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ISSN 1415-8124
REVISTA
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24
~DIAIÉlT1CA1i
São Paulo - 2010
DIREITO TRIBUTÁRIO ATUAI n' 24 5
R'ISlUUO
O preseme artigo. partindo da premissa. meramCIlLc csp<."Culativa - de que
o par{(grafo único do arligo l16 do CTN Íntroduziu uma norma geral an-
(jabuso no ordenamento piÍtrio. busca questionar quais seriam os limites
}1i1l",a a aplica<,.,'âode tal disposith'o. Pane~se do estudo de calcgoriéls clássi-
cas do Direito. como abuso do direito e simuiaçáo. assim como da doutri-
na da (:onsidcmç~i() ecolltnniea, panl então severiticar que nem sempre há
espaço pnra a aplicação da norma geral allliabus() 111)Direito brasileiro.
Abslmct
"rhe pl"esem artide. assuming - in a merely specularivc way - th~lt the sole
p"ragraph of arLide 116 "f the lilX C"de intmdllced a general ami-
3\'oidallce clause in Brazilian legal system, inlends 10 qucslioll Wllich ,,"auIeI
bc lhe lil11its to the applicmion of such prO"ision. <From lhe analysis af
dassical caLegories ar Lmv. as the abuse af la\\' and sirnulation, as \\'clI as of
the economic sllbs~'lIlce dOCll'ine, it shan be I'erilied rhat lhe applicarion of
lhe general anti-a\'oid~ll1ccdausc ma)' bc suhjcrt to limitatiolls imposcd by
lhe Brazilian L1.w.
I - Introdução
O tema do plan~jmnento tributário vive interessante momento: por muiw
tempo doutrina e jurisprudência naciomlis, fortes no C'd1l0ne ela legalidade. nãu
viram fundamento em qualquer prclcllsflO fiscal em face de expedientes adotados
pelos contribuintes C0111 vistas à economia tributária, mesmo que pnlticando atos
seUl qualquer motivação e<:onômica; em tempos mais recentes, invcl'\eu-se o cená-
I"iasobrcrnaneinl, cerc,:cando-se (muitas vezes ~cm base legal) Loxpcdientes legítimos
uos conll'ibui1l1CS em busca da menor carga Lributária possível para seu negócio.
Entre Uln e outro extremos, cada ordenamenlo jurídico bUSGl ulll ponto de
equilíbrio, que não é o mesmo para qualquer sociedade e parH wda época: circuns-
tâncias históricas e sociais podem explicar suas vicissitudes. B(lSla lembrar que a
consideração econômica, que Lanto itupm.:to leve na dOllt.rina cjurisprmlência ale-
mãs, surgiu da necessidade de arreca.dação, fi'UlO dos extraordinários gasLos do pós-
guerra; o caso 1vlilropa, tantas vezes relatado como Iuo[ívo da reação do legislador,
aponta a prática de plan~iamento tributário até então corren£e naquele pafs~ ali
também se assistiu a lima reação desproporcional, com o uso desmedido do instru-
mento da consideração econômica, até que hoje se tenha chegado a certa pacifica-
ção do lema, l:Oln a rc<.::cntcdisciplina do abuso de formas jurídicas.
Dificihncnlc se encontrará quem qucstionc o direito do contribuinte à econo.
mia de opçüo. São os casos em que o paniculal', I'alendo-se de opções que lhe são
346 DIREITO TRIBUTÁRIO AlUAL nR 24
oferecidas pela lei tributária, busca a menos onerosa. É. aliás, tema de especial in-
teresse quando se tem em conta a existência de normas tributárias indutoras, ulili.
zadas como conveniente instrumento de intervenção sobre o Domínio Econômico,
valendo-se justamente da prenlissa de que o contribuinte considera o peso da car-
ga tributária ao adotar cena componamento.
Tampouco parece ser questionável que () ordenamento deve repudiar as prá-
ticas illcitas: surgido O fato jurídico tributário, o tributo é devido e toda tentativa
do contribuinte de fugir da trihutação ou retardá-Ia merece a repreensão do siste-
ma.
O planejamento tributário assume interesse justamente por não se encontrar
em qualquer das hipóteses anteriores: cogita-se do particular que se vale de lacu-
nas, de textos mal redigidos, do formalismo oriundo do histórico positivista do
ordenamento tributário ou de práticas inusitadas, como forma de reduzir sua tri-
butação. Todos os comportamentos considerados como plan~iamento tributário
têm em comurll a recusa do contribuinte, de um lado, de descumprir a legislação
(daí não se confundir com a evasão), mas de outro, de dobrar-se à tributação que,
doutro modo, seria exigível.
No Brasil, o tema ganhou importância a panir da edição da Lei Complemen-
tar nU 104/2001, que introduziu um parágrafo único no artigo 116 do Código Tri.
butário Nacional:
"P.drágrafo Único, A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos
ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrên-
cia do fato gerador do tributo ou a naU1TeZados elementos constitutivos da
obrigação tributária, obsen'ados os procedimentos a serenl estabelecidos em
lei ordinária."
Trata-se de dispositivo de redação bastante criticável já que, ao se referir à
dissimulação, parece limitar.se a autorizar s~iam afastados negócios simulados. para
que a lei atinja os negócios dissimulados. i.t., aqueles subjacentes (efetivos). Neste
sentido, a única inovação trazida pelo dispositivo seria passar a exigir que a lei re-
gulasse os procedimentos para tal desconsideração.
