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NOITE INESQUECÍVEL

Holly And Mistletoe


S
Suussaann M
Maalllleerryy
5° Livro da Série - Hometown Heartbreakers

AQUELA SERIA A NOITE DE NATAL MAIS APAIXONANTE SUAS VIDAS!

Holly Garrett estava com um problema. O belo desconhecido que a salvara de


urna tempestade pediu-lhe que fosse morar por algum tempo em sua casa. Claro, Holly
poderia até dividir o mesmo teto com Jordan, mas não sabia como iria lidar com a
tormenta de emoções provocada pelos olhares sensuais que aquele, homem lhe dirigia...
E na mágica noite de Natal, Holly tinha certeza de que seria impossível resistir aos
apelos sedutores de Jordan!

Digitalização: Simone Ribeiro


Revisão: Aliane
Noite inesquecível Susan Mallery

Copyright © 1996 by Susan W. Macias

Originalmente publicado em 1996 pela Silhouette Books,

divisão da Harlequin Enterprises Limited.

Todos os direitos reservados, inclusive o direito de reprodução total ou

parcial, sob qualquer forma.

Esta edição é publicada através de contrato com a

Harlequin Enterprises Limited, Toronto, Canadá.

Silhouette, Silhouette Desire e colofão são marcas

registradas da Harlequin Enterprises B.V.

Todos os personagens desta obra são fictícios.

Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas

terá sido mera coincidência.

Titulo original: Holly and Mistletoe

Tradução: Humberto Arcanjo

EDITORA NOVA CULTURAL LTDA.

Rua Paes Leme, 524 - 10a andar CEP: 05424-010 - São Paulo - Brasil

Copyright para a língua portuguesa: 1997 EDITORA NOVA CULTURAL LTDA.

Fotocomposição: Editora Nova Cultural Ltda. Impressão e acabamento: Gráfica

Círculo

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Noite inesquecível Susan Mallery
CAPÍTULO I

A mulher que estava sentada perto dele segurava sua mão como se temesse
que ele pudesse ir embora. Seus olhos estavam fechados, e os lábios se mexiam numa
conversa silenciosa. Os longos cabelos loiros lhe cobriam os ombros e vinham roçar as
mãos deles.
Jordan Haynes reconheceu os objetos e os odores do hospital. Sentia-se um
pouco tonto, com a cabeça pesada, o que significava que havia recebido um forte
sedativo. Mas não reconhecia aquela mulher. Ainda assim, fosse quem fosse, era
simpático de sua parte estar tão preocupada com ele.
A moça inclinou um pouco a cabeça, e os cabelos deslizaram para o punho de
Jordan. "Seda fria", Jordan pensou, desejando ter força para erguer a outra mão e
tocar as mechas. Mas seu braço parecia pesar uma tonelada, apesar de saber que era
apenas fraqueza o que o impedia de se movimentar.
A desconhecida tinha sardas nas faces e no nariz. Sardas... Jordan sorriu. A
boca era grande e levemente inclinada para cima nos cantos, e o rimei que escurecia
seus cílios era a única maquiagem que usava. Jordan apostaria cinqüenta dólares como
os olhos dela eram azuis. Além do mais, era bonita, elegante, e tinha um ar muito
saudável. Então, o que estaria fazendo em seu quarto, no hospital?
Jordan afastou a mão que ela estava segurando. Os olhos da jovem se abriram
de imediato. Eram mesmo azuis.
A mulher sorriu. Seus lábios rosados se abriram, revelando dentes perfeitos e
brancos e um sorriso feliz.
— Acordou! — ela exclamou. Pegou a mão dele de novo — Estou mais tranqüila.
A enfermeira garantiu que você iria ficar bom, mas estava preocupada... Como se
sente? Ainda tem dor? Quer água?
Jordan abriu a boca para falar, mas tossiu. A mulher se levantou, correu para
pegar um pequeno jarro de plástico e encheu um copo com água. Passou um braço por
trás dos ombros dele e ajudou-o a beber.
Quando Jordan se satisfez, ela colocou o copo na mesa ao lado da cama e
voltou a se sentar. Antes que ele pudesse organizar seus pensamentos, a moça se
inclinou para frente e apertou suas mãos juntas contra o peito.
O gesto atraiu a atenção dele. Enquanto a estranha estivera de pé, Jordan
conseguira dar uma rápida olhada para suas curvas, de tirar o fôlego. Os seios tinham
a medida exata para satisfazer as fantasias de qualquer adolescente.
Jordan percebeu que os olhos azuis se enevoavam com emoção, e teve a
desconfortável sensação de que aquela mulher deveria estar tentando conter as
lágrimas. "Oh, Deus, tudo, menos isso!"
— Quem é você? — Jordan perguntou de modo rude.
— Sou Holly Garrett.
Mas Jordan não conhecia nenhuma Holly Garrett. Porém, pela maneira como

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Holly o olhava, sem dúvida sabia muito bem quem ele era.
E agora? Ou os remédios estavam lhe provocando algum tipo de amnésia ou
então estava ficando louco.
— E... — Jordan precisava de mais informações.
— Houve um grande temporal — Holly explicou — Você salvou minha gata.
As lembranças irromperam, então. Os ventos fortes tinham arrancado uma
árvore do chão, que voara pelos ares e acabara batendo com força contra a parte de
cima de um sobrado, destruindo quase tudo, rompendo os encanamentos e causando
uma inundação. Quando seus homens chegaram, não havia quase nada para salvar.
Jordan se lembrou de uma mulher em estado de choque, tentando, desesperada, abrir
uma porta contra a pressão da água.
A estrutura da casa dera a impressão de estar prestes a desmoronar. Jordan
a agarrara pela cintura e a levara para fora em segurança. Mas Holly não parará de
gritar, pedindo para que tirassem sua gata de lá. Assim, Jordan voltou para dentro da
casa, em busca do animal. E o resultado era aquele: retornara a Glenwood havia menos
de seis meses e já estava no hospital.
— Você foi muito corajoso — Holly elogiou, com a voz embargada pela emoção
— Não sei o que seria de mim se alguma coisa tivesse acontecido com...
— Bem, parece que está tudo bem, não é?
— Graças a você.
— Só estava cumprindo meu dever.
A julgar pelas dores que sentia nas pernas e nas costas, Jordan não iria voltar
tão cedo para o trabalho. Pelo menos, muita gente testemunhara o que havia
acontecido. Jordan achara a gata e a levara para fora da casa, segurando por baixo da
capa aquela bola de pêlos, que não parava de se mexer. Quando chegaram na sacada, a
gata quase conseguira fugir, e Jordan, com medo de que o animal pudesse ser
atropelado pelos caminhões de bombeiros ou acabasse se perdendo na multidão, a
agarrara com força. Então, Jordan perdera o equilíbrio, escorregara no chão úmido da
sacada e caíra lá de cima. Na frente de todo o mundo...
— Será que há algo quebrado? — ele perguntou, olhando para o contorno das
pernas no cobertor. Não conseguia perceber se estavam engessadas ou não.
Holly meneou a cabeça.
— Não. Levei Mistletoe ao veterinário, e ela está bem.
— Não estava me referindo à gata.
Holly o encarou por um momento e corou. O vermelho foi subindo do pescoço
para o rosto.
— Desculpe-me. Você estava se referindo a suas contusões. Não sei. A
enfermeira falou que receberia alta amanhã. E só o que sei. Lamento por tê-lo metido
nisso.
— Estava apenas cumprindo meu dever — Jordan repetiu.
— Não! Fez mais do que isso. Outro bombeiro me disse que era perigoso voltar
atrás para pegar Mistletoe. Havia dúvidas sobre a segurança da estrutura da casa. E

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agora, você está no hospital. Sinto-me culpada por isso. Se houver alguma coisa que eu
possa fazer, por favor, me diga.
Antes que Jordan pudesse dizer algo, a porta se abriu de repente e várias
pessoas entraram no quarto. Seu irmão mais novo, Kyle, foi o primeiro.
— Ouvi dizer que você caiu de um prédio só para virar herói — ele disse,
sorrindo.
Duas de suas cunhadas, Elizabeth e Rebeca, afastaram Kyle para o lado e
correram para perto da cama.
— Como se sente? — Elizabeth perguntou.
— Pode ir para nossa casa — Rebeca ofereceu — Tem muitos quartos vagos lá.
Outra cunhada, Sandy, perguntou:
— Quebrou alguma coisa?
— Ainda não sei.
Seus irmãos mais velhos, Travis e Craig, começaram a falar ao mesmo tempo,
apresentando as opiniões dos médicos sobre seu estado.
Austin Lucas, um amigo da família, foi para o outro lado da cama e apertou sua
mão.
— Fico contente por saber que tudo não passou de um susto, e que você vai
ficar bom.
— Eu também. — Jordan percebeu que Holly tinha ido embora. Conseguira sair
do quarto sem chamar a atenção quando seus familiares entraram.
Olhou para o preocupado grupo de pessoas à sua volta. Falavam uns com os
outros sobre seu estado e discutiam sobre com quem Jordan iria ficar enquanto
estivesse convalescendo. A conversa girava em torno dele, e aquilo, de certa forma, o
deixou feliz e seguro. Sabia que todos ali gostavam dele, do mesmo jeito que também
gostava bastante de seus familiares. Amava-os, mas às vezes tinha a sensação de se
sentir um estranho na família. Assim como Austin, Jordan passara grande parte da
vida à margem dos acontecimentos.
Por isso, deixou que discutissem à vontade. Afinal sabia que acabaria fazendo
o que bem entendesse. Iria para casa e ficaria sozinho lá, porque era assim, que havia
decidido.
— Sim, é uma decisão corajosa, mas não estou nem um pouco impressionada. —
Elizabeth Haynes estava de pé, com as mãos nos quadris.
Apesar de seu marido não ser o mais velho dos irmãos Haynes, Travis tinha
sido o primeiro a se casar, e por isso Elizabeth era a líder das mulheres. Naquele
momento, ela estava falando em nome de todas, e Jordan não gostava do que sua
cunhada dizia.
— Vou ficar aqui em casa, sim — ele repetiu, encarando-a com ar de desafio.
— Ótimo! Pode ficar aqui. Desde que tenha alguém para cuidar de você, não
haverá problema. Tem apenas duas opções: ou vem para casa de um de nós ou...
— Fico com o "ou".
Sua cunhada o ignorou.

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— ...vai ter de deixar que Louise fique aqui cuidando de você.
Jordan franziu as sobrancelhas.
— Eu sei — Elizabeth continuou — você odeia Louise. Sempre deixou isso muito
claro. Ninguém sabe por que, nem ela mesma, mas não há saída. O médico disse que
teria de ficar de cama durante duas semanas, por isso alguém terá de cuidar de você.
A decisão é sua, Jordan: ou fica aqui em sua casa com Louise ou vai para casa de um de
seus irmãos.
Jordan virou a cabeça para a janela. Conseguiu ver que o céu estava azul e
luminoso. O final do outono, no nordeste da Califórnia, costumava ser chuvoso, mas
agora o tempo o acolhia de volta à casa.
Ficar ali com Louise ou ir morar por uns tempos com um de seus irmãos? A
segunda opção não era problema, pois se dava bem com todos eles. Mas faltava apenas
um mês para o Natal. Todos estariam ocupados com os preparativos, e ele só
atrapalharia.
Ninguém compreendia por que Jordan não gostava de Louise. Mas ele sabia a
verdade. Conhecia seu segredo e o vinha guardando havia dezessete anos. Era aceita
como se fizesse parte da família Haynes. Mas Jordan questionara muitas vezes o fato
de ela andar sempre tão perto de sua família.
— E então... — Elizabeth quis saber.
— Não está me dando muita escolha.
— Isso mesmo.
Jordan respirou fundo. Tinha comprado a velha mansão vitoriana fazia menos
de dois meses. Ela precisava de uma boa reforma, mas ele não tinha tido muito tempo
para isso até então. Talvez conseguisse fazer alguma coisa durante a convalescença,
aproveitando que só iria voltar a trabalhar no corpo de bombeiros no começo do novo
ano.
— Quero ficar aqui! — ele anunciou, e logo lamentou sua decisão.
— Você é quem sabe. — Elizabeth se inclinou para o cunhado e beijou seu rosto
— Seja bom para ela, está bem? Louise vai lhe fazer um favor.
— Sem problema.
— Mentiroso. Vai fazer da vida dela um inferno. Acho melhor avisá-la. —
Elizabeth se levantou e caminhou na direção da porta. Depois, voltou-se para ele — É
claro que tudo seria bem mais fácil se você tivesse se casado.
— Aprecio minha condição de solteiro.
— E a segunda vez que mente para mim hoje, Jordan. Ainda bem que gosto
muito de você. Talvez consiga fazer com que meu marido ponha algum juízo nessa sua
cabeça oca.
— Tudo bem, tudo bem! Tem mais bronca para me dar ou é só?
Elizabeth ergueu as sobrancelhas e o encarou por um momento.
— Sabe, Jordan, talvez Deus escreva mesmo certo por linhas tortas. Ficar aí
deitado na cama durante algum tempo vai lhe dar uma boa oportunidade para pensar na
sua vida.

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— Gosto dela do jeito que é. Se melhorar, estraga.
— Ah, sei... Pode enganar seus irmãos à vontade, mas a nós, mulheres, não. Está
precisando de uma esposa.
— Sou um herói ferido. Deixe-me em paz.
— E teimoso como uma mula, mas mesmo assim gosto de você. Cuide-se e seja
simpático com Louise.
Holly estacionou o carro na frente da mansão vitoriana. Passava das seis da
tarde, mas já estava ficando escuro. O sol se punha antes das cinco no final do outono.
Abriu a porta do carro, pegou uma caixa e saiu.
A tarde estava calma. Apenas o canto distante de um pássaro perturbava o
silêncio. Respirou fundo e sentiu o aroma das árvores e os resquícios de algum fogo
longínquo. Isso a lembrou de que havia perdido sua casa apenas três dias antes. Tudo o
que possuía fora destruído. Mas pelo menos Mistletoe estava a salvo.
Começou a subir as escadas. Biscoitos comprados na padaria nem dariam para
começar a pagar a dívida que tinha para com o chefe dos bombeiros, Jordan Haynes,
mas era o melhor que poderia fazer no momento. Não tinha acesso a uma cozinha. No
entanto, assim que conseguisse arrumar um novo apartamento, iria lhe preparar alguma
coisa especial.
Subiu os três degraus que davam para o alpendre na frente da casa. O amplo
deque de madeira estava deserto. Havia uma única luz, ao lado da porta. Não era
difícil imaginar como o alpendre deveria parecer no verão, com a luz do sol se
espalhando pelo chão.
— Você é o homem mais teimoso que já tive a infelicidade de conhecer!
A voz alta e feminina surpreendeu Holly, trazendo-a de volta à realidade.
Olhou para a grande porta à sua frente. Estava se preparando para bater, mas notou
que aquela não era uma boa ocasião.
Uma voz masculina resmungou alguma coisa, respondendo à afirmação da
mulher, mas Holly não conseguiu entender as palavras.
— Se não tivesse consideração por sua família, eu o deixaria aqui sozinho até
morrer de fome — a mulher continuou — Seria bem feito para você. Nem meu saudoso
cãozinho Alfred era tão mimado.
Mais resmungos masculinos.
— Claro! Você não gosta mesmo de mim, nem sei por que deveria ficar surpresa
por se ofender por ser comparado com um cachorro. Ah, e além disso, Alfred era bem
mais bonito que você.
Antes que Holly pudesse se desviar para o lado, a porta da frente se abriu.
Uma mulher parou no vão da porta, olhando para ela.
— Achei que tinha ouvido um carro chegar.
— Eu... — Holly respirou fundo. — Vim ver o capitão Haynes mas acho melhor
voltar outra hora. Esta não me parece uma boa ocasião.
Louise Carberry sorriu.
— Nunca é uma boa ocasião com aquele ali. É o homem mais teimoso e enjoado

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que já conheci. Pode entrar, fique à vontade. A propósito, sou Louise.
— O que está fazendo agora? — Jordan perguntava, sem nenhuma delicadeza.
— Atendendo à porta! Pare de se comportar como um garotinho. Não me quer
no seu quarto, mas fica gritando comigo se vou embora. Decida-se, Jordan.
— Quem é? — ele perguntou.
— Uma de suas namoradas.
— Oh, não! — Holly corrigiu. — Não sou...
— Qual delas? — ele insistiu.
— Como se chama? — Louise indagou.
— Holly. Mas não sou...
— Holly — Louise gritou para o fundo da casa. Jordan ficou em silêncio, e Holly
imaginou que ele deveria estar tentando lembrar quem seria.
— Não sou namorada do capitão Haynes.
Louise sorriu.
— Então isso faz de você uma moça inteligente. Jordan é intragável. Estou
bastante arrependida por ter concordado com isso. Ele vai me levar à loucura. E Deus
sabe que não mereço ser tratada desse jeito. — Fez uma pausa e franziu as
sobrancelhas — Quem é você, então?
— Sou Holly Garrett. — Passou o pacote para o braço esquerdo e estendeu a
mão para ela. — Minha casa ficou destruída durante o temporal do começo da semana.
O capitão Haynes me salvou e depois voltou para salvar minha gata. — Apertou a mão
de Louise.
— Foi por minha causa que ele se acidentou... Na verdade foi por causa de
Mistletoe, mas me sinto responsável, de qualquer maneira.
— Mistletoe?
— Minha gata. Ela ficou com medo quando ele a pegou e tentou fugir. O capitão
Haynes conseguiu segurá-la, mas acabou perdendo o equilíbrio na sacada e caiu lá de
cima. Senti-me muito mal com isso.
— Derrubado por um gato? Gostei dessa...
— Trouxe biscoitos. Não pude fazê-los porque estou sem cozinha no momento.
— Louise! — Jordan gritou.
— Espere um minuto! Ele vai ficar de cama durante duas semanas. Não tenho
certeza se vou conseguir agüentar até lá.
— Você é...
— A governanta. Mas só por muito pouco tempo. Aceita um café? — Louise não
esperou pela resposta e se dirigiu para os fundos da casa.
Holly a seguiu.
— Jordan está lá dentro. — Louise apontou para uma porta entreaberta.
Holly olhou para dentro de uma biblioteca.
— Como ele está? — ela perguntou, baixinho.
— Ora, a avaliar pela capacidade que tem de ficar gritando o tempo todo,
parece que melhora a cada minuto.

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As duas entraram na cozinha espaçosa. No meio, havia uma mesa com uma
bandeja. Louise apontou para lá.
— Diz que não vai comer. Já pensou?! Tenho cozinhado a vida inteira para
gente importante e de bom gosto, e agora aquele tonto vem me dizer que não gosta da
minha comida!
Holly olhou para o prato, cheio de suflê de carne, purê de batata e legumes
cozidos. Cheirava muito bem. Seu estômago roncou. Não tinha comido nada desde o
café da manhã, e de repente sentiu uma fome terrível.
Louise sorriu.
— Sirva-se à vontade.
— Oh, não! Nem pensar...
— Louise! — Jordan chamou de novo. Parecia estar furioso.
Holly olhou para a bandeja e depois na direção do quarto improvisado. Tinha
uma grande dívida para com Jordan Haynes. Ele salvara sua gata. Mistletoe tinha sido
presente de Natal de sua mãe, pouco antes de morrer. Um jantar não iria pagar a
dívida que tinha para com ele, mas poderia ser um começo. Não sabia muito de homens,
mas estava bastante familiarizada com o quarto de um enfermo.
— Talvez eu pudesse ajudar — Holly disse, com cautela. Louise pôs as mãos nos
quadris.
— Querida, fique à vontade. — A governanta olhou para o relógio na parede —
Minha aula vai começar dentro de quarenta minutos. Não tenho tempo de preparar
mais nada para aquele ingrato. Por que não vai lá se oferecer e, se ele aceitar, a
cozinha é toda sua.
— Obrigada.
— Ah! Holly...
— Sim?
— E melhor dizer a Jordan para vestir-se.

CAPÍTULO II

Dizer a Jordan para vestir alguma roupa?! Holly piscou várias vezes.
— Quer dizer que ele está...
— Não se preocupe, Jordan é inofensivo.
Holly sorriu, sem jeito, depois se dirigiu para o quarto improvisado.
Parou perto da porta. Talvez fosse melhor avisá-lo que ia entrar no quarto.
— Capitão Haynes? — perguntou, com voz doce, olhando para o chão de
madeira — Olá, é Holly Garrett. Nos encontramos no hospital. Posso entrar?
— Claro!

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O olhar dela se desviou para o peito nu e o lençol enrolado em volta da cintura.
Engoliu em seco, resistindo com dificuldade à vontade de sair dali correndo. Músculos
bem esculpidos definiam com perfeição os ombros, os braços e a barriga dura e lisa.
— Está procurando sinais visíveis de meus ferimentos? — Jordan perguntou.
Holly compreendeu que o tinha olhado por muito tempo. Baixou a cabeça.
— Eu...
— Sente-se, Srta. Garrett.
Holly se afundou na cadeira e juntou as mãos no colo.
— Você é a moça da gata — ele disse.
— Sim. Você a salvou. Passei por aqui só para ver como estava. Não quero
incomodar.
— Trouxe a gata para acabar de vez comigo?
Holly compreendeu que ele estava brincando, e sorriu.
— Mistletoe é muito meiga. Tenho certeza de que não teve intenção de
machucá-lo. Só estava assustada.
— Sei... Vi a fúria nos olhos dela. Garanto que ficou bastante feliz por eu ter
caído. — Seu olhar vagou pelo rosto de Holly — Que aconteceu com seus cabelos?
— Apenas os prendi.
— Deixe ver.
Ela se voltou na cadeira e inclinou a cabeça para baixo, para que Jordan
pudesse ver a fita. Amarrara-a na altura do pescoço e fizera um laço com as pontas.
— Gosto deles soltos. Seus cabelos são muito bonitos.
— Oh... Obrigada... Trouxe biscoitos para você. São da padaria. Quando tiver
uma cozinha, lhe prepararei alguma coisa. Quer dizer, se isso não for muito
inconveniente.
— Acho que posso encarar a inconveniência se você me preparar algo para
comer. — Jordan sorriu — Estou morrendo de fome. Importa-se de me dar um desses
biscoitos? Eu os pegaria, mas estou... — Apontou para os lençóis.
— Nu? — ela perguntou, sem pensar.
— O quê? Não. Apenas impossibilitado de me levantar durante alguns dias. Só
isso.
— Não quis dizer isso — ela murmurou — Louise tinha me falado para lhe pedir
para vestir alguma roupa, por isso pensei que...
— Tudo bem.
— Desculpe-me. Vou pegar os biscoitos para você. — Levantou-se e observou
os ferimentos — Está recebendo medicação? Algum comprimido que precise tomar
durante as refeições?
— Não.
Holly caminhou na direção da porta e, antes de sair, parou.
— Sou boa cozinheira, capitão. Se não gosta do que Louise lhe preparou para o
jantar, posso lhe fazer alguma outra coisa. — Engoliu em seco — Não, é uma péssima
idéia. Esqueça.

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— Gostaria muito.
Holly se voltou para encará-lo.
— Está falando sério?
— Claro! Mas só se me fizer companhia. Já estou em casa há dois dias sem ter
ninguém com quem falar. Estou a ponto de ficar louco. — Esboçou aquele sorriso
tentador.
Apesar da tremedeira e do modo frenético como seu coração estava batendo,
Holly se forçou a sorrir também.
— Tudo bem. Vou preparar alguma coisa rápida.
— Fique à vontade, posso esperar.
Quando deu por si, Holly estava na cozinha. Louise, inclinada contra a pia,
ergueu as sobrancelhas loiras para ela.
— E então, Holly?
— Ofereci-me para cozinhar alguma coisa, e ele aceitou. Louise meneou a
cabeça.
— Ah, como Jordan é teimoso, meu Deus. Fique à vontade. — Abriu a porta da
geladeira e tirou de lá dois enormes bifes.
— Ele come tudo isso?!
Louise sorriu.
— É só um para ele. O outro é para você. Escutei seu estômago roncando de
fome. Ficou o dia inteiro no trabalho e não teve tempo de comer nada, não foi?
Holly pensou no sanduíche que não tivera tempo de terminar. Tinha sido um dia
atarefado. Ainda assim, preferia estar ocupada e sem tempo para comer do que
permanecer sentada numa loja vazia, esperando os clientes chegarem.
Antes que pudesse responder, Louise continuou:
— Tem um monte de legumes frescos aí. Jordan gosta deles cozidos. Claro,
desde que não seja eu a prepará-los.
— Por que Jordan não gosta de você?
A governanta deu de ombros. Atravessou o chão de cerâmica já gasta e pegou
uma jaqueta jeans que estava pendurada atrás da porta dos fundos.
— Não faço idéia. Jordan sempre foi assim. Trabalho para a família Haynes há
muitos anos. São quatro irmãos. Cinco, se contarmos Austin, que não é como se fosse
da família. Eu cozinhava para eles quando eram solteiros, ajudei-os quando tiveram
bebês, cuidei deles quando ficaram doentes — Ela inclinou a cabeça na direção da
biblioteca. — São pessoas maravilhosas. Com exceção de Jordan.
— Então, por que está aqui?
— Porque cuido da família toda. Prometi que iria cuidar dele e, se Deus quiser,
hei de sobreviver. Mas Jordan está sempre mal-humorado. Não me pergunte o motivo.
Ele nunca disse, e eu nunca me preocupei em perguntar. Talvez o faça um dia desses.
Louise abriu a porta.
— Minha aula começa às sete. Estarei de volta às dez e meia.
— Terei saído muito antes disso — Holly assegurou — Só vou fazer o jantar

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dele e irei embora.
— Bem, apesar de tudo, fico contente por Jordan ter alguém para lhe fazer
companhia. Teria ido para minha aula de qualquer maneira, mas me sentiria culpada o
tempo todo. — Louise sorriu e saiu.
Jordan ficou observando Holly entrar com uma bandeja nas mãos. Ela achara
um avental e o vestira sobre a blusa branca. Seus olhos grandes brilhavam de
excitação, e a boca parecia estar prestes a se abrir num sorriso.
— Está com fome, capitão?
Ele aspirou o aroma e sentiu o cheiro forte da comida: carne, batatas cozidas
e brócolis.
— Estou quase desmaiando.
Holly colocou a bandeja em cima da mesa que ele havia puxado para perto da
cama. Desdobrou um guardanapo e o entregou para ele.
Jordan olhou para a bandeja e viu que tinha dois pratos.
— Obrigado por se juntar a mim. Às vezes me aborreço por comer sozinho.
Holly se sentou na cadeira, ao lado dele.
— Ainda bem que não se importa. Louise sugeriu que jantasse com você. Ia lhe
perguntar se podia, mas...
Ao colocar um pedaço de carne na boca, Jordan a interrompeu:
— Hum... Deliciosa! — Inclinou-se para trás. — Então, Holly Garrett, me conte
como me encontrou.
— Fui ao corpo de bombeiros. Pensei em deixar os biscoitos com algum colega
seu para que os entregasse a você.
— Ah, jamais teria posto os olhos neles. Teriam sido devorados em trinta
segundos.
Ela sorriu.
— Foi o que ele me disse. Então, me deu seu endereço e me aconselhou a vir
entregá-los pessoalmente. Espero que não tenha ficado aborrecido com meu
atrevimento.
— Claro que não. Glenwood é uma cidade pequena. Todo o mundo conhece todo
o mundo. Foi por isso que me mudei para cá.
— Onde morava antes?
— Em Sacramento. Cresci aqui em Glenwood, mas, quando decidi ser bombeiro,
fui embora.
— Por quê? Não havia emprego para você aqui?
— Não é isso. Meu pai era o xerife. O pai dele era policial, todos os meus tios
são policiais. Meus três irmãos também.
— Então esperavam que você seguisse esse caminho...
— Isso mesmo.
— Sente-se feliz com o que faz?
— Sim. Mas não gostava de estar longe de meus irmãos e de suas famílias. Por
isso, fiz uma petição para vir para cá. Quando abriu uma vaga para chefiar o posto de

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Noite inesquecível Susan Mallery
bombeiros, eu a consegui. Um de meus irmãos, Travis, é agora o xerife. Estou certo de
que ele convenceu os homens da família a aceitarem minha decisão.
— Sua família parece maravilhosa. Posso compreender por que decidiu voltar
para perto deles. Há quanto tempo retornou?
— Há cerca de seis meses.
— Foi quando cheguei também.
— O que a trouxe a Glenwood?
— Minha mãe e eu herdamos uma loja.
— Qual?
— Uma de antigüidades, do lado de lá do parque. Agora se chama “Uma Casa
Vitoriana”.
Ele se lembrou de ter visto a fachada da loja, quando da inauguração.
— Quando me sentir melhor, começarei a restaurar esta casa velha. Talvez vá
até lá.
— Será um prazer recebê-lo. Somos especializados em peças vitorianas. Há
uma seção inteira só de artigos para restauração. Tem rolos de papel de parede, tanto
com reproduções de pinturas antigas como de inspiração vitoriana. Posso encomendar
uma grande variedade de artigos, desde torneiras até capas falsas para livros. Essa é
uma das coisas de que mais gosto em Glenwood: há tantas casas antigas que as pessoas
preferem restaurá-las.
Holly pousara uma mão na mesa e gesticulava com a outra. Sua voz estava cheia
de entusiasmo.
— Dá para ver que gosta de seu trabalho.
— Adoro!
— Então, irei até sua loja para me aconselhar com você.
— Ficaria muito feliz se o fizesse.
Os olhos deles se encontraram. Holly mordeu o lábio e desviou o olhar. Jordan
a observou com atenção. Uma parte dele a queria tão tímida e inocente como parecia;
outra parte desejava que fosse apenas fingimento. Se estivesse representando, não
iria gostar dela. E isso tornaria as coisas mais fáceis. Em especial porque não queria
admitir que estava começando a se sentir atraído por Holly Garrett.
— Lembro-me de aquele lugar ter ficado vago durante muito tempo. Quando
você e sua mãe herdaram a loja?
— Há cinco anos, quando uma tia de mamãe faleceu. Mamãe esteve doente por
muito tempo. Conversávamos muito sobre a loja de antigüidades. Era nosso sonho... —
Holly se inclinou para trás na cadeira e cruzou os braços — Quando ela morreu, há
três anos, paguei as dívidas com os médicos e o hospital e comecei a poupar algum
dinheiro. Quando juntei o suficiente, me mudei para cá.
Holly contou a história de forma simples. Jordan sabia que ela deveria ter
passado por cima de muitos detalhes. Tentou imaginar como seria sua família: teria
irmãos, como ele, ou seria filha única? E onde estaria o pai nessa história? Mas não
gostava de fazer perguntas.

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—Sente-se bem dirigindo seu próprio negócio? — ele perguntou.
— Sim! Quando estava ainda no segundo grau, arrumei um trabalho de meio
período numa loja de antigüidades. E depois que terminei os estudos, passei a
trabalhar lá em tempo integral. Meu sonho é um dia poder comprar uma casa antiga
como esta e restaurá-la.
— Dois de meus irmãos têm casas parecidas com a minha. Travis já terminou
de restaurar a dele, mas Kyle e sua mulher, Sandy, ainda estão às voltas com os
encanamentos. Quando ficar bom, poderei lhe mostrar as casas, se quiser.
— Seria maravilhoso. O que vai fazer com a sua?
— Ainda não pensei muito a respeito. Por enquanto, estou tirando as camadas
de tinta que cobrem muitas madeiras originais. Não dá para imaginar como as pessoas
têm coragem de fazer isso com coisas tão antigas e maravilhosas.
— Fale-me sobre isso. Também tenho visto coisas inacreditáveis. Deveria ser
proibido... — Holly arrastou a cadeira um pouco mais para perto da cama — Uma vez,
fui a uma casa que estava pondo à venda todo o conteúdo. Imagine só que a mulher
tinha coberto todas as peças da mobília com tinta dourada. Era pavoroso!
Holly continuou contando sua história, mas Jordan não conseguia se concentrar
no que ela estava dizendo. Prestava atenção ao rosto dela. Quando Holly o visitara no
hospital, ele reparara nas suas sardas e no fato de que quase não usava maquiagem.
Observou os lábios carnudos se movimentando. O entusiasmo fazia com que seus olhos
brilhassem. Os braços se mexiam com entusiasmo e, com eles, o corpo...
Jordan não conseguiu evitar que um sorriso malicioso se desenhasse em seus
lábios. Tanto sua família como os amigos o achavam demasiado fechado e solitário. Às
vezes se afastava do grupo em que se encontrava e ficava isolado com seus
pensamentos. Por isso, o que estaria àquela mulher fazendo na sua casa? E, pior que
isso, por que estava tão contente com a companhia dela?
— Quando decidir arrancar o papel de parede, me avise — Holly pediu — Tenho
um vaporizador que facilita bastante o serviço.
— Meus irmãos vêm me dar um auxílio. Já os ajudei muitas vezes antes.
— Sorte a sua! — Ela suspirou — Sempre quis ter uma família grande, mas sou
filha única...
Holly era filha única. Jordan não sabia como era ser assim. Muitas vezes se
vira de fora das atividades familiares, mais observando que participando. Mas era
culpa sua. Sempre tivera um lugar para onde pudesse ir e ser bem acolhido. Não
conseguia imaginar um mundo onde ninguém se importasse com ele.
— Será que não tem nenhum marido espionando a gente? Ou, quem sabe, um
namorado ciumento? Não estou com forças para me defender.
Holly corou.
— Não, de jeito nenhum. Nunca tive tempo para esse tipo de coisa.
Para que tipo de coisa ela teria tido tempo? "Deixe para lá, Haynes", ele
ponderou. Aquela mulher não parecia ser das que se interessam por um bombeiro sem
graça como ele.

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Noite inesquecível Susan Mallery
— Já conheceu muita gente em Glenwood? — Jordan perguntou, referindo-se a
homens, mas perguntar isso diretamente seria muito indelicado. Sem falar que poderia
deixar explícito um interesse que ele não tinha... Ouviu uma voz interior chamando-o
de mentiroso, mas decidiu ignorá-la.
— Mais ou menos. Há pessoas que vêm à loja e com quem converso um pouco e...
É claro que já fiz alguns amigos.
Holly desviou o olhar enquanto falava. E, nesse momento, Jordan teve certeza
de que ela estava mentindo. Não tinha feito muitos amigos, mas não queria que ele
sentisse pena dela.
Jordan pensou nas mulheres com quem seus irmãos haviam casado. Todas eram
simpáticas e compreensivas. Teve um pressentimento de que, se falasse com elas
sobre Holly, a acolheriam em suas casas e a levariam para dentro do grupo. Ou, pelo
menos, a ajudariam a se sentir menos só. Mas talvez Holly não gostasse que Jordan
interferisse na sua vida.
Antes que ele pudesse perguntar ou oferecer ajuda, ela se levantou e pegou os
pratos.
— Quer café?
— Gostaria, sim... Ah, e aqueles biscoitos que você trouxe.
Holly lhe deu um rápido sorriso antes de sair do quarto. Jordan decidiu ignorar
a curiosidade de saber mais coisas sobre ela. Já se passara muito tempo desde que
uma mulher tinha atraído sua atenção.
Havia um preço a ser pago por se envolver com alguém, e não queria pagá-lo de
novo. Mas agora o caso era diferente. Holly só estava lhe fazendo companhia. Nada
mais. Logo iria embora, e talvez Jordan não tornasse a vê-la. Porque, já era ruim se
envolver com qualquer mulher, pior seria se arriscar a destruir o coração de uma
inocente.

CAPÍTULO III

Holly trouxe café e um prato com biscoitos. Tinha deixado o avental na


cozinha. Jordan tentou ignorar suas curvas e a reação natural de seu corpo a elas.
Além de eles mal se conhecerem, não estava em condições de agir sob impulsos, apesar
de não poder negar que as fantasias eram agradáveis.
— Tem leite e açúcar ali, capitão.
— Obrigado, prefiro café puro, preto e amargo. E chame-me de Jordan
Holly pegou sua xícara, acrescentou leite e açúcar, mexeu, e depois se sentou.
— Como está se sentindo?
Jordan deu de ombros e sorriu, enquanto os músculos de suas costas

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Noite inesquecível Susan Mallery
protestavam.
— Como se tivesse caído de uma sacada. Holly encarou-o, preocupada.
— Desculpe-me.
— Ora, não é culpa sua.
— É sim. — Holly se inclinou na direção de Jordan e pôs a xícara em cima da
mesa — Não deveria ter lhe pedido que voltasse para salvar Mistletoe. Quando penso
nisso agora... — Engoliu em seco. Seus olhos azuis escureceram com uma emoção que
ele não conseguiu interpretar. — Você poderia ter morrido...
— Relaxe, eu não teria voltado se estivesse num perigo assim tão grande.
— Sério?
— Claro. Gosto do que faço, mas não pretendo morrer tão cedo.
Holly sorriu. Mesmo que Jordan estivesse mentindo, isso era muito gentil de
sua parte.
— Mistletoe é tudo o que restou de minha mãe. Mamãe me deu a gata de
presente no último Natal antes de morrer. Estou muito grata a você pelo que fez... —
Sua voz estava um pouco trêmula de emoção.
— Ora, já lhe disse, estava apenas cumprindo meu dever.
— O que o levou a virar bombeiro, em vez de policial, como o resto de sua
família?
— Quando tinha oito ou nove anos, uma casa nas vizinhanças pegou fogo. Fiquei
observando, fascinado, o corpo de bombeiros em ação. Nunca tinha compreendido bem
o que meu pai e meus tios faziam. Sabia pela televisão que eles deveriam pegar os
homens maus, mas Glenwood não tem tanta atividade criminosa. O trabalho do xerife
implica mais zelar para que a vida na cidade continue transcorrendo sem problemas do
que ser chefe de uma organização para solucionar crimes. Mas pude compreender o
trabalho dos bombeiros e fiquei impressionado. Aquilo me marcou muito.
Aquela não era a única razão. Enquanto crescia, Jordan ia observando como seu
pai agia. Quando tinha doze anos, decidira que não queria ser como ele. Além de outras
coisas, Earl Haynes tinha a reputação de ser um mulherengo.
Jordan respirou fundo. Nada tinha a menor importância para seu pai, a não ser
a satisfação imediata de seus prazeres, mesmo que produzisse o sofrimento de outras
pessoas. Muitas vezes batia nos filhos sem nenhuma razão, e depois lhes dizia para se
considerarem já castigados por suas próximas travessuras.
Os irmãos de Jordan tinham sido capazes de passar por cima disso e continuar
a tradição da família, mas ele não. Sua raiva não diminuía com o passar dos anos.
Apesar de já ter se passado muito tempo, a lembrança de seu pai ainda o deixava
nervoso. Jordan se perguntava se isso iria mudar algum dia.
— Jordan? Está se sentindo bem? — A voz de Holly parecia preocupada. Ela se
levantou e pôs a palma da mão na testa dele. Com o outra, lhe tomou o pulso — Sua
pressão está um pouco alterada. Mas não me parece que esteja com febre. Quer um
analgésico ou tem algum medicamento específico que esteja acostumado a usar?
— Estou ótimo. Relaxe.

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Noite inesquecível Susan Mallery
— Acho melhor deixá-lo para que consiga descansar um pouco, Jordan.
— Preferia que me fizesse companhia, Holly. É muito aborrecido ficar aqui
deitado o dia inteiro.
— Mas você tem Louise...
Em vez de responder, ele pegou a xícara. Holly abriu a boca, mas, antes que
pudesse dizer alguma coisa, ouviu um barulho vindo da cozinha. Levantou-se.
— Já voltei! — Louise gritou.
Jordan fez uma careta e resmungou alguma coisa inaudível.
Holly olhou para o relógio.
— Meu Deus, não percebi que tinha se passado tanto tempo! Você deve estar
exausto. Desculpe-me. Deveria ter me avisado que já era tão tarde. Minha única
desculpa é que tenho passado muito tempo sozinha. Mistletoe é ótima companhia, mas
não é lá essas coisas para conversar.
Ouviram passos no hall. Louise entrou no quarto. As sobrancelhas da
governanta se ergueram de surpresa.
— Vocês dois parecem se dar bem.
— É culpa minha — Holly se apressou em dizer — Depois do jantar eu...
Jordan pegou sua mão. Holly se voltou para ele e o encarou, mas Jordan a
ignorou.
— Está tudo em ordem — ele respondeu à governanta — Como foi sua aula?
Por um momento, Jordan chegou a se perguntar se seria justo tratar Louise
sempre tão mal. Mas logo se lembrou de tudo o que ela havia feito e quantas vidas
tinha prejudicado, e chegou à conclusão de que ela merecia isso e muito mais. O fato
de estar fazendo uma boa ação, cuidando dele, era algo que iria ter de aprender a
ignorar.
— O professor parece nem ter idade suficiente para fazer a barba todos os
dias, mas ensina bem — Louise disse com cautela.
— Acho melhor eu ir agora.
Jordan não queria deixá-la partir. Chegou a desejar ter forças para se
levantar e beijá-la.
— Volte amanhã, Holly — Jordan pediu, sem pensar.
— Claro... com muito prazer.
Holly entrou na cozinha para pegar a bolsa.
— Estou impressionada — Louise confessou, andando atrás dela — Você operou
um milagre.
— Ora, não foi muito difícil.
— Talvez não tenha sido difícil para você, mas eu não consigo um mínimo de
cooperação daquele homem. Duvido que esteja pensando em vir aqui todos os dias até
ele estar curado.
Holly sorriu.
— Desculpe-me, preciso voltar para casa.
— Oh, meu Deus! Que sorte a minha! Bem, não tenho outro remédio senão ficar

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Noite inesquecível Susan Mallery
aqui com esse cabeça-dura. — Louise suspirou — Ele se esqueceu e quase foi gentil
comigo esta noite. Mas tenho certeza de que irei pagar por isso amanhã de manhã.
— Não compreendo por que Jordan a trata assim.
— Sei lá. Ele nunca falou nada a respeito. Glenwood é uma cidade pequena. As
pessoas conhecem a vida de todo o mundo. Mas Jordan tem carregado seu ódio contra
mim já bastante tempo. Suponho que um dia terei de esclarecer as coisas com ele, mas
esta noite não. — Sorriu para Holly — Voltará amanhã?
— Acha que devo?
— Claro. Pelo menos eu vou ter uma trégua do mau humor dele.
— Sei como é duro. Minha mãe ficou doente por quase dez anos. Quando
estava se sentindo bem era divertida e bem-humorada, mas após alguns dias com
dores, ela ficava... — Holly hesitou.
— Irritada? Irascível?
— É, digamos que sim.
— Então, voltará amanhã ou não? — Louise insistiu.
Holly foi caminhando para a porta da frente, com a governanta atrás.
— Sim, gostaria muito.
— Ótimo. Ficarei contente, e tenho certeza de que Jordan também. — Abriu a
porta.
Holly passou para o alpendre e acenou para Louise.
— Boa noite.

Três dias mais tarde, Louise recebeu Holly, mais uma vez.
— Bem na hora! — A governanta se alegrou.
— Não havia clientes na loja, por isso pude fechar as cinco em ponto. — Holly
entrou e colocou no chão o grande cesto que trazia — Espero que não se importe, mas
eu trouxe Mistletoe.
Louise olhou para o cesto.
— Essa é que é a gata que derrubou Jordan?
— Sim. Ela costuma ser sempre muito meiga, mas deve ter ficado assustada
com toda aquela confusão.
— Oh, não se desculpe. Já gostei dela. — Louise se abaixou e abriu o cesto.
Mistletoe estava enroscada lá dentro, e seu longo pêlo cinzento lhe dava o
formato de uma bola. Os grandes olhos verdes encararam Louise. A governanta deixou
que Mistletoe cheirasse sua mão, depois cocou atrás de sua orelha. A gata ronronou,
feliz.
— Ela é linda, Holly!
— É persa, com pedigree, e não hesita em lembrar as pessoas que são
especiais.
Louise se levantou. Mistletoe farejou o ar e saiu do cesto. Sua barriga redonda
quase arrastava pelo chão.

