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Por heróis não cantados,

Por batalhas não narradas,


Por livros não escritos,
Por segredos não revelados,
E por um sonho de paz jamais abandonado, jamais esquecido.

MICHAEL BAR-ZOHAR

A Amy Korman,
pelos conselhos,
pela inspiração,
e por ser o meu pilar de apoio.

NISSIM MISHAL
“Este livro conta o que devia ser sabido e não é — que a força oculta de Israel é tão
formidável quanto sua reconhecida força física.”

SHIMON PERES, presidente de Israel


INTRODUÇÃO

SOZINHOS NO COVIL DOS LEÕES

Em 12 de novembro de 2011, uma explosão tremenda destruiu uma


base de mísseis secreta perto de Teerã, matou 17 guardas revolucionários e
reduziu dezenas de mísseis a um amontoado de ferro carbonizado. O
general Hassan Tehrani Moghaddam, “pai” dos mísseis de longo alcance
Shehab, e homem responsável pelo programa de mísseis iraniano, morreu
na explosão. O alvo secreto do atentado, porém, não era Moghaddam, mas
um foguete de combustível sólido capaz de transportar um míssil nuclear
por mais de 10.000 quilômetros, para o outro lado do mundo, desde os silos
subterrâneos do Irã até o território dos Estados Unidos.
O novo míssil planejado pelos líderes do Irã visava deixar de joelhos
as grandes cidades dos Estados Unidos e transformar o Irã numa potência
dominadora do mundo. A explosão de novembro atrasou por vários meses o
projeto.
Ainda que o alvo do novo míssil de longo alcance fosse os Estados
Unidos, as explosões que destruíram a base iraniana foram provavelmente
desencadeadas pelos serviços secretos israelenses, o Mossad. Desde o seu
início, há mais de 60 anos, o Mossad lutou intrepidamente e corajosamente
contra os perigos que ameaçam Israel e o Ocidente. E, mais do que nunca,
as informações conseguidas pelo Mossad e as suas operações afetam a
segurança dos Estados Unidos, tanto no estrangeiro como no seu próprio
território.
Neste preciso momento, segundo fontes estrangeiras, o Mossad
desafia a promessa franca e explícita da liderança iraniana de limpar Israel
do mapa.
Ao travar nas sombras uma guerra obstinada contra o Irã, com a
sabotagem de instalações nucleares, assassinato de cientistas, fornecimento
aos complexos de equipamento e matérias-primas defeituosos por via de
empresas fictícias, organização de deserções de altas patentes militares e de
figuras de topo da pesquisa nuclear, introdução de vírus terríveis nos
sistemas informáticos do Irã, o Mossad está alegadamente a combater a
ameaça de um Irã nuclear e o que isso significaria para os Estados Unidos e
o resto do mundo. Embora o Mossad tenha atrasado vários anos a bomba
nuclear iraniana, a sua batalha subterrânea está a chegar ao limite antes de
serem empregues medidas de último recurso — um ataque militar.
Na luta contra o terrorismo, o Mossad tem capturado e eliminado
inúmeros terroristas importantes nos seus baluartes em Beirute,
Damasco, Bagdá e Tunes, e nas suas estações de batalha em Paris, Roma,
Atenas e Chipre, desde a década de 1970. Em 12 de fevereiro de 2008,
segundo a imprensa ocidental, os agentes do Mossad emboscaram e
mataram Imad Mughniyeh, líder militar do Hezbollah, em Damasco.
Mughniyeh era um arqui-inimigo de Israel, mas também ocupava o
primeiro lugar da lista dos Mais Procurados do FBI. Planeou e executou o
massacre de 241 fuzileiros americanos em Beirute. Deixou atrás de si um
rastro coberto de sangue de centenas de americanos, israelenses, franceses e
argentinos. Neste preciso momento, há líderes da Jihad Islâmica e da Al–
Qaeda a ser perseguidos por todo o Oriente Médio.
E, porém, quando o Mossad avisou o Ocidente de que a Primavera
Árabe podia transformar-se num Inverno Árabe, ninguém, ao que parece,
deu ouvidos. Durante 2011, o Ocidente festejou o que acreditou ser o raiar
de uma nova era de democracia, liberdade e direitos humanos no Oriente
Médio. Na esperança de obter a aprovação dos egípcios, o Ocidente
pressionou o presidente Mubarak, o seu melhor aliado no mundo árabe, a
abdicar do poder. Porém, as primeiras multidões que ocuparam a Praça
Tahrir, no Cairo, queimaram a bandeira americana; depois, irromperam pela
Embaixada de Israel, exigiram o fim do tratado de paz com Israel e
prenderam ativistas de ONG americanas. As eleições livres no Egito
puseram a Irmandade Muçulmana no poder e, hoje, o Egito está à beira da
anarquia e da catástrofe econômica. Na Tunísia, começou a brotar um
regime islâmico fundamentalista, e a Líbia provavelmente seguirá seus
passos. O Iêmen está em polvorosa. Na Síria, o presidente Bashar Al-Assad
massacra seu próprio povo.
As nações moderadas, como Marrocos, Jordânia, Arábia Saudita e
Emirados Árabes Unidos, sentem-se traídas pelos aliados ocidentais. E as
esperanças de direitos humanos, direitos das mulheres e democratização das
leis e do governo que inspiraram essas revoluções históricas foram
extirpadas por partidos religiosos fanáticos, mais bem organizados e mais
ligados às massas.
Este Inverno Árabe transformou o Oriente Médio numa bomba-
relógio que ameaça o povo israelense e seus aliados no mundo ocidental. À
medida que a História se desenrola, as tarefas do Mossad serão mais
arriscadas mas também mais vitais para o Ocidente. O Mossad parece a
melhor defesa contra a ameaça nuclear iraniana, contra o terrorismo, contra
o que quer que se desenvolva a partir do caos do Oriente Médio. Mais
importante, o Mossad é a última salvaguarda antes da guerra aberta.
Os guerreiros anônimos do Mossad são a força vital da organização,
homens e mulheres que arriscam a vida, que vivem com identidades falsas
longe das famílias, que fazem operações ousadas em países inimigos, onde
o menor erro pode conduzir à prisão, à tortura ou à morte. Durante a Guerra
Fria, o pior destino de um agente secreto capturado no Ocidente ou no
bloco comunista era ser trocado por outro agente nalguma ponte fria e
enevoada de Berlim. Fosse russo ou americano, britânico ou leste-alemão, o
agente sabia sempre que não estava sozinho, que havia sempre alguém que
o traria do frio. Porém, para os guerreiros solitários do Mossad, não há
trocas nem pontes enevoadas; para eles, a audácia paga-se com a vida.
Neste livro, trazemos à luz do dia as maiores missões e os heróis
mais corajosos do Mossad, assim como os erros e fiascos que, por mais de
uma vez, mancharam a imagem da agência e lhe abalaram os fundamentos.
Estas missões moldaram o destino de Israel e, de várias formas, o destino
do mundo. E, porém, o que todos os agentes do Mossad têm em comum é
um amor profundo e idealizado pelo seu país, uma devoção total à
existência e sobrevivência dele, uma prontidão para correr os riscos mais
dramáticos e enfrentar os perigos mais graves. Por amor a Israel.
1. REI DAS SOMBRAS

No final do verão de 1971, uma tempestade violenta açoitou a costa


mediterrânica e o litoral de Gaza foi fustigado por ondas altas. Os
pescadores
árabes ficaram prudentemente em terra; não era dia para aventuras
no mar traiçoeiro. Foi com estupefação que viram um barco periclitante
emergir subitamente das ondas em fúria e aportar pesadamente na areia
molhada.
Alguns palestinos, com as roupas e keffiyehs enrugados e
encharcados, saltaram e caminharam até terra. Os seus rostos com barbas
por fazer revelavam a fadiga de uma longa jornada no mar; porém, não
tiveram tempo de descansar, pois fugiam pela própria vida. Dos mares
furiosos, emergiu um torpedeiro israelense transportando soldados
completamente equipados para combate. Aproximou-se da costa a
velocidade máxima e os soldados saltaram para as águas pouco profundas
enquanto disparavam sobre os palestinos em fuga. Um par de jovens
gazanos que brincavam na praia correu para os palestinos e conduziu-os
para a segurança de um pomar próximo; os soldados israelenses perderam-
lhes a peugada, mas espalharam-se pela praia à procura dos fugitivos.
Mais tarde, nessa mesma noite, um jovem palestino armado de
kalashnikov entrou furtivamente no pomar e encontrou os fugitivos
aninhados juntos num canto remoto.
— Quem são, irmãos? — perguntou.
-membros da Frente Popular de Libertação da Palestina — chegou a
resposta. — Do campo de refugiados de Tiro, no Líbano.
— Marhaba, bem-vindos — disse o jovem.
— Sabe o que aconteceu a Abu-Seif, nosso comandante? Enviou-nos
para encontrarmos os comandantes da Frente Popular em Beit Lahia [um
baluarte terrorista no Sul da Faixa de Gaza]. Temos dinheiro e armas e
queremos coordenar as nossas operações.
— Ajudarei em tudo — disse o jovem.
Na manhã seguinte, vários terroristas armados escoltaram os recém-
chegados a uma casa isolada no campo de refugiados de Jabalia. Foram
conduzidos a uma sala espaçosa e convidados a sentar-se.
Pouco depois, entraram os líderes da Frente Popular. Trocaram
cumprimentos calorosos com os irmãos libaneses e sentaram-se frente a
frente.
— Podemos começar? — perguntou um jovem encorpado e meio
careca com um keffiyeh vermelho, aparentemente o líder do grupo libanês.
— Estão todos aqui?
— Todos.
O libanês levantou a mão e olhou para o relógio. Era o sinal
combinado.
Subitamente, os “enviados libaneses” puxaram de pistolas e abriram
fogo.
Em menos de um minuto, os terroristas de Beit Lahia estavam
mortos. Os “libaneses” correram da casa, abriram caminho através de becos
sinuosos do campo de Jabalia e das apinhadas ruas de Gaza e depressa
entraram em território israelense. Nessa noite, o homem do keffiyeh
vermelho, o capitão Meir Dagan, comandante da Rimon, uma unidade
secreta de operações especiais das Forças Armadas israelenses, informou ao
general Ariel (Arik) Sharon de que a “Operação Camaleão” fora um êxito.
Todos os líderes da Frente Popular de Beit Lahia, um mortífero grupo
terrorista, tinham sido assassinados.
Dagan tinha apenas 26 anos, mas já era um guerreiro lendário. Tinha
planejado toda a operação: o seu disfarce de terroristas libaneses numa
velha embarcação vinda de Ashdod, um porto em Israel; a longa noite
escondidos; o encontro com os líderes terroristas e a rota de fuga após os
assassinatos; tinha organizado até a perseguição encenada por um navio
torpedeiro israelense. Dagan era a imagem do homem de guerrilha, careca e
criativo, e não alguém que cumprisse as regras. Yitzhak Rabin disse uma
vez: “Meir tem a capacidade única de inventar operações antiterroristas que
parecem filmes de ação.”
O futuro chefe do Mossad Danny Yatom recordava Dagan como um
jovem encorpado e com uma enorme juba castanha, que tentara aderir à
unidade de operações especiais mais respeitada de Israel, a Sayeret Matkal,
e espantara toda a gente com o seu jeito para o lançamento de facas. A sua
enorme faca cortava o ar e acertava em cheio em qualquer alvo que ele
escolhesse. Porém, embora fosse um excelente atirador, chumbara nos
testes para a Sayeret Matkal e tivera, inicialmente, de se contentar com as
asas de prata de paraquedista.
No início da década de 1970, foi enviado para a Faixa de Gaza, que
fora conquistada por Israel na Guerra dos Seis Dias, em 1967, e desde então
se tornara um ninho de vespas, um mortífero centro terrorista. Os terroristas
palestinos assassinavam diariamente israelenses na Faixa de Gaza e em
Israel com bombas, explosivos e armas de fogo; as Forças Armadas
israelenses tinham perdido o controle sobre os violentos campos de
refugiados. A 2 de janeiro de 1971, quando as adoráveis crianças Arroyo,
Avigail, de cinco anos, e Mark, de oito anos, foram desfeitas em pedaços
quando um terrorista lançou uma granada de mão para o carro em que
estavam, o general Ariel (Arik) Sharon decidiu que tinha de pôr cobro ao
massacre sangrento em curso. Recrutou alguns velhos amigos da sua
juventude guerreira, assim como vários soldados mais novos. Dagan foi um
deles. Um oficial de cara redonda, baixinho, encorpado, que mancava por
ter pisado uma mina terrestre na Guerra dos Seis Dias. No hospital de
Soroka, em Berseba, tinha-se apaixonado pela enfermeira Bina, que o
tratara. Casaram-se quando ele recuperou.
A unidade de Sharon não existia oficialmente. A sua missão era
destruir as organizações terroristas em Gaza por meio de métodos
arriscados e pouco convencionais. Dagan costumava percorrer a Gaza
ocupada com uma bengala, um doberman e várias pistolas, revólveres e
pistolas-metralhadoras.
Há quem diga que o viu disfarçado de árabe, montando
descontraidamente um burro nos traiçoeiros becos de Gaza. A enfermidade
não refreou a sua determinação em levar a cabo as operações mais
arriscadas. Os seus pontos de vista eram simples. Existem inimigos —
árabes maus que nos querem matar — e portanto temos de os matar
primeiro.
Dentro da unidade, Dagan criou a Rimon, a primeira unidade secreta
de operações especiais israelense, que atuava sob disfarce árabe e em
profundidade nos baluartes inimigos. Para se movimentarem livremente
entre as multidões árabes e chegarem aos seus alvos, trabalhavam
disfarçados. Os membros da equipe rapidamente se tornaram conhecidos
como a “equipe assassina do Arik” e, segundo alguns rumores, era
frequente matarem a sangue-frio terroristas capturados. Dizia-se que, por
vezes, acompanhavam um terrorista a um beco escuro e lhe diziam “Tens
dois minutos para fugir”.
Quando ele tentava, matavam-no com um tiro. Ocasionalmente,
deixavam um punhal ou uma pistola no caminho e, quando o terrorista
tentava deitar-lhe a mão, matavam-no. Alguns jornalistas escreveram que
todas as manhãs Dagan saía para o campo, usava uma mão para urinar e a
outra para disparar sobre uma lata de Coca-Cola vazia. Dagan negou tais
histórias. “Há mitos que não nos largam”, disse, “mas parte do que foi
escrito é simplesmente falso.”
A pequena unidade de operações especiais israelenses travava uma
guerra dura e cruel em que arriscava diariamente a vida. Quase todas as
noites os membros da equipe de Dagan se disfarçavam de mulheres ou
pescadores e procuravam terroristas conhecidos. Em meados de janeiro de
1971, fizeram-se passar por terroristas árabes no Norte da Faixa de Gaza e
conseguiram atrair e montar uma emboscada a membros da Fatah. No
tiroteio que se seguiu, os terroristas da Fatah foram mortos. A 29 de janeiro
de 1971, já de uniforme, Dagan e os seus homens viajaram em dois jipes até
as redondezas do campo de Jabalia (um campo de refugiados palestinos).
Acabaram por se cruzar com um táxi, e Dagan reconheceu entre os
passageiros um terrorista famoso chamado Abu Nimer. Ordenou aos jipes
que travassem e os seus soldados rodearam o táxi. Dagan aproximou-se e
no mesmo momento Abu Nimer saiu mostrando uma granada de mão.
Puxou a patilha de olhos postos em Dagan. “Granada!”, gritou Dagan, mas
em vez de sair dali para se proteger, saltou para cima do homem, prendeu-
lhe os braços e tirou-lhe a granada da mão. Recebeu a Medalha de Coragem
por esse feito. Porém, há quem diga que, depois de lançar a granada para
longe, Dagan matou Abu Nimer com as próprias mãos.
Anos mais tarde, numa rara entrevista ao jornalista israelense Ron
Leshem, Dagan disse:

A Rimon não era uma equipe de assassinato [...]. Não era o


Faroeste, onde todo mundo tem sempre o dedo no gatilho. Nunca fizemos
mal a mulheres ou crianças [...] Atacávamos pessoas que eram assassinos
violentos. Eliminávamos essas e dissuadíamos outras. Para proteger os
civis, o Estado por vezes precisa de fazer coisas que são contrárias ao
comportamento democrático. É verdade que em unidades como a nossa os
limites podem tornar-se algo incertos. É por isso que temos de garantir que
os nossos homens sejam da melhor qualidade. As ações mais sujas devem
ser feitas pelos homens mais honestos.