Não obstante tal leitura pareça ser a mais acertada do dispositivol, respeitá.
vcis doutrinadorcs:.! vêm oferecendo uma leitura diversa para () texto lebra1: no lu-
gar de cogitarem de casos de simulação, o referido parágrafo representaria a cha-
mada "cláusula geral antiahuso". Nesse caso, a expressão "dissimular" não teria o
sentido próprio do Direito Privado, mas antes um sentido diverso~: o contribuinte
praticaria atos (v.ílidos) que acabariam por conferir natureza jurídica diversa a ou.
tros atos, a1àstando, daí, a tributação.
I Não se nega que não era esta a intenção do governo federdl. ao enviar o projeto de lei ao Congres~
50;entretanro,já ouvimos dcpoim('nto de inte~ntc daquele governo. que esclareceu qu("o texto
finalmente publicado não colTe~ponde à redação ela minuta original.
'l A exemplo de Jvcs Gandra da Silva Martins. "~orm3 Anticlisão é Incompatível com o Sistema Com.
lÍtucional Brasileiro", in .. Valdir de Oliveira Rocha (mord.). O PÚJnejamnúu TJibu/.ário I! a fLj Com.
pum,mar 104. São .Paulo: Dialética, 2001, p. 125.
~ Cf, Marco Aurélio Greco. "Constitucionalidade do Parágrafo tnico do artig() 116 do CTN", in:
Valdir de Oliveira Rocha (coord.). O Plantjammw 1'ribuuírio t a ui Complementllr 104. São Paulo:
Dialética, 2001, p. 194.
-
DIREITO TRIBUTÁRIO ATUAL n' 24 347
fiscal do negócio ocorrido, para exigir o imposto que seria devido não fora o ne-
góciu lícito, mas abusivo". () dilema teria sido ultrapassado. já que o abuso do di.
reito passou a ser qualificado como ato ilícito, fazendo "desaparecer um dos requi-
sitos básicos do planejamento. qual seja, o de se apoiar em atos lícitos".
Pensamos ser impróprio cogitar de abuso do direito em caso de planejamen-
to tributário. Claro que o legislador pode considerar abusivo o comportamento do
contrihuinte; pode até mesmo denominá-lo "abuso do direito", Ainda assim, será
impróprio equiparar tal situação ao abuso do direito, como conhecido na tradição
do Direito Privado.
Não é pacifico. na doutrina, se o abuso do direito pressupõe a intenção de
prejudicaI" outrem. Haverá quem, partindo da noção de ato emulativo. loc:ali7.ará
no abuso do direito tal intenção (a,nimus nacendi)?> e outros que entenderão que o
abuso do direito pode existir mesmo sem a intenção, bastando que haja alarma
culposa!;. Por último, surgirá quem deienda a teoria objetiva do abuso do direito,
(OnlO o fez no Brasil Pedro Baptista Martins, o qual, baseando-se em Ripert, (:riti.
cou os que exigem a concorrência do elemento su~jetivo, para a caracterização do
abuso do direito'.
Independentemente da postu •..ei que se adote, a caracterl7.ação do abuso do
direito exigirá. em qualquer caso. que do exercício de um direito se ati~ja direito
alheio. O direito de cada um, diziam nossos mestres, reproduzindo o que a boa
educação já ensina em casa - ternlina quando começa o do outro. Daí ser imperdti-
vo indagar qual o direito <Iue teria sido atingido, 110 (:aso do ahuso do direito em
matéria tributária.
Para sustentar a tese do abuso do direito, Marco Aurélio se baseia em trecho
de Serpa Lopes, dele inferindo que a sociedade seria a "credora da obrigação de
não abusar", conceito que estaria .'em sintonia (om a idéia de função social da pro-
priedade contemplada no artigo 5", XXIII da CF/88. onde assume a feição de um
t dever individual e um direito da coletividade"'.
O raciocínio baseia-se, à evidência, na concepção da supremacia do interesse
públic(), T(.'Vciado, em matéria tributária, no princípio da capacidade contributiva.
Não é este o local para questionar tal supremacia. Basta que se diga que o interes-
se público de arrecadar não é superior ao interesse público de ver a legalidade
prestigiada.
O que importa pôr em questão é em que momento surge () referido "direito
da coletividade", que estaria sendo ferido por meio do abuso do direito.
Se o "direito da coletividade" for o direito de receber um tributo mesmo que
não ocorra o {ato jurídico tributário, então merece inlediata repulsa o raciocínio.
A mera existência de capacidade contributiva não é suficiente para o surgimento
da obrigação tributária.
$ Cf. Louis Josserand. De L'EspriJ diJ Drow et, de leur Rtlalivill- Thloriedile de l'Abw dls Droits. Paris:
Daloz, 1927, p. 341; MareeI PlanioL TraiU Elimentn.wnk /)n)it Civil (atualizado porGeorg~ Ripcrt
eJean BouIanger). Tomo L 5" ed. Paris: L~DJ. 1950, p. 18l.
!lo Cf. Ambroise Colin e H. Capitant. ('..mm:Elimmlaire tU Droit Cillil Fra"faiJ. Tomo 11. 8a cd. Paris;
DaUoz. 1935, p. 190.
7 O Altuso do Diuito t: o Ato llícilo. 2il 00. (refundida). Rio de Janeiro e São P'.mi(): Freitas Bastos, 1941.
p.235.
Cf. Marco Aurélio CuC()o Dp. cit., (nota 4). p. 182.