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Noite inesquecível Susan Mallery
— Ela tem comido demais ou está prenhe?
— Está prenhe — Holly respondeu. — Vai ter filhotes dentro de quinze dias.
Tenho vindo aqui todas as noites e não queria continuar a deixá-la sozinha. Você não é
alérgica, é?
— Claro que não. — Louise se inclinou e pegou a gata no colo — Como você é
bonita! Agora vá incomodar Jordan. Ele é um menino mau. Sim, vá espalhar seus lindos
pêlos pelos lençóis dele.
Mistletoe se arqueou enquanto era acariciada, e depois pulou para o chão e
começou a explorar o hall. Holly respirou fundo.
— Que cheiro bom... O que temos hoje para o jantar?
— Espaguete. Tinha um pouco de molho congelado. Deixei-o para descongelar e
comecei a aquecê-lo há cerca de vinte minutos.
Nos últimos três dias eles tinham entrado numa rotina. Como Jordan
continuava a se queixar da comida de Louise, Holly tomava o crédito pelo jantar,
apesar de não tê-lo preparado. Isso o deixava feliz, e Louise não se importava.
A governanta desaparecia todas as noites. Algumas vezes ia para o colégio
assistir às aulas; outras, trabalhava como babá ou pesquisando na biblioteca da cidade.
Mas Holly desconfiava que ela saía só para se afastar um pouco de Jordan.
— Você não acha que ele já percebeu nosso truque? — Holly perguntou
enquanto se inclinava sobre o balcão da cozinha.
— Mesmo que tenha, por que iria admitir isso? — Louise se abaixou e pegou
uma panela grande — Esta deve dar para o espaguete. O molho está cozinhando em
fogo baixo. Só precisa dar uma mexida de vez em quando. Quanto mais tempo demorar
no fogo, mais saboroso vai ficar. Acho que Jordan está desconfiado de que sou eu
quem faz o jantar, mas prefere fingir que acredita que é você. Assim, tem um
pretexto para continuar me esnobando e têm você lhe fazendo companhia todas as
noites. Quer melhor?
— Talvez tenha razão. Mas não consigo evitar me sentir um pouco culpada por
estar recebendo o crédito por suas maravilhosas refeições.
— Se Jordan se sente melhor pensando que está comendo sua comida e não a
minha, deixe-o. Quanto melhor estiver se sentindo, mais rápido vai ficar bom.
— Como ele passou hoje?
Louise sorriu.
— Muito mal. O tonto se levantou hoje de manhã. Acabou voltando para a cama
cheio de dores e teve febre esta tarde. Consegui convencê-lo a tomar um analgésico e,
da última vez que fui espreitá-lo, estava dormindo. Acho que só deve acordar mais ou
menos daqui à uma hora. Mas, se quiser, pode ir ver se ele por acaso já acordou.
— Tudo bem. — Holly esfregou as mãos na saia, depois olhou para Louise —
Tenho outro favor a lhe pedir.
— Claro o que é?
— Eu poderia tomar um banho? Estou morando na loja desde o incêndio. Há um
banheiro lá, com uma pia, mas sem chuveiro. Tenho feito o que posso, mas quero lavar

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Noite inesquecível Susan Mallery
os cabelos sem ter de me inclinar naquela pia pequena.
— Mas é claro, nem precisava pedir. Por que não disse isso antes? Há cinco
banheiros nesta casa, e Jordan só está usando um deles. Venha comigo.
Louise saiu da cozinha. Holly a seguiu, e logo a governanta lhe mostrava o
banheiro do térreo, com armários cheios de toalhas limpas. Depois, lhe entregou um
roupão espesso e felpudo.
— Jordan nunca o usa, por isso está praticamente novo.
Holly segurou o roupão contra o peito. Trouxera xampu e outros artigos de
toalete, mas não havia pensado num roupão.
— Obrigada. Nem sei como lhe agradecer.
— Eu é que estou em dívida para com você. Está me dando um tempo extra,
ficando com Jordan. — Olhou para o relógio — Preciso ir, senão vou me atrasar. Tenho
orgulho em dizer que nunca me atrasei uma única vez em todo o semestre. Ah, e não
devo voltar cedo para casa! Vamos tomar um café com o professor depois da aula.
— Aquele que é tão novo que não precisa se barbear todo dia?
Louise deu de ombros.
— Bem, Richard não é assim tão novo. Tem quase trinta e cinco. Apenas
aparenta ser mais jovem.
— Você o chama de Richard?
— Eu disse Richard? Que cabeça a minha! Estava me referindo ao professor
Wilson. Esse é seu nome. Bem, estou saindo. Divirta-se.
E com isso a governanta saiu do banheiro e caminhou pelo hall.
Holly pendurou o roupão num cabide atrás da porta do banheiro e foi pegar
suas coisas. Afastou o cesto de Mistletoe para o lado e apanhou a bolsa. A gata desceu
a escada correndo e veio para junto de sua dona, pedindo carinho.
— Está gostando de ter tanto espaço novo para investigar? — Holly perguntou.
Mistletoe ronronou em resposta.
Quando Holly a pôs no chão, Mistletoe foi explorar outra parte da casa. Holly
caminhou pela biblioteca sem fazer barulho e foi espreitar o quarto improvisado.
Jordan estava deitado na cama de hospital. Para ter mais conforto, havia
alugado alguns móveis especiais até sua completa recuperação. Uma mecha escura de
cabelo caía sobre sua testa. Quando dormia parecia mais jovem.
O coração de Holly começou a bater mais forte, mas ela já estava ficando
habituada com a sensação. Isso fazia parte do preço que tinha de pagar por passar
algum tempo com ele.
Inclinou-se e tocou-lhe o rosto. Estava quente, mas não parecia ter febre.
Observou-o por alguns minutos, aproveitando o fato de ele estar dormindo.
Olhou com atenção o desenho forte de seu maxilar e o nariz reto. Sentiu uma ternura
imensa, que não sabia a que atribuir.
Apesar de nunca ter tido oportunidade de passar muito tempo com um homem,
sempre sonhara com isso. E Jordan tinha tudo àquilo que Holly imaginara que seu par
perfeito teria: era amável, educado e bem-humorado, e, quando olhava para ela de um

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Noite inesquecível Susan Mallery
modo especial, Holly quase derretia. Era fácil sentir atração por ele.
Mas isso não iria acontecer. Antes de mais nada, já ouvira na cidade alguns
comentários sobre os irmãos Haynes. Eles tinham fama de ser mulherengos
inveterados. Holly tinha tido trabalho demais para organizar sua vida, para agora
deixar que seu coração tomasse as rédeas e a levasse para uma aventura
inconseqüente de que mais tarde se arrependeria. Não, isso estava fora de questão.
Além do mais, nem sequer havia beijado um único homem desde os quinze anos.
A segunda razão por que não se arriscava a se apaixonar por Jordan Haynes
era que sabia que jamais se casaria. Não porque ninguém pudesse amá-la. Gostava de
pensar que uma ou duas pessoas talvez pudessem achá-la especial. Mas o amor exigia
confiança, e Holly tinha sido traída muitas vezes. Não poderia confiar de novo em
alguém.
Puxou o lençol mais para cima, de forma a cobrir o peito nu de Jordan. Depois,
deixou o quarto e se precipitou para o hall, na direção do banheiro. Passara os últimos
dias sonhando com um chuveiro e iria aproveitar cada minuto.
Um uivo horrível interrompeu o sonho de Jordan e o trouxe de volta à
realidade. Sentou-se depressa na cama e gemeu quando a dor percorreu seus
músculos. Não deveria ter se levantado antes da hora, como Louise lhe dissera com
satisfação.
Meneou a cabeça e tentou descobrir o que havia de errado. Estava confuso,
mas sabia que tinha ouvido um som.
Ouviu o uivo outra vez. Alguém ou algo estava sofrendo. Tentou se levantar. O
chão parecia se mover. Apoiou uma mão na cama e a outra na mesa, depois fez força
para se erguer. Mas, quando retesou os músculos, compreendeu que tinha cometido um
erro fatal de avaliação: esquecera que a cama de hospital tinha rodinhas. Ela se
afastou de Jordan e deslizou pelo quarto. Ele perdeu o equilíbrio e começou a fazer
acrobacias na direção do chão. Ainda tentou usar um braço para amortecer a queda,
mas a mão escorregou, e Jordan atingiu o chão duro com o ombro já machucado.
Ouviu passos no hall.
— Jordan! Jordan, o que aconteceu?
— Ouvi alguma coisa. Um uivo, acho. Tentei me levantar.
— Meu Deus, você caiu! Está machucado?
Holly se abaixou, levantou a cabeça dele e a apoiou no colo. Então, acariciou-lhe
o rosto. Jordan abriu os olhos. Fitou-a por um momento Ela vestia um roupão branco e
nada mais por baixo. Percebeu isso porque o roupão tinha se aberto e havia exposto a
curva de um seio e um pouco da pele rosada em volta do mamilo.
Prendeu a respiração. Os cabelos de Holly estavam úmidos e caindo sobre os
ombros. Os olhos revelavam a preocupação, e os dedos que acariciavam seu rosto eram
suaves e reconfortantes.
Devia ter morrido e ido para o paraíso. Então, por que deveria se preocupar?

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Noite inesquecível Susan Mallery

CAPÍTULO IV

— Jordan? — A voz de Holly estava embargada — Diga alguma coisa, por favor!
Está machucado?
— Estou bem.
— Acha que consegue voltar para a cama? Duvido que consiga levá-lo para lá
sozinha.
— Pode deixar, só me dê um minuto.
Jordan continuava a olhar para o rosto dela. Holly cheirava a xampu e
sabonete. Sua pele clara refletia o brilho da luz da lâmpada. O peito se levantava e
abaixava a cada respiração, e a orla do roupão tinha se aberto um pouco mais, expondo
um mamilo rijo e a parte de baixo do seio.
Jordan rolou para o lado e, quando conseguiu se pôr de braços, começou a
erguer-se arrastando os joelhos. Holly se levantou, inclinou-se para ele e o agarrou em
volta do peito. E os dois, juntando suas forças, se dirigiram devagar para a cama.
Jordan se deixou cair no colchão. Holly endireitou suas pernas e o cobriu com o lençol.
— Sente-se melhor, Jordan? Quer um analgésico?
— Não se preocupe. Vou ficar bem.
— Tem certeza? — Holly se sentou na beira da cama. Seu quadril tocava o
dele.
— Sim — Jordan murmurou, tentando não reparar que agora também dava para
ver o outro seio.
Holly se inclinou para mais perto e tocou a testa dele.
— Está um pouco quente...
— Não se preocupe, logo vai passar.
— Tomara que não tenha febre de novo.
— Tenho certeza de que não terei.
Holly estava tão preocupada com o estado de Jordan que nem reparou que o
olhava com intensidade. Ele não sabia se deveria ficar contente com aquilo ou
sentir-se insultado. Ao mesmo tempo em que apreciava a preocupação dela, não se
sentia lisonjeado por parecer tão interessante sexualmente como um eunuco.
— Como caiu? — ela perguntou.
Jordan esfregou as têmporas, tentando se lembrar.
— Ouvi um barulho...
— Que barulho?
— Não sei dizer. Estava dormindo e algo me despertou. Levantei-me para ver o
que era.
— Talvez estivesse sonhando.
— Talvez. — Ele a encarou por um momento, tomando coragem pela primeira

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Noite inesquecível Susan Mallery
vez para olhar com mais atenção para o roupão e seus cabelos molhados. Levantou a
mão e pegou uma mecha úmida — O que andou fazendo?
— Eu... usei seu banheiro para tomar uma ducha. Espero que não se importe.
— Claro que não. Há algum problema com os encanamentos de seu novo
apartamento?
— Encanamentos? Oh! — Holly tocou os cabelos molhados e fechou melhor o
roupão — Eu... bem, na verdade estou sem casa.
— Então, onde está morando?
— Na loja. — Holly sorriu meio, sem jeito — Por enquanto, tudo bem. O que não
falta lá é mobília. Alguns dos sofás são muito confortáveis. Tenho um saco de dormir,
um microondas e uma geladeira. Há até um banheiro, só que não tem chuveiro. Por isso
pedi a Louise para usar o seu. Você estava dormindo, senão teria lhe pedido.
— Não pode morar lá — Jordan decidiu.
— Por que não? Eu não tinha seguro, e não posso substituir tudo o que perdi e
pagar um aluguel ao mesmo tempo. Mas após o Natal tudo vai se arrumar.
— Vá se vestir, Holly — ele falou de modo rude, depois fechou os olhos
enquanto ela caminhava pelo quarto.
Quando Holly saiu, Jordan cobriu os olhos com o braço. Não queria pensar nela
morando sozinha na loja. Depois das seis, o bairro comercial ficava deserto. Se lhe
acontecesse alguma coisa, não teria ninguém por perto para socorrê-la. Para complicar
as coisas, ela não tinha nem um chuveiro.
Tornou a ouvir o barulho que o tinha acordado. Era um uivo baixo, longínquo.
Antes que pudesse pensar no risco de tentar se levantar da cama de novo, Holly voltou
com um enorme gato cinza no colo.
Olhou para o animal com desconfiança. Reconhecia aquele focinho. Aquela era a
gata responsável por estar de cama. A gata olhou para ele, deixando transparecer nos
seus grandes olhos verdes que o sentimento de antipatia era recíproco. Jordan chegou
à conclusão de que a gata já tinha levado a melhor antes, e isso quando ele estava com
saúde. Deus sabe o que poderia fazer com agora.
— Esta é Mistletoe. Mistletoe, esse é Jordan, o homem corajoso que salvou
sua vida.
Homem e gata se encararam. Nenhum deles ficou impressionado com o outro.
— Mistletoe é uma persa com pedigree — Holly explicou, e depois colocou o
animal no chão — Espero que não se importe por tê-la trazido comigo. Ela é muito
importante para mim.
Quando ouviu seu nome, a gata olhou para a dona, ronronou e se esfregou nas
suas pernas. Ao completar um círculo, olhou para Jordan.
— Como é gorda... — ele comentou.
— Está prenhe.
Jordan, por um momento, sentiu-se culpado por pensar mal de uma futura mãe.
Então, compreendeu que Mistletoe decerto iria transmitir seu mau humor para os
filhotes.

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Noite inesquecível Susan Mallery
— Não gosto de deixá-la sozinha de noite — Holly justificou — Ela sabe se
comportar direito, Jordan, não vai dar nenhum trabalho.
— Tudo bem...
Holly pegou a gata e caminhou com ela para a cama.
— Talvez fosse melhor que se conhecessem melhor. Mistletoe começou a se
debater. Holly a colocou em pé em cima da cama. A gata encarou Jordan, arqueou as
costas, arrepiou-se, pulou para o chão e saiu do quarto. Holly ficou olhando para ela.
— Não compreendo. Mistletoe é sempre muito meiga e costuma gostar de todo
o mundo. Tenho certeza de que ela vai adorar você quando o conhecer melhor...
Holly se acomodou na cadeira que Louise tinha levado para o quarto
improvisado de Jordan. A única iluminação vinha de dois candeeiros no chão, em cantos
opostos, e dava ao quarto um ar mais aconchegante.
Jordan estava sentado na cama, com o lençol enrolado em volta da cintura.
Tinham terminado de jantar e estavam tomando café. Holly se sentia feliz por ter
conseguido ir tão longe. Apesar de estar no mesmo quarto com um homem atraente e
de peito nu, era capaz de conversar como uma pessoa normal. Isso significava, sem
dúvida, um grande avanço sobre o primeiro dia. Jordan ainda tinha o poder de fazê-la
corar, mas isso também estava melhorando com o tempo.
— Como se sente, Jordan?
— Já é a terceira vez que me pergunta isso, Holly. Estou ótimo. — Sorriu.
Ela engoliu em seco. Tudo bem, era capaz de resistir ao peito nu e à conversa
inteligente, mas o sorriso conseguia reduzir suas pernas à consistência de gelatina.
Inclinou-se para frente e colocou a xícara na mesa, antes que pudesse fazer alguma
coisa idiota como, por exemplo, derrubar o café.
— Estou preocupada com essa febre que parece estar para chegar. — Ela se
levantou e foi para junto dele. Tocou sua testa e as faces. — Por enquanto, a
temperatura está normal.
— Você faz isso muito bem. Tem muita prática?
— Sim. Adquiri por causa de minha mãe.
— Ela ficou doente durante quanto tempo?
Holly se afundou na cadeira.
— Dez anos. Eu estava com quinze quando mamãe descobriu um caroço no seio.
Era maligno. Tiraram o caroço, mas o tumor voltou.
— É responsabilidade demais para uma garota de quinze anos.
— Concordo. Mamãe recebeu o melhor tratamento, mas já estava muito
doente. Acho que algumas pessoas toleram melhor a quimioterapia que outras. Houve
muitas vezes em que tive de deixar de ir assistir às aulas para ficar tomando conta
dela.
— O que mais teve que deixar de fazer?
Holly encarou-o.
— O que quer dizer com isso?
— Bem, era uma adolescente. A maior parte das garotas nessa idade tem o

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Noite inesquecível Susan Mallery
tempo todo para se ocupar dos estudos e dos divertimentos. Mas você tinha de cuidar
de sua mãe. Deve ter perdido muita coisa.
— Obrigada, Jordan.
— Ora, pelo quê?
— Por dizer isso. Ninguém parecia ter reparado antes nesse fato. Era apenas
uma adolescente, mas todos esperavam que agisse como uma pessoa adulta. Não havia
mais ninguém para cuidar das coisas. Mamãe tinha algumas amigas, mas não queria que
soubessem como estava mal. E meus amigos eram tão jovens quanto como eu.
— Deve ter sido muito duro para você.
— Foi! Não queria que ela morresse. Foi duro porque tinha acabado de entrar
para o segundo grau e estava envolvida em muitas atividades. Tive de desistir de todas
elas. Também havia Jimmy... um namoradinho. — Holly olhou para baixo e, contra sua
vontade, sentiu-se corar. Por isso, achou melhor continuar de cabeça baixa. — Ele me
abandonou porque eu precisava passar muito tempo em casa cuidando de mamãe.
— Diga-me seu sobrenome. Assim que ficar bom, eu o encontrarei e lhe darei
um soco por você.
Holly sorriu e olhou para ele.
— Agradeço, mas não precisa. Foi há muito tempo. Não tem mais importância.
— Claro que tem. Algumas dessas mágoas nunca passam.
Ficaram olhando um para o outro durante um longo tempo. Algo nos olhos de
Jordan a convenceu de que ele realmente compreendia o que ela estava dizendo. Holly
se perguntou que mágoas ele carregaria do passado.
— Sua mãe chegou a melhorar? — Jordan perguntou.
— Durante uns dois anos, sim. Eu estava no segundo grau. Depois que o
terminei, comecei a trabalhar em tempo integral. Gostaria de ter ido para a faculdade,
mas havia muitas contas médicas para pagar. Depois, na mesma semana em que
recebemos a notícia de que mamãe tinha herdado a loja de antigüidades aqui, ela achou
um caroço no outro seio. Mamãe era forte. Chegou a passar mais algum tempo se
sentindo melhor, mas depois descobriram que o tumor havia se espalhado por todo o
corpo. Ela ainda conseguiu viver mais alguns anos. Foi difícil, mas mamãe suportou tudo
com muita coragem.
— Parece que você também.
— Não fiz nada de mais.
— Tomou conta dela.
— Era sua filha. O que mais poderia fazer? Era a única pessoa que tinha no
mundo... — Holly se mexeu na cadeira e levantou os joelhos contra o peito —Bem,
chega de conversa triste. Vamos falar de alguma coisa mais leve?
Jordan pensou por um momento.
— Se tivesse podido ir para a faculdade, o que teria estudado?
— Administração. Quero fazer um bom trabalho gerenciando a loja, mas não
tenho todo o conhecimento de que necessito. Admiro Louise por ter voltado a estudar.
É o que pretendo fazer quando minha vida se estabilizar. Próxima pergunta?

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Noite inesquecível Susan Mallery
— Nunca falou de seu pai.
— Não tenho nenhum contato com ele. — Ela pensou na única vez em que havia
conversado com o pai, seis anos atrás. Recordava-se de tudo, até do barulho da chuva
nas janelas. — Meu pai teve um caso com minha mãe. Quando ela ficou grávida, ele
sumiu.
Holly disse isso com naturalidade. Jordan se perguntou como conseguia ficar
tão calma e serena falando de tantas tragédias.
Holly tinha sido abandonada pelo pai e havia perdido a mãe, e ainda assim
sobrevivera. Mais do que isso: era feliz e bem-sucedida.
— Conheço pais assim — ele disse — O meu estava presente, mas às vezes eu
pensava que seria melhor que ele tivesse ido embora.
— Por quê?
— Nunca ouviu falar dos infames irmãos Haynes?
— Ora, não ligo para mexericos.
— Quatro gerações de mulherengos na família. Três gerações de homens
paqueradores e esposas amargas.
— Você e seus irmãos são a quarta geração?
— Sim. Vimos o que nossos tios faziam e como nosso pai tratava mamãe. Ele
saía com mulheres várias noites por semana. Earl Haynes acreditava que tudo o que
fazia era certo, desde que continuasse dormindo na sua cama, ao lado da esposa. Todo
o mundo na cidade sabia de seus casos, inclusive minha mãe.
— Você e seus irmãos também sabiam?
— Sim.
— Que horror! Não compreendo como alguém pode agir desse jeito.
— Era fácil para ele.
— Como assim?
— Os homens de minha família têm uma capacidade natural para atrair as
mulheres.
Holly levantou o queixo.
— Não tinha reparado.
— Ainda bem!
— Oh, não me entenda mal... O que eu quis dizer foi... — Holly passou uma mão
pelo cabelo e sorriu — O que aconteceu com seus pais?
— Divorciaram-se. Meu pai está morando na Flórida com a quinta mulher.
— E sua mãe?
— Foi embora quando eu estava no segundo grau. Ninguém sabe para onde.
Apesar de seus esforços para se manter frio, a recordação voltou com clareza
a sua cabeça. Tudo acontecera numa tarde de primavera. Cheia de sol, quente,
esplendorosa. Ele estava presente, apesar de nem o pai nem a mãe terem dado por sua
presença. Tinha visto e ouvido tudo. Sabia a verdade.
Holly, notando seu silêncio, se inclinou para frente e lhe tocou a mão.
— Desculpe-me, Jordan. Não queria lhe trazer de volta lembranças dolorosas.

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Noite inesquecível Susan Mallery
Bem, acho que já está ficando tarde. Tenho de ir embora.
— Obrigado pelo jantar. Estava ótimo.
Holly se levantou, mas, antes que pudesse se afastar, Jordan puxou-a. Ela
resistiu por um momento, depois sentou-se na beira da cama.
Ele esfregou o polegar no pulso dela. Percebeu como estava acelerado. Os
lábios de Holly se afastaram, e ele se perguntou se ela estaria tendo problemas para
respirar. O olhar de Jordan se dirigiu para baixo, para os seios grandes. Ele a queria.
Inalou seu doce perfume. Seria tão fácil abraçá-la, aninhá-la em seus braços e beijá-la
até que Holly esquecesse quem era e onde estava. Sim, por mais que pudesse odiar
essa faceta de seu caráter, não podia negar que era, tal como seus irmãos, um
verdadeiro Haynes. Sabia como seduzir uma mulher.
Mas não Holly, ele pensou, apertando a mão pela última vez, antes de soltá-la,
pois queria que ela voltasse de novo.
Holly o olhou como se estivesse sonhando, o corpo balançando de leve, como
que impulsionado por uma brisa imaginária.
— Bem, agora preciso ir — ela repetiu — Nós nos vemos amanhã.
— Certo.
Assim que Holly saiu, Louise chegou. Como fazia todas as noites, entrou e foi
ver como Jordan estava.
— Holly já foi embora? — ela perguntou, se encostando na parede e afastando
os cabelos dos olhos.
— Há cerca de dez minutos.
Louise começou a se afastar.
— Espere — Jordan ordenou — Holly lhe pediu Para usar o chuveiro...
— O que tem isso de mal?
— Nada. Não sabia que ela estava morando na loja. Não acho que seja seguro
ficar lá sozinha.
A governanta cruzou os braços.
— Tenho certeza de que se Holly tivesse outro lugar para onde ir, não estaria
lá.
—Ela disse que não tinha condições para alugar um apartamento agora.
— Sei o que está pensando. Sua intenção é boa, mas Holly não vai aceitar seu
dinheiro. De jeito nenhum! Talvez nem mesmo um empréstimo.
— Foi o que pensei.
Louise sorriu, compreensiva.
— Foi simpático de sua parte se preocupar.
Jordan desviou o olhar. Teve vontade de dizer alguma coisa desagradável, mas,
apesar de tudo, Louise estava tomando conta dele. Sabia que era apenas por causa de
sua família, mas isso não mudava o fato em si.
Quando pensou que o que ocorrera tinha acontecido muito tempo atrás e
talvez fosse melhor pôr uma pedra no assunto, uma voz interior lembrou-o de que, se
não fosse por causa dela, as coisas talvez tivessem sido diferentes. Recordou as

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Noite inesquecível Susan Mallery
mentiras e os segredos, e sua mágoa voltou. Assim era fácil não ser educado.
— Acha que Holly deixaria que eu pagasse para que me fizesse companhia? —
perguntou, seco.
— Por incrível que pareça, Jordan, Holly parece gostar de você de verdade.
Bem... tem gosto para tudo.
Ele virou o rosto para que Louise não visse seu sorriso. Também gostava de
Holly.
— Vou achar uma saída — ele disse — Ela não pode ficar naquele lugar por
muito mais tempo. Até lá, me traga o telefone sem fio: quero ligar para o escritório do
xerife e pedir para patrulharem aquela parte da cidade de noite.
Louise meneou a cabeça devagar.
— A maior parte das vezes você é um chato, Jordan. Mas há outras que até
consegue ser um bom sujeito.
— Não precisa espalhar por aí.
Louise sorriu.
— E quem iria acreditar em mim?

CAPÍTULO V

Quando Holly chegou, no dia seguinte, Louise já havia saído. A governanta


deixara um bilhete na porta, explicando que ia trabalhar como babá para um dos
irmãos de Jordan e para Holly entrar e ficar à vontade.
Holly girou a maçaneta, viu que a porta se abria e entrou. A casa estava em
silêncio e não havia cheiro de comida. Pousou o cesto com Mistletoe no chão, tirou dele
a gata e foi para a cozinha, onde encontrou outro bilhete dizendo que o jantar estava
na geladeira, dentro de uma panela, e que iria precisar ficar no forno durante
quarenta e cinco minutos, a uma temperatura de trezentos e cinqüenta graus, para
ficar pronto. Também havia salada e pão fresco.
— Acho que estou ficando mal habituada — Holly pensou em voz alta, e sorriu.
Mistletoe entrou na cozinha e se enroscou em seus pés.
— Ela até deixou um pouco de frango para você.
Mistletoe ronronou.
— Gosta de Louise, não é? — Holly se inclinou para a frente e acariciou a gata.
Mistletoe levantou a cabeça, oferecendo suas orelhas para serem cocadas. Seu
ronronar ficou mais alto.
— Também gosto dela — Holly continuou. — E de Jordan também. Preciso lhe
contar uma coisa, Mistletoe. Sinto-me mal por Jordan ter se machucado ao tentar

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Noite inesquecível Susan Mallery
salvar você, mas não estou triste por ele ter de descansar um pouco, se é que isso faz
sentido.
Mistletoe dirigiu os grandes olhos verdes para sua dona. Parecia compreendê-
la muito bem.
— Gosto de vir aqui visitá-lo. — Holly suspirou.
Mistletoe se arrepiou e saiu correndo.
Holly a seguiu pelo hall e atravessou a biblioteca. Parou por um momento à
porta do quarto.
Jordan estava sentado na sua cama de hospital. Tinha vestido uma camiseta
azul. Os ombros largos se salientavam, e o tecido já muito lavado se moldava contra o
peito. Os cabelos pretos lhe caíam sobre a testa, e as sobrancelhas estavam
arqueadas em concentração.
Como sempre, Holly precisou respirar fundo para ganhar coragem. Suas pernas
começaram a tremer, e ela se perguntou se seria capaz de inventar um pensamento
decente. Depois de tantos dias, achara que já conseguiria passar por cima de sua
atração por ele, mas isso nunca acontecia. Perguntou-se se iria ser sempre assim.
Bateu na porta. Jordan ergueu o olhar dos papéis que examinava.
— Estava à sua espera, Holly.
— Demorei-me um pouco na loja. Duas mulheres apareceram para comprar
enfeites de Natal. Tenho tantos para escolher que elas acabaram demorando a se
decidir. No final, acabaram comprando seis.
— Longe de mim querer interferir em seus negócios. — Apontou para a cadeira
a seu lado — Sente-se. Quero falar com você sobre uma coisa.
Holly obedeceu e, quando se sentou, Jordan lhe entregou uma velha fotografia,
amarelecida pelo tempo. Holly examinou-a durante alguns segundos antes de
reconhecer o imóvel retratado.
— E sua casa — ela concluiu.
— Certo. Quando acabou de ser construída. Repare nos carros antigos na
frente.
Apesar de as mansões em Glenwood terem reproduzido com fidelidade o estilo
vitoriano nos mínimos detalhes, a maior parte delas tinha sido construída por volta da
virada do século, ou alguns anos mais tarde. Aquela tinha sido a primeira naquela área a
ter encanamentos dentro de casa e a novidade da época: luz elétrica.
Holly reparou nas belas linhas da residência, e depois compreendeu que as
podas de árvores recém plantadas em volta do pátio tinham se transformado nos
majestosos carvalhos e pinheiros, sob os quais estacionara o carro poucos minutos
atrás.
— Será que conseguirei deixá-la parecida com o que era antes? — Jordan
perguntou.
— Claro. Com tempo e dinheiro suficientes, tudo é possível. Alguns acessórios
originais, interruptores e toda essa espécie de coisas, não são fáceis de encontrar,
mas também dá para usar reproduções. As vezes é até melhor. Se a estrutura for boa,

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Noite inesquecível Susan Mallery
pode fazer o que bem entender. Mas presumo que tenha verificado isso antes de
comprar a casa.
— Pode estar certa.
— Então não vai ser difícil.
Holly olhou para a foto mais uma vez e se perguntou como seria a sensação de
ter uma casa tão maravilhosa como aquela. Talvez Jordan aceitasse sua ajuda em
algum tipo de trabalho. Ficaria muito feliz em poder lhe dar o benefício de sua
experiência.
— Holly, ainda está aqui?
Ela piscou várias vezes e depois olhou para ele.
— O quê?
— Estou falando sem parar, mas você parece estar muito longe daqui.
Ela riu, para disfarçar o embaraço.
— Desculpe-me. Esta fotografia me fez pensar em tanta coisa... — Entregou-a
de volta para ele. — Pronto, tem minha completa atenção. O que estava dizendo?
— Tenho uma proposta para lhe fazer.
— Proposta?
Em menos de um segundo, sua mente se encheu de mil pensamentos
contraditórios. Seu corpo começou a sentir aquele misterioso calor que Jordan sempre
provocava nela.
Jordan lhe mostrou duas fotografias que mostravam o interior da casa como
era cerca de setenta anos atrás.
— Tenho querido começar o trabalho, mas nunca consegui arrumar tempo para
isso. E agora, ainda vou precisar de mais algum tempo até poder me cuidar sozinho.
Holly mordeu o lábio inferior. Não fazia a menor idéia de onde ele estava
querendo chegar. Será que queria pedir sua ajuda? Ficaria feliz se fosse isso.
— É onde você entra. — O sorriso de Jordan era, como sempre, encantador.
Holly deu graças a Deus por estar sentada. Se estivesse em pé, teria ficado
com medo de que seus joelhos fraquejassem.
— Quero contratá-la.
— Está falando sério?!
— É claro.
— Nunca fiz uma coisa dessas antes. Apesar de me sentir bastante capaz... —
Pensou por um momento — Adoraria trabalhar na casa. É maravilhosa. Só de pensar em
restaurar a sala de jantar, com aquele pé-direito alto e a bela moldura do trilho das
cadeiras... No entanto, tenho a loja para tomar conta. Essa seria minha prioridade.
— Sem problema. A loja fica fechada aos sábados e domingos, certo?
— Sim.
— Que tal trabalhar também nas segundas e em duas tardes?
Holly entrelaçou os dedos e desejou que seu sorriso não fosse tão grande.
— Gostaria de lhe pagar em dinheiro, mais quarto e comida.
Holly arregalou os olhos.

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Noite inesquecível Susan Mallery
— O quê?! Jordan se inclinou para trás, contra a cabeceira da cama, e fitou-a.
— Está surpresa?
— Não sei o que dizer.
E não sabia mesmo. Quarto e comida? Estava convidando-a para morar ali? Com
ele?!
Então se lembrou do que acontecera no dia anterior. Confessara que estava
morando na loja e por isso tinha usado o chuveiro dele. Jordan sentia pena dela por
estar sem casa e sem recursos.
— Não preciso de sua caridade — Holly disse, e depois se levantou.
Jordan agarrou sua mão antes que ela pudesse abandonar o quarto.
— Não é caridade, Holly. Por favor, não me interprete mal.
Quando Jordan puxou de novo sua mão, ela não teve escolha senão se sentar na
cama, ao lado dele.
— A casa está precisando de trabalho — Jordan esclareceu, com voz calma —
E você é a pessoa mais indicada da cidade.
— Tenho certeza de que há outras tão qualificadas quanto eu.
— Nenhuma que eu conheça.
— Isso não passa de uma desculpa esfarrapada. Está me oferecendo um lugar
para ficar porque sente pena de mim.
O polegar de Jordan roçou a palma de sua mão, afastando os poucos
pensamentos coerentes que ainda não a tinham abandonado. Holly encarou-o,
observando o desenho de seu rosto e a firmeza de seus lábios. A barba por fazer lhe
escurecia o queixo. Holly estava perto demais para não ver também os sinais de
expressão em volta dos olhos e o osso levemente saliente do nariz. A pele dele era
bronzeada e quente, diferente da sua, pálida e fria. Tudo nele era diferente. O modo
como falava, seu cheiro, os músculos de seu corpo... As diferenças que tanto a
assustavam a seduziam.
— Estou lhe oferecendo para ficar aqui por dois motivos. Em primeiro lugar,
porque gosto de sua companhia. Em segundo, porque não acho que seja seguro morar
na loja. O bairro comercial fica deserto à noite. Se alguma coisa acontecesse lá,
estaria sozinha naquela parte da cidade.
Mas Holly mal prestou atenção ao segundo motivo. Jordan gostava de sua
companhia... Não seria o mesmo que gostar dela?
A oferta era tentadora. Não apenas por causa de Jordan, apesar de ele ser a
maior tentação de todas, mas também porque sentia falta de morar numa casa de
verdade. Poderia tomar banho todo dia e fazer comida numa cozinha bem equipada. E
dormir numa cama confortável.
— Diga sim — Jordan ordenou.
Holly afastou sua mão, para poder pensar melhor, sem interferências. Faltava
pouco para concordar.
— Mistletoe teria de vir comigo. Não poderia deixá-la na loja.
Esse era um problema. Apesar do temperamento meigo do animal, dava para

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Noite inesquecível Susan Mallery
perceber que Jordan e a gata não se gostavam.
Jordan respirou fundo.
— Imaginei isso. Mistletoe também pode vir para cá.
— Ela ficará muito grata — Holly mentiu.
— Ah, sei, dá para perceber... Então, o que diz? Vai me ajudar ou me
abandonará sem piedade?
Jordan falou como se ela fosse lhe fazer um favor, quando na verdade era o
contrário. Estava tentada. Muito tentada. Nunca vivera com um homem antes, e talvez
nunca mais pudesse morar com nenhum como Jordan. Deveria agarrar a oportunidade
antes que fosse tarde demais?
— Louise continuará aqui — Jordan disse.
— Ótimo. Gosto dela.
— Quero dizer que, por isso, não precisará se preocupar.
Holly ficou tão nervosa que, antes que pudesse se conter, começou a rir.
Jordan não partilhou de seu divertimento.
— Acho que acabei de ser insultado — ele murmurou.
— Não! Não estava rindo de você. Ao mesmo tempo em que apreciava sua
preocupação, não estava com medo de que... Bem... de que você tentasse... Ora, sabe
muito bem ao que estou me referindo.
Jordan ainda parecia confuso e intrigado. Holly respirou fundo.
— Sei que nunca ficaria interessado em alguém como eu, Jordan.
— Por que não?
Holly abriu a boca, mas não conseguiu achar nenhuma palavra para dizer. Por
que não?! Era tão óbvio! Porque ele era Jordan Haynes, e ela, apenas uma mulher
inexperiente que não sabia lidar com o sexo oposto.
— Não sei muito sobre homens, mas tenho certeza de que deve haver pelo
menos umas cem razões.
— Diga uma.
Poderia ter enumerado umas dez, mas todas eram muito embaraçosas. Não era
bonita o suficiente, não era experiente o suficiente, não era nada o suficiente.
O olhar dele se estreitou.
— Tem razão quanto a uma coisa, Holly: não sabe nada sobre homens.
Jordan pegou sua mão. Ela não esboçou nenhuma reação, só não esperava que
ele a puxasse para a frente. Holly se viu caindo sobre Jordan. Levantou a mão direita
para tentar evitar aterrissar em cima de seu peito. Estava inclinada sobre Jordan,
muito próxima de sua pele bronzeada e tentadora, sentindo sua respiração, pausada e
quente, lhe aquecer o rosto.
Bem no fundo, aquele calor inexplicável começava a tomar forma. Chegou a
pensar em sair dali correndo, mas não conseguia se mexer. Algo ia acontecer; podia
perceber isso. Só não sabia o que. Mas, fosse o que fosse, queria experimentar por
completo.
Os lábios dele se pressionaram contra os seus. Holly não sabia o que fazer,

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Noite inesquecível Susan Mallery
como agir. Continuou sentada, com o corpo duro, uma das mãos presa na dele, a outra
apoiada na cama.
Jordan afastou-se um pouco e sorriu.
— Relaxe, não vai doer.
A boca de Jordan uma vez mais encontrou a sua. Holly já tinha sido beijada
uma vez, muitos anos atrás. Mas tinha sido um beijo casto e inocente, de adolescentes
inexperientes.
Os lábios de Jordan, naquele momento, exploravam os seus, descobrindo cada
milímetro de sua boca. Ela podia sentir o calor dele envolvendo-a. Através das pontas
dos dedos, conseguia perceber sua força, a dureza de seus músculos. Ele a puxou
contra si, e os músculos poderosos se retesaram.
Jordan dirigiu uma das mãos para suas costas e as friccionou. Holly se sentia
sem graça, dura, com os movimentos contidos e a tensão represada. Não conseguia
relaxar e aproveitar o momento.
Jordan beijou-lhe o queixo. Depois, a orelha e o pescoço. Holly precisou lutar
muito para reprimir a vontade louca de se entregar. Manter-se dura e reta estava lhe
tomando muita energia.
Seus seios doíam como se estivessem inchados.
A boca de Jordan voltou a encontrar a sua. Dessa vez, ela retribuiu o beijo.
Relaxou os dedos e acariciou os ombros largos. Como que respondendo ao impulso
inesperado, a mão que lhe acariciava as costas começou a se esfregar em círculos.
E então Jordan fez a coisa mais inesperada: tocou seu lábio inferior com a
língua. Toda sua atenção se concentrou naquele pequeno ponto úmido de sua pele
sensível. De novo, não soube o que fazer. Quando a língua de Jordan forçou a linha
onde seus lábios se encontravam, Holly percebeu que ele queria que abrisse a boca.
Tinha vontade de fazê-lo, mas isso pareceria demasiado ousado e atrevido, como se
estivesse lhe pedindo que a beijasse. A confusão a envolveu por completo.
— Está pensando demais — Jordan murmurou.
Holly deu um pulo para trás, como que atingida por um raio. Encarou-o.
— Como consegue ler meus pensamentos?
Jordan abriu os olhos, revelando as pupilas dilatadas e uma expressão de
desejo insaciável.
— Não preciso fazer isso. Seu corpo a denuncia. Está com medo de se soltar.
Relaxe, Holly. — Sua voz era rouca e pausada — É apenas um beijo. Não pode ser o
primeiro.
— Claro que não — ela respondeu na hora, e depois se lembrou de que,
tecnicamente, aquilo não era mentira. Houvera aquele beijo quando tinha quinze anos.
Mesmo tendo sido bastante diferente desse, não deixava de ser um beijo.
Jordan envolveu seu rosto com as mãos.
— Você é linda.
Passou os dedos pelos cabelos dela. Holly os usava penteados para trás e
presos com um laço. Jordan massageou-lhe o couro cabeludo, fazendo-a ter vontade

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Noite inesquecível Susan Mallery
de sussurrar de prazer.
— Não sou, não, Jordan. Sou...
Não conseguiu terminar a frase. Jordan aproximou o rosto de novo e a beijou.
Quando a língua dele encontrou a sua, apesar do calor que sentia, o corpo de
Holly gelou. O coração quase parou. Tinha esperado que fosse gostar de beijá-lo, não
que fosse transportada para outra dimensão.
Antes, tinha se esforçado por tentar saber o que fazer. Agora, não conseguia
pensar em nada. Apenas deixava seu corpo fluir numa corrente de desejo e excitação.
Então aquilo era paixão, ela concluiu, enquanto Jordan a apertava mais contra o
corpo e esmagava seus seios contra seu peito rijo.
Aquilo era desejo. Aquilo era sexo! Jordan gemia baixinho. Holly se perguntou
se ele estaria tendo tanto prazer quanto ela. Já deveria ter beijado centenas de
mulheres. É claro que não estaria à altura delas. Mas isso não importava. Tudo o que
queria era que o momento continuasse para sempre. Mas teria de acabar. E foi Jordan
quem pôs fim. Afastou o rosto um pouco para trás, depois apoiou sua testa contra a
dela e olhou fundo em seus olhos. Os dois estavam ofegantes.
Jordan sorriu e afastou uma mecha de cabelo do rosto delicado.
— Incrível — ele murmurou.
— Acha mesmo? — Holly receava que ele estivesse sendo apenas amável. Para
ela, o beijo tinha sido fantástico, apesar de não ter nada com que comparar.
— Claro que foi. — O brilho foi esmaecendo em seus olhos. — Desculpe-me,
Holly. Não deveria ter feito isso.
"Desculpe-me? Ora, por quê?!" Holly tentou se afastar, mas o braço de Jordan
ainda estava em volta dela, e ele não a soltou.
— Espere aí, Holly. Não quero que me interprete mal. Não estou arrependido
por tê-la beijado, mas sim porque isso talvez possa tê-la assustado. Quero que venha
para minha casa. Se concordar, gostaria que não ficasse preocupada, com medo que eu
vá atacá-la a qualquer momento. Sei me controlar.
— Você não me assustou — conseguiu dizer, por fim — Sei que não iria me
fazer nada de mal. Confio em você.
Jordan olhou para ela, sem saber se deveria ficar lisonjeado ou ofendido. Holly
confiava nele... Ótimo. Agora mesmo estava excitado e louco de desejo de possuí-la, e
não tinha a menor vontade de se portar como um cavalheiro e deixá-la ir embora. Mas
o faria, porque ela era inocente. Talvez Holly não fosse virgem, mas ainda assim era a
coisa mais próxima disso que conhecia. Ela custara a se soltar. Seu beijo fora
retraído, vacilante. Pelo menos no começo...
Jordan soltou-a, e Holly se afastou um pouco.
— Você não respondeu ainda se virá para cá, Holly.
Ela o encarou. Seus olhos azuis deixavam transparecer a confusão.
— Jordan, eu...
Naquele momento, a porta da frente se abriu, e o barulho de vozes familiares
encheu a casa.

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Noite inesquecível Susan Mallery
— Onde acha que ele está se escondendo? — um homem perguntou.
— Na biblioteca — uma mulher respondeu — Tenho certeza de que não iria
querer subir e descer escadas.
Holly se levantou, em pânico.
— Quem são essas pessoas?
— Minha família. Pelo menos uma parte dela. — Ele se inclinou para trás e
sorriu — Isso vai lhe servir de lição para nunca mais deixar a porta da frente aberta.
Holly olhou em volta, como se procurasse algum lugar por onde escapar. Mas já
era tarde. Kyle Haynes entrou no quarto. E tinha um felino ao colo. Mistletoe...
Kyle olhou para Holly e para o irmão. Ergueu as sobrancelhas e sorriu.
— Por aqui, pessoal. Encontrei algo muito interessante.

CAPÍTULO VI

Holly olhou para o homem à sua frente, muito parecido com Jordan. Porém,
notavam-se com facilidade diferenças sutis. A aparência e o porte eram muito
semelhantes, mas o sorriso, não. O de Jordan fazia-a sentir como se estivesse numa
montanha-russa, mas o de seu irmão, nada.
— É melhor se sentar, Holly — Jordan sugeriu — Eles vão se demorar um
pouquinho.
— Então é melhor eu ir embora.
— Não, não precisa sair correndo. Terá mesmo de encontrá-los aqui de vez em
quando... Sente-se aqui — Jordan deu uma pancadinha a seu lado, na cama.
Ela se aproximou, mas continuou de pé. Ouvia muitas vozes no hall. Deu um
passo para trás e esbarrou na mesa. Enquanto se virava para arrumar as coisas,
Jordan pegou sua mão e a puxou até Holly estar bem perto da cama.
— Seus dedos estão gelados — Jordan murmurou.
— Eu sei. Estou em pânico.
— Tente imaginá-los em roupas de baixo. Talvez isso a ajude a não se sentir
intimidada. Pode achar a idéia ridícula, mas pode ser que funcione.
Holly olhou para o estranho, que continuava acariciando Mistletoe, mas achou
melhor não seguir a sugestão. Sua gata vibrava, esfregando a cabeça contra o peito do
homem.
Os dedos de Jordan apertaram os seus.
— Esqueça a idéia. Foi péssima.
— Não vai me apresentar, Jordan? — o homem que segurava Mistletoe enfim,
perguntou.
Jordan sorriu.

