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SOMENTE VOCÊ

Oeste 03

Elizabeth Lowell
SINOPSE

Eve Starr está sozinha no mundo. A família que a acolheu


quando era uma menina, foi brutalmente assassinada por
alguns foragidos que procuravam um mapa que conduzia a
uma mina de ouro. Desesperada, encontrou a maneira de se
vingar dos dois assassinos e de recuperar o mapa em uma
mesa de pôquer. E, sem nada mais para apostar exceto sua
inocência, a bonita e experiente jogadora reparte a mão
ganhadora com um atraente e perigoso pistoleiro chamado
Reno e alheio a todo o ocorrido, que entrara na partida atraído
apenas pela beleza da jovem.
Quando a requintada tentação cujo corpo ganhara nas
cartas foge com o restante de seus lucros, Matthew Reno
Moran jura persegui-la e prendê-la, decidido a reclamar tudo o
que é seu por direito... incluindo a temperamental mulher a
quem ele não se atreve a amar..., mas a quem deseja com toda
sua alma. O que não suspeita é que seu destino será unir
forças com a fugitiva em uma azarada procura pelo ouro
escondido, na qual Eve se apaixonará sem solução pelo duro
pistoleiro.
CAPÍTULO 1

Canyon City, Colorado


Final do verão de 1867

Sem dinheiro, sem sorte, sozinha e assustada, a jovem a


qual todos conheciam como Evening Starr fez a única coisa que
lhe ocorreu para conseguir continuar jogando pôquer.
Apostou a si mesma.
Mas, primeiro, Eve embaralhou as cartas com
deslumbrante velocidade, dispondo sutilmente as cartas tal
como Donna Lyon lhe ensinara. Enquanto o fazia, tentou não
olhar para o bonito forasteiro de cabelos escuros que se
sentara em sua mesa sem aviso prévio. Seu aspecto de homem
duro e inflexível era inquietante.
Com foragidos como Raleigh King e Jericho Slater,
qualquer mulher já teria o suficiente. Não precisava de um
estranho com um físico imponente que fizesse tremer suas
mãos doloridas.
Eve respirou secretamente para relaxar e disse com voz
controlada:
— Mão de cinco cartas. Quais são as apostas iniciais?
— Um momento, jovenzinha. — Raleigh protestou. — Está
sem banca. Onde está sua aposta?
— Aqui sentada.
— Como?
— Eu sou a aposta, senhor King.
— Está apostando a você mesma? — Perguntou o foragido
incrédulo.
Reno Moran não precisou perguntar. Já havia lido a
determinação na postura feminina quando se sentou e pegou
suas cartas. Na verdade, fora a combinação do brilho tranquilo
de seus olhos e os lábios levemente trêmulos que o haviam
atraído do outro extremo da sala.
Qualquer coisa que acontecesse, sabia que a mulher que
estava à sua frente falava muito seriamente.
— Sim. — Eve olhou as joias e as moedas sobre a mesa
em frente a cada um de seus oponentes na partida e
acrescentou: — Valho tanto quanto qualquer coisa que esteja
em jogo neste momento.
Após dizer aquilo, deu um brilhante sorriso sem sombra
de humor e continuou embaralhando.
O silêncio se estendeu da mesa de pôquer a todo o salão,
seguido quase no instante por uma avalanche de sussurros
quando os que observavam a partida começaram a perguntar
uns aos outros se tinham ouvido bem.
Os murmúrios indicaram a Reno que muitos deles
desejaram a jovem, mas que nenhum havia conseguido. Um
cínico sorriso alterou a fina linha que seus lábios perfeitamente
cinzelados traçavam. Não havia nada diferente naquela jogada
em particular.
Com curiosidade, Reno passeou o olhar das mãos que
embaralhavam as cartas, para o rosto da mulher que havia
posto em jogo seu próprio corpo. No interior do escuro salão,
seus olhos haviam adquirido uma estranha cor âmbar que
contrastava com a luz do lampião que se refletia em seus
cabelos castanhos avermelhados. O corte de seu vestido era
bastante recatado, mas estava confeccionado com uma seda
vermelha para deixar um homem interrogando como seria
desabotoar todos os reluzentes botões negros que mantinham a
peça em seu lugar, e acariciar a sedosa pele que havia sob o
tecido.
A direção que seus pensamentos tomavam irritou Reno.
Se passaram muitos anos desde que ele fora provocado e
enganado por uma das melhores professoras da arte da
sedução que as mulheres utilizavam. E se alguma coisa ficara
bem clara para ele, era que nunca mais deixaria aquilo voltar a
acontecer.
Olhando para Reno, Slater remexeu as pérolas e as
moedas de ouro que acabara de ganhar de Eve.
— Imagino que isto se igualará ao seu anel, — espetou —
e vale muito mais que esse seu diário. — Acrescentou,
dirigindo-se a Raleigh.
— Não sabe o que diz! — Ele replicou — Este velho diário
contém o verdadeiro mapa de um tesouro espanhol que vale
mais do que todas as pérolas do Oriente.
Slater lançou um frio olhar ao livro, mas não rebateu a
afirmação de Raleigh.
Reno pegou da mesa o antigo e elegante anel que ganhara
no jogo e o observou com atenção. As esmeraldas estavam
rodeadas por um ouro tão puro que a marca de seus dedos
ficava impressa nele, e brilhavam sutilmente.
As pedras eram muito bonitas, mas era o ouro que atraía
seu interesse. Para ele, não havia nada como sentir o contato e
o peso do valioso metal. As mulheres haviam lhe demonstrado
amplamente que eram muito volúveis, no entanto, o ouro
nunca mudava, nunca se corrompia, nunca resultava ser
menos do que parecia.
Em silêncio, Reno comparou o anel com a jovem que
estava à sua frente; seu nome era tão inverossímil quanto à
inocência que seus olhos de cor âmbar refletiam.
Foi Raleigh quem expressou em voz alta as dúvidas do
recém-chegado.
— Então, — comentou o foragido, dirigindo-se a Eve com
um sorriso francamente ofensivo — você acredita que vale
tanto quanto o anel, as pérolas ou o mapa do tesouro? Deve
conhecer alguns truques muito bons.
— Conceda a jovenzinha o desejo dela. — Slater repôs com
frieza. — De uma ou outra forma, ela pagará. Levando em
conta os preços de Denver, um mês de seu tempo deverá cobrir
a dívida.
Eve mal conseguia evitar estremecer ao pensar em ficar a
mercê de um homem como Jericho Slater, por uma noite, e
menos ainda por um mês.
Em silêncio, a jovem pensou que não devia se preocupar.
Não precisaria pagar a aposta porque não estava com a
intenção de perder.
Por uma vez, a ideia de fazer trapaças nas cartas não fez
Eve se envergonhar nem se sentir infeliz. Em todo caso, faria
justiça enganando Slater e seu bando. Eles mereciam. Tudo o
que havia de valor sobre a mesa fora roubado por Raleigh King
dias antes. Se ela precisasse fazer armadilhas para recuperá-lo,
faria, sem dúvidas.
Seu único pesar era não poder se vingar de um modo mais
efetivo do homem que havia matado o casal Lyon.
Com aparente despreocupação, Eve continuou
embaralhando as cartas enquanto esperava que o terceiro
jogador aceitasse a inesperada aposta. Quando observou que
ele se mantinha em silêncio sem expressar sua aceitação, a
jovem o olhou cautelosamente por baixo de seus espessos
cílios.
O forasteiro de olhos verdes se sentara à mesa fazia uma
hora, bem antes de Eve repartir a primeira mão. Só precisou de
um olhar para saber duas coisas dele: nunca havia conhecido
um homem que a atraísse tanto, e nunca vira um homem mais
perigoso.
Suspeitava que aquele sotaque da Virginia fosse tão
enganoso quanto a aparente indolência de seus movimentos;
indolência que não aparecia em seus olhos. O receio fazia parte
de seu ser assim como os cabelos negros e os poderosos
músculos de seu corpo.
Ainda assim, a intuição de Eve não deixava de adverti-la
que ele era, de alguma forma, diferente dos homens como
Slater e Raleigh, cruéis foragidos aos quais não importava fazer
o mal ou destruir àqueles que eram mais fracos do que eles.
—Só uma coisa. — Slater a advertiu friamente. —
Assegure-se bem de que todas as cartas que está repartindo
procedam da parte superior do baralho.
Eve se obrigou a sorrir apesar do gelo que se condensava
em seu estômago. Não guardava nenhuma dúvida de que Slater
seria capaz de matar uma mulher com a mesma rapidez que
matava um homem, se a surpreendesse fazendo trapaças.
— Está me acusando de alguma coisa? — Ela o desafiou,
olhando-o inocentemente.
— É somente uma advertência. — Slater limitou-se a
dizer.
Reno se mexeu levemente para aproximar a culatra do
revolver à sua mão esquerda, antes de avaliar, em silêncio, a
elegância felina da mulher de olhos cheios de determinação e
boca doce e generosa.
— Está certa que deseja apostar a si mesma, senhorita...?
Qual era seu nome? — Reno perguntou, ainda que o soubesse
muito bem.
— Starr. — Respondeu com suavidade. — Meu nome é
Evening Starr.
A voz feminina soava muito mais calma do que Eve se
sentia na verdade. Mentia sobre seu nome tão frequentemente
que já não hesitava ao pronunciá-lo. Em qualquer caso, a
mentira era insignificante; ninguém com vida se recordava dela
como Evelyn Starr Johnson.
— Muito bem, senhorita Starr. — Disse o forasteiro
arrastando as palavras. — Tem certeza de que sabe o que faz?
— E o que isso importa para você? — Raleigh explodiu. —
Está crescidinha para dispor de tudo o que um homem deseja,
e muito bonita para fazer com que tomá-la seja um prazer.
— Senhorita? — Reno insistiu, ignorando o outro homem.
— Tenho certeza.
Reno encolheu os ombros, mostrando-se aparentemente
indiferente. Embora, por baixo da mesa, apoiasse a mão
esquerda sobre seu revólver.
O silêncio no salão se converteu em um murmúrio de
vozes masculinas, quando os clientes deixaram suas bebidas
no balcão e concentraram sua atenção na mesa de pôquer,
onde as apostas potenciais consistiam em um colar de pérolas,
um antigo anel de esmeraldas, o mapa de um tesouro
espanhol... e, uma jovem chamada Evening Starr.
Reno tinha certeza de que o anel era verdadeiro, possuia
suas dúvidas sobre o mapa do tesouro e as pérolas, e se
perguntava como aquela jovem de lábios trêmulos e calmos
olhos ambarinos acabara se convertendo em uma aposta no
salão mais infame de Canyon City.
— Pôquer a cinco cartas. — Eve anunciou em voz baixa. —
Aceitam minha aposta?
— Já aceitamos. — Raleigh falou impaciente. — Reparta.
— Preocupa-se muito em perder o resto de seu dinheiro,
não é? — Reno perguntou despreocupadamente.
— Escute, filho da...
— Feche a boca, Raleigh. — Slater o interrompeu sem se
mexer. — Você pode matar seu tempo livre, mas eu vim aqui
para jogar cartas.
— O único que vai morrer é este rebelde renegado. —
Raleigh manifestou.
— Eu não vejo nenhum rebelde renegado. — Reno falou,
sorrindo preguiçosamente. — Você vê?
O letal sorriso do forasteiro junto à clara advertência de
Slater sobre se deixar matar indicou a Raleigh que ele havia
cometido um erro subestimando aquele forasteiro de aspecto
indolente, pensando que ele não fosse uma ameaça.
— Não pretendia ofendê-lo. — Murmurou o foragido.
— Não ofendeu. — Reno afirmou com naturalidade.
Os dois homens mentiam.
O coração de Eve ameaçava asfixiá-la enquanto se
aproximava o momento no qual precisaria parar de embaralhar
e repartir as cartas. Se tivesse a possibilidade, teria optado por
se levantar e se afastar daquele imundo salão e do perigo que
representavam aqueles três homens. Mas não contava com
nenhuma alternativa.
Não tinha para onde ir, estava sem banca, seu estômago
rugia por causa da fome... e o mais importante de tudo, o
desejo de vingança ardia em seu sangue como se fosse ácido.
Raleigh King matara os dois únicos amigos que Eve tivera no
mundo.
E ela acabava de pensar em uma forma de se vingar.
Rezando para que o desconhecido de olhos verdes fosse
tão letal quanto ela suspeitava, Eve respirou profunda e
imperceptivelmente e começou a repartir as cartas com
extremo cuidado e grande velocidade. Os naipes emitiam um
seco ruído à medida que ela os ia colocando virados para baixo,
em frente a cada um dos jogadores.
Slater e o forasteiro estudavam as mãos de Eve enquanto
Raleigh observava o decote de seu vestido vermelho que,
mesmo estando dentro das normas do recato, não deixava
dúvidas sobre a turgência de seus seios.
Enquanto repartia, Eve evitou olhar para Jericho Slater,
pois sabia que seus frios olhos azuis lhe diriam em silêncio que
não poderia repartir para si mesma as cartas procedentes da
parte inferior do baralho. Com os dedos ainda doloridos e
cheios de bolhas depois de ter enterrado o casal Lyon,
simplesmente não conseguia ser muito rápida para enfrentar
um jogador com a habilidade de Slater.
Também não seria de grande ajuda o pequeno revolver que
escondia no bolso de seu vestido vermelho de seda, contra as
armas que tanto Slater quanto Raleigh levavam.
Precisa funcionar, pensou a jovem desesperada. Só por
uma vez, os mais fracos precisavam vencer os mais fortes e
cruéis.
Eve não voltou a olhar para o desconhecido de olhos
verdes. Um homem tão bonito teria sido perturbador sob
qualquer circunstância, e muito mais quando a vida da jovem
dependia de sua concentração.
Naquele momento, havia cinco cartas viradas para baixo
diante de cada um dos jogadores. Eve deixou de um lado o
baralho e pegou as suas cartas, perguntando-se qual teria sido
sua sorte. Pelo canto do olho, observou o desconhecido. Se as
possibilidades da mão que lhe repartira, lhe pareciam boas,
não demonstrou em seu rosto, nem em seus claros olhos
verdes.
Eve não se surpreendeu quando Slater abriu a aposta.
Dera-lhe duplos pares. Também não se surpreendeu quando
Raleigh a subiu, já que lhe repartira uma sequência. O
forasteiro se limitou a igualá-la e ela fez o mesmo.
Sem dizer uma palavra, a jovem repartiu a cada jogador as
cartas que pediram e deslizou os descartes na parte inferior do
baralho. Desta vez, se permitiu dirigir um breve olhar ao rosto
de cada homem enquanto eles estudavam suas cartas.
O desconhecido era bom no jogo. Não mostrou nem um
sinal de emoção em seu rosto enquanto observava sua única
carta nova.
Eve também não deixou refletir nada em seu rosto.
As cartas que estavam em suas mãos não eram muito
boas. Um valete, um nove, um seis, um três e um dois. Todas
elas eram de naipes diferentes. Serviam apenas para ocultar o
leve tremor de seus dedos enquanto esperava que começasse o
tiroteio.
Meu Deus, espero que o forasteiro seja tão rápido com o
revólver quanto parece. Não quero carregar sua morte em minha
consciência.
A morte de Raleigh, sem dúvida, era outro assunto. Eve
não teria nenhuma preocupação com ele. Qualquer um que
fosse capaz de torturar um ancião até matá-lo enquanto
obrigava sua mulher moribunda a contemplar tudo, merecia
uma morte muito mais dolorosa, do que deveria encontrar nas
mãos daquele desconhecido e de seu revólver.
Slater abriu nova aposta com duas moedas de vinte
dólares. Raleigh a aceitou e subiu. E o desconhecido fez o
mesmo.
Eve tirou suas cartas em sinal de que se retirava do jogo, e
esperou que começasse o tiroteio.
Na ronda final de apostas, Slater empurrou as pérolas até
o centro da mesa, Raleigh o seguiu com o diário e o
desconhecido se somou à jogada apontando o anel.
— Eu pago. — Reno se limitou a dizer, com frieza.
—Full. Reis e ases. — Slater descobriu suas cartas sobre a
mesa, e enquanto o fazia, seus olhos começaram a avaliar Eve
da mesma forma que um homem estudaria uma égua, pouco
comum, a qual planejasse montar.
Raleigh deu um grito triunfal ao ver as cartas de seu
amigo e mostrou as suas.
— Quatro noves e uma rainha. — Exclamou — Parece que
a jovem é minha.
— E você, o que tem? — Eve perguntou rapidamente,
virando-se para o forasteiro.
Reno lhe dirigiu um estranho olhar antes de começar a
virar lentamente suas cartas com a mão direita. Sob a mesa,
sua mão esquerda descansava relaxada e muito perto de sua
pistola.
— Dez de copas. — Ele anunciou — Valete. Rei. Às. —
Quando virou a última carta, observou as mãos de Slater. —
Rainha de copas. — Disse por último, enquanto a sequência
colorida com a qual contava e a qual lhe garantia ganhar a
partida, brilhava como sangue sobre a mesa.
Por um instante, só houve silêncio. Um segundo depois, os
dois foragidos tocaram em suas armas. Slater foi muito mais
rápido do que Raleigh, mas aquele fato carecia de importância.
Reno se moveu com assombrosa velocidade e, antes que
Slater pudesse desembainhar sua arma, virou a mesa com a
mão direita golpeando os dois homens no processo, enquanto
que com a esquerda empunhava seu próprio revólver.
Eve recolheu o anel, as pérolas e o diário antes que
tocassem o chão. Sem perder um só segundo, saiu correndo
pela porta traseira, passando na frente dos homens presentes
no salão, que haviam observado tudo e que estavam muito
surpresos para segurá-la. Antes de alcançar a saída, se
arriscou a dar uma rápida olhada por cima do ombro,
pensando porque ninguém ainda atirara.
Slater soube imediatamente que não estaria à altura do
forasteiro e, mantendo as mãos estendidas e afastadas de seus
lados, observava Reno com clara hostilidade.
Raleigh não era nem tão inteligente, nem tão rápido
quanto o seu amigo. Acreditou que poderia desembainhar e
disparar mais rápido do que o forasteiro, e morreu antes de
compreender seu erro.
No momento em que o estrondo dos disparos soou na
sala, um homem chamado Steamer avançou, se colocando
entre Eve e Reno. Horrorizada, a jovem observou como Steamer
desembainhava para disparar no forasteiro pelas costas.
Rapidamente, pensou que não teria tempo de sacar seu
pequeno revolver do lugar onde estava oculto, então, enfiou a
mão no bolso da saia, empunhou a pequena arma e apertou o
gatilho. As camadas de seda vermelha não impediram a bala,
mas a urgência com que disparou quase fez o tiro falhar.
O pequeno projétil se afundou na coxa de Steamer, que
soltou um grito de surpresa, enquanto balançava o braço e seu
tiro se perdia no teto.
Antes que o dedo de Steamer pudesse apertar o gatilho
novamente, o forasteiro se voltou e o acertou em um único
movimento. No momento em que o covarde caiu ao chão,
morto, Reno se virou outra vez, sobre seus saltos para encarar
o último de seus oponentes.
Atordoada pela velocidade letal daquele desconhecido, a
jovem ficou quieta olhando-o durante um momento; mas
recuperando o juízo, saiu correndo para o estábulo próximo ao
salão.
Eve havia se preparado bem para aquele momento. Havia
trocado a carroça danificada que pertencera a Lyon por uma
sela igualmente danificada com seus correspondentes alforjes.
Surpreendera-se ao descobrir que, uma vez liberada dos arreios
que a uniam a carroça, Whitefoot, apesar de contar com muitos
anos, acabara sendo uma égua rápida e disposta.
Quando chegou ao estábulo, Whitefoot estava encilhada e
pronta para partir. Eve já havia guardado todas suas posses
nos alforjes e, seu saco de dormir estava preso na parte
posterior da sela. Mais tarde, teria tempo para se trocar e vestir
as roupas de viagem, mas no momento, a rapidez era mais
importante do que o recato. A jovem colocou o anel na mão
direita, colocou o colar de pérolas deixando que caísse sobre
seu peito, e guardou o diário e as moedas de ouro dentro do
um bolso de um dos alforjes.
Com um violento redemoinho de seda vermelha, saltou
sobre a sela, fez Whitefoot virar e saiu da cidade a todo galope.
Quando o velho cavalo passou pela frente do salão, a saia
vermelha já subira até as coxas.
Pelo canto do olho, Reno vislumbrou durante um segundo
um brilhante tecido vermelho e uma perna excepcionalmente
longa e bem torneada, coberta por calções de algodão tão fino
que não fazia nenhuma diferença usá-los ou exibir a pele nua.
O repicar dos cascos do cavalo preencheu o silêncio que havia
se seguido aos estrépitos dos disparos.
Slater dirigiu um sorriso forçado ao homem que o
observava por cima do cano de um revólver.
— Parece que ela nos enganou. — Comentou arrastando
as palavras.
— Parece. — Reno concordou.
— É sua amiga?
— Não.
Slater grunhiu.
— Menos mal. Um homem precisaria estar louco para
virar as costas a essa prostituta.
Reno não disse nada.
O foragido também guardou silêncio. Era hora de colocar
as cartas sobre a mesa, e o homem que segurava o revólver era
quem estava no controle da situação.
Sem perder de vista seu inimigo, o forasteiro comprovou
que Raleigh e Steamer estavam mortos.
— Eram seus amigos? — Reno perguntou.
— Não especialmente. Não gosto dos homens estúpidos.
— Mas cavalga com eles.
— Não. — Slater o corrigiu. — Eles cavalgam comigo.
Reno esboçou um sorriso sarcástico.
— Cavalgará mais rápido sem bagagem agora, — afirmou
— mas não por muito tempo. Tem tendência a cavalgar com
estúpidos.
Os frios olhos verdes de Reno avaliaram os homens que
ficavam no salão. Três deles eram viajantes que estavam de
passagem, mas o restante fazia parte do bando de Slater. Todos
tomavam muito cuidado em não dar ao forasteiro nenhum
motivo para atirar.
— Seu nome é Reno? — Slater perguntou de repente.
— Alguns me chamam assim.
Ouviu-se um murmúrio entre os homens que estavam no
salão. Como se fossem uma só pessoa, todos se afastaram,
deixando para Reno todo o espaço que ele pudesse desejar.
O único movimento que Slater fez foi assentir com a
cabeça, como se tivesse confirmado suas secretas suspeitas.
— Eu sabia. Poucos homens podem se mover assim. —
Slater fez uma pausa antes de perguntar mostrando verdadeiro
interesse: — O homem de Yuma ainda o procura?
— Não.
— Uma pena. Disseram-me que ele é muito rápido.
Reno sorriu.
— Você o matou? — O foragido quis saber. — É por isso
que já não o procura?
— Não possuo nenhum motivo para matá-lo.
— Eu sim.
— Isso eu sei. É uma pena que você não estivesse com seu
irmão gêmeo, Jed, quando morreu. Nesse caso, Wolfe poderia
ter feito uma boa limpeza.
Slater calou-se no instante.
— Você era o terceiro homem que estava lá naquele dia. O
que usava o revólver.
Mesmo não sendo uma pergunta, Reno assentiu.
— Isso mesmo. Foi a melhor coisa que fiz em minha vida.
O Oeste se tornou muito mais tranquilo desde que acabamos
com Jed e seu bando. — O rosto de Slater parecia talhado em
pedra. — Deitem-se todos de rosto para baixo. — Reno ordenou
com voz autoritária, cansado de falar. — E os aconselho que
não façam nenhum movimento suspeito enquanto pego suas
armas.
Houve uma fraca onda de movimento enquanto os
presentes no salão se deitavam seguindo as ordens do
forasteiro. Reno andou entre eles rapidamente, recolhendo
suas armas. Enquanto o fazia, não perdia Slater de vista, cuja
mão direita avançava lentamente para seu cinturão.
Assim que eu tiver reunido todas as armas, — Reno disse
com indiferença — esperarei um tempo lá fora antes de subir
ao meu cavalo. Quando pensarem que voltaram a ter a sorte do
seu lado, só precisarão levantar a cabeça e comprovar se ainda
estou por perto.
Nenhum homem parecia ter pressa para aceitar seu
convite.
Slater, ouvi que guarda uma pequena pistola escondida
atrás da fivela de seu cinturão. — Reno continuou. — Talvez
seja verdade, ou talvez não. Devo confessar que odeio matar
um homem desarmado, ainda que nem tanto, quanto odiaria
que disparasse em mim, pelas costas, um foragido que
maltrata mulheres e faz tantas falcatruas com as cartas que
tiraria de evidência o próprio diabo.
A mão de Slater parou.
Reno atravessou a sala recolhendo pistolas e atirando as
balas que elas continham ao chão. Seu caminhar foi marcado
pelo som da munição ao cair e bater nas irregulares tabuas de
madeira.
Quando passaram vários minutos sem que se escutasse o
ruído de mais balas caindo, um dos homens levantou a cabeça
do chão e olhou à sua volta.
— Ele se foi. — Anunciou com voz trêmula.
— Confirme na rua. — Slater ordenou.
— Vá você confirmar.
Quando um dos membros do bando de Slater reuniu
coragem suficiente para sair à rua, Reno se encontrava a mais
de seis quilômetros de distância seguindo o rastro da jovem
que se dizia chamar Evening Starr.
CAPÍTULO 2

Depois de percorrer os três primeiros quilômetros a toda


velocidade, Eve fez sua montaria diminuir o trote e começou a
procurar o ponto de referência que Donna Lyon lhe descrevera
antes de morrer.
Tudo o que a jovem via ao oeste era a abrupta subida da
Cordilheira Frontal das Montanhas Rochosas. Nenhum
barranco, nenhuma dobra escurecida no terreno parecia mais
atraente ou mais transitável que qualquer outro. Na verdade,
se não soubesse de antemão que havia um desfiladeiro entre os
imponentes picos, nunca teria imaginado que ele existisse.
Ninguém cavalgava pelos arredores. Não havia casas,
granjas, nem assentamentos. Tudo o que Eve podia escutar
acima do som da profunda respiração de Whitefoot, era o longo
suspiro do vento que vinha dos cumes de granito. Nuvens
nacaradas envolviam as cimeiras de algumas montanhas,
ameaçando pequenas tempestades noturnas que costumavam
ser habituais nas Rochosas no verão.
A jovem tivera a esperança que caísse uma forte chuva
que ocultasse seu rastro, mas não teria aquela sorte. As
nuvens não eram na verdade, tão espessas para poder ajudá-
la.
— Sinto muito, Whitefoot. Precisamos seguir adiante. —
Disse em voz alta enquanto acariciava o acalorado lombo
marrom da égua.
Seus olhos percorreram a paisagem uma vez mais,
esperando encontrar o monte de rochas em forma de urso do
qual Donna lhe falara, e que também aparecia descrito no
velho diário que havia recuperado na mesa de jogo.
Por azar, não via nada à sua volta que pudesse ajudá-la
como guia, nada que lhe sugerisse qual caminho deveria tomar
para encontrar a entrada do barranco que a levaria, finalmente,
até um desfiladeiro que lhe abrisse o caminho entre as
impressionantes cimeiras.
Sentindo-se inquieta, Eve se virou e olhou às suas costas.
Atrás dela, o irregular terreno se apagava em vários tons de
verde até onde o horizonte descia sobre as planícies,
transformando tudo em um tênue e brilhante azul.
De repente, a jovem ficou tensa e protegeu os olhos do sol
enquanto observava detidamente o caminho que deixava para
trás.
— Maldição. — Ela murmurou — Não consigo distinguir
se aquelas sombras são de homens, cervos ou cavalos
selvagens.
Entretanto, o que os olhos de Eve não puderam lhe dizer,
seu instinto o fez. Com o coração apertado, fez Whitefoot
avançar a meio galope. Desejava ir mais rápido, mas o terreno
era muito escarpado. Se forçasse mais o cavalo, se veria
obrigada a seguir a pé antes do por do sol.
A terra deslizava e as rochas se desprendiam sob os
cascos de Whitefoot, enquanto o animal trotava ao longo do
impreciso caminho que se estendia paralelo à Cordilheira
Frontal. Em alguns lugares, se alargava o suficiente para que
pudesse passar uma carroça. Em outros trechos, se desfazia
em bifurcações que conduziam até refúgios que ficavam fora do
alcance do vento incessante.
Sempre que sua montaria chegava ao alto de uma
pequena cimeira, Eve olhava para trás comprovando que os
homens que a seguiam estavam cada vez mais perto. Se não
acontecesse algo em breve, eles a alcançariam antes que
escurecesse. Aquela ideia foi suficiente para congelar mais seu
sangue, do que o vento que soprava dos picos cobertos de neve.
Finalmente, Whitefoot chegou até um barranco por onde
corria um ruidoso riacho e no qual se elevava um estranho
monte rochoso. As rochas não lhe davam a ideia de um urso
precisamente, mas Donna a avisara que os espanhóis que
desenharam o mapa haviam estado sozinhos no meio do
deserto durante tanto tempo, que com toda certeza, sua visão
da realidade deveria estar distorcida.
Eve fez com que sua montaria rodeasse o monte que podia
ou não ter a forma de um urso, e uma vez que passaram
diretamente as rochas, obrigou o animal a se dirigir para o
riacho, incitando-o a avançar pela água até que o terreno ficou
muito agreste. Só então, permitiu ao cavalo sair para uma faixa
de terreno cheio de pedras. Os cascos de Whitefoot deixavam
pequenas marcas que indicavam sua passagem por ali, mas
seria preferível aquilo, ao claro rastro que teria deixado sobre
um solo mais macio.
Avançando em zig zag e guiando o cavalo pela margem ou
por dentro do próprio riacho, Eve foi se adentrando, ainda
mais, nas selvagens montanhas, cavalgando sob a espessa luz
dourada vespertina. Estava com as pernas avermelhadas pelo
constante atrito com a velha sela, e geladas por ficarem
expostas ao vento, mas a jovem não se arriscou a parar o
tempo suficiente para colocar as velhas roupas de Don Lyon.
Quando o caminho se tornou menos escarpado, manteve
sua montaria cavalgando pela água durante mais de um
quilômetro e meio antes de encontrar um caminho pedregoso
no qual não pudesse deixar marcas.
Eve consultou o diário e olhou à sua volta com tristeza.
Logo deveria virar e se adentrar em um longo e sinuoso vale em
direção oeste, procurando uma marca divisória que separaria
um lado da cordilheira do outro.
Mas antes de fazer aquilo, precisaria despistar os homens
que a seguiam.

Slater se ergueu sobre os estribos e olhou, uma vez mais,


por cima de seu ombro. Nada se movia com exceção do vento.
Ainda assim, não podia afastar a sensação de que alguém os
seguia. Era um homem acostumado a prestar atenção aos seus
instintos, mas começava a se cansar de sentir os calafrios que
lhe percorriam a espinha dorsal, quando não havia nenhuma
razão para aquilo. Às suas costas havia somente uma paisagem
vazia que se estendia até Canyon City.
— E então? — Perguntou com impaciência quando seu
melhor explorador comanche se aproximou do lombo de seu
cavalo.
Urso Encurvado levou uma mão estendida até sua boca e
apoiou a outra sobre seu ombro direito fazendo o sinal
comanche que correspondia ao rio.
— Outra vez? — Slater perguntou, aborrecido. — Esse
maldito cavalo deve ter se criado na água.
O índio encolheu os ombros e depois fez um sinal que
correspondia a um lobo pequeno.
O foragido grunhiu. A jovem já mostrara parte de sua
astúcia na mesa de jogo. Não necessitava nenhuma prova mais
de que ela era tão rápida e cautelosa quanto um coiote.
— Viu aquele vestido vermelho que ela usava? — Slater
perguntou.
— O índio lhe fez um enfático gesto negativo com a
cabeça.
— Choverá? — O foragido quis saber depois de observar as
nuvens.
O comanche encolheu os ombros.
— Urso Encurvado, — Slater resmungou — algum dia
você me fará perder a paciência. Continue procurando e a
encontre. Entendeu?
O índio sorriu mostrando dois dentes de ouro, dois
buracos e um dente quebrado que não doía o suficiente para
arrancá-lo.
Tremendo por causa de uma mistura de frio e medo, Eve
observou o comanche espreitando pela margem do riacho uma
última vez, à procura do seu rastro. Quando viu que ele
desmontava, a jovem conteve a respiração e fechou os olhos,
temerosa de que o índio pudesse sentir seu olhar sobre ele e
descobri-la.
Depois de poucos minutos, a tentação de olhar foi muito
grande e deu uma olhada cuidadosa através da vegetação e das
rochas que salpicavam a longa encosta que se estendia entre
ela e o riacho. O grave gemido do vento e o murmúrio do trovão
procedente de um longínquo pico amorteceram qualquer ruído
feito pelos homens que estavam abaixo.
Slater, o comanche e outros cinco homens percorriam a
margem do riacho. A jovem sorriu levemente, consciente de que
ganhara. Se Urso Encurvado não conseguisse encontrar seu
rastro, ninguém mais conseguiria. O índio era quase tão
famoso em todo o território por suas habilidades na hora de
seguir um rastro, quanto por sua selvagem reputação com o
punhal.
Passou uma hora antes que os foragidos se dessem por
vencidos. Então, quase havia escurecido, caia uma leve chuva e
seus perseguidores já haviam pisoteado qualquer rastro que
Whitefoot pudesse ter deixado ao sair do rio.
Eve, que estivera contendo a respiração até que a dor de
seus pulmões se tornarem insuportáveis, observou como o
bando de Slater montava sobre seus cavalos e cavalgava até se
perder de vista rio acima. Aliviada, ela se afastou pela encosta e
se reuniu com Whitefoot, que a esperava pacientemente com a
cabeça baixa, mais dormindo que acordada.
— Pobrezinha. — sussurrou. — Sei que está com as patas
doloridas depois de andar sobre todas essas pedras, mas se
você usasse ferraduras, Urso Encurvado teria encontrado
nosso rastro.
Apesar da urgência que Eve sentia para atravessar a
Grande Divisão e chegar até o labirinto de rochas descrito pelos
espanhóis, sabia que precisaria acampar alguns poucos
quilômetros mais adiante. Whitefoot precisava descansar, ou
não seria capaz de carregar seu peso.
Uma vez que deixasse a Divisão atrás dela, em algum
lugar entre a cimeira e os cânions rochosos que o diário
descrevia, precisava encontrar uma forma de ferrar Whitefoot,
comprar um cavalo de carga e reunir as provisões que lhe
permitissem suportar a viagem.
Mas o que Eve realmente necessitava comprar era a
companhia de um homem no qual pudesse confiar, alguém que
a protegesse enquanto ela procurasse a mina perdida do
antepassado de Don Lyon: o capitão León, descendente da
realeza espanhola e possuidor de uma permissão real para
procurar ouro nas terras do Novo Mundo pertencentes à coroa
Espanhola.
Será difícil encontrar um homem forte no qual eu possa
confiar havendo ouro no meio, Eve pensou. O que os homens
fracos valorizavam, os homens fortes destruíam. Francamente,
não sei no que Deus estava pensando quando criou o homem.

Assim que Slater se afastou cavalgando, Reno pegou a


luneta, deslizou pela encosta na qual estivera empoleirado, e
voltou para onde sua égua e outros três animais carregados
com provisões o esperavam. Os negros orifícios nasais de sua
égua se agitaram ao captar seu cheiro e, contente, bufou
suavemente enquanto esticava o pescoço para ele em busca de
suas carícias.
— Sentiu-se sozinha em minha ausência, Darla?
O suave focinho do animal percorreu seus dedos,
deixando atrás dele uma cálida sensação de cócegas.
— Não ficará sozinha muito tempo mais. Urso Encurvado
se cansou da caçada. Se nos apressarmos, poderemos
encontrar o rastro da jovem antes do pôr do sol.
Reno saltou sobre a sela, acariciou suavemente o pescoço
de sua montaria com a forte mão protegida por uma luva de
couro e guiou sua égua cor de aço para a escarpada encosta.
Com passos rápidos, o animal avançou em zig zag descendo
por um barranco próximo ao lugar onde o comanche havia
perdido o rastro, enquanto os cavalos de carga os seguiam sem
a necessidade de serem dirigidos ou puxados.
— Se tivermos sorte, — resmungou Reno — antes do
desjejum saberemos se essa mulher conhece mais truques
além de embaralhar cartas bem, fazer falcatruas com elas e
conseguir que os homens se matem entre eles.
Com a testa franzida e os nervos à flor da pele apesar da
paisagem vazia que se estendia às suas costas, Eve fez seu
cavalo parar e escutou atentamente. Não ouviu nada, exceto o
apagado murmúrio das gotas de chuva escorrendo pelas folhas.
Finalmente, se virou e obrigou Whitefoot a se dirigir para
uma pequena fenda rochosa onde o diário afirmava que ela
encontraria um lugar para acampar. Ali poderia se abrigar da
chuva, encontraria uma pequena nascente que deveria surgir
entre o musgo e as samambaias, e disporia de uma boa
perspectiva da paisagem que a rodeava. A única coisa que lhe
faltava era alguém que montasse guarda enquanto ela dormia.
Já havia escurecido completamente quando Eve e seu
dolorido cavalo chegaram até o lugar onde acampariam.
Somente a luz da lua iluminava as cimeiras.
Falando em voz baixa para Whitefoot e se sentindo mais
sozinha que nunca, desde o assassinato do casal Lyon, a jovem
descarregou e amarrou sua égua, comeu um jantar frio e se
enfiou no precário saco de dormir que levava consigo.
Adormeceu imediatamente, sentindo-se muito exausta pela dor
e pelo perigo que mantiveram seus olhos abertos durante a
última semana.
Quando acordou ao amanhecer, o desconhecido que havia
deixado amostra sua letal rapidez com o revólver no dia
anterior, estava revistando minuciosamente os alforjes dela, a
alguns metros apenas.
A primeira coisa que Eve pensou, foi que ainda estava
sonhando, já que os acusadores olhos verdes daquele homem a
atormentaram em seus sonhos, impedindo-a de descansar.
Enquanto dormia, tentara se aproximar do bonito estranho
repartindo-lhe jogadas perfeitas, mas cada vez que ele via os
cinco corações, puxava as cartas e se afastava da mesa de
pôquer, deixando-a sozinha.
Agora que ela estava acordada, se aproximar do perigoso
homem que estava revistando seus alforjes, era a última coisa
que estava em sua mente. Debaixo das mantas, começou a
deslizar a mão muito lentamente para a escopeta que sempre
fora a arma preferida de Donna Lyon. Seguindo o exemplo de
sua patroa, a jovem dormira com a escopeta junto a ela
temendo um ataque imprevisto.
Através de seus olhos mal abertos, Eve estudou o intruso.
Não alterou o ritmo de sua respiração, nem mesmo mudou de
posição de uma forma visível. Não queria que o pistoleiro que
tão friamente mexia em suas coisas, soubesse que ela estava
acordada, porque se recordava muito bem como ele era rápido
desembainhando e atirando.
Ouviu-se um leve som quando o homem tirou a mão do
alforje e as pérolas brilharam como pequenas luas cheias na
pálida luz da manhã.
O desconhecido deixou que o frio colar de linhas elegantes
escorregasse entre seus longos e fortes dedos, como se
admirasse a textura das pérolas, e ao observá-lo, a jovem
sentiu que seu estômago se contraia com força. O contraste
entre a frágil joia e a bronzeada e poderosa mão, a fascinou.
Sob os ramos remexidos pelo vento, a luz do sol brincava
de se esconder e revelar os traços do desconhecido.
Eve tentou não olhar, mas lhe pareceu impossível.
Recordou a si mesma que havia conhecido homens mais
atraentes, homens com faces mais perfeitas, homens amáveis
com bocas prontas ao sorriso. Não havia nenhuma razão para
se sentir tão profundamente atraída pelo duro e inflexível
desconhecido. Também não havia motivo para que sua imagem
a obcecasse ao ponto de invadir seus sonhos.
Mas assim havia acontecido. Sem a distração do letal jogo
de cartas, Eve se sentia ainda mais intrigada por aquele
homem, do que estivera quando ele se sentara junto a ela se
convertendo no quarto jogador da perigosa partida de pôquer.
Reno percorreu as pérolas com seus dedos uma vez mais,
antes de guardá-las em uma bolsa de couro no bolso de seu
casaco.
Depois, seus dedos encontraram no alforje, um pedaço de
suave couro que envolvia alguma coisa dura e que estava presa
com uma gasta correia também de couro. Intrigado, Reno
desfez o laço e o desembrulhou. Duas longas e finas varinhas
de metal com uma isca em suas pontas rombudas, caíram
sobre a palma de sua mão, emitindo um som levemente
musical.
Varinhas espanholas, pensou Reno. Pergunto-me se ela
será capaz de usá-las.
Com cuidado, voltou a envolver as peças de metal e as
introduziu dentro do alforje.
Um segundo mais tarde, seus dedos encontraram o gasto
e duro couro do diário espanhol. Abriu-o, o olhou rapidamente
para confirmar se era o que procurava e o guardou em um de
seus próprios alforjes.
O resto do conteúdo da mochila da jovem fez Reno se
sentir verdadeiramente incômodo ao reclamar seus lucros com
a bonita vigarista. Toda sua bagagem constava do vestido
vermelho, outro vestido confeccionado à base de sacos de
farinha e algumas peças masculinas. O anel de ouro não estava
em nenhum lugar à vista. E também não encontrou o punhado
de moedas que ela levara.
Era evidente que estava passando um mau pedaço. Por
outro lado...
— Se continuar mexendo seus dedos para essa escopeta,
— Reno avisou-a, sem levantar os olhos, — vou tirá-la
arrastada desse saco de dormir e lhe ensinarei bons modos.
Eve ficou paralisada diante da surpresa. Até aquele
instante, teria jurado que o homem não sabia que ela estava
acordada.
— Quem é você? — Perguntou.
— Matt Moran. — Enquanto respondia, começou a colocar
de novo as roupas no alforje. — Mas a maioria das pessoas me
chama de Reno.
Os olhos de Eve se abriram de surpresa. Ela ouvira falar
de um homem chamado Reno. Era um pistoleiro, mas nunca
andava procurando briga. Também não prometia suas
habilidades letais em trocha de dinheiro. Limitava-se a viajar
em busca de ouro nas Montanhas Rochosas, no verão e no
silêncio vermelho do deserto, no inverno.
Durante alguns segundos, Eve pensou em tentar correr
entre a erva daninha e se esconder até que o pistoleiro se desse
por vencido e partisse. Mas descartou a ideia maluca, assim
que lhe veio à cabeça.
O ar de indolência que envolvia Reno já não a enganava.
Vira-o se mover no salão; suas mãos eram tão rápidas, que se
tornava impossível segui-las com o olhar. Os Lyon haviam
elogiado frequentemente os velozes dedos de Eve, mas não
tinha nenhuma dúvida de que aquele homem era mais rápido
do que ela. Não conseguiria dar três passos além do saco de
dormir antes que ele a alcançasse.
— Penso que não vai me dizer onde está meu anel. —
Reno comentou, depois de um momento.
— Seu anel? — Eve perguntou indignada. — Pertencia aos
Lyon!
— Até que você o roubou e o perdeu diante de Raleigh
King. — Afirmou o pistoleiro, dando-lhe um verde olhar gelado.
— Quando eu o ganhei, ele se converteu em meu anel.
— Eu não o roubei!
Reno riu sem vontade.
— Claro que não. — Disse zombando. — Você não o
roubou. Simplesmente o ganhou jogando cartas, não é certo?
Repartia para você, casualmente?
A ira invadiu Eve, acabando com as estranhas sensações
que a inquietaram desde que vira como Reno segurava com
suavidade as delicadas pérolas em sua mão, e conseguindo que
reduzisse sua cautela. Uma vez mais, começou a deslizar a
mão à escopeta que descansava ao seu lado.
— Na verdade, — explicou a jovem com a voz entrecortada
— o anel foi roubado no cano de uma pistola, de um homem
moribundo.
Reno lhe dirigiu um olhar de desgosto e continuou
procurando no alforje.
— Se não acredita em mim...
— Acredito. — Interrompeu-a. — Só que não pensava que
se sentisse orgulhosa de ter cometido um roubo o cano da
pistola.
— Não era eu quem segurava a arma!
— Então foi seu cúmplice, não?
— Maldição, porque não me escuta? — Ela exigiu, furiosa
diante do fato de que aquele homem pensasse que ela era uma
ladra.
— Eu a estou ouvindo. Mas não ouvi nada que valha a
pena acreditar.
— Experimente fechar a boca. Surpreender-se-ia com as
coisas que pode descobrir se a mantiver fechada.
Os lábios de Reno se elevaram um pouco, mas foi o único
sinal que deu a entender que escutara a jovem. Quase
distraidamente, afundou, outra vez, a mão no alforje em busca
do anel. O frio e inconfundível contato com uma moeda de ouro
atraiu toda sua atenção na procura.
— Estava certo de que você não teve tempo para gastar
nada. — Assinalou com satisfação. — O velho Jericho não
perdeu nem um segundo antes de...
As palavras foram bruscamente interrompidas quando o
pistoleiro jogou o alforje a um lado e arrancou a escopeta dos
dedos de Eve com um rápido movimento.
A próxima coisa que a jovem podia se lembrar era de ter
sido arrastada para fora do saco de dormir e ficar pendurada
nas fortes mãos masculinas como um saco de farinha. O medo
a invadiu. Sem pensar, levantou o joelho rápido e com força
para o meio das pernas de seu captor, tal e como Donna lhe
ensinara.
Reno bloqueou o golpe antes que ela pudesse lhe causar
algum mal e, antes que a jovem pudesse tomar consciência do
que estava acontecendo, se achou esticada com as costas
contra a terra incapaz de lutar, incapaz de se defender, incapaz
de se mover, exceto para tomar pequenas e superficiais
baforadas de ar. O enorme corpo de Reno cobria cada
milímetro do seu, impedindo-a de encher seus pulmões e
tornando impossível que seu corpo resistisse. O saco de dormir
sobre o qual descansava suas costas, mal a protegia do duro
chão que havia sob ela.
— Solte-me. — ofegou.
— Tenho aparência de ser um estúpido? — Perguntou
secamente. — Só Deus sabe que outros truques sujos sua mãe
lhe ensinou.
— Minha mãe morreu antes que eu pudesse olhar seu
rosto.
— Ora! — Reno disse sem se mexer. — Penso que é uma
pobre órfã que não tem ninguém que a cuide.
Eve apertou os dentes e tentou conter sua raiva.
— A verdade é que sou assim.
— Pobrezinha... — zombou com frieza — pare de me
contar historias tristes ou começarei a chorar.
— Basta que saia de cima de mim.
— O quê?
— Está me amassando. Nem consigo respirar.
— Sério? — O pistoleiro olhou o rosto corado, belo e
irritado, que estava só a alguns milímetros do seu. — É
estranho, — refletiu — porque não vejo que tenha nenhum
problema em me azucrinar com suas palavras.
— Escute aqui maldito pistoleiro dominante e imaturo: —
Eve espetou, em tom glacial. Depois, se corrigiu — Não, não é
um pistoleiro. É um ladrão que ganha à vida roubando as
pessoas mais fracas...
As palavras da jovem foram interrompidas quando Reno
fechou sua boca com a dele.
Durante um instante, a jovem se sentiu muito comovida
para fazer outra coisa que não fosse permanecer rígida debaixo
de seu quente e esmagador peso. Mas, quando sentiu que o
beijo aumentava de intensidade, se deixou levar pelo pânico.
Retorcendo-se, chutando, tentando tirá-lo de cima, Eve lutou
com todas as suas forças.
O pistoleiro riu sobre seus lábios e deliberadamente se
deixou cair sobre ela amassando-a contra o chão com todo seu
peso, resistindo aos seus esforços sem parar com o sensual
saque que levava a cabo no interior de sua boca.
A violenta e vã resistência de Eve só fez esgotá-la e
aumentar sua falta de ar. Quando tentou respirar, não
conseguiu, porque o peso de Reno era tal que não permitia
mover seu peito um milímetro para levar o ar aos seus
pulmões.
O mundo a sua volta começou a ficar cinzento, e depois,
negro, até que desapareceu de repente e se afastou enquanto
tudo girava.
O pequeno e assustado gemido que Eve emitiu quando
sentiu que ia desmaiar, conseguiu o que todos seus esforços
não conseguiram. Reno levantou a cabeça e o torso o suficiente
para lhe permitir respirar.
— Esta é a sua segunda lição. — Afirmou com calma
quando os assustados olhos de Eve voltaram a enfocá-lo.
— O que... quer dizer? — Ela perguntou ofegando.
— Sou mais rápido do que você. Essa era a primeira. Sou
mais forte que você. Essa era a segunda. E a terceira...
— O quê?
O pistoleiro sorriu de forma estranha, observou o tremor
dos seus lábios, e disse com voz rouca:
— A terceira lição era para mim.
Reno voltou a olhar seus grandes e confusos olhos cor de
âmbar, e sorriu novamente.
Dessa vez, Eve compreendeu porque o sorriso lhe parecia
estranho. Quase destilava ternura, um sentimento que não
estava de acordo com um homem como Matt Moran.
— Descobri que o seu sabor pode me fazer perder o
controle. — Acrescentou o pistoleiro.
Antes que Eve pudesse dizer alguma coisa, Reno abaixou
a cabeça uma vez mais.
— Beije-me você desta vez.
— O quê? — Ela conseguiu dizer, pensando que estava
ficando louca.
— Sua língua. — Respondeu ele, contra sua boca aberta.
— Deixe-me senti-la. Deixe-me brincar com ela.
Por um instante, a jovem acreditou que ouvira mal.
Reno interpretou sua repentina calma como um sinal de
aceitação. Abaixou a cabeça e deixou escapar um rouco gemido
de prazer quando voltou a saboreá-la.
Eve emitiu um som abafado de surpresa diante da suave
carícia. Pelo espaço de um segundo, se sentiu como uma pérola
que era delicadamente segura por uma mão poderosa. Depois,
recordou-se onde estava, quem era o pistoleiro que estava
sobre ela, e todas as advertências que Donna lhe fizera sobre a
natureza dos homens e o que desejavam das mulheres. Afastou
a cabeça para o lado, mas não antes de ter sentido a quente e
aveludada superfície da língua de Reno deslizando sobre a sua.
— Não. — Exclamou com urgência, assustada outra vez.
Mas dessa vez temia a si mesma, já que uma estranha
fraqueza se apoderava dela ao sentir a suave carícia da língua
de Reno.
Donna Lyon avisara sua ajudante sobre o que os homens
desejavam das mulheres, mas nunca lhe disse que as mulheres
podiam desejar o mesmo que eles.
— Porque não? — Perguntou ele com calma. — Você
gostou de me beijar.
— Não.
— Claro que sim. Eu notei.
— Você... você é um pistoleiro e um ladrão.
— Tem razão em parte. Carrego uma pistola e a tenho
usado em mais de uma ocasião. Mas no que diz respeito a ser
um ladrão, lhe direi que antes, só estava recuperando o que é
meu por direito: as pérolas, o anel, o diário e a mulher que
apostou a si mesma em uma mesa de pôquer.
— Não foi uma partida justa. — Eve protestou,
desesperadamente, quando Reno se inclinou para ela uma vez
mais.
— Isso não é culpa minha. Não era eu quem repartia as
cartas.
Reno traçou com sua língua a sensível borda dos lábios de
Eve e escutou como ela soltava o ar, surpresa.
— Mas... — Começou a dizer.
— Sshh. — Reno interrompeu o protesto de Eve mordendo
com delicadeza seu lábio inferior. — Eu ganhei você. Agora é
minha e vou tomá-la.
— Não. Peço-lhe, não o faça.
— Não se preocupe. — Soltou seu lábio lentamente. —
Você gostará. Eu me encarregarei disso.
— Solte-me. — Ela exigiu pressionando.
— Não. É minha até que eu diga o contrário. — Sorriu e
beijou a veia que pulsava frenética na garganta de Eve. — Se
for boazinha, — sussurrou — eu a deixarei partir depois de
algumas noites.
— Senhor Moran, por favor, não pretendia perder a
aposta. O problema foi que Slater me vigiava muito de perto.
— Assim como eu. — Reno levantou a cabeça e a olhou
com curiosidade ao se lembrar. — Porque me deu todas as
cartas da parte inferior do baralho?
Eve falou, atropeladamente, tentando manter a atenção de
Reno centrada em qualquer coisa que não fosse a brilhante
chama de desejo que não parava de arder nos olhos dele.
— Conhecia Raleigh King e Jericho Slater, — explicou —
mas a você não.
— Então me escolheu para que eles me matassem
enquanto você escapava com o botim.
A jovem não conseguiu evitar que seu rosto corasse com
um rubor de culpa.
— Não queria que fosse assim. — Desculpou-se.
— Mas quase acabei assim, e você não fez absolutamente
nada para evitar.
— Isso não é verdade! Fui eu quem disparou em Steamer
quando tentou matar você!
— Com o quê? — Reno zombou. —Lançou-lhe uma moeda
de ouro?
— Com meu pequeno revólver. Levo-o no bolso da minha
saia.
— Muito prático. Costuma abrir o caminho a tiros depois
de jogar pôquer?
— Não.
— Então, é muito boa fazendo trapaças.
— Eu não faço trapaças! Geralmente, não as faço. É só
que... — Sua voz se apagou.
Divertido e descrente diante da dificuldade de Eve para
encontrar as palavras adequadas para explicar que era
inocente, quando ambos sabiam que não era verdade, Reno
ergueu as sobrancelhas e esperou que ela continuasse.
— Não soube até que foi muito tarde, que Slater percebera
que eu estava trapaceando. — Admitiu com tristeza. — Eu
estava consciente de que ele também não jogava limpo, mas
não consegui surpreendê-lo. Então, perdi a seu favor quando
deveria ter seguido e igualado a aposta de Slater.
— O anel de esmeraldas. — Comentou Reno assentindo
com a cabeça. — Com a jogada que você possuia, deveria ter
continuado durante, pelo menos, uma mão mais. Mas você não
o fez; então eu ganhei, porque Slater não teve tempo de
compartilhar o resto de sua vida.
Eve piscou, surpresa diante da rapidez com que ele
pensava que a mantinha a sua mercê.
— É um jogador profissional?
Reno negou com a cabeça.
— Então, como sabia o que Slater pretendia? — insistiu.
— É simples. Quando ele repartia, ganhava. Depois você
começou a abandonar muito de repente, e eu comecei a ganhar
mãos que não deveriam ser minhas.
— Sua mãe não criou nenhum filho estúpido, certo? —
Eve resmungou.
— Oh!, eu sou um dos mais torpes. — Ele reconheceu,
arrastando as palavras. — Deveria conhecer meus irmãos mais
velhos, sobretudo Rafe.
A jovem piscou enquanto tentava imaginar alguém mais
rápido do que Reno. Não conseguia.
— Acabaram as explicações? — Perguntou ele
amavelmente.
— Shhh...
Reno se inclinou o suficiente para cobrir a boca de Eve
com a dele. Quando sentiu que ela se enrijecia debaixo do seu
corpo como se fosse resistir outra vez, se deixou cair um pouco
mais sobre ela, recordando-lhe a lição que acabava de lhe dar.
Na hora de medir suas forças, Eve não teria nada a fazer contra
Matt Moran.
Eve relaxou para tatear o terreno, pensando se Reno a
soltaria se parasse de resistir.
No instante, a esmagadora pressão de seu corpo diminuiu
até que foi pouco mais que um morno contato,
inquietantemente, sensual que ia desde seus ombros até seus
pés.
— Agora me beije. —sussurrou Reno.
— Vai me soltar?
— Depois, negociaremos um pouco mais.
— E se eu não o beijar?
— Nesse caso, tomarei o que já é meu, e ao inferno com o
que você desejar.
— Não fará isso. — Disse, debilmente.
— Quer apostar alguma coisa?
Eve olhou os frios olhos verdes que estavam tão perto dos
seus e percebeu que nunca deveria ter permitido que Reno
Moran se sentasse em sua mesa de pôquer.
Era muito boa decifrando a maioria das pessoas, mas se
confundira completamente com o pistoleiro que a mantinha
cativa. Naquele momento, não sabia se estava mentindo ou se
lhe dizia a verdade.
O sábio conselho de Don Lyon ecoou em sua mente:
“Quando não souber se um concorrente está blefando, e não
puder se permitir pagar a aposta se perder, pegue suas cartas e
espere uma melhor ocasião”.
CAPÍTULO 3

Com os lábios trêmulos, Eve levantou a cabeça para dar a


Reno o beijo que ele lhe pedia. Após pressionar durante um
segundo sua boca contra a dele, ela se afastou com o coração
batendo desenfreadamente.
— Chama a isso de beijo? — Reno perguntou.
Ela assentiu, porque se sentia muito nervosa para falar.
— Deveria ter imaginado que trapacearia com isto, igual
ao que fez com as cartas. — Espetou-a, aborrecido.
— Eu o beijei!
— Da forma que uma assustada virgem faria ao seu
primeiro noivo. Mas tem um problema, você não é virgem, e eu
não sou nenhum ingênuo.
— Mas, eu... eu sou. — Eve gaguejou.
Reno disse algo entre os dentes antes de acrescentar com
voz cortante:
— Poupe sua atuação de jovem inocente para alguém sem
experiência. Os homens da minha idade sabem tudo o que há
para saber sobre as mulheres como você; e tudo o que sabem,
aprenderam na base de pancadas.
— Então, não aprenderam o suficiente. Não sou como você
pensa.
— Acredite-me, — replicou, secamente — pode dizer o que
quiser, mas seus olhares inocentes não me enganam.
Eve abriu a boca para continuar se defendendo, mas um
único olhar ao rosto de Reno bastou para convencê-la que ele
já havia tomado uma decisão sobre o assunto. Não havia
nenhum consolo em seus gélidos olhos verdes, nem na fina
linha de sua boca. Estava convencido que ela era uma jovem de
salão e uma trapaceira, simples e totalmente.
E o pior era que não podia jogar toda a culpa nele. Mesmo
que no início não tivesse a ideia de usá-lo em sua mortal
partida com Slater e Raleigh, no final pusera em perigo a vida
de Reno sem avisá-lo do que estava em jogo.
E sim, o ajudara, mas depois saíra fugindo com o prêmio.
O fato de ele ter se salvado, se devia unicamente à sua
incomum destreza com a pistola.
Um beijo parecia um pedido de desculpas muito pequeno
para um homem ao qual quase levara à morte.
Levantando a cabeça de novo, Eve colocou seus lábios
sobre os de Reno. Dessa vez não se afastou imediatamente. Em
vez disso, aumentou a pressão do beijo de forma gradual,
descobrindo a suave textura de seus lábios em um silêncio
interrompido somente pelas frenéticas batidas de seu coração.
Quando o pistoleiro não fez nenhum movimento para
aprofundar ou finalizar o beijo, Eve hesitou, pensando no que
deveria fazer a seguir. Mesmo que Reno não acreditasse,
dissera-lhe a verdade sobre sua inocência. Nas poucas vezes
que não havia sido rápida o bastante para se esquivar do beijo
de um vaqueiro, não achara nada agradável no abraço. Eles a
agarravam, ela conseguia se soltar, e aquele sempre fora o
final. Se havia algum prazer na experiência, não fora de sua
parte.
Mas Reno não a agarrava, e ela concordara em beijá-lo;
mas não sabia o que deveria fazer. Percebeu que ficara quase
tão perplexa, quanto ele, com a descoberta de que beijá-lo a
afetava de uma forma totalmente inesperada.
Gostara daquilo.
— Reno?
— Não pare. Quero um beijo sincero de você.
As mãos de Eve deslizaram hesitantes em volta do pescoço
de Reno, porque começava a se cansar de se manter meio
erguida. No começo, se mostrou reticente em confiar seu peso à
sua força, mas a tentação era muito grande para resistir por
muito tempo. Pouco a pouco, a pressão de seus braços ao redor
do pescoço dele aumentou, deixando que seu peso fosse
sustentado por ele.
— Melhor. — Reno sussurrou, com voz profunda.
Seus lábios estavam muito perto e o calor do fôlego de
Reno a fez estremecer. Por um momento, a respiração dele
ficou interrompida, depois voltou a respirar ainda mais rápido.
Sem ser consciente, Eve curvou seu corpo para cobrir a
distância que havia entre sua boca e a de Reno.
O calafrio de prazer que a percorreu quando suas bocas se
encontraram foi familiar. O sedoso toque de seus lábios foi
outro prazer que ela também já havia conhecido. No entanto, a
cada vez que experimentava aquela sensação, sua intensidade
aumentava, acelerando sua respiração ainda mais.
— Nunca teria imaginado. — Eve sussurrou, com voz mal
audível.
Estavam tão perto que cada palavra foi como uma suave
carícia sobre a boca de Reno.
— O que é que nunca teria imaginado? — Ele perguntou.
— Que seus lábios pudessem ser tão duros e suaves ao
mesmo tempo.
Eve se surpreendeu diante do estremecimento que
percorreu Reno. Mas não teve tempo de pensar sobre aquilo,
porque os braços dele estavam se deslizando a sua volta. Eve
ficou tensa, esperando que ele a segurasse e a fizesse sentir
sua força novamente.
Mas ele não a forçou a nada. Limitou-se a apertá-la com
suavidade, de forma que não precisou fazer nenhum esforço
para permanecer junto a ele. Pouco a pouco, ela foi relaxando,
permitindo que os fortes braços de Reno a sustentassem.
— Ainda estou esperando meu beijo. — Reno anunciou.
— Creio que eu o beijei mais de uma vez.
— E eu creio que não me beijou ainda.
— E não foi o que acabei de fazer?
— Provocar-me, — respondeu sem rodeios. — foi
agradável, mas não era o que tinha em mente e você sabe tão
bem, quanto eu.
— Não, não sei. Como saberia? — Replicou irritada ao
perceber que o suave e terno beijo não tivera sobre ele o
devastador efeito que ela sentira.
— Sei quem você é. É uma jovem de salão com mãos
rápidas que me prometeu a única coisa que não pode oferecer,
um beijo sincero.
Eve abriu a boca para perguntar a Reno como deveria ser
um beijo sincero em sua opinião e logo a fechou, decidida a lhe
dar o que ele pedia.
Antes de perder a coragem, Eve aproximou seus lábios da
boca entreaberta de Reno e tocou brevemente sua língua com a
dele. A aveludada textura que sentiu a intrigou e, hesitante,
Eve deslizou a ponta de sua língua sobre a dele uma vez mais.
Tornou-se atrevida e se entregou completamente ao beijo, se
esquecendo de tudo, exceto das ardentes sensações que a
percorriam.
Eve não percebeu como os braços de Reno se apertavam a
sua volta, nem de como começava a ter problemas para
respirar. Também não percebeu que estava se perdendo em um
mundo desconhecido para ela a cada acelerada pulsação de
seu coração. A única coisa que sabia era que o sabor de Reno e
seu calor eram mais embriagadores do que o conhaque francês
que os Lyon tanto gostavam.
Ela não questionou a crescente urgência que a reclamava.
Simplesmente apertou seus braços em volta do pescoço de
Reno, tentando se aproximar ainda mais de seu corpo,
procurando uma fusão mais completa de seus lábios.
De repente, sentiu a pressão do duro chão sob seu corpo.
Viu-se deitada outra vez, sobre suas costas, e o poderoso corpo
de Reno voltou a cobri-la como uma pesada e quente manta.
Dessa vez, Eve não protestou, já que a posição
intensificava as sensações que a atravessavam. Seus finos
dedos, inquietos, deslizaram pelos cabelos dele desfrutando da
frondosa textura.
Reno se moveu e se curvou contra ela, dizendo-lhe sem
palavras que gostava de sentir o toque de suas unhas sobre
seu couro cabeludo, seu pescoço e os imobilizados músculos de
suas costas.
Admirado, também teve consciência do quanto gostava do
sabor dela e da suavidade do contato com sua pele, de saboreá-
la até conduzi-la a um ponto sem retorno.
A língua de Reno se introduziu mais profundamente na
boca de Eve enquanto acomodava seu peso entre suas coxas,
separando-as até que sua dolorosa ereção descansou no suave
refúgio feito para recebê-lo. Reno sentiu o sensual
estremecimento que percorreu o frágil corpo de Eve e desejou
gritar diante do selvagem impulso de sua própria resposta.
Reno não pensara em chegar tão longe, não pretendera lhe
mostrar quanto a desejava.
Mas já era muito tarde. Ela sabia quanto ele ansiava
possui-la e utilizaria aquele conhecimento contra ele para
conseguir o que desejava. Tudo o que podia fazer agora seria
ver até onde ela lhe permitiria chegar antes de lhe pedir algo
em troca de sua doce entrega.
Reno se moveu de novo, tocando intencionalmente o
complacente corpo de Eve e conseguindo que uma ardente
chama de desejo se acendesse na boca do estômago dela,
fazendo-a gemer. Sem ser consciente daquilo, seus braços se
apertaram em volta dele, tentando mantê-lo perto. Foi
recompensada com um provocante movimento dos quadris de
Reno, que imitava o mesmo ritmo primitivo de posse com o
qual a língua dele saqueava sua boca.
Os fortes e longos dedos de Reno escorregaram pela
camisa de renda dela e chegaram à cintura de seus calções,
que era tudo o que ela usara para dormir. Reno acariciou seus
quadris e voltou a subir sem parar, até que um dos generosos
seios de Eve preencheu sua mão. Moveu seu polegar, descobriu
a dureza aveludada de seu mamilo e o explorou com uma
sensual pressão giratória.
O prazer invadiu Eve surpreendendo-a por completo.
Instintivamente, se curvou contra sua mão, retorcendo-se
contra ele como uma gata.
Com um rouco gemido de triunfo, Reno prendeu o mamilo
de Eve entre seus dedos e brincou com ele, levando-a primeiro
ao ponto de uma requintada dor e em seguida, relaxando sua
tensão acariciando-a suavemente, enquanto continha com sua
boca os sufocados gemidos que surgiam dos lábios femininos.
Quando já não conseguia resistir por mais tempo a tentação,
ele deixou de beijá-la e traçou com seus lábios um errático
caminho de fogo que desceu por seu pescoço e chegou até seu
seio, à procura da dureza do mamilo que provocara antes.
O calor de sua boca atravessou a fina camisa e chegou à
nua carne embaixo, fazendo com que Eve voltasse a si pela
surpresa. Atordoada, insegura sobre o que estava acontecendo,
ela lutou para respirar e recuperar um fôlego que voltou a
perder quando os dentes de Reno se fecharam sobre seu
mamilo, conseguindo que uma labareda de fogo percorresse
seu corpo.
De repente, Reno moveu a mão e desfez os laços que
fechavam a camisa, ameaçando deixá-la nua e chegar a uma
intimidade que ela nunca conhecera.
— Não! — Eve ofegou.
Antes de poder pronunciar outra palavra de protesto, viu
os suaves e firmes lábios de Reno sobre os seus, e a língua dele
se introduzindo provocante em sua boca, impedindo-a de falar.
O faminto e sedutor toque da língua dele contra a dela fez com
que o mundo começasse a girar a sua volta uma vez mais,
deixando somente o calor de Reno e sua força como única
tábua de salvação.
Antes que ele voltasse a erguer a cabeça, Eve se achava
mergulhada novamente em um mundo de prazer que ele criara
para ela.
Sem que a jovem pudesse detê-lo, Reno abriu a camisa
com um hábil movimento, deixando expostos ao seu faminto
olhar, os tensos mamilos e as cremosas e turgentes cimeiras de
seus seios. Ao ser consciente da plenitude feminina, Reno
deixou escapar o ar soltando um grave gemido de desejo. Eve
respondia a ele como se fossem um só corpo; cada rápida
inspiração que Reno tomava, seus seios se estremeciam
incitantes.
Sem verdadeiramente pretender, se inclinou sobre a jovem
uma vez mais.
— Reno, não. Eu...
Eve emitiu um som entrecortado que deixava entrever
tanto seu medo, quanto o fogo que corria com força por suas
veias. Reno ignorou seu fraco protesto e deslizou as mãos
lentamente por suas costas; apertando os braços e fazendo-a se
curvar, outra vez, antes de abrir seus lábios e começar a sugar
e atormentar os mamilos que clamavam por ele.
Eve emitiu um gemido abafado e estremeceu quando um
relâmpago de prazer curvou ainda mais seu corpo, fazendo com
que Reno aumentasse a pressão que exercia com sua boca.
— O que... está... fazendo? — Perguntou com voz
alquebrada.
Sua única resposta consistiu em abandoná-la um instante
antes de introduzir seu outro mamilo no sedutor e inesperado
paraíso de sua boca.
A sensação de prazer foi mais violenta dessa vez,
arrancando outro grito de Eve enquanto seu corpo se arqueava
para satisfazer as demandas do homem que a segurava como
se fosse algo precioso para ele.
Mas, depois, sentiu a mão de Reno entre suas pernas.
O medo desatou em seu íntimo, fazendo com que o prazer
desaparecesse e sufocasse seu apaixonado fogo com a gelada
segurança de que o pistoleiro não pararia até fazê-la sua.
— Chega! — Exigiu desesperadamente, se retorcendo para
se libertar. — Não! Pare! Eu o beijei como você disse que
gostava, não foi? Cumpri minha parte do trato. Por favor, pare,
lhe peço.
Devagar, reticentemente, ele levantou a cabeça e libertou o
mamilo de Eve de uma forma tão lenta e sensual, que fez com
que um inevitável estremecimento voltasse a atravessá-la.
Reno fechou os olhos e apertou os dentes para evitar um
gemido involuntário. A mão que mantinha cobrindo o centro do
prazer feminino estava envolvida com um fogo que ele nunca
havia provocado em nenhuma mulher tão rapidamente.
Sem clemência, flexionou os dedos com delicadeza
saboreando o apaixonado calor de Eve, arrancando de seus
trêmulos lábios um grito que não era inteiramente de medo.
— Porque eu deveria parar? — Perguntou com voz rouca
enquanto a observava. — Você deseja isso, quase tanto quanto
eu.
Moveu a mão outra vez e ela voltou a gritar. Nem mesmo
contava com a frágil barreira do algodão para reduzir a
sensação de sua mão curvada de forma possessiva sobre ela,
porque a abertura de seus calções na parte onde se uniam
suas pernas a deixava exposta diante de suas espertas carícias.
Atordoada, ela agarrou o punho de Reno, tentando afastar
sua mão. Não conseguiu, porque ele era muito mais forte do
que ela.
— Você disse que pararia se lhe desse um beijo sincero. —
Insistiu entrecortadamente. — Por acaso não foi? Não foi
sincero?
O desespero na voz de Eve era inconfundível, assim como
a repentina rigidez de seu corpo e a força com que suas unhas
se afundavam em seu punho.
— Se esse beijo tivesse sido sincero, eu estaria dentro de
você agora mesmo, você estaria usando essas pequenas garras
afiadas de uma forma muito diferente e nós dois estaríamos
desfrutando ao máximo disso. — Reno apontou secamente.
— É essa a única honestidade que conhece? — Eve
perguntou. — A de uma jovem oferecendo-se a qualquer
homem que a desejar?
— Você me desejava.
— Neste instante não o desejo. Vai faltar com a sua
palavra, pistoleiro?
Reno respirou profundamente e se chamou de estúpido,
de vinte formas diferentes por desejar a bela vigarista do salão
Gold Dust. Ele acreditava que já havia sido enganado pela
maior esperta do mundo, sua noiva, da Virgínia, que o
prendera provocando-o até o limite e arrancando-lhe todo tipo
de promessas antes de permitir que ele voltasse a beijar sua
mão.
Mas quando a promessa que ela realmente desejava
escutar, uma vida estável longe do Oeste, não chegou,
Savannah abotoou seu corpete com dedos tranquilos e se
afastou dele. Naquele tempo não fora fácil controlar seu desejo,
mas havia aprendido. Teve uma boa professora.
— Não lhe prometi que pararia. — Reno a corrigiu Reno
com frieza. — Só disse que negociaríamos depois de um beijo.
Ofereça-me algo, gatinha. Ofereça-me algo tão interessante
quanto isto.
A mão de Reno a acariciou outra vez, provocando e
atormentando. A jovem tentou afastá-lo novamente, mas
parecia impossível.
— A mina. — Eve soltou de repente. — A mina de ouro dos
Lyon.
— O tesouro espanhol?
— Sim!
Reno deu de ombros e voltou a se inclinar sobre ela.
— Isso eu já ganhei, não se lembra? — Perguntou.
— Só o diário, mas não será suficiente se não conhecer o
significado dos símbolos. — Acrescentou, rapidamente.
Reno parou e a observou através de seus olhos apertados.
Pode ser que antes estivesse ansiosa por seus beijos, mas agora
ela estava desesperada para se livrar de seu contato. Ao
perceber, afastou a mão bruscamente. Não havia nada que
desprezasse mais do que uma violação.
— Que símbolos? — Perguntou cético.
— Os que o antepassado de Don Lyon gravou ao longo do
caminho que conduz até a mina para sinalizar os becos sem
saída e os perigos, além de qualquer coisa que pudesse ser de
ajuda.
Reno se afastou lentamente, deixando mais espaço para
Eve. Mas teve cuidado de não se afastar muito dela. Vira-a se
mover e era rápida, muito rápida.
— Muito bem, gatinha. Fale-me do ouro espanhol.
— Meu nome é Eve, não gatinha. — Protestou, enquanto
começava a amarrar os laços da camisa tentando se cobrir.
— Então é Eve? Deveria ter imaginado. Bem, meu nome
não é Adão; então, não tente me fazer comer nenhuma maçã.
— Pior para você. — resmungou — Dizem que minha torta
de maçã é a melhor no oeste do Mississippi e no norte da linha
de Mason a Dixon, e talvez, também, ao sul desta.
Eve acabou de abotoar a camisa com dedos que se
mostraram incomumente desajeitados. Sabia que escapara por
muito pouco e se sentia agradecida pelo fato de que o pistoleiro
que a prendera mantivesse sua palavra.
— Estou mais interessado no ouro, do que nas tortas de
maçã. — Reno replicou, deslizando um dedo com suavidade
pelo interior das coxas dela. — Recorda-se? — O gesto era
tanto uma carícia quanto uma ameaça.
— Don Lyon era descendente da pequena nobreza
espanhola. — Eve explicou rapidamente antes de olhá-lo aos
olhos, recordando-lhe sem rodeios o acordo que fizeram.
Reno retirou a mão lentamente.
— Um de seus antepassados possuia uma licença do rei
que lhe permitia procurar metais preciosos no Novo México. —
Ela continuou — E outro foi um oficial do exército espanhol
encarregado de financiar uma mina de ouro dirigida por um
sacerdote jesuíta.
— Jesuíta? Não franciscano?
— Não. Isto ocorreu antes que o rei da Espanha
expulsasse os jesuítas do Novo Mundo.
— Isso foi há muito tempo.
— A primeira entrada no diário está datada de 1550 ou
1580. — Eve esclareceu. — É difícil saber, porque a tinta esta
borrada e a página rasgada.
Quando viu que ela não continuava com sua explicação,
Reno colocou sua poderosa mão sobre seu ventre e estendeu os
dedos de forma possessiva. Foi como se estivesse calculando o
espaço do qual dispunha um bebê para crescer ali.
— Continue. — Ordenou.
Soube que sua voz soava muito profunda e muito rouca,
mas não havia nada que ele pudesse fazer para evitar, além de
tentar controlar o impulso de possuí-la, de fazê-la sua, de fazê-
la esquecer de todos os homens que conhecera antes dele.
O calor que emanava do corpo de Eve era como uma droga
que se infiltrava por sua pele e que seu sangue absorvia,
tornando cada batida de seu coração, mais difícil, recordando
que era só uma mulher disposta a conseguir o que pudesse,
usando seu corpo como isca.
Reno foi consciente rapidamente de que Eve persistia em
seu silêncio. Levantou os olhos e a viu observando-o com olhos
desafiantes.
— Vai faltar com sua palavra tão cedo? — Perguntou a
jovem.
— Furioso Reno ergueu a mão.
— Creio que deveria ser 1580. — Eve continuou.
— Melhor em 1867.
— O quê?
Sem responder, Reno ficou olhando o fino algodão da
camisa, que só servia para ressaltar, e não para esconder, os
atraentes seios.
— Reno?
Quando ele voltou a erguer os olhos, Eve temeu ter
perdido no perigoso jogo que havia começado. Os olhos dele
deixavam transparecer claramente o violento desejo que sentia
por ela.
— Estamos no verão — ele respondeu com voz rouca — de
1867, no extremo Leste das Montanhas Rochosas, e estou
tentando decidir se prefiro continuar escutando mais contos de
fadas sobre um tesouro ou tomar o que ganhei jogando as
cartas.
— Não é um conto! Está tudo no diário. Existiu um
capitão chamado de León e alguém chamado Sosa.
— Sosa?
— Sim. — Apressou-se a responder. — Gaspar de Sosa. E
um sacerdote jesuíta. E também havia um grupo de soldados.
Depois de falar, Eve observou o perigoso homem que se
mantinha sobre ela, rezando para que ele acreditasse nela.
— Estou ouvindo. — disse o pistoleiro — Aviso-a que
minha paciência está começando a se acabar, mas a escuto.
O que Reno não lhe disse é que estava escutando-a com
muita atenção. Ele tentara seguir os passos das expedições de
Espejo e Sosa mais de uma vez. Em ambas as expedições,
haviam encontrado minas de ouro e prata que foram a origem
de grandes fortunas.
— E todas aquelas minas haviam se perdido, antes de
terem suas riquezas esgotadas.
— Sosa e León tiveram a permissão para procurar e
explorar minas em nome do rei. — Eve explicou com o cenho
franzido, tentando se lembrar de tudo o que havia aprendido
dos Lyon e do velho diário. — A expedição se dirigiu para o
norte atravessando todo o território dos índios Yutah.
— Hoje em dia são conhecidos como Utes. —Reno a
corrigiu.
Sosa seguiu Espejo, que foi quem deu àquela terra o nome
de Novo México. — Ela acrescentou precipitadamente. — E
também foi ele quem chamou as rotas que uniam todas as
minas com o México, de O Velho Caminho Espanhol.
— Muito amável da parte dele escrever tudo isso em inglês
para que você pudesse entender. — Reno comentou, com tom
sarcástico.
— O que quer dizer? — Lançou-lhe um rápido olhar. —
Escreveram tudo em espanhol. Um espanhol muito estranho. É
tudo como um maldito quebra cabeças.
Reno levantou a cabeça de repente. As palavras de Eve,
em vez de seu corpo, captaram afinal toda sua atenção.
— Consegue ler velhos escritos espanhóis? — Perguntou.
— Don me ensinou a fazê-lo antes que seus olhos
piorassem até o ponto de não conseguir distinguir as palavras.
Enquanto eu lia, ele tentava se lembrar o que seu pai e seu avô
lhe contaram sobre essas passagens.
— Tudo isso não são mais do que contos de fadas.
Eve ignorou a interrupção.
— Depois, eu escrevia nas margens do diário o que Don se
lembrava.
— Ele não conseguia escrever?
— Não durante os últimos anos. Suas mãos estavam
muito endurecidas.
Inconscientemente, Eve entrelaçou seus próprios dedos,
recordando quanto sofria o casal de anciões durante o frio
inverno. As mãos de Donna não estavam muito melhor que as
de seu marido.
— Suponho que passaram muitos invernos em lugares
onde havia mais uísque que lenha para fazer um fogo. —
Comentou com voz rouca.
— Muito bem, Eve Lyon. Continue.
— Meu nome não é Lyon. Eles eram meus patrões, não
minha família.
Reno captou a mudança no tom de voz de Eve e a leve
tensão em seu corpo, e pensou se ela estaria mentindo.
— Patrões? — Repetiu.
— Eles... — Eve afastou o olhar.
Reno lhe deu o tempo suficiente para que ela se
recuperasse de suas recordações e pudesse se explicar.
— Eles me compraram em uma caravana de órfãos, em
Denver, faz cinco anos. — Acrescentou em voz baixa depois de
uma longa pausa.
Bem quando Reno abriu a boca para fazer um comentário
sarcástico sobre como seria inútil tentar enganá-lo com
histórias tristes, percebeu que Eve podia estar lhe contando a
verdade. Os Lyon realmente poderiam tê-la comprado como se
fosse um pedaço de carne.
Não seria a primeira vez que acontecia algo assim. Reno
ouvira muitas outras historias como aquela. Alguns órfãos
encontravam bons lares. Entretanto, para a maioria não era
assim. Precisavam trabalhar, e trabalhar muito duro, para
colonos ou gente da cidade que não possuiam dinheiro
suficiente para contratar ajuda, mas, possuiam comida para
alimentar mais uma boca.
Finalmente Reno assentiu com lentidão.
— Faz sentido. Aposto que suas mãos começavam a não
responder.
— Mal conseguiam embaralhar, e muito menos repartir as
cartas. Principalmente, Don.
— Eram jogadores?
Eve fechou os olhos por um instante, recordando-se da
vergonha e do medo que sentira na primeira vez que a
surpreenderam fazendo armadilhas. Estava com catorze anos e
ficara tão nervosa que as cartas escorregaram de suas mãos
quando tentava embaralhá-las. Ao recolher os naipes, um dos
homens com os quais estava jogando notou a leve aspereza que
marcava os ases, os reis e as rainhas.
— Eram jogadores profissionais. — Respondeu a jovem
com um tom apagado.
— Trapaceiros.
Eve piscou.
— Às vezes.
— Quando pensavam que podiam se dar bem. — Reno
afirmou, sem se preocupar em ocultar seu desprezo.
— Não. — Eve o corrigiu, com voz suave. — Só quando
precisavam fazer. Na maior parte das vezes os outros jogadores
estavam muito bêbados, para observar que cartas lhes eram
repartidas.
— Então, a agradável dupla de anciões a ensinou como
embaralhar e repartir fazendo armadilhas. — Reno concluiu.
— Também me ensinaram a falar e escrever em espanhol,
como montar sobre qualquer cavalo que tivesse ao meu
alcance, a cozinhar, a costurar e...
— A fazer trapaças no jogo. — Interrompeu-a. — Aposto
que a ensinaram também muitas outras coisas. Quanto eles
pediam aos homens para passar algumas horas com você?
Nada na voz ou na expressão de Reno revelava a raiva que
lhe revolvia as entranhas, diante da ideia do bonito corpo de
Eve sendo comprado por qualquer vagabundo que o desejasse e
que tivesse um punhado de moedas.
— O quê? — Perguntou assustada.
— Quanto seus patrões cobravam a um homem que
quisesse se meter debaixo das suas saias?
Por um instante, a jovem se sentiu muito chocada para
ser capaz de responder. Depois, sua mão se moveu tão rápida
que só alguns poucos homens teriam sido capazes de se
desviar do golpe.
Reno era um deles. Um segundo antes que a palma
alcançasse seu rosto, ele a agarrou pelo punho, a obrigou a se
deitar sobre o saco de dormir e a amassou debaixo do seu
poderoso corpo com um único movimento violento.
— Não volte a tentar isso, nunca. — Avisou-a com dureza.
— Sei tudo sobre mulheres de olhares inocentes que
esbofeteiam um homem quando sugere que não agem como
uma dama deveria. Na próxima vez que você me levantar a
mão, não me comportarei como um cavalheiro.
Eve emitiu um som que poderia ser tanto uma risada,
quanto um soluço.
— Um cavalheiro? Você? Nenhum cavalheiro forçaria uma
dama!
— Mas você nem é uma dama. — Reno replicou. — Você é
uma mercadoria que foi comprada em uma caravana de órfãos
e foi vendida sempre que um homem esteve interessado em
gastar um dólar.
— Nunca nenhum homem pagou para obter nada de mim.
— Gritou indignada.
— Simplesmente lhes presentou seus... favores? —
Sugeriu, com ironia. — Ficavam tão agradecidos que lhe
deixavam uma nota sobre a mesinha de noite, era isso?
— Nenhum homem nunca se meteu embaixo das minhas
saias, pagando ou sem pagar. — Declarou, com a voz gelada.
Reno rodou para um lado deixando Eve livre, mas antes
que ela pudesse se afastar, sua mão desceu até o lugar onde
um suave pelo cor de bronze protegia o centro de sua
feminilidade.
— Isso não é verdade. Eu estive debaixo das suas saias e
sou um homem. — Afirmou antes de retirar a mão.
Vá para o inferno, pistoleiro. — Eve exclamou com voz
firme, apesar das lágrimas de vergonha e de raiva que
inundavam seus olhos.
Reno viu só a raiva e pensou que o mais prudente seria
não dar as costas àquela pequena jovem de salão até que ela se
acalmasse um pouco. Eve era rápida, muito rápida, e, naquele
momento, parecia totalmente capaz de agarrar a escopeta e
esvaziar todo o carregador sobre ele.
— Está muito furiosa e seria capaz de matar, não é
verdade? — Perguntou com ar brincalhão. — Bom, não se
preocupe. Poderá suportar. Agora, continue com sua história.
Eve se manteve em silêncio enquanto o observava através
das brilhantes fendas ambarinas em que se transformaram
seus olhos.
— Se não tem vontade de falar, posso pensar em outra
coisa que possa fazer com essa pequena e rápida língua. —
Reno sugeriu, erguendo as sobrancelhas.
CAPÍTULO 4

