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Avenida Peter Henry Rolfs - Campus da UFV


Viçosa/MG - Brasil
www.inovaleite.com
inovaleite@inovaleite.com
Antônio Fernandes de Carvalho
Ítalo Tuler Perrone
Rodrigo Stephani
Guilherme M. Tavares
Isis Rodrigues Toledo Renhe

QUÍMICA E TECNOLOGIA DO
SORO DE LEITE

Innóvite
Juiz de Fora – 2020
©2020, INNÓVITE
Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei n° 9.610, de 19/02/1998
Nenhuma parte deste livro, sem autorização previa por escrito da editora, poderá ser reproduzida ou
transmitida sejam quais forem os meios empregados: eletrônicos, mecânicos fotográficos, gravação ou
quaisquer outros.

INOVALEITE
Grupo de Pesquisa Multicêntrico
inovaleite@inovaleite.com

Capa: Inovaleite
Imagem da capa: Shutterstock
Revisão técnica: Ítalo Tuler Perrone, Rodrigo Stephani, Guilherme M. Tavares e Isis Rodrigues Toledo Renhe
Projeto e editoração: Innóvite
Diagramação: Erica Felipe Mauricio

Avenida Peter Henry Rolfs - Campus da UFV


Viçosa/MG - Brasil
www.inovaleite.com
inovaleite@inovaleite.com
Organizadores

Antônio Fernandes de Carvalho Ítalo Tuler Perrone


Departamento de Tecnologia de Alimentos Departamento de Ciências Farmacêuticas
Engenharia de Alimentos Faculdade de Farmácia
Ciência e Tecnologia de Laticínios Universidade Federal de Juiz de Fora
Universidade Federal de Viçosa (DCF/FF/UFJF)
(DTA/EAL/CTL/UFV)
Rodrigo Stephani
Guilherme M. Tavares Departamento de Química
Departamento de Ciência de Alimentos Instituto de Ciências Exatas
Faculdade de Engenharia de Alimentos Universidade Federal de Juiz de Fora
Universidade Estadual de Campinas (DQ/ICE/UFJF)
(DCA/FEA/UNICAMP)

Isis Rodrigues Toledo Renhe


EPAMIG - ILCT
Instituto de Laticínios Cândido Tostes
Autores

Alan Frederick Wolfschoon Pombo Guilherme M. Tavares


Pesquisador Inovaleite Professor do Departamento de Ciência de Alimentos
Dr.-Ing. Cadeira Ciência do Leite – Universidade – UNICAMP
Técnica de Munique DSc Ecole doctorale: Vie-Agro-Santé – INRA
MSc Tecnologia de Alimentos – UNICAMP MSc Industrie et Economie Laitière – Agrocampus
Químico – Universidad de Panamá Ouest
Técnico em Laticínios – ILCT Engenheiro de Alimentos – UFV
Técnico em Laticínios – ILCT
Alisson Borges de Souza
Doutorando em Ciência de Alimentos – UNICAMP Igor Lima de Paula
MSc Ciência e Tecnologia de Leite e Derivados – UFJF Mestrando em Química – UFJF
Engenheiro de Alimentos – UFLA Bacharel em Ciências Exatas – UFJF
Técnico em Laticínios – ILCT
Inara Sanches Lopes
Antônio Fernandes de Carvalho Mestranda em Ciência de Alimentos – UNICAMP
Professor do Departamento de Tecnologia de Engenheira de Alimentos – FAJ
Alimentos – UFV
DSc Sciences et Techniques des Industries Agricoles
Isis Rodrigues Toledo Renhe
et Alimentaire – Agrocampus-Ouest
Pesquisadora e Professora da EPAMIG – ILCT
MSc Sciences Alimentaires: Lait et Produits Laitiers
PhD Food Science – University of Guelph
Université de Caen
MSc Ciência e Tecnologia de Alimentos – UFV
Farmacêutico e Bioqúimico – UFJF
Engenheira de Alimentos – UFV
Técnico em Laticínios – ILCT
Técnica em Laticínios – ILCT

Arlan Caldas Pereira Silveira


Ítalo Tuler Perrone
GEA Equipamentos e Soluções S/A
Professor do Departamento de Ciências
PhD Dairy Science and Technology – INRA
Farmacêuticas – UFJF
MSc Industrie et Economie Laitière – Agrocampus
DSc Ciência e Tecnologia de Alimentos – UFV
Ouest
MSc Ciência e Tecnologia de Alimentos – UFLA
Bacharel em Ciência e Tecnologia de Laticínios – UFV
Químico – UFJF
Técnico em Laticínios – ILCT
Carolina Carvalho Ramos Viana
Professora da EPAMIG – ILCT
Jean Victor dos Santos Emiliano
Doutoranda em Ciência e Tecnologia de Alimentos –
Doutorando em Ciência e Tecnologia de Alimentos –
UFV
UFV
MSc Ciência e Tecnologia do Leite e Derivados – UFJF
MSc Ciência e Tecnologia de Alimentos – UFV
Farmacêutica – UFJF
Tecnólogo em Laticínios – IF Rio Pomba
Técnica em Laticínios – ILCT

Lauren Carvalho Montalvão Carneiro


Elisângela Ramieres Gomes
Mestranda em Ciência e Tecnologia de Alimentos –
Doutoranda em Ciência e Tecnologia de Alimentos –
UFV
UFV
Engenheira de Alimentos – UFLA
MSc Ciência e Tecnologia de Alimentos – UFV
Engenheira de Alimentos – UFMG
Luiz Fernando Cappa de Oliveira
Professor do Departamento de Química – UFJF
Erica Felipe Mauricio
DSc Química – USP
Doutoranda em Ciência e Tecnologia de Alimentos –
MSc Química – UNESP
UFV
Bacharel em Química – UNESP
MSc Engenharia de Processos Químicos e
Técnico em Química – Colégio do Carmo (SP)
Bioquímicos – UFRJ
Engenheira de Alimentos – UFRJ
Autores

Mariana Ramos de Almeida


Professora Adjunta do Departamento de Química –
UFMG
DSc Química – UNICAMP
MSc Química – UFJF
Química – UFJF

Nathalia da Silva Campos


Mestranda em Química – UFJF
Química – UFJF

Raquel Reis Lima


Doutoranda em Ciência e Tecnologia de Alimentos –
UFV
MSc Ciência e Tecnologia de Alimentos – UFES
Engenheira de Alimentos – UFES

Rodrigo Stephani
Professor do Departamento de Química – UFJF
Doutor em Química – UFJF
MSc Ciência e Tecnologia do Leite e Derivados – UFJF
Químico – UFJF
Técnico em Leite e Derivados – ILCT
Prefácio

Há alguns anos o grupo Inovaleite vem promovendo diversas atividades de pesquisa, transferência e difusão
da tecnologia de lácteos concentrados e desidratados. O simpósio “By the whey: tecnologia, nutrição e
mercado”, ocorrido entre os dias 16 e 18 de maio de 2018 em Juiz de Fora/MG, foi uma das ações do grupo e
ressaltou uma lacuna de publicação científica nacional sobre o tema de “Química e tecnologia do soro de leite”.
Na ocasião foram discutidos temas relevantes para a prospecção do uso de soro de leite como uma matéria-
prima de alto valor agregado no cenário nacional, sendo esse o norte para a elaboração desse livro. Os esforços
dos organizadores desta obra foram em propiciar a construção de um texto, que tivesse não apenas um
direcionamento acadêmico, como também industrial.
Dessa forma, o livro começa falando sobre as proteínas do soro do leite, seus aspectos físico-químicos e
estruturais. O leitor é introduzido a um breve histórico do processamento do soro, destacando sua evolução de
subproduto da indústria de queijos, sendo descartado em rios e destinado à alimentação animal, passando pelo
aproveitamento da lactose, até sua valorização como matéria prima para a obtenção de proteínas. Nesse ponto
é destacado o elevado valor tecnológico e biológico de suas proteínas, que permitem a elaboração de produtos
com texturas e apelos nutricionais diferenciados, além de seu potencial de uso para a obtenção de peptídeos
bioativos.
Entendida a importância tecnológica, econômica e de saúde do soro e seus componentes, o livro discorre
sobre as possíveis formas de obtenção de soro e seus impactos na composição final do produto (proteínas
presentes) e suas consequências em propriedades de aplicação. Por isso o capítulo seguinte trata da aplicação
da tecnologia de filtração por membranas tanto no fracionamento dos constituintes do leite e do soro do leite,
quanto na remoção de microrganismos e células somáticas, com o objetivo de melhorar a qualidade e
segurança desse produto. Efeitos de concentração de constituintes, temperatura, fracionamento e meios de
diluição (diafiltração), entre outros, são discutidos nesse capítulo, com o intuito de propiciar o conhecimento
necessário para o desenvolvimento de processos que permitam a obtenção de produtos de qualidade e
customizados a sua finalidade de aplicação.
O terceiro capítulo aborda as particularidades da secagem de soro de leite e a influência da composição da
matéria prima na qualidade do produto final. Cifras de transição no processamento de queijo e a obtenção de
soros com diferentes composições estão entre os tópicos discutidos, bem como as diferenças nas etapas de
fabricação de soro em pó, em comparação com o processamento de leite em pó.
O capítulo seguinte tem o apoio da empresa GEA, que permitiu que um importante material de referência
para os profissionais da área fosse disponibilizado em português. Ficou à cargo dos autores fazer as
adequações de linguagem e as considerações quanto à realidade brasileira para que as complexas informações
de processo e equipamentos ficassem as mais acessíveis possível para todos os profissionais do setor.
A base de conhecimento para o entendimento do processamento do soro de leite é complementada com o
capítulo 5. Os conceitos básicos que permitem o entendimento do processo de secagem são abordados,
abrangendo fundamentos de química e física aplicados à secagem de soro, como estado vítreo, transição vítrea
e diagrama de Mollier. A secagem de produtos com lactose hidrolisada também é discutida pelos autores.
Os capítulos 6 e 7 versam sobre os produtos obtidos a partir do soro e suas aplicações. Primeiro
apresentam-se
Prefácio

apresentam-se os concentrados proteicos com suas diversas composições e distintos processos de obtenção,
considerando-se ainda os padrões de legislação e as aplicações finais desses produtos. Segue-se uma
apresentação da evolução das bebidas lácteas no mercado brasileiro, bem como a classificação desse produto.
Os diversos processos de obtenção e processamento das bebidas lácteas são apresentados e as principais
alterações do produto discutidas, assim como desafios e oportunidades para esse mercado.
O livro termina com a apresentação e discussão de uma série de técnicas analíticas que podem ser
empregadas no controle de qualidade e durante o desenvolvimento de produtos de soro de leite. A ênfase do
capítulo final foi em novas metodologias ou metodologias normalmente não empregadas na rotina dos
laticínios, como espectroscopias de Infravermelho e Raman, a quimiometria, a calorimetria exploratória
diferencial (DSC), a microscopia eletrônica de varredura (MEV) e a difração a laser, entre outras.
Esperamos que este livro contribua para o desenvolvimento do setor de alimentos no Brasil na área da
química e tecnologia do soro de leite.

Os autores!
Apresentação

Aportamos em 1814, quando Berzelius publicou “Über Thierische Chemie”, apresentando o leite como
sendo quimicamente formado por “Butter”, “Käse” e “Molke”. Espantoso, tanto quanto instigante, olhando,
agora, pelo retrovisor. O que seria descortinado à frente, para o nosso deleite pela complexidade do leite?
Inúmeros esforços, pesquisas e avanços tiveram lugar.
Estamos em 1998, quando os expoentes máximos Patrick Fox e Paul McSweeney declararam que o leite
vinha sendo objeto de estudo científico há, aproximadamente, 150 anos e, por isto, deveria ser o melhor
caracterizado, em termos químicos, dentre os principais grupos de alimentos, e, provavelmente, também o
mais complicado. Prosseguiram os autores, trazendo ao nosso conhecimento que a ciência do leite já existia
como disciplina universitária há mais de 100 anos, tendo a química do leite como uma das suas principais
vertentes.
Um pouco antes, ao iniciarem-se os anos 1980, detemo-nos nas Minas Gerais, no octogenário Instituto de
Laticínios Cândido Tostes (ILCT), berço dos laticinistas brasileiros. Para os dedicados alunos do Curso Técnico
em Laticínios, nível médio profissionalizante, é introduzida uma nova disciplina: “Química e Tecnologia do Leite
e Derivados”. O nome, por si, já foi capaz de gerar alguma tensão nas turmas... Acrescera-se o fato da disciplina
ter sido idealizada e vir a ser ministrada por um Pesquisador do ILCT, panamenho, com sólida formação
acadêmica, obtida em seu pais natal, no Brasil e na Alemanha. Sabia-se que era, o dito Professor, poliglota, em
que pese, na época, haver dúvidas de ser o português, um dos seus mais fluentes idiomas.
Eu fui um daqueles que estiveram nas primeiras turmas da disciplina. O Professor, com seu indefectível
“bigodón”, adentrava o recinto didático com pilhas de artigos científicos, sem aparente temor do que causaria
aos jovens espíritos lácteos que se entreolhavam nas carteiras. Começava a aula, na lousa, ou quadro-negro
(verde). Letrinha pouco favorável, mas, espere... Escrevia (às vezes, falava) em alemão, inglês, espanhol... Uai,
diziam os alunos mineiros.
Encantei-me, e não estava só. Aquelas aulas nos levavam a outra Via Láctea. Descobri-me e ao caminho
acadêmico que eu deveria seguir.
O Professor, a cada ano, escolhia, a dedo, seis alunos do curso Técnico em Laticínios para serem estagiários
no seu Laboratório de Pesquisas Físico-Químicas. Sublime honra que me sobreveio. Dediquei-me, sob a batuta
rigorosa do Professor, à minha iniciação ao esplendor da Química e Tecnologia do Leite, na medida do que se
poderia esperar de um estudante adolescente.
Como assim, “na medida do que se poderia esperar”? O Professor esperava sempre mais. Esperava,
literalmente, os resultados das incontáveis análises de leite e derivados que os estagiários faziam, noite
adentro. Esperava, para nos brindar, ocasionalmente, com apaixonada exposição sobre Kjeldahl, cloramina-T,
“salting-out” e outras mágicas alquímicas. Esperava, que não desistíssemos. Não desistimos. Nenhum de nós,
poucos, que lá estivemos com o Professor.
Meados da década, 1985, estava eu, docente novato no ILCT, quando recebi a notícia: “Você vai assumir a
disciplina Química e Tecnologia do Leite e Derivados, pois o Professor vai embora para a Alemanha”. Na hora,
as pernas bambearam. Suceder o meu Professor? Não estava preparado.
De lá para cá, têm sido, para mim, décadas de dedicação à docência em Química e Tecnologia do Leite
e
Apresentação

e Derivados, no ILCT e também como disciplina no Mestrado Profissional em Ciência e Tecnologia do Leite e
Derivados, na UFJF.
Fernando Pessoa, em “O livro do desassossego”, por intermédio do seu heterônimo Bernardo Soares
afirmara: “Cheguei a Lisboa, mas não a uma conclusão”. Ousadia minha contrariá-lo, porém, eu não cheguei a
Lisboa, mas sim, a uma conclusão: em todas estas décadas, eu não estive (e nem estou) preparado para
substituir o meu Mestre.
O Professor, após fechar recentemente, um capítulo de sua biografia, finda uma carreira
internacionalmente reconhecida em tecnologia, pesquisa e desenvolvimento de lácteos, junto a uma empresa
global, dedica-se, agora, à consultoria e à difusão do conhecimento. Volta e meia, está no Brasil. Influencia
grupos de pesquisa e jovens promissores pesquisadores, acrescentado à ciência e tecnologia, a experiência e o
senso de aplicabilidade do conhecimento. Vai à indústria, provocando, estabelecendo conexões, incentivando.
Gerações de profissionais e acadêmicos do segmento lácteo têm sido enriquecidos com o que o Professor
nos ofereceu e insiste em nos propiciar. A relação, tornada indissociável, entre a Química e a Tecnologia do
Leite, não nos deixou mais pensar do mesmo jeito. A construção deste diálogo foi estabelecida e fez-se
imprescindível, nos ambientes da academia e da indústria, entrelaçando conceitos.
Com o Professor, eu aprendi a diferença entre “whey protein” e “serum protein”, no âmbito da Química do
Leite. Das tecnofuncionalidades dos constituintes do soro de leite, o Professor amplia-nos, ainda hoje, o
repertório de aplicações em pesquisa, desenvolvimento e inovação.
Nesta oportunidade, o grupo Inovaleite apresenta-nos o e-book “Química e Tecnologia do Soro de Leite”.
Capítulos dedicados a perspectivas variadas e integradas, fundamentadas e experimentadas, com senso de
aplicabilidade.
O título do livro é refletido, escolhido, louvável. Atribui-se à obra, além
do rico e vasto conteúdo, o mérito de ser uma homenagem ao Professor,
àquele que cunhou o nome da disciplina e da área do conhecimento em
leite e derivados no Brasil. Ele também nos aparece, como coautor, no
capítulo 2.
Ah, quase esquecia-me e vocês não perdoariam-me... o nome do
Professor... Alan Wolfschoon.
Bons estudos!

Juiz de Fora, maio de 2020.


Dr. Alan Frederick Wolfschoon Pombo
Panamenho naturalizado Alemão
Brasileiro e Mineiro de coração

Prof. Dr. Paulo Henrique Fonseca da Silva


Universidade Federal de Juiz de Fora
Inovaleite

O Inovaleite é um grupo interinstitucional, formado por professores/pesquisadores da UFV, UFJF, UNICAMP


e ILCT que trabalham com a ciência e a tecnologia do leite e derivados. O grupo, que é registrado no CNPq e
possui sua marca registrada no INPI, desenvolve pesquisa, tecnologia e inovação industrial, promovendo o
compartilhamento de conhecimento com a indústria de laticínios. As atividades do Inovaleite, sempre foram
pautadas na parceria público-privada, e completa 12 anos de atividades em 2020. Atualmente, o Inovaleite
promove a integração do Centro de Recursos Microbiológicos (CRM), o Centro de Referência em Técnicas de
Membrana (CRTM) e o Centro de Referência em Produtos Lácteos Concentrados e Desidratados (CRCD)
instalados na UFV, com o laboratório de Química Tecnológica (QUIMTEC) da UFJF, e o Grupo de Pesquisa em
Propriedades Tecnológicas e Funcionais de Proteínas Alimentares (PTFPA) da Unicamp. O trabalho
desenvolvido em conjunto nestes diferentes laboratórios especializados, permite o desenvolvimento de
pesquisas destinadas à Indústria de Leite e Derivados.

Estrutura do Inovaleite:

Centro de Referência em Recursos Microbianos (CRM)

Centro de Referência em Técnicas de Membrana (CRTM)

Centro de Referência em Produtos Lácteos Concentrados e

Desidratados (CRCD)

Laboratório de Química Tecnológica (QUIMTEC)

Grupo de Pesquisa em Propriedades Tecnológicas e Funcionais de


Proteínas Alimentares (PTFPA)
Inovaleite

VISÃO:
Ser o grupo de pesquisa referência em tecnologia para o setor lácteo industrial da América Latina.

MISSÃO:
Promover a ciência e a tecnologia do leite e derivados, desenvolvendo e produzindo de forma inovadora e
diferenciada, conhecimento científico aplicado a favor da competitividade dos produtos/serviços fornecidos
aos parceiros, por meio da melhoria contínua dos processos.

VALORES:
1. Ser um grupo de pesquisa com consciência ética e de cidadania nos locais em que atua;
2. Ser confiável, ágil e sólido no atendimento das necessidades dos clientes, encantando-os através da
superação de suas expectativas;
3. Desenvolver laços comerciais com fornecedores e clientes, objetivando parcerias de longo prazo e
flexibilidade no atendimento às demandas;
4. Proporcionar, aos integrantes do grupo, um ambiente de trabalho seguro e motivador, oferecendo
realização profissional;
5. Garantir a qualidade ambiental orientada pelo conceito de desenvolvimento sustentável, tendo
compromisso com os seguintes princípios: gerenciamento dos aspectos e impactos ambientais em
todas as atividades, produtos e serviços; prevenção e controle da poluição; melhoria contínua do
desempenho ambiental; atendimento à legislação e às normas aplicáveis;
6. Formar e qualificar estudantes para atuarem nas indústrias e centros de pesquisa e ensino, pelo
modelo de aplicação do conhecimento científico à realidade experimental das indústrias de laticínios.

O grupo Inovaleite foi registrado em 2008 pelo Prof. Antônio Fernandes de Carvalho da UFV. Inicialmente, o
grupo foi constituído por profissionais formados no Instituto de Laticínios Cândido Tostes, acostumados a
buscar soluções aos problemas das indústrias de laticínios. As experiências internacionais dos integrantes seja
durante a formação acadêmica, mestrado, doutorado e pós-doutorado ou viagens técnicas à países que
produzem menor quantidade de leite que o Brasil, mas que investem em ciência e tecnologia serviram de
inspiração para a estruturação da equipe.
Inovaleite

Na primeira fase do projeto, o STLO/INRA Rennes, França e Aula de Produtos Lácteos APLTA/USC, Lugo,
Espanha foram dois importantes colaboradores científicos. Em seguida, as parcerias foram expandidas com o
STELA/INAF, Quebec, Canadá e CDR/UW Madison, Wisconsin. Apesar da realidade das empresas atendidas por
estas instituições parceiras ser diferente, a metodologia utilizada por elas foi padronizada/aplicada nas
atividades desenvolvidas pelo Inovaleite nos atendimentos às indústrias brasileiras, tendo no início apoio de
várias empresas de ingredientes nacionais e internacionais.
O Inovaleite iniciou a concepção da sua infraestrutura em rede mediante a construção dos modelos dos
Centros de Referência pelo Prof. Antônio Fernandes. Com o apoio financeiro da Fapemig/SECTES dentro do
projeto do Polo de Excelência do Leite e do CNPq, o primeiro Centro de Referência em Técnicas de Membrana
(CRTM) foi estruturado sob a consultoria do Prof. Jean-Louis Maubois. Na ocasião, foi importado um sistema de
microfiltração com membranas de 0,8 e 1,4 micrômetros para a remoção da microbiota presente do leite e
uma membrana de 0,1 micrômetros para a produção de caseína micelar e soro ideal. As parcerias com as
indústrias iniciaram com cursos de aperfeiçoamento nos diferentes processos de separação por membrana.
Um segundo centro criado dentro do projeto e também coordenado pelo Prof. Antônio Fernandes foi o
Centro de Referência em Recursos Microbianos para a Indústria de Alimentos (CRM). Esta unidade mantém
uma coleção de culturas microbianas de interesse industrial e realiza estudo de biodiversidade autóctone de
leite e derivados de diferentes partes do Brasil. Estes trabalhos têm atraído empresas que buscam/demandam
soluções de problemas microbiológicos e desenvolvimento de novos produtos com culturas inovadoras.
O terceiro centro criado foi o de Referência em Produtos Lácteos Concentrados e Desidratados (CRCD), sob
a coordenação do Prof. Ítalo Tuler Perrone. Este centro, desenvolvido em parceria com o Dr. Pierre Schuck e
com o apoio da CAPES, CNPq e FAPEMIG, tem atraído um grande número de empresas que desejam otimizar a
secagem de produtos inovadores e de difícil secagem.
Com o passar dos anos, vários equipamentos foram adquiridos em parcerias com instituições de pesquisa e
empresas privadas. Adicionalmente, outros laboratórios situados em outras instituições federais passaram a
integrar o grupo. O Laboratório de Química Tecnológica (QUIMTEC) do departamento de Química da UFJF,
coordenado pelo Prof. Rodrigo Stephani e Prof. Luiz Fernando Cappa de Oliveira, é um deles. O QUIMTEC é o
único laboratório no Brasil em uma instituição pública de pesquisa a possuir uma linha completa de
equipamentos para pesquisa tecnológica em ultra alta temperatura (UHT) associada a equipamentos analíticos
de caracterização de materiais. Esta estrutura permite a realização de aplicações laboratoriais avançadas na
área de lácteos.
A área da ciência aplicada às proteínas lácteas é trabalhada, dentro do Inovaleite, pelo laboratório de
Propriedades Tecnológicas e Funcionais de Proteínas Alimentares (PTFPA) da UNICAMP. Coordenado pelo Prof.
Guilherme Miranda Tavares, o grupo de pesquisadores é formado por profissionais especializados nesta área
que se apresenta como uma mega tendência de mercado nos próximos anos.
Assim, a infraestrutura única e mão-de-obra em rede altamente qualificada permite ao grupo suprir a
demanda por um centro de transferência de conhecimento que ofereça serviços especializados e desenvolva
novas tecnologias e metodologias de análises laboratoriais para a cadeia produtiva do leite.
Sumário
Capítulo 1: Proteínas do soro de leite: aspectos físico-químicos e estruturais ................................. 19
1.1 Valorização das proteínas do soro de leite ................................................................................. 19
1.2 Quem são as proteínas do soro de leite? .................................................................................... 21
1.3 Propriedades tecnológicas das proteínas do soro do leite .......................................................... 25
1.4 Referências ................................................................................................................................. 27
Capítulo 2: Membranas para o processamento e fracionamento do soro ........................................ 31
2.1 Introdução .................................................................................................................................. 31
2.2 Sistemas de membranas ............................................................................................................. 32
2.3 Microbiologia e filtração ............................................................................................................ 36
2.4 Produtos da filtração ................................................................................................................. 37
2.5 Membranas e soro ..................................................................................................................... 39
2.6 Capacidade tamponante do soro e subfrações .......................................................................... 41
2.7 Considerações finais .................................................................................................................. 43
2.8 Referências ................................................................................................................................ 43
Capítulo 3: Introdução à secagem do soro – diferenças entre secagem de leite e secagem de soro,
composição do soro versus qualidade do produto final .................................................. 47
3.1 Introdução .................................................................................................................................. 47
3.2 Tipos de soro: cifra de transição ................................................................................................. 47
3.3 Secagem de soro......................................................................................................................... 50
3.4 Composição de leite e soro x efeitos na secagem (% lactose, gordura livre, % ácido lático) ..... 59
3.5 Referências ................................................................................................................................ 60
Capítulo 4: Equipamentos e linhas de processo para a produção de soro em pó ............................ 63
4.1 Soro ............................................................................................................................................ 63
4.2 Produtos especiais ...................................................................................................................... 86
4.3 Análise para soro em pó ............................................................................................................. 90
4.4 Desidratação de gêneros alimentícios ........................................................................................ 91
4.5 Referências ................................................................................................................................ 96
Capítulo 5: Estado vítreo e condições de operação do spray dryer para a secagem de soro............ 97
5.1 Introdução .................................................................................................................................. 97
5.2 Estados da matéria ..................................................................................................................... 97
5.3 Transição vítrea .......................................................................................................................... 98
5.4 Importância da atividade de água ............................................................................................ 102
5.5 Condições de operação do spray dryer ..................................................................................... 104
5.6 Diagrama de Mollier ................................................................................................................ 106
5.7 Exemplo do diagrama de Mollier .............................................................................................. 108
Sumário
5.8 Problema durante a secagem de soro com hidrólise da lactose ............................................... 110
5.9 Referências .............................................................................................................................. 111
Capítulo 6: Concentrados proteicos: tipos, propriedades processamento e aplicações ................. 115
6.1 Introdução ................................................................................................................................ 115
6.2 Concentrados proteicos do soro ............................................................................................... 115
6.3 Proteínas do soro: componentes e frações ............................................................................... 116
6.4 Tipos de concentrados proteicos .............................................................................................. 118
6.5 Processamento do concentrado proteico ................................................................................. 119
6.6 Funcionalidade e aplicações ..................................................................................................... 127
6.7 Proteínas microparticuladas ..................................................................................................... 129
6.8 Eletrodiálise .............................................................................................................................. 130
6.9 Referências .............................................................................................................................. 131

Capítulo 7: Bebidas lácteas a base de soro de leite .......................................................................... 135


7.1 Introdução ................................................................................................................................ 135
7.2 Classificação das bebidas lácteas ............................................................................................. 135
7.3 Principais alterações de bebidas lácteas durante a vida de prateleira ..................................... 138
7.4 Estabilização das bebidas lácteas ............................................................................................. 140
7.5 Desafios na produção de bebidas lácteas com alto teor de proteína ....................................... 140
7.6 Novas tecnologias na produção de bebidas lácteas ................................................................. 141
7.7 Referências ............................................................................................................................... 142

Capítulo 8: Técnicas analíticas para o controle de qualidade e desenvolvimento de produtos na


indústria de secagem de soro ........................................................................................ 145
8.1 Introdução ................................................................................................................................ 145
8.2 Técnicas espectroscópicas ........................................................................................................ 145
8.3 Quimiometria ........................................................................................................................... 155
8.4 Calorimetria Exploratória Diferencial (DSC) .............................................................................. 158
8.5 Microscopia Eletrônica de Varredura (MEV)............................................................................. 159
8.6 Análise de distribuição do tamanho de partículas por difração a laser .................................... 161
8.7 Cromatografia Líquida de Alta Eficiência (CLAE ou HPLC) ........................................................ 161
8.8 Determinação de umidade por Karl Fisher (KF) ........................................................................ 166
8.9 Colorimetria .............................................................................................................................. 167
8.10 Referências ............................................................................................................................ 169
CAPÍTULO
1 Proteínas do soro de leite: aspectos físico-
químicos e estruturais
Guilherme Miranda Tavares

CONTEÚDO impulsionadores.
Até os anos 60, uma das aplicações mais nobres
1.1 Valorização das proteínas do soro de leite ...... 19
para o soro de leite era destina-lo à alimentação
1.2 Quem são as proteínas do soro de leite? ........ 21
animal. Nesta época o soro de leite era visto como
1.2.1 β-lactoglobulina (β-LG) ............................ 22
um resíduo da indústria de queijos e, portanto,
1.2.2 α-lactoalbumina (α-LA) ............................ 23
deveria ser manejado ao menor custo possível e por
1.2.3 Imunoglobulinas (Igs) .............................. 23
isso era comumente jogado em cursos d’água, sem
1.2.4 Albumina do Soro Bovino (BSA) .............. 23 prévio tratamento [3]. No entanto, a grande carga de
1.2.5 Lactoferrina (LF) ....................................... 24 matéria orgânica do soro de leite o tornava um
1.2.6 Caseinomacropeptídeo (CMP) ................ 25 grande poluidor quando descartado na natureza sem
1.3 Propriedades tecnológicas das proteínas do prévio tratamento. Por esta razão os órgãos de
soro do leite ...................................................... 25 regulamentação ambiental começaram a
1.3.1 Solubilidade .............................................. 26 responsabilizar e exigir das indústrias de queijo um
1.3.2 Atividade Interfacial ................................ 26 destino para o soro de leite que fosse menos danoso
1.3.3 Gelificação ............................................... 27 ao meio ambiente [2, 4].
1.4 Referências ....................................................... 27 Neste contexto, o soro de leite passou a ser
objeto de estudo de diversos grupos de pesquisa na
1.1 VALORIZAÇÃO DAS PROTEÍNAS DO SORO ânsia do desenvolvimento de alternativas de
DE LEITE utilização deste, até então, resíduo [2]. As primeiras
tentativas de valorização do soro de leite se
Muito embora o período preciso da descoberta focalizaram na sua utilização para produção de
do soro de leite pela humanidade não seja bem lactose por meio da concentração e posterior
definido, supõe-se que o soro proveniente da cristalização deste açúcar [5]. O soro de leite
coagulação ácida do leite tenha sido descoberto no continua sendo proposto como fonte de lactose para
final do período neolítico, por volta de 8000 anos a produção de outros produtos por vias
atrás [1]. Por sua vez, referências apontam a biotecnológicas como ingredientes prebióticos [6] e
descoberta acidental do soro obtido da coagulação até mesmo biocombustível [7].
enzimática do leite cerca de 3000 anos atrás [2]. Nesta empreitada buscando alternativas de
Nessas ocasiões o coágulo rígido obtido após a valorização do soro de leite, sua definitiva
retirada do soro do leite coagulado, despertou mais transformação de resíduo em um produto cobiçado
interesse talvez do que o próprio leite. Diferentes se deve às suas proteínas de elevado valor
tratamentos, experimentações, inovações e mesmo tecnológico e biológico. O soro de leite possui
acidentes aplicados a esse coágulo rígido essencialmente proteínas globulares, que se
culminaram, ao longo dos últimos milênios, no destacam frente outras proteínas de origem animal
desenvolvimento de centenas (talvez milhares) de por apresentarem um bom equilíbrio entre os
variedades diferentes de queijos. Apesar das aminoácidos sulfurados, cisteína e metionina, e por
descobertas do soro de leite e do ancestral primitivo possuírem um elevado conteúdo de aminoácidos
do queijo pela humanidade terem ocorrido no essenciais, em especial os aminoácidos de cadeia
mesmo período da história, a evolução desses dois ramificada (leucina, isoleucina e valina) conforme
produtos tem sido bastante diferente. Na Figura 1.1 apontado na Figura 1.2 [2]. Em complemento, essas
temos, de forma sintética, os principais marcadores proteínas são solúveis em uma ampla faixa de pH,
da evolução vivenciada pelo soro e seus fatores são capazes de modular a viscosidade de soluções
impulsionadores. por
20 CAPÍTULO 1 - Proteínas do soro de leite: aspectos físico-químicos e estruturais

por meio de sua interação com moléculas de água, e destacam-se as atividades antioxidante, antiviral,
são ativas na estabilização de interfaces como em de anti-hipertensiva e antidiabética [11]. O aumento do
emulsões e espumas [8]. grau de fracionamento e purificação das proteínas
A caracterização do potencial tecnológico e do do soro de leite, bem como o desenvolvimento de
valor biológico das proteínas do soro de leite, estratégias de geração e purificação de peptídeos
atrelado ao desenvolvimento de processos bioativos a partir dessas proteínas têm sido
industriais para seu fracionamento e concentração apontados como tendências globais para as
permitiu o desenvolvimento pela indústria de lácteos indústrias de laticínios [12].
de diversos ingredientes concentrados e/ou isolados O conhecimento das propriedades físico-
proteicos enriquecidos em proteínas do soro de leite químicas e estruturais das proteínas do soro de leite
[9]. Tais ingredientes são amplamente utilizados no é primordial para reduzir o empirismo na sua
desenvolvimento de produtos com texturas utilização como ingredientes ou para o
diferenciadas e apelos nutricionais [3]. desenvolvimento de processos tecnológicos para seu
A constatação da liberação de peptídeos fracionamento, concentração e secagem. Neste
bioativos por meio de hidrólise enzimática específica contexto, este capítulo abordará a variabilidade do
das proteínas do soro de leite tem aumentado ainda conteúdo proteico do soro de leite em função da sua
mais o interesse na utilização de suas proteínas obtenção, as características das suas principais
como ingredientes funcionais [10]. Dentre as proteínas, bem como as suas propriedades
bioatividades relatadas na literatura para os tecnológicas consolidadas.
peptídeos oriundos das proteínas do soro de leite
destacam-se

Figura 1.1 Representação esquemática da evolução histórica da percepção do soro de leite, dos seus
fatores impulsionadores e de suas aplicações e tendências.
Fonte: Elaborado pelo próprio autor.

* RDA (Recommended daily allowances): Ingestão Diária Recomendada


(em gramas) para homens adultos de 70 kg conforme apontado por
Tessari et al. [13].

** Histidina foi igualmente incluída apesar de ser um aminoácido


condicionalmente essencial.

Figura 1.2 Proporção mássica aproximada dos


aminoácidos essências nas proteínas presentes no soro
de leite (gramas do aminoácido em cada 100 g de
proteína) e Ingestão Diária Recomentada (RDA)* em
gramas.

Fonte: Elaborado pelo próprio autor. As estruturas proteicas utilizadas


foram a mesmas apresentadas na Tabela 1.3.
Química e tecnologia do soro de leite 21

1.2 QUEM SÃO AS PROTEÍNAS DO SORO DE da lactose e das proteínas globulares (proteínas do
LEITE? soro de leite) nele contidos. Comparativamente com
o soro de leite ácido, o soro de leite doce apresenta
Soro de leite pode ser definido, de forma um conteúdo proteico na mesma ordem de
genérica, como o produto resultante do leite após a grandeza, um teor de cinzas ligeiramente inferior (a
retirada dos lipídeos e das micelas de caseína nele coagulação ácida induz uma maior desmineralização
contidos [14]. Diversos processos tecnológicos das micelas de caseína) e um pH mais elevado
podem ser utilizados para a obtenção do soro de (superior a 5,60) [3].
leite, no entanto, cada processo implica na obtenção A κ-caseína é uma proteína de 169 aminoácidos,
de produtos com constituições ligeiramente majoritariamente concentrada na superfície das
diferentes e, consequentemente, com propriedades micelas de caseína, e após sua hidrólise pela
potencialmente diferentes. quimosina libera no soro de leite um peptídeo de 64
A retirada mecânica dos glóbulos de gordura do aminoácidos denominado caseinomacropeptídeo
leite por meio de centrifugação (desnate) e a (CMP) [14]. Este peptídeo está exclusivamente
posterior separação das suas micelas de caseína via presente no soro de leite doce, ou seja, está ausente
microfiltração (tamanho de poro em torno de tanto no soro de leite ideal, quanto no soro de leite
0,1 µm), permite a obtenção do soro de leite isento ácido. Por esta razão, apesar do conteúdo proteico
de gordura e caseínas, denominado soro de leite total do soro de leite ideal, do soro de leite ácido e
ideal. As proteínas majoritárias encontradas no soro do soro de leite doce estar na mesma ordem de
de leite ideal são β-lactoglobulina (β-LG) e α- grandeza, a natureza das proteínas em cada um dos
lactoalbumina (α-LA), nesta ordem. Além das produtos pode ser sensivelmente diferente.
referidas proteínas majoritárias, em ordem Com a ausência do CMP no soro de leite ideal e
decrescente de concentração, estão presentes no no soro de leite ácido, a β-LG e a α-LA representam a
soro de leite ideal as imunoglobulinas, a albumina do maioria absoluta do conteúdo proteico destes
soro bovino (BSA), a lactoferrina e outras proteínas produtos. No soro de leite doce, por sua vez,
(lactoperoxidase, fatores de crescimento, etc). conforme aponta a Tabela 1.2, apesar da grande
Apesar do soro de leite ideal ser o coproduto proporção de β -LG e α -LA, o CMP pode representar
obtido, por exemplo, na produção de caseína micelar até 20% do total de proteínas do produto. Esta
(fosfocaseinato nativo), a forma mais difundida de diferença de composição proteica dos diferentes
obtenção de soro de leite é como coproduto da tipos de soro de leite pode inclusive afetar o seu
produção de queijos. Em queijos obtidos por comportamento durante processos produtivos,
coagulação ácida, o coágulo é formado pela afinal o CMP tem sido mostrado como agente
desestabilização das micelas de caseína, modulador do processo de desnaturação e
essencialmente pela redução de sua repulsão agregação da β-LG [16].
eletrostática em consequência da diminuição do pH. Em complemento as formas de obtenção de soro
O soro de leite obtido a partir deste coágulo, de leite descritas anteriormente, outro parâmetro
denominado soro de leite ácido, apresenta pH importante capaz de produzir impactos
inferior a 5,1 e apesar de apresentar resíduos de consideráveis na composição proteica do soro é a
caseína (em geral < 0,05% m∙m-1), seu conteúdo aplicação de tratamentos térmicos intensos no leite
proteico é essencialmente formado pelas mesmas previamente à obtenção do soro. Quando o leite é
proteínas presentes no soro de leite ideal, submetido a tratamentos térmicos intensos, as
representando uma concentração em torno de 0,7% proteínas do soro (em especial a β-LG) se
m∙m-1 [3]. desnaturam e formam complexos covalentes (via
Por sua vez, o soro de leite doce é aquele obtido ligações dissulfeto) com as micelas de caseína,
na fabricação de queijos cuja coagulação do leite é ficando retidas com a porção caseínica após a
induzida pela desestabilização enzimática das separação do soro de leite. O soro de leite ácido
micelas de caseína via ação da enzima quimosina. obtido em certas tecnologias de produção de iogurte
Esta enzima é capaz de hidrolisar a κ-caseína, grego, por exemplo, pode conter menos de 0,2% de
reduzindo consequentemente seu efeito na proteínas (aproximadamente 70% menor do que o
estabilização coloidal das micelas de caseína por conteúdo proteico do soro de leite doce apontado
repulsão estérica. na Tabela 1.1) [3].
A Tabela 1.1 aponta a composição aproximada do Abaixo serão descritas as características físico-
soro de leite doce em comparação ao leite. O soro químicas e estruturais das principais proteínas
de leite contém aproximadamente 50% do teor presentes no soro de leite, a saber: β-lactoglobulina,
original de sólidos do leite e preserva a grande parte α-lactoalbumina, imunoglobulinas, albumina do soro
da bovino
22 CAPÍTULO 1 - Proteínas do soro de leite: aspectos físico-químicos e estruturais

bovino, lactoferrina e caseinomacropeptídeo. Apesar crescimento (TGF-β, por exemplo), entre outras, elas
da existência de outras proteínas no soro de leite, não serão abordadas neste capítulo devido sua baixa
como lactoperoxidade, lisozima, fatores de concentração e valorização comercial incipiente.
crescimento
Tabela 1.1 Composição aproximada do leite bovino e do soro de leite bovino obtido por coagulação
enzimática (soro de leite doce).

Constituinte Leite Bovino Soro de Leite*


Sólidos Totais (% m∙m-1) 12,3 – 13,0 6,3 – 7,0
Lactose (% m∙m-1) 4,5 – 4,8 4,6 – 5,2
Gordura (% m∙m-1) 3,1 – 4,0 0,05 – 0,4
Caseínas (% m∙m-1) 2,3 – 2,8 0,04 – 0,05
Proteínas do soro (% m∙m-1) 0,55 – 0,72 0,6 – 0,8
Cinzas (% m∙m-1) 0,7 – 0,8 0,5 – 0,6
*Soro de leite obtido da coagulação enzimática do leite bovino.
Fonte: Adaptado de Walstra and Jenness [15].

Tabela 1.2 Proporção aproximada de cada proteína no conteúdo proteico total do soro de leite doce.
Proteínas Proporção (%)
β-lactoglobulina (β-LG) 48 - 58
α-lactoalbumina (α-LA) 13 - 19
Caseinomacropeptídeo (CMP) 12 - 20
Imunoglobulinas (IGs) 8 - 12
Albumina do Soro Bovino (BSA) 6-7
Lactoferrina (LF) 1-3
Outras proteínas 0,5 - 1
Fonte: Adaptado de Tunick [1] e Bonnaillie and Tomasula [17].

1.2.1 β-lactoglobulina (β -LG) A β-LG possui uma cavidade interna conhecida


como cálix que permite a ligação de pequenas
Embora não esteja presente no leite humano, a moléculas hidrofóbicas, como nas demais proteínas
β-LG é a proteína majoritária do soro de leite bovino da família das lipocalinas [20]. Esta proteína é
e por esta razão é frequentemente responsável por sintetizada nas células secretoras presentes na
casos clínicos de alergia ao leite de vaca. Ela possui glândula mamária e por esta razão infere-se que
uma massa molecular de 18,3 kDa e soma 162 uma das funções biológicas no leite é fornecer
aminoácidos conforme apontado na Tabela 1.3. Ao aminoácidos ao jovem bezerro [15]. Apesar disso,
menos dez variantes genéticas da β-LG são esta proteína apresenta uma estrutura bastante
conhecidas, sendo as variantes genéticas A e B as similar à estrutura de proteínas transportadoras de
mais comuns [18]. Entre essas duas variantes retinol (vitâmero da vitamina A), mesmo que no leite
genéticas, apenas dois resíduos de aminoácidos se pouco do retinol endógeno esteja ligado a ela [20].
diferem: na β-LG A o resíduo de aminoácido da A β-LG é uma proteína ácida com um ponto
posição 64 corresponde ao ácido aspártico enquanto isoelétrico entre 5,1 e 5,2 (respectivamente para as
na β-LG B ele corresponde à glicina; por sua vez, o variantes genéticas A e B) [21]. Ela possui cinco
resíduo de aminoácido da posição 118 é uma valina resíduos de cisteína (Tabela 1.3), quatro deles estão
na β-LG A e uma alanina na β-LG B. Como o resíduo implicados na formação de duas pontes dissulfeto e
de aminoácido da posição 64 está em uma região o último possui o grupo tiol livre, apesar de
desordenada da proteína, e o resíduo de aminoácido escondido no interior da estrutura terciária nativa da
da posição 118 está aprisionado no seu interior, não proteína [22]. A exposição deste grupo tiol livre em
há alteração de estrutura terciária entre essas duas razão da alteração da estrutura nativa da proteína
variantes genéticas. Ainda assim, a β-LG A é (desnaturação parcial ou total) aumenta
ligeiramente mais hidrofóbica e mais carregada consideravelmente sua reatividade. As duas pontes
negativamente do que a β-LG B [19]. dissulfeto presentes em sua estrutura nativa da β-LG
Química e tecnologia do soro de leite 23

são essenciais na sua termo estabilidade, flexibilidade estrutural. A forma holo apresenta uma
apresentando uma temperatura de desnaturação em temperatura de desnaturação em torno de 60 °C e é
torno de 75 °C [23]. a forma mais abundante no leite. A forma apo, por
Em pH inferior a 3,5 e superior a 7,5, a β-LG se sua vez, é bastante mais flexível e possui uma
apresenta majoritariamente em estado monomérico, temperatura de desnaturação em torno de 30 °C
no entanto entre esses dois valores de pH ela é [28, 29].
capaz de formar dímeros não covalentes estáveis, Assim como para a β-LG, a geração de peptídeos
em equilíbrio com monômeros [24]. A constante de bioativos a partir da α-LA também é descrita na
equilíbrio entre as formas monoméricas e diméricas literatura. O peptídeo α-lactoforina, por exemplo,
da β-LG é dependente das condições físico-químicas apresenta supostamente atividade anti-hipertensiva
do meio, por exemplo, o aumento da concentração [2].
proteica, o aumento do pH e a redução da
temperatura favorecem a dimerização da proteína. 1.2.3 Imunoglobulinas (Igs)
Devido sua estrutura terciária nativa bastante
compacta, alguns trabalhos indicam que sua cinética As Igs são anticorpos, pertencentes a um grupo
de digestão é aumentada quando submetida a proteico bastante diverso, cuja função no leite está
tratamentos térmicos brandos, como o tratamento associada à ação contra microrganismos patógenos
térmico de pasteurização [25]. Em complemento, a no trato gastrointestinal [15]. Durante a síntese do
partir da β-LG é possível a obtenção peptídeos leite, as imunoglobulinas vêm da corrente sanguínea
bioativos com potenciais atividades de estímulo do e passam para o leite através das células secretoras
íleo (β-lactoforina e β-lactotensina, por exemplo) [2]. na glândula mamária.
As imunoglobulinas são polímeros de cadeias
1.2.2 α-lactoalbumina (α-LA) polipeptídicas leves (em torno de 22,4 kDa) e
pesadas (variando entre 52 a 69 kDa) unidas por
Contrariamente à β-LG, a α-LA está presente no ligações dissulfeto [15]. O subgrupo predominante
leite de todas as espécies de mamíferos [20], sendo de imunoglobulinas no leite bovino é o subgrupo
inclusive a proteína majoritária do leite humano [26]. denominado IgG, em especial IgG1 [20]. Tanto o
Por esta razão, a α-LA tem importância comercial colostro como o leite humano possuem teores
para a produção de fórmulas infantis. bastante inferiores de IgG comparados com o leite
Esta proteína é sintetizada pelas células bovino, em contraponto, o colostro e leite humano
secretoras da glândula mamária e entende-se, por apresentam teores superiores de IgA
esta razão, que uma de suas funções biológicas comparativamente ao leite bovino [20]. As IgG1 e
consiste em fornecer aminoácidos aos jovens IgG2 são complexos de 150 kDa e apresentam cerca
mamíferos. Em complemento, é seguro dizer que a de 2,9% em massa de carboidratos ligados à
α-LA tem grande relevância no processo estrutura proteica [15].
biossintético da lactose, por atuar como coenzima da
lactose-sintetase [15]. 1.2.4 Albumina do Soro Bovino (BSA)
A α-LA possui 123 aminoácidos (Tabela 1.3), uma
massa molecular de 14,2 kDa e um pI entre 4,2 e 4,5. Embora esteja presente em uma pequena
Esta proteína apresenta grande similaridade concentração no leite, a BSA é a proteína majoritária
estrutural com a lisozima da clara do ovo, apesar da do sangue. Esta proteína chega ao leite proveniente
α-LA ser uma proteína ácida e a lisozima ser uma da corrente sanguínea, passando através das células
proteína básica. Essas duas proteínas apresentam 54 secretoras da glândula mamária [15]. Embora sua
aminoácidos idênticos e outros 23 aminoácidos função no leite não seja bem elucidada, sua função
estruturalmente similares [27]. biológica no sangue está relacionada ao transporte
Todos os oito resíduos de cisteína da α-LA de moléculas hidrofóbicas e íons [20].
participam da formação das quatro ligações A BSA possui 582 aminoácidos (Tabela 1.3),
dissulfeto presentes na sua estrutura e esta proteína somando uma massa molecular de 66,4 kDa [24]. Ela
não apresenta nenhum grupo tiol livre. Em é uma proteína monomérica cuja estrutura nativa
complemento, ela apresenta um sítio bastante apresenta 17 ligações dissulfeto e apenas um grupo
especifico de fixação do cálcio (Ka da ordem de tiol livre [20]. A similaridade da BSA com sua
108 M-1) formado pelos resíduos de aminoácidos correspondente humana (HSA – Albumina do soro
entre as posições 79 e 88 [20]. Desta forma, a α-LA humano) é de 75 % [20].
pode se apresentar nas formas holo (sítio ocupado Assim como a β-LG e a α-LA, a BSA também é
por um átomo de cálcio) e apo (sítio desocupado), uma proteína ácida com pI igual a 4,9 [30]. Sua
que se distinguem consideravelmente quanto sua temperatura de desnaturação é de 60 °C, no entanto
flexibilidade sua
24 CAPÍTULO 1 - Proteínas do soro de leite: aspectos físico-químicos e estruturais

sua interação com moléculas hidrofóbicas literatura a exemplo dos peptídeos Albutensina e
geralmente proporciona um efeito estabilizador em Seroforina com efeitos potenciais anti-hipertensivo e
sua estrutura [20, 31]. A geração de peptídeos opióide respectivamente [2].
bioativos a partir da BSA também é reportado na
literatura
Tabela 1.3 Distribuição de aminoácidos nas proteínas presentes no soro de leite.
Proteínas
Aminoácidos
β-LG α-LA BSA LF CMP
Alanina 14 3 46 67 5
Arginina 3 1 23 37 0
Asparagina 5 8 14 29 3
Ác. Aspártico 11 13 40 36 2
Cisteína* 5 8 35 34 0
Glutamina 9 6 20 29 2
Ác. Glutâmico 16 7 59 40 8
Glicina 3 6 16 49 1
Histidina 2 3 17 10 0
Isoleucina 10 8 14 16 6
Leucina 22 13 61 66 1
Lisina 15 12 59 54 3
Metionina 4 1 4 4 1
Fenilalanina 4 4 27 27 0
Prolina 8 2 28 30 8
Selenocisteína 0 0 0 0 0
Serina 7 7 28 45 5
Fosfo-Serina 0 0 0 0 1
Treonina 8 7 34 36 12
Triptofano 2 4 2 13 0
Tirosina 4 4 20 21 0
Valina 10 6 36 46 6
Total 162 123 583 689 64
β-LG: Estrutura PDB 2Q2M, variante genética A
α-LA: Estrutura PDB 1F6S, variante genética B
BSA: Estrutura PDB 4F5S
LF: Estrutura PDB 1BLF
CMP: Resultante da κ-caseína estrutura UniProtKB-P02668, variante genética A
*corresponde ao número total de cisteínas, livres e envolvidas em ligações dissulfeto.
Fonte: Elaborado pelo próprio autor.

1.2.5 Lactoferrina (LF) A LF é sintetizada pelas células secretoras da


glândula mamária e supõe-se que sua função no leite
A LF, apesar de sua baixa concentração no leite esteja relacionada com suas propriedades biológicas
bovino (e consequentemente no soro de leite) da descritas acima e com o aumento da
ordem de 0,1 g∙kg-1, sua concentração no leite biodisponibilidade de ferro [15, 20].
humano chega a ser de 10 a 15 vezes superior. Esta A LF é uma metaloproteína glicosilada formada
proteína apresenta ainda potencial para diversas por 689 aminoácidos (Tabela 1.3) distribuídos em
atividades como ações antimicrobiana, dois lobos (domínios) homólogos com cerca de 40%
imunomoduladora e anticarcinogênica [32]. Por de semelhança entre eles e um sítio de fixação de
essas razões, a LF possui um elevado interesse íon férrico em cada um [24]. A LF apresenta uma
industrial, principalmente concernindo o massa molecular em torno de 83 kDa e é a proteína
desenvolvimento de fórmulas infantis, um mercado básica majoritária do leite bovino (e do soro de
em amplo crescimento [33]. leite), com um pI entre 8,6 e 8,9 [24]. Normalmente
se
Química e tecnologia do soro de leite 25

se apresenta na forma monomérica em pequenas [39].


forças iônicas, mas o aumento da força iônica pode Em complemento, diversas atividades biológicas
induzir sua dimerização/agregação [34, 35]. No leite têm sido atribuídas ao CMP como a modulação da
desnatado, a maior parte da LF encontra-se ligada às resposta imune, a inibição da adesão de
micelas de caseína por meio de interações microrganismos patogênicos e o estímulo de
eletrostáticas, não sendo efetivamente recuperada bifidobactérias, a regulação da circulação sanguínea,
em sua integralidade no soro de leite após a entre outras [3, 39]. Por estas razões, o interesse
separação da fase coloidal [36]. comercial a cerca do CMP tem aumentado.
A fixação do íon férrico em cada um dos lobos da Apesar de mais de dez variantes genéticas da κ-
LF depende da fixação prévia de carbonato que caseína serem reportadas na literatura, duas
funciona como íon sinérgico [20]. De acordo com o variantes genéticas do CMP predominam.
nível de saturação de ferro, três diferentes formas Considerando a numeração dos aminoácidos da κ-
de LF podem existir. A forma apo apresenta menos caseína que são 169 ao todo, nas variantes genéticas
de 5% de saturação em ferro, a forma holo, por sua predominantes de CMP há substituições nos
vez, é saturada em ferro, enquanto a forma nativa aminoácidos das posições 136 e 148:
apresenta em torno de 15-20% de saturação em respectivamente, uma treonina e um ácido aspártico
ferro [37]. Em pH neutro, a apo LF apresenta uma no CMP variante A e uma isoleucina e uma valina no
temperatura de desnaturação em torno de 71 °C, CMP variante B [18]. O CMP é igualmente um
enquanto a holo LF apresenta uma temperatura de peptídeo fosforilado e glicosilado, podendo inclusive
desnaturação em torno de 91 °C [37]. A LF nativa, ser denominado glicomacropeptídeo (GMP). O
por sua vez, apresenta dois picos de desnaturação, o resíduo de serina na posição 149 é fosforilado,
maior corresponde à apo LF, cuja temperatura de enquanto o resíduo de serina da posição 127 pode
desnaturação é em torno de 62 °C e o pico menor também estar fosforilado [39].
correspondente à holo LF, cuja temperatura de Existem, na estrutura do CMP, diferentes sítios
desnaturação é aproximadamente 90 °C [37]. de glicação, entre os principais destacam-se os
Todos os 34 resíduos de cisteína presentes na resíduos de treonina nas posições 121, 131, 133, 136
estrutura da LF estão envolvidos na formação de (variante A) e 142 [39]. Ácido N-acetilneuramínico,
ligações dissulfeto intramoleculares. Em galactose e N-acetilgalactosamina compõem as
complemento, as porções glicosídicas ligadas à sua porções glicosídicas do CMP. Ao menos 14 diferentes
estrutura são variáveis em número e localização, em formas glicosiladas do CMP variante A foram
especial para LFs de diferentes espécies [38]. Em reportadas além da forma aglicosilada [39].
geral, unidades de N-acetilglucosamina, manose, Cerca de metade do conteúdo de CMP presente
galactose e ácido N-acetilneuramínico são no soro de leite doce corresponde a formas
recorrentes nos carboidratos ligados aglicosiladas, enquanto a outra metade corresponde
covalentemente à LF [15]. Supostamente, a presença a formas glicosiladas. O pI deste peptídeo varia entre
das porções glicosídicas na estrutura da LF serve 4,15 para formas aglicosiladas à 3,15 para formas
para diminuir sua imunogenicidade e sua glicosiladas e sua massa molecular média é em torno
susceptibilidade à proteólise [38]. de 6,8 kDa [16].