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Noite inesquecível Susan Mallery
— Talvez não o faça.
— Imagino por que...
— Não seja bobo... — Jordan disse, rindo — Holly, este é meu irmão mais novo,
Kyle. Ele é casado com Sandy, que parecia ser uma moça inteligente até se envolver
com alguém como ele. Mas há gosto para tudo...
— Ei, espere aí! — Kyle protestou, e veio na direção deles. Pôs Mistletoe em
cima da cama. Na hora, a gata começou a se debater. Kyle sorriu. — Vejo que a
mocinha aqui não gosta de você, Jordan. Bem, não posso dizer que não a compreendo.
O que aconteceu com o irmãozinho bicho-do-mato?
Holly ficou de boca aberta. Kyle o chamara de bicho-do-mato? Estaria falando
sério? Jordan ignorou o insulto.
— A gata sabe que você é o caçula, por isso está praticando com você até ter
seus filhotes.
Kyle pegou a gata de novo, e Mistletoe se aninhou em seus braços. Holly se
deixou cair na cadeira, ao lado da cama.
— Viu como ela é mansinha? — ela disse, apontando para Mistletoe, que não
parava de ronronar.
— Prefiro não me arriscar — Jordan murmurou, enquanto a porta se abria.
Duas mulheres e outro homem entraram na biblioteca transformada em
quarto. Pararam de imediato, surpresos, e ficaram olhando para eles. Depois, o homem
encarou Kyle.
— Onde arrumou o gato?
— E gata. É minha — Holly disse, sorrindo para ele.
Todos os homens Haynes eram altos, morenos e elegantes.
— Esta é Holly Garrett. — Jordan deu um ligeiro apertão nos dedos dela —
Holly está na cidade há seis meses e tem uma loja de antigüidades chamada “Uma
Casa Vitoriana”. É especialista em restaurações e vai me ajudar a restaurar a casa.
Todos começaram a falar ao mesmo tempo.
— O papel de parede no hall de cima é horrível — disse Sandy — É demasiado
moderno. Tem mostruários na sua loja?
— O exterior da casa precisa de pintura — Elizabeth se manifestou — Não sei
que cor seria melhor. Tem alguma sugestão?
Travis olhou para Kyle.
— Você sabe que isso significa mais trabalho para a gente, não é?
— Ah, nem me fale...
Holly se encolheu na cadeira, olhando de um rosto para o outro, sem saber a
que pergunta deveria responder primeiro. Inclinou-se para Jordan.
— O que devo responder? Ajude-me... — sussurrou ao seu ouvido.
— Está tudo bem, não se preocupe. Sei que pode se sentir intimidada um pouco
no começo, mas vai acabar gostando disso.
Holly não tinha tanta certeza. Jordan ergueu o braço.
— Meus queridos, não vamos assustar Holly logo de cara.

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Noite inesquecível Susan Mallery
Houve um momento de silêncio.
— Tem razão, Jordan. — A mulher de Travis aproximou-se de Holly e
estendeu-lhe a mão — Sou Elizabeth. Sei que esta família parece meio louca, mas,
depois que se habituar conosco, até vai sentir falta. Eu nem posso me queixar muito,
tive a sorte de ser a primeira das noivas. — Sorriu — Sou casada com Travis. — Deu o
braço ao marido — Ele é o segundo dos quatro irmãos. Esta é Sandy. Sandy acenou
para Holly.
— Sou casada com Kyle, que parece que já fez uma grande amiga. — Apontou
para Mistletoe, ainda ronronando nos braços do caçula Haynes.
— As mulheres são fáceis de distinguir — Elizabeth explicou — Eu tenho olhos
castanhos, os de Sandy são verdes e Jill é ruiva e magra.
— E Rebeca é alta e tem cabelos compridos e pretos. Ela é ainda mais magra
que Jill — Sandy acrescentou e deixou escapar um suspiro — Se Rebeca não fosse tão
simpática, eu seria capaz de odiá-la só por causa disso. — Riu — Ela é linda, de dar
inveja.
— Mas eu pensei que fossem só quatro irmãos. — Holly estava confusa.
Elizabeth sentou-se na beira da cama e deu dois tapinhas no joelho do
cunhado.
— E são. Travis, Kyle, Craig, que você ainda não conheceu, e Jordan.
— Então com quem Rebeca é casada? — Holly perguntou, temendo a resposta.
Será que Jordan tinha alguém?
— Com Austin — responderam em uníssono. Jordan beijou a mão de Holly.
— Você vai entender tudo — ele prometeu.
— Austin é praticamente da família — Elizabeth contou — Não é irmão de
sangue, mas foi adotado em nossos corações.
Sandy se sentou no outro lado da cama e sorriu.
— É engraçado, mas Austin e Jordan são os que mais se parecem. São os mais
briguentos.
— Você não é briguento — Holly disse, sem pensar. Jordan sorriu.
— Gosto desta moça.
Elizabeth o olhou com curiosidade.
— Fazia bastante tempo que você não trazia ninguém para casa...
— Oh, sou apenas uma amiga — Holly corrigiu depressa. A atenção de todos se
concentrou nela. Respirou fundo. — Jordan não está interessado em... Eu não sou...
Bem, somos apenas amigos. Sério.
Olhares cúmplices foram trocados em silêncio. Só então Holly compreendeu
que ainda estava de mãos dadas com Jordan. Tentou afastar-se, mas ele não deixou.
Endireitou-se e cruzou as pernas, tentando parecer natural.
— Há quanto tempo conhece Jordan? — Sandy perguntou.
— Sim, sim — Kyle se animou, encostado na parede, ainda acariciando
Mistletoe — Todos aqui estamos louco por saber.
— Há cerca de duas semanas.

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Noite inesquecível Susan Mallery
Elizabeth se inclinou para ela.
— Então, o que acha do nosso James Dean?
— Como?
Sandy riu.
— Oh, Jordan é o irmão misterioso. Não sabia?
Holly meneou a cabeça.
— Craig é o mais velho — Elizabeth disse — Por isso, tem um ar responsável e
um pouco sério demais. Mas Jill o está curando disso.
— E bem rápido — Sandy acrescentou.
— Odeio essa parte! — Travis exclamou. Inclinou-se contra o batente da porta
e cruzou os braços.
— Eu também — Kyle concordou.
As mulheres os ignoraram.
— Travis é o segundo. É o sedutor. — Elizabeth olhou para o marido,
apaixonada — Tem um currículo impressionante, mas agora só tem uma para seduzir.
Eles se entreolharam. O amor entre os dois parecia tão sólido quanto as
madeiras da casa.
— Depois vem Jordan — Sandy continuou, quebrando o encanto — É o solitário.
— Não sou, não.
— Então por que está sempre sozinho e com ar pensativo?
— Ora, isso é só um erro de avaliação.
Sandy afastou os cabelos dos olhos e sorriu.
— Kyle vem por último. É o caçula e o mais charmoso. O príncipe encantado que
veio me salvar.
— E você resistiu — seu marido murmurou.
— Isso foi há muito tempo...
Holly meneou a cabeça. Havia coisas demais para fixar: nomes, rostos,
relacionamentos, histórias. Nunca iria conseguir se lembrar direito de tudo.
Elizabeth se levantou.
— Vou fazer café.
— Eu ajudo você — Sandy se ofereceu.
As duas mulheres se voltaram para sair do quarto. Elizabeth olhou para trás
disse para Travis e Kyle:
— Deixem os dois um pouco a sós — disse baixinho, mas Holly ouviu.
Então, todos saíram.
— Tudo bem com você? — Jordan perguntou. Holly meneou a cabeça.
— Tudo é ainda muito recente e confuso para mim.
— Para mim é fácil. — Ele riu — Cresci com meus irmãos, por isso estou
habituado com eles. E tinha cerca de dez ou doze anos quando conheci Austin. Quanto
às mulheres, elas foram chegando uma de cada vez.
— Não compreendo. Se vocês são tão ligados assim, por que não ficou na casa
de um deles, em vez de estar aqui sozinho?

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Noite inesquecível Susan Mallery
— Meus irmãos e minhas cunhadas discutiram sobre com quem eu iria ficar,
mas preferi vir para minha casa, por causa dos preparativos de Natal. Não queria ficar
atrapalhando na casa de ninguém.
— Parecem gostar muito de você.
— Eu sei. Também os adoro.
— Isso deve ser muito reconfortante. Minha mãe gostava muito de mim, mas
só havia ela. Sempre quis ter irmãos. Sentia falta deles no Natal, acima de tudo. Era a
época em que menos apreciava ser filha única.
— Pode pegar os meus emprestados, se quiser. Depois disso, nunca mais vai se
sentir sozinha.
— Essa é a vantagem de ter uma família numerosa?
— Claro. Além disso, estão todos aqui por minha causa. Sei que posso contar
sempre com eles.
Holly olhou para suas mãos unidas. Os dedos dele eram longos e bronzeados, o
oposto dos seus em cor e tamanho. Às vezes, Jordan fazia com que se sentisse
pequena e delicada. Ficou se perguntando como seria poder contar assim com alguém.
Eles trocaram um sorriso, depois ouviram barulho no hall.
— Pronta para o próximo round? — Jordan perguntou. Holly concordou com um
gesto de cabeça.
— Estarei ao seu lado — ele prometeu. E apertou sua mão.
Por um momento, Holly acreditou nele.

— Olá, minha linda. Quer fugir para a Bahamas? Holly olhou para cima, para o
homem a sua frente.
De onde o conhecia? Ah! Um dos irmãos Haynes! Qual deles?! Quando ele
sorriu, ela obteve a resposta.
— Kyle! Que está fazendo aqui?
Ele abriu o blusão de couro, expondo a camisa caqui de seu uniforme de
policial, e se encostou no balcão.
— Isso foi um não?
— A quê?!
Ele se fingiu de magoado.
— Já esqueceu? A minha proposta indecente de fugir para a Bahamas.
Holly riu.
— E Sandy, o que iria pensar?
— Bem, teríamos de levá-la junto. Senão, ela iria ficar muito zangada.
— A proposta parece tentadora, mas vou ter de recusar.
Ele piscou para Holly.
— Avise-me se mudar de idéia... — Kyle olhou ao redor, na loja — Bonito lugar.

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Noite inesquecível Susan Mallery
Mas me faça um favor: se vir Sandy aparecer, não a deixe entrar. Não me importo de
gastar dinheiro, o problema é que ela depois vai querer me obrigar a trabalhar em
casa.
Holly riu.
— Pode contratar alguém para ajudá-lo...
— Ora, Jordan já pegou a melhor especialista da cidade. Teremos de nos
arranjar sozinhos.
— Não irei ficar trabalhando na casa de Jordan por muito tempo.
Holly viu o sorriso de Kyle se congelando no rosto. Será que ele sabia que iria
ficar morando lá? Kyle olhou para o relógio.
— Fecha às cinco, certo?
— Sim.
— Já fez as malas? — ele perguntou.
— O quê?! — Pronto, já tinha a resposta para sua dúvida.
— É por isso que estou aqui. Jordan me pediu para ajudá-la a levar suas coisas.
Olha só quem está aqui... Já estava admirado de ainda não tê-la visto. — Kyle se
abaixou e pegou Mistletoe. Cocou as orelhas da gata e por baixo do queixo. Ela
ronronou, feliz. — Jordan disse que você era uma gata muito levada, mas só é muito
seletiva com suas amizades, não é? E tem excelente gosto!
— Não é justo — Holly protestou, olhando para os dois — Jordan salvou a vida
dela, mas Mistletoe nem quer saber.
— É uma questão de personalidade. E meu irmão não tem nenhuma.
Holly não conseguiu disfarçar sua indignação.
— Tem, sim. Jordan é educado, gentil, bem-humorado, uma pessoa muito... —
Sua voz foi sumindo ao perceber que Kyle estava olhando para ela com atenção.
Ele ergueu uma sobrancelha, depois falou com Mistletoe:
— Estamos desconfiados de que Holly gosta de Jordan, não é?
— Você me confundiu — Holly murmurou, se perguntando se ele a acharia uma
tonta.
— Só a estava testando — Kyle se desculpou, com um sorriso maroto nos lábios
— Jordan tem andado fora dos eixos há algum tempo. Ficamos todos muito surpresos
ao saber de você.
— Mas eu não sou... Somos apenas amigos.
Kyle colocou Mistletoe em cima do balcão, depois se inclinou para Holly.
— Tudo bem, não precisa me explicar nada. O que importa é que Jordan
também gosta de você. Agora, vá fazer suas malas.
Holly só precisou de quinze minutos para reunir seus poucos pertences. Kyle os
levou para o carro dela. Depois, colocou Mistletoe no cesto e o depositou com cuidado
no banco do passageiro.
— Eu a seguirei até a casa de Jordan e a ajudarei a descarregar.
— Não precisa.
— Faço questão — Kyle insistiu, fechando a porta. Holly deu a partida. Kyle

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tinha dito que Jordan gostava dela. Seria verdade? Se fosse, o que isso quereria
dizer? Seu coração bateu mais forte.
— E agora? — perguntou-se.
Bem, e se gostassem um do outro? Eram amigos, nada mais. Claro que não
teriam um relacionamento mais profundo. Jordan não iria querer alguém como Holly.
Iria preferir uma mulher sofisticada e com experiência. Além disso, ela também não
queria ter relação com ninguém. As pessoas sempre haviam traído sua confiança. Um
compromisso emocional implica confiar na outra pessoa, e Holly não estava preparada
para isso. Talvez nunca estivesse.
Mas ele a beijara...
O beijo de Jordan tinha sido a experiência mais incrível de sua vida. E não
podia dizer que tivesse passado por muitas...
Ao chegar à casa de Jordan, Louise os encontrou à porta.
— Jordan está dormindo — ela avisou, pondo um dedo sobre os lábios — Teve
febre de novo. Ele tem andado de mau humor, por isso gostaria que não fizessem
muito barulho. Quanto mais ele dormir, melhor para mim.
A governanta olhou para Holly.
— Nem pode imaginar como estou feliz por ter vindo para cá. Vou continuar
cuidando dele, mas tenho certeza de que ficará com melhor disposição com você por
perto. Venha, lhe mostrarei seu quarto.
Louise tomou a dianteira escada acima. A terceira porta à esquerda estava
aberta. Apontou para dentro. Holly entrou e ficou surpresa. O quarto era lindo. O
papel de parede dava ao quarto um ar aconchegante. No meio, havia uma cama alta e
grande do século XIX. A cômoda combinava com ela. Tinha também um guarda-roupa
alto e vários tapetes decorando o chão de madeira. Uma mesinha e duas cadeiras
compunham um ambiente agradável na frente de uma janela.
— É lindo, Louise!
— Achei que iria preferir este.
Kyle entrou e colocou as malas em cima da cama.
— Vai mesmo querer dormir no meio dessas velharias? — ele perguntou.
Louise lhe deu uma cotovelada.
— Você sempre teve mais charme que inteligência.
— Ah, então é por isso que você gosta de mim. — Ele se inclinou para ela e lhe
beijou o rosto.
Louise riu e fingiu enxotá-lo.
— Ora, volte para sua mulher.
Kyle caminhou na direção de Holly e lhe deu um abraço.
— Chame-me se precisar de alguma coisa. — E saiu do quarto.
Holly ficou olhando na direção da porta, mesmo depois de Kyle já ter ido
embora, surpresa por ter sido aceita na família com tanta facilidade.
— O banheiro é novo — Louise explicou, apontando para uma porta no lado
esquerdo do aposento. Depois, foi para junto da cama e abriu o cesto. Mistletoe

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espreitou para fora. — Aposto que deve estar com fome.
A gata miou.
— Foi o que pensei. — Louise afagou sua cabeça e se dirigiu para a porta —
Fique à vontade desfazendo suas malas. Eu vou dar comida para Mistletoe e depois
venho ver se precisa de alguma coisa.
— Obrigada.
Holly pendurou as roupas nos cabides. Ainda estava surpresa por tudo que
havia acontecido. A família de Jordan a aceitara como se a conhecessem havia muitos
anos. Não sabia por que. Seriam assim com todo o mundo? Os três irmãos dele eram
policiais. Deveriam ser mais desconfiados com estranhos.
Louise voltou com uma bandeja e a colocou em cima da mesa: chocolate quente
e biscoitos.
— Como está Jordan, Louise?
— Continua dormindo. Mas a febre parece já ter passado. A culpa foi dele. Seu
corpo precisa descansar, e Jordan fica querendo andar de um lado para o outro.
Holly mordeu o lábio. A febre seria sua culpa? No dia anterior, haviam
partilhado um beijo apaixonado. Teria sido esforço demais para seu atual estado de
saúde?
— Sente-se, Holly.
Louise acomodou-se também. Holly se afundou na cadeira e pegou a caneca com
o chocolate.
— Estou muito confusa — ela confessou.
— Com o quê?
— Com tudo. A família de Jordan está sendo muito amável comigo.
— E o que tem isso de estranho?
— Eles não me conhecem. Eu poderia ser uma pessoa má.
Louise riu.
— Ora, nem que você vivesse mais cem anos. Lembra-se da história dos três
mosqueteiros?
— Lembro-me.
— São os irmãos Haynes! Um por todos e todos por um. São muito ligados
entre si e cuidam uns dos outros. Se um deles gosta de alguém, essa pessoa é
imediatamente aceita por todos os outros. Foi o que aconteceu com Austin e comigo.
— Há quanto tempo conhece a família Haynes? Louise tomou um pouco de seu
chocolate.
— Conheci o pai deles. Earl Haynes era o xerife quando eu era adolescente. Ele
era tão atraente quanto seus filhos. Os garotos são boas pessoas, mas Earl tinha o
diabo no corpo. Gostava de mulheres, e elas tinham bastante trabalho para lhe
resistir.
Louise meneou a cabeça, como se estivesse afastando as recordações.
— De qualquer modo, quando eles souberam que Jordan a havia convidado para
morar aqui, isso significou que você estava sendo aceita. Agora faz parte da família.

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— Mas isso é impossível! Eles não me conhecem.
Louise olhou para ela por um bom tempo. Seus olhos azuis eram tristes.
— Tem família?
— Não. Minha mãe morreu há três anos, e ela era a única pessoa que eu tinha.
— Sei como é. Também sou sozinha. Às vezes fico um pouco triste por causa
disso. Os garotos me acolheram, com exceção de Jordan, claro. Não pertenço à
família, mas eles me deixam fingir que sim. Sou grata por isso. Quando chega o Natal,
sempre estou numa casa cheia de crianças e risos. E nunca se esquecem de meu
aniversário. É melhor que passar essas datas em total solidão. Somos duas solitárias.
— Mas agora um pouco menos. Estou feliz por você ser minha amiga.
Louise fungou.
— Ora, não me faça chorar — ela protestou, pondo a caneca na bandeja e se
levantando — Vai arruinar minha maquiagem. Detesto quando isso acontece. Bem, vou
começar a fazer o jantar. Depois tenho aula com o professor Wilson.
Holly a seguiu escada abaixo, mas depois se dirigiu para o quarto improvisado
de Jordan. Ele estava dormindo com o lençol puxado até a cintura.
Holly tomou-lhe a temperatura. Jordan ainda tinha febre. Então, molhou uma
toalha na água, espremeu-a e passou a esfregá-la no peito dele e no rosto.
Cerca de meia hora depois, Jordan abriu os olhos.
— Holly?
— Estou aqui. Como se sente?
— Quente, muito quente.
— Está com febre. Quer água?
— Sim.
Holly ergueu um pouco a cabeceira da cama, depois foi pegar o jarro e encheu
um copo. Jordan inclinou a cabeça para frente. Ela levou o copo à sua boca, e ele bebeu
devagar. Quando terminou, Holly continuou a esfregá-lo com a toalha. Com a outra
mão, afagou-lhe o rosto e depois o braço.
— Isso é bom — Jordan murmurou.
— Está tentando fazer coisas demais. Precisa se concentrar em ficar bom.
Ele abriu um olho.
— E eu ia lhe dizer como estou feliz por vê-la.
Holly sorriu.
— Kyle foi buscá-la na loja?
— Sim. Já estou instalada num dos quartos de cima. — Inclinou-se um pouco
mais e lhe afastou o cabelo da testa.
Jordan abriu os olhos e encarou-a. Holly pensou que estava perto o suficiente
para beijá-lo. Mas logo afastou o pensamento. O que Jordan estava precisando naquele
momento era de uma enfermeira.
— Também trouxe aquela gata, não?
— Claro.
— Que bom que a conheci... — Jordan murmurou.

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— Como assim?
— Você é a enfermeira mais carinhosa que conheci. Se não tivesse tanta
certeza de que era inocente em certos assuntos, iria jurar que estava a fim de mim.
Holly gelou. Pelo canto do olho, percebeu como a cena deveria parecer. Estava
sentada na sua cama, com os quadris apertados contra os dele. Uma mão lhe acariciava
o rosto, enquanto a outra esfregava o peito. Claro que a mão no peito estava segurando
uma toalha, mas era apenas um pouco de tecido.
— Eu...
— Não pare Holly. Gosto disso. Sei que o faz de modo impessoal, como uma
enfermeira, mas meu corpo não compreende isso com tanta clareza. — Depois ele
afastou o lençol para baixo.
Holly deu um pulo e ficou em pé, como que impulsionada por uma mola invisível.
Quando percebeu que ele só tinha dado uma leve mexida no lençol, compreendeu que
reagira de forma exagerada. Deixou cair à toalha e levou a mão ao rosto. Ia morrer,
sem a menor dúvida.
Deu meia-volta e correu para fora do quarto.
— Holly, espere!
Ela o ignorou e continuou a correr. Quando chegou ao seu quarto, se jogou na
cama e fechou os olhos.
Como pôde ter sido tão idiota? Por que teria agido como uma louca? Sentia-se
péssima. Nunca mais iria conseguir olhar para Jordan de novo.
Ouviu um ronronar, depois Mistletoe pulou na cama e cheirou seu rosto.
— Sua mãe é uma tonta — ela disse, afagando a gata. Mistletoe se aninhou
contra o corpo da dona.
O que Jordan iria pensar dela? Era óbvio que não sabia mesmo como agir com
os homens.
Queria fugir dali e nunca mais vê-lo. O único problema com esse plano era a
realidade da situação. Tinha acabado de se mudar para a casa de Jordan. Dessa vez
não havia saída.

CAPÍTULO VII

Jordan ouvira Holly andar pela casa, mas, até então, ainda não tinha ido
procurá-lo. Primeiro pensara que ela devia estar ocupada, mas depois de ter se
passado quase uma hora, percebeu que o estava evitando. A pergunta era: por quê? O
que teria dito ou feito que pudesse tê-la ofendido? Não se lembrava muito bem da

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tarde anterior. Quando, por fim, conseguira acordar de um sono longo e perturbado,
Louise o informara que havia ficado de novo com febre, por não conseguir parar
quieto. Mas não estava mais agüentando ficar na cama o dia inteiro. Por mais que isso
lhe custasse, não podia deixar de concordar com Louise. Precisava começar a seguir as
instruções do médico, senão nunca mais ficaria bom. E isso implicava continuar deitado
na cama por mais alguns dias. O que tencionava fazer... assim que descobrisse o que
havia de errado com Holly.
Com cuidado, afastou o lençol e pôs os pés no chão. Havia um jeans jogado em
cima da mesa. Pegou-o e conseguiu vesti-lo. Pensou em pôr uma camisa, mas achou que
não iria ter força suficiente. Além disso, ela já tinha visto seu peito nu antes e
parecera nem notar. Duvidava que notasse agora.
Apoiou uma das mãos na cama e a outra na mesa, e se levantou. Os músculos
das pernas tremiam, mas não cederam. Após alguns minutos, se sentiu forte o
bastante para começar a caminhar.
Louise havia saído cerca de uma hora atrás. Jordan ouvira seu carro se afastar
pouco depois de Holly ter chegado. Mas a casa era enorme, e ela poderia estar em
qualquer lugar. Quando chegou ao hall, parou e ficou à escuta. Então, seguiu o leve
barulho que vinha da sala de jantar.
Agarrou o corrimão e subiu os três degraus para aquele nível. Depois, foi se
apoiando na parede. A luz do grande lustre de cristal enchia a sala. Havia um rádio no
chão, em um dos cantos. Sons relaxantes de música clássica chegaram até seus
ouvidos. Holly tinha estendido um plástico no chão, perto da parede. Uma tábua de
madeira compensada apoiada em dois cavaletes lhe dava um grande espaço para
trabalhar. Havia garrafas e pincéis, algumas latas e uma espátula. Jordan deu uma
olhada rápida em tudo antes de voltar à atenção para ela.
Holly estava de pé, de costas para ele, descascando com cuidado as tiras de
papel da parede. Jordan achava todos os corpos femininos atraentes, todas as suas
diferenças, intrigantes. Mas, olhando para Holly, sentiu uma excitação fortíssima
crescer. Não conseguia entender a razão disso. Ela não tinha o corpo magro de uma
modelo, mas, na sua mente, essa até era a melhor parte.
Holly levantara a mão para testar as bordas do papel de parede um pouco mais
acima. Seu moletom subiu alguns centímetros, expondo a pele branca e a curva da
cintura.
— Olá, Holly.
Ela deixou cair à espátula e levou as mãos à boca. Seus olhos azuis se
arregalaram.
— Não notei você chegar — ela justificou, quase sem fôlego.
— Desculpe-me. Não quis assustá-la. — Jordan apontou para o canto onde ela
estava trabalhando — O que está fazendo?
— Estou tirando o papel de parede da sala de jantar. Preferi usar estas
químicas em vez de um vaporizador porque não sei o que há por baixo. Não usavam o
mesmo tipo de materiais de construção que hoje, setenta anos atrás. Também trouxe

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alguns mostruários para você dar uma olhada. Há dois caminhos a seguir: pode optar
por reimpressões de papéis de parede originais ou por estampas atuais de inspiração
vitoriana.
Holly deu uma olhada rápida para ele, depois voltou de novo sua atenção para a
parede.
— Acho que vai preferir uma estampa de inspiração vitoriana. As reimpressões
são muitas vezes demasiado pesadas para gostos contemporâneos. Além disso, tem um
trilho para cadeiras na sala. — Ela tocou o trilho, que ficava a quase um metro do chão.
— Pode pintar por baixo e usar o papel na parte de cima. Não é como muitos vitorianos
costumavam fazer, mas fica bem. Na verdade, ainda não sei o quanto de autenticidade
você quer na casa. Muita gente acaba preferindo um meio-termo entre as
características da época e aquilo com que vão conseguir conviver no dia-a-dia.
Holly fez uma pausa para respirar. Jordan percebeu que ela estava falando
sem parar e desejou que isso fosse um bom sinal. Parecia mais nervosa que zangada.
— Não quero falar sobre a sala de jantar. Quero saber por que está me
evitando.
Ela o encarou por um momento, depois baixou a cabeça. Mas Jordan conseguiu
ver-lhe o rubor.
— Você sabe por que.
— Holly, eu não...
— Não se preocupe, eu compreendo.
— Não, não compreende.
— Claro que sim. É uma coisa estúpida... Minha única desculpa é que cuidei de
minha mãe o tempo todo em que ela esteve doente. Uma das enfermeiras me disse uma
vez que pessoas com doenças crônicas não recebem muito contato físico. Claro que
lhes dão banho e comida, mas ninguém os toca. E eles precisam disso, porque os faz se
sentir vivos. Fiz isso durante muitos anos. Acho que virou um hábito. Eu lhe disse que
era uma coisa estúpida, mas juro que é a verdade.
— Aprecio sua sinceridade, mas não sei do que está falando. Está se
desculpando pelo quê?
— Quer que eu diga?
— Se não for lhe dar muito trabalho... — Ante o olhar de incredulidade dela,
Jordan deu de ombros — Olhe, tive uma febre alta ontem à noite. Não consigo me
lembrar do que aconteceu.
— Não se lembra?! — A voz dela aumentou de volume e tonalidade. Deu meia
volta e começou a andar pela sala — Não se lembra... Não é engraçado? Não consegui
dormir a noite inteira, e ele diz que não se lembra. Ótimo! Perfeito! Sabia... Não estou
mesmo preparada para andar pelo mundo. Essa é a prova. Deveria ter virado freira!
Quando ela passou na sua frente, Jordan agarrou seu braço e a fez parar.
— Quer fazer o favor de me dizer do que está falando?
Holly respirou fundo.
— Você teve febre. Eu estava passando uma toalha úmida no seu rosto para

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tentar baixar a temperatura.
— E?
— Eu estava... tocando você.
— E?
— E... é isso. Peguei uma toalha úmida e passei-a no seu rosto. E no peito
também. — O olhar dela se dirigiu para o chão.
— Que pena que eu não estava consciente.
— O quê?
— Nada... Bem, sua preocupação e seus cuidados são louváveis. Por isso, qual é
o problema?
— Você estava sonolento, e depois acordou.
Agora era a vez de Jordan ficar embaraçado. Teria tentado agarrá-la à força,
ou algo pior, apesar de não saber o que poderia ter sido pior.
— E?
— Bem, você disse que eu era a enfermeira mais carinhosa que conhecia.
— Sim. E?
— O que quer dizer com tanto "e"? Não é o bastante? Disse que achava que eu
estava a fim de você.
Jordan tentou se lembrar de algum outro significado para as palavras dela.
— Acho que não consigo entender.
— Eu estava tocando você! — Holly gritou.
— E qual é o problema? Gosto que me toque.
Holly soltou um gemido estrangulado e foi escorregando para o chão. Depois de
juntar os joelhos no peito, baixou a cabeça até que ele não pudesse mais ver seu rosto.
— Tenho vontade de morrer.
Jordan tentou se agachar ao lado dela, mas aquilo doía demais. Então, se
sentou no chão de forma desajeitada.
— Perdoe-me — Holly murmurou — E por causa de minha mãe. Estava tão
habituada a tomar conta dela que... — Fez uma pausa e olhou para ele — Já disse isso
antes, não é?
— Sim.
Ela suspirou.
— Só não queria que você pensasse que...
— Pensasse o quê?
Holly meneou a cabeça, como que indicando que não conseguia falar. Jordan
tentou compreender seu estado de espírito, mas não sabia qual era o problema.
Jordan esticou as pernas e suspirou quando seus músculos machucados
protestaram. Colocou a palma da mão no braço dela, depois foi deslizando para baixo
até encontrar sua mão. Isso pareceu encorajá-la.
— Não queria que pensasse que estava flertando com você — Holly confessou
— Isso nunca passou por minha cabeça.
— Mentirosa...

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— O quê?! — Ela o encarou com os olhos arregalados — Não pode estar falando
serio!
— Por que não? Adoraria que você flertasse comigo.
Acariciou a mão dela até que Holly relaxasse o suficiente para deixá-lo enlaçar
seus dedos.
— Mas eu estou... Mas você está... — Ela meneou a cabeça — Está me achando
uma idiota, não é?
— Não.
— Mas eu não sou sexy. Nem sei como ser. Não tenho nenhuma experiência
com os homens, nunca sei o que devo fazer, e pior, estou acima do meu peso normal.
Ele se forçou a continuar olhando para o rosto dela, quando o que na verdade
queria era olhar para seus seios.
— Não se atreva a perder um só quilo. Está perfeita assim.
Emoções conflitantes passaram pelos olhos de Holly. Jordan podia perceber
que queria acreditar nele, mas não se atrevia. Franziu as sobrancelhas. Por que Holly
não conseguia compreender que tinha a capacidade de excitá-lo? Teria sido tão
machucada assim? Uma raiva irracional irrompeu dentro de seu peito. Se algum homem
a tivesse feito duvidar de si mesma, ele o iria encontrar e punir.
— Nossa! — Holly exclamou — Isso foi bastante estranho.
— O quê?
Ela deu de ombros.
— Sua família falou que você era o mais briguento. Não acreditei neles.
Sempre foi tão calmo... Mas agora esse seu olhar até me deu medo.
— Desculpe-me. Estava pensando em outra coisa.
— Dá para ver. — Holly olhou para ele — Você é mesmo briguento?
— Às vezes.
Mas não com ela por perto. Quando estava ao seu lado, não conseguia ficar de
mau humor.
Sabia que sua amizade com Holly era perigosa, mas estava decidido a
enfrentar o risco. Afinal, seria apenas por pouco tempo. Quando ela tivesse condições
de alugar seu apartamento, iria se mudar e desaparecer de sua vida. Por isso, não fazia
mal aproveitar o pouco tempo em que iam ficar juntos.
Holly trocou de posição e se sentou de pernas cruzadas. Os joelhos dele
doeram só de pensar em tentar fazer a mesma coisa.
— Jordan, acha mesmo que sou sexy? — Ela meneou a cabeça — Desculpe-me.
Não deveria ter perguntado isso. Não estou à procura de elogios. Só que jamais pensei
em mim desse jeito. Nunca tive um relacionamento com nenhum homem, por isso não
sei como vocês pensam.
Jordan inclinou a cabeça para trás e a encostou na parede. Fechou os olhos,
tentando entender o que Holly acabara de dizer. Nunca tinha se envolvido com nenhum
homem? Era possível que ela tivesse querido dizer aquilo mesmo? Sempre suspeitara
que Holly fosse ingênua, mas não a esse ponto.

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— Por "nunca" você está querendo dizer menos de dez ou coisa parecida,
certo? — ele perguntou confuso.
— Quis dizer isso mesmo que você ouviu. Só tive um namorado, quando tinha
quinze anos. Isso durou uns dois meses. Ele chegou a me beijar, mas não foi nada nem
de longe parecido com o que você e eu fizemos. — A voz dela ficou mais baixa —
Depois, minha mãe recebeu a notícia de que estava com câncer e eu não tive mais
tempo para passar com meu namorado, e ele não compreendia.
— Os rapazes costumam ser muito egoístas na adolescência. Eu sei. Fui um
deles.
Holly fez uma pausa, perdida nas recordações. Depois continuou:
— Tentei entendê-lo. Na minha cabeça, isso fazia sentido. Éramos ambos muito
jovens. Jimmy queria se divertir. Então, houve aquele baile a que eu deveria ir com ele.
Mas minha mãe tinha acabado de sair do hospital. Eu estava apavorada, com medo de
que ela fosse morrer. Não queria deixá-la sozinha, por isso falei para Jimmy que não
poderia ir.
Jordan conseguia perceber a dor nas suas palavras. Soltou a mão dela e passou
o braço por seus ombros. No começo, Holly ficou dura, depois foi relaxando e se
deixando levar. Descansou a cabeça em seu peito.
—Jimmy levou outra garota ao baile — Jordan concluiu.
Holly concordou com um gesto de cabeça.
— Foi aquela moça... Colette! Consegue imaginar uma garota de quinze anos
chamada Colette? Depois do baile, Jimmy parou de me ligar e começou a me evitar.
Nunca mais saímos juntos.
— Quem foi o seguinte?
Holly suspirou.
— Ninguém. Essa é a história completa de minha vida afetiva. Começa e
termina aí. Patético, não?
— Nunca teve um caso?
— Até fiz força para tentar, mas acontece que os homens solteiros não
costumam freqüentar lojas de antigüidades. E enquanto mamãe esteve doente, não
tive tempo para mais nada a não ser cuidar dela.
— Sinto muito.
— Obrigada. Mas pelo menos minha consciência está tranqüila, pois fiz o que
pude. Mamãe e eu nunca perdemos tempo uma com a outra. Pelo contrário,
aproveitamos cada minuto que passamos juntas. Muita gente não teve essa chance.
Então, chegou a hora em que tivemos de dizer adeus. Lamento ter crescido desse
jeito. Mas precisei fazer muitas coisas e acabei sem tempo para outras, como
namorar.
Era pior do que Jordan imaginara. Se Holly só tinha namorado um rapaz,
quando tinha quinze anos, então era virgem. Estremeceu só de pensar na palavra... Era
muita responsabilidade para um envolvimento rápido. Não fazia muito seu tipo, mas
teria aberto uma exceção para Holly. Agora não podia mais. Ela era muito inocente.

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Noite inesquecível Susan Mallery
— Está com vinte e oito anos, não é? — ele perguntou.
— Vinte e oito, e nunca tinha sido beijada. — Ela riu e olhou para ele — Ou
melhor, tinha, mas não passou disso. Nunca vi um homem nu. — Quando percebeu o que
dissera, fechou os olhos e abaixou a cabeça — Oh, meu Deus, não acredito que tenha
dito isso...
Mas Jordan também estava tendo bastante trabalho tentando organizar seus
sentimentos. Estava dividido entre resistir com todas as suas forças à atração que
sentia por Holly e lhe oferecer seus carinhos. Bem, era melhor deixar a decisão para
depois.
— Quais são seus planos, Holly? Conhecer algum homem simpático, casar e ter
filhos?
— Gostaria bastante, mas não acho que isso vá acontecer. Nunca tive muita
sorte com relacionamentos.
— Não dá para julgar com um só.
Holly ficou pensativa.
— E uma questão de sorte. Relacionamentos requerem confiança, e eu não sou
muito boa nisso.
— Você se dava bem com sua mãe.
Holly sorriu.
— E muito diferente. Mas é claro que passamos bons momentos juntas. Quando
ela passava bem, costumávamos ir passear. Nos divertíamos muito, sem precisar
gastar dinheiro. Íamos a exposições e parques. Mamãe levava todos os feriados muito
a sério. Metade da garagem estava cheia de objetos de decoração para diferentes
ocasiões. Não apenas para o Natal, mas para todos os feriados que havia. Tínhamos
abóboras pintadas para o Dia das Bruxas, bandeiras decoradas para o Dia da
Independência, corações para o dia dos namorados. No seu último Natal, me deu
Mistletoe.
Foi como se a gata escutasse seu nome, pois ela irrompeu na sala de jantar.
Sua barriga quase arrastava no chão e balançava de um lado para outro quando
caminhava.
— Olá, boneca.
Mistletoe se deitou no chão, pronta para ser afagada. Ela ronronava e olhava
para Jordan.
— Essa gata me odeia — ele murmurou.
— Não sei por que.
— Ela passa o dia inteiro me atazanando...
— Mentira.
— Verdade. Mistletoe sabe quando estou quase pegando no sono e pula para
cima da cama. Quando acordo, ela vai embora.
— Mas ela gosta de Kyle.
— Isso prova minha teoria.
Holly riu.

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Noite inesquecível Susan Mallery
Mistletoe rolou no chão e ficou de pé. Começou a caminhar na direção da porta
e, quando passou perto de Jordan, se virou para ele e se assanhou por um momento, só
para demonstrar seus sentimentos. Depois, levantou a cauda com desdém e saiu da
sala.
— Que animalzinho petulante. Espero que não transmita sua personalidade para
os filhotes.
— Ela é doce — Holly protestou. — Mas tenho de admitir que não gosta muito
de você. Por isso, estou ainda mais grata por ter deixado que a trouxesse comigo. E
obrigada também por me deixar ficar aqui. Mas não quero ficar atrapalhando durante
os feriados.
— Não vai atrapalhar em nada. A família é muito grande e uma pessoa a mais
significa mais divertimento.
— O trabalho me mantém ocupada durante o dia, mas as noites são difíceis. Em
especial nesta época do ano... Tudo bem, chega de sentimentalismo por hoje. Não
quero ficar emocionada e deixá-lo embaraçado.
— Não fico embaraçado com tanta facilidade.
— Eu fico.
— Já tinha percebido.
Holly olhou para ele pelo canto do olho.
— Então não está mais zangado comigo?
— Não estava zangado. Apenas confuso. — Jordan se inclinou para frente e lhe
beijou a testa. Queria fazer muito mais, mas aquilo parecia ser a coisa mais segura no
momento. — Amigos?
— Gostaria que sim. — Holly se levantou — Então, qual é sua opinião sobre o
papel de parede?
Enquanto Holly enumerava as diversas opções, Jordan pensava em tudo o que
ela havia lhe dito. Tivera, sem dúvida, uma vida difícil. Enquanto todas as pessoas de
sua idade estudavam e se divertiam, ela precisara tomar conta da mãe doente. Depois,
tivera de enfrentar a solidão e a luta pela sobrevivência. Jordan não podia mudar o
passado dela, mas poderia lhe dar um Natal inesquecível. Jurou que iria transformar
esse desejo em realidade.

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Noite inesquecível Susan Mallery
CAPÍTULO VIII

Holly olhou a seu redor, na loja, surpresa. Tinha feito muitos planos com sua
mãe sobre o que queriam que “Uma Casa Vitoriana” fosse. Desde o momento em que
tinha colocado o letreiro e aberto as portas ao público, o negócio tinha ido bem. Mas,
nas duas últimas semanas, se tornara excelente, e ela sabia muito bem quem era o
responsável por isso: Jordan!
Apesar de ser uma tarde normal de quinta-feira, a loja estava lotada.
Mulheres se juntavam em grupos e conversavam sobre os artigos expostos. Alguns
estoques já estavam pela metade. Se o negócio continuasse naquele ritmo, iria vender
tudo antes do Natal. Estava intrigada com todas aquelas vendas.
Para conseguir manter os preços baixos, comprara grandes quantidades do
mesmo item. E essas compras haviam reduzido suas reservas financeiras a quase zero.
Quando já tinha se convencido de que havia tomado uma decisão errada, se consolara
com o fato de que os artigos de Natal não iriam se estragar. O que não conseguisse
vender nesse ano poria, à venda no ano seguinte. Na verdade, parte do plano era
comprar estoque para dois anos. Em vez disso, estava vendendo tudo em poucos dias.
A porta da frente se abriu, e um casal elegante entrou. O homem era alto,
tinha com certeza mais de um metro e oitenta, com cabelos pretos e uma argola de
ouro na orelha. Era atraente e tinha um ar rude e sedutoramente perigoso, o tipo de
homem fatal para os corações femininos. A mulher também tinha cabelos pretos, mas
os seus eram ondulados e compridos, quase chegando à cintura. Era magra e estava
usando um colete de lã sobre uma blusa branca de mangas compridas.
Holly os observou por um momento e depois percebeu que já os havia visto
quando fora visitar Jordan no hospital, pela primeira vez.
A mulher percebeu sua atenção e sorriu. Depois se dirigiu para ela, olhando
para seu avental.
— Olá, Holly. Eu a reconheci pela descrição de Elizabeth. Sou Rebeca Lucas, e
este é meu marido, Austin.
Os três apertaram-se as mãos.
— Obrigada por terem vindo. Estão procurando alguma coisa em particular ou
só querem dar uma olhada?
Rebeca olhou para o marido.
— Você não está com muita vontade de procurar artigos de decoração, não é
querido?
— Ah, isso é coisa de mulheres. E cheira engraçado aqui.
Holly riu.
— Muitos homens acham o mesmo. No fundo da loja tem uma sala de espera.
Irá encontrar lá uma garrafa térmica com café, revistas e uma televisão. A maior
parte dos maridos prefere ficar aguardando lá.
— Isso, boa idéia — Rebeca concordou, virando-se para Austin — Quero

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Noite inesquecível Susan Mallery
comprar algumas coisas e conversar com Holly.
Austin olhou para sua mulher por um momento. Holly percebeu que o amor
entre eles era tão intenso que quase lhe vieram lágrimas nos olhos. Ele tocou o rosto
de Rebeca. O gesto de ternura fazia um contraponto engraçado com sua fisionomia
fechada. Depois se dirigiu para a sala dos fundos.
Rebeca ficou olhando para o marido.
— Sei o que está pensando. Eu costumava fantasiar que ele era um pirata e
sonhava que vinha me raptar e me levar para sua ilha deserta. Mas atrás daquela
aparência rude existe um homem muito gentil.
— Já que o diz... — Holly murmurou, se perguntando como alguém que parecia
tão frágil e inocente como Rebeca tinha conseguido domar um homem tão corpulento.
Mas logo afastou o pensamento. — Está procurando alguma coisa em particular?
— Elizabeth me disse que seus enfeites são muito bonitos. Gostaria de dois
para o hall. E talvez alguns para a árvore de Natal.
— Tudo o que tenho está exposto. Tem preferência por algum tema em
particular? Tenho decorações com anjos, brinquedos, frutas, tanto os simples como os
extravagantes, tudo o que puder imaginar.
Rebeca riu.
— Oh, não sou tão organizada assim, a ponto de ter um tema. Só estou
querendo algo bonito. — Olhou em volta pela loja cheia — Tem muitos outros clientes
para atender. Vá ajudá-los enquanto dou uma olhada.
Holly viu um casal se dirigindo para a caixa registradora, por isso se dirigiu
para lá.
Durante há meia hora seguinte, se viu ocupada orientando clientes indecisos e
embrulhando artigos mais delicados e objetos para presente. Aos poucos, a multidão
diminuiu. Viu Rebeca conversando com outro casal. Mesmo que eles não tivessem se
apresentado antes, teria reconhecido o homem como um verdadeiro Haynes. Era como
os demais, alto, moreno e elegante. Tinha alguns cabelos grisalhos nas têmporas e
algumas rugas a mais, por isso Holly imaginou que deveria ser o mais velho. E não se
enganara.
Rebeca a viu. Então, ela, Craig e sua mulher vieram na direção de Holly.
— Já conhece estes dois?
Holly assentiu com um gesto de cabeça.
— Conhecemo-nos quando eles chegaram. — Ela sorriu para Jill — Para quando
é a chegada do bebê?
Jill afagou sua barriga redonda.
— Para maio. Ah, quem dera já fosse para amanhã! Fico me dizendo que vai
valer à pena, mas a espera é dura.
— Lembro-me da sensação — Rebeca disse — Os garotos estão excitados por
ganharem uma irmãzinha, Jill?
— Muito. Danny só está um pouco preocupado por deixar de ser o caçula. — Ela
se inclinou para o marido, que passou um braço por seus ombros.