Democrático ou não, Sharon, Dagan e os seus colegas aniquilaram


quase todo o terrorismo em Gaza e a zona manteve-se tranquila e pacífica
durante vários anos. Ainda assim, há quem mantenha que Sharon dizia,
meio a brincar, meio a sério, sobre o seu leal ajudante: “A especialidade do
Meir é separar a cabeça de um árabe do seu corpo.”
Contudo, muito poucos conheciam o verdadeiro Dagan. Este nasceu
Meir Huberman, em 1945, numa carruagem nos subúrbios de Herson, na
Ucrânia, enquanto a família fugia da Sibéria para a Polônia. A maioria da
família tinha perecido no Holocausto. Meir emigrou para Israel com os pais
e cresceu num bairro pobre em Lod, uma velha cidade árabe cerca de 25
quilômetros a sul de Tel Aviv. Muitos conheciam-no como um lutador
indomável; poucos sabiam das suas paixões secretas: era um leitor ávido de
livros de História, vegetariano, viciado em música clássica, e tinha como
passatempos a pintura e a escultura.
Dagan foi desde cedo um homem atormentado pelo sofrimento
terrível da sua família e do povo judeu durante o Holocausto. Dedicou a
vida à defesa do novo Estado de Israel. Conforme ia subindo na hierarquia
do Exército, a primeira coisa que fazia sempre que lhe atribuíam um
gabinete novo era pendurar numa parede uma fotografia grande de um
velho judeu envolvido no seu xaile de oração, ajoelhado diante de dois
oficiais da SS, um segurando um chapéu e outro uma arma. “Este velhote é
meu avô”, dizia Dagan a quem o visitava. “Olho para a imagem e sei que
temos de ser fortes e defender-nos, para que o Holocausto nunca mais
aconteça.”
O velho era, de fato, avô de Dagan. Ber Ehrlich Slushni foi
assassinado em Lukov segundos depois de a fotografia ser tirada.
Durante a Guerra do Yom Kippur, em 1973, Dagan esteve entre os
primeiros israelenses a atravessar o canal do Suez numa unidade de
reconhecimento. Em 1982, na Guerra do Líbano, entrou em Beirute à
cabeça da sua brigada blindada. Depressa se tornou comandante da zona de
segurança do Sul do Líbano, e foi lá que o aventureiro lutador de guerrilha
reemergiu do seu engomado uniforme de coronel. No Líbano, Dagan
ressuscitou os princípios do secretismo, da camuflagem e do engodo dos
seus dias de Gaza. Os seus soldados inventaram um novo nome para o seu
chefe aventureiro e sigiloso. Chamaram-lhe “Rei das Sombras”. A vida no
Líbano, com alianças secretas, traições, crueldade, guerras secretas, era um
local onde estava à vontade. “Mesmo antes de a minha brigada de tanques
ter entrado em Beirute”, disse, “eu conhecia a cidade bem.” E depois de a
Guerra do Líbano acabar, Dagan não desistiu das suas aventuras secretas.
Em 1984, foi oficialmente repreendido pelo chefe de Estado-Maior Moshe
Levy por ficar, disfarçado de árabe, em Bahamdoun, o quartel-general
terrorista.
Durante a Intifada (a revolta palestina de 1987 a 1993), quando foi
transferido para a Cisjordânia como conselheiro do chefe de Estado-Maior
Ehud Barak, Dagan retomou os seus velhos hábitos e até persuadiu Barak a
acompanhá-lo. Os dois disfarçaram-se com fatos de treino, como
verdadeiros palestinos, encontraram um Mercedes azul-bebé com placa
local, e foram dar uma volta na perigosa Nablus Kasbah. No regresso,
suscitaram medo e espanto às sentinelas do seu quartel-general quando
reconheceram os ocupantes do carro.
Em 1995, Dagan, então general-major, deixou o Exército e juntou-se
ao companheiro Yossi Ben-Hanan numa viagem de 18 meses de mota pelas
planícies asiáticas. A viagem foi interrompida pela notícia do assassinato de
Yitzhak Rabin. Regressado a Israel, Dagan passou algum tempo na direção
da autoridade antiterrorista, fez uma tentativa desapaixonada de entrar no
mundo dos negócios e ajudou Sharon na sua campanha eleitoral do Likud.
Depois, em 2002, retirou-se para a sua casa de campo na Galileia,
para os seus livros, os seus discos, a sua paleta e o seu cinzel de escultor.
Foi 30 anos depois de Gaza, já como general aposentado, que
começou a conhecer a sua família — “De repente, acordei e os meus filhos
eram adultos” —, quando recebeu um telefonema do seu velho amigo,
agora primeiro-ministro, Arik Sharon. “Quero que chefies o Mossad”, disse
Sharon ao seu velho amigo, então com 57 anos. “Preciso de um chefe do
Mossad com um punhal entre os dentes.”
Estava-se em 2002, e o Mossad perdia vigor. Vários fiascos nos anos
anteriores tinham desferido duros golpes a seu prestígio. O assassinato
fracassado, e muito noticiado, de um grande líder do Hamas em Amã, e a
captura de agentes israelenses da Suíça, no Chipre e na Nova Zelândia
tinham prejudicado seriamente a reputação do Mossad. O último chefe do
Mossad, Efraim Halevy, não esteve à altura das expectativas. Halevy era um
antigo embaixador da União Europeia em Bruxelas, bom diplomata e bom
observador, mas não era nem um líder nem um combatente. E Sharon
queria ter na chefia do Mossad um líder ousado e criativo que fosse uma
força formidável contra o terrorismo islâmico e o reator nuclear iraniano.
Dagan não foi bem recebido no Mossad. Era um intruso,
concentrava-se sobretudo nas operações, não se preocupava muito com
análises fundamentadas dos serviços secretos nem com as trocas
diplomáticas secretas. Vários altos funcionários do Mossad demitiram-se
em protesto, mas Dagan não se importou. Reconstruiu as unidades
operacionais, estabeleceu relações próximas com serviços secretos
estrangeiros e ocupou-se da ameaça iraniana. Quando a segunda e
desastrosa Guerra do Líbano começou, em 2006, foi o único líder israelense
que se opôs à estratégia baseada em bombardeamentos pesados pela Força
Aérea. Acreditava numa ofensiva terrestre, duvidava de que a Força Aérea
conseguisse ganhar a guerra e saiu da guerra incólume.
Ainda assim, foi muito criticado pela imprensa em virtude da sua
atitude dura com os seus subordinados. Alguns oficiais frustrados do
Mossad, já reformados, correram a queixar-se à imprensa, e Dagan ficou
sob fogo constante. “Dagan Quê?”, escreveu ironicamente um colunista
popular.
Até que, um dia, as parangonas mudaram. Os diários começaram a
encher-se de artigos elogiosos repletos de superlativos, louvando “o homem
que restaurou a honra à Mossad”.
Sob o comando de Dagan, o Mossad conseguira feitos até então
inimagináveis: o homicídio em Damasco de Imad Mughniyeh, assassino
louco do Hezbollah, a destruição do reator nuclear sírio, a liquidação de
líderes terroristas cruciais no Líbano e na Síria e, por último, mas não
menos importante, a campanha implacável e impiedosa contra o projeto
secreto de armas nucleares iraniano.
2. FUNERAIS EM TEERÃ

