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Salo de Carvalho - Penas e Medidas de Segurança No Direito Penal Brasileiro - Fundamentos e Aplicação Judicial.-Editora Saraiva (2000)
Salo de Carvalho - Penas e Medidas de Segurança No Direito Penal Brasileiro - Fundamentos e Aplicação Judicial.-Editora Saraiva (2000)
PENAS E MEDIDAS DE
SEGURANÇA NO DIREITO
PENAL BRASILEIRO
/ / SALO DE CARVALHO
Exemplar genérico,
conhecimento específico
SALO DE CARVALHO
Professor Colaborador da Faculdade de Direito da UFSM.
Professor Adjunto do Departamento de Ciências Penais da UFRGS (2010-2011).
Professor Titular do Departamento de Ciências Criminais da PU CRS (1996-2009).
Pós-Doutor em Criminologia pela Universidade Pompeu Fabra (Barcelona, ES).
Doutor (UFPR) e Mestre (UFSC) em Direito.
PENAS E MEDIDAS DE
SEGURANÇA NO DIREITO
PENAL BRASILEIRO
(FUNDAMENTOS E APLICAÇÃO JUDICIAL)
2013
8P Saraiva
^ EditOTa
Cdttora
Saraiva
' ISBN 978-85-02-20351-8
Ruo Henn^e ^oim ooo, 270, Cadeira Co t — M o Crnjlo — SP
CEP 05413-909
PAISX: (11)3613 3000
S Á » 0800 055 7688 Corvolho, Solo de
D e 2 fio 6 fi, d a s 8 : 3 0 à s 1 9 :3 0 D ... . .. .
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Penas e m e d id a de seguronco no direito penol
SUMÁRIO
Prefácio ...................................................................................................................... 17
Apresentação ................................................................................................................... 23
Nota Teórico-Afetiva ...................................................................................................... 29
Parte I
TEORIAS DA PENA: FUNDAMENTOS TEÓRICOS DO PODER DE PUNIR................. 37
1 . INTRODUÇÃO À PENOLOGIA................................................................. 39
1.1. Teorias da Pena, Penologia e Poder P u n itiv o .......................................... 39
1.2. Localização da Penologia na Estrutura do Direito Penal e os Modelos
de Justificação (Teorias da P e n a )............................................................... 43
1.3. Crítica Criminológica às Teorias da Pena: Intencional Violação à
Lei de H um e..................................................................................................... 47
2 . TEORIAS ABSOLUTAS DAPENA.............................................................. 53
2.1. Modelos de Retribuição: Fundam entos................................................... 53
2.2. Modelos de Retribuição: C rítica................................................................ 57
3. TEORIAS RELATIVAS DA PE N A .............................................................. 61
3.1. Modelos de Prevenção Geral Negativa: Fundamentos......................... 61
3.2. Modelos de Prevenção Geral Negativa: Crítica...................................... 65
3.3. Apêndice: Modelo de Prevenção Social.................................................... 71
3.4. Modelos de Prevenção Especial Positiva: Fundamentos....................... 75
3.5. Modelos de Prevenção Especial Positiva: Crítica................................... 80
4. MODELOS CONTEMPORÂNEOS DEJUSTIFICAÇÂO...................... 91
4.1. Revitalização das Grandes Narrativas nos Discursos
Contemporâneos dejustificaçâo da P e n a ................................................ 91
4.2. Teoria da Pena Merecida: Fundamentos e Crítica do
N eorretributivism o......................................................................................... 96
4.3. Teorias Penológicas Neoconservadoras: Discursos Atuarial e
Funcionalista-Sistêmico: Fundamentos e C rític a ................................. 102
4.4. Teoria Garantista da Pena: Fundamentos e C rítica............................... 113
5. TEORIAS DEJUSTIFICAÇÂO NA CONTEM PORAN EIDA DE:
CRISE, FRAGMENTAÇÃO E SIGNIFICADOS DA PENA E DA
PUNIÇÃO N O GRANDE E N C A R C E R A M E N T O .................................. 119
5.1. Teorias Ecléticas e Revitalização das Teorias dejustificaçâo:
Sintomas da Fragmentação das Narrativas Penológicas....................... 119
5.2. Alternativa Inviável: Reconfiguraçâo da Gramática Correcionalista. . 126
5.3. Hipótese sobre os Significados da Pena e a Experiência da Punição
na Era do Grande Encarceramento: o Caso Brasileiro......................... 134
RD
R U Il!
Parte II
FUNDAMENTOS DA TEORIA AGNÓSTICA DA PENA.............................................. 141
ENAI
PREFÁCIO
4
4
*
1 Crítica à Execução Penal, R io de Janeiro, Lumen Juris, 2002; Pena e Garantias, Rio de
Janeiro, Lumenjuris, 2003; Aplicação da Pena e Garantismo, em coautoria com o duplamente
imprescindívelAmilton Bueno de Carvalho, R io dejaneiro, Lum enjuris, 2002; O Papel
dos Atores do Sistema Penal na Era do Punitivismo, R io dejaneiro, Lum enjuris, 2010.
2 Por exemplo, CHAVES CAM ARGO, Antonio Luís, Sistema de Penas, SãoPaulo, Cul-
turaPaulista, 2002; SHECAIRA, Sérgio Salomão e C O R R Ê A JU N IO R , Alceu, Teoria
a obsessiva fixação em estudos sobre teoria do delito que a marcara, salvo
honrosas exceções3, desde a segunda década do século XX. Os penalistas,
de m odo geral, restringiam seu interesse ã aplicação da pena, m atéria que
pode ser juridicam ente reconstruída e sistematizada a partir de extensa base
normativa que ocupa o m aior setor da parte geral do Código Penal (arts.
32 a 120), e também, ã guisa de teoria geral da pena, às surradas concepções
legitimantes (retribucionismo versus prevencionismos). Q uanto ã execução
& Pena, São Paulo, RT, 2002; EL TASSE, Adel, Teoria da Pena, Curitiba, Juruá, 2003;
C IR IN O DOS SANTOS, Juarez, Teoria da Pena, Rio dejaneiro, Lum enjuris, 2005;
GUIM ARÃES, Cláudio Alberto Gabriel, Funfies da Pena Privativa de Liberdade no Sistema
Penal Capitalista, R io dejaneiro, Revan, 2007; GIAM BERARDINO, A ndrée (que luxo!)
PAVARINI, Massimo, Teoria da fàna e E xecuto Penal, R io dejaneiro, Lumenjuris, 2011.
3 Além dos trabalhos arrolados na nota 1, e também por exemplo, FERREIRA , Gilberto,
Aplita&o da Pena, R io dejaneiro, Forense, 2000; M ORAES BARROS, Carmen Silvia
PENAL B R A S IL E IR O
de, A Individualização da Pena na Execução Penal, São Paulo, RT, 2001; XAVIER DE
SOUZA, Paulo, Individualização da Pena no Estado Democrático de Direito, Porto Alegre,
Fabris, 2006; SOUZA NUCCI, Guilherme, Individualteação da Pena, São Paulo, RT, 2007.
Acrescentem-se todos os manuais de direito penal vindos a lume no período, já que aplica
ção da pena é capítulo obrigatório da parte geral. Muitos artigos sobre questões pontuais
3 REIID
Fixação da Pena, em Anuatw de Dencho Constitucional Latinoamericano 2008, pp. 305 ss.
DE S EG U R A N Ç l
exemplum FABBRINI M IRABETE, Julio, Execução Penal, São Paulo, Atlas, 1987; R AU-
T ER , Cristina et al. (Orç.), feecução Penal, R io dejaneiro, Lumenjuris, 1995; KU EH -
NE, Maurício, Lei de Execução Penal Anotada, Curitiba,Juruá, 1999; MARCÃO, Renato,
FTHtô
Curso de Execução Penal, São Paulo, Saraiva, 2004; RUSSOM ANO FREIR E, Christiane,
A Violêrnia do Sistema Peniterniário Brasileiro, São Paulo, IBCCrim, 2005; D U QU E ES
TRADA ROIG, Rodrigo, Direito e Prática Histórica da Execução Penal no Brasil, Rio de
Janeiro, Revan, 2005; C O U TO DE BRITO, Alexis Augusto, Execução Penal, SâoPaulo,
Quartier Latin do Brasil, 2006; SILVA, Antônio Juliâo da, Lei de E xecuto Penal, Curitiba,
Juruá, 2007; BARROSO, DanielViegas S., Criminologia — do Estado de Policia ao Estado de
Direito, Florianópolis, Conceito, 2009; M ARCHI JÚ N IO R , Antonio de Padova e M AR
TINS PINTO, Felipe (Org.), Execução Penal, Curitiba, Juruá, 2008.
3 Entre as quais cabe destacar René Ariel Dotti, no tema desde a década de 1970: Pena
Privativa de Liberdade, Curitiba, 1970; Pesquisas sobw a Reforma Penal, Curitiba, 1973; R e
forma Penal Brasileira, R io dejaneiro, Forense, 1988; Bases e Alternativas parao Sistema de
Penas, São Paulo, RT, 1998.
penal, isto é, quanto ao centro empírico da pena, quanto à fornalha do
engenho punitivo, m uito pouco ou nada. É como se houvéssemos delega
do o exame do produto final dos sistemas penais a outra disciplina, fosse
ela um “direito penitenciário” autônomo do penal6 ou fosse uma “peno
logia” que estaria para este direito penitenciário mais ou menos como a
criminologia positivista estava para o direito penal7. Direito penitenciário
e penologia, respectivamente as regras e a ciência da governança peniten
ciária, do aparelho repressivo que cuida da retifica das almas.
A reincorporação da execução penal ao vasto objeto do direito penal
pode ser atribuída, antes de mais nada, ao advento de sua regulação, em
1984. Sim, até 1984 só dispúnhamos de escassos princípios gerais8, que
perm itiam aos Estados da Federação toda a arbitrariedade na previsão de
sanções disciplinares e na restrição a direitos subsistentes dos condenados.
Mas com a Lei de Execução Penal passamos a dispor de uma m iríade de
artigos, parágrafos, incisos e alíneas, o que costuma ser condição episte-
mológica para o jurista enxergar a realidade. A este fator, ao advento da
regulação que finalmente judicializou a execução penal, cabe acrescerem
-se os efeitos dogmáticos da derrocada das interdições metodológicas
neokantianas e da crise sem saída do positivismo, em paralelo ã chegada
irreverente da criminologia crítica. O feto é que um a profunda renovação
no diálogo entre os saberes penais está em curso. Certa ocasião, observei
que na casa do direito penal a teoria do delito recebia as visitas na sala,
enquanto a teoria da pena ficava na cozinha e vez por outra servia um
cafezinho: já não poderia repetir hoje essa observação, sem estar ignoran
do em preendim entos teóricos m uito atraentes, ainda que díspares, na
América Latina e tam bém na Europa.
A primeira virtude do presente trabalho é abandonar nas coxias o
conceito de ius puniendi e levar ao proscênio, na plenitude de sua violenta
nudez, o conceito de potentia puniendi. Não existe direito penal subjetivo
do Estado. Não repetirei aqui os argumentos, hauridos em tantos autores,
sobre o absurdo teórico de considerar a pena uma faculdade do Estado-
-administração correlacionada ã obrigação do condenado de submeter-se
6 Como proposto por M IO TTO , Armida Bergamini. Cuno de Direito Penitenciário. São
Paulo: Saraiva, 1975, v. I2, pp. 38 ss.
7 Cf. GOULART, Henny. Penologia. São Paulo: Bras. Direito, 1975, v. I,p p. 18 ss.
8 Cf. Lei n. 3274, de 2 out. 1957.
ao sofrimento punitivo9. O poder de punir, aquele que Hobbes chamava
de “poder do gládio”, afirmando tratar-se do maior entre todos os poderes
pensáveis10, certam ente foi teorizado pelos juristas do absolutismo como
um direito do soberano. N o final do século XVIII, Souza e Sampaio ain
da podia dizer — estávamos em Portugal —que a imposição de penas, in
clusive a capital, integrava um “direito executivo” privativo, embora de-
legável (como o “direito judiciário”), do “Summo Imperante”11. Trasladar
contudo esta concepção absolutista para o Estado democrático de direito
é risível. N o campo fiscal, fala-se abertamente num “poder de tributar”
fundamentado na soberania12; mas o poder punitivo é ciosamente oculta
do atrás da falsa máscara de um direito...
Agrada-me especialmente a prudente distância que o Autor guarda
das tentações moralistas. A atribuição ã pena, pelas teorias legitimantes, de
sentidos morais, que se realizariam no próprio ato da execução (retribu-
cionismo) ou a prazo na alma do condenado (correcionalismo), bem como
a concepção da culpabilidade como reprovabilidade, favoreceram a infil
PENAL B R A S IL E IR O
6 GA RA PON , Antoine et al. Punirem Democracia: e aJustip será. Lisboa: Piaget, 2002,p. 7.
’ Preciosa a referência de Saio de Carvalho ao pensamento de David Sánchez Rubio.
8 ZAFFARONI, Eugênio R . Proceso Penal y Derechos Humanos: Códigos, principios
y realidad. In: E l Proceso Penal: Sistema Penal y Derechos H um anos.M éxico : Porrúa, 2000,
p. 11.
5 ^ Palabradelos Muertos: Conferências de Criminobigia Cautelar. Buenos Aires: Ediar, 2011.
tual que o habilite a opinar com clareza e responsabilidade, na esfera pú
blica, e a trabalhar com competência, dispensando as “muletas” das “dicas
de interpretação e aplicação” que, com raras exceções, com põem a biblio
grafia indicada para abordagem do tema.
Não há teoria quando o que se descreve não é o “m undo do real”,
tampouco o idealizado, mas um a pretensa forma de realidade que, a não
existir concretamente, perpetua discriminações e desigualdades.
O trabalho de Saio de Carvalho, convocando a realidade por m eio
do forte embasamento em dados e sofisticada reflexão, recorrendo como
poucos (diria que no Brasil no nível de Nilo Batista, Juarez Cirino dos
Santos e Vera Andrade, mais do que justas homenagens prestadas pelo
próprio autor) ao saber sem fronteiras, mais do que indica o livro, como
se este precisasse: torna-o obrigatório.
E neste contexto m inha presença nestas páginas tem sentido afetivo
e de relato.
Conheci Saio em um Seminário promovido por James Tubenchlak,
no fim dos anos 1990. Na ocasião o tema era algo como “a solidão teórica
da execução penal”, esquecida pela doutrina nos sótãos do direito e do
processo penal.
M uito logo nos tornamos amigos e participamos juntos de muitas
empreitadas. Enquanto escrevo estas linhas estamos, eu e Saio, aguardan
do o dia de nossa palestra no Presídio Central de Porto Alegre, a convite
da Defensoria Pública do R io Grande do Sul, denunciado ã Organização
dos Estados Americanos (OEA) como mais um destes lugares onde roti
neiramente a dignidade da pessoa hum ana é violada.
A teoria de Saio é assim, m ilitante, às escancaras. Diria corajosa se
um dia Gabriel Garcia M árquez não houvesse lembrado que determinadas
ações não são “corajosas”, mas necessárias.
O traço de afeto que nos une e que talvez tenha, inconscientemen
te, provocado este gentil convite, ao fim e ao cabo, tem a ver com essa
militância.
Durante m uito tempo Saio foi um pensador “pessimista”. Pessimista
em relação ao Poder... e nisso estamos de acordo. Sempre militante, extraor
dinário, presidente do Conselho Penitenciário de seu Estado, querendo
m udar o m undo para melhor, mas pessimista quanto às possibilidades reais
de se alcançar algum sucesso neste intento.
E me recordo de ter dito a ele: amigo, os africanos nos lem bram que
o m undo, nós o herdam os de nossos filhos e temos o dever de devolver a
eles melhor do que encontramos (Eduardo Galeano)!
Os filhos têm esse dom... de nos fazer acreditar na possibilidade de
um m undo melhor.
Creio que o largo sorriso de Saio —e da M ari —são a prova cabal de
que o pessimismo não venceu. Ao contrário, revela-se na esperança de um
m undo mais justo e solidário e hoje leva o nome de Inês!
Parabéns ao amigo e tam bém ao afortunado leitor.
Balneário de São Sebastião do R io dejaneiro, 20 dejaneiro de 2013
(dia do padroeiro da Cidade).
Geraldo Prado
Professor adjunto da Universidade Federal do R io dejaneiro.
PENAL B R A S IL E IR O
OE S E G U R A N Ç : NO OIREOO
MED ÜIS
i
FíM AJ
28
4
NOTA TEÓRICO-AFETIVA
O prim eiro contato que tive com o tem a deste livro — que em
sentido amplo pode ser denom inado penologia — foi na graduação do cur
so de Ciências Jurídicas e Sociais da Unisinos, nas aulas do prof. Ney Fayet
de Souza.
A família Fayet, naquela época,jâ era um a referência afetiva, sobre
tudo em decorrência dos fortes vínculos de amizade que eu nutria com as
gerações das décadas de 1960 e 1970 da família Agne. Em Santa M aria,
nas casas dos Agne Ritzel e dos Agne D ornngues, que freqüentei duran
te toda a m inha adolescência, os parentes de Porto Alegre eram sempre
mencionados: os Agne Fayet, mas, sobretudo, a enigmática D. Ignez Valdez
Weigert, que posteriormente descobri ser a matriarca dos clãs.
Para além deste olhar naturalm ente afetivo e cúmplice, lembro de
freqüentar curioso as aulas de Penal III em 1991. A energia e a segurança
intelectual do p ro f Ney Fayet despertaram grande interesse pela matéria,
notadamente por dois temas considerados espinhosos na teoria da pena:
aplicação da pena e prescrição penal. A ênfase do professor nestes pontos,
diretamente proporcional ao seu dom ínio, era imensa, e muitos alunos
apresentavam naturais dificuldades na resolução dos casos propostos. Com o
todo mestre, o autor de A Sentença Penal e suas Nulidades plantou uma se
mente de curiosidade que permanece viva até hoje. E ntre os debates sobre
filosofia e sociologia do direito com meu orientador Antônio Carlos N e-
del, o interesse pela penologia foi cultivado pelo professor, amigo e colega
Ney Fayet de Souza Jr.
A questão teórica que envolve o tema da punição foi verticalizada
no M estrado da UFSC. Em Florianópolis, sob a orientação da profa. Vera
Andrade, pude m ergulhar com intensidade na crítica crim inológica e
perceber a tensão entre os discursos oficiais (declarados) e as reais funções
que a pena desempenha na sociedade ocidental. A constante presença (física
e literária) de Alessandro Baratta nas aulas do Mestrado perm itiu sofisticar
e radicalizar a crítica. Criminologia Critica e Critica do Direito Penal e infin
dáveis textos de Baratta eram consumidos com voracidade junto com os
de outros autores que eram (e continuam sendo) referências obrigatórias
(Dario Melossi, Edw in Lemert, Edw in Schur, Erving Goffman, Eugênio
R aúl Zaffaroni, Georg Rusche & O tto Kirchmeier, Howard Becker, Jock
Young, Juarez Cirino dos Santos, Lola Aniyar de Castro, Louk Hulsman,
Luigi Ferrajoli, Massimo Pavarini, M ichel Foucault, Nilo Batista, Roberto
Bergalli, R oberto Lyra Filho, Rosa dei Olmo, Stanley Cohen).
O processo de aprendizagem e de orientação foi paralelo ã constru
ção da tese da pupila preferida de Baratta, pois Vera Andrade, naquele
período, finalizava a redação de A Ilusão de Segurança Jurídica: do controle da
violênáa à violência do controle penal.
PENAL B R A S IL E IR O
acom panhando meu pai, A m ilton Bueno de Carvalho, nos eventos, mas,
NO
José Geraldo de Souza Jr., Luis A lberto W arat, Luiz Fernando Coelho,
Lédio Rosa de Andrade, Lenio Luiz Streck, Leonel Severo Rocha, Michel
Miaille, Modesto Saavedra López, Nicolás López Calera, Oscar Correas,
Perfecto Ibanez, Plauto Faraco de Azevedo, R oberto Aguiar, Roberto
Kant de Lima, R ui Portanova), no mestrado tive condições de perceber
sua dimensão (amplitude).
Antes da conclusão do Mestrado (defesa da dissertação), no início
de 1996, retom ei a Porto Alegre. O objetivo era ingressar em alguma
Faculdade de D ireito e seguir a carreira docente.
Currículos enviados, recebo o convite da Unisinos para uma entre
vista. A Faculdade estava selecionando professores. Na época eram poucas
as pessoas com titulação acadêmica, sobretudo nas ciências crim inais, e o
M EC estava anunciando a exigência de núm ero m ínim o de mestres e
doutores nas instituições de ensino superior. Após a seleção, fui designado
para lecionar duas disciplinas: Introdução do Direito Penal (Penal I) e
Penologia (Penal III). Por uma grata coincidência, assumi a disciplina do
prof. Ney Fayet, na ocasião afastado das atividades docentes.
Em princípio não desejava fazer, im ediatamente, o Doutorado. Es
tava um pouco “ressacado” da dissertação —publicada pelo querido James
Tubenchlak —, e com as energias direcionadas às atividades de ensino e de
pesquisa na Unisinos. N o entanto, no final de 1996 ou início de 1997, um
encontro casual m udou m eus planos.
Estava com o Am ilton, esperando o elevador no antigo prédio do
Tribunal de Alçada do R io Grande do Sul, quando cruzamos com Cezar
R oberto Bitencourt. Cezar é um antigo e m uito querido am igo da fam í
lia. Em 1981, quando meu pai assumiu a magistratura, foi designado para
uma Comarca do interior gaúcho na qual Cezar igualmente iniciava a
carreira no M inistério Público. Os laços de amizade se fortaleceram, não
apenas em decorrência de serem duas famílias estrangeiras em uma terra
desconhecida, mas, sobretudo, pela afinidade das ideias.
Naquele momento de reencontro, de “contar as novidades”, comen
tamos que eu havia recentemente, em agosto de 1996, finalizado o mes
trado. Cezar com R uth Gauer e Lenio Luiz Streck estavam elaborando um
projeto de M estrado em Ciências Crim inais na PU C R S. O embrião seria
uma Especialização transdisciplinar na área. Alguns meses se passaram, a
Especialização foi aprovada e o convite para integrar o projeto veio junta
mente com o compromisso de realizar, imediatamente, a seleção em um
Programa de Doutorado.
Na época estava im erso na leitura de Direito e Razão, de Luigi Fer
rajoli. Nas aulas da Especialização conheci grande parte dos amigos que,
posteriormente, formaram o Instituto Transdisciplinar de Estudos C rim i
nais (ITEC), dentre eles Andrei Zenkner Schmidt, Daniel Gerber, Fábio
R oberto D’Ávila, Jader Marques, Marcelo Bertoluci, Marcelo Peruchin,
Paulo Vinícius Sporleder de Souza, R odrigo Moraes de Oliveira e, espe
cialmente, meus irmãos, Alexandre W underlich e Felipe Cardoso M orei
ra de Oliveira.
Ao longo das aulas debatemos m uito a estrutura garantista e o pro
jeto justificacionista de Ferrajoli (utilitarismo reformado). Neste período
acabei desenvolvendo o projeto de tese, posteriormente apresentado ao
Programa de D outorado da U FPR . Em Curitiba, sob a precisa e preciosa
orientação de Jacinto Coutinho, m ergulhei no garantismo, notadamente
nas teorias da pena, centro nervoso dos sistemas punitivos. Instigado pelo
orientador, realizei uma fértil temporada de estudos entre Rom a e Cam e-
rino — Ferrajoli, na época, lecionava na Universidade de Camerino. Do
debate teórico sobre o justificacionismo direcionei o enfoque para a exe
cução penal e a realidade carcerária brasileiras. A tese, aprovada pela ban
ca composta pelo meu orientador,Jacinto Coutinho, Luis Alberto Machado,
Sérgio Salomão Schecaira, Lenio Luiz Streck e Nilo Batista, foi posterior
mente publicada pela L um enjuris sob o título Pena e Garantias.
Com o título foi efetivado no Programa de Pós-Graduação em
Ciências Criminais (PPGCCrim ) da PU C R S, instituição na qual desen
volvi, por cerca de 15 anos, pesquisas nas áreas da crim inologia e do direi
to penal, sempre com ênfase na penologia. N o PPG CCrim da PU C R S
tive o prazer de trabalhar e aprender m uito com Alberto Rodrigues R ufino
de Souza, Alfredo Cataldo Neto, Aury Lopes Jr., Cezar R oberto Biten
court, Emil Sobottka, Fabrício Dreyer de Ávila Pozzebom, Gabriel Gauer,
Giovani Agostini Saavedra, N ereujosé Giacomolli, Luciano Feldens, R uth
PENAL B R A S IL E IR O
ci de nominar.
O meu desligamento forçado da U FR G S provocou inúmeras reações
de professores e funcionários da instituição e de pesquisadores de todo o
FTNAS • MED WS
Brasil. Além das manifestações das pessoas já referidas, sou m uito grato
pelo apoio de Ades Sanchez y Vacas, Alex Niche Teixeira, Alexandre M o
rais da Rosa, Álvaro Oxley Rocha, Ana Paula M otta Costa, Andréa Behe-
regaray, Augusto Jobim do Amaral, Carm em Craidy, Christiane Russo-
m ano Freire, C larice Sohngen, C láudio Brandão, D ani R udnicki,
Daniela M iranda, D avi Tangerino, Domingos Dresch da Silveira, Edson
de Souza, Eduardo Scarparo, Elisiane Pasini, Érica Ferraz, Fábio Morosi-
ni, Fauzi Choukr, Germano Schwartz, Giovane Santin, Gislei Lazzarotto,
Graça Correa, Jaqueline Tittoni, José H enrique Salim Schmidt, José Luiz
Bolzan de Morais, José Vicente Tavares dos Santos, Juarez Tavares, Judith
M artins-Costa, Lenora de Oliveira, Liliana Carrard, Luiz Antônio Bogo
Chies, Luiz Eduardo Soares, Marcelo Moura, Marcelo Peregrino, M arce
lo Sgarbossa, M aria Palma Wolff, M iguel Reale Jr., M iriam Guindani,
Mônica Delfino, Neuza Guareschi, Paula Gil Larruskaim, Paulo Abraão,
Paulo Queiroz, Raquel Scalcon, Renata Almeida da Costa, Ricardo Aro-
ne, Ricardo Gloeckner, R oberta Baggio, Rogério Maia Garcia, Rosa
M aria Borges, Rosem eri C opetti, Rubens Casara, Simone Paulon, Théo
Dias e Tupinambá Azevedo.
Este relato da m inha trajetória acadêmica tem um propósito bastan
te claro: agradecer sinceramente a todas as pessoas que influenciaram,
dolosa ou culposamente, na construção deste trabalho. N enhum a obra é
individual, todos sabem. O conhecimento não se constrói solitariamente.
M otivo pelo qual é fundamental que as pessoas que o ajudaram a construir
sejam nominadas, apesar dos inerentes riscos do esquecimento. Mas quem
me conhece sabe que não temo correr riscos e assumo a responsabilidade
pelas minhas escolhas. O que não impede, logicamente, que antecipe m i
nhas desculpas pelos eventuais lapsos de m em ória ou atos falhos. Para os
últim os, recorro ã sempre competente orientação de Liane Pessin.
Registro igualmente que o trabalho seria impossível sem o apoio da
equipe de profissionais com a qual tenho o prazer de conviver diariamente:
Alexandre Wunderlich, Antônio Tovo Loureiro, Bruna Brochado, Camile
Eltz de Lima, Fabiani Fonseca, Felipe Bertoni, Gustavo Satt Corrêa, Inês
Majolo, Lilian Reolon, Lisiane Gallert, Luiza Gaiger, Luiza Farias Martins,
Marcelo Araújo, Mariana Gastai, Natália Píffero dos Santos, N iveti O li
veira, Paulo Caleffi, Patrícia Costa, Rafaela Cruz e Renata Saraiva.
Igualmente, devo especial agradecimento a Eduardo Gutierrez Cor-
nelius e Rafael Canterji, pela leitura atenta dos originais, Paola Vettori,
pela transcrição das aulas que deu a estrutura do trabalho, e Thaís Weigert,
pelas sugestões e revisões no texto.
Im portante dizer, ainda, que esta trajetória acadêmica não apenas
foi amparada pelo carinho das pessoas que figuram nesta “N ota Teórico-
-Afetiva”. Inegavelmente todos ajudaram a construir um conhecimento
que perm itiu o desenvolvimento do meu espírito crítico. Pensamento
crítico que merece este qualificativo no sentido em que “(...) suscitando o
que não é visível, para explicar o visível, se recusa a crer e a dizer que a realidade se
limita ao visível”'. A crítica sabe que a realidade está em m ovim ento e que
só o pensamento positivista ortodoxo se contenta em descrever a mera
aparência, apenas aquilo que é visível, como realidade, nas precisas palavras
de Miaille.
valho, N éder Lopes da Rosa, M aria R ita de Assis Brasil e Sérgio Weigert.
Inegavelmente o m aior projeto de todos: nossa filha, cujo nom e é uma
sincera homenagem ã matriarca. Não por outra razão esta apresentação se
FTNAS • MED WS
1 - INTRODUÇÃO À PENOLOGIA
ri
violência da pena seriam, portanto, simétricas. Não por outra razão, o pro
jeto político de legitimação dos Estados m odernos se sustenta na just^cação
da centralização do poder e, consequentemente, da imposição de sanções.
As teorias de fu n d am en tação das penas operam, portanto, como
discursos de racionalização do poder soberano, sobretudo porque o m o
nopólio da coação legítima representa uma das principais conquistas da
modernidade. Im portante lembrar, p. ex., que W eber caracteriza o Estado
m oderno como uma “comunidade humana que, dentro dos limites de determina
do território — a noção de território corresponde a um dos elementos essenciais do
Estado — reivindica o monopólio do uso legítimo da violênciaJísica. Logo, o Estado
1 A diferenciação entre as sanções no direito penal e dos demais ramos do direito adqui
re, na atualidade, um maior nível de complexidade. Não apenas pelo feto de os ordena-
mentosjurídico-penais contemporâneos ampliarem o rol das penas em razão da crise da
pena de prisão (pena privativa de liberdade), com a incorporação das penas pecuniárias e
restritivas de direito, mas, sobretudo, pela expansão do denominado direito (administra
tivo) sancionador. São inúmeros os estudos que apontam esta diminuição entre as fron
teiras dos ilícitos penais e extrapenais em decorrência de influências recíprocas. Note-se,
por exemplo, o rico debate na dogmática brasileira sobre o caráter penal das sanções
aplicáveis aos atos de improbidade administrativa e, de forma mais próxima ao campo da
justiça criminal, os estudos sobre a natureza dos atos infracionais de adolescentes em
conflito com a lei (direito penal juvenil).
2 KELSEN, Teoria Pura do Direito, p. 62.
se transforma na única fonte do ‘direito’ à violência”3. Na tradição jurídi
ca brasileira, Tobias Barreto, ao tratar dos fundamentos do poder de punir,
conclui de forma semelhante: “assim como a ideia de um território entra na
construção do conceito de Estado, da mesma forma a ideia de direito de punir é um
dos elementos formadores do conceito geral da sociedade”4.
Neste sentido, desde o ponto de vista da teoria política, duas con
clusões são possíveis sobre a forma moderna de percepção e de represen
tação da sanção penal. A primeira é a de que o uso da força e a reivindi
cação de sua legitimidade instauram a ordem jurídico-política; a segunda
é a de que a pena imposta pela autoridade constituída é, inevitavelmente,
um ato de violência programado pelo poder político e racionalizado pelo
saber jurídico. Exatam ente por caracterizar-se como ato de violência, o
discurso jurídico impõe que o exercício da força no interior da ordem
política seja limitado por regras e legitimado por discunos (teorias da pena).
Do contrário, se não houver limitação e legitimação do exercício do
poder de punir, e sendo a sanção uma manifesta imposição de violência,
não haveria diferença entre o Estado (comunidade jurídica) e um a orga
nização crim inosa, visto que ambos adotam os mesmos recursos para
im por sua vontade: privação de determinados bens (vida, liberdade, patri
mônio) por meio da violência.
A questão é levantada por Kelsen, quando analisa o direito como
uma ordem norm ativa de coação e estabelece a distinção entre a com uni
dade jurídica e um bando de saqueadores. Kelsen sustenta que a diferença
entre as normas e as coações impostas pelas distintas comunidades (socie
dade civil e grupo criminal) decorre do feto de que a sanção jurídica não
é um a norm a isolada, mas integrante de um sistema normativo, vigente
em determinado território, cujo fundamento de validade é a Constituição
normativa5.
O problema central da penologia, porém , desde uma perspectiva
crítica, para além da legitimidade jurídica das penas e dos seus critérios de
limitação, é o de que os discursos dejustificaçâo (teorias da pena), inva
riavelmente, naturalizam as conseqüências perversas e negativas da pena
como realidade concreta. Neste sentido, David Sánchez R ubio identifica
preservação do bem comum. Isso seft&: através da proteção de certos estados valiosos,
que são os bens jurídicos, que o Estado busca preservar através da ameaça penal”7.
Nota-se, pois, que os discursos sobre a legitimidade ou a ilegitim i
dade das violências públicas vinculam o direito penal ã teoria política,
sendo o problema da justificação do poder punitivo o ponto de conver
gência entre ambas as disciplinas. N orberto Bobbio afirma que o alfa e o
ômega da teoria política é como se adquire, como se defende, como se con
serva, como se perde, como se exerce o poder e, sobretudo, de que forma os
cidadãos se protegem das violências derivadas do seu exercício8.
A questão da aquisição, do exercício e das formas de limitação das
violências legítimas (ou legitimadas) é central na filosofia política e no
direito (penal). No entanto, diferentemente da ciência política, que pro
cura responder aos problemas decorrentes das formas de aquisição e de
constituição legítima do poder, o direito penal ocupa-se em justificar
IH TR 00 U Ç Ã 0 À P E N 0 L 0G 1L
1.3.1. Distinção tradicional na enciclopédia das ciências criminais
—term o cunhado por Liszt para definir o “conjunto vastíssimo de disciplinas
cientficas que tem o crime por objecto” 14 —é aquela relativa ao caráter norm a
tivo e dogmático do d ire ito pen al e à condição empírica da c rim in o lo
gia. Assim, enquanto o direito penal, como ramo da ciência jurídica, es
taria centrado na discussão sobre os pressupostos de validade e de aplicação
das normas penais com intuito de definir a responsabilidade penal, a cri
minologia direcionaria sua atenção ao fenômeno do delito (e do desvio) e
à instrumentalização e à efetivação das normas por meio das decisões ju
diciais e dos atos da administração.
Segundo Roxin, o caráter normativo do direito penal se expressa
na análise das regras jurídicas e da sua aplicação, diferentemente da crim i
nologia, que se coloca, dentre as disciplinas que com põem a ciência global
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DAPENA
instrum ento (meio) aos fins do Estado23. Em efeito, ancorado no objetivo
intim idatório, o direito penal legitima as agências de punitividade a utili
zar o sujeito criminalizado como um simples objeto de exemplaridade, - TEORIAS RELATIVAS
os abandona eles voltam ao estado natural, e quando reivindicam com aforça aqueles direitos aos quais
renunciaram com a única finalidade de garantir para si maiores vantagens, qualquer autoridade que
lhes opõem obstáculos é tirânica e oju iz que os condena à morte não é outro senão um infame assas
sino” (MARAT, Disegno di Legislazione Criminale, p. 72).
31 C O CQ U A RD , Marat: o Amigo do Povo, p. 96.
32 "A sociedade não tem o direito de punir aqueles que violam suas leis, se não tiverse organizado
de modo a cumprir as suas próprias obrigações em reltqão a todos os seus membros (...). O zelar pela
prfyria sobrevivência é o primeiro dewr do homem e os senhores mesmos não conhecem outros deve-
res acima deste: quem rouba para viver, desde que não possa agir de outra maneira, não fa z mais do
que exeraros seus dimtos” (MARAT, Disegno di Legislazione Criminale, p.73).
Antecipa, portanto, o pensamento liberal-socialista, esboçando, segundo
Zaffaroni, um a prim eira versão da criminologia radical33.
m ento e propondo distintos instrum entos para realização das novas metas
de reforma individual.
Segundo Garland —em referência específica às instituições do R ei
no U nido e dos Estados Unidos —, a estrutura penal-weljare produz um
resultado híbrido que combina o legalismo liberal, caracterizado pelo prin
cípio da legalidade, pelo processo formal e pelo castigo proporcional, com
os compromissos correcionalistas baseados na reabilitação, no bem-estar e
no conhecimento criminológico3^.
O sistema do welfarismo penal, nesta perspectiva, para além de
constituir-se como um a teoria penológica e uma prática criminológica,
moldou a m aneira de pensar os hábitos dos operadores e das autoridades
encarregadas de desenhar as políticas públicas punitivas, construindo uma
corretiva e redentora da pena prolifera tanto na teoria do direito penal quanto no pensa
mento processual. Carnelutti, quando trata do castigo, afirma que a pena deve ser um
‘“restitutio do ser’: a pena fo i wncebida sempre como um remédio contra o delito. Se, portanto, o
delito é o sintoma de uma deficiência de quem o pratica, a pena deveria servir para preenchê-la (...)
O instituto penal surgiu wmo um remédio empírico, da mesma forma que as medicinas primitivas
para as enfermidades do co^o”. O escopo da pena seria, portanto, “fazê-lo [criminoso] ser o
que não é mas deve ser. É, portanto, um enriquecimento do ser do indivíduo, talvez o verdadeiro e
único enriquecimento do seu ser: o acréscimo da sua capacidade de amar” (CA RN ELU TTI, De-
reclw Procesal Civil y Penal II, p. 8).
3i GARLAND, The Cultun ofControl, p. 27.
distinta gramática orientada às novas diretrizes. Em síntese, o novo sistema
elabora a série de regras que estruturou a linguagem , o pensamento e as
ações standards dos atores das agências que atuam no cam po punitivo36. A
construção teórica gestada no Estado de intervenção será a configuradora
da ideologia punitiva do século X X .
46 Segundo Vera Malaguti Batista, “estes quadros técnicos, que entraram no sistema para 'huma
nizá-lo’, revelam em seus pareceres (que instruem e têm enorme poder sobn as sentenças a serem
* 4 * 5 F U '. DlQU Dí a S d S a liH NÍ R F IT O I I W l S h ^ B L Í lV I
proferidas) conteúdos moralistas, s^regadores e racistas, cangados daquele olhar lomhrosiano e darwi-
nista social erigido na virada do século X IX e tão presente até hoje nos sistemas de controle social”
(BATISTA, O Proclamado e o Escondido, p. 77).
47 Foucault é preciso ao demonstrar como "o exame [criminológico] permite passar do ato à
conduta, do delito à maneira de ser, e de fazer a maneira de ser se mostrar como não sendo outra
coisa que o prfyrio delito, mas, de certo modo, no estado de generalidade na anduta de um indivíduo.
Em segundo lugar, essa série de noções tem porfunção deslocar o nível de realidade da infrafao, pois
o que essas condutas infringem não é a lei mas, porque nenhuma lei impede ninguém de ser desequi
librado afetivamente, nenhuma lei impede ninguém de ter distúrbios emocionais, nenhuma lei impe
de ninguém de ter um orgulho pervertido, e não há medidas legais contra o erostratismo. Mas se não
é a lei que essas condutas infringem, é o que? Aquilo contra o que elas apaream, aquilo em nlação
ao que elas apancem, é um nível de desenvolvimento ótimo: 'imaturidade psialógia’, ‘personalida-
<k poua estruturada’, ‘profundo desequilíbrio’. Ê igualmente um critério de realidade: 'má apreciação
do real’. São qualifrafaes morais, isto é, a modéstia, a fidelidade. São também regras éticas. Em
suma, o exame psiquiátrico permite constituir um dupk psicológico-ético do delito. Isto é, deslegalizar
a infração tal comoformulada pelo código, para fazer aparearpor trás dela seu duplo, que am ela se
parece como um irmão, ou uma irmã, não sei, e que fa z dela não mais, justamente, uma infração no
sentido legal do termo, mas uma inegularidade em reltqão a certo número de regras que podem ser
fisiológias, psicológicas, morais, etc.” (FOUCAULT, Os Anormais, p. 20).
48 HOENISH, Divã de Procusto, p. 110.
49 Maria Palma W olfflembra que "esta discricionariedade dos profissionais embasada em critérios,
que não são tão neutros e científicos como pretendem ser, fa z a m que, muitas vezes, o parecer técni
co ajigure-se quase como um exerckio <fe suposições, defuturologia. Isto, a partir de um discurso que
já está dado como única wrdade, bastando ajustá-lo a cada caso avaliado” (WOLFF, Antologias de
Vida e Histórias na Prisão, p. 93).
40 R A U TER , M aniâmios, Prisões, Reformas e Neoliberalismo, p. 74.
A gramática (estética discursiva) dos diagnósticos (class^cação) e
dos prognósticos delitivos acabou por universalizar a imagem (estética
fisiológica) de um a espécie de criminoso ideal, no qual a periculosidade
identificaria o resquício de barbárie daquele hom em selvagem (homo crimi
nalis) que não conseguiu alcançar o status civilizado51. Todavia, apesar da
90
61 "O s problemas começam mm a falta de acordo sobre o conteúdo da meta 'socialização' ou 'resso
cialização’, acordo que tampourn e fácil que se possa conseguir em curto prazo” (HASSEMER,
Fundamentos dei Dencho Penal, p. 355).
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10 "Os pemlistas tendem a ver com exassivafacilidade os delinqüentes epotenciais delinqüentes wmo
espécies distintas do cidadão obediente, como pessoas que são bastante impermeáveis aos mandados
morais e que necessitam ser intimidados ou penados para respeitar a lei. N ão aceito esta visão. Um
sütema de penas não deve ser desenhado como algo que ‘nós’fazemos para pKvenir que ‘eles’ delin-
quam. Deveria ser algo que os cidadãos livres desenham para Kgular sua própria conduta. Deveria
admitir-se que ambos somos pessoas que (ao menos sob detenninadas cmunstâncias) podemos ofender
outras e, ao mesmo tempo, somos capazes de entender osjuízos morais que o castigo penal expressa.
Um sistema penal, em uma sociedade democrática, deveria ser do tipo que as pessoas aceitariam como
forma de ajudá-las a vencer suas próprias tentações, ao mesmo tempo que Kspeite sua capacidade de
eleição” (HIRSCH, Censurar y Castigar, p. 28-29).
11 HIRSCH, Censurar y Castigar, p. 46.
12 ASHW ORTH, Sentencing, p. 993.
rioridade), aplicadas conforme a reprovabilidade da conduta (direito penal
do foto) praticada por sujeito com capacidade de compreensão do ilícito
(princípio da culpabilidade). Q uanto ao juízo, as regras de orientação
(sentencing guidelines)13 perm item a redução do grau de discricionariedade
e, consequentemente, o exercício do controle da atividade jurisdicional.
Correlato ao program a de erradicação das penas indeterminadas,
Hirsch projeta um modelo político-crim inal fundado no princípio de m í
nima intervenção com a perspectiva do uso subsidiário da pena carcerária,
no qual o “aprisionamento deve ser limitado apenas aos casos de graves ofensas; ( . . . )
a prisão, portanto, deve ser a sanção aplicada apenas em crimes que causem ou possam
causar graves danos — tais como roubo com emprego de arma, tttupro ” w .
Não obstante a definição de critérios de igualização e de proporcio
nalidade da quantidade das penas de prisão e a proposição de sanções al
ternativas ao cárcere para os casos de delitos leves, Hirsch sustenta como
imprescindível a redução quantitativa do tempo da pena em limites tole
ráveis. Ao defender-se da acusação de que a teoria do justo m erecimento
*4*5 FU'. DlQU Dí éM lW j, NÍ RFITO I IWlSh^BLÍlVI
DE JU S T IF IC A Ç Ã O
é o oposto movimento teórico e político-crim inal nos países anglo-saxões
e nos romano-germânicos. Isto porque no auge da crítica ao correcionalis
mo an^o-saxão, situação que fomentará a incorporação do modelo do
justo merecimento, na década de 1960, sobretudo na Alemanha, estabelece
C O N TEM PO R Â N EO S
-se uma importante corrente teórica cuja centralidade das propostas é exa
tamente a substituição do modelo de penas centrado na retribuição ã cul
pabilidade em prol da adoção de perspectiva relativa voltada ã tutela de bens
jurídicos (prevenção geral negativa) e ã ressocialização do condenado (pre
- M ODELOS
venção especial positiva). Esta corrente teórica liderada por R oxin e que se
consolidará com a redação do Projeto Alternativo de Código para a Alema
nha (1966) será a responsável pela incorporação das premissas de prevenção
especial positiva na dogmática penal romano-germânica no momento em
que este sistema apresentava notórios sinais de crise nos países anglo-saxões18.
