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SOUTO MOURA – CASA EM MOLEDO (1991-1998) Beatriz Silva 1.

ºAno Arquitetura

Localizada na encosta oeste de Cristelo, perto de Moledo, em Caminha, Souto Moura projetou a casa de
Moledo com uma vista privilegiada sobre a Mata do Camarido, o Castro
de Santa Tecla, a Foz do rio Minho e o Forte da Ínsua. Numa área de
9990m2, a casa (com 180m2) foi construída em duas leiras numa encosta
íngreme sustentadas por muros de contenção de pedra, que em tempos
foram terrenos cultivados com trigo para sustento da paróquia. A casa é
minimalista e simples, mas a verdadeira simplicidade não é fácil de
conseguir. É o resultado de um longo e árduo processo de análise,
refinamento, seleção e tomada de decisões difíceis. Souto Moura queria
homenagear o espigueiro português, porém quando analisou o local
percebeu que o potencial do terreno era outro e que a sua inclinação
seria uma mais-valia.

Em Moledo, a casa enquadra-se na paisagem construída. Neste caso, paisagem construída significa a
reinvenção dessa mesma paisagem em prol de um bem maior, a perfeita conjugação dos dois elementos principais,
o terreno e a obra. Para isso a casa foi desenhada a partir da organização topográfica e dos muros de granito
redesenhados pelo arquiteto

A intenção era inserir a Casa de Moledo na paisagem de socalcos existentes na envolvente, mas estes eram
demasiado baixos e estreitos não permitindo a edificação. A solução de implantação desta casa implicou escavar a
encosta, anulando a existência de alguns socalcos, obtendo um espaço mais amplo e com a cota necessária para a
construção da casa. Para evitar deslizamentos de terra foram construídos muros de contenção, em pedra, e o
projeto foi implantado entre uma das aberturas desses muros e a encosta escavada.

Apesar de ser um elemento com caracter excecional, a sua intenção é reconstruir a topografia que existia no
terreno antes da intervenção. O arquiteto conseguiu assim que “o construído parece natural, mas o natural foi afinal
construído”. Esta estratégia permitiu que visualmente a casa aparente ser simples, apesar da exploração do terreno
ter sido complexa e contraditória ao que existia anteriormente. Assim sendo, este projeto estimulou a criação de
uma nova paisagem, em que o construído e o contexto se tornam num só.

A envolvente da casa de Moledo por si só recria um ambiente mais privado, num terreno que apesar das
consideráveis dimensões, se fecha através dos elementos naturais, das árvores e do maciço rochoso, ao domínio
público, permitindo que se abra mais para o exterior sem impedir a privacidade dos inquilinos. Os limites da
propriedade são efetuados por muros de granito, escadas ladeadas por paredes de granito e ainda afloramentos
graníticos por toda a propriedade que convivem com a vegetação que agora é abundante. As caixilharias são em
madeira, na fachada principal, virada para a paisagem do rio e das montanhas, e em aço na fachada posterior, virada
para o maciço rochoso.

A interpretação do lugar excede-se para a qualificação de um lugar melhor, mais adequado a um contexto e
à sugestão que este proporciona. A casa de Moledo surge paradoxalmente entre a obra que se submete a um sítio e
um sítio que se submete a uma obra. Talvez só mesmo assim se conseguisse uma tão perfeita conjugação de um
projeto num lugar. Quem entra na propriedade é convidado a descobrir onde se encontra a casa, anunciada apenas
por um portão demasiado sofisticado para não ser atual.
Às 12h, quando o Às 5h, o sol está
sol está atrás da casa a Este.
diretamente sobre a A luz natural entre
casa, não há luz pela fachada Este,
direta dentro da mas devido à alta
casa uma vez que o parede de rocha,
Às 17h, quando o telhado bloqueia existe muita pouca
Sol se começa a pôr todas as janelas. luz direta dentro da
a Oeste, é quando a Graças às fachadas casa. Se as portas
casa é mais exposta, Este e Oeste existe Este dos quartos
uma vez que o bastante luz natural estiverem fechadas,
interior recebe mais dentro da casa. não existe luz
luz. Não há natural nos quartos
rochedos a uma vez que as
bloquear a entrada janelas estão na
de luz. fachada Oeste.
O percurso, definido por um caminho em pedra, proporciona a vista sobre o rio Minho, por um lado, e sobre
um monte rochoso por outro, sem que se perceba a presença de algo mais. Ao avançar, entre as árvores e o
caminho de pedra avistam-se uns quantos socalcos e uma “ruína” em pedra, onde está disposta lenha cortada, o
primeiro vestígio humano desde o portão.

Começa-se a perceber a fachada de vidro que faz a frente este da obra ao cimo dos socalcos, emoldurada
pelas rochas, que já vinham desde a entrada, e que se elevam por detrás da habitação. Já no decorrer da obra foi
posto a descoberto o grande afloramento de granito, sendo necessário alterar o projeto. Este achado proporcionou
ao arquiteto desenhar o grande pano de vidro voltado para a rocha, proporcionando assim um lado mais intimista e
recatado que confere um ambiente único à casa.