— Sosa encontrou ouro. — Eve disse finalmente, com a


voz vibrante pela raiva. — Pagou o Quinto Real, o imposto que
o rei exigia pela extração de metais preciosos, e subornou
alguns funcionários do governo para manterem a verdade sobre
as minas em segredo.
Reno afastou os olhos das faces coradas de Eve e de seus
trêmulos lábios, sentindo algo parecido à vergonha por ser tão
duro com ela e pressioná-la daquela forma. Um segundo
depois, amaldiçoou a si mesmo por sentir algo que não fosse
desprezo pela jovem de salão que se esforçara ao máximo para
fazer com que o matassem, enquanto roubava tudo o que
avistava e saía correndo para se salvar.
— Qual era a verdade sobre as minas? — Perguntou com
aspereza, tentando se afastar de seus pensamentos.
— Os arrecadadores de impostos não possuiam
conhecimento de todas elas. Nas minas de prata, sim, e
também nas de turquesas, inclusive conheciam a existência de
duas minas de ouro. Mas não da terceira. Aquela ele guardou
só para ele.
— Continue.
Ainda que Reno já não a olhasse, Eve acreditou que, pela
primeira vez, parecia realmente interessado, e soltou um
discreto suspiro de alívio antes de continuar falando.
— Somente o filho mais velho de León conhecia a
existência da mina de ouro secreta. O conhecimento da
passagem, de geração em geração até que o diário chegasse às
mãos de Don Lyon no final do século passado. — Explicou a
jovem. — Então, já fazia tempo que os espanhóis haviam
abandonado o Oeste, o nome de León se convertera em Lyon, e
a família falava inglês em vez do espanhol.
O pistoleiro se voltou para olhar a Eve, atraído pelas
emoções mutáveis que percebia em sua voz.
— Se a família possuia uma mina de ouro, — ele
perguntou — porque Don Lyon ganhava a vida fazendo
trapaças com as cartas?
— Perderam as minas há mais de cem anos. — Limitou-se
a responder.
— Cem anos. Foi quando os jesuítas foram expulsos?
Eve assentiu.
— A família estava estreitamente ligada aos jesuítas. —
Ela continuou — Os monges os avisaram do que se aproximava
com muita antecedência para que tivessem tempo de enterrar o
ouro que haviam fundido e não conseguiram transportar.
Esconderam todos os sinais que indicavam a localização da
mina, e escaparam para o Leste através das montanhas. Não
pararam de fugir até que chegaram às colônias inglesas.
— Nenhum León tentou encontrar o ouro que deixaram
para trás? — Interessou-se o pistoleiro.
O bisavô de Don tentou, e seu avô, e também seu pai.
Nunca regressaram. — Eve encolheu os ombros. — Don sempre
desejou encontrar a mina de ouro, mas não queria morrer por
ela.
— Um homem sábio.
Ela sorriu com tristeza.
— Em alguns aspectos, sim. Na verdade, penso que era
muito nobre para este mundo.
— Um trapaceiro nobre? — Reno perguntou em tom
brincalhão.
— Porque acredita que ele fazia trapaças? Era a única
forma de ter uma oportunidade diante de homens como você.
— Um jogador que é tão ruim com as cartas, deveria
procurar outra profissão.
— Eu não me referia a isso. — Eve respondeu. — Don não
era muito forte, nem rápido para brigar com os punhos ou com
uma pistola. Também não era ganancioso para ser um bom
jogador. Era um homem amável; se portava bem com Donna e
comigo, apesar de que éramos até mesmo mais fracas do que
ele. E isso é mais do que posso dizer dos homens que conheci!
Reno ergue as sobrancelhas.
— Penso que se não tivesse me estendido uma armadilha,
eu também teria sido mais compreensivo e amável com você.
O sorriso de Eve foi tão frio quanto à água da nascente
oculta no precipício.
— Você não entende pistoleiro.
— Eu não estaria tão segura disso, jovem de salão.
Eve balançou a cabeça, fazendo com que seus escuros
cabelos caíssem como uma cascata sobre seus ombros.
— Pensei que você fosse diferente de Raleigh King, mas me
enganei. — Sua voz adquiriu um tom triste. — Não tem a
mínima ideia do que foi abrir caminho em um mundo mais
forte, mais duro e mais cruel do qual eu nunca poderei chegar
a pertencer.
— Não vai despertar a minha simpatia comparando-me
com alguém como Raleigh King.
— Não tento despertar sua simpatia.
— Pois deveria.
Eve o olhou e mordeu a língua forçando-se a reprimir as
palavras de raiva que tentavam sair de sua boca.
Não havia nada parecido a um sentimento de
compreensão nos olhos do pistoleiro naquele momento, nem na
dura linha que sua boca formava. Estava muito furioso.
Quando voltou a falar, sua voz era tão fria e distante quanto
seus gelados olhos verdes.
— Pode agradecer porque Raleigh merecia morrer. — Reno
assinalou secamente. — Se tivesse me obrigado a matar um
inocente, teria permitido que Slater a prendesse. E acredite-me,
você não teria gostado. É um foragido que não tem nada a ver
com esses nobres e amáveis homens aos quais tanto defende.
— Não pode ser pior que Raleigh King. —Eve aduziu com
voz tensa, recordando-se da noite em que havia voltado tarde
ao acampamento depois de dar um longo passeio e descobriu o
que Raleigh fizera aos Lyon. — Ninguém pode ser pior que ele.
— Aviso-a que Slater tem uma reputação com as mulheres
que é muito sórdida até mesmo para uma jovem de salão que
faz trapaças com as cartas.
— Por acaso Slater torturou alguma vez um ancião que
tentava vender um anel de ouro para pagar um remédio que
diminuía as dores de sua esposa moribunda? — Eve perguntou
rígida. — Alguma vez Slater arrancou a verdade de um ancião
arrancando-lhe as unhas uma a uma enquanto sua mulher
contemplava a cena, impotente? E depois do homem morrer,
Slater usou seu punhal contra a anciã e...?
A voz da jovem foi se enfraquecendo até mergulhar no
silêncio. Então, apertou as mãos transformando-as em punhos
e lutando para manter o controle.
— O que está dizendo? — Reno exigiu saber, em voz baixa.
— Raleigh King torturou Don Lyon até a morte para que
ele lhe dissesse onde estava escondido o anel de esmeraldas e o
diário com o mapa do tesouro. Donna tentou detê-lo, mas a
enfermidade que a consumia a deixara muito fraca para
levantar até mesmo seu pequeno revolver.
Reno entrefechou os olhos.
— Então foi assim que Raleigh soube da existência do
mapa.
Eve assentiu e continuou seu triste relato.
— Quando acabou com Don, foi atrás da sua esposa.
— Por quê? Por acaso Raleigh duvidava das palavras do
ancião?
— Não lhe importava. — Respondeu amargamente. — Ele
só queria...
Sua voz sumiu em um amargo silêncio. Não conseguia
dizer as palavras necessárias para descrever o que Raleigh
fizera a Donna Lyon.
— Não continue. — Ele pediu.
Colocou com suavidade a palma de sua mão sobre os
lábios de Eve, evitando que saíssem de sua boca as dolorosas
palavras que tentava pronunciar.
— Penso que ele e Slater estavam no mesmo nível depois
de tudo isso. — Reconheceu o pistoleiro em voz baixa.
A jovem pegou a mão de Reno e a afastou de sua boca,
apertando-a.
— Diga-me, — Eve o apressou. — Você matou Raleigh
King, certo?
O pistoleiro assentiu com a cabeça.
Ao ver seu gesto, a jovem deixou escapar um longo suspiro
e sussurrou:
— Obrigada. Não sabia como fazê-lo.
Toda a suavidade desapareceu da expressão de Reno.
— Foi por isso que me estendeu uma armadilha? —
Perguntou com dureza.
— Não lhe estendi nenhuma armadilha. Não da forma fria
e calculada que você imagina.
— Mas viu a oportunidade e a aproveitou.
A boca de Eve se endureceu.
— Sim.
— E depois pegou o prêmio e saiu correndo.
— Sim.
— Deixando-me lá para morrer.
— Não!
Reno emitiu um som que foi muito áspero para ser uma
risada.
— Estivemos perto desta vez. Quase havia conseguido.
— O quê?
— Arrancar-lhe a verdade.
— A verdade é que eu salvei sua vida. — Ela replicou.
— Salvou minha vida? — Seu tom não podia ser mais
sarcástico. — Fez tudo o que pode para que me matassem!
— Quando não ouvi nenhum disparo... — começou.
— Sentiu-se decepcionada? — Interrompeu-a.
— Virei-me para ver o que havia acontecido. — Continuou,
ignorando seu sarcasmo. — Raleigh sacou a arma, você
disparou nele, e então um homem a quem chamavam de
Steamer sacou sua pistola para atirar em você pelas costas. Ao
ver, atirei primeiro e consegui detê-lo.
De repente, Reno riu.
— É boa, gatinha. Muito boa. Esses lábios trêmulos junto
com o olhar inocente convenceriam quase a qualquer um.
Quase.
— Mas...
— Reserve esses lábios para algo melhor que mentir. —
Avisou-a, inclinando-se sobre ela uma vez mais.
— Fui eu quem disparou em Steamer! — Protestou.
— Sim, mas apontava para mim. Por isso se virou. Queria
estar totalmente convencida de que eu não a seguiria para
recuperar meus lucros.
— Não. Não foi assim. Eu...
— Pare já. — Ordenou cortante. — Está acabando com
minha paciência.
— Porque não acredita em mim?
— Porque só um estúpido acreditaria nas palavras de uma
jovem de salão que além de mentirosa é uma trapaceira.
Seus dedos se fecharam ao redor da coxa de Eve uma vez
mais. E uma vez mais, ela não foi capaz de se libertar de seu
contato.
— Não minto. — Protestou calorosamente. — Odiei toda
minha vida ser tão fraca para precisar fazer trapaças. E
lembro-o que eu era só uma empregada que não tinha escolha
sobre o tipo de trabalho que fazia, ou onde o fazia, ou o que
usava enquanto o fazia.
A voz de Eve vibrou pela raiva enquanto continuava sem
permitir que Reno a interrompesse.
— Mas você só pensa o pior de mim; — acrescentou —
assim, afirmo que você não tem nenhum problema em
acreditar nisto: sabe do que mais me arrependo sobre o que
aconteceu ontem foi de não ter deixado que Steamer atirasse
em você pelas costas!
A surpresa fez com que Reno diminuísse a pressão de
seus dedos por um instante. Foi tudo o que Eve precisou para
escapar de sua mão com uma velocidade estonteante.
Ela levantou-se com um salto, agarrou sua fina manta e,
com as mãos tremendo visivelmente, se envolveu nela
escondendo seu corpo. A raiva e a humilhação acendiam suas
faces.
Reno pensou em lhe tomar a manta. Gostaria de
contemplar as curvas de cetim e as sombras aveludadas
debaixo do velho e fino tecido de algodão de suas roupas
íntimas. Sua raiva o surpreendeu e intrigou ao mesmo tempo.
As pessoas que eram surpreendidas mentindo não reagiam
daquele modo, mas se tornavam cautelosas e desejosas de
reparar o mal.
Ao contrário, aquela jovem de salão o observava com uma
expressão cheia de fúria.
Apesar de pensar o pior daquela trapaceira, Reno
precisava reconhecer que Eve possuia coragem, e, aquilo era
algo que ele não podia deixar de admirar.
— Não vá tão rápido. — Disse o pistoleiro arrastando as
palavras. — Poderia ir embora e deixar você nas mãos de
Slater.
A jovem disfarçou a pontada de medo atravessá-la ao
pensar em Jericho Slater.
— Foi uma pena que não o matasse também. —
Sussurrou lamentando-se com uma voz mal audível.
Reno escutou. Seus ouvidos eram tão agudos, quanto
rápidas eram suas mãos.
— Não sou um matador.
Eve apertou os olhos com cautela diante da firmeza da voz
do pistoleiro.
— Eu sei.
O frio olhar verde de Reno procurou seu pálido rosto
durante um longo momento antes de assentir com a cabeça.
— Assegure-se de se lembrar. — Avisou cortante. —
Nunca volte a me estender uma armadilha para que me faça de
carrasco outra vez.
Eve assentiu.
— Vista-se. — Ordenou enquanto se levantava com
agilidade. — Podemos falar sobre a mina dos Lyon enquanto
prepara o desjejum. — Fez uma pausa. — Sabe cozinhar, não
é?
— Por acaso não é isso o que uma mulher aprende
primeiro nestas terras?
Reno sorriu, recordando-se de certa aristocrata ruiva que
não sabia nem mesmo ferver água quando se casou com Wolfe
Lonetree.
— Nem todas. — Replicou.
A inesperada diversão que se desprendia do sorriso
masculino fascinou Eve.
— Quem era ela? — Perguntou antes de pensar duas
vezes.
— Quem?
— A mulher que não sabia cozinhar.
— Uma dama da alta sociedade britânica. A coisa mais
bonita que um homem já viu; seus cabelos parecem de fogo, e
seus olhos, água marinha.
— O que aconteceu? — Interrompeu a jovem
bruscamente, pensando que os sentimentos que a percorreram
não podiam ser ciúme.
— O que quer dizer?
— Se ela era tão atraente, porque não se casou com ela?
Reno se ergueu e a olhou da sua imponente altura.
A jovem não se afastou nem um milímetro. Limitou-se a
permanecer imóvel e esperar que ele respondesse a sua
pergunta, como se não tivessem nenhuma diferença de
tamanho ou força entre ela e o homem que poderia parti-la em
dois como um raminho seco.
Naquilo, Eve lhe recordava a Jessica e a Willow. Perceber
aquilo fez Reno franzir o cenho. Nem sua irmã, nem a mulher
de Wolfe eram do tipo de mulheres que faziam trapaças,
roubavam ou trabalhavam em um salão.
— Uma bonita aristocrata como ela não aceitaria um
pistoleiro como você? — Cutucou.
— Não sou um pistoleiro. Sou um garimpeiro. Mas essa
não é a razão pela qual nunca estive entre as opções de Jessi.
— Só gostava dos cavalheiros? — Eve supôs.
Para ocultar sua irritação, Reno recolheu seu chapéu e
cobriu seus rebeldes cabelos negros com ele.
— Eu sou um cavalheiro.
A jovem deixou que seu olhar vagasse desde o extremo do
chapéu negro até a desgastada jaqueta de couro que chegava à
altura de seus quadris. Suas calças eram escuras e estavam
muito usadas, assim como suas botas. Usava umas esporas
douradas da cavalaria sem afiar. Há tanto tempo ninguém as
polia que já não havia nenhum brilho nelas.
Nada das roupas que ele usava chamava a atenção, e
aquilo incluía a culatra de seu revólver. A funda não era uma
exceção; o pistoleiro se limitava a engraxá-la para seu uso.
Em traços gerais, Reno não parecia um cavalheiro. Pelo
contrário. Apresentava o aspecto do perigoso pistoleiro que Eve
sabia que ele era, um homem envolvido em um passado
obscuro, um homem com o qual deveria se cuidar.
Mas, seus olhos..., não conseguia evitar se sentir atraída
pela luz de seus olhos; eram de uma estranha cor verde intensa
e contrastavam vivamente com a bronzeada pele de seu rosto.
Mas uma pessoa precisava estar muito perto de Reno para
descobrir o segredo que seus olhos guardavam, e ela duvidava
que muita gente chegasse a se aproximar tanto, ou que mesmo
o desejasse.
— Jessi está casada com um de meus melhores amigos. —
Esclareceu, com voz seca. — De outro modo, teria me
encantado em ter a oportunidade de cortejá-la.
— Cortejá-la. — Eve dirigiu os olhos para o amassado saco
de dormir onde conhecera pela primeira vez o sabor da paixão.
— É assim que você chama isso? — Perguntou secamente.
— Corteja-se uma mulher a qual se deseja converter em
sua esposa. Isso... — Apontou o saco de dormir com o polegar
— foi só uma pequena amassada antes do desjejum com uma
jovem de salão.
Eve empalideceu. Não conseguia pensar em nada mais
para dizer que não fossem o tipo de palavras que fariam Reno
fazer pior opinião dela do já fazia. Em silêncio, se virou para
seus alforjes, pegou uma camisa e umas calças e começou a se
afastar.
Reno estendeu a mão com assombrosa velocidade e a
agarrou pelo braço.
— Vai a algum lugar? — Perguntou.
— Mesmo as jovens de salão necessitam um pouco de
intimidade.
— Má sorte, porque não confio em perder você de vista.
— Então, acredite-me, precisarei fazer algo muito
impróprio sobre suas botas. — Replicou em tom sarcástico.
Por um instante, Reno pareceu perplexo; depois, jogou a
cabeça para trás e riu.
Eve se soltou com um puxão e avançou para um bosque
próximo enquanto as palavras de Reno a seguiam.
— Não demore ou irei buscá-la descalço.

Quando Reno retornou do bosque com mais lenha seca,


olhou com aprovação à pequena e quase invisível fogueira que
Eve fizera. A fumaça que surgia da fogueira se elevava não
mais de alguns centímetros no ar antes de se dissipar.
Deixou a lenha perto do fogo e se sentou sobre seus saltos
junto às pequenas e alegres chamas.
— Quem a ensinou a fazer este tipo de fogueira? —
Perguntou.
Eve ergueu os olhos da frigideira onde o bacon crepitava e
as tortilhas douravam com a gordura. Desde que voltara do
bosque, vestida com roupas de homem, não se dirigira ao seu
forçado companheiro de viagem, exceto para perguntas diretas;
se limitara a preparar o desjejum sob seu atento olhar.
— Que tipo de fogueira? — perguntou sem olhá-lo.
— O tipo de fogo que não atrai qualquer índio ou foragido
que esteja a oitenta quilômetros ao redor. — Reno especificou
em tom seco.
— Uma das poucas vezes em que Donna Lyon me açoitou
com uma vara, foi quando usei madeira úmida para fazer uma
fogueira. Nunca voltei a fazê-la. — Respondeu sem levantar o
olhar.
A irritação incitou Reno a continuar. Estava cansado de
que ela o fizesse se sentir como se tivesse ofendido os delicados
sentimentos de uma tímida donzela. Ela era uma vigarista,
uma ladra e uma trapaceira, não a mimada filha de pais
exigentes.
— As cabeças dos Lyon possuiam preço? — Perguntou
sem rodeios.
— Não. Se fosse assim, não teriam se preocupado em
atrair foragidos, pistoleiros e ladrões até seu fogo, não acha?
Reno emitiu um som evasivo.
— Só precisavam caçar um cervo e assá-lo, — Eve
continuou mordaz. — e esperar para roubar todo àquele que
seguisse o cheiro da carne até seu acampamento.
As duras e marcadas faces do rosto de Reno se
distenderam em um sorriso. Por um instante, pensou quanto
Willow e Jessica se divertiriam com a rápida e afiada língua de
Eve..., até o momento em que as tivesse enganado, mentido ou
roubado. Então, ele precisaria lhes explicar, e aos seus furiosos
maridos, porque se juntara a uma jovem de salão.
Alheia aos pensamentos dele, Eve tirou um pedaço de
bacon da frigideira e o colocou em um maltratado prato de
estanho.
Em silêncio, Reno precisou reconhecer que a jovem não
parecia uma vagabunda naquele momento. Seu aspecto era de
alguém abandonado a sua sorte, arrastado pelo vento,
extenuado, triste e sem forças. Suas roupas haviam pertencido
em algum momento a um jovem, porque ficavam muito
apertadas no peito e nos quadris, e muito folgadas no resto do
corpo.
— De quem você roubou essas roupas? — Sua voz soou
despreocupada.
— Pertenciam a Don Lyon.
— Deus, ele era um homem pequeno.
— Sim, era.
Reno parou ao ser surpreendido por uma ideia.
— Afirma que Raleigh King matou os Lyon, mas não vi
nenhum túmulo recente quando passei junto ao cemitério de
Canyon City.
Eve não disse nada que respondesse a pergunta que
estava implícita em seu comentário.
— Sabe pequena, mais cedo ou mais tarde, vou pegar você
em uma mentira.
— Estou cansada de que me considere uma mentirosa. —
Rebateu tensa. — Enterrei os Lyon no lugar onde havíamos
acampado.
— Quando?
— Na semana passada.
— Como?
— Com uma pá.
Com uma rapidez que assustou Eve, Reno se ergueu e
pegou uma de suas mãos. Após jogar uma rápida olhada para
a palma a soltou.
— Se manipulava as cartas tão habilmente com todas
essas bolhas arrebentadas, — comentou rígido — não gostaria
nada de jogar com você quando suas mãos estivessem curadas.
— Sem dizer nada, ela continuou preparando o desjejum.
Deveria lavá-las com sabão e água quente. — Reno
acrescentou.
Surpresa Eve ergueu os olhos.
— As tortilhas?
Reno sorriu de má vontade.
— Suas mãos. Jessi diz que lavar os ferimentos evita
infecções.
— Lavei-as antes de me deitar ontem à noite. — comentou
— Odeio estar suja.
— Usou sabão com aroma de lilás.
— Como sabe? Oh!, você viu enquanto revistava meus
alforjes.
— Não. Seus seios tinham esse cheiro.
Uma onda de calor enrubesceu as faces de Eve, enquanto
seu coração dava um salto ao recordar o contato dos lábios de
Reno sobre seus seios. Sentindo-se atordoada, deixou cair o
garfo que estava usando com o bacon e a gordura quente
salpicou no dorso de sua mão.
Antes que ela pudesse sentir a dor, Reno já estava
comprovando a gravidade da queimadura.
— Não é nada. — Afirmou depois de um momento. — Vai
arder um pouco, mas isso é tudo.
Perturbada, Eve assentiu.
Reno voltou a virar sua mão e observou uma vez mais sua
palma cheia de bolhas estouradas. Em silêncio, pegou com
delicadeza também a outra e a observou. Não havia dúvida de
que trabalhara muito duro recentemente.
— Deve ter cavado durante muito tempo para destruir
suas mãos assim.
A inesperada suavidade na voz de Reno fez com que os
olhos de Eve lhe ardessem mais que a pele que acabava de
queimar com a gordura quente. A avalanche de recordações
que a inundou, a fez estremecer. A preparação dos corpos dos
Lyon para enterrá-los e como havia cavado seus túmulos, era
algo que não esqueceria facilmente.
— Não podia deixá-los daquele jeito. — sussurrou —
Principalmente, depois do que Raleigh lhes fez... Enterrei-os
juntos. Acredita que teriam se importado por não terem
túmulos separados?
As mãos de Reno se apertaram sobre as de Eve enquanto
observava sua cabeça inclinada. A profunda compaixão que
sentia por ela era tão inesperada, quanto inoportuna. Não
importava quantas vezes lembrasse a si mesmo que não podia
confiar em uma fraude, ela continuava escorregando sob sua
concha com a mesma facilidade com que seu corpo absorvia o
perfume lilás de seu sabonete a cada respiração que dava.
Tentando controlar a reação física que a jovem provocava
nele, respirou fundo, mas não serviu para nada. Seus escuros
cabelos também cheiravam ao mesmo sabão dos seus seios.
Reno nunca mostrara grande interesse pelos perfumes, mas
suspeitava que aquele aroma de lilás o torturasse quase tanto
quanto a recordação dos mamilos de Eve endurecendo em sua
boca.
Desejava-a mais do que já desejara alguma outra mulher
que conhecera. Mas se ela descobrisse sua fraqueza,
transformaria sua vida em um inferno.
Com aquele pensamento, soltou as mãos femininas e se
afastou do fogo.
— Conte-me mais coisas de minha mina. — Ordenou
cortante.
Eve respirou profundamente e eliminou os Lyon de sua
mente, como Donna lhe havia ensinado a fazer com todas as
coisas que não podia controlar.
— Sua metade da mina. — Retificou tensa, à espera que
chegasse a explosão.
E não demorou a chegar.
— O quê? — Reno perguntou, virando-se para encará-la.
— Sem minha presença para decifrar os símbolos que
encontraremos no caminho, não será capaz de encontrar a
mina.
— Não esteja tão certa disso.
— Não tenho opção a não ser apostar em minha destreza.
— Ela replicou — E você também não. Sem minha presença
nunca encontrará o ouro. Pode ter a totalidade de nada ou a
metade da mina que me pertence por direito.
Houve aquele silêncio que precede o trovão depois que o
raio atravessa o céu até chegar a terra. Então, Reno sorriu,
mas não havia sinal de humor na fina curva de seus lábios.
— Muito bem. — Ele concordou — A metade da mina.
Aliviada, Eve soltou o ar suavemente.
— E toda a jovem. — Reno acrescentou com firmeza.
A sensação de alívio ficou enroscada na garganta de Eve,
formando um nó de angústia.
— O quê? — perguntou.
— Já me ouviu. Até encontrarmos a mina, será minha
mulher quando eu desejar e para o que eu desejar.
— Mas eu acreditava que você falava da mina, você...
— Sem mas. — Interrompeu-a com frieza. — Estou
cansado de precisar negociar pelo que já é meu. Por outro lado,
você precisa de mim, tanto quanto eu preciso de você. Não
duraria nem dois dias sozinha nesse deserto. Precisa de mim
para...
— Mas eu não sou..., eu...
— Desde já é. — Ele cortou — Agora mesmo está
procurando uma maneira de não manter sua palavra. Só uma
trapaceira faria isso.
Eve fechou os olhos.
Foi um erro. As lágrimas que estivera tentando esconder
deslizaram por baixo de seus cílios e percorreram suas pálidas
faces.
Reno a observou tentando com todas suas forças não
sentir dó, dizendo a si mesmo que aquelas lágrimas eram
simplesmente mais uma de suas armas de mulher. Ainda
assim, lhe pareceu quase impossível não se comover. Quanto
mais tempo passava com ela, mais difícil ficava se lembrar de
que ela era uma manipuladora.
Pela primeira vez em sua vida, Reno se sentiu agradecido
pelas cruéis lições que lhe ensinaram no passado sobre as
formas como uma mulher podia enganar um homem. Houve
um tempo em que teria acreditado nas lágrimas prateadas que
banhavam o rosto de Eve e em seus pálidos e trêmulos lábios.
— E então? — animou-a com aspereza. — Aceita o acordo?
A jovem olhou ao sombrio e impiedoso pistoleiro que a
observava com olhos tão duros quanto o jade, e tentou falar.
— Eu... — Sua voz falhou.
Reno esperou sem deixar de olhá-la.
— Enganei-me com você. — Eve reconheceu, depois de um
momento. — Não sou forte o bastante para lutar contra você e
ganhar, então, poderá tomar o que desejar de mim, assim como
o fariam Slater ou Raleigh.
— Nunca tomei uma mulher pela força. — Afirmou
secamente. — E nunca o farei.
Aliviada, Eve soltou o ar que estava preso.
— Verdade?
Apesar de si mesmo, Reno sentiu uma onda de compaixão
pela jovem que se erguia orgulhosa diante dele. Trapaceira ou
não, jovem de salão ou não, nenhuma mulher merecia o tipo de
tratamento que recebiam de homens como Slater ou Raleigh
King.
— Tem minha palavra. — Viu o alívio refletido nos olhos
de Eve e sorriu friamente. — Isso não quer dizer que eu não vá
tocar em você. — Ele continuou — Significa que quando a fizer
minha, e acredite, o farei, gritará de prazer, não de dor.
Um vermelho violento substituiu a palidez do rosto de Eve.
— Aceita o acordo? — Reno perguntou.
— Não me tocará, a menos que eu...
— Não a tomarei. — Corrigiu no instante. — Há uma
pequena diferença. Se não gostar deste acordo, podemos voltar
ao primeiro: ficarei com toda a mina e também com a jovem.
Escolha.
— Que amável de sua parte. — Eve resmungou, entre
dentes.
— Eu sei. Mas sou um homem razoável. Não será minha
para sempre. Só durante o tempo que levarmos para encontrar
a mina. Acordo feito?
Ela olhou para Reno durante um longo momento.
Recordou a si mesma que ele não possuia nenhum motivo para
confiar nela e muitos para não respeitá-la, e também que podia
tomar o que desejasse e ignorar seus protestos, mas, ainda
assim, estava disposto a tratá-la melhor do que teria feito
qualquer dos homens que estiveram presentes no salão Gold
Dust, se tivessem tido a mesma oportunidade.
— Acordo feito. — Ela aceitou.
Quando Eve se afastou para se encarregar do desjejum,
Reno se moveu com rapidez e sua forte mão se fechou ao redor
de um dos fracos punhos dela.
— Uma coisa mais.
— O quê? — Ela sussurrou.
— Isto.
A jovem fechou os olhos, esperando sentir o calor de sua
boca, mas, em vez disso, sentiu como o anel de Don Lyon era
deslizado de seu dedo.
— Eu guardarei o anel e as pérolas até que eu encontre
uma mulher que me queira tanto, para me colocar antes do seu
próprio bem estar. — Fez uma pausa e acrescentou em tom
sarcástico: — Ainda que esteja certo que antes, encontrarei um
barco de pedra, uma chuva sem água e uma luz que não
projete nenhuma sombra. — Guardou o anel no bolso e se
afastou. — Sele o seu cavalo. Ainda temos um longo caminho
até o rancho de Cal.
— Porque vamos lá?
— Cal conta com as provisões para o inverno que estou
levando. E diferente de algumas pessoas que conheço, quando
digo que farei alguma coisa, costumo cumprir.
CAPÍTULO 5

Além da Grande Divisão, uma enorme muralha de


montanhas mudava pouco a pouco, transformando-se em
cadeias e grupos de picos irregulares que surgiam como ondas
de pedra no infinito céu azul.
Mesmo nos final de agosto, as cimeiras estavam cobertas
de neve. Os riachos desciam velozes pelas empinadas dobras
que se formavam nas ladeiras das montanhas, uniam suas
forças nas planícies e, finalmente, desciam serpenteando pelos
longos vales como colares de diamantes líquidos sob o sol. O
verde intenso dos álamos tremulantes e os tons mais escuros
dos abetos e dos pinheiros vestiam de veludo as saias das
montanhas. Nas clareiras o verde da grama e dos arbustos
contrastava com a terra.
Quando Eve e Reno atravessaram a cavalo o primeiro
desfiladeiro que os afastava de Canyon City, encontraram
poucos rastros de homens viajando pela região, e até mesmo,
menos sinais de residentes permanentes. Abundavam os
animais selvagens e viam frequentemente os mustangs em
liberdade correndo como o vento. Acabaram se acostumando
com os penetrantes grasnidos das águias que os sobrevoavam,
e também observaram como os alces e os cervos saíam com
cautela de seus refúgios para pastarem nas margens das
clareiras. Ainda que se mostrassem desconfiados diante dos
homens, os cervos não fugiam com a mesma rapidez dos
cavalos selvagens.
Reno, no entanto se mostrava mais receoso do que
qualquer outro animal. Cavalgava como se esperasse que
fossem atacados a qualquer momento. Nunca encurtava o
caminho através de uma clareira, a não ser que precisassem se
desviar quilômetros para rodeá-la pelas margens onde o bosque
e a grama se uniam. Nunca subia até a crista de uma colina
sem parar para observar o que havia no outro lado. Somente
quando estava seguro de que não havia índios, nem foragidos
pelos arredores, se deixava ver perfilando o horizonte.
Nunca atravessava um desfiladeiro estreito se pudesse
evitar. Se aquilo parecesse impossível, conferia bem seu
revólver em sua funda e cavalgava com o rifle de repetição
sobre a sela. Frequentemente, voltava sobre seus passos,
procurava uma posição estratégica e observava durante horas
se havia algum sinal indicativo de que os estivessem seguindo.
Diferentemente da maioria dos homens, Reno cavalgava
segurando as rédeas com sua mão direita, deixando livre a
esquerda para puxar o revólver, que, mesmo dormindo não
deixava fora de seu alcance. Toda noite revisava suas armas e
comprovava que não se acumulassem nelas, a poeira do
caminho ou umidade por causa das tempestades vespertinas
que se formavam entre os picos.
Para ele, tomar aquelas precauções era algo instintivo.
Vivia sozinho naquela terra selvagem há tanto tempo que não
era mais consciente de sua habilidade na hora de prevenir
perigos, do que de sua destreza ao montar sobre a égua cor de
aço a qual chamava carinhosamente de Darla.
Eve não entendia que a égua pudesse despertar o carinho
de alguém. Era uma forte mustang com o temperamento de
uma raposa e o receio de um lobo. Se alguém que não fosse
Reno se aproximasse, baixava as orelhas colando-as à sua
cabeça e procurava um lugar onde afundar seus enormes
dentes brancos. Com seu dono, ao contrário, o animal se
desfazia em relinchos suaves e bufos de boas-vindas. E naquele
momento, estava com a cabeça levantada, as orelhas erguidas
e agitava as fossas nasais com nervosismo.
Na ensolarada pradaria, se ouviu de repente um pássaro
que encurtou o caminho por uma lateral para voar para o
bosque. O silêncio que se seguiu à retirada da ave foi total.
Eve não esperou que Reno lhe fizesse sinal indicando que
se escondesse. Tão rápida quanto o pássaro virou para um
lado, conduziu Whitefoot até a cobertura que o bosque oferecia
e esperou.
Logo, um solitário garanhão mustang se adentrou
cautelosamente na clareira. Sobre seu corpo podiam se
observar claramente os ferimentos meio curados de uma
recente luta. Inclinou o focinho no riacho e bebeu, parando a
cada poucos minutos para levantar a cabeça e sentir a brisa.
Apesar de seus ferimentos, o garanhão estava em boa forma e
parecia forte, bem a ponto de alcançar sua maturidade.
Atraída pela beleza do animal, Eve se inclinou sobre sua
sela para observá-lo melhor. O fraco rangido do couro que seu
movimento provocou, não chegou mais longe do que das
orelhas de Whitefoot e, no entanto, o garanhão percebeu sua
presença.
Finalmente, o cavalo selvagem se afastou do riacho e
começou a pastar. Não passava mais de um minuto sem que o
animal parasse, levantasse a cabeça e farejasse a brisa à
procura de inimigos. Em uma manada, suas constantes
comprovações não seriam necessárias, porque contaria com
outras orelhas, outros olhos, outros cautelosos cavalos para
farejar a brisa. Mas o garanhão estava sozinho.
Eve pensou que Reno era como aquele mustang, sempre
sozinho, preparado para a luta, receoso, sem confiar em nada e
em ninguém.
Notou um movimento às suas costas. Quando se virou
sobre a sela, viu a égua cor de aço atravessando o bosque em
sua direção.
Uma brisa rolou entre as árvores de folhas perenes,
arrancando um suspiro de seus finos ramos verdes. Whitefoot
se agitou e a jovem acariciou seu pescoço para tranquilizá-la.
— Onde estão os cavalos de carga? — Eve perguntou em
voz baixa quando Reno chegou ao seu lado.
Deixei-os atados um pouco mais longe. Farão um
escândalo se alguma coisa se aproximar silenciosamente
daquela direção.
Reno se levantou sobre os estribos e observou a pradaria.
Depois de um momento, voltou a se acomodar sobre sua sela.
— Está sozinho. — Ele confirmou em voz baixa. Depois,
seus lábios esboçaram um sorriso. — Pelo aspecto de sua pele,
eu diria que esse jovem garanhão acabou de receber sua
primeira lição sobre como tratar as éguas.
Eve olhou de modo inquisitivo para Reno.
— Se uma fêmea precisar escolher entre um velho
garanhão que sabe onde encontrar comida e um jovem cavalo
tão louco por ela que não sabe nem onde tem a cabeça, —
explicou-lhe, arrastando as palavras — escolherá, sem dúvida,
o velho garanhão.
— Uma fêmea que confiar nas promessas de todos os
garanhões jovens que não têm na cabeça outra ideia que gozar,
não sobreviveria ao inverno. — Eve afirmou.
Reno sorriu contrariado.
— Tem razão.
Eve olhou para o garanhão e depois contemplou Reno,
recordando o que havia dito quando guardou no bolso o anel de
ouro e esmeraldas que tirara de seu dedo.
— Quem era ela? — Eve perguntou.
Reno ergueu as sobrancelhas em interrogação.
— A mulher que preferiu seu próprio bem estar ao seu
amor. — Acrescentou.
A linha da mandíbula dele ficou tensa sob a barba
incipiente que crescera nos últimos dias de viagem e que o
deixava ainda mais atraente.
— O que a faz pensar que só houve uma? — Perguntou
com frieza.
— Não me parece o tipo de homem que comete duas vezes
o mesmo erro.
Reno lhe deu um cínico sorriso.
— Nisso você tem razão.
Eve esperou em silêncio, mas seus intensos olhos cor de
âmbar lhe fizeram centenas de perguntas.
— Savannah Marie Carrington. — Respondeu finalmente,
arrastando cada palavra.
A mudança em sua voz era quase palpável. Não havia
ódio, nem amor, somente um desprezo gelado.
— O que ela lhe fez? — Eve queria saber.
— Deu-me uma lição. — Respondeu, encolhendo os
ombros.
— E qual foi?
— Você deveria saber.
— O que quer dizer?
— Que você é diabolicamente boa no tipo de truques que
algumas mulheres utilizam para provocar e excitar os homens,
até que eles façam ou digam qualquer coisa para conseguir o
que desejam. — Apertou os olhos enquanto acrescentava: —
Quase qualquer coisa, mas não tudo.
— O que é que você não faria? Amá-la?
Reno soltou uma risada na qual não havia nem sinal de
humor.
— Não, isso foi à única coisa que fiz.
— E ainda a ama. — Eve afirmou.
As palavras eram uma acusação.
— Não esteja tão segura disso. — Reno respondeu, dando-
lhe uma olhada de soslaio.
— Sempre é tão intrometida?
— Curiosa. — Corrigiu no instante. — Lembra-se que sou
como uma gata?
— Sim, você é.
Reno voltou a se erguer sobre os estribos para estudar o
terreno que os rodeava. O garanhão continuava pastando com
avidez, sem se preocupar com nada que pudesse farejar ou
perceber. Os pássaros piavam por toda a clareira coberta de
grama e voavam confiantes de árvore em árvore. Nada se movia
ao longo do preguiçoso rastro que os cavalos tinham deixado
na margem do prado.
Terminando a última verificação, Reno virou Darla,
disposto a continuar sua viagem para a casa de sua irmã.
— Diga-me, o que ela queria que fizesse? Matasse alguém?
— Ela insistiu.
Ele lhe deu um duro sorriso.
— Poderia se dizer que sim.
— A quem?
— A mim.
— O quê? — Eve estranhou. — Isso não faz sentido.
Reno soltou uma blasfêmia entre dentes e olhou por cima
do ombro à jovem cujos olhos cor de âmbar e suave aroma de
lilás dominavam seus sonhos.
— Savannah queria viver em West Virginia, onde nossas
famílias possuiam granjas antes da guerra. — Explicou,
recalcando cada palavra. — Mas eu já havia descoberto o
verdadeiro Oeste. Vira lugares que nenhum homem havia
pisado, me banhara em riachos dos quais ninguém havia
bebido, havia cavalgado por caminhos que não possuiam
nome... e segurara em minhas mãos a solidez do ouro.
Imóvel, Eve o observou enquanto ele falava, assombrada
pela emoção que ele deixava transparecer na voz cheia de ricos
matizes do pistoleiro quando falava sobre as selvagens terras
do Oeste.
— Na primeira vez que a deixei para vir aqui, — Reno
continuou — senti tanto a falta dela que quase matei dois
cavalos para regressar junto a ela.
Não disse nada mais.
— Não o esperou? — Eve aventurou.
— Oh, sim. — Respondeu com voz dura. — Naqueles
tempos, eu ainda era o melhor partido que havia em centenas
de quilômetros ao redor. Veio correndo a mim com seus olhos
azuis brilhantes pelas lágrimas de felicidade.
— O que aconteceu?
Reno encolheu os ombros.
— O de sempre. Sua família organizou uma festa, fomos
dar um passeio e ela fez com que eu desejasse fazê-la minha
esposa.
As mãos de Eve ficaram tensas nas rédeas. O desprezo na
voz de Reno parecia tão brutal quanto um chicote.
— Depois, me perguntou se eu estava preparado para
formar um lar e criar cavalos nos terrenos que seu pai havia
reservado para nós junto a Stone Creek. Eu lhe pedi que se
casasse comigo e me acompanhasse ao Oeste, a uma terra
mais ampla e promissora que qualquer outra que se
encontrasse em West Virginia.
— E ela se negou.
— No início não. — Reno respondeu, lentamente. —
Primeiro, me sussurrou o bem que nos faria no futuro se eu
aceitasse viver em Stone Creek. A única coisa que eu precisava
fazer seria dizer que sim e ela faria tudo o que eu desejasse.
Faria qualquer coisa e estaria agradecida pela possibilidade de
fazê-lo.
Reno balançou a cabeça.
— Deus, deveria existir uma lei que proibisse aos
adolescentes de se apaixonarem. Mas não importa o muito que
ela tentou me enrolar, — continuou — fui inteligente o
bastante para não fazer promessas que iam contra minha
natureza. Ia para longe e voltava cheio de esperanças; e mesmo
que a cada vez demorasse mais em voltar, ela sempre
continuava me esperando...
Tirou o chapéu, jogou os cabelos para trás e voltou a
colocá-lo com um hábil puxão.
— Até que uma vez voltei e descobri que acabava de se
casar, grávida de quatro meses de um homem que contava com
o dobro de sua idade.
Ao escutar o grito de assombro de Eve, Reno se virou para
ela e deu um estranho sorriso.
— Eu também fiquei assombrado. — admitiu reticente —
Simplesmente não conseguia acreditar. Não conseguia
imaginar como o velho Murphy conseguira se enfiar debaixo
das saias de Savannah em poucos meses, quando eu a estivera
namorando durante anos sem conseguir. Assim, eu lhe
perguntei.
— E o que lhe disse?
— Que uma mulher deseja que um homem lhe ofereça
segurança e bem estar. — explicou de forma sucinta. — O
velho Murphy estava bem estabelecido. E quando o deixou bem
louco por ela, para tomar sua virgindade, aceitou se casar
porque um homem decente se casa com a jovem a que toma
sua inocência.
— Parece que acredita que o casamento seja uma
transação econômica.
— Poderíamos dizer assim. — Reno admitiu secamente. —
Mas é bom que um homem saiba como são as mulheres.
— Nem todas são como ela.
— Só conheci uma mulher em toda minha vida que se
ofereceu por amor, sem procurar nada mais em troca. — Reno
declarou com firmeza.
— Jessi, a jovem dos ardentes cabelos vermelhos e dos
olhos como gemas? — Eve perguntou.
Reno balançou a cabeça.
— Jessi prendeu Wolfe para não ser forçada a se casar
com um lorde inglês bêbado.
— Deus, é horrível — Eve murmurou.
— Wolfe pensou assim, no início. — Reno concordou,
sorrindo. — Mas, no final, mudou de opinião.
— Mas você perdoou Jessi por pensar mais em seu próprio
bem estar que no de Wolfe. — Ela apontou.
— Não era eu quem deveria perdoá-la. Era Wolfe, e o fez.
Isso é tudo o que importa.
— No entanto, você gosta de Jessi.
A raiva invadiu o pistoleiro diante da persistência dela.
Não queria pensar em Jessi e Wolfe, nem em Willow e Caleb. A
felicidade deles fazia com que Reno se perguntasse se não
estava perdendo alguma coisa, se não deveria encontrar uma
mulher e se arriscar a se queimar duas vezes com o mesmo
fogo.
Mesmo que pudesse sair escaldado novamente com a
experiência, disse a si mesmo.
O melhor seria jamais voltar a tentar.
De repente, Reno virou sua égua de forma que pudessem
se olhar de frente. Os cavalos estavam tão perto que a perna de
Reno tocava a de Eve. Antes que ela pudesse se afastar, ele
estendeu a mão e lhe tirou o chapéu deixando-o pendurado
sobre suas costas, seguro apenas pela correia que o prendia ao
queixo. Deslizou sua mão enluvada entre suas brilhantes
tranças e lhe rodeou a nuca.
— Entendo que as mulheres compensem com astúcia a
força que não possuem — admitiu aborrecido — mas o fato de
que eu entenda não quer dizer que eu goste.
Desviou o olhar dos olhos dela para seu apetitoso lábio
inferior.
— Por outro lado, — sussurrou com voz profunda — me
ocorrem vários usos muito agradáveis que se podem fazer com
as mulheres, principalmente, com uma jovem de olhos cor de
âmbar e lábios que tremem de medo ou paixão, convidando um
homem a protegê-la ou a tomá-la.
— Essa não sou eu. — Eve respondeu rapidamente.
— Não minta. Lembre-se do que sentiu debaixo do meu
corpo. Sei que está cheia de paixão.
Eve ficou sem fôlego ao contemplar o manifesto desejo que
se refletia nos olhos de Reno.
Ele sorria, lendo sua resposta no rápido pulsar que
percebia no pescoço dela.
— Pense nisso, gatinha. Eu já pensei. — Soltou Eve
bruscamente e esporeou sua égua com o calcanhar. — Vamos,
Darla. Já falta pouco tempo para chegar ao rancho de Cal.

Mesmo sendo pequenas, as chamas que dançavam com


suavidade na fogueira fascinavam Eve. Como seus
pensamentos, as chamas eram intangíveis e muito reais ao
mesmo tempo.
Ela não tivera intenção de seguir o conselho de Reno e
pensar em sua inesperada sensualidade, mas o fizera, havia
pensado naquilo e nele, e podia ser perigoso.
De repente, se ouviu o ulular de uma coruja proveniente
dos abetos que cresciam além da fogueira e Eve se assustou.
— É somente uma coruja. — Reno a tranquilizou, às suas
costas.
Ela se sobressaltou de novo e se virou.
— Importar-se-ia de não se aproximar dessa forma tão
silenciosa?
— Qualquer um que esteja sentado olhando fixamente ao
fogo da forma em que você faz, deve esperar ser surpreendido
de vez em quando.
— Estava pensando. — Disse com voz fria.
Reno se inclinou sobre a fogueira, pegou a pequena e
amassada cafeteira e se serviu com um pouco de café na taça
que segurava. Quando acabou, se sentou sobre seus saltos
junto a Eve, bebeu desfrutando do sabor do café e observou
como a luz do fogo traçava caprichosos desenhos sobre os
cabelos dela.
— Em que pensava? Uma moeda se me disser. — Disse
ele.
O calor subiu bruscamente pelas faces de Eve, já que
estivera pensando no momento em que Reno beijara seus
lábios, seu pescoço, seus seios... Era muito honesta para negar
que se sentia atraída por ele; se não fosse assim, nunca teria
aceitado o infeliz acordo que a obrigava a lhe ceder a metade da
mina.
Mas aquilo significava que se encontrava em uma situação
em que não podia confiar em si mesma. Sentia-se tensa e
desorientada, porque durante toda sua vida confiara em seus
instintos no que dizia respeito ao tratamento com outras
pessoas. Mesmo os Lyon acabaram por acreditar em seu
critério; e sempre a elogiavam por sua capacidade de ver além
da superfície de seus oponentes no jogo e de descobrir suas
verdadeiras intenções.
E também não podia esquecer que Donna Lyon a avisara,
mais de uma vez, sobre a natureza do homem e da mulher.
Um homem só deseja uma coisa de uma mulher, que não
reste a menor dúvida sobre isso. Uma vez que lhe der, será
melhor que estejam casados, ou partirá a procura de outra
estúpida na qual encontrará o que você lhe deu em nome do
amor.
— Está bem, que sejam duas moedas. — Insistiu ele
secamente.
O rubor nas faces de Eve fez com que Reno pensasse se
ela estaria pensando na única vez em que ele permitira ao seu
próprio desejo dominar seu juízo, e tentara seduzi-la.
Deus sabia que ele havia pensado muito naquilo. Quando
não estava olhando por cima do ombro a procura de sombras
que os seguissem, se dedicava a se recordar a primeira vez que
sentira o aroma de lilás e saboreado a aveludada dureza de
seus mamilos.
Mas aquilo era tudo o que fizera: pensar e recordar.
Apesar da tentação que provocavam seus acampamentos
noturnos, onde a luz do fogo o atraía e as estrelas brilhavam no
negro céu, havia resistido à tentação. Reno pressentia que os
estavam seguindo e Eve supunha um tipo de distração que
podia ser fatal, sobretudo, se fosse Slater o homem que lhes
pisava os calcanhares.
Se aquilo não fosse suficiente para esfriar seu desejo,
estava o fato de que chegariam ao seu destino no dia seguinte.
Sua consciência o estava fazendo passar mal ao pensar que
levava uma jovem de salão à casa de sua irmã.
E no entanto...
Reno se virou e olhou para a silenciosa mulher que o
observava fixamente.
— Três moedas? — ofereceu.
— Bom... Estava pensando em Donna Lyon. — Eve cedeu,
explicando a única parte de seus pensamentos que estava
disposta a revelar. — E no caso de sermos sócios.
A boca de Reno se apertou. Com um movimento do punho
lançou as últimas gotas de café que ficavam em sua taça na
escuridão, longe do fogo.
— E no ouro, não é? — replicou em tom sarcástico —
Deveria ter imaginado. Bem, falta muito para que o
encontremos.
— E continuaremos assim, a não ser que me deixe dar
uma olhada no diário do antepassado de Don Lyon. —
acrescentou.
Reno esfregou a barba incipiente que crescia em seu
queixo e manteve o silêncio.
— Por acaso teme que eu escape com o diário? — ela
continuou — Mesmo que a pobre Whitefoot usasse ferraduras,
não seria rival para sua mustang.
Reno olhou para Eve. Contra a luz da fogueira, seus olhos
eram tão claros quanto à água de uma nascente. Sem dizer
uma palavra, ele se levantou e se afastou dela. Voltou um
momento depois com o velho diário espanhol em suas mãos, se
sentou cruzando as pernas junto ao fogo e o abriu.
Quando viu que Eve não se movia, olhou-a de lado.
— Queria o diário, não? Aqui o tem.
— Obrigada. — Disse estendendo uma mão.
Reno negou com a cabeça lentamente.
— Venha pegá-lo. — Provocou.
A dureza nos olhos dele alertou Eve. Com cuidado, se
aproximou até que se encontrou sentada junto dele. Ao se
inclinar sobre seu braço e esticar o pescoço, pode ver os
borrados e inseguros traços escritos no diário.
Ao dia vinte e um do ano de 15...
As palavras que iniciavam o relato da expedição lhe eram
tão familiares, que podia ler sem esforço.
— No dia...
— Está bloqueando a luz. — Reno a interrompeu.
— Oh!, perdão.
Eve se ergueu, voltou a olhar para o livro, e fez um som de
frustração.
— Agora sou eu quem não vê.
— Tome. — Reno fechou o diário e o ofereceu.
— Obrigada.
— Não há de que. — Respondeu enquanto sorria
antecipadamente.
Antes que os dedos dela tocassem o suave couro do diário,
Reno a agarrou e a colocou sobre seu colo fazendo com que
apoiasse as costas sobre seu peito. Quando Eve tentou se
afastar, ele a impediu retendo-a naquela posição.
— Vai a algum lugar? — Perguntou.
— Assim não vejo nada. — Ela protestou.
— Prove abrindo o diário.
— O quê?
— O diário. — Insistiu zombando. — É difícil ler através
da capa.
Quando Eve tentou de novo se levantar de seu colo, ele a
reteve novamente ali com brusca facilidade.
— Disse que não a forçaria. — Recordou-lhe com voz
serena. — Mas também disse que não manteria as mãos
afastadas de você. Sou um homem de palavra. E você? Mantêm
sua palavra ou é somente uma jovem trapaceira de salão?
— Eu também cumpro a minha palavra. — Replicou
apertando os dentes.
— Demonstre-o e comece a ler. Agora ambos temos boa
luz, não acha?
Eve assentiu entre murmúrios e respirou fundo. Então,
Reno a rodeou com seus longos e musculosos braços, pegou o
diário de suas mãos e o abriu.
Eve era incapaz de ver as palavras com clareza. A única
coisa que podia pensar era no contato do poderoso corpo que a
mantinha cativa.
— Leia em voz alta. — Ordenou.
Sua voz soava tão natural como se passasse cada noite
com uma mulher lendo livros sobre seu colo.
Talvez seja assim, pensou Eve.
— Previno-a, — ele a avisou arrastando as palavras. —
que se não escutar o que me interessa, sempre posso encontrar
outra coisa para fazer que me agrade mais.
A sensual ameaça em sua voz foi inconfundível.
O dia vinte e um do ano mil e quinhentos... — Eve leu
rapidamente, esperando que Reno não notasse a irregularidade
de sua voz. — Ehh... Isto... está borrado. Não saberia dizer se o
ano é... é...
Sua voz se quebrou quando sentiu que lhe abaixava o
decote da jaqueta.
— O que está fazendo? — O calor do fôlego de Reno sobre
seu pescoço fez com que estremecesse.
— Continue lendo.
— Só diz quem autorizou...
O toque dos firmes e suaves lábios de Reno contra sua
nuca a deixou sem respiração.
— Leia.
— Não posso. Você me distrai.
— Você se acostuma. Leia.
— ... quem autorizou a expedição e quantos homens e
armas e...
As palavras de Eve foram interrompidas quando os dentes
de Reno provaram a suavidade de sua pele com cativante
delicadeza.
— Continue. — Ele sussurrou.
— ... e qual era seu objetivo.
A ponta de sua língua traçou erráticos desenhos em sua
nuca. Reno sentiu o estremecimento que a percorreu e pensou
se seria o medo ou a antecipação, o causador.
— Qual era o objetivo? — Repetiu.
Eve lembrou a si mesma que um acordo era um acordo.
Ela concordara em permitir que Reno tentasse seduzi-la. Na
época, estava segura de que não o conseguiria, mas agora
aquela segurança desmoronava com cada carícia de sua língua.
— Sabe que tentavam encontrar ouro. — Respondeu em
tom cortante.
— Não, não sei. Você tem o diário. Leia-o.
— Isso não era parte de nosso acordo.
A sensação que a boca de Reno transmitia à pele de sua
nuca fez seu coração dar um salto, enquanto a ardente sucção
e o toque de seus dentes enviavam uma labareda de fogo
selvagem através de suas veias.
Reno sentiu o calafrio que atravessou Eve, e se perguntou
uma vez mais se seria o medo ou o desejo que a fazia reagir
assim, porque vira ambas as coisas em seus olhos âmbar
enquanto a observava durante os longos dias de viagem.
Reno se moveu levemente aumentando a pressão contra
sua carne, que se endurecia com rapidez. O sabor da pele nua
de Eve e o doce peso de seus quadris entre suas coxas
supunha uma ardente tortura na qual poderia se queimar.
— Eles, os espanhóis, pensavam que também deveriam
batizar os índios. — Apressou-se a dizer, enquanto tentava se
afastar do colo dele, onde se mantinha cativa. Mas cada
movimento que fazia só servia para aumentar o íntimo contato.
De repente, ao sentir a inconfundível rigidez do corpo de
Reno sob seu traseiro, Eve ficou muito quieta.
— Sim? — Ele perguntou com voz preguiçosa.
— Sim. Diz isso aqui.
— Deixe-me ver?
Eve tentou encontrar a página, mas suas mãos não a
obedeciam, e Reno segurava o diário de forma que só lhe
permitia passar uma ou duas páginas.
— Seus dedos não me deixam. — Protestou.
Ele emitiu um gutural som interrogativo que alterou seus
nervos quase tanto quanto sentir seus lábios sobre a nuca.
— Não posso passar as páginas. — Eve insistiu.
Suas palavras se perderam em um abafado ofego, quando
a boca de Reno deslizou, provocando um sedoso toque que
percorreu sua nuca e arrepiou os pelos de seus braços.
— Então, segure seu diário. — Sugeriu com a voz rouca.
— Mas se tentar se levantar de meu colo outra vez, eu a
deitarei no chão.
Eve pegou o diário das mãos dele, que o tinha em seu
poder, e começou a passar as páginas como se sua vida
dependesse de encontrar o restante das instruções concretas à
expedição do capitão León.
Entretanto, os longos e hábeis dedos de Reno começaram
a desabotoar a jaqueta que resguardava Eve do clima das
Rochosas.
— Salvar almas. — Exclamou rapidamente — Tentavam
salvar almas.
— Creio que isso já disse.
A jaqueta começou a se abrir, permitindo que o ar frio da
noite atravessasse sua pele. Eve fechou os olhos e tentou
respirar apesar do nó que apertava sua garganta.
— Em algum lugar, ele... ele escreve sobre procurar uma
rota que lhe permitisse chegar até as missões espanholas na
Califórnia. — Apressou-se a dizer.
— Então era um explorador. — Reno sussurrou com voz
profunda. — Continue leia o que ele diz sobre territórios sem
descobrir e tesouros escondidos na escuridão.
— Começaram desde a Nova Espanha e...
Eve ofegou suavemente quando o ultimo botão de sua
jaqueta se abriu deixando passagem para a delicada urgência
de Reno. A desgastada camisa branca que ainda a cobria e que
uma vez pertencera a Don Lyon, brilhava sob a luz da fogueira
como se fosse feita de cetim.
— Não tenha medo. — Reno a tranquilizou com uma voz
em que podia se perceber uma nota de ternura. — Não vou
fazer nada que não fizemos antes.
— E pensa que isso me faz sentir melhor?
— Os espanhóis saíram de Nova Espanha. — Animou-a
que prosseguisse. — E então, o quê?
— Então, chegaram às Rochosas do Leste...
O ar lhe escapou rapidamente quando longos dedos
acariciaram levemente sua garganta, tocando a frenética
pulsação ali.
— ... ou talvez do Oeste. Não sei. Não posso...
Reno desabotoou o primeiro botão de sua camisa.
— ... não posso me recordar de onde... de onde...
Ele abriu outro botão. E depois, outro.
— O que encontraram? — Reno perguntou em voz baixa
enquanto abria a camisa. — Ouro?
Eve deixou cair o livro e tentou juntar as beiradas da
camisa. Mas era muito tarde. Reno já estava acariciando sua
pele nua, torturando seu corpo com promessas de prazer.
— Não tão rápido. Encontraram... encontraram...
A voz de Eve foi se apagando em um suave e irregular grito
quando seus seios se endureceram de repente, respondendo às
espertas carícias das mãos de Reno.
— Pare. — Suplicou com a voz alquebrada.
Mas não podia dizer se a súplica era dirigida a Reno ou a
si mesma. Um inesperado e brusco prazer se estendia por suas
veias fazendo com que desejasse que ele continuasse
atormentando seus doloridos mamilos.
— É prazer, não medo. — Ele sussurrou contra seu
pescoço. — Deixe-me que lhe mostre como seria estarmos
juntos. Nossa paixão incendiaria as montanhas.
Eve se retorceu jogando-se para um lado e caiu ao chão
enquanto se libertava da prisão das mãos de Reno.
— Não!
Durante tensos instantes, ela pensou que Reno a colocaria
novamente sobre seu colo, mas então, viu como ele deixava
escapar uma violenta exalação que também era uma maldição.
— Melhor assim. Se continuasse tocando você, eu a teria
tomado. — Encolheu os ombros. — E não quero levar a minha
amante à casa da minha irmã.
Escutar suas palavras fez com que a paixão de Eve se
esfriasse e que abotoasse a jaqueta com dedos trêmulos por
causa da raiva.
— Isso não será um problema. Nem agora nem nunca. —
Conseguiu dizer com voz gelada.
— A que se refere?
— Nunca serei sua amante.
Reno piscou diante do ressentimento que ela mostrava em
sua voz, mas tudo o que disse foi:
— Falta tão cedo com a sua palavra?
A jovem levantou a cabeça e permitiu que Reno visse a
fúria que ardia em seus olhos.
— Aceitei permitir que você tentasse me seduzir, —
admitiu com voz tensa. — mas não lhe garanti que fosse
conseguir.
— Oh!, eu conseguirei. — Afirmou arrastando as palavras.
— E você me ajudará a cada passo que dermos. Nunca terá
desfrutado mais pagando uma dívida.
O branco brilho do sorriso de Reno enfureceu Eve ainda
mais.
— Não conte com isso, pistoleiro. Nenhuma mulher pode
desejar um homem que a faz se sentir como uma prostituta.
CAPÍTULO 6