( DIREITO TRIBUTÁRIO ATUAL n" 24 349
'J CI:José em'los Barbosa MOrl-1ra. "Abuso do Dil"t~ho". RroiJiO Sflrle,çe,l(! DirâllJ CiJJil t! Pror:,!.wlaf Civil
nO 26. Pmlo Alegre; Sinte~c.200~\.p. I~O.
350 DIREITO TRIBUTÁRIO ATUAL n' 24
Cf. Daniel (;UlIUOlll. DroU Fisml eles tlJJilir~s. Paris: ~..fotltchrcsti('n, (extenso, 2010. pp. 650-651.
1 NC\i.tc scmído. nol,l-SC o julg.UlIClllO n" :~.Ui9de abril de 2000, ou o jU]gô.UllCIllOnU 3.34:'5 de marÇo
de 2002.
DIREITO TRIBUTÁRIO ATUAL n' 24 351
rações reali1..,adas pelu contribuinte em. que não se verificasse outro motivo que não
O fiscal'".
Ainda no mesmo ano, a Corte italiana alterou llovanlente seu entenditncntoL:i
e esposou a doutrina do abuso do direito. cmúorme desenvolvida, desde longa data,
pela COI~CEuropeia de.Justiça (especialmente no julgamento do caso Halifax) pata
.,1 avaliação de planejament.os tributátiosJ.l. De acordo com o novo posicionamento
da Suprema Corte da Ilália, o princípio comunitálio do abuso do direito scnriria
como fC1T31ncnta (!til para o intérprete idcntifit-dl" condutas abusivas l'Clacionadas
à evasão de tributos - o referido princípio. elaborado pela jurispmdência da Corte
Europeia. supriria a ,ausência de uma norma geral antiabuso no Direito interno ita-
liano.
Em 2008, a Suprema Corte da Itália foi além e identiJicou o princípio do abu-
so do direito, enquanto norma geral antiabuso, na própria Constituição italiana,
em seu altigo 53, que prevê o princípio da capacidade cOluril>utiva e a progressi-
vidade d4.l tributação. Dispensou-se, assim, a necessidade de l'emis . :;ão ao direito
comunitário europeu I;;.
N o Brasil, o instituto do abllso do direito, pl'C\.isto pelo Código Civil. em nada
se assenlelha ao caso do planejamento tributário. Ainda que se ,'cnha a cnnrenr ao
citado panígl"afo ÍLnicu do artigo IHj do Código .li'ibutário Nacional a natureza de
norma geral amiabuso, não será salutar invOGIr o instituto do abuso do direito; mais
acertado scní identificar aquela norma gelai com o Direito THhlltálio, bus(:an<:in
neste seus limites.
l~ Cf. h'an Vacca. "Elusiollc Trilmt.ln.,: L'abu50 dei Diriuo Im NOI11li.l COlUunil.lJ-in c Normi. lnlcr-
na". Ni'oli'P«- PaiodicQ Uffidulf(M'~.IHtlâm.i()JI/! Nmionale TributnriMi lt(llitlni n" 1.2009, p. 2H.
J:S .Julgamentos. 11'" 20.3'98 e 22.032 de 2005.
].I Cf. Iv:.m V.'l"Cil. O/I. rit., (,.ola 12), p. 26.
IS .Julgi.1mcnll'~ n'" 30.03;; e 30.0.57 de 2008. .. . ..
Ir. Cf. RinlHlo I.ubn 'roncs. "Normas Gerais Al1licli~í••.as", T('tlta,1d( "1I1!llli~lf~fli(J do Dnrlto Tnfmlrll'lo.
Rio de J;;J.lleil'O~ Renovar, 2003. p. 263; Ide",. Normas. t/(' 1l1lr.'jm~/tlçtil) I! /lIfl.'gl"il(1l0 do Din:ilo 'r,.ibutá-
"ifl.. 1'"cd. Rio deJaneiro: Renovar, 2006, p. 166,
t; cr. J:<arL~nglsch. EinfiJlmmg ItJ (Ja.\jr~rislúdl(' 1hJ"lum. 8" cd. SIUltgan. 1Jcrlín, Kõln: KohUmmrnel',
1983. p. 42.
352
DIREITO TRIBUTÁRIO ATUAl nO 24
do antecedente. i.e.• como nos fenômenos fl.i:1turais, há lima relação ellU-e causa c
efeito. 1àl pO!;iciollamemo l."hegava ao ponto de entender illlpussível havei" duas
'.causas" para o mesmo "efeito", Oll dois "efeitos" para a mesma "causa". E..~as ideias
foram superadas.. na t<..'"Ot1ado direito. quando se viu que, em l"C'dlicladc, uma mes-
ma posição jurídica pode ter mais de um fundamento {por exemplo, 11ma pessoa
pode Ser proprietária em virtude de um título jUlidico mas, como Se não b•.lstasse.
o tempo na posse do imó"e1já asseguraria il,'ual direito porusucapiâo).
A delesa do plau~amento tributário baseada na legalidade contempla a sub-
sunção, procedimento que verificaria conclusivamente se um caso conCl'eto seria
abrangido por um conceito jurídico Ou um fato gerador normativo. AJ urisprudên-
cia dos Conceitos "ia na aplicação um processo Mgico de subsunção do lato à nor-
ma, desempenhando a intet'p1-emção o papel precedente de comprecnsão da nor- !
