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Coordenação dos Professores

Alcides Jorge Costa, LuIs Eduardo Schoueri,


Paulo Celso Bergstrom Bonilha e Fernando Aurelio Zilveti

ISSN 1415-8124

REVISTA

@IIilllJU@)

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B~
24

INSTITUTO BRASilEIRO DE DIREITO TRIBUTÁRIO

~DIAIÉlT1CA1i
São Paulo - 2010
DIREITO TRIBUTÁRIO ATUAI n' 24 5

IVES G/INDRA DA SIL~ MARTINS - Imullid'lde de Impostos dos Vckulos Ele-


trônicos dos Meios de Comunicação 293

JONATHI1N BARROS VJ1;4- As Convenções para evilar a Dupla -li-iblllação Bra-


sileiras: Técnicas de Negociação e }\nií.liscEstmtural segundo os Modelos OCDE
eONU
L Immduçiio e Campo Empfrico do :t:studo. 2. Alguns Amecedentf.."s Históricos d•.ls
Neguci,i1çõe.\ dos Tl"al.ldos. Br:'lsilcil'Os. 3. Amílise artigo •.1 artigo dos 'Ihmldns Mencio-
nados em Relação aos Mcx1dos OCDE (' ONU. 4. PerspectiY3S Futuras e Peculiarida-
des dos 'fhuados BrêlsiJeiros. ~. Condusücs. Simédas sobre i.l Polrlica de Negociação
dos Tratados Brasilcil'Os em Contraposi",.iu aos Modelos OCDEc ONU. 303

'/ÚLIO M. DE OLIVEIRA r EDUARDO AMIRABILE DE MELO - O ISSQN sobre


Frmlch;sing
I. Considerações Iniciais. 2. Ar, Hip(ncscs de IJldd~ncia do ISSQN. 3. O COIll"cIto
Técnico de Franquia. 4. A nflo Sl1bsunçl0 da Franquia ao Fato hnpollí\'cI do ISSQN.
5. ALgulllns Considerações de Onlem Processual. 6. O Entendimento dos Tribunais
Superiores sobrc <IMatéri;il. ;. Condu5Ões. 320

LUCAS BEVlLACQUA - Auxüios do Estado em Face da Organização Mnndial do


Comércio
I. Introdução. 2. Mod:tlidadcs de Auxl1ios Estauli~: Subvençõcs. Sub~ídíos. hlcenlivos
e iknefícios Fiscais. 3. £\"oI1lc,;~10
Histórico-nonmui\.t dos Subsfdios no Sistenm Multi-
later.ll do Comércio. 4. Subsídios: Conceito e Categorias Jl41 OMe. 5. Incentivos fis-
cais na Ol\'1C: Soberania vs. LhTC Cc:mcorrêlláa. 6. Conclusáo. 332

-t-V Luís EDUAIlDO SCHOUERI - Planejamento 11"ibmário: Limites à Nonua An-


0. tiabuso
l- Intl'Oduç:to. JI - A Capacidade Contribmivtl como Limitc ao Planejamento Tribu-
tário co Abuso do Direito em Maléria ~li"ibutiiria. ITI - A Legalidade como fundamento
do Direito ao Phmejamt:nto Tribuukio e seus Limites. IV ~ Limites Constitucionllis: à
Kornm Amiabuso. V . Conclusão. 345

AfAUROjOSÉ SILJÇ4- Interpretélção Econômica c sua Equivalência a uma ]0-


terprelação Tdeológica no COIllCXIOdo Pluralismo Metodológico
lntrodwll,10. 1. Panorama Metodológico. 2. Origem, da [merpretaçrlO Econômica e seu
Percurso Histórico. 3. Critério Econômico, Cunsideraç:ío Ecollómiccl, Ponto de Vista
Econôolico e Interpret41~.io Econômica. 4. Interpretação Econômica c Interprelação
Fundollill. 5. Interpretação Ecunômica e Análise EconÔlnica do Direito (IAu'flnd &0-
n011li(5). 6. A Imcrpretação Ecunômicl é .Jurídie..",?7. Interpretação 1HcológicH e In-
[el.preta~'ãu Econômica. 8. Interprcmçno Econômica c Normas Tribunírias TndUloras.
9. l'hu .•lismo MClOdológiw no GOI1lCXIO daJmispm<!ência dos \\,lol"cs. C.ollclllsões. 371

PAUI.O VICTOR VIEIRA DA ROCHA - O Controle de Proporcionalidade das


Regras de '.Substituição Tributál.ia por Fhto Gerador Presumido"
1. Introdução. 2. A c..'põlcidade Contributiva 11<1 Teoria dos Prindpios. 3. O Princfpio
da Capó,cidade CUllu;blltiva e a Base de C•.\lclllo dos Impostos. 4. A Proporcionalida.
de como InsUtUnrnlo de Connule. 5. Os ümites Conslitll(.:iumtis à liibutilÇão P0l" Faro
Gentdor Presumido. 6. Conclusão. :~88

RAQUEL CAI'l!J,CANTl RAMOS MACHADO - 'Ii-ibmação c Meio Ambiente


I. Introdução. 2. Evolução Histórica. 3. O Meio Ambiente na Constituição: Dignida-
de.:Humana, Ordem SociaL e Ordem EconómiGl. 4. Hipútcsc de Incidência c Espé.
345

Planejamento Tributário: Limites à Norma Antiabuso


Luís Eduardo Schoueri
ProfiJsoJ"Tiful,lr d~ Direito 'l,.ibutdrio da FaCllldnd~ d~ Dilrito tia USE ProftssoT da
U1lJ'vt'rJiddd~
Presbituinna llllnckm:de. Vic~ptctidmt(' do lBDT: Advog(fdo. ltl1rcerÜId.

R'ISlUUO
O preseme artigo. partindo da premissa. meramCIlLc csp<."Culativa - de que
o par{(grafo único do arligo l16 do CTN Íntroduziu uma norma geral an-
(jabuso no ordenamento piÍtrio. busca questionar quais seriam os limites
}1i1l",a a aplica<,.,'âode tal disposith'o. Pane~se do estudo de calcgoriéls clássi-
cas do Direito. como abuso do direito e simuiaçáo. assim como da doutri-
na da (:onsidcmç~i() ecolltnniea, panl então severiticar que nem sempre há
espaço pnra a aplicação da norma geral allliabus() 111)Direito brasileiro.

Abslmct
"rhe pl"esem artide. assuming - in a merely specularivc way - th~lt the sole
p"ragraph of arLide 116 "f the lilX C"de intmdllced a general ami-
3\'oidallce clause in Brazilian legal system, inlends 10 qucslioll Wllich ,,"auIeI
bc lhe lil11its to the applicmion of such prO"ision. <From lhe analysis af
dassical caLegories ar Lmv. as the abuse af la\\' and sirnulation, as \\'clI as of
the economic sllbs~'lIlce dOCll'ine, it shan be I'erilied rhat lhe applicarion of
lhe general anti-a\'oid~ll1ccdausc ma)' bc suhjcrt to limitatiolls imposcd by
lhe Brazilian L1.w.

I - Introdução
O tema do plan~jmnento tributário vive interessante momento: por muiw
tempo doutrina e jurisprudência naciomlis, fortes no C'd1l0ne ela legalidade. nãu
viram fundamento em qualquer prclcllsflO fiscal em face de expedientes adotados
pelos contribuintes C0111 vistas à economia tributária, mesmo que pnlticando atos
seUl qualquer motivação e<:onômica; em tempos mais recentes, invcl'\eu-se o cená-
I"iasobrcrnaneinl, cerc,:cando-se (muitas vezes ~cm base legal) Loxpcdientes legítimos
uos conll'ibui1l1CS em busca da menor carga Lributária possível para seu negócio.
Entre Uln e outro extremos, cada ordenamenlo jurídico bUSGl ulll ponto de
equilíbrio, que não é o mesmo para qualquer sociedade e parH wda época: circuns-
tâncias históricas e sociais podem explicar suas vicissitudes. B(lSla lembrar que a
consideração econômica, que Lanto itupm.:to leve na dOllt.rina cjurisprmlência ale-
mãs, surgiu da necessidade de arreca.dação, fi'UlO dos extraordinários gasLos do pós-
guerra; o caso 1vlilropa, tantas vezes relatado como Iuo[ívo da reação do legislador,
aponta a prática de plan~iamento tributário até então corren£e naquele pafs~ ali
também se assistiu a lima reação desproporcional, com o uso desmedido do instru-
mento da consideração econômica, até que hoje se tenha chegado a certa pacifica-
ção do lema, l:Oln a rc<.::cntcdisciplina do abuso de formas jurídicas.
Dificihncnlc se encontrará quem qucstionc o direito do contribuinte à econo.
mia de opçüo. São os casos em que o paniculal', I'alendo-se de opções que lhe são
346 DIREITO TRIBUTÁRIO AlUAL nR 24

oferecidas pela lei tributária, busca a menos onerosa. É. aliás, tema de especial in-
teresse quando se tem em conta a existência de normas tributárias indutoras, ulili.
zadas como conveniente instrumento de intervenção sobre o Domínio Econômico,
valendo-se justamente da prenlissa de que o contribuinte considera o peso da car-
ga tributária ao adotar cena componamento.
Tampouco parece ser questionável que () ordenamento deve repudiar as prá-
ticas illcitas: surgido O fato jurídico tributário, o tributo é devido e toda tentativa
do contribuinte de fugir da trihutação ou retardá-Ia merece a repreensão do siste-
ma.
O planejamento tributário assume interesse justamente por não se encontrar
em qualquer das hipóteses anteriores: cogita-se do particular que se vale de lacu-
nas, de textos mal redigidos, do formalismo oriundo do histórico positivista do
ordenamento tributário ou de práticas inusitadas, como forma de reduzir sua tri-
butação. Todos os comportamentos considerados como plan~iamento tributário
têm em comurll a recusa do contribuinte, de um lado, de descumprir a legislação
(daí não se confundir com a evasão), mas de outro, de dobrar-se à tributação que,
doutro modo, seria exigível.
No Brasil, o tema ganhou importância a panir da edição da Lei Complemen-
tar nU 104/2001, que introduziu um parágrafo único no artigo 116 do Código Tri.
butário Nacional:
"P.drágrafo Único, A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos
ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrên-
cia do fato gerador do tributo ou a naU1TeZados elementos constitutivos da
obrigação tributária, obsen'ados os procedimentos a serenl estabelecidos em
lei ordinária."
Trata-se de dispositivo de redação bastante criticável já que, ao se referir à
dissimulação, parece limitar.se a autorizar s~iam afastados negócios simulados. para
que a lei atinja os negócios dissimulados. i.t., aqueles subjacentes (efetivos). Neste
sentido, a única inovação trazida pelo dispositivo seria passar a exigir que a lei re-
gulasse os procedimentos para tal desconsideração.
Não obstante tal leitura pareça ser a mais acertada do dispositivol, respeitá.
vcis doutrinadorcs:.! vêm oferecendo uma leitura diversa para () texto lebra1: no lu-
gar de cogitarem de casos de simulação, o referido parágrafo representaria a cha-
mada "cláusula geral antiahuso". Nesse caso, a expressão "dissimular" não teria o
sentido próprio do Direito Privado, mas antes um sentido diverso~: o contribuinte
praticaria atos (v.ílidos) que acabariam por conferir natureza jurídica diversa a ou.
tros atos, a1àstando, daí, a tributação.

I Não se nega que não era esta a intenção do governo federdl. ao enviar o projeto de lei ao Congres~
50;entretanro,já ouvimos dcpoim('nto de inte~ntc daquele governo. que esclareceu qu("o texto
finalmente publicado não colTe~ponde à redação ela minuta original.
'l A exemplo de Jvcs Gandra da Silva Martins. "~orm3 Anticlisão é Incompatível com o Sistema Com.
lÍtucional Brasileiro", in .. Valdir de Oliveira Rocha (mord.). O PÚJnejamnúu TJibu/.ário I! a fLj Com.
pum,mar 104. São .Paulo: Dialética, 2001, p. 125.
~ Cf, Marco Aurélio Greco. "Constitucionalidade do Parágrafo tnico do artig() 116 do CTN", in:
Valdir de Oliveira Rocha (coord.). O Plantjammw 1'ribuuírio t a ui Complementllr 104. São Paulo:
Dialética, 2001, p. 194.