DE JU S T IF IC A Ç Ã O
pena (correção, intimidação ou retribuição). O apelo romântico ã resso-
C O N TEM PO R Â N EO S
PAVARINI, Pmtzssi d iR i-C a r^zza zio n e e 'Nuove' Teorie Giustijicative dela Pena, pp. 95-124;
PAVARINI, La Pena 'Utik', lasua Crisi e il Disinanto: veno una pena senzascopo, pp. 279-309;
PAVARINI e GIAM BERA RD INO, Teoria da Pena e Execução Penal, pp. 37-56.
20 As Three-Strikes Laws foram adotadas nos Estados Unidos ao longo da década de 1990
e um dos primeiros estados foi W ashington (1993). Trata-se da transposição de uma co
- M ODELOS
nhecida regra do baseball: se a pessoa for condenada por três crimes graves receberá pena
de prisão perpétua, sem possibilidade de liberdade condicional (parole).
Em 1994, a "ttree-Strikes Law foi aprovada na Califórnia e, em 1997, vinte e quatro
estados norte-americanos possuíam leis desta natureza. N a maioria dos casos, a regrase
aplicava em casos de delitos graves como homicídio, estupro e roubo com emprego de
arma de fogo. No entanto, em alguns estados foram incluídos delitos não violentos, como
comércio de entorpecentes. N a Califórnia a regra da gravidade do delito se aplica apenas
aos dois primeiros delitos, sendo o terceiro strike aplicávelpara qualquer ilícito, grave ou
não. Conforme descrevem Blomberg e Lucken, nosprimeiros seis meses que se seguiram
ã publicação da lei californiana, mais da metade dos casos de three-strikes envolviam delitos
de pequenopotencial ofensivo como cheques desprovidos de fundos e fortos de automó
veis, de cigarros, de produtos em lojas e, no caso mais contrastante, o forto de umapizza
(BLOMBERG e LUCKEN, American Penology, pp. 215-216).
cialização é renunciado em favor da ideia de controle e de gestão dos riscos
gerados por determinadas pessoas ou certos coletivos.
Garland, ao analisar os modelos gerencialistas, percebe a existência
de um complexo teórico, que designa como teorias de transformação, que
altera a perspectiva punitiva ao m odificar os fundamentos do discurso
criminológico em seus aspectos mais significativos, quais sejam, as funções
da pena e a im agem do hom em criminoso. Segundo Garland, “uma das
características desta nova penologia é que o discurso criminológico tom a-se mais es
tatístico, mais atuarial, inclusive mais preocupado em agregar grupos e populações,
reduzindo o interesse no indivíduo como mso clínico”21. A dim inuição ou o
abandono da preocupação com a ressocialização por meio do tratam ento
penal decorre da substituição da concepção do agir criminoso. Se no cor
recionalismo o hom em delinqüente era caracterizado por uma patologia
individual, as teorias atuariais sustentarão ser a sua conduta regida por uma
lógica econômica na qual se estabelece um cálculo racional entre o ônus da pena
e o bônus do crime.
*4*5 FU'. DlQU Dí aSdSaliH NÍ RFITO I IWlSh^BLÍlVI
DE JU S T IF IC A Ç Ã O
por um cálculo bem ou malfeito, sobre prazeres e penas (...), lembra-se, por exemplo, de que a pena
vai ser a ansequência de uma ^ã o que lhe agrada, esta ideiafa z um certo abalo em seu espírito para
retirar o prazer. Se o valor total da pena lhe pam e maior, se pesa mais do que o valor total do prazer,
C O N TEM PO R Â N EO S
é natural que aforça que o afasta do crime venhaporfim vencer, e que não tenha lugar o desatino que
formava no seu pensamento” (BENTHAM , Teoria das Penas Legais e Tratado dos Sofismas
Políticos, p. 23).
2i GARLAND, The C ultun of Control, p. 129. - M ODELOS
31 Neste aspecto não é demasiado lembrar que desde o advento da criminologia do eti-
quetamento, mas, sobretudo após a criminologia crítica, o enfoque do estudo das ciências
criminais deixou de ser a criminalidade, como um atributo individual do sujeito, para
concentrar-se nos processos de criminalização.
32 ASHW ORTH, Sentencing, p. 995.
definindo grupos-alvo, não apenas indivíduos33. Michelle Brown sustenta
que este foco das teorias gerencialistas nas coletividades desordeiras ou nos
grupos problemáticos retoma uma categoria-chave dos processos de cri
minalização denunciada pela criminologia radical (criminologia marxista)
que é a de classes perigosas3 4 .
Em um modelo regido pela lógica gerencialista, o mapeamento das
zonas e dos grupos de risco e o cum prim ento de metas político-crim inais
que invariavelmente resultam em encarceramento são os indicadores da
eficiência das políticas de controle. O princípio da eficiência determ ina os
níveis de variação das taxas de performance institucionais e, sobretudo, o
custo de efetivação das políticas, pois a racionalidade sistêmica exige o
m aior controle da criminalidade com o m enor ônus econômico. A inefi
ciência no cum prim ento das metas, dependendo do nível de aceitabilidade,
é projetada como tolerabilidade sistêmica.
Neste cenário são incorporados novos instrum entos e novas técnicas
* 4 * 5 F U '. DlQU Dí a S d S a liH NÍ R F IT O I I W l S h ^ B L Í lV I
DE JU S T IF IC A Ç Ã O
legislação — denominada abertamente deste modo — de luta, por exemplo, no âm bi
to da criminalidade econômica, do terrorismo, da criminalidade organizada, no caso
dos ‘delitos sexuais e outras infrações perigosas', assim como, em geral, pretende
C O N TEM PO R Â N EO S
combater, em cada um destes casos, indivíduos que nas suas atitudes (por exemplo,
no caso dos delitos sexuais), em sua vida econômica (por exemplo, no caso da crimi
nalidade econômica, da criminalidade relacionada com as drogas tó x ic a e outras
form as de criminalidade organizada) ou mediante sua incoyoração em organizações - M ODELOS
43JAKOBS, D em ho Penal dei Ciudadano y Derecho Penal dei Enemigo, pp. 38-40.
favoráveis para expansão das malhas de punitividade e a inevitável e radi
cal ruptura com os sistemas normativos que garantem os direitos funda
mentais. Neste modelo, a categoria pericu lo sid ad e (in d iv id u al ou so
cia l) readquire fundam ental im portância, visto ser o conceito que
possibilitará agregar sob o mesmo estilo repressivo condutas de natureza
absolutamente diversa como o terrorism o, o comércio de drogas ilícitas, a
imigração ilegal, o tráfico de pessoas, os crimes econômicos, entre outros.
As doutrinas penais autoritárias de corte funcionalista-sistêmico, ao
propugnarem pela reafirmação da validade da lei penal por meio da neu
tralização ou da incapacitação do (grupo) delinqüente, concretizam as teorias
de prevenção geral positiva apresentadas por Durkheim . Contudo, con
forme destaca Ferrajoli, na teoria sociológica do desvio de D urkheim
havia apenas uma descrição da punição como um fator de estabilização social
e de reafirmação dos sentimentos coletivos, o que propiciaria coesão ao
corpo social. D urkheim não pretendia oferecer um a justfírnção à punição,
apenas um a explicação sobre os efeitos das práticas punitivas. Ao contrário,
* 4 * 5 F U '. DlQU Dí a S d S a liH NÍ R F IT O I I W l S h ^ B L Í lV I
a imunidade dos rídadãos contra a arbitrariedade das proibições e das punições, a defe
sa dos fracos mediante rngras do jogo iguaü para todos, a dignidade da pessoa do im
putado e, portanto, a garantia da sua liberdade através do respeito pela sua verdade”51.
N o modelo garantista, a pena é transformada em um instrum ento
político-crim inal de negação da vingança; em um limite form al ao poder
punitivo estatal; um m al m enor em relação às possibilidades vindicativas
que se produziriam na sua ausência.
Ferrajoli entende que o m odelo normativo garantista satisfez os
requisitos para a adequada justificação, m orm ente no que diz respeito ã
observância da Lei de Hume. Primeiro, porque ao orientar o direito penal
ã prevenção geral negativa, excluiria a confusão entre direito e moral, que
caracteriza as doutrinas retribucionistas e de prevenção; segundo, porque
ao im por um duplo fim ã sanção — ‘máximo bem-estar possível aos que não
delinquem e o mínimo sofrimento mcessário aos desviantes’ — (a) responderia às
118
5 - TEORIAS DE JUSTIFICAÇÃO NA
CONTEMPORANEIDADE: CRISE, FRAGMENTAÇÃO
E SIGNIFICADOS DA PENA E DA PUNIÇÃO NO GRANDE
ENCARCERAMENTO
5 Importante lembrar que nos discursos tradicionais os horizontes do sistema punitivo são
definidos a partir da exposição da imagem sobre a conduta humana e as finalidades da
pena, o que inexoravelmente é desdobrado em princípios configuradores da criminaliza
ção e requisitos e pressupostos de responsabilidade penal. Os princípios configuradores
permitem que os sistemas sejam dotados de harmonia e coerência.
6 Note-se, p. ex., a opção de R oxin que, após realizar narrativa e crítica das tradicionais
teorias da pena, expõe distintas formas de modelos ecléticos (teorias unificadoras retri-
butivas e preventivas) para, ao final, defender sistema misto de prevenção especial e de
prevenção geral delineado a partir do conceito de culpabilidade —"A teoria penal aqui de
fendida pode ser resumida como a seguinte afirmação: a pena serve aos fins de prevenção espeàal e
geral. Se limita em sua magnitude através da medida da culpabilidade, mas pode ficar aquém deste
limite quando necessário às exigências preventiw-especiais e não se oponham exigências preventivo-
-gerais mínimas” (RO XIN, Derecho Penal, p. 103).
to) anularia as lacunas e as contradições parciais das teorias individuais,
(re) estabilizando a estrutura punitiva.
N o entanto, esta vontade de sistema não soluciona a questão e apenas
oculta outro problema das grandes narrativas penológicas, qual seja, o de
que a fusão de sistemas parciais deficitários não gera automaticamente sua
correção, mas, ao contrário, patologiza suas crises. A opção das doutrinas
penais pela criação de modelos unificadores parece revelar uma idealização
romântica de que os sistemas são independentes, autônomos e autorrefe-
renciais e, portanto, dotados de um a capacidade autogestionária na qual a
integração de funções autom aticam ente corrige as crises, anulando as
contradições e preenchendo as lacunas. De maneira autofôgica, o que se
propõe como alternativa à incapacidade resolutiva do sistema é mais siste
ma. E não apenas a substituição de um modelo por outro, mas a fusão de
distintos discursos e de suas funções (declaradas).
Rivacoba y Rivacoba percebe o recurso às teorias ecléticas como
uma solução simplista de resultado plenam ente insatisfatório, pois baseado
exclusivamente no que designa como “magia dos conceitos ou das palavras”.
Segundo o autor, a enunciação dos modelos ecléticos suscita problemas de
duas ordens. O prim eiro seria o da incompatibilidade lógica entre as fina
lidades propostas e a possibilidade de efetivação. O segundo seria o da
inevitável subordinação de fins secundários ao principal, situação que
implicaria discutir se a realização do objetivo de nível superior não acar
retaria a frustração dos demais. Assim, “muito longe de resolver o problema, tal
posição [eclética], que, em realidade, não procede por elaboração, mas por acumu
lação, tem, por força da lógica, que reunir os inconvenientes que é possível detectar
em cada um dosfins que reúne e as críticas que cabe dirigir às teorias que patrocim m
ou multiplicar umas ou outras”7. Conclui, ao dialogar com Roxin, que o
efeito da união de finalidades díspares não é a supressão dos inconvenien
tes, mas sua multiplicação.
Os efeitos perversos das teorias combinatórias são compartilhados
por Zaffaroni e Batista: “além da incoerência teórica, a gravidade está nas conse
qüências práticas destas teorias combinatórias ( . . . ) . A s combinações teóricas incoe
rentes, em matéria de pena, são muito mais autoritárias do que qualquer uma das
teorias puras, pois somam as objeção de todas as que pretendem combinar e perm i
tem escolher a pior decisão em cada caso”*.
11 GARLAND eSPARKS, Criminology, Social Theorç* and the Challenge of O ur Tim&, p. 193.
12 GARLAND, Penal Modemism and Postmodemism, p. 47.
ceber a explícita vinculação do modelo de tratamento (correcionalismo)
com a ciência criminológica emergente (criminologia positivista), Garland
vê neste paradigma fortemente inspirado nas políticas intervencionistas do
Wdfare State um a nova racionalidade penal: modernismo penal ou penologia
moderna (penological modemism). A principal função deste modelo punitivo
que orientou os rumos das políticas criminais e da criminologia no sécu
lo X X seria a de compatibilizar a base principiológica do racionalismo
ilustrado com as demandas de tratam ento penal individualizado.
N o entanto, conform e exposto anteriormente, após quase um sécu
lo de permattância do correcionalismo13, a partir da década de 1970, a am
bivalência — contradição ou impropriedade talvez fossem termos mais
adequados —das políticas de intervenção punitiva do discurso penal-welfa-
re produziu o declínio do ideal reabilitador e a crise da modernidade penal.
Garland sustenta, porém , que, apesar da crise, o pós-modernismo
criminológico não oferece alternativas viáveis para enfrentar o declínio do
correcionalismo. O autor sustenta que o pensamento pós-moderno nas
*4*5 FU'. DlQU Dí aSdSaliH NÍ RFITO I IWlSh^BLÍlVI
13 Percebe Vera M alaguti Batista que o modelo de intervenção punitiva gestado pelo
positivismo etiológico, ao interpretar o delinqüente e a delinqüência a partir da ideia de
degenerescência, ''pressupõe práticas para sua |do criminoso] modificação ou correção; surgem as
estratégias do conecionalismo. Talvez uma das principais permanências dessa racionalidade positivista
esteja no paradigma etiológico, nessa maneira de pensar através das causas, estabelecendo uma meca-
nicidade organicista sem saída” (BATISTA, Introdução Crítica á Criminologia Brasileira, p. 45).
14 GARLAND, Penal Modemism and Postmodemism, pp. 56-60.
Igualmente, ao optar pelos conceitos de alta e baixa modernidade
(high e low modemity, Giddens), Garland agrega outros três problemas ao
discurso pós-m oderno: primeiro, da ambigüidade dos conaitos-chave, o que
produziria análises demasiadamente abstratas e empiricamente indeterm i
nadas; segundo, de um a espécie de manutenção velada do racionalismo ilustrado,
pois a crítica pós-m oderna não estaria totalm ente desassociada de outros
discursos tipicamente modernos; terceiro, da manutenção e continuidade do
correcionalismo como proposição político-crim inal central, ao menos no
nível discursivo, apesar do ceticismo acadêmico15.
Conclui, portanto, que a crise do sistema penal, identificada no
declínio do ideal ressocializador e na desilusão com o trabalho desenvol
vido pelas instituições prisionais, não poderia ser vista como um sintoma do
esgotamento da modernidade. Pelo contrário, sustenta que esta crise fomen
ta a reinvenção do projeto modernidade a partir da reforma do sistema penal16.
5.2.2. É im portante notar, preliminarmente, que a crítica ao que
Garland intitula como pós-modemismo penal acaba sendo um a simples répli
ca às evidências anteriormente apresentadas pela criminologia crítica; in
clusive porque há um a im portante zona de convergência entre ambas as
perspectivas teóricas da criminologia crítica e da criminologia pós-m oder
na: a proposição de um pensamento contraortodoxo.
Segundo Jock Young, os temas enfrentados atualmente pelo pensa
m ento crítico pós-m oderno estavam presentes na constituição do labeling
approach e foram mantidos no debate proposto pelas tendências do aboli
cionismo penal. Possível dizer, inclusive, “que a pós-modernidade chegou
comparativamente cedo no desenvolvimento da criminologia do pós-guerra (...)”, pois
“se alguém examina a teoria da rotulação e a sua critica da criminologia tradicional,
pode encontrar a maioria dos temas da pós-modernifade ”17.
Arrigo e Bernard, ao comparar as perspectivas teóricas da criminolo
gia radical, da criminologia do conflito e da criminologia pós-moderna, sustentam
que esta perspectiva crítica inclusive “abarca, de forma ostensiva, pauta signi
ficativamente mais critica do que aquela apresentada pela criminologia radical”18.
24 Interessante perceber que em relação (a) ã postura reativa quanto aos fenômenos da
fragmentação e da complexidade, (b) ã subvalorização da criminologia crítica e (c) ã re
vitalização de modelos desconstruídos no confronto entre funções declaradas e fanções
exercidas, Roxin, no campo da dogmática penal, representa o mesmo papel exercido por
Garland na criminologia. O modelo proposto por R oxin será amplamente descrito na
seqüência, na exposição dos vínculos dogmáticos entre culpabilidade e pena.
2i Garland é explícito ao sustentar que o modelo punitivo do Estado de Bem-Estar Social
estava imerso em política estatista progressista, baseada na desejável fanção de reintegrar
132 criminosos e indivíduos desviantes. A idealização do correcionalismo minimiza, inclusi
ve, o uso perverso de técnicas de profilaxia incorporadas pelo sistema penal: "a aiminolo-
gia correcional que floKsceu em meados do século X X na Grã-Bretanha e nos fetados Unidos não
cornspondia às versões caricaturizadas apresentadas posteriormente pelos seus críticos. A maioria dos
reformadores e criminólogos não tinha ampmmisso sério com o deterninismo, e sequer sustentava que
o delinqüente tipia fosse 'doente' ou ‘profondamente patológico’. Os programas de tratamento que
se Kcomendavam e implementavam eram raramente intrusivos (medidas de 'lavagem cerebral’), im
postos coercitivamente, e o denominado ‘modelo médico’ de tratamento era, em tvalidade, ponto de
referência menos importante que a ideia de desenvolvimento educativo e assistência social” (GAR
LAND, The Culture o f Control, p. 43).
os instrum entos liberais do direito e do processo penal como efetivos e
plenamente aplicáveis no controle das irregularidades institucionais26.
O absoluto descarte das evidências empíricas apresentadas pela cri
minologia crítica no que tange às violências produzidas no e pelo paradig
ma correcional perm ite não apenas perceber, no discurso de Garland, uma
reapropriação das doutrinas de prevenção especial (neocorrecionalismo),
mas, sobretudo, identificar em seu modelo dejustificaçâo um a defesa do
pensamento criminológico ortodoxo.
Os efeitos desta opção, porém, ultrapassam as fronteiras da formação
teórico-acadêmica e da construção de práticas políticas nas instituições
punitivas. A idealização do modelo correcional mascara a formação de uma
cultura sanitarista de alta intensidade autoritária, sobretudo pelos efeitos que
produziu e produz na realidade periférica. Neste aspecto, as lições de Vera
M alaguti Batista sobre o positivismo no Brasil são irrepreensíveis: “o posi
tivismo não foi apenas uma maneira de pensar, profundamente enraizada na in-
telligentsia e nas práticas sociais e políticas brasileiras; ele fo i prinápalmente uma
maneira de sentir o povo, sempre itferiorizado, patologizado, discriminado e, por
fim , criminalizado”27.
Além disso, o resultado prático deste apego rom ântico â autoridade
científica dos modelos liberais e correcionalistas é o d e obstaculizar a cria
ção de novas formas de enfrentar os problemas contemporâneos, sobretu
do o das violências institucionais, notadamente porque reforça a crença
fundamentalista na capacidade de as estruturas do sistema penal produzirem
resultados positivos com suas intervenções. Mais: ofuscar a desconstrução
35 Vera Batista demonstra comexatidâo como parte da esquerda foiseduáda pelo geren-
cialismo, situação que permite verificar como alguns (criminólogos críticos incorporaram
-se nas estruturas do poder e passaram a colaborar com a governamentalização do Estado
Penal (BATISTA, Introdução Crítica á Criminologia Brasileira, p. 104).
32 MELOSSI e PAVARINI, Cárcere e Fábrica, p. 259.
penham as mesmas funções que lhes eram atribuídas no modelo penal-
-welfare. Significa dizer que os espaços prisionais e o sentido da punição
não podem ser interpretados essencialmente com o dispositivos de disciplina.
Demonstra Vera Batista que as políticas neoliberais trouxeram o
sistema penal para o epicentro da atuação política: “aprisão não perdeu sen
tido (...), o singular do neoliberalismo foi conjugar o sistema penal com novas tecno
logias de controle, de vigilânría, de constituição dos bairros pobres do mundo em
campos de concentração”33.
A questão a ser enfrentada, portanto, não é a de como adaptar a ideia
foucaultiana de disciplina ã nova ordem geopolítico-crim inal. Mas, de
outra forma, perceber como as disciplinas que fundaram as grandes insti
tuições de controle social (prisão, manicômio, escola, fábrica) integram,
na atualidade, de forma destacada, um a complexa rede política de adm i
nistração dos corpos e de gestão calculista da vida. Neste aspecto, é im
portante perceber que Foucault visualiza duas formas de exercício de
poder sobre a vida que se entrelaçam. Dois polos que não são antitéticos.
* 4 * 5 F U '. DlQU Dí éM lW j, NÍ R F IT O I I W lS h ^ B L Í lV I
ri
1 CO U TIN H O , Inirndução aos Prindpios Gerais do Pmcesso Penal Brasileiro, p. 165 (pífou-se).
aos fins). Segundo o autor, o direito existe para e em razão d o sjtm , ou seja,
“o Direito não é mais do que uma criação única do jim (...). O homem que pensa,
que medita, encontrará sempre, no terreno do Direito, o fim de cada uma das suas
instituições. A investigação deste fim constitui o objetivo mais elevado da ciênría
jurídica, tanto do ponto de vista da dogmática do Direito, quanto da sua história”2.
Sob esta orientação imposta na matriz da teoria geral, aos campos
especfâcos do direito resta apenas o processo de adequação, ou seja, mol
dar e direcionar as ferramentas de acordo com uma teleologia específica.
Na esfera crim inal, as finalidades que orientam a aplicação do direito
inexoravelmente serão propostas a partir da pena, sobretudo em razão de a
sanção crim inal estar consolidada historicam ente como a categoria de
diferenciação do direito penal dos demais ramos. Segundo Rivacoba y
Rivacoba, “quaisquer que sejam osfin s a que se propõe o Direito punitivo, devem
ser propostos e perseguidos através da pena, ou, colocado com maior precisão, através
dos Jtns da pena; devem ser osfin s da pena, os que esta se proponha ou persiga”3.
A pena não representa apenas o instrum ento mais radical e potente do
* 4 * 5 F U '. DlQU Dí a S d S a liH NÍ R F IT O I I W l S h ^ B L Í lV I
de ewlução, como pena objetivada, se assenta na experiência; apenas como pena de Direito jurídica)
(OU NEGATIVA) DA P E N A
assume a ideia de adequação a fim ” (LISZT, La Idea de Fin en Dewcho Penal, p. 80).
i LISZT, L a Idea de Fin en DeKcko Penal, p. 63.
6 “A ideia de adequação ao fim , que nos conduziu felizmente até aqui, deve seguir sendo nossa guia.
Nossa conapção de pena como protego jurídica de bens &ige, inexorawlmente, que, no caso concK-
to, a pena aplicada (em conteúdo e alcance) seja a necessária para que, através dela, se proteja o
AGNÓSTICA
mundo dos bensjuridicos” (LISZT, La Idea de Fin en Dewcho Penal, p. 106).
7 “Correção, intimidação e neutralizado são Kalmente os possíveis efeitos da pena e com eles as
possíveis formas <k protefio de bens jurídirns mediante a pena” (LISZT, La Idea de Fin en Derecho
S - TEORIA
Penal, p. 114).
A partir desta constatação, Liszt, aderindo ao positivismo criminológico (especifica
mente à antropologia criminal), entende necessário que a pena seja adequada a cada es
pécie de criminoso. Se “a pena se dirige contra eles [criminosos] e não contra asfiguras do de
lito” e sendo “o delinqüente o titular dos bens cuija lesão ou destruição constituem a essência da
pena”, os três tipos de pena deveriam corresponder a três categorias de criminosos: os
irrecuperáveis, os que precisam de correção e os delinqüentes ocasionais.
Para cada tipologia criminosa uma pena individualizada: "1) correção dos delinqüentes
que necessitam correção e apazes de serem corrigidos; 2) intimidado dos delinqüentes que não ne
cessitam de correção; 3) neutralização dos delinqüentes não suscetíveis de correção” (LISZT, La Idea
<k Fin en Derecho Penal, p. 115). Corrigíveis, ocasionais e irrecuperáveis, respectivamente.
Sobre as características de cada grupo delirivo e os efeitos da sanção em cada grupo, con
ferir LISZT, La Idea de Fin en Derecho Penal, pp. 115-126.
criminologia crítica acerca da (in) adequação dos fins sancionatórios ã real
experiência punitiva.
A exposição anterior sobre as teorias da pena parece ter evidenciado
como a adoção de determ inada perspectiva não constitui apenas um a
expressão de desejo, um ideal ou um a declaração de princípios sugerida
no processo político-crim inal. É fundam ental perceber que por mais
(in)adequados ou ingênuos que possam parecer os fins atribuídos ou por
mais (ir)realizáveis que sejam os objetivos designados às penas, os instru
m entos dogmáticos do direito penal serão naturalm ente moldados e ade
quados a partir destas orientações. Isto porque é ínsita ã ideia de finalidade
a busca de sua operacionalização por meio de instrum entos (meios).
A compreensão deste vínculo entre os instrum entos dogmáticos
(meios) e os fins atribuídos às penas é fundamental para que se possa apre
sentar argumentos de maior qualidade na desconstrução e reconstrução
críticas do discurso jurídico-penal.
*4*5 FU'. DlQU Dí aSdSaliH NÍ RFITO I IWlSh^BLÍlVI
(OU NEGATIVA) DA P E N A
uma relação de tensão na qual o direito exerce o papel de limitação da
coação política (pena). Neste aspecto, a postura agnóstica apresenta-se como
uma alternativa teórica capaz de propor, criar e potencializar instrumentos
jurídicos, não necessariamente jurídico-penais, para m inim izar a incidência
negativa da sanção criminal na sociedade (dogmática redutora).
AGNÓSTICA
O esforço de construção do modelo agnóstico é direcionado, por
tanto, ao saber jurídico. Frise-se, vez mais, que a teoria agnóstica não é uma
teoria da pena, mas um modelo dogmático crítico que objetiva, por meio
S - TEORIA
(OU NEGATIVA) DA P E N A
ffaroni. Em outros termos, a legitimidade fornecida pela dogmática penal,
na qualidade de estatuto científico do direito penal, é direcionada ao poder
do ju iz, e não ao poder de punir, ou seja, a ciência jurídica envolve-se com
os critérios dejustificaçâo dos atos de decisão, e não com a fundamentação
da pena propriamente dita.
AGNÓSTICA
Diferentemente do que é sugerido, muitas vezes subliminarmente,
pelas narrativas dejustificaçâo da pena, o poder punitivo não é exercido
S - TEORIA
12 ZAFFARONI, La Rinascita dei Diritto Penale Liberale o la 'Croce Rossa’ Giudiziaria, p. 392.
13 FRAGOSO, Lições de Direito Penal, p. 546.
Em sentido idêntico, BARATTA, Criminologia Critica e C ritia do Direito Penal, pp.
159-170; ANDRADE, Sistema Penal e Violência Sexual contra a Mulher, pp. 39-56; A N
DRADE, A Ilusão de Segurança Jurídica, pp. 198-233.
Na estrutura do sistema punitivo, a agência legislativa produz ori-
ginariamente os critérios gerais de criminalização (criminalização prim á
ria); a agência policial efetiva o processo de criminalização (criminalização
secundária); e as agências carcerárias executam a pena. Nesta teia de cri
minalização, o trabalho do juiz é condicionado por um a série de filtros de
seletividade que evidencia as ações concretas do sistema punitivo, isto é,
as atividades políticas do exercício de criminalização das pessoas ou dos
grupos vulneráveis ã incidência do controle penal. Assim, no que tange ã
produção da criminalização, a atividade dos operadores do direito ju lg a
dor, acusador e defensor) é sempre residual, constituindo-se como uma
pequena engrenagem no fluxo contínuo do punitivismo —“as agênrías ju
rídicas dispõem de um limitado poder de contendo do exercício do poder punitivo,
que devem administrar racionalmente”u.
Se é evidente a lacuna entre a criminalidade real (totalidade das ações
criminalizáveis praticadas no cotidiano) e a criminalidade oftríal (número de
registros incorporados no sistema com o estatística), e se a seletividade que
*4*5 FU'. DlQU Dí éM lW j, NÍ RFITO I IWlSh^BLÍlVI
de Encarceramento, pp. 29-36; CARVALHO, O Papel dosA tons do Sistema Penal na Era do
(OU NEGATIVA) DA P E N A
m ento imposto pelas atuais formas de punição delimita este projeto que
parte da explícita negativa de qualquer discurso de justificação. Se “para
todas estas teorias ^ustificacionistas] a pena cumpre uma fançãopositiva, ou seja,
repr&enta um bem para alguém ”21, a proposição agnóstica reconhece que (a)
as funções declaradas não são efetivamente cumpridas, que (b) a pena se
AGNÓSTICA
concretiza como ato de violência contra os direitos fundamentais e que (c)
a experiência concreta da punição produz distintos significados nas pessoas.
Esta complexidade que envolve o fenômeno punitivo evidencia a impos
S - TEORIA
(OU NEGATIVA) DA P E N A
que a proposição de Tobias Barreto estaria perfeitamente representada em
paráfrase no subtítulo da expressiva obra de Augusto Thompson, Quem são
os Criminosos (1983): “o crime, o criminoso [e a pena], entes políticos"27.
Interessante perceber, ainda, que do ponto de vista da gramática p u
nitiva esta conversão da pena em um fato político igualmente produz uma
AGNÓSTICA
significativa mudança. Substituir a ideia de ius puniendi (direito de punir)
pela de potestas puniendi (poder de punir) ou de potentia puniendi (potência
punitiva ou punitividade )28 implica em reconhecer a inexistência de um
S - TEORIA
princípios limitadoKS impostos ao sistema, derivados da privia decisão política indicativa de sua
junção, não apenas são inacabados em sua elaboração como também abertos em seu enunciado. A
pKtensfo de catalogá-los foi baseada em um su^sto jus puniendi ou direitosubjetivo de punir,cujo
titular seria o Estado. Não existe este jus puniendi, mas sim uma potentia puniendi cannte de
contendo e redução e, por conseguinte, esses princípios não podem ser enumerados exaustivamente,
pois novos conflitos, tecnologias, pretextos, violações, discursos e aportes de outras disciplinas, assim
como o feito do seu próprio avanço realizador, demandam sua permanente atualização (...)” (ZA-
FFA R O N Iet al., D íkíío Penal Brasileim I, p. 201).
29 ZAFFARONI, Sentido y fustificación de la Pena, p. 40.
30 ZAFFARONI, Sentido yfustificación de la Pena, p. 38.
uma existência concreta, a pena deve ser enfrentada “como um dado da rea
lidade, como umfato político, como um fato depoder"M. Entretanto, o problema
decorre do fato de que o direito internacional hum anitário, apesar da
violência inerente à guerra, não consegue anular sua existência, apenas cria
mecanismos e inventa práticas de contenção da sua incidência letal —“nin
guém duvida da legitimidade nem da racionalidade do direito internacional huma
nitário, precisamente porque se trata de um programa de limitação e redução de um
acontecimento irracional e deslegitimado”22.
A perspectiva agnóstica, na delimitação da teleologia redutora, mes
mo ciente de que a guerra e a pena são fenômenos impossíveis de serem
cancelados no atual m om ento histórico, reconhece a legitimidade das
técnicas de interdição dos aspectos mais violentos, mais inumanos e mais
terroríficos dos atos punitivos. A tarefe redutora compreende, pois, “rede
fin ir o direito penal da mesma forma que o direito internacional humanitário, con
cebendo-o como um discurso para limitar, para reduzir e, eventualmente, se possível,
para cancelar o poder punitivo ”33. Nessa perspectiva, o direito e o processo
penal são recapacitados como instrum entos estratégicos de um a política
hum anista preocupada exclusivamente com a dim inuição do sofrimento
das pessoas envolvidas no conflito criminalizado (réus, vítimas e corpo
160
ri
NA C U L P t W U D A D E
sua base empírica, pela imputabilidade, pelo dolo e pela negligência.
O naturalism o que m arcou o sistema Liszt-Beling —“(...) próprio da
história do pensamento de começos do século X IX , que procurava submeter às ciên
cias do espírito o ideal de exatidão das ciências naturais e reconduzir consequente
( 0 . NEGATIVA) D APENA
mente o sistema de Direito Penal a componentes da realidade mensuráveis e empi-
ricamente verificáveis”3 - produziu esta primeira versão da teoria do delito
que fixava uma fronteira bastante clara entre os elementos objetivos e
subjetivos do c rm e 4. O dolo e a negligência, considerados modalidades de
O Ó S T IU
1 ZAFFARONI et al., Manual de Derecho Penal, p. 523.
Conforme visto anteriormente, um dos maiores exemplos desta instrumentalização
DA CONCEPÇÃO
dogmática do positivismo criminológico pela dogmática é a construção de distintos critérios
de responsabilização para os diferentes tipos de criminosos: corrigíveis, ocasionais e irre
cuperáveis, na formulação de Liszt (LISZT, La Idea de Fin en Derecho Penal, pp. 115-126). - P R C JEÇ Õ E5
NA C U L P W L I D A D E
de homogeneização da culpabilidade resultou em uma forma qualificada
de análise dogmática na compreensão dos elementos do delito e, conse
quentemente, da aplicação da pena. Os vínculos entre culpabilidade e pena
são definidos com a conversão da análise descritiva em um juízo de valor.
( 0 . NEGATIVA) D APENA
A noção de reprovabilidade instituída por Frank 10 constituirá a cha
ve de interpretação desta projeção da culpabilidade sobre a pena, consoli
dando, na dogmática jurídico-penal, o elo entre a teoria do delito e a teoria
da pena. A normativização proporciona, inclusive, resgatar para o direito
penal as conseqüências jurídicas do crim e que se encontravam aprisionadas
íC N Ó S TIC i
nos muros periculosistas da criminologia determinista (paradigma etioló
gico) . Posteriormente, com Goldschmidt, a reprovação será detalhada como
DA CONCEPÇÃO
infração a um a específica norma de dever, como um juízo “(...) sobre as ca
racterísticas defeituosas da vontade da ação"", contribuição que proporcionará
- PRC JEÇSCS
NA C U L P W L I D A D E
Assim, o processo de superação da culpabilidade como relação psí
quica entre o sujeito e o foto foi possível, conform e ensinajuarez Tavares,
quando “agregaram-se a esta base empírica elementos normativos, de modo a retra
tar a culpabilidade como um juízo de valor sobre o comportamento injusto, conclu
( 0 . NEGATIVA) D APENA
dente de uma reprovabilidade jurídica imposta ao autor do fato praticado. Em face
disso, a culpabilidade não seria mais somente um objeto a ser constatado, mas
também a ser criado”17.
N o entanto, para além dos esforços teóricos de normativização com
a redefinição dos fundamentos e dos elementos da culpabilidade, é possível
íC N Ó S TIC i
perceber, no pensamento dogmático do delito, a manutenção da imagem
ilustrada sobre a condição humana. M esmo com a viragem normativista,
DA CONCEPÇÃO
o pressuposto que fundam enta o conceito de culpabilidade —e, consequen
tem ente, delim ita os elementos que a com põem —é o do sujeito responsá
vel que atua livremente18. A representação do hom em como livre e racio - PRC JEÇSCS
15 Emjescheck, p. ex., ojuízo de culpabilidade significa “(...) que devem ser valorados nega
tivamente os prindpios orientadoKS pelos quaú o autor deixou de observar naforma&o da vontade e
que, por isso, cabe provar-lhe pessoalmente pelo fato, ou sinteticamente: culpabilidade é provabi-
lidade naformação da vontade" UESCHECK, Tratado de Derecho Penal, p. 364). 167
16 DO H N A apwdJESCHECK, Tratado de Derecho Penal, p. 379.
Sobre a contribuição de Graf Zu D ohna em distinguir a reprovabilidade como valo
ração e o dolo (conteúdo da vontade) como objeto dojuízo de valor, SANTOS, Culpa
bilidade, p. 55 e SANTOS, Direito Penal, p. 275.
17 TAVARES, Culpabilidade e Individualização da Pena, p. 126.
18 Segundo Roxin, “(...) parte-se de que o imputàvel, no sentido exposto, deve ser tratado ao
nível da sua conduta privada e social como uma pessoa capaz de uma actuafio livre e Ksponsãvel”
(RO XIN, Problemas Fundamentais de Direito Penal, p. 69).
nal (capaz de escolhas) é a tradução da imagem oitocentista que a teoria
do delito congela em suas edificações metafísicas19. Na precisa conclusão
de Davi Tangerino, tanto para o finalismo quanto para as atuais tendências
funcionalistas, são “alterados os nomes dos atributos daquele homem iluminista,
mantendo-o, no essencial, inalterado. Em uma palavra, trata-se do homem ilumi
nista usando novas v&íes’’20.
O corre que serão exatamente a manutenção da imagem de hom em
racional e a transfiguração da análise descritiva em juízo de reprovação que
desencadearão as principais críticas ã culpabilidade nos últimos anos. C rí
ticas que atualmente consolidam o seu estado de crise.
19 Davi Tangerino demonstra que este sujeito culpãvel desenhado na ilustração, incorpo
rado na teoria do delito por Binding, caracteriza-se a partir de um duplo atributo ideali-
zador: “em primeiro lugar, trata-se de indivíduo igual e livre (...); em segundo lugar é raàonal, isto
é, capaz de compreender todos os valoKS protegidos pelo Ditzito natural a partir de sua razão, bas
tando, para tanto, a vida em sociedade. Em outras palavras: o sujeito iluminista conhece o Direito
natural. Sempre" (TANGERINO, Culpabilidade, p. 47).
20 TA N G ERIN O , Culpabilidade, p. 107.
to penal. Por esta razão, o modelo desenhado originariam ente por R oxin
em meados dos anos 1960 e posteriormente atualizado sob a perspectiva
funcionalista apresenta-se como altamente relevante para análise e crítica21.
Lecionajuarez Tavares que um dos principais méritos de R oxin foi
o de elim inar da culpabilidade aquela base supostamente ontológica for
necida pelo finalismo22, que, em modelos político-crim inais autoritários,
justificaria o juízo de reprovabilidade com o valoração da conduta de vida
do autor do ilícito. Outrossim , segundo o autor, a construção de R oxin
perm ite que o juízo de culpabilidade tenha como ênfase a capacidade de
motivação do agente para o foto, avaliada a partir dos apelos conduzidos
pela ordem jurídica (proibições). R oxin pretenderia, portanto, “contextua-
NA C U L P U J H .ID A D E
lizar o poder agir de outro modo como fundamento da culpabilidade, substituindo
seu enunciado puramente normativo, destituído de qualquer conteúdo empírico, por
um critério em função do que o sujeito poderia efetivamente fazer ou não fazer,
quando submetido a uma twrma vinculante de sua conduta”23.
( 0 . NEGATIVA) DA PENA
Conforme designado por Roxin, a culpabilidade não seria um juízo
compreensivo dos elementos subjetivos do tipo, segundo a tradição causai;
assim como não se constitui com o um juízo de reprovabilidade, conforme
a teoria norm ativa e o finalismo; tampouco, segundo a vertente funciona
lista de Jakobs, converte-se em um a forma de im putação adequada e sub
(C N ÓSTIC *
missa aos fins estatais24. A culpabilidade, identtâcada como juízo de res
ponsabilização, refere u m ju ízo de valor sobre a motivação do agente, a partir da
21 A ênfase na versão originária proposta por Roxin diz respeito não apenas ao seu im DA CONCEPÇÃO
- PR O JEÇ Õ ES
portante papel político-criminal na redação do Projeto Alternativo (1966) de Código para
a Alemanha, mas, sobretudo, ao impacto da sua teoria na dogmática alemã contemporâ
nea. Conforme antecipado, o caráter inovador da sua construção que abrirá caminho,
inclusive, para as inúmeras vertentes funcionalistas da atualidade.
As demais versões do foncionalismo serão abordadas como variáveis. Especificamen
te em relação ao modelo de Jakobs (culpabilidade como infidelidade ao direito), a relevância
dos seus efeitos para o presente trabalho foi analisada anteriormente, no momento da
crítica às teorias da prevençào geral positiva.
22 Importante registrar que, apesar das críticas de R oxin ao finalismo, o autor reconhece
que ambas as perspectivas seriam complementares, sobretudo no que tange (a) ã nào ex
clusão dos pressupostos de imputação objetiva e (b) ã racionalidade político-criminal da
teoria da culpabilidade (RO X IN , Finalismo, pp. 19-25).
23 TAVARES, Culpabilidade e Individualização da Pena, p. 127.
24 R O X IN , Reflexões sobn a Construção Sistemática do Direito Penal, p. 41.
verificação concreta do nível de acesso que o sujeito teve às regras que
im põem condutas.
7.2.2. N o que tange aos seus vínculos com a sanção, R oxin percebe
que o conceito de culpabilidade havia cum prido duas funções práticas
distintas na história do direito penal: a primeira, de justificar o fim retribu-
tivo da pena25; a segunda, de limitar a imposição das sanções criminais26. Em
termos de garantias, esta segunda função exerceria a tutela dos direitos
fundamentais do autor do delito contra os excessos e as ingerências puni
tivas indevidas.
Narra R oxin que a ideia de culpabilidade como reprovabilidade, incor
porada no século passado pela dogmática penal alemã, transformou-se no
fator decisivo de determinação da quantidade da pena. O critério de re
provação, contudo, havia sido estabelecido a partir da fundamentação re-
tributivista de inspiração kantiana e hegeliana. Esta concepção, denom i
nada bilateral, foi consolidada na noção de que a pena, por um lado,
*4*5 FU'. DlQU Dí aSdSaliH NÍ RFITO I IWlSh^BLÍlVI
NA C U L P U H U D A D E
dogmática penal alemã, nas décadas de 1960 e 1970, que influenciará sobre
maneira o direito penal dos países romano-germânicos no final do século
passado, ocorre sob a forte influência da ideologia correcionalista. Os fins
da pena aos quais o direito penal se vinculará nesta nova reconfiguração
( 0 . NEGATIVA) D APENA
sistemática são os da correção dos déficits de socialização dos criminosos.
Assim, embora ao longo da década de 1970 sejam consolidadas as
teses críticas da criminologia ao modelo correcionalista na tradição da
common faw, nos países romano-germânicos o tema se presentifica em razão
de sua incorporação no campo dogmático (teoria do delito). Em meio ã
(CNÓSTICA
crise criminológica, a dogmática recupera a perspectiva da prevenção es
pecial e instrumentaliza suas categorias sobre este fundamento.
Percebe-se, pois, que, ao ignorar totalm ente os dados de realidade
DA CONCEPÇÃO
apresentados pela criminologia (crítica) em relação ã ilegitimidade teórica
e ã incongruência prática dos discursos de ressocialização, o mainstream
dogmático consome naturalm ente o discurso correcionalista, redefinindo
- P R C JEÇ Õ E5
27 Roxin expõe a concepção bilateral em um fértil diálogo com Arthur Kaufmann, autor
de “O Princípio da Culpabilidade” (1961). Segundo Roxin, “Kaufmann chega, inclusive, a re
clamar uma vigência absoluta, fandada no Direito Natural, para a tese de 'que a pena tem que cor
responder à culpabilidade, mas também a culpabilidade exige em prindpio pena’” (RO XIN,
Conapcián Bilateral y Unilateral dei Prindpio de Culpabilidad, p. 188). Esclarece, contudo,
que na segunda edição do livro (1976) Kaufmann agrega àjustificativa da pena baseada
na culpabilidade exigências de tutela de bensjurídicos. Neste sentído, conferir igualmen
te R O X IN , Reflexiones Político-Criminales sobre el Prindpio de Culpabilidad, p. 49.
razão da readequação das suas funções, mas, sobretudo, pelo consolidado
vínculo com a punição e os seus fins.
28 Leia-se inovação no campo da culpabilidade, pois, segundo Roxin, sua primeira pro
posta inovadora ocorreu no campo da teoria da imputação do tipo objetivo. Se nos siste
mas clássico, neoclássico e finalista o tipo objetivo ficava reduzido, essencialmente, ã mera
causalidade, a proposta teleológico-foncionalista torna a imputação de um resultado típi
co dependente da "Kalizafio de um perigo não permitido dentm da finalidade de proteção da
norma, substituindo pela primeira a categoria científico-natural ou lógica da ausalidade por um
conjunto de regras orientado ãs valorações jurídicas” (RO X IN , Derecho Penal, p. 204).