Quando chegaram ao amplo vale onde Willow e Caleb


haviam construído seu lar, Eve se surpreendeu enormemente
ao ver a mudança que se produziu em Reno. Desapareceu a
cautela dos olhos dele e o receio predatório de seu rosto,
revelando um homem relaxado e de sorriso fácil que deveria
rondar os trinta anos.
Somente a transformação em seu companheiro de viagem
foi suficiente para que o vale atraísse Eve, mas ainda havia
mais. O lugar possuia uma beleza extraordinária graças à sua
amplidão e ao fato de não se achar sufocado entre imponentes
montanhas. Um rio de cor azul prateada resplandecia bordeado
por álamos da Virgínia ao longo de todo seu percurso. E no
outro extremo do enorme e exuberante vale, um grupo de
cimeiras de montanhas se elevavam esplendorosas
contrastando com um céu azul safira.
As serpenteantes cercas que dividiam parte do vale em
pastos pareciam não ter mais de uma ou duas estações de
antiguidade. E o gado pastava placidamente enquanto Eve e
Reno passavam junto a ele, seguidos pelos três cavalos de
carga. De um pasto próximo, um avermelhado e musculoso
garanhão relinchou aos quatro ventos e galopou para os
visitantes com a cauda levantada como um estandarte.
Ao ver o garanhão se aproximar, Whitefoot balançou as
orelhas inquieta e aumentou a velocidade para passar longe.
Porém, a égua de Reno não pareceu nada nervosa e levantou a
cabeça para dedicar um entusiasmado relincho de boas-vindas
ao cavalo.
— Este ano não, Darla. — Reno lhe disse sorrindo,
enquanto continha a inquieta égua. — Você é a melhor
montaria que tive. Depois haverá tempo de sobra para que você
tenha potrinhos de Ishmael, quando eu tiver encontrado o ouro
que procuramos.
A égua mordeu o freio com ressentimento, bufou e fez uma
tentativa de atirar longe o seu cavaleiro.
Reno, rindo, suportou o desgosto do animal com a mesma
enganosa indolência que usava para outras coisas. Depois
galopou em direção à grande casa de troncos que presidia o
vale, e de onde, uma mulher vestida com uma blusa branca e
uma saia verde, saía correndo para recebê-lo.
— Matt? — Gritou ao cavaleiro que se aproximava. — É
você?
Reno freou a égua que parou entre graciosos saltos, e
respondeu com carinho:
— Se não fosse assim, seu esposo já me teria derrubado
do cavalo enquanto admirávamos seu garanhão árabe.
— Pode apostar por isso. — Caleb afirmou, enquanto saía
da casa.
— Ainda está preocupado com os comanches? — Reno
perguntou ao ver o rifle nas mãos de seu cunhado.
— Vagabundos, comanches, caçadores de ouro... Até
mesmo um grupo de nobres ingleses passou por aqui em sua
ausência. — Respondeu, encolhendo os ombros. — Isto está se
tornando um lugar muito concorrido durante o verão.
— Aristocratas ingleses, é? Elegantes aristocratas de quem
Wolfe não gosta muito.
— Jessica e ele não se encontravam aqui. — Willow
explicou. — Ainda estão em viagem.
Reno sorriu. Se ele estivesse no lugar de Wolfe, também
teria feito o mesmo. Teria levado a sua jovem esposa para
percorrer as terras selvagens e passariam o maior tempo
possível, sozinhos.
— Ouvimos que viajaram na direção Oeste, — continuou
sua irmã — para algum lugar dentro desse labirinto de cânions
de pedra. Jessi jurou que a lua de mel não acabaria até que
tivesse visto todos os lugares favoritos de Wolfe.
— Talvez me encontre com eles no deserto vermelho. —
Reno comentou. — O que há sobre Rafe? Já voltou?
Willow negou com a cabeça, fazendo seus cabelos loiros
brilharem sob a luz do sol das terras altas.
— Continua por aí, procurando um caminho através do
cânion do qual Wolfe lhe falou, e do qual se diz que é tão amplo
e profundo que só o sol pode atravessá-lo.
— De quando são essas notícias?
— Da semana passada. — A irmã dele respondeu. — Um
viajante que se encontrou com ele no Rio Verde passou por
aqui ontem.
Vinha em busca dos pãezinhos de minha esposa. — Caleb
acrescentou secamente. — Disseram-lhe que valia a pena se
desviar uns cem quilômetros para prová-los.
— Maldição. — Reno murmurou — Esperava contar com
Rafe para me acompanhar em uma pequena expedição em
busca de ouro.
Willow afastou o olhar de seu irmão e o dirigiu aos cavalos
de carga e ao magro cavaleiro que se aproximava lentamente.
— Contratou um jovem para ajuda-lo? — Perguntou.
Caleb notou no instante a mudança na expressão de seu
cunhado.
— Não exatamente. — Reno respondeu. — Ela é minha...
minha sócia.
Eve se encontrava muito perto para escutar as palavras de
Reno. Parou seu cansado cavalo junto ao dele e se encarregou
de fazer as apresentações que seu sócio, se mostrava tão
arredio em fazer.
— Meu nome é Eve Starr. — disse em voz baixa — E você
deve ser a irmã de Reno.
Willow enrubesceu antes de começar a rir.
— Oh, ora! Eu sinto senhorita Starr. Sim, sou Willow
Black, e eu deveria pensar duas vezes antes de assumir que
qualquer um que use calças seja um homem. Jessi e eu
também as usamos quando cavalgamos.
Caleb olhou à desgastada camisa e as descoradas calças
que a acompanhante de Reno vestia, e soube que nunca a teria
confundido com um rapaz. Havia alguma coisa muito feminina
na silhueta escondida pelas roídas roupas de homem, para que
pudesse se confundir.
— Sou Caleb Black. — saudou-a — Desmonte e entre em
casa. O caminho através da Grande Divisão é longo e duro para
uma mulher.
— Sim, venha comigo. — Willow a encaminhou
rapidamente. — Faz meses que não tenho uma mulher com
quem falar.
O generoso e acolhedor sorriso da irmã de Reno foi como
um bálsamo para o orgulho de Eve. Agradecida, respondeu com
um sorriso que também incluiu Caleb, um homem tão forte e
poderoso quanto Reno, mas que parecia muito mais amável,
sobretudo, quando sorria como estava fazendo naquele
momento.
— Obrigada. — respondeu — Foi uma longa viagem.
— Não fique muito cômoda. — Reno a avisou cortante
enquanto a jovem desmontava. — Nós ficaremos somente o
tempo necessário para trocar de montaria.
Caleb apertou os olhos quando percebeu a tensão oculta
sob a voz calma de seu cunhado, mas não disse nada a
respeito.
No entanto, Willow, como sempre, disse o que pensava.
— Matthew Moran, onde estão seus modos? Sem
mencionar seu juízo!
— Alguém poderia estar nos seguindo. — Tentou se
explicar — Não quero atrai-lo até aqui.
— Jericho Slater? — Supôs seu cunhado.
Reno pareceu surpreso.
— Os homens têm pouco do que falar por aqui, se não for
de outros homens. — esclareceu Caleb secamente. — Um de
meus cavaleiros tem uma... uma amiga comanche, que parecer
compartilhar seus afetos com o rastreador de Slater.
— Poucas coisas lhe escapam, não é? — Reno murmurou.
— Sim, provavelmente seja Slater.
A feroz expressão que apareceu no rosto de seu anfitrião,
fez Eve repensar rapidamente sobre a ideia do seu caráter
amável.
— E eu que pensava que tivesse se esquecido de meu
aniversário. — Caleb falou. — É muito amável de sua parte
trazer Slater até aqui para compartilhá-lo conosco. Restam
poucos tipos como ele.
Rindo suavemente, Reno balançou a cabeça e aceitou o
inevitável.
— Muito bem, Cal. Nós ficaremos para o jantar.
— Farão mais do que isso. — Willow replicou com rapidez.
— Sinto muito, Willy, — seu irmão se desculpou — mas
não podemos. Temos muito caminho para percorrer.
— Porque está com tanta pressa? — Caleb quis saber. —
Slater os segue tão de perto?
— Não.
Seu cunhado franziu o cenho diante da seca resposta.
Matt se mexeu inquieto, e pensou em qual desculpa
poderia dar para evitar dizer que se sentia muito mal por trazer
uma jovem de salão à casa de sua irmã.
— A estação está muito avançada para atravessar as
terras altas, — se desculpou — e teremos que percorrer muito
deserto antes de chegar aos Abajos.
— Aos Abajos? Escolheu explorar um grupo de montanhas
solitárias e de difícil acesso.
— Eu não. Os jesuítas. Pelo menos, creio que é para lá
que nos dirigimos. — Reno acrescentou, olhando de soslaio
para Eve.
— Acredita? — Willy perguntou confusa. — Não tem
certeza?
— Não sou muito bom com o espanhol antigo, e não sei
decifrar o código familiar particular dos antigos donos do
diário. Aí é onde... minha sócia entra no jogo.
— Oh! — Sua irmã ainda parecia confusa.
No entanto, Reno não parecia disposto a dar mais
explicações.
Caleb olhou através da pradaria à cimeira mais próxima e
observou que no alto de sua escarpada ladeira, um grupo de
álamos tremulantes parecia arder com a tocha amarelada do
outono.
— Mesmo que reste algum tempo antes que as terras
fiquem isoladas, — assinalou com voz pausada — só alguns
poucos álamos na face norte das montanhas, mudaram de cor.
Eu não apostaria que vá nevar logo.
Reno encolheu os ombros e a rigidez de seu rosto disse
mais que qualquer palavra. Não ficariam nem um minuto mais
do que o necessário no rancho.
— É a febre do ouro, não é? — Caleb comentou. — Está
impaciente por encontrá-lo. — Seu cunhado assentiu cortante.
— Deveria pensar em sua sócia. Parece um pouco esgotada por
galopar atrás do ouro de algum louco. Talvez seja prudente que
a deixe aqui para que descanse enquanto você faz um
reconhecimento do terreno.
Mesmo que nada na voz ou na expressão de Caleb,
sugerisse que ele acreditava que havia algo pouco comum em
uma mulher cavalgando sozinha, por aquelas terras selvagens,
com um homem que não era seu esposo, seu prometido ou
algum parente, Eve corou.
— O mapa é meu. — Ela afirmou.
— Não exatamente. — Seu sócio replicou no mesmo
instante.
Caleb ergueu as sobrancelhas.
— É uma historia muito longa. — Reno resmungou.
— Essas são sem dúvida as melhores. — Caleb repôs em
tom impassível.
— E requer um longo tempo contá-la, não é verdade? —
Willow perguntou.
— Willy...
— Não tente me enrolar, Matthew Moran. — Ela
interrompeu enquanto apoiava as mãos sobre os quadris e se
colocava em frente a ele para encará-lo.
— Certo, só um mom... — Reno começou.
Mas não adiantou nada.
— Mesmo se trocar de cavalos e galoparem até o pôr do
sol, — continuou, sem deixar que seu irmão falasse — não
adiantarão mais que alguns poucos quilômetros. Vocês ficam
por um tempo e se acabou. Faz muito que não tenho uma
mulher com quem conversar.
— Querida... — Seu esposo começou.
— Nisto não poderá contraria-me. — Willow se manteve
firme em sua postura. — Matt leva muito tempo vivendo
sozinho. Não possui melhores modos do que um lobo.
Entre fascinada e horrorizada, Eve contemplou como a
bela mulher que vivia naquele vale e parava em frente àqueles
dois homens enormes. O fato de seu esposo e seu irmão serem
muito mais altos e fortes do que ela, não fazia com que
mordesse a língua.
Por outro lado, Eve não achou que um dos dois homens
fosse dos que cedessem diante de alguém, e muito menos
diante de uma pessoa que pesava a metade deles e possuia um
terço de sua força.
Os dois cunhados se olharam pelo canto do olho enquanto
Willow respirava. Caleb sorriu antes de começar a rir em voz
baixa. Reno demorou um pouco mais, mas finalmente, também
cedeu diante de sua irmã caçula.
— De acordo. Ainda assim só ficaremos esta noite.
Partiremos ao amanhecer.
Willow abriu a boca para protestar, mas olhou para seu
irmão nos olhos e soube que não adiantaria nada discutir
mais.
— E só se fizer pãezinhos. — Reno acrescentou, sorrindo
enquanto desmontava.
A jovem riu e abraçou seu irmão.
— Benvindo a casa, Matt.
Ele lhe devolveu o abraço, embora, seus olhos se
escurecessem quando observou a casa e a pradaria onde
pastava o gado. Era bem-vindo, mas não era sua casa. Ele não
possuia um lar. Pela primeira vez em sua vida, aquela ideia o
inquietou.
A cozinha cheirava a pãezinhos, a cozido de carne e a torta
de maçãs que Eve insistira em preparar para o jantar. Willow
não opôs muita resistência e aceitou o fato de que a sócia de
seu irmão preferisse ser tratada como uma vizinha ou uma
amiga, em vez de uma convidada.
No entanto, Reno não se mostrou muito satisfeito ao
encontrar Eve na cozinha quando voltou, após escolher os
cavalos e preparar as provisões para partirem na alvorada do
dia seguinte. As duas mulheres trabalhavam na cozinha
enquanto conversavam como se fossem velhas amigas.
Eve se banhara e colocara o velho vestido que Reno havia
encontrado em seu alforje quando procurava coisas muito mais
valiosas. A peça estava enrugada, muito usada, mais ou menos
limpa e era evidente que fora feita com sacos de farinha. O
tecido fora lavado com sabão forte e secado ao sol tantas vezes,
que os nomes dos fabricantes dos sacos estavam borrados até
se tornarem manchas rosa e azuis, ilegíveis. O material se
encolhera com o tempo, ou Eve havia herdado o vestido, porque
lhe ficava muito justo na altura dos seios e insinuava a curva
de seus quadris.
Velho ou não, o tecido gasto fazia com que Reno desejasse
se desfazer dele para acariciar a suave pele que havia embaixo.
Mas, pelo menos, era melhor do que o vestido de seda
vermelho com o qual a vira na primeira vez. Teve receio que ela
o usasse na casa de Willow como uma forma de se vingar por
ele ter dito que nunca levaria uma amante à casa de sua irmã.
Reno não pretendera fazer o comentário como um insulto,
simplesmente expressou um fato. Respeitava e amava muito
sua irmã para levar à sua casa mulheres de má reputação.
— Oh, vá! — Willow exclamou. — Esqueci a fralda de
Ethan.
— Eu vou buscar. — Eve se ofereceu.
— Obrigada. Está no dormitório ao lado do seu.
— A jovem se virou e encontrou com o olhar de
desaprovação de Reno. Ergueu as costas, levantou o queixo e
passou em frente a ele sem dizer nada.
O frio olhar de Reno seguiu o inconsciente balanço de
seus quadris até a perder de vista. Só então dirigiu sua atenção
para seu sobrinho, ao qual sua irmã estava banhando perto do
calor da estufa da cozinha.
O bebê possuia a mesma cor de olhos do seu pai. Mesmo
não tendo ainda nem seis meses, Ethan havia crescido muito e
estendia os braços para sua mãe salpicando e batendo na água
com entusiasmo na banheira de água quente.
— Deixe-me. — Reno pediu. — Eu me encarrego dele. Você
pode se dedicar aos pãezinhos.
— Já fiz três fornadas. A última está assando agora
mesmo.
— Esses são para esta noite. Eu falava dos pãezinhos da
viagem de amanhã.
Rindo, Willow se afastou para um lado.
Reno esfregou sabão em um lenço e começou a lavar seu
sobrinho. O bebê fez um som de alegria e esticou seus
pequenos e gordinhos dedos para os cabelos de seu tio. Ele se
afastou, mas não foi muito rápido; Ethan conseguiu agarrar
uma boa mecha de cabelos e puxar.
Fazendo uma careta de dor, desenroscou os pequenos
dedos. Apesar dos puxões do bebê, Reno teve cuidado de se
libertar com suavidade da mão de seu sobrinho. Depois lhe deu
um sonoro beijo na pequena palma que fez cócegas, e ele
começou a rir quando Ethan abriu os olhos, satisfeito com seus
carinhos.
O menino gorjeou e tentou a mesma operação, mas dessa
vez, Reno já havia calculado até onde chegavam os braços do
menino e se esquivou deles com êxito.
— É incrível o tanto que cresceu desde a última vez que eu
o vi. — Disse em voz baixa ao seu inquieto sobrinho.
Ethan, em resposta, agitou os braços salpicando água por
todo lado. Willow levantou o olhar da farinha que estava
peneirando, contemplou a cara de felicidade de seu filho e
balançou a cabeça.
— Você o mima muito. — afirmou. Mas não havia sinal de
censura em sua voz.
— É um dos prazeres de minha vida. — Reno confessou.
— Isso, e seus pãezinhos.
Com um grito de alegria, Ethan se balançou sobre o peito
de seu tio.
— Acalme-se, homenzinho.
Com extremo cuidado, refreou um pouco o ímpeto do bebê
para evitar que a cozinha acabasse tão molhada e escorregadia
quanto o piso de alguns banheiros públicos.
Ethan se retorceu para tentar se libertar, mas não
conseguiu. Quando as lágrimas começavam a embaçar seus
olhos e ele ameaçava começar a chorar com força, Reno o
distraiu agarrando suas pequenas mãos, apertando a boca
contra suas palmas e soprando forte. Os sonoros ruídos
encantaram o bebê.
Ninguém percebeu que Eve permanecia na entrada da
cozinha, observando as brincadeiras do tio e sobrinho com os
olhos cheios de incredulidade e desejo. Nunca teria imaginado
que pudesse existir tanta ternura oculta sob o duro corpo de
Reno e sua letal velocidade com o revólver. O fato de vê-lo
banhando o pequeno bebê a fez sentir como se estivesse em
outro mundo, um mundo no qual era possível que até mesmo a
ternura e a força convivessem em harmonia dentro de um
mesmo homem.
— Está tão escorregadio quanto uma enguia. — Reno
protestou.
— Comece a enxaguá-lo. — Willow sugeriu sem levantar o
olhar.
Com o quê? A maior parte da água está sobre mim.
Sua irmã riu feliz.
— Espere. Tem água quente sobre a estufa. Eu lhe
alcançarei assim que acabar de peneirar esta farinha.
— Eu o farei. — Eve se ofereceu, enquanto entrava na
cozinha.
Ao ouvir a voz de Eve às suas costas, houve uma sutil
mudança na atitude de Reno, uma tensão que não fora visível
desde que chegaram à cabana.
Willow notou e se perguntou por que seu irmão se sentia
tão desconfortável com a companhia da mulher que o
acompanhava naquela dura viagem. Entre eles não havia nem
sinal da camaradagem que se poderia ter esperado entre um
casal unido por um noivado, ou por uma relação mais física.
Também não havia nada de coquete. Matt tratava sua sócia
como se ela fosse praticamente uma estranha.
Aquilo surpreendeu Willow, porque seu irmão
normalmente era educado e atento com as mulheres.
Principalmente, com aquelas que eram tão amáveis como
parecia ser a sua convidada. Além da jovem mostrar um sorriso
generoso e uma graça felina em seus movimentos, era cheia de
sensualidade.
— Obrigada, Eve. — Willow disse. — A toalha de Ethan
está sendo aquecida nesse cabide junto da estufa.
Pelo rabo do olho, Reno observou como Eve pegava a
toalha e a água quente para o bebê. Quando se inclinou, o
velho tecido do seu vestido se ajustou sobre o decote de tal
forma, que deixou descoberto o volume de seus seios.
A violenta pontada de desejo que atravessou Reno o
enfureceu. Nunca sentira tanto desejo de possuir uma mulher.
Deliberadamente, afastou os olhos dela e os dirigiu ao saudável
bebê que se movia inquieto entre suas mãos.
— A cor dos olhos dele é igual à de Caleb, mas o
inquietante olhar felino é seu, irmãzinha. — Reno afirmou,
observando Ethan.
— Eu poderia dizer o mesmo de seus olhos. — Willow
respondeu. — Meu Deus, as jovens costumavam cair rendidas
aos seus pés em West Virginia.
— Está me confundindo com Rafe.
Sua irmã bufou.
— Refiro-me aos dois. Savannah Marie parecia não saber
por qual se decidir.
Em silêncio, Eve começou a despejar um fio de água sobre
o escorregadio bebê que Reno segurava.
— O que a atraía era a granja que possuíamos e que fazia
limite com a do pai dela. — Reno comentou.
A dureza e o desprezo que se percebia na voz de seu
irmão, fizeram com que Willow levantasse a cabeça para olhá-
lo.
— Você acredita? — Perguntou cética.
— Eu sei. A única coisa que aquela jovem pensava era
encontrar um marido adequado que lhe proporcionasse o luxo
ao qual estava acostumada. Isso é o que interessa à maioria
das mulheres.
Sua irmã soltou um grunhido em protesto.
— Exceto você. — Apressou-se a acrescentar. — Você é
diferente. Sempre teve um coração tão grande que mal cabe no
peito e muito pouco juízo.
— Sinceramente, Matt. — Willow comentou séria. — Não
deveria dizer coisas assim. Quem não o conhece pode acreditar
que fala sério.
Quando Eve ergueu a cabeça, ficou presa pelos claros
olhos verdes do homem que segurava seu sobrinho. Não era
necessário que lhe dissesse nada; ela sabia que ele a incluía
entre as mulheres que pensavam em seu próprio bem-estar e
naquelas que não se importavam com o que os outros
precisassem.
O olhar de Reno lhe dizia que faria bem o levando a sério.
— Tombe a cabeça de Ethan para trás. — Eve pediu em
voz baixa.
Ele seguiu suas indicações para que ela pudesse enxaguar
os sedosos e escuros cabelos do bebê, sem deixar o sabão cair
em seus olhos.
Quando Ethan começou a protestar, Eve se inclinou sobre
ele e lhe sussurrou coisas ininteligíveis e tranquilizadoras
enquanto continuava enxaguando seus cabelos. Suas hábeis e
destras mãos logo conseguiram que sua cabeça ficasse livre do
sabão.
— Acalme-se, acalme-se, querido. Não se preocupe que o
cobrirei e secarei antes que perceba. Vê? Acabou.
Eve pegou a toalha de seu ombro, envolveu Ethan com ela
e o tirou da banheira. Depois o colocou sobre o banco da
cozinha e começou a secá-lo com habilidade. Enquanto o fazia,
puxava suavemente os dedos dos pés do pequeno e recitava
pedaços de antigas rimas nas quais não pensava desde muitos
anos.
—... e este porquinho foi comprar pão...
Ethan gorjeava encantado. O jogo dos porquinhos era um
de seus favoritos, depois da brincadeira de se esconder e voltar
a aparecer gritando uh, uh.
— ... e este porquinho comeu tudo, tudo, e tudo!
O bebê riu, assim como Eve, que o envolveu com a toalha
e o embalou entre seus braços para lhe dar um beijo.
Com os olhos fechados, absorvida nas lembranças e
sonhos, Eve se balançou de lado a lado com Ethan em seus
braços, recordando uma época que ficara para trás há anos, na
qual ansiava ter seu próprio lar, sua própria família e seu
próprio filho.
Depois de alguns minutos, Eve percebeu que a cozinha
estava muito silenciosa. Abriu os olhos e descobriu que a mãe
de Ethan lhe sorria suavemente, enquanto Reno a observava
como se nunca tivesse visto uma mulher se ocupando de um
bebê.
— Você tem muito jeito. — Willow a elogiou.
Eve colocou Ethan sobre o banco e começou a colocar a
fralda com verdadeira destreza.
— Sempre havia bebês no orfanato. — Comentou em voz
baixa. — Eu costumava fingir que eram meus... que éramos
uma família.
Willow soltou um profundo som de compaixão.
Reno apertou os olhos. Se conseguisse pensar em uma
forma de evitar que Eve contasse suas comovedoras mentiras,
o teria feito. Mas já era muito tarde. A pequena enganadora
estava falando de novo e sua irmã a escutava prestando toda
sua atenção.
— Mas havia muitas crianças no orfanato. Cada vez que
saía uma caravana, se enviavam os mais velhos para o Oeste e,
finalmente, chegou a minha vez.
— Sinto muito. — Willow disse em voz baixa. — Não
pretendia fazer você recordar de coisas desagradáveis.
Eve sorriu rapidamente à outra mulher.
— Não acontece nada. As pessoas que me compraram
foram amáveis comigo. Tive mais sorte que a maioria de meus
companheiros.
— Você foi comprada? — A voz de Willow se quebrou em
um silêncio cheio de consternação.
— Não é hora de deitar Ethan? — Reno interrompeu-as,
cortante.
Sua irmã aceitou a mudança de assunto com alivio.
— Sim. — Apressou-se a dizer. — Hoje não dormiu nada
ao meio dia.
— Posso deitá-lo? — Eve perguntou.
— Claro que sim.
Os olhos de Reno seguiram Eve de perto até que ela saiu
da cozinha, prometendo castigá-la por partir o coração da sua
compassiva irmã.
CAPÍTULO 7

O choro de Ethan foi ouvido perfeitamente da cozinha,


onde Eve e Willow estavam acabando com os pratos do jantar.
— Eu me encarrego. — Reno se ofereceu da outra sala. —
A não ser que tenha fome. Então, será coisa sua Willy.
Sua irmã riu enquanto escorria o pano.
— Fique tranquilo. Acabou de mamar faz uma hora.
A voz de Caleb chegou da longa mesa do refeitório, onde
seu cunhado e ele estavam estudando o diário do capitão León
e o do pai de Caleb, que trabalhara como topógrafo para o
exército nos anos cinquenta.
— Eve, — chamou a sua convidada — não acabou de
secar os pratos ainda? Reno e eu, estamos com muitos
problemas para compreender o seu diário.
— Já vou. — Eve respondeu.
Um momento depois, se aproximou até a mesa. Caleb se
levantou e lhe ofereceu a cadeira junto à dele.
— Obrigada. — Eve disse, sorrindo-lhe.
O sorriso de resposta de seu anfitrião fez com que seu
duro rosto parecesse ainda mais bonito.
— Não há de quê.
Reno franziu o cenho ao ver os dois, da porta do
dormitório, mas nenhum notou. Suas cabeças já estavam
inclinadas sobre os dois diários.
De má vontade, Reno entrou no quarto onde Ethan
protestava diante da injustiça de o deitarem enquanto o
restante da família ainda continuava em pé.
— Sabe o que diz aqui? — Caleb perguntou a Eve,
apontando uma página destruída.
Eve aproximou ainda mais a lâmpada, inclinou o diário e
estudou detidamente a elaborada e borrada escrita.
— Meu patrão acreditava que a abreviatura se referia a
uma cimeira que há para o noroeste com forma de sela. —
Explicou devagar.
Caleb percebeu a nota de dúvida em sua voz.
— E você acredita nisso?
— Eu acredito que se refere ao que há depois dessa.
Eve passou duas páginas e assinalou com o dedo os
estranhos sinais nas margens. Um dos símbolos estava
identificado com uma abreviatura que poderia ser a mesma que
a da outra página; ainda que as letras estivessem tão borradas
que era difícil afirmar.
— Se for assim, — Caleb comentou — Reno tem razão.
Poderia estar se referindo aos Abajos, em vez das Pratas.
Inquieto, abriu o diário de seu pai e começou a passar as
páginas rapidamente.
— Aqui. — apontou — Subindo desta direção, meu pai
escreveu que o terreno lhe recordava uma sela espanhola,
mas...
— Mas?
Caleb passou várias páginas até chegar ao mapa que
desenhara, combinando os resultados das explorações de seu
pai com os das suas próprias.
— Estas são as montanhas que os espanhóis chamavam
de As Pratas. — afirmou.
— As Pratas. — Eve repetiu em voz baixa.
— Sim. E onde há prata, normalmente também há ouro.
O entusiasmo que começou a invadir Eve se refletiu em
seu sorriso.
— Vistos a certa distância, — Caleb continuou — estes
picos se parecem também a uma sela espanhola. Mas isso se
poderia dizer de muitas montanhas.
— Realmente encontraram, nas Pratas, o mineral ao qual
devem seu nome?
— Encontrou-se prata em algum lugar desta parte da
Grande Divisão. — Seu anfitrião respondeu, encolhendo os
ombros.
— Perto?
— Ninguém sabe com certeza.
Caleb apontou vários grupos de montanhas espalhados
pelo mapa. Alguns surgiam como ilhas no deserto vermelho;
outros formavam parte das Montanhas Rochosas. Aos pés de
um dos grupos, estava marcado o rancho dos Black.
Não havia nenhuma outra marca na base do restante das
montanhas, exceto sinais interrogativos onde os antigos
caminhos espanhóis podiam ter estado estabelecidos por
séculos. Ainda assim, a terra não estava totalmente desprovida
de sinais da presença do homem. Traçadas com linhas
pontilhadas, como se fossem afluentes de um rio invisível,
supostas rotas espanholas desciam dos grupos de montanhas,
se uniam na área dos cânions e se dirigiam para o sul, à terra
a qual uma vez se chamou de Nova Espanha.
— Mas aqui, — Caleb explicou, apontando o centro da
área dos cânions. — a uma semana de viagem para o Oeste,
caravanas de mercadorias carregadas com prata deixaram
rastros na pedra que ainda podem ser vistos hoje em dia.
— Onde?
— No Colorado — Reno respondeu às suas costas. — Só
que os espanhóis o chamavam de Tizón naquela época.
Surpresa, Eve ergueu os olhos tão rapidamente que sua
cabeça quase se chocou contra a de Caleb.
Reno ficou olhando-a fixamente, com os olhos acesos por
uma raiva que fora aumentando, a cada vez que olhava do
quarto e via os cabelos escuros de Eve tocando os espessos
cabelos negros de seu cunhado, enquanto estudavam
minuciosamente os diários.
A raiva de Reno não a surpreendeu. Havia se mostrado
furioso com ela desde que Willow insistira que ficassem para
jantar e passar a noite.
O que a surpreendeu foi ver o bebê gorjeando feliz nos
musculosos braços de seu tio. De repente, percebeu que Reno
passara pouco tempo afastado de seu sobrinho nas horas em
que estavam ali.
Depois de observar a amabilidade e generosidade de
Caleb, Eve não se surpreendia com o evidente amor que Caleb
sentia por sua esposa e pelo bebê. No entanto, em um homem
como Reno, achava algo quase incrível, que a deixava
espantada a cada vez que o contemplava com Ethan e com a
irmã. Nada em seu passado a havia preparado para aquilo. Os
homens duros que conhecia usavam sua força para conseguir
seus próprios fins, sem importar o rastro de morte e sangue
que deixavam para trás.
Por azar, Reno reservava a parte mais suave de seu
caráter unicamente para sua família. Eve não tecia ilusões,
pensando que uma jovem de salão como ela pudesse desfrutar
alguma vez de seus cativantes sorrisos. Nem mesmo imaginava
poder chegar a ser o objeto do amor protetor que ele mostrava
por Willow.
Era evidente que seu companheiro de viagem estava
furioso com ela por ter se metido na casa de sua irmã e por
desfrutar da cortesia de sua família. Eve percebera que a cada
vez que erguia os olhos, via Reno observando-a com um brilho
de raiva, em seus ferozes olhos verdes.
Pelo menos, ele cuidava para que os Black não
percebessem sua raiva. Ainda que Eve estivesse convencida de
que Reno não o fazia por ela. A única coisa que ele desejava era
evitar que lhe fizessem perguntas que não queria responder
sobre jovens de salão e a presença dela, na casa de sua irmã.
— É para onde iremos? — Perguntou a Reno. — Ao rio
Colorado?
— Espero que não. — Respondeu em tom cortante. —
Ouvi que os espanhóis conheciam um atalho daqui até os
Abajos. Se isso for verdade, e o encontrarmos, economizaremos
várias semanas de viagem.
Caleb murmurou algo entre dentes sobre loucos, minas
perdidas e um labirinto de cânions que não possuiam nomes.
Alheio a tudo aquilo, Ethan se jogou à frente e tentou
alcançar o brilhante lenço que prendia o coque de Eve. Quando
não conseguiu, protestou, e o fez aos gritos.
— Hora de dormir. — Willow exclamou da cozinha.
Rapidamente, Eve desamarrou o nó que segurava o lenço
em sua cabeça e, no instante, o coque se desmanchou
formando uma bela e escura cascata sobre suas costas. Voltou
a recolher seus cabelos e os prendeu em um coque não muito
apertado. Habilmente, fez uma boneca com o lenço; a cabeça,
formada por um nó, outros dois nós formavam os braços e, por
baixo, o tecido se alargava formando uma saia.
— Aqui está querido. — Sussurrou para Ethan. — Sei
como as noites podem ser solitárias.
A mão do bebê se fechou em volta da boneca com
surpreendente força. Depois a agitou e gorjeou feliz.
Mesmo Eve pronunciando as palavras, bem baixinho, para
que só o bebê pudesse escutá-las, Reno as ouviu e apertou os
olhos enquanto procurava em seu rosto algum indício que lhe
indicasse que ela tentava despertar sua compaixão. Mas a
única coisa que observou foi a ternura que invadia a expressão
dela, sempre que Ethan a olhava e mostrava sua alegria.
Franzindo o cenho, Reno afastou os olhos e recordou a si
mesmo que todas as mulheres, mesmo as manipuladoras
jovens de salão, tinham o coração abrandado com os bebês.
Willow saiu da cozinha, pegou Ethan nos braços e se
dirigiu ao dormitório. Em seguida os gorjeios de alegria se
converteram em tristes prantos.
— Não me importo em passear um tempo pelo quarto com
ele. — Reno se ofereceu.
— Poderá fazê-lo se dentro de alguns minutos ele
continuar chorando. — Willow respondeu com firmeza.
— E se eu cantar para que ele durma?
Sua irmã riu e cedeu.
— Será melhor que se vá logo procurar o ouro, porque
deixa seu sobrinho mal acostumado.
Sorrindo, Reno se reuniu com sua irmã no quarto. Alguns
momentos mais tarde, os suaves acordes de uma bela canção
foram ouvidos por toda a casa, entoados pela firme voz de
Reno. Pouco depois, a clara voz de soprano de Willow se uniu à
dele em uma perfeita harmonia.
Eve ficou sem fôlego ao ouvi-los.
— Aconteceu-me o mesmo na primeira vez que os ouvi. —
Caleb comentou. — Seu irmão Rafe também sabe cantar.
— Imagine o que seria se sentar junto a eles na igreja...
Caleb riu.
— Algo me diz que os irmãos Moran eram mais dados a se
meterem em brigas que irem à igreja.
Eve sorriu distraidamente, mas eram as vozes que
reclamavam sua atenção. A música era um dos poucos
prazeres que podia desfrutar no orfanato, e a praticaram sob as
ordens do exigente, ainda que paciente, diretor do coro da
igreja próxima.
Com os olhos fechados, Eve começou a cantarolar para si
mesma. Não conhecia a letra que os Moran cantavam, mas a
melodia lhe era familiar. Sem perceber, Eve se uniu a eles,
deixando que sua voz se entrelaçasse na simples harmonia
criada pelos irmãos.
Após alguns minutos, a música a arrastou, fazendo-a
esquecer de onde se encontrava. Sua voz se elevou, voou quase
alcançando a nota da voz de Willow e a escura sombra da voz
de Reno, enriquecendo a ambas e fundindo-as, conseguindo
envolver a sala em uma atmosfera quase mágica.
Eve não percebeu o que fizera até que os dois irmãos
pararam de cantar, deixando que se ouvisse somente o som de
sua voz.
Quando abriu os olhos de repente, descobriu que Reno e
os Black a observavam com atenção e a cor invadiu suas faces.
— Perdoem-me. Não pretendia...
— Não seja tola. — Willow a interrompeu com suavidade.
— Onde aprendeu essa preciosa harmonia?
— O maestro do coro da igreja me ensinou.
— Poderia ensinar Caleb a tocá-la com a gaita?
— Não teremos tempo para isso. — Reno a cortou. —
Precisamos estudar os diários esta noite e partiremos manhã
com a primeira luz do dia.
Willow piscou diante da dureza da voz de seu irmão. Não
lhe passara despercebido o fato de que Reno não desejava que
Eve estivesse com sua família, e não podia imaginar qual seria
a razão de sua estranha conduta.
Porém, a expressão nos olhos de seu irmão lhe dizia que
não deveria fazer perguntas.
— Descobri onde se entrecruzam os dois diários. — Caleb
anunciou, interrompendo o incômodo silêncio.
— Perfeito. — Reno comentou.
— Não acreditava. — Caleb respondeu secamente.
— Por quê?
— Porque segundo isto, o caminho que os espera é pior do
que aquele que conduz ao inferno.
Reno agarrou a cadeira no outro lado de Eve e se sentou.
Entre os dois homens, Eve se sentiu realmente pequena.
Tendo em conta o fato de que media mais de um metro e
sessenta, a sensação era bem incomum; pois a maioria dos
homens, que conhecia, era apenas um palmo mais altos que
ela.
Tentando não tocar em nenhum dos amplos ombros que a
flanqueavam, Eve estendeu o braço para o antigo diário
espanhol.
Reno fez o mesmo. Suas mãos se chocaram e ambos a
retiraram bruscamente, murmurando uma palavra de
desculpas, no caso de Eve, e uma maldição de Reno.
Caleb olhou para o outro lado para que nenhum dos dois
pudesse ver o amplo sorriso que se desenhava em seu rosto.
Estava muito claro o que fazia com que seu cunhado estivesse
tão suscetível. Desejar intensamente uma mulher em particular
e não consegui-la, fazia homens com muito mais caráter que
Matt Moran perder os estribos.
E para Caleb era evidente que Reno desejava
intensamente possuir a sócia dele.
— Vejamos, — começou, limpando a garganta e tentando
não rir. — você disse que a expedição do capitão León chegou
de Santa Fe até Taos...
— Sim. — Eve respondeu, rapidamente.
Estendeu a mão para o diário uma vez mais com a
esperança de que não se notasse o leve tremor de seus dedos,
já que a pele ardia no lugar onde Reno a tocara.
— Algumas das primeiras expedições passaram pela serra
do Sangue de Cristo e se adentraram nas montanhas de San
Juan antes de virar para o Oeste. — Eve explicou com uma voz
cuidadosamente controlada.
Enquanto falava, ia passando páginas que mostravam
rotas em mapas desenhados por homens mortos muito tempo
atrás.
— Atravessaram as montanhas por... — Virou-se para o
diário do pai de seu anfitrião. —... aqui. Devem ter passado
muito perto deste rancho.
— Não me surpreenderia. — Caleb comentou. — Estamos
nas planícies, e só um louco iria pelas montanhas.
— Ou um homem que procura ouro. — Reno esclareceu.
— É a mesma coisa. — Seu cunhado replicou.
Reno riu. Ele e Caleb nunca estiveram de acordo sobre o
assunto de procurar ouro.
— Mas aqui o caminho fica difícil de seguir. — Eve
continuou. Debaixo de seu fino dedo, uma página do diário
espanhol mostrava como a rota principal se desfazia formando
uma rede de caminhos. — Isto significa água durante todo o
ano. — Indicou, apontando um símbolo.
Caleb pegou o diário de seu pai e começou a folheá-lo
rapidamente. Um lugar com água durante todo o ano era algo
raro nos cânions. Qualquer manancial que seu pai tivesse
descoberto estaria cuidadosamente sinalizado e marcado no
mapa.
— O que significa esse símbolo? — Reno perguntou,
apontando um canto do diário.
— Um caminho sem saída.
— E o que significa o sinal que está na frente dele? —
Voltou a perguntar.
— Não sei.
Reno deu uma olhada de lado a Eve que foi praticamente
uma acusação.
— Conte-me mais coisas sobre os outros símbolos. —
Caleb pediu, olhando alternativamente os dois diários e
assinalando um dos sinais. — Fale-me deste, por exemplo.
— Esse símbolo indica um assentamento índio, mas o que
está bem à sua direita significa que não há comida. — Eve
explicou.
— Talvez queira dizer que os índios não eram amistosos.
— Disse Caleb.
— Havia um símbolo diferente para indicar isso.
— Então, provavelmente se trate de algumas das ruínas
de pedra. — Reno sugeriu.
— O quê? — Eve perguntou.
— Cidades construídas com pedras, há séculos.
— Quem as construiu?
— Ninguém sabe. — Reno respondeu.
— Quando foram abandonadas? — Eve insistiu.
— Ninguém sabe isso também.
— Veremos algumas dessas ruínas? O que impulsionaria
os índios a deixarem de viver ali?
Reno encolheu os ombros.
— Talvez não gostassem de precisar subir ou descer um
precipício para conseguir água, caçar ou cultivar alimentos.
— O que quer dizer? — Perguntou admirada.
— A maioria das ruínas está sobre precipícios que
possuem centenas de metros de altura.
Eve piscou.
— Porque alguém construiria uma cidade em um lugar de
tão difícil acesso?
— Pela mesma razão porque nossos ancestrais construíam
castelos sobre promontórios de rochas. — Caleb respondeu
sem levantar o olhar do diário de seu pai. — Para se
defenderem.
Antes que Eve pudesse dizer algo, seu anfitrião colocou o
diário de seu pai junto ao outro e apontou uma página em cada
um deles.
— Aqui é onde os diários tomam caminhos diferentes. —
Ele anunciou.
Reno comparou rapidamente os dois mapas desenhados a
mão.
— Tem certeza? — perguntou.
— Se Eve tiver razão e esse sinal significar Caminho sem
saída, e esse outro Povoado abandonado...
— E sobre a rocha com cobertura branca? — Inquiriu
Reno, apontando o diário de Caleb. — Seu pai a menciona?
— Só ao norte do rio Chama. Ali predomina o arenito
vermelho.
— Precipícios ou estruturas formando arcos? — Reno
perguntou.
— Ambas as coisas.
— De que espessura? Encontrou talvez um tipo de rocha
argilosa extremamente fina?
— Desse tipo ele viu muita. — Seu cunhado afirmou.
— As capas eram finas ou grossas, inclinadas ou retas? —
Reno se apressou a perguntar. — Viu piçarra? Granito? Sílex?
Caleb se inclinou sobre o diário de seu pai uma vez mais.
Reno também o fez, utilizando expressões que para Eve
pareciam parte de um código. A cada minuto que passava, ia
ficando mais claro que seu companheiro de viagem não passara
todo seu tempo em tiroteios ou procurando ouro. Bem ao
contrário. Parecia que possuia amplos conhecimentos de
geologia.
Após alguns minutos, Reno deu um grunhido de
satisfação e bateu em uma página do diário espanhol com seu
dedo índice.
— É o que eu pensava. — indicou — Seu pai e os
espanhóis estavam em lados opostos do grande maciço que
sobressai entre os cânions, a partir do corpo principal do
planalto. Os espanhóis pensaram que era outro planalto
independente, mas seu pai estava certo.
Caleb observou os dois diários antes de assentir
lentamente.
— Isso significa, — Reno continuou. — que se houver uma
forma de atravessar o maciço por aqui, não precisaremos
seguir o curso do rio Colorado para seguir o rastro do capitão
León.
— Por onde quer cruzar? — Perguntou seu cunhado.
— Justamente por aqui.
Eve se inclinou à frente. O rápido coque que improvisara
depois de dar o lenço a Ethan, se desmanchou, provocando a
queda de um longo cacho, caindo sobre a mão de Reno. Os
escuros cabelos brilharam sob a luz da lâmpada como o ouro
que ele procurava por toda sua vida.
E como o ouro, Reno sentiu os cabelos de Eve frios e
suaves contra sua pele.
— Perdão. — Eve sussurrou, voltando a prender os
cabelos apressadamente.
Ele não disse nada. Não confiava em sua voz, pois sabia
que revelaria a repentina e forte aceleração que seu fluxo
sanguíneo experimentava.
— Talvez tenha razão. — Caleb reconheceu enquanto
olhava com atenção os dois diários. — Mas se estiver
enganado, — acrescentou depois de um minuto — será melhor
que reze para que tenha mais água do que se indica em ambos
os diários.
— Essa é a razão porque espero que Wolfe não se importe
em me emprestar um par de seus mustangs como cavalos de
carga.
— Tenho certeza que ele não se importará. — Caleb disse.
— E que Eve leve um bom cavalo também. A velha égua dela
não aguentará a viagem.
— Estava pensando na égua parda com uma risca no
lombo. — Reno sugeriu. — Este ano não teve nenhum
potrinho.
Seu cunhado assentiu, fez uma breve pausa e logo
afirmou sem rodeios:
— Os cavalos são o menor de seus problemas.
— Refere-se à água? — Reno aventurou.
— Esse é outro, mas não o pior.
Eve fez um som interrogativo.
— O pior problema, — Caleb continuou. — é localizar a
mina, se é que existe realmente. Ou espera encontrar um
cartaz onde diz Cave aqui?
— Maldição, não. Eu esperava um apresentador de feira
ambulante e elefantes bailarinos indicando-nos o caminho. —
Brincou, arrastando as palavras. — Agora não me venha dizer
que não será assim. Partiria o meu coração.
Seu cunhado riu e balançou a cabeça.
— Brincadeiras a parte, — comentou um momento depois
— como espera localizar o ouro?
— As minas deixam rastros na terra.
— Não conte com isso. Passaram-se duzentos anos, o
tempo suficiente para que tenham crescido árvores que
ocultem qualquer rastro da mina.
— Não me dediquei a estudar geologia para nada. — Reno
afirmou. — Sei que tipo de rochas devo procurar.
Caleb olhou para Eve.
— E você? Acredita que com as indicações desse diário
será capaz de localizar a mina?
— Se não for assim, sempre poderemos contar com as
varinhas de vidente. — Ela respondeu.
— O quê?
Eve enfiou a mão no bolso dianteiro de seu desbotado
vestido. Um momento depois, tirou um pequeno volume
envolvido em couro. Quando desenrolou o pacote, duas finas
varinhas de metal caíram sobre sua palma emitindo um som
musical.
— Refiro-me a isto. — Ela anunciou.
— São varinhas de radiestesia, espanholas. — Reno
explicou para Caleb. — Supõe-se que com elas pode-se
encontrar ouro, mas não vibram diante da presença de água ou
metais sem valor. — Dirigindo um duro olhar para Eve, lhe
perguntou: — Onde estão às outras duas?
Eve piscou confusa antes de compreender a pergunta.
— Don dizia que seus antepassados pensavam que duas
funcionariam como quatro, e que seria mais fácil usar duas.
— Maldição! — Caleb exclamou aborrecido. — Terá sorte
se encontrar barro com isso.
— O que quer dizer? — Eve perguntou.
— São muito difíceis de usar. — Reno esclareceu. — E
nunca tentei com duas. Mas está claro que são mais fáceis de
manipular que quatro. — Olhou-a e perguntou: — Usou-as
alguma vez?
— Não.
Reno estendeu a mão e Eve deixou cair as pequenas
varinhas sobre sua palma evitando tocá-lo.
— Observe bem. — Reno falou. — A ideia é manter as
varinhas unidas nos extremos aforquilhados.
— Nas pontas? — Perguntou.
— Não. Na base. Entrelaçadas, mas que possam se mover
com facilidade e reagir diante dos metais preciosos.
Eve o observou franzindo o cenho. As moscas em cada
extremo eram tão pouco profundas, que não pareciam ser de
grande ajuda para manter as varinhas unidas.
Com o máximo cuidado, Reno juntou as duas finas
varinhas de metal até que ficaram unidas na base. Respirando
com lentidão para não romper o contato, estendeu-as para Eve
para que as visse.
— Seria algo assim. — explicou — Só devem se tocar. Não
precisa exercer nenhum tipo de pressão.
— Não parece tão difícil. — Caleb comentou.
— Não, quando uma só pessoa segura as duas varinhas.
Mas não funcionam assim. É preciso duas pessoas para
manipulá-las, e cada uma deve segurar uma varinha.
Sério? — Caleb perguntou. — Dê-me uma.
Eve observou como Reno estendia uma das peças de metal
ao seu cunhado e segurava a outra. As varinhas pareciam finas
agulhas entre as grandes mãos dos dois poderosos homens.
Mãos grandes, mas não desajeitadas, pois Reno e Caleb
possuiam uma coordenação incomum.
De fato, seu anfitrião conseguiu encaixar rapidamente o
extremo de sua varinha com a de Reno. Mantê-las assim, mal
se tocando, já era mais difícil. No entanto, passou só um
momento antes que o conseguissem.
— Vê? É muito fácil. — Alardeou.
— Agora vamos dar alguns passos ao redor da mesa. —
Reno disse lentamente.
Caleb o olhou surpreso.
— Com as varinhas se tocando?
— A todo momento. Só tocando, recorde-se. Nada de
pressionar.
A única resposta de Caleb foi um grunhido. Os dois
homens se levantaram, encaixaram as varinhas e se olharam.
— Contarei até três. — Caleb anunciou. — Um... dois...
três...
Deram um passo e, no instante, as duas peças de metal se
separaram.
Na segunda vez, Caleb tentou aplicando mais pressão,
mas também não deu resultado.
Na terceira tentativa, os pequenos instrumentos de metal
se chocaram, e escorregaram afastando-se
— Maldição. — Exclamaram os dois homens em uníssono.
Caleb girou no ar a varinha sobre sua palma, várias vezes,
antes de jogá-las para Reno sem aviso.
Reno estendeu sua mão livre e agarrou a peça de metal em
pleno voo.
Fosse qual fosse o problema que os impedia de usar as
varinhas corretamente, não se tratava de falta de destreza por
parte de nenhum dos dois homens.
— Menos mal que tenha lido livros de geologia suficientes
para abastecer uma universidade, — Caleb comentou —
porque esses paus não servem para nada.
Eve estendeu o braço e pegou uma das peças de metal da
mão de Reno.
— Posso? — Perguntou com calma.
A pergunta era desnecessária, porque já colocava a ponta
aforquilhada apontando Reno. A varinha estava equilibrada
entre a palma e o polegar, e a segurava com tanta suavidade
que até um suspiro poderia fazer o metal se balançar.
Reno hesitou, mas encolheu os ombros, segurou sua
varinha como ela o fazia, e apontou descuidadamente com o
extremo forquilhado para ela.
Eve moveu a mão levemente. Os extremos se uniram, se
tocaram, e voltaram a se juntar como fariam se possuíssem um
imã.
Quando ficaram unidas, uma invisível corrente percorreu
as varinhas até chegar à pele de quem as seguravam.
Com um grito sufocado, Eve soltou sua varinha e Reno fez
o mesmo.
Caleb pegou ambas as peças de metal antes que caíssem
e, dando uma estranha olhada ao casal, devolveu-as.
— Ocorre algo? — Perguntou.
— Que desajeitada eu fui. — Eve respondeu rapidamente.
— Fiz com que se chocassem.
— Não me pareceu que foi isso. — Caleb insistiu.
Reno não disse nada. Simplesmente observou Eve com
seus olhos verdes apertados e lhe pediu:
— Deixe-me que eu tente agora.
Eve colocou sua varinha em posição e ficou quieta.
— Estou pronta.
Reno se aproximou com extrema lentidão até que as
pontas metálicas se tocaram, e finalmente, as pontas se
encaixaram.
De novo, voltaram a sentir aquelas correntes invisíveis.
Naquele momento conseguiram manter a posição, ainda
que sua respiração se tornasse pesada e acelerada; aquela
pequena mudança deveria ter sido suficiente para que as
varinhas se afastassem.
Mas não foi assim.
— Vamos tentar andar. — Reno disse.
Sua voz era incomumente profunda e estava carregada de
ricos e escuros matizes. Parecia quase como uma carícia tão
intangível e inegável como as sutis correntes que fluíam através
das varinhas espanholas, mantendo unidas duas metades de
um enigmático todo.
— Sim. — Eve sussurrou.
Então, como se fossem uma só pessoa, deram um passo à
frente.
Os extremos se entrelaçaram, mas, ainda assim, se
mantiveram unidos como se estivessem magnetizados.
Reno afastou deliberadamente a mão e, no instante, as
agulhas se separaram.
— Façamos outra vez.
De novo, as varinhas se juntaram como se estivessem
vivas e ansiosas para sentirem as frágeis correntes que as
uniam e lhes davam uma razão de ser.
— Maldição. — Reno resmungou.
Ergueu os olhos das estranhas peças de metal e os dirigiu
à mulher cujos olhos eram da cor do âmbar mais puro,
pensando como seria se afundar em seu interior, sentindo-a
estremecer tão delicada e completamente como as duas
varinhas que se tocavam, transformando-se em duas metades
entrelaçadas que se moviam com liberdade, enquanto
permaneciam unidas por correntes de fogo.
CAPÍTULO 8

Muito antes de amanhecer, Eve já estava vestida e saía da


casa sem fazer ruído. Carregada com seus alforjes e seu saco
de dormir, se dirigiu ao estábulo. Esperava encontrar Reno ali,
preparando os cavalos, já que escutara Caleb se levantar cedo e
sair da casa silenciosa, e alguns minutos depois, captara o
fraco murmúrio de vozes masculinas provenientes do estábulo.
Apesar de ter dormido pouco na noite anterior, sentia-se
muito inquieta para permanecer por mais tempo no quarto de
hóspedes dos Black. Dissera a si mesma que o que acontecia,
era que estava nervosa diante da perspectiva de começar a
procura do ouro, que tão esquivo fora com a família León.
Porém, não era o ouro que dominara os pensamentos de Eve
durante o tempo que permanecera acordada. Era a recordação
das duas varinhas de metal se tocando e pelas quais fluíam
correntes invisíveis.
Quando chegou ao seu destino, encontrou a porta do
estábulo aberta e pode ver como os dois cunhados se
encarregavam de preparar os cavalos. Um lampião pendurado
em um gancho no curral próximo, projetava uma pálida luz
dourada sobre a escuridão da noite que começava a se
desvanecer.
Enquanto se aproximava sem fazer ruído, Eve escutou
Caleb falar.
—... estão descendo e se afastando das terras altas. A
maioria está muito ocupada mudando seus acampamentos de
inverno para ser um problema, mas mantenha-se alerta. Os
guerreiros cada vez têm mais problemas com o exército e os
xamãs procuram resposta no deserto, à espera que os espíritos
os visitem.
Reno grunhiu.
— E depois tem tudo o mais. — Caleb continuou.
— Tudo o mais?
— Oh!, só creio que como amigo e cunhado, minha
obrigação é avisá-lo do que pode acontecer quando um homem
leva uma mulher como Eve para aquelas montanhas. — Disse
arrastando as palavras.
— Poupe a conversa. — Reno o interrompeu. Depois,
acrescentou secamente: — Se prender a respiração Darla, você
estará com meu joelho em sua barriga antes que possa
perceber.
Eve sorriu. Durante a viagem, descobrira que a mustang
de Reno costumava aspirar muito ar antes que a chincha
estivesse apertada, para depois deixá-lo escapar de repente, e
deixar as correias frouxas. Se Reno não percebesse o truque da
égua, teria cavalgado de cabeça para baixo mais de uma vez.
O toque de couro contra couro emitiu um brusco som
quando Reno apertou a chincha de sua égua ao máximo. O
animal bufou e deu uma patada no chão expressando seu
desgosto.
Na serenidade dos instantes prévios ao amanhecer, cada
som era percebido com uma clareza fora do normal.
— De todo modo recorde-se, — Caleb insistiu — que eu
aceitei guiar uma dama pelas montanhas de San Juan à
procura de seu irmão, e acabei me casando com ela.
— Minha irmã era outra coisa. Eve não tem nada a ver
com ela. Não se parece em nada.
— Não é tão diferente. Está claro que seus cabelos são
mais escuros que os de Willow, e que a cor de seus olhos
também é diferente, mas...
— Não me refiro a isso e você sabe. — Reno o interrompeu
cortante.
— Você me lembra um garanhão que sente pela primeira
vez o contato de uma corda. — Caleb repôs em um tom
claramente divertido.
Reno grunhiu.
Rindo alto, seu cunhado colocou uma sela de carga sobre
um pequeno cavalo castanho. A espessa crina do animal caía
sobre seus ombros e a cauda era tão longa que deixava marcas
no poeirento chão.
Outro cavalo castanho esperava pacientemente junto ao
primeiro. Os dois animais eram idênticos e inseparáveis; aonde
um ia, o outro o acompanhava.
Finalmente, também terminaram de carregar o segundo
mustang. Além das provisões habituais para uma viagem,
levavam grandes cantimploras vazias e dois pequenos barris de
pólvora amarrados em ambos os lados da sela.
Ranzinza como um garanhão recém caçado. — Caleb
continuou em tom alegre. — Wolfe passou o mesmo no
princípio, mas afinal entrou em razão; os homens inteligentes
sabem quando encontraram algo bom. — Fez uma pausa e
continuou. — Ouça-me, seja o que for que acredite que tem
agora, não pode nem mesmo comparar ao que sentirá ao ter
uma mulher.
Reno agiu como se não o tivesse escutado e deu uma
palmada na garupa da mustang cor de aço.
— Além do que, sua torta de maçã estava deliciosa. —
Caleb insistiu.
— Não. — Reno replicou em tom cortante.
— Tolices. Se não gostou, porque repetiu duas vezes?
— Maldição! Não me referia à torta.
— Então, ao que se referia? — Perguntou Caleb com
ironia.
Soltando uma maldição entre dentes, Reno passou por
baixo do pescoço de Darla e se dirigiu ao último cavalo, uma
égua castanha, com a crina e a cauda negras, e uma linha da
mesma cor sobre o lombo.
Os dois homens trabalhavam tão perto um do outro que
seus cotovelos quase se chocavam entre eles, o que tornava
mais difícil para Reno fingir que não escutava a voz grave e
despreocupada de seu cunhado. Ansioso para se por em
caminho, escovou a égua com enérgicos movimentos.
Justo naquele momento em que Eve pensou que era
seguro se aproximar ao círculo de luz que a lâmpada projetava,
Caleb começou a falar de novo.
— Willow gostou da sua sócia. Até mesmo Ethan gostou, e
já sabe como ele odeia os desconhecidos.
Reno ficou paralisado com a escova na mão. A égua bufou
e o empurrou suavemente, desejando que continuasse com a
escovação.
— É inteligente e está cheia de vida. — Caleb acrescentou.
— No princípio não será fácil mas logo...
— A égua? Talvez fosse melhor que a usasse como cavalo
de carga e que ela montasse um dos mustangs.
— Pode ser que a vida dela não tenha sido a de uma
dama, mas é perfeita para você.
— Prefiro a Dark.
Caleb riu.
— Eu pensava isso de meus dois cavalos. Depois, Willow
me mostrou que...
— Eve não é como Willow. — Reno insistiu com voz fria.
— Quanto mais resistir, pior será.
Reno disse algo cruel entre os dentes.
— Resistir não lhe fará nenhum bem, — seu cunhado o
advertiu. — mas nenhum homem que se preze se rende, sem
antes lutar.
Soprando uma maldição, Reno se virou para Caleb e disse
com voz gélida:
— Deveriam me açoitar por ter trazido essa mulher à casa
de minha irmã.
Um calafrio atravessou Eve. Sabia o que viria a seguir e
não desejava ser testemunha. Mas desejava menos ainda, que
a surpreendessem escutando às escondidas,
independentemente de que suas intenções fossem inocentes.
Começou a se afastar devagar, rezando para não fazer nenhum
ruído que a denunciasse.
— Perguntou-me como a conheci e eu evitei a pergunta. —
Reno continuou. — Bem, já me cansei de evitar responder a
isso.
— Alegro-me em ouvir isso.
— Conheci Eve em um salão de Canyon City.
O sorriso de Caleb desapareceu.
— O quê?
— Você ouviu. Estava jogando cartas no Gold Dust com
Slater e um pistoleiro chamado Raleigh King.
Reno deixou de falar, rodeou a égua e começou a escovar o
outro costado.
— E? — Caleb o animou.
— Uni-me à partida.
O único som que se escutou no minuto seguinte foi o da
escova se movendo sobre o lombo do animal. Logo, se ouviu o
fraco barulho do gado quando o amanhecer começou a roubar
as estrelas do céu.
— Continue. — Disse seu cunhado finalmente.
— Repartia as cartas e estava fazendo trapaças.
Ficaram em silêncio outra vez e por fim Caleb explodiu:
— Deus, fale de uma vez.
— Isso é o essencial.
— Maldição, Reno. Eu o conheço. Você não seria capaz de
trazer uma prostituta à casa de sua irmã.
— Disse que jogava sujo com as cartas, não que estivesse
vendendo seu corpo.
Mais um tenso silêncio, seguido pela sacudida de uma
manta ao ser colocada sobre o lombo da égua.
— Continue. — Caleb insistiu secamente.
— Quando tocou a ela repartir, me entregou uma mão
manipulada. Raleigh tentou sacar seu revólver e eu virei a
mesa impedindo-o. Eve recolheu meus lucros e saiu pela porta
de trás, deixando-me no meio de um tiroteio com Raleigh e
Slater.
— A amiga de Urso Encurvado não disse nada que Slater
estivesse morto. Só falou de Raleigh King e Steamer.
— Slater não sacou. Eles sim.
Balançando a cabeça, Caleb exclamou:
— Eve não parece uma jovem de salão.
— É uma falcatrua e uma ladra, e me estendeu uma
armadilha que poderia ter me custado a vida.
— Se qualquer homem que não fosse você me contasse
isto, pensaria que está mentindo.
Sem aviso prévio, Reno se virou e olhou além da luz da
lâmpada.
— Diga-lhe você, jovem de salão.
Eve ficou paralisada bem no momento em que dava um
passo para trás. Após uma dura luta consigo mesma, controlou
o impulso de se virar e escapar, mas não havia nada que
pudesse fazer para devolver a cor a um rosto que se tornara tão
branco quanto a neve, então, endireitou as costas e avançou
para o círculo de luz com a cabeça alta.
— Eu não sou como me descreveu. — Ela afirmou.
Reno agarrou os alforjes que ela segurava, abriu um deles
e tirou, com um puxão o vestido que ela usara em Canyon City,
de forma que ficou pendurado em seu punho como uma
condenação vermelha.
— Não tão comovedor quanto um vestido feito com sacos
de farinha, mas muitíssimo mais sincero. — Reno comentou
para Caleb.
Uma onda vermelha devolveu a cor às faces de Eve.
— Eu era a empregada de quem me comprou. —
Sussurrou com um fio de voz. — Vestia o que me davam.
— Quando a conheci jogando em Canyon City usava isto,
— afirmou, agitando o vestido diante de seus olhos — e seus
patrões já estavam mortos.
Dizendo aquilo, Reno voltou a enfiar o vestido no alforje,
pendurou as duas bolsas na cerca do curral e continuou
encilhando a égua.
— Comeu algo? — Caleb perguntou a Eve.
Ela negou com a cabeça, sem se atrever a falar por medo
que sua voz falhasse. Também não era capaz de olhar para seu
anfitrião nos olhos. Ele a acolhera em sua casa, e o que deveria
pensar dela agora que sabia a verdade, a fazia desejar
desaparecer, ou que a terra a engolisse.
— Willow já se levantou? — Continuou perguntando.
Eve voltou a negar com a cabeça.
— Não me surpreende. — Comentou seu anfitrião com
naturalidade. — Ethan tem estado de mau humor todas as
noite.
— São os dentes.
Suas palavras foram apenas um sussurro, mas Caleb as
entendeu.
Reno soltou uma maldição entre dentes que ecoou através
do silêncio do amanhecer.
— Cravo. — Eve sussurrou um minuto depois.
— Como? — Caleb perguntou.
Eve limpou a garganta com dificuldade.
— Se lhe passar um pouco de azeite de cravo nas
gengivas, ele se sentirá muito melhor.
— Eu devia chutar sua bunda por todo o estábulo, —
disse Caleb — e não estou falando de Ethan.
Reno levantou a cabeça, lançou um duro olhar ao seu
cunhado e ele o devolveu.
— Pensava que você seria a última pessoa no mundo a
cair enfeitiçado por um rosto bonito. — Reno espetou com
frieza.
Estendeu o braço por baixo da barriga da égua parda,
passou a longa correia de couro pelo aro da chincha e começou
a apertá-la com duros e rápidos, movimentos. Suas palavras
foram igualmente rápidas e duras.
— Você percorreu às Rochosas com Willow, e sabe melhor
que ninguém que ela era totalmente inocente antes de conhecê-
lo e que a única coisa que procurava em você era que a
amasse.
Ouviu-se um assovio causado pelo toque do couro contra
o couro.
— Eu percorrerei o Oeste com uma pequena trapaceira
experiente que só deseja a metade de uma mina de ouro. —
Quando colocou o estribo em seu lugar, o rangido do couro foi
como um grito no meio do silêncio. — Se encontrarmos a mina,
precisarei ir com cuidado para que ela não me roube e atire em
minhas costas, ou para que não me abandone com a esperança
de que alguém me mate como Jericho Slater. Afinal, já o fez
antes.
Da casa se ouviu o som de um triângulo de ferro ao ser
atingido por uma vara de metal quando Willow os avisou que o
desjejum estava pronto.
Reno pegou os alforjes da cerca, arrancou o saco de
dormir das mãos de uma paralisada Eve, e o prendeu atrás de
sua sela. Quando acabou, se virou sobre seus saltos, a ergueu
e a deixou cair sobre a égua.
Só então se virou para Caleb.
— Despeça-se de Willy por nossa parte.
Reno saltou sobre o lombo de sua montaria com um
destro movimento e a tocou com as esporas para que
avançasse ligeiro à passagem.
Os dois mustangs de Wolfe e a égua com a listra no lombo
os seguiram.
Ás suas costas ele ouviu a voz divertida de Caleb.
— Corra enquanto puder. Não há nada mais forte do que
uma corda de seda. Ou mais suave!

Reno sabia que os estavam seguindo. Exigiu muito dos


cavalos desde o amanhecer até o pôr do sol, cobrindo o dobro
da distância de um viajante normal, com a esperança de
esgotar os cavalos de Jericho Slater.
Naquele momento, o foragido levava vantagem porque
seus cavalos tennessee de longas pernas eram mais rápidos
que os mustangs. No deserto, as coisas mudariam
radicalmente. Os mustangs poderiam avançar mais rápido e
durante mais tempo com menos comida e água do que
qualquer cavalo que Slater tivesse.
Nem uma vez, durante as longas horas em que
cavalgaram, Eve se queixou do ritmo imposto. Na verdade, não
disse absolutamente nada a não ser para responder as poucas
perguntas diretas que Reno lhe dirigiu.
Gradualmente, sua raiva cedeu passagem para sua
curiosidade pela paisagem. A grandiosidade do território foi
preenchendo-a lentamente de paz e da embriagadora sensação
de se encontrar na borda de uma vasta terra ainda por
descobrir.
À sua esquerda se levantava um alto e irregular planalto,
coberto de pinheiros e zimbros. À sua direita, erguiam-se as
encostas ondulantes de pequenos picos crivados de árvores. E
em frente a ela, se estendia um belo vale delimitado por picos
de granito, montanhas íngremes e um imenso e hirsuto
planalto com seus precipícios de rochas pálidas.
Mesmo sem o diário para guiá-la, Eve sabia que estavam
descendo. A terra ia mudando sob os ágeis cascos dos
mustangs. O arenito havia substituído o granito e a ardósia, e
os elegantes álamos tremulantes e os densos grupos de abetos
e piceas cederam a passagem para os álamos e os zimbros.
Também surgiam grandes artemísias por todas as partes em
vez de carvalhos. As nuvens se aglomeravam nos picos,
seguidas pelos trovões, mas não caía nenhuma chuva nas
elevações mais baixas.
E acima de tudo aquilo, surgia o escuro planalto. Eve não
conseguia afastar os olhos da irregular massa de terra, porque
nunca havia visto nada igual. As plantas cresciam sobre suas
íngremes ladeiras, mas não eram suficientes para ocultar as
diferentes camadas de pedra que havia sob elas. Nenhum
riacho descia por suas abruptas encostas. Não havia sinal de
água em seus barrancos. E também as árvores não se atreviam
a afundar suas raízes no alto dos escuros platôs.
O mapa no diário espanhol dava a entender que o
planalto, tão grande quanto muitos países europeus era só o
inicio das mudanças que encontrariam. Mais adiante, as terras
altas iam descendo através de imensos degraus de rochas que
finalmente se transformavam em infinitos cânions.
Eve não conseguia ver o labirinto de pedra, mas podia
perceber seu perfil sobre o horizonte, o final do terreno
montanhoso que possuia seu início no Canyon City e se
estendia durante centenas de quilômetros.
O labirinto de pedra era uma terra de imponente aridez,
onde não fluía nenhum rio, exceto, depois de alguma
tempestade, e só muito brevemente. Ainda assim, aos pés do
cânion mais profundo havia um rio tão poderoso que era como
a própria morte: ninguém que atravessasse seus limites
regressava para falar sobre o que havia no outro lado.
Eve desejava perguntar a Reno sobre tudo o que estava
vendo. Mas não o fez. Não exigiria nada dele que não fizesse
parte do maldito acordo ao qual haviam chegado.
A ideia de precisar manter aquele acordo, de oferecer a si
mesma a um homem que a considerava uma qualquer e uma
trapaceira, gelava sua alma.
Reno acabará por perceber que está equivocado. Quanto
mais tempo estivermos juntos, mais consciente será de que não
sou como ele pensa.
Reno se virou de repente e inspecionou o caminho que
deixavam atrás, como estivera fazendo durante todo o dia. No
começo, Eve pensou que estivesse alerta, preocupado em que
ela pudesse escapar. Mas com o passar das horas foi
percebendo que deveria ter uma razão totalmente diferente.
Estavam sendo seguidos. Ela sentia aquilo instintivamente
do mesmo modo que sentia o desejo de Reno, de possui-la
quando a olhava.
Perguntou se Reno, como ela, recordava-se das duas
varinhas se tocando, unidas por correntes secretas, brilhando
diante das possibilidades desconhecidas. Nunca havia sentido
algo assim em sua vida.
Durante as longas horas de viagem, aquela recordação a
obcecara. E cada vez que aquele pensamento voltava à sua
mente, provocava calafrios de assombro e prazer que a
percorriam, diminuindo sua raiva contra Reno.
Como poderia se aborrecer com um homem que se
encaixava de corpo e alma com ela?
Ele sentiu tão claramente quanto eu. Não pode acreditar
que eu seja melhor que meu barato vestido vermelho. Quando
deixar sua teimosia de lado reconhecerá que se engana comigo.
Aquela ideia a atraía tanto quanto a possibilidade de que
teria ouro em algum lugar daquelas terras selvagens,
esperando ser descoberto por alguém muito corajoso e louco
para se aventurar no perigoso labirinto de pedra.
De repente, seus pensamentos foram interrompidos pela
dura voz de Reno.
— Espere aqui.
Ele não disse nada mais. Também não foi preciso.
Eve parou a sua cansada montaria, agarrou as rédeas dos
cavalos de carga e observou como Reno se afastava sem
perguntar-lhe aonde iria, nem para quê. Limitou-se a esperar
sua volta com uma paciência que era fruto do esgotamento. A
sua volta, as últimas cores do dia desapareciam do céu,
deixando caminho à penumbra.
Já era bem entrada a noite quando Reno reapareceu tão
silencioso quanto um espectro. Os cavalos estavam muito
ocupados comendo da escassa vegetação para se preocuparem
em dar as boas-vindas ao seu companheiro de viagem. A égua
de Reno pensou o mesmo sobre desperdiçar energia em
cerimônias, e tão rapidamente quanto seu cavaleiro o permitiu,
começou a pastar com a ânsia de um mustang que havia
crescido roubando sua própria comida.
Reno esperou que Eve lhe perguntasse onde estivera e o
que fizera. Quando notou que não o faria, apertou sua boca
irritado.
— Ainda está zangada?
— Porque deveria se importar com o que sente uma
trapaceira jovem de salão? — Perguntou, cansada.
Eve fingiu não ter escutado a palavra que ele sussurrou
entre dentes enquanto desmontava.
Depois de desencilhar Dark com movimentos rápidos e
cheios de raiva, e ter deixado a sela em posição vertical sobre o
chão para permitir que a parte interior pudesse secar, Reno se
virou para encarar Eve.
— Não consigo entender porque as mulheres se aborrecem
tanto quando um homem diz o que pensa delas. — Exclamou
cortante.
Eve estava muito esgotada para ser prudente ou educada.
— Eu sim, posso compreender como um obcecado cheio
de luxúria, que por sua vez é teimoso, cego, grosseiro e frio
como você pode se sentir assim. — Respondeu.
O silêncio que se seguiu foi tenso e carregado de
significado antes que Reno risse alto.
— Não se preocupe, esta noite está a salvo de mim. — Eve
lhe deu uma receosa olhada de lado. — Pode ser que eu seja
um obcecado, cheio de luxúria, mas não sou estúpido.
Enquanto Slater nos seguir os passos, não permitirei que me
flagrem com as calças abaixadas.
Eve repetiu a si mesma que não estava decepcionada por
não sentir as perturbadoras carícias de Reno naquela noite,
nem em nenhuma das seguintes. Seria melhor assim.
Um homem só deseja uma coisa de uma mulher, que não
reste a menor dúvida sobre isso. Uma vez que lhe dê, será
melhor que estejam casados, ou partirá à procura de outra
estúpida na qual encontrará o que você lhe deu em nome do
amor.
Nem mesmo os ecos do amargo conselho de Donna Lyon
podiam evitar que Eve recordasse a ternura que Reno
demonstrara com seu sobrinho e sua irmã, e que chegara a
emocioná-la.
Ao longo do dia, se descobrira observando-o enquanto
cavalgava, adquirindo uma estranha sensibilidade aos
pequenos detalhes de seu corpo, a forma de suas mãos, a
amplitude de seus ombros, a forte mandíbula...
Intuía que ele era o homem forte e terno com o qual
sempre sonhara. Um homem com quem pudesse formar um
lar, um refúgio seguro contra um mundo ao qual não
importava se ela vivia ou morria. Um homem que ao abraçá-la,
a fizesse sentir que estava em casa.
Perceber o tanto que desejava Reno a assustou. Diferente
das varinhas espanholas, ela não era feita de ferro. A elas não
fariam mal as misteriosas correntes que as uniam. Entretanto,
Eve duvidava que ela pudesse ser tão afortunada se deixasse se
levar pelo complexo e inesperado desejo que sentia por Reno.
Com aquele pensamento, desmontou apressadamente.
Mas antes que pudesse libertar a égua da sela, Reno rodeou
sua cintura com o braço e a apertou contra si. Foi então que
ela pode sentir a dureza de seu corpo. Ao ficar consciente da
rígida ereção que se apertava contra seus quadris, ficou sem
respiração.
—Garanto-lhe que não sou absolutamente frio. — Reno
sussurrou em seu ouvido. — Quando estou perto de você, ardo
sem controle.
No silêncio que se seguiu, Reno se dedicou a seduzi-la.
Primeiro foram seus lábios que brincaram com sua sensível
orelha, depois, utilizou a ponta de sua língua e, finalmente, os
dentes. A contenção de suas carícias não combinava com sua
dura excitação.
A combinação do intenso desejo masculino e, igualmente
intenso controle, desarmava e atraía Eve, ao mesmo tempo.
Nunca conhecera um homem forte que se contivesse quando se
tratava de tomar o que desejava.
Mas Reno era diferente de qualquer homem que ela
conhecera antes.
Com o tempo se dará conta de que não sou a mulher que
ele acredita.
A ideia era muito atraente. Eve desejava que Reno a
olhasse e visse nela alguém a quem respeitar e em quem
pudesse confiar, uma mulher com quem pudesse criar um lar e
compartilhar uma vida.
Uma mulher a quem ele pudesse amar.
Talvez quando notar que mantenho minha palavra, também
me olhará com algo mais que não seja desejo, pensou. E talvez,
talvez...
Se não tentar, não saberei nunca.
Apostas sobre a mesa. Uma mão de cinco cartas. Posso ter
uma sequência da cor dos corações ou ficar com um único
coração solitário e inservível.
Devo me arriscar ou abandonar a partida.
Quando Reno sentiu o sutil relaxamento do frágil corpo
que segurava entre seus braços, permitiu que o desejo e o alívio
percorressem o seu. Ele não pretendia que Eve escutasse sua
conversa nos estábulos. A última coisa que desejava era feri-la
quando deixou claro ao seu cunhado que ela não era a inocente
jovem de campo que parecia ser. Mas Caleb o pusera contra as
cordas e não lhe deixara alternativa.
— Isso significa que levamos vantagem suficiente de Slater
para que não se preocupe... em se distrair? — Eve perguntou.
— Não. — Admitiu de má vontade, enquanto a soltava e
observava como ela se virava para olhá-lo. — Penso que esta
noite precisaremos suportar um acampamento frio em mais de
um aspecto.
— Slater está tão perto?
— Sim.
— Deus, como pode ser? Cavalgamos durante todo o dia
como se o próprio diabo nos perseguisse. — Eve disse. — Como
sabia onde nos encontrar depois de perder meu rastro fora de
Canyon City?
— Não há muitos caminhos que atravessam a Grande
Divisão.
— Penso que estes territórios estão mais transitados do
que parece.
— Não, não costuma ser assim. Passei vários meses
seguidos nas terras altas sem ver ninguém. Só nos
cruzamentos dos caminhos e nas passagens da montanha é
mais provável se encontrar com alguém.
— Deveríamos levar em conta a natureza humana. — Eve
comentou.
— O que quer dizer?
— Ainda que tomemos o caminho mais duro para nosso
destino, Urso Encurvado saberá, por sua amante, sobre o lugar
onde passamos a noite.
— Contava com isso. — Reno aduziu. — Mas tivemos uma
vantagem sobre nossos perseguidores.
— A que se refere?
— Slater só conta com cavalos tennessee.
— Têm fama de serem muito rápidos. — Eve apontou.
O sorriso de Reno pareceu tão duro quanto sua voz.
— Mas não são resistentes. Nossos mustangs farão com
que os cavalos tennessee de Slater caiam arrebentados ao
chão.
CAPÍTULO 9

Durante o dia, Reno cavalgava com o rifle sobre a sela.


