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1. Introdução
A antracnose é historicamente uma das doenças mais impor-
tantes e cosmopolitas na cultura do feijoeiro. Devido a fácil dis-
seminação, os danos podem alcançar 100% em áreas com culti-
vares suscetíveis, uma vez que o cultivo do feijoeiro comum no
Brasil envolve desde pequenos cultivos para consumo próprio
até grandes áreas empresariais. Além disso, a doença causa man-
chas e lesões nos grãos, depreciando a qualidade do produto.
Dias nublados com temperaturas moderadas e alta umidade são
favoráveis à infecção das plantas pelo fungo, evidenciando a
maior ocorrência da doença em regiões de clima temperado e
subtropical. Por isso, no Brasil, os registros mais frequentes de
antracnose têm sido nos estados da região Centro-Sul e regiões
serranas onde se cultiva o feijão, apesar da doença ocorrer em
todas as regiões produtoras do País (WENDLAND, LOBO
JUNIOR; FARIA, 2018).
2. Importância econômica
A antracnose possui ampla distribuição pelo mundo, regis-
trada em diversos países da África, América, Ásia, Europa e
Austrália, onde provoca prejuízos de ordem econômica. No
Brasil, ela ocorre em diferentes regiões produtoras em todos os
estados do país em que se cultiva feijão sob condições favorá-
veis à doença.
Caso a cultivar seja suscetível e plantada em regiões com
ambiente favorável ao desenvolvimento da doença, a antracnose
pode ocorrer em qualquer época de plantio e causar redução de
produtividade em até 100%, além de comprometer a qualidade
dos grãos produzidos (SARTORATO; RAVA, 1994).
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3. Sintomas
A doença pode afetar toda a parte aérea da planta. Os sintomas sur-
gem inicialmente nas folhas, com lesões alongadas acompanhando as
nervuras principais, na face inferior das folhas, de cor escura. Nas fo-
lhas, as lesões ocorrem com maior frequência na face abaxial mas po-
dem ocorrer também na face adaxial. A presença de áreas necrosadas
nas nervuras é um sintoma característico da doença (Figura 1). A forma
e cor das lesões nas folhas variam, geralmente são alongadas ou angu-
losas, de coloração vermelha a marrom. Nas vagens a infecção ocorre
com lesões de forma arredondada como cancros deprimidos, que são
típicas e distinguíveis das demais doenças: deprimidas, circundadas por
um anel preto meio saliente e o centro mais claro, que pode apresentar
Antracnose do feijoeiro comum 359
uma coloração rosada onde ficam os acérvulos com os esporos, que são
os propágulos da doença (Figura 2). Em vagens recém-formadas, o ex-
cessivo número de lesões pode ocasionar o enrugamento e encurtamen-
to das vagens, levando-as à seca e queda. Em condições favoráveis,
podem aparecer sinais típicos do patógeno sobre as lesões, ou seja,
massas de conídios rosadas a alaranjadas visíveis a olho nu, facilitando
a diagnose da doença. No hipocótilo, as lesões ocorrem em forma de
manchas pontuais de aspecto ferruginoso e irregular que podem evoluir
para lesões deprimidas, ocasionando necrose e deformação do hipocótilo.
O patógeno também é capaz de infectar as sementes, provocando sinto-
mas como a descoloração e formação de lesões escuras no tegumento
ou mesmo nos cotilédones.
4. Etiologia
A antracnose do feijoeiro é causada pelo fungo Colletotrichum
lindemuthianum, cuja fase perfeita corresponde ao ascomiceto Glomerella
cingulata f. sp. phaseoli, raramente encontrado na natureza e desta forma a
contribuição da reprodução sexual na variabilidade genética deste fungo
em condições de campo deve ser pequena. Este fungo também é patogênico
a outras espécies de fabáceas como P. lunatus, P. acutifolius, P. coccineus,
Vigna unguiculata e Vicia faba (SARTORATO; RAVA, 1994).
Colletotrichum lindemuthianum é um fungo mitospórico, pertence à
classe dos Deuteromicetos, ordem Melanconiales e família
Melanconiaceae. Produz micélio septado e hialino e colônias com colo-
ração rosada na maioria dos casos, e à medida que envelhece, varia de
hialina a quase negra. Os conídios produzidos são unicelulares, hialinos e
geralmente de formato cilíndrico e oblongo, de dimensões que variam de
2,0 a 6,0 µm por 10-20 µm. Normalmente, apresentam na parte central
uma área clara semelhante a um vacúolo. Um conídio, ao germinar, pode
emitir de um a quatro tubos germinativos, sendo mais frequente dois, os
quais formam apressórios em seus ápices por ocasião da penetração no
hospedeiro. A produção de conídios ocorre em conidióforos dentro de
acérvulos setados, que são os corpos de frutificação do patógeno, e em
condições favoráveis à doença, o patógeno esporula abundantemente,
formando uma massa de conídios de cor rosada a alaranjada, típica da
doença. As setas presentes nos acérvulos apresentam setas e coloração
escura.