29 R O X IN , Derecho Penal, p. 204 (grifou-se).
30 R O X IN , Reflexiones Político-Criminales sobre el Principio de Culpabilidad, p. 43.
de limitação da intervenção punitiva será instrumentalizada pela adequação
da pena às finalidades preventivas (geral e especial). Nesta composição de
um modelo regido por distintos objetivos sancionatórios (sistema polifun-
cional), a missão prim ordial (hierarquicamente superior) do direito penal
seria a de ressocialização: “a execução da pena só pode ter êxito enquanto procu
re corrigir atitudes sociais deficientes que levaram o condenado ao delito”3'.
A tradução do correcionalismo ã teoria do delito será realizada pela
concepção unilateral do princípio da culpabilidade, defendida não apenas por
Roxin, mas pelos demais reformadores do direito penal alemão. A propo
sição unilateral procura m anter o sentido garantidor da culpabilidade como
limite da pena. Assim, a sanção criminal teria como lim ite quantitativo o
NA C U L P W L I D A D E
grau de culpabilidade pelo ato32. N o entanto, ao princípio de garantia
seria agregada segunda diretriz: “as penas e as medidas servem à proteção dos
bens jurídicos [prevenção geral negativa] e à reintegração do agente à comunida
de jurídica [prevenção especial positiva]” (§ 2-, inciso 1° do Projeto
Alternativo)33.
( 0 . NEGATIVA) D APENA
A ideia central do modelo unilateral exposto no Projeto Alternativo
(1966) de Código para a Alemanha é a de que o juiz, ao definir a quanti
dade de pena (tempo), não poderia, em qualquer hipótese, ultrapassar o
m áximo estabelecido pelo grau de culpabilidade. O princípio da culpabi
ÍCNÓSTICA
lidade permaneceria, pois, no sistema, como um mecanismo liberal e
psicológico-social adequado para a restrição da pena estatal34. Mas se a
culpabilidade fixaria os limites máximos contra o excesso punitivo, as
DA CONCEPÇÃO
finalidades preventivas possibilitariam quantificar a pena abaixo dos refe
renciais mínimos, sempre que visualizada a possibilidade de atingir aque
les objetivos (preventivos) com o m enor grau de aflitividade. - P R C JE Ç fE S
NA C U L P I W U D A D E
o m ínim o de pena adequada ã culpabilidade satisfaz, por si só, as necessi
dades de tutela do ordenamento jurídico (culpabilidade adequada aos fins
de prevenção geral).
Com o resultado destas reflexões, conclui R oxin que “ (...) a pena
adequada à culpabilidade deve ser entendida no sentido da teoria da margem de li
( 0 . NEGATIVA) D APENA
berdade e que a pena definitiva a ser imposta, dentro do marco da culpabilidade, deve
satisfazer somente as exigêndas preventivo-espeáais, pois a pena adequada à culpa
bilidade, inclusive a imposta em seu grau mínimo, cobre as necessidades de prevenção
geral entendida como prevenção integradora sodalmente, sendo que tampouco a lá
(CNÓSTICA
prevê uma prevenção intimidatória geral que pem ita ir além do limite máximo”40.
DA CONCEPÇÃO
d o c o n c e i t o d e c u l p a b i l i d a d e p e l o d e r e s p o n s a b i l i d a d e , em razão do
- P R C JEÇ Õ E5
38 "Nesteponto creio ter demonstrado que a lei normalmente obriga levarem considerado as neces
sidades pKventivas nos limites da cufabilidade, mas que o § 46, inaso 1-, sec. 2 Í, StG B, permite
exc^cionalmente impor uma pena inferior à conespondente ao grau de cufabilidade, até o limite do
indúpensável para a ‘defesa do ordenamento jurídico’, quando a imposição de uma pena conespon-
dente à culpabilidade possa ter um efeito daramente contrário à socialização” (RO XIN, La Deter-
minaciin de la Pena a la L uz de la Teoria de los Fines de la Pena, p. 117).
35 "Ao contrário do § 2 a A E (Projeto Alternativo], no § 59, inciso 2B, A E a 'reintegração do
agente’ está mencionada antes da 'pmteção da amunidade jurídica’. Com isto quer-se e^K ssar que,
na determinação da pena, dew-se ter em conta, no que for possível, preferentemente a prevenção es
pecial, antes da geral. Assim: o máximo de Kssocialização possível; o máximo de prevenção geral
necessário, ponm ambos aquém do grau de culpabilidade do fato delituoso em que se insew o caso
individual” (RO XIN, A Cul^bilidade como Critério Limitativo da Pena, p. 14). No mesmo
sentido, R O X IN , Derecho Penal, p. 98.
40 RO XIN , La Determinacién de la Pena a la L u z de la Teoria de los Fines de la Pena, p. 103.
abandono do fundamento retributivista (teoria bilateral41), ocorre com uma
certa preservação da liberdade de ação como pressuposto, interpretada dog
m aticam ente na fórmula poder de agir de outro modo.
Ressalta R oxin que a aceitação da possibilidade de atuar de modo
distinto decorre de um a proposifio normativa, de um a regra do jogo social,
que não indaga como está configurada a liberdade hum ana em sua essên
cia, mas que apenas prescreve ao Estado que o homem deve ser tratado como
livre e, portanto, w paz de responsabilidade42. Segundo o autor, a idoneidade
para responsabilização, ou seja, a possibilidade de que um sujeito seja des
tinatário de normas, advém, fundamentalmente, das condições pessoais de
compreensão das proibições e dos mandatos penais e da possibilidade de
orientação do comportam ento de acordo com tais prescrições43.
Um a das notórias vantagens da adoção da liberdade de agir como
pressuposto nomativo é a d e o direito penal exim ir-se do áspero problema
da liberdade de vontade como fundam ento material da culpabilidade, isto
é, trabalhar a liberdade como uma designação jurídico-constitucional
*4*5 FU'. DlQU Dí aSdSaliH NÍ RFITO I IWlSh^BLÍlVI
NA C U L P W L I D A D E
Brasileiro
( 0 . NEGATIVA) D APENA
tal após a Segunda Guerra, adquiriu inúmeras vertentes. Conform e desta
cado anteriorm ente, são distintos os percursos do correcionalismo na
tradição penológica anglo-saxã e no modelo rom ano-germ ânico, sobretu
do na form a pela qual cada versão correcionalista irá se instrumentalizar
í CNÓSTICA
nas estruturas normativas. Pense-se, p. ex., na radical diferença entre os
modelos correcionalistas de pena indeterminada, que orientaram as práti
cas punitivas nos países da common law, e a versão hibridizada da rívil law,
DA CONCEPÇÃO
em que o projeto de prevenção especial positiva (ressocialização) se insere
na racionalidade dogmática regida pelo princípio da culpabilidade.
Todavia, independente da feição normativa no direito penal interno, - PR C JEÇ llES
NA C U L P W L I D A D E
e, posteriorm ente, influenciaram a redação da Lei de Execução Penal.
Nos exemplos relatados das experiências alemã e brasileira, os postu
lados do correcionalismo são gradualmente adequados às estruturas liberais
do direito penal da culpabilidade. N a especificidade das estruturasjurídi-
( 0 . NEGATIVA) D APENA
cas de cada país, os fins preventivos são incorporados, alterando as feições
do campo punitivo. Mas, por mais distintos que sejam os sistemas e os
ordenamentos internos, o correcionalismo representou a grande perm anên
cia, em termos dejustificaçâo da pena, nos países ocidentais nas décadas
de 1970 e 1980. E, apesar da fragmentação dos discursosjustificacionistas a
ÍCNÓSTICA
que o m undo ocidental assistiu na década de 1990, é neste período anterior,
de consolidação do correcionalismo, que foram edificados os principais
DA CONCEPÇÃO
Códigos Penais do século X X , dentre eles a Reform a brasileira em 1984.
7.3.2. A R e f o r m a P e n a l d e 1 9 8 4 , seguindo as perspectivas teóricas - PRC JEÇSCS
NA C U L P U H U D A D E
A opção explícita por um regime de estrita legalidade dos delitos e
das penas marca uma im portante diferença da legislação penal brasileira
no processo de internacionalização política do correcionalismo por meio
do m ovim ento da Nova Defesa Social. Não é excessivo relembrar que o
( 0 . NEGATIVA) D APENA
modelo correcionalista baseado na lógica do tratam ento ressocializador,
sobretudo nos países da common law, havia instituído um sistema de penas
indefinidas, caracterizado pela exclusiva limitação do tempo mínimo de
cum prim ento. Desde a lógica correcional, seria inviável estabelecer o
quantum m áximo da sanção em razão de ser inconcebível um diagnóstico
(ONÓSTICA
ex ante do condenado, ou seja, o tem po do tratam ento dependeria, subs
tancialmente, da resposta positiva do paciente durante o processo terapêu
DA CONCEPÇÃO
tico (tratamento penal).
O Código Penal, ao vincular-se ao liberalismo político, exclui qual
quer possibilidade de pena indefinida, sendo sua quantidade e qualidade - PR O JEÇ Õ ES
NA C U L P I W U D A D E
diferença com as tendências internacionais de adesão irrestrita ao corre
cionalismo, no qual os limites às penas estariam subjugados exclusivamen
te ã perspectiva de prevenção especial60.
Mas, para além da virtude da culpabilidade como um limite às san
( 0 . NEGATIVA) D APENA
ções desproporcionais, um dos problemas centrais será o da sua instrumen
talização como medida da pena. Resum indo em uma indagação, os pro
blemas em ergem na identificação de quais elementos serão objeto de
valoração para estabelecer o índice (grau) da culpabilidade. Ainda, como
identificar elementos que não convertam o sistema de culpabilidade pelo
(CNÓSTICA
foto em um sistema de culpabilidade de autor? Os questionamentos indicam
algumas armadilhas que o modelo híbrido dejustificaçâo pode apresentar.
DA CONCEPÇÃO
O terceiro ponto de destaque é o da incorporação dos f i n s p r e v e n
t i v o s , marcadamente a p r e v e n ç ã o e s p e c i a l p o s i t i v a , como justificativa
da pena. É interessante perceber que a incorporação do correcionalismo - P R C JEÇ Õ E5
61 “ (...) ha uma pretensa sabedoria dos engenheiros sociais, que se aworam em manipuladores das
consciências alheias, transformando o direito penal em instrumento de mediciniz^ão, sem indagar,
deforma critica, o que constituiria efetivamente esta pretendida ressocializ^ão?
Necessárias em matéria de tratamento e prevenção especial são algumas perguntas que os pena-
listas, mormente nos fins da dkada de 70 e na presente década, vêm sefazendo: Kssocializar peran
te o quê? Ressocializar perante que conjunto normativo? Ressocializar perante que ideologia? Que
normas? Que conjunto de valoKS? O mnjunto de valores próprios de uma comunidade? O conjunto
de valores defendido por um deteminadopensamento politico? O conjunto de valoKS propugnado por
uma religião? Ou o conjunto de valores que se enmntra encartado na legislado penal? (...).
Mas ao se admitir que ele [condenado] possa ser cientificamente transformado, para se amoldar
ao mundo Hvk e à socieifade, se está assumindo um papel muito pourn critiw e muito mais totalitário
do que se imagina; totalitário na medida em que se vé o delinqüente como patológico, em que se vé o
delito como anormal, em que se atribui ao condenado aposição irremediável de errado (...)” (REA
L EJR . et al., Penas e Medidas de Segurança no Novo Código, p. 167).
62 R EA LE JR . et al., Penas e Medidas de Segurança no Novo Código, p. 167.
63 "Em k Ic^ íw aos esforços para a socialtzaçw preventivo-e^ecial, sem dúvida se elimimm as objeçòes
pela necessidade de uma colaborado wluntária e autorresponsável do proassado” (ROXIN, Dew-
cho Penal, p. 102).
pressuposto (voluntariedade), a possibilidade de educação é vista como um
direito do condenado que deve ser garantido pelo Estado64. Neste aspecto,
os lim ites de intervenção parecem ser mais bem resolvidos, aliando-se ã
perspectiva de um direito penal de nunim a intervenção, com a obstaculi-
zação de qualquer possibilidade de ingerência involuntária na vida privada
(princípio da secularização), a garantia de um direito social máximo, por
meio do oferecimento ao condenado de possibilidades de crescimento
individual. N a proposição da Reform a, a (re)educação é um direito do con
denado, passível de ser exigido do Estado, de forma que a administração
forneça os meios adequados para o seu aprim oram ento individual. Não se
trata, pois, de um direito do Estado em executar ou im por um a terapêutica
transformadora. O limite ã intervenção associado ã garantia ao desenvol
NA C U L P W L I D A D E
vim ento pessoal inverte a máxima correcionalista da unilateralidade do
tratam ento ressocializador que, em realidade, revela-se como terapêutica
coercitiva.
N o entanto, se do ponto de vista teórico-norm ativo as questões
( 0 . NEGATIVA) D APENA
parecem estar devidamente colocadas, inclusive com um a relativa adequa
ção da perspectiva ressocializadora ao princípio da secularização e o pre
ciso apontamento dos problemas gerados pelo correcionalismo, inúmeras
armadilhas surgirão na instrumentalização do sistema, tanto na fase judicial
de aplicação da pena quanto najudicial-adm inistrativa de execução. C on
ÍCNÓSTICA
form e destacado anteriormente na crítica ao m odelo penal-welfare, um dos
problemas da adesão ã polifuncionalidade da pena com preponderância
DA CONCEPÇÃO
ressocializadora é o da abertura do sistema para práticas autoritárias, pon
tos que serão novamente explorados no m om ento da aplicação e da exe
cução das penas. Todavia, parece evidente, inclusive pelo conteúdo refle - PRC JEÇSCS
conduzir à dispensa da pena, ‘para que o crime não recaia sobre o povo’, como disse
Kant a propósito da execução do último condenado já depois da dissolução da socie
dade rívil”6’’.
A questão que merece ser colocada, portanto, a partir da visualização
do recente processo histórico de vinculação entre o fenômeno político pena
e a categoria normativa culpabilidade, é se o feto de agregar as teorias jus-
tificacionistas da pena ao fundamento da culpabilidade produz efetivamen
te o efeito de limitação da intervenção punitiva. A resposta parece ter sido
antecipada, pois, desde a perspectiva agnóstica que orienta o trabalho,
atrelar a legitimidade da pena aos fundamentos da culpabilidade produz
um aprofundamento da crise dos discursos justificacionistas em razão da
ampliação do seu horizonte de projeção. Parece razoável sustentar que a
i m e r s ã o d a c u l p a b i l i d a d e n a s t e o r i a s d a p e n a significa sua imersão
186 nas crises do justificacionismo, o que implica trazer os problemas teóricos
e empíricos dos modelos de legitimação da sanção para a teoria do delito.
Neste aspecto os desdobramentos são inúmeros, a começar pela
mudança de rum o que a teoria do delito tomou ao longo do século passa
do, notadamente quando se vincula de forma inquestionável ã pena, por
meio desta ponte que representará a culpabilidade. Frise-se que a vincula-
NA C U L P U H .I D A D E
fins da política governamental.
Justificar a pena e a culpabilidade a partir de modelos teóricos que em
realidade são eles mesmos opções político-crim inais, pressupondo que a
política é guiada pela racionalidade científica, implica incorrer em um
( 0 . NEGATIVA) D APENA
idealismo dogmático que supervalora um a capacidade que a ciênciajurí
dica não possui, que é a de restringir os excessos da política. Por outro
lado, este tipo de profissão de fé no direito reedita determinados mitos do
positivismo jurídico, como o do legislador racional, suficientemente des-
construídos pela teoria crítica do direito e pelas próprias teorias pós-posi-
(ONÓSTICA
tivistas (p. ex., o garantismo jurídico).
Neste aspecto, um modelo agnóstico ou negativo de pena, baseado
DA CONCEPÇÃO
na experiência criminológica e na crítica dogmática, parece indicar os
equívocos da hibridização (polifuncionalidade) e da instrumentalização
político-crim inal. - PR O JEÇ Õ ES
NA C U L P U H .I D A D E
as zonas de manipulação são sempre altas, situação que, na operacionali-
dade do direito, amplia o decisionismo judicial.
Os problemas que os modelos hibridizados com prevalência corre
cionalista geram são tantos que é possível afirmar, inclusive, como “contra
( 0 . NEGATIVA) D APENA
ditória a tentativa de assentar a p em sobre a prevenção especial (que é tão dogmá
tica como a geral), de cunho determinista, para depois limitá-la por uma ficção
indeterminista,,6S.
A experiência histórica demonstrou como os sistemas estruturados
na prevenção especial positiva possibilitaram intervenções ilimitadas, so
(ONÓSTICA
bretudo no campo da execução da pena. E é exatamente em decorrência
das práticas que se produziram nestes espaços de exercício pleno do poder
punitivo que é altamente questionável o discurso de legitimação do cor
DA CONCEPÇÃO
recionalismo pela voluntariedade, com o apresentado por R oxin. É inegá
vel que a garantia da voluntariedade do tratam ento é um dos aspectos de
democratização de qualquer forma de intervenção estatal. N o entanto, no
- PR O JEÇ Õ ES
NA C U L P W L I D A D E
cional destaca-se o p r i n c í p i o d a c u l p a b i l i d a d e .
Conforme será trabalhado de form a sistemática na terceira parte do
livro, m om ento em que será harmonizado com os demais princípios que
regem o sistema de penas e de medidas de segurança, a constitucionaliza
( 0 . NEGATIVA) D APENA
ção da culpabilidade definiu um novo padrão de responsabilidade penal e,
consequentemente, de sanção ao desvio punível. Sua projeção na teoria do
delito e na teoria da pena não apenas exige um esforço para a conformação
dos estatutos hierarquicamente inferiores, marcadamente o Código Penal,
mas tam bém impõe aos atores do sistema punitivo formas muito particu
ÍCNÓSTICA
lares de interpretar e de aplicar o direito penal. Neste quadro, o esforço
que se coloca para a efetivação de um direito penal de garantias é o de que
DA CONCEPÇÃO
sua interpretação e sua efetivação ocorram em absoluta harmonia com os
demais princípios republicanos —como, p. ex., os princípios de seculariza
ção e de tutela da intim idade e da vida privada —, de forma a resguardar a
culpabilidade de qualquer tendência ou tentação autoritária, como, p. ex., a
- PRC JEÇSCS
NA C U L P W U Q A l l E
motivação perante a proibido e determinação”79.
A temeira inserção da culpabilidade é na teoria da pena, na qual adquire
as funções de limitação e de medida da sanção. Verificada em um momento
anterior (teoria do delito) a responsabilidade do autor pelo foto, a culpabi
( 0 . NEGATIVA) D APENA
lidade atuaria dogmaticamente como um índice de análise quantitativa,
definindo os parâmetros de adequação da dosagem (quantum) da sanção.
íC N Ó S TIC i
ilicitude e exigibilidade de conduta diversa).
Todavia, conforme será desenvolvido posteriormente na crítica da culpabilidade a
partir da reforma psiquiáttica e, sobretudo, na aplicação das medidas de segurança, enten
EÇÕER DA CONCEPÇÃO
de-se que os avanços da antipsiquiattia e do movimento antimanicomial, importantes na
área da saúde mental, impõem uma nova forma de olhar o problema da inimputabilidade.
Isto porque as irreversíveis lições da antipsiquiatria e do movimento antimanicomial ne
gam a absoluta incapacidade de compreensão e de vontade do portador de sofrimento
psíquico. Neste aspecto, conforme será desenvolvido, reconhecer um âmbito diferenciado
- PR
NA C U L P U H .I D A D E
menos vulnerável ao processo de criminalização. Por outro lado, a capa
cidade de eleição não é condicionada, nos termos naturalísticos do deter
minismo criminológico, por fatores de ordem biopsicossocial.
(6a) As características pessoais e biográficas (personalidade, experiên
cias) inexoravelmente integram o âmbito de autodeterminação, mas são
( 0 . NEGATIVA) D APENA
dados que não são passíveis de reprovação em si, pois atípicos.
(7a) O índice de responsabilização pela vulnerabilidade ocorre a
partir da análise do maior ou m enor esforço pessoal do autor do delito para
alcançar uma situação-limite em que o poder punitivo se habilita ao exer
(ONÓSTICA
cício, norm alm ente em razão da adesão (in)voluntária a determinadas
características externas (estereótipos) atribuídas aos desviantes ou pela
prática de atos delituosos grosseiros.
DA CONCEPÇÃO
(8 a) A culpabilidade pela vulnerabilidade pressupõe a culpabilidade
pelo foto e refuta qualquer forma de culpabilidade transpessoal baseada na
razão de Estado ou de culpabilidade de autor indicativa de periculosidade. - PR O JEÇ Õ ES
NA C U L P t W U D A D E
A im agem ilustrada do hom em pressupõe, pois, esta capacidade
absoluta de conduzir sua vontade. Lembre-se de que é no cenário ilum i
nista que o hom em do medievo preso aos desígnios divinos ^usnaturalis-
mo teológico) reclama um a liberdade inata ã sua própria condição de
( 0 . NEGATIVA) D APENA
hom em ^usnaturalism o antropológico). Desprendido do dom ínio divino,
o hom em do ilum inism o dem onstrará sua capacidade de dom inar a natu
reza, sobretudo a natureza individual da qual será refém com o advento do
paradigma determinista. Desta forma, as conseqüências do delito são con
cretizadas neste sujeito reconhecidamente livre que atuou voluntariam en
(ONÓSTICA
te contra o dever contratual de observância das regras sociais.
7.6.2. Ocorre que na virada do século X IX para o século X X , exa
DA CONCEPÇÃO
tamente no período em que as ciências crim inais iniciam seu processo de
sistematização dogmática, as teses filosóficas de valorização do livre-arbí- - PR O JEÇ Õ ES
com nte e jurídica. Falar em ‘culpabilidade’, pois, implica que se deve ‘algo’, e nos discursos legiti-
mantes do sistema penal considera-se que esse ‘algo’ í o injusto e que se ‘cobra’ com a pena” (ZA-
FFARONI, Em Busca das Penas Perdidas, p. 267).
Sobre a relação entte culpa e dívida — a partir de uma leitura transversal com a filosofia
(Nietzsche) e a psicanálise (Freud), bem como da relação destes conceitos (culpa e dívida)
com os de mal-estar e ressentimento —, conferirCARVALHO, Antim anual de Criminologia,
pp. 221-225.
8i Há um a im portante diferença entre livre-arbítrio e liberdade que merece ser destacada
neste momento. A fórmula ilustrada do livre-arbítrio significa, em síntese, a opção de
escolhas entrepossibilidadespostas. Isto no direito penal significa a escolha ‘livre’ entre
o lícito e o ilícito. A noção de liberdade é mais ampla e abarca não apenas esta capacida
de de escolha entre possibilidades dadas como a de invenção e de construção de novas
possibilidades.
trio são radicalmente contrapostas pelo emergente positivismo naturalista.
De controlador da natureza, este hom em livre será reduzido ã condição de
mero fantoche dos fatores endógenos e exógenos que o dom inam e con
trolam as suas ações.
O elemento apriorístico da l i b e r d a d e é substituído pelo da c a u s a
l i d a d e ( d e t e r m i n a ç ã o ) neste m om ento de popularização e de consoli
dação do naturalismo como paradigma das ciências. O impulso naturalis
ta proporcionado pelo evolucionismo biológico de D arw in (A Origem das
Espéríes, 1859), sua posterior transmutação em evolucionismo social com
Spencer (O Indivíduo Contra o Estado, 1884) e a aceitação dos estudos de
Pavlov, base da psicologia behaviorista, sobre os reflexos condicionados dos
animais (Psicologia e Psicopatologia Experimental dos Animais, 1903), definirão
novos rumos no estudo da condição humana que, inevitavelmente, irão
desestabilizar as teses jusnaturalistas do livre-arbítrio.
O cenário é propício para a emergência do paradigma etiológico da
criminologia positivista italiana, que encontrará em Ferri (Soríologia Cri
* 4 * 5 F U '. DlQU Dí a S d S a liH NÍ R F IT O I I W l S h ^ B L Í lV I
NA C U L P U H .I D A D E
juízo de imputabilidade do Código do Império e problematiza esta tensão
entre d e t e r m i n i s m o e i n d e t e r m i n i s m o . N o início do ensaio, o autor
questiona as formas de definição da imputabilidade com intuito de respon
der aos problemas da responsabilidade penal dos portadores de sofrimento
( 0 . NEGATIVA) D APENA
psíquico. A questão se tom a relevante em decorrência do que considera
uma insuficiente fundamentação do conceito de loucura no campo da psi
cologia, que teria sido apropriado pelo Código. Aduz o autor que a estru
tura de im putabilidade psicológica estabelecida pelo legislador estaria
restrita a três ou quatro noções pouco confiáveis, como vontade (“pressupos
(ONÓSTICA
to indispensável do crime nas expressões ação ou omissão voluntária”), má-fè
(“alianp binária de conhecimento do mal e intenção de o pratica^’) e dücemimento87.
DA CONCEPÇÃO
A partir desta verificação da carência teórica do Código no uso de
elementos pouco sofisticados da ciência psicológica para compreender a
‘insanidade’, Tobias Barreto desenvolve sua crítica aos fundamentos do - PR O JEÇ Õ ES
89 "A teoria da imputação, ou psicologia aiminal, como a denominam os juristas alemães, apoia-se
no fato empírico, indiscutível, de que o homem normal, chegando a uma txrta idade, legalmente es
tabelecida, tem adquirido a madureza e capacidade precisas, para conhecer o valor juridia de seus
atos, e determinar-se livremente a praticá-los” (BA RRETO, Menores e Loucos, p. 44).
90 BA R RETO , Menores e Louas, p. 44 (grifou-se).
Se Tobias Barreto, ao negar a possibilidade de fundamentação do
direito de punir, produz o prim eiro influxo de um a teoria agnóstica dapena-,
entende-se legítimo afirmar que a abstenção aos discursos idealistas sobre
o homem na análise dos pressupostos da imputabilidade induz a construção
de uma teoria agnóstica da culpabilidade. A culpabilidade, desvinculada dos
fundamentos metafísicos do espírito (livre-arbítrio) ou da m atéria (deter
minismo), adquire uma tonalidade em inentem ente normativa.
NA C U L P W L I D A D E
fomentado por R oberto Lyra Filho, em escritos que podem ser considera
dos os marcos fundacionais da crim inologia crítica na América Latina91.
Embora seus primeiros trabalhos, durante a década de 1950, tenham sido
desenvolvidos no campo da dogmática penal92, com especial ênfase ã teoria
( 0 . NEGATIVA) D APENA
do delito, durante a década de 1960, quando assume a cátedra na Univer
sidade de Brasília, Lyra Filho dedica-se com profundidade aos estudos de
crim inologia, filosofia e sociologia do direito, o que perm itirá realizar
um a densa revisão dos fundam entos do direito penal, notadam ente o da
culpabilidade.
íC N Ó S TIC i
A redação de Panorama Atual da Criminologia (1966) antecipa a pu
blicação de um dos mais inovadores textos da criminologia crítica brasi
DA CONCEPÇÃO
leira, que é Criminologia Dialétitó (1972). Elaborado a partir de um trabalho
homônimo, escrito como estudo comemorativo do bicentenário de Hegel,
publicado na Revista de Direito Penal em 1971, Criminologia Dialétitó sinte - PRC JEÇSCS
51 Segundo Zaffaroni, Lyra Filho, juntamente com o criminólogo colombiano Luis Car
los Pérez, até o momento do desembarque da criminologia da reação social por obra de
Lola Aniyar de Castro e de Rosa dei Olmo, são os expoentes do pensamento político mais
progressista na criminologia da América Latina (ZAFFARONI, ^ Palabra de los Muertos,
p 139).
52 Lyra Filho inicia sua carreira acadêmica na Faculdade Nacional de Direito, no R io de
Janeiro, em 1950, como professor substituto das disciplinas de direito penal e direito
processual. Seus primeiros trabalhos na década de 1950 são eminentemente dogmáticos,
com forte preocupação nas alterações da teoria alemã do delito —neste sentido, Novas
Posipes da Dogmàtim Alem ã (1951), O Novo Direito Penal Alemão (1952), Omissão de Socomo
(1954) e Esquemas de D in ito Processual Penal (1961), compilação dos fascículos de Direito
Judiciário Penal, volumes 1, 2 e 3, redigidos durante a década docente.
tiza o processo de ruptura do pensamento criminológico 93 com os funda
mentos ortodoxos das ciências criminais94.
Lyra Filho sustenta a necessidade de um pensamento crítico que
demonstre e supere as abordagens a-históricas e reificadas do direito, fun
dam entalmente porque tais perspectivas provocam a alienação do saber
jurídico dogmático da vida das pessoas e das demandas sociais —“a aliena
ção pode ocorrer, tanto na teoria, desligada de suas projeções sociais, quanto nos
‘dogmatismos brutos’ duma práxis acrítica. Os dois polos equivalem-se: basta trocar
o sinal”9’’.
Para além dos inúmeros elementos que disponibiliza para delinear a
construção do pensamento jurídico crítico no Brasil, Lyra Filho constrói
os argumentos de Criminologia Dialética a partir de duas discussões centrais
sobre culpabilidade. Em prim eiro lugar, no capítulo denominado A Cri
minologia e a Imagem do Homem, o autor reforça a necessidade de superação
das com p reen sõ es m etafísicas que obscurecem o hom em no nebuloso
debate entre livre-arbítrio e determ inism o, destacando, sobretudo, os
processos científicos de produção da imagem das classes trabalhadoras como
classes perigosas96. N o segundo momento, em A Criminologia e os Conceitos
de Direito e de Crime, Lyra Filho desenvolve a ideia de pluralismo jurídico
—com especial êráase às teses criminológicas das subculturas criminais —
em detrim ento da concepção dogmática monista. A construção teórica da
ideia de pluralismo perm itirá problematizar a homogeneidade dos valores
NA C U L P U H U D A D E
tologiza o delinqüente nas teses atávicas —o determinismo é o conteúdo da
periculosidade que justtâca as medidas de segurança—, necessariamente a supe
ração destes modelos idealizadores deve ocorrer desde uma perspectiva que
considere ser “o homem, ao mesmo tempo, determinado e livre, ente, cognoscente
e agente — dentm dos limita progressivamente alargados, de seu potenríal de autoco-
( 0 . NEGATIVA) D APENA
nhecimento e remodelado, como espécie e como pessoa. A s éticas idealistas é que
cavam abismos entre dado e valor, porque absolutizam o valor para querer que o dado
se conforme a e/e”98.
Ancorado em Engels, sustenta que é exatamente o conhecimento
(ONÓSTICA
dos fatores que condicionam o agir que possibilita ao hom em adquirir e
realizar sua liberdade, não apenas como ente e cognoscente, mas como agente
e protagonista de sua história —“é a assunfio e, não, a rejeição do determinismo,
DA CONCEPÇÃO
que dejine o homem como ser livre — termos absolutamente incompreensíveis para
quem careça de elementar iniríação dialética (...)”".
Os pressupostos teóricos solidificados por Lyra Filho perm item ã - PR O JEÇ Õ ES
em briagado nos últimos anos pelo avanço das pesquisas nas neurociências.
203
NA C U L P U H .I D A D E
pretam ser a conduta humana o resultado causai de defecções ou déficits
orgânicos. Não apenas pelo foto de que os modelos criminológicos pós-
-positivistas, dentre eles os neurocriminológicos, assentam-se em pressu
postos mecânico-causalistas — em uma era em que as próprias ciências naturais
( 0 . NEGATIVA) D APENA
abandonaram a crença na causalidade e incorporaram em seus estudos
circunstâncias altamente relevantes como risco, imprevisibilidade, impondera
bilidade e acaso —, mas, sobretudo, porque desconsideram quaisquer tipos de
relação de poder que se constituíram como fatores inerentes aos processos
de criminalização —fundam entalm ente após os efeitos irreversíveis provo
(ONÓSTICA
cados pela Escola de Chicago, notadamente Sutherland 102 e Becker103, e sua
posterior densificação pela crim inologia crítica104.
DA CONCEPÇÃO
Na literatura das ciências criminais, a criminologia crítica produziu
im portante inversão na análise do fenômeno criminal, alterando a concep-
- PR O JEÇ Õ ES
101 Nas palavras de Lyra Filho, "toda a éticafonda-se na liberdade, mas, salvo velhas dirqòes, já
superadas, lida com sujeitos conscientes (de suas determinantes) e livres (dentro do quadro que as I—
determinantes podem traçar). Esses sujeitos defrontam-se com um sistema ético normativo, que cons
titui a sup&estrutura de seus padrões básicos de convivência soaal. Por outm lado, o rfrerido sistema não
é único, m& vrn wntrastar-se, na dialética degmpos e classes, dentro da sociedade chamada global, com 205
outros padrões, que disputam a hegemonia” (LYRA FILHO, Criminologia Dialética, p.61).
102 SUTH ERLAND , m úte-C ollar Criminality, pp. 1-12.
103 BECKER, Becoming aMarihuana User, pp. 235-242; BECKER, Outsiders, pp. 1-39.
104 Uma das teses centrais de Alessandro Baratta é a de que os estudos etnográficos e a
conttibuição do interacionismosimbólico estabeleceram um marco irreversível na crimi
nologia contemporânea de superação da criminologia etiológica derivada do positivismo
naturalista (BARATTA, Criminologia Crítica e Critica do Direito Penal, pp. 112-114; A N
DRADE, A Ilusão de Segurança Jurídica, pp. 203-212).
ção positivista de criminalidade — crim e como um a condição natural ine
rente a determinadas pessoas —para a de processos de criminalização — crime
como uma construção artificial regida por interações criminalizadoras
seletivas e desiguais. A superação do crim e como ente natural, a partir da
consolidação do delito como um ente jurídico (direito penal dogmático) ou
um ente político (criminologia crítica), denuncia as reedições dos determ i-
nismos mecanicistas como tentativas de revitalização do positivismo causai.
É fundamental registrar que esta superação paradigmática do positivismo
ocorreu nos mais distintos campos das humanidades, como nas ciências
jurídicas, com o advento da criminologia crítica; no terreno da psicologia
e da psiquiatria, com a consolidação da psicologia social e da antipsiquiatria;
no âmbito da antropologia, a partir dos estudos culturais. Na atualidade,
esta superação se projeta inclusive no campo das práticas institucionais,
com a efetivação das políticas alternativas, dos programas de redução de
danos e do m ovim ento antimanicomial.
Todavia, mesmo após o amplo processo de desconstrução operado
*4*5 FU'. DlQU Dí aSdSaliH NÍ RFITO I IWlSh^BLÍlVI
NA C U L P W L I I H 1 E
latino-americanos, o conceito normativo de culpabilidade ancorado na
ideia de reprovação ingressa na literatura penal com a tradução da obra de
Mezger, por Rodríguez M unoz, em 1935. Mas em solo nacional houve
alguma resistência, sobretudo com Nélson H ungria, que percebia a base
autoritária do conceito106: “a partir da obra de Aníbal Bruno, tomar-se-ia abso
( 0 . NEGATIVA) D APENA
lutamente predominante no pensamento penalístico brasileiro uma culpabilidade que
consiste, essencialmente, em um juízo de r^mvação, mesmo entre autores influen
ciados por tendências pós-flnalistas (...). Aníbal Bruno ocupa, na literaturajurídico-
-pem l brasileira, posição atáloga — suprimida a veneração à suástica — àquela de
ÍCNÓSTICA
Mezger na doutrina alemã”107.
Não se desconhece o esforço da teoria do delito pós-guerra, sobre
tudo da dogmática alemã a partir da elaboração do Projeto Alternativo de
EÇÕEE DA CONCEPÇÃO
Código Penal108, para depurar os efeitos moralizadores que a ideia de re
íoí "Nélson Hungria relutou em incoyorar a novidade. Afirmando que uma nova concepção de
culpabilidade surgia 'por influência do Estado totalitário (...) findada no estranho postulado de que
- PR
o indivíduo deve prestar contas também de sua personalidade’, Hungria buscou neutralizaros efeitos f—
NA C U L P W U 1 H I E
que reduz as formas de interpretação dos fenômenos jurídicos ao binômio
direito natural versus direito positivo113; sendo exatamente na superação
dialética do positivismo e do jusnaturalism o que em erge a proposição
pluralista114. Em Criminologia Dialética, a problematização do m onismo
jurídico é inserida no debate das subculturas criminais, sendo um dos efeitos
( 0 . NEGATIVA) D APENA
a projeção do tema sobre questões nitidam ente dogmáticas como a antiju-
ridicidade material e a culpabilidaden i.
A premissa de que parte o autor é a de que “as normas jurídicas e morais
têm a mesma origem social, e se diversificam nos processos deformalização e aplica-
ÍCNÓSTICA
110 Nestesentido, LYRA FILHO, Criminologia Dialética, p. 97 e LYRA FILHO, Para um
EÇÕER DA CONCEPÇÃO
Direito sem Dogmas, p. 25.
111 “Durante certo tempo, a filosofia maixista — cuja vitalidade é sublinhada por um adversário do
porte de Raymond Aron —perdeu o gume dialético e crítico, numa crise de dogmatismos brutos, para
usar a expressão, já citada, de Henri Lefebvre (...). Está claro que, em outra época, o marxismo,
tmnsfiormou-se em 'teologia’, teve a sua ‘escolàstica’, inclusive com ‘p apa’, 'ind& 'e 'inquisiçm'— o
que não escapou à crítica de muitos dos seus próprios adeptos e simpatizantes” (LYRA FILHO,
- PR
f—
Criminologia Dialética, p. 31).
112 Sobre a design a ^ o ideológica do positivismo e do jusnaturalismo, conferir LYRA FILHO,
O que é Direito, pp. 25-48. 209
113 “Entretanto, permanece o dualismo — direito positivo e dinito natural — como uma antinomia
(uma antradição insolúvel), que parte o Direito num ângulo que só vê a ordem e noutro que invoca
um ajustip, cujo fundamento não é adequadamente assentado nas próprias lutas sociais e, sim, em
princípios abstratos” (LYRA FILHO, O que é Direito, p. 44).
”4 W OLKM ER, Pluralismo Jurídico, p. 190.
115 Importante destacar que, desde o ponto de vista da teoria geral do direito, Lyra Filho
trabalha detalhadamente o tema do pluralismo jurídico em obras como Para um Direito
sem Dogmas (1980) e O que é Direito (1982).
ção — as primeiras, heterônomas, e x te ^ m e n te coerdveis, mediante sanções organi
zadas, e bilateralmente atributivas; as segundas, relativamente autônomas, difusa
mente sancionadas e unilaterais. Ambos os tipos de normas geram, em seus âmbitos
comunicanttt, uma pluralidade de ordenamentos, que disputam a hegemonia. H á
sempre mais de um modelo em vias de positivação. D al os conflitos de ‘cultura’ e
‘subcultura’ entre si e até mesmo internamente”" 6.
A assertiva gera, no m ínim o, duas questões relevantes: a primeira,
relativa à tensão entre cultura e subcultura (desviante); a segunda, acerca
da legitimidade do ordenamento jurídico hegemônico.
Porém, de forma preliminar, é im portante registrar que o reconhe
cim ento de que a sociedade em m ovim ento cria e recria direitos para além
do direito positivado (direito hegemônico) não implica atestar como legí
tima qualquer forma de juridicidade extralegal. Se efetivamente existem
esferas alternativas de produção do direito, a legitimidade destes direitos
emergentes está necessariamente vinculada ao caráter democrático dos seus
*4*5 FU'. DlQU Dí aSdSaliH NÍ RFITO I IWlSh^BLÍlVI
NA C U L P U H U D A D E
ilícito punível.
É fundamental frisar, porém , que esta crítica aos efeitos da reedição
de modelos de direito penal do autor em razão da adoção de um modelo
de culpabilidade como reprovabilidade não se limita ao debate teórico no
âmbito dogmático ou criminológico. Embora o prim eiro influxo da uni
( 0 . NEGATIVA) D APENA
versalização e da hierarquização axiológicas ocorra no processo de crim i
nalização primária, traduzido pela doutrina penal no conceito de bem
jurídico119, a instrumentalização dogmática do juízo de reprovação perm i
te que no cotidiano forense sejam realizados julgamentos marcadamente
(CNÓSTICA
inquisitórios, baseados em códigos de valores idealizados. Um a análise
cuidadosa nas pesquisas criminológicas sobre a atuação dos atores do sis
tema penal — em temas gerais como aplicação 120 e execução da pena 121 e
DA CONCEPÇÃO
prisões cautelares122; ou em situações específicas como tráfico de drogas 123
e crimes violentos 124 perm ite perceber, de forma bastante evidente, como
- P R C JEÇ Õ E5
118‘M noção de ‘subcultura’ é: a) formalista (pela hierarquização acrítica dos elementos, conforme
arranjo dominante); b) meramente conservadora (pela admissão de uma espécie de homeostase, no
próprio sistema)" (LYRA FILHO, Criminologia Dialética, p. 122).
115 TANG ERINO , Cul^bilidade, pp. 63-69 epp. 139-143. 2fl
120 CARVALHO, O Papel dos Atores do Sistema Penal na Era do Punitivismo, pp. 165-228.
121 BUJES, Entre Sagrados e Profanos, pp. 98-159.
122 VASCONCELLOS, A Prisão Preventiva como Mecanismo de Controle e Legitimação do
Campo Jurídico, pp. 173-216.
123 ALVES, Entre a Cultura do Controle e o Controle Cultural, pp. 177-211; BOITEUX e
CASTILHO, Tráfico de Drogas e Constituição, pp. 92-196; W EIGERT, Uso de Drogas e
Sistema Penal, pp. 96-110.
124 IBCCrim & IDDD, Decisões Judiciais nos Crimes de Roubo em São Paulo, pp. 4-39.
o discurso punitivista se legitima a partir de um ideal de moralidade que
se concretiza na reprovação das pessoas e dos grupos criminalizados.
NA C U L P U H .I D A D E
de e autonomia de inter&ses do todo comunitário, num lócus político, independente
dos rituais formais de institucionalização ” 126.
O problema que o reconhecimento do pluralismo jurídico e das
subculturas aporta ao direito penal é o da legitimidade dos juízos de re
provação em um cenário em que são múltiplas as expressões culturais e
( 0 . NEGATIVA) D APENA
distintos ou conflitivos os valores vigentes na sociedade. Se uma das variáveis
da categoria culpabilidade implica a definição de um juízo de reprovação
sobre a conduta individual, im porta indagar quais são os critérios de defi
nição dos valores que inform am este julgamento do autor do ilícito em um
(ONÓSTICA
contexto de complexidade cultural. De forma mais contundente, a per
gunta recai sobre a legitimidade dos critérios orientadores do julgam ento
(reprovabilidade) de pessoas com diferentes estilos de ser.
DA CONCEPÇÃO
Note-se que o problema não recai apenas nos casos mais agudos,
como, p. ex., a diferença de valores culturais (e todas as implicações no que
tange ã compreensão do ilícito) entre as comunidades do mono e os moradores - PR O JEÇ Õ ES
valores dos jovens das classes urbanas médias e baixas, sugerindo que quan-
NA C U L P U H U D A D E
visão conservadora que cristalizava imagens estereotipadas de consumo e
de alienação como os padrões dominantes dos comportamentos desviantes.
Conforme destaca Freire Filho, o direcionamento do culturalismo
britânico era no sentido de perceber os comportamentos disruptivos da
( 0 . NEGATIVA) D APENA
juventude como fenômenos culturais desvinculados das visões patologi-
zantes que compreendiam os desvios como sintomas de demência, dege-
neração ou perversão moral. Os estudos culturais, portanto, “(...) rechaçavam
a noção (em voga m retórica política, acadêmica e jornalística) de que a crescente
tfuência do pós-guerra teria redunfado na assimilação dos jovens da classe traba
(ONÓSTICA
lhadora em uma cultura de consumo juvenil homogênea (...)”136.
Assim, opondo-se ã patologização e ã estereotipação dos com porta
DA CONCEPÇÃO
mentos desviantes, os investigadores procuram com preender os grupos e
os seus atores nos espaços de vivência da juventude, ou seja, por meio da
análise das suas distintas dinâmicas, na identificação das suas diversificadas - PR O JEÇ Õ ES
minologia, a perspectiva etnográfica na análise das tribos urbanas será retomada pela
criminologia cultural.
A ressi^ificação das subculturas criminais como tribos urbanas permite compreender
o universo heterogêneo das formas de manifestação da juventude urbana sem estabelecer
uma hierarquia axiológica que inferioriza a subcultura desviante. Em realidade, os estudos
contemporâneos rompem com a fixidez do conceito de subcultura, inserindo as variáveis
do pluralismo cultural na complexidade das sociedades além-da-modernidade. Frise-se,
portanto, que a perspectiva que informa os estudos atuais não significa uma mera reade
quação terminológica. O abandono da análise verticalizada que contrapõe cultura e
subcultura opera uma radical alteração nas formas de compreensão dos processos de
construção das identidades desviantes. Assim, os códigos culturais das tribos passam a ser
significados na sua experiência cotidiana, no encontro dos sujeitos que integram os dife
rentes coletivos que compõem a fauna urbana. Conforme percebe Escosteguy, "o estudo
etnográfico acentua a importância nos modos pelos quais os atoKS sociais definem por eles próprios as
condições em que vivem. Com a extensão do signficado de cultura de textos e apresentações para
práticas vividas, considera-se em fo w a produção de sentido” (ESCOSTEGUY, Uma Introdução
aos Estudos Culturais, p. 90).
