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Na África, o baobá é uma árvore sagrada.

Reza a história que alguns africanos saídos


da Costa Ocidentes, antes de embarcarem nos navios negreiros, eram obrigados por seus
captores a dar voltas entorno de uma baobá, conhecido assim como "Árvore do
Esquecimento": pois a ideia era forçar os africanos a se esquecerem de suas culturas e da vida
livre que levavam nas suas terras natais. A árvore Baobá é nativa da África e a mais longeva do
mundo, podendo viver por mais de 5 mil anos, ela pode chegar a cerca de 40 metros de altura
e 10 metros de diâmetro. Suas folhas são comestíveis e medicinais. De seu fruto, múcua, pode
ser feita uma bebida refrescante.
A Baobá já apareceu na literatura de Antoine de Saint-Exupéry, em O Pequeno
Príncipe. Na história, essas eram as árvores, cujas raízes cresceriam tanto que até destruiriam
o mundo. Há quem diga que essa metáfora simboliza nossos medos e que temos que tirá-los
de nós e cultivar apenas as sementes boas. Mas a árvore tem um significado ainda mais forte.
O escritor e jornalista Laurentino Gomes, em seu livro “Escravidão”, conta sobre a
história da Baobá como “árvore do esquecimento”. Na África Ocidental, existe uma estrada
em Ouidah, na República do Benim, que ficou conhecida como “rota dos escravos”. Ao lado
dessa estrada, havia uma Baobá. Antes de os escravos subirem nos navios negreiros eles
davam voltas ao redor da árvore, os homens davam nove voltas e as mulheres, sete. Existia
uma crença que esse ritual de despedida os fazia esquecer de seu passado, memórias e
divindades, em busca de um novo caminho, que infelizmente era feito de forma forçada. Por
isso, a árvore Baobá é símbolo de resistência e luta da população negra do Brasil.
Apesar do significado simbólico da árvore, alguns outros acontecimentos contribuíram
para o esquecimento da ancestralidade. Além de retirar os escravos de suas terras nativas, os
portugueses queriam que eles esquecessem de suas origens para que não praticassem sua
religião e cultura, e forçá-los a seguir a religião católica e a utilizar a língua portuguesa como
seu idioma principal.
Os senhores impunham sua religião, cultura e até mesmo sobrenome nos cativos,
tentavam firmar uma identidade cristã-ocidental neles e apagar toda sua história. Mesmo
após a abolição da escravatura que ocorreu por conta da Lei Áurea, em 1888, o ministro da
Fazenda Rui Barbosa ordenou que queimassem todos os documentos sobre a posse de
escravos para evitar que os ex-senhores de escravos pedissem indenização após a sua
liberação. Tal fato contribuiu para apagar muitos registros.
Baseada nas histórias que rondam a vinda dos negros africanos para o Brasil no
processo de colonização, e que narram o ritual do esquecimento das raízes e identidades para
então atravessar o Atlântico: As voltas dadas por homens e mulheres na Árvore do
Esquecimento antes do embarque em Ouidah no Benin, seriam responsáveis pelo
esfacelamento da memória, como num tipo de apagador capaz de anular as lembranças e
tornar essas pessoas suscetíveis ao trabalho escravo sem que viessem a se rebelar.
Contudo percebemos na luta e resistência do povo negro o contrário dessa afirmação,
e vamos encontrar no candomblé uma das manifestações mais intensas da concretude e
manutenção dos valores, práticas e visões trazidas para o Brasil no processo de diáspora.
A tentativa de induzir o esquecimento torna-se então um mote para a persistência,
para a recriação de um estar no mundo que nos chega até os dias de hoje como lembrança
dos nossos antepassados africanos.
Muitos pesquisadores brasileiros têm se debruçado para melhor compreender a
história da escravização dos negros que enfrentaram a diáspora negra no além-atlântico.
Muitos são, também, os acontecimentos históricos que nos escapam, tanto em solo africano
quanto brasileiro. Em nosso país, a “determinação” da destruição (queima) de registros
históricos sobre o comércio de escravos (alguns postulam pelo reconhecimento da sincera
intenção de “apagar” do passado essa mancha moral que maculou a nossa história; outros
asseveram que o ato teve por finalidade eliminar os comprovantes de natureza fiscal que
pudessem ser utilizados pelos ex-senhores para pleitear indenização junto ao governo da
República), o fato é que essa ação tem dificultado sobremaneira o trabalho de pesquisadores.
Entretanto, lembremos, não devemos olhar as ações dos homes do passado com os
olhos do progresso moral dos tempos atuais. Um olhar acurado para esse passado, pode
auxiliar a identificar personagens históricos importantes para o contexto. Um deles é o Chachá
(Francisco Félix de Souza), nascido aos 04 de outubro de 1754. Segundo a literatura disponível,
Chachá era filho de um traficante de escravos português e uma índia, tendo sido alforriado
aos 17 anos. Depois de várias viagens ao continente africano, nosso personagem se
estabeleceu no Golfo de Benin (Costa dos escravos) provavelmente no ano de 1800.
Dedicando-se ao tráfico de escravo, aportou naquele continente em condição de
pobreza, ocupando posto na Fortaleza portuguesa de São João Baptista de Ajudá, como
escrivão e contador, assumindo mais tarde o cargo de diretor. Tempos depois, abandonou tal
função, pois recebera autorização do governo português para comercializar escravos, tarefa
essa que exerceu muito bem, uma vez que acumulara grande fortuna, inclusive
comercializando com o próprio rei de Daomé, Adandozan.
De acordo com os registros históricos, Chachá foi preso pelo rei de Daomé, por
desentendimento comercial (tráfico) e escapado da execução em virtude de sua pele branca
(a cor da morte) ou mulata, pois na época se considerava um tabu matar um “branco” (não
teria escapado, todavia, da imersão em toneis de índigo, para que pigmentado de azul escuro,
não mais afrontasse o rei). Chachá conseguiria escapar com o auxílio de um irmão do rei e
colaborado numa conspiração para depô-lo, o que acabou ocorrendo. Guezô, o novo rei,
concedeu-lhe o cargo de primeiro conselheiro e o título de Chachá.
Em razão do tráfico em expansão, Chachá acumulou fortuna gigantesca e grande
poder político, pelo monopólio do comercio de negros. A guisa de conclusão desse resumido
resgate histórico, em relatos que nos chegaram, alguns negros que embarcavam para as terras
distantes, eram obrigados a passar pela árvore do esquecimento (9 voltas para homens e 7
para mulheres). Para que? Acreditava-se que a cada volta, apagavam da memória os registros
familiares, históricos e geográficos do passado.
Outros afirmam, porém, que seus algozes temiam ser amaldiçoados pelos negros e,
fazendo-os esquecer do passado, ficariam livres de qualquer maldição. Em tempos atuais,
guardadas as devidas proporções, temos também nossas árvores do esquecimento, a exemplo
dos grandes festivais futebolísticos e carnavalescos, que de alguma forma nos faz esquecer,
ainda que momentaneamente, das inúmeras tragédias que presenciamos diuturnamente.
Muitas são as histórias a serem resgatadas e contadas neste pais, e nem as chamas
intencionais conseguirão apaga-las ou destruí-las.

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