Durante a noite, Eve e ele dormiam com os mustangs
estrategicamente colocados ao redor de seu isolado e oculto
acampamento. Como precaução adicional, Reno espalhava
ramos secos ao longo dos possíveis acessos mais óbvios ao seu
acampamento.
Várias vezes ao dia, Reno fazia com que Eve e os cavalos
se adiantassem enquanto ele voltava sobre seus passos até um
ponto mais elevado. Ali, desmontava, pegava sua luneta e
estudava o terreno que iam deixando às suas costas.
Só em duas ocasiões conseguiu ver Slater. Na primeira
vez, estava acompanhado de seis homens. Na segunda, de
quinze. Consciente do perigo que os espreitava, guardou a
luneta com gesto preocupado, montou e galopou para se reunir
com Eve.
Ao ouvir o som dos cascos de um cavalo, ela se virou.
Reno percebeu então o dourado brilho de seus olhos sob a aba
do chapéu e a intensa cor de seus cabelos sob o sol de agosto.
Também viu as leves linhas que a fadiga e a preocupação
haviam desenhado ao redor de seus carnudos lábios.
Quando parou junto a ela, a tentação de se inclinar e
beijá-la para provar uma vez mais o sabor entre doce e salgado
de sua boca, quase superou seu controle.
— Estão perto? — Eve perguntou inquieta ao ver a séria
expressão de seu companheiro de viagem.
— Não.
Eve umedeceu os lábios enquanto uns olhos verdes,
brilhantes pelo desejo insatisfeito, seguiam a ponta de sua
língua.
— Conseguimos retardá-los?
— Não.
— Temo que aqueles cavalos tennessee sejam mais duros
do que você pensava.
— Ainda não estamos no deserto.
Eve fez um som de surpresa e observou as terras que os
rodeavam. Cavalgavam através de um longo vale flanqueado
por duas cadeias de montanhas. Crescia tão pouca vegetação
em suas encostas que as massas de pedra que as cobriam
podiam ser vistas com clareza através das ervas daninhas e dos
pinheiros que as salpicavam.
— Tem certeza de que não estamos no deserto? Está tudo
tão seco...
Reno a olhou com expressão de incredulidade.
— Seco? O que acredita que é isso? — Perguntou,
mostrando um ponto na paisagem.
Ela olhou na direção que lhe indicava e viu que no centro
do vale havia uma pequena e estreita esteira de água mais
marrom do que azul.
— Aquilo — Eve respondeu — é algo que mal merece ser
chamado de riacho. Tem mais areia do que água.
— Quando voltar a ver tal quantidade de água você
pensará que é a própria fonte da vida. — Afirmou ele com um
sorriso irônico.
Eve olhou com receio o sujo e pequeno riacho que
atravessava o seco vale.
— É sério?
— Se encontrarmos o atalho, sim. Do contrário, veremos
um dos rios mais perigosos do Oeste.
— O Colorado?
Reno assentiu.
— Conheci muitos homens que gostam das terras
inexploradas, mas nunca conheci nenhum que tenha
atravessado o Colorado na sua passagem pelo labirinto de
pedra, e que tenha voltado para contar sua história.
Após dirigir um olhar ao seu companheiro de viagem, Eve
soube que ele não estava brincando. Na verdade, fazia muito
calor e havia muita poeira no ar para que alguém tivesse
energia suficiente para brincar.
Até mesmo Reno se sentia afetado pelo calor. Desabotoara
vários botões de sua descolorida camisa azul e subira as
mangas. Depois de três dias de viagem, uma incipiente barba
negra cobria parte de seu rosto fazendo com que seu sorriso
parecesse feroz ao invés de tranquilizador.
Ninguém que visse Reno naquele momento se deixaria
enganar pensando que não era o que parecia: um duro e
perigoso pistoleiro com quem era melhor não medir forças.
Ainda assim, apesar do ameaçador aspecto de Reno e das
correntes de tensão sensual que fluíam de forma invisível entre
ambos, Eve nunca havia dormido melhor que nos últimos dias.
Pela primeira vez desde que se recordava, desfrutava de
algo mais que não fosse um sono leve, pendente de qualquer
ruído, pronta para pegar qualquer arma que tivesse à mão e
defender àqueles que eram mais fracos do que ela de qualquer
predador que os espreitasse na noite, fosse em um
acampamento ao ar livre ou em um barato quarto de hotel.
Apesar de se achar completamente a sua mercê, sabia,
com uma segurança que a desconcertava, que Reno a
protegeria até mesmo com sua vida se fosse necessário.
Dependia inteiramente dele naquele lugar tão selvagem, mas
nunca se sentira mais segura em toda sua vida. Ser consciente
daquilo lhe produzia selvagens cócegas no estômago e uma
estranha alegria sem explicação.
— Parece que a ideia de atravessar o deserto sem ver nem
rastro de água não a inquieta. — Reno apontou ao observar a
serenidade que banhava o rosto dela.
— O quê? Oh! — Eve sorriu levemente. — Não é isso.
Estava pensando em como é agradável dormir durante toda a
noite sem precisar me preocupar com nada.
— Porque se preocupava?
— Pelo fato de que um depravado pudesse prender uma
das crianças menores na cama no orfanato, ou se alguns
foragidos decidissem atacar o acampamento dos Lyon. —
Encolheu os ombros. — Esse tipo de coisas.
Reno franziu o cenho.
— Acontecia esse tipo de coisas sempre? — Perguntou,
franzindo o cenho.
— Fala dos depravados?
Reno assentiu de modo cortante.
— Aprenderam a me deixar tranquila depois de um tempo.
Mas as crianças menores... — A voz de Eve se enfraqueceu. —
Fazia tudo o que podia, mas nunca era suficiente.
— O velho Lyon era um depravado?
— Absolutamente. Era um homem nobre e amável, mas...
— Não muito bom lutando. — Reno concluiu, acabando a
frase por Eve.
— Não esperava que ele fosse.
— Por quê? Era um covarde? — Inquiriu surpreso.
— Não. A violência não fazia parte de sua natureza. Não
era tão rápido, duro, forte ou mesquinho como a maioria dos
homens com os quais nos encontrávamos. Era muito...
civilizado.
— Deveriam ter ido viver no Leste. — Reno murmurou.
— Fizeram isso. Mas quando suas mãos começaram a
perder a agilidade, e Donna estava muito idosa para distrair os
homens com seu aspecto, precisaram se mudar para o Oeste.
Era mais fácil sobreviver aqui.
— Sobretudo depois de comprarem você naquela maldita
caravana de órfãos e de a ensinarem a distrair os homens e a
fazer trapaças com as cartas. — Repôs furioso.
Os lábios de Eve formaram uma fina linha, mas não fazia
sentido que negasse.
— Sim. — Ela admitiu. — Viviam muito melhor depois que
me compraram.
A expressão de Reno indicou a Eve que as dificuldades dos
Lyon para ganharem a vida lhe inspiravam pouca compaixão.
Ela hesitou, mas logo voltou a falar, tentando fazê-lo
entender que seus patrões não haviam sido cruéis com ela.
— Não gostava do que me induziam a fazer, — reconheceu
lentamente. — mas era melhor do que o orfanato. Pelo menos
foram amáveis comigo.
— Há uma palavra para descrever os homens como Don
Lyon, e lhe afirmo que não é amável.
Sem dizer mais, levantou as rédeas e começou a marcha
antes que Eve pudesse responder. Negava-se a escutar Eve
defendendo o homem que a explorava.
Era um homem nobre e amável.
No entanto, não importava a rapidez com que Reno
cavalgasse, não podia deixar para trás o som da voz de Eve
ecoando no furioso silêncio de sua mente.
Viviam muito melhor depois que me compraram.
Não gostava do que me induziam a fazer.
A ideia de que Eve estivera tão sozinha que chamava de
amabilidade ao que os Lyon a obrigavam a fazer, perturbava
Reno de formas, que nem mesmo podia expressar. Só
conseguia aceitá-las, como aceitava outras coisas que não
compreendia, como seu desejo para proteger uma jovem de
salão a qual haviam ensinado cuidadosamente a mentir,
enganar e distrair os homens.
Uma mulher que confiava tanto nele que dormira
tranquila ao seu lado, em vez de se sobressaltar a cada
momento durante o sono como lhe ocorrera ao longo de toda
sua vida.
Estava pensando em como é agradável dormir durante toda
a noite sem precisar me preocupar com nada.
Reno sabia que a ideia de lhe oferecer aquele tipo de paz
não deveria afetá-lo.
Mas afetava.

As montanhas começaram a se desvanecer à sua


passagem, deixando tão somente a lembrança de picos onde
era fácil encontrar água e as árvores cresciam tão juntas, umas
das outras, que um cavalo não poderia passar entre elas. Agora
havia espaço de sobra para os cavalos nos leitos secos dos rios
e nos áridos planaltos que atravessavam.
— Olhe! — Eve exclamou de repente.
Enquanto falava, se esticou cobrindo a pequena distância
que havia entre sua montaria e a de Reno, pegou seu braço
direito e apontou com o dedo.
Ele olhou na direção que ela indicava, mas só viu as
vermelhas e curvas protuberâncias de arenito que pareciam os
ossos da própria terra surgindo através da sua fina pele.
— O que é? — perguntou.
— Ali. — Eve insistiu. — Não vê? Aquelas construções de
pedra. Fazem parte das ruínas das quais você falou?
Depois de um momento, Reno compreendeu.
— Não, — respondeu — o que vê são somente camadas de
arenito perfiladas pelo vento e pelas tempestades.
Eve começou a protestar antes de pensar melhor e se
calar. Quando Reno lhe disse pela primeira vez que
cavalgariam através de vales inteiros onde não encontrariam
nem uma gota de água, pensara que estivesse zombando dela.
Não era assim. Aqueles vales existiam realmente. Vira-os e
havia saboreado em sua língua a poeira castigada pelo sol,
atravessara-os cavalgando.
Para ela, a selvagem terra pela qual viajavam era uma
constante fonte de surpresas. Apesar de ter lido durante anos o
diário do antepassado de Don Lyon, não conseguira nunca
compreender realmente o que teria sido para os exploradores
espanhóis percorrer um deserto desconhecido, seguindo a
esteira dos rios que se estreitavam até desaparecerem deixando
somente a sede atrás deles.
E também não imaginava o que seria contemplar centenas
de quilômetros de terreno em qualquer direção e não ver um
riacho, uma lagoa, nem uma promessa acolhedora de sombra
ou água que aliviasse uma sede tão grande quanto a aridez da
própria terra.
No entanto, Eve, mais do que pela ausência da água,
estava admirada com as rochas nuas, com formas impensáveis
que surgiam da terra. Ficava fascinada com as enormes
formações rochosas de uma só peça, ricas em matizes
avermelhados, creme e ouro, e mais altas do que qualquer
construção que já vira.
Algumas vezes, pareciam feras adormecidas, em outras,
assumiam o aspecto de pontas. E em outras vezes ainda, como
naquele momento, se assemelhavam à imagem, que vira
somente uma vez, de uma catedral gótica com os contrafortes
de rocha sólida.
De repente, Reno se ergueu sobre os estribos e olhou por
cima do ombro. As montanhas haviam se transformado em um
borrão azul escuro contra o horizonte, e os longos e áridos
vales nos quais haviam adentrado, ofereciam poucas
possibilidades para se ocultarem, tanto a eles quanto aos
homens que os perseguiam. Ainda assim, desde o amanhecer,
não havia nada se movendo sobre a face da terra, exceto as
sombras de algumas nuvens.
— Parece que os cavalos de Slater finalmente se renderam.
— Eve comentou, contemplando o caminho que haviam
deixado para trás.
Reno fez um som que podia ter significado qualquer coisa.
— Acamparemos logo? — Perguntou esperançosa.
— Depende. — Ele respondeu, lançando-lhe um sorriso
carente de humor.
— Do quê?
— Se ainda houver água na nascente que o pai de Cal
desenhou. Se houver, encheremos as cantimploras e
acamparemos alguns quilômetros mais à frente.
— Quilômetros? — Eve repetiu com a esperança de ter
escutado mal.
— Sim. Nestas terras áridas, somente um louco ou um
exército acampariam junto à água.
— Compreendo. — Admitiu, suspirando com tristeza. —
Acampar junto à água nos transformaria em um alvo fácil.
Ele assentiu.
— A que distância está a nascente? — Eve quis saber.
— Há algumas horas.
Quando Eve continuou calada, Reno a olhou. Apesar dos
duros quilômetros que haviam percorrido, lhe pareceu que ela
apresentava bom aspecto. O brilho de seus cabelos não
diminuíra, conservava a cor em seu rosto e sua mente
continuava igualmente rápida.
Mas o que mais o satisfazia era que Eve compartilhava
sua fascinação pela austera terra. Suas perguntas lhe
demonstravam, assim como seus longos silêncios enquanto
observava as formações de pedra que ele lhe apontava,
tentando imaginar as forças que as haviam criado.
— Que tamanho tem essa fonte? — Perguntou de repente.
— Em que está pensando?
— Em um banho.
A ideia de Eve nua debaixo da água teve um rápido e duro
efeito sobre o corpo de Reno. Com uma muda maldição, se
obrigou a afastar de sua mente a lembrança de seus mamilos
tensos e brilhantes por causa das provocantes carícias de sua
boca.
Fazendo um esforço, tentou não pensar na jovem daquele
modo. Era algo que o distraía muito. Sempre fora um homem
com um controle fora do comum; no entanto, naquela mesma
manhã estivera a ponto de buscar o quente corpo de Eve,
ignorando completamente todas as suas preocupações acerca
dos foragidos que os perseguiam.
— Provavelmente possa se banhar na nascente. — Reno
comentou sem deixar transparecer seus pensamentos.
O ronronar de prazer que Eve soltou não o ajudou a deixar
de pensar nas imagens dela nua.
— Fica no final deste vale?
— Isto não é um vale. Estamos sobre um planalto.
Eve olhou para Reno antes de observar o caminho que
deixaram para trás.
— Para mim parece um vale. — Insistiu.
— Somente vindo desta direção. Se tivéssemos chegado do
deserto, não teria a menor dúvida. É como se subisse um
degrau enorme e amplo, depois outro, depois mais um até que,
finalmente, chegasse às verdadeiras montanhas.
Eve fechou os olhos, recordando os mapas dos diários e
pensando em como os espanhóis tinham descrito aquele
território.
— Por isso a chamaram a Mesa Verde? — Perguntou.
— O quê?
— Os espanhóis. Na primeira vez que vieram a este lugar
foi pelo deserto. E comparado com ele, este planalto é tão verde
quanto à grama.
Reno tirou o chapéu, voltou a colocá-lo e a olhou
sorridente.
— Esteve pensando nisto durante dias, não foi?
— Até que não. — Afirmou satisfeita.
— Pode ser que os espanhóis estivessem obcecados com o
ouro, mas não estavam loucos. As coisas mudam muito
dependendo da perspectiva com a qual se olhe, isso é tudo.
— Mesmo os vestidos vermelhos? — Perguntou apressada.
No mesmo instante em que as palavras saíram de seus
lábios, Eve se arrependeu de tê-las pronunciado.
— Nunca se rende, não é? — Reno apontou friamente. —
Pois bem, tenho más notícias para você. Eu também não.
Depois daquilo, passaram muito tempo calados até que
algo rompesse o tenso silêncio entre eles, quebrado somente
pelo cadenciado ritmo dos cascos dos cavalos golpeando o solo.
O terreno começou a descer com crescente rapidez, até
que se elevou lentamente em ambos os lados do seco leito do
rio que Reno havia decidido seguir.
O antigo leito estava flanqueado por pequenos álamos
cujas folhas ofereciam sombra, mas pouco alívio para o
crescente calor. As plantas que requeriam água para sobreviver
fazia muito tempo que haviam murchado, transformando-se em
quebradiços galhos que sussurravam com qualquer brisa à
espera que chegassem as chuvas da estação.
À medida que avançavam, mais altos se tornavam os
muros que os flanqueavam, e mais estreito o caminho que
precisavam atravessar. Após algumas horas, Reno desabotoou
a correia que segurava seu revólver no coldre e puxou o rifle de
repetição da funda. Abriu o carregador, comprovou que
estivesse cheio, e continuo cavalgando com a arma sobre seu
colo.
Os gestos de seu companheiro de viagem indicaram a Eve
que não havia outra opção que seguir em frente por aquele
caminho que rapidamente estava se transformando em pouco
mais do que uma fenda sobre a árida terra. Com cuidado, Eve
sacou sua velha escopeta de dois canos de sua desgastada
funda e comprovou que estivesse carregada. O seco e metálico
chiado que a arma emitiu quando Eve abriu o carregador fez
Reno virar a cabeça. Eve voltou a colocar o carregador em seu
lugar e continuou cavalgando. A expressão de seu rosto
mostrava concentração e cuidado, mas não medo.
Naquele momento, Reno recordou o momento em que
Willow se manteve com as costas coladas à dele e com uma
escopeta nas mãos, sem saber se seria o homem que amava
quem sairia da frondosidade do bosque, ou se seria um dos
membros do selvagem bando de Jed Slater.
Finalmente, foi Caleb quem saiu daquele bosque, mas
Reno não teve nenhuma dúvida de que Willow teria disparado
em qualquer outro.
Também não duvidava da coragem de Eve. Passara muitos
anos defendendo a si mesma, para se jogar para trás diante do
que deveria fazer.
Aprenderam a me deixar tranquila.

Os olhos de Reno se moviam sem parar, rastreando


sombras e os erráticos giros que traçava no antigo leito do rio.
A sua montaria gostava tão pouco daquele leito, que se
estreitava cada vez mais quanto ele, e o demonstrava agitando
e levantando as orelhas diante do mínimo som.
A égua parda com a listra sobre o lombo se mostrava
igualmente inquieta e receosa. Até mesmo os cavalos de carga
pareciam assustados.
Antigos canais secundários de água chegavam da
esquerda e da direita, mas, ainda assim, o principal leito do rio
continuava se estreitando, afundando-se mais e mais
profundamente na terra. As muralhas de pedra que surgiam
em ambos os lados se transformavam em precipícios que se
elevavam muito para não deixar passar os raios do sol.
De repente, Reno fez sua égua se afastar para um dos
canais laterais. Os outros cavalos o seguiram e, quando Eve fez
menção de falar, Reno lhe fez um gesto para silenciar.
Alguns minutos depois, uma pequena manada de cavalos
selvagens passava trotando pela frente da entrada do estreito
cânion lateral em direção contrária àquela que eles haviam
tomado. O som de seus trotes mal foi amortecido pelo solo
arenoso.
Eve sentiu como se alargava o focinho de sua égua ao
farejar, para relinchar, e imediatamente, se inclinou sobre a
sela e tampou com seus dedos as fossas nasais do mustang.
O movimento atraiu a atenção de Reno que, após observar
o que ela fazia, assentiu em sinal de aprovação e virou a cabeça
novamente à entrada do cânion. Continuaram esperando
durante muito tempo depois que o último animal selvagem
houvesse passado.
Nada mais se moveu.
Reno considerou o esgotamento dos cavalos, o horário e a
rota que deveriam seguir no mapa.
Não foi difícil se decidir.
— Acamparemos aqui.
O impactante verde de suas margens era o único sinal de
que naquele lugar havia uma nascente. Mas o musgo e as
samambaias cediam caminho quase imediatamente às plantas
mais preparadas para sobreviver debaixo do implacável sol do
deserto.
Reno se sentou sobre seus calcanhares para observar as
marcas que ficaram marcadas no barro. Podiam ser vistos os
rastros de cervos e coiotes, coelhos e cavalos. Nenhum dos
cavalos que se aproximaram para beber ali mostrava sinais
claros de usar ferraduras, mas Reno viu alguma coisa nos
rastros que o inquietou.
Ele mesmo havia usado manadas de cavalos selvagens
para ocultar os rastros de seus próprios cavalos, e não havia
nenhuma razão para pensar que Slater fosse menos astuto na
hora de disfarçar suas marcas.
Ergueu-se contrariado, montou sobre Darla e cavalgou de
volta ao lugar onde o esperavam Eve e os cavalos de carga.
Após percorrer uns trinta metros se virou para observar seu
próprio rastro. Os cascos ferrados de sua montaria deixavam
claras marcas na úmida terra que circundava o manancial.
— Slater esteve por aqui? — Eve perguntou com aparente
calma quando Reno se aproximou cavalgando.
Reno estivera esperando que ela lhe fizesse aquela
pergunta. Os dias passados junto a Eve lhe ensinaram que ela
estava acostumada a usar seu cérebro. Mesmo não havendo
nenhum caminho marcado nos diários que o foragido pudesse
seguir para se adiantar a eles, ainda existia aquela
possibilidade.
Os espanhóis não haviam encontrado todas as rotas
possíveis para atravessar aquele território. Nem o exército dos
Estados Unidos também o fizera, mas os índios sim, e alguns
dos homens que cavalgavam com Slater podiam facilmente
saber coisas que nenhum homem branco sabia.
— Pelas marcas, eu diria que não. — Respondeu.
Eve deixou escapar um silencioso suspiro de alívio.
— Se bem que não posso afirmar com certeza. —
Continuou. — Nem todos os homens de Slater usam cavalos
ferrados.
— Sim, usavam em Canyon City. — Mas, então, antes que
Reno pudesse falar, Eve acrescentou secamente: — Mas já não
estamos em Canyon City.
Os lábios de Reno se ergueram desenhando um sorriso
diante da inteligência dela.
— Os comanches não são bem-vindos em Canyon City. —
Acrescentou.
— As marcas que viu não poderiam pertencer aos cavalos
mustangs?
— Algumas delas, sim. Outras se introduziam
profundamente no solo.
— Como se carregassem um homem? — Eve perguntou.
— Ou como um cavalo cravando seus cascos ao se afastar
diante de outro animal. Ocorrem muitas brigas em uma
nascente de água tão pequena quanto esta.
Eve soltou um grunhido de exasperação e passou a língua
pelos lábios secos.
— Não se preocupe gatinha. — Ele tranquilizou-a — Não
estou pensando em sairmos antes que possa tomar seu banho.
Eve sorriu encantada e, naquele instante, percebeu que
em algum momento daquela dura e calorenta viagem, deixara
de se aborrecer com o apelido que Reno lhe pusera.
Poderia ser porque sua voz já não adotava aquele tom
ferino quando a chamava assim. Agora seu tom adquiria uma
cálida cadência, como se realmente ela fosse uma gata receosa
a qual deveria se aproximar suavemente para que se deixasse
acariciar.
Aquela ideia fez as faces de Eve se acenderem com um
rubor que nada tinha a ver com o calor proveniente das
paredes de pedra do cânion.
— Cubra-me daqui enquanto encho as cantimploras. —
Reno lhe gritou. — Quando tiver acabado, levarei os cavalos de
um em um para que bebam.
Quando tanto os humanos, quanto os cavalos beberam
até se saciarem, encheram as cantimploras e estiveram de volta
ao pequeno cânion lateral, o céu se tingiu de escuro com os
apaixonantes tons do pôr do sol. Tudo estava em silêncio e as
sombras surgiam de qualquer fenda, agrupando-se e elevando-
se em uma maré baixa.
Enquanto Reno se encarregava dos cavalos, Eve fez um
pequeno fogo junto a uma rocha, cuja existência somente era
delatada pela tênue fragrância da lenha dos pinheiros e do
café. Com a escassa luz das chamas para ajudá-la, Eve comeu
rapidamente e reuniu todo o necessário para tomar seu banho.
Em silêncio, Reno observou como Eve adentrava na
escuridão com uma pequena panela de metal, um pano suave e
um pedaço de sabão. O descolorido vestido feito de velhos
sacos de farinha pendurado sobre seu ombro. Reno não
conseguiu saber se o vestiria para voltar até o acampamento ou
se o usaria como toalha.
— Não se afaste. — Avisou.
Mesmo que lhe falasse em voz muito baixa, Eve ficou
imóvel.
— E leve a escopeta.
Reno foi consciente de todos e cada um dos pequenos
sons que ela fez enquanto pegava a arma e voltava a entrar na
escuridão. Seguindo suas indicações, afastou-se somente o
suficiente para estar fora do alcance da luz do fogo.
Reno escutou os suaves sons da água ao salpicar e
pensou que seria impossível que pudesse ouvir o fraco
sussurro do tecido contra a pele de Eve nua. Ela soltou um
feminino suspiro de prazer quando a água fresca a acariciou. O
mais provável era que também não pudesse ouvir como tremia
sua respiração quando seus mamilos se endureceram em
resposta ao contato com o pano úmido, mas podia imaginá-lo.
E ele o fez.
CAPÍTULO 10

Eve sentiu uma suave brisa sobre sua pele úmida quando
acabou de se lavar. Tremia, mas não era de frio. Como os
cautelosos mustangs meio selvagens, percebeu que já não
estava sozinha e se apressou a colocar o vestido feito com
sacos.
— Acabou?
A voz de Reno chegou de apenas alguns centímetros de
distância.
Assustada, Eve se virou para ele com os olhos muito
abertos. Viu-o ali de pé, muito perto dela, com roupas limpas
em uma mão.
— Sim. — sussurrou — Acabei.
— Então, não se importará se eu usar a panela.
— Oh...
Eve respirou agitadamente e pensou que não estava
decepcionada diante do fato de que Reno a seguira,
simplesmente, porque também desejava se refrescar depois da
longa viagem.
— Aqui está. — Ela disse, alcançando-lhe a pequena
panela com rapidez.
— Posso usar seu pano também?
O rouco tom da voz dele fez com que Eve fosse ainda mais
consciente de sua presença e que sentisse cálidas cócegas por
sua pele, como se a tivesse acariciado.
— Sim, claro. — Respondeu com voz trêmula.
— E seu sabão?
O gesto de assentimento que ela fez com a cabeça soltou
seus cabelos, que prendera descuidadamente, e a luz da lua se
enroscou entre os escuros cachos que caíram por suas costas
como uma cascata.
— E suas mãos? Posso usá-las também?
Reno escutou como Eve ficou sem fôlego e desejou poder
ver seus olhos. Queria saber o que causava aquela suave e
esmagadora reação em sua respiração, curiosidade ou o terror,
a sensualidade ou o medo?
— Sei que não faz parte de nosso acordo, — continuou
dizendo — mas agradeceria um bom barbear.
— Oh! Sim, claro. — Respondeu atropeladamente.
— Já barbeou um homem alguma vez?
A luz da lua brilhou e percorreu, como se fosse prata
líquida, os cabelos de Eve quando ela assentiu.
— Também sei cortar os cabelos. — Ela acrescentou — E
fazer a manicure.
— Outro modo de ganhar a vida, não é assim?
O tom da voz de Reno fez com que estremecesse.
— Sim. — Consciente do que ele estava pensando,
esclareceu: — E nenhum daqueles homens me tocou.
— Por quê? O preço era mais alto, então?
— Não. A razão era que eu segurava uma navalha muito
perto de suas gargantas. — Respondeu com a voz seca.
Reno recordou como a vira alguns minutos, antes, nua
sob a luz da lua. Era sem dúvida a mulher mais bonita que ele
já vira, e suas curvas deixariam qualquer homem louco.
Deus, como desejava acreditar que era tão pura quanto
parecia!
Mas não conseguia.
— Nunca me vendi pistoleiro.
Ele sorriu tristemente. Desejava acreditar nela com a
mesma intensidade que desejava respirar. Teria renunciado ao
paraíso e teria se condenado ao inferno, se com isso
conseguisse que Eve fosse a metade de inocente do que parecia
enquanto permanecia nua, brilhando sob a luz da lua.
A intensidade de seu desejo por acreditar que Eve nunca
fora comprada, nem vendida, comoveu Reno. No entanto, não
conseguia negar o vão desejo, mais do que controlar sua
primitiva reação a algo tão simples quanto observá-la andar
pelo acampamento.
Também não conseguia entender sua resposta diante de
sua proximidade. Ele não se sentia atraído pelas jovens de
salão e nunca usara seus serviços, mas desejava Eve com
todas as suas forças, sem se importar com quantos homens ela
estivera ao longo de sua jovem vida.
Aquela fora a razão pela qual se sentara para jogar
naquela maldita mesa do salão Gold Dust. Somente um olhar
na determinação refletida nos olhos de Eve e aos seus trêmulos
lábios, fora suficiente para fazê-lo atravessar todo o salão. Não
se importara que os dois foragidos sentados com ela
protestassem por terem de jogar algumas mãos de pôquer com
um desconhecido. Teria lutado para conseguir se sentar junto
a ela. Teria matado por isso.
E o fizera.
Em uma tentativa de se livrar de seus pensamentos, Reno
se virou bruscamente e deixou a panela sobre uma suave e
plana pedra. Sentou-se sobre uma beirada, deixou as roupas
limpas de um lado, junto ao revólver, e começou a desabotoar a
camisa com rápidos movimentos cheios de raiva.
— Você trouxe alguma coisa para se barbear? — Eve
perguntou.
Reno estendeu a mão até o bolso da calça e pegou uma
navalha. Sem dizer uma palavra, a estendeu para Eve, pois não
confiava que sua voz não revelasse quanto estava irritado em
pensar nas mãos dela se movendo sobre o rosto de outros
homens, sobre seus cabelos, suas mãos; e que, durante todo
aquele tempo, aqueles homens ficaram contemplando seus
lábios e seus seios, inspirando o perfume de lilás de sua pele,
deixando-a nua mentalmente, abrindo suas coxas...
Cuidadosa Eve se aproximou do perigoso homem que a
observava com olhos que à luz da lua pareciam sem cor. Os
anos vividos na carroça dos Lyon a ensinaram a lavar a si
mesma e aos outros, com o mínimo desperdício de água
possível, assim, umedeceu os cabelos e a incipiente barba de
Reno e começou a ensaboá-los.
Normalmente, sempre se colocava às costas do homem ao
qual devia barbear, mas Reno estava sentado sobre uma rocha
que sobressaía de um precipício, o que a obrigava a
permanecer em frente a ele. Mesmo precisando reconhecer em
silêncio que não sentia nenhum desejo de ficar em nenhum
outro lugar. Gostava de observar os olhos fechados de Reno e
saber que seu contato o satisfazia.
Devagar, sutilmente, Reno foi mudando de posição
enquanto Eve continuava com seu trabalho e, antes que ela
pudesse compreender o que acontecia, encontrou a si mesma
de pé entre suas pernas. Ao notar, Eve deu um gemido de
surpresa e, acreditando que havia tropeçado, Reno levantou as
mãos para ajudá-la a manter o equilíbrio.
— Maldição. — Ela sussurrou.
— Disse algo? — Perguntou, abrindo os olhos.
— Eu...
Reno ergueu as sobrancelhas enquanto comprovava com
suas mãos o exuberante volume dos quadris femininos e o
calor que emanava de seu corpo, porque somente o simples
vestido de sacos separava sua pele dele.
Eve respirou precipitadamente e não o soltou até notar
que começava a ficar atordoada. Nunca imaginara poder sentir
prazer ao notar o contato das mãos de um homem sobre seus
quadris.
— Suas... suas mãos. — Disse à dura pena.
Reno sorriu enquanto acariciava devagar e com infinita
suavidade suas nádegas.
— Sim, são minhas mãos. — Sem piedade, se inclinou
para frente e sussurrou contra seus seios: — Em que outro
lugar gostaria de senti-las?
— Agora não, por favor. — Suplicou, se afastando
rapidamente.
Olhando-a com ironia, Reno deixou cair as mãos
pensando quanto tempo conseguiria mantê-las afastadas
daquelas quentes curvas.
Mais tranquila Eve se dedicou a espalhar sabão pelos
negros cabelos de Reno, conseguindo com suas carícias que
invisíveis correntes de sensualidade percorressem o poderoso
corpo masculino. Em silêncio, Reno amaldiçoava sua rebelde
resposta diante daquela mulher, mas não disse nada em voz
alta. Se Eve preferia ignorar sua ereção, não seria ele quem
atrairia sua atenção para ela. Não desejava lhe conceder mais
poder sobre ele do que já lhe dera. O contato de seus dedos
afundando-se em seus cabelos, esfregando sua cabeça, estava
levando sua excitação ao ponto de ficar muito dolorosa.
— Sente frio? — Perguntou quando percebeu um fraco
tremor em Reno.
— Não.
A voz dele soava muito rouca, mas Reno não podia fazer
nada para impedir, assim como não podia evitar observar
fascinado o oscilante jogo de luz e sombras que a lua projetava
sobre o rosto de Eve, fazendo-o parecer quase etéreo.
Muito tarde, se lembrou das chagas que vira nas suas
palmas dela após ter enterrado os Lyon. Com rapidez, pegou
suas mãos e as virou para observá-las. Mesmo estando quase
curadas, era possível ver ainda, na pele as cruéis marcas da
pá.
— Dói ainda? — Perguntou em voz baixa.
— Agora não.
Reno soltou suas mãos com suavidade sem dizer nada.
Eve o olhou, desconfiada, antes de pegar a navalha. O
fraco som que a lâmina fez quando a desdobrou, ecoou quase
com muita força na silenciosa noite. Eve comprovou o fio da
navalha com delicadeza e, apesar do cuidado com que o fez, o
fio deixou uma fina linha superficial marcada sobre sua pele.
— Maldição. — sussurrou — Não faça nenhum movimento
brusco. A navalha está muito afiada.
— Cal a afiou para mim. —Reno comentou com um
sorriso. — Aquele homem poderia afiar até um ladrilho.
Mesmo Eve mantendo o rosto impassível, Reno sentiu
como o corpo dela ficava tenso.
— E agora, o que acontece? — Inquiriu com voz rouca.
Ela o olhou com receio, pensando quando Reno havia
aprendido a captar tão bem suas reações.
— Não faça nada que... que me altere. — Eve lhe pediu
finalmente.
— Como o quê?
— Como me tocar.
— Então você se altera... — Reno disse arrastando as
palavras.
— Não me referia a isso. — Protestou ela
precipitadamente, enquanto retrocedia e ficava fora de seu
alcance. — Bom, sim, mas não da forma que imagina.
— Decida-se.
— A única coisa que queria dizer é que não deveria me
tocar.
Reno ficou totalmente imóvel.
— Fizemos um acordo. Lembra-se?
— Sim — Respondeu fechando os olhos. — Lembro. Na
verdade, apenas penso em outra coisa.
Apostas sobre a mesa. Uma mão de cinco cartas. Posso ter
uma sequência de corações coloridos ou ficar com um único
coração solitário e inservível.
Devo me arriscar ou abandonar a partida.
— Não estou tentando voltar atrás com nosso acordo, —
Eve continuou. — mas se começar a me tocar, ficarei
nervosa..., e esta navalha está incrivelmente afiada.
Com cuidado, ela observou o homem que a observava com
um desejo que nem mesmo a noite poderia ocultar.
— Ficarei muito quieto. — Prometeu com voz profunda.
Eve inspirou profundamente para relaxar e soltou o ar
devagar. Reno mal ocultou o calafrio que o percorreu ao sentir
o cálido fôlego contra seu peito nu.
— Preparado? — Perguntou.
Reno riu baixo.
— Não faz nem ideia de como estou preparado.
Tentando ignorar suas palavras, Eve se inclinou e
começou a barbeá-lo com movimentos destros, limpando a
lâmina com o pano a cada poucas passadas. Enquanto fazia
aquilo, tentava se convencer que aquela vez não era diferente,
em nada, das muitas outras nas quais barbeara seu patrão.
Don jurava que suas mãos eram seu amuleto secreto da boa
sorte. Sempre lhe pedia que o barbeasse antes de começar uma
partida usando sua lábia, com pouco mais que seu bom
aspecto aristocrático e um punhado de moedas de prata que
não passariam em um exame mais exaustivo.
— Agora, fique muito quieto. — Avisou-o em voz baixa,
antes de levantar seu queixo e lhe passar a navalha pela
garganta com movimentos leves e uniformes.
Quando acabou, viu que Reno tocava o pescoço com
cuidado e deixava escapar o ar que estivera contendo.
— Não o cortei. — Eve afirmou rapidamente.
— Só queria me certificar. Essa navalha está incrivelmente
afiada e não saberia se tivesse me cortado o pescoço até que
visse o sangue cair sobre a fivela do meu cinturão.
— Se estava tão preocupado com a minha destreza, —
replicou ela com aspereza — porque me pediu para fazer isso?
— Eu também estive me perguntando isso.
Eve ocultou seu sorriso enquanto enxaguava o pano com
água fresca. Ainda sorria quando começou a limpar o rosto dele
deixando-o livre de espuma.
A respiração de Reno se tornou entrecortada, ficando mais
profunda à medida que ela continuava com sua tarefa.
Pequenas gotas de água resvalaram pelo rosto masculino e
chegaram até seu amplo peito. Eve observou que quando Reno
respirava, as gotas tremiam e brilhavam como pérolas
translúcidas. A tentação de tocar uma daquelas gotas se
tornou tão grande que a surpreendeu.
— Acontece algo? — Ele perguntou com a voz rouca.
Eve negou com a cabeça muito bruscamente, fazendo seus
cabelos se espalharem sobre seus ombros e pelo peito de Reno,
que deu um leve assovio ao respirar, como se tivesse se
queimado.
— Lamento. — disse ela.
— Eu não.
Eve o olhou, admirada, recolhendo seus cabelos e fazendo
um coque na altura da nuca.
— Gosto mais quando está solto. — Reno comentou.
— É um estorvo.
— Não para mim.
— Feche os olhos. — Pediu enquanto enchia a panela com
água limpa.
Reno obedeceu e desfrutou enquanto Eve o enxaguava
cuidadosamente desde a cabeça até os ombros.
— Nem um só corte. — Anunciou satisfeita ao terminar. —
Enquanto acaba seu banho, buscarei algumas ervas
aromáticas.
Antes que Reno pudesse fazer alguma objeção, Eve já
havia saído.
A ideia de tomar banho e esperar seu retorno nu o tentou.
Mas ao recordar as profundas marcas de cascos de cavalos
junto à nascente, se lembrou de que seria uma estupidez até
mesmo considerar aquela ideia.
Amaldiçoando em silêncio, Reno retirou o restante das
roupas, lavou-se e depois, vestiu a roupa íntima limpa que
trouxera e as calças. Estava pegando a camisa limpa quando
ouviu a voz de Eve surgindo da escuridão.
— Aproxime-se. Já estou quase pronto.
Eve se aproximou o suficiente para ver seu amplo peito nu
e a escura silhueta de suas calças.
— Obrigada. — Disse em voz baixa.
— Por quê?
— Por não ofender meu sentido de pudor.
— Uma estranha escolha de palavras para uma...
Reno descobriu que não conseguia acabar a frase. Não
gostava de pensar em Eve como uma jovem de salão. Com um
grunhido de irritação, começou a tentar alisar a camisa antes
que lhe ocorresse uma ideia melhor.
— Ajude-me. — Pediu, estendendo-lhe a peça. Quando ela
hesitou, Reno acrescentou em tom sarcástico: — Não importa.
Não faz parte de nosso trato, certo?
Com um suspiro de raiva, Eve pegou a camisa e a agitou
com força. Reno a observou com atenção; era evidente que a
roupa masculina lhe era quase tão familiar quanto a sua
própria.
— Você se dá muito bem com elas.
— Nos últimos tempos, Don não conseguia vestir as
roupas, sozinho, e muito menos abotoá-las. — Esclareceu ela.
— Então, não se importaria de me ajudar?
Surpresa, Eve respondeu:
— Claro que não. Estenda os braços.
Reno assim o fez e a ela conseguiu deslizar a camisa sobre
seu corpo.
— Abotoa para mim? — Perguntou então, suavemente.
Mas ao ver seu olhar de desconfiança, espetou: — Não precisa
fazê-lo. Não faz parte de...
— Nosso trato. — Eve murmurou, colocando-se em frente
a ele e alcançando o primeiro botão. — Maldição. Penso que a
próxima coisa será me pedir que o dispa.
— Que grande ideia. Apresenta-se como voluntária?
— Não. — Respondeu no instante. — Não é parte de...
— Nosso trato.
Ela levantou os olhos bruscamente e viu que Reno sorria
abertamente. Nervosa, tentou se concentrar nos botões e não
pensar na força que irradiava do enorme corpo dele.
— Porque sua esposa não se ocupava dele? — Reno
perguntou de repente, voltando ao assunto de seu antigo
patrão.
— Donna fazia o que podia, mas a maior parte do tempo
suas mãos estavam pior que as dele.
A destreza com que Eve trabalhava mostrou a Reno que
passara muito tempo cuidando de um homem que não podia
ou não queria se encarregar de si mesmo.
Menos mal que aquele fraudulento explorador de mulheres
está morto, pensou sentindo que a raiva o invadia. A tentação
de matá-lo teria posto à prova meu juízo.
— Pronto. — Eve anunciou.
— Ainda não. Não está dentro das calças.
— Isso você pode fazer.
— O que acontece? Não estou pedindo que tire minhas
roupas. — Quando ela o olhou, cética, Reno sorriu. — Talvez
prefira que comece a tocá-la de novo, não?
— Maldição.
Antes de pensar duas vezes, Eve estendeu as mãos à
cintura dele. Como seu cinturão não estava abotoado, demorou
um segundo para abrir os botões de metal. Movendo-se
rapidamente, começou a enfiar a camisa dentro das calças
começando por trás e seguindo à frente.
De repente, um suave aroma de lilás emergiu dos cabelos
dela, fazendo com que o desejo de Reno aumentasse. Um
momento depois, Reno voltou a assoviar ao respirar quando
sentiu o leve toque dos dedos sobre sua carne excitada.
Eve deu um pequeno grito de espanto e tentou tirar as
mãos de suas calças, mas Reno foi mais rápido. Pegou Eve
pelos punhos e manteve seus dedos onde estavam, onde ele
desejava que estivessem desde tanto tempo que quase perdeu o
controle diante de seu simples contato.
— Solte-me!
— Acalme-se, pequena. Não é algo que nunca tenha
tocado antes.
O horrorizado olhar que Eve lhe deu fez Reno sentir
vontade de rir, mas a dor de seu desejo insatisfeito era muito
forte.
— Estou tentado a deixar que me acaricie um pouco. Mas
me distrairia muito, então me conformarei que me beije... —
Acrescentou.
Eve tentou escapar novamente, mas, seus esforços só
serviram para que seus dedos voltassem a tocar sua rígida
ereção.
Reno não conseguiu reprimir um gemido de prazer e
desejo.
— Não se mova... — Começou a dizer com aspereza,
olhando com avidez os trêmulos lábios que se encontravam
somente a alguns milímetros de sua boca.
— Solte-me...
— ... ou tirarei as calças. — Continuou com dureza. —
Farei você acabar o que começou, e ao inferno se alguém nos
está seguindo.
— O que eu comecei? Foi você quem...
— Fique quieta!
Eve obedeceu no instante e Reno deixou escapar um
reprimido suspiro. Começou a tirar as mãos dela para fora de
suas calças, mas parou porque o fato de que Eve as tivesse
apertadas formando punhos dificultava a tarefa.
— Abra as mãos. — Ordenou.
— Mas você me disse que não me mo...
— Faça-o. — Interrompeu-a. — Devagar. Muito devagar.
Eve obedeceu e, ao abrir as mãos, se achou percorrendo
milímetro a milímetro a dura carne de Reno.
Reno gemeu como se o estivessem esticando sobre um
potro de tortura. Finalmente, tirou as mãos dela de suas
calças, mas, em vez de soltá-las, colocou-as sobre seus ombros.
— Deixe de resistir. — Disse com voz rouca. — É hora de
me demonstrar como cumpre com sua palavra.
O medo e a lembrança do prazer que descobrira nos beijos
dele, lutavam para tomar o controle de seu corpo.
Talvez quando notar que mantenho a minha palavra, me
olhe com algo mais que não seja desejo. Talvez...
— Você também manterá sua palavra? — Ela perguntou.
— Não a tomarei a não ser que você deseje. — Reno
afirmou com impaciência. — É a isso que se refere?
— Sim, eu...
A frase ficou interrompida quando a boca de Reno se
fechou sobre a dela e sua língua deslizou entre seus lábios,
tornando-lhe impossível falar.
Fora um gemido de surpresa, ela não fez nenhum outro
som de protesto. E apesar de sua evidente força e desejo,
quando Reno compreendeu que Eve não resistiria, não mostrou
rudeza com ela, mas a segurou com suavidade.
Os sensíveis lábios de Eve procuraram inconscientes a
carícia da firme boca de Reno. O perturbador desejo que havia
surgido em seu íntimo, no preciso instante em que conhecera
Reno, se tornou quase incontrolável quando o beijo
inevitavelmente se tornou mais profundo. Era como se seu
inexperiente corpo reconhecesse seu companheiro e lhe desse
as boas-vindas. A onda de calor que contraiu com força seu
estômago, a fez tremer ao tomar consciência de que desejava
Reno, tanto quanto ele a desejava.
Eve abriu os olhos, grandes e curiosos, pensando se Reno
estaria sentindo a mesma onda de paixão que ela, mas só
conseguiu ver dele seus espessos cílios negros. A suavidade,
quase ternura, com que a tratava a reconfortou.
Com cuidado Eve marcou com seus lábios a boca
masculina, redescobrindo as texturas da língua de Reno, o
veludo, a seda... Por um momento, esqueceu por completo os
medos, os acordos e suas esperanças para o futuro. Limitou-se
a viver a magia do momento em meio a um suave e trêmulo
silêncio.
O calor que queimava o ventre de Eve começou a se
expandir como uma maré de sensações por todo seu ser. E de
repente, assustada, sentiu como o beijo enviava correntes de
prazer às partes mais íntimas de seu corpo, descobrindo
coisas, sobre si mesma, que nunca suspeitara.
O lento e tentador toque da língua de Reno sobre a dela
parecia terrivelmente perturbador tornando difícil a respiração,
então, tentou jogar a cabeça para trás.
Reno deu um grunhido de protesto.
— Não posso respirar. — Ela explicou entre ôfegos.
Sua voz rouca revelou mais coisas a Reno, que suas
entrecortadas palavras. Implacável, prendeu entre os dentes o
lábio inferior de Eve e o mordeu com requintada ternura,
absorvendo seu assustado grito.
— Dê-me mais de você, pequena.
— O quê? — Balbuciou apenas.
— Lembra-se do nosso primeiro beijo?
Os braços de Reno se apertaram, fazendo que ela se
arqueasse para aproximá-la ainda mais a sua ávida boca.
— Lembra-se? — Insistiu.
Antes que Eve pudesse responder, ele prendeu seus lábios
e se apossou de sua boca.
A sensual invasão da língua de Reno arrancou de Eve um
pequeno gemido que surgia mais profundamente de sua
garganta. Seu corpo se enrijeceu, mas não em sinal de protesto
pela crescente ferocidade do abraço, pelo contrário. Ela gostou
de se sentir fortemente pressionada contra o musculoso corpo
dele; necessitava-o de uma forma que nem discutiu.
Os hesitantes toques de sua inexperiente língua contra a
dele mudaram quando se entregou ao sensual jogo. Eve
avançou experimentalmente em sua boca, saboreando todas
suas texturas, entregando-se em uma estranha mistura de
ingênua inexperiência e instintiva sensualidade. E
imediatamente, as sensações que a envolviam fizeram tudo
girar. O ar ficou enroscado em sua garganta até que a
intensidade do que estava sentindo provocou-lhe a falta de ar.
Reno deu um grunhido e desejou se fundir no mesmo
instante com a bela mulher que apertava com força entre seus
braços. Era como se os suaves lábios não soubessem beijar,
nem responder a suas exigentes demandas, como se ele fosse o
primeiro a saborear sua doçura.
Sem dúvida era uma mulher muito experiente para
conseguir excitá-lo daquela forma, pensou em um momento de
atordoamento. Mas assim era. Eve o fazia sentir que nunca
antes havia realmente beijado uma mulher, não assim, não
com aquele desespero, como se não existisse nada no mundo a
não ser os dois, como se fossem duas ávidas chamas que
ardiam e se atraíam intensamente, além das barreiras da carne
e das roupas, além de qualquer coisa que não fossem seus
corpos ardendo de desejo.
Quando Eve afastou os lábios dos de Reno, respirava
entrecortadamente, e sua boca, inchada por seus beijos,
parecia vazia sem a dele. Atordoada, o olhou. O sorriso
satisfeito dele era escuro, ardente, e tão masculino quanto o
poder que emanava de seu corpo.
Sem lhe dar trégua, seus fortes dedos se afundaram na
tenra carne dos quadris de Eve enquanto a colava contra ele,
deixando-a sentir o fogo que acendera.
Eve sentiu que a noite girava misteriosamente a sua volta
quando a boca de Reno voltou a saquear a sua. Só era
consciente da força dele, de seu calor, das ardentes carícias de
sua língua brincando com a sua, das atormentadoras mordidas
em seu lábio inferior.
Abraçando-o fortemente, ela deixou que seu calor a
invadisse.
— Pequena, está me fazendo arder vivo.
— Não. É você quem me faz arder.
Desejava deitá-la sobre a grama e se afundar em seu
cálido e acolhedor corpo, mas sabia que seria uma loucura.
Poderia ser letal.
Maldito Slater, Reno se enfureceu em silêncio. Deveria tê-lo
matado em Canyon City. Se o tivesse feito, não precisaria
passar todo o tempo olhando por cima do ombro.
De repente, os braços de Reno ficaram tensos e
levantaram Eve segurando-a no ar. Sem interromper o beijo, a
levou em dois breves passos até a erosão do saliente de arenito,
se sentou e a colocou sobre seu colo.
Eve só deu um pequeno gemido de surpresa. O revólver de
Reno ficou esquecido sobre a saliência, mas Jericho Slater
pareceu ficar muito longe. O beijo de Eve, tão selvagem quanto
o de Reno, exigia e cumpria suas sensuais demandas.
Ele nunca estivera com uma mulher que o desejasse tanto
para se esquecer do evasivo jogo de provocação e retirada ao
qual estava tão acostumado. Saber que Eve o desejava tanto
fazia as entranhas de Reno estremecerem com um desejo que
nunca experimentara. O que aquela mulher o fazia sentir
deixava-o aterrorizado, porque nunca sentira aquilo com
nenhuma outra. Suas entranhas ardiam com uma paixão que
ameaçava fazê-lo arder.
— Deus santo. — Reno exclamou. — Menos mal que este
vestido não tenha botões.
— Por... por quê?
— O teria desabotoado e o teria abaixado até a cintura
antes que você pudesse piscar. E isso teria sido um erro.
A selvagem demanda da boca de Reno impediu que Eve
pudesse protestar. O tecido do vestido que usava estava muito
desgastado pelo uso, e com o tempo se tornara tão fino que não
era uma grande barreira para as ardentes carícias das mãos de
Reno. Achava-se completamente indefesa diante dele, porque
nada salvo aquele gasto tecido cobria a suave pele dela.
O juízo de Eve se evaporou, e em vez de se afastar, se
abandonou ao seu contato, ao que ele lhe fazia sentir enquanto
torturava e acariciava seus seios com uma variedade de
sensuais pressões de seus quentes e firmes dedos.
Atordoada pelo desejo que nublava sua mente, não fez
nenhuma objeção quando Reno começou a seduzir seus
generosos seios com os lábios. Seus já tensos mamilos se
endureceram ainda mais quando a umidade da boca de Reno
atravessou o tecido, e gritou quando seus dentes a
atormentaram. Ardentes e inesperadas ondas de prazer
percorreram seu corpo fazendo-a se arquear e se sentir como se
um violento raio a tivesse atravessado.
Os roucos sons que fazia estiveram a ponto de fazer Reno
ultrapassar o limite de seu controle. Suas mãos se apertaram
sobre o frágil corpo de Eve enquanto lutava para controlar a
inesperada fúria de seu desejo, o que fez com que as
desgastadas costuras do vestido se rasgassem na altura do
ombro com um seco ruído. No instante, um pedaço do tecido
caiu, revelando um seio perfeito, ereto e cheio.
Reno grunhiu. Não pretendia tentar a si mesmo daquela
forma, mas uma vez feito, não conseguia resistir.
Inclinou a cabeça e segurou o duro bico de seu seio nu em
sua boca. Eve cheirava como as quentes noites de verão, a
lilás, a nascentes ocultas e a prazeres secretos. Ela era tudo o
que ele sempre necessitara, tudo o que ansiava em suas longas
e solitárias noites no deserto. Não lhe importava o perigo que
pudesse estar espreitando-os na escuridão.
O resto do vestido cedeu com um suave som que se
perdeu entre os trêmulos gritos que Eve emitia enquanto a
boca de Reno e suas mãos sensibilizavam seus seios ao ponto
da dor. Sabia que deveria protestar por aquelas carícias muito
intimas, mas, pela primeira vez em sua vida, se sentia
protegida e quase amada, mesmo sabendo que ele só queria
seu corpo. No entanto, a tentação de se deixar arrastar, de se
deixar levar por aquele inalcançável sonho, tornava impossível
se negar às demandas masculinas.
Eve não notou que Reno deslizara a mão entre suas
pernas até que os dedos tocaram sua oculta suavidade. Tudo o
que sabia era que o doce e selvagem desejo que sentia a
conduzia por um caminho de fogo para algo desconhecido, algo
feroz e bonito ao mesmo tempo, algo que deveria alcançar ou
não valeria a pena viver. Os dedos de Reno se moviam
habilmente, procurando... e encontrando o lugar que ocultava
o prazer de Eve. Ele a atormentou com diferentes pressões de
seu dedo, a acariciou, a torturou sem piedade até que a paixão
explodiu de repente no íntimo dela.
Chocada, ela se achou indefesa diante das violentas
contrações que se sucediam no mais profundo de seu ser e que
a faziam se retorcer como uma chama sobre o colo de Reno,
procurando uma liberação daquela abrasadora necessidade
que nunca antes havia sentido. Sufocava, seu corpo deixara de
ser seu para ser tomado por um prazer que se tornava cada vez
mais forte até se sentir molhada por um calor líquido que a
assustou, deixando-a inerte entre os fortes braços masculinos.
— Está me matando. — Eve sussurrou entrecortadamente
quando finalmente conseguiu falar.
Reno soltou uma risada rouca.
— Não. Você está me matando. Faça outra vez para mim,
pequena.
— O quê?
Reno moveu seus dedos e acariciou com delicadeza a
suave carne que chorava apaixonadamente diante de sua
carícia.
Eve soltou um grito abafado diante do íntimo contato e
sentiu como o fogo líquido de seu corpo se derramava uma vez
mais sobre a forte mão de Reno.
Sem lhe dar trégua, Reno a levantou com extrema
facilidade e a fez se sentar encavalada sobre suas coxas.
Quando lhe subiu a saia, Eve viu que suas calças estavam
desabotoadas e que a rígida e contundente prova de sua
excitação era mais que evidente sob a luz da lua.
Eve compreendeu muito tarde o que estava ocorrendo.
Sabia muito bem quem pagaria e se lamentaria ao final, por
tudo aquilo.
Um homem só deseja uma coisa de uma mulher, que não
reste a menor dúvida sobre isso.
— Não. — exclamou. — Reno, não!
— Deseja-o tanto quanto eu. Está tremendo de desejo.
— Não! — gritou freneticamente. — Prometeu que não me
tomaria se eu não desejasse. E eu não desejo!
Reno pronunciou entre dentes palavras que fizeram
empalidecer mais o rosto já emaciado de Eve. Sem prévio aviso,
afastou-a de seu colo, com um empurrão, com tal rapidez que
Eve mal pode manter o equilíbrio apoiando-se na beirada da
pedra. Aborrecida pelo ocorrido, subiu o vestido para cobrir
sua nudez e o olhou com uma raiva que era tão grande quanto
fora sua paixão.
— Não tem direito de me insultar! — Disse com voz
agitada.
— Maldição! Desde já que sim! Provocou-me e...
— Como o provoquei? — Interrompeu-o cheia de fúria. —
Eu não tirei sua roupa e enfiei minha mão entre suas pernas
e...
— ... derramou-se sobre mim. — Reno grunhiu,
levantando a voz por cima da dela.
— Eu... não... não tinha intenção... — Eve gaguejou. — Eu
não sei... não sei o que aconteceu.
— Mas eu sim. — Reno replicou impiedosamente. — Uma
manipuladora que se encontra presa em sua própria
armadilha.
— Eu não sou o que você pensa!
— Não para de dizer isso, mas continua se comportando
como uma mentirosa. Você me desejava.
— Você não entende.
— Claro que entendo!
Eve fechou os olhos e apertou o gasto e esfarrapado
vestido contra seu corpo com dedos trêmulos. Sentindo-se
ferida no mais profundo, a única coisa que desejava era gritar.
— Porque os homens só desejam uma coisa de uma
mulher? — Perguntou furiosa.
— Sinceridade? — Reno perguntou com rapidez. — Ao
inferno se eu sei. Não acredito que a sinceridade seja uma de
suas qualidades.
— E eu não acredito que tenha nenhum homem que tome
o que deseja e depois não desapareça sem pensar nem por um
segundo no que fez!
— Em que está pensando? Em casamento?
A sarcástica e zombeteira pergunta de Reno explodiu no
silêncio da noite e Eve a sentiu em sua pele como se a tivesse
golpeado com um chicote. Abriu a boca, mas não conseguiu
falar. A dor a atravessou ao perceber que ele tinha razão. Ela
desejava um homem que a amasse o suficiente para construir
uma vida juntos. Mas era muito inteligente para falar de amor
com aquele pistoleiro cujo corpo manifestamente excitado,
resplandecia sob a luz da lua e que só procurava satisfazer seu
escuro desejo em seu corpo.
— Desejo um homem que se preocupe comigo. —
Respondeu por fim.
— Isso era o que eu pensava. — Reno afirmou. — Deseja
alguém que a cubra de luxos e comodidades, e ao inferno com
o que ele desejar.
— Não me referia a isso!
— Mente.
— Falava em ser amada, — protestou apaixonadamente.
— não que me tratasse como uma princesa entre almofadas de
cetim!
Eve se afastou precipitadamente quando Reno se levantou
e começou a abotoar as calças com rápidos e bruscos
movimentos. Amaldiçoava sem cessar, irritado consigo mesmo
e com a jovem de salão que podia fazer com que ele a desejasse
como nunca desejara nenhuma outra mulher.
— Não importa o quanto me excite, — Reno afirmou com
violência. — não suplicarei, nem me deixarei prender pelas
frias cadeias do casamento.
Abaixou-se, recolheu seu revólver e girou o carregador
para comprovar que estivesse cheio. Suas palavras foram como
a própria pistola: frias, duras e implacáveis.
— As mulheres se vendem no casamento da mesma forma
que as prostitutas vendem seu corpo durante uma hora.
— Foi assim no caso de Willow e Caleb? — Desafiou.
A sombria expressão que endureceu de repente os
marcados traços masculinos fez com ela estremecesse.
—Eles são a exceção que confirma a única regra que sigo.
— Reno disse enquanto embainhava o revólver com um rápido
movimento e lhe dirigia um frio sorriso
— E que regra é essa? — Eve perguntou, apesar de
pressentir que não gostaria da resposta.
Tinha razão.
— Não se pode confiar nas mulheres, — respondeu
taxativo — mas sim no ouro.
CAPÍTULO 11

Começaram a marcha antes que o amanhecer fosse uma


vaga promessa ao longo do horizonte. Concentrando toda sua
atenção na paisagem e nos diários, Reno não dirigiu nem uma
palavra a Eve.
Ao meio dia, Eve já começava a se cansar dos monólogos
que dedicava à sua égua. Os dois cavalos de carga de Wolfe não
eram melhor companhia. Na verdade, eram piores. Nem se
dignavam a mover uma orelha quando ela se dirigia a eles.
— Teimosos como mulas, iguais a ele. — Manifestou em
voz alta.
Se Reno a ouvira, e ela estava certa que sim, fez caso
omisso de sua interrupção. Continuou abrindo primeiro um
diário, depois o outro e colocando os livros sobre sua coxa
enquanto tentava encontrar algo.
— Posso ajudar? — Eve perguntou finalmente.
Reno balançou a cabeça sem levantar o olhar.
Percorreram outro quilômetro sem que nada mudasse,
exceto que Reno parou o tempo suficiente para pegar a luneta e
dar uma boa olhada tanto ao terreno que se estendia diante
deles, quanto ao que haviam deixado atrás. Depois guardou o
instrumento e apressou Darla a seguir a marcha.
Nos dias passados, o silêncio não havia aborrecido Eve. Na
verdade, fora bem relaxante, já que lhe permitia usufruir
observando as coloridas formações de rochas que não
deixavam de se transformar e imaginando como elas chegaram
a ter aqueles aspectos.
Naquela manhã era diferente. O silêncio de Reno
inquietava Eve de uma forma que não conseguia entender.
— Estamos perdidos? — Atreveu-se a perguntar.
Ele continuou sem responder.
— Porque não deixa seu aborrecimento de lado e me
responde? — Eve resmungou.
— Procure manter silêncio, jovem de salão. Estou
procurando um caminho para contornar isso.
Eve olhou o lugar que Reno apontava, sem ver nada mais
que outro leito de um rio seco que descia para outra fenda na
terra, outro degrau mais que ela chamava para si mesma de a
Escada de Deus, que descia até os pés do labirinto de pedra
dos cânions.
— Já nos vimos em situações piores. — Eve comentou.
— Não sei por que sinto uma estranha sensação na nuca.
— Talvez não tenha enxaguado bem o sabão.
Ele se virou para olhá-la fixamente aos olhos.
— Está se oferecendo para provar de novo?
— Com sua garganta em uma mão e uma navalha na
outra? — Eve zombou com suavidade. — Não me tente
pistoleiro.
Reno olhou à mulher que na noite anterior fora como uma
tempestade de verão, selvagem e sensual. Somente ao se
lembrar, seu sangue começou a fluir com força, inflamando-o e
endurecendo-o em uma tórrida rajada. Embora, no final, ela
lhe tivesse negado a única coisa que ela lhe oferecera como
prêmio.
Mas pelo menos, havia desfrutado da amarga satisfação
de saber que não era o único que dormira mal naquela noite,
apertado pelas garras do desejo não satisfeito.
— Espere aqui. — ordenou — Vou verificar se existem
marcas que se dirijam à fenda. Se me acontecer algo, vire-se e
corra para o rancho de Cal.
Reno a deixara para trás para reconhecer o terreno em
mais de uma ocasião, mas era a primeira vez que a alertava tão
claramente do perigo. Eve o observou, inquieta, enquanto
cavalgava de um lado ao outro do cânion observando os
acessos mais óbvios à fenda.
Finalmente, Reno lhe fez sinal para avançar. Enquanto
Eve se aproximava com os cavalos de carga, ele sacou o
revólver, verificou que estivesse carregado e voltou a colocá-lo
no coldre. Depois sacou outro revólver, dois carregadores de
reposição de um dos alforjes e um estranho arreio, parecido
com uma bandoleira mexicana. Depois de carregar o segundo
revólver, colocou-o em seu coldre e colocou o arreio, que
continha os carregadores sobressalentes.
Eve observou os preparativos com preocupação enquanto
ele verificava a munição que levava, bala a bala.
— Há alguma coisa que não esteja me contando? — Eve
perguntou.
Reno franziu o cenho.
— Duvido. Sempre lhe disse exatamente o que pensava.
— Nunca antes você necessitou mais de uma arma. —
Insistiu.
— O diário de Cal menciona uma passagem mais estreita
do que as que atravessamos até o momento.
— Os cavalos poderão atravessá-la?
— Sim, mas meu rifle de repetição não serve para nada em
um lugar tão apertado. — Reno respondeu com calma.
— Entendo.
Inquieta, Eve tirou o chapéu, prendeu as mechas soltas
em um coque improvisado e olhou para todos os lados, exceto
para os glaciais olhos verdes de Reno. Não queria que ele
soubesse que ela se sentia assustada.
E também sozinha.
— E a minha escopeta? — Perguntou depois de um
momento.
— Use-a, mas garanta-se de acertar no alvo. Uma bala
rebatida nas pedras pode ser perigosa para quem dispara.
A jovem assentiu.
— As rédeas do primeiro cavalo de carga ainda estão
unidas às suas? — Reno perguntou.
Eve voltou a assentir.
— Desamarre-as e coloque-o entre nós. — ordenou.
Sem poder evitar por mais tempo olhá-lo aos olhos, Eve
virou bruscamente a cabeça para ele.
— Por quê?
Reno viu as sombras de inquietação nos olhos ambarinos
e sentiu desejo de apertá-la entre seus braços para reconfortá-
la.
Mas para tranquilizá-la, precisava mentir. O caminho que
se estendia diante deles seria perigoso, e a intuição de Reno lhe
indicava que deveria estar muito alerta. Não faria nenhum
favor a Eve consolando-a, porque deveria fazer uso de toda sua
atenção, assim como ele.
— Existem muitas marcas. — explicou — O solo é muito
arenoso para ter certeza se são de mustangs ou de cavalos
ferrados. No caso de Slater nos ter preparado uma emboscada,
dispararia em mim. Mas se você estiver muito perto alguma
bala poderia alcançá-la, então, coloque os cavalos de carga
entre nós.
— Correrei esse risco.
Reno arqueou as sobrancelhas.
— Faça o que quiser. Mas ainda assim desate o primeiro
cavalo.
— Se dependesse de mim, — Eve manifestou, enquanto
obedecia. — nos manteríamos afastados dessa fenda.
— É a única rota que leva ao ouro segundo o seu diário, a
não ser que prefira voltar a atravessar as Rochosas e pegar o
caminho que vem de Santa Fe.
— Maldição. — Eve murmurou. — Levaríamos quase um
ano para chegar até aqui.
— Esta rota também leva até a única fonte de água
segura.
Desalentada, suspirou. Nunca tivera consciência de
quanta água necessitava para manter os cavalos em marcha, e
quanto podia chegar a ser valiosa.
— Talvez Slater tenha se rendido. — Aventurou.
— Poderia ter renunciado a castigar uma jovem de salão
que roubou seu tesouro, mas não acredito que renuncie ao
ouro. Ou, — acrescentou sarcasticamente — ao homem que
ajudou a acabar com o bando de seu irmão gêmeo a tiros.
— Você?
Reno assentiu.
— Cal, Wolfe e eu.
— Caleb Black? Meu Deus, o que acontecerá se Slater
decidir se ocupar de Caleb em lugar de seguir nosso rastro?
— Esse foragido é muito inteligente para fazer algo assim.
Cal conta com vários homens perigosos que trabalham para
ele. Entre eles, há três escravos libertados. Dois eram soldados.
O terceiro é conhecido como Homem de Aço; é um índio
aborígene e não deixa que nenhum humano se aproxime dele.
Eve franziu o cenho.
— Exceto Willow. — Reno acrescentou, vendo a
preocupada expressão dela — Ela cuidou dele depois que
comeram carne estragada. Conhece os segredos dos antigos
remédios e por isso acreditam que é alguém muito especial.
Suas mulheres também a respeitam, incluindo a comanche que
não consegue decidir-se entre Urso Encurvado e o Homem de
Aço.
— Andam armados?
— Claro que sim. De que serve um homem desarmado
nestas terras?
— De todo modo, — Eve insistiu — Slater conta com
muitos homens.
— Não se preocupe com Cal. Sabe se cuidar muito bem
sozinho, acredite-me. Gostaria que pudesse ter nos
acompanhado nesta viagem.
Sem dizer mais, Reno fez a sua égua cor de aço avançar à
fenda. A montaria de Eve o seguiu imediatamente, assim como
os cavalos de carga apesar de estarem soltos.
Reno não precisou dizer a Eve que se mantivesse em
silêncio. Cavalgava igual a ele, alerta a qualquer sombra,
pendente de qualquer curva no leito do rio onde pudessem se
esconder cavaleiros dispostos a lhes estender uma emboscada.
A escopeta, que permanecia sobre seu colo brilhava nos poucos
pontos onde a luz do sol chegava.
Camadas de pedra se amontoavam umas sobre as outras
até que o céu se convertesse em pouco mais que uma franja
carregada de nuvens no alto de suas cabeças. Não se ouvia
nenhum som fora o rangido do couro, o seco toque de uma
cauda de cavalo ou o ruído dos cascos suavizado pela areia.
Finalmente a franja de céu nublado sobre suas cabeças
começou a aumentar, indicando-lhes que se achavam quase
fora do árido leito do rio que separava as imponentes paredes
de pedra. Bem diante deles, o canal dobrava à direita
contornando uma rocha.
De repente, a égua cor de aço tentou retroceder e Reno
gritou para Eve que desse cobertura.
Então, se ouviram gritos e as balas começaram a assoviar
entre as paredes de pedra. No meio do estrondo, Reno disparou
nos homens que saiam de seu esconderijo atrás do muro de
pedra que surgia bem em frente ao seu cavalo.
A velocidade de Reno desembainhando e atirando com
ambas as pistolas surpreendeu os atacantes. Sua letal pontaria
deixou perplexos os homens que sobreviveram à brutal rajada
dos primeiros doze disparos. Os foragidos que ainda podiam se
locomover se esconderam no meio de um caos crescente, sem
deixar de amaldiçoar entre dentes.
Com movimentos tão rápidos que eram impossíveis de ser
seguido com os olhos, Reno substituiu os carregadores vazios
por outros cheios e recomeçou a disparar antes que seus
atacantes pudessem se recuperar.
— Às nossas costas! — Eve gritou.
A última parte da frase se perdeu no ensurdecedor ruído
produzido pela escopeta, quando apertou o gatilho. Os dois
foragidos que permaneceram escondidos entre a erva daninha
de um cânion lateral, gritaram de dor quando os chumbos
grossos disparados pela jovem alcançaram seu objetivo.
Reno virou sua égua e disparou tão rápido que o som de
suas balas ficou amortecido pelo ruído da escopeta. Os homens
caíram ao chão e não se moveram mais.
— Eve! Está ferida?
— Não. E você, está...?
O resto da pergunta ficou interrompida pelo irregular
estrépito de cascos de cavalos ressoando entre as paredes.
— Estamos presos! — Eve gritou.
— À esquerda!
Enquanto falava, Reno açulou os cavalos de carga e a
égua de Eve para o estreito cânion lateral, colocando-se em
último lugar na fila. A toda velocidade saltaram por cima dos
corpos dos dois foragidos e entraram na pequena abertura.
Alguns metros mais adiante, o cânion virava bruscamente.
Eve se agarrou a sua montaria com os joelhos e os
tornozelos, tentando recarregar a escopeta enquanto o animal
percorria o caminho cheio de obstáculos a galope. Conseguiu
enfiar um cartucho, mas quando estava tentando colocar o
outro, ele escapou dos dedos quando sua égua derrapou sobre
um pedaço de pedra que surgia no meio da fina camada de
areia. O mustang caiu sobre seus joelhos, mas se ergueu no
mesmo instante, com uma força que fez surgir faíscas quando
suas ferraduras de aço se chocaram contra a rocha mais dura
que o arenito.
Depois disso, Eve desistiu de continuar carregando a
escopeta e se concentrou em permanecer montada.
Um quilômetro e meio mais adiante, o antigo curso
começou a subir de forma abrupta sob os cascos dos cavalos
incansáveis e sonoros. Já não havia mais álamos que
interferissem no campo de visão de Eve. Só precisava saltar ou
evitar alguns poucos arbustos.
As paredes de rocha estratificada estreitavam a passagem
e a manta de areia cada vez se tornava mais fina dando
passagem a trechos de rocha polida pela água. O caminho se
tornou perigosamente escorregadio e irregular. Até mesmo os
duros e ágeis mustangs enfrentaram graves problemas para se
manter em pé muitas vezes.
— Pare! — Reno gritou finalmente.
Agradecida, a jovem parou seu cavalo. Virou-se para fazer
uma pergunta, mas a única coisa que pode fazer foi observar
como Reno esporeava a sua montaria para que voltasse sobre
seus passos.
Os cavalos de carga ficaram juntos à égua de Eve como se
necessitassem que ela os reconfortasse. Tateando, Eve enfiou
um segundo cartucho na escopeta antes de se inclinar sobre a
sela para comprovar os equipamentos dos animais. Tudo
estava em seu lugar. Até mesmo os incômodos barris
continuavam em seu lugar, assim como as picaretas e as pás.
Reno era tão cuidadoso preparando os animais quanto era
cuidando de suas armas.
De repente, se ouviram mais disparos, e o eco que
produziram causou a Eve ainda mais angústia. Os mustangs
de Wolfe bufaram e se juntaram ainda mais a ela, mas não
mostraram que debandariam. O coração de Eve batia tão forte
que teve medo de ter seu peito rompido.
De novo se ouviram mais tiros. Mas o silêncio que se
seguiu ao estrondo foi pior do que qualquer outro som.
Eve contou até dez e não aguentando por mais tempo,
esporeou seu cavalo e voltou sobre seus passos a toda
velocidade para ver o que havia acontecido com Reno. A égua
jogou as orelhas para trás, se inclinou à frente e começou a
galopar com a cabeça baixa e a cauda alta apesar do chão
inseguro.
O som de cascos se aproximando alertou Reno e
conseguiu girar seu cavalo a tempo para ver como Eve se
aproximava a toda velocidade sobre seu mustang. A égua
saltou uma rocha, espalhou areia por todos os lados quando
afundou suas patas sobre o solo e quase caiu em um trecho de
pedra escorregadia.
Reno pensou que aquilo a fizesse reduzir a velocidade,
mas tão rápido quanto o animal recuperou o equilíbrio, ela
continuou galopando.
— Eve!
Ela não o escutou.
Reno se dirigiu com rapidez para ela e conseguiu agarrar
as rédeas de sua montaria. A égua se ergueu sobre as patas
traseiras ao notar que a puxavam, fazendo-a frear
bruscamente.
— Mas, que diabos está...? — Reno gritou.
— Está bem? — Eve perguntou com urgência.
— ... fazendo? Claro que estou...
— Eu ouvi os tiros e depois tudo ficou silencioso. Chamei
você, mas não me respondeu.
Os ansiosos olhos de Eve percorreram a figura dele em
busca de algum ferimento.
— Estou bem, — afirmou com voz tensa — se não
levarmos em conta que quase me faz ter um infarto vendo-a
correr com seu cavalo sobre este terreno tão perigoso.
— Pensei que você estivesse ferido.
— E o que pretendia fazer? Pisotear o bando de Slater com
sua égua?
— Eu...
— Se voltar a tentar algo parecido, — a interrompeu
cortante — eu a porei sobre meus joelhos e lhe darei alguns
bons açoites no traseiro.
— Mas...
— Nada de mas. — Explodiu violentamente. — Poderia ter
se metido no meio de um fogo cruzado e ter ficado em tiras.
— Pensei que isso era o que havia acontecido com você.
Reno respirou profundamente e tentou controlar a fúria
que ameaçava fazê-lo perder os estribos. Encontrara-se em
muitas situações difíceis e atiraram nela muitas vezes, mas
nunca se sentira tão assustado como quando viu Eve se
aproximar sobre seu cavalo a todo galope naquele escorregadio
caminho.
— Fui eu quem lhes estendi a emboscada. — Reno
esclareceu, finalmente. — Não eles a mim.
Um suspiro entrecortado foi a única resposta de Eve.
— Passará um bom tempo antes que voltem por mais. —
continuou — Ainda que seja melhor que não demorem muito.
— Por quê?
— Por causa da água. — Respondeu sucintamente. —
Este cânion está totalmente seco.