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Noite inesquecível Susan Mallery
— Fez ultra-sonografia para saber o sexo do bebê? — Holly perguntou.
Craig e sua mulher trocaram olhares.
— Não — Jill respondeu — É uma espécie de coisa da família.
— Há quatro gerações que não nascia nenhuma menina na família Haynes —
Craig explicou — Sou um de quatro irmãos, meu pai é um de seis, e por aí vai. Achamos
que ninguém ia conseguir ter filhas.
Rebeca afastou seus longos cabelos pretos dos ombros e sorriu.
— Até que Travis casou-se com Elizabeth, e eles tiveram uma garota. Todo o
mundo ficou surpreso. Depois, Kyle e Sandy também tiveram uma filha. Aí, Jordan
apareceu com a teoria.
— Que teoria? — Holly perguntou. Jill suspirou.
— É muito romântica. Os homens Haynes teriam filhas quando estivessem
apaixonados. Quando não, teriam meninos.
— Então, quem quiser ter um garoto precisará brigar primeiro? — Holly
considerou.
Craig deu uma gargalhada.
— Não acho que isso vá funcionar... Ainda estamos apaixonados. Por isso, Jill
está convencida de que será uma menina. De qualquer forma, a ultra-sonografia vai
provar se a teoria está ou não correta. E em maio o bebê chegará. Menino ou menina
vai ser muito bem recebido.
— Bem, eu não sou casada com nenhum homem da família Haynes — Rebeca
disse — Por isso, estou livre para ter um filho de qualquer sexo.
Holly se perguntou se a teoria seria verdadeira. Mas isso não fazia sentido.
Eles eram quatro irmãos. Isso significaria que o pai deles nunca tinha amado a mãe?
Talvez mais tarde discutisse isso com Jordan.
Craig e Jill tinham terminado de fazer suas compras. Holly as colocou em cima
do balcão e embrulhou tudo com cuidado. Craig lhe entregou seu cartão de crédito e
depois pegou os embrulhos.
— Louise tem nosso número de telefone — ele disse — Ligue-nos se precisar
de alguma coisa.
Jill se inclinou para lhe dar um abraço, e sorriu quando Holly se curvou para
evitar sua barriga.
— Eu sei, estou ficando cada vez mais gorda. Estou tão contente por Jordan
ter encontrado você...
Holly não sabia o que dizer. Muito menos o que fazer. Por isso, achou mais
seguro apenas retribuir o sorriso e os acompanhar até a porta. Despediram-se mais
uma vez e depois voltou para junto de Rebeca, que estava inclinada sobre o balcão,
olhando para ela com uma expressão séria no rosto.
— Algo errado? — Holly perguntou, passando a mão pelos cabelos.
— Não, está tudo perfeito. Eu só tinha ficado pensando no que Jordan teria
gostado em você. Agora sei.
Holly olhou à volta e ficou aliviada quando percebeu que a maior parte dos

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Noite inesquecível Susan Mallery
clientes já tinha saído. Ainda havia alguns nas outras salas, mas ela e Rebeca eram as
únicas pessoas na da frente.
— Ele não gosta de mim. O que quero dizer é que somos amigos. Só estou
morando na casa dele para ajudá-lo na reforma.
Rebeca ergueu as sobrancelhas e ficou de boca aberta.
— Então estão mesmo morando juntos... Elizabeth me disse que sim, mas não
acreditei nela. Vejam só, Jordan convidou uma mulher para morar com ele. Quem
diria...
— Mas não é como você está pensando — Holly protestou.
— Então por que está corando?
— Porque eu...
Rebeca meneou a cabeça.
— Desculpe-me, Holly, estou deixando você embaraçada. Acredite que não tive
essa intenção. Eu era tão tímida quando conheci Austin... Há algo com os homens daqui!
Quem me dera poder dizer que já estou melhorando, mas não é assim. Austin ainda
tem o poder de me fazer sentir idiota e sem graça, mas ele é demasiado compreensivo
para se utilizar disso. Então, prefere me fazer sentir bela e amada.
Holly olhou pela janela da frente e viu Craig ajudando sua mulher grávida a
entrar no carro. Havia preocupação e afeto em cada gesto. Desejou que as coisas
tivessem sido diferentes para ela. Mas não havia como mudar o passado.
— Não é como está pensando, Rebeca — Holly repetiu, voltando para o balcão.
— Somos apenas amigos.
Mas nem a si mesma conseguia convencer. Tantas coisas a confundiam... O
modo como o beijo de Jordan a tinha feito sentir-se, a paixão que havia tomado conta
de seus corpos. Teria sido mesmo paixão? Ou será que "desejo" seria uma palavra mais
apropriada? Lembrou-se da reação dele quando lhe contou que o havia tocado quando
ele estava dormindo e com febre. Jordan tinha sido muito gentil e compreensivo.
Ainda conseguia sentir o calor de seus braços reconfortantes. A verdade é que não
sabia a que conclusão chegar.
Rebeca estendeu o braço e pegou sua mão.
— Estou lhe deixando sem jeito, e isso não é justo. Sei como é difícil no
começo. A família é muito opressiva.
— Mas é maravilhosa. Todos vieram aqui fazer compras. Até você e Austin. —
Holly franziu a testa — Ele não é da família, não é?
Rebeca meneou a cabeça.
— Austin e Travis eram colegas de escola. Austin era órfão, mas a família
Haynes o acolheu de braços abertos e o fez sentir que não estava mais sozinho no
mundo. É o que aqueles irmãos sabem fazer melhor.
Rebeca olhou ao redor como se estivesse se certificando de que estavam a sós.
— Vou lhe contar um segredo. Eles não nasceram num lar muito feliz e
aprenderam muito cedo a contar apenas uns com os outros. Todos queriam uma boa
esposa e uma família, mas isso parecia ser um sonho impossível. Tentaram

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Noite inesquecível Susan Mallery
relacionamentos e falharam. Cada um deles foi desistindo, se resignando a viver
sozinho. Mas estavam errados. — Rebeca sorriu — Primeiro, Travis conheceu
Elizabeth, depois, Kyle começou a namorar Sandy. No ano passado, Jill entrou na vida
de Craig. Não é que os irmãos Haynes não soubessem amar. Só não haviam encontrado
ainda a mulher certa.
Holly deu um passo para trás.
— Não sou a mulher certa para Jordan.
Rebeca a olhou por um momento.
— Que pena! Porque nunca mais vai conhecer um homem como ele. Além disso,
quando alguém entra para a família é aceito e amado de imediato, e percebe que não
voltará a ter medo.
— Não estou com medo. — Holly se perguntou por que se dava ao trabalho de
mentir. Claro que estava com medo. Às vezes achava que ia morrer de solidão.
— Erro meu. — Rebeca deu de ombros. — Achei que você talvez quisesse ter
algo especial com Jordan. Tudo bem que não queira, não se manda no coração. Mas me
faça um favor: não o magoe!
— Ah, ele não está interessado em mim desse jeito. Não sou seu tipo.
O sorriso de Rebeca aumentou.
— Não é?!
Antes que Rebeca pudesse dizer mais alguma coisa, Austin voltou da sala dos
fundos, perguntando se ela estava querendo ficar ali para sempre. Rebeca riu e
apontou para meia dúzia de coisas que queria comprar. Ele foi pegar as que ela lhe
indicou e depois as colocou em cima do balcão.
Holly tinha ouvido um boato de que Austin e Rebeca eram ricos. Eles tinham
comprado mais em poucos minutos que vários clientes juntos. Aliás, todos os membros
da família Haynes tinham feito compras volumosas.
Um sentimento de solidariedade a invadiu. Sua estada na casa de Jordan era
temporária, assim como a ligação com sua família. Mas, como fazia parte da vida dele
no momento, a estavam incluindo também. Compreendeu que deveria aproveitar
enquanto durasse e abandonar tudo com o mesmo estado de espírito. Tinha muito a
agradecer. Era quase Natal, e nesse ano não iria estar sozinha.

Jordan mergulhou seu pincel na lata de tinta, depois endireitou a coluna. Os


músculos das costas protestaram.
— Eu ouvi isso — Holly disse, sem olhar para ele — Está trabalhando demais.
— Estou ótimo.
— Mentira.
Ele sorriu.
— Tudo bem. Só vou dar uns retoques junto da porta e depois terminarei por
esta noite.
— Se tiver uma recaída, seus familiares irão me culpar.

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Noite inesquecível Susan Mallery
— Fique tranqüila. Ah, mandei vir a mobília. Chegará dentro de uma semana.
Holly o olhou por cima do ombro.
— Ótimo. A tempo para o Natal. Por falar nisso, vai armar uma árvore?
— Claro. No domingo. Será a caça anual à arvore de Natal da família Haynes.
— Como vocês conseguem caçar árvores de Natal? Elas não podem fugir.
— É assim que chamamos essa aventura. Só vão os homens e as crianças.
Deixamos as mulheres em casa.
— Parece uma coisa antiquada, mas tudo bem. — Holly passou o rolo pelo
tabuleiro da tinta, depois voltou sua atenção para a parede — Separei alguns objetos
na loja. Gostaria de contribuir com eles na decoração da árvore.
— Que bom! Sempre acabo escolhendo uma grande demais, e depois ela fica
parecendo quase nua por não ter muita coisa para pôr nela.
Holly se ajoelhou e passou o rolo para frente e para trás, espalhando bastante
tinta.
— Espero que não esteja planejando ir fazer compras, Jordan.
— Nem pensar. Vou pedir a um de meus irmãos para isso.
— Por falar neles, Craig, Austin e suas mulheres estiveram hoje na loja. Nas
duas últimas semanas, metade da cidade tem passado por lá. Este vai ser meu melhor
mês. — Deu um sorriso tímido — Sei que tenho de lhe agradecer por isso.
Jordan deu de ombros.
— Liguei para algumas pessoas. Nada de mais.
Havia uma luz nos olhos dela que o deixou desconfortável. Não tinha feito nada
de especial.
— Para mim, foi muito importante, Jordan, e lhe agradeço. Só espero que elas
tenham ido à loja para lhe fazer um favor, mas tenham gostado do que viram, e voltem.
Jordan pôs o pincel em cima da tábua e se esticou no chão.
— Como está se sentindo? — ela perguntou.
— Todo doído, mas melhor. Já posso me mexer com mais facilidade. Ontem
fiquei de pé quase o dia inteiro, e hoje não estou sentindo as conseqüências disso. Se
continuar assim, estarei de volta ao trabalho no primeiro dia do ano-novo.
— Sente falta do trabalho?
— Sim. Gosto do que faço.
— Eu também.
Jordan se levantou e pegou o pincel que estava usando. Depois continuou o que
fazia. Eles rendiam bastante juntos. Havia a dose certa de conversa e trabalho,
entremeada com risadas. Jordan não precisava pensar quando estava com Holly.
Pensou em lhe dizer isso, mas não achou que ela fosse apreciar.
— Será ótimo estar aqui durante as festas — Holly disse — Obrigada por me
convidar.
— Vai ser um prazer tê-la conosco.
Antes que Holly pudesse dizer alguma coisa, Louise entrou com dois copos de
refrigerante.

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Noite inesquecível Susan Mallery
— Preciso ir para minha aula — ela avisou — Trouxe isto para vocês.
— Obrigado.
As sobrancelhas de Louise se arquearam de surpresa.
— Por nada, Jordan.
— Você é um amor — Holly elogiou, e depois tomou um gole de sua soda diet.
— Já terminei de fazer a salada — Louise avisou — Os bifes estão prontos
para quando quiser prepará-los, Holly, e as batatas já estão cozidas e descascadas.
Jordan percebeu a estranheza de Louise. Desde que Holly tinha se mudado
para lá, tinha feito um esforço para ser educado com a governanta. Era uma troca
interesseira. Ele precisava que Louise ficasse, porque ela tornava possível a presença
de Holly na casa. Se ela fosse embora, Holly também iria. E Jordan não queria que
aquilo acontecesse. Imaginava que deveria haver uma razão para isso, mas não queria
ter de pensar no assunto. Sabia apenas que gostava de ter Holly por perto. Se o preço
disso fosse uma conversa educada com Louise, iria pagar com prazer.
Por mais que detestasse admitir, às vezes se esquecia de que não deveria
gostar de Louise. Ela era engraçada e fazia seu trabalho muito bem. Preocupava-se de
verdade com sua família. Jordan se perguntava o quanto disso seria proveniente da
culpa. Se pudesse esquecer o passado, talvez conseguisse ser amigo ela, mas não
estava ainda preparado para isso.
— Boa aula, Louise — Jordan se despediu. Louise lhe deu outro olhar intrigado,
e saiu.
Jordan acabou de retocar junto ao batente da porta, quase ao mesmo tempo
em que Holly terminava de passar a primeira camada de tinta azul. Ela se levantou e
foi dar uma olhada geral no resultado.
— Vai ficar lindo! O azul-colonial é mesmo a cor certa. — Holly olhou para o
relógio — Está com fome?
— Nem me fale. Sou capaz de comer um boi inteiro.
— Então, vamos preparar o jantar.
Jordan a seguiu até a cozinha. Gostava de olhar o balançar de seus quadris
enquanto ela caminhava. O movimento feminino o atraía sobremaneira. Era difícil ter
de se controlar e ser educado e distante, quando sua vontade era agarrá-la e fazer
amor com Holly, ali mesmo, no chão do hall.
Quando entraram na cozinha, viram bandejas com biscoitos em cima da pia.
— Louise tinha começado a cozinhar — Holly constatou, olhando em volta.
Apontou para um prato coberto com folha de alumínio e olhou dentro. — Alguns
biscoitos para a sobremesa. Mal posso esperar!
— Ela cozinha todos os anos no Natal. Já é uma tradição.
Holly lhe indicou uma das cadeiras à mesa. Jordan se sentou e respirou fundo,
deixando que a dor se fosse.
Holly aprontou o jantar em poucos minutos. Nas duas últimas semanas, tinha se
familiarizado com a cozinha.
— Mamãe também costumava fazer biscoitos — ela contou, enquanto pegava as

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Noite inesquecível Susan Mallery
batatas com um garfo e as colocava numa travessa — Eram daqueles que tinham
cobertura de glacê. Eu me encarregava da decoração. — Inclinou-se contra a mesa e
sorriu — Costumava guardar alguns nos bolsos e comia demais. Ela sempre fazia coisas
especiais para mim. A gente se divertia bastante.
Uma mecha de seus cabelos loiros deslizou para o rosto. Holly a afastou,
devagar. Seus grandes olhos azuis estavam pensativos, focados num passado que ele
apenas conseguia imaginar.
— Que outros costumes tinham? — Jordan quis saber.
— No Natal mamãe costumava encher uma meia para mim. Eu adorava isso.
Assim que acordava, ia correndo para ver as surpresas. Nunca havia nada muito caro,
mas para mim era uma grande alegria. Frutas, bolachas, docinhos de chocolate,
canetas para a escola, algum livro de histórias... Tínhamos sempre uma árvore de
verdade. Nunca era muito grande, mas linda, em especial à noite, com as lâmpadas
acesas.
— Costumava ver seu pai no Natal?
O rosto de Holly mudou de expressão no ato. Todas as emoções sumiram, junto
com a cor. Seus lábios se comprimiram e ela cruzou os braços.
— Eu o vi uma vez — Holly contou — Foi a cerca de seis anos. Minha mãe
estava muito doente, e as despesas tinham aumentado bastante. Sabia quem ele era.
Tinha bastante dinheiro. Achei que talvez... — Engoliu em seco — Fui vê-lo para lhe
pedir se poderia me ajudar a pagar as contas do hospital. Ele respondeu que não, e me
avisou que não deveria voltar a incomodá-lo.
A mágoa e a raiva tomaram conta de Holly. Jordan percebeu que isso a deixou
bastante abalada. Ficou triste por ela.
— Sinto muito.
— Não, não sinta. — Holly deu de ombros — Não Vale a pena. Para mim, não
tinha muita importância. Eu só estava preocupada com minha mãe. Não queria que ela
soubesse que tinha ido procurá-lo nem que ele me havia esnobado.
Jordan olhou para baixo e ficou surpreso por ver que suas mãos tinham se
fechado e os punhos estavam cerrados com força. Fez um esforço consciente para
relaxar. O pai de Holly era um canalha. Adoraria poder fazê-lo sentir na pele as
conseqüências por ter magoado tanto sua própria filha. Holly podia dizer que isso não
tinha mais importância, mas ele sabia que não era verdade. Ela ergueu o rosto e piscou.
Jordan compreendeu que Holly tentava esconder as lágrimas.
— Hoje nem penso mais nisso. Mas na época fiquei magoada por ele nunca ter
falado nada sobre o fato de ser meu pai. Achei que era seu dever. No fundo, queria
que me reconhecesse como filha. Gostaria de ter um pai, como todo o mundo.
Jordan se levantou e cruzou o chão de cerâmica. Quando ficou a sua frente,
estendeu os braços, num convite mudo. Holly hesitou por um momento, depois se atirou
de encontro a ele. Agarrou seu moletom e afundou o rosto contra seu peito. Um soluço
lhe percorreu o corpo. Depois outro. E mais outro. Jordan a abraçou com força.
— Foi horrível! — Holly conseguiu dizer, por fim. As palavras saíram abafadas

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Noite inesquecível Susan Mallery
e entrecortadas. — Não consegui dizer mais nada. Apenas continuei olhando para ele.
Pude perceber que éramos até parecidos. Mas ele não disse nada sobre isso. Não
queria saber de minha mãe nem de mim. Fiquei chocada, achava que os pais deveriam
amar seus filhos.
Jordan pensou em Earl.
— Deveriam, sim.
Afagou a nuca de Holly e, com a outra mão, foi massageando-lhe as costas,
murmurando o tempo todo palavras de conforto. Tomou as dores dela. Não eram
físicas, como as que seu corpo sentia por estar machucado. Essas vinham de dentro de
sua alma. Eram sensações de perda e vazio, de desilusões e sonhos desfeitos. A
profundidade e a intensidade surpreenderam-no. Não costumava se emocionar tanto
assim, nem sofrer pelos outros. Já estava habituado a esconder seus sentimentos.
Quando os soluços diminuíram, beijou o rosto dela e enxugou suas lágrimas.
Holly continuou abraçada a ele, enquanto Jordan a reconfortava. Ele sabia que não era
a hora, mas havia algo no calor que emanava dela que o estava deixando excitado de
novo. Por isso, tentou ignorar o modo como seus seios volumosos se encostavam em seu
peito e suas coxas roçavam as dele.
Holly fungou algumas vezes.
— Devo estar horrível — ela murmurou — Sempre fico medonha quando choro.
Meus olhos incham, e o nariz fica vermelho.
— Eu gosto dessa cor.
Ela riu. Depois se afastou dele.
— Obrigada, Jordan. Você é muito gentil. Quero tomar um banho. Importa-se
se o jantar atrasar mais ou menos por meia hora?
— Tudo bem, sem problema.
Ela sorriu e caminhou em direção à porta. Ele a chamou:
— Holly... quero que saiba que seu segredo está seguro comigo.
Holly o olhou com uma expressão cúmplice.
— Sei disso. Você é um bom amigo.
Depois saiu da cozinha.
Jordan continuou olhando para a porta por onde ela havia saído. Com partes
iguais de prazer e frustração. Estava feliz por ela ter confiado nele e ter deixado que
a abraçasse. Afinal, era perito em guardar segredos. Mas não lhe agradava muito a
idéia de Holly pensar nele apenas como um "bom amigo."
"E de que outro modo iria pensar?", seu íntimo perguntou, de modo sarcástico.
Jordan não tinha uma resposta para sua dúvida. Não queria um relacionamento,
pelo menos, essa era a história que sempre contava. Sabia muito bem quais eram os
perigos envolvidos. Mas algo dentro dele o estava avisando que deixar Holly ir embora
não iria ser tão fácil como havia pensado no começo.

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Noite inesquecível Susan Mallery

CAPÍTULO IX

Holly ajeitou o suéter grande demais, depois voltou sua atenção para a toalha
na sua cabeça. Quando a soltou, seus cabelos úmidos caíram sobre os ombros. Olhou-
se ao espelho e meneou a cabeça. Não importava que tivesse passado alguns minutos
jogando água fria no rosto, pois ele ainda parecia inchado, e os olhos continuavam
vermelhos. Era óbvio que tinha chorado.
Deveria ter mudado de assunto, pensou. Conseguia falar em sua mãe e nas
tradições de Natal dela, e também sobre a frustrada visita ao seu pai, mas nunca tinha
experimentado falar nas duas coisas ao mesmo tempo. Cada vez que pensava no que
aquele homem lhe dissera e como tinha sido cruel, ficava tão aborrecida e magoada
por sua mãe que... As lágrimas irromperam de novo, mas dessa vez impediu que
escorressem. Não ia mais chorar. Estava ali para cuidar de Jordan, mas era sempre
ele quem acabava tomando conta dela.
Pegou a escova e iniciou o demorado processo de desembaraçar os cabelos.
Quando terminou, ligou o secador e depois se inclinou para a frente, e passou a secá-
los. O barulho baixo e contínuo do aparelho a relaxou. Tentou espantar os
pensamentos desagradáveis e decidiu pensar apenas em coisas boas durante o resto
da tarde. Aquilo era fácil, concluiu, com um sorriso. Bastava se concentrar em Jordan.
Um calafrio delicioso e sensual percorreu sua espinha, quando se lembrou de
como se sentira reconfortada quando ele a abraçara. Sabia que o tinha feito como um
gesto de carinho. Mas gostara da sensação de seus braços fortes protegendo-a. Tinha
se sentido segura e reconfortada ao mesmo tempo. Ele era forte e gentil. Holly não
tinha o hábito de revelar seus sentimentos para outras pessoas. Não tinha muita
experiência com relacionamentos, nem mesmo com amizades. Mas, quando estava na
presença dele, se esquecia de ter medo.
Respirou fundo e resolveu se concentrar apenas em secar os cabelos. Mas
depois pensou que várias pessoas da família de Jordan lhe tinham dito que ele era um
briguento solitário, e ela nunca havia visto esse seu lado. Quem sabe eles fossem um
com o outro diferentes do que eram com as outras pessoas? Talvez as circunstâncias
peculiares lhes tivessem permitido se afastar das barreiras que costumavam colocar
na frente. Holly apreciava acreditar que Jordan pensava nela como alguém especial,

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Noite inesquecível Susan Mallery
mesmo apesar de saber que estava apenas enganando a si mesma. Ele provavelmente
tivera dúzias de mulheres na vida. Não teria tempo para se dedicar só a ela.
"Então por que não há nenhuma dessas mulheres por aqui?" Holly não tinha uma
resposta para isso. Nem queria pensar muito no assunto. Se fosse ficar alimentando
esperanças secretas, acabaria ficando desapontada ou, ainda pior, magoada. E não
queria que isso acontecesse. Além disso, não fazia sentido desejar um relacionamento
romântico quando não estava preparada para isso.
Sentiu algo quente se esfregando contra sua perna. Olhou para baixo e viu
Mistletoe.
— Sempre queremos o que não podemos ter, não é, gatinha? — ela disse.
Depois mudou o secador para a potência mais alta e deu tapinhas na pia, chamando a
gata.
Mistletoe estava enorme. Como não conseguia pular direto para a pia, subiu
primeiro para cima do vaso. Quando se deitou na pia, Holly acariciou seu pêlo suave.
— Como está a gatinha da mamãe? Gosta desta casa enorme?
Mistletoe ronronou. Seu focinho grande e gordo, e os olhos verdes, faziam-na
parecer inteligente. Esticou-se toda quando Holly começou a apontar o secador para
ela.
A gata adorava o calor do aparelho. Podia ficar ali durante horas seguidas,
sendo aquecida e acariciada. Seu ronronar quase se confundia com o motor. Holly
sentia as vibrações contra seus dedos. Desligou o secador após alguns minutos.
Mistletoe esfregou seu focinho frio e úmido nos dedos da dona, como que pedindo
mais.
— Espere até ter seus filhotes — Holly pediu. Mistletoe se espreguiçou,
depois descansou a cabeça nas patas da frente, como se estivesse se preparando para
dar uma cochilada na pia.
— Por mim, tudo bem.
Holly olhou-se ao espelho. Seu nariz ainda estava vermelho, mas os olhos
pareciam um pouco menos inchados. Os cabelos ainda não estavam secos, mas, como
eram muito compridos, isso sempre demorava bastante. Penteou-os para trás e
amarrou-os num rabo-de-cavalo antes de sair do banheiro. Primeiro iria ver como
Jordan estava, depois prepararia o jantar.
Enquanto se aproximava da biblioteca, ouviu um gemido de dor. Quando entrou
no quarto, Jordan estava de pé, sem camisa, apoiando o braço direito contra o peito.
— O que há de errado? — Holly perguntou, enquanto corria para ele.
— Fui pintar os rodapés. Pelo menos comecei. E acho que dei um mau jeito nas
costas. — Tentou endireitar o braço, e sorriu.
Holly caminhou atrás dele. Tocou seu ombro e sentiu o nó do músculo
machucado.
— Costumava fazer massagens em minha mãe — ela disse — Quer que tente
uma em você?
Jordan se voltou e encarou-a.

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Noite inesquecível Susan Mallery
— Acho que estou com dor demais para conseguir agüentar — ele confessou,
forçando um sorriso.
— Não quer que esfregue suas costas?
— Claro, gostaria muito.
— Então por que disse...
Ele a cortou com um menear de cabeça.
— Estava brincando... Esqueça. — Olhou em volta do quarto — Onde quer
fazer?
— É melhor na cama.
Holly entrou no banheiro do quarto e pegou um frasco de creme para o corpo.
Quando voltou, tentou não reparar que Jordan estava apenas vestido com o jeans,
estirado em cima de lençóis brancos e limpos. Sentiu o corpo estremecer, como se
tivesse sido atingida por um leve choque elétrico. Como estava só de meias, sem
sapatos, não conseguiu evitar que seus dedos dos pés se retesassem.
Ele estava machucado, procurou se lembrar. Tinha dores no corpo e precisava
de ajuda. Ia cuidar de um doente. Queria fazer com que Jordan melhorasse, e não se
entregar a fantasias absurdas.
Aproximou-se da cama devagar. Os olhos dele estavam fechados, e uma mecha
de cabelos pretos caía sobre sua testa. Os lábios apertados eram a única indicação de
seu sofrimento.
Holly se sentou na beira da cama e abriu o frasco. Pôs um pouco na palma da
mão, e depois se inclinou para ele, de modo a ficar de frente para suas costas. Tocou
sua pele.
Jordan estava mais quente do que imaginara. A rijeza das costas dele
desafiava seus dedos finos. Pressionou a região dolorida. Inclinou-se um pouco mais
para Jordan, usando o peso de seu corpo para aumentar a pressão. Seus sentimentos
estavam divididos. Por um lado, prestava atenção ao suave relaxamento de tensão no
corpo de Jordan, como uma enfermeira cuidadosa, o que lhe permitiu se sentar de
pernas abertas sobre as nádegas dele, de modo a facilitar a massagem. Por outro, a
mulher tímida, inexperiente, se mostrava assustada com o inusitado da situação. Não
podia acreditar que estava fazendo aquilo, na cama de Jordan, no seu quarto, com
apenas uma fina camada de tecido separando suas mãos da pele tentadora daquele
homem tão atraente.
Esfregou o nó do músculo distendido e percebeu que estava bem menor.
Jordan gemeu. Holly achou que fosse de dor, mas depois compreendeu que tinha sido
de prazer.
— Se lhe der um milhão de dólares, promete não parar nunca mais? — ele
perguntou.
— Tem um milhão de dólares?
— No momento, não.
— Que pena! Teria prometido.
Holly se inclinou para a frente, até conseguir alcançar os ombros e o pescoço,

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Noite inesquecível Susan Mallery
e ficou massageando naquela região.
— Acho que cheguei ao paraíso — Jordan murmurou — Fazia muitas semanas
que não me sentia tão bem.
— Fico feliz por ouvir isso. Minha melhor recompensa é saber que se sente
melhor.
— Está fazendo um ótimo trabalho. — Ergueu a cabeça — Talvez acabe ficando
com bolhas nas mãos.
Holly esticou os dedos.
— Estou ótima.
— Pare um pouco por agora. Pode continuar mais tarde.
— Tudo bem.
Holly sentou-se na cama. Agora que não estava mais fazendo massagem, a
enfermeira deu lugar à mulher.
Antes que pudesse se afastar, Jordan se voltou para ela e agarrou sua mão.
— Não vá!
Holly olhou para ele. O som baixo e gutural de sua voz ainda vibrava em seus
ouvidos. Algo no tom denunciava uma ressonância mais profunda de sua alma. "Não vá!"
Ele tinha dito isso do jeito como Holly sempre imaginou que os homens falassem com
suas namoradas. Ficou paralisada.
Um brilho escuro surgiu nos olhos dele. Alguma intenção proibida que a tentou.
Não tinha certeza do que era, mas gostaria de experimentar.
Os olhares se cruzaram. Holly pensou em desviar o seu, mas não conseguiu.
Parecia enfeitiçada. O quarto foi se enevoando à sua volta. Não havia nada mais no
mundo, a não ser o homem que estava a sua frente.
— Holly...
Jordan pronunciou seu nome como se fosse à coisa mais preciosa. Foi então que
Holly percebeu que ele estava massageando a palma de sua mão com o polegar.
Milhares de pequenos choques elétricos foram subindo pelo braço e se espalhando pelo
peito, antes de se concentrarem em seus seios sensíveis e intumescidos.
— Quero beijá-la — Jordan disse, olhando-a fixamente — E tocá-la. Se isso a
assusta, então pode ir, na hora que quiser. Não precisa se preocupar, porque não vou
fazer amor com você. Não porque não tenha vontade, mas porque... bem... porque nem
ia conseguir agüentar o esforço agora. Talvez quando ficar bom.
Holly piscou várias vezes. Claro que tinha ouvido errado. Ele anunciou que ia
beijá-la e tocá-la? Assim, sem mais nem menos? Estava falando de sexo?! E ainda nem
eram sete da noite. Teria ficado louco?!
Mas a curiosidade e o desejo foram mais fortes que o terror. A idéia de ir
embora foi descartada. Lembrou-se do último beijo de Jordan, e queria repetir a
experiência. Muitas mulheres tinham experimentado aquilo enquanto ainda cursavam o
segundo grau, ou pelo menos na faculdade. Holly sabia que, para os padrões atuais,
estava bastante defasada quando o assunto era romance. Mesmo que Jordan não
tivesse feito seu sangue ferver e o coração disparar, ainda assim estaria tentada a

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Noite inesquecível Susan Mallery
beijá-lo outra vez.
Além do mais, tinha certeza de que ele não a magoaria nem faria nada que a
deixasse infeliz.
— Você não foi embora — ele constatou — Então, a idéia de me beijar não a
repugna?
O embaraço a forçou a desviar o olhar. Durante quanto tempo mais iriam ficar
falando sobre isso? Não poderiam apenas fazer o que devia ser feito?
Holly meneou a cabeça em resposta.
— Ótimo!
Jordan a puxou. Ela resistiu e continuou sentada, rígida. A boca dele se curvou
num sorriso.
— Minha condição física não é das melhores. Terá de vir até mim.
Holly olhou-o, sem compreender.
— Não posso me sentar — ele explicou.
— Oh!
Então ela percebeu: os músculos distendidos nas costas dele, sua dor. Jordan
precisava de sua ajuda. Tudo bem, iria ajudá-lo.
Mas, quando ia se inclinar para ele, descobriu que não poderia fazê-lo. Era
ousado demais para ela. Não sabia que atitude tomar.
— Jordan, não posso...
— Pode sim. Beije-me, Holly.
Então, ela tocou os lábios dele com os seus. A mão que Jordan ainda segurava
ficou presa entre eles, e o punho foi puxado para trás. Uma dor aguda percorreu o
braço dele, e Holly se afastou. Não ia funcionar.
— Não adianta. Não sou boa nisso.
— Claro que é. — Ele ergueu a cama um pouco, depois deu tapinhas na barriga.
— Sente-se igual a quando me fazia massagem nas costas.
Holly o olhou, indecisa. Talvez nunca tivesse visto um homem nu antes, mas
sabia muito bem onde todas as partes ficavam.
— Deixe para lá — Jordan disse, de repente — Foi uma idéia estúpida. Por que
não me deixa descansar um pouco?
Então, Holly se sentiu confusa de verdade. O que estava acontecendo, afinal?
Num minuto, ele queria beijá-la, e no seguinte a mandava embora?
Então, Holly o observou e percebeu a tensão em volta de sua boca. Jordan
estava embaraçado. Só não sabia por que: se por causa de sua condição enfraquecida
ou por pensar que ela não estava interessada. Não importava. O coração de Holly se
enterneceu. Segurou a mão dele.
— Não fique zangado — ela pediu, com voz doce — Quero fazer, só que tudo
isso é novo para mim.
Jordan a encarou por um minuto, em silêncio. Depois, relaxou.
— Tem certeza?
— Juro. Diga-me o que fazer.

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Noite inesquecível Susan Mallery
— Isso é alguma espécie de técnica de enfermagem moderna?
— Tenho certeza de que beijar um doente é considerado uma falha de ética
profissional. Nunca ouvi isso sendo prescrito para fins médicos.
— Ah, a medicina está sempre avançando...
Holly riu e acabou relaxando.
— Diga-me o que fazer.
— Sente-se sobre minha barriga com as pernas abertas.
Sentindo-se tão ágil e elegante quanto uma girafa recém-nascida, Holly fez
como ele havia pedido. Ainda bem que o suéter era grande e largo o bastante para
evitar que Jordan pudesse ter uma visão bem precisa de seu corpo. Isso seria
embaraçoso demais.
— Incline-se para frente, Holly. Descanse os cotovelos na cama.
— Mas então meus... — Ela olhou para os seios — Desse modo, irei tocá-lo
com...
O sorriso dele aumentou.
— Essa é a intenção.
— Tem certeza?!
— Confie em mim.
Holly obedeceu. Seus rostos ficaram a poucos centímetros de distância. Ela
podia sentir a respiração calma e quente de Jordan. Seus seios descansavam contra
aquele peito duro e inclinado, como se tivessem passado a vida inteira procurando
aquele lugar para pousar.
Holly não estava tão confortável. Não sabia o que fazer com as mãos. Sentia
seus quadris arqueados para cima. Para piorar as coisas, cada parte de seu corpo
latejava e tremia, e não conseguia controlar sua respiração.
— Isso deveria ter sido muito mais fácil quando eu tinha dezesseis anos —
murmurou.
— Para mim, não. Nessa época, estava mais interessado em resultados do que
no processo em si.
Holly não sabia o que Jordan queria dizer com aquilo, mas, antes que
conseguisse perguntar, ele ergueu um pouco a cabeça e a beijou.
Era melhor do que a lembrança que guardava consigo da primeira vez. Os lábios
dele eram firmes e quentes. A boca de Jordan se esfregava por sua pele sensível,
deixando-a em ebulição, despertando todos os seus nervos, e lembrando-lhes por que
tinham sido postos ali.
Jordan abriu a boca. Holly não precisou de mais estímulo para segui-lo. A
expectativa daqueles breves segundos em que esperou que a língua dele tocasse a sua
quase a fez desmaiar de emoção. De repente, compreendeu a utilidade de suas mãos.
Agarrou o rosto dele e puxou-o. Enterrou os dedos nos cabelos espessos e tentou
transmitir sua necessidade.
Jordan recebeu a mensagem. Invadiu a boca delicada com fúria, explorando,
roçando, saboreando, deixando um rastro de sensações pecaminosas. Ele se apoderou

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Noite inesquecível Susan Mallery
de sua respiração e a fez querer mais. Holly gemeu de prazer quando Jordan lambeu
seu lábio inferior e o sugou. O suave apertão desencadeou uma reação incrível, que
terminou entre suas coxas, que, enfim, despertaram para a vida. Tremores frios se
chocavam contra seu sangue em chamas.
Aquilo não era um beijo: era um acontecimento, uma mudança de vida.
Holly fez com a língua o mesmo que Jordan, e tomou-o de assalto, do mesmo
jeito que ele havia feito. Sentiu arrepios de resposta nos músculos fortes.
As mãos de Jordan esfregavam e apertavam suas costas. Uma se ocupava da
região dos ombros e do pescoço, enquanto a outra explorava suas pernas e quadris,
enviando atrevidos estímulos de sensações para seus seios. Queria beijá-lo para
sempre. Gostava da dura extensão do corpo dele por baixo do seu. Tinha evitado a
paixão física por tanto tempo que não estava certa se iria receber o suficiente.
Jordan segurou a parte de baixo do suéter e puxou-o para cima. Holly
interrompeu o beijo.
— O que está fazendo?!
— Nada.
Quando o suéter já tinha subido até a cintura, ele passou os dedos por baixo e
começou a tocar sua pele.
— Claro que está fazendo alguma coisa. Posso sentir.
As rugas se aprofundaram nos cantos dos olhos de Jordan, enquanto ele sorria
de modo tentador.
— Não sei do que está falando.
O pior é que ela também não sabia. Jordan percorreu suas costas até ao
pescoço. Aquele toque suave lhe tirava as forças. Não conseguiria protestar, mesmo
que tivesse vontade de fazê-lo.
Mãos grandes envolviam-na. Jordan não se mexia, apenas suportava o peso dos
seios nas palmas das mãos. Holly fechou os olhos e se concentrou nas sensações. Tudo
era novo, o sussurro de embaraço e prazer, os tremores, o modo como seus mamilos se
contraíam e ansiavam por mais carícias dele.
Depois, Jordan começou a apertá-los. Seus polegares se esfregaram em volta
dos mamilos. Os braços de Holly tremiam sem parar, depois a força a abandonou e ela
se deixou cair sobre ele.
Jordan não lhe deu tempo para se lamentar. Queria sua boca, tentando-a e
excitando-a, até que a única coisa que ela pudesse querer fazer seria grudar seu corpo
ao dele.
Não se reconhecia mais. Estava viva e consciente de seu corpo. Jamais pensara
em prazer físico antes, e agora não conseguia pensar em outra coisa.
As mãos dele se dirigiram para suas costas, mais uma vez. Holly percebeu um
suave apertão no fecho do sutiã, mas resolveu ignorá-lo. Jordan podia fazer o que
quisesse. Não protestaria de novo.
— Sente-se — ele ordenou, depois lhe beijou o rosto e o queixo.
Ela obedeceu. Balançou de um lado para outro por um momento, procurando se

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equilibrar, depois encarou-o. O peito nu estava ali, tentador, ao alcance, pedindo para
ser acariciado também. Sem saber onde tinha arrumado coragem, Holly passou a mão
por ele. Os olhos de Jordan foram se fechando aos poucos, e ele sussurrou seu nome:
— Holly... Toque-me.
Ela não sabia onde nem como, mas achou que não podia frustrá-lo. Esfregou
suas mãos contra os poucos pêlos que circundavam os mamilos lisos de Jordan.
Percorreu o contorno das costelas e seus ombros largos. Ficou com vontade de
descobrir seu sabor, mas não conseguiu arrumar coragem suficiente para testar a pele
dele.
Após alguns minutos, Jordan lhe agarrou as mãos.
— Tire o suéter.
— Por quê? — O coração de Holly bateu mais forte.
Jordan não respondeu, e ela engoliu em seco. Tudo bem, era para tirar o
suéter. Só isso. Nada mais. Não havia prometido fazer tudo o que ele lhe pedisse?
Além disso, se o tirasse talvez Jordan pudesse tocar seus seios de novo. Isso não
seria maravilhoso?
Resolveu obedecer, sem mais demora. Compreendeu que Jordan havia
desabotoado o sutiã. Nem queria pensar como devia estar parecendo desajeitada,
enquanto tentava tirar uma peça de roupa e manter outra grudada com firmeza contra
o peito.
Por fim, conseguiu puxar o suéter pela cabeça com uma mão, enquanto a outra
segurava o sutiã contra os seios. Jogou o suéter no chão.
— Isso também — ele disse, apontando para o sutiã.
— Não posso — Holly respondeu com tristeza.
— Por quê?
Ela desviou o olhar.
— São muito grandes. São feios. Sempre quis ter seios como os dos anúncios
de revistas.
— Tudo em você é lindo.
Holly o encarou com os olhos arregalados.
— Ah, certo. Incluindo o peso a mais. Estou exausta... As agências de modelos
estão correndo atrás de mim, me implorando para que eu trabalhe para eles.
Jordan a olhou por um momento e meneou a cabeça, como se tivesse chegado a
alguma conclusão.
— Endireite a coluna.
Isso ela podia fazer. Obedeceu.
— Feche os olhos.
Aquele pedido a deixou desconfiada, mas fez de novo o que ele pedia. Achou
que Jordan fosse tirar seu sutiã, mas, por sorte, ele não o fez.
Em vez disso, pôs as mãos nas suas coxas. Acariciou-as dos joelhos até aos
quadris. Cada vez que o fazia, elas deslizavam para mais perto das partes de dentro de
suas pernas, até que por fim os polegares alcançaram suas partes íntimas. Holly deu

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um pulo.
— Continue de olhos fechados — ele pediu.
Ela quase não conseguia mais respirar, mas achou que seria mais fácil não ficar
olhando. Jordan manteve os polegares tocando, pressionando, explorando. Parecia
estar procurando alguma coisa.
Jordan esfregou um pequeno ponto. Um calafrio percorreu o corpo de Holly e
fez sua pele arrepiar de prazer. O que seria aquilo? Será que ele iria fazer isso de
novo? Não só iria como o fez de imediato. Tocou várias vezes aquele lugar mágico,
acariciando-a até que Holly ficou quase sem forças. Depois, afastou suas mãos para os
lados, e foi apertar seus braços nus e os ombros.
Os seios dela palpitavam. Não havia outra palavra para descrever a profunda
sensação que os preenchia. Os mamilos estavam duros, intumescidos. Precisava de
alívio, mas não sabia o que fazer. Suspeitava que Jordan tinha a resposta. Mas isso
significaria ter de olhar para ele. Compreendeu que a batalha estava perdida, no
momento em que Jordan dirigiu um único dedo para a curva do seio esquerdo. O toque
suave era tão doce que Holly teve vontade de chorar. Em vez disso, relaxou e deixou-o
tirar seu sutiã.
Durante quinze segundos, ficou se perguntando se estaria fazendo a coisa
certa. Após um minuto, decidiu que já havia perdido tempo demais.
Jordan tocava seus seios como se fossem preciosos objetos de adoração. Os
longos dedos acariciavam cada curva, cada centímetro de pele sensível. Os polegares
esfregavam os mamilos rijos, circundando-os e apertando, até que Holly não conseguiu
pensar em mais nada, a não ser desejar que ele a tocasse daquele jeito para sempre.
— Se eu lhe der um milhão de dólares, promete nunca mais parar? — ela
perguntou.
— Prometo. Sem o milhão, de dólares — ele sussurrou — Por que eu iria querer
parar?
Holly abriu os olhos. Os dedos bronzeados de Jordan contrastavam com sua
pele alva. De certa forma, pelo jeito como ele a tocava, podia acreditar que não era
feia. Quando os polegares e as pontas dos dedos indicadores prenderam gentilmente
seus mamilos, os quadris se arquearam de modo involuntário. Sua respiração acelerou,
e ela não soube por que. A pele estava quente. Tudo a confundia, mas era por demais
maravilhoso.
Quando Jordan voltou a puxá-la, Holly não protestou. Abaixou a cama para que
ficasse reta, enquanto ele usava dois travesseiros para apoiar as costas. Depois,
Jordan fez uma coisa surpreendente: inclinou a cabeça para a frente beijou um
mamilo. O calor úmido tomou conta dela. Sussurrou o nome dele e passou os dedos por
seus cabelos. Seu corpo vibrava com um incontrolável desejo. Queria mais e mais.
Jordan mordiscou seu mamilo, pressionando os dentes, de leve, tocando-o com
a ponta da língua. Depois, dirigiu os lábios para o outro mamilo e repetiu o
procedimento. Holly mal percebia as mãos dele deslizando para baixo, sem parar de
esfregar sua pele. Foi quando um dos dedos tocou aquele lugar mágico e proibido entre

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Noite inesquecível Susan Mallery
suas pernas que ela percebeu o que ele estava fazendo.
Mas era tarde demais. Jordan havia recomeçado a doce tortura. Era
impossível falar alguma coisa. Holly chegou a pensar que seu coração fosse parar de
bater.
— Relaxe — Jordan murmurou. Sua língua foi subindo, sem perder o contato
com a pele, e acabou pousando na orelha dela. — Não vou machucá-la. Vou fazê-la se
sentir bem.
E cumpriu a promessa. Não havia a menor sombra de dúvida quanto a isso.
— Está gostando, Holly?
Ela assentiu com um gesto de cabeça. Era incrível. Cada fibra, cada célula,
cada átomo de seu corpo estava focado nos dedos dele e no que estava fazendo.
— Já sentiu alguma vez algo parecido com isto?
— Não — ela conseguiu murmurar.
— Ótimo. Apenas se deixe levar. — Enquanto Jordan falava, um espasmo lhe
sacudiu o corpo. Ele sorriu. — Não vai demorar muito.
Holly não sabia se isso era bom ou ruim, mas decidiu que não tinha importância.
Jordan aproximou o rosto e a beijou. As línguas se encontraram e começaram a
efetuar sua dança ritual. O rápido espasmo combinava com a cadência ritmada entre
suas pernas. Holly pensou que fosse morrer de prazer.
A mão dele apertou com mais força, e ela não conseguiu pensar em mais nada
além daquela insistente e prazerosa pressão. Era algo que não compreendia, mas fazia
seu corpo levitar. Jordan interrompeu o beijo e se concentrou de novo no seio,
esfregando a língua contra o mamilo. Aquilo era a única coisa que importava.
De repente, Holly começou a estremecer e pareceu explodir como milhões de
fogos de artifício. Por um momento, o mundo parou, suspenso num ponto de prazer tão
intenso que a fez por fim compreender por que os amantes arriscavam tudo por ele.
Aos poucos, voltou à sua cadência normal, e o alívio lhe acalmou o corpo. Rendeu-se
àquela incrível sensação de paz, usufruindo-a com a mesma intensidade, fundindo-se
com aquele homem a seu lado, que lhe abrira as portas do êxtase, sabendo que nada
voltaria a ser igual dali em diante. Jordan examinou seu rosto, o rubor que subia do
peito para as faces, o modo como os lábios se abriam, como se ela precisasse de mais
ar. Por fim, os olhos de Holly também se abriram.
— Nossa! — ela exclamou.
— Coisa boa, não?
— Preciso inventar palavras para descrever a sensação.
Ele beijou sua testa.
— Ainda bem.
Jordan estava contente. A não ser pelo intenso desejo reprimido, sentia-se
ótimo. Não podia dar a Holly tudo o que ela merecia, mas tinha lhe aberto uma porta.
Estava feliz por ter conseguido dar-lhe prazer.
Beijou outra vez.
— E o meu jantar?

