amaral Santos608 em cinco espécies diversas: a) princípio da liberdade
das formas, b) princípio da instrumentalidade; c) princípio da documentação;
d) princípio da publicidade; e, e) princípio da obrigatoriedade do vernáculo.
O princípio da liberdade das formas, como acima se observou, nada mais
é do que uma evolução quanto à prática dos atos do processo, que deixou de
lado a preocupação excessiva com o aspecto formal para dar maior impor­
tância ao seu conteúdo. Daí, repetindo o que já era estabelecido pelo art. 154,
do CPC de 1973, a parte inicial do art. 188, do CPC, dispõe que todos os atos
processuais não dependem de uma forma determinada, a não ser quando a lei
expressamente a exigir.

P O N T E S DF. M I R A N D A , F r a n c i s c o C a v a l c a n t i . C o m e n t á r i o s a o c ó d ig o d e p r o c e s s o c iv il. 2* e.. R io


d e l a n e i r o : F o r e n s e , 1974. T o m o I II , p . 5 9 - 6 0 . I n t e r e s s a n te a r e s p e i t o d o t e m a a s e g u i n t e l i n g u a g e m
e m p r e g a d a p e l o a u t o r : “O c o n t e ú d o d a s d u a s p r o p o s iç õ e s p õ e , c o m s u fi c i e n t e c la r id a d e , q u e se d i s ­
p e n s a m a s f o r m a s ta b e la r e s , a s f ó r m u l a s e n fá tic a s , s o le n e s , c o m q u e a p r á tic a m e d i e v a l e d i n á s t i c a
c o n s e r v a v a o u c r ia v a o f o r m a l i s m o d o s e u r e m a s . O to m d e m a s i a d o a u s te r o , c o m q u e se p a r e c ia
d e c i d i r d e d e s tin o s , a o se r e d ig ir e m a s e s c r itu r a s , c o r r e s p o n d e n te s à c iv iliz a ç ã o p r é - t è c n i c a , p r è - i n -
d u s t r i a l , e m q u e , s e n d o o p r í n c ip e t i t u l a r d e d ir e ito p r iv a d o , a s lim ita ç õ e s a o s e u p o d e r b o n itá r io , à s
s u a s te r r a s , s e r e v e s tia m d e g r a v e a c e r t a m e n t o n a s c o n c e s s õ e s o u c r ia ç ã o d e r e la ç õ e s j u r í d i c a s " .
Mia
I d e m , p. 2 8 7 -2 9 0 .
Nada obstante, ajjjste razão a E. D. Moniz Aragáo ao observar que a liboi
dade das formas nàoé absoluta, não podendo aquele que pratica o ato pro
cessual fazê-lo sem i observância de alguns requisitos mínimos que deco
rem do próprio sistema, como o uso de uma linguagem clara a inteligível, poi
exemplo. Sobre tais limitações assevera o autor que “Adota a lei o princípio
da forma livre. Todavia, mesmo dizendo que os atos não dependem de forma,
tem-se de admitir que essa franquia não vai ao ponto de isentar o seu autot
de qualquer limitação. Atos orais, evidentemente, ficam sujeitos apenas a con
ter o mínimo indispensável à sua compreensão. Mas constituem minoria. Atos
escritos, porém, ficam subordinados a regras mais severas, pois hão de conter o
indispensável não só àsua compreensão como a alcançarem a finalidade a que
visam. O que a lei dispensa é a forma sacramental, tabelioa, por assim dizer.
Não há um rito a seguir, um modelo a copiar. Nem por isso, contudo, fica o
redator livre de qualcjiier restrição,”.6OT
Aliás, quando estiver completamente implantado o processo eletrônico e
não mais existirem autos físicos, acreditamos que a forma do ato processual
voltará a ser exacerbada, na medida em que o sujeito processual não conse­
guirá praticar um ato processual a não ser na forma que o sistema de infor
mática permitir que ele o faça; a não ser quanto aos atos referentes a colheita
da prova oral, que poderão ser praticados de uma maneira menos atrelada a
forma prevista em lei.
Embora tal circunstância possa parecer um retrocesso, o fato é que se pre­
tende que o iter processual seja idêntico em qualquer local do País (art. 196,
do CPC), situação que permitirá aos patronos das partes patrocinar um feito
em local distante do quaj estão, situação absolutamente nova e que causará,
cremos, uma revolução quanto a forma do exercício da advocacia. Afinal, um
advogado de Porto A]ggre_RS terá livre e imediato acesso aos “autos virtuais"
de um processo que tramita em Natal-RN, podendo patrocinar tal causa sem
que isso lhe cause os transtornos e despesas decorrentes de uma locomoção
até o outro extremo do País, seja em primeiro grau ou em grau de recurso,
inclusive nos Tribunais Superiores.
Com a completa implantação do processo digital é possível vislumbrar,
ainda, embora tal afirmação não passe de um exercício de adivinhação, que

MONIZ DEARAGÀO, E.D.. C o m e n tá r io s a o c ó d ig o d e p r o c e s s o c iv il. 6‘ e. Rio de laneiro: Forense,


1989. Vol. II P- 23-24.
num futuro não muito distante os grandes conglomerados (bancos, empresas
de telefonia, redes de lojas, etc) terão departamentos jurídicos gigantescos e
baseados em grandes centros urbanos, de onde se fará a propositura e defesa
tias ações em que litigam, sem que o advogado tenha necessariamente que sair
de sua mesa para praticar todos os atos processuais necessários à tramitação
dos processos.
O segundo princípio que regula a prática dos atos processuais é o da ins-
trumentalidade das formas, que pode ser observado numa interpretação con­
junta da parte final do art. 188 c.c. o art. 277, ambos do CPC. Isso porque
ambos os preceitos, o primeiro constante do capítulo relativo à forma do ato
e o segundo constante do capítulo relativo às nulidades processuais, indicam
que o ato deverá ser reputado válido quando, embora não obedecida à forma
prescrita em lei, atingir a finalidade ao qual se destina. Nítida aqui a opção
da lei em prestigiar o conteúdo do ato em detrimento do seu aspecto formal,
situação que vai ao encontro dos novos paradigmas do direito processual civil,
em especial quanto ao caráter instrumental do processo.
Por sua vez, embora se diga que o processo ideal deva seguir o princípio
da oralidade, na medida em que isso implicaria a simplificação das formas,
não se pode negar que o nosso processo é eminentemente formado por atos
processuais escritos e que, mesmo quando se trata de atos produzidos oral­
mente, como a colheita da prova testemunhai, há necessidade de documentar
a prática do ato com a finalidade de que não se perca o seu conteúdo, o que é
essencial em caso da interposiçào de recurso de decisão embasada nestes atos
processuais. É por isso que o terceiro princípio aqui tratado é o princípio da
documentação, segundo o qual os atos processuais devem necessariamente
ser documentados.
Essa documentação, segundo Frederico Marques, se dá mediante um
termo processual, que “Termo processual em sentido lato é o ato escrito lavrado
por funcionário ou servidor do juízo, no procedimento, para documentar e fo r­
malizar declarações de vontade e atos processuais complexos, bem como assi­
nalar datas e passagens do andamento e curso do processo. Em sentido estrito,
o termo processual é ato escrito simples, redigido pelo escrivão, para o qual não
prevê a lei conteúdo especificado.”.610 Em outros termos, o termo processual

610
MARQUES, p. 336.
nada maiiido qUC a documentação do ato processual realizada por um fun
cionário dopoder Judiciário.
Quanto o ato processual é praticado no interior das dependências da uni­
dade judiciaria a denominação utilizada mantém a terminologia “termo". Por
tanto, quando o executado comparece ao fórum e oferece um bem à penhora,
o funcionário lavrará um termo de penhora. O mesmo acontece com o termo
de audiência ou com o termo de caução. Porém, se o ato é praticado fora das
dependências da unidade judiciária, a ele se dá a denominação de “auto”,
como acontece com o auto de penhora, que é lavrado pelo oficial de justiça
que efetiva a penhora em bem que se encontra na residência do executado.
Ambos não se confundem com a “ata", que é a descrição dos atos processuais
praticados em reuniões de órgãos colegiados (v.g. ata da 22a reunião do Tri­
bunal do Júrj da Comarca de Palmital), e com os autos, que é a reunião dos
termos e dos atos processuais escritos que formam o processo.
O quarto princípio que regula a prática dos atos processuais é o princípio
da publicidade, que já foi abordado quando do estudo dos princípios proces­
suais inseridos na Constituição da República. Na ocasião, tivemos a oportu­
nidade de salientar que a publicidade é essencial para a efetivação dos ideais
democrático^ permitindo a fiscalização da atividade jurisdicional por todos,
e não é difundida e amplamente aceita apenas no Brasil, mas se trata de uma
tendência natural de todos aqueles países que repudiam o arbítrio acobertado
pela prática de atos secretos. Não bastasse, para que ocorra o efetivo respeito
ao Principio do Contraditório, a publicidade do ato processual é imprescin­
dível, pois sem ela as partes não terão a possibilidade de exercer a faculdade
de reagir a üma conduta da parte adversa, simplesmente porque não terão
conhecimento da sua prática.
Essa publicidade, entretanto, pode sofrer pequenas limitações que em
nossa legislaçao infraconstitucional estão em parte disciplinadas pelos incisos
do art. 189, d0 CPC, onde consta a regra geral de que todos os atos processu­
ais serão públicos, para em seguida apresentar quais são as exceções. Esta ali
disposto que serão objeto de segredo de justiça os processos em que o exigir o
interesse publico ou social; que versam sobre casamento, separação de corpos,
divórcio, união estável, filiação, alimentos e guarda de crianças e adolescentes;
em que con$tem dados protegidos pelo direito constitucional á intimidade; e,
que versam sobre arbitragem, inclusive sobre cumprimento de carta arbitrai,
desde que a confidencialidade estipulada na arbitragem seja comprovada
perante o juízo.
A primeira hipótese exige que o magistrado realize um juízo de valor para
indicar onde reside o interesse público no caso concreto, fundamentando
de forma adequada a decisão que atribui ao processo o segredo de justiça.
São inúmeras e variadas as hipóteses em que pode existir interesse de que
os dados do processo não sejam divulgados, pois poderão causar inquieta­
ção na população ou prejudicar investigação criminal, dentre outras variadas
situações. Também se amolda a esta hipótese a proteção às celebridades e às
autoridades, que em razão da fama e do conhecimento público acabam por se
tornar alvos da curiosidade alheia. Por esse motivo, aliás, que o nosso sistema
constitucional é expresso ao vedar a publicidade na ação de impugnação de
mandato eletivo, dispondo no art. 14, §°11, da CR, que “a ação de impugnação
de mandato tramitará em segredo de justiça, respondendo o autor, na forma da
lei, se temerária ou de manifesta má-fé.”. Neste caso não existe opção ao juiz a
não ser, quando do recebimento do feito, decretar o segredo de justiça.
)á o art. 189, II, do CPC, confere proteção às causas de família ou que
envolvam criança ou adolescente, situações que se procura minimizar o dano
marginal que a propositura e tramitação de um processo possa causar as par­
tes. Prepondera aqui a proteção a intimidade da pessoa e ao desenvolvimento
psicológico adequado da criança e do adolescente, que não podem ter sua vida
devassada e exposta na comunidade onde vivem.
Por sua vez, o art. 155, do CPC de 1973, não previa as hipóteses agora cons­
tantes no art. 189, III e IV, do CPC, que tratam da proteção de dados sigilo­
sos e da proteção à cláusula de confidencialidade estipulada em arbitragem.
Na primeira situação, bastante comum quando vem ao processo cópia de
declaração de renda ou de extrato de movimentação bancária, o que se visa
é a preservação de dados protegidos pelo direito à intimidade; enquanto na
segunda situação o que se protege é, normalmente, dados de uma empresa ou
de uma marca, que pode sofrer publicidade negativa pelos dados constantes
do processo.
Decretado, por decisão fundamentada, o segredo de justiça, que vale tam ­
bém para o processo eletrônico (art. 194, do CPC), apenas as partes e seus
procuradores terão amplo acesso aos autos, embora possam os terceiros
interessados pleitear a expedições de certidões pontuais acerca do resultado
da demanda ou da partilha de bens (art. 189, §2°, do CPC).
Ainda em decorrência do princípio da publicidade, o Projeto da Câmara
dos Deputados pretendia inovar o CPC ao dispor, em seu art. 190, que o juiz
ou o relator deveríam dar “...publicidade ao comparecimento informal, junto
a ele, de qualquer das partes ou de seus representantes judiciais, ordenando o
imediato registro nos autos mediante termo, do qual constarão o dia e o horá­
rio da ocorrência, assim como os nomes de todas as pessoas que se fizeram
presentes.”.
Felizmente tal dispositivo acabou por ser excluído do texto pelo Senado
Federal. Com o devido respeito à opinião daqueles que enxergam fantasmas
por todos os lugares, tratava-se de dispositivo absolutamente dispensável, que
somente serviría para atrasar sobremaneira o trabalho do magistrado e do
cartório, cada vez mais sobrecarregados de funções burocráticas (relatórios,
pesquisas de endereços, pesquisas de ativos, etc...) e desviados de suas ativida­
des essenciais, que dizem respeito ao andamento e solução do processo. Basta
pensar na situação de um juiz que atua numa vara de família, localizada em
comarca de grande porte, onde o atendimento de advogados é uma constante
do dia a dia. No Fórum Central de São Paulo (Fórum João Mendes Junior),
por exemplo, um juiz de família atende, com certeza, mais de 10 pessoas por
dia, todos os dias da semana. Isso porque as causas de família são normal­
mente urgentes, em especial no que toca a alimentos e a prisão dele decor­
rente, obrigando os advogados a conversar com o magistrado para noticiar a
urgência dos pedidos que formulam. Se em todas essas oportunidades o juiz
estivesse obrigado a ordenar o “imediato ” registro nos autos, mediante lavra-
tura de termo acerca da ocorrência, com os inúmeros dados exigidos pelo
preceito, com certeza não faria outra coisa a não ser despachar as liminares,
os pedidos que exigem decisão urgente e elaborar termos com os registros de
“comparecimento informal” das partes e de seus procuradores.
Não bastasse, a norma era odiosa porque deixava bastante clara a descon­
fiança na honestidade do magistrado. Ou confiamos em nossos juizes, já fis­
calizados por inúmeros órgãos (CNJ, Corregedorias, imprensa), pelos advoga­
dos e pela própria população, ou vamos mudar o sistema e criar outra forma
de se prestar tutela jurisdicional, talvez com provas tarifadas e decisões profe­
ridas por um sistema de informática, sem a intervenção humana.
!•> ITOHWQtKAl IHAAIU^KUltiMJAh

Além disso, se o magistrado tinha o dever de lavrar esse termo e tam ­


bém tem o dever de racionalizar seu trabalho, despachando, sentenciando e
fazendo audiências, então surgiria um excelente argumento para que o magis­
trado não mais atendesse as partes e os advogados, a não ser em horários
previamente estabelecidos e por um curto período de tempo. De se festejar,
portanto, a exclusão deste preceito do texto que deu origem ao atual CPC.
O último dos princípios atinentes à prática dos atos processuais é o prin­
cípio da obrigatoriedade do vernáculo, ou seja, da obrigatoriedade do uso da
língua portuguesa quando da prática de um ato processual, objeto do art.
192, do CPC. Por isso não se admite a juntada de uma petição em língua
estrangeira ou a elaboração de um termo em outra língua que não seja a por­
tuguesa. Nada impede, entretanto, que os sujeitos processuais façam citações
em outros idiomas nas peças processuais, embora seja conveniente, mas não
obrigatório, que sempre venham acompanhadas da sua respectiva tradução.
A esse respeito, embora tratando de trabalhos acadêmicos, já tivemos a
oportunidade de afirmar que “Unia das questões mais delicadas em termos de
citação diz respeito à citação de textos em língua estrangeira, o que é situação
comum num trabalho jurídico, em que normalmente se consulta o direito com­
parado. [...] cremos que o texto original deve sempre aparecer no trabalho, seja
no próprio texto, seja em nota de rodapé. Isso porque nem sempre as traduções
encontradas correspondem exatamente àquilo que quis dizer o texto original,
devendo o leitor ter a oportunidade de efetuar sua própria tradução.’’.*'"
Ao contrário do que ocorre com as citações encartadas nas peças pro­
cessuais, os documentos redigidos em língua estrangeira somente poderão
ser juntados aos autos quando acompanhados da sua respectiva tradução, fir­
mada por tradutor juramentado. Por isso, a juntada de documentos em outras
línguas, inclusive de e-mail e de textos de literatura médica, cuja utilização é
bastante comum, deve ser desconsiderada pelo magistrado se não preenchido
o requisito legal, mesmo que domine a língua utilizada no documento apre­
sentado. Trata-se de imposição da lei que faz com que nenhuma consequência
prática possa se extrair do documento.

ui OLIVEIRA NETO, Olavo de. M a n u a l d e m o n o g r a fia j u r í d i c a . Sào Paulo: Q uartier Latin, 2007. p.
124-125.
•1*70 uvnum n r r v i c m u j n u nu im iim m n u i u r w t m m n i/u rn u \ n u ;

15.3. Classificação. ( )bservamos, ainda, que a classificação apresentada parece ser a mais ade­
quada porque os atos processuais, quanto ao seu conteúdo e finalidade, como
Não há unanimidade no que toca à classificação dos atos processual* M* verá, podem apresentar características atribuídas a várias das espécies
embora as posições dos autores possam ser reunidas em dois grandes grupo < i onstantes da classificação objetiva. Vejamos, pois, o perfil de cada um destes
os que classificam os atos pelo seu enfoque objetivo, que leva em conta \m Kpos de atos processuais.
conteúdo ou o momento em que é praticado; e, os que classificam os atos pelo
seu enfoque subjetivo, que leva em conta o sujeito processual que pratica o aln a) Atos da parte.
analisado. Nossa legislação optou pelo segundo enfoque, ao disciplinar na
Classificados os atos processuais praticados pelas partes pelas suas carac-
três seções que tratam do tema os atos das partes (art. 200 a 202), os pronun
ln isticas preponderantes, podemos agrupá-los como a) atos postulatórios, b)
ciamentos do juiz (art. 203 a 205) e os atos do escrivão (art. 206 a 211).
ilos dispositivos e c) atos instrutórios. Os atos postulatórios, cuja denomina-
Nesse passo, nada obstante as inúmeras classificações existentes, seguindo Siio deriva do verbo postular (pedir), se caracterizam porque visam formular o
a posição adotada pelo nosso código e por parte da doutrina, preferimos ado pedido de determinada providência no processo. Dentre eles podemos encon-
tar a seguinte planificação dos atos processuais: irar a petição inicial, os requerimentos diversos de juntada ou de vista dos
- postulatórios uitos ou os tão comuns, porém não aconselháveis, pedidos de reconsideração
das decisões. Isso porque o chamado pedido de reconsideração não tem pre­
- unilaterais
visão legal para a quase totalidade das hipóteses em que normalmente é utili­
- dispositivos zado, atrasando a prestação da tutela jurisdicional, em afronta ao princípio da
- bilaterais ideridade processual, e gerando a perda de prazo a interposição do recurso
- Das partes que se apresente como o cabível para a impugnação da decisão do magistrado,
0 que desaconselha sua utilização. O processo, com o devido respeito, não
- de alegação
pode andar na marcha à ré, com a análise por mais de uma vez das questões já
- instrutórios decididas e superadas nos autos. Não se conformando a parte com a decisão,
- probatórios deve interpor o recurso cabível à espécie.
- despachos Além dos atos postulatórios, as partes também praticam atos processuais
1hamados de dispositivos, já que visam especificamente dispor de um direito
- jurisdicionais - decisões interlocutórias
ou de uma faculdade processual, produzindo consequências práticas no curso
- sentenças do processo. Trata-se da hipótese em que uma das partes desiste da produ-
- Do juiz s*io de uma determinada prova ou do pedido de homologação do acordo que

- instrutórios i ntabularam. Tais atos, por força do disposto no art. 200, infine, do CPC, pro-
iluzem imediatamente a constituição, a modificação ou a extinção de direitos
- materiais
processuais; à exceção da desistência da ação, que somente produzirá efeitos
- documentação após a homologação por sentença (parágrafo único).
- movimentação Também por força do teor do citado preceito, que repete a redação do art.
- Dos auxiliares - documentação 158, do CPC de 1973, os atos dispositivos podem ser divididos em atos uni­
laterais e atos bilaterais. Enquanto estes exigem a participação de ambas as
- execução
n. irum« urum IXAAIUb ('KUCIóSUAIS 501

partes, aqueles podem ser praticados por apenas uma delas. Bom exemplo Seguindo o que já havia feito o art. 162, do CPC de 1973, nosso atual
desta distinção se encontra no art. 329, I, do CPC, segundo o qual o autoi diploma também optou por definir os pronunciamentos do juiz, aduzindo
poderá, de forma unilateral, alterar o pedido ou a causa de pedir, indepen que, salvo disposição em contrário, nos termos do art. 203, §1°, do CPC, a
dentemente do consentimento do réu, desde que o faça até a citação; mas pre sentença é o pronunciamento por meio do qual o juiz, com base nos art. 485
cisará do consentimento do réu para promover tais alterações entre a citação OU 487, põe fim ao processo ou a alguma de suas fases. Com isso nosso sistema
(I) e o saneamento do processo (II), o que caracteriza o ato processual como tentou resolver as imensas críticas dirigidas à definição original do CPC e
bilateral. ■Iquela imposta pela lei n° 11.232/05, que serão comentadas mais adiante. Em
Os atos processuais instrutórios, que se subdividem em atos de alegação « suma, na atualidade, a sentença extingue o processo com (art. 487) ou sem
atos probatórios, se destinam a instruir o feito, seja mediante a formulação dc (art. 485) resolução do mérito, ou, põe fim ao processo de execução ou a fase
alegações que venham influir na decisão judicial, seja mediante a comprova de cumprimento da sentença. Por isso, embora os exemplos sejam inúmeros,
ção de determ inado fato no bojo do processo. Quando a parte oferece alega são sentenças as decisões judiciais que indeferem uma petição inicial (art. 485,
ções finais ou quando se manifesta sobre documentos que vieram aos autos, I), as que extinguem o processo devido à ilegitimidade de parte (art. 485, VI),
ela está praticando atos instrutórios de alegação. Já quando a parte junta ao s as que acolhem ou rejeitam o pedido do autor (art. 487,1) e aquelas extinguem
autos memória de cálculo discriminada e atualizada, a matrícula de um imó a execução devido à satisfação da obrigação (art. 924, II).
vel que deverá ser penhorado ou um comprovante de pagamento do preparo, Já a definição do que seja uma decisão interlocutória, por força do art. 203,
estará praticando um ato instrutório probatório. §2°, do CPC, é obtida mediante exclusão, ou seja, a decisão interlocutória é
todo o pronunciamento do juiz de natureza decisória e que não se enquadre
b) Atos do juiz. na definição de sentença. A decisão que saneia o feito, resolvendo todas as
questões processuais pendentes, ou aquela que rejeita um incidente de pré-
Os atos praticados pelo juiz podem ser classificados, na forma acima
executividade, dentre inúmeras outras, enquadram-se nesta definição.
explanada, como atos de natureza jurisdicional e atos de natureza material
Enquanto estes são representados pelos atos praticados com a finalidade Completando a categoria dos pronunciamentos do juiz, o art. 203, §3°, do
de desempenhar uma determinada atividade material no processo, aqueles CPC, define que são despachos todos os atos que não são sentenças ou deci­
dizem respeito à conduta do magistrado ao tomar uma determinada decl sões interlocutórias. Aqui a característica reside na não existência de decisão,
são, razão pela qual também podem ser denominados atos decisórios. Nosso mas na prática do ato apenas com a finalidade de dar normal andamento ao
código houve por bem apresentar os atos jurisdicionais nos art. 203 a 205, procedimento previsto em lei. Isso acontece, por exemplo, quando o magis­
sob a denominação “Dos pronunciamentos do ju iz ”, com a nítida finalidade trado, após a realização de prova pericial, designa data para a realização de
de dem onstrar que se trata de dar solução a algo no curso do procedimento uma audiência de oitiva das testemunhas das partes. Não há cunho decisó-
Daí a linguagem direta do art. 203 ao dispor que “Ospronunciamentos do ju i : rio neste pronunciamento judicial, mas apenas organização do feito para que
consistirão em sentenças, decisões interlocutórias e despachos.”. possa prosseguir normalmente.
Em que pese a sentença receber tratamento pormenorizado nos art. 485 u Como são inúmeros os atos processuais que exigem atividade meramente
495, do CPC, razão pela qual o aprofundamento acerca do tema acontecer.i mecânica, como a juntada de uma petição aos autos ou a remessa dos autos ao
em momento oportuno, insta desde logo consignar que as sentenças e as deci ministério público quanto intervém no feito, visando reduzir tal tipo de ativi­
sões interlocutórias se caracterizam pelo fato de que o juiz resolve algo, ao dade e criar mais tempo para que o magistrado pudesse efetivamente proferir
contrário dos despachos, em que nada é solucionado, servindo apenas par.i decisões e sentenças, a Lei n° 8.952, de 13 de dezembro de 1994, acrescentou ao
fazer com que o procedimento siga o curso previsto pela lei. art. 162, do CPC de 1973, um parágrafo cuja redação era idêntica ao art. 203,
§4°, do CPC, segundo o q u a l"os atos meramente ordinatôrios, como a juntada
e a vista obrigatória, independem de despacho, devendo ser praticados de oficio
pelo servidor e revistos pelo juiz quando necessário." Com isso, embora pre
visto na seção destinada ao tratamento dos atos jurisdicionais, a lei permite
que os auxiliares da justiça pratiquem vários tipos de atos que outrora eram
de competência única do magistrado, racionalizando com isso a distribuição
do serviço prestado.
Além dos pronunciamentos, a lei ainda prevê uma série de atividades que
são praticadas pelo juiz e que não se enquadram, de forma propícia, nas defi
nições acima explanadas. A estes atos a doutrina dá a denominação de atos
materiais, que podem ser instrutórios ou de documentação.*13 Nesse passo,
quando o juiz colhe o depoimento pessoal da parte, quando colhe o depoi
mento de uma testemunha ou quando tenta a conciliação entre as partes, por
exemplo, não está a praticar ato que possa ser classificado como jurisdicional,
embora se trate de atividade de suma importância para a solução da causa.
São estes os atos denominados instrutórios. Quanto assina um termo de leilão
negativo ou um termo de penhora, outrossim, está praticando ato que visa
apenas autenticar o documento elaborado, que a partir daquele momento
passa a ser considerado documento público. São estes os atos denominados
de documentação.
Por fim, cabe observar que os julgamentos proferidos pelos órgãos colegia
dos dos tribunais tomam a denominação de acórdão, por força do disposto no
art. 204, do CPC.

c) Atos dos auxiliares da Justiça.


Seguindo a denominação tradicional mente utilizada em nosso direito,
houve por bem o sistema processual reunir sob o título “Dos atos do escrivão
os atos processuais praticados pelos auxiliares da Justiça para que o processo
possa ter um andamento regular. Assim, no Estado de São Paulo, onde não há
mais a figura do escrivão de cartório judicial, tais atos são praticados por um
escrevente técnico judiciário ou por um auxiliar judiciário, sob a supervisão
de um coordenador (antigo diretor).

elJ SANTOS, p. 293-294.


. ->■ i w n i n v s W 1/UJW IU3 rm A n M W M S 501

Nada obstante a denominação que se dê aos auxiliares da Justiça, variãvel


nas inúmeras unidades da Federação e nas justiças federais, o fato é que tais
luncionários gozam de fé pública quanto aos atos que praticam, ou seja, "Intc
yrantes do chamado foro judicial, os escrivães e secretários desfrutam de fc
pública, na prática de seu oficio. Detêm, afora isso, o poder de certificar, isto é,
atestar com autenticidade os atos que se passaram na sua presença ou figuram
nos livros, papéis e autos de seu oficio. Essas certidões têm valor quase absoluto,
pois somente em vista de prova inequívoca em contrário poderão ser derruba
das.".6" Daí a razão pela qual os atos processuais gozam de fé pública até prova
em contrário, conferindo certeza quanto ao seu conteúdo.
Levando em conta a classificação proposta por Moacyr Amaral Santos,'1"
com a qual serramos fileiras, entendemos que os atos dos auxiliares da Jus­
tiça podem ser classificados como a) atos de movimentação - que visam dar
andamento ao processo, b) atos de documentação - que visam documentar a
prática de atos processuais e c) atos de execução - que visam dar efetividade
as decisões judiciais.
Destarte, quando o auxiliar da Justiça abre vista dos autos ao representante
do ministério público ou quando remete os autos à conclusão, pratica atos
de movimentação do processo. Já quando promove a autuação do processo,
mencionando o juízo, a natureza do feito, seu número de registro e o nome
das partes (art. 206), ou quando numera e rubrica todas as folhas dos autos
(art. 207), pratica atos de documentação. Por fim, quando publica a decisão
judicial ou intima pessoalmente o advogado que comparece em cartório pra­
tica ato de execução, pois está a cum prir as determinações judiciais.

15.4. Lugar dos atos processuais.


De ordinário, os atos processuais são praticados na sede do juízo, ou seja,
na dependência dos fóruns ou dos tribunais. Nesse sentido o conteúdo do
art. 217, do CPC, que após indicar qual é a regra geral apresenta quatro hipó­
teses em que os atos poderão ser realizados em outros locais: a) em razão da

MONIZ DE ARAGÀO, p. 75.


■‘ SANTOS, p. 294.
WWMgwn g «■jjjjfjjHfiljf n i / m v iv n n iw im n io i » m m m/

deferência; b) em razão do interesse da Justiça; c) em razão da natureza do ato


e d) em razão de obstáculo arguido pelo interessado e acolhido pelo juiz.
Nesse passo, a própria lei disciplina quais são os casos de deferência n<>■
quais o juiz pode realizar o ato processual cm outro local que não nas depen
dências dos fóruns, pois indica no art. 454, do CPC, quais são as autoridade,
que podem ser ouvidas em sua residência ou no local em que exercem a sua
função. Dentre eles estão o presidente e o vice-presidente da República (inciso
1); os ministros de Estado (inciso II); os ministros do Supremo Tribunal Fede
ral (inciso III); os senadores e os deputados federais (inciso VI) e os govn
nadores dos Estados (inciso VII); que numa interpretação plausível poderão
abrir mão dessa prerrogativa para serem ouvidos na sede do juízo.
Nada impede, ainda, que uma dessas autoridades esteja de viagem e passe
pelo local onde se encontra a sede do juízo, o que permite que o magistrado
vá até um hotel ou a outra localidade para praticar o ato judicial, desde que
exista conveniência para ambos e que possa ser obedecido o princípio da
publicidade dos atos processuais. Aqui se leva em conta a segunda hipótese
que excepciona a regra geral, ou seja, o interesse da Justiça.
Por sua vez, existem situações em que a própria natureza do ato exige que
ele se realize fora da sede do juízo, como acontece nos casos de inspeção judl
ciai, quando o magistrado deve se dirigir até o local onde se encontre a pessoa
ou a coisa objeto da prova (art. 483, do CPC).
Por fim, a terceira hipótese, referente à existência de obstáculo arguido
pelo interessado e acolhido pelo juiz, permite que o ato se realize nos locais
mais variados possíveis. É o que acontece no caso do interrogatório do interdi
tando, que poderá ser realizado no local onde ele estiver quando não puder sr
deslocar até a sede do juízo (art. 751, §1°, do CPC). Durante nossa carreira de
magistrado tivemos a oportunidade de realizar inúmeros interrogatórios na
residência dos interditandos, casas de repouso e até mesmo em hospitais, isso
em atenção às necessidades especiais daquele que seria interrogado.

15.5. Flexibilização do procedimento.


O art. 190, do CPC, inova ao perm itir que as partes, de comum acordo
com o magistrado, nos feitos que versam sobre direitos que admitem com
posição, possam convencionar regras atinentes ao procedimento. Trata-se da
i hnmada flexibilização procedimental, tão bem defendida por Fernando Fon-
wca Gajardoni.615
Nada obstante, com o devido respeito às posições contrárias, entendemos
que a sistemática da flexibilização do procedimento é inviável e que, na prá­
tica, apenas servirá para gerar mais discussões de ordem processual, em detri­
mento da solução ou da satisfação do próprio direito material, bem como para
tornar ainda mais lento o curso do processo.
A lei prevê procedimentos especiais e o procedimento comum com a fina­
lidade de apresentar aos jurisdicionados os modelos que devem ser utilizados
para a obtenção dos seus direitos em juízo. Isso foi feito após ampla discussão
da doutrina, dos tribunais e dos nossos legisladores sobre o tema, estabelecen-
do-se quais modelos estão à disposição dos interessados para acionar o Poder
ludiciário. Quando não se trata de um procedimento especial, cuja razão de
existir é exatamente a aderência ao direito material, pode a parte se utilizar do
procedimento comum, adequado para a generalidade dos casos. Assim existe
segurança quanto a um rito (caminho processual) já pensado e testado, cujas
inúmeras controvérsias são debeladas pelos Tribunais.
Ora, se em cada um dos processos que permitem composição as partes
puderem estabelecer um rito próprio, nada mais fará o magistrado além de,
“de ofício ou a requerimento" controlar “a validade das convenções previstas"
no art. 190, parágrafo único, do CPC, indeferindo a flexibilização apenas
"tios casos de nulidade ou inserção abusiva em contrato de adesão ou no qual
alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade.” Além
disso, como faria o cartório judicial para processar corretamente centenas de
procedimentos diferenciados e como faria o próprio Tribunal, que teria que
criar um padrão de informática sem uma sequência específica, prejudicando
com isso o andamento de todos os feitos que seguem o procedimento previsto
em lei?
Destarte, se as partes querem alterar o procedimento em razão de situação
extraordinária, então que procurem o juízo arbitrai, dotado de regras de pro­
cedimento que não possuem natureza de direito público e, portanto, passíveis
de modulação a critério das partes.

*15 GAJARDONI, Fernando Fonseca. F le x ib iliz a ç ã o p r o c e d i m e n t a l . São Paulo: Atlas, 2008.


Verificação de Aprendizagem
01. Defina ato processual.
02. Quais são as características do ato processual?
03. Quais os princípios atinentes aos atos processuais.
04. Qual a diferença entre termo processual, auto, ata e autos?
05. Qual o critério adotado pelo CPC para classificar os atos processuais?
06. Como se classificam os atos processuais?
07. Qual a definição legal de sentença?
08. Em que consiste a flexibilização do procedimento?

Planificação para aula


01. Ato processual - É o ato praticado por um dos sujeitos processuais, com .i
finalidade de criar, modificar ou extinguir o processo.
- Não se apresenta isoladamente.
02. Características - Ligam-se pela finalidade
- São interdependentes
03. Forma - É a maneira pela qual o ato processual é praticado.
a) Liberdade das formas (art. 188)
b) Instrumentalidade das formas (art. 188 c.c. art. 277)
04. Princípios c) Documentação
d) Publicidade (art. 189)
e) Obrigatoriedade do vernáculo (art. 192)
05. Termo - É a documentação do ato processual realizada por um funcionário
do Poder Judiciário, nas dependências de unidade judiciária.
- Auto - Documentação de ato processual praticado fora das dependências d.t
unidade judiciária.
- Ata - Descrição dos atos processuais praticados em reuniões de órgãos
colegiados
Autos - Reunião dos termos e dos atos processuais escritos que formam o
processo.
06, Classificação.
Critério objetivo x Critério subjetivo (CPC)
Atos das partes:
a) Postulatórios,
li) Dispositivos: unilaterais e bilaterais,
i) Instrutórios: de alegação e probatórios.
- despachos (203, §3°)
- jurisdicionais - decisões interlocutor ias (203, §2°)
- sentenças (203, §1°)
- Do juiz
instrutorios
materiais
- documentação
- Dos auxiliares:
a) movimentação,
b) documentação e
c) execução.
07. Flexibilização do procedimento.

Bibliografia
GAJARDONI, Fernando Fonseca. Flexibilização procedimental. São Paulo:
Atlas, 2008.
LOPES DA COSTA, Alfredo Araújo. Direito processual civil brasileiro. 2“ e..
Rio de Janeiro: Forense, 1959.
MARQUES, José Frederico. Manual de direito processual civil. 9a e.. São Paulo:
Saraiva, 1982.
MONIZ DE ARACíAO, E.D.. Comentários ao código de processo civil. 6“ e.. Rio
de Janeiro: Forense, 1989.
16. TEORIA DOS PRAZOS
OLIVEIRA NETO, Olavo de. Manual de monografia jurídica. São Paulo
Quartier Latin, 2007. 16.1. Definição. 16.2. Princípios, a) Paridade de tratamento, b) Brevidade e utilidade, c)
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao código de Não continuidade, d) Inalterabilidade. 16.3. Classificação. 16.4. Contagem. 16.5. Veri­
ficação dos prazos e penalidades. 16.6. Tempo dos atos processuais. 16.7. Predusão.
processo civil. 2a e.. Rio de Janeiro: Forense, 1974.
SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. 25“ e.
São Paulo: Saraiva, 2007.
16.1. Definição.
Ao tratar das repercussões de fato que o tempo exerce sobre o processo, José
Rogério Cruz e Tucci ressaltou a feliz lição de Carnelutti ao relacionar o tempo
i om o processo, destacando que "... - como exortava Carnelutti - a semente
iIa verdade necessita, às vezes, de anos, ou mesmo de séculos, para tornar-se
espiga (veritas filia temporis).... O processo dura; não se pode fazer tudo de uma
unica vez. É imprescindível ter-se paciência. Semeia-se, como faz o camponês;
< é preciso esperar para colher-se. Ao lado da exigência da atenção, coloca-se
11 paciência entre virtudes inafastáveis do juiz e das partes. Infelizmente estas
São impacientes por definição; impacientes como doentes, visto que também
sofrem. Uma das tarefas dos defensores é aquela de inspirar-lhes a paciência. O
slogan da justiça rápida e segura, que anda na boca dos políticos inexperientes,
contém, lamentavelmente, uma contradição in adiecto: se a justiça é segura não
i: rápida, se é rápida não é segura'.”.616
Realmente, tempo e processo são realidades indissociáveis, já que não é
possível se pensar na existência de um processo instantâneo. Permeado que é
pelo contraditório e pela ampla defesa, o processo exige tempo para a prática
dos atos processuais e, por conseqüência, precisa de tempo para que possa
se desenvolver de forma válida e regular. Trata-se daquilo que Marcelo Lima
Guerra617 chama de demora fisiológica, ou seja, de uma demora ínsita a pró­
pria estrutura do processo.
Em razão disso, para que o processo possa seguir a sua dinâmica natu­
ral, torna-se necessário estabelecer prazos para a prática dos atos processu­
ais, além de um sistema de preclusões para impedir o retrocesso da parte do

CARNELUTTI. Francesco. D i r i t t o e p r o c e s s o . Napoli: Morano, 1958. p. 154. Apud cruz e tucci,


José Rogério. T e m p o e p r o c e s s o . São Paulo: RT, 1998. p. 27
GUERRA, Marcelo Lima. E s tu d o s S o b r e o P r o c e s s o c a u te la r . São Paulo: Malheiros, 1995. p. 14-15.
procedimento já ultrapassada. Praticado um determinado ato processual, por
tanto, em regra, supera-se aquele momento ao qual não mais haverá retorno
Daí o motivo pelo qual o processo civil estabelece uma teoria dos prazos pro
cessuais, onde sào tratadas as peculiaridades relativas ao tempo no processo
Por primeiro, entretanto, há necessidade de definir em que consiste o termo
prazo, que para João Batista Lopes “...é o limite temporal exigido para a prdtii a
de atos pelos diversos sujeitos do processo.”;*’*1* enquanto para Humberto The
odoro Junior ...é o espaço de tempo em que o ato processual da parte pode sc>
validamentepraticado .”.619 Para nós prazo pode ser definido como um espado
de tempo entre dois termos (o termo inicial e o termo final).
Antes de analisar os aspectos mais relevantes da teoria dos prazos, toda
via, cabe uma advertência inicial e de extrema importância para todos os que
atuam no processo: os prazos devem ser respeitados. Essa é a primeira lição qur
o acadêmico deve ter em mente e que deve acompanhá-lo até o encerramento
das suas atividades profissionais. Isso porque a perda de um prazo pode gerai,
por via transversa, a perda do próprio direito, respondendo o profissional pela
falha técnica cometida. Mesmo quando não há a perda de um direito, no caso
dos chamados prazos impróprios, o agente público está sujeito a penalidade,
administrativas. Daí a importância de nunca se perder um prazo.

16.2. Princípios.
Tratando dos princípios relativos ao tema, Moacyr Amaral Santos620 rela
ciona dois princípios informativos do processo que também se relacionam
com a teoria dos prazos, que são o princípio da paridade de tratamento e o
princípio da brevidade. Em seguida relaciona como princípios informativos
da teoria dos prazos os princípios da utilidade, continuidade, inalterabilidade.
peremptoriedade e da preclusão. Já Cristina Ferraz621 relaciona como princí
pios informativos do processo atinentes ao prazo os da eventualidade,

"' LO P E S , João Batista. C u r s o d e d ir e ito p r o c e s s u a l c iv il. São Paulo: Atlas, 2005. p. 173.
T H E O D O R O J U N IO R , H um berto. C u r s o d e d ir e ito p r o c e s s u a l c iv il. 47* e.. São Paulo: Forense
2007. v. I, p. 277.

1 S A N T O S , M oacyr A m aral. P r im e ir a s l i n h a s d e d ir e ito p r o c e s s u a l c iv il. 25* e.. Sào Paulo: Saraiva,


2007. Volum e 1, p. 304-315.

’ F E R R A Z , Cristina. P r a z o s n o p r o c e s s o d e c o n h e c im e n to . Sào Paulo: R T, 2001. p. 29-42.


«rnnonriia processual, impulso oficial e da ordenação legal; apresentando os
mesmo princípios informativos da teoria dos prazos.
Em que pese tal distinção, cremos que a teoria dos prazos, assim como
qualquer outro tema do processo civil, está vinculada ao modelo constitu-
i lonal do processo e aos princípios infraconstitucionais informativos do pro-
icsso civil. Portanto, não nos parece necessário relacionar novamente todos
estes princípios, já tratados em capítulo próprio de forma mais aprofundada;
,i exceção do princípio da paridade de tratamento que possui repercussão
diferenciada quanto aos prazos processuais. Por isso preferimos apresentar
como princípios informativos da teoria dos prazos os seguintes princípios: a)
paridade de tratamento; b) brevidade; c) utilidade; d) não continuidade; e, e)
Inalterabilidade.

a) Paridade de tratamento.
Quando estudamos este princípio no capítulo 03, observamos que ele
decorre naturalmente do Princípio Constitucional da Isonomia, fazendo com
que o magistrado deva velar, no bojo do processo, para que as partes tenham
igualdade de condições para o exercício de seus deveres e de suas faculdades
processuais. Trata-se de um princípio destinado a moldar a conduta do juiz no
processo, para que a prática dos atos processuais respeite as diferenças entre
os litigantes, aproximando-os de uma igualdade substancial e eliminando
fatores que possam influir num desequilíbrio de forças dentro do processo.
É o que sucede, por exemplo, com a inversão do ônus da prova nas relações
de consumo, prevista no art. 6o, VIII, do CDC, que deverá ser aplicada pelo
magistrado sempre que a alegação formulada for verossímil ou quando o con­
sumidor for considerado hipossuficiente técnico.
Citamos, ainda, a precisa lição de Alfredo Soveral Martins, que analisando
o direito português aduziu que "... as partes, no processo, hão-de estar coloca­
das num plano de igualdade perante o juiz, dispondo de iguais direitos, poderes
e deveres. Só com dois pratos iguais é que não se vicia a balança da justiça. Neste
sentido, e como vimos, este princípio é igualmente um princípio modelador da
actividade do juiz, impondo-lhe trato idêntico a ambas as partes. [...] Trata-
se, como é óbvio, da afirmação de um princípio de igualdade em abstracto
cuja garantia pressupõe a adopção, a nível do processo, de todo um sistema que
atenue /adores de desigualdade econômico, cultural e técnica susceptíveis de a
ajectarem em concreto.”. 622
Portanto, em seu aspecto de princípio informativo do processo civil, n
princípio da paridade de tratamento nada mais é do que uma norma dirl
gida ao magistrado, com a finalidade de que assegure, no bojo do processo v
diante da situação concreta de cada um dos ligantes, igualdade de tratamento,
mesmo que para isso tenha que tratar as partes de forma diversa.
Fácil de perceber, portanto, a enorme repercussão que tal princípio exene
no tocante aos prazos processuais, devendo o magistrado assegurar que as
partes tenham tratamento equilibrado no curso do processo, sob pena ilc
ofensa ao próprio princípio do contraditório. É por isso que a própria lei poi
vezes estabelece prazos diferenciados, como acontece com o art. 229, do CPt .
ao dispor que os litisconsortes que tiverem diferentes procuradores, de escritó
rios de advocacia distintos, terão prazos contados em dobro para todas as suas
manifestações, em qualquer juízo ou tribunal, independentemente de requerí
mento. Afinal, se no caso o prazo fosse o usual, a defesa poderia restar preju
dicada, não tendo o patrono dos litisconsortes tempo hábil para consultar os
autos e formular a defesa adequada a hipótese. Há casos, porém, que repre­
sentam a maioria das hipóteses diuturnas, nos quais a lei não fixa um prazo
distinto, cabendo ao magistrado fazê-lo.
Não bastasse, existem situações em que o prazo previsto em lei pode se
demonstrar insuficiente para a prática do ato processual, podendo o magis
trado alterá-lo em prol de atender ao princípio da paridade de tratamento e
mesmo ao princípio do contraditório. É o que acontece com algumas ações
de prestação de contas, onde a especialidade da hipótese pode justificar uma
dilação nos prazos previstos em lei. Assim, proferida sentença na primeira
fase da ação de prestação de contas, declarando o direito de exigir a prestação
de contas e condenando o réu à obrigação de prestá-las (obrigação de fazer) no
prazo de 15 (quinze) dias (art. 550, §5°, do CPC); poderá o magistrado, diante
do caso concreto, aumentar o prazo legal. Isso porque, em que pese à lei sei
expressa quanto ao prazo de 15 dias para a prestação de contas, cremos que
em certos casos tal prazo é por demais reduzido, isso devido à complexidade
dos cálculos, sendo que a sua manutenção implicaria em infringir o núcleo42

422 M A R T IN S , Alfredo Soveral. D ir e ito P r o c e s s u a l C ivil. C o im b ra : Fora do texto. 1995. p. 170-171.


essencial do Princípio da Ampla Defesa, na medida em que não se permite â
parte obrigada á realização da conduta que lhe é exigida na sentença. Basta
pensar, por exemplo, na hipótese de uma relação jurídica longa, como as que
iomumente ocorrem no sistema financeiro ou no caso de pessoa que passa
anos no exterior, nomeando procurador no Brasil para a gestão de seu patri
mônio. Daí a pertinência da aplicação do art. 139, VI, do CPC, ampliando o
magistrado o prazo para adequá-lo a situação de fato.

I») Brevidade e utilidade.