Eve ergueu o olhar inquieta quando Reno voltou de sua


breve exploração do cânion lateral. A sombria linha de sua
boca lhe disse que não descobrira nada bom.
— Seco. — Ele anunciou.
Eve esperou que continuasse falando.
— E cego. — Acrescentou.
— Como?
— Não tem saída.
— A que distância ele acaba?
— Bem, a uns três quilômetros.
Eve olhou em direção ao lugar onde os homens de Slater
esperavam as suas presas.
— Eles também precisam de água. — Ela apontou.
— Um só homem pode conduzir muitos cavalos até a
água. Os outros continuarão em seu lugar, esperando que a
sede nos obrigue a fazer alguma estupidez.
— Então, precisamos passar através deles.
O sorriso de Reno não foi tranquilizador.
— Em geral, — comentou com sarcasmo — prefiro tentar
escalar um cânion do que me ver preso em um fogo cruzado.
E o que acontecerá com os cavalos? — Perguntou
inquieta, olhando à parede de pedra que se erguia para o céu.
— Mais adiante desmontaremos para libertá-los do nosso
peso.
O que Reno não disse foi que um homem a pé em uma
terra sem água, como aquela, não possuia muitas
possibilidades de sobreviver. Mas por menor que fosse aquela
possibilidade, sempre seria maior do que a de sair com êxito do
assédio dos homens de Slater em um estreito cânion.
— Vamos. — Ele animou-a — A única coisa que
conseguiremos a partir de agora é ficarmos mais sedentos.
Eve não protestou. Já sentia a boca seca. Podia imaginar a
sede que teriam os mustangs, que se viram forçados a realizar
uma verdadeira corrida de obstáculos através do calorento
cânion.
— Você primeiro. — Reno ordenou. — Depois os cavalos
de carga.
O leito seco do rio se estreitava até se transformar em
pouco mais que uma brecha polida pela água que serpenteava
através da sólida rocha. Por cima de suas cabeças, as nuvens
iam se unindo e engrossando até formar uma densa camada
sobre a árida terra, e os trovões retumbavam na distância atrás
dos invisíveis relâmpagos.
— Será melhor que reze para que não chova. — Reno
sugeriu quando observou como ela olhava com esperança às
nuvens.
— Por quê?
Reno fez um gesto à parede do cânion.
— Vê essa linha?
— Sim. Estive me perguntando o que significava.
— Marca até onde chega o nível da água.
Assustada, Eve observou a linha que percorria o muro do
cânion acima de suas cabeças. Depois voltou a olhar para
Reno.
— Mas, de onde sai tanta água?
— Da parte alta do planalto. Durante as grandes
tempestades, a chuva cai tão rápido que a terra não consegue
absorvê-la provocando que estes tipos de cânions se inundem
muito rapidamente.
— O inferno deve ser parecido a isto. — Eve resmungou.
— Ou com areia ou se afoga com a chuva.
Os lábios de Reno quase deram um sorriso.
— Estive a ponto de fazer ambas as coisas uma, ou outra
vez.
No entanto, nunca se vira em uma situação tão perigosa
como aquela, com um caminho sem saída pela frente, foragidos
às suas costas e sem uma gota de água ao seu alcance.
Em silêncio, Reno examinou as paredes do cânion onde
estavam presos. Algo que viu, fez com que seu rosto mostrasse
ainda mais preocupação.
— Pare. — Ordenou a Eve.
A jovem obedeceu e olhou por cima do ombro. Reno estava
sentado com ambas as mãos sobre o pomo de sua sela,
observando o estreito cânion como se nunca tivesse visto nada
mais interessante.
Após um minuto, ele urgiu a sua égua para que
avançasse, e fez com que os outros cavalos se enfiassem na
diminuta ranhura que descobrira em seu primeiro
reconhecimento do terreno. Havia descartado aquela fenda
como canal de escape, mas agora acreditava que podia ter se
precipitado.
— Sua escopeta está carregada? — Reno lhe perguntou.
— Sim.
— Alguma vez usou um revólver?
— Alguma vez. Ainda que não seja capaz de acertar em
um estábulo a mais de nove metros.
Reno se virou e a olhou. O sorriso que lhe deu a fez
recordar como ele era bonito.
— Não se preocupe. Nenhum estábulo se aproxima
sigilosamente de nós.
Ao ouvir aquilo, Eve não conseguiu evitar uma
gargalhada.
Reno pegou seu segundo revólver e tirou uma bala do
carregador antes de voltar a colocar a arma no coldre.
— Tome. — Disse enquanto estendia o coldre para ela. —
O martelo está em uma câmara vazia, então terá que apertar o
gatilho duas vezes para disparar.
O coldre parecia para Eve como um casaco de adulto para
um menino. Quando Reno estendeu o braço para ajustá-lo,
tocou um de seus seios acidentalmente com o dorso dos dedos.
Eve respirou rápida e bruscamente, e aquela repentina reação
fez com que a mão dele voltasse a tocar seu seio. Ambas as
carícias fizeram seus mamilos se entumecerem no instante.
Reno ergueu os olhos de seu seio para olhar os intensos
olhos ambarinos dela, que o obcecava até mesmo em sonhos.
— Está tão cheia de vida... — disse em tom áspero — E
esteve tão perto de morrer...
Meu Deus, se tivesse acontecido alguma coisa... Reno não
queria pensar naquilo. Seu coração simplesmente deixara de
bater ao vê-la em perigo, e, por um momento, só por um
momento, o pensamento de que não queria viver em um
mundo sem ela, sem tornar a ver seu doce rosto, invadiu sua
mente.
Tentando se concentrar no que estava fazendo, ajustou o
coldre o máximo possível ao corpo de Eve e, dizendo a si
mesmo que não deveria fazê-lo, estendeu os braços para ela,
deslizou a mão por trás de seu pescoço atraindo-a para ele e se
inclinou sobre seu rosto.
— Vou verificar essa ranhura. — Disse falando contra
seus lábios. — Vigie que ninguém se aproxime por trás
enquanto o faço.
— Tenha cuidado.
— Não se preocupe. Tenho previsto viver o suficiente para
desfrutar de tudo o que ganhei no salão Gold Dust, e isso
inclui você.
Depois daquelas palavras, a beijou profunda e
intensamente. O beijo fez um nó se formar no ventre dela, e
mesmo durando somente um instante, sacudiu até o mais
fundo de seu ser.
Depois, Reno se afastou deixando-a com seu sabor nos
lábios, seu desejo fluindo rápido por suas veias, e suas
palavras a fazendo tremer, porque eram uma advertência e
uma promessa ao mesmo tempo.
Tenho previsto viver o suficiente para desfrutar de tudo o
que ganhei no Gold Dust, e isso inclui você.
CAPÍTULO 12

Poucas horas depois, continuavam abrindo caminho


pouco a pouco entre as pedras, percorrendo um precário
caminho que os levaria longe daquele cânion sem saída. Por
várias vezes, o caminho ameaçou desaparecer, deixando-os ali
bloqueados. Não foi assim, mesmo que tenha estado bem perto.
— Não olhe para baixo.
A ordem de Reno não era necessária. Eve não o teria feito
mesmo que alguém lhe tivesse apontado à cabeça com uma
pistola. Chegou a pensar que se lhe atirassem seria uma
benção, sempre que aquilo significasse não precisar voltar a
guiar um mustang por um estreito caminho que se estendia
muito acima dos pés de um cânion.
— Tem certeza que está bem? — Reno perguntou,
preocupado.
Eve não respondeu. Não tinha forças para dizer nem uma
palavra. Estava muito concentrada em olhar fixamente para
seus pés, desejando não tropeçar.
Os pedregulhos grossos que formavam o arenito ficaram
gravados na mente de Eve. Estava certa que aquela visão
apareceria em seus pesadelos durante anos. Seixos do
tamanho e forma de pequenas bolas de cristal estavam
espalhados por toda a superfície da borda, preparados para
deslizar um pé que se apoiasse descuidadamente.
Os mustangs tinham poucas dificuldades com o caminho,
dispondo de quatro patas. Se uma escorregasse, ainda
restariam outras três para manter o equilíbrio. Eve não possuia
outra coisa do que suas mãos, que ainda doíam pela última vez
que precisara se segurar quando havia tropeçado.
— Vê a rocha branca ali adiante? — Reno perguntou,
tentando animá-la. — É um sinal de que estamos chegando à
borda do planalto.
— Graças a Deus. — Ela sussurrou.
De repente sua égua bufou e abaixou a cabeça para
espantar uma aborrecida mosca, o que fez as rédeas puxar sua
mão, ameaçando fazê-la perder seu precário equilíbrio.
— Não acontece nada. — Reno a tranquilizou em voz baixa
e calma.
Claro que acontecia. Mas Eve não dispunha do ar
suficiente para contrariar Reno em voz alta.
— Era só uma mosca que perturbava seu cavalo. — Ele
continuou. — Coloque as rédeas sobre o pescoço dela. Ela a
seguirá sem necessidade de que a segure.
Um pequeno assentimento de cabeça foi a única resposta
que Reno recebeu.
Quando Eve levantou as rédeas por cima do pescoço do
mustang, seus braços tremiam tanto que quase foi incapaz de
fazê-lo.
Reno apertou as mãos formando punhos. De forma
implacável, obrigou a si mesmo a relaxar um a um todos seus
dedos. Se pudesse percorrer o caminho por ela, o teria feito.
Mas aquilo não era possível.
Com ar sombrio, Reno continuou escalando e chegou até
outro terraço de rocha escorregadia. Sua égua cor de aço se
apoiava com firmeza sobre suas patas, tão segura quanto um
felino, e os outros mustangs se mostravam igualmente ágeis.
Reno avançou rapidamente, ansioso para chegar e superar
o próximo obstáculo, sem perceber que Eve fizera seu mustang
se adiantar no primeiro ponto mais amplo do caminho. Estava
muito concentrado em encontrar o final daquele estreito
caminho. Enquanto não chegasse ao último terraço de pedra
pálida e visse o cume do planalto se abrindo diante dele, não
saberia se haviam percorrido todo aquele caminho para chegar
até um ponto sem saída aos pés de um precipício. Estava
impaciente para descobrir, porque não desejava precisar voltar
sobre seus passos quando começasse a escurecer.
Eve mantinha os olhos fixos nas pequenas marcas que os
cascos dos cavalos haviam deixado sobre a pedra. Cada vez que
chegava a um, das centenas de canais secos que partiam a
enorme superfície de rocha branca, apelava para seu controle e
passava por cima dele, ignorando o negro abismo que se abria
abaixo de seus pés.
Já não olhava à esquerda ou direita, nem tampouco à
frente. E não olhava para trás. Cada vez que vislumbrava o
caminho que deixava às suas costas, sua pele estremecia
diante da visão de uma camada atrás da outra de rocha
descendo abruptamente para uma neblina azul. Não podia
acreditar que havia escalado até ali.
Respirando com dificuldade, Eve parou para descansar
com a esperança de recuperar alguma força em suas cansadas
pernas. Teria dado qualquer coisa por um gole de água, mas
deixara a pesada e incômoda cantimplora amarrada à sela de
sua égua.
Com um suspiro, Eve esfregou suas mãos sobre as
doloridas pernas e subiu engatinhando até o terraço seguinte
para ver o que a aguardava ali. O que viu a fez tremer. Uma
enorme fenda atravessava a rocha branca, dividindo o caminho
que haviam seguido até o momento.
Reno e os cavalos estavam no outro lado.
Não tem mais de um metro de largura, pensou. Posso
atravessá-lo. Saltei riachos mais largos só por diversão. Não
importava se caísse na água, mas se cair agora...
A fraqueza que sentia em seus joelhos a assustou. Estava
com sede, estava exausta e também nervosa depois de passar
horas esperando escorregar e cair a cada passo que dava. E
agora precisava cruzar aquele buraco negro.
Não conseguiria. Simplesmente não poderia.
Basta, pensou com severidade. Superei obstáculos piores
nas últimas horas. Esta fenda deve ter somente um metro de
largura. A única coisa que preciso fazer é dar um pequeno salto
e estarei no outro lado.
Repetir aquela essa ladainha a fez se sentir melhor,
principalmente, quando mantinha os olhos fechados, porque de
onde se encontrava, não podia ver nada fora a abrupta beirada
às suas costas e o abismo diante dela.
Umedeceu seus lábios secos e se sentiu tentada a voltar
algumas centenas de metros e beber de um dos muito
estranhos buracos de diferente tamanhos que havia na solida
rocha, onde se acumulava a água proveniente de alguma chuva
recente.
Finalmente, decidiu não voltar atrás porque não desejava
percorrer nem um metro mais do que fosse absolutamente
necessário. Por outro lado, os buracos estavam repletos de
diminutos insetos.
Tentando criar coragem, respirou fundo e se aproximou à
negra abertura que se estendia entre ela e os cavalos. Pelas
marcas que podia ver na rocha, os mustangs se apoiaram
sobre suas ancas e saltaram até o outro lado da fenda. Não
havia nenhuma beirada no outro extremo. Podia cair de bruços
quando aterrissasse e não importaria.
Seria tão fácil quanto descer por uma escada. Não havia
nenhum segredo.
Dizendo a si mesma que tudo sairia bem, Eve avançou
enquanto respirava fundo. Bem no instante, um seixo deslizou
sob a planta de seu pé, fazendo-a perder o equilíbrio
Assustada, reagiu rapidamente e se virou enquanto caía no
vazio. Estendeu os braços e procurou com os dedos alguma
coisa que pudesse parar sua queda, mas não havia nada ao
que se agarrar exceto o ar. Deslizava por uma rampa de pedra,
precipitando-se para uma noite sem fim.
— Reno! — Gritou desesperada.
Primeiro seus pés e depois as pernas e joelhos, se
chocaram contra o muro de pedra, mas, de alguma forma, suas
mãos conseguiram se agarrar à rocha e parar sua queda. Ficou
apoiada com o rosto contra o chão, com os braços tremendo e
as pernas penduradas sobre o infinito.
Um instante depois, Eve sentiu como uma poderosa força
a obrigava a se soltar da rocha. Resistiu ferozmente até que
percebeu que era Reno quem a erguia e a virava, tirando-a
daquele abismo.
— Acalme-se, pequena. Já a tenho. — Conseguiu
sussurrar enquanto apoiava os pés com firmeza e a apertava
com força contra seu corpo.
Tremendo violentamente, Eve se deixou cair sobre o amplo
peito de Reno.
— Está ferida? — Reno perguntou com urgência.
Ela negou com a cabeça.
Reno observou a palidez de seu rosto, o tremor de seus
lábios e os brilhantes sulcos que as lágrimas deixaram em sua
pele.
— Pode ficar em pé? — A preocupação era evidente em
suas palavras.
Eve respirou de modo hesitante e tentou se sustentar
sozinha. Reno a soltou só o suficiente para verificar que ela
conseguia se manter em pé.
Era capaz de fazê-lo, mas estava tremendo.
— Não podemos voltar. — Ele afirmou. — Precisamos
continuar.
Ainda que tentasse falar suavemente, o aumento de
adrenalina que seu sistema havia experimentado fazia sua voz
soar áspera.
Assentindo para indicar que o compreendia, Eve tentou
dar um passo, mas, suas trêmulas pernas a traíram.
Reno a segurou e tocou seus lábios levemente com os dele.
Aquele beijo não se pareceu em nada com nenhum que ele lhe
dera até aquele momento, porque não exigia nada dela e estava
cheio de carinho. Com extremo cuidado pegou-a entre seus
braços e se sentou sobre a rocha com ela no colo. Durante
alguns minutos, se dedicou a embalá-la com uma ternura
comovente, a sussurrar-lhe palavras suaves e calmantes no
ouvido enquanto Eve tremia com uma mistura de fadiga e
esgotamento, medo e alívio.
Transcorrido algum tempo, Reno pegou a cantimplora que
levava pendurada às costas. Ao som da tampa do recipiente se
desenroscando, seguiu a música da prateada água ao se
derramar sobre o lenço de Reno. Quando o tecido frio tocou
sua pele, Eve estremeceu.
— Fique calma, pequena. — Disse ele em voz baixa. — É
só água, como suas lágrimas.
— Eu... eu não estou chorando. Só... só estou...
descansando.
Reno molhou um pouco mais seu escuro lenço e limpou o
pálido rosto sulcado pelas lágrimas. Ela deixou escapar um
pouco de ar e permaneceu quieta enquanto ele apagava a prova
de seu pranto.
— Beba. — Ele a animou.
Eve sentiu a beirada do metal da cantimplora em seus
lábios. Primeiro bebeu devagar, depois com mais ímpeto ao
sentir como a água refrescava os ressecados tecidos de sua
boca.
Deu um grave gemido de prazer, enquanto o líquido
escorria por sua garganta. Não sabia de algo com um sabor tão
limpo, tão perfeito. Segurando a cantimplora com ambas as
mãos, bebeu avidamente ignorando o fino fio que escapava por
um lado de seus lábios.
Ao vê-lo, Reno secou a água que escorria com seu lenço,
mas logo o descartou e continuou com sua língua. A cálida
carícia surpreendeu tanto Eve que deixou cair a cantimplora.
Ele riu e pegou-a, fechou e voltou a pendurá-la às costas.
— Pronta para continuar? — Perguntou suavemente.
— Por acaso tenho outra opção?
— Sim. Pode superar este obstáculo com os olhos abertos
e comigo ao seu lado, ou pode fazer inconsciente sobre meu
ombro.
Eve abriu muito os olhos.
— Não lhe machucaria. — Reno acrescentou ao ver sua
desconfiança.
Com delicadeza, rodeou sua garganta com as mãos, e seus
polegares encontraram os pontos onde o sangue circulava até
seu cérebro.
— Se eu pressionar um pouco, você desmaiará. —
Explicou com calma. — Despertaria em questão de segundos,
mas já estaria no outro lado.
— Não pode me carregar e atravessá-lo. — Protestou.
— Deixe que eu me preocupe com isso.
Reno se levantou, fazendo Eve ficar em pé e a ergueu do
chão com facilidade. No instante, a moveu, mantendo-a
equilibrada contra seu quadril com um só braço, sem que os
pés dela tocassem o solo em nenhum momento. Foi tudo tão
rápido que ela não teve tempo nem de respirar.
Assustada, percebeu quanta força Reno havia mantido sob
controle quando a tocava. Sempre soubera que era muito mais
forte que ela, mas não fora consciente de quanto mais. Um
estranho e sufocado gemido escapou de seus lábios.
Reno franziu o cenho.
— Não pretendia assustar você.
— Não é isso. — Eve respondeu debilmente.
Reno esperou pacientemente que terminasse de falar
enquanto a observava.
— É só que... — Ela fez um som que era uma risada e um
soluço ao mesmo tempo. — Estava acostumada a ser a forte.
Houve um longo silêncio enquanto Reno pensava no que
Eve havia dito. Então, assentiu devagar. Aquilo explicava
muitas coisas, incluindo porque não lhe dissera o quanto
estava perto de chegar ao seu limite. Possivelmente, nem
mesmo lhe passara pela cabeça fazê-lo. Ela estava acostumada
a ser a pessoa de quem os outros dependiam.
— E eu não costumo viajar acompanhado. — Reno
reconheceu. — Exigi muito de você. Sinto muito.
Com cuidado, voltou a deixar Eve no chão.
— Consegue andar? — Perguntou.
Ela suspirou e assentiu com a cabeça.
Reno deslizou um de seus braços ao redor de sua cintura.
— Pequena gatinha esgotada. Coloque seu braço em
minha cintura e se apoie em mim. Não falta muito.
— Eu posso...
Sem prévio aviso, Reno cobriu a boca de Eve com sua
mão, interrompendo suas palavras.
— Silêncio. — Sussurrou ao seu ouvido. — Alguém se
aproxima.
Eve ficou paralisada e se esforçou para escutar além das
frenéticas batidas de seu coração.
Reno tinha razão. A preguiçosa brisa trazia com ela o som
da voz de alguém amaldiçoando violentamente.
— Abaixe-se! — Reno murmurou entre dentes.
Eve não teve nenhuma opção. Ele a obrigou a se deitar de
boca para baixo sobre a rocha antes que pudesse piscar.
— Mantenha a cabeça abaixada. — ordenou em voz muito
baixa. — Não poderão nos ver até que estejam no alto da
cimeira.
Tirou o chapéu, estendeu para Eve a cantimplora e sacou
o revólver. Ela observou como ele começava a se arrastar sobre
seu estômago subindo a escorregadia beirada.
No outro lado, havia três comanches montados sobre três
fortes mustangs. Sem saber, se dirigiam diretamente para
Reno. Urso Encurvado ia à frente e descobriu Reno
imediatamente. Quando o índio gritou, começaram a uivar e
atirar contra a pálida pedra, fazendo voar pelo ar afiadas lascas
de pedra.
No instante, Reno lhes devolveu os disparos apontando
com cuidado, já que a posição de tiro era mais apropriada para
um rifle do que para um revólver. Não havia muitas
possibilidades de se cobrir, mas os comanches aproveitaram
qualquer irregularidade do terreno. Deitaram-se nas rasas
cavidades, se esconderam atrás dos resistentes pinheiros, ou
se jogaram em uma das muitas gretas que havia na superfície
da escorregadia rocha.
Por azar, todos, exceto Urso Encurvado, estavam fora do
alcance do revólver de Reno. O comanche recebeu um tiro no
braço, mas o ferimento não era grave. No máximo conseguiria
diminuir um pouco os movimentos do enorme índio.
Tomando uma rápida decisão, Reno deslizou até onde Eve
o esperava e a fez se levantar.
— Vão demorar um tempo para se moverem dali. —
explicou — Prepare-se para correr.
Eve queria protestar dizendo que não conseguiria, mas
bastou uma olhada aos olhos verdes como jade de Reno, para
mudar de opinião. Além do que, seus dedos já envolviam seu
braço direito bem por baixo do ombro.
— Dê três passos e salte. — ordenou.
Eve não teve tempo para titubear ou se inquietar, porque
Reno já estava jogando-a à frente. Deu três longas passadas e
saltou como uma gazela. Ele permaneceu bem ao seu lado
voando sobre o canal negro, aterrissando e mantendo-a ereta
quando seus pés escorregaram. Alguns segundos depois, se
encontravam correndo sobre a superfície plana da rocha.
Eve nunca se movera tão rápido em sua vida. A poderosa
mão de Reno estava fortemente fechada ao redor de seu braço,
levantando e empurrando-a para diante e voltando a levantá-la
no instante em que seus pés tocavam o solo.
Estavam quase chegando até os cavalos quando as balas
dos rifles começaram a uivar a sua volta, fazendo estalar a
rocha. Reno não tentou se esconder. Simplesmente aumentou
a pressão sobre o braço de Eve e correu mais rápido para o
barranco à frente deles. Sabia que sua única oportunidade de
sobreviver dependia de alcançar a fenda onde os cavalos
estavam ocultos, antes que os comanches de Slater
recarregassem seus rifles.
O ar entrava e saía com dificuldade dos pulmões de Eve
enquanto corria junto a Reno, presa pela férrea mão que se
fechava ao redor de seu braço. Quando pensou que já não
poderia correr mais, uma bala rebateu muito perto deles.
Então, Eve correu ainda mais rápido, confiando em que Reno a
seguraria se tropeçasse.
A rocha começou a se inclinar bruscamente sob seus pés e
desceram juntos patinando sobre a abrupta encosta. Os
mustangs bufaram e deram um salto assustados enquanto
Reno colocava Eve sobre sua montaria, saltava sobre seu
próprio cavalo e subia o barranco a galope.
Em seguida, o caminho começou a se estreitar e a se
inclinar bruscamente. Reno manteve os cavalos olhando para
cima, sem parar quando o caminho se tornou tão estreito que
os estribos tocavam a pedra. Abrindo caminho como felinos, os
ágeis mustangs subiram através dos perigosos entulhos.
De repente, se encontraram com um amplo planalto que
se abria diante deles. Reno não parou para se felicitar pela boa
sorte que tiveram por não ficarem presos em um barranco sem
saída. Fez a égua se virar e se aproximou veloz do mustang que
carregava os pequenos barris de pólvora. Puxou um deles,
pegou uma bolsa de couro da parte posterior da sela e se virou
para Eve.
— Vou tentar cortar o caminho deles. — Informou-a de
forma brusca. — Leve os cavalos a uns cem metros de
distância e amarre-os.
Eve pegou as rédeas de Darla, fez sua égua avançar e se
dirigiu ao planalto. Os dois cavalos de Wolfe a seguiram. A uns
cem metros de distância, desmontou, amarrou a sua égua e foi
correndo para Darla. A mustang bufou assustada, mas estava
muito cansada para tentar morder quando as mãos estranhas
seguraram suas patas dianteiras com uma corda. Os cavalos
de carga já se encontravam comendo grama avidamente e ela
os amarrou antes que pudessem perceber o que acontecia.
Sem perder nem um segundo, Eve pegou o rifle de
repetição da funda que estava pendurada da sela de Darla,
pegou também sua própria escopeta e retornou correndo ao
lugar onde se achava Reno.
— Pode vê-los já? — Perguntou ofegando.
Reno se virou para ela surpreso.
— O que está fazendo aqui? Disse-lhe que...
— Já os amarrei. — Eve o interrompeu.
— Isso eu espero, ou ficaremos sem montarias.
Reno voltou a se abaixar, e movendo-se com rapidez,
despejou pólvora em uma pequena lata.
— O que está fazendo? — perguntou.
— Preparando tudo para fazer cair um bom pedaço de
rocha sobre nossos perseguidores.
Ao acabar de falar, chegou a eles o som de acaloradas
vozes masculinas.
— Maldição! Já estão aqui. — Reno resmungou. — Sabe
disparar um rifle?
— Melhor do que um revolver.
— Bem. Mantenha esses comanches longe enquanto eu
acabo. Deixe-me a escopeta.
Quando Eve começou a avançar, Reno a parou.
— Mantenha-se abaixada. — Disse em voz baixa, mas
firme. — Arraste-se sobre seu estômago para percorrer os
últimos metros. São três, e não têm rifles de repetição, mas só
precisam de uma única bala para acabar com você.
Eve se arrastou até a borda do planalto e olhou para o
estreito barranco. Não havia nenhum homem à vista ainda,
mas suas vozes eram ouvidas claramente, assim como o
golpear dos cascos dos cavalos sobre a pedra.
— Na próxima vez que o Slater me fizer perseguir o
maldito Reno Moran, vou me garantir bem de que... maldição!
O estrondo do disparo de Eve soou e fez eco através do
estreito barranco. Eve apontou de novo e voltou a disparar. A
bala uivou e ricocheteou de uma pedra a outra.
Ninguém lhe devolveu os tiros. Os foragidos estavam
muito ocupados se abrigando.
Eve olhou por cima do ombro e observou que Reno estava
fechando uma segunda lata com a culatra de seu revólver. Uma
mecha de meio metro saía de cada uma delas.
— Mantenha-os distraídos ali embaixo. — Reno falou.
Enquanto pronunciava uma muda ladainha, Eve enviou
uma rajada de balas para o barranco enquanto Reno se
arrastava até uma beirada de rocha e, com cuidado, enfiava as
latas em uma profunda fenda.
— Continue atirando. — Ordenou.
Enquanto os tiros do rifle dela ressoavam, ele acendeu um
fósforo e prendeu ambas as mechas.
Eve continuou atirando até que Reno a levantou
bruscamente e a arrastou correndo na direção contrária ao
barranco. Poucos segundos depois, se escutou atrás deles um
estrondo similar a um duplo trovão. Reno puxou Eve para o
chão e a cobriu com seu corpo enquanto a rocha explodia e
caía em forma de uma dura chuva.
Às suas costas, um pedaço do planalto caiu, deslizando,
rebatendo, amassando tudo em seu caminho e fazendo um
ruído infernal, a avalanche de pedras desceu pelo estreito
barranco até que se encontrou com um obstáculo e se
amontoou ali em uma fumegante nuvem de poeira e areia.
— Você está bem? — Reno perguntou com a voz tensa.
— Sim.
Reno rolou para um lado e se levantou com um único e
ágil movimento, levantando Eve com ele. Uma vez certo que ela
conseguia se sustentar por si mesma, se aproximou à beirada
do planalto com cuidado e olhou para baixo.
O barranco ficara obstruído por pedras de todos os
tamanhos.
— Deus santo! —exclamou. — Essa fenda devia ser mais
profunda do que eu pensava.
Atordoada, Eve ficou olhando aquele caos, assombrada
pela mudança que duas latas de pólvora podiam produzir.
Por cima do som dos escombros se deslizando pela
encosta, se ouviu o rítmico golpear dos cascos de alguns
cavalos. O som se afastava mais e mais pelo barranco,
enquanto os comanches fugiam da inesperada explosão.
— Mesmo que aqueles tipos tenham sobrevivido, resta-
lhes muito caminho pela frente. — Reno anunciou com
evidente satisfação.
— Então, estamos a salvo?
— Por algum tempo, sim. — Respondeu, dedicando-lhe
um sorriso bem sombrio. — Mas se tiver outro caminho até
este planalto, os comanches de Slater o conhecem.
— Talvez não tenha. — Eve aventurou rapidamente.
— Será melhor que exista.
— Por quê?
— Porque seu caminho de entrada será nosso caminho de
saída. — Explicou de forma sucinta.
Eve esfregou a empoeirada testa com sua manga coberta
igualmente de poeira, e tentou não mostrar sua consternação
diante da ideia de estar presa no alto de um planalto.
Reno a percebeu de todo modo e lhe deu um apertão no
braço para reconfortá-la, antes de se virar e se afastar.
— Vamos. — Animou-a — Vamos ver se você amarrou
bem os cavalos.
CAPÍTULO 13

Eve observou como a égua cor de aço subia outra vez pela
íngreme encosta. Era a quinta vez que Reno tentava descer do
planalto por algum lugar diferente nas últimas duas horas. Até
o momento, todos os barrancos acabaram em um precipício
pelo qual os cavalos não podiam descer.
Dessa vez, no entanto, Reno havia demorado no mínimo
meia hora. Ainda que a jovem não dissesse nada, não
conseguiu evitar que uma expressão de esperança surgisse em
seu rosto. Sem perceber, percorreu seus lábios com a língua,
mas ela não deixou nem sinal de umidade a sua passagem.
— Beba um pouco. — Reno sugeriu enquanto subia. —
Está a ponto de se desidratar.
—Não me sinto capaz de beber quando meu cavalo está
tão sedento. Gruda-se em mim como um molusco cada vez que
pego a cantimplora.
— Não permita que o velho truque de fazer cara de pena a
confunda. Deixou seco um daqueles buracos cheios de água
quando você estava a alguns metros tentando não cair por essa
grande fenda.
— Buracos cheios de água? — Eve franziu o cenho antes
de se lembrar das pequenas concavidades na rocha. — Oh!
Refere-se àqueles buracos nas rochas onde a água da chuva
fica presa? E a água era boa?
Os mustangs gostaram.
— Você não bebeu?
— Os cavalos precisavam mais que eu. Por outro lado, —
Reno admitiu com um leve sorriso. — não estava muito sedento
para fazer passar todos aqueles pequenos bichos entre meus
dentes.
A alegre risada dela o surpreendeu. Estava coberta de
poeira, cansada, cheia de arranhões após se arrastar sobre a
rocha... e nunca vira uma mulher que o atraísse mais.
Seguindo um impulso, Reno lhe colocou um escuro cacho por
trás da orelha com ternura, deslizou a ponta do dedo ao longo
de sua mandíbula e tocou seus lábios com a ponta do polegar.
— Suba ao seu cavalo. — Pediu suavemente. —
Precisamos continuar.
Eve montou sobre sua égua e cavalgou junto a Reno
enquanto o caminho permitiu, seguida dos animais de carga.
Para sua surpresa, aquele pequeno barranco que Reno
descobrira não diminuía até desaparecer como os outros. Em
vez disso, se tornava mais e mais largo, descendo com
suavidade através de pinheiros e cedros.
Pouco a pouco, a rocha começou a ficar enterrada debaixo
da terra e mais barrancos se uniram ao primeiro, ampliando-o,
até que se encontraram cavalgando através de um vale que
estava quase completamente rodeado de íngremes paredes de
pedra.
Eve se virou e olhou para Reno com uma expressão de
esperança em seu rosto e uma pergunta em seus olhos.
— Não sei. — Respondeu ele em voz baixa. — Percorri um
quilômetro e meio, e não vi nem sinal de água.
Eve fechou os olhos e deixou escapar um bocado de ar que
nem era consciente de estar contendo.
Durante vários quilômetros, não escutaram nenhum som
exceto o lamento de uma águia arrastado pelo vento, o ranger
do couro dos arreios dos cavalos e o apagado golpear de seus
cascos contra a terra seca. E ainda com um calor infernal.
As nuvens se aglomeravam por cima de suas cabeças.
Suas cores iam do branco ao azul escuro, quase negro, e
prometiam chuva, mas não sobre o planalto, e sim sobre as
montanhas.
— Reno? — Ele fez um grunhido surdo indicando-lhe que
a ouvia. — Aqui chove?
Ele assentiu.
— E onde vai parar toda a água? — Continuou
perguntando.
— Abaixo.
— Sim, mas onde? Estamos indo para baixo e não há
nada de água.
— Os arroios só recebem água depois da chuva. — Ele
respondeu.
— E o que acontece com os arroios que nascem nas
montanhas? — Eve insistiu. — Para onde vai a água
procedente do degelo?
— O solo a absorve.
— Não vai até o mar?
— Daqui até a Califórnia, só conheço um rio que chega até
o mar antes de secar completamente: o Colorado.
— A que distância está a Califórnia?
— A mais de novecentos quilômetros em linha reta.
— E só há um rio?
Reno assentiu.
Eve voltou a cavalgar em silêncio durante um bom tempo,
tentando compreender a existência de uma terra tão seca que
se podia cavalgar durante semanas por ela sem encontrar nem
um rio. Nada de arroios, nenhum riacho, lago nem lagoa, nada
exceto rocha vermelha onde qualquer vegetação ressaltava
como um estandarte verde sobre a árida terra.
A ideia era aterrorizante e estranhamente excitante ao
mesmo tempo; era como despertar diante de uma paisagem
que só podia ser vista em sonhos.
À medida que o vale descia lentamente para um final
desconhecido, os precipícios que o flanqueavam se
transformavam cada vez mais em uma espécie de barreira. De
vez em quando, Eve se virava e olhava por cima do ombro. Se
não soubesse que às suas costas havia um caminho que levava
até o planalto, nunca teria adivinhado. O muro de rocha
parecia se fechar totalmente sobre eles.
O vale se tornou mais estreito à medida que avançavam.
Duas vezes precisaram desmontar e guiar os mustangs por
trechos de terra especialmente difíceis, abrindo caminho com
dificuldade entre enormes rochas e deslizando-se sobre canais
recobertos por pedras que a água polira à sua passagem.
— Olhe — Eve comentou em voz baixa. — O que é aquilo?
— Onde?
— Aos pés do precipício, bem à esquerda da fenda.
Depois de um silêncio, Reno assoviou suavemente e
anunciou.
— Ruínas.
Eve expulsou o ar precipitadamente de seus pulmões.
— Podemos nos aproximar até elas?
— Tentaremos. Onde há ruínas costuma ter água por
perto. — Olhou-a de lado e acrescentou: — Mas não tenha
muitas ilusões.
Alguns índios dependiam de depósitos que racharam faz
muito tempo e deixaram de conter água.
Apesar da advertência, Eve achou difícil não se mostrar
decepcionada quando finalmente conseguiram abrir caminho
através dos pinheiros e dos zimbros, e não encontraram nem
sinal de água.
Enquanto o sol descia mais além da beirada do cânion,
Eve permaneceu sentada sobre sua cansada égua
contemplando os muros meio derrubados, as janelas com
formas estranhas e os espaços murados das ruínas. O silêncio
no cânion era total, como se até os animais evitassem se
aproximar por ali.
— Talvez tenha sido isso o que lhes aconteceu. — Eve
comentou. — Ficaram sem água.
— Talvez — Reno concordou. — Ou talvez, perderam
muitas batalhas para conservar o que possuiam.
Meia hora depois que o sol se deslizou atrás dos aterros de
pedra, o céu ainda brilhava com a luz vespertina acima de suas
cabeças. Pouco a pouco, a brisa mudou e começou a soprar de
outra direção diferente. Um após o outro, os mustangs
levantaram a cabeça, esticaram as orelhas e farejaram o vento.
Eve se assustou quando viu um índio se aproximando
deles vindo das ruínas.
O revólver de Reno apareceu em sua mão com
surpreendente rapidez, mas não disparou.
— Pensava que os índios evitassem lugares como este. —
Eve disse em voz baixa.
— E fazem isso. Mas às vezes, algum xamã muito audaz
se dirige a estes antigos lugares em busca de respostas. Por
seu aspecto e seus cabelos prateados, diria que veio fazer suas
últimas perguntas aos deuses.
Reno voltou a guardar o revólver em seu coldre quando o
índio esteve bem perto para poder confirmar que seu rosto não
mostrava sinais de pintura de guerra, mas de meditação. A
pintura, que em algum momento deveria ter sido de cores
vivas, agora estava trincada e coberta de poeira, como se o
xamã levasse muito tempo em seu retiro. Reno estendeu a mão
para um alforje, extraiu uma bolsa de tabaco e desmontou.
— Fique aqui. — Falou a Eve. — E não lhe fale a não ser
que ele se dirija a você primeiro.
Eve observou com curiosidade como Reno e o xamã
trocaram saudações de boas-vindas em silêncio. A linguagem
de sinais que usavam era ágil e precisa. Em pouco tempo, Reno
lhe ofereceu a bolsa de tabaco e o índio a aceitou. Eve pensou
que a comida teria sido um melhor obséquio; o xamã parecia
magro e extenuado, mas se mantinha alerta, distante, feroz em
sua liberdade. Quando se virou e a olhou diretamente, ela
sentiu a força de sua presença tão claramente como sentira a
de Reno quando seguravam as varinhas espanholas.
Pareceu-lhe que passou muito tempo antes que o xamã
afastasse o olhar, libertando-a do magnetismo de seus claros e
assombrosos olhos.
Quando o ancião encarou Reno uma vez mais, seus braços
e mãos descreveram graciosos arcos, linhas rápidas, fugazes
movimentos que Eve mal pode seguir. Reno observava com
muita atenção, e sua total quietude indicou a Eve que o ancião
estava lhe dizendo algo importante.
Sem aviso prévio, o índio se virou e se afastou sem olhar
para trás.
Um segundo depois, Reno se virou e olhou para Eve de
uma forma estranha.
— Há algum problema? — Ela perguntou.
Ele balançou a cabeça lentamente.
— Não.
— O que ele disse?
— Que veio ver o passado, mas que em lugar disso, viu o
futuro. A nós. Não gostou, mas os deuses responderam assim
às suas perguntas, e devia dobrar-se aos seus desígnios.
Eve franziu o cenho.
— Que estranho.
— Os xamãs normalmente são. — Reno comentou
secamente, observando que o ancião havia desaparecido como
se fosse tragado pela terra. — Sua pintura era realmente
curiosa. Nunca vira um índio usar os antigos sinais
desenhados sobre as rochas. — Fez uma pausa e acrescentou:
— Disse que há água mais adiante.
— Finalmente. — Os olhos de Eve brilharam com alegria.
— Também me disse que o ouro que eu estava procurando
já está em minhas mãos. — Disse Reno, mostrando em seu
rosto um traço de incredulidade.
— O quê?
—E que como eu não consigo ver esse ouro, me diria como
chegar à mina espanhola.
— Sabia como chegar? — Perguntou esperançosa.
— Isso parece. As marcas na terra se encaixam.
— E disse assim, sem mais? — Ao ver o gesto de
assentimento de Reno, quis saber mais: — Por quê?
—Isso mesmo eu lhe perguntei. Disse que é sua vingança
por ver um futuro que não desejava ver. E se foi.
Reno pediu as rédeas de sua égua e montou com um
poderoso salto.
— Meu Deus, vingança... — Eve gemeu.
— Vejamos se estava certo com respeito à água. — Reno
continuou. — Se não for assim, não viveremos o suficiente para
nos preocuparmos com vinganças.
Com a esperança de encontrar água, se dirigiram às
longas sombras que surgiam da base dos precipícios.
— Rastros de cervos. — Apontou depois de alguns
minutos.
Eve olhou, mas não conseguiu diferenciar nada na
penumbra.
— Estranho que não tenha rastros de cavalos selvagens.
— Reno continuou. — Há poucos lugares com água que um
mustang não seja capaz de encontrar.
À medida que o céu e as nuvens mudaram para uma cor
avermelhada, um estreito cânion lateral abria passagem nos
precipícios de pedra. Reno fez os cavalos avançarem para seu
interior em fila. Após alguns quilômetros de areia, puderam ver
um charco pouco profundo resplandecendo sob a fraca luz do
entardecer.
— Calma Darla. — Reno murmurou diante da impaciência
da égua para beber. — Deixe que eu verifique primeiro.
Enquanto Eve segurava os cavalos, Reno observou os
rastros sobre o fino lodo que circundava o charco. Depois,
pegou as cantimploras e começou a enchê-las. Quando acabou,
disse para Eve:
— Será melhor que os cavalos bebam de um em um. —
Reno observou o nível do charco com muita atenção enquanto
Darla saciava sua sede. — Já é suficiente. Agora deixe para
seus companheiros.
Sob a atenta supervisão dos implacáveis olhos verdes, os
quatro cavalos beberam até se saciarem. Quando acabaram,
mal restava água.
— O charco voltará a se encher? — Eve perguntou.
Reno negou com a cabeça.
— Não até a próxima chuva.
— E quando será isso?
— Poderia ser amanhã ou no mês que vem.
— Olhe! — Eve exclamou rápida.
Reno se virou e olhou na direção que ela indicava. Ali, na
superfície avermelhada da rocha, ao lado de uma fenda,
alguém havia desenhado um símbolo que possuia um
significado muito especial no diário espanhol.
— Água todo o ano. — Eve traduziu.
Reno olhou o charco e depois para a pouco prometedora
fenda; era tão estreita que teria que atravessá-la de lado.
— Leve os cavalos para pastar e amarre-os. — Disse a Eve.
— E durma se puder.
— Aonde vai?
— Procurar água.

Reno dormiu até que a luz do amanhecer deslizou sobre


as altas paredes do cânion e se estendeu através do vale oculto.
Acordou como sempre, de repente, sem o confuso intervalo
entre o sono e o despertar total. Rolou sobre seu lado e olhou
por cima das cinzas da pequena fogueira para Eve que dormia
de lado com os cabelos espalhados sobre as mantas.
O desejo tenso do corpo de Reno percorrendo-o como um
silencioso e poderoso raio. Sussurrando uma maldição, se
levantou.
O crepitar da fogueira assustou Eve. Lembrou-se com um
sobressalto e sentou-se bruscamente, enquanto as mantas se
espalhavam pelo chão.
— Acalme-se, pequena. Sou eu.
Piscando, ela olhou à sua volta.
— Adormeci.
— Sim, faz umas catorze horas. — Levantou o olhar do
fogo. — Você acordou quando eu voltei.
— Não me lembro.
Ele sim. Quando a cobriu, o olhou sonolenta, lhe deu um
belo sorriso e beijou o dorso de sua mão. Depois se encolheu
ainda mais embaixo das mantas, já que as noites sempre eram
frias.
A confiança implícita na carícia de Eve fizera Reno arder,
obrigando-o a recorrer a todo seu controle para não retirar as
mantas e se deitar junto a ela.
A força de vontade que necessitou para não se render à
tentação, indicava quanto desejava àquela mulher. Mas ela não
o desejava. Não realmente. Não o suficiente para lhe entregar
seu corpo deixando-se levar unicamente pela paixão.
— Encontrou água? — Ela perguntou alheia aos seus
pensamentos.
— Essa é a razão pela qual não estamos a caminho agora.
Os cavalos precisam descansar.
Assim como Eve, mas Reno sabia que ela insistiria em
continuar a viagem se pensasse que estavam parados só por
sua causa. O esgotamento que demonstrava no profundo sono
em que se afundara na noite anterior, era uma prova evidente
de como estava perto de chegar ao limite de suas forças.
Reno queria que ela descansasse que voltasse a ser a feroz
mulher que conhecera naquele imundo salão. Por alguma
estranha razão que não queria analisar se sentia protetor com
ela. Muito protetor para sua tranquilidade.
Tomaram o desjejum no meio de um silêncio preguiçoso
que era mais cordial do que teria sido qualquer conversa.
Quando acabaram, Reno sorriu ao descobrir como Eve tentava
disfarçar um bocejo.
— Sente-se animada para dar um pequeno passeio? —
Perguntou.
— Quanto de pequeno?
— Menos de meio quilômetro.
Eve sorriu, levantou-se e seguiu Reno pela estreita
ranhura por onde ele desaparecera na noite anterior. Seus
ombros passaram através da abertura sem necessidade de
caminhar de lado, o que lhe fez mais fácil percorrer os
primeiros metros. Depois precisou caminhar de lado para
continuar avançando. Pouco a pouco, o corredor de pedra se
alargou à medida que serpenteava através de camadas de
pedra, até ser possível que duas pessoas caminhassem uma
junto da outra.
Apareceram pequenos charcos; alguns com somente
milímetros de profundidade, mas outros com trinta centímetros
ou mais. A água estava fria e limpa, porque se depositava em
pequenas fendas de sólida pedra.
Logo pode ouvir o ruído produzido por uma cascata em
algum lugar mais adiante. Eve ficou imóvel escutando
enquanto continha a respiração. Nunca ouvira nada tão bonito
quanto o som daquela pequena corrente de água caindo em
uma terra tão seca.
Momentos depois, Reno a guiou para uma abertura com
forma de sino no estreito cânion, e foi então que Eve viu uma
pequena cascata que deslizava de uma encosta a três metros
de altura e caía em uma poça talhada na sólida pedra. De cada
fenda, surgiam samambaias cujas folhas eram de um verde tão
puro que resplandeciam como chamas de esmeraldas contra as
rochas. Os raios do sol que brilhavam sobre suas cabeças
iluminavam a abertura que estava embaçada por uma especial
neblina, fazendo-a brilhar com centenas de diminutos arco íris.
Eve permaneceu ali de pé durante um longo tempo,
absorta na beleza daquela poça secreta.
— Tenha cuidado. — Reno avisou com voz baixa quando
ela finalmente começou a avançar.
O musgo amaciava o solo de pedra, tornando difícil
manter o equilíbrio. As escassas marcas que Reno deixara no
dia anterior eram o único sinal de que algo com vida havia
visitado aquele lugar há muito tempo, talvez séculos.
A prova de que índios e espanhóis estiveram ali antes, se
refletia nas mensagens e nomes desenhados sobre a superfície
das paredes das rochas.
— Mil quinhentos e oitenta. — Reno leu em voz alta.
Junto à data, um homem havia escrito seu nome com
uma caligrafia crítica e formal: Capitão Cristóbal León.
— Meu Deus. — Eve sussurrou, enquanto percorria a data
com dedos trêmulos, pensando no espanhol que havia deixado
aquela marca séculos atrás. Pensou se ele teria estado tão
sedento quanto eles quando encontrou o primeiro sinal de
água, e se também teria ficado impactado com a assombrosa
beleza daquela paragem iluminada por milhares de reluzentes
arco íris.
Havia outras marcas no muro de rocha, figuras que não
tinham nada a ver com a arte ou a história europeia. Alguns
desenhos eram bastante fáceis de interpretar: cervos com
grandes chifres, pontas de flecha, uma onda que provavelmente
representava a água ou um rio... Outras figuras eram mais
enigmáticas: rostos que não eram humanos, figuras que
usavam fantasmagóricas túnicas, olhos que estiveram abertos
durante milhares de anos...
Mas os homens não bebiam naquela pequena lagoa.
Nenhuma mulher enchia vasilhas, nem jarras de água no frio
silêncio do cânion. Nenhum menino molhava os dedos na água,
nem fazia fugazes desenhos nas paredes de rocha.
Havia uma estranha paz na beleza cristalina daquela
lagoa. Órfã ou não, jovem de salão ou santa, com ou sem
amigos, Eve se sentia parte da história daquele lugar. Mãos
como as suas haviam criado enigmas sobre os muros de pedra
muitos séculos atrás. Mentes como a sua tentariam resolver os
quebra cabeças infinitos anos depois.
Reno se abaixou, encontrou uma pedra do tamanho da
palma de sua mão e começou a bater com cuidado no muro de
rocha. Com cada batida da pedra contra a pedra, o fino
revestimento negro que o tempo e a água acumularam sobre a
rocha, ia caindo, revelando uma superfície mais clara debaixo
dele.
Em um intervalo de tempo surpreendentemente curto,
Reno conseguiu escrever seu nome e a data em que se
encontravam.
— Seu nome é realmente Evening Star? — Reno
perguntou sem se virar.
— Me chamo Evelyn. — respondeu com voz rouca. —
Evelyn Starr Johnson.
E precisou conter as lágrimas: já não era a única pessoa
com vida que conhecia seu verdadeiro nome.

Eve flutuava sobre suas costas, observando o céu azul


safira sobre sua cabeça e as escuras sombras que as nuvens
projetavam e que se moviam devagar contra os muros de pedra.
As ondas que se formavam na água ao cair a embalavam com
suavidade. De vez em quando, se segurava com uma mão na
suave pedra ou com o pé sobre o frio fundo da lagoa.
Suspensa no tempo assim como a água, deixando-se levar
tão lentamente quanto o dia, Eve era consciente de que deveria
regressar ao acampamento, mas ainda não estava preparada
para abandonar a paz daquele lugar. Não estava pronta para
enfrentar o fogo verde dos olhos de Reno enquanto a observava
com um desejo que era quase tangível.
Eve pensava no que via nos seus olhos quando ele se
virava de repente e a descobria observando-o. Sentia medo de
que visse um reflexo de seu próprio desejo. Já não podia negar
que queria voltar a sentir novamente o surpreendente e doce
fogo que a invadia quando ele a abraçava.
Nunca sentira nada igual por nenhum outro homem.
Crescera sem amor em um orfanato e depois fora comprada
com o fim de melhorar a vida de anciões. Jamais permitira que
alguém se aproximasse dela e nunca ninguém a quisera. Sua
vida até então sempre fora triste e solitária.
Porém, sabia com uma segurança que nascia em suas
entranhas, que aquilo que sentia por Reno era amor. Só um de
seus sorrisos conseguia mantê-la alegre durante todo o dia, um
só toque de suas mãos fazia calafrios de prazer percorrerem
seu corpo. Ele era tudo o que ela sempre sonhara; um homem
forte capaz de sentir ternura por aqueles a quem amava. Um
homem pelo qual seria capaz de matar... ou morrer...
Amava-o, mas desejava mais do que compartilhar sua
paixão. Desejava compartilhar sua vida e seus sonhos, seus
silêncios e esperanças. Desejava contar com sua confiança e
seu respeito, e dar à luz aos seus filhos. Desejava ter com ele
tudo o que um homem e uma mulher podiam compartilhar: a
alegria e a tristeza, a esperança e a dor, a paixão e a paz,
descobrir tudo o que a vida havia lhes preparado.
E acima de tudo, Eve desejava o amor de Reno.
Mas ele desejava seu corpo, nada mais.
Eu guardarei o anel e as pérolas até que encontre uma
mulher que me queira tanto para me antepor ao seu próprio bem
estar. Mesmo que eu tenha certeza de que antes encontrarei um
barco de pedra, uma chuva sem água e uma luz que não projete
nenhuma sombra.
Eve fechou os olhos ao sentir uma onda de tristeza. Mas
não importava a força com que os fechasse diante da verdade,
porque ela continuava ali, atrás de suas pálpebras, vigiando-a.
Só havia uma forma de convencer Reno que se enganara
com ela. Uma forma de convencê-lo de que ela não era uma
trapaceira e manipuladora, uma prostituta envolta em um
vestido vermelho. Só havia um modo.
Entregando-se a ele, pagaria uma aposta que nunca
deveria ter feito e apostaria ao mesmo tempo todo seu futuro
em uma só carta.
Então, verá que não mentia sobre minha inocência, que
cumpro minha palavra. Então, me olhará com algo mais que
luxúria. Não só desejará usar meu corpo até que encontremos a
mina, talvez consiga que...
Poderei fazer isso?
Um calafrio a percorreu diante da imensidão do risco que
estaria correndo.
O que acontecerá se ele tomar tudo o que lhe oferecer e não
me der nada em troca fora seu próprio corpo?
Aquele era o perigo, ali estava o risco e o possível
resultado. Sem contar que Eve usava a fria lógica de uma órfã
que aprendera a sobreviver, a que conhecia.
Mas outra parte dela sempre acreditara que a vida era
algo mais que simples sobrevivência. Uma parte dela acreditava
nos milagres, como a risada no meio da dor, a alegria de um
bebê descobrindo as gotas de chuva, e um amor grande o
bastante para vencer a desconfiança.
É uma vigarista e uma ladra, e me estendeu uma
armadilha que poderia ter me custado a vida.
Com tristeza, Eve acabou seu banho, enxugou-se, vestiu a
camisa que Reno lhe emprestara e regressou ao acampamento.
Os olhos de Reno arderam de desejo quando a viu
aparecer.
— Deixei o sabão lá para você. — Disse. — E a toalha.
Ele assentiu e passou junto a ela. Eve o observou até
desaparecer pela fenda, antes de se dirigir às roupas que
deixara secando em uma corda entre dois pinheiros.
Eve virou as calças negras de Don Lyon sobre a corda. A
enrugada camisa branca não estava seca ainda, assim,
sacudiu-a e recolocou-a na corda. Também virou as calças de
Reno, invejando o luxo de ter uma troca de roupa.
Desde que seu vestido de sacos de farinha fora rasgado,
não tinha nada mais que as roupas de Don Lyon.
Ainda guardava o vestido vermelho.
Eve fez uma careta ao pensar nele. Nunca voltaria a usá-lo
diante de Reno. Preferia ficar nua.
Pensou se Reno estaria nu naquele momento, banhando-
se no lugar dos arco-íris. Só a ideia a perturbou.
O inquieto olhar dela foi parar nos diários que estavam
junto ao saco de dormir de Reno. Pegou-os, sentou-se cruzando
as pernas e enfiou as beiradas da camisa entre seus joelhos. A
luz do entardecer fazia os diários ficarem fáceis de ler.
A sóbria e curta prosa do pai de Caleb dizia muito sobre
os séculos de suplícios que os índios haviam sofrido...

Ossos aparecendo através do solo do deserto. Um fêmur e


parte de uma pélvis. Parece ser um menino. Uma menina.
Pedaços de pele perto.
Dedo Inclinado disse que os ossos pertenciam a uma índia.
Só os meninos podiam entrar naqueles buracos que chamavam
de minas.
Sinais sobre a rocha. Cruzes e iniciais.
Dedo Inclinado disse que as pedras espalhadas foram uma
vez um local, uma espécie de pequena missão. Encontrou um
pequeno sino de cobre junto aos ossos de um menino. Era
fundido, não feito a golpe de martelo.
A escravidão era imoral naquela época. Considerava-se que
os índios estavam em dívida com seus patrões por seus
ensinamentos cristãos, e deviam lhes pagar com dinheiro ou com
trabalho.
A guerra também era imoral, assim, o rei havia elaborado
um requerimento, um aviso que deveria ser lido antes que a luta
começasse. O aviso informava aos índios que qualquer um que
lutasse contra os soldados de Deus se convertia em um herege.
Como resultado final do requerimento, qualquer índio que
se rebelasse era enviado às minas. Como os índios não
compreendiam o que era lido, não tinham consciência do aviso.
Os sacerdotes dirigiam as minas. Os homens resistiam por
uns dois anos. As mulheres e as crianças muito menos.
Era o inferno na Terra em nome de Deus.
Uma sensação de frio se condensou na espinha dorsal de
Eve enquanto pensava nas ruínas que vira no vale. Os
descendentes das pessoas que haviam construído aquelas
moradias não eram animais que pudessem ser escravizados
por outros homens.
Mas assim havia sido e não se declarara nenhuma guerra
para conseguir sua liberdade. Viveram e suportaram um
trabalho brutal, morreram jovens e foram enterrados como lixo
em túmulos sem marcas.
Eve se sentiu estreitamente ligada àqueles mortos
esquecidos. Em várias ocasiões durante os últimos dias, Reno e
ela estiveram a ponto de morrer. E se aquele tivesse sido o
caso, o pedaço de terra sobre o qual teriam caído quando
expirassem seu último alento, se converteria em seus túmulos.
A vida era curta; a morte eterna.
Eve desejava mais da vida do que conhecera até aquele
momento. Desejava algo que não era capaz de expressar com
palavras. E a única coisa que sabia era o que a aguardava
entre os braços de Reno.
CAPÍTULO 14

Quando Reno voltou ao acampamento, viu que Eve usava


a camisa dela, os calções e uma das camisas que ele lhe
emprestara. Estava encolhida sobre o saco de dormir,
adormecida. Com cuidado, ele pegou o diário de seus dedos
relaxados e o deixou a um lado. Ela se esticou sonolenta e o
olhou com olhos que refletiam a luz do sol.
— Deixe-me um lugar, pequena. Eu também gostaria de
dormir um pouco.
Quando Reno se deitou junto a ela, Eve sorriu.
— Cheira a lilás. — murmurou. — Eu gosto.
— Deve gostar. É o seu sabão.
— Você se barbeou. — Comentou ao tocar um ponto no
pescoço de Reno onde se podia ver um pequeno corte. — Eu
poderia ter feito isso. Porque não me pediu?
— Cansei-me de lhe pedir coisas.
Eve ficou de lado para olhá-lo aos olhos e escutar tudo o
que ele não lhe dizia.
— Gosto de barbeá-lo. — Confessou com voz trêmula.
— E de me beijar? Também gosta de me beijar?
O poderoso desejo que ardia nos olhos de Reno a
queimava, ainda assim, ele não fez nenhum movimento para se
aproximar dela.
— Sim. — Eve sussurrou. — Gosto disso também.
Devagar, Reno se inclinou e tocou levemente sua boca
contra a dela. Eve deu um suave gemido de descoberta e
recordação ao mesmo tempo. Ele tomou um tempo para
brincar com seus lábios percorrendo-os com a língua,
mordendo-os com suavidade. Depois, a quente e ávida procura
da língua de Reno na boca de Eve a fez tremer de prazer.
Durante longos e doces segundos, voltou a aprender os ritmos
de invasão e retirada, descobriu uma vez mais a textura dos
lábios masculinos e sua língua, sentiu de novo o calor de Reno
invadindo-a em uma onda de prazer após a outra.
Reno se afastou um momento para olhar os belos olhos
ambarinos e embalou seu doce rosto entre as poderosas mãos.
A calidez de Eve, seu sabor, a suave boca se abrindo sob a dele,
ameaçava fazê-lo perder o controle.
— Você me faz queimar. — Reno sussurrou, antes de
morder levemente em seu pescoço.
A única resposta que recebeu foi um grito entrecortado e
um estremecimento de prazer.
O apaixonado grito foi como uma navalha que desfiou as
cordas que mantinham o controle de Reno. Desejava arrancar
as poucas roupas que ela usava e se afundar na morna
suavidade que ele sabia que o aguardava no interior de seu
corpo.
Mas, antes de fazê-la sua, precisava levá-la até um ponto
onde seu único mundo fosse ele. Necessitava ouvi-la gritar, que
o arranhasse e exigisse que ele a tomasse. Necessitava que ela
esquecesse tudo referente a dívidas sem pagamento e se
entregasse a ele sem limites, que se transformasse em um fogo
que o fizesse arder até o mais profundo de seu ser.
Então, ele deixaria uma marca nela que ela não esqueceria
jamais. Não importava quantos homens tivesse conhecido
antes; nunca se entregaria a outro sem recordar o que sentira
entre seus braços.
Não se perguntou por que era tão importante que Eve não
o esquecesse nunca. Nem porque protegê-la se tornara na
missão mais importante de sua vida. Limitou-se a aceitar tudo,
assim como aceitara as assombrosas correntes das varinhas
espanholas.
Lentamente, tomando seu tempo, Reno criou um caminho
caprichoso de beijos desde o frágil pescoço até a ansiosa boca
que o esperava, permitindo que a ardente paixão que os
consumia, os unisse em uma procura que só podia ter um fim.
Os dedos de Eve se afundaram profundamente nos frios e
espessos cabelos de Reno, arranhando suavemente seu couro
cabeludo. O grave gemido que Reno exalou foi uma recompensa
e uma provocação ao mesmo tempo. Eve voltou a flexionar os
dedos, e novamente sentiu a resposta que atravessou o
musculoso corpo de Reno.
— Gosto de sentir suas unhas sobre mim. —Ele
sussurrou.
Ele mordeu o lábio inferior de Eve reprimindo-se
cuidadosamente, e ela lançou um som de surpresa e prazer.
Sorrindo, ele liberou seu lábio devagar acariciando ao mesmo
tempo sua suave e sensível pele.
Eve se aproximou mais dele quando notou que ele se
jogava para trás, porque desejava mais daquele doce tormento.
Reno riu suavemente e continuou negando-lhe sua boca.
Quando ela tentou segui-lo, Reno segurou seu rosto entre suas
mãos. Os lábios de Eve permaneciam abertos, brilhando por
causa da luz do sol e do desejo, tremendo levemente.
— Reno?
Ele respondeu com um som interrogativo que foi um
ronronar de satisfação.
— Não deseja me beijar? — Ela sussurrou sonhadora.
— E você, quer me beijar? — Reno replicou.
A jovem assentiu com a cabeça, fazendo com que as
escuras e frias mechas de seus cabelos escorregassem pelas
fortes mãos de Reno, acariciando-o.
— Então, faça-o, pequena.
Eve viu o desejo nos olhos de Reno, o percebeu em sua
grave voz, sentiu na tensão de seus braços. O fato de saber
quanto ele desejava seu beijo fez um estranho calor surgir em
suas entranhas.
— Deseja minha boca? — Eve sussurrou. — É isso o que
quer?
Mas Reno não conseguiu responder, porque a jovem já o
estava beijando. As delicadas explorações de sua língua o
fizeram gemer.
— Mais. — Murmurou ele com voz rouca, quando ela se
afastou um pouco.
Eve lhe deu o que pedia, porque também era o que ela
desejava. O sabor de sua própria boca e a dele unidas lhe era
familiar. Sentia-se mareada e estranhamente poderosa.
Desejava abraçá-lo tão forte que pudesse se transformar em
parte dele, para nunca voltar a se separar por completo.
Com uma urgência que não compreendia, suas mãos
acariciaram os amplos ombros e deslizaram por suas costas.
Reno não avançava, nem se afastava, deixando que fosse ela
quem marcasse o ritmo da sedução.
Uma requintada sensação atravessou Eve quando seus
seios se encontraram com a musculosa quentura do peito de
Reno. Não havia percebido quanto ansiava por aquele contato
até que o sentiu. Instintivamente, começou a se curvar devagar
contra ele, esfregando com os duros mamilos nos tensos
músculos do torso dele.
O som que Reno fez era um convite para continuar e uma
exigência sensual ao mesmo tempo. Eve afundou suas unhas
nos tensos músculos de suas costas, desejando sentir seus
poderosos braços a sua volta, desejando que ele a abraçasse
ainda mais forte do que podia conseguir só com os seus
próprios braços.
Quando ele não respondeu como ela desejava, Eve gemeu
frustrada.
— O que acontece? — Reno perguntou em voz baixa.
Ela tentou beijá-lo, mas ele era muito mais forte e
manteve seus lábios fora de seu alcance, contendo seu desejo
de se apoderar selvagemente do frágil corpo feminino apesar
das apaixonadas exigências de Eve.
— Diga-me o que quer. — Ele sussurrou com voz rouca.
— Beijar você. — Ela sussurrou.
Reno tocou sua boca com os lábios.
— Assim? — Perguntou.
— Não. Sim.
— Não e sim?
A ponta da língua de Reno desenhava os sensíveis lábios,
enquanto ela lutava para se aproximar mais.
— Sim. — Eve respondeu, estremecendo diante do contato
de sua língua.
Ao ouvi-la, Reno se jogou para trás.
— Não. — Ela exclamou rapidamente.
— Sim ou não? Decida-se pequena.
— Reno, — disse com urgência — desejo... mais.
Ele respirou bruscamente, como se tivesse sido
chicoteado.
— Abra a boca. — Pediu com voz profunda. — Mostre-me
que me deseja tanto quanto eu.
Quando Eve obedeceu, Reno deu um grave gemido e
tencionou os braços, erguendo o rosto dela para o seu.
— Mais. — Exigiu, enquanto aumentava a pressão sobre
seus trêmulos lábios com pequenos toques e suaves mordidas,
até que Eve tremeu e fez o que ele pedia.
Só então, tomou sua boca como pretendia tomar seu
corpo, plena, completamente, em uma perfeita fusão de carne e
ardente paixão.
O leve contato do ar sobre a pele de Eve quando Reno
desabotoou sua camisa foi um excitante contraste com o
sedoso calor do desejo.
Eve não soube quanto seus seios ansiavam ser acariciados
até que as fortes mãos de Reno os envolveu, e os polegares dele
fizeram seus mamilos se converterem em orgulhosos cumes.
Também não soube que ele estava meio estendido sobre ela, até
que o fogo que a queimava a fez se arquear contra Reno
procurando seu contato.
Ela teria gritado diante do prazer de sentir seu corpo
contra o dele, mas os únicos sons que a íntima união de suas
bocas lhe permitia emitir era pequenos gemidos que surgiam
de sua garganta. Reno absorveu os apaixonados queixumes e
exigiu mais, em silêncio, acariciando seus seios e brincando
com eles. Seus longos dedos os torturaram, os seduziram e
atormentaram seus mamilos com diferentes pressões até que
Eve se retorceu quase selvagemente debaixo dele.
Reno se moveu de novo colocando-se completamente sobre
ela, oferecendo-lhe o que necessitava sem saber. Seus quadris
se juntaram aos de Eve, até que as coxas femininas se abriram
respondendo a um primitivo instinto para acolher em sua
suavidade a rígida ereção de Reno.
Sentia-se arrastada pela voragem do desejo; um desejo
escuro e ardente que a fragmentava em mil pedaços e a
arrastava para um abismo desconhecido, no meio de um fogo
que girava selvagemente fazendo-a queimar.
Suas unhas se afundaram inconscientemente nos
flexionados músculos das costas de Reno, enquanto ofegava,
presa de um prazer que a acendia. Reno não protestou.
Simplesmente grunhiu e esfregou seus quadris contra ela em
um apaixonado reflexo, o que provocou que um fogo líquido da
resposta de Eve se espalhasse entre seus tensos corpos.
A surpresa a paralisou até que os quadris de Reno
voltassem a se mover, produzindo um novo fogo abrasador que
invadiu seu corpo em uma explosão de calor que Eve não pode
negar nem ocultar. Quando Reno repetiu o movimento, sua
língua se afundou na boca de Eve apossando-se dela de tal
maneira que quase fez Eve chorar.
Uma das mãos de Reno se moveu entre seus corpos. O
som de suas calças sendo desabotoadas se perdeu entre os
apaixonados protestos de Eve quando ele levantou seu peso
dos quadris femininos.
— Não acontece nada, pequena. — Tranquilizou-a com voz
profunda, enquanto se desfazia da limitação de suas roupas. —
Não vou a lugar algum.
Ela mal ouviu suas palavras. Só era consciente de que o
peso do homem que amava voltava a estar sobre ela, mas não
onde desejava sentir a pressão de seu corpo. Ansiosa, se
curvou contra ele desejando mais do que estava recebendo.
Não importava o que fizesse, ele sempre conseguia evitá-la.
— Reno. — Conseguiu dizer.
— Sim? — Respondeu antes de afundar seus dentes
levemente em seu frágil pescoço.
Eve não encontrava palavras para pedir o que desejava.
Achava-se diante de algo desconhecido, desesperada pelo que
não conseguia explicar.
Reno sorriu misteriosamente, porque sabia do que ela
sentia falta.
— O que acontece? — Perguntou de novo enquanto
fechava com mais força seus dentes sobre a suave pele.
— Não posso... eu não... — Eve ofegou com voz
entrecortada.
Sem lhe permitir respirar, Reno prendeu um mamilo entre
seus dedos, pressionando-o, e o torturou levando-a para um
limite entre o prazer e a dor. Eve deixou escapar o ar em uma
muda súplica enquanto se curvava ferozmente. O movimento
fez Reno se afundar mais entre suas pernas, ainda que
continuasse sem estar onde ela o desejava. Frustrada, Eve
fincou suas unhas em suas costas e voltou a se curvar contra
ele em uma inconsciente exigência.
— Abra mais as pernas. — Reno sussurrou enquanto
movia os quadris para esfregá-los contra o secreto fogo
feminino.
A carícia arrancou um rouco gemido da garganta de Eve,
que se retorceu desejando mais da doce violência que ele havia
desencadeado nela.
— Mais. — Exigiu ele com voz rouca. — Mostre-me o que
deseja.
Eve voltou a se mover.
— Mais, pequena. Sabe que vai gostar. Dobre os joelhos e
coloque-os junto ao meu quadril.
Eve obedeceu, abrindo as pernas até que ele se acomodou
com facilidade entre suas coxas. Lentamente, Reno começou a
brincar de novo com seus mamilos, observando-a enquanto
acariciava com extrema suavidade as sensíveis e rosadas
pontas.
— Sim. — Exclamou quando ela ergueu os quadris
cegamente contra ele. — Assim. Diga-me que me deseja.
O sensual tormento das mãos sobre seus seios já não era
suficiente. A cabeça de Eve se moveu com a mesma inquietação
que seus quadris, procurando um alívio para a necessidade
que a apertava e ameaçava sufocá-la.
— Reno, eu... — Ela mordeu o lábio e tremeu.
— Eu sei. Posso ver.
Os calções não possuiam costura central e permitiram que
os dedos de Reno se deslizassem sobre os desprotegidos
segredos da sua feminilidade.
— E posso sentir. — Acrescentou em voz baixa.
Eve ofegou em uma combinação de medo e paixão quando
percebeu que estava indefesa diante de Reno.
Deliberadamente, ele acariciou sem piedade o tenro centro
do prazer feminino que se inchara por causa desejo. As ondas
de sensações que invadiram o corpo de Eve foram tão intensas,
que ela não conseguiu evitar um repentino grito e derramar seu
fogo líquido sobre a palma de Reno.
— Deixe-me sentir de novo seu prazer. — Reno exigiu,
atormentando-a de novo com seus dedos e negando-lhe poder
senti-lo em seu interior.
Eve deu um gemido entrecortado e o que ele pedia.
O rouco gemido de satisfação de Reno foi outra leve
carícia, outro delicado açoite do chicote da paixão que se
deslizou sobre a carne extremamente sensível de Eve.
— Gosta do que a faço sentir, pequena? Eu gosto tanto
quanto de respirar. — Ele sussurrou em voz baixa enquanto
continuava com a tortura, provocando outra onda de prazer.
Eve chorava e se retorcia com a doce provocação que
enviava selvagens labaredas de fogo por todo seu corpo.
Perdida no meio de um mundo de sensações desconhecido para
ela, não soube em que momento Reno substituiu seus dedos
por seu grosso e rígido membro. Só ficava a consciência de que
ele não a estava tocando no lugar onde deveria fazer. Suas
unhas raspavam suas costas em uma demanda que não
conseguiu evitar.
Reno se lamentou que sua camisa o impedisse de sentir
suas afiadas unhas diretamente sobre a pele. Sorriu e provocou
Eve um pouco mais, tocando as úmidas e escorregadias dobras
de sua feminilidade com a rombuda suavidade de sua carne.
Eve continuou arranhando-o, e Reno sentiu que um fino suor
cobria todo seu corpo. Nunca estivera com uma mulher que o
desejasse tão completamente, que todo seu corpo gritasse por
seu contato. O mínimo toque de seus dedos provocava uma
resposta imediata nela. Reno desfrutou com feroz intensidade
do desejo dela, banhando-se em seu apaixonado calor,
desejando tanto tomá-la, que seu corpo tremia de desejo.
Ainda assim, não importava o que Eve se retorcesse e que
se esforçasse, procurando o prazer que ele já a fizera sentir.
Reno a evitava.
— Porque faz isto? — Perguntou-lhe finalmente.
— Quero ouvir você me pedir mais.
Eve deu um gemido de frustração e se curvou de novo, e
de novo, Reno a apenas a tocou, deixando-a insatisfeita.
— Mais. — Ela pediu, tremendo.
Reno voltou a tocar lentamente sua carne inchada.
— Mais forte. — Ela exigiu entrecortadamente enquanto se
esforçava para chegar até o inalcançável e primitivo limite que
escapava, bem quando estava a ponto de alcançá-lo.
— Não é suficiente. — Protestou com impaciência.
— E se lhe disser que isso é tudo?
— Não! Deve ter mais!
Reno voltou a tocá-la, deslizando suas unhas com extremo
cuidado sobre o centro de seu prazer. Com os dentes
apertados, lutando contra o desejo que o fazia tremer, respirou
profundamente o primitivo aroma da paixão de Eve sentindo
que seu controle se evaporava.
— Reno. — Sussurrou com voz trêmula. — Eu...
Sua voz se quebrou enquanto se arqueava uma e outra vez
contra a dureza que sentia entre as pernas.
— Deseja isto? — Ele perguntou, enquanto seu poderoso
membro tocava a morna entrada do corpo de Eve.
— Sim. — Exclamou entrecortadamente. — Sim.
Com um suave e potente movimento, Reno se afundou
nela esperando deslizar com facilidade e sem obstáculos,
porque a umidade que o envolvia não deixava dúvidas de como
estava excitada.
Mas o que encontrou foi uma barreira que se abriu quase
no instante em que foi descoberta. Quase, mas não
completamente. A diferença foi a lágrima da prova de sua
virgindade e uma umidade que nada tinha a ver com a paixão.
Eve arregalou os olhos quando a dor, em vez do prazer, a
fez voltar à realidade.
— Está me machucando! — Exclamou com a voz
quebrada.
Os movimentos que Eve fez com seu corpo ao tentar se
libertar de Reno acabaram com o pouco controle que ele ainda
conservava. Tentou mantê-la quieta, mas era muito tarde,
estava muito excitado para retroceder e, quase contra sua
vontade, sentiu como seu corpo se liberava no quente interior
dela.
O feroz estremecimento que percorreu o corpo de Reno fez
Eve senti-lo mais profundamente em seu interior, mas dessa
vez Eve já não sentiu dor. Em seu lugar, apareceram labaredas
de fogo que ardiam no lugar onde seus corpos se uniam.
As fortes ondas de paixão a surpreenderam, assim como
os roucos gemidos de Reno e as rítmicas palpitações de sua
rígida carne. Sentindo uma dolorosa pressão no peito, fechou
os olhos, deixou escapar um entrecortado suspiro e aguardou
que ele saísse de seu corpo.
Reno não a liberou apesar de sua respiração se tornar
mais calma. Os movimentos de seu peito erguendo e se
abaixando eram suficientes para voltar a senti-lo em seu
interior. E cada pequena exalação enviava mais correntes
daquele fogo não desejado através do corpo de Eve, e ela já não
desfrutava daquela sensação. Agora sabia que só a levaria para
um sentimento de dor e de tenso desespero.
Transformara-se em uma daquelas estúpidas mulheres
das quais Donna falava, daquelas abriam suas pernas em
nome do amor. Mas Reno não desejava seu amor; só queria seu
corpo.
E já o havia tomado.
— Saia de cima de mim. — Eve pediu finalmente.
A brusquidão de sua voz enfureceu Reno. Momentos antes
ela estava ansiosa para que ele a fizesse sua, mas agora só
desejava se ver livre de seu contato. Não podia dizer mais
claramente que não a fizera gozar.
Em troca, ele sentira tanto prazer que perdera o controle
muito rápido. Nunca lhe ocorrera antes.
De repente, Reno lembrou-se da frágil barreira, das
lágrimas um instante antes que pudesse tomá-la por completo.
Lembrava-se, mas não conseguia acreditar. Não podia acreditar
que uma jovem de salão fosse virgem.
Deveria ter passado muito tempo desde que estivera com
outro homem. Isso explicaria o aperto de seu corpo, a pressão
sensual que ainda o acariciava cada vez que um dos dois
respirava.
Reno notou de novo como Eve era pequena e magra, como
era delicadamente formada. No entanto, ele era um homem
incomumente grande e potente. Não pretendera machucá-la,
mas devia tê-lo feito. Aquela descoberta o envergonhou e o
enfureceu ao mesmo tempo, já que punha em evidência seu
desejo, muito maior que o dela por ele.
— Não me diga que não queria isto. — Reno a espetou
com dureza. — Maldição, você foi muito clara a respeito.
Uma maré vermelha invadiu as faces de Eve enquanto
recordava seu comportamento desenfreado. Ele tinha razão.
Ela lhe pedira.
— Agora já não o desejo. — Respondeu tensa.
Sussurrando uma maldição, Reno se moveu para se
afastar.
Eve estremeceu com violência quando ele tocou sua carne
sensível ao sair dela.
O sangue brilhou sob o sol, a prova vermelha de uma
verdade que Reno mal podia acreditar. Desejara-a tanto que
nem mesmo havia tirado suas roupas. Tomara-a com a camisa
e as calças como se não fosse mais que uma prostituta
comprada para alguns poucos minutos de prazer.
E ela lhe permitira e lhe suplicara.
Reno olhou para Eve como se nunca a tivesse visto. E era
isso mesmo. Não da forma em que a via naquele momento. Não
se permitira olhar além do vestido vermelho para a inocente
jovem que havia sob ele..., mas agora o fazia e sabia a verdade
sobre sua inocência.
— Virgem.
— É isso, pistoleiro. — Sussurrou em voz baixa. — Sou
virgem.
De repente, a boca de Eve se torceu em uma triste careta.
— Bem, agora já não. — Retificou. — Agora não sou mais
que uma mulher sem honra que deveria ter pensado melhor.
A frase ecoou na mente de Reno. Uma mulher sem honra.
Como Willow.
Um homem decente se casa com a mulher de quem rouba a
inocência.
De repente, Reno se sentiu encurralado. E como qualquer
animal encurralado, lutou para se libertar.
— Se você acha que trocou sua inocência por um marido,
— ele advertiu enquanto seus dedos estavam se fechando sobre
os ombros dela. — está muito enganada. Eu ganhei você em
um jogo de cartas. E só peguei o que era meu. Esse é todo o
pagamento necessário.
— Graças a Deus. — Eve soltou entre dentes.
Pela segunda vez, Eve deixou Reno perplexo. Estava
esperando uma discussão, uma torrente de palavras dizendo-
lhe que seu dever como homem decente seria se casar com ela.
Era um velho truque, o mais antigo e o mais poderoso na
guerra que as mulheres decididas a se casar e os homens
decididos a conservar sua liberdade mantinham.
Mas parecia que Eve não o usaria.
— Graças a Deus? — Repetiu atordoado.
— Exato. — Eve reafirmou. — Graças a Deus que já
paguei minha dívida e que você não queira fazer isso outra vez,
porque...
— De que demônios está falando? — Interrompeu-a.
— ... agora você pode pagar às mulheres para fazerem
isso!
As furiosas palavras de Eve ficaram suspensas no ar
durante um longo e tenso momento, antes que Reno confiasse
o suficiente em si mesmo para responder.
— Eu não a violei. — Afirmou em voz baixa e letal.
— Não, não me violou. Mas também não me agradou!
— Então, porque me suplicou que a fizesse minha? — Ele
replicou.
A humilhação e a raiva acenderam as faces dela. Seus
lábios tremeram, mas sua voz se manteve tão firme como seu
olhar.
— Como podia saber o que aconteceria no final? Você me
fez voar e depois me deixou cair.
Durante um instante, Reno se manteve calado. Depois,
começou a rir apesar de sua raiva por acreditar que estava
tomando uma jovem de salão e descobrir que havia feito uma
apaixonada virgem sangrar.
— Voar, é? — Repetiu refletindo.
Eve deu um olhar receoso a Reno, desconfiando da
repentina e aveludada escuridão de sua voz. Com pequenos e
sutis movimentos, tentou escapar dele, mas os firmes e longos
dedos de Reno se apertaram o suficiente para deixá-la saber
que não a deixaria ir a nenhum lugar no momento.
— Voar não. — Corrigiu com voz tensa. — Cair. Há uma
grande diferença, pistoleiro.
— Na próxima vez será muito melhor, garanto.
— Não haverá uma próxima vez.
— Vai faltar à sua palavra? — Desafiou-a.
O sorriso de Eve foi tão frio como uma rajada de vento
invernal.
— Não preciso fazê-lo. — Respondeu. — Pode fazer comigo
o que você quiser, mas não voltarei a lhe pedir que me
machuque até sangrar.
— Só é assim na primeira vez. E se soubesse que era
virgem, eu...
— Disse-lhe que nunca permitira que nenhum homem me
tocasse, — interrompeu-o. — mas você não acreditou. Pensava
que eu fosse uma qualquer.
Então, Eve teve consciência do ocorrido e sua boca voltou
a se curvar em uma amarga careta.
— Não era uma qualquer, — retificou. — mas agora sou.
A raiva invadiu Reno novamente.
— Eu não a converti em uma qualquer. — Afirmou,
enfatizando cada palavra.
— Verdade? Então, como funciona? Uma vez é um erro e
duas vezes a convertem em uma qualquer? Ou são três? Talvez
quatro?
— Maldição.
— Sim, maldição. — Ela sussurrou. — Quantas vezes deve
acontecer para que uma mulher se transforme por arte da
magia em uma qualquer? Diga-me, pistoleiro. Odiaria tomar
mais da ração de diversão que Deus me oferece.
— O que pensa que devo fazer? — Perguntou enfurecido.
— Casar-me com você? Isso arrumaria alguma coisa?
— Não!
— O quê? — Reno se admirou, duvidando que escutara
bem.
— Nada pode fazer com que o que nós fizemos seja
correto, exceto o amor, — ela acrescentou, amargamente. — e
conseguir amor de um homem como você é tão impossível
quanto encontrar um barco de pedra, uma chuva sem água e
uma luz que não projete nenhuma sombra.
Escutar suas próprias palavras surgirem de uma forma
tão dura da boca de Eve, demonstrou a Reno que o mal que lhe
infligira ia muito além do fato de ter lhe tomado a virgindade.
— Pensei que você estivesse apaixonada por mim. — Disse
perplexo.
Eve empalideceu.
— E isso importa agora?
— Maldição! Sim, importa! Respondeu as minhas carícias
porque é uma mulher muito apaixonada, não por algo
relacionado com essa estupidez que chamam de amor.
Com um brusco movimento, Eve se libertou das mãos que
a mantinham cativa. Ajustou a larga camisa sobre seu corpo e
o observou com ferozes olhos ambarinos.
Foi então que Reno tomou consciência de que deveria ter
mais tato com respeito ao assunto do amor; muito mais tato.
Até a alguns poucos minutos ela havia sido uma jovem
inocente, e como tal, acreditava no amor.
— Eve...
— Abotoe as calças, pistoleiro. Estou cansada de ver meu
sangue sobre você, me lembrando de como fui estúpida.
CAPÍTULO 15