1-
malK•
A ideia de subsunção vem da J6gica. referindo-se à classificação de conceitos
menos abrangentes sob aqueles mais abrangentes, o que exige que al'ubos Os con-
ceitos sejam definidos. de nlOdo a dctenninar que lOdas as caI'acteríslit-ds do c(m-
eeito superior estão prcsentes tl..1quele inferiOl~ o {lUar se considera menos abran-
gente porque, além daquelas ca.raClcrÍsticas cumuns, apresenta pelo menos uma
l9
outra característiea • Assim, o homem se snbsull1c ao conceito de mamíferos, por-
que apresent~1 todas ~IScaractcrístic..'I.s dos últimos, alénl de aprcsen[al' Outras pr6-
pdas.
P'dra que se dê a !lUbSUllÇ":iO.
é necc~ário que se coloque, como premissa maiOl~
a norma, enquanto a premissa lncnor será () fato. Dclineada~ ambas as premissas.
a conclusão, i.e., H aplicação da norma ao fato é im(.-'{Jiata.Nos casos de planejalucn-
lO uibutário. portanto, não haveria que lalar em tributação,já que não ocorreria a 11
subsunção do fato à hipótese.
Sob lal perspectiva, a atuação do Físco fic.:a limitada. nonmllmcllte, à negação
do k1tO. É o espaço no qual se desenvolve. tradicionalmente.
configurando-se
o tema da simulação:
esta, pretende-se ncgar o fato relalado pelo contribuinte. buscan-
I
do-se um verdadeiro.
1
A simulação é. com efeito, a abol'dagem clássica que se ofel"Cce ao combalC ao
planejamento tributário: O m~igo 167 do Código Cil'i1 dá porllulo o IIcgódojurí-
clico simulado, pTl.'"Vendo, ainda, () caso da simulação relativa (ou dissitnulação),
I
quando o aLo que se dissimulou deve subsistÍ1~ se válido na forma e na subs[ância:!o.
Parece cJaro que na nulidade do negócio jurídico simulado não pode o con-
tribuinte alegar sua celebração como forma de afastar a tribut.lção.
O legish,dor civil optou por arrolar as hipóteses de simulação:
'"s
1n Haverá simulação nos negocias jurídicos quando:
I • aparentarem conferir ou transmitir direi LOsa pessoas divers;;,s daquelas
às quais reahnente se conferem, ou tran:smitelll~
In Cf. N.i<..U"doLobo Torres. Nont}(ls...• Oj" dI., (nota 16). Pi>. 26.27.
19 CC Kart Engisch. /.lJg;Jdlt!Sltulien .uu. G~s~'wmnl'l~"tlmv~.
3" cd. Hcidclbcl"g: Carl \\'1l1t(')", I 96ll, p. 22.
:..'l'l C[ Hmnbcl10 'l1,cOOol"O Júnior, Cmlmrtários Qfl N{)l'O CÓiligll Ch,i/ "oJ. HI, 2" cd. Rio de limeiro:
Forense. 2003, p. 4~IO.
DIREITO TRIBUTÁRIO ATUAL n' 24 353
partes celebl'am uma compra e vend3, este negócio lem POI' eleito, de um lado,
asseb'llrar ao vendedol' o rccebil1lCnto do preço c ao cOlllpradOl~ a coisa; o sinalag-
ma se revela a causa do negócio, Se, por outro contrato, as p,aI'tes asseguram que a
coisa não passará à propriedade do comprador (seja porque ele deve devolvê-Ia,
Ou entregar a terceiro, escolhido pelo vendedor), entãO.<;1compra e venda é nula,
simulada,já que contém declaração não verdadeira: as partes declararam celebrar
uma compra e vcnda mas não quiseram que seus efeitos Se apel'feiçoasseJu.
Não é o G1SO, por outro Ié!do, do neg6cio jurídico indireto. Neste, Ocorre o
ncgócio e as partes desejam seus eleitos; na verdade, foi justamente o fato de tais.
eleitos serem equivalentes aos de oUlru negócio (o direto) que fez as panes Opta-
rem pejo negócio indireto']". Eis um caso que a jUl'isprudêllcia dos Conceitos; li-
mitada à simulação, parece enfremar dificuldades.
Dar ser mais certo entcndel" por imperativa a lei que nâo tolera OUlro com-
sob pena de s.<;lI1çãopuniti"a. Opõe-se,
I
daf~ à lei dispositiva, quando o legislador dispõe sobre determinada matéria mas
fa<..1.rlta compOltamento diverso ("se as partes não dispuserem em contrário ...•.); I
neste scntido, a lei tributária é impel'ati\'a, já que ocorrendo o fato jurfdico tribu-
tário, surge a obrigação tributária.
Ocorre que o lado iJnperativo da lei tributária está em seu conscquente, não
n.o antecedente. Haverá fnmde à lei imperad\'a se seu comando (recolher o tribu-
to) for fnlstrddo por quem incol'ra no fato jurídico tributário.
Não há (olnando impenltivo que obrigue o l"ontribuilllc a incorreI" no fato
ju.-ídíco tributário. SOluente caberia fitlar em {i'aucle à lei se hOl1\'CSSe cOlllando le-
gai exigindo que as pat1es incorressem cm determinado fato jurídico tributário;
nesLe caso. qualquer atiLude do contribuinte fugindo daquele fato seria em fmude
ao comando legal.
Mais uma vez: não há lei que obrigue alguém a inC01Ter em fato jUl'[dico tri-
butário. Ao contrário, sob pena de caracterização de confisco. a hipótese tributária
não pode ser condura obrigatória. Ora, se ao particular é aSSCbJUJ-ado o direito de
incolT~r. ou não, naquela hipbtese. então !k1.0se pode considerar fraudulenta a
decisão do planejamento tributá,'io.