Em 23 de julho de 2011, às 4h30 da tarde, dois homens armados


montados em motas pararam na Rua Bani Hashem, no Sul de Teerã, tiraram
armas automáticas dos casacos de pele e dispararam sobre um homem que
entrava em casa. Desapareceram após o assassinato, muito antes da chegada
da polícia. A vítima era Darioush Rezaei Najad, professor de Física de 35
anos e figura crucial do projeto nuclear secreto do Irã. Era responsável pelo
desenvolvimento de interruptores eletrônicos necessários à ativação de uma
ogiva nuclear.
Rezaei Najad não foi o primeiro cientista iraniano a conhecer
recentemente uma morte violenta. Oficialmente, o Irã estava a desenvolver
tecnologia nuclear com fins pacíficos e afirmava que o reator de Bushehr,
uma importante fonte de energia construída com ajuda russa, era uma prova
das suas boas intenções. Porém, além do reator de Bushehr, tinham sido
descobertas outras instalações nucleares clandestinas, todas profusamente
guardadas e praticamente inacessíveis. Ao fim de um tempo, o Irã teve de
admitir a existência de alguns desses centros, embora negasse as alegações
de desenvolvimento de armas. Contudo, por essa altura, os serviços secretos
ocidentais e as organizações clandestinas locais haviam desmascarado
vários dos melhores cientistas das universidades do Irã, que tinham sido
selecionados para construir a primeira bomba nuclear iraniana. No Irã, o
que se pode identificar como “grupos desconhecidos” travavam uma guerra
brutal para parar o programa secreto de armas nucleares.
A 29 de novembro de 2010, às 7h45 da manhã, uma mota emergiu
por detrás do carro do Dr. Majid Shahriyari, diretor científico do projeto
nuclear iraniano, no Norte de Teerã. Ao passar pelo carro, o motociclista, de
capacete, prendeu um dispositivo ao para-brisas traseiro do carro. Passados
uns segundos, o dispositivo explodiu, matou o físico de 45 anos e feriu a
sua mulher. Enquanto isso, na Rua Atashi, no Sul de Teerã, outro
motociclista fazia o mesmo ao Peugeot 206 do Dr. Fereydoun Abassi-
Davani, outro preeminente cientista nuclear. A explosão feriu Abassi-
Davani e a mulher.
O Governo iraniano apontou imediatamente o dedo à Mossad. Os
papéis que os dois cientistas desempenhavam no projeto de armas atômicas
iraniano estavam envoltos num espesso véu de secretismo, mas Ali Akbar
Salehi, diretor do projeto, declarou que o ataque transformara Shahriyari em
mártir e privara a equipe da sua “mais querida flor”.
Também o presidente Ahmadinejad expressou de forma engenhosa o
seu reconhecimento às duas vítimas: assim que Abassi-Davani recuperou
das feridas, Ahmadinejad nomeou-o vice-presidente do Irã.
Os homens que atacaram os cientistas não foram descobertos.
A 12 de janeiro de 2010, às 7h50 da manhã, o professor Masoud Ali
Mohammadi saiu de casa, na Rua Shariati, no bairro de Gheytarihe, no
Norte de Teerã. Ia a caminho do seu laboratório na Universidade de
Tecnologia de Sharif.
Quando tentou abrir a porta do carro, uma enorme explosão abanou
o tranquilo bairro. As forças de segurança que acorreram ao local
encontraram o carro de Mohammadi despedaçado pela explosão e o corpo
do cientista desfeito em pedaços. Fora morto por uma carga explosiva
escondida num motociclo estacionado junto do seu carro. A imprensa
iraniana afirmou que o assassinato fora responsabilidade de agentes do
Mossad. O presidente Ahmadinejad declarou: “O assassinato lembra os
métodos sionistas.”
O professor Mohammadi, de 50 anos, era especialista em física
quântica e conselheiro do projeto de armas nucleares iraniano. Alguns
meios de comunicação social europeus noticiaram que ele pertencera aos
Guardas Revolucionários, o exército paralelo pró-governo. A vida de
Mohammadi, tal como a sua morte, cobria-se de mistério. Vários amigos
sustentaram que ele só estava ligado à pesquisa teórica e nada tinha que ver
com projetos militares; alguns também defenderam que ele apoiava os
movimentos dissidentes e tinha participado em protestos contra o governo.
Porém, o fato é que cerca de metade das pessoas presentes no seu
funeral eram Guardas Revolucionários. O seu caixão foi carregado por
oficiais dos Guardas Revolucionários. As investigações subsequentes
mostraram que Mohammadi estivera, sem dúvida, profundamente
envolvido no desenvolvimento das ambições nucleares do Irã.
Em janeiro de 2007, o Dr. Ardashir Hosseinpour foi alegadamente
assassinado por agentes do Mossad com veneno radioativo. O Sunday
Times de Londres divulgou a notícia do assassinato, citando informações do
Stratfor, um grupo independente de reflexão sobre estratégia e serviços de
informações sediado no Texas. Os representantes do Governo iraniano
ridicularizaram a notícia, afirmando que o Mossad nunca conseguiria levar
a cabo uma operação desse tipo no interior do Irã, e que o “professor
Hosseinpour morreu sufocado pela inalação de fumo dum fogo em sua
casa”.
Também insistiram que o professor de 44 anos não era senão um
renomado especialista em eletromagnetismo e não estava envolvido de
forma alguma nos projetos nucleares do Irã.
Porém, soube-se que Hosseinpour trabalhava num local secreto em
Isfahan, onde se convertia urânio bruto em gás. O gás era então usado para
enriquecimento de urânio por meio de uma série (“cascatas”) de
centrifugadoras em Natanz, uma instalação subterrânea fortificada e remota.
Em 2006, Hosseinpour ganhou o mais alto prêmio iraniano de
ciência e tecnologia, mas dois anos antes fora galardoado com a mais alta
distinção do seu país para a investigação militar.
Os assassinatos dos cientistas nucleares iranianos eram apenas uma
frente de uma guerra muito mais alargada. Segundo o londrino Daily
Telegraph, o Mossad de Dagan tinha dado livre curso a uma força de assalto
de agentes duplos, equipes de assassinato, sabotagem, empresas de fachada,
e empregado todos os esforços durante anos e anos de operações secretas
contra o programa de armas nucleares iraniano. Reva Bhalla, diretora de
análise da Stratfor, era citada da seguinte forma: “Com a cooperação dos
Estados Unidos, as operações secretas israelenses concentraram-se tanto na
eliminação dos elementos humanos fundamentais envolvidos no programa
nuclear quanto na sabotagem da cadeia de fornecimento iraniana.” Israel,
afirmou ela, recorrera a táticas semelhantes no Iraque, no início da década
de 1980, quando o Mossad matou três cientistas nucleares iraquianos,
prejudicando assim a conclusão do reator atômico de Osiraq, perto de
Bagdá.
Na sua guerra dissimulada contra o programa nuclear iraniano, o
Mossad de Dagan estava a conseguir atrasar o desenvolvimento de uma
bomba nuclear iraniana e, assim, a esquivar-se ao maior perigo para a
existência de Israel desde a sua criação: as ameaças de Ahmadinejad de que
Israel devia ser aniquilada.
Não obstante, estas pequenas vitórias não redimem o pior erro da
história do Mossad: a sua incapacidade de expor desde o início o projeto
nuclear secreto do Irã. Havia já vários anos que o Irã estava a edificar o seu
poder nuclear — e Israel não desconfiou de nada. O Irã investiu enormes
quantias de dinheiro, recrutou cientistas, construiu bases secretas, fez testes
sofisticados — e Israel não soube de nada. A partir do momento em que
decidiu tomar-se uma potência nuclear, o Irã de Khomeini recorreu à
dissimulação, a ardis e estratagemas que enganaram na perfeição os
serviços secretos ocidentais, o Mossad incluída.
Na verdade, fora o xá iraniano Reza Pahlavi quem começara a
construir dois reatores nucleares, com propósitos tanto pacíficos como
militares. O projeto do xá, iniciado na década de 1970, não causou alarme
em Israel; afinal de contas, Israel era o aliado mais próximo do Irã na altura.
Em 1977, o general Ezer Weizman, ministro da Defesa de Israel, recebeu o
general iraniano Hasan Toufanian, oficial responsável pela modernização
do Exército do Irã, no Ministério da Defesa em Tel Aviv — como aliados
que eram, Israel forneceu ao Irã equipamento militar moderno. Segundo as
transcrições do seu encontro ultrassecreto, Weizman ofereceu ao Irã o
fornecimento de mísseis superfície-superfície de última geração, enquanto o
Dr. Pinhas Zusman, diretor-geral do ministério, impressionou Toufanian ao
dizer que os mísseis israelenses podiam ser adaptados para transportar
ogivas nucleares. Todavia, a Revolução Iraniana transformou as relações
entre Israel e o Irã, antes de os oficiais porem em prática os seus planos. O
Governo revolucionário islâmico massacrou os apoiantes do xá e virou-se
contra Israel. O debilitado xá fugiu do país, que sucumbiu ao controle do
aiatolá Khomeini e ficou nas mãos dos seus leais mulás.
Khomeini pôs imediatamente termo ao projeto nuclear, que
considerou “anti-islâmico”. A construção dos reatores parou e o
equipamento foi desmantelado. Mas então, na década de 1980,
desencadeou-se uma guerra sangrenta entre o Iraque e o Irã. Saddam
Hussein usou gás tóxico contra os iranianos. O recurso do seu mais vil
inimigo a armas não-convencionais obrigou os aiatolás a repensar a sua
política. Mesmo antes da morte de Khomeini, o seu aparente herdeiro, Ali
Khamenei, ordenou aos seus militares que desenvolvessem armas novas —
biológicas, químicas e nucleares — para responderem às armas de
destruição maciça que o Iraque tinha lançado contra o Irã. Passado pouco
tempo, os complacentes líderes religiosos exortaram dos seus púlpitos que
se abandonasse a proibição às armas “anti-islâmicas”.
Em meados da década de 1980, começaram a circular notícias
esparsas acerca dos esforços do Irã. Com o colapso da União Soviética em
1989, a Europa foi inundada de rumores sobre as tentativas iranianas de
comprar bombas e ogivas nucleares a funcionários públicos desempregados
ou cientistas famintos do antigo sistema militar soviético. A imprensa
ocidental descreveu com pormenores dramáticos o desaparecimento de
cientistas e generais russos de suas casas, aparentemente recrutados pelos
iranianos.
Alguns repórteres com imaginação mais fértil escreveram sobre
caminhões fechados que cruzavam estradas secundárias europeias a grande
velocidade, em direção ao Leste, contornando os controles fronteiriços para
chegarem ao Oriente Médio. Algumas fontes em Teerã, Moscou e Pequim
revelaram que o Irã assinara um acordo com a Rússia para construir um
reator atômico em Bushehr, na costa do golfo Pérsico, e outro acordo, para
construir dois reatores menores, com a China.
Estas notícias perturbaram sobremaneira os Estados Unidos e Israel,
que espalharam pela Europa várias equipes de agentes especiais, à caça das
bombas soviéticas vendidas ao Irã e dos cientistas desempregados que o
país recrutara. Não encontraram nada. Os Estados Unidos exerceram uma
imensa pressão sobre a Rússia e a China, para que cancelassem os acordos
com o Irã. A China recuou e cancelou o seu tratado com o país. A Rússia
decidiu avançar, mas protelou o acordo inúmeras vezes. A construção do
reator demorou mais de 20 anos, e a sua utilidade foi limitada por controles
russos e internacionais rigorosos.
Israel e os EUA, porém, deviam ter expandido a sua busca quando as
pistas desapareceram. Tanto as chefias do Mossad como as da CIA foram
incapazes de perceber que os reatores russos e chineses não eram senão
uma cortina de fumo para “os melhores serviços secretos do mundo”. O Irã
lançara sub-repticiamente um gigantesco projeto destinado a fazer do país
uma potência nuclear.
No outono de 1987, houve uma reunião secreta em Dubai. Oito
homens encontraram-se num escritório pequeno e poeirento: três iranianos,
dois paquistaneses e três peritos europeus (dois dos quais alemães), pagos
pelo Irã.
Os representantes do Irã e do Paquistão assinaram um acordo
ultrassecreto. Uma importante soma de dinheiro foi transferida para os
paquistaneses ou, mais precisamente, para o Dr. Abdul Qadeer Khan, chefe
do programa oficial de armas nucleares do Paquistão.
Alguns anos antes, o Paquistão lançara o seu próprio projeto nuclear,
para ficar em pé de igualdade militar com o seu arqui-inimigo, a índia. O
Dr. Khan precisava impreterivelmente das substâncias físseis necessárias à
montagem de uma bomba nuclear. Porém, escolheu não recorrer ao
plutônio, que é extraído nos reatores nucleares clássicos, mas utilizar urânio
enriquecido. O minério de urânio contém apenas 1 por cento de urânio-235,
vital para a produção de armas nucleares, e 99 por cento de urânio-238, que
é inútil. O Dr. Khan desenvolveu um método de converter o urânio natural
num gás e de abastecer uma linha de centrifugadoras ligadas numa cadeia
chamada cascata com esse gás. Com as centrifugadoras a virar o gás de
urânio a uma velocidade estonteante de 100.000 rotações por minuto, o
urânio-235, mais leve, separa-se do urânio-238, mais pesado. Pela repetição
do processo centenas de vezes, as centrifugadoras produzem urânio-235
enriquecido. Esse gás, quando convertido em matéria sólida, toma-se a
substância necessária a uma bomba nuclear.
Khan roubara os planos das centrifugadoras à Eurenco, uma empresa
europeia onde trabalhara no início dos anos 70, e depois começara a
fabricá-las no Paquistão. Khan depressa se transformou num “negociante da
morte”, vendendo os seus métodos, fórmulas e centrifugadoras. O Irã
tornou-se o seu maior cliente. A Líbia e a Coreia do Norte também eram
suas compradoras.
Os iranianos compraram centrifugadoras a outras fontes e depois
aprenderam a fabricá-las no próprio país. Enormes carregamentos de
urânio, centrifugadoras, materiais eletrônicos e peças sobresselentes
chegavam ao Irã de vez em quando. Constmíram-se grandes instalações
para tratar o urânio em bruto, para abrigar as centrifugadoras e converter o
gás novamente em matéria sólida. Os cientistas iranianos deslocaram-se ao
Paquistão e os especialistas paquistaneses ao Irã. E ninguém soube de nada.
Os iranianos tiveram o cuidado de não apostar tudo numa única
jogada.
Dispersaram o projeto nuclear por todo o país, em bases militares,
laboratórios disfarçados e instalações remotas. Enterraram algumas
profundamente e rodearam-nas de baterias de superfície para mísseis terra-
ar.
Foi erigida uma central em Isfahan, outra em Arak; a mais
importante — a instalação com as centrifugadoras — foi estabelecida em
Natanz e uma quarta central na cidade santa de Qom. Ao menor indício de
que a localização podia ser descoberta, os iranianos deslocavam as
instalações militares para outro local, chegando a remover camadas de terra
que pudessem ter sido irradiadas com substâncias radioativas. Também
foram hábeis a ludibriar e iludir os inspetores da Agência Internacional de
Energia Atômica. O presidente da agência, o egípcio Dr. Mohamed El-
Baradei, pareceu acreditar em todas as declarações falsas dos iranianos e
publicou relatórios complacentes que permitiram ao Irã prosseguir o seu
esquema mortífero.
Em 1º de junho de 1988, as autoridades americanas perceberam pela
primeira vez a verdadeira extensão da obra dos iranianos. Um dissidente
paquistanês apareceu aos investigadores do FBI em Nova York e pediu asilo
político. Apresentou-se como Dr. Iftikhar Khan Chaudhry e revelou a
dimensão completa da cooperação secreta entre o Irã e o Paquistão.
Denunciou o Dr. Khan, descreveu as reuniões em que participara e
nomeou especialistas paquistaneses que tinham contribuído para o projeto
iraniano.
Os fatos revelados por Chaudhry foram verificados e confirmados
pelo FBI. A agência recomendou, na verdade, que o Governo permitisse a
Chaudhry permanecer nos EUA como refugiado político, mas o seu incrível
testemunho nunca originou nenhuma ação. Os manda-chuvas americanos
arquivaram as transcrições das palavras de Chaudhry, não ordenaram
nenhuma ação nem avisaram Israel. Passaram outros quatro anos até a
verdade sobre o Irã ver a luz do dia.
Subitamente, em agosto de 2002, o grupo dissidente clandestino
iraniano Mujaidines el Khalq (MEK) revelou a existência de duas
instalações nucleares em Arak e Natanz à mídia mundial. Nos anos
seguintes, o MEK continuou a dar a conhecer mais fatos sobre o projeto
nuclear iraniano, o que levantou a suspeição de que as informações vinham
de fontes exteriores. A CIA continuou cética e presumiu que os israelenses
e os britânicos estavam a tentar envolver os Estados Unidos em operações
arriscadas. Aparentemente, a CIA acreditava que o Mossad e o MI6
forneciam ao MEK informações secretas que tinham obtido da oposição
iraniana, que esperavam ser uma fonte credível. Segundo fontes israelenses,
foi na verdade um membro atento do Mossad que descobriu a gigantesca
instalação de centrifugadoras em Natanz, nas profundezas do deserto. No
mesmo ano, 2002, a resistência iraniana fez chegar à CIA um computador
portátil carregado de documentos. Os dissidentes não disseram como
tinham conseguido o computador e os céticos americanos desconfiaram de
que os documentos tinham sido recentemente digitalizados e inseridos no
computador. Acusaram o Mossad de ter carregado o computador de
documentos obtidos de fontes próprias e de o passarem aos líderes do MEK,
para que o entregassem ao Ocidente.
Mas acumulavam-se outros indícios nas secretárias dos americanos e
dos europeus, que tinham finalmente aberto os olhos. Espalharam-se por
todo o mundo rumores sobre os negócios lucrativos e mortíferos do Dr.
Khan. Finalmente, em 4 de fevereiro de 2004, Dr. Khan apareceu, choroso,
no canal paquistanês de televisão e confessou que de fato vendera
conhecimentos, competências e centrifugadoras à Líbia, à Coreia do Norte e
ao Irã, fazendo milhões com o negócio. O governo paquistanês apressou-se
a conceder um perdão total ao “Dr. Morte”, pai da sua bomba nuclear.
Israel tomou-se a principal fonte de informação sobre o Irã. Meir
Dagan e seu Mossad forneceram aos serviços secretos americanos
informações frescas sobre a infraestrutura secreta que os iranianos tinham
construído em Qom. Israel também esteve alegadamente envolvida na
deserção de vários altos funcionários dos Guardas Revolucionários e do
projeto atômico. O Mossad deu a vários países informações atualizadas e
instou-os a reter, nos seus portos, os navios que transportassem
equipamento nuclear iraniano.
Porém, para Israel, a mera obtenção dessas informações secretas não
bastaria. Enquanto o fanático Irã a ameaçava abertamente com a
aniquilação, o resto do mundo abstinha-se de qualquer ação vigorosa. Israel
ficou sem alternativa senão lançar uma guerra clandestina total contra o
programa nuclear iraniano.
Após 16 anos de uma ignorância colossal dos seus predecessores,
Dagan decidiu agir.
Em janeiro de 2006, um avião caiu no centro do Irã. Todos os
passageiros morreram. Entre eles, estavam altas patentes dos Guardas
Revolucionários, incluindo Ahmed Kazami, um dos comandantes. Os
iranianos insistiram em que a queda se deveu ao mau tempo, mas a Stratfor
insinuou que o avião fora sabotado por agentes ocidentais.
Apenas um mês antes, um cargueiro militar caíra sobre um prédio
em Teerã. Morreram os 94 passageiros. Muitos também eram oficiais dos
Guardas Revolucionários e influentes jornalistas favoráveis ao regime. Em
novembro de 2006, caiu outra aeronave militar durante a decolagem de
Teerã — e morreram 36 Guardas Revolucionários. O ministro iraniano da
Defesa declarou na rádio que, “segundo algum material de fontes secretas,
podemos afirmar que os responsáveis pelas quedas foram agentes
americanos, britânicos e israelenses”.
Entretanto, discretamente e sem menção pública, Dagan tomara-se o
principal estrategista da política israelense com o Irã. Acreditava que Israel
podia não ter outra hipótese senão acabar por fazer um ataque total e
intenso ao Irã. Essa ação porém, achava Dagan, devia ser um último
recurso.