Eve soube sem necessidade de se virar que Reno a seguira


até a lagoa. Sentia-o atrás dela a cada passo que dava
enquanto se afastava do acampamento.
Suas mãos hesitaram quando abriram a camisa dele para
tirá-la. Debaixo dela, só usava uma camisa e os calções cujo
fino algodão lhe oferecia escassa proteção diante dos olhos de
Reno.
É um pouco tarde para modéstia virginal, pensou
zombando de si mesma.
Com rápidos e tensos movimentos, tirou a enorme camisa
e a jogou a um lado.
Reno respirou com um brusco gemido ao ver a brilhante
mancha vermelha nos calções, que ficara escondida debaixo
das pontas da camisa.
— Eve, — disse com voz rouca — juro que não pretendia
machucá-la.
Ela não deu sinal de ter ouvido.
Em silêncio, Reno se aproximou dela por trás e apoiou as
mãos com cuidado sobre seus ombros.
— Acredita que sou um animal que obtém prazer
machucando as mulheres? — Sussurrou-lhe ao ouvido com
aspereza.
Eve desejava mentir, mas percebeu que com isso só
conseguiria fazer mais mal a si mesma. Reno não tinha piedade
com os mentirosos e os trapaceiros.
— Não. — Respondeu sem vontade.
A rajada de ar que Reno expulsou fez os cabelos da nuca
dela se agitarem e enviou calafrios sobre sua pele.
A traiçoeira reação de seu próprio corpo a enfureceu.
— Graças a Deus que pelo menos nisso acredita em mim.
— Ele murmurou.
— Deus tem pouco a ver com isto, pistoleiro. Eu diria que
foi mais coisa do diabo.
— Você me pediu.
— Que amável de sua parte lembrar-me. — Ela comentou
com ironia. — Garanto-lhe que não voltará a acontecer.
O corpo de Eve estava tão rígido que parecia a ponto de se
quebrar. Ele amaldiçoou sua rápida língua e a feroz raiva que o
invadira quando ela lhe recordou o pouco que ela havia
desfrutado quando a fez sua.
Em troca, ele sentira um prazer doce e violentamente
intenso até o instante em que percebeu que tomara uma
virgem. Então, sua fúria se igualara a sua paixão. Mas mesmo
assim, o que Eve o fizera sentir era algo desconhecido para ele.
Nunca antes experimentara nada igual com nenhuma outra
mulher.
— Voltará a acontecer, — ele afirmou — mas não será um
erro. E você gostará. Asseguro você disso.
— Um desprezível pistoleiro me disse uma vez, que eu
gostaria tanto que gritaria de prazer. — A expressão do rosto
dela ao encolher os ombros enfatizou a ironia impressa em sua
voz. — Estava certo em parte. Eu gritei.
Reno soltou uma maldição entre dentes antes de
conseguir refrear sua raiva. Controlar seu gênio nunca havia
sido tão difícil. Eve possuia um dom para fazê-lo perder o
controle que o teria aterrorizado se ela fosse uma fria
manipuladora. Mas não era. Era a mulher mais apaixonada
que tivera o prazer de tocar.
Desgraçadamente, naquele momento só irradiava
indignação e... frustração.
Reno puxou uma longa inspiração e deixou escapar o ar
em um mudo suspiro quando compreendeu o que havia
acontecido. Ele não pretendera excitá-la para depois a deixar
insatisfeita, mas fora justamente isso o que fizera. Não podia
culpá-la por desejar arrancar sua pele e pendurá-lo na árvore
mais próxima.
Com calma, fez Eve se virar para olhá-la nos olhos.
Depois, com cuidado, deslizou as mãos por baixo de sua
camisa, preparando-se para tirá-la passando-a por cima da
cabeça.
— O que pensa que vai fazer? — Eve perguntou.
— Deixar você nua.
Eve disse algo entre dentes que normalmente nem mesmo
lhe teria passado pela mente.
Reno mal pode ocultar um sorriso quando suas mãos
pararam debaixo da camisa. Podia sentir claramente a
mudança que se produzia em seus mamilos quando ficaram
tensos em um apaixonado reflexo diante de seu contato.
— Ambos estamos de acordo em que é o tipo de mulher
que mantém sua palavra. — Disse em voz baixa. — E também
estamos de acordo em que me deu sua palavra de que eu
poderia tocar em você.
Uma rebelião mal disfarçada brilhou em seus olhos.
Nunca se parecera tanto a uma gata como naquele momento
enquanto o observava sem piscar, com os lábios tensos como
se estivesse preparada para se jogar para trás e soltar um
bufido.
— Vai manter sua palavra, não é? — Perguntou.
Eve não respondeu.
— Eu acreditava nisso. — Reno declarou.
Lentamente, deslizou as mãos tirando-as da camisa meio
desabotoada.
— Vou deixá-la nua mais tarde. — Acrescentou. — Me dê
o sabão e o pano.
Eve esquecera o pedaço de sabão e o pano que levara à
lagoa. Com dificuldade, se obrigou a abrir as mãos e a entregá-
los a Reno.
As profundas marcas que as unhas dela deixaram no
sabão e em sua palma, foram uma prova muda do esforço feito
para não perder o pouco controle que ainda conservava sobre
si mesma.
O testemunho de seu forte temperamento horrorizou Eve.
Nunca pensara em si mesma como em uma pessoa
especialmente apaixonada ou violenta. O orfanato a ensinara a
não perder o controle, nunca, porque se o fizesse, se
encontraria a mercê dos outros.
Ao entregar-se a Reno havia comprovado uma vez mais o
que já sabia. Havia procurado o amor sem obter nada mais que
dor em troca.
Uma lição mais dura do que a vida.
Reno observou os sinais que as unhas de Eve deixaram no
sabão e em sua própria pele, e depois a olhou nos olhos. Não
havia rastro de riso, paixão ou curiosidade neles; naquele
momento eram tão sombrios quanto um por do sol invernal.
— Eve. — Sussurrou com voz inexplicavelmente terna.
Ela se limitou a olhá-lo sem que nenhuma expressão
aparecesse em seu rosto.
— Sinto ter lhe machucado. — Ele afirmou — Mas não
lamento ter tomado você. Era como seda e fogo...
A rouca voz de Reno se desvaneceu. A inocente paixão de
Eve fora uma revelação que a sua mente ainda custava aceitar.
Seu corpo, no entanto, não possuia aqueles problemas.
Ainda que acabasse de tomá-la, a desejava outra vez. E estava
seguro de que ela também o desejava. Seu corpo manifestava a
gritos sua paixão e sua frustração.
Mas Eve era muito inocente para compreender a razão de
sua raiva. Reno sabia que não conseguiria nada tentando
convencê-la com palavras. Não estava de bom humor para
escutá-lo falar, e menos ainda, de suas próprias necessidades
como mulher.
Por outro lado, havia formas melhores que as palavras
para ensinar a alguém tão inocente quanto Eve o prazer que a
esperava. Tudo o que precisava fazer era convencê-la de que
voltasse a confiar nele.
Uma tarefa difícil, mas não impossível. Seu corpo já estava
do seu lado.
— Como se envergonha, não a deixarei sem roupas. —
Reno disse com voz calma.
Aquilo surpreendeu Eve. Não esperava que ele lhe fizesse
nenhuma concessão.
O sorriso dele lhe disse que sabia muito bem a que se
devia sua surpresa. Com gesto decidido, segurou o pano no cós
de suas calças e guardou o sabão em um bolso.
— Entre na água. — Reno pediu.
— O quê?
— Vamos. Sentir-se-á melhor depois de um bom banho.
Eve não protestou. Entrou na água e avançou até ficar
perto da pequena cascata. A água a acariciava até a metade da
coxa e se agitava à sua volta formando desenhos com bolhas
multicores.
Para sua surpresa, Reno a seguiu e se colocou em frente a
ela. Não tirou as roupas, como ela pensava que faria.
Continuava igual a quando rolara para um lado se afastando
dela, com a camisa entreaberta, descalço e com as calças
escuras.
Se bem que no momento as calças pelo menos estavam
abotoadas.
Uma onda de calor invadiu suas faces quando recordou o
aspecto que ele tinha minutos antes, com a braguilha
desabotoada e a úmida prova de sua estupidez virginal
resplandecendo em plena luz do dia.
— Seus cabelos estão limpos, — Reno disse
interrompendo seus pensamentos. — mas se quiser, eu os
lavarei.
Eve negou com a cabeça.
— Então, vou prendê-los.
— Não. — Respondeu no instante, reagindo a ser tocada.
— Eu os prenderei.
Apressadamente, prendeu os longos cabelos, fazendo um
improvisado coque. Umas poucas mechas deslizaram caindo
sobre seus ombros, mas Eve as ignorou. A expressão no rosto
de Reno quando ela levantou os braços e arrumou os cabelos
lhe deixou muito claro que ele gostava de observar como seus
seios se mexiam a cada movimento de seu corpo.
E se a expressão de seu rosto não fosse suficiente, a prova
definitiva residia no proeminente volume em suas calças. Ao
notar o lugar para onde estava olhando, Eve afastou o olhar
precipitadamente.
— Pronta?
— Para quê?
Reno se abaixou e pegou água entre suas mãos.
— Para se molhar. Será difícil lavá-la se permanecer seca,
não acha?
O moderado tom de voz de Reno contrastava com a
ardente sensualidade de seus olhos.
— Não preciso de ajuda para me banhar. — Eve
resmungou.
Reno riu suavemente e deixou que a água de suas mãos se
derramasse pela parte dianteira da camisa.
— Algumas coisas são melhores quando compartilhadas
com alguém. — Apontou ele com a voz rouca.
— Um banho? — Eve perguntou com sarcasmo.
— Não sei. Nunca compartilhei um.
A jovem o olhou surpresa.
— É verdade. — Reno insistiu.
— Eu acredito.
— Sério?
— Sim.
Eve estremeceu quando a água deslizou de novo entre
seus seios.
— Por quê? — Perguntou intrigado.
— Você não se preocuparia em mentir para uma
prostituta.
Reno fechou os olhos e lutou contra a raiva que o
dominava ameaçando fazer cacos do seu controle.
— Sugiro-lhe, — disse lentamente — que nunca mais volte
a usar essa palavra em minha presença.
— Porque não? Você adora a sinceridade.
Reno abriu os olhos e a olhou fixamente.
— Jogar em minha cara as minhas próprias palavras não
a fará se sentir melhor, lhe garanto.
Eve deu um gemido involuntário e afastou o olhar. As
ameaçadoras sombras e a crua fúria que viu em seu olhar lhe
recordaram muito o seu próprio torvelinho de raiva. De todo
modo, Reno estava certo. Utilizar a ironia com ele não a faria se
sentir melhor. Pelo contrário. sentia vontade de morder,
arranhar e gritar. A profundidade de sua própria fúria a
aterrorizava.
— Eu estava enganado. Ambos sabemos que você não é
uma prostituta. — Reno acrescentou.
Eve não discutiu. A tentação de pressioná-la até que lhe
desse razão quase superou Reno, mas ele conseguiu se manter
em silêncio com dificuldade. Recolheu mais água e a deixou
cair pelo corpo dela até que os calções e a camisa ficaram
molhados.
A fria carícia da água deslizando por seu corpo e o contato
das mãos de Reno sobre seus ombros fez Eve estremecer.
Então, como em um sonho, escutou como ele sussurrava
seu nome com tristeza. Assustada, entreabriu os olhos e pode
ver através de seus espessos cílios a rígida linha que seus
lábios desenhavam.
Nunca mais voltarei a machucá-la. — Prometeu-lhe com
voz calma. — Se soubesse que era sua primeira vez...
Eve respirou fundo e assentiu. Sabia que não ele mentia,
que suas palavras não eram mais que a verdade. Soube que era
um homem íntegro no instante em que se sentou naquela mesa
de Canyon City; apesar de seu tamanho, apesar de sua força,
apesar de sua velocidade letal, não era o tipo de homem que
ficava feliz sendo cruel.
— Eu sei. — Reconheceu em voz baixa. — Por isso fiz com
que ganhasse a partida. Quando vi você, soube que não era
como Slater ou Raleigh King.
Reno deixou escapar um bocado de ar que nem sabia que
segurava. Depois, tocou a testa dela com seus lábios em uma
suave carícia, que acabou antes que ela pudesse estar certa de
ter sentido.
— Deixe-me banhá-la. — Reno sussurrou.
Eve hesitou um momento antes de começar a tirar a
camisa. Umas mãos escorregadias pela espuma se fecharam ao
redor de seus punhos, segurando-os com suavidade.
— Deixe-me fazê-lo. — Pediu-lhe.
Eve hesitou outra vez.
— Não a tomarei de novo. — Tranquilizou-a. — Não o farei
a não ser que você me peça. Só desejo aliviar um pouco... a sua
dor.
Incapaz de suportar a intensidade de seu olhar, Eve
fechou os olhos e assentiu. Durante alguns segundos, esperou
em uma agonia de incerteza, mas quando Reno a tocou foi
somente para lavar seu rosto com a mesma delicadeza com que
havia feito com seu sobrinho.
Porém, Eve não se sentiu como um bebê. O contato de
Reno fez com que uma onda de prazer quase dolorosa a
dominasse. Até aquele momento não fora consciente de como a
pele de seu rosto era sensível. O ritual de ensaboar, lavar e
enxaguá-la lhe enviou agradáveis calafrios por todo seu corpo.
— Foi tão ruim assim? — Reno perguntou ao terminar.
Eve balançou a cabeça e uma longa e escura mecha
escapou de seu coque.
— E isto? — Perguntou de novo enquanto lhe colocava a
escorregadia mecha atrás da orelha.
Reno não esperou sua resposta. Inclinou-se à frente e
começou a percorrer cada curva da sua orelha com a língua e
depois com seus dentes, mordendo-a no lóbulo com muito
cuidado, desfrutando de cada inspiração entrecortada. Quando
a ponta de sua língua a explorou e acariciou avançando,
retrocedendo, voltando a avançar..., Eve emitiu um som do
fundo de sua garganta e se agarrou aos seus braços para não
perder o equilíbrio.
Ele levantou a cabeça e ficou olhando os grandes e
surpresos olhos dela.
— Você está bem?
— Eu... — Ela engoliu a saliva. — Nunca sei o que esperar
de você.
— Seu noivo deve ter sido... pouco criativo.
— Nunca tive nenhum, imaginativo ou não.
— Nenhum noivo? — Perguntou descrente. — Nem mesmo
um que lhe roubasse alguns beijos em um estábulo?
Ela negou com a cabeça.
— Nunca desejei que algum homem se aproximasse até
que conheci você.
— Meu Deus.
A descoberta da inocência de Eve o comoveu. Tão inocente
e, no entanto, ao se excitar se derramara sobre ele como uma
apaixonada fonte que brotava diante de seu contato, diante de
suas palavras, diante de suas mínimas carícias...
Inocente e apaixonada. Somente pensar nas possibilidades
de mútuo prazer que se abriam diante deles bastava para
atordoá-lo.
Sem saber por onde começar, Reno percorreu Eve com o
olhar. Sua roupa íntima era quase transparente e se grudava a
cada curva e plano de seu corpo como uma segunda pele. Os
tensos bicos de seus seios sobressaiam claramente, assim
como o triângulo de pelo escuro que protegia e, ao mesmo
tempo, mostrava sua feminilidade.
— Meu Deus. — Repetiu, reverente. — Nenhum homem
nunca a tocou.
— Não exatamente. — Ela sussurrou.
— Quem o fez? — Sua voz carregava um toque possessivo.
— Você me tocou. — Sussurrou. — Somente você.
Em meio a um silêncio interrompido somente pelo bulício
da água caindo sobre a lagoa, Reno lavou Eve até a cintura.
Tentou não demorar em seus seios, mas foi impossível. A
aveludada suavidade de seus mamilos o atraía
irresistivelmente. Voltava a eles uma e outra vez, até que se
ergueram com urgência contra a camisa, tensos não só por
causa da água fria.
Sem dizer uma palavra, Reno a empurrou com suavidade
até a suave cascata para enxaguá-la. Quando acabou, tirou
sua camisa lentamente e a prendeu no cós de suas calças.
Depois, se inclinou e começou a lhe dar pequenos beijos no
vale entre seus seios, a recolher com sua língua as gotas de
água que resvalavam por seu corpo até que ela começou a
emitir pequenos gemidos e se agarrou aos seus cabelos.
— Não deveria permitir a você fazer isto. — Eve disse com
voz rouca.
— Machuquei você?
— Não. Ainda não.
— Isso não acontecerá nunca mais. — Ele lhe assegurou.
— Nunca mais.
Eve não pode responder. A visão da boca de Reno tão
perto do rosado mamilo de um de seus seios a deixou sem fala.
Antes de conseguir reagir, a ponta de sua língua circundou o
tenso mamilo, brincou com ele, o saboreou e finalmente o
introduziu em sua boca.
O entrecortado gemido que saiu de sua garganta não tinha
nada a ver com a dor e sim com o prazer. Antes que pudesse se
acostumar a ele, a carícia mudou. E então, uma onda de calor
a invadiu tornando-lhe impossível continuar agarrada a sua
raiva, já que seu corpo descobriu uma nova forma de dar saída
às sensações que se acumulavam em seu íntimo.
Eve não sabia se devia se sentir aliviada ou triste quando
Reno, lentamente, levantou a cabeça e continuou lavando-a.
— Deveria ter tomado tempo para lhe dizer como é bonita.
— Desculpou-se com voz rouca. — Tem o tipo de pele sobre a
qual os poetas escrevem sonetos. Mas eu não sou um poeta.
Nunca pensei em ser, até agora.
Inclinou-se e tocou com seus lábios, primeiro um seio, e
depois o outro.
— Não encontro palavras para descrevê-la.
Voltou a se erguer e estendeu o sabão sobre seus calções,
sua cintura, seus quadris e suas pernas. Quando sua palma se
deslizou sobre a sensível união de suas pernas, Eve emitiu um
aterrorizado gemido.
— Acalme-se, — murmurou, tentando acalmá-la. — não a
machuquei, certo?
Os lábios de Eve tremeram, mas ainda assim, negou com
a cabeça.
—Mova um pouco as pernas. — Reno pediu, pressionando
com delicadeza. — Deixe-me lavar todo seu corpo,
principalmente, o lugar onde a machuquei.
Contendo a respiração, aguardou observando seu rosto e
desejando que ela lhe oferecesse novamente a sua confiança.
Lentamente, Eve mudou de posição dando a Reno a
liberdade que desejava. Em um silêncio atormentado de
lembranças e possibilidades, ele eliminou com extrema ternura
até o último sinal da virgem que havia sido e não voltaria a ser.
— Se pudesse apagar toda a dor que a fiz sentir, eu o
faria. — Sussurrou em seu ouvido. — Mas não apagaria o
resto. Sonhei toda minha vida em encontrar uma paixão como
a sua.
Eve tremeu e reprimiu um rouco gemido quando os fortes
dedos masculinos desabotoaram seus calções e o deixaram
deslizar por suas pernas. Um segundo mais tarde, sem deixar
de olhá-la aos olhos, se ajoelhou na água aos seus pés.
— Apoie-se em meus ombros. — Disse com voz rouca.
Reno sentiu o tremor de suas mãos quando as apoiou em
seus ombros, e se perguntou se era provocado pela paixão ou
pelo medo.
— Levante seu pé direito. — Pediu.
Ela obedeceu e a pressão de suas mãos sobre seus ombros
aumentou, enquanto ele deslizava os calções por sua perna.
— Agora o outro.
Quando se viu livre da peça, Eve tentou se afastar, mas
ficou paralisada quando sentiu o contato das pontas dos dedos
de Reno percorrendo a delicada pele da face interior de suas
coxas. Eve fechou os olhos sentindo-se dominada pelos
tremores de prazer e se segurou aos ombros dele com tanta
força que seus dedos se afundaram em seus músculos.
— Está doendo? — Reno perguntou preocupado,
levantando o olhar.
— Não. — Ela sussurrou através de seus trêmulos lábios.
— Você gostou?
— Não deveria.
— Mas gostou?
— Sim. — Eve sussurrou, soltando uma rajada de ar. —
Meu Deus, sim.
Reno apoiou a testa contra o ventre feminino e deixou
escapar um longo suspiro de alívio. Somente então, reconheceu
diante de si mesmo o medo que sentia em pensar que a havia
afastado dele para sempre. Aquela era a razão pela qual a
seguira até a lagoa. O medo, não a paixão.
— Se soubesse como é bela..., — Reno sussurrou,
acariciando com delicadeza as úmidas dobras da sua
feminilidade. — e o prazer que sinto ao saber que sou o
primeiro homem que a tomou...
Eve não respondeu. Não podia. Uma onda de calor
percorria seu corpo fazendo-a esquecer tudo, exceto aquele
mágico instante e o homem que a acariciava com tanta
ternura.
Virando sua cabeça de um lado ao outro, Reno acariciou
seu ventre e suas coxas com os lábios.
— Tão suave. — sussurrou — Tão morna. Abra-se para
mim, doce Eve. Não a machucarei. Deixe-me lhe mostrar como
deveria ter sido para você. Sem dor, sem sangue, somente o
tipo de prazer que morrerá recordando.
Com os olhos fechados, Eve respondeu à doce pressão
entre suas pernas, dando a Reno maior liberdade. Uma cálida e
levemente inquisitiva carícia de seus dedos foi sua recompensa.
O repentino e violento prazer que a percorreu, a assustou
deixando-a fraca e indefesa. Atordoada, emitiu um entrecortado
suspiro e tentou recuperar o equilíbrio.
—É isso. — Ele disse urgindo as suas pernas a se abrirem
mais, enquanto se inclinava sobre ela e mordiscava
suavemente seu ventre. — Apoie-se em mim.
Reno afastou com delicadeza as suaves e úmidas pregas
que protegiam o lugar mais íntimo de seu corpo e acariciou
com a língua as escorregadias dobras de seu sexo, saboreando-
as, desfrutando de seu calor e da acolhedora umidade.
Somente quando ela sentiu o quente fôlego dele no centro
de sua excitada carne, entendeu porque suas carícias lhe
davam tanto prazer. Pequenas terminações nervosas que nem
era consciente de possuir tremeram com violência e a
percorreram.
— Reno.
Sua resposta foi um suave movimento da língua que
arrancou outro rouco grito de Eve.
— Não resista a mim. — Pediu ele em um fio de voz. —
Você me entregou algo que nunca entregara a nenhum outro
homem. Deixe-me lhe oferecer algo que eu nunca dei a
nenhuma outra mulher.
— Meu Deus. — Sussurrou ela, perdida em uma bruma de
prazer que a envolvia e nublava sua mente.
A língua de Reno deixava uma esteira de crescente calor
em seu caminho, submetendo-a a um doce tormento, fazendo-a
desejar mais de suas ardentes carícias. Quando finalmente
encontrou a tensa protuberância de cetim que era o centro do
prazer de Eve, lhe deu pequenos toques com a ponta da língua,
o mordeu suavemente, o seduziu e lambeu, conseguindo que
pulsasse convulsivamente, chegando a conhecê-la melhor do
que ela própria.
Eve soltou um rouco gemido. Não conseguia falar, nem
respirar. Sentia somente a avalanche de sensações que se
condensavam em seu ventre, fazendo-a perder o controle e se
entregando ao homem que a consumia em um feroz silêncio.
Reno sentiu as violentas contrações que a faziam tremer e
sentiu um inexplicável prazer ao aspirar seu aroma; um
primitivo perfume que lhe falava de escuros fogos e selvagens
liberações, atraindo-o de forma inexorável.
Seu sabor era o da chuva do deserto, sedutor e misterioso,
devolvendo a vida a tudo aquilo que tocava até mesmo ao duro
e frio coração do homem que a levara aos mais primitivos
limites.
Apesar de sua relutância em deixá-la, Reno se obrigou a
libertar a doce e cativa carne, e se levantou segurando Eve
entre seus braços, porque ela mal era capaz de se manter em
pé. Apoiou sua cabeça contra o peito e a balançou com ternura
enquanto esperava que se recuperasse.
Após um longo momento, ela deu um trêmulo suspiro e o
olhou com os olhos cheios de confusão.
— Isto é o que realmente existe entre homens e mulheres.
— Disse Reno, beijando-a nos lábios com suavidade. — Um
prazer pelo qual mataria ou morreria. Não uma infantil noção
de amor.
Um doloroso tremor percorreu o corpo de Eve.
— Está me dizendo que sentiria o mesmo com qualquer
homem? — Perguntou com a voz contida.
A violenta negação que subiu até os lábios de Reno o
incomodou. Nunca fora um homem possessivo, mas, a simples
ideia de Eve permitindo a outro homem desfrutar do que
entregara a ele, conseguiu enfurecê-lo.
— Reno? — Ela insistiu com os lábios trêmulos.
— Algumas pessoas se entendem melhor do que outras. —
Respondeu finalmente. — Você me excita mais que qualquer
outra mulher que conheci. E o fato de ter esperado até agora,
significa que eu a excito mais que qualquer outro homem. —
Fez uma pausa e continuou. — Essa é a razão porque se
entregou a mim. Não pela aposta. Nem por amor. Somente por
paixão, pura e simplesmente.
— Por isso os homens e as mulheres se casam? — Eve
insistiu. — Por paixão, pura e simplesmente?
Reno voltou a hesitar.
— Essa é a razão porque os homens se casam. — Afirmou
depois de um momento. — Mas minha experiência me diz que
poucas mulheres sentem paixão suficiente para arder dessa
forma.
— Mas...
— De outro modo, não seriam capazes de aguentar o
tempo suficiente para levar um homem até o altar. —
Continuou, ignorando a interrupção.
No entanto, ao ver a dor refletida na expressão de Eve,
causada por suas palavras, ele piscou. Não pretendia feri-la
com suas duras declarações sobre a natureza dos homens e
das mulheres, e a ilusão chamada amor, mas o fizera.
Outra vez.
— Pequena, — sussurrou, beijando sua testa suavemente
— se sentiria melhor se lhe contasse doces mentiras sobre o
amor?
— Sim.
Mas, depois de falar, Eve riu tristemente e negou com a
cabeça.
— Não. — retificou — Porque desejaria tanto acreditar,
que o faria, e um dia acordaria, e o encontraria preparando um
cavalo para partir e saberia que tudo havia sido uma mentira.
— Agora não estou preparando nenhum cavalo para
partir.
—Ainda não encontramos a mina, não é assim?
Eve o empurrou com suavidade e o olhou sem piscar com
um sorriso que ameaçava se transformar em tristeza. Sem
deixar de sorrir, ficou nas pontas dos pés e lhe tocou os lábios
com os seus.
— Obrigada pela lição. Agora, será melhor que voltemos a
trabalhar para encontrar essa mina. Hoje já aprendi tudo o que
posso suportar em um dia.
CAPÍTULO 16

Na manhã seguinte, Eve e Reno seguiram as indicações do


ancião xamã e se dirigiram para um antigo e quase esquecido
caminho que atravessava o planalto. Na última hora da tarde,
Reno se virou para Eve e quebrou o cordial silêncio que reinava
entre eles enquanto cavalgavam atravessando aquelas terras
selvagens.
— O xamã me disse que devia me assegurar de levar você
até um lugar especial.
— A que distância está? — Eve perguntou surpresa.
— A uns dois quilômetros. Fique aqui enquanto dou uma
olhada. Não gostaria de ver você presa no meio de uma
vingança idealizada pelo velho xamã.
Reno não demorou para reconhecer o terreno. Ao voltar,
parou junto a Eve, viu as perguntas sem serem pronunciadas
em seus olhos e se inclinou sobre ela. Rodeou sua nuca com a
mão, a atraiu para si e lhe deu um rápido beijo. Quando a
soltou, ela o olhou surpresa e... desejosa.
— Pensava que uma vez satisfeito o desejo, desapareceria
para sempre? — Reno perguntou, sorrindo-lhe.
As faces de Eve se tingiram de um intenso vermelho.
— Não acredito que pensar tenha muito a ver com isso. —
Respondeu, recordando o ocorrido no dia anterior.
Reno riu e mordiscou levemente seu lábio inferior.
— Você é tão doce. Adoro provocar você. — confessou — É
incrível que esta manhã tenha conseguido me conter e não cair
na tentação.
— A que se refere?
— Desejava beijá-la... por toda as partes, desejava que a
primeira coisa que seus olhos vissem ao acordar fosse meu
corpo sobre o seu.
A cor se intensificou nas faces de Eve, mas não conseguiu
evitar rir.
Reno se comportara com ela de forma muito diferente no
restante da viagem, quase como se a estivesse cortejando. Eve
recordou o que ele dissera uma vez e sua risada desapareceu.
Corteja-se uma mulher a qual se deseja converter em sua
esposa. Aquilo foi somente uma pequena brincadeira antes do
desjejum com uma jovem de salão.
— Mas decidi que era muito cedo. — continuou — Ainda
está dolorida por ontem e não quero voltar a machucá-la.
Mesmo que as palavras dele fossem brincalhonas, seus
olhos refletiam seriedade. Eve sabia que ainda se culpava pelo
que acontecera na única vez que a tomara.
— Estou bem. — Tranquilizou-o.
E era verdade. Naquela manhã acordara decidida a
aproveitar o que possuia, em vez de chorar pelo que já não
poderia recuperar. A vida lhe ensinara que o amanhã chegava
muito rápido. Devia seguir adiante e aprender a viver com o
passado: sua mãe morta, seu doce e indefeso pai, a brusca
crueldade da vida com as crianças que não eram capazes de se
defenderem sozinhos...
Aconteça o que for com Reno, não me arrependerei. Que ele
acredite ou não, o amor existe. Eu sei, porque eu o amo.
E talvez, somente talvez, Reno possa senti-lo por mim
algum dia. Talvez os ferimentos que aquela mulher da Virgínia
lhe deixou se fechem de uma vez e possa ser livre para amar
outra vez.
Talvez…
— Tem certeza? — Reno perguntou.
Eve se mostrou surpresa, mas percebeu que ele não
adivinhara seus pensamentos, mas que sua pergunta se referia
à sua conversa sobre como se encontrava naquela manhã.
— Sim — respondeu — Muito segura.
— Mesmo depois de todas as horas que passamos
cavalgando? — Ele insistiu.
Eve afastou o olhar da verde claridade de seus olhos,
tentando disfarçar a intensidade de seus sentimentos diante da
sua preocupação. Ele não a amava, mas se preocupava com o
fato de tê-la. Aquilo já era alguma coisa.
E para Eve era tudo. Nunca ninguém se preocupara com
ela daquele modo.
Após alguns instantes, acariciou o rosto de Reno com as
pontas dos dedos e tentou convencê-lo que qualquer mal que
lhe tivesse causado no dia anterior ao tomar o véu de sua
inocência, a compensara com acréscimo ao ensinar-lhe com
tanta generosidade o que era desejar um homem.
— A única coisa que me ocorre — tentou explicar com voz
quebrada — é que estremeço e me custa respirar quando penso
no que nós... no que você... no que eu...
Eve gemeu exasperada e desejou que seu chapéu fosse
grande o bastante para cobrir seu rosto vermelho. Não a
ajudou a não notar que Reno tentava conter uma gargalhada.
— Está rindo de mim. — Resmungou, franzindo o cenho.
Ele deslizou o dorso de seus dedos pelo suave rosto de
Eve, em uma doce carícia.
— Não, minha pequena gata. Estou rindo porque tem o
mesmo efeito sobre mim que uma garrafa do melhor uísque. —
Ele afirmou — Gosto de saber que você é tão consciente de
mim quanto eu sou de você. Faz-me desejar arrancá-la desse
cavalo, e colocá-la sobre o meu e tomá-la neste instante
enquanto observo todas as suas reações.
— Montada sobre um cavalo? — Eve perguntou, muito
admirada para sentir vergonha. — Isso é possível?
— Não faço nem ideia. Mas estou realmente tentado a
descobrir. Ainda que na verdade não importa a forma, nem o
lugar. A única coisa que desejo é voltar a sentir você entre
meus braços, a fazê-la minha uma vez mais.
Reno puxou levemente as rédeas e Darla retrocedeu com
rapidez, afastando seu cavaleiro daquela tentação.
— Vamos. — Disse a uma surpresa Eve. — O xamã e eu
temos uma surpresa para você.
— Do que se trata?
— Se eu lhe disser, não será uma surpresa, não acha?
Sorrindo, ela seguiu a esteira da égua de Reno. A nova e
relaxada atitude que mostrava com ela a fez feliz. Não o via
sorrir tão frequentemente desde que estiveram no rancho de
sua irmã, onde pudera baixar a guarda rodeado de seus amigos
e sua família.
Assim era como estava tratando-a naquele momento.
Como se confiasse nela. A embriagadora combinação de:
brincadeira e sincera sensualidade mantinham seus sentidos
totalmente alertas; seu corpo se acelerava se antecipando à
próxima carícia, ao próximo momento de risadas. Não se
recordava de ter sorrido tanto em toda sua vida.
Eve ainda sorria quando seu cavalo avançou até se colocar
junto ao de Reno. Ele lhe devolveu o sorriso, admirado por sua
espantosa capacidade de recuperação depois de ter passado
nos últimos dias por tantas experiências novas, e em algum
caso, traumáticas.
— Feche os olhos. — Ele pediu com a voz rouca.
Eve lhe deu uma olhada de lado.
— Vá! Outra vez a rouca e aveludada voz. — Eve zombou.
— É agora que vai me arrancar da sela e tentar as coisas
duvidosas, montado sobre uma mustang de gênio ruim?
Reno jogou a cabeça para trás e riu encantado.
— Pequena, realmente sabe como tentar um homem. Mas
tem razão sobre o mau caráter de Darla. Ela nos jogaria contra
o monte de pedras mais próximo. Então, feche os olhos e não
abra até que eu diga. Está a salvo... por enquanto.
Rindo baixo, ela fechou os olhos, segura de que seu cavalo
seguiria Darla sem necessidade de ser guiado.
Durante poucos minutos, a única coisa que percebeu foi o
ranger do couro, o ritmo preguiçoso de sua égua, o calor do sol,
e o cheiro único da sálvia e das plantas de folhas perenes que
impregnavam o ar seco.
— Já posso olhar?
— Não.
— Tem certeza? — Ela brincou.
— Tenho.
Eve sentiu o sorriso de Reno em sua voz e desejou rir alto,
mostrando sua alegria. Gostava da preguiçosa camaradagem
que surgira entre eles desde o dia anterior. Gostava de poder se
virar e descobrir Reno observando-a com ternura em vez da
raiva ou ardente desejo. Gostava de escutar a cadência de sua
voz e saber que ele desfrutava pelo simples fato de estar com
ela. Gostava de...
Reno.
— Não olhe. — Advertiu-a, enquanto puxava a aba do
chapéu de Eve cobrindo-lhe os olhos e percorria a linha de sua
mandíbula com os dedos em uma carícia.
— Não vá fazer trapaças. — Ela protestou em voz baixa. —
Não importa o que pense, não sou trapaceira por natureza.
Reno sentiu a dor dela como se fosse dele. Seguindo seu
instinto, se inclinou sobre ela, pegou-a pela cintura, ergueu-a
como se não pesasse nada e a colocou de lado sobre seu colo
para abraçá-la como desejava.
— Não diga tolices. — Sussurrou em seu ouvido enquanto
a embalava com ternura. — Não estava pensando em nada
quando puxei seu chapéu, exceto em uma desculpa para tocar
em você.
Eve virou a cabeça para o peito de Reno, batendo-lhe com
seu chapéu entortando-o. Ficou meio pendurado pela fita até
que Reno o afastou, deixando-o cair sobre suas costas para
acariciar seus cabelos.
— Não pretendia ferir você. — Acrescentou, depois de um
momento.
Com os olhos ainda fechados, ela assentiu fazendo-o ver
que compreendia.
— Sinto muito. — Eve sussurrou. — Sei que não deveria
estar tão suscetível, mas... estou.
Reno a obrigou a erguer o queixo e lhe deu um beijo terno
e profundo ao mesmo tempo. Depois, seus braços se apertaram
à sua volta, mantendo-a junto a ele quando Darla saltou diante
da sombra de um falcão que passou planando sobre eles.
— Depois de ver o temperamento de sua égua, não creio
que devamos tentar nada mais atrevido sobre seu lombo. — Ela
murmurou.
Houve um instante de surpreso silêncio, e Reno riu e lhe
deu um intenso beijo antes de fazer Darla avançar.
Alguns minutos mais tarde, parou seu cavalo e beijou com
delicadeza as pálpebras de Eve.
— Abra os olhos.
Quando a morna sensação de seus lábios se desvaneceu,
ela abriu os olhos e olhou para o lugar que Reno apontava com
um sorriso.
Ao observar a paisagem, deixou escapar um gemido de
admiração e incredulidade. A alguns centímetros das patas dos
cavalos, a terra descia bruscamente. Na distância, centenas de
pequenos planaltos e planícies se elevavam em uma série de
degraus irregulares que, por sua vez, se ramificavam formando
um imenso labirinto de pedra em tons vermelhos e dourados,
rosas e malvas.
Em vez dos riachos e rios, havia colunas de pedra,
precipícios rochosos, planaltos pedregosos, castelos de pedra,
catedrais e arcos de rochas, vastas paredes e mantas de mais
rochas empilhadas umas sobre as outras, cadeias e vales,
colinas e planícies de pedra, um labirinto multicor de pedras
amontoadas sobre mais rochas até que o céu e a terra se
fundiam em uma uniformidade violeta tão longe dali, que a
curva que a terra descrevia podia ser percebida como a distante
chegada da noite.
E sobre toda aquela grandiosa paragem, grupos de nuvens
variavam de cor indo desde o branco mais puro ao denso
índigo. Tempestades solitárias assolavam alguns pedaços de
terra arrastando irregulares véus de chuva atrás delas e, ainda
assim, o vento não levava com ele o cheiro da tempestade.
— É lá aonde vamos? — Eve sussurrou.
Reno olhou a paisagem rochosa de formas impossíveis e
observou que não havia vivas centelhas de água, nem amplos
vales verdes onde descansar. Também não havia caminhos,
nem estradas para carroças, nem colunas de fumaça que
indicassem assentamentos.
Aquela terra era selvagem. Era um fogo arrasador
cinzelado em pedra, chamas geladas que subiam orgulhosas
para o céu enquanto soprava um vento seco, arrastando
nuvens cuja chuva nunca chegava ao solo, deixando que o fogo
ardesse furiosamente imóvel, eterno.
— Não iremos até lá se puder evitar. — disse finalmente —
Deixarei esse tipo de loucuras para meu irmão Rafe.
A jovem assentiu compreensiva.
— É lindo, ainda que selvagem.
Reno beijou Eve na nuca, e seu coração se acelerou ao
sentir o estremecimento que a percorreu em consequência de
sua leve carícia.
— Surpreende-me que acredite ser bonito. — Ele
comentou contra sua pele. — Não gostou da vista daquela
fenda.
— No princípio, não. Mas depois que os homens de Slater
começaram a atirar, não me pareceu tão aterrorizante. — Ela
repôs secamente. — Algo naquelas balas voando a nossa volta
me fez esquecer a vista.
Reno riu alto, deu-lhe um forte e rápido abraço, e se
lembrou de todas as razões pelas quais não deveria mover suas
mãos alguns poucos milímetros e sentir o peso de seus seios
preenchendo-as.
— Nós poupamos pelo menos oitenta quilômetros,
atravessando aquela rachadura, ele assegurou. Mesmo assim,
ainda temos um longo caminho a percorrer.
— Encontraremos água? — Perguntou esperançosa.
Infiltrações, fontes e córregos periódicos. — Reno encolheu
os ombros. — Deve ter suficiente se formos com cuidado.
— E se não nos importar que nossos cavalos bebam de
nosso chapéu. — Eve acrescentou, sorrindo ao recordar como
esvaziaram uma cantimplora após outra em seus chapéus,
porque o caminho até a lagoa oculta era muito estreito para
que passasse um cavalo.
Reno beijou a lateral da sorridente boca da jovem.
— Alegre-se que temos cavalos mustangs. Bebem menos
que qualquer outro animal, exceto os coiotes.
Eve o observou com os olhos cheios de lembranças
sensuais e os lábios trêmulos pelo desejo. Não confiando em
poder resistir ao inconsciente convite de sua boca, Reno a virou
até colocá-la de costas.
As limitações da sela faziam com que os quadris dela se
aninhassem intimamente entre suas pernas, e seu corpo se
endureceu de repente. Os longos dedos dele envolveram as
coxas de Eve, saboreando a firmeza de sua carne. Sem resistir,
aproximou-a ainda mais e depois a soltou sussurrando uma
palavra que esperava que ela não tivesse ouvido.
Tentando recuperar o controle, Reno desmontou do cavalo
precipitadamente. Ficou de pé bem perto dela, para que
notasse o calor de seu peito contra sua perna tão claramente
como sentira o calor de suas coxas contra as dele.
Eve também notara outra coisa, mas duvidou de seus
próprios sentidos. Era certo que um homem não podia se
excitar tão rápido.
Somente um olhar lhe confirmou que estava enganada.
Antes, a dura evidência do profundo desejo que sentia por ela a
teria envergonhado ou incomodado. Agora, fazia com que uma
maré de calor invadisse delicadamente todo seu ser,
recordando-lhe o que sentira ao se entregar à paixão de Reno, à
sua força e à sua embriagadora sensualidade.
— Pequena, na verdade você sabe tentar um homem. —
Manifestou com voz profunda.
— Você acredita nisso?
— Claro.
— Eu só estou aqui sentada. — Eve apontou.
— Garanto-lhe que o que seus olhos prometem poderia
deixar um homem louco de desejo. — Reno afirmou.
Eve se ruborizou, mas não conseguiu parar de rir. Ainda
ria quando Reno a arrancou da sela e lhe deu um beijo que fez
o mundo girar ao seu redor.
— Gosto que me olhe assim. — Sussurrou contra sua
boca. — Gosto muito. — Enquanto falava levou-a nos braços
até seu próprio cavalo e a colocou sobre a sela. — Suba
gatinha. Seria um inferno para eu cavalgar junto com você.
Quando a soltou, se virou rapidamente e se dirigiu para
seu próprio cavalo uma vez mais.
— Não pretendia provocar você. — Eve se desculpou.
— Eu sei pequena. O problema é que só olhar você faz o
fogo correr por minhas veias.
— Não poderíamos...? — A voz dela diminuiu depois se
intensificou junto com a cor de suas faces. — Nós dois estamos
sofrendo e não há razão para não podermos... ou há?
Reno parou sua montaria junto a de Eve e a olhou
durante vários segundos.
— Sim, existe uma razão pela qual não podemos fazer
isso. — Respondeu com a voz rouca.
A calma na voz de Reno contrastava com seu ardente
olhar verde.
— Slater? — Ela aventurou com tristeza.
Reno balançou a cabeça.
— Imagino que se passarão pelo menos dois dias antes de
Urso Encurvado encontrar nosso rastro outra vez. O xamã
pensava o mesmo, e ele conhece esta terra melhor do que
ninguém.
— Então, porque não podemos...?
Apesar de o desejo apertar suas entranhas, Reno sorriu
diante do intenso rubor que cobriu as faces de Eve.
— Porque Eve na próxima vez que lhe puser as mãos em
cima, não a deixarei até que somente reste alguma força a um
de nós para umedecer os lábios.

Eve se sentou apoiando o queixo sobre seus joelhos e


rodeando com os braços as suas pernas. Alguns centímetros
além de suas botas, a terra se inclinava em um precipício.
Naquele momento, Reno estava explorando o barranco que
o xamã dissera que os levaria através da beirada de um cânion
de rocha e que logo se uniria a uma das antigas rotas descritas
pelo diário. Se o caminho fosse largo o suficiente, cavalgariam
sob a fantasmagórica luz da lua. Se não fosse assim,
acampariam na beira do planalto.
Ao oeste, o sol descia sobre o horizonte. Abaixo dele e na
distância, longas e densas sombras surgiam de infinitas
formações de pedra. Como o sol, as sombras se moviam
transformando tudo o que tocavam, destruindo e voltando a
criar a paisagem em um caleidoscópio em câmara lenta de
cores mutáveis e magníficas paisagens.
Quando escutou passos que se aproximavam, Eve não
precisou se virar para saber que era Reno e não um estranho
que caminhava às suas costas. A rítmica cadência de seus
passos se convertera em parte dela, assim como as doces
lembranças do ocorrido na lagoa. — Uma moeda por seus
pensamentos. — ele ofereceu.
Sorrindo, Eve voltou a olhar as lentas transformações das
rochas, das sombras e do pôr do sol.
— Continuo perguntando-me, — respondeu — como
chegou a se formar este labirinto e porque é tão diferente de
tudo o que vi até agora.
— Eu senti o mesmo na primeira vez que o vi. Faz uns oito
anos eu conheci um paleontólogo do governo e ele...
— Um o quê? — Interrompeu.
— Um paleontólogo.
Eve o olhou curiosa.
— A paleontologia é a ciência que se dedica a estudar
restos tão antigos que chegaram a se transformar em pedra.
Eve emitiu um som de incredulidade.
— Restos antigos transformados em pedra?
— Se chamam fósseis.
— De onde surgiram esses restos?
— De tudo o que povoava a terra há séculos.
Uma vaga lembrança veio à cabeça de Eve procedente da
época em que havia assistido às aulas no orfanato.
— Como os terríveis lagartos gigantes que viveram na
terra antes do homem?
Reno parecia surpreso.
— Sim, os dinossauros.
Eve voltou a apoiar o queixo sobre seus joelhos.
— Pensei que as crianças maiores estivessem zombando
de mim, mas um deles me mostrou uma fotografia em um livro.
— Ela comentou em tom sonhador. — Era um esqueleto de um
lagarto que se apoiava sobre suas patas traseiras. Era mais
alto que o campanário de qualquer igreja. Queria ler aquele
livro, mas alguém o roubou antes que eu pudesse fazê-lo.
— Eu tenho um livro que fala sobre os dinossauros no
rancho de Willy e Cal, junto com outros cinquenta mais.
— Algum deles explica como se formou isto? — Eve
perguntou, apontando para o labirinto que se estendia sob eles.
— Já viu alguma vez como um rio vai solapando sua
margem até dar uma nova forma ao seu leito?
— Claro. As inundações fazem que isso aconteça até mais
rápido.
— Pense no que aconteceria se as margens dos rios
fossem formadas por pedra em vez de terra, e cada afluente e
riacho erodisse lentamente essas margens, aumentando os
barrancos mais e mais...
— Foi isso o que aconteceu aqui?
Reno assentiu.
— Deve ter se passado muito tempo. — Ela comentou.
— Mais do que podemos imaginar.
Houve um cômodo silêncio entre eles e então puderam
escutar o lamento do vento.
— Em algum lugar, lá fora, existem ossos de animais tão
estranhos que a duras penas poderíamos acreditar em sua
existência. — Reno continuou. — Com a passagem do tempo,
as dunas de areia se transformaram em rochas, e com elas, os
rastros de animais que morreram há milhares e milhares de
anos, antes que algo parecido ao homem existisse.
— O Éden. — Eve sussurrou. — Ou o Hades.
— O quê?
— Não posso decidir se isto é um estranho tipo de paraíso
ou um sedutor inferno. — Esclareceu em um sussurro.
Reno lhe deu um estranho sorriso.
— Avise-me quando decidir. Eu frequentemente também
batalho com essa questão.
Em silêncio, observaram os mutantes jogos de luz e
penumbra até que os distantes planaltos adquiriram o aspecto
de barcos de pedra ancorados em um mar de sombras.
Barcos de pedra.
— É tão incrível... — A voz de Eve se desvaneceu no
silêncio.
— Não é mais estranho que o fato de que os homens
construíram uma embarcação com capacidade para quatro
pessoas e que pode ir debaixo da água.
A jovem lhe deu uma olhada assombrada, mas antes que
pudesse dizer algo, Reno voltou a falar.
— Também não é mais estranho do que o terremoto em
Nova Madrid que mudou o curso do Mississippi. — continuou
— Nem mais raro que o fato de que o cume do monte Tambora
voou pelos ares e provocou o Ano sem verão, na Grã Bretanha.
— Isso aconteceu de verdade? — Perguntou admirada.
— De verdade. Até mesmo Byron escreveu um poema
sobre isso.
— Meu Deus! Se um pequeno vulcão foi digno de um
poema, o que teria escrito sobre isto? — Eve comentou,
apontando a paisagem que se estendia diante dela.
Reno sorriu com ironia.
— Não sei, mas gostaria de ler sobre isso. — Seu sorriso
se apagou enquanto dizia: — Pode ser que o mundo seja
grande, mas na verdade, tudo está conectado e faz parte de um
só lugar. Algum dia Rafe descobrirá isso e deixará de vagar por
aí.
— E até então?
— Viajará de um lugar ao outro. Necessita fazer isso para
se sentir vivo.
— E você? — Eve lhe perguntou em voz baixa.
— Eu continuarei acreditando que só se pode confiar em
algo tão tangível quanto o ouro.
Produziu-se um longo silêncio enquanto ela observava a
paisagem com olhos que teriam preferido chorar. Não deveria
esperar que Reno dissesse algo diferente, mas a profundidade
de sua dor lhe diria se o tivesse feito.
Ela se entregara a ele com amor e paixão.
A paixão havia sido retribuída, mas o amor, não.
Ao se converter na mulher de Reno, o mundo havia
mudado para Eve, mas não para ele, porque ele continuava
acreditando que o ouro era a única coisa que valia a pena.
De repente, Reno se levantou e lhe estendeu a mão.
Ajudou-a se levantar com uma facilidade que fez com que ela
se perguntasse se alguma vez se sentira cansado, se alguma
vez se sentira incapaz de dar um passo mais, se alguma vez
conhecera a fome, o frio ou a insônia.
— É hora de partirmos, pequena.
— Não vamos acampar aqui?
— Não. O xamã estava certo sobre o caminho. É tão fácil
de seguir que podemos percorrê-lo sob a luz da lua.
Enquanto ele se dirigia para os cavalos, Eve contemplou o
lindo e enigmático labirinto uma vez mais.
— Barcos de pedra. — Sussurrou em voz baixa. — Porque
Reno não consegue vê-los?
CAPÍTULO 17

Mesmo depois que a lua se pusera, as estrelas brilhavam


em uma profusão tão radiante que se formavam sombras
fantasmagóricas. Ainda que tão transparentes quanto um véu,
as sombras eram, sem dúvida, reais.
Com tristeza, Eve chegou à conclusão que,
independentemente de quanto fossem tênues aquelas sombras,
nem mesmo a luz das estrelas cumpriria a lista de exigências
impossíveis de Reno.
Um barco de pedra, uma chuva sem água e uma luz que
não projete nenhuma sombra.
Pode ser que tivesse encontrado uma armação de barco de
pedra, mas uma chuva sem água continuava sendo algo
impossível. E a luz sem sombras também estava fora de seu
alcance.
Um dos cavalos bufou, perturbando os sombrios
pensamentos de Eve. Ela virou-se em seu saco de dormir,
jogando a culpa de sua insônia ao duro solo mais do que às
suas tristes reflexões.
Mas o chão não era mais duro naquela noite do que nas
outras vezes. Virar-se não a fez se sentir mais confortável;
somente lhe deu uma melhor visão por cima das cinzas da
fogueira.
A silhueta poderosa e de ombros largos de Reno se
perfilava inconfundível contra as estrelas. Seu torso e seus pés
descalços eram de um tom mais claro que a escuridão.
Obviamente estava preparado para se deitar, mas não para
dormir.
Estava de pé ao seu lado, observando-a em silêncio. Eve
se perguntou por que lhe teria dito que se deitasse quando se
afastara do acampamento sozinho, e se sabia que ela estava
acordada naquele momento.
Então, ele falou, respondendo a uma de suas perguntas;
sabia que estava acordada.
— Não consegue dormir? — Perguntou em voz baixa.
— Não — Ela admitiu.
— Sabe por quê? — Inquiriu enquanto se sentava sobre os
calcanhares, ao seu lado.
Eve negou com a cabeça.
— E você, também não consegue dormir?
— Não.
— E sabe por quê? — Devolveu-lhe a pergunta.
O sorriso de Reno brilhou levemente sob a luz das
estrelas.
— Sim. — Admitiu.
— Está preocupado com Slater?
— Deveria estar.
— Mas não está?
— Não o suficiente para me manter acordado.
— Então, porque não pode dormir?
— Por causa de você.
Eve se ergueu, se apoiando sobre um cotovelo e ficou
olhando a expressão masculina semi oculta pela escuridão e a
tênue luz das estrelas.
— Faço tanto ruído quando me viro? — Zombou.
Reno riu.
— Não. É tão graciosa e silenciosa quanto uma gata. —
Fez uma pausa significativa e Eve esperou, observando-o com
olhos que brilhavam na fraca luz. — Mas cada vez que se mexe,
começo a pensar em seu quente corpo debaixo das mantas e
em como gostaria de me deitar junto a você e compartilhar toda
essa doçura.
— Pensei que você não... que não me... — A voz de Eve se
apagou.
— Que não a desejava?
— Sim. — sussurrou — Mal me olhou enquanto
preparávamos o acampamento.
— Não me atrevia. Desejava-a muito.
— E por que se desgosta tanto? Pensa que vou recusá-lo?
Reno deixou escapar o ar que estivera contendo, enquanto
soltava uma maldição contida.
— Não me sentia assim desde que era um rapaz. — Disse
com violência. — E não gosto nada.
— Não estou brincando com você. Eu o a... — Eve retificou
no instante, afastando as mantas a um lado em um mudo
convite. — Eu o desejo muito para brincar com você.
—Está cansada, e eu também. — Aduziu em tom cortante.
— Amanhã será um dia muito longo. Deveria poder me
controlar o suficiente para não aborrecê-la.
— Mas eu o desejo. — Ela insistiu, sua voz quase como
uma súplica.
— Eve. — Reno sussurrou, tentando inutilmente controlar
a selvagem onda de calor que o invadia ao ouvir suas palavras.
Com um grunhido mal audível, de desejo e necessidade, se
deitou junto a Eve debaixo das mantas. Ela sentiu o fraco
tremor de suas mãos sobre seu rosto e se admirou de exercer
tal efeito em sua força.
— Não quero machuca-la. — Afirmou com voz rouca. —
Mas a desejo tanto, e é tão frágil...
— Não acontecerá nada.
Eve moveu a cabeça beijando as palmas de Reno que
emolduravam seu rosto, enquanto sussurrava seu nome contra
a fragrância de seus cabelos.
— Não acontece nada. — Eve repetiu a cada carícia de
seus lábios sobre a pele dele. — Quero voltar a fazer parte de
você outra vez.
— Minha pequena gatinha. — Sussurrou contra sua boca.
— Doce e ardente.
Mordiscando seus lábios até Eve soltar um gemido,
aproveitou para deslizar a língua lentamente no interior de sua
boca provocando-a até se arquear contra ele em um total
abandono sensual. O beijo começou suavemente, mas em
seguida mudou, tornando-se ávido, exigente, convertendo-se
em um ardente prelúdio da união mais profunda que logo
chegaria.
Reno tentou conter a selvagem necessidade que o
consumia desde que provara o sabor da excitação de Eve na
lagoa, mas seu controle ameaçava desaparecer. Incapaz de
parar, se apossou do aveludado calor de sua boca com
movimentos profundos e reiterados de sua língua, explorando e
acariciando, desejando-a com uma violência que não se parecia
a nada que conhecia até aquele momento.
Quando ele se forçou a terminar o beijo, estava total e
dolorosamente excitado. Apoiou-se sobre o cotovelo e fechou os
olhos, lutando para ir devagar, para não voltar a assustá-la
com sua paixão.
Era impossível. Cada inspiração estava impregnada com o
requintado aroma da excitação de Eve.
— Reno?
O rouco som da sua voz foi outra carícia que o fez desejar
gemer.
— Espero que me deseje tanto quanto sugere esse beijo.
Não quero voltar a feri-la nunca. — Afirmou em voz baixa
enquanto tocava seu rosto com os dedos que não estavam
totalmente firmes.
Eve pegou sua mão e a levou lentamente sobre um de
seus seios. Reno ficou sem fôlego quando sentiu o mamilo se
endurecendo ao seu contato, como uma tensa cimeira desejosa
em questão de segundos.
— Deveria ser dia. — Reno desejou.
— Por quê?
Em vez de responder, se inclinou, beijou suavemente o
duro mamilo, e o colocou em sua boca sem prévio aviso. Eve fez
um som gutural enquanto suas costas se arqueavam em um
apaixonado reflexo. Reno deslizou as mãos pelas costas dela,
segurando-a, enquanto se alimentava da doce carne que ela lhe
oferecia. Sugou, mordiscou, e seduziu primeiro um seio e
depois o outro até que se mostraram cheios, inchados,
orgulhosamente eretos, conseguindo que seus mamilos
pressionassem dolorosamente a fina camisa.
Quando Reno levantou a cabeça e olhou a prova do desejo
de Eve, a visão que obteve não o ajudou a acalmar a selvagem
necessidade de seu corpo.
— Por isto desejava que fosse dia agora. — Sussurrou
roucamente. — Quero ver como seus mamilos se endurecem
com minhas carícias, como tremem esperando que volte a eles.
— Ao sentir como um tremor abalava o corpo de Eve em
resposta às suas palavras, riu suavemente. — E o doce rubor
que a domina quando falo do que estou fazendo, — continuou
— eu também gostaria de ver.
Eve emitiu um som fruto da risada e da vergonha ao
mesmo tempo. Sorrindo, Reno se inclinou e tomou entre os
dentes uma das fitas que fechavam a camisa. Com pequenos
movimentos da cabeça, foi puxando até o laço se desfazer.
— Tire a roupa, pequena.
Reno sentiu o violento tremor que atravessou Eve tão
claramente quanto ela o havia sentido.
— Eu posso fazê-lo, — disse suavemente — mas então
precisaria soltá-la e não quero. Gosto de você assim como está
agora.
Apertou os braços fazendo com que ela se curvasse ainda
mais, até que seus mamilos tocassem seus lábios. Deu um
sorriso enquanto a observava tremer e se mexer inquieta,
procurando uma carícia mais profunda.
— Tão flexível... tão graciosa... — Reno sussurrou com voz
mal audível. — Fique nua. Deseje-me tanto quanto eu a desejo.
Os dedos dela estavam torpes enquanto desamarraram a
camisa. Mas, quando conseguiu soltá-la, o tecido não deslizou
por seu corpo. O algodão, umedecido pela boca de Reno,
permanecia colado aos duros mamilos que desejavam a ternura
e a doce violência masculina.
Hesitante Eve afastou o fino tecido de seu corpo, tremendo
ao sentir como se soltava devagar de sua pele. Enquanto o
fazia, Reno desenhou trilhas de beijos em seus seios, garganta,
e seus lábios..., alternando as suaves carícias com pequenas
mordidas. Deixou o espaço suficiente para lhe permitir retirar a
camisa, mas em nenhum momento a soltou completamente.
Por fim, a delicada peça ficou estendida junto ao saco de
dormir como um pálido reflexo da luz das estrelas.
— Continue. — Ele murmurou contra sua pele. — Desta
vez quero que esteja completamente nua.
Com os dedos trêmulos pela excitação, Eve desabotoou o
calção e o deslizou por suas pernas, ficando completamente
exposta aos ardentes olhos de Reno. Sua pele brilhava com a
luz da lua.
— Sim. — sussurrou — Assim. É tão bonita... Deveria ser
proibido cobrir tanta beleza com tecido.
Enquanto falava, a colocou de costas sobre as mantas,
acariciou com o polegar o mamilo de um de seus seios e
deslizou sua mão em uma lenta carícia até pousá-la sobre seu
ventre, deixando uma esteira de calor a sua passagem. Eve
estremeceu e reprimiu um grito de prazer, perdida em um
mundo de sensações. Quando a ponta da língua de Reno
brincou suavemente com o mamilo que antes havia excitado
com seus dedos, ela se curvou contra ele com força desejando
algo mais que sua provocação.
Reno lhe deu o que pedia e sua boca a acariciou enquanto
a reclamava. A mão que permanecera sobre seu ventre,
sentindo os pequenos tremores, desceu suavemente sobre seu
púbis. Ficou um momento imóvel, tranquilizando-a e depois
procurou a sensual e delicada carne que permanecia oculta
entre suas pernas. Quando a encontrou e a tocou levemente,
Eve emitiu um grito rouco.
No instante, Reno retrocedeu, porque a lembrança do
sangramento o perseguia. Fazendo um esforço do qual se
acreditava incapaz, apertou os dentes lutando contra a dor de
desejá-la e não tê-la.
— Sinto muito. — Desculpou e se ergueu. — Não
pretendia feri-la.
— Não o fez.
— Você gritou.
Eve acariciou seu musculoso peito com dedos trêmulos.
— De verdade? — Perguntou com voz rouca.
— Sim. Eu a machuquei?
— Não. — Eve voltou a tremer. — Não.
A suavidade da pele dele em contraste com os duros
músculos que formavam o amplo peito de Reno atraíam-na
irresistivelmente.
— Volte para mim. — sussurrou — Estou muito atordoada
para me erguer. Principalmente, quando me toca como acabou
de fazer. Sim, gritei porque sua carícia faz o resto do mundo se
desintegrar.
Reno apertou os olhos diante da repentina pontada de
desejo que sentiu profundamente, como um punhal virando e
fazendo-o se retorcer de dor.
— Não doeu?
Enquanto falava, acariciou o suave velo que protegia a
oculta calidez de Eve. Ela respirou entrecortadamente, em um
suave eco das labaredas de fogo que consumiam seu ventre
cada vez que ele a tocava.
— Pequena. Fale-me. Dói?
— Não. Sofro, mas não é... — Sua voz falhou. — Quero
dizer, não é...
— Não é o quê?
— Eu... — Eve respirou entrecortadamente. — Não
posso... Não sei como... dizer.
— Você tem vergonha? — Reno perguntou com suavidade.
Ela assentiu.
— Tente me explicar. — insistiu ele — Quero saber se a
machuco.
— Mas como pode dizer isso? — Eve murmurou. — Não há
dor, só prazer.
A suave risada de Reno foi uma rajada de calor que
percorreu os seios de Eve ao se inclinar sobre ela. Quando
beijou os duros mamilos, seus seios tremeram pedindo mais.
Uma maré sensual percorreu o trêmulo corpo de Eve
desde os mamilos até a boca do estômago, fazendo suas
entranhas estremecer com um desejo que foi similar a dor.
— Sofro, mas não pelo que você faz. — Eve lhe explicou,
reprimindo um gemido. — Sofro pelo que não faz.
— Tem certeza?
— Sim!
Apesar de suas palavras, Reno hesitou recordando o
momento em que se apoderara de sua inocência, a dor que lhe
produzira pela força usada e pela rapidez.
Com extremo cuidado, acariciou-a voltando a encher a
mão com sua feminilidade. Escutou a respiração irregular, o
entrecortado suspiro quando as pontas de seus dedos
encontraram as suaves e quentes dobras que protegiam o
centro de seu prazer.
— Gosta disto? — perguntou.
Um pequeno e gutural grito foi sua resposta.
Reno deslizou as mãos pela face interior de suas coxas
apertando levemente, fazendo Eve se abrir às suas carícias e
ficar exposta diante dele, desprotegida por completo. A
embriagadora fragrância de sua aceitação encheu os pulmões
dele, arrastando-o até uma dolorosa e prazerosa excitação.
Antes mesmo de perceber o que estava fazendo, já havia
desabotoado as calças. Mas quando foi consciente de como
estava perto de possui-la, rolou para o lado e se levantou em
um único movimento.
Respirou rápida e entrecortadamente, como se tivesse
corrido vários quilômetros para chegar onde estava, enquanto
observava a mulher deitada aos seus pés. Os rápidos
movimentos de seus seios cada vez que respirava, o fizeram
desejar arrancar as poucas roupas que usava e se afundar nela
até se esquecer de tudo exceto de sua doce e apaixonada
entrega.
A violência com que a desejava era muito mais forte do
que quando a tomara na primeira vez. Aquela descoberta o
deixou perplexo. Não deveria desejá-la tanto. Jurara a si
mesmo nunca voltar a desejar assim a uma mulher.
— Reno? — Eve sussurrou.
— Tenho medo de que se repita o que aconteceu. — Ele
respondeu com aspereza. — Maldição, eu a desejo muito.
A jovem estendeu os braços para ele em silêncio,
convidando-o a regressar ao seu lado.
— Eve... maldição... não sabe o que está fazendo!
Porém, suas mãos se moviam por vontade própria
livrando-o de suas roupas, mesmo quando sua mente o avisava
que se afastasse dela até que se sentisse menos excitado e mais
seguro de seu próprio controle.
Através dos olhos escurecidos pelo desejo, Eve observou
como ele tirava as roupas e se deliciou na amplitude de seus
ombros, do musculoso torso, nos estreitos quadris... uma força
primitiva parecia percorrer misteriosamente o corpo dele cada
vez que se mexia. Quando tirou a última peça de roupa e viu a
dura evidência de sua excitação, ela deu um gemido sufocado.
— Assustada finalmente? — Reno perguntou com voz
áspera.
Eve negou com a cabeça.
— Deveria ter medo. — Ele a advertiu. — Nunca desejei
tanto uma mulher como a desejo.
A única resposta foi um serpenteante e incitador
movimento de seu corpo.
Lentamente, Reno se ajoelhou entre suas pernas enquanto
ela erguia os quadris em uma muda súplica.
— Não sabe... — começou a dizer. Mas não terminou.
— Então, mostre-me. — Ela sussurrou.
Com uma palavra que era ao mesmo tempo blasfêmia e
reverência, acariciou-a com as palmas das mãos dos tornozelos
até as coxas, sensibilizando sua pele e fazendo-a abrir as
pernas ainda mais. Tentou resistir a perfumada tentação que
se abria para ele, mas não conseguiu deixar de acariciá-la pelo
menos uma vez, forçando-se a se mover devagar apesar do
violento martelar de seu sangue nas veias.
A pele de Eve era mais suave do que a seda e tremia
diante do seu contato. Suavemente, deslizou os dedos sobre as
úmidas dobras, atormentando a entrada de seu corpo, tocando
e tentando-a até introduzir um dedo em seu interior e sentir
como uma fragrante e abrasadora chuva se derramava sobre
ele.
Lentamente, Reno retrocedeu deixando-a vazia e trêmula.
Não esperava que ela estivesse tão pronta e ansiosa para
consumar a união que tanta dor lhe causara.
— Tentarei ir com cuidado. — Murmurou entre dentes
enquanto se colocava sobre ela.
— Eu sei — Eve sussurrou. — Mas não se esforce muito.
Os gatos têm mais de uma vida.
Ele sorriu apesar do suor que escorria por suas costas,
causado pela feroz tensão com que tentava controlar sua
paixão.
— Vai me matar, gatinha. — Então, com voz áspera,
acrescentou: — Ajude-me.
— Dobre os joelhos. — Ela obedeceu no instante. — Mais
para cima. Assim. Deus! — Reno exclamou ofegante. —
Gostaria de ver você.
Eve deu um gemido apagado quando sentiu que ele
percorria com as pontas dos dedos o centro de seu ser, cada
dobra de seus sensíveis tecidos, cada milímetro da excitada
pele, como se desejasse memorizar com seu tato o que não
podia ver com clareza.
Com delicadeza, Reno acariciou o sensível nó de nervos
onde se ocultava o prazer de Eve, antes de agarrá-lo entre seus
dedos e atormentá-lo suavemente.
A jovem respirou com um rouco gemido que poderia ser de
prazer ou de dor, e ficou tensa como se tivesse sido chicoteada.
— Fale-me. —Ele pediu — Diga-me se a ferir.
Não conseguiu responder. Violentas contrações se
apossaram de seu corpo, provocadas pelas carícias de Reno,
tornando impossível pensar ou falar. Um suspiro quebrado, um
gemido apagado e uma perfumada umidade foram sua única
resposta. Mas foi suficiente para Reno saber que Eve o desejava
tão profundamente quanto ele a desejava.
Com decisão, Reno segurou seus quadris e introduziu seu
grosso e duro membro levemente nela pelo puro prazer de
sentir quanto ansiava o que ele poderia lhe dar. Ao perceber
como ela se apertava ao seu redor, como o chamava para seu
interior, empurrou com suavidade comprovando sua
capacidade para recebê-lo.
A comprovação foi também uma carícia. Eve soltou um
gemido de assombro enquanto seu ventre desencadeava um
vendaval de sensações. Um calor sensual percorreu Reno
violentamente excitado, arrancando-lhe um entrecortado
gemido. Seus quadris se moveram de forma instintiva,
desejando possui-la por completo, em uma união ainda mais
profunda.
Eve abriu os olhos quando a pressão se intensificou e o
poderoso membro de Reno a fez completamente sua, com um
estudado movimento, que contrastava com as feições duras e
afiadas de seu rosto.
— Fale-me. — Pediu de novo com voz rouca.
Também gostaria de lhe dizer como era bonita, sussurrar
ao ouvido palavras tranquilizadoras. Mas não conseguiu. A
lenta consumação tirava seu fôlego, sufocava sua voz, anulava
seu pensamento. Sentia muito intensamente o toque de pele
contra pele, seu escorregadio calor, a excitante umidade que o
envolvia.
Os olhos meio fechados de Eve o observavam enquanto a
tomava e se entregava a ela ao mesmo tempo. Reno nunca
sentira nada igual. No meio de seu atordoamento, se
emocionou ao perceber a entrega dela, total apesar de não
confiar nele. Não havia forma de saber onde começava um
corpo e terminava o outro, suas respirações se misturavam
sem nenhuma barreira, somente uma sensual fusão.
Os músculos internos de Eve se contraíam e relaxavam
com medo e expectativa, atraindo e rodeando-o enquanto ele se
apoderava de seu corpo. Não importava como se afundasse
nela profundamente, só havia calor liquido uma constrição de
cetim que o acariciava em segredo, mostrando-lhe o que
significava estar completa e apaixonadamente unido a uma
mulher.
A ardente e intensa perfeição erótica da união quase o
levou a perder sua sanidade. O sangue martelava através de
suas veias como se fosse explodir ou morrer.
— Eve...
A voz de Reno soou entrecortada, quase sufocada pela
selvagem aceleração de seu sangue.
Eve o escutou e soube que tentava perguntar se a
machucava. Teria respondido, mas a lenta cadência da
profunda penetração abria caminho entre suas inibições,
despertando seus instintos mais selvagens. As secretas
convulsões de prazer que a dominavam, só lhe permitiam se
abandonar ao homem que era uma parte tão profunda dela que
podia sentir claramente cada sedosa pulsação de seu duro
membro. E com as pulsações, se produzia em seu interior uma
sensual chuva que lhe facilitava o caminho ainda mais,
atraindo, acolhendo e acariciando-o profundamente.
O controle de Reno se transformou em cacos, ao sentir
que as contrações de Eve se tornavam mais rápidas e violentas.
Introduziu nela várias vezes, permitindo que a tempestade de
fogo o queimasse. Finalmente, ele se arqueou contra sua
acolhedora calidez dando um áspero grito e se entregou em
uma trêmula rajada que o deixou esgotado.
O peso de seu corpo sobre Eve fez outra onda de paixão
atravessá-la. Soltou um som do fundo de sua garganta e se
moveu contra ele enquanto todo seu ser era atravessado pelo
êxtase.
A sinuosa e escorregadia pressão de Eve sobre sua carne
enterrada nela, liberou labaredas de fogo que percorreram
Reno com força.
Assombrado pela resposta se moveu lentamente
deleitando-se com seus gritos abafados e de seu corpo se
fundindo ao seu redor. Nunca vira como uma mulher gozava
tão claramente com sua presença dentro dela. Nunca
imaginara quanta satisfação podia ter em observar como seus
mínimos movimentos provocavam sensuais e secretas
contrações e mudas e sinuosas súplicas.
Também não sabia do que era capaz até sentir como seu
membro se endurecia de novo, até ficar consumido por um
desejo ainda mais intenso por se inchar enquanto ainda se
encontrava totalmente dentro de Eve.
— Espero que esteja certa sobre ter muitas vidas, gatinha.
Os cílios de Eve se ergueram, mostrando olhos que ainda
estavam embaçados pelo prazer.
— O quê? — Sua voz estava muito rouca e se quebrou
antes de acabar a pergunta, porque Reno se moveu lentamente
deslizando através dos seus tecidos, preenchendo-a outra vez.
— Você gosta? — Perguntou, se afastando e avançando
uma vez mais.
— Deus, sim.
— Não dói?
Uma suave risada foi a resposta de Eve. Sua mão
percorreu em uma ardente carícia a espinha dorsal do homem
a quem sabia que sempre amaria, e parou indecisa na parte
baixa de suas costas antes de continuar até seu traseiro. Os
tensos músculos que encontrou ali a intrigavam, assim como a
rápida e esmagadora inspiração que Reno puxou quando ela
deslizou seus dedos entre suas nádegas. Sentindo-se audaz,
repetiu a carícia, conseguindo fazê-lo estremecer.
— Não continue. — Ele pediu, agarrando as mãos que o
atormentavam, e colocando-as por cima da cabeça de Eve para
deixá-la completamente a sua mercê.
— Não gosta?
— Muito. — reconheceu. — Reserve para a próxima vez.
— A próxima vez?
— Sim, pequena. A próxima vez. Pode ser que o eu precise
então. Mas garanto que não preciso disso agora.
— Não entendo.
— Se continuar me provocando, — explicou enquanto se
movia de novo em seu interior, mostrando-lhe como estava
excitado, — isto acabará logo. E quero que dure muito, muito
tempo.
— Oh!
Com um sorriso, Reno se inclinou e a beijou suavemente
nos lábios. O calor que sua pele desprendia o surpreendeu.
— Está corada? — Perguntou.
Eve afundou o rosto em seu pescoço e, liberando uma de
suas mãos, bateu levemente em seu ombro com o punho.
— Como pode ser tão apaixonada e tímida ao mesmo
tempo...? — A voz dele se apagou em uma suave risada. — Não
importa, você superará.
Um comentário abafado lhe indicou que ela não
acreditava.
— Olhe para mim pequena.
Quando ela balançou a cabeça, Reno afastou
delicadamente seu rosto de seu pescoço.
— Tão tímida e inocente. — Murmurou, depositando
pequenos beijos em seu rosto. — Se soubesse como é pouco
comum, não se envergonharia. — Sussurrou contra seus
lábios.
— Sou só uma...
Fosse o que fosse que Eve ia dizer se perdeu na lenta
penetração da língua de Reno, que se apossou de sua boca
enquanto preenchia seu corpo. O pequeno e gutural grito que
ela deu ensandeceu os sentidos dele, que se retirou até deixar
só a ponta de seu membro dentro dela em uma tortura.
Com um entrecortado som que poderia ser o nome de
Reno, ela arqueou com violência os quadris tentando reclamá-
lo.
— Faz-me sentir como o primeiro homem que descobriu o
fogo. — Confessou em voz baixa, observando-a e voltando a se
aprofundar mais que na vez anterior, sem deixar nada de seu
interior intacto. — Dói?
Sua resposta foi um esmagador suspiro de prazer.
— Avise-me se machucá-la. — Reno pediu quando
deslizou seus braços por baixo dos joelhos de Eve, dobrando e
erguendo suas pernas, empurrando-as com delicadeza contra
seu corpo, movendo-se devagar para aprofundar a posse e
deixando-a completamente indefesa diante dele.
— Deus! — Eve exclamou tremendo de prazer, desejando
rir e chorar ao mesmo tempo, sentindo-se completamente
possuída, vulnerável e aberta.
Reno retrocedeu, levando a sensual pressão com ele.
— Não. — Eve protestou.
— Pensei que a estivesse machucando.
— Só quando se afastou.
Eve ofegou entrecortadamente quando Reno avançou mais
uma vez, com sua invasora presença e se retirando tão
deliberadamente como a havia tomado. O prazer voltou diante
da posse primitiva, e ela se sentiu sem controle, se
consumindo, reclamando sua liberação.
— Acredito que... — Sussurrou com voz quebrada.
Reno se moveu, e mais labaredas a percorreram,
roubando-lhe o fôlego.
— Acredita em quê? — Ele perguntou.
— Creio que... foi uma mulher... quem descobriu o fogo. —
Respondeu baixinho. — Com um homem como você...
Reno escutou os ecos do êxtase na voz de Eve, e o sentiu
nos violentos estremecimentos de seu corpo, desejando gritar
seu triunfo.
Mas não possuia ar para gritar, porque as chama da
paixão que haviam alimentado Eve o prenderam, agarrando-se
a ele com os aveludados ritmos da liberação de Eve. Reno não
desejava aquilo ainda, não antes de ter sondado as
profundezas de sua capacidade para responder-lhe.
Porém, a tentação do seu corpo era muito grande para
suportar. Quando se curvou uma vez mais contra ele, Reno
sentiu que o mundo se desfazia em uma série de violentas
explosões. Com seu nome nos lábios, Reno se entregou em
uma longa e esmagadora corrente de fogo.
A respiração de Eve se cortou e recomeçou com um
suspiro de espanto enquanto se agarrava aos ombros
poderosos de Reno, sentindo-se feliz por sentir o
estremecimento feroz de seu corpo. Mesmo naquele momento,
ainda deitado com a cabeça entre seus seios, respirando
devagar, totalmente relaxado, seu alcance e poder, eram
evidentes.
Sorrindo, ela acariciou suas costas com lentos
movimentos das mãos, admirando-se com a força que havia
nele e da descoberta de que nunca estivera tão perto, ou
sentira coisa igual com alguém.
Amava-o, e aquele amor conseguira que tudo tivesse um
significado que ia muito além da união de seus corpos.
Eve não notou que expressara em voz alta seus
pensamentos até que Reno levantou a cabeça e a virou de um
ao outro lado, acariciando seus seios com o rosto enquanto
falava.
— O amor é uma ilusão, pequena. — afirmou — Mas a
paixão não é.
Então, sentiu como sua língua deslizava lentamente sobre
seus mamilos. Com cada movimento, seu corpo se mexia
aumentando o efeito de suas carícias. Uma ardente chama de
desejo se espalhou de novo por seu ser, fazendo sua respiração
se interromper de forma audível.
Reno escutou a resposta dela e a sentiu na repentina
elevação de seus seios. Sua risada foi aveludada, rouca e
exultante.
— A paixão é algo muito real. — Continuou dizendo,
enquanto mordia delicadamente os tensos e sensíveis mamilos.
— E você e eu nos compreendemos muito bem. Deus, melhor
que isso, não há palavras para expressar o que tivemos.
— O que quer dizer? — Ela sussurrou.
— Pequena menina inocente. — Murmurou, absorvendo o
terno tremor da pele de Eve quando seus dentes a tocaram
levemente. — Nem mesmo sabe, não é verdade?
— O quê?
— Isto.
Reno moveu os quadris e seu enorme membro, de novo
excitado, se introduziu ainda mais nela, como se desejasse
fundir seus corpos em um único ser. Um grito abafado e um
ávido movimento do corpo que o acolhia lhe responderam.
Rindo de puro prazer, ele se retirou um pouco e escutou como
seu nome saia dos lábios dela em uma rajada.
— Sim. — Disse. — Outra vez, mas não me culpe. Nunca
em minha vida foi assim.
Outro movimento, outro grito, outra sensual onda que
surgia dela e que se deslizava sobre ele, alimentando seu
apaixonado e escuro fogo, elevando-o e levando-a com ele.
Quando o suor cobriu a pele de Eve, Reno inclinou a
cabeça, lambeu as gotas salgadas e mordeu a carne que
ansiava se converter em parte dele. Seduziu seus seios com os
dentes e a língua, exigindo e recebendo a aveludada dureza que
buscava de cada um, enquanto seus quadris se moviam sem
parar, exigindo uma entrega total.
Sem piedade, deslizou a mão entre seus úmidos e
anelantes corpos até que chegou à parte mais íntima de Eve, e
encontrou o pequeno e tenso nó de cetim que era o centro seu
prazer. Envolveu-o com o polegar, apertou e o percorreu
alternando a suavidade com uma doce violência.
— O que está...? — Ela perguntou entrecortadamente. —
Deus... Reno.
O prazer explodiu nela com força, fazendo-a arquear seu
corpo enquanto as ferozes correntes a dominavam, obrigando-a
a se erguer ainda mais.
Reno segurou uma trêmula e selvagem Eve, enquanto se
movia em seu interior sem parar, cavalgando sobre a feroz
paixão que despertara nela, arrematando cada forte investida
com uma carícia contida que exigia tudo dela, torturando o
delicado nó cheio de terminações nervosas que faziam eco ao
longo de todo o corpo feminino.
Eve gritou quando experimentou um êxtase que não
possuia início nem fim, transformando-a em cacos. Se
houvesse espaço em seu interior para o medo, estaria
aterrorizada, mas só havia lugar para o corpo de Reno e as
roucas palavras de desejo e demanda que despejava sobre ela.
Eve gritou desenfreadamente, afundando as unhas em
suas costas enquanto se curvava sem controle, sucumbindo a
doce violência que Reno desencadeava nela.
O sorriso dele enquanto a observava era tão selvagem
quanto seus gritos. Mantinha-se totalmente imóvel, absorvendo
seus tremores com sua força. Quando Eve finalmente ficou
quieta, Reno, implacável, inclinou a cabeça, deslizou os dentes
sobre seu ombro em uma feroz carícia e começou a se mover
em seu interior outra vez.
Eve ofegou sem forças, quase completamente exausta.
— Reno.
— Eu a avisei. — Disse em voz baixa. — Até não
conseguirmos umedecer nossos lábios.
Moveu-se dentro dela com ímpeto selvagem, cobrindo seu
corpo como um manto de fogo. E como o fogo, arderam.
CAPÍTULO 18