1.2.6 Caseinomacropeptídeo (CMP) 1.3 PROPRIEDADES TECNOLÓGICAS DAS


PROTÉINAS DO SORO DO LEITE
O CMP está presente unicamente no soro de
leite doce uma vez que esse peptídeo corresponde Mesmo com o grande valor nutricional e
aos últimos 64 aminoácidos da porção C-terminal da potencial biológico das proteínas do soro de leite,
κ-caseína. Este peptídeo é gerado pela hidrólise da suas aplicações industriais mais difundidas se
ligação peptídica entre os resíduos de aminoácido fundamentam em suas aplicações tecnológicas.
105 e 106 (fenilalanina e metionina) da κ-caseína por Diversos ingredientes ricos em proteínas do soro de
ação da quimosina [39]. leite na forma de concentrados e isolados proteicos
Este é um peptídeo intrinsicamente estão disponíveis no mercado para modular a
desestruturado, ausente em resíduos de cisteínas e viscosidade de soluções, estabilizar interfaces
aminoácidos aromáticos. Por não possuir resíduos de (espumas e emulsões) e formar géis.
fenilalanina, o CMP é uma boa opção na dieta de O desempenho tecnológico dessas proteínas é
indivíduos com fenilcetonúria. Ele possui ainda um extremamente dependente do seu estado estrutural.
elevado conteúdo de aminoácidos ramificados e um Conforme discutido anteriormente, as proteínas do
baixo conteúdo de metionina, o que pode ser soro de leite são um grupo variado de proteínas com
interessante para indivíduos com doenças hepáticas certa versatilidade estrutural. Usualmente as
[39]. propriedades
26 CAPÍTULO 1 - Proteínas do soro de leite: aspectos físico-químicos e estruturais

propriedades dos produtos concentrados e isolados pH, a solubilidade das proteínas do soro de leite
de proteínas do soro de leite são em grande parte tende a diminuir com o aumento da temperatura
ditadas pelo comportamento da β-lactoglobulina, (> 40°C), devido a indução da desnaturação e
sua proteína majoritária. No entanto, a variabilidade posterior agregação das proteínas [41]. O
composicional discutida precedentemente pode ter favorecimento da formação de agregados insolúveis
grande efeito sobre essas propriedades. com o aquecimento do soro de leite doce foi
Abaixo será descrito brevemente o igualmente reportado com o aumento da
comportamento das proteínas do soro de leite concentração de cálcio [42].
quanto sua solubilidade, atividade interfacial e A composição proteica do soro de leite é
gelificação, destacando como as modificações igualmente um aspecto determinante na
estruturais induzidas às proteínas pelo solubilidade de suas proteínas. Em pH próximo ao
processamento podem afetar essas propriedades. neutro, o aumento da concentração de CMP
aumentou a taxa de desnaturação térmica da β-LG
1.3.1 Solubilidade induzindo no entanto a formação de agregados
proteicos menores [16].
A solubilidade de proteínas é dependente de
diversos fatores intrínsecos e extrínsecos à sua 1.3.2 Atividade Interfacial
natureza. Além do balanço entre seus aminoácidos
hidrofílicos e hidrofóbicos, a estrutura tridimensional A capacidade das proteínas em se difundirem
das proteínas afeta consideravelmente sua rapidamente e uma vez na interface (água/ar ou
solubilidade. Em geral, na estrutura nativa das água/óleo) se rearranjarem para formar um filme é
proteínas, os resíduos de aminoácidos hidrofóbicos determinante na sua capacidade em estabilizar
se concentram no interior da estrutura proteica. espumas e emulsões. Genericamente, o aumento da
Com a desnaturação, há exposição potencial desses flexibilidade e da hidrofobicidade superficial das
resíduos de aminoácidos hidrofóbicos, além de proteínas do soro tem impacto positivo em sua
outros sítios reativos antes protegidos no interior da atividade interfacial. Em contraponto, quando há
estrutura proteica, o que pode levar a uma alteração formação de grandes agregados induzidos, por
da solubilidade (e reatividade) das proteínas. exemplo, por tratamentos térmicos severos, a
Nessas circunstâncias, a solubilidade das atividade interfacial das proteínas do soro de leite é
proteínas do soro de leite é completamente negativamente afetada [43].
dependente do seu histórico de processamento. A estabilidade de espumas formadas pela β-LG é
Anandharamakrishnan et al. [40] demonstraram que favorecida pela ligeira agregação desta proteína,
condições brandas de secagem de proteínas do soro desde que reste uma grande proporção de β-LG no
de leite por atomização não afetaram a solubilidade seu estado nativo [44]. Os pequenos agregados
da β-LG e α-LA, em contraste condições severas de seriam capazes de reduzir a drenagem da fase
processamento reduziu em até 40% a solubilidade contínua das espumas e possivelmente melhorar as
dessas proteínas. Um efeito mais intenso de perda propriedades viscoelásticas dos filmes interfaciais,
de solubilidade foi observado para a β-LG. conforme esquematizado na Figura 1.3 [44].
Temperatura, pH e presença de íons também Igualmente, para o isolado proteico de soro de leite,
afetam a solubilidade das proteínas do soro de leite. a indução da formação de 10% de agregados
O pH de menor solubilidade das proteínas do soro de solúveis via tratamento térmico melhorou a
leite é em torno de 4,5 [41]. Independentemente do estabilidade e a rigidez da espuma formada [45].
pH

Figura 1.3 Representação esquemática da contribuição de pequenos agregados proteicos na estabilização


de espumas formadas por proteínas do soro de leite.
Fonte: Elaborado pelo próprio autor.
Química e tecnologia do soro de leite 27

Da mesma forma como discutido para a entre as proteínas via acidificação e ou adição de sais
solubilidade das proteínas do soro de leite, o seu (como cloreto de cálcio) [47].
histórico de processamento é igualmente capaz de Apesar das regras gerais apontadas para os
modificar sua atividade emulsificante. Emulsões processos de gelificação das proteínas do soro de
consideravelmente diferentes foram obtidas quando leite, a diferença de composição dos diferentes
estabilizadas por concentrados proteicos de soro de ingredientes ricos em proteínas do soro de leite e a
leite submetidos a diferentes condições de secagem extensão da desnaturação das proteínas nesses
por atomização [46]. Condições mais severas de ingredientes tornam suas condições de gelificação
secagem foram capazes de induzir maior (concentração crítica de gelificação, por exemplo)
desnaturação das proteínas do soro de leite e por bastante variáveis [48].
sua vez, geraram concentrados proteicos de soro de
leite capazes de formar emulsões com gotículas 1.4 REFERÊNCIAS
menores e menor viscosidade [46].
[1] Tunick, M. H. Whey protein production and
1.3.3 Gelificação utilization: a brief history. Whey processing,
functionality and health benefits, 2008: p. 1-
A habilidade de uma proteína em formar géis 13.
depende de sua capacidade de, em determinadas
circunstâncias, gerar uma rede proteica [2] Smithers, G. W. Whey and whey proteins—
tridimensional capaz de reter grandes quantidades From ‘gutter-to-gold’. International Dairy
de água. As propriedades do gel obtido dependem Journal, 2008. 18(7): p. 695-704.
do equilíbrio entre as interações formadas entre as [3] Smithers, G. W. Whey-ing up the options–
próprias proteínas e entre as proteínas e a água. Yesterday, today and tomorrow. International
A gelificação das proteínas globulares do soro de Dairy Journal, 2015. 48: p. 2-14.
leite acontece em duas etapas: (i) a primeira evolve a
desnaturação das proteínas com consequente [4] Marwaha, S.; Kennedy, J. Whey—pollution
exposição de grupos reativos, e (ii) a segunda problem and potential utilization.
corresponde ao rearranjo das proteínas International journal of food science &
desnaturadas formando agregados solúveis e technology, 1988. 23(4): p. 323-336.
posteriormente a rede tridimensional do gel. A [5] Gänzle, M. G.; Haase, G.; Jelen, P. Lactose:
concentração proteica total é, obviamente, uma crystallization, hydrolysis and value-added
variável extremamente importante no processo de derivatives. International Dairy Journal, 2008.
gelificação, mas também são importantes o pH, a 18(7): p. 685-694.
força iônica e a temperatura (no caso da
desnaturação/gelificação induzida termicamente). [6] Fischer, C.; Kleinschmidt, T. Synthesis of
A indução da gelificação das proteínas do soro de galactooligosaccharides in milk and whey: A
leite pela aplicação de tratamentos térmicos é uma review. Comprehensive Reviews in Food
estratégia bastante difundida. Na gelificação térmica Science and Food Safety, 2018. 17(3): p. 678-
há uma grande participação das ligações dissulfeto 697.
na estruturação dos géis, em especial quando há o [7] Rajarajan, G., et al. Utilization of cheese
envolvimento da β-LG que apresenta um grupo tiol industry whey for biofuel–ethanol production,
livre. Com a desnaturação desta proteína, seu grupo in integrated waste management in India.
tiol livre se expõe e possibilita a formação de 2016, Springer. p. 59-64.
agregados proteicos covalentes, que em seguida
poderão se associar via ligações dissulfeto ou [8] Kilara, A.; Vaghela, M. Whey proteins, in
interações hidrofóbicas para formar géis [47]. proteins in food processing. 2004, Woodhead
Apesar de menos difundida, as estratégias de Publishing, Cambridge, England. p. 72-99.
gelificação das proteínas do soro do leite a frio têm [9] Morr, C.; Ha, E. Whey protein concentrates
sido propostas como alternativas interessantes de and isolates: processing and functional
inovação de produtos e processos. Nestas properties. Critical Reviews in Food Science &
estratégias, as proteínas do soro do leite são Nutrition, 1993. 33(6): p. 431-476.
inicialmente desnaturadas termicamente em
condições que minimizem sua agregação (fraca força [10] El-Salam, M. H. A.; El-Shibiny, S. Separation of
iônica e pH distante do pI). Após a desnaturação e bioactive whey proteins and peptides, in
resfriamento das proteínas, sua gelificação pode ser Ingredients Extraction by Physicochemical
induzida pela redução da repulsão eletrostática Methods in Food. 2017, Elsevier. p. 463-494.
entre
28 CAPÍTULO 1 - Proteínas do soro de leite: aspectos físico-químicos e estruturais

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Química e tecnologia do soro de leite 29

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CAPÍTULO
2 Membranas para o processamento e
fracionamento do soro de leite
Isis Rodrigues Toledo Renhe
Antônio Fernandes de Carvalho
Alan Frederick Wolfschoon Pombo

CONTEÚDO desenvolvimento de diferentes processos para a


recuperação das proteínas. Por exemplo, a
2.1 Introdução ......................................................... 31 separação de soroproteínas do leite, utilizando
2.2 Sistemas de membranas ................................... 32 processo de separação por membrana, possibilita a
2.3 Microbiologia e filtração ................................... 36 obtenção de um meio adequado para a purificação
2.4 Produtos da filtração ........................................ 37 de soroproteínas de alto valor nutricional quando
2.5 Membranas e soro ............................................ 39 comparado com o soro de leite proveniente da
2.6 Capacidade tamponante do soro e fabricação de queijos [4]. Com esse processo, o soro
subfrações ........................................................ 41 nativo, também chamado de ideal e que é estéril,
2.7 Considerações finais ......................................... 43 não contem caseinomacropeptídeo, peptídeos
2.8 Referências ....................................................... 43 provenientes do metabolismo das bactérias lácteas
do fermento, corantes, enzimas, sabores residuais
2.1 INTRODUÇÃO ou qualquer outro resíduo da fabricação de queijo. O
conhecimento profundo das características
Filtração por membrana é um processo físico de bioquímicas e dos constituintes do leite ajuda no
separação, baseado em diferenças de tamanho entre desenvolvimento e na aplicação das tecnologias de
constituintes de um fluido e composto das separação por membranas, pois permitem a
tecnologias de osmose reversa (RO), nanofiltração otimização do diferencial de separação desejado [2].
(NF), ultrafiltração (UF) e microfiltração (MF). Isso O uso de temperaturas diferenciadas de trabalho
significa dizer que há uma concentração no líquido sem que haja alterações irreversíveis nas
retido pela membrana (retentado) dos constituintes propriedades biológicas dos componentes do leite
de tamanho médio superior ao ponto de corte da também amplia a aplicação da tecnologia.
membrana [1]. O líquido que passa pela membrana é A versatilidade de aplicação das tecnologias de
chamado de permeado e contém os componentes separação por membranas permite soluções
de tamanho inferior ao tamanho médio dos poros da diferenciadas para problemas da indústria de
membrana na mesma concentração do fluido de laticínios, bem como o desenvolvimento de novos
entrada. As separações podem ainda ser baseadas produtos. Podemos citar a demanda por novos
na carga iônica, eletrodiálise (ED), e na diferença de produtos com vida de prateleira estendida, como as
potencial químico, pervaporização. O uso industrial bebidas de alto teor proteico, que geraram uma
de processos de membrana começou com a busca por conhecimento capaz de resolver
aplicação de osmose reversa para a dessalinização problemas comuns a esses produtos como a
de água [2]. coagulação doce, geleificação e a formação de
Na indústria de laticínios a aplicação da agregados. Tem aumentado a utilização das
tecnologia de separação por membrana iniciou com proteínas do soro de leite como ingredientes lácteos
a fabricação de queijos, em 1969, e o para se obterem as características reológicas
desenvolvimento foi impulsionada pela busca por desejadas nessas bebidas e outros produtos
soluções para a utilização do soro [3]. Por muitos alimentícios [5,6]. Entretanto, como a estabilidade
anos o soro foi considerado um subproduto da térmica é dependente da concentração, alguns
indústria de processamento de queijo; entretanto, o desafios de processamento são enfrentados [6]. O
aumento da demanda por proteínas do soro de leite, uso e aplicação de produtos em pó aumentam os
para uso como ingrediente na indústria de alimentos problemas de solubilidade e dificuldades de
ou o uso direto na alimentação, levou ao reconstituição [7], além da redução na estabilidade
desenvolvimento resultante
32 CAPÍTULO 2 - Membranas para o processamento e fracionamento do soro

resultante do processo de secagem [8] e o no tamanho médio dos poros da membrana também
desenvolvimento de aromas típicos de produtos que melhora significativamente a seletividade do
passaram por intenso tratamento térmico. Além do processo.
enriquecimento proteico, outro desafio no As membranas cerâmicas têm sido utilizadas por
processamento de bebidas lácteas que pode ser satisfazerem todos os requisitos para a aplicação na
solucionado pelo processo de separação por indústria de laticínios, como boa resistência
membrana é a obtenção de um produto estéril pela mecânica a altas temperaturas e boa tolerância para
remoção física de microrganismos em substituição trabalho em ampla faixa de pH, o que permite a
ao tratamento térmico onde os microrganismos aplicação de todas as soluções necessárias a uma
inativados continuam com enzimas ainda ativas. adequada limpeza CIP. Outros tipos de membrana
Todos esses desafios, associados a gargalos podem ser empregados para aplicações específicas e
relacionados com aspectos da filtração que ainda com fins de pesquisa.
não são bem entendidos, criam uma demanda de A ultrafiltração (UF) utiliza membranas com poros
desenvolvimento de uso alternativo de tecnologias já de tamanhos que vão de 3 a 300 nm e é empregada
estabelecidas ou novas tecnologias para a produção para a concentração seletiva de proteínas, com
de ingredientes lácteos. O objetivo desse capítulo é permeação de lactose, minerais solúveis, outras
apresentar o que já tem sido desenvolvido em moléculas menores que a massa molar de corte da
termos de aplicação dos processos de membranas membrana e água [11]. Na UF do leite, todas as
no beneficiamento de soro de leite e levantar novas macromoléculas são mantidas no retentado e o
perspectivas de aplicação. permeado é composto de água, lactose e sais.
Proteínas e minerais na fase coloidal aumentam no
2.2 SISTEMAS DE MEMBRANAS retentado, enquanto minerais solúveis e nitrogênio
não proteico diminuem [12]. Atividade de água,
Tecnologias de membrana é um termo geral que força iônica e pH são mantidos constantes enquanto
representa processos de separação que utilizam a relação entre proteína e lactose muda devido à
filtros de membranas semipermeáveis específicas remoção desse dissacarídeo durante a permeação
para concentrar ou fracionar um líquido em dois [11]. A temperatura de operação de sistemas de UF
fluxos de composições diferentes. Durante a filtração deve ser em torno de 50 a 55 °C porque a
por membrana, o fracionamento de constituintes é viscosidade aparente desses retentados é mínima
baseado principalmente em tamanho, sendo que as nessa faixa, assim como o crescimento microbiano é
cargas do material da membrana e o formato das desfavorecido. Problemas decorrentes do
moléculas também impactam a taxa de passagem crescimento microbiano também podem ser
pela membrana [9]. Durante a filtração, a evitados pelo tratamento prévio do leite com
permeabilidade seletiva dá origem a dois fluxos microfiltração, conforme descrito em detalhes
distintos. O retentado é constituído de todo material posteriormente.
que não consegue passar pela membrana e que fica A microfiltração (MF) consiste em membranas
retido; o permeado contém o solvente e as entre 0,1 a 10 µm, usadas para separações
partículas permeáveis. Filtração por membrana específicas de partículas em suspensão, onde pode
resulta em uma larga gama de produtos, haver a retenção diferencial de células somáticas,
dependendo das características de permeação das glóbulos de gordura, bactérias e micelas de caseínas
membranas [9]. [1,2,13]. Para MF são empregadas pressões de
Nos sistemas de filtração com poros, as trabalho inferiores às de UF. Segundo a literatura, o
membranas são constituídas de duas partes: um tamanho das células somáticas está entre 8 e 10 µm
suporte poroso e a membrana ativa cobrindo sua e membranas de MF com porosidade de 0,1 a 10 µm
superfície [1]. O material de suporte deve permitir a são indicadas para a sua remoção [14]. Há ainda o
drenagem do permeado sem nenhuma resistência relato do uso de poros maiores (entre 5 e 13 µm)
hidrodinâmica. A camada de membrana é formada para a remoção de células somáticas [13].
pela cobertura do suporte com um pó sintetizado Membranas com porosidade de 0,8 a 1,4 µm são
através de calor. Nas tecnologias de membranas, a empregadas para a remoção de microrganismos,
eficiência de separação se baseia em vários fatores, sendo a efetividade de remoção bacteriana superior
mas especialmente nos materiais que constituem a a 99,9% com a porosidade da membrana de 1,4 µm
membrana e seu suporte; na hidrodinâmica do [1,15]. A aplicação dessa tecnologia tem por objetivo
equipamento, especialmente o gradiente de pressão aumentar a qualidade do leite através da remoção
hidrostática, também conhecido como pressão de células somáticas antes que tratamentos
transmembrana (TMP); e no gradiente de mecânicos possam causar a liberação danosa do
concentração do líquido [1,10]. A homogeneidade complexo enzimático dessas células. A remoção
no prévia
Química e tecnologia do soro de leite 33

prévia de microrganismos parte de princípio similar. A nanofiltração (NF) é um tipo de osmose reversa
Nesse caso, tem-se ainda o objetivo de redução da onde a membrana tem uma estrutura ligeiramente
contagem inicial de microrganismos, permitindo mais aberta, permitindo a passagem de íons
tratamentos térmicos mais brandos e um produto monovalentes através da membrana e rejeitando
com vida de prateleira prolongada. Esse tratamento íons divalentes [10]. Utilizam-se membranas com
também reduz a concentração de gordura residual, poros menores que 0,001 μm (1nm) para a
aumentando a vida de prateleira de produtos em pó. permeação de íons solúveis de minerais
Na interface entre UF e MF está o fracionamento monovalentes, enquanto a osmose reversa (RO)
de proteínas do leite com membranas de poro com emprega membranas não porosas para difusão da
tamanho entre 0,1 e 0,2 µm [16]. Nesse processo, a água [2]. RO é um processo de filtração por
razão entre caseínas e soroproteínas é alterada. O membrana movido por alta pressão e baseado em
retentado é rico em caseínas e o permeado contém uma membrana bastante densa [10]. A aplicação de
as proteínas solúveis. Ambos podem ser empregados NF no tratamento inicial do soro de leite resulta em
para o desenvolvimento de bebidas de composição produtos de qualidade superior devido à diminuição
específica, ou para produtos com teor reduzido de de íons monovalentes (Na e Cl) aos quais os
lactose [17]. Com a possibilidade de obtenção de consumidores são particularmente sensíveis [18].
retentados com diferentes quantidades de A diafiltração (DF) é um processo combinado que
soroproteínas, novas oportunidades para rever pode ser empregado com os demais processos de
desafios tecnológicos tem surgido, como a separação por membranas e que visa aumentar a
eliminação de soro durante a produção de queijo ou pureza de um determinado constituinte. A Figura 2.1
a estabilidade térmica de concentrados proteicos. ilustra como esse processo funciona.

Figura 2.1 Microfiltração e diafiltração para a separação e obtenção das soroproteínas e caseína do leite.
Fonte: Modificado de Reitmeier et al. [19].

Na DF, utiliza-se água para diluir o retentado e soroproteína possível no retentado, enquanto
permitir a continuidade do processo de filtração, o permite uma grande transmissão das soroproteínas
que leva a uma maior remoção das moléculas para o permeado (Figura 2.2).
solúveis e permeáveis enquanto concentra os A composição do meio diafiltrante é muito
componentes que são maiores que a massa molar de importante no processo de diafiltração. Dependendo
corte. No leite, os constituintes alvos dessa redução do meio diafiltrante, serão necessárias repetidas
são normalmente soroproteínas, lactose e sais. diafiltrações para obter um grau de pureza nas
Como exemplo, o uso associado de diafiltração e frações do retentado e permeado superior a 95%.
microfiltração permite a remoção de até 95% das Isto quer dizer, que quanto melhor seja a
soroproteínas [20]. Um dos pontos positivos desse permeabilidade da membrana às soroproteínas,
processo é a mudança no equilíbrio salino do leite, menor o número de diafiltrações necessárias em
que até certo ponto é importante para a estabilidade processo a volume constante do meio empregado.
da caseína. A separação por microfiltração visa obter Por outro lado, quanto maior seja o fluxo na
uma fração de caseína com o mínimo de diafiltração, menor o tempo requerido para o
soroproteínas processo
34 CAPÍTULO 2 - Membranas para o processamento e fracionamento do soro

processo. A Figura 2.2 mostra a diminuição ciclos de diafiltrações realizados (44). Esses
logarítmica das imunoglobulinas M, A e G, e da α- resultados são de microfiltração realizada com
lactalbumina e β-lactoglobulina no leite desnatado, membranas cerâmicas ISOFLUX, 0,14 µm, 50 °C, 0,6
no tanque de alimentação, comparado com a bar TMP, 150 Pa de tensão de cisalhamento de
diminuição ideal a 100% transmissão, e a superfície e DF com o permeado da UF (10 kDa) do
concentração da caseína em função do número de permeado MF [21].
ciclos

Figura 2.2 Diminuição (Log) da retenção das soroproteínas no retentado MF de leite desnatado em
comparação com a redução ideal (100% transmissão) em função do número de ciclos de DF realizados. CDF0
concentração de proteína no início e CDF concentração de proteína no final do processo de diafiltração.
Fonte: Adaptado e modificado de Heidebrecht & Kulozik [21].

Cabe lembrar que a transmissão é definida como A utilização de água, UF permeado, NF


a relação entre a concentração do componente x (ex. permeado, RO permeado e condensados de vapor
proteína) no permeado e a concentração do mesmo como meio diafiltrantes são alternativas viáveis para
componente no retentado. A ordem de transmissão aumentar a eficiência do processo, porém eles
das soroproteínas no processo de MF é α-La > β-Lg > mudam a força iônica e a carga mineral no tanque de
IgG > Lactoperoxidase > IgA > IgM > Lactoferrina > alimentação de forma diferente. Esse processo pode
Albumina do soro bovino é independente da TMP ser monitorado facilmente através da determinação
[21]. da condutividade e leva a produtos com
A Figura 2.2 mostra que são necessários 3,7 propriedades físico-químicas diferentes.
passos de DF para α-La e 4,2x DF para β-Lg para A escolha de uma membrana (para MF, UF e NF)
reduzir a concentração inicial de ambas proteínas deve levar em consideração o tamanho dos poros do
em 90% no tanque de alimentação da MF (onde se material constituinte, o que irá determinar sua
encontra a caseína concentrada), em comparação ao resistência físico-química e mecânica. No entanto,
início da diafiltração [21]. Para as imunoglobulinas essa característica não é muito bem definida porque,
IgG, IgA e IgM são necessários 4,6x, 5,3x e 7,3x DF em geral, as membranas industriais apresentam uma
respectivamente, o que precisa um tempo de DF distribuição normal de tamanho de poros obtida
(normalizado para 1 m2 de superfície) de pela deposição de pelo menos duas camadas no
aproximadamente 85 min, 120 min e 160 min para suporte, o que determina sua seletividade [2].
que reste somente 10% da concentração inicial [21]. Somadas às dificuldades de medição, a seletividade
Esse tempo aumenta muito caso deseje-se mudar a de membranas é geralmente dada pela massa molar
remoção dessas proteínas para 95%. Uma outra de corte (MWCO - Molecular weight cut-off), que se
consequência é que longos tempos de operação a 50 refere à massa molar da solução teste que apresenta
°C induzem uma pequena desnaturação na ordem taxa de rejeição de 90% pela membrana sob
de 3-5% da ß-Lactoglobulina (ß-Lg), quantidade que condições padrões de processamento.
é então retida seletivamente no concentrado MF Para o leite, podemos resumir as separações
[21]. seletivas em função dos tipos de membrana
conforme Figura 2.3.
Química e tecnologia do soro de leite 35

Figura 2.3 Fracionamento dos constituintes do leite por diferentes membranas: Microfiltração (MF);
Ultrafiltração (UF); Nanofiltração (NF); e Osmose reversa (RO).
Caseína*: indica que as caseínas podem tanto permear quanto serem retidas em processos de MF, dependendo do tamanho dos poros e
tipo de membrana escolhida.
Fonte: Elaborado pelo próprio autor.

O fluxo (J) é a medida da massa de permeado entre a pressão transmembrana (TMP) e o fluxo (J
coletado em função do tempo decorrido pela área em L·m-2·h-1) do permeado contendo as
de membrana disponível, o que é fator determinante soroproteínas, o que impacta o ciclo de operação do
da eficiência do processo. Existe uma relação física equipamento (Figuras 2.4 e 2.5).

Figura 2.4 Dependência do fluxo (J) em função da pressão transmembrana (TMP). A região ① é
controlada pela pressão, a região ② denota àquela controlada pela transferência da massa. Aumentando-
se o fator de concentração a TMP fixa aumenta ③.
Fonte: Adaptado de Tomasula & Bonnaillie [14].

O fluxo crítico (Jcrit) é aquele onde TMP é menor perda de seletividade. Se trabalha até onde o fluxo
que TMPcrítica, onde se trabalha (região ①) com se torna quase limitante. Com o contínuo aumento
seletividade ótima da membrana e com mínimo de da TMP, J = Jlimite, onde a camada de incrustações ou
depósitos (fouling), sendo necessária uma grande colmatação (fouling ou camada de gel polarizada)
superfície de membrana. Aumentando-se o fator de aumenta em espessura, o que satura a membrana
concentração ou a temperatura a uma TMP fixa, desse material depositado sobre ela, fazendo com
aumenta-se o J nessa região. Na região ②, a TMP > que J se torne independente do tamanho do poro
TMPcrítica e J > Jcrit, o fluxo (J) é ótimo e não se precisa [14] e da TMP, com consequente decaimento de J
de muita superfície de membrana, mas há uma (região ③).
perda
36 CAPÍTULO 2 - Membranas para o processamento e fracionamento do soro

Fluxo (L∙m-2∙h-1)

Tempo (min)
Figura 2.5 Fluxo (L·m-2·h-1) do permeado em função da pressão transmembrana e tempo operativo da MF
(0,14 µm e 50 °C).
Fonte: Heidebrecht & Kulozik [22].

2.3 MICROBIOLOGIA E FILTRAÇÃO O uso de 1,4 μm MF como pré-tratamento em


plantas de UHT permite a redução do tratamento
A segurança microbiológica do leite é térmico para temperaturas inferiores a 140 °C,
normalmente feita por tratamentos térmicos, diminuindo o sabor cozido e melhorando a
usando diferentes binômios de tempo e estocagem, como resultado da remoção de enzimas
temperatura. Entretanto, esse processo leva a termodúricas presentes em bactérias mortas e
modificações irreversíveis nos componentes do leite células somáticas [23]. Membranas com poros
e a presença de cadáveres bacterianos continua menores (0,8 μm) permitem uma RD superior a 13
sendo um risco para o produto por causa de suas para Clostridium botulinum, valor que significa
enzimas. Há ainda o risco da presença de esterilidade do produto [24]. Para a obtenção de um
microrganismos termodúricos com potencial de produto considerado comercialmente estéril, o leite
crescimento durante a estocagem e consequente microfiltrado é padronizado com creme UHT (142
redução do tempo de vida de prateleira [2]. °C·4 s-1), homogeneizado a 80 °C, tratado
O uso de MF (1,4 μm) permite uma redução térmicamente a 95 °C·6 s-1 para inativação de
decimal (RD) de 3,5 em leites de boa qualidade (< enzimas endógenas e envasado assepticamente. O
200.000 UFC·ml-1) e maior que 6 em leites de produto desse processo apresenta características
qualidade inferior, com taxas de permeabilidade organolépticas similares ao leite tratado por
para proteínas e sólidos totais superiores a 99%. As pasteurização rápida com 71% menos lactulose em
bactérias formadoras de esporos, que representam comparação com os processos UHT tradicionais.
as espécies mais resistentes à pasteurização, A microfiltração ainda remove totalmente as
apresentam maiores valores de retenção por causa células somáticas, prevenindo a degradação do
do maior volume celular aparente (RD > 4,5) [15]. Em produto por enzimas termodúricas [1]. O leite
alguns países é permitida a comercialização de leite desnatado tratado por MF pode ser destinado não
com vida de prateleira estendida a partir de leite cru. somente para consumo direto, mas também para a
O processamento desse produto passa pela produção de outros derivados, como produtos em
microfiltração do leite desnatado, que é depois pó de baixo tratamento térmico.
padronizado com creme tratado termicamente (95 Pode-se conseguir uma melhor durabilidade dos
°C·20 s-1) [2]. Sob refrigeração, o produto tem vida concentrados proteicos de soro (WPC) líquidos
de prateleira de 3 semanas. O uso combinado com produzidos utilizando uma pré-filtração com MF
tratamento térmico permite a aplicação de binômios antes da UF. A redução logarítmica microbiana
mais brandos que reduzem o off flavor, além de desejada nesse processo está relacionada com o
permitir sua conservação por até 5 semanas. tamanho do poro da membrana de MF. O uso prévio
de
Química e tecnologia do soro de leite 37

de MF foi estudado visando a produção de durante a microfiltração do soro, encontrou-se uma


concentrados proteicos de soro líquido, com maior permeabilidade da massa específica de
otimização de desempenho do sistema de UF, soroproteínas a 50 °C do que a 20 °C [25]. Como
através da melhora de fluxo, e aumento da vida de consequência, o processo a 50 °C com MF de
prateleira do concentrado líquido obtido a partir de porosidade de 0,5 µm aumentou 400% no fluxo
soro doce de queijo [25]. Membranas de MF com médio da ultrafiltração subsequente do permeado
porosidade de 0,1 µm, 0,5 µm e 0,8 µm operadas a da MF.
50 °C e utilizadas antes de UF levaram a um O tamanho dos poros das membranas também
aumento do fluxo no segundo processo, com o influencia o número de reduções logarítmicas
aumento da porosidade da membrana. Entretanto, a alcançado. À temperatura de 50 °C, membrana de
membrana com tamanho do poro de 0,5 µm seria a MF de 0,1 µm, 0,5 µm e 0,8 µm, apresentaram
mais recomendada para esse processo devido ao reduções microbianas logarítmicas no permeado de
interesse na permeação da massa de soroproteínas. 4 log, 3 log e 1 log respectivamente [25]. Outro
A membrana com tamanho de poro de 0,5 µm estudo demonstrou que a microfiltração em
garantiu completa permeação das soroproteínas membrana de 0,8 µm permite a conservação à 4 °C
[25]. do soro doce por 20 dias (Figura 2.6) [26].
Além disso, pesquisando o efeito da temperatura
durante

Figura 2.6 Acompanhamento da contagem média de bactérias mesófilas aeróbias e anaeróbias facultativas
das amostras submetidas a diferentes tratamentos, durante 20 dias de armazenamento à 4 °C. PT72:
pasteurização à 72 °C; TM65: termização à 65 °C; MF0,8: microfiltração em membrana de 0,8 µm; e MF1,4:
microfiltração em membrana de 1,4 µm.
Fonte: Modificado de Alves [26].

2.4 PRODUTOS DA FILTRAÇÃO para o tratamento de soro e apenas 1/3 para


processamento de leite [29].
O processo de separação por membranas tem o Um dos constituintes de maior interesse na
potencial de melhorar a competitividade econômica aplicação da tecnologia de membranas é a proteína.
de indústrias lácteas pela geração de novas fontes de O uso dessas tecnologias de concentração e
recursos, além da redução de custos de produção, separação permite explorar de maneira diferenciada
pela menor necessidade de equipamentos (aumento tanto as propriedades tecnofuncionais dessas
de capacidade produtiva), melhor controle de moléculas (retenção de água, viscosidade, aeração,
qualidade e composição e aumento de rendimento capacidade emulsificante), quanto nutricionais
em queijos [10,27]. Membranas tem se mostrado (composição de aminoácidos e biopeptídeos) [5,13].
alternativas viáveis a várias etapas de A filtração por membranas pode afetar as
processamento do leite, como centrifugação, propriedades de processamento dos retentados,
bactofugação, evaporação, e desmineralização de como a modificação das características de
soro, entre outros [28]. Estima-se que 2/3 da área de coagulação de concentrados de ultrafiltração [30]. A
membranas instalada nas indústrias de laticínios são ultrafiltração também aumenta o poder tamponante
para dos
38 CAPÍTULO 2 - Membranas para o processamento e fracionamento do soro

dos concentrados, com deslocamento do pico de remoção das soroproteínas previamente à


máxima consistente com a maior concentração de coagulação pode e deve ser considerado como
cálcio e fosfato [31]. Foi proposto que essas alternativa. A remoção parcial de soroproteínas por
mudanças são consequência da perda de cálcio MF reduz significativamente o efeito negativo do
insolúvel, da mudança de proporção entre caseína e aquecimento sobre as características de coagulação
cálcio e fosfato coloidais, e rearranjos na micela, do leite, em função da diminuição da formação de
uma vez que não foram observadas diferenças no agregados entre κ-caseína e β-lactoglobulina [1]. Em
tamanho das micelas de caseína [30,31]. O aumento adição, a remoção total das proteínas do soro
do efeito tampão modifica parâmetros do processo (<0.03% m·m-1) é possível utilizando o permeado da
de fabricação de queijo, tais como a cinética de ultrafiltração como meio diafiltrante e permite
acidificação, valor de pH, cinética de coagulação do aplicar tratamento a ultra alta temperatura (UHT 140
coalho e características reológicas da coalhada, °C·10 s-1) sem afetar fundamentalmente as
maturação e atividade enzimática, e a capacidade de propriedades de coagulação das micelas de caseína
retenção de água do queijo [2]. [35].
Estudos mostram ainda que há mudanças na A padronização e o enriquecimento proteico por
composição da fase solúvel em função da membranas também podem ser aplicados em outros
concentração, ou seja, que há um aumento de derivados. Produtos fermentados, como iogurte,
proteínas solúveis que leva a aumentos de obtidos por UF, RO e NF apresentam melhor textura
viscosidade, índice de refração e turbidez da fase e flavor do que aqueles produzidos a partir de leite
aquosa do leite [32]. A turbidez não pode ser predita em pó ou concentrado por evaporação [2,18]. Um
por modelos teóricos para esferas sólidas em frações dos pontos favoráveis é a redução da reação de
de volume superiores a 0,32, o que sugere um Maillard que já está iniciada em produtos em pó,
aumento das interações entre as micelas no além da ausência de partículas insolúveis. A
concentrado. Produtos concentrados, com maior aplicação de NF resulta em produtos de qualidade
teor de proteínas, apresentam um aumento superior devido à remoção de íons monovalentes
exponencial em sua viscosidade de acordo com [18]. A adição em leite desnatado de 1% de leite
aumento de proteína e também maior concentrado por UF também melhora viscosidade e
comportamento pseudoplástico em frações de atributos sensoriais, obtendo produtos com
volume superiores a 0,4 [32,33], em contraste com o características similares ao leite integral [36].
comportamento de fluido Newtoniano que o leite O uso combinado de diferentes membranas tem
apresenta. Em fluidos Newtonianos a viscosidade sido utilizado como etapa de concentração
não é alterada pela taxa de cisalhamento, tensão é alternativa aos tradicionais evaporadores. Além da
diretamente proporcional à taxa de deformação, ação de remoção de água e concentração de sólidos,
enquanto os concentrados apresentam viscosidade sistemas de UF e DF permitem a obtenção de MPC
dependente da força aplicada. Tal propriedade deve com 50 a 90% de proteínas nos sólidos totais, que
ser levada em consideração no design e nos podem ser aplicados não só em laticínios, como em
parâmetros de operação de equipamentos, bem outras indústrias de alimentos [20]. Produtos lácteos
como nas condições de bombeamento e em pó, com as mais diversas composições em
transferência, pois a alta viscosidade também leva a termos de proporção entre frações proteicas e
um alto aprisionamento de gases. demais constituintes do extrato seco, têm sido
O uso de UF possibilita a padronização do teor considerados excelentes ingredientes funcionais e
proteico até a concentração desejada no produto apresentam aplicação distinta em indústrias de
para consumo ou para a padronização, com alimentos, como chocolate, panificação e cárneos.
concentrado ou permeado, ajustando variações Além da ampla aplicação de ingredientes lácteos
naturais referentes à alimentação, estações, estágio em pó, novas propostas de processamento tem sido
de lactação e outros [2]. A padronização da relação sugeridas para a produção de bebidas de alto teor
proteína (caseína) / gordura também é importante proteico, como é o caso dos concentrados obtidos
para ampliar a capacidade produtiva de plantas de por filtração com membranas. Enquanto a UF
produção de queijo automatizadas. Entretanto, concentra tanto caseínas quanto soroproteínas, o
cabe-se ressaltar que a presença em altas uso de membranas de poro de maior tamanho
concentrações de soroproteínas em coalhadas permite a concentração seletiva de caseínas,
provenientes de concentrados de UF resulta em enquanto soroproteínas são permeadas. A remoção
queijos com diferentes características de estrutura, de soroproteínas tem sido proposta como uma
maturação, aroma e umidade [3,9,34], sendo os forma de aumentar a estabilidade térmica e a vida
efeitos nocivos observados especialmente em de prateleira de bebidas enriquecidas [37], pela
queijos semiduros e duros. O uso de MF para diminuição das proteínas lácteas globulares que são
remoção mais
Química e tecnologia do soro de leite 39

mais sensíveis à desnaturação pelo calor. Estudos nutritivo, bem como de evitar o descarte irregular ou
mostraram que pequenas reduções na quantidade a sobrecarga dos sistemas de tratamento de
total de soroproteínas apresentam grande impacto efluentes, o soro no Brasil começa sua introdução na
em sua concentração final, devido à filtração alimentação humana pelo desenvolvimento de
seletiva, com significativo aumento na resistência a bebidas lácteas achocolatas e fermentadas. Mais
tratamentos térmicos de leites concentrados [38]. tarde ele foi introduzido ainda na forma líquida em
outros produtos como doce de leite e depois em pó
2.5 MEMBRANAS E SORO para uma gama ainda maior de produtos, inclusive
não lácteos.
Soro de leite é o co-produto das indústrias de Algumas das dificuldades do processamento do
fabricação de queijo e caseína. Sua composição varia soro incluem a falta de padronização na composição
de acordo com o processamento que o originou, mas em função da grande variedade de tipos de queijos e
pode ser grosseiramente caracterizado como leite os inúmeros aditivos residuais que podem estar
do qual foram removidas 90 a 95% da caseína e presente e necessitam ser tratados e/ou removidos.
gordura. O soro de leite ainda contém uma série de Pela aplicação de diferentes tecnologias de filtração
componentes de alto valor nutricional, como os nutrientes do soro são concentrados, fracionados
proteínas e lactose. Numa classificação tradicional, o ou purificados em produtos valiosos como
soro pode ser categorizado quanto ao seu pH em concentrados e isolados de proteínas do soro (WPC e
ácido (4,6 a 6,4) e doce (> 6,4). Até o Brasil de 1990, WPI), α-lactoalbumina, β-lactoglobulina, fatores de
o soro era usado principalmente para a alimentação crescimento, lactose e sais [10]. Os sistemas de
animal, despejado em plantações ou descartado em filtração têm grande potencial de aplicação nesses
sistemas de tratamento, com sérias consequências casos como forma de pré-tratamento, como na
ao meio ambiente, além da perda de nutrientes de remoção de microrganismos dos fermentos por
grande valor. Com uma DBO de 30 a 50 g·L-1, 1000 L microfiltração. A Figura 2.7 mostra a diferença no
de soro tem o mesmo poder poluente que 400 tamanho molecular das soroproteínas e da fração da
pessoas [39]. caseína do leite, o que permite a separação via
O interesse nutricional nas proteínas do soro microfiltração das mesmas e assim, a obtenção das
levou a uma mudança na forma como o soro era soroproteínas nativas no permeado, praticamente
visto. Para o aproveitamento de seu potencial estéril.
nutritivo

Figura 2.7 Frequência (%) de distribuição do tamanho (nm) das proteínas do leite.
Fonte: Adaptado de Reitmeier et al. [19].

Outro exemplo é a remoção de pigmentos lipídica e degradação de proteínas [40]. Por seu
também por MF. O soro proveniente da fabricação efeito adverso, MF tem sido sugerida como
de queijos que levam corantes, como Cheddar, Prato tecnologia alternativa para esses processos. Apesar
e Gouda, precisam passar por uma etapa de de se mostrar menos eficiente na remoção de
branqueamento para atingirem uma coloração final norbixina, o uso de MF resulta em um produto mais
neutra adequada para futuras aplicações. O claro devido à remoção combinada de gordura, que
tratamento tradicional é feito pela adição de diminui a opacidade da solução e dificulta a
sustâncias químicas como peróxido de hidrogênio e observação da cor amarelada [40]. A claridade
benzoíla, que além do branqueamento causam também é melhorada pela remoção de partículas
sabores residuais principalmente pela oxidação que promovem o espalhamento de luz.
lipídica
40 CAPÍTULO 2 - Membranas para o processamento e fracionamento do soro

A remoção de gordura do soro por MF também tem natural antes e após ter sido submetido à
sido estudada como forma de melhorar a microfiltração (Wolfschoon-Pombo, não publicado).
conservação de produtos, pela diminuição da Uma pré-filtração de soro de queijo com membrana
oxidação lipídica em produtos em pó, bem como MF de 0,5 µm a 50 °C permite uma excelente
pela melhoria de propriedades funcionais como permeação das soroproteínas e também aumentar o
formação de espuma [1,10]. A Figura 2.8 mostra a fluxo da ultrafiltração posterior.
diminuição da opacidade de um soro doce de queijo

Figura 2.8 Soro de leite antes e após MF.


Fonte: Próprio autor.

Complementando a Figura 2.8, a Figura 2.9 permeado resultante da mesma filtração. É possível
mostra as duas frações da concentração por MF de visualizar a claridade do produto obtido contendo
soro, onde toda a gordura presente no soro foi somente os componentes solúveis da fase aquosa
retida pela membrana no concentrado, e o (Wolfschoon-Pombo, não publicado).
permeado

Figura 2.9 Concentrado e permeado MF do soro doce.


Fonte: Próprio autor.

As dificuldades de processamento do soro de 80% [41,42]. Apesar de diferenças de aparência e


fabricação de queijo têm impulsionado uma nova composição, diferenças sensoriais foram mínimas
abordagem do processamento de leite nas últimas nas concentrações de 34% WPC e SPC [42]. No
décadas. Nela, a fração solúvel do leite é removida entanto, reações de oxidação em geral foram mais
por MF previamente à produção de queijo para a significativas nas soluções obtidas com 80% WPC, o
obtenção do chamado soro nativo ou ideal. Dessa que se justifica pelo maior teor de gordura desse
forma obtém-se um produto livre dos coadjuvantes produto [41]. Essa maior concentração de gordura
da tecnologia de fabricação de queijo e com as também foi relacionada com a menor transparência
soroproteínas na sua forma nativa, o que permite das soluções desses pós reidratados a 10%, em
uma melhor exploração de suas propriedades associação com grandes agregados proteicos [43].
funcionais. Tal observação é reforçada pela maior turbidez
Os benefícios desse fluxograma invertido de apresentada pelos pós obtidos por spray-dryer do
processamento foram observados em estudos que por freeze-dryer, apesar do método de secagem
comparativos entre concentrados obtidos de soro não ter afetado significativamente a solubilidade dos
nativo (SPC) e soro proveniente da fabricação de pós [43]. Solubilidade e tubidez foram mais afetadas
queijo (WPC) em concentrações proteicas de 34 e pela variação de pH, com aumento de solubilidade e
80%
Química e tecnologia do soro de leite 41

diminuição de turbidez com o aumento do pH. Além Mas foi Van Slyke, quem em 1922 [55] estudou a
de maior transparência e menor turbidez, os pós determinação do poder tampão e a relação entre
obtidos de SPC apresentaram melhores esse valor e as constantes de dissociação dos
propriedades de aeração e estabilidade da espuma sistemas tamponantes atuando, e formulou a
[43]. Dentre as possíveis explicações estão expressão de capacidade tamponante (Equação 2.2)
novamente o menor conteúdo de gordura e a como:
ausência de constituintes minoritários presentes no 𝑑𝐵 −𝑑𝐴
𝛽= ou 𝛽 = (2.2)
soro de queijo que tem características antiaeração, 𝑑𝑝𝐻 𝑑𝑝𝐻

além de diferenças em desnaturação e agregação


proteica. SPC ainda apresentou melhor desempenho Onde B e A são os miliequivalentes por litro da
na formação de géis, com géis mais fortes e menos base (B) e/ou ácido (A) forte gastos na titulação para
deformáveis, apesar de em alguns casos ter sido mudar o pH do sistema numa unidade definida. Para
necessária a adição de NaCl para aumentar a rigidez um sistema tamponante simples, a relação
do gel [43]. diferencial (dB/dpH) é dada pela Equação 2.3:

2,3𝑪([𝐻 + ])
2.6 CAPACIDADE TAMPONANTE DO SORO E 𝛽= (2.3)
(𝐾+ 𝐻 + )2
SUBFRAÇÕES
Onde C é a concentração do sistema tampão e K
A finalidade de separar a fase aquosa do leite é a constante de dissociação do sistema acidobásico
primordialmente a sua utilização como matéria conjugado. Quando o sistema tamponante é
prima nativa para a indústria de alimentos, complexo como no caso do leite e soro, a relação é
aproveitando melhor das funcionalidades das dada pela Equação 2.4 [55]:
frações que o compõem. No soro ideal encontram-se
as soroproteínas, o carboidrato do leite (lactose), e 𝑑𝐵 𝐾𝑤 𝐾𝑎[𝐻 + ]
𝛽= = 2,303 + 𝐻 + + σ 𝐶𝑏𝑢𝑓 (2.4)
𝑑𝑝𝐻 [𝐻 + ] (𝐾𝑎+[𝐻 + ])2
os sais minerais, bem como a água como maior
componente. Os componentes da fase aquosa do
Importante é saber que fazendo a titulação e
leite (o soro ideal) em conjunto são responsáveis por
plotando em um gráfico β versus a mudança do pH,
aproximadamente 55% da capacidade tamponante
encontra-se o ponto onde ocorre a maior
do leite [44], que é a capacidade que o leite (e o
capacidade tamponante e pode-se então calcular C
soro) tem de resistir a mudanças no pH frente a
em mol·L-1 nesse ponto da escala de pH. Sabe-se que
adição de ácidos ou bases. O equilíbrio acidobásico é
o poder tamponante é forte a ± 1 unidade de pH em
muito importante na tecnologia de laticínios, pois
relação a esse ponto [55].
quando alterado, por exemplo devido à fermentação
A Figura 2.10 mostra o efeito tamponante do
ácido-láctica ou por tratamentos térmicos,
permeado da microfiltração do leite (TMP 0,5 bar, 50
desestabiliza o sistema proteico. Enquanto a
°C, 0,1 µm), que é o soro nativo sem gordura; do
capacidade tamponante do leite tem sido estudada
permeado da ultrafiltração do soro nativo (Synder 10
há quase 100 anos [45–50] encontram-se na
kDa, TMP 2 bar, 15 °C, vazão 75 L·h-1); de uma
literatura apenas referências recentes [44,51–54]
solução 5% de lactose; e da água [52]. A
relativas ao soro nativo e subfrações obtidas
nanofiltração do permeado da UF foi a TMP 10-17,5
partindo da microfiltração do leite.
bar, 15 °C, Osmonics Desal DK e a osmose reversa
O soro ideal pode ser obtido e fracionado através
realizada com TMP de 20 bar, DOW SW20HR, 15 °C.
de um sistema em cascata abrangendo MF, UF, NF e
O máximo β obtido para o permeado MF foi ~0,016
RO. Essas frações contribuem individualmente à
mol·L-1 enquanto que para o permeado UF foi ~0,011
capacidade tamponante total do soro nativo e
mol·L-1. A diferença é devida à contribuição das
parcial do leite [54].
soroproteínas. Na Figura 2.10 observa-se que a
O conceito de capacidade tampão teve origem na
maior capacidade tamponante encontra-se na faixa
lei de ação de massas de Guldberg e Waage de 1864,
de pH entre 3,70-4,80, com um máximo em ~0,016
que foi matematicamente derivada anos depois por
mol·L-1. Esse efeito é devido à presença combinada
Henderson e Hasselbalch em 1916 para obter a
das soroproteínas e dos sais do leite, especialmente
expressão relacionando em forma logarítmica a
dos citratos, como veremos posteriormente. Para
dissociação de um ácido fraco e a concentração do
efeito de comparação, no gráfico está indicado o
ácido e seu sal (Equação 2.1):
ponto de pH onde se encontra faixa de máximo
[𝑠𝑎𝑙] poder tampo-nante do leite, em aproximadamente
𝑝𝐻 = 𝑝𝐾𝑎 + 𝑙𝑜𝑔 (2.1) 0,035 mol·L-1. Observa-se o efeito da lactose e da
[á𝑐𝑖𝑑𝑜]
água a baixo pH, proveniente de β= 2,303[H3O+].
42 CAPÍTULO 2 - Membranas para o processamento e fracionamento do soro

Permeado MF

Permeado UF

Figura 2.10 Efeito tamponante dos permeados de microfiltração e da ultrafiltração do leite e soro ideal,
respectivamente .
Fonte: Salaün, Mietton B & Gaucheron [52].

Informação detalhada sobre a composição da efeito individual dos principais componentes (nas
fase aquosa, da contribuição individual e da concentrações molares reais) do sistema tampão dos
concentração ativa dos componentes à capacidade sais do leite e soro ideal; o efeito interativo é a curva
tamponante na Figura 2.10 pode ser encontrada em mostrada na Figura 2.10.
outros materiais [44,51–54]. A Figura 2.11 mostra o

Figura 2.11 Efeito tamponante dos sistemas citrato, fosfato, carbonato e lactato e a distribuição das frações
molares respetivas na faixa de pH 3-7.
Fonte: Adaptado de Wolfschoon-Pombo & Wolfschoon-Ribeiro [44,49,51-52].
Química e tecnologia do soro de leite 43

Vale ressaltar que no pH natural do leite e do in the physical properties, solubility, and heat
soro ideal, o sistema tampão lactato/ácido láctico stability of milk protein concentrates
não está presente pois o leite fresco não contêm prepared from partially acidified milk. J Dairy
esse metabólito, que atua fortemente na faixa de pH Sci 2014;97:7394–401.
3,85 ± 1.
[8] Beliciu, C. M.; Sauer, A.; Moraru, C. I. The
effect of commercial sterilization regimens on
2.7 CONSIDERAÇÕES FINAIS micellar casein concentrates. J Dairy Sci
2012;95:5510–26.
Apesar dos processos de separação por
membrana para aplicação em produtos lácteos [9] Goulas, A.; Grandison, A. S. Application of
terem sido desenvolvidas há várias décadas, apenas membrane separation. In: Britz, T. J.;
os avanços tecnológicos mais recentes permitiram Robinson, R. K. editors. Adv. Dairy Sci.
sua utilização mais ampla. Dessa forma, o uso de Technol. 1st ed., Cambridge: Blackwell
membranas em laticínios ainda pode ser Publishing; 2008, p. 35–74.
considerado relativamente novo. Especialmente no [10] Kumar, P.; Sharma, N.; Ranjan, R.; Kumar, S.;
Brasil, o alto custo das membranas ainda tem sido Bhat, Z. F.; Jeong, D. K. Perspective of
um fator limitante para indústrias menores, sendo a membrane technology in dairy industry: a
tecnologia mais utilizada por indústrias de médio e review. Asian Australas J Anim Sci
grande porte. Conhecimentos sobre a teoria de 2013;26:1347–58.
operação de sistemas de membrana continuarão a
crescer à medida que novas aplicações tecnológicas [11] Walstra, P.; Wouters, J. T. M.; Geurts, T. J.
forem propostas. A valorização dos constituintes do Membrane processes. Dairy Sci. Technol. 2nd
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phosphatspezies, der kohlensäure, der
gesamten milchsalze, laktose und wasser.
Dtsch Molkerei Zeitung 2014;135:18–21.
CAPÍTULO
Introdução à secagem do soro – diferenças entre
3 secagem de leite e secagem de soro, composição
do soro versus qualidade do produto final
Lauren Carvalho Montalvão Carneiro
Erica Felipe Mauricio
Arlan Caldas Pereira Silveira
Ítalo Tuler Perrone
Rodrigo Stephani

CONTEÚDO 3.2 TIPOS DE SORO: CIFRA DE TRANSIÇÃO


3.1 Introdução ......................................................... 47
3.2 Tipos de soro: cifra de transição ..................... 47 Em 2019, 25% do leite produzido no Brasil se deu
3.2.1 Exemplo de cifra de transição ................ 48 no Estado de Minas Gerais, o tornando o maior
3.3 Secagem de soro .............................................. 50 produtor do país com 6,25 bilhões de litros de leite
3.3.1 Tratamento térmico ................................ 50 de um total de 25,01 bilhões de litros [1]. De acordo
3.3.2 Evaporação .............................................. 51 com o Serviço de Inspeção Federal, a maior parcela
3.3.3 Cristalização ............................................. 52 de leite se destina a fabricação de queijos. Em 2018,
8,31 bilhões de litros de leite devidamente
3.3.4 Secagem por atomização ........................ 56
fiscalizados foram convertidos em queijo, resultando
3.4 Composição de leite e soro x efeitos na
em grande quantidade de soro [2].
secagem (% lactose, gordura livre, % ácido
Durante a produção tradicional de queijos há a
lático) ................................................................ 59
liberação de uma porção aquosa do coágulo em
3.5 Referências ....................................................... 60
decorrência das etapas de manipulação,
3.1 INTRODUÇÃO denominada soro. Este líquido opaco possui
coloração amarelo-esverdeada, é tido como um
O soro de leite, há tempos atrás considerado um efluente residual e conta com um elevado teor de
subproduto da produção de queijos, é, atualmente, matéria orgânica, sendo capaz de provocar sérios
reconhecido como um produto valioso no mercado. distúrbios ao ecossistema, quando descartado. Nos
Em alguns casos os queijos passaram a ser dias de hoje, o soro é aplicado como um coproduto
considerados os coprodutos da fabricação de soro. nas principais indústrias de alimentos, passando de
Este produto, por sua vez, é amplamente utilizado na fonte poluidora à fonte de renda, gerando receita
produção de bebidas lácteas, concentrados para as indústrias de laticínios [3, 4].
proteicos para atletas, matéria-prima em indústrias Durante a coagulação do leite para a produção
de chocolates e diversas outras aplicações. de queijos, ocorre a partição de constituintes do
Neste capítulo serão abordados os tipos de soro, leite entre a massa e a fase solúvel, soro. Essa
de que forma os componentes transitam do leite separação é específica para cada tipo de queijo e
para o soro durante a fabricação de queijo e as processo, resultando em queijos e soros com
etapas envolvidas na produção do soro em pó. Além composições distintas. A informação de como os
disso, serão discutidas as diferenças entre as constituintes irão ser repartidos pode ser obtida na
secagens de leite e de soro e como as alterações no cifra de transição. Um exemplo para a massa de um
processo influenciam na qualidade final do produto. queijo semiduro pode ser visto na Tabela 3.1 [5].

Tabela 3.1 Cifras de transição dos sólidos do leite (% m∙m-1) entre um queijo semiduro e o soro.
Componente (% m∙m-1) Leite Queijo Soro Transição para o queijo (%)
Lactose 4,7 0,2 4,5 4,0
Gordura 3,4 3,1 0,3 91,0
Proteínas 3,1 2,3 0,8 74,0
Minerais 0,9 0,5 0,4 56,0
Sólidos Totais 12,1 6,1 6,0 50,0
Fonte: Vilela [5].
48 CAPÍTULO 3 - Introdução à secagem do soro – diferenças entre secagem de leite e secagem de soro, composição do soro versus qualidade do produto final

Fatores como diferentes tecnologias utilizadas na soro obtido por diferentes processos de coagulação,
fabricação de queijos e variações na composição do segundo Zadow [6]. A Figura 3.1 mostra as diferentes
leite durante o ano acarretam em uma grande porcentagens de transição dos constituintes do leite
variação na composição físico-química do soro. A para o soro.
Tabela 3.2 apresenta as faixas para a composição de
soro
Tabela 3.2 Composição de soro para diferentes tipos de processamento.

Coagulação Coagulação Queijo


Constituinte
enzimática ácida Cheddar

Sólidos totais (ST) (g.kg-1 de soro) 64 a 67 62 a 64 61 a 66


Proteína verdadeira (g.kg-1 de ST) 110 a 140 84 a 110 99 a 110
Cinzas (g.kg-1 de ST) 74 a 78 117 a 123 76 a 91
Lactose (g.kg-1 de ST) 750 a 810 620 a 690 744 a 810
Cálcio (g.kg-1 de ST) 6a8 24 a 27 6a7
Fosfato inorgânico (g.kg-1 de ST) 10 a 16 30 a 34 8 a 30
Potássio (g.kg-1 de ST) 18 a 26 20 a 24 19 a 25
Sódio (g.kg-1 de ST) 6 a 16 6 a 12 6 a 11
Cloretos (g.kg-1 de ST) 14 a 21 13 a 19 19 a 20
Fonte: Zadow [6].

Figura 3.1 Porcentagem de transição dos componentes do leite para o soro.


Fonte: Elaborado pelos próprios autores.

3.2.1 Exemplo de cifra de transição

A Figura 3.2 fornece alguns dados do leite é possível calcular o rendimento do processo, a
utilizado na fabricação de queijo e dos produtos composição do produto e a cifra de transição, como
obtidos (queijo e soro). A partir deste conhecimento mostrado no exemplo a seguir.
é
Química e tecnologia do soro de leite 49

. .

Figura 3.2 Dados de massa e composição do leite utilizado para a fabricação de queijo e dos produtos
obtidos nesta fabricação, queijo e soro.
Fonte: Adaptado de Furtado e Wolfschoon Pombo [7].

1) Qual o rendimento em litros·kg-1 desta c) Queijo


transformação?

Solução:

4) Qual a porcentagem de gordura no extrato seco


do queijo?

Solução:
2) Qual o rendimento percentual desta
transformação?

Solução:
5) Qual o volume de soro resultante desta
transformação, sabendo-se que a densidade média
deste é 1,0275 kg·litros-1?

3) Qual a porcentagem de gordura no leite, soro e Solução:


queijo?

Solução:

a) Leite 6) Qual a porcentagem de transição da gordura,


proteína, lactose e sais minerais do leite para o
queijo? E para o soro?
Solução:
b) Soro a) Gordura
50 CAPÍTULO 3 - Introdução à secagem do soro – diferenças entre secagem de leite e secagem de soro, composição do soro versus qualidade do produto final

b) Proteína maneiras na indústria, tanto por características e


propriedades tecno-funcionais como nutricionais
(desenvolvimento de alimentos dietéticos,
farmacêuticos ou infantis) [8, 9].
Dentre as utilizações do soro, pode-se citar a
produção de alimentos como: ricota, bebida láctea,
c) Lactose
soro em pó, bem como a concentração e
fracionamento por meio de sistemas de membranas,
obtendo-se lactose, concentrados proteicos com
com diferentes teores de proteínas, isolados
proteicos enriquecidos com β-lactoglobulina ou α-
d) Sais minerais lactoalbumina, ou na forma de componentes
isolados como glicomacropeptídeo e lactoferrina
[10, 11]. O soro em pó é obtido pelo processo de
desidratação do soro doce ou ácido, por intermédio
de métodos tecnologicamente apropriados, estando
adequado para o consumo humano [12].
3.3 SECAGEM DE SORO Segundo Westergaard [13], o soro em pó
apresenta a composição média e as características
O soro de leite pode ser empregado de várias físico-químicas indicadas na Tabela 3.3.
maneiras
Tabela 3.3 Composição média e características físico-químicas do soro em pó.