H-aude à lei haveria. cabe insistir - se o particular, Lcndo inc0I1'ido no fato
jurldico tributário, celebrasse negócio jurldico que o afastasse - "gOl" sim - do co-
mando imperativo de pagar uibuto.
Constata se. portanlO, que aJurisprudência
6
se: a "situação jurídica". A nomenclatura usada pelo Código não loi feliz,já que a
"situação de fato", uma vez cOlllemplada pela hipótese tributária, torna-se, ela tam-
bém, jul"ldíca. Por cena, o legislador quis contemplar os casos em que a hipótese
tributária prevê a celebração de um negócio jurídico, ou um 3m jurídico (de Direi-
to Privado).
Se, com relação à "situação de lato", esta representará um fato jurfdico e so-
mente se dm'á por {.'Xistente no "momento em que se verifiquem as circunstâncias
materiais necessárias a que produzam os efeitos que nonnalmente lhe são pró-
prios", o mesmo artigo 1 J fi afi.rma considerar-se ocorrido o fato jurídico tdbutá~
rio "tratando-se de SilLlHÇlo jurídica. desde o Jnomento eln que esteja definitiva-
mente constituída. nos tennas de direito aplicável tl
•
A distinção é relt'\"dnte: evidencia que o fato jurídico tributário pode seI; ele
mesmo, uma "situaçáojul'fdica". ou nle1h01; UIna situação contemplada por outro
ramo do Direito. à qual se refere o legislador tributário na definição da hipótese
tribuL..1.ria.São os casos em que o Dircito'lHbutário atua como ndireilo de sohre~
posição •••já que faz incidir a tributação sobre situação já regulada pelo Direito.
Ao mesmo tempo. c\'idenda~se que nem senlpre a hipótese uibutária exige a
relebmção de um negódojurídiro: muitas vezcs a tlibutação surgirá bastando 'lue
aCOITamdetenninados finos - sejam ou não efeilOs de negócios jurídicos.
Nem sempre é imediata a resposta à indagação quanto ao conteúdo da hipó-
tese normativa, i.e., se ela exige uma .'situação jurídica"> ou apenas alguns nuas que
geralmente ocorrem no bojo daquela sÍluaçãa jurídica. A mera eiJ"cunslânc.::ia de um
lcgislador utilizar uma expressão 'lue é conhecida pelo Direito Privado e neste
designa unI negócio jurídico não impliça. necessariamente. que o legislador exige
a celebra~"ãodo negócio.
Muitas vezes, o legishldorl1áo vincula a tributação ou a isenç,,"ãoa um negócio
jurídico, mas a seus efeitos. Pode a obrigação u'ibutária pressupor um fato ou COIl-
junto de falOS. mesmo que estes estejam gerahncnt~ presentes eln um negócio.
Neste caso, aplica-se a regra do artigo 118 do Código Tributário Nadonal:
"Art. 118. A definição legal do fato gerador é interpretada abstraiudo-se:
I - da validade jurídica dos atos efetivamente pl'aücados pelos contl~ibuin-
le~.responsáveis. Ou tcn:eiros, bem como da natureza do seu objelo ou dos
seus efeitos;
II-dos efeitos dos fatos efetivamente oconidos."
O anigo 118 desdobra-se em duas hipóteses, tendo em vista que o artigo 116
contempla uma distinção entre "situação de lato" c "situaçáo de direito".
Se a hipótese tributária é uma "situação de lato". então o inciso I, acima trans-
crito, esclarece ser irrelevante a validade jurídica dos atos pratjcados~ se for uma
"sir.uaçãojurídica", então não se cogita de seus e1eilos "fáticos".
O inciso 1do artigo 118 encontra aplieaçiio. pOl~anto. quando a hipótese tri-
bUl(:'íJ"j~l contempla fatos que, conquanto normalmente Ocorram no bojo de negó-
cios jurídicos, cOln estes não se confundam, de Illodo que a eventual invulidade dos
últimos não impede que aqueles fatos tenham oCOl'rido.
É tarefa do intérprete/aplicador saber em que caso o legislador se referiu a um
ato ou negócio jurídico, ou quando a hipótese tribulária versa sobre uma situação
(fato ou COlYUlltOde fatos) que, embora normalmente ocorram no ãmbito de um
negócio jurídico. podem igualmente vCr-se presentes apesar da invalidade do ne-
gócio.
Se o legislador tributário contempla situações fáticas e não Illeros negócios
jurídicos. é a verificação daquelas, indcpendentelneme da forma adotada, que será
submetida à subsunçáo.
358
D1R~ITOTRIBUTÁRIO ATUAL'" 24
A evidência de que foi esta a inspiração do legislador brasileim pode se,' ex-
traida da seguinte passagem do Qlrso que Rubens Gomes de Sousa, autor do An-
teprctie[Q do Código Tributário Nacional, ministrou na EscoJa Livre de Sociologia
e Pollliea da Universidade de São Paulo, antes mesmo da promulgação daquele
Código": .