-
DIREITO TRIBUTÁRIO ATUAL n' 24 347

Assim, POl' exemplo . .se houvesse () ganho de capital em uma alienação de um


bem, aquele seria tributável; se o contribuinte, entretanto, praticasse uma série d~
atos jurídicos. envolvendo capitalização de empresa com ágio e alienação de par-
tes societárias, haveIia ainda assim a mesma alienaçélo do bem, mas esta se daria
no bojo de uma transação societária válida. Esta poderia impedir que aquela alie-
nação fosse tributável. Desconsiderada, para fins tributários. a transação societá-
ria, rcslarianl apenas a alienação (o bem teria passado de Jnâos) e o recebimento
do preço; portanto, haveria a tributação.
P-,,'"Ccequestionável que o parágrafo único do artigo 116 vá além dos casos de
dissimulação. Sua redação parece limilm"-SC a tai."hipóteses. Entretanto, não é ob-
jeto do presente estudo analisar o alcance da referida norma. Se ao final se con-
cluir que ela versa apenas sobre as hipóteses de dissimulação, então os limites da
autoridade tributál'ia estarão bastante precisos: será. necessário provar a sinullação
para que seja o alO desconsiderado.
Este trabalho pretende invesLigar hipótese diversa: partindo da premissa (que
já de infcio se põe em dúvida) de que o referido dispositivo seja uma norma geral
anliabuso. i.e., que não apenas os casos de simulação st;,jampassíveis de desconsi-
deração. questiona qmIis seriam os limites da autoridade !iscal no afO de desconsi~
deração.
O earáLer especulativo que adotamos - dar por válida uma premissa com a qual
discordamos - justifica~se no espíriw cientillco que se espera da academia: espera-
mos assim contribuir para que se conheçam os limites da atuação do Fisco. Afinal,
meSlno que se conclua - conosco ~que hqje não há norma antiabuso. ainda perma~
nece de interesse conhecer os limites que tal norma t<,:'ria.se propriamente edita-
da.

11 - A Capacidade Contributiva como Limite ao Planejamento Tributário e o


Abuso do Direito em Matéria Tributária
O direito ao planejamento tributário tem elúrentado questionamenlos basea-
dos na ide;a do abuso do direito. DeJende esta aproximação a autoridade de Mar-
co Aurélio Gt"CCO.para quem essa ligura. originária do Direito Civil, espraia-se para
outros campos e pode estender-se ao tema tributário. especialmente no que se re-
fere ao direito à auto-organização".
A ilicitude do abuso do direito é demonstrada pelo mesmo autor ao reprodu-
zir o artigo 187 do atual Código Civil, que teria dissipado as divergências a respeito:
"Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exer-
cê-Io~excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico
ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes."
O referido dispositivo da legislação civil, é bom lembra.; se inse."C no Título
"Dos Atas nrcicos"J imediatanlente posterior ao mandamento concernente à respon~
sabilidade civil.
Daí o pensamento do autor: se até 2002 havia d(lvida se o abuso do direito
poderia ser invocado pelo Hsco para "desqualiJicação e subseqüente rcquali!kação

,I Cf. P/(1Il.ejflnlr1rl(J 'rríD/litiri(J. SilO l'aulo: Dialética, 20001, p. 181.


34B DIREITO TRIBUTÁRIO ATUAl n.24

fiscal do negócio ocorrido, para exigir o imposto que seria devido não fora o ne-
góciu lícito, mas abusivo". () dilema teria sido ultrapassado. já que o abuso do di.
reito passou a ser qualificado como ato ilícito, fazendo "desaparecer um dos requi-
sitos básicos do planejamento. qual seja, o de se apoiar em atos lícitos".
Pensamos ser impróprio cogitar de abuso do direito em caso de planejamen-
to tributário. Claro que o legislador pode considerar abusivo o comportamento do
contrihuinte; pode até mesmo denominá-lo "abuso do direito", Ainda assim, será
impróprio equiparar tal situação ao abuso do direito, como conhecido na tradição
do Direito Privado.
Não é pacifico. na doutrina, se o abuso do direito pressupõe a intenção de
prejudicaI" outrem. Haverá quem, partindo da noção de ato emulativo. loc:ali7.ará
no abuso do direito tal intenção (a,nimus nacendi)?> e outros que entenderão que o
abuso do direito pode existir mesmo sem a intenção, bastando que haja alarma
culposa!;. Por último, surgirá quem deienda a teoria objetiva do abuso do direito,
(OnlO o fez no Brasil Pedro Baptista Martins, o qual, baseando-se em Ripert, (:riti.
cou os que exigem a concorrência do elemento su~jetivo, para a caracterização do
abuso do direito'.
Independentemente da postu •..ei que se adote, a caracterl7.ação do abuso do
direito exigirá. em qualquer caso. que do exercício de um direito se ati~ja direito
alheio. O direito de cada um, diziam nossos mestres, reproduzindo o que a boa
educação já ensina em casa - ternlina quando começa o do outro. Daí ser imperdti-
vo indagar qual o direito <Iue teria sido atingido, 110 (:aso do ahuso do direito em
matéria tributária.
Para sustentar a tese do abuso do direito, Marco Aurélio se baseia em trecho
de Serpa Lopes, dele inferindo que a sociedade seria a "credora da obrigação de
não abusar", conceito que estaria .'em sintonia (om a idéia de função social da pro-
priedade contemplada no artigo 5", XXIII da CF/88. onde assume a feição de um
t dever individual e um direito da coletividade"'.
O raciocínio baseia-se, à evidência, na concepção da supremacia do interesse
públic(), T(.'Vciado, em matéria tributária, no princípio da capacidade contributiva.
Não é este o local para questionar tal supremacia. Basta que se diga que o interes-
se público de arrecadar não é superior ao interesse público de ver a legalidade
prestigiada.
O que importa pôr em questão é em que momento surge () referido "direito
da coletividade", que estaria sendo ferido por meio do abuso do direito.
Se o "direito da coletividade" for o direito de receber um tributo mesmo que
não ocorra o {ato jurídico tributário, então merece inlediata repulsa o raciocínio.
A mera existência de capacidade contributiva não é suficiente para o surgimento
da obrigação tributária.

$ Cf. Louis Josserand. De L'EspriJ diJ Drow et, de leur Rtlalivill- Thloriedile de l'Abw dls Droits. Paris:
Daloz, 1927, p. 341; MareeI PlanioL TraiU Elimentn.wnk /)n)it Civil (atualizado porGeorg~ Ripcrt
eJean BouIanger). Tomo L 5" ed. Paris: L~DJ. 1950, p. 18l.
!lo Cf. Ambroise Colin e H. Capitant. ('..mm:Elimmlaire tU Droit Cillil Fra"faiJ. Tomo 11. 8a cd. Paris;
DaUoz. 1935, p. 190.
7 O Altuso do Diuito t: o Ato llícilo. 2il 00. (refundida). Rio de Janeiro e São P'.mi(): Freitas Bastos, 1941.
p.235.
Cf. Marco Aurélio CuC()o Dp. cit., (nota 4). p. 182.
( DIREITO TRIBUTÁRIO ATUAL n" 24 349

Embora se reconheça ser ideal fossem todas ~s manifestações de Glpacidade


contributiva ponderadas pelo legisladol~ de modo a assegurar que a repartição do
ônus tributário scn .•isse para concretizar ajustiça tribut:iria, deve-se ter eUl vista que
são "<irios os valores perseguidos pela Constituição e é papel do legislador ponde-
rá-los. A este tenla retornaremos m;lÍs tarde.
Relevante é enfatizar que não basta a existência de (:apaeidade COllll~ibutiva
para que sUlja a tribUlação: é papel do legislador escolhel; dentre 'IS diversas hi-
p6tcses inseridas em sua competência. aque1(ls que darão azo à tribute:1Ção.
Do mesmo modo. de mlda adianta o legislador contemplar lima hipótese. sem
que esta OCOIT';;I: sem o fato jurídico tributário, nfto há direito ao tributo.
Cabe insistir neste ponto: não há direito ao tributo sem o filto jurídico tribu-
tário. Não exisle, em matéria tributária. a expectati,ra do Hsco. Mesmo que este faça
inscrir mn montan{e em seu orçamento, esta circunstância não cria direito ao tri-
buto. Apenas com a (oncretÍ7-<lçáo do fato jurídico tributário é que haverá o "direi.
10 da çoleti"id.ldc".
Daí ser in:lceit.h'c1 cogitar de abuso do direito em matéria tributál;a: se o pIa-
nejmncnlo tributário se define por não se concretizar o fato jurídico u'ibutário,
então não há qualquer "direito da coletividade" que possa ter sido afetado .
.Mas não é apenas neste aspecto que o emprego do flbuso do direlto ITIerece
reparos: também o consequcntc, i.e.• a rcqualificação, não cncOl1lt'a respaldo na lci
)ll;vada.
Com efeito, admitindo-se - apenas para efeito argumentati\'o - que houvesse
abuso do direito, a cOllsequência seria a ilicitude do ato'll. O legísladorcivil não pre\'ê
um fato substitutivo; a consequência do abuso é a ilicitude. Este pode coIltinuar a
produzir todos os seus efeitos, inclusive o dever de reparação. Essa consequência
em nada se confunde com a pretensão de se Tcqualificar o ato.
Na verdclde, o emprego da catcg01'ia do abuso do direito em matéria tributá~
ria pode ser explicado por influência fi-al1cesa. Naquele país, o artigo L.64 do Li-
Vl'O de Procedimentos I'íscais, relel'indo-se a abuso do direito, dispunha não pode-
rem ser opostos à Administração de Impostos os atás que dissimulmll o conteúdo
verdadeiro de um contrato ou de Ullla convenção, sendo autorizado à Administra-
ção l'CstiLUir seu verdadeiro caráter.
Ou seja: na França, o legislador acabou por denominar "abuso do direito" si..-
tuaçáo própria do DíreÊto "TI:ibutário. É clara a tentativa de legitimar a norma 311.
tiabuso, já que o abuso do direito é repelido em qualquer ordenamento jurídico.
Ainda assim, logo se percebe que sob o signo do abuso do direito, o que se tinha,
na verdade, era uma referência a duas situações: aquelas em que um ato tinha um
caráter Hctkio e as simulações.
Esta aproximação restritiva, entretanto, foi abandonada pela jurisprudência
já em 1981, quando o Conselho de Estado decidiu que o dispositivo se "plkal"ia
não som.ente às operações com caráter Jictkio luas igualmente àquelas que não
pudessem ter sido inspiradas por qualquer outro 1l1otivo, senão o de eludi •. o lm ..

'J CI:José em'los Barbosa MOrl-1ra. "Abuso do Dil"t~ho". RroiJiO Sflrle,çe,l(! DirâllJ CiJJil t! Pror:,!.wlaf Civil
nO 26. Pmlo Alegre; Sinte~c.200~\.p. I~O.
350 DIREITO TRIBUTÁRIO ATUAL n' 24

posto ou de atenuar os encargos tribul{u;os que o interessado leria suportado se


ele não tivesse realiz..1.do tais operações I".
Ou SCjél: o que se \'erifica, na França, é que il expressão "abuso cio direito" na
mméria tribulária.descolou.se de seu par civil, identificando instituto quejá nada
tem a ver com o (tllimo.
De qualquer modo, o que m"is importa para afaslar o paralelo com () caso
brasileiro é notar que o legislador tributário francês, a par de (re-)dcfinir o abuso
do direito em matéria tributária, cuidou de prever suas consequências:
"Arlic!e L64
Alio d'cn restituer ]e véritabJe carancre, "administralion est en droit
d"écarter, cOllune ne lui étanl pas opposables, les actes conslitutifs d'un abus
de droit, soit que ces "tetes Olll UI1 caractere fictif. soit que. rechen:hanl le
bénéfice d'une application Iittémle des lextes ou de décisions à l'encomrc
eles objectifs poul"Suivis par leurs 3UtCUJ"S, ils u'ont pu êtrc inspirés par au-
eun aUlre mOlif que celui d'éluder ou d'alléllller les charges fismle. que
l'intércssé, si ces artes n'avaient pas élé passés ou réalisés, aurait normal e-
ment supportêes eu égard à sa situation ou à ses activités réelles.
En cas de désaccord surles rectificalions notifiées sm'le fondement du pré-
sent artide, le litige eSl soumis, à la demande du collldbuabJe, à l'avis du
comité de }'abus de droit fiscal. Ladministration peut égaJement SOUl1let-
tre le Iitige à I'avis dll comité.
Si l'administration ne s'est pas conlol'Jnée à l'avis du comité, elle doÍt appor-
ter la prcuve du bicn-fondé de la rectification. .
Les avis rcndus IOllll'objet d'ull ""ppOl~ anImei qui cst remIu public."
É de se notar, do dispositivo SUPI'll 1l<1I1scrito,que é o legislador tl'ibulário
quem define as hipóteses do "abuso do direito"j a indus..io dos atos fictícios já
mostra que a categoria inclui os casos de simulac:s'ão, além daqueles sem OllU'O mo-
rivo, a par da economia tributária. Mais ainda: o legislador tribUlál;O permite a
requalificação e determjna serem inoponíveis tais atos.
Noutras palavras: na França. o signo "abusado direito" perde seu sentido ci-
~'il,para denotar a oportunidade para a aplicação de norma geral antiabu5o. com
~ntecedellte e conseqüente previstos pelo legislado.:
Na Itália, o "abuso do direito" também serviu à aplicação de norma geral all-
:iabuso. Tbtdicionalmente, a Corte Su.pJ'CI1la- di Cassazümc italiana possuía posição
'irme quanto aos limites da licitude do planejamento adotado pelo contribuinte.
'lo emendeI' da Corte, que se orientava até então pel" lógica da legalidade, apc-
1(15 aqueles componamentos definidos objetivamenle como ilícitos por disposição
egal vigente poderiam ser desconsiderados para fins tributáriosll•
Em 2005, notadamente no julgamento nO20.816, a Suprem" COI~eitaliana
nodilicou sua posição quanto à matérÍa. A partir de então~ a Corte passou U cldmi-
.ir a aplicação, no âmbito tJ:ibutário, de conceitos do Direito Privado, como a frau-
ie à lei e a nulidade contratual por falIa de causa, para a desconsideração d"s ope-