Os princípios da brevidade e da utilidade devem ser analisados em con
junto, já que um não tem razão de ser ou parâmetro seguro de aplicação sem
o outro. Trata-se, grosso modo, de fixar o menor prazo possível (brevidade),
desde que suficiente para a prática do ato processual (utilidade). Um sem o
outro, portanto, não é suficiente para que o magistrado fixe um prazo no
processo.
Sobre o princípio da brevidade alerta Moacyr Amaral Santos que “con
forme o princípio da brevidade, o processo deve desenvolver-se e encerrar-se
no menor prazo possível, sem prejuízo do principio da veracidade. O interesse
público é o de que as demandas terminem o mais rapidamente possível, mas
que também sejam suficientemente instruídas para que sejam decididas com
acerto. Ao principio da brevidade se prende intimamente o princípio da utili
dade, ...”.62, Por sua vez, tratando do principio da utilidade, assevera Cristina
Ferraz que Os prazos estipulados pela lei devem propiciar um lapso temporal
útil e suficiente para a realização do ato processual. Tal prazo deverá ser pro
porcional à atuação do sujeito da relação processual e conveniente ao processo.
Certamente, determinados atos demandam um maior ou menor espaço de
tempo para serem realizados, bem como determinados sujeitos necessitam de
mais ou menos prazo segundo a sua condição.".624
Realmente, ao fixar um prazo deverá o magistrado observar, diante do
caso concreto, qual é o tempo mínimo para que o ato processual possa ser
praticado. Assim, se um magistrado da Comarca de São Paulo expede uma
carta precatória para a avaliação de uma fazenda na Comarca de Bonito-MS,

S A N T O S , p. 306.
F E R R A Z , p. 39.
de nada adiantará a fixação de um prazo de 05 dias, que atende ao principio
da brevidade, para o cumprimento do ato processual. Isso porque é pratica
mente impossível que a remessa da carta, a avaliação do imóvel e a devolu
ção da carta possam ser realizados em prazo tão exíguo, razão pela qual não
será atendido o princípio da utilidade. Nesse caso, pois, observando a situação
concreta, deverá o juiz fixar um prazo bem maior e que permita a realização
de modo adequado do ato processual deprecado.
Conjugando ambos princípios e sempre tendo em vista o caso concreto,
estará o juiz habilitado para fixar todos os prazos judiciais ou para fixá-los
quando houver omissão legal a respeito do processamento de uma deternn
nada via processual.

c) Não continuidade.
O CPC de 1973, em especial no seu art. 178,w5 adotava como princípio da
teoria dos prazos o princípio da continuidade dos prazos, segundo o qual ini
ciada a contagem do prazo essa não se interrompe em razão dos feriados, que
abrangem alem dos feriados os dias relativos ao final de semana, quando não
há expediente forense regular. Ao comentar tal preceito ensinava Moniz de
Aragão que “Todo prazo, em princípio, é continuo: uma vez iniciado, o seu curso
não pára por motivo algum, nem mesmo pela superveniência de dias feriados.
Estes, portanto, não lhe serão acrescentados ao final, como compensação.”.62'’
Ocorre, entretanto, que o atual sistema processual reverteu de forma plena
tal princípio, dispondo em seu art. 219 que na contagem de um prazo em dias,
estabelecido pela lei ou pelo juiz, computar-se-ão somente os úteis. Com isso
a regra para a contagem dos prazos passou o desconto dos dias relativos aos
feriados forenses, que abarcam todos os sábados e domingos; bem como todos
os demais dias em que, por qualquer motivo, não ocorra o funcionamento do
fórum.
Quando aberto o prazo para sugestões acerca do primeiro dos projetos do
CPC (Projeto de Lei do Senado n° 166, de 2010), tivemos a oportunidade de256

625 CPC de 1973. A r t . 178. O p r a z o , e s ta b e le c id o p e la le i o u p e lo j u i z , é c o n t i n u o , n ã o se i n t e r r o m p e n d o


n o s f e r ia d o s .

626 MONIZ DE ARAGÃO, Egas Dirceu. C o m e n tá r io s a o c ó d ig o d e p r o c e s s o c iv il. 6* e.. Rio de Janeiro;


Forense, 1989. v. II, p. 129.
oferecer nota técnica ao então art. 174, propondo a manutenção do princípio
da continuidade dos prazos. Na ocasião apresentamos a seguinte fundamen­
tação à sugestão de alteração: “A alteração do dispositivo restabelece a regra
hodiernamente vigente, segundo a qual os prazos não se suspendem e não se
interrompem em virtude de dia considerado feriado forense, em obediência ao
princípio da continuidade dos prazos. Alterar o critério utilizado, levando-se
em conta que o projeto mantém e até amplia alguns dos prazos atualmente exis­
tentes, implica em dilatar de form a indevida o iter procedimental, em ofensa
ao Princípio Constitucional da Razoável Duração do Processo.”. Tal sugestão,
como se pode notar, não foi aceita e agora os prazos se contam em dias úteis,
valendo a regra da não continuidade dos prazos processuais.
Deve-se observar, por fim, que o preceito se refere apenas aos prazos legais
c judiciais, razão pela qual é possível discutir se os prazos convencionais tam­
bém se contam em dias úteis. Nesse caso, em que pese à omissão legal, não
vemos como deixar de aplicar o princípio a todos os tipos de prazo, isso desde
que exista omissão das partes, pois também está dentro do âmbito das suas
vontades estabelecerem que os prazos sejam contados de forma continua.

d) Inalterabilidade.
Quem fixa o prazo para a prática de um determinado ato processual, em
regra, é a própria lei, que leva em conta os critérios acima descritos e a neces­
sidade de uniformizar certas condutas no bojo de processo. Afinal, se em
casos como da contestação ou do recurso de apelação pudesse cada juiz fixar
o prazo que reputasse mais conveniente, ficaria praticamente impossível exer­
cer a advocacia. Daí o motivo pelo qual o art. 218, §1°, do CPC, dispõe que os
atos processuais serão realizados nos prazos prescritos em lei e que, apenas
quando houver omissão legal, deverá o juiz fixa-los.
Diante dessa regra, portanto, parece intuitiva a idéia de que o magistrado
não possa alterar os prazos que a lei quis fixar, podendo apenas agir de forma
supletiva. Trata-se do principio da inalterabilidade, segundo o qual não pode
o juiz, em regra, dilatar ou reduzir os prazos processuais.
Nada obstante o raciocínio desenvolvido, o princípio inalterabilidade dos
prazos goza de outra compreensão no nosso sistema processual, podendo ser
observado em sua versão mitigada. Isso porque o sistema permite a alteração de
prazos que considera dilatóriose náo permite a alteração dos prazos que con
sidera peremptórios, conforme disciplina que abaixo será melhor explicitada
Por fim, observamos que não comungamos da opinião de parte da dou
trina que ainda apresenta como princípios da teoria dos prazos os princípios
da improrrogabilidade e da irredutibilidade, uma vez que compreendemos
tais efeitos como aspectos diversos da inalterabilidade; e, que também apre
sentam como princípios a peremptoriedade e a preclusão, que são efeitos do
transcurso do prazo fixado pela lei ou pelo magistrado.

16.3. Classificação.
Segundo a doutrina tradicional os diversos tipos de prazos podem ser reu
nidos em razão de quatro aspectos diversos: a) com relação a sua origem ou de
onde provêm os prazos são legais, judiciais ou convencionais; b) com relação
ao destinatário os prazos são comuns ou particulares; c) com relação a penali
dade que geram os prazos são próprios ou impróprios; e, d) com relação a sua
natureza os prazos são dilatórios ou peremptórios.
A primeira forma de classificar os prazos diz respeito a sua origem, isto é,
de onde provêem o estabelecimento do prazo. Se o prazo é fixado pela pró
pria lei, que como se viu acima representa a regra geral estampada no art. 218,
"caput", do CPC, diz-se que o prazo é legal. Já no caso do prazo ser fixado
subsidiariamente pelo magistrado, na forma do art. 218, §1°, do CPC, diz-se
que o prazo é judicial. Quando o prazo pode ser estabelecido por acordo entre
as partes, diz-se que o prazo é convencional.
Já a segunda forma de classificar os prazos leva em conta o seu destinatário,
ou seja, refere-se a quem deverá praticar determinado ato processual no prazo
fixado. Nesse passo, quando o prazo se destina a mais de um sujeito proces
suai, como acontece com o destinado à interposição de apelação no caso de
sucumbência recíproca ou para o autor único falar em réplica, diz-se que o
prazo é comum. Entretanto, quando o prazo se destina a apenas um sujeito
processual, como acontece no caso da contestação onde não há litisconsórcio
passivo, diz-se que o prazo é particular.
Duas advertências devem ser efetivadas quanto aos prazos comuns e par­
ticulares. A primeira é a de que não se pode dizer que o prazo comum é o
que atinge ambas as partes litigantes, já que o prazo comum pode atingir
apenas aos litisconsortes. fi o caso, por exemplo, do prazo para inlerposiçã° cl e
recurso do motorista e da empresa condenados solidariamente ao pag^ment^
de danos oriundos de acidente de veículo, que têm prazo comum para reco*-_
rer da decisão. Já a segunda advertência, que por suas repercussões pratic^ s
deve ser de todos conhecida, diz respeito à vedação imposta pelo art. 107,
do CPC, no sentido de que sendo comum o prazo, os procuradores aPen^ s
poderão retirar os autos do cartório em conjunto ou mediante prévio ajus^e
por petição nos autos; salvo pelo período de duas horas a seis horas para a
extração de cópias do processo (§3°).
O terceiro enfoque relativo à classificação dos prazos leva em conta a
penalidade decorrente da inércia da parte que, regularmente intimada>dei>ça
decorrer in albis o prazo para a realização do ato processual. Nesse aspect0
os prazos são classificados como prazos próprios, que têm a aptidão gera r
preclusào, e em prazos impróprios, que não geram preclusão, mas podem d a r
ensejo a uma penalidade de ordem administrativa.
Em outros termos, no caso de prazo próprio, a parte que deixa de produ^jr
o ato processual não poderá mais realizá-lo, na medida em que ocorre a p re ­
clusão. Dessa inércia podem decorrer variadas consequências, comoa revelia
quando se deixa de oferecer contestação ou o trânsito em julgado quando se
deixa de oferecer recurso de apelação. Já os prazos impróprios não geram p re ­
clusão, mas podem submeter aquele que deveria praticá-lo a uma penalidade
de cunho administrativa. É por isso que o magistrado que excede o Pra zo
de 30 dias para proferir sentença (art. 226, III, do CPC) continua obrigado a
fazê-lo, embora sujeito a sanções disciplinares se o atraso náo for ju$óficáve l.
Por fim, com relação a sua natureza, os prazos são classificados como p ra ­
zos dilatórios ou prazos peremptórios, sendo normal encontrar suaS deíini-
ções como aqueles que podem ser prorrogados (dilatórios) e aqueles que não
podem ser prorrogados (peremptórios) por convenção das partes. Incorreta,
porém, tal assertiva. Ocorre que formular a definição de um instituto com
base unicamente nos seus efeitos acaba por gerar uma proposição <lue nada
define, na medida em que tanto pode ser dito que o prazo é dilatório porque
pode ser prorrogado, quanto pode ser dito que o prazo pode ser prorrogado
porque é dilatório. Trata-se da velha brincadeira de quem nasceu primeiro; 0
ovo ou a galinha?
Ora, a fixação de um prazo pela lei pode atender ao interesse público ou
ao interesse particular. Quando se trata de dar preponderância ao interesse
público, o prazo é peremptório. Por isso, se for alterado, poderá ser afetado
o equilíbrio que levou a fixação do prazo, ocorrendo a violação de princípios
constitucionais, em especial os do contraditório e da ampla defesa. Porem,
com relação ao prazo dilatório, por preponderar o interesse da parte, torna-se
possível sua alteração, desde que ambas o façam de comum acordo. Em suma,
os prazos peremptórios atendem ao interesse público e, por isso, não podem
ser prorrogados; enquanto os prazos dilatórios atendem ao interesse particu
lar e, por isso, podem ser prorrogados.
Para que os prazos dilatórios possam sofrer alteração é necessário que
ambas partes estejam de acordo e que requeiram a redução ou prorrogação
antes do vencimento do prazo. Além disso, há necessidade de alegação de
um motivo legítimo para a alteração, cuja plausibilidade será apreciada pelo
magistrado no momento em que fixar o dia de vencimento do prazo pror
rogado ou reduzido. Havendo custas acrescidas em razão da prorrogação do
prazo, serão elas de responsabilidade daquele a quem beneficia a prorrogação.
Por fim, os prazos peremptórios estão previstos no art. 222, §1°, do CPC,
mas em casos excepcionalíssimos a lei permite que o juiz prorrogue esse
tipo de prazo. Isso poderá acontecer, por até sessenta dias, nas comarcas e
nas seções judiciárias onde for difícil o transporte, como acontece em muitas
localidades de Estados como o do Amazonas, onde o transporte muitas vezes
é fluvial ou aéreo, ou, em casos de calamidade pública (art. 222, §2°), ocasião
em que a prorrogação deve atender as peculiaridades do desastre, não estando
sujeito ao limite temporal de dois meses, previsto no caput do preceito.

16.4. Contagem.
Sendo o processo, em sua definição meramente analítica, um conjunto
de atos processuais coordenados à obtenção de uma determinada finalidade;
para que possa seguir seu caminho cada ato processual deve ter um prazo
previamente determinado, permitindo com isso uma evolução em direção ao
escopo pretendido. Em outros termos, o sistema prevê a existência de prazos
para a prática de todos os atos processuais, por vezes fixando esse prazo de
forma específica e, em havendo omissão, determinando que o juiz fixe o prazo
ou estatuindo regras gerais para certas categorias de atos processuais. São pra­
zos lixados de forma específica pelo código, por exemplo, o prazo de 15 dias
para contestar (art. 335), o prazo de 15 dias para que a parte se manifeste sobre
documentos que a outra parte juntou aos autos (art. 437, §1°), o prazo de 15
dias para pagamento no cumprimento definitivo da sentença condenatória
(art. 523) e o prazo de 15 dias para interpor recursos, salvo no caso dos embar­
gos de declaração (art. 1.003, § 5o).
Na ausência de um prazo específico, entretanto, caberá ao magistrado,
observados os princípios da brevidade e da utilidade, fixar o prazo para o
cumprimento do ato processual. É o que acontece, também, quando a via
processual não possui previsão legal, como acontece com o incidente de pré-
-executividade. Na sua omissão, entretanto, fecha o sistema o art. 218, §3°, do
CPC, ao dispor que em não havendo preceito legal nem outro prazo assinado
pelo juiz, será de cinco dias o prazo para a prática de ato processual a cargo
da parte.
Os prazos para o magistrado, por sua vez, estão previstos levando-se em
conta a natureza do ato processual praticado. Daí a previsão constante do art.
226, do CPC, segundo o qual o juiz deverá despachar em 05 (cinco) dias (inciso
1), proferir decisões interlocutórias em 10 (dez) dias (inciso II) e sentenciar em
até 30 (vinte) dias. Havendo motivo justificado, esses prazos podem ser exce­
didos por igual tempo, por expressa disposição contida no art. 227, do CPC.
Após mais de 20 (vinte) anos de judicatura entendemos que, dentro de
condições normais de trabalho, que deveríam constituir a regra geral para
todos os órgãos jurisdicionais, os prazos fixados para o magistrado são exces­
sivos. Isso porque o montante de 05 dias para proferir um despacho, que não
possui cunho decisório, por exemplo, apresenta-se como demasiadamente
excessivo. O mesmo acontece com os demais atos processuais. Por vezes uma
decisão interlocutória e até mesmo uma sentença apresentam grande facili­
dade, podendo o magistrado a elaborar em menos de uma hora. Pense-se,
por exemplo, numa sentença de cobrança de condomínio ou em uma sen­
tença despejo por falta de pagamento, onde há revelia, cuja complexidade é
praticamente nenhuma. Por outro lado, existem situações onde o magistrado
deverá fazer uma análise profunda do conteúdo do processo, estudar questões
que não domina, amadurecer seu convencimento, para só então proferir sua
decisão. Isso aconteceu em uma causa que tive a oportunidade de atuar, cujas
teses eram bastante complexas e o feito contava, na época «1a sentença, com 5 1
(cinqüenta e três) volumes. Mesmo aqui, a sentença foi prolatada antes de 30
(trinta) dias.
Porém, se o serviço está acumulado e o órgão jurisdicional não consegue
dar vazão aos feitos que lhe são endereçados, mesmo o prazo de 20 (vinte) dias
ou de 40 (quarenta) dias poderão não ser suficientes para que a decisão seja
proferida. Mas nesse caso, como se trata de prazo impróprio e há justificação
fundada no excesso de serviço, de nada adiantará a previsão legal.
Já o serventuário da justiça, por forca do disposto no art. 228, do CPC.
deverá remeter os autos à conclusão em um dia e executar os atos processuais
em até cinco dias; embora tais prazos também sejam considerados como pra
zos impróprios.
Por seu turno, quando da análise do princípio da não continuidade dos
prazos observamos que, no atual sistema, nos prazos fixados em dias se con
tam apenas os dias úteis, excluindo-se da contagem os dias em que não há
expediente forense. A estrutura do art. 231, do CPC, além de reiterar essa
regra, trata do termo inicial da contagem do prazo, também conhecido por
termo a quo. Trata-se do momento em que o prazo começa a ser contado. Daí,
nos exatos termos deste preceito, o termo inicial será, quando 7 - a data de
juntada aos autos do aviso de recebimento, quando a citação ou intimação for
pelo correio; II - a data de juntada aos autos do mandado cumprido, quando
a citação ou a intimação for por oficial de justiça; III - a data de ocorrência da
citação ou da intimação, quando ela se der por ato do escrivão ou do chefe de
secretaria; I V - o dia útil seguinte ao fim da dilação assinada pelo juiz, quando
a citação ou a intimação fo r por edital; V - o dia útil seguinte à consulta ao teor
da citação ou da intimação ou ao término do prazo para que a consulta se dè,
quando a citação ou intimação fo r eletrônica; VI - a data de juntada do comu
nicado de que trata o art. 232 ou, não havendo esse, a data de juntada da carta
aos autos de origem devidamente cumprida, quando a citação ou a intimação
se realizar em cumprimento de carta; VII - a data de publicação, quando a
intimação se der pelo Diário da Justiça impresso ou eletrônico; VIII - o dia da
carga, quando a intimação se der por meio da retirada dos autos, em carga, do
cartório ou da secretaria.”.
Já o prazo para a interposição de recursos, que em regra é de 15 dias, numa
análise conjunta dos art. 331 e 224, do CPC, começa a correr a partir do dia
seguinte a data em que os advogados sào intimados da decisão a recorrer ou,
se a decisão é proferida em audiência, a partir da data seguinte a da realização
da audiência.
Nada obstante a existência de um termo inicial para o decurso de todo
prazo, nada impede que a parte pratique o ato processual antes mesmo do
momento em que se dá esse termo a quo. O que no sistema anterior dependia
apenas do bom senso do magistrado, já que adiantar a prática de um ato não
implica em perder o prazo para praticá-lo, agora está expressamente previsto
no art. 218, § 4o, do CPC, segundo o qual não são intempestivos atos pratica­
dos antes da ocorrência do termo inicial do prazo.
Iniciada a fluência do prazo, todavia, pode acontecer que a contagem fique
suspensa ou volte a fluir novamente. Quando o prazo se paralisa e volta a fluir
pelo que restava para o seu final ocorre à chamada suspensão do prazo pro­
cessual. iMas quando o prazo volta a fluir integral, recomeçando sua contagem
desde o início, ocorre à chamada interrupção do prazo processual.
A razão mais comum para a suspensão dos prazos processuais é a ocor­
rência do recesso forense (ou férias forenses), que se dá entre os dias 20 de
dezembro e 20 de janeiro de cada ano, por expressa disposição do art. 220, do
CPC. Durante esse período todos aqueles que atuam no processo (§1°), exceto
o advogado, exercerão as suas atribuições normal mente; mas fica vetado ao
magistrado realizar audiências durante o período e aos órgãos colegiados pro­
ferir julgamentos.
Essa norma, com o devido respeito aos que sustentam o contrário, repre­
senta verdadeiro atentado ao Estado Democrático de Direitos, pois cria bene­
fício para os advogados que nenhum outro profissional liberal possui, impede
o magistrado e seus auxiliares, bem como outros agentes públicos de traba­
lhar de modo adequado e, ainda, impede os juizes de segundo grau de proferir
julgamentos; tudo isso em detrimento do princípio da celeridade processual e
do direito do jurisdicionado. Daí a razão pela qual tal preceito, não atendendo
ao modelo constitucional do processo civil, pode ser acoimado de inconstitu­
cional e deixar de ser aplicado, com a realização de qualquer ato processual
também durante o período previsto.
Ora, quando alguém opta por ser magistrado já sabe, previamente, que
não poderá comerciar ou se candidatar a cargo político partidário. Quando
alguém opta por fazer medicina, já sabe que terá de realizar residência médii >i
para poder exercer sua atividade. Mesmo quem faz direito já sabe, previa
mente, que terá de prestar exame da ordem dos advogados para obter o título
e poder exercer a profissão de advogado. Se assim é, então porque quem opta
por ser profissional liberal, sabendo previamente que sua atividade deve sei
contínua, recebe da lei a benesse de um período onde pode ficar sem exen ei
sua atividade, isso enquanto todos os demais envolvidos no processo devem
exercer suas respectivas tarefas? Qual a razoabilidade do discrimen e qual .1
sua pertinência com o sistema jurídico? Com certeza nenhuma. Por isso que
tal regra também infringe o princípio da isonomia, devendo deixar de sei
aplicada. Não bastasse, a norma impede os magistrados de segundo grau de
julgarem, o que é sua função precípua. Nesse passo, se os órgãos colegiados
não podem proferir julgamentos, então o que ficaram fazendo os seus inte­
grantes nesse período?
Outros motivos para a suspensão do curso do prazo estão expressos no
art. 221, do CPC, dizendo respeito à ocorrência de obstáculo criado pela parte
contrária para a prática do ato processual ou a concretização de quaisquer das
hipóteses contidas no art. 313, do CPC, que em verdade apresenta regra geral
para a suspensão do próprio curso do procedimento.
Além dessas hipóteses, o próprio código prevê inúmeros casos de suspen
são de prazos processuais ou de suspensão do próprio processo, como acon
tece com a admissão de incidente de resolução de demandas repetitivas, onde
o relator determinará, por força do disposto no art. 982, I, do CPC, a sus­
pensão dos processos pendentes, em primeiro e segundo graus de jurisdição,
até a solução do incidente. O mesmo acontece no que toca a interrupção dos
prazos processuais, ocasião em que voltam a correr desde o seu início, como
na hipótese de interposição de embargos de declaração, que na forma do art.
1.026, do CPC, interrompem o prazo para a interposição de outros recursos
por qualquer das partes.
Transcorrido o prazo previsto em lei ou fixado pelo magistrado, na forma
prevista no art. 223, do CPC, ocorre o termo final ou termo ad quem, inde­
pendentemente de declaração judicial, operando-se a preclusão de emendar
ou praticar o ato processual. Nada impede, porém, que a parte comprove que
o ato processual não se realizou por justa causa, ocasião em que o magistrado
fixará novo prazo para a realização do ato (§2°).
Por fim, havendo qualquer anomalia quanto ao transcurso dos serviços
forenses, como o fechamento do fórum ou o encerramento do expediente
.uitcs do horário normal, tal data não será considerada como dia útil, sendo
excluída da contagem do prazo.

16.5. Verificação dos prazos e penalidades.


Como todos aqueles que trabalham no processo estão sujeitos a obede­
cer aos prazos processuais, sem prejuízo de outras disposições constantes da
legislação, o código estabelece, nos art. 233 até 235, um sistema de verificação
dos prazos e de imposições de penalidades para aqueles que os descumprem,
a começar pelo próprio magistrado, que por todos pode ser fiscalizado. Daí a
razão pela qual o art. 235, do CPC, dispõe que qualquer das partes, por si, seu
procurador ou patrono, o ministério público ou a defensoria pública, poderá
representar ao corregedor do Tribunal ou ao Conselho Nacional de Justiça
contra o magistrado que excedeu os prazos previstos em lei.
Efetivada a representação, cuja competência para o processamento, no caso
de juiz de primeiro grau, será atribuída à Corregedoria Geral da Justiça ou a
Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça, conforme o caso, o magis­
trado será ouvido previamente (art. 235, §1°, do CPC, ab anitió) e, se for o
caso, arquivada de plano a representação (v.g. quando o ato já foi praticado
e sua prática se deu no prazo legal). Caso contrário, deverá ser instaurado
procedimento para apuração do ocorrido, sendo solicitadas informações ao
magistrado, que poderá justificar o atraso no prazo de até 15 (quinze) dias
(§1°). Ofertada a justificativa ou mantendo-se o magistrado inerte, o correge­
dor deverá intim ar o magistrado para que pratique o ato processual em até 10
(dez dias), sob pena da remessa do feito ao seu substituto legal, que então terá
o prazo de até 10 (dez) dias para proferir decisão (§2°).
A expressa previsão deste procedimento administrativo no bojo do Código
de Processo Civil, com a determinação da remessa do feito ao substituto legal
do juiz, faz com que não ocorra qualquer desrespeito ao Princípio do Juiz
Natural; mormente porque o órgão jurisdicional, em seu aspecto objetivo não
é alterado, sendo a alteração limitada ao seu aspecto subjetivo. Independente-
mente da remessa dos autos ao substituto legal, seguirá o procedimento adm i­
nistrativo seu curso natural, conforme estiver previsto no Regimento Interno
do Tribunal, para apuração da responsabilidade do magistrado e imposição
de penalidade administrativa.
Para que tal representação possa ser ofertada, entretanto, deverá o reprc
sentante contar com elementos de convicção de que o atraso não é decorrente
de motivo justificado, como por exemplo o excesso de serviço da unidade
judiciária ou a falta de estrutura para dar andamento normal ao feito, situ
ações infelizmente ainda bastante comuns em nosso País, onde já tivemos
notícia até mesmo da falta de papel para a prática dos atos processuais. Isso
porque oferecimento de representação infundada, apenas para tum ultuar o
curso do processo ou por emulação, tipifica a conduta descrita no art. 339, do
Código Penal, caracterizando a prática do crime de denunciação caluniosa,
já que o representante dá causa a instauração de investigação administrativa
contra alguém, imputando-lhe crime (Art. 319, do CP - Prevaricação) de que
o sabe inocente.
Por sua vez, na forma prevista no art. 233, do CPC, incumbe ao magistrado
verificar se o serventuário excedeu, sem motivo legítimo, os prazos estabelecí
dos para a prática de ato processual a seu cargo, instaurando dc ofício (§1°) ou
mediante provocação (§2°), procedimento administrativo para apuração das
razões que o levaram a exceder o prazo.
Já para as partes que excedem o prazo para a prática de um ato processual a
penalidade imposta normalmente diz respeito à ocorrência de preclusão, pois
se tratam de prazos próprios, independentemente da responsabilidade civil do
advogado, promotor ou defensor, que também poderão responder adminis­
trativamente perante suas respectivas instituições.
Nada obstante, para esses personagens do processo previa o art. 195, do
CPC de 1973, que a não devolução dos autos no prazo legal implicava na
determinação, pelo juiz, do desentranhamento das petições, manifestações
e documentos que apresentassem relativos ao ato processual praticado, o
que constou de vários projetos anteriores ao que deu origem ao atual CPC.
Agora, retirada a penalidade da atual redação do art. 234, do CPC, deixa de
ser possível tal conduta, em evidente desprestígio da atividade jurisdicional e
do direito da parte contrária. Isso porque a suavidade das penas atualmente
impostas (§2°) pode fazer com que uma das partes conclua que pode é mais
vantajoso sofrer as penalidades do que devolver os autos, com isso retardando
o curso do procedimento.
De qualquer modo, havendo atraso na devolução dos autos, poderão os
Interessados pleitear ao magistrado que determine ao faltoso a devolução do
processo em até 03 (três) dias, (art. 234, §2°, do CPC), sob pena de perder o
direito à vista fora de cartório, incorrer em multa correspondente à metade
do salário mínimo (§1°) e ter a falta comunicada a instituição a qual pertence
(<>§ 3o e 4o). Tendo sido a falta praticada por membro do ministério público, da
defensoria pública ou da advocacia público, tais agentes responderão pessoal-
mente pelo pagamento da multa (§4°).
A esse respeito dessa situação tivemos a oportunidade de vivenciar situa­
ção pitoresca na época em que judicavamos na saudosa Comarca de Palmi-
tal/SP, ainda sob a vigência do CPC de 1973. O advogado de outra comarca
retirou o feito para oferecer resposta, protocolou (via protocolo integrado) a
contestação em sua comarca no prazo legal, mas deixou de devolver os autos
no prazo. Em razão disso, aplicando-se o mencionado dispositivo legal, foi
decretada a revelia do réu e proferida sentença. Inconformado, o advogado
retirou novamente os autos para oferecer recurso de apelação, protocolou (via
protocolo integrado) o recurso em sua comarca no prazo legal, mas deixou de
devolver os autos no prazo. Mais uma vez aplicado o mencionado dispositivo
legal, o recurso não foi recebido. Inconformado, o advogado retirou nova-
mente os autos para oferecer agravo de instrumento da decisão que não rece­
beu a apelação, protocolou (via protocolo integrado) a petição que noticiava
a interposição do agravo (art. 526, do CPC de 1973), sem o que o recurso
não seria conhecido pelo Tribunal, mas deixou de devolver os autos no prazo.
Diante disso o Tribunal deixou de conhecer o agravo de instrumento, tran­
sitando em julgado a decisão proferida. Depois desse triplo erro e da súbita
fama obtida pela conduta praticada, ao que consta, o advogado nunca mais
apareceu na Comarca.

16.6. Tempo dos atos processuais.


Embora previsto fora do capítulo relativo aos prazos processuais, já que as
regras atinentes ao tempo em que devem ser realizados os atos estão previstos
na parte relativa aos atos processuais (art. 212 até 216), o momento em que o
ato processual pode ser realizado está intimamente ligado ao decurso de um
determinado prazo, razão pela qual preferimos tratar da matéria aqui e não na
parte relativa à teoria geral dos atos processuais, evitando com isso uma i. isi\o
quanto a tudo que diz respeito ao tempo dos atos que devem ser realizados
Nesse passo, define o art. 216, do CPC, a distinção entre os dias em qiu
há expediente forense e os dias em que este ordinariamente não se realiza
aduzindo que além dos declarados em lei, são feriados, para efeito forense, os
sábados e os domingos e os dias em que não haja expediente forense por causa
previamente prevista ou por motivo de força maior. Portanto, como os prazos
são contados em dias úteis, nele não são computados os sábados, os domingos,
os feriados federais, estaduais e municipais, bem como os dias em que o Tri
bunal decretar a suspensão do expediente forense, como costuma acontecer,
por exemplo, quando parte dos funcionários entra em greve. Para permitu
uma programação mais adequada dos serviços forenses, no início de cada ano
o Tribunal de Justiça de São Paulo faz publicar a relação de feriados e dias em
que não haverá expediente em todas as comarcas do Estado, o que não impede
a suspensão dos serviços em outras oportunidades, normalmente em casos de
calamidade pública ou da decretação de luto oficial.
No sistema original do CPC de 1973 os atos processuais não se realizavam e
os prazos ficavam suspensos durante o período de férias forenses, que aconte
cia nos meses de janeiro e julho. Tal sistemática era bastante apropriada já que
normalmente os magistrados, ao menos no Estado de São Paulo, costumavam
sair de férias apenas no mês de janeiro e aproveitavam o mês de julho, quando
não havia andamento normal dos feitos, para deixar em dia todo o serviço
que lhes era atribuído. Também era um bom sistema para os advogados, que
podiam gozar de férias durante os períodos de férias escolares, situação que
agrada todos que têm filhos em idade escolar. Com o tempo, todavia, foram
eliminados os períodos de férias forenses em primeiro grau e, por fim, com a
entrada em vigor da Emenda Constitucional n.° 45, de 08.12.2004, denomi­
nada de Reforma do Poder Judiciário, também foram extintas as chamadas
férias forenses em segundo grau.
Em que pese à boa intenção da lei, que reconhecia o serviço jurisdicional
como essencial e, por isso, lhe atribuía o caráter de continuidade permanente,
sem interrupção, tal sistemática acabou por se demonstrar, na prática, sem
qualquer efeito prático positivo. Muito pelo contrário, além de instituir a nor­
malidade do atraso na prática dos atos processuais, ainda deixou os advogados
sem qualquer período que pudessem sair de férias de maneira mais adequada,
iu tcw n m ia ./j rnncyj) ")//

isso em tace da não suspensão da fluência dos prazos processuais. Demorou


pouco para que os Tribunais, normalmente a pedido da própria seção local
<1.1 OAB, instituíssem o regime do chamado recesso forense, suspendendo os
prazos entre os dias 20 de dezembro e 06 de janeiro, lapso temporal durante o
qual funcionaria apenas o regime do plantão judiciário.
O Estado de São Paulo, todavia, em dissonância com o regime adotado
na lustiça Federal, na Justiça do Trabalho e a na maioria das Justiças Esta­
duais, nunca suspendeu o expediente dos serviços forenses, instituindo um
regime misto. De 20 de dezembro a 06 de janeiro não corria qualquer prazo
processual e de 07 de janeiro até 20 de janeiro aplicava-se o sistema das férias
forenses, com alguns processos tendo andamento normal e outros não; mas
sempre com as unidades judiciárias funcionando normalmente; situação esta
que perdurou até o ano de 2011, quando então também foi adotado o regime
já comum aos demais Tribunais.
Atualmente, como acima anotado, o art. 220, do CPC, estabelece o período
compreendido entre os dias 20 de dezembro e 20 de janeiro de cada ano ocor­
rerá à suspensão dos prazos, mas o normal funcionamento dos serviços foren­
ses, devendo todos aqueles que atuam no processo (§1°), exceto os advogados,
exercer as suas atribuições normal mente; ficando vetado aos magistrados a
realização de audiências durante o período e aos órgãos colegiados proferir
julgamentos. A lei não define se tal período tem a natureza de férias ou de
recesso forense, o que acabará a gerar novamente uma diversidade quanto ao
regime de trabalho durante esse período. Isso porque há uma evidente contra­
dição entre o art. 220 e os art. 214 e 215, do CPC, ao tratarem do tema.
Ocorre que, se o art. 220, §2°, do CPC, dispõe que não serão realizadas
audiências ou julgamentos por órgão colegiado no período; então é porque
todos os demais tipos de atos poderão ser praticados. Se assim é, então por
qual razão o art. 214 aduz que durante as férias não serão praticados atos
processuais, a exceção das citações, penhoras e das providências judiciais de
urgência? Pode o magistrado que está trabalhando nesse período proferir uma
sentença? E o promotor que atua como custos legis, pode juntar aos autos seu
parecer? Pela regra do art. 220 sim. Pela regra do art. 214 não. Incongruente
o sistema, portanto, neste aspecto, reiteramos o posicionamento acima espo­
sado, no sentido de que todos os atos devem ser praticados e que, em respeito
ao modelo constitucional do processo, não estão os advogados excluídos denta
regra.
Excluídos os feriados forenses e o período de férias (ou de recesso) foren .i
na forma prevista pelo art. 216, do CPC, os atos processuais serão realiza
dos em dias úteis, das seis às vinte horas (art. 212); à exceção das hipótese,
previstas nos incisos do referido preceito e dos atos processuais eletrônicos,
estes podendo ser realizados qualquer que seja o horário (art. 213). Também
a lei especial prevê a realização de atos em outros horários, como acontece
nos juizados especiais cíveis (Lei. n° 9.099/95), onde a preferência deve sei i
realização dos atos fora do horário comercial, com isso facilitando o aceso
da população a esse micro-sistema. Três das exceções à regra geral merecem
atenção. A constante do §1° permite a magistrado dar continuidade à prátic.i
dos atos processuais mesmo ultrapassado o horário das 20:00 horas; o que não
é incomum acontecer em audiências de causas mais complexas, onde são mui
tas as testemunhas ouvidas e freqüentes os incidentes suscitados pelas partes
A segunda hipótese (art. 212, §2°) constitui uma regra de ouro quanto à
citação, intimação e penhora, já que durante o horário indicado, que é o horá
rio normal que as pessoas utilizam para ir ao trabalho, exercer suas ativida
des e voltar para casa, o oficial não costuma às encontrar para a realização
do ato. Daí a razão pela qual tal medida, que no sistema anterior deveria ser
expressamente autorizada pelo juiz (art. 172, §2°, do CPC de 1973) e normal
mente era pleiteada pelo autor no bojo da petição inicial; agora independe
de autorização, podendo ser espontaneamente e preferencial mente praticada
pelo oficial de Justiça, desde que observado o disposto no art. 5o, inciso XI, da
Constituição da República.
Por fim, o art. 212, §3°, afasta qualquer dúvida sobre o momento em que se
encerra o prazo para o oferecimento de petições, excetuado mais uma vez o
processo eletrônico, dispondo que a petição deverá ser apresentada no proto­
colo dentro do seu horário do seu funcionamento, nos termos da lei de orga­
nização judiciária local.

16.7. Preclusão.
No início do presente capítulo afirmamos é essencial ao desenvolvimento
do processo à existência de um sistema de prazos para a prática dos atos
processuais, bem como de um sistema de preclusòes, isso para impedir o
retrocesso da parte do procedimento já ultrapassada. Na linguagem de Cris-
lln.i Ferraz “em nossa vida, o tempo está vinculado a idas sem retorno, a não
ier por meio da memória. Ê impossível retornar a um dia que já passou. Muta-
tis mutandi, o professor José Lisboa da Gama Malcher compara o procedimento
11 um canal de eclusas, em que a preclusão atuaria 'como as comportas que se
In liam, uma a uma, à medida que por elas passa o navio. .".627 Real mente, para
que o procedimento possa seguir o iter previsto em lei, torna-se necessário
encerrar e definir o momento anterior para que se possa seguir no momento
posterior. Sem esse mecanismo corre-se o risco de que os atos processuais
-.«•jam repetidos de forma infindável, com a eternização da demanda. Essa a
u /ã o da existência da preclusão.
A doutrina acerca do tema parte necessariamente da posição de Chiovenda
que, em diversas oportunidades, afirmou que “a preclusão c um instituto geral
mm freqüentes aplicações no processo e consistente na perda de uma faculdade
processual por se haverem tocados os extremos fixados pela lei para o exercício
desta faculdade no processo ou numa fase do processo.".62* Em outras pala­
vras, a preclusão pode ser considerada, de uma forma geral, como a perda de
uma faculdade processual, isto é, como a perda da possibilidade de praticar
um determinado ato processual. Seguindo essa doutrina alerta João Batista
l.opes para a existência de três modalidades de preclusão, aduzindo que “para
impedir retrocessos ou repetições de atos, a lei processual vale-se do instituto
da preclusão, que se conceitua como a perda da faculdade de praticar um ato,
em razão do decurso do prazo respectivo (preclusão temporal) ou por já ter sido
praticado o ato pretendido (preclusão consumativa), ou, ainda, por já ter sido
praticado ato incompatível com o pretendido (preclusão lógica).”.629
São três, portanto, as modalidades de preclusão: a) a temporal, que acon­
tece quando a parte deixa de praticar o ato processual no prazo fixado pela
lei ou pelo magistrado (ex.: perda de prazo para contestar); b) a lógica, que
acontece quando a parte pretende praticar ato contrário a ato que praticou
anteriormente (ex.: parte se arrepende de acordo formulado e apela da sua

FERRAZ, p. 43.
' CHIOVENDA, Giuscppe. I n s t i t u i ç õ e s d e d ir e ito p r o c e s s u a l c iv il. Campinas: Bookseller, 1998. p.
homologação pelo magistrado); e, c) a consumai iva, que acontece quando n
parte pretende praticar novamente ato que já praticou (ex.: réu que pretendí
emendar a contestação). Nessas três hipóteses estará a parte impedida de pra
ticar o ato processual por perder a faculdade de fazê-lo nos autos em que .<
deu a preclusão.
Há quem acrescente a estas três espécies de preclusão uma quarta espc
cie. Para Fredie Didier Jr., por exemplo, há necessidade de complementar a
classificação apresentada para nela acrescer a preclusão decorrente de ato ili
cito, denominada preclusão punitiva. A esse respeito alerta o autor que "llii
alguns exemplos no direito positivo, em que se vislumbra a perda de um podet
processual (preclusão), como sanção decorrente da prática de um ato ilícito: I)
perda da situação jurídica de inventariante, em razão da ocorrência dos ilícito.*
apontados no art. 995 do CPC;... [...] Em todas essas hipóteses, há a perda «/<
um poder jurídico processual decorrente da prática de um ato ilícito; há, pois,
preclusão decorrente de um ilícito e não do descumprimento de um ônus.”.'’'"
Fundado nas lições de Riccio e levando em consideração as mesmas idéias.
Antonio Alberto Alves Barbosa denomina essa quarta espécie de preclusão
ordinatória, alertando que ela "...nasce do exercício irregular de uma faculdade
processual. Se a faculdade processual deve ser exercida de determinado modo <•
segundo determinadas formas, decorre disso que o exercício irregular precludc.
nos casos estabelecidos pela lei, qualquer outro exercício.".6"
Nada obstante, preferimos a adoção da classificação tradicional, já que
as hipóteses que tipificam as situações jurídicas acima mencionadas, salvo
melhor juízo, também caracterizam a prática de um ato processual, embora
de forma não adequada. Daí, cremos, todas as hipóteses aventadas podem ser
abarcadas pela preclusão consumativa, já que algum tipo de ato foi efetiva
mente praticado.
Por fim, cabe observar que a decretação da ocorrência da preclusão não
caracteriza uma punição no processo, mas sim a perda de uma possibilidade,
o que a caracteriza como o resultado de um ônus processual não cumprido.

6M> DIDIER IR, Fredie. C u r s o d e d ir e ito p r o c e s s u a l c iv il. Salvador: Podium, 2007. v. 01, p. 254-255.
631
BARBOSA, Antonio Alberto Alves. D a p r e c lu s ã o p r o c e s s u a l c iv il. 2* e.. Sáo Paulo: RT, 1992. p. 35
i\ j ii.v/nm u u j r ivuv<i J 1 I

Verificação de Aprendizagem
ui Defina prazo processual.
li.’ Quais são os princípios informativos da teoria dos prazos?
l i C o m o se classificam os prazos?
III O que são prazos dilatórios e prazos peremptórios?
(IV Qual a distinção entre suspensão e interrupção de um prazo?
Il<>. De qual instrumento dispõe o interessado para atacar atraso injustificado
da prática de ato processual pelo magistrado?
1)7. Em que consistem os feriados forenses?
OK. O que é preclusão? Quais são suas espécies?
u v m s ft* - k tt.tT n .iifv » i

Planificação para aula


01. Prazo processual - É o espaço de tempo entre dois termos (o termo inii i.il
e o termo final).
a) Paridade de tratamento
02. Princípios b) Brevidade e utilidade
c) Não continuidade
e) Inalterabilidade
- Legais
- Qto a origem - Judiciais
- Convencionais
- Comuns
- Qto destinatário
- Particulares
03. Classificação
- Próprios
- Qto à penalidade
- Impróprios
- Peremptórios
- Qto a natureza
- Dilatório
04. Contagem.
- Dias úteis.
- Termo inicial (a quo).
- Suspensão e interrupção.
- Termo final {ad quem).
05. Tempo dos atos processuais: feriados forenses e férias forenses.
06. Preclusão.
- Perda de uma faculdade processual
Espécies: T em p o ral, lógica e c o n su m a tiv a .

P reclu são p u n itiv a?

Ilibliografia
BARBOSA, Antonio Alberto Alves. Da preclusão processual civil. 2a e.. São
Paulo: RT, 1992.
( HIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. Campinas:
Bookseller, 1998.
CRUZ E TUCCI, José Rogério. Tempo e processo. São Paulo: RT, 1998.
DIDIER JR, Fredie. Curso de direito processual civil. Salvador: Podium, 2007.
FERRAZ, Cristina. Prazos no processo de conhecimento. São Paulo: RT, 2001.
( íUERRA, Marcelo Lima. Estudos Sobre o Processo cautelar. São Paulo: Malhei-
ros, 1995.
I.OPES, João Batista. Curso de direito processual civil. São Paulo: Atlas, 2005.
MARTINS, Alfredo Soveral. Direito Processual Civil. Coimbra: Fora do texto,
1995.
MONIZ DE ARAGÃO, Egas Dirceu. Comentários ao código de processo civil.
6n e.. Rio de Janeiro: Forense, 1989.
SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. 25a e..
São Paulo: Saraiva, 2007.
THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 47a e.. São
Paulo: Forense, 2007.
17. ATOS PROCESSUAIS EM ESPÉCIE

17.1. Comunicações dos atos processuais. 17.2. Das cartas. 17.3. Da citação. 17.3.1.
Noções gerais, a) Definição e natureza jurídica. b) Necessidade, c) Destinatário e local.
17.3.2. Efeitos. 17.3.3. Modalidades, a) Citação real indireta: correio e meio eletrônico,
b) Citação real direta: oficial de justiça e escrivão, c) Citação ficta ou presumida: edital
e hora certa. 17.4. Intimações. 15.5. Distribuição e registro. 17.6. Do valor da causa, a)
Necessidade e mensuraçâo. b) Finalidades, c) Impugnação.

17.1. Comunicações dos atos processuais.


Quando estudamos o princípio do contraditório observamos que ele esteve
iradicionalmente ligado à idéia da dialética no curso do processo, ou seja, à
possibilidade de manifestação de uma das partes acerca da atuação da outra.
Para obter tal desiderato a cada ação de uma das partes fazia-se necessária à
Informação da parte contrária para que pudesse reagir, situação essa que per­
dura hodiernamente, embora possa ser considerado que ao binômio informa-
ção-reação houve o acréscimo de um terceiro elemento, que é a participação.
Com isso, além do direito de ser informado de qualquer conduta praticada
pela parte contrária no processo e de ter a possibilidade de reagir a essa con­
duta, a parte ainda deve ter a possibilidade de interferir na condução do pro­
cesso, praticando atos tendentes ao convencimento do magistrado acerca da
relação jurídica de direito material que se pretende acertar, efetivar ou assegu­
rar. Essencial, portanto, para que o processo respeite ao modelo previsto pela
Constituição da República, sob pena de nulidade, que todos os atos proces­
suais realizados sejam comunicados às partes, na forma prevista pelo nosso
CPC.
No CPC de 1939 havia uma distinção entre as modalidades utilizadas para
a comunicação dos atos processuais, alertando Moniz de Aragão que “citação
dizia-se o chamamento a juízo, para apresentar defesa; notificação, a notícia
de que se deve praticar ou abster-se de algum ato, sob certa cominação; inti­
mação, a ciência dos atos passados em juízo.”.*132 Essa distinção, todavia, não
foi adotada pelo CPC de 1973 ou pelo código atual, que reconhecem apenas a

; MONIZ ü EAKAGAO, E.D.. C o m e n tá r io s a o c ó d ig o d e p r o c e s s o c iv il. 6‘ e.. Rio de Janeiro: Forense,


1989. p. 188.
i i v n i f iii i i k i v i v m v * v v J k i i v m i i r n i>j i n v r v n n i > n » i v n »<»»# » n v « « w w w

citação e a intimação como modalidades de comunicações dos atos processo


ais, Acitação, como se verá, serve apenas para convocar o réu, o executado ou
o interessado para integrar o processo (art. 238); sendo todos os demais atos
processuais comunicados mediante intimações.
Como a lei partilha a atividade jurisdicional entre os diversos órgãos
jurisdicionais existentes e porque a soberania se limita ao território do nosso
Estado, pode ocorrer que um determinado órgão tenha que cumprir ou comu
nicar a prática de um ato processual no território de outro ou mesmo em Pais
estrangeiro. Por isso o art. 236, do CPC, indica que os atos processuais serão
cumpridos por ordem judicial, disciplinando os seus parágrafos como se deve
proceder conforme o ato tenha de realizar-se fora dos limites territoriais du
comarca ou da seção judiciária. Em suma, para a prática de atos processuais
fora do território da comarca, sejam meras comunicações ou não, utilizam-se
as cartas de ordem, rogatória, precatória ou arbitrai, definidas no art. 237, do
CPC, na forma abaixo explanada.