Os restos misturados de rocha, areia e resistentes


arbustos pareciam seguir eternamente para todas as direções,
mas Reno sabia que não era assim. Simplesmente era outro
amplo degrau na longa descida das Rochosas para o lugar que
se encontravam a mais de cento e sessenta quilômetros ao
oeste, onde o, misterioso e poderoso, rio Colorado serpenteava
entre franjas de terras rochosas.
Se não fosse porque Slater se mostrava no horizonte como
um abutre, teria adorado acampar junto à agua fresca e não me
mexer dali durante semanas.
Ou meses.
Reno sorriu com ironia diante de seus próprios
pensamentos. Pela primeira vez em sua vida, não sentia pressa
para encontrar o ouro. Estava obtendo muito prazer em outras
explorações, traçando o mapa de um território de paixão
desconhecido até agora para ele, que era selvagem e sublime ao
mesmo tempo, violento e terno, exigente e renovador.
Até encontrarmos a mina, será minha mulher quando eu
desejar e para o que eu desejar.
Eve mantivera sua parte do acordo com uma generosidade
tão inesperada e esmagadora quanto a doce violência de seus
corpos unidos. Não desejava que acabasse nunca, e a ideia de
não voltar a encontrar seu doce corpo na escuridão perturbava
Reno de um modo inquietante. Mesmo que sempre que lhe
viesse aquele pensamento à cabeça, o afastava imediatamente.
Mais tarde me preocuparei com isso. Cada coisa ao seu
tempo.
O velho conselho de confiar somente no ouro ecoava no
silêncio da mente de Reno com algumas dúvidas, mas fazendo
um esforço, se concentrou nos problemas que o agoniavam.
No momento, estava certo que o rumor da presença de um
homem e uma mulher cavalgando pelos limites do labirinto de
pedra, teria se estendido pelo Oeste como a fumaça.
Espero que Rafe não tenha esquecido todos os antigos
sinais que costumávamos deixar quando caçávamos, quando
éramos meninos e que Wolfe fique sabendo que estou aqui
procurando ouro. Ele conhece estas terras. Saberá que precisarei
de ajuda se encontrar a mina.
Maldito Slater e seu rastreador mestiço com olhos de lince.
Qualquer outro teria se rendido há muito tempo.
No final do dia seguinte, acamparam aos pés de uma
formação de arenito vermelho que se elevava para o céu como
uma vela entalhada, a partir de uma única peça de pedra. No
alto da lateral do precipício, a rocha havia se erodido mais
rapidamente do que em outras partes da formação. O resultado
era uma janela situada como uma gema na sólida parede de
rocha. O sol poente atravessava a abertura, iluminando tudo o
que tocava com uma luz dourada escura.
No entanto, o murmúrio abafado da água fresca na
vizinhança era ainda mais surpreendente do que uma janela
formada pelos elementos da natureza. Eles haviam deixado o
labirinto de pedra e voltavam a percorrer uma paisagem, onde
as montanhas estavam próximas o suficiente para distinguir
cada pico.
Cansados de cavalgar durante todo o dia, estabeleceram o
acampamento entre as ensolaradas curvas de um rio.
Reno estivera certo sobre a reação de Eve diante da água
depois de ter atravessado um deserto de rochas. Na primeira
vez que viu um fio de água serpenteando no centro de um árido
vale, falou com excitação sobre voltar a cavalgar junto a um rio.
Reno zombara dela, mas não pusera nenhuma objeção quando
lhe pediu para acamparem onde o pequeno riacho se desfazia
em uma série de lagoas banhadas pelo sol e margeadas por
sussurrantes álamos.
Durante o pôr do sol e o amanhecer, a paisagem parecia
uma ilustração de um livro místico que os homens haviam
esquecido como ler. Aquelas magnificas paisagens fizeram Eve
pensar que havia chegado a uma terra encantada onde o tempo
estava parado por séculos.
— Parece como se sempre estivesse aqui. — Comentou.
Reno continuou olhando à dourada janela que o tempo
entalhara na pedra.
— Nada dura eternamente, — respondeu-lhe. — Nem
mesmo a rocha.
Ela o olhou e voltou a olhar à pedra que se erigia de forma
inverossímil contra o céu infinito.
— Dá a impressão que permanecerá assim para sempre.
— Insistiu suavemente.
— As aparências enganam. Essa janela fica maior a cada
dia, à medida que o arenito é cinzelado grão a grão pelo vento.
— Reno explicou.
Eve escutou e percebeu o que havia por trás de suas
palavras: as mudanças eram produzidas, fossem ou não
desejadas.
— Algum dia essa pequena janela poderá se transformar
em um verdadeiro arco. — Ele continuou. — Com a passagem
do tempo, o arco irá mudando pela erosão ficando mais fino, e
poderá desmoronar, deixando uma fenda na parede da rocha.
Logo, a fenda ficará mais profunda e ampla por causa do vento
e da chuva, até que por último não reste nada, exceto os
escombros vermelhos e o céu azul.
Eve estremeceu de novo.
— Não consigo imaginar que algo assim chegue a
acontecer.
— Assim foi como surgiu o arenito no início. — Continuou
ele, olhando a impressionante parede vermelha. — As
montanhas foram se desgastando grão a grão e foram se
acumulando por causa do vento nas dunas ou nos leitos de
antigos mares que desapareceram faz séculos.
O timbre da voz de Reno fez com que ela afastasse seu
olhar das bonitas formações de rocha. Imóvel, o observou
enquanto ele, por sua vez, contemplava a paisagem e falava
sobre épocas inimagináveis que passaram a fazer parte da
historia da Terra.
— Então, a areia se transformou novamente em rocha, —
continuou relatando — e novas montanhas se ergueram para o
céu para serem desgastadas por novos ventos, novas
tempestades, novos rios que fluíam para novos mares.
— A cinza das cinzas, a poeira da poeira... — Eve
sussurrou.
— Assim funciona o mundo. Princípios e fins entrelaçados
1
como os pictogramas que encontramos na lagoa, gravados
pelos índios, pelos espanhóis e por nós mesmos; diferentes
símbolos, diferentes povos, diferentes épocas.
Lentamente, Eve voltou a olhar à formação rochosa que
parecia tão sólida e duradoura. Depois, enfrentou o homem
que se negava a admitir que qualquer coisa perdurava mesmo
as pedras. E soube que se ele enganava, que o amor que
abrigava em seu coração por ele, permaneceria inalterável até
sua morte.

À medida que Reno e Eve seguiam a rota do diário, cada


vale ou bacia hidrográfica que atravessavam possuia mais água
e menos rocha que o anterior.
Lentamente, as plantas de artemísia deram lugar às
florestas de pinheiros mansos e a outros tipos de pinheiros.
Apenas uma coisa não mudava. Toda vez que Reno olhava à
estrada já percorrida, descobria um fino véu de poeira a muitos
quilômetros de distância.
— Alguém ainda nos persegue. — Comentou, abaixando a
luneta.
— Slater? — Eve perguntou, preocupada.
— Estão levantando muita poeira, ou são os homens de
Slater ou um grupo de índios.
— Meu Deus! — Ela murmurou.
Reno encolheu os ombros.
— Eu diria que é Slater. Não temos nada que os índios
desejem o suficiente, para passar dois dias nos seguindo para
consegui-lo.
— Vamos tentar despistá-los?
— Não há tempo. — Reno respondeu taxativo. — Vê
aquelas manchas amarelas no alto das ladeiras das
montanhas?
Eve assentiu.
— Os álamos tremulantes estão mudando de cor. — Ele
explicou — Com toda certeza aquelas nuvens que vemos
descarregarão alguns flocos de neve nas terras altas esta noite.
— Quanto tempo temos antes que caia a primeira
nevasca?
— É difícil prever. Em alguns anos as terras altas ficam
isoladas na primeira semana de setembro.
— Mas isso seria já! — Ela exclamou, dando um gemido
de espanto.
— Em outros anos se pode acessá-las até o dia de Ação de
Graças, ou mais tarde. — Reno acrescentou.
— Então, não há problema. — Suspirou aliviada.
— Não confie. Pode explodir uma tempestade e cobrir de
neve um cavalo na montanha até o peito em uma noite.
Em silêncio, ela recordou as advertências no diário sobre
os verões curtos e os longos e cruéis invernos nas terras que
rodeavam a mina. Don Lyon chegara a dizer que no caso dos
índios não terem acabado com seus ancestrais, o teriam feito
as forças da natureza.
— Essas montanhas não cederão seu ouro com facilidade.
— Reno afirmou, como se lesse os pensamentos de Eve.
— Se conseguir esse ouro fosse fácil, qualquer outro teria
esvaziado a mina dos Lyon há tempo. — Eve apontou. — O que
não entendo é porque Slater está se atrasando.
Reno se ergueu sobre os estribos, observando o caminho
que deixavam para trás.
— Suspeito que a cobiça de Jericho esteja ganhando a
batalha contra sua sede de vingança. — Respondeu secamente.
— O que quer dizer?
— Ele não acredita na possibilidade de que o diário leve
até uma verdadeira mina de ouro.
— Raleigh King, sim.
— Raleigh King era um estúpido. Fosse o que fosse que ele
pensasse, Jericho não lhe deu muita importância. Mas desde o
momento em que começamos a encontrar sinais espanhóis no
caminho, começou a acreditar na existência do ouro. Não tenta
nos alcançar porque ele não consegue ler os símbolos, nem
encontrar a mina. Nós sim.
Eve olhou com angústia para o caminho que deixaram
para trás.
— E ainda que seus comanches pudessem interpretar os
símbolos, — Reno continuou — aposto que Jericho está
pensando quanto trabalho duro será preciso para extrair o
ouro de uma mina.
— Isso não o faria se render.
— Não. Simplesmente vai esperar que encontremos a mina
e reunamos certa quantidade de ouro. — Fez uma pausa
significativa. — Depois, se lançará sobre nós como uma ave de
rapina.
O silêncio seguiu as calmas palavras de Reno.
Passados alguns minutos, Eve perguntou com voz baixa:
— O que vamos fazer?
— Encontrar o ouro e esperar que Cal, Wolfe ou Rafe
saibam que Slater nos persegue antes que ele fique nervoso e
decida nos matar.
— Pode calcular quantos nos seguem?
— Tem pelo menos dois homens seguindo nosso rastro; o
restante está levantando poeira suficiente para ser uma dúzia e
ele deve ter substituído os homens que perdeu naquela
emboscada, pelo triplo.
— Acredita que há alguma possibilidade de que Caleb nos
siga?
— Há mais possibilidades disso do que de encontrarmos o
ouro. — Reno respondeu sucintamente.
— Como saberá onde estamos?
— As notícias viajam rápido nestas terras, e Cal é um
homem que sabe escutar.
— Então, Slater também saberá que há mais pessoas nos
seguindo.
— Pode ser.
— Você não parece preocupado.
— Cal não me segue pensando em me matar. — assinalou
— Slater o conhece como o homem de Yuma. Não estará muito
contente ao descobrir que ele segue seus passos. Cal, Wolfe e
eu prendemos o gêmeo de Jericho em um fogo cruzado. O que
ocorreu ao seu irmão deveria ter sido uma boa lição para um
homem inteligente como Slater.

Dos dias depois, Eve seguia tão pendente do caminho que


deixavam para trás, como daquele que tinham pela frente.
Inquieta, se ergueu sobre os estribos e estudou o terreno
que já haviam percorrido. Pensou ter visto o ar se espessando
onde os Abajos começavam a se erguer no último e longo
degrau do labirinto de pedra, mas era difícil ter certeza. No
horizonte, tudo parecia se fundir em uma confusão
multicolorida.
A leve neblina que acreditava ver poderia ser devido a um
grupo de cavalos selvagens que tivessem se assustado por algo
e saíam a galope, ou a poeira levantada pelo vento. Mas
hesitou, ao perceber que aparecia sob uma das aglomerações
de nuvens azul escuro que avançava sobre a terra. A poeira e a
chuva não pareciam uma combinação muito provável.
Podia ser uma miragem, ou podia ser Slater e seu bando.
Viu Reno se aproximar a cavalo e aquilo lhe produziu uma
evidente sensação de prazer. Chamava-a de gatinha, mas era
ele quem possuia uma rapidez e graça felina quando se movia.
Mesmo antes que ele falasse, Eve percebeu um oculto
entusiasmo em sua atitude. Poucos poderiam sentir sua sutil
mudança de humor, mas ela chegara a conhecê-lo muito bem
durante os longos dias e as apaixonadas noites no caminho.
— O que descobriu? — Perguntou antes que ele pudesse
falar.
— O que a faz pensar que descobri algo? — Respondeu,
parando junto a ela.
— Ora, vamos! Conte-me. — Insistiu com impaciência.
Sorrindo, Reno estendeu o braço para um alforje. Quando
sua mão surgiu de novo, segurava uma peça de madeira
entalhada envolvida em couro sem curtir, que estava trincado
pelo tempo e pela secura e descolorido pelo sol.
Eve olhou o pedaço de madeira na poderosa mão, e olhou
para ele, perplexa pelo seu entusiasmo.
Sorrindo, Reno a aproximou dele para lhe dar um breve
mas intenso beijo antes de soltá-la e se explicar.
— É um pedaço de estribo. Os espanhóis nem sempre
usavam estribos de ferro. Este foi entalhado de uma árvore de
madeira nobre, que cresce no outro lado do mundo.
Hesitando, Eve tocou quase com reverência o pedaço de
estribo. Quando as pontas de seus dedos tocaram a suave e
desgastada madeira, sentiu que um espectral calafrio percorria
sua espinha dorsal.
— Pergunto-me se o homem que usou isto seria um
sacerdote ou um soldado. — Eve especulou, deixando sua voz
mostrar a enorme curiosidade que sentia. — Chamar-se-ia
Sosa ou León? Escreveu no diário ou se limitava a observar
enquanto outro homem o fazia? Possuia uma esposa e filhos na
Espanha ou no México, ou dedicou sua vida a servir a Deus?
— Eu estava pensando o mesmo. — Reno reconheceu. —
Isto me faz perguntar se alguém, dentro de duzentos anos,
encontrará a argola da chincha quebrada que deixamos junto
às cinzas do nosso acampamento ontem, e se fará perguntas
sobre quem cavalgou até ali, quando o fez e porque, e se, de
alguma forma, saberemos que alguém está pensando em nós
cem anos depois de que tenhamos morrido.
Eve voltou a tremer e afastou a mão.
— Talvez seja Slater quem encontre a argola da chincha e
a use para praticar tiro ao alvo. — Aventurou.
Reno levantou a cabeça bruscamente.
— Viu algum rastro dele ou de seu bando?
— Não poderia afirmar. — Eve disse enquanto apontava
para suas costas. — Está muito longe.
De pé sobre os estribos, Reno olhou fixamente o caminho
que tinham deixado para trás. Depois de um longo minuto,
voltou a se sentar sem que em sua expressão se pudesse ler
algo.
— Tudo o que vejo nessa direção são algumas nuvens
descarregando chuva. — Afirmou.
— Mas tudo está cheio de poeira, — Eve comentou. — E
as nuvens se encontram bem naquele ponto. A chuva e a
poeira não se misturam.
— Aqui sim, fazem isso. No verão, faz tanto calor e está
tudo tão seco que a chuva de uma pequena tempestade como
essa nunca chega ao solo. As gotas simplesmente se evaporam
no ar e desaparecem.
Eve voltou a olhar às nuvens. Eram da cor da ardósia na
parte inferior e brancas na superior. Um irregular e inclinado
véu cinza surgia delas formando uma pequena tempestade.
Quanto mais olhava, mais segura estava de que Reno
estava certo. O véu se tornava mais e mais fino à medida que
se aproximava do solo, mas quando alcançava a superfície da
terra, não havia sinal de umidade.
— Uma chuva seca, uma chuva sem água. — Disse
surpresa.
Reno a olhou de lado.
Quando Eve percebeu que ele a olhava com atenção, lhe
deu um estranho sorriso.
— Não se preocupe Reno. Está a salvo. Vi barcos de pedra
e uma chuva sem agua, mas não há nem rastro de uma luz que
não projete alguma sombra.
Antes que ele pudesse pensar em uma resposta, Eve fez
seu cavalo avançar, introduzindo-se ainda mais nas
montanhas, em busca da única coisa na qual o homem a quem
amava, confiava.
O ouro.

Durante dois dias mais, seguiram um caminho que era tão


antigo que somente era visível nas últimas horas do dia,
quando a luz do sol se inclinava abruptamente e adquiria a cor
do tesouro que buscavam. Os vales que atravessavam se
tornaram menores e profundos quanto mais subiam nas
montanhas. E finalmente a chuva caiu fria e com força,
deslizando pelas árvores em forma de véus de renda prateada.
Entre as tempestades, os álamos tremulantes sobre as
encostas mais altas elevavam suas douradas tochas para o céu
índigo. Cervos e antílopes se afastavam diante dos cavalos,
velozes como fantasmas. Inúmeros córregos de admirável
pureza, enchiam os barrancos, repletos de sombras, com o som
da água que não deixava de fluir. Somente se viam os rastros
dos animais de caça. Não havia rastros de cavalos selvagens ou
de homens, porque não havia nada nos abruptos precipícios ou
nos íngremes cânions de montanha, que não pudesse se
encontrar com mais facilidade em altitudes inferiores.
Quando Eve e Reno chegaram ao último vale alto, descrito
tanto pelo xamã, quanto pelo diário espanhol, o percorreram
em silêncio olhando para todas as partes.
Não havia nem sinal da mina perdida do capitão León.
CAPÍTULO 19

Custa acreditar que não somos as primeiras pessoas que


estão vendo esta terra. — Eve comentou, enquanto
atravessavam a entrada do pequeno vale.
— Parece mesmo, — Reno assentiu. — Mas está cheio de
sinais que indicam que alguém chegou aqui antes que nós.
Sem dizer mais nada, fez seu cavalo parar e levantou a
luneta, mas não olhou para o prado, somente observou o
mosaico verde que formava o bosque que descia até as áridas
terras que se estendiam abaixo deles, à procura de qualquer
rastro dos homens, que com certeza os perseguiam. O
revestimento dourado da luneta brilhava sob a fraca luz, a cada
vez que se movia para qualquer direção.
— A que sinais se refere? — Eve perguntou depois de um
minuto.
— Vê aquele toco na beirada do prado, bem em frente
daquele grande abeto?
— Sim.
— Aproximando-se o suficiente, verá marcas de machado.
— Índios? — Perguntou.
— Espanhóis.
— Como pode ter certeza?
— São marcas de machados de aço, não de pedra.
— Os índios também possuem machados de aço. — Eve
insistiu.
— Mas não quando essa árvore foi cortada.
— Como você sabe?
Reno abaixou a luneta e concentrou sua atenção em Eve.
Gostava da sua curiosidade e avidez de conhecimentos.
— As raízes do abeto ao lado devem ter demorado dezenas
de anos para cercar o tronco caído que fazia parte desse toco.
— Ele explicou.
— Porque alguém se preocuparia em cortar uma árvore e
não levá-la?
— Provavelmente se viram obrigados a partir por causa do
tempo, dos índios ou pelas notícias de que o rei espanhol havia
traído os jesuítas e, portanto, se arriscavam a voltarem presos
para casa. — Reno encolheu os ombros. — Ou talvez quisessem
somente a parte mais alta da árvore para fazer telhados ou
uma escada para a mina.
— Se não prestássemos tanta atenção ao caminho que
deixamos para trás, talvez encontrássemos a mina antes. —
Eve sugeriu.
Com um movimento de impaciência, Reno guardou a
luneta e se ergueu sobre a sela.
— Não vejo que alguém nos segue. — Informou com a voz
tensa.
— Essa é uma boa noticia.
— Seria muito melhor se eu soubesse onde Slater está.
— Pelo menos, não pode estar preparando uma
emboscada mais adiante. — Eve assinalou. — Só há um acesso
a este vale.
— O que também significa que só há uma saída.
Um longínquo trovão retumbou de um pico que
permanecia oculto sob uma aglomeração de nuvens. O ar
cheirava a plantas de folhas perenes e a um frio outonal que
descia das cimeiras, atravessando os álamos trêmulos.
Reno olhou a sua volta com os olhos apertados, inquieto
por alguma coisa que havia no alto vale e que não conseguia
definir.
Bocejando, Eve fechou os olhos, mas os entreabriu logo,
aproveitando os matizes da luz da tarde já avançada e da
segurança de saber que logo levantariam o acampamento.
Preguiçosamente, olhou a sua volta tentando adivinhar se Reno
escolheria aquele lugar para acampar ou se avançariam um
pouco mais para confirmar se havia um caminho entre os
enormes picos.
De repente, o estranho desenho que a vegetação do prado
formava, atraiu sua atenção. As plantas cresciam formando um
círculo quase perfeito que não podia ter sido criado pela
natureza.
A estranha formação se encontrava perto de uma das
pequenas fontes que eram parte da cabeceira do riacho que
drenava o vale. Eve dirigiu sua égua para aquele lugar e
desmontou para comprovar o círculo mais de perto. Nas
beiradas, o solo era de rocha firme coberta por uma fina
camada de terra. Ainda assim, no mesmo círculo, havia uma
profusão de plantas que não eram originais daquela área.
Quando Reno se virou para dizer algo a ela, viu que ela
estava apoiada sobre suas mãos e joelhos na borda do prado.
Um instante depois descobriu a causa da estranha postura.
Algo não se encaixava na paisagem. Sob a grama e as
árvores, havia ângulos e arcos que sugeriam que o homem
havia construído naquele prado.
Desmontou precipitadamente, pegou uma pá de uma das
selas dos cavalos de carga e se aproximou de Eve, que levantou
os olhos quando o ouviu se aproximar.
— Há algo estranho em tudo isto. — Ela apontou.
— Vejamos o que é.
Pegou a pá, afundou-a no solo com ajuda do pé e bateu
em pedra um palmo mais abaixo. Depois, se dirigiu às
diferentes partes do círculo e repetiu a operação, encontrando
sempre primeiro a terra e plantas, e depois a pedra.
Tomando seu tempo, caminhou para o centro do círculo
experimentando a profundidade do solo a cada poucos
centímetros. Quando chegou ao centro, a pá se afundou, mas
não se chocou contra a pedra.
— Reno?
— Encontrou parte de um antigo moinho, pequena. —
Afirmou, virando-se para ela e lhe dando um sorriso cheio de
entusiasmo.
— E isso é bom?
— Claro que sim. — Respondeu quase rindo. — É o
melhor que poderia encontrar fora a própria mina.
— Sério?
Ele fez um ruído surdo parecido ao ronronar de satisfação.
— Este é o buraco central. — Explicou, assinalando com a
pá para enfatizar sua animação. — Suportava o moinho que
arrastava a pedra sobre o mineral, amassando-o até deixá-lo
tão fino quanto a areia.
Antes que Eve pudesse fazer outra pergunta, Reno se
inclinou e começou a cavar de novo, trabalhando sem descanso
até que deixou a descoberto uma seção de pedra.
— Devem ter trabalhado aqui, muito duramente e durante
muito tempo. — continuou — A roda do moinho desgastou
tanto a rocha que deixou uma depressão circular onde
puderam crescer plantas uma vez a mina foi abandonada.
— O que fazia a roda girar? — Eve perguntou. — Mesmo
se tivessem construído um dique, não há bastante água nos
pequenos mananciais para fazer esse trabalho.
— Não há nenhum rastro de um dique nas proximidades.
— Reno afirmou.
A pá afastou a terra, descobrindo a rocha sólida.
Rachaduras e articulações na superfície se destacavam em um
solo que era mais escuro do que a pedra.
— Talvez usassem cavalos. — especulou — Mas
provavelmente utilizassem os índios. Eram menos valiosos do
que os animais.
Eve passou as mãos pelos braços. Mesmo usando uma
das pesadas camisas de Reno sobre uma velha peça de Don
Lyon, sentia calafrios. Era como se o próprio solo estivesse
impregnado de sofrimento humano.
Reno se apoiou sobre um joelho, usou o corte da pá para
aumentar uma fenda e deu um grunhido de triunfo.
— Tem mercúrio nas rachaduras. — disse sucintamente
— Não há dúvida, que estamos perto do objetivo mestre.
— Tem certeza?
— O mercúrio era utilizado para amassar o que tiravam
das minas. Era muito útil, porque atraía o ouro e o separava do
restante dos minerais sem valor. Depois, aqueciam o amálgama
para o mercúrio evaporar e separar o ouro fundido em moldes.
Balançando as mãos, Reno se levantou e olhou ao redor
com atenção.
— O que está procurando? — Eve lhe perguntou, depois
de um tempo.
— A mina. Os que fizeram isto não eram estúpidos. Não
removeriam o mineral nem um metro mais do que o necessário
antes de refiná-lo.
— Supõe-se que deve ter um trio de grandes abetos bem à
esquerda da entrada da mina, se você ficar em pé com o sol às
suas costas as três em ponto no terceiro sábado de agosto. —
Eve explicou com entusiasmo.
Reno grunhiu e continuou olhando.
— Há muitos abetos grandes que crescem de três em três,
independente de qual momento do dia ou do mês seja. — Reno
afirmou após uns momentos.
Franzindo o cenho, Eve tentou recordar as outras pistas
que estavam no diário. Em uma ocasião, ela e Don se
revezaram para recitá-las mutuamente enquanto sua patroa se
sentava perto, sorrindo e balançando a cabeça.
Existe uma tartaruga gravada em uma rocha cinza a
quinze passos à direita da mina. — Eve anunciou.
— Um passo pode medir de sessenta a noventa
centímetros, dependendo da altura do homem que os dê. Mas
se quiser olhar em todas as rochas à procura de uma
tartaruga, eu não a impedirei.
Eve fez uma careta. O pequeno vale estava coberto de
rochas de todos os tamanhos e formas.
— Uma marca de fogo na parte norte de... — recomeçou.
— As marcas que o fogo deixou desapareceram. — Reno a
interrompeu. — As árvores pequenas cresceram. As árvores
grandes morreram ou caíram. Os raios iniciaram novos fogos.
As árvores caídas apodreceram ou ficaram recobertas por
arbustos. E os desprendimentos de terra mudaram a forma das
montanhas.
— Mas...
— Olhe ali em cima. — Pediu fazendo um sinal.
Eve olhou e viu uma pálida marca na montanha onde a
rocha e a fina terra deslizaram, criando um barranco e
finalmente enchendo-o, enterrando assim qualquer coisa que
pudesse ter sido um ponto de referência.
— Aquilo poderia ter acontecido há vinte ou duzentos
anos. — Reno acrescentou. — Se tivesse plantas de folhas
perenes ou álamos tremulantes seria diferente, mas os
salgueiros e os alisos podem crescer em umas poucas estações,
desaparecerem e voltar a brotar em pouco tempo. Os pontos de
referência que dependem de plantas são praticamente inúteis.
— Então, como iremos encontrar a mina? — Perguntou
consternada.
— Da mesma forma que você encontrou isto. Procurando
algo que nos chame a atenção, algo que esteja fora de lugar.
Durante o resto da tarde e todo o dia seguinte, Eve e Reno
percorreram o vale observando-o minuciosamente,
atravessando uma e outra vez a área que circundava aquele
círculo perfeito de plantas. Conseguiram encontrar somente
um retângulo cujo contorno fora formado em seu momento por
troncos e pedaços de couro quase petrificados, devido a sua
longa exposição ao ar frio e seco da montanha.
Mas não havia nem sinal da mina.
Decidida a tentar tudo, Eve subiu engatinhando por uma
encosta cheia de escombros e encontrou um buraco raso,
situado abaixo de uma parede de rocha, que o havia protegido
das tempestades mais violentas. Com um olho aguçado pelas
horas de procura, Eve notou que a disposição das tábuas de
madeira que apodreciam e que surgiam do buraco era muito
metódica para ser acidental. Sem dúvida, antes do
desprendimento da terra, deveriam fazer parte de um barraco
ou de uma cabana.
No lugar mais recôndito do buraco, Eve descobriu uma
pilha de escombros, um saco amassado feito de tiras de couro
entrelaçadas e restos de carvão de um antigo fogo.
Rapidamente, se dirigiu à beirada e gritou para o prado.
— Reno! Encontrei rastros de homens aqui em cima!
Em poucos minutos, Reno se achava ao seu lado depois de
ter subido a encosta rapidamente e com passos firmes.
Deslizou as pontas de seus dedos pela madeira que tempos
atrás servira de teto, sentindo as marcas que os homens
haviam deixado quando usaram picaretas e martelos de pedra
para ampliar e aprofundar aquele buraco natural.
O refúgio podia ter sido uma entrada da mina, um espaço
onde viver, ou uma área de armazenamento. Perto dos restos
do antigo fogo acharam peças de cerâmica rudimentares e um
pedaço de madeira apodrecida que talvez tivesse servido de
colher. Tudo aquilo sugeria que o fogo fora utilizado para
cozinhar, o que implicava que várias pessoas viveram naquele
lugar e que não se tratava da entrada da mina.
Voltando para o saco de couro, Reno se sentou sobre seus
calcanhares, inspecionou o rígido tecido de couro e encontrou
pedaços de pedra branca. Franzindo o cenho, voltou a olhar a
rocha que formava os muros e o teto daquele refúgio, mas não
viu nenhuma mancha branca.
— É a entrada da mina? — Eve perguntou quando já não
suportava por mais tempo a tensão.
— Poderia ser, mas parece mais o alojamento dos
escravos.
— Oh! E essa longa correia amarrada ao tenate?
— Tenate? O que é isso?
— Um saco ou cesta para carregar minerais. Vê essa
grossa correia? A parte acolchoada era apoiada na testa do
escravo. O resto da correia passava por seus ombros e ficava
unida ao saco.
— É uma forma muito estranha de transportar algo —
assinalou Eve com incredulidade.
— Funciona melhor do que pensa. — Reno afirmou. — Só
precisa se jogar à frente e aguentar o peso do tenate sobre sua
testa e costas. Isso lhe deixa as mãos livres para trabalhar na
mina, escalar ou subir escadas. Pode carregar quarenta e cinco
quilos assim durante todo um dia. — Fez uma pausa, como se
lembrasse de algo. — Na verdade, eu carregava até mais peso
quando era um jovem muito estúpido para tentar extrair ouro
para um homem rico com ferramentas pouco adequadas.
— Talvez você possa carregar quarenta e cinco quilos
durante todo um dia, — Eve comentou com ironia. — mas eu
teria sorte se pudesse arrastar a metade durante algumas
poucas horas.
Os lábios de Reno esboçaram um breve sorriso, mas não
disse nada mais. Em vez disso, voltou a se sentar sobre seus
calcanhares e começou a escavar nos restos do saco de couro.
— O que está procurando? — Eve perguntou.
— Ainda tem pedaços de mineral presos entre o couro.
— Sério? Deixe-me ver! — Ela exclamou com a voz
vibrante de emoção.
Reno conseguiu tirar um pedaço de quartzo opaco, não
maior que a ponta de seu polegar. Assoviando suavemente,
virou várias vezes o fragmento de mineral sobre a palma de sua
mão.
— Bonito, não é? — Murmurou.
— Você acha? — Eve perguntou pouco convencida.
Sorrindo, Reno se virou e aproximou sua palma para que
ela pudesse inspecioná-la melhor.
— Vê as manchinhas brilhantes mescladas com o branco?
— Reno perguntou.
Ela assentiu.
— É ouro.
— Oh! — Eve franziu o cenho. — Não devia ser uma mina
muito rica.
A decepção em sua voz fez Reno gargalhar e puxar
levemente um cacho solto de seus cabelos.
— Pequena, menos mal que em Canyon City você repartiu
aquela mão ganhadora para um caçador de ouro. Poderia ter
tropeçado com a descoberta de sua vida e não saber.
— Quer dizer que vale a pena continuar procurando? —
Ela inquiriu, batendo com a ponta da unha no quartzo.
— É uma das peças de mineral mais ricas que eu já vi. —
Afirmou com segurança, enquanto Eve o olhava admirada. —
Se o veio possuia mais de alguns centímetros de espessura, os
jesuítas exploraram uma mina inestimável em algum lugar
perto daqui.
— Em algum lugar. Mas onde?
Com ar pensativo, Reno colocou o mineral no bolso, se
dirigiu para os alforjes que trouxera, e tirou um estranho
martelo com forma de pequeno bico em uma ponta. A
ferramenta lhe permitia arrancar pequenos pedaços de rocha e
ver o que havia abaixo da superfície corroída.
O aço ecoou contra a pedra enquanto Reno escavava e
esburacava vários pontos do teto e das paredes, estudando as
diferentes camadas de pedra. Mas não encontrou nada
parecido ao quartzo que estava no velho saco de couro.
Ansiosa, Eve deu uma olhada em um dos buracos.
— Olhe! — Gritou de repente. — Ouro!
Reno nem mesmo parou seu trabalho. Já havia visto e
descartado as manchas de material brilhante que tanto a
entusiasmavam.
— É só pirita. — Afirmou seco. — O ouro dos ignorantes.
O aço ecoou com violência contra a pedra.
— Não é ouro de verdade? — Eve perguntou.
— Não, não é. Não tem a mesma cor.
— Tem certeza?
— É a primeira coisa que um bom caçador de ouro
aprende.
De repente, a rocha se desprendeu caindo como uma
afiada chuva e Reno estudou a superfície que havia descoberto.
— Ardósia, uma e outra vez. — Resmungou entre os
dentes.
— E isso é bom?
— Somente se estiver construindo uma casa. Para
algumas pessoas, seria ótimo ter um teto ou um piso de
ardósia.
— E para você? — Eve perguntou, intrigada.
Ele negou com a cabeça.
— Prefiro a madeira. É mais fácil de trabalhar e desprende
um cheiro agradável.
Sem dizer mais, Reno se dirigiu ao fundo do refúgio onde o
teto se inclinava abruptamente para a pilha de escombros e
deu um chute nas pedras menores. Eram uma mistura das
mesmas camadas de rocha que formavam o buraco.
Mostrando sinais de preocupação em suas feições duras e
afiadas, Reno estudou as camadas pouco promissoras de
pedra, e o prado igualmente pouco promissor, além daquele
buraco. Eve e ele encontraram todas as provas que alguém
precisaria para garantir que a mina espanhola de Don Lyon
existisse, exceto a mina em si.
Por outro lado, a chegada do outono ameaçava a sua
procura. Deveriam se apressar se não quisessem se ver presos
pela neve.
— E agora o que faremos? — Ela perguntou.
— Agora percorreremos o perímetro do prado outra vez,
mas usaremos as varinhas espanholas.

As aglomerações de nuvens se tornaram douradas com o


sol da tarde. Os raios tocavam delicadamente a superfície de
uma longínqua cimeira enquanto a chuva caía formando um
brilhante véu. E acima de tudo aquilo, até mesmo a
tempestade, se estendia em um interminável céu azul cobalto.
Em pleno sol, o calor se tornava insuportável e Reno e Eve se
refugiaram na sombra.
Já haviam percorrido uma vez o vale sem obter nenhum
resultado. Andar e manter as varinhas em contato, era uma
tarefa difícil, ainda que também estranhamente excitante
apesar de não terem encontrado nada. As misteriosas e
intangíveis correntes que atravessavam as varinhas, os
mantinham alerta e muito conscientes um do outro.
— Vamos fazer uma vez mais. — Eve sugeriu.
Reno a olhou suspirou e assentiu.
— De acordo. Uma vez mais. Depois, tentarei pescar algo
para o jantar. Dessa forma não teremos perdido todo o dia.
Os cavalos, que permaneciam amarrados, pastavam na
entrada do prado mantendo-se em guarda inclusive enquanto
comiam. Quando eles saíram das diáfanas sombras que um
pequeno grupo de álamos trêmulos projetava, a égua com a
listra sobre o lombo ergueu a cabeça para farejar o ar. Em
seguida reconheceu os cheiros familiares e continuou
pastando.
— Preparado? — Eve perguntou.
Reno assentiu.
Moveram levemente as mãos até que se uniram os
extremos de metal, e imediatamente, as misteriosas correntes
que surgiam das varinhas voltaram a fluir entre eles.
Era o mesmo, quantas vezes o experimentassem, a
estranha sensação de cócegas deixava Eve sem respiração. E o
mesmo ocorria com Reno, a quem se entrecortava a respiração
ao se sentir intimamente unido à Eve através do metal.
— Contarei até três. — Ele indicou em voz baixa. — Um...
dois... três.
Devagar, com passos cuidadosamente compassados,
avançaram pela margem do pequeno vale. Horas atrás, naquele
lugar, as varinhas haviam hesitado e tremido levemente.
Eve e Reno assumiram que era sua própria falta de
destreza, mais do que outra coisa, o que provocara os
contínuos movimentos dos pedaços de metal. Agora, pensavam
se teria sido a presença do tesouro oculto que incitara as finas
varinhas de radiestesia a se agitarem.
À direita de Eve, se abria um pequeno barranco obstruído
por folhas secas e escombros, procedentes de um antigo
deslizamento de rocha. À esquerda de Reno, se estendia o vale.
Em frente a eles e ao redor de uma beirada rochosa estava o
refúgio onde um índio havia deixado seu tenate pela última vez.
As varinhas se separavam em raras ocasiões, apesar do
terreno irregular e das voltas que davam para evitar árvores e
troncos caídos.
De repente, o fino metal estremeceu visivelmente.
— Não puxe para a direita. — Reno disse.
— É a sua força que está puxando. — Eve protestou.
— Eu não faço nada.
— Eu também não.
Como se fossem um só pararam ao mesmo tempo e
ficaram olhando as peças de metal. A de Eve estava apontava
para a direita em vez de permanecer reta. A de Reno a seguia,
como se alguém a empurrasse.
Lentamente, Eve virou à direita. Reno a seguiu, adaptando
seus movimentos aos dela, como se tivesse passado toda sua
vida compartilhando seu ar, seu sangue, e até mesmo as
batidas de seu coração.
Quando as varinhas ficaram retas de novo, vibraram com
muita força sobre os escombros do antigo deslizamento de terra
que se encontrava em frente a eles. Com extremo cuidado,
avançaram pela inclinada e íngreme borda da encosta. O metal
continuava vibrando assinalando um ponto colina acima sob a
pilha de escombros.
— Vamos subir. — Reno sussurrou.
Moveram-se juntos, apesar do terreno irregular. Parecia
impossível manter as varinhas em contato, no entanto, não se
afastaram em nenhum momento.
De repente, as finas agulhas se inclinaram, deram um
forte puxão, e apontaram para baixo vibrando com tanta
violência que Eve precisou segurar a sua com força para que
ela não caísse.
— Reno!
— Posso sentir. Meu Deus. Posso sentir! — Puxou o
martelo de uma presilha de seu cinturão e afundou o cabo na
terra para marcar o ponto exato que as varinhas apontavam. —
Vamos continuar subindo.
Percorreram os últimos trezentos metros da encosta, mas
os pedaços de metal se acalmaram à medida que foram
subindo.
— Vamos voltar ao lugar que marquei — Reno indicou.
Quando retornaram junto ao martelo, Reno olhou à sua
volta tentando se orientar.
— Vamos para o refúgio. — disse, apontando com a mão
livre à esquerda. — Mas procure se manter em linha com esta
parte da encosta. Preparada?
— Sim.
Enquanto avançavam, Eve franzia o cenho, fazendo Reno
desejar aproximá-la dele e apagar com beijos as pequenas
linhas de preocupação. Mas sabia que não deveria se
aproximar dela enquanto seguravam as varinhas. A única vez
que tentaram, o desejo se apoderara de seu corpo tão
ardentemente que quase o fizera cair de joelhos.
Ainda que ele não compreendesse a energia que percorria
as finas varas de metal, já não duvidava delas. De algum modo,
as varinhas espanholas intensificavam as intangíveis correntes
que fluíam entre ele e Eve.
Quando se afastaram do desprendimento de rochas, a
pressão das varinhas diminuiu, mas não tão rapidamente como
fez quando subiram pela beirada. Ao voltarem sobre seus
passos e caminhar em direção contrária, a pressão
desapareceu imediatamente, deixando as varas de metal quase
sem vida em suas mãos.
Em silêncio, caminharam para o prado e observaram o
desprendimento de rochas.
— Eu senti com mais força quando percorremos duas
terças partes dessa encosta. — Eve assinalou finalmente.
— Eu também.
Reno consultou uma bússola.
— O que pensa que significa? — Eve perguntou.
Reno guardou a bússola e olhou para ela. Sob a sombra
da aba de seu chapéu, seus olhos pareciam brilhar como
gemas, e a curva de seu lábio inferior lhe recordava o prazer
que era, deslizar a ponta de sua língua sobre sua carne e sentir
seus tremores em resposta.
— A verdade é que me sinto aliviado ao saber que foram
sacerdotes jesuítas que usaram estas varinhas antes de nós. —
Reno respondeu com voz grave. — De outra forma, estaria
pensando em pactos com o diabo e me preocuparia por nossas
almas.
Reno sorriu com ironia, mas Eve sabia que havia falado
muito sério.
— Eu também. — Ela sussurrou.
— Se acreditamos no que as varinhas indicam, —
continuou — existe uma concentração de ouro puro em algum
lugar abaixo desse desabamento.
Eve deu uma olhada aos escombros.
— Você o que acha?
— Acredito que quando o rei da Espanha traiu os jesuítas,
eles explodiram o acesso à mina, para impedir que o monarca
ficasse com o ouro.
CAPÍTULO 20

Pela terceira vez naquele dia, o som de uma explosão


reverberou por todo o vale, e fez tremer as duas pessoas que
permaneciam abaixadas atrás de uma árvore com as mãos
cobrindo seus ouvidos. A pedra pulverizada saiu voando pelos
ares e depois caiu em uma irregular e poeirenta chuva sobre
uma parte do pequeno prado.
Quando desapareceu o último eco e os escombros
rochosos pararam de rolar, Eve desceu os braços aos lados do
corpo, com cuidado. Ainda sentia os ouvidos ruins devido a
força da explosão, apesar de tê-los coberto com as palmas das
mãos.
Reno se ergueu e observou como um irregular buraco
negro aparecia na ladeira da montanha por trás da poeira. A
euforia o invadiu e não conseguiu evitar um grito de triunfo.
— Conseguimos pequena!
Ajudou Eve a se levantar a ergueu no ar com seus fortes
braços e deu voltas e voltas até que ela ficou tonta, sem parar
de rir. Depois a beijou intensamente, a abaixou e a segurou até
ela recuperar o equilíbrio de novo e se manter em pé por si
mesma.
— Vejamos o que descobrimos. — Reno a animou.
Com um amplo sorriso, Reno pegou sua mão e se dirigiu à
mina, avançando com grandes passadas, quase a obrigando a
correr para segui-lo.
Como Reno esperava, a explosão limpara a entrada da
mina da maior parte dos escombros. Mas o ar no interior ainda
estava carregado de areia e poeira. Reno soltou a mão de Eve e
cobriu o nariz com seu escuro lenço.
— Espere aqui. — disse.
— Mas...
— Não. —Ele a interrompeu. — É muito perigoso. Não há
como saber em que condições estava a mina antes da explosão,
e muito menos depois dela.
— Mas você vai entrar. — Eve assinalou.
— Exatamente pequena. Vou entrar sozinho.
Reno acendeu a lâmpada, se abaixou e entrou na
abertura. Parou quase imediatamente, levantou o lampião e
começou a examinar as paredes da mina.
Eram de rocha sólida. Mesmo estando cheia de
rachaduras naturais, o túnel parecia muito resistente. Quando
utilizou o martelo sobre a superfície, a pedra demonstrou sua
firmeza.
Com cuidado, e quase dobrado em dois, Reno avançou
para o interior da mina. Muito rapidamente os muros da
galeria mudaram, e apareceu um veio de quartzo claro menor
do que o seu dedo. Diminutas centelhas de ouro incrustadas
no mineral respondiam a cada movimento do lampião.
Se o quartzo fosse um riacho, o ouro em seu interior
poderia ser separado peneirando-o como se fosse poeira. Mas a
pedra não era água. Libertar os diminutos grãos de ouro de sua
prisão de quartzo requeria pólvora, trabalho duro e um homem
que estivesse disposto a arriscar sua vida em escuros
passadiços debaixo da terra.
— Reno? — Eve o chamou, inquieta, do exterior.
— Tudo parece estar em ordem até agora. — Ele
respondeu. — Só vejo paredes de pedra e um pequeno veio de
ouro.
— Pequeno?
— Sim.
— Oh!
— Não se desanime ainda. Percorri somente alguns
metros.
Eve percebeu a diversão na voz dele e sorriu apesar da
preocupação que sentia.
— Por outro lado, — Reno acrescentou. — o diário
espanhol não falava de lingotes de ouro que foram fundidos
mas não enviados à Nova Espanha?
— Sim. Havia sessenta e dois.
Do interior da mina saiu um assovio de espanto.
— Isso você não havia dito.
— Comecei a lhe explicar ontem à noite, mas você me
distraiu.
Uma risada ecoou no túnel quando Reno recordou como a
distraíra.
Na noite anterior, ela estava inclinada sobre a fogueira
cozinhando carne de veado e falando sobre uma página muito
borrada do diário que, finalmente, conseguira decifrar. Ele não
estava concentrado em suas palavras, já que as bonitas curvas
de seus quadris reclamavam toda sua atenção. Mal
conseguiram tirar todas as roupas antes que ele se afundasse
nela, possuído por um desejo do qual nunca se acreditara
capaz. A noite fria e o fogo do acampamento haviam sido as
únicas testemunhas de sua apaixonada união.
— Não, foi você quem me distraiu. — Reno protestou.
Eve respondeu unicamente com sua risada.
De repente, o solo da mina começou a se inclinar
bruscamente sob os pés de Reno, e com ele, o veio de ouro,
indicando-lhe que o túnel era o resultado do seguimento de um
veio ainda maior do mineral, mais do que o fruto de um
planejamento por parte dos jesuítas.
Reno movia-se pela galeria de forma rápida ainda que
cautelosa, iluminando com o lampião tudo o que o rodeava à
medida que avançava. Comprovou que a mina era sólida,
exceto em alguns lugares de rocha mais frágil ou rachada nos
quais foram colocadas vigas como medidas de segurança.
Havia muitas ramificações laterais escavadas ao acaso,
que eram muito estreitas para que alguém que não fosse uma
criança pudesse percorrê-las. Olhou no interior de todos
aqueles pequenos buracos, mas não encontrou nenhum que o
tentasse a explorá-lo e também não queria se arriscar, porque
aquelas aberturas não estavam refiladas.
— Reno! Onde está?
O som da voz de Eve adquiriu estranhos matizes à medida
que ele adentrava no interior da mina.
— Já vou sair. — Respondeu, enquanto subia pela
abrupta encosta do túnel até sair à superfície.
Eve o esperava na entrada da mina, com um lampião na
mão.
— Disse-lhe que ficasse fora. — Repreendeu-a cortante.
— E eu fiquei. Mas me preocupei ao deixar de ver a luz de
seu lampião. Além de você não responder quando o chamei.
Não sabia se estava bem.
Reno olhou a determinação que se refletia nos belos olhos
dela, e soube que não conseguiria mantê-la fora da mina a não
ser amarrada.
— Fique atrás de mim. — Falou de má vontade. — Não
acenda seu lampião, mas tenha à mão algumas iscas no caso
de que o meu se apague. Tenho velas, mas só as usaremos
para uma emergência.
Eve assentiu e deixou escapar um suspiro de alívio,
contente de não precisar discutir com Reno sobre entrar ou
não na mina. Não teria nenhum problema em discutir com ele,
mas não conseguiria esperar lá fora sem saber de nada, se
alguma coisa ruim acontecesse nas profundezas da mina.
— Este primeiro trecho é bem seguro. — A luz do lampião
se agitou e tremeu como se estivesse viva quando ele apontou
às paredes, o teto e o solo de rochas.
— Acreditava que todas as minas possuiam vigas de
madeira para segurar o teto. — Eve comentou, observando a
pedra nua com receio.
— Não quando são de rocha sólida. Não são necessárias, a
não ser que a massa do mineral seja enorme. Então, o que se
faz é deixar algum mineral em seu lugar para que sirva como
pilar.
— O que é isso à direita? — Ela perguntou, atraída por um
brilho branco.
— Um pequeno veio.
Reno fez um ruído surdo de assentimento.
— Como o pedaço que tirei do saco.
— Como os jesuítas sabiam que o ouro estava aqui se não
podiam vê-lo do exterior da montanha? Tiveram que usar
aquelas varinhas de radiestesia, não foi?
— Talvez. Ou talvez naquele tempo o veio pudesse ser
visto da superfície. — Ficou um instante em silêncio e depois
continuou. — A natureza da rocha muda a uns trezentos
metros da entrada. Pela forma em que o veio desce, a saída
deve estar perto daquele refúgio que você encontrou.
Continuaram entrando na galeria e durante alguns
minutos somente se ouvia o som das botas batendo no
irregular piso do túnel.
— Tenha cuidado. — Reno avisou ao sentir como o solo
descia bruscamente.
— Porque de repente lhes ocorreu cavar mais fundo? —
Eve perguntou.
— É a técnica de mineração mais antiga do mundo. —
explicou — Se alguém encontra um veio, continua sua evolução
e cava túneis procurando novos veios.
Sempre que descobriam um novo túnel, havia uma flecha
que assinalava na direção oposta a ele. Cada vez que entravam
em um túnel, Reno fazia uma marca na ponta da flecha para
não explorar a mesma abertura duas vezes.
Algumas galerias estavam numeradas, mas a maioria não.
O resultado era um labirinto tridimensional perfurado em uma
rocha dura como o aço, em alguns pontos, e quase tão macia
quanto o barro em outros.
— Porque todas as flechas apontam na direção oposta à
entrada dos túneis? — Eve quis saber.
— Em uma mina, tudo aponta para o caminho de saída.
Dessa forma, se você se perder, não ficará vagando sem rumo.
Pequenos túneis laterais se bifurcavam para todas as
direções e níveis. Dois deles estavam desmoronados. Os
escombros nos outros eram um aviso de tetos e muros
instáveis.
— O que são esses pequenos buracos que estão por todas
as partes? — Perguntou curiosa — A maioria deles não parece
levar a lugar algum.
— São feitos para verificar a direção do veio. Quando os
mineiros a localizam ou encontram uma melhor, abandonam
os túneis laterais e se concentram em ampliar aquele que os
leve até o mineral.
— Essas aberturas são muito estreitas. Eu mal passo por
elas. Os índios que trabalhavam aqui não deviam ser muito
altos.
— Somente as crianças cabiam. Eram elas que cavavam
esses túneis.
— Meu Deus!
— Era um trabalho infernal. — Afirmou e depois a avisou:
— Cuidado com a cabeça.
Eve continuou andando inclinada. Reno precisava se
abaixar muito mais do que ela para evitar o teto.
— Com certeza, as crianças cavavam os buracos,
carregavam os tenates e levavam o mineral até a superfície.
Deve ter sido um veio muito amplo, porque não cavavam nem
um centímetro a mais do que o necessário. Quando o mineral
era levado para fora da mina, as índias adolescentes e os
meninos menores os batiam com pedras até ficarem reduzidos
a pedaços tão pequenos quanto a ponta de seu polegar. Então,
os colocavam no moinho para os índios adultos os
transformarem em poeira. — De repente Reno parou, examinou
a superfície do túnel com atenção e depois continuou
avançando. Buracos negros irregulares saíam em forma radial
do solo, das paredes e do teto. — Aqui tornaram a perder o
veio. — Ele murmurou.
— O que aconteceu? — Eve perguntou.
— O veio fez uma curva, se estreitou até desaparecer ou
ficou deslocado por uma falha.
— Sempre imaginei que os veios fossem retos.
— Esse é o sonho de todo mineiro, — ele comentou — mas
poucas vezes é assim. A maioria das minas de ouro possui a
forma dos chifres de um cervo ou de um relâmpago. Os veios se
ramificam para todas as direções sem que tenha uma
explicação lógica.
O lampião tremulou quando Reno se inclinou sobre uma
das enormes aberturas no solo do túnel, o que fez com que a
luz se projetasse sobre um túnel sem saída, à altura da
cintura, à direita. O buraco havia sido tampado com escombros
que se espalhavam de novo no túnel principal.
— O que é isso? — Eve perguntou de repente.
— Onde?
— Segure o lampião um pouco mais alto. Sim. Aí.
Eve olhou para o demolido túnel lateral. Quando percebeu
o que estava olhando, engoliu a saliva convulsivamente e se
afastou tão rapidamente, que se chocou com Reno.
— Eve?
— Ossos. — Ela afirmou.
Reno se adiantou e suspendeu o lampião na altura do
buraco.
Algo brilhou fracamente no interior. Ele demorou um
instante para perceber que estava vendo os pedaços de uma
sandália de couro, que envolviam os ossos de um pé que não
deveria ter mais de quinze centímetros de comprimento. O ar
seco e frio da mina conservara os restos em bom estado.
— Será um dos antepassados de Don Lyon? — Ela
perguntou em voz baixa.
— Muito pequeno.
— Uma criança. — Sussurrou.
— Sim. Uma criança. Estava cavando e a parede
desmoronou.
— Nem mesmo se preocuparam em lhe dar uma sepultura
decente.
— É menos perigoso fechar a entrada de um túnel do que
cavar para tirar um cadáver. — Reno lhe explicou. — Por outro
lado, tratavam os índios pior que aos cavalos, e parece que os
patrões da mina não enterravam nem seus cavalos quando
morriam.
Reno afastou o lampião, devolvendo o buraco à escuridão
própria do túmulo que era.
Eve fechou os olhos por um momento, mas os abriu
rapidamente. A escuridão a inquietava, agora que sabia que
estava habitada por ossos.
— Aqui tem uma escada que era muito habitual nas
minas como esta. — Reno comentou alguns minutos mais
tarde. — Dê uma olhada.
Um longo tronco cheio de entalhes e pequenos ramos,
para apoiar os pés, se erguia ao longo de um dos buracos. O
poço não era completamente vertical, mas a descida era muito
abrupta para que fosse possível percorrê-lo sem ajuda do
tronco.
Eve sentiu a madeira áspera e fria em sua mão, exceto
onde estavam os entalhes. Havia passado tantos pés sobre eles
que pareciam ter um acabamento de cetim.
— Segure ao lampião. — Ele pediu.
Eve o segurou e observou, contendo a respiração, como
Reno verificava a firmeza da escada.
— É resistente. — Ele anunciou, olhando para baixo. — A
não ser que tenha água perto, a madeira dura por muito tempo
em lugares como este.
A primitiva escada os conduziu até outro nível da velha
mina onde mais túneis secundários surgiam em todas as
direções. Muitos deles eram muito pequenos para que os
ombros de Reno passassem por eles. Alguns eram tão estreitos
que Eve mal tinha espaço para colocar o lampião à frente dela.
— Vê algo? — Reno perguntou quando ela se introduziu
em um daqueles angustiosos túneis.
Reno não gostava do fato de que fosse Eve quem precisava
olhar em todos aqueles buracos, mas não havia outra solução.
Ela podia chegar de forma rápida a lugares que para ele eram
inacessíveis.
— Assim que passar uma curva, aparece outro túnel que é
duas vezes maior do que este. — Eve respondeu entre ofegos,
enquanto se retorcia para sair. — Mas, — levantou-se e
sacudiu a poeira — tem algo estranho naquele grande túnel.
Creio que alguém raspou as pontas das setas originais e riscou
novas apontando para o outro lado.
Reno franziu o cenho, pegou a bússola e olhou.
— Para onde vira o túnel? — Perguntou.
Eve fez um sinal com o dedo para indicar e afirmou: O
outro túnel vem dessa direção também.
Reno se virou para o túnel oculto e suas setas com as
pontas retificadas, para se orientar.
— Com o mesmo ângulo ou também muda? — Voltou a
perguntar.
— Muda. — Eve respondeu, indicando com a mão o
ângulo da descida.
— Você tem algum problema em percorrer essas estreitas
galerias?
A jovem negou com a cabeça.
— Tem certeza? — Reno insistiu.
— Sim. Prefiro estar aqui do que em um precipício a mais
de trezentos metros do solo. — Disse com ironia.
O sorriso de Reno brilhou com a luz do lampião.
— Para mim é o contrário. Prefiro me encontrar nas
alturas do que no interior de um túnel tão estreito.
Eve riu.
— Quer que eu verifique para onde vai essa galeria, com a
seta de duas pontas?
Reno hesitou antes de concordar contrariado.
— Mas só se os muros forem de rocha. Não quero que se
arraste através desse material pouco firme que temos visto.
Entendido?
Eve assentiu. Mesmo que aqueles túneis não lhe
causassem tanto medo quanto as alturas, não queria acabar
enterrada viva como a criança que encontraram.
— Adiante, então. — Disse ele de má vontade.
Antes que Eve se dirigisse ao buraco, Reno a abraçou com
força e a beijou com intensidade.
— Vá com cuidado, pequena. — Avisou com voz áspera. —
Não gosto nada disso.
Reno gostou menos ainda, quando deixou de ouvir o ruído
que ela fazia ao deslizar pela pequena abertura. Os minutos
passavam tão lentamente que pareciam avançar arranhando o
solo de pedra. A terceira vez que pegou seu relógio e descobriu
que se passaram menos de trinta segundos desde a última vez
que o olhara, soltou uma maldição e começou a contar
lentamente.
Finalmente, escutou aliviado o som que Eve fazia ao se
arrastar e escalar o estreito túnel. Quando viu sua cabeça e os
ombros aparecerem, puxou-a e a abraçou com tanta força que
quase a deixou sem respiração.
— Esta foi a última vez que se enfiou em um desses
buracos sozinha. — Reno afirmou taxativo. — Envelheci dez
anos esperando você.
— Valeu a pena. — Eve anunciou, entre ofegos, rindo e
beijando-o ao mesmo tempo. — Eu o encontrei! Encontrei o
ouro!