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Noite inesquecível Susan Mallery
Holly sorriu.
— Também estou morrendo de fome. Temos bife com batatas cozidas. Dê-me
quinze minutos.
Ela se sentou na cama e esticou os braços. Seus longos cabelos caíam por suas
costas. Quando Holly levantou os braços, Jordan olhou para o seio esquerdo e o mamilo
rosado. Mas tinha prometido não fazer amor com ela, e pretendia manter sua palavra.
Holly era inocente e ingênua o suficiente para não perceber que ele estava excitado e
sofrendo com a pressão não liberada. Melhor para ambos se ela não se oferecesse
para liberá-la.
Holly se levantou e pegou o sutiã. Jordan deu mais uma rápida olhada para seu
seio nu, antes que ela se virasse e se vestisse. Surpreendendo Jordan e a si mesma,
Holly se inclinou e deu-lhe um beijo rápido e quente antes de se levantar para ir
esquentar o jantar. Jordan ficou olhando para ela.
Holly Garrett era o máximo! Podia sentir o perigo com clareza. Havia algo nela
que o atraía de um modo especial. Talvez fosse sua ingenuidade ou seu modo gentil e
carinhoso. Não fazia a menor idéia. Tudo o que sabia era que ela o fazia querer coisas
que nunca poderia ter. Ele a tratava de modo diferente do que a todas as mulheres
que havia conhecido antes. Com elas, sempre acabava querendo se resguardar. Com
Holly, tinha vontade de se entregar sem limites.
Mas não podia se envolver. Sabia o preço que o amor exigia. Seus pais, Travis e
sua primeira mulher, Craig e Krystal. Todos que conhecia e de quem gostava tinham
pago um preço alto demais pelo privilégio do amor. Jordan tinha jurado jogar com
segurança. Era por isso que sempre evitava relacionamentos. Assim, estava admirado
por Holly ter penetrado suas barreiras.
Prendeu a respiração. Pela primeira vez na sua vida, queria mais. Tinha vontade
de estar com ela, fazer amor, abraçá-la, confessar seus segredos mais íntimos. Pela
primeira vez, sentia-se tentado a fazê-lo. Queria acreditar que isso era possível, que
agora era diferente. Mas tinha aprendido sua lição muito bem. Dessa vez, iria agir do
mesmo jeito. Se decidisse se arriscar a se envolver, tanto ele como Holly iriam se
machucar. E isso Jordan não queria.

CAPÍTULO X

Era domingo. Passava um pouco do meio-dia quando Louise e Holly tiraram a


última bandeja de biscoitos de chocolate do forno. Os deliciosos aromas enchiam a
casa: baunilha, chocolate, canela, açúcar... todos envolvidos pelo cheiro forte de café
recém-coado para os convidados.
Louise transferiu os biscoitos já frios para uma travessa e a entregou a Holly.

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Noite inesquecível Susan Mallery
— Leve estes para a sala.
— Mas já tem três travessas lá.
Louise suspirou.
— Eu sei como aquelas garotas comem. Os biscoitos vão desaparecer num abrir
e fechar de olhos. Acredite em mim.
Holly riu. Quando chegou à sala, olhou em volta. A mobília que Jordan colocara
lá se resumia a um único sofá e uma espreguiçadeira, muito usados. E as dimensões da
sala eram bastante grandes. Em honra dos eventos do dia, Holly tinha emprestado
alguns sofás antigos, duas mesas e abajures de pé. Nada combinava, mas pelo menos
todo o mundo iria ter um lugar onde se sentar.
Olhou para as paredes brancas e lisas, e pensou como a casa poderia ficar
bonita. Haviam terminado a reforma da sala de jantar no dia anterior. Kyle e Travis
tinham vindo ajudar a trazer os móveis que
Jordan encomendara. Com algum tempo e esforço, todos os cômodos ficariam
igualmente bonitos. E Holly queria participar do projeto.
Passou os dedos pelo encosto duro de um sofá azul de estilo vitoriano e
imaginou a casa cheia de risadas. Tinha sido feliz ali. Outros também poderiam ser.
Tentou imaginar como seria viver para sempre na mansão, criar uma família naquele
lugar. Pensara em ter filhos, claro. Sonhara bastante com isso, mas chegara à
conclusão de que esse era um sonho impossível. Julgava não estar preparada para ser
uma mãe solteira. A idéia de criar uma criança sozinha a enchia de pavor. Admirava as
mulheres que eram capazes de cuidar de tudo contando apenas com elas mesmas, sem
depender de mais ninguém.
Sempre pensara em ter uma família, mas o casamento nunca fizera parte de
seus planos. Sabia que jamais conseguiria confiar em alguém o bastante para ter
coragem de se comprometer para toda a vida.
Ouviu vozes na cozinha. O tom mais alto e agudo de Louise foi seguido pela voz
grave de Jordan. .Seu coração começou a bater mais rápido. Depois de tudo por que
eles haviam passado, trabalhando juntos na casa o dia inteiro, falando sobre quase
todos os aspectos de suas vidas, Jordan ainda tinha o poder de fazer com que seus
joelhos fraquejassem, apenas com o som distante de sua voz.
Uma inquietação a percorreu, impelindo-a a andar mais rápido pela sala.
Um calor começou a se formar em seu ventre, à medida que se lembrava de
como ele a havia tocado e o prazer maravilhoso que lhe proporcionara. Não tinha
havido uma repetição daquele momento incrível que compartilharam, mas as
lembranças continuavam bem vivas.
Jordan lhe roubara alguns beijos no hall. Holly também o beijara uma vez,
apesar de a idéia ainda levar o rubor às suas faces. Se alguém por acaso lhe
perguntasse, não seria capaz de definir a relação deles.
Não estavam de caso, nem eram amantes. Pareciam ser mais do que simples
amigos, apesar de ela não ter tanta certeza assim. O mais assustador era que estava
começando a sentir que talvez fosse capaz de acreditar em Jordan. Se o fizesse, se

72
Noite inesquecível Susan Mallery
permitisse se apaixonar por ele, isso arruinaria tudo. Não importava que ele fosse
simpático, no fundo de seu coração, sabia que não era seu tipo. Quando estivesse
curado e capacitado para levar sua vida normal de novo, iria voltar para o tipo de
mulheres a que estava acostumado.
O barulho de carros no pátio penetrou através de suas divagações. Dirigiu-se
para a janela da frente e olhou para fora. Um Mercedes brilhante vinha na frente,
seguido por três caminhonetes. Uma delas tinha um pequeno trailer atrás.
Adultos e crianças encheram o pátio. Holly olhou, admirada. Conhecera a maior
parte dos adultos da família, mas não todas as crianças. Tentou se lembrar de que
Craig tinha três filhos, e Sandy e Kyle, quatro, contando com o bebê. Era
impressionante ver todas aquelas crianças correndo e brincando umas com as outras.
Ficou olhando os adultos chamando por eles e rindo. As mulheres se beijavam,
e os homens se abraçavam. Era como se não se vissem havia meses, e não apenas
alguns dias. Holly sentiu um nó na garganta. Invejava Jordan pela sua belíssima casa
vitoriana, mas ainda mais por sua adorável e solidária família. Ao mesmo tempo que
apreciava que eles a tivessem acolhido e feito sentir que era bem-vinda, desejou que
estivesse ali por ser aquele o seu lar.
Perguntava-se se Louise lutava contra aquele sentimento. Holly e a governanta
tinham conversado sobre suas vidas solitárias. A família Haynes oferecia um refúgio.
— Eles já chegaram? — Jordan perguntou, entrando na sala.
Movia-se com agilidade e com uma elegância natural que acrescentava mais
tentação ainda ao fascínio que já possuía. Na semana anterior, havia começado a fazer
fisioterapia, e os exercícios pareciam estar dando ótimos resultados.
— Acabaram de estacionar. — Holly olhou-o, e depois para o blusão que tinha
nas mãos — Não acha perigoso ir junto?
— Juro que não vou cortar nenhuma árvore. Meus irmãos cuidarão disso. —
Aproximou-se dela e lhe fez uma carícia em seus cabelos — Não se preocupe, estarei
bem. Vejo você mais tarde.
Enquanto ele se dirigia para a porta da frente, Mistletoe, vinda não se sabe de
onde, se materializou e pulou na frente dele. Jordan precisou dar um passo rápido
para o lado, para não pisar nela, resmungando alguma coisa ininteligível. Mistletoe lhe
lançou um demorado olhar de advertência, depois se voltou para o lado e começou a se
limpar.
— Mistletoe, que coisa feia! — Holly repreendeu. A gata a ignorou.
Jordan abriu a porta da frente e se dirigiu para o pátio. Holly foi atrás dele e
o observou descer os degraus e cumprimentar os familiares. As cunhadas se
alvoroçavam à sua volta, enquanto os irmãos brincavam com ele, chamando-o de
preguiçoso. Holly sorriu e percebeu que, apesar de sua estada ser temporária, iria
aproveitar cada minuto que fosse passar com aquela família.
Elizabeth, Rebeca, Jill e Sandy subiram os degraus da casa. Louise voltou para
o pátio e vestiu o casaco.
— Está tudo organizado, Holly — a governanta disse. — Tem café em duas

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garrafas térmicas. Deve ser suficiente, mas, se precisar fazer mais, sabe onde estão
as coisas.
Holly olhou para ela, incrédula.
— Você não vai sair...
— Claro que sim. Sempre vou com os rapazes. Alguém precisa cuidar das
crianças, levá-las para fazerem suas necessidades, essas coisas.
Holly desviou o olhar de Louise para as quatro mulheres que não conhecia ainda
muito bem.
— Mas eu não posso ser a anfitriã! — ela protestou. Não era correto. Além
disso, estava apavorada com a idéia.
— Você vai ficar bem, não se preocupe. Se ficar sem assunto, pergunte para
elas como conheceram seus maridos. Isso as manterá falando durante horas.
Com isso, Louise desceu os degraus e se aproximou da caminhonete.
— Olá — Holly cumprimentou as cunhadas de Jordan. Elizabeth estava na
frente das outras. Parou e lhe deu um grande abraço.
— Obrigada por ter ficado para nos fazer companhia.
— O prazer é todo meu — Holly murmurou, sem querer revelar que não tinha
sido idéia sua ficar sozinha para recebê-las. Achara que Louise iria estar presente.
Nem sabia o que dizer.
As quatro entraram na sala e se sentaram nos sofás. Holly se ocupou de
guardar os casacos e ir buscar o café. Por quanto tempo os homens e as crianças
ficariam fora? Duas horas? Três? Ainda era só uma da tarde. E se só chegassem ao
entardecer? Como iria sobreviver?
Quando não havia mais nada para fazer na cozinha, respirou fundo e caminhou
na direção da sala. As mulheres conversavam à vontade.
Holly ficou à porta da sala, indecisa, até que Elizabeth a viu e deu um tapinha
no sofá onde estava sentada.
— Sente-se aqui a meu lado.
Holly aceitou o convite. Forçou um sorriso, desejando que se mostrasse um
pouco mais natural.
Jill, com sua barriga redonda escondida atrás de um largo e comprido vestido
de flanela, estava reclinada na espreguiçadeira, perto da lareira. Rebeca e Sandy
partilhavam um sofá ao lado daquele em que
Elizabeth e Holly se sentavam. Sentiu que todas olhavam para ela.
— Agora eu sei — Rebeca disse, tamborilando os dedos. — Descobri o que é
diferente: você é loira!
Holly tocou os cabelos de maneira consciente.
— Eu sei.
— Nenhuma de nós é. Os irmãos Haynes costumam preferir as morenas.
— Como assim? — Jill perguntou, apontando para seus cabelos ruivos — Isso
não é verdade.
Elizabeth riu.

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— Ah, Craig sempre foi um caso à parte. Tem razão, Rebeca, Holly é nossa
primeira loira.
— Jordan e eu somos apenas amigos. Não estamos namorando.
Olhares cúmplices foram trocados entre elas. Holly sentiu-se corar.
— Sandy, jogue-me uma almofada, por favor. Ai... tudo está doendo. Mulheres
pequenas, como eu, sofrem bem mais com a gravidez. É mais fácil para as altas, como
vocês.
Sandy se inclinou para trás, contra o encosto do sofá, e suspirou.
— Não consigo acreditar que, além de criar os três filhos de Craig, você
resolveu ter o seu.
Rebeca, Elizabeth e Jill olharam para ela e riram.
— Mas você já tinha três filhos quando se casou com Kyle e depois teve uma
filha com ele — Elizabeth a lembrou.
Sandy concordou com um gesto de cabeça e ar resignado.
— Eu sei. Só não acreditava que Jill pudesse ser tão boba quanto fui. Quatro
filhos... Faz idéia de quanta roupa vai precisar lavar?
— Ah, me recuso a pensar nisso. De qualquer modo, Louise virá me ajudar. —
Jill acariciou a barriga — Sei que dá um bocado de trabalho, mas vai valer a pena.
Rebeca se inclinou para a frente e pegou uma travessa com biscoitos. Separou
dois e os deu a Sandy.
— Não se arrepende nem por um minuto, não é?
— De jeito nenhum. Apesar de quatro já ser o suficiente. É por isso que esta
tarde é tão maravilhosa. Não é sempre que consigo ficar um pouco sozinha, sem
precisar tomar conta deles o tempo todo. — Olhou para Holly — Acho que não vai
conseguir se livrar de mim tão cedo...
— Antes eu achava que a idéia de os homens levarem as crianças para pegar as
árvores de Natal e deixarem as mulheres em casa era má — Jill confessou — Pensei
que pudesse me sentir excluída.
— Não — Elizabeth a confortou — Está muito frio lá fora. Os garotos brigam,
choramingam, nunca chegam a um acordo sobre a árvore que querem. E os homens
sempre pegam as maiores, tão grandes que às vezes até é difícil fazer com que passem
pela porta. É muito mais confortável ficar aqui nesta sala quentinha. Podemos
conversar à vontade, sem maridos nem crianças. E Sandy está certa, Holly: nenhuma
de nós vai ter vontade de ir embora.
— Vocês são sempre bem-vindas.
Elizabeth suspirou.
— Claro. Temos certeza de que sim.
Sandy levantou as pernas e descansou os pés na mesinha do café. Então, se
sobressaltou e olhou para Holly, assustada.
— Não me diga que pus os pés em cima de uma antigüidade valiosa...
— Não, é de Jordan.
— Uau! Então vamos destruir tudo, garotas.

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Todas riram. Holly também, e sentiu sua tensão diminuir um pouco. Aquelas
mulheres eram simpáticas e faziam-na se sentir à vontade na sua companhia. Gostava
de estar com elas. Talvez no final da tarde fosse capaz de fixar quem estava casada
com quem. Exceto Jill, com seu vestido de grávida, todas estavam com jeans e
suéteres. Nenhuma usava muita maquiagem ou jóias caras. Eram amigas, e a acolhiam
em seu círculo íntimo. Holly desejava que pudessem perceber o quanto isso significava
para ela. Elizabeth olhou para Jill.
— Como está se sentindo?
— Um pouco cansada, apesar de ter dormido bem.
— Vai ficar pior.
— Foi o que pensei. E você e Travis, quando terão outro bebê?
Elizabeth se serviu de uma xícara de café.
— Temos conversado sobre o assunto. Jéssica já está quase com dois anos. Se
resolvermos ter mais algum, terá de ser agora. E eu quero ter outro bebê... É claro
que isso significa que vou ter outra filha. — Piscou um olho — Sabe o que dizem, não é?
Holly olhou para ela.
— Sobre ter filhas?
— Isso mesmo.
— Além do mais, um homem só já dá bastante trabalho, se é que me
compreende. — Jill apontou para a barriga.
Gargalhadas explodiram pela sala. Quando diminuíram, Jill olhou para Rebeca.
— Acho que você também deveria ter outro bebê.
— Estamos pensando nisso, também. Claro que o fato de não ser casada com
um dos irmãos Haynes me dá a opção de ter um menino ou uma menina.
Jill olhou para Holly.
— Há quanto tempo conhece Jordan?
Holly pensou em pegar café, mas logo mudou de idéia. Melhor não ter nada
para derramar.
— Há poucas semanas. Depois que minha casa ficou destruída naquele último
grande temporal. Ele me convidou para a morar aqui durante algum tempo. Estou
ajudando a reformar a mansão em troca de quarto e comida.
Jill arregalou os olhos.
— Você está morando aqui com ele?
Holly, mais uma vez, ficou vermelha.
— Não!
— Eles não estão morando juntos do jeito que você está pensando — Rebeca a
acudiu.
— Como chamaria isso então? — Jill quis saber.
— Louise também está morando aqui — Elizabeth acrescentou — Tenho
certeza de que tudo é muito correto.
Pela segunda vez em menos de dez minutos, as gargalhadas irromperam na sala.
— Um irmão Haynes sabendo se comportar... — Sandy duvidou — Isso é

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novidade. — Seu sorriso diminuiu quando percebeu que tinha sido inconveniente —Bem,
mas tenho certeza de que, de todos eles, Jordan é o que está mais próximo de ser um
gentleman.
— Quando conheci Travis, ele me pegou ao colo e me carregou — Elizabeth
contou, suspirando — Foi muito romântico.
— Que bom para você — Sandy resmungou — Quando vi Kyle pela primeira vez,
depois de voltar para a cidade após muitos anos morando longe, ele estava em sua
moto, todo bronzeado e musculoso. Já era um adulto, muito diferente do garoto que
havia conhecido antes. E lá estava eu, uma mulher feita, com três filhos, e nem ao
menos conseguia formar frases inteiras. Não sabia se deveria me jogar nos braços
dele ou sair gritando.
— Eu estava nua — Jill disse, alegre. Todas se viraram para ela, que riu. —
Tudo bem, não completamente, mas apenas com um vestidinho minúsculo. Pensei que
era suficiente. Mais tarde, Craig me disse que não. Ele me contou que passou o tempo
todo que durou nossa primeira conversa num estado muito desconfortável.
Elizabeth ergueu as sobrancelhas.
— Acho que a melhor história de todas é a de Rebeca.
— Ah, não tem nada a ver — a outra protestou e mordiscou um biscoito.
Jill afastou seus cabelos ruivos da testa.
— Acho que nunca ouvi essa história. O que aconteceu?
Rebeca levantou a mão.
— Nada.
— Nada, não. — Elizabeth pegou a xícara e gesticulou o braço no ar — Rebeca
teve uma paixão fulminante por Austin. Foi uma tragédia. Não conseguia estar na
mesma sala que ele sem derrubar ou derramar alguma coisa. Por isso, um dia foi falar
com ele.
Rebeca respirou fundo.
— Bem, já que a história vai ser contada, prefiro eu mesma fazer isso. Apesar
de não saber qual é a finalidade.
— Ora, passar o tempo! — Elizabeth justificou.
— Está certo. Fui vê-lo em sua casa. Estava caindo uma tempestade, e meu
carro ficou atolado no lugar onde o havia estacionado. A chuva piorou, e o telefone
dele parou de funcionar. Assim, nem dava para chamar um guincho. — Cruzou os
braços. — Pronto. Satisfeitas?
Elizabeth sorriu. Seus olhos castanhos tinham um brilho malicioso.
— Mas essa não é a história toda. Conte a melhor parte.
— Tive de passar a noite lá.
— E?
Rebeca olhou para o teto.
— Acabamos fazendo amor de uma forma louca e apaixonada. Pronto. Agora já
dá para encerrar o assunto?
Holly estava surpresa.

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— Na primeira vez que foi a casa dele?
— Foi por acaso.
Jill sorriu.
— Querida, acasos não existem.
— Tudo bem — Rebeca se rendeu, com um sorriso de felicidade no rosto —
Vocês são terríveis... Eu o seduzi, apesar de Austin negar isso. Diz que foi ele quem me
seduziu.
— É o que todos falam — Sandy disse — É melhor até que eles pensem assim.
Bem, pelo menos já são homens feitos. Devia ter estudado aqui no segundo grau... Eles
eram perigosíssimos nessa época. Nenhuma garota escapava.
— Apaixonou-se por algum deles? — Holly perguntou sem pensar.
— Nada muito sério. Jordan e eu saímos durante um tempo, mas não havia
química entre nós, por isso acabamos ficando amigos. Foi melhor para todos. Teria sido
muito constrangedor encará-lo como meu cunhado se tivéssemos chegado às últimas
conseqüências no banco de trás do carro dele.
Holly sentiu um frio no estômago. Não queria que nenhuma daquelas mulheres
tivesse tido um caso com Jordan. Era um sentimento ilógico e absurdo, mas era assim
que estava se sentindo.
O sorriso de Sandy foi sumindo do rosto.
— Brincadeiras à parte, acho que somos mulheres de sorte. Os irmãos Haynes,
Austin incluído, são mesmo os melhores homens que já conheci.
— Tem razão — Elizabeth concordou — Nunca pensei que iria ter coragem para
voltar a me apaixonar por alguém. Travis me mostrou que valia a pena.
— Concordo. — Jill estava emocionada — Mas não vamos mais falar nisso, por
favor. Estou grávida, devo evitar emoções fortes. E não falta muito para eu começar a
chorar.
Sandy se inclinou para frente e pegou sua mão.
— Não chore, pelo amor de Deus. Pronto, vamos começar a falar de coisas
engraçadas.
Holly pegou a garrafa térmica e percebeu que estava vazia.
— Vou pegar mais café.
— Eu ajudo você — Rebeca se prontificou, e a seguiu. Quando estavam na
cozinha, Rebeca fechou a porta.
— Não quero me intrometer na sua vida. Só queria me certificar de que estava
bem. Tudo é novo para você, e às vezes as brincadeiras podem ser um pouco
inconvenientes. O que importa é que, se não gostássemos de você, não teríamos lhe
contado essas histórias.
Holly sentiu as lágrimas aflorarem a seus olhos. E não tinha a desculpa de
estar grávida.
— Obrigada. Tudo é mesmo muito diferente para mim, mas me dá muito prazer
ver todos aqui. Vocês são tão gentis comigo! E mal me conhecem...
Rebeca pegou seu braço num gesto de carinho.

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Noite inesquecível Susan Mallery
— Ouvimos falar muito bem de você. Jordan conversou com os irmãos e com
Austin. E nesta família quase não há segredos... Ele se referiu ao fato de sua mãe ter
falecido há alguns anos e você estar só. Estamos muito felizes por passar as festas de
Natal conosco.
— Obrigada.
Rebeca se encostou na pia.
— Austin e Jordan são parecidos. Os dois são muito fechados.
— Não compreendo. Todos me dizem isso, mas não acho que Jordan seja assim.
Ele é uma pessoa franca e agradável. E tem um grande senso de humor. Às vezes me
sinto como se vocês estivessem falando de outra pessoa.
As delicadas sobrancelhas de Rebeca se ergueram um pouco.
— Interessante. Você está conhecendo um lado que ele esconde da maior parte
das pessoas. Pergunto-me qual será o significado disso.
— Nenhum, é claro.
— Sabe o que se costuma dizer quando as pessoas se apressam a negar?
— Somos apenas bons amigos — ela insistiu, preferindo ignorar a lembrança da
tarde em que havia passado alguns momentos deliciosos na cama dele. Nada tinha
acontecido, se tranqüilizou. No entanto, Jordan a tocara da forma mais íntima que um
homem pode tocar uma mulher. E lhe causara sensações maravilhosas e inesquecíveis.
— Por que Jordan não se casou, Rebeca?
Ela pegou a outra garrafa térmica, cheia, e a olhou de relance.
— Talvez porque ele não namore.
— Mas como isso é possível? Jordan é tão bonito e elegante! Tenho certeza de
que deve haver muitas mulheres loucas por ele.
— Talvez. Mas Jordan consegue ignorar a maior parte delas. — Rebeca a olhou
fixo — Você é a primeira que vejo com ele desde que me mudei para Glenwood. E isso
já faz quase quatro anos.
Holly não conseguia acreditar no que estava ouvindo. Não fazia sentido.
— Jordan é muito fechado, como eu disse, em especial a esse respeito. Não se
abre com muita facilidade nem revela o que está pensando.
— Com isso eu estou de acordo. Jordan quase nunca falava sobre sua vida
pessoal.
Holly não fazia idéia do que pensava a respeito dela ou da situação deles.
— Os irmãos Haynes não facilitam as coisas — Rebeca continuou — Mas eles
valem o esforço. Só vou lhe dar um conselho: uma vez que se apaixone, não vai
conseguir voltar atrás.
Holly se sobressaltou.
— Não precisa se preocupar comigo. Não vou me apaixonar por Jordan. Sei que
não sou o tipo dele.
— Claro que é! Mas não é o que importa. E quanto a se apaixonar ou não,
lembre-se de que nós, muitas vezes, não temos escolha, acontece e pronto! — Rebeca
deu de ombros e se dirigiu para a porta da cozinha — Eu vou na frente levar o café

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para a sala.
Holly ficou na cozinha mais alguns minutos. Amor? O conceito a intrigou. Nunca
tinha pensado em seus sentimentos nesse contexto. Não podia dizer que amava
Jordan. Afinal, mal o conhecia. Mas a palavra tinha uma sonoridade bonita. Amor...
Gostaria de amar e ser amada. Porém, isso implicava confiança, e Holly já tinha sido
traída muitas vezes.
Meneou a cabeça. Tudo era demasiado confuso. Até um mês atrás, vivera
solitária, apenas com Mistletoe para lhe fazer companhia. Seu negócio havia se
estabilizado, e estava contente com isso. No entanto, agora sua vida tinha virado de
cabeça para baixo. Ainda assim, não trocaria isso por nada. Passara a olhar para o
mundo a partir de uma nova perspectiva e vira coisas que nunca percebera antes.
Olhou para o relógio na parede. Quase duas e meia. Correu para a sala. Desejou
que os homens e as crianças não voltassem logo. Queria passar mais algum tempo com
suas novas amigas.
Eles regressaram um pouco depois das sete. Tinham telefonado às cinco para
dizer que pararam no caminho para comer. A "caçada" tinha sido bem-sucedida, mas
todos estavam morrendo de fome. As mulheres pediram pizza pelo telefone e
continuaram a conversar até que os carros chegaram na frente da casa. Então,
pegaram seus casacos e foram para fora.
Holly viu que o pequeno trailer estava cheio de pinheiros. As crianças
circundaram os carros, gritando e chamando os pais para se certificarem de que iriam
pôr a árvore certa no carro de cada um.
Jordan se dirigiu para os degraus da casa. Holly percebeu que ele estava
mancando.
— Tudo bem? — ela perguntou, correndo ao seu encontro.
Ele olhou para cima. A luz na porta iluminou seu rosto. Estava com olheiras e
rugas em volta da boca.
— Estou cansado, Holly.
— Está com dores, isso sim — ela corrigiu. Deu-lhe o braço e ajudou-o a
entrar.
Jordan se deixou cair em um dos sofás.
Quando Holly se sentou a seu lado, Jordan meneou a cabeça.
— Vá se encontrar com o pessoal — ele pediu — Estarei bem aqui. Ah, e peça a
Kyle que não se esqueça de trazer minha árvore para dentro de casa.
Holly hesitou, não querendo deixá-lo sozinho. Mas compreendeu que deveria se
despedir de todos.
Voltou com relutância para o pátio. Elizabeth a puxou para um lado, dizendo:
— Tenho um favor a lhe pedir. Posso trazer alguns presentes para cá? São
para as crianças. Tenho receio de que os encontrem. Sei que Jordan não vai se
importar, mas não confio muito nele para isso. Os homens não costumam se lembrar de
coisas pequenas, como levar os embrulhos de volta antes da manhã do dia de Natal.
— Claro — Holly respondeu — Há muitos armários por aqui onde podem ficar

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guardados.
— Obrigada, querida. — Elizabeth apertou sua mão — Sei que não há nada
entre você e Jordan, mas, falando em nome de todas as mulheres Haynes, queria lhe
dizer que todas ficaríamos muito felizes se houvesse. Você é boa para ele e acho que
Jordan também é bom para você. — Os olhos castanhos de Elizabeth brilharam — Se
ele for como o irmão, lhe asseguro que não ficará desapontada quando as luzes se
apagarem.
Holly já desconfiava daquilo. Mas riu, para disfarçar.
— Todos vocês têm sido ótimos comigo. Nem sei como agradecer.
— Não precisa.
Cedendo a um impulso de seu coração, Holly a abraçou.
— Ei, se vai haver abraços, também quero estar incluído — Kyle protestou,
enquanto carregava o tronco de uma árvore enorme na direção da porta da frente,
com Travis ajudando-o.
— Ora, chame sua mulher! — Elizabeth respondeu.
— Minha mulher! — Kyle chamou. Todos riram.
Holly se afastou para deixá-los entrar. Austin os seguiu com um suporte
enorme. Em cerca de dez minutos, a árvore já estava de pé, junto da janela da sala.
Logo, todas as outras tinham sido amarradas nas capotas dos carros, e todo o mundo
partiu.
Holly olhou para Jordan. Ele se levantou e sorriu.
— Estou cansado — confessou — Se importaria se deixássemos para amanhã a
decoração da árvore?
— Claro que não. Jordan, estou preocupada com você.
— Estou bem. Só preciso descansar.
A porta da frente se abriu, e Louise entrou.
— Que dia! Aquelas crianças quase acabaram comigo.
O queixo de Jordan endureceu. Teria acontecido alguma coisa que o deixara
preocupado?
— Trouxe algo da loja para pôr na árvore — Holly falou. — Quero trazê-las
para baixo antes que me esqueça.
Acenou para Louise e se dirigiu para a escada.
— A árvore fica bonita aqui dentro. — Louise disse.
Jordan resmungou.
Holly começou a subir a escada, mas uma espécie de premonição a fez diminuir
o passo. Algo estava para acontecer. Percebeu isso claramente.
— Quer que eu coloque as lâmpadas esta noite, Jordan? — Louise perguntou
com a voz um pouco trêmula, caminhando pela sala.
— Não! Já não fez o bastante por hoje? A única coisa que quero é que fique
longe de mim!

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CAPÍTULO XI

Assim que disse aquilo, Jordan se arrependeu. Não era o momento certo para
ter uma conversa mais profunda. Seria muito desgastante, ambos estavam muito
cansados e nada iria ser resolvido. Mas ver Louise com seus sobrinhos e sobrinhas
tinha sido mais do que conseguia suportar. Ela havia cuidado dos menores e brincado
com os mais velhos. Todas as crianças a adoravam. Jordan odiava saber que Louise se
infiltrara no meio de sua família sob falsas aparências.
Louise jogou o casaco sobre um sofá e foi na direção dele. Seu rosto estava
vermelho, os olhos azuis faiscavam de raiva. Não parecia uma pessoa perigosa, mas
Jordan sabia a verdade... e os segredos dela.
Louise parou na frente de Jordan, a um metro dele. Pôs as mãos nos quadris e
o encarou.
— Já estou cheia, Jordan. Faz quase um mês que estou aqui cuidando de você e
não agüento mais seus comentários malcriados, as insinuações e os olhares hostis.
Chega! Se tem alguma coisa a dizer, então seja homem suficiente para isso!
Jordan a encarou por um longo tempo.
— Acho que não vai gostar de ouvir.
— Por que não experimenta? Ou será que não passa de um covarde?!
O insulto atingiu seu objetivo. A raiva dele quase explodiu. Fez um último
esforço para manter o controle, mas não conseguiu.
— Não gosto de você, Louise. Há muito tempo.
— Por quê? Já lhe fiz algum mal?
— Você destruiu minha família!
Louise o olhou como se ele tivesse ficado louco.
— Não faço a mínima idéia do que você está falando. Jordan a olhou com
atenção. Queria ver se ela teria coragem de confessar a verdade.
— Sei de seu caso com meu pai.
As expectativas dele foram satisfeitas. Louise ficou pálida, depois se deixou
cair no sofá.
— Oh, meu Deus! Depois de tantos anos... — Louise levantou a cabeça e olhou
para ele — Como descobriu?
— Isso não importa. A questão é que sei o que você fez.
Louise tentou sorrir, mas seus lábios estavam tremendo demais.
— O que eu fiz?! Você fala como se eu tivesse planejado isso. Está muito
enganado. Tinha apenas dezessete anos. Ainda estava no segundo grau. — Virou o
rosto para o lado — E era virgem. Earl tinha ido ao colégio falar sobre os perigos de
dirigir embriagado. Eu estava sentada na primeira fila. Seu pai era mais velho, claro,
mas um homem muito atraente e charmoso. Ele sorriu para mim e...

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— Pode pular os detalhes.
Ela se endireitou no sofá.
— Tudo bem. Pode ser do seu jeito. Tanto faz. Eu tinha dezessete anos, como
disse, e Earl Haynes me seduziu. Pronto, confessei meu crime. Está feliz agora?
Cometi um erro, admito. Sabia que ele era casado. Não me orgulho do que fiz. Minha
única desculpa é que eu era ingênua e inexperiente.
— Earl tinha uma esposa e quatro filhos. Por acaso não lhe ocorreu pensar no
que seu pretenso caso inocente iria significar para nós?
Louise se encolheu.
Jordan lutou para manter sua raiva fluindo. Não queria sentir nada pela mulher
que estava a sua frente. Nem compaixão nem empatia.
— Ele disse que ninguém iria ficar sabendo.
— Ora, isso é uma desculpa esfarrapada.
— Não estou me desculpando, e sim me explicando. Era jovem demais.
Jordan cruzou os braços.
— Ah, então foi isso?! Você era jovem demais! Prefere não declarar seu amor
imortal por meu pai?
Os olhos azuis de Louise se escureceram de arrependimento.
— Eu não o amava, Jordan. Não sei se isso torna as coisas melhores ou piores,
mas é a verdade. Pode falar o que quiser, mas não vai conseguir dizer nada pior do que
aquilo que eu já disse para mim mesma. — Respirou fundo — Essas coisas aconteceram
há vinte e nove anos. Talvez fosse melhor esquecer tudo isso, não acha?
— É o que gostaria que acontecesse, não é? — ele provocou — Mas a história
ainda não acabou.
Pela primeira vez, ela pareceu mesmo assustada.
— O que quer dizer com isso?
— Eu lhe disse que sabia de tudo. Sei que deixou a cidade há quase trinta anos.
Que estava grávida e teve um filho.
Os olhos de Louise se fecharam e sua cabeça tombou para trás. Jordan
suspeitou que, se ela não estivesse sentada, teria desmaiado.
— Não... — ela murmurou. — Agora não. Após todo esse tempo... — Cobriu o
rosto com as mãos.
— O que aconteceu com a criança?
— Foi adotada — respondeu, num fio de voz.
Jordan desconfiara de algo do gênero. Mesmo assim, aquela simples palavra o
chocou. Havia outro Haynes no mundo. Um meio-irmão que não conhecia.
Olhou para Louise. Os ombros dela tremiam, e seu corpo balançava de trás
para frente. Mas estava silenciosa na sua dor.
Jordan virou o rosto de lado. Tinha esperado muitos anos por aquela conversa.
Ensaiara várias vezes na sua mente o que diria. Louise sempre terminava chorando e
pedindo perdão, e ele se sentia vingado. Mas agora não estava sentindo nenhuma
satisfação. Vidas tinham sido destruídas, e já era demasiado tarde para trazer o

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passado de volta. Não havia mais como mudá-lo.
— Já fui punida o suficiente, Jordan. Você não tem o direito de discutir isso
comigo. O que aconteceu entre seu pai e mim foi um erro, mas nunca ninguém ficou
sabendo. Não sou responsável pela destruição de sua família. Earl Haynes foi o único
culpado.
Jordan lhe voltou às costas. Havia lágrimas no rosto dela e, pela primeira vez,
aparentava cada dia de seus quarenta e seis anos. Mas Jordan decidiu que, já que
iniciara o assunto, iria até o fim.
— E aí que você se engana. Há dezessete anos, você voltou para Glenwood e
meu pai a contatou.
— Não — Louise murmurou.
— Sim!
— Não... Quero dizer, é verdade que Earl me procurou, mas eu não queria mais
nada com ele. Era mais velha, tinha aprendido com meus erros. Jordan, eu juro, me
recusei até a falar com Earl. Não estava interessada em um relacionamento. Ele era
casado e, mesmo que não o fosse, não iria acreditar mais.
— Que pena que não deixou isso claro.
— O quê?!
— Deveria ter lhe dito que não estava interessada nele, mesmo que não fosse
casado.
— Foi o que eu fiz.
— Mas Earl não acreditou em você.
Louise franziu as sobrancelhas.
— Não sei do que está falando.
Dessa vez, Jordan não precisou procurar pela raiva e pela dor. Elas estavam
bem presentes, fortalecidas por mágoas que haviam sobrevivido a uma infância infeliz.
— Meu pai estava convencido de que você ficaria com ele se não estivesse
casado. Por sua causa, Earl pediu o divórcio a minha mãe.
— Isso é absurdo!
— Após vinte e cinco anos correndo atrás de qualquer rabo-de-saia que lhe
aparecesse pela frente, após vinte e cinco anos sendo um péssimo marido para com
minha mãe e batendo nos filhos sem piedade, meu pai queria o divórcio. Assim, sem
mais nem menos. Só para poder ficar com você!
Louise o encarou de olhos arregalados.
— Não acredito no que diz!
— Sabe muito bem que estou falando a verdade. Eu estava lá. Ouvi tudo.
Louise meneou a cabeça. Jordan não sabia se ela ainda não acreditava nele ou
se não queria que continuasse. Mas não estava interessado nas dúvidas dela, e sim em
terminar sua história.
— Depois de pedir o divórcio, Earl foi embora. Minha mãe continuou de pé, na
cozinha, onde havia passado a maior parte dos últimos vinte e cinco anos de sua vida, e
começou a rir sem parar. Ainda me lembro do som daquele riso nervoso, que desabou

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Noite inesquecível Susan Mallery
num pranto inconsolável.
Aquilo havia sido horrível. Jordan já era um rapazinho na época, e acreditava
não ter mais idade para chorar mais ou pedir conforto.
— Jordan, eu...
— Minha mãe foi embora. Fez as malas naquela mesma tarde e saiu de casa.
Pedi para ela não ir, mas mamãe não ouvia. Disse que éramos já era bastante crescidos
e não precisávamos mais de ninguém para tomar conta de nós. Depois, se foi. — Olhou
para a mulher sentada no sofá — Ela nunca mais voltou a entrar em contato conosco.
Nem um telefonema ou uma carta sequer.
— Desculpe-me — Louise disse enquanto uma lágrima rolava por seu rosto. —
Desculpe-me... Nunca tive intenção de magoar nenhum de vocês.
— Isso não basta.
Jordan caminhou pela sala e ficou olhando para a lareira. Estava cheio de
emoções conflitantes. Por um lado, sentia pena de Louise. Ela era muito jovem quando
as coisas aconteceram e talvez tivesse agido sem pensar. Mas logo se lembrava de que
deveria ter pensado melhor nas conseqüências. Se não tivesse ido para a cama com um
homem casado, nada daquilo teria acontecido. Tentou evitar que seu coração
amolecesse e perdesse assim à oportunidade pela qual havia esperado tanto tempo.
Assim, estimulou sua raiva até que ela ressurgiu na sua plenitude. Tantas vidas
arruinadas... A dele, a de sua mãe, a de seus irmãos.
— O que aconteceu com seu filho? — perguntou.
— Não sei. Nunca mais voltei a vê-la.
Jordan gelou. Cada célula de seu corpo gritou de dor. Respirou fundo, e o
momento passou. Mas isso o deixou fraco e abatido.
— Nunca mais voltou a vê-la! Teve uma filha?
— Sim. Qual é a surpresa? Oh, Deus! Não vai querer me dizer que acredita
naquela espécie de maldição da família, não é?
A maldição da família Haynes... Nenhuma menina havia nascido em quatro
gerações. Até que Travis se apaixonou por Elizabeth. E Kyle por Sandy. Os homens da
família Haynes que amavam suas esposas tinham meninas. Os que amavam a mulher com
quem estavam tinham filhas... E Louise tinha tido uma filha! Earl a amara de verdade. E
nunca amara sua mulher. Jordan duvidava que seu pai tivesse alguma vez se
preocupado com seus filhos.
O peito dele doía, estava sendo difícil respirar. Virou-se e saiu da sala. Mas,
quando chegou ao hall, ficou sem saber para onde ir. Por isso, foi para fora, e se
sentou nos degraus de madeira.
O ar da noite lhe enregelou a pele, mas não se importava com o frio. Pelo
menos, conseguia respirar. Seus pensamentos pareciam se materializar nas nuvens de
vapor que saíam de sua boca e se dissipavam no ar.
Ouviu a porta se abrindo e fechando de novo, e os passos de Louise atrás de si.
— Vou fazer minhas malas e sairei desta casa amanhã de manhã — ela
comunicou.

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Noite inesquecível Susan Mallery
Jordan queria que ela fosse embora, mas essa não era uma opção viável no
momento.
— Não, não pode ir. Guardei esse segredo durante dezessete anos. Se for
embora, terei de explicar por que. Não vou arruinar o Natal de todo o mundo contando
tudo agora. Além disso, Holly não iria ficar à vontade sozinha comigo aqui em casa.
Quero que ela tenha um Natal feliz. Por isso, gostaria que você ficasse até ao dia de
ano-novo.
— Tudo bem.
Não dava para adivinhar o estado emocional dela por aquelas simples palavras,
mas, de qualquer forma, não queria saber o que Louise estava pensando. Apesar do
fato de ter tido uma filha não ter sido sua culpa, culpava-a por esse insulto final.
Ouviu a porta se abrir. Depois de um momento de silêncio, Louise falou:
— Eu tinha apenas dezessete anos. Sei que cometi um grande erro. Mas não
compreende que não sabia o que estava fazendo?
— Não me venha com histórias. Sabia muito bem que iria destruir minha
família.
Ela respirou fundo.
— Não vai me perdoar nunca, não é?
— Não.
— Assim, tão depressa? Nem sequer vai pensar no assunto?
Jordan não se deu ao trabalho de responder. Após um momento, Louise disse:
— Deve ser ótimo estar sempre certo. Você deve se orgulhar muito disso. Eu
já fiz muita coisa errada na minha vida, mas isso você já sabe, não é? Diga-me uma
coisa: Como é nunca cometer um erro? Como é saber que não há uma única coisa de que
se envergonhar ou arrepender?
Louise não esperou pelas resposta. Em vez disso, entrou na casa.
Jordan continuou sozinho no frio. Em algum lugar lá fora havia uma meia-irmã
sua que não conhecia. Não sabia nada sobre ela, e ela não sabia nada dele. Não sabia
que era uma Haynes, e isso talvez fosse até bom para ela.
Tentou imaginar como seria. Devia estar com vinte e oito anos. Apenas dois a
menos que Kyle. Eles tinham uma irmã! Desejou que ela tivesse tido uma infância e uma
adolescência mais felizes que os irmãos. Desejou que pudesse ter encontrado pais que
a tivessem amado e tomado conta dela.
Jogou a cabeça para trás e fechou os olhos. Perguntou-se o que deveria fazer.
Depois do ano-novo, Louise iria embora. Ela talvez pudesse pensar que ele iria contar a
seus irmãos tudo o que sabia, mas não ia fazer isso. Não se importaria mais com o que
ela havia feito, desde que fosse embora de uma vez de sua vida.
Holly abriu os olhos na escuridão, mas o sono não vinha. Olhou para o relógio: já
passava da meia-noite. Por fim, desistiu e afastou as cobertas. O gesto acabou
atingindo Mistletoe, e a gata murmurou um protesto sonolento. Holly a afagou, como
que se desculpando, vestiu o robe e calçou os chinelos. Já que não conseguia dormir,
talvez tomando um copo de leite ou andando um pouco o sono acabasse por chegar.

