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Ciência & Saúde Coletiva

cienciaesaudecoletiva.com.br DOI: 10.1590/1413-81232024291.00322023


ISSN 1413-8123. v.29, n.1

Implementação de tecnologias em saúde no Brasil: 1

análise de orientações federais para o sistema público de saúde

ARTIGO TEMÁTICO THEMATIC ARTICLE


Implementation of health technologies in Brazil:
analysis of federal guidelines for the public health system

Sarah Nascimento Silva (https://orcid.org/0000-0002-1087-9819) 1


Nicole Freitas de Mello (https://orcid.org/0000-0002-5228-6691) 2
Laís Raquel Ribeiro (https://orcid.org/0000-0002-3590-1840) 1
Rosiana Estéfane da Silva (https://orcid.org/0000-0002-6111-0954) 1
Gláucia Cota (https://orcid.org/0000-0003-0538-7403) 1

Abstract This study aimed to identify the reg- Resumo O objetivo foi identificar o arcabouço
ulatory framework and federal guidelines that regulatório e as orientações federais que susten-
support the process of implementing health tech- tam o processo de implementação de tecnologias
nologies in the Unified Health System (SUS) em saúde no Sistema Único de Saúde (SUS), por
through analysis of documents and legislation meio da análise de documentos e legislações rela-
related to the National Health Technology Man- cionados à Política Nacional de Gestão de Tecno-
agement Policy, published between 2009 and logias de Saúde, publicados entre 2009 e 2021. Foi
2021. The search and selection of documents and realizada busca e seleção dos documentos e poste-
subsequent data extraction were carried out. The rior extração de dados, agrupados por três cate-
documents were grouped into three categories: gorias: normativas estruturantes, recomendações
structural regulatory documents, recommenda- na avaliação de tecnologias e recomendações nas
tions on evaluation of technologies, and recom- diretrizes clínicas. Em 38,8% das normativas, fo-
mendations on clinical guidelines. In 38.8% of ram identificadas citações à implementação rela-
the regulatory documents, citations to implemen- cionadas principalmente às diretrizes clínicas do
tation related mainly to SUS clinical guidelines SUS, mas nenhum documento dedicado a orien-
were identified; however, no document dedicated tar as ações de implementação. As recomendações
to guiding implementation actions was identi- relacionadas às implementações foram identifica-
fied. Recommendations related to implementa- das em 27,1% dos relatórios e em 66,1% das di-
tions were identified in 27.1% of the reports and retrizes, mas sem padronização e, de modo geral,
66.1% of the guidelines, although without stan- pouco detalhadas, com foco em recursos e ações
dardization and, in general, in little detail, focus- necessárias para a disponibilização da tecnologia,
ing on resources and actions needed for making ao invés de métodos e intervenções para imple-
technology available rather than on methods and mentação. Os resultados confirmam a existência
interventions for its implementation. The results de uma lacuna de diretrizes formais para guiar
1
Instituto Renné Rachou, evidence a gap in formal guidelines to guide the o processo de implementação no Brasil, o que se
Fiocruz Minas. Av. implementation process in Brazil, representing constitui em oportunidade para o desenvolvimen-
Augusto de Lima 1715, an opportunity for the development of models to de modelos alinhados à realidade do SUS.
Barro Preto. 30190-002
Belo Horizonte MG Brasil. aligned with the reality of the SUS. Palavras-chave Ciência da Implementação, Sis-
sarah.nascimento@ Key words Implementation Science, Unified tema Único de Saúde, Avaliação da Tecnologia
fiocruz.br Health System, Technology Assessment, Biomedi- Biomédica, Política de saúde, Regulamentação
2
Ministério da Saúde.
Brasília DF Brasil. cal, Health policy, Government Regulation Governamental
Cien Saude Colet 2024; 29:e00322023
2
Silva SN et al.