Cf. Daniel (;UlIUOlll. DroU Fisml eles tlJJilir~s. Paris: ~..fotltchrcsti('n, (extenso, 2010. pp. 650-651.
1 NC\i.tc scmído. nol,l-SC o julg.UlIClllO n" :~.Ui9de abril de 2000, ou o jU]gô.UllCIllOnU 3.34:'5 de marÇo
de 2002.
DIREITO TRIBUTÁRIO ATUAL n' 24 351

rações reali1..,adas pelu contribuinte em. que não se verificasse outro motivo que não
O fiscal'".
Ainda no mesmo ano, a Corte italiana alterou llovanlente seu entenditncntoL:i
e esposou a doutrina do abuso do direito. cmúorme desenvolvida, desde longa data,
pela COI~CEuropeia de.Justiça (especialmente no julgamento do caso Halifax) pata
.,1 avaliação de planejament.os tributátiosJ.l. De acordo com o novo posicionamento
da Suprema Corte da Ilália, o princípio comunitálio do abuso do direito scnriria
como fC1T31ncnta (!til para o intérprete idcntifit-dl" condutas abusivas l'Clacionadas
à evasão de tributos - o referido princípio. elaborado pela jurispmdência da Corte
Europeia. supriria a ,ausência de uma norma geral antiabuso no Direito interno ita-
liano.
Em 2008, a Suprema Corte da Itália foi além e identiJicou o princípio do abu-
so do direito, enquanto norma geral antiabuso, na própria Constituição italiana,
em seu altigo 53, que prevê o princípio da capacidade cOluril>utiva e a progressi-
vidade d4.l tributação. Dispensou-se, assim, a necessidade de l'emis . :;ão ao direito
comunitário europeu I;;.
N o Brasil, o instituto do abllso do direito, pl'C\.isto pelo Código Civil. em nada
se assenlelha ao caso do planejamento tributário. Ainda que se ,'cnha a cnnrenr ao
citado panígl"afo ÍLnicu do artigo IHj do Código .li'ibutário Nacional a natureza de
norma geral amiabuso, não será salutar invOGIr o instituto do abuso do direito; mais
acertado scní identificar aquela norma gelai com o Direito THhlltálio, bus(:an<:in
neste seus limites.

111• A Legalidade como Fundamento do Direito ao Planejamento Tributário e


seus Limites
I lI. J • 1.,eg(/lid"de e .•il1lldaçiio
Defensores da licimde do pJanejamento uibutário \'alelll-se da legalidade para
sllslenLar que se a hipótese tributária não se concrcLizoll, posto que POl' expedien-
te intencional do contribuinte, não lui como cogitar de tributação. Nes(e caso, a
atuação do Fisco limitar-se-ia .j:1 idenLificar a subsunção do fato à norma tributária.
Este raciocínio reflete a J 1Il'isprudência dos Conceitos. Esta teve enonne re-
percussão no Direito TributáIio, porque ressalwu a Ílnportância da interpretação
lógico-sistemáticcl: admitia que ha\'eria uma relaÇ4'ioentre os conceitos e as catego-
rias juJidicas e a realidade econômica e social sul:!iacente à norma, de modo que
não seria necessário (lue o itllérprete se preocupasse com d(.ldos elupCricos1fo• Exa-
gCl"OUI7ao recair 110 causalismo. a sustentar que o consequcntc jurídico erro efeito

l~ Cf. h'an Vacca. "Elusiollc Trilmt.ln.,: L'abu50 dei Diriuo Im NOI11li.l COlUunil.lJ-in c Normi. lnlcr-
na". Ni'oli'P«- PaiodicQ Uffidulf(M'~.IHtlâm.i()JI/! Nmionale TributnriMi lt(llitlni n" 1.2009, p. 2H.
J:S .Julgamentos. 11'" 20.3'98 e 22.032 de 2005.
].I Cf. Iv:.m V.'l"Cil. O/I. rit., (,.ola 12), p. 26.
IS .Julgi.1mcnll'~ n'" 30.03;; e 30.0.57 de 2008. .. . ..
Ir. Cf. RinlHlo I.ubn 'roncs. "Normas Gerais Al1licli~í••.as", T('tlta,1d( "1I1!llli~lf~fli(J do Dnrlto Tnfmlrll'lo.
Rio de J;;J.lleil'O~ Renovar, 2003. p. 263; Ide",. Normas. t/(' 1l1lr.'jm~/tlçtil) I! /lIfl.'gl"il(1l0 do Din:ilo 'r,.ibutá-
"ifl.. 1'"cd. Rio deJaneiro: Renovar, 2006, p. 166,
t; cr. J:<arL~nglsch. EinfiJlmmg ItJ (Ja.\jr~rislúdl(' 1hJ"lum. 8" cd. SIUltgan. 1Jcrlín, Kõln: KohUmmrnel',
1983. p. 42.
352
DIREITO TRIBUTÁRIO ATUAl nO 24

do antecedente. i.e.• como nos fenômenos fl.i:1turais, há lima relação ellU-e causa c
efeito. 1àl pO!;iciollamemo l."hegava ao ponto de entender illlpussível havei" duas
'.causas" para o mesmo "efeito", Oll dois "efeitos" para a mesma "causa". E..~as ideias
foram superadas.. na t<..'"Ot1ado direito. quando se viu que, em l"C'dlicladc, uma mes-
ma posição jurídica pode ter mais de um fundamento {por exemplo, 11ma pessoa
pode Ser proprietária em virtude de um título jUlidico mas, como Se não b•.lstasse.
o tempo na posse do imó"e1já asseguraria il,'ual direito porusucapiâo).
A delesa do plau~amento tributário baseada na legalidade contempla a sub-
sunção, procedimento que verificaria conclusivamente se um caso conCl'eto seria
abrangido por um conceito jurídico Ou um fato gerador normativo. AJ urisprudên-
cia dos Conceitos "ia na aplicação um processo Mgico de subsunção do lato à nor-
ma, desempenhando a intet'p1-emção o papel precedente de comprecnsão da nor- !
1-
malK•
A ideia de subsunção vem da J6gica. referindo-se à classificação de conceitos
menos abrangentes sob aqueles mais abrangentes, o que exige que al'ubos Os con-
ceitos sejam definidos. de nlOdo a dctenninar que lOdas as caI'acteríslit-ds do c(m-
eeito superior estão prcsentes tl..1quele inferiOl~ o {lUar se considera menos abran-
gente porque, além daquelas ca.raClcrÍsticas cumuns, apresenta pelo menos uma
l9
outra característiea • Assim, o homem se snbsull1c ao conceito de mamíferos, por-
que apresent~1 todas ~IScaractcrístic..'I.s dos últimos, alénl de aprcsen[al' Outras pr6-
pdas.
P'dra que se dê a !lUbSUllÇ":iO.
é necc~ário que se coloque, como premissa maiOl~
a norma, enquanto a premissa lncnor será () fato. Dclineada~ ambas as premissas.
a conclusão, i.e., H aplicação da norma ao fato é im(.-'{Jiata.Nos casos de planejalucn-
lO uibutário. portanto, não haveria que lalar em tributação,já que não ocorreria a 11
subsunção do fato à hipótese.
Sob lal perspectiva, a atuação do Físco fic.:a limitada. nonmllmcllte, à negação
do k1tO. É o espaço no qual se desenvolve. tradicionalmente.
configurando-se
o tema da simulação:
esta, pretende-se ncgar o fato relalado pelo contribuinte. buscan-
I
do-se um verdadeiro.
1
A simulação é. com efeito, a abol'dagem clássica que se ofel"Cce ao combalC ao
planejamento tributário: O m~igo 167 do Código Cil'i1 dá porllulo o IIcgódojurí-
clico simulado, pTl.'"Vendo, ainda, () caso da simulação relativa (ou dissitnulação),
I
quando o aLo que se dissimulou deve subsistÍ1~ se válido na forma e na subs[ância:!o.
Parece cJaro que na nulidade do negócio jurídico simulado não pode o con-
tribuinte alegar sua celebração como forma de afastar a tribut.lção.
O legish,dor civil optou por arrolar as hipóteses de simulação:
'"s
1n Haverá simulação nos negocias jurídicos quando:
I • aparentarem conferir ou transmitir direi LOsa pessoas divers;;,s daquelas
às quais reahnente se conferem, ou tran:smitelll~

In Cf. N.i<..U"doLobo Torres. Nont}(ls...• Oj" dI., (nota 16). Pi>. 26.27.
19 CC Kart Engisch. /.lJg;Jdlt!Sltulien .uu. G~s~'wmnl'l~"tlmv~.
3" cd. Hcidclbcl"g: Carl \\'1l1t(')", I 96ll, p. 22.
:..'l'l C[ Hmnbcl10 'l1,cOOol"O Júnior, Cmlmrtários Qfl N{)l'O CÓiligll Ch,i/ "oJ. HI, 2" cd. Rio de limeiro:
Forense. 2003, p. 4~IO.
DIREITO TRIBUTÁRIO ATUAL n' 24 353

11 • contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadei-


ra;
III - os. instrumentos particulares forem antedatados, ou p6s-datado~."
A última hipótese versa sobre (.-clSOS grotescos, onde a dificuldade limita-se à
quC'stão probatória. Não se nega a ocorrência do negócio, 11135apenas se <lueslio.
na sua daLa; é perfeitamente possível que se cogite de validade do neb'Ócio subja-
cente, desde que na dam de sua efetiva ocorrênciaz,. Em matéria tríbUlária, costu-
ma-se cobrir os casos em que se produzem documentos, gerahnenlc depois de OCur-
rido o fàto jurídico tributário, com a finalidade de lhe dar roupagem jurídica mais
conveniente.
Já o primeiro inciso apresenta a oposição entre aparência e realidade no as-
peclo suqieLivo: um negócio apa.nmia transferir direito a alguénl, mas o faz J7!almCllte
a terceiro; como direitos se con(erem ou se transmitem por negócios jurídicos, a
hipótese há de prel'er um ato jurídico pelo qual o direito é transmitido a quem real-
mellte se pretendia conferi.'. Haverá. pois. dois negócios: o simulado, inválido, e o
dissimulado. peJo qual realtlumie se conferem ou se transmiten} os direitos. Na ma-
lél'hl tlibutária. podem cicar-se as socieda,des conslituídas eu} nonle de terccin)s,
como forma de assegurar o direito de op~"ão pelo regime do Simples: constatado que
em verdade são OUlros os sócios daquela sociedade. deve-se il1\'estlgar se os últimos
participam de mais de uma sodedade. hipótese em que lica impossibilitada a op~
ção por aquele regime de tributação.
HnalmcnlC, o segundo inciso prevê mentira eru declarações, confissões, con-
dições e cláusulas. Como os negócios jurídicos pressupõem lmmifestaçóes de V011-
tade, se estas não forem verdadeiras não S~ dá por válido O pn>prio negócio jurfdi-
co. Essa é a forma mais dificil de idemi1kar,já <Iue há uma divergência entre a von-
tade exteriori?.ada em um do<.:umento e outra, igualmente exteliorizada!2 Illas des-
conhecida de terceiros. Ou seja: as partes no negócio combinam algo mas decla-
ram coisa diversa. Há. em síntese. uma mentira. Essa. é a hipótese quando as par~
tes ajuscam celebrar uma compra e venda e estão de acol'do quanto à coisa e ao
preço, Juas assinam documentos declarando que querem constituir uma socieda-
de, a qualllão chega a contar COUI a aJfectÍt} societalis. já que as partes não têm a in-
tenção dejuutar seus esforços com vistas ~ consecução do objeto social. Ou sE;;a:as
partes exteriorizam a existência daquela intenção, luas ela é falsa, já que diverso
(oi o entendimento entre as partes.
É igualmente neste espaço que surge a discussão quanto ao negócio sem cau-
sa:!J: sendo esta elemento do negócio jurídico, se as partes não desejam os efeitos
do negócio este se torna sem causa, invalidando-o, mais uma vez. por simulação.
Ou sejél: as partes declaram celebrar determinado negócio mas cuidam para que
um dos efeitos deste não OCorra. Há uma mentim. uma simulação. Assím. se as