Definida pela secção transversal, a habitação possui uma planta retangular de um só piso, como a de tantas
outras casas do arquiteto, sendo conotada com o esquema distributivo da casa em Baião, apesar das diferenças nos
materiais, “mudando o material muda o pormenor, muda tudo”. Desfruta de um plano de uma casa aberta, com
articulação de volumes e espaços fechados, havendo assim uma hierarquia perfeitamente funcional.

Suportes de pedra que criam as fachadas Norte e


Sul;

Janelas que criam as fachadas este e oeste;

Paredes de madeira e suportes;

Cobertura em betão;

Os suportes de pedra têm a mesma forma, tamanho e material dos terraços que sobem a colina. Eles agem
não apenas como fachadas e suportes, mas também como uma continuação das massas no terraço e fazem a casa
parecer parte da colina.
A casa Moledo tem acessos fáceis e um balanço no espaço. As casas de banho, os quartos e as estruturas de
apoio criam um espaço simetricamente estável e equilibrado.

Cada quarto é simétrico um com Se a casa for refletida


As duas casas de banho são o outro e são praticamente sobre o seu eixo central
completamente simétricas se cópias uns dos outros. Os 3 norte a sul, as janelas
refletidas sobre a parede que quartos partilham a mesma vista frontais e traseiras criam
as divide. (a casa de banho para o oceano, criando uma cópias simétricas uma da
oeste é um pouco mais larga) excelente harmonia outra

Se a casa for
refletida sobre o
seu eixo central
este a oeste, as
duas estruturas
de suporte criam
imagens
refletidas uma
da outra

A janela cria uma transição perfeita através do reflexo do


afloramento das rochas ciando uma simetria perfeita entre a natureza
e o espaço interno construído.

A sua cobertura, em plataforma, estabelece um diálogo com a


envolvente, parecendo invisível e desse modo faz parte da topografia
do terreno. Vista de cima, mostra a intervenção humana, porem, vista
de baixo, é uma simples faixa de betão com a fachada de vidro. É
composta por um piso de betão, coberto com uma camada isolante
formada por um material impermeável e uma camada de rocha
britada. As calhas dos funis e a captação de água são de chapa de aço inoxidável.

O telhado é apoiado por O telhado é parcialmente


suportes de pedra que suportado por painéis de
são as paredes das madeira que criam os
fachadas Norte e Sul espaços das casas de
banho e dos quartos e
também suporta as
As janelas criam as
janelas da fachada Oeste.
fachadas Este e
Oeste
O telhado é feito da mesma
pedra que provém do
rochedo voltado para a
fachada Este

A distribuição dos espaços convencionais adapta-se privilegiando as relações visuais estabelecidas com a
envolvente. O edifício apresenta duas fachadas envidraçadas, nomeadamente a fachada oeste, onde tem o melhor
foco visual e na fachada este voltada para as rochas, onde o arquiteto aproveita o afloramento das rochas.

A fachada envidraçada oeste (com vista para o rio Minho) tem caixilhos na janela feitos de madeira
enquanto que a fachada em vidro este é feita de aço inoxidável.

As duas paredes laterais são cegas, devido ao facto de o edifício se encontrar introduzido no terreno. Estas
são erguidas com blocos irregulares de granito ancorados em paredes de betão reforçados com gesso. Estas paredes
laterias são geradas por duas paredes paralelas de pedra, cujo espaço de 4cm foi preenchido com isolamento, uma
vez que a condutividade da pedra é geralmente alta e era necessário isolá-las do frio e do calor.

1. Membrana de Drenagem
2. Isolamento térmico
3. Membrana Impermeável
4. Nivelamento da Betonilha de
betão
5. Betonilha
6. Placa de betão
7. Gesso
8. Caixa de Aço Inoxidável
9. Caixa de Madeira
10. Sistema de Piso Radiante
11. Placa de betão
12. Betonilha
13. Piso de madeira

A sala é simultaneamente a entrada da casa e abre-se tanto para Este (encosta) como para Oeste (vista para
o mar) e faz também o acesso à cozinha. É limitada lateralmente, de um lado por um armário, e de outro por uma
parede que incorpora uma lareira. Esta não toca no envidraçado frontal para permitir a passagem para a cozinha que
se esconde atrás dela. Esta parede é feita de um granito diferente do resto da casa pois o arquiteto queria que a
parede fosse uma tela e o a maioria do granito extraído daas pedreiras é monocromático sendo usado um granito
que esteve exposto à água durante muito tempo, para que o óxido de ferro pintasse a pedra.
O espaço de distribuição continua na zona mais interior, iluminado pela luz natural que entra através das
rochas, pela parte de trás, estas que o tornam psicologicamente mais contido, apesar de totalmente envidraçado.
Por aí acedem-se aos três quartos que se viram para o mar, à casa de banho de serviço e a uma lavandaria
(camuflados por um armário contínuo). A relação dos espaços íntimos com o exterior é muito mais direta, sendo que
os quartos são completamente envidraçados, continuando o alçado transparente da fachada principal.