17.2. Das cartas.


Embora a regulamentação dos aspectos formais necessários à comunica
çãoe a realização válida dos atos processuais, mediante a expedição das car
tas,sejam tratados nos art. 260 até 268, do CPC, a definição das quatro moda
lidades de cartas é encontrada no art. 237, do mesmo diploma, que define as
especies de cartas ao especificar em que hipóteses cada uma das modalidades
deverá ser utilizada. O referido preceito perdeu uma boa oportunidade para
aprimorar a redação do art. 201, do CPC de 1973, definindo a carta de ordem
como àquela que é expedida por Tribunal para juízo a ele vinculado. Com isso
manteve situação existente sob a égide da antiga lei, segundo a qual a carta de
ordem era expedida “...se o ju iz fo r subordinado ao tribunal de que ela emanar.
...”.Com isso o tribunal de um Estado fica obrigado a expedir carta precatória
para o tribunal de Estado vizinho, para que este então expeça carta de ordem
para o juiz que lhe era subordinado cumprir o ato processual deprecado. Há
evidente desperdício de atividade jurisdicional, já que com base no dever de
cooperação nacional a carta de ordem poderia ser expedida diretamente pelo
Tribunal para juiz que a ele não fosse vinculado, sem a necessidade de antes
passar pelo tribunal ao qual o magistrado esteja vinculado.
Por sua vez, quando ocorre à necessidade da prática ou da comunicação de
.«to processual fora do País, a via adequada é a carta rogatória, que está defi­
nida no art. 237, II, do CPC, como a carta expedida para que autoridade judi-
i iária estrangeira pratique ato relativo a processo que esteja em curso perante
orgão da jurisdição nacional. Já para a prática de atos em outra comarca
no território nacional é utilizada a carta precatória, na forma do inciso III
do mesmo preceito. Juntamente com as três tradicionais espécies de cartas,
o atual código apresenta uma nova espécie, não tratada pelo CPC de 1973,
denominada carta arbitrai (art. 237, IV), que se destina à prática de um deter­
minado ato de processo arbitrai por órgão jurisdicional nacional, na área de
sua competência territorial.
Sem embargo da necessidade da utilização de tais vias processuais, acredi­
tamos que o avanço da tecnologia cada vez mais fará cair em desuso à utiliza­
ção de cartas expedidas para a prática e para a comunicação de atos proces­
suais. Isso porque, com a efetiva implantação do processo eletrônico em todos
os ramos da Justiça, o que fatalmente acontecerá no futuro, certamente serão
implementados meios para a realização dos atos processuais em localidades
diferentes, seja por meio de videoconferência, seja por meio de outro recurso
tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real (art. 236, §3°, do
CPC).
No presente, porém, a lei estabelece como requisitos essenciais para expe­
dição das cartas que delas constem os documentos considerados essenciais,
portanto obrigatórios, constantes dos incisos do art. 260, do CPC; podendo
o magistrado determinar o traslado de outras peças que reputar útil para a
realização do ato processual, consideradas por isso como documentos facul­
tativos, como mapas, desenhos ou gráficos (§1”). Sendo possível, entretanto,
tais cartas deverão ser expedidas por meio eletrônico, na forma do art. 263,
do CPC.
Ao expedir uma das cartas deverá o magistrado, observados os princípios
da brevidade e da utilidade, que informam a teoria dos prazos, fixar o prazo
para a realização ou para a comunicação do ato processual (art. 261). Em
outras palavras, deverá fixar um prazo para o cumprimento da diligência,
levando em conta que o prazo mais breve possível, desde que seja suficiente
para alcançar a finalidade desejada. A respeito deste prazo assinalou Pontes
de Miranda que “O prazo para o cumprimento é como o tempo de vida da
precatória. O Código de 1939 fê-lo requisito da caria de ordem, e ndo da prei a I)c fato, negar à carta precatória caráter itinerante implicaria, por via trans­
tóric Mas o Código de 1973 fo i explícito: “Em todas as cartas ..." pergunta sr. versa, em inviabilizar a prática de certos atos processuais. Veja-se, por exem­
faltando esse requisito, jé nula a carta? Sim; contudo, os arts. 249 e 250 são aph plo, o caso de busca e apreensão de um veículo, onde ficaria muito fácil para
cáw.í 0 prazo interessa ao procedimento, dirige-se às partes; de modo que se 0 réu viajar para outra comarca apenas para frustrar a efetivação da determi­
há kjixar à precatória, ainda que a lei o tenha confundido com prazo dirigido nação judicial. Portanto, sendo itinerante a carta, nada impede que o credor
ao jtiit. Daí só falar dele a propósito de carta de ordem .”*
633 a apresente em local diverso daquele ao qual foi endereçada, aprendendo o
Emse tratando da prática de ato essencial à existência ou ao desenvolví veículo onde quer que ele esteja.
mento regular do processo, como v.g. a citação do réu, o feito ficará suspenso Por fim, o art. 267, do CPC, disciplina as hipóteses em que o juízo depre-
durante o prazo fixado pelo magistrado para o cumprimento da carta expe 1ado poderá negar cumprimento a carta precatória que lhe é endereçada, dei­
dida Vencido o prazo deverá o magistrado, por força do princípio do impulso xando de nela lançar o “Cumpra-se.” necessário a sua execução em seu terri­
oficial, determinar a prática de novas providências com o fito de viabilizar a tório. Tal recusa de cumprimento deve ser objeto de decisão fundamentada e
realização do ato processual. somente poderá acontecer no caso da ausência dos requisitos legais (inciso I),
Porém, se a carta houver sido expedida com a finalidade da produção dc cm caso de incompetência absoluta (inciso II) e quando houver dúvida com
prova,o feito apenas ficará suspenso pelo período fixado se o requerimento relação a sua autenticidade (inciso III). Nada impede, porém, que antes de
para produção for formulado antes do saneamento do processo e se a prov.i devolver a carta o juízo deprecado determine que a parte interessada supra a
puder ser considerada imprescindível, na forma prevista pelo art. 377, c.c. art lalta e, com isso, promova eventual aditamento à carta que torne viável o seu
313, V,“b”, in fine, ambos do CPC. Não sendo a carta devolvida dentro do cumprimento. Afinal, seria uma perda de tempo e de atividade jurisdicional,
prazojudicial, seguirá o processo seu curso normal, podendo a carta ser jun tanto para o juízo deprecado, quanto para o juízo deprecante, devolver a carta
tadaaos autos até final decisão, conforme autoriza o art. 377, parágrafo único, porque nela não consta cópia do instrumento do mandato conferido ao advo­
do CPC. gado (art. 260, II, do CPC), quando basta a sua juntada para a regularização
dos aspectos formais da carta expedida.
Qualquer que seja a modalidade de carta expedida ela terá o caráter itine
rante(art. 262), ou seja, poderá ser cumprida por órgão jurisdicional diverso
daquela para o qual é expedida. A tal respeito ensina Moniz de Aragão que 17.3. Da citação.
“O tatofaculta a apresentação da carta a juiz distinto do nela designado, não
só m casos de erro do endereçamento como nos de ser necessário praticar o 17.3.1. Noções gerais.
ato tmoutro local, porque a coisa ou a pessoa neste se encontra. A primeira
hipótese visa a contornar certas dificuldades geográficas ou decorrentes de alte a) D efinição e natureza jurídica.
rações na divisão judiciária, [...] A segunda hipótese visa a contornar as difieul
O CPC de 1939 não definia citação, mas a doutrina delimitava seu conceito
dadesque possam resultar do rápido deslocamento de pessoas ou coisas, com o e finalidade. A tal respeito dizia De plácido e Silva que “Citação, derivada
fito ieesquivar-se à ação da Justiça.”.63‘' de citum , freqüentativo do verbo ciere - produzir movimento, chamar, incitar,
excitar - é o chamamento do réu a juízo para assistir a todos os atos e termos
da ação. Ou como define João Monteiro - o ato pelo qual se chama a juízo
aquele de quem se pretende alguma coisa. A citação,pois, dá a idéia de convo­
633 PONTES DF. MIRANDA, Francisco Cavalcanti. C o m e n tá r io s a o c ó d ig o d e p r o c e s s o c iv il. 2“e.. Rio
dífeneiro: Forense, 1974. p. 172. cação, do convite ou chamamento, em virtude do que se procura trazer outra
633 MONIZ DE ARAGÀO, p. 200-201. pessoa (o citando) à participação voluntária de um feito, em que se pretendem

discutir interesses recíprocos.".*” Neste mesmo sentido a colocação de Joigi (Oivstar no art. 238. do CPC, que a “citação é o ato pelo qual são convocados
Americano, para quem “citação é o chamamento ao juízo para atender à causa 0 réu, o executado ou o interessado para integrar a relação processual." Essa
ou para praticar algum ato judicial. Faz-se, em regra, a requerimento da parle atual definição do instituto, como se vê, apresenta três alterações relevantes
e por exceção, ex-ofício como no juízo administrativo, ou para diligências, no quando comparada com a definição anterior. Por primeiro, houve a substi­
despacho saneador:”.636 já o CPC de 1973 houve por bem definir o ato pro tuição do verbo chamar pelo verbo convocar, situação que acentua a idéia de
cessual da citação, aduzindo em seu art. 213 que “Citação é o ato pelo qual se obrigatoriedade do comparecimento ao processo e da possibilidade daquele
chama a juízo o réu ou o interessado, a fim de se defender." que se ausenta de sofrer algum tipo de penalidade (no caso do réu a revelia).
1 m segundo lugar houve um alargamento da definição legal para abranger
Observa-se, portanto, que nos sistemas processuais anteriores a citação
também o executado, além do réu e do interessado. Por fim, agora a convoca­
era concebida como o ato que chamava o réu ao processo, vinculando a sua
rão não mais se dá para o oferecimento de resposta, mas sim para integrar o
finalidade a possibilidade do oferecimento de defesa. Em outros termos, dois
processo ou, nos exatos termos da lei, da relação jurídica processual.
elementos eram observados para caracterizar o ato processual como sendo a
citação: a) o chamamento inicial de alguém a juizo e b) a finalidade de, que Por sua vez, distribuída e encaminhada ao juízo à petição inicial, não sendo
rendo, oferecer resposta. Em razão disso a definição legal era criticada pela o caso de julgamento prima facie, deve o magistrado exercer juízo de admis­
doutrina sob o argumento de que, por vezes, não se cita alguém para oferecei sibilidade para aferir se estão ou não presentes os requisitos da petição inicial,
defesa, mas sim para participar no processo de outra forma. Era o que acon mandando emendá-la em caso negativo ou mandando citar o réu, o execu­
tecia, por exemplo, com a citação do ministério público para participar do tado ou o interessado em caso positivo. Essa decisão inicial, que no processo
processo na qualidade de custos legis. de conhecimento normalmente se resume aos dizeres 7. Recebo a inicial. II.
Cite-se para audiência de conciliação no setor competente, com as advertências
Por tais razões, após apresentar a objeção da doutrina a respeito do tema,
de praxe. Intime-se.” (art. 334, do CPC), dá a entender que o juiz profere uma
André De Luizi Correia procurou ampliar a definição legal para abarcar os
decisão que pode ser classificada como despacho, já que aparentemente nada
demais casos em que se realizava a citação, definindo-a como o “...ato judi
resolve. Mas qual será, efetivamente, a natureza jurídica desta decisão? Des­
ciai que tem por finalidade comunicar ao sujeito passivo da relação processual
pacho ou decisão interlocutória?
(réu e litisconsortes passivos) ou aos interessados, que fo i ajuizada demanda ou
procedimento de jurisdição voluntária, a fim de que possam, querendo, vir se No sistema do CPC de 1973 a resposta a tal questão ganhou enorme relevo,
defender ou se manifestar, dando-se-lhes oportunidade, dessa forma, de exercer na medida em que a definição da natureza do ato implicava na possibilidade
o fundamental direito ao contraditório (no caso do réu e litisconsortes passi ou não da interposição de recurso de agravo. Por isso, após um vacilo ini­
vos) ou o fundamental direito de ação (no caso dos interessado em integrar a cial acerca do tema, a jurisprudência da época praticamente se pacificou no
lide)”.6” sentido de que se tratava de um despacho, sendo inviável a interposição de
recurso. Tal se deu, em verdade, não em função da real natureza jurídica do
Observando as objeções da doutrina e em atenção à evolução natural do
instituto, mas sim porque durante longo período o que se via era a interposi­
instituto, o atual sistema processual alterou a definição do instituto, fazendo
ção de agravo da decisão e de mandado de segurança para paralisar o curso
do processo - depois substituído pelo pedido de efeito suspensivo ao relator do
“ s DE PLÁCIDO E SILVA. Comentários ao código de processo civil. 4* e.. Rio de Janeiro: Forense, recurso - situação que causava enorme prejuízo ao normal desenvolvimento
1956. 2° v, p. 09.
do feito, que em muitas ocasiões se eternizava por conta da habilidade dos
6,6 AMERICANO, Jorge. Comentários ao código do processo civil do Brasil. São Paulo: Saraiva, 1940.
p. 307. advogados dos litigantes.
CORREIA, Andrc De Luizi. A citação no direito processual civil brasileiro. São Paulo: RT, 2001. p,
33.
Nada obstante, embora aparentemente nada resolva, o lato do magistrado
determinar a citação implica, forçosamente, no reconhecimento de que a ini
ciai foi examinada e de que o magistrado considerou presentes todos os requl
sitos necessários à regularidade formal do processo, que pode seguir no ih t
processual previsto em lei. O ato processual que ordena a citação, atualmenti
caracteriza uma decisão interlocutória, razão pela qual deve ser praticado pelo
magistrado, não se incluindo naqueles atos que podem ser praticados de ofú Io
pelos auxiliares do juízo (art. 203, §4°, do CPC). Desta decisão, porém, poi
falta de previsão legal, não cabe a interposição de recurso.

b) N ecessidade.
Sendo o processo necessariamente permeado pelo contraditório, torna se
necessário que o ato inicial de convocação para a integração no processo seja
realizado, sob pena de desrespeito ao sistema de garantias previsto pela Cons
tituição da República. Tratando da necessidade da citação e ainda sob a égidi
do CPC de 1973, asseverava Moacyr Amaral Santos que “Já em respeito no
princípio do contraditório, que não admite exceções, já por se tratar de ato
constitutivo da relação processual (Cód. cit., art. 263), a citação é ato necessá
rio, indispensávehj...] Sem citação, nulo é o processo: não se integrou a relação
processual. Tal nulidade pode ser alegada em qualquer momento do processo
e, ainda que transitada em julgado a sentença, por via de ação rescisória (Cód
cit., art. 485, VJ.".638
Essa necessidade, outrossim, estendia-se a todos os tipos do processo e até
mesmo aqueles que poderíam ter seguimento conjunto, o que levou Moniz de
Aragão a afirmar que “A exigência da lei, por outro lado, se endereça aos pro
cessos de conhecimento, de execução e cautelar, assim como aos procedimen
tos de jurisdição voluntária. A citação inicial para um não vale com relação a
outro, ainda que todos estejam pendentes, ...”.639
De fato, mediante o ato de citação o réu, o interessado ou o executado
tomam conhecimento do processo e são convocados a comparecer a juízo,
importando a sua inércia na ocorrência de ônus que, eventualmente, acabarão
por selar a sorte da demanda. O réu que é citado e não comparece a juízo, por

' " SANTOS, Moacyr Amaral. P r im e ir a s l i n h a s d e d ir e ito p r o c e s s u a l c iv il. 24* e.. São Paulo: Saraiva,
2008. v.2, p. 174.
"w M O N I Z D E A R A G À O .p . 227.
'"templo, deixando de oferecer resposta, suportará a presunção de veracidade
ilie, latos articulados na inicial, o que na grande maioria dos casos leva ao
acolhimento do pleito formulado pelo autor. Seja, portanto, por imposição
do modelo constitucional do processo civil, seja para evitar a ocorrência de
•atuações normalmente contrárias ao direito da parte, a citação demonstra-se
necessária ao desenvolver do processo.
Nada obstante a efetiva necessidade da citação e em que pese à redação
dada ao art. 239, do CPC, segundo a qual para a validade do processo é indis­
pensável a citação (grifo nosso); é questionável se a sua falta gera conseqüên-
t ias no plano da existência ou da validade do processo. Para os que adotam a
posição tradicional e majoritária de que a citação é pressuposto de existência
do processo, sua ausência importará na não existência do processo e não na
sua invalidade, como prescreve o artigo em epígrafe, permitindo que a qual­
quer tempo seja reconhecida, até mesmo em ação autônoma, a inexistência
do feito. Já para aqueles que entendem que a citação é pressuposto de desen­
volvimento válido e regular do processo, a sua ausência gera efeitos quanto à
validade do feito, situação que se amolda à previsão legal.
Qualquer que seja a posição adotada, porém, o comparecimento espontâ­
neo do réu ou do executado supre a falta ou a nulidade da citação (art. 239,
<d°), desde que, à evidência, deles não resultem quaisquer prejuízos para o réu
ou para o executado. Nesse caso, será a partir do comparecimento que passará
a fluir o prazo para o oferecimento de defesa, pois é nesse momento que resta
documentada a ciência inequívoca que o sujeito passivo tem do processo e do
seu conteúdo.
Todavia, se a parte comparece ao processo apenas para alegar a ausência
ou a nulidade da citação, pedindo que o juiz decrete a nulidade do feito a par­
tir de certo momento procedimental, então o prazo para o oferecimento de
defesa passará a fluir da intimação da decisão que decretou a nulidade. Mas
se o juiz não acolher a alegação, então será aplicado o art. 239, §2°, do CPC,
segundo o qual no processo de conhecimento o réu será considerado revel
(inciso I), enquanto no processo de execução os atos executivos terão normal
prosseguimento (inciso II).
c) D e s t i n a t á r i o e lo c a l.

Tendo em vista que a citação foi definida como o ato processual que tem
por finalidade convocar o réu, o executado ou o interessado para que venham
integrar o processo, resta certo que são estes os seus respectivos destinatário-,
Daí a razão pela qual o art. 242, do CPC, eliminou uma impropriedade exh
tente na redação no art. 215, do CPC de 1973, que se referia apenas ao réu r
não mencionava o executado e o interessado como os destinatários da citação
Portanto, além do réu, também o executado e o interessado podem ser citado-,
na pessoa de seu representante legal ou na pessoa de seu procurador legal
mente autorizado ao recebimento da citação.
Outrossim, também não há maiores problemas com relação ao local onde
pode ser realizada a citação, na medida em que o art. 243, do CPC, seguindo
a regra geral que já era estabelecida pelo art. 216, do CPC de 1973, afirma que
a citação poderá ser feita em qualquer lugar em que se encontre o réu, o exe
cutado e o interessado.
Os problemas surgem, todavia, quanto as exceções as regras gerais, que
estão previstas nos art. 244 e 245, do CPC, mesclando proibições decorrente-,
do estado das pessoas que deverão ser citadas, com proibições decorrentes dos
locais onde estas pessoas estão. Aqui o que se pretende é preservar a dignidade
do citando, evitando a exposição desnecessária de sua imagem perante tercei
ros, bem como por questões de ordem humanitária.
Por isso não se fará à citação do réu, do executado ou do interessado, salvo
quando houver necessidade de evitar o perecimento de um direito (v.g. a deca
dência ou a prescrição do direito objeto de litígio), nas hipóteses elencadas
pelo art. 244, do CPC. Na primeira exceção preserva-se aquele que está assis
tindo a um culto religioso de qualquer natureza, mas nada impede que a cita
ção se realize logo após o término da cerimônia, desde que fora do local onde
o culto se realizou. Já os incisos II e III preservam um período posterior ao
falecimento de um parente e um período posterior ao casamento dos citan
dos, denominados período de nojo (oito dias) e período de gala (três dias),
respectivamente. Finalmente, o art. 242, IV, do CPC, protege os doentes em
estado grave, que somente deverão ser citados quando houver uma melhora
do seu estado de saúde, sem a fixação de um prazo determinado para tal.
Do mesmo modo, por força do disposto no art. 245, do CPC, não se fará
t ilação quando se verificar que o citando é mentalmente incapaz ou está
impossibilitado de recebê-la. Na primeira hipótese se enquadram os já inter­
ditados c aqueles que, embora ainda não legalmente incapazes, exibem vee­
mentes sinais externos de incapacidade. Nesse caso deverá o oficial de justiça
M itificar de forma pormenorizada as razões que o levaram a concluir pela

Incapacidade mental do citando, cabendo ao magistrado reconhecer ou não a


incapacidade para a citação.
A segunda hipótese prevista pelo artigo diz respeito àquele que está, tem­
porariamente, impossibilitado de receber a citação. Aqui se incluem os ébrios
v os toxicômanos, enquanto estiverem sob a influência da substância que os
entorpeceu; bem como qualquer pessoa que tenha ingerido um medicamento
que a torne, momentaneamente, alheia ao meio que a cerca. Por se tratar de
tuna regra de conteúdo aberto o seu preenchimento comporta uma gama bas­
tante ampla de situações, como nos exemplos da pessoa que está com uma
dor muito forte (cólica renal) e que a leva a um estado de desequilíbrio ou da
pessoa que acaba de sofrer um acidente e, embora sem ter sofrido lesões, ainda
se encontra sob o stress da situação vivida. Em todas essas hipóteses, porém,
cabe ao magistrado verificar o acerto ou não da conduta do oficial em fazer ou
deixar de realizar a citação naquele momento.
Por fim, tanto numa quanto noutra hipótese, certificada minuciosamente
a ocorrência (art. 245, §1°, do CPC), o magistrado poderá nomear um médico
para examinar o citando, visando aferir seu real estado físico ou mental (§2°).
Uma vez aferida à incapacidade, deverá o magistrado nomear um curador
para o citando, que irá representa-lo naquela causa enquanto houver necessi­
dade (§4°). Com isso se viabiliza também o ato de citação, que será efetivada
na pessoa deste curador, a quem caberá oferecer a defesa do réu, do interes­
sado ou do executado (§5°).

17.3.2. Efeitos.
Repetindo parcialmente a redação do art. 219, do CPC de 1973, o art. 240,
do CPC, trata dos efeitos produzidos pela citação válida, ou seja, pela citação
que obedeceu a todas as prescrições legais para sua realização. Não havendo
obediência a forma prescrita por lei a citação não será válida e, portanto, não
produzirá os efeitos que dela se esperam para que o processo tenha um desen
volvimento válido e eficaz.
Tais efeitos podem ser classificados, segundo a doutrina majoritária, em
efeitos de natureza processual, já que se produzem no âmbito de institutos
de direito processual, ou em efeitos de natureza material, já que se produzem
no plano de institutos de direito material. Este diz respeito à constituição em
mora do devedor; enquanto àqueles são a litispendência e a litigiosidadc do
objeto do processo. O sistema processual anterior (art. 219, do CPC de 1973)
também relacionava como efeito de natureza processual da citação válida .1
prevenção do juízo e como efeito de natureza material a interrupção da pres
crição. Mas no sistema atual ocorre a prevenção do juízo independente de tal
ato, bastando à distribuição do feito, isso por força do disposto no art. 59, dn
CPC, segundo o qual a mera distribuição da petição inicial torna prevento
o juízo; e, para a interrupção da prescrição, basta 0 despacho do magistrado
ordenando a citação (art. 240, §1°).
Ao dizer a lei que a citação válida produz litispendência, está estabelecendo
que todos os feitos com as mesmas partes, o mesmo pedido e a mesma causa
de pedir posteriores deverão ser extintos porque são iguais ao processo que
gerou a litispendência (art. 485, IV, do CPC). Com isso a lei evita a existência
de processos idênticos e que poderíam, em tese, gerar decisões opostas, tor
nando-os inexequíveis, em evidente desprestígio a atividade jurisdicional e ao
princípio da economia processual.
O segundo efeito processual da citação válida é tornar o objeto do processo
litigioso. Segundo esclarece Moniz de Aragão “Coisa, no texto da lei, não quer
dizer 0 bem móvel ou imóvel sobre o qual verse 0 litígio. O conceito de res em
Direito Romano, que informa 0 de coisa no artigo comentado, é bastante mais
amplo, como se pode notar na locução res in indicio dedueta, da qual resultará
a res iudicata. Trata-se, ao que parece, da relação jurídica objeto da ação. Bar
bosa Moreira observa que se trata do ‘direito deduzido pelo autor’.”.640
Por razões de ordem prática, já que o tema merece uma reflexão mais apro
fundada e que não deve ser efetivada no âmbito de um curso, cuja proposta
reside apenas numa apresentação fundamentada dos institutos, adotamos
a idéia de que 0 objeto litigioso do processo é a relação jurídica de direito

wo Idem, p. 255.
material controvertida; sem deixar de observar que existe larga controvérsia
a respeito do tema, com autores clássicos a sustentar que o instituto possui
natureza eminentemente processual, como faz Karl Heinz Schwab'’41 após
explanar as várias teorias a respeito da matéria.
Pelas mesmas razões práticas deixaremos de questionar, por ora, a clas­
sificação deste efeito como sendo ou não um efeito de ordem processual, na
medida em que o objeto litigioso, além de ficar vinculado ao processo, tam ­
bém gera limitações no plano do direito material, como a limitação quanto à
disponibilidade de determinados bens.
O efeito que se projeta sobre o plano do direito material é a constituição em
mora. Em outros termos, desde que não exista regra em contrário e de forma
subsidiária ao que está disposto na lei civil, considera-se em mora o sujeito
passivo a partir do momento em que ocorre a citação válida. Daí a razão pela
qual se costuma ver, na parte dispositiva das sentenças condenatórias, a fixa­
ção do valor da condenação seguida da frase "...acrescida de correção monetá­
ria a partir da propositura da ação e de juros de mora, no montante de 1% (um
por cento) ao mês, a partir da citação.”.
Trata-se, porém, de uma regra que visa complementar o que está disposto
no art 397, do CC, como, aliás, consta expressamente da parte final do próprio
art. 240, do CPC; pois se aplica apenas quando não se trata de obrigação posi­
tiva e líquida, sujeita a termo, situação em que a mora decorre da própria ina­
dimplência (art. 397, caput), ou, quando não há termo, de interpelação judicial
ou extrajudicial (art. 397, parágrafo único).
Por fim, embora não se trate de um efeito que decorre da citação válida,
mas sim da decisão que determina a citação, a interrupção da prescrição, assim
como acontece com a litispendência, deve ser reconhecida desde o momento
em que a ação é distribuída, já que o art. 240, §1°, confere a este efeito eficácia
retroativa. Assim não fosse, ficaria fácil para o citando se ausentar tempora­
riamente dos locais onde habitualmente é encontrado, isso para frustrar o
ato de citação e obter, de modo indevido, a ocorrência da prescrição. Tam­
bém nunca é demais rememorar que interromper um prazo difere de suspen­
der um prazo, já que neste caso o prazo volta a correr pelo período restante,

M l
SCHAWAB, Karl Heinz. E l o b je to litig io s o e m e l p r o e e s o c iv il. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas
Europa America, 1968.
enquanto naquele o prazo volta a correr desde o seu início. Todavia, para que arta para o endereço do citando, acompanhada dos dados necessários para
se dê efetivamente à retroação da interrupção da prescrição ou da litispcn que tenha conhecimento do processo e possa intervir em tempo hábil para
dência ao momento da propositura da ação, deverá o sujeito ativo viabilizai a eletlvar sua defesa. Tal sistemática, que não existia quando da entrada em
citação do réu, interessado ou executado nos dez dias seguintes ao despacho vigor do CPC de 1973, foi encartada no art. 222 daquele diploma por força
que a ordenar (§2°), não sendo o autor prejudicado pela demora imputávcl do disposto na Lei n° 8.710, de 24 de setembro de 1993, com a finalidade de
exclusivamente ao serviço judiciário. agilizar a prática do ato processual e tendo em vista a imensa confiabilidade
d.i qual desfruta o correio no Brasil, há décadas sinônimo de eficiência e de
17.3.3. Modalidades. precisão nos serviços que presta.
Embora existam várias formas através das quais se realiza a citação do réu, Nesse passo, pertencendo o endereço do citando ao território da própria
do interessado ou do executado, as modalidades do ato processual costumam iomarca onde tramita o feito ou a outra localidade, em qualquer local do País,
ser agrupadas como citação real ou citação ficta, que também é conhecida o magistrado determina a citação pelo correio e a unidade judiciária provi­
pela denominação de citação presumida. Na citação real o ato é efetivamenlr dencia a expedição de uma carta de citação, que deverá ser instruída com
praticado, sendo certo que o citando teve ciência inequívoca do processo no uma cópia da petição inicial (denominada contra-fé) e uma cópia da decisão
qual deve intervir. Essa modalidade, por sua vez, pode ser subdividida em que determinou a citação. Devem constar da carta, ainda, sob pena de gerar
citação direta ou indireta, esta efetivada sem contato direto com o citando dúvida e com isso impedir a ampla defesa do citando, o prazo para a resposta,
e aquela realizada em contato direito com o citando. Já na citação ficta ou o endereço do juízo e o endereço do cartório (art. 248, do CPC); bem como,
presumida não ocorre à prática efetiva do ato processual, mas sim a prátic.i por força do que dispõem o art. 248, §3°, do CPC, todos os elementos infor­
de atos que permitem ao citando ter ciência da demanda e nela intervim em mativos que também devem constar no mandado de citação, previsto no art.
tempo hábil para a defesa dos seus interesses. 250, do CPC.
São consideradas citações reais diretas as realizadas pelo oficial de justiça A carta de citação deve ser registrada e o carteiro deverá exigir do citando,
ou pelo escrivão e citações reais indiretas as feitas pelo correio ou por meio quando fizer a entrega da correspondência, que assine recibo (art. 246, §1°).
eletrônico. As citações fictas ou presumidas, por sua vez, são as citações por Nesse caso admite-se também que a correspondência seja recebida por quem
hora certa e por edital. Planificando obtemos o seguinte gráfico: está encarregado recebe-la, como acontece no caso da portaria dos prédios
- Direta: a) Oficial de Justiça ou b) Escrivão residenciais ou comerciais, onde os porteiros recebem a correspondência ao
Real invés dos respectivos condôminos ou representantes da pessoa jurídica que
deverá ser citada, na forma prevista no art. 248, §§2° e 4a, do CPC.
- Indireta: a) Correio ou b) Meio eletrônico
O próprio art. 247, do CPC, todavia, excepciona cinco hipóteses em que a
- Modalidades citação não será realizada pelo correio, isso em razão de uma especial situação
Ficta ou presumida: a) Edital ou b) Hora certa. em que se encontra a pessoa que será citada. São elas / - nas ações de estado,
Vejamos, pois, cada uma destas modalidades de citação, onde a carta de citação poderia, em razão das circunstâncias do direito posto
em juízo, ser encaminhada para o próprio endereço do autor da demanda, que
a) C itação real indireta: correio e m eio eletrônico.
sendo autor está impedido de receber a citação do réu; II - quando o citando
Dentre todas as formas de citação existentes, a citação efetivada pelo cor for pessoa incapaz, já que nesta hipótese o réu pode não ter capacidade para
reio deve ser considerada a regra geral para a realização deste ato processual, entender a realidade e em que consiste aquela comunicação que recebe; III -
estando disciplinada nos art. 247 e 248, do CPC. Trata-se da emissão de uma quando o citando fo r pessoa de direito público, onde há mais um benefício em
prol do Estado; IV quando o réu residir em local não atendido pela entrega meio."; demonstrando que quando houver necessidade de intim ar litigante
domiciliar de correspondência; ou, V quando o autor, justificadamente, a que não é grande empresa e uma grande empresa será utilizada a via comum.
requerer de outra forma; situação em que o magistrado deverá observar se as
razões aduzidas pela parte são ou não plausíveis para determinar que a cita», ao b) Citação real direta: oficial de justiça e escrivão.
se faça por meio de oficial de justiça. Nas espécies de citação real direta o oficial de justiça ou o escrivão, em
Vê-se, pois, que a citação pelo correio não implica na participação direta contato direto com o citando e no exercício das suas atribuições, onde gozam
de um funcionário do Poder Judiciário na entrega do documento ao citando, de fé pública, realizam o ato processual dando ciência ao citando de todos os
razão que dá ensejo, como observado, a sua classificação como citação indi dados que obrigatoriamente devem constar no mandado de citação, lendo-o e
reta. O mesmo se dá com a citação realizada por meio eletrônico, onde a entregando-lhe a contrafé, que é uma cópia fiel da petição inicial distribuída,
comunicação é emitida para um endereço eletrônico previamente fornecido excluídos os documentos que a acompanham.
pelo citando, mas não há o contato direto entre os interlocutores.
Sendo regra geral a citação indireta, seja pelo correio, seja por meio ele­
O art. 246, §1°, do CPC, introduziu em nosso sistema regra relativa às cita trônico, a citação direta apenas acontecerá quando a citação pelo correio se
ções e as intimações por meio eletrônicos que, ao que se espera, contribuirá frustra (art. 249, do CPC) ou quando o citando comparece espontaneamente
sobremaneira para a redução dos serviços cartorários relativos a prática de ao cartório, sabendo ou não da existência do feito, ocasião em que caberá ao
tais atos processuais. Isso porque o preceito dispõe que as empresas públicas escrivão efetivar o ato processual (art. 246, III, do CPC).
e privadas, à exceção das micro e das pequenas empresas, estarão obrigadas
Para a realização do ato processual fora do cartório será expedido um
a criar um endereço eletrônico destinado exclusivamente ao recebimento de
citações e de intimações; situação que evitará o gasto de tempo e de emissão mandado de citação que deverá, sob pena de nulidade, apresentar todas as
de cartas destinadas a prática de tais atos. O mesmo se dá quanto à União, aos informações que são relacionadas no art. 250, do CPC. Embora formalmente
Estados, ao Distrito Federal, aos Municípios e às entidades da administração não seja exigido mandado para a citação em cartório, como as informações
indireta, por força do disposto no §2°, do mesmo preceito. nele constantes devem ser obrigatoriamente fornecidas ao citando, isso para
evitar futura alegação de nulidade, na prática a melhor solução será imprimir
Ora, embora existam inúmeras e por vezes díspares estatísticas acerca da
uma cópia do mandado, com todas as advertências e informações necessárias,
litigiosidade das grandes empresas, sabe-se hoje que uma grande parte dos
repassando-o juntamente com a cópia da inicial para o citando.
feitos em tramitação, senão a sua maioria, envolve o Estado e as suas entida­
des administrativas, as instituições financeiras (bancos, financeiras, segura­ Expedido e cumprido o mandado de citação, nos termos previstos no art.
doras), as empresas de telefonia, as empresas de planos de saúde e as grandes 251, do CPC, deverá o oficial de justiça ou o escrivão ler o conteúdo do m an­
empresas varejistas (supermercados, magazines, etc), dentre outras; que agora dado e entregar a contrafé ao citando, certificar todo ocorrido e informar
têm centralizado o endereço para o recebimento de tais comunicações, pou­ se o citando recebeu ou recusou a contrafé e, ainda, colher a assinatura do
pando em muito o trabalho realizado pelos auxiliares do juízo. citando após o termo ciente ou certificar que ele não quis assinar o recebi­
Tal sistemática que acreditamos ser uma regra de ouro para a citação, não mento da contrafé. Tais informações serão certificadas no verso do mandado
terá uma repercussão tão generosa no que toca as intimações, já que aqui ou em folha que lhe segue pelo oficial ou pelo escrivão, que deverá descrever
ambas as partes teriam que se enquadrar na categoria de grandes empre­ de maneira pormenorizada as diligências encetadas para localizar e citar o
sas, o que muitas vezes não acontece, fazendo-se as intimações pela maneira réu, o interessado ou o executado; bem como, diante da sua recusa, descrever
comum, como adiante se verá. Daí a razão pela qual a parte final do art. 244, fisicamente o citando, indicando qual é a sua aparência física e sinais caracte­
§1°, utiliza a expressão “as quais serão efetuadas preferencialmente por esse rísticos, se os tiver. Se os servidores reputarem existentes outras informações
relevantes, nada impede que a façam constar cia sua certidão, facilitando .1
prática de atos processuais futuros.
Embora não exista disposição especial a tal respeito, nada impede que tam
bém o magistrado realize diretamente a citação do réu quando este compa
rece em audiência relativa a outro processo. Nesse caso, entretanto, também
deverá cumprir as exigências legais para a validade da citação e, ainda, deverá
documentar de maneira pormenorizada o ocorrido no termo de audiência,
entregando ao citando os documentos relativos à ação da qual se vê citado.
Da mesma forma, em que pese a não existência de norma expressa, em se
tratando o citando de pessoa que demonstre desconhecer questões de natu
reza jurídica, deverão o oficial ou o escrivão explicar todas as conseqüências
do ato processual e as providências que devem ser tomadas, embora lhes seja
vedado indicar advogado para patrocinar a causa ou mesmo orientar o citando
a praticar qualquer ato processual desacompanhado de patrono regularmente
constituído. Ao contrário, sendo o citando ou seu representante advogado,
não haverá necessidade de explicitar as advertências de modo enfático, sob
pena de menosprezar a capacidade profissional daquele que está recebendo a
citação.
Por fim, enquanto o escrivão somente realiza a citação quando o citando
comparece em cartório; o oficial de justiça somente deverá realizá-la, em
regra, no território da comarca onde está lotado. A exceção se encontra no art.
255, do CPC, segundo o qual “nas comarcas contíguas de fácil comunicação e
nas que se situem na mesma região metropolitana, 0 oficial de justiça poderá
efetuar, em qualquer delas, citações, intimações, notificações, penhoras e quais­
quer outros atos executivos.”. Esse preceito, que na redação original do CPC de
1973, não se referia as regiões metropolitanas e que, antes do atual sistema,
não abarcava as penhoras e quaisquer outros atos executivos, causa ao autor
nostalgia, já que foi objeto de questionamento específico em, seu exame oral
da Ordem dos Advogados do Brasil (hoje infelizmente abolido), que na época
também era requisito para aprovação e obtenção da carteira de advogado.

c) C itação ficta ou presum ida: edital e hora certa.


Na classificação tradicional das modalidades de citação sustenta a dou­
trina que a citação por hora certa não caracteriza uma modalidade especí­
fica de citação, mas sim uma forma diferenciada da realização da citação por
mandado, desde que presentes os requisitos previstos por lei. A esse respeito
alerta Moniz de Aragáo que “No caso de encontrar dificuldade para localizá-lo,
porque o citando se oculte, caberá ao oficial recorrer aos preceitos deste e dos
dois artigos seguintes e realizar a citação com hora certa, a qual se constitui
em um incidente do próprio cumprimento do mandado; e não é modalidade
distinta, como durante largo tempo se sustentou,”.642
Nada obstante, como preferimos classificar o ato processual em virtude
de parâmetro relacionado à sua realização ou não na pessoa do citando, nada
impede que tratemos da citação por hora certa juntamente com a citação por
edital, já que em ambos os casos não há a efetiva citação do réu, interessado ou
executado, presumindo a lei que o ato citatório aconteceu.
Ora, se para o desenvolvimento válido do processo é necessário respeitar
o modelo imposto pela Constituição da República (modelo constitucional de
processo), no que se inclui a citação, então dar maior importância à realização
ou não da comunicação do ato nos parece mais relevante do que agrupá-los
em razão do seu procedimento. Daí a razão pela qual preferimos tratar da
citação por hora certa em conjunto com a citação por edital, onde a presunção
legal permite considerar realizado o ato processual e válido o processo.
Para que seja viável a citação por hora certa é necessária à presença de três
requisitos objetivos, que estão previstos no art. 252, do CPC: a) que o oficial
procure o citando por duas oportunidades distintas sem o encontrar; b) que
a procura se dê no domicilio ou na residência do citando; e, c) que as cir­
cunstancias do caso gerem suspeita de ocultação. Tal acontece, por exemplo,
quando o oficial obtém de vizinhos a informação de que há pessoas na inte­
rior de uma residência, mas lá chamando não é atendido; ou, quando percebe
movimentação num local em que ninguém atende seu chamado.
Percebendo a ocultação e independentemente de determinação judicial, o
oficial de justiça deverá - pois esse é o tempo verbal impositivo utilizado pelo
art. 252, do CPC - intim ar uma pessoa da família ou na sua falta um vizinho
de que no dia útil imediato, no horário que indicar, comparecerá ao local para
realizar a citação. Estando então presente o citando, o oficial procede a sua
citação pessoalmente, certificando o ocorrido. Entretanto, se o citando estiver
ausente, o oficial de justiça procurará saber das razões de sua ausência e dará

642
MONIZ DE ARAGÂO, p. 286.
por efetivada a citação, deixando a contrafé com pessoa da família ou com um
vizinho que deverá ser identificado (art. 253, §§ Io, 2o e 3o). De tudo isso deverá
ser lavrada certidão pormenorizada do ocorrido.
Por fim, para aperfeiçoar a citação por hora certa o escrivão comunicará
ao citando sobre todo ocorrido, mediante a expedição de carta, telegrama ou
meio eletrônico (art. 254, do CPC), não havendo necessidade de que a comn
nicação seja efetivamente realizada, bastando para a validade da citação a
emissão do comunicado.
Frustrados todos os demais meios processuais para que seja realizado o
ato de citação e não havendo mais como diligenciar a localização do citando,
portanto de uma maneira nitidamente subsidiária das demais modalidades
de citação, realiza-se a citação por edital, onde não há efetivo contato com o
citando, mas sim uma presunção de que ele teve conhecimento do feito e pode
utilizar os meios necessários a sua defesa. Daí a afirmação de André De Luizi
Correia de que a “A regra geral, imperativa e multimilenar, como diz Moniz de
Aragão, éfazer-se a citação à própria pessoa do citando. Nisso consiste o princí­
pio da pessoalidade da citação. A citaçãoficta é, pois, exceção, razão pela qual
a lei cercou-a de tantos requisitos e cautelas. E a citação por edital é a citação
ficta por excelência, constituindo a forma mais excepcional de citar, razão pela
qual só se justifica em circunstancias verdadeiramente extraordinárias.".6*3
As hipóteses taxativas onde a lei autoriza a citação por edital estão previs­
tas no art. 256, do CPC, que repete com pequenas alterações o conteúdo do
art. 231, do CPC de 1973. Daí a possibilidade de citação por edital quando o
réu é desconhecido ou incerto (inciso I), que na lição de Pontes de Miranda
assim se apresentam: “Citação de pessoas desconhecidas. - Desconhecido: ou
a) por se lhe não conhecer o nome; ou b), sabendo-se-lhe o nome, não se conhe­
cer a pessoa a que corresponda; ou c) não se lhe sabendo o nome, nem se tendo
conhecimento da pessoa, se existirem dados para que o citando receba como
para si a noticia da citação. Citação de pessoas incertas. - incerto: a) por serem
muitos, sem individuação possível, ou extremamente difícil; ou b) por ser unus
ex publico,- ou c) por haver dúvida sobre a sua identificação; ou d) por ser pes­
soa futura (“os que nasceram no dia Io de janeiro'').".64*6
5
4

645 CORREIA, p. 142,


6,1 PONTES DE MIRANDA, p. 288-289.
Além dos casos onde a citação se determina em razão de aspectos ligados
à pessoa do citando, o art.256, II, do CPC, prevê situações onde a citação por
edital se realiza em função de problemas atinentes a sua localização, autori­
zando a realização do ato quanto ignorado, incerto ou inacessível o local onde
se encontra o réu, o executado ou o interessado.
Local ignorado, que representa a hipótese mais comum de citação por edi­
tal, pode ser compreendido como aquele que não se conhece, seja porque já
não se conhecia inicialmente, seja porque o citando, após várias diligências,
não foi localizado em seu endereço inicialmente declarado. Nesse caso, antes
da citação editalícia, deverá a parte pesquisar a localização do citando atra­
vés dos meios que estão ao seu alcance (pesquisa junto à empresa telefônica,
cartórios, órgão de proteção ao crédito, etc...); contando com a colaboração do
juízo para fazê-lo quando não tenha acesso ao banco de dados, como acontece
com o acesso à receita federal ou ao banco central.
No caso de local incerto, o autor conhece a localidade onde está o citando,
mas não sabe precisar naquela localidade onde encontra-lo. Isso ocorre, por
exemplo, com o citando que reside numa grande cidade como São Paulo, em
um loteamento novo ao qual ainda não foram atribuídos nomes para as ruas.
Nesse caso, se a rua for denominada Rua B ou Rua C, não há como localizá-
lo sem a indicação precisa do Bairro, já que existem centenas de ruas ainda
não nominadas e nessa situação. O mesmo se dá quando o autor sabe que o
citando mora em um determinado bairro, mas não sabe com precisão o nome
da rua onde ele reside.
}á o local inacessível é aquele em que não se pode ter acesso por questões de
ordem geográfica ou mesmo em razão de uma calamidade pública, conside­
rando ainda o art. 256, §1°, do CPC, como inacessível, o citando que se encon­
tra em país que recusa o cumprimento de carta rogatória. Nesse caso, prevê o
§2°, do mesmo dispositivo, que a noticia da citação deverá ser divulgada pelo
rádio em havendo emissora na Comarca.
Além das hipóteses tratadas a citação por edital também se realiza nos
casos previstos no art. 259, do CPC, que abarca as causas onde a sentença
produz uma eficácia erga ominis, atingindo a todos em sua esfera de direitos.
É o caso, por exemplo, da ação de usucapião (inciso I), onde a sentença que
declara a propriedade será registrada junto ao serviço de registro de imóveis,
produzindo efeitos contra todas as pessoas. O mesmo se dá com outras ações
onde se encontra a produção de idêntica eficácia, como nas ações de recupe
ração ou substituição de título ao portador (inciso 11) ou cm qualquer ação cm
que seja necessária, por determinação legal, a provocação, para participação no
processo, de interessados incertos ou desconhecidos (inciso III).
Reconhecida a necessidade e deferida pelo magistrado a realização da cita
ção por meio de editais, para a validade formal do ato, mister se faz a pro
sença dos quatro requisitos previstos no art. 257, do CPC, sem o que a citação
será considerada nula. Embora não existam estatísticas acerca desta questão,
a prática judiciária indica que o magistrado, seus auxiliares e as partes devem
tomar muito cuidado quanto aos preenchimentos dos requisitos exigidos pela
lei, pois apresenta-se como bastante comum a necessidade de decretar a ocor­
rência de vícios na citação realizada por editais.
O primeiro requisito da citação por edital consiste na afirmação do próprio
autor ou da informação do oficial de justiça, por certidão minuciosamente
descritiva, de que se concretizou uma das hipóteses em que se faz necessária
a citação por editais (art. 257, I, do CPC). Nesse caso o juiz reconhece que
não é razoável continuar a procurar o citando porque esgotadas as tentativas
razoáveis para a sua localização, sendo que continuar a procura caracteri­
zaria a prática de atos provavelmente inúteis e por isso em desacordo com o
princípio da razoável duração do processo e da economia processual. Sendo
a citação por edital lastreada em informação prestada pelo autor no sentido
de que desconhece o paradeiro do réu, futura comprovação de inverdade da
informação implica em desobediência ao princípio da lealdade processual e,
por conseqüência, na aplicação de multa de cinco salários mínimos, revertida
em benefício do citando (art. 258, CPC).
O segundo requisito para a validade da citação por edital é a publicação do
edital no site do tribunal perante o qual tramita a causa ou do CNJ, que deverá
ser certificada nos autos (art. 257, II, do CPC). Nada impede que o magistrado,
atento às peculiaridades do caso, determine ainda a publicação do edital em
jornal local de ampla circulação ou por outros meios de comunicação, sem­
pre sem se descuidar de que se trata de chamar alguém para integrar o pro­
cesso e que, portanto, a publicidade do ato de citação também deve levar em
conta o direito da parte em não ter seu nome exposto de forma excessiva e
em prejuízo das suas atividades do dia a dia (parágrafo único). Sobre o tema
assevera André De Luizi Correia que “Uma interpretação teleológica dessa
forma conduz à conclusão de que tal divulgação poderá ser feita não somente
pelo rádio, mas, quando possível, através de todos os meios de comunicação
eventualmente disponíveis na comarca inacessível em que se encontra o citando
(televisão, fax, telex, Internet, sefo r conhecido o endereço eletrônico do citando,
e todos os demais meios de comunicação através do quais seja possível fazer a
noticia da citação penetrar na comarca que se encontra inacessível ao oficial de
justiça e ao correioj.”.645
Para preencher o terceiro requisito exigido por lei deverá o magistrado,
ao determ inar a citação por edital, nos termos do art. 257, III, do CPC, fixar
o termo a quo (inicial) para a fluência do prazo de oferecimento de resposta,
que será de 20 (vinte) a 60 (sessenta) dias após a data da publicação do edital
único ou do primeiro edital, se mais de um for publicado. Em outros termos,
o prazo de 15 dias para o oferecimento de resposta do réu citado por edital
passa a correr do esgotamento do prazo fixado no edital, que deve levar em
conta a situação do local onde provavelmente possa se encontrar o citando e a
dificuldade que teria para tomar ciência do ato de citação.
Por fim, para atender ao quarto e último requisito, do edital deverá constar
expressamente à advertência relativa aos efeitos da revelia, embora ao revel
citado por edital seja necessária a nomeação de curador de ausentes, que terá
o dever de oferecer resposta e com isso tornar o contraditório efetivo (art. 72,
II, do CPC).