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Noite inesquecível Susan Mallery
Atravessou o quarto e abriu a porta. A casa estava em silêncio, em contraste
com os barulhentos pensamentos que rodopiavam na sua cabeça. Tinha sido errado de
sua parte escutar a discussão de Jordan e Louise, mas não conseguira evitar.
Não sabia o que pensar. Pelo menos, agora podia compreender a implicância de
Jordan com a governanta. Ele era muito novo quando descobriu que Louise havia tido
um caso com seu pai, e que isso tinha levado ao nascimento de uma criança.
Uma criança... Puxou o robe contra o peito, enquanto um desejo intenso de ter
um filho a invadia. Era, na certa, o resultado da tarde passada com as cunhadas de
Jordan.
Quando terminou de descer a escada, viu a luz acesa no quarto dele. Hesitou
por um momento, não querendo se intrometer, mas ficou na dúvida se Jordan por
acaso estaria com dores, por causa de seu dia extenuante.
Atravessou a biblioteca e parou à porta aberta do quarto. Jordan estava
sentado na cama. Tinha um livro nas mãos, mas olhava mais para o espaço do que para
as páginas. Não percebeu a presença dela de imediato, e Holly aproveitou a
oportunidade para observá-lo.
Jordan vestira um moletom largo que escondia seus músculos. Rugas de tensão
endureciam sua boca, e os olhos estavam cheios de dor.
— Jordan?
Ele olhou para ela. A expressão no seu rosto se fechou no ato. Um segundo
atrás, conseguira ler sua alma; agora, não sabia o que ele estava pensando. Lembrou-se
do que Rebeca havia falado sobre Jordan ser um solitário, sempre circunspecto. Pela
primeira vez, acreditou que aquilo pudesse ser verdade.
— Já é tarde. — Jordan pôs o livro em cima da cama.
— Não estava conseguindo dormir... — Holly enfiou as mãos dentro dos bolsos
do robe — Queria ver se estava bem.
— Por que não deveria estar?
Sua frieza a assustou um pouco.
— Ficou fora hoje durante muito tempo. Eu estava preocupada por talvez você
ter feito força demais. Está sentindo dor?
Ele fechou os olhos.
— Não.
Holly ficou na dúvida se deveria ir embora ou arriscar ficar. Seu lado covarde
lhe dizia que fugir talvez não fosse má idéia, mas sua verdadeira natureza acabou
vencendo. Acomodou-se na cadeira, perto da cama. Não havia nenhuma maneira fácil
de dizer aquilo. Então, resolveu ser direta:
— Eu estava na escada. Ouvi tudo.
Jordan abriu os olhos, mas não olhou para ela. Em vez disso, ficou mirando
algum lugar indefinido no espaço. Nem um único músculo se mexeu, denunciando seus
pensamentos.
— Jordan?
— Não importa. Foi há muito tempo.

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Noite inesquecível Susan Mallery
— Claro que importa. Há tantas coisas mal resolvidas! Sinto muito que tenha
tido de carregar isso sozinho durante tanto tempo. Deve ter sido muito duro para
você.
Ele não respondeu. Holly respirou fundo.
— Sabe a culpa não é só de Louise.
Jordan sorriu. .
— Como mulher, é claro que iria ficar do lado dela.
— Isso não tem nada a ver.
— Se a culpa não é dela, então é de quem?
— Louise merece um pouco da culpa, só que não toda.
— Deve ser muito fácil para você cuidar da culpa alheia. Por que não a divide
de uma vez, e depois me conta quanto dela é minha, quanto é dela e quanto mais
pertence a alguma outra pessoa? Afinal, você é uma perita em relacionamentos...
As palavras dele a atingiram como pedras pontiagudas. Aquele Jordan era mau
e insensível. Não gostava dele, nem acreditava em suas palavras. Mas ainda se
importava com ele, por isso continuou sentada.
Como se Jordan tivesse lido seus pensamentos, olhou para ela e lhe deu um
sorriso fraco.
— Desculpe-me. Não queria magoá-la. Aconteceu tudo de repente e é duro
falar nisso. Não pode compreender essa situação, Holly. É inocente demais.
— Tanto quanto Louise quando tudo aconteceu com ela?
O sorriso dele se esvaneceu.
— Tudo bem, um ponto a seu favor.
Holly compreendia sua dor, por isso estava decidida a ignorar suas
provocações.
— Jordan, não se trata de marcar pontos nem de ganhar ou perder. Trata-se
de seres humanos, de sentimentos. Vai ter de aprender a enfrentar isso. Não Por
causa de Louise, mas por sua causa.
— Você não faz a mínima idéia do que está dizendo. Se ela apenas tivesse
dormido com meu pai, poderia ter compreendido. Ele era um mulherengo de primeira, e
teria gostado muito de seduzir adolescentes. Duvido que Louise tivesse sido a primeira
ou a última. Mas ela foi além disso. Não conseguiu ficar longe daqui. Por isso, voltou
para a cidade e destruiu minha família.
A raiva dele parecia ter adquirido vida própria e se transformado num
monstrinho que estava vivendo e respirando no quarto, ao lado deles. Holly precisou
reunir suas forças para ganhar coragem.
— Tenho a sensação de que sua família já estava destruída muito antes de
Louise ter voltado para a cidade.
— Ora, é claro que tínhamos problemas. Todo o mundo tem. Mas se ela não
tivesse voltado, minha mãe não teria ido embora. E agora Louise está aqui, infiltrada
na vida de todos. Odeio isso! Para qualquer lado que me volte, vejo Louise cuidando de
alguém de minha família.

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Noite inesquecível Susan Mallery
— Mas ela não está magoando ninguém. Pelo contrário. Cuida de todos com
muito carinho. O que há de errado nisso?
— Ela está nos fazendo de bobos.
— Não. — Holly se inclinou para frente — Louise se preocupa com todos, até
com você. Tem muito amor pelas crianças.
— Amor... — Jordan riu — Isso seria o fim.
Holly sentiu um calafrio lhe percorrer a espinha.
— O que quer dizer?
— Esse amor de que você tanto fala apenas destrói. Se tivesse tido a
oportunidade de perguntar a meu pai, ele teria lhe respondido que amava seus filhos.
As surras eram apenas para mantê-los no caminho certo. Também amava sua mulher,
claro. E que mal tinha que desse suas escapadas de vez em quando? Dormia sempre na
sua cama, toda noite, ao lado da esposa. Isso tornava as coisas certas. Seu pai e seus
tios, seus irmãos, e até mesmo seu avô, haviam feito a mesma coisa antes dele.
Jordan fez uma pausa e inclinou a cabeça para trás. Depois continuou:
— Quer ouvir falar de amor? Muito bem... Craig amava sua primeira mulher,
Krystal. Ela não tinha caráter, mas ele estava cego de amor. Krystal era como nosso
pai. Insinuou-se para cada um de nós. Isso nos assustava, mas achamos melhor nunca
contar a Craig. Ele nem iria acreditar. Krystal jurava amá-lo. Deveria também amar
seus filhos, apesar de ter conseguido deixá-los para trás e nunca mais visitá-los após o
divórcio. Como vê, minha cara, o amor destrói tudo o que toca.
Holly não sabia o que dizer. Sua primeira vontade foi lhe dizer que estava
errado, que o amor não destruía. Mas pensou em sua mãe, que tinha amado seu pai. E
ele a deixara. Mesmo quando ela estava morrendo, não permitiu que fosse incomodado
para ajudar. Holly sabia que o amor às vezes podia machucar. Mas também podia ser
muito bom. Ela, por exemplo, havia passado momentos fantásticos com sua mãe.
— Às vezes o amor pode ser uma experiência maravilhosa — Holly concluiu.
— Acredita mesmo nisso?
— Sim! E sua família? Não sente amor por eles?
— Ora, uma exceção que confirma a regra.
Holly observou seu rosto. Mostrava cansaço. Podia perceber isso nas olheiras
profundas sob seus olhos. Desejou poder fazê-lo se sentir melhor, mas também estava
exausta.
— Somos um par e tanto! — ela exclamou — Você acredita que o amor destrói,
e eu tenho medo de confiar em alguém.
Tal como o amor, a confiança também era um sentimento arriscado. Mas,
quando dava certo, valia a pena o risco. Acreditaria nisso o bastante para convencê-lo?
— Quem me dera pudesse achar as palavras certas para fazê-lo sentir-se
melhor, Jordan.
— Não é problema seu. Não se preocupe, vou ficar bem.
Holly pensou no garoto que havia descoberto horríveis segredos de família.
Jordan tinha dito que os havia guardado só para si, e acreditava nele. Jordan

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Noite inesquecível Susan Mallery
carregara aquele peso durante muitos anos. Holly não concordava com sua necessidade
de culpar Louise, mas podia compreender esse sentimento.
— Você está exausta — ele disse — Vá dormir.
Holly meneou a cabeça e se levantou.
— Está bem... Sinto muito, Jordan.
— Não há motivo.
Ela achou melhor não falar mais nada. Jordan não iria querer sua piedade nem
sua compreensão. Assim, resolveu demonstrar sua solidariedade sem palavras.
Inclinou-se e pousou a cabeça no peito dele, apoiando as mãos em seus ombros.
Jordan ficou impassível. Ela continuou a abraçá-lo, assim mesmo. Fragmentos
da discussão de poucas horas atrás enchiam a mente dele. Jordan tinha carregado
segredos terríveis durante muito tempo. Holly queria ajudá-lo, mas ele não parecia
disposto a aceitar.
Seus olhos ardiam, pois Holly tentava conter as lágrimas. Mas uma acabou
escapando. Antes que pudesse enxugá-la, ela rolou pelo seu rosto e caiu no pescoço
dele. Jordan pegou suas mãos e a afastou. Observou seu rosto com atenção, depois
tocou uma lágrima com o dedo.
— Não mereço uma só destas — ele disse com voz triste.
— Engano seu. Você vale muito mais.
Jordan continuou olhando-a sem dizer nada. Então, puxou-a contra seu corpo.
Holly se aninhou no peito dele e o abraçou. Por mais solitário que aquele homem
estivesse, se recusava a acreditar no amor. Por mais abandonada que Holly estivesse,
também se recusava a confiar em alguém. Seriam capazes de algum dia superar isso,
ou estariam destinados a passar suas vidas procurando por uma coisa que temiam
encontrar?
Holly não queria que seu destino fosse à solidão. Desejava mais da vida. Mas
tinha medo.
Mais uma vez, iria ter de enfrentar os demônios que a mantinha sozinha. Mais
uma vez, procuraria em seu coração e tentaria encontrar a chave que lhe abrisse a
porta de seu mundo solitário. Por enquanto, bastava ficar ali em silêncio, aninhada nos
braços reconfortantes de Jordan.

CAPÍTULO XII

Quando Holly entrou na cozinha, na manhã seguinte, encontrou Louise fazendo


café e se não soubesse o que havia acontecido na véspera, talvez não tivesse
percebido os olhos inchados e as olheiras de uma noite mal dormida, mas, mesmo
assim, teria compreendido que havia alguma coisa errada. Levou um momento para
descobrir o que era, e depois percebeu que eram suas roupas.

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Noite inesquecível Susan Mallery
Em vez das cores berrantes, a governanta usava um jeans preto e uma camisa
branca, de mangas compridas.
Antes que pudesse dizer alguma coisa, Holly ouviu Jordan atrás de si. Voltou-
se e lhe deu um sorriso tentador. Ele não correspondeu, e continuou sério, mas, quando
passou por ela, tocou sua mão.
Holly tinha passado a maior parte da noite na cama dele. Haviam ficado
abraçados em silêncio. Por fim, quando percebeu que Jordan tinha adormecido, subira
para seu quarto. Não conseguira dormir muito. Em vez disso, ficara relembrando os
últimos acontecimentos. Mistletoe lhe fizera companhia, e o ronronar quente e
relaxante da gata tinha sido uma grande fonte de conforto, enquanto lutava contra
sentimentos conflitantes e conclusões precipitadas.
Questões de certo ou errado, de quem tinha magoado quem e por que, haviam
dominado seus pensamentos. Pelo menos, acabara compreendendo os motivos de
Jordan ser sempre tão ríspido com Louise. Desejou que houvesse uma solução fácil
para todos, mas não havia. Sentiu bastante, tanto por ele como pela governanta.
Jordan caminhou pela cozinha. Louise não se voltou, mas seu corpo enrijeceu.
— O café ainda não está pronto. Demorará mais alguns minutos. Levarei uma
xícara para você. — As mãos da governanta tremiam enquanto media o pó de café.
Jordan olhou para ela por um momento. Holly o observava e percebeu que seus
olhos deixavam transparecer muitas emoções. Reconheceu cansaço e uma ponta de
arrependimento, mas não conseguiu identificar mais nada, porque sua máscara habitual
de indiferença desceu como um véu. Ele deu meia volta e saiu.
Louise encheu a cafeteira com água.
— Parece que o café vai sair mais tarde hoje... — ela se desculpou. Tentou
sorrir. Os cantos de sua boca tremiam.
— Sinto muito — Holly disse, meio sem jeito.
Louise piscou várias vezes.
— Ele contou para você...
— Não, eu ouvi tudo. Não queria, mas...
Os olhos azuis de Louise se encheram de lágrimas.
— Todo o mundo vai acabar sabendo. Acho que você deve estar pensando que
sou uma pessoa horrível.
— Isso nunca me passou pela cabeça.
Cedendo a um impulso, Holly lhe deu um abraço. Louise pareceu surpresa, mas
correspondeu.
— Tanta emoção e eu ainda nem sequer tomei o desjejum. Não sei se meu velho
coração vai agüentar.
Louise voltou de novo à atenção para o café que estava fazendo. Depois,
começou a arrumar a pequena mesa de cozinha junto da janela.
Estava um dia frio de inverno. O céu claro funcionava como um perfeito
refletor para a luz do sol. Holly pegou uma cadeira.
— Tudo que Jordan disse é verdade. — Louise descansou as mãos na mesa —

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Eu sabia que não deveria me apaixonar por Earl Haynes, por isso não sei por que o fiz.
Bem, há as desculpas de sempre. Achava que ninguém se importava comigo, e Earl me
fez sentir especial. Até mesmo bonita. Nunca tive intenção de magoar ninguém.
Uma lágrima assomou no canto do olho. Ela a enxugou com impaciência.
— Fui uma boba!
— Você era muito jovem, Louise. Não sei como as coisas aconteceram...
Concordo que você cometeu um erro, mas tinha apenas dezessete anos. Ele, sim, era
um adulto. Não deveria ter feito o que fez.
— Talvez.
— Talvez, não. Earl era um homem maduro, com uma esposa e quatro filhos.
Tirou vantagem de você.
Louise fungou.
— Você parece tão segura disso...
— E estou. Earl era o xerife da cidade, ainda por cima. Usou de sua posição e
de sua autoridade em benefício próprio. Você não teve muita chance de escapar,
Louise. Pare de se culpar.
— Essa é a parte mais difícil, Holly. Carreguei este segredo comigo durante
muito tempo. Deveria ter compreendido por que Jordan não gostava de mim, mas
nunca pensei que ele soubesse. — Meneou a cabeça — Agora, tudo faz sentido. Jordan
me culpa por ter destruído sua família. Juro que não teria voltado para a cidade,
depois de tantos anos, se soubesse que isso iria causar sofrimento a tanta gente. Não
fazia idéia do que Earl pretendia fazer.
— Isso também não é culpa sua.
— Talvez não, mas Jordan não vai me perdoar. Ter o bebê já foi uma coisa
ruim, mas ser responsável por sua mãe ter ido embora foi muito pior.
Holly não suportava ver Louise assumindo toda a culpa. Talvez porque estivesse
de fora, conseguisse ver com mais clareza e imparcialidade. Havia mal entendidos de
ambos os lados.
— A mãe de Jordan não foi embora por sua casa, Louise, mas porque seu
marido pediu o divórcio.
— Para se casar comigo.
— Mas você não queria que ele fizesse o que fez. Portanto, a culpa não foi sua.
Louise respirou fundo.
— Minha mente me diz que o que está dizendo faz sentido. Mas o que meu
coração sente é uma coisa muito diferente. Sinto-me muito culpada. Não é só por
causa da família Haynes, mas por causa de minha filha também. Penso nela o tempo
todo. Gostaria muito que estivesse bem e fosse feliz. E que... e que... — Sua voz
falhou. Foi preciso se voltar para esconder as emoções.
Holly tentou imaginar como seria ter de dar um filho para adoção. Não
conseguia pensar em nada mais trágico.
— Viu-a quando ela nasceu?
— Só por um minuto. — Dessa vez Louise conseguiu sorrir — Parecia mesmo

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uma Haynes: olhos grandes, cabelos muito pretos. E era tão bonita... Depois, levaram-
na embora.
— Nunca tentou encontrá-la?
— Não. — As lágrimas voltaram, mas Louise as afastou — O que iria lhe dizer?
— Que tal a verdade? Era muito nova, estava sozinha e assustada, e dá-la para
um casal adorável que lhe proporcionasse uma vida feliz e segura parecia ser a melhor
solução.
— Ah, isso parece muito bonito, mas a realidade é bem diferente: não vê-la é
meu maior castigo. Não mereço tê-la na minha vida.
Holly podia compreender a dor que Louise estava sentindo. Conhecia muito bem
aquele vazio. Sabia como era estar só.
— Não é justo que sua filha também tenha de ser punida — disse, com voz
suave — Veja só quanta coisa ela está perdendo: uma mãe maravilhosa e quatro
meios-irmãos. Por acaso já considerou a hipótese de ela talvez querer conhecer você?
Louise olhou para Holly, atônita.
— Nunca pensei nisso dessa forma. Mas e se ela gostar de sua vida do jeito
que é?
— Bem, nesse caso, o pior que pode acontecer é não querer vê-la. Sei que isso
é uma coisa horrível e um risco a correr. Mas e se tiver estado à sua espera a vida
inteira?
— E se... — Louise repetiu num fio de voz.

Nesse ano, a família tinha escolhido cantar hinos de Natal na rua onde Travis
morava. Agasalharam-se bem contra o frio, pegaram as pautas musicais e lanternas, e
depois começaram a descer a rua.
— Precisamos alternar os lugares onde cantamos — Jordan explicou a Holly —
Nós cantamos muito mal, por isso convém dar um tempo aos vizinhos e não voltar ao
mesmo lugar por uns bons anos. Holly sorriu.
— Não acredito nisso.
— A maior parte da família Haynes não tem ouvido musical. Acredite em mim, é
horrível.
Já se passara quase uma semana desde o confronto de Jordan com Louise, e o
Natal iria chegar dali a três dias. Uma espécie de trégua havia assentado sobre a
casa: Louise o evitava sempre que possível, e ele também procurava não vê-la. Jordan
tinha escutado a governanta falar com Holly várias vezes, e conseguira pegar
fragmentos das conversas. Por isso, sabia que elas estavam falando sobre o passado e
a criança que Louise tinha dado para adoção.
Uma garota Haynes. Sua irmã! Sentiu raiva de novo, quando se lembrou de que
seu pai tinha amado Louise como nunca amara nem sua mulher nem sua família. Não era
justo, mas a verdade é que na vida poucas coisas eram justas.
Pararam na frente da primeira casa. A luz da entrada estava acesa e havia um

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Noite inesquecível Susan Mallery
Papai Noel de plástico iluminado no gramado. A família Haynes fazia barulho e dava
risadas, enquanto se preparava para partilhar seu espírito natalino. As crianças
menores já dormiam e tinham ficado com Louise. As mais velhas estavam mais
interessadas em brincar do que em cantar.
Alguém anunciou a primeira canção. Houve um breve momento de agito,
enquanto todos procuravam a página certa. Seguiu-se a nota solitária de uma gaita.
Como se aquilo fosse ajudar...
— Escutem: os anjos cantam, anunciando o Natal. As palavras eram bonitas,
mas o tom estava errado, e as vozes não se afinavam de jeito nenhum. Os vizinhos
vieram para a rua e fingiram gostar, mas deviam era estar com os ouvidos doendo.
Holly, na verdade, tinha uma voz muito bonita. Ela cantava baixinho, mas
Jordan conseguia ouvir as notas claras e perfeitas. Talvez houvesse esperança.
Kyle também ouviu.
— Esta sabe cantar! — ele disse. E a agarrou pelo braço — Venha para a
frente, para que possam ouvi-la melhor. Talvez assim não atirem coisas na gente.
Holly deu uma rápida olhada para Jordan.
— Tudo bem — ele assegurou — Você canta bem melhor que todos nós juntos.
Holly usava uma espessa malha de lã azul, que combinava com a cor de seus
olhos. O ar frio da noite realçava o rosado de suas faces. Jordan não conseguia tirar
os olhos de seu rosto angelical, a que a luz fraca da lâmpada dava uma aparência
etérea.
Gostava dela. A constatação deveria tê-lo assustado, mas tudo o que conseguia
fazer era ficar ali, embevecido, grato por sua presença. Tudo nela era demais para
ele: a decência, a ingenuidade, a sinceridade. Mas, até que os feriados chegassem ao
fim, iria aproveitar cada minuto a seu lado. Quando esse tempo juntos chegasse ao
fim, iria se retirar para a escuridão de seu mundo solitário e sobreviver, como havia
feito até então.
Seu desejo de estar junto dela era mais do que apenas sexual, ele pensou,
enquanto Holly se dirigia com Kyle para a frente do grupo. Mesmo assim, não conseguiu
evitar olhar para seus quadris redondos e o generoso traseiro. Adorava suas curvas
femininas. Sabia que ela se martirizava por uns quilinhos a mais, mas não queria que
mudasse. Ficara horas a fio relembrando a tarde em que haviam passado momentos
mais íntimos. Ainda conseguia ver e sentir o sabor e o cheiro de seus seios fartos.
Queria poder tocá-los sempre...
Mas, mais do que uma relação física, gostava de estar apenas com Holly, falar
e trabalhar com ela. Apreciava seu cuidado quando fazia algum trabalho na casa, suas
opiniões e seu inabalável entusiasmo. Apesar dos ventos que sopravam pelo mundo, ela
ainda acreditava que as coisas poderiam melhorar.
Iniciaram uma segunda canção. Jordan foi para trás de Austin e Rebeca, que
tinham apenas olhos um para o outro. Liam, o filho mais velho do casamento anterior
de Austin, tinha trazido a namorada com ele. Ninguém pareceu notar que Jordan ia se
esgueirando para o fundo do grupo.

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Noite inesquecível Susan Mallery
Suspirou e olhou para a casa à sua esquerda. O lar de Travis. Será que alguém
iria perceber se voltasse para trás?
Antes que conseguisse se decidir, Elizabeth se aproximou e lhe deu o braço.
— Pensei que Holly o tivesse curado disso — ela disse, com um sorriso maroto.
— Do quê?
Sua cunhada ficou séria.
— Por um momento, você agiu como todos nós: sorriu, participou das conversas.
Agora voltou a se fechar no seu mundo particular. Quer falar sobre isso?
Jordan deu de ombros. Não tinha nada a dizer. Nem queria expor o segredo de
Louise.
— Talvez seja um assunto de homens — Elizabeth sugeriu.
— Não, é um assunto de família — ele falou sem pensar. Elizabeth ficou
olhando para ele por um longo tempo. Jordan lhe deu um beijo na testa.
— Desculpe-me. Não foi isso o que eu quis dizer.
Os olhos dela viram mais do que deveriam. Continuou a observá-lo, depois se
afastou. Alguns minutos mais tarde, Travis veio na direção de Jordan.
— Elizabeth me pediu para vir falar com você — ele explicou — O que está
havendo?
Jordan não queria falar sobre o assunto, mas o olhar de seu irmão lhe disse
que não tinha chance. Respirou fundo e puxou o paletó um pouco mais para o peito,
para se proteger melhor contra o frio da noite.
— Tenho pensado muito em papai — ele disse. O que era, de certa maneira, a
verdade.
Travis sorriu.
— Por que se incomodar com isso? Estou feliz por ele estar morando no outro
lado do país. Nem teria lhe mandado um cartão de Natal se Elizabeth não me
obrigasse. Quer entrar em contato com ele?
— Não.
— É, foi o que pensei. Earl é um grande canalha. — A expressão de Travis
endureceu — Jamais o perdoarei pelo que fez a todos nós.
Craig estava perto e ouviu a conversa. Enquanto o grupo se dirigia para a casa
seguinte, ele ficou para trás e se juntou aos dois.
Travis olhou para Craig e perguntou.
— Já ligou alguma vez para papai?
— Por que o faria? Não tenho nada a lhe dizer. Nada do que eu fazia era
suficientemente bom para ele. Há muito tempo que deixei de me preocupar com o que
aquele senhor fazia ou deixava de fazer. — Sua voz denunciava toda a amargura.
Jordan ficou olhando para seu irmão mais velho. Ele devia ter sofrido muito
mais do que todos por ter sido o primeiro. Teve de agüentar a explosão da raiva de
Earl Haynes. Jordan se lembrava de que Craig tinha muitas vezes assumido a culpa por
coisas que não havia feito. Quando lhe perguntavam por que, Craig respondia que ele
era maior, por isso as surras doíam um pouco menos.

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Perto deles, outra canção começou. As palavras de paz e esperança
contrastavam com o tom da conversa. Fizeram uma pausa para ouvir.
— Vocês estão bem? — Elizabeth veio perguntar, com ar desconfiado, quando a
canção terminou.
Travis olhou para sua esposa.
— Estamos, querida. — Mas continuou na calçada com seus irmãos.
Kyle e Austin também se juntaram aos três. Apenas as mulheres e as crianças
se dirigiram para a casa seguinte. Jordan percebeu que o grupo estava cantando um
pouco mais afinado.
— Culpo nosso pai por muita coisa — Travis disse — Eu nunca soube como ser
um bom marido ou um bom pai. Tive de aprender na marra.
— Nós também. — Craig suspirou — Quanto a mim, foi ainda pior. Sabia que
deveria ser o líder, mas nunca soube como agir. Claro que, se soubesse, jamais me
teria casado com Krystal.
— Quase perdi Sandy por causa dele — Kyle afirmou — Tinha medo de que não
fosse bom o suficiente para ela e seus filhos.
— Eu também quase perdi Elizabeth.
— Todos cometemos erros, Travis — Craig resumiu — Todo o mundo os
comete, mas tenho certeza de que teríamos nos arranjado muito melhor sem ele por
perto.
— Lembro-me de que sempre jurava que jamais iria ser como Earl — Travis
recordou, enfiando as mãos nos bolsos de seu blusão de couro.
Os demais irmãos concordaram, com gestos de cabeça. Jordan também tinha
feito aquele juramento. Não queriam ser como seu pai ou como seus tios, usando as
mulheres e depois pondo-as de lado. Queria ser um homem direito, normal. Depois
aprendera o quanto custava amar alguém, e tinha decidido evitar qualquer
envolvimento.
Austin pigarreou.
— Por um tempo, cheguei a ter inveja de vocês. Pelo menos, tinham uma
família, pessoas que se importavam com vocês. Depois cheguei à conclusão de que às
vezes é melhor estar só.
— Atravessamos um longo caminho — Craig concluiu e deu uma palmada nas
costas de Kyle — Até você, caçulinha.
— Nossa, obrigado. — Kyle riu.
Craig tinha razão. Eles tinham crescido e virado adultos muito diferentes.
Nenhum ficara como o pai. Jordan pensou no que seus irmãos iriam dizer quando lhes
contasse a verdade sobre o passado. Eles jamais suspeitaram da verdadeira razão por
que a mãe havia ido embora. No princípio, não tinha dito nada porque estava confuso
demais. Desejara, do fundo do coração, que a mãe voltasse. Por um bom tempo, chegou
a pensar que isso ainda seria possível. Depois, quando viu que suas esperanças tinham
sido frustradas, passara a odiar Louise com todas as suas forças, por causa da
infelicidade que ela lhes havia causado. E, mais tarde, também decidira não falar nada

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Noite inesquecível Susan Mallery
porque ficara com medo. Achara que, se contasse a verdade para todos, Earl talvez
pudesse se casar com Louise. E Jordan não conseguia suportar a idéia de ela vir a ser
sua madrasta e passar a fazer parte da família.
A conversa fluía a sua volta, alheia a suas divagações. Foi apanhado num dilema.
Achava que o caso de Louise era um segredo que só competia a ela revelar ou não. Mas
e a criança? Deveria contar a seus irmãos que eles tinham uma meia-irmã? Agora ela já
era uma mulher crescida e estava vivendo sua vida em algum lugar. Teriam o direito de
entrar em contato com a moça? Será que iria ficar aborrecida por se intrometerem na
sua vida ou, pelo contrário, ficaria feliz com a idéia de ter quatro meios-irmãos? Só
quando Holly lhe pegou o braço é que compreendeu que os cânticos já haviam
terminado.
— Está se sentindo bem, Jordan? — ela perguntou. Depois lhe tocou o rosto.
Estava agindo como a enfermeira, se preocupando com ele.
— Estou ótimo. — Jordan pegou sua mão e a beijou.
— Está pensando em Louise — ela disse, com um leve tremor na voz.
— De certa forma — ele admitiu. Pôs o braço em volta dos ombros dela, e os
dois se dirigiram à casa de Travis.
— Não contou para eles, não é?
Jordan deu de ombros.
— Nem sei como deveria colocar as coisas.
Holly se aconchegou nele.
— É um homem muito complexo, Jordan Haynes. Por um lado, está zangado e
ressentido com Louise e tudo o que aconteceu, mas por outro não revela o segredo
dela. O que devo pensar de você?
— Que sou um bobo.
— Prefiro pensar em você como um homem bom e honesto.
— Obrigado. É isso o que todo sujeito gosta de ouvir.
Holly sorriu, e suspirou.
— Vai contar a eles sobre a menina?
— Não sei. Isso foi há muito tempo. Onde quer que ela esteja, não é mais uma
menina, mas uma mulher. Iria querer fazer parte desta família?
O que Jordan não confessou foi que ele queria encontrar sua meia-irmã. A
razão que o impedia era Louise. Admitindo a verdade, iria lhe dar um lugar permanente
na família. Ainda a culpava por tudo o que acontecera, e não lhe agradava a idéia de ela
vir a ser, de certa forma, recompensada por isso.
— Sempre quis ter uma irmã — Holly confessou — Você tem sorte por possuir
uma família como a sua.
— Não diria isso se tivesse conhecido meu pai.
— Bem, pelo que Louise e você me disseram, Earl parece ser uma pessoa difícil.
— Essa é uma maneira educada de colocar a questão. Se eu tivesse sabido mais
cedo sobre meu pai e Louise...
— O que teria feito? — ela o interrompeu — Era novo demais para ter

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Noite inesquecível Susan Mallery
conseguido provocar alguma mudança.
— Talvez tenha razão.
Pararam nos degraus da frente da casa vitoriana de Travis. Todos já tinha ido
para dentro.
Holly estava um degrau acima, por isso seus olhos ficaram quase no mesmo
nível dos de Jordan. Apoiou as mãos nos ombros dele.
— Então admite que era jovem demais e não sabia o que fazer?
— Claro, se isso a faz feliz.
— Louise também era jovem demais.
Jordan tentou desviar o olhar, mas não quis magoar os sentimentos dela.
— Não vai funcionar, Holly.
— Por que não? É verdade! Louise tinha dezessete anos. Cometeu um erro. Mas
você acabou de admitir que também pode ter errado. Por que tem de ser tudo culpa
dela? Seu pai era o adulto da história. Se alguém merece ser acusado é ele.
Jordan não estava com vontade de argumentar sobre aquilo.
— Onde está querendo chegar?
— Só estou querendo que compreenda que talvez seja mais fácil culpar Louise
que seu pai, embora isso não mude os fatos.
Jordan a encarou em silêncio por um longo tempo. Não queria acreditar no que
ela estava dizendo, mas não tinha certeza de poder continuar a ignorar aquela
hipótese.
Holly sorriu. Depois, pegou sua mão.
— Venha para dentro, está mais quente — ela disse, com voz suave.
Enquanto as palavras dela ecoavam na sua mente, Jordan deu um passo para
frente e sentiu uma vontade tão grande de abraçá-la que quase prendeu a respiração.
Sabia que Holly estava falando em ir para dentro de casa, mas, no fundo, o que
gostaria era que ela o convidasse para dentro de seu coração.

CAPÍTULO XIII

Chegaram em casa por volta da meia-noite. Holly tinha motivos para estar
cansada. Ficara acordada durante a maior parte do tempo, na noite anterior,
conversando com Jordan; depois, passara um dia inteiro na loja. Já havia clientes
esperando quando abrira a porta, e ficara até mais tarde para atender a todos.
Parecia que muita gente tinha esperado para fazer as compras de Natal na última
hora. No entanto, em vez de exaustão, sentiu uma estranha inquietação. Cantar com a
família Haynes tinha sido muito divertido. Quanto mais tempo passava a seu lado, mais
gostava deles. Pela primeira vez na vida, compreendera o significado da palavra

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Noite inesquecível Susan Mallery
"segurança". Apesar de sua estada ser apenas temporária, acreditava que Jordan
fosse procurá-la depois. Fazia muito tempo que não confiava em ninguém. O
sentimento já lhe era quase desconhecido, mas estava disposta a correr o risco de
voltar a crer em alguém.
Jordan abriu a porta para Holly. Em seguida, entrou também e acendeu as
luzes no hall.
— Está tudo tão calmo... — ela murmurou. Então, riu — Acho que agora já dá
para falar num tom normal. Não há ninguém aqui a quem possamos acordar.
— A não ser a gata.
Jordan pegou o casaco de Holly e o pendurou no cabide do hall. Ela olhou ao
redor, mas não viu nem sinal de Mistletoe. Franziu as sobrancelhas. A gata não gostava
de Jordan, mas aparecia para lhe demonstrar seus sentimentos. E também sempre
vinha cumprimentar sua dona, se esfregando em suas pernas.
— Mistletoe? — Holly chamou.
Jordan olhou para ela.
— Qual é o problema?
— Ela costuma esperar por nós na porta. — Teve um horrível pressentimento
— Espero que ela não tenha ido embora.
— Isso não é muito provável. Você a viu antes de sair, não foi?
— Sim.
— Saí depois de você e lembro-me de ter trancado a porta. Quando voltei,
continuava fechada à chave. E Louise ficou fora a tarde inteira, cuidando de meus
sobrinhos, por isso não estava aqui para que pudesse ter deixado Mistletoe sair sem
querer. Talvez esteja dormindo lá em cima.
— Tem razão. — Holly se dirigiu para a escada — Ela tem andado um pouco
cansada. Não deve ter nos ouvido entrar.
— Vou checar aqui em baixo — Jordan se prontificou.
— Obrigada.
Holly suspirou. Sabia que Jordan não se importava muito com sua gata. E não
podia culpá-lo por isso, pois Mistletoe antipatizava com ele.
A casa continuava em silêncio. Holly foi a todos os cômodos acendendo as
luzes. Alguns dos aposentos do andar de cima tinham mobília, mas a maior parte estava
sem nada.
Louise ocupava um quarto ao lado da escada. A governanta adormecera na casa
de Travis e Elizabeth, e ficara por lá. Travis havia prometido trazê-la de volta pela
manhã. Holly se ajoelhou no chão e olhou debaixo da cama. Nada. Procurou dentro do
guarda-roupa e atrás da cômoda, mas não havia nem sinal da gata.
— Mistletoe? Onde está você? — ela chamou no corredor. Estava quase
chegando a seu quarto quando ouviu a voz de Jordan no térreo.
— Eu a encontrei! — ele avisou — No meu quarto.
Holly correu para baixo.
Jordan a aguardava ao lado da escada. Havia um brilho estranho nos seus olhos

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Noite inesquecível Susan Mallery
e um sorriso indecifrável no canto de sua boca.
— O que foi, Jordan? — perguntou, assustada. Ele lhe estendeu a mão.
— Meus parabéns! Você acaba de se tornar avó.
— Mistletoe deu cria? Ela está bem?
— Parece ótima. Teve quatro gatinhos.
Holly suspirou aliviada.
— Achei que ela andava um pouco estranha nos últimos dias. Deveria ter
percebido.
Entraram no quarto improvisado de Jordan. A porta do armário estava aberta.
Roupas haviam sido tiradas de dentro das gavetas e ajeitadas para formar uma cama.
Mistletoe estava no meio, enroscada de forma protetora em volta de seus filhotes.
Três eram cinza, como a mãe. Um era preto. Mistletoe piscou, sonolenta, e
ronronou.
Holly se agachou perto dela e cocou sua cabeça.
— Que gatinha inteligente! Que bebês lindos! — Acariciava sua gata, mas não
tocou nos gatinhos. Eram tão pequenos, com pêlo fino e ralo e os olhos fechados...
Jordan observava, em silêncio.
— Deve estar com fome, não é queridinha? — Holly perguntou. Olhou para
Jordan — Acha que poderíamos trazer a comida dela para cá, e também areia para
suas necessidades? Assim ela não precisaria andar muito.
— Claro. — Jordan se levantou e saiu do quarto.
Holly continuou a falar carinhosamente com a gata. Mistletoe prestava
atenção, como se soubesse que tinha feito uma coisa maravilhosa.
— Ela nem está se arrepiando para você — Holly falou, quando ele regressou.
— Deve ter achado que já me aprontou o bastante por hoje. — Apontou para a
cama.
Só então Holly compreendeu que Mistletoe tinha dado cria numa pilha de
roupas de Jordan. Por cima, estava seu suéter favorito.
— Oh, não! — Holly levou a mão à boca e olhou para ele — Jordan, sinto muito...
— Não é culpa sua.
— Não está zangado?
— São apenas roupas, Holly. Se não puderem ser lavadas, poderão ser
substituídas.
— Mas Mistletoe tem sido tão ingrata com você, depois de ter salvado a vida
dela e quase ter morrido por causa disso!
Jordan pegou seu braço e a encarou.
— Não tem importância. Juro.
Holly precisou se controlar para não denunciar toda a emoção que estava
sentindo. Nem mesmo tinha sido capaz de ajudar sua mãe quando ela estava morrendo.
Ao longo de sua vida, muita gente a abandonara e traíra. Mas aquele homem lhe havia
aberto sua casa, apresentara-a a sua família e sempre fazia com que se sentisse em
casa.

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Noite inesquecível Susan Mallery
No fundo de seu coração, num lugar que havia ficado vazio e frio durante tanto
tempo, uma pequena fagulha de esperança surgia aos poucos. Não compreendia o
estremecimento que sentia quando Jordan chegava perto, nem o prazer que tinha na
companhia dele. E muito menos o modo como os beijos e as carícias dele a tinham feito
sentir. Não compreendia nada. Sabia apenas que Jordan era o homem mais maravilhoso
que já conhecera em toda a sua vida, e que seria capaz e fazer qualquer coisa por ele.
Jordan se agachou na frente da gata. Mistletoe o olhou com desconfiança,
depois cheirou seus dedos. Ele coçou sua cabeça, com carinho. A gata não ronronou,
mas também não se afastou. Após alguns minutos, Jordan levantou-se.
— Talvez devêssemos deixá-los a sós — ele sugeriu, estendendo a mão a Holly.
Ela aceitou a sugestão, e Jordan a ajudou a se levantar.
—Tem razão, Mistletoe deve estar precisando descansar.
Quando chegaram à sala, pararam na frente da lareira.
— Que tal uma comemoração? — ele sugeriu — Tem uma garrafa de champanhe
na geladeira.
A única luz que havia era a que vinha da árvore e Natal. Holly podia ver o rosto
dele e as formas de eu corpo, mas o resto do quarto desaparecia na escuridão.
Estavam sós na casa, e ela se sentiu como se não houvesse mais ninguém no mundo
inteiro. Um estremecimento lhe percorreu o corpo.
— Gostaria muito — Holly disse, por fim, e se sentou o carpete espesso e
felpudo.
Jordan foi para frente da lareira, acendeu um fósforo e o jogou nos gravetos
que já estavam colocados embaixo das toras. Pegou fogo na hora e, quando ele voltou
da cozinha com duas taças de champanhe, o cheiro da madeira se misturava com a
fragrância do pinheiro.
Jordan passou por trás do sofá e apertou o botão do parelho de som. Após
alguns segundos, Holly ouviu as notas iniciais de um cântico de Natal. Jordan se sentou
o chão ao lado dela e lhe entregou uma das taças.
Holly percebeu que seus dedos tremiam. Mal conseguiu tocar sua taça na dele
quando Jordan propôs um brinde. Sua garganta estava seca, seu olhar incapaz de
suportar o dele. A vontade de sair dali correndo se chocava com a necessidade de
ficar junto de Jordan. Holly olhou para a árvore que eles haviam decorado na semana
anterior, depois para o fogo. Para todo lugar, menos para o homem atraente que
estava sentado ao seu lado.
— Você é tão bonita...
— Oh, sim, claro. — Holly foi mudando de posição até cruzar as pernas, e
colocou sua taça de champanhe em cima de uma mesinha.
Jordan franziu as sobrancelhas.
— Não se acha atraente?
A pergunta a confundiu.
— Não acho que precise usar um saco de papel para cobrir a cabeça, se é o que
quer saber. Mas atraente?! — Ela meneou a cabeça. — Sou muito diferente dessas

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atrizes de televisão, magras, sofisticadas e com maquiagem impecável.
— Não a acharia atraente se fosse igual a elas. — Jordan se aproximou um
pouco mais. Pegou uma mecha de cabelos loiros e ficou brincando com ela. Depois,
agarrou sua nuca e puxou-a para si. — Você é maravilhosa.
Holly encarou-o. Jordan devia estar brincando. Ou então ela estava sonhando.
Aquela conversa não podia estar acontecendo. Era impossível que Jordan Haynes,
aquele homem lindo, másculo, educado e solteiro, a achasse mesmo atraente. Acharia?!
— Mas estou acima do meu peso ideal — Holly balbuciou, e corou, embaraçada.
— Não tenho pernas perfeitas.
Jordan roçou os lábios contra seu pescoço.
— Suas pernas são maravilhosas. Você é perfeita do jeito que é.
— Mas tudo em mim é muito grande...
Os lábios dele estavam deixando sua pele eriçada, e ela começava a ter
dificuldade para formar palavras com sentido.
Jordan mordiscou a pele sensível do lóbulo.
— Acredite em mim, Holly. Você foi feita para deixar os homens loucos.
Ela inclinou a cabeça para trás e olhou para ele.
— Está brincando comigo, não está?
Mas Jordan não estava sorrindo. A expressão de seu rosto era séria e intensa,
e os olhos brilhavam. Se ela já não o conhecesse tão bem, poderia até ter medo dele.
— Jordan?
— Acredite em mim. Você é de enlouquecer.
Ele poderia ter dito aquilo em russo, e mesmo assim Holly teria entendido.
— Até você, Jordan? — Arrependeu-se no mesmo instante. — Desculpe-me.
Que pergunta idiota! Vou para meu quarto enterrar o rosto no travesseiro.
Mas, antes que ela pudesse se levantar, Jordan já a tinha abraçado e deitado
suavemente no tapete. O fogo em seus olhos queimava mais que o da lareira.
— Eu mais que todos. — Sua voz estava rouca e com uma emoção que ela não
conseguiu identificar direito. Então, a beijou.
Dessa vez, Holly estava preparada para as sensações que ele provocava. Ao
primeiro toque de sua boca, o corpo feminino se encheu de calor. Quando Jordan
testou com a língua a linha onde seus lábios se fechavam, já estava louca de desejo.
Passou os braços em volta de Jordan e aproximou-o mais. Os músculos duros
encontraram as curvas macias...
Ele explorava sua boca, saboreava-a e excitava-a até que Holly quase não
conseguiu mais respirar. Holly passou os dedos pelos cabelos dele, agarrando as
mechas escuras. Com a outra mão, percorreu as costas, de cima abaixo. Podia sentir o
calor dele através da camisa.
De repente, Jordan a afastou. Deu meia-volta, ficou deitado de costas e
cobriu os olhos com o braço.
— Droga! Isso vai machucar.
Holly olhou para ele.