Introdução para promover o acesso, o uso adequado e a afe-


rição dos benefícios em saúde desejados com a
A utilização de uma tecnologia em saúde na prá- inclusão de novas tecnologias17.
tica clínica tem grande relação com as estraté- Embora a implementação de tecnologias em
gias de implementação utilizadas e orientações saúde ocorra geralmente a nível local, executada
difundidas nos sistemas de saúde1. Além de ser por gestores dos estados e municípios, as orien-
um processo complexo e composto por múlti- tações federais representariam importante estra-
plas etapas e estratégias2, a implementação ainda tégia para a padronização dos processos em todo
é considerada uma etapa negligenciada no ciclo o território nacional, permitindo efetivo apoio
de gestão de tecnologias, seja pela falta de com- aos gestores na implementação das tecnologias
preensão sobre sua importância, seja pela falta de e o estímulo à avaliação, ao monitoramento e à
investimento nas pesquisas de implementação, melhoria contínua do sistema de saúde18. A com-
representando um grande problema para os pa- binação de abordagens e a convergência de esfor-
íses de média e baixa renda3. ços, unindo os níveis local e nacional, possuem
Vários anos são necessários até que uma ino- potencial de tornar o processo de implementação
vação identificada em pesquisa seja revertida em mais eficiente19. Logo, conhecer os aspectos le-
benefício para seus usuários em potencial4,5. O gais, recomendações que envolvem cada etapa de
uso das tecnologias em saúde depende da inte- gestão das tecnologias e as ferramentas capazes
ração entre diversos atores, como pacientes, pro- de orientar a implementação já disponíveis re-
fissionais de saúde, gestores, serviços de saúde, presenta etapa inicial para a proposição de me-
dentro outros, o que requer o planejamento de lhorias na gestão deste processo no SUS20.
estratégias que podem interferir no processo de Este trabalho tem por objetivo identificar e
adesão, aceitabilidade e disponibilidade das tec- analisar as orientações federais para a implemen-
nologias6. Nos sistemas de saúde, a organização tação de tecnologias em saúde no SUS, adotados
desse processo deve ser planejado e orientado a partir da publicação da PNGTS, discutindo as
por estratégias atreladas a diferentes dimensões, oportunidades e os desafios para aprimorar a
orientando a tradução da evidência para a conso- gestão de tecnologias no Brasil.
lidação da prática nos serviços7.
No Brasil o sistema público de saúde oferece
cobertura integral e universal para toda a popula- Metodologia
ção, sendo que sete a cada dez brasileiros depen-
dem exclusivamente do Sistema Único de Saúde Trata-se de um estudo descritivo que utiliza o
(SUS)8. A gestão desse grande sistema apresenta método de análise documental para identificar
uma Política Nacional de Gestão de Tecnologias orientações formais, no âmbito da gestão federal,
em Saúde (PNGTS), publicada em 2009, que está sobre a implementação de tecnologias em saúde.
estruturada na prática da Avaliação de Tecnolo- A metodologia compreendeu etapas sequenciais
gias em Saúde (ATS) para a tomada de decisão9,10. de busca, seleção, extração e análise das informa-
O processo de inclusão, alteração e exclusão de ções conforme critérios estabelecidos.
tecnologias em saúde, focadas principalmente
nas tecnologias duras como medicamentos, pro- Critérios de elegibilidade
cedimentos e materiais médicos, adota critérios
bem definidos e um fluxo organizado para aná- Foram incluídos documentos regulatórios
lise de demandas internas e externas ao SUS9, ou técnicos, relacionados à gestão de tecnologias
vinculado a um processo administrativo trans- em saúde, isto é, que abordam o processo de ava-
parente e com prazos definidos, consolidado a liação, incorporação, difusão, gerenciamento da
partir de 20119,11. Em contraste com uma etapa utilização ou retirada de tecnologias do sistema
de avaliação bem definida9, e com grande investi- de saúde21. Ainda como critério de inclusão, fo-
mento em tecnologias inovadoras12, a implemen- ram selecionados documentos elaborados por
tação das tecnologias incorporadas, ou seja, seu algum órgão da gestão federal do SUS, no perí-
efetivo uso na prática clínica, é ainda um desafio odo entre 2009 e 2021. Diretrizes metodológicas
no Brasil13,14. Embora a publicação da PNGTS e e documentos estratégicos orientadores do uso
da Lei nº 12.401/2011 sejam importantes marcos de tecnologias no SUS também foram incluídos
legais, poucas são as orientações para os gesto- para leitura completa.
res acerca da implementação, do monitoramento Foram excluídos da análise documentos com
dos resultados e da reavaliação das tecnologias temática diversa da gestão de tecnologias, arqui-
nas três esferas de gestão15,16, ações fundamentais vos ou informações duplicadas e legislações que