Sobre a transposição do conceito de subcultura para o de tribo urbana, com especial
ênfase na criminologia, conferir CARVALHO, D as Subculturas Desviantes ao Tribalismo
Urbano, pp. 149-223.
Becker percebe como as investigações científicas sobre crime e des
vio são quase exclusivamente dedicadas ao sujeito isolado que violou as
regras. N o entanto, sustenta que, para alcançar um a compreensão mais
qualificada sobre o problema, é necessário conceber o desvio e os desvian
tes como um a conseqüência do processo de interação entre pessoas: pes
soas que por interesses próprios ou de seus grupos de referência criam e
impõem regras; pessoas que por interesses próprios ou de seus grupos
violam as regras, praticando atos rotulados como desviantes138.
N o jogo sutil de intercâmbios entre culturas não há, conforme le
ciona Escosteguy, um confronto bipolar e rígido, “elas [culturas] não são
vistas como exterioKS entre si mas comportando cruzamentos, transações, interseqões.
Em determinados momentos, a cultura popular resiste e impugna a cultura hegemô
NA C U L P W L I D A D E
nica, em outros mproduz a concepção de mundo e devida das classes hegemônicas”139.
Nesta perspectiva, Baratta desenvolverá a tese de que o reconheci
m ento do pluralismo cultural e das subculturas desviantes resulta na n e
g a t i v a d o p r i n c í p i o d a c u l p a b i l i d a d e compreendido como juízo de
( 0 . NEGATIVA) D APENA
reprovabilidade. A tese trabalhada pelo autor é a de que o com portam en
to desviante não deve ser interpretado como expressão única de um com
portam ento interior dirigido contra os valores sociais, sobretudo porque
inexiste um sistema homogêneo de valores. Nas sociedades plurais e complexas
coexiste uma série infinita de valores que são transmitidos e compartilha
ÍCNÓSTICA
dos pelos indivíduos e pelos grupos sociais nas mais diversas dinâmicas.
Conclui Baratta que “não existe, pois, um sistema de valores, ou o sistema de
DA CONCEPÇÃO
valores, em face dos quais o indivíduo é livre de determinar-se, sendo culpável a
atitude daqueles que, podendo, não se deixam 'determinar pelo valor’, como quer
uma concepção antropológica de culpabilidade, cara principalmente para a doutrina - PRC JEÇSCS
lismo cultural. Neste sentido, Márcia Dom etila Lima de Carvalho indica
que “a dogmática jurídica não pode ignorar a integração do direito em formações
sociais determinadas. O dogma da culpabilidade, quando da sua concretização, não
pode deixar de ter em mira, por exemplo, que o fato de um certo infrator participar
de uma certa subcultura, com determinados sistemas de valores, diversos dos eleitos
constitucionalmente, não pode, muitas vezes, ser-lhe imputado, porque resultante
das carências dos direitos soríais, necessários à soríalização, na cotformidade das
normas jurídicas impositivas” 143. D o contrário, a aplicação do direito penal
não será distinta das sanções militares executadas nas zonas de conflitos
armados, locais em que o único critério de legitimação da pena é o foto
de que o direito válido a ser aplicado é o determ inado pelos Tribunais dos
vencedores. A metáfora de Tobias Barreto da pena como guerra ganha uma
nova dimensão nesta representação.
NA C U L P W L I D A D E
tório na dogmática do delito no qual a reprovabilidade do ato se converteu
na possibilidade do julgam ento da personalidade do autor (suas opções,
suas crenças, seu com portam ento social, sua form a de ser).
Os modelos penais de autor são construções inquisitórias caracteri
( 0 . NEGATIVA) D APENA
zadas pela inobservância da s e c u l a r i z a ç ã o d o d i r e i t o e se manifestam
de duas formas bastante nítidas. Na primeira, a concepção de crime é
substancializada por premissas de ordem eminentemente moral, ou seja,
há um a fusão entre direito e moral que gera, no campo do ilícito, um a asso
ciação entre delito e pecado. A pena, portanto, converte-se em um instrumen
ÍCNÓSTICA
to de redenção aplicado contra o pecador, o herege, o itfiel, o inimigo da fé.
Apesar de esta forma de instrumentalização do direito penal reme
ter em termos históricos ao medievo, fundamental lembrar que a grande
DA CONCEPÇÃO
maioria, senão a integralidade, dos sistemas penais vigentes nas ordens
políticas totalitárias do século passado foi estruturada sobre esta base.
Substitui-se a moral eclesiástica pela autoridade imposta pela ideologia
- PRC JEÇSCS
NA C U L P U H U D A D E
versalizando a lógica das medidas de segurança aos imputáveis.
Nos sistemas da civil law, notadamente em razão do apego ao prin
cípio da legalidade, a estrutura da culpabilidade foi m antida em sua dupla
instrumentalidade: lim ite e medida da pena. A manutenção do sistema de
( 0 . NEGATIVA) D APENA
penas fundado na culpabilidade não significa, porém, sua imunização em
relação ao projeto político-crim inal correcionalista, muito menos a inter
dição de aberturas ao modelo de periculosidade. Pelo contrário, a definição
da culpabilidade como reprovabilidade perm itirá que as premissas do
correcionalismo periculosista sejam gradualmente incorporadas no sistema
(ONÓSTICA
da teoria do delito e, consequentemente, no da teoria da pena.
A conversão da reprovabilidade em um juízo eminentemente moral,
DA CONCEPÇÃO
em ofensa ao postulado da secularização, é denunciada com precisão por
N ilo Batista: “Frank não ignorava que aquela palavrafeia (reprovabilidade), que
ele parecia recolher da linguagem da vida cotidiana, mas que instalava imediatamen - PR O JEÇ Õ ES
te uma conotação ética no juízo sobre a conduta do sujeito, estava emfranca colisão
com um dos pilares do penalismo ilustrado: a radical separação entre direito e
moral”™6. E conclui de forma taxativa: “não; simplesmente não é possível ope f—
rar uma culpabilidade &sencialmente concebida como reprovabilidade”,47.
Os temas relativos (a) à laicização do direito penal, (b) à inserção 223
constitucional do princípio da secularização, e (c) à tensão entre culpabi
lidade de autor e culpabilidade de foto serão retomados no m om ento da
determinação da pena. O deslocamento deste debate para a fase dogmáti
NA C U L P U H U D A D E
por concretizar a incidência de violência institucional no sujeito, deve
receber maiores cuidados que os fins idealizados da pena150.
Conclui-se que, sendo os instrum entos punitivos (meios) em si
mesmos violentos, as suas justificativas (fins) acabam operando como nar
( 0 . NEGATIVA) D APENA
cóticos racionalizadores de sua programação. Abdicar das funções e cen
tralizar a preocupação nas formas de punir, a partir do horizonte projeta
do pela principiologia constitucional, talvez seja um a das únicas formas de
contração do poder irracional bélico (política redutora dos danos punitivos).
Redução de danos nos meios, a partir da absoluta descrença nos louváveis
(ONÓSTICA
fin s e nas romântiMs origens, representa a possibilidade de uma proposição
concreta de ação desconstrutora da lógica punitivista, pois “(...) quanto mais
DA CONCEPÇÃO
o conhecimento dispõe de meios, menos importa a preocupação com o objetivo, com
a jtnalidade. Para tantos fins, tantos meios”1=1.
- PR O JEÇ Õ ES
NA C U L P W L I D A D E
adequação de determ inadas pessoas aos estereótipos; igualmente ocorre a
habilitação do poder punitivo em casos grosseiros (criminalidade violenta).
Zaffaroni e Batista concluem que algumas condições facilitam o aumento
do índice individual de vulnerabilidade ao processo de criminalização,
( 0 . NEGATIVA) D APENA
porque “(a) suas características pessoais se enquadram nos estereótipos criminais;
(b) sua educação só lhes permite realizar ações ilícitas íosms e, por conseqüência, de
fácil deteqão e (c) porque a etiquetagem suscita a assunção do papel conespondente
ao estereótipo, com o qual seu comportamento acaba correspondendo ao mesmo (a
profecia que se autorrealiza) ” 156.
íC N Ó S TIC i
O grau de vulnerabilidade decorre, portanto, do maior ou menor
esforço individual de exposição ao processo criminalizador. Esforço que
DA CONCEPÇÃO
deflagra formas distintas de habilitação da periculosidade do poder punitivo.
Segundo Zaffaroni, em certas situações, determinadas pessoas realizam um
esforço muito grande para alcançar uma situação de vulnerabilidade, ou - P R C JE Ç fE S
NA C U L P t W U D A D E
caz. Em sentido idêntico os dispositivos do art. 10, Lei n. 8.137/90, que
define os crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações
de consumo —“caso o ju iz, considerando o ganho ilícito e a situação econômitó do
réu, verifique a insuficiência ou excessiva onerosidade das penas pecuniárias previs
( 0 . NEGATIVA) D APENA
tas nesta Lei, poderá diminui-las até a décima parte ou elevá-las ao décuplo”. O
art. 33 da Lei n. 7.492/86 estabelece que nos casos de crimes contra o
sistema financeiro, mesmo se a pena de multa for aplicada no máximo,
poderá o juiz estendê-la até o décuplo, se entender suficiente para repro
vação e prevenção do delito.
(CNÓSTICA
Em apenas um caso a legislação penal brasileira define critérios
gerais de atenuação da pena em razão de déficits materiais decorrentes das
DA CONCEPÇÃO
omissões estatais. O art. 14, I, da Lei n. 9.605/98, dispõe que nos crimes
ambientais são circunstâncias que atenuam a pena o baixo grau de instrução
ou escolaridade do agente. N ote-se que, neste caso específico, o critério - PR O JEÇ Õ ES
ou dos déficits sociais do acusado — o art. 64, Código Penal colombiano, determina a f—
atenuação da pena em fece da indulgência; o art. 41, Código Penal argentino, prevê dimi
nuição da sanção quanto maior for a dificuldade do autor para prover seu sustento ou de
famliares; o art. 38, Código Penal da Bolívia, art. 52, Código Penal do México e art. 51, 229
Código Penal do Peru, mencionam situações de diminuição de pena nos casos de dificul
dades econômicas e sociais do réu; o art. 29, Código Penal do Equador, refere a indigência,
família numerosa e a feita de trabalho do imputado como causa atenuante; o art. 30,
Código Penal do Paraguai, estabelece vínculo entte a conduta do indivíduo e o seu estado
de miserabilidade. As referências são exemplificativas e remetem à legislação penal latina
da década de 1980, motivo pelo qual pode haver alguma desatualização dos dados. Sobre
o tema, conferir ZAFFARONI, Sistemas Penales y Deredws Humanos en A m ^ w Latina, p. 59.
159 ZAFFARONI e PIERANGELI, Direito Penal Brasileiro, p. 611.
sequer é econômico, mas socioeducativo160. Não obstante, na legislação
processual, a Lei n. 10.792/2003, ao reformular as regras do interrogatório
do acusado, estabelece a necessidade de o juiz perguntar sobre as oportu
nidades sociais oferecidas ao acusado, indagação que, im plicitam ente,
projeta-se sobre a pena161.
Conclui Zaffaroni que “ao lado do homem culpado por seu fato, existe
uma coculpabilidade da sociedade, ou sqa, há uma parte de culpabilidade — da re
provação pelo fato — com a qual a sociedade deve arcar em razão das possibilidades
sonegadas (...). Se a sociedade não oferece a todos as mesmas possibilidades, que
assuma a parcela de responsabilidade que lhe incumbe pelas possibilidades que negou
ao itfrator em comparação com as que proporcionou a outrns. O infrator apenas será
culpável em razão das possibilidades sociais que se lhe ofereceram”162.
NA C U L P U J H .ID A D E
liberal globalizada, é a agudização da miséria e o aumento da m arginali-
zação social, situação que se projeta na amplificação do Estado penal e no
atual hiperencarceramento. N o entanto, embora a situação econômica seja
um dos fatores que efetivamente aumentam a vulnerabilidade para a prá
tica de condutas contra o patrimônio, a redução da leitura do fenômeno ã
( 0 . NEGATIVA) D APENA
simplificação causai é deficitária. Aliás, conform e tem sido reiterado,
qualquer redução causal-mecanicista é insuficiente para com preender fe
nômenos complexos como os derivados da criminalização.
Por outro lado, o olhar causal-economicista produz um efeito per
(CNÓSTICA
verso que é o do aum ento dos níveis de criminalização, com a habilitação
do poder punitivo contra as pessoas de nível social mais alto, em um a in
conseqüente (e tam bém simplificadora) inversão de seletividade. O fenô
DA CONCEPÇÃO
meno da inversão da seletividade, bastante com um em projetos político-
-crim inais de algumas agências de punitividade, acaba sendo pautado pela
pressuposição de que as classes políticas e econômicas mais favorecidas
- P R C JEÇ Õ E5
seriam as responsáveis diretas pela miséria social, m otivo pelo qual devem
ser responsabilizadas de forma mais contundente. Trata-se, segundo a de
signação de Scheerer, da manifestação dos empresários morais atípicos165 ou,
16‘ O diagnóstico é realizado com precisão porElena Larrauri: “a adoção do mawismo, com
sua primazia nas nlações materiais, leva em determinadas ocasiões a afim ar que este sistema econô
mico é, porfim , o responsável pelo desvio. O capitalúmo aparece como causador da delinqüência, ao
basear-se em uma estmtura sodal desigual que marginaliza um amplo setor dapopultyifa do mercado
de trabalho e consequentemente do menado de consumo” (LA RRA URI, La Herencia de la Cri
minologia Critica, p. 120).
165 O texto de Sheerer, denominado Empresários Morais Atípicos (1986), identifica como
alguns movimentos ou grupos sociais de defesa de processos de emancipação social e dos
segundo popularizado na literatura criminológica nacional, do fenômeno
da esquerda punitiva166. Zaffaroni verifica que este tipo de discurso produz
um direito penal de duas velocidades: “mais garantias (mais contenção do
poder punitivo) para o delito comum e menor& (menos contenção do poder punitivo)
para o delito organizado”167.
Ocorre que se o objetivo de um modelo agnóstico de pena (e de
culpabilidade) é o de desabilitar o poder punitivo, estabelecendo apenas
critérios de constrição da sua atuação irracional, incabível absorver qualquer
discurso orientado ao aumento dos níveis de punitividade, independente
m ente do status socioeconômico do criminalizado. D o contrário, sempre
o sistema será orientado pela lógica bélica dos Tribunais de vencedores,
nos quais o grupo social ou a classe política que se encontra no poder ma
nipula as regras político-crirnnais para crirnnalizar os inimigos vencidos.
Por outro lado, consigna Zaffaroni que a experiência histórica de
m onstra que a excepcional habilitação do poder punitivo sempre acaba
sendo naturalizada, pois ao ser incorporada no fluxo com um da política
tem os seus efeitos banalizados. Por isso, “(...) toda dermgação de limitação ao
poder punitivo é um passo atrás em direção ao inquisitorialismo ”168.
Neste quadro, a tese da coculpabilidade é superada em direção ã
culpabilidade pela vulnerabilidade, em uma análise de responsabilização
baseada na relação entre dois fatores centrais: (1-) a posição de vulnerabi
lidade do sujeito; (2 -) o seu esforço para atingir a situação de vulnerabili
dade habilitadora da seletividade criminalizadora. A situação concreta de
vulnerabilidade —incluindo neste juízo a análise de maior ou m enor ade
direitos humanos (p. ex., grupos feministas, movimentos ecológicos, coletivos em defesa
da igualdade racial, movimentos contra a homofobia) passaram, em determinado momen
to, a defender o uso simbólico do direito penal, a partir de postulados eminentemente
morais. Segundo Larrauri, o que os converte em atípicos é o redirecionamento ocorrido
no seio destes grupos, pois de críticos do sistema punitivo “estes novos empresários morais
passaram a difindiro discutvo dominante (...) e a defenikro direito penal como um meio de proteção
— em vez de algo melhor que o direito penal — e a aceitar o papel preponderante do Estado para
configurar e impor um tipo de sociedade — em vez de conquistar e^aços de atuação autônomos da
inteijirência estatal” (LA RR A U R I, L a Herencia de la Criminologia Critica, p. 218).
166 KARAM , A Esquerda Punitiva, pp. 79-92.
167 ZAFFARONI et al., M anual de Derecho Penal, p. 514.
168 ZAFFARONI et al., M anual de Derecho Penal, p. 514.
quação do sujeito aos estereótipos que produzem criminalização 169 acres
cida do esforço para a vulnerabilidade —m aior ou m enor risco de exposi
ção ã crim inalização em decorrência do com portam ento pessoal 170
redefine os parâmetros de análise da culpabilidade a partir da integração
dos dados empíricos de seletividade.
N o entanto, conforme destacado anteriormente, é exatamente este
esforço pessoal realizado para atingir um a situação de vulnerabilidade na
qual o poder punitivo se concretiza que se tom a passível de análise no
juízo de responsabilização (ou de reprovação), pois ninguém pode ser re
provado pela sua situação ou estado pessoal de vulnerabilidade171.
Assim, a culpabilidade pela vulnerabilidade, ao incorporar a ideia
de coculpabilidade e pressupor a culpabilidade de foto, apresenta-se como
NA C U L P W L I D A D E
uma alternativa ã culpabilidade como reprovação em todas as suas crises
(idealista e moralista).
7.9.5. O prim eiro caminho para delinear um a concepção ag n ó s
( 0 . NEGATIVA) D APENA
tica de cu lp ab ilid ad e percorreu as crises dos seus fundam entos e os
efeitos decorrentes da instrumentalização dogmática. A exposição da cri
se forneceu uma pauta negativa daquilo que não poderia ser incorporado
ao juízo de responsabilização em um sistema jurídico-penal de garantias
conformado ao paradigma do Estado dem ocrático de direito. Esta prim ei
íC N Ó S TIC i
ra tarefo metodológica procurou construir hipóteses mínimas para a defi
nição de um modelo de responsabilidade penal em harm onia com a princi-
DA CONCEPÇÃO
piologia republicana, que delimita a estrutura secularizada dos modelos de
direito penal do fato.
Conform e foi possível perceber nas inúmeras perspectivas de crítica - PRC JEÇSCS
NA C U L P U H U D A D E
dade é responsabilidade, não reprovabilidade”m . Neste sentido, Nilo Batista
afirma que “(...) nada perderíamos se passássemos a designar, na teoria do delito,
a culpabilidade por qualquer outro rótulo, como responsabilidade ou imputabilidade
jurídiw, desde que integrada p eh imputabilidade, p eh consáétáa (ao menos potenáal)
( 0 . NEGATIVA) D APENA
da ilicitude e pela exigibilidade da conduta juridicamente requerida (ou seja, pelos
mesmos elementos que hoje integram a culpabilidade). Seja como princípio básico a
orientar toda a construção teórica, isto é, como estrato autônomo do conceito analíti
co de crime, habilitador e limitador da pena para o sujeito do injusto, os conteúdos
daquilo que se chama tradicionalmente culpabilidade são indeswrtáveis. Mas outor
(ONÓSTICA
gar ao juízo de culpabilidade o sentido de reprovação, isso é mais do que deswrtável:
atraiu um moralismo vulgar inadmissível no estado de direito erigido a partir da
dignidade da pessoa humana, cuja pedra angular reside em sua autonomia moral”175.
DA CONCEPÇÃO
Nas lições de Nilo Batista a estratégia resta claramente demonstrada:
extrair as hipóteses de julgam ento moral não significa extirpar os elemen
tos que atualmente compõem a culpabilidade. Todavia, filtrar a culpabili - PR O JEÇ Õ ES
lidade ou não do agir concreto do agente. Tal operação resultaria em um abstracionismo, passando
por várias etapas, o que desfigura o real” (REALE JR ., Instituições de Direito Penal I, p. 182).
Na mesma linha de raciocínio, TOLEDO, Princípios Básicos de Direito Penal, p. 232;
TAVARES, Direito Penal da Negligência, p. 137; DÁVILA, Crime Culposo e a Teoria da
Imputação Objetiva, pp. 92-98.
174 A pud BATISTA, Cem Anos de Reprovado, p. 180.
175 BATISTA, Cem Anos de Reprovação, p. 180.
experiência empírica da seletividade do sistema penal, geralmente exposta
pela criminologia, nas categorias dogmáticas. Neste sentido, a adesão ã
perspectiva da culpabilidade pela vulnerabilidade representa um chama
m ento da dogmática penal ã realidade na qual o sistema opera.
A tese da culpab ilidad e pela v u ln erab ilid ad e se estabelece a
partir de dois pressupostos. Primeiro, pela afirmação da culpabilidade pelo
fato; segundo, com o reconhecim ento do legado positivo da teoria da
coculpabilidade. Neste sentido, segundo Zaffaroni e Batista, se a culpabi
lidade pelo fato indica o limite m áximo do poder punitivo habilitável,
atuando como mecanismo de contenção quantitativa da irracionalidade
punitiva, a culpabilidade pela vulnerabilidade fornece elementos para re
dução de sua incidência. Apresenta, pois, inegáveis vantagens em relação
aos demais sistemas de culpabilidade: “(a) modifica a indicação que resulta da
pura culpabilidade de ato sem afetá-la quanto àfunção redutora que deve cumprir
na teoria do delito; (b) prescinde de indagar-se se é culpabilidade de ato ou de autor,
*4*5 FU'. DlQU Dí aSdSaliH NÍ RFITO I IWlSh^BLÍlVI
uma vez que só pode dispor de efeito redutor; (c) não legitima o exercício do poder
punitivo, mas tão somente — ao implicar o esgotamento do espaço de poder dedsório
da agência — a decisão” 176.
Em síntese, ao agregar os dois movimentos anteriormente expostos
—apresentação das crises e adesão ã culpabilidade pela vulnerabilidade —,
é possível definir alguns critérios delineadores de uma concepção agnós
tica (ou negativa) de culpabilidade, visualizada como responsabilidade ou
imputabilidade e que incorpore os dados empíricos da seletividade crim i
nalizante do sistema penal:
NA C U L P U H .I D A D E
a sua experiência concreta produz distintos efeitos nas pessoas, constituin
do-se a relação entre a pena e o seu destinatário um processo personalís
simo que torna insustentável qualquer fundam ento universalista ou tota-
lizador (corretivo, intim idatório, dissuasivo).
(5a) Reconhecer a violência produzida com a aplicação e a execução da pena:
( 0 . NEGATIVA) D APENA
se qualquer forma de sanção, em decorrência do seu caráter coercitivo,
implica em violência, a pena criminal caracteriza-se como o ato de maior
conteúdo aflitivo na programação das agências de controle social formal,
motivo pelo qual necessita ser considerado no processo de responsabilização.
(ONÓSTICA
( ^ ) Compreender o caráter paternalista e higienista da pena correcional: o
desenvolvimento e a consolidação do correcionalismo no século passado
induziram a teoria penal a produzir um significado positivo para as penas,
DA CONCEPÇÃO
ocultando os dados empíricos revelados pela criminologia crítica que de
m onstraram que esta forma de justificação legitimou a intervenção do
laboratório criminológico na personalidade do sujeito criminalizado, fator - PR O JEÇ Õ ES
o juízo crim inal não verse sobre a personalidade do réu, mas apenas sobre
os fetos penalmente proibidos, passíveis de comprovação e de refutação
empírica. Portanto, o julgador “ (...) não deve submeter à indagação a alma do
imputado, nem deve emitir vereditos morais sobre sua pessoa, mas apenas investigar
FTNAS • MED WS
ri, para além de constituir-se como uma forma de governo que se opõe ã
M onarquia, o modelo republicano guarda estreita relação com o signifi
cado de democracia substancial, indicando a necessidade de participação
popular ativa nas decisões políticas e de criação de formas de controle dos
atos dos poderes constituídos. Assim, contrária ã concepção ilimitada do
poder político, “a Repúblitó era expressão democrática de governo, era a limitação
do poder dos govet^ntes e era a atribuição de responsabilidade política, podendo,
assim, assegurar a liberdade individual”9.
Os vínculos entre os valores republicanos e o princípio da seculari
zação são estabelecidos p o rj. J. Gomes Canotilho e Vital M oreira: “a se
cularização do poder político e das instituições do Estado é um dos componentes mais
eminentes da herança cultural do prindpio r^ublicano” 10. Ao analisar a cadeia
principiológica que estrutura a Constituição portuguesa, os autores perce
bem que o prim ado da laicidade do poder político não vem expressamen
te afirmado, de forma autônoma, no texto constitucional, mas se desdobra
como uma dimensão ou um valor constitutivo da República, em que “os
principais corolários lógico-materiais do laicisismo surgem plasmados inequivocamen
te na Constituição: a separação e neutralidade do Estado perante as Igrqas, a liber
dade de consciênda, religião e culto, a não confessionalidade do ensino público ”".
Compartilha desse entendim ento Zaffaroni, ao sustentar ser a secularização
um princípio metajurídico, um referencial de legitimidade externa do
direito cuja caracterização é dada fundamentalmente pela adoção das for
mas de governo republicanas12.
Não obstante ser compreendido como um metaprincípio de legiti
midade ínsito às Constituições dos Estados republicanos e democráticos de
direito, é possível perceber, no ordenamento jurídico brasileiro, a incor
248 16 Conforme destacado em outro momento, “como hipótese heurística de resistência à constân
cia da inquisitio, o recurso á inversão dos pressupostos tradicionais fomece interessante chave de
leitura e instrumento sensível de avaliação da potência punitiva. Pwssupor a tendência constante das
agências de punitividade em violar os direitos fiindamenlais talvez seja a única forma de criar blin
dagem prático-teérica contra as violações mesmas. Logo, em sendo o poder fandamentalmente exer-
dào e as práticas penais eminentemente violentas, a perspeãiva garantista seriafotjada pelo prindpio
da irregularidade dos atos dos poderes, expresso no absoluto pessimismo em relação ao agir persecutó-
rio. A pd-compreensão do sentido e do direcionamento do sistema r^ressivo possibilita aguçar a
sensibilidade e denunciar as lesões ã legalidade penal e processual penal decorrentes de inteyretações
narcotizadas pela falácia politicista” (CARVALHO, Antimanual de Criminologia, p. 82).
zação incidiriam diretamente sobre a identidade moral do infrator, situação
que configuraria um modelo de d ireito pen al d o autor.
Interessante perceber que esta categorização proposta por Ferrajoli
perm ite classificar as teorias dejustificaçâo da pena para além de suas fi
nalidades sancionatórias imediatas, vinculando-as a m aior ou a menor
projeção do horizonte de criminalização. Desta forma, se é possível cons
tatar a marca inquisitória nos modelos punitivos correcionalistas, notada-
m ente em razão de estarem ancorados em premissas contrasseculares que
autorizam o julgam ento moral do sujeito criminalizado, igualmente será
possível esta identificação (inquisitorialismo) nas doutrinas gerencialistas
e no funcionalismo-sistêmico contemporâneo, cuja centralidade punitiva
está na identificação dos riscos gerados por pessoas ou grupos. Em reali
dade, os modelos de justtâcação (correcionalismo, gerencialismo e funcio
nalismo), por mais distintos que possam parecer em seu desdobramento
prático-teórico, sustentam-se na categoria substancialista e antigarantista
periculosidade, marcador que de forma mais explícita identifica os modelos
inquisitórios.
delito, a qual designa, antes de uma conotação psicológica, uma modalidade deônti-
ca (...)”20. A culpabilidade corresponderia, portanto, ao fato, e não ao ser,
constituindo-se em um juízo sobre o resultado lesivo, e não sobre a pessoa.
A propósito, neste cenário, Ferrajoli afirm a que seria inadmissível susten
NO 3REIID
tar que “A é culpado”, mas tão somente que “A é culpado de uma ação”, visto
que a interioridade da pessoa não deve, em hipótese alguma, interessar ao
DE S EG U R A N Ç l
250
9 - OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DE
LIMITAÇÃO DAS PENAS E DAS MEDIDAS DE
SEGURANÇA NO DIREITO BRASILEIRO
co n stitu cio n al do sistema jurídico, sustenta que “o Direito Penal está limi
tado negativamente pela Constituição, devendo aíer-se a estes princípios, não vio
lando os valores constitucionais, mas por eles pautando-se”2.
A principiologia constitucional que modela o sistema garantista
252 define uma estrutura limitada de poder (princípio de intervenção m ínim a
ou minim alism o penal), opondo-se aos modelos de direito penal autori
tários caracterizados “(...) pela debilidade ou ausência de algum ou de alguns
destes limites à intervenção estatal”3. Se a ausência de freios à atuação do sis
tem a punitivo é oposta ã ideia de Estado de direito —“entendendo-se com esta
riorm ente situados fora dos sistemas jurídicos e concebidos apenas como
direitos naturais —, é redefinida a teoria da validade das leis e dos demais
atos dos poderes públicos. Paralelamente, os clássicos princípios do direito 253
penal e do direito processual penal, voltados especialmente ã tutela das
liberdades individuais, são densificados. Estrutura-se, portanto, um a com
plexa cadeia de princípios de garantia voltada ã efetivação dos direitos
humanos (direitos individuais, sociais e transindividuais).
trumento (ou a primeira garantia) de controle dos atos dos poderes punitivos.
9.2.2. O art. 5a, X X X IX , da Constituição ancora o sistema jurídic
FTNAS • MED WS
- OS PRINCÍPIOS c o n s t it u c io n a is de l im it a ç ã o
legalidade é uma norma metalegal dirigida ao legislador, a quem prescreve uma
técnica específica de qualificação p em l idônea que deverá garantir, com a taxativida
de dos pressupostos dapena, a decidibilidade da verdade de sua enundação”7.
Logicamente que a redução das hipóteses de incriminação à matéria
legislada não exclui o uso das demais fontes do direito da interpretação
jurídico-penal. O recurso ao direito consuetudinário, à jurisprudência e
ao direito comparado é plenamente adrnssível em direito penal. Sua ve
dação, porém, é restrita aos casos de interpretação criminalizadora ou
penalizadora, e não às técnicas de descaracterização do delito ou de exclu
são da pena, possibilidades perfeitamente compatíveis com o princípio da
legalidade no Estado de direito.
Assim, é absolutamente lícito afirm ar a possibilidade de flexibiliza- 255
ção ou relativização da legalidade penal; no entanto, apenas se esta flexi
bilização projetar um a ampliação dos horizontes de liberdade. Neste sen
tido não se podem esquecer as inúmeras construções dogmáticas que
potencializam o uso das fontes materiais e da analogia in bonam partem,
como, p. ex., as causas supralegais de exclusão da tipicidade (princípio da
O foi consagrado no
DE S EG U R A N Ç l
9 .3 .1 . p rin c íp io d a p e s s o a lid a d e d a p e n a
e art.
19 4 6 ; Constituição de
15 0 , § 13 , —, excetuando a Carta de
19 6 7 19 3 7.
9.3.3. As d ir e tr iz e s d a p e s s o a lid a d e e d a in tr a n s c e n d ê n c ia d a s
tificação da pena dentro dos limites m ínim os e m áximos previstos (art. 59,
II c/c art. 68 ) a partir da avaliação das circunstâncias judiciais (art. 59,
caput), das circunstâncias agravantes e atenuantes (arts. 61 a 66 ) e das cau
sas especiais de aum ento (majorantes) e de diminuição (minorantes) dis
postas na parte geral e especial do Código e nas leis extravagantes; (31) a
definição do regime inicial de cum prim ento da pena (art. 59, III c/c art.
33); e, se cabível, (41) a substituição da pena de prisão por outra m odali
dade de sanção restritiva (art. 59, IV c/c arts. 44 e 60, § 2a).
Transitada em julgado a sentença penal condenatória, a última fase
do processo de pessoalização da pena é o da individualização executiva.
A Reform a de 1984 estabeleceu o controle jurisdicional da execução
da pena para efetivação dos direitos dos condenados. A atuação judicial em
sede executiva compreende um a dupla tarefa. A primeira, nitidam ente
voltada ã individualização, de análise e decisão sobre as possibilidades de
202 alteração da quantidade (remição, detração e comutação) e da qualidade
(progressão e regressão de regime, livram ento condicional e conversões)
da pena, bem como de análise das hipóteses de sua extinção, pelo cum pri
m ento integral ou em decorrência da incidência de alguma causa de ex
clusão da punibilidade (prescrição, indulto, novatio legis benéfica). Em face
da adoção de um modelo de pena flexível, cuja qualidade e quantidade são
- OS PRINCÍPIOS c o n s t it u c io n a is de l im it a ç ã o
rada a antiga concepção de existir, na esfera penitenciária, absoluta sujeição
do condenado ã administração carcerária (modelo administrativo de exe
cução da pena). Conclui-se, pois, que na atualidade a execução penal
tornou-se “(...) matéria regida pelo principio da legalidade e de competência da
autoridade judiciária" 13, motivo pelo qual os excessos e os desvios que infe
lizmente caracterizam a realidade carcerária nacional não podem ser natu
ralizados pelos órgãos competentes, sejam administrativos ou jurisdicionais.
9.4.3. Nos países ocidentais democráticos, sobretudo nos de tradição
jurídica rom ano-germ ânica, a ideia de in d iv id u alização está indissocia-
velmente coligada às funções d a pena. Na Constituição espanhola “as
penas privativas de liberdade e as medidas de segurança são orientadas à reeducado 263
e à reinserção social e não poderão consistir em trabalhos forçados” (art. 25, 2). A
Constituição italiana estabelece que “as penas não poderão consistir em trata
mento contrário ao sentido de humanidade e devem ser orientadas à reeducação do
condenado” (art. 27). N o mesmo sentido o art. 5e, 6 , do Pacto de São José
da Costa Rica (Decreto n. 678/92): “as penas privativas de liberdade devem
9.5.1. A v e d a ç ã o d e p e n a s na Constituição
in fa m a n te s e c ru é is
jáficam abolidos os açoites, a tortura, a marca deferro quente, e todas as mais penas
cruéis" (art. 179, XIX).
A negação de práticas punitivas inquisitórias será um dos valores
DE S EG U R A N Ç l
- OS PRINCÍPIOS c o n s t it u c io n a is de l im it a ç ã o
A Constituição de 1988 m antém sua vedação e a exceção aos con
flitos militares. Ademais, é fundam ental registrar que, com a promulgação
da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da
Costa Rica) pelo Decreto n. 678/92, está vedada a possibilidade de sua
reintrodução em razão de cláusula de proibição de retrocesso: “não se pode
restabelecer a pena de morte nos Estados que a hajam abolido” (art. 4S, ‘3’).
A vedação da pena de m orte e do tratam ento cruel apresenta-se, na
Constituição de 1988, como um desdobramento do princípio de respeito
ã dignidade da pessoa humana, fundamento da República (art. 1° III),
harm onizando-se com os demais dispositivos relativos ã vedação da tortu
ra e de qualquer tipo de tratam ento desumano ou degradante (art. 5° III),
bem como às prescrições de respeito ã integridade física e moral dos presos
(art. 5S, XLIX). Esta variedade de dispositivos conforma um a cadeia de
princípios humanistas que deve orientar as práticas punitivas, reforçando
a ideia da instrumentalidade redutora (redução de danos) da dogmática
penal (dogmática conseqüente).
restrição da liberdade, (b) perda de bens, (c) multa, (d) prestação social
alternativa e (e) suspensão ou interdição de direitos.
A previsão de distintas espécies de pena alterou a tradição constitu
cional brasileira, pois, desde a Constituição do Império, todos os textos
estavam limitados a vedar ou a restringir determinadas sanções, procedi
PENAL B R A S IL E IR O
Jurídicas
dogmática penal.
As teses contrapostas ã possibilidade de atribuição de responsabili
DE S EG U R A N Ç l
25 "Art.2 ! Quem, de qualquerforma, concone para a prática dos crimes pnvistos nesta Lei, incide
nas penas a estes comina/fas, na medida da sua culpabilidade, bem como o diretor, o administra
dor, o membro de conselho e de órgão técnico, o auditor, o gerente, o preposto ou man
datário de pessoajurídica, que, sabendo da conduta criminosa deoutrem, deixar de impedir a sua
prática, quando podia agir para evitá-la” (art. 2a, Lei n. 9.605/98, grifou-se).
26 ‘A rt. 22. A s penas restritivas de direitos da pessoa jurídia são: I — suspensão panial ou total de
atividades; I I — interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade; I I I —proibição de a n -
tratarcom o Poder Público, bem como dele obter subsídios, subvenções ou doações (...).
Art. 23. A prestação de serviços à comunidade pela pessoa jurídica consistirá em: I — custeio de
programas e de projetos ambientais; I I — execução de obras de recuperação de áreas degradadas; III
— manutenção de espaços públicos; I V — contribuições a entidades ambientais ou culturais públicas.
Art. 24. A pessoa ju rídia anstituífa ou utilizada, preponderantemente, com o fim de permitir,
facilitar ou ocultar a prática de crime definido nesta Lei terá decretada sua liquidação forçada, seu
patrimônio será ansiderado instrumento do crime e como tal perdido em favor do Fundo Penitenciá
rio Nacional" (Lei n. 9.605/98).
da natureza dos entes coletivos, notadamente pela discussão entre as teorias
da ficção (Savigny) e da realidade (Gierke). O debate, pois, acaba restrito
ã oposição entre conceber a pessoa jurídica como uma criação artificial,
uma abstração legal que perm itiria apenas o exercício de direitos patrim o
niais (teoria da ficção) ou em ver o ente coletivo como dotado de existên
cia real, cuja vontade poderia ser equiparada àquela dos entes naturais
(teoria da realidade).
Contudo, para além da assunção da teoria da ficção ou da teoria da
realidade como fundam ento da natureza jurídica das pessoas coletivas, os
problemas em relação ã atribuição de responsabilidade penal são derivados
dos lim ites estabelecidos pelo p rin c íp io d a p erso n alid ad e d a p en a
e, em decorrência, pelo princípio da culpabilidade.
Importante referir, preliminarmente, que não parecem sólidos os
argumentos negativos ã atribuição de responsabilidade penal às pessoas
jurídicas exclusivamente em razão da sua impossibilidade de cum prir pena
privativa de liberdade. O argum ento é falho em razão de o texto consti
tucional, ao definir as espécies de pena, criar um rol m eramente exempli-
ficativo e aberto (art. 5° XLVI). Conforme exposto, a Constituição é
Da mesma forma que não há crim e e não há pena sem lei anterior
que defina a conduta como ilícita (nullum crimen, nulla poena, sine lege), não
há quaisquer possibilidades de se afirmar a existência do delito senão por
meio do devido processo penal, entendido como um procedim ento reali
zado em pleno contraditório (nulla culpa sine iudicio; nullum iudicium sine
"Ao ofendido ou a quem tenha qualidade para representá-lo mberá intentara a ^o privada” (art.
30, Código de Processo Penal).
“Se o ofendido fo r menor de 21 e maior de 18 anos, o direito de queixa poderá ser exernido por
ele ou por seu ^resentante legal” (art. 34, Código de Processo Penal).
3 “A denúncia ou queixa será rejeitada quando: I —for manifestamente inepta; I I —faltar pressupos
to processual ou condição para o exerí,cio da ação penal; ou III —faltar justa causa para o exercido
da ação penal” (art. 395, Código de Processo Penal).
4 “Após o cumprimento do disposto no art. 396-A, e parágrafos, deste Código, o ju iz deverá absolver
sumariamente o acusado quando verificar: I — a existência manifesta de musa excludente da ilidtude
do fato; I I — a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente, salvo inimputa
bilidade; I I I — que o fato narrado evidentemente não mnstitui crime; ou I V — extinta a punibilidade
do agente” (art.397, Código de Processo Penal).
5 "Extingue-se a punibilidade: I — pela morte do agente; I I — pela anútia, graça ou indulto; I I I —
pela retroatividade de lei que não mais considera o fato como criminoso; I V — pela pKscrição, deca
dência ou perempção; V — pela tvnúncia do direito de queixa ou pelo perdão aceito, nos crimes de
ação privada; V I — pela retratado do agente, nos casos em que a lei a admite; I X — pelo perdão
judicial, nos casos previstos em lei” (art. 107, Código Penal).
acusatione; nulla accusatio sine probatione; nulla probatio sine defensione)6. A hi
pótese de existência do delito, concretizada como imputação na denúncia
ou na queixa — peças processuais que fixam os horizontes da tipicidade
atribuídos ao acusado será negada (absolvição) ou afirmada (condenação)
em termos de responsabilidade criminal na sentença penal.
Segundo o Código de Processo Penal, o juiz absolverá o acusado
(sentença absolutória) quando (a) constatada a inexistência do delito —inci
dência de qualquer das causas de exclusão da ação, da tipicidade, da ilici
tude ou da culpabilidade; (b) averiguada a não participação do réu no fito;
ou (c) verificada existência de dúvida razoável em relação ao crim e ou ã
participação do imputado7. Todavia, se comprovada na instrução proces
sual a autoria de uma conduta típica, ilícita e culpável, determ ina o Códi
go Processual que o juiz proferirá sentença condenatória, aplicando as sanções
cabíveis (art. 387, III) a partir da análise das circunstâncias judiciais e legais
de aplicação da pena (art. 387, I e II)8.
A aplicação da pena integra, portanto, a sentença penal condenató
ria e, na qualidade de decisão judicial, carrega consigo todos os deveres
9 “£ nconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados: a) aplenitu-
de defesa; b)o sigilo das votações; c) a soberania dos vendidos; d) a competência para o julgamm-
to dos crimes dolosos contra a vida” (art. 5S, XXXVIII, Constituição Federal).
10 “O Tribunal do Júri ê composto por 1 (um) ju iz togado, seu presidente e por 25 (vinte e cinco)
jurados que serão sorteados dentre os alistados, 7 (sete) dos quais constituirão o Conselho de Senten
ça em cada sessão de julgamento” (art. 447, Código de Processo Penal).
” “A sentença conterá: I — os nomes das partes ou, quando não possível, as indicações necessárias
para identijtcá-las; I I — a ex^sição sucinta da acusação e da defesa; I I I — a indicação dos motivos de
fato e de direito em que se fundar a decisão; I V — a indicação dos artigos de lei aplicados; V — o
dispositivo; V I — a data e a assinatura do ju iz ” (art. 381, Código de Processo Penal).
12 C O U TIN H O , Introdução aos Princípios Gerais do Processo Penal Brasileiro, p. 195.
contemporâneo, orientado pela carga principiológica constitucional que
fundamenta a ideia de devido processo, a prova a ser valorada judicialm en
te não é destinada apenas aos juízos absolutos e binários de condenação ou
de absolvição. Em caso de condenação, é com base nas provas válidas
produzidas durante a instrução que o juiz irá m otivar a sanção (fu n d a
Cunha (O Caráter Retórico do Prindpio da Legalidade, 1979) e Nilo Bairros de Brum {Requi
sitos Retórias da Sentença Penal, 1980), a partir da orientação crítica de Luis Alberto Warat
{E l Derecho y su Lenguaje e A Definição Juridica, ambos de 1977).
O legado waratiano de crítica à dogmática, sobretudo na área do direito e do proces
so penal, encontra eco na atualidade em profícuos estudos sobre a construção e a produ 283
ção de sentido nas decisões judiciais. Dentte os trabalhos, destacam-se os de Lenio Stteck,
Hermenêutirn Juridica e(m) Crise (1999) e de Alexandre Morais da Rosa, Decisão Penal:
Bricolage de Significantes (2005).
17 Sobre a construção de um sistema recursal adequado ao paradigma acusatório, conferir
W U N D ER LICH , Por um Sistema de Impugnações no Processo Penal Constitucional Brasileiro,
pp. 15-45.
18 PERFECTO IBANEZ, Sentenp Penal, p. 18.
19 C O R D E R O , Ideologie dei Processo Penale, p. 224.
probatória, o magistrado toma para si a palavra, encena o personagem
principal e encerra a trama judiciária.
A sentença, ao ser concretizada como discurso, torna-se um instru
m ento de intermediação entre o julgador e as partes, bem como de diálo
go do julgador com o réu, a defesa, a acusação e, em term os mais amplos,
com a própria sociedade. Não por outro m otivo a principiologia que sus
tenta o sistema acusatório impõe que todas as decisões sejam fundam enta
das, ou seja, a exposição dos argumentos que orientaram o julgado é a
própria condição de validade do ato judicial. Postura distinta da adotada
no m odelo inquisitório, no qual o m agistrado atua ininterruptam ente
durante a instrução (ativismo judicial) e, não esporadicamente, é omisso
na sentença —omissão referente aos fundamentos da decisão.