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Noite inesquecível Susan Mallery
— O que aconteceu? Pensei que suas costas já não doíam. Será que forçou
demais hoje, na fisioterapia?
— Minhas costas estão ótimas, Holly. Não é lá que está doendo.
— Então onde é? Não compreendo.
— Lembra-se da última vez que fizemos isso?
Holly assentiu. Lembrava-se de cada detalhe dos momentos de magia que
passara nos braços dele. Algumas noites nem conseguira dormir por causa daquilo. Seu
corpo estava quente. Sentiu uma inquietação estranha.
— Quando um homem quer fazer amor, seu corpo se transforma, Holly.
Ela sabia o suficiente sobre o processo para imaginar qual seria essa parte,
mas não falou nada. Também não ousou baixar os olhos para o rosto dele. Estaria
agora... desse jeito? Seria capaz de adivinhar?
Jordan se sentou e passou a mão por rosto.
— A excitação provoca uma grande dose de prazer, que acaba se
transformando em dor se não for liberada. Na última vez...
Ela sentou-se de imediato, como se tivesse sido atingida por um choque
elétrico. A humilhação a atingiu em cheio. Na última vez, ele a tocara e provocara
aquelas sensações maravilhosas, mas não tinha feito nada por si mesmo.
— Desculpe-me, Jordan. Deve estar pensando que sou egoísta, que só penso em
mim, que... — Sua voz foi sumindo. Não tinha o que dizer. Agira como uma boba. Ou
coisa pior.
— Foi apenas ingênua. Você não sabia.
— Deveria ter me dito. Eu teria feito, bem... alguma coisa!
— Estou morrendo de curiosidade de saber o que.
Holly arriscou olhar para ele e percebeu que Jordan estava brincando.
— Holly, você nunca viu um homem nu antes. Não pode compreender as
mudanças na anatomia masculina nem os detalhes envolvidos no ato de fazer amor.
Ele marcara um ponto.
— E se eu quiser? — ela perguntou sem pensar. Encolheu-se, envergonhada e
também com medo da possível rejeição dele, mas já era tarde para voltar atrás.
— O quê? Ver-me nu ou fazer amor?
Holly o olhou de soslaio. Não conseguia adivinhar o que Jordan pensava, mas
não parecia zangado.
— Ah... bem... As duas coisas.
O silêncio que se seguiu a deixou nervosa. Ficou óbvio que ele não a queria. Não
era como as outras mulheres que ele havia conhecido. Não tinha experiência nenhuma
nem era bastante atraente. Não iria se importar com ela.
— Desculpe-me, Jordan... — Holly começou a se levantar. Precisava sair dali
correndo antes que começasse a chorar.
Ele agarrou sua mão e a abraçou.
— Não vá! Por favor... Quero fazer amor com você, Holly. Estou surpreso por
ter me escolhido para ser o primeiro. Surpreso e honrado.

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Noite inesquecível Susan Mallery
— É?! — Ela queria muito poder acreditar nele. Jordan a beijou com ternura.
— Sim.
Fitaram-se por um momento. Holly engoliu em seco.
— Que quer que eu faça?
— Espere-me. Volto num minuto.
Jordan subiu a escada, de dois em dois degraus. Holly sorriu, tranqüila. Havia
escolhido bem. Jordan era terno e carinhoso. Iria tornar sua primeira vez uma
experiência maravilhosa. Com ele, não iria ter vergonha de agir de modo desajeitado e
fazer perguntas. Jordan conseguia suavizar seu desconforto, mesmo quando ela estava
embaraçada e sem saber o que fazer. Jordan voltou com um espesso cobertor e uma
caixinha. Holly se levantou e o ajudou a estender o cobertor na frente da árvore de
Natal.
— Tem certeza de que não há problema em fazer isso aqui, Jordan?
Ele beijou sua testa.
— Podemos fazer onde você quiser. Achei que aqui iria ser romântico.
Holly olhou para a árvore decorada e o fogo crepitando. Ele tinha razão: era
romântico!
— Tudo bem.
Jordan pôs a caixinha em cima da mesa, ao lado das taças de champanhe.
— Precisamos tomar cuidado com proteção.
— Proteção?! — Ela deu um passo para trás.
Oh, Deus! Eles iam fazer sexo... e iriam precisar de proteção. Olhou para a
caixinha como se ela tivesse um escorpião dentro.
— Holly, está se sentindo bem?
— Ah... claro!
Jordan ficou na sua frente e pegou suas mãos. Seu olhar magnético encontrou
o dela.
— Sei que esta é uma experiência nova e que você está assustada. Gostaria de
achar as palavras certas, mas não consigo. Estou tão assustado quanto você.
De certa forma, aquilo era reconfortante.
— Mas você já fez isso antes...
— Não com você!
Lógica interessante. Holly gostou daquilo.
— Tenho medo de dizer ou fazer alguma coisa boba, Jordan.
— Prometo não rir se fizer.
— Por que você riria?
— O sexo é uma coisa simples. Sente-se. — Ele se acomodou a seu lado. Pegou
a caixa — São preservativos. Já viu algum antes?
Holly meneou a cabeça.
Jordan abriu a caixinha e espalhou o conteúdo no cobertor. Holly ficou olhando
para os pacotes com curiosidade, mas sem coragem de pegar qualquer um deles. Assim,
olhou de relance e ficou admirada por ver instruções detalhadas junto com algumas

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ilustrações.
— Ensinam aí como usar? — ela perguntou, esperando não parecer ignorante
demais.
— De que outro jeito iríamos aprender a usar?
— Achei que os homens sempre soubessem.
Jordan sorriu.
— Vou pegar mais champanhe. Volto num minuto. Desejo fazer amor com você,
Holly, mas não vou apressá-la. Quero que sua primeira vez seja perfeita.
Holly não se importava nem um pouco com perfeição. Só queria estar com
Jordan.
— Diga-me o que fazer.
— Confie em mim.
— Eu confio.

CAPÍTULO XIV

Jordan tocou o rosto de Holly. Depois, seus dedos foram deslizando para os
ombros. Holly se lembrava da última vez que ele a havia acariciado daquele jeito e das
sensações que despertara. Será que também conseguiria fazer o mesmo? Ela respirou
fundo.
— Gostaria de me tocar? Quer dizer, teria prazer nisso, Jordan?
— "Prazer" não seria a palavra que eu usaria. — Ele deve ter percebido a
confusão dela e sorriu — "Êxtase" seria mais apropriada.
Holly não estava certa de poder fazê-lo atingir o êxtase, mas estava disposta
a tentar. Mudou de posição e ficou ajoelhada na frente dele. Jordan não se mexeu,
enquanto ela inclinava a cabeça na sua direção. A boca de Holly quase tocou a sua, mas,
em vez de beijá-lo, afastou os lábios para o pescoço dele, e o beijou naquele ponto
sensível por baixo da orelha.
A pele quente de Jordan a atraía e excitava. Após vários beijos castos,
arriscou tocá-lo com a ponta da língua. O sabor era uma mistura de masculinidade e
tentação. Continuou sua exploração, percorrendo a curva da orelha, e enfim a boca.
Jordan segurou-lhe os braços e os abaixou para o cobertor.
Os corpos se tocavam, as línguas se esfregavam, a respiração deles se juntava
no mesmo compasso. A dança frenética de excitação a deixou quase sem forças, mas
não queria parar. Pensou que tinha tido sorte por encontrar Jordan. Ele era um homem
bonito e carinhoso, que fazia seu coração bater mais forte e suas pernas tremerem. E,
por alguma razão desconhecida, gostava dela, até mesmo a desejava. Homens como ele
não costumavam se interessar por mulheres como Holly. Por isso, ela não compreendia

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por que ele a achava atraente. Qualquer que fosse a razão, era-lhe grata por aquilo.
Quis que sua primeira vez fosse com ele, porque sabia que Jordan faria com que se
sentisse bem. Para sua surpresa, nem estava mais com medo.
Rolou para cima dele, e uma perna se encaixou entre as de Jordan. Apoiou um
braço no chão, enquanto a outra mão descansava no seu peito. Jordan levantou a
cabeça e começou a beijá-la. Holly ficou na dúvida se estaria certo tocá-lo do mesmo
jeito que ele a havia tocado.
Com hesitação, quase desejando que Jordan não percebesse, abriu os dedos e
começou a lhe esfregar o peito. Ele gemia, satisfeito. Tinha enfiado os dedos nos
cabelos dela e a puxava para si. Sua respiração estava ficando mais ofegante, assim
como a dela.
— Desabotoe minha camisa — ele pediu num sussurro. Então, sugou o lábio
inferior dela.
Aquela sensação afastou todos os pensamentos conscientes de sua cabeça. Por
isso, levou alguns segundos para pensar no que ele havia pedido.
Desabotoar-lhe a camisa... Coisa fácil, pensou, se lembrando de que já havia
desabotoado suas próprias camisas vezes sem conta. Claro que a de Jordan não iria
ser mais difícil.
Deslizou a mão para o meio do peito, depois foi seguindo para cima. O primeiro
botão não apresentou resistência, assim como o segundo. Reparou na combinação da
pele quente e suave com os pêlos crespos e ondulados que lhe roçavam os nós dos
dedos. Como iria conseguir se concentrar? Ainda por cima, quando combinado com as
coisas deliciosas que Jordan estava fazendo com seus lábios e língua...
Holly interrompeu o beijo, e sentou-se.
— Preciso ver o que estou fazendo — ela disse.
Jordan levantou os braços e os cruzou na nuca.
— Fique à vontade.
Era, ao mesmo tempo, fácil e difícil fazer aquilo.
Apesar de não estar mais distraída por seu toque mágico, Holly tinha
consciência de que ele a observava. Forçou-se a ignorar seu olhar penetrante e, em vez
disso, prestar atenção à camisa.
Os botões restantes também se abriram com facilidade. Até que chegou à
altura do jeans. E agora?
— Tire a camisa de dentro da calça — ele disse, em seu auxílio.
Bem, aquilo também era fácil. Puxou até que o tecido se soltou. O algodão
estava quente e amassado pelo corpo dele. Desabotoou os três últimos botões, depois
abriu a camisa por completo.
O peito de Jordan ficou nu a seus olhos. Observou-o com atenção. Já tinha
visto peitos masculinos na televisão e em revistas, e até mesmo na praia. Também já
vira o de Jordan, mas daquela vez Holly tinha sido a responsável por desnudá-lo.
Podia sentir o calor dele, inalar seu cheiro. Ele era real e estava à sua frente.
Hesitando um pouco, com receio de que ele fosse protestar, colocou a mão na sua

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barriga.
Os músculos se retesaram ao seu toque. Holly olhou para ele, mas o rosto não
revelava nada. Seus olhos estavam fechados, como se estivesse concentrado na ação
dela.
Holly moveu a mão para cima, devagar, sentindo prazer no modo como os pêlos
do peito roçavam sua pele. Quando chegou perto do pescoço, afastou a camisa dos
ombros. Ele inclinou-se para frente e encolheu-os, para ajudá-la. Depois, se deitou de
novo no cobertor. Agora, seus olhos estavam abertos. Jordan agarrou-a pelos quadris.
— Sente-se por cima de mim com as pernas abertas — ele pediu.
Holly obedeceu, mas, dessa vez, não estava sentada na barriga dele. Podia
sentir os quadris de Jordan entre suas coxas. E mais alguma coisa...
Jordan enlaçou os dedos nos dela. Depois, gentil, começou a puxá-la para baixo.
Holly tinha de se inclinar para ele e lhe permitir guiá-la contra seu peito. A ação exigia
cooperação e confiança.
Jordan a encontrou a meio caminho e a beijou. Holly se sentiu mergulhando
num universo que não conhecia. Um universo de desejo e sensações. O corpo dela se
ofereceu para o prazer que ele já lhe havia proporcionado antes. Queria sentir as
mãos dele tocando-a e apertando-a, sua boca em seus seios.
Holly interrompeu o beijo e baixou a cabeça até conseguir beijar o peito de
Jordan. Sentiu seu sabor e deu mordidas leves na pele bronzeada e nos pêlos escuros,
apreciando suas reações involuntárias. Ele gemeu de prazer quando ela mordiscou seus
mamilos rijos, e suspirou quando desceu as mãos dos ombros para o cós do jeans.
Holly encostou a boca no ouvido dele e sussurrou:
— Quero ver você nu.
As mãos de Jordan se dirigiram de imediato para o cinto. Holly se afastou, e
ele abriu o zíper. Sentou-se, tirou as botas e as meias.
— Tem certeza, Holly?
Ela assentiu. De alguma forma, o fato de estar completamente vestida fazia
com que se sentisse mais segura.
Jordan se livrou do resto da roupa, depois se deitou de costas.
Holly ficou olhando para os pés dele. Sua coragem a abandonara.
— Está com medo? — ele perguntou.
— Mais ou menos. Mas seus pés são bonitos...
— Obrigado. Mas dê uma olhada nos joelhos. Eles também não são feios.
Joelhos? Bem, isso também era seguro.
— Dê-me sua mão, Holly.
— O quê?! Ficou louco? Quer que eu toque... isso?
— Será que todas as virgens dão assim tanto trabalho? — ele perguntou, com
ironia.
— Espero que sim. Não gostaria de ser a única a agir assim.
Ela estava sentada ao lado de Jordan, seu quadril tocando o dele. Era tão
simples resolver a questão de uma vez por todas! Bastava olhar para baixo. Mas ela

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Noite inesquecível Susan Mallery
não conseguia arrumar coragem.
— Dê-me sua mão — ele pediu de novo. Ela respirou fundo e obedeceu.
— Agora, feche os olhos.
Para surpresa de Holly, a escuridão a confortou. O que não podia ver não
poderia magoá-la. Não era lá muito lógico, mas funcionava na situação.
Jordan foi dirigindo sua mão ao longo da barriga. Holly sentiu a pele dele e os
pêlos. Relaxou os dedos e o deixou guiá-la. De repente, alcançou a parte mais íntima do
corpo masculino.
Jordan beijou-a. Holly correspondeu com a mesma intensidade. Quando Jordan
procurou a parte de baixo de seu suéter, ela o ajudou a puxá-lo para cima. Na última
vez que Jordan fizera aquilo, ela ficara tímida, com medo de se mostrar para ele.
Agora, queria que Jordan tocasse sua pele descoberta e a levasse para aquele lugar
em outra dimensão onde já tinha estado antes.
Seu sutiã seguiu o suéter na pilha crescente de roupas. Jordan envolveu seus
seios com as mãos, acariciando-os com suavidade, apertando seus mamilos
endurecidos, e depois levando-os à boca. Os dedos dele escorreram pelas suas costas
em círculos, antes de se dirigirem para baixo e lhe abrirem o botão do jeans. Holly não
queria que Jordan parasse de lhe beijar os seios, mas sentia falta de suas mãos entre
as pernas, por isso levantou os quadris o suficiente para que Jordan lhe tirasse o
resto da roupa.
E lá estava ela, nua, na frente dele. Por um momento, se preocupou com aqueles
quilos a mais e com o fato de que nenhum homem ainda a tinha visto do jeito que viera
ao mundo. Depois, as mãos dele foram acariciando suas pernas, dos tornozelos até as
coxas, e ela não se importou com mais nada a não ser em estar com Jordan, em dar e
receber prazer.
A boca de Jordan se acomodou no seio. Holly segurou sua cabeça com as duas
mãos e o pressionou a beijar com mais força. Suas pernas musculosas se esfregavam
contra as dela. Sentiu sua excitação contra o quadril e se perguntou como seria
quando ele a penetrasse. Iria doer? Sabia apenas que seria maravilhoso.
Os dedos de Jordan deslizaram por entre suas coxas, e Holly se esqueceu de
se preocupar com mais alguma coisa. A mesma tensão que havia sentido na última vez
que tinham feito aquilo voltara, só que mais rápido. Seus músculos se retesaram,
enquanto o corpo inteiro se preparava para liberar toda a tensão acumulada. De
repente, as mãos dele se afastaram e a boca abandonou seus seios. Holly teve vontade
de soluçar em protesto. Por que ele estava parando? Mas Jordan passou a beijar suas
costelas e a leve saliência de sua barriga. Depois, fez uma pausa antes de encaixar a
ponta da língua no umbigo. Holly estremeceu. Se soubesse o que ele ia fazer, teria
tentado detê-lo. Mas, no momento seguinte, pensou que, se soubesse como aquilo era
bom, teria lhe pedido para ter feito mais cedo. Jordan continuou a beijá-la na barriga,
cada vez mais abaixo. Então, sua boca fez um desvio e passou a lhe beijar as coxas.
Quando Holly ia fechar as pernas como proteção, ele a impediu e forçou a manter os
joelhos afastados. Lutando contra o embaraço e pensando que uma coisa tão

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Noite inesquecível Susan Mallery
maravilhosa não poderia ser ruim, obedeceu a sua ordem silenciosa, mas imperativa.
Depois, Jordan a beijou da maneira mais íntima possível. Um beijo lento, saboreando-a,
excitando-a, fazendo-a ter vontade de gritar e desmaiar e lhe pedir para não mais
parar.
A tensão voltou, e com ela a promessa de uma liberação para além de tudo o
que já tinha sentido ou imaginado. Em apenas alguns minutos, estava pronta,
preparada, ofegando, gemendo, gritando, presa em um prazer demasiado maravilhoso
para chegar a um fim. A intimidade do ato a deixou, acima de tudo, muito feliz por
Jordan ter querido tocá-la e beijá-la daquele jeito. Sentiu seu corpo começar a se
recolher em espasmos de indescritível prazer, como se precisasse se contrair para
liberar a tensão com mais força.
A língua de Jordan se agitava com mais força e rapidez. Holly sentia como se
seu corpo estivesse sendo desmembrado e depois juntado de novo a uma velocidade
atordoante. Como se tivesse vida própria e não mais obedecesse sua mente. As batidas
do coração ecoavam na sua cabeça e aumentaram a um nível ensurdecedor. Quando o
corpo parou de tremer, ela se achou nos braços de Jordan. Ele a abraçou com mais
força e lhe afastou os cabelos do rosto, num gesto de carinho.
— Jordan? — Agora era sua voz que tremia. Ele sorriu.
— Como foi?
— Sei que não precisa perguntar. Lembro-me de ter murmurado alguma coisa,
e tenho certeza de que você ouviu.
— Só que você não estava murmurando, estava gritando.
Ele piscou, e ela achou que ele estivesse brincando.
— Não sou do tipo que grita.
— Então eu consegui mudar isso.
Holly suspirou.
— Acho que sim. — Algo se apertou contra seu quadril, e isso a fez lembrar
que ainda não tinha acabado. Pelo contrário, a hora estava chegando... — Agora, por
favor.
Jordan a olhou com atenção, como se estivesse tentando avaliar seus
verdadeiros sentimentos sobre o assunto. Então, estendeu o braço e pegou um dos
preservativos.
Holly temera que a sensação de vê-lo pondo o preservativo fosse uma
experiência embaraçosa, mas, em vez disso, se descobriu lutando contra as lágrimas. A
preocupação de protegê-la a tocou no fundo do coração. Seu peito estava cheio de
emoções. Não queria identificá-las naquele momento. Mais tarde, quando estivesse
sozinha, iria tentar descobrir o que significavam.
Jordan sentou-se entre suas pernas. Os olhares deles se encontraram. Aquele
era um momento que não tinha mais volta. Quando o ato estivesse completado, ela não
seria mais virgem.
— Sim — ela disse.
Jordan se posicionou. Holly sentiu uma leve pressão.

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Noite inesquecível Susan Mallery
Ele se inclinou para frente e lhe beijou o seio direito. O leve apertão enquanto
ele mordia o mamilo provocou um desejo que a fez esquecer a tensão. Jordan mordeu
de novo, depois empurrou o corpo contra o dela.
A breve dor a surpreendeu. Holly se retesou, e ele parou.
— Tudo bem — ela disse — Acho que agora sabe que não estava brincando
quando disse que era virgem.
— Holly, eu...
— Não. — Ela empurrou os quadris para frente, ajudando-o — Quero isso.
Quero você.
Com um último e decisivo ato, Jordan a penetrou. Holly fechou os olhos e se
deixou levar pelo ritmo da dança erótica. O leve estremecimento virou tensão, seguido
por uma necessidade urgente da liberação.
Holly se arqueou para ele. Jordan se movimentava cada vez mais depressa.
O prazer atingiu o limite das forças de Holly, e ela se viu chamando o nome
dele. Mais uma vez, seu corpo foi envolvido pela espiral mágica. Agora, Jordan a
acompanhou, se apertando contra ela, os músculos tesos, seu rosto, uma máscara de
prazer intenso. Juntos, completaram a antiga dança, e depois se acomodaram na
segurança e no aconchego dos braços um do outro.
Quando Jordan abriu os olhos, o quarto estava escuro. Seu relógio biológico
lhe disse que a madrugada ainda ia demorar algumas horas para chegar. Não
reconheceu de imediato as formas sombreadas do quarto. Então, Holly mudou de
posição, aninhando-se contra ele, e se lembrou de tudo.
Tinham feito amor. Sorriu com a lembrança e acariciou sua pele macia. O calor
dela o aquecia até a alma. Após ficarem exaustos na frente da árvore de Natal, eles
tinham subido para o quarto dela. Não só a cama de Holly era maior como nenhum dos
dois queria perturbar Mistletoe, que estava no aposento de Jordan. Ao chegarem à
cama, Holly ficara tímida, querendo vestir uma camisola em vez de dormir nua. Como
as palavras não haviam conseguido convencê-la, ele tinha experimentado beijos.
Jordan já não se lembrava direito de quem tinha convencido quem, porque eles tinham
acabado por fazer amor de novo.
Ainda conseguia ver o corpo dela por baixo do seu, sentir a entrega dela e o
sabor de sua pele suave. Holly tinha sido tudo aquilo que imaginara que ela fosse, e
muito mais. Sentira vontade de tomá-la de novo e de novo, mas o sono os havia atingido
antes que ele pudesse realizar sua fantasia.
Agora, escutando o ritmo cadenciado de sua respiração e passando os dedos
por seus cabelos sedosos, que tanto admirava, se perguntava como conseguira ter
tanta sorte. Nunca havia encontrado uma mulher como Holly, e duvidava que fosse
encontrar de novo. Ela era honesta e sincera, adorável, generosa, bonita e sexy o
bastante para deixá-lo excitado em menos de cinco segundos. Em resumo, era
perfeita, e aquilo o assustava muito.
Deslizou para fora da cama e saiu. Desceu a escada, e, quando chegou a seu
quarto improvisado, acendeu a luz e foi olhar Mistletoe. Ela estava enroscada no seu

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Noite inesquecível Susan Mallery
suéter, dormindo. Procurou seu roupão e o vestiu. Amarrou o cinto e depois se agachou
na frente da gata. Mistletoe olhou para ele e se assanhou.
— Não estou impressionado — ele murmurou.
Mistletoe se levantou. Seus filhotes emitiram miados agudos e suaves e depois
voltaram a dormir. A gata saiu do armário e se esfregou nas pernas de Jordan.
Quando ele se abaixou para acariciá-la, ela se assanhou e depois encostou a cabeça
contra a mão dele, como se estivesse pedindo que a cocasse ali.
— Decida-se — ele avisou.
Ela o ignorou e continuou a se assanhar e ronronar ao mesmo tempo. Depois,
comeu um pouco e bebeu água.
Jordan foi para a cama e se esticou por cima do cobertor. Mistletoe o seguiu e
depois subiu no peito dele. Estavam praticamente nariz contra nariz, e Jordan
conseguia até sentir o cheiro da comida através da respiração dela. A gata lambeu
suas orelhas e depois começou a lhe massagear o peito com as patas. Suas garras
afiadas penetravam através do roupão felpudo. Jordan gemia quando ela apertava, e
Mistletoe parecia gostar de lhe causar desconforto, porque pressionava cada vez com
mais força. Depois se sentou em cima dele.
Jordan estendeu a mão e coçou-lhe o queixinho. Mistletoe arqueou a cabeça.
Quando ele parou, ela lambeu seus dedos, depois o mordeu com suavidade, como se o
estivesse intimando a continuar ou sofrer as conseqüências. Jordan continuou.
Enquanto afagava seu pêlo suave, pensou em Holly e nos momentos
inesquecíveis que haviam passado juntos.
Ela era virgem. Tinham mesmo chegado a discutir o assunto. Mas saber disso e
ser o primeiro homem a fazer amor com ela eram duas coisas muito diferentes.
Sentira a estreiteza, a barreira de proteção que, uma vez rompida, não poderia mais
ser reparada. O ato de fazer amor com ela tinha sido diferente de fazer amor com
qualquer outra mulher.
De um modo muito masculino, se sentiu de certa forma responsável por ela.
Holly o havia marcado com sua inocência; lhe havia oferecido sua virgindade. Jamais
iria se esquecer daquilo. Porque a respeitava e se preocupava com ela, não iria tentar
destruí-la com seu amor.
Enquanto acariciava Mistletoe e escutava seu ronronar, jurou que iria tratar
Holly muito bem. Não a trairia nem a abandonaria. Outras pessoas já tinham feito isso
com ela antes, mas ele agiria de modo diferente. Não iria magoá-la. E, se o preço disso
fosse não amá-la, então iria pagá-lo.
Holly acordou sentindo o aroma de café. Abriu os olhos e viu a luz do sol
penetrando em seu quarto. Apesar de a mobília ser a mesma, algo estava diferente.
Tentava imaginar o que seria. Então, se lembrou da noite anterior. Naquele mesmo
instante, percebeu que estava nua sob as cobertas e que Jordan entrava no quarto.
Olhou para ele e sentiu a batida de seu coração acelerar. Os cabelos de
Jordan estavam despenteados, e a barba por fazer. Vestia um roupão branco
atoalhado amarrado na cintura. Estava atraente mesmo assim e sorria para ela.

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Noite inesquecível Susan Mallery
— Trouxe seu desjejum — ele disse, segurando uma bandeja — Está com
fome?
— Demais. — Holly sentou-se.
O lençol decidiu não cooperar, e ela travou uma rápida briga com ele para se
cobrir, sem conseguir arrumar coragem de olhar para Jordan.
Ele pôs a bandeja no colo dela.
— Não precisa se esforçar tanto para se cobrir. Já vi tudo ontem e gostei.
Antes que ela pudesse se recompor o suficiente para falar, ele se acomodou na
cama a seu lado e serviu uma xícara de café para cada um. Também havia torradas e
frutas.
— Já cuidei de Mistletoe. — Jordan sorriu — Ela já comeu, e os gatinhos estão
bem. Ainda não abriram os olhos.
— Ainda vai demorar um pouco. — Holly não conseguia acreditar que eles
estavam quase nus, tomando o café da manhã na mesma cama, depois de terem feito
amor. Como se isso fosse normal...
Sentia vontade de gritar. Normal era viver só e estar só; não se entregar a um
homem que ameaçava roubar seu coração, na frente de uma árvore de Natal.
— Como se sente? — Jordan perguntou.
Holly tomou um grande gole de café e quase queimou a língua.
— Ótima!
— Sem seqüelas?
— Sem o quê?
Ele sorriu.
— Está dolorida?
— Dolorida? Do quê?
Jordan se inclinou para ela e afastou o lençol até que seu seio ficou exposto.
Depois o acariciou.
— De fazer amor. Muitos músculos diferentes são usados no ato. Está sensível
hoje?
O calor atingiu as faces de Holly. Jordan queria falar nisso? Engoliu em seco, e
colocou a xícara na bandeja.
— Sinto-me ótima.
— Avise-me se não se sentir bem.
Holly teve vontade de perguntar o que ele iria fazer se estivesse dolorida, mas
não tinha certeza se queria saber.
Jordan beijou-lhe o seio, o pescoço, a pele sensível por baixo da orelha.
— Está se sentindo um pouco sem jeito, Holly. Vou deixá-la para que possa
tomar uma ducha e se vestir. Mas você me deve uma.
— Devo-lhe uma ducha? Por quê? Há mais quatro banheiros nesta casa.
Ele se levantou.
— Mas você vai estar neste.
Homens e mulheres tomando banho juntos? Seria isso correto? Sua confusão

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Noite inesquecível Susan Mallery
deve ter ficado explícita em suas feições, porque ria quando saiu do quarto.
Holly desviou a bandeja para o lado e levantou-se. Percebia agora que estava
dolorida, sim. Os músculos das coxas doíam como se tivessem se alongado alguns
centímetros a mais, e a região entre suas pernas também. Queria tomar uma ducha
demorada e quente. As coisas iriam ficar mais claras quando estivesse de banho
tomado, vestida e arrumada.
Mas, enquanto limpava o vapor e olhava para sua imagem refletida no espelho,
percebeu que as coisas não haviam melhorado. Na verdade, estavam ainda mais
confusas.
Enrolou a toalha no corpo e se perguntou se o fato de ter feito amor a teria
realmente mudado. Pelo menos havia conhecido e experimentado a intimidade que unia
um homem e uma mulher. Ao mesmo tempo que não lamentava o que fizera, estava
começando a compreender que o sexo implicava muito mais coisas que o próprio ato em
si.
Pegou um pente largo de madeira e começou a passá-lo pelos cabelos molhados,
enquanto se observava ao espelho.
— Já sou uma mulher por inteiro — murmurou.
Era dona de um negócio próprio, que ficara mais bem-sucedido do que poderia
ter imaginado, e estava tomando conta de si. Era inteligente, capacitada e havia,
enfim, se tornado uma mulher como as outras. Tinha um amante! Só estava precisando
de um bip ou de um celular...
Respirou fundo. Por fora, talvez pudesse ser como todo o mundo, mas por
dentro era muito diferente. Sempre fora um pouco conservadora. Ter um amante não
fazia seu estilo. Podia dizer e fazer tudo aquilo que bem entendesse, mas, no fundo do
coração, sabia que continuava a ser uma mulher antiquada.
Queria amar o homem a quem havia se entregado, e Jordan não a amava. Pior
que isso, acreditava que o amor causava destruição. Na opinião dele, esse era um
sentimento que só causava problemas e confusões. Por isso, o que deveria pensar? Não
havia nada que pudesse ser decidido naquele momento, pensou.
Secou os cabelos, se vestiu e foi para baixo. Jordan estava na sala, sentado no
sofá em frente da árvore de Natal. O cobertor não estava mais lá, assim como o fogo
crepitando e a garrafa vazia de champanhe. Mesmo assim, seu olhar se dirigiu para o
lugar onde eles haviam se amado.
Lembrou-se das lindas luzes na árvore e do cheiro do fogo. E de Jordan,
tocando-a com suas mãos e beijando-a, amando-a até que o mundo inteiro desapareceu,
deixando-os sozinhos no universo.
Jordan se levantou assim que a viu. Já tinha tomado banho também, e seus
cabelos pretos estavam penteados para trás. Um moletom já muito usado lhe cobria
agora o peito e os ombros, e o jeans desbotado se ajustava a suas coxas com a
familiaridade de uma velha amante. Já o vira vestido daquele jeito inúmeras vezes
antes. Mas não adiantava. Assim que seus olhos se encontraram, seu coração disparou
e as pernas começaram a tremer.

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Noite inesquecível Susan Mallery
Ele deu um passo em sua direção e a puxou. Os braços dele eram fortes e
seguros. Holly se sentia confortável e protegida neles. Quando a boca de Jordan se
encostou na sua, seu corpo começou a tremer.
Jordan a beijou, mas Holly o interrompeu.
— Jordan, eu...
Ele a fez calar, pondo um dedo sobre seus lábios.
— Sei que as coisas estão indo demasiado rápido para você.
Holly o encarou.
— Como descobriu?
Ele tocou o rosto dela, depois baixou o braço e pegou sua mão.
— Posso ver isso em seus olhos. Está confusa e com medo. A noite passada foi
ótima, mas a realidade do dia é mais difícil de lidar. Precisa estar na loja dentro de...
— ele olhou para o relógio — ...uma hora. Tem outras coisas para fazer. Sou uma
complicação de que não precisa no momento.
Os olhos dela ardiam, e não precisou mais do que um segundo para
compreender que estava lutando contra as lágrimas.
— Desculpe-me, Jordan.
Ele a abraçou.
— Não chore, Holly. Por favor, não fique preocupada. Eu compreendo. Precisa
de tempo para pensar em tudo o que aconteceu.
Ela apoiou a testa no ombro dele.
— Não estou chorando por estar preocupada, mas porque você está sendo tão
amável e compreensivo...
— Pensava que ser amável e compreensivo era uma coisa boa.
— E é! — Holly ergueu a cabeça e sorriu para ele. — Obrigada.
— Não tem por que. — Os olhos dele escureceram — Tenho um pedido a lhe
fazer.
— O que é?
— Não me deixe antes dos feriados.
Holly ficou refletindo sobre aquele pedido. A loja estava indo muito bem, já
tinha dinheiro suficiente para alugar outro apartamento. Mas a idéia de partir não
havia lhe ocorrido.
— Eu ficarei. Para ser honesta, a idéia de ir embora logo nunca me passou pela
cabeça — confessou.
— Ótimo. — Jordan sorriu — Vamos tentar tomar um desjejum de verdade.
Dessa vez na cozinha.
— Tudo bem.
Ele se dirigiu para lá. Holly foi atrás dele, pensando em todas as coisas que
haviam ocorrido. Por que não estava pensando em ir embora? Não havia futuro para ela
naquela casa e, mesmo que houvesse, não queria estar ao lado de Jordan, nem de
nenhum outro homem. Não acreditava nas pessoas. Mas em Jordan, sim! Preocupava-se
com ele e gostava de estar a seu lado. Não sabia ao certo quando ou como isso tinha

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acontecido, mas acabara confiando nele.
Não fazia idéia de quando havia começado a confiar nele e a deixá-lo entrar
em seu coração. Talvez quando a beijara pela primeira vez. Jordan Haynes era tudo
aquilo que sempre sonhara encontrar num homem. Como conseguiria resistir?
Sabia que o amava. Com todas as suas forças. Fechou os olhos, enquanto a
emoção tomava conta de seu peito. Amava Jordan! Amava um homem que tinha medo
do amor. Jamais iria permitir que ele soubesse disso. Precisava ser forte! Podia
continuar a ser sua amiga, e ele nunca saberia a verdade.
Uma estranha combinação de alegria e tristeza se apoderou de seu coração.
Estava pronta para confiar em alguém o suficiente para se apaixonar, e ele não iria
querê-la. Mesmo que fosse à sua maneira, Jordan a estava deixando, assim como
tantas pessoas haviam feito antes, mas isso não a impedia de amá-lo com menos
intensidade. Não conseguia controlar seus sentimentos. Não era justo, mas a
realidade. Jordan a teria para sempre, quer a quisesse, quer não.

CAPÍTULO XV

Mandis, a filha de nove anos de Travis e Elizabeth, gritou de alegria quando


terminou de desembrulhar a enorme caixa. A casa de bonecas em estilo vitoriano tinha
sido construída a mão através de um kit, e depois pintada e decorada. Os olhos
grandes da garota ficaram ainda maiores, e em seguida se encheram de lágrimas. Ela
correu para o sofá onde seus pais estavam sentados e se jogou nos braços deles.
Jordan ficou observando seu irmão abraçar a filha.
— Ainda bem que gostou. — a voz embargada de Travis era só emoção — Todos
os seus tios trabalharam nela comigo.
Mandis fungou, depois olhou para os outros adultos.
— Obrigada. E a casa de bonecas mais bonita que já vi.
Holly, que estava sentada no chão, olhou para Jordan.
— Quando a fizeram? — ela perguntou.
— No final do verão. — Jordan sorriu, lembrando-se das complicadas
instruções e das discussões que haviam tido por causa disso — Costumávamos
construir aeromodelos juntos, mas isso já foi há muito tempo. E sempre saía uma ou
outra briga, porque todos achavam que sabiam mais que os outros.
Holly também sorriu.
— Então, de certa forma, isso fez vocês reviverem o passado...
— E, acho que sim. Mas era divertido. Quando todos os irmãos começaram a
ter filhas, chegamos à conclusão de que seria melhor aprender a construir casas de
bonecas.

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Noite inesquecível Susan Mallery
Holly olhou ao redor, e Jordan acompanhou seu olhar. A maior parte das
crianças já tinha ido para fora, brincar com seus presentes. O chão estava cheio de
papéis de embrulho e havia pilhas de caixas vazias e instruções jogadas fora, para
qualquer lugar que olhasse.
Estaria ela reparando em toda aquela desarrumação ou teria percebido a
felicidade que isso representava? Tocou a cabeça de Holly, sorrindo para si mesmo.
Sabia o que ela havia visto. Holly tinha um coração bondoso. Iria ver o lado bom da
situação.
Travis levou a casa de bonecas para cima, para o quarto de brinquedos. Mandis
correu e foi pegar sua prima Michele, que tinha sua idade. As duas subiram com suas
novas bonecas. Quando Travis regressou, sentou-se junto de sua mulher e suspirou.
— E o que eu vou ganhar de Natal? Sei que me portei bem o ano inteiro.
— Como pode ter tanta certeza? — Elizabeth perguntou.
Ele sorriu.
— Você me diz isso o tempo todo.
Ela lhe deu um tapa no braço. Todo mundo riu.
— Eu também tenho sido bonzinho — Kyle afirmou — E então, o que Papai Noel
me trouxe?
— Papel de parede para a sala de jantar — Sandy respondeu, e sorriu quando
ele resmungou.
Jordan e Holly, divertidos, escutavam a conversa. Apesar de ela ter ficado um
pouco tímida no começo, parecia gostar de estar com a família dele. Ele apreciou ficar
observando o jeito com que Holly ia se soltando mais com eles. Seus irmãos eram
protetores e carinhosos, e suas cunhadas a tinham acolhido como uma delas. Tinha
reparado nos cochichos dela com as outras mulheres. Todo o mundo tinha segredos, e
Jordan desejou que ela tivesse se sentido à vontade o suficiente para partilhar os
seus. Ficara um pouco curioso de saber o que as mulheres conversaram, mas depois
chegara à conclusão de que talvez fosse mais sensato não saber.
Sandy perguntou algo e Holly respondeu. Enquanto ela falava, apoiava a cabeça
no joelho dele. Jordan se inclinou para trás, contra o sofá, apreciando aquela
proximidade.
Queria Holly. Fazer amor não tinha diminuído sua atração. Em vez disso, agora
podia imaginá-la nua e por baixo dele. Sabia como Holly se comportava quando estava
com ele, e queria estar de novo. Mas compreendia sua cautela. Quase não tinha
nenhuma experiência com relacionamentos afetivos e se mostrava receosa de ir rápido
demais.
Jordan também não era um perito naquilo. Nunca tivera nenhum que tivesse
dado certo. No fundo do coração, ainda acreditava que o amor era algo destrutivo.
Seria mais seguro para todos se eles continuassem apenas amigos. Na amizade, sim,
acreditava e confiava. O único problema é que não sabia se continuariam amigos. Holly
enchera sua vida de alegria. Mais que isso: preenchera um vazio na sua alma.
Conhecera-a havia tão pouco tempo, e, mesmo assim, não conseguia mais imaginar sua

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vida sem ela. Isso representava um problema para ambos. Não queria magoá-la, nem se
magoar.
Então, aonde aquilo os levaria? Não tinha resposta para a questão. Iria ter de
levar a vida do jeito que desse e torcer para que as coisas se ajeitassem por si
mesmas. Por hora, Holly estava ao seu lado, e aquilo bastava.
— Oh, Deus! Mas isto não pode ser tudo para mim! — ela exclamou, trazendo
Jordan de volta à realidade.
Elizabeth e Sandy trocavam presentes. E havia várias caixas na frente de
Holly. Ela olhou para ele.
— Jordan?!
Ele deu de ombros.
— Não me pergunte. Não sei de nada. Sou sempre o último a saber.
Holly contou as caixas.
— Catorze?! Isso é uma loucura!
Elizabeth foi para perto dela e tocou sua mão.
— Não é loucura, não. São presentes. Todos nós queríamos lhe dar alguma
coisa.
— Mas não posso aceitar. E muita coisa.
— Ainda nem sabe o que é. — Craig apontou para as caixas — Pelo menos, abra
algumas só para também ver o que é.
— Claro — Jill reforçou, com a mão descansando em cima da barriga — As
mulheres sempre sabem tudo.
— Isso não é horrível? — Craig provocou.
— Sim — Travis o apoiou — Precisamos tomar cuidado para que elas nunca
venham a descobrir alguns segredos só nossos.
Elizabeth lhe deu um beijo rápido.
— Não se preocupe, querido, isso não vai acontecer. Pelo menos, se não
quisermos. — Voltou à atenção para Holly — Por favor, abra uma das caixas. Se não
gostar do presente, pode dizer, dá para trocar.
Jordan compreendeu a confusão de Holly. Ela não sabia que todos iriam lhe dar
algo. Ele também não, senão, a teria avisado. Holly fizera biscoitos, mas Jordan tinha
certeza de que Holly não iria achar que isso fosse suficiente.
— Eles estão tentando ser gentis, Holly. Isso quer dizer que gostam de você.
Ela assentiu e pegou um dos pacotes. Depois que o desembrulhou, abriu a caixa
e retirou de lá uma xícara e um pires, brancos, de porcelana. O padrão antigo a
lembrou de alguns que havia visto em catálogos que tinha na loja.
— Sabemos que perdeu tudo quando seu apartamento foi destruído — Sandy
explicou — Por isso, nos juntamos e compramos um conjunto para chá, em porcelana,
para você. Cada caixa contém uma xícara e um pires, e as outras duas são as peças
restantes. Pelo amor de Deus, diga que gosta deles.
— São lindos! — Holly, emocionada, mostrava a xícara para Jordan.
Ele a pegou e examinou a peça. Combinava com Holly. Conseguia imaginar aquela

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xícara na sua mão. Sua mente foi invadida pela imagem dela na cama, com um robe de
seda, tomando seu café da manhã. Mas o pior é que também se viu lá, ao lado dela.
O desejo tomou conta dele de repente, até que não conseguiu pensar em mais
nada. Queria-a. Precisava dela. Talvez houvesse algum modo seguro de mantê-la na sua
vida.
— Seja apenas educada e diga "obrigada" — ele aconselhou — Você faz minha
família feliz e ganha algumas xícaras em troca. Não é mau negócio.
Elizabeth ergueu as sobrancelhas.
— Estamos tentando colaborar. Espero que compreenda.
Holly assentiu comum gesto de cabeça.
— Vocês são maravilhosos... Obrigada. Adorei meu presente. — Olhou para
cada pessoa na sala.
— Que ótimo! — Kyle se alegrou — Mas doze xícaras parece demais para uma
só pessoa. É claro que quando você se casar...
Ele parou de falar de repente, quando Sandy lhe deu um tapa nas costas.
— O que foi que eu disse?
Jill e Elizabeth começaram a falar ao mesmo tempo. Craig e Travis trocaram
olhares cúmplices. Holly corou. Jordan sabia que Kyle tinha apenas dito o que todo o
mundo estava pensando. Era óbvio que estava acontecendo alguma coisa entre Holly e
ele, e todos estavam loucos para saber o que era.
Sandy e Elizabeth se ocuparam de entregar o restante dos presentes. Os
irmãos de Jordan haviam lhe dado algumas ferramentas para a garagem nova. Kyle
ficou desapontado por descobrir que havia mesmo ganho papel de parede, mas seu
bom-humor voltou quando abriu uma caixa que continha bilhetes para um cruzeiro no
Caribe.
Sandy colocou um pacote muito grande e fino na frente de Jordan. Ele olhou
para o cartão: era de Holly! Ela se afastou para o lado, no carpete, para lhe dar espaço
para abri-lo. Quando tirou o papel, ele deparou com uma magnífica pintura
impressionista.
— Holly, não pode me dar isto!
— Não é de nenhum pintor muito famoso, por isso não fique empolgado demais.
Holly tinha mencionado um lote de pinturas de artistas menos conhecidos que
havia comprado num leilão, cerca de seis meses atrás. Vendera a maior parte dos
quadros, mas admitira ter guardado dois favoritos para si.
Seus olhos azuis demonstravam uma emoção quente e acolhedora.
— Queria lhe dar alguma coisa especial — ela disse, baixinho, para que os
outros não ouvissem. Um sorriso surgiu em seu rosto bonito. — Seja apenas educado e
diga "obrigado". Não foi o que me disse?
— Obrigado — ele obedeceu.
— Achei que ficaria bem na sala de jantar.
Jordan sorriu.
— É o único lugar que ficou pronto, por isso acho que faz sentido.