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5. Epidemiologia
A germinação dos conídios e infecção dos tecidos (cutícula e epiderme
do hospedeiro) é favorecida por temperaturas moderadas (15ºC a 22ºC) e
elevada umidade relativa do ar, acima de 95% e precipitação frequente,
com a presença de água livre sobre os tecidos suscetíveis. Temperaturas
superiores a 30oC e inferiores a 13oC limitam tanto a infecção como o de-
senvolvimento do fungo. Para que a antracnose ocorra, é necessário que as
condições ambientais sejam favoráveis por um período de pelo menos seis
horas (Dalla Pria et al., 2003), onde períodos contínuos de 18 a 24 horas
favorecem o progresso rápido da doença. Períodos alternados de umidade e
seca são prejudiciais ao desenvolvimento do patógeno (TU, 1983), mas
não tem efeito prático sobre infecções já iniciadas.
A sobrevivência de C. lindemuthianum ocorre em sementes, restos ve-
getais presentes no solo e hospedeiros alternativos. Estes meios de sobre-
vivência mantêm o inóculo primário da doença entre as épocas de culti-
vo. A associação de água de chuva e ventos é a principal forma de disse-
minação do patógeno a curtas distâncias e a semente, a principal via de
disseminação a longas distâncias. Máquinas e implementos agrícolas, in-
setos e a movimentação de pessoas dentro da lavoura também podem
disseminar o patógeno. O fungo sobrevive no solo associado a restos de
cultura por um a dois anos caso existam condições para sua degradação
lenta, mas a maior fonte de inóculo, do ponto de vista epidemiológico,
são as sementes contaminadas que constituem sua via de sobrevivência e
disseminação mais importante. O inóculo que sobrevive em restos cultu-
rais de um ano para o outro podem iniciar epidemias da antracnose
(DILLARD; COBB, 1993).
O fungo C. lindemuthianum apresenta ampla variabilidade genética, o
que dificulta a obtenção de variedades que possuem resistência durável no
campo, com mais de 90 patótipos já identificados no mundo e cerca de 60
somente no Brasil (ALZATE-MARIN; SARTORATO, 2004; MAHUKU;
RIASCOS, 2004; ARRUDA, 2009).
A doença pode ser quantificada em lavouras comerciais ou em experi-
mentos em campo por meio da escala diagramática que representa os sin-
tomas foliares com tecidos necrosados resultantes da ação do patógeno
nas nervuras até atingir um máximo de 24,0%. É possível encontrar ní-
veis de severidade acima deste valor, mas devido à senescência rápida e
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6. Manejo integrado
A maior incidência da antracnose ocorre em áreas irrigadas e/ou chu-
vosas que proporcionam a umidade necessária para a dispersão dos
conídios que se desprendem dos acérvulos com as gotículas de água e
germinação em plantas adjacentes. Portanto, o manejo da água em áreas
sob irrigação é importante. Também há relatos de maior intensidade da
doença e transmissão do patógeno por sementes infectadas em condições
de monocultura, em comparação a cultivos intercalados com milho
(VIEIRA et al., 2009).
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7. Eficiência no controle
A medida de controle para a antracnose mais eficiente, segura e acessí-
vel aos produtores de diferentes níveis econômicos é o emprego de semen-
tes sadias e de cultivares resistentes à doença. Em períodos de alta umida-
de, temperaturas entre 13 e 25°C e ocorrência de chuvas prolongadas, prin-
cipalmente acompanhadas de ventos, não há controle químico que consiga
proteger a lavoura dessa doença, principalmente se as cultivares forem sus-
cetíveis. O controle químico só é eficiente se for usado de forma integrada
a outras medidas para evitar a disseminação da doença na lavoura.
8. Conclusões
• A antracnose é uma das doenças mais importantes da cultura do feijoeiro,
com fácil disseminação podendo alcançar 100% de danos.
• Temperaturas amenas a moderadas e alta umidade são favoráveis à infec-
ção das plantas pelo fungo, com maior ocorrência da doença em regiões
de clima temperado e subtropical.
• Há constante necessidade de monitoramento dos patótipos de C.
lindemuthianum para adoção de cultivares resistentes às raças do patógeno
predominantes no campo.
• O uso de sementes sadias, cultivares resistentes, fungicidas, rotação de
culturas e eliminação de restos culturais são as principais recomendações
para o controle da antracnose.
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Referências
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