A sabotagem começara em fevereiro de 2005. A imprensa
internacional noticiara uma explosão numa infraestrutura nuclear em
Dialem, que fora atingida por um míssil lançado de um avião não
identificado. Nesse mesmo mês, deu-se uma explosão perto de Bushehr,
num gasoduto de abastecimento do reator nuclear de construção russa.
Outra infraestrutura a ser atacada foi Parchin, um local de testes
próximo de Teerã. Os especialistas iranianos desenvolviam ali a “lente
explosiva”, o mecanismo que transformaria o núcleo da bomba numa massa
crítica e desencadearia a reação em cadeia de uma explosão atômica. A
resistência iraniana afirmou que a explosão em Parchin causara enormes
danos aos laboratórios secretos.
Em abril de 2006, o sanctum sanctorum — as instalações centrais
em Natanz — foi palco de um encontro festivo. Um grande grupo de
cientistas, técnicos e diretores do projeto nuclear reuniu-se debaixo de terra,
onde milhares de centrifugadoras trabalhavam incessantemente. Vieram
dispostos a celebrar o primeiro teste de ativação de uma nova
centrifugadora em cascata. Todos esperaram pelo momento teatral quando
as centrifugadoras fossem ligadas. O chefe de engenharia premiu o botão...
e a enorme câmera foi sacudida por uma enorme explosão. Os tubos
explodiram num golpe ensurdecedor e toda a cascata se desfez.
Furiosos, os diretores do projeto nuclear ordenaram uma
investigação meticulosa. Aparentemente, “desconhecidos” tinham instalado
partes defeituosas no equipamento. A CBS noticiou que as centrifugadoras
tinham sido destruídas por pequenas cargas explosivas nelas introduzidas
pouco antes do teste. Também afirmou que os serviços secretos israelenses
tinham ajudado agentes americanos a provocar a explosão de Natanz.
Em janeiro de 2007, as centrifugadoras foram novamente alvo de
uma sabotagem sofisticada. Os serviços secretos ocidentais tinham
estabelecido empresas de fachada no Leste europeu que fabricavam
materiais de isolamento utilizados nos duetos entre as centrifugadoras. Os
iranianos não podiam comprar os seus no mercado aberto, dadas as
limitações impostas pela ONU, por isso viraram-se para as empresas falsas
do Leste europeu, dirigidas por exilados russos e iranianos que trabalhavam
secretamente para os serviços secretos ocidentais. Só depois de a insulação
ter sido instalada é que os iranianos se aperceberam de que era defeituosa e
não podia ser utilizada.
Empossado em maio de 2007, o presidente George W. Bush assinou
ordem presidencial secreta que autorizava a CIA a iniciar operações
clandestinas para atrasar o projeto nuclear iraniano. Pouco tempo depois, os
serviços secretos ocidentais tomaram a decisão de sabotar a cadeia de
fornecimento de peças, equipamento e matérias-primas para o projeto. Em
agosto, Dagan reuniu-se com o subsecretário de Estado americano Nicolas
Bums para discutir a sua estratégia no que tocava ao Irã.
Nos últimos sete anos, têm ocorrido contratempos, sabotagens e
explosões em infraestruturas de todo o Irã. Um misterioso obstáculo causou
problemas no sistema de arrefecimento do reator de Bushehr que atrasaram
dois anos a sua conclusão; em maio de 2008, uma explosão numa fábrica de
cosméticos em Arak provocou prejuízos significativos à infraestrutura
nuclear adjacente; outra explosão arrasou um complexo de alta-segurança
em Isfahan, onde se convertia urânio em gás.
Em 2008 e 2010, o New York Times revelou que os Tinners, uma
família suíça de engenheiros, tinham ajudado a CIA a expor os programas
nucleares da Líbia e do Irã, e recebido 10 milhões de dólares da agência. A
CIA também ajudou a protegê-la da perseguição das autoridades suíças pelo
tráfico ilegal de componentes nucleares. O pai, Frederic Tinner, e os dois
filhos, Urs e Marco, haviam vendido aos iranianos uma instalação
defeituosa para fornecimento elétrico à infraestrutura de Natanz que
destruiu 50 centrifugadoras. Os Tinners compraram à empresa alemã
Pfeiffer Vaccum bombas de pressões, que alteraram no Novo México e
depois venderam aos iranianos.
A revista Time afirmou que o Mossad esteve envolvido no desvio do
navio Arctic Sea, que zarpara da Finlândia para a Argélia com tripulação
russa e sob bandeira maltesa, transportando “um carregamento de madeira”.
Em 24 de julho de 2009, dois dias após o início da viagem, a embarcação
foi tomada por oito piratas. Só depois de um mês é que as autoridades
russas declararam que uma unidade de operações especiais russa tinha
tomado o navio. Os londrinos Times e Daily Telegraph garantiram que o
Mossad dera o alerta.
Os homens de Dagan, diziam, tinham informado os russos de que o
navio transportava um carregamento de urânio vendido aos iranianos por
um antigo oficial russo. O almirante Kouts, que lidera a luta contra a
pirataria na União Europeia, porém, contou à revista Time a sua versão. A
única explicação plausível, afirmou, era que o navio foi desviado pelo
Mossad para interceptar o urânio.
Contudo, a despeito desses ataques contínuos, os iranianos não se
deixaram ficar. De 2005 a 2008, em segredo total, construíram uma nova
infraestrutura perto de Qom. Planearam instalar 3000 centrifugadoras nos
novos corredores subterrâneos. Contudo, a meio de 2009, os iranianos
perceberam que as organizações secretas dos Estados Unidos, Grã-Bretanha
e Israel sabiam tudo sobre a fábrica de Qom. O Irã reagiu imediatamente.
Em setembro de 2009, Teerã surpreendeu o mundo quando informou
precipitadamente a IAEA da existência da infraestrutura de Qom. Algumas
fontes afirmaram que os iranianos haviam apanhado um espião
ocidental (talvez um agente do MI6) que tinha reunido informações
fidedignas sobre Qom. Assim sendo, revelaram a existência dela, para
diminuir a sua vergonha.
Passado um mês, Leon Panetta, diretor da CIA, contou à Time que a
sua organização sabia da existência de Qom havia três anos e que Israel
estivera ligada à detecção.
A descoberta de Qom permitiu um vislumbre da aliança secreta que
fora forjada entre três grupos comprometidos na batalha contra o Irã: a CIA,
o MI6 e o Mossad. Segundo fontes francesas, os três serviços atuaram em
conjunto: o Mossad fazia operações no Irã, e a CIA e o MI6 ajudavam os
israelenses. O Mossad foi responsável por várias explosões, em outubro de
2010, que mataram 18 técnicos iranianos numa fábrica, na cordilheira de
Zagros, que montava mísseis Shehab. Com a ajuda dos seus aliados
britânicos e americanos, o Mossad também eliminou cinco cientistas
nucleares.
A aliança fora estabelecida, em grande medida, pelos esforços de
Meir Dagan. A partir do momento em que se tomou diretor do Mossad,
tinha pressionado seus subordinados a estabelecer cooperação próxima com
os serviços secretos estrangeiros. Seus assistentes aconselharam-no a não
revelar os segredos do Mossad a estrangeiros, mas ele menosprezou os
argumentos. “Deixem de tolice e trabalhem com eles!”, resmungou.
Além dos britânicos e dos americanos, Dagan tinha outro aliado
importante que forneceu informações preciosas do interior do próprio Irã:
os líderes da resistência iraniana. Em conferências de imprensa invulgares,
os líderes do Conselho Nacional de Resistência Iraniana revelaram o nome
do cientista que liderava o projeto iraniano. A sua identidade fora secreta
até então. Mohsen Fakhri Zadeh, de 49 anos, era professor de Física na
Universidade de Teerã. Contava-se que era um homem misterioso e
esquivo. A resistência revelou muitos pormenores sobre ele, incluindo a sua
adesão aos Guardas Revolucionários aos 18 anos, o endereço — Rua
Shahid Mahallalti, Teerã —, os números de passaporte —.0009228 e
4229533 — e mesmo o número de telefone de casa, 021-2448413. Fakhri
Zadeh era especialista no complexo processo de criar uma massa crítica
dentro do dispositivo atômico para desencadear a reação em cadeia e a
explosão nuclear. A sua equipe também trabalhava na miniaturização da
bomba, para que coubesse na ogiva de um míssil Shehab.
Após estas revelações, Fakhri Zadeh foi proibido de entrar nos
Estados Unidos e na União Europeia, e as suas contas bancárias no
Ocidente foram congeladas. A resistência descreveu em pormenor todas as
suas funções, revelou os nomes dos cientistas que trabalhavam com ele e
até a localização dos seus laboratórios secretos. A abundância de
pormenores e o meio de transmissão levam-nos a crer que, uma vez mais,
“um certo serviço secreto” coligiu meticulosamente estes dados sobre o
cientista iraniano e os passou à resistência iraniana, que os transmitiu ao
Ocidente. A exposição de Fakhri Zadeh visou avisá-lo de que poderia ser o
seguinte na lista de assassinatos e levá-lo a procurar refúgio ou a escolher a
melhor solução — desertar para o lado do Ocidente.
O general Ali Reza Asgari, antigo vice-ministro da Defesa do Irã,
desapareceu em fevereiro de 2007, numa viagem com destino a Istambul.
Tinha estado profundamente envolvido no projeto nuclear. Os
serviços iranianos procuraram-no por todo o mundo, mas não o
conseguiram encontrar. Quase quatro anos depois, em janeiro de 2011, Ali
Akbar Salehi, ministro dos Negócios Estrangeiros do Irã, dirigiu-se ao
secretário-geral das Nações Unidas e acusou o Mossad de ter sequestrado e
aprisionado o general em Israel.
O Sunday Telegraph londrino garantiu que Asgari tinha desertado
para o lado do Ocidente; o Mossad tinha planejado a sua deserção e sido
responsável pela sua proteção na Turquia. Outras fontes asseguraram que
ele fora interrogado pela CIA e que fornecera informações valiosas sobre o
programa nuclear iraniano.
Um mês depois do desaparecimento de Asgari, em março de 2007,
foi a vez de outro alto funcionário do Irã. Amir Shirazi servia na unidade
Al-Quds, a força de elite dos Guardas Revolucionários, responsável pelas
operações secretas além da fronteira do Irã. Uma fonte iraniana revelou ao
Times londrino que, além dos desaparecimentos de Asgari e Shirazi, sumira
outro oficial de alta patente: Mohammad Soltani, comandante dos Guardas
Revolucionários no golfo Pérsico.
Em julho de 2009, o cientista nuclear Shahram Amiri juntou-se à
lista de dissidentes. Amiri trabalhava em Qom e desapareceu na Arábia
Saudita durante uma peregrinação a Meca. Os iranianos exigiram que os
sauditas descobrissem o que lhe tinha acontecido. Amiri surgiu uns meses
mais tarde nos Estados Unidos, foi intensamente interrogado, recebeu cinco
milhões de dólares e identidade e casa novas no Arizona. Algumas fontes
da CIA revelaram que há anos que ele era informante dos serviços secretos
ocidentais e que lhes fornecera informações secretas “originais e
substantivas”. Amiri revelou que a Universidade de Tecnologia Malek-
Ashtar, onde ensinara, servira como cobertura acadêmica de uma unidade
de pesquisa que concebia as ogivas dos mísseis de longo alcance iranianos.
Fakhri Zadeh dirigia a universidade.
Depois de um ano na América, Amiri mudou de ideia e decidiu
regressar ao Irã. Presume-se que não conseguiu aguentar a pressão da nova
vida.
Num vídeo caseiro mostrado na Internet, afirmou ter sido
sequestrado pela CIA.
Passadas horas, disponibilizou outro vídeo renegando o primeiro, e
depois produziu um terceiro vídeo, renegando o segundo. Entrou em
contato com a embaixada paquistanesa, que representava os interesses
iranianos nos Estados Unidos, e pediu para ser transportado de volta ao Irã.
Os paquistaneses ajudaram. Em julho de 2010, Amiri aterrissou em Teerã.
Apareceu numa coletiva de imprensa, acusou a CIA de sequestro e
maus-tratos — e desapareceu. Alguns observadores acusaram a CIA de ter
fracassado, mas um porta-voz da agência comentou: “Ficamos com
informações importantes e os iranianos ficaram com Amiri; quem fez
melhor negócio?”
Apesar de tudo, os iranianos tinham seus recursos contra o Mossad.
Em dezembro de 2004, o Irã prendeu 10 suspeitos de espionagem para
Israel e Estados Unidos; três trabalhavam nas infraestruturas nucleares.
Em 2008, os iranianos anunciaram que tinham desmantelado outra
célula: o Mossad tinha treinado três cidadãos iranianos no uso de
sofisticado equipamento de comunicação, armas e explosivos. Em
novembro de 2008, enforcaram Ali Ashtari, de 43 anos, considerado
culpado de espionagem para Israel. No decurso do seu julgamento, Ashtari
admitiu ter-se reunido com três agentes do Mossad na Europa.
Aparentemente, deram-lhe dinheiro e equipamento eletrônico. “Os agentes
do Mossad queriam que eu vendesse carregamentos de computadores e
equipamento eletrônico aos serviços secretos iranianos e colocasse
dispositivos de escuta em instrumentos de comunicação que vendia”,
testemunhou Ashtari.
Em 28 de dezembro de 2010, no sinistro pátio da prisão de Evin, em
Teerã, os oficiais iranianos enforcaram outro espião, Ali-Akbar Siadat,
considerado culpado de trabalhar para o Mossad e fornecer-lhe informações
sobre o poderio militar iraniano e o programa de mísseis dos Guardas
Revolucionários. Durante os seis anos anteriores, Siadat encontrara-se com
agentes israelenses na Turquia, na Tailândia e na Holanda, e recebera
pagamentos entre 3000 e 7000 dólares americanos por cada encontro.
Os oficiais iranianos prometeram que se seguiriam mais prisões e
execuções.
O ano de 2010, porém, revelou-se um período de tremendos reveses
para o projeto nuclear iraniano. Terá sido devido à falta de peças de alta
qualidade para o equipamento iraniano? Devido a peças e metais
defeituosos que as empresas de fachada do Mossad vendiam aos iranianos?
Devido à queda de aviões, incêndios em laboratórios, explosões nas
instalações de mísseis e nucleares, deserção de altos cargos, morte de
cientistas cruciais, revoltas e reviravoltas entre os grupos minoritários —
em suma, todos os acontecimentos e fenômenos que o Irã atribuía (correta
e incorretamente) aos agentes de Dagan?
Ou foi devido ao último “grande golpe” de Dagan, segundo a
imprensa europeia? No verão de 2010, milhares de computadores que
controlavam o projeto nuclear iraniano foram infetados com o pérfido vírus
Stuxnet.
Classificado como um dos vírus mais sofisticados do mundo, o
Stuxnet atacou computadores que controlavam as centrifugadoras de
Natanz e espalhou o caos. Percebeu-se sem sombra de dúvida que, devido à
sua complexidade, o vírus fora produzido por uma larga equipe de
especialistas e exigira fundos consideráveis para o seu desenvolvimento.
Uma das suas características distintivas era que podia direcionar-se a um
sistema específico, sem causar estragos noutros. A sua presença num
computador também era difícil de detetar. Uma vez no sistema iraniano, era
capaz de alterar, sem que ninguém se desse conta, a velocidade de rotação
de um centrifugadora, tornando o seu produto inútil. Alguns observadores
falaram de dois países que teriam a capacidade de levar a cabo esse ataque
cibernético: os Estados Unidos da América e Israel.
No Irã, o presidente Ahmadinejad tentou minimizar o efeito do
Stuxnet e declarou que o Irã controlava a situação. A verdade, porém, era
que no início de 2011 cerca de metade das centrifugadoras iranianas
estavam imobilizadas.
Os agentes de Dagan atrasaram, alegadamente, o programa de armas
nucleares do Irã com incessantes ataques em variadas frentes ao longo de
muitos anos: pressão diplomática e sanções impostas pelo Conselho de
Segurança da ONU; contraproliferação (impediram que os iranianos
conseguissem as matérias necessárias ao fabrico da bomba); guerra
econômica (proibiram os bancos do mundo livre de fazerem negócios com
o Irã); mudança de regime, apoiando e fomentando a agitação política e
inflamando as divisões étnicas dentro do Irã, onde curdos, azerbaijanos,
usbeques, árabes e turcos constituem 50 por cento da população; e, mais
imediatamente, medidas clandestinas, operações especiais e obscuras contra
o projeto iraniano.
Não podiam, contudo, travá-lo permanentemente, por melhores que
fossem, nem por muito que cooperassem. “O Dagan é o mais acabado
James Bond”, disse um analista superior israelense, mas nem James Bond
conseguiria salvar o mundo neste caso. Conseguiria, quando muito, atrasar
os iranianos.
Só uma decisão governativa iraniana ou um enorme ataque exterior
podiam pôr fim ao sonho de criar um formidável gigante nuclear no lugar
onde se erguera outrora o Império Persa.
E, quando Dagan foi nomeado ramsad (abreviatura de rosh
hamossad, “chefe do Mossad”), os especialistas previram que o Irã teria
poder nuclear em 2005; a data foi subsequentemente adiada para 2007,
2009 e 2011. E quando Dagan deixou o cargo, em 6 de janeiro de 2011,
passou uma mensagem a seu país: o projeto nuclear iraniano fora atrasado,
pelo menos, até 2015. Assim sendo, recomendou a continuação das mesmas
ações, tão eficazes nos últimos oito anos, e o congelamento de qualquer
ataque militar ao Irã. Só quando a lâmina da adaga começar a cortar a pele,
disse, é que devemos atacar.
Ora, a lâmina da adaga estava ainda a quatro anos de distância.
Dagan foi ramsad durante oito anos e meio — mais do que qualquer
outro diretor do Mossad. Foi substituído por Tamir Pardo, oficial veterano
do Mossad que começou a sua carreira operacional como adjunto de Yoni
Netanyahu, o herói do raide israelense de 1976 em Entebbe, e que mais
tarde se destacou como agente ousado, especialista em novas tecnologias e
estrategista criativo de operações invulgares.
Quando passou o testemunho a Pardo, Dagan falou da terrível
solidão dos agentes do Mossad em ação em países inimigos, onde não têm a
quem recorrer, ninguém que os salve em caso de necessidade. Também
admitiu com franqueza os seus fracassos, o mais importante dos quais foi a
incapacidade de descobrir o local onde o Hamas tinha aprisionado o
soldado israelense Gilad Shalit, raptado havia cinco anos. Contudo, a
despeito desses fracassos, os feitos de Dagan conferem-lhe a honra de ser o
melhor ramsad até a data. O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu
agradeceu-lhe “em nome do povo judeu” e deu-lhe um caloroso abraço. Os
ministros do Governo israelense, numa reação espontânea e inédita,
levantaram-se e aplaudiram o ramsad de 65 anos. George W. Bush saudou-o
numa carta pessoal.
Mas o mais importante tributo a Dagan aconteceu um ano antes,
vindo de uma fonte estrangeira, o diário egípcio Al-Ahram, conhecido pela
sua crítica virulenta e hostil contra Israel. A 16 de janeiro de 2010, o jornal
publicou um artigo do conhecido escritor Ashraf Abu El-Haul. “Sem
Dagan”, escreveu El-Haul, “há anos que o projeto nuclear iraniano estaria
concluído [...]. Os iranianos sabem quem esteve por detrás da morte do
cientista nuclear Masud Ali Mohammadi. Todos os líderes iranianos sabem
que a palavra-chave é “Dagan”. Só um punhado de pessoas conhece o nome
do diretor do Mossad israelense. Ele trabalha discretamente, longe da
atenção da mídia. Mas nos últimos sete anos infligiu penosos reveses ao
projeto nuclear iraniano e travou seu avanço”.
“O Mossad é responsável por várias operações ousadas no Oriente
Médio”, escreveu ainda El-Haul, e mencionou alguns dos feitos de Dagan
contra a Síria, o Hezbollah, o Hamas e a Jihad Islâmica (ver Capítulos 18 a
20 ).
“Tudo isto”, concluiu, “fez de Dagan um Super-Homem do Estado
de Israel”.
Não havia super-homens em redor do berço dos serviços secretos
israelenses quando estes nasceram em maio de 1948 — só uma mão-cheia
de veteranos do Shai, que já tinha adquirido muita experiência em
espionagem e operações secretas como serviço de informações do Haganah,
o grande grupo militar clandestino da comunidade judaica na Palestina. No
seu primeiro ano, esses modestos e empenhados combatentes clandestinos
que formavam o recém-nascido serviço secreto militar foram abalados por
violência, disputas intestinas, crueldade e assassinatos, no que ficou
conhecido como caso Be’eri.
3. ENFORCAMENTO EM BAGDÁ