Assim, o dever constitucional de fundamentação atinge o procedi
m ento judicial de individualização da pena, não sendo possível adm itir
neste m om ento de alta complexidade uma m inimização da potência dos
princípios constitucionais. Factível, portanto, a preocupação enunciada por
Fragoso: “não há aqui um poder arbitrário e oju iz não podefixar a pena a seu ca
pricho (...). A motivação é o diafragma que separa o poder dúcriciotário do arbítrio'’20.
A conclusão lógica da análise dos princípios que orientam a decisão
judicial é a de que no processo crim inal o livre convencimento motivado
não se restringe apenas ã valoração da prova. Atinge com igual vigor a fase
da individualização da pena, exigindo não apenas argumentação convin
cente dos motivos que levaram ã definição da espécie e da quantidade de
sanção aplicadas, mas a explícita demonstração probatória das circunstân
cias apontadas como idôneas ã exasperação punitiva.
Am ilton Bueno de Carvalho e Henrique M arder da Rosa fornecem
importantes chaves de leitura para compreensão do grau de importância
da fundamentação das decisões e as dimensões que este ato encerra: “mo
tivar é (a) dar respostas às indagações fritas durante o pro&sso; (b) dizer o porquê;
e (c) dar as razões de fato e de direito. Dar as razões de direito, aqui, não deve ser
compreendido simplesmente como demonstrar obediência à lei; a motivação da deci
são judicial deve assumir a lei, confrrmá-la, como em ‘um ato de inteyretação
reinstaurador' Qacques Derrida)” 21. Na construção das hipóteses de controle
do ato judicial, os autores salientam a função de garantia do princípio da
24 “Sobre o tema, pode-se afirmar que a jurisprudência dos tribunais brasileiros tem sido criteriosa e
exigente, estabelecendo como principio a nulidade da sentença condenatória sempK que não seja ob
servado o referido critério trifásico, ou não devidamente justijirnda a imposição da pena acima do
mínimo legal, bem como a fixação de regime inicial mais grave, quando admissível outro mais favo
rável ao condenado” (GOMES FILHO, A Motivação das Decisões Penais, p. 217).
N o mesmosentido, G RIN O V ER et al., A s Nulidades no Pro&sso Penal, pp. 260-267.
2i SCHECAIRA, Cálculo da Pena e Dever de Motivar, p. 175.
D o contrário, produz-se “uma perversão inquisitiva do processo, dirigindo-o não
mais à comprovação defatos objetivos, mas para a análise da interioridade da pessoa
julgada”, cujo corolário é a degradação “ (...) da verdade proc&sual (empírica,
pública e intersubjetivamente controlável) em convencimento intimamente subjetivo
e, portanto, inefatável do julgador"26.
Na estrutura do direito penal constitucional, a possibilidade de
controle razoável do arbítrio judicial ocorre a partir da obrigatoriedade de
que na sentença crim inal os atores judiciais exponham exaustivamente os
argumentos que embasaram as suas conclusões. N o caso específico da
aplicação da pena, significa a exigência de que o magistrado apresente os
parâmetros normativos e os elementos probatórios por meio dos quais (a)
valorou determinadas circunstâncias como favoráveis ou desfavoráveis e
(b) definiu a espécie, a quantidade e a qualidade da pena. A obrigação de
exposição suficiente perm ite analisar o raciocínio utilizado para o preen
chim ento das lacunas geradas pelos tipos penais abertos e as formas encon
tradas para a solução das contradições inerentes ao sistema de aplicação e
dosagem da pena, conforme será posteriorm ente exposto.
Se a motivação qualifica como válidas as decisões judiciais nos sis
temas garantistas, possível notar que a omissão na fundamentação reproduz
contra os custos de uma litigància redundante, quanto à proteção dos acusados contra os
excessos (opressões) da acusação (LAFAVE et al., Criminal Procedure, p. 1.162).
Explica Adauto Suannes que "o sistema anglo-saxão alude à impossibilidade do double 289
jeopardy, isto é, um mesmofato típico somente pode dar origem a um único pmcesso criminal contra
o mesmo réu, garantia que provém das primeiras contemplafies da due process clause (51 Emenda
ã Constituição Norte-Americana]” (SUANNES, Os Fundamentos Éti&s do Devido Proces
so Penal, p. 245).
3‘ B IN D ER, Introdução ao Direito frocessual Penal, p. 125.
35 “O Tribunal, Câmara ou Turma atenderá nas suas decisões ao disposto nos arts. 383, 386 e
387, no que for apliável, não podendo, porém, ser agravada a pena, quando somente o réu houver
apelado da sentença” (art. 617, parágrafo único, Código de Processo Penal).
As lógicas de proibição da múltipla persecução penal e de impossi
bilidade de revisão contra o réu, características dos sistemas processuais
penais acusatórios, serão instrumentalizadas e potencializadas no direito
penal material pelo princípio da vedação da dupla incriminação. Em sín
tese, são as duas dimensões (material e processual) do princípio ne bis in
idem coráorm e ensina Alberto Silva Franco: “o significado^fulcral do princípio
constitucional ne bis in idem reside no seu caráter bifronte: uma face pro&ssual e
outra material. Sob a primeira pernpectiva, o princípio inadmite uma persecução
penal múltipla, isto é, que uma mesma pessoa e um m&mofato sqam, de novo,
tferidos judicialmente. Com razão, assevera-se que tal princípio ‘representa fechar
definitivamente as portas de um episódio que já foi objeto de um pmcesso penal’.
Sob a angulação material, proíbe a dupla valoração penal na medida em que obsta
que o delito anterior produza, de novo, conseqüências penais”36.
35 Sobre o tema, conferir CARVALHO, O Papel dos Atores do Sistema Penal na Era do Pu
nitivismo, pp. 165-228.
P arte I V
DOGMÁTICA DA APLICAÇÃO DAS PENAS E
DAS MEDIDAS DE SEGURANÇA
4
4
■
ri
FuíirflG À U I L E R ü
invés de avançar rum o ã plenitude e ã coerência, que assegurariam uma
aplicação equânime do direito penal, a fragmentação teórica e a expansão
legislativa proliferam lacunas e contradições, situação que desestabiliza,
gradual e constantemente, as perspectivas dogmáticas ortodoxas, sobretu
do aquelas de origem (neo)positivista.
Em comparação com o estado da arte do sistema jurídico-penal
Dã
O corre que apesar do enfrentam ento operado pela doutrina e por
2Supremo Tribunal Federal, Habeas Corpus 82.959, Rei. M in. M arco Aurélio, j.
23.02.2006.
11.2.3. Não obstante o enrijecimento das formas punitivas estabe
lecido pela Lei dos Crimes Hediondos, outro estatuto que consolidará o
ingresso do sistema de justiça criminal nacional na e r a d o p u n i t i v i s m o
e que marcará o esgotamento do discurso ressocializador será a Lei n.
10.792/2003.
O texto da Lei n. 10.792/2003 é de difícil caracterização ideológi
ca e retrata, de certa forma, a promiscuidade político-crim inal do proces
so legislativo brasileiro nas últimas décadas. O adjetivo pode parecer de
masiado, porém não difere da própria condição de excesso que marca a
política criminal brasileira pós-transição democrática. A falta de coerência
político-crim inal da Lei n. 10.792/2003 é notória, pois o estatuto, ao al
terar dispositivos do Código de Processo Penal e da Lei de Execução Penal,
aponta em direções diametralmente opostas.
E possível identificar a alteração no Código de Processo Penal como
de natureza garantista. Ao redefinir as regras do interrogatório do acusado,
a Lei n. 10.792/2003 instrum entalizou e assegurou a efetividade dos prin
FTNAS • MED WS DE SEGURANÇl NO 3REIID PENAL BRASILEIRO
-Uíirnn ■íflAãlLEftü
suspeitas de envolvimento ou participação, a qualquer título, em organiza
ções criminosas, quadrilha ou bando (art. 52, Lei de Execução Penal).
A sanção que impõe o cum prim ento da pena em regime diferencia
do —determ inado por um ato administrativo do diretor do estabelecimen
to e posterior decisão homologatória do juiz da execução penal —deter
* Em realidade, a Lei n. 9.714/98 não cria um novo regime de penas alternativas. Dois são
os motivos que podem ser apontados comojustificadores desta conclusão. Primeiro, por-
O paradoxo (aparente) é relativo à natureza da Lei n. 9.714/98. Se
as Leis ns. 8.072/90 e 10.792/2003 apontam, inegavelmente, para a den-
sificação do punitivismo, o novo estatuto que institui espécies alternativas
de sanção tenderia a ampliar os espaços de liberdade, inclusive estabelecen
do um contraponto à massiva expansão do encarceramento brasileiro
inaugurada com a Lei dos Crimes Hediondos. N o entanto, a Lei n. 9.714/98
acaba por produzir dois efeitos perversos. O prim eiro, no plano político-
-crim inal, é o da e x p a n s ã o d o c o n t r o l e p u n i t i v o . Conform e é possível
verificar na literatura especializada, a Lei das Penas Alternativas não pro
vocou a diminuição dos níveis de encarceramento nacional. Os dados
demonstram que os fenômenos (encarceramento e substitutivos penais) são
autônomos, sendo possível perceber que tanto o núm ero de prisões quan
to o de penas alternativas cresceu de forma constante no Brasil desde 1998,
ou seja, a expectativa anunciada pelos órgãos oficiais de controle de que a
Lei n. 9.714/98 diminuiria o fenômeno da prisionalização não se efetivou5.
FTNAS • MED W S DE SEG U RA N Çl NO 3REIID PENAL B R A SILEIR O
íflA-lLEftü
de condenação ã pena privativa de liberdade não superior a 4 anos. Inega
velm ente a dilatação do prazo representou um im portante mecanismo de
DãÍ1A-Uíirw
redução da incidência do carcerário. N o entanto, a ausência de um a per
cepção global do sistema provocou efeitos secundários que poderiam ser
evitados. Dentre estes efeitos, a Lei n. 9.714/98 tornou inaplicáveis o re
gime aberto e o instituto da suspensão condicional da pena (sunis), im por
tantes mecanismos descarcerizadores.
rLM l 1 1jínJl1H1RiHUIIUI
Na estruturação do sistema de penas em 1984, conforme exposto
(Figura 1), a aplicação da pena restritiva se inseria em um a hierarquia de
sanções na qual a pena de multa representava o m enor índice de reprovação
e a pena de prisão, cumprida em regime fechado, a mais severa resposta
punitiva. Neste sistema, a determ inação da pena restritiva precedia a sus
pensão condicional da pena e a aplicação da pena de prisão em regime
aberto, notadamente porque consistiam em respostas jurídicas mais severas
UÍUWÇJc
—o cum prim ento de pena de prisão em regime aberto implicava em reco
lhim ento noturno, em casa de albergado, e no controle da atividade ex rj
terna (diurna) do condenado (art. 36, Código Penal); a suspensão da
■ DQQMÍH
da pela Lei n. 9.714/98 nos seguintes term os (quadro lim itado aos requi
sitos temporais, excluídos os demais requisitos objetivos e subjetivos):
Figura 2 : S i s t e m a d e P e n a s a p ó s a L e i n . 9 . 7 1 4 / 9 8
Tempo de Pena ou
Espécie de Crime Pena até 6m Pena entre Pena entre la Pena entre 4a Pena acima de
8a ou Crime
(Requisito Objetivo) 6m e la e 4a e 8a
Hediondo -H
Multa ou Multa c
Espécie de Sanção Multa Restrição de Restrição ou Regime
Semiaberto
Regime
Fechado
Direito 02 Restrições
1 A Lei n. 9.099/95, que cria os Juizados Especiais Criminais, prevê, nos casos de infra
ções de menor potencial ofensivo, ou seja, nos delitos cuja pena máxima não ulttapasse 2
(dois) anos, um procedimento pié-processual informal e simplificado no qual o autor do
fito e o ofendido podem realizar composição civil dos danos, com efeito de extinção de
punibilidade do fito. Nos casos em que inexiste vítima ou não havendo composição, a
Lei faculta a transação penal com o Ministério Público (art. 72 e seguintes, Lei n.
9.099/95).
Outrossim, nos casos de crimes de ‘médio’ potencial ofensivo, isto é, aqueles cujapena
mínima não ultrapasse 1 (um) ano, a Lei n. 9.099/95 cria o instituto da suspensão condi
cional do processo, cujo aceite e posterior cumprimento das condições, por parte do
denunciado, operam igualmente como causa de extinção da punibilidade (art. 89, Lei n.
9.099/95).
Duas conclusões parciais, de naturezas distintas, acerca da ampliação
legal dos substitutivos penais, são possíveis: primeira, de ordem normativa,
as penas restritivas são substitutivas e não verdadeiramente alternativas ã
prisão2; segunda, de ordem empírica, as penas restritivas configuram -se
como aditivos e não alternativas ao encarceramento. Tais conclusões parciais
sustentam a hipótese de que o sistema de penas no ordenamento jurídico-
-penal brasileiro, apesar das inovações realizadas na R eform a de 1984 e da
ampliação das penas restritivas fomentada pela Lei n. 9.714/98, mantém-se
centrado em um a ló g ic a ou seja, toda a instrum enta-
c a r c e r o c ê n tr ic a ,
y,
do autor procura sustentar a existência de uma profunda disparidade entre
ie eBeHi v. L:
os desenvolvimentos dogmáticos das teorias do delito e da pena —a partir
da pressuposição de que os estudos sobre as categorias que com põem o
conceito analítico de crime (conduta, tipicidade, ilicitude e culpabilidade)
adquiriram, ao longo do século passado, maior densidade e, consequente
w - rJrfüt
mente, estabilidade —e os relativos ã definição das penas.
Não há dúvidas de que historicamente uma das áreas prioritárias da
dogmática do direito penal foi a N o entanto, a questão
te o ria d o d e lito .
não parece ser tão simples. Isto porque grande parte dos (macro)sistemas 3^
2 Cezar Bitencourt, em comentário realizado logo após a edição da Lei n. 9.714/98, com
a ironia que lhe é peculiar (inclusive por força do título da publicação), sustenta que "para
se falar em 'novas penas alternativas’, deve-se esclarecer, inicialmente, uma pequena curiosidade: em
primeiro lugar, não são 'penas novas’ |em razão de sua previsão no Código Penal de 1984] e,
em segundo, não são alternativas [em razão do seu caráter substitutivo]” (BITENCOURT,
Novas Penas Alternativas, p. 68).
3 HASSEM ER, Fundamentos dei Derecho Penal, p. 137.
de direito penal são estruturados a partir das As teorias
te o ria s d a p e n a .
Í-: y,
rn tar os efeitos da Lei n. 9.099/95 (transação penal e composição civil) aos
casos em que (a) a pena m áxim a não fosse superior a 2 (dois) anos ou que
ie BEtEtai v.
(b) a pena de m ulta fosse prevista exclusivamente como pena autônoma,
sem qualquer previsão de aplicação alternada ou cumulada ã pena privati
va de liberdade, como ocorria em inúmeras contravenções penais —p. ex.,
w - rJrfUt
8 "N os crimes em que a pena mínima cominada fo r igual ou inferior a 1 (um) ano, abrangidas ou
não por esta L ei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do proces
DE S EG U R A N Ç l
so, por 2 (dois) a 4 (quatro) anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido
condenado por outro crime, presentes os demais Kquisitos que autorizam a suspensão condicional da
pena (art. 77 do Código Penal)” (art. 89 da Lei n. 9.099/95).
FTNAS • MED WS
9 No voto que conduziu o julgamento, o Min. Relator sustenta que “para a suspensão
condicional do proasso, a Lei n. 9 .0 9 9 /9 5 exige que a infração imputada ao ríu tenha mínima la
minada igual ou inferior a 1 (um) ano. Entendo que entra no âmbito de admissibilidade da su ^en -
são condicional a imputação de delito que comine pena de multa deforma altrnativa à privativa de
liberdade, ainda que esta tenha limite mínimo superior a 1 (um ) ano. Nesses casos, a pena mínima
cominada, parece-me óbvio, é a de multa, em tudo e por tudo, menor em escala e menos gravosa do
que qualquer pena privativa de liberdade ou restritiva de direito. É o que se tira ao artigo 32 do
Código Penal, onde as penas privativas de libetdade, Kstritivas de direito e de multa são capituladas
naordem darescente de gravidade. Por isso, se prevista, alternativamente, pena de multa, tem-se por
satisfeito um dos requisitos legais para a admissibilidade de suspensão condicional do processo (...)”
(Supremo Tribunal Federal, Habeas Corpus 83.926-6, R ei. M in. Cezar Peluso, j.
14.09.2007).
No mesmo sentido, Superior Tribunal de Justiça, Habeas C o y u s 109.980, Rei. Min.
Felix Fischer, j. 04.12.2008; Superior Tribunal de Justiça, Habeas Corpus 34.422, Rei.
Min. Ham iltonCarvalhido, j. 22.05.2007.
12.2.4. Na segunda etapa (quan tid ade de pena) do procedimento
de determinação da sanção, compete ao julgador definir, nos termos do
art. 59, II, do Código Penal, o tem po da pena anteriormente eleita como
adequada (privação de liberdade, restritiva de direito ou multa).
Nos casos de determinação de pena de multa, autônoma ou cum ula
da, os limites rnnim os e máximos, bem como as causas de aum ento e de
diminuição, estão regrados no art. 49 do Código Penal. Em razão de a
regra estar disposta na parte geral, é estabelecido um critério universal
aplicável a todos os delitos em que há previsão desta espécie de pena pe
cuniária. Porém, alguns dispositivos específicos presentes na legislação
extraordinária excepcionam a regra, estabelecendo, no próprio preceito
incriminador, valores m ínim os e máximos da multa —p. ex., “oferecer dro
ga, eventualmente e sem objetivo de lucm, a pessoa de seu relacionamento, para
juntos consumirem: pena — detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e pagamento
de multa de 700 (setecentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa (...)” (art. 33,
§ 3S, da Lei n. 11.343/2006). Mas são casos isolados que não chegam a
Í-: y,
critério s de q u an tificação da priv ação de lib erd ad e que conformam
as regras gerais da aplicação da pena no Brasil.
ie eBeHi v.
Na legislação penal brasileira, o desenvolvimento de procedimentos
de quantificação da pena decorre do processo histórico de proscrição das w - rJ rff
10 Conforme visto anteriormente, em toda a legislação penal brasileira efoste apenas uma
possibilidade de definição autônoma de pena restritiv a de direito, ou seja, caso único
em que a restrição não é substitutiva da pena de prisão, mas verdadeiramente alternativa.
Trata-se das condenações por porte de droga para consumo pessoal, segundo o art. 28 da 319
Lei de Drogas. Na hipótese de aplicação das penas previstas nos incisos II (prestação de
serviço à comunidade) e III (medida educativa de comparecimento a programa ou curso
educativo) do art. 28, a Lei n. 11.343/2006 define, como quantidade de tempo mãfomo
de sanção, 5 (cinco) meses, para réu primário (art. 28, § 3a), e, em caso de reincidência,
10 (dez) meses (art. 28, § 4a). OuUas duas peculiaridades são marcantes na Lei de Drogas:
(l1) não é fixado limite mínimo da pena, apenas o máximo; e (2 1) inexistem critérios
específicos (objetivos e subjetivos) para quantificação, como, p. ex., há para definir o
tempo de prisão e a quantidade de multa. A alternativa viável parece ser a aplicação ana
lógica das variáveis de determinação da pena de prisão.
penas fixas. Sendo adotado um sistema de penas variáveis, fixadas a partir
da proposição legislativa de penas mínimas e máximas no preceito secun
dário do tipo, cabe ao julgador a adequação individualizada da sanção ao
autor do crime.
Im portante registrar que no ordenamento jurídico nacional apenas
o Código Eleitoral, ao tratar dos crimes eleitorais, apresenta estrutura di
versa. Em inúm eros tipos penais incriminadores a Lei n. 4.737/65 determ i
nou somente penas máximas — p. ex., “impedir ou embaraçar o exercício do
sufrágio:pena— detenção até 6 (seis) meses epagamento de 60 (sessenta) a 100 (cem)
dias-multa” (art. 297 da Lei n. 4.737/65); “viofor ou tentar violar o sigilo do voto:
pena — detenção até 2 (dois) anos” (art. 312 da Lei n. 4.737/65). Todavia, o
próprio estatuto retoma a tradição de definição de parâmetros m ínim os e
máximos estabelecidos pelo Legislativo ao indicar que “sempre que a te Có
digo não indicar o grau mínimo, entende-se que será ele de quinze dias para a pena
de detenção e de um ano para a de Kclusão” (art. 284, Lei n. 4.737/65).
PENAL B R A S IL E IR O
ie ü f i c i i i t
13 “São circunstâncias que sempre atenuam a pena: I — ser o agente menor de vinte e um ou maior
de setenta anos; I I — ter sido de somenos importância sua coopercqão no crime; I I I — a ignorânáa ou
a ernada compreensão da lei penal, quando escusâveis; IV — ter o agente: a) cometido o crime por '■i - rJrfüt
motivo de relevante valor social ou moral; b) procurado, por sua espontânea rnntade e mm eficiência,
bgo após o crime, evitar-lhe ou minorar-lhe as conseqüências, ou ter, antes do julgamento, reparado
o dano; c) cometido o crime sob coação a que podia Ksistir, ou sob a influênàa de violenta emoção,
provocada por ato injusto da vitima; d) confessado espontaneamente, perante a autoridade, a autoria
do crime, ignorada ou imputada a outrem; e) cometido o crime sob a influência de multidão em tu
multo, se, licita a reunião, não provocou o tumulto, nem é mncidente” (art. 48 do Código Penal,
revogado pela Lei n. 7.209/84).
16 “Apreciando em conjunto a realidade, segundo os critérios gerais do art. 42 e atendidas sempre as
situações dos arts. 44 e 48 (no caso de concurso de pessoas, atua, também, o art. 45), estabelecerá a
pena-base, sobre a qual incidirá o aumento ou a diminuição especificados, quer na parte geral, quer
na parte e^ecial (...)” (LYRA, Comentários ao C éd i^ Penal, p. 173).
17 Sobre o debate metodológico das correntes capitaneadas por Lyra e Hungria, conferir
BOSCHI, Das Penas e seus Critérios de Aplicação, pp. 150-154; D O TTI, Cuno de Direito
Penal, pp. 543-544; FAYET, A Sentença Criminal e suas Nulidades, pp. 216-220; LYRA
O debate metodológico pode aparentar ser supérfluo, pois, em uma
análise prim eira, a divergência (método bifesico ou trifásico) não parece
ser substancial. Embora efetivamente o embate seja circunstancial, restrito
à forma e não ao conteúdo da aplicação da pena, a opção da Reform a de
1984 foi bastante adequada. Isto porque é absolutamente relevante aos
sujeitos processuais ter clareza em relação aos procedimentos, e o excesso,
neste ponto, não é supérfluo. Existe um consenso na dogmática penal
contemporânea, ao menos nas tendências críticas, de que os direitos fun
damentais se traduzem e se viabilizam nas formas, pois forma é garantia.
Logicamente que há uma diferença estridente entre forma e formalismo
—que poderia ser traduzido como a corrupção burocrática da forma ou o
vício do apego irrefletido aos procedimentos. N o entanto, sobretudo no
direito e no processo penal, não há efetividade de direitos sem as garantias,
instrumentalizadas nas formas e nos mecanismos de fiscalização e de tu
tela. Assim, em temas complexos como o da aplicação da pena, quanto
FTNAS • MED W S DE SEG U RA N Çl NO 3REIID PENAL B R A SILEIR O
:u H ftlil
da prisão por restrição de direitos.
nritâ
(r e g im e d e p e n a )
Í-: y, ■w. 4;
qualidade da pena privativa de liberdade, ou seja, a especificação do regime
inicial de cumprimento da sanfio.
A lei penal brasileira prevê três espécies de regimes de pena: aberto,
semiaberto e fechado. A diferença entre os regimes é o maior ou m enor
ie b|3eHi v.
âmbito de liberdade proporcionado aos condenados. Assim, nos term os do
art. 33, § l s, do Código Penal, a execução em regime fechado ocorre em
estabelecimento de segurança m áxim a ou média; o regime semiaberto
w - rJrfUt
19 Supremo Tribunal Federal, Habeas Corpus 82.959, Rei. M in. M arco Aurélio, j.
23.02.2006.
cum prim ento é sempre provisória, pois é durante a execução penal que a
sanção será adequada (individualização executória).
Em realidade, a volatilidade qualitativa da pena garantida no Códi
go Penal perm ite afirm ar que dificilmente o condenado cum prirá a inte-
gralidade de sua pena em um mesmo regim e. N o entanto, isto não signi
fica que a flexibilidade da pena ocorra tão somente em benefício do
condenado (progressão de regime). O próprio art. 33, § 2S, do Código
Penal, institui a possibilidade de regressão, ou seja, a hipótese de transfe
rência do apenado para um regim e mais rigoroso em decorrência, p. ex.,
de condenação por falta grave ou concurso de delitos.
plificativa são presentes, p. ex., nas agravantes do art. 61, II, alíneas c (“ter
o agente cometido o crime: (...) à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação,
ou outro recurso que dificultou ou tornou impossível a defesa do ofendido”)
(grifou-se) e d (“ter o agente cometido o crime: (...) com emprego de veneno, fogo,
326 explosivo, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que podia resultar peri
go comum”) (grifou-se), ambas reproduzidas como qualificadoras do crime
de homicídio (art. 121, § 2S, III e IV), todos dispositivos do Código Penal.
Todavia, os tipos penais abertos não são caracterizados apenas pela
presença de elementos exemplificativos ou pelo uso da analogia. A dou-
tos descritivos e normativos, com ofim de situar apenas estes últimos como objeto do
juízo valorativo do ju iz. Tal distinção desqualifica a circunstância de que nenhum
elemento do tipo pode ser cognoscível pela simples verificação sensorial”27. Em pa
FTNAS • MED WS
um médico que extrai o coração do paciente para transplante, enquanto estão vivas as células de seu
sistema nervoso" (WARAT, Introdução Geral ao Direito I, p. 209).
26 SCHM IDT, O Princípio da Legalidade Penal no Estado Democrático de Direito, p. 262.
22 C U N H A , O Caráter Retórico do Prindpio da Legalidade, p. 64.
28Lenio Streck, ao analisar a ruptura provocada pela hermenêutica nos ‘conceitos-em-
-si-mesmos-das-normas’, questiona o processo de essencialização de conceitos jurídicos
Logicamente que o diagnóstico acerca da abertura das estruturas
típicas não esvazia o princípio da legalidade da sua im portante função
política de garantia. De igual forma, perceber que os tipos apresentam
aberturas intrínsecas em decorrência de estarem condicionados pela va
gueza inerente ã linguagem natural não perm ite que todas as normas ju
rídico-penais sejam analisadas da mesma forma. Se um certo nível de
anemia significativa é inerente ã própria legalidade, o procedimento de
elaboração legislativa (criminalização primária), o controle de constitucio-
nalidade das leis penais e os critérios de interpretação judicial (criminali
zação secundária) devem ser orientados ã máxima redução possível dos
horizontes de ambigüidade e de vagueza, pois, quanto menores forem os
espaços de incerteza, menores serão os de arbítrio judicial.
Embora seja fictícia a idealização do positivismo jurídico sobre a
capacidade de a dogmática construir uma rígida tecnologia idônea para
assegurar segurança jurídica a partir do estabelecimento de critérios de
interpretação direcionados ã padronização das decisões judiciais29, o prin
cípio da legalidade desempenha im portantes funções. D entre elas uma
“função retórica que orienta a inteyretação, a aplicafio e a argumentação referida
à lei penal”i0 e que perm ite, ao menos, diagnosticar os casos de notória
Í-: y,
do Código Penal); e a semi-imputabilidade (“a pena pode ser reduzida de um
ie eBeHi v.
a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação mental ou por desenvolvimento
mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter
ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento”, art. 26, pa
rágrafo único, do Código Penal).
w - rJrfüt
35Neste sentido, conferir idêntica redação dos arts. 14 e 15 da Lei n. 9.605/98, que es
pecificam as atenuantes e agravantes nos crimes ambientais.
O procedim ento judicial de aplicação da pena-base adquire, no
direito penal brasileiro, uma complexidade bastante grande, impondo ao
magistrado um a série de tarefas: primeira, de delim itar o conteúdo das
circunstâncias (atribuição de sentido); segunda, de definir o tipo de infor
mação processualmente válida (prova idônea) que fundamenta o sentido
atribuído; terceira, de valorar positiva ou negativamente as circunstâncias
analisadas; quarta, de determinar a quantidade de aum ento e de diminuição
de cada circunstância; e quinta, de estabelecer critérios de preponderância
entre as circunstâncias favoráveis e desfavoráveis.
Neste sentido, parece haver um certo equívoco conceituai na clas
sificação das circunstâncias do art. 59, caput, do Código Penal, como cir
cunstâncias judiciais. Isto porque a valoração de um a circunstância como
positiva ou negativa e a sua posterior quantificação é um trabalho acessó
rio e decorrente daquele m om ento primeiro e fundam ental que é o de
conferir significado. Ocorre, porém, diferentemente do que comumente
é referido na dogmática penal, que a atribuição de sentido, ou seja, a de
PENAL B R A S IL E IR O
(art. 61, II, motivo de relevante valor social ou moral (art. 65, III, a), coado
a que podia resistir (art. 65, III, c), influência de violenta emoção (art. 65, III, c),
dentre inúmeras outras previstas no Código Penal (e na legislação extra
ordinária) como agravantes, atenuantes, majorantes ou minorantes.
Possível concluir que, em regra, todas as circunstâncias de aplicação
da pena são circunstâncias judiciais, pois inexiste um a natureza ou essência
MED IUS
Í-: y,
(3a) valoração positiva ou negativa de cada circunstância;
ie eBeHi v.
(4a) definição da quantidade de aumento e de diminuição de pena
cabível a cada circunstância; e
(5a) estabelecimento dos critérios de preponderância entre as cir w - rJrfüt
cunstâncias favoráveis ou desfavoráveis, se cabível.
O cum prim ento das referidas etapas e a sua exposição clara na sen
tença penal tendem não apenas a imunizar a decisão da nulidade por falta
de fundamentação, mas, sobretudo, a garantir às partes envolvidas a pos- 335
sibilidade do controle do ato judicial.
Í-: y,
pessoa seja processada mais de uma vez pelo m esm o foto, mas exclui a
dupla incidência de circunstâncias com gravames punitivos. N o concurso
ie BEtEtai v.
de circunstâncias, portanto, determ inada causa de aum ento ou de dim i
nuição atribuída em um caso concreto somente poderá produzir um efei
to, isto é, somente poderá ser valorada judicialm ente em uma das fases de
w - rJrfUt
quantificação da pena. Note-se que inclusive as causas de dim inuição
atuarão produzindo efeito único.
A doutrina com um ente responde ao questionamento, afirm ando
que, no caso de dupla ou tripla incidência de uma circunstância, o juiz 337
deve resguardar sua aplicação para as fases mais avançadas da dosimetria.
Assim, havendo concurso entre circunstâncias judiciais e agravantes/ate
nuantes, a causa de modificação da pena seria aplicada na pena provisória;
em caso de concurso de circunstâncias judiciais e/ou agravantes/atenuan
tes e majorantes/minorantes, o efeito seria produzido na pena definitiva.
A justificativa norm alm ente é ad e que quanto mais próxim a da pena final
m aior será o impacto quantitativo da circunstância em termos de aum en
to ou de diminuição da sanção.
O raciocínio está parcialmente correto. Efetivamente, em caso de
concurso, a valoração da circunstância deve ocorrer sempre na fase poste
rior; e igualmente é correto afirm ar que quanto mais próximo da pena
definitiva m aior será a quantidade de aum ento ou de diminuição. N o
entanto, esta m etodologia não se justifica pelo efeito produzido (maior
impacto quantitativo), sobretudo porque este raciocínio não seria condi
zente com a regra geral da interpretação mais benéfica ao réu, reguladora
dos critérios de interpretação do direito penal de garantias. Se fosse exclu
sivamente pelo efeito produzido, em um a situação hipotética de concurso
entre uma circunstância judicial e causa especial de modificação da pena,
a resposta ao problema deveria ser distinta: se a circunstância produzisse
aumento, deveria ser analisada na fase anterior (pena-base); se fosse indi
cativa de diminuição, deveria ser aplicada na pena definitiva como m ino
rante. D o contrário, estaríamos diante de um a interpretação in malam
partem, vedada pela principiologia penal e processual penal.
FTNAS • MED WS DE SEGURANÇl NO 3REIID PENAL BRASILEIRO
Í-: y,
A fórmula para resolução desta espécie de conflito aparente de nor
■; - rJrfüt ie eBeHi v.
mas é a disposta no art. 61, caput, 2S parte, do Código Penal: “são circuns
tâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o
crim e” (grifou-se). Apesar de compor a estrutura das agravantes, a exclu
são da incidência das elementares e das qualificadoras do crime no cálcu
lo da pena constitui-se em regra geral do sistema de aplicação da pena, que
instrum entaliza no Código Penal o princípio constitucional da proibição
da dupla incriminação (ne bis in idem).
Neste sentido, é fundamental desenvolver uma técnica que possa, 339
de form a precisa, diferenciar as circunstâncias elementares (constitutivas)
daquelas acessórias, pois apenas estas poderão ser valoradas judicialm ente
na quantificação da sanção.
Bitencourt constata que “os tipos penais descrevem as condutas ilícitas e
estabelecem assim os seus elementos essenciais. Estes fatores que integram a descrição
1-: y,
restas de dom ínio público ou consideradas de preservação permanente, sem
prévia autorização, pedra, areia, cal ou qualquer espécie de minerais”.
■; - rJrfüt ie eBeHi v.
Especialmente comuns, porém , são os elementos que descrevem os
meios utilizados e a forma de agir (modusfadendi), como acontece, p. ex., nas
qualificadoras do homicídio (“mediante paga ou promessa de Kcompensa”, “com
emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura”, “à traição, de emboscada, ou
mediante dissimulação”, art. 121, § 2S, do Código Penal), do furto (“com
destruição ou rompimento de obstáculo”, “com abuso de confiança, ou mediante
fraude, escalada ou destreza”, “com emprego de chave falsa”, art. 155, § 4S, do 341
Código Penal) e em um núm ero expressivo de tipos penais incrim inado
res do Código Penal e da legislação extravagante.
Os elementos normativos — apesar da discordância conceituai com a
dicotomia classificatória (elementos normativos versus elementos descriti
vos) adotada pela dogmática penal, conforme destacado anteriorm ente —
seriam aqueles que caracterizam os tipos penais abertos, pois remeteriam
o julgador a um a análise extratípica.
Na exposição de Luisi, cs elementos normativos poderiam ser divididos
em dois grupos: jurídicos ou culturais44. Os elementos normativos jurídicos
caracterizariam “juízos valorativos ‘impróprios', porque se trata de elementos do
tipo já valorizados, isto é, de aplicações de valorações já realizadas pelo ordenamen
to jurídico. São conceitos já egressos em normas jurídicas, e com significações
consagradas’Hd, utilizados indiscriminadamente na lei penal —p. ex., cheque
(art. 171, VI), duplicata (art. 172), sociedade por ações (art. 177), warrant
(art. 178), contrato de trabalho (art. 198), casamento (art. 235), funcioná
rio público (art. 312), concorrência pública (art. 326), função pública (art.
328), estrangeiro (art. 338), advogado (art. 355), todos do Código Penal,
entre inúmeros outros. Os culturais, inquestionavelmente os mais proble
máticos em termos de constitucionalidade pela ampla extensão dos signi
ficados possíveis, remeteriam a valoração jurídica não aos códigos inter-
pretativos formais (sistema jurídico), mas àquelas regras de interpretação
social com um ente atribuídas ã tradição e aos costumes e que tendem a
FTNAS • MED WS DE SEGURANÇl NO 3REIID PENAL BRASILEIRO
“ A douttina penal comumente aponta uma terceira espécie de elemento normativo, que
seriam aquelas construções típicas que antecipam a ilicitude. Normalmente traduzidas
pelas expressões ‘indevidamente’, ‘sem justa causa’, ‘sem autorização’, entre outras —p. ex.,
art. 28, caput, daL ein . 11.343/2006: “quem adquirir, guardar, tiverem d^ésito, tran^ortarou
trouxer consigo, para consumo pessoal, sem autorização ou em desacordo com determinado legal ou
regulamentar”. Extensa listagem de tipos penais desta natureza, situados no Código Penal,
pode ser encontrada em COPETTI, Direito Penal e Estado Democrático de Direito, pp. 182
184, e SCHM IDT, O Prindpio da Legalidade no Estado Democrático de Direito, pp. 260-263.
ii LUISI, O Tipo Penal, a Teoria Finalista e a Nova Legislado Penal, p. 58.
46O problema do monismo axiológico foi ttatado amplamente na questão da culpabili
dade quando debatidos os temas do pluralismo jurídico e da secularização do direito.
m om ento da aplicação da pena e aquelas que tendem a ser revaloradas,
obstaculizando a efetividade do p rin c íp io da p roibição da d u pla in
crim in ação . Assim, a vedação da reanálise das elementares típicas pelo
julgador é um dos efeitos mais contundentes da incorporação constitucio
nal do princípio ne bis in idem na determ inação da pena.
Conforme esclarece A guiar Jr., “as elementares servem para a classifica
ção do crime, com a qual o ju iz conclui o juízo condenatório, iniciando logo após a
aplicação da pena (art. 59). Uma vez definido certo aspecto como elementar do
crime, não pode ele novamente ser ponderado para afxação dapena em alguma de
suasfaste’*7. A conclusão do autor é precisa, pois indica que aquela circuns
tância, por ser elementar do delito, integra o juízo de proibição da condu
ta que tem com o conseqüência a pena cominada legislativamente em
abstrato. Havendo (re)valoração na fase de individualização judicial da
pena, aquele elemento que atuou com o essencial no critério de tipificação
produzirá novo efeito, incorrendo a sentença, consequentemente, em bis
in idem.
U m exemplo bastante simples perm ite perceber com clareza a di
mensão dos efeitos da dupla incriminação. O Código Penal incrim ina o
furto no art. 155, caput, estabelecendo um a pena em abstrato de reclusão
de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa, para a conduta de “subtrair, para si ou
para outrem, coisa alheia móvel”. N o art. 157, caput, o Código prevê o crime
de roubo, cuja pena de reclusão varia entre 4 (quatro) e 10 (dez) anos:
“subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou
violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibi
lidade de resistência”. Em term os penológicos, as primeiras questões que
chamam a atenção são as da variação e da quantidade da pena: (a) a pena
m áxim a do furto corresponde ã pena m ínim a do roubo; (b) a quantidade
de pena m ínim a do roubo se aproxima ao patamar m ínim o do crim e de
homicídio simples (6 anos), sendo os seus regimes de cum prim ento idên
ticos (regime semiaberto).
Para além da constatação de a pena do crime de roubo ser relativa
mente alta no nosso ordenamento jurídico, a questão que permanece seria
a da identificação dos elementos que diferenciam furto e roubo, visto que
ambos são crimes que ofendem o mesmo bem jurídico (patrimônio), que
provocam o mesmo resultado lesivo (diminuição patrimonial da vítima),
48 Prossegue o autor: “(...) ao condenar funcionário público por crime contra a Administração
Pública (v.g. peculato, corrupção passiva), afirmar que 'o nu praticou ação das mais reprováveis,
visto que violou a wnfiança inennte ao exemcio dafuntfo pública’, como se o fato de ser servidor
públirn já não tivesse orientado a decisão polítiw-criminal do legislador de autonomizar/criminalizar
tais condutas, punindo-as deforma mais dura precisamente em razão dos devens inerentes ao cargo/
função pública" (Q U EIR O Z, D inito Penal, p. 382).
49 “Distingue-se a elementar de uma circunstância pelo processo hipotético de eliminação. S e a ex
clusão de certofator implirn a descaracterização do fato como crime, ou fa z surgir um outro crime, tal
ifado é uma elementar. Ex.: eliminando-se ofator ‘fancionàno público', não há crime de prevaricação,
nem outro qualquer pela demora na movimentação do processo; eliminando-se o mesmo dado, deixa
de existir o peculato e pode haver a apropriação indébita. Logo, ser funcionário público é elemento
Significa dizer que, no caso concreto, o intérprete deve excluir do quadro
das circunstâncias do delito aquelas situações que indiciam ser elementares
do tipo ou qualificadoras. Após a exclusão hipotética, é possível perceber
três efeitos: (a) exclusão da tipicidade da conduta (atipicidade penal) —p. ex.,
a exclusão da circunstância prazo e forma legal na apropriação indébita
previdenciãria (art. 168-A do Código Penal); (b) modificação da tipicidade
— p. ex., a exclusão da circunstância violência no crime de roubo; ou (c)
manutenção da tipicidade —p. ex., a exclusão da circunstância motivo fú til
no crime de maus-tratos (art. 136 do Código Penal). Nos dois primeiros
casos, ou sga, quando ocorre a exclusão ou a modificação do juízo de tipi
cidade, a circunstância hipoteticamente excluída é classificada como elemen
tar do tipo, motivo pelo qual não pode ser revalorada na aplicação da pena.
N o terceiro caso, quando não há alteração no juízo de tipicidade, a circuns
tância é acessória (ou acidental), sendo possível sua análise pelo juiz na
aplicação da pena sem ofensa do princípio da vedação da dupla incriminação.
essencial dos crimes de prevarimção e de peculato. Se o/ator excluído n<w impede a caracterização do
crime, trata-se de uma circunstância do crime” (AGUIAR, Aplicação da Pena, p. 37).
No mesmosentido, B ITEN CO U RT, Tratado de Direito Penal, p. 663.
Conforme exposto, as duas primeiras espécies (elementares e qua
lificadoras) são constitutivas do tipo, m otivo pelo qual não podem ser (re)
valoradas na aplicação da pena. Outrossim , frise-se que as demais circuns
tâncias somente poderão impactar uma vez no sistema trifásico, isto é, como
critério de aumento ou de diminuição da pena-base ou da pena provisória
ou da pena definitiva. D o contrário, a decisão judicial é nula por ofensa ao
princípio constitucional da proibição da dupla incriminação (ne bis in idem).
uma categoria não prevista em lei, como, p. ex., o clamor social ou a pericu
i
Í-: y,
uma espécie de índice ou grau de responsabilidade pessoal pelo injusto.
Nas palavras de R ealejr., D otti, Andreucci e Pitombo, “ [as circunstâncias
ie BEtEtai v.
subjetivas] são, portanto, especificações do termo genérico ‘culpabilidade’, as indi
cações dos critérios: antecedentes, conduta sodal, personalidade, motivos”50.
Boschi, aderindo ã perspectiva de ser a culpabilidade o índice geral
w - rJrfUt
de dosimetria da pena-base —com importantes efeitos na quantificação das
penas provisória e definitiva, conforme será posteriormente apresentado —,
sugere, inclusive, uma ampliação do seu conteúdo que englobe os próprios
elementos objetivos. Neste sentido, o art. 59, caput, do Código, poderia ser 347
interpretado da seguinte maneira: “o ju iz, atendendo à culpabilidade, estabele
cerá, conforme seja necasàrio e sufidente para reprovação e prevenção do delito”, as
penas aplicáveis, a quantidade de pena aplicável, o regime inicial e a subs
tituição da pena privativa de liberdade por outra espécie. Isto porque “as
drcunstândas judiciais não são outra coisa senãofenamentas a serem utilizadas pelo
352
í4Segundo o art. 187 do Código de Processo Penal, alteradopela Lei n. 10.792/2003, o
interrogatório do réu será consdtuido de duas partes: sobre a pessoa do acusado e sobre
os fatos. Nesse sentido, o § Ia do dispositivo determina que “na primeira parte o intenogan-
do será perguntado sobre a residência, meios de vida ou profissão, oportunidades sociais,
lugar onde exerce a sua atividade, vitfa pregressa, notadamente sefoi preso ou processado alguma
vez e, em caso afirmativo, qual o juizo do proasso, se houve su^ensão condicional ou conden^ão,
qual a pena imposta, se a cumpriu e outros dados familiares e sociais” (grifou-se).
sí SOARES, Aplic^ão da Pena Privativa de Liberdade e o Dever Juridico-Constitucional de
Minimização da Afetação Individual, p. 162.
Na redação original da parte geral do Código Penal (Decreto-Lei
n. 2.848/40), inspirada pela teoria causai da ação, o art. 42, caput, que
tratava da determinação da pena-base, referia, juntam ente com as demais
circunstâncias judiciais, a intensidade do dolo e o grau de culpa56. Conforme
trabalhado anteriormente na delimitação dos elementos subjetivos da teo
ria psicológica, o dolo e a culpa consistiam em formas de culpabilidade,
que eram compostas, ainda, pela imputabilidade. Com a teoria psicológico-
-normativa é integrado o elemento exigibilidade de conduta. N o entanto,
com o advento da teoria finalista da ação, ocorre a normativização plena
da culpabilidade (teoria normativa pura), sendo extirpados os elementos
dolo e culpa, transferidos para a tipicidade (elementos subjetivos do tipo).