17.4. Intimações.
Já tivemos a oportunidade de salientar que o CPC de 1939 fazia distin­
ção entre as modalidades utilizadas para a comunicação dos atos processu­
ais, tratando por citação o ato de chamamento ao processo, como notificação
a comunicação da necessidade da realização de uma conduta comissiva ou
omissiva (praticar ou deixar de praticar um ato processual), e, como intima­
ção, o ato que dava a parte ciência de atos processuais já praticados. Também
alertamos que essa distinção não foi adotada pelo CPC de 1973 ou pelo código
atual, que reconhecem apenas a intimação e a citação como modalidades de
comunicações dos atos processuais. Esta destinada a convocar o citando para

645
CORREIA, p. 155.
integrar o processo, enquanto aquela é utilizada para a comunicação de todos
os demais atos processuais; ou, na definição legal estampada no art. 269, do
CPC, é o ato pelo qual se dá ciência a alguém dos atos e dos termos do processo
Regra geral, sempre que houver a prática de qualquer ato processual, em
respeito ao Princípio do Contraditório, deverá o magistrado determinar c.\
officio (art. 271) a intimação da parte contrária ou de terceiros que possam ser
de qualquer modo atingidos pelos efeitos do ato, isso para que pratiquem as
condutas necessárias a defesa dos seus respectivos interesses, considerando-se
efetivadas as intimações pela simples publicação no diário da [ustiça eletrô­
nico (art. 272, do CPC).
Não obstante a regra geral para a realização das intimações seja a sua efeti
vação por meio eletrônico, por vezes há necessidade da sua realização de uma
forma diversa, na medida em que a regra geral não se demonstra eficaz para
promover a efetiva comunicação do ato processual realizado ou a realizar. Daí
a razão pela qual as intimações também podem ser efetivadas pelo correio,
pelo escrivão, pelo oficial de justiça e, em ultimo caso, por edital.
Não sendo possível a intimação pelo meio eletrônico, que abarca a inti
mação por e-mail, prevista no art. 246, §§ Io e 2o, do CPC, e, a intimação por
meio do diário da Justiça eletrônico; realizar-se-á a intimação pelo correio,
pelo escrivão ou pelo oficial de justiça, conforme exijam as peculiaridades de
cada caso. Se a pessoa a ser intimada reside na sede do juízo, então a intimação
é feita pelo próprio escrivão ou por seu auxiliar (art. 273, I, do CPC) quando
esta comparece ao cartório, certificando-se a comunicação do ato processual
nos autos e colhendo-se, se possível, a assinatura de quem está sendo inti
mado. A intimação pelo próprio juiz também é bastante comum, acontecendo
sempre que as partes participam de uma audiência e saem intimadas dos atos
processuais ali realizados.
Se a pessoa a ser intimada não comparece a juízo, a comunicação do ato
se realiza por oficial de justiça ou pelo correio, mediante emissão de carta
registrada com aviso de recebimento. Embora o art. 271, II, do CPC, indique
que a carta será utilizada no caso da intimação de quem reside fora da sede
do juízo, resta evidente que tal mecanismo também pode ser utilizado para
aqueles que residem na sede do juízo, isso por se tratar de um meio mais
eficaz e menos custoso para a realização da intimação. Mas se a intimação
for realizada pelo oficial de Justiça, então a certidão do ato deverá conter as
Informações relacionadas no ari. 275, §lu, do CPC, nada impedindo que se
realize por hora certa (§2°).
Por sua vez, conforme dispõe o art. 272, §6°, do CPC, o advogado (pessoa
credenciada ou a sociedade de advogados) que retira os autos em carga está
automaticamente intimado de qualquer decisão que tenha sido proferida no
processo que retirou, ainda que exista publicação pendente. Com isso não
será possível à parte sustentar que desconhecia o ato processual praticado por­
que não foi intimado através de uma das formas previstas por lei, gerando a
retirada mediante carga, depois de passado o prazo para impugnação do ato,
verdadeira eficácia preclusiva que sana as irregularidades até então existente.
Trata-se da positivação da idéia da ciência inequívoca, que vários magistrados
entendiam acontecer quando o advogado retirava os autos com carga, pois
havia tido acesso a todos os atos processuais praticados.
De se notar, ainda, que o atual sistema manteve o teor do art. 238, pará­
grafo único, do CPC de 1973, dispositivo altamente eficaz para evitar mano­
bras tendentes a procrastinar o curso do processo, se as partes mudam de
endereço ou dele se ausentam temporariamente durante o curso do processo,
têm o dever de comunicar a alteração em juízo, sob pena de presunção de que
foram efetivamente intimadas da prática do ato processual (art. 274, pará­
grafo único).
Deixou o sistema, porém, de promover inovação importante e que cons­
tava de versões anteriores ao projeto que deu origem ao CPC, onde se permitia
que a intimação do advogado de uma das partes fosse efetivada pelo advogado
da outra parte. Essa era a previsão do art. 241, §§ Io e 2o, do Projeto de Lei do
Senado n° 166, de 2010, ao dispor que “§ Io É facultado aos advogados promo­
ver a intimação do advogado da outra parte por meio do correio, juntando aos
autos, a seguir, cópia do ofício de intimação e do aviso de recebimento. § 2 a O
ofício de intimação deverá se instruído com cópia do despacho, da decisão ou
da sentença.".
Nosso processo civil, que sempre centralizou a prática dos atos processuais
ligados ao andamento do processo na figura do magistrado e das unidades
judiciárias, precisa da implementação de mecanismos através dos quais as
partes possam agilizar o curso do processo. Afinal, a intimação realizada por
um cartório que tem cerca de 8.000 (oito mil feitos) em andamento certamente
será bem mais demorada do que a intimação realizada por um escritório de
advocacia que possui um volume de processos bastante menor. Náo bastasse,
sendo o princípio da cooperação um dos ideais mais relevantes da reforma
do nosso processo, a possibilidade de com partilhar funções atende a um pro
cesso mais rápido e eficaz, otimizando a prestação da tutela jurisdicional. Poi
isso andou mal nossa lei ao não iniciar o compartilhamento dos atos proces
suais de comunicação entre o juízo e as partes; situação da qual poderiamos
esperar resultados bastante auspiciosos num futuro não muito distante.

17.5. Distribuição e registro.


Segundo o disposto no art. 312, do CPC, considera-se iniciado o processo
no momento em que a petição inicial é protocolada, ou seja, no momento em
que, pela primeira vez, a petição elaborada pelo autor recebe uma autentica­
ção por parte do órgão jurisdicional, na qual deve ser atestado o dia, a hora
e o local onde foi entregue a primeira peça do processo. Esse protocolo de
recebimento normalmente é feito pelo setor encarregado de receber, registrar
e distribuir a demanda, chamado simplesmente distribuidor.
Não sendo o processo eletrônico, recebida a petição pelo funcionário
encarregado e entregue para a parte o comprovante do recebimento, a pri­
meira providência tomada é a verificação da existência ou não de urgência
na distribuição do processo. Detectada a urgência, procede-se à distribuição
incontinente. Caso contrário, aguardar-se-á o horário previamente marcado
para que aconteça a distribuição, sempre com a possibilidade de fiscalização
do ato pela própria parte, por seu procurador, pelo Ministério Público e pela
Defensoria Pública (art. 289, do CPC).
No Estado de São Paulo a distribuição é realizada de forma eletrônica,
seguindo a regra prevista no art. 285, do CPC, não havendo mais necessidade
dos sorteios que em tempos remotos se realizavam. No mesmo ato e de modo
concomitante, o sistema já procede ao registro do feito, atribuindo-lhe uma
numeração que o acompanhará até a sua extinção e arquivamento.
O ato de registrar o processo, que é geral e indispensável, segundo Moniz
de Aragão possui a finalidade de “...anotar a existência do litígio, de modo a
que fique perpetuado , podendo ser atestado a qualquer tem po". A46 Portanto,

640
MONIZ DE ARAGÃO. p. 423.
i f n i u i r n u v c í ju n n cm r jrcvir 10!

Iodos os processos, na forma do art. 284, do CPC, independentemente da sua


natureza ou conteúdo, estão sujeitos ao registro. Embora o ato de registro do
leito não demande questões intricadas ou de alta indagação, o mesmo não
acontece quanto à distribuição, que apresenta problemas cuja solução exige
um maior aprofundamento do tema.
Uma primeira observação que se faz necessária diz respeito ao fato de que,
ao contrário do que dá a entender a parte final do art. 284, do CPC, a peti­
ção inicial também deverá ser distribuída nas comarcas onde há apenas um
juiz, ou seja, nas comarcas de vara única. Isso porque é através deste do regis­
tro e da distribuição eletrônicas que o sistema detecta e acusa a existência
de outras ações anteriores ou concomitantes, que poderão de algum modo
influenciar na competência para conhecer e decidir a demanda. Pense-se, por
exemplo, na hipótese em que há possibilidade da propositura da ação em duas
comarcas distintas (vários réus com domicílios diferentes), aproveitando-se
o patrono do autor para distribuir ações em comarcas diferentes, desistindo
da ação naquela onde eventualmente não obteve uma medida liminar. Dai
apenas uma das razões pelas quais sempre deverá acontecer a distribuição de
um feito.
Por sua vez, em que pese à previsão legal (art. 285) de que a distribuição
deve obedecer rigorosa igualdade, também aqui deve o termo igualdade ser
compreendido em seu sentido substancial, ou seja, no sentido de que os órgãos
jurisdicionais podem receber tratamento diferenciado com a finalidade de
se obter uma distribuição equilibrada dos feitos. Afinal, na felicíssima pro­
posição de A rthur Vanderbilt, citada com admiração por Moniz de Aragão:
“É próprio de uma administração intoleravelmente ruim permitir que alguns
juizes estejam excessivamente atarefados, enquanto outros permanecem quase
ociosos.".M7 Daí a razão pela qual alguns tribunais, como o paulista, costumam
realizar estudos no âmbito da Corregedoria Geral da Justiça para estabelecer
uma distribuição diferenciada para as varas novas e recém-instaladas, até que
se obtenha um equilíbrio do volume de feitos em tramitação entre a nova vara
e aquelas já existentes na mesma comarca.
Ainda com vista à manutenção do equilíbrio entre os diversos órgãos
jurisdicionais, estabelece o art. 286, do CPC, a chamada distribuição por

M7 Idem, p. 420.
prevenção. Trata-se da remessa do feito a uma vara jã prevcnta para conhecei
e decidir a demanda, situação na qual a distribuição se presta principalmenle
para igualar os feitos que cada unidade judiciária receberá, promovendo a
necessária compensação com outros processos cuja competência não esteja
prevenia.
Embora o magistrado só deva despachar a petição inicial após a sua di.s
tribuição, nos locais onde a distribuição não é eletrônica abre-se uma exceção
à regra, pois deverá o juiz examinar o feito para reconhecer a prevenção e
determ inar a realização da distribuição por dependência. Nesse caso, reco
nhecida à prevenção, nada impede que o juiz desde logo aprecie outras ques
tões urgentes e que tenham sido suscitadas pelo autor, como a concessão ou
não de uma medida liminar. Sendo a distribuição eletrônica, porém, o próprio
sistema apontará a causa da prevenção e procederá automaticamente a distri
buição direcionada, nada impedindo que o magistrado, ao receber a inicial
para despacho, decida pela não ocorrência da prevenção e determine que se
proceda a distribuição livre do processo. Tal situação, alias, é bastante comum
no foro central de São Paulo (que possui quarenta e cinco varas cíveis) com as
ações de cobrança de verba condoininial de períodos diversos.
As hipóteses em que a lei determina que se proceda a distribuição por
dependência estão previstas nos inciso do art. 286, do CPC, sendo que a pri­
meira delas diz respeito à existência de conexão ou continência entre uma
demanda que já tram ita e a que esta sendo distribuída. Nesse caso a distri­
buição anterior da ação conexa torna um juízo que originalmente poderia
não ser competente para conhecer a demanda, competente para conhecê-la
e decidi-la, já que ambos os feitos são oriundos da mesma relação jurídica de
direito material controvertida.
Já a hipótese prevista no inciso 11 tem por finalidade evitar a burla na distri­
buição, fazendo com que um processo findo sem resolução do mérito, se pro­
posto novamente, seja encaminhado para o mesmo juízo que decretou a sua
extinção. Com isso se evita, por exemplo, que o autor que não teve seu pedido
lim inar atendido ou que já conheça posicionamento jurídico do magistrado
deixe o feito ser extinto por falta de andamento, para em seguida repropor a
ação perante outra unidade judiciária, em absoluto desrespeito ao princípio
do juiz natural. Aliás, antes da inserção dessa regra no art. 253, II, do CPC de
1973, era bastante comum a propositura de várias ações idênticas num mesmo
local sendo que, uma vez obtida a medida liminar, a parte desistia das demais
ações, em especial daquelas onde a liminar era negada pelo magistrado. O pre­
ceito veio, em verdade, para coibir essa nefasta prática em causas que envol­
viam matéria tributaria e onde haviam posições distintas sobre a incidência
ou não de um determinado tributo. Também por essas razões, aliás, a regra
contida no inciso III do mesmo preceito.
Há de se observar, ainda, que o distribuidor não exerce atividade jurisdi-
cional, razão pela qual não pode decidir se a inicial deve ou não ser distri­
buída. Qualquer questão que possa levar ao indeferimento da petição inicial
deve ser apreciada apenas pelo magistrado, embora possa o funcionário da
distribuição comunicar o fato detectado ao juiz para que tome as deliberações
necessárias ao caso. Como alude Moniz de Aragâo “A fiscalização do distri­
buidor é sempre superficial e provisória. Mesmo que o ato esteja sendo presi­
dido por magistrado. Todos os problemas inerentes à representação judicial e
sua regularidade constituem matéria de defesa [...], a ser decidida pelo juiz do
processo, que não fica vinculado à solução do distribuidor.”.64*
Por fim, merece especial crítica a regra esculpida no art. 290, do CPC,
segundo a qual a distribuição será cancelada quando a parte, regularmente
intimada na pessoa do seu advogado, deixar de pagar as custas e as despesas
do processo no prazo de 15 dias. Isso porque as custas do processo, ou taxa
judiciária, se destinam ao pagamento do custeio do serviço de prestação da
atividade jurisdicional, que já existe desde o momento em que a petição inicial
é protocolada. Se desde este primeiro momento os funcionários do judiciário
já estão a praticar condutas aptas a dar andamento ao feito, então há efetiva
prestação de serviços e a taxa deverá ser recolhida.
Não fosse o bastante, perm itir o cancelamento de feito já distribuído implica
em abrir uma porta para a ocorrência de fraude processual, na medida em
que o cancelamento da distribuição faz com uma nova ação proposta, embora
idêntica a anterior, não gere a prevenção prevista no art. 286 do CPC. Isso
porque em nenhum dos casos ali elencados existe a hipótese de cancelamento
da distribuição, sendo a distribuição da nova ação livre. Daí, basta ao autor,
propositalmente, deixar de recolher as custas iniciais e, com isso, abrir a pos­
sibilidade da distribuição livre da ação novamente proposta.

Ibidem, p. 431.
Destarte, entendemos que a melhor solução para o caso é a extinção do
processo sem resolução do mérito, considerando-se o recolhimento das cus
tas como uma questão preparatória (aquela que deve ser atendida para que
se possa exercer um determinado direito), que juntamente com as questões
preliminares e prejudiciais integram o juízo de admissibilidade do processo

17.6. Do valor da causa.

a) Necessidade e mensuração.
Não há dúvida de que o sistema processual exige a atribuição de valor ,i
causa para qualquer tipo de feito, ônus este que recai sobre o autor. Isso por
que o art. 319, V, do CPC, indica que um dos requisitos da petição inicial é .1
atribuição de valor à causa, enquanto o art. 291, do mesmo diploma, que com
pequena alteração gramatical repete 0 conteúdo do art. 258, do CPC de 1973,
aduz que a toda causa será atribuído um valor certo, ainda que não tenha
conteúdo econômico imediatamente aferível. Daí a afirmação peremptória de
Gelson Amaro de Souza, ainda sob a vigência de normas semelhantes encar
tadas no CPC de 1973, de que “não se pode ter a mínima dúvida sobre a obri
gatoriedade da atribuição do valor em todas as causas. Todas as causas estarão
sujeitas ao requisito em análise, sem qualquer exceção.”.649 Também nesse sen
tido a afirmação de Luiz Rodriguez Wambier et all, para quem “O art. 258 não
deixa qualquer dúvida quanto à obrigatoriedade de a petição inicial expressai
0 valor da causa, ainda que esta não tenha conteúdo econômico imediato, ou
mesmo que não possua nenhum conteúdo econômico. A cogência da norma c
patente, ainda que, muitas vezes, possa parecer sem sentido atribuir um valor
pecuniário a causas destituídas de conteúdo patrimonial.”.6™
Em que pese 0 entendimento consolidado sobre a existência deste ônus
processual (ônus porque o seu descumprimento implica numa penalidade,
qual seja, o indeferimento da inicial), verifica-se no foro a insistência de
alguns em atribuir à causa valor inestimável ou mesmo em atribuir à causa
um valor para fins meramente fiscais, praxe que não é correta. Quanto ao*680

M9 SOUZA, Gelson Amaro. D o v a lo r d a c a u s a . 2 ‘ e.. São Paulo: sugestões literárias, 1987. p. 62.
680 WAMBIER. Luiz Rodriguez, ALMEIDA, Flávio Renato Correia de, TALAMINI, Eduardo. C u r so
a v a n ç a d o d e p r o c e s s o civil. 7* ed. São Paulo: RT, 2005. v. 1, p. 293.
» r . rtfV rf r m m I. t n»i » n i v ii »U »

valor inestimável, o óbice se encontra no próprio art. 291, que faz expressa
referência a um valor certo. Já no caso de atribuição de um valor para efei­
tos meramente fiscais, tal locução não limita as conseqüências decorrentes da
atribuição de valor à causa, estando fora da esfera de direitos e faculdades do
autor limitar aquilo que a lei não limita.
Todavia, qual seria o valor certo a ser atribuído a uma causa? Segundo
Humberto Theodoro Junior “determina-se [...] o valor da causa apurando-
se a expressão econômica da relação jurídica de direito material que o autor
quer opor ao réu. O valor do objeto imediato pode influir nessa estimativa,
mas nem sempre será decisivo.” f sl e, para Gelson Amaro de Souza “o valor da
causa deve sempre corresponder ao valor do pedido, ou ainda em outros ter­
mos deve corresponder ao valor do benefício pretendido pelo autor.".6*2 Nota-se,
portanto, que o valor da causa deverá corresponder ao proveito que o autor
pretende obter em face do réu; que diante do princípio da congruência estará
limitado pelo pedido formulado na petição inicial.
Diante disso, o art. 292, do CPC, estabelece parâmetros objetivos, embasa-
dos no pedido formulado pelo autor, para que se possa aquilatar qual o valor
que deverá ser atribuído à causa. Assim, sendo simples o pedido em ação de
cobrança, por exemplo, o valor da causa deverá corresponder ao principal cor­
rigido e aos seus acessórios na data da propositura da ação (inciso I); enquanto
no caso de pedido alternativo deverá ser observado o de maior valor (inciso
VII), dentre inúmeras outras hipóteses.
Por seu turno, inovou o inciso V ao dispor que nas indenizações por dano
moral o valor da causa deverá corresponder ao pedido formulado, já que não
havia regra expressa a tal respeito no CPC de 1973. Aqui observamos que,
em nosso entender, como abaixo será exposto, o pedido de condenação ao
pagamento de danos morais deve ser certo e determinado, razão pela qual o
valor atribuído à causa também será certo e determinado, correspondendo ao
pedido formulado.
Quanto ao padrão monetário que deve ser utilizado, já houve discussão
na doutrina com relação à possibilidade de atribuir a causa valor em moeda

' 1 THEODORO JUNIOR. Humberto. C u r s o d e d ir e ito p r o c e s s u a l c iv il. 47° e.. Rio de Janeiro: Forense,
2007. p. 319.
SOUZA, p. 16.
'W U u n i u Iff U U T I U 1I V J » M it iM iv im w n w i* r ~ %

estrangeira ou em outro parâmetro. Enquanto Moniz dc Aragão" ' sustentava


ser possível atribuir a causa valor em moeda de outro país, Gelson Amaro
de Souza654 sustentava que apenas o padrão nacional poderia ser utilizado
Cerramos fileira com o último. Isso porque se o valor deve ser certo, então
não se justifica a utilização de padrão que exija, no momento do pagamento
das custas, por exemplo, procurar a cotação diária da moeda e proceder a um
novo cálculo aritmético. Por isso deverá o autor promover a conversão do
benefício pretendido em outra moeda ou em outro parâmetro (sacas de soja,
cabeças de gado, toneladas de cana, etc) para nosso padrão monetário na dat.i
da propositura da ação, atendendo com isso a previsão legal de atribuição ao
feito de um valor certo.

b) Finalidades.
A atribuição de valor certo e determinado a todas as causas não visa apenas
servir como parâmetro para o recolhimento das custas processuais e para a
fixação da verba honorária, mas produz inúmeros efeitos com relação a divcr
sos institutos processuais. Para Teresa Arruda Alvim Wambier a fixação do
valor da causa “O valor da causa, definido em atenção ao disposto nos arts. 258
e 259, tem importância para: determinação do procedimento a ser empregado
(ordinário ou sumário; cf art. 275, inciso I); definição dos honorários advocati
cios, em alguns casos (cf. art. 20, § 4o); indicação do juízo competente, de acordo
com as norma de organização judiciária (cf. art. 9/).”.655 Já Gelson Amaro dc
Souza observa que "Em linhas gerais, os autores apontam as várias finalida
des, desmembrado-as em itens e subitens, mas em resumo e de uma forma
mais concentrada, podemos destacar as seguintes: 1) fixação de competência,
2) determinação do rito processual a ser obedecido; 3) tributação ou encargos
processuais; 4) estabelecimento de alçada para recursos; 5) norteamento dos
parâmetros da sucumbência; 6) fixação de multa; 7) formação de relação pro
cessual; 8) disciplinação das provas permitidas; 9) admissão e processamento
da reconvenção; 10) penhora na execução; 11) forma de publicidade para leilão*4 5

45J MONIZ DE ARAGÃO, p. 439/440.


454 SOUZA, p. 97-99.
VVAMB1EK, Teresa Arruda Alvim, MEDINA, |osé Miguel Garcia. P r o c e s s o C iv il m o d e r n o . Sào
Paulo: RT, 2008. V. 01, P. 151.
»» , r i i v v i n w u , i j u n i j », i f i i i r i , \ li

r hasta pública; 12) admissão da ação rescisória; 13) permissão de transigência


por procurador.”.6*'
Real mente, são múltiplas as razões pelas quais se torna necessário que da
petição inicial conste o valor da causa, destacando-se a fixação da competên-
i ia, a determinação do rito processual e o estabelecimento de parâmetros para
o pagamento das verbas processuais.
Quando estudamos a competência afirmamos que um de seus critérios
determinativos é o objetivo, onde se levam em conta elementos que não
dizem respeito à própria lide, ou seja, que procura determ inar a competência
segundo aspectos alheios à relação controvertida veiculada pela ação. Por isso
.i subdivisão do critério segundo a natureza da causa, segundo o seu valor ou
segundo as condições pessoais das partes. Por isso o valor da causa constitui
parâmetro de suma importância para uma divisão de serviço racional, mor-
inente tendo em vista que a divisão da competência e complementada pela
lei de organização judiciária, onde esse critério acaba sendo bastante utili­
zado para propiciar uma divisão eqiiitativa dos processos. É o que acontece,
por exemplo, com a competência para julgamento dos feitos previstos Lei n°
‘1099/95, que regula os Juizados Especiais Cíveis, onde apenas causas de valor
até 40 (quarenta) salários mínimos pode ser recebida, processada e julgada.
Também o rito processual pode ser determinado segundo o valor dado à
causa. Embora nosso melhor exemplo fosse o procedimento sumário do CPC
de 1973, agora extinto, o rito a ser adotado quanto ao inventário e a partilha
dos bens deixados pelo falecimento de alguém depende do valor da causa. Daí
a razão pela qual o art. 664, do CPC, dispõe que '‘quando o valor dos bens do
espólio fo r igual ou inferior a mil salários mínimos, o inventário processar-se-á
na form a de arrolamento,...”.
Por fim, o valor da causa servirá como parâmetro para o pagamento das
custas processuais e do preparo dos recursos, sem o que o processo não terá
andamento e o recurso será julgado deserto, salvo nos casos em que a parte
litiga sob o pálio da Justiça gratuita. Ainda será o valor da causa, quando
o pedido for integralmente acolhido ou integralmente rejeitado, que servirá
como base para a condenação ao pagamento de honorários advocatícios, sem­
pre dentro da porcentagem prevista em lei, acima estudada.

A56
SOUZA, p. 18.
300 uvnu ui BiíCTicmv» pwrwtiwyw w iiwwww w— ” w n w m u

c) Impugnação.
Ao contrário do que acontecia sob a vigência do CPC de 1973, onde .1
impugnação ao valor da causa se fazia mediante incidente próprio, que
processava em autos apartados e sem a suspensão do processo, o sistema alu.il
prevê que a impugnação ao valor da causa deve ser feita pelo réu como preli
minar da contestação, na forma determinada pelos art. 293 e 337, III, ambo-.
do CPC. A matéria deixou de ser objeto de defesa processual indireta p au
constituir defesa processual direta; o que deve ser elogiado por concenlr.n
a matéria de defesa e evitar a multiplicação de incidentes processuais qm
normalmente, dificultavam a tramitação do processo. Como não há previsão
específica para a solução desta controvérsia, a questão deverá ser tratada como
as demais questões processuais e resolvida quando do saneamento do feito, mi
forma prevista pelo art. 357,1, do CPC.
Nada obstante o tratamento mais adequado que se deu à matéria, os ail
293 e 336, III, do CPC, alertam de modo expresso que o não oferecimenlu
da preliminar de impugnação implica na pena de preclusão, o que indu/ .1
conclusão de que o réu não mais poderá discutir tal matéria. Todavia, não •
bem isso que sucede, já que o art. 292, §3°, do CPC, resolvendo controvérsia
até então existente, foi expresso ao dispor que o juiz poderá corrigir de ofício
o valor atribuído à causa. Com isso, havendo motivo justificado, nada impedi
que o juiz tome ciência das razões que a parte formula, mesmo que extempo
ràneas, alterando o valor atribuído à causa.
Ora, embora diga o preceito que o juiz corrigirá o valor da causa, de ofício
e por arbitramento, apenas quando verificar que o valor atribuído não cor
responde ao conteúdo patrimonial em discussão ou ao proveito econômico
perseguido pelo autor; o fato é que se a lei prevê a possibilidade de alteração
nessas hipóteses, cujo valor não é preciso, seria um despropósito não permili
Ta nos casos onde o valor é preciso, como acontece com as hipóteses previst.r.
nos incisos do art. 292, tendo o autor errado na sua indicação.
Ademais, se a atribuição do valor à causa gera implicações que desbordam
o interesse particular para atingir questões ligadas ao interesse público, como
o recolhimento de custas, a fixação da competência e a determinação do pro
cedimento, não é razoável que se permita a parte alterar tais circunstâncias d<*
forma indireta, atribuindo à causa um valor incorreto e que não condiz com
i/ Aim mui.nMwmivinmit '.n‘j

o texto da lei. Cremos, pois, que em qualquer hipótese poderá o magistrado


iilterar de ofício o valor da causa, sendo as hipóteses descritas no art. 292, §3°,
do CPC, meramente elucidativa.

Verificação de Aprendizagem
01. Qual a principal razão pela qual os atos processuais devem ser
comunicados as partes?
02. Quais os tipos de cartas existentes no processo civil?
03. Há diferença da concepção da citação adotada pelo sistema atual e pelo
sistema do CPC de 1973?
04. Qual a natureza jurídica da decisão que determina a citação do réu? Desta
decisão cabe algum recurso?
05. Quais são e como se classificam os efeitos da citação válida?
06. Quais as modalidades de citação previstas no CPC?
07. Pode o oficial de justiça realizar a citação fora do território da comarca
na qual trabalha?
08. Tendo deixado a parte de comunicar seu novo endereço, determinou o
magistrado sua intimação por editais. Agiu corretamente o juiz?
09. Deixando o autor de recolher as custas iniciais, deverá o magistrado
m andar cancelar a distribuição ou extinguir o feito sem resolução do
mérito?
10. Pode o autor dar a causa valor inestimável?
11. Quais as principais finalidades pelas quais se atribui valor à causa?
12. Em quais situações pode o magistrado, de ofício, corrigir o valor dado à
causa?

Planificação para aula


01. Comunicação dos atos processuais - necessidade.
02. Cartas: a) rogatória, b) precatória, c) de ordem, d) arbitrai.
03. Citação.
«*r v H » n w lli u » m i i » i W M ^ u n i n i . f n » . j |

- Definição (Art. 238. A citação é o ato pelo ipial selo convocados o réu, i» f inalidade: a) fixação da competência, b) determinação do rito processual,
executado ou o interessado para integrara relação processual.)- A lteraçóo e, c) estabelecimento de parâmetros para o pagamento das verbas
relevantes quando comparada com a definição anterior: a) substituição processuais.
do verbo chamar pelo verbo convocar; b) alargamento da definição legal Impugnação: a) requerimento da parte; e, b) correção de ofício pelo juiz.
para abranger também o executado, além do réu e do interessado; e, c)
a convocação não mais se dá para o oferecimento de resposta, mas sim
para integrar o processo.
Bibliografia
- Natureza jurídica - decisão interlocutória. AMERICANO, Jorge. Comentários ao código do processo civil do Brasil. São
- gera litispendência Paulo: Saraiva, 1940.

Processuais CORREIA, André De Luizi. A citação no direito processual civil brasileiro. São
Paulo: RT, 2001.
- Efeitos - faz litigiosa a coisa
I)E PLÁCIDO E SILVA. Comentários ao código de processo civil. 4a e.. Rio de
- constitui em mora
Janeiro: Forense, 1956.
Materiais
MONIZ DE ARAGÂO, E.D.. Comentários ao código de processo civil. 6a e.. Rio
- interrompe a prescrição de Janeiro: Forense, 1989.
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao código de
- Direta: a) Oficial de Justiça ou b) Escrivão processo civil. 2“ e.. Rio de Janeiro: Forense, 1974.
Real SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. 24a e..
São Paulo: Saraiva, 2008.
- Indireta: a) Correio ou b) Meio eletrônico
- Modalidades SCHAWAB, Karl Heinz. El objeto litigioso em el proceso civil. Buenos Aires:
Ediciones Jurídicas Europa America, 1968.
Ficta ou presumida: a) Edital ou b) Hora certa.
SOUZA, Gelson Amaro. Do valor da causa. 2a e.. São Paulo: sugestões literá­
04. Intimações
rias, 1987.
- Intimação pelo advogado da parte. THF.ODORO JUNIOR. Humberto. Curso de direito processual civil. 47a e.. Rio
- Carga dos autos. de Janeiro: Forense, 2007.
- Dever das partes de informar seu novo endereço. YVAMBIER, Luiz Rodriguez, ALMEIDA, Flávio Renato Correia de, TALA-
05. Registro e distribuição. MINI, Eduardo. Curso avançado de processo civil. 7a ed. São Paulo: RT,
2005.
06. Valor da causa.
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, MEDINA, José Miguel Garcia. Processo
- Obrigatoriedade.
Civil moderno. São Paulo: RT, 2008.
- Hipóteses: Art. 292.
18. TEORIA DAS NULIDADES

18.1. Noções gerais. 18.2. Regimes de decretação de nulidadcs. 18.3. Classificação.


18.4. Princípios.

18.1. Noções gerais.


Nos capítulos anteriores tivemos a oportunidade de analisar a forma e o
tempo dos atos processuais, ou seja, a maneira pela qual os atos que compõem
o processo devem ser praticados e em qual momento devem ser realizados.
Quando o ato não é praticado no prazo previsto para sua realização, norm al­
mente, ocorre a preclusão. Mas o que acontece quando o ato é praticado no
momento oportuno, mas não é feito da forma prevista pelo sistema para a sua
realização? É nesse campo que nasce a discussão acerca das conseqüências
ilecorrentes da não observância das formas, objeto de estudo da teoria das
nulidades processuais.
A respeito da dificuldade do tema, em especial quanto à aplicação da teoria
nas questões do dia a dia do foro, com o que concordamos plenamente, afir­
mou Moniz de Aragão que “É este um dos mais árduos capítulos do Código.
Tanto faz que seja encarado por um ou outro de seus ângulos, as dificuldades
são grandes e pouco variam. Complexo para o legislador, que tem de elaborá-lo,
c para o magistrado, que tem de aplicá-lo. Penoso para uma das partes, que
vê perdido o seu esforço, e para a outra, que poderá sofrer os efeitos de um ato
indevido. Inúmeras são as vicissitudes por que passa, também o intérprete, que
tem deperscrutá-lo, compreendê-lo, penetrar-lhe as sutilezas, tentar analisá-lo
<• expô-lo, de modo a não aumentar atribulações.".*’57
Parte dessa dificuldade reside na necessidade de se ter bem presente, o
que nem sempre acontece, a distinção entre os planos de existência, validade
e eficácia. No plano da existência a questão suscitada reside em saber se o
objeto que está sendo estudado, no caso os atos processuais, existe ou não.
Mas mesmo que ele exista, isso não quer dizer que ele necessariamente possa

•57
MONIZ DE ARAGÁO, E.D.. C o m e n t á r i o s a o c ó d ig o d e p r o c e s s o c iv il. 6“ e.. Rio de Janeiro: Forense.
1989. p. 357.
ser reputado válido, já que há casos em que o ato existe e não pode ser reto
nhecido como sendo válido. Por fim, segundo a idéia mais referida, a eficái i<*
diz respeito à produção de efeitos e, por isso, pode acontecer mesmo que o alo
não seja válido. Na precisa lição de Teresa Arruda Alvim Wambier “Contudo,
tratando-se de fenômenos distintos, pode ocorrer que um ato nulo nunca venha
a ser como tal decretado e que tenha, portanto, sido eficaz por toda a sua vida,
embora carecendo de validade, pois 'valer é uma qualidade contrafática, isto
o valor de uma norma não depende da existência real e concreta das conduta »
que ela prescreve .”.658
Atento a tal realidade e se reportando expressamente ao plano de validade,
ainda que sob a égide do Regulamento 737 e tendo em conta o conteúdo do
projeto do Código Processual Paulista, asseverava Tito Prates da Fonseca que
“Nullidade, propriamente, é o estado do que é nullo. Costuma-se, porem, defi
nil-a pela sua causa. Neste sentido, pode-se dizer que nullidade é a falha do ado
que lhe affecta a validade jurídica, segundo os preceitos legaes. A imperfeição
do acto jurídico e, portanto, do judicial, pôde ir desde a simples irregularidade
até à inexistência. Segundo a natureza da falha, variam os seus effeitos sobre a
validade do acto. Mas, essa maior ou menor actuação do defeito não é arbitra
ria, nem pôde depender exclusivamente dos ensinamentos da doutrina, carece
de determinação da lei. Por isso, se diz que a nullidade é a violação da lei c se
reconhece segundo os preceitos legaes.”.6S9 Embora seja essa a idéia da maioria
da doutrina até a atualidade, tanto que alguns autores até preferem a utili
zação da denominação invalidades ao invés de nulidades isso para deixai
,6 6 0

bastante claro que se reportam ao plano da validade do ato processual, Teresa


Arruda Alvim Wambier, em sua clássica obra nulidades do processo e da sen
tença, adverte que “Nulidade, pois, da terminologia usada neste trabalho, serã
a situação em que se encontra um ato, ou uma norma, que, por razões de que
se tratará adiante, o torna vulnerável quanto à sua eficácia. Ou, em outras
palavras, nulidade é o estado em que se encontra um ato, que o torna passível

65f WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do processo e da sentença. 4a e.. São Paulo: RT, 1997
p. 112.
659 FONSECA, Tito Prates da. Nullidades no processo civil. São Paulo: Saraiva, 1926. p. 124.
660 DIDIER JR, Fredie. Curso de direito processual civil. Salvador Podium, 2007; KOMATSU, Roque
Da invalidade no processo civil. São Paulo: RT, 1991; e, MARDF.R, Alexandre S.. Das invalidada
no direito processual civil. São Paulo: Malheiros, 2010.
r :
i/c deixar de produzir seus efeitos próprios e, em alguns casos, destroem-se os já
produzidos
Vejamos, portanto, quais são os aspectos concernentes ao sistema de nuli-
dades proposto pelo atual CPC, que repetiu sem alterações aquilo que já era
objeto de semelhante disciplina pelo CPC de 1973 e pelo CPC de 1939.

18.2. Regimes de decretação de nulidades.


Como anota Moacyr Amaral Santos, vários foram os regimes adotados
quanto à decretação de nulidade dos atos processuais, destacando-se dentre
eles os regimes do a) absolutismo da lei; b) da equidade; c) da presunção de
má-fé; e, d) o regime atualmente mais adotado, que preferimos denominar
regime ou sistema contemporâneo.
Quando do estudo da evolução do direito processual observamos que o
período da legis actiones era caracterizado pela existência de uma tipicidade
rígida, onde os aspectos formais se sobressaíam em relação ao aspecto mate­
rial. No dizer de Michele Ducos, como vimos, “O rito criava o direito. [...] E
o que se via freqiientemente era um simulacro de combate.".662 (grifo nosso)
Tamanha a rigidez no aspecto formal que se tornou clássico o exemplo de
Ciaio, mencionado no Livro Quarto das Institutas (item 11), do litigante que
perdeu a causa apenas porque utilizou o termo vites (videira) ao invés de uti­
lizar o termo arbor (árvore), que era o previsto na lei.663
Nesse passo, para o regime do absolutismo da lei, oriundo do mencionado
período do direito romano, todo ato processual praticado em desacordo com
a forma prescrita deve ser considerado nulo. Dá-se à forma do ato processual
importância essencial para que possa ele produzir efeitos. Não cumprida a
forma prevista para sua realização, por menor que seja a discordância, não há
como aproveitar o ato praticado. Em absoluta oposição a tal regime surgiu o

WAMBIER, p. 112.
'*•’ D U C O S , Michele. Roma e o direito (Roma et le Droit). Tra d . Z A R Z A N A , Sílvia e P U G L IE S E
N E T O , M á rio. São Paulo: M adras, 2007. p. 116.
Lições de história do processo civil
’ C R U Z E T U C C 1 , |osé Rogério; A Z E V E D O , Lu iz Carlos de.
romano. Sào Paulo: R T, 1996. p. 198. N o anexo das Institutas de Gaio, item 11: "...Daí, o ter-se res­
pondido que perdia a ação quem, agindo por causa de videiras ceifadas mencionara videiras, pois a
Lei das XII Tábuas, na qual sefundava a ação por videiras cortadas, falava de árvores cortadas em
geral.".
regime da equidade, onde cabe ao magistrado criar .1 norma específica pui >1
0 caso concreto. Portanto, qualquer que fosse a forma adotada, não havia qtn
se falar em nulidade do ato processual, sendo o aspecto formal absoluta menti
irrelevante para a validade do ato praticado.
Como os dois regimes, à evidência, por se lastrearem em posições extrema
das, acabam por dar ensejo ao arbítrio, surge a idéia de considerar que o alo
processual praticado em desacordo com a forma prevista para sua realizas •'*'
gera a presunção de má-fé, que poderá ser elidida por prova em contrário. Pm
outros termos, para o regime da presunção de má-fé, esta se presume quando
o ato não segue a forma predeterminada pela lei. Como em nosso direito .1
regra é da presunção de boa-íé, tal regime nunca logrou aceitação por contra
riar, de modo pouco justificado, a regra geral.
Diante da deficiência dos regimes apresentados, a doutrina nacional aca
bou por adotar um regime ou sistema que podemos denominar contemporá
neo, segundo o qual o ato processual deve ser considerado viciado e, portanto,
passível de nulidade, em duas hipóteses: a) quando a lei comina expressa
mente a pena de nulidade para a não observância da forma: e, b) quando .1
não observância da forma prevista em lei gera prejuízo para uma das parti-'
no processo. Em suma: há nulidade por expressa cominação legal ou, quando
a não obediência à forma gera prejuízo para uma das partes. Esse é o regime
adotado pelo nosso sistema processual civil.

18.3. Classificação.
Em que pese parte da doutrina sustentar que não há um interesse prático
efetivo na classificação das invalidades processuais,664 a doutrina tradicional
sustenta que há uma gradação entre os vícios do ato processual que vão da
inexistência do ato até a sua mera irregularidade, passando por duas formas
intermediárias, que são a nulidade absoluta e a nulidade relativa. Nesse sen
tido a lição de Moniz de Aragão ao sustentar que “Em três grandes categorias c
possível agrupar os vícios resultantes da infração do modelo traçado na lei pro
cessual. ü mais grave de todos é a inexistência do ato; 0 menos grave a simples*S
,
O

D ID IE R )R , Fredie. Curso de direito processual civil. Salvador Podium , 2007; C A L M O N D E PAS


SO S, José Joaquim. Esboço de uma teoria das nulidades aplicada às nulidadesprocessuais. Rio dc
Janeiro: Forense, 2002.
Irregularidade. Em posição intermediária se situa a nulidade, que comporta,
por sua vez, idêntica distinção: a mais grave de toda é a nulidade absoluta; a
menos grave a anulabilidade. Em posição intermediária se situa a nulidade
relativa. Esse o critério existente no Código de 1939, que se repete no atual, sem
11 menor distinção.”. 665
Acerca da não existência do ato processual, em linguagem bastante con­
tundente, afirmava Pontes de Miranda, ainda sob a égide do CPC de 1973, que
"Sabemos que distinguiu ato nulo e ato inexistente (e.g. art. 37). Aliás, dizer que
u legislador pode destruir a separação entre inexistência e nulidade é o mesmo
que supô-lo apto a, por exemplo, decretar mudança de sexo ou abrir audiência
na lua. Basta perguntar-se: é nula ou inexistente a audiência do juiz de órfãos
dada por um juiz do tribunal?”.6M
Realmente, como assinala com absoluta precisão Teresa Arruda Alvim
Wambier "todo problema da inexistência do ato gira em torno da vida do ato,
sendo, pois, rigorosamente, anterior ao problema da validade.”.66'’ Em outras
palavras, não se trata de questão relativa ao plano de validade, mas sim ao
plano de existência, o que demonstra uma maior gravidade dos vícios que
levam a conclusão de que o ato processual não existe. É o caso, por exemplo,
da sentença proferida pelo policial militar que faz a segurança do fórum, ine­
xistente na medida em que tal agente público não está investido na função
jurisdicional. Sendo a inexistência considerada como a mais grave das situa­
ções que invalida um ato processual, seu reconhecimento deve acontecer de
ofício pelo magistrado, sem a necessidade da provocação da parte, não sendo
possível a convalidação do ato praticado, cujo vício pode ser reconhecido
independentemente da interposição de ação rescisória, a qualquer tempo.
As nulidades absoluta e relativa, por sua vez, residem no plano de vali­
dade do ato processual, devendo a sua distinção ser creditada à natureza do
bem jurídico que o descumprimento da norma atinge. Como ensina Galeno
Lacerda “O critério distintivo repousa na natureza e nos fins da norma violada.
Quando nela prevalecer o interesse público, a nulidade será absoluta, insanável.
Se o interesse preponderante fo r privado, e a norma cogente, haverá nulidade

“ 5 MONIZDE ARAGÀO.p. 360-361.


•** PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao código de processo civil. 2* e.. Rio
de Janeiro: Forense, 1974. p. 321.
“ T WAMBIER,p. 163.
relativa; anulabilidade, no caso de norma dispositiva em ambas as hipótese
sanáveis os vícios.”.MH
Nesse passo, quando a nulidade pode ser considerada absoluta, isso poi
que atinge ao interesse público (sentença que deixa de apreciar um dos pedi
dos formulados), deverá o magistrado reconhecê-la e decretá-la de ofício, tui
medida em que o vício do ato não é passível de ser sanado estando o processo
em curso. Mesmo que a parte não sofra prejuízo aparente, como o interesse
atingido é público, deverá o ato processual ser novamente realizado seguindo
a forma prescrita por lei. Porém, uma vez transitada em julgado a sentença que
julgou a causa e não havendo a interposiçào de ação rescisória no prazo legal,
em prol do princípio da segurança jurídica, não há mais como alterar o alo
viciado, razão pela qual ele também se torna definitivo.
Já no caso de nulidade relativa, deverá o magistrado reconhecê-la e decre
tá-la de ofício, mas apenas se verificar desde logo a existência de prejuízo para
uma das partes ou para terceiro juridicamente interessado no processo. Não
constatado qualquer prejuízo a nulidade não deverá ser decretada, convali
dando-se o ato processual praticado. Havendo dúvida quanto à ocorrência
ou não do prejuízo, deve o juiz determinar que a parte se manifeste expres
samente sobre o vício detectado, facultando-lhe a possibilidade de produ
zir prova acerca do suposto prejuízo. Porém, se a nulidade relativa não foi
detectada pelo magistrado e a decisão prolatada transita em julgado, também
ocorre à convalidação do ato processual.
Por fim, em se tratando mera irregularidade, deverá a parte ou o terceiro
com interesse jurídico formular pedido expresso para que o magistrado reco
nheça o vício do ato processual, sem o que não será reconhecida à irregulari
dade e determinada a repetição do ato.
Com isso é possível apresentar, para fins meramente didáticos, a seguinte
tabela de semelhanças e de diferenças:

«8 LACERDA, Galeno. Despacho saneador. 3a.. Porto Alegre: SAFE, 1990. p. 124.
Inexistência N u lid a d e a b so lu ta N u lid a d e relativa A n u la b ilid a d e
Insanável Insanável Sanável Sanável
N u n ca c o n v alid a C o n v alid a a p ó s o C o n v a lid a se n ã o há C o n v a lid a se n ão
p razo d a re scisó ria preju ízo alegada
1)c oficio D e ofício D e ofício R e q u e rim e n to
Interesse p ú b ico Interesse p ú b lic o In teresse p a rtic u la r In teresse p a rtic u la r

18.4. Princípios.
Como a casuística dos vícios que podem atingir os atos processuais é por
demais ampla, já que os atos mais importantes do processo possuem disci­
plina própria e, por isso, podem ser passíveis de realização de forma diversa
daquela prevista pela lei, nosso código houve por bem, seguindo os parâme­
tros já estabelecidos pelo CPC de 1973, fixar no capítulo das nulidades (art.
276 até 283) vários princípios que regulamentam a sua decretação. São eles os
seguintes princípios: a) instrumentalidade; b) preclusão; c) causalidade; e, d)
conservação dos atos processuais.
Previsto no art. 277, do CPC, o princípio da instrumentalidade das formas
pode ser considerado, em nosso entender, como o mais importante dos prin­
cípios relativos à nulidade dos atos processuais, já que permite ao magistrado
considerar válido o ato se ele alcançar a finalidade a qual se destina. Como
dissemos ao tratar da teoria geral dos atos processuais, há nítida a opção legis­
lativa em prestigiar os aspectos atinentes ao conteúdo do ato processual em
detrimento da sua forma.
Nada obstante, a aplicação da fungibilidade alcança apenas os vícios saná-
veis, que são as nulidades relativas e as anulabilidades, não se estendendo aos
casos de inexistência ou de nulidade absoluta, situações em que os atos prati­
cados não poderão ser aproveitados na medida em que há ofensa ao interesse
público. Nesse sentido o pensamento de Moniz de Aragão ao comentar o art.
244, do CPC de 1973, formulando o seguinte questionamento: “Qual a exten­
são conceituai do vocábulo nulidade, empregado no dispositivo? Evidentemente
não abrange a todas: é inaplicável, sem a menor dúvida, aos casos de inexistên­
cia jurídica; também não incide sobre os de nulidade absoluta.”.669

MONIZ DE ARAGÃO, p. 381.


O segundo princípio que deve ser observado é o da preclusào, que em n o s s i t
entendimento é erroneamente desmembrado pelos autores em dois princípios
diversos: o da preclusào e o do interesse de agir. Isso porque não se observa
que o art. 276, do CPC, quando indica que a decretação da nulidade não pode
ser requerida pela parte que lhe deu causa, nada mais faz do que aplicar a
regra geral da preclusào lógica, ou seja, que não se pode praticar ato contia
rio àquele anteriormente praticado ou conduta incompatível, mesmo que por
omissão, com outra já adotada no curso do processo. Por outro lado, aquilo
que se costuma tratar por princípio da preclusào, atualmente constante do art
278, do CPC, nada mais é do que a aplicação da regra geral da preclusào tem
poral, já que a nulidade dos atos deve ser alegada na primeira oportunidade cm
que couber à parte falar nos autos, sob pena de preclusào.
Destarte, para nós, o princípio da preclusào incide tanto quando a parte
deu causa a nulidade e, por isso, não poderá argüi-la (art. 276 - preclusào
lógica); quanto para quem não alega a nulidade no primeiro momento que
fala nos autos (art. 278 - preclusào temporal). Ambas incidem, por expressa
disposição da lei (art. 278, parágrafo único), apenas para os casos de nulidades
relativas e de irregularidades, desde que a parte não comprove a ocorrência de
impedimento legítimo.
O terceiro princípio é o da causalidade, segundo o qual anulado o ato pro
cessual, nenhum efeito produziram os atos posteriores que dele dependam
(art. 283, do CPC). Por isso, se não houve citação no processo, mas mesmo
assim foi certificado o decurso do prazo para resposta e proferida sentença
com base na revelia, reconhecida à falta da citação todos os atos posterio
res, que são dependentes daquele primeiro, tornar-se-ão inválidos. Na lição
de Alexandre S. Marder, “pelo princípio da causalidade, sempre que consta
tada uma relação de dependência entre determinados atos do processo, o ato
dependente daquele revestido pela mácula da invalidade também deve ser
considerado inválido. Ressalte-se: inválidos serão apenas os atos posteriores ao
ato anulado que guardem, inequivocamente, a referida relação de dependên
cia para com esse. Inexiste o referido vínculo de dependência, não há falar na
decretação da invalidade." ”.670

670
MARDER, p. 63.
Todavia, como a nulidade de uma parte do ato não prejudicará as outras
que dela sejam independentes (art. 283, infiné) e nem os atos posteriores que
também o sejam, deverá o magistrado, ao pronunciar a nulidade, declarar
quais são os atos processuais atingidos e determinar, na mesma decisão, a
repetição ou ratificação dos atos já realizados.
O quarto princípio que regula a aplicação das nulidades processuais é o do
aproveitamento dos atos praticados, que em nosso sentir decorre do principio
informativo da economia processual, já que este não pode ser considerado
como um princípio específico da teoria das nulidades. Decretada a nulidade
de determinado ato do processo, deverá o magistrado declarar quais atos
deverão ser repetidos e quais atos poderão ser aproveitados, isso mediante
mera ratificação das partes no processo (art. 282, do CPC). Para isso deverá
estar atento acerca da existência ou não de prejuízo para a parte, pois o ato
somente não se repetirá quando não existir prejuízo resultante do desrespeito
à forma (§ Io). Em regra, pois, devem ser aproveitados ao máximo os atos já
praticados, o que apenas não acontecerá se deles puder decorrer prejuízo às
partes.
Por fim, o art. 282, § 2o, do CPC, dispõe que quando puder o magistrado
decidir o mérito a favor da parte a quem aproveite a declaração da nulidade,
não deverá pronunciá-la ou m andar repetir o ato, já que tal conduta podería
gerar um prejuízo ainda maior para a parte do que a decretação da nulidade,
pois poderá obter desde logo uma decisão aderente ao direito material, em
prol da efetividade do processo.