"Em resumo, portanto. o problema d.lS rcJaç<1esentre o Direito Tributário
e o direito privado pode ser consubstilllciado nestil fórmula: os institutos
de direito privado são utilizados pelo Direito Tributário não como catego-
rias jurídiCc'lsmas COmo categorias econômicas. Por isso se diz que, para o
Direito lIibu(ário, os aLOs e os negócios jurídicos são sempre fatos: o DJ..
reito Tributário encara o inslittllo jmidico do direito prh'ado não na sua
natureza jurídica formal, não no que se refere à sua \'alidade e à sua natu-
reza jurfdie." nâo no que se referc aos limites e à maneira pela qual a lei
au'ibui efeitosjurfdicos ã manifestação de vOlllade ou ao ato ou r.'llOjurídi-
co, mas unicamente COmocategorias econômicas, unicamente como fatos que
d(JlIlonstrn.mou que a lei pressupõe que demonstrem um jClllimeno econômico que
Serve tle base à imposição tle ">li /li/m/o," (g. n.)
Verifica-se que para o reLerido doutrinador. a regra seria a lei tributária cogi-
taI' dos falOSque estão por trás dos ncgócios jurídicos; daf Ser a validade destes ir-
relevante, desde que os fatos - eSles sim a verdadeira hip6tese tdbutária _eswjam
I
j
presenles.
O Código 1i-ibutário Nacional nâo laz opção por um ou outro caso: admite
l"mto silUaçócs em que.(1 hipótese contempla negóciosjllrídicos, como aquelas em
que se desCI"evcrnfatos, independentemente dos neg6dos jlllidicos em que se de-
senvolveram.
•
AssiJn, a circunstância de que situações econômicas geralmente surgem em
determinadas fimllas jurfdica" leva o legislador tributário, por vezes, a utilizar ex-
'fI Cf. Rubens Gornclt.de Som .•". Curso (/e 1Jin~ilo-rTib"M,io, 3" aula. Rtvúla de £S/luJO! F;$(:ai! n(' J 1, no-
\'embro de 1948, pp. 45M.459.
DIREITO TRIBUTÁRIO ATUAL n' 24 359
;01 Cf. Kl:msTipk.~ c Heim'kh RI'use. K(JulllleJJf(lr ~nrAbgabenordmmg um} FituUlzgmr.!d,illrd'Hwg. 16"cd.
FnUu,s sohas (atuali7.ação 81, de abril de W97). T7. I 07.107a, pp. 104.105,
360
DIREITO TRIBUTÁRIO ATUAL n' 24
'l'J Cf. Wolrgang (i-J.5!'i1l(.•.•.• lJJferpn:/aüvl1 rmd A'ltclfnt11Wg rlr.r Str.w:rgesrfzr., K,.ilísril£ Ibltllyu de,. uIM$£JIflPli.
cJu'lllJrlmth'ulIg~ILI,!l;{, ,lt'.ç Sllmem!rhts, Wicn: Aluon Onte. 1972, pp. 75-iG. ,
j(I Papicr chega a desenvolvel. o rnciodnio de que o dbp(lsitiw conteri ••uma ficçãojurídica, ao cqul.
pamr num si.tuaçáo ocon,da a olltr.l, economicamenle ~qui\'ah.•lllc. sendo .lllltjlU~1correspondente
362
DIREITO TRIBUTÁRIO ATUAL n' 24
à hipóLCSC lributária. (Cf. HallS-:Júrgen Papier. Diefi"lItm~chllicluII Gesehrroor1Jt'1m/te IIlld das grwul-
gt'.srtdiclle Dtmt,llrali'1trim.;p. Zugleidl eill Beilmg ulr IL1,re 1'011 dell Rr:rl,tVôn'lttl der Gmmlrtehl.súlJgri.f!e.
ncrlin: Dund:.C'I-& Humblof, 1973, pp. 198-J99). Tumbélll Típke c KTlIsc SUSlCIll~ma mlh.lfcla de
ficção (cf_ Klaus Ti.pke e HeiQnch \VlIhclm K.rusc. J'JlJgflbelJlmlmmg. FíllIlH7.gt"ridtUol'dtllmg. Komme,IIar
:trlr AO 1977 ulld FCO (olme SletumlrajrtrJll) \"01. I. 11" ed. Kõln: QUo SchmidL Folh<l:i :lOhas • alua-
lizaçúo 68. de ou(ubra de 19CJ2}.AÍJlda que fosse uma ficção, as conduscín do prc.!;cnte estudo, com
relação à su.,. admissibilidade no Bmsil. sem prc\-;são legal, .seriam equi\"~llcntes.
:\1 Cf. Moris Lehncr. "Dculschland" (relatório nacional), Callítrsd~ Dmil FifC(Jl lUlel'1/aliolla/yo1. LXVnl
.a (le,. sujct). Rotlel'dmn: Internaticollal Fiscal Asoci."ltion; Dcvemer: KJuwer. p. 193 (196); (;t:,rhard
Krali. Díl' Ini{Jbriillc!,l;clit [II11IMJIft,dw4.hme VOll DopJNllJe.flellenmgmbkotJImelJ: tur Problem(,lik di,( Trt(l-
1)' Slrappillg Itllter JJeltlck.~;(},tiguJlg (leI' Rtclll.Uagt ;11,ler IJllndtJrfljmblik Dtlllsr:llland, in dno Sclluof'iz. UlUi
;11tler r'm"linigtell Si(luim. HeiJdelbcrg: Müller. 1991, p. 54; Gcorg Cl"C"lclius. "Besdlriinkt.e SlcuerpfJi-
cht und Gesl."lltunS~i1nípbrduch", Dtr RrtrielJ. C."ldcmo la, p. 5~O (534).
:R! Cr. Jean Vim HOllUC. Afu/q;,mgsgnmd.1iilze Í1n h/feri/ti' umi;m bJ/emalimrale'l Sttut'rft".h.I. ArnSlcrdam:
InLclllationalC$ SlUcen:lokumcmaliombUm. 1968.1'1'.11-28.