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se encontravam revogadas no período da análise descritas em qualquer etapa do ciclo de gestão
(maio de 2022). Além disso, foram excluídas as de tecnologias, o que inclui desde o processo
portarias de não incorporação de tecnologias no de avaliação e incorporação, expressas nos rela-
SUS, visto que essas contemplam apenas a avalia- tórios, portarias de recomendação e respectivas
ção da tecnologia, sem consequências e orienta- condicionantes, até orientações para a efetiva im-
ções para sua implementação no sistema de saúde. plementação na prática clínica ou para a retirada
da tecnologia22. As informações foram coletadas
Fontes de informação e estratégia de busca e sumarizadas no software Excel, sendo 70% dos
dados extraídos em duplicata e conferidos por
Foram utilizadas como fontes de informação um segundo revisor independente.
as plataformas digitais oficiais que reúnem le-
gislações, documentos de caráter regulatório ou Método de síntese e análise dos dados
recomendativo, no âmbito da saúde pública fede-
ral no Brasil, quais sejam: Portal da Saúde (www. A síntese dos dados extraídos ocorreu de
saude.gov.br), site do planalto, site da Comissão acordo com a categoria do documento. Nas nor-
Nacional de Incorporação de Tecnologias no mativas estruturantes (categoria 1), as citações
SUS - Conitec (www.conitec.saude.gov.br) e site sobre implementação foram apresentadas con-
do Conselho Nacional dos Secretários de Saúde - forme sua relação com a gestão de tecnologias no
Conass (conass.org.br). Como estratégia de bus- SUS (direta ou indireta). Nos documentos reco-
ca foram utilizadas as palavras chaves “avaliação mendativos (categorias 2 e 3), foram analisadas
de tecnologias”, “gestão de tecnologias” e “incor- as informações das portarias de recomendação e
poração de tecnologias” a fim de identificar os os respectivos anexos, que compreendem relató-
documentos relacionados à gestão de tecnologias rios técnicos ou diretrizes clínicas.
em saúde publicados entre 2009 e 2021. A busca A análise das portarias de recomendação
foi conduzida em 31/05/2022, por um pesquisa- compreendeu a síntese temática de condicio-
dor experiente na legislação e nos documentos nantes descritas para a recomendação das tec-
estruturantes do SUS. nologias. As condicionantes compreendem
Uma etapa de conferência foi realizada para ações concretas capazes de influenciar etapas do
avaliar se o documento identificado se encon- processo de implementação, tais como o preço
trava em vigor, a partir da conferência direta no máximo de incorporação, os critérios técnico-as-
órgão expedidor da publicação (portal da presi- sistenciais para alocação, a estrutura e a logísti-
dência, Ministério da Saúde e portal Conass) em ca necessária para implantação da tecnologia e
02/06/2022. Busca manual de documentos refe- o acompanhamento da tecnologia incorporada
renciados nas publicações também foram ava- quando pertinente, designado como acesso ge-
liados, mesmo se disponíveis em outro domínio renciado a partir de 202223.
requerendo buscas adicionais. Normativas es- Nos relatórios técnicos e diretrizes clínicas,
truturantes do SUS, responsáveis por incorporar as citações sobre implementação foram relacio-
ações relacionadas à gestão de tecnologias, que nadas a grupos de análise com base nas etapas
se encontravam em vigor no período de análise metodológicas da implementação da evidência,
também foram analisadas. descritas no modelo desenvolvido pelo Joanna
Briggs Institute (JBI)24. Este modelo foi escolhido
Processo de seleção e extração de dados por ser direcionado à área da saúde e embasado
em práticas baseadas em evidência. As etapas de
Títulos, resumos e sumários dos documentos implementação elencadas por esse modelo são:
foram avaliados de forma independente por dois a análise de contexto, considerando aspectos
revisores. Após seleção inicial, foi realizada a lei- organizacionais e atores envolvidos; a facilita-
tura completa de cada documento por um revi- ção da mudança, que relaciona as intervenções e
sor. As divergências foram resolvidas por consen- as propostas de ações para mudança dentro da
so e os documentos incluídos foram agrupados organização; e a avaliação do processo e dos re-
e categorizados em: 1. documentos normativos sultados relacionados à implementação. A partir
estruturantes, 2. documentos recomendativos das referidas etapas, foram desenvolvidos nove
sobre avaliação de tecnologias e 3. documentos grupos de análise: I - Planejamento e métodos;
recomendativos sobre a prática clínica. II - Responsabilidade dos gestores; III - Recursos;
Foram extraídas dos documentos recomen- IV - Cenário; V - Intervenções direcionadas; VI
dações relacionadas às ações de implementação - Monitoramento da implementação; VII - Re-
4
Silva SN et al.