Característica físico-química ou constituinte Concentração


Sedimentos Máximo 200 mg.L-1
pH (após dissolução) Mínimo 6,3
Acidez titulável (após dissolução) Máximo 0,12% (m·m-1)
Ácido lático Máximo 200 mg.L-1
Gordura Máximo 0,05% m·m-1
Lactose 70-74 %
Proteínas Mínimo 12% m·m-1
Cálcio Máximo 300 mg.L-1
Magnésio Máximo 100 mg.L-1
Cloro Máximo 1200 mg.L-1
Gases não condensáveis Máximo 0,02% m·m-1
Fonte: Adaptada de Westergaard [13].

Para a fabricação do soro em pó as operações intensidade, ou seja, qual o binômio tempo x


unitárias mais relevantes são: tratamento térmico, temperatura aplicado [16].
separação por membranas (abordada no capítulo O aquecimento pode provocar mudanças
anterior), evaporação a vácuo, cristalização da irreversíveis ou reversíveis no produto. Como
lactose e secagem em spray dryer. Devido ao mudanças reversíveis pode-se citar a elevação da
reduzido consumo de energia, a osmose reversa temperatura do leite para facilitar reações ou
pode ser aplicada como estágio preliminar da processos, como a coagulação para produção de
remoção de água do soro [14, 15]. queijos, crescimento de culturas starters,
evaporação da água, e separação de componentes
3.3.1 Tratamento térmico por centrifugação. Já como alterações irreversíveis
tem-se como exemplos a perda do valor nutritivo do
O processamento de leite e seus derivados produto (perda de aminoácidos essenciais e
envolvem tratamentos térmicos que tem como vitaminas), inativação de enzimas, alterações na cor
principais objetivos a eliminação de microrganismos, e sabor do produto [16].
inativação de enzimas ou promover alterações A termização consiste em um tratamento térmico
químicas. Os efeitos gerados pelo tratamento mais brando, geralmente 60 a 69 °C por 20 segundos
térmico estão diretamente relacionados com a sua que tem como principal objetivo eliminar bactérias
intensidade outras
Química e tecnologia do soro de leite 51

psicrotróficas. Essas bactérias podem produzir 3.3.2 Evaporação


lipases e proteinases resistentes ao calor que podem
eventualmente causar a deterioração dos produtos Para uma melhor secagem do soro em spray
lácteos. A termização não causa quase nenhuma dryer é necessária uma concentração prévia do
mudança irreversível [16]. líquido. Visando diminuir os danos às proteínas
A pasteurização trata-se de um tratamento séricas, utiliza-se um evaporador a vácuo. Este
térmico a 63 °C por 30 minutos ou 72 °C por 15 equipamento tem como vantagem retirar a água do
segundos e seu controle é feito pela inativação da soro com temperaturas mais baixas (40 a 75 °C)
enzima fosfatase alcalina. Este tratamento visa devido ao emprego de pressões abaixo da
eliminar microrganismos patogênicos e acaba atmosférica. Com esta técnica é possível atingir um
inativando algumas enzimas. Poucas alterações teor de sólidos totais de 50 a 60% m∙m-1 no produto
ocorrem no produto quando submetido a final com uma economia energética por quilograma
pasteurização lenta, o sabor é dificilmente alterado, de água evaporada de até 20 vezes quando
pouca ou nenhuma proteína sérica é desnaturada e confrontado à retirada de água pelo processo de
as propriedades de aglutinação a frio e spray drying [14, 15, 16]. Além das vantagens
bacteriostáticas permanecem praticamente intactas, supracitadas, este método é empregado com os
porém, um tratamento térmico mais intenso é propósitos subsequentes [17]:
frequentemente aplicado (por exemplo, 75 °C por 20 i. Fabricação de produtos concentrados: leite
segundos). Essa intensificação do tratamento pode evaporado, leite condensado e iogurte
causar desnaturação de imunoglobulinas (portanto, concentrado;
diminuição da aglutinação a frio e da atividade ii. Etapa intermediária na elaboração de produtos
bacteriostática) e mudança perceptível no sabor lácteos em pó;
[16]. iii. Obtenção de lactose por meio da
O uso de temperaturas mais altas de recristalização do soro.
pasteurização, geralmente de 85 °C por 20 Apesar de existir diferentes tipos de
segundos, leva à inativação da enzima evaporadores o mais comumente utilizado para
lactoperoxidase. Neste tratamento térmico são lácteos é o tubular de película descendente. Este
eliminados praticamente todos os microrganismos pode ser ligado a outros equipamentos com o intuito
vegetativos, mas não esporos bacterianos. Além de finalizar a concentração ou até mesmo de resfriar
disso, a maioria das enzimas é inativada, mas a rapidamente o produto final. Para este último
proteinase do leite (plasmina) e algumas proteinases propósito utiliza-se um flash cooler [13, 14 ,18]. Este
e lipases bacterianas não são completamente tipo de equipamento torna viável a diminuição da
inativadas. Parte das proteínas do soro são temperatura para aproximadamente 30 °C devido à
desnaturadas e o sabor é alterado. Com relação ao expansão na saída do concentrador.
valor nutricional, apenas o teor de vitamina C é Consequentemente, inicia-se o processo de
afetado. A estabilidade do produto em relação à cristalização realizado no tanque subsequente. As
auto-oxidação de gordura é aumentada [16]. mudanças mais relevantes que ocorrem durante a
A esterilização comercial consiste em um concentração de produtos lácteos são [17]:
tratamento térmico mais intenso, também a. redução da atividade de água;
conhecido como tratamento UHT (Ultra High b. elevação da higroscopicidade;
Temperature). Este tratamento tem como objetivo c. alterações no equilíbrio salino;
eliminar todos os microrganismos, inclusive os d. alterações na conformação proteica;
esporos bacterianos. Os efeitos causados pela e. elevação da pressão osmótica, do ponto de
esterilização dependem do tempo e temperatura ebulição, da condutividade elétrica, da
utilizada. O aquecimento por 30 minutos a 110 °C densidade e do índice de refração, e redução
(binômio de esterilização) inativa todas as enzimas do ponto crioscópico;
do leite, mas nem todas as lipases e proteinases f. elevação da viscosidade;
bacterianas são totalmente inativadas. Causa g. saturação da solução e tendência a cristalização
reações extensivas de Maillard, levando ao da lactose.
escurecimento, alteração de sabor, perda de lisina e Para a transformação do soro líquido em pó é
algumas vitaminas, causa mudanças consideráveis primordial obter um produto concentrado com
nas proteínas, incluindo caseína. O binômio de 1 elevado teor de sólidos lácteos (acima de 55%). Isto
segundo a 145 °C, reduz significativamente as influenciará diretamente em dois aspectos:
alterações, porém não é um tratamento aplicado diminuição de gastos energéticos na câmara de
com frequência [16]. secagem e saturação da lactose que favorecerá na
fase seguinte de cristalização [14, 18].
52 CAPÍTULO 3 - Introdução à secagem do soro – diferenças entre secagem de leite e secagem de soro, composição do soro versus qualidade do produto final

3.3.3 Cristalização [14, 19, 20].


Dependendo da espécie de origem, os
Dentre as estruturas bioquímicas presentes no constituintes do leite podem sofrer variações, com
leite estão os carboidratos, neste encontramos isso a lactose pode oscilar entre 2 e 8,5% m∙m-1.
majoritariamente a lactose (dissacarídeo) e Dentre os constituintes sólidos do leite de vaca, a
pequenos teores de monossacarídeos (glicose e lactose é que se apresenta em maior proporção, em
galactose) e de oligossacarídeos (neutros e ácidos), torno de 4,8% m∙m-1 [14, 19, 21, 22]. Ao concentrar
além de carboidratos unidos tanto a peptídeos o leite de vaca, por meio de evaporação a vácuo,
quanto a proteínas [19]. Lactose, glicose e galactose esta proporção pode atingir cerca de 48% [14]. A
apresentam solubilidades distintas, a 20 °C são de: lactose pode ser encontrada na forma dos isômeros
20, 50 e 107 g∙100 g-1 água, respectivamente α e β, conforme a Figura 3.3 [19, 23].
[13,18,19]. [13, 18, 19].

Figura 3.3 Estrutura química dos isômeros da lactose.


Fonte: Simeão [23].

Segundo Holsinger [24], a lactose pode ocorrer 𝛽


= 1,64 − 0,0027 × 𝑇 (3.1)
𝛼
em duas formas cristalinas nos produtos lácteos, α-
hidratada e β-anidra, ou como uma mistura vítrea
amorfa de α e β-lactose. O equilíbrio entre as formas é dependente da
As duas conformações de lactose se encontram temperatura. A 25 °C é possível encontrar 37,75% na
em equilíbrio e podem se interconverter em um forma α e 62,25% na forma em uma solução de
processo chamado de mutarrotação, onde há lactose [27]. O que diferencia estes isômero
inversão da posição da hidroxila e do hidrogênio do tecnologicamente é a solubilidade (α = 7 g∙100 g-1 de
carbono anomérico [25]. Tais isômeros se água e β = 50 g∙100 g-1 de água, ambas a 15 °C). Este
distinguem por suas rotações e pontos de fusão é um aspecto fundamental durante o processo de
próprios. Uma solução de α-lactose a 20 °C cristalização, pois durante a concentração, de soro
apresenta rotação de 89,4° e ponto de fusão de ou leite, a α-lactose é a primeira a alcançar o estado
201,6 °C. Ao passo que uma solução de β-lactose na de supersaturação, com isso desequilibrando as
mesma condição possui rotação e ponto de fusão proporções no sistema e sucedendo a mutarrotação.
iguais a 35° e 252,2 °C, respectivamente [19, 26]. No Tal fenômeno garantirá o reequilíbrio do meio
entanto, seja qual for a conformação utilizada para através da transformação de parte da β-lactose em
preparar uma solução acarretará em mudanças em α-lactose respeitando a proporção de β/α = 1,68 [14,
sua rotação específica com o passar do tempo até 25].
atingir um equilíbrio entre os isômeros, intitulado de A solubilidade desta forma irá variar de acordo
equilíbrio mutarrotacional [14, 18, 22]. com a temperatura utilizada no sistema. A
De acordo com Whittier [27], a mutarrotação é temperatura de 93,5 °C é considerada um limitante,
um fenômeno característico de todo açúcar redutor uma vez que ocorre uma inversão de solubilidades
em solução aquosa e, em algumas instâncias, é ao comparar os isômeros a uma mesma temperatura
atribuído a mudanças nas concentrações das formas [23], como observado da Figura 3.4.
α e β. A temperatura influência de acordo com a Considerando as temperaturas empregadas no
relação descrita por Roetman e Burma [28] (Equação decorrer do processamento do soro, nota-se que são
3.1), onde T é a temperatura em Kelvin e α e β são as inferiores a 93,5 °C. Nesta condição, como
proporções relativas das formas α e β da lactose (% observado na Figura 3.4, a α-lactose é que apresenta
m∙m-1). menor solubilidade, portanto verifica-se no soro
menor
Química e tecnologia do soro de leite 53

Figura 3.4 Equilíbrio mutarrotacional entre α e β Lactose.


Fonte: Simeão [23].

concentrado somente o desenvolvimento de cristais aumento da temperatura ocasionará no


deste isômero. Estes cristais possuem frações aumento da velocidade de escurecimento (2 a 3
moleculares iguais de água e lactose (hidrato) os vezes maior para cada 10 °C elevado). Ademais,
tornando não higroscópicos e duros [22]. este aumento influencia tanto na composição
Os açúcares que apresentam carbono anomérico quanto na intensidade da coloração através da
interligado por uma ligação glicosídica, como a quantidade de carbono do polímero. A energia
sacarose, são denominados não redutores. Contudo, de ativação necessária para ocorrer a reação é
quando um desses agrupamentos estão livres, tal de 100 kJ∙mol-1 e está associada com a
qual a lactose, nomeia-se como redutores. O açúcar temperatura [14];
redutor atua na reação de escurecimento não b. pH do meio: para ocorrer a reação é necessário
enzimático (reação de Maillard). O grupamento que o par de elétrons do nitrogênio do
carbonila (C=O) proveniente de um aldeído ou aminoácido esteja livre, tal fato ocorre em pH
cetona livre se ligará a um grupamento amina (NH2) mais elevado (próximo da neutralidade).
de aminoácidos por meio de uma reação complexa. Portanto, em pH mais baixo ocorre a redução da
A condensação do grupo carbonila com o velocidade da reação, uma vez que o íon H+
grupamento amina ocorre através do ataque protona o grupo amina (-NH3+) deixando de
nucleofílico do par de elétrons do nitrogênio do existir o par de elétrons livres. Porém, deve-se
grupo amina. Em produtos lácteos o principal atentar a não abaixar tanto o pH para que não
aminoácido a atuar na reação é a lisina, por conter ocorra a oxidação da vitamina C que resulta
em sua estrutura dois grupamentos aminas. Os também em uma reação de escurecimento do
últimos compostos gerados na reação de Maillard produto [31];
são as melanoidinas que apresentam cor escura e c. Atividade de água: este parâmetro pode ser
menor energia para o sistema, sendo trabalho de duas formas distintas visando a
termodinamicamente mais estáveis [30]. Para os diminuição do escurecimento: Reduzindo a aw
produtos lácteos este tipo de reação ocasiona e, consequentemente, a mobilidade dos
algumas modificações importantes [30], tais como: reagente ou aumentando a aw para valores
i. Redução do valor nutricional, uma vez que um acima de 0,9 que diluirá os reagentes
aminoácido essencial (lisina) é indisponibilizado precursores do escurecimento [32];
para digestão devido a sua interação com o d. Natureza do carboidrato: os monossacarídeos
açúcar redutor (lactose); apresentam maior velocidade de escurecimento
ii. formação de compostos que estabelecem em comparação aos dissacarídeos [30];
sabor e aroma; e. Natureza do aminoácido: os aminoácidos
iii. Produção de compostos antioxidantes nas possuem reatividade diferente. A densidade do
etapas mais avançadas da reação; par de elétrons influencia na sua
iv. Aparecimento de cor amarronzada formada disponibilidade. A lisina apresenta um grupo ε-
pelas melanoidinas do final da reação. amina, amina primária carregada positivamente
Os fatores mais relevantes que interferem na localizada no carbono de posição ε, ou seja,
reação de escurecimento não enzimático são: mais distante do grupo COOH, o que a torna
a. Temperatura: a reação acontece em mais reativa e disponível. Além disso, o pH que
temperaturas reduzidas ou elevadas, bem como influencia no ponto isoelétrico (pI) do
ao longo do processamento e do aminoácido afeta a velocidade da reação [31];
armazenamento do alimento. Porém, o f. Presença de inibidores: o dióxido de enxofre
aumento bloqueia
54 CAPÍTULO 3 - Introdução à secagem do soro – diferenças entre secagem de leite e secagem de soro, composição do soro versus qualidade do produto final

bloqueia a carbonila impedindo a síntese desses viscosidade, a duração, temperatura e agitação são
compostos e a produção irreversível de condições essenciais para cristalizar a lactose [14].
sulfonatos e subsequentemente de No caso de pós amorfos, pode ocorrer recristalização
melanoidinas, portanto age como um eficiente heterogênea do produto durante o armazenamento,
inibidor [31]. aumentando a temperatura ou a umidade [34].
A quantidade de lactose ao final do processo
O soro concentrado apresenta uma elevada deriva desde o teor inicial no soro passando pela
quantidade de lactose, ao longo do processo de intensidade da concentração no evaporador, este,
secagem há a formação de lactose amorfa, sendo normalmente, concluído entre 50 e 60 °Brix de
nesta configuração altamente higroscópicos sólidos solúveis [14, 15]. Como a solubilidade está
causando a diminuição da temperatura de transição intrinsecamente ligada à temperatura, ao diminuir a
vítrea do produto e aumentando a possibilidade de temperatura reduz-se a solubilidade da lactose
adesão e empedramento do pó [15]. Durante a favorecendo a cristalização. Por este fator utiliza-se
secagem ou até mesmo o armazenamento pode temperaturas entre 20 e 30°C para esta etapa [15]. A
ocorrer a passagem de uma fração da lactose amorfa propagação dos cristais de lactose dependerá do
para cristalina ocasionando aglomeração e grau de agitação e também da viscosidade do
empedramento do produto [33]. Segundo Walstra et produto, uma vez que estes fatores influenciam na
al. [17], para evitar a agregação de pós deve-se mobilidade das moléculas de lactose [15]. A
evitar a transição da lactose amorfa para cristalina. cristalização pode ocorrer de duas formas:
Antes do processo de secagem, a lactose passa espontaneamente ou induzida. Para a primeira é
por uma etapa de cristalização. Esta tem como necessário que o teor de lactose presente na solução
objetivo minimizar o teor de lactose amorfa residual seja de 2,1 vezes o valor de saturação. Caso este
no pó, reduzindo a higroscopicidade, o valor seja menor que 1,6 é preciso a adição de
empedramento e a adesão. A força motriz do cristais, portanto induzindo a formação de núcleos
processo de cristalização está relacionada [14, 17].
termodinamicamente a saturação da lactose no O soro em pó produzido sem o processo de
decorrer da concentração que gera uma diferença cristalização tem como inconvenientes: menor
de potencial químico entre a lactose nas formas diâmetro de partículas, higroscopicidade e maior
solúvel e cristalina [14]. predisposição à aglomeração de partículas coloidais.
Alguns conhecimentos são de extrema relevância Estes pontos negativos ocorrem devido a maior
quando se deseja controlar ou prevenir a fração da lactose permanecer no seu estado amorfo
cristalização de alimentos, tais como: cinética do e ao sofrer uma retirada abrupta de água pelo
processo, propriedades de transferência de massa e processo de secagem por atomização provoca-se a
energia, bem como o grau de agitação necessário aglomeração/adesão, chegando ao empedramento
para que ocorra a cristalização. A formação do [35]. Esta transição acontece em uma temperatura
núcleo e o posterior crescimento dos cristais são denominada de temperatura de transição vítrea (Tg)
determinantes no desenvolvimento de cristais. A que depende do teor de umidade de cada produto,
nucleação pode ocorrer de maneira homogênea ou uma vez que esta propriedade influencia tanto na
heterogênea. No primeiro caso, ocorre mobilidade molecular quanto no volume livre [36,
espontaneamente em uma solução idealmente pura 37]. Para impedir o encadeamento da transição
pelo único aumento na supersaturação. Os fatores vítrea ao longo da atomização ou do
que a influenciam são aqueles que atuam no limite armazenamento é essencial que pelo menos 70% da
da supersaturação e, mais particularmente, na taxa lactose seja cristalizada previamente [38].
de produção de supersaturação. A temperatura e a Esta etapa pode ser induzida (junção de núcleos
energia interfacial da solução cristalina devem ser de cristalização, lactose microcristalina ou até
colocadas em uma zona de temperatura compatível mesmo soro em pó) ou não, acompanhada pelo
com nucleação e crescimento. A nucleação monitoramento da temperatura e agitação
heterogênea corresponde à realidade experimental constante [14]. A cristalização da lactose no soro
e pode ser causada por impurezas ou simplesmente concentrado após a evaporação é etapa crítica para
pelo contato com o recipiente. Uma vez formados, a obtenção de soro de pó, pois caso não alcance o
os núcleos podem crescer. O crescimento resulta de percentual ideal (mínimo 70% da lactose cristalizada)
duas etapas: difusão e reação superficial. É, o produto poderá empedrar e provocar o
portanto, influenciado por todos os elementos que entupimento do equipamento. [39].
atuam nessas etapas (agitação, temperatura, Para saber se a lactose atingiu o percentual ideal
supersaturação, viscosidade e impurezas). de cristalização (70 a 80%) para evitar a
A quantidade de lactose na solução, a higroscopicidade do produto é possível utilizar a
viscosidade, Equação
Química e tecnologia do soro de leite 55

Equação 3.2 [13]: ocorre de diferentes formas dependendo do tipo de


agitador utilizado no tanque (periférico ou central),
𝐵1−𝐵2 ∗ 9500 ∗(100) como pode ser observado nas Figuras 3.5, 3.6 e 3.7
% 𝑐𝑟𝑖𝑠𝑡𝑎𝑙𝑖𝑧𝑎çã𝑜 = (3.2)
𝐿∗𝐸𝑆𝑇∗(95−𝐵2) obtidas por microscopia óptica com ampliação de
Onde: 100x [23].
B1 = teor de sólidos solúveis do soro concentrado Além disso, a secagem do produto será
antes da etapa de cristalização (°Brix) (tempo influenciada tanto pelo grau de concentração do
zero); soro utilizado no momento da entrada no spray
B2 = teor de sólidos solúveis do soro concentrado ao dryer quanto pelo perfil de cristais de lactose obtido
final da etapa de cristalização (°Brix); na etapa de cristalização (Figura 3.8) O tipo de
L = % de lactose no Extrato Seco Total do soro; agitador utilizado no tanque de cristalização e a
EST = % de Extrato Seco Total do soro concentrado. concentração da solução de entrada no spray dryer
influenciam também na morfologia dos pós
A cristalização aumenta ao longo do tempo e resultantes (Figuras 3.9 e 3.10).
ocorre

Figura 3.5 Microscopia óptica da cristalização da lactose ao longo do tempo a partir de soro concentrado
(50 °Brix) nos tanques de cristalização com 2 tipos de agitadores: central e periférico.
Fonte: Simeão [23].

Figura 3.6 Microscopia óptica da cristalização da lactose ao longo do tempo a partir de soro concentrado
(55 °Brix) nos tanques de cristalização com 2 tipos de agitadores: central e periférico.
Fonte: Simeão [23].
56 CAPÍTULO 3 - Introdução à secagem do soro – diferenças entre secagem de leite e secagem de soro, composição do soro versus qualidade do produto final

Figura 3.7 Microscopia óptica da cristalização da lactose ao longo do tempo a partir de soro concentrado
(60 °Brix) nos tanques de cristalização com 2 tipos de agitadores: central e periférico.
Fonte: Simeão [23].

Figura 3.8 Interior da câmara de secagem após processamento de soro em pó a partir do soro em
diferentes concentrações e cristalizado em tanques com agitador periférico (T1) e agitador central (T2).
Fonte: Simeão [23].

A partir da Figura 3.8 é possível notar que os estará ao fenômeno de stickness, ocasionando a
parâmetros avaliados (grau de concentração e tipo aglomeração e/ou adesão ao entrar em contato com
de agitador) influenciaram na intensidade de adesão uma superfície ao longo do processamento ou até
do produto na câmara. O agitador central (T2) mesmo no armazenamento [41, 42].
provocou uma maior incrustação em concentrações
mais baixas. Isto se deu devido a maior diferença 3.3.4 Secagem por atomização
entre as porcentagens de cristalização utilizando
esse tipo de agitador e possivelmente por A secagem dos líquidos por atomização (spray
apresentarem uma menor Tg. A adesão acontece drying) baseia-se em pulverizar pequenas gotículas
regularmente em alimentos que possuem alta taxa do produto em uma corrente de ar de baixa umidade
de açúcares de baixa massa molar, fazendo com que e temperatura elevada (~200 °C). Nestas condições
no estado vítreo aumente a higroscopicidade e uma diferença de temperatura e pressão são criadas
diminua a Tg [40]. Sabe-se que quanto menor for espontaneamente entre o alimento e ar, provocando
esta temperatura no produto mais susceptível ele uma troca de energia na forma de calor do ar para o
estará produto
Química e tecnologia do soro de leite 57

produto e de água do produto para o ar. Apesar da de água nas gotículas de produto ocorrer de forma
alta temperatura empregada no ar de secagem a bastante veloz, não há tempo suficiente para a
temperatura na gotícula láctea fica em torno de 45 lactose ir aos poucos se cristalizando (mesmo
°C [43]. Isto ocorre devido ao tamanho das gotículas ocorrendo a supersaturação da solução), portanto o
apresentar elevada área superficial promovendo produto final é produzido com alto teor de lactose
uma rápida evaporação da água e assim, diminuindo amorfa [26, 47]. Como visto anteriormente, esta
os danos térmicos ao produto [15]. Os objetivos causa problemas de produção e para evita-los é
centrais da atomização são: aumentar a relação necessário a cristalização para obtenção de cristais
superfície-massa das gotículas de produto (aumentar de α-lactose monohidratados (não higroscópico) [24,
o teor de evaporação) e a distribuição de tamanho, 48].
diminuir a densidade, o diâmetro das gotículas e o A partir da Figura 3.9 é possível identificar o
teor de água, além de regular a quantidade de ar aumento da uniformidade do tamanho de partículas
ocluso [43]. Tais objetivos garantem características nas concentrações de 50 e 60 °Brix. Independente
vantajosas ao processo, tais como: o reduzido tempo do tipo de agitador utilizado no tanque de
de secagem e de retenção das gotículas de produto cristalização, o tamanho das partículas ficou entre 15
em uma atmosfera com temperatura elevada, além e 40 µm para a concentração de 50 °Brix e entre 15
disso obtenção de um produto com grande e 60 µm para 60 °Brix. Em contrapartida, o pó
estabilidade de armazenamento e transporte, o que produzido por meio da solução de concentração
não seria possível com o líquido de origem [44]. intermediária (55 °Brix) mostrou uma grande
Nas indústrias são comumente utilizados três variabilidade no tamanho de suas partículas e
tipos de atomizadores, podendo ser eles dos tipos: também uma diferenciação em relação ao tipo de
bico de dois fluidos, bico de pressão ou disco agitador utilizado na etapa de cristalização. Ao
centrífugo. Os produtos formados na secagem vão se utilizar o agitador central as partículas ficaram entre
diferenciar de acordo com o número de estágios 8 e 90 µm, ao passo que, com o uso do agitador
presente no processamento. Ao utilizar apenas a periférico esta distribuição ficou entre 9 e 150 µm.
câmara de secagem para o processo (único estágio) Tal fato, possivelmente, ocorreu devido a
é obtido um pó particulado e com baixa solubilidade. viscosidade intermediária do produto de origem e a
Ao passar para uma secagem de dois estágios, irregularidade do teor de cristalização em locais
acoplando um fluidizador, obtém-se um pó distintos do tanque (central e periférico). Ao
aglomerado e com melhor solubilidade. Caso seja compará-los com o soro em pó comercial, este
associado mais um fluidizador ao processo, este é apresentou um maior tamanho médio de partícula, o
denominado de três estágios e intensifica a que é coerente, uma vez que nas indústrias utilizam
aglomeração do pó produzido [13, 14]. equipamentos com mais estágios de secagem, sendo
O principal objetivo da secagem do soro é um deles um aglomerador de partículas para
estabilizar os produtos com mínimas perdas melhorar a reidratação do pó obtido.
nutricionais, extraindo água [45]. Melhoria Na Figura 3.10 é possível observar mais
tecnológica, alterações nos hábitos alimentares, claramente a morfologia dos pós devido a maior
custos mais baixos de transporte, simplicidade e magnificação da imagem e, consequentemente,
diminuição do ambiente de armazenamento, identificar a presença de poros da superfície. Este
variabilidade de uso e melhor estabilidade do pó são fenômeno é característico de produtos obtidos por
os principais motivos que contribuíram para o secagem em um único estágio. Pois com este
aumento do uso de produtos na forma desidratada. método é necessário o emprego de temperaturas
A diversificação dos produtos quanto as suas mais elevadas para garantir o teor de umidade final
composições, no entanto, tornou a operação de desejado com o baixo tempo de residência
secagem mais delicada, menos rotineira e os disponível. Com a alta temperatura empregada, a
parâmetros tecnológicos são mais difíceis de secagem das gotículas de produto ocorre
extrapolar de um produto para outro. Assim, primeiramente na superfície, onde se encontra a
problemas de agregação, adesão e empedramento água livre. Posteriormente, indo para a camada mais
são frequentes durante o processo de secagem por internas onde situa-se a água interna das partículas,
spray drying, levando a diminuição na procedimento que é factível pela entrada de ar no
funcionalidade, qualidade e estabilidade dos pós. interior da partícula causando a saída do vapor de
As condições de operação dos equipamentos, as água ao mesmo tempo da liberação do ar de seu
características da matéria prima e as condições de interior. Dessa forma, gerando os canais de ar
estocagem influenciam diretamente as propriedades mencionados [23].
dos produtos lácteos em pó [46]. Devido a retirada
de
58 CAPÍTULO 3 - Introdução à secagem do soro – diferenças entre secagem de leite e secagem de soro, composição do soro versus qualidade do produto final

Agitador central Agitador periférico

100 μm 100 μm

50°Brix Soro em pó comercial

100 μm 100 μm 100 μm

55°Brix

100 μm 100 μm

60°Brix
Figura 3.9 Comparação da distribuição de partículas de soro em pó obtido por spray drying variando os
tipos de agitadores utilizados no tanque de cristalização e as concentrações da solução de entrada no
equipamento por microscopia eletrônica de varredura com magnificação de 300x.
Fonte: Simeão [23].

Agitador central Agitador periférico

30 μm 30 μm

50°Brix Soro em pó comercial

30 μm 30 μm 30 μm

55°Brix

30 μm 30 μm

60°Brix
Figura 3.10 Comparação da distribuição de partículas de soro em pó obtido por spray drying variando os
tipos de agitadores utilizados no tanque de cristalização e as concentrações da solução de entrada no
equipamento por microscopia eletrônica de varredura com magnificação de 2000x.
Fonte: Simeão [23].
Química e tecnologia do soro de leite 59

3.4 COMPOSIÇÃO DE LEITE E SORO X EFEITOS fatores de suma relevância quando se trata de
NA SECAGEM (% LACTOSE, GORDURA produtos lácteos em pó. Apesar de contarem com os
LIVRE, % ÁCIDO LÁTICO) mesmos fatores importante, a diferença na
composição do leite e do soro afeta a secagem,
A obtenção do soro pode ser feita tanto em como pode ser observado na Figura 3.11 [51].
escala laboratorial quanto industrial de três A composição do soro (essencialmente água,
maneiras distintas: coagulação enzimática lactose e sais minerais) faz com que o processo de
(coagulando as caseínas para a fabricação do queijo secagem se torne menos produtivo, mais trabalhoso
e obtendo o soro doce), precipitação ácida e o produto mais aderente à câmara e com menor
(utilizando o pH isoelétrico das caseínas e estabilidade ao longo do armazenamento. A lactose
produzindo o soro ácido) e, por fim, separação de sendo o segundo maior constituinte do soro passa a
membranas (removendo as micelas de caseína ser um ponto crítico e é necessário controlar seu
fisicamente por microfiltração – membranas de 0,1 comportamento físico [51].
μm – produzindo o soro ideal) [3, 4]. Durante a fabricação de lácteos desidratados,
O soro doce apresenta um pH mais próximo da podem ocorrer algumas alterações que influenciam
neutralidade (em torno de 6,5) variando de 8 a 14 no processamento e na conservação dos produtos.
°Dornic, ou seja, entre 0,08 e 0,14% em ácido lático. As principais alterações presentes na produção de
A sua obtenção ocorre a partir da adição de enzimas lácteos desidratados são apresentadas na Tabela 3.4
na fabricação de queijos como Cheddar, queijo [51].
Minas Padrão e Mussarela. Este tipo de soro possui Duas principais características do soro fazem com
baixo teor de cálcio e fósforo e é largamente que sua secagem não ocorra da mesma forma que a
utilizado nas indústrias [49, 50]. do leite: o teor baixíssimo de caseína e gordura no
Em contrapartida, o soro ácido tem origem soro. Essas características fazem com que seja mais
através da coagulação ácida do leite por meio da difícil a manutenção do produto no estado vítreo sob
adição de ácidos como ácido lático, acético ou cítrico as condições de secagem e armazenamento, o que
na produção de queijos de massa frescas (Ricota, ocasiona problemas como adesão no equipamento e
cottage, petit suísse. O pH deste já é bem baixo nas embalagens e empedramento. Um soro é
(próximo a 4,5) alcançando 120 °Dornic, ou seja, considerado de melhor qualidade para a secagem
1,2% em ácido lático. Este tipo de soro é mais difícil quando apresenta maior teor de lactose e menores
de secar, quando comparado ao soro doce, uma vez concentrações de ácidos e sais. Diante disso, a
que ele é rico em minerais, como cálcio e fósforo, nanofiltração se apresenta como uma ótima
pobre em lactose e também como existem alternativa para adequar o soro a estas condições.
diferentes técnicas de produção de queijos, isto Durante a etapa de secagem, determinadores de
acarreta na variabilidade da sua composição [50]. atividade de água, termohigrômetros e controle do
A secabilidade, solubilidade, estabilidade e tamanho das partículas ajudam no controle desta
preservação de componentes nutricionais são etapa [51].
fatores
sulfúrico

Figura 3.11 Comparação entre a secagem do leite e do soro.


Fonte: Perrone et al. [51].
60 CAPÍTULO 3 - Introdução à secagem do soro – diferenças entre secagem de leite e secagem de soro, composição do soro versus qualidade do produto final

Tabela 3.4 Principais alterações em lácteos desidratados.

Atributo Definição Consequências

Mudança no fenômeno de molhabilidade,


Gordura não emulsificada presente na
Gordura livre pequeno aumento no tempo de
superfície da partícula do pó em poros
(free fat) dispersibilidade e diminuição da
capilares e fendas.
solubilidade.

Adesão do produto na superfície dos


Formação de pontes líquidas contendo
equipamentos dificultando a secagem. O pó
açúcares amorfos, lipídeos ou outro
Adesão adere à superfície da câmara de secagem e
material dissolvido tendo como resultado
(stickness) nos pontos de saída, levando ao
elevada tensão interfacial entre as partículas
entupimento, perda de produtividade e
do pó e as superfícies do equipamento.
produto.
Impacta na processabilidade e qualidade,
Formação de aglomerados friáveis ou duros acarreta custos adicionais, pode
Empedramento
com diferentes tamanhos durante a interromper linhas de processo e causar
(caking)
produção, transporte e estocagem. devoluções e reclamações por parte dos
clientes.

Escurecimento do produto, intensificação do


Reação de condensação da lactose com
Reação de sabor de cozido, indisponibilização de
resíduos de aminoácidos seguidas de várias
Maillard aminoácidos e pode acarretar no aumento
etapas com formação de produtos diversos.
da alergenicidade de proteínas.

Reação entre ácidos graxos insaturados com Formação de compostos off-flavours,


Oxidação oxigênio, podendo ocorrer em baixos polimerização com proteínas e diminuição
valores de atividade de água. da solubilidade.

Perda de qualidade do produto estocado,


uma vez que a formação de ácidos graxos
Lipólise Ação de lipases presentes no leite.
livres leva a oxidação e formação de off-
flavours.

Fonte: Perrone et al. [51].

3.5 REFERÊNCIAS leite para ganhar competitividade e


conquistar os clientes finais. Disponível em: <
[1] IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e https://www.embrapa.br/busca-de-
Estatística. Indicadores IBGE Estatística da publicacoes/-/publicacao/1109959/anuario-
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<https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/p estrategias-da-cadeia-do-leite-para-ganhar-
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em: 19 mar 2020. finais> Acesso em: 15 set 2019.
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Química e tecnologia do soro de leite 61

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62 CAPÍTULO 3 - Introdução à secagem do soro – diferenças entre secagem de leite e secagem de soro, composição do soro versus qualidade do produto final

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4.1.7.2 Secagem com uso de leito
fluidizado ......................................... 75
4.1.7.3 Secagem com uso de esteiras ....... 75

CAPÍTULO
4.1.7.4 Secagem de soro concentrado

4 Equipamentos e linhas de processo para a a alta concentração ....................... 76


4.1.8 Produção de soro ácido em pó .............. 76
produção de soro em pó 4.1.9 Soro com adição de gordura/óleo ......... 77
4.1.10 Licor-mãe ............................................... 78
4.1.11 Proteínas do soro (WPC) ...................... 79
Traduzido de “Milk Powder Technology - Evaporation
4.1.12 and Spray Drying”
Permeado .............................................. 80
com permissão da GEA Process Engineering A/S
4.1.12.1 Processo seco ............................... 81
4.1.12.2 Processo
Gladsaxevej 305,úmido DK-2860 ............................
- Soeborg 81
4.1.12.3 Processo TIXOTHERMTM ............... 82
por Arlan Caldas Pereira Silveira, Ítalo Tuler
4.1.13 Perrone
Lactose e Rodrigo Stephani
................................................... 84
4.1.14 Soro desmineralizado ........................... 84
4.1.14.1 Filtração por Membranas ............ 85
4.1.14.2 Troca iônica ................................... 85
4.1.14.3 Eletrodiálise .................................. 86
4.2 Produtos especiais
4.4 Desidratação ............................................
de lácteos diversos ...................8691
4.2.1 Fórmula infantil .......................................
4.4.1 Diferentes ingredientes alimentícios ......8691
CONTEÚDO
4.2.1.1
4.4.1.1Leite em pó ........................................
Proteínas integral ........................ 8792
4.1 Soro .................................................................... 63 4.2.1.2
4.4.1.2Leite em pó integral
Carboidratos com
................................... 92
4.1.1 Descarte do soro ..................................... 64 carboidratos adicionados .............. 87
4.1.2 Soro para alimentação animal ................ 64 4.4.1.3 Gordura .......................................... 92
4.2.1.3
4.4.1.4Leite
Amido fermentado ........................... 8792
.............................................
4.1.3 Produção de soro em pó a partir da
4.2.1.4
4.4.1.5Fórmula
Outros infantil
ingredientes análoga ao leite
....................... 92
produção de queijo tradicional .............. 66
4.1.4 Evaporação .............................................. 67 humano ..........................................
4.4.1.6 Sais e outros produtos químicos ... 92 87
4.1.4.1 Concentração de ácido lático ........ 68 4.2.1.5
4.4.2 Produtodo
Substitutos com amido
leite ........................ 8892
.................................
4.1.4.2 Teor de lactose amorfa .................. 68 4.2.2 Fabricação de fórmulas infantis
4.4.2.1 Mistura a seco de leite desnatado em pó .. 88
4.1.4.3 Teor de umidade ............................ 69 4.3 Análises paraem soro póem pó ................................
e gordura ............................9093
4.1.5 Cristalização do soro concentrado .......... 69 4.3.1 4.4.2.2
Umidade total e umidade
Secagem de uma emulsão livre................
de leite90
4.1.5.1 Tratamento térmico antes da 4.3.2 Higroscopicidade e propriedades
desnatado concentrado e gordura de
evaporação .................................... 72 endurecimento ....................................... 9093
..........................................................
4.1.5.2 Teor de sólidos do concentrado .... 72 4.4 Desidratação de lácteos
4.4.2.2.1 Processo diversos
descontínuo...................
...........9193
4.1.5.3 Tamanho dos cristais de lactose ... 72 4.4.1 Diferentes ingredientes alimentícios
4.4.2.2.2 Processo contínuo ................ ...... 9194
4.1.6 Soro parcialmente cristalizado ............... 73
4.1 Soro .................................................................... 63 4.4.3 Leite em pó integral com alto teor de 92
4.4.1.1 Proteínas ........................................
4.1.7Descarte
Secagemdopor atomização de soro 4.4.1.2 Carboidratos
gordura ................................... 9295
livre ...........................................
4.1.1 soro ..................................... 64
concentrado .............................................
4.1.2 Soro para alimentação animal ................ 64 73 4.5 Referências ......................................................9296
4.4.1.3 Gordura ..........................................
4.1.34.1.7.1
Produção Secagem
de soro porematomização
pó a partircom da 4.4.1.4 Amido ............................................. 92
produção usode dequeijo
transporte pneumático
tradicional ......6674
.............. 4.4.1.5 Outros ingredientes ....................... 92
4.1.44.1.7.2
Evaporação Secagem com uso de leito
.............................................. 67 4.4.1.6 Sais e outros produtos químicos ... 92
4.1.4.1 Concentração de ácido lático ........
fluidizado ......................................... 75 68 4.4.2 Substitutos do leite ................................. 92
4.1.4.2
4.1.7.3Teor de lactose
Secagem com uso amorfa ..................
de esteiras .......6875 4.4.2.1 Mistura a seco de leite desnatado
4.1.4.3
4.1.7.4Teor de umidade
Secagem de soro............................
concentrado 69 em pó e gordura ............................ 93
4.1.5 Cristalização do soro concentrado
a alta concentração .......... 6976
....................... 4.4.2.2 Secagem de uma emulsão de leite
4.1.5.1
4.1.8 Tratamento
Produção de sorotérmicoácido em antespó da .............. 76 desnatado concentrado e gordura
evaporação ....................................
4.1.9 Soro com adição de gordura/óleo ......... 77 72 .......................................................... 93
4.1.5.2
4.1.10 Teor de ...............................................
Licor-mãe sólidos do concentrado .... 7278 4.4.2.2.1 Processo descontínuo ........... 93
4.1.5.3
4.1.11 Tamanho
Proteínas do dossorocristais
(WPC)de lactose ... 7279
...................... 4.4.2.2.2 Processo contínuo ................ 94
4.1.6 Soro parcialmente cristalizado ...............
4.1.12 Permeado .............................................. 80 73 4.4.3 Leite em pó integral com alto teor de
4.1.74.1.12.1
SecagemProcesso por atomização de soro
seco ............................... 81 gordura livre ........................................... 95
concentrado
4.1.12.2 Processo.............................................
úmido ............................7381 4.5 Referências ...................................................... 96
4.1.7.1
4.1.12.3 Secagem
Processo porTIXOTHERM
atomizaçãoTMcom ............... 82
uso de transporte pneumático ...... 7484
4.1.13 Lactose ................................................... 4.1 SORO
4.1.7.2
4.1.14 SoroSecagem com uso de
desmineralizado leito
........................... 84
fluidizado ......................................... 75 A grande atenção dada aos problemas de
4.1.14.1 Filtração por Membranas ............ 85
4.1.7.3 Secagem com uso de esteiras ....... 7585 poluição, bem como uma automatização intensiva na
4.1.14.2 Troca iônica ................................... indústria de laticínios, unindo pequenas unidades de
4.1.7.4
4.1.14.3 Secagem de soro
Eletrodiálise concentrado
.................................. 86 produção, fizeram com que a tradicional utilização
a alta concentração
4.2 Produtos especiais ....................... 7686
............................................ de soro (alimentação para gados ou porcos,
4.1.8
4.2.1Produção
Fórmula de soro .......................................
infantil ácido em pó .............. 7686 considerado um coproduto l
4.1.94.2.1.1
Soro com Leiteadição
em pó deintegral
gordura/óleo ......... 7787
........................
64 CAPÍTULO 4 - Equipamentos e linhas de processo para a produção de soro em pó

fertilizante ou simplesmente seu descarte em rios ou soro seja tratado como um produto extremamente
esgotos) se tornasse muito problemática. Nos perecível, isto é, que seja resfriado e processado
últimos anos tem sido necessário encontrar usos rapidamente a partir de sua geração, caso contrário,
alternativos para este produto que sempre foi não será possível obter um produto de boa
considerado um coproduto e tratado como tal. No qualidade. A tabela 4.1 apresenta a composição
entanto, a sua composição contém componentes de aproximada do soro fresco obtido a partir da
destacado valor nutricional e novas técnicas produção convencional de queijo.
tornaram possível utilizá-los. É importante que o
rapidamente
Tabela 4.1 Composição aproximada do soro de leite

Componente Valor médio (%) Valor no extrato seco total (%)


Água 94,25 -
Proteína 0,80 13,00
Lactose 4,30 75,00
Cinzas 0,55 10,00
Gordura 0,10 2,00
Fonte: Adaptado de Westergaard [1].

No entanto, sabe-se que a composição da Tabela período de 5 dias, chamada DBO5. A média de DBO5
4.1 se altera em grande extensão, dependendo do das águas residuais geradas por uma residência
tipo de queijo, e do uso de diferentes culturas familiar, possuem cerca de 300 mg de oxigênio por
lácticas e de coagulantes. Além disso, a composição litro. Uma pessoa gera cerca de 200 litros de água
do leite varia devido a lactação ou raça das vacas. residual por dia, o que corresponde a 60 g de
Isto, juntamente com a quantidade sazonal oxigênio. Como a DBO5 do soro é de
disponível que é flutuante, fazendo com que os aproximadamente 60 g de oxigênio·L-1, 1 litro de
problemas do soro sejam mais difíceis de se resolver. soro corresponde a emissão de 200 litros de água
A Figura 4.1 ilustra os vários processos típicos gerada durante um dia por uma pessoa.
para o processamento de soro. Também apresenta a Em vez de tratar o soro em plantas com
possibilidade da secagem por atomização de queijos processamentos especiais para esta finalidade,
processados, visando principalmente o seu uso como algumas indústrias de laticínios se desfizeram de
ingrediente alimentício. grandes quantidades de soro por aspersão sobre os
campos das lavouras, o que é um método eficaz na
4.1.1 Descarte do soro geração de benefícios tanto para a indústria quanto
para o agricultor. A quantidade de soro por hectare
No início da industrialização da produção de depende dos cultivos e da chuva. A irrigação é feita
queijos, o soro era despejado em rios, lagos ou geralmente em um ciclo de 14 dias entre cada
reservatórios de água em grandes volumes. No aspersão, o que significa que deve haver uma
entanto, este produto contém substâncias orgânicas, abundância de terra perto da indústria de queijos
sendo necessário oxigênio para a decomposição do (mas, pelo menos, a 200 m da habitação mais
mesmo. Assim, ele tem um grande impacto sobre o próxima). A quantidade que pode ser pulverizada é
meio ambiente. Caso o descarte seja intenso, a de cerca de 7 m3·ha-1·dia-1.
decomposição requer grande quantidade de
oxigênio disponível na água e a vida aquática é 4.1.2 Soro para alimentação animal
comprometida. Portanto, é evidente que a
quantidade de soro que poderia ser despejada O soro sempre foi considerado um alimento
depende da quantidade de oxigênio disponível, que propício para alimentação animal, principalmente
é novamente determinada pela quantidade de água para porcos. No entanto, a oferta flutuante e sazonal
por hora e o seu teor de oxigênio. Por isso, é difícil e o teor de sólidos o tornou problemático.
afirmar as quantidades exatas de soro que poderiam Testes realizados na Dinamarca há mais de 100
ser descartadas. Em alguns países, como a anos, com alimentação de suínos, concluíram que:
Dinamarca, por exemplo, é proibido descartar • 1 kg de leite desnatado pode ser substituído
qualquer quantidade sem um pré-tratamento por 2 kg de soro;
especial. Em geral, o grau de impurezas orgânicas • 1 kg de cevada pode ser substituído por 12 kg
nas águas residuais é expresso pela exigência de de soro;
oxigênio para a decomposição biológica em um • Porcos de 50 kg ou mais podem beber cerca
decomposição de 15 kg de soro por dia.
Química e tecnologia do soro de leite 65

de 15 kg de soro por dia. líquido não é atrativa em

Figura 4.1 Diferentes processos típicos para o processamento e aproveitamento do soro.


Fonte: com permissão da GEA [1].
66 CAPÍTULO 4 - Equipamentos e linhas de processo para a produção de soro em pó

No entanto, os requisitos para a quantidade e que conduzem à má nutrição), a utilização de soro


qualidade da carne suína foram intensificados. O líquido não é atrativa em grande escala.
desenvolvimento genético forneceu porcos capazes Portanto as industrias de laticínios estão optando
de utilizar uma quantidade maior de proteína do por secar o soro. Isto significa uma maior
alimento, o que significa que se os suínos tiverem conservação do produto, padronização do teor de
soro como a única fonte proteica, a quantidade de sólidos totais e eliminação da sazonalidade da oferta
água do mesmo poderia causar problemas na do produto.
digestão. A fim de solucionar estes problemas uma
mistura de soro e leite desnatado (50/50) foi 4.1.3 Produção de soro em pó a partir da produção
utilizada, quer seja diretamente, quer seja de queijo tradicional
evaporado a 20% de sólidos totais (ST). O soro
utilizado para alimentação de suínos provou ser uma Antes da secagem, o soro é pré-concentrado e
boa alternativa, em parte porque eles têm uma cerca de 90% de sua água é removida. Este processo
grande necessidade de líquidos (15 a 25 kg·dia-1), em é geralmente realizado em um evaporador à vácuo
parte por causa de uma grande necessidade de de película descendente, de múltiplos efeitos com
vitamina B, e o soro contém uma quantidade recompressão de vapor. Além das calandras de
significativa de vitamina B2 (riboflavina) e ácido evaporação, o evaporador deverá ser equipado com
pantotênico. pré-aquecedores para aquecer o soro e, finalmente,
Para alimentação de bovinos, o soro líquido aplicar um tratamento térmico através de troca
também provou ser valioso, no entanto, para térmica de forma direta ou indireta.
animais jovens (2 a 4 meses de idade) uma mistura O soro evaporado é bombeado para tanques de
de leite desnatado e soro é recomendável e, a partir cristalização ou diretamente para o spray dryer. O
de 4 meses de idade, pode-se fornecer soro entre 10 secador pode ter acoplado uma esteira pneumática
a 15 kg·dia-1. Tal procedimento será rentável até aos ou um leito fluidizado para pós-secagem e
15 meses de idade, uma vez que se pode substituir resfriamento do soro em pó.
uma grande quantidade de concentrados ou leite O pré-tratamento do soro antes da evaporação
desnatado. Tem ainda sido comprovado que os ocorre da seguinte forma: o soro fresco deve ser
bezerros alimentados com soro tiveram um maior resfriado entre 5 a 10 °C imediatamente após ter
crescimento diário e o rendimento foi superior ao sido drenado do tanque queijomatic, a fim de se
daqueles alimentados com a mesma quantidade de evitar o desenvolvimento bacteriano que pode gerar
leite desnatado. A partir disso, pode-se observar que problemas durante a secagem. Em alguns países a
o soro líquido deve ser usado para a alimentação de conservação do soro cru refrigerado é possível com
porcos e bezerros. No entanto, devido às grandes H2O2 ou formaldeído (não permitido no Brasil), ver
quantidades necessárias e a maneira como o soro foi Figura 4.2. A presença de H2O2 resulta em corrosão
ou não conservado (muito frequentemente o soro é significativa dos rotores das bombas do evaporador.
velho, fermentado e, portanto, contém subprodutos É aconselhável clarificar o soro a fim de se
líquido não é atrativa em remover
Adição em 1000 L de soro cru a 5 °C

0 sem adição
1 250 mL
2 500 mL
3 1000 mL

Peróxido de Hidrogênio (35%)


Formaldeído (40%)

Horas
Figura 4.2 Conservação de soro de leite com formaldeído e peróxido.
Fonte: com permissão da GEA [1].
Química e tecnologia do soro de leite 67

remover as micelas de caseína, as quais poderão deve ser removida, uma vez que a mesma tende a
queimar e grudar nos tubos de troca térmica do formar depósitos na câmara de secagem. Um soro
evaporador, resultando em partículas descoloridas em pó irá tipicamente corresponder à especificação
no pó final. A gordura restante no soro também apresentada na Tabela 4.2.
também
Tabela 4.2 Parâmetros analíticos típicos de um soro de leite em pó.
Análise Resultado
Teste de sedimento Max. 0,1 mg· 25 mL-1
pH Min. 6,3
Acidez titulável Max. 0,12%
Ácido lático real Max. 20 mg·100 mL-1
Gordura Max. 0,05%
Lactose Min. 70%, max 74%
Proteína Min. 12%
Gases não condensáveis Max. 0,02% m·m-1
Cálcio Max. 300 ppm
Magnésio Max. 100 ppm
Cloreto Max. 1200 ppm
Fonte: Adaptado de Westergaard [1].

Quando o soro for armazenado entre a produção concentrado de soro do leite aumenta, as suas
de queijo e o processo de evaporação a uma propriedades anti-caking, formação de depósitos e
temperatura superior a 10 °C, o tempo de empedramento diminuem quando um maior
armazenamento não deve exceder a uma hora. Se a binômio tempo/temperatura é aplicado durante a
temperatura de armazenamento for inferior a 10 °C, etapa de tratamento térmico, antes da evaporação.
então o tempo de armazenamento não deve ser O soro é concentrado até um teor de sólidos
superior a dez horas. adequado para o processo de secagem por
atomização, podendo variar de 40 a 60% de sólidos.
4.1.4 Evaporação O evaporador deve, portanto, ser equipado com
controle de vazão de alimentação e controle de
No evaporador o soro é pré-aquecido entre 60 a vazão mássica e densidade na saída do concentrado,
70 °C (variável pelo tipo de equipamento), antes de uma vez que mesmo pequenas variações irão
entrar na primeira calandra. Durante o tratamento resultar em grandes flutuações no teor de sólidos do
térmico do produto, por meio da combinação de concentrado (Figura 4.3). Deve-se dar atenção ao
temperatura de aquecimento e tempo de retenção, conteúdo de Ca2+ no soro, pois o fosfato de cálcio é
é possível controlar o grau de desnaturação das um sal que irá precipitar com o aumento da
proteínas, e assim, produzir pós que satisfaçam a concentração e da temperatura. Especialmente,
requisitos específicos. pode-se apresentar um problema no primeiro
De um modo geral, quando a viscosidade do estágio de evaporação onde se formam depósitos
aglomeração desses
Temperatura de condensação (°C)

Vazão mássica (kg∙h-1)


Figura 4.3 Taxa de evaporação: C em função da vazão mássica e capacidade de evaporação.
Fonte: com permissão da GEA [1].
68 CAPÍTULO 4 - Equipamentos e linhas de processo para a produção de soro em pó

desses minerais sobre os tubos de troca térmica, podem, portanto, pré-concentrar o soro em um
caso não tenha sido realizado um processo de evaporador para cerca de 30% de sólidos, resfriá-lo e
descalcificação do soro, antes da evaporação. Como transportar o concentrado para a fábrica de
alternativa, uma limpeza intermediária com ácido secagem. Os custos de transporte são reduzidos
após 6-8 horas de produção pode ser necessária. desta forma. O soro pré-concentrado pode, por
Considerando que o soro in-natura contém exemplo, ser misturado com soro cru de produção
menos sólidos que o leite desnatado, e que o mesmo da própria indústria de secagem, e então, sofrer a
seja concentrado em um evaporador concebido para evaporação final seguido pela secagem por
leite desnatado, o resultado será uma menor atomização (Figura 4.4). É sabido que é mais barato
quantidade de concentrado gerado, visto que a remover a água em um evaporador do que em um
capacidade evaporativa é praticamente constante. spray dryer (cerca de 1:20), e, assim, não é
Isto pode gerar uma má formação da película de surpreendente que esforços têm se concentrado em
produto durante a passagem no último efeito de aumentar o teor de sólidos no concentrado
evaporação, portanto, uma recirculação ou adição proveniente do evaporador. A temperatura do ar de
de mais um passe nessa calandra pode ser saída do spray dryer deve aumentar cerca de 1 °C
necessário. para cada aumento de 1% de ST do produto
A remoção de parte da água do soro em alimentando o secador, o que significa que a
membranas, entre 10 a 18% de sólidos pode temperatura do pó pode entrar na zona de
também ser realizada visando aumentar a temperatura de transição vítrea (Tg), resultando em
capacidade do evaporador. problemas graves no secador, tais como depósitos
Uma pré-concentração do soro pode, também, nas paredes e ciclones entupidos.
ser realizada. As pequenas industrias de laticínios
arrefecer

Pré-concentração
de soro

Secagem
central

Figura 4.4 Pré-concentração de soro de leite antes do transporte para a instalação de secagem.
Fonte: com permissão da GEA [1].

A temperatura de transição vítrea depende da influencia em menor magnitude a temperatura de


composição do soro em pó e, principalmente, dos transição vítrea). A neutralização parcial ou completa
seguintes componentes: do ácido, altera a Tg, porém não ao mesmo nível de
• concentração de ácido lático; um soro doce, devido ao maior teor de sais.
• concentração de lactose amorfa;
• teor de umidade. 4.1.4.2 Teor de lactose amorfa

4.1.4.1 Concentração de ácido lático A conversão de lactose amorfa em α-lactose


monohidratada pela cristalização, resulta em um
Verificou-se que a temperatura de transição aumento na Tg. Verificou-se que um soro em pó com
vítrea de uma amostra específica de soro doce em 80% de lactose cristalizada apresentou uma Tg de
pó foi de 98 °C. Por adição gradual de ácido lático 78 °C, enquanto o mesmo produto, mas contendo
até 16%, a temperatura de transição vítrea diminuiu apenas 45% de lactose cristalizada, apresentou uma
linearmente até 57 °C (as amostras tinham um teor temperatura de transição vítrea de 60 °C. Estes
de umidade entre 1,5-3,5%, o que também dados enfatizam a importância da cristalização da
influencia também lactose
Química e tecnologia do soro de leite 69

lactose durante a produção do soro em pó visando temperatura de saída. A temperatura das partículas
reduzir a quantidade de lactose amorfa. de produto no spray dryer é menor do que a
temperatura do ar de saída, e esta diferença
4.1.4.3 Teor de umidade aumenta com o aumento do teor de umidade do pó.
A linha (Tg) mostra que a temperatura no ponto de
O teor de umidade do soro em pó – assim como aderência do soro em pó é influenciada pela
o teor de umidade do produto intermediário e semi- umidade do produto. Esta linha cruza a linha de
seco (entre a atomização e a saída do pó do secador) temperatura do pó num ponto (Tpc), que representa
tem uma influência considerável sobre a Tg. O o teor máximo (crítico) de umidade e, a temperatura
gráfico da Figura 4.5 mostra a relação entre a mínima (crítica) de saída (Toc) que pode ser usada
temperatura de saída (to) e a temperatura de para a secagem sem adesão do pó nas paredes da
transição vítrea (Tg). Mantendo outros parâmetros câmara de secagem e empedramento do produto
constantes, a umidade do pó depende da nas embalagens de acondicionamento.
temperatura
Temperatura (°C)

Zona de adesão

Zona livre de adesão

Tg

Umidade do pó (%)
Figura 4.5 Relação entre o teor de umidade, temperatura do ar, temperatura da partícula e a temperatura
de transição vítrea.
Fonte: com permissão da GEA [1].

Observou-se que uma temperatura do ar de • a acidez do soro processado aumenta em


saída de 90 °C, fornecendo uma temperatura do cerca de 0,02% de ácido lático.
produto de cerca de 82,5 °C e um teor de umidade
de 3%, corresponde a uma temperatura de transição O exemplo dado é válido para um tipo de soro
vítrea de 84,5 °C. Assim, nestas condições, a doce quando operando a uma temperatura de
secagem está sendo executada com uma margem de entrada do ar de secagem de 180 °C e com uma
segurança de 2 °C abaixo da temperatura de concentração de alimentação de 44% de ST, direto a
transição vítrea, o que corresponde a cerca de 0,2% partir do evaporador.
de umidade.
No entanto, as condições podem variar um 4.1.5 Cristalização do soro concentrado
pouco durante o processo fazendo com que a
temperatura do produto suba acima da temperatura A cristalização do soro concentrado aumenta a
da Tg (ponto de adesão). Isto decorre, por exemplo, temperatura de transição vítrea do produto, pois
sob as seguintes condições: este procedimento produz um concentrado com
menos lactose amorfa. Assim, é possível utilizar
• a temperatura de saída diminui em 2 °C; concentrações consideravelmente mais elevadas de
• a concentração de alimentação aumenta em alimentação e de temperaturas de entrada do ar de
1%; secagem.
• a umidade absoluta do ar de secagem de A fim de compreender teoricamente o processo
entrada aumenta em cerca de 5 g·m-3; de cristalização, é necessário observar as
propriedades
70 CAPÍTULO 4 - Equipamentos e linhas de processo para a produção de soro em pó

propriedades físico-químicas da lactose, visto que açúcares comuns. Um destes é a sua configuração
esta representa cerca de 75% dos sólidos do soro do em relação a temperatura.
leite. Numa solução aquosa de lactose a molécula está
A lactose é um dissacarídeo que possui presente nas formas α e β como mostrado na Figura
comportamentos diferentes em relação a outros 4.6.
comportamentos

α-Lactose

β-Lactose

Figura 4.6 Moléculas de lactose em suas configurações.