~( Cf. Humberto Theodoro Júnior, Op. rit., (nola 20), p. 494,


:,-: Não é o ca~ de divergênc1il ctltre li vontade cxtl?rjoriT.õ.lda
c il lUoli\'3.çãosuhjcli\-'il:l~ta. cnqllantO
não externada, é mCI"3 l'eSCI",,'a mental c não produ? as conscquênciasjurídícas ria simulação.
:'i Cf, S"lvawre Pugliaui, "La Simula:f.ionc dei Ncgo?i Unilmel<tli", Dirillo Civi/f., AUtor/o. TeOl'ia~Prn-
lico. 5nggi: Milano. 1951 apluJ Aurelio Gcmili. CrmtmUo SiIlUl!a(o. Tt!o)ütMla Sillrlllll1iofle e A1Jfllijrd~1
Lingllllggro. Nêlpoli: Eugenio .Jovcnc. H182, p, 25,
352
DIREITO TRlaUTÁRIO ATUAL n' 24

partes celebl'am uma compra e vend3, este negócio lem POI' eleito, de um lado,
asseb'llrar ao vendedol' o rccebil1lCnto do preço c ao cOlllpradOl~ a coisa; o sinalag-
ma se revela a causa do negócio, Se, por outro contrato, as p,aI'tes asseguram que a
coisa não passará à propriedade do comprador (seja porque ele deve devolvê-Ia,
Ou entregar a terceiro, escolhido pelo vendedor), entãO.<;1compra e venda é nula,
simulada,já que contém declaração não verdadeira: as partes declararam celebrar
uma compra e vcnda mas não quiseram que seus efeitos Se apel'feiçoasseJu.
Não é o G1SO, por outro Ié!do, do neg6cio jurídico indireto. Neste, Ocorre o
ncgócio e as partes desejam seus eleitos; na verdade, foi justamente o fato de tais.
eleitos serem equivalentes aos de oUlru negócio (o direto) que fez as panes Opta-
rem pejo negócio indireto']". Eis um caso que a jUl'isprudêllcia dos Conceitos; li-
mitada à simulação, parece enfremar dificuldades.

1]1.2 - Fraude à lei


Não se afasta0} da]urisprudênda dos Conceitos as tentativas de se buscar a
ill\'alidade de planejamento tliblllária por meio da (i'aude à lei".
Com eleito, a simulação não é a (miGI hip6tese de invaHdade do negócio ju-
ddico. O artigo 166 do Código Civil prevê OUl"'.s causas de invalidade:
"Al'l. 166. É nulo o negócio jUl"ídico quando:
1- celebrado por pessoa "bsolulamente incapaz;
n - for ilícito. impossívcl ou indeterminável o seu oqjcto;
IH - o motivo de[crminante~ comum a ambas as partes, for ilícito;
IV - não revestir a forma prescrita em lei;
V - for pretcrid~1 alguma solenid.:.•dc que a lei considere essenci~ll para a sua
validade;
VI - tiver por objeti\'o fraudar lei imperativa;
VII .. a lei taxativamente o dedarar nulo, ou proibir-lhe
minar sançâo."
a prcítiGl, sem Co-
I
I
I
É no inciso VI, acima. que parecc surgir espaço interessante pm"41o FiS<,:o110 I
combate ao planejamelllo tributário: contemplando () C<ídigo Civil a figura da fi~tt1-
de à lei, os negócios celebrados com a finalidade de afastar a tributação seriam nulos
e, portanto. illopollÍveis ~1OFisco.
O )'aciocinio, posto que fascinante. apresenta a dificuldade de determinar qual
seria a lei imperativa fraudada por meio do neg6cio jurídico. Dado o ób\'io <)ue se
cogita de urna lei tributêÍria, importa saber qual o sentido de 4lJei imperatiya",
I
Com efeito, se o acljetivo "imperativa" for o atributo da normajurídica~ en-
tão a expressão "lei imperativa" perde o sentido já que não há lei que não o seja.

portamento por parte de seu destinaLário,


l

Dar ser mais certo entcndel" por imperativa a lei que nâo tolera OUlro com-
sob pena de s.<;lI1çãopuniti"a. Opõe-se,
I
daf~ à lei dispositiva, quando o legislador dispõe sobre determinada matéria mas
fa<..1.rlta compOltamento diverso ("se as partes não dispuserem em contrário ...•.); I
neste scntido, a lei tributária é impel'ati\'a, já que ocorrendo o fato jurfdico tribu-
tário, surge a obrigação tributária.

:.'1 cr. Tullio AscardJi. () N,~(idoJurltlico 11lr/il'rl/}.Usboa: Jornal do Fom. 1965.


~j Sobre (")lema, conlil'~-5e a d.\ssica obra de AI\'ino Lilllll, ri Pl'{ludr. 110D;Tr;tfl Cil/il, Sfln Paulo: S:u'rIi.
'\'a.1965.
DIREITO TRIBUTÁRIO ATUAL n' 24 355

Ocorre que o lado iJnperativo da lei tributária está em seu conscquente, não
n.o antecedente. Haverá fnmde à lei imperad\'a se seu comando (recolher o tribu-
to) for fnlstrddo por quem incol'ra no fato jurídico tributário.
Não há (olnando impenltivo que obrigue o l"ontribuilllc a incorreI" no fato
ju.-ídíco tributário. SOluente caberia fitlar em {i'aucle à lei se hOl1\'CSSe cOlllando le-
gai exigindo que as pat1es incorressem cm determinado fato jurídico tributário;
nesLe caso. qualquer atiLude do contribuinte fugindo daquele fato seria em fmude
ao comando legal.
Mais uma vez: não há lei que obrigue alguém a inC01Ter em fato jUl'[dico tri-
butário. Ao contrário, sob pena de caracterização de confisco. a hipótese tributária
não pode ser condura obrigatória. Ora, se ao particular é aSSCbJUJ-ado o direito de
incolT~r. ou não, naquela hipbtese. então !k1.0se pode considerar fraudulenta a
decisão do planejamento tributá,'io.
H-aude à lei haveria. cabe insistir - se o particular, Lcndo inc0I1'ido no fato
jurldico tributário, celebrasse negócio jurldico que o afastasse - "gOl" sim - do co-
mando imperativo de pagar uibuto.
Constata se. portanlO, que aJurisprudência
6

dos Conceitos apenas oferece fcr-


ramemal ao Fisco, no combate ao planejamento tributário. quando cuida de negar
o fato relatado pelo contribuinte; afastados os casos de sÍ1nulação 011 outra causa
evidente de invalidade do neg6do jurídico, Ílnpõc-sc reconhecer o direito do con-
tribuinte ao planejamento tributário.

IU.3 - Qmsidertl{ão econômica


Chama a atenção O fato de que o raciocínio adma tecido, baseado na ]UJis-
prudência dos Conceitos. dobra-se à apreciação dos fatos, já que a norma é dada
por pr~suposto. Ignora, com isso. a possibilidade de revisão da própria norma.
Com: efeito. admitir a construção de normas em lnmTIcnto 4oullcrior ao d~lapli ..
cação é imaginar que o jurista, abstratamente e sem qualquer necessidade de re-
solver problemas concretos, constrói um arsenal de normas jurídicas, que ficarão
em estado de latência até que. surgido o caso concreto, ele verificará se aquela nor-
ma abstrata se aplica a tal situação.
No eomnto, o que se verifica da atividade do jurista é exatamente o inverso:
diante de um problema, eJ~ sai à busca dos enunciados norn13tivos que potencial-
mente poderiam ser relevantes, construindo, aí sim, a nOJmajUl"ídiea" Essa afirma-
ção pode ser comprovada quando se vê que mesmo um jlll'ista experimenLado, dian-
te de um caso novo, pode ser surpreendido pela existência de uma expressão, no
enunciado normativo, que adquire importância que ele jamais notara. O enuncia.
do normativo em questão, é bom lembral~ sempre existiu. Suas palavras não foram
modificadas. Entretanto, diante de uma simação que o aplicador da lei não enfren-
ta •.a antes, aquelas palavras que outromlhe pareceram ter um sentido ganham nova
dimensão. Do meSJlIO modo, é possível que textos normativos anteriormente ign~-
rados pelo jurista ganhem nova importância. lc\'ando-o a concluir pela existênCia
de norma no ordenamento que de antes jamais concebera.
Há um movimento de constante ir e vir da observação (eine slfilldige Wech-
"ellOirk,mg, ein Hill- 1l1ldHenvalldem de.• Blickes). já que a situação concreta é rele-
vante para a constlução da norma e a partir da norma se levantam os elementos
356
DIREITO TRIBUTÁRIO ATUAL nO 2.4

relevantes do fato. Mesmo aplicações anteriores da norma terão influência deter-


minante em novos processos interpretativos. AjurispnJdência de hoje precede e in~
fluencia a interpretação de amanhã21.3.
Esse racio~jnio c\idencia que o fato influencia a atividade do aplicador da lei
na própria escolha dos veículos legislativos; conforme o fato. Um ou outro veículo
ganhará importância e a norma dali resultante será própria. Ora, se o resultado da
inteJ'pretaçáo é a norma e se esta apenas surge a partir de uma deliberada escolha
do aplicador da lei diante das cin:unstãncms do problema especílico, então conclui-
se que a interpretação e a aplicação ocortem simulLaneameJ.ue.
Abre-se o espaço, assjll1~para que a construção da norma se dê a partir da cir-
cunstância concreta: o intérprete/aplicadOl; diante de um 'Caso concreto de plane-
jamento tributário, deve quesLionar se a lei tributária contempla, ou não, aqucla
SitU3Ç4í.O.

Em mis circunstâncias, o primeiro desafio é saber se o legislador se finnou em


C"dtegorias de direito privado. ao enunciar a hipótese u'ibutária.

111.3.1 - Collsideraçtío ecollômica: hipóteses t,;b,,/tí>ias desvinculadas de neg6cios


jurídicos
É possívcJ, com efeito, que o legislador tributário tenl1a vinculado a tributa-
ção à celebração de um negócio jmidico; neste C'dSOt à míngua deste. não há que
se cogitar do tributo. AsSlnl. se um tributo incide sobrc a transmissão de proprie-
d<tde, não pode o intérprete/aplicador dispensar aquele fato jurídico.
Esse ponto merece alguma considcração.
O Código lhbutário Nacional, em seu artigo 114, define o "làto gerador" da
"obrigação principal" como a situQçlio dcjinida em le,:como necess(Í11a. t srificiente à.sua
(Jcorrência. Este dlSpositivo é completado pelo artigo 116. sCbJlmdo o qual conside.
ra-se ocorrido o "fàto gerador" (i.e.: já se falará em r.~tojurídico tributário):
"I - Lratando.se de situação de fato, desde o momento em que se verifiquem
as circunstâncias mmeriais, necessárias a que produza os efeitos que nor-
malmente lhe são próprios; (... )"
PeJa leitura do inciso I, vê-se que a hipólese tributária. Illuitas vezes. relere-se
a um "conjunto de fatos". Faltando algum dos Seus clelnentos. não se poderá, Com
proveito, falar em fato jurídico tributário. O legislador tributário, nesses casos.
descreve cin:lIllstàncias sem investigar a natureza jurídica dos atos que as provoca-
1,lm.
Esta hipótese distingue-se dos casos em que a hipótese tributária induí Um
negócio jurldico. O artigo 116 do Código Tributário Nacional cogita, ao lado do
caso em que a hipótese (ributária configura uma "situação de fato.' mura hipóte- 1

se: a "situação jurídica". A nomenclatura usada pelo Código não loi feliz,já que a
"situação de fato", uma vez cOlllemplada pela hipótese tributária, torna-se, ela tam-
bém, jul"ldíca. Por cena, o legislador quis contemplar os casos em que a hipótese
tributária prevê a celebração de um negócio jurídico, ou um 3m jurídico (de Direi-
to Privado).

:1", Cf: K"ld EngiK'h. Op. cit., (nota 19), p. J 5.