sultados da implementação; VIII - Programas ou Dos 298 relatórios de recomendação analisa-


políticas; IX - Outras. dos, 81 apresentaram alguma citação sobre im-
Com base nas informações sumarizadas, dois plementação, totalizando 100 citações nos textos.
pesquisadores com experiência na temática lis- As citações foram classificadas em nove grupos,
taram desafios, oportunidades e proposição de sendo as mais frequentes aquelas relacionadas à
melhorias para aprimorar o processo de gestão estrutura física e aos recursos necessários à im-
das tecnologias no SUS. Essa análise foi realizada plementação (43%) ou responsabilidades ineren-
com base nas fases do ciclo de gestão de tecnolo- tes ao processo de disponibilização das tecnolo-
gias: avaliação, planejamento da implementação gias (25%) (Quadro 2).
(aquisição e organização de fluxos) e elaboração Em 17 relatórios, as citações descrevem não
de diretrizes clínicas (recomendações para uso haver necessidade de ações específicas para a im-
nos serviços) e levou em consideração a opor- plementação das tecnologias em análise (adequa-
tunidade de desenvolver ações já praticadas em ções de infraestrutura, medidas logísticas espe-
alguns sistemas universais de saúde25-27. Todos ciais e reestruturação organizacional da rede de
os documentos reunidos neste trabalho são de assistência farmacêutica). Desses, sete relatórios
acesso público e nenhuma etapa requereu a soli- indicam que as questões de implementação da
citação de dados às instituições ou submissão ao tecnologia em análise já estavam consolidadas
comitê de ética e pesquisa. no SUS, com a ausência de importantes barrei-
ras para a implementação. Apenas um relatório
considerou, na avaliação econômica, os custos
Resultados relacionados a implementação da tecnologia na
rede assistencial.
Foram identificados 666 documentos com a te- Foram identificadas 118 portarias de publi-
mática de gestão de tecnologias em saúde (ava- cação de protocolos/diretrizes e seus respectivos
liação, incorporação, difusão, gerenciamento da anexos no site da Conitec. As portarias de publi-
utilização e retirada de tecnologias do sistema de cação dos Protocolos Clínicos e Diretrizes Tera-
saúde), desses 434 foram elegíveis para análise e pêuticas (PCDT) e diretrizes clínicas apresentam
166 (38,2%) abordaram informação ou citação um texto geral, expressando a responsabilidade
relacionada ao processo de implementação (Fi- dos gestores estaduais, distritais e municipais do
gura 1). SUS, conforme pactuação, na estruturação da
Foram identificadas 18 normativas estru- rede assistencial, definição dos serviços referen-
turantes publicadas no período da análise, as ciais e fluxos para o atendimento. Os anexos des-
quais compreendem portarias, decretos e dire- sas portarias apresentam os textos integrais dos
trizes metodológicas que estruturam e norteiam protocolos e das diretrizes, dos quais 78 apresen-
a Gestão de Tecnologias em Saúde no país. Sete taram citação sobre a implementação. A infor-
normativas (38,8%) apresentaram citação, direta mação mais descrita está relacionada à estrutura
ou indireta, às ações de implementação de tecno- da rede assistencial e à conduta clínica (81,8%),
logias, tais como orientações gerais, princípios, considerando aspectos sobre a infraestrutura dos
ações e etapas (Quadro 1). A maioria das citações serviços e a equipe técnica de profissionais para
encontradas nas normativas abordam a etapa de assistência ao paciente. Em seis diretrizes clíni-
inserção da tecnologia na prática assistencial, em cas elaboradas conforme a metodologia GRADE
especial, orientações para elaboração de diretri- foram incluídos aspectos de aceitabilidade e via-
zes clínicas. bilidade da diretriz por meio da tabela Eviden-
A análise das portarias de incorporação, al- ce-to-Decision. A sessão “regulação/controle/
teração ou exclusão de tecnologias foi realizada avaliação” dos protocolos e diretrizes foi a que
em conjunto com os relatórios de recomendação mais apresentou informações relacionadas à im-
emitidos pela Conitec, os quais constituem o ane- plementação das recomendações.
xo principal da publicação. Foram analisadas 298 Embora 27,1% dos relatórios e 66,1% das
portarias, sendo que 109 (36,5%) apresentaram diretrizes apresentem citações relacionadas à
pelo menos um condicionante para a conclusão implementação, orientações concretas para a
da incorporação. A principal condicionante está execução da implementação das tecnologias no
relacionada à elaboração ou atualização de um SUS são escassas. Além disso, as abordagens so-
protocolo clínico ou diretriz (69,0%), seguida bre implementação ainda não estão padroniza-
pela negociação ou pela adequação do preço da das nos relatórios de recomendação e diretrizes,
tecnologia (19%) (Figura 2). apresentam-se pouco detalhadas e concentram
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Portal da Saúde (n=19)

Identificação
Remoção de
Portal Conitec (n=644)
duplicatas (n=4)
Portal Conass (n=3)
Documentos
inelegíveis (n=227)
Total 666 documentos
Elegibilidade

Recomendação Identificação
Normativas Recomendação
para a prática durante leitura
estruturantes para ATS
clínica integral (n=1)
(n=18) (n=298)
(n=118)
(implementação)
Extração de

Recomendação
Normativas Recomendação
dados

para a prática
estruturantes para ATS
clínica
(n=7) (n=81)
(n=78)

Figura 1. Resultado da busca exploratória de normativas e documentos relacionadas à gestão de tecnologias no


SUS publicados entre 2009 e 2021.

Fonte: Autores.

Quadro 1. Normativas estruturantes do Sistema Único de Saúde e abordagem sobre a implementação de


tecnologias em saúde no âmbito federal (2009-2021).
Normativa Ano de Tipo de citação (Abordagem sobre
Título/descrição
estruturante publicação implementação)
Portaria nº 2.690 2009 Institui a PNGTS. Indireta (Princípios da política que
norteiam a gestão de tecnologias e
englobam aspectos da implementação).
Portaria nº 27 2015 Aprova o Fluxo de trabalho para Direta (Atribuição do comitê gestor:
SCTIE/MS elaboração e atualização dos IV - definir quais serão as formas de
PCDT no âmbito da Conitec. divulgação do PCDT e estratégias para
sua implementação).
Portaria nº 18 2016 Aprova a diretriz metodológica Direta (Capítulo 3 da diretriz:
para elaboração de Diretrizes orientações, conceitos e estratégias de
Clínicas. implementação. Ressalta também o
monitoramento da implementação).
Portaria nº 41 2016 Aprova a diretriz metodológica Indireta (Indicadores relacionados as
de Avaliação de Desempenho de medidas de desempenho das tecnologias
Tecnologias em Saúde. envolvem abordagem sobre o processo
de implementação).
Diretrizes 2014 Diretrizes Metodológicas: Direta (Consiste no passo 5 da fase de
metodológicas - Ferramentas para adaptação de configuração do processo de adaptação,
Ministério da Saúde diretrizes clínicas - 1ª edição. incluindo estratégias de implementação
e disseminação da diretriz).
Diretrizes 2019 Guia de Elaboração: Escopo para Direta (Definição de indicadores
metodológicas - Protocolos Clínicos e Diretrizes de implementação no processo de
Ministério da Saúde Terapêuticas. elaboração do escopo da diretriz).
Diretrizes 2021 Diretrizes Metodológicas: Direta (Capítulo 9: Difusão,
metodológicas - Elaboração de Diretrizes Clínicas disseminação e implementação de
Ministério da Saúde (2020) versão atualizada. diretrizes).
Notas: Conitec - Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias em Saúde; PCDT - Protocolos Clínicos e Diretrizes
Terapêuticas; PNGTS - Política de Gestão de Tecnologias em Saúde; SCTIE/MS - Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e
Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde.