Nota-se, portanto, que a redação originária do art. 42, caput, do
Código Penal, obedece ã estrutura metodológica vigente na época: teoria
causai da ação, teoria psicológico-normativa da culpabilidade.
Todavia, a R eform a de 1984 estabelece um giro paradigmático na
teoria do delito nacional, incorporando na nova parte geral os pressupostos
do finalismo. Não por outra razão, o novo art. 59, caput, substitui os termos
intensidade do dolo e grau de culpa pela categoria culpabilidade. Aliás, esta op
ção fica bastante clara na exposição de motivos da Lei n. 7.209/84 (nova
parte geral): “as diretrizes para a fixação da pena estão relaáonadas no art. 59,
segundo o critério da legislação em vigor, tecnicamente aprimorado e necessariamen
te adaptado ao novo elenco de penas. Preferiu o projeto a expressão ‘culpabilidade’
em lugar de ‘intensidade do dolo ou grau de culpa’, visto que graduável è a censura,
cujo índice, maior ou menor, incide na quantidade de pena"57.
A exclusão dos elem entos do lo e culpa, com a substituição pelo
term o culpabilidade, decorre exatamente da nova orientação teórica que
passa a viger na legislação penal brasileira. E, desde a perspectiva finalista,
os elementos do conceito normativo são exatamente a imputabilidade, a
(potencial) consciência da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa.
Neste sentido, embora sejam relevantes os argumentos contrários58,
entende-se incabível a valoração do grau de culpa e da intensidade do dolo
avaliar o grau de censura da ação tida wmo típica e antijurídica: quanto mais intensofor o dolo, maior
será a censura; quanto menor a sua intensidade, menor será a censura” (BITENCOURT, Tratado
de Direito Penal, p. 664).
N o mesmo sentido, sobre a possibilidade de valoração d o dolo e da culpa nas circuns
tâncias judiciais da pena-base, conferir FRAGOSO, Lições de D im to Penal, pp.407-408.
55 Q U EIR O Z, Direito Penal, p. 393.
60 M ESTIERI, Manual de Direito Penal, p. 281.
cia do positivismo criminológico, que se pautava no critério da periculosi
dade do agente.
Assim, a superação do causalismo e da teoria psicológica não apenas
produziu o efeito intrassistemático de relocação do dolo e da negligência,
como este processo de normativização da culpabilidade foi determ inante
para o resgate da teoria da pena para a dogmática jurídico-penal. Na qua
lidade de juízo de censura e de reprovação (Frank), a culpabilidade se
vincula ã pena, estabelecendo seus limites e sua medida. A periculosidade
ficará adstrita ao fundam ento e ã determinação das medidas de segurança.
Os dois modelos penais de resposta ao injusto (penas e medidas) são esta
belecidos, portanto, na cisão relativa ã capacidade de culpabilidade: im pu
tabilidade e inimputabilidade.
A dogmática da resposta ao ilícito produz, assim, uma radical sepa
ração entre os dois sistemas, polarizados entre a culpabilidade (autodeter
minação) e a periculosidade (determinação), entre as penas e as medidas
de segurança. Embora seja fundamental na atualidade a crítica aos critérios
:u H ftlil
e ao próprio conceito de (in)imputabilidade61, os conceitos, as circunstân
cias e os elementos da culpabilidade e da periculosidade não se confundem.
■tAi 4; nritâ
São sistemas dogmáticos distintos, com distintos critérios de aplicabilidade.
N o entanto, apesar da clareza dogmática quanto ã impossibilidade
Í-: y,
de aproximação destes universos autônomos, as noções de periculosidade
e de sujeito perigoso, derivadas diretamente do positivismo etiológico,
■; - rJrfüt ie eBeHi v.
perm anecem latentes nas entrelinhas doutrinárias e no subterrâneo juris-
prudencial do pensamento ortodoxo, em grande parte alimentadas pelo
senso com um punitivista. Análise crítica das práticas dos atores do sistema
penal, sobretudo a jurisprudência dos Tribunais, perm ite perceber como a
ideia de periculosidade emerge nos discursos dogmáticos, ampliando o
encarceramento por meio de metarregras e de deslocamentos discursivos.
As metarregras se instrum entalizam , p. ex., por m eio de standards decisio- 355
nais nos decretos de prisão preventiva; estereótipos persuasivos na aplicação
da pena; motivações com eixos (conteúdos)flutuantes na avaliação dos requisitos
para progressão de regim e em sede de execução da pena —os exemplos são
inúmeros, como periculosidade do réu, probabilidade de reiteração, inclinação ao
:u H ftlil
59, XLVII, b, que veda a prisão perpétua, não pode ser lida de forma res
tritiva. Assim, “a exclusão da pena peyétua de prisão importa que, como lógica
■tAi 4; nritâ
conseqüência, não haja delitos que possam ter penas ou conseqüências penais p eyé-
tuas. Se a pena de prisão não pode ser peyétua, é lógico que tampouco pode sereia
a conseqüência mais branda do delito. Isto resulta claro quanto às conseqüências
Í-: y,
acerca da reincidência, que o art. 64 limita em cinco anos"68. Seria, portanto, uma
ie eBeHi v.
conseqüência da norm a constitucional que veda as penas perpétuas “(...)
não se admitir que o autor de um delito perca a sua condição de pessoa, passando a
ser um indivíduo ‘marcado’, ‘assinalado’, estigmatizado pela vida afora, reduzido à
condição de ma^inalizado pe^ètuo”69.
w - rJrfüt
seus personagens: autor e vitima. E graças a isso que o direito penal, conciliando os
extremos (igualdade e diferença) realimenta continuamente a sua legitimidade, evi
tando padronizações das sentenças e preservando o sentido da equidade nas diferen
FTNAS • MED WS
tes, que seria a relação do réu consigo mesmo, com o seu passado, com a
sua história de vida.
O problema é que os dados de análise sugeridos na doutrina e na
jurisprudência são fundados, em praticamente sua totalidade, em premissas
NO 3REIID
morais. Não por outro motivo, uma avaliação relativamente cuidadosa dos
julgados dos Tribunais 78 perm ite estabelecer um a clara diferença nos valores
(morais) que atestam a boa ou a má conduta entre os gêneros (masculino
OE S EG U R A N Ç l
e fem inino). Assim, se norm alm ente a conduta dos réus (homens) é
valorada a partir das suas relações no espaço público, ou seja, de sua in
serção na sociedade (relação com a com unidade, dedicação ao trabalho,
• MEO WS
a outras categorias. Lembre-se, por todos, da lição de Reale Jr. no que tange
ã dimensão conglobante da culpabilidade, que abarcaria antecedentes,
i
82 Desde o ponto de vista das ciênciaspsi, Hall, Lindzey e Campbell afirmam que existem
poucas palavras na lingua que geram tanto fascínio como o termo personalidade. Notam
FTNAS • MED WS
DffiJ id Hftlil
prescindiria, necessariamente, de um a exposição prévia da definição e da
metodologia utilizadas, ou seja, a justificação de qual o ponto de partida
conceituai (teórico), quais os critérios utilizados para análise e quais as
üficiiit v. kl y, ■tAA 4;
etapas de avaliação (metodologia). A estrutura do sistema processual penal
acusatório demanda que para que ocorra um a apropriação de categorias
extrajurídicas, notadam ente de categorias que influenciam na pena, é
fundamental que a valoração judicial seja precedida de um a justificação
convincente e adequadamente orientada, sob pena de serem obstaculizados
o contraditório e a ampla defesa. Assim, na motivação, o julgador deveria ie w - rJrfüt
expor de forma bastante clara os critérios de análise para que possam ser
contrapostos (contraditados) pelas partes (acusação e defesa).
83 Desde a perspectiva jurídico-penal, dialogando com a psicanálise, Juarez Cirino dos 369
Santos constata que “o conceito de personalidade é objeto de enorme controvénia em Psicoloigia ou
Psiquiatria modernas, por causa de seus limites imprecisos ou difusos. Não há consenso sobw as se
guintes questões: a penonalidade (a) seria delimitada pelo ego, como o perceptivo-consciente Kspon-
sàvel pelas decisões e ações da vida diária? (b) abrangeria o superego como instância de controle ou
censura pessoal? (c) enfim, incluiria as pulsões do id, rnmo fonte inconsaente da energia psíquica,
regida pelo principio do prazer?" (SANTOS, Direito Penal, p.565).
84 FR A N C O e STOCO, Cédigo Penal e sua Inte^retação, p. 345.
85 BOSCHI, Das Penas e seus Critérios de A p lia p o (b), p. 211.
Não basta, pois, o magistrado suscitar um elemento categórico (per
sonalidade do réu) e atribuir-lhe sentido a partir de termos vagos e im pre
cisos, norm alm ente apropriados do senso comum (valoração na esfera do
leigo). O requisito constitucional da fundamentação das decisões impõe a
explicitação dos critérios, dos métodos e dos conceitos utilizados, bem
como a apresentação dos elementos empíricos que foram analisados, sob
pena de nulidade da decisão86. Nas palavras de R odrigo Moraes Oliveira,
“(...) a decisão tem de ser verficável, as partes devem poder apreender o processo de
racionalização nela desenvolvido e de todos os elementos por meio dos quais o ju iz
formou seu convendmento”sl.
N o entanto, mesmo se o julgador demonstrasse previamente a base
conceituai e a metodologia de análise, uma nova dificuldade emergiria
(segundo problema), que é relativa ã capacidade técnica do julgador para rea
lizar um juízo valorativo sobre a personalidade do réu.
Neste ponto convém lembrar Toledo, citando Eysenck, no sentido
de “não acreditar que os penalistas pretendam construir conceitos dogmáticos de
PENAL B R A S IL E IR O
autores que escrevem sobre o tema dá a sua própria definição, seu próprio ponto de
vista, seu método próprio e sua concepção pessoal do que deveria ser o objeto da
OE S EG U R A N Ç l
85 Leciona Lenio Streck que "também não se discutem no âmbito da dogmática, ficando, por
conseguinte, eswndidas nas brumas do sentido comum teórico, as wndições de possibilidade que tem
o ju iz para avaliar a personalidade do riu por ocasião da aplicação da pena, em wnformidade dos
ditames do art. 59 do Código Penal (...). Diante da evidente dificuldade de aferição do que seja
'personalidade do delinqüente', é possível colher subsídios na dogmática jurídica tradicional, do tipo
'personalidade é todo complexo, porção herdada e poqão adquirida, como o jogo de todas as forças
que determinam ou influenciam o comportamento humano’ [referência ao conceito de Aníbal
Bruno, repetido constantemente pela teoria do direito penal brasileira]. Ow seja, os proble
mas do universo fenomênico dão lugar e passagem para a abstração jurídiw-wnceitual-objetificante”
(STRECK, Hermenéuticajuridica e(m) Crise, p. 60).
Em sentido similar, CARVALHO, Garantismo Penal Aplicado, pp. 102-104; ROSA,
Decisão Penal, pp. 348-351.
50 SANTOS, Direito Penal, p. 565.
91 BOSCHI, Das Penas e seus Critérios de A p lia p o , p. 176.
zada que delimita um sistema de direito penal do fato. Em outros termos,
a interrogação poderia ser colocada no seguinte sentido: cumpridos os requi
sitos formais (conceituais e metodológicos), seria legítimo u m juízo de censura sobre
a personalidade do réu?
Após a problematização das circunstâncias culpabilidade, anteceden
tes e conduta social, parece evidente ser ilegítimo qualquer tipo de repro
vação da subjetividade do acusado. O princípio da secularização, ao des
vincular direito e moral, estabelece uma blindagem da esfera do íntimo,
excluindo as hipóteses de julgam ento da identidade do réu.
Assim, a abertura operada na pena-base pela inclusão da circunstância
personalidade do réu estabelece, segundo ensinamento de R odrigo Moraes
de Oliveira, “verdadeira porta aberta para perversão do prindpio da culpabilidade
pelo fato (...)”92. Não se trata, portanto, apenas de uma imprecisão conceitu
ai e de um a impossibilidade técnica de o juiz analisar a personalidade do
acusado. O juízo em si é informado por uma lógica inquisitorial que destoa
dos princípios informadores do direito penal democrático.
PENAL B R A S IL E IR O
Í-: y,
na pena-base a partir da personalidade já ser equivocada — ao afirm ar a
ie üficint v.
periculosidade o julgador deveria im por medida de segurança, e não pena,
segundo os preceitos do Código Penal —, é fundamental reiterar, nas pala
vras de A m ilton Bueno de Carvalho, que “a valorado da personalidade é '■i - rJrfüt
inadmissível em sistema penal democrático fandado no principio da secularização: o
cidadão não pode sofrer sancionamento por sua personalidade (...). Mais, a alegação
de ‘voltadapara a prática delitiva’ é retórica, juizes não têm habilitação técnica para
proferir juízos de natureza antropológica, psicológica ou psiquiátrica, não dispondo
o processo judicial de elementos hábeis (condições mínimas) para o julgador proferir
‘diagnósticos’ desta natureza ”96.
recém-nascido para ocultar desonra própria (art. 134, caput); a elementar com
intuito de obtenfio de vantagem econômica indevida no delito de extorsão (art.
158, caput), entre outras.
FTNAS • MED WS
id H ftlil
sidade de distinguir motivo e f m de agir100, ou seja, entre as razões da prática
delitiva e a vontade genérica de violação do tipo penal (dolo). O dolo,
conceituado no sistema finalista como vontade livre e consciente de rea
■tAi 4; nritâ
lização da conduta típica, é composto pelos elementos cognitivo (conheci
m ento e representação) e volitivo (vontade). Sobretudo no dolo direto,
1-: y,
“quando o agente se pmpõe a realização da conduta típica, o dolo se confunde com
a intenção. A vontade se dirige à realização dofato que configura o delito”101. Assim,
ie eBeHi v.
p. ex., no crime de homicídio, são distintas duas circunstâncias: ifim lidade,
caracterizada pela vontade livre e consciente de m atar alguém (dolo gené
rico, animus necandi); o motivo, identificado na razão que deflagra a conduta.
w - rJrfüt
distinguir entre a tentativa de homiddio com lesão qualificada, que tem consequêndas
graves, e a tentativa branca, quando o disparo não atinge a vítima, embora os dois
crimes realizem o m am o tipo e tenham os mesmos limites de pena; também ofurto
FTNAS • MED WS
1-: y,
Neste aspecto, é impossível deixar de referir o caráter sexista, sobre
ie eBeHi v.
tudo nos delitos contra a liberdade sexual, de inúmeras análises doutriná
rias e jurisprudenciais sobre o com portam ento da vítim a m ulher. Aliás,
esta tendência moral (sexista e misógina) é perceptível na própria exposição w - rJrfüt
de motivos, quando a inclusão da nova circunstância judicial é justificada
a partir da referência ao comportam ento fem inino — “como, entre outras
modalidades, o pouco recato da vítima nos crimes contra os costumes” (§ 50 da
Exposição de Motivos da Lei n. 7.209/84). Conforme referido, a produção ~gyg
desta im agem moralizadora da postura feminina como incentivadora do
crime sexual aparece, com muita frequência, nos textos doutrinários e nos
julgamentos.
A construção de um sistema de interpretação extramoral, informado
pelo princípio da secularização, impõe, em últim a análise, um profundo
respeito ã diferença, ã forma como as pessoas são e se manifestam. E se é
ilegítimo ao juiz produzir uma valoração moralizadora no julgam ento do
acusado, m uito mais o será em relação ao com portam ento da vítima.
12.5.18. Os problemas relativos aos critérios de interpretação e de
aplicação das circunstâncias judiciais têm provocado inúmeros debates nas
esferas acadêmicas e jurisdicionais. Com o resultado, alguns projetos de
reform a da estrutura de aplicação da pena-base foram apresentados ã
comunidade jurídica.
D entre os projetos mais relevantes em term os de capacidade crítica
e de qualidade dogmática destaca-se o Projeto Reale Jr., cujo texto ante
cipa várias conclusões apresentadas ao longo do trabalho. O projeto, pro
posto na ocasião em que o jurista atuava na titularidade do M inistério da
Justiça, procurava solucionar alguns pontos notadamente problemáticos do
nosso sistema de aplicação da pena, sobretudo o da demasiada abertura das
circunstâncias judiciais.
N o projeto são excluídas do art. 59, aiput, do Código Penal, as cir
cunstâncias subjetivas personalidade e conduta social, sendo acrescentados dois
importantes elementos de valoração da vulnerabilidade social do acusado,
em sentido m uito similar ao dispositivo do art. 187, § l9, do Código de
FíMAS i MED IUS DE S E G U R « (JI ND 3REIID PENAL B R A SILEIR O
Í-: y,
12.6.1. Identificados os elementos probatórios de análise e atribuído
o sentido das circunstâncias, cabe ao juiz valorar positiva ou negativamen
■; - rJrfüt ie eBeHi v.
te os vetores e, finalmente, quantificar a pena-base.
Em decorrência de o Código Penal ter sido omisso em estabelecer
um procedim ento para quantificar a sanção, a doutrina e a jurisprudência
construíram um a série de regras para efetivação da d o sim etria da pena,
que podem ser sintetizadas em quatro premissas:
a) A primeira diretriz jurisprudencial define os limites mínimos e
máximos de variação da pena-base. Neste sentido, na primeira etapa 301
da determinação da pena o ju iz fixará a pena-base entre o mínimo legal
e o termo médio. O term o médio é o valor correspondente ã soma
do m ínim o e do m áxim o legal estipulados no preceito secun
dário do tipo penal incrim inador dividido pela m etade 107 — p.
107 A ideia de termo médio como índice de reprovabilidade intermediário estava presente
no Código Penal do Império: “(...) tres grãos nos crimes, com attenção ás suas circumstancias
ex., a pena-base no crime de homicídio simples pode variar entre
6 (seis) e 13 (treze) anos (art. 121, caput, do Código Penal); no
crime de furto simples entre 1 (um) e 2 (dois) anos e 6 (seis) m e
ses (art. 155, caput, do Código Penal); no delito de tráfico de
drogas entre 5 (cinco) e 10 (dez) anos (art. 33, aiput, da Lei n.
11.343/2006).
b) A segunda regra estabelece que em caso de totalidade (ou de subs
tancial preponderância) de circunstâncias favoráveis, a pena-base
deve ser aplicada no m ínim o legal cominado.
c) Em sentido oposto, a termra orientação dogmática indica que em
caso de integralidade de circunstâncias desfavoráveis, a pena-base
deve ficar próxima do term o médio.
d) A quarta guia estabelece um critério de ponderação, no qual o juiz
deverá fixar um a quantidade razoável e proporcional de pena em
caso de concurso de circunstâncias favoráveis e desfavoráveis.
Im portante referir que, por força do princípio da presunção da
inocência, as circunstâncias consideradas neutras operam com o se fivoráveis
fossem. Entende-se como neutras aquelas circunstâncias em que o juiz
entendeu não haver elementos de prova suficientes para produzir um juízo
favorável ou desfavorável. Sobre o tem a, Schecaira e Corrêa Jr. sustentam
que “se o ju iz, no decorrer da instruçM, não puder fazer vir aos autos elementos
que sirvam de referênría para o cálculo (muitas vezes o agente do delito é desconhe-
rído na rídade em que o crime fo i cometido, ou não se tem conherímento de suas
atividade sociais etc.) (...), dada a impossibilidade de se prqudicar o agente do de
lito, que não pode sofrer pela ineficiência do Estado, a pena-base deverá serfixada
em seu mínimo legal”'08.
Da série de regras, é possível concluir que a técnica para o cálculo
da pena-base é a do acúmulo de circunstâncias negativas, pois o juiz, sempre
partindo da pena m ínim a em direção ao termo médio, verifica a quanti
dade de elementos desfavoráveis. Q uanto maior o núm ero de circunstân
cias negativas, maior a quantidade final de pena aplicada.
uma prova plena. Isso pode parecer pouco razoável para uma cabeça não acostumada ao pensamento
quantitativo; hoje, estando mais familiarizados com as frações, seriamos tentados a perguntar: se duas
meias provas eqüivalem à certeza absoluta, o que é que representa três provas? D e acordo com a
maneira correta de combinarmos probabilidades, duas meias provas não Aegam a produzir uma cer
teza absoluta, e, além disso, jamais poderemos somar um número finito de provas paràais para gerar
uma certeza, porque para combinamos probabilidades não devemos somá-las, e sim multiplicá-las”
(MLODINOV, O Andar do Bêbado, p. 42).
O raciocínio é plenamente adequado à pretensão calculadora da simples soma das
circunstâncias parciais, m otivopelo qual, baseado no sistema da livre apreciação, o ma
gistrado pode estabelecer critérios de preponderância absolutamente válidos, desde que
exponha (fundamente) as razões que justificamsopesar com maior intensidade um a ou
outra circunstância.
Diferentemente das circunstâncias judiciais, as agravantes e atenuan
tes (Ia) são (pré)valoradas, positiva ou negativamente, em lei (valoração
qualitativa); (2 a) estão quantitativamente delimitadas pela jurisprudência
(valoração quantitativa); e (3a) possuem regras de preponderância específicas.
A primeira diferença diz respeito ã valoração qualitativa. Note-se que os
motivos, p. ex., são um a circunstância judicial que perm ite ao juiz aumen
tar ou dim inuir a pena, conforme a valoração da prova. As circunstâncias
da pena provisória não perm item esta maleabilidade. As agravantes arro
ladas no art. 61 atuarão sempre como circunstâncias de aumento e as dis
postas no art. 65 do Código Penal sempre atenuarão a pena. Inexiste a
possibilidade de uma mesma circunstância legal atuar em um caso como
agravante e em outro como atenuante. Assim, ao mesmo tempo em que a
embriaguez preordenada (art. 61, II, l) somente agravará a pena; a confis
são (art. 65, III, d) apenas atenuará. O m áxim o que poderá acontecer é,
em caso de controle difuso de constitucionalidade, o julgador afastar a
incidência de uma circunstância, tom ando-a impassível de valoração —
FTNAS • MED WS DE SEGURANÇl NO 3REIID PENAL BRASILEIRO
110 Neste sentido, conforme será trabalhado posteriormente, B ITEN CO U RT, Tratado de
Direito Penal, p. 671; BRANDÃO, Curso de Direito Penal, p. 341; BOSCHI, Das Penas e
seus Critérios de Aplicação, p. 240; e SANTOS, Direito Penal, p. 569.
de compensação de circunstâncias, i.e., atenuante e agravante se anularem
reciprocam ente. Todavia, isto somente poderá ocorrer se não houver
hierarquia entre as circunstâncias, situação regrada pelo art. 67 do Código
Penal (preponderância das agravantes e atenuantes subjetivas sobre as otyetivas).
12.7.2. Não obstante a diferença com as circunstâncias judiciais,
existe um elemento de distinção entre as próprias circunstâncias legais, que
é relativo ao caráter taxativo das agravantes e exem p lificativo das
atenuantes. Implica dizer que na segunda fase de aplicação da pena não
poderá incidir nenhuma causa de aumento de pena que não esteja arrolada
no art. 61 ou no art. 62 (agravante no concurso de pessoas) do Código.
Por força do princípio da legalidade, o rol das agravantes é numerus clausus,
não sendo possível sua ampliação por força da analogia ou de interpretação
extensiva. Diferentemente da atenuante, cuja estrutura é aberta e permite,
inclusive por força de lei (art. 66 do Código Penal), que haja uma especial
referência a fatores relevantes, anteriores ou posteriores ao crime, mesmo
não previstos em lei (atenuantes inominadas).
Desta forma, conclui Paulo Queiroz que “as circunstâncias agravantes
são fados ou fatos acidentais, objetivos ou subjetivos, que, embora não façam parte
da estrutura do crime, são importantes para a verificado da maior culpabilidade do
agente; e diferentemente das atenuantes, o rol das agravantes é taxativo, motivo pelo
qual o ju iz não pode admitir outras que não constem da lei, sob pena de ofensa ao
prindpio da legalidade”Uí.
Importante referir, a título introdutório, que as circunstâncias
agravantes e atenuantes subjetivas são incom unicáveis, ou seja, têm
caráter personalíssimo, salvo quando elementares do crime, nos termos do
art. 30 do Código Penal. O compartilhamento de circunstâncias em c ^ o
de concurso de pessoas, portanto, será possível apenas entre aquelas obje
tivas, relativas ao feto.
bora as causas legais de aumento não sejam nucleares do tipo, sua condição
PENAL B R A S IL E IR O
114 H á um consenso douttinário no que tange á inaplicabilidade das agravantes nos crimes
culposos, excetuando a reincidência. Neste sentido, BOSCHI, D as Penas e seus Critérios
de Aplicação, p. 198; DELM ANTO, Código Penal Comentado, p. 120; FRAGOSO, Lições
de Direito Penal, p. 415; Q U EIR O Z, D íkíío Penal, p. 298; SCHECAIRA e C O R R Ê A
JR ., Teoria da Pena, p. 265.
Todavia, entende-se que o instituto da reincidência é igualmente inaplicável nos
crimes culposos em decorrência da Lei n. 9.714/98, conformeserá exposto na seqüência.
115 Na fase de aplicação quantitativa da penaprivativa de liberdade (art. 59, II, do Código
Penal), não são diferenciados os efeitos da reincidência geral e específica. A reincidência
específica foi prevista na leipenal brasileira pela Lei n. 8.072/90 e, posteriormente, pela
Lei n . 9.714/98. Os efeitos da reincidênciaespecífica em crimes hediondosserão analisa
dos em sede de execução penal (progressão de regime) e os da reincidência específica nos
demais delitosserâoproblematizados na fase de substituição da penaprivativa de liberdade
por restritiva de direitos (art.59, IV c/c art. 44, II, do Código Penal).
1,6 ZAFFARONI, Tratado de Derecho Penal V, p. 360.
Conforme exposto na ocasião da análise dos antecedentes criminais,
o m om ento central para análise é o da data do foto que está sob julgam en
to, ou seja, o tempo do crime, segundo o dispositivo do art. 4 - do Código
Penal. Na sentença crim inal, cabe ao magistrado verificar (certidão de
antecedentes criminais) prim eiram ente se o réu foi condenado e, sendo
positiva a resposta, se houve trânsito em julgado. Inexistindo trânsito em
julgado, não há que se cogitar em reincidência. N o entanto, se houve
condenação estabilizada pela coisa julgada, cabe ao julgador verificar se o
novo crime que está sendo julgado ocorreu antes ou depois da data do
trânsito. Se o novo delito for anterior ao trânsito em julgado, estão confi
gurados maus antecedentes; se posterior, há reincidência.
Na precisa síntese de Schecaira e C orrêajr., “considera-se ‘tecnicamen
te’ primário o agente quefo i condenado uma ou várias vezes, sem que nenhuma das
condenações tenha transitado em julgado, bem como o agente que possui condenação
transitada em julgado, mas cometeu o novo crime antes de a sentença anterior tornar-
PENAL B R A S IL E IR O
abaixo. Note-se que o ponto de referência será sempre o prim eiro trânsito
em julgado (grifado). Nas hipóteses desenhadas, pressupõe-se que o ju l
gador esteja sempre julgando (sentença) o últim o foto (foto 2 , prim eira e
FTNAS • MED WS
Figura 4 (reincidência): d e l i t o e m j u l g a m e n t o ( f a t o 2 ) p o s t e r i o r a o t r â n s i t o
e m ju lg a d o d e s e n te n ç a c o n d e n a tó ria p o r fa to a n te rio r (fa to 1).
Data Fatol Trânsito Condenaçãol Data Fato2 Sentença
* T rânsito em
Julgado Fim P razo +
Período dc Apuração da
Reincidência
130 ZAFFARONI, Sistemas Penales y Derechos Humanos en América Latina, p. 89. _____
131 ZAFFARONI e PIERANGELI, M anual de Direito Penal Brasileiro, p. 795. 397
132 SANTOS, Direito Penal, p. 572.
133 STRECK, Tribunal do Júri, p. 66 .
134 FRANCO, Sobre a Não Recepfio da Reincidência pela Constituição Federal de 1988, p . 8 .
133 Adauto Suannes pondera que a reincidência é “ (...) impassível delevar ao agravamento da
nova pena por força do ne bis in idem e da imutabilidade, wmo garantia dos rius, das decisões
penais condenatórias” (SUANNES, Os Fundamentos Éticos do Devido Processo Penal, p. 240;
SUANNES, A Reincidência, Autêntico ‘Bis in Idem’, p. 7). Paulo Queiroz conclui que “ (...)
a reincidência não passa, <nmo assinala M unoz Conde, de uma pena tarifada, na medida em que ela
da reincidência. N ão por outra razão, a matéria se encontra, atualmente,
pendente de julgam ento no pleno do Supremo Tribunal Federal em razão
de ter sido reconhecida a Repercussão Geral137.
KARAM , Aptiação da Pena, p. 47; NASSIF, Direito Penal e Processual Penal, p. 198; ROSA,
Decisão Penal, pp. 354-355; SOARES, Aplicação da Pena Privativa de Liberdade e o Dever
Juridico-Constitucional de Minimização da Afetação Individual, pp. 218-224.
136 Em relação ã posição dos Tribunais nacionais, importante destacar o entendimento
apresentado pela 54 Câmara Criminal do Tribunal de Justiça gaúcho (TJRS). Aliado ao
argumento da ofensa ao princípio da proibição da dupla valoração, osjulgadores enten
deram que a responsabilidade criminal do autor que comete novamente delito não é ne
cessariamente mais grave que a do réu primário, e somente o procedimento de individua-
lizaçãojudicial permitiria esta conclusão. Assim, o caráter genérico da agravante, além de
impor dupla punição, inviabilizaria a análise do caso concreto (individualização da pena)
(Tribunal de Justiça do R io Grande do Sul, Apelação 699291050, Rei. Des. Amilton
Bueno de Carvalho,j. 11.08.1999) — “o delinqüente reincidente nem sempre ê mais petverso,
mais culpável, mais perigoso, em confronto com o acusado primário” (Tribunal de Justiça do Rio
Grande do Sul, Apelação 70001014810, Rei. Des. Sylvio Baptista Neto, j. 08.06.2000).
Atualmente, algumas posições indicam a possibilidade de a Suprema Corte acolher a
tese: “não desconheço a crítica acirrada de parte da doutrina, que inspirada por a fa n s dos princípios
orientador do Direito Penal, notadamente pelo tepúdio do (hnominado direita penal do autar, defende
ser inadmissível o agravamento obrigatório da pena em razão da reincidência. A tese de ineludível
fascínio, jamais obteve, a n tu th , o beneplácito da juris^ndência deste Supremo Tribunal, que sempre
reputou válida a fixação daquela agravante, nconhecendo, inclusive, que, ao contrário do que daidido
pelo Tribunal deJ u stip do R io Grande do Sul, se justificaria o 'izcmdescimento da pena imposta ao
paciente’ em razão da reincidência, pois isto resultaria de sua 'opção por antinuar a delinquir’ (...)
Assim , rendo-me, por ora, á jurisprudência consolidada neste Supnm o Tribunal” (Supremo
Tribunal Federal, Habeas C o ^u s 93969-4/RS, Min. Cármen Lúcia, j. 22.04.2008).
131 “1. Trata-se de R E com fundam ento no art. 102, III, 'd, da CF, antra acórdão da Quinta
Câmara Criminai do Tribunal de Justiça do Estado do R io Grande do S u l que, por sua maioria,
Nota-se que o aumento da pena pela reincidência indica, em reali
dade, a análise de um status jurídico imposto ao autor do delito em decor
rência de sua conduta anterior (passado delitual). O corre que esta possibi
lidade de valoração e de reprovação do autor do delito com base em uma
condido pessoal atribuída normativa ou judicialm ente aproxima o sistema
de aplicação da pena dos modelos de direito penal de autor138. Assim, para
além da expressa violação do ne bis in idem, a ilegitimidade da reincidência
é perceptível nesta ruptura com o único sistema de direito penal compa
tível com o Estado Democrático de Direito, que é o direito penal do fato,
cuja instrumentalização dogmática estabelece que o imputado deve ser
julgado apenas pela sua conduta externa e pelo evento (dano ou perigo de
dano) produzido; não por um a condição ou um estado pessoal.
entendeu inwnstitucional (não rec^cionada pela Carta Federal de 1988), a agravante da reincidên
cia (art. 61, I, do CP), bem wmo que presente o direito penal do autor e que sua aplicação r^K sen-
ta 'indisfaqável bis in idem', razão pela qual afastou o acríscimo a ela comspondente. 2. Alega o
recorrente que a decisão recorrida afronta o artigo 5-, inciso X L V I, da Constituição Federal, por
contrariar os prinápios da proporcionalidade e da individualização da pena 3. O Tribunal reconheceu
a existência da repercussão geral da questão constitucional suscitada” (Supremo Tribunal Federal,
Recurso Extraordinário 591563, R el.M in. Cezar Peluso, j. 30.04.2010).
138 “ Trata-se, indubitavelmente, de repugnante caso de direito penal de autor que se opõe ao dim to
penal do fato. O agravamento da pena pela reincidência Klaàona-se com o dim to penal de autor, que
para efeitos de punição considera, basicamente, apenas a pessoa do autor, do agente, por seu modo de
ser ou por sua rnnduta de vida. O direito penal do autor e a culpabilidade do autor pelo modo de ser
do agente constituem, assim, grave violação ao dim to penal de um Estado Democrático de D im to "
(YAROCHEWSKY, D a Reincidência Criminal, p. 120).
Na redação anterior da parte geral do Código Penal, o reincidente,
condenado a nova pena privativa de liberdade, não poderia substituir a pena
carcerária por pena restritiva, mesmo que sua quantidade fosse ínfima. A
única possibilidade de substituição era nos casos de aplicação de pena não
superior a 6 (seis) meses, conforme o art. 60, § 2°, do Código Penal, a partir
da interpretação extensiva das regras da suspensão condicional da pena
(sursis).
Todavia, a Lei n. 9.714/98, ao alterar o art. 44 do Código Penal,
previu duas possibilidades de substituição em casos de reincidência: (1-)
nos casos de reincidência em crime culposo (art. 44, II); e (2Í) nos casos
de reincidência em crim e doloso, não sendo hipótese de reincidência es
pecífica (“não se tenha operado em virtude da prática do mesmo crime”), se a
medida substitutivafor socialmente recomendável (art. 44, § 3-).
Tratando-se de lei posterior mais benéfica, possível afirm ar que
houve uma relativização na aplicação geral do instituto, não limitada apenas
ã substituição da pena de prisão por pena alternativa. Isto porque uma
FíMAS i MED IUS DE SEGUR«(JI ND 3REIID PENAL BRASILEIRO
1-: y,
delito), os casos de condutas motivadas por agressões anteriores injustas
ie BEtEtai v.
(legítima defesa), por situações reais que conduzem ã defesa de um bem
jurídico (estados de necessidade), por fatores que não perm item que o
autor do foto tenha uma plena compreensão da realidade circundante (erro). '■i - rJrfUt
Código Penal).
O delito de lavagem de capitais, p. ex., decorre de opção político-
-crim inal de incriminação de uma conduta posterior cuja finalidade precí-
pua é a de ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição,
movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes,
direta ou indiretamente, de crim e (art. 1° aiput, da Lei n. 9.613/98). Trata-se,
pois, de delito praticado para garantir a fruição dos objetos (bens, direitos
e valores) decorrentes do delito anterior. Neste caso é igualm ente
inaplicável a agravante em razão de esta finalidade ser o elemento que
integra o tipo subjetivo.
A doutrina costuma apresentar como exemplos de aplicação da
agravante as hipóteses de ameaça, coação e constrangim ento de testemu
nhas; ocultação, destruição, alteração e falsificação de provas143. Fernando
Galvão elenca os casos de furto de arma para posterior cometimento de
4M roubo; de incêndio em repartição pública, praticado por funcionário, para
ocultar irregularidades; e igualmente de suborno de testemunhas ou de
destruição de provas a serem produzidas em processo144.
1-: y,
12.8.9. A agravante relativa ã traição, em boscada, dissim ulação
ou outro recurso que d ificu lte ou im possibilite a defesa da vítim a
ie eBeHi v.
(art. 61, II, c), refere formas especiais de execução do crime (modus operan-
dt) caracterizadas pela surpresa ou pela ruptura com uma relação de con
fiança entre os sujeitos ativo e passivo do delito.
w - rJrfüt
Os conceitos relativos ã traição, ã emboscada e à dissimulação são
relativamente pacíficos, não oferecendo maiores dificuldades na apreensão
dos seus elementos fiticos configuradores. Sintetiza Fragoso que “a traição
caracteriza-se pela pendia epela deslealdade (...). H á emboscada quando o agen- 405
te aguarda, por determinado lapso de tempo, a vinda da vítima ao lugar por onde
deve passar. Há dissimulação quando o agente oculta o propósito hostil”143.
Im portante perceber, portanto, que existem alguns elementos uni-
ficadores destas três formas de realização do delito. Além do agir inesperado
ou desleal, situações que por si sós dificultam ou tornam impossível a defesa
146 N ilo Batista menciona os casos do crime de ameaça — "ameaçar alguém, por palavra, es
crito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico capaz de causar-lhe mal injusto e grave”
(art. 146 do Código Penal, grifou-se) — e da majorante prevista aos crimes sexuais — "a
pena é aumentada: (...) da metade, se o agente é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, wn-
juge, companheiro, tutor, curador, p u c^to r ou empregador da vitima ou por qualquer outro títu
lo tem autoridade sobre ela” (art. 226, II do Código Penal, grifou-se) (BA TISTA , /nfro-
dução Critica ao Direito Penal Brasileiro, p. 82).
cada ou a dissimulação, tenha caráter insidioso, aleivoso, sub-reptiáo, como aconte
ce no mso em que a vítima ê colhida de surpresa, podendo sê-lo à traição ou mesmo
dissimuladamente ”14?. O planejamento do delito em meio a uma situação
inesperada é o fato que autoriza a incidência da agravante.
(e) M eios Insidiosos ou Cruéis: V eneno, F ogo, E xplosivo,
Tortura
12.8.10. Segue a mesma estrutura anterior a agravante prevista no
art. 61, II, d do Código Penal: em prego de veneno, fogo, explosivo,
tortura ou outro m eio insidioso ou cruel, ou de que podia resul
tar perigo com um .
O Código Penal prevê como circunstância de aum ento da pena
provisória o em prego de meios que causam especial sofrimento ã vítim a e
que têm a potencialidade de gerar danos a terceiros (perigo comum). O
uso de veneno e a prática de tortura conformam, em princípio, formas de
agir direcionadas exclusivamente ã vítima, diferentemente da manipulação
de explosivos e de fogo, instrum entos que trazem consigo uma probabili
Í-: y,
asfixiante (art. 252), febricação, fornecimento, aquisição, posse ou transpor
ie BEtEtai v.
te de explosivos ou gás tóxico ou asfixiante (art. 253), inundação (art. 254),
perigo de inundação (art. 255), desabamento ou desmoronamento (art.
256), subtração, ocultação ou inutilização de material de salvamento, difusão
de doença ou praga (art. 259). Logicamente em nenhum a destas hipóteses
w - rJrfUt
148 “A asfixia é modo cruel de praticar o crime, que qualifica o homicídio, a m o as demais árcunstâncias
pKvistas na letra d, do art. 61, CP. A asfixia resulta de obstáculo à passagem do ar através das vias
respiratórias ou dos pulmões. A asfixia pode ser mecânica (enforcamento, imprensamento, estrangula
mento) ou tóxica (produzida por gases tóxitvs)” ( F R A G O S O , Lições de Direito Penal, p. 422).
149 F R A N C O e S T O C O , Código Penal e sua Inteyretafoo, p. 361.
dente, irm ão ou cônjuge. A agravante é justificada pela ruptura com a
confiança inerente aos laços de parentesco.
Im portante referir, ainda, que a união estável não foi elencada na
alínea relativa às relações familiares. Apesar do entendim ento consolidado
de que os direitos e os deveres decorrentes da união estável são equivalen
tes aos do casamento, a violência contra com panheiros é nom inalmente
enquadrada na alín ea/ A proteção jurídica da família se projeta, portanto,
ãs relações dom ésticas, de coabitação ou de hospitalidade (art. 62,
11,^. Implica dizer, portanto, que as causas de aum ento de pena provisó
ria procuram estabelecer um maior grau de responsabilidade não apenas
ao sujeito que viola os deveres inerentes ao núcleo básico da família, mas
também àquele que ofende as pessoas que participam e freqüentam o am
biente familiar (amigos, empregados, hóspedes).
É interessante notar, porém, na linha indicada por Am ilton Bueno
de Carvalho, que o acréscimo de pena seria justificado apenas se esta con
dição de parente ou de coabitação facilitasse, de alguma forma, a prática
do crime, ou revestisse no descumprimento de um dever jurídico de assis
tência. Do contrário, “a exasperafio da pena, calcada tão somente no descumpri
mento de um dever moral de fidelidade de um irmão para com outro [p. ex.],
agride o princípio constituríonal da secularização”l3°.
D entre as principais inovações, é possível destacar a inclusão, na
parte final da a lín e a / dos casos de violência contra a m u lh er pela Lei
n. 11.340/2006. Apesar de a violência contra a m ulher (esposa, compa
nheira) estar contemplada na ideia geral da agravante, a Lei M aria da Penha
nom inou o sério problema de violência contra a m ulher no âmbito das
relações afetivas. O efeito, portanto, m uito mais do que simbólico, é o de
dar visibilidade a esta forma particular de violência131. O utro im portante
avanço proporcionado pelo estatuto foi o da extensão do conceito de vio
lência doméstica e fam iliar contra a m ulher às relações homoafetivas (art.
5S, parágrafo único, da Lei n. 11.343/2006)l32.
Neste contexto de tutela diferenciada, em decorrência da reduzida
capacidade de reação defensiva, o Código Penal pune com especial rigor
as pessoas consideradas vulneráveis: criança, m aior de 60 (sessenta)
id H ftlil
dra na ob ediência hierárqu ica, regulada na segunda parte do art. 22 do
Código Penal. Lembra N ilo Batista que, embora concebível em estruturas
■tAi 4; nritâ
privadas de linha ‘mafiosa’, o fenômeno ocorre especialmente em estrutu
ras estatais, pois a obediência hierárquica pressupõe um a relação de subor
dinação de direito público. O superior hierárquico — e em alguns casos
1-: y,
inclusive o retransmissor da ordem, se possuir dom ínio sobre o decurso do
ie BEtEtai v.
acontecimento — é o autor mediato, respondendo pelo delito com a pena
agravada159. O executor figura como autor direto (imediato), sendo sua res
ponsabilidade determinada pelo grau de consciência da legalidade da ordem
e pelas possibilidades reais de oposição ao comando.
w - rJrfUt
Í-: y,
crime (ato infracional), respondendo judicialmente e sendo sancionado nos
termos do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90). A
ie BEtEtai v.
responsabilidade penal, porém, estabelece-se a partir dos 18 (dezoito) anos
(art. 228 da Constituição e art. T I do Código Penal). Contudo, apesar de
o jovem ser punido crim inalm ente, esta responsabilidade não é absoluta,
w - rJrfUt
pois a lei determ ina que a sanção seja dim inuída aos autores que praticam
delitos (data do foto) na faixa dos 18 (dezoito) aos 21 (vinte e u m ) anos.
Existe responsabilidade, porém o seu grau é reduzido.
A lógica é m u ito sem elh an te ã estabelecida aos casos de 415
in im p u ta b ilid a d e psíquica. O p o rta d o r de so frim en to psíquico
absolutamente incapaz será submetido ã medida de segurança. Sua sentença
é absolutória em razão de não ser responsabilizado criminalmente. Todavia,
se apesar do sofrimento psíquico o agente, no m om ento do foto, tinha
parcial compreensão do ilícito e alguma capacidade de determinação (semi-
162 Neste sentido, conferir M A R T Y , O Estatuto do Idoso, o Código Penal Brasileiro e o frin -
cipio Constitucional da Igualdade, p. 12.
errônea de situação justificante), que conduzem aos seguintes resultados:
erro de proibição inevitável (exclusão da culpabilidade); erro de proibição
evitável (redução da culpabilidade); erro de tipo (exclusão do dolo)l63.
Assim, “o princípio da culpabilidade determina a seguinte disciplina do erro
de proibição direto, na modalidade de desconhecimento da lei: a) se inevitável, isen
ta a pena (...); se evitável, reduz a pena — n&ta hipótese poderia constituir circuns
tância atenuante, mas razões metodológicas &igem sua valoração como causa espe
cial de diminuição da pena"'64. O entendim ento é compartilhado por Paulo
Queiroz16^.