Verificação de Aprendizagem
01. Qual a distinção entre os planos de existência, validade e eficácia do ato
processual?
02. Quais os regimes existentes acerca da decretação das nulidades?
03. Em que consiste o sistema contemporâneo de decretação das nulidades?
04. Como se classificam as nulidades do ato processual?
05. O que justifica a distinção entre as nulidades absolutas e as nulidades
relativas?
06. Quais os princípios que informam a teoria das nulidades processuais?
Planificação para aula
01. Planos de existência, validade e eficácia.
a) Absolutismo da lei (se em desacordo com a lei o ato é nulo)
02. Regimes b) Equidade (fica ao critério do juiz)
c) Má-fé (presume-se quando o ato não segue a forma prevista
em lei)
d) Contemporâneo (Há nulidade por expressa cominação legal
ou quando, não seguida a forma, existe prejuízo para a parte)
03. Classificação:
- Inexistência (plano de existência)
- Nulidade absoluta
- Nulidade relativa
- Irregularidade
- Tabela de diferenças:
In ex istên c ia N u lid a d e a b so lu ta N u lid a d e relativa A n u la b ilid a d e
Insanável In san áv el Sanável Sanável
N u n c a co n v alid a C o n v a lid a a p ó s o C o n v a lid a se n ã o há C o n v a lid a se n ã o
p ra z o d a re sc isó ria p reju ízo a le g a d a
D e oficio D e ofício D e ofício R e q u e rim e n to
In teresse p ú b ic o In te re sse p ú b lic o In teresse p a rtic u la r In te re sse p a rtic u la r

04. Princípios.
a) instrumentalidade;
b) preclusão;
c) causalidade; e,
d) aproveitamento.

Bibliografia
CALMON DE PASSOS, José Joaquim. Esboço de uma teoria das nulidades
aplicada às nulidades processuais. Rio de Janeiro: Forense, 2002.
( :kUZ E TUCCI, José Rogério; AZEVEDO, Luiz Carlos de. Lições de história
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DUCOS, Michele. Roma e o direito (Roma et le Droit). Trad. ZARZANA, Sílvia
e PUGLIESE NETO, Mário. São Paulo: Madras, 2007.
FONSECA, Tito Prates da. Nullidades no processo civil. São Paulo: Saraiva,
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KOMATSU, Roque. Da invalidade no processo civil. São Paulo: RT, 1991.
LACERDA, Galeno. Despacho saneador. 3a.. Porto Alegre: SAFE, 1990.
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_______ , MEDINA, José Miguel Garcia. Processo Civil moderno. São Paulo:
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WAMBIER, Luiz Rodriguez, ALMEIDA, Flávio Renato Correia de, TALA-
MINI, Eduardo. Curso avançado de processo civil. 7a ed. São Paulo: RT,
2005.
19. FORMAÇÃO, SUSPENSÃO
E EXTINÇÃO DO PROCESSO

19.1 Formação. 19.2. Suspensão. 19.3. Extinção.

19.1. Formação.
Sob a denominação de formação do processo, o atual sistema processual
houve por bem tratar apenas do momento em que o processo deve ser consi­
derado iniciado, dispondo no art. 312, do CPC, que se considera proposta a
.tçáo no momento em que a petição inicial for protocolada. Transferiu deste
capítulo, do art. 262, do CPC de 1973, para o atual art. 2o, a regra que trata
do princípio dispositivo e do princípio do impulso oficial; e, do art. 264, do
CPC de 1973, para o atual art. 329, a regra que trata da estabilização parcial do
processo, ou seja, do momento a partir do qual o pedido e a causa de pedir não
poderão mais sofrer quaisquer alterações por iniciativa do autor.
Além disso, houve por bem o atual CPC fixar como o momento de nasci­
mento do processo o momento do protocolo da petição inicial e não mais o
momento em que a petição inicial é despachada pelo magistrado ou distribu­
ída onde houver mais de uma vara, locuções estas que eram as adotadas pelo
art. 263, do CPC de 1973. Tal alteração demonstra uma nítida opção por dar
uma maior segurança ao sistema, já que antes poderia haver dúvida acerca
do momento em que o juiz despachava a petição inicial, embora não devesse
fazê-lo antes da distribuição. Diante disso, cremos, doravante uma petição
inicial despachada pelo magistrado não é suficiente para marcar o início do
processo, sendo essencial para isso que a peça seja devidamente protocolada.
Portanto, se a prescrição acontece hoje e o autor despacha a inicial, mas deixa
de levá-la ao protocolo, o que faz apenas no dia de amanhã, então deve ser con­
siderada como consumada a causa extintiva do exercício do direito de ação.
Também poderia haver problemas quanto ao momento da distribuição, já
que há locais onde a distribuição não é imediata, ocorrendo sempre em hora
do dia pré-determinada, isso para facilitar sua fiscalização. Nessas hipóteses a
validade dos atos praticados pelo sujeito passivo antes da distribuição poderia
ser questionada, por vezes em prejuízo do autor e em benefício daquele que
praticava o ato de modo fraudulento. Pense-se, por exemplo, na hipótese
regrada pelo art. 828, do CPC, sucessor do art. 615-A, do CPC de 1973, onde
o exeqüente poderá obter certidão da distribuição e promover sua averbaçáo
junto ao registro de veículo, para os fins de gerar a presunção de fraude pre
vista no §4°, do mesmo preceito. No sistema anterior, se o protocolo da inicial
acontecia às dez horas e a distribuição às dezessete horas, poderia o executado
alienar um veículo às treze horas, situação que gerava dúvida quanto à ocor
rência ou não da fraude, já que o processo só seria considerado como iniciado
após a sua efetiva distribuição.
Como se vê, pois, agiu bem a lei em fixar como momento inicial do pro
cesso o momento em que a petição inicial é protocolada, não se olvidando
que em caso de processo eletrônico esse protocolo poderá, em tese, acontecer
em qualquer momento do dia, já que o art. 213, do CPC, dispõe que a prática
eletrônica de ato processual pode ocorrer em qualquer horário até as vinte c
quatro horas do último dia do prazo.
Por seu turno, para aqueles que entendem, como nos, que o processo não
pode mais ser considerado como uma mera relação jurídica, mas sim como
um instituto constitucional, a partir do protocolo da inicial o processo está
definitivamente e integralmente iniciado, sendo desnecessária a realização da
citação para consolidar a sua formação. Isso porque afirmamos (Capítulo 07
- Processo) que os pressupostos de existência do processo são a jurisdição,
a petição inicial e a capacidade postulatória; excluindo do rol normalmente
apresentado a citação, na medida em que o processo existe antes mesmo da
sua realização. Assim, quando ocorre o indeferimento da petição inicial, na
forma do art. 330, do CPC, ou a improcedência liminar do pedido, na forma
do art. 332, do mesmo diploma, o autor sofre as conseqüências da existência
de um processo, mesmo sem a participação do réu. Não bastasse, há processos
onde não existe a figura do sujeito passivo, como acontece no caso da ação
declaratória de inconstitucionalidade de lei, onde em momento algum do pro­
cedimento aparecerá um réu, um executado ou um interessado para respon­
der a demanda; e nem por isso se afirma que neste procedimento específico
não há processo e que não se obedeceu ao Modelo Constitucional de Processo
inserido na Constituição da Republica.
|â para aqueles que comungam da opinião de que o processo é uma relação
Jurídica, ainda a maioria da doutrina, a efetiva e integral formação do pro-
cesso acontece de uma forma gradual, com seu início no momento em que a
petição inicial é protocolada e a sua complementaçào apenas após a citação
válida do sujeito passivo (art. 330). Nesse sentido a opinião de Humberto The-
odoro Junior ao afirmar que “em resumo: a) a propositura da ação vincula
imtor e juiz à relação processual por meio do exercício do direito de ação; b) a
citação amplia a relação e nela integra o réu, para assegurar-lhe o exercício do
direito de defesa; e, c) completa a relação, assegurado ao estado estará o exercí­
cio pleno do poder jurisdicional.”;67' e, de Moniz de Aragão, ao comentar que
“a relação processual vincula o autor e o réu ao juiz e este a ambos; [...] Seja
qual fo r a extensão que se lhe dê, o certo é que o vínculo não se estabelecerá de
pronto, com um só ato, mas gradativamente através de uma série de atos, que
fazem da formação do processo ato complexo, ...”.6 71672
Nada obstante, independente da posição adotada quanto à natureza jurí­
dica do processo, fixar o momento em que ele se considera proposto é aspecto
de grande importância para o direito processual, já que este é o momento que
deverá ser considerado tanto para a fixação do juízo competente, quanto para
a fixação dos sujeitos processuais; dentre outras questões não menos relevan­
tes como à interrupção da prescrição, por exemplo.
Por isso, quando do estudo da competência observamos que a determina­
ção do juízo competente para conhecer e para decidir determinada demanda
depende, além das regras que regulam a competência em seus diversos aspec­
tos, da fixação de um marco temporal, sem o que cada alteração na situação
de fato ou de direito pode implicar na alteração da competência inicialmente
fixada. Daí a razão pela qual o art. 43, do CPC, estabelece que “Determina-se
a competência no momento em que a ação éproposta,...” (grifo nosso); o que se
denomina princípio da “perpetuatio jurisdictionis” ou princípio da perpetua­
ção da jurisdição. O mesmo se dá no tocante determinação do pólo ativo e do
pólo passivo da demanda, fixados quando da propositura da ação, que toma
a denominação de “perpetuatio legitimationis”. Em outros termos, em regra,

671 THF.ODORO JUNIOR, Humberto. Curso de direitoprocessual civil. 47* e.. Rio de Janeiro: Forense,
2007. p. 340.
67; MONIZ DE ARAGÀO, E.D.. Comentários ao código de processo civil. 6* e.. Rio de Janeiro: Forense,
1989. p. 475-476.
a propositura do feito implica na fixação das partes e da sua legitimação p a u
a causa até o seu final; sendo possível eventual alteração apenas nas hipóteses
previstas nos art. 108 até 110, do CPC, que tratam sucessão das partes no pro
cesso em curso.
Em suma, portanto, é o momento da formação do processo, considerado
pela lei como aquele em que a petição inicial é protocolada, que deverá sei
levado em conta para os efeitos da fixação da competência (perpetuatio juris
dictionis) e para a determinação do pólo ativo e do pólo passivo da demanda
(perpetuatio legitimationis).

19.2. Suspensão.
Quando tratamos da teoria dos prazos observamos que, uma vez iniciada
a sua fluência, podem ocorrer algumas situações que impedem a sua normal
continuidade. Por vezes o prazo se suspende e volta a correr novamente pelo
que restava para o seu término, por vezes o prazo se interrompe e sua conta­
gem, por isso, se inicia novamente. Em outros termos, quando um prazo se
paralisa e volta a fluir pelo que restava para o seu final ocorre à chamada sus­
pensão do prazo processual; e, quando o prazo volta a fluir integral, recome­
çando sua contagem desde o início, ocorre à chamada interrupção do prazo
processual.
No que toca a paralisação do curso do processo, como intuitivamente se
percebe, não há que se falar na repetição dos atos processuais já praticados,
razão pela qual optou o CPC pela terminologia suspensão do processo, isso
para demonstrar que o que acontece, em realidade, é apenas a paralisação
momentânea iter procedimental. Nesse sentido, ainda sob a égide do CPC de
1939, após salientar que a lei prevê a suspensão do processo e não a suspensão
da relação jurídica processual, que são realidades diversas, assevera Pontes de
M iranda que “o código não conhece interrupção da relação jurídica processual.
Conhece apenas suspensão do processo e extinção do processo, ...”.673
Também nesse sentido a precisa lição de Humberto Theodoro Junior
ao afirm ar que “Ocorre a suspensão do processo quando um acontecimento7

i7S PONTES DF. MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao código de processo civil. 2* e.. Rio
de Janeiro: Forense, 1974. p. 398.
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voluntário ou nâo provoca, temporariamente, a paralisação da marcha dos


atos processuais. Ao contrário dos fatos extintivos, no caso de simples suspen­
são, tão logo cesse o efeito do evento extraordinário que a causou, a movimen­
tação do processo se restabelece normalmente. Na verdade, a suspensão inibe
i) andamento do feito, mas não elimina o vínculo jurídico emanado da relação
processual, que, mesmo inerte, continua a subsistir com toda a sua eficácia.”.67'
Levando em conta tais considerações prevê o art. 313, do CPC, em redação
aproximada da que era objeto do art. 265, do CPC de 1973, quais são os casos
em que o curso do processo permanece paralisado, até que se resolva o pro­
blema que deu causa a sua suspensão.
A primeira hipótese que faz com que o curso do processo se paralise é
a morte ou perda da capacidade processual de qualquer das partes, de seu
representante legal ou de seu procurador (inciso I), situações que já tivemos
a oportunidade de examinar quando estudamos a sucessão das partes e dos
seus procuradores. Nesse caso, tendo ciência da morte ou da perda da capa­
cidade, seja por informação das próprias partes, seja em razão de notícia que
veio aos autos de outra maneira, deverá o magistrado suspender o curso do
processo até que se proceda à habilitação dos sucessores da parte ou a consti­
tuição de novo patrono em substituição ao anterior (§1°).
A segunda hipótese de suspensão do processo diz respeito à convenção das
partes (inciso II), ocasião em que a suspensão não poderá exceder o prazo de
seis meses (§4°). Essa hipótese é bastante comum no foro e ocorre, norm al­
mente, quando as partes se dispõem a realizar uma composição amigável ou
quando a realizam, mas resolvem aguardar o cumprimento do acordo para
só então fazer com que se retome o curso normal do procedimento. Nesse
caso, embora o limite máximo seja de seis meses, nada impede que o magis­
trado, mediante requerimento expresso e fundamentado das partes, prorro­
gue a suspensão do processo por mais alguns meses, isso para viabilizar o
término do cumprimento do acordo firmado. Afinal, uma solução mediante
auto-composição é sempre preferível a uma solução imposta, não podendo
essa regra ser empecilho a solução lícita e amigável a qual chegaram as partes.
A terceira causa de suspensão do processo é a argiiição de impedimento ou
de suspeição do magistrado, que se formula em petição específica, elaborada

674
THEODORO JUNIOR, p. 344.
na forma do art. 146, do CPC, onde o termo a quo da suspensão é o momento
em que tal petição é protocolada, com posterior revisão do efeito por parle
do relator (§2°). Afinal, como alertava Vicente Greco Filho ao comentar regia
equivalente do CPC de 1973 (art. 265, III), "A argüiçào form al de incompetèn
cia, impedimento ou suspeição, pela exceção, cujo procedimento está regulado
nos arts. 304 e s., provoca a suspensão do processo, mesmo porque não é con
veniente que o juiz continue a oficiar quando se alega sua incompetência ou
impedimento ou suspeição, até o julgamento definitivo da exceção.”.675
Tal inconveniência, todavia, não implicava na imediata decretação da nuli
dade do ato processual praticado por juiz suspeito ou impedido, na medida
em que não havia norma expressa que cominasse nulidade a tal situação. Por
isso agiu de modo absolutamente correto o atual sistema ao dispor, no arl.
146, §6°, que o tribunal decretará a nulidade dos atos do juiz, se forem eles
praticados quando já estava presente o motivo de impedimento ou de suspei
ção. Também por tais razões é que, uma vez suspenso o processo, não pode o
magistrado cuja suspeição ou impedimento foram arguidos apreciar pedido
de tutela de urgência, sendo competente para fazê-lo o seu substituto legal
(§3°).
Por sua vez, se o termo inicial da suspensão é o momento em que a petição
é protocolada, então o termo final (termo ad quem) deve ser compreendido
como o momento em que o próprio magistrado reconhece a veracidade da
alegação e remete o feito ao seu substituto legal, ou, o momento em que o Tri
bunal decide o conteúdo do incidente processual. Era essa a posição de Luiz
Guilherme Marinoni e de Sérgio Cruz Arenhart, que na vigência do CPC de
1973 diziam que “A suspensão, nesse caso, durará até o 'julgamento defini­
tivo’ da exceção (art. 306 do CPC). Esse 'julgamento definitivo’, todavia, não
se confunde com a preclusão da decisão sobre a competência, o impedimento
ou a suspeição. O julgamento definitivo’, a que alude a lei processual como
termo fin al para a suspensão, deve ser entendido como a primeira decisão sobre
o 'mérito’ da exceção.”.676 Ou seja, mesmo pendente recurso de estrito direito
e ainda não sendo definitiva a decisão sobre o incidente, o feito retoma seu
curso normal.

i7í GRECO FILHO. Vicente. D ir e ito p r o c e s s u a l c iv il b ra s ile ir o . 19 “ e.. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 65.
MARINONI, Luiz Guilherme, ARENHART, Sérgio Cruz. M a n u a l d o p r o c e s s o d e c o n h e c im e n to .
São Paulo: RT, 2003. P. 225.
O quarto motivo que leva a suspensão do processo, previsto no art. 313,
IV, do CPC, é a admissão de incidente de resolução de demandas repetitivas.
Instituto que não era previsto na legislação anterior e que agora está previsto
nos art. 976 até 987, do CPC. Segundo o art. 976 o incidente é admissivel
sempre que “...houver, simultaneamente: l - efetiva repetição de processos que
contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito; 11 risco
de ofensa à isonomia e à segurança jurídica.".
Nada obstante, em que pese à redação do inciso IV induzir a idéia de que
a mera existência do incidente, por si só, será suficiente para a suspensão do
feito, a redação dada ao art. 982, I, do CPC, indica que para que isso acon
teça deverá o relator declarar quais processos pendentes devem ser suspensos
na sua esfera de competência. Daí, em nosso entender, os feitos que não são
indicados continuam a ter normal andamento, não podendo o juiz ou relator
decretar a sua suspensão para aguardar a decisão do incidente, já que se trata
de competência hierárquica atribuída exclusivamente ao relator do incidente.
As situações contidas no art. 313, V, do CPC, por seu turno, dizem res­
peito à existência das chamadas questões prévias, que já estudamos quando
da análise dos mecanismos cognitivos do direito processual civil (capítulo
04). Naquela ocasião dissemos que as questões prévias são um gênero que
apresenta duas espécies: as questões preliminares e as questões prejudiciais.
Se a solução da questão antecedente pode tornar dispensável ou impossível à
solução da outra questão, estaremos diante de uma questão preliminar. Se a
sua solução apenas influenciar na solução da subsequente, estaremos diante
de uma questão prejudicial. Em outros termos, as questões preliminares são
aquelas que devem, lógica e necessariamente, ser decididas antes da questão
subseqüente, pois impedem sua decisão; enquanto as questões prejudiciais são
aquelas que devem, lógica e necessariamente, ser decididas antes da questão
subseqüente, porque influenciam na sua solução.
Destarte, sempre levando em consideração o caso concreto, deverá o
magistrado suspender o andamento do feito por prazo nunca superior a um
ano (§4°), isso para que o outro juízo possa proferir decisão quanto à questão
condicionante, situação que permitirá, então, que seja examinada a questão
condicionada.
A sexta causa de suspensão do processo, prevista no inciso VI, é a ocor­
rência de motivo de força maior, que segundo Ernani Fidelis dos Santos deve
ser examinado caso a caso. Segundo o autor “a lei não define força maior. \ r. preferencial mente, de morte rápida e súbita. Com isso se pretende observar
doutrina procura fazê-lo, considerando-a como circunstância invencível ipie que quanto mais cedo se extingue o processo, obviamente com resolução de
torna impossível o desenvolvimento do processo. A força maior pode dar-se de mérito, mais cedo o direito das partes envolvidas estará recomposto.
maneira geral ou apenas com referência a um dos interessados, cabendo ao ju u A respeito desse inexorável destino, o nosso atual CPC houve por bem
ou ao tribunal decidir e aquilatar a circunstância de cada caso particular."." reduzir os dispositivos que integravam o capítulo relativo à extinção do pro­
Nesse passo, um acontecimento não esperado com o advogado ou com .1 cesso, nele mantendo apenas dois preceitos, um relativo ao ato extintivo (art.
parte, quando se dirigem ao fórum, por exemplo, podem ser considerados U6) e outro relativo à possibilidade de correção de vícios formais que possam
como acontecimentos de força maior e justificativos da não realização de uma ser superados (art. 317). Os preceitos que, na vigência do CPC de 1973, trata­
audiência, bem como da posterior suspensão momentânea do processo ate vam da extinção do processo sem resolução de mérito (art. 267) e das hipó­
que sem resolva tal situação (\'.g. a melhora da situação de saúde da parte qur teses em que havia resolução de mérito (art. 269), agora integram o capítulo
veio prestar depoimento pessoal). Também já se decidiu que greves, como que trata da sentença, versando o art. 385, do CPC, das sentenças onde não há
as dos serviços do correio ou de parte dos funcionários do Poder Judiciário, resolução de mérito e o art. 387 das sentenças onde há resolução do mérito.
podem ser considerados como motivos de força maior para os fins da suspen Embora tal opção demonstre uma melhor técnica legislativa, já que definir
são momentânea do curso dos processos. em quais hipóteses há solução ou não do mérito não é tema que possa ser rela­
Outrossim, indicando o caráter taxativo da relação constante do artigo, o cionado de modo independente com o término do processo, a redação dada ao
inciso VII se refere a todos os demais casos em que o código expressamente art. 316 poderia ter sido aprimorada, isso para indicar que o encerramento do
prevê a suspensão do processo, demonstrando que só será possível suspender processo sempre se dá por uma sentença ou por um acórdão. Ao mencionar o
o curso do processo mediante a verificação das hipóteses em que a lei autoriza preceito que a extinção do processo se dará apenas por sentença, esqueceu-se
essa suspensão. Caso contrário, não há fundamento legal para impedir a m ar­ que é normal e corriqueiro que o encerramento se dê pela decisão de órgão
cha normal do procedimento. colegiado, que segundo o art. 204, do CPC, toma a denominação de acórdão.
Por fim, havendo necessidade da prática de medidas de urgência enquanto De qualquer forma, em que pese à impropriedade cometida pelo preceito, o
suspenso o processo, poderá o juiz determiná-las a fim de evitar a ocorrência lato é que o processo deve ser encerrado por uma sentença ou por um acórdão;
de danos, na forma do art. 314, do CPC; embora a expressão dano irrepará­ não sem antes se dar a parte a possibilidade de corrigir vícios que levem a uma
vel contida no preceito deva ser mitigada para que possa o magistrado, pre­ extinção sem resolução do mérito, conforme pronuncia o art. 317, do CPC.
ventivamente, impedir a ocorrência de qualquer dano, mesmo que de fácil Por isso, antes de proferir sentença ou o acórdão sem resolução de mérito, o
reparação. juiz ou o relator deverão conceder à parte oportunidade para, se possível, cor­
rigir o vício, propiciando que possa ser alcançado o mérito, desiderato último
de quem procura aciona o Poder Judiciário.
19.3. Extinção.
Desde o seu momento inicial, cuja formação acontece na ocasião em que Verificação de Aprendizagem
é protocolada a petição inicial, o processo tem como destino a sua extinção.
Daí a afirmação, já de domínio público, de que o processo nasce para morrer 01. Em qual momento deve ser considerada proposta a causa?
02. Há necessidade de citação para que se considere formado o processo?
«77
SANTOS, Ernani Fidélis dos. M a n u a l d e d ir e ito p r o c e s s u a l c iv il. 12‘ c.. Sâo Paulo: Saraiva, 2008.
p. 400.
03. O rol de hipóteses previstas no art. 313, do CPC, é taxativo mi
exemplificativo?
04. Pode o magistrado, suspenso o processo em razão da admissão dr
incidente de demandas repetitivas, determinar a suspensão de feito não
indicado pelo relator?
05. Pode o magistrado, suspenso o processo, determinar a realização de
medidas de urgência em casos nos quais não há possibilidade de dano di
irreparável?
06. Diante do teor do art. 316, do CPC, há necessidade do juiz proferit
sentença extintiva do processo quando o acórdão decide de m aneiu
definitiva a controvérsia?

Planificação para aula


01. Formação do processo.
- Protocolo da petição inicial.
- Vantagem sobre o sistema anterior (CPC 1973), que se referia ao despacho do
juiz ou a distribuição do feito.
02. Suspensão do processo.
- Art. 313 - Comentar hipóteses previstas por lei.
- Art. 314 - Concessão de medidas urgentes - Possibilidade independentementc
de ser o dano irreparável.
03. Extinção do processo.
- Necessidade de sentença - Acórdão.
- Possibilidade de correção da falha que gera a extinção do processo.

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20. DAS MEDIDAS CAUTELARES
AS TUTELAS DE URGÊNCIA

2 0 .1 . O p r o c e s s o c a u t e l a r c o m o u m a te r c e i r a e s p é c ie d e p r o c e s s o . 2 0 .2 . E v o lu ç ã o d o
p r o c e s s o c a u t e l a r n o B ra s il. 2 0 .3 . P e r f il d a t u t e l a a n t e c i p a d a n o C P C d e 1 9 7 3 . 2 0 .3 .1 .
 m b i t o d e c a b i m e n t o . 2 0 .3 .2 . C o n c e s s ã o d a m e d i d a . 2 0 .3 .3 . R e q u is ito s . 2 0 .4 . P e r f i l
d a t u t e l a c a u t e l a r n o C P C d e 1 9 7 3 . 2 0 .4 .1 . O p r o c e s s o c a u te la r . 2 0 .4 .2 . P o d e r g e r a l d e
c a u te la . 2 0 . 4 . 3 . 0 p r o c e d i m e n t o c a u te la r .

20.1. O processo cautelar como uma


terceira espécie de processo.
Embora a categorizaçào das medidas cautelares como uma terceira espécie
tio gênero processo seja relativamente recente, o Direito Romano já conhecia
«Igumas medidas de caráter preventivo, destinadas a assegurar o resultado da
lutura composição de um litígio. A esse respeito noticia Giovanni Arietaf’7lt à
existência de uma medida chamada 1’operis novi nuntiatio, que visava impedir
o prosseguimento de uma determinada obra já iniciada, mas ainda não term i­
nada; e, da chamada cautio damni infecti, que conferia a parte garantia quanto
ao ressarcimento em caso de um perigo de dano se converter em dano efetivo.
Realmente, como assevera Sérgio Shimura, ainda que sem as carac­
terísticas de hoje, é certo que os romanos já conheciam medidas assecurató-
rias capazes de contornar situações de perigo de dano. O pretor romano tinha
t> poder de comandar, ordenar e recorrer-se da força para fazer valer a sua
autoridade. Nesse contexto, podia tomar medidas acauteladoras em favor do

A R I E T A , G i o v a n n i . I p r o v v e d i m e n t i d ' u r g e n z a . 2* e.. P a d o v a : C e d a m , 1 9 8 5 . p . 0 2 - 0 4 . N a s p a l a ­
v r a s d o a u t o r : “L e s te s s e tip ic h e m i s u r e c a u t e l a r ip r e t o r i e d e i d i r i t l o r o m a n o h a n n o s i c u r a m e n t e o r i-
g i n i s tr a g iu d iz ia li: V o p e ris n o v i n u n t i a t i o n o n e r a a ltr o c h e u m a d e n u n z i a o ra le , f a t t a c o m f o r m u l e
s a c r a m e n ta li, c o m Ia q u a le s i in ib iv a ( p r o h ib itio ) a l p r o p r i e t á r i o d e i f o n d o d i c o m p ie r i u t n o p e r a g ià
in i z i a t a ( o p u s n u v u m ) , m a n o n t e r m i n a ta , c o m V a v v e r te n z a , n e l c a s o in c u i il d e n u n z i a t o ( n u n c ia -
lu s ) n o n in te r r o m p e s s e l o p e r a , c h e il d e n u n c i a n t e ( n u n c ia n s ) a v r e b b e c h ie s to a l p r e t o r e u m in te r -
d i c t u m p r o h i b i t o r i u m o d a n c h e d e m o l i t o n u m : m e n tr e , n e lla c a u tio d a m n i in fe c ti, Ia f a s e c a u te la r e
c o n v e n z i o n a l e s i r e a liz a v a n e l l d t t o n e g o z ia le d e la s ti p u l a t i o e d e la p r e s t a z i o n e d e la c a u tio , c h e
p e r m e t t e v a a l p r e s u n t o d a n n e g g ia to d i o tte n e r e u m a g a r a n z i a d i r is a r c im e n to n e l c a s o in c u i il
p e r ic u lo d i d a n n o s i f o s s e tr a d o tto in v e r o e p r ó p r io d a n n o ."
ofendido, assegurando os bens para futura execução ou criando meios de delem
dos interesses de uma parte, como a interdição de obras.”.*79
Tal panorama não foi alterado durante o direito intermediário, até qm •
doutrina alemã, através de Adolf Wash,680681passou a se preocupar com a n a •
sidade de categorizar tais tipos de provimentos como uma espécie diversa, qu<
não se adequava nem ao perfil do processo de conhecimento, nem ao peilll
do processo de execução; tarefa que acabou por ser efetivada pela doutrliM
italiana, em especial por Chiovenda, por Calamandrei e por Carnelutti.
Para Giuseppe Chiovenda o traço característico da medida cautelar, qm
lhe dava uma tipicidade diferente das medidas típicas da atividade de acerta
mento e da atividade executiva, residia na sua provisoriedade. Na linguagem
do autor, “A medida provisória correspondente à necessidade efetiva e atual il<
afastar o temor de um dano jurídico; se, pois, na realidade esse dano é ou mio
eminente, apurar-se-á na verificação definitiva. [...] A medida provisória aluo
uma efetiva vontade de lei, mas uma vontade consistente em garantir a atuação
de outra suposta vontade da lei: se, em seguida, v,g„ se demonstra a inexistêm Ia
dessoutra vontade, a vontade que se atuou com a medida provisória manifesta
-se igualmente como uma vontade que não teria devido existir. A ação assem
ratória é, por conseqüência, ela própria, uma ação provisória;
Porém, a tal ideia se objetava o fato de que toda medida cautelar à époia
existente era provisória (ou temporária), mas nem todas as medidas proviso
rias eram medidas que apresentavam o traço da cautelaridade. Nesse sentido
a crítica de Piero Calamandrei ao afirm ar que: “Mas nem mesmo essa proví
soriedade, entendida como expressão dessa relação cronológica comum entii
dois procedimentos, parece suficiente para proporcionar a diferença específica
dos procedimentos cautelares: essa provisoriedade, de fato, não é um carátei
exclusivo dos procedimentos cautelares, enquanto o próprio caráter proviso
rio se confronta com um outro grupo de procedimentos não-cautelares, isto <•

SHIMURA, Sérgio. A r r e s to c a u te la r . São Paulo: RT, p. 50.


640 NERY JUNIOR, Nelson. “C o n s id e r a ç õ e s p r á tic a s s o b r e o p r o c e s s o c a u te la r . REPRO 53/191.
681 CHIOVENDA, Giuseppe. I n s titu iç õ e s d e d ir e ito p r o c e s s u a l c iv il. Campinas: Bookseller, 1998 p
mpiclc grupo que CHIOVENDA denomina no sen sistema “declarações com
dominante função executiva",
Cara Calamandrei, aliás, o traço característico das medidas cautelares se
••montra em seu caráter eminentemente instrumental. Se o processo deve ser
t mnpreendido como um instrumento para o atendimento do direito substan-
. i.d. então o processo cautelar, devido ao seu caráter preventivo quanto a esta
1'ic tensào, deve ser considerado como o instrumento do instrumento, isto é,
. nino um instrumento ao quadrado. Daí sua famosa e difundida lição no sen­
tido de que “Há, portanto, nos procedimentos cautelares, mais do que o objetivo
ilc aplicar o direito, a finalidade imediata de assegurar a eficácia do procedi­
mento definitivo que servirá por sua vez a exercer o direito. A tutela cautelar
e. em comparação, ao direito substancial, uma tutela mediata: mais do que
ftuer justiça, serve para garantir o eficaz funcionamento da justiça. Se todos
•>»procedimentos jurisdicionais são um instrumento de direito substancial que,
através destes, se cumpre, nos procedimentos cautelares verifica-se uma instru-
mentalidade qualificada, ou seja, elevada, por assim dizer, ao quadrado: estes
xlo de fato, infalivelmente, um meio predisposto para o melhor resultado do
procedimento definitivo, que por sua vez é um meio para a aplicação do direito;
m1o portanto, em relação à finalidade última da função jurisdicional, instru­

mentos do instrumento,”.* 683*


Foi Carnelutti,68'1todavia, que complementou o avanço da doutrina susten-
lando, ao contrário de Calamandrei, que o processo cautelar é efetivamente
lima terceira espécie de processo, onde se presta tutela de mera segurança ao
resultado de um processo de acertamento ou de um processo de execução. Na
precisa linguagem de Humberto Theodoro Junior, “Assim, para CARNELU-

C A L A M A N D R K I , P ie r o . I n tr o d u ç ã o a o e s t u d o s i s te m á tic o d o s p r o c e d i m e n t o s c a u te la r e s . C a m p i ­
n a s : S e r v a n d a , 2 0 0 0 . p . 27.

Id em , p. 42.

' ' C A R N E L U T T I , F r a n c e s c o . D ir i t t o e p r o c e s s o . N a p o li: M o r a n o , 1 9 5 8 . p. 3 5 5 . “C o s l è c ite n o n


p o t e n d o s i c o n s id e r a r e i l p r o v v e d i m e n t o c a u te la r e c o m e u m p r o v v e d i m e n t o in c i d e n t a l e n e t p r o c e s s o
c o g n itiv o o e s e c u tiv o , s i d e v e a m m e n t t e r e c h e a d e s sa c o r r is p o n d e u n tip o d i p r o c e s s o d iv e r s o d a l
p r o c e s s o c o n t e n z i o s o d i c o g n iz io n e o d t e s e c u z io n e . c h e a b b u i m o s t u d i a t o f m o r a . u l q u a l e a p p u n t o
si d à il n o m e d i p r o c e s s o c a u te la r e . [...] II p r o c e s s o c a u te la r e s i in t r o d u c e co sl, q u a le t e r t i u m g e r u s
d i p r o c e s s o c o n te n z io s o , a c c a n to a l p r o c e s s o d i c o g n iz io n e e d i e s c u z io n e : è c o n te n z io s o , c o m e il
p r o c e s s o d i c o g n iz io n e e d i e s e c u z io n e , p o ic h é il s u o p r e s u p p o s to (st p u ô d ir e , p e r m e ta fo r a , il s u o
c o n te n u to ) e Ia lite ; è d iv e r s o d a g li a l t r i d u e p e r c iiè il s u o f i n e n o n è la c o m p o s iz io n e d e lia lite c o m e
i l s u o e f f e t t o n o n è V a c c e r ta m e n to d i u m r a p p o r to g iu r id ic o ."
UVA# I IT iH f i ii ' i ii |ff | i n v / J U J i n t i n i 9 n t J i n y i w n n i»n n v n % * \j » iiw v l j '

TTI, a tutela cautclar existe nao para assegurar antecipadamente um suposto


e problemático direito da parte, mas para tornar realmente útil e eficaz a p iv
cesso como remédio adequado à justa composição da lide.".66''
Em suma, portanto, para a doutrina contemporânea, assentada nas idein .
de Carnelutti, embora o processo cautelar tenha como características a pro
visoriedade e a instrumentalidade, o que efetivamente o distingue como unu
terceira espécie de processo é esse caráter assecuratório do resultado de outro
processo, seja ele de conhecimento, seja ele de execução.

20.2. Evolução do processo cautelar no Brasil.


No direito processual civil brasileiro, entre as Ordenações Manuelinas,
vigentes logo após a independência, e o início da vigência do CPC de 1939,
quando vivíamos a época do pluralismo legislativo, assim como na doutrina
alienígena, não havia uma previsão do processo cautelar como um terceiro
gênero de processo. É possível encontrar durante todos os períodos que se
sucederam medidas de caráter eminentemente assecuratório, mas sempre sem
uma sistematização que pudesse conduzir a conclusão de que algo mais havia
do que a atividade desenvolvida para acertar a relação jurídica controvertida
ou para efetivar o conteúdo de um determinado título.
já o CPC de 1939 reuniu no seu Livro V, sob o título “Dos processos acessó
rios”, medidas de natureza cautelar e outros tipos de medidas que, embora não
cautelares, podiam ser consideradas como acessórias de outras medidas que
deveríam ser propostas. A esse respeito ensinava J. M. Carvalho Santos que, a
partir do art. 675, “O Código de Processo passa a ocupar-se agora dos processos
acessórios, que, como se sabe, se subdividem em: a) preparatórios, b) preventi
vos e c) incidentes. [...) Os processos preventivos visam a conservar íntegros os
direitos dos litigantes, ou assegurar a possibilidade da execução da sentença,
no caso da ação ser julgada procedente, evitando, assim, todas as tentativas de
fraude da execução.’’.61166 5
8

685 T H E O D O R O JU N IO R , H u m b e rto . Processo cautelar. 24* e .. S â o P a u lo : L e u d , 2 0 0 8 . p . 3 9.


686 CARVALHO SANTOS, J. M.. C ó d ig o d e p r o c e s s o c iv il i n t e r p r e ta d o . 6* ed.. Rio de Janeiro: Freitas
Bastos, 1964. v. VIII, p. 05.
Também nesse sentido, mas ressaltando a ausência de autonomia dos pro
i ossos, a opinião de De Plácido e Silva ao narrar que “Processos acessórios são
i ntendidos corno aquêles em que se processam toda e qualquer medida reque­
rida pela parte, a bem de seus direitos, e para ressalva dêles, seja durante a lide
ou antes dela, no intuito de acautelar interêsses, autenticar documentos ou pre­
venir litígios. E, assim, se designam porque não constituem ação própria, no seu
exato sentido, mas representam feitos, pelos quais se atendem exigências indis­
pensáveis ao curso da ação principal, ou que se mostram, preliminarmente,
fundamentais à sua propositura. São, assim, processos, que não têm autono­
mia: valem em relação às ações a que, depois de devidamente processados, se
integrarão, para evidência dos próprios fatos ou atos, que representam ou para
prova de que atos preliminares, legalmente obrigatórios, foram atendidos.".™7
Com a evolução do nosso direito processual, em grande parte devido à
vinda de Liebman para o País, dando origem a mundialmente conhecida
Kscola Processual Paulista, conforme já vimos no capítulo que trata de evo­
lução histórica do processo civil, o posicionamento da doutrina italiana, que
então conseguira isolar o processo cautelar das demais espécies de processo,
calou fundo entre nossos estudiosos, em especial em Alfredo Buzaid, que
houve por bem destinar no CPC de 1973 um livro próprio para o processo
cautelar. Essa inovação, segundo nos dá conta Galeno Lacerda, "...situa-se na
vanguarda das codificações modernas, a que pode servir de modelo e exemplo,
quanto ao método, nesta matéria.”.6™ Em outros termos, o CPC de 1973 foi
o primeiro código de que se tem notícia a destinar um livro próprio para o
processo cautelar, positivando sua autonomia dos demais tipos de processo e
procurando dar a matéria um tratamento sistemático e uniforme.
Nada obstante esse caráter científico que foi dado à matéria, várias das
medidas contidas no bojo do Livro III, do CPC de 1973, não tinham efeti­
vamente a natureza de uma providência cautelar, pois iam além de prestar
uma tutela de mera segurança, satisfazendo, mesmo que temporariamente,
o direito pleiteado.68* Veja-se, por exemplo, a ação cautelar de alimentos pro-

',ir DE PLÁCIDO E SILVA. Comentários ao Código de 1‘rocesso Civil. 4“ ed.. Rio de janeiro: Forense,
1956. 4" v., p. 168.
“ * LACERDA, Galeno. Comentários ao Código de Processo Civil. 3* ed.. Forense: Rio de Janeiro,
1990. v. VIII, 1.1, p. 03.
AMERICANO, Jorge. Comentários ao Código de Processo Civil do Brasil. 2‘ ed.. Saraiva: São
Paulo, 1960. 3o v., p. 12. O CPC de 1939 também padecia desse erro classificatório, como alerta o
visionais, regulada pelos art. 852 a 854, do CPC de 1973, onde os alimento*
fixados pelo juiz eram desde logo entregues pelo alimentante ao aliment.iiuln
situação que à evidência demonstra a satisfação do direito pleiteado, mm
mente tendo em vista a irreversibilidade do provimento. Da mesma forma
mas ainda mais significativa, a previsão para a “...demolição de prédio / mm
resguardar a saúde, a segurança ou outro interesse público.’’, prevista no .ul
888, VIII, daquele diploma. Afinal, como sustentar que a demolição de um
prédio não está a satisfazer o direito de forma definitiva, não sendo possível t
reversão do provimento de forma específica?
Com o início da vigência do CPC de 1973, essa promiscuidade no trata
mento de medidas de natureza diferente logo fez com ocorresse uma amplia
ção da aplicação das medidas cautelares, que passaram a ser utilizadas sentpu
que havia a necessidade de obtenção de uma medida com brevidade, intlr
pendentemente da satisfação ou não do direito almejado. Observando cv <
fenômeno, que não ocorreu com exclusividade entre nos, mas que também lui
observado na Europa, assevera Luis Guilherme Marinoni que “A necessidiuh
de sumarização cognitiva, advinda da busca de uma tutela jurisdicional cjv
tiva em face de situação de perigo, levou à utilização da tutela cautelar como
instrumento destinado à satisfação antecipada de pretensão que só poderio m i
veiculada através da chamada ação principal’. Se talfenômeno - denominado
por Carpi, para o direito italiano, de força expansiva da tutela cautelar - Joi
realmente necessário, não cabe discutir nesse momento, importando, em vci
dade, saber se a tutela que satisfaz a pretensão no plano fático pode ser classi
ficada como cautelar.”.690
Entre nós, a larga utilização de medidas cautelares que ao invés de apenas
assegurar também satisfaziam, deu ensejo a elaboração da teoria da ação cau
telar satisfativa, denominação esta que apresenta em si mesma uma contradi
ção inconciliável. Afinal, se o que distingue o processo cautelar das demais
espécies de processo é justamente o fato de que se trata de uma tutela de mer*

autor ao ensinar que “A l g u m a s d a s m e d i d a s d o a r t. 6 7 6 s ã o d e c a r á t e r p r o v i s i o n a l . D i z e m - s e ta h


a s p r o v i d ê n c i a s j u d i c i a l m e n t e a n t e c i p a d a s e m f a v o r d o litig a n te , a b e m d a p r o te ç ã o d a p e s s o a ou
d a c o n s e r v a ç ã o d a c o is a , q u e n ã o p o s s a a g u a r d a r s e m d a n o a s o lu ç ã o r e g u la r d a c a u s a p e n d e n te
o u f u t u r a . T a is s ã o o s a l i m e n t o s p r o v is io n a is , a s o b r a s d e c o n s e r v a ç ã o e m c o is a litig io s a o u n ã o , o
a r r o l a m e n t o o u d e s c r iç ã o d e b e n s d o c a s a l ...”

6,0 MARINONI, Luiz Guilherme. T u te la c a u t e l a r e t u t e l a a n t e c i p a t ó r i a . São Paulo: RT, 1992. |>


75-76.
Mgurançn, então como é que essa tutela pode satisfazer e continuar a ser cau-
lel.ir? Tratava-se de um "cachorro-gato" ou da m istura homogênea da água e
«li i ttlco, que pelas leis naturais não existem. Ainda na linguagem de Marinoni
<t prestação jurisdicional satisfativa (não definitiva) sumária, pois, nada ter
a irt com a tutela cautelar. A tutela que satisfaz, por estar além do assegurar,
mdiza missão que é completamente distinta da cautelar.".691 Também nesse
tnitido a precisa opinião de João Batista Lopes ao afirm ar “De consignar-se
i/iic, em rigor técnico, não se pode falar em cautelar satisfativa, uma vez que a
i autelaridade se caracteriza pela não satisfatividade, isto é, quem acautela não
«iitisfaz. Diante disso, falar em cautelar satisfativa é apagar as fronteiras que
u-param o processo cautelar do processo de conhecimento, o que não pode ser
admitido pela melhor técnica processual.".691
Mas apesar da doutrina da época ter plena consciência do fato de que medi­
das não cautelares estavam sendo concedidas sob a denominação de medidas
i .uitelares, as chamadas cautelares satisfativas6” continuavam a ser larga­
mente utilizadas. Isso porque o sistema não previa expressamente a existência
de uma regra geral para a antecipação dos efeitos da tutela, havendo destarte
uma lacuna a ser colmatada, o que só aconteceu quando a Lei n° 8.952/94
trouxe a lume o art. 273, do CPC de 1973, prevendo expressamente a possibi­
lidade de uma lim inar que antecipava os efeitos da decisão final.
Para explicar o fenômeno pelo qual um direito não pode deixar de ser
exercido quando não há uma via processual específica para fazê-lo, tivemos a
oportunidade de abordar o tema quando justificávamos a existência do inci­
dente de préexecutividade, dizendo que “Nosso direito mostra que se não existe
um meio processual apto a efetivar certo direito material, passa-se a utilizar de
outro instituto com a finalidade de obter-se a prestação da tutela adequada. Já
no começo do século (junho de 1900) encontramos um exemplo desta situação:
não existindo instrumento capaz de resguardar direitos pessoais atingidos por *10 2

M1 I d e m , p. 79.

•' L O P E S , J o ã o B a tis ta . T u te la A n te c i p a d a n o P ro c e s so C iv il B r a s ile ir o . S ã o P a u lo : S a r a i v a , 2 0 0 1 . p.


102.
C A R N E I R O , A t h o s G u s m ã o . D a a n t e c ip a ç ã o d e tu te la n o p r o c e s s o c iv il. R io d e J a n e ir o : F o r e n s e ,
1 9 9 8 . p . 07. “ V o C P C d e 1 9 7 3 . à fa l t a d e p r e v is ã o le g a l e s p e c ífic a , a s m e d i d a s “s a t i s f a t i v a s ” d e u r g ê n ­
c ia , a m a i o r p a r t e d e la s s u r g id a s s o b o i m p a c t o d a s n o v a s r e a lid a d e s s o c ia is e e c o n ô m ic a s d o p a ís ,
s e f o r a m in s e r i n d o n o d i a - a - d i a d a s r e a lid a d e s f o r e n s e s d e b a i x o d o a m p l o m a n t o d e “c a u te la r e s
i n o m i n a d a s ”, o u d e “c a u te la r e s s a tis fa tiv a s " .
ato ilegal de autoridade, próprios para veiculaçüo mediante mandado de sega
rança, ainda inexistente, Ruy Barbosa694 criou a teoria da posse dos direitos /« <
soais, com a finalidade de permitir que tais direitos fossem defendidos em jui. <<
tese amplamente aceita na ocasião. Outro exemplo, mais recente, diz respeito
a criação da figura da cautelar satisfativa, instituto que em nada condiz com ■<
ação cautelar, que agora deve desaparecer do ordenamento com a inserção no
sistema da antecipação de tutela, prevista no art. 273, do CPC.”.695
Nesse passo, a partir da inserção no sistema do art. 273, do CPC de 197'
o processo cautelar acabou por retomar seu desiderato, devendo ser utilizad"
apenas para os casos onde há necessidade de uma tutela de mera seguram,.'
restando para a antecipação da tutela a missão de antecipar efeitos da tutcl.i
final, que apresentam o traço da satisfatividade alheia ao processo de naturc/.i
cautelar.696
Embora distintas as tutelas cautelar e antecipatória sob a ótica da existiu
cia ou não da satisfatividade do provimento pleiteado, ambas acabaram poi
ser classificadas como espécies do gênero conhecido por tutelas de urgência,
já que apresentavam o traço comum da urgência na obtenção do provimento
jurisdicional, sob pena de perda total ou parcial da efetividade deste proví
mento. Nesse sentido a colocação de Humberto Theodoro Junior ao afirmai
que “todas essas medidas formam o gênero “tutelas de urgência”, porque repre
sentam providências tomadas antes do desfecho natural e definitivo do pro
cesso, para afastar situações graves de risco do dano à efetividade do processo,
prejuízos que decorrem da sua inevitável demora e que ameaçam consumar-se
antes da prestação jurisdicional definitiva. Contra esse tipo de risco de dano.
é inoperante o procedimento comum, visto que tem, antes do provimento de
mérito, de cumprir o contraditório e propiciar a ampla defesa.”.697
Em suma, portanto, antes da entrada em vigor do atual diploma processual,
restou assentado na doutrina que as tutelas de urgência eram aquelas onde
havia necessidade da obtenção de um provimento jurisdicional rapidamente,654

654 B A R B O S A , R u y . P o sse d e d ir e ito s p e s s o a is . R io d e J a n e ir o : T ip . O l y m p i o C a m p o s , 1 9 0 0 .