Fonte: Autores.
6
Silva SN et al.

35 PCDT/Diretriz

Negociação de preço/valor custo-


30 efetivo/valor do comparador

Reavaliação/dados de vida real/


monitoramento
25
Implementação de programa de
saúde/organização rede assistência
20

15

10

0
2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020 2021

Figura 2. Condicionantes das Portarias de incorporação, alteração e exclusão de tecnologias no SUS publicadas
entre 2012 e 2021*.

*Excluídas portarias sem efeito (legislações revogadas e portarias de não incorporação de tecnologias no SUS).

Fonte: Autores.

orientações sobre recursos necessários ou ações Discussão


essenciais já definidas na legislação para a dispo-
nibilização da tecnologia. Uma análise crítica dos As orientações federais para a implementação das
documentos revisados, os desafios e as oportuni- tecnologias no SUS revelaram-se pouco detalha-
dades no processo de implementação são apre- das, ainda não estão padronizadas nos relatórios
sentados no Quadro 3. de avaliação de tecnologias e diretrizes clínicas e
Nesta análise, identificou-se a oportunidade concentra orientações para disponibilização das
de incluir mais variáveis no processo de avalia- tecnologias. A análise crítica desse contexto per-
ção de tecnologias para compor a análise de de- mitiu a elaboração de proposições a partir de três
cisão: dados sobre aceitabilidade e viabilidade, pontos críticos identificados na gestão de tecno-
discussão de estratégias bem-sucedidas e análise logias: a efetiva disponibilização da tecnologia,
de custo da implementação. Esses dados poderão a baixa disseminação de estratégias e métodos
direcionar a análise de barreiras e facilitadores, explícitos para apoiar a implementação das tec-
apresentando uma discussão completa das ações nologias e a necessidade de integrar as etapas de
envolvidas na implementação das tecnologias. gestão com ações coordenadas de planejamento.
No âmbito das ações de planejamento, foram Estes três pontos críticos têm grande relação com
identificadas oportunidades de interligar infor- condicionantes inseridas nas portarias de incor-
mações já identificadas durante a avaliação, a poração, que muitas vezes traduzem ações e con-
fim orientar ações nos contextos vivenciados pe- dições necessárias, já identificadas no processo
los executores das políticas. A disseminação de de avaliação, capazes de impactar no tempo, na
métodos de implementação e o desenvolvimento forma de disponibilização e na implementação
de documentos orientadores para a implementa- das tecnologias28.
ção de diretrizes clínicas foram apontadas como Inicialmente observa-se a necessidade de
oportunidades de direcionar estratégias de im- alinhar os conceitos de implementação e dispo-
plementação local. nibilização, por vezes utilizados com o mesmo
significado, mas relacionados a etapas distintas
7

Ciência & Saúde Coletiva, 29(1):1-12, 2024


Quadro 2. Análise dos relatórios de recomendação da Conitec entre 2012 e 2021.
Grupos de análise Número Assuntos abordados (citações)
de
citações
I - Planejamento e métodos 10 Treinamento da equipe (ações educacionais).
de implementação (auditoria,
feedback, lembretes, detalhamento
acadêmico e outros)
II- Responsabilidade dos gestores 8 Desenvolvimento de plano de operacionalização ou plano
(orientações para implementação de implementação inicial; habilitação de serviços; oferta
da tecnologia no serviço) centralizada; definição de fluxo de atendimento; definição de
centros certificados; regulamentação em bula (uso off label).
III - Estrutura física, equipe, 43 Equipe altamente especializada; infraestrutura apropriada;
recursos e condições para instrumental específico; fortalecimento da rede de laboratórios
promover a implementação da e nível adequado de biossegurança; centros habilitados/serviços
tecnologia especializados; estrutura logística e operacional; nova estrutura
para aquisição e distribuição da tecnologia; da rede de assistência
farmacêutica.
IV - Informações sobre cenário 7 Recomendações sobre a implementação gradual da tecnologia
de implementação (cenários, (privilegiar locais para implementação onde já existam equipes
facilitadores, barreiras e outros) habilitadas); descrição do cenário e recomendação de análise
antes da prescrição da tecnologia; cenário de implementação da
tecnologia (barreiras importantes para a implementação).
V - Intervenções direcionadas 1 Tratamento Diretamente Observado (TDO)
VI - Análise da implementação/ 1 Sistema de monitorização e de contato com os pacientes.
retirada de tecnologias
(resultados, indicadores)
VII - Avaliação após 3 Monitoramento contínuo das tendências de doenças para
implementação (resultados avaliar o impacto da incorporação da tecnologia; programa de
relacionados ao uso da tecnologia) monitorização; uso de tecnologias para mensuração da adesão.
VIII - Programa ou políticas de 1 Estruturação de programa (necessidade de projeto abrangente e
implementação pormenorizado para viabilizar a implementação); elaboração de
diretrizes e plano de implementação.
IX - Outra (ações padrões 26 Responsabilidades pela aquisição e financiamento das
relacionadas ao financiamento, tecnologias deverão ser pactuadas no âmbito da Comissão
aquisição e pactuação) Intergestores Tripartite.
Fonte: Autores.