O desconhecimento da lei, como hipótese de erro de proibição
direto, estaria submetido, portanto, às regras do art. 21 do Código Penal,
determ inando a exclusão (inevitabilidade) ou a diminuição (evitabilidade)
da culpabilidade. A questão metodológica referida por Cirino dos Santos
diz respeito ao feto de que não sendo caso de exclusão de culpabilidade,
ou seja, sendo o erro evitável, há previsão de incidência da m inorante, nos
termos do art. 21, terceira parte, do Código Penal. Neste sentido, seria
inaplicável a atenuante em decorrência do concurso de causas de redução
entre a segunda (pena provisória) e a terceira (pena definitiva) fases do
sistema de aplicação da pena. Em face do caráter específico do art. 21,
terceira parte, em relação ao 65, II, e em decorrência de a m inorante re
duzir com maior intensidade a pena do que a atenuante, aquela adquire
preponderância.
(c) M otivos R elevantes
12.9.4. C onfiguram casos de dim inuição da pena provisória os
crimes praticados por m o tiv o de relevan te v a lo r social ou m o ral (art.
65, III, a). Ambas as motivações dizem respeito às convicções pessoais
do(s) autor(es); são questões ideológicas, de foro íntim o, que expressam
posições individuais relativas aos temas afetivos, religiosos e políticos. A
diferença se traduz no valor externo que a conduta pretende tutelar: um
interesse particular ou privado (valor moral); um bem coletivo ou público
(valor social).
Os ilícitos motivados por valores sociais ou morais tangenciam, e
em inúmeros casos se confundem, aquelas condutas que no campo da teoria
ie B E t E t a i kl
12.9.5. N a estrutura do direito penal brasileiro, são inúmeras as
normas penais que preveem efeitos positivos para o arrependim ento e a
reparação voluntária do dano. Determ ina o art. 65, III, b do Código,
a dim inuição da pena quando o autor do foto, de forma voluntária e com
'■i - rJrfUt
eficiência, evita ou m inora as conseqüências logo após a prática do crime
(arrependimento) ou repara o dano antes do julgam ento (reparação).
Os arts. 15 e 16 do Código Penal regulam situações similares. Nas
hipóteses de desistênáa voluntária e arrependimento eficaz (art. 15), o agente 419
desiste, por vontade própria, de prosseguir na execução do crim e (desis
tência) ou im pede que o resultado ocorra (arrependimento). Nos termos
do art. 15, o autor responde apenas pelos atos já praticados. Nos casos de
Penal, é isento de pena o sujeito que realiza conduta cumprindo uma ordem
não manifestamente ilegal emanada de superior hierárquico. Nestes casos
de exclusão da culpabilidade, há uma real aparência de legalidade na ordem
que, aliada ao comando do superior, torna inexigível uma postura crítica
PENAL B R A S IL E IR O
175 Nos crimes econômicos, p. ex., ajurisprudência nacional consagrou hipóteses de ine-
Mgibilidade de conduta diversa quando o diretor da empresa é impelido a sonegar tributos
em razão da situação econômica da empresa. Assim, aplicável a eximente quando estabe
lecido o conflito de deveres entre o cumprimento da obrigação ttibutáría e os deveres
trabalhistas (pagamento de salário dos empregados). Logicamente que os Tribunais esta
beleceram critérios de aplicação da causa de exculpação —p. ex., situação pré-falimentar
da empresa, demonstração de ausência de outros recursos, transferência de patrimônio
pessoal dos diretores para a empresa, inexistência de distribuição de lucro aos proprietários
da empresa no período de descumprimento das obrigações tributárias, entre outras.
N o entanto, é possível dizer que não sendo caso de exclusão da culpabilidade,
demonstrada a dificuldade econômica da empresa e o confiito de deveres, aplicável a
atenuante da coação moral resistível. Neste sentido, CARVALHO, A Co-Responsabilidade
do Estado nos Crimes Econômicos, pp. 142-149.
176 BOSCHI, Das Penas e seus Critérios de Aplicação, p. 231.
A atenuante da influência de violenta em oção provocada por
ato injusto da vitim a engloba os casos em que há uma reação do sujeito
a um ato anterior ilícito realizado pela vítima. Pressupõe, portanto, uma
conduta de oposição a um delito sofrido. Se a conduta for moderada, com
a utilização adequada dos meios disponíveis, repelindo injusta agressão,
atual ou im inente, o autor estaria amparado pela legítim a defesa (art. 25
do Código Penal). N o entanto, não sendo configurada a situação exclu
dente, em decorrência da ausência de qualquer um dos seus requisitos
objetivos — (a) agressão injusta, atual ou im inente; (b) tutela de direito
próprio ou alheio; (c) uso moderado dos meios —, cabível a atenuação pre
vista no art. 65, III, c, injine, do Código Penal.
A lei penal brasileira prevê, em alguns tipos penais específicos (ho
micídio e lesão corporal), a violenta emoção como circunstância minorante.
N o entanto, a incidência das figuras privilegiadoras do art. 121, § 1° in
fine, e do art. 129, requer não apenas a influência, mas que a conduta seja
dominada pela violenta emoção. O dom ínio implica, necessariamente, em
uma intensidade em grau superior ao da influência, “cotfigura emoção que se
apresenta intensa, absorvente, como verdadeiro choque emocional”177. Nas lições de
Boschi, a atenuante se diferencia da m inorante porque “a primeira pressupõe
que o indivíduo atue em condições de poder desistir do projeto criminoso. A última,
própria do homicídio privilegiado, pr^supõe que a violenta emoção comprometa a
vontade criminosa, isto é, obnubile a mente e, assim, exerça um papel coadjuvante
no episódio”™.
C onfissão
12.9.7. A antiga parte geral do Código Penal de 1940 previa como
atenuante de pena ter o agente “confessado espontaneamente, perante a autori
dade, a autoria do crime, ignorada ou imputada a outrem” (art. 48, IV, d do C ó
digo Penal, redação original). Neste caso, constituía requisito para aplicação
da atenuante da confissão não apenas a espontaneidade da manifestação,
mas que a autoria do delito fosse desconhecida ou atribuída a terceiro.
Com a Reform a de 1984 a simples confissão da autoria do crime é
suficiente para a atenuação da pena, mesmo que o delito já tenha sido
formalmente imputado ao confidente, por ocasião da investigação policial
(indiciamento) ou da propositura da ação penal (denúncia ou queixa-
defesa, nesta ordem, ressalvado o disposto no art. 222 deste Código, bem como aos
esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas,
interrogando-se, em seguida, o acusado”. Assim, o depoimento do acusado
ocorre após a consolidação da prova, sobretudo da prova acusatória, e
NO 3REIID
179 Neste sentido, exemplificativamente, D O TTI, Curso de Direito fònal, p. 531; FRAG O
SO, Lições de Direito Penal, p. 433.
cumpriu e outros dados familiares e sociais” (art. 187, § 1° do Código de
Processo Penal). N a segunda parte, o magistrado indagará, primeiro, se é
“verdadeira a acusação que lhe éfeita" (art. 187, § 2a, I do Código de Processo
Penal) e, não sendo, a que atribui a acusação (art. 187, § 2a, II e seguintes
do Código de Processo Penal).
A confissão ocorre norm alm ente neste m om ento em que o juiz
indaga ser verdadeira a acusação. Sendo caso de confissão, frequentemen
te as perguntas subsequentes versam sobre os motivos que levaram ã prá
tica do delito e as circunstâncias em que o fato ocorreu.
Im portante referir que a confissão da autoria do feto não implica,
necessariamente, a confissão do delito imputado. Significa dizer que é
aplicável a atenuante mesmo nos casos em que o acusado confessa ser o
autor do feto, mas nega que a conduta im putada constitua crime —p. ex.,
réu alega, na seqüência da confissão, que agiu amparado por causa legal ou
supralegal de exclusão da tipicidade, da ilicitude ou da culpabilidade. Em
bora existam decisões e posições doutrinárias em sentido oposto, a questão
tende ã pacificação180.
12.9.8. Am ilton Bueno de Carvalho supera os limites tradicionais
do debate sobre o conteúdo da atenuante e propõe uma extensão dos seus
efeitos em analogia ã d e la ç ã o (causa especial de diminuição da
p re m ia d a
pena).
A delação foi incorporada no ordenamento brasileiro em 1990, com
o advento da Lei dos Crimes Hediondos (Lei n. 8.072/90). A justificativa
da institucionalização legal da colaboração processual foi a da necessidade
de sofisticação dos mecanismos de repressão dos crimes realizados por
organizações criminosas. Com o resultado da colaboração, a lei penal bra
sileira previu inúmeras conseqüências (prêmios): redução da pena, fixação
de regim e menos gravoso para cum prim ento, substituição da pena priva
tiva de liberdade por restritiva de direito, extinção da punibilidade. Os
efeitos legais foram reafirmados e ampliados em estatutos subsequentes ã
Lei dos Crimes Hediondos (Lei n. 9.034/95, Lei n. 7.492/86, Lei n.
8.137/90, Lei n. 9.613/98, Lei n. 9.807/99 e Lei n. 11.343/2006)18'.
180 Neste sentido, exemplificativamente, BOSCHI, Das Penas e seus Critérios de Aplicação,
p. 235; DELM ANTO, Código Penal Comentado, p. 132; Q U EIR O Z, Direito Penal, p. 415.
181 Sobre os efeitos específicos em cada estatuto penal, conferir LIMA, D elato Premiada e
Confissão, pp. 92-100; CARVALHO e LIMA, Delação Premiada e Confissão, pp. 244-248.
A hipótese defendida por Am ilton Bueno de Carvalho é a de que
há um a paridade de natureza jurídica entre os institutos da confissão e da
delação: tanto um quanto o outro pressupõem a atribuição da autoria do
delito, situação que produz significativos efeitos na instrução processual182.
Neste sentido, ambas atuam como causa de redução da pena atenuante ou
minorante (esfera penal material) e como m eio de prova (esfera processual
penal),83.
Apesar da similar natureza jurídica, os institutos possuem um a dia
metral oposição de natureza ética: a confissão é baseada na autoatribuição
(assunção) de responsabilidade, o sujeito admite o delito e se submete aos
seus efeitos; a delação se caracteriza pela imputação de responsabilidade a
um terceiro, isto é, o delator intenta eximir-se ou m inorar sua responsa
bilidade, atribuindo a outrem as conseqüências do ato. Não por outra razão
que a doutrina evoca “uma postura étitó do agente, que reconhece [ao confessar]
o ato ilkito praticado”™*; e é praticamente unânim e em afirm ar o caráter
antiético da delação183.
PENAL B R A S IL E IR O
que seja possível m inim izar os efeitos do tratam ento desigual dos institutos
por meio de um a interpretação conforme a Constituição, que atribuiria,
via analogia, ã confissão o mesmo efeito penológico previsto para a delação.
FTNAS • MED WS
185 "A abertura do conaito de inexigibilidade para as condições wais de vida do povo pam e alterna
tiva capaz de contribuir para democratizar o dim to penal, reduzindo a injusta criminalização de
sujeitos já penalizados pelas condições de vida social (...). Hoje, como valoração wmpensatéria da
responsabilidade de indivíduos inferiorizados por condições sociais adversas, é admissível a tese da
coculpabilidade da sociedade organizada, K^onsável pela injustiça das condições sociais desfavoráveis
da população marginalizada, determinantes de anormal motivafio da vontade nas decisões da vida”
(SANTOS, A Moderna Teoria do Fato Punível, p. 269).
A tese de Juarez Cirino dos Santos havia sido exposta e trabalhada em outros dois
momentos de análise da aplicação da coculpabilidade como atenuante atípica (CAR
VALHO, Pena e Garantias, p. 88; CARVALHO, Aplicação da Pena no Estado Democrático de
Direito, p. 83).
150 ZAFFARONI, Política Criminal ^tinoamericana, p. 167.
151 Sobre a extensão das atenuantes inominadas, a incorporação da tese da coculpabilidade
e os antecedentes legislativos, conferir CARVALHO, Aplicação da Pena no Estado
Democrático de Direito, pp. 74-83.
rais — são significativas as adesões doutrinárias à necessidade de pondera
ção judicial das situações de vulnerabilidade social do réu no m om ento do
delito e que devem impactar na determinação (individualização) da pena.
D entre os posicionamentos, significativo o entendimento de Alberto Silva
Franco, que sustenta “o Estado é mponsável pela não implementação de políticas
sociais na área da educação e do emprego e dar tratamento igualitário, do ponto de
vista punitivo, tanto àquele que teve garantido, por seu estrato social, todo tipo de
chance na vida, quanto àquele que não dispôs de nenhuma oportunidade social para
realizar seus projetos de vida. Nada mais justo que a segunda situação seja devida
mente considerada pelo ju iz como uma rírcunstânría beneficiadora do autor da in
fração penal”'92.
N o entanto, im portante lembrar o debate realizado anteriormente
no sentido de a tese originária da coculpabilidade —sobretudo o sentido
atribuído na teoria da prevenção social de M arat e na prática jurisprudencial
de vanguarda de Magnaud —ter partido de alguns pressupostos já supera
dos pelas ciências sociais contemporâneas, inclusive pela crim inologia
PENAL B R A S IL E IR O
19í Segundo Amilton Bueno de Carvalho, "osprazos, contra o ddadão, devem ser obedecidos
diligentemente. Evidente que se admite alguma demora, mas sempK vindo de transtorno importante
não causado pelo achado (o imponderável)” (CARVALHO, Garantismo Penal A pliado,p. 254).
Ao expor caso de negligência judicial, o autor aduz os argumentos que serão paradig
máticos na formação de precedentesno Tribunal de Justiça do R io Grande do Sul (TJRS):
"depois, o longo e injustificado tempo de tramitação do processo — a denúncia fo i recebida em
07.11.1994 e a sentençasé fo i publicada quase oito anos d^ois, em 10.08.2002—, somado aofato
de o apelante não ter se envolvido em outro tyisódio criminoso, ao meu juizo, se exibe como
circunstância relevante, posterior ao delito, a wnfigurar a atenuante inominada prevista no artigo 66
id H ftlil
do Código Penal. Aqui, ponderei dois a^ectos: Um, que a excessiva duração da demanda penal,
como na espécie pKsente, por rnlpa exclusiva do aparelho judicial, viola direito fitndamental do
homem — o de ter um julgamento rápido (artigo P da Declarado dos Direitos do Homem da
nritâ
Virgínia) —, pelo que tal situação dew ser valorada no momento da individualização da pena. Aliás,
Í-: y, ■w. 4;
já há na jurisprudência europeia decisões no sentido de atenuar o apenamento, em razão da
exorbitante duração do processo criminal (ver Daniel R. Pastor, in 'El Plazo Razonable en el
Processo dei Estado de Dencho’, p. 177/180). Dois, se a pena tem na prevenção e retribuído seus
objetivos, í de se concluir que, na hipótese, a finalidade pKventiva restou atendida só pelo moroso
ie b|3eHi v.
tramitar da lide penal — sem sentido se falar em prevenção de novos delitos, quando, durante os quase
oito anos de 'andamento' do processo, o apelante não cometeu nenhum novo crime. E se isto
aconteceu, evidente que, em respeito ao princípio da proporcionalidade e necessidade, tal deve refietir
na dejmição do apenamento a ser imposto ao acusado” (Tribunal dejustiça do Rio Grande do
w - rJrfUt
Sul, Apelação Crime 7007100902, Rei. Des. .Amilton Bueno de Carvalho.j. 17.12.2003).
Na mesma linha T ribunal de Justiça do R io G rande do Sul, Apelação C rim e
70010735181, Rei. Des. Amilton Bueno de Carvalho, j. 25.08.2005; Tribunal dejustiça
do R io Grande do Sul, Apelação Crime 700262227272, Rei. Des. Amilton Bueno de
C arvalho.j. 08.10.2008; Tribunal dejustiça do R io Grande do Sul, Apelação Crime 433
70037671989, R ei. Des. Amilton Bueno de Carvalho, j. 22.09.2010.
Nestesentido, Lopes Jr. e Badaró sustentam que "assumindo o caráter punitivo do tempo,
não resta outra coisa ao ju iz senão (além de elementar detração em aso de prisão cautelar), compensar
a demora reduzindo a pena aplicada, pois parte da punição já fo i efetivada pelo tempo. Para tanto,
formalmente, deverá lançar mão da atenuante genérica do art. 66 do C P ” (LOPES JR . e
BADARÓ, Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável, p. 124).
196 Neste sentido, SOARES, Aplicação da Pena Privativa de Liberdade e o Dever Jurídico-
-Constitucional de Minimização da Afetação Individual, p. 253.
N o segundo grupo são apontadas como possibilidades de atenuação
da pena as situações de quase exclusão do delito ou quase extinção
da punibilidade. As hipóteses foram detalhadamente trabalhadas por
R odrigo R oig Soares, que entende ser possível aplicar a atenuante inom i-
nada em todos os casos tangenciadores da atipicidade, da licitude e da
inculpabilidade. Segundo o autor, as situações de quase atipicidade, quase
justfícação e quase exculpação não se confundem com a dúvida sobre o reco
nhecim ento da excludente e conseqüente absolvição em decorrência da
aplicação dos postulados do in dubiopro reo e favor rei. Nestes casos lim ítro
fes “o caso concreto possui elementos ou ingredientes que o acercam, menos ou mais,
a uma situação excludente (‘estado de exclusão’) ”197. A partir da proposta do
autor, seria possível apontar as seguintes situações:
(Ia-) Situações de quase atipicidade: (a) reduzida ofensa ao bem
jurídico (situação tangenciadora da insignificância ou da ade
quação social); (b) interpretação equivocada das elementares
do tipo (situações limítrofes ao erro de tipo); (c) dolo eventual
e culpa consciente (situações próximas da atipicidade subjetiva).
(2-) Situações de quase justificação: (a) hipóteses limítrofes das
excludentes legais (situações em que estão presentes inúmeros,
mas não todos, requisitos da legítim a defesa, estado de
necessidade, exercício regular do direito e estrito cumprimento
do dever legal); (b) casos próximos das excludentes supralegais
(consentimento do ofendido, objeção de consciência e desobe
diência civil).
(3-) Situações de quase exculpação: (a) casos de interpretação
equivocada da licitude do foto (quase erro de proibição); (b)
embriaguez (in)voluntária incompleta (excetuando os casos de
actio libera in causa); (c) situações próximas da inexigibilidade
de conduta; (d) conflito de deveres não exculpantes.
(4-) Situações de quase im punibilidade: (a) casos aproximados
das hipóteses de perdão judicial198; (b) situações temporais que
y,
12.10.3. As hipóteses trabalhadas até o m om ento referem as situações
ie eBeHi v. Je
em que se verifica a presença de apenas uma atenuante ou agravante, o que
determ ina que o juiz aumente ou diminua em até 1 /6 a pena aplicada na
primeira fase. Trata-se de um cálculo relativamente simples, apesar das
divergências opostas pela Súmula 231.
w - rJrfüt
suprimida ou diminuída.
Nestes casos, parece não haver qualquer óbice ã interpretação ex
tensiva da re ^ a do pará^afo único do art. 68 aos casos de concurso de
causas modificativas previstas na legislação extravagante, notadamente
porque a natureza jurídica das majorantes e minorantes inseridas nas leis
NO 3REIID
especiais não difere daquelas que incidem nos tipos especiais incrim inado
res: ambas especificam situações particulares em delitos autônomos.
DE S EG U R A N Ç l
corretamente Paulo Queiroz que “não parece justijtcada a r&trição, nem um tal
apego à letra da lei. Além disso, em princípio é irrelevante o lugar onde se acha lo
calizado no Código a causa de aumento ou de diminuição, devendo dar-se tratamen
to unitário a tais situações”207,
m Desta forma, é possível sustentar que o juiz, em caso de concurso,
independente da localização da causa modificativa da pena (parte geral,
especial ou legislação especial), poderá aplicar apenas um a das circunstân
cias, se estas estabelecerem a mesma quantidade de aum ento ou diminuição,
ou, em caso de valores distintos, aquela que mais aumenta ou dim inui.
que é ‘caso a caso’ que deve ser mensurada a majorante e à luz das ‘p eculiarifades’
que justifiquem maior exacerbação, o número de coautores ou participante no crime
ou a sofisticação do armamento empregado no roubo, o írfimo valor da coisafurtada,
eír.”208. Logicamente que o casuísmo não parece ser a melhor solução para
uma questão tão sensível e com efeitos tão importantes.
NO 3REITD
209 As operações foram realizadas em duas etapas: primeira, para estabelecer o piso, foi re
duzido o máximo da minorante da pena mínima e aumentado o mínimo da majorante
da pena mínima —p. ex., reduzidos 2/3 da pena mínima do homicídio simples (6 anos) e
aumentado 1/6 da pena mínima da apropriação indébita previdenciária; se^nda, para
fixar o teto, foi reduzido o mínimo da minorante da pena máxima ou aumentado o má-
fomo da majorante da pena máxima —p. ex., reduzido 1/3 da pena máxima do homicídio
(20 anos) e aumentados 2/3 da pena máfoma da apropriação indébita previdenciária.
210 BOSCHI, D as Penas e seus Critérios de Aplicação, p. 268.
m ínim o legal (grau m ínim o de responsabilidade individual), a diminuição
pela incidência da m inorante deve ser m áxima e o aumento em decorrên
cia da majorante o m enor possível. Em sentido oposto, se a pena-base
restar próxim a do term o m édio (grau elevado de responsabilidade), a di
m inuição pela m inorante seria m ínim a e o aumento pela majorante pró
xim o do máximo. Em caso de definição da pena-base entre o m ínim o e
o term o médio, o critério de aumento ou de diminuição seria estabelecido
em um ponto interm ediário entre o m ínim o e o m áximo previsto pela
causa modificadora da pena —p. ex., em 1/2 se a variação da majorante ou
da m inorante for entre 1/3 e 2/3.
Código Penal prevê a diminuição de 1/3 a 2/3 da pena que seria aplicada
ao crime consumado quando, iniciada a execução, o delito não se efetiva
por circunstâncias alheias ã vontade do agente (art. 14, II). Em razão de o
fundamento da punição da tentativa ser o perigo concreto de dano que a
NO 3REIID
Í-: y,
concurso de majorantes e minorantes.
No a regra de quantificação é estabele
ie BEtEtai v.
c o n c u rs o d e m a jo ra n te s ,
cida pelo critério do cúmulo material, ou seja, pela soma simples dos valores
e posterior incidência na pena provisória. Pense-se, p. ex., na presença de
duas causas de aum ento fixadas em 1/3. O procedim ento judicial será o
w - rJrfUt
de soma das majorantes (1/3 + 1/3) e posterior aplicação do resultado (2/3)
sobre o valor definido na pena provisória. A fórmula do cúmulo material
é mais vantajosa que um a eventual aplicação sucessiva, cujo resultado seria
prejudicial ao condenado. A partir do exemplo acima, pressupondo uma
pena provisória estabelecida em 3 (três) anos, o resultado da regra do cú
mulo material seria uma pena definitiva de 5 (cinco) anos, diferentemente
da aplicação sucessiva, cuja pena final seria de 5 (cinco) anos e 4 (quatro)
meses [3 (três) anos + 1/3 = 4 (quatro) anos + 1/3 = 5 (cinco) anos e 4
(quatro) meses].
71 do Código Penal).
O concurso de crimes pode ocorrer m ediante unidade ou pluralidade
de condutas. Assim, é possível verificar casos em que uma ação ou omissão
Í-: y,
fetos ou de resultados típicos: (a) pluralidade sucessiva, quando existem inú
meras ações independentes que produzem iguais ou distintos fetos típicos
ie eBeHi v.
(concurso material); (b) pluralidade simultânea, quando um a ação típica
isolada resulta em dois ou mais resultados típicos, iguais ou distintos (con
curso formal); (c) pluralidade continuada, quando um a seqüência de fetos
w - rJrfüt
cálculo, nos termos do caput do art. 111 da Lei de Execução Penal: “quando
houver condenação por mais de um crime, no mesmo processo ou em processos
distintos, a determinação do regime de cumprimento será feita pelo resultado da
soma ou da unificação das penas, observada, quando for o caso, a detração ou
remição”. Conform e o parágrafo único do mesmo dispositivo, “sobrevindo
condenação no curso da execução, somar-se-á pena ao restante da que está sendo
MED IUS
Ocorre que, por força da nova quantidade, teria de converter as penas al
ternativas em prisão, sanção a ser cumprida em regime semiaberto ou, em
caso de reconhecim ento da reincidência, fechado.
NO 3REIID
(b) C o n cu rso F o rm a l
12.13.4. Se no concurso material a pluralidade de delitos é a conse
DE S EG U R A N Ç l
217 “N a condenação igual ou inferior a um ano, a substituição pode serfeita por multa ou por uma
pena restritiva de direitos; se superior a um ano, a pena privativa de liberdade pode ser substituída
por uma pena Kstritiva de direitos e multa ou por duas restritivas de direitos” (art. 44, § 2S, do
Código Penal).
so formal é a de que no últim o caso o sujeito realiza dolosamente a con
duta (ação ou omissão), com a finalidade de produzir distintos resultados.
A unidade de conduta é apenas um a variável secundária de um projeto que
tem como objetivo (consciência e vontade) alcançar inúmeros resultados
ilícitos (pluralidade delitiva). Assim, o código estabelece que “as penas
aplicam-se, entretanto, cumulativamente, se a ação ou omissão é dolosa e os crimes
concorrentes resultam de desígnios autônomos”.
Nas hipóteses de c o n c u rs o a pluralidade de con
fo r m a l p r ó p r io ,
i-: y,
ciência e vontade de realização da conduta típica).
Nas lições de Bitencourt, há quando
ie eBeHi v.
c o n c u rs o fo r m a l im p r ó p r io
simples (art. 121, caput, do Código Penal) e lesão corporal leve (art. 129,
caput, do Código Penal). Se a pena provisória do homicídio fosse fixada
no m ínim o (6 anos), a incidência do m ínim o de aumento previsto do art.
70, caput, do Código (1/6), determ inaria um a pena definitiva de 7 (sete)
NO 3REIID
Í-: y,
(art. 168-A, caput, do Código Penal) que ocorre com frequência mensal.
Embora ambas as condutas tenham uma identidade quanto ã sua natureza
ie BEtEtai v.
(crimes tributários), existem substanciais diferenças nas circunstâncias de
tempo de sua realização. Assim, se, no período de 2 (dois) anos, a mesma
pessoa física, de forma ininterrupta, (a) sonegar tributos e (b) deixar de
w - rJrfUt
mais amplo, o critério parece sugerir uma identidade de natureza dos locais
nos quais as ações ou omissões podem ser realizadas e um modo de agir
razoavelmente similar.
As condições de tempo, local e modo de agir não podem ser redu
NO 3REIID
de condutas que tenha uma certa identidade temporal e modal com uma
sim ilar inserção espacial. Não por outra razão o art. 71, caput, do Código
Penal, adiciona outras condições semelhantes, indicando o complexo de opor
tunidades e de circunstâncias que perm ite afirm ar uma identidade entre
FTNAS • MED WS
condutas distintas.
460 O Supremo Tribunal Federal havia editado a Súmula 605, que re
feria que “não se admite continuidade delitiva nos crimes contra a vida”. Desta
forma, a prática de crimes sucessivos, que implicasse em lesão ao b em ju
rídico vida (hom icídio, infanticídio, aborto e instigação ao suicídio),
mesmo se realizada nas mesmas condições de tempo, local e forma de agir,
estaria im une ã incidência das regras que definem o crime continuado.
crimes dolosos, (b) cometidos com violência ou grave ameaça ã pessoa, (c)
praticados contra vítimas diferentes (art. 71, parágrafo único, do Código
Penal), o entendim ento sumulado foi superado.
A inaplicabilidade da Súmula 605 do Supremo Tribunal Federal
advém não apenas em decorrência da publicação de lei posterior que regula
a matéria, mas porque o pará^afo único do art. 71 do Código estabelece
um substancial aumento de pena e, sobretudo, adm ite sua majoração a
todos os crimes contra a pessoa (crimes contra a vida, crimes contra a
inte^idade física, crimes de perigo ã vida e à saúde, crimes contra a hon
ra e crimes contra a liberdade individual), não apenas aos crimes contra a
vida conforme restringia o entendim ento sumulado.
Conforme a dinâmica do Código Penal, a causa de aumento, mesmo
Í-: y,
do específico “è medida suficiente para se reprovar mais rigidamente o crime
ie eBeHi v.
violento praticado em continuidade delituosa”226.
objetivo do núm ero de delitos227, nos mesmos termos que orientam a in
cidência da majorante do concurso formal —(a) dois crimes, exasperação
de 1/6 sobre a pena provisória; (b) três crimes, aumento de 1/5; (c) quatro
crimes, aum ento de 1/4; (d) cinco crimes, aum ento de 1/3; (e) seis crimes, 461
aumento de 1/2; (^ sete ou mais crimes, aumento de 2/3.
227 Neste sentido, dentre outros, B O S C H I, Das Penas e seus Critérios de Aplicação, p. 262;
D E L M A N T O , Código Penal Comentado, p. 143; F R A G O S O , Lições de Direito Penal, p.
446; F R A N C O e S T O C O , Código Penal e sua Inteyretação, p. 398; G A L V Ã O , Direito
Penal, p. 864; Q U E I R O Z , Direito Penal, p. 341; S C H E C A I R A , Teoria da Pena, p. 293.
Embora o núm ero de infrações seja um parâmetro interessante para
demonstrar a extensão do dano causado pela prática reiterada de condutas
puníveis —da mesma forma que o núm ero de vítimas e de delitos no con
curso formal entende-se que esta diretriz não pode ser absolutizada.
Conforme demonstrado, existem situações peculiares, próprias de cada
experiência delitiva, que não perm item que um único critério seja univer
salizado como padrão. Agir desta forma seria descontextualizar o foto,
possibilidade vedada pelo princípio da individualização da pena.
A incidência das regras do art. 70 e art. 71 do Código Penal possi
bilita uma parcial verificação de identidade entre as condutas em julga
mento, mas não perm ite um juízo comparativo em relação às demais hi
póteses de ação ou omissão criminalizadas. Assim, no confronto entre
situações fotico-processuais distintas, a aplicação mecânica do entendim en
to jurisprudencial pode gerar excessos e disparidades insuperáveis. Com o
é notório, cada situação de ilicitude possui suas peculiaridades, não apenas
PENAL B R A S IL E IR O
1-: y,
ser restrito ao teto do art. 75 do Código, todo o cálculo dos direitos pre
vistos na execução penal (progressão de regime, livram ento condicional,
ie BEtEtai v.
detração, comutação, remição) é realizado com base no total estabelecido
judicialmente. Significa dizer, p. ex., que se alguém é condenado a 60
(sessenta) anos de pena privativa de liberdade, embora o cum prim ento
'■i - rJrfUt
231 "A pena unificada para atender ao limite de trinta anos de cumprimento, determinado pelo art.
75 do Código Penal, não é considerada para a concessão de outros benefoios, <nmo o livramento
condicional ou regime mais favorável de exemção”.
232 SCAPINI, Prática de Execução das Penas Privativas de Liberdade, p. 64.
ou alheio: pena — reclusão de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa”-, art. 319 do
Código Penal (prevaricação): “retardar ou deixar de praticar, indevidamente,
ato de oficio, ou praticà-lo contra disposição de lei, para satisfazer interesse ou sen
timento pessoal: pena — detenção, de 3 (trfc) m&es a 1 (um) ano, e multa”.
O próprio caput do art. 33 estabelece a diferença entre reclusão e
detenção. A reclusão adm itiria como regime inicial de cum prim ento da
pena as três modalidades previstas no Código, ou seja, regimes fechado,
semiaberto e aberto. A detenção, por ser um a espécie de pena cabível em
delitos de m enor gravidade, com portaria apenas os regimes semiaberto e
aberto. O corre que no final do art. 33, caput, há inclusão de uma ressalva
quanto ã pena de detenção: “salvo necessidade de transferência a regimefechado”.
Desta forma, ao ser possibilitado excepcionalmente o regime fechado nos
crimes em que há previsão de pena de detenção, a legislação penal tom ou
sem qualquer efeito a diferença entre as espécies de pena privativa de liberdade.
N o entanto, apesar de se tom ar inócua no tratam ento das penas, a
diferença é significativa para definição das espécies de medidas de segu
rança aplicáveis. Segundo o art. 97, caput, do Código, em caso de inim pu
tabilidade o juiz determ inará a internação do autor do feto. O regim e de
internação ocorre em hospital de custódia e tratam ento psiquiátrico ou
outro estabelecimento adequado de similar natureza, nos term os do art.
96, I. Todavia, se o tipo penal atribuído ao inimputável previr pena deten-
tiva, o juiz poderá aplicar o tratam ento ambulatorial (art. 96, II). Embora
a redação do dispositivo refira uma possibilidade, na doutrina e na juris
prudência foi consolidado o entendim ento de que o sujeito adquire direi
to ao tratam ento jurídico mais benigno, motivo pelo qual a diferença
entre detenção e reclusão fez sentido na determinação das medidas de se
gurança, conforme será posteriormente trabalhado.
ambos os estatutos (Lei dos Crimes Hediondos e Lei dos Crimes de Tor
tura) terem a mesma hierarquia, pois derivados do mesmo dispositivo
i
Í-: y,
8 (oito) anos (art. 33, § 2-, i ) e o re g im e a b e rto é aplicado aos casos em
ie BEtEtai v.
que a sanção é inferior a 4 (quatro) anos (art. 33, § 2S, c).
Aliado aos critérios objetivos (natureza do delito e quantidade de
pena), o Código indica dois critérios subjetivos para definição do regime de w - rJrfUt
ingresso no sistema prisional: reinrídênría e culpabilidade (em sentido amplo).
As alíneas b e c do art. 33, § 2-, determinam os regimes semiaberto
e aberto em razão do m ontante de pena aplicada, mas excepcionam nas
situações em que o condenado é reincidente. Neste quadro normativo, a
reincidência tem a capacidade de graduar em um nível o regime inicial de
cum prim ento da sanção, ou seja, se em decorrência da quantidade de pena
233 Supremo Tribunal Federal, Habeas Corpus 87.452, R ei. M in. Marco Aurélio, j.
22.05.2006; Supremo Tribunal Federal, Habeas Coqius 87.623, Rei. Min. Marco .Aurélio,
j. 20.06.2006.
234 Supremo Tribunal Federal, Habeas Corpus 82.959, Rei. M in. Marco Aurélio, j.
23.02.2006.
o condenado adquire o direito ao regime aberto, se reincidente iniciará a
execução no regime semiaberto; se a quantidade perm itiria o semiaberto,
em caso de reincidência, o regim e é graduado para o fechado. Logicamen
te que, em face de inexistir um regim e mais severo que o fechado, a situa
ção do condenado a pena superior a 8 (oito) anos não é alterada.
Além da reincidência, o art. 33, § 3° do Código Penal, estabelece
outro critério subjetivo para definição do regime de pena, qual seja, a culpa
bilidade em sentido amplo: “a deterninação do regime inicial de cumprimento da
penafar-se-á com a observância dos critérios previstos no art. 59 deste Código”.
A remissão ao art. 59, caput, do Código Penal, parece reforçar a ideia
exposta anteriormente, sobretudo no que tange aos critérios de valoração
das causas especiais de aum ento e de dirnnuição de pena variáveis, no que
diz respeito ã compreensão do conjunto das circunstâncias judiciais como
índice genérico ou grau de responsabilidade individual pelo injusto (cul
pabilidade em sentido amplo). O art. 33, § 3S, do Código, é bastante claro
em vincular a determinação do regime ao índice geral de responsabilidade.
FíMAS i MED IUS DE S E G U R «(JI ND 3REIID PENAL BRASILEIRO
Í-: y,
visto a necessidade de trabalho diurno ou frequência a cursos profissiona
ie BEtEtai v.
lizantes ou instrutórios (art. 36, § 1-).
A diferença entre as estruturas dos estabelecimentos prisionais e as
restrições do contato com o m undo externo regradas pelo Código Penal w - rJrfUt
procura adequar a execução da pena ao princípio constitucional da indi
vidualização (art. 5S, XLVI). Note-se, inclusive, que o art. XLVIII da
Constituição é preciso ao determ inar que “a pena será cumprida em estabele-
àmentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado”, ^
diretriz que se desdobra no re g im e especial de c u m p rim e n to g a ra n
tid o às m u lh ere s no art. 37 do Código Penal (“as mulheres cumprem pena
em estabeleámento próprio, observando-se os devera e direitos inerentes à sua con
dição pessoal, bem como, no que couber, o disposto neste Capítulo").
Embora a matéria seja relacionada em inentem ente às questões da
execução da pena, os problemas da natureza e da característica dos regimes
prisionais ganham relevância na fase de aplicação da pena em razão da
crise do sistema carcerário e da feita de estabelecimentos penais adequados.
A indagação pertinente, em razão da falta de estrutura material na execu
ção penal (ausência de vagas e de instituições prisionais suficientes e ade
quadas), é a de qual regim e deve ser fixado pelo juiz em caso de inexis
tência de local apropriado —leia-se local apropriado como estabelecimento
que cumpre m inim am ente os requisitos formais e materiais previstos na
legislação penitenciária.
A preocupação é colocada de forma precisa por Alberto Silva Fran
co, sobretudo em razão da carência de instituições de regim e semiaberto
no Brasil. Todavia, é possível ampliar a complexidade do problema e im a
ginar situações concretas em que inexistem instituições femininas. Nestes
casos, seria admissível, p. ex., que o condenado ao regime semiaberto
iniciasse o cum prim ento da pena em um estabelecimento prisional de
segurança máxima ou média ou que uma m ulher cumprisse sua pena em
uma instituição masculina, mesmo que em uma cela ou ala separada?
Segundo A lberto Silva Franco, “muito embora haja divergência jurispru-
dencial, força ê convir que se a deficiência do aparelhamento prisional ê devida à
PENAL B R A S IL E IR O
mais favorável”235.
Desta forma, seguindo esta orientação, em caso de sentença conde
DE S EG U R A N Ç l
472 ------------------------
238 O texto vetado previa que “o acolhimento domiciliar baseia-se na autodisciplina e senso de
responsabilidade do condenado. O condenado deverá, sem vigilância, trabalhar, freqüentar cuno ou
exercer atividade autorizada, permanecendo recolhido nos dias ou horários de folga em Ksidência ou
qualquer loal destinado 4 sua moradia habitual, wnforme estabelecido na sentença”.
Na mensagem de veto (Mensagem 1.447/98), a Casa Civil da Presidência da Repúbli
ca justificou, aduzindo que "afigura do 'recolhimento domiciliar', conforne a concebe o Projeto,
não wntêm, na essência, o mínimo necessário de força punitiva, afigurando-se totalmente desprovida
da apacidade de prewnir nova prátia delituosa. Por isto, orente do indi^ensável substrato co&citivo,
reputou-se contrária ao interesse público a norma do froijeto que a institui como pena alternativa”.
determ ina como conseqüência do delito a obrigação de reparação. O C ó
digo Penal, ao tratar da matéria relativa aos efeitos da condenação, vincu
la o autor do delito (a) à obrigação de indenizar o dano causado pelo crime
e (b) à perda, em favor da União, do produto ou qualquer bem ou valor
que constitua proveito pela prática do ilícito (art. 91, I e II). A reparação
ocorre em processo autônomo, perante o juízo cível, sendo cabível, con
forme exposto, o abatimento do valor da prestação pecuniária daqueles
fixados a título de danos materiais e morais. A prestação pecuniária e a
multa, porém, em razão de serem penas criminais, são personalíssimas, isto
é, são intransferíveis, extinguindo-se nas hipóteses do art. 107 do Código.
Ao contrário, há possibilidade de sucessão da dívida contraída na ação
indenizatória (cível), em observância ã parte final do art. 5S, XLV, da
Constituição.
A sanção de p e rd a de bens e valores, como ocorre com a pena de
multa, consiste na transferência do valor do prejuízo ou do provento ob
tido com o crim e ao Fundo Penitenciário Nacional (art. 45, § 2S, do C ó
digo Penal). Note-se que a perda de bens e valores é limitada pela vantagem
patrim onial obtida com o delito. A possibilidade de transferência, em
forma de sanção crim inal, do excedente do lucro obtido pelo crime ocor
re nos casos de imposição cumulada de outras sanções como, p. ex., a
multa ou a prestação pecuniária.
A prestação de serviço à c o m u n id a d e ou a en tid ad es p ú b li
cas im porta na realização de tarefes gratuitas, segundo a aptidão do con
denado, cumpridas junto a entidades assistenciais, hospitais, escolas, orfa
natos ou estabelecim entos congêneres ou, ainda, em program as
comunitários ou estatais (art. 46, §§ l 2 e 2S, do Código Penal). Conforme
o art. 46, § 32, do Código Penal, a substituição ocorrerá na razão de 1
(uma) hora de trabalho por dia de condenação, fixada de m odo a não
prejudicar a jornada de trabalho.
As hipóteses de in te rd iç ã o te m p o rá ria de d ireito s previstas no
Código (art. 47) são (a) proibição de exercício de cargo, função, atividade
pública ou mandato eletivo; (b) proibição de exercício de profissão, ativi
dade ou ofício que dependam de habilitação especial, licença ou autoriza
ção do poder público; (c) suspensão de autorização ou habilitação para
dirigir veículo; (d) proibição de freqüentar determ inados lugares; e (e)
proibição de inscrever-se em concurso, avaliação ou exame público.
A lim ita ç ã o de fim de sem ana implica a obrigação de perm a
nência, aos sábados e domingos, por 5 (cinco) horas diárias, em casa de
albergado ou outro estabelecimento adequado, com objetivo de participa
ção em cursos e palestras educativas (art. 48 do Código Penal)239.
que a quantidade de pena aplicada (art. 59, II, do Código Penal) supere 4
(quatro) anos. Duas exceço& ã regra, porém, são previstas.
A primeira, na condenação por crim e cu lp o so (art. 18, II, do
Código Penal), pois, conforme o dispositivo legal referido, nestes casos a
pena de prisão poderia ser substituída independentemente da quantidade
de pena, ou seja, mesmo sendo estabelecida acima dos 4 (quatro) anos. N o
entanto, analisando os parâmetros legislativos de fixação de penas no di
reito penal brasileiro, é possível sustentar ser episódica a possibilidade de
alguém ser condenado a pena acima de 4 (quatro) anos por crim e culposo.
Veja-se, p. ex., que a pena m áxim a prevista para o homicídio culposo é de
3 (três) anos de detenção (art. 121, § 3° do Código Penal), para o hom i
cídio culposo praticado no trânsito de 4 (quatro) anos de detenção (art.
302 da Lei n. 9.503/97), para as lesões corporais culposas de 1 (um) ano
de detenção (art. 129, § 6° do Código Penal). Os casos excepcionais in
variavelmente decorrem do concurso de crimes, com a aplicação das regras
do art. 69 e do art. 70 do Código Penal, i.e., nas hipóteses de uma (con
curso formal) ou mais (concurso material) condutas negligentes produzirem
dois ou mais delitos distintos (concurso de delitos). Nestas situações, mes
mo a pena ultrapassando o teto dos 4 (quatro) anos, o juiz poderá substituir
240 "A substituição da pena privativa por restritiva tem mais uma exigêmia objetiva segundo a Lei
9.714/98: o crime não pode ter sido pratirndo mediante violêmia ou grave ameaça, art. 44, I, do
Código penal, o que constitui uma aberração, pois não será possível operar-se a substituição com k -
lação ao crime de ameaça, art. 147 do Código penal ou de constrangimento ilegal, art. 146 do Có
digo penal, sendo o primeiro apenado mm detenção de um mês a seú meses e o segundo com detento
de três meses a um ano, aplicável a ambos a transação penal, a suspensão condicional do processo ou
a su^ensão rnndicional da pena, mas inviabilizada a substituição por pena Kstritiva” (REALE
JR ., Instituições de Direito Penal II, p. 52).
241 FR A N C O e STOCO, Código Penal e sua Interpretação, p. 290.
entende que “o absurdo seria inqualificável, com efeito, se o ju iz não pudesse, na
sentença condenatória, substituir a pena privativa de liberdade por espécie de pena
que, sefor aceita transação, impede, noJuizado Esperíal, o nasdmmto do prncesso”242.
Importante, no entanto, não restringir a interpretação apenas aos
casos em que o processo é de competência dos Juizados Especiais, ou seja,
em que é cabível a transação penal ou a composição civil. Isto porque o
art. 89 da Lei n. 9.099/95, que institui a possibilidade de suspensão con
dicional do processo, não é limitado às infrações de m enor potencial
ofensivo, sendo cabível a todos os delitos cuja pena m ínim a não seja supe
rior a 1 (um) ano. Nesta linha, as conclusões de R ealejr. são plenamente
coerentes no sentido de a substituição da prisão por pena alternativa ser
cabível em todos os casos em que haja possibilidade de aplicação de algum
substitutivo penal ou processual, incluindo-se, logicamente, a suspensão
condicional do processo e a suspensão condicional da pena (sursis)243.