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Noite inesquecível Susan Mallery
Havia um outro pacote embrulhado com papel brilhante, vermelho e prata. O
cartão tinha uma pata impressa.
— É de Mistletoe — Holly lhe disse.
— Imaginei. — Jordan balançou a caixa — O que será que ela colocou aí
dentro? Alguma coisa que explode ou que cheira mal?
— Jordan, seu mal-agradecido! Mistletoe é uma gata maravilhosa. Ainda não
descobri por que ela não morre de amores por você, mas, como gosta de todo o mundo,
talvez o problema seja seu, e não dela.
Ele sorriu.
— Ótimo. Fui julgado e considerado culpado por uma gata.
Jordan tirou o papel. Quando abriu a caixa de papelão, descobriu um espesso
suéter em preto, cinza e azul-marinho.
— Mistletoe sente muito por ter usado seu suéter como cama.
— Ah, não sente não!
Um canto da boca de Holly se curvou para cima num sorriso maroto.
— Mesmo que ela não sinta, eu sinto.
Em volta deles, os outros adultos também estavam abrindo pacotes.
Comentários felizes eram trocados, junto com abraços e beijos.
Jordan tinha vontade de abraçar Holly e lhe demonstrar na prática o quanto
ela o havia feito feliz. Em vez disso, se viu obrigado a lhe dar um beijo rápido na testa.
Mesmo enquanto lembrava que respeitava a decisão dela de terminar a relação
estranha deles, gostaria de apresentá-la como sua companheira. Queria que todos
soubessem que eles eram amantes e que Jordan se importava com ela. Queria que
Holly pudesse se sentir à vontade para acariciá-lo em público.
— Olhe o que acabei de encontrar debaixo da árvore! — Elizabeth falou para
Holly, e lhe entregou uma pequena e quadrada caixa de joalheria. Depois, se voltou
para o cunhado. — Sempre tive curiosidade de conhecer seu gosto nessa matéria,
Jordan. Acho que agora vou, enfim, descobrir como é.
— É, claro — ele disse baixinho, aparentando calma, mas seu coração começou
a bater com mais força.
Tinha querido dar a Holly alguma coisa especial. Algo que a fizesse se lembrar
dele de uma forma simbólica. Sua condição de convalescente não ajudara muito.
Chegara a ficar com medo de não conseguir se levantar da cama a tempo de comprar o
presente. Mas a fisioterapia tinha feito milagres, e acabara conseguindo encontrar o
que queria.
Holly olhou para a caixinha embrulhada em papel dourado.
— Jordan! Não deveria...
— Como sabe? Ainda nem o viu o que é.
Ela tirou o papel. A caixa de veludo preto se abriu, revelando brincos de
pérolas circundadas por uma armação de diamantes. Holly olhou para os brincos, mas
não disse uma única palavra.
Jordan se viu pela primeira vez na situação de ficar inseguro em relação a um

119
Noite inesquecível Susan Mallery
presente.
— Os diamantes são armações separadas — ele disse rapidamente — Pode usá-
los com outras coisas, se quiser, e também dá para usar as pérolas sozinhas — Fez uma
pausa, depois acrescentou, como que se desculpando: — Achei que iriam ficar bem
tanto com um vestido longo quanto com suas roupas de trabalho.
Holly ergueu a cabeça e olhou para ele. A luz refletiu a umidade em seus olhos.
— São lindos! Não deveria ter gasto tanto dinheiro.
— Oh, ele tem dinheiro para gastar — Kyle disse, do outro lado da sala.
Jordan olhou em volta e percebeu que eles eram o centro da atenção.
— Tem razão — Craig acrescentou — O último cheque foi impressionante.
Holly franziu as sobrancelhas,
— Do que eles estão falando?
Jordan se encostou no sofá e sorriu.
— Não lhe contei? Quando Austin resolveu abrir sua empresa, meus irmãos e
eu entramos como sócios para ajudá-lo. Nenhum de nós tinha muito dinheiro, mas lhe
demos tudo o que tínhamos. Agora, recebemos uma porcentagem dos lucros de sua
bem-sucedida firma. Assim, além de serem charmosos destruidores de corações, os
irmãos Haynes também estão bem de vida.
— Acho que isso explica as mansões vitorianas. Eu me perguntava às vezes
como havia conseguido com um salário de bombeiro.
— Bem, agora sabe.
Holly olhou para os brincos, depois os abriu e tentou colocá-los nas orelhas.
Suas mãos estavam tremendo. Quando conseguiu completar a tarefa, se apoiou nos
joelhos e beijou-o na boca.
Não foi um beijo apaixonado. Mas, enquanto apertava os lábios contra os dele,
o rubor surgiu às suas faces, mais uma vez. Para Holly, era um passo ousado, inédito...
e público.
Antes que se afastasse, Jordan tocou seu rosto e sorriu para ela. Sua
expressão calorosa e feliz o fez querer algo que não podia explicar nem definir. O
desejo aumentou, apertando-lhe o coração. Se tivesse de se expressar por palavras, o
mais perto que iria chegar era que queria o que seus irmãos já tinham. Não o amor.
Isso ainda o aterrorizava. Mas sim uma relação estável com alguém de quem gostasse.
Quando todos os presentes já tinham sido abertos, Elizabeth designou tarefas
para cada um. Holly ficou encarregada de juntar os presentes para que houvesse
espaço na sala para andar, enquanto Jordan foi enviado para ajudar na cozinha. Ele
deveria fazer café, mas, em vez disso, se viu recordando natais antigos. Jordan
sempre fora o solitário e o estranho. Mesmo antes de seus irmãos se casarem, eles
costumavam levar uma mulher consigo para as festas de Natal. Jordan nunca fizera
aquilo. De certa forma, achava que eram ocasiões demasiado pessoais e familiares para
partilhá-las com alguém que não conhecesse muito bem. Por isso, nunca havia convidado
uma estranha. Sempre era melhor ir sozinho do que com a pessoa errada.
— Por que está tão sério? — Elizabeth perguntou.

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Noite inesquecível Susan Mallery
Ele olhou para a porta e a viu encostada no batente.
Deu de ombros.
— Pensando em outros natais. Este é melhor.
Elizabeth caminhou na sua direção. Sua cunhada tinha olhos grandes e um
rosto em forma de coração. Quando se casara com Travis, se sentira também
responsável pelos irmãos dele. E, a partir daí, os aniversários passaram a ser
lembrados e comemorados, e os jantares de família se tornaram parte da vida de
todos. Elizabeth pôs as mãos nos quadris e o encarou.
— Juro que, se pudesse ter apenas um só desejo para realizar, seria o de
passar cinco minutos a sós com Earl Haynes.
— Meu pai?! Por quê?
— Aquele... homem, se é que podemos chamá-lo assim, não merece viver. Ele foi
muito mau com vocês quatro. Gostaria que fosse punido por seus erros e de estar
presente para ver.
A raiva dela o surpreendeu. Apesar de suas lembranças não terem ido tão
longe, as palavras de Elizabeth o transportaram para lá. Seu pai indo embora para
viver com outra mulher... Sua mãe chorando baixinho no quarto... Os quatro irmãos sem
saber o que pensar, sabendo apenas que todos os presentes do mundo não
conseguiriam fazer da casa deles um lugar agradável de se viver.
— Isso foi há muito tempo, Elizabeth.
— Talvez, mas vocês ainda continuam sofrendo por causa disso, Jordan. Acha
que não percebo o que Earl fez com você? Com todos vocês? Às vezes, Travis não
consegue dormir por causa das lembranças. É um homem maravilhoso, apesar de ter
sofrido muito por não saber como agir para ser bom marido e pai. — Respirou fundo e
sorriu — Bem, é melhor deixar isso para lá, não é?
— Concordo. Às vezes você leva as coisas muito a sério.
— Isso é porque me importo não só com Travis, mas com todos vocês. —
Elizabeth chegou mais perto dele e pôs a mão em seu braço — Jordan, precisa
aprender a lidar com o passado. Sua chance de um presente feliz irá por água abaixo
se não conseguir encarar isso.
Ele deu um passo para trás.
— Não faço a mínima idéia do que está falando.
— Faz, sim. Quem dera houvesse uma maneira de apagar tudo e começar de
novo. Mas não há. Seus pais... — Ela deu de ombros — Não concordo com o que sua mãe
fez, mas posso compreender. Ser posta de lado, sem mais nem menos, depois de tanto
tempo agüentando um homem como ele, deve ter sido um golpe profundo. Só gostaria
que ela tivesse mantido contato com vocês.
Jordan pensou no que havia acontecido naquele último dia.
— Eu não a culpo, culpo as outras mulheres. Elas deveriam ter dito "não" para
meu pai.
Elizabeth o encarou com uma expressão estranha.
— Claro que elas têm parte da culpa, mas não toda. Disseram "sim", mas era só

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Noite inesquecível Susan Mallery
Earl quem fazia a pergunta. Ele passou a vida inteira tentando seduzir qualquer coisa
que usasse saias. Talvez seja mais fácil culpar as mulheres, mas o verdadeiro culpado é
seu pai.
Jordan desviou o olhar, mas Elizabeth deu um passo à frente e continuou a
encará-lo.
— Sei o que está pensando, Jordan, mas não é bem assim. Não precisa ser
como ele. Você já é um homem... — Ela sorriu.
— E que homem! Se eu não fosse tão feliz com meu marido, talvez pudesse lhe
dar uma chance. Mas parece que já ia chegar tarde, não é? — Abraçou-o — Holly é
uma pessoa muito especial. Não a perca. Se o fizer, vai se arrepender pelo resto da
vida.
Elizabeth saiu da cozinha, e Jordan ficou só. Enquanto fazia café, pensou no
que sua cunhada dissera: era mais fácil culpar as mulheres que seu pai. Elizabeth tinha
razão. Culpara Louise por tudo. E, na verdade, quanto do que havia acontecido era
culpa sua? E a parte de seu pai nos acontecimentos? E de sua mãe? Quanto a isso,
concordava com Elizabeth. Compreendia a necessidade de sua mãe abandoná-lo, mas se
ressentia por ela ter ido embora sem olhar para trás uma única vez.
A família Haynes era uma grande confusão. Meneou a cabeça. Isso não era
verdade! Seus irmãos tinham aprendido a superar os traumas da infância e da
adolescência. Ele era o único que ainda ficava lutando contra os fantasmas do passado.
Talvez já estivesse na hora de esquecê-los.
Holly chegou um pouco mais perto de Jordan, no sofá, em frente da árvore de
Natal deles. À esquerda, o fogo crepitava na lareira, e o cheiro da madeira queimando
enchia a sala.
— O jantar foi maravilhoso — ela disse, tocou as orelhas e os belos brincos
que ganhara — Foi um dia inesquecível para mim. Obrigada.
Jordan passou o braço pelo seu ombro e a puxou.
— Não tem porque.
Ela fechou os olhos e sentiu a felicidade que lhe percorria o corpo. Queria que
esse dia durasse para sempre. Queria fazer parte dele e de seu mundo para sempre.
Queria ser capaz de confessar seus sentimentos e de vê-los correspondidos. Queria
que Jordan a amasse!
Um breve suspiro escapou de seus lábios. Não era sensato desejar a lua...
Jordan não a amaria, porque jamais seria capaz de amar alguém.
Ainda assim, se pudesse ter mais um desejo de Natal, seria que ele a quisesse
para sempre.
— Holly, quero lhe perguntar uma coisa.
— O quê?
Jordan se inclinou para frente, de modo que pudesse ver o rosto dela. Seus
olhos escuros refletiam emoções que Holly não conseguiu decifrar. Sentiu a tensão
dele, mas não sabia a causa. Antes que pudesse perguntar o que havia de errado,
Jordan falou:

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Noite inesquecível Susan Mallery
— Holly, quer se casar comigo?
A pergunta a deixou surpresa e muda. Só conseguia olhar para Jordan de olhos
arregalados. Casar com ele? Jordan estava lhe pedindo para se casar com ele?!
— Sei que isso deve parecer meio repentino, mas já pensei muito no assunto.
Gosto de tudo em você: de estar ao seu lado, conversar, fazer amor com você... tudo.
A alegria dela era tão intensa que pensou que talvez fosse capaz de morrer ali
mesmo. Ele queria se casar com ela. Com ela.
— Queremos as mesmas coisas — ele continuou — Um lar e uma família. Eu
tenho a casa. Juntos, poderemos fazer dela um lar e ser uma família. Sempre quis ter
filhos. Prometo tomar conta de você e respeitá-la. — Jordan tocou seu rosto, depois
lhe beijou os lábios — Acho que poderíamos dar certo junto.
Holly procurou o rosto dele, à espera. Mas Jordan havia terminado. Sua alegria
foi desaparecendo aos poucos, como um arco-íris sumindo no nevoeiro.
Ele queria se casar com ela, mas não tinha dito uma só palavra sobre seus
sentimentos.
— Um compromisso sem amor? — ela perguntou, contente por sua voz ter
soado forte.
— Eu a honrarei. Serei um marido fiel e devotado.
Quase, Holly pensou com tristeza. Quase como o amor, mas uma coisa muito
diferente.
— Eu me importo com você — Jordan afirmou.
Ela assentiu com um vago gesto de cabeça. Importava-se...
— Aprecio muito isso. Você gosta de mim, e eu fico contente. Também gosto
de você.
Holly se afastou dele e se levantou devagar. Sua cabeça girava. Não sabia o
que pensar. Tudo tinha acontecido rápido demais.
Casar com Jordan! Tinha sonhado com aquilo desde o momento em que
compreendera que o amava. E ele estava lhe oferecendo tudo que ela queria. Quase...
Poderia fazer amor com ele, partilhar sua cama, sua vida, ter seus filhos. Poderia ser
aceita no seio de sua família. Poderia lhe pertencer.
Mas, apesar disso, Jordan não a amaria. Nunca iria conhecer a emoção
transcendental do amor. Jamais iria sonhar com ela do jeito que ela sonhava com ele.
— Holly?
Ela riu baixinho, se perguntando se o som conseguiria cobrir sua dor.
— Tem razão sobre tudo, Jordan. Iríamos nos dar bem juntos. Afeição mútua
e respeito. Muitos casamentos sobrevivem com bem menos que isso. Só há um
problema. — Holly olhou para ele — Eu mudei as regras.
— O que está dizendo?
— Não sei bem. Eu... — Ela se interrompeu, sem saber o quanto deveria
confessar — Tinha medo de confiar em alguém. Todos haviam me decepcionado.
Depois, você chegou, com sua aparência elegante e seu sorriso charmoso. Conquistou-
me sem que eu me desse conta direito do que estava acontecendo. Ofereceu-me tudo

123
Noite inesquecível Susan Mallery
o que sempre quis. Vi que confiava em você.
A expressão no rosto dele não se modificou, mas ela também não conseguiu
perceber o que Jordan estava pensando. Talvez fosse melhor assim, para ambos.
— Só pedi três coisas em toda a minha vida, Jordan. Quando tinha quinze anos,
quis que meu namorado compreendesse que não podia acompanhá-lo ao baile porque
minha mãe estava doente.
— Ele a abandonou — Jordan disse, num tom de voz sem emoção. Seus punhos
estavam cerrados.
— Isso mesmo. Depois pedi dinheiro a meu pai para ajudar nas despesas
médicas de minha mãe. Já sabe o que aconteceu com isso.
— E a terceira?
— Pedi a minha mãe que não morresse e me deixasse sozinha no mundo. E ela
também me abandonou. — Lágrimas afloraram a seus olhos e ameaçaram sair, mas as
impediu com firmeza — Agora, eu quero uma quarta coisa: quero um milagre! — Holly
respirou fundo. Ia dizer aquilo uma única vez na sua vida. Por isso, não queria
fraquejar e perder a oportunidade — Eu te amo, Jordan! Você é educado, amável,
carinhoso, inteligente, divertido. E um homem bom. Faz meus joelhos tremerem e meu
coração bater mais forte. Eu te amo, mas não vou me casar com você. Não, sem que
você me diga com toda franqueza que também me ama.

CAPÍTULO XVI

Holly tomou um gole de café e tentou conter as lágrimas. Tinha passado a


maior parte da noite chorando e estava se sentindo péssima. Se erguesse a cabeça e
piscasse com força, talvez conseguisse assumir algum controle sobre si mesma, apesar
da dor aguda em seu peito não ir embora. Sabia muito bem que dor era aquela: Jordan
havia destroçado seu coração!
Claro que ele não fizera de propósito. Sua proposta fora sincera e bem-
intencionada. Achava que poderiam ter uma vida boa juntos. Talvez tivesse sido isso o
que tornara as coisas piores. Se Jordan não se importasse com ela, então poderia
dizer que era apenas uma paixão súbita e iria passar por cima disso. Mas ele tinha
sentimentos para com Holly... Só que, infelizmente, não a amava.
Louise entrou na cozinha. Em homenagem àquela época do ano, estava usando
uma calça vermelha justa e uma camisa em tons de verde. Pequenas árvores de Natal
de plástico pendiam de cada orelha.
Louise apanhou a garrafa térmica e se serviu de uma xícara de café.
— Quer conversar ou prefere que eu saia e finja que não a vi? — perguntou,
sem se voltar.
Holly apoiou os cotovelos na mesa da cozinha.

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Noite inesquecível Susan Mallery
— Pode me ignorar, se quiser. — Holly deu de ombros.
Louise se voltou e a encarou.
— Acho que não vai dar, querida. Você está me parecendo deprimida demais
para ficar sozinha. — Puxou uma cadeira e se sentou ao lado de Holly — Conte-me o
que aconteceu.
— Eu... — Lágrimas rolaram por seu rosto. Ela as enxugou e depois tentou
sorrir. — O Natal deveria ser uma época de felicidade, e aqui estou eu chorando. Coisa
boba, não?
Louise pegou sua mão.
— De jeito nenhum. A vida continua do jeito que é, mesmo no Natal. Às vezes
penso que todas essas comemorações acabam piorando tudo. Todo o mundo fica às
voltas com velhas recordações, sonhos de infância, essas coisas. Você tem o direito de
estar um pouco triste.
Holly apreciava os conselhos de Louise. Em ocasiões como aquela, a saudade
que sentia de sua mãe eram ainda maiores que o habitual. Havia muita coisa na vida que
não compreendia, mas ficar sozinha e isolada do mundo, dentro de sua concha, não iria
adiantar nada.
— Jordan me pediu em casamento — Holly disse, baixinho.
— Parabéns, garota! Não é o homem que eu teria escolhido, mas sei que você
tem uma queda por ele... — Louise franziu o cenho — No entanto, não parece muito
feliz. Não aceitou?
— Não pude. Eu... — Ficou olhando para a xícara, pensativa. Depois respirou
fundo. — Ele não me ama.
— O quê?!
As lágrimas rolaram de novo. Dessa vez, Holly deixou que caíssem por seu
rosto.
— Ele não me ama! Disse que gostava de mim e se preocupava comigo, que nos
dávamos bem e poderia dar certo... — Fez uma pausa para sufocar um soluço — Eu
quero mais que isso! Quero que ele me ame! Serei louca, Louise? Estarei pretendendo a
lua? Jordan é um homem bom, me trata muito bem... — Apertou os lábios, tentando
impedir as lágrimas.
— Oh, querida!... — Louise aproximou a cadeira e a abraçou. — Eu compreendo.
— Eu o amo!
— Sei disso. Você o ama desde que o conheceu, não é? Veio para cá cheia de
inocência e lhe deu seu coração. Sinto muito.
Holly encostou a cabeça no peito de Louise. A governanta era uma mulher mais
velha, que a confortava e, de certa forma, lhe dava um apoio maternal.
— Não é culpa dele, Louise. Não é culpa de ninguém.
— É minha — Louise concluiu — Ele sabe o que seu pai fez, o que queria fazer,
e isso o marcou.
Holly ergueu a cabeça.
— Isso foi há muito tempo.

125
Noite inesquecível Susan Mallery
— Mas Jordan não esqueceu.
— Louise, você não pediu a Earl Haynes para se divorciar da mulher.
— Foi como se o tivesse feito.
— Está sendo injusta consigo.
A governanta ficou em silêncio por um minuto. Seus olhos azuis escureceram e
as rugas em volta da boca se aprofundaram.
— Quem me dera poder acreditar que você tem razão, mas meu coração sabe a
verdade. Aquele dia marcou Jordan para sempre. Está se esquecendo de que eu
conheço os garotos há muitos anos. Sei que Craig sempre foi demasiado responsável,
que Travis se preocupava por não se achar um bom pai e Kyle tinha medo de nunca
conseguir se apaixonar. Também sei que Austin acreditava que ninguém iria querê-lo. E
Jordan... — Ela respirou fundo. — Jordan é o mais complicado de todos.
— Jordan acredita que o amor destrói.
— Claro que sim. E é claro que está errado. Só precisa olhar para sua família e
ver todo o bem que o amor lhes trouxe. Mas Jordan é teimoso. Aliás, como a maior
parte dos homens.
Holly enxugou as lágrimas com a palma da mão.
— Estou errada em não querer me casar com ele?
— Isso, querida, só você mesma poderá responder.
Holly meneou a cabeça. Sabia muito bem que aquilo era verdade. Louise só o
havia confirmado.
— Desde os meus quinze anos, não conseguia mais confiar em ninguém. Meu
mundo não era nem um pouco seguro. Mas consegui superar isso. Aprendi a confiar de
novo. Acredito em Jordan e o amo. Mas, se ele não consegue confiar em mim e me
amar, então não poderei ficar com ele.
— Você é muito corajosa — Louise elogiou — Quem me dera ser como você.
Holly mostrou-se confusa.
— Não compreendo.
Louise envolveu a xícara de café com as duas mãos e a apertou até os nós dos
dedos ficarem brancos.
— Não parei de pensar no que você disse sobre minha filha. Quero contatá-la.
Quero lhe dar o direito de poder escolher.
Pela primeira vez desde a proposta de casamento, Holly sorriu.
— Que bom, Louise, faça isso. Já perdeu muito tempo. Se ela não quiser vê-la,
pelo menos você terá a consciência tranqüila por ter tentado. Por mais que isso seja
doloroso de ouvir, sempre será melhor do que ficar na dúvida. Mas algo me diz que sua
filha vai ficar feliz por conhecer a mãe maravilhosa que tem. E ainda mais quando
souber que tem quatro meios-irmãos.
Louise deu de ombros.
— Talvez não lhe conte isso logo de cara, não gostaria de atemorizá-la com
tanta novidade ao mesmo tempo. — Ela pensou por um momento — Tem razão. Vou
fazer isso. Já perdemos vinte e oito anos. Não posso perder nem mais um minuto.

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Noite inesquecível Susan Mallery
Holly ficou contente. Pelo menos uma delas tinha uma chance de ser feliz.

Jordan abriu a porta e entrou em casa. Percebeu logo que havia alguma coisa
errada. Não sabia se era a ausência de barulho ou o silêncio estranho, ou apenas um
sexto sentido.
Começou a subir a escada, de dois em dois degraus, depois deu meia-volta, sem
coragem de continuar, e voltou correndo para a biblioteca que havia sido seu quarto
improvisado. A porta do armário estava parcialmente fechada. Abriu-a e olhou para
baixo: estava tudo arrumado e limpo! Não precisava procurar mais: Mistletoe tinha ido
embora e, com ela, Holly.
Caminhou como um autômato para a cadeira ao lado da cama de hospital
alugada que iria ser devolvida em breve. Sentou-se, descansou os cotovelos nos joelhos
e apoiou a cabeça nas mãos.
"Foi embora! Assim, sem mais nem menos... Sem avisar. Sem sequer se
despedir."
Quando Holly recusara sua proposta, percebeu que tinha feito tudo errado.
Deveria ter planejado melhor o que iria dizer. Mas a verdade é que não tinha pensado
em lhe propor casamento. Não queria perdê-la e, quando deu por si, já tinha botado
tudo para fora.
Agira como um bobo inconseqüente. Pior que isso: a magoara. E agora Holly
tinha ido embora, e Jordan não sabia mais o que fazer.
— Ela deixou um bilhete.
Jordan olhou para cima. Nem notou quando Louise entrou no quarto. A
governanta estava de pé, a sua frente, com o braço estendido e um envelope na mão.
Pegou-o, abriu-o e olhou para o papel.

"Jordan,
Desculpe-me por ter ido embora desse jeito. Sei que é um gesto covarde, mas
não tenho pudor de confessar que não tenho coragem para enfrentar você agora.
Estou indo embora porque não dá mais para ficar aqui. Antes, era fácil fingir que não o
amava. Agora não posso mais. Sei que isso não faz muito sentido. Afinal, se o amasse
mesmo, por que não aceitar correndo sua proposta? Talvez esteja sendo tola e
querendo demais. Não sei. A única certeza que tenho é de que só posso estar ao lado
de um homem que possa me amar também, que confie em mim o suficiente para me dar
seu coração. Não o culpo por não ser capaz de fazer isso. Só gostaria que tudo tivesse
sido diferente.
Um abraço,
Holly."

Jordan leu a folha vezes sem conta, até saber cada palavra de cor. Até não
conseguir sufocar a dor que dilacerava seu peito. Então, amassou o bilhete.

127
Noite inesquecível Susan Mallery
— Ela foi embora — ele constatou, surpreso por compreender que tinha falado
alto.
— De manhã. — Louise deu um passo na sua direção — Sei que não quer minha
opinião, nem vai acreditar em mim, mas sinto muito, Jordan. Por vocês dois. — Fez uma
pausa — E quero lhe comunicar que também estou indo embora. Já cumpri minha parte:
você já está bom, e Holly não está mais aqui. Não precisa mais de mim.
Jordan meneou a cabeça, sem dizer nada. Ela se voltou e caminhou na direção
da porta.
— Espere, Louise! — Jordan se levantou e saiu correndo atrás dela — Para
onde ela foi?
Louise o encarou.
— Isso tem importância?
— Tem.
— Alugou a casa do caseiro na propriedade de Kyle e Sandy. — Louise tocou o
braço dele — Você tem seus motivos para me odiar. Não concordo com eles, mas posso
compreender. Mesmo assim, vou lhe dizer uma coisa: será um idiota se a deixar
escapar.
Jordan amassou o papel na mão.
— Não é de sua conta!
Louise riu e deu de ombros.
— Tem razão, não é mesmo! E daí? Vai ficar zangado comigo por causa disso?
Olhe, uma coisa a mais ou a menos não vai fazer diferença nenhuma. Não quero mais
saber o que você pensa ou não. Pode continuar sendo grosseiro comigo que eu não
estou nem aí!
Talvez fosse por causa da ferida aberta no seu peito ou pela surpresa. Por um
momento, Jordan não conseguiu se esconder atrás da máscara de indiferença. Pela
primeira vez, desde aquela tarde longínqua de muitos anos atrás, se permitiu olhar de
verdade para Louise. As árvores de Natal de plástico nas suas orelhas captavam a luz
e brilhavam. Havia rugas em volta de seus olhos, e a pele não era tão lisa como antes,
mas, no mais, era a mesma de sempre. E tinha um bom coração. Sua tentativa de
tentar fazer as pazes com ele provava isso.
Jordan pensou no vazio que iria se apoderar de sua casa, de sua vida e de seu
coração, com a partida de Holly. Se seu pai tivesse tido um décimo dos mesmos
sentimentos por Louise, então talvez pudesse compreender algumas de suas ações.
Ainda não os desculpava, mas quase conseguia compreendê-los. E, se estava quase
chegando a esse ponto em relação a seu pai, então por que não poderia fazer o mesmo
com a mulher a sua frente? E certo que Louise tinha cometido um erro. E carregara
uma culpa consigo ao longo dos últimos vinte e nove anos. Louise tinha apenas
dezessete anos na época. Odiara-a por destruir sua família, quando, na verdade, sua
família é que nunca passara de um amontoado de partes isoladas.
— Desculpe-me, Louise.
Os olhos da governanta se arregalaram.

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Noite inesquecível Susan Mallery
— O que foi que disse?!
— Desculpe-me. Joguei toda a culpa em cima de você. Agora percebo que
estava errado.
Ela pôs as mãos nos quadris.
— Droga, Jordan! Não brinque com meus sentimentos. Não me confunda de
novo!
Ele meneou a cabeça.
— Eu queria culpá-la porque era mais seguro do que acusar meu pai. Era muito
mais fácil ficar zangado com você. Fiz de sua vida um inferno. Um pedido de desculpas
não vai poder mudar o passado, mas é a única coisa que posso fazer.
Louise mordeu o lábio e passou a mão pelo canto do olho.
— Ainda não consigo acreditar. Fui pega de surpresa... Pronto, desculpas
aceitas.
Jordan a olhou, atônito.
— Assim, sem mais nem menos?!
— Por quê? Iria se sentir melhor se o humilhasse primeiro?
— Sim.
— Isso não faz meu gênero. Tenho um coração bem grande, Jordan. Sou capaz
de perdoar. Não vou dizer que não poderei ficar magoada uma ou duas vezes, quando
me lembrar de como foi mau comigo, mas compreendo por que o fez. Se está sendo
sincero, então não vejo por que não esquecer tudo.
Jordan deu um passo à frente e a abraçou. Louise ficou dura no começo, depois
relaxou e correspondeu ao abraço.
— Agora sei por que meu pai se apaixonou por você.
Louise se afastou dele.
— Ah, esses Haynes são mesmo muito bons de conversa. Mas pare de perder
tempo comigo. Vá procurar Holly e a traga de volta.
Jordan desviou o olhar.
— Não posso.
— Ah, meu Deus! Parece que você não consegue ser sincero e inteligente ao
mesmo tempo. — Ela respirou fundo — Diga-me por que não.
— Ela precisa que eu a ame.
— Pois é.
Jordan meneou a cabeça.
— Mas eu não posso... Não a amo.
— Claro que ama. Está se prendendo a conceitos. O sentimento é que importa,
não os nomes que decidir pôr. Não se escolhe amar alguém ou não, Jordan. Apenas
acontece. E depois, tem de se aprender a lidar com o fato. Não percebe que começou a
amá-la desde que a viu?
— Não.
Ele se virou de costas. Não era amor. Amor, não. Conhecia os perigos, o preço
daquele sentimento. Tinha sentido a fria lâmina do amor e sabia de suas trágicas

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Noite inesquecível Susan Mallery
conseqüências.
— Não existe teimoso pior que um velho teimoso — Louise murmurou. Depois
saiu.
Jordan ficou sozinho no silêncio. Perguntou-se quanto tempo iria levar para
esquecer a mulher que havia acabado de perder.

Jordan se sentia como um colegial sendo chamado ao gabinete do diretor.


Ficou de pé na frente da lareira, de frente para seus três irmãos e Austin.
Kyle se jogou no sofá e levantou as mãos.
— E melhor você falar com ele — ele disse com ar desgostoso — Não está
escutando uma única palavra do que eu estou dizendo.
— Estou, sim. — Jordan encarou-o, paciente — Concordo com seu ponto de
vista. No entanto, nada mudou.
Travis saiu de perto da árvore de Natal e ficou caminhando pela sala.
— Tudo mudou, Jordan. Essa é a questão. Todos nós estamos diferentes. Há
cinco anos apenas, eu teria concordado com você. Amar alguém era uma idéia
aterrorizante. Nenhum de nós sabia como se relacionar afetivamente. Mas
aprendemos a passar por cima disso e enfrentar a vida. É por esse motivo que estamos
tendo esta conversa com você. Quando se encontra alguém especial que mexe com o
coração, é preciso estar preparado para enfrentar os riscos.
Jordan franziu o cenho. Apreciava o que eles estavam tentando fazer, mas
seus irmãos não compreendiam a situação. Não conheciam a verdade. Tinha sido mais
fácil para eles.
Ainda assim, uma voz interior lhe dizia que queria que eles o convencessem.
Queria acreditar neles. Ao longo dos últimos sete dias, desde que Holly tinha ido
embora, compreendera que sobreviver sem ela era quase impossível. Não conseguia
parar de pensar em Holly. Precisava ouvir sua voz, sua risada. Queria abraçá-la e tocá-
la, lhe explicar como seu mundo ficara vazio sem ela. Até da gata sentia falta.
— Todos nós já deixamos o passado ir embora — Travis continuou — Precisa
fazer o mesmo.
— Não é assim tão simples — uma voz de mulher disse.
Jordan olhou para a recém-chegada. Louise acabara de entrar na sala e estava
olhando para ele.
— Não contou para eles, não é? — ela perguntou. Jordan meneou a cabeça.
— Por quê?
— E o seu segredo. Não cabe a mim revelar.
— O tempo dos segredos acabou. Por favor, meninos, sentem-se.
Louise estava de pé na frente deles, abrindo e fechando as mãos, como que
tentando criar coragem. Jordan chegou perto dela, por trás, e lhe apertou os ombros.
Ela lhe deu um sorriso cúmplice e respirou fundo.
— Há vinte e nove anos, quando eu tinha dezessete, tive um caso com Earl

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Haynes.
Enquanto ela contava sua história, Jordan ficou de frente para a árvore de
Natal. Havia objetos de decoração da época de sua infância e vários outros de
inspiração vitoriana, que Holly trouxera. Tocou um Papai Noel de aspecto antigo e
relembrou a risada de Holly quando o colocara na árvore. Seus irmãos ouviam em
silêncio. Pelo canto do olho, Jordan observava as diferentes emoções que afloravam
nos rostos deles: confusão, surpresa, preocupação. Mas não viu raiva nem mágoa.
Nenhum deles culpava Louise.
— Está nos dizendo que temos uma irmã? — Craig perguntou quando ela
terminou.
— Meia-irmã — Louise corrigiu.
Travis sorriu.
— Que diferença isso faz?
— Ei, quer dizer que não sou mais o caçula? — Kyle brincou, se levantando.
— Onde ela está? — Craig perguntou, também se levantando.
— Tem mantido contato com ela? — Kyle quis saber.
Louise levantou as mãos.
— Um de cada vez, pelo amor de Deus. Não, não tenho estado em contato com
ela. Eu a dei para adoção e não sei onde está.
Travis olhou para os irmãos.
— Precisamos encontrá-la! Conheço um ótimo detetive particular. Vamos até a
delegacia ligar para ele.
Kyle deu o braço a Louise e se dirigiu com ela para a porta.
— Sabe como se chama nossa menina? Talvez consigamos encontrá-la através
do computador.
Craig se juntou a eles.
— Tenho alguns amigos em outros Estados. Eles também poderão ajudar.
Vamos achá-la, Louise, pode ter certeza. Então, poderá convidá-la para vir aqui.
Todos continuavam falando, animados, à medida que saíam.
— Como se sente por ter uma meia-irmã?
Jordan se voltou, surpreso. Seu amigo Austin continuava sentado no sofá.
— Pensei que tinha saído com eles.
Austin meneou a cabeça.
— Não, seu problema continua por resolver.
— Talvez não haja nenhuma solução.
— Talvez. — Austin esticou suas longas pernas e ficou olhando para as botas
pretas de caubói — Você está com medo. Foi por isso que decidimos ter esta conversa
franca.
— Ora, não seja ridículo.
— Tudo bem, pode negar à vontade. Mas isso não vai mudar a verdade. Eu sei
Jordan, conheço os sintomas. — Austin olhou para o teto. Seus olhos escuros
pareceram viajar no tempo. — Nunca quis ter nada com Rebeca. Claro, sabia quem ela

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Noite inesquecível Susan Mallery
era. E não ignorava que tinha uma queda por mim. Mas não desejava me envolver. Ainda
mais com uma mulher tão decente.
Jordan pensou na pureza de Holly. Ela era virgem. Agora não mais... Não podia
substituir o que tirara.
— De repente, ela entrou na minha vida — Austin continuou — Encharcada até
os ossos, lembro-me como se fosse hoje. Não conseguia mandar Rebeca embora, e no
final acabei por me dar conta de que não podia mais viver sem ela.
— Aonde quer chegar? — Jordan perguntou, chegando mais perto dele.
— Calma, eu direi. — Austin apoiou os cotovelos nos joelhos e cruzou os dedos
— A pior parte é sempre a desconhecida. A dor de estar só, a solidão, tudo isso já é
bem familiar. Sabe muito bem do que estou falando. Pode compreender... Mas amar
alguém, arriscar tudo na vida que é seguro, é sempre uma aventura, um mergulho no
desconhecido. Não há como saber como vai ser. E se já é difícil conseguir sobreviver à
dor de estar só, como arriscar a enfrentar algo pior? Por isso é melhor nem tentar,
não é?
— Você não sabe o que está dizendo — Jordan disse, mas estava blefando.
Tudo o que Austin dissera fazia sentido.
Por sorte, ele o ignorou.
— Quase perdi Rebeca porque agi como um idiota. Você está fazendo o mesmo.
— Austin se levantou e encarou Jordan — Não faça isso. Não deixe que o orgulho e o
medo sejam mais fortes. Mesmo que tivéssemos ficado um único dia juntos, ainda
assim teria arriscado tudo por esse dia. Sabendo o que sei hoje, só me arrependo de
ter demorado tanto a perceber isso. Odeio pensar no tempo que perdi. Não perca sua
chance de ser feliz. Nunca mais vai encontrar nenhuma outra Holly. Se a deixar ir
embora, passará o resto da vida esperando a dor passar. Mas vai ter de conviver com
ela até ao fim.
E com essas palavras, Austin o deixou.
Mais uma vez, Jordan ficou sozinho no silêncio. Sentou-se na frente da árvore
de Natal, confuso, tentando decidir o que fazer.
O que Austin tinha dito fazia sentido, mas Jordan não conhecia todos os
detalhes. Sabia que amar alguém era mais que um risco, era uma promessa de
desastre. Tinha visto as conseqüências do amor e o que ele havia feito com sua família.
Sentira na pele a dor e o sofrimento.
Um fino raio de sol dançava nos objetos de decoração. Lembrou-se do Natal do
ano anterior, quando passara o dia em casa de Kyle e Sandy, e vira os garotos
decorando a árvore. Conseguia ouvir as risadas e sentir a alegria por todo lado.
Enquanto fechava os olhos, excertos de conversas e momentos agradáveis dos
anos mais recentes continuavam a afluir à sua memória. Maridos e esposas, sobrinhos
e sobrinhas, nascimentos, festas, comemorações. Centenas de acontecimentos
dispersos, milhares de instantes felizes com uma emoção contínua.
Amor...
Algo havia destruído a família Haynes... mas não tinha sido o amor! Travis e

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Noite inesquecível Susan Mallery
Craig tinham escolhido mal na primeira vez que se casaram, mas depois acabaram
aprendendo com a experiência e acertando. O amor não tinha separado sua família. O
amor a unira. Holly lhe tinha oferecido seu coração, e ele a havia decepcionado. Por
que não conseguia mais se soltar das amarras do passado e criar coragem para deixar
a felicidade entrar quando ela batia à sua porta?
Correu para fora, parando apenas o tempo suficiente para pegar seu blusão de
couro, e entrou no carro.

Quinze minutos depois, estava na frente da pequena casa na propriedade de


Kyle e Sandy, que Holly havia alugado. Levantou a mão para bater na porta, mas se
interrompeu. O que iria lhe dizer? Como convencê-la a acreditar nele e lhe dar uma
segunda chance?
Enquanto pensava se as palavras iriam surgir ou não, sua mão pareceu adquirir
vida própria e bateu na porta com vigor. Esta se abriu pouco depois, e Holly apareceu a
sua frente.
Seus olhos grandes e azuis o encararam. Os cabelos estavam soltos, do jeito
que ele gostava; as mechas loiras, sedosas e brilhantes, lhe chegavam quase à cintura.
A boca se abriu um pouco, mas ela não disse nada. Vestindo um suéter rosa sobre uma
calça justa preta, de malha. Seus pés estavam descalços. Era a mais bela criatura que
já havia visto! Queria-a como nunca quisera nenhuma mulher antes. Precisava dela.
— Jordan? — O som da voz de Holly entrou em suas divagações e o trouxe de
volta à realidade.
Ela se afastou um pouco para o lado e abriu a porta por completo. Ele entrou,
tirou o blusão e o jogou em cima do sofá.
— Holly, eu... — Jordan não sabia exatamente o que dizer. Pegou as mãos dela
e as apertou com força.
— Case-se comigo, por favor. Não porque passamos bons tempos juntos. Não,
não é isso. Quero que se case comigo porque você é a melhor coisa que já me
aconteceu na vida, porque sem você minha alma é fria e escura e meu coração ainda
não sabe amar. Preciso de você mais que do ar que respiro.
Holly continuava olhando para ele com uma expressão indecifrável. Jordan
respirou fundo. Sabia que aquela seria sua última oportunidade, e não iria desperdiçá-
la.
— Estou lhe pedindo que se case comigo, porque enfim compreendi que o amor
não é algo para se ter medo. O amor nos engrandece e sublima. Case-se comigo...
porque eu te amo!
Uma lágrima se formou no canto do olho de Holly e deslizou, solitária, por seu
rosto.
— Tem certeza?
— De que eu te amo?
Ela assentiu.

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Noite inesquecível Susan Mallery
— Sim — ele respondeu com convicção — É a única coisa de que tenho certeza.
De resto, estou apavorado com o que possa acontecer depois. Mas tenho mais medo
ainda de ficar sem você.
Holly correu para Jordan e se jogou em seus braços. Jordan a abraçou com
força e deixou escapar um soluço de felicidade. Ambos haviam encontrado o lugar ao
qual pertenciam: os braços um do outro.
— Eu também te amo, Jordan!
— E então, vai se casar comigo?
— Sim! — Holly o beijou.
Enquanto os lábios deles se tocavam, Jordan constatou que seu coração havia
encontrado a paz. Aquela alma sensível e bondosa conseguira romper as barreiras de
proteção que represavam seus sentimentos. Reservara um lugar para ele nas escuras
profundezas do seu ser e aguardara com paciência que ele a deixasse afastar as
sombras e os fantasmas que o perseguiam.
Enquanto se beijavam com sofreguidão, Jordan tomou uma vaga consciência de
que alguma coisa se esfregava em sua perna. Interrompeu o beijo e olhou para baixo:
Mistletoe havia pego seu blusão de couro com a boca e o estava arrastando pela sala.
— Acho que deve estar levando-o para seus gatinhos brincarem com ele —
murmurou.
— O quê? — Holly perguntou, alheia, enquanto suas mãos lhe percorriam o
peito e depois começavam a lhe desabotoar a camisa.
Jordan não respondeu, porque isso não era importante, e também porque
estava ocupado fazendo sua própria exploração, acariciando-a por baixo do suéter e
puxando-a contra ele.
— Quando nos casarmos, vou querer um cão — ele murmurou, depois mordiscou
o pescoço de Holly. — Vou precisar de alguma proteção contra sua gata.
— Eu gosto de cães — Holly falou, enquanto desabotoava dois botões e
pressionava seus lábios contra o peito nu. Sentia seus músculos pulsarem de prazer —
Talvez um bebê também.
Jordan se abaixou e a pegou no colo. Holly passou os braços em volta do
pescoço dele enquanto era carregada para o quarto. Jordan a beijou de novo. Queria
ter muitos bebês com ela. Muitas meninas loiras que se parecessem com a mãe. Não
sabia se merecia tanta felicidade, mas não podia recusá-la. Com Holly, os sonhos
impossíveis estavam se transformando em realidade.
Eles tinham encontrado a felicidade através da força poderosa e mágica do
amor.

EPÍLOGO

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Noite inesquecível Susan Mallery

Rosas vermelhas enchiam a igreja. Grinaldas de sempre-vivas, enfeitadas com


fitas de veludo vermelho, pendiam dos vitrais.
Os convidados estavam sendo recebidos pelos irmãos Haynes e Austin, que
eram os padrinhos. Como Holly era nova na cidade e não tinha família, não havia divisão
entre noiva e noivo. Ainda bem, Jordan pensou, observando a igreja se enchendo. Ia
ser complicado arrumar lugar para tanta gente.
O que havia sido idealizado como uma pequena cerimônia, apenas para os
familiares, havia se transformado em um grandioso acontecimento que incluía a maior
parte da cidade.
Música de órgão ecoava pela nave, acompanhada pelo calmo rumor das
conversas. Talvez houvesse pessoas ali que achassem estranho um casamento com
temas de Natal no final de janeiro, mas Jordan não se importava. O Natal os unira e
iria ser sempre uma ocasião especial para os dois. Não houvera tempo suficiente para
preparar o casamento para a véspera de ano-novo, e nem ele nem Holly queriam
esperar até o Natal seguinte para estar juntos como marido e mulher.
Mesmo assim, a decisão dela de continuar na casa de Kyle e Sandy até ao
casamento tinha posto à prova sua paciência. Mal conseguira sentir o gostinho do
corpo dela na sua cama, depois foi forçado a ficar sem ele. Pelo menos, essa espera
angustiante terminaria nessa noite. Iriam passar o final de semana era San Francisco,
num hotel caro com excelente serviço de quarto e, na segunda-feira de manhã,
voariam para o Havaí para a lua-de-mel ao sol.
O som do órgão aumentou de volume e mudou para uma peça clássica. Seus
irmãos e Austin tinham tomado seus lugares atrás de Jordan, enquanto suas cunhadas
iniciavam a marcha lenta pela nave. Louise já estava sentada na fila da frente, na
posição de mãe honorária da noiva.
A porta principal da igreja se fechou por um momento. A marcha nupcial
começou, e depois a porta voltou a se abrir.
Holly fez sua aparição, em uma maravilhosa visão de branco. Seu vestido se
ajustava ao corpo até a cintura, antes de cair solto pelo chão e terminar em um longo
véu que se arrastava. Os cabelos estavam presos no alto da cabeça e envoltos por uma
grinalda de rosas brancas. Ah, o amor, esse sentimento tão recente e extraordinário
que inundava Jordan de felicidade! Sentia vontade de correr para ela e a acolher em
seus braços. Em vez disso, aguardou que Holly caminhasse na sua direção, gravando na
retina aquele momento mágico, e sabendo que tinha passado a vida inteira se
preparando para ele.
Holly se movia de modo calmo e seguro, e seu olhar nunca abandonou o de
Jordan. Quando chegou perto dele, seu noivo lhe estendeu a mão. Ela a tomou. Chegara
enfim a seu destino. Ambos haviam chegado. Sorriram, e depois olharam para o padre.
Quando este abriu a boca para iniciar a cerimônia, Holly o interrompeu:
— Espere, por favor. — Olhou para Jordan — Quero que saiba que eu te amo.
Ele percebeu a sinceridade que transbordava de seus olhos azuis, e se sentiu

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invadido pelo mesmo ardor.
— Eu também te amo. O padre sorriu.
— Eu ia ralhar com vocês dois e lhes dizer que a parte de amar um ao outro é
só mais tarde, mas têm razão: tudo começa com o amor. Pelo menos deveria ser
sempre assim.
Eles trocaram juramentos e alianças, se beijaram e aceitaram as
congratulações dos amigos e da família. Holly e Jordan tinham começado sua nova vida
com uma promessa de amor, e aquela promessa iria durar a vida inteira.

SUSAN MALLERY mova no Estado da Estrela Solitária (Texas), onde as


pessoas são charmosas e a temperatura é sempre agradável. Ela vive com seu marido e
herói e com seus bonitos gatos, apesar de meio preguiçosos. Quando não está
trabalhando duro escrevendo romances, pode ser encontrada explorando as terras
selvagens do Texas. Susan também escreve romances históricos sob o nome de Susan
Macias.

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