Fonte: com permissão da GEA [1].

Estas duas formas estão em um equilíbrio mutarrotação (Figura 4.7). A proporção entre as
reversível, isto é, há uma transformação contínua da formas α e β é determinada pela temperatura
forma α na forma β e vice-versa, chamada (Figura 4.8).
desenvolvimento

Figura 4.7 Mutarrotação. Figura 4.8 Transformação de lactose β para α em


1 hora (expressos em % de transformação obtida no
Fonte: com permissão da GEA [1]. equilíbrio) sem pré-cristalização.
Fonte: com permissão da GEA [1].

Em um soro em pó a lactose poderá estar higroscópica, também pode ser formada durante a
presente em um estado amorfo, também cristalização de soros concentrados. Uma vez que a
denominado vítreo. Esta forma de lactose é forma α é menos solúvel do que a forma β, a uma
extremamente higroscópica e absorve água do ar dada temperatura, a forma α atinge o ponto de
formando cristais de α-lactose monohidratada. supersaturação primeiro e forma cristais de α lactose
A α-lactose monohidratada, a qual não é monohidratada. Na Figura 4.9 as propriedades de
higroscópica, dissolução
Química e tecnologia do soro de leite 71

dissolução de α e β lactose são mostradas em termina até que o ponto de saturação seja
relação à temperatura. A remoção de α-lactose da atingido.
solução, devido à cristalização, significa que a
A lactose pode ser supersaturada devido:
proporção entre α e β-lactose altera-se, de modo
que a solução irá conter mais β-lactose do que • aumento do teor de lactose em relação ao teor
correspondente ao equilíbrio. de água. Isso é feito por meio de concentração
Devido à mutarrotação a solução de α-lactose por evaporação;
torna-se novamente supersaturada, para que a • resfriamento da solução, pois a lactose se torna
cristalização continue. Este processo irá continuar menos solúvel em água a temperaturas mais
enquanto a solução estiver supersaturada, e não baixas.
termina
solução
Tabela 4.3 Solubilidade de α e β lactose em água a diferentes temperaturas.

Solubilidade em % Solubilidade em 100 mL H2O


(expressa como anidrido) (expressa como anidrido)

Temp. (°C) Lactose Total α β Lactose Total α Β


0 10,6 4,00 6,60 11,9 4,49 7,41
10 13,1 5,00 8,10 15,1 5,76 9,34
20 16,1 6,20 9,90 19,2 7,40 11,8
25 17,8 6,90 10,9 21,7 8,40 13,3
30 19,9 7,70 12,2 24,8 9,70 15,1
40 24,6 9,70 14,9 32,6 12,8 19,8
50 30,4 12,1 18,3 43,7 17,4 26,3
60 37,0 14,9 22,1 58,7 23,7 35,0
70 43,9 17,9 26,0 78,2 31,9 46,3
80 51,0 21,0 30,0 104,1 42,8 61,3
90 59,0 24,6 34,4 143,9 60,0 83,9
100 61,2 26,3 34,9 157,7 67,7 90,0
Fonte: Adaptado de Westergaard [1].

Uma intensa cristalização é obtida por meio da O controle da temperatura é, portanto,


máxima concentração do soro e por resfriamento do necessário para se obter um grau ótimo de
concentrado obtido. cristalização.
A taxa de mutarrotação é diretamente A concentração máxima em ST do soro
influenciada pela temperatura da solução, conforme concentrado depende do tipo de soro, o grau de
demonstrado na Figura 4.8, tal fenômeno acontece desnaturação de suas proteínas, o pH do mesmo e a
relativamente rápido a temperaturas elevadas, ao capacidade do evaporador utilizado.
passo que se tem sua velocidade muito reduzida a A taxa de cristalização pode ser melhorada
temperaturas próximas do ponto de congelamento. através da adição cristais de lactose no concentrado
Fica assim claro que as condições que promovem a (nucleação). Portanto, a fim de promover uma
mutarrotação e cristalização são conflitantes. melhor cristalização, cristais de lactose, ou soro em
Isto significa que, o resfriamento muito rápido do pó, podem ser semeados à solução supersaturada
soro concentrado a uma temperatura muito baixa, (soro concentrado). Como a área da superfície do
irá promover uma baixa proporção de lactose material de semeadura é o fator importante para a
cristalizada, embora a cristalização se processe cristalização, uma quantidade suficiente de
rapidamente. Isto é devido à lenta mutarrotação, pequenos cristais deve ser adicionada ao
resultando em apenas uma pequena quantidade de concentrado. Se forem utilizados cristais de lactose
β-lactose sendo transformada em α-lactose. (α-lactose monohidratada), aproximadamente 0,1%
transformada
72 CAPÍTULO 4 - Equipamentos e linhas de processo para a produção de soro em pó

m·m-1 deve ser adicionado ao concentrado. cristalizada. Durante todo o temo do resfriamento
O resfriamento do concentrado é feito lento, é de suma importância que o conteúdo do
instantaneamente para cerca de 30 a 35 °C num tanque seja agitado vigorosamente e
resfriador (flash cooler) ligado ao evaporador, sendo continuamente. Isto é feito a fim de transportar a
posteriormente resfriado lentamente (1-3 °C·h-1), solução supersaturada para a superfície dos cristais,
até cerca de 15 °C, em tanques de cristalização substituindo simultaneamente a solução saturada. A
especialmente desenvolvidos (Figura 4.9). Isto pode agitação também impede com que a viscosidade
permitir com que a mutarrotação prossiga a uma fique muito elevada (efeito tixotrópico), e impede
velocidade razoável, resultando em uma boa que a sedimentação dos cristais de lactose ocorra.
cristalização, com cerca de 80% da lactose
instantaneamente
Entrada de soro concentrado

Saída da água de resfriamento

Entrada da água de resfriamento

Saída de soro concentrado pré-cristalizado


Figura 4.9 Tanques de cristalização de soro de leite.
Fonte: com permissão da GEA [1].

A viscosidade do concentrado de soro podem ocorrer devido a um aumento da


cristalizado é influenciada principalmente por: termoplasticidade, demandando uma maior
• tratamento térmico antes da evaporação; temperatura de saída na câmara e,
• teor de sólidos do concentrado; consequentemente, gerando um produto de
• tamanho dos cristais de lactose. qualidade inferior.
Como regra geral, a temperatura de tratamento
4.1.5.1 Tratamento térmico antes da evaporação térmico deve ser mantida a um nível tal que a
viscosidade seja de cerca de 2000 cP (2 Pa·s).
O grau de desnaturação das proteínas do soro
tem uma grande influência sobre a viscosidade do 4.1.5.2 Teor de sólidos do concentrado
concentrado, bem como sobre a taxa de
cristalização, dos parâmetros de secagem e das Já é de amplo conhecimento que quanto maior o
propriedades finais dos pós. As propriedades das teor de sólidos, maior a viscosidade do concentrado,
proteínas podem variar em diferentes tipos de soro mas também durante a cristalização, a viscosidade
requerendo tratamentos térmicos diferentes. sofre intensas alterações, em parte devido à
Como linha de orientação, a temperatura de pré- diminuição da temperatura, mas também devido à
aquecimento deve estar próxima de 80 °C. Caso seja própria cristalização.
maior, normalmente, resultará em viscosidades mais
elevadas, podendo gerar problemas como o 4.1.5.3 Tamanho dos cristais de lactose
bombeamento do concentrado cristalizado. Caso
esta temperatura seja inferior a 80 °C, uma menor O desenvolvimento típico da viscosidade durante
viscosidade será gerada, porém, concomitantemente a cristalização é mostrado na Figura 4.10. A
problemas com depósitos na câmara de secagem viscosidade máxima no tempo t0 máx para uma dada
podem quantidade
Química e tecnologia do soro de leite 73

quantidade de concentrado é alcançada após um A viscosidade em t0máx pode ser tão alta
curto período de tempo (½-1 hora) e pode aumentar impedindo com que ocorra a agitação. No entanto,
até vários Pa·s. Isso acontece devido ao pequeno no tempo ti, o concentrado não-cristalizado com
tamanho dos cristais de lactose, portanto, grande baixa viscosidade é bombeado para o tanque de
superfície específica, e a solução apresentar uma cristalização e o conteúdo do tanque é “diluído”
alta concentração de sólidos totais, o que promove (mescla de diferentes viscosidades). A curva Σto-N é,
intenso contato entre os cristais. Com o passar do portanto, interessante e, sob condições normais, a
tempo, os cristais de lactose crescem e o teor de viscosidade não apresenta quaisquer problemas,
sólidos na solução diminui resultando numa desde que o tratamento térmico seja controlado.
diminuição da viscosidade.
Viscosidade (cP)

Tempo
Figura 4.10 Desenvolvimento de viscosidade durante a cristalização de concentrado de soro de leite.
Fonte: com permissão da GEA [1].

O tamanho de cristal desejado no soro propriedades físicas.


concentrado é de cerca de 20 a 30 µm e o maior O soro é concentrado para 50 a 52% de sólidos,
cristal não deve ultrapassar 50 µm. Isto é necessário sendo resfriado instantaneamente para 30 °C. O
a fim de se assegurar que todas as partículas de concentrado é bombeado para um tanque de parede
atomização contenham, pelo menos, um cristal de única comum, equipado com um agitador. O volume
lactose permitindo que uma nova cristalização do tanque corresponde a 2 a 3 horas de produção. O
continue durante a secagem final. Isto é possível concentrado é semeado, como descrito
porque a solução de licor-mãe torna-se anteriormente, a fim de se iniciar a cristalização.
supersaturada devido à evaporação. Quando o tanque está cheio, o produto é
Sob condições normais, é possível obter 80 a 90% descarregado na mesma velocidade com que o
de cristalização da lactose. Isto pode ser produto novo entra no tanque. O concentrado
determinado de uma maneira muito simples por parcialmente cristalizado é bombeado ao flash cooler
meio de um refratômetro, que dê o índice de N°.2, onde é resfriado a 15 °C e bombeado para um
refração ou % direta de açúcar na solução. Ambos outro tanque com um volume correspondendo a 2 a
são medidos em intervalos curtos entre 15 e 30 3 horas de produção, a fim de terminar a
minutos, diretamente na saída do evaporador e o cristalização. Por causa do calor liberado pela
valor médio é calculado (S1). Em uma amostra do cristalização, a temperatura aumenta cerca de 2 a 3
soro cristalizado concentrado, retirada do tanque de °C. Quando o tanque estiver cheio a secagem por
cristalização, uma segunda leitura refratométrica é atomização será iniciada (Figura 4.12).
realizada (S2). A taxa de cristalização será calculada,
com uma boa aproximação, pela Equação 4.1. 4.1.7 Secagem por atomização de soro concentrado
𝑆1−𝑆2 × 9500 × 100
% 𝐶𝑟𝑖𝑠𝑡𝑎𝑙𝑖𝑧𝑎çã𝑜 = (4.1) A secagem por atomização pode ser realizada de
𝐿 × 𝑇𝑆 × (95−𝑆2)
acordo com três processos diferentes, dependendo
4.1.6 Soro parcialmente cristalizado das necessidades do pó final:
• secagem por atomização com uso de
Como pode ser observado a partir da Figura 4.11, transporte pneumático;
a maior parte da lactose é cristalizada após 3 a 4 • secagem por atomização com leito fluidizado;
horas. Um processo de cristalização parcial contínuo, • secagem por atomização com processo de
portanto, se desenvolve e o pó resultante exibe boas esteiras.
horas.
74 CAPÍTULO 4 - Equipamentos e linhas de processo para a produção de soro em pó

25 °C semeado com 2‰ lactose

Lactose cristalizada (%)


40 °C semeado com 1‰ lactose

Horas
Figura 4.11 Cristalização da lactose em concentrado de soro de leite.
Fonte: com permissão da GEA [1].

Resfriamento instantâneo
(Flash cooler)

Evaporador

Secador compacto

Tanques de cristalização

Figura 4.12 Evaporador, flash cooler com tanques de cristalização, e um secador compacto para produção
contínua de soro de leite em pó cristalizado.
Fonte: com permissão da GEA [1].

4.1.7.1 Secagem por atomização com uso de transporte pneumático e de resfriamento que
transporte pneumático também recolhe a fração do ciclone acima
mencionado.
Neste processo, o concentrado de soro é Este tipo de planta é mostrado na Figura 4.13 e
alimentado no dispositivo de atomização que pode compreende um evaporador de película
pode ser do tipo de bicos de alta pressão ou descendente e uma planta de secagem de
atomizadores rotativos. Como anteriormente atomização com sistema de transporte pneumático.
descrito, a secagem é efetuada por introdução de ar O pó a partir de tal planta tem as seguintes
quente através do dispersor de ar para dentro da características:
câmara de secagem. O ar remove a água evaporada • consiste de partículas individuais;
a partir do concentrado e, em seguida, passa através • tende a desenvolver partículas finas;
dos ciclones onde as partículas de pó arrastadas são • alta densidade;
separadas. • alta higroscopicidade e tendência a
A maior parte das partículas de pó é aglomeração.
descarregada a partir do fundo cônico da câmara. A Este tipo de pó é usado principalmente como
partir desse ponto, o pó alimenta o sistema de ração animal. A tendência higroscópica (absorção de
transporte descarregada água
Química e tecnologia do soro de leite 75

água e pegajosa) é devido à lactose no pó estar na temperatura de secagem e o teor de sólidos podem
fase amorfa. ser aumentados. Os custos totais de secagem
A temperatura e o teor de umidade residual do podem, assim, ser reduzidos.
pó devem, portanto, ser mantidas baixas. As Como a maior parte da lactose está cristalizada e,
condições para este processo são geralmente as portanto, pode absorver pouquíssima água, o pó
seguintes: será de melhor qualidade, porque a tendência de
• pasteurização a 80 °C; formação de depósitos e empedramento foram
• evaporação até 42% de sólidos; reduzidas. Condições de processamento típicas são:
• secagem a uma temperatura de 180 °C. • pasteurização a 80 °C;
A secagem por atomização de concentrado de • evaporador para 50 a 55 % de sólidos;
soro pré-cristalizado pode ser realizada sob • cristalização;
condições muito mais econômicas, uma vez que a • secagem a uma temperatura de 180 a 200 °C.
temperatura
Resfriamento instantâneo
de (flash
(Flashcooling)
Cooler)

Evaporador

Spray dryer com


transporte pneumático

Tanques de cristalização

Figura 4.13 Evaporador, tanques de cristalização e spray dryer com sistema de transporte pneumático.
Fonte: com permissão da GEA [1].

4.1.7.2 Secagem com uso de leito fluidizado câmara de secagem. Na Figura 4.14 um fluxograma
do processo de soro sem tendências de
Instalação de leitos estáticos integrados e/ou empedramento e colagem é mostrado, incluindo
VIBRO-FLUIDIZER™ para pós-secagem e resfriamento evaporador, tanques de cristalização e com spray
diminuem o consumo energético da secagem. O dryer com leito fluidizado estático e VIBRO-
princípio é que o spray dryer é operado de tal FLUIDIZER™. As condições de secagem típicas são:
maneira que o pó é seco até um teor de umidade de • pasteurização a 80 °C;
5% na fase de secagem primária. • evaporação até 50 a 60% de sólidos;
O excesso de umidade é removido em VIBRO- • cristalização;
FLUIDIZER™ por uma corrente de ar quente e seco • secagem a uma temperatura de 185 °C.
que secará o pó para o teor final de umidade
desejada. Com a introdução de ar frio em uma seção 4.1.7.3 Secagem com uso de esteiras
posterior do VIBRO-FLUIDIZER™, o pó é resfriado
para a temperatura desejada. O ar utilizado para a Outro processo é conhecido como processo de
pós-secagem e para o resfriamento, é direcionado esteiras, ou processo úmido, o qual é especialmente
para um ciclone, onde o pó transportado juntamente vantajoso e necessário para secagem de pós com
com o ar é recuperado e devolvido, próximo a seção altas propriedades de empedramento, adesão na
de atomização para uma melhor aglomeração. Esta parede da câmara, higroscópicos, ou quando é feita
etapa proporciona um pó de melhor fluidez e de a secagem de soro ácido, que é muito termoplástico,
superfície específica reduzida, de modo que devido ao seu elevado teor de ácido lático,
qualquer absorção de umidade será ainda mais apresentando baixa temperatura de transição vítrea.
reduzida, resultando em um pó com praticamente Este tipo de soro é extremamente pegajoso durante
nenhuma tendência de empedramento e colagem na o processo de secagem por atomização. Uma baixa
câmara temperatura
76 CAPÍTULO 4 - Equipamentos e linhas de processo para a produção de soro em pó

Resfriamento instantâneo
(flash cooler)

Evaporador

Spray dryer com


Tanques de cristalização VIBRO-FLUIDIZERTM

Figura 4.14 Evaporador, tanque de cristalização e spray dryer com VIBRO-FLUIDIZERTM.


Fonte: com permissão da GEA [1].

temperatura de secagem da partícula é, por cristalização no último estágio do evaporador, como


conseguinte, necessária a fim de evitar depósitos na a lactose torna-se supersaturada, o equipamento foi
câmara. As condições de secagem típicas são: equipado com um alto concentrador especialmente
• pasteurização a 80 °C; concebido a operar com recirculação e a uma
• evaporação para 50% de sólidos; temperatura de ebulição mais elevada. Além disso, a
• cristalização; temperatura mais elevada é necessária para reduzir
• secagem a uma temperatura de 150 °C. a viscosidade do concentrado e para evitar bloqueio
das tubulações.
A fim de evitar a condensação nos ciclones, Quando o concentrado tiver atingido o seu teor
devido a uma baixa temperatura de saída de sólidos final, será resfriado rapidamente e a
(aproximadamente 55 °C), ar quente pode ser cristalização ocorrerá instantaneamente. Tanques de
introduzido nos ciclones, reduzindo assim a umidade cristalização normais não são necessários, apenas
relativa. um tanque intermediário com agitação. No entanto,
Os filtros de mangas não são recomendados a temperatura elevada durante o tempo de
devido à alta umidade/umidade relativa do ar de recirculação no evaporador tem a sua desvantagem.
exaustão. As proteínas do soro são desnaturadas e aspectos
O elevado teor de umidade no pó significa que a nutricionais valiosos são perdidos. Além disso, a
cristalização continuará no pó a um grau ainda maior reação de Maillard induzirá a uma coloração
do que no processo contendo apenas leitos pronunciada e a um sabor indesejado. Portanto,
fluidizados. Esta cristalização é melhorada, se o pó mesmo que a economia seja atraente, o produto em
úmido for mantido com alto teor de umidade por 5 a pó final não cumprirá os padrões internacionais.
10 minutos. Isto é feito sobre uma esteira
transportadora ou um disco rotatório entre a saída 4.1.8 Produção de soro ácido em pó
da câmara e o Vibro-Fluidizer™, onde a secagem final
ocorre (Figura 4.15). O pó será composto de grandes Nem todos os soros de leite provém da produção
aglomerados que terão uma baixa densidade, boa de queijo tradicional originando soro doce com um
instantaneidade e propriedades anti- pH mínimo de 6,3. Queijo cottage, quark, Fromage
empedramento. A densidade aparente pode ser Frais, Queso Fresco ou produtos similares originam
aumentada através da passagem do produto em um soro com um pH de 4,6.
moinho de cisalhamento. O ácido lático é muito higroscópico e
termoplástico e, portanto, muito difícil de secar. Um
4.1.7.4 Secagem de soro concentrado a alta processo de neutralização pode ser necessário (para
concentração um pH de 5,2 a 5,5), e os seguintes agentes de
neutralização podem ser usados:
Em uma tentativa de aumentar a economia da • Mg(OH)2 forma lactato de Mg que é um sal
secagem, o teor de sólidos no concentrado foi “seco” e preferido pelos consumidores, uma
aumentado entre 70 a 75% ST. Para evitar a vez que não promove uma coloração escura à
cristalização carne
cristalização
Química e tecnologia do soro de leite 77

nutricionais
Spray dryer

Esteira

Figura 4.15 Secador de atomização com esteira para pós-cristalização.


Fonte: com permissão da GEA [1].

carne dos animais, tipicamente bezerros, que sólidos totais. Este produto é utilizado diretamente
consomem o produto; ou em misturas a seco como substitutos de leite para
• Ca(OH)2 , também pode ser utilizado, mas, bezerro. A gordura utilizada é principalmente de
como o teor de Ca2+ já é elevado no soro fontes baratas como banha ou sebo. Precauções
ácido, os animais podem ter problemas contra a presença de ácidos graxos poli-insaturados
digestivos; devem ser tomadas, como a adição de antioxidantes
• NaOH é por vezes utilizado, mas não é para prevenir incêndios no secador.
recomendável, pois o lactato de sódio é Os depósitos nas paredes podem ser evitados em
higroscópico e termoplástico. Além disso, ele grande parte através da introdução de ar quente a
descolore a carne dos animais alimentados 60 °C tangencialmente para dentro da câmara de
com o produto. secagem na parte cilíndrica da mesma. A quantidade
de ar a ser utilizada é cerca de 5 a 10% da
O soro ácido de acidificação por ácidos quantidade de ar de secagem.
inorgânicos, como HCl ou H2SO4, não precisa ser O soro em pó enriquecido a 40% de gordura se
neutralizado, mas precauções especiais devem ser mostrou o mais comum no mercado. A planta mais
tomadas na seleção do aço inoxidável usado para a adequada para este produto é o secador compacto
fabricação do spray dryer e do evaporador devido a (Figura 4.16), e abaixo estão as etapas de
problemas de corrosão, especialmente em relação processamento tecnológicas recomendadas:
aos íons Cl-. 1. soro doce de boa qualidade com teor normal
De um modo geral, o soro ácido é mais difícil de de proteínas de soro deve ser utilizado. Caseína no
secar do que o soro doce e a adição de um agente soro não é recomendada, como o teor das proteínas
free-flowing tal como Tixosil entre 0,1 a 0,3% é do soro é baixo resulta em alto nível de gordura livre
recomendado durante a operação de secagem. e menor estabilidade da emulsão de gordura (faltam
agentes de membrana – caseínas).
4.1.9 Soro com adição de gordura/óleo O pH não deve ser inferior a 6,3 e 6,4 no soro in-
natura. É possível neutralizar com Mg(OH)2 para
A adição de gordura ou óleos ao soro melhorar a estabilidade da emulsão de gordura, e
concentrado antes da secagem é usada, para estabilizar sais, especialmente citratos, lactatos
normalmente na concentração entre 26 a 50% dos e fosfatos. As proteínas do soro não devem ser
sólidos hidrolisadas
78 CAPÍTULO 4 - Equipamentos e linhas de processo para a produção de soro em pó

hidrolisadas e uma boa indicação é no máximo 6. Misturar gorduras e 1 a 3% de emulsificantes


150 NH4+·100g-1 de sólidos. entre 60 a 70 °C.
Quanto menor o pH no soro cru, mais agente de 7. Misturar gordura/emulsificante no soro
neutralização será necessário e mais difícil será a concentrado.
secagem, resultando em um pó de qualidade inferior. 8. Aquecimento em linha do concentrado por
2. Imediatamente após o processo de fabricação meio de um trocador de calor a 65 °C. O tempo de
do queijo, o soro deve ser pasteurizado a 72 °C retenção do concentrado a esta temperatura deve
durante 15 segundos e resfriado entre 4 a 5 °C para ser tão curto quanto possível para evitar a
estocagem. solubilização dos cristais de lactose.
3. Tratamento térmico a 80 °C, sem retenção, 9. Homogeneização em dois estágios a 80/50 bar.
evaporação a 50% de sólidos e resfriamento rápido a 10. Secagem por atomização, de preferência com
30 °C. filtro de manga capaz de realizar CIP para evitar
4. Resfriamento a 25 °C durante 5 horas (1°C·h-1) problemas com ciclones bloqueados.
em tanques de cristalização. 11. Durante a secagem adicionar agente anti-
5. Adição de hexametafosfato de sódio ou aglutinante.
polifosfato de sódio para ligar íons de Ca2+. 12. Resfriamento em um VIBRO-FLUIDIZER™ e
envase.

Figura 4.16 Processamento de soro de leite enriquecido em gordura.


Fonte: com permissão da GEA [1].

Para soro com 50% de gordura o Secador Multi- gordura é de ampla utilização pelas industrias.
Stage Dryer (MSD™) com filtros de manga CIPáveis é Grande parte é usado como ração animal,
o recomendado devido ao seu desenho especial. diretamente ou como ingrediente em uma mistura
Para teores de gordura superiores o produto torna- final formulada.
se muito difícil de secar devido ao depósito excessivo
em spray dryers tradicionais. O secador de esteira 4.1.10 Licor-mãe
integrado, tipo FILTERMAT™ (FMD) (Figura 4.17) é,
portanto, o recomendado. Nesta instalação, o Na produção de lactose o produto remanescente
concentrado é atomizado sobre uma esteira com após a separação dos cristais de lactose, geralmente
lento movimento, lentamente sobre a qual o pó se por decantação, é chamado licor-mãe. Como,
acumula como uma camada, que será geralmente o licor-mãe contém 1/3 de proteína, 1/3
continuamente transportado para fora da área de de lactose/solução de cristais e 1/3 de sais, ele é
secagem em direção à área de pós-secagem e difícil de secar, pois tanto os sais quanto a lactose o
resfriamento. O ar de processo (secagem primária, tornam muito higroscópico, portanto, formando
secagem secundária e resfriamento) será extraído depósitos na câmara.
através da camada de pó e da esteira (construída de É, no entanto, possível aplicar a mesma técnica
um material de qualidade alimentar) e por meio de descrita anteriormente: introdução de ar quente a
um ciclone. A quantidade de pó arrastada no ar a 60 °C tangencialmente na câmara de secagem, e o
partir da câmara de secagem é muito baixa. mencionado problema pode ser minimizado. Os
O uso de soro em pó com ou sem adição de secadores de leito fluidizado integrado também são
gordura vantajosos
Química e tecnologia do soro de leite 79

Produto para
Ar de secagem Ar de exaustão Saída de pó
atomização

Figura 4.17 Secador integrado de correia tipo FILTERMATTM (FMD).


Fonte: com permissão da GEA [1].

vantajosos para este produto. Gorduras de vários disponíveis com três teores diferentes de proteínas:
tipos podem também ser adicionadas ao licor-mãe WPC 35%, WPC 60%, e WPC 80%.
antes da secagem. O resfriamento do pó é realizado Se 100 kg de soro doce com 6% de sólidos for
em VIBRO-FLUIDIZER™ no qual ar frio é aplicado. O utilizado, então, aproximadamente 20 kg de WPC
licor-mãe seco é utilizado como ração animal e é 35% será obtido a partir do módulo de ultrafiltração,
especialmente adequado para os animais que não com um teor de sólidos de cerca de 10%, que é
podem consumir a lactose como aves. aumentado por evaporação a 45% antes da secagem
Contudo, deve-se dar especial atenção ao alto por atomização. Aproximadamente 8 kg de WPC 60%
teor de sais, o que pode levar à uma digestão são obtidos com um teor de sólidos de cerca de 15%,
problemática para alguns animais. Outra problema é evaporado para 42% antes da secagem por
a ausência da Metionina, aminoácido, que só está atomização. Aproximadamente 3 kg de WPC 80% é
presente em proteínas do soro numa quantidade produzido, com um teor de sólidos de cerca de 28 a
limitada. A metionina sintética (ou proteínas da 30% antes da secagem.
farinha de peixe ou de soja) deverá, portanto, ser Concentrados de proteínas de soro podem ser
adicionada ao produto. usados com concentrados de leite em fórmulas
infantis obtendo-se, assim, um produto com uma
4.1.11 Proteínas do soro (WPC) composição semelhante à do leite humano.
Os concentrados de proteína de soro também
O soro contém cerca de 0,8% de proteínas podem ser usados na produção de cream cheese ou
correspondendo a 13% da matéria seca do produto. outros tipos de queijos de alta umidade ou como
O valor nutritivo destas proteínas é considerado material de enchimento/corpo (ligante de água).
muito elevado, e também sua concentração no leite A secagem do concentrado proteico de soro é
de humanos é maior do que sua concentração no fácil, mas para manter uma boa solubilidade do
leite de vaca. Numerosas tentativas foram realizadas produto é essencial utilizar baixas temperaturas no
para separar estas proteínas do soro, especialmente ar de saída da câmara, para evitar a desnaturação
para utilização em fórmulas infantis em pó. proteica (Figura 4.18). É recomendada a secagem em
O processo mais utilizado é a ultrafiltração. Este dois estágios.
processo é, contudo, considerado bem conhecido Como o teor de sólidos do concentrado é baixo
para os leitores e, portanto, não é discutido neste devido ao alto teor de proteína, as instalações de
capítulo. secagem por spray dryer são sempre equipadas com
O teor de sólidos e a composição do concentrado filtros de manga após os ciclones. No entanto, como
também conhecido como retentado da ultrafiltração a porção filtrada pode nem sempre ter a mesma
pode variar para atender às exigências especiais do qualidade que o produto principal, o TALL FORM
produto final. DRYER™ é frequentemente selecionado uma vez que
Comercialmente, as proteínas de soro estão a saída de ar especialmente projetada, diminui a
disponíveis fração
80 CAPÍTULO 4 - Equipamentos e linhas de processo para a produção de soro em pó

Temperatura
infantis obtendo-se, assim do pó (°C)

Índice de
insolubilidade (mL)

Figura 4.18 Solubilidade do produto final como uma função da temperatura de saída do ar a partir do
secador.
Fonte: com permissão da GEA [1].

fração de produto indo para o ciclone e, possível obter uma aglomeração satisfatória. Como
consequentemente, também a fração de produto a as proteínas são muito hidrofílicas, elas irão absorver
ir para o filtro de mangas (Figura 4.19). água instantaneamente no seu primeiro contato o
A tendência atualmente é a produção de que torna a dispersão difícil. Por aglomeração e
proteínas de soro instantânea e aglomerada. Devido lecitinação, a absorção de água é retardada apenas o
à falta de lactose como ligante, especialmente em suficiente para permitir ao pó ser disperso em água
WPC 80%, a aglomeração é dificultada. No entanto, antes da dissolução final.
selecionando o secador Multi-Stage-Dryer (MSD™) é
possível

Figura 4.19 TALL FORM DRYERTM para produtos de proteínas de soro (TFD).
Fonte: com permissão da GEA [1].

4.1.12 Permeado unidade de membrana e um evaporador, ou


somente no evaporador até cerca de 60% de sólidos.
O outro produto da ultrafiltração do soro é o Contudo, deve-se dar atenção ao complexo
permeado, normalmente contendo cerca de 4,5% de Ca3(PO4)2, pois este irá precipitar a altas
lactose. O permeado pode ser utilizado em temperaturas, especialmente se a concentração for
processos de fermentações, produzir glicose- alta e o pH adequado.
galactose ou lactosil urea, ou ainda concentrado, Se o Ca2+ não for inativado, a precipitação irá
cristalizado e depois seco. ocorrer como depósitos nas superfícies de troca
A concentração pode ser feita quer seja numa térmica do evaporador, especialmente no primeiro
unidade efeito.
Química e tecnologia do soro de leite 81

efeito. É, portanto, necessário efetuar uma limpeza no ar de exaustão, necessário para que o processo
intermediária do evaporador após 6 a 8 horas com funcione como um todo; filtros de manga CIPáveis
ácido. também podem ser utilizados. Com isso, todo o pó é
Na indústria, o fosfato de cálcio é precipitado no coletado como pó de primeira qualidade e a
soro/permeado por ajuste do pH a 7,2 por adição de emissão/perda de pó é evitada.
bases (Mg(OH)2 ou NaOH), após, o produto é
aquecido a 80 °C. O fosfato de cálcio precipitado 4.1.12.2 Processo úmido
pode então ser removido por centrifugação ou
filtração por membrana. O produto obtido pode ser Como o permeado em pó é utilizado em todo o
seco e vendido como “cálcio do leite”. mundo, também em países onde o clima é quente e
Após o processo de descalcificação o produto úmido, o pó vai absorver a umidade do ambiente se
pode ser evaporado e seco, mas recomenda-se a lactose não for totalmente cristalizada. Como
“neutralizá-lo” por adição de ácido cítrico ou ácido explicado no âmbito do “processo seco” a lactose
acético, uma vez que, caso contrário, acarretará não pode alcançar uma cristalização de 100% devido
problemas de depósitos na câmara de secagem. à falta de “água móvel” durante o processo. A
Não é possível secar este concentrado lactose amorfa restante irá, portanto, absorver a
diretamente devido à tendência higroscópica do pó umidade do ar, quando a embalagem for aberta, se
resultante, portanto, é necessário realizar o processo o ar ambiente tiver uma alta umidade relativa. O pó
de cristalização. Esta etapa é feita exatamente como sofrerá empedramento resultando em um produto
descrito na cristalização do soro concentrado de de difícil aplicação.
soro, e também a secagem é igual à secagem do O processo úmido ou por esteira é
soro. No entanto, três processos de secagem por frequentemente aplicado ao permeado de soro. O
atomização diferentes devem ser mencionados: produto é concentrado em evaporadores de
• processo seco; múltiplos efeitos, preferivelmente, incluindo um
• processo úmido; processo de precipitação/separação de fosfato de
• processo TIXOTHERM™. cálcio, a fim de permitir uma operação por 20 horas
seguidas sem necessitar de limpezas intermediária.
4.1.12.1 Processo seco Tipicamente, o concentrado atinge um teor de 60 a
65% ST antes do resfriamento (flash cooler) para 30
No chamado “processo seco” o permeado a 35 °C seguido por mais um resfriamento lento
concentrado pré-cristalizado é seco em um durante a cristalização nos tanques de cristalização
COMPACT DRYER™ (Figura 4.20). A atomização por durante 16 a 24 horas antes da secagem por
discos rotativos é a preferida, já que o disco atomização.
atomizador oferece a melhor alternativa, pois ele A secagem é tipicamente feita em uma planta de
pode lidar com produtos que contêm cristais sem secagem de atomização do tipo TALL-FORM usando
desgaste. Além disso, este tipo de atomização é ideal temperaturas de entrada de ar entre 150 a 160 °C,
para concentrados com alta viscosidade. dependendo das condições ambientes e uma
O teor de umidade no leito fluidizado interno, no temperatura de saída de 55 °C, perto do ponto de
entanto, é demasiadamente baixo (próximo a 5% de orvalho do ar de saída. As baixas temperaturas de
umidade livre) a fim de permitir a continuação da saída de ar têm como resultado um teor de umidade
cristalização da lactose. A mobilidade da água no pó de saída da câmara na faixa de 8 a 10%. O pó
necessária para formar cristais de lactose não é úmido e relativamente frio é descarregado em uma
suficiente. O maior teor de umidade no pó no leito esteira de baixa velocidade com tempo de
fluidizado, necessário para a cristalização (possível permanência entre 10 a 20 minutos.
devido à supersaturação da lactose durante o À medida que o concentrado com a solução
processo de secagem) impossibilitará a fluidização saturada de lactose é seco, o mesmo torna-se
do pó no leito fluidizado, e qualquer tentativa de novamente supersaturado; contudo, a lactose não
fazê-lo acontecer resultará na secagem da água, de cristalizará durante o processo de secagem por
modo que uma pós-cristalização não acontecerá. atomização. O tempo é muito curto, mas à medida
No entanto, o pó resultante irá apresentar boas que o pó é descarregado para a esteira a um elevado
tendências higroscópicas, e a economia de secagem teor de umidade, o pó relativamente frio com
será aceitável. Como sempre, o foco tem que ser na lactose supersaturada começará a cristalizar, uma
obtenção de pó. Ciclones podem ser usados vez que existe “água móvel” suficiente e tempo para
seguidos por purificadores úmidos de ar que utilizem o processo de cristalização prosseguir.
água como meio de lavagem ou filtros de manga Quando o pó finalmente for cristalizado na
normais. Devido ao baixo teor de umidade relativa esteira, ele é enviado para um VIBRO-FLUIDIZER™
no para secagem e resfriamento final.
82 CAPÍTULO 4 - Equipamentos e linhas de processo para a produção de soro em pó

Torre de secagem
(Compact dryerTM)

Cristalização
Evaporador

Figura 4.20 COMPACT DRYERTM para permeado – Processo de secagem.


Fonte: com permissão da GEA [1].

para secagem e resfriamento final. O processo TIXOTHERM™, desenvolvido pela GEA


O ar de exaustão a 55 °C da câmara de secagem Niro (patenteado) oferece essas vantagens (Figura
contém um alto teor de umidade em g H2O·kg de ar 4.22).
seco-1. Logo, deve ser dada especial atenção ao O processo é simples e requer os seguintes
sistema de exaustão. equipamentos:
A exaustão de ar através de ciclones e ➢ Evaporador: (aumentando o teor de sólidos de 6
purificadores úmidos de ar são uma alternativa a 60% – sem resfriamento instantâneo e pré-
frequentemente utilizada. No entanto, deve ser dada cristalização)
especial atenção à extração de pó dos ciclones, uma
vez que as partículas finas e úmidas são pegajosas e TVR múltiplo efeito ou MVR podem ser
as válvulas rotativas normais não funcionam. escolhidos. Para garantir a produção de 20 horas
Portanto, deve ser estabelecido um sistema de contínuas deve ser incluído um processo de
Venturi com uma extração positiva de ar/pó na base descalcificação.
do ciclone. O ar de exaustão também pode ser
enviado para um filtro de mangas CIPável, desde que ➢ Paddle Dryer/Evaporador: (aumentando o teor de
o dimensionamento do secador seja de modo que a sólidos para 85%)
quantidade possa ser controlada para evitar o
entupimento dos filtros de manga. Aqui seleciona-se um secador de pá ROSINAIRE™.
Embora tenha sido discutido anteriormente que Consiste em um tubo horizontal de paredes duplas,
os produtos cristalizados são melhor atomizados por aquecido por meio de vapor. Um eixo no centro com
um atomizador a disco, um secador de bico deve ser pás, move o concentrado lentamente para a frente,
o escolhido para o “processo úmido” (Figura 4.21). enquanto a evaporação ocorre. Para remover o
Isso ocorre porque o pó de permeado úmido é muito vapor é estabelecida uma corrente de ar em contra-
pegajoso e quaisquer obstruções ao movimento de corrente, que é passada através de um depurador
ar/pó numa câmara de secagem tradicional com o úmido para limpeza e, juntamente com a própria
tubo de escape de ar que se projeta para dentro da evaporação, mantém-se a temperatura do produto
câmara resultará em depósitos de pó. O fluxo de ar baixa e evita-se a descoloração. Como a lactose
descendente laminar no secador combinado com estará supersaturada, ocorrerá uma cristalização
atomização por bicos é, portanto preferível. espontânea.
Um aumento da viscosidade ocorrerá devido ao
4.1.12.3 Processo TIXOTHERMTM aumento do teor de sólidos e da cristalização, mas
devido ao caráter tixotrópico do produto, o vigoroso
Percebendo que o preço para o permeado em pó cisalhamento mecânico no ROSINAIRE™ manterá o
é baixo, muitas tentativas foram realizadas para produto fluindo.
desenvolver um processo que envolva baixo Quando o produto é retirado a,
investimento, baixo consumo de energia e exigências aproximadamente, 85% ST este se apresentará como
de espaço reduzido. uma pasta.
Química e tecnologia do soro de leite 83

Torre de secagem
Resfriamento instantâneo (Tall form dryerTM)
(flash cooler)

Evaporador Cristalização

Figura 4.21 TALL FORM DRYERTM para permeado – Processo molhado.


Fonte: com permissão da GEA [1].

Cristalizador de mistura

Concentrador de
película agitada

Leito fluidizado agitado


e VIBRO-FLUIDIZERTM

Evaporador

Figura 4.22 Processo TIXOTHERMTM.


Fonte: com permissão da GEA [1].

➢ Transportador de Parafuso/Resfriador cristalização;


• O escurecimento do produto é evitado;
O passo de processamento seguinte é o de • A viscosidade aumenta, facilitando a seguinte
retenção/cura que ocorre num transportador de desintegração no leito fluidizado.
parafuso com duas roscas. O transportador de
parafuso é de paredes dupla onde circula água ➢ Secagem de leito fluidizado
gelada para resfriar o produto. Isso é feito pelas
seguintes razões: Na saída, o produto apresenta uma textura
• A lactose torna-se supersaturada e obtém-se adequada para a secagem em leito fluidizado.
mais cristalização, pois o tempo de retenção é Portanto o produto é enviado para um leito
suficientemente longo para obter quase 100% de fluidizado combinado de retro-mistura/plug-flow
cristalização; similar
84 CAPÍTULO 4 - Equipamentos e linhas de processo para a produção de soro em pó

similar ao leito fluidizado de lactose. Recomenda-se enviados para um decantador, onde a porção
a moagem do produto final. principal dos cristais de lactose é separada. Os
O resultado do processo acima é uma economia cristais são então lavados de modo a remover
de 30% de energia e 50% de área de instalação. resíduos de licor-mãe, em seguida são secos num
Não são necessários tanques de pré-cristalização, leito fluidizado, especialmente projetado, dividido
o estágio de alta concentração ocorre à pressão em três seções (Figura 4.23). A primeira seção é um
atmosférica e a secagem por atomização não é leito de retro mistura estacionário no qual os cristais
necessária. úmidos com 8% de umidade são alimentados por um
disco rotativo. Para evitar a formação de grumos
4.1.13 Lactose esta seção é equipada com um sistema giratório. A
partir da seção de retro mistura, o pó entra na seção
O soro ou o concentrado de permeado após os de leito fluidizado para a secagem final. Utiliza-se ar
tanques de cristalização, também podem ser quente a cerca de 100 °C, para a secagem.
enviados

Exaustor

Filtro Manga

Entrada de
produto
Retorno
líquido

Leito
Filtro de ar finos fluidizado
de fluxo
Aquecedores de ar Peneira combinado

Moinho
Pré-filtro de ar
Válvula de sopro
Ventiladores de fornecimento
Desumidificador
Saída de produto

Figura 4.23 Leite fluidizado combinado de retro mistura/plug-flow para secagem de lactose.
Fonte: com permissão da GEA [1].

O tamanho médio dos cristais (200 a 250 µm) é Um tipo mais refinado – lactose farmacêutica – pode
importante para a velocidade de fluidização que ser produzido redissolvendo os cristais lavados, do
pode ser utilizada e, portanto, influencia o decantador acima mencionado, e depois
desempenho do leito, uma vez que cristais menores cristalizando-se uma segunda vez por resfriamento
exigem uma velocidade de fluidização mais baixa, seguido por outra decantação/lavagem antes da
caso contrário o resultado seria o transporte secagem final em leito fluidizado. A lactose em pó é
excessivo do produto para o filtro de mangas. A pré- frequentemente classificada com diferentes
cristalização durante 48 horas é, portanto, utilizada tamanhos de cristais. A moagem do pó após o leito
para aumentar o tamanho dos cristais de lactose. fluidizado e a peneiração final são, portanto,
A partir da segunda seção de secagem, no utilizadas.
interior da câmara, o pó entra na seção de
resfriamento que, tal como a última seção de 4.1.14 Soro desmineralizado
secagem, foi concebida como um leito fluidizado. O
ar utilizado para o resfriamento deve ser Durante o processo de fabricação de queijo são
desumidificado. Todo o ar de exaustão é passado frequentemente adicionados NaCl e CaCl2. Alguns
através de um filtro de mangas para a separação do destes sais estarão contidos no soro e são em alguns
ar e do pó, sendo este último recuperado e casos indesejáveis, se, por exemplo, o soro for
devolvido à seção de mistura posterior. A lactose utilizado na produção de fórmulas infantis, onde se
produzida deste modo é denominada lactose bruta. pretende um baixo teor de sais.
Um
Química e tecnologia do soro de leite 85

Para remoção desses sais, diferentes processos atadas à sua superfície que podem absorver
foram desenvolvidos: (reversivelmente) um tipo específico de íons. Os íons
• filtração por membranas; são divididos em cátions (H+, Na+, K+, Ca2+, etc.) e
• troca iônica; ânions (OH-, Cl-, SO42-, etc.).
• eletrodiálise. Quando o soro é passado através do primeiro
lote de resinas, o permutador catiônico, todos os
4.1.14.1 Filtração por Membranas cátions são substituídos por H+, enquanto que todos
os ânions passam através do permutador de cátions
No processo de nanofiltração aproximadamente sem serem afetados. Durante a passagem
50% dos sais são removidos. subsequente do soro “descationizado” através do
A nanofiltração é um processo de filtração com segundo lote de resinas no permutador aniônico,
estrutura de membrana relativamente aberta todos os ânions são substituídos por OH-. A
permitindo, em particular, que pequenos íons passagem do soro através dos leitos de resina ocorre
monovalentes, tais como Na+ e Cl- passem através da de maneira continua, até que as resinas estejam
membrana. saturadas com cátions e ânions.
O processo utiliza pressão inferior (20 a 30 bar) Este fenômeno é controlado por meio de um
do que a aplicada em uma planta de osmose reversa medidor de condutividade, após o qual os leitos de
(OR), para garantir que a maior parte dos sais e o resina tem o soro extraído, são lavados com água e
mínimo possível da lactose passe através da regenerados por meio de soluções ácidas e alcalinas.
membrana. Essas soluções devem estar suficientemente
A remoção simultânea de água e íons concentradas para remover os cátions e ânions
monovalentes sem a perda de importantes absorvidos e substituí-los por H+ e OH- trazendo-os
componentes orgânicos, como lactose e proteínas, de volta ao seu estado anterior.
torna a nanofiltração uma ferramenta importante O tratamento com ácido e base resulta ao
para um processo combinado de concentração e mesmo tempo em uma limpeza suficiente. Após a
desmineralização. regeneração, as resinas são lavadas com água limpa
– de preferência condensada a partir de um
4.1.14.2 Troca iônica evaporador – e estarão prontas para outro lote. Um
ciclo típico seria de duas horas de produção e quatro
Para realização deste processo, devem ser horas de regeneração. O soro tratado numa planta
utilizados dois lotes de resinas com características de troca iônica será entre 90 a 98% desmineralizado.
diferentes, Figura 4.24. As resinas consistem O tempo de processamento (espera ou retenção) é
geralmente em poliestireno e divinilbenzeno na de 20 minutos e, como a temperatura de
forma de pequenas esferas com um diâmetro entre processamento é inferior a 10 °C, não há
0,4 a 0,8 mm com um grande número de ligações desenvolvimento microbiano significativo.
atadas

Figura 4.24 Fluxograma de troca iônica.


Fonte: com permissão da GEA [1].
86 CAPÍTULO 4 - Equipamentos e linhas de processo para a produção de soro em pó

4.1.14.3 Eletrodiálise tensão aplicada para compensar este fato. Para


manter o teor de sais na água de lavagem a um nível
Numa instalação de eletrodiálise, um número de ótimo, é feita diluição à medida que o processo
membranas íon-seletivas, feitas a partir de ocorre. O excesso de solução salina é enviado para o
aproximadamente o mesmo material que as resinas, dreno. A limpeza das membranas é feita passando-se
é aplicado na forma de células. ácido e base através do equipamento planta, uma
Cada célula – constituída por duas membranas, operação que dura de 2 a 6 horas, dependendo da
uma catiônica e outra aniônica – é disposta numa recomendação dos fabricantes do equipamento. A
superposição de células análoga a um trocador de secagem por atomização de soro desmineralizado é
calor à placas. O espaçamento entre cada membrana realizada com soro doce. No entanto, devido ao
é de cerca de 1 mm. Entre cada uma das células flui menor teor de sais, a secagem torna-se mais fácil.
uma solução de sal diluente.
Todo o sistema é colocado entre uma série de 4.2 PRODUTOS ESPECIAIS
eletrodos que fornece um campo elétrico. Sob
influência do campo elétrico, os cátions irão migrar 4.2.1 Fórmula infantil
na direção da corrente elétrica – isto é, em direção
ao polo – e passar através da membrana catiônica Sempre foi um fato aceito que o melhor alimento
para a solução de sal de lavagem que é recirculada para os bebês, menores de seis meses, é o leite
durante a operação. Os ânions irão migrar na direção materno, devido à composição e conteúdo de várias
oposta da corrente elétrica, em direção ao polo vitaminas e aminoácidos essenciais. No entanto,
positivo e passarão através da membrana de ânion muitos bebês são alimentados com leite de vaca
para a solução de sal de lavagem. Tal como a solução comum ao qual um pouco de água e açúcar são
de sal de lavagem, o soro é recirculado durante a adicionados.
operação através de um tanque com um medidor de Para a estabilidade ao armazenamento, volume e
condutividade ligado. Para obter uma condutividade conveniência, fórmulas infantis em pó de diferentes
adequada no soro a ser tratado, é necessária uma composições, a serem reidratadas em água antes do
pré-concentração entre 20 a 28% ST, bem como uma consumo têm sido desenvolvidas pelas empresas
temperatura de processamento de 30 a 45 °C. multinacionais em sua tentativa de assemelhá-las ao
O tempo de recirculação depende do nível de leite materno. Elas aumentaram sua aceitação
desmineralização requerido, que pode atingir até 6 durante os últimos anos, incluindo formulações anti-
horas se a desmineralização for de 90%. alergênicas.
Naturalmente, isto resulta em desenvolvimento A partir da Tabela 4.4 fica evidente que o leite
bacteriano no produto. Para evitar este ponto, a integral de vaca não pode ser apenas diluído com
temperatura pode ser reduzida, o que, contudo, água e adicionado de um pouco de açúcar. Na
resultará num aumento do tamanho da planta, produção moderna de fórmulas infantis cada
podendo ser adicionado formaldeído (proibido no componente do leite de vacas é padronizado para
Brasil) ou um maior investimento em instalações. À estar o mais próximo possível da composição do leite
medida que o teor de sais diminui no soro, a humano. Para algumas formulações, o leite nem
condutividade diminui e é necessário aumentar a sequer é utilizado.
tensão
Tabela 4.4 Composição do leite humano e de vaca.
Substância Leite humano (g·L-1) Leite de vaca (g·L-1)
Caseína 6,0 27,8
Lactalbumina 9,0 4,7
Proteína total 15,0 32,5
Gordura 41,0 37,5
Carboidratos 69,0 48,5
Sais minerais 2,0 8,0
Sólidos totais 127,0 126,5
Fonte: Adaptado de Westergaard [1].

As fórmulas infantis em pó disponíveis no •leite em pó integral com carboidratos


mercado compreendem um grande grupo de adicionados;
produtos com composições diferentes que podem • leite fermentado;
ser classificadas nos seguintes grupos: • fórmula infantil análoga ao leite humano;
• leite em pó integral comum; • produtos com amido.
Química e tecnologia do soro de leite 87

4.2.1.1 Leite em pó integral evaporador e o secador.

O tipo mais simples de alimentos infantis é o leite 4.2.1.3 Leite fermentado


em pó integral com 25 a 28% de gordura nos sólidos
totais, ou leite em pó semidesnatado com cerca de O próximo grupo de produtos é o leite
14% de gordura. Normalmente, são adicionadas fermentado, geralmente semidesnatado obtido por
algumas vitaminas (A, B1 e D2) a fim de equalizar as meio de cepas de culturas starters. O leite pré-
variações sazonais do conteúdo vitamínico do leite e concentrado, normalmente concentrado entre 22 a
mantê-lo, ao longo do ano, no nível ideal para os 25% ST, é inoculado por uma cultura starter (cultivo
bebês. de bactérias láticas) e fermentado a uma
De um modo geral, estes produtos não requerem temperatura ligeiramente elevada durante 6 a 10
qualquer tratamento especial, mas são produzidos horas. Depois de se ter atingido a acidez requerida, o
em processo contínuo no evaporador e secador. As concentrado fermentado é homogeneizado,
vitaminas são adicionadas ao leite líquido ou dosadas resfriado e seco em spray dryers.
continuamente no concentrado por meio de bomba
dosadora. Para assegurar uma distribuição uniforme 4.2.1.4 Fórmula infantil análoga ao leite humano
das vitaminas, especialmente as solúveis em
gordura, é necessária a homogeneização do O maior número de formulas infantis se
concentrado. enquadra neste grupo. O leite humano tem uma
composição diferente do leite de vaca, uma vez que
4.2.1.2 Leite em pó integral com carboidratos tem um teor mais elevado de lactose, um menor
adicionados teor de proteínas, diferente composição proteica
(maior teor de proteínas do soro e menor teor de
Este grupo de fórmulas infantis é novamente caseína) e uma composição lipídica distinta. Tem um
baseado em leite integral ou semidesnatado com teor consideravelmente maior de ácidos graxos
sacarose e maltodextrinas adicionada . A sacarose é insaturados e menor teor de minerais.
adicionada ao leite antes da evaporação. Isto As fórmulas buscam mimetizar o leite humano de
permite a pasteurização da sacarose, portanto diferentes maneiras. A mais simples é aumentar o
produzirá um produto final com uma contagem teor de lactose e adicionar alguma fonte de gordura
reduzia e aceitável de microrganismos. Atualmente a vegetal para aumentar a quantidade de ácidos
maltodextrina industrial está disponível na maioria graxos insaturados. Outros aditivos, tais como
dos mercados. Este componente é misturado com vitaminas, íons férricos ou lactulose (galactosido-
leite parcialmente concentrado. Frequentemente, as frutose) são também utilizados com o objetivo de
vitaminas são também adicionadas. Toda a mistura converter o leite de vaca numa composição tão
deve ser homogeneizada antes da secagem. Se a próxima quanto possível do leite humano (Tabela
preparação do produto for em processo de batelada, 4.5).
haverá algum armazenamento e atraso entre o
composição
Tabela 4.5 Composição simplificada de uma fórmula infantil padrão.
Idade do bebê
Composição da formula infantil
0 a 6 meses 6 a 12 meses
Proteína:
- Caseína 6% 17%
- Proteínas do soro 10% 4%
Gordura:
- Animal 6% 5%
- Vegetal 20% 16%
Carboidrato:
- Lactose 56% 40%
- Maltodextrina - 14%
Cinzas: 2% 4%
Fonte: Adaptado de Westergaard [1].
88 CAPÍTULO 4 - Equipamentos e linhas de processo para a produção de soro em pó

O leite de vaca contém cerca de duas vezes mais matérias-primas.


proteínas do que o leite humano, contém menos Produtos especiais, nos quais as proteínas de soja
carboidratos e aproximadamente a mesma substituem as proteínas lácteas, são produzidos para
quantidade de gordura. O tipo predominante de bebês alérgicos a proteína do leite. As proteínas de
proteína não é o mesmo nos dois tipos de leite. soja acarretam maior viscosidade no concentrado,
Assim, a coalhada formada pelo leite humano é sendo necessário reduzir o teor de sólidos do
macia e floculenta no estômago do bebê, enquanto concentrado para 40 a 45%.
que a do leite de vaca é mais firme e elástica. Além
disso, o leite de vaca contém mais minerais 4.2.1.5 Produto com amido
(especialmente Ca2+) e menos vitaminas.
Tendo o teor de proteínas como alvo, infere-se Outro grande grupo de alimentos infantis, > 9
que a diluição do leite de vaca com carboidratos e meses, contém amido, tipicamente com a seguinte
gordura, até teor de proteínas de 15 g·L-1, não é composição aproximada:
suficiente, pois a composição das proteínas diferem • 40 a 50% de concentrado de leite integral;
em grande parte nos dois tipos de leite. O WPC, é • 35 a 45% de amido;
usado extensivamente na fabricação de fórmulas • 10 a 15% de sacarose;
infantis para ajustar o conteúdo proteico. O soro de • 2,5% vitaminas + minerais.
leite, cujo teor proteico é praticamente apenas α-
lactoalbumina e β-lactoglobulina, é frequentemente O amido pode ser adicionado ao processo por
utilizado para padronização. No entanto, não se dosagem seca ou em forma líquida juntamente com
recomenda a sua utilização direta, uma vez que o os demais componentes.
teor de minerais se tornaria demasiado no produto
final. • Dosagem a seco – a mistura de leite integral e
A remoção de uma parte dos sais, por filtração de sacarose é pasteurizada, em seguida é evaporada até
membranas ou desmineralização por troca iônica ou aproximadamente 45% de sólidos totais e seca por
eletrodiálise, é, por isso, cada vez mais utilizada. atomização utilizando uma temperatura de entrada
No que se refere ao teor de gordura, o leite de 180 °C. O amido em pó é dosado através do
humano contém maior concentração do que o leite sistema de retorno de finos do secador e é
de vaca e, além disso, contém mais ácidos graxos aglomerado com as partículas em pó do produto. A
poli-insaturados, como os ácidos linoleico e aglomeração do amido é importante para evitar a
araquidônico, para uma melhor utilização da energia separação nas embalagens no armazenamento.
fornecida. Portanto, é necessário adicionar gordura Como o amido em pó pode conter um nível
após a padronização das proteínas. inaceitável de bactérias, pode ser necessária
A gordura vegetal (muitas vezes óleo de milho, aplicação de radiação gama.
palma ou girassol) é, portanto, adicionada, uma vez
que contém os ácidos graxos poli-insaturados acima • A mistura líquida oferece a vantagem do amido
mencionados. Foi-se discutido substituir pode ser pasteurizado. Se a temperatura de
completamente a gordura animal, mas o produto pasteurização for mantida abaixo de 60 °C, o amido
final seria então escasso em ácido oleico que está não será pré-cozido e a mistura é seca a partir de
presente na gordura animal. O conteúdo mineral do uma alimentação do secador com concentrados com
leite de vaca é cerca de quatro vezes maior que o do 45% de sólidos e temperatura de secagem de 180
leite humano. Durante a padronização com, °C. Se a temperatura de pasteurização exceder 72
especialmente, proteínas de soro (desde que o soro °C, o amido será pré-cozido e a viscosidade
seja desmineralizado), mas também com gordura e aumentará. Neste caso o teor de sólidos deve ser de
possivelmente lactose, o teor de minerais é reduzido 20 a 25%. As temperaturas de secagem serão de 180
para um nível aceitável. Contudo, na maior parte dos °C. Os filtros de manga do sistema de exaustão
casos, o teor de ferro torna-se baixo e, portanto, devem ser projetados para essa função, caso
lactato de ferro, sacarato de ferro ou sulfato de contrário a perda de pó será elevada.
ferro, são adicionados, com frequência, ao produto.
A concentração de vitaminas no leite de vaca é 4.2.2 Fabricação de fórmulas infantis em pó
geralmente menor do que no leite humano. Além
disso, varia de acordo com a estação do ano, por isso A padronização pode ser realizada de forma seca,
as vitaminas são sempre adicionadas às fórmulas isto é, por uma simples mistura a seco dos vários
infantis. Deve-se considerar também que as etapas componentes. Mas, a qualidade microbiológica é um
de processamento do produto para transformá-lo dos pontos mais importantes durante a produção de
em pó destroem parte das vitaminas presentes nas alimentos infantis. Como é muito mais fácil
matérias-primas. pasteurizar
Química e tecnologia do soro de leite 89

pasteurizar o produto em forma líquida do que Produtos com teores elevados de carboidratos
manter produtos secos não contaminados durante o devem utilizar uma temperatura de secagem inferior
processamento (alguns deles podem até conter um à descrita acima.
nível inaceitável de bactérias), é preferível misturar Utilizando-se o retorno de finos, obtém-se um
todos os ingredientes em forma líquida antes da produto aglomerado, instantâneo e de boa fluidez. O
pasteurização e secagem. excesso de umidade é evaporado no VIBRO-
A mistura é concentrada entre 40 a 45% ST FLUIDIZER™, no qual também é efetuado o
usando-se leite pré-evaporado com 20 a 30% ST resfriamento do pó. A lecitina é por vezes
como base. Os componentes do soro em pó pulverizada sobre o pó, melhorando assim as
desmineralizado e/ou ultrafiltrado são misturados. propriedades de instantaneidade.
Além disso, se necessário, são adicionados No entanto, as plantas de secagem mais usadas
carboidratos e gorduras. A mistura é realizada em para fórmulas infantis são o TALL FORM DRYER™ ou
grandes tanques equipados com indicação de o Multi-Stage Dryer (MSD™), se um produto bem
volume ou peso. A mistura é pasteurizada e aglomerado for desejado. Estes dois secadores
evaporada até cerca de 50 a 55% de sólidos oferecem muitas vantagens para este tipo de
dependendo da composição, em seguida o produto:
concentrado é homogeneizado e finalmente seco. É • Funcionam com atomizador em bico que
importante eliminar a contaminação após a resulta em um pó mais fluido;
pasteurização. Portanto, tanques abertos devem ser • O fluxo de ar do plug-flow minimiza os
evitados. depósitos de parede, de modo que um tempo de
O concentrado de fórmula infantil pode ser seco operação mais longo entre limpezas é possível;
num spray dryer normalmente utilizado na indústria • O desenho de saída de ar especial no TALL
de laticínios. Contudo, devido à composição, os FORM DRYER™ reduz a fração de pó enviado ao
produtos não se comportam da mesma forma que o ciclone. Esta planta pode produzir produtos
leite comum no secador. Isso é causado pelo maior aglomerados e não aglomerados;
teor de carboidratos e gordura que torna o pó • O desenho de saída de ar especial no secador
termoplástico e pegajoso, podendo ocorrer Multi-Stage Dryer (MSD™) oferece uma ótima
depósitos na parede e problemas no ciclone, aglomeração do pó.
resultando em perda de produto e risco de A Figura 4.25 mostra como o evaporador e o
contaminações. secador estão conectados para evitar a
As condições de funcionamento são, contaminação. O evaporador funciona em linha em
normalmente: relação ao secador e é equipado com um tanque
• sólidos na alimentação: 50 a 55%; fechado com controle de nível entre o evaporador e
• temperatura de alimentação: 70 a 80 °C; o secador. Malhas de controle de automação,
• temperatura de secagem: 180 a 190 °C. asseguram um teor constante de sólidos no
concentrado alimentado o secador.