6,5 O L I V E I R A N E T O , O la v o d e . A d e fe s a d o s e x e c u ta d o s e d o s te r c e ir o s rui e x e c u ç ã o f o r ç a d a . S io
P a u lo : R T , 2 0 0 0 .

m Z A V A S C K I, T e o r i A l b i n o . A le d id a s c a u te la r e s e m e d i d a s a n te c ip a tó r ia s : té c n ic a s d ife r e n te s , f u n
ç ã o c o n s t it u c i o n a l s e m e lh a n te . I n R E P R O 8 2 /5 6 .

6,7 T H E O D O R O J U N I O R , v. I II , p . 7 3 4 -7 3 5
»n|> pena de perecimento total ou parcial do direito pleiteado; o que poderia
wt obtido de duas formas, correspondentes a duas espécies de um mesmo
gênero, que eram a tutela antecipatória e a tutela de cautelar. Enquanto nessa a
tutela era de mera segurança, naquela acontecia à satisfação mediante a ante-
. ipaçào dos efeitos do provimento final.

20.3. Perfil da tutela antecipada no CPC de 1973.

20.3.1. Âmbito de cabimento.


A técnica da tutela antecipada, onde se projetam para frente, mediante
o preenchimento de certos requisitos, os efeitos da tutela que será prestada
ito final do processo, não pode ser considerada uma novidade introduzida
no sistema do CPC de 1973 pelo art. 273, daquele diploma. Antes deste pre­
ceito, como já salientamos, o sistema apresentava várias hipóteses onde ela
era empregada, como acontecia no caso da lim inar concedida em ações de
natureza possessória. O que ocorria, mediante o preenchimento de requisi­
tos específicos para tais tipos de ações,^ nada mais era do que reconduzir
o possuidor a posse do imóvel em caso de esbulho ou protege-lo de sofrer
perturbação na sua posse no caso de turbação, o que nitidamente significava
trazer para frente efeitos da decisão que seria ao final proferida. Enfim, ocor­
reu a inserção no sistema de uma regra geral, permitindo a antecipação da
tutela de modo genérico, independentemente de uma previsão específica para
a antecipação.
Nada obstante se tratar de uma regra geral, como a lei não especificava
em quais modalidades de provimento era permitida a antecipação de tutela,
três correntes procuravam resolver o problema. Embora todas se preocupas­
sem especificamente com o processo de conhecimento, a primeira sustentava
a possibilidade de antecipação de tutela em todos os tipos de provimento, a
segunda apenas nos provimentos condenatórios e constitutivos e a terceira
apenas nos provimentos de natureza condenatórios.

11,8 Já eram requisitos para a obtenção da liminar: a) prova da posse do autor, b) turbação ou esbulho
praticado pelo réu, c) ocorrência do esbulho ou turbação a menos de ano e dia e d) continuação da
posse turbada ou perda da posse.
Na redação original do preceito, entretanto, eram o», adeptos tia tercelia
posição que tinham razão. Ocorre que na sua redação original, o art. 273. ^ t".
do CPC de 1973, dizia que a execução da tutela antecipada deveria observai
o disposto no art. 588, que tratava de execução provisória, Assim, como i
execução provisória se dava da mesma forma que a execução definitiva, sendo
apenas incompleta no seu iter procedimental, para ambas havia necessidadi
de um título executivo. Ocorre que, na época, o art. 584, I, aduzia que ei .i
título executivo judicial “a sentença condenatória proferida no processo c iv il ",
não se referindo em momento algum as demais modalidades de provimento',
como títulos executivos. Portanto, como para os títulos executivos já vigorava
o princípio da taxatividade, segundo o qual não existem títulos executivo-,
sem previsão legal, então apenas a sentença condenatória, enquanto título,
poder ia ser objeto de execução provisória. Logo, apenas os provimentos de
natureza condenatória poderíam ser objeto de antecipação de tutela.
Os adeptos das demais correntes sustentavam que o parágrafo deveria sei
interpretado de maneira ampliativa, pois a lei havia dito execução onde que
ria ter dito efetivação, e, que havia se referido a execução provisória de modo
exemplificativo. Porém, não havia possibilidade dessa ampliação, bastante
distante daquilo que a regra efetivamente dizia.
Após calorosos embates por parte de renomados autores, dando-se um
reconhecimento tácito quanto ao acerto da terceira posição, a Lei n° 10.444,
de 07.05.2002, alterou a redação do §3°, fazendo nele constar que “a efetivação
da tutela antecipada observará, no que couber e conforme a sua natureza, as
normas previstas nos arts. 588, 461 §§ 4o e 5o, e 461-A.”. Com isso, portanto, a
antecipação da tutela passou a ser possível em provimentos de natureza con
denatória, mandamental e executiva lato senso.

20.3.2. Concessão da medida.


Além do questionamento relativo a onde cabia a tutela antecipada, também
se questionava quando, ou em que momento processual, cabia a antecipação
da tutela (desde quando e até quando o magistrado poderia concedê-la). No
tocante ao termo inicial houve uma pequena dúvida, logo após a entrada em
vigor da Lei n° 8.952/94, sobre a possibilidade ou não da concessão de liminar
inaudita altera parte, já que a hipótese prevista no art. 273, II, do CPC de 1973,
exigia a participação do sujeito passivo, praticando atos protelatórios ou que
viessem a caracterizar abuso no exercício do direito de defesa. Tal dúvida,
porém, não resistiu a abordagem maciça da doutrina acerca do tema, isso no
sentido de que mesmo sem a participação do réu a medida poderia ser con-
»edida, especialmente tendo em vista a conduta extraprocessual demonstrada
antes da propositura da ação.
Do mesmo modo havia dúvida sobre até qual momento poderia o magis­
trado conceder a antecipação da tutela, apresentando-se três posições que
pretendiam resolver o problema. A primeira dizia que a antecipação somente
poderia acontecer até momento imediatamente anterior à sentença; a segunda
dizia que a antecipação poderia acontecer até mesmo na sentença; e, por fim,
.1 terceira sustentava que a antecipação poderia acontecer mesmo após ser pro­
ferida a sentença, ocasião em que bastava ao magistrado receber o recurso de
apelação apenas no efeito devolutivo (na época a apelação era recebida, em
regra, nos efeitos devolutivo e suspensivo).
A antecipação da tutela após o momento da sentença, segundo pensáva-
inos, não poderia ser reconhecida como sendo correta, na medida em que
estar-se-ia subtraindo uma competência que, em tese, seria do relator do
recurso distribuído, este sim competente para cassar o efeito suspensivo da
apelação mediante antecipação da tutela recursal.
Também não entendíamos como correto adotar a segunda posição, já que a
antecipação da tutela juntamente com a sentença e, no corpo desta, viria a dar
causa ao desrespeito ao princípio da unicidade dos recursos, segundo o qual
para cada tipo de decisão existe apenas uma espécie de recurso cabível. Isso
porque, antecipada a tutela na sentença, caberia apelação daquilo que dizia
respeito ao julgamento do feito, enquanto caberia, ao mesmo tempo, recurso
de agravo para a parte que dizia respeito a antecipação da tutela.
Era correto afirmar, portanto, que a antecipação de tutela apenas poderia
ser concedida até o momento em que a sentença fosse prolatada, podendo o
juiz fazê-lo até mesmo como um dos itens da decisão que juntava a sentença
aos autos, mas não após esse momento, a não ser que pelo relator do recurso
interposto, o que estaria a configurar outra forma de antecipação de tutela
denominada antecipação de tutela recursal.
A maior polêmica que existia sobre o tema, porém, não dizia respeito ao
momento em que o magistrado poderia conceder a antecipação da tutela, mas
sim se ele poderia ou não concedê-la de of ício, isto é, sem o requerimento d.i
parte. Isso porque o art. 273, caput, do CPC de 1973, era expresso ao exigu
pedido da parte, mas mesmo assim não era incomum encontrar decisão que
antecipava a tutela sem que a parte tivesse pedido tal tipo de providência.
Para aqueles que entendiam que a antecipação de tutela de ofício não era
possível, além do argumento relativo à interpretação literal do preceito, ainda
havia o argumento de que a concessão sem requerimento impedia eventual
regresso da parte atingida pela eficácia prática da medida. Em outros termos,
se a medida concedida viesse a causar um dano ao réu, quem teria que arcar
com uma eventual composição dos prejuízos sofridos? Afinal o autor não
havia pedido a medida, já para a outra corrente o teor do art. 273, do CPC
de 1973, não impedia o juiz de conceder a providência de ofício, não se justi
ficando que o direito viesse a perecer apenas porque o autor, imaturo profis­
sionalmente ou desatento, havia deixado de pleitear a medida antecipatória.
Em nosso entender, todavia, deveríam ser observadas as regras da razoabi
lidade e da proporcionalidade, não se justificando a concessão da antecipação
de tutela nas causas eminentemente patrimoniais e que veiculassem diretos
individuais disponíveis; enquanto era o caso da concessão da medida quando
o direito posto em juízo fosse socialmente relevante. Deste modo, sempre
analisada a hipótese concreta, o magistrado não poderia antecipar a tutela
sem requerimento expresso numa ação de cobrança entre particulares; mas
poderia antecipá-la, de ofício, numa ação pleiteando o fornecimento de medi­
camento (ex.: insulina), já que não se justificava a prevalência do princípio
dispositivo sobre o direito à saúde.

20.3.3. Requisitos.
Para que fosse possível ao magistrado antecipar a tutela sob a vigência do
CPC de 1973, deveria a parte preencher vários requisitos previstos no art.
273, que elencava requisitos que deveriam estra presentes, por isso denomi­
nados requisitos positivos, e, um requisito que deveria estar ausente, por isso
denominado requisito negativo. Os requisitos positivos, por sua vez, se clas­
sificavam em obrigatórios (verossimilhança da alegação e prova inequívoca)
ou facultativos, também denominados hipóteses de cabimento, previstas nos
incisos do preceito. Reconhecida à presença dos dois requisitos obrigatórios e
de uma das hipóteses de cabimento, e, ausente o requisito negativo, deveria o
magistrado antecipar a tutela.
O primeiro dos requisitos positivos obrigatórios era a verossimilhança da
alegação, ou seja, uma alegação representativa de fato que normalmente cos­
tuma acontecer. A alegação de que dirigir sob o efeito de bebida alcoólica
aumenta a possibilidade de um acidente, por exemplo, pode ser tomada como
uma hipótese de alegação de algo que, para a maioria das pessoas, costuma
acontecer. Se tal alegação viesse comprovada por uma prova robusta, deno­
minada pelo art. 273, do CPC de 1973, de prova inequívoca, então estariam
presentes os dois requisitos obrigatórios para a concessão da antecipação dos
efeitos da tutela.
Além desses requisitos ainda era necessária a verificação da presença de
um dos requisitos positivos facultativos, que na locução da lei eram a existên­
cia de “...fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação” (inciso I)
ou a caracterização do “...abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito
protelatório do réu” (inciso II). A hipótese prevista no inciso I aproximava-se a
situação de perigo a direito exigida para a concessão de uma medida assecura-
tória, enquanto a hipótese prevista no inciso II visava uma distribuição mais
adequada dos males que o tempo causa ao processo.
Já o requisito negativo tinha previsão no §2", cuja redação era “não se conce­
derá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do pro­
vimento antecipado”. Ao seu respeito ensinava João Batista Lopes que “Cabe
registrar, à partida, a impropriedade técnica do dispositivo: o provimento ante-
cipado( decisão interlocutória ) é sempre reversível, seja porque cabível contra
ele recurso ( agravo de instrumento ), seja porque, por sua natureza, a tutela
antecipada é provisória e revogável. Diante disso, a quem interpretar o texto
com os olhos votados para o ratio legis: evitar que a concessão da tutela ante­
cipada crie fato consumado e definitivo, sem possibilidade de retorno ao sta-
tus quo ante. Cuida-se, por tanto de irreversibilidade dos efeitos práticos do
provimento, e não, propriamente, irreversibilidade do provimento tout court.
Como observa Marcacine, ‘é evidente que, quando se fala em reversibilidade,
não se pode nem pensar em apenas duas situações, de modo que ou a medida
seja reversível ou irreversível. Ê possível que a reversibilidade seja de difícil rea­
lização, ou demande tempo, dinheiro e muita atividade processual. Assim, é
possível apurar no caso concreto o quanto a medida pode ser mais ou tn e n o «
facilmente reversível. ”.699
O preceito ainda previa, no seu §6°,700 uma outra possibilidade de antec I
pação dos efeitos da tutela, aqui sem a necessidade da presença dos requisito-,
acima descritos. Tratava-se da antecipação da tutela quanto a parte incon
troversa da demanda, que para alguns representava uma verdadeira sentença
parcial, na medida em que resolvia parcial mente o conteúdo do processo.
Por fim, previa a lei expressamente, no art. 273, §7°, do CPC de 1973, .i
fungibilidade entre as medidas cautelar e antecipatória. Pleiteada uma sob
a denominação da outra, presentes os requisitos legais, nada impedia que o
magistrado concedesse a tutela tecnicamente adequada ao caso concreto.

20.4. Perfil da tutela cautelar no CPC de 1973.

20.4.1. O processo cautelar.


Embora o CPC de 1973 tenha dedicado um livro próprio ao processo cau
telar, à utilização dos termos medida cautelar e processo cautelar acabou pot
ganhar, no dia a dia forense, uma concepção de termos sinônimos, situação
que em muito colaborou para uma má compreensão do verdadeiro perfil da
tutela cautelar. Afinal, enquanto o termo medida cautelar deveria servir para
representar a tutela de segurança prestada, o termo processo cautelar deve
ria servir para designar uma terceira espécie de processo, onde se buscava
precipuamente aquela tutela de segurança. Confundir os termos, portanto,
importava em desconhecer que o veículo é algo bastante diverso do seu conte­
údo. Ademais, até a entrada em vigor do art. 273, do CPC de 1973, que tratava
da antecipação da tutela, as medidas cautelares em regra deviam ser conce
didas no bojo de um processo cautelar, mas também podiam ser excepcio­
nalmente concedidas no bojo de um processo de conhecimento ou de um
processo de execução, desde que houvesse expressa autorização da lei para
que o juiz pudesse fazê-lo. Já era possível, portanto, embora não fosse a regra,

LO P E S . p. 70.
700 " A r t. 2 7 3 . §6°. A t u te la a n te c ip a d a t a m b é m p o d e r á s e r c o n c e d id a q u a n d o u m o u m a is d o s p e d id o s
c u m u l a d o s , o u p a r c e la d e le s , m o s tr a r - s e in c o n tr o v e r s o ." .
^ .i concessão de uma medida cautelar sem a existência de um processo cautelar,
situação que por si só demonstra a não coincidência entre os termos.
Essa contusão entre o veículo (processo cautelar) e o seu resultado (medida
cautelar) deu ensejo a uma praxe absolutamente contrária a técnica proces­
sual, mas que era aplicada pela maioria dos magistrados, onde uma petição
inicial de um processo cautelar era recebida e a liminar apreciada (deferida ou
indeferida), mas o processo não tinha sequência, despachando o magistrado
nos autos a locução “Prossiga-se na ação principal.". Com isso a ação cautelar
sofria uma “morte súbita”, sem que fossem respeitados inúmeros princípios
processuais, já que não havia oportunidade de defesa na cautelar, obediência
ao procedimento cautelar ou mesmo uma sentença cautelar, que viesse a tor­
nar definitiva ou a cassar a lim inar concedida. Tudo isso, aliás, em absoluto
desrespeito a doutrina mais autorizada, que pode ser encontrada nas lições
de Sérgio Shimura ao afirm ar que “Se existe um processo cautelar, mister se
faz a existência de um procedimento cautelar, que é o rito ou a formalidade
a ser cumprida para se atingir a tutela cautelar. Outrossirn, se há processo,
pressupõe-se inelutavelmente a existência de uma ação cautelar, como direito
subjetivo público à concessão da providência jurisdicional. Por derradeiro, o
resultado prático, o objetivo final traduz-se numa medida cautelar ".701
Aqueles que eram obedientes à lei, determinando a citação na ação caute­
lar, seguindo o procedimento estabelecido e proferindo uma sentença caute­
lar, com isso observando as regras contidas no CPC; numa absoluta e espan­
tosa inversão de valores, eram taxados de formalistas e retrógrados, quando
em verdade nada mais buscavam do que garantir a aplicação da própria lei,
velando com isso pela segurança jurídica e pelo respeito aos direitos processu­
ais das partes. Triste a época em que a banana come o macaco!
Nada obstante o divórcio existente entre a técnica e a prática, ao analisar o
perfil do processo cautelar a doutrina enunciava a existência de quatro cara-
teristicas marcantes e que deveríam nortear a concessão ou não da medida
pleiteada: a) a instrumentalidade, já que servia para tutelar o resultado prático
de outro processo; b) a autonomia, já que possuía objeto próprio e diverso
dos demais tipos de processo; c) a provisoriedade, já que produzia eficácia
vinculada a solução de outro processo; e, por fim, d) a revogabilidade, pois a

701 SHIMURA, p. 23.


qualquer tempo a medida cautelar concedida podería ser alterada, desde que
alterada a situação de fato existente. Iodas essas características a dar rele
vância ao liame existente entre o processo cautelar e o outro processo cujo
resultado se pretendia assegurar; pela própria lei (art. 796, do CPC de 197.1)
denominado erroneamente como ação principal, já que essa terminologia
implica em considerar a existência de um processo secundário e, portanto,
menos importante, o que não condizia com a real situação do feito cautelar.
Por sua vez, diante da existência do processo cautelar como um processo
autônomo frente ao “processo principal”, havia discussão acerca da natureza
dos requisitos inerentes a concessão da medida cautelar, quais sejam: o fumas
boni iuris e o periculum in mora. A tal respeito ensinava Humberto Theodoro
Junior que "Embora haja quem coloque os requisitos apontados no tópico ante
rior no campo das “condições da ação”, a pretexto de que o processo cautelar
não cogita de questões de mérito, não me parece que isso deva prevalecer. A
ação cautelar, é certo, não atinge nem soluciona o mérito da causa principal.
Mas no âmbito exclusivo da tutela preventiva ela contém uma pretensão de
segurança, traduzida num pedido de medida concreta para eliminar o perigo
de dano. Assim, esse pedido, em sentido lato, constitui o mérito da ação cau
telar, que nada tem que ver com o mérito da ação principal. (...] Dentro desse
prisma, o fumus boni iuris e o periculum in mora devem figurar no mérito da
ação cautelar, por serem requisitos do deferimento do pedido e não apenas da
regularidade do processo ou da sentença.”..702
Realmente, se o mérito de uma determinada demanda corresponde,
segundo já vimos anteriormente, ao pedido formulado pelo autor; e, se o
pedido formulado na ação cautelar era uma tutela de segurança quanto ao
resultado de outro feito; então o mérito da demanda cautelar deve ser reco­
nhecido como a segurança pleiteada, que somente poderia ser concedida se
presentes a plausibilidade do direito e a situação de perigo. Daí, a existência
do fumus boni iuris e o periculum in mora realmente deveríam ser alocados na
categoria de mérito do feito de natureza cautelar.

702
THEODORO JUNIOR, p. 59.
I
20.4.2. Poder geral de cautela.
7“
A exposição de motivos do CPC de 1973, ao discorrer acerca das inovações
daquele diploma, alertava, em seu item 23,'70:1 que o livro relativo ao processo
cautelar era dividido em dois capítulos: o primeiro se referia as disposições
gerais do processo cautelar, enquanto o segundo dizia respeito aos procedi­
mentos cautelares específicos, onde era encontrada a disciplina de algumas
modalidades de ações cautelares (nominadas ou específicas) cuja ocorrência
era comum ou mesmo por conta da tradição. Com isso, ao prever algumas
ações cautelares nominadas, mas reconhecendo implicitamente a impossibi­
lidade de prever todas as hipóteses em que seria viável a concessão de uma
medida cautelar, o art. 798,704 constantes das disposições gerais do livro, atri­
buía ao juiz poderes para conceder medidas cautelares além daqueles previs­
tas pela lei, mecanismo este denominado poder geral de cautela do juiz, tam ­
bém existente no direito alienígena (ex.: Alemanha, Itália, Argentina, etc) e no
precedente CPC de 1939.705
Para concessão de uma medida cautelar fundada no poder geral de cautela,
embora tais termos não constassem expressamente do referido preceito (art.
798), deveria o magistrado verificar se estavam presentes os dois requisitos
que a doutrina entendia necessários, consubstanciados no periculum in mora
e no fum us boni iuris. Este a significar a plausibilidade do direito invocado e
aquele representado por uma situação atual de perigo ao direito alegado. Mas
muito se discutia acerca do teor do referido preceito e da exata extensão dos
termos que empregava.

“O L iv r o I II , r e la tiv o a o p r o c e s s o c a u te la r , s e d i v i d e e m d o is c a p ítu lo s . O p r i m e i r o c o n té m d i s p o s i ­
ç õ e s g e r a is s o b r e m e d i d a s i n o m i n a d a s e o p r o c e d i m e n t o q u e d e v e s e r o b s e r v a d o a s s im e m r e la ç ã o a
e s ta s c o m o a o s p r o c e d i m e n t o s c a u te la r e s e s p e c ífic o s , r e g u la d o s n o c a p ítu lo s e g u in te " .

“A r t . 7 9 8 . A l é m d o s p r o c e d i m e n t o s c a u te la r e s e s p e c ífic o s , q u e e s te c ó d ig o re g u la n o C a p ítu lo I I d e s te
liv r o , p o d e r á o j u i z d e t e r m i n a r a s m e d i d a s p r o v is ó r ia s q u e j u l g a r a d e q u a d a s , q u a n d o h o u v e r f u n ­
d a d o r e c e io d e q u e u m a p a r t e , a n t e s d o j u l g a m e n t o d a lid e . c a u s e a o d ir e ito d a o u tr a le s ã o g r a v e e
d e d i fíc il r e p a r a ç ã o .”.

" A r t. 6 7 5 . A lé m d o s c a s o s e m q u e a le i e x p r e s s a m e n te o a u t o r i z a , o j u i z p o d e r á d e t e r m i n a r p r o v i ­
d ê n c i a s p a r a a c a u t e l a r o in te r e s s e d a s p a r te s : I. Q u a n d o d o e s ta d o d e f a t o d a lid e s u r g ir e m f u n d a d o s
r e c e io s d e r i x a o u v io lê n c ia e n tr e o s litig a n te s : II. Q u a n d o , a n te s d a d e c is ã o , f o r p r o v á v e l a o c o r r ê n ­
c ia d e a to s c a p a z e s d e c a u s a r le s õ e s, d e d i fíc il e in c e r ta r e p a r a ç ã o , a o d ir e ito d e u m a d a s p a r te s : III.
Q u a n d o , n o p r o c e s s o , a u m a d a s p a r t e s f o r im p o s s ív e l p r o d u z i r p r o v a , p o r n ã o se a c h a r n a p o s s e d e
d e t e r m i n a d a c o is a .”.
A primeira celeuma dizia respeito ao uso do termo ...fundado receito ",
que não representava qualquer tipo de receio, mas apenas aquela espécie apt.i
a gerar uma preocupação real na maioria das pessoas. A seu respeito ensinas •
Vitor Marins que “O fundado receio de dano deve ser objetivamente demoth
trado e não apenas suposto pelo interessado, dando asas à fertilidade da uto
imaginação.”.706
Também se questionava se o termo “...uma das partes...” impedia que o
receio de dano pudesse advir de um fato natural, assim como a deterioração
de um bem, independentemente da uma conduta da parte; mas não havia
no sistema qualquer empecilho para que tal situação pudesse gerar direito ã
obtenção de uma tutela de segurança.
Ainda se polemizava se o juiz poderia ou não conceder medidas cautelares.
com base no poder geral de cautela, quando se tratasse de processo de execii
çào, já que o art. 798, do CPC de 1973, utilizava a expressão “...antes do julgo
mento da lide...”, que a evidência se referia ao processo de conhecimento. Aqui
a solução da polêmica tendia a entender que havia apenas uma impropriedadr
no teor do preceito, que se referiu a julgamento quando em verdade procu
rava fixar como limite temporal o fim do processo, fosse ele de conhecimento,
fosse ele de execução.
Por fim, dentre tantas outras discussões, havia dúvida sobre a função do V
que unia “...lesão grave...” a “...difícil reparação”. Seria ele conectivo, impondo
tanto a existência da lesão quanto a difícil reparação; ou, seria ele disjuntivo,
impondo alternativamente uma ou outra das hipóteses tratadas? Para Pontes
de Miranda a partícula era conectiva. A seu respeito dizia o autor que “A lei
não disse lesão grave ou de difícil reparação', mas sim “A lei não disse 'lesão
grave e de difícil reparação'. Não basta, portanto, que se tema lesão grave, é
possível que não se possa ser facilmente reparada a lesão.”.707 Porém, firmou-se
o entendimento de a função da partícula era disjuntiva, ou seja, para a con­
cessão da medida bastava a existência de lesão grave ou de reparação difícil.
Não podia o magistrado, todavia, conceder medidas cautelares em quais­
quer situações, já que a própria natureza da medida impunha limites ao

706 MARINS, Victor Alberto Azi Bomfim. T u te la c a u te la r . Curitiba: Juruá, 1996. p. 233.
707 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcante. C o m e n tá r io s a o C ó d ig o d e P r o c e s s o C iv il. Rio de
Janeiro: Forense, 1976. Tomo XII, p. 45-46.
i nMc u io do poder geral de cautela. Esses O primeiro desses limites era conhe
■Ido i orno a coordenação com o açdo principal, ou seja, a medida cautelar não
podería exceder os limites da ação correlata. Tratava-se de uma vertente do
piluclpio da congruência, já que não é razoável que alguém pretenda obter
tuna segurança maior do que obterá como resultado na ação de conhecimento
ou de execução. Daí a razão pela qual a parte que não requeria a produção de
pmva oral na ação correlata, também não poderia pleitear, em sede de pro­
dução antecipada de provas, a oitiva de uma testemunha. O outro limite ao
exercício do poder geral de cautela era a reversibilidade da medida. Afinal,
xntdo irreversível a medida cautelar concedida, deixa ela de ser uma tutela de
segurança e passa a ser uma tutela satisfativa da obrigação, transmudando-se
em tutela de natureza executiva.

20.4.3. Procedimento cautelar.


Devido à distinção existente entre as ações cautelares nominadas e as ações
( «tutelares inominadas, a parte especial costumava indicar o procedimento
específico de cada ação cautelar nominada, enquanto a parte geral indicava
um rito que podia ser denominado procedimento geral cautelar, previsto nos
art. 800 a 803, do CPC de 1973. Este rito geral também servia para, subsi-
diariamente, ser aplicado quando havia omissão quanto ao procedimento a
ser seguido nas cautelares nominadas e em alguns procedimentos especiais
de jurisdição contenciosa, como acontecia com a então ação de nunciação
de obra nova.71'* Não havia, porém, diferença de procedimento fundada no
momento em que a ação cautelar era proposta, aplicando-se o procedimento
geral tanto às ações cautelares antecedentes (largamente conhecidas por pre­
paratória), proposta antes da ação correlata (principal); quanto às ações caute­
lares incidentes, propostas quando já em andamento a ação principal.
O rito da ação cautelar deveria ser, em tese, bastante rápido e com isso solu­
cionar desde logo a demanda em que se pleiteava a segurança. Não é necessário
dizer, todavia, que aquilo que originalmente era bastante simples acabou por
se complicar. O desrespeito ao procedimento previsto em lei, aliado a moro­
sidade dos serviços forenses, acabou por transformar as ações cautelares em
um procedimento de rito semelhante ao procedimento comum mais dilatado

roa CPC de 1973. "A rt. 939. A p lic a -se a e sta a ç ã o o d isp o sto n o a rt. 8 0 3 ”.
então existente, o chamado rito ordinário, com evidente desrespeito ao prin
cípio da celeridade processual e prejuízo ao direito das partes, que eram mau
tidas numa situação de incerteza quanto ao conteúdo do processo cautelar.
A petição inicial da ação cautelar, que além dos requisitos da petição inicial
do processo de conhecimento (art. 282), também devia se referir ao conteúdo
da causa principal (art. 800, III). Com isso a lei visava proporcionar ao juiz. jti
no exame da petição inicial, um contato precário com a causa de pedir da ação
correlata, sem o que não seria viável decidir acerca de eventual incompetcni ia
ou mesmo aferir em qual extensão a cautela era necessária, em desrespeito ao
limite relativo à coordenação com a ação principal.
Dois problemas eram mais agudos quanto a inicial da ação cautelar: a com
petência e o valor da causa. Quanto àquela, previa o art. 800 que era com
petente para conhecer da ação cautelar o juízo que fosse competente para
conhecer da ação principal, o que remetia ao exame das regras gerais de
competência, então previstas no livro relativo ao processo de conhecimento.
Estando a ação principal em segundo grau, dizia o parágrafo único do pre
ceito que “interposto o recurso, a medida cautelar será requerida diretamente
ao tribunal.’’. Entretanto, sendo a apelação interposta em primeiro grau, onde
se inicia o seu processamento, qual era o juízo competente para conhecer e
decidir a medida cautelar quando os autos ainda não haviam subido para o
tribunal? Nesses casos a solução mais adequada era interpor a medida caute­
lar diretamente em segundo grau, mas instruí-la com cópia de todas as peças
da ação principal, ainda tramitando em primeiro grau. Caso contrário, na
maioria dos casos, não tinha o tribunal condição de saber se era ou não o caso
de concessão da cautela.
Situação existente desde o CPC de 1939, entendia-se que até mesmo um
juiz absolutamente incompetente poderia conhecer e apreciar uma medida
de natureza cautelar, isso em virtude da urgência inata a tal tipo de provi­
mento, remetendo os autos para o juízo competente. Em termos práticos, por
exemplo, uma cautelar para forçar um pleno de saúde a fornecer material para
realização de cirurgia poderia ser deferida por um juiz trabalhista, pois todos
os magistrados possuem jurisdição, para ser o processo remetido em seguida
para o juiz competente. Raríssimos, todavia, os casos práticos que assim se
apresentavam.
Por fim, a propositura da ação cautelar preparatória tornava prevento o
(ulzo para as ações que lhe fossem conexas, devendo a impugnação a compe­
lem, ia do juízo (na época feita pelo veículo denominado exceção de incom­
petência) ser feita no prazo para a resposta da ação cautelar, sob pena de
preclusão.
No tocante ao valor da causa, havia dúvida quanto ao parâmetro que deve­
ria ser utilizado para atribuição de valor a ação cautelar. Atribuir o mesmo
valor que seria atribuído à ação principal poderia, em tese, duplicar o valor
do proveito que se pretendia obter e ainda dificultar o exercício do direito
de ação, mediante a interposição de recursos, por conta do elevado valor das
custas e do preparo. Nessa hipótese a solução era casuística, sempre se levando
em conta a regra da razoabilidade.
Recebida a inicial e citado o réu, esse tinha o prazo de 05 dias para con­
testar o pedido formulador, qualquer que fosse o procedimento cautelar (art.
802), não havendo a possibilidade de formulação de pedido contraposto ou
de utilização de reconvençâo. Isso se dava porque não havia possibilidade de
que o direito alegado fosse plausível tanto para o autor, quanto para o réu; e,
porque a inserção do procedimento da reconvençâo, então com natureza de
ação, no curso de uma ação cautelar, acabava por atentar contra a estrutura
do próprio procedimento cautelar, a exigir celeridade na sua solução. Trans­
corrido o prazo para a resposta e estando a causa madura, seja por conta da
revelia, seja por conta da possibilidade de julgamento no estado do processo,
decidia o juiz no prazo de 05 (cinco) dias (art. 803). Caso contrário, embora a
lei fosse omissa a tal respeito, deveria o magistrado sanear o feito e designar
uma audiência de instrução e julgamento, onde então a prova seria produzida
e, após a alegação das partes, deveria o magistrado proferir sentença.
Embora polêmica a questão, sempre entendemos que a sentença cautelar
deveria fixar condenação ao pagamento de honorários advocatícios, indepen­
dentemente dos honorários fixados na ação principal, já que em ambas have­
ría de ser remunerado o trabalho desenvolvido pelo patrono das partes.

Verificação de Aprendizagem
01. Segundo a doutrina clássica, qual é a característica que diferencia o
processo cautelar dos demais tipos de processo?
02. Como evoluiu a doutrina italiana para chegar a essa concepção?
03. No sistema do CPC de 1973 era possível antecipar tutela declaratória?
04. No sistema do CPC de 1973 era possível a concessão da antecipação da
tutela na sentença?
05. No sistema do CPC de 1973 era possível antecipar tutela de ofício?
06. Quais os requisitos necessários a antecipação da tutela no CPC de 1973?
07. Quais as características do processo cautelar no CPC de 1973?
08. Em que consistia o poder geral de cautela, previsto no art. 798, do CP(
de 1973? Quais eram os seus limites?

Planificação para aula


01. Evolução histórica do processo cautelar.
- O processo cautelar como uma terceira espécie de processo.
- As doutrinas de Chiovenda, de Calamandrei e de Carnelutti.
- A evolução do processo cautelar no Brasil.
02. O perfil da tutela antecipada no CPC de 1973.
02.01. Âmbito de cabimento.
- Existência da tutela antecipatória antes da introdução no sistema do art. 273.
Tutela da posse e alimentos.
- Texto original do art. 273 - Cabimento na tutela condenatória.
- Nova redação dada ao art. 273, §3°, do CPC de 1973 - cabimento no caso de
tutelas condenatória, mandamental e executiva lato senso.
02.02. Momento da concessão - Da inicial até momento imediatamente
anterior a sentença.
- Concessão da tutela antecipada de ofício.
02.03. Requisitos:
- Positivos obrigatórios: a) prova inequívoca (robusta) e b) verossimilhança da
alegação.
Positivos facultativos: a) Fundado receio de dano irreparável ou de dilícil
reparação e b) abuso do direito de defesa e propósito protelatório.
Negativo - Irreversibilidade da medida.
Antecipação da parte incontroversa da demanda,
l-ungibilidade das tutelas de urgência.
03. Perfil da tutela cautelar no CPC de 1973.
Processo cautelar e medida cautelar.
Características: a) instrumentalidade; b) a autonomia; c) a provisoriedade; e,
d) a revogabilidade,
Poder geral de cautela: mecanismo e limites (correlação e reversibilidade).
- Procedimento do processo cautelar.

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MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela cautelar e tutela antecipatória. São Paulo
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NERY JUNIOR, Nelson. “Considerações práticas sobre o processo cautclai
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OLIVEIRA NETO, Olavo de. A defesa dos executados e dos terceiros na execu
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PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcante. Comentários ao Código de
Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1976.
SHIMURA, Sérgio. Arresto cautelar. São Paulo: RT, 1993.
THEODORO JUNIOR, Humberto. Processo cautelar. 24a e.. São Paulo: Leud,
2008.
ZAVASCKI, Teori Albino. Medidas cautclares e medidas antecipatórias: técni­
cas diferentes, função constitucional semelhante. In REPRO 82/56.
21. TUTELA PROVISÓRIA

21.1. Noções gerais. 21.1.1. Classificação. 21.1.2. Eficácia. 21.1.3. Efetivação. 21.1.4.
Demais aspectos tratados. 21.2. Tutela de urgência. 21.2.1. Perfil. 21.2.2. Requisitos.
21.2.3. Liminar. 21.2.4. Responsabilidade por dano causado pela tutela antecipada.
21.3. Estabilização da tutela de urgência. 21.3.1. Noções iniciais. 21.3.2. Petição sim ­
plificada. 21.3.3. Aditamento e emenda da petição simplificada. 21.3.4. Estabilização
do provimento. 21.4. Tutela de evidência. 21.4.1. Definição. 21.4.2. Hipóteses de cabi­
mento. 21.5. Tutela cautelar antecedente. 21.5.1. Noções iniciais. 21.5.2. Procedimento.

21.1. Noções gerais.


O atual diploma processual houve por bem reunir, no Livro V, da Parte
Geral, sob a denominação de “Tutela provisória”, as medidas com natureza
cautelar e as medidas com natureza de antecipação de tutela, respectivamente
previstas no Livro III e no art. 273, do CPC de 1973. Com isso, além de alocar
num mesmo setor (livro) as medida que se aproximam em razão da sua fina­
lidade, ainda optou por alterar a denominação tradicional dada aos institutos
(tutelas de urgência), rompendo com a doutrina até então dominante. Embora
a denominação escolhida (tutela provisória), em nosso entender, não tenha
sido a ideal, já que há situações em que essa provisoriedade se torna definitiva,
trata-se de terminologia mais adequada da que constava de texto anterior do
projeto, onde se transformava o que era espécie (tutela antecipada) em gênero,
situação essa que poderia vir a gerar dúvida quanto a real natureza da cada
uma das modalidades.
Nada obstante eventuais objeções que possam ser tecidas à nova denomi­
nação, o fato é que baseado nessa estrutura o Livro V, relativo à tutela provi­
sória, está dividido em três títulos, tratando de disposições gerais, da tutela de
urgência e da tutela de evidência. No primeiro dos títulos a lei aborda aspectos
gerais da tutela provisória, preocupando-se em positivar as classificações que
entende corretas, isso no aparente desiderato de extremar as espécies de tutela
existentes. Já no título segundo o que se procura é estabelecer o perfil da tutela
de urgência, em três capítulos distintos que trazem disposições gerais sobre
o tema, aspectos relativos a tutela antecipada antecedente e aspectos relativos
\U i i n n i ' III I I I t» i| m \ í t i ' 'I l i ' i m i . M i m i m i i w i i h uri n \ n w \ " m / v i r

a tutela cautelar antecedente, respectiva mente. Por fim, o terceiro título dis
ciplina a tutela de evidência, procurando distingui-la da tutela de urgência.

21.1.1. Classificação.
O art. 294, primeiro preceito do livro relativo à tutela provisória, apenas se
limita a apresentar as classificações formuladas pela própria lei, ao que parece
seguindo o pensamento de Alfredo Buzaid, que fez constar na Exposição de
Motivos do CPC de 1973 que “À força de ser repetido, passou à categoria de
adágio jurídico o conselho das fontes romanas, segundo o qual ominis defini-
tio in jure civile periculosa est (D. 50.17.202). Sem discutir o valor dessa reco­
mendação, de cujo acerto não pomos dúvida, ousamos, contudo, em vários
lugares do projeto, desatendê-la, formulando algumas definições que reputa­
mos estritamente necessárias.”.70,) Assim, entendeu a lei ser necessário classi­
ficar a tutela provisória segundo três enfoques distintos: a) quanto à satisfati-
vidade da decisão (antecipada ou cautelar); b) quanto ao momento da decisão
(antecedente ou incidental); e, c) quanto natureza da decisão (de urgência ou
de evidência).
Tendo por traço distintivo a satisfação ou não do direito material, a pri­
meira classificação apresenta duas espécies opostas de decisões, já que a tutela
antecipada satisfativa realiza de algum modo à pretensão relativa ao direito
material, enquanto a tutela antecipada cautelar (não satisfativa) apenas asse­
gura o resultado de outro provimento jurisdicional. Nesse passo, quando se
pede tutela antecipada para a realização de uma cirurgia, trata-se de uma tutela
antecipada satisfativa, na medida em que o resultado que é objeto do provi­
mento final terá sido alcançado, ainda que em sede de uma medida concedida
liminarmente. Porém, quando se pleiteia uma medida cautelar de sequestro
de um bem cuja propriedade se discute, depositando-o em mãos de um ter­
ceiro, apenas se estará assegurando que este bem não se perderá enquanto não
advém a decisão que define com quem ele deverá ficar em definitivo.
Quanto ao momento da decisão, toma-se por parâmetro o momento da
propositura do feito que veicula o pedido principal. Se a tutela é pleiteada
antes do momento em que se formula o pedido principal, então se trata de709

709 BUZAID, Alfredo. E x p o s iç ã o d e m o tiv o s d o C ó d ig o d e P r o c e s s o C iv il ( L e i n . 5 .8 6 9 , d e 11-1-1973).


Item 8.
tutela provisória antecedente. Mas se o pedido de tutela antecipada é formu­
lado ao mesmo tempo ou após o pedido principal, então teremos uma tutela
antecipada incidental, cujo requerimento independe do pagamento de novas
custas, conforme alerta expressamente o art. 295, do CPC.
A terceira classificação, ao contrário das anteriores, não diz respeito a
situações que se opõe, mas sim a espécies que possuem naturezas diferen­
tes, mas não incompatíveis. Por isso, enquanto uma decisão não pode ser ao
mesmo tempo satisfativa e cautelar ou ser antecedente e incidente, já que uma
espécie exclui a outra, nada obsta que uma mesma decisão seja concedida por­
que a tutela pleiteada veicula pretensão fundada em direito evidente e, tam ­
bém, porque ela deve ser concedida para evitar o perecimento do direito, o
que a qualifica como urgente. Pense-se, por hipótese, numa cirurgia cardíaca
para a implantação de stent, onde o plano de saúde nega a cobertura sob o
argumento de que se trata de uma prótese, cuja implantação é excluída pelo
contrato. Aqui o direito é evidente, já que a Súmula 93, do TJSP,710 reconhece
que a negativa de tal cobertura é abusiva, e, ao mesmo tempo, há urgência
quanto à obtenção do provimento, já que não se pode deixar de reconhecer
que a situação de saúde de quem se submete a esse tipo de intervenção inspira
cuidados urgentes.
De se ver, portanto, num primeiro contato com temática que será adiante
aprofundada, que a tutela provisória é urgente quando há perigo iminente de
perda ou de lesão ao direito que a parte declara ter, o que implica na necessi­
dade da obtenção de uma proteção jurisdicional rápida; e, que se trata de tutela
provisória de evidência quando o magistrado pode, desde logo, reconhecer a
presença de uma grande possibilidade da existência do direito alegado.
A não exclusão da tutela de evidência pela tutela de urgência (e vice-versa),
embora o grau de cognição judicial para o exame de seus respetivos pedidos
seja diverso, nos permite desde logo afirmar que o magistrado poderá conce­
der uma quando a parte pleiteia a concessão da outra, desde que preenchidos
os requisitos específicos da tutela concedida, sendo plenamente possível reco­
nhecer a fungibilidade entre elas, como, aliás, reconhece parcialmente o art.
305, parágrafo único, do CPC.

710 Súmula 93, do Tribunal de Justiça de São Paulo. " S ú m u la 93: a im p l a n t a ç ã o d e 's t e n t ’ é a t o in e r e n te
a c ir u r g ia c a r d ia c a /v a s c u la r , s e n d o a b u s iv a a n e g a tiv a d e s u a c o b e r tu r a , a i n d a q u e o c o n tr a to se ja
a n t e r i o r à L e i 9 ,6 5 6 /9 8 ° .
Em suma, portanto, a classificação legal pode ser assim planificada:
- A n te c e d e n te
- Cautelar
- Incidente
- T. de urgência
- Antecedente
- Antecipada
- Incidente
Tutela Provisória

T. de evidência

21.1.2. Eficácia.
Quando se trata de uma decisão judicial, o termo eficácia deve ser enten­
dido como a aptidão que essa decisão tem para produzir seus efeitos. Dai
a razão pela qual se costuma dizer que o efeito suspensivo atribuído a um
determinado recurso impede que a decisão recorrida venha a produzir os seus
regulares efeitos. Portanto, quando o art. 296, do CPC, estabelece que a tutela
provisória conserva sua eficácia enquanto pendente o processo, parece querer
indicar que desde o momento em que é concedida, até a extinção do processo
(pois só a partir daí ele não será um processo pendente), estará ela apta a pro­
duzir seus respectivos efeitos.
Essa interpretação, porém, não está correta. Em primeiro lugar a tutela pro­
visória produz seus efeitos enquanto não for modificada por uma decisão que
lhe altera. Isso pode acontecer por conta de uma alteração imposta em grau
de recurso, onde o juízo ad quem cassa a medida liminar que foi concedida
pelo juízo a quo, ou quando o próprio magistrado profere outra decisão modi­
ficando o conteúdo da primeira, situação expressamente prevista pela parte
finai do art. 296, caput, do CPC, segundo o qual a tutela provisória "... pode,
a qualquer tempo, ser revogada ou m odificada”. Aliás, em complemento, o
termo “poderá” deve ser entendido como “deverá”, já que desaparecidos os
requisitos que levurum o magistrado a conceder a medida esta deverá, obriga
toriamente. ser cassada.
Em segundo lugar, quando a decisão relativa ao pedido principal é pro-
latada no mesmo sentido da decisão liminar, tendo essa a natureza de uma
tutela antecipada satisfativa, então quem passa a produzir eficácia é a pró­
pria decisão relativa ao pedido principal. Nesse sentido pode-se dizer, com
o apoio no que ensina Sérgio Shimura, que a medida inicialmente concedida
não se reveste da definitividade própria das tutelas típicas de acertamento e de
execução, surgindo “com previsão do término de sua eficácia, quando serão
modificadas, absorvidas ou substituídas por outra, definitiva e de mérito do
feito principal.”.711 (grifo nosso)
Em terceiro lugar existem as hipóteses específicas de cessação da eficácia
da tutela cautelar antecedente, previstas no art. 309; e, por fim, em quarto
lugar, existem situações excepcionais onde o magistrado pode atribuir ultra-
-atividade a tutela concedida liminarmente. Neste caso, mesmo encerrado o
processo, continuará a medida a produzir eficácia.
Certa ocasião, no exercício da judicatura e ainda sob a vigência do CPC
de 1973, recebemos medida cautelar que pleiteava o fornecimento de atendi­
mento pelo sistema de home care (internação domiciliar) para uma senhora
de quase cem anos, concedendo a medida liminarmente inaudita altera parte.
Efetivada a decisão, a advogada da autora praticamente abandonou a causa
e deixou de propor a então necessária ação principal, no prazo de 30 dias, o
que fez com que não houvesse outra possibilidade a não ser a extinção do pro­
cesso. Na sentença que extinguiu o feito, devido ao estado de saúde da autora,
tivemos a oportunidade de aplicar a teoria ao caso prático, fazendo constar no
corpo da sentença que: “Nada obstante, como a situação da autora continua a
inspirar cuidados, podendo ser a medida cautelar renovada a qualquer tempo,
não se justifica cassar a lim inar concedida, sendo o caso de conferir ultra-a-
tividade a segurança já efetivada, ao menos até o trânsito em julgado da pre­
sente decisão. Daí, portanto, a manutenção da situação de fato na forma como
se encontra, com o fornecimento de todo o material necessário à manuten­
ção da autora em Home-Care, inclusive com o fornecimento de fraldas (que
seriam utilizadas se esta estivesse no hospital), do aparelho e do medicamento

711
SHIMURA, Sérgio Seiji. A r r e s to c a u te la r . São Paulo: RT, 1993. p. 28-29.
indicados a fls. 190, é medida que st* impõe; isso em razfio do cotejo entre
os direitos em discussão, devendo prevalecer a proteção à saúde da autora ã
necessidade de aplicação do art. 808, do CPC, mediante aplicação dos princi
pios da proporcionalidade e da razoabilidade. Devido ao delicadíssimo estado
de saúde da autora, a interrupção do fornecimento de quaisquer dos materiais,
medicamentos ou aparelhos ora utilizados implicará em multa diária de RS
10.000,00 (dez mil reais); limitada a 100 (cem) dias multa.”
Em resumo, ao contrário do que diz textualmente o art. 296, do CPC, não é
a pendência do processo que delimita a eficácia da tutela antecipada, mas sim
as situações acima articuladas e que devem ser sempre examinadas à vista do
caso concreto.

21.1.3. Efetivação.
Num Estado Democrático de Direito, onde todos devem respeitar a Cons­
tituição e o arcabouço legislativo infraconstitucional, parece ser inconcebí­
vel pensar que, proferida uma decisão judicial, alguém deixe de cumpri-la
de forma espontânea. Porém, a realidade brasileira é enormemente distante
dessa situação ideal. O que se vê é um enorme desrespeito a norma ou a deci­
são judicial que não vêm acompanhadas de uma sanção. Daí o acerto do art.
297, do CPC, ao determ inar que "O juiz poderá determinar as medidas que
considerar adequadas para efetivação da tutela p r o v i s ó r i a municiando o
magistrado dos instrumentos necessários a forçar o cumprimento daquilo
que determinou. Mas quais serão essas “medidas adequadas ”?
Ao diferenciar a atividade praticada no processo de acertamento da ativi­
dade praticada no processo de execução, conforme se verá com maior profun­
didade quando do estudo da tutela executiva, observou Chiovenda712a existên­
cia de meios diversos para a obtenção do resultado almejado na execução, qual
seja, a satisfação do conteúdo do título, classificando-os em meios de coerção
e meios de sub-rogaçâo. Enquanto nessa forma de execução não é necessária à*I,

713 CHIOVENDA, Giuseppe. I n s t i t u i ç õ e s d e d ir e ito p r o c e s s u a l c iv il. Campinas: Bookseller, 1998. v.