DIREITO TRIBUTÁRIO ATUAL n' 24 357

Se, com relação à "situação de lato", esta representará um fato jurfdico e so-
mente se dm'á por {.'Xistente no "momento em que se verifiquem as circunstâncias
materiais necessárias a que produzam os efeitos que nonnalmente lhe são pró-
prios", o mesmo artigo 1 J fi afi.rma considerar-se ocorrido o fato jurídico tdbutá~
rio "tratando-se de SilLlHÇlo jurídica. desde o Jnomento eln que esteja definitiva-
mente constituída. nos tennas de direito aplicável tl

A distinção é relt'\"dnte: evidencia que o fato jurídico tributário pode seI; ele
mesmo, uma "situaçáojul'fdica". ou nle1h01; UIna situação contemplada por outro
ramo do Direito. à qual se refere o legislador tributário na definição da hipótese
tribuL..1.ria.São os casos em que o Dircito'lHbutário atua como ndireilo de sohre~
posição •••já que faz incidir a tributação sobre situação já regulada pelo Direito.
Ao mesmo tempo. c\'idenda~se que nem senlpre a hipótese uibutária exige a
relebmção de um negódojurídiro: muitas vezcs a tlibutação surgirá bastando 'lue
aCOITamdetenninados finos - sejam ou não efeilOs de negócios jurídicos.
Nem sempre é imediata a resposta à indagação quanto ao conteúdo da hipó-
tese normativa, i.e., se ela exige uma .'situação jurídica"> ou apenas alguns nuas que
geralmente ocorrem no bojo daquela sÍluaçãa jurídica. A mera eiJ"cunslânc.::ia de um
lcgislador utilizar uma expressão 'lue é conhecida pelo Direito Privado e neste
designa unI negócio jurídico não impliça. necessariamente. que o legislador exige
a celebra~"ãodo negócio.
Muitas vezes, o legishldorl1áo vincula a tributação ou a isenç,,"ãoa um negócio
jurídico, mas a seus efeitos. Pode a obrigação u'ibutária pressupor um fato ou COIl-
junto de falOS. mesmo que estes estejam gerahncnt~ presentes eln um negócio.
Neste caso, aplica-se a regra do artigo 118 do Código Tributário Nadonal:
"Art. 118. A definição legal do fato gerador é interpretada abstraiudo-se:
I - da validade jurídica dos atos efetivamente pl'aücados pelos contl~ibuin-
le~.responsáveis. Ou tcn:eiros, bem como da natureza do seu objelo ou dos
seus efeitos;
II-dos efeitos dos fatos efetivamente oconidos."
O anigo 118 desdobra-se em duas hipóteses, tendo em vista que o artigo 116
contempla uma distinção entre "situação de lato" c "situaçáo de direito".
Se a hipótese tributária é uma "situação de lato". então o inciso I, acima trans-
crito, esclarece ser irrelevante a validade jurídica dos atos pratjcados~ se for uma
"sir.uaçãojurídica", então não se cogita de seus e1eilos "fáticos".
O inciso 1do artigo 118 encontra aplieaçiio. pOl~anto. quando a hipótese tri-
bUl(:'íJ"j~l contempla fatos que, conquanto normalmente Ocorram no bojo de negó-
cios jurídicos, cOln estes não se confundam, de Illodo que a eventual invulidade dos
últimos não impede que aqueles fatos tenham oCOl'rido.
É tarefa do intérprete/aplicador saber em que caso o legislador se referiu a um
ato ou negócio jurídico, ou quando a hipótese tribulária versa sobre uma situação
(fato ou COlYUlltOde fatos) que, embora normalmente ocorram no ãmbito de um
negócio jurídico. podem igualmente vCr-se presentes apesar da invalidade do ne-
gócio.
Se o legislador tributário contempla situações fáticas e não Illeros negócios
jurídicos. é a verificação daquelas, indcpendentelneme da forma adotada, que será
submetida à subsunçáo.
358
D1R~ITOTRIBUTÁRIO ATUAL'" 24

A evidência de que foi esta a inspiração do legislador brasileim pode se,' ex-
traida da seguinte passagem do Qlrso que Rubens Gomes de Sousa, autor do An-
teprctie[Q do Código Tributário Nacional, ministrou na EscoJa Livre de Sociologia
e Pollliea da Universidade de São Paulo, antes mesmo da promulgação daquele
Código": .
"Em resumo, portanto. o problema d.lS rcJaç<1esentre o Direito Tributário
e o direito privado pode ser consubstilllciado nestil fórmula: os institutos
de direito privado são utilizados pelo Direito Tributário não como catego-
rias jurídiCc'lsmas COmo categorias econômicas. Por isso se diz que, para o
Direito lIibu(ário, os aLOs e os negócios jurídicos são sempre fatos: o DJ..
reito Tributário encara o inslittllo jmidico do direito prh'ado não na sua
natureza jurídica formal, não no que se refere à sua \'alidade e à sua natu-
reza jurfdie." nâo no que se referc aos limites e à maneira pela qual a lei
au'ibui efeitosjurfdicos ã manifestação de vOlllade ou ao ato ou r.'llOjurídi-
co, mas unicamente COmocategorias econômicas, unicamente como fatos que
d(JlIlonstrn.mou que a lei pressupõe que demonstrem um jClllimeno econômico que
Serve tle base à imposição tle ">li /li/m/o," (g. n.)
Verifica-se que para o reLerido doutrinador. a regra seria a lei tributária cogi-
taI' dos falOSque estão por trás dos ncgócios jurídicos; daf Ser a validade destes ir-
relevante, desde que os fatos - eSles sim a verdadeira hip6tese tdbutária _eswjam
I
j
presenles.
O Código 1i-ibutário Nacional nâo laz opção por um ou outro caso: admite
l"mto silUaçócs em que.(1 hipótese contempla negóciosjllrídicos, como aquelas em
que se desCI"evcrnfatos, independentemente dos neg6dos jlllidicos em que se de-
senvolveram.

1/1.3.2 - O rel:UJ"SOà amsideraçã() econômica em casos de jJlalleja.1tlen/o tributário


O inciso I do artigo I I 8 do Código 1Hbutário Nacional pode oferecer lerra-
mental interessante para o Fisco: no lUg'"dr de buscar a invalidade do neg6cio jurí-
dico, pode ele questiona,' se a hipótese tributária se vincula àquele negócio: eviden-
ciando-se que a tribut..'1.çãose dá 41 partir de uma situação de fato, então a subsun.
ção se opera a partir da ocorrência do fato, irrelevante a natm-eza.jurfdica do ne-
gócio celebrado,
A lei tributária pode vincular-se a situações econômicas que _por força da lei
. se transformam em situaçõcsjutídico-tributárias. Pode. igu411men[c, vinculat"-se a
situações ch'is que, a partir de então, tornanl.SC também jurídico-tributárias.
mente, pode o legislador utilizar expressôes que poderiam denotar situações t1vis.
mas o Colllcxto poderá levar à conclusão de que não é relevante a ocor"ência da
forma juddica. mas o c01ueúdo econôlnico . este sim transformado em situação
jmidico-tributária,
Final.


AssiJn, a circunstância de que situações econômicas geralmente surgem em
determinadas fimllas jurfdica" leva o legislador tributário, por vezes, a utilizar ex-

'fI Cf. Rubens Gornclt.de Som .•". Curso (/e 1Jin~ilo-rTib"M,io, 3" aula. Rtvúla de £S/luJO! F;$(:ai! n(' J 1, no-
\'embro de 1948, pp. 45M.459.
DIREITO TRIBUTÁRIO ATUAL n' 24 359

pressões presentes no Direito Privado na hipótese tlibutárt3. Esta é descrita por


negócios ou formeis jurídicas que. ao ver do IegisladOl~ seriam aquelas possíveis ou
usuais para representar as circunstâncias econômicas vislumbradas pelo legislador
para a tributação.
O que imp0l1a ver é se a matéria tributável é o negócio. ou .são os fatos que,
em ge.-al, se dão quando da ccIebrdção daqueles negócios jUlídicos Ou quando pre-
sentes as formas jurídil;."as. Nesse caso, não são Cstcls o objeto da tributação, mas os
fatos que se fa7.em presentes eUl tais formas jurfdicas ou negôcios jurídicos.
A consideração econôlnil'a, neste sentido, convida o intérprete/aplicador a
investigar se a hipótese tributária de fato exige a celebração de um negócio jurfdi-
co, como pressuposto para a tributação, ou se esta se dará na ocorrência de uma
série de fatos, geralmente presentes no bojo daquele negócio mas que igualmente
podem OCOTrer sem que o t'Htimo se concretize.
Por trás da consideração (."'Conõmica, encontra-se, pois, o reconhecimento de
que expressões idênticas empregadas em leis diversas não precisam necessariamt'll-
te seI' interpretadas igualmente: C"àdadispositivo deve ser interpretado à luz de seu
contexto e à visl..t:1. de suas relações com outros dispositivos, tendo elll vista sua fi~
nalidade_ A finalidade do Direito 'n-ibutário não se confunde com a do Direilo Pri-
vado, o que implica - eis a síntese que a consideração econômica exige - reconhe-
cer que, diante de finalidades diversas, expressões idênticas não precisam ler idên-
tico alcance28•

Ill.3.3 - Li11lUesda cOllsideraçàn econômica


O recurso à consideração econômica, posto que se revele instnllllenlal pode-
lUSOno combate ao planejamento tributá);o, não significa possa o Hsco elupregá-
lo a qualquer mOlncnto e a qualquer tempo.
Há que reconhecer que embota o legishldor não esteja obrigado a vincular-
se a caregorias jurídicas, ele pode Jazê-lo e mui. as vezes o faz_ O papel do intér-
prete/aplicador está,justamentc, nesta construção.
Assim, por exemplo, se o imposro llmllicipal incide sobre a translnissão de
bem imóvel, revela-se ali uma categOl;ajurídica; se a lei tributária pretendesse co-
gitar de alcançar uma situação, posto que economicamente equivalente, haveria
ill\'asão de competência uibutária. Por exemplo, se detertninado investidor detém
a totalidade das quotas de uma elnprcsa cujo único ativo é um bem imóvel, a alie-
nação daquelas quotas não pode ser considerada alienação de bem imóvel.
Por OUlro lado, a mera menção, pelo legislador lribUlário, a uma expressão
já existente no Direito Privado não significa que o instituto jurídico em questão
tenha sido transposto para o Direito Tributário.
Tome-se o caso da expressão "propriedade", empregada pelo constituinte na
definição de competência dos municípios, no caso do IPTU _Não há dúvida de que
a expressão já foi regulada exaustivamente no Direito I'l"ivado.

;01 Cf. Kl:msTipk.~ c Heim'kh RI'use. K(JulllleJJf(lr ~nrAbgabenordmmg um} FituUlzgmr.!d,illrd'Hwg. 16"cd.
FnUu,s sohas (atuali7.ação 81, de abril de W97). T7. I 07.107a, pp. 104.105,
360
DIREITO TRIBUTÁRIO ATUAL n' 24

No entanto. ao se examinar o artigo 156 dó:lConstituição Federal. \'ê ..se que o


constituinte não Se referiu a um impos(Q sobre o "direito de propliedade", mas
sobre "propriedade pn ..-,<liale territorial urbana". Esta expressão l' mais ampla: se
é verdade que ela pode qualificar um direito (o direito de propried<lde), também
não erra quem disser que, na lillhruagcln coloquial, a mesma expressão é ell:lprC-
gada no sentido de "bem imóvel". Com efeito, é comum que se diga que um im(}-.
,,-eIfaz divisa eOJ]) a "propriedade" do Fulano. Ou que um vizinho reclame que os
animais de seu confinante estão invadindo sua "propriedade". Claro que um ani-
mal não invade um direito. mas um bem itnóve1.
Basla eslc exemplo para que se verifique que a expressão "propriedade", con.-
(luamo sej<lempregada pelo Direilo Priv<ldona qU<llifiCl.çãode um inslitulO jUl'í-
dica. também tem outra acepção, desconhecida do mesmo ramojurfdiço.
Quaudo, por outro lado, se lê, no artigo 32 do Código 1Hbutário Nacional,
que o rc:.'feridoimposto incide sobre a propriedade, posse Ou domínio (ttil, vê-se que
o legislador complementar não se lixou no inSlituto jurldico (direito de proprie-
dade) m<lsno bem imóvel (n•• propriedade), Ou s~j<l:nada há n<lConsliluição a
indicar que o constituinte tenha se referido a um Imposto sobre o {direito de] })l,().

pried<lde Predial e Territorial Urban<l,sendo ib'UaJmeme<Ileitura no semido de que


o referido imposto incide sobre a Prop.iedade [= bem imóvel) Predial e "lhrito-
riaJ VI'bana. quaJquer que seja a natureza do direito que sobre ela se exerce (pro-
priedade, posse ou domínio útil).
Já a IlleSma expressão "propriedade", quando empreWlda pelo referido dis-
positivo do Código Tributário Nacional, é uLilizada em senlido privado, visto que
coloclda ao lado da posse e do domínio útil. Neste caso, não mais se duvidará de
que o legisl<ldor prestigiou o institUlojurídico designado por <lquelete"no.
Em srntese~do exelnplo. vê-se que a expressão "propdedade", na Conslitui-
ção Federal, não desigllou um instituto de Direito Privado, enquanto no Código
Tributário Nacional. idêntico termo se relere ao direito que com aquela e.xpresscl0
II
se designa.
Se o Código 'n'ibulário Nacional assume o instituto do Direito Privado, en-
tão j;:i não há mais espaço para a consideração t.'"COniJmica constnrir norma de inci-
dência que dispense <lqueleiustitUlO.
Constata-se. assim, que a considera~'ão econômica não é aplicáveJ para des.
considerar situações jurídicas efetivas (não simuladas), quando estas compõcm a
hipótese tlihutária.
O intérprete/aplicador tem, sim, a seu dispor o recurso de investigar se o le-
gislador contemplou categOl.ias de Direito Privado; n.ão pode, entretanto, concluir
pela consideração econômica. quando as circunstâncias, especialmente quando
envolverem o delicado tema da repartição de competências. indicarem a opção do
lCbrisladorpor firmar ..se em categorias do Direito PI;\lado.

fIl.4 - Norma gemi alltiahuso e o abuso defOrmas Jurídica.