" NA.C)cntJ"amos no lem.a do aleg<tdo •.dC\.(.•.•.lundarnental de pagar tributos"; apcn:u: registramos (Juc
o argumento t3.nlpoucO parcce suslcnlá"ef,já que um direito fumhlmelll .••1não tem _ ncccs5al"iamen.
te. Seu correspondente em dC\T1"'cS funwlmel1l~lis.Oll seja: nem toda direito fundalnenlal será su-
prido pelo Estac1.1.Je. ponamo, n~o há nec(."Ssic1adc de IribtJto paril assc~:ural.o cumprimcmo de
todos os direi 105 fundamentais.
DIREITO TRIBUTÁRIO ATUAl n' 24 363
~ Cr.Joachim L,ng. ;'1: KI.IU!< 'lipke c Michm:1 Latlg, Stellt~rrtr.ht. 20" ed. Kõln: OlloSchmidl. 2010.
p.79.
364
DIREITO TRIBUTÁRIO ATUAL nº 24
da Constituição Federal inclui entre as funções da lei complementar (inciso lI) re-
gular as limitações COllslít"ciollais ao podcr de ltibu(m: Conforme j~tse viu ao se estuda-
rem as fontes do Direito Tiibutário, a expressão "regular" não significa apenas re-
b'1JJamenlar~mas também calib1"al~ i.e., I'-esoiver () tema quando duas limitações cons-
titucionais ao póder de tributar entrem em conflito. A lei cOlllplemeu4clr exercerá
seu papel ao regular o assunto, decidindo pela prevalência de uma ou OUl•.•.
A lei complementar pode, pois, regular o alcance de uma limilação em fun-
~-ãode OUlra. É esse o caso do conflito emre a legalidade e a igualdade. lãis serão
as situações etn que o contribuinte, firme na legalidade, rncon'e em situação não D
prel'ista pelo legislador e portanto emende não dever 'lual')uer IJibulO; o Fisco, por
Sua vez, poderá. baseando-se na ib'ualdade, sustentar ser inaceitável que aquele
comribuinte [tua da carga a que se s~jeitam Seusconcidadãos, lendo em vista eslar
em situação eC0110micalnente equivalente aos últimos. Esse conflito será resolvido
pela lei complemel1t<1l:
No caso, como visto. o artigo 108, parágrafo IOdo Código lHbulário Nacio-
Ilal vedará que o raciocínio analógico implique a exigência de tributo não previsto
emle;, Prevalecerá, deslarte, a legalidade.
Ou seja: diferentememe de outlUS sistemasjmidícos. o ordenamento brasileiro
possui regra, COmfundamento constitucional. a impedir que em nome da igualda-
de se exija tributo não pr(,..~'islO pelo legislador. Diante de uma situação fática, o
intérprete/aplicador buscará a conslrUção da flonna aplicável; conduindo pela não
incidência. não é açeitá"eI que, em nOme da capacidade contdbutiva. se estenda a
tribUlação, por analogia, a siluação não conlemplada pelo legislador.
Esta conclusão. entretanto, leva à seguinte indagação: se é a lei complemen-
lar quem 1"Cl,'lda as limitações ao poder de tribUIa!; poderia uma nova lei comple-
mentar vir a tomar decisão diversa. i.e.~admitir a analogia gravosa, em caso de
abuso?
Esta questão traz de volta o caso brasileiro, onde já Se viu introduzido o pará ..
grafo único no artigo 116 do Código Tribulátio Nacional. Admitindo-se ser ele a
norma geral antiabuso bJ-asilcira. quais, os seus limi[cs?
lador autorize uma tributação; ele deve - ele tncSJno - prever todas as circunstân-
cias para o surgimento da obrigaçflo tributária.
Daí que se a norma antiabuso for enquadrada no gênero da analogia, ou seja.
se por ela se permiEir que se estenda o conscquente normati,'o a situação não pre-
vista pelo legislador. então imediata será a conclus.:10 pela inconstitucionalidade da
medida. Não valerão, no Ol'Clcnamento brasileiro, os argumentos trazidos do Di-
reito Comparado, no sentido de que a segurança jurídica não teria sido frustrada,
já (Iue o contJ;buinte sabia que estava sqjeito ao imposto e por isso mesmo adotou
o plancj3l11enLO; ao contl'i"Lrio.o contribuinte sobia que somente estava styeito a tri-
buto se a lei assim o previsse, Em ,aI SiSlClllilnão há espaço para qualquer analogia.
Neste sentido. uma nonna que permitisse ao aplicador da lei substituir üm lato
ocorrido por outro, que seda desejável (peLoJ.<lsco) seria imediammcnte taxada de
inamstilucionai. Se o fato ocorrido não se enquadra Ik'lhipc:'lese tributária. não há
como admitir a tIibumção.
I
I1~2 ~A legalidade fuio imjJe(/ea desconsideração
Dh'ersa é a siLUação, entretanto, quando a norma a1uiabuso permite que al~
guns dados lãticos, porque abusivos, sejam desconsiderados. Nào há, com efeito,
no parágrafo único do artigo 116 mandamento no sentido de qne se tributem fa-
I
tos não ocorridos.