na gestão das tecnologias em saúde. A disponi- ponsabilidades de financiamento e de aquisição


bilização de uma tecnologia no SUS compreende da tecnologia, a elaboração/atualização das dire-
a sua oferta no serviço de saúde após o proces- trizes clínicas e os requisitos estruturais para os
so de incorporação, o que deve ocorrer em 180 serviços.
dias após a decisão da incorporação9. Já a imple- A disponibilização da tecnologia apresenta-
mentação compreende um conjunto específico se como condição essencial para sua implemen-
de ações com o objetivo de colocar em prática tação. Embora o prazo seja normatizado9, uma
uma política ou intervenção3,29, dessa forma, a média cinco vezes superior ao prazo legal para
implementação compreende estratégias para que a disponibilização foi observada em uma análise
a tecnologia, já disponibilizada, seja usada na entre 2017 e 201928, além de uma média de tem-
rotina dos serviços. Muitas citações sobre imple- po maior para disponibilização de medicamen-
mentação identificadas nos relatórios e diretrizes tos oncológicos verificada em outro estudo13.
analisados correspondem, na realidade, a ações Esse panorama pode refletir diversos aspectos da
para promover a disponibilização da tecnologia, trajetória da tecnologia, que idealmente deveria
apresentando aspectos como a pactuação das res- ser gerenciado de forma articulada, logo após sua
8
Silva SN et al.

Quadro 3. Contexto atual, desafios e oportunidades para a implementação de tecnologias em saúde em


diferentes etapas da gestão de tecnologias no Brasil.
Planejamento da Elaboração de Diretrizes
Tomada de decisão implementação clínicas
Análise
(análise para incorporação) (aquisição e organização de (recomendações para uso nos
fluxos) serviços)
Contexto atual Poucas informações para Informações inseridas Informações escassas para
contextualizar outras em alguns relatórios, direcionar estratégias de
dimensões importantes da ATS porém sem detalhes ou implementação local das
relacionadas à implementação padronização suficiente diretrizes.
das tecnologias (dimensão para serem exploradas nas
organizacional e perspectiva do etapas subsequentes.
paciente).
Desafios Diversidade de cenários e Detalhar condicionantes Orientações sobre estratégias
fluxos nos serviços, múltiplos e recomendações nas de implementação devem
níveis de gestão e organização portarias e relatórios a fim compor as diretrizes para
das políticas. de direcionar adequada sua adaptação em diferentes
organização e planejamento contextos.
da implementação.
Oportunidades Agregar informações sobre Agregar evidencias Descrever orientações e
barreiras, facilitadores, cientificas e método métodos para nortear o
estratégias de implementação sistemático de processo de implementação
bem-sucedidas, custos planejamento do processo local. Elaborar planos para
e estruturas necessárias, de reorganização e a orientação dos gestores e
dados sobre aceitabilidade e implementação das profissionais de saúde.
viabilidade das tecnologias em políticas de saúde.
avaliação.
Proposições Padronizar sessões nos Alinhamento das ações Elaborar diretrizes nacionais
relatórios de relatórios de necessárias e responsáveis, para disseminar métodos
avaliação de tecnologias minimizando entraves e de implementação das
que englobem aspectos da integrando as esferas de recomendações na prática
implementação. gestão. clínica e orientações explícitas.
Nota: ATS - Avaliação de Tecnologias em Saúde.

Fonte: Autores.

incorporação, incluindo a pactuação do financia- incorporação. Diferentemente do esperado, essa