Esta limitação da considenlção econômica explica a razão de o legislador ,Ire-
mão ter desenvolvido o instituto do abuso de fOlmas jurídicas, que não se confun-
de com o abuso do Direito. É. instituto pr{)prio do Direiw lHbutário, aplicável ,IaS
casos em que náo cabe a consideração econômica.
DIREITO TRIBUTÁRIOATUAl.' 24 361

Afinal. a consideração econômica apenas tem espaço quando a hipótese tri-


bULária contempla uma siLuaçào eCOJlômica; se o legislador eKlgiu um negócio ju-
rídico e este nrlO se concl'eLizou, a autoridade tributária não pode. a tíLulo de con-
sideração econômica, dá-lo por oconido.
Surgia a necessidade. então, de dotar a autol"Ídade tributária de fen:amenta
para coibi!- exageros. quando o contlibuinte utiliza-se de uma forma inusual, como
forma de afi:lstar a tributação fincada em determinado ncg(;cio jurídico.
Daí não ser surpresa que o legisladot, alemão, ao mesmo tempo em que '"011-
templou a consideração econômica, houve por bem instituir a categoria do abuso
dc form.s jurídicas, pn,sente no parágrafo 6 da Lei de Adaptação alemã, ainda hojc
existente. C0111 pequenas modificações, no parágrafo 42 da Ordenaç-do Tributária
de 1977 e igualmcntc prcvi'l<> no panígrafo 22 da Ordcnação Tributária Federal
austríaca: o abuso de formas jurídicas.
Reza,ra o referido dispositivo:
.•~ 6.
1) A obrigação triblllária não pode ser e1udida ou reduzida mediante o
abuso de fonnas e formulaçiJcs de dirl,ito civiL
2) Quando há abuso. 05 impostos deverão ser cobrados como o seriam se
adotada a lormajurldica adequada para os fenômenos, fatos e relaçõcs cCo..
nômicos,"
É por isso que a dáusula geral antiabuso tem, naqueles palscs, aplicação muito
restrita. Ela não se aplica aos casos em que a hipótese tributária (,."Ontempla situa-
ção econôlnica~ como esta dispensa a celebração de um negócio jurídico, seria ir-
relevante o comportamento do contribuinte que adorasse forma inusual.
O abuso de fonnasjurídicas tem espaço. portanto. apenas para os casos em
que a celebração de um negócio jurídlco é requisito para o nascimento da obriga-
ção tributária,
Para que se declare inade(IUada, irrazmí\'eJ (ullQngemessen) a forma emprega-
da pelo particular, caracterizando o abuso de formas jurídicas, aplicatn-se, naque-
les países, os seguinles crilérios2<J:
a) se uma estrutura de Direito Ci\.il é inusual para o res.ultado econômico
procurado;
b) se não pode ser enconu'ado qualquer fundarncnlo cconôrnico ra7.oá"el
para a escolha do Incio adotado;
c) se parece que outra estrutura seria itnediatamcntc exigida para tanto;
d) se uma estrutUr'd é casuístit-d, difícil. não natul'3.1, superficiaJ, contradi-
tória ou transparente e suas finaJidades cconômic.-dS aparecem como secun-
dárias no caso.
Presentes tais circunstância, aplica-se o instituto do abuso de fonnas jurídicas,
autorizando-se a tributação canlO se tivesse sido aplicada a fOlma usm:ll.
O entendimento preponderanlc é de que o dispositivo concernente ao abuso
de formas jurídicas pode recair em analogia:lU. Ele é visto, por alguns, comO uma

'l'J Cf. Wolrgang (i-J.5!'i1l(.•.•.• lJJferpn:/aüvl1 rmd A'ltclfnt11Wg rlr.r Str.w:rgesrfzr., K,.ilísril£ Ibltllyu de,. uIM$£JIflPli.
cJu'lllJrlmth'ulIg~ILI,!l;{, ,lt'.ç Sllmem!rhts, Wicn: Aluon Onte. 1972, pp. 75-iG. ,
j(I Papicr chega a desenvolvel. o rnciodnio de que o dbp(lsitiw conteri ••uma ficçãojurídica, ao cqul.
pamr num si.tuaçáo ocon,da a olltr.l, economicamenle ~qui\'ah.•lllc. sendo .lllltjlU~1correspondente
362
DIREITO TRIBUTÁRIO ATUAL n' 24

exceção expressa ao princípio da proibição da allalogia31. Importa estudar o cabi-


Jnento da analogia eJ11 matél"ja tributária.

/1I.5 -Amdogiu elll maléria Iribulát"Ía


Dado que a norma anliabuso pode levar ao emprego da analogia, cabe exa-
minai' .sua consiluc.ionalidade.
A analogia encontra Seu fundamento na ib'lJaldadc. É a extensão da norma a
siluações não contempladas em sua hipótese. Constnlída a oonna, o intérpretel
aplicador conclui que determinaria situação não se encontra em seu campo de in..
cidência, i.e., não é possível enquadrar a situação dentl"Odo "sentido possível <!li,
pala''fas''; em vez de concluir pela não incidência. dá-se um passo seguinte, pas-
sando a se cogitar da extensão da norma ao caso não contemplado, com base na
igualdade. Já não se busca descobrir qual era a vontade do legislador, mas se pro-
curam estabeleceI; de si"lilihlL' ad silllilia. nOnTIasque o legislador logicamente de-
veria ter estabelecido, mas que não o 101""411132.
O raciocínio analógico parte da ideia de que o legislador não tel;a como con-
templar todas as simaçóes que a complexidade da "ida social pode olerece.; espe-
cialmente tendo em vista o caráler estátko do processo legislativo, em face da di-
nâmica do processo social. Situações são enfrentadas pelo intérprete/aplicador que
não haviam sido consideradas pelo legislador. Daí que, em nOllle da igualdade.
busca-se uma solução não contemplada pelo legisladOl; dentro do raciocínio de
coerência~ se ullla situação recebe dctenninado tratamento, então situação análo~
ga deve receber igual ",Itamento.
Na matél'ia lributária, a analogia surge ainda com maior força. sustentada
pelos "principios gerais de direito tributário", em especial a capacidade contribu-
33
tíva : não seria aceitável que duas pessoas com capacidades contributivas equiva-
lentes recebessem tratamento diverso exclusivamente porque uma adotou unl ca-
minho não contemplado pelo legislado!:

à hipóLCSC lributária. (Cf. HallS-:Júrgen Papier. Diefi"lItm~chllicluII Gesehrroor1Jt'1m/te IIlld das grwul-
gt'.srtdiclle Dtmt,llrali'1trim.;p. Zugleidl eill Beilmg ulr IL1,re 1'011 dell Rr:rl,tVôn'lttl der Gmmlrtehl.súlJgri.f!e.
ncrlin: Dund:.C'I-& Humblof, 1973, pp. 198-J99). Tumbélll Típke c KTlIsc SUSlCIll~ma mlh.lfcla de
ficção (cf_ Klaus Ti.pke e HeiQnch \VlIhclm K.rusc. J'JlJgflbelJlmlmmg. FíllIlH7.gt"ridtUol'dtllmg. Komme,IIar
:trlr AO 1977 ulld FCO (olme SletumlrajrtrJll) \"01. I. 11" ed. Kõln: QUo SchmidL Folh<l:i :lOhas • alua-
lizaçúo 68. de ou(ubra de 19CJ2}.AÍJlda que fosse uma ficção, as conduscín do prc.!;cnte estudo, com
relação à su.,. admissibilidade no Bmsil. sem prc\-;são legal, .seriam equi\"~llcntes.
:\1 Cf. Moris Lehncr. "Dculschland" (relatório nacional), Callítrsd~ Dmil FifC(Jl lUlel'1/aliolla/yo1. LXVnl
.a (le,. sujct). Rotlel'dmn: Internaticollal Fiscal Asoci."ltion; Dcvemer: KJuwer. p. 193 (196); (;t:,rhard
Krali. Díl' Ini{Jbriillc!,l;clit [II11IMJIft,dw4.hme VOll DopJNllJe.flellenmgmbkotJImelJ: tur Problem(,lik di,( Trt(l-
1)' Slrappillg Itllter JJeltlck.~;(},tiguJlg (leI' Rtclll.Uagt ;11,ler IJllndtJrfljmblik Dtlllsr:llland, in dno Sclluof'iz. UlUi
;11tler r'm"linigtell Si(luim. HeiJdelbcrg: Müller. 1991, p. 54; Gcorg Cl"C"lclius. "Besdlriinkt.e SlcuerpfJi-
cht und Gesl."lltunS~i1nípbrduch", Dtr RrtrielJ. C."ldcmo la, p. 5~O (534).
:R! Cr. Jean Vim HOllUC. Afu/q;,mgsgnmd.1iilze Í1n h/feri/ti' umi;m bJ/emalimrale'l Sttut'rft".h.I. ArnSlcrdam:
InLclllationalC$ SlUcen:lokumcmaliombUm. 1968.1'1'.11-28.
" NA.C)cntJ"amos no lem.a do aleg<tdo •.dC\.(.•.•.lundarnental de pagar tributos"; apcn:u: registramos (Juc
o argumento t3.nlpoucO parcce suslcnlá"ef,já que um direito fumhlmelll .••1não tem _ ncccs5al"iamen.
te. Seu correspondente em dC\T1"'cS funwlmel1l~lis.Oll seja: nem toda direito fundalnenlal será su-
prido pelo Estac1.1.Je. ponamo, n~o há nec(."Ssic1adc de IribtJto paril assc~:ural.o cumprimcmo de
todos os direi 105 fundamentais.
DIREITO TRIBUTÁRIO ATUAl n' 24 363

o raciocínio.conquanto alraente, não resiste ao argumento de que o prind-


pio da capacidade contributiva não tem um caráter positivo: o constituinte em ne-
nhum momento exigiu que toda manifestação de capacidade contributiva se sujeiw
(asse a uni imposto. Ao contrá.rio: a própria repartição de competências tribtuál'ias
deixou uma série de situações de lado, naquilo (lue se denominou "competência
residual".
Se o constituinte arrola fenôlnenos econômicos c os distribui enu'c as pessoas
jurídicas de Direiro Público, é unediato que a escolha não poderia :ser exaustiva:
outras situações da vida. igualmente relevantes para identificar aqueles que teriam
condições de con u'ibuir para os gastos comuns, são deixadas de lado. Acaso alguém
dU\,idará da capacidade contributiva manifestada pela propriedade intelectual?
Deter uma marca, em certos casos, pode revelar lnaiOl' capacidade contributiva que
uma propriedade imobiliária, mas apenas a última foi contenlplada pelo consti-
tuinte Ilc1. reparlição de competências.
Do mesmo modo como se dá unm eleição, pelo constituinte, de fenômenos
que indicarão capacidade contributiva, o ordenamento brasileiro inlpõe um seglllla
do corte, desta feita a cargo do legisladOl; no âmbito de sua competência. Ou seja:
em virtude do princípio da legalidade, a tributação não esgota, necessariamente,
todo o campo reservado à competência do ente tributante. É prerrogativa do le-
gislador escolher, dentro daquele campo, as hipóteses que darão a7.0à tributação.
Decorre daí que os fenômenos que serão submetidos à tributação nem de lon-
ge têm o condão de esgotar o universo de manifestações de capacidade contributi.
va. A presença de situação que revele, objeti,.amente, aquela capacidade, é condi.
ção nCl:essá};a, mas não suficiente, para que se dê a imposição tributária. Não bas-
ta. pois, averiguar a ocorrência de capacidade C()lltributi\'"d, para que de imt.sdiato
se condua pela tributação. Importa que a situação tenha sido contemplada, de
modo absulIto, pelo legislador. O exemplo do imposto sobre grandes fortunas,
previsto constitucionalmente mas jamais instituído. evidencia a importância da
decisão do legislado.:
É próprio, pois, do ordenamento que algumas manifestações de capacidade
contributiva sejam tributadas e outras tantas escapem de tal ônus. A mera presen-
ça de capacidade contributiva não constitui. dar, razão suficiente para se preten-
der ,'er alcançada pcla u.ibutação situação não contemplada pelo legisladOl'.
No direito comparado, enconlrar-sc-âo soluções até mesmo favoráveis ao
emprego da analogia em matéria tributária, eu} claro prestígio ao valor veiculado
pelo principio da capacidade contributiva. É o caso do abuso de formas jurídicas,
presente nos ordenamentos alemão e auslrfaco, acima examinado. Sebrundo expli-
caJoachim Lang, a ordem jurídica alemã não contempla a pmibição da analogia
porque o principio da segurança jurídica, de natureza formal, não pode prevale-
cer diante de princlpios materiais do Estado de Direito". O mesmo autor relata que
naquele país susten tava-se a proibição da analogia em matéria tributária como se-