Sob a luz da fogueira brilhavam dois lingotes de ouro; um


ouro tão puro e inalterável, quanto fora no tempo em que os
índios derramaram pela primeira vez o metal fundido nos
moldes para esfriar.
Eve olhou para Reno, e sorriu suavemente.
— Não posso acreditar que tenha dezesseis mais como
estes. — Ela comentou. — Deveria ter me deixado retornar.
Poderia ter tirado todos no mesmo tempo que se deitou para
alargar o túnel que conecta com os outros dois.
— O ouro ficou ali durante muitos anos. Pode esperar até
amanhã.
— Com os dois trabalhando juntos, não teria por que...
— Não. — Reno a interrompeu firmemente. — Não voltará
a entrar nesse túnel. A parte que se bifurca é muito perigosa.
— Mas sou pequena e...
— A razão porque fecharam esse segundo túnel, — ele
cortou. — foi porque a seção intermediária não era estável.
Desabou mais de uma vez. Na verdade, a cada vez que faziam
um túnel a sua volta se produzia um desabamento. Mas
continuaram cavando e finalmente, conseguiram chegar ao
ouro do lado pelo qual entramos.
— Acredita que o segundo túnel chega até o refúgio?
Reno encolheu os ombros.
— As camadas de rocha pareciam as mesmas.
— Meu Deus! — Eve estremeceu. — Essa montanha deve
ser um labirinto cheio de buracos em seu interior.
— Sente frio? — Reno lhe perguntou ao perceber o tremor
que a percorria.
— Não. — sussurrou ela — Estava pensando nos índios
que morreram por esses dezoito lingotes de ouro.
— Para não mencionar os outros quarenta e quatro que
estão escondidos em algum lugar ali abaixo.
Outro calafrio atravessou Eve. Sabia que Reno iria
procurar os lingotes que faltavam. A ideia de vê-lo rastreando o
ouro restante através daqueles estreitos túneis, a fez desejar
não ter encontrado a mina.
— Não vi nenhuma serpente gravada na parede. — Eve
comentou. — Talvez os jesuítas tenham levado a maior parte do
ouro com eles, e seja uma perda de tempo procurá-lo.
— Talvez não tenham tido tempo suficiente para
desperdiçar gravando serpentes na rocha e assim, indicar onde
estava enterrado o tesouro. — Rebateu secamente. — Talvez
simplesmente tenham amontoado os lingotes em um dos
buracos e tenham saído dali a toda pressa antes que
chegassem os soldados do rei e os levassem presos à Espanha.
Reno acabou com seu café e começou a espalhar as cinzas
do pequeno fogo, até que não houvesse mais iluminação além
da que a luz da lua lhes oferecia.
— Vale a pena esperar até que o tempo mude para buscar
quarenta e quatro lingotes de ouro, não acha? — Reno
perguntou.
O sério tom aveludado de sua voz agiu sobre Eve como
uma carícia. Sabia que não lhe perguntava se queria ficar ali
pelo ouro. O que na verdade queria saber era se desejava
continuar com ele durante mais tempo.
Até encontrarmos a mina, será minha mulher.
E já a tinham encontrado.
— Com ou sem o ouro, ficarei. — Eve disse em voz baixa.
Ao ouvir aquilo, ele estendeu a mão. Quando ela a pegou,
Reno beijou sua palma e a levou até o lugar onde colocara
plantas de folhas perenes para fazer uma cama. Estava a vários
metros de distância, porque qualquer intruso esperaria
encontrá-los junto ao fogo.
A lona rangeu quando se deixaram cair juntos sobre o
saco.
— Nunca esquecerei o cheiro de lilás. — Reno sussurrou
contra seu pescoço. — O seu sabor.
Antes que Eve pudesse responder, ele se apoderou de sua
boca para beijá-la intensa e profundamente. Quando
finalmente seus lábios se separaram, ambos respiravam de
forma acelerada.
Longos dedos se desfizeram das roupas de Eve, deixando
seu corpo protegido apenas pela camisa. O transparente tecido
de algodão brilhou como a prata, com a luz da lua.
Lentamente, Reno se inclinou e deslizou com infinita ternura
seus lábios sobre o rápido pulso que batia no frágil pescoço
dela.
— Na primeira vez que vi você com sua camisa, —
confessou — desejei tirá-la e afundar meu rosto entre os seus
seios.
Sorrindo, Eve desabotoou a peça e a afastou.
— Lilás e botões de rosas. — Reno sussurrou. — Deus,
que doce você é.
— É meu sabão.
Ele lhe ofereceu um cálido sorriso.
— Não, pequena. São seus seios.
Reno beijou primeiro um mamilo e depois o outro. As
sedosas carícias de seus lábios e sua língua fizeram com que os
aveludados cumes se endurecessem rapidamente. Eve soltou
um murmúrio de prazer que se transformou em um ofego,
quando ele começou a atormentá-la com pequenas e delicadas
mordidas.
— Quero voltar a provar seu sabor. — sussurrou —
Percorrer de novo cada centímetro de sua pele. Gostaria
pequena?
— Posso fazer o mesmo com você?
Durante um instante, Reno ficou imóvel. Depois, seu
corpo se viu sacudido por um sensual tremor.
— Não precisa fazê-lo. — respondeu — Nunca pedi algo
assim a uma mulher.
— Quero fazer isso. — Eve confessou. — Quero conhecer
você de todas as formas possíveis que uma mulher pode
conhecer um homem.
Entre beijos e carícias, as roupas de Reno desapareceram
até que nada ficou entre eles, exceto a luz da lua e o frio ar da
noite na montanha. Depois, Reno estendeu uma manta sobre
seus corpos antes de envolver Eve em um forte e protetor
abraço.
— Também desejei fazer isto na primeira vez que vi você.
— Ele reconheceu — Desejei sentir seu corpo totalmente nu
contra o meu.
Eve tentou falar, mas o tremor de prazer que a percorreu
quando o calor da pele de Reno se transmitiu ao seu corpo, a
impediu.
Sua silenciosa resposta foi suficiente. Um grave e
entrecortado som surgiu do peito de Reno quando sentiu seu
delicado tremor.
— Cada vez é melhor. — Reno sussurrou. — Somente você
tem este efeito sobre mim. Não entendo, mas já não me
importa. Preciso de você, Eve. Cada vez mais. Somente você
consegue isso. Somente você.
— Sim, posso sentir. Cada vez mais...
Ele mal a escutou. O contato dos seus dedos envolvendo a
rígida prova de sua excitação, lhe produziu um prazer tão
intenso que todo seu corpo se tencionou.
Devagar, Eve afastou a manta, se deslizou sinuosamente
pelo musculoso corpo dele, lambeu e saboreou com sua língua
as diferentes texturas de seu grosso membro, com curiosidade
e delicadeza, torturando e seduzindo-o antes de introduzi-lo em
sua boca.
Seu nome saiu entrecortadamente dos lábios de Reno.
Estava lhe demonstrando como era ser preso em um fogo que o
consumia. Reno tentou falar, mas não conseguiu, estava sem
fôlego. Uma camada de suor cobriu seu tenso corpo enquanto
tentava controlar a apaixonada tempestade que ardia em seu
íntimo. A ponto de estourar, apertou os punhos e soltou um
primitivo gemido de contenção.
— Reno? — Eve perguntou em voz baixa, afastando-se um
pouco. — Eu o machuquei?
A risada dele surgiu tão entrecortada quanto sua
respiração.
— Não, pequena. Está me matando, mas não me faz
nenhum mal.
Ela suspirou, e seu morno fôlego se estendeu pela sensível
e úmida pele masculina provocando em Reno um selvagem
estremecimento de prazer.
— Você gosta? — Eve voltou a perguntar.
— Só tem uma coisa que gosto mais.
— E o que é?
— Submergir-me em seu doce...
O restante de suas palavras se perdeu em um gemido
quando Eve prendeu uma vez mais seu duro membro entre os
lábios, envolvendo-o novamente em uma terna tempestade de
fogo.
Ele queria que aquilo não acabasse nunca, mas não
suportava por mais tempo.
— Eve, eu...
Preso na voragem da paixão, Reno estremeceu
violentamente e se derramou em sua boca no meio de um
êxtase selvagem.
Momentos depois, Eve sussurrou contra sua pele o quanto
gostava do seu sabor.
Ouvindo-a, Reno deslizou por seu corpo com urgência até
sentá-la encavalada sobre seus quadris, sua cintura, seu
peito...
— Mais para cima. — Ele pediu com a voz rouca. — Mais.
Faça-o mais fácil para mim. Isso é. Aí... tão doce... fique aí,
pequena.
A úmida exploração da áspera e aveludada língua
masculina a atravessou como um sensual relâmpago. Em meio
da névoa de prazer que a atordoava, Eve emitiu um rouco som
ao sentir o polegar de Reno atormentando o centro de seu
prazer.
Descobrir que ela desfrutava de suas íntimas carícias o fez
rir de puro prazer.
— Eu também gosto do seu sabor. — Afirmou, acariciando
com seu fôlego as suaves e úmidas dobras de Eve.
— Eu...
As palavras resultaram em um som rouco quando os
dentes de Reno se fecharam delicadamente sobre sua carne
mais sensível, a ponto dela não controlar a úmida resposta que
explodiu em seu interior.
— Não resista. — Pediu-lhe com a voz rouca. — Deixe
fluir.
— Mas...
Sua língua a acariciou sem piedade e seus dentes se
fecharam sobre ela com cuidado.
— Compartilhe comigo pequena.
O êxtase reclamou o corpo de Eve. Reno o sentiu,
saboreou, e riu contra sua pele, acariciando-a uma e outra vez,
desfrutando de sua chuva secreta. Quando ela não suportava
mais, levantou-a, colocando-a de costas contra o chão e a
cobriu com seu poderoso corpo. Indefesa diante do prazer que
a invadia, Eve o abraçou fortemente até que as contrações
selvagens que se sucediam em seu interior cedessem.
Quando abriu os olhos, ele estava apoiado sobre um
cotovelo totalmente excitado, observando-a. Inclinou-se, beijou-
a com suavidade e esperou com uma pergunta em seus olhos.
Não precisaram palavras, a expressão dela falava com
clareza.
Devagar, Reno se colocou entre as pernas de Eve e ela
envolveu os quadris dele com elas, acolhendo-o em sua calidez.
Ele ficou imóvel por um momento.
— Tem certeza? — sussurrou. — Não serei suave.
Eve sorriu e se arqueou contra seu corpo incitando-o a
que a possuísse. Respondendo as suas demandas, ele se
afundou em seu interior com uma ardente e profunda
investida. O tempo perdeu seu significado e o mundo
desapareceu quando se uniram mais profundamente do que
haviam feito até então. Beijaram-se e acariciaram-se enquanto
um prazer primitivo percorria seus corpos entrelaçados,
fundindo-os em uma só carne, uma só vida.
Como se fossem um único ser, aprenderam que o êxtase
era como o próprio fogo, inalterável, e, nunca igual, queimando
tudo exceto a si mesmo, ressurgindo de suas próprias chamas,
se elevando para voar e morrer, e voltar a nascer.
CAPÍTULO 21

Os cavalos estavam inquietos desde o dia anterior e seu


nervosismo aumentou durante a noite. Pouco depois do
amanhecer, Eve e Reno despertaram com o som de três tiros de
revólver disparados muito seguidamente.
Sem falar nada, se levantaram e se vestiram rapidamente.
Em vez de calçar as botas, Reno usou mocassins índios iguais
ao que Caleb Black costumava usar, o homem mais silencioso
que Reno conhecia caçando.
Gostaria de ter a habilidade dele, pensou gravemente.
Conseguia disparar e extrair ouro com mais facilidade que se
mover silenciosamente.
Prendeu a luneta em seu cinturão, colocou o coldre de
modo que pudesse sacar o revólver com rapidez e pegou o rifle
de repetição.
— Fique com os cavalos. — Ordenou a Eve.
— Mas...
— Prometa-me. — Interrompeu-a com urgência. — Não
quero atirar em você por engano.
— E se escutar mais tiros?
— Quando eu voltar ao acampamento será pelo outro
lado. Dispare a qualquer coisa que se aproxime pela parte
dianteira do vale.
Eve fechou os olhos, mas abriu-os logo e olhou ao homem
que amava como se temesse que fosse a última vez.
— Quanto tempo levará? — Perguntou.
— Estarei de volta antes que escureça.
Reno lhe deu as costas para ir, mas algo o impediu de
sair. Virou-se de novo com rapidez e lhe deu um beijo terno e
intenso ao mesmo tempo.
— Não me siga pequena. Quero que esteja aqui quando eu
voltar.
Os braços de Eve se apertaram dolorosamente ao redor de
Reno antes de soltá-lo e se afastar dele.
— Estarei aqui.
Sem falar mais, ele se virou e começou a caminhar à
entrada do vale. Avançou rápido pelo prado, mantendo-se
escondido no bosque. Os cavalos ergueram, inquietos, a cabeça
quando perceberam sua presença, mas continuaram pastando
quando reconheceram seu cheiro.
Pouco depois, Reno chegou até o lugar onde o vale se
estreitava e o riacho se transformava em uma cascata branca
que brotava entre as rochas negras. Encontrou um caminho
cheio de abetos vermelhos agitados pelo vento, que levava ao
final da cascata, onde havia um diminuto prado pantanoso,
outro salto d’água, e depois outro vale muito maior com um
lago rodeado de rochas em um extremo.
Reno avançou entre os abetos e aguardou imóvel, até que
os pássaros e outros pequenos animais se acostumassem com
a sua presença e voltassem a se mover normalmente. Um
intermitente vento soprou sobre a encosta da montanha e
trouxe com ele o cheiro de fumaça e o som de vozes
masculinas.
Com cautela, se abaixou ainda mais e esperou. Minutos
depois, dois homens irromperam no vale e se aproximaram da
cascata. Estavam armados com pistolas e levavam rifles presos
às selas. Seus cavalos eram fortes e esbeltos, assim como seus
cavaleiros que observavam cuidadosamente o terreno.
Um dos homens parecia familiar a Reno. A última vez que
vira o índio a quem conhecia como Cachorro Baixo, fora por
cima do cano de um revólver no acampamento onde Jed Slater
mantivera Willow prisioneira. Tentou abatê-lo com seu rifle,
mas Reno havia disparado primeiro e viu o índio cair. Porém,
quando chegou o momento de enterrar os corpos, Cachorro
Baixo havia desaparecido.
Do outro homem, Reno só conhecia sua fama. Bandanna
Mike era um ladrão de diligências e um pistoleiro de pouca
monta que se acreditava um presente às mulheres. Sua marca
característica era um grande lenço negro e vermelho de seda ao
qual devia seu apelido, e que naquele momento estava
pendurado ao redor de seu sujo pescoço.
O vento arrastava retalhos de sua conversa, e Reno
custava a entender.
— Ninguém esteve aqui... em dias. — Mike falou. —
Porque demônios...?
— Dá no mesmo estar aqui abaixo... — O índio respondeu.
— Teremos que comer os mesmos asquerosos feijões.
Produziu-se um silêncio quebrado somente pelo som
ocasional de alguma pedra que caía, enquanto os cavalos
subiam pelo trecho rochoso do caminho bem por baixo dos
abetos.
Reno temia que os animais detectassem seu cheiro se
continuassem subindo quando o vento soprasse para eles, mas
os homens desmontaram no outro extremo do bosque e, a não
ser que o vento mudasse os cavalos não perceberiam sua
presença ali.
— Não temos porque acampar sobre uma rocha quando
poderíamos estar deitados sobre a grama. — Mike grunhiu. —
Não poderão sair sem se encontrarem diretamente com nosso
acampamento, e então eles serão presa fácil.
— Isso disse Slater. — Cachorro Baixo lhe respondeu.
— Acabaria antes disparando eu mesmo e matando
aqueles dois.
— Se atirar Slater virá correndo como um possesso, —
afirmou o índio — e acabaríamos igual ao Jack.
— O chefe não tinha motivos para disparar no velho Jack.
Só estava se divertindo com aquela serpente.
— Esqueça-o. Jack está morto assim como a serpente.
— Slater é um miserável.
Durante poucos minutos reinou o silêncio. Logo, se ouviu
o som de uma cantimplora ao ser aberta. O ôfego de satisfação
e a tosse que o seguiram indicaram a Reno que não estavam
bebendo água, nem café.
O que acredita que aconteceu ao Urso Encurvado? — Mike
perguntou.
O índio tossiu grosseiramente antes de responder.
— Deve ter morrido ou deve ter ido à busca de sua
amante.
— Maldição. A ideia do ouro começa a me obcecar. Pensa
que já o terão encontrado?
— Se não se foram ainda, é porque não o têm.
Durante um tempo ficaram em silêncio e só se ouvia o
som do vento. Um cavalo bufou e bateu o chão com a pata.
Reno aguardou imóvel.
— Acredita que o pistoleiro que seguimos é tão bom com o
revólver como dizem?
— É um filho da puta malditamente rápido e preciso. Pode
estar certo. —Cachorro Baixo afirmou.
Em silêncio, Reno desejou ter sido um pouco mais preciso
quando teve o índio ao seu alcance. Agora teria uma
preocupação menos. Ainda que possivelmente Slater não
tivesse problemas para encontrar mais homens de seu calão
dispostos a engrossar as filas de seu bando.
— E o que sabe sobre a jovem? Você a viu? É bonita?
— É uma mulher e isso é suficiente.
Mike riu.
— Seria uma pena que não tivesse coragem. Tomara seja
eu um dos primeiros a tê-la. Não é divertido se não tiver forças
para resistir como uma fera.
Outro silêncio, outra ronda de tosses e ôfegos enquanto
revezavam a garrafa, e logo mais, silêncio.
— Uma partida de cartas? — Mike perguntou.
Cachorro Baixo grunhiu em sinal de assentimento e o som
dos naipes ao serem embaralhados rompeu o silêncio.
Reno esperou com a paciência de um homem cuja vida
dependia daquilo, e enquanto esperava, desejou, outra vez, ter
a habilidade de Caleb para se mover sobre o terreno sem fazer
o mínimo ruído. Gostaria de chegar até eles e cortar o sujo
pescoço dos dois homens de Slater.
Durante uma hora, escutou os dois foragidos discutirem
enquanto jogavam cartas. Depois se afastou lentamente,
aproveitando o intermitente vento para cobrir qualquer som
que pudesse fazer.
Quando regressou ao acampamento, contornou-o e se
aproximou pela parte de trás. Eve estava esperando-o com a
escopeta preparada e carregada. Quando o viu, deixou a arma
no chão e correu para ele. Reno a envolveu em seus braços e a
apertou com força contra si. Quando finalmente a soltou, ela o
observou com olhos que souberam ler sua expressão muito
bem.
— Slater — Afirmou.
Não foi uma pergunta.
— Slater. — Reno confirmou. — Tem dois homens
vigiando o pequeno prado pantanoso abaixo deste. O restante
de seus homens está acampados na pradaria mais abaixo.
— O que vamos fazer?
— Buscar o ouro.
— E depois?
Reno sorriu com frieza.
— Depois, darei àqueles tipos uma lição sobre pólvora.
E espero que Cal, Wolfe ou Rafe estejam a caminho.
Eve aguardava impaciente no lugar da mina onde a
estreita galeria se unia à principal. No dia anterior, Reno
alargara o túnel o suficiente para deslizar por ele. Não era
muito cômodo, mas pelo menos lhe permitiu chegar até o
escuro buraco onde estavam escondidos os dezoito lingotes
desde séculos anteriores.
O som de Reno se aproximando a tranquilizou, mas
desejando escutar sua voz, aproximou-se do buraco e o
chamou.
— Reno? Está tudo bem? Pareceu-me ouvir algo caindo.
Sua resposta chegou em seguida, distorcida pelas curvas
que o túnel fazia.
— Era eu afastando escombros. — Tranquilizou-a.
Era uma meia verdade, mas era a única coisa que pensava
em contar para Eve. O centro do velho túnel se tornara
malditamente instável. Ao alargar o primeiro trecho provocara
dois pequenos deslizamentos e as pedras soltas ainda
continuavam caindo. A qualquer momento poderia se produzir
um verdadeiro afundamento, e quanto mais tempo passassem
naquele lugar, maior seria o risco.
Sabia que se contasse a Eve, ela insistiria em ajudá-lo a
tirar o ouro e Reno não desejava que ela se aproximasse
daqueles perigosos túneis.
Na verdade, não queria que ela tivesse entrado na mina,
mas Eve insistira tanto, que ele concordara que o
acompanhasse até onde terminava o túnel de rocha solida. Não
deixaria que passasse dali.
— Afaste-se. — Reno lhe pediu. Depois, sabendo que era a
única forma de sair dali, acrescentou com ironia: — Engatinhe
para trás e deixe-me o caminho livre, pequena. Já estou
chegando.
Eve se afastou da abertura que ainda parecia muito
estreita para os amplos ombros de Reno, e em pouco tempo viu
como surgiam dois lingotes de ouro. Brilhavam sob a luz da
lâmpada como se acabassem de ser fundidos. Com rapidez, os
afastou para que não atrapalhassem a passagem e esperou.
No instante, Reno saiu do pequeno buraco com um ágil
movimento. Seu rosto estava coberto de suor e poeira, assim
como suas roupas, mas suas armas estavam limpas. Elas
haviam ficado em uma lateral do estreito túnel antes de se
arrastar dentro dele.
— Já temos dezesseis lingotes. Faltam dois. — Anunciou
enquanto se esticava.
— Deixe para mim...
— Não.
Reno escutou o seco tom de sua voz, e rezou para que Eve
não percebesse o medo por sua segurança que ele tentava
esconder. Obrigou-se a sorrir enquanto lhe erguia o queixo
para lhe dar um firme e rápido beijo.
— Estarei de volta antes que perceba, com um lingote de
ouro em cada mão.
Eve desejava protestar, mesmo sabendo que seria em vão.
Em vez disso, lhe deu um trêmulo sorriso enquanto deslizava a
ponta de seus dedos por seus lábios.
— Não demore meu amor. — Sussurrou.
Depois que Reno desapareceu no pequeno túnel, Eve
chegou até a negra abertura e rezou.
Ainda estava rezando quando escutou um terrível
estrondo. Uma rajada de ar surgiu do buraco, arrastando uma
nuvem de poeira e o som das pedras desmoronando.
O túnel desabara.
— Reno! — Eve gritou. — Reno!
Não obteve nenhuma resposta, exceto o som da rocha
caindo.
Quando chegou à estreita abertura novamente, não viu
nenhum brilho de luz proveniente da lâmpada de Reno.
Desesperada, se arrastou pelo apertado buraco empurrando
seu próprio lampião à frente dela. Havia tanta poeira flutuando
no ar que a luz parecia quase fantasmagórica.
Em poucos segundos, Eve começou a tossir e sufocar por
causa da grande quantidade de poeira que se levantara. Cobriu
o nariz e a boca com o lenço que usava no pescoço e avançou
se arrastando tão rápido quanto pode, ignorando as rochas que
arranhavam e machucavam seu corpo.
A cada inspiração, pronunciava o nome de Reno.
Continuou sem obter nenhuma resposta, exceto o perturbador
eco de seus próprios gritos.
O lampião bateu em algo e se negou a continuar
avançando. Chorando e gritando o nome de Reno, Eve bateu às
cegas no inesperado obstáculo. Finalmente, percebeu o
problema: o teto havia cedido onde o estreito túnel deveria se
abrir dando passagem ao outro mais antigo e amplo, deixando
em seu lugar uma parede de escombros.
Eve arranhou ferozmente as rochas soltas, afastando-as
para os lados de seu corpo. Mas cada punhado que tirava era
substituído por outro ainda maior.
— Reno. — gemeu.
Não se ouvia nenhum ruído na mina fora seus próprios
prantos quebrados.
O mesmo acontecia uma hora mais tarde, quando Eve
compreendeu finalmente que não teria forças suficientes para
abrir caminho entre os escombros.

Suja, despenteada e com os olhos cheios de medo pelo


homem que amava, Eve chegou ao lugar onde Reno dissera que
estavam acampados os guardas de Slater. Apesar de fazer rolar
debaixo de seus pés vários seixos em duas ocasiões, nenhum
homem gritou ou saiu atrás dela. Mal teve consciência de sua
boa sorte. Estava concentrada no que deveria fazer: subornar
Jericho Slater com uma combinação de lingotes de ouro e balas
de chumbo.
Se quisessem o ouro, o teriam, mas primeiro deveriam
ajudá-la a tirar Reno da mina.
E enquanto isso eu os vigiarei com uma escopeta carregada
todo o tempo.
Uma pequena parte de sua mente lhe dizia que seu plano
era uma loucura, que era quase suicida. A outra parte
simplesmente não lhe importava. Ela não era forte o bastante
para tirar Reno daquela montanha, mas os foragidos que os
seguiam, sim. Então buscaria Slater, e que fosse o que Deus
quisesse.
Atravessou a área pantanosa como um espectro poeirento.
Sua camisa, que alguma vez havia sido branca, adquirira a cor
cinza escura das rochas, e o mesmo acontecia com o restante
de suas roupas. Mas as armas que segurava estavam limpas,
carregadas e preparadas para serem usadas.
A segunda cascata estava rodeada pelo bosque e ervas
daninhas. Era impossível avançar em silêncio, mas a água fazia
ruído suficiente para cobrir qualquer outro som. Sem se dar
conta, Eve mudou a escopeta e o coldre de posição para que
não se enganchassem nos arbustos e nas árvores com as quais
se encontrava.
Pouco antes que a cascata fluísse através da entrada cheia
de penhascos do vale mais amplo, a água dava um salto final
sobre uma beirada de ardósia. Eve se arrastou pela rocha para
dar uma olhada no acampamento dos foragidos. Já havia
decidido que Jericho Slater seria o primeiro prisioneiro que
deveria fazer. Só era questão de descobrir onde ele estava.
Uma rápida olhada por cima da beirada foi suficiente para
saber que tinha sorte de não ser ela a prisioneira. O bando de
Slater acampava a uns trinta metros da cascata e os cavalos
estavam espalhados ao redor do prado. Com um rápido olhar,
contou um total de vinte.
O desespero se apossou de Eve. Até dez ou doze homens,
conseguiria vigiar.
Mas, vinte?
Não tenho outra solução. Falarei com Slater e farei um
acordo com ele. Não importa quanto ruim que fiquem as coisas
para mim, o que Reno está vivendo é muito pior. Está preso
debaixo da terra sem luz, comida ou água. E os túneis são tão
pequenos quanto eu e os estreitos caminhos dos precipícios.
Tenho que chegar até ele logo. Não posso deixá-lo lá
sozinho.
Eve se negou a pensar na possibilidade de que o homem
sem o qual não podia viver teria morrido debaixo de toneladas
de escombros, sepultado como o pequeno índio. Eve estava
segura de que se Reno estivesse morto, ela saberia. Sentiria
com a mesma segurança que sentia como a vida corria por
suas próprias veias naquele momento.
Enxugando as lágrimas que caiam por suas faces com a
manga, voltou a olhar para o acampamento. O movimento de
algo cinza claro chamou sua atenção. Jericho Slater ainda
usava a capa do exército confederado. Seu chapéu também lhe
era familiar; nem mesmo o havia tirado quando se sentara à
mesa para jogar as cartas.
Espero que Slater odeie os túneis, porque até que Reno não
esteja livre, vai passar muito tempo na escuridão.
Sorrindo com tristeza, Eve voltou a se afastar e se dirigiu à
cobertura que o bosque lhe oferecia.
Quando os ramos das árvores a rodearam, a mão de um
homem lhe cobriu a boca, e um poderoso braço a rodeou pela
cintura segurando seus braços contra o corpo. Mesmo Eve
segurando uma escopeta, não teve oportunidade de usá-la.
Um instante depois, Eve sentiu que seus pés se elevavam
no ar. A única coisa que podia fazer era sacudir violentamente
as pernas dando chutes no ar.
— Acalme-se, pequena selvagem. — Sussurrou uma
profunda voz em seu ouvido. — Sou Caleb Black.
Eve ficou imóvel antes de olhar por cima do ombro.
Os olhos cor de uísque do esposo de Willow a olhavam.
Não havia nem rastro da calidez do olhar que ela recordava.
Aquele homem possuia o aspecto do que uma vez Reno o
chamara: um escuro anjo justiceiro.
Eve assentiu para fazê-lo ver que compreendia que estava
a salvo e ele a deixou livre. Quando a jovem voltou a se
sustentar sobre seus próprios pés, Caleb lhe fez sinais com o
polegar indicando-lhe em silêncio que entrasse no bosque.
Quando o fez, apareceu outro homem. Seus cabelos eram
da mesma cor negra que os de Caleb, mas as semelhanças
acabavam aí. Os cabelos do cunhado de Reno eram levemente
ondulados, enquanto que os de Wolfe Lonetree eram totalmente
lisos. Seus olhos eram de um tom azul bem escuro quase
negro. E em seu rosto, podiam se distinguir as maçãs do rosto
de sua mãe cheyenne e os definidos traços de seu pai inglês.
Atordoada, viu como as mãos de Caleb se moviam usando
uma linguagem de sinais tão conciso, quanto efetivo. Wolfe
assentiu e passou à frente de Eve, tocando seu escuro chapéu
em saudação com uma mão que segurava duas caixas de
cartuchos. Na outra, segurava dois rifles de repetição.
Eve o olhou durante um instante, antes de continuar
adentrando-se no bosque instada pela mão que Caleb apoiou
em seu braço. Quando foi seguro falar, Eve lhe explicou a
situação o mais breve que pode.
— Aconteceu um desabamento na mina que estávamos
explorando e Reno ficou preso. — Fez uma pausa e
acrescentou: — Também deve saber que há dois capangas de
Slater na seguinte cascata.
Caleb entrefechou os olhos.
— Está vivo?
Eve assentiu, incapaz de articular palavra, já que o medo
apertava sua garganta.
— Está ferido?
— Não sei. Não consegui chegar até ele.
— O que ele disse?
— Nada. Não pode me ouvir.
O esposo de Willow não lhe perguntou como ela sabia que
estava vivo. Vira a mistura de desespero e profunda
determinação em seus olhos.
— Já me encarregarei dos homens que estavam fazendo
guarda. — Caleb lhe informou. — Volte à área pantanosa e
espere. Encontraremos-nos lá em breve.
— Mas Reno...
— Vá. Não podemos fazer nada por ele enquanto Jericho
Slater continuar sendo uma ameaça.
Caleb se virou, depois parou e virou a cabeça para olhá-la.
— Rafe Moran também está por aqui. Assim se você se
encontrar com um homem loiro parecido com Reno, com um
chicote em uma mão e um revólver na outra, não atire.
Desconcertada, Eve assentiu.
— Uma pequena ruiva chamada Jessi Lonetree aguarda
não longe daqui. —Caleb continuou. — Se supõe que deva ficar
quieta, mas certamente virá em busca de seu esposo quando
parar o tiroteio.
— Jessi? Então, aquele era Wolfe?
Caleb sorriu.
— Sim. Agora, suba até o pântano e nos espere. Wolfe e
seu rifle de repetição acabarão logo com o bando de Slater. Os
que não morrerem fugirão como ratos.
— Eu posso ajudar.
— Claro que sim. — Caleb concordou. — Pode mover seu
traseiro até o pântano e ficar lá, onde estará segura. Se lhe
acontecer algo, ninguém saberá onde procurar Reno.
— Então voltarei à mina. Pode ser que ele esteja
chamando.
— De acordo, mas não entre naquele inferno até que eu
chegue. — Advertiu ele, taxativo.
Eve abriu a boca para protestar.
— Estou falando sério, Eve. Eu a amarrarei se precisar
fazê-lo.
— Mas...
— Aceite isso. — Caleb acrescentou com dureza, impondo-
se a todas suas tentativas para falar. — Sem você, não teremos
nenhuma oportunidade de ajudar Reno.
Devagar, Eve assentiu e se virou, sem notar as lágrimas
que voltavam a traçar caminhos prateados através da sujeira
de suas faces.
Estava a meio caminho da cascata quando Wolfe Lonetree
começou a disparar com seu rifle. Os tiros se sucederam
ininterruptamente e fizeram eco através das montanhas.
Quando Eve chegou ao pântano, os tiros dos rifles soavam
com menos frequência. Quando escalou a segunda cascata,
escutou como um revólver começava a abrir fogo de tempos em
tempos. Ao chegar ao minúsculo vale que abrigava a mina, o
silêncio se impusera.
Caleb tinha razão. O bando de Slater não teve nada a fazer
contra a letal destreza de Wolfe Lonetree com um rifle de
repetição.
CAPÍTULO 22

— Não entendem. — Eve exclamou com a voz cansada.


Com as mãos sobre os quadris, ela enfrentou aos três
homens de aspecto duro e à esbelta ruiva que se reuniam em
frente à mina.
— É você quem não está sendo razoável. — Caleb rebateu.
— Primeiro ia enfrentar ao bando de Slater com uma escopeta,
e agora fala de entrar sozinha nesse horrível lugar.
— Fui à procura de Slater porque não me importava se um
de seus homens morresse tentando libertar Reno. — Eve o
interrompeu. — Caleb, você tem uma família lhe esperando. —
Depois se dirigiu a Wolfe. — E você tem uma esposa que
precisa de você. Sou a única que sabe como chegar até Reno, e
não tenho ninguém que me espere. Por outro lado, ali dentro só
tem espaço para uma pessoa. Quando eu não conseguir mais,
vocês poderão tirar a sorte para ver quem me substitui.
Cheia de determinação, Eve se virou para entrar, mas um
chicote se enrolou com força ao redor de seus joelhos,
mantendo-a quieta sem lhe fazer o mínimo mal.
— Um momento, senhorita. Irei com você.
Eve se virou e encarou o grande homem loiro que sorria,
falava e se movia de forma muito semelhante a Reno, por isso
mal conseguia olhá-lo. Seus olhos eram tão parecidos, que
sentia que lhe cravavam um punhal no coração cada vez que os
olhava.
E, assim como os de seu irmão, os olhos de Rafe podiam
ser tão frios como o gelo quando estava decidido a conseguir
algo.
— Não me faça perder tempo discutindo. — Acrescentou
ele cortante. — Vou com você, ou vou sozinho. Conheço as
minas e os rastros que Reno pode ter deixado. Eu o
encontrarei.
Eve não duvidou.
— Está bem. — Ela cedeu com voz ansiosa. — Sua força
será muito útil.
Ao escutar suas palavras, Rafe sacudiu a mão e a libertou
do longo chicote.
Um segundo mais tarde, Eve pegou um lampião e entrou
na mina. Rafe jogou a um lado o chicote e a seguiu, parando
somente o tempo suficiente para pegar uma pá e um lampião.
Caleb e Wolfe os seguiram, compartilhando um terceiro
lampião. Jessi ficou na entrada da mina com uma escopeta,
atento ao fato de que algum dos homens de Slater tivesse
fugido na direção errada quando as balas começaram a voar
sobre eles.
Quando Eve escutou os ruídos de mais de uma pessoa
seguindo-a, olhou por cima do ombro e se sentiu reconfortada.
Mesmo que realmente não houvesse espaço para que mais de
um homem cavasse, o fato de saber que havia tantas mãos
disponíveis para ajudar a fazia se sentir melhor.
Rafe se viu obrigado a se abaixar cada vez mais à medida
que o irregular teto da mina descia. Seguia Eve de perto como
uma grande sombra musculosa, enquanto observava os rastros
que Reno deixara à sua passagem.
Eve avançou pela grande galeria de rocha com uma
velocidade que fazia seu lampião tremular, fazendo Caleb e
Wolfe ficarem um pouco atrasados enquanto marcavam as
bifurcações dos túneis que deixavam para trás.
Uma poeira extremamente fina flutuava no lugar onde
estava o buraco no qual ocorrera o desabamento. Rafe avaliou
a situação com um único e rápido olhar. Quando viu os
lingotes de ouro, seus olhos se abriram muito. Olhou
rapidamente para Eve, mas ela não prestou nenhuma atenção
ao valioso metal.
— Este túnel se estende por uns três metros antes de ficar
bloqueado. — Explicou ela, apontando o estreito buraco. —
Gritei várias vezes, mas Reno não me respondeu.
Os lábios de Rafe formaram uma fina linha, mas a única
coisa que disse foi: — Deixe-me tentar. Talvez minha voz
chegue mais longe que a sua.
Eve assentiu tensa e o observou se abaixando e deixando
a um lado o lampião. Aquele buraco era tão tentador quanto
um túmulo. Olhou à pá e pensou que teriam sorte se
dispusessem do espaço suficiente para usá-la naquela pequena
abertura.
— Surpreendo-me que Reno tenha entrado aí. — Rafe
murmurou. — Nunca gostou dos lugares estreitos e escuros.
— Talvez nunca tivesse um tesouro esperando-o do outro
lado. — Ela comentou laconicamente.
— Tem mais? — Rafe perguntou, enquanto se arrastava
pelo interior daquele escuro e estreito buraco.
Que saibamos, tem dois lingotes mais. Supõe-se que
existam outros quarenta e quatro escondidos em algum lugar
desta maldita mina, mas pelo que me diz respeito, podem ficar
aqui para sempre.
O único som que o irmão de Reno fez foi uma maldição
entre dentes, enquanto se obrigava a avançar para o interior do
estreito túnel.
Eve se deixou cair sobre os joelhos e se apoiou contra o
frio muro de pedra. Em meio de seu atordoamento, mal
percebeu que estava tremendo. Encontrava-se tão imersa em
seus pensamentos, que quando Caleb a tocou no ombro para
reconfortá-la se sobressaltou com violência.
De repente, a profunda voz de Rafe ecoou com força
através do buraco quando chamou Reno. O silêncio o seguiu.
Voltou a chamá-lo outras vezes, e conseguiu o mesmo
infrutífero resultado.
— Cal, Wolfe, levem esse ouro até onde esta Jessi. — Rafe
ordenou um minuto depois. — Aqui não faz outra coisa que
aborrecer.
Às suas palavras, se seguiu o som de uma pá de aço se
chocando contra os escombros.
— Precisará de alguém que afaste os escombros que tirar.
— Caleb repôs.
— Terá que ser Eve. Dois homens não cabem aqui.
Wolfe se inclinou, aproximou a lampião do buraco e
começou a amaldiçoar tanto em cheyenne quanto em inglês.
— Rafe tem razão, Cal. Esse maldito lugar é muito
estreito.
Caleb se inclinou e começou a recolher os pesados
lingotes, enquanto amaldiçoava sem parar a febre do ouro.
O ritmo dos golpes da pá não mudou em nenhum
momento enquanto Rafe cavava através das pedras soltas
amontoadas e rochas que se desmoronavam; empurrava os
escombros a ambos os lados de seu corpo e rezava para que o
resto daquele estreito túnel aguentasse.
Enquanto o irmão de Reno abria caminho na escuridão,
Caleb e Wolfe carregaram todos os lingotes à entrada da mina.
Eve agradeceu a ausência do ouro, já que lhe permitia arrastar
os escombros para fora do buraco mais facilmente, dando a
Rafe um pouco mais de espaço para trabalhar.
— Avise Eve quando precisar que alguém o substitua. —
Disse Wolfe quando pegou o ultimo lingote de ouro.
Rafe grunhiu uma resposta e continuou cavando.
Naquele momento, as primeiras centelhas espectrais da
luz de um lampião brilharam através dos escombros
amontoados no pequeno túnel.
— Vejo luz! — Rafe gritou.
— Reno está aí? — Eve perguntou esperançosa.
— Não sei. A galeria continua...
A frase foi interrompida por um pequeno desabamento.
Rafe amaldiçoou e continuou sua infernal tarefa, sabendo que
cada movimento da pá poderia estar cavando seu próprio
túmulo.
Não importava o quanto se esforçasse, não conseguia
manter aberto um buraco grande o bastante para se deslizar
por ele. A sombria careta de seu rosto quando saiu se
arrastando do túnel até o lugar onde Eve o esperava, lhe disse
mais do que ela desejava saber.
— Quanto mais tento avançar, mais me afasto. — Rafe
anunciou sem rodeios, enxugando o suor da fronte. —
Consegui afastar as rochas maiores, mas as menores não
param de cair. É como cavar no leito de um rio. Mal consigo
abrir um oco para um gato passar, e, muito menos, para um
homem de meu tamanho.
— Algum sinal de Reno?
Rafe observou os sombrios olhos de Eve e seu rosto cheio
de dor, e acariciou seus emaranhados cabelos com suavidade.
— Estive a ponto de atravessar os escombros duas vezes,
— explicou — mas cada vez que tentava caiam mais rochas.
Gritei através da abertura, mas... — Afastou o olhar, incapaz
de fazer frente à angustiosa esperança que se refletia nos olhos
femininos.
Eve não lhe pediu mais informação. Se Reno tivesse
respondido, Rafe o teria ouvido.
— Bem, adiantamos um pouco. — Ele a animou — Pelo
menos sabemos que entrou ar fresco através do buraco, e que
tem muito espaço no outro lado para que se produza eco
quando grito seu nome. Além do fato de que se o lampião
continua aceso, significa que existe oxigênio.
Eve concordou, mas sua atenção estava fixa no estreito
buraco.
— Se não morreu na hora, — Rafe continuou — pode ser
que esteja inconsciente ou em outra parte da mina, procurando
uma saída.
— Chamo Caleb ou Wolfe?
— Não. — Respondeu firme. — Tinha razão. Esse buraco
não é lugar para um homem com família.
— Descanse alguns minutos. — Ela sugeriu com voz
trêmula. — Tem água na cantimplora. É de ontem, mas não
creio que se importe.
Os dentes de Rafe surgiram em um brilho branco,
contrastando com seu rosto coberto de poeira e suor.
— Claro que não. — Deixou de lado a pá e se aproximou
da cantimplora que Eve deixara a um lado para limpar a
passagem.
Enquanto Rafe pegou o recipiente, Eve pegou a pá e se
arrastou para o interior do apertado buraco. Quando ele
percebeu o que ela fazia, ela já se encontrava fora de seu
alcance.
— Volte aqui! — gritou — É muito perigoso. Esse teto pode
desmoronar a qualquer momento!
A única resposta de Eve foi:— Se um gato pode atravessar
esse buraco, eu também posso. Reno diria também. Ele até me
chama de gatinha.
Rafe bateu com a mão aberta na parede de rocha e
amaldiçoou ferozmente.
Mas, apesar de sua raiva, não se enfiou naquele buraco,
nem arrastou Eve. Se ela conseguisse se enfiar pela pequena
boca que ele abrira, seria a melhor possibilidade de Reno para
sobreviver.
E se seu irmão estivesse morto, Eve poderia descobrir
antes que Caleb ou Wolfe também perdessem a vida tentando
salvar um homem por quem já não se podia fazer nada.
Eve se arrastou e abriu caminho através dos escombros,
atraída pela tênue luz que via mais à frente. O último trecho foi
o mais duro, já que os escombros praticamente cobriram a
abertura. Havia espaço suficiente somente para que ela
enfiasse um braço e a cabeça. Fazendo um enorme esforço, e
usando os pés para se empurrar, conseguiu finalmente
atravessar o buraco.
De repente, o teto cedeu.
Durante um instante, Eve sentiu um peso amassando-a.
Depois, foi arrastada pela força do desabamento até ficar
estendida sobre o irregular solo do túnel, tentando respirar.
A primeira coisa que viu foi o lampião de Reno. Depois,
conseguiu vislumbrar sua cabeça e seus ombros sobressaindo
de uma pilha de escombros. Rafe havia conseguido
acidentalmente o que os espanhóis fizeram muitas vezes de
propósito; havia cavado um novo buraco que conectava com o
túnel maior.
Eve não soube que estava gritando o nome do homem que
amava até que os quebrados ecos voltaram para ela. Tossindo
secamente, cobriu a boca com seu lenço e se arrastou para
Reno através de uma densa nuvem de poeira.
— Eve! — Rafe gritou. — Está bem?
— Eu o encontrei!
— Está vivo?
Eve estendeu o braço para o pescoço de Reno, mas sua
mão tremia tanto que não podia ter certeza se ele tinha
pulsação. Um segundo depois, viu como ele sangrava
lentamente de um corte na fronte.
De repente, ela foi vagamente consciente de que Rafe
gritava seu nome.
— Está vivo! — Respondeu.
— Graças a Deus. Tenha cuidado. Vou entrar.
Quase no instante, pedras tão grandes quanto os punhos
de Eve caíram com violência. Uma delas bateu no lampião,
derrubando e apagando-a. Outra bateu em Reno, que grunhiu
suavemente. O resto formou outra camada sobre o monte que o
cobria.
— Pare! — Eve gritou. — Rafe, pare! Cada vez que se
move, seu irmão fica mais enterrado!
— Certo, não continuarei. O que aconteceu com a luz?
— Uma pedra a atingiu e o combustível se derramou.
Rafe começou a amaldiçoar.
Eve procurou tateando em seus bolsos, e, finalmente,
encontrou o cabo da vela que Reno insistira que levasse.
De repente, a luz do lampião de Rafe atravessou a
pequena abertura que era tudo o que restava do novo buraco
que havia aberto.
— Pode ver agora? — Perguntou.
— Sim. Espere.
Um fósforo chiou, e logo a chama de uma vela ardeu
limpamente na envolvente escuridão. Sem perder tempo, Eve
colocou a vela em uma fenda do velho túnel.
— Agora já tenho luz. — Anunciou.
— Reno está muito ferido?
Não sei. Esta de boca para baixo, enterrado desde os pés
até as costelas. Tem um corte na testa.
Mais rochas caíram e rolaram ajustando a mina à sua
nova forma.
— Pode colocá-lo fora do alcance de outro desabamento?
— Rafe perguntou com urgência.
Eve colocou as mãos sob os braços de Reno e puxou. Ele
voltou a grunhir. Ao ouvi-lo, ela fechou os olhos e puxou com
mais força sem conseguir movê-lo nem um centímetro.
— Preciso retirar os escombros que me impedem de puxá-
lo. — Eve respondeu.
— Seja rápida. Esta abertura é malditamente instável.
Eve trabalhou freneticamente até desenterrar Reno até os
quadris.
— Eve? — Rafe a chamou.
— Só falta liberar suas pernas.
— Quer que tente entrar para ajudar você?
Ao acabar de falar, mais escombros caíram sobre Reno.
— Pare de cavar! — Eve gritou desesperada.
— Não me movi!
A rocha que formava o túnel vibrou e rangeu.
— Coloque-se o mais longe possível do buraco. — Rafe
ordenou com pressa.
— Mas Reno...
Outra onda de escombros surgiu das instáveis paredes
enquanto um grave e estridente som ecoava por toda a mina.
— Não pode ajudá-lo agora! — Rafe gritou com violência.
— Ponha-se a salvo!
Como em um sonho, Eve viu como uma das paredes
tremia e começava a se desfazer.
Não parou para pensar, se preocupar ou fazer perguntas.
Limitou-se a passar as mãos por baixo dos braços de Reno e
puxá-lo com uma força e determinação que não sabia que
possuia, e que era provocada pela adrenalina. Quase sem ser
consciente, conseguiu tirá-lo com um só puxão, dentre os
escombros e afastá-lo da parede.
A rocha cedeu e caiu quase tocando as botas de Reno.
Desesperadamente, Eve continuou se afastando, arrastando
Reno com ela até perder o equilíbrio e ficar estendida no piso.
Tentou se levantar e continuar puxando, mas suas forças
haviam desaparecido. Ainda assim, continuou puxando-o uma
e outra vez, chorando e pronunciando entrecortadamente o
nome do homem sem o qual não seria capaz de viver.
— Pronto Eve. Pode soltá-lo. Já o colocou a salvo.
Durante um segundo, ela pensou que Reno estava lhe
falando. Depois, percebeu que era Rafe que estava de joelhos
junto a ela.
— Como…? — A pergunta de Eve se viu interrompida por
um ataque de tosse.
— A parede cedeu e abriu um novo acesso. Não sei quanto
tempo aguentará. Pode andar?
Tremendo sem controle, ela se levantou.
— Pegue o lampião. — Rafe pediu. — Iremos bem atrás de
você.
Sem perder tempo, se inclinou, carregou seu irmão sobre
os amplos ombros e seguiu Eve. Segundos depois se reuniram
com Wolfe e Caleb, que ao ouvir o estrondo haviam corrido.
O ar fresco e os balanços que recebeu enquanto o tiravam
daquele inferno, reanimaram Reno. Recuperou a consciência
no meio de uma neblina de dor, quando saíram da mina. A luz
do sol foi como uma martelada para seus olhos. Grunhindo,
voltou a fechá-los e se perguntou por que o mundo girava à sua
volta.
— Não se mova. — Ouviu Rafe dizer. — Está ferido.
Em meio a seu atordoamento, Reno também reconheceu
as vozes de Wolfe e Caleb enquanto o levavam até o
acampamento.
Mas por mais que se esforçasse, não ouvia a voz de Eve,
nem sentia seu contato ou seu aroma. Quando abriu os olhos
para procurá-la, a luz do sol o cegou novamente.
— Eve? — Perguntou roucamente.
— Além de ter estado muito louca para tentar chegar a um
acordo com Slater, está bem. — Seu cunhado respondeu,
secamente, antes de dar ordens aos dois homens que
transportavam o ferido: — Deixem-no aqui. Primeiro os pés,
Wolfe.
As palavras de Cal sobre Eve ecoaram com terrível força
na mente de Reno, trazendo de volta uma velha verdade sobre
homens, mulheres, e traição.
Tentou chegar a um acordo com Slater. Um acordo com
Slater. Um acordo...
A ladainha se repetia e repetia em sua cabeça,
provocando-lhe uma intensa dor que não podia se equiparar a
nada que Reno conhecia até aquele momento. Com amargura,
recordou-se que quando parte do túnel caiu sobre ele, seu
último pensamento foi que, pelo menos, Eve estava a salvo.
Mas a primeira coisa que ela pensara havia sido pegar o
ouro e fazer um acordo com Jericho Slater, deixando-o morrer
na mina.
— Deveria ter aprendido... com Savannah Marie. —
Lamentou-se com voz entrecortada.
— O quê? — Caleb perguntou.
— Deixou algum ouro... aquela jovem trapaceira de salão?
Antes que alguém pudesse responder, Reno voltou a
desmaiar.
Eve desejava poder fazer o mesmo. Sentindo uma
profunda angústia no peito, cambaleou como se o solo tivesse
desaparecido sob seus pés.
Rafe a segurou antes que caísse.
— Cuidado. — Avisou-a com voz amável. — Está no limite
de suas forças.
Ela balançou a cabeça e não disse nada.
— Quem é essa tal Savannah Marie? — Caleb perguntou.
— Uma jovem da Virgínia que costumava deixar todos
loucos com seus flertes, faz anos. Naquele tempo, Reno era
muito jovem para pensar que a amava. — Rafe explicou,
enquanto ajudava Eve a recuperar o equilíbrio. — E, quem é a
trapaceira jovem de salão a quem Reno se referiu?
— Eu. — Respondeu com tom apagado.
De repente, Caleb percebeu que seu cunhado interpretara
mal o que ele dissera acerca de Eve ter tentado fazer um acordo
com Slater.
— Reno não sabe o que diz. — afirmou asperamente —
Quando ele acordar eu esclarecerei tudo.
— Não importa. — Ela repôs com voz quebrada.
Durante um momento, Eve ficou imóvel. Depois, se virou e
se afastou.
— Eve. — Caleb a chamou. — Espere.
Ela balançou a cabeça e continuou caminhando.
Tudo o que importava já fora dito. Pode ser que Reno
tivesse se aproveitado de sua companhia, que tivesse sido
amável com ela, que lhe tivesse mostrado o que significava a
paixão, mas não a amava.
Nunca a amaria. O amor exigia confiança, e ele nunca
esqueceria que Eve ganhava a vida fazendo trapaças em um
salão.
Entendo que as mulheres compensem com astúcia a força
que precisam. Mas o fato de que entenda não quer dizer que eu
goste.
Não se pode confiar nas mulheres, mas sim no ouro.
Pequena, se sentiria melhor se lhe contasse doces mentiras
sobre o amor?
Enquanto os outros atendiam Reno, Eve pegou seus
alforjes e um pequeno barril de água, e se dirigiu a um bosque
próximo. Lavou-se eliminando de seu corpo qualquer rastro da
poeira da mina, desejando poder apagar ao mesmo tempo o
passado.
Mas não podia. Poderia somente deixá-lo para trás, como
a água suja que caía sobre a grama.
Com uma calma que surgia de uma perda tão profunda
que adormecia sua capacidade para sentir dor, Eve vestiu a
única roupa que lhe restava, o vestido vermelho com os botões
negros e um buraco de bala no bolso onde escondia seu
revólver.
Mecanicamente, começou a fazer os preparativos para
partir. A parte mais difícil foi pensar em como carregar o ouro.
Finalmente, levou seu cavalo até a entrada da mina, colocou a
valiosa carga em seus alforjes e nos de Reno, e os prendeu ao
pomo da sela. Depois foi ao acampamento e tirou alguns
lingotes
Só Caleb notou a transformação de Eve de imunda
mineira para a brilhante jovem de salão, enquanto observava
com crescente inquietação seus rápidos e eficientes
preparativos.
Sem perder um segundo, levantou-se e se aproximou dela.
— Está se preparando para partir. — afirmou.
Eve assentiu.
— Para onde vai? — Caleb perguntou.
— Para Canyon City, penso. É onde está o salão mais
próximo. — Comentou, encolhendo os ombros.
— Precisará que alguém armado a acompanhe. Espere-
me, estarei pronto em alguns minutos.
— Eu o pagarei.
— Não diga tolices. Estava planejando voltar com Willow o
quanto antes. Homem de Aço é um bom guardião, mas não se
dá muito bem com as relações sociais.
Sem dizer mais, Caleb se afastou e deu um assovio
chamando seu negro cavalo, que deixou de pastar no prado e
trotou para ele. Encilhou-o facilmente e colocou as rédeas no
animal antes de regressar ao acampamento para pegar seus
alforjes. Seu inesperado peso quase o fez cair.
Caleb se virou para Eve bem no momento em que ela
montava sobre sua égua em um redemoinho de seda vermelha,
e se dirigia à mulher e os dois homens que aguardavam junto a
Reno.
Rafe e Wolfe levantaram os olhos para ela, viram a
transformação da jovem e ficaram admirados.
Jessi também a observou. Abriu muito os olhos, mas só
disse:
— Reno está muito melhor. Seu pulso é regular e respira
bem. Ele se recuperará logo. Não creio que esteja muito ferido;
é forte como um touro.
O sorriso de Eve foi o mais triste que Jessi já vira.
— Sim. — Eve disse com voz trêmula. — É muito forte.
Caleb se aproximou cavalgando, parou junto ao grupo, e
aguardou sem dizer nada.
Jessi se levantou e se aproximou de Eve que parecia ter
sido arrastada além dos limites de suas forças. Ela sabia muito
bem como a vida podia ser dura às vezes.
— Caleb me contou o que aconteceu. —Informou em voz
baixa. — Reno não sabia o que estava dizendo, Eve. Quando
acordar, odiará a si mesmo por ser tão estúpido.
A compaixão que viu nos olhos azuis da aristocrata, fez
com que Eve desejasse rir e chorar ao mesmo tempo.
— É muito amável, — respondeu — mas se engana. Reno
sabia exatamente o que estava dizendo. Disse-o em muitas
outras ocasiões.
Jessi mordeu o lábio e balançou a cabeça com tristeza.
Eve continuou falando com uma voz anormalmente
serena.
— Minha parte do ouro eram oito lingotes. Deixei dois
para você e Wolfe, e outros dois para Rafe. Caleb já tem os
seus.
Wolfe e Rafe começaram a protestar ao mesmo tempo.
Eve os ignorou, e com uma rapidez espantosa, se inclinou
e pegou o punhal que Caleb levava preso ao cinturão. Sua
lâmina letalmente afiada brilhou quando ela cortou a correia
que prendia os alforjes de Reno ao pomo de sua sela, fazendo
os lingotes que continham caíssem com um surdo som a
poucos centímetros das pernas do ferido.
— Esse ouro pertence a Reno. — Eve anunciou. — Nisso
sim, ele poderá confiar.
Após dizer aquilo, virou sua égua e começou a galopar
com um repicar de cascos e um violento redemoinho de seda
vermelha, deixando para trás uma vez mais o pistoleiro.
CAPÍTULO 23

Reno estava sentado em silêncio debaixo da sombra de um


abeto, observando o prado com os olhos entrecerrados. Pela
primeira vez em cinco dias, se sentia quase lúcido. O ruído em
seus ouvidos havia desaparecido, assim como as náuseas que o
tinham perseguido. Ainda que sua boca esboçasse uma fina
linha de dor, a forte enxaqueca que sofria havia diminuído até
se transformar em pouco mais que um aborrecimento.
Mas não era a cabeça que o atormentava. Era pensar na
mulher que se importava mais com seu próprio bem estar, do
que com o fato de que ele estivesse vivo ou morto, e não
entender porque se via perseguido em sua semi-inconsciência
por olhos cor de âmbar, que o olhavam acusadores.
Até quando havia perdido Eve, não sabia o muito que
gostava de escutar sua risada, ou de surpreendê-la olhando-o e
descobrir em seus olhos um brilho cheio de... amor... ou pelo
menos isso era o que ele pensava. Sentia falta de seu aroma, da
calidez de suas mãos ao acariciá-lo às vezes com desejo, e às
vezes com uma ternura comovente. Ele até mesmo havia
chegado a pensar em... não. Deveria afastar aqueles
pensamentos. Mas era difícil. Sentia como se a traição de Eve
tivesse matado algo em seu íntimo.
Reno não via Eve desde que saíra da mina. Quando
perguntou por Caleb, Rafe lhe disse que ele acompanhara Eve
a Canyon City. Reno não tornara a mencionar seu nome nem o
fizera mais ninguém.
De repente, o som da risada de Wolfe chegou através do
vento, seguida pela música prateada da risada de Jessi,
quando seu marido a levantou do solo e a girou várias vezes.
Finalmente, os dois desapareceram entre a alta e exuberante
erva do prado.
Uma amargura que Reno se negava a identificar o
agarrava, trazendo-lhe recordações que esmagavam suas
entranhas. Poucos dias antes, ele havia perseguido Eve através
daquele prado, prendera-a e tinham se deixado cair, rindo
sobre a macia grama.
Agora, mesmo a lembrança de sua paixão compartilhada
era uma dor a qual não conseguia enfrentar, então a empurrou
para o canto mais remoto de sua mente, condenando-o à
escuridão. Porém, a dor continuava ali, refletida nas finas
rugas que marcavam seu rosto e que antes não existiam.
Tentou chegar a um acordo com Slater. Um acordo com
Slater. Um acordo...
Lentamente, Reno tomou consciência de que seu irmão
estava junto a ele, observando-o com seus perspicazes olhos
cinza enquanto segurava dois alforjes.
— Ver juntos Wolfe e a Jessi, — Rafe comentou, — faz com
que um homem se sinta bem, não acha?
Reno grunhiu.
O sorriso de Rafe era uma advertência que qualquer
homem que não fosse seu irmão teria levado em conta. Estivera
esperando pacientemente que o choque e a dor física não
nublassem os olhos de Reno, porque queria ter certeza de que
ele ouviria e entenderia cada palavra que deveria lhe dizer.
Por sorte, a espera havia chegado ao fim.
— Como está sua cabeça esta manhã? — Perguntou com
suavidade.
Reno encolheu os ombros.
— Alegro-me que se sinta melhor, irmãozinho. — Rafe
afirmou. — Estávamos muito preocupados com você.
O olhar que Reno deu ao seu irmão não convidava à
conversa, mas ele o ignorou e continuou falando.
— A historia se estendeu pelos arredores como um
caminho de pólvora. — Disse arrastando as palavras. — Um
pistoleiro chamado Reno, uma mulher, e o mapa de um tesouro
espanhol.
As pálpebras de Reno se agitaram diante da menção de
Eve, mas não houve nenhuma outra resposta de sua parte.
Se seu irmão não estivesse esperando com atenção por
uma mínima reação, não teria notado aquele detalhe. Seu
sorriso se ampliou ainda que não refletisse nenhuma calidez.
— Eu estava na confluência do rio Colorado e o rio Verde
quando ouvi que estavam presos em um cânion sem saída, e
que Slater e um punhado de seus homens pretendiam pegá-los
vivos.
— Tentaram.
— Quando cheguei lá, não havia nada mais que isca para
coiotes.
O frio sorriso de Reno esteve à altura do de seu irmão.
— Nos salvamos por muito pouco.
— Isso foi o que Caleb me contou. Apareceu como um
fantasma quando eu estudava os rastros da luta, tentando
decidir para onde deveria ir.
Mais risadas de um homem e uma mulher, felizes por
estarem vivos, atravessaram o prado e chegaram até eles.
Reno abaixou os olhos, tentando esquecer aquele tempo
no qual ele havia rido e aspirado o aroma de lilás nos cabelos
de Eve, em sua pele, em seus seios...
— Parece que Caleb recebeu notícias através daquela
mulher índia que está com um de seus homens. — Rafe
continuou. — Garanto-lhe, irmão, que aquele estreito caminho
que encontrou para sair do cânion me deixava os cabelos
arrepiados.
— Era melhor do que o que me esperava com Slater.
— Cal e eu decidimos seguir a rota mais sensata e
seguimos Slater. Ele deixou muito mais rastros que você.
— Não esperava que nenhum amigo me seguisse. — Reno
repôs seco.
— Mas deixou sinais para mim.
— Não descartei nenhuma possibilidade e cobri minhas
apostas.
— Suas apostas, é? — Rafe repetiu com ironia. — Parece
que se transformou em um jogador desde que saiu de Canyon
City. Deve ter sido a influência de Eve.
A boca de Reno se converteu em uma linha ainda mais
fina debaixo da negra barba incipiente que cobria parte de seu
rosto.
— Nos encontramos com Wolfe e Jessi no outro extremo
do planalto. —Seu irmão continuou. — Um de seus amigos
índios lhe disse que teria muitos problemas para sair vivo
atirando sozinho, assim decidiram se juntar a nós.
Reno mal o escutava. Estava muito ocupado tentando não
escutar o som das risadas que vinham do prado, e que lhe
recordavam tudo o que desejava esquecer.
— ... Caleb se jogou sobre os guardas de Slater justamente
depois que fizeram a troca de turno. — Rafe continuava
explicando. — Mal havia acabado com eles quando ouviu
alguém passar. Parecia ser Eve, que se dirigia ao acampamento
de Slater.
Ao ouvir aquilo, Reno começou a se levantar.
Rapidamente, seu irmão o obrigou a se sentar de novo com um
ágil movimento de seu pé. O golpe foi tão inesperado quanto
preciso.
Reno olhou para Rafe surpreso.
— Fique quieto. — Ordenou seu irmão com voz seca. —
Não irá a nenhum lugar até que eu tenha acabado. Se quer
brigar, adiante. Ganharei e você sabe.
— Você e esses malditos truques de luta que aprendeu em
suas viagens. — Reno protestou furioso.
— Eu lhe ensinarei todos quando estiver bem. Mas agora,
quero que me escute.
Reno olhou aos gelados olhos cinza que tanto se pareciam
aos seus, e, apesar da tensão de seu corpo não diminuir,
assentiu brevemente.
Rafe se afastou e se sentou sobre seus calcanhares com os
alforjes junto a ele. Seu aparente aspecto relaxado não
enganou Reno. Se tentasse se levantar de novo, o faria cair tão
rapidamente quanto na primeira vez.
— Cal interceptou Eve antes que Slater a visse. —
Explicou seu irmão. — Parece que lhe ocorrera a estúpida ideia
de submeter aquele foragido na ponta da pistola e lhe oferecer
ouro em troca de que seus homens desenterrassem você.
— Foi isso o que ela contou para Cal?
Rafe assentiu.
— E ele acreditou? — Perguntou de novo Reno com
sarcasmo.
Seu irmão voltou a assentir.
Um sorriso irônico curvou os lábios de Reno.
— O casamento deve ter amolecido o cérebro de Cal. —
Afirmou com voz firme. — Aquela pequena jovem de salão ia
fazer um acordo para salvar a sua vida, não a minha.
— Quanto menos falar, menos terá que engolir depois. —
Rafe o avisou. — Mas não deixe que isso detenha sua língua. E
quando falo de engolir suas palavras, eu o farei engolir uma a
uma.
Reno entrefechou seus olhos até transformá-los em duas
fendas, mas não disse nada mais. Por mais que desejasse, não
estava em condições de enfrentar seu irmão e ambos sabiam.
— Depois de nos encarregarmos do bando de Slater, fomos
à mina. — Rafe continuou relatando. — Eve estava lá coberta
de poeira dos pés à cabeça, cheia de cortes e arranhões, e
sangrando por tentar desenterrá-lo. Não permitiu que Wolfe ou
Caleb entrassem na mina. Disse que era muito perigoso.
Enquanto escutava, a tensão começou a invadir o corpo de
Reno uma vez mais.
— Também disse que não se importaria de arriscar a vida
dos bastardos que os perseguiam para tirar você de lá. — Sua
voz era tão fria como o gelo. — Mas que não arriscaria a vida de
homens com família. Disse que o faria ela mesma, porque não
possuia ninguém que a esperasse.
— Não deixou que ela voltasse à mina, verdade? — Reno
perguntou de repente com voz tensa, sentindo que uma
estranha dor apertava suas entranhas.
— Ela era a única que sabia onde você estava. —
Respondeu Rafe sem se mudar. — Guiou-me até o lugar do
desabamento e cavei como um louco sem saber se você estava
vivo ou morto, enquanto o túnel não parava de se desfazer
sobre mim.
Reno pegou seu irmão pelo braço.
— Deus! Deveria ter saído dali. A maldita mina é
terrivelmente perigosa!
— Você teria ido embora se fosse eu preso naquele
condenado buraco? — Perguntou.
Reno negou com a cabeça.
— Claro que não.
A expressão de Rafe se suavizou por um momento. De
todos os seus irmãos, Reno era o que estava mais unido a ele.
— Finalmente, consegui abrir um buraco pelo qual só um
gato não teria problemas para passar. — continuou — Vi luz,
mas você não respondia aos meus gritos. E cada vez que
tentava aumentar a abertura, o teto desmoronava.
— Então, como chegou até mim?
— Foi Eve quem fez isso, não eu.
— O quê?
— De alguma forma, ela conseguiu se enfiar por aquele
pequeno buraco. Começou a desenterrar você, e então, tudo
começou a tremer e a ranger. Gritei-lhe que se afastasse de
você e que se pusesse a salvo.
As firmes e marcadas faces do rosto de Reno refletiram a
angústia que sentia ao pensar no frágil corpo feminino
deslizando por aquele túnel infernal, tentando resgatá-lo. Sem
ser consciente, sua mão se fechou sobre o braço de seu irmão
com força suficiente para lhe deixar marcas.
— Mas não me deu atenção e continuou tentando tirar
você daquele inferno com as poucas forças que lhe restavam. —
Rafe continuou explicando com gravidade. — Ainda não
consigo entender como libertou você dos escombros antes que
a parede se afundasse. Quando cheguei até ela, ainda o puxava
gritando seu nome, tentando salvar sua vida sem se importar o
mínimo com a dela. Não creio que eu chegue a esquecer da
expressão de desespero em seu rosto enquanto tentava tirar
você de lá.
Reno abriu a boca, mas não conseguiu falar nenhuma
palavra, com a garganta apertada.
Pode ser que tenha encontrado essa jovem em um salão,
— seu irmão disse com voz tensa. — mas ela vale mais que
qualquer ouro que tenha desenterrado.
Em uma tentativa de recuperar o controle, Reno fechou os
olhos.
— Ficou por aqui o tempo suficiente para ouvir você falar
sobre jovens trapaceiras de salão. — Rafe lhe informou. —
Depois se lavou, vestiu um bonito vestido vermelho, e galopou
com aquela égua com a risca no lombo como se suas patas
estivessem em chama.
Reno apoiou a cabeça entre suas mãos. Pensava que não
conseguiria sentir mais dor do que sentira quando descobriu a
traição de Eve.
Estava enganado.
Mas seu irmão continuava falando, e Reno continuava
descobrindo quanto mais ele poderia sofrer.
— Deixou uma mensagem para você. — Com um brusco
movimento, Rafe deixou cair ao solo o conteúdo dos alforjes
que trouxera consigo. Oito lingotes de ouro se chocaram contra
a grama. — Aqui está o ouro dele. Nisso sim, ele poderá
confiar.
A angustiante expressão no rosto de Reno fez com que seu
irmão se arrependesse de sua dureza. Avançou para ele, mas
Reno já se levantara e se afastava a grandes passos.
— Aonde vai? — Perguntou.
Reno não respondeu.
— E o que acontece com o ouro? — Voltou a perguntar.
— Ao inferno com ele. — Reno explodiu com violência. —
Há mais no lugar de onde vem esse.
Mas só havia uma mulher que o teria amado tanto para
arriscar sua vida por ele, e a havia perdido.
— Por favor, fique aqui esta noite. — Willow insistiu. —
Essa pequena cabana tem muitas correntes de ar.
— Obrigada, mas não. — Disse Eve com voz amável, mas
firme. — Já os aborreci muito. Partirei amanhã pelo
amanhecer.
— Não foi nenhum aborrecimento. — Respondeu a irmã de
Reno rapidamente. — Gosto de ter outra mulher por perto.
Eve se virou para Caleb.
— Gostaria que me deixasse pagar por...
— Evelyn Starr Johnson, — a interrompeu — se não fosse
por tudo o que já está sofrendo, eu a poria sobre meus joelhos
e lhe daria uns açoites por voltar a falar disso.
Um melancólico sorriso brilhou brevemente no rosto dela,
antes de ficar nas pontas dos pés e lhe dar um beijo no rosto.
— É um bom homem, Caleb Black. — Sussurrou com
tristeza.
— Muitos homens se surpreenderiam ao ouvir isso. —
Apontou ele secamente — Eu a acompanharei até Canyon City.
Sei que é capaz de ir sozinha, mas não gostaria que corresse
perigo.
— Obrigada.
— Não precisa me agradecer. Mas quando Reno ficar como
uma fera por precisar cavalgar até aquele maldito povoado para
chegar até você, lembre-se de lhe dizer que não foi ideia minha.
— Ele não atravessaria nem mesmo uma pradaria por
mim, muito menos a Grande Divisão.
Sem dizer mais, Eve se virou e se dirigiu a toda pressa
para a cabana onde os Black viveram enquanto construíam seu
atual lar.
Com tristeza, Willow observou a jovem até que ela entrou
na cabana e fechou a porta atrás dela.
— Porque ela não fica aqui? — Perguntou ao seu esposo.
— Suspeito que pela mesma razão porque não quer ficar
mais tempo. Sabe o que Reno pensa sobre uma jovem de salão
se relacionar com sua irmã.
— Pode ser que Eve tenha trabalhado em um salão, mas
isso não significa nada! — Afirmou exasperada. — Meu Deus,
como meu irmão pode estar tão cego?
— A mim me aconteceu o mesmo com você durante algum
tempo. E também a Wolfe com Jessi.
— Então, o fato de serem homens os transforma em seres
obtusos? — aventurou Willow com aspereza.
Caleb riu enquanto a rodeava com seus braços e a
apertava contra ele.
— Gostaria de fazer Reno entrar em razão. — Murmurou
ela contra seu peito.
— Não se preocupe querida. Encarreguei o Rafe desse
trabalho. Estava tão ansioso por fazer isso que quase sinto
pena de Reno.
Antes que Willow pudesse falar, seu esposo a beijou.
Passou um longo momento antes de voltar a levantar a cabeça.
— Ethan está dormindo? — Caleb sussurrou.
— Sim. — Ela sussurrou.
— Interessa a você aprender mais coisas sobre a arte de
prender trutas só com suas mãos?
— Quem será a truta desta vez? — Willow perguntou,
ocultando um sorriso.
Seu esposo riu suavemente.
— Podemos nos revezar.

Eve se sentou à mesa no único aposento da cabana,


observando como a luz da lua e a da lâmpada projetavam
sombras que se debatiam sobre a superfície de madeira da
mesa. Enquanto as olhava, embaralhava inconscientemente
um maço de cartas. Cada vez que fazia um movimento com as
mãos, várias cartas escapavam e caíam sobre a mesa.
Franzindo o cenho com ar ausente, Eve flexionou os
dedos. Estavam muito melhor do que quando chegara ao
rancho de Caleb alguns dias antes. Mas, mesmo assim, ainda
os sentia duros e inchados por ter cavado freneticamente na
mina à procura de algo muito mais valioso que o ouro.
Deixou algum ouro aquela jovem trapaceira de salão?
Lentamente, as mãos de Eve se converteram em punhos, e
com igual lentidão, voltaram a relaxar. Depois, colocou as
palmas abertas sobre a mesa e apertou com força para que o
tremor que as invadia quando recordava as palavras de Reno,
não fosse tão evidente.
Passados alguns minutos, Eve respirou fundo e juntou
todas as cartas. Empilhou-as cuidadosamente em um monte e
começou a embaralhar de novo, ignorando as que caíam.
Eve sabia que deveria estar dormindo, já que a viagem até
Canyon City seria longa e cansativa, mas o sono a evitava.
Cada vez que fechava os olhos, ouvia as rochas rangendo e as
via desabando sobre Reno em uma selvagem e brutal onda.
De repente, lhe chegou do estábulo o grave murmúrio de
vozes masculinas. Eve olhou para a lua através da janela, e
decidiu que Homem de Aço estava fazendo sua ronda noturna
um pouco antes do costume.
Flexionou os dedos com ar ausente, recolheu as cartas
que escorregaram e ficou olhando-as fixamente. Quanto mais
praticava, mais ágeis se tornavam suas mãos, mas ainda
estava longe de possuírem sua destreza habitual.
Uma fria brisa chegou da parte dianteira da cabana
quando Eve estava mais concentrada em embaralhar as cartas
sem que nenhuma escapasse. Surpresa levantou os olhos.
Reno estava diante da porta aberta, olhando-a como havia
feito no salão Gold Dust, estudando o vestido vermelho, a
determinação refletida em seus belos olhos cor de âmbar e sua
trêmula boca.
Apesar de estar esgotado pela longa viagem e com o rosto
ainda cheio de cortes e hematomas, lhe pareceu ainda mais
bonito do que o recordava.
Quando se aproximou dela, as cartas escorregaram de
seus dedos em um desordenado caos. Às cegas, Eve começou a
juntá-las de novo, mas suas mãos tremiam muito. Tentando se
controlar, ela as apertou formando punhos e as escondeu em
seu colo.
Reno pegou a outra cadeira e se sentou junto à mesa.
Com um único movimento de seu braço, limpou a mesa. As
cartas voaram como folhas de outono até o chão. Depois,
desabotoou a jaqueta e tirou um baralho novo do bolso de sua
camisa.
— Mão de cinco cartas, — Disse ele com a voz rouca. —
limite de dois. Minha aposta inicial são cinco dólares.
Aquelas palavras pareceram familiares a Eve; eram as
mesmas que ela dissera a Reno fazia muito tempo, quando ele
pegara uma cadeira, se sentara entre dois foragidos e pedira
que ela repartisse as cartas no salão Gold Dust.
Eve tentou se afastar da mesa mas não conseguiu. Suas
pernas se negavam a obedecê-la. Mantinha o olhar fixo nos
desenhos que as sombras desenhavam em vez de olhar para
Reno, já que não podia suportar olhá-lo e ser consciente do que
ele via quando a observava.
Uma jovem de salão, trapaceira. Alguém que se vendera
em uma caravana.
— Não tenho dinheiro para apostar. — Eve respondeu.
Sua voz era fraca, monótona, a de uma estranha.
— Nem eu tampouco. — ele replicou — Penso que teremos
que apostar a nós mesmos para continuar na partida.
Eve observou incrédula como Reno repartia as cartas.
Quando tinha cinco naipes diante dela, os pegou
automaticamente. Da mesma forma automática, Eve descartou
a que não ia bem com o resto. Uma carta mais apareceu em
frente a ela, assim, também a pegou e a olhou.
A rainha de copas lhe devolveu o olhar.
Durante um segundo, Eve não acreditou no que estava
vendo. Lentamente, todas as cartas escorregaram de seus
dedos uma a uma.
Reno estendeu o braço e virou os naipes que tinham caído
virados para baixo em frente à Eve. Em segundos, um dez, um
valete, uma rainha, um rei e um ás de copas brilharam sob a
luz do lampião.
— Supera tudo o que eu possa ter, agora e sempre. —
Reno anunciou, tirando a um lado suas cartas sem olhá-las. —
Sou seu, pequena, durante todo o tempo que desejar, e para o
que desejar.
Reno enfiou a mão no bolso de sua camisa e tirou o anel
de esmeraldas.
— Mas prefiro ser o seu marido a ser seu amante. —
Terminou em voz baixa.
Reno estendeu a mão para Eve segurando o anel sobre
sua palma, pedindo-lhe em silêncio que o aceitasse. Amargas
lágrimas se acumularam nos olhos dela enquanto fechava as
mãos transformando-as em punhos para disfarçar a tentação
que sentia de aceitar o anel e o homem.
— Por quê? — Sussurrou afinal, cheia de dor. — Você não
confia em mim.
— Não confiava em mim. — Retificou tenso. — Comportei-
me de uma forma tão estúpida em minha primeira relação, que
jurei nunca permitir que uma mulher tivesse algum poder
sobre mim. Depois, você chegou à minha vida e o muro
defensivo que havia construído ao meu redor durante anos caiu
somente com um olhar seu.
— Sou uma trapaceira e uma jovem de salão.
Reno fez um sinal às cartas que havia repartido.
— Eu sou um trapaceiro e um pistoleiro. — afirmou —
Parece-me que formamos um bom casal.
Quando Eve não respondeu e suas mãos permaneceram
imóveis sobre seu colo, Reno fechou os olhos diante da onda de
dor que o invadiu. Sentia como seu coração rachava, como um
frio que não sabia que pudesse existir chegava até sua alma,
impedindo-o de respirar. E naquele momento soube, sem
nenhuma dúvida, que sem ela nunca voltaria a ser o mesmo,
que se limitaria a ser uma sombra do homem que fora.
Necessitava convencê-la de que a amava, que precisava tanto
quanto respirar.
Decidido a fazê-la mudar de opinião, levantou-se devagar,
avançou um passo, e se sentou sobre seus calcanhares junto a
ela apoiando uma mão sobre seus dedos gelados, mas ela se
negou a afastar seus olhos da mesa.
— Porque nem mesmo me olha? Não pode me perdoar? —
Reno sussurrou com a voz rouca. — Destruí tudo o que você
sentia por mim? — Fez uma breve pausa. — Deus, Eve,
responda-me. Está me matando com seu silêncio.
Ela respirou profunda e entrecortadamente, e finalmente
falou.
— Consegui ver barcos de pedra e uma chuva sem água...
mas nunca encontrei uma luz que não projetasse sombra.
Algumas coisas simplesmente são impossíveis.
Reno se ergueu com os rígidos movimentos de um ancião.
Moveu sua mão como se fosse acariciar os cabelos de Eve, mas
não o fez. Em seu lugar, a alongou à sequência de copas que
havia repartido.
Quando o anel de ouro caiu sem fazer ruído sobre as
cartas, a luz do lampião revelou o fraco tremor dos fortes dedos
masculinos. Reno olhou sua mão como se nunca antes a
tivesse visto. Depois, observou a mulher cuja perda o
atormentaria pelo resto de sua vida, a mulher a quem havia
feito tanto mal que nunca poderia perdoar a si mesmo.
— Deveria ter me deixado naquela mina. Teria sido melhor
que a morte lenta que me espera sem você. — Sussurrou.
Eve tentou falar, mas as lágrimas que se acumulavam em
sua garganta a impedindo.
Reno se virou apressadamente à porta, incapaz de
continuar contemplando o triste rosto dela por mais tempo.
— Não! — Eve exclamou de repente, levantando-se da
cadeira e correndo para ele.
Reno se virou com rapidez para ela e abriu os braços para
apertá-la com força. Afundou seu rosto em seu frágil pescoço,
segurando-a como se temesse que a fossem roubá-la a
qualquer momento e, balançando-a com uma ternura
comovente. Quando Eve sentiu a fervente carícia das lágrimas
de Reno contra sua pele, ficou sem respiração, e deixou
escapar o ar com um irregular som que pretendia ser seu
nome.
— Não vá. — Suplicou com voz trêmula. — Fique comigo.
Sei que não acredita no amor, mas eu o amo. Eu o amo! O
amor que sinto por você é tão grande e poderoso que será
suficiente, para nós dois. Não me deixe, não poderia continuar
vivendo sem você.
Comovido até a alma por suas palavras, a apertou mais.
E, quando por fim se viu capaz de falar, levantou a cabeça e
olhou nos olhos da mulher que amava.
— Mostrou-me barcos feitos de pedra e uma chuva sem
água, — sussurrou, beijando-a com infinita ternura e bebendo
suas lágrimas — e depois me mostrou uma luz que não projeta
nenhuma sombra.
Eve tremeu antes de ficar muito quieta, olhando-o com
uma muda pergunta nos olhos.
— O amor é a luz que não projeta nenhuma sombra. —
Reno lhe explicou. — Eu a amo, Eve.
EPÍLOGO

Casaram-se antes que os últimos álamos tremulantes se


transformassem em sentinelas de cor âmbar ardendo contra o
céu outonal. Quando prometeram compartilhar suas vidas, Eve
usava um brilhante colar de pérolas, um antigo anel espanhol
de ouro e esmeraldas, e uma luz provocada pela felicidade que
fazia a garganta de Reno se fechar impedindo-o de falar.
Ficaram com a família Black durante o inverno e
celebraram, juntos, o Natal, o que permitiu que Eve e Willow
estreitassem seus laços de amizade.
Quando chegou a primavera, Reno e Eve se dirigiram ao
oeste, a um lugar a um dia de distância do rancho dos Black,
onde um planalto verde e montanhas nevadas montavam
guarda sobre um amplo e fértil vale. Nas margens de um rio
que fluía com força, construíram um lar que lhes daria abrigo
durante o inverno, seria um refúgio do calor do verão e que na
primavera estaria perfumado pelos lilases que foram o presente
de Reno para Eve na ocasião do nascimento de seu primeiro
filho.
Seus filhos aprenderam o que era caminhar livres por uma
terra selvagem. Sentiram em seus rostos o indômito sol do
labirinto de pedra e contemplaram admirados os símbolos
gravados na rocha por uma cultura e uma civilização
desaparecida muito tempo atrás. Dois deles se transformaram
em rancheiros. Outro aprendeu a caçar cavalos mustang com
Wolfe Lonetree. O quarto viveu entre os Utes, plasmando em
papel sua linguagem e lendas antes que desaparecessem para
sempre da face da terra.
Um quinto filho chegou a estar de pé com um antigo diário
em uma mão e uma argola de chincha quebrada na outra,
rodeado das elegantes e enigmáticas ruínas de pedra deixadas
por uma civilização tão antiga que ninguém mais se recordava
de seu verdadeiro nome. Sua irmã estava junto a ele, com os
olhos cheios de admiração. Em suas mãos levava um bloco de
desenho cheio das místicas paisagens do labirinto de pedra
cujos mais profundos mistérios, só Deus conhece.
Com o tempo, cada um seguindo seu próprio caminho, os
filhos de Eve e Reno Moran descobriram o que eram os sonhos
transformados em realidade e os sonhos quebrados, a dor
experimentada e o prazer recordado. Mas, sobretudo,
descobriram a verdade sobre os barcos de pedra, a chuva sem
água, e o nome da luz que não projeta nenhuma sombra.
E esse nome é amor.
Notas

[←1]
Desenhos ou símbolos gráficos gravados pelos homens pré-históricos que
expressam um conceito relacionado materialmente com o objeto ou animal ao
qual se refere.

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