Diferentemen.le do paralelo alemão, a nonna antiabuso brasileira não substi-
tui o fato ocorrido por outro imaginário; simplesmente, abstraem-se alguns fatos
e juntam-se os elemen[Os fálicos que sobram. Se a autoridade administrativa for
capaz de demonstral~ a partir dos elementos fáticos restantes, que estes denotaln a
existência de outro negócio jurídico, enlão esle não terá sido criado pela autorida.
de, mas apenas revelado, a partir de fatos efetivamente ocorridos. Se estes falOS
correspondem à hipótese tributária. então haverá a tributação.
Eu) síntese, o princípio da legalidade vedará que se inventem latos. o contri-
buinte tem o direi[O de não incOlTcr no fato jmidico tribluárÍo. A norma genll au-
tiabuso encontrará espaço, portamo, apcnas quando se constatal' que o fato jurídi-
co tributário pode ter sido desnaturado por outros fatos, igualmente ocorridos, os
quais acabam por impedir que se considcre cont~'eti•.ada a hipótese tributária. Sc
os ultimas fatos forem abusivos, poderá a lei complementar autorizar sua descon.
sideração.
no - £lilo.l abll.l;vos
Ao desconsiderar fatos ocorridos, com a finalidade de revelar outros fatos,
igualmente oçolTidos. que concretizam a hipótese tributária, o legislador deve ter
uma fundamentação. Afinal, não se trata de caso de simulação; a norma antiabuso
afasta alguns fatos da própria incidência da lei tributária.
A fundamentação parece ser colocada na naturC7.a abusiva de tais fatos; são
fatos praticados com a lillalidade de afastar a tributação que, doutro modo, ocor-
reria. Mais ainda. são fatos que não se prestam ,,1 qualquer outra finalidade. senão
afastar aquchl tributação.
Um exemplo onde se poderia cogitar da aplicação da norma antiabuso é o
seguinte: lendo em vista que a legislação tributária exige (Iue os negócios entre
368
DIREITO TRIBUTÁRIO ATUAL n. 24
partes ligadas sejam fcitos a valor de mercado sob pena de caracterizar distribui-
3
rídica ofendida por (aI exigência. No caso da norma antiabuso, cabe a seu apHca-
dor prOl'aI" a ocorrência dos seus J"cquisicos, i.c., demonstrar que o ato desconsidc.
rado tinha a finalidade ali pre\'ista.
Claro está que o legisladm' ordinário pode arrojar indícios que, uma vez pre-
sentes, criarão a presunção de tal finalidade. É assim que se tentou, por mejo da
Medida Provisória nO66, identificar na fdlta de propósito negociai o indício de que
o ato foi praticado com a finalidade de dissimular a ocorrência do lato jurídico tri-
butário. Desde que razoáveis, presunçõcs legais são instrumento adequado para.
dotar O Hsco de critélÍos para desconsidClnr <1tosou negócios jurídicos. Têm a seu
£.1\'01; ademais. a V"dntagem de tornar mais objetiva a aplicação da norma geral,já
que o cOJurlbuilltc passa a conheçeJ; de antemão. quais as circunstflncias que d(J~
I"ão azo à desconsideração_
V.Conclusão
Não é pacífica a natureza do dispositivo inserido no parágrafo (mico do 311i-
go ) 16 do C6digo Tributário N"cional. Admitindo-se s~ia ele uma norm" gemI
antiabuso, constata-se que o ordenamento br~sjJcíro cotwive cotn semelhance nOr-
ma, desde que obedecidos certos limites.
Nem sempre há espaço para a norma geral antiabuso; boa parte dos casos em
que se in\'ociIIll temas COUlO"propósito negociaI" ou '.substância" podei-iam ser
l'csohddos com as fel'f'dtnemas dássiGls do Direito. conhecidas desde élJurisprudên-
da dos Conceitos. São situações eJn que a mera subsunção já resolveria o tema.
Assim) s~jam Os casos de simulação, sejam os passíveis de consideração econôlni-
ca, têm em comum a necessidade de se negar a incidência da lei tributária, afas-
tando, daí, o efeito tribucário pretendido pelo contribuinte.
Somente nos faros casos em que as fel'ramenlas da subsunção não sejam sufi-
cientes para limitar o planejamento tribulário, surge Cf possibilidade da nOlma
antiabuso. Exemplares são as situações em que a hipótese tributária se tirma em
categorias de Direito Privado, possibilitando que o pal1iculat" delas se afaste, con-
<luanto acabe por atingir equivalente resultado econômico.
No caso brasileiro, a norma antiabuso não pode revestir-se de caráter anaM.
gico, eu) face do Prindpio da Legalidade. Em nenhum caso, portanto, se tolerará
que a desconsideração resulte em substituir Uln fato ocorrido POf outro in\"entado.
Da desconsideração resultará, quando muito, uma nova avaliação dos fatos não
desconsiderados, .aplicando-se sobre estes a lei tributária.
A desconsideração apenas cabe em casos abusivos. Como a norma anciabuso
••
se jllstilica pelo princípio da igualdade, somel1te cabe ralar em abuso qll"ndo o
efeito do pJan~jal'nento tributário resultar em tratamento anti-isonômico, não jus-
tificado por qllalqll"" valor constitucional.
A norma geral antiabuso não é mil cheque em braJlco. Importa a aUloridade
adnlinisll"atíva demonstrar a pl"esen~-a de seus requisitos, em especial a de dissimu-
Itr,.a ocorrência do[alo gerador do tributo ou a 'nalureza tios elemenlos consUlutivo.f da. "bri-
gaçáo tributária. Podc a lei tributária prever indícios na presença dos quais se pre.
sume a existência de tal intenção.