~ Cr.Joachim L,ng. ;'1: KI.IU!< 'lipke c Michm:1 Latlg, Stellt~rrtr.ht. 20" ed. Kõln: OlloSchmidl. 2010.
p.79.
364
DIREITO TRIBUTÁRIO ATUAL nº 24

quêllcia da proibição de analogia em matéria penal, mas essa opinião, prevalecen-


te até a década de 80, foi afastada a partir do congresso anual de 1983 da Socieda-
de Alemã de 1i'ibmaristas (DSljG). Na opinião do ,"Cferidojlllista, também em ma-
téria tributária existem principios suscetíveis de analogia c o princípio da legali-
dade tributária não se vê ferido se o aplicador da lei cOlTige aquilo quc ficou in-
completo no texto da lei, cOlllral;amente ao que se esper:iuia. l'ara ele, () preenchi-
mento de lacunas por analogia cOITcsponde ao princípio democrát.ico, ao reaH7.a1'
a vontade do legislador democrático, que não se viu completada por falhas textuais ..
Segundo o raciodnio do professol" alemão, ao preencher lacunas por Ineio de ana-
logia, o aplicador da lei não fere o principio da '"Cpartiçãode Poderes, mas atua dc
modo a "aprimorar" (lIQclibessemd), busçando a intcnção do legislador'"'.
Diante da inexistência de dispositivo permitindo ou pmibindo o emp'"Cgoda
analogia gravosa em matéria tribmál'ia na Alemanha. a queslão é resolvida, naquele
país, a partir da ponderação de princípios. Os princípios da segurança jurídica c
do Estado de Direito viriam impedir o emprego da analogia, enquanto a capad-
dade contributjva falaria em seu favor. Daí a solução de se admitir a analogia ape-
nas em casos extremos. como o do abuso de formas jurídicas, já que (i) tais casos
são, afinal, p'"Cvistospelo legislador; e (ii) nâo ofende a segurança jurfdica uma
tribut.1ção previsível: quem abusa das lom1as jmidicas deverm alHe,'cr qual seria o
resultado de sua conduta.
Extrai-se daí a distinção entre os casos em que () raciocínio anal6gico. POSlO
que estendendo a norma além do sentido possfvel das exp,"Cssõesutili7.adas pelo
legisladOlj ainda se encontra na intenção deste, diversamente daquelas situações
quc for'dln deixadas de lado. Ou s<ja: não scria qualquer analogia açeit:\vel: o pri-
mado da legalidade não permite que o intérprete/aplicadur substitua o legislador;
a analogia se restringiria aos casos em que o legislador; posto buscando regular uma
situação, fê-lo inadequadamente. A analogia, nesse caso, seria mera descoberta do
sentido da nonna, criada pelo legislador. Vogel explica que na Alemanha, onde se
defende que por vezes seja cabível a analnbria, nillb~lém entende que da analogia
se possa criar um novo inlposto (como seria o caso de Um imposto sobre o vinho,
por analogia ao vigente imposto sobre cerveja); a analogia. para seus defensores,
seria apenas para o caso de "correções marginais" (Ralldlu1t77!kiul"tm). o que torna
duvidoso se é caso de analogia ou de mera interpreLaÇe'Í.o extensiva. Na sua argu-
mentação, denomine-se ou não analogia. o fato é que o juiz deve buscar uma soJu-
ção jurídica para os casos eJU que uma lei deixe uma questão jurídica em aberto.
Caso a solução não surja a partir dos critérios interpretativos tlctdicionais, então se
trazem valores que o legislador tenha exp,imido em outro ponto da lei (ou de ou-
tnllci). Ele rejeita o argumento de que tal procedimento não podelia ir contra o
contribuinte, já que isso poderia acontecer em qualquer questão jurídica (ou não
seria uma questão jurfdica):ifi.

~~cr. .Jondlim Lang. 0/I, cit., (nm.l34),)l. 153.


3(; Cf. Klalls Vogcl. "Gnmdzüge dcs Finanzredlls des Gnmdgcsclzcs", ;',: .JmdISl.'11SCC c Faul Kirchhof
(ol'gs.) H(lIIdlmr1II/f) StlUllsutltl! der nlllUle.m'IJltblilt Dl'Ills€ll1rmd. /Jmrd IV _ F;'JaJl~velfm,llmg .lJul,Jt'~-
tanilklll' ()rdtlllJlg. Hddelbcr.g: C.F. Míillcr. !990, pp. ~.86(52).
DIREITO TRIBUTÁRIO ATUAL n' 24 365

Interessante pesquisa sobre a analogia no Direito Comparado foi feita P01"


Klaus l1pke". São as seguintes as suas conclusões:
. na Áustria, admjte-se a analogia eJn matéria tribu[ária, como reflexo dos
postulados de igualdade ejustiça da tributação (Doraltl Ruppe);
. na Suíça. por muito tempo se afirmou ser vedada a analogia. mas desde
1983 passou-se a admiti-Ia,já que a proibição da analogia não contrariaria
o prindpio democrático ou o princípio da determinação da hipótese tribu-
tária; os limites literais não trarimn mais segurança jurídica; vedada esta-
ria apenas a analogia para preenchimento de lacunas impróprias (decor-
rentes de falhas políticas) (Locher);
- embora se imagine que o Direito britânico, por sua natUl"eza de case Law,
poderia ser mais li""" l'pke conclui que o Direito Tributário inglês (sla/u-
le Law) é mais preso à literalidade que qualquer outro (adherellee lo lhe sla-
IlItory wards; slriel c(mstmeliall). Esta tradição - que tamhém foi adotada pelo
Canadá e pela Austrália, embora ali rompida - remonta pelo menos à Bill
o/ Rights de 1689, que proibiu a Coroa de exigir impostos sem a concordân-
cia do Parlamento. Por isso, presumia-se que a autorização não poderia ir
além do que literalmente se extraisse do texto;
- já nos Estados Unidos, a aplicação do Direito se dá çom base em al1,TUmen-
tos baseados em casos. Os tribunais tendem a "interpretações'" largas, quan-
do assim exige li linalidade da lei. No caso de dú"ida quanto à finalidade,
mantém-se uma interpretação literal. Não há limites te6ricos precisos en-
tre illLCrprctação, preenchitnento de lacunas c outras formas de lluegração;
- na H-ança, literatura e jmispnldência admitem a analogia tanto 1a"Ol-á-
vel ao contribuinte como ao Físco. a finl de encontrar um neie de bomle a.d-
minislmlíoll (Trotabas). Marchesoll denomina o dogma da interprelação
eSIl'itacomo uma imagem da ideologia libenl1do século XIX, superada pelo
pragmatismo dos juizes;
- na Bélgica, manténl-se a proibição da analogia. baseada em princípios da
legalidade e da separação de Poderes;
- !la Il.'\lia, o tema é polêmico. Os que afirmam ser proibida a analogia ba-
seiarD-se na legalidade; os que defendem a analogia baseiam-se na igual-
dade e na capacidade contributiva; os juízes afirmam ser proibida a analo-
gia. mas acabam por acatá-Ia sob o manlO de interpretação extensiva;
- na Espanha, a Lei Geral Tributária veda a analogia gravosa, mas admite-
se seu emprego para evitar a elusão fiscal;
- no México, o Cotligo Fiscal de la Federaciáll de 1977 exige a interpretação
estrita da lei;
- nos Países Baixos. alguns autores veem no princípio constitucional da le-
galidade Ulna proibição de analogia, IDas essa opinião é minoritáda.
No Brasil, o lema da proibição da analogia. gravosa é l'cb'lllado positivamente
pelo artigo 108, parágrafo 1°, do Código 11iblltário Nacional. Afinal, o artigo 146

)i Cf. Klaus Tipk.c. Di" Stew:rrec!lf.qm[mmg. \'01. l. "Wisscnschalsorganisntoril>che. syslcnmtischc 1JDeI


gomdrccllllieh.rL"t:hstaatlichc GlUndIagen". 2" cd. Kõln: Olto Sehmidl, 2000, pp. 220 coS5. 05 no-
mes em p,lJ"cntescs são amores citados pelo prfJprio Pn>f. Tipkc.
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DIREITO TRIBUTÁRIO ATUAl n' 24

da Constituição Federal inclui entre as funções da lei complementar (inciso lI) re-
gular as limitações COllslít"ciollais ao podcr de ltibu(m: Conforme j~tse viu ao se estuda-
rem as fontes do Direito Tiibutário, a expressão "regular" não significa apenas re-
b'1JJamenlar~mas também calib1"al~ i.e., I'-esoiver () tema quando duas limitações cons-
titucionais ao póder de tributar entrem em conflito. A lei cOlllplemeu4clr exercerá
seu papel ao regular o assunto, decidindo pela prevalência de uma ou OUl•.•.
A lei complementar pode, pois, regular o alcance de uma limilação em fun-
~-ãode OUlra. É esse o caso do conflito emre a legalidade e a igualdade. lãis serão
as situações etn que o contribuinte, firme na legalidade, rncon'e em situação não D
prel'ista pelo legislador e portanto emende não dever 'lual')uer IJibulO; o Fisco, por
Sua vez, poderá. baseando-se na ib'ualdade, sustentar ser inaceitável que aquele
comribuinte [tua da carga a que se s~jeitam Seusconcidadãos, lendo em vista eslar
em situação eC0110micalnente equivalente aos últimos. Esse conflito será resolvido
pela lei complemel1t<1l:
No caso, como visto. o artigo 108, parágrafo IOdo Código lHbulário Nacio-
Ilal vedará que o raciocínio analógico implique a exigência de tributo não previsto
emle;, Prevalecerá, deslarte, a legalidade.
Ou seja: diferentememe de outlUS sistemasjmidícos. o ordenamento brasileiro
possui regra, COmfundamento constitucional. a impedir que em nome da igualda-
de se exija tributo não pr(,..~'islO pelo legislador. Diante de uma situação fática, o
intérprete/aplicador buscará a conslrUção da flonna aplicável; conduindo pela não
incidência. não é açeitá"eI que, em nOme da capacidade contdbutiva. se estenda a
tribUlação, por analogia, a siluação não conlemplada pelo legislador.
Esta conclusão. entretanto, leva à seguinte indagação: se é a lei complemen-
lar quem 1"Cl,'lda as limitações ao poder de tribUIa!; poderia uma nova lei comple-
mentar vir a tomar decisão diversa. i.e.~admitir a analogia gravosa, em caso de
abuso?
Esta questão traz de volta o caso brasileiro, onde já Se viu introduzido o pará ..
grafo único no artigo 116 do Código Tribulátio Nacional. Admitindo-se ser ele a
norma geral antiabuso bJ-asilcira. quais, os seus limi[cs?

IV • Limites Constitucionais à Norma Antiabuso


Uma vez sustentado que Cilbe à lei complementar regular as limitações cons-
litucionais ao poder de U'ibular, imporIa iuvestiga,; à luz do parágrafo único do
artigo 116 do Código 1i'ibulário Nacional, quais as barreiras constilucionais que
limitam seu akance.
Especificamente, deve-se investigar se o sistema tributário conviveda com uma
norma geral antiabuso que. à semelhança daquelas adotadas em outros ordenamen-
tos. admitisse a desconsideração de negócios jurídicos. quando estes fossem cele-
brados unicamente com a finalidade de evitar a incidência de um tributo.

IV I - A legalidade vedo a allologia


A ,malogia emlllatéria tribut.iria conllita com o prinCÍpio da legalidade, quan-
do de seu emprego resulla a exigência de tributo sem lei que o eSlabeleça.
É importante que se ressalte que a legalidade. no ordenamento brasileiro. se
reveSle de maior rigor que seus pares eSLrangciJus: por aqui. não basLaque o legis-
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lador autorize uma tributação; ele deve - ele tncSJno - prever todas as circunstân-
cias para o surgimento da obrigaçflo tributária.
Daí que se a norma antiabuso for enquadrada no gênero da analogia, ou seja.
se por ela se permiEir que se estenda o conscquente normati,'o a situação não pre-
vista pelo legislador. então imediata será a conclus.:10 pela inconstitucionalidade da
medida. Não valerão, no Ol'Clcnamento brasileiro, os argumentos trazidos do Di-
reito Comparado, no sentido de que a segurança jurídica não teria sido frustrada,
já (Iue o contJ;buinte sabia que estava sqjeito ao imposto e por isso mesmo adotou
o plancj3l11enLO; ao contl'i"Lrio.o contribuinte sobia que somente estava styeito a tri-
buto se a lei assim o previsse, Em ,aI SiSlClllilnão há espaço para qualquer analogia.
Neste sentido. uma nonna que permitisse ao aplicador da lei substituir üm lato
ocorrido por outro, que seda desejável (peLoJ.<lsco) seria imediammcnte taxada de
inamstilucionai. Se o fato ocorrido não se enquadra Ik'lhipc:'lese tributária. não há
como admitir a tIibumção.