Isser Be’eri, também conhecido como Grande Isser, era um homem


alto e desengonçado, com cabelo grisalho que rareava. As suas
sobrancelhas frondosas escudavam globos oculares escuros e cavernosos, e
um sorriso sardônico rodeava frequentemente os seus lábios finos. Natural
da Polônia, tinha a reputação de ser um homem ascético e modesto, de uma
integridade a toda a prova, mas os seus rivais diziam que era um
megalomaníaco perigoso e feroz. Membro desde há muito do Haganah,
Grande Isser era diretor de uma empresa privada de construção em Haifa.
Era solitário, reservado e pouco sociável, e vivia com a mulher e o filho
numa casa pequena e exposta aos ventos da cidade costeira de Bat Galim.
Pouco depois da criação de Israel, Be’eri fora nomeado para diretor
do Shai pelos comandantes do Haganah. Quando se declarou a
independência, a 14 de maio de 1948, Israel foi atacada por todos os lados
pelos seus vizinhos, e Be’eri tornou-se diretor dos recém-nascidos serviços
secretos militares.
Be’eri era ativo na ala esquerda do movimento trabalhista e tinha
excelentes ligações políticas. Os seus amigos e colegas elogiavam a sua
dedicação à defesa de Israel. A Guerra da Independência duraria até abril de
1949.
Contudo, pouco depois de Be’eri se ter tomado diretor dos serviços
secretos, começou uma série de acontecimentos estranhos e arrepiantes,
aparentemente sem relação.
Um par de caminhantes no monte Carmelo fez uma descoberta
macabra.
Num barranco profundo no sopé da montanha, encontraram um
cadáver semienterrado, crivado de balas. Foi identificado como Ali
Kassem, um conhecido informante árabe dos serviços. Os seus assassinos
tinham-no alvejado e depois tentado queimar o cadáver.
Poucas semanas depois, numa reunião secreta com o primeiro-
ministro Ben-Gurion, Grande Isser acusou Abba Hushi, um influente líder
do Mapai — o partido de Ben-Gurion —, de ser um traidor e agente
britânico. Ben-Gurion ficou aturdido. A Grã-Bretanha tinha sido a potência
dominante na Palestina antes do estabelecimento do Estado de Israel; o
Haganah conduziu uma luta clandestina contra as restrições impostas à
comunidade judaica. Os agentes dos serviços secretos britânicos tentaram
muitas vezes introduzir espiões na liderança judaica. Ainda assim, acusar
Abba Hushi, um dos pilares da comunidade judaica e o líder carismático
dos trabalhadores de Haifa, de traição? Parecia impossível. A princípio, os
líderes de Israel que souberam dela descartaram, indignados, a acusação de
Be’eri. Porém, este tinha descoberto dois telegramas confidenciais enviados
pelos serviços secretos britânicos do posto dos correios de Haifa, em maio
de 1948. Be’eri deixou-os na mesa de trabalho de Ben-Gurion — eram
provas irrefutáveis da traição de Hushi.
Ao mesmo tempo, Be’eri ordenou a prisão de Jules Amster, amigo
de Hushi. Be’eri mandou que Amster fosse levado para um depósito de sal
em Atlit, às portas de Haifa, fosse espancado e torturado durante 76 dias, e
pressionado a admitir que Hushi era um traidor desprezível. Amster
recusou-se a ceder, e acabou por ser libertado já como homem desfeito. Não
lhe restavam dentes, tinha as pernas cobertas de feridas e cicatrizes, e era
atormentado por medos constantes.
A 30 de junho de 1948, enquanto fazia compras num mercado de Tel
Aviv, o capitão do Exército Meir Tubiansky foi preso e levado para Beth
Giz, uma aldeia árabe recentemente ocupada. Os serviços secretos militares
suspeitavam de que Tubiansky, durante o tempo que passou em Israel, tinha
revelado informações ultrassecretas a um cidadão britânico que, por sua
vez, as transmitira à Legião Árabe, o Exército da Jordânia. A artilharia
jordaniana agira com base nas informações e bombardeara fortemente
vários alvos estratégicos espalhados por Jerusalém. Num conselho de
guerra sumário, que durou menos de uma hora, foi acusado de ser espião
dos árabes, considerado culpado e condenado à morte. O pelotão de
fuzilamento, reunido à pressa, executou-o em frente de um grupo de
soldados israelenses aturdidos.
(Tubiansky seria a única pessoa executada em Israel, além de Adolf
Eichmann.)
Os inquéritos sobre mortes e tortura conduziram os investigadores ao
responsável: Grande Isser. Este tinha suspeitado de que Ali Kassem era um
agente duplo e ordenado o seu assassinato.
Após este homicídio, tramou Abba Hushi. Segundo vários
investigadores, Grande Isser tinha contas pessoais a ajustar com Hushi.
Talvez tivesse conseguido, se o principal forjador dos serviços secretos,
assolado pela culpa, não tivesse confessado aos seus superiores que tinha
falsificado, por ordens diretas de Be’eri, os telegramas que implicavam
Abba Hushi.
E também fora Be’eri quem ordenara a apressada prisão e execução
do capitão Tubiansky.
O primeiro-ministro Ben-Gurion agiu de imediato. Be’eri foi julgado
num tribunal militar, depois num tribunal civil, despromovido da sua
patente, dispensado sem honra das Forças Armadas israelenses e declarado
culpado das mortes de Ali Kassem e Meir Tubiansky.
Os líderes israelenses ficaram estupefatos. Os métodos de Be’eri
pareciam transpostos diretamente do infame KGB; a sua personalidade
sinistra, as suas ordens de falsificação, tortura e assassinato eram uma
nódoa nos princípios morais e humanos sobre os quais Israel fora fundada.
O caso Be’eri deixou uma cicatriz pavorosa nos serviços secretos e
teve um profundo impacto na sua evolução. Se, em tempo de guerra, os
líderes civis tivessem evitado condenar Be’eri, os serviços secretos
poderiam ter tomado características completamente diferentes. Poderiam
muito bem ter-se tornado uma organização à imagem do KGB, para quem a
incriminação, a falsificação, a tortura e o assassinato eram práticas
rotineiras. Ao invés, os métodos de Be’eri foram proibidos. Os serviços
secretos definiram limites ao seu próprio poder e basearam as suas
operações futuras em princípios legais e morais que garantissem os direitos
dos indivíduos.
Com o afastamento de Be’eri, outro homem, o exato oposto de
Be’eri, subiu ao palco principal do mundo de sombras israelense: Reuven
Shiloah.
Reuven Shiloah, na casa dos 40, voz suave, reservado, era um
homem de mistérios. Dono de uma cultura rica, uma mente perspicaz e
analítica, e conhecimentos profundos do Oriente Médio árabe, as suas
tradições tribais, clãs dominantes, alianças efêmeras e vinganças
sanguinolentas. Um dos seus admiradores chamou-lhe “a rainha no
tabuleiro de xadrez de Ben-Gurion”, durante o tempo em que foi
conselheiro político de David Ben-Gurion.
Houve quem o comparasse ao ardiloso cardeal Richelieu de França;
outros viam-no como um manipulador subtil, um mestre da manipulação,
um homem que sabia como puxar os cordelinhos nos bastidores. Shiloah
passara toda a vida em missões secretas e trabalho clandestino.
Filho delicado e cortês de um rabino, Shiloah nascera na Velha
Jerusalém.
Sempre formalmente vestido, o elegante jovem meio careca viajara
em missão a Bagdá, muito antes da criação de Israel. Passou três anos no
Iraque, onde se fez passar por jornalista e professor e estudou a política do
país. Mais tarde, serviu como conselheiro político de David Ben-Gurion. Na
Segunda Guerra Mundial, negociou com os britânicos o estabelecimento de
um Corpo de Comando Judeu encarregue de operações de sabotagem na
Europa ocupada. Ajudou a criar duas unidades especiais judaicas desse
gênero: uma foi o batalhão alemão, equipado com armas e uniformes
alemães, que conduziu operações ousadas atrás das linhas inimigas na
Europa; a outra foi o batalhão árabe, cujos membros falavam árabe, se
vestiam como árabes e foram treinados para operar no interior profundo do
território árabe. Também convenceu os britânicos a largarem paraquedistas
judeus voluntários da Palestina sobre a Europa ocupada, para que estes
organizassem focos de resistência judaica local aos nazistas. Shiloah foi o
primeiro a estabelecer contatos com o OSS (Office of Strategic Services,
Escritório de Serviços Estratégicos), percursor da CIA. Na véspera da
Guerra da Independência israelense, viajou para as capitais árabes vizinhas
em missões secretas e trouxe consigo um troféu inestimável: os planos de
invasão dos exércitos árabes.
A necessidade compulsiva de Shiloah de agir sob um espesso manto
de silêncio tornou-se fonte de uma miríade de lendas. Os amigos
costumavam gozar que, quando ele apanhava um táxi e o motorista
perguntava “Para onde?”, Shiloah respondia: “É segredo de Estado.”
Durante a Guerra da Independência, Shiloah dirigiu o serviço de
informações políticas externas. Era um de vários grupos de informações
secretas semi-independentes criados antes do nascimento de Israel. Todavia,
em 13 de dezembro de 1949, Ben-Gurion emitiu uma ordem para o
estabelecimento de “um instituto [em hebraico, mossad] para coordenar as
agências de informações do Estado”, a ser dirigido por Reuven Shiloah.
Porém, foram necessários mais dois anos de atrasos e disputas para
que o Mossad fosse criado. Uma unidade de informações chamada
“departamento político”, cujos membros reuniam informações secretas no
estrangeiro enquanto desfrutavam de generosos recibos de despesas e
levavam vidas deslumbrantes, revoltou-se e recusou-se a continuar a
espionar para Israel ao saber do plano para sua extinção e incorporação ao
Mossad. Só depois que seus membros foram admoestados — e, a maioria,
despedidos — é que Shiloah pôde criar o Mossad.
O nome acabaria por ser mudado para “Instituto de Informações e
Operações Especiais” e o seu lema, escolhido do livro dos Provérbios, 11-
14: “Por falta de governo, arruína-se o povo; onde há muitos conselheiros,
aí haverá salvação.”
Mas nem o novo nome nem o lema tornavam o Mossad singular.
Shiloah estava determinado a conferir-lhe um caráter excecional. O Mossad
seria não só o braço longo de Israel, mas também o braço longo de todo o
povo judeu.
Numa reunião com os seus primeiros recrutas, o ramsad declarou:
“Além de todas as funções de um serviço secreto, temos outra tarefa
crucial: proteger o povo judeu, onde quer que se encontre, e organizar a
imigração dele para Israel.” Com efeito, nos anos subsequentes, o Mossad
ajudou secretamente a criar unidades de autodefesa em locais onde as
comunidades judaicas corriam perigo: Cairo, Alexandria, Damasco, Bagdá
e algumas cidades sul-americanas. Jovens judeus militantes foram sub-
repticiamente trazidos para Israel e treinados pelo Exército e pelo Mossad,
armas foram clandestinamente passadas para países instáveis ou inimigos e
escondidas, judeus locais foram organizados em unidades de autodefesa,
para criar forças capazes de proteger a comunidade judaica de ataques de
uma turba ou de grupos armados irregulares — pelo menos até chegar ajuda
de forças governamentais ou organizações internacionais.
Na década de 1950, o Mossad levou para Israel dezenas de milhares
de judeus ameaçados de países árabes no Oriente Médio e de Marrocos; e,
anos mais tarde, na década de 1980, foi novamente o Mossad que organizou
o salvamento de judeus aprisionados no Irã de Khomeini e possibilitou o
êxodo em massa dos judeus da Etiópia para Israel. Na primeira operação
clandestina da organização no Iraque, porém, deu-se o desastre.
No grande armazém Orosdi Bak de Bagdá, na Rua Rashid, um
jovem chamado Assad explorava uma banca de gravatas. Era refugiado da
Palestina, por ter deixado a sua casa em Acre depois que o Exército
israelense capturou a cidade. Pouco antes de deixar Israel, fizera um favor
ao primo, garçom num café perto do complexo militar local; o primo ficou
doente e pedira-lhe que tomasse seu lugar. Durante uma semana, Assad
percorreu os corredores do quartel militar, com uma bandeja de latão
ornamentado servindo pequenas xícaras de forte café turco aos oficiais do
Exército israelense. Os rostos de alguns desses jovens oficiais perduraram
em sua memória.
Naquele 22 de maio de 1951, enquanto observava os clientes
passeando pelo armazém, reparou num rosto conhecido. Não pode ser,
pensou no início, é impossível! Mas lembrava-se efetivamente do homem
que estava olhando, não de camisa e calça de verão, como nesse dia, mas de
uniforme caqui. Assad alertou imediatamente a polícia. “Acabo de ver um
oficial do Exército israelense! Aqui mesmo, em Bagdá!”
A polícia não demorou a deter o homem de aspecto europeu, que se
fazia acompanhar por um judeu iraquiano magro e desinteressante, de
óculos.
Chamava-se Nissim Moshe e disse à polícia que era mero
funcionário do Centro Comunitário Judeu. “Conheci este turista ontem num
concerto”, explicou, “e ele pediu que lhe mostrasse as lojas”. Quando
chegaram ao quartel-general da polícia, os dois homens foram separados.
Os detetives iraquianos interrogaram Moshe brutalmente sobre o homem
identificado como israelense. Moshe manteve sua história: só tinha
conhecido o turista na véspera. Nas masmorras escuras do quartel-general
da polícia, os interrogadores penduraram Moshe pelos pés e depois pelas
mãos, espancaram-no e ameaçaram matá-lo. O esquálido prisioneiro,
porém, parecia nada saber. Após uma semana de tortura, os iraquianos
decidiram que Nissim Moshe era um zé-ninguém e o libertaram.
O outro prisioneiro repetiu à exaustão que era iraniano, que se
chamava Ismail Salhun, e mostrou aos captores seu passaporte iraniano,
mas continuou a ser torturado. Não parecia iraniano e não falava uma
palavra de persa.
Finalmente, confrontaram-no com Assad, o palestino que o