Saída de produto

Entrada de produto

Figura 4.25 Fluxograma de planta de fórmulas infantis com mistura líquida e concentrador para a
preparação da alimentação do processo.
Fonte: com permissão da GEA [1].
90 CAPÍTULO 4 - Equipamentos e linhas de processo para a produção de soro em pó

Em alguns casos, o produto final pode conter um A temperatura é imediatamente retomada para 80
número inaceitável de bactérias, originárias da °C num pré-aquecedor regenerativo imediatamente
matéria-prima utilizada nas fórmulas. Portanto é antes da evaporação (Figura 4.26).
possível tratar por UHT a pré-mistura antes da Para prolongar a vida útil, recomenda-se uma
evaporação. A alta temperatura (120 a 140 °C) é embalagem de gás com N2 e teor de oxigênio
atingida por injeção direta de vapor na pré-mistura. inferior a 2%.
A
Saída de ar

Entrada de ar Condensado

Vapor

Saída de concentrado

Entrada de concentrado

Figura 4.26 Planta UHT para fórmulas infantis.


Fonte: com permissão da GEA [1].

% á𝑔𝑢𝑎𝑐𝑟𝑖𝑠𝑡 × 19 × 100
4.3 ANÁLISE PARA SORO EM PÓ % 𝐶𝑟𝑖𝑠𝑡. = . (4.3)
% 𝑙𝑎𝑐𝑡𝑜𝑠𝑒

Quando se produz soro em pó, especialmente o Sendo,


tipo non-caking, são apropriadas as seguintes % águacrist. = % de água cristalina
análises. % umid.total = % de umidade total
% umid. livre = % de umidade livre
4.3.1 Umidade total e umidade livre
Para testes rápidos de rotina em soro de leite
Durante a fabricação de soro em pó non-caking, doce, pode-se utilizar 74% de lactose.
a lactose é cristalizada e durante tal processo a
lactose complexa uma molécula de água. A fim de 4.3.2 Higroscopicidade e propriedades de
determinar o grau de cristalização, a água ligada aos empedramento
cristais (água cristalina) é medida como a diferença
entre a umidade total e o teor de umidade livre A higroscopicidade, ou seja, a capacidade de
(Equação 4.2). absorver a umidade, é determinada pelo grau de
cristalização da lactose, mas também os sais e até
% á𝑔𝑢𝑎𝑐𝑟𝑖𝑠𝑡 = % 𝑢𝑚𝑖𝑑. 𝑡𝑜𝑡𝑎𝑙 − % 𝑢𝑚𝑖𝑑. 𝑙𝑖𝑣𝑟𝑒 (4.2) mesmo as proteínas absorvem água, no entanto,
apenas em uma quantidade limitada em comparação
A umidade total é determinada pela titulação de com a lactose. A higroscopicidade de um
Karl Fisher, cujo princípio é uma reação entre iodo e determinado pó é determinada fazendo-se passar ar
dióxido de enxofre na presença de água. O teor de com uma dada umidade (80% de umidade relativa a
umidade livre é determinado em um forno a 86 °C 20 °C) através de uma dada quantidade de pó
por 6 horas. (Figura 4.27). Quando o equilíbrio for obtido, a
O grau de cristalização é calculado pela Equação umidade absorvida é calculada pesando a amostra
4.3. de pó antes e depois da absorção (Equação 4.4).
Para
Química e tecnologia do soro de leite 91

Para pós não higroscópicos este valor deve ser


menor que 10%.

% 𝑖𝑛𝑐.𝑝𝑒𝑠𝑜+% á𝑔𝑢𝑎 𝑙𝑖𝑣𝑟𝑒 ×100


% 𝐻𝑖𝑔. = (4.4)
100+𝑖𝑛𝑐𝑟𝑒𝑚𝑒𝑛𝑡𝑜 𝑝𝑒𝑠𝑜

Sendo,
% Hig. = % de higroscopicidade
% inc. peso = % incremento peso

Amostra em pó

Figura 4.27 Determinação da higroscopicidade.


Fonte: com permissão da GEA [1].

As propriedades de termoplasticidade do pó são 𝑔 𝑝ó 𝑛𝑎 𝑝𝑒𝑛𝑒𝑖𝑟𝑎 × 100


importantes para identificar a tendência a % 𝐺𝑟𝑎𝑢𝑎𝑔𝑙𝑜𝑚 . =
𝑔 𝑝ó 𝑢𝑠𝑎𝑑𝑜
empedramentos nas embalagens durante o (4.5)
armazenamento.
Não existe relação direta entre a Sendo,
higroscopicidade e a termoplasticidade, uma vez que % Grauaglom.= % do grau de aglomeração
uma boa cristalização em si não é suficiente para
evitar as adesões e empedramento do produto. 4.4 Desidratação de lácteos diversos
Assim, é importante que os cristais sejam pequenos,
e que sejam uniformemente distribuídos em todas as 4.4.1 Diferentes ingredientes alimentícios
partículas de pó. Devido à absorção de umidade no
pó não cristalizado ou mal cristalizado, a cristalização Os ingredientes alimentícios são, muitas vezes,
de qualquer lactose amorfa remanescente começará disponíveis como uma solução aquosa, uma
principalmente na superfície de cristais já existentes. suspensão ou uma pasta tendo uma vida útil limitada
A taxa é, portanto, dependente da distância entre os devido à atividade bacteriana e redução do valor
cristais individuais. Após o término da cristalização, a nutritivo do produto, a menos que sejam mantidos a
pressão de vapor da umidade do pó torna-se maior baixas temperaturas ou sejam adicionados de
do que a do ar circundante, de modo que a absorção conservantes – açúcar ou sal, por exemplo – para
de umidade é seguida por uma dessorção da mesma. reduzir a atividade bacteriana.
O pó pegajoso formado durante o aumento da A remoção de água do produto reduzirá
umidade no decorrer da cristalização promove igualmente a atividade bacteriana no produto final e
empedramentos nas embalagens. assegurará assim uma vida de prateleira adequada
O método para a determinação do se o produto estiver na atividade de água correta e
empedramento é realizado da seguinte forma: mantido num local seco e a baixas temperaturas.
A amostra de pó do teste de higroscopicidade é Os produtos alimentícios de origem animal ou
seca a uma temperatura de 102 °C durante 1 hora, vegetal, ou suas combinações, são caracterizados
após é resfriada num dessecador. O pó é então pelo seu conteúdo de:
peneirado através de uma peneira de 500 µm com • proteínas;
aparelho de agitação durante 5 minutos. Em • carboidratos;
seguida, pesa-se o pó que não tenha passado pela • gordura;
peneira. O soro em pó não aglomerado deve ter um • amido;
grau de aglomeração (Equação 4.5) menor que 10%. • outros ingredientes;
• sais e outros produtos químicos.
92 CAPÍTULO 4 - Equipamentos e linhas de processo para a produção de soro em pó

4.4.1.1 Proteínas frequentemente usado como um enchimento,


transportador ou adoçante. Com um DE 10 a 40
De um modo geral, quanto mais proteína, mais pode ser usada em muitos produtos alimentares,
fácil se torna a secagem. Com o aumento do teor de pois é fácil de secar.
proteína, a viscosidade do concentrado aumentará Os carboidratos são excelentes como material de
e, para manter uma boa atomização, é necessário ligação, e os produtos aglomerados podem ser
reduzir o teor de sólidos. O consumo energético do facilmente produzidos, se a instalação de secagem
processo de secagem é assim aumentado, uma vez for concebida para este fim.
que um produto de proteína pura (clara de ovo,
caseinatos de sódio ou potássio) é seco a partir de 4.4.1.3 Gordura
uma concentração de 20 a 24% de sólidos.
As proteínas são difíceis de se aglomerar (sem Se a gordura não for encontrada na matéria-
material de ligação) em secadores convencionais. O prima, esta pode ser adicionada para atingir uma
secador múltiplo estágio (MSD™) é, portanto, determinada composição. Quanto mais gordura em
selecionado, se são desejados pós aglomerados. um produto, menor a viscosidade e mais difícil torna-
As proteínas hidrolisadas são, geralmente, mais se a secagem por atomização.
difíceis de secar, uma vez que as moléculas de cadeia Caso este constituinte seja encontrado na forma
curta se tornam termoplásticas e higroscópicas, o livre (não protegido por proteínas) no produto final,
que torna o produto aderente às paredes da câmara a operação de secagem torna-se ainda mais difícil.
de secagem. Recomenda-se a homogeneização do concentrado
antes da secagem. A homogeneização aumentará
4.4.1.2 Carboidratos ligeiramente a viscosidade de um concentrado.

Carboidratos de diferentes origens e formas são 4.4.1.4 Amido


encontrados na maioria dos produtos alimentícios.
Geralmente, quanto mais carboidrato, mais difícil se Se o amido for pré-aquecido, aumenta-se a
torna o processo de secagem, já que os carboidratos, viscosidade. Portanto, é necessário reduzir o teor de
se secos a partir de uma mistura não cristalizada, sólidos no concentrado a ser seco.
serão termoplásticos e higroscópicos. Ademais, os
carboidratos irão reduzir a viscosidade do 4.4.1.5 Outros ingredientes
concentrado.
A lactose é encontrada apenas no leite e Existe uma grande variedade de outros
coprodutos do processamento do leite, por exemplo, ingredientes que normalmente são adicionados em
no soro da produção de queijo. A vantagem da pequenas quantidades, tais como:
lactose do ponto de vista da secagem é que a mesma • vitaminas;
pode ser pré-cristalizada se estiver numa solução • aromas;
supersaturada (sólidos elevados e baixa • emulsificantes;
temperatura). A temperatura de transição vítrea é • estabilizantes;
aumentada pela pré-cristalização e a secagem torna- • corantes.
se mais fácil. Em geral, estes não causam muitos problemas
A sacarose é utilizada em produtos alimentícios durante a secagem por atomização.
como um edulcorante e também para adicionar
calorias em fórmulas infantis e outras produtos em 4.4.1.6 Sais e outros produtos químicos
pó. Se o teor de sacarose final num produto for
maior do que é possível de incorporar na forma Quanto maior o conteúdo salino e químico, mais
líquida no concentrado a ser seco, é possível difícil torna-se a secagem devido ao aumento da
adicioná-la em sua forma seca durante ou após a higroscopicidade do produto.
secagem e assim obter um produto final
homogêneo, bem misturado e aglomerado. 4.4.2 Substitutos do leite
A frutose, encontrada em todas as frutas, é muito
termoplástica e higroscópica. Produtos como frutas, Substituto de leite, pode ser qualquer
portanto, não podem ser secos por atomização a constituinte que visa a substituição de algum
menos que um carreador seja usado como componente naturalmente presente no leite in-
transportador: sólidos de leite desnatado ou natura, como por exemplo gordura animal ou
maltodextrina, por exemplo. vegetal mais barata que o creme do leite. Este tipo
A maltodextrina é outro carboidrato que é de alimento é usado como alimentação para
frequentemente bezerros
Química e tecnologia do soro de leite 93

bezerros, frangos e porcos. Para bezerros é usado 4.4.2.2 Secagem de uma emulsão de leite desnatado
tanto para recria como para engorda. São produzidas concentrado e gordura
duas qualidades de substituto de leite integral, uma
para cada finalidade. Com este método é normalmente produzida uma
No entanto, a mistura para alimentação acabada pré-mistura, que contém uma quantidade mais
não tem composição fixa. A proporção de cada elevada de gordura (até 60% de gordura do teor
ingrediente varia da seguinte forma: total de sólidos) do que o desejado na mistura de
forragem acabada.
Gordura: 15 a 20% A mistura prévia é então misturada com outros
Sólidos de leite desnatado: 65 a 80% componentes de acordo com os requisitos do
Dextrose, lactose, sólidos de soro: 0 a 10% utilizador final.
Agentes emulsificantes*: 0 a 2% Os produtos crus devem consistir em: a) leite
Farinha: 0 a 7% desnatado pasteurizado com uma acidez de no
Minerais**, vitaminas***: 0 a 0,5% máximo 14 °Dornic (0,14% de ácido lático) e
Antibióticos: terramicina ou aureomicina b) gorduras de primeira classe com um teor de
ácidos graxos livres inferior a 0,4% (como ácido
*Emulsificantes: lecitina, mono-glicéridos, sucro- oleico) com um teor muito baixo de impurezas e de
glicéridos água.
**Minerais: Ca, Na, Mg, Cu, PO4, Cl, HCO3 O leite desnatado é evaporado até 40 a 45% ST e
***Vitaminas: A, D, E, (B, C) aquecido a 65 °C.
As gorduras são fundidas e aquecidas a,
O leite desnatado enriquecido com gordura pode aproximadamente, 55 °C. Ambas as gorduras
ser produzido de duas formas: vegetais e animais podem ser usadas. Se a gordura
• Mistura a seco de leite em pó desnatado e for entregue em caminhões-tanque, ela
gordura; normalmente terá uma temperatura de 50 a 55 °C e
• Secagem de uma emulsão de leite desnatado um equipamento de aquecimento será
concentrado e gordura. desnecessário. Podem ser adicionados antioxidantes
(por exemplo, butil-hidroxitoluina) à gordura
4.4.2.1 Mistura a seco de leite desnatado em pó e fundida. Se forem desejados agentes emulsionantes,
gordura terão de ser adicionados nesta fase.
A gordura é então aquecida a aproximadamente
O procedimento de mistura a seco foi a técnica 65 °C e misturada ao concentrado de leite
utilizada inicialmente. O leite em pó desnatado desnatado, esta mistura é então conduzida através
enriquecido com gordura era produzido por de um homogeneizador, e a emulsão está pronta
atomização de gordura sobre o leite em pó para ser seca.
desnatado, sendo realizado numa esteira A mistura de gordura e leite desnatado pode ser
transportadora que passava por um bocal. No feita como:
entanto, este produto não tinha nem uma boa • Processo descontínuo;
solubilidade nem uma boa vida útil. • Processo contínuo.
Desde então, foi desenvolvido um outro método,
pelo qual a gordura é pulverizada para dentro de 4.4.2.2.1 Processo descontínuo
uma câmara à qual o leite em pó desnatado é
transportado numa corrente de ar. Isto resulta num A partir do evaporador, o concentrado de leite
produto no qual os glóbulos de gordura são cobertos desnatado é bombeado através de um tanque
com partículas de leite em pó desnatado. intermediário para o tanque de mistura. No tanque
Este produto é, em muitos aspectos, muito bom, de mistura são determinados o volume (ou o peso),
embora para alguns usos suas qualidades não sejam a densidade e a temperatura do lote. A partir disso,
boas o suficiente. É claro que a estrutura da gordura as quantidades de sólidos do leite desnatado e
não é a ideal, uma vez que toda a gordura está gordura podem ser calculadas.
presente como gordura livre e os glóbulos de A gordura, que é armazenada num tanque a 50-
gordura são demasiadamente grandes. Isso provoca 55 °C, é bombeada através de um pré-aquecedor
diminuição na manutenção de propriedades, bem para o tanque de mistura, onde a quantidade
como problemas de problemas digestivos para os calculada de gordura é adicionada ao leite
bezerros. desnatado concentrado.
Neste caso, normalmente serão necessários três
tanques de mistura. Um está sendo esvaziado
enquanto
94 CAPÍTULO 4 - Equipamentos e linhas de processo para a produção de soro em pó

enquanto o outro está cheio e a mistura ocorre no Quando se secam produtos com elevado teor de
terceiro. gordura, os depósitos na instalação de secagem são
O objetivo da homogeneização é desintegrar os inevitáveis. Porém, estes são indesejáveis, pois
glóbulos de gordura para torná-los mais facilmente tornam a planta mais difícil de limpar e causam uma
digeríveis para os animais. O ideal para um tamanho perda de produto aumentada. Além disso, os
máximo de glóbulos de gordura é 3 µm e um mínimo depósitos que foram sedimentados durante algum
de 90% inferior a 1 µm. tempo e que se tornaram chamuscados podem cair e
A homogeneização causa um aumento na misturar com o pó (pontos prestos), tornando assim
viscosidade. Um fluxo demasiadamente viscoso dará a qualidade globalmente mais baixa. Finalmente, os
uma atomização grosseira a partir do atomizador, depósitos podem causar incêndios como resultado
condições de secagem difíceis e um produto de baixa de um processo de auto oxidação exotérmica. Com
qualidade. A adição de emulsificantes pode reduzir as precauções indicadas abaixo, os depósitos podem
este aumento de viscosidade. Mas então, em troca, ser minimizados:
haverá geralmente dificuldades com uma tendência • Uma homogeneização adequada dará baixo
aumentada de depósitos na câmara de secagem, e teor de gordura livre.
assim, sempre que possível, a adição deste • Os emulsificantes devem ser evitados sempre
componente é evitada. que possível.
• Um projeto de planta que evita depósitos –
4.4.2.2.2 Processo contínuo Secador COMPACT DRYER™ ou MSD™.
• Pode ser adicionado leite em pó desnatado ou
Para a mistura contínua de gordura e leite antiaderentes para tornar o pó menos pegajoso e
desnatado concentrado, o equipamento será o mais livre, mantendo assim a câmara e os ciclones
seguinte: limpos.
1. Um evaporador equipado com controle • Ar de refrigeração secundário conduzido
automático da capacidade de água evaporada e teor tangencialmente para a câmara de secagem.
de sólidos do concentrado. A parte principal do pó é conduzida da câmara
2. Um tanque de armazenamento de gordura diretamente para um VIBRO-FLUIDIZER™ que
derretida. funciona como um leito de resfriamento, onde o pó
3. Bombas centrífugas para concentrado de leite é arrefecido por meio de ar ambiente e ar
desnatado e gordura. desumidificado resfriado.
4. Uma bomba de pistão com três pistões no O pó dos ciclones é transportado por meio de
mesmo eixo, o que torna possível a dosagem do leite transportadores vibradores para a câmara de
desnatado concentrado, gordura e, possivelmente, aglomeração, ou para o VIBRO-FLUIDIZER™
emulsificantes em uma proporção constante. funcionando como um leito de resfriamento. A
5. “Combinador” para aquecimento e mistura de quantidade total de pó é ensacada na extremidade
leite desnatado concentrado e gordura. A proporção do leito de arrefecimento, depois de ter sido
entre a gordura e leite o concentrado desnatado peneirada (Figura 4.28).
pode ser ajustada mudando o curso dos pistões na A produção de leites enriquecidos em pó para
bomba. consumo humano é cada vez mais utilizada. A
6. A partir do “combinador” a mistura é levada a composição é similar à do leite em pó integral, isto é,
um homogeneizador que também atua como bomba com 26-28% de gordura. São utilizados vários óleos
de alimentação para a instalação de secagem. Um vegetais e usualmente a produção é baseada em
variador de velocidade regula a taxa de alimentação uma mistura que dá uma característica de fusão
para o secador por atomização controlada pela igual à gordura da manteiga. Várias vitaminas são
temperatura de saída. adicionadas naturalmente (principalmente A, D e E).
O secador por aspersão é projetado A mistura do leite desnatado e do óleo é
especialmente com a finalidade de operar com a realizada de acordo com o processo contínuo
menor quantidade possível de depósitos e um descrito anteriormente. A secagem é feita numa
resfriamento eficiente do pó produzido. planta com retorno de pós finos para aglomeração e
O parâmetro mais importante é a temperatura equipamento de dosagem de lecitina para tornar o
do ar de saída que deve ser suficientemente baixa, pó instantâneo. O pó é utilizado principalmente em
de modo que as propriedades do produto não sejam grandes instituições, como cantinas, hotéis,
influenciadas negativamente. Em instalações hospitais, no exército, etc.
modulares de secagem por atomização, a Este tipo de pó é principalmente fabricado em
temperatura para este produto é de 160-190 °C para países com uma produção local limitada de leite. O
o ar de entrada. pó é baseado em leite em pó desnatado importado
que
Química e tecnologia do soro de leite 95

que é reconstituído e misturado com gordura


produzida localmente.

Figura 4.28 Secador de atomização para substituto de leite de bezerro (CDI/C).


Fonte: com permissão da GEA [1].

4.4.3 Leite em pó integral com alto teor de gordura que são difíceis de secar. Outra vantagem deste
livre secador é o leito fluidizado integrado, no qual o pó é
fluidizado com um elevado teor de umidade. Devido
O processamento de leite em pó integral tenta à secagem, a lactose torna-se supersaturada
produzir um pó com um teor tão baixo de gordura novamente e a cristalização pode prosseguir,
livre quanto possível para prolongar a vida útil. resultando num alto teor de gordura livre, à medida
No entanto, a indústria do chocolate está que os cristais de lactose “crescem” e destroem a
interessada no leite em pó integral com um teor de membrana proteica que protege os glóbulos de
gordura livre tão elevado quanto possível, uma vez gordura. A adição de até 20% de lactose, baseadaem
que isto reduz a viscosidade da pasta de chocolate. sólidos, ao leite antes da evaporação, melhora a
Por conseguinte, é possível utilizar menos manteiga cristalização (até 90% da gordura total). O alto teor
de cacau que é um produto caro. de gordura livre provocará, naturalmente, mais
O produto é produzido por pré-cristalização da problemas nos ciclones em comparação com a
lactose no leite integral concentrado ou leite secagem do leite em pó normal, mas como a planta
desnatado concentrado que é então misturado com MSD™ está equipada com um pré-ciclone especial
creme na proporção correta. ou um filtro de manga CIP, o problema é
O secador de atomização selecionado para este parcialmente resolvido. A secagem e refrigeração
pó é o Secador Multi-Stage (MSD™) (Figura 4.29). final é feita no VIBRO-FLUIDIZER™. É importante que
Esta planta oferece muitas vantagens, já que é a umidade final do pó seja inferior a 2% para manter
projetada para produtos com alto teor de gordura uma boa cor do chocolate.
em descrito
96 CAPÍTULO 4 - Equipamentos e linhas de processo para a produção de soro em pó

concentrado

Figura 4.29 Secador de múltiplos estágios para produção de leite em pó com alto teor de gordura livre
(MSDTM).
Fonte: com permissão da GEA [1].

4.5 REFERÊNCIAS
[1] Westergaard V. Milk Powder Technology -
Evaporation and Spray Drying. 5°.
Copenhagen: Niro A/S; 2004.
CAPÍTULO
5 Estado vítreo e condições de operação do
spray dryer para a secagem de soro
Igor Lima de Paula
Erica Felipe Mauricio
Ítalo Tuler Perrone
Rodrigo Stephani

CONTEÚDO
para o armazenamento do produto. Será discutida
5.1 Introdução ......................................................... 97 também as condições de secagem e como essas
5.2 Estados da matéria .......................................... 97 condições podem ser definidas utilizando o diagrama
5.3 Transição vítrea ................................................. 98 de Mollier. Por fim será posto em discussão a
5.4 Importância da atividade de água .................. 102 dificuldade da secagem de soro com hidrólise da
5.5 Condições de operação do spray dryer ......... 104 lactose, já que a desidratação de produtos reduzidos
5.6 Diagrama de Mollier ....................................... 106 em lactose caracteriza um grande desafio para a
5.7 Exemplo do diagrama de Mollier .................. 108 indústria de lácteos. Com isso esse capítulo espera
5.8 Problema durante a secagem de soro com ajudar no processo da secagem do soro, visto que
hidrólise da lactose ........................................ 110 esse tópico é relevante para as indústrias de
5.9 Referências ..................................................... 111 laticínios.

5.1 INTRODUÇÃO 5.2 ESTADOS DA MATÉRIA

Para entender melhor o processo de produção A matéria pode ser classificada em três estados
de soro em pó, é necessário a familiarização com principais (Figura 5.1): o sólido, o líquido e o gasoso.
alguns conceitos. Entre os tópicos discutidos nesse Os três estados apresentam propriedades físicas-
capítulo se destacam os estados da matéria, o químicas diferentes, e são classificados pelo seu
estado vítreo e a transição vítrea, a relevância da comportamento perante ao volume que são
atividade de água durante o processo de secagem e armazenados.
para para

Figura 5.1 Estados da matéria, estado sólido (A), estado líquido (B) e estado gasoso (C).
Fonte: Elaborado pelos próprios autores.

O primeiro estado, o gasoso é definido como o armazenado [1].


estado que preenche todo o recipiente que ocupa, o As mudanças de estados físicos recebem nomes
estado líquido, como a matéria que adquire a forma específicos: a mudança de sólido para líquido recebe
do recipiente e preenche apenas uma parte do seu o nome de fusão (1), enquanto que seu reverso
volume. Por fim os sólidos mantêm uma forma que recebe o nome de solidificação (2). A mudança de
não depende do recipiente que o mesmo está líquido para gasoso recebe o nome de vaporização
armazenado [1]. (3)
98 CAPÍTULO 5 - Estado vítreo e condições de operação do spray dryer para a secagem de soro

(3), a mudança de líquido para gasoso é a vítrea – Tg). Caso o material esteja abaixo desta
condensação (4). Por fim existe a passagem do sólido temperatura, as moléculas encontram-se com
para o gasoso ou vice-versa que se chama capacidade reduzida para realizar rotações e
sublimação (5) como está representada na Figura vibrações, além de apresentar limitações à
5.1. translações, o que qualifica o material como um tipo
No decorrer dos anos esses estados físicos de sólido. Quando a temperatura está acima da Tg, o
passaram a ser divididos em duas classes mais gerais: grau de liberdade das moléculas aumentam para a
estado amorfo e estado cristalino. O estado amorfo mobilidade translacional, sendo considerada tipo um
leva em consideração o grau de liberdade da líquido com escoamento viscoso [2, 3, 4].
estrutura molecular, ou seja não é possível Sistemas que estão fora do equilíbrio
determinar precisamente a localização das termodinâmico, como é o caso do estado vítreo, são
moléculas presentes no material. Esta condição pode vistos como um estado metastável, ou seja,
ser ilustrada pelos estados líquido e gasoso da possuem uma propensão de mudar para estados
matéria. Já o estado cristalino é reconhecido por ser mais estáveis, como o cristalino, ao longo de um
extremamente ordenado. Caso o líquido seja intervalo de tempo que dependerá do material em
resfriado a uma temperatura abaixo de sua foco e das condições de vizinhança do mesmo [2].
temperatura de fusão, porém sem ocorrer a sua Um exemplo simples de transição vítrea é a
cristalização, as moléculas continuam produção de algodão doce, Figura 5.2. Ao aquecer o
desorganizadas formando um tipo de sólido açúcar cristal a temperatura superior a 210 °C,
denominado de estado vítreo não cristalino [2]. ocorre a fusão do açúcar, ao passar pelo spin e
formar os fios líquidos de açúcar ocorre um
5.3 TRANSIÇÃO VÍTREA resfriamento rápido que impede a cristalização do
açúcar, gerando assim o estado vítreo. À medida que
A mudança de uma substância amorfa de sólido o produto vai entrando em contato com umidade, o
para líquido é conhecida como transição vítrea. Esta, produto adquiri água e vai para o estado gomoso.
por sua vez, é reversível e acontece em uma Após essa absorção de água o sistema entra em
temperatura específica (temperatura de transição colapso e ocorrerá a recristalização do açúcar.
vítrea

Figura 5.2 Transição vítrea para o algodão doce.


Fonte: Elaborado pelos próprios autores.

Devido ao produto estar no formato de pequenas a cristalização. Este fenômeno ocorre tanto para a
gotículas pela atomização, a remoção de água ocorre técnica de spray drying quanto para a de freeze
de forma rápida, favorecendo o estado vítreo. Este drying [2, 5].
estado é crucial para a conservação de produtos O controle do estado vítreo ao longo do processo
lácteos desidratados uma vez que mantém a de secagem e de armazenamento do produto é o
desordem natural das moléculas e, com isso, diminui motivo para a estabilização do produto na técnica de
as perturbações do sistema [4]. spray drying [2, 3].
A lactose, na solução concentrada atomizada de Apesar do estado vítreo ser extremamente
soro, permanece no estado vítreo, pois a remoção vantajoso para o processo de conservação dos
de água aumenta a viscosidade da solução e impede produtos lácteos desidratados, deve-se estar atento
a cristalização. a
Química e tecnologia do soro de leite 99

a ele, uma vez que é um estado metaestável. Logo, o A partir da temperatura e do teor de umidade do
estado vítreo pode não se manter devido a produto é possível definir o estado termodinâmico
composição do material a ser seco, da umidade das moléculas e, com isso, estimar como ocorrerá o
relativa do ar e da temperatura, seja no momento da processo de secagem do soro (Figura 5.3) [2].
secagem ou durante o transporte e armazenamento. A Figura 5.3 mostra que um soro com 6% de
Quando um produto lácteo apresenta tendência a sólidos totais é um líquido amorfo com baixa
manter-se no estado vítreo é dito como de alta viscosidade, apresentando alto grau de liberdade
dryability, ou seja, possui fácil secagem. Caso isso para movimentos transacionais, rotacionais e
não ocorra, passa a ser um produto de baixa vibracionais. A medida que o teor de sólidos vai
dryability (difícil secagem). Para exemplificar esses aumentando, através da concentração no
tipos de produtos, o leite em pó integral e os evaporador a vácuo, este líquido vai mudando suas
concentrados proteicos de leite e de soro características gradativamente e ao chegar no
apresentam facilidade de secagem. Já o soro, o processo de secagem, onde ocorre rápida remoção
permeado de ultrafiltração e o leite com lactose de água, há um aumento abrupto de viscosidade e,
hidrolisada são mais difíceis [2]. então, atingindo o estado vítreo esperado para
melhor conservação do pó [2].

Figura 5.3 Representação das mudanças de estado durante a produção de soro em pó.
Fonte: Adaptado de Schuck [6], modificado por Perrone [2].

Caso o soro atinja uma temperatura superior a Ao longo do processo de transição vítrea, ocorre
de transição vítrea (Tg), pode ocasionar adesão do uma redução da viscosidade passando de 1012 Pa·s
produto nas superfícies dos equipamentos (spray (estado vítreo) para 108 - 109 Pa·s, portanto as
dryer, fluidizador, tubulações e ciclones) e moléculas no estado amorfo seguem para o estado
empedramento, principalmente na estocagem. A gomoso e, por fim, para um comportamento de
adesão ocorre pela alta tensão interfacial entre as plasticidade deformável [7, 2].
partículas do pó e as superfícies do equipamento, Caso as condições de contorno ao produto sejam
devido à formação de pontes líquidas englobando favoráveis, este continuará no seu estado amorfo de
açúcares amorfos, lipídeos ou outro material alta viscosidade conservando o alimento. Desse
dissolvido [2]. Enquanto que o empedramento é a modo, o ideal é evitar a compactação mecânica,
formação de aglomerados quebradiços ou duros altas temperaturas durante o armazenamento e
com tamanhos distintos [5]. Este processo ocorre altas umidades relativas ao longo do envase,
com o intuito de estabilizar o produto transporte e armazenamento do soro em pó [2].
termodinamicamente, levando ao estado cristalino, Ao longo do armazenamento, caso o produto
sendo exotérmico e indesejado neste tipo de entre em contato com uma umidade relativa alta ou
produto. com uma temperatura maior que a Tg, este pode
transitar
100 CAPÍTULO 5 - Estado vítreo e condições de operação do spray dryer para a secagem de soro

transitar do estado vítreo para o cristalino, como A Equação 5.1 só leva em consideração as
ilustrado na Figura 5.3 pela linha tracejada. Outro frações solúveis em água, portanto, gordura, lactose
fator que também pode contribuir para cristalização cristalizada e fosfato de cálcio precipitado não são
do produto é a utilização de altas temperaturas na contabilizados. A variação da capacidade calorífica é
entrada e na saída do equipamento de secagem por característica das transformações bioquímicas que
atomização, isto favorecerá a adesão e o acontecem ao longo da transição [10]. Quando se
empedramento [2]. trata da transformação do estado líquido amorfo de
Um artifício usado para o controle e produção de alta viscosidade para o de baixa viscosidade, esta
produtos lácteos desidratados, principalmente, o variação depende intrinsecamente da magnitude das
soro em pó, é o conhecimento da temperatura de transformações que ocorrem no produto ao longo
transição vítrea dos produtos, na Tabela 5.1 é da transição vítrea [2].
possível encontrar alguns destes valores [2]. A temperatura de transição vítrea também está
Porém, a Tg varia de acordo com a umidade do relacionada com o peso molecular dos compostos
produto (ou umidade do ar em equilíbrio com o presentes no produto. Quanto maior o peso
produto). Tomando como exemplo o leite em pó molecular maior é a Tg. A relação entre esses dois
desnatado, caso o teor de umidade tenda a zero, a parâmetros foi determinada para mais de 150
temperatura de transição vítrea é de 92 °C, portanto moléculas alimentares distintas nos trabalhos de
constata-se que como a secagem não proporciona Levine e Slade [16 – 19]. A partir deste relato,
ao produto temperaturas próximadas a este valor, moléculas de ácido lático, glicose, galactose e lactose
logo não ocorre adesão e empedramento ao longo tendem a reduzir a Tg do produto lácteo, portanto
do processo. Contudo se o mesmo leite em pó produtos ricos nestes componentes tendem a
estiver em equilíbrio com o ar com 11,5% de possuir Tg inferiores, dificultando manter o seu
umidade relativa (produto com 2,4% de umidade) a estado vítreo e, consequentemente, complicando os
Tg passa para 58 °C e, ao aumentar mais a umidade processos de secagem, transporte e armazenamento
relativa do ar para 33%, a umidade no produto é de [2].
7,1% e a Tg de apenas 33 °C [2]. Para exemplificar esta problemática pode-se citar
A temperatura de transição vítrea é influenciada o soro ácido (farto em lactose e ácido lático) que
pela fração de água presente no alimento, possui baixa Tg e como resultado será um produto
denominando-se função plasticizante [8, 9]. Nesta de difícil secagem e conservação. Os produtos mais
função as moléculas de água possuem a capacidade fáceis de secar e conservar são os ricos em caseínas,
de diminuir a Tg dos produtos. Assim sendo, proteínas do soro e maltodextrinas com baixo índice
produtos com maior umidade trazem temperaturas de dextrose equivalente (DE) [2].
de transição vítrea inferiores à de produtos mais Como a acidez influencia diretamente na Tg do
secos [2]. produto e, portanto em qual estado amorfo ele se
A temperatura de transição vítrea de um produto encontrará, este parâmetro deve ser monitorado.
lácteo também pode ser interpretada como a Soros que apresentam alta acidez, que pode estar
temperatura média de todos os seus componentes relacionado ao método de preparo do queijo ou ser
[10]. Para estimar a Tg costuma-se utilizar a Equação aumentado ao longo do armazenamento ou
de Couchman-Karasz (Equação 5.1) [11] que pode transporte, dificultam a secagem e conservação por
ser ampliada a misturas ternárias de caseínas, ser o estado vítreo menos estável, causando
carboidratos e água [2]. incrustações nas superfícies dos equipamentos e
empedramentos no produto desidratado [2, 20].
𝑊1 . 𝛥𝐶𝑝1 .𝑇𝑔1+ 𝑊2 . 𝛥𝐶𝑝2 .𝑇𝑔2+ 𝑊3 . 𝛥𝐶𝑝3 .𝑇𝑔3 Atualmente, já é possível predizer o
𝑇𝑔 = (5.1)
𝑊1 . 𝛥𝐶𝑝1+ 𝑊2 . 𝛥𝐶𝑝2+ 𝑊3 . 𝛥𝐶𝑝3
comportamento de diferentes pós ao longo da
secagem e armazenamento, devido ao estudo do
Sendo,
efeito da diferença de temperatura entre a partícula
Tg = temperatura de transição vítrea (K);
do pó (Tpp) e o valor da Tg do produto [10]. Para isto
Tg1, Tg2 e Tg3 = temperaturas de transição vítrea
utilizam-se duas amplitudes: a da variação entre a
dos componentes 1, 2 e 3 (K);
temperatura da partícula do pó (Tpp) e o valor da Tg
W1, W2 e W3 = as frações molares dos
do produto (Tpp - Tg) e a da variação da capacidade
componentes 1, 2 e 3;
calorífera durante a transição vítrea. Dessa maneira,
ΔCp1, ΔCp2 e ΔCp3 = variação da capacidade
uma partícula de soro em pó exposta à altas
calorífera (J∙kg-1∙C-1) durante a transição vítrea dos
temperaturas de secagem ou armazenamento
componentes 1, 2 e 3;
proporcionará uma amplificação na diferença Tpp -
Componentes 1, 2 e 3 = proteínas, carboidratos e
Tg [10].
água que compõem o produto lácteo.
Química e tecnologia do soro de leite 101

Tabela 5.1 Temperatura de transição vítrea (Tg) para diferentes produtos.

Tg (°C) Tg (°C) Tg (°C) Tg (°C)


Produto m m m m
(UR0) (UR1) (UR2) (UR3)
Lactose 97 0 64 2,4 43 4,3 33 5,9
Leite desnatado 92 0 58 3,7 34 5,6 33 7,1
Leite integral 92 0 62 4,0 - - - -
Leite desnatado com
49 0 26 1,5 5 3,0 -8 5,2
hidrólise da lactose
Glicose 31 - - - - - - -
Galactose 30 - - - - - - -
Sacarose 62 a 70 - - - - - - -
Caseína 132 - - - - - - -
Maltodextrina 6 DE 168 - - - - - - -
Maltodextrina 33 DE 130 - - - - - - -
Proteínas do soro 127 - - - - - - -
Água -139 - - - - - - -
Sendo: Tg = temperatura de transição vítrea; UR = umidade relativa do ar em contato com o produto a 24 °C após 24 h; UR0 = umidade
relativa igual a 0 %; UR1 = umidade relativa de 11,5 %, UR2 = umidade relativa de 23,9 %; UR3 = umidade relativa de 33 %; m = massa de
água (g) por 100g de sólidos dos produtos.
Fonte: Schuck [10], Hartel [12], Ergun [13], Roos [14], Kalichevsky [15].

Esta situação acarreta em uma maior velocidade que caracteriza o produto de 0 a 10.
das transformações físico-químicas do produto, tais
como: termoplasticidade, cristalização e reação de 𝑆𝐶𝑆𝐼 = 𝑛° 𝑝𝑡𝑜𝑠 𝑇𝑝𝑝 − 𝑇𝑔 + (𝑛° 𝑝𝑡𝑜𝑠 𝛥𝐶𝑝) (5.2)
Maillard. Este conjunto de alterações ocasiona a
deposição de matéria nos equipamentos, Sendo,
empedramento nas embalagens e elevado SCSI = índice de sensibilidade a adesão e ao
escurecimento do produto final. Schuck et al. [10] empedramento,
ainda propõem um índice de sensibilidade a adesão n° ptos = número de pontos (Tabela 5.2);
e ao empedramento denominado SCSI (stickiness Tpp - Tg = diferença entre a temperatura da
and caking sensitivity index) – Equação 5.2 – que partícula do pó (Tpp) e o valor da Tg do produto;
pode ser aplicado a qualquer produto lácteo, ΔCp = magnitude da variação da capacidade
independente da atividade de água e temperatura, e calorífera durante a transição vítrea.
que caracteriza o produto de 0 a 10.
Tabela 5.2 Cálculo do número de pontos para determinação do índice de sensibilidade a adesão e ao
empedramento.
TPP – Tg (°C) ΔCp (J∙Kg-1∙°C-1) N° de pontos
[TPP – Tg] ≤ 5 ΔCp < 0,1 0
5 < [TPP – Tg] ≤ 10 0,1 ≤ ΔCp < 0,2 1
10 < [TPP – Tg] ≤ 15 0,2 ≤ ΔCp < 0,3 2
15 < [TPP – Tg] ≤ 20 0,3 ≤ ΔCp < 0,4 3
20 < [TPP – Tg] ≤ 30 0,4 ≤ ΔCp < 0,5 4
30 < [TPP – Tg] 0,5 ≤ ΔCp 5
Fonte: Adaptado de Schuck et al. [10].
102 CAPÍTULO 5 - Estado vítreo e condições de operação do spray dryer para a secagem de soro

5.4 IMPORTÂNCIA DA ATIVIDADE DE ÁGUA água, expressa em gramas de água por 100 g de
matéria seca, é uma quantidade difícil de
A disponibilidade de água é um fator essencial determinar, dado os estados variados sob o qual a
para a secagem de pós, principalmente através do água existe. Os principais métodos de dosagem de
seu efeito sobre a cristalização de lactose. A água foram listados por Loisel [22] e os padrões
atividade de água (aw) está associada à umidade específicos para produtos alimentares foram
relativa e influencia fortemente as propriedades estabelecidos por Multon et al. [24]. Todos os
físicas dos pós como: viscosidade e transição vítrea elementos que intervêm na quantidade de água de
[21]. um leite desidratado são recapitulados na Figura 5.4
Geralmente, a água total contida em um produto [25], mostrando que a quantidade de água varia
é dividida em duas categorias: água livre que pode conforme os parâmetros termodinâmicos do ar de
ser extraída facilmente [22] e água ligada dividida secagem, das condições de atomização e das
em várias frações de acordo com seu grau de características físico-químicas do concentrado antes
interação com matéria seca [23]. A proporção de da secagem [21].
água

Figura 5.4 Influência de parâmetros tecnológicos e físico-químicos na umidade de pós em um laticínio.


Fonte: Adaptado de Písecký [25].

A aw expressa sua disponibilidade de água nos produtos são melhor preservados em uma aw de
produtos e, portanto, participa de reações como 0,200 [26,27]. O estado da água em alimentos é tão
solvente ou como reagente. Faz-se necessário importante para sua estabilidade como o teor total
quantificar a aw, pois os mecanismos de degradação de água [21].
do alimento estão interligados (Figura 5.5). Os
produtos

Figura 5.5 Mapa de estabilidade de produtos alimentares afetados pela atividade da água.
Fonte: Adaptado de Cheftel [26] e ChoKyun Rha [28].
Química e tecnologia do soro de leite 103

A aw de um produto é um dado termodinâmico uma transferência de água devido a uma variação da


relacionado à umidade relativa (UR) do ar que está pressão de vapor. Como resultado, a medida de aw
em equilíbrio com este produto. Em temperatura está associada a um valor da temperatura [21].
fixa, a aw é algebricamente igual à UR do ar em Existe equilíbrio termodinâmico com a atmosfera
equilíbrio com produto dividido por 100 (aw = UR circundante, uma relação entre a aw e a quantidade
(%) / 100). O trabalho de Le Meste et al. [28] e a de água do produto. Esse fenômeno é descrito por
revisão de Hardy et al. [30] fornece a apresentação isotermas de sorção (Figura 5.6) que refletem o
detalhada da noção de atividade água [21]. potencial de adsorção e retenção de água [22]. Essas
Existem vários métodos que permitem isotermas são funções de temperatura e das
determinar a aw [29,31]. Todos estão relacionados à propriedades físico-químicas dos alimentos
medição de higrometria do ar em equilíbrio, em estudados. A quantidade e qualidade da água
pressão e em temperatura, com o produto [22]. absorvida e a cinética de sorção são influenciados
Assim, um produto com temperatura diferente gera por essas características [21, 27, 32].
uma

Figura 5.6 Isotérmica de sorção de leite desnatado ou soro de leite em pó com lactose amorfa.
Fonte: Adaptado de Roos [14], Loisel [22] e Berlin [33].

As três zonas da isoterma representam água mais quatro fatores (aw, teor de água, composição e
ou menos fortemente relacionada com higroscopicidade) são interdependentes. A
macromoléculas (Figura 5.6). Chou e Morr [23] higroscopicidade é responsável pela adsorção do
definiram diferentes tipos de moléculas de água vapor de água ambiente por alimentos, em oposição
associada a macromoléculas: da mais ligada a mais à dessorção. A aplicação de métodos de medição
livre. Isotermas são, portanto, usadas para Haugaard Sorensen et al. [31], para classificar pós de
determinar o conteúdo da chamada água ideal para leite em cinco categorias (Tabela 5.3) conforme a
a boa preservação do produto. Elas também podem porcentagem de higroscopicidade ou o teor final de
prever como um produto se comporta, definindo aw, umidade após exposição ao ar úmido a 80 % de
segundo a UR do ar em equilíbrio com este produto. umidade relativa [21,31,34,35].
As noções de aw e o conteúdo de água estão A mobilidade da água é fortemente dependente
intimamente relacionados: quanto maior a da viscosidade dinâmica do produto. Viscosidade
quantidade de água, mais próxima da atividade da dinâmica newtoniana é definido pela relação: μ = τ /
água pura estará o alimento, ou seja, 1 [21]. ε onde μ é a viscosidade em Pa·s, que depende da
Mas essas duas noções também devem ser tensão de cisalhamento τ em Pa e da taxa de
relacionadas à constituição do produto. De fato, a cisalhamento ε em s-1. A maioria dos produtos
afinidade pela água é função de muitos parâmetros alimentares obedecem a comportamentos do tipo
intrínsecos ao produto [22]: predominância e não newtoniano, o que leva a falar sobre viscosidade
acessibilidade estérica de grupos polares, estado aparente por uma questão de simplicidade [21].
físico do produto (cristalino ou amorfo), morfologia Em uma solução, a viscosidade aumenta em
da superfície, presença de poros e rachaduras paralelo com a concentração de soluto, que está
[21,32]. associado a um declínio na mobilidade molecular e a
A afinidade de um produto pela água ou a proporção de moléculas de água de alta mobilidade
higroscopicidade influenciam as isotermas de sorção [36]. O comportamento reológico de um produto
e, por conseguinte, a aw e o teor de água. Esses depende também da natureza e da estrutura de seus
quatro componentes
104 CAPÍTULO 5 - Estado vítreo e condições de operação do spray dryer para a secagem de soro

Tabela 5.3 Higroscopicidade ou teor final de umidade de diferentes seções após exposição ao ar a 80 % UR.
Higroscopicidade ou teor final de umidade após
Classes
exposição ao ar a 80% UR (%)
Não higroscópico ≤ 10
Pouco higroscópico 10,1-15
Moderadamente
15,1-0
higroscópico
Higroscópico 20,1-25
Muito higroscópico > 25
Fonte: Adaptado de Sorensen [31], Vider [34] e Pisecky [35].

componentes. O aumento da viscosidade pode ser elevada temperatura (em média 200 °C), é formada
associado à transição vítrea, porque, impedindo o espontaneamente uma diferença de temperatura e
arranjo de moléculas cristalinas, permite a pressão parcial de água entre o alimento e o ar,
vitrificação: as moléculas não têm o tempo nem a resultando uma transferência de energia na forma
possibilidade de adotar a conformação que de calor do ar para o produto e uma transferência de
corresponde ao mínimo de energia livre [37]. A água do produto para o ar, sendo que o ar em
transição vítrea ocorre numa área de alta contato com a partícula láctea atomizada possui
viscosidade (no intervalo de 1012 a 1014 Pa·s) temperatura ao redor de 45 °C e pressão de 9583 Pa
[14,37,38]. A equação WLF (Williams, Landel e Ferry) [10] (Figura 5.7). De acordo com Schuck [43], as
[39] pode ser usada para estimar a viscosidade do pequenas gotículas formadas e a grande área
sistema em uma faixa de temperatura próxima, mas superficial das mesmas resultam em uma rápida
superior à temperatura transição vítrea, sujeita a não evaporação da água a uma temperatura
ter mudanças estruturais ou de composição neste relativamente baixa, minimizando os danos térmicos
intervalo de temperatura [21]. ao produto [2].
A adição de pequenas moléculas como a água Segundo Carić [44] a taxa de variação
diminui o valor de Tg [37,40]. Este mecanismo pode infinitesimal da massa de água evaporada durante a
ser observado também para lactose amorfa não secagem pelo tempo é expressa pelas Equações 5.3
apenas para leite em pó desnatado [41,42]. Em valor e 5.4 [2].
de aw de 0,37, o teor de água do leite é 7,6 g por
100 g de matéria seca e sua temperatura de 𝑑𝑊
= 𝐴 × 𝐾 × 𝑝𝑣𝑘 − 𝑝𝑣 (5.3)
𝑑𝑡
transição é de 24 °C. Por outro lado, para uma aw de
0,2, o teor de água é perto de 5 g por 100 g de 𝑑𝑊 𝑇𝑣 −𝑇𝑣𝑘
matéria seca e a temperatura de transição vai para =𝐴 × ℎ × (5.4)
𝑑𝑡 𝑟
50 °C [41]. Associado a condições dos alimentos, aw
e Tg podem ajudar formular, selecionar e adaptar o Sendo,
processo de secagem. A disponibilidade de água em
• dW/dt = taxa de variação infinitesimal da massa
uma matriz alimentar é, portanto, uma função de
de água evaporada durante a secagem pelo
diferentes fatores: teor de água, composição em
tempo (kg∙s-1);
solutos, higroscopicidade, viscosidade e Tg [21].
• A = área superficial da partícula atomizada (m2);
• K = coeficiente de transferência de massa (kg∙s-
5.5 CONDIÇÕES DE OPERAÇÃO DO SPRAY 1∙N-1);
DRYER • pvk = pressão parcial da água na saturação na
temperatura de bulbo úmido (Pa);
A secagem dos líquidos por atomização ou • pv = pressão parcial da água no ar que envolve
pulverização, frequentemente chamada de secagem a partícula atomizada (Pa);
por atomização ou spray drying, consiste em • h = coeficiente de transferência de calor (W∙m-
dispersar o soro concentrado sob a forma de 2∙K);
pequenas gotículas em uma corrente de ar quente, • r = calor latente de evaporação da água (J∙kg-1);
de maneira a obter soro em pó. Quando um • Tv = temperatura do ar de secagem (K);
alimento é colocado em uma corrente de ar com • Tvk = temperatura de bulbo úmido (K).
baixa umidade relativa (pressão de 1554 Pa) e
elevada
Química e tecnologia do soro de leite 105

Figura 5.7 Esquematização do processo de secagem.


Fonte: Adaptado de Schuck [43], modificado por Perrone [2].

A velocidade de secagem é ligada a três fatores: a validadas experimentalmente para um spray dryer
superfície de evaporação, a diferença da pressão com três estágio para a secagem) [2].
parcial de água entre a gotícula e o ar e a velocidade
de migração de água na gotícula [43]. De acordo com 𝑈𝑅 = 40,2 𝑎𝑤 − 0,95 (5.5)
a lei de Fourier, quanto maior a área de troca, mais 𝑈𝑅 = 116,6 𝑎𝑤 − 16,38 (5.6)
rápida será a transferência de energia na forma de 𝑈𝑅 = 105,6 𝑎𝑤 − 9,93 (5.7)
calor e, portanto, maior será a velocidade de
secagem. Acontece o mesmo para a cinética de Sendo,
secagem. Baseado na Equação 5.4, conclui-se que a • UR = umidade relativa do ar de saída do spray
transferência de água do produto para o ar é dryer;
causada pela diferença da pressão parcial da água • aw = atividade de água do produto desidratado.
entre as gotículas e o ar seco e que, quanto maior a
diferença, mais rápida será a secagem. Uma O estabelecimento das Equações 5.5, 5.6 e 5.7
desidratação do ar e/ou um aumento da nos equipamentos industriais de secagem possibilita
temperatura permite uma diminuição de sua pressão o controle do processo de secagem do soro de forma
parcial do vapor [2]. mais eficiente. Classicamente os equipamentos são
Considerando o princípio apresentado, pode-se operados visando controlar a umidade final do soro
depreender que se o equilíbrio for alcançado entre o em pó por meio da temperatura do ar de saída do
ar e as gotículas do soro, então ambos terão pressão spray dryer. Desta forma, se a umidade do soro em
de vapor idêntica. Ou seja, em condição de pó está acima do esperado então eleva-se a
equilíbrio, a umidade relativa do ar (UR) que envolve temperatura do ar de saída. A proposta de controle
as gotículas e/ou o produto em pó, possui magnitude do spray dryer a partir do princípio de equilíbrio
igual ao valor da atividade de água do soro entre o ar e o produto consiste em não empregar a
multiplicado por 100. Considera-se o equilíbrio entre umidade do produto como o atributo principal de
o ar e as partículas, o momento no qual a taxa de controle, mas sim empregar a atividade de água do
transferência de água da partícula para o pó é produto seco [2].
exatamente igual a taxa de transferência de água no Desta forma, estipula-se o valor de atividade de
pó para a partícula, desta forma, não há mudança água desejado no soro em pó (por exemplo, 0,15) e
significativa na composição do ar e nem do produto. controla-se as condições de secagem no spray dryer
Em termos industriais dificilmente o equilíbrio é (vazão de soro concentrado no atomizador, massa
alcançado, contudo é possível estabelecer uma de ar que entra da câmara, temperaturas do ar de
relação entre a umidade relativa do ar de saída do entrada e de saída) por meio da determinação da
spray dryer e a atividade de água do soro em pó para umidade relativa do ar de saída da câmara
cada equipamento [2]. (aplicando equações como as de número 5.5, 5.6 e
Schuck et al. [10] estabeleceram a relação entre a 5.7). A partir deste tipo de controle é possível
umidade relativa do ar de saída da câmara com a padronizar a atividade de água do soro em pó,
atividade de água (Equações 5.5, 5.6 e 5.7) do soro atributo mais importante do ponto de vista da
em pó, leite integral e desnatado em pó (relações secabilidade e da conservação do produto do que o
validadas teor
106 CAPÍTULO 5 - Estado vítreo e condições de operação do spray dryer para a secagem de soro

teor de umidade final. Para a realização deste tipo sólidos do soro concentrado, na taxa de cristalização
de controle é necessário o estabelecimento das do soro ou na temperatura do ar de saída) podem
equações que relacionam a umidade relativa do ar ser rapidamente detectadas nas propriedades físicas
de saída da câmara com a atividade de água do do ar de saída da câmara ao se utilizar um
equipamento específico e a instalação de termohigrômetro, evitando que estas flutuações
termohigrômetros em pontos específicos do afetem significativamente o teor de umidade, a
equipamento [2]. atividade de água e a adesão do soro no
A utilização de termohigrômetros também equipamento [2].
possibilitará um controle do balanço de massa do
processo de secagem do soro. Desta forma, por meio 5.6 DIAGRAMA DE MOLLIER
das Equações 5.8 e 5.9 é possível determinar a
capacidade de evaporação do spray dryer [2]. Nos parágrafos anteriores fica evidente a
importância de conhecer as propriedades físicas do
𝑚𝑎 ar durante a secagem de forma a se controlar o
𝐴𝐻𝑜 = 𝐴𝐻𝑖 + (5.8)
𝑚𝑎𝑠 processo, evitar a adesão e possibilitar maior
padronização do soro em pó obtido. As variações das
Sendo, propriedades do ar durante a secagem do soro
• AHo = umidade absoluta do ar de saída do spray podem ser representadas por meio do diagrama de
dryer (kg H2O·kg-1 de ar seco); Mollier [2,35] (Figura 5.8).
• AHi = umidade absoluta do ar de entrada do De acordo com Schuck et al. [6], por meio da
spray dryer (kg H2O·kg-1 de ar seco); Figura 5.9 é possível acompanhar as propriedades do
• ma = vazão de água na alimentação do spray ar durante a secagem do soro. O ar ambiente que
dryer via soro concentrado (kg·h-1); alimenta o spray dryer antes do aquecimento é
• mas = vazão de ar seco (kg·h-1). representado pela letra A. No ponto A, o ar
ambiente possui uma temperatura entre 20 °C e 30
𝑚𝑎 = 𝑚𝑐 (1000 − 𝑇𝑆𝑐 ) (5.9) °C e uma umidade absoluta do ar de
aproximadamente 12 g de água por quilograma de
Sendo, ar seco. Ao passar pelo sistema de aquecimento de
• ma = vazão de água do spray dryer via soro ar do spray dryer, o ar desloca-se para o ponto B do
concentrado (kg·h-1); gráfico com temperatura de 180 °C. A partir deste
• mc = vazão de soro concentrado na entrada do ponto, o ar aquecido entra em contato com as
spray dryer (kg·h-1); gotículas de soro concentrado provenientes do
• TSc = massa de sólidos totais do soro atomizador que se modificam [2].
concentrado (g·kg-1). Observa-se uma mudança nas propriedades
físicas do ar, após o contato com as gotículas de soro
Schuck et al. [10] aplicaram o termohigrômetro concentrado atomizadas, ficando este ar mais frio e
como ferramenta para otimizar o processo de mais úmido, diminuindo a sua temperatura e
secagem, por meio da aplicação das equações de 5.5 aumentando a sua umidade absoluta. Estas duas
a 5.9. Concluíram que quando a diferença entre o mudanças ocorrem simultaneamente e,
valor calculado para a umidade absoluta do ar de considerando que toda a energia deste processo é
saída do spray dryer e o valor real medido durante o transferida da forma de energia cinética das
processo é menor do que 2 g de água por moléculas do ar para energia potencial das
quilograma de ar seco, então nenhum problema de moléculas de água do soro, então o processo ocorre
adesão no interior da câmara era observado. de forma isoentalpica. A consequência é o
Contudo, quando a diferença é maior do 2 g de água deslocamento das propriedades do ar do ponto B
por quilograma de ar seco, a adesão de produto no para o ponto C [2].
interior da câmara ocorre, correspondendo a uma Se considerarmos que no ponto C o ar de saída
remoção de água inferior a calculada, criando está em equilíbrio com o soro em pó, então
condições favoráveis a adesão. Desta forma, o definimos como sendo o momento final da secagem.
operador pode acompanhar durante a secagem a No ponto C, podemos observar que a temperatura
variação da umidade absoluta do ar de saída do do ar inicialmente em 180 °C agora está próxima a
spray dryer e antecipar o problema da adesão por 80 °C (Tas), que é a temperatura do ar de saída da
meio de correções nos parâmetros de secagem [2]. câmara. Ao prolongarmos o ponto C até a curva de
Variações na umidade absoluta e relativa do ar 100 % de umidade relativa do ar encontramos a
de saída do spray dryer (resultantes de flutuações na temperatura de bulbo úmido (Tbu). Desta forma, a
umidade absoluta do ar de entrada, no teor de temperatura da partícula do soro durante a secagem
sólidos localiza-se
Química e tecnologia do soro de leite 107

localiza-se entre Tas e Tbu. A partir do ponto C ar seco) indica a massa de água evaporada por
também é possível observar a umidade absoluta do quilograma de ar seco. Conhecendo-se a vazão de ar
ar ao final da secagem (AHo) com valor aproximado seco do equipamento é possível determinar a massa
de 52 de água por quilograma de ar seco. A total de água evaporada durante a secagem do soro
diferença entre AHo e AHi (52 - 12 = 40 g H2O·kg-1 de [2].
ar

Figura 5.8 Diagrama de Mollier.