mento, da aquisição e da estruturação dos servi- estratégia foi reconhecida como uma ação tar-
ços entre as três esferas de gestão. Outro desafio dia e ineficaz, tendo impactado negativamente
se refere ao acúmulo das funções de realizar reco- no tempo para a oferta da tecnologia, segundo
mendações e de executá-las, diferente do modelo uma análise da Controladoria-Geral da União
adotado por outros sistemas públicos, no qual (CGU)28. Repensar a precificação da tecnologia
agências dedicadas a avaliação das tecnologias para o SUS, a correlação com as etapas da ATS
elaboram recomendações para que os sistemas e as instâncias responsáveis por cada uma delas
de saúde possam executá-las30,31. é uma ação necessária. Há diversos exemplos de
Dentre os entraves para a disponibilização das países que desenvolveram estratégias para lidar
tecnologias, ressalta-se o uso da condicionante com este aspecto, que envolve a interação com fa-
“negociação de preço” nas portarias de incorpo- bricantes das tecnologias. A agência de avaliação
ração de tecnologias, presente em muitas incor- de tecnologias do Reino Unido (National Institu-
porações entre 2012 e 2019, e agora em desuso28. te for Health and Care Excellence - NICE), discu-
Essa condicionante representou por muitos anos te a precificação da tecnologia na fase de execu-
uma tentativa de se pagar preços mais justos por ção da ATS. Por sua vez, na Alemanha31, adota-se
tecnologias incorporadas no SUS, através da ne- um modelo inter-relacionado que prevê reavalia-
gociação com os fabricantes, após o processo de ção subsequente dos custos. A importância des-
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te tópico está no fato de impactar diretamente o O planejamento da implementação é outro
tempo necessário até a disponibilização da tecno- ponto de atenção no processo de gestão de tecno-
logia, reforçando a necessidade de avaliação dos logias em saúde que deve considerar a integração
fluxos e instâncias responsáveis para pactuação do processo de incorporação com a implementa-
de responsabilidades nas etapas subsequentes à ção da tecnologia nos serviços de saúde. Na his-
incorporação, a fim de garantir o cumprimento tória da avaliação de tecnologias no Brasil é pos-
dos prazos legais já dispostos na legislação. sível identificar documentos pontuais, de 2012,
Um segundo ponto crítico identificado foi a 2015 e 2021, em que planos de implementação
inexistência de documentos dedicados a apoiar de um programa de saúde ou de organização da
as ações práticas de implementação. No âmbito rede assistencial foram usadas como condicio-
do SUS, as diretrizes clínicas são os documentos nantes de incorporação. A partir de 2018, com o
responsáveis por sintetizar as recomendações de aumento de demandas de incorporação de tecno-
uso, apoiadas nas conclusões derivadas da ava- logias aplicadas às doenças raras, condicionantes
liação realizada. Entretanto, elas pouco exploram relacionadas à reavaliação e monitoramento de
o aspecto metodológico envolvido na efetiva im- dados de mundo real emergem em um contexto
plementação. Importante ressaltar que a necessi- de discussão de novos modelos de incorporação
dade de elaboração ou atualização de diretrizes e acordos de compartilhamento de riscos36, a fim
clínicas foi a condicionante mais frequentemente de confrontar o desempenho real das tecnolo-
identificada nas portarias de incorporação nos gias. A análise desses relatórios e diretrizes apon-
últimos anos. Isso confirma o papel central des- tou alguns indicadores a serem mensurados, que
tes documentos técnicos norteando a prática, certamente direcionam o planejamento de ações
além de revelar uma oportunidade de planejar de disponibilização da tecnologia, mas ainda re-
e coordenar as ações de implementação das di- querem estratégias e métodos de implementação
retrizes clínicas seguindo métodos32 e estratégias específicos para auxiliar as equipes que estarão
direcionadas33 nos diferentes cenários de uso das envolvidas na assistência.
tecnologias. Nos sistemas de saúde pública da In- Os princípios organizacionais de descentra-
glaterra, Austrália e Canadá, as ações de imple- lização e comando único do SUS asseguram a
mentação das diretrizes clínicas apresentam-se autonomia dos gestores locais para a definição
integradas e articuladas com várias fases da ges- de estruturas, fluxos e diferentes propostas de
tão de tecnologias25-27,34. implementação das tecnologias, no entanto isso
O NICE apresenta um guia com orientações pode representar também uma barreira para a or-
para a implementação das diretrizes clínicas34 ganização do sistema de saúde brasileiro e a oti-
valendo-se de práticas do controle de qualidade mização dos recursos disponíveis para que toda a
e experiências práticas19. Além disso, disponibi- população tenha o acesso adequado e equânime
liza serviços direcionados aos gestores com foco às suas necessidades de saúde. Por diversos moti-
na estratégia de implementação por auditorias25. vos é possível que gestores locais não disponham
Serviço similar é ofertado pela agência do Cana- de recurso técnico capaz de estruturar estratégias
dá, que possui uma equipe dedicada para suporte de implementação, o que pode ocasionar a fal-
em diferentes províncias do país, ofertando apoio ta de padrão e a fragilização da cadeia de gestão,
técnico para a implementação27. Na Austrália, a além de perdas de recursos investidos no proces-
apresentação de plano de implementação basea- so. Algumas experiências de implementação no
do nos princípios de gerenciamento de projetos SUS relatam as dificuldades dos gestores opera-
é valorizada na aprovação de diretrizes clínicas26. cionalizarem os serviços no nível local, ressal-
Esses exemplos destacam a importância da elabo- tando a necessidade do ente provedor da política
ração de documentos norteadores e de comissões estabelecer diretrizes de implementação e apoio
que orientem o processo de implementação das técnico, considerando diferentes contextos37. A
diretrizes no Brasil, como uma ação sequencial adoção e padronização de métodos direcionados
da avaliação de tecnologias e elaboração de reco- à realidade do sistema de saúde é também uma
mendações para a prática clínica. Ações iniciais, importante ação para aprimorar a implementa-
como um projeto piloto que desenvolveu novos ção no SUS, e foi uma necessidade percebida em
formatos para as diretrizes clínicas, estão sendo um estudo que desenvolveu um método para a
realizadas para apoiar a implementação e disse- implementação de uma política de saúde, desen-
minação de diretrizes no Brasil35, o que repre- volvendo uma orientação mais detalhada deste
senta uma oportunidade para ampliar a base de processo e um ciclo de atividades incluindo a
conhecimento sobre as estratégias direcionadas elaboração de planos locais, mentoria e educação
ao SUS. permanente em saúde38.
10
Silva SN et al.