identificara. “Meu sangue congelou nas veias quando o vi”, disse mais tarde
o prisioneiro. Vergou-se e admitiu: seu nome era Yehuda Taggar (Yudke
Tadjer), era israelense e capitão das Forças Armadas israelenses. Os
detetives arrastaram-no para seu apartamento, destruíram a mobília,
esquadrinharam as paredes e descobriram documentos escondidos: uma
pasta volumosa, colada ao fundo de uma gaveta da mesa.
E o pesadelo começou. Não só para Taggar, mas para toda a
comunidade judaica de Bagdá.
Havia várias organizações israelenses e judaicas clandestinas ativas
em Bagdá, incluindo uma unidade de emigração ilegal, um grupo de
autodefesa e alguns movimentos sionistas e de jovens. Alguns tinham sido
criados ainda antes do nascimento do Estado de Israel. Ao redor de Bagdá,
em vários esconderijos, guardavam armas e documentos, alguns na
sinagoga central de Mas’uda Shemtov. As mais recentes adesões a esses
grupos era um punhado de redes de espionagem, estabelecidas às pressas
antes da criação do Mossad; a compartimentação era quase inexistente, e a
queda de uma podia facilmente significar a queda de todas as outras. Os
judeus iraquianos estavam sentados num barril de pólvora: o Iraque era o
mais vil dos inimigos do jovem Estado de Israel e o único que se recusara a
assinar acordo de armistício com ele. Todos os membros das redes judaicas
secretas sabiam que os iraquianos não mostrariam piedade e que suas vidas
estariam por um fio.
Yehuda Taggar viera precisamente por essa razão: separar a rede de
espionagem de todas as outras. Taggar servira nas forças de elite Palmach,
tinha 27 anos, uma madeixa rebelde caída na testa e um sorriso fácil.
Aquela era sua primeira missão no estrangeiro e, antes da captura,
dera seu melhor para isolar a rede que chefiava dos demais grupos, embora
alguns de seus homens continuassem a participar de outras atividades
secretas. Outro israelense, com passaporte britânico verdadeiro, Peter Yaniv
(Rodney, o Hindu), conduzia uma rede separada, mas mantinha contato com
Taggar.
As comunicações entre Taggar e Tel Aviv passavam pelo
comandante de todos os grupos operacionais em Bagdá: um homem
discreto cuja identidade poucos conheciam. Seu nome falso era Zaki Haviv,
mas na verdade chamava-se Mordechai Ben-Porat, israelense nascido em
Bagdá, antigo oficial na Guerra da Independência de Israel. Mostrara-se
avesso a voltar a Bagdá e estava prestes a se casar com uma moça que
conhecera no Exército, mas acabou por ceder à pressão da comunidade de
serviços secretos e aceitar a arriscada missão.
Nos dias seguintes à prisão de Taggar, toda a organização secreta
desmoronou. Unidades especiais da polícia iraquiana prenderam hordas de
judeus. Alguns sucumbiram aos interrogatórios e conduziram os captores a
seus esconderijos. Os iraquianos descobriram documentos que ligavam
certos judeus a espionagem. Sob as lajes da sinagoga de Shemtov, a polícia
descobriu enorme esconderijo de armas, construído ao longo de vários anos,
após pogrom sangrento em 1941, quando 179 judeus haviam sido
massacrados, 2.118 feridos e centenas de mulheres estupradas. O número de
armas impressionou os iraquianos: 436 granadas, 33 pistolas-metralhadoras,
186 revólveres, 97 carregadores de metralhadora, 32 facas de combate e
25.000 balas.
Durante o feroz interrogatório iraquiano, houve um nome
crescentemente mencionado: Zaki Haviv, o misterioso homem no topo da
clandestinidade.
Mas quem era ele? E onde estava? Finalmente, um jovem detetive
perspicaz estabeleceu a ligação: Zaki Haviv não podia ser senão Nissim
Moshe, o apagado companheiro preso com Taggar e mais tarde libertado.
Hordas de agentes assaltaram a casa de Moshe, mas não encontraram
ninguém. Promoveu-se uma caçada ao homem, de proporções épicas, por
toda a cidade de Bagdá, mas Zaki Haviv desaparecera.
Na verdade, estava no único local em que a polícia nem sonhara
procurá-Io. Estava... na prisão.
Poucos dias depois de sua libertação da prisão com Taggar, Ben-
Porat acordou com fortes pancadas na porta. “Abra, é a polícia!”, gritavam
os agentes. Ben-Porat achou que era o fim. A casa não tinha outra saída e
ninguém em Bagdá puderia salvá-lo agora. E sabia que para um homem em
sua posição só podia haver um veredicto nos tribunais iraquianos: a forca.
Resignou-se e abriu a porta. Lá fora, estavam dois agentes. “Está preso”,
disse um deles.
Ben-Porat fingiu-se surpreso. “Mas o que eu fiz?”
“Oh, nada de grave”, disse o policial. “Só um acidente de carro. Vá,
vista-se.”
Ben-Porat nem queria acreditar. Esquecera completamente o
acidente de meses antes. Havia ignorado as intimações do tribunal, e agora
tinha de enfrentar a justiça iraquiana. O julgamento foi rápido, durou pouco
mais de uma hora. O juiz sentenciou-o a duas semanas de cadeia. Portanto,
enquanto um exército de agentes iraquianos estava em alerta total a sua
procura, Zaki Haviv pagava dívida com a sociedade numa prisão iraquiana.
Antes da sua libertação, duas semanas mais tarde, foi levado ao
quartel-general da polícia, para que tirassem impressões digitais e o
fotografassem. Sabia que estaria condenado, se isso
acontecesse. Conseguiriam identificá-lo como Zaki Haviv e a sentença não
seriam duas semanas de cadeia. Seguiu a pé com seus dois guardas pelas
ruas de Bagdá até o quartel-general, a alguma distância. No caminho,
passaram pelo apinhado mercado de Shurja, exótico, repleto de pequenas
lojas escuras, mercadores apregoando a qualidade dos seus produtos, becos
estreitos e sinuosos. Ben-Porat esperou até o momento certo e empurrou
suas escoltas, mergulhou na multidão e desapareceu. Os policiais nem
tentaram persegui-lo. Afinal de contas, seria libertado daí a uma hora,
portanto, para que dar-se ao trabalho?
Contudo, quando prestaram contas do incidente, o mundo caiu.
Tinham deixado fugir Zaki Haviv, o homem mais procurado do Iraque! A
imprensa de oposição descobriu e atacou a incompetência do Governo com
manchetes indignadas. “Onde está Haviv?”, perguntou um jornal, para
responder logo a seguir: “Haviv... em Tel Aviv!”
Em Tel Aviv, os chefes de Ben-Porat preparavam meticulosamente
sua fuga do Iraque. Enquanto ele se escondia na casa de um amigo, o plano
arrojado era posto em prática. Estava em marcha uma gigantesca ponte
aérea para o transporte de toda a comunidade judaica do Iraque para Israel,
com passagem por Chipre. Havia cerca de 100.000 judeus em fuga do
Iraque e enormes aviões decolavam quase todas as noites.
Na noite de 12 de junho, Ben-Porat vestiu a melhor roupa que tinha e
chamou um táxi. Os amigos tinham-no encharcado de araca, um licor local,
e, a tresandar de álcool, Ben-Porat caiu sobre o banco de trás do táxi e
fingiu adormecer. O motorista ajudou o seu cliente embriagado a sair,
deixou-o numa ruela próxima do aeroporto de Bagdá e foi embora. Uma
vez sozinho, Ben-Porat apressou-se a chegar à vedação do aeroporto; sabia
exatamente onde tinha sido cortada e entrou despercebido. Na pista, um
avião acabara de carregar emigrantes e esperava a sua vez para decolar.
Subitamente, o piloto apontou as luzes à torre de controle, cegando
momentaneamente os controladores aéreos. O avião ganhou velocidade, a
porta traseira abriu, já a três metros do chão, e dela pendeu uma corda.
Vindo da escuridão, Ben-Porat correu na direção do aparelho,
agarrou-se à corda e foi puxado para o avião, que levantou voo logo a
seguir. Nem as equipes de terra nem os passageiros repararam nesta fuga
aparentemente saída de um filme de ação.
Enquanto o avião sobrevoava a cidade, as suas luzes ligaram-se e
desligaram-se três vezes. “Deus seja louvado”, murmuraram alguns homens
reunidos num telhado. O amigo estava são e salvo, a caminho de casa.
Poucas horas depois, Haviv estava, realmente, em Tel Aviv.
Casou-se com a namorada e nos anos seguintes virou-se para a
política, tornou-se deputado, ministro, e é, hoje em dia, um líder venerado
dos judeus iraquianos em Israel.
Quem ficou para trás não teve tanta sorte. Inúmeros judeus foram
presos, espancados e torturados. Taggar e outros 21 judeus foram acusados
de subversão. Dois proeminentes judeus de Bagdá, Shalom Salach e Joseph
Batzri, foram acusados da posse de explosivos e armas e condenados à
morte.
Pouco antes de seu julgamento começar, Taggar foi acordado no
meio da noite e rodeado por policiais em sua cela. “Vai ser enforcado esta
noite”, anunciou um chefe de investigação.
“Mas não podem enforcar um homem sem julgamento!”, protestou
Taggar.
“Ah não? Já sabemos tudo sobre você; é oficial israelense, espião.
Não precisamos saber mais.”
Um rabino de longas barbas entrou, sentou-se ao lado de Taggar e
começou a ler os Salmos. Às três e meia da manhã, os oficiais levaram
Taggar para a câmara de execução. Caminhou entre eles, boquiaberto.
Poucas semana antes, tinha visitado a família em Jerusalém e, no caminho,
aproveitara os prazeres de Paris e Roma. E agora seria pendurado na ponta
de uma corda.
Os iraquianos obrigaram-no a assinar vários formulários — a
máquina da burocracia, até num momento daqueles —, depois o carrasco
levou seus anéis e o relógio. Taggar pediu que seu cadáver fosse enviado
para Israel.
O carrasco posicionou-o sobre um alçapão e prendeu sacos de areia a
seus pés.
Depois, Taggar foi obrigado a virar as costas para o carrasco, que lhe
passou o laço pelo pescoço e segurou a alavanca que controlava o alçapão.
Taggar rejeitou o capuz negro com que tentaram cobrir-lhe a cabeça. O
carrasco olhou para seu superior, um dos vários que esperavam em frente ao
homem que ia morrer. Taggar pensou na família, na sua Jerusalém natal, na
vida que poderia ter tido. Será que meu pescoço vai quebrar? perguntou-se,
e sentiu que o tomava um medo devorador.
E então, de repente, os oficiais saíram. Taggar foi afastado do
alçapão. O carrasco, mal-humorado, retirou os sacos de areia dos pés de
Taggar e o laço de seu pescoço, resmungando que tinha perdido o salário
daquela noite. Taggar, estupefato, percebeu que não morreria! Tudo, tudo
até o mais ínfimo pormenor, fora um truque. Tinham esperança de que ele
sucumbisse e revelasse mais detalhes de seus cúmplices. Mas agora,
conforme se arrastava para a sua cela, ainda vivo, Taggar encheu-se de
certeza de que não morreria numa prisão iraquiana. Os amigos
conseguiriam tirá-lo dali.
Quando o julgamento terminou, foi condenado à morte, mas a
sentença foi imediatamente transformada em prisão perpétua. Batzri e
Salach foram enforcados. Passaram sua última noite na Terra com Taggar
tentando animá-los.
Foi então que começou a Via Dolorosa a que, de algum modo,
“Yudke” conseguiu sobreviver. Mesmo na companhia de assassinos,
prisioneiros políticos e guardas sádicos em variadas prisões iraquianas,
nunca deixou de acreditar que não morreria em cativeiro. Um dia seria
livre!
Teve de esperar nove anos. Em 1958, o general Abdul Karim
Kassem tomou o poder num golpe de Estado, depois de assassinar o
primeiro-ministro iraquiano e a família real. Dois anos depois, porém,
alguns de seus mais próximos aliados forjaram um plano para assassiná-lo
(o que conseguiriam em poucos anos). O Mossad soube do plano e o
ramsad estabeleceu imediatamente contato com os aliados de Kassem, e
conseguiu chegar a um acordo com eles: daria os nomes dos conspiradores
em troca da liberdade de Yehuda Taggar.
Taggar estava em sua cela escura e sombria quando os guardas lhe
entregaram uma muda de roupa caqui. “Vista isto!”, ordenaram. “Vai para
Bagdá.”
Um carro da polícia levou o aturdido Taggar ao palácio real, e um
grupo de soldados escoltou-o até um enorme gabinete. Sentado atrás de
uma mesa ornamentada estava uma figura familiar — o próprio presidente
Kassem. Taggar percebeu subitamente: iam libertá-lo! Kassem demorou-se
a estudar o rosto do israelense. “Diga-me”, acabou por dizer, “se for
declarada guerra entre Iraque e Israel, lutará contra nós?”
“Quando voltar ao meu país”, respondeu Taggar, “farei tudo ao meu
alcance para semear o entendimento e a paz entre Israel e os Estados
árabes. Mas se estourar a guerra, lutarei por Israel, tal como você lutou
muitas vezes por seu país”.
Kassem deve ter gostado da resposta. Levantou-se. “Quando chegar
em casa”, declarou, “diz a seu povo que o Iraque, agora, é um Estado
independente. Já não somos os lacaios do imperialismo”.
Do palácio, Taggar foi levado de carro para o aeroporto. Mal podia
acreditar. Puseram-no num avião para Beirute, depois num voo para
Nicósia, Chipre, até finalmente aterrissar em Israel. No aeroporto,
esperavam-no amigos e colegas. Estavam esperando um homem abatido,
um farrapo humano, mas o sujeito que desceu do avião era o mesmo rapaz
vigoroso, extrovertido e sorridente que tinham visto pela última vez mais de
nove anos antes. Como aguentou? perguntaram. Como manteve a sanidade,
o otimismo? “Sabia que me tirariam de lá”, respondeu Yudke,
simplesmente.
Ao trazerem Taggar para casa, as chefias do Mossad tinham
cumprido outro dos princípios forjados no seu início: não se poupam
esforços, não se poupam meios, não se poupam sacrifícios para trazer os
nossos de volta a casa.
Em Israel, Taggar casou-se, construiu família e, após uma brilhante
carreira diplomática no estrangeiro, tomou-se professor universitário.
Reuven Shiloah não teve nenhum envolvimento na tragédia de
Bagdá.
E, contudo, no final de 1952, demitiu-se. Foi substituído por uma
estrela recém-emergida no mundo de sombras dos serviços secretos
israelenses.
4. UM INFILTRADO SOVIÉTICO E UM CADÁVER
NO MAR