Outra questão relevante, relativa à natureza do delito, diz respeito à
(im) possibilidade de aplicação de pena restritiva de direitos às condenações
FTNAS • MED WS DE SEGURANÇl NO 3REIID PENAL BRASILEIRO
24í Supremo Tribunal Federal, Habeas C o^us 97.256, Rei. Min. Ayres Britto, j. ls.09.2010.
246 “N oplano dos tratados e convenções internacionais, aprovados epromulgados pelo Estado brasi
leiro, é conferido tratamento diferenciado ao tràfia ilícito de ento^ecentes que se caracterize pelo seu
menor potencial ofensivo. Tratamento diferenciado, esse, para possibilitar alternativas ao encarcera
mento. Ê o caso da Convenção Contra o Tráfico Ilkito de E nto^eantes e de Substâncias Psicotró-
picas, inco^orada ao direito interno pelo Decreto 154, de 26 de junho de 1991. Norma supralegal
de hierarquia intermediária, portanto, que autoriza cada Estado soberano a adotar norma comum
interna que viabilize a aplicação da pena substitutiva (a restritiva de direitos) no aludido crime de
trãfia ilícito deento^ecentes” (Supremo Tribunal Federal, Habeas C o^us 97.256, Rei. Min.
Ayres Britto, j. l s.09.2010).
242 "Aspenas restritivas de direitos são, em essência, uma alternativa aos efeitos certamente trauma- 4^
ticos, estigmatizantes e onerosos do cârcen. Não ê á toa que todas elas são comumente chamadas de
penas alternativas, pois essa ê mesmo a sua natunza: constituir-se num substitutivo ao encarara-
mento e suas seqüelas. E ofato ê que a pena privativa de liberdade colorai não ê a única a cumprir
a fiin& o retributivo-ressocializadora ou restritivo-preventiva da sanção penal. A s demais penas
também são vocaàonadas para esse geminado papel da ntribuição-prevenção-ressocialização, e nin
guém melhor do que o ju iz natural da causa para saber, no aso concreto, qual o tipo alternativo de
reprimenda ê suficiente para astigare, ao mesmo tempo, recuperar socialmente o apenado, prevenin
do comportamentos do gênero” (Supremo Tribunal Federal, Habeas Cotpus 97.256, Rei. Min.
Ayres Britto, j. 1s.09.2010).
O entendim ento foi reforçado com a edição da Súmula 492 do Su
perior Tribunal de Justiça, que estabelece que “o ato infracional análogo ao
tráfico de drogas, por si só, não conduz obrigatoriamente à imposição de medida
socioeducativa de internação do adolescente”. Nas hipóteses de condenação de
adolescente por ato infracional de comércio de drogas, há possibilidade de
aplicação de medida socioeducativa não carcerária248.
248 O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90) prevê duas medidas privati
vas de liberdade análogas à pena de prisão em regime fechado e semiaberto: (a) internação
em estabelecimento educacional (art. 112, VI); e (b) regime de semiliberdade (art. 112,
V). De igual forma, estabelece sanções restritivas de direitos —(a) advertência (art. 112, I);
(b) prestação de serviços ã comunidade (art. 112, III); (c) liberdade assistida (art. 112, IV);
(d) encaminhamento aos pais (art. 101, I); (e) orientação, apoio e acompanhamento (art.
101, II); (fi frequência em estabelecimento de ensino (art. 101, III); e (g) inclusão em
programa comunitário ou oficial de auxílio (art. 101, IV) —e pecuniárias —reparação do
dano (art. 112, I).
Sobre o tema, conferir CARVALHO e W EIGERT, A s Alternativas às Penas e às M e
didas Socioeducativas, pp. 227-257.
Ocorre que, apesar de a nova redação do art. 44 do Código Penal
ter m antido a vedação, houve uma im portante inovação no sentido de
excetuar duas hipóteses: (1-) reincidência nos crimes culposos (art. 44, II);
e (2-) reincidência nos crimes dolosos em que a medida substitutiva for
socialmente recomendável, ressalvados os casos de reincidência específica —“se
o condenado for reinrídente, o ju iz poderá aplicar a substituição, desde que, em face
da condenação anterior, a medida seja socialmente recomendável e a reincidência não
se tenha operado em virtude da prática do m&mo crime” (art. 44, § 3-).
Assim, conforme sustentado anteriormente, por ser lei posterior mais
benéfica, é possível afirmar que a Lei n. 9.714/98 operou verdadeira rela-
tivização do instituto da reincidência, sobretudo em relação ã conversão da
pena privativa de liberdade. E possível, portanto, a partir da aplicação do
§ 3e do art. 44 do Código Penal, que, mesmo nos casos de reincidência, o
magistrado aplique a pena restritiva de direito, sempre que entender que a
medida (substituição de pena) é socialmente recomendável.
A questão central nesta análise, portanto, é acerca do conteúdo da
categoria socialmente recomendável. Em decorrência da crise da pena de pri
Í-: y,
instituto, seria possível sustentar, inclusive, a primazia da restrição de di
ie eBeHi v.
reitos em relação ã privação de liberdade nos casos em que apenas a rein
cidência é um óbice ã substituição. Desta forma —e sobretudo pelo feto de
se tratar de uma medida de m enor dano aos direitos fundamentais —, parece
ser plenam ente justificável uma inversão da regra, no sentido de que o juiz
w - rJrfüt
249 Sobre o tema, conferir REALE JR ., Instituipes de Direito Penal II, pp. 56-58.
sível verificar um reforço na ideia de as circunstâncias de análise da pena-
-base constituírem um índice geral de culpabilidade que orienta todas as
fases de aplicação da pena.
Importante perceber, contudo, que esta análise da culpabilidade que
se estabelece no art. 44, III, do Código Penal, como um a forma de “prog-
nose de suftdênda da substituição”250, não pode justificar a violação do prin
cípio ne bis in idem. Assim, parece correto afirm ar que a valoração negati
va do conjunto das circunstâncias judiciais deve operar como causa de
aumento da pena-base ou impeditivo da conversão da pena de prisão em
restritiva. Do contrário, em decorrência da proliferação de efeitos negati
vos, a decisão incorreria em dupla valoração, procedimento vedado pela
Constituição.
Além disso, fundam ental que, em caso de negativa da conversão, o
julgador exponha de forma clara e convincente as razões de sua opção pelo
encarceramento (situação jurídica menos favorável), notadamente em de
corrência de orientação no § 32 do art. 44, no sentido de a medida restri
FTNAS • MED WS DE SEGURANÇl NO 3REIID PENAL BRASILEIRO
id H ftlil
que este é o parâmetro central que deve conduzir o julgador na aplicação
da pena de m ulta254. Note-se, ainda, que a definição do valor é retrospec
■tAi 4; nritâ
tiva, isto é, é estabelecida retroagindo ao m om ento do delito (art. 4° do
Código Penal). Por esta razão, o valor será posteriorm ente atualizado
pelos índices de correção monetária em sede de execução penal (art. 49, §
Í-: y,
2S, do Código Penal).
ie BEtEtai v.
Além disso, a favorável situação econômica do réu autoriza a inci
dência de um a causa de aumento. Segundo o art. 60, § 1° do Código,
m esmo se a multa for fixada em seu m áxim o, se o magistrado entender
que em virtude da alta capacidade financeira do condenado a pena tornar-
w - rJrfUt
que, em seu art. 7S, 7, determ ina que ninguém deve ser detido por dívida,
dispositivo reproduzido no art. 5° LXVII, da Constituição.
tuição de pena.
Lembre-se, ainda, de que o sistema dos substitutivos penais e dos
regimes carcerários, conforme anteriormente exposto, foi concebido na
Reforma de 1984 de forma gradual e escalonada (Figura 1): (a) multa (pena
aplicada até seis meses); (b) pena restritiva de direito (pena aplicada até um
ano); (c) suspensão condicional da pena (pena aplicada até dois anos); (d)
regime aberto (pena aplicada até quatro anos); (e) regime semiaberto (pena
aplicada entre quatro e oito anos); (^ regime fechado (pena aplicada acima
de oito anos) —considerando-se, logicamente, apenas o critério objetivo
temporal.
Ocorre que a delimitação conceituai e normativa do instituto e a
estrutura gradual do sistema de substitutivos inviabilizaram, a partir da Lei
n. 9.714/98, a aplicação da suspensão condicional da pena. Se a pena res
tritiva integra a estrutura sancionatória do sursis, sendo, em sua aplicação
260 Lembra R ealejr. que “pensara-se a suspensão am o mais severa do que as próprias nstritivas
(art. 43 do CP). Tanto úso ê veríade que ela antêm, no primeiro ano de prazo, a pena de pnstação
de serviço à comunidade, ou a de limitado dejim de semana” (REALEJR., Instituições de Direi
to Penal II, p. 126).
261 R EA LE JR ., Instituições de Direito Penal II, p. 126.
perior a quatm anos, poderá ser suspensa, por quatro a seis anos, d&de que o con
denado seja maior de setenta anos de idade [surns etário], ou razoes de saúde
[sursis humanitário] justifiquem a su^ensao”.
Como é possível perceber, a Lei n. 9.714/98 igualiza o prazo de
concessão das modalidades excepcionais de sursis com o de conversão ã
pena restritiva. N o entanto, seria possível argum entar que, mesmo com
patibilizando os prazos, o instituto seria inaplicável ao maior de setenta
anos e ao gravemente enfermo em decorrência da restrição imposta pelo
art. 77, III, do Código (concessão apenas quando incabível a substituição).
A interpretação, porém, não parece correta. Inegavelmente a ampliação do
prazo para conversão da prisão em medida restritiva obstaculiza o surns
com um, sobretudo porque se trata de lei posterior mais benéfica, que am
plia os horizontes de liberdade —lembre-se de que na configuração origi
nária o surns im põe maiores restrições, não apenas porque o condenado
cumpre a pena de restrição de direitos ao longo de todo o período que a
FTNAS • MED WS DE SEGURANÇl NO 3REIID PENAL BRASILEIRO
lei prevê como possível para conversão (1 ano), mas tam bém porque se
submete a um regime de prova na segunda etapa da suspensão (2 a 4 anos).
Ocorre que a própria Lei n. 9.714/98 manteve a m odalidade etária
e acrescentou a espécie hum anitária de sursis. Significa dizer que a nova
lei reconheceu a validade do instituto, o que não pode simplesmente ser
desconsiderado. O impeditivo do art. 77, III, do Código, ã suspensão da
pena em decorrência da idade e de enfermidade aparece, portanto, como
uma contradição no sistema, não resolvida pela Lei n. 9.714/98. Neste caso,
portanto, parece ser correto afastar o óbice do referido dispositivo (art. 77,
III, do Código) às modalidades excepcionais de suspensão condicional da
pena.
Tais efeitos não atingem, porém, casos específicos regrados na lei
penal extravagante, como, p. ex., o art. 16 da Lei n. 9.605/98, que perm i
te a aplicação do sursis & penas privativas de liberdade aplicadas até 3 (três)
anos. Por ser lei anterior à Lei n. 9.714/98, a m om entânea ampliação dos
critérios da suspensão das penas para as condenações por crimes ambientais
tornou-se sem efeito.
263 "Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar
dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilicito” (art. 186 do Código Civil).
"Também mmete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os
limites impostos pelo seu jim económiw ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes” (art. 187 do
Código Civil).
264 T O U R IN H O FILHO, Código de Proasso Penal Comentado, p. 241.
proveito do próprio ofendido, quando o dano é dirigido diretamente a ele, sqa em
favor de terceiros fólhos, cônjuges, suc&sores), na hipót&e da morte daquele”265.
Lembra Fragoso que, para promover o ressarcimento do dano cau
sado pelo delito, a vítima deve necessariamente ingressar com a ação civil
de reparação, espaço competente no qual serão quantificados os valores da
indenização (dano material e moral). A necessidade de ajuizamento de ação
na esfera processual civil seria o efeito da adoção do sistema da separação das
esferas, diferentemente do sistema da solidariedade, no qual “a ação penal e a
afio civil são promovidas perante o mesmo ju iz, constituindo-se o lesado em parte
civil”266. Fragoso menciona, ainda, dois outros sistemas: o sistema da confu
são, no qual o juiz decide na ação penal a reparação do dano, e o sistema da
livre escolha, que perm ite ã vítim a promover a ação de reparação no juízo
cível ou crim inal267.
Pondera Tourinho Filho que apesar de a sentença penal condenató
ria transitada em julgado constituir-se em um título executivo, autorizan
do o exequente a proceder ã execução por referir o dano sofrido e deter
m inar a quantia m ínim a de indenização (art. 397, IV, do Código de
Processo), o procedim ento requer ponderação, notadamente em razão da
inadequação na especificação da extensão da lesão e da ausência de atua
lização. Assim, “não se sabendo o valor correto do quantum devido, aliado à
circunstância de dever ser ele atualizado e acrescido de juros, haverá necessidade de
se proceder à liquidação da sentença penal condenatória (...)”268.
As recentes alterações nas legislações penal e processual penal pare
cem projetar significativas mudanças no sistema de ajuizamento dos pedi
dos de indenização. Pacelli percebe que o Brasil adota atualmente um
sistema de interdependência relativa ou mitigada em razão da existência
de um certo âmbito de subordinação temática entre as instâncias269, para
269 A subordinação temática diz respeito aos fandamentos da sentença (condenatória ou ab-
solutória) que delimitarão o horizonte de discussão da extensão da reparação do dano no
juízo cível. Isto porque mesmo em caso de sentença absolutória é possível a propositura
da ação —vejam-se, p. ex., os casos do art. 66 ("não obstante a sentença absolutória no juizo
aiminal, a afio civil poderá ser pmposta quando não tiver sido, categoricamente, reconhecida a exis
tência material do fato”) e as hipóteses do art. 67 (“não impedirão igualmente a propositura da
além da inquestionabilidade da existência do fato ilícito após o trânsito da
sentença penal condenatória270. Lembra o autor que esta relativização foi
reforçada exatam ente pela alteração do art. 387, IV, do Código de Proces
so Penal, pela Lei n. 11.719/2008, e a previsão de que na sentença penal
condenatória cabe ao julgador fixar o valor mínimo para reparação dos danos
causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido271.
A alteração do dispositivo do Código de Processo Penal segue a
tendência de ampliação da competência do juiz do processo crim inal para
manifestar-se acerca do quantum da reparação. Na legislação penal material,
esta inovação ficou evidente quando a Lei n. 9.714/98, ao regular os casos
de aplicação da pena de prestação pecuniária, estabeleceu que “o valor pago
será deduzido do montante de eventual condenação em ação de reparação civil, se
coincidentes os beneficiários” (art. 45, § 2a, in fine, do Código Penal).
Nesta perspectiva de ampliação dos poderes judiciais sobre as con
seqüências cíveis do ilícito, mas em sentido distinto, foram as determinações
FTNAS • MED WS DE SEGURANÇl NO 3REIID PENAL BRASILEIRO
2,2 N o sistema da solidariedade, "a ação penal e a civil são promovidas perante o mesmo ju iz,
constituindo-se o lesado em parte ãvil. Quando existe uma sé ação penal, em que o ju iz deáde
também sobre a reparação do dano, o sistema se chama da confusão (...). Em favor do sistema da
solidariedade, alega-se que ele favorece a economia processual, além de proponionar pressão mais
efaente, com a colaboração do lesado na prova que interessa ao processo penal, evitando-se decisões
discKpantes. A reparação do dano também é elemento importante de política criminal” (FRAGO
SO, Lições de Direito Penal, p. 486).
223 R EA LEJR ., Instituições de Direito Penal II, p. 151.
224 BRANDÃO, Curso de D im to Penal, p. 375.
7.717/89); (b) a perda dos bens, direitos e valores objeto do crim e de lava
gem de dinheiro (art. 7° da Lei n. 9.613/98); (c) a cassação da licença de
funcionamento de estabelecimento utilizado para prostituição ou explo
ração sexual de criança ou adolescente (art. 224-A, da Lei n. 8.069/90)275.
Í-: y,
o juiz converter a pena de prisão em restrição de direito e aplicar a pena
ie BEtEtai v.
de suspensão da habilitação (art. 4 7 , I I I , do Código), os efeitos desta inter
dição são temporários (interdição temporária de direitos), cessando após o
cum prim ento da sanção.
Ao contrário, se aplicada como efeito da condenação, as conseqüên
w - rJrfUt
497
282 Supremo Tribunal Federal, Recurso Extraordinário 577.012, Rei. M in. Ricardo
Lewandowski, j. 09.11.2010. N o mesmo sentido, Supremo Tribunal Federal, Recurso
Extraordinário em M andado de Segurança 22.470, Rei. M in. Celso de M ello ,j.
11.06.1996.
4
4
■
1 Sobre a aplicação das medidas socioeducativas aos adolescentes em conflito com a lei
e a similitude entre as sanções e as medidas substitutivas ao encarceramento, conferir
CARVALHO e W EIGERT, Alternativas & Penas e ih Medidas Socioeducativas, pp. 227-257.
2 Os destaques nos termos capaz e incapacidade servem para chamar a atenção ã sua inade
quação teórica e normativa, conforme será exposto posteriormente na análise da inimpu
tabilidade a partir da Lei da Reforma Psiquiátrica (Lei n. 10.216/2001).
3 “A Justiça da Infância e da Juventude é competente para: I — conhecer de r^resentafâes promovidas
pelo Ministério Público, para apuração de ato infracional atribuído a adolescente, aplicando as medi
das cabíveis; I I — mnceder a nmissão, como form a de suyensão ou extinção do processo (...)” (art.
148 da Lei n. 8.069/90).
‘ “O ju iz absolverá o réu, mencionando a causa na parte diyositiva, desde que reconheça: (...) V I
— existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena (arts. 20, 21, 22, 23, 2 6
e § V d o a rt. 28, todos do Código Penal), ou mesmo se houvwfundada dúvida sobn sua existfacia"
(art. 386, Código de Processo Penal).
à medida de segurança3, situação que demarca sua sujeição às agências es
tatais responsáveis pela execução da decisão judicial (agência manicomial).
13.1.2. A classificação do autor da conduta considerada ilícita como
imputâvel ou inimputável e a conseqüente definição da resposta jurídica
cabível (pena ou medida de segurança) decorrem de uma opção política
(político-criminal), posteriorm ente legitimada pela ciência jurídico-penal
(dogmática penal), por fragmentar o sistem a de resp on sabilid ade c ri
m in a l em dois distintos discursos de fundamentação: sistem a de cu lp a
b ilid ade (imputabilidade/pena) e sistem a de pericu lo sidad e (inim pu-
5 "N a sentença absolutória, o ju iz: (...) I I I — aplicará medida de segurança, se cabível” (art. 386,
parágrafo único, Código de Processo Penal).
6 SANTOS, Direito Penal, p. 639.
O tipo ideal (ou o estereótipo teórico) que contrapõe a capacidade
de culpa (culpabilidade) é a condição ou potência de perigo (periculosidade).
O sujeito perigoso, ou dotado de periculosidade, seria aquele que, diferen
temente do culpável, não possui condições nunimas de discernir a situação
em que está envolvido, sendo impossível avaliar a ilicitude do seu ato e,
consequentemente, atuar conforme as expectativas do direito (agir de
acordo com a lei). Em razão da ausência de condições cognitivas (déficits
cognitivos) para direcionar sua vontade, a aplicação de uma pena com ca
ráter m arcantemente retributivo passa a ser inadequada, notadamente no
esquema da culpabilidade pela reprovabilidade, em que se postula uma adequa
ção da pena ao grau de reprovação do ato voluntário praticado pelo sujei
to. N este cenário de ausência de responsabilidade penal, a pena é substi
tuída pela medida (de segurança) e a finalidade retributiva da sanção é
substituída pela orientação de tratamento do paüente.
AmbulatoriaL)
o sistema vicariante.
NO 3REIID
7 “Ninguém pode ser sentenciado criminalmente senão em virtude de lei anterior que declare punível
a acção ou a omissão, nem sojrrer medida de segurança cujos pnssupostos não estejam fixados em lei
5M anterior’’ (art. 29, 1, Constituição de Portugal).
"As penas privativas de liberdade e as medidas de segurança serão orientadas á reeducação e á
reinserção social e não poderão consistir em trabalhosforçados” (art. 25, 2, 1? parte, Constituição
da Espanha).
"Ninguém pode ser privado do ju iz natural designado por lei. Ninguém pode ser punido, senão
por aplioção de uma lei que tenha mtrado em vigor antes de cometido ofato. Ninguém pode ser sub
metido a medidas de s^urança, salvo nos casos previstos pela lei” (art. 25, Constituição da Itália).
8 “Não pode haver penas nem medidas de segurança privativas ou restritivas da liberdade com carac
ter pe^étuo ou de duração ilimitada ou indefinida” (art. 31, 1, Constituição de Portugal).
vogado art. 78 do Código determinava que seriam considerados perigosos
(presunção legal de periculosidade): (a) os inimputáveis; (b) os sem i-im -
putáveis; (c) os condenados por crime cometido em estado de embriaguez,
se habitual a embriaguez; (d) os reincidentes em crimes dolosos; (e) os
condenados por crim e cometido por associação, bando ou quadrilha. Além
disso, poderia ser reconhecida a periculosidade do autor do ilícito pelo
julgador em seguintes hipóteses: (a) se os antecedentes e a personalidade,
os motivos determinantes e as circunstâncias do fato, os meios empregados
e os modos de execução, a intensidade do dolo ou o grau da culpa, auto
rizassem a suposição de que o sujeito viria ou tornaria a delinquir; e (b) se,
V
festo erro, porquanto primeiro para os imputáveis e semi-imputáveis, nas palavras
de Antolisei, impõe a uma pessoa, necessitada de cura e de educação, as constrange
St li 1 D ID IE Üt ÕLG.
doras condições do cárcere, que só agravam a periculosidade que, depois, piorada, se
buscará Mncelar, tudo para conciliar ou superar a oposição entre culpabilidade e
periculosidade" 10.
A aplicação conjunta da pena e da medida de segurança no sistema
anterior, segundo a precisa crítica de Bitencourt, configurou notória lesão
9 A redação originária do art. 77 do Código Penal de 1940 estabelecia que “quando ape-
riculosidade não é presumida por lei, deve ser retnnheádo perigoso o individuo, se a sua personalida-
<k e antecedentes, bem como os motivos e cinunstâncias do crime autorizam a suposição de que venha
ou tome a delinquir”.
10 R EA LEJR . et al., Penas e Medidas de Segurança no Novo Código, p. 284.
Sobre os sistemas vicariante e do duplo binário na legislação penal brasileira, conferir
FER R A R I, Medidas de Segurança e Direito fànal no Estado Democrático de Direito, pp. 32-46.
11 BITEN C O U RT, Tratado de D in ito Penal, p. 781.
execução, a pena privativa de liberdade, da custódia de segurança. Deve-se também
à precariedade do juízo de periculosidade, bem como à inexistência de estabelecimen
tos e depttsoal técnico”12.
Superado o duplo binário, a Reform a da Parte Geral de 1984 insti
tuiu o s is te m a cindindo a resposta punitiva entre penas
v ic a r ia n te ,
nt
■j. - K3i um.-. :t í.G tF H u ç jB
mente, aos inimputáveis que tenham praticado fato previsto como crime, punido,
porém, como pena de detenção, bem como aos semi-imputàveis"xl.
Nota-se, pois, que o c r ité rio p a ra d e fin iç ã o d a e s p é c ie d e m e
no que couber, o disposto no parágrafo único, do artigo 88, desta L ei” (art. 99, da Lei de Execu
ção Penal).
“O condenado será alojado em ala individual que anterá dormitório, aparelho sanitário e lava
tório. Parágrafo único. São requisitos básicos da unidade celular: a) salubridade do ambiente pela
concorrência dos fatores de aeração, insolação e andiàonamento térmico adequado à existência hu
mana; b) ána mínima de 6,00m 2 (seis metros quadrados)” (art. 88, da Lei de Execução Penal).
16 BITENCOU RT, Tratado de Direito Penal, p. 783.
17 FRAGOSO, Lições de Direito Penal, 500.
riam ente ao de internação nos casos em que a conduta praticada pelo
inimputável tenha como previsão a pena de detenção1S.
A previsão em abstrato da forma reclusiva ou detentiva como crité
rio único de definição da espécie de medida de segurança a ser cumprida
não parece estar adequada ao postulado constitucional que determ ina ao
julgador a individualização da sanção penal (medida de segurança). N ote-se que,
em relação às penas, a fixação do regime ou a possibilidade de substituição
por pena restritiva de direitos independe da espécie de privação de liber
dade prevista em lei. Assim, o tipo de regim e (aberto, semiaberto ou fe
chado) e a espécie de sanção (privativa de liberdade, restritiva de direito
ou multa) estarão subordinados aos critérios judiciais expostos motivada-
m ente na sentença (individualização da pena). A definição das espécies de
m edida a partir de um critério abstrato parece, portanto, estar em oposição
ã estrutura principiológica (constitucional e legal) que orienta a aplicação
das sanções.
Ademais, este critério tende a obstaculizar a diretriz político-crim i
PENAL B R A S IL E IR O
Aplicação Judicial
das principais denúncias realizadas pela crim inologia crítica e pela crítica
508 do direito penal a partir da década de 70 do século passado. A exposição
da incapacidade de as instituições totais (prisões e manicômios) realizarem
m inim am ente as finalidades expostas em sua programação oficial (resso-
18 "Se o agente for inimputável, o ju iz determinará sua internação (art. 26). Se, todavia, o fato
previsto como crimefo r punível com detenção, podem o ju iz submetê-lo a tratamento ambulatorial’’
(art. 97, aput, Código Penal).
19 FRAGOSO, Lições de Direito Penal, p. 501.
cializar o imputâvel e reduzir a periculosidade dos inimputáveis) deflagrou
um amplo processo de desconstrução dos mitos fundantes do sistema pu
nitivo. D entre estes mitos, a ausência da perspectiva punitiva (retributiva)
das medidas de segurança.
N o caso específico das medidas de segurança, Cirino dos Santos
demonstra que a crise decorre da inconsistência dos m étodos científicos de
prever o comportamento futuro (periculosidade: prognóstico de delinqüên
cia futura) e da incapacidade da medida de transformar condutas antissociais
em condutas ajustadas: “a crise das medidas de segurança estacionárias é a crise
da prognose de periculosidade e da eficácia da internação para transformar con
LDNU
dutas ilegais de inimputáveis em condutas legais de imputáveis. A inconsistência
Or>i
desses pressupostos explica a conviqão generalizada sobre a necessidade de redufio
raditól das medidas de seguranp estacionárias”20.
D IR EIü J : EJU l
Em decorrência da crise conceituai e estrutural, Zaffaroni e Batista
desafiam a construção de uma dogmática conseqüente no campo das medidas
de segurança, tom ando como pressuposto sua para além
C
V
n a tu r e za p e n a l,
Õ LG .
sidade presumida pré-delitual da disciplina legal, restringindo as hipóteses
U1 D I D ( E Ü t
de imposição de medidas de segurança aos inimputáveis (e semi-imputá
veis), “(...) alguns passos poderiam ser dados incoyorando-se à construção dogmá
tica as importantes contribuições da Lei 10.216/01, sobre a proteção e direitos das
St
pessoas portadoras de transtornos mentais”21.
í .^ t F H U Ç J B
A Lei n. 10.216/2001 inegavelmente muda o estatuto jurídico e a
lógica do tratam ento dos portadores de sofrimento psíquico no Brasil. A
Lei da Reform a Psiquiátrica não apenas determ ina como diretriz central ' J. - K 3 I L M:. :t
V
acordada, fixada ou majorada; deixar, sem justa causa, de socornr descendente ou ascendente, gra
vemente enfermo: Pena — detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa, de 1 (uma) a 10 (dez)
üt U LDI3(£Üt ÕLG.
vezes o maior salário mínimo vigente no País.”
2í “Afastar ou procurar afastar licitante, por meio de violência, grave ameaça, fiaude ou ofencimento
de vantagem de qualquer tipo: Pena — detenção, <k 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa, além da pena
cornspondente à violência. Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem se abstêm ou desiste de
licitar, em razão da vantagem oferecida.”
dual desativação dos hospitais psiquiátricos, “o que toma ainda mais injusta e
desaconselhável a internação do paciente em hospital psiquiátrico judicial”12.
s e g u ra n ç a .
nalidade” (Superior Tribunal dejustiça, Habeas C o^us 122.522, Rei. Min. Og Fernandes,
j. 18.08.2010).
37 Neste sentido, é revelador o documentário A Casa dos Mortos, dirigido por Débora
Diniz, sobre a situação dos manicômios judiciais brasileiros. O relato dos casos de inter
nação permite que se tenha uma dimensão relativamente precisa do tipo de conduta que
produz a institucionalização das pessoas nos manicômios nacionais (www.acasadosmortos.
org.br).
tempo de sanção, pois a determinação da pena desdobra inúmeros outros
efeitos, como, p. ex., redefinir o prazo de prescrição (prescrição em con
creto), orientar os direitos do preso na execução (detração, remição, co
mutação, indulto, progressão de regime, livramento condicional).
Para que sejam evitadas situações de evidente ruptura com os prin
cípios constitucionais da igualdade de tratam ento e da proporcionalidade
da sanção em relação ao fato e ao resultado produzido —ou seja, para que
se possa “estabelecer maior grau de aproximação isonômica possível entre a punição
de imputáveis e inimputáveis que cometem delitos”™ —, A m ilton Bueno de
Carvalho conclui que a conformação constitucional do procedim ento de
vc
■j. - K3i eií* :t £.irfhulJB nt Uididie ÜE õlg. hí^oi
solutamente adequado, inclusive para fins de orientação dos prazos pres-
cricionais e definição dos direitos inerentes ã execução das medidas de
segurança.
13.3.4. Em relação ã questão dos limites das medidas, os critérios
temporais, importa, ainda, analisar o sentido e os critérios de determinação
do te m p o m ín im o d a m e d id a d e s e g u ra n ç a .
V
tomar um preso e colocá-lo no manicômio ou tomar um louco e metê-lo na prisão”4*.
N o cam po do saber e das práticas de controle da loucura, a antipsi
St U LDI3(£Üt ÕLG.
quiatria e o m ovim ento antimanicomial representaram os principais eixos
43 "A abertura e a visibilidade das relcqões que se estabelecem nas instituições totais, realizadas pela
aiminologia critica (cárcen) epela antipsiquiatria (manicômios), possibilitam penceber asformasfai-
C DIREI U
m ente diversa daquela convencional que dicotomiza razão e desrazão. A
viragem proposta pela antipsiquiatria e pelo movim ento antimanicomial
V
é fundada em uma nova forma de olhar o problema da loucura que enfa
tize a pessoa, e não a sua doença, o que perm ite rom per com os estigmas do
St ü LDI3(£Üt ÕLG.
processo de coisificação do portador de sofrimento psíquico que caracte
rizam os procedimentos de institucionalização.
: E U l Or>i LD N U
‘8 Q U EIR O Z, Direito Penal, p. 451.
Na questão relativa ã culpabilidade, p. ex., não se desconhece que para a doutrina
penalística majoritária, sobretudo para os atores da teoria do delito, a imputabilidade
VC D IILi üJ
constitui umpressuposto e não um elemento da culpabilidade. Assim, negar a imputabilida
de comopressuposto, afirmando a inimputabilidade, impediria analisar os elementos da
culpabilidade (potencialconsciência da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa).
Todavia, é correto o raciocínio de Paulo Queiroz no sentido de que a Lei da Reforma
ãLC.
Psiquiátrica impõe uma nova forma de olhar o problema. Inclusive porque os avanços
provocados pela antipsiquiatria e pelo movimento antimanicomial possibilitam negar a
UL D I3 (£ Ü t
absoluta incapacidade de compreensão e de vontade do portador de sofrimento psíquico.
Neste aspecto, parece correto que se reconheça um âmbito diferenciado de responsabili
zação, notadamente se disto resultar uma maior garantia do portador de sofrimento psí
ãt
quico. Cabe, portanto, ã dogmática penal adequar-se ã nova realidade de compreensão
' J. - K 3 I L M- :t & t R F H U Ç J B
do fenômeno da loucura, redefinindo, no que for necessário, suas estruturas conceituai e
categorial.
Neste cenário, a tese defendida por Paulo Queiroz é especialmente inovadora, pois
ao sustentar que a ideia de culpabilidade nâo é totalmente estranha ao portador de sofri
mento psíquico, desloca a categoria imputabilidade da função de pressuposto para a de ele
mento da culpabilidade. Assim, se a estrutura normativa da culpabilidade passa a ser
compostapelos elementos imputabilidade, potencial consciência da ilicitude e exigibili
dade de comportamento diverso, o sofrimento psíquico excluiria apenas a imputabilidade,
situação que permitiria a aplicação das demais causas de exclusão da culpabilidade.
A> situações que o autor constrói demonstram a razoabilidade da tese, sobretudo
pensando na paridade de tratamento entre imputáveis e inimputáveis: “imagine-se, por
exemplo, que A e B, ambos residentes na zona rural dos confins do Brasil, estando a pescar ou a
caçar num domingo, como ê comum naquela região, sejam presos por porte ilegal de arma e crime
ambiental. A , plenamente imputâvel, é absolvido invocando erro de proibição inevitável; mas B,
inimputável, apesar de se encontrar na mesma situação, seria submetido 4 medida de segurança,
implicando grave Kstrição à liberdade do agente. Parece claro ainda que, se A pode alegar erro de
proibição, B, mais vulnerável, poderá fizê-lo com maior razão, mesmo por analogia, sob pena de se
consagrar uma injustiça manifesta” (Q U EIR O Z, Direito Penal, p. 453).
lescentes em conflito com a lei submetidos às medidas socioeducativas: se
esta especial condição de inimputabilidade, seja em decorrência do fator
biológico (etário) ou do psicológico, gera um status jurídico privilegiado,
é injustificável que não sejam assegurados todos os direitos materiais e
todas as garantias processuais que marcam a posição jurídica de réu ou de
condenado imputâvel. A especial condição de inimputabilidade consolida os
direitos e as garantias assegurados aos imputáveis com o patamares mínimos
para o tratam ento jurídico dos adolescentes e dos portadores de sofrimen
to psíquico em conflito com a lei49. Significa, de forma bastante clara, que,
além da efetivação daqueles direitos e garantias conquistados juridicam en
te pelos adultos “m entalm ente sadios”, os inimputáveis devem ser contem
plados com tratam ento jurídico mais favorável, ou seja, na comparação com
os imputáveis, os direitos devem ser não apenas efetivados, mas ampliados
significativamente. Não é difícil perceber que a instrumentalização desta
tese é plenamente cabível e adequada em nosso ordenamento jurídico,
RO
i9 “(...) É exatamente em razão da situação de vulnerabilida/te que devem ser assegurados aos jovens
NO INREim
em anfiito com a lei todos os direitos individuais que conformam o sistema jurídico-penal de garantias
dos adultos que praticaram delitos —garantias relativas aos nquisitos legais de imputação do ato ilí
cito (ato infracional); garantias nlativas à efetivação do devido processo legal ferocesso infracional);
MED l:4S D E S E G U R A N Ç
garantias relativas á aplicação e à execução das sanfoes (medidas socioeducativas); e garantias relati
vas aos critérios de aplirnção de sanções disciplinatzs durante a executo das medidas socioeducativas.
A propósito, o entendimento de que a situação de vulnerabilidade impede a inserção dos adoles
centes em mnjUto com a lei no sistema penal formal é exatamente o critério de potencialização dos
ditzitos individuais juvenis e deveria impor critérios normativos mais rígidos de inte^retação das
P? K(S ±
garantias para a aplicação das respostas sancionadoras. Neste aspato, no momento em que as garan
tias deveriam ser naturalmente revigoradas na tutela dos adolescentes, percebe-se deforma injustifi
cável que sequer há paridade em relação ao tratamento jurídico mebido pelos imputáveis (...).
A condusão sobre a extensão potencializada dos direitos e das garantias individuais aos adoles
centes em conjlito com a lei é plenamente adequada à determinação constitucional de tutela absoluta
e prioritária e de salvaguarda das aianças, adolescentes e jovens antra qualquerforma de n^ligéncia,
discriminado, exploração, violência, crueldadee opressão. Entenda-se proteção absoluta e prioritária
contra qualquerforma de violência ou aueldade praticada por particulares poderes privados) ou por
órgãos ou instituições do Estado (podetzs públicos) (...).
O critério da proteção absoluta e prioritária logicamente exclui qualquer possibilidade de a legis
lação tutelar específica restringir aos adolesantes os direitos e garantias que orientam as formas de
responsabilização penal dos adultos” (CARVALHO e W EIGERT, Alternativas ás Penas e ás
Medidas Socioeducativas, p. 232).
13.5 . Reforma Psiquiátrica como Mudança Paradigmática no
Tratamento Jurídico do Portador de Sofrimento Psíquico:
Crítica aos Conceitos de Periculosidade e de
Inimputabilidade
13.5.1. A prim eira questão que deve ser pontuada para avaliar os
impactos da Lei da Reform a Psiquiátrica no sistema de aplicação das m e
didas de segurança é a da (in)adequação normativa e conceituai do seu
fundamento: a periculosidade.
V
ausência de responsabilidade penal do portador de sofrimento psíquico que
praticou ato ilícito. Aliás, de forma mais aguda, inclusive, Virgílio de
U ID ID tE Ü t ÕLG.
M attos sustenta que o próprio art. 26 do Código Penal não teria sido re
cepcionado pela Constituição de 1988, exatamente por legitim ar a perpe
tuidade das medidas de segurança31.
ãt
' J. - K3I LM:. :t í. G t F H U Ç J B
50 Fragoso antecipou o problema conceituai da periculosidade, afirmando que “(...) é, em
substâwia, um juizo de probabilidade que se formula diante de certos indícios. Trata-se de ju izo
empíricoformulado, e, portanto, sujeito agrava erros. Pressupõe-se sempre, como é obvio, uma ordem
soáal determinada a que o sujeito deve ajustar-se e que não é questionada” (FRAGOSO, Lições
de Direito Penal, p.499).
O autor chama a atenção para os problemas decorrentes da instrumentalização do
conceito deficitário na perícia: “(...) as dijtculdades a que conduz o critério legal, que concebe a
psiwloigia da ação deforma que não wrresponde à realidade. A ação se divide numa parte racional ou
intelectual e noutra parte em que se opera a decisão da wntade. O perito pode constatar o estado de
alteração do psiquismo, de fando biológico, e assim pode afirmar se o acusado é, ou não, portador de
qualquer das doenças mentais, mas são irre^ondiveis as indagações sobre a capacidade de entendi
mento do injusto e sobre a capacidade de determinação conforme tal entendimento (Kurt Schneiderj ”
(FRAGOSO, Lições de Direito Penal, p. 246).
No campo da psicologia social e da criminologia, conferir, sobretudo, R A U TER ,
Criminologia e Subjetividade no Brasil, pp. 50-75; e BATISTA, Introdução Crítica à Crimino
logia Brasileira, pp. 51-63.
51 M ATTOS, Crime e Psiquiatria, p. 152.
Mas para além do debate acerca da (não) recepção do art. 26 do
Código Penal pela Constituição —que demandaria uma argumentação mais
ampla do que da possibilidade de internação ilimitada, pois, em realidade,
a perpetuidade da medida parece tensionar a constitucionalidade do § l 2
do art. 97 do Código Penal —, é pertinente a conclusão do autor no sentido
de a Lei n. 10.216/2001 ter alterado a noção de tratamento, substituindo-a
pela ideia de prevenção, situação que conduziria ã exclusão da categoria
periculosidade. Neste sentido, sustenta Virgílio de M attos que estaria “ (...)
demonstrado que a solução não pode ser apenar — unanimidade a partir defin a l do
século X I X —, nem tratar — vez que o ‘tratamento’ tem sempre implitódo maior
exclusão —, mas prevenir que o portador de sofrimento mental passe ao ato e trans
forme, transtornando, sua própria vida e daqueles que lhe são próximos. Portanto,
o tratamento de que fala a Lei 10.216/01 só pode ser entendido como as medidas
de cuidado e acompanhamento, no prncesso de inserção social do portador de sofri
mento mental, ou sqa, o que temos denominado prevenção”52.
A modificação da finalidade (do tratam ento ao cuidado-prevenção)
FTNAS • MED WS DE SEGURANÇl NO 3REIID PENAL BRASILEIRO
V
fó genéritó, se houver relação entre a patologia e o crime, devendo a pena imposta ser
cumprida, se o caso assim o exigir e apenas em períodos de crise, em hospital peni
St U LDI3(£Üt ÕLG.
tenciário geral"'’6.
Paulo Queiroz igualmente propõe que o julgador proceda à indivi
dualização, definindo em formas temporais o desvalor da conduta e o
desvalor da ação, para, posteriorm ente, substituir a pena por medida de
segurança pelo mesmo prazo37.
V
ao julgador analisar a possibilidade de substituição da forma segregacional
(internação) pelo regim e ambulatorial.
St U LDUUEÜt ÕLG.
13.6.3. A reforma psiquiátrica foi explícita em proibir qualquer for
ma de tratam ento manicomial. Mesmo nos casos excepcionais —a i n t e r
n a ç ã o p s i q u i á t r i c a é s u b s i d i á r i a e indicada apenas quando os recursos
extra-hospitalares (serviços comunitários) se m ostrarem insuficientes,
LDilU
com preender quão fértil é o espaço de atuação criado pela reform a
Or>i
psiquiátrica. Ao mesmo tem po expõem quão deficitário é o discurso da
dogm ática penal, que perm anece literalm ente preso aos conceitos
U L D I3 (£ Ü t ÕLG.
ao punitivismo e encontrar alternativas às formas violentas de imposição
de sanções pelo sistema penal.
St
O reconhecimento da qualidade das experiências pode ser verificado no parecer
:t í.GtFHUÇJB
elaborado pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) do Ministério
Público Federal (MPF): "desde sua implementado (PAI-PJ], 755 casos foram acolhidos pelo
Programa e rKeberam tratamento adequado ao sofòmento mental até cessarsuas nlafies com aJustiça.
489 rnsosjáforam desligados do Programa. Dados de agosto de 2009 mostram que, atualmente, 266
' - K3I LM-
sozinhos ou em residências terapêuticas da cidade. Os índices nincidência, nos casos atendidos pelo
Programa, são muito baixos, girando em tomo de 2% em crimes de menor gravidade e contra o pa
trimônio. N ão há Kgistro de reincidência de crimes hediondos” (Procuradoria Federal dos Direi
tos do Cidadão, Pancer sobw Medidas de Segurança e Hospitais de Custódia e Tratamento Psi
quiátrico sob a Penpectiva da Lei 10.216/01, p. 67).
Os números absolutos da experiência de Goiás (PAILI), apesar de serem inferiores aos
de Minas Gerais —decorrentes inclusive da menor taxa de encarceramento —, são igual
m ente positivos. E embora a reincidência seja um pouco superior, girando em torno de
7%, os números são significativamente inferiores a taxas com as quais se convive habitual
mente nos ambientes carcerários (Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, Parecer
sobre Medidas de Segurança e Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico sob a Perspectiva da
Lei 10.216/01, p. 70).
Se a nova forma de abordagem dos transtornos mentais nega a
validade prático-teórica da noção de periculosidade (fundam ento da
medida de segurança); redefine o portador de sofrimento psíquico como
sujeito de direitos dotado de uma especial form a de compreensão dos seus
atos (culpabilidade suigenerú); e impede qualquer tipo de sanção de natureza
segregadora (carcerária), não seria inviável pensar que a reforma psiquiátrica
criou um novo espaço de análise e valoração da responsabilidade jurídica
do inimputável, alheio ã lógica punitiva e carcerocêntrica do sistema penal.
O novo cenário não impediria, inclusive, pensar, p. ex., na exclusiva
responsabilização do portador de sofrimento psíquico no âmbito civil ou
na esfera administrativa. Neste espaço alheio ao jurídico-penal, a finalidade
da intervenção judicial seria direcionada ao estabelecimento dos critérios
de compensação da vítima pelos danos materiais e morais causados pela
conduta ilícita, sem qualquer necessidade de ingerência das agências de
punitividade.
Ademais, além da fixação da sanção compensatória —a reparação do
PENAL B R A S IL E IR O
intervenção penal.
O receio de se pensar em formas distintas de intervenção penal ou
i
REFERÊNCIAS B IBLIOGRÁFICAS
(
H
1979.
BATISTA, Nilo. Apresentação. In: M ATTOS, Virgílio. Crime e Psiquiatria: uma
saída. R io dejaneiro: Revan, 2006.
• MED WS
aquém do mínimo. In: Direito A lte ^ tiv o em Movimento. 3. ed. Rio dejanei
ro: LUAM, 1999.
FTNtô
Forense, 1985.
REALE Jr., Miguel. Instituições de Direito Penal I. Rio dejaneiro: Forense, 2002.
FTNAS • MED WS
R io de Janeiro, 2011.
SOUZA, M oacyrBenedicto. A Influência da Escola Positiva no Direito Penal Brasi
DE S EG U R A N Ç l