I, p. 348. "Se a a t u a ç ã o d a le i m e d i a n t e c o g n iç â o te n d e c o n s t a n te m e n t e a u m m e s m o r e s u lta d o , a
s a b e r , a v e r ific a ç ã o d a v o n t a d e d a lei; a a tu a ç ã o d a v o n ta d e d a le i m e d i a n t e e x e c u ç ã o , n o ra io d o
o b j e t i v o g e r a l q u e se p r o p õ e , o u s e ja , a o b te n ç ã o p r á tic a d o b e m g a r a n t i d o , a p r e s e n ta - s e n o s m o d o s
m a i s d iv e r s o s , c o n f o r m e d o is fa to r e s : a d iv e r s a n a t u r e z a d o b e m a c o n s e g u ir , e a d iv e r s a n a t u r e z a
d o s m e io s d e c o n s e g u i-lo . A e x e c u ç ã o id e n tific a - s e e m c a d a c a s o c o m d e t e r m i n a d o m e i o e x e c u tiv o ." .
participação ativa do executado, naquela é indispensável a sua atuação, o que
somente poderá s e i obtido mediante a ameaça dc uma determinada sanção.
Para explicar esse meio executivo, Marcelo Lima Guerra se utiliza de termo
cuja autoria atribui ao autor português João Galvão da Silva, ensinando que
"A 'coerção ao cumprimento’ entendida como pressão psicológica infringida ao
devedor para induzi-lo a realizar, ele mesmo, a prestação devida, é exercida,
em maior ou menor intensidade, pelos mais diversos institutos jurídicos.".7'1
Portanto, essas medidas adequadas às quais se refere o art. 297, do CPC,
são as mais variadas formas de forçar a efetivação da tutela provisória conce­
dida, que não mais se limitam as tradicionais espécies da multa pecuniária e
da prisão em caso de alimentos, medidas estas consideradas por muito tempo
como as únicas formas de praticar execução por coerção, isso até a nova reda­
ção dada ao art. 461, §5°, do CPC de 1973, pela Lei n° 10.444, de 07 de maio
de 2002.™ Na lição de Araken de Assis, ainda sob a vigência do sistema legal
anterior, “A coerção designada de ‘execução indireta’, utiliza uma ameaça de
prisão (art. 733, caput), infligida a obrigação pecuniária alimentar, e da imposi­
ção de multa em dinheiro (astreinte), receitada, indiferentemente, às obrigações
de fazer fungível e infungível e à de entregar coisa (artigos 287, 461, §4°, 461-A,
§3°, c/c 461, §4°, 621, parágrafo único, 644 e 645). A astreinte protege o interesse
do exeqüente e tutela a dignidade da autoridade judiciária. A par desses expe­
dientes, há medidas de apoio inscritas no art. 461, §5°, perante as quais desa­
parece a tipicidade dos meios executórios, admitindo-se medidas inominadas
(v.g., a designação de fiscal ou administrador para a empresa executadaJ.”.7'5
Em conclusão, pois, para efetivação da tutela provisória poderá o magis­
trado aplicar qualquer tipo de medida coercitiva hábil a tornar concreto, no
mundo empírico, o conteúdo da decisão proferida, tendo por limites o sistema
jurídico e, em não se tratando de direito socialmente relevante, o principio
dispositivo, ou seja, o pedido formulado por quem pleiteou a medida.

71J G U E R R A , M a r c e lo L im a . E x e c u ç ã o in d ir e ta . S ã o P a u lo : R T , 1 9 9 8 . p. 3 4 .

7H C P C d e 1 9 7 3 . A r t . 4 6 1 .... §5°. P a ra a e f e tiv a ç ã o d a t u te la e s p e c ific a o u a o b te n ç ã o d o r e s u lta d o p r á ­


tic o e q u iv a le n te , p o d e r á o j u i z , d e o fíc io o u a r e q u e r im e n to , d e t e r m i n a r a s m e d i d a s n e c e s s á r ia s , ta is
c o m o a im p o s iç ã o d e m u l t a p o r t e m p o d e a tr a s o , b u s c a e a p r e e n s ã o , r e m o ç ã o d e p e s s o a s e c o is a s ,
d e s f a z i m e n t o d e o b r a s e i m p e d i m e n t o d e a t i v i d a d e n o c iv a , s e n e c e s s á r io c o m r e q u is iç ã o d e f o r ç a
p o l i c i a l .”.

' A S S IS , A r a k e n . C u m p r i m e n t o d a s e n te n ç a . R io d e J a n e ir o : F o r e n s e , 2 0 0 6 . p . 3 3 .
21.1.4. Demais aspectos tratados.
Encerrando as disposições gerais relativas à tutela antecipada, os art. 29H r
299, do CPC, tratam da fundamentação da decisão judicial e da competênc 1.1
para conhecer e decidir tal espécie de pedido.
Quanto à fundamentação, repetimos o que foi dito em diversas passagens
deste curso, não havia necessidade de “gastar” um artigo para fazer constai
expressamente à necessidade de fundamentação clara e precisa para a decisão
judicial que nega ou que concede a tutela provisória. Isso porque a fundamen
tação das decisões judiciais é um princípio constitucional que informa o pro
cesso civil, sendo um dos deveres do magistrado o de fundam entar qualquei
tipo de decisão que profere.
Por seu turno, importante asseverar que o art. 299, do CPC, que disciplina
a competência do juízo no caso de tutela provisória supera com boa vantagem
qualitativa o art. 800, do CPC de 1973, que disciplinava idêntica matéria no
sistema anterior. Ocorre que a redação daquele preceito gerava dúvida quando
se tratava da competência para receber, processar e julgar medida cautelar
incidental interposta após o momento em que o magistrado já havia proferido
sentença no processo cautelar, isso na medida em que seu parágrafo único
dizia que “interposto o recurso, a medida cautelar será requerida diretamente
ao tribunal.”. Porém, o recurso cabível na época, que era de apelação, era
interposto e tinha parte de seu processamento em primeiro grau, subindo ao
tribunal apenas após o oferecimento de contrarrazões e a realização de juízo
de admissibilidade pelo juiz a quo. Portanto, até a subida dos autos, como
interpor a medida se a competência para conhecê-la era do tribunal, mas os
autos ainda permaneciam em primeiro grau? A solução prática era a interpo
sição da medida diretamente no tribunal, com cópia integral do processo que
ainda tramitava em primeiro grau.
Atualmente, porém, não há mais espaço para dúvida a respeito do tema.
Em primeiro lugar, se já há processo veiculando o pedido principal, a tutela
provisória, que será incidental, será pleiteada ao juiz da causa que já foi pro­
posta (art. 299, Ia parte: a tutela provisória será requerida ao juízo da causa).
Em segundo lugar, se ainda não foi distribuída causa que veicula o pedido
principal, então a competência será fixada levando-se em consideração quem
será o juiz competente paru conhecer desse pedido principal (art. 299, 2“ parte:
...quando antecedente, ao juízo competente para conhecer do pedido principal.).
Por fim, nas causas de competência originária e nos recursos, a tutela provi­
sória será pleiteada perante o órgão que for competente para apreciar o mérito
da causa ou do recurso (art. 299, parágrafo único) e, neste caso, desapareceu
o problema gerado pela tramitação do feito principal em primeiro grau e da
interposição de pedido incidente em segundo grau, isso diante da escolha da
lei, que optou pelo recurso de agravo de instrum ento para todos os casos que
envolvam a tutela provisória, conforme previsto pelo art. 1.015,1, do CPC.

21.2. Tutela de urgência.

21.2.1. Perfil.
Já tivemos a oportunidade de salientar, quando do estudo da tutela jurisdi-
cional, que o termo tutela significa proteção, o que faz com que tutela jurisdi-
cional tenha o significado de proteção mediante o exercício da jurisdição. Mas
essa proteção não pode acontecer de qualquer forma e a qualquer tempo, com
independência das necessidades ditadas pelo próprio direito material, sob
pena do perecimento deste próprio direito. Afinal, quando o direito proces­
sual deixa de atuar em consonância com as necessidades do direito material,
torna-se praticamente impossível a obtenção da efetividade que o processo
deve conferir ao direito da parte, ou seja, da concretização da clássica lição de
Chiovenda de que "II processo deve dare per quanto è possibile praticamente a
chi un dirrito tutto quello chegli ha dirrito di conseguire."
Nesse passo, deve-se observar que por mais eficiente e rápida que possa ser
a atividade do Poder Judiciário, sempre haverá a necessidade de respeitar os
princípios da ampla defesa e do contraditório, o que faz com que exista um
tempo necessário para a prestação da tutela pretendida pela parte. Esse tempo
inerente à atividade processual é denominado, por Marcelo Lima Guerra, de
demora fisiológica, isso em oposição àquela demora causada pela má prestação
dos serviços judiciários ou mesmo pela indevida atuação procrastinatória das
partes, denominada demora patológica. Nas palavras do próprio autor “..., por
mais simples que seja a estrutura atribuída ao processo, sempre marcada pelo
contraditório, tende ele, inexoravelmente, a durar, e esta duração, em si mesma,
já significa uma Jonle perene cie obstáculos ü própria efetividade da tutela júris
dicional a ser através dele prestada. Seja sublinhado que esta duração não se
trata, necessariamente, de uma duração ‘p atológica’, mas antes aquela que
bem pode ser chamada de ‘fisiológica’. Duração, portanto, ineliminável, pois
decorrente das garantias fundamentais com as quais se pretende assegurar a
justiça do resultado fin a l a ser alcançado através do processo. Observa-se que a
duração do processo pode obstar à efetividade da tutela jurisdicional, de duas
formas distintas. Por um lado, essa duração é uma ameaça à efetividade da
tutela jurisdicional, apenas por criar a oportunidade à ocorrência de eventos
que impeçam aquela efetividade e, de outro lado, por submeter o titular do
direito, que se pretende tutelar através do processo, a um estado prolongado de
insatisfação deste direito, do qual resultem prejuízos capazes de tornar inócua
a tutela, quando afinal prestada. De qualquer modo, em ambas as hipóteses,
a duração do processo se põe como uma ameaça à própria efetividade do seu
resultadofin a l (= tutela jurisdicional), por gerar o perigo de que não proporcione
à parte vitoriosa ‘tudo aquilo e exatamente aquilo que tenha direito de obter’, o
que equivalería, como já fo i mencionado, a denegar-lhe tutela jurisdicional.”.711'
Também nesse sentido a extremamente feliz e precisa afirmação de Sérgio
Shimura: “De nada adianta a existência dos direitos se, quando vêm judicial­
mente reconhecidos, ou exigidos, não mais tem utilidade prática, seja porque se
alterou a situação fática, seja porque a situação emergencial já se transmudou,
de dano temido a dano lamentado.”.717
No mesmo diapasão a posição de Luiz Fux, Presidente da primeira comis­
são de elaboração do Projeto do Código de Processo Civil, que tratando do
tema sob o enfoque da tutela de segurança concluiu que “a base empírica da
tutela de segurança reside num estado de ‘ periclitação do direito' material
gerado por um fato da natureza ou pelo comportamento judicial ou extrajudi­
cial da parte adversa.”.718
Diante do exposto torna-se inevitável a conclusão de que, em certos casos,
a prestação da tutela pelo Estado apenas no final do processo faz com que
o direito pleiteado possa não ser devidamente protegido, razão pela qual há*7

716 GUERRA, Marcelo I.ima. Estudos sobre o processo cautelar. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 14-15.
7,7 S H I M U R A , p. 22-23.
7" FUX, Luiz. Tutela de segurança e tutela de evidência. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 367.
necessidade de um.i unlec Ipnçdo da tutela que seria prestada no final do pro­
cedimento, isso como for ma de evitar o peredm ento do próprio direito mate
rial posto em juízo. Nestes casos, onde a prestação da tutela deve ser feita de
modo rápido é que encontramos o campo de atuação da hodiernamente deno­
minada tutela provisória de urgência, o que nos fez afirm ar no item relativo
à classificação, repita-se, que a tutela provisória é urgente quando há perigo
iminente de perda ou de lesão ao direito que a parte declara ter, o que implica
na necessidade da obtenção de uma proteção jurisdicional rápida.
Reunidas assim pelo traço da urgência, o que implica na submissão a um
mesmo regime jurídico, os art. 300 até 302, do CPC, que integram o Capítulo
I, do Título II, apresentam disposições gerais aplicáveis tanto a tutela ante­
cipada antecedente, quanto a tutela cautelar antecedente, que estão tratadas
separadamente no capítulo II (art. 303 e 304) e no capítulo III (art. 305 e 308).

21.2.2. Requisitos.
Para a concessão da tutela de urgência determina o art. 300, do CPC, que
deverão estar presentes dois requisitos que são: a) a existência de elementos
que evidenciem a probabilidade do direito; e, b) o perigo de dano ou o risco ao
resultado útil do processo.
Sob a égide do CPC de 1973, o primeiro requisito correspondia àquilo que
se tratava por fumus boni iuris no processo cautelar e por verossimilhança
da alegação em sede de antecipação de tutela, ambas ligadas a um juízo pro­
visório e de probabilidade, realizado pelo magistrado ao conceder a medida.
Nas palavras de Calamandrei “Por aquilo que se refere à investigação sobre
o direito, a cognição cautelar se limita em cada caso a um juízo de probabili­
dade e de verossimilhança. Declarara existência do direito é função do processo
principal: em sede cautelar basta que a existência do direito pareça verossímil,
ou seja, melhor dizendo, basta que, segundo um cálculo de probabilidade, se
possa prever que o procedimento principal declarará o direito em sentido fa vo ­
rável àquele que requeira a medida cautelar.”.719
Não se afasta dessa idéia o atual sistema, embora o uso da frase “...quando
houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito...” represente, em

CALAMANDREI, Piero. I n t r o d u ç ã o a o e s t u d o s i s t e m á t i c o d o s p r o c e d i m e n t o s c a u te la r e s . Campi­


nas: Servanda, 2000. p. 99.
nosso entender, um ganho qualitativo com relação ao sistema anterior, porque
mais preciso que os requisitos antes indicados. Primeiro porque há expressa
menção a realização de um juízo de probabilidade e não de um juízo de cer
teza acerca da alegação de direito formulada, e, em segundo lugar, porque há
referência a elementos que tornam evidente essa probabilidade, que podem sei
tanto elementos de fato, como elementos de direito, sendo hábil qualquer meio
de prova para demonstrá-los.
Nada obstante, não se deve pensar que a unificação deste requisito importa
em torná-lo idêntico para a concessão da tutela de urgência antecipada e para
a concessão da tutela de urgência cautelar. Isso porque o grau de cognição do
magistrado difere na apreciação de ambas. Em caso de tutela de urgência ante
cipada deve o juiz realizar cognição sumária, ou seja, deve realizar cognição
com um grau médio de profundidade; enquanto em caso de tutela de urgência
cautelar deve o magistrado realizar cognição superficial, ou seja, deve realizai
cognição com um grau leve de profundidade. Em outros termos, como vimos
quando do estudo da cognição no plano vertical ou quanto à profundidade,
na tutela antecipada o grau de conhecimento do tema deve levar o juiz a um
“deve ser”, enquanto na tutela cautelar basta que seu grau de conhecimento do
tema o leve a um “pode ser”.
Em resumo, portanto, embora para ambas as espécies de tutela de urgên
cia seja suficiente a probabilidade e não a certeza da alegação de direito (que
só se fará em cognição exauriente), a tutela antecipada exige uma probabili
dade maior do que a tutela cautelar. Enquanto nesta a cognição é superficial,
naquela a cognição é sumária.
Também o segundo requisito para a concessão da tutela provisória de
urgência, que é o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo,
antes denominado periculum in mora, não se apresenta de modo idêntico para
a tutela antecipada e para a tutela cautelar. Isso porque a situação de perigo
no caso da tutela antecipada existe com relação à perda ou a lesão do pró­
prio direito material, enquanto no caso da tutela cautelar o perigo diz respeito
ao resultado útil que advirá do processo. Nesse sentido a lição de Luiz Fux
ao afirm ar que “A tutela de urgência satisfativa, que na sua essência se difere
da tutela cautelar pela diversidade do periculum in mora, neste último caso,
incide sobre o utilidade tio priu esso. no [nisso que naquele outro o risco é para
o direito da parte.
Mas mesmo diante dessa tênue diversidade, por terem ambas um trata­
mento legal conjunto, a situação de perigo deve ser compreendida do mesmo
modo que Victor Marins analisava o termo “fundado receio”, integrante do
art. 798, do CPC de 1973: “O fundado receio de dano deve ser objetivamente
demonstrável e não apenas suposto pelo interessado, dando azas a fertilidade
da sua imaginação”. A situação de perigo, portanto, há de ser real e não ape­
nas algo distante e dificilmente tangível, cabendo a quem pleiteia a medida
demonstrar sua ocorrência.721
Além da probabilidade do direito e da situação de perigo, que devido à
necessidade de presença podem ser denominados como requisitos positi­
vos, a lei ainda elenca um terceiro requisito apenas para obtenção da tutela
de urgência antecipada, que deverá sempre estar ausente para que a medida
possa ser concedida. Por isso pode ser denominado requisito negativo. Trata-
-se da reversibilidade dos efeitos da decisão, que consta expressamente do art.
300, § 3o, do CPC, sucessor do art. 273, §2°, do CPC de 1973.
Ocorre que na tutela provisória antecipada, diversamente do que se dá com
a tutela provisória cautelar, que apenas garante o resultado útil do processo,
a concessão da medida pode atribuir ao autor tudo aquilo que ele obteria da
decisão final e, por vezes, de forma a satisfazer sua pretensão de maneira defi­
nitiva. Daí, como há necessidade da integração do feito com a participação do
réu, sob pena de ofensa ao modelo constitucional do processo civil, então não
é viável a concessão de medida que não possa ser revertida ao final.

21.2.3. Liminar.
Numa situação de normalidade, o que se espera do processo é que ele
possa, após seu processamento regular, embebido pelo debate e pela atua­
ção das partes em contraditório, prestar uma tutela que venha a acertar o
direito controvertido, satisfazer o conteúdo de um título ou apenas prestar

”° F U X , L u iz . O « o v o p r o c e s s o c i v i l i n O n o v o p r o c e s s o c iv il b r a s ile ir o - D ir e ito e m e x p e c ta t i v a . R io ile


J a n e ir o : F o r e n s e , 2 0 1 1 . p . 18.

7;l I H E O D O R O J U N I O R , H u m b e r t o . P r o c e s s o c a u te la r . S ã o P a u lo : L E U D , 2 0 0 8 . p . 6 4 . “...a p a r t e
d e v e r á d e m o n s t r a r f u n d a d o t e m o r d e q u e , e n q u a n t o a g u a r d a a tu t e l a d e f i n i t i v a , v e n h a m a f a l t a r
a s c i r c u n s t â n c i a s d e f a t o f a v o r á v e i s à p r ó p r ia t u te la .."
uma tutela de segurança. Porém, como já tivemos a oportunidade de salientar,
existem situações que exigem a prestação de uma tutela de modo mais rápido
ou mesmo de modo imediato, sob pena do perecimento do direito, Esse é o
campo propício para a concessão das chamadas medidas liminares, que na
sua essência representam nada mais do que um momento processual anterioi
ao momento em que a tutela seria normalmente prestada, ou seja, quando da
prolação da sentença. Daí a precisão da lição de João Batista Lopes, para quem
“... a decisão concessiva da tutela é proferida in limine litis, vale dizer, revcs
te-se da natureza liminar (do latim, limen, inis = a soleira da porta, a parte
inicial da casa).”.722
Assim sendo, vista a lim inar em sua essência como um mero momento
processual, há de se observar que a concessão deste provimento jurisdicional
se faz sempre723 mediante ato que possui a natureza de decisão interlocutó
ria, cujo conteúdo vai variar de acordo com o tipo da tutela que se pleiteia.
Se o pedido é de uma tutela urgente antecipada, então teremos uma liminar
satisfativa; se o pedido é de uma tutela urgente cautelar, então teremos uma
liminar cautelar; e assim por diante.
Embora toda decisão interlocutória que conceda uma tutela provisória seja
uma decisão liminar, isso pelo simples fato de que o momento considerado
normal para a concessão da tutela é o momento da sentença, a lim inar con­
cedida antes da citação do sujeito passivo e sem a sua manifestação toma a
denominação de lim inar inaudita altera parte, que significa que a decisão foi
proferida sem a prévia oitiva prévia da parte contrária. Aqui o magistrado
se depara com situações ainda mais urgentes, nas quais não é possível nem
mesmo aguardar o comparecimento da parte contrária ao processo, pois o
tempo necessário à integração da demanda, com a realização do ato de cita­
ção, por si só já representa um grave risco de que a tutela prestada será inefi­
caz. O que justifica tal conduta no bojo do processo, segundo Humberto The-
odoro Junior, “é simplesmente a possibilidade de o dano consumar-se antes da
citação, qualquer que seja o motivo. Impõe-se o provimento imediato, porque se

722 LOPES, João Batista. T u te la a n t e c i p a d a . 4* ed.. São Paulo: RT, 2009. p. 117.
723 Mesmo quando a antecipação é concedida no corpo da sentença, para os que admitem tal possibi­
lidade, trata-se de um capítulo cuja natureza é de decisão interlocutória e, portanto, impugnável
mediante recurso de agravo.
se tiver que uguunhn ti <lliiç tío, o perigo se converterá em dono, tornando tardia
a medida cuja finalidade é, essencialmente, preveni-lo.Vu
Mas a lim inar concedida, seja ela ou não inaudita altera parte, passa desde
logo a produzir eficácia e, com isso, pode alterar a situação no mundo empíri­
co,725 fazendo com que a parte contrária suporte ônus financeiros decorrentes
da necessidade de cumprir uma decisão ainda não definitiva. Por isso, se a
medida lim inar for cassada por outra decisão interlocutória, pela sentença ou
por decisão proferida em grau de recurso, terá o requerente da medida que
indenizar a parte contrária dos prejuízos que esta suportou.
Para tornar viável essa eventual reparação poderá o magistrado, por força
do disposto no art. 300, §1°, do CPC, determ inar que aquele que requereu a
medida preste caução real ou caução fidejussória. Com isso quem requer a
medida confere no processo a segurança de que a parte contrária terá res
sarcido eventuais prejuízos, recebendo, em contrapartida, uma tutela mais
rápida.
Por hipótese, pense-se num pedido de sustação de protesto onde o autor
presta caução em dinheiro e no exato montante do título remetido ao pro­
testo. Nesse caso o raciocínio do juiz pode ser o seguinte: “Se houve o depò
sito do valor total do título, o autor possui dinheiro para pagar o débito e, por
isso, não está apenas tentando ganhar tempo. Se não fez o pagamento deve ser
porque possui alguma razão relevante para isso, que inclusive veio descrita na
petição inicial. Afinal, seria bem mais fácil, mais seguro e bem menos custoso
para o autor pagar o débito, ao invés de ter que contratar advogado e custear
uma demanda em juízo, isso sem saber em quanto tempo ela será decidida e de
que forma ela será resolvida. Portanto, se assim agiu, trata-se de caso onde o
autor deve ter razão e a liminar deve ser concedida.”
Cabe ressaltar, por fim, que a determinação para que a parte preste cau­
ção não está acompanhada de nenhum requisito específico, o que indica que721

721 T H E O D O R O J U N I O R , p . 150.

735 L A R A , B e ti n a R iz z a to . L i m i n a r e s n o p r o c e s s o c iv il. 2* e d .. S ã o P a u lo : R T , 1 9 9 4 . p . 2 1 . " P r im e ir a


m e n t e , a l i m i n a r n ã o c a r a c te r iz a j a m a i s u m a a n t e c ip a ç ã o d a p r ó p r ia d e c is ã o d e m é r i t o c o n tid a n a
s e n te n ç a . E la a n te c ip a a p e n a s o s e fe ito s q u e d e c o r r e m d e s ta d e c is ã o . E m s e g u n d o lu g a r, n e m to d o s
o s e fe ito s s ã o a n t e c i p a d o s p e l a lim in a r . O s e fe ito s q u e i n te g r a m o c o n te ú d o d a s e n te n ç a , o u s e ja , o s
d e n a t u r e z a d e c la r a tó r ia e c o n s t it u t i v a , n ã o s ã o p a s s ív e is d e a n te c ip a ç ã o . A l i m i n a r s ó a n te c ip a os
e fe ito s e x t e r n o s o u s e c u n d á r i o s d a s e n te n ç a q u e , p o r e s ta c o n d iç ã o r e fle te m - s e n o m u n d o d o s f a t o s
O s p r i n c ip a i s , a o c o n tr á r io , a t u a m s e m p r e n o p l a n o j u r í d i c o . ”.
o termo "poderá” confere ao magistrado, diante do caso concreto, a opção
de determinar ou não que a caução seja prestada;726 e, que sua ausência não
representa um impedimento legal para a obtenção da liminar.
Discussão de grande magnitude sobre o tema, antes da entrada cm vigoi
do atual diploma, referia-se a possibilidade do magistrado conceder ou não
uma lim inar inaudita altera parte sem o requerimento expresso da parte.
Duas correntes se digladiavam a esse respeito, uma sustentando a necessidade
do requerimento expresso, mormente diante da possibilidade da concessão da
medida causar dano à parte contrária, outra sustentando a possibilidade da
concessão sem pedido, naqueles casos em que havia a evidente possibilidade
de perecimento do direito posto em juízo.
Na redação anterior a que deu origem ao atual CPC uma análise inversa do
conteúdo do então art. 302, segundo o qual “o juiz poderá conceder tutela ante­
cipada cautelar de ofício, incidentalmente, em casos excepcionais ou expres­
samente autorizados por lei.” (grifo nosso), dava a entender que a polêmica
passaria ilesa pela reforma do sistema. Ocorre que o preceito, ao permitir ao
juiz agisse de ofício apenas em casos excepcionais ou autorizados por lei, vei­
culava uma norma de exceção, que requer uma interpretação restritiva. Daí,
como mencionava apenas a espécie tutela antecipada cautelar (agora tutela
de urgência cautelar), não havia como ampliar a aplicação do texto legal para
atingir também a tutela antecipada satisfativa (agora tutela de urgência ante­
cipada). Nesse caso, portanto, haveria a necessidade de formulação de pedido
expresso como um terceiro requisito da obtenção da então tutela de urgência
satisfativa. Ademais, se fosse possível ao juiz atuar de ofício em quaisquer
das modalidades de tutela de urgência, qual seria a razão de existir para a
regra contida no art. 302? Afinal, bastaria à omissão legislativa para permitir
quer o magistrado pudesse agir sem pedido expresso em todos os casos. Nada
obstante a expressa vedação legal, a discussão acerca da possibilidade de con­
cessão de tutela antecipada urgente de ofício ainda não estaria encerrada, pois
em casos excepcionais, onde a situação de perigo e a probabilidade do direito
eram extremas, com certeza haveria quem sustente que deveria o magistrado,
mesmo sem pedido da parte, mas levando em consideração a ponderação
entre os direitos postos em confronto, conceder a medida.

726 Nesse sentido, aliás, a Súmula 16 do TJSP, cujo teor é o seguinte: “Súmula 16: I n s e r e - s e n a d is c r iç ã o
d o J u iz a e x ig ê n c ia d e c a u ç ã o e a n á l i s e d e s u a i d o n e i d a d e p a r a s u s t a ç ã o d e p r o te s to ." .
Com a alteração do texto do projeto c com omissão du lei na redação final,
que agora não veda em situação alguma a concessão de ofício de tutela de
urgência, certamente abriu-se o caminho para que a corrente que sustenta a
possibilidade da concessão sem pedido expresso da parte ganhar corpo e, por
consequência, tornar-se a posição majoritária. É assim que pensamos, mas é
necessário aguardar o que a doutrina e a jurisprudência dirão acerca do tema.

21.2.4. Responsabilidade por dano


causado pela tutela de urgência.
Tendo em vista que um dos requisitos necessários à concessão da tutela de
urgência é justamente a existência de elementos que evidenciem a probabili
dade do direito, a consequência natural da existência dessa probabilidade é
que seja prolatada sentença no mesmo sentido, quanto ao conteúdo, da deci­
são interlocutória que concedeu a tutela antecipada ou cautelar. Ocorre, toda
via, que por variados motivos a decisão final pode não manter o conteúdo
da tutela de urgência, situação essa apta a gerar para o réu o direito de ver
compostos eventuais danos causados pela decisão cassada. Na pena de Luiz
Guilherme Marinoni “A atuação da tutela sumária faz surgir um dever de
reparação ou indenização por ato jurídico lícito. A atuação da tutela sumária,
assim como a execução provisória, constitui ato jurídico lícito que pode dar
causa, quando indevida, à reparação ou à indenização. É possível a restituição
das coisas no estado anterior quando é viável a volta ao estado material que era
anterior à tutela sumária. Quando é possível a restituição ao estado anterior e
ainda assim ocorreram danos, tem-se de pedir a indenização.”.727
As hipóteses em que surge esse dever de indenizar os danos causados estão
taxativamente previstas no art. 302, do CPC, que seguiu posição já consagrada
pelo art. 811, do CPC de 1973, estatuindo a responsabilidade objetiva do autor
perante o réu que sofreu prejuízo. Nesse sentido afirmam Galeno Lacerda que
está “Certo, portanto, o Código atual, ao adotar no art. 811 o sistema alemão e
austríaco, da responsabilidade objetiva, abandonando a teoria subjetiva con
sagrada pelo art.688 do Código de 39. Não há que cogitar, sequer, da prudên­
cia ou imprudência do agente, como querem os Códigos português e italiano.
Bastam os fatos configurados no art. 811 para caracterizar a responsabilidade

727
MARINONI, Luiz Guilherme. A a n t e c ip a ç ã o d a t u te la . 3" ed.. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 216.
IIJO m m ; m - cumcmv >i. jjuivini.i n umvumn umnn uv »nyv». u \j

do autor.”;72* e, Humberto Theodoro Junior, que "Para a fixação da respon


sabilidade civil do promovente da medida cautelar, nào importa saber se agiu
ele com fraude, malícia, dolo ou culpa stricto sensu. A tutela cautelar, por sua
excepciotialidade e pela sumariedade com que é concedida, exige que seu exer­
cício se dê, de regra, a risco e perigo do autor. Nem há de se falar em presunção
de culpa para justificar esse dever de indenizar. O que se dá é, puramente, um
caso de responsabilidade objetiva, à qual o elemento culpa é de todo estranho
ou dispensável.”.729
Em se tratando de responsabilidade objetiva, as hipóteses indicadas por lei
são taxativas, não comportando desbordamentos para além dos quatro inci­
sos do art. 302, do CPC, que são: I - a sentença lhe fo r desfavorável; II - obtida
liminarmente a tutela em caráter antecedente, não fornecer os meios necessá­
rios para a citação do requerido dentro de cinco dias; III - ocorrer a cessação da
eficácia da medida em qualquer dos casos legais; IV - o juiz acolher a alegação
de decadência, ou da prescrição da pretensão do autor. No mais, em nosso
entender, as hipóteses são bastante simples, nào havendo margem para subje-
tivismos que levem a uma interpretação ampliativa do texto legal.

21.3. Tutela antecipada antecedente.

21.3.1. Estabilização da tutela de urgência.


Como visto no capítulo anterior, o CPC de 1973 estabeleceu um sistema
com duas espécies de tutelas, denominadas pelo gênero tutelas de urgência,
no qual a tutela cautelar (de mera segurança) podia ser pleiteada em processo
antecedente ao processo onde o direito seria discutido e definido, enquanto a
tutela antecipada (provisoriamente satisfativa do direito) era pleiteada no bojo
deste mesmo processo em que era apreciada. Com isso nosso ordenamento
se filiava a um modelo73" que na lição de Edoardo Ricci deveria ser compre-

7111 L A C E R D A , G a le n o . C o m e n tá r io s a o C ó d ig o d e P r o c e s s o C iv il. 3* e d .. R io d e J a n e ir o : F o r e n s e ,
1 9 9 0 . p. 4 3 4 .

™ T H E O D O R O J U N I O R , H u m b e r t o , p. 150.

7,11 R I C C I , E d o a r d o F la v io . A tu t e l a a n te c ip a tó r ia b r a s ile ir a v is ta p o r u m ita lia n o . I n R e v is ta d e


d ir e ito p r o c e s s u a l c iv il. C u r i t i b a : G e n e s is , s e t- d e z /1 9 9 7 . v. 4 , p . 6 9 2 . "O s o r d e n a m e n t o s j u r í d i c o s ,
q u e c o n h e c e m a t u te la a n te c ip a tó r ia , r e v e la m d o is d iv e r s o s m o d e lo s . U m p r i m e i r o m o d e lo è a q u e le
d a c o n s t r u ç ã o d e u m p r o c e d i m e n t o p r ó p r io , s e p a r a d o d o p r o c e s s o c iv il o r d in á r io : m e s m o a n te s d e
endido como iternlo o UMilcuincnte mais adequado, na medida em que pci
mitia ao magistrado apreciar o pedido de tutela antecipada com informações
que também serviríam para a concessão ou não da tutela final; e, porque essa
identidade aumentava a possibilidade da manutenção da medida ao final. Na
opinião do saudoso professor, de quem tivemos o privilégio da convivência
e da estreita amizade, bem como a honra da orientação, "O legislador bra
sileiro, pelo contrário, seguiu desde logo a melhor via, mediante o novo uri.
273 do CPC. Com essa norma, o direito brasileiro, sob o aspecto estrutural,
impõe-se ao mundo como um exemplo da melhor solução. As informações, com
base nas quais deve ser deferida ou negada a tutela antecipada, são as mesmas
sobre as quais deverá fundar-se a sentença. Tais informações são colhidas sob
as garantias típicas do processo civil ordinário: e é nessa tutela antecipatória
que convém ter confiança. Para mim, visto que sempre me batipor uma soluçtio
estrutural semelhante, verificar que o legislador brasileiro escolheu esse rumo
constitui motivo de particular satisfação".
Nesse passo, apresentando um sistema em parte diverso dos dois sistemas
mencionados, o atual CPC mantém a possibilidade de obtenção da tutela
antecipada no bojo do próprio processo onde ela será ao final apreciada, mas
também cria, nos art. 303 e 304, um procedimento que não possui corres
pondente em nosso direito anterior, denominado “estabilização da tutela de
urgência”. Nele a tutela liminarmente concedida se torna perene e apta a pro
duzir plena eficácia, isso independentemente da continuidade do iter proce
dimental. Ocorre, em verdade, uma redução abrupta do curso do processo,
dispensando-se uma analise mais aprofundada do mérito, que seria proferida
em cognição exauriente, sob a presunção de que as partes, inertes diante da
decisão liminar, estão satisfeitas com a tutela concedida.
Com respeito a isso, há mais de década, conversando informalmente com
o próprio professor Edoardo Ricci, este questionava qual era vontade empírica
daqueles que iam a juízo em busca da composição de um dano. O motorista

i n ic ia r o p r o c e s s o o r d in á r io , a p a r t e in te r e s s a d a p o d e p e d i r a o j u i z a a n t e c ip a ç ã o p r o v is ó r ia d a
t u te la . É e s se o m o d e l o a p lic a d o n a E u r o p a p e lo s is te m a fr a n c ê s m e d i a n t e o ré fé ré , p r e v is to n o s a r t '
8 0 8 e 8 0 9 d o N o u v e a u C o d e d e P r o c é d u r e C iv ile , e a i n d a p e lo s is te m a b e lg a n o a r t. 5 8 4 d o C o d e
J u d ic ia ir e . O s e g u n d o m o d e lo , p e lo c o n tr á r io , la s lr e ia - s e n o p r i n c íp i o e m v i r t u d e d o q u a l a tu te la
a n t e c i p a t ó r i a é c o n c e d id a p e lo j u i z d o p r o c e s s o o r d in á r io , d u r a n t e o c u r s o d o p r ó p r io p ro c e ss o . N ü o
p o d e , to d a v ia , h a v e r d ú v i d a s a c e r c a d a s u p e r io r id a d e , p o r v á r io s m o tiv o s , d o s e g u n d o m o d e lo e m
r e la ç ã o a o p r im e ir o ." .
de taxi, por exemplo, que tinha seu veículo abalroado e que por isso se via
obrigado a propor uma ação contra o causador do dano, queria apenas obter
a reparação do seu veículo e o ressarcimento dos valores que iria receber caso
estivesse trabalhando. Obtidos esses proveitos, o processo passava a ser um
fardo para as partes, que já tinham solucionadas as suas pendências de ordem
prática, mas ainda precisavam continuar a litigar, isso em busca da segurança
da coisa julgada, fenômeno que desconheciam por completo e não sabiam
para o que se prestava. Afinal, na prática, o que significa a coisa julgada para
um leigo, quando já recebeu tudo aquilo que lhe era devido?
Nesse mesmo sentido, aliás, o pensamento explicitado na escorreita colo­
cação de João Batista Lopes ao afirmar que “No que toca à tutela antecipada,
tem-se observado que, em muitos processos em que a providência é concedida,
o autor praticamente se desinteressa em promover os atos necessários ao desen­
volvimento do processo, porque já obteve a satisfação do direito, ainda que em
caráter provisório. A seu turno, o réu muitas vezes permanece omisso por recear
que, na sentença, sua situação venha a ser agravada.’? 3'
Esse foi o principal motivo, cremos, que deu ensejo a inserção em nosso
sistema jurídico da estabilização da tutela de urgência, onde os valores rapidez
e efetividade se sobrepõem ao valor segurança jurídica; mediante a aplicação
de um procedimento diferenciado do procedimento comum, como doravante
passaremos a examinar.

21.3.2. Petição simplificada.


Tendo o autor a necessidade de pleitear tutela antecipada já no momento
em que propõe a ação, poderá optar pela elaboração de uma petição inicial
que siga a regra geral dos art. 319 e 320, do CPC; ou, na forma do art. 303,
do CPC, elaborar uma petição inicial simplificada, doravante denominada
apenas petição simplificada, para depois adequá-la a regra geral. Essa opção
deriva da necessidade que a parte tem, por vezes, de obter uma tutela pratica­
mente imediata, sob pena do perecimento do direito que alega possuir. Nesses
casos, até mesmo o tempo gasto para a elaboração da petição inicial pode
constituir óbice à efetivação da pretensão levada a juízo.

731
LOPES, p. 234.
Embora essa modalidade de petição inicial seja simplificada e em lese
menos complexa do que a petição inicial do art. 319, do CPC, o art. 303 enu
mera alguns requisitos que lhe são essenciais, previstos no caput do preceito
e nos seus §§ 4o e 5o. São eles: a) a declaração expressa do autor de que pre
tende se valer do benefício da petição inicial simplificada (§5°), b) a exposição
da lide {caput), c) a exposição do direito que se busca realizar (caput), d) a
exposição da situação de perigo (caput), e) a indicação do pedido da tutela
final (caput), f) o pedido da tutela antecipada (caput) e g) o valor da causa
(§4°). Logicamente, em que pese não conste expressamente do texto do artigo,
também será necessária a indicação de um determinado órgão jurisdicional
e uma qualificação mínima das partes, sem o que não é possível delimitar os
limites subjetivos da medida que se pleiteia ou mesmo quem será atingido pela
sua efetivação.
Nesse passo, pretendendo o autor se valer do procedimento previsto para a
estabilização da tutela de urgência, deverá elaborar a sua petição simplificada
indicando, inicialmente, qual é o juízo competente, que será definido pelos
mesmos critérios utilizados para a elaboração de uma petição inicial. Todavia,
mesmo que distribuído o feito a juízo absolutamente incompetente, se houvn
imediata possibilidade do perecimento do direito, decorrente da não aprec ia
ção da medida, deverá o magistrado apreciar o pleito liminar, antes mesmo
de remeter o feito para o juízo competente para conhecê-lo e decidi-lo. Já no
tocante a qualificação das partes, deve ser mitigada a regra inserta no art. 319,
II, do CPC, bastando ao autor declinar sua qualificação completa e qualificar
o réu de forma a permitir a sua identificação, seja para responder ao feito, seja
para sofrer as consequências da efetivação da tutela antecipada concedida.
A declaração expressa do autor (§5°) de que pretende se valer do benefício
previsto no art. 303, caput, do CPC, como requisito essencial da petição sim
plificada, mais do que uma mera opção pela via processual que permite a uti
lização dessa modalidade de petição, implica na opção pela adoção deste pro­
cedimento diferenciado e em verdadeira renúncia ao procedimento comum
e a prestação, pelo Estado, de uma tutela jurisdicional exauriente. Quando o
autor declara esta opção, ele aceita a possibilidade de extinção do feito (art
304, §1) sem a apreciação do seu conteúdo, dispensando a realização de ins
trução probatória e de uma sentença de mérito. Como essa opção pelo proce
dimento diferenciado também deve ser aceita pelo réu, a não interposiçáo de
recurso acaba por representar uma verdadeira aceitação tácita de submissão
ao procedimento, dando ensejo à estabilização da tutela liminarmente conce­
dida (art. 304, caput).
No tocante à causa petendi, embora o termo “exposição sumária” tenha
sido excluído da redação final do projeto que deu origem ao Código, deverá
o autor fazer a exposição sumária da lide, a exposição sumária do direito que
busca realizar e a exposição sumária da situação de perigo. A urgência na
prestação da tutela exige uma exposição sumária destes elementos induzindo
o autor a ser sucinto ao descrevê-los. Não há necessidade de tecer profundas
considerações acerca de como se deram os fatos ou de quais os direitos do
autor que estão sendo violados, bem como de apresentar minúcias acerca do
contexto que deve ser compreendido como uma ameaça ao direito que alega
possuir. Basta que o autor se faça inteligível, embora de forma simples, para
que estejam preenchidos estes requisitos. Posteriormente, sendo necessário,
quando do aditamento da petição simplificada, os detalhes serão esclarecidos.
Em respeito ao princípio dispositivo, previsto no art. 2o, do CPC, deverá
o autor formular requerimento expresso de antecipação da tutela, ficando o
magistrado, a principio, impedido de conceder a medida de ofício, a não ser
nas hipóteses em que há possibilidade do perecimento do direito, como adu­
zimos anteriormente.
Além disso, também está o autor obrigado a indicar qual será o pedido
de tutela que fará para obtenção do provimento final, isso para que possa o
magistrado aferir a existência de correlação entre o pedido lim inar e o pedido
final. Em outros termos, se a tutela antecipatória visa à antecipação dos efeitos
do provimento que será obtido ao final, então não há como pleitear, em sede
liminar, algo diverso daquilo que ao final seria obtido. Daí, portanto, a neces­
sidade do preenchimento deste requisito.
Por fim, optou a lei por exigir a indicação do valor da causa na petição
simplificada, o que se faz na mesma forma e seguindo os mesmos critérios de
atribuição de valor da causa a petição inicial.
Por se tratar de uma modalidade de petição inicial, embora mais simples e
com requisitos específicos, tudo o que se aplica quanto ao recebimento ou não
da petição inicial também se aplica ao recebimento ou não da petição sim­
plificada. Daí a possibilidade do magistrado receber formalmente a petição
simplificada »• apicclnr o conteúdo da medida liminar pleiteada; Indeferir a
petição simplifkada com base nas hipóteses do art. 330, do CPC, no que cou
ber; ou, ainda, mandar emenda-la para que sejam preenchidos os seus requi­
sitos específicos, na forma do art. 321, do CPC.
Nada obsta, além disso, que o magistrado decrete a improcedência liminar
do pedido, desde que verifique a presença de uma das situações previstas no
art. 332, do CPC. Daí, por exemplo, se ao examinar a causa petendi o magis
trado puder concluir pela existência de prescrição, aplicará o § Io do preceito
para, de plano, rejeitar o pedido com resolução do mérito (art. 484, II).

21.3.3. Aditamento ou emenda da petição simplificada.


Em que pese ser bastante comum o uso do termo aditar a inicial como
sinônimo de emendar a inicial, o sentido de cada uma das expressões é diversa
e, no art. 303, §§ Io e 6o, do CPC, foram utilizadas de forma precisa. Enquanto
aditar significa “acrescentar, adicionar, juntar”, emendar significa “corrigir
(aquilo que estava errado ou mal feito)”.731732 Portanto, quando o pedido de tutela
antecipada é liminarmente acolhido, cabe ao autor apenas completar o con
teúdo da petição simplificada para preencher os requisitos da petição inicial
(§1°). Mas se o magistrado entender que não existem elementos de convicção
suficientes para a concessão da medida, então o autor deverá emendar a ini­
cial, corrigindo a estrutura da petição inicial e, consequentemente, seguindo o
rito comum ao invés do rito diferenciado que permite a estabilização da tutela
antecipada.
Na verdade o art. 303 prevê dois procedimentos diversos no caso do autor
optar pelo oferecimento da petição simplificada, que serão determinados pela
concessão ou não da medida liminar pleiteada. Se a medida lim inar for concc
dida, proceder-se-á nos moldes previstos pelo §1°, com o aditamento da peti
ção simplificada. Neste caso o procedimento não é o procedimento comum,
mas sim um procedimento especial de jurisdição contenciosa, previsto no
próprio art. 303 e no art. 304, do CPC. Porém, uma vez negada à medida,
deverá o autor emendar a petição simplificada, conforme reza o §6°, prosse
guindo-se na forma prevista para o procedimento comum.

731 Verbetes aditar e emendar. M ic h a e lis - M o d e r n o d ic io n á r io d a lín g u a p o r t u g u e s a . Capturado de


http://michaelis.uol.com.br em 16.04.2013.
u?nv m 11 i i» i i viivj Jt\ tivinu n i jrnviwnn im.m n i a / rnuv r í.iw

Na primeira hipótese, prevista no art. 301, §§ 1" a 3", do CPC, concedida ,i


tutela antecipada, deverá o autor aditar a sua inicial simplificada para com
plementar a sua argumentação, juntar novos documentos e ainda confirmar o
pedido de tutela final (§1°, I), mesmo que o juiz nada mencione na sua decisão
quanto ao aditamento. Isso porque, ao optar pela via do procedimento espe­
cial, o autor assume o dever de promover o aditamento, que decorre ope legis,
independentemente de determinação judicial.
Como na inicial simplificada o autor deve narrar a causa petendi de forma
até bastante sucinta, desde que inteligível, em clara mitigação ao princípio
da substanciação, nesse segundo momento deverá aditá-la e narrar de forma
pormenorizada os fatos e os fundamentos jurídicos do pedido, isso para que o
juiz possa ter a possibilidade de, se for o caso, examinar a relação jurídica de
direito material controvertida de forma exauriente, ou seja, no grau máximo
de profundidade. Também deverá juntar os documentos que não acompanha­
ram a inicial e que podem ser necessários ao julgamento do feito, bem como
confirmar o pedido de tutela final. Isso porque até mesmo o pedido poderá
ser ampliado após a obtenção da medida liminar, momento em que ao autor é
permitido cumular ao pedido antes indicado outros que não indicou quando
da opção e utilização da petição simplificada.
O prazo para o aditamento deverá ser de no mínimo de 15 (quinze) dias,
podendo o magistrado, tendo em conta os princípios da brevidade e da utili­
dade (o mais breve possível, desde que se alcance a finalidade do ato proces­
sual), fixar um prazo maior para o caso concreto. Isso se dá quando o juiz
percebe que o prazo legal, embora não mais contado de forma contínua (art.
219), ainda não é suficiente, por exemplo, para a obtenção dos documentos
necessários a instrução da petição inicial. Esse prazo tem seu termo inicial
a partir do momento em que o autor é intimado da concessão da medida
liminar ou dela tem ciência inequívoca, sendo que o aditamento, nos termos
do §3°, dar-se-á nos mesmos autos, sem incidência de novas custas processu­
ais. Não cumprindo o autor seu dever de emendar a petição simplificada ou
fazendo-o de modo intempestivo, deverá o magistrado aplicar o art. 303, §2°,
do CPC, extinguindo o processo sem resolução do mérito e cassando a limi­
nar inicialmente concedida.
Não sendo caso de concessão da medida liminar, quando o feito terá a natu­
reza de procedimento especial de jurisdição contenciosa, deverá o magistrado
negar a tutela anleilpatla, Imprlmindo-se ao leito o procedimento comum
Interessante observar, porém, que o art. 303, §6°, do CPC, não fala expressa
mente numa decisão que indefere a tutela antecipada, limitando-se a aduzir
que “caso entenda que não há elementos para a concessão da tutela antecipada,
o órgão jurisdicional determinará a emenda da petição inicial, em att! cinco
dias.”. Porém, se toda decisão judicial deve ser fundamentada, não se concebe
o indeferimento implicito da liminar pleiteada, consubstanciado numa sim
pies determinação de emenda da inicial, sem que sejam indicadas as razões
pelas quais o magistrado se convenceu de que não era o caso de concessão da
tutela antecipada. Absolutamente necessário, portanto, que o indeferimento
seja expresso e fundamentado, com a concomitante determinação de emenda
da petição inicial; embora o juiz não esteja obrigado a declinar de forma pre
cisa o que deve ser corrigido (art. 321, in fine), já que se trata de adaptar a
petição simplificada aos requisitos da petição inicial (art. 319).
Efetivada a emenda no prazo de 05 (cinco) dias (§6°), o processo seguirá o
procedimento comum, com a designação de audiência de conciliação. Caso
contrário, isto é, não efetivada a emenda ou efetivada intempestivamente,
deverá o magistrado extinguir o processo sem resolução do mérito.