Ze’ev Avni ansiava por se tornar agente do Mossad.


Enquanto fazia o caminho para a sede do Mossad, naquele dia
chuvoso de abril de 1956, desejava de todo o coração sair de lá como
empregado da organização. Havia anos que tentava ser um dos poucos
escolhidos, era o objetivo mais importante da sua vida.
Nascido com o nome de Wolf Goldstein em Riga, na Letônia,
crescera na Suíça, servira no Exército suíço na Segunda Guerra Mundial e
emigrara para Israel em 1948. Mudara de nome, para o hebraico Ze’ev Avni
e, passados dois ou três anos a viver e trabalhar no kibbutz Hazorea, tinha
entrado no Ministério dos Negócios Estrangeiros e sido colocado em
Bruxelas.
Apresentável, culto, fluente em várias línguas, encantara os seus
superiores com as suas boas-maneiras e diligência; e também com a sua
disposição a voluntariar-se, qualquer que fosse a tarefa, especialmente se
envolvesse o Mossad. Sempre que era preciso que um diplomata
funcionasse como mensageiro secreto, para uma viagem urgente para outra
cidade, para entregar documentos classificados a uma unidade secreta do
Mossad nalgum ponto da Europa, Avni era o primeiro a oferecer-se. A sua
cooperação frequente com o Mossad fazia dele informalmente um dos
homens da organização na Europa, e essa colaboração intensificou-se
quando Avni foi transferido para a Embaixada de Israel em Belgrado, na
Iugoslávia. Em várias cartas ao ramsad Isser Harel, Avni sugeriu o
estabelecimento de uma célula do Mossad em Belgrado. Harel recusou — o
Mossad não tinha necessidade de uma célula na Iugoslávia — mas Avni não
desistiu. Em abril de 1956, regressou a Israel para fazer uma visita
particular e pediu para ser recebido pelo ramsad. O pedido foi aceito e
naquele dia ia encontrar-se com Isser Harel pela primeira vez.
Entrou tenso e nervoso no gabinete de Harel, situado numa casa
velha na antiga colônia alemã em Tel Aviv. Harel fora nomeado ramsad
havia menos de quatro anos, mas já era uma lenda. As pessoas admiravam e
receavam aquele homem baixo e enigmático; corriam pelos corredores meio
iluminados do Mossad histórias tanto verdadeiras como falsas sobre ele.
Avni ouvira isto e aquilo sobre Harel, apelidado o “Pequeno Isser”,
para se distinguir do “Grande Isser”. Avni receou o encontro, dados os
rumores sobre a teimosia do Pequeno Isser, suas maneiras desabridas e
intuição fantástica.
Contudo, o homem baixo, esguio e meio careca, de camisa de
mangas curtas, que recebeu Avni em sua sala monástica, era gentil e afável.
Admitiu-se impressionado pela conduta e esperteza política de Avni.
Perguntou a Avni por que voltara a Israel naquela hora e ele explicou
que a filha que tinha do primeiro casamento pedira que a visitasse.
“Que idade tem sua filha?”, perguntou Isser, sorriso no rosto.
“Oito anos.”
“Oito anos?” Isser pareceu surpreso. Achou estranho que um
diplomata no estrangeiro corresse para casa só porque a filha pequena o
tinha chamado. Avni começou então a explicar em detalhes as relações
complexas que tinha com a primeira mulher, a filha e a atual mulher. Isser
mostrou-se impaciente, interrompeu-o e disse que não haveria nenhuma
célula do Mossad em Belgrado. Quanto ao futuro de Avni, o que disse
foi: “Veremos, depois de ter cumprido a sua missão na Iugoslávia.” Avni
ficou esmagado.
No entanto, antes de Avni sair, Isser ofereceu-se para nova reunião,
passados poucos dias. “Mas não neste edifício. Há demasiadas pessoas a
entrar e a sair. Encontramo-nos no meu escritório secreto do centro da
cidade. O meu motorista leva-o lá.”
Ainda havia esperança, pensou Avni. Caso contrário, porque é que
Isser havia de o querer ver novamente?
Poucos dias depois, Avni entrou num apartamento corriqueiro no
centro de Tel Aviv. Já não tinha motivos para temer Isser. Afinal, ele tinha
sido simpático na primeira reunião.
Isser esperava-o e conduziu-o a uma sala grande: paredes despidas,
uma mesa de trabalho, um par de cadeiras, janelas com persianas corridas.
Avni sentou-se e Isser metamorfoseou-se de repente num touro enraivecido.
O seu rosto contorceu-se, bateu com os punhos na mesa e berrou: “És um
agente soviético! Confessa! Confessa!” E novamente: “Confessa!”
Continuou a bater com os punhos cerrados na mesa, aos gritos: “Sei que
foram os soviéticos que te mandaram! Sei que és um espião! Confessa!”
Avni ficou petrificado. Sentiu-se incapaz de dizer uma palavra que
fosse.
“Confessa! Se colaborares comigo, tentarei ajudar-te, senão...”
O coração de Avni batia-lhe desgovernadamente no peito. Estava
coberto de um suor frio e a língua pesava-lhe como chumbo. Estava certo
de que tinha chegado a sua hora e que Isser o mandaria matar.
Por fim, ganhou força para pronunciar algumas palavras.
“Confesso”, murmurou. “Trabalho para os russos.”
Isser abriu uma porta secreta, para deixar entrar dois dos seus
melhores agentes e um policial. Este prendeu Avni, que foi levado para uma
sala de interrogatório. Depois, gradualmente, Avni revelou a sua identidade
e o seu verdadeiro objetivo. Comunista fervoroso desde a adolescência,
tinha sido recrutado pelo GRU soviético (o serviço de espionagem do
Exército Vermelho) enquanto vivia na Suíça e tinha espionado para a União
Soviética durante a Segunda Guerra Mundial. Pouco depois, tinha sido
aconselhado a emigrar para Israel e esperar. Ia tomar-se um infiltrado de
longa duração.
Aguardou uma mensagem de Moscou durante muitos anos, mas as
chefias da espionagem russa tinham esperado e só o haviam contactado
depois de ser colocado em Bruxelas. De lá, Avni passou-lhes informações
importantes sobre os negócios de Israel com a FN, um fabricante de
armamento da Bélgica, forneceu-lhes os códigos do Ministério dos
Negócios Estrangeiros israelense e até revelou os nomes de dois antigos
nazistas alemães que espionavam para Israel no Egito. Para surpresa dos
seus contatos, os dois alemães tinham sido apressadamente expulsos do
Egito. Mas, para os funcionários russos responsáveis por Avni, era preciso
mais. Queriam que o seu homem se infiltrasse no Mossad. E era isso que
Avni tentava a todo o custo conseguir, até o momento em que Isser lhe
gritara: “Confessa!”
E, quando confessou, Avni não sabia a parte mais chocante: podia ter
saído ileso da armadilha de Isser! O ramsad não tinha um único indício
contra ele, apenas suspeições; nem a menor prova de que Avni era espião.
Era verdade que há já muito tempo que alguém comentara com Isser que
Avni fora expulso do seu kibbutz devido às suas ideias comunistas.
Mas... espião soviético?
Isser agira por pura intuição. Os esforços incansáveis de Avni para
entrar no Mossad; a visita aparentemente estranha à filha; as tentativas de
convencer Isser a estabelecer uma célula do Mossad em Belgrado... Todas
essas pequenas ocorrências se juntaram na mente perspicaz de Isser e
conduziram-no a uma conclusão improvável: um espião, um traidor, quase
penetrara no sanctum sanctorum de Israel.
No julgamento, Avni confessou tudo e foi condenado a 14 anos de
prisão.
Saiu em liberdade condicional ao fim de nove, tornou-se um cidadão
exemplar e psicólogo. Isser disse ao seu biógrafo que Avni foi o espião mais
perigoso alguma vez apanhado em Israel, mas também o “mais charmoso”,
e falou calorosamente dele como o “espião cavalheiro”.
O próprio Avni contou-nos que, ao longo dos anos, algumas das mais
altas patentes policiais e interrogadores do Shabak (mais ou menos
equivalente ao FBI americano) se tornaram seus grandes amigos.
A “Operação Pigmalião”, como o caso Avni foi apelidado, foi,
durante muitos anos, um dos segredos mais bem guardados do Mossad. Mas
para os poucos que o sabiam, era mais uma prova dos incríveis instintos de
Isser.
Mas quem era o Pequeno Isser? Taciturno, tímido, teimoso como
uma mula, terá nascido na velha cidade fortificada de Dvinsk, na Rússia
imperial; dizia-se que, quando emigrara para Israel, com 18 anos,
transportara na mochila um pão dentro do qual tinha um revólver. Pequeno
Isser começou por estabelecer-se no kibbutz Shefayim, onde se casou com
uma divertida cavaleira chamada Rivka. Duro, teimoso e decidido, deixou o
kibbutz, por razões desconhecidas, com a mulher, a filha e a roupa do
corpo. Durante a Segunda Guerra Mundial, juntou-se ao Haganah e
depressa se tornou chefe do departamento judeu do Shai, que descobria
traidores e dissidentes. Os “dissidentes” eram dos grupos Irgun e Stern,
duas organizações clandestinas de direita que contestavam a autoridade e a
política de David Ben-Gurion e da comunidade judaica organizada. Após a
demissão do Grande Isser, o Pequeno Isser tornou-se diretor do Serviço de
Segurança Interna, o Shabak.
O Mossad mal tinha começado a funcionar quando Ben-Gurion,
numa decisão súbita, aceitou a demissão de Reuven Shiloah e nomeou Isser
diretor do Mossad. A razão oficial da mudança foi um acidente de viação
que teria deixado Shiloah incapacitado, mas o rumor que correu no Mossad
foi que Isser tinha pressionado Shiloah a sair, depois de convencer Ben-
Gurion de que o ramsad era um tipo culto e simpático, mas incapaz de
liderar agentes duros e delinear operações secretas.
Sob o comando de Isser, a comunidade dos serviços de informação
adquiriu a sua forma definitiva. Era composta por cinco serviços: o Mossad,
o Shabak, a Aman (serviços secretos militares), o ramo especial da polícia,
e a divisão de investigação do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Destes, apenas o Mossad, a Aman e o Shabak eram importantes; os outros
dois não eram tão considerados. Os diretores dos cinco serviços e os seus
adjuntos formavam o “Comitê dos Chefes dos Serviços”. Isser foi
designado como presidente. Ben-Gurion também criou um título especial
para ele: memunneh, presidente dos serviços de segurança. Logo depois de
nomear Pequeno Isser para esse novo cargo, Ben-Gurion comentou: “Claro
que continuará a dirigir o Shabak, ainda que agora você tenha o Mossad.”
Isser escolheu um novo diretor do Shabak, embora o controle global do
Mossad e do Shabak permanecesse em suas mãos.
Foi assim, portanto, que o Pequeno Isser se tornou o czar dos
serviços de inteligência de Israel.
A “Operação Pigmalião” foi apenas uma das várias operações
cruciais que Isser dirigiu nos primeiros anos de existência de Israel, quase
todas contra espiões soviéticos, muitos dos quais foram capturados, presos
ou expulsos.
Mas os espiões não trabalhavam todos para os soviéticos. E nem
todas as histórias de espionagem têm um final feliz.
Numa tarde do início de dezembro de 1954, um cargueiro solitário
voava pelos céus do Mediterrâneo Oriental. Quando os pilotos confirmaram
que não havia navios de alto-mar na área, abriram uma das portas do avião
e deixaram cair um grande objeto no mar — um cadáver.
O avião regressou e, uma hora depois, aterrissou em Israel. Foi assim
que a “Operação Engenheiro” (nome fictício) terminou, uma operação que
permaneceu ultrassecreta por mais de 50 anos.
Em 1949, chegaram a Haifa três irmãos de uma família judaica da
Bulgária. O mais velho, Alexander Israel, acabara recentemente a
Faculdade de Engenharia em Sófia. Alistou-se no Exército, foi-lhe atribuído
o posto de capitão e destacaram-no para a Marinha israelense. O capitão
Israel era um jovem bonito e extremamente charmoso. Estimado pelos seus
superiores, foi posto a fazer pesquisa ultrassecreta em guerra eletrônica e
desenvolvimento de novas armas. Detentor de autorizações de alta
segurança, tinha acesso a materiais extremamente sensíveis. Mudou o
primeiro nome para o nome hebraico Avner e, em 1953, casou-se com
Matilda Arditi, uma jovem bonita de origem turca. O jovem casal instalou-
se em Haifa, perto da maior base naval israelense. Matilda estava
profundamente apaixonada pelo seu carismático marido, mas inconsciente
dos aspectos menos encantadores da sua personalidade.
Não sabia que ele tinha um longo e variado cadastro na polícia.
Avner Israel fora acusado de alugar o mesmo apartamento a mais de um
arrendatário em simultâneo, de fingir ser representante de uma empresa de
frigoríficos e recolher adiantamentos de frigoríficos nunca entregues, e
outras queixas do gênero. Um caso chegou a tribunal, e o acusado foi
intimado a testemunhar a 8 de novembro de 1954.
Matilda, grávida, não sabia das fraudes do marido, nem do caso dele
com uma bonita secretária do consulado italiano em Haifa. Avner chegou a
pedi-la em casamento, e a jovem italiana concordou com uma condição:
primeiro, Avner tinha de se converter ao catolicismo.
Para o jovem Avner, não havia problema de maior. Já se convertera
uma vez, na Bulgária, quando foi forçado a casar-se com outra moça cristã
que seduzira. A família dela, furiosa, exigira — quase sob a ameaça de
arma — que ele se convertesse e se casasse com a jovem. Logo após o
casamento, Avner fugiu de Sófia, a sua mulher suicidou-se e ele voltou a
Sófia e ao judaísmo.
Agora, voltou a fazê-lo. Viajou para Jerusalém com a amante, foi
batizado no convento da Terra Santa e mudou o nome para Ivor. Com
documentos fornecidos pela Igreja, o charmoso capitão registrou-se no
Ministério do Interior e conseguiu um passaporte com o seu novo nome,
Alexander Ivor.
Ele e a namorada italiana estabeleceram o dia 7 de novembro como
data do casamento. A sessão de julgamento em Haifa estava marcada para 8
de novembro. Avner Israel, ou Alexander Ivor, não fazia tenções de honrar
nenhum destes compromissos. Chegara o momento de desaparecer.
No final de outubro, o capitão Israel tirou uma licença de duas
semanas.
Não tinha visto de saída, mas Alexander Ivor tinha, assim como
todos os documentos, alguns autênticos, outros falsos. Comprou um bilhete
de avião para Roma e, em 4 de novembro, foi embora. Nem a mulher nem a
“noiva” souberam da partida. Desaparecido o noivo, a italiana deu início a
uma busca ansiosa. Acabou por se virar para a polícia de Haifa; com a ajuda
da polícia, descobriu o endereço dele e foi em choque que lá encontrou
Matilda Israel, no sétimo mês de gravidez.
Em Roma, Avner Israel desapareceu, mas não por muito tempo. O
agente local do Mossad no terreno tinha boas fontes na comunidade
diplomática
árabe em Itália. A 17 de novembro, chegava um telegrama urgente
ao quartel-general do Mossad, em Tel Aviv: “Um oficial israelense,
Alexander Ivor ou Ivon ou Ivy, está cá a tentar vender informações militares
ao adido militar egípcio.”
O ramsad e Amos Manor, novo diretor do Shabak, uniram forças
para descobrir quem era o responsável. Em poucos dias, descobriram a sua
identidade e ficaram consternados ao saber que se tratava de um oficial
naval israelense. Outro telegrama de Roma foi ainda mais perturbador: o
agente do Mossad informava que Israel vendera aos egípcios planos
pormenorizados de uma grande base das Forças Armadas israelenses em
Israel, e tinha recebido 1500 dólares americanos, que depositara no banco
Credit Suisse.
Dizia-se que tinha prometido mais informações aos egípcios e
concordara ir ao Egito para uma reunião local.
Poucos dias depois, outro telegrama: “A Embaixada do Egito
comprou dois bilhetes para o Cairo, para final de novembro, na agência da
TWA.
Parece que os dois passageiros serão o adido militar egípcio e o
oficial israelense.”
O quartel-general do Mossad ficou em polvorosa. Para Isser, havia
uma enorme diferença entre uma reunião de um informante com um adido
militar num país estrangeiro e a transferência desse mesmo informante para
a capital egípcia, onde seria interrogado por especialistas que conseguiriam
obter dele informações mais pormenorizadas e perigosas. Isser estava
determinado a evitar — a todo o custo — o voo de Avner Israel para o
Cairo.
Decidiu enviar a sua equipe operacional para Roma. Nesses
primeiros tempos, o Mossad ainda não tinha um departamento de operações
e servia-se da unidade operacional do Shabak. O seu comandante, um dos
melhores agentes que Israel tinha, era uma lenda para os seus homens —
chamava-se Rafi Eitan. Nascera num kibbutz e era um tipo jovial, baixinho,
atarracado, de óculos, mas também audaz, inventivo e implacável. Fora
combatente do Palmach nos anos que precederam a independência, estivera
profundamente envolvido na Aliya Beth, a organização secreta que fazia
entrar clandestinamente judeus na Palestina, a despeito das restrições
britânicas.
Tinham de fugir da Europa em barcos periclitantes, evitar os navios
de guerra britânicos que patrulhavam a costa palestina, desembarcar em
praias desertas e depois misturar-se com a população judaica local. A
façanha mais famosa de Rafi fora a destruição à bomba das instalações de
radar britânicas no monte Carmelo, perto de Haifa, que detetavam a
aproximação das embarcações da Aliya Beth. Para chegar ao radar, Rafi
rastejara por esgotos nojentos e ganhara o apelido “Rafi, o Malcheiroso”.
As suas subsequentes atividades durante a Guerra da Independência
confirmaram a sua bravura e ardilosa inteligência. Quando reuniu a sua
equipe operacional, Isser recrutou pessoas com passados variados:
sobreviventes do Holocausto, antigos combatentes do Palmach e do
Haganah, antigos membros dos grupos Irgun e Stern — militantes de direita
que ele tinha perseguido durante a luta pré— independência. (Um dos
recrutas do Mossad foi Yitzhak Shamir, antigo líder do Stern e futuro
primeiro-ministro.)
Não demorou que Rafi fosse nomeado chefe da equipe operacional.
Partiu para Roma, juntamente com os agentes Raphael Medan e
Emmanuel (Emma) Talmor. Pouco depois chegaram outros agentes.
Montaram imediatamente uma emboscada no aeroporto Fiumicino,
de Roma.
Na última reunião antes da partida, Isser ordenara que segurassem
Avner Israel no aeroporto. “Ele não deve, em hipóstese alguma, entrar
naquele avião. Finjam uma confusão, dominem o homem, machuquem se
preciso for. E, se nada mais der certo, atirem para matar!”
Foi a primeira vez que os agentes israelenses tiveram licença para
matar.
Mas o ataque no aeroporto nunca aconteceu. A informação sobre a
viagem ao Egito era, aparentemente, errônea. Israel continuou em Roma
durante algum tempo e, depois, subitamente, foi embora e começou a viajar
pela Europa, com a equipe de Eitan nos calcanhares. Como se tentasse
desembaraçar-se de quem o perseguia, foi a Zurique, Genebra,
Gênova, Paris, Viena...
E depois, subitamente, o capitão Israel desapareceu. Os agentes do
Mossad procuram-no por todo o lado, sem êxito. Mas, então, a sorte
habitual de Rafi Eitan manifestou-se. Vivia em Viena um representante
especial israelense de uma organização secreta chamada Nativ, cuja missão
era acelerar a fuga de judeus da Rússia e do Bloco de Leste — e levá-los
para Israel. O homem da Nativ mantinha ligações próximas com o Mossad.
Um dia, em dezembro, sua mulher, de origem búlgara, tinha uma surpresa
para ele.
“Não vais acreditar nisto”, disse ela, entusiasmada. “Esta manhã,
encontrei um amigo meu de Sófia na rua. Não o via há anos. Estivemos
juntos na escola, na mesma turma! Que coincidência, não é?”
“Não me diga! Como se chama ele?”, perguntou o marido.
“Alexander Israel. Vamos almoçar juntos amanhã.”
O representante da Nativ sabia que Eitan procurava um homem que
correspondia à descrição de sua mulher e alertou-o imediatamente. No dia
seguinte, dois agentes do Mossad foram almoçar no mesmo restaurante, e
sentaram-se perto da mesa onde Alexander Israel e a amiga de infância
trocavam recordações. Quando Israel se afastou os agentes colaram nele
como sombras.
Alguns dias mais tarde, “Alexander Ivor” embarcou num avião das
linhas aéreas austríacas rumo a Paris. No lugar a seu lado estava uma
mulher jovem e atraente. Ivor, mulherengo incurável, começou a conversar
com ela, que respondeu de bom grado. Decidiram encontrar-se de novo em
Paris, para jantar. Mesmo antes de aterrissar, ela perguntou ao oficial: “Uns
amigos meus vêm me buscar no aeroporto. Quer carona? Tenho certeza de
que haverá espaço no carro.”
Ivor ficou satisfeitíssimo. No aeroporto, dois cavalheiros bem
vestidos esperavam a senhora. Entraram os quatro no carro e dirigiram-se
para Paris.
Ivor sentou-se ao lado do motorista. A noite caíra. O motorista
reparou num homem à espera num cruzamento mal iluminado, acenando,
como se pedisse carona. “Vamos levá-lo”, disse. Parou o carro e,
subitamente, o homem que pedia carona e alguns outros homens, surgidos
das sombras, convergiram para o veículo, enquanto outro carro parava atrás
dele.
“Estamos sendo sequestrados!”, gritou Ivor. Subitamente, o homem
atrás dele apertou-lhe a garganta. Ivor lutou freneticamente contra o
controle do atacante. A porta do carro abriu e o homem lá fora saltou sobre
Ivor e dominou-o. Depois, puxou uma arma e gritou em hebraico: “Mexa-se
e morre!”
Ivor não mexeu um músculo. Uma mão com algodão embebido em
clorofórmio caiu sobre seu rosto, e Ivor adormeceu profundamente.
Avner foi sub-repticiamente levado para um esconderijo em Paris,
onde Rafi Eitan e seus homens o interrogaram. Admitiu que tinha vendido
documentos ultrassecretos aos egípcios, e que o fizera por dinheiro. De
Israel, Isser enviou telegrama com ordem para que o levassem a Israel. Até
o traidor mais comum, considerava, devia ser julgado e ter seus direitos
legais respeitados. Eitan e seus homens arrastaram Avner, puseram-no numa
grande caixa de transporte e o carregaram para um avião de carga Dakota,
da Força Aérea israelense, que costumava voar uma vez por semana de
Paris para Tel Aviv.
O caminho até casa foi longo e desgastante. O avião teve de
reabastecer o depósito em Roma e Atenas. Com o grupo, viajava um
conhecido médico — um anestesista chamado Yona Elian. Antes de cada
aterragem e decolagem, o médico administrava um soporífero ao
passageiro. Depois da decolagem de Atenas, contudo, deu-se o desastre.
Avner Israel, inconsciente, começou de repente a respirar ofegantemente; a
pulsação acelerou e o coração desatou a bater descompassado. O Dr. Elian
fez esforços frenéticos para o estabilizar e controlar o ataque, incluindo
tentar reanimar Avner, já com convulsões, por meio de respiração artificial,
mas sem êxito. Muito antes de o avião aterrissar em Israel, o prisioneiro
morreu.
Imediatamente depois da chegada, os agentes de Mossad
telefonaram a Isser e informaram-no da morte de Israel. O ramsad ordenou-
lhes que deixassem o cadáver a bordo e disse ao piloto que voltasse a
decolar. Longe da costa de Israel, o cadáver foi atirado do avião.
Este percalço inesperado originou um tumulto na sede do Mossad.
Isser apressou-se a apresentar-se no gabinete do primeiro-ministro Moshe
Sharett, e pediu-lhe que nomeasse uma comissão de inquérito para
investigar a morte do oficial. Sharett nomeou uma comissão de dois
homens, que desresponsabilizou os agentes do Mossad de qualquer
irregularidade. Tudo o que tinham feito, determinou a comissão, fora trazer
o homem para julgamento; não eram culpados da sua morte. A principal
causa de morte, concluíram, fora aparentemente uma sobredosagem do
soporífero que o médico injetara. Quando lhe perguntaram, anos mais tarde,
o médico continuou a afirmar que a morte fora causada por mudanças
abruptas na pressão do ar dentro da aeronave. (Em 1960, participou, mais
uma vez como anestesista, na captura de Eichmann na Argentina.)
Os agentes de Isser verificaram os papéis de Avner Israel e
descobriram declarações e cartas de recomendação da Igreja Católica de
Jerusalém.
Depois de vender segredos aos egípcios, Avner planeava fugir para a
América do Sul; na sua bagagem havia um bilhete marítimo para o Brasil.
Outro problema que Isser tinha de resolver era a família de Israel.
Devia ter convidado Matilda a visitá-lo e ter-lhe contado a verdade. Mas os
chefes do Mossad, embaraçados com o triste final da história, preferiram
enterrar o assunto e tiveram o apoio total do primeiro-ministro Sharett. O
Mossad fez circular pelos jornais histórias fabricadas sobre o capitão Avner
Israel. Estas davam a entender que Avner tinha fugido de Israel depois de se
enredar em dívidas e aventuras românticas. As histórias saíram nas
primeiras páginas dos jornais.
Durante muitos anos, Matilda, os irmãos do marido e o filho dos
dois, Moshe Israel-Ivor, não souberam o que verdadeiramente aconteceu.
Achavam que ele morava em outro lugar, talvez na América do Sul.
Foi uma mentira imperdoável.
A primeira falha da missão foi a maneira como trataram Israel —
embora este fosse um traidor —; a segunda foi a conspiração de silêncio, a
expunção do nome de Israel dos registros militares, e o engano da sua
mulher e irmãos pelo Mossad. Rafi Eitan e vários agentes do Mossad
opuseram-se veementemente à decisão do ramsad de atirar o cadáver ao
mar e enganar a família, mas tinham as mãos atadas. “O Pequeno Isser era o
rei dos serviços de segurança naquele tempo”, disse-nos Eitan. “Era o
senhor absoluto dos serviços secretos e a comunidade de informações nunca
contrariava as decisões dele.”
A publicação desta história, anos depois, demonstra como é difícil
obliterar a existência de uma pessoa. Mesmo depois de mortas, por vezes as
pessoas falam-nos do além-túmulo.
5. “OH, ISSO? É O DISCURSO DE KHRUSHCHEV...”