Fonte: Perrone [2].

O Ponto C localiza-se sobre a curva A região em azul no gráfico é a região definida


correspondente a umidade relativa do ar de 20 %, como zona de segurança para a secagem de lácteos.
desta forma, considerando o equilíbrio entre o ar de Cada tipo de produto apresenta uma região no
saída e a partícula é possível afirmar que nesta gráfico que não afeta de forma significativa a adesão
condição a atividade de água o soro em pó é de do mesmo no equipamento. Deve-se destacar que a
0,200. Em condições industriais, equações como as utilização da zona de segurança é determinante para
equações 5.7, 5.8 e 5.9 devem ser estabelecidas a manutenção do estado vítreo, mas que podem
para determinar a correlação direta entre a umidade exigir, dependendo do produto a ser seco, uma
relativa do ar de saída da câmara com o valor da diminuição significativa da vazão de concentrado e
atividade de água do soro em pó [2]. das temperaturas de secagem, o que em conjunto
levam
108 CAPÍTULO 5 - Estado vítreo e condições de operação do spray dryer para a secagem de soro

levam a aumento nos custos operacionais e essa marcação no diagrama em vermelho.


diminuição da capacidade produtiva. Nesta região A segunda etapa do processo consiste na
observa-se que o soro em pó obtido estará sempre temperatura do ar ao passar pelo processo de
mais frio e mais seco, condições que favorecem o aquecimento do equipamento. No nosso exemplo a
estado vítreo e consequentemente minimizam a temperatura de entrada do ar está em 180 °C, esse
adesão e o empedramento do produto [2]. aquecimento do ar está representado em azul na
Produtos de fácil secagem e estocagem Figura 5.10.
apresentam zona de segurança ampla, indicando que Em seguida o próximo ponto a ser encontrado no
pequenas alterações nos parâmetros de operação do gráfico é a da atividade de água que o produto vai
spray dryer durante a secagem são tolerados [2]. apresentar no final da secagem, esse valor é de 0,2,
ou 20 %. Traça-se uma reta do ponto anterior até a
5.7 EXEMPLO DO DIAGRAMA DE MOLLIER da atividade escolhida (Figura 5.11).
A região demarcada na Figura 5.12 em amarelo
Vamos recriar o diagrama feito no tópico 5.6, representa a região de segurança de secagem. Nessa
porém realizando o processo de utilização do região é possível perceber também a faixa de
diagrama de Mollier passo a passo. Inicialmente o ar temperatura que o produto poderá sair da câmara
ambiente está com temperatura de 20 °C (eixo y do de secagem (Tbu até Tas). Além disso é possível
diagrama) e apresenta uma umidade relativa de 10 determinar quanto de água foi evaporada em
grama de água por quilograma de ar seco, valor de relação a quilo de ar seco (AHo – AHi).
0,01 no diagrama (eixo x). A Figura 5.9 representa
essa

Figura 5.9 Marcação das condições do ar ambiente.


Fonte: Elaborado pelos próprios autores.
Química e tecnologia do soro de leite 109

Figura 5.10 Marcação das condições do ar de secagem.


Fonte: Elaborado pelos próprios autores.

Figura 5.11 Marcação da umidade relativa de saída do pó após a secagem.


Fonte: Elaborado pelos próprios autores.
110 CAPÍTULO 5 - Estado vítreo e condições de operação do spray dryer para a secagem de soro

Figura 5.12 Marcações das condições de temperatura final do pó e de quanto de água foi evaporado pelo
processo de secagem.
Fonte: Elaborado pelos próprios autores.

5.8 PROBLEMA DURANTE A SECAGEM DE queijo consiste na concentração do extrato seco do


SORO COM HIDRÓLISE DA LACTOSE leite pela coagulação da caseína, sendo assim, a
ausência da caseína reduz a temperatura de
Os parâmetros adotados no processo de transição vítrea do soro deslactosado [2,46].
secagem para o soro tradicional se tornam Outro fator impactante na secagem de soro
inadequados para a produção do soro em pó deslactosado é a acidez do mesmo. O soro com
deslactosado, uma vez que, para obtenção deste, composição abundante em ácido lático seja por meio
tem-se a hidrólise da lactose que promove a do tipo de queijo produzido ou pela acidez
liberação de glicose e galactose. E esses desenvolvida no tempo de estocagem, também
monossacarídeos possuem uma Tg inferior à da apresenta baixa temperatura de transição vítrea, o
lactose, o que diminui a temperatura de transição que torna difícil o processo de secagem [2,46].
vítrea do soro [10]. Além disso, é mais difícil ocorrer Além disso, o soro deslactosado contém lactose
a cristalização desses monossacarídeos, visto que, (em baixas concentrações), glicose e galactose. Estes
apresentam maior entalpia de ativação dos cristais monossacarídeos apresentam uma temperatura de
sendo necessário um alto valor de energia cinética transição vítrea menor que a da lactose, uma vez
para vencer a barreira energética e assim cristalizar que, compostos com menor peso molecular
[45]. Dessa forma, o método de cristalização apresentam menor Tg. A lactose possui Tg = 97 °C,
utilizado para a secagem do soro tradicional não se quando hidrolisada tem-se glicose com Tg = 31 °C e
adapta ao processo de secagem do soro galactose com Tg = 30 °C, contribuindo para a
deslactosado. Logo, esses produtos apresentam diminuição da temperatura de transição vítrea do
diferentes comportamentos no processo de produto lácteo, dificultando ainda mais a secagem, o
secagem, transporte e estocagem [46]. transporte e a estocagem destes produtos [2, 47,
Quando se produz queijo deslactosado, tem-se 48]. Devido ao número superior de moléculas no
como seu derivado o soro deslactosado, sendo este, estado amorfo, o soro com lactose hidrolisada,
um produto de difícil secagem, já que, a produção do torna-se altamente higroscópico ao longo da
queijo secagem,
Química e tecnologia do soro de leite 111

secagem, podendo levar ao entupimento da câmara dryer. Rev Do Inst Laticínios Cândido Tostes
[6]. 2016;71:106.
Fialho et al. [50], estudaram a caracterização
[3] Roos, Y. H. Glass transition temperature and
termodinâmica do processo de secagem de leite com
its relevance in food processing. Annu Rev
lactose hidrolisada e puderam concluir que o
Food Sci Technol 2010;1:469–96.
produto com hidrólise da lactose é mais susceptível a
aderir ao equipamento devido a sua menor [4] Wowk, B. Thermodynamic aspects of
temperatura de transição vítrea, quando comparado vitrification. Cryobiology 2010;60:11–22.
ao produto comum, sem hidrólise da lactose, o que
[5] Carpin, M.; Bertelsen, H.; Bech, J. K.; Jeantet,
resulta numa maior perda de massa no final do
R.; Risbo, J.; Schuck, P. Caking of lactose: A
processo de secagem [46].
critical review. Trends Food Sci Technol
Nos experimentos de Fialho et al. [50], para
2016;53:1–12.
ocorrer a secagem do leite em pó com lactose
hidrolisada, foram utilizadas diferentes condições de [6] Schuck, P.; Jeantet, R.; Méjean, S.; Lefebvre,
secagem. Na primeira, foi elaborada uma T.; Labussière, E.; Martineau, C.; et al. Energy
combinação de menores temperaturas (115-145 °C) consumption in the processing of dairy and
com maiores taxas de fluxo (em média 1,4 kg·h-1). feed powders by evaporation and drying
Como resultado obteve uma maior atividade de água energy consumption in the processing of
nos pós e os mesmos apresentaram umidade dairy and feed powders by evaporation and
elevada, isso porque, as baixas temperaturas não drying. Dry Technol An Int J 2015;33:176–84.
foram suficientes para remover a água do produto. A
[7] Palzer, S. The effect of glass transition on the
alta umidade no pó diminui a sua temperatura de
desired and undesired agglomeration of
transição vítrea, como consequência, houve
amorphous food powders. Chem Eng Sci
aglomeração dos pós. Na segunda condição, foi feito
2005;60:3959–68.
uma combinação de altas temperaturas (130-160 °C)
com baixas taxas de fluxo (0,3 kg·h-1). Como [8] Heljo, V. P.; Nordberg, A.; Tenho, M.;
resultado, os pós apresentaram coloração marrom, Virtanen, T.; Jouppila, K.; Salonen, J.; et al.
oriundo do excesso de produtos da Reação de The effect of water plasticization on the
Maillard. O que pode ser explicado pelo molecular mobility and crystallization
aquecimento excessivo que provavelmente permitiu tendency of amorphous disaccharides. Pharm
a transição vítrea. Esta aumenta a mobilidade Res 2012;29:2684–97.
molecular devido à diminuição da viscosidade o que
[9] Matveev, Y. I.; Grinberg, V. Y.; Tolstoguzov, V.
favorece a Reação de Maillard [46,51–53].
B. The plasticizing effect of water on proteins,
Como glicose e galactose possuem maior
polysaccharides and their mixtures. Glassy
afinidade com a fase aquosa, dificulta a remoção de
state of biopolymers, food and seeds. Food
água ao longo da secagem por atomização. Por isso
Hydrocoll 2000;14:425–37.
ao hidrolisar a lactose demanda-se maior quantidade
de energia para este processo [5,46]. [10] Schuck, P.; Méjean, S.; Dolivet, A.; Jeantet, R.
No estudo de Torres et al. [54] é possível saber Thermohygrometric sensor: A tool for
mais sobre os aspectos tecnológicos do leite em pó optimizing the spray drying process.
com hidrólise da lactose. Neste foram testados
[11] Couchman, P. R.; Karasz, F. E. A classical
diferentes graus de hidrólise da lactose (0%, 25%,
thermodynamic discussion of the effect of
50%, 75% e 99%) e foi possível observar que as
composition on glass-transition temperatures.
maiores porcentagens levaram a um maior diâmetro
Macromolecules 1978; 11:117–9.
de tamanho de partícula, resultando em maior
aglomeração e diminuição da capacidade de [12] Hartel, R. W.; Ergun, R.; Vogel, S. Phase/state
reidratação dos pós deslactosados [46]. transitions of confectionery sweeteners:
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CAPÍTULO
6 Concentrados proteicos: tipos,
propriedades processamento e aplicações
Elisângela Ramieres Gomes
Jean Victor dos Santos Emiliano
Alisson Borges de Souza
Rodrigo Stephani
Ítalo Tuler Perrone

CONTEÚDO 6.2 CONCENTRADOS PROTEICOS DO SORO

6.1 Introdução ....................................................... 115 Os produtos lácteos proteicos são definidos pela
6.2 Concentrados proteicos do soro .................... 115 ANVISA como os produtos obtidos por separação
6.3 Proteínas do soro: componentes e frações ... 116 física das caseínas e das proteínas do soro por meio
6.4 Tipos de concentrados proteicos ................... 118 de tecnologia de membrana ou por meio de outro
6.5 Processamento do concentrado proteico ..... 119 processo tecnológico.
6.5.1 Pré-aquecimento ................................... 120 Os produtos lácteos proteicos incluem os
6.5.2 Evaporação ............................................ 124 tradicionais derivados lácteos proteicos desidratados
6.5.3 Concentração por ultrafiltração e como o leite em pó desnatado (Skimmed Milk
diafiltração ............................................ 125 Powder - SMP), soro em pó (Whey Protein - WP) e o
6.5.4 Secagem ................................................ 126 soro em pó desmineralizado (Demineralized Whey
6.6 Funcionalidade e aplicações .......................... 127 Powder - DWP), além dos produtos de alta
concentração proteica como as caseínas, caseinatos,
6.7 Proteínas microparticuladas .......................... 129
concentrados proteicos de soro (Whey Protein
6.8 Eletrodiálise .................................................... 130
Concentrate -WPC), isolados proteicos de soro (Whey
6.9 Referências ..................................................... 131 Protein Isolates - WPI), concentrados proteicos de
leite (Milk Protein Concentrates - MPC) e isolados
6.1 INTRODUÇÃO proteicos de leite (Milk Protein Isolates - MPI). Estes
produtos apresentam variação em relação à
Nesse capítulo serão apresentados os concentração de proteína, minerais, lipídeos e
concentrados proteicos, a definição, tipos, padrões lactose. Portanto, modificações nas etapas de
de composição estabelecidos pelos Instituto fabricação fornece essa variedade de produtos,
Americano de Produtos Lácteos e pelo Codex como apresentado na Figura 6.1, o que resulta na
Alimentarius. Assim como as etapas de diferença de composição desses produto [1].
processamento do concentrado do soro de leite O WPC pode ser definido como a substância
(pré-aquecimento, evaporação, concentração, obtida pela remoção de grande parte dos
ultrafiltração e diafiltração), além dos desafios constituintes não proteicos do soro pasteurizado, de
envolvidos na secagem desses produtos e a forma forma a obter um produto seco acabado que
como estas etapas irão influenciar nas características contenha uma quantidade maior que 25% de
do produto final. As diferentes etapas de proteína. Enquanto que, o WPI é o produto que
processamento irão determinar o tipo de produto contém no mínimo 90% de proteína [2].
obtido. Na Tabela 6.1 são apresentados os padrões de
Os concentrados proteicos são muito utilizados composição estabelecido pelo Instituto Americano
como ingredientes na indústria de alimentos, devido de Produtos Lácteos (ADPI, 2002) para soro em pó,
sua capacidade de melhorar o rendimento, e a soro ácido em pó, WPC e WPI. Entretanto, o Codex
qualidade dos produtos em geral. Alimentarius (2018), estabelece que o soro em pó
Outro aspecto que será tratado serão as deve ter 61% de lactose, 10% de proteína, 2% de
proteínas microparticuladas, produção e aplicação gordura e no máximo de 9,5% de cinzas. Enquanto
em produtos lácteos como substituto de gordura e que, o soro ácido em pó deve ter as mesmas
também será abordado o processo de eletrodiálise. quantidades de lactose e gordura que o soro em pó,
sendo que a proteína deve ser de 7% e no máximo
15% de cinzas.
116 CAPÍTULO 6 - Concentrados proteicos: tipos, propriedades processamento e aplicações

15% de cinzas. gordura e cinzas no Codex têm-se um valor maior.


Comparando os padrões estabelecido pelo ADPI Enquanto que, para o soro ácido, o único parâmetro
e o Codex Alimentarius (2018), foi possível observar que é semelhante é o de lactose, sendo que para os
que, para soro em pó, os padrões de lactose e demais parâmetros, o Codex sempre estabelece
proteína são similares nos dois órgãos e os de valores maiores.
Enquanto

Figura 6.1 Produtos lácteos proteicos desidratados.


Fonte: Singh [3].

Tabela 6.1 Composição típica de WPC, WPI e soro de leite em pó (g·100g-1).


Soro em pó
Composição WPC WPI Soro em pó
ácido
Umidade 4,0 4,5 5,0 3,5-5,0
Lactose 10,0-55,0 0,5 61,0 61,0-70,0
Proteína 34,0-80,0 92,0 9,0 11,0-13,5
Gordura 1,0-10,0 1,0 0,8 0,5-1,5
Cinzas 4,0-8,0 2,0 7,0 9,8-12,3
Fonte: Adaptado de ADPI [2].

albumina do soro bovino (BSA), imunoglobulinas


6.3 PROTEÍNAS DO SORO: COMPONENTES E (Ig's) e glicomacropeptídeos (GMP). Essas frações
FRAÇÕES variam em tamanho, peso molecular e função, o que
fornece às proteínas do soro características únicas
A composição das proteínas do leite é [7,8]. As proteínas do soro apresentam diferenças na
apresentada na Figura 6.2. A caseína é uma mistura sua composição de macronutrientes e
de componentes como αs1-, αs2-, β e k-caseína, micronutrientes, o que está relacionado com a forma
enquanto que as proteínas do soro são compostas de produção [9]. Desta forma, 100 g de concentrado
por β-lactoglobulina, α-lactoalbumina, albumina, proteico do soro (WPC) possui, em média, 414 kcal,
peptona proteica e imunoglobulinas. As frações das 80 g de proteína, 7 g de gordura e 8 g de
caseínas e das proteínas do soro são apresentadas carboidratos [9]. Os aminoácidos de cadeia
nas Figuras 6.3 e 6.4 [4]. ramificada (Branched-Chain Amino Acids – BCAA)
No leite bovino a β-lactoglobulina é a proteína totalizam 21,2% e todos os aminoácidos essenciais
do soro predominante com aproximadamente 3,5 compõem 42,7%. Em relação aos micronutrientes,
g·L-1, seguida por α-lactoalbumina com 1,3 g·L-1 e a possui, em média, 1,2 mg de ferro, 170 mg de sódio
lactoferrina com um conteúdo mais baixo de 5,0 x e 600 mg de cálcio por 100 g de concentrado
10-2 g·L-1 [5]. proteico [9].
As proteínas do soro possuem uma estrutura Os concentrados proteicos, como o MPC,
globular com algumas ligações de dissulfeto, o que possuem composição proteica equivalente à do leite
proporciona estabilidade estrutural. O soro é de origem, mantendo a proporção entre caseínas e
construído de frações e peptídeos como: beta- proteínas do soro em aproximadamente 80/20
lactoglobulina (β-LG), alfa-lactoalbumina (α-LA), (Figuras 6.2 e 6.3). Enquanto que, o WPC é um
albumina produto
Química e tecnologia do soro de leite 117

produto com contribuição exclusiva das proteínas do (Denatured Whey Protein Concentrate - DWPC) é
soro (Figura 6.4). Já o WPI é composto por uma composto por agregados proteicos sedimentáveis,
mistura de proteínas globulares compactas, em que fração difusível que é composta por minerais
a β-Lg está em maior quantidade seguida da α-La e solúveis e complexos proteicos não-sensíveis que se
BSA. O WPI em pó contém pelo menos 90 % de formam simultaneamente durante o aquecimento e
material proteico, composto por frações menores de cisalhamento do concentrado de proteína de soro
lactose (0,2-2,0 %), gordura (0,2-1,5%), cinza (0,3- [11]. Esse DWPC é utilizado na fabricação de queijos,
4,5%) e umidade (0,2-2,0%) [10]. pois aumenta o rendimento devido sua propriedade
O concentrado de proteína de soro desnaturado de retenção de água [11].
concentrado

Figura 6.2 Composição típica das proteínas do leite.


Fonte: Stephani [6], adaptado de Walstra [4].

Figura 6.3 Composição típica das frações proteicas do leite.


Fonte: Stephani [6], adaptado de Walstra [4].
118 CAPÍTULO 6 - Concentrados proteicos: tipos, propriedades processamento e aplicações

Figura 6.4 Composição típica das frações de soro proteínas do leite.


Fonte: Stephani [6], adaptado de Walstra [4].

6.4 TIPOS DE CONCENTRADOS PROTEICOS pela presença destas proteínas. Por exemplo,
concentrados proteicos de leite (MPC) e
A concentração e a composição de proteínas são concentrados proteicos de soro (WPC) são
importantes nos concentrados de leite e produtos classificados de acordo com o conteúdo de
em pó, com alguns produtos sendo caracterizados proteínas, conforme apresentado na Tabela 6.2 [12].
pela
Tabela 6.2 Composição aproximada dos produtos lácteos líquidos, concentrados e em pó (g.100 g-1).

Produtos Gorduras Proteínas Carboidratos Minerais

WPC 34 2-4 34-36 44-53 7-8


WPC 53 5 53 35 7
WPC 80 03-7,0 72-81 2-13 2,6-6,5
WPI 0,1-0,7 89-93 0,1-0,8 1,4-3,8
MPC 42 1,0 42 46 7,5
MPC 70 1,4 70 16,2 8,2
MPC 75 1,5 75 10,9 7,6
MPC 80 1,8 80 4,1 7,4
MPC 85 1,6 85 1,0 7,1
Caseinato (Ca,K, Na) 0,9-1,5 89-95 0,2 3,3-5
Caseínas (ácida) 0,8 97 0,1 1,8
Fonte: Adaptado de Tamine [13].

Na Tabela 6.2 é possível notar a diferença no teor um elevado teor de proteína: caseínas (ácido ou
de proteína de diferentes produtos em pó. Quatro enzimática), MPC 85, WPC 80 e isolado proteico de
tipos de produtos padrão destacam-se como tendo soro. Contudo, o tipo de proteína difere
um consideravelmente,
Química e tecnologia do soro de leite 119

consideravelmente, com caseínas, sendo quase de um produto com nomes semelhantes, mas
inteiramente caseínas, MPC contendo caseínas e produzidos por diferentes métodos e possuem
soroproteínas em semelhante proporção ao leite diferentes composições. Na Tabela 6.3 são
original e os produtos de soroproteínas, WPC, quase apresentados outros exemplos de diferença na
exclusivamente soroproteínas [12]. composição de produtos à base de proteínas lácteas,
As composições de duas diferentes caseínas são obtidos por diferentes métodos de processamento.
mostradas na Tabela 6.2. Estes são bons exemplos
de um
Tabela 6.3 Composição de alguns preparados a base de proteínas lácteas.
Composição geral (%)
Produto Método de obtenção Proteína
Carboidrato Cinza Gordura
bruta
Caseína ácida Coagulação ácida 83-95 0,1-1 2,3-3 2
Caseinato Na Ácido + NaOH 81-88 0,1-0,5  4,5 2
Caseína do coalho Coagulação enzimática 79-83  0,1 7-8 1
Isolado de PSb Troca iônica 85-92 2-8 1-6 1
Concentrado de PS Ultrafiltração 50-85 8-40 1-6 <1
Concentrado de PS Eletrodiálise + cristalização da lactose 27-37 40-60 1-10 4
Soro em póc Desidratação por atomização  11  73 8 1
Complexo de PS Metafosfato  55  13  13 5
Complexo de PS CMC  50  20d 8 1
Complexo de PS Fe + polifosfato  35 1  54 1
Lactalbumina Calor + ácidoe  78  10 5 1
Coprecipitado Calor + ácidoe  85 1 8 2
a Nestes processos de elaboração sempre se inclui a dessecação até 3-8% de água
b PS = Proteínas do soro
c Dados que são fornecidos a título de comparação
d Inclui CMC (carboximetilcelulose)
e e/ou CaCl
2

Fonte: Walstra [14].

6.5 PROCESSAMENTO DO CONCENTRADO algumas diferenças importantes no design do


PROTEICO equipamento e na condução da operação de
secagem. Muitos produtos à base de soro são difíceis
A obtenção dos concentrados proteicos pode ser de secar, necessitando de um equipamento
realizada empregando a associação de processos de especializado, onde, por exemplo, o estágio final de
filtração por membranas, evaporação a vácuo e evaporação usado para produção de soro
secagem em secador por pulverização. A secagem concentrado deve apresentar um desenho diferente
por atomização é a técnica mais conveniente para a daquele usado na produção de leites concentrados
produção de concentrados proteicos em pó [15]. [12].
Na produção de alimentos concentrados e Desta forma, desenvolvimento de atributos
desidratados, é típico o uso da evaporação em operacionais e tecnológicos para o processamento
múltiplo-estágio, seguida por um adequado processo de concentrado proteico de soro (WPC) é necessário
de secagem, essas são operações unitárias mais para um eficiente projeto de equipamentos na
comumente realizadas no processo de produção de indústria de concentrados e desidratados nacional.
concentrados e produtos desidratados à base de Equipamentos e linhas de processo bem projetados
soro. Embora, em geral, o desenho do processo seja contribuirão para uma maior competitividade destas
similar ao de produção de leite em pó desnatado, há indústrias nos mercados nacional e internacional,
algumas bem
120 CAPÍTULO 6 - Concentrados proteicos: tipos, propriedades processamento e aplicações

bem como o melhor aproveitamento do soro [6]. A mais importante reação durante o pré-
Outros processos de concentração e aquecimento é a desnaturação proteica das
fracionamento, usados com frequência na produção soroproteínas, interações das soroproteínas com as
de soro em pó modificado e produtos de micelas de caseína e agregação/dissociação das
soroproteínas, incluem toda família de processos de micelas de caseína [1].
membrana, envolvendo também o processo de troca Segundo Araújo [25], a desnaturação altera várias
iônica, eletrodiálise, cromatografia e outras técnicas propriedades importantes das proteínas, do ponto
de processamento avançadas. Praticamente todo de vista da tecnologia de alimentos. A proteína
processamento inclui esquemas de tecnologia de desnaturada é, geralmente, menos solúvel ou até
centrifugação clássicos em lácteos, tratamento mesmo insolúvel, promove aumento na viscosidade
térmico ou outras formas de aquecimento, e do alimento e tem a reatividade de seus grupos
frequentemente várias etapas de cristalização da laterais intensificada. O autor prossegue afirmando
lactose. O tratamento térmico imediato de todo soro que a proteína desnaturada é mais sensível à
de queijo contendo microrganismos do fermento é hidrólise por enzimas proteolíticas.
um dos pré-tratamentos mais importantes para A desnaturação das soroproteínas afeta a
evitar excessivo desenvolvimento de ácido lático conformação tridimensional e as características
continuando a atividade fermentativa [13]. funcionais das mesmas. O grau de desnaturação
O processo de conversão do leite ou do soro térmica das soroproteínas varia em função da
líquido em pó altera a natureza e o comportamento intensidade do tratamento térmico aplicado ao leite
dos componentes do leite. Fatores que afetam a no processamento de diferentes derivados. Dessa
capacidade de absorção de água das proteínas forma, a desnaturação deve ser conduzida de forma
lácteas incluem: composição; estrutura proteica e a beneficiar as propriedades importantes para cada
conformação; carga superficial e polaridade; derivado lácteo [1].
presença de carboidratos, lipídeos e sais; pH; força Alterações na conformação proteica podem
iônica; temperatura; grau de desnaturação e afetar a termodinâmica de ligação com a água por
agregação; e formação de pontes dissulfídicas alterar a disponibilidade de sítios polares ou sítios de
[16,17]. hidratação. A transição da conformação globular
No caso do concentrado proteico do soro (WPC), compacta da molécula de proteína, para a
a produção por meio da aplicação das técnicas de conformação aleatória, resulta no aumento da área
membranas, evaporação a vácuo e secagem por superficial disponível e exposição de peptídeos e
pulverização é uma alternativa tecnológica viável ao cadeias laterais de aminoácidos (antes protegidos),
aproveitamento do soro oriundo das fábricas de desta forma, podem interagir com a água [26].
queijos, possibilitando a obtenção de produtos com Dentre as proteínas do leite, as soroproteínas são
alto valor mercadológico agregado [18]. A seguir, as mais termolábeis e a ordem de instabilidade
são apresentados os fluxogramas com as etapas de térmica é: Igs > BSA > β-LG A > β-LG B > α-LA [27, 28].
processamento dos produtos: WPI (Figura 6.5), WPC O comportamento térmico das proteínas do soro
utilizando evaporação à vácuo (Figura 6.6) e WPC é governado, principalmente, pelas propriedades da
utilizando somente sistemas de membranas (Figura β-lactoglobulina que, por sua vez, são afetadas pelo
6.7) [6]. pH do meio, lactose, cloreto de sódio, íons cálcio e
outros [1].
6.5.1 Pré-aquecimento Particularmente, a β-lactoglobulina e a BSA
comandam a agregação de proteínas por meio da
O pré-tratamento térmico convencionalmente troca tiol-dissulfeto e reações de oxidação-redução
refere-se ao aquecimento dado ao leite ou soro anda durante o tratamento térmico [1].
evaporação e secagem. O principal objetivo deste As temperaturas às quais o leite é submetido
pré-aquecimento é alterar as características de durante o processamento conduzem à mudanças
funcionalidade do pó e elevar a temperatura do físico-químicas nas diferentes frações proteicas e,
produto o suficiente para assegurar que o mesmo correspondentemente, na distribuição de nitrogênio
entre no primeiro efeito do evaporador em nas mesmas [1].
condições de ebulição. As temperaturas de O aumento da porcentagem de N-caseínico de
aquecimento variam de 72 °C por 15 segundos a 120 acordo com o aumento da temperatura não significa
°C por 2 minutos. Este aquecimento provoca que o teor verdadeiro de caseína nesses leites
competição e também reações interdependentes aumente. Trata-se de um aumento aparente devido
nas proteínas do leite, e este assunto tem sido à formação de complexos entre as proteínas do soro
discutido em um grande número de revisões e livros e a caseína [1].
[19–24].
Química e tecnologia do soro de leite 121

Figura 6.5 Fluxograma de produção do WPI.


Fonte: GEA Process Engineering A/S.
122 CAPÍTULO 6 - Concentrados proteicos: tipos, propriedades processamento e aplicações

Figura 6.6 Fluxograma de produção do WPC utilizando evaporação à vácuo de acordo com o teor de
proteína desejado.
Fonte: GEA Process Engineering A/S.
Química e tecnologia do soro de leite 123

Figura 6.7 Fluxograma de produção do WPC utilizando sistemas de membranas de acordo com o teor de
proteína desejado..
Fonte: GEA Process Engineering A/S.

A κ-caseína, em especial, tem a capacidade de desnaturadas do soro, possivelmente da forma


reagir com o grupamento sulfidrila das proteínas abaixo [29]:
desnaturadas
[-CN]-SH + HS-[-lactoglobulina] + O2 → [-CN]- S - S -[-lactoglobulina] + H2O

[-CN]-SH + SS=[-La] → [-CN]- S - S -[-La]-SH

Estes complexos são co-precipitados com a seu grupo funcional apresenta maior dificuldade
caseína na determinação do N-não-caseínico, para se ligar à κ-caseína, por isso é pouco relevante
resultando em maior teor de N-caseínico nos leites para a estabilidade térmica do leite [1].
pasteurizado e fervido [1]. A diminuição aparente no teor de soroproteína é
A α-lactoalbumina não possui grupos SH e sim resultado das características químicas e da estrutura
quatro grupos S-S·mol-1. Para que esta se ligue à κ- globular dessas proteínas. Elas se encontram
caseína, primeiro deve ocorrer a quebra do grupo S- molecularmente dissolvidas e susceptíveis à
S pelo oxigênio. Além de ser mais termorresistente, desnaturação térmica [29].
seu
124 CAPÍTULO 6 - Concentrados proteicos: tipos, propriedades processamento e aplicações

A desnaturação das proteínas do soro afeta a extensão da associação das soroproteínas


conformação tridimensional e propriedades desnaturadas com as micelas de caseína, que
funcionais das mesmas. Assim, é de esperar-se um incluem o pH do leite antes do aquecimento, as
comportamento ligeiramente diferente da concentrações de cálcio e fosfatos solúveis e a
soroproteína do leite fervido, se comparado com o concentração de sólidos do leite [32]. O
pasteurizado, por exemplo, em relação à capacidade aquecimento em valor de pH inferior a 6,7 resulta
de absorver água, de gelificar, emulsificar, na em uma maior quantidade de soroproteína
viscosidade e outros [1]. desnaturada associada com as micelas de caseína,
A cinética da desnaturação térmica das proteínas enquanto em pH mais alto, os complexos de
do soro é complexa, com efeito significativo nas soroproteína e κ-caseína dissociam-se das superfície
mudanças entre 80-100 °C [30]. A reação de das micelas, aparentemente por causa de
desnaturação mostra uma relação não linear de dissociação da κ-caseína [32].
Arrhenius; existe uma notável mudança dependente Associações das soroproteínas modificam as
da temperatura próximo de 80-90 °C para ambas α- superfícies das micelas de caseína e podem ser
LA e β-LG. A energia de ativação aparente está na capazes de influenciar a funcionalidade de alguns
faixa de 260 kJ·mol-1 a 280 kJ·mol-1 para a β-LG e 270 ingredientes lácteos reconstituídos [1].
kJ·mol-1 a 280 kJ·mol-1 para a α-LA em temperaturas
abaixo de 90 °C [27,28]. Em temperaturas mais altas, 6.5.2 Evaporação
a energia de ativação é menor, variando de 54
kJ·mol-1 a 60 kJ·mol-1 para a β-LG e de 55 kJ·mol-1 a Os evaporadores a vácuo de filme descendente
70 kJ·mol-1 para a α-LA, indicando interação química são os predominantes nas indústrias de laticínios e
(agregação) [1]. são projetados para a máxima remoção de água do
Oldfield et al. [31] sugeriram que existem pelo leite com o menor efeito sobre as qualidades do pó.
menos três possíveis espécies de desnaturação da β- Este tipo de evaporador tem baixo tempo de
LG que podem associar com as micelas: (i) residência (tipicamente de 3 a 6 minutos) e opera
monômero de β-LG desdobrado, (ii) auto-agregação sob vácuo, tornando possível a temperatura de
de β-LG e (iii) agregados de β-LG/α-LA. A taxa relativa ebulição do produto entre 40 °C a 70 °C.
de associação destas espécies com as micelas de Aproximadamente 80% da água pode ser removida
caseína depende da temperatura e gradiente de do leite, concentrando de 90 a 140 g·kg-1 de sólidos
aquecimento, que por sua vez afetam as taxas totais para 440 a 500 g·kg-1 de sólidos. No caso de
relativas de desdobramento e formação das soro, este percentual final varia entre 550 e 600 g·kg-
diferentes espécies agregadas. Em temperaturas 1 de sólidos [1].

elevadas e taxas de aquecimento rápido, todas as A evaporação promove inúmeras mudanças nos
soroproteínas do leite começam a se desdobrar em sistemas lácteos [22]. O pH do leite diminui durante
um curto período de tempo, apresentando assim a concentração, com uma média variando de 6,7 no
mais oportunidade para os monômeros de β-LG início para 6,3 com 450 g·kg-1 de sólidos totais. Isto
desdobrados se autoagregarem, que se deve particularmente as mudanças no equilíbrio
consequentemente fará a associação com as micelas salino, quando mais fosfato de cálcio é transferido
de caseína menos eficientes. Estes agregados de β- da forma solúvel para o estado coloidal, com
LG poderiam sobressair da superfície da micela de concomitante liberação de íons hidrogênio. Não
caseína promovendo um efeito estérico para novas existe desnaturação significante de β-LG ou IgG
associações de β-LG. Além disso, estes agregados durante a evaporação do leite desnatado até 450
podem ter seus grupos reativos sulfidrílicos no g·kg-1 de sólidos totais, entretanto alguma
interior do agregado, e, portanto, indisponível para desnaturação de α-LA pode ocorrer [33]. Isto se deve
as reações de transferência sulfidril-dissulfeto com a em parte à maior estabilidade das soroproteínas em
κ-caseína micelar. altas concentrações de sólidos totais, devido ao
A formação de β-LG desdobrada pode ser efeito estabilizador da lactose sobre a estrutura da
promovida por longos períodos de aquecimento a proteína. No entanto, há um aumento nos valores de
temperaturas baixas, ou por aquecimento em uma β-LG e α-LA associadas com as micelas após a
taxa lenta até a temperatura desejada. Estas evaporação, que pode ser atribuído principalmente à
moléculas monoméricas de β-LG desdobradas diminuição do pH durante a evaporação [33].
penetram na camada capilar da κ-caseína com maior As micelas de caseína geralmente aumentam de
facilidade e tem o grupo sulfidrílico mais facilmente tamanho por causa do acréscimo de fosfato de cálcio
acessível [27]. coloidal ou pelo aumento de associações das
Além do tempo e da temperatura de soroproteínas com as micelas. Infelizmente, não
aquecimento, vários outros fatores influenciam na existem dados confiáveis disponíveis sobre a
extensão distribuição
Química e tecnologia do soro de leite 125

distribuição do tamanho das micelas de caseína em taxa de fluxo é alcançada e a desnaturação térmica
sistemas altamente concentrados, principalmente das soroproteínas é evitada [1].
porque técnicas de medições confiáveis também não Portanto, a ultrafiltração é uma das técnicas mais
foram desenvolvidas [3]. Além disso, o leite utilizadas para produção de WPC e WPI, nesse
concentrado é muito difícil de ser manipulado por processo os componentes de baixo peso molecular
causa de sua alta viscosidade e tendência à como água, sais e lactose são permeadas através da
gelificação [1]. membrana, enquanto que as proteínas por possuir
Sob condições normais de evaporação com um maior peso molecular ficam retidas. A
temperaturas abaixo de 70 °C, as alterações nas diafiltração também é muito utilizadas para
proteínas nesta etapa de fabricação são obtenção de concentrados proteicos com
comparativamente menores que aquelas ocorridas concentrações superiores de 50% de proteína [36].
durante a etapa de pré-aquecimento [23]. Para o Os permeados obtidos da ultrafiltração de leite
processamento do soro, uma temperatura de 50 °C ou soro são essencialmente soluções de lactose com
durante a evaporação é efetiva para uma elevado nível de impureza causado pelos minerais e
concentração do retentado da UF/DF acima de 400 outros componentes menores do soro. Secagem dos
g·kg-1 de sólidos totais e assegurar a não permeados não é somente difícil devido ao alto
desnaturação térmica da soroproteínas [1]. conteúdo de lactose, mas também por ser
antieconômico devido ao baixo valor de mercado
6.5.3 Concentração por ultrafiltração e diafiltração destes produtos em pó. A etapa de pré-cristalização
da lactose é uma necessidade, mas aumenta o custo
O processo de ultrafiltração (UF) do leite de produção [13].
desnatado permite que água, lactose, compostos Há diferentes razões para a inclusão da etapa de
nitrogenados não proteicos e sais solúveis passem cristalização da lactose, tecnologicamente necessária
pela membrana enquanto as micelas de caseína e as na secagem de soro modificado e regular, sendo
soro proteínas são retidas. A temperatura de UF tem destacada a redução da higroscopicidade no produto
grande impacto sobre a composição do concentrado. em pó. Consequentemente, a construção dos
Altas temperaturas resultam em altas taxas de fluxo cristalizadores e a condução do processo de
de permeado e baixa retenção de componente de cristalização devem ser diferentes. Neste caso, o
baixa massa molecular [1]. objetivo é facilitar produção de grandes cristais de
A diafiltração (DF) é aplicada para a produção de lactose, facilitar a separação deles do líquido original
produtos lácteos proteicos (MPP) com alta e subsequente lavagem. Ao contrário, a pré-
concentração de proteínas, tipicamente acima de cristalização da lactose antes da secagem do soro em
800 g·kg-1, normalmente utilizando água purificada. pó deveria resultar em cristais muito pequenos (não
O número de estágios de DF e o volume de água excedendo 50-100 µm) de modo que não impeça o
utilizada depende do projeto, do tipo de operação subsequente processo de secagem em spray dryer.
da planta de UF, e da especificação desejada do Uma típica etapa de cristalização pode consistir do
produto final [1]. resfriamento controlado (cerca de 2 °C·h-1) por 12-
Relativamente poucos trabalhos sobre o 16 h com semeadura de lactose finamente moída. O
comportamento das micelas durante UF/DF têm sido flash cooling não deve ser utilizado para evitar a
publicados. Srilaorkul [34] usando microscopia nucleação espontânea e produção de falsos cristais,
eletrônica, mostrou que o tamanho da maior resultando no aparecimento de partículas
proporção das micelas de caseína (80 nm a100 nm) excessivamente grande [13].
no leite foi reduzido (para 60 nm a 80 nm) para O processo de secagem de lácteos implica na
valores de concentração fator 5. Esta diminuição no formação de lactose no estado amorfo que é
tamanho das micelas de caseína foram atribuídas altamente higroscópica. Segundo Hynd [37], os
particularmente ao cálcio e fosfato. Em contraste, produtos de soro em pó possuem a tendência de
McKenna [35] encontrou que houve pequena absorver água do ar ambiente, acarretando
mudança no tamanho das partículas nos primeiros agregação de partículas coloidais do produto
estágios da UF, mas a média aumentou durante o armazenamento e a substituição de parte
significativamente na etapa final do processo de UF da lactose amorfa por lactose cristalina, como
e particularmente durante a DF. McKenna [35] resultado da cristalização do soro concentrado,
observou um progressivo inchaço das micelas de transforma o soro em um produto não higroscópico.
caseína e a formação de material não micelar [1]. De acordo com Fox e McSweeney [38], no intuito de
Os processos de UF e DF do soro são geralmente aumentar o prazo de conservação do soro em pó,
realizados à aproximadamente 50 °C. Esta por exemplo, deve-se realizar os controles da acidez
temperatura é considerada ideal, pois nela uma boa do soro, da cristalização da lactose e da temperatura
taxa do
126 CAPÍTULO 6 - Concentrados proteicos: tipos, propriedades processamento e aplicações

do ar de saída da câmara de secagem. Segundo desejáveis no produto processado. Desta forma, na


Masters [39], o soro em pó, quando obtido sem Figura 6.8 é apresentado o histórico de tratamento
prévia cristalização, é um pó muito fino, higroscópico térmico do WPC [1].
e com grande tendência à agregação de partículas A combinação de alta temperatura (95 °C) e uma
coloidais, o que se deve à presença de lactose em concentração de 0,4 g·g-1 de WPC em água
um estado vítreo ou amorfo [1]. apresenta grande efeito de desnaturação térmica
Outro passo usado periodicamente na secagem das soroproteínas devido à alta temperatura e alta
de soro em pó regular é a intencional desnaturação concentração de proteínas [1]. Dannenberg e Kessler
das soroproteínas sensíveis ao calor por um severo [27], mostraram como a cinética de desnaturação
tratamento térmico em alta temperatura (80-90 °C) térmica das soroproteínas possui efeito significativo
combinadas com longo tempo de retenção. É lógico nas temperaturas acima de 90 °C, principalmente na
que este tratamento produzirá soro em pó com β-LG e α-LA. A alteração na conformação proteica
menor solubilidade proteica as quais, podem não ser aumenta a área superficial disponível e expõe
importantes em muitas aplicações de soro em pó. peptídeos e cadeias laterais de aminoácidos, antes
Este tratamento térmico pode diminuir escondidos que, desta forma, podem interagir com a
possivelmente dificuldades na evaporação onde, se a água aumentando assim a viscosidade [26].
temperatura necessária for de aproximadamente 70 Entretanto, devido à ausência de outros tipos de
°C, a sensibilidade térmica das soroproteínas pode proteínas como as caseínas, a autoagregação de β-
causar excessiva queima na superfície de LG e agregados de β-LG/α-LA ocorrerão a uma taxa
aquecimento e/ou formação de depósito na associada ao tempo de exposição à alta
calandria do evaporador, conduzindo a completa temperatura. Em temperaturas elevadas e taxas de
parada de escoamento [1]. aquecimento rápido, todas as soroproteínas do leite
O histórico de tratamento térmico do soro é começam a se desdobrar em um curto período de
importante porque irá influenciar nas propriedades tempo, apresentando assim mais oportunidade para
funcionais das proteínas do leite, dentre as quais a os monômeros de β-LG desdobrados se
desnaturação térmica das soroproteínas é autoagregarem [28], e desta forma uma diminuição
determinante para a obtenção das características da interação com a água é esperada [1].
desejáveis

Figura 6.8 Histórico térmico do WPC.


HSTS = High temperature short time (pasteurização rápida a placas)
UF = ultrafitração
Fonte: Inovaleite.

6.5.4 Secagem que proporcionará uma grande área de superfície


sobre a qual a secagem irá atuar. Na câmara de
A secagem por pulverização é a mais utilizada secagem, as gotas são intimamente misturadas com
para os MPPs desidratados. O objetivo é remoção da entrada de ar quente (150 °C a 250 °C). Inicialmente
água remanescente da concentração para a as gotas do produto são rapidamente secas até a
produção de pó com 30 g·kg-1 a 50 g·kg-1 de temperatura de bulbo úmido (45 °C a 60 °C),
umidade. O produto é atomizado em um spray fino, entretanto, com a queda das gotas ao longo da
que câmara
Química e tecnologia do soro de leite 127

câmara de secagem, as mesmas começam a ficar partículas coloidais e adesão dos pós nos
menos úmidas e a temperatura das partículas equipamentos. A origem destes problemas está
consequentemente aproxima-se da temperatura do associada às propriedades físico químicas dos
ar de saída (70 °C a 90 °C) [1]. produtos e atributos de processamento. As variáveis
Existem diferentes configurações dos de controle mais relevantes são a atividade de água,
equipamentos de secagem. Podem ser com ou sem a transição vítrea e a cristalização da lactose [44].
fluidizadores internos e externos, com dois ou Produtos onde o estado nativo das soroproteínas
múltiplos estágios de secagem que são é requerido, tais como no caso do WPC e WPI em pó,
energeticamente mais eficientes e menos agressivos uma secagem em dois estágios poderia ser usada
às propriedades do pó dos MPPs comparados com a com rigorosos controles das temperaturas do ar de
secagem de um único estágio [1]. entrada e especificamente na de saída. Estes e
As condições de secagem influenciam as similares produtos de soro modificados requerem
propriedades dos produtos lácteos proteicos especial cuidado e, frequentemente, especializado
desidratados: solubilidade, densidade, molhabilidade equipamento de secagem empregado para não
e fluidez do pó [40]. A temperatura do ar de saída na modificar a qualidade do produto final [13].
câmara de secagem é extremamente impactante na Os balanços de massa para produção do WPC 34,
solubilidade do pó [3]. Entretanto, pouco se sabe WPC 55 e WPC 80 são apresentados na Figura 6.9.
sobre as mudanças ocorridas nas proteínas durante Os produtos à base de soro requerem
a secagem. As propriedades naturais dos embalagens especiais, especialmente em casos onde
componentes do leite são essencialmente pouco a cristalização não tenha sido incluída. A secagem
modificadas pela secagem em condições moderadas. em spray de um produto sem pré-cristalização
A distribuição do tamanho das micelas de caseína, a resultará em um pó de alta higroscopicidade que
estabilidade térmica e as características de causará empedramento se não protegido da
coagulação por quimosina, são substancialmente umidade. O alto valor dos WPCs e WPIs oferecidos
recuperadas pela reconstituição do leite após a no mercado, tais como os produtos oferecidos para
secagem [1]. praticantes de atividade física, é devido as
Sob típicas condições de secagem, as embalagens de alumínio e em alguns casos da
soroproteínas não são desnaturadas em valores utilização de gás inerte ou mesmo atmosfera
significativos. Oldfield et al. [33] mostraram que a modificada [13].
desnaturação das soroproteínas durante a secagem O WPC quando é exposto à uma alta umidade
foi mínima, com nenhuma perda aparente de IgG e relativa, o pó absorve água e como consequência,
apenas uma pequena perda de BSA (3-7%). Mesmo ocorre uma diminuição da viscosidade e aumento da
variando a temperatura do ar de entrada e saída mobilidade molecular. Esses dois fatores
(200 °C/100 °C e 160 °C/89 °C), aparentemente não determinam uma série de modificações estruturais
houve efeito significativo sobre a desnaturação das dependentes do tempo, tais como: gomosidade,
soroproteínas. Entretanto, condições de alta colapso e cristalização dos componentes amorfos,
temperatura de saída (> 80 °C), podem proporcionar que diminuem a vida útil do WPC e, por
reações (parte reação de Maillard entre a lactose e consequência, a sua qualidade [6].
as proteínas) que diminuem o valor nutricional do
produto [41]. 6.6 FUNCIONALIDADE E APLICAÇÕES
Para a secagem do retentado da UF de soro, é
usual a utilização de câmaras de secagem equipadas Produtos lácteos proteicos quando adicionados
com atomizador de bico. Tipicamente, as aos derivados de leite ou a outros alimentos
temperaturas do ar de entrada e saída são de 160 °C processados, contribuem para melhorar a
a 180 °C e menor que 80 °C, respectivamente [42]. composição nutricional e também na funcionalidade
A secagem também promove mudanças no do produto [3].
equilíbrio salino, como por exemplo, aumento no As propriedades funcionais tecnológicas têm sido
fosfato de cálcio coloidal e por consequência definidas como qualquer propriedade dos alimentos
diminuição do pH. Foram demonstradas que as ou dos seus componentes, excetuando-se as
concentrações de cálcio solúvel e fosfato solúvel em nutricionais, que influencie a sua aceitação e
leite desnatado reconstituído são cerca de 20% utilização. Essas dependem das propriedades físicas
inferiores às do leite original [43]. e químicas das proteínas, que são muito importantes
A secagem de produtos oriundos do soro de leite para o preparo de determinados alimentos, afetando
(por exemplo, o concentrado proteico de soro – sua conservação, estocagem e aceitação pelos
WPC) e novos produtos, frequentemente ocorre de consumidores [45].
forma empírica, ocasionando a agregação de
partículas
128 CAPÍTULO 6 - Concentrados proteicos: tipos, propriedades processamento e aplicações

Figura 6.9 Balanço de massa da produção de WPC 34, WPC 55 e WPC 80.
Fonte: Elaborado pelos próprios autores.

As proteínas lácteas promovem uma ampla leites fermentados. O uso das proteínas lácteas em
variedade de propriedades dinâmicas funcionais, bebidas nutricionais está crescendo e, nestas
largamente exploradas pelas indústrias de alimentos, aplicações, o MPC, por exemplo, contribui com
com o objetivo de proporcionar melhorias de ambas as frações proteicas do leite (caseína e
textura, rendimento e palatabilidade aos produtos proteínas do soro), na mesma proporção que o leite
processados. Desta forma, uma grande variedade de de origem, porém com concentração de lactose
produtos são destinados para estas aplicações, muito menor [47]. Enquanto que, o WPC tem
sendo os mais importantes do ponto de vista aplicação em produtos cárneos, bebidas, panificação
industrial os produtos de alta concentração proteica e produtos infantis [48,49].
como as caseínas, os caseinatos, os concentrados Segundo o Instituto Americano de Produtos
proteicos de soro (WPC), os isolados proteicos de Lácteos [2] o WPC pode ser utilizado na produção de
soro (WPI), os concentrados proteicos de leite (MPC) produtos lácteos, misturas secas, misturas úmidas,
e os isolados proteicos de leite (MPI) [46]. refrigerantes e alimentos dietéticos especiais,
Os processos utilizados na fabricação destes alimentos infantis, produtos de panificação,
produtos tendem a modificar a estrutura nativa das produtos de confeitaria e sobremesas congeladas.
proteínas lácteas, podendo levar a novas interações Enquanto que o WPI pode ser utilizado em
proteína-proteína e, consequentemente, gerar suplementos proteicos em geral e em produtos
impacto sobre a funcionalidade tecnológica das batidos como coberturas. Além disso, o WPI possui
mesmas [3]. Essas propriedades tecno-funcionais das funcionalidade proteica como a gelificação sendo
proteínas estão relacionadas a várias características utilizado para produção de iogurtes e pudins, outra
moleculares como hidratação, atividade de funcionalidade é sua capacidade de ligar à água,
superfície e tipo de interação proteína-proteína, sendo utilizado na produção de produtos cárneos e
favorecidas por desdobramento parcial das salsichas, além da propriedade emulsificante sendo
estruturas [12]. utilizado em sorvetes, margarinas e maioneses
A utilização das proteínas lácteas como Figura 6.10.
ingredientes na fabricação de produtos lácteos Os benefícios das proteínas do leite como
formulados como os queijos processados, visam ingredientes em outros alimentos originam-se de
aumentar a concentração de proteínas e/ou suas excelentes propriedades nutricionais e sua
rendimento do produto final. Essas proteínas têm capacidade de contribuir para propriedades tecno-
sido utilizadas também para melhorar as funcionais, sensoriais e reológicas nos produtos
características de textura de diferentes tipos de finais. Consequentemente, o mercado de produtos
leites com
Química e tecnologia do soro de leite 129

Figura 6.10 Exemplo da aplicação de concentrados proteicos em alimentos.