I
I1~2 ~A legalidade fuio imjJe(/ea desconsideração
Dh'ersa é a siLUação, entretanto, quando a norma a1uiabuso permite que al~
guns dados lãticos, porque abusivos, sejam desconsiderados. Nào há, com efeito,
no parágrafo único do artigo 116 mandamento no sentido de qne se tributem fa-
I
tos não ocorridos.
Diferentemen.le do paralelo alemão, a nonna antiabuso brasileira não substi-
tui o fato ocorrido por outro imaginário; simplesmente, abstraem-se alguns fatos
e juntam-se os elemen[Os fálicos que sobram. Se a autoridade administrativa for
capaz de demonstral~ a partir dos elementos fáticos restantes, que estes denotaln a
existência de outro negócio jurídico, enlão esle não terá sido criado pela autorida.
de, mas apenas revelado, a partir de fatos efetivamente ocorridos. Se estes falOS
correspondem à hipótese tributária. então haverá a tributação.
Eu) síntese, o princípio da legalidade vedará que se inventem latos. o contri-
buinte tem o direi[O de não incOlTcr no fato jmidico tribluárÍo. A norma genll au-
tiabuso encontrará espaço, portamo, apcnas quando se constatal' que o fato jurídi-
co tributário pode ter sido desnaturado por outros fatos, igualmente ocorridos, os
quais acabam por impedir que se considcre cont~'eti•.ada a hipótese tributária. Sc
os ultimas fatos forem abusivos, poderá a lei complementar autorizar sua descon.
sideração.

no - £lilo.l abll.l;vos
Ao desconsiderar fatos ocorridos, com a finalidade de revelar outros fatos,
igualmente oçolTidos. que concretizam a hipótese tributária, o legislador deve ter
uma fundamentação. Afinal, não se trata de caso de simulação; a norma antiabuso
afasta alguns fatos da própria incidência da lei tributária.
A fundamentação parece ser colocada na naturC7.a abusiva de tais fatos; são
fatos praticados com a lillalidade de afastar a tributação que, doutro modo, ocor-
reria. Mais ainda. são fatos que não se prestam ,,1 qualquer outra finalidade. senão
afastar aquchl tributação.
Um exemplo onde se poderia cogitar da aplicação da norma antiabuso é o
seguinte: lendo em vista que a legislação tributária exige (Iue os negócios entre
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DIREITO TRIBUTÁRIO ATUAL n. 24

partes ligadas sejam fcitos a valor de mercado sob pena de caracterizar distribui-
3

ção disf~lI'ç'dda de lucros, determinada pessoajurldica aliena. a valol" de custo. bem


de seu ativo a seu sócio sob a ll.lbriCc'l de reduç..:lo de capital (artigo 22 da Lei nO
9.249/1995). A redução de capiml Ocorre e o bem é alienado ao sócio. Este. depois
de ser propdetário do bem. aliena-o a valor de mercado, apurando ganho de ca-
pital. Não há - note-se - indício de simulação. Considere-se que a pessoajurfdicn,
em virtude da redução de capital, vê ..se imediatamente com seu crédito compro-
tne£ido, de modo que o s6cio, tão logo tenha alienado o bento aumenta novamente
o capital da pessoa jurídica. agora com o total do preço de seu negócio. Seria o caso
de se dizer abusiva a •.•.
"<:Iuçãode capital,já que ela foi feita com a única finalidade
de afastar a incidência do imposto, atuando mesmo em pn:~jl1ízo do interesse da
pessoa jurídica. Pois bem: se a redução de capital foi abusiva. podeda ela Ser des-
considerada. O que sobraria? Uma aliena,dO de bem da pessoa jurídica a seu só-
cio. a valor de custo, sem a rubrica de redução de capim!. Ora, como a regra é que
a aliena,"ão deve ser feita a valor de merC"ddo,é imediata a possibilidade de se apli-
car a regra da distribuição disfarçada de lucros.
O que se nota pelo <'Xemplo é que o espaço ideal para a norma antiabuso é
quando se desconsidera uma incidência baseada em categoria jurídica (por exem-
plo, a incidência de uma norma de isenção), passando a prevalecer outra norma
que dispense qualquer qualificação jurídica, por COntada incidência sobre fatos
econômicos restantes.
A pergunta que surge é: qual o parãmetro para que se identifique como abu-
sivo - c portanto StUeito a desconsideração _ determinado ato?
A finalidade tem sido apontada como tal par-drncun: importaria evidenciar
que o ato foi praticado com a finalidade de impedir a configuração do futo jurfdi-
co tributário.
Mas será que todo ato praticado com tal finalidade é passível de deSConside-
ração?
O estudo do ordenamento tributário exige firme resposm negativa. Afinal, o
reconhecimento da existência do efeito indutor da nOlIDa tributária leva a racÍod-
ruo diverso. O legislador tributário não desconhece a ciramstância de que os par".
LicuJaresbuscam a menor carga tributária e vale-se desta característica para. por
meio de estímulos e desestímulos, intervir sobre o domínio econômico.
Daí a afirmação de que a prátic,l de atos com a finalidade de evitar a conCl'C-
(ização do lato jurídico tributário não é necessarimnente abusiva; ao contrário, pode
ser ela o resultado buscado pelo ordenamento.
Evidencia-se que nem todo ato praticado Com aquela finalidade pode ser "e-
primído por uma nOrma geral antiabuso. Importa que o ato seja abusivo.
Ora. não é abusivo o ato cujo efeito é consoante o OJ"denamento. Se o legisla-
dor tributário estimula um çomportamento por meio de incentivos fiscais, a não
tributação não pode se,' considerada resultado abusivo.
Portanto, somente pode sei. considerado abusivo o ato se seu efeito (a não tri-
butação) não lor sustentado pelo ordenamento, i.e., se dali resultar Um tratamento
anti-isonômico.
Surge, então, o princípio da igualdade mrno fundamento e limite para a nOr-
ma antiabuso: scnrirá ela para assegurar a concretiz...'~"ão daquele princípio.
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Daí explicar-se o papel relevante da capacidade comribUliva como parâme-


tro para a aplicação da nOrlna antiabuso: esta assegura que situações economica-
mel1te equivalentes recebam igual tratanlento.
Ocorre que não é a capacidade conu"ibutiva o Úllit.:O critério de discrimen en-
tre contribuintes. Em um sistema plural, vários são os princípios, presentes na
O.-dem Econômica, que podcmjustifiú"ll'lml tratamento discriminatório. fuI' exern-
pIo. é perfeitamente aceitável que dois contl"ibu;ntes de idêntica capacidade con-
tributiva tenham tratamento tributário diferenciado, se um ddes adota práticas
ambientais salutares, enquanto o outro é poluídor contumaz. De igual modo, pode
surgir tratamento tributário diferenciado entre aqueles que enlpregam maior ou
menor quantidade de mão de obra.
O que é inaceitável é a discriminação sem base constitucional: uma lei que
resultasse eUl tratamento distinto entre conttibuintcs que se encontrassem em si-
mação equivalente contrariaria o artigo 150, lI, da Constimição Federal (Princípio
da Igualdade).
Enconu'3-se, então, lundamentada constitucionalmente êllei antiabuso. se por
meio dela se busca impedir que a lei contrarie o Principio da 19ualdadc. Abusivo
será o ato do contribuinte quando dele resultar lun tratamento anti-isonômico, i.e.~
um U'atamento diferenciado sem base em valores constitucionais.

1I(4 - Líbm/ade de iniciativa e autonomia !uivada


Não são só legalidade e c-dpaddade contribuliva que concorrem na aplicação
da norma geral antiabuso. Importa ,'er que esta pode atingir todo o ordenamen-
to.
Ganha relevância, na OrdCln Constitucional. o p.;ndpio da livre-iniciativa.
arrolada,juntamcnte com a valorização do trabalho, <orno fundamemos da Ordem
Econômica, no arrigo 170 da Constituição Federal. Liberdade de inidath'a exige
autonomia privada: os empreendedores devCRl poder organizar-se da forma como
melhor lhes conviel; inclusive buscando a menor carga [cibutál"Íapossível. Não cabe
ao Estado tolher a liberdae de auto-organização,jã que a Ordem Econômica prevê
que da criativid4'1de do empresário se atinge maior eficiência entre os agentes eco-
nômicos.
Daí que a norma anliabuso deve ter caráter excepcional: ela apenas se aplica
em casos anti-isonômicos; se o tl'alamenlO diferenciado se explica pela melhor OI'-
ganização empresarial, então não há que se questionar a vantagem legitimamente
auferida.

1v'5 - Segumllçajurldica e E..tado de D;,~ilo


A cláusula geral antiabuso pode gerar crftica quando. em virtude de sua aber-
tura. acabe por tornar incerta sua aplicação. Dal a importância que deve ser dada
à sua hipótese: não são quaisquer atos que podem ser desconsiderados pela auto-
ridade, mas apenas aqueles praticados COll!(I finalidade de dissilllu/nr a oCO/7'iuciadofito
gerador do t,ibuto Oll a IIaturew dos elemelltos cOllSlitutivos da obrigação l>ib"tária.
A prova da finalidade de um ato é das matérias mais complexas no Direito.
Nem por isso se pode condenar lei quc exija tal prova. Em matéria penal, por exem-
plo, a prova do aspecto subjetivo (dolo) é regra e não se alega seja a segurançaju-
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DIREITO TRIBUTÁRIO ATUAL n" 24

rídica ofendida por (aI exigência. No caso da norma antiabuso, cabe a seu apHca-
dor prOl'aI" a ocorrência dos seus J"cquisicos, i.c., demonstrar que o ato desconsidc.
rado tinha a finalidade ali pre\'ista.
Claro está que o legisladm' ordinário pode arrojar indícios que, uma vez pre-
sentes, criarão a presunção de tal finalidade. É assim que se tentou, por mejo da
Medida Provisória nO66, identificar na fdlta de propósito negociai o indício de que
o ato foi praticado com a finalidade de dissimular a ocorrência do lato jurídico tri-
butário. Desde que razoáveis, presunçõcs legais são instrumento adequado para.
dotar O Hsco de critélÍos para desconsidClnr <1tosou negócios jurídicos. Têm a seu
£.1\'01; ademais. a V"dntagem de tornar mais objetiva a aplicação da norma geral,já
que o cOJurlbuilltc passa a conheçeJ; de antemão. quais as circunstflncias que d(J~
I"ão azo à desconsideração_

V.Conclusão
Não é pacífica a natureza do dispositivo inserido no parágrafo (mico do 311i-
go ) 16 do C6digo Tributário N"cional. Admitindo-se s~ia ele uma norm" gemI
antiabuso, constata-se que o ordenamento br~sjJcíro cotwive cotn semelhance nOr-
ma, desde que obedecidos certos limites.
Nem sempre há espaço para a norma geral antiabuso; boa parte dos casos em
que se in\'ociIIll temas COUlO"propósito negociaI" ou '.substância" podei-iam ser
l'csohddos com as fel'f'dtnemas dássiGls do Direito. conhecidas desde élJurisprudên-
da dos Conceitos. São situações eJn que a mera subsunção já resolveria o tema.
Assim) s~jam Os casos de simulação, sejam os passíveis de consideração econôlni-
ca, têm em comum a necessidade de se negar a incidência da lei tributária, afas-
tando, daí, o efeito tribucário pretendido pelo contribuinte.
Somente nos faros casos em que as fel'ramenlas da subsunção não sejam sufi-
cientes para limitar o planejamento tribulário, surge Cf possibilidade da nOlma
antiabuso. Exemplares são as situações em que a hipótese tributária se tirma em
categorias de Direito Privado, possibilitando que o pal1iculat" delas se afaste, con-
<luanto acabe por atingir equivalente resultado econômico.
No caso brasileiro, a norma antiabuso não pode revestir-se de caráter anaM.
gico, eu) face do Prindpio da Legalidade. Em nenhum caso, portanto, se tolerará
que a desconsideração resulte em substituir Uln fato ocorrido POf outro in\"entado.
Da desconsideração resultará, quando muito, uma nova avaliação dos fatos não
desconsiderados, .aplicando-se sobre estes a lei tributária.
A desconsideração apenas cabe em casos abusivos. Como a norma anciabuso
••
se jllstilica pelo princípio da igualdade, somel1te cabe ralar em abuso qll"ndo o
efeito do pJan~jal'nento tributário resultar em tratamento anti-isonômico, não jus-
tificado por qllalqll"" valor constitucional.
A norma geral antiabuso não é mil cheque em braJlco. Importa a aUloridade
adnlinisll"atíva demonstrar a pl"esen~-a de seus requisitos, em especial a de dissimu-
Itr,.a ocorrência do[alo gerador do tributo ou a 'nalureza tios elemenlos consUlutivo.f da. "bri-
gaçáo tributária. Podc a lei tributária prever indícios na presença dos quais se pre.
sume a existência de tal intenção.

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