A “entrada – sala” é algo que já se viu nas Casas em Matosinhos, de Álvaro Siza, mas a transparência
relativamente ao exterior é completamente diferente. Apesar de nas primeiras os espaços comuns se abrirem para
os pátios exteriores das casas, a abertura é feita com resguardo relativamente à envolvente urbana, enquanto nesta
casa toda ela se abre para o exterior, prolongando-se para a natureza e paisagens envolventes.

Os pavimentos e alguns móveis são em madeira, sempre tratada, contrastando com a rudeza da envolvente
exterior, que se pode contemplar em toda a casa. As paredes divisórias do bloco dos quartos são de betão
reforçadas com gesso e revestidas a madeira. A pedra está presente no exterior em todo o seu ambiente: a casa da
lenha, as paredes dos socalcos, as paredes exteriores cegas que sustentam a casa no terreno, a pedra do maciço
envolvente. O material tradicional está associado ao uso de elementos tecnológicos de grande atualidade, que lhe
conferem um carácter contemporâneo de conforto.

O recurso a materiais naturais na construção, a ruína tomada pela vegetação, a integração do afloramento
rochoso em que o arquiteto joga com o interior e o exterior, proporcionando uma continuidade entre os dois, uma
continuidade da paisagem, levando para ao interior o mesmo muro de granito que usa no exterior como se fosse um
gesto único, proporcionando espaços em que ambos os universos se fundem, em que o construído é a Natureza e a
Natureza é também ela construída.

Poder-se-ia dizer que a casa é como um abrigo, uma caverna, disfarçada pela própria natureza, que por
dentro dispõe da clareza, tecnologia e conforto mais sofisticados. A rudeza no tratamento exterior, em pedra, que
parece ir de encontro a uma imagem idílica para aquele lugar, contrasta com a clareza do desenho e do detalhe
interior. Este encontro entre o “purismo” de Mies, moderno, e o “purismo” de uma intervenção com uma inspiração
cultural, mesmo que simulada, vêm caracterizar e distinguir a obra de Souto Moura dos seus antecessores. A génese
do projeto coincide com a nova modelação escalonada do terreno. Este já possuía os socalcos, mas as proporções
existentes não respondiam aos requisitos do projeto. As terraplanagens existentes possuíam 1,5 metros de altura,
duplicando-se em planta as suas dimensões e reduzindo os aterros pela metade. Nesta remodelação mantiveram-se
as cotas do projeto e do terreno e utilizaram-se as pedras já existentes para os muros dos socalcos.

Nas casas do Norte, como em Moledo, parece manter-se uma atitude de inspiração mais com a própria
região, com um passado, uma paisagem marcada pelas realizações humanas, com uma cultura própria e impessoal,
do que com a formação académica. Esta torna-se relevante pelo método implícito no trabalho dos seus arquitetos
de referência, neste caso Fernando Távora e Siza, em Portugal, de onde advém a consciência sempre presente de,
antes de qualquer coisa, interpretar o lugar do projeto. Esta interpretação prévia torna-se muitas vezes a razão onde
assenta a ideia de toda a obra.
…..cc

Em Souto Moura, a ideia de construir para um lugar, um novo e integrante lugar, não é conotada com uma
arquitetura vernacular. O vernacular aqui encontra-se pela capacidade de entender a essência de cada sítio, fazendo
o melhor por ele dentro das circunstâncias que o envolvem. “O sítio é um pressuposto. (…) É impossível fazer casas
sem ter um lápis, e ter casas sem ter um sitio (…) o sítio é tão importante quanto as outras coisas que intervêm no
projeto”. Esta consciência está associada sempre a uma clareza de desenho, a uma simplificação da forma e dos
elementos, utilizando materiais e técnicas atuais, que remetem as obras para o seu próprio tempo. A conjugação dos
dois fatores, o respeito para com um sítio e cultura que lhe estão associadas e o depuramento formal e a
sofisticação, oferecem às suas obras um carácter atemporal. Elas não se querem fixar num momento romântico
idílico de que as envolventes criam a tentação, querem ser o objeto claro e bem definido que a arquitetura
contemporânea pode fornecer, ou ambos, a que se acrescenta o sabor atemporal da pedra, da vegetação, das vistas,
como que a pedirem para poderem permanecer nesses lugares. “Eduardo Souto Moura aceita indiferentemente os
sistemas tradicionais ou os Modernos acreditando que ambos perderam a sua razão fundadora, para se
transformarem apenas em meros instrumentos de igual valor operativo na sua dupla capacidade de “ainda
servirem” funcionalmente e de se revelarem aptos a evocarem memórias, que estabelecem uma imediata relação de
familiaridade com o uso dos espaços e dos objetos arquitetónicos que propõe”.
https://mikesand.tumblr.com/

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