Fonte: Elaborado pelos próprios autores.

com alto teor de proteína já é uma realidade no nome comercial de Simplesse® pela empresa
Brasil e no mundo onde, a cada ano, cresce a oferta NutraSweet em 1988 [53].
de novos produtos. O iogurte grego já não é mais Uma das formas de produção das proteínas
uma novidade e atualmente tem surgido produtos micropartículadas consiste numa dispersão de 40%
como snacks com alto teor de proteína, iogurte de concentrado proteico de soro de leite com o pH
liofilizado, bebidas para praticantes de esportes [6]. entre 3,7 a 4,2 e adicionado de 3 % de lecitina,
As proteínas do soro são reconhecidas pelo seu submetido a um processo de termocoagulação em
alto valor biológico, pois apresentam em sua um trocador de calor com agitação a uma
composição quase todos os aminoácidos essenciais temperatura de 117 a 120 °C de 3 a 10 segundos a
de acordo com indicações nutricionais de consumo uma pressão de 5,4 a 6 atm [54].
[50]. Além disso, as proteínas do soro apresentam Spiegel [55] estudou o efeito da temperatura de
alta digestibilidade biológica, o que propicia o aquecimento e da concentração de lactose na
aumento do valor nutricional dos alimentos quando estrutura e no tamanho dos agregados de proteínas
adicionados dessas proteínas [51]. do soro micropartículadas. Nesse trabalho, o autor
As proteínas do soro de leite são rapidamente mostrou que o aumento da concentração da lactose
absorvidas pelo organismo, o que estimula a síntese retarda a desnaturação da β-lactoglobulina e
de proteínas sanguíneas e teciduais, sendo aumenta a intensidade do crescimento dos
classificadas como proteínas de metabolização agregados de proteínas do soro. Com relação ao
rápida (fast metabolizing proteins), o que as tornam efeito da temperatura, o aquecimento entre 85 e 95
adequadas para situações de estresses metabólicos °C produz agregados menores e acima de 100 °C os
em que a reposição de proteínas no organismo se agregados são mais densos e compactos. Desta
torna emergencial [52]. forma, o tamanho dos agregados pode ser ajustado
para atender aos requisitos específicos de cada tipo
6.7 PROTEÍNAS MICROPARTICULADAS de produto a ser incorporado as proteínas
microparticuladas.
Proteínas microparticuladas do soro de leite Para se obter um alto rendimento de agregados
podem ser caracterizadas por partículas esféricas de proteínas, ou seja, das proteínas micropartículas
com tamanho entre 0,1 e 2,5 µm, obtidas por é necessário um alto grau de desnaturação
agregação térmica utilizando uma alta taxa de proveniente do tratamento térmico e do
cisalhamento e baixo pH. Esse produto foi lançado cisalhamento, o que produz agregados entre 0,5 a
originalmente como substituto da gordura com o 10 µm que permitem uma sensação suave na boca, o
nome que
130 CAPÍTULO 6 - Concentrados proteicos: tipos, propriedades processamento e aplicações

que facilita sua incorporação em matriz de queijo. longo prazo, ou seja superior a 30 dias, mostraram
Utilizando uma temperatura de aquecimento de 110 que a adição de 60% de proteínas microparticuladas
°C e pH de 5,5 é possível produzir pequenos é capaz de melhorar significativamente a
agregados (< 5 µm) e atingir alto grau de estabilidade da maionese, uma vez que as proteínas
desnaturação. Além disso, é necessário um teor impedem a coalescência e floculação das gotículas
mínimo de cálcio para produzir estruturas [63].
particuladas de proteínas do soro, uma vez que A substituição de gordura láctea em sorvetes por
concentrações reduzidas de cálcio resulta em proteína microparticuladas, demonstrou um
estruturas não homogênea e arenosa sob condições aumento da viscosidade devido a capacidade das
de cisalhamento [56]. proteínas de se ligar com água [64].
Esse produto é uma simples modificação física na
estrutura das proteínas, portanto, é considerado 6.8 ELETRODIÁLISE
GRAS (Generally recognized as safe) pelo FDA (Food
and Drug Administration) [57]. Nos últimos anos as tecnologias ligadas ao
As proteínas microparticuladas possuem processamento de soro de leite têm aumentado
propriedades que as tornam semelhantes a gotas de surpreendentemente devido ao progresso das
óleo emulsionado, que quando consumido operações de separação por membranas e das
propiciam características sensoriais e dispersão de técnicas de troca iônica, bem como a uma melhor
luz similares a de gordura. Essas características compreensão das propriedades nutritivas do soro de
sensoriais partem do princípio que a língua não leite como matéria prima. Destacam-se a
percebe partículas de um certo tamanho e forma microfiltração, a ultrafiltração, a nanofiltração, a
individual, mas como um fluido cremoso [58]. Desta osmose inversa e a eletrodiálise como tecnologias de
forma, esse produto é utilizado em bebidas de baixo separação por membranas mais utilizadas na
teor de açúcar, baixas calorias, assim como em indústria de lácteos.
bebidas com baixo teor de gordura [59]. A técnica de eletrodiálise (ED) compõe-se uma
Já quando as proteínas microparticuladas se etapa em que uma solução é transformada em duas,
assemelham aos hidrocoloides, intumescem na possibilitando uma mais concentrada e outra em
presença de água e simula as propriedades das menor concentração de eletrólitos [65]. A migração
gorduras. Além de apresentar propriedades dos íons na solução é devido a aplicação de um
reológicas similares às da gordura do leite, mas com campo elétrico através de membranas seletivas por
maior incorporação de ar. Desta forma, essas intervenção de uma diferença de potencial elétrico
proteínas podem ser utilizadas na produção de (DPE) [66]. Além do mais, possui a capacidade de
sorvetes, iogurtes, molhos para saladas, margarinas, concentração de sais a níveis superiores, com um
queijos [58,60]. baixo consumo de energia [67]. A primeira utilização
Um estudo, avaliou a adição de proteínas desse processo foi na dessalinização da água do mar
microparticuladas em iogurte desnatado. Esse para produção de água potável [68].
trabalho mostrou que uma formulação de proteínas Desde então, destaca-se como desempenho
microparticuladas com maior quantidade de β- crucial em diversos ramos industriais como
lactoglobulina e α-lactalbumina adicionada em farmacêuticos, de alimentos, tratamento de
iogurtes com baixo teor de gordura, promoveu uma efluentes, produção de água potável, processos
melhor textura do iogurte desnatado, além de obter agrícolas, entre outros [69], para segregação dos
uma menor separação do soro, e uma rede proteica íons, e aplicação nos mais diferentes segmentos
mais interconectada e compacta [61]. industriais. Uma das vantagens associadas a ED é
O concentrado de proteínas microparticuladas do que o processo não demanda transição de fases
soro possui uma alta capacidade de absorver água, sendo a garantia de economia de energia, podendo
desta forma quando adicionadas na produção de atuar de forma contínua, não requer a utilização de
queijo promove uma maior retenção de água, uma quaisquer reagentes químicos [70, 71].
vez que a sinérese do queijo é obstruída, fazendo A utilização de membranas seletivas usadas na
com que o soro que escorre durante a produção do tecnologia de eletrodiálise são compostas
queijo diminua [62]. efetivamente de material como resinas de troca
A utilização de proteínas microparticuladas na iônica em configuração laminar, tendo como
substituição de 20% da gordura em maionese propriedade principal de discriminar os íons
mostrou que as proteínas microparticuladas migrantes pelo sinal de sua carga (72). Os sistemas
proporcionaram ao produto uma alta estabilidade da ED são carregados quimicamente ou fisicamente
durante o armazenamento de 30 dias. Os autores através da fixação das cargas em matrizes
propõem ainda que, estudos de estabilidade de poliméricas por conjunto de reações de reticulação
longo em
Química e tecnologia do soro de leite 131

em polímeros não funcionalizados [73]. Na indústria de laticínios, o emprego da técnica


Na membrana seletiva a cátions, ou seja, aqueles de ED é aplicada com sucesso, com objetivo de
que são permeáveis a cátions e repelem os ânions, obter uma matéria-prima de soro de leite sem íons
os ânions são estabilizados na matriz polimérica e a minerais (cerca de 6 a 15% em base sólida),
eletro-neutralidade é obtida com cátions móveis mantendo a qualidade microbiológica , o teor de
(contra-íons) nos intervalos do polímero. Os co-íons proteínas nativas e as principais características do
(ânions) são excluídos da matriz polimérica em produto.
pequenos intervalos de tempos [74]. Devido à É possível realizar o processo de
exclusão de co-íons na membrana trocadora de desmineralização utilizando a técnica de eletrodiálise
cátions (o responsável pelo transporte de grupos em todos tipos de soro de leite. Para manter sua
fixos carregados negativamente) estes carregam eficiência nessa etapa vários cuidados devem ser
toda a corrente elétrica através da membrana. tomados a fim de minimizar a ocorrência de
Porém, na membrana seletiva a ânions, as cargas incrustações e contaminação bacteriana. As
positivas são presas sobre a matriz polimérica operações, as condições utilizadas no processo
excluindo os cátions, assim a corrente é carregada (vazão, tipo de espaçador, espessura do espaçador,
exclusivamente pelos ânions [75]. Na forma aquosa etc.) e tipo de membrana devem ser pertinentes; em
tanto cátions como os ânions transportam a corrente alguns casos, a aplicação do pré-tratamento é
elétrica, porém nas membranas apenas um íon pode fundamental antes que a ED possa ocorrer e
transportar a corrente, o cátion ou o ânion, onde executar ciclos regulares de regeneração. As
depende do tipo de membrana empregada. partículas de maior diâmetro suspensas (caseína e
Quando compara a velocidade de transporte no gordura) devem ser removidas, caso contrário
interior da membrana os íons são capazes de obstruirão os poros da membrana. No processo
transportar duas vezes mais comparado com a industrial, os métodos de pré-tratamento devem ser
velocidade de transporte na solução. Segundo realizados para concentrar o soro de leite,
Baldasso [67] esta diferença de velocidade pode possibilitando a um aumento da eficiência da ED
ocasionar polarização na interface membrana- [66].
solução. O conjunto de reações que ocorrem sobre o Muitos estudos atuais relatam a importância da
cátodo e o ânodo vai depender do tipo de corrente utilização da ED, principalmente, para parâmetros do
aplicada e da solução que entram em contato com soro de leite, entre os quais se destacam o teor de
os eletrodos. A reação mais comum que ocorre no cinzas, proteínas e lactose, pH, acidez titulável, tipo
cátodo, sendo este normalmente de aço inoxidável de membranas e espaçadores, condições
(por ser um material de fácil aquisição e baixo custo) operacionais (tensão, velocidade linear,
ocorre a formação de hidrogênios em meio ácido e a temperatura) e outros. Dentre esses parâmetros
formação de íons hidróxido em meio alcalino [66]. apenas o pH pode ser monitorado em fase contínua
Outro material que pode ser utilizado pelo cátodo é durante o processamento, e a taxa máxima de
a platina, o que encarece a fabricação, mas pode ter desmineralização é obtida próximo ao ponto
vantagens em relação à durabilidade do eletrodo, e isoelétrico das proteína de soro de leite (α-La e β-Lg
diminuição de reações indesejáveis que ocorrem (4,2-4,8 e 5,2-5,4, respectivamente)[77]. A
neste compartimento. O material do qual é feito o condutividade destaca-se como um parâmetro
ânodo normalmente é o titânio platinizado, que é importante a ser controlado durante o processo,
muito durável, e que normalmente, não apresenta porque está intrinsecamente relacionado ao teor de
formação de compostos indesejáveis [66]. cinzas. Pode ser medido através de software (on-
Algumas reações específicas que ocorrem nos line), mas requer calibração para diferentes tipos de
eletrodos das células de eletrodiálise dependem das soro de leite [66]. Uma das vantagens associado a
características da composição da solução aquosa que utilização da ED na indústria de laticínios, é seu
entra em contato com os eletrodos [74]. Sendo grande potencial como método econômico e
assim, os compartimentos de eletrodos são eficiente durante o processamento de soro de leite
independentes e não entram em contato com as [66].
soluções. É justificável pelo fato de diminuir as
reações que podem ocorrer no cátodo e ânodo, 6.9 REFERÊNCIAS
podendo interferir na eficiência de processo. Para
isso, é fundamental conhecer como funciona o [1] Stephani, R. Comportamento de produtos
comportamento das membranas bem como as lácteos proteicos em diferentes condições
condições expostas pelos processos eletroquímicos simuladas de processamento térmico.
para garantir a viabilidade da técnica e a eficiência Universidade Federal de Juiz de Fora, 2010.
[75].
132 CAPÍTULO 6 - Concentrados proteicos: tipos, propriedades processamento e aplicações

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CAPÍTULO
7 Bebidas Lácteas a base de soro de leite

Raquel Reis Lima


Inara Sanches Lopes
Alisson Borges de Souza
Guilherme Miranda Tavares
Antônio Fernandes de Carvalho

CONTEÚDO utilizadas foram no sentido de substituir


parcialmente o leite por soro de leite na formulação
7.1 Introdução ....................................................... 135 de bebidas. Essas bebidas lácteas, em geral,
7.2 Classificação das bebidas lácteas .................. 136 possuíam um menor custo de produção (menor
7.2.1 Claims em novos desenvolvimentos ..... 136 custo de matéria-prima) e, portanto, eram vendidas
7.2.2 Formulações de bebidas lácteas .......... 137 a preços mais acessíveis quando comparadas aos
7.2.3 Diferentes tratamentos térmicos produtos tradicionais. Quando surgiram no mercado,
aplicados às bebidas lácteas ................. 137 alguns desses produtos despertaram confusão nos
7.2.4 Bebidas lácteas fermentadas ............... 138 consumidores por serem apresentados nas gondolas
7.3 Principais alterações de bebidas lácteas dos mercados como uma substituição de igual
durante a vida de prateleira .......................... 138 característica dos produtos tradicionais elaborados
7.3.1 Sedimentação ........................................ 138 sem a utilização de soro de leite. Essas
7.3.2 Gelificação induzida por proteólise movimentações, do final dos anos 90 e início dos
em bebidas lácteas UHT ......................... 139 anos 2000, demandaram celeridade dos órgãos
normativos em estabelecer os regulamentos
7.3.3 Separação de gordura em bebidas
técnicos desses produtos [1]. Bem como, da
lácteas .................................................... 139
comunidade técnico-científica em entender como a
7.3.4 Sinérese em bebidas lácteas mudança na composição dos produtos atrelada à
fermentadas ........................................... 139 substituição parcial do leite pelo soro de leite
7.4 Estabilização das bebidas lácteas .................. 140 afetava o seu comportamento durante o
7.5 Desafios na produção de bebidas lácteas processamento.
com alto teor de proteína ............................. 140 Mais de 20 anos depois, o cenário evoluiu
7.6 Novas tecnologias na produção de bebidas consideravelmente. O entendimento das
lácteas .............................................................. 141 propriedades tecnológicas e nutricionais do soro de
7.7 Referências ..................................................... 142 leite, notadamente de suas proteínas, abriu espaço
para o desenvolvimento de produtos a base de soro
7.1 INTRODUÇÃO de leite de grande valor agregado, voltados para
nichos específicos de mercado. Bebidas lácteas com
A evolução da percepção sobre a qualidade do alto teor proteico, obtidas com a utilização de
soro de leite pelas indústrias de laticínios e pela ingredientes a base de leite e/ou soro de leite são
sociedade foi fruto de diversas pressões de órgãos hoje bastante difundidas. Em paralelo, a
ambientais e do desenvolvimento científico e normatização desses produtos também foi sendo
tecnológico. Essa mudança de paradigma entre o lapidada.
soro de leite ser percebido como um problema para Entretanto, os desafios enfrentados hoje, não são
a indústria até ele se tornar um ingrediente valioso, menores do que há 20 anos. As bebidas lácteas
refletiu nos produtos a base de soro de leite englobam uma grande variedade de produtos com
disponíveis no mercado, que evoluíram igualmente composição altamente variável e que podem ser
ao longo dos anos. submetidos a uma grande gama processos
Na ânsia de aproveitar o soro de leite na tecnológicos diferentes. Mesmo mantendo o teor
formulação de produtos, e consequentemente proteico total, as alterações sofridas pelas proteínas
diminuir o volume de soro de leite a ser gerido pela lácteas quando o leite é submetido, por exemplo, ao
indústria brasileira, as primeiras estratégias tratamento UHT, não serão as mesmas daquelas
utilizadas sofridas de
136 CAPÍTULO 7 - Bebidas Lácteas a base de soro de leite

sofridas pelas proteínas presentes em uma mistura resultante da mistura do leite [...] e soro de leite
de leite e soro. Tais modificações causam impacto (líquido, concentrado e em pó) adicionado ou não de
nas características do produto durante seu produto(s) ou substância(s) alimentícia(s) [...]” [2]. A
processamento e sua vida de prateleira. Portanto base láctea deve representar pelo menos 51% m∙m-1
entender tais peculiaridades é crucial para diminuir o do total de ingredientes do produto. Para bebidas
empirismo na formulação de bebidas lácteas. lácteas sem adição de outros ingredientes, a base
Neste capítulo abordaremos o tema das bebidas láctea deve representar 100% m∙m-1 do total de
lácteas, descrevendo a grande variabilidade dos ingredientes. Ainda para bebidas sem adição, deve-
produtos englobados nesta categoria e apontando se cumprir a composição mínima de 2% de gordura
os principais desafios e possíveis soluções no seu láctea e 1,7% de proteína láctea. Já para bebidas
processamento. lácteas com adição de outros ingredientes, a
exigência é de no mínimo 1,0% de proteína de
7.2 CLASSIFICAÇÃO DAS BEBIDAS LÁCTEAS origem láctea.
As bebidas são classificadas quanto a três
De acordo com o Regulamento Técnico de aspectos: (1) adição de ingredientes, (2) tratamento
Identidade e Qualidade de Bebida Láctea (Instrução térmico e (3) fermentação [2]. A Figura 7.1 resume
Normativa MAPA n° 16, de 23 de agosto de 2005), as diferentes classificações das bebidas lácteas.
“entende-se por Bebida Láctea o produto lácteo
resultante

Figura 7.1 Esquema com a classificação das bebidas lácteas.


*Proteína de origem láctea.
Nota 1: A bebida láctea sem adição deve ter no mínimo 2 g∙100g-1 de gordura láctea.
Nota 2: Bebida láctea com adições que apresente características sensoriais iguais ou semelhantes à bebida láctea sem adição, deve ter no
mínimo 1,7 g∙100g-1 de proteína de origem láctea e 2 g∙100g-1 gordura de origem láctea.
Fonte: Elaborado pelos próprios autores.

Entre as bebidas lácteas mais comumente - Bebidas Lácteas Fermentadas (vida de prateleira de
encontradas no mercado brasileiro, estão: 20 a 45 dias)
(i) Bebível, fluida, saborizada.
- Bebidas Lácteas UHT (vida de prateleira de 3 a 6 (ii) Colherável, saborizada.
meses)
(i) Bebida láctea sem adição ou Branca: produto a 7.2.1 Claims em novos desenvolvimentos
base de soro de leite e leite; apresenta custo
reduzido e serve como opção economicamente mais Nas últimas duas décadas, a demanda dos
acessível em relação ao leite UHT. consumidores por bebidas lácteas saudáveis
(ii) Saborizadas: em sua maioria nos sabores aumentou consideravelmente. Para atender a essa
chocolate e baunilha; pode ser acidificada ou demanda, as indústrias lançaram no mercado
adicionada de nutrientes/ingredientes como diversos produtos com novos conceitos. Como
proteínas, fibras, cereais, vitaminas, minerais, entre exemplo, a introdução de produtos com baixo teor
outros. de lactose ou sem lactose, bem como bebidas
suplementadas com ingredientes funcionais, como
vitaminas
Química e tecnologia do soro de leite 137

vitaminas e minerais foram muito bem recebidas De maneira geral, os sólidos solúveis contribuem
pelos consumidores e sua fatia de mercado para a estabilidade global das bebidas, uma vez que
aumentou rapidamente. aumentam a viscosidade do produto, diminuindo
Considerando o movimento cada vez mais assim a mobilidade dos sólidos suspensos, o que
intenso na busca por alimentos com qualidade retarda então a ocorrência da separação de fases
nutricional, seja pela redução de açúcar, melhor por diferença de densidade.
balanço calórico, aporte de proteínas ou em razão À medida que o nível de soro de leite na
de intolerâncias alimentares, uma parcela formulação aumenta, o nível de leite diminui e com
considerável dos produtos desenvolvidos já inclui um isso a concentração de caseína diminui igualmente.
ou mais dos apelos nutricionais listados abaixo e Esta alteração na natureza das proteínas presentes
previstos pela RDC 54/2012 da ANVISA [3]: na formulação aumenta a probabilidade de
(i) Zero lactose desestabilização da matriz proteica do produto,
(ii) Fonte / Rico em proteínas devido às diferenças em suas estabilidades térmicas.
(iii) Baixo / Zero adição de açúcar Para contornar este problema, frequentemente são
(iv) Fonte / Rico em fibras incorporados na formulação das bebidas lácteas
(v) Baixo em gorduras ingredientes com função estabilizante e/ou
espessante. Os principais mecanismos de ação
7.2.2 Formulações de bebidas lácteas desses ingredientes serão discutidos no tópico 7.4
deste capítulo.
A definição da formulação de uma bebida láctea
deve ser realizada com base no perfil nutricional, no 7.2.3 Diferentes tratamentos térmicos aplicados às
nível de soro de leite e nos aspectos sensoriais e de bebidas lácteas
textura desejados. A diferença de composição do
O tratamento térmico é o método mais aplicado
leite integral fluido (média de 12,5% de sólidos totais
no processamento de alimentos e tem como função
e 3% de gordura) e do soro de leite (6,5% de sólidos
principal garantir sua segurança microbiológica e ao
totais) promove formulações de bebidas lácteas com
mesmo tempo contribui com o aumento de sua vida
diferentes composições que são balanceadas de
de prateleira [5]. Os tratamentos térmicos mais
acordo com a proporção dessas matérias-primas.
comumente aplicados nas indústrias de laticínios são
Frequentemente são realizadas inclusões de outros
a pasteurização (High Temperature Short Time -
ingredientes na formulação para balancear a
HTST) e o tratamento a Ultra Alta Temperatura (UAT
composição de acordo com o perfil desejado,
ou UHT). Na pasteurização HTST, o produto é
destacando especialmente: creme de leite, proteínas
aquecido entre 72 e 75 °C por 15 a 20 segundos, ao
lácteas, gordura vegetal, sacarose, soro de leite em
passo que no tratamento UHT o produto é mantido
pó, cacau em pó, fibras, estabilizantes e espessantes,
em temperaturas aproximadamente entre 135 e
entre outros. Diversos ingredientes podem ser
145 °C por 2 a 4 segundos [6]. Durante o
incorporados na formulação de bebidas lácteas,
processamento UHT, além do tratamento térmico, o
desde que os parâmetros de identidade e qualidade
produto normalmente é homogeneizado em dois
do produto sejam respeitados.
estágios e ao final do processamento é envasado em
Segundo Baccouche et al. [4], a adição de açúcar
condições assépticas em embalagens estéreis e
e estabilizantes pode aumentar a estabilidade física
herméticamente fechadas. A Figura 7.2 mostra um
das bebidas de soro de leite tratadas termicamente.
fluxograma com as etapas do tratamento UHT.

Figura 7.2 Fluxograma de tratamento UHT. A etapa de homogeneização pode ser aplicada antes e/ou após
o tratamento térmico.
Fonte: Elaborado pelos próprios autores.
138 CAPÍTULO 7 - Bebidas Lácteas a base de soro de leite

Três diferentes configurações de tratamento UHT ser analisadas de acordo com o perfil do
estão entre as mais aplicadas na indústria de estabilizante utilizado, pois a temperatura de
laticínios. transição desses hidrocolóides varia de acordo com
sua natureza e dosagens.
- Troca de calor direta: Nesta configuração é
observada uma menor desnaturação proteica em 7.2.4 Bebidas lácteas fermentadas
relação às demais configurações, havendo dois
grupos de tratamentos que são classificados como As bebidas lácteas fermentadas são elaboradas
infusão e injeção de vapor. mediante a ação de microrganismos específicos ou
quando são adicionadas de leite fermentado. Para as
- Troca indireta de calor em trocador tubular: bebidas lácteas fermentadas, não é permitido o
Nesta configuração há um aumento na desnaturação tratamento térmico após a fermentação e a
proteica comparativamente à configuração direta, e contagem total de bactérias lácticas viáveis deve ser
é igualmente associada a uma maior incidência de de no mínimo de 106 UFC∙g-1 no produto durante
reação de Maillard. todo o seu prazo de validade [2]. Quando
tratamento térmico é aplicado à bebida láctea
- Troca indireta de calor em trocador a placas: O fermentada, o produto recebe a denominação de
tempo de exposição ao calor é maior nesta “bebida láctea tratada termicamente após
configuração comparativamente às duas anteriores, fermentação”. Neste tipo de produto, tanto os
e, portanto, a desnaturação das proteínas do soro de tratamentos térmicos de pasteurização quanto UHT
leite é em geral ainda maior. Em complemento, podem ser aplicados [2].
nesta configuração há ainda maior ocorrência da A estabilidade físico-química, sensorial e
reação de Maillard e em consequência, maior microbiológica das bebidas lácteas fermentadas
impacto na coloração e sabor do produto final. deve ser rigorosamente avaliada. O controle do pH é
importante no processo de fermentação, pois a
Em suma, a configuração de troca de calor direta separação de fase após a fermentação e/ou durante
por injeção ou infusão de vapor têm vantagens sobre a vida de prateleira está diretamente relacionada
o aquecimento indireto em trocadores de calor com esse parâmetro [12, 13].
tubulares ou a placas, pois envolvem uma taxa de
transferência de calor mais rápida, resultando em 7.3 PRINCIPAIS ALTERAÇÕES DE BEBIDAS
menor tempo de residência, o que é positivo para LÁCTEAS DURANTE A VIDA DE
produtos com maior teor de proteínas do soro de PRATELEIRA
leite [7-11].
A etapa de homogeneização, por sua vez, pode Em razão da variedade de produtos que
ocorrer antes ou após o tratamento térmico, e compõem o grupo das bebidas lácteas e da
apresenta grande importância na estabilidade das diversidade de ingredientes e processos que podem
bebidas lácteas, pois além de reduzir o tamanho dos ser utilizados em sua produção, diferentes
glóbulos de gordura, pode contribuir para melhor a alterações indesejáveis podem ser observadas
dispersão das proteínas. Por meio dessa redução do durante vida de prateleira desses produtos. Em
tamanho dos glóbulos de gordura, há um aumento geral, problemas como sedimentação e gelificação
de sua área superficial total, o que acarreta uma são mais frequentemente observados em bebidas
incorporação de proteínas em sua superfície, lácteas submetidas a tratamentos UHT, enquanto
possibilitando uma melhor emulsificação da mistura sinérese é um defeito quase exclusivo de bebidas
e um melhor brilho e textura do produto. lácteas fermentadas. Neste tópico serão abordados
Por fim, a temperatura de envase é também um os mecanismos relacionados às principais alterações
fator crítico para a textura e a estabilidade final das indesejáveis que podem ocorrer durante a vida de
bebidas lácteas UHT. Quando hidrocolóides com prateleira de bebidas lácteas.
capacidade gelificante são utilizados para
estabilização das bebidas (como as carragenas e a 7.3.1 Sedimentação
goma gelana, por exemplo), uma temperatura de
envase próxima da sua temperatura de transição A sedimentação é um problema que pode ser
estrutural para gelificação pode ocasionar a observado em leite e/ou bebidas lácteas submetidas
formação de gel no produto durante a vida de a tratamentos UHT, e se caracteriza pela formação
prateleira. Para reduzir esse risco de gelificação de uma camada densa e rica em proteína na base da
durante a vida de prateleira, as temperaturas de embalagem durante os primeiros dias de vida de
envase recomendadas para bebidas lácteas devem prateleira [14]. Tanto caseínas como proteínas do
ser soro
Química e tecnologia do soro de leite 139

soro parecem participar na formação da camada a separação. A formação de uma camada


sedimentada, embora seu mecanismo de formação concentrada em gordura na superfície das bebidas
não esteja inteiramente elucidado [14]. lácteas ao longo da vida de prateleira é conhecida
As bebidas lácteas têm como característica a como cremificação. Apesar das emulsões serem
mudança na proporção entre caseínas e proteínas sistemas naturalmente instáveis, o tempo necessário
do soro de leite quando comparadas ao leite. No para a separação dos glóbulos de gordura pode ser
leite, as caseínas representam aproximadamente prolongado de tal modo a não ser perceptível
80% do conteúdo proteico total, enquanto às durante a vida de prateleira do produto. Entre os
proteínas do soro de leite correspondem aos 20% fatores que afetam a velocidade de cremificação dos
restantes. Com a substituição parcial do leite por glóbulos de gordura estão o tamanho do glóbulo,
soro de leite, há uma diminuição da proporção sua densidade e a viscosidade da fase contínua, de
caseínas/proteínas do soro de leite nas bebidas modo que quanto menor o tamanho do glóbulo de
lácteas, que será dependente do grau de gordura, quanto mais próxima for sua densidade
substituição na formulação. daquela do leite desnatado e quanto mais viscoso for
As caseínas são bastante termo resistentes e se o produto, mais lenta será sua separação.
organizam no leite como estruturas Neste sentido, a homogeneização é um dos
supramoleculares conhecidas como micelas de principais fatores usados para controlar a velocidade
caseínas. Em contraponto, as proteínas do soro de de cremificação. Durante a homogeneização, os
leite, que possuem temperaturas de desnaturação glóbulos de gordura são rompidos mecanicamente e
inferiores a 80 °C, são termossensíveis e, portanto, seus tamanhos são reduzidos das dimensões
susceptíveis à formação de agregados termo originais (1 - 10 μm) para glóbulos de diâmetro
induzidos. Em mistura, as micelas de caseína aproximado de 1 μm. Neste sentido, a eficiência e a
modulam a formação de agregados termo induzidos correta manutenção dos homogeneizadores é
de proteínas do soro de leite, logo a alteração da crucial, pois a presença de glóbulos de gordura
proporção caseínas/proteínas do soro de leite em grandes, mesmo que em pequeno número, pode
bebidas lácteas altera igualmente o comportamento levar à formação de uma camada de gordura
destas proteínas durante o tratamento térmico. significativa por sua rápida cremificação [15, 16].
Com a diminuição do tamanho dos glóbulos de
7.3.2 Gelificação induzida por proteólise em bebidas gordura, parte da superfície dos glóbulos passa a ser
lácteas UHT recoberta por proteínas o que leva a um aumento de
sua densidade, sendo este, portanto, um fator
Assim como apontado para a sedimentação, a adicional na diminuição de sua velocidade de
gelificação durante a vida de prateleira é um defeito cremificação [17, 18].
que pode ser observado tanto em leite quanto em Em complemento à homogeneização, a
bebidas lácteas submetidas a tratamentos UHT. No velocidade de cremificação em bebidas lácteas pode
entanto, diferentemente da sedimentação, que ser reduzida pelo uso de agentes espessantes que
ocorre, sobretudo nos primeiros dias de vida de levam a um aumento da viscosidade do produto.
prateleira, a gelificação tende a demorar mais para
ser observada [14]. A principal causa atrelada à 7.3.4 Sinérese em bebidas lácteas fermentadas
gelificação é a ação de enzimas proteolíticas, que
não são completamente inativadas mesmo após o A sinérese é um dos principais problemas
processamento UHT, sobre as proteínas lácteas (em visualizados nas prateleiras dos mercados quando
especial sobre as micelas de caseína). Esse analisamos as bebidas lácteas fermentadas.
fenômeno é mais bem descrito para leite UHT do Normalmente essa separação da fase aquosa é
que para bebidas lácteas, no entanto os mecanismos reflexo do desbalanceamento entre a rede proteica
envolvidos aparentam ser os mesmo. Como os do produto, da distribuição espacial dos seus
microrganismos psicrotróficos são a principal origem glóbulos de gordura e da ação dos estabilizantes e
das proteases termo resistentes no leite, garantir a espessantes adicionados. Normalmente, a
qualidade microbiológica do leite (e do soro de leite) microestrutura das bebidas lácteas é formada por
é a estratégia mais eficaz para evitar este defeito. uma rede tridimensional de proteínas e
estabilizantes, que aprisiona água, enquanto os
7.3.3 Separação de gordura em bebidas lácteas agentes de espessamento atuam fortalecendo essa
rede para melhorar sua estabilidade. Desta forma, a
Quando presente nas bebidas lácteas, a gordura escolha do estabilizante correto e a definição de sua
está emulsionada na forma de glóbulos de gordura e dosagem adequada é um fator essencial para evitar
como toda emulsão, este sistema é instável e tende a ocorrência de sinérese. No entanto a definição do
a estabilizante
140 CAPÍTULO 7 - Bebidas Lácteas a base de soro de leite

estabilizante correto é altamente dependente do molecular, alguns hidrocolóides carregados, como as


tipo e do teor de proteína presente no produto. carragenas (em especial a κ-carragena), pectinas e
Gelatinas e pectinas estão entre os principais carboximetilcelulose, são capazes de aumentar a
agentes estabilizantes utilizados para o repulsão eletrostática entre as proteínas,
fortalecimento da rede tridimensional de bebidas minimizando sua propensão à agregação durante a
lácteas fermentadas devido também a sua vida de prateleira das bebidas lácteas. Por sua vez,
capacidade de interação com proteínas lácteas hidrocoloides capazes de formar redes
mesmo em pH ácido. tridimensionais, como as gelatinas, as pectinas, as
Com relação aos agentes espessantes, os amidos carragenas (em especial a κ e a ι-carragenas) e a
modificados merecem destaque. Para contornar a goma gelana, são capazes de reforçar a rede
fragilidade dos grânulos de amido aos efeitos do tridimensional formada pelas proteínas,
aquecimento prolongado ou do grande esforço minimizando a incidência de separação de fases em
mecânico, a formação de ligações cruzadas para bebidas lácteas durante a vida de prateleira. Já os
reforçar as ligações de hidrogênio do grânulo pode hidrocolóides capazes de aumentar a viscosidade do
ser utilizada, reduzindo assim sua propensão a produto (agentes espessantes), como a goma guar, a
retrogradação e sinérese após gelatinização. goma xantana, a goma locusta e os diferentes tipos
de amidos, têm especial efeito na redução da
7.4 ESTABILIZAÇÃO DAS BEBIDAS LÁCTEAS velocidade de cremificação dos glóbulos de gordura
e/ou sedimentação de partículas (como agregados
Apesar da grande diversidade potencial de proteicos ou cacau).
formulações e processos aplicados na produção de
bebidas lácteas, os principais defeitos que podem 7.5 DESAFIOS NA PRODUÇÃO DE BEBIDAS
ocorrer nesses produtos durante a vida de prateleira LÁCTEAS COM ALTO TEOR DE
estão relacionados com a perda de estabilidade de PROTEÍNA
suas proteínas e/ou de outras partículas em
suspensão. Mesmo que a magnitude e propensão de A inclusão de ingredientes proteicos
ocorrência desses problemas sejam dependentes da provenientes do leite em bebidas lácteas UHT tem
formulação do produto e do seu processo de sido cada vez mais frequente devido ao elevado
produção, certas generalidades podem ser valor biológico dessas proteínas [20]. As
estabelecidas para auxiliar na sua prevenção. A concentrações proteicas das bebidas lácteas
incorporação de ingredientes na formulação das adicionadas de proteínas disponíveis no mercado
bebidas lácteas com o intuito de aumentar sua variam entre 4,5 a 11%, e predominantemente
estabilidade é a estratégia mais difundida possuem os sabores cacau/chocolate e baunilha.
industrialmente. Entre as principais classes de Além do alto teor de proteínas, estas bebidas
ingredientes incorporados nas formulações estão os comumente trazem outros claims como “zero adição
sais quelantes e os hidrocolóides. de açúcares”, “zero lactose” e “baixo em gorduras”.
A utilização de sais quelantes como citratos e Dentre os ingredientes proteicos de origem
fostatos para a estabilização de proteínas frente a láctea comercialmente disponíveis para aplicações
tratamentos térmicos intensos é bastante aplicada, o em bebidas lácteas UHT, destacam-se os caseinatos
que ocorre tanto na produção de leite UHT, quanto de sódio ou cálcio; os concentrados/isolados
de bebidas lácteas UHT. Esses sais quelantes têm a proteicos de leite (MPC e MPI) e os
capacidade de controlar, sobretudo a concentração concentrados/isolados (e mesmo os hidrolisados)
de cálcio iônico das formulações, exercendo, proteicos de soro de leite (WPC/WPI/WPH). Entre as
portanto, grande efeito na estabilização das caseínas principais diferenças entre esses ingredientes estão
[19]. (i) a concentração proteica total, (ii) a proporção
Os hidrocolóides englobam, por sua vez, uma entre caseínas e proteínas do soro de leite e (iii) a
grande variedade de moléculas que podem exercer estrutura supramolecular adotada pelas caseínas
efeitos estabilizantes nas bebidas lácteas (quando presentes). Em razão dessas diferenças,
principalmente por três mecanismos: (i) interagindo cada um desses ingredientes pode se comportar de
com as proteínas; (ii) formando uma rede forma única quando utilizados na produção de
tridimensional e/ou (iii) aumentado a viscosidade do bebidas lácteas. Enquanto as caseínas são proteínas
produto. Certos hidrocolóides são capazes de termo resistentes, as proteínas do soro de leite são
estabilizar os produtos por meio de mais de um dos susceptíveis à desnaturação térmica. Quando
mecanismos citados. desnaturadas, as proteínas do soro de leite levam a
Por meio da interação com as proteínas a nível um aumento da viscosidade do produto e podem
molecular formar
Química e tecnologia do soro de leite 141

formar agregados sedimentáveis. Esses dois proteínas na proporção de 50:50 na formulação de


fenômenos são agravados com o aumento da bebidas lácteas UHT com alto teor proteico (em
concentração de proteínas do soro de leite na torno de 10%), tem apresentado resultados positivos
formulação [20, 21]. Embora as proteínas do soro do quanto a estabilidade do produto final. Neste mes-
leite tenham alto valor biológico, sua ampla aplica- mo sentido, concentrados e isolados proteicos de
ção em bebidas lácteas UHT é ainda limitada por sua leite (MPC e MPI) têm sido utilizados principalmente
baixa estabilidade ao calor [20]. na formulação de bebidas lácteas com pH próximo
Como as caseínas são capazes de modular o ao neutro devido à sua maior estabilidade ao calor,
processo de agregação termo induzida das proteínas comparativamente aos ingredientes com maiores
do soro de leite (Figura 7.3), a mistura dessas duas concentrações de proteínas do soro de leite [21].
proteínas

Figura 7.3 Caseínas modulando a agregação térmica de proteínas do soro de leite.


Fonte: Elaborado pelos próprios autores.

Para evitar problemas de perda de estabilidade e de tratamentos térmicos é amplamente difundida


aumento indesejável de viscosidade durante a vida nos processos de produção de bebidas lácteas, não
de prateleira das bebidas lácteas com alto teor de somente como forma de garantir a segurança
proteínas, algumas medidas são de suma microbiológica dos produtos, como também para
importância, tais como: finalidades específicas, como por exemplo, aumentar
i. Usar matéria prima de boa qualidade. sua vida de prateleira ou modular sua viscosidade.
ii. Assegurar a completa hidratação das Entre os diferentes binômios de tratamentos
proteínas, respeitando o tempo e térmicos tradicionalmente aplicados pela indústria,
temperatura adequados. destacam-se a pasteurização rápida e a esterilização
iii. Utilizar concentrações/proporções adequadas UHT, mas também o tratamento em torno de 90 °C
dos agentes quelantes para o aumento da por 5 minutos é aplicado, sobretudo para bebidas
estabilidade proteica durante e após o lácteas fermentadas. Apesar de estes diferentes
tratamento térmico. tratamentos serem bem consolidados, eles podem
iv. Controlar o pH da mistura antes e depois do estar atrelados a certos efeitos deletérios nos
tratamento térmico para evitar qualquer produtos, como por exemplo, desestabilização
impacto da redução do pH na estabilidade proteica, destruição de compostos termossensíveis,
das proteínas. alterações sensoriais, entre outros [6]. Neste
sentido, diversas tecnológicas emergentes têm sido
7.6 NOVAS TECNOLOGIAS NA PRODUÇÃO DE propostas para serem aplicadas em substituição ou
BEBIDAS LÁCTEAS em combinação a tratamentos térmicos
convencionais com a finalidade de reduzir os
Conforme discutido anteriormente, a aplicação impactos indesejáveis desencadeados pela aplicação
de excessiva de calor. Entre elas estão o tratamento de
ultrassom
142 CAPÍTULO 7 - Bebidas Lácteas a base de soro de leite

ultrassom de alta intensidade, o campo elétrico 7.7 REFERÊNCIAS


pulsado e o aquecimento ôhmico.
O tratamento de ultrassom consiste na passagem
de ondas sonoras no produto (alta intensidade / [1] BRASIL, Instrução Normativa n° 36, de 31 de
baixa frequência 10 – 1000 W∙cm−2/~20 - 100 kHz ou outubro de 2000 - MAPA. Regulamento
baixa intensidade / alta frequência < 1 W∙cm-2/100 técnico de identidade e qualidade de bebidas
kHz – 1 MHz) gerando regiões de alta e de baixa lácteas (revogado pela IN16/2005), 2000.
pressão e, consequentemente, induzindo fenômenos
[2] BRASIL, Instrução Normativa n°16, de 23 de
de cavitação [6]. Este tratamento é considerado uma
agosto de 2005 - MAPA. Regulamento técnico
tecnologia ambientalmente sustentável por estar
de identidade e qualidade de bebiba láctea,
frequentemente associado a baixos níveis
2005.
energéticos e curtos períodos de processamento [6].
Ademais, ele é capaz de destruir microrganismos, [3] BRASIL, RDC n°54, de 12 de novembro de
portanto tem sido sugerido como potencial 2012 - Ministério da Saúde/ANVISA.
substituto à pasteurização. Guimarães et al. [22] Regulamento técnico sobre informação
demonstraram que a aplicação de tratamento de nutricional complementar, 2012.
ultrassom (600 W / 19 kHz) à bebida formulada com
[4] Baccouche, A.; et al. A physical stability study
soro de leite e inulina promoveu resultados similares
of whey-based prickly pear beverages. Food
aos da pasteurização HTST quanto à destruição de
Hydrocolloids, 2013. 33(2): p. 234-244.
bactérias aeróbias mesofílicas, porém com um
menor aquecimento do produto (aproximadamente [5] Raikos, V. Effect of heat treatment on milk
53 °C). Além da substituição da pasteurização, o protein functionality at emulsion interfaces. A
tratamento de ultrassom pode igualmente ser review. Food Hydrocolloids, 2010. 24(4): p.
utilizado para reduzir o tamanho das partículas 259-265.
presentes em bebidas formuladas ou como
[6] Nunes, L.; Tavares, G. M. Thermal treatments
facilitador do processo de reidratação de
and emerging technologies: impacts on the
ingredientes em pó [6].
structure and techno-functional properties of
No campo elétrico pulsado, por sua vez, pulsos
milk proteins. Trends in food science &
elétricos de alta intensidade (15 – 50 kV∙s-1) são
technology, 2019.
aplicados ao produto por curtos espaços de tempo
(alguns microssegundos) [6]. Estes tratamentos [7] Britz, T.; Robinson, R. K. Advanced dairy
podem levar a um aquecimento do produto, science and technology. 2008: John Wiley &
portanto, quando aplicados são frequentemente Sons.
associados com sistemas de resfriamento para
[8] Datta, N.; et al. Ultra-high-temperature (UHT)
controle da temperatura. A principal potencialidade
treatment of milk: Comparison of direct and
desta tecnologia no processamento de soro de leite
indirect modes of heating. Australian Journal
consiste na substituição de tratamentos térmicos
of Dairy Technology, 2002. 57(3): p. 211.
para redução da carga microbiana sem intenso
aquecimento do produto. Neste contexto, Simonis et [9] Lee, A.; Barbano, D.; Drake, M. The influence
al. [23] aplicaram com sucesso o campo elétrico of ultra-pasteurization by indirect heating
pulsado para reduzir a carga microbiana presente versus direct steam injection on skim and 2%
em soro de leite ácido concentrado. fat milks. Journal of dairy science, 2017.
No aquecimento ôhmico há a passagem de uma 100(3): p. 1688-1701.
corrente elétrica pelo produto, o que leva a uma
[10] Kelleher, C. M.; et al. The effect of direct and
conversão de energia elétrica em energia térmica,
indirect heat treatment on the attributes of
propiciando um aquecimento mais uniforme do
whey protein beverages. International Dairy
mesmo quando comparado aos tratamentos
Journal, 2018. 85: p. 144-152.
térmicos convencionais [24]. Em razão do
aquecimento mais homogêneo, quando aplicados a [11] Karayannakidis, P. D.; Apostolidis, E.; Lee, C.
produtos à base de soro de leite, o aquecimento M. Comparison of direct steam injection and
ôhmico tem sido associado a uma menor steam-jacketed heating in squid protein
desnaturação proteica [25]. hydrolysis for energy consumption and
hydrolysis performance. LWT-Food Science
and Technology, 2014. 57(1): p. 134-140.
Jornal
Química e tecnologia do soro de leite 143

[12] Vinderola, C. G.; et al. Influence of [23] Simonis, P.; et al. Pulsed electric field effects
compounds associated with fermented dairy on inactivation of microorganisms in acid
products on the growth of lactic acid starter whey. International journal of food
and probiotic bacteria. International Dairy microbiology, 2019. 291: p. 128-134.
Journal, 2002. 12(7): p. 579-589.
[24] Paganini, C.; et al. Tratamento ôhmico e
[13] Thamer, K. G.; Penna, A. L. B. Caracterização campo elétrico pulsado no processamento de
de bebidas lácteas funcionais fermentadas leite e derivados, in Inovações e avanços em
por probióticos e acrescidas de prebiótico. ciência e tecnologia de leite e derivados, A.
Food Science and Technology, 2006. 26(3): p. Cruz, et al., Editors. 2019.
589-595.
[25] Pereira, R. N., et al. Development of iron-rich
[14] Anema, S. G. Age gelation, sedimentation, whey protein hydrogels following application
and creaming in UHT milk: A review. of ohmic heating–Effects of moderate electric
Comprehensive Reviews in Food Science and fields. Food Research International, 2017. 99:
Food Safety, 2019. 18(1): p. 140-166. p. 435-443.
[15] Deeth, H. C.; Lewis, M. J. High temperature
processing of milk and milk products. 2017:
John Wiley & Sons.
[16] Wilbey, R. A. Homogenization of milk|
Principles and mechanism of homogenization,
effects and assessment of efficiency: Valve
Homogenizers. 2011.
[17] Hardham, J. F.; Imison, B. W.; French, H. M.
Effect of homogenisation and
microfluidisation on the extent of fat
separation during storage of UHT milk.
Australian Journal of Dairy Technology, 2000.
55(1): p. 16-22.
[18] Walstra, P.; Oortwijn, H. Effect of globule size
and concentration on creaming in pasteurized
milk. Netherlands Milk and Dairy Journal,
1975.
[19] Anema, S. G. Storage stability and age
gelation of reconstituted ultra-high
temperature skim milk. International Dairy
Journal, 2017. 75: p. 56-67.
[20] Singh, J.; et al. Ultra high temperature (UHT)
stability of casein-whey protein mixtures at
high protein content: Heat induced protein
interactions. Food Research International,
2019. 116: p. 103-113.
[21] Agarwal, S.; et al. Innovative uses of milk
protein concentrates in product
development. Journal of food science, 2015.
80(S1): p. A23-A29.
[22] Guimarães, J. T.; et al., Physicochemical
changes and microbial inactivation after high-
intensity ultrasound processing of prebiotic
whey beverage applying different ultrasonic
power levels. Ultrasonics sonochemistry,
2018. 44: p. 251-260.
CAPÍTULO
Técnicas analíticas para o controle de
8 qualidade e desenvolvimento de produtos
na indústria de secagem de soro
Nathalia da Silva Campos
Mariana Ramos de Almeida
Carolina Carvalho Ramos Viana
Erica Felipe Mauricio
Rodrigo Stephani
Luiz Fernando Cappa de Oliveira

CONTEÚDO 8.2 TÉCNICAS ESPECTROSCÓPICAS

8.1 Introdução ....................................................... 145 A espectroscopia pode ser definida como o


8.2 Técnicas espectroscópicas ............................. 145 estudo da interação de uma onda eletromagnética
8.2.1 Espectroscopia na região do com matéria, cujo principal objetivo é a
Infravermelho ....................................... 146 determinação dos níveis de energia e transições de
8.2.1.1 Espectroscopia no Infravermelho espécies atômicas e moleculares. Algumas regiões
Médio (MIR) .................................. 147 de interesse para fins analíticos podem ser definidas
8.2.1.2 Espectroscopia no Infravermelho em função do comprimento de onda [1].
Próximo (NIR) ............................... 149 Somando-se a energia eletrônica, a energia
8.2.1.3 Aplicações na Indústria de vibracional e a energia rotacional de uma molécula,
Alimentos ..................................... 149 obtém-se sua energia total. É possível separar suas
8.2.2 Espectroscopia Raman .......................... 150 contribuições espectrais, uma vez que estes três
8.3 Quimiometria ................................................. 155 tipos de energia são distintos [2]. Os átomos que
8.3.1 Análise de Componentes Principais compõem uma molécula não formam uma estrutura
(PCA) ........................................................ 156 rígida, e por isso há um movimento constante,
8.4 Calorimetria Exploratória Diferencial (DSC) .. 158 mesmo a baixas temperaturas. As energias
vibracionais e rotacionais estão relacionadas ao
8.5 Microscopia Eletrônica de Varredura (MEV) . 159
deslocamento dos núcleos atômicos. Devido a maior
8.6 Análise de distribuição do tamanho de
massa dos núcleos em relação aos elétrons, suas
partículas por difração a laser ........................ 161 contribuições podem ser separadas, o que é
8.7 Cromatografia Líquida de Alta Eficiência conhecido por aproximação de Born-Oppenheimer.
(CLAE ou HPLC) ............................................... 161 Devido a este fenômeno, os núcleos podem ser
8.8 Determinação de umidade por Karl Fisher considerados como fixos em relação aos elétrons, e
(KF) ................................................................... 166 na prática o espectro molecular é dividido em três
8.9 Colorimetria .................................................... 167 regiões energéticas distintas (Figura 8.1): a de micro-
8.10 Referências ................................................... 169 ondas e radiofrequências (espectroscopia
rotacional); infravermelho e visível (espectroscopia
8.1 INTRODUÇÃO vibracional) e região do visível à ultravioleta
(espectroscopia eletrônica) [2].
Este capítulo traz uma abordagem sobre novas Nas transições eletrônicas, ocorre a passagem de
técnicas analíticas para o controle de qualidade e um elétron de um estado de menor energia para um
desenvolvimento de produtos na indústria de estado de maior energia, através da absorção da
secagem de soro. Dentre as metodologias abordadas radiação, mas não há mudança da posição dos
estão as técnicas espectroscópicas de Infravermelho núcleos da molécula. Nos demais tipos de transição
e Raman associadas as ferramentas quimiométricas ocorre uma mudança da posição relativa dos átomos
para a interpretação dos dados, a calorimetria na molécula devido ao efeito da radiação
exploratória diferencial (DSC), a microscopia eletromagnética. Por esse motivo, existem os graus
eletrônica de varredura (MEV), a difração a laser, a de liberdade moleculares, os quais definem a
cromatografia líquida de alta eficiência (CLAE ou qualidade e a quantidade de movimentos que
HPLC), a determinação de umidade pelo método de podem ser efetuados pelos átomos que compõem a
Karl Fisher e a colorimetria. molécula em questão. Para uma molécula linear,
existirão
estudo
146 CAPÍTULO 8 - Técnicas analíticas para o controle de qualidade e desenvolvimento de produtos na indústria de secagem de soro

existirão 3N-5 movimentos vibracionais e para uma absorção, emissão e nos processos de
molécula não linear, existirão 3N-6 movimentos espalhamento. Estas técnicas oferecem a
vibracionais, onde N é o número de átomos [3]. possibilidade de obter informações sobre estrutura
Dentre os movimentos vibracionais, alguns deles molecular, níveis de energia, ligações químicas,
serão ativos na técnica de espectroscopia no identificação e quantificação de elementos químicos
infravermelho, mas outros serão ativos na técnica de e moléculas.
espectroscopia Raman. Tal fato acontece, pois os A radiação eletromagnética pode ser descrita por
efeitos físicos envolvidos são distintos. O fenômeno dois componentes: os campos elétrico e magnético,
físico envolvido na espectroscopia no infravermelho perpendiculares entre si. Isso quer dizer que uma
é a absorção da radiação eletromagnética pela onda eletromagnética é formada por dois vetores
molécula, já na espectroscopia Raman o fenômeno perpendiculares, que se somam para dar origem a
físico envolvido é o espalhamento da radiação pela essa onda. Quando a radiação eletromagnética
molécula. Então como os efeitos físicos envolvidos interage com a matéria, do ponto de vista de
são distintos nas duas técnicas, os modos transição entre estados moleculares, apenas a parte
vibracionais também serão distintos. Isto implica em elétrica da radiação é importante, e desconsidera-se
que as duas técnicas são complementares entre si, e o efeito provocado pela componente magnética [3].
para uma análise completa da estrutura vibracional Segundo Pavia et al. [4], na região espectral há
de um sistema químico, torna-se necessário obter-se comprimentos de onda em diferentes unidades, e
ambos os espectros [3]. por isso, devido a ter uma relação diretamente
proporcional à quantidade de energia, a unidade
8.2.1 Espectroscopia na região do Infravermelho mais comumente usada para se referir à radiação na
região do infravermelho é o número de onda (cm-1),
A interação da radiação eletromagnética com os que é o inverso do comprimento de onda (λ-1).
elétrons e núcleos das moléculas dão origem a uma Sendo assim, quanto menor o número de onda,
série de técnicas espectroscópicas, baseadas na menor a energia e vice-versa.
absorção

Figura 8.1 Regiões espectrais de importância analítica.


Fonte: Adaptado de Dufour [1]; Rodrigues [2] modificado por Viana [5].

Segundo Hooler et al. [6] o espectro na região do principal região de espectroscopia vibracional,
infravermelho (IV) é usualmente subdividido em três apresentando informações sobre estrutura e
regiões: denominadas IV próximo, IV médio e IV conformação de moléculas orgânicas (como
distante, de acordo com os tipos de aplicações e proteínas, polissacarídeos e lipídeos) [1]. Entretanto
instrumentação. A Tabela 8.1 fornece os limites a região do infravermelho distante (far-infrared) é
aproximados de cada uma das três regiões. limitada em relação as demais, mas fornece
A região do infravermelho próximo (near-infrared informações sobre vibrações de moléculas com
– NIR) é a primeira exibindo bandas de absorção átomos pesados [7]. Dessa forma não há dados na
relacionadas às vibrações das moléculas. É literatura sobre aplicação em alimentos. A Tabela 8.2
caracterizada por harmônicos e bandas de relaciona as regiões espectrais de interesse analítico
combinação e é amplamente utilizada para análises na região do IV com as características dos materiais a
de composição de produtos alimentares. Já a região que se aplicam.
do infravermelho médio (mid-infrared – MIR) é a A incidência da radiação eletromagnética nas
conformação partículas
Química e tecnologia do soro de leite 147

Tabela 8.1 Regiões espectrais do infravermelho.

Comprimentos de onda (λ) Números de onda


Região
(nm) (cm-1)

Próximo 780 a 2500 12800 a 4000


Médio 2500 a 50000 4000 a 200
Distante 50000 a 1000000 200 a 100
Fonte: Adaptado de Holler, Skoog e Crouch [6].

Tabela 8.2 Regiões espectrais do infravermelho e suas principais aplicações.

Números de onda
Região (cm-1) Aplicações

Materiais sólidos ou líquidos e misturas de


Próximo 12800 a 4000
gases

Sólidos, líquidos ou gases puros; misturas


Médio 4000 a 200
complexas

Distante 200 a 10 Amostras sólidas, líquidas e gasosas

Fonte: Adaptado de Holler, Skoog e Crouch [6].

partículas da amostra pode causar diversos tipos de 8.2.1.1 Espectroscopia no Infravermelho Médio
fenômenos, como absorção, transmissão, refração, (MIR)
reflexão e difração da luz incidente [8].
Segundo Hooler, Skoog e Crouch [6] para No ano de 1802 o cientista Thomas Young, em um
absorver a radiação IV, uma molécula deve sofrer experimento com luz em fenda dupla, observou o
uma variação no momento de dipolo durante seu fenômeno de interferência, caracterizado pela
movimento rotacional ou vibracional. Não ocorre sobreposição de ondas em diversos pontos ao longo
variação no momento dipolo durante a vibração ou de sua direção de propagação, gerando regiões onde
rotação de espécies homonucleares, tais como O2, estas anulam e se amplificam. No fim do século XIX,
N2 ou Cl2, e como consequências tais compostos não Albert Abraham Michelson construiu um
podem absorver radiação IV. interferômetro, e sua relação com o espectro foi
De acordo com sua natureza, as moléculas confirmada em 1892, por Lord Rayleigh, utilizando
podem apresentar diferentes tipos de vibração: uma operação matemática denominada
modos de estiramento simétrico e assimétrico, transformada de Fourier (FT) [2].
modos de deformação no plano e fora do plano. A aplicação da espectroscopia no infravermelho,
Segundo Dufour [1], os movimentos vibracionais como técnica analítica, teve um grande crescimento
das moléculas induzem a absorção na região do com o advento da transformada de Fourier, usada
infravermelho, formando bandas de absorção, que para a obtenção de espectros. Atualmente, os
ao serem atribuídas à grupos químicos fornecem espectrômetros de absorção no infravermelho são
uma impressão digital (fingerprint) da molécula. Com todos do tipo FT (Figura 8.2), os dados são obtidos
o auxílio de estatística multivariada, podem ser pela divisão da fonte de radiação em dois feixes, com
utilizadas para análises quantitativas e qualitativas. caminhos ópticos que podem ser variados
Quase todos os compostos que tenham ligações periodicamente para fornecer padrões de
covalentes absorvem várias frequências de radiação interferência [6].
eletromagnética na região do infravermelho. Os Segundo Mendes [9] a radiação no infravermelho
espectros de duas moléculas diferentes jamais serão é emitida por uma fonte contínua, porém, o feixe é
idênticos, e por isso, este pode servir para moléculas dividido (Figura 8.2) cerca de metade é refletido por
da mesma forma que impressões digitais servem um espelho fixo e de lá refletido de volta ao divisor
para seres humanos [4]. de feixes, atravessando-o e atingindo a amostra e
móvel
148 CAPÍTULO 8 - Técnicas analíticas para o controle de qualidade e desenvolvimento de produtos na indústria de secagem de soro

detector (setas vermelhas). A outra metade da intensidade da luz em relação a posição do espelho
intensidade luminosa inicial é refletida pelo espelho móvel, o que é chamado de interferograma. Após
móvel (setas azuis). Quando os dois feixes isso, o computador converte os dados medidos em
recombinam no divisor de feixes (após serem um espectro, e então ocorrem duas transformações:
refletidos nos espelhos fixo e móvel), haverá uma pelo interferômetro, uma pelo computador
construções ou interferência destrutiva dependendo [10].
da diferença do caminho óptico, e medição da
intensidade um

Figura 8.2 Esquema de Funcionamento da Transformada de Fourier.


Fonte: Adaptado de Rodrigues [2] modificado por Viana [5].

Espectros da região MIR são comumente intensidades das bandas são proporcionais à
utilizados para identificação estrutural de compostos concentração de seus respectivos grupos funcionais
orgânicos, conforme exemplificado na Figura 8.3, [11]. As vantagens deste tipo de equipamento
uma vez que as bandas de absorção são causadas decorrem principalmente à maior potência de
pelas vibrações fundamentais de grupos funcionais radiação que atinge o detector, diminuindo assim a
específicos. Em contrapartida, podem também intensidade dos ruídos. Além disso, todos os
terem aplicações na análise quantitativa, já que a as elementos atingem o detector simultaneamente,
intensidades tornando possível a obtenção de espectros em
poucos segundos. Ademais, os espectros gerados
têm maior poder de resolução (discriminação da
menor diferença entre dois números de onda) e
reprodutibilidade, permitindo análise de dados
complexos [6].

Figura 8.3 Espectros do FT-MIR de amostras de fórmulas infantis e suas principais bandas de absorção.
Fonte: Viana [5].
Química e tecnologia do soro de leite 149

tornando possível a obtenção de espectros em no Infravermelho Próximo associada à quimiometria


poucos segundos. Ademais, os espectros gerados tem sido frequentemente utilizada como um método
têm maior poder de resolução (discriminação da analítico que fornece resultados suficientes para
menor diferença entre dois números de onda) e determinação de grupos funcionais orgânicos [12].
reprodutibilidade, permitindo análise de dados Assim, amostras com elevados níveis de
complexos [6]. proteínas (muita ligação N-H) absorvem mais em
O uso de ferramentas quimiométricas para regiões de ligação amino do que amostras com baixo
construção de modelos quantitativos empregando nível de proteína. Por outro lado, amostras com
espectros na região do infravermelho ganhou elevados níveis de umidade ou açúcar, terão
destaque nas últimas duas décadas. absorção mais elevada na região associada com
hidroxilas (OH) [13].
8.2.1.2 Espectroscopia no Infravermelho Próximo Ao contrário da espectroscopia no IV-médio, os
(NIR) mais importantes usos da radiação NIR
(infravermelho próximo) são em determinações
Na região do NIR ocorrem combinações e quantitativas de rotina, de espécies como água,
sobretons (sobreposição) das absorções vibracionais proteínas, hidrocarbonetos de baixa massa molar e
dos grupamentos O-H, N-H, S-H e C-H, o que significa gorduras em produtos agrícolas, alimentícios,
que os espectros possuem grande quantidade de petrolíferos e químicos. Tanto medidas de reflexão
informação a respeito da organização da maioria dos como as de transmissão são usadas, muito embora a
compostos orgânicos, conforme exemplificado na reflectância difusa seja a mais amplamente usada
Figura 8.4. Dentro deste contexto, a Espectroscopia [6].
no

Figura 8.4 Espectros do FT-NIR de amostras de fórmulas infantis.


Fonte: Elaborado pelo próprio autor .