21.3.4. Estabilização do provimento.


Concedida a tutela antecipada satisfativa, nos termos previstos pelo art.
303, do CPC, pode ser que o autor não tenha mais interesse de ordem prá
tica para continuar com o processo, na medida em que já obteve exatamente
aquilo que pretendia obter quando ingressou em juízo. Quando isso acontece,
como dissemos acima, o processamento do feito passa a ser um fardo para o
autor, que por vezes acaba por ter que suportar até mesmo despesas que não
teria se o iter procedimental fosse interrompido. Da mesma forma, pode sei
que o réu também não tenha interesse no prosseguimento da demanda, situa
ção essa que somente lhe traria mais encargos do que aqueles com os quais jã
arcou devido à efetivação da tutela antecipada.
Ora, se tanto para o autor, quanto para o réu, existe desvantagem no pros
seguimento do feito, então porque não deixar ao critério das partes a possibili
dade do procedimento ter sequência ou de se encerrar, abruptamente, mesmo
sem a realização de cognição exauriente com relação ao seu conteúdo? Não
há razão relevante que justifique impor tal ônus as partes, mormente tendo
em vista a atual realidade do Poder Judiciário que, de uma forma geral, não
consegue dar vazão adequada aos milhões de feitos que tramitam nas suas
diversas instâncias.
Lastreado nessa realidade a doutrina vinha discutindo, já há algum tempo,
a possibilidade ou não da estabilização da decisão concessiva de uma tutela
antecipada, surgindo várias minutas de anteprojetos de leis tratando do tema.
Na exposição de motivos de um destes textos, elaborado por comissão do
Instituto Brasileiro de Direito Processual - IBDP, composta por Ada Pelle-
grini Grinover, Kazuo Watanabe, José Roberto dos Santos Bedaque e Luiz
Guilherme Marinoni, fez-se constar que “a proposta de estabilização da tutela
antecipada procura, em síntese, tornar definitivo e suficiente o comando esta­
belecido por ocasião da decisão antecipatória. Não importa se se trata de ante­
cipação total ou parcial. O que se pretende, por razões eminentemente pragmá­
ticas - mas não destituídas de embasamento teórico - é deixar que as próprias
partes decidam sobre a conveniência, ou não, da instauração ou do prossegui­
mento da demanda e sua definição nos termos tradicionais, com atividades
instrutórias das partes, cognição plena e exauriente do juiz e a correspondente
sentença de m érito”.
Destarte, concedida a tutela antecipada satisfativa na forma do art. 303, do
CPC, podem as partes deixar que este provimento se torne estável, ou seja,
deixar que o provimento concedido se torne imutável no bojo do próprio pro­
cesso, bastando para isso que o autor declare expressamente que opta pelo
procedimento especial em sua inicial simplificada (art. 303, §5°) e que o réu
deixe de interpor agravo de instrumento (art. 304, caput), que é o recurso
cabível contra decisão que versa sobre tutela provisória (art. 1.015, I). Por­
tanto, ao contrário de algumas propostas anteriores, a opção pelo procedi­
mento especial exige conduta comissiva do autor e conduta omissiva do réu,
ou seja, exige o preenchimento de dois requisitos que são a opção expressa do
autor e a não impugnação da decisão concessiva da tutela por parte do réu.
Presentes ambos os requisitos exigidos pela lei e tornada estável a tutela,
independentemente de requerimento específico das partes, deverá o juiz, de
ofício, extinguir o processo sem resolução do mérito, na forma prevista pelo
art. 304, §1°, c.c. 485, X, do CPC, o se dará mediante sentença, já que o art.
316, do CPC, é expresso ao dizer que "a extinção do processo dar-se-á por
sentença.”. Como essa sentença é prolatada apenas na presença dos requisitos
legais, entendemos que dela mio é possível apelar, jd que a opção do autor e
a inércia do réu acabam poi gerar preclusão lógica quanto â utilização deste
recurso. Daí a ocorrência do trânsito em julgado da decisão, ao menos no que
toca a ocorrência da coisa julgada formal, com a imutabilidade da decisão no
âmbito do processo em que foi proferida.
Nada obstante, embora seja a decisão imutável tio âmbito do processo, o
que implica na estabilização da tutela antecipada, dizer que a tutela é estável
não significa dizer que ela será imediatamente imutável, já que as partes pode
rão, no prazo de 02 (dois) anos contados da ciência da decisão que extinguiu o
processo, propor ação autônoma que promova a revisão, a reforma ou a inva
lidação da tutela antecipada já estabilizada (art. 304. §§2° a 5°).
Em se tratando de via processual que ostenta a natureza jurídica de exer
cicio do direito de ação e na modalidade de ação constitutiva negativa, pois
visa desconstituir a tutela antecipada estabilizada, terá o autor que preenchei
os requisitos exigidos para a petição inicial (art. 319), podendo instruí-la com
o apensamento do feito onde a tutela antecipada restou estabilizada, conforme
permite o art. 304, §4°, do CPC. Mas além de preencher os requisitos comuns
a todas as petições iniciais, o autor ainda deverá observar duas restrições que
são próprias desta ação, também denominadas de requisitos específicos ou
condições de procedibilidade, que são a limitação daquilo que pode ser objeto
do pedido e o respeito ao prazo decadencial de 02 (dois) anos (§5°). Nos §§ 2",
3o, §5° e 6° a lei se utiliza dos verbos “rever”, “reformar” ou “invalidar ”, dando
um claro sinal de que o objeto da ação limita-se a alterar ou a tornar sem
efeito a tutela estabilizada. Por isso não poderá o autor cumular a esse pedido
qualquer outro tipo de pleito, como uma eventual ação de indenização, já a lei
determina os limites da cognição no plano horizontal, vedando ao magistrado
ampliar o que foi insistentemente delimitado (por quatro vezes nos parágrafos
de apenas um artigo). Nesse caso, portanto, deverá a parte se valer de ação
autônoma se pretender formular pedido diverso daqueles estabelecidos. Por
sua vez, se o § 5o aduz que o direito de rever, reformar ou invalidar se extingue
em 02 (dois) anos; e, se o objeto da ação é exatamente este direito; então o que
se está a fazer é fulm inar o próprio mérito e não o exercício do direito de ação.
Daí a razão pela qual esse prazo é decadencial.
Elaborada a petição inicial nos moldes dos parâmetros acima especifica
dos dar-se-á a distribuição do novo feito por prevenção ao juízo onde a tutela
UMO Ufnw mi r in v ir iiiu j c j k iiv i/iu n c jim /ii/nn n «n v n ia / r nuct/JV/

satisfativa foi concedida (§4°, iw fine), cabendo ao magistrado á realização


do juízo de admissibilidade, inclusive com a possibilidade da improcedéncia
liminar do pedido. Ao juiz apenas não será permitida a concessão de anteci­
pação de tutela nesta ação que visa atacar a tutela antecipada, isso devido à
expressa proibição contida no art. 304, §3°, do CPC, segundo o qual a tutela
estabilizada continua a produzir seus efeitos enquanto não revista, reformada
ou invalidade por “...decisão de mérito...", o que somente se dará no momento
em que o magistrado prolatar sentença. Afora estas distinções iniciais, o pro­
cedimento desta ação é o comum.
Por fim, em que pese ter sido a lei expressa acerca do tema (§6°), o que cer­
tamente virá a gerar enorme polêmica, entendemos que vencido o prazo deca-
dencial de 02 (dois) anos, a sentença que estabilizou a tutela satisfativa produz
coisa julgada material. Isso porque, sendo esta a única via através da qual a
tutela estabilizada pode ser revista, excluída essa possibilidade não mais terá
a parte a possibilidade de modificar, através de outro processo, o que restou
decidido quando da estabilização. Alias, aqui também é válida a pitoresca,
mas precisa lição de J. J. Calmon de Passos, ainda sob a vigência do CPC de
1973, ao tratar da coisa julgada no processo cautelar: “... as decisões de mérito,
em ação cautelar, são insuscetíveis de modificação, se não houver alteração na
situação de fato - situação de perigo, que a determinou, ou se modificação não
houver na situação de direito no tocante à plausibilidade da tutela favorável ao
autor da medida. Só a mudança de um desses elementos constitutivos da causa
de pedir autoriza a modificação. E se indeferida a medida, só nova situação de
perigo, ou alteração nas condições anteriormente indicadas para fundamento
do pedido, ou pedido de medida diversa da anterior pode legitimar a postula-
ção de nova cautelar. Essa imutabilidade pode não ser batizada com o nome de
coisa julgada, mas que é imutabilidade é. Como chamá-la para não colocá-la
na fam ília nobre do processo de jurisdição contenciosa? Ê problema de prefe­
rência: Hermengarda, Febroniana, Ocridalina ou coisa parecida. Mas que é
mulher como a outra é. Ou para ser específico: que é imutabilidade do decidido
com repercussão para fora do processo é. E temos dito ”. 733

755 CALMON DE PASSOS, José Joaquim. C o m e n tá r io s a o C ó d ig o d e P r o c e s s o C iv il. 6o ed.. São Paulo:


RT, 1990. v. 10,1.1, p. 237.
Portanto, ncj.i lá qual lor á denominação que se pretenda dar a tal fenô­
meno, o fato é que se trata de uma imutabilidade e incontestabilidade da deci
são próprios da eficácia operada pela coisa julgada material.

21.4. Tutela cautelar antecedente.

21.4.1. Noções iniciais.


A tutela de urgência, como visto, pode ser classificada como antecipada ou
como cautelar, não tendo a segunda espécie caráter satisfativo, já que busca
apenas uma segurança quanto a efetividade do provimento final. Enquanto
para a obtenção da tutela antecipada o autor pode se valer do procedimento
previsto no art. 303, do CPC; para a tutela cautelar antecedente o procedi
mento a ser observado está previsto nos art. 305 a 310, do CPC. Daí a necessi
dade de indagar qual teria sido a razão que fez nosso sistema processual esta
belecer procedimentos diversos para tutelas que, tendo em comum o requisito
da urgência, poderíam ser prestada em um único tipo de procedimento.
Embora fosse possível ao sistema estabelecer um procedimento único para
a obtenção das duas espécies de tutela, houve uma opção legislativa em esta
belecer um tipo de procedimento para cada uma delas, aparentemente para
evitar que uma tutela de natureza cautelar possa se tornar estável, na forma
prevista pelo art. 304, do CPC. Ao que parece nosso legislador não quis atri
buir à tutela cautelar uma condição que pudesse ser reputada como coisa jul
gada, embora parte da doutrina já sustentasse, ainda sob a vigência do CP(
de 1973, que a sentença proferida na ação cautelar era apta a operar tal eficácia
entre as partes.
Além dessa razão, que pode ser considerada como o principal motivo para
a dualidade dos procedimentos, a distinção entre as vias processuais permite
concluir que, no caso da tutela cautelar, a cognição exigida do magistrado
para a apreciação da medida será superficial, enquanto a cognição exigida
para a tutela antecipada será sumária. Em outros termos, o grau de probabi
lidade na tutela antecipada deve ser superior ao grau de probabilidade apre
sentado no caso da tutela cautelar, mormente porque naquela já existe, mesmo
que de modo provisório e por vezes parcial, a satisfação da pretensão de quem
obtém a tutela.
No que toca a estrutura do título, a primeira alteração que se observa foi à
relativa à correção da denominação que se dá ao procedimento utilizado, que
antes era conhecido erroneamente como cautelar preparatória. Isso porque
o termo “preparatória ” é próprio para uma medida que visa preencher um
requisito necessário ao exercício de uma pretensão, como acontece no caso
da necessidade de notificação para por fim ao comodato por prazo indeter­
minado e, com isso, perm itir a propositura da ação de reintegração na posse,
ou, no caso de uma medida que possa comprovar a mora para que se possa
propor a ação de busca e apreensão do bem objeto de alienação fiduciária.
Como uma medida de natureza cautelar não é requisito para que seja formu­
lado o pedido principal, então não é possível denomina-la preparatória. Daí o
acerto da denominação cautelar antecedente, indicando que a classificação se
refere a critério meramente cronológico, isto é, trata-se de uma medida ante­
cedente porque foi pleiteada antes do momento em que se formulou o pedido
principal.
Vejamos, doravante, as alterações procedimentais.

21.4.2. Procedimento.
Nessa via processual, por expressa indicação do art. 305, do CPC, o autor
se utiliza de medida que possui natureza jurídica de ação, razão pela qual
deve exercitar seu direito mediante a distribuição de uma petição inicial, que
além dos requisitos gerais para essa modalidade de peça processual, que estão
previstos no art. 319, do CPC, ainda deve preencher os requisitos específicos
elencados no próprio artigo, que são a) a indicação da lide e do fundamento
do pedido principal, b) a exposição sumária do direito que se visa assegurar e
c) o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo.
Ao indicar qual é a relação jurídica controvertida e o fundamento do pedido
principal, o autor estará fornecendo ao magistrado os elementos necessários
para aferir, dentre outras coisas, se é ou não o juízo competente para conhecer
e decidir a demanda, se há ou não viabilidade formal de processamento do
pedido principal, se há ou não necessidade de assegurar o resultado pleite­
ado no pedido principal e qual é a dimensão do litígio, seja no aspecto subje­
tivo (legitimidade), seja no aspecto objetivo (amplitude da liminar e valor da
causa). Além disso, deverá o autor indicar de modo sumário, porém expresso
e inteligível, o direito que visa assegurar, e, o periculum iri mora, isto é, a situa
çào de perigo a qual esta submetido o direito que deverá ser assegurado.
Distribuída à petição inicial deverá o magistrado realizar juízo de admis
sibilidade, podendo indeferi-la (art. 330), determinar a sua emenda (art. 321)
ou recebe-la e m andar citar o réu para oferecer contestação no prazo dc 05
(cinco) dias, conforme reza o art. 306, do CPC. Além destas três possibili
dades ainda poderá o magistrado, presente a hipótese do art. 332, decretar a
improcedência liminar do pedido cautelar ou receber a petição inicial e pro­
cessá-la na forma dos art. 303 e 304, aplicando a regra da fungibilidade, desde
que entenda que o pedido formulado pleiteia, em verdade, ao invés de uma
tutela cautelar, uma tutela antecipada (art. 305, parágrafo único).
Assim como acontecia sob a vigência do código anterior (art. 802, do CPC
de 1973), o art. 306, do CPC, ao se utilizar do termo “contestar" e não do termo
“resposta”, não cometeu qualquer impropriedade, mas foi preciso para indi
car que não há possibilidade de utilização de reconvenção no caso da tutela
cautelar antecedente, embora essa possa ser ofertada depois de formulado o
pedido principal. Isso porque não há como o direito alegado em sede cautelar
ser plausível tanto para o autor, quanto para o réu; e, porque a inserção do pro
cedimento da reconvenção no curso do procedimento da tutela cautelar ante
cedente atenta contra a estrutura do próprio procedimento cautelar, que exige
celeridade na sua solução. Ofertada ou não resposta pelo réu, o feito passa a
seguir o procedimento comum, com o julgamento antecipado na hipótese da
revelia (art. 307, caput) ou com a aplicação das demais providências prelimi
nares, julgamento no estado ou saneamento (art. 307, parágrafo único). Findo
o curso procedimental o magistrado deverá proferir sentença, concedendo ou
negando a tutela cautelar pleiteada.
Embora o Capítulo III não trate especificamente do tema, sendo a tutela
cautelar uma das modalidades da tutela de urgência, aplica-se aqui o que está
disposto no art. 300, §2°, do CPC, sendo possível ao magistrado a concessão
da medida liminar inaudita altera parte para evitar que a situação de perigo
ao direito se transforme em dano a ser composto.
Como existe autonomia entre a lide cautclar e a lide principal," embora
estejam vinculadas porque oriundas de uma mesma relação jurídica de direito
material, mesmo se a sentença prolatada rejeitar o pedido relativo ã tutela cau
telar antecedente poderá o autor formular o pedido principal nos próprios
autos (art. 308, caput, c.c. art. 310), desde que o fundamento da rejeição não
seja a decretação da decadência ou da prescrição. Nesse caso, também por
opção legislativa, o pedido cautelar desborda seus limites e vai alcançar o con­
teúdo que seria próprio do pedido principal, tudo em prol do princípio da
economia processual.735 Afinal, qual seria a justificativa para permitir que a
decadência ou a prescrição tivessem que ser novamente apreciadas, quando já
decididas anteriormente no pedido cautelar?
Por sua vez, se o pedido cautelar for concedido em sede de uma medida
liminar ou se for concedido na sentença, a partir do momento em que se efe­
tivar a medida passará a fluir o prazo de 30 (trinta) dias para que o autor
formule o pedido principal, o que será feito nos próprios autos e independen­
temente do recolhimento de novas custas processuais (art. 308, caput, in fine).
O termo inicial desde prazo não é o momento da concessão da medida ou da
sua intimação, mas sim o momento da sua efetivação, conforme alerta expres­
samente o art. 308, caput, ab initio, do CPC; mesmo que essa efetivação seja
apenas parcial. Isso porque não parece razoável que o prazo somente passe a
fluir com a completa efetivação da medida, já que mesmo em caso de efetiva­
ção parcial o réu já estará sofrendo os efeitos práticos da decisão judicial, que
nesses casos geralmente produz imediatos efeitos no mundo de fato.
Por seu turno, ainda sob a vigência do CPC de 1939 e do CPC de 1973,
houve ampla discussão acerca da natureza do prazo para a propositura da
então ação principal,736 parecendo ter prevalecido o entendimento daqueles

"M S II.V A , O v í d i o A . B a p tis ta d a . D o p r o c e s s o c a u te la r . 3" e d .. R io d e J a n e ir o : F o r e n s e , 2 0 0 8 . p. 214.


N a s p a l a v r a s d o a u t o r : “A p r o v a d e f i n i t i v a d e q u e a lid e c a u te la r é u m a e n t i d a d e p r ó p r ia , p e r f e i ta -
m e n t e s e p a r a d a d a c h a m a d a lid e p r i n c ip a l , e s tá e m q u e o j u l g a m e n t o d a p r i m e i r a , q u a l q u e r q u e
s e ja s e u te o r . n ã o te m a m e n o r i n f l u ê n c i a s o b r e o j u l g a m e n t o s u b s e q u e n t e d a lid e s a tis fa tiv a ." .

7.5 I d e m . “O p r e c e ito c o n t i d o n o a r t. 8 1 0 i n t r o d u z i u u m a n o v i d a d e n o d ir e ito b r a s ile ir o , q u a l s e ja , a


p o s s i b i l i d a d e d e j u lg a r - s e e x c e p c i o n a lm e n t e o m é r i t o d a a ç ã o p r i n c ip a l d e s d e lo g o n o s a u t o s d a
d e m a n d a c a u te la r , se a o j u i z f o r p o s s ív e l c o n v e n c e r - s e d a d e c a d ê n c ia o u p r e s c r iç ã o d a p r e te n s ã o d o
a u to r . /...; A p o s s ib ilid a d e d e c o n h e c e r d e s d e lo g o a p r e s c r iç ã o o u d e c a d ê n c ia d a p r e t e n s ã o a f i r m a d a
p e lo a u t o r d a a ç ã o c a u te la r , d e ta l m o d o q u e e s s a d e c is ã o p r o d u z a c o is a j u l g a d a m a t e r i a l e e x tin g a
o f u t u r o p r o c e s s o p r in c ip a l, a t e n d e a u m a e x ig ê n c ia d e c e le r id a d e e e c o n o m i a p r o c e s s u a is ."

7.6 V id e p o r t o d o s M A R I N S , V i c t o r A . A . B o n f im . T u te la c a u te la r . C u r i t i b a : J u r u á , 1 9 9 6 . p. 3 3 3 -.
que atribuíam .1 pm/.o .1 natureza de prazo decadencial. Nesse sentido as
lições de I lumbcrlo Thcodoro Junior, para quem "U prazo do art. 806 r dccn
dencial, não se sujeitando a interrupção ou suspensão. Não se vence, todavia,
em dia que não haja expediente forense no foro, caso em que será prorrogado
para 0 primeiro dia útil.”?37 e, de Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade
Nery para quem “Não ajuizada a principal no prazo de trinta dias, opera-se a
decadência do direito à cautela. Matéria de ordem pública que é, a decadência
deve ser pronunciada de oficio pelo juiz. A norma só se aplica as cautelares
antecedentes, pois, quanto as incidentes, a ação principal já se encontra em
curso. A decadência atinge somente 0 direito à cautela, permanecendo integro
eventual direito material de que seja titular 0 requerente. Assim, mesmo após
verificar-se a decadência da cautela, 0 requerente pode ajuizar ação principal,
se 0 direito nela pleiteado ainda não tiver sido extinto. Apenas a medida caule
lar concedida é que perderá seus efeitos.”.733
Mantido este entendimento quanto à natureza do prazo constante do art.
308, do CPC, e tendo em vista que os prazos decadenciais, a princípio, não se
suspendem e nem se interrompem, torna-se forçoso questionar como serão
contados os 30 (trinta) dias para a formulação do pedido principal: a con
tagem se dará na forma do art. 219, do CPC, computando-se apenas os dias
úteis, ou, dar-se-á sem que ocorra qualquer suspensão, computando-se lam
bém os feriados forenses (sábados, domingos e feriados)? Aguardando 0 que a
jurisprudência dirá sobre o tema, acreditamos que deve prevalecer a natureza
específica deste tipo de prazo, que deverá ser contado sem a suspensão dos
feriados forenses.
Deve-se observar, ainda, que no atual sistema 0 oferecimento do pedido
principal não implica na propositura de uma nova ação e ainda aproveita o
mesmo suporte (processo) onde foi formulado o pedido cautelar. Em outras
palavras, é no processo já existente que o autor deverá formular seu pedido
principal, que por isso não precisa atender as determinações relativas à peti
ção inicial (art. 319), já que não se trata de peça que vai materializar o exercício
do direito de ação. Daí, não havendo necessidade de alteração dos dados cons­
tantes da petição inicial do processo, bastará ao autor juntar aos autos uma

7,7 THEODORO JUNIOR, p. 162.


™ NERY JUNIOR, Nelson, NERY, Rosa Maria Andrade. C ó d ig o d e P r o c e s s o C iv il C o m e n ta d o . Sào
Paulo: RT, 1997. p. 918.
petição onde constará expressamente seu pedido. Todavia, se houver neces
sidade da alteração de qualquer dado constante da petição inicial cautelar,
nada impede que o autor a promova na petição que veicula o pedido principal,
inclusive se a alteração disser respeito à causa de pedir (fatos ou dos funda­
mentos jurídicos), o que está expressamente permitido pelo art. 308, §2°, do
CPC.
Uma vez apresentado e recebido o pedido principal, que inclusive pode ser
formulado em conjunto com o pedido cautelar (§1°), o feito passa a seguir o
rito comum, com a intimação das partes para a participação em audiência de
conciliação, isso sem a necessidade de uma nova citação (§3°), já que não há
um novo processo.
Quando analisamos a eficácia da tutela antecipada, no item 20.1.2 do capí­
tulo anterior, tivemos a oportunidade de afirmar que uma das situações que
implica na sua cessação é justamente a ocorrência das hipóteses previstas no
art. 307, do CPC, que trata especificamente da tutela cautelar requerida em
caráter antecedente. Segundo o texto legal cessará sua eficácia em três hipó­
teses, quais sejam, quando o autor não ofertar o pedido principal no prazo de
30 dias (inciso I); quando o autor deixar de promover a efetivação da tutela
no prazo de 30 dias (inciso II) ou quando o juiz julgar improcedente o pedido
principal ou extinguir o processo sem resolução de mérito (inciso III).
Embora as hipóteses legais, devido a sua clareza, dispensem uma análise
pormenorizada, há dúvida quanto à consequência que a cessação da eficácia
da medida causará com relação ao processo nos casos dos incisos I e II, já que
no caso do inciso III o julgamento de improcedência ou de extinção, sendo
uno o processo, importa no seu encerramento. Em outras palavras, cessada a
eficácia da tutela cautelar antecedente com fulcro nos incisos I e II, deverá o
juiz extinguir o processo ou apenas cassar a medida cautelar e dar andamento
ao feito, permitindo que o autor formule o pedido principal? Em que pese à
divergência de opiniões a respeito do tema, reconhecer que o prazo é decaden-
cial implica em reconhecer que o direito de obter a cautela está extinto, situa­
ção essa confirmada pelo conteúdo do parágrafo único, segundo o qual “se
por qualquer motivo cessar a eficácia da tutela cautelar, é vedado à parte reno­
var o pedido, salvo sob novo fundamento.”. Portanto, estando extinto o direito
à cautela (pelo fundamento aduzido) e sendo a decadência matéria de mérito,
a solução que nos parece mais lógica é o julgamento do feito com resolução
do mérito, nos lermos do art. 487, II, do CPC. Essa solução, à evidência, nao
inibe o autor de pleitear tutela cautelar por outro fundamento ou mesmo de
formular o pedido principal, mas deverá fazê-lo em processos distintos.

21.5. Tutela de evidência.

21.5.1. Definição.
A tutela provisória foi classificada, no art. 294, do CPC, como sendo uma
tutela de urgência, necessária quando há perigo iminente de perda ou de lesão
ao direito que a parte declara ter, o que implica na necessidade da obtenção de
uma proteção jurisdicional rápida; ou, como sendo uma tutela de evidência,
cuja ocorrência se dá sempre que o magistrado pode, desde logo, reconhecer
a presença de uma grande possibilidade da existência do direito. Vista a pri
meira espécie, resta agora analisar o perfil da segunda, sendo que no aspecto
meramente semântico é evidente aquilo “1 Que se compreende sem dificuldade
nenhuma, que não oferece dúvidas. 2 Claro, manifesto, patente; óbvio. 3 Que
não pode ser contestado ou negado; incontestável, inegável..”.739 Trata-se de
algo tâo claro que é possível a todos compreendê-lo facilmente.
Todavia, em que pese à novidade da denominação que se dá a essa modali
dade de tutela, sua ocorrência sempre foi bastante comum no dia a dia forense,
quando provimentos judiciais fundados em tutela de evidência eram conce­
didos sob diversas denominações. As liminares concedidas numa ação de ali
mentos provisionais (art. 852 a 854, do CPC de 1973) ou numa ação de alimen
tos provisórios (Lei n° 5.478/68), fundada na relação de filiação, por exemplo,
sempre foram consideradas pela doutrina majoritária como tendo a natureza
cautelar e antecipatória, respectivamente, embora tais alimentos não fossem
repetíveis. Portanto, se a reversibilidade da medida, no sistema do CPC de
1973, era requisito tanto para concessão de uma tutela cautelar, quanto para
a concessão de uma tutela antecipatória; então como poderia o juiz conce
dê-la sem ofensa aos requisitos necessários ao seu deferimento? O mesmo se
diga quanto à concessão de uma liminar para o tratamento de doente, sem
condições financeiras, sob o sistema de home care; ou, da concessão de uma

7J»
Verbete evidente. M ic h a é l i s - M o d e r n o d ic io n á r io d a lín g u a p o r tu g u e s a . Capturado de http://
michaelis.uol.com.br em 16.04.2013.
• • « • • • « m w » • / r t i i v i n u M i. j n n / i u i m u n j i \ n i / \ / r n \ / V l .»I V

lim inar para a realização de tratamento de quimioterapia ou radioterapia


nesse mesmo paciente. Ambas as medidas apresentam-se irreversíveis e, por
isso, no rigor da técnica, não se enquadravam no perfil das então tutelas de
urgência. O que fazia o magistrado, em verdade, era conceder a medida por­
que no caso concreto o direito alegado pela parte era evidente, não havendo
dúvida plausível ao seu respeito.
Trabalhando essa temática em aulas de especialização, ainda sob a vigência
do CPC de 1973, costumávamos apresentar para as turm as a seguinte ques­
tão: “Maria conhece João e, após uma semana de namoro, resolvem viver ju n ­
tos. Uma semana após Maria mudar-se para a casa de João, este acaba por se
embriagar, agride-a e a expulsa de casa, retendo todos seus pertences, inclusive
os seus documentos e as suas roupas íntimas. Pergunta-se: a) Qual ação pode
ser proposta por Maria para reaver suas roupas? b) Quais requisitos devem
estar presentes para a concessão liminar do pedido? c) Se a ação proposta for
cautelar, qual ação principal deve ser proposta no prazo legal? d) Poder ia Maria
propor mandado de segurança contra João?’’. O exercício se destinava a perm i­
tir que os alunos observassem que o direito alegado por Maria era evidente,
pois tanto seus documentos, quanto as suas roupas íntimas, não poderíam ser
legitimamente retidas por João. Por isso não havia necessidade da presença
do requisito relativo à existência de uma situação de perigo ao direito ale­
gado (periculum in mora), não existindo ação principal a ser proposta. Além
disso, por incrível que possa parecer, embora não sendo cabível o mandamus
devido à ausência de autoridade coatora, a tutela concedida na medida seria
semelhante à tutela que poderia ser concedida num mandado de segurança,
já que em ambas as situações ao magistrado seria possível realizar, de plano,
cognição exauriente acerca da matéria ventilada pelo sujeito ativo. Em suma,
tratava a hipótese de concessão de tutela de evidência.
A respeito do tema, aliás, em concurso para professor titular de direito
processual civil da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio
de Janeiro, realizado em 1994, já asseverava Luiz Fux que "De tudo quanto
aqui fo i exposto, merece estender-se a tese ao que se denomina, hodiernamente
de ‘direito evidente’. A expressão vincula-se àquelas pretensões deduzidas em
juízo nas quais o direito da parte revela-se evidente, tal como o direito liquido
e certo que autoriza a concessão tio mandamus ou o direito documentado do
exequente.V 40
Visto isso, essa “mova” tutela de evidência está prevista no art. 311, do CPC,
podendo ser definida como a tutela que pode ser concedida independente
mente de dano ou de risco ao resultado útil do processo, bastando-lhe a possi
bilidade do magistrado reconhecer de plano (prima facie), mediante cogniçào
exauriente, o direito alegado pelo autor; ou, ainda, como a tutela provisória
concedida mediante cognição exauriente, com base na evidência do direito
alegado pelo autor.

21.5.2. Hipóteses de cabimento.


Embora o art. 311, do CPC, estabeleça quatro situações em que o juiz está
autorizado a conceder uma tutela antecipada fundada na evidência do direito,
cabe questionar se a tutela de evidência somente poderá ser concedida nas
hipóteses expressamente tratadas ou se o magistrado pode concedê-la cm
hipóteses não relacionadas pela lei, desde que lhe seja possível aferir, com a
prova já existente nos autos ou somente diante da alegação de direito fornui
lada, a obviedade do direito alegado pela parte.
Antes, porém, quanto às hipóteses expressamente previstas, o inciso I
copia a redação do art. 273, II, do CPC de 1973, que permitia a antecipação da
tutela quando “I - ficar caracterizado o abuso de direito de defesa ou o mani­
festo propósito protelatório do ré u ”. Portanto, se na lição de João Batista Lopes
"na doutrina brasileira, consagrou-se a concepção de que o abuso de direito é
o exercício anormal, irregular, egoístico do direito com o propósito de prejudi­
car alguém.’)74' então o abuso do direito de litigar ocorre quando a parte usa
indevidamente dos meios processuais que têm a sua disposição para protelar
a solução ou a satisfação daquilo que é o objeto do processo.
Não se trata, todavia, de uma penalidade imposta àquele que pratica con
duta não adequada no processo, ferindo o princípio da lealdade processual.
Para estes casos existe a hipótese de condenação como litigante de má-fé, além
de outras inúmeras situações onde se impõe uma pena àquele que intervém no
processo. O que aqui se pretende é minim izar os malefícios que uma demora

7.0 FUX, p. 305.


7.1 LOPES, p. 100.
VJO uvnw mi - u r m i u i w j i m m i w j n i. n m n w n n ntvuvn ia ; rn\;v i u u

patológica pode causar ao direito da parte, ou, como se diz na linguagem do


foro, inverter o ônus do tempo no processo.
Também é importante observar que a conduta não adequada pode se dar
no bojo do processo ou até mesmo antes do seu nascimento, como indica
com precisão Cassio Scarpinella Bueno ao ensinar que “mas não só em situo
ções endoprocessuais cabe a tutela antecipada fundada no inciso II do art. 273.
Merece ser prestigiado o entendimento de que também os atos extraprocessuais
praticados pelo réu podem levar ao deferimento da medida. Assim, por exem­
plo, quando ele cria embaraços, desnecessários, em negociação que antecede
a fase judicial [...] quando se verifica que o réu cria embaraços de todo tipo
quando vislumbra uma futura ação judicial; quando se vê, antes do ingresso em
juízo, eventual dilapidação de patrimônio.".742
A segunda hipótese de cabimento da tutela antecipada de evidência ocorre
quando “II - as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas docu­
mentalmente e houver tese firm ada em julgamento de casos repetitivos ou em
súmula vinculante;”. Nesse caso o julgamento anterior, assim como a existên­
cia da súmula, permitem ao magistrado desde logo reconhecer a evidência da
tese ventilada na inicial, já debatida em outros casos semelhantes.
Já o inciso III prevê a concessão da tutela quando “III - se tratar de pedido
reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depó­
sito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob
cominação de multa.”. Trata-se do atendimento de pedido que visa promover a
devolução de bem pertencente a quem pede, mas que está com um terceiro por
força de um contrato de depósito. Daí a razão pela qual o preceito é expresso
ao indicar a pertinência da utilização de multa cominatória, visando forçar a
devolução do bem.
Por fim, o inciso IV prevê a concessão da medida quando “IV - a petição
inicial fo r instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos
do direito do autor, a que o réu não oponha outra prova capaz de gerar dúvida
razoável;”. Aqui a expressão “prova documental suficiente” veio em substi­
tuição à polêmica expressão “prova inequívoca”, que era um dos requisitos
positivos obrigatórios, previstos pelo art. 273, caput, do CPC de 1973, para a
concessão da tutela antecipada.

7i2
BUENO, Cassio Scarpinella. T u te la a n t e c ip a d a . Sáo Paulo: saraiva, 2004, p. 42.
Quanto ao que sojn iim.i pmva documental (ou documento), veremos no
momento oportuno que s.io três os requisitos para que algo possa ser classifi­
cado como documento: a) uma representação escrita ou não; b) a representação
de um fato pretérito ou de declaração; e, c) o caráter relativamente duradouro
do objeto; o que permite a definição de documento como toda a representação
de fato pretérito ou de declaração, gravada em meio relativamente duradouro,
que por si só permita ao agente conhecer do seu conteúdo. Mas não basta que
se trate de documento, já que a lei se utiliza do termo suficiente, que implica
na realização de um juízo de valor (axiológico) por parte do magistrado para
que possa conceder a medida. Obviamente, como acontece em todo juízo de
valor, deverá o juiz fundamentar de forma clara sua decisão, indicando quais
foram às razões que o levam a acreditar na suficiência dos documentos para a
demonstração dos fatos constitutivos do direito do autor.
Nesse caso, antes de proferir decisão concedendo a tutela antecipada, por
força do disposto na parte final do inciso IV (a que o réu não oponha prova
capaz de gerar dúvida razoável), estará o juiz obrigado a ouvir o réu e a lhe
permitir a produção de prova que possa por em dúvida a conclusão obtida
pela prova unilateralmente juntada pelo autor. Aliás, essa obrigatoriedade
também está expressa no parágrafo único do preceito, onde consta que no
caso dos incisos II e III a medida poderá ser deferida inaudita altera parte,
o que implica na não possibilidade da sua concessão sem a oitiva do réu nas
hipóteses dos incisos I e IV.
Nada obstante as hipóteses expressamente previstas por lei, em resposta a
questão inicialmente ventilada, entendemos que o rol constante do artigo é
apenas exemplificativo, sendo perfeitamente possível a concessão de tutela de
evidência, mesmo em sede de lim inar inaudita altera parte, quando o direito
posto em juízo permitir ao magistrado, desde logo, realizar cognição exau
riente sobre o tema.
Voltando ao exemplo tratado no item anterior, onde o companheiro
expulsa sua companheira de casa e retêm seus documentos e suas roupas ínti
mas, observamos que a hipótese não se amolda perfeitamente em nenhum
dos incisos do art. 311. Mas mesmo que se pudesse dizer que na inicial esta­
riam suficientemente comprovados os fatos constitutivos do direito da autora
(inciso IV), estaria o juiz obrigado a perm itir ao réu a produção de contra
prova (inciso IV c.c. parágrafo único) antes de conceder a liminar. Porém, se
as tutelas de urgência tem gênese na Constituição da República, que assegura
a proteção contra a ameaça de lesão a direito, então como limitar a realização
imediata do evidente direito da autora sob o pretexto de que há necessidade
da prévia oitiva do réu? Numa ponderação entre a efetividade do processo e a
segurança jurídica, nessas hipóteses extremas, em prol da realização do bem
maior da Justiça, deve prevalecer a efetividade, com a concessão da medida
mesmo sem a oitiva da parte contrária.
Em conclusão, portanto, sendo extremamente evidente o direito invocado
pela parte, nada obsta que o magistrado conceda a tutela antecipada de evi
dência fora das hipóteses previstas pelo art. 311, do CPC, com embasamento
na gênese constitucional das tutelas de urgência, mesmo quando se tratar de
lim inar onde não ocorre a oitiva da parte contrária antes da concessão da
medida.

Verificação de Aprendizagem
01. Como se classifica a tutela provisória? Explique cada uma das espécies.
02. Até quando a tutela provisória produz eficácia?
03. Como deve agir o magistrado para impor a efetivação da tutela provisória?
04. Quais os requisitos exigidos para a concessão da tutela de urgência
antecipada? Há diferença na apreciação dos requisitos na tutela antecipada
e na tutela cautelar?
05. É possível a concessão de tutela de urgência antecipada sem pedido
expresso da parte?
06. Em que consiste a lim inar inaudita altera parte ?
07. A caução prevista no art. 300, §1°, representa um requisito para a obtenção
da liminar?
08. Não agindo o autor com culpa, mas ocorrendo uma das hipóteses
previstas no art. 302, do CPC, como deve acontecer a composição de
prejuízos causados pela efetivação da tutela antecipada?
09. Em que consiste e quais são os requisitos da a “petição simplificada ” (art.
303, do CPC)?
10. Concedida a tutela a n ta Ipndn, na forma de art. 303, do CPC, como deve
prosseguir o feito?
11. Negada a tutela antecipada, na forma de art. 303, do CPC, como deve
prosseguir o feito?
12. Quais os requisitos exigidos por lei para a estabilização da tutela de
urgência antecipada?
13. É cabível recurso de apelação da decisão que estabiliza a tutela antecipada?
14. Quais os requisitos específicos da ação que visa atacar a tutela estabilizada?
15. É possível a antecipação de tutela na ação que visa atacar a tutela
estabilizada?
16. A decisão que estabiliza a tutela opera eficácia de coisa julgada material?
17. Qual a razão para a existência de procedimentos diversos para a obtenção
da tutela de urgência antecipada e para a obtenção da tutela de urgência
cautelar?
18. Pode o réu oferecer reconvenção na ação que pleiteia tutela cautelar
antecedente?
19. Como se conta o prazo para a formulação do pedido principal (art. 308)?
20. Cessada a eficácia da tutela cautelar antecedente, isso por conta da
ocorrência da hipótese prevista no art. 309,1, do CPC, como o magistrado
deve proceder?
21. Defina tutela provisória de evidência.
22. É possível a concessão da tutela de evidência fora das hipóteses previstas
no art. 311, do CPC?

Planificação para aula


TUTELA PROVISÓRIA.
1. Disposições gerais.
a) Estrutura do CPC.
TÍTULO 1 - DAS DISPOSIÇÕES GERAIS
TÍTULO II - DA TUTELA DE URGÊNCIA
uvnu m- rinvirmiuj rnrm mn »\ rumiiuiw n«m n im rnuv rv*w
oo/
1
Capítulo I - Disposições Gerais
Capítulo II - Do procedimento da tutela antecipada requerida cm carátet
antecedente
Capítulo III - Do procedimento da tutela cautelar requerida em carátei
antecedente
TÍTULO III - DA TUTELA DA EVIDÊNCIA
- Antecipada
a) quanto à satisfatividade - Cautelar
- Antecedente
b) Classificação b) quanto ao momento - Incidente
- de urgência
c) quanto à natureza - de evidência
OU
- Antecedente
- Cautelar
- Incidente
- T. de urgência
- Antecedente
- Antecipada
- Incidente
Tutela Provisória
T. de evidência

c) Eficácia - Ao contrário do que diz textualmente o art. 296, do CPC, não é a


pendência do processo que delimita a eficácia da tutela antecipada, mas
sim as seguintes situações:
a) produz eficácia enquanto não for modificada por uma decisão que lhe
altera, seja em grau de recurso, seja pelo próprio magistrado.
b) quando a decisão relativa no pedido principal ó prolatada no metano sentido
da liminar, tendo essa nalure/.a de tutela satisiativa, então quem passa a
produzir eficácia é a própria decisão relativa ao pedido principal.
c) nas hipóteses específicas de cessação da eficácia da tutela cautelar
antecedente, previstas no art. 309;
d) em situações excepcionais, onde o magistrado pode atribuir ultra atividade
a tutela concedida. Neste caso, mesmo encerrado o processo, continuará
a medida a produzir eficácia.

d) Efetivação da tutela antecipada - meios de coerção. (art. 297)


e) Fundamentação, recurso e competência (art. 298, 299 e 1.015,1)

2. Tutela de urgência.
- Perfil: A tutela provisória é urgente quando há perigo iminente de perda ou
de lesão ao direito que a parte declara ter, o que implica na necessidade
da obtenção de uma proteção jurisdicional rápida.
- Espécies: a) Tutela de urgência antecipada e b) tutela de urgência cautelar
- Requisitos para concessão (positivos)(art. 300): a) a existência de elementos
que evidenciem a probabilidade do direito; e, b) o perigo de dano ou o
risco ao resultado útil do processo.
- No caso da tutela de urgência antecipada, por força do disposto no art. 300.
§3°, do CPC, há ainda a necessidade de irreversibilidade dos efeitos da
decisão (requisito negativo).
- Cognição: a) Na tutela de urgência antecipada é sumária e b) na tutela de
urgência cautelar é superficial.
03. Liminar.
- Momento processual - do latim, limen, inis = a soleira da porta, a parte
inicial da casa.
- Liminar inaudita altera parte.
- Concessão da lim inar sem pedido expresso da parte.
- Caução real ou fidejussória.
04. Responsabilidade por dano causado pela tutela antecipada.
- Art. 302 - Responsabilidade objetiva.
- Hipóteses legais.
05. Estabilização da tutela de urgência.
05.01. Procedimento diferenciado nos casos de extrema urgência, concomitante
com a propositura da ação.
05.02. Requisitos da “Petição simplificada" (art. 303)
a) indicação do juízo competente, (mas mesmo o absolutamente incompetente
pode apreciar o pedido liminar)
b) qualificação das partes
c) a declaração expressa do autor de que pretende se valer do benefício da
petição inicial simplificada,
d) quanto à causa de pedir: a exposição sumária da lide, a exposição sumária
do direito que se busca realizar e a exposição sumária da situação de
perigo,
e) a indicação do pedido da tutela final,
f) o pedido da tutela antecipada satisfativa
g) o valor da causa.
05.03. Aditamento da petição simplificada - Concedida a tutela antecipada,
segue o feito um procedimento especial de jurisdição contenciosa, na
forma do art. 303, §§ Io a 3o, do CPC.
05.04. Emenda da petição simplificada - Negada a tutela antecipada, segue o
feito o procedimento comum, na forma do art. 303, §6°, do CPC.
05.05. Estabilização do provimento - Opção das partes pelo procedimento
especial, com a exigência de dois requisitos:
a) declaração expressa do autor, na inicial simplificada, de que opta pelo
procedimento especial (art. 303, §5°); e,
b) que o réu deixe de interpor agravo de instrumento (art. 304, caput), que é
o recurso cabível contra a decisão que a concede a antecipação da tutela
(art. 1.015,1).
- Preclusão lógica e impossibilidade dc apelar ila dec isilo que estabiliza a tutela
satisfativa.
- Sentença que estabiliza a tutela e coisa julgada formal.
05.06. Ação de revisão da tutela satisfativa estabilizada.
- Natureza jurídica de ação constitutiva negativa.
- Requisitos da inicial (art. 319) + limitação do pedido + prazo de 02 anos
- Manutenção da eficácia da decisão até sua reforma por sentença de mérito,
gerando a impossibilidade de antecipação da tutela.
- Produção de coisa julgada material.
06. Tutela cautelar antecedente.
06.01. Razão da existência de procedimentos diversos para a obtenção da
tutela antecedente satisfativa e da tutela cautelar
- Estabilização da demanda na tutela de urgência antecipada.
- Grau de cognição diferente entre a tutela antecipada e tutela cautelar.
06.03. Cautelar preparatória x cautelar antecedente.
06.04. Procedimento.
- Natureza jurídica de ação.
- Requisitos da petição inicial: gerais (art.319) e específicos (art. 305).
- Contestação e possibilidade de oferecimento de reconvenção.
- Possibilidade de lim inar inaudita altera parte.
- Sentença de rejeição do pedido liminar não impede a formulação, nos
próprios autos, do pedido principal, (art. 310)
- Contagem do prazo para formulação do pedido principal (art. 308): a) termo
inicial; b) natureza jurídica; e, c) forma de contagem.
- Art. 307 - Cessação da eficácia da tutela cautelar e julgamento do mérito.
07. Tutela de evidência.
07.01. Direito evidente é aquele que "se compreende sem dificuldade nenhuma,
que não oferece dúvidas. Claro, manifesto, patente; óbvio."
07.02. Reconhecimento da sua existência enquanto categoria antes mesmo do
novo CPC.
07.03. Definição - Tutela de evidência é a que pode ser concedida
independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao
resultado útil do processo, bastando-lhe a possibilidade do magistrado
reconhecer de plano (prima facié), mediante cognição exauriente, o
direito alegado pelo autor.
07.04. Hipóteses de cabimento (art. 311, do CPC) e possibilidade de concessão
fora das hipóteses previstas por lei.

Bibliografia
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5.869, de 11-1-19 7 3 ).
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GUERRA, Marcelo Lima. Execução indireta. São Paulo: RT, 1998.
_______ . Estudos sobre o processo cautelar. São Paulo: Malheiros, 1995.
LACERDA, Galeno. Comentários ao Código de Processo Civil. 3a ed.. Rio de
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LARA, Betina Rizzato. Liminares no processo civil. 2a ed.. São Paulo: RT, 1994.
LOPES, João Batista. Tutela antecipada. 4a ed.. São Paulo: RT, 2009.
MARINONI, Luiz Guilherme. A antecipação da tutela. 3a ed.. São Paulo:
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MARINS, Victor A. A. Bonfim. Tutela cautelar. Curitiba: Juruá, 1996.
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SHIMURA, Sérgio Seiji. Arresto cautelar. São Paulo: RT, 1993.
THEODORO JUNIOR, Humberto. Processo cautelar. 24“ e.. São Paulo: Leud,
2008.
Livro I
NOÇÕES PROPEDÊUTICAS

1. NOÇÕES PRELIMINARES
2. NOVOS PARADIGMAS DO DIREITO PROCESSUAL CIVIL
3. PRINCÍPIOS DO PROCESSO CIVIL
4. MECANISMOS COGNITIVOS DO PROCESSO CIVIL

Livro II
INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DO DIREITO PROCESSUAL CIVIL

5. TUTELA JURISDIGONAL
6. DIREITO DE AÇAO
07. PROCESSO

Livro III
ELEMENTOS ESSENCIAIS À ESTRUTURA BÁSICA DO PROCESSO

8 . COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
g. COMPETÊNCIA INTERNA
IO. CONEXÃO DE CAUSAS
n. AS PARTES E OS PROCURADORES
12 LITISCONSÕRCIO
13. DA INTERVENÇÃO DE TERCEIROS
14. OS PERSONAGENS DO PROCESSO
15. TEORIA GERAL DOS ATOS PROCESSUAIS
16. TEORIA DOS PRAZOS
17 ATOS PROCESSUAIS EM ESPÉCIE
18. TEORIA DAS NULIDADES
19. FORMAÇAO. SUSPENSAOF e x t in ç ã o d o p r o c e s s o
20. DAS MEDIDAS CAUTELARES AS TUTELAS DE URGÊNCIA
21. TUTELA PROVISÓRIA

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editora
I I VERBATIM

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