Publicações específicas para implementação formatos durante a elaboração da pesquisa, o que


de uma diretriz, baseadas em ferramentas de se tentou minimizar utilizando extensas buscas
Políticas Informadas por Evidências, são exem- manuais. Ainda assim, os documentos reunidos
plos importantes para apoiar o processo de im- foram suficientes para mapear ações de imple-
plementação das diretrizes, como os trabalhos mentação já recomendadas dentro da estrutura
desenvolvidos para a diretriz brasileira do parto normativa do SUS, com destaque para aquelas
normal que apresentaram importantes subsídios relacionadas aos PCDT, e indicar lacunas entre
para a orientar a construção de um plano de im- as fases da gestão de tecnologias.
plementação39,40. Além disso, deve-se considerar Este estudo apresenta três observações po-
questões inerentes à gestão interfederativa, as tencialmente úteis ao direcionamento de ações
quais requerem ações de articulação integrada futuras no âmbito da política de gestão de tec-
e multidisciplinar, que quando superadas têm nologias em saúde. 1 - Uma orientação a nível
agregado resolutividade nas ações implementa- federal possui potencial para auxiliar e facilitar
das por programas nacionais41. a implementação das tecnologias no SUS. 2 - O
Aponta-se como limitação deste trabalho a caráter estruturante e normativo dos PCDT e di-
realização de uma análise focada apenas nas nor- retrizes clínicas na organização do SUS é per se
mativas e documentos estruturantes do processo uma oportunidade para orientar estratégias de
de implementação de tecnologias em saúde no implementação das tecnologias, logo a elabora-
âmbito federal, publicados a partir da instituição ção de orientações e planos de implementação
da PNGTS. A análise de outros registros e a efeti- atrelados às guias de prática clínica podem ser
vidade de intervenções é uma perspectiva futura uma estratégia promissora. 3 - A padronização,
a ser desenvolvida para compreensão da execu- o planejamento e a inserção de estratégias de
ção da implementação. De forma semelhante, a implementação das tecnologias, já na fase inicial
análise de algumas normativas estruturantes do de avaliação para incorporação, pode promover
SUS, vigentes antes do período da análise, foi rea- não apenas maior eficiência no acesso do usuá-
lizada com foco na recuperação de citações obje- rio à tecnologia, mas também introduzir o uso
tivas sobre o processo de implementação. Assim, das dimensões de aceitabilidade, viabilidade, es-
estudos complementares podem ser realizados pecificidades organizacionais, sustentabilidade e
no intuito de captar ações transversais que cer- finalmente as preferências dos pacientes na cons-
tamente influenciam no processo de implemen- trução de um serviço de saúde mais resolutivo e
tação, mas que não foram obtidos nesse estudo. adequado às necessidades da população.
A falta de consenso no uso de alguns termos e Consolidar o processo de implementação
o uso da interpretação para compreensão dos como uma etapa sequencial e contínua da gestão
relatórios pode ser um fator influente na identi- de tecnologias é uma ação necessária para trans-
ficação e extração dos dados, ainda que padro- por as barreiras. Dentre os diversos desafios, a
nizada e categorizada pelos pesquisadores, dada utilização dos instrumentos normativos e reco-
a diversidade de significados usados pelos dife- mendativos como ferramentas para harmoni-
rentes atores atuantes na gestão de tecnologias, zar ações e, em última análise, promover acesso
e refletido nos documentos analisados. Outra efetivo da população brasileira às inovações em
limitação desse estudo foi ter reunido documen- saúde, parece ser a primeira etapa do processo
tos essencialmente voltados à implementação de de otimização da implementação de tecnologias
tecnologias “duras”, sejam métodos diagnósticos em saúde. As definições normativas existentes
e terapias incorporadas no sistema de saúde. Ou são ainda insuficientes para organizar a prática
seja, nos documentos recuperados não foi abor- da implementação no campo da saúde no Bra-
dada a implementação de programas ou políticas sil. Assim, este trabalho possibilita o diagnósti-
de saúde transversais às tecnologias incorpora- co situacional das normativas e recomendações
das, o que merece metodologia específica, a ser existentes, podendo nortear o desenvolvimento
avaliado em estudos posteriores. de estratégias sistemáticas e generalizáveis para a
Ademais, a identificação dos documentos realização da implementação das tecnologias em
pode ter sido limitada pela indisponibilidade dos saúde, aspectos essenciais para consolidar um ci-
dados, alguns com repositório limitado, outros clo virtuoso de gestão de tecnologias no SUS.
com alterações diárias, e até mesmo mudança de
11

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Colaboradores Financiamento

SN Silva, NF Mello e G Cota: concepção e plane- Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientí-


jamento do manuscrito. SN Silva, NF Mello, LR fico e Tecnológico - 400194/2022-8.
Ribeiro e RE Silva: coleta, análise e interpretação
dos dados. SN Silva, NF Mello, LR Ribeiro, RE
Silva e G Cota: elaboração, revisão crítica e apro-
vação do manuscrito, assumindo a responsabili-
dade por todos os aspectos do trabalho.

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