Em vista da imensa gama de informações 8.2.1.3 Aplicações na Indústria de Alimentos


contidas no espectro, a espectroscopia no NIR
apresenta aplicação em diversas áreas. A aquisição de informações espectrais sobre as
Características atrativas como rapidez, medição propriedades quantitativas e qualitativas das
direta, exigência mínima de pré-tratamento da matérias-primas, produtos intermediários e finais
amostra, assim como natureza não destrutiva desta, está ganhando cada vez mais importância,
alta penetração do feixe de radiação, entre outras, principalmente devido aos benefícios econômicos a
conferem ao NIR enorme importância para que estão atrelados. Neste sentido, a espectroscopia
aplicações em controle, monitoramento e de infravermelho médio (MIR) e próximo (NIR) têm
otimização de processos industriais [12]. potencial em uma variedade de aplicações na
indústria
150 CAPÍTULO 8 - Técnicas analíticas para o controle de qualidade e desenvolvimento de produtos na indústria de secagem de soro

indústria, incluindo monitoramento de processos, Como exemplo de aplicação, Casadio et al. [16] e
determinação da qualidade e adulteração de Silvestre et al. [18] compararam os níveis de
produtos lácteos, como leite, leite em pó, manteiga macronutrientes determinados pelo analisador de
e queijo [14]. leite humano com infravermelho médio (HMA) com
Com os recentes avanços tecnológicos no design os métodos laboratoriais tradicionais. Observaram
de hardware e software, houve o desenvolvimento diferenças pequenas, mas estatisticamente
de equipamentos mais compactos, portáteis e significativa, nos níveis de gordura, proteína, lactose,
robustos, com sistemas sofisticados para suportar sólidos totais e energia para todas as amostras, e
muito mais rápido o processamento e análise de constataram que, com a preparação adequada e
dados espectrais, analisando em segundos, uma calibração do equipamento, o analisador MIR pode
tarefa que teria levado várias horas na década de fornecer uma medida prática e satisfatória quanto à
1990. Tornaram-se ainda tão populares que suas rapidez, simplicidade e volume de amostra
aplicações práticas são encontradas em necessário para avaliação de macronutrientes no
praticamente todos os ramos das indústrias agrícolas leite humano.
e alimentares [15]. Oliveira [19] propôs a utilização de FT-MIR para a
Atualmente, a espectroscopia MIR é um método avaliação do teor de ureia em leite cru, o qual
certificado para análise de leite para fins de concluiu ser um método confiável para tal finalidade
pagamento no setor de lácteos pela ISO 9622: 1999, além de rápido, eficiente, versátil e de baixo custo.
AOAC (Associação de Químicos Analíticos Oficiais) e Balabin e Smirnov [20] estudaram a utilização das
FIL (Federação Internacional de Laticínios). As espectroscopias MIR e NIR para detecção de
vibrações fundamentais no espectro MIR estão melamina em matrizes complexas de lácteos.
associadas a diferentes grupos químicos, que se Verificaram que as metodologias propostas são
correlacionam diretamente com a gordura, proteína eficazes para detectar este composto em produtos
e lactose [16]. como: fórmula infantil, leite em pó, ou leite líquido,
Segundo Dufour [1], os principais componentes e podem ser consideradas como processos rápidos,
alimentares são geralmente moléculas complexas, sensíveis, robustos e de baixo custo.
que exibem grupos químicos específicos tais como Azarias [21] utilizou a Espectroscopia FT-MIR-ATR
funções carboxílicas e aminas em aminoácidos. como uma ferramenta para avaliação rápida de
Como cada grupo químico pode absorver na região queijos Pecorino, Maturado e Gouda, produzidos
do infravermelho, o primeiro passo é identificar com leite de ovelha, e constatou que esta foi capaz
claramente as bandas de absorção características de verificar indicativos de proteólise e lipólise
destes grupos nas regiões do infravermelho médio. durante o processo de maturação dos queijos.
No que se refere a componentes alimentares na A espectroscopia na região do infravermelho vem
região do espectro MIR, as cadeias de ácidos graxos sendo estabelecida como uma técnica rápida,
são as principais responsáveis pela absorção entre precisa, não invasiva, não-destrutiva e
3000 cm-1 e 2800 cm-1, devido ao estiramento da ambientalmente seguras, portanto, são cada vez
cadeia C-H. Triacilgliceróis exibem bandas de mais utilizadas na análise e controle da qualidade
estiramento C-O em 1175 cm-1 e C=O em 1750 cm-1. dos alimentos [14]. Atualmente, nota-se uma
Assim, a banda de absorção notada próximo a 1750 crescente aplicação das metodologias
cm-1 é utilizada comumente para determinação de espectroscópicas juntamente às ferramentas
gordura, devido à vibração de estiramento do C=O estatísticas no controle de qualidade de alimentos,
da ligação éster dos triglicerídeos [17]. sobretudo produtos lácteos, principalmente como
O grupamento C-NH peptídico é o principal alternativa de substituição das técnicas
responsável pela absorção entre 1700 cm-1 e 1500 convencionais.
cm-1, chamado de modo amida I, sendo próxima a
1535 cm-1 a absorção da amida secundária, produto 8.2.2 Espectroscopia Raman
da vibração de deformação do N-H das moléculas de
proteína. Já a banda próxima a 1065 cm-1, ocorre O efeito Raman pode ser entendido a partir da
devido à vibração de estiramento C-OH de álcool das interação da radiação eletromagnética com a
moléculas de lactose, sendo assim utilizada para matéria. Quando a radiação atinge um composto
caracterizá-la [2]. químico e essa radiação não é absorvida, ela pode
A água é uma molécula que absorve fortemente passar direto pela matéria ou então ser espalhada.
nas regiões NIR e MIR, com faixas proeminentes Como foi descrito na seção de Infravermelho
centradas em 3300 cm-1 (banda de estiramento O- (8.2.1), a radiação eletromagnética pode ser descrita
H), a 2130 cm-1 (banda de associação de água) e a por dois componentes: os campos elétrico e
1640 cm-1 (vibração de flexão H-O-H) [15]. magnético, perpendiculares entre si. Entretanto,
intrínseco
Química e tecnologia do soro de leite 151

somente o componente do campo elétrico da podemos destacar monocromaticidade,


radiação que irá interagir com a molécula, para dar direcionalidade e coerência. Novos tipos de
origem ao efeito do espalhamento [3]. detectores, como os detectores multicanal (CCD),
Toda molécula tem um momento de dipolo uso de microscópio óptico acoplado ao
intrínseco ou efetivo. Entretanto, quando o campo espectrômetro, utilização de fibra óptica para
elétrico da radiação incidente interage sobre a medidas remotas, desenvolvimento da
molécula, teremos o aparecimento de um novo espectroscopia FT-Raman, técnicas de imagem e a
momento de dipolo, que agora será induzido pela minituarização da instrumentação tem tornado a
radiação. Esse momento de dipolo induzido P espectroscopia Raman uma técnica cada vez mais
apresenta uma relação linear com o campo elétrico popular para a caracterização rápida e fácil de
da radiação incidente, de acordo com a Equação 8.1: sólidos, líquidos e no controle de qualidade,
ganhando assim novos campos de pesquisa e espaço
𝑃 = 𝛂𝐸 (8.1) no setor industrial [22].
A espectroscopia Raman, oferece algumas
O termo 𝛂 que aparece na equação é uma vantagens em relação à espectroscopia no
constante, conhecida como polarizabilidade, e tem infravermelho: a água não interfere nos espectros e,
uma semelhança muito grande com o momento de além de ser uma técnica versátil, rápida, determina
dipolo efetivo da molécula. A polarizabilidade é uma mais de um componente ao mesmo tempo. As
propriedade intrínseca de cada sistema químico, mas amostras não precisam passar por um pré-
que somente se manifesta quando há interação da tratamento, não usa reagente, não gera subprodutos
radiação eletromagnética com o composto em tóxicos, além de ser uma técnica minimamente ou
questão [3]. não destrutiva, adequada para processos on-line.
Quando a radiação eletromagnética Desta forma, a espectroscopia Raman oferece
monocromática (fóton) interage com uma molécula, oportunidades analíticas para muitas áreas de
temos uma nova identidade, que podemos produção e controle de qualidade.
identificar como ‘molécula + radiação’. Dessa forma, A espectroscopia Raman tem sido empregada no
ela sofre uma transição, pois o sistema ‘molécula + estudo de diversos produtos lácteos, apresentando
radiação’ está acrescido da energia que a radiação importantes contribuições no entendimento das
eletromagnética (fóton) carrega. Quando esse tecnologias e nas propriedades químicas destes
sistema volta ao estado fundamental, temos o produtos [22–24].
espalhamento de um fóton, que pode apresentar-se O Instituto Americano de Produtos Lácteos [25],
de duas formas: primeiro esse fóton espalhado tem que estabelece padrões elaborados como um guia
a mesma energia do fóton incidente, e então para a seleção de produtos lácteos a serem
teremos o princípio da conservação de energia utilizados como ingredientes na indústria alimentícia,
estabelecido. Nesse caso, temos o espalhamento mostra que a lactose é o componente majoritário do
conhecido como Rayleigh. A segunda forma consiste WPC35 ( 350,0 g.kg-1 de proteína na base seca). A
do espalhamento Raman, onde a partir da interação caracterização da estrutura da lactose presente
da radiação eletromagnética monocromática com a neste produto, utilizando a espectroscopia Raman, é
matéria, uma pequena parcela dessa radiação será extremamente útil para o estudo da influência do
espalhada pela matéria com valores diferentes da processamento e das condições e tempo de
radiação incidente, originando assim o chamado armazenamento na lactose presente no mesmo,
espalhamento inelástico da luz [3]. devido ao fato de não ser previamente cristalizada
O efeito Raman foi demonstrado durante a produção. A espectroscopia Raman
experimentalmente pela primeira vez em 1928, pelo consiste então, em uma potencial ferramenta
cientista indiano Sir Chandrasekhara Venkata Raman, emergente e relevante para o uso no controle de
após ter sido previsto por Smekal em 1923 [26]. A qualidade da produção industrial e para o
importância da descoberta de Raman foi entendimento e aperfeiçoamento dos métodos
reconhecida em 1930 quando foi agraciado com o produtivos, impactando diretamente e
prêmio Nobel de Física. decisivamente no crescimento e na competitividade
Os avanços na instrumentação facilitaram a das indústrias de alimentos do Estado de Minas
tarefa de obter um espectro Raman, como exemplo, Gerais.
as novas fontes de radiação monocromática, no O concentrado proteico de soro (WPC) tem
início eram utilizadas lâmpadas de mercúrio e hoje aplicação em diferentes segmentos alimentícios
são empregados lasers como radiação incidente. Os como em produtos cárneos, bebidas, panificação,
lasers apresentam atributos que os tornam uma lácteos e produtos para dietas específicas como
excelente fonte de excitação, entre os quais infantis e atletas de alto desempenho. As principais
espectrômetro, composição,
152 CAPÍTULO 8 - Técnicas analíticas para o controle de qualidade e desenvolvimento de produtos na indústria de secagem de soro

características de funcionalidade dos derivados de apresenta alta viscosidade e limitada mobilidade


soro incluem a forte interação com água, molecular; na temperatura de transição vítrea e
emulsificação, aeração e gelificação. Tais acima dela, a viscosidade diminui drasticamente e o
funcionalidades não dependem somente da resultado é um aumento significativo na mobilidade
composição, mas também dos vários parâmetros de molecular dos componentes do sistema, levando a
processos a que são submetidos durante a uma série de transformações estruturais como
fabricação [27]. Muitos produtos à base de soro são aderência, colapso e cristalização durante o período
produzidos pela técnica de secagem em spray dryer de processamento e armazenamento do material.
utilizando atomizador de bico. Usando tipicamente Existem vários trabalhos descritos na literatura
temperaturas de 160-180 °C e 80-90 °C para as sobre o estudo das mudanças físico-químicas no
temperaturas do ar de entrada e saída, armazenamento dos lácteos em pó. Diferentes
respectivamente, sempre com um correto processo técnicas são aplicadas, desde teste de sorção,
de evaporação prévio, esta técnica é bem calorimetria diferencial por varredura (DSC),
estabelecida e não resulta em excessivos danos aos espectroscopia de fotoelétrons excitados por raios X
componentes do soro. (XPS ou ESCA), microscopia eletrônica de varredura
No entanto, produtos à base de soro requerem (MEV) e até espectroscopia na região do
específicas técnicas de embalagem, especialmente infravermelho próximo (NIR) a fim de compreender
em casos onde a cristalização da lactose não tenha as mudanças ocorridas em função de fatores como
sido incluída no processo. A secagem em spray de temperatura, umidade relativa e composição [31–
um produto sem pré-cristalização resulta em um pó 35].
de alta higroscopicidade, o que causa Nørgaard et al. [32] utilizaram a espectroscopia
empedramento se não protegido da umidade. Os Raman e NIR juntamente com ferramentas
WPCs e WPIs oferecidos no mercado, tais como os quimiométricas para quantificar o teor de lactose em
produtos para praticantes de atividade física, são soro em pó. Outros trabalhos relatam o uso da
frequentemente comercializados em embalagens espectroscopia Raman no estudo da cristalização da
com barreira de umidade e luz, alguns usando gases lactose, principalmente no uso desse componente
inertes para obtenção de atmosfera modificada [28]. em fármacos, sem ênfase na matriz WPC [36–39].
O prazo de validade dos produtos lácteos Stephani et al. [40] utilizaram a espectroscopia
desidratados é geralmente estabelecido para Raman associada a ferramentas quimiométricas para
garantir a segurança microbiológica e para manter identificar alterações na estrutura da lactose em
aceitáveis as características sensoriais. Apesar de ser WPC durante a produção e o armazenamento.
microbiologicamente estável, mudanças físicas e Uma vez que a estabilidade é uma característica
químicas, como a cristalização da lactose, desejável dos alimentos, as modificações físicas da
aglutinação de partículas, oxidação de gordura, lactose que ocorrem no WPC, durante a secagem e
reação de Maillard e reações enzimáticas podem com o tempo de armazenamento, podem ser
ocorrer durante o armazenamento, modificando as acompanhadas por espectroscopia Raman. A seguir
propriedades físico-químicas e funcionais do produto são apresentados alguns espectros Raman e seus
[29]. respectivos resultados e aplicações. A Figura 8.5 traz
A literatura descreve a mudança da estrutura da os espectros Raman obtidos para WPC produzido em
lactose como a principal modificação física dos condições ideais e após o armazenamento por 6
lácteos desidratados e precursora de outras meses e confronta-os com o espectro da α-lactose
mudanças durante o período de armazenamento do monohidratada cristalina.
produto. A lactose é o componente mais abundante O espectro A foi obtido logo após a produção do
do soro. Após a remoção da água, a lactose WPC e o espectro B foi realizado na mesma amostra,
encontra-se no estado amorfo, o qual é altamente porém armazenada por seis semanas em condições
higroscópico, absorvendo facilmente a água do ambientais. As modificações nos espectros Raman
ambiente. O aumento da umidade relativa, da dos WPC armazenados variaram de acordo com as
temperatura e escalas de tempo relevantes são os condições de estocagem. É possível identificar no
fatores predominantes envolvidos na cristalização da espectro Raman do WPC após seis semanas
lactose, afetando diretamente as propriedades armazenado em embalagens plásticas na
funcionais dos produtos secos que contêm esse temperatura e umidade ambiente (B), mostrado na
dissacarídeo. A cristalização ocorre acima da Figura 8.5, que as principais mudanças ocorrem na
temperatura de transição vítrea (Tg), definida como região de 2900 cm-1 e, principalmente, na região
a temperatura em que ocorre a transição de um entre 1200 e 800 cm-1. Estas alterações no perfil dos
estado sólido vítreo para um estado semi-líquido espectros podem ser atribuídas ao início do processo
(gomoso) [30]. Abaixo da Tg, um material amorfo de mudança de fase da lactose amorfa para a lactose
molecular espectros
Química e tecnologia do soro de leite 153

Figura 8.5 (Primeiro Bloco Experimental) - Espectro Raman do WPC produzido em condições ideais (A),
WPC produzido em condições ideais e armazenado durante 6 semanas em condição ambiente (B); α-lactose
monohidratada (C).
Fonte: Stephani [41].

cristalina, durante a qual ocorre o aparecimento de uma ferramenta emergente para o monitoramento
novas bandas. da qualidade de WPC durante o período de
A Figura 8.5 confronta ainda o espectro Raman armazenamento, considerando a sua sensibilidade
da α-lactose monohidratada cristalina (C) com os para identificar mudanças na estrutura da lactose
espectros Raman de amostras dos WPC. Observa-se devido à transição vítrea, que pode ter como fator
que, quando o teor de lactose cristalina aumenta na de promoção embalagens danificadas, avançada
amostra de WPC durante o armazenamento, os data de fabricação ou exposição excessiva a altas
modos vibracionais característicos desse temperaturas durante logística.
componente ficam mais evidentes e o formato das O próximo conjunto de espectros Raman
bandas são muito similares ao do padrão de lactose. mostrados na Figura 8.6 traz os perfis
Isso fica bem evidente para o WPC armazenado em espectroscópicos de amostras de WPC oriundas de
condições ambientes normais, onde a cristalização diferentes temperaturas de secagem e de soro de
da lactose é o principal evento. leite fluido pré-concentrado.
Isso indica que a espectroscopia Raman pode ser
armazenamento,

Figura 8.6 (Segundo Bloco Experimental) - Espectros Raman de WPCs.


WPC1 = temperatura do ar de secagem em 130 °C e retentado não concentrado por evaporação a vácuo;
WPC2 = temperatura do ar de secagem em 145 °C e retentado não concentrado por evaporação a vácuo;
WPC1+2 = pó retido na câmara de secagem durante os tratamentos 1 e 2;
WPC3 = temperatura do ar de secagem em 130 °C e retentado concentrado por evaporação a vácuo;
WPC4 = temperatura do ar de secagem em 145 °C e retentado concentrado por evaporação a vácuo;
WPC3+4 = pó retido na câmara de secagem durante os tratamentos 3 e 4.
Fonte: Stephani [41].
154 CAPÍTULO 8 - Técnicas analíticas para o controle de qualidade e desenvolvimento de produtos na indústria de secagem de soro

Os perfis espectroscópicos destas amostras, identificação da presença de lactose cristalina sem a


mostram-se extremamente similares entre si, os necessidade de submeter a amostra a um preparo
quais possuem as principais bandas, prévio ou condição analítica que possa interferir na
correspondentes à caracterização de WPC em pó conformação espacial das moléculas presentes nesta
com presença de lactose cristalina. matriz complexa.
A técnica de espectroscopia Raman acessa uma O último conjunto de espectros Raman desta
característica da estrutura dos pós de WPC que as seção é mostrado na Figura 8.7 e traz repetições
técnicas convencionais não conseguem identificar: a dentro de um mesmo tratamento.
identificação

Figura 8.7 (Terceiro Bloco Experimental) - Espectros Raman de WPCs.


PT72UF – produzido a partir do soro pasteurizado a 72 °C por 15 segundos (A);
TM65UF – produzido a partir do soro termizado a 65 °C por 15 segundos (B);
MF0,8UF – WPC produzido a partir do soro microfiltrado utilizando membrana de 0,8 µm de diâmetro dos poros (C);
MF1,4UF: WPC produzido a partir do soro microfiltrado utilizando membrana de 1,4 µm de diâmetro dos poros (D).
Os números de 1 a 4 identificam o número da repetição.
Fonte: Stephani [41].

A partir dos espectros Raman obtidos para essas depreender as principais características estruturais
amostras de WPC é possível evidenciar diferenças no da lactose, bem como notar pequenas oscilações
que diz respeito aos seus perfis dentro das possíveis de ocorrer durante o processo de obtenção
repetições dos mesmos tratamentos, sugerindo que dos mesmos devido às mudanças de parâmetros
houveram alterações efetivas na estrutura da tecnológicos utilizados. Sendo assim, é possível
lactose. Tal fato reforça o potencial da utilizar tal técnica como um indicativo de
espectroscopia Raman como ferramenta de controle padronização, não somente no processo de
de qualidade de um parâmetro, até então não fabricação do WPC, de forma indireta a partir das
monitorado, utilizando os procedimentos analíticos principais bandas características de carboidratos,
convencionais. principalmente a lactose, mas também de outros
Sendo assim, é possível inferir que a utilização da lácteos em pó, uma vez que a lactose, juntamente
espectroscopia Raman mostra-se muito eficiente com outros constituintes, possui características
quando utilizada como técnica de controle de estruturais únicas, que podem ser claramente
qualidade destes produtos, uma vez que é possível observadas a partir de seu perfil espectroscópico.
depreender
Química e tecnologia do soro de leite 155

8.3 QUIMIOMETRIA métodos são divididos em dois segmentos: os de


treinamento não-supervisionado e os de
Uma das características mais interessantes dos treinamento supervisionado.
modernos instrumentos é o número das variáveis Os métodos de treinamento não-supervisionados
que podem ser medidas em uma única amostra. Um não requerem nenhuma suposição inicial sobre a
exemplo é a intensidade de absorção em mil ou mais origem e estrutura dos dados, o objetivo é encontrar
comprimentos de onda que é rotineiramente agrupamentos naturais. A Análise por Componentes
registrada em um único espectro. De posse dessa Principais (PCA, do inglês, Principal Component
quantidade de dados, a necessidade de ferramentas Analysis) é um dos métodos mais utilizados e
novas e mais sofisticadas para tratá-los e extrair difundidos para esse tipo de estudo [45].
informações relevantes cresceu muito rapidamente, Os métodos de treinamento supervisionados são
dando origem à quimiometria, que é definida como aqueles que necessitam de alguma suposição inicial
o uso de ferramentas estatísticas multivariada e sobre o sistema em estudo para a criação de
matemáticas em dados químicos [42, 43]. modelos, e são empregados para prever se uma
O uso das ferramentas quimiométricas tornou amostra pertence a uma determinada classe
possível o processamento e interpretação de dados previamente estabelecida. Os métodos
que antes seriam impossíveis de serem analisados, supervisionados podem ser divididos em modelagem
como por exemplo, espectros NIR. Isso se deve ao de classe (classe única e multiclasses) e análise
aumento da capacidade de processamento dos discriminante. No caso da modelagem de classe, o
computadores, da instrumentação analítica e da método SIMCA (do inglês, Soft Independent
habilidade de adquirir dados rapidamente. Modeling of Class Analogy) é o principal
Os métodos quimiométricos podem ser aplicados representante. E na análise discriminante, a Análise
para planejamento e otimização de experimentos; Discriminante por Mínimos Quadrados Parciais (PLS-
para a extração e interpretação de dados químicos DA, do inglês, Partial Least Squares Discriminant
multivariados com o objetivo de reconhecimento de Analysis) é o método mais difundido [46].
padrões, classificação, modelagem, processamento Para utilização das ferramentas quimiométricas
de imagens e outros. os dados químicos são arranjados na forma de
Os métodos de análise multivariada são assim tabelas ou matrizes de dados, como mostrado na
chamados pois, em caso do emprego das técnicas Figura 8.8, onde as linhas representam as amostras e
espectroscópicas no infravermelho, por exemplo, é as colunas referem-se as variáveis (exemplo,
possível manipular dados de absorbância associados intensidade Raman em diferentes números de
a mais de uma frequência ao mesmo tempo. Estes onda). Durante uma análise química, uma grande
métodos têm recentemente tornado possível quantidade de dados pode ser obtida, um espectro
modelar propriedades químicas e físicas de sistemas Raman coletado para 50 amostras na faixa de 3500 a
simples e complexos a partir de seus dados 200 cm-1 com resolução de 4 cm-1 produz uma matriz
espectroscópicos [44]. de dados de dimensões 50 825 = 41250 números.
Os métodos de reconhecimento de padrões Desta forma, se faz necessária uma maneira de
permitem identificar similaridades e diferenças nas extrair informações importantes de matrizes de
propriedades das amostras e/ou variáveis e dados com tais dimensões.
classificá-las de acordo com tais características. Esses
métodos

Figura 8.8 Organização dos dados de espectroscopia Raman em uma matriz de dados para aplicação de
ferramentas quimiométricas.
Fonte: Almeida [47].
156 CAPÍTULO 8 - Técnicas analíticas para o controle de qualidade e desenvolvimento de produtos na indústria de secagem de soro

8.3.1 Análise de Componentes Principais (PCA) decomposição da matriz de dados em termos da


soma de várias matrizes de posto 1, na qual posto
A Análise por Componentes Principais (PCA) é um significa um número que expressa a
dos métodos mais importantes na quimiometria, dimensionalidade da matriz. A matriz pode ser
sendo a base para vários outros métodos, por isso a escrita como produto de dois vetores, escores t e
importância de seu entendimento. O objetivo da PCA pesos p para “a” componentes principais (Eq. 8.2).
é transformar grandes matrizes de dados em
matrizes menores que podem ser facilmente X = t1p’1 + t2p’2 + tap’a+ E (8.2)
interpretadas, permitindo extrair o máximo de
informação. A PCA converte as informações obtidas A Figura 8.9 mostra graficamente a
em gráficos que mostram a relação entre as decomposição da matriz de dados X. Além disso, a
amostras e entre as variáveis do sistema em estudo. forma matricial de representar a equação 8.2 é mos-
A PCA pode ser entendida como uma técnica de trada na equação 8.3 e descrita esquematicamente
projeção, na qual uma matriz X é projetada num na Figura 8.10.
subespaço de dimensões reduzidas. A PCA faz uma X = TP ’ + E (8.3)
decomposição

Figura 8.9 Decomposição da matriz X pela PCA.


Fonte: Almeida [47].

Figura 8.10 Análise de componentes principais aplicada a uma matriz X, gerando uma matriz de escores T,
uma matriz de pesos P e uma matriz de resíduos E.
onde X é a matriz original dos dados com n linhas (amostras) e m colunas (variáveis);
T é a matriz dos escores com n linhas e a colunas (número de componentes principais, novas coordenadas no novo sistema de eixos),
P é a matriz dos loadings (informação da contribuição de cada variável original na formação dos novos eixos) com a linhas e m colunas.
E a matriz E é a matriz de resíduos, contendo o que não foi modelado pela PCA.
Fonte: Almeida [47].

A PCA agrupa variáveis que estão altamente usar todas as variáveis originais, o conjunto de dados
correlacionadas em uma nova variável chamada de pode ser representado pelas componentes principais
componente principal. As componentes principais (CPs), as quais são empregadas para muitas
são uma combinação linear das variáveis originais. finalidades diferentes, como regressão linear, análise
Usualmente, a grande fração da variância é descrita discriminante, redes neurais artificiais, análise de
nos primeiros componentes principais, sendo componentes independentes, resolução
possível visualizar os dados pelo gráfico dos escores multivariada de curvas, e muitas outras [45].
de um componente contra o outro. O gráfico de A PCA é um método versátil que possibilita uma
escores mostra as similaridades e as diferenças entre visão geral dos dados multivariados, revelando
as amostras e o gráfico dos pesos mostra a relações entre variáveis e as amostras, permitindo
contribuição de cada variável original para o modelo detecção de amostras anômalas, encontrando
das componentes principais. padrões e mostrando variáveis importantes de um
Uma outra aplicação da PCA é como método de processo.
pré-processamento, a fim de reduzir a Um exemplo de aplicação da PCA em dados de
dimensionalidade do conjunto de dados. Ao invés de espectroscopia Raman para avaliar amostras de WPC
usar é
Química e tecnologia do soro de leite 157

é mostrado por Stephani [41]. No modelo introduzidas como referência, vide que o WPC35
construído, foram escolhidos 4 componentes industrial não apresenta lactose com estrutura
principais, que explica 94,42% da variância total dos cristalina e a α-lactose mono hidratada e o soro em
dados. A escolha das CPs foi baseada no gráfico de pó são as referências opostas, já que para o seu
autovalores versus o número de componentes processo, a cristalização é uma etapa obrigatória. O
principais. A Figura 8.11 A e B mostra o gráfico de primeiro, segundo e terceiro blocos experimentais
escores das duas primeiras componentes principais, são referentes as amostras apresentadas nos
onde é possível notar a formação de dois espectros Raman das Figuras 8.5, 8.6 e 8.7,
agrupamentos, identificados como A e C. As respectivamente. As demais nomenclaturas que são
amostras de WPC ficaram agrupadas principalmente apresentadas na Figura 8.11 são as mesmas
pelas características da forma da lactose presente esclarecidas na Figura 8.7 de Espectroscopia Raman.
nos pós. O que distingue os espectros das amostras
Foram utilizados nesta análise exploratória agrupadas em A e C são as bandas características da
quarenta e dois espectros Raman na região espectral lactose, as quais aparecem de forma mais evidente
1200-800 cm-1 de amostras de WPC (amostras nos espectros C. Essas alterações nos espectros
numeradas de 1-20 e de 24-45 apresentadas na Raman indicam um processo de cristalização da
Figura 8.11 B), três espectros (amostras numeradas lactose [32] que pode ocorrer durante o
como 21, 22 e 23 apresentadas na Figura 8.11 B) de processamento na câmara de secagem, devido aos
amostras industriais de WPC35 ( 350 g.kg-1 de parâmetros tecnológicos inadequados ou também a
proteína na base seca), um de α-lactose mono uma falha no armazenamento do WPC, diminuindo o
hidratada (amostra numerada como 46 apresentada seu tempo de vida de prateleira. É importante
na Figura 8.11 B) e um de soro em pó previamente observar que a amostra de α-lactose monohidratada
cristalizado (amostra numerada como 47 e também o soro em pó (cristalino) foram
apresentada na Figura 8.11 B). As amostras dos classificados juntamente com as amostras C.
produtos obtidos no mercado industrial foram
introduzidas

Figura 8.11 Gráfico de escores CP1 versus CP2 (A) e gráfico de amostras versus escores PC1 (B) da região
espectral 1200-800 cm-1 das amostras de WPC do primeiro bloco experimental (▼), WPC35 adquiridos no
mercado (*), WPC do segundo bloco experimental ( ) WPC do terceiro bloco experimental (▲); α-lactose
monohidratada (+) e soro em pó ().
Fonte: Stephani [41].
158 CAPÍTULO 8 - Técnicas analíticas para o controle de qualidade e desenvolvimento de produtos na indústria de secagem de soro

Apesar de as amostras localizadas na região entretanto cristalizações, oxidações, algumas


identificada como TV (Transição Vítrea) estarem reações de decomposição produzem efeitos
dispersas no gráfico, é possível perceber que elas exotérmicos [48].
possuem uma característica em comum nos seus Através dessa técnica também é possível estudar
espectros: a transição entre o estado amorfo e o transições que envolvem variações de entropia,
cristalino. Tal dispersão é totalmente compreensível, dentre as mais comuns estão as transições vítreas
pois entre o estado amorfo e o cristalino existem que os polímeros podem sofrer [48].
diferentes níveis de transição da estrutura das A amostra e o material de referência são
moléculas de lactose e, por isso, cada amostra de mantidos a temperatura constante pela aplicação de
WPC poderá ser alocada em posições diferenciadas energia elétrica quando eles são aquecidos ou
em relação à CP1 e à CP2. Observa-se ainda que a resfriados a uma razão linear. A curva obtida é o
transição vítrea é identificada pelas duas registro do fluxo de calor dH/dt em mcal∙s-1 como
componentes principais, mostrando um caminho da função da temperatura. Um pico endotérmico é
transição entre o grupo A e C, indicado pela seta na exibido no sentido ascendente (aumento de
Figura 8.11 A. entalpia), já o pico exotérmico é indicado na direção
O gráfico de amostras versus escores da CP1, oposta (Figura 8.12). A origem dos picos
apresentado na Figura 8.11 B, mostra as quarenta e endotérmicos e exotérmicos são gerados através de
sete amostras usadas na construção do modelo, com fenômenos físicos ou químicos [48].
as indicações das origens destas em relação aos Dentre as principais vantagens da técnica de DSC
blocos experimentais. Nesse gráfico, é possível estão: rapidez nas determinações, pequena massa
observar melhor a divisão das amostras promovida de amostra, amostra sólida ou líquida, aplicável a
pela primeira componente principal, em relação ao processo de resfriamento e medidas sob alta
estado da lactose, podendo ser amorfa ou cristalina. pressão, além da possibilidade de estudar diferentes
A análise exploratória aplicada aos dados tipos de reações químicas. Entretanto, a técnica
adquiridos através da espectroscopia Raman permite também apresenta algumas desvantagens como
observar de forma mais eficiente a transição vítrea precisão e exatidão relativamente baixas (5% - 10%
da lactose nas amostras de WPC, o que indica que a em muitos casos), não permite a determinação de
técnica de espectroscopia Raman associada a PCA entalpia de reações sobrepostas e inexatidão na
pode ser usada como uma potencial ferramenta de determinação da área do pico devido a mudança de
controle de qualidade de um parâmetro até então linha base durante a transição ou reação [48].
não monitorado pelos procedimentos analíticos Antoine e De Souza [49] estudaram os fatores
convencionais durante o processo produtivo e/ou que afetam a estabilidade das proteínas do soro de
armazenamento do produto. leite tratadas termicamente por calorimetria
exploratória diferencial. O aquecimento dessas
8.4 CALORIMETRIA EXPLORATÓRIA proteínas a 95 °C por 5 minutos acima do pH de 3,9
DIFERENCIAL (DSC) produziu coagulação da proteína. A temperatura de
desnaturação para o WPC preparado por
Calorimetria exploratória diferencial (DSC) é uma ultrafiltração foi de 88 °C no pH de 3,5. Entretanto
técnica onde é medido a diferença de energia para a β-lactoglobulina isolada a temperatura de
fornecida à substância e a um material de referência, desnaturação foi de 81,9 °C também no pH de 3,5. A
em função da temperatura. Nessa técnica, a presença de açúcares do leite aumentou a
substância e o material de referência são submetidos resistência da β-lactoglobulina à desnaturação
a uma programação controlada de temperatura. térmica. A estabilidade térmica da α-lactalbumina foi
Existem duas modalidades da técnica de calorimetria menor em pH 3,5 do que na faixa de pH 6,5 a 4,5.
exploratória diferencial: com compensação de Em todas as temperaturas de desnaturação do pH da
potência e com fluxo de calor, ambas apresentam α-lactalbumina (61,5 a 58,6 °C) foram menores do
desempenho semelhante [48]. que as da β-lactoglobulina.
Com esse tipo de análise é possível acompanhar Roman e Sgarbieri [50] estudaram a associação
os efeitos do calor associados com alterações físicas do isolado proteico de soro de lete (WPI) com
ou químicas da amostra. Dentre elas estão: gelatina de origem bovina, utilizando o DSC como
transições de fase (fusão, ebulição, sublimação, uma das técnicas para avaliar essa associação. O
congelamento, inversões de estruturas cristalinas) estudo determinou a desnaturação térmica do WPI
ou reações de desidratação, de dissociação, de na temperatura de 75,4 °C.
decomposição e de óxido-redução. As transições de Dessa forma, a técnica de calorimetria
fase, desidratações, reduções e algumas reações de exploratória diferencial auxilia na obtenção de
decomposição produzem efeitos endotérmicos, informações sobre a desnaturação térmica das
entretanto proteínas
Química e tecnologia do soro de leite 159

proteínas do soro, o que contribui para a tecnologia matriz láctea com outros ingredientes para a
de produção dos concentrados proteicos de soro, formulação de novos produtos.
além de informações sobre a associação dessa
matriz

Figura 8.12 Representação da curva de DSC.


Fonte: Adaptado de Ionashiro [48].

8.5 MICROSCOPIA ELETRÔNICA DE eletrônico de varredura (MEV) utiliza um feixe de


VARREDURA (MEV) elétrons. Esse fator o diferencia de um microscópio
óptico convencional que utiliza fótons, o que
O microscópio eletrônico de varredura (MEV) é permite solucionar o problema de resolução
um instrumento que pode fornecer informações relacionado com a fonte de luz branca [51].
sobre a morfologia e identificação de elementos Dessa forma, tem-se aparelhos modernos que
químicos de uma amostra sólida. Esse instrumento permitem aumentos a partir de 300.000 vezes, para
pode ser utilizado em diferentes áreas como: a maior parte dos materiais sólidos, mantendo a
biologia, odontologia, farmácia, engenharia, química, profundidade de campo possibilitando a observação
metalurgia, física, medicina e geologia [51]. de superfícies rugosas [51].
O funcionamento de um microscópio eletrônico Esse tipo de instrumento é um dos versáteis
de varredura se baseia no uso de um feixe de disponível para a observação e análise de
elétrons de pequeno diâmetro para explorar a características microestruturais de amostras sólidas.
superfície de uma amostra, ponto a ponto, por linhas Com instrumentos comerciais é possível obter
sucessivas. O sinal é transmitido do detector a uma valores de resolução da ordem de 2-5 nm, enquanto
tela catódica cuja varredura está sincronizada com instrumentos de pesquisa avançada são capazes de
aquela do feixe incidente. O feixe pode ser guiado de alcançar uma resolução melhor que 1 nm [51].
modo a varrer a superfície da amostra segundo uma Uma outra característica importante é a
malha retangular através de um sistema de bobinas aparência tridimensional das imagens obtidas devido
de deflexão. O sinal de imagem é resultado da à grande profundidade de campo. O instrumento,
interação do feixe incidente com a superfície da permite, também, a análise em pequenos aumentos
amostra. O sinal coletado pelo detector é utilizado e com grande profundidade de foco, o que é útil,
para modular o brilho do monitor, permitindo a pois a imagem eletrônica complementa a informação
observação [51]. dada pela imagem óptica [51].
A maioria dos instrumentos utiliza como fonte de A seguir são apresentadas, nas Figuras 8.13 e
elétrons um filamento de tungstênio (W) aquecido. 8.14, imagens de microscopia eletrônica de
O feixe é acelerado pela alta tensão criada entre o varredura (MEV) de soro em pó e WPC,
filamento e o ânodo. Em seguida, ele é focalizado respectivamente, obtidas no laboratório do grupo
sobre a amostra por três lentes eletromagnéticas. O Inovaleite. Através das imagens é possível observar a
feixe interage com a amostra, produzindo, assim, superfície e a morfologia das partículas do soro em
elétrons e fótons que podem ser coletadas por pó e do WPC e assim, mostrar que a técnica permite
detectores adequados e convertidas em um sinal de obter alguma informação desses atributos. Como
vídeo [51]. por exemplo, os “furos” que aparecem na
Como já foi mencionado, um microscópio microscopia do soro em pó. Esses furos podem ser
eletrônico chamados
160 CAPÍTULO 8 - Técnicas analíticas para o controle de qualidade e desenvolvimento de produtos na indústria de secagem de soro

chamados de invaginações, conforme indica a seta dispersão em energia (EDS), assim como também
em vermelho. Entretanto, é impossível qualquer pode ser associada com a espectroscopia Raman,
quantificação com o uso dessa técnica. Por esse para a obtenção de mais informações sobre a
motivo, a microscopia eletrônica de varredura pode superfície dos produtos em questão e também de
ser associada com a espectroscopia de raios X por outros produtos lácteos em pó.
dispersão
A B

C D

Figura 8.13 Microscopia eletrônica de varredura (MEV) de Soro em pó (A) 100X, (B) 500X, (C) 800X e (D)
1500X.
Fonte: Inovaleite.

A B

C D

Figura 8.14 Microscopia eletrônica de varredura (MEV) de WPC (A) 100X, (B) 500X, (C) 800X e (D) 1500X.
Fonte: Inovaleite.
Química e tecnologia do soro de leite 161

8.6 ANÁLISE DE DISTRIBUIÇÃO DO como a transformada de Fourier inversa, é feita uma


TAMANHO DE PARTÍCULAS POR estatística de distribuição de tamanho dessa
DIFRAÇÃO A LASER população de partículas. O tamanho das partículas é
indicado como o diâmetro de uma esfera de volume
A análise de tamanho de partículas por difração a equivalente [52].
laser é uma técnica utilizada em diversos ramos Neste método, as partículas são dispersas em um
industriais devido à sua facilidade de operação, fluído em movimento causando descontinuidades no
rapidez e amplitude de leitura. fluxo deste fluído, as quais são detectadas por uma
A técnica se baseia no fenômeno de difração da luz incidente e correlacionadas com o tamanho de
luz. Dessa forma, quanto menor o tamanho da partícula. Ao atingir uma população de partículas, a
partícula, maior o ângulo de difração de um feixe luz incidente sofre uma interação de acordo com
luminoso que atravessa uma população de quatro fenômenos (difração, refração, reflexão e
partículas. A técnica, então, não mede partículas absorção) formando um invólucro tridimensional de
individuais. Através de ferramentas matemáticas luz (Figura 8.15).
estatística

Figura 8.15 Esquema de espalhamento e captura da luz nas análises de partículas.


Fonte: Adaptada de Malvern Instruments [54].

O tamanho e o formato deste invólucro são 8.7 CROMATOGRAFIA LÍQUIDA DE ALTA


afetados pelo índice de refração relativo da partícula EFICIÊNCIA (CLAE ou HPLC)
no meio dispersante, pelo comprimento de onda da
luz e pelo tamanho e formato da partícula. A A cromatografia é um método de separação
intensidade e o ângulo da luz espalhada são medidos baseado na migração diferencial dos componentes
por detectores estrategicamente posicionados. O de uma mistura. Isso ocorre devido a diferentes
sinal dos detectores é convertido para a distribuição interações entre a fase móvel e a fase estacionária.
de tamanho de partícula através de algoritmos e Esse método físico-químico pode ser utilizado para
ferramentas matemáticas baseados na teoria de identificação de compostos, por comparação com
difusão da luz de Mie [52]. padrões já existentes, para a purificação de
Na Figura 8.16 estão as curvas representando a compostos e para a separação dos componentes de
variação da distribuição das partículas por volume do uma mistura [55].
WPC (A) e do soro em pó (B) obtidas por difração a A cromatografia pode ser classificada de diversas
laser no laboratório do grupo Inovaleite. Em ambas formas (Figura 8.17), dentre elas pela sua fase
curvas é possível observar partículas tanto na região móvel. Dessa forma há três tipos de cromatografia:
abaixo de 1 µm, região correspondente as proteínas, gasosa, líquida e a supercrítica (CSC), como ilustrado
quanto na região acima de 1 µm, onde pode ser na Figura 8.18. Além dessa classificação, também é
encontrado gordura e outras partículas não possível encontrar uma outra com base na
hidratadas. A distribuição do tamanho de partícula polaridade. No caso da cromatografia gasosa a fase
pode ser usado para entender o processo de móvel é inerte e as interações irão ocorrer de acordo
reidratação do pó como proposto no trabalho de com a polaridade da fase estacionária. Já na
Francisquini et al. [53], onde a técnica mostrou ser cromatografia líquida, denomina-se fase normal
um método simples e eficiente para determinar as quando a fase estacionária é mais polar e a móvel
propriedades de dispersibilidade e solubilidade de mais apolar e fase reversa quando se aplica o
leite em pó, podendo então ser aplicado para outros inverso, ou seja, a fase estacionária é mais apolar e a
produtos lácteos em pó. fase móvel mais polar (Tabela 8.3) [56].
162 CAPÍTULO 8 - Técnicas analíticas para o controle de qualidade e desenvolvimento de produtos na indústria de secagem de soro

Figura 8.16 Curvas representando a variação da distribuição das partículas por volume do WPC (A) e do soro
em pó (B).
Fonte: Inovaleite.

Figura 8.17 Representação dos diferentes tipos de cromatografia.


Fonte: Adaptada de Amorim [57].
Química e tecnologia do soro de leite 163

Figura 8.18 Diferentes tipos de cromatografia de acordo com as fases móvel e estacionária
Fonte: Elaborado pelos próprios autores.

Tabela 8.3 Classificação da cromatografia líquida de acordo com a polaridade.

Polaridade da Polaridade da
Nomenclatura
Fase Estacionária Fase Móvel
Fase Normal Polar Apolar

Fase Reversa Apolar Polar

Fonte: Elaborado pelos próprios autores.

A cromatografia líquida possui uma importante dois ou até quatro tipos de solventes diferentes
subdivisão: a cromatografia líquida clássica (CLC), em como fase móvel. Com estes tipos de bombas
que a fase móvel é arrastada através da coluna pela também é possível realizar análises no modo
força da gravidade, e a cromatografia líquida de alta isocrático, em que a composição da fase móvel se
eficiência (CLAE ou HPLC – da sigla em inglês High mantém constante durante toda a análise e/ou no
Performance Liquid Chromatography) [55]. Nesta se modo gradiente, com a possibilidade de uso de
utilizam fases estacionárias de partículas menores, diferentes tipos e concentrações de solventes numa
sendo assim, se faz necessário o uso de uma bomba mesma análise [58].
de alta pressão para a eluição da fase móvel, bem Com relação a injeção das amostras, estas podem
como outros elementos como o desgaseificador, ser feitas de forma manual ou automática. O forno é
injetor, forno para coluna, detector e um software um módulo opcional empregado para a acomodação
processador de dados [56, 57], como mostrado na da coluna cromatográfica, garantindo ao menos três
Figura 8.19. A partir disso é possível observar na parâmetros constantes: a temperatura da fase
Tabela 8.4 algumas diferenças entre esses dois tipos estacionária, a viscosidade da fase móvel e a
de cromatografia líquida. velocidade de eluição.
Apesar de nem toda CLAE apresentar um De acordo com Amorim [57], algumas
desgaseificador, é de suma importância a características são esperadas de um detector, tais
desgaseificação da fase móvel previamente às como:
análises, pois a presença de bolhas de ar pode criar
perturbações, sendo estas: cavitação (a nível da • Alta sensibilidade: 10-8 a 10-15 g de soluto∙s-1;
bomba) ou formação de picos falsos (a nível do • Boa estabilidade e reprodutibilidade;
detector). Algumas técnicas que podem ser • Resposta linear para solutos que se estenda por
empregadas para a retirada de bolhas de ar da fase várias ordens de grandeza;
móvel quando o CLAE não apresenta o módulo • Tempo de resposta curto e independente da
desgaseificador são: borbulhamento com gás hélio, vazão;
ultrassom ou vácuo [57]. • Alta confiabilidade e facilidade de uso;
As bombas de alta pressão mais comumente • Similaridade de resposta para todos os solutos.
encontradas em sistemas CLAE são as dos tipos • Não destrutivo;
binárias e quaternárias, que se referem • Volume interno mínimo e compatível com a
respectivamente a possibilidade de utilização de vazão e com a pressão.
dois
164 CAPÍTULO 8 - Técnicas analíticas para o controle de qualidade e desenvolvimento de produtos na indústria de secagem de soro

Figura 8.19 Esquema do equipamento de cromatografia líquida (A) clássica e (B) alta eficiência (CLAE).
Fonte: Elaborado pelos próprios autores.

Tabela 8.4 Principais diferenças entre as cromatografias líquidas clássica e de alta eficiência.

Fonte: Elaborado pelos próprios autores.


Química e tecnologia do soro de leite 165

A partir destas características alguns detectores possível ressaltar algumas de suas vantagens e
se destacam para serem acoplados na CLAE e é desvantagens (Tabela 8.5).
possível
Tabela 8.5 Principais detectores utilizados na CLAE e suas respectivas vantagens e desvantagens.

Vantagens Desvantagens

Alta sensibilidade;
Não é destrutivo;
Espectrofotômetro Permite trabalhar com gradiente; Detecta somente substâncias que
(UV e Visível) Responde à larga faixa de concentração; absorvem no UV-Vis.
Relativamente insensível à variação de
Temperatura e vazão da fase móvel.

Sensibilidade menor que UV;


Praticamente todas as substâncias são
Índice de Refração Sensível a diferenças de temperatura,
detectáveis;
(RI) vazão e pressão da fase móvel;
Não é destrutivo.
Não permite fazer gradiente.

Muito sensível;
Fluorescência Poucas substâncias são naturalmente
Não é destrutivo;
(FD) fluorescentes.
Permite gradiente.

Espectrometria de Fornece massa molecular dos analitos; Requer operador experiente;


Massas (MS) Identifica os fragmentos. São caros.

Fonte: Adaptado de Amorim [57].

A cromatografia líquida de alta eficiência tem a realizados, como é o caso da detecção de fraude por
capacidade de realizar análises quantitativas de uma adição de soro de queijo ao leite utilizando a
grande quantidade de compostos em poucos Cromatografia Líquida de Alta Eficiência. Essa fraude
minutos, com alta resolução, eficiência e pode ser detectada por meio da análise do índice de
sensibilidade. Isto porque o sistema de alta pressão caseinomacropeptídeo (CMP), que é uma porção
aumenta a superfície da fase estacionária e torna a hidrofílica da κ-caseína, liberada durante a
fase móvel mais homogênea, resultando assim em coagulação do leite, pela ação da quimosina [75].
uma maior interação e uma menor dispersão, Apesar da existência de diversas técnicas para a
respectivamente [55]. Na Tabela 8.6 observa-se detecção de adição de soro de queijo ao leite, um
algumas das vantagens e desvantagens dessa dos testes oficiais e aprovado pelo Ministério da
técnica. Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) é o
As amostras tipicamente analisadas pela CLAE método de determinação do índice de CMP no leite
são: aminoácidos, tintas, metabólitos de animais e utilizando a CLAE [75, 76].
plantas [56], explosivos [57,58], lipídeos [61-63], Além de fraude a CLAE em fase reversa também
pigmentos de plantas [64, 65], polímeros sintéticos é utilizada para determinar a composição das
[66], polissacarídeos [67], produtos farmacêuticos proteínas do soro após um processo de separação
[68 – 72] e proteínas [73, 74]. por membranas [77] e até mesmo para a
Equipamentos ainda mais modernos com o quantificação de proteínas do soro e caseínas
mesmo fundamento e princípio da técnica do CLAE presentes em produtos cárneos [78]. Em outro
têm sido desenvolvidos, como é o caso do estudo, análises por CLAE também demonstraram a
Cromatógrafo Líquido de Ultra Eficiência (CLUE), influência da lactose na degradação de pós da
diferindo-se do CLAE por apresentar uma pressão de proteína de soro isolada [79].
sistema ainda mais elevada e por realizar análises em Dessa maneira, a CLAE por ser uma técnica capaz
um menor tempo e com um menor consumo de fase de apresentar alta seletividade, sensibilidade,
móvel [58]. robustez, precisão, exatidão e menor tempo de
Diversos estudos cromatográficos relacionados às análise [80], vem sendo cada vez mais aplicada às
análises de leite e produtos lácteos têm sido análises de leites e produtos lácteos.
realizados
166 CAPÍTULO 8 - Técnicas analíticas para o controle de qualidade e desenvolvimento de produtos na indústria de secagem de soro

Tabela 8.6 Principais vantagens e desvantagens da cromatografia líquida de alta eficiência (CLAE).

Vantagens Limitações

Baixo tempo de análise Alto custo de instrumentação


Alta resolução Alto custo de operação
Alta precisão nos resultados quantitativos Difícil análise qualitativa
Boa sensibilidade Falta de um detector universal sensível
Versatilidade (só não analisa amostras gasosas) Necessidade de experiência para manuseá-lo.
Automatização

Fonte: Adaptado de Collins, Braga e Bonato [56].

8.8 DETERMINAÇÃO DE UMIDADE POR KARL de coloração amarela a marrom. Porém este método
FISHER (KF) requer um alto grau de habilidade e normalmente,
só pode ser usado para soluções de amostras
Em 1935, o químico alemão, Karl Fisher, incolores [83].
desenvolveu uma metodologia analítica sensível e • Indicação por eletrodos: Esta pode ser feita por
precisa para aferir a umidade de diferentes tipos de dois métodos, bi-voltametria ou bi-amperometria.
amostras [81]. Esta técnica, que recebeu o seu No primeiro, uma corrente direta ou alternada é
próprio nome, é aplicada à análise de fármacos, aplicada, porém a última é a mais utilizada por
alimentos, fluidos biológicos, derivados de petróleo, apresentar maior sensibilidade. E em seguida a
matérias-primas, amostras ambientais, dentre outros tensão resultante é medida e o excesso de iodo é
[82]. Neste método é possível contornar as marcado no gráfico por um salto bem marcado [83].
desvantagens dos métodos de secagem (estufa e Já no método de bi-amperometria uma tensão
balança de infravermelho) como a perda de constante, de aproximadamente, 500 mV é aplicada
componentes da amostra que não somente a água e aos eletrodos e a corrente resultante é medida. Este
também a demora para obtenção dos resultados. Em processo é mantido até ocorrer excesso de iodo no
contraste, o método de KF, se não ocorrerem meio e provocar uma queda brusca no potencial
reações adversas, somente a água é determinada elétrico, detectado pelo eletrodo de platina, ou seja,
sendo esta livre ou ligada, além de demorar somente o iodo livre agirá como despolarizador, causando
alguns minutos para se obter seus resultados [83]. aumento na corrente [82 - 84]. A geração de iodo
A determinação de umidade pelo método de Karl ocorre pela oxidação do I- presente na solução de
Fischer se baseia na reação quantitativa da água com Karl Fischer a I2 (catodo). E a célula principal contém
uma solução anidra de dióxido de enxofre e iodo, na a solução de Karl Fischer (anodo), onde será injetado
presença de uma base orgânica (imidazol) em um volume conhecido da amostra (Figura 8.20) [82].
metanol, que adiciona os íons hidrogênio formados, Vale ressaltar que em todos os métodos de
como mostrado a seguir. Dessa forma podem ser indicação supracitados, há uma titulação excessiva
determinadas pequenas quantidades de água. O para que ocorra um excesso de iodo no meio.
método não é universalmente aplicável, porém as Porém, ao comparar o método visual e os que
limitações de dosagens diretas podem ser utilizam eletrodos, este apresenta a vantagem da
contornadas pelo tratamento prévio da amostra titulação ser realizada com baixo excesso de iodo e,
[84]. dessa maneira, uma melhor reprodutibilidade e
precisão podem ser alcançadas [83].
O método de Karl Fisher apesar de ter muitas
vantagens, como já citado anteriormente, também
possui algumas limitações. A amostra a ser analisada
não deve reagir com os componentes do reagente
O dióxido de enxofre é oxidado pelo iodo, na de Karl Fischer ou com o iodeto de hidrogênio
presença de água, e o ponto final da reação pode ser formado durante a reação com a água e além disso,
determinada por: alguns compostos interferem na titulação. Dentre
• Indicação visual ou fotométrica: Com o excesso eles, estão: oxidantes como cromatos/dicromatos,
de iodo presente na solução observa-se o aumento sais de cobre (II) e de ferro (III), óxidos superiores e
de peróxidos
Química e tecnologia do soro de leite 167

Figura 8.20 Esquema no equipamento de determinação de umidade pelo método de Karl Fisher e as reações
que ocorrem nos eletrodos durante a titulação utilizando o método bi-amperométrico para identificação do
ponto final da reação.
Fonte: Adaptado de Murito e Finete [82].

peróxidos; redutores como: tiossulfatos, sais de 8.9 COLORIMETRIA


estanho (II) e sulfitos; compostos capazes de formar
água com os componentes do reagente de Karl Colorimetria é a ciência que representa as cores
Fischer, como por exemplo, óxidos básicos e sais de através de um sistema numérico. Os estudos sobre
oxiácidos fracos; aldeídos, porque formam bissulfito; colorimetria se iniciaram com o trabalho de Young,
cetonas, porque reagem com o metanol para Helmholtz e Maxwell no século XIX. O estudo foi
produzir cetal [84]. formalizado em 1931, quando a Comissão
Schuck e Dolivet [85] utilizaram a técnica de Karl Internacional de Iluminação (Commission
Fisher para comparar os resultados de um novo Internationale de l’Éclairage – CIE) recomendou um
método para a determinação de α-lactose sistema de especificação de cores [87].
monohidratada presente em produtos lácteos secos Alguns aspectos contribuem para nossa
por spray dryer. Os produtos analisados foram leite percepção da cor de um determinado objeto. Dentre
desnatado, soro de leite, proteínas do soro, esses aspectos, estão: a natureza da iluminação, as
suspensão de caseína e lactose, todos em pó. Para propriedades ópticas do próprio objeto e a resposta
determinar o grau de cristalização da α-lactose do olho humano [88]. Porém, tal resposta é muito
monohidratada, a água ligada aos cristais (água de subjetiva, pessoal e única, uma vez que cada
cristalização) é calculada como a diferença entre a indivíduo registra a cor pela retina e faz o seu
umidade total e a umidade livre. A umidade livre é processamento por estímulos recebidos pelo
determinada em um forno de secagem e a umidade cérebro de maneira diferenciada. Logo, ocasiona
total foi determinada por um novo método, usando uma baixa reprodutibilidade de resultados, uma vez
um dessecador. Este novo método foi então que estes dependem de cada analisador [89].
comparado ao método de Karl Fisher. Zhou, Liu e A natureza da iluminação pode ser caracterizada
Labuza [86] estudaram a agregação de proteínas pela distribuição espectral de potência S da fonte de
induzida pela umidade em matriz alimentar seca e luz, a intensidade relativa da iluminação em cada
para isso utilizaram o isolado proteico de soro (WPI). comprimento de onda no espectro visível. O objeto
O método de Karl Fisher foi usado para determinar a reflete uma certa fração da luz incidente, e isso pode
umidade do WPI. Dessa forma, a técnica poder ser ser caracterizado pelo espectro de refletância R. A
considerada uma importante ferramenta no controle intensidade da luz que chega ao olho humano, I, é o
de umidade de produtos lácteos. produto desses termos. Assim, para medir e
especificar
168 CAPÍTULO 8 - Técnicas analíticas para o controle de qualidade e desenvolvimento de produtos na indústria de secagem de soro

especificar a cor por números, é necessário vermelho, verde, amarelo e azul. E ao combiná-las
especificar cada um desses três componentes [90]. com branco e preto, elas formam um grupo de seis
De acordo com o Conselho Regional de Química cores básicas que podem ser agrupadas em três
de São Paulo [91], primeiramente iniciou-se a análise pares de oponentes: branco/preto, vermelho/verde
pelo sistema Munsell, consistia em uma série de e amarelo/azul [90]. Com isso, é possível associar
padrões com função de comparação visual de cor. E esses três pares de oponentes aos três eixos de um
em 1931, a CIE desenvolveu o sistema XYZ com espaço de cores tridimensional utilizando os termos
Coordenadas Triestímulos. Porém, ambos apresenta- L*, a* e b* (Figura 8.21), conforme descrito a seguir:
vam limitações uma vez que dependia de um
observador e isso gera inconvenientes devido aos L*: O eixo vertical representa luminosidade; 100
resultados variarem de acordo com o analisador. representa uma amostra branca perfeita e 0 preto
Afim de aprimorar cada vez mais este tipo de análise, perfeito.
a CIE desenvolveu diversos sistemas para melhor a*: O eixo no plano normal para L* representa a
mensurar as cores, dentre eles o L*a*b* (CIELab), o qualidade da cor avermelhada-esverdeada. Valores
CIELAB L*C*h, o CMC, o CIE 94 e o CIE 2000. Porém, positivos indicam vermelho e valores negativos
apesar de todo aprimoramento o mais difundido até indicam verde.
hoje é o sistema CIELab. b*: O eixo normal para L* e a* representa a
O sistema de cores L* a* b* surgiu das ideias de qualidade de amarelo-azulado da cor. Valores
Hering. Esse cientista mostrou que apenas quatro positivos denotam amarelamento e valores
palavras são únicas para descrever as cores: negativos denotam azul.
vermelho

Figura 8.21 Representação do sistema de cores L* a* b*.


Fonte: Adaptado de Sant'Anna, et. al [92].

Após estabelecer um sistema mais satisfatório secagem. Para isso, foram preparados diferentes
para melhor caracterizar as cores, em seguida deve- compostos lácteos a partir da mistura leite/soro. Um
se levar em consideração um método objetivo para dos aspectos analisados nos pós obtidos foi a cor. O
realizar as mensurações. Uma vez que ao diminuir a sistema de cores L* a* b* foi utilizado para avaliar a
subjetividade do método tende-se a aumentar a sua qualidade dos pós em conjunto com outras análises.
padronização e consequente replicabilidade [93, 94]. Fialho et al. [98] utilizou o sistema de cores L* a*
Com isso partimos para o âmbito dos equipamentos b* para análise de cor de leite em pó com lactose
de colorimetria, sendo estes os espectrofotômetros hidrolisada em conjunto com outras análises para
e os colorímetros que são capazes de descrever avaliar as características físico-químicas e
numericamente os elementos de uma cor [90]. tecnofuncionais desse produto. Assim como Nunes
Ademais, utilizam as coordenadas universais do et al. [99] que também realizou medidas de cor
sistema CIELab em condições padronizadas de utilizando esse mesmo sistema, também em
iluminantes e observadores, sendo assim, possível conjunto com outras análises, para avaliar a reação
reproduzir uma determinada cor com exatidão e de Maillard em fórmulas infantis. Dessa forma,
rapidez em qualquer local que apresente os mesmos podemos concluir que este tipo de análise pode ser
parâmetros da medição [96]. usada para contribuir em estudos sobre produtos
Silva [97] desenvolveu um modelo matemático lácteos em pó em geral e também produtos em pó a
para avaliar termodinamicamente equipamentos de base de soro.
secagem
Química e tecnologia do soro de leite 169

8.10 REFERÊNCIAS [12] Pasquini, C. Near infrared spectroscopy:


Fundamentals, practical aspects and analytical
[1] Dufour, É. Principles of infrared spectroscopy. applications. J Braz Chem Soc 2003;14:198–
In: Sun D-W, editor. Infrared Spectrosc. Food 219.
Qual. Anal. Control. 1st ed., National
[13] Campestrini, E. Utilização de equipamento
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