Tudo começou com um caso amoroso.


Na primavera de 1956, Lucia Baranovski estava perdidamente
apaixonada por um belo jornalista chamado Victor Grayevski. O seu
casamento com o vice-primeiro-ministro da Polônia comunista estava na
mó de baixo, e os dois mal se viam. Lucia trabalhava como secretária de
Edward Ochab, secretário-geral do Partido Comunista polonês. Os
membros do gabinete deste já estavam habituados às visitas frequentes do
encantador Victor à sua bela namorada. O que Lucia sentia por aquele
jovem deslumbrante não era segredo.
Victor era chefe editorial na Agência Noticiosa polonesa (a PAP),
responsável pelos assuntos soviéticos e leste-europeus. Na verdade, era
judeu e chamava-se Victor Shpilman. Anos antes, quando entrara no Partido
Comunista, os amigos deram-lhe a saber que o nome Shpilman não o
levaria longe. Assim, mudou-o para Grayevski, que parecia mais polonês.
Quando o Exército alemão invadiu a Polônia, na Segunda Guerra
Mundial, Victor era pequeno. A família conseguira entrar na Rússia e fugir
por pouco ao Holocausto. Depois da guerra, tinham regressado à Polônia.
Em 1949, os pais e a irmã mais nova de Victor emigraram para
Israel. Mas ele, comunista seguro e fervoroso, ficou. Admirava Stalin e
ansiava por ajudar a criar um paraíso para os trabalhadores.
Contudo, nem os amigos nem os colegas, nem mesmo a sua amada,
sabiam que o desencanto começara a devorar o coração do jovem
comunista.
Em 1955, visitou a família em Israel e viu outro mundo; livre,
progressista, uma nação judaica democrática, uma espécie de sonho,
completamente diferente da propaganda comunista a que estivera exposto.
De volta à Polônia, Victor, já com 30 anos, começou a pensar em emigrar
para Israel.
Naquela manhã no início de abril de 1956, Victor foi, como
habitualmente, visitar a sua querida ao escritório do secretariado do partido.
No canto da mesa dela viu uma pasta com capa vermelha, numerada
e carimbada com a inscrição “Ultrassecreto”.
“Que é isto?”, perguntou ele.
“Oh, é só o discurso do Khrushchev...”, respondeu ela, com
indiferença.
Victor ficou petrificado. Já ouvira falar do discurso de Khrushchev,
mas nunca conhecera ninguém que tivesse ouvido ou lido uma única frase.
Era um dos segredos mais bem guardados do Bloco Comunista.
O que Victor sabia era que Nikita Khrushchev, o todo-poderoso
secretário-geral do Partido Comunista Soviético, fizera um discurso no
XXº Congresso do Partido, em fevereiro, no Kremlin. Em 25 de fevereiro,
pouco antes da meia-noite, todos os convidados e chefes de partidos
comunistas estrangeiros foram solicitados a deixar o recinto. À meia-noite,
Khrushchev subiu ao pódio e falou aos 1.400 delegados soviéticos. O
discurso, dizia-se, era uma surpresa e um terrível choque para todos os
presentes.
Mas o que ele tinha dito? Segundo um jornalista americano que dera
a primeira notícia ao Ocidente, o discurso tinha durado quatro horas, e
Khrushchev descrevera em detalhes os terríveis crimes do homem adorado
por milhões de comunistas no mundo inteiro — Stalin. Segundo diziam os
rumores, Khrushchev acusara Stalin do massacre de milhões de pessoas.
Houve quem dissesse que, enquanto ouviam o discurso, muitos
delegados tinham chorado e puxado os cabelos em desespero; alguns
desmaiaram e tiveram ataques cardíacos. Pelo menos dois se suicidaram
depois daquela noite.
Porém, nem uma palavra sobre as revelações de Khrushchev foi
publicada pela imprensa soviética. Os rumores corriam por Moscou, e
algumas passagens do discurso foram lidas em sessões fechadas dos corpos
máximos do Partido. Contudo, o texto integral do discurso era bem
guardado, como um segredo de Estado. Alguns jornalistas estrangeiros
tinham dito a Victor que os serviços secretos ocidentais estavam a fazer um
esforço tremendo para obter o texto. A CIA oferecia mesmo uma
recompensa de um milhão de dólares. Estimou-se que a publicação do
texto, no auge da Guerra Fria entre o Ocidente e o Bloco Soviético, pudesse
gerar um terremoto político nos países comunistas e desencadear uma crise
sem precedentes. Centenas de milhões de comunistas, dentro e fora da
Rússia, dedicavam uma adoração cega a Stalin. A exposição dos seus
crimes podia destruir a sua fé e talvez até provocar o colapso da União
Soviética.
Porém, todos os esforços por conseguir o discurso falharam. Ele
continuava a ser um enigma.
Recentemente, Victor soubera que Khrushchev decidira enviar
algumas cópias numeradas a líderes do Partido Comunista na Europa de
Leste, razão pela qual aquela pasta de capa vermelha chegara à mesa de
trabalho de Lucia.
Quando a viu, Victor Grayevski teve uma ideia louca. Pediu a Lucia
que lhe emprestasse a pasta por um par de horas, para que a pudesse ler em
casa, sem o alvoroço do escritório. Para sua surpresa, ela concordou.
Gostava de lhe agradar... “Podes levá-la”, disse, “mas tens de a trazer antes
das quatro da tarde, para eu a guardar no cofre”.
Em casa, Victor leu o discurso. Era, efetivamente, assombroso.
Khrushchev estilhaçou, corajosamente e sem piedade, o mito de Iosif
Vissarionovich Stalin. Khrushchev revelou que Stalin, durante os seus anos
no poder, tinha cometido crimes monstruosos e ordenado o assassinato de
milhões de pessoas. Lembrou à audiência que Lênin, pai da Revolução
Bolchevique, avisara o Partido para que tivesse cuidado com Stalin.
Khrushchev condenara o culto da personalidade do homem que fora
saudado como “o Sol das Nações”. Revelou o deslocamento forçado de
grupos étnicos na União Soviética, que conduzira a inúmeras mortes; os
“grandes pogroms” (1936-1937), quando um milhão e meio de comunistas
foram presos, e 680.000, executados. Dos 1966 delegados no XVII
Congresso do Partido, 848 tinham sido executados a mando de Stalin, assim
como 98 de 138 candidatos ao Comitê Central. Khrushchev também falou
sobre o “Golpe dos Médicos”, as acusações forjadas contra alguns médicos
judeus que alegadamente tinham conspirado para assassinar Stalin e outros
líderes soviéticos. As palavras de Khrushchev revelaram Stalin como um
assassino de massas, responsável pelo massacre de milhões de russos e
pessoas de outras nacionalidades, muitas das quais comunistas leais. Em
quatro horas, o Messias metamorfoseou-se num monstro.
O discurso de Khrushchev acabou com as últimas ilusões que Victor
tinha do comunismo. E Victor percebeu que tinha na mão um dispositivo
explosivo, que podia abalar os fundamentos do campo soviético. Decidiu
devolver a pasta vermelha a Lucia, mas a caminho, pensou melhor, e os
passos levaram-no antes a outro sítio — à Embaixada de Israel. Entrou
cheio de confiança, e a muralha de policiais poloneses e agentes dos
serviços secretos abriu e deixou-o passar. Poucos minutos depois, estava no
gabinete de Yaacov Barmor, oficialmente primeiro-secretário da embaixada,
mas, na realidade, representante do Shabak na Polônia.
Grayevski entregou-lhe a pasta vermelha. O israelense leu-a
atentamente e ficou de boca aberta. “Importa-se de esperar um pouco?”,
perguntou, e agarrou na pasta e saiu do gabinete. Voltou uma hora depois.
Grayevski percebeu que Barmor a tinha fotocopiado, mas não fez
perguntas. Pegou na pasta, escondeu-a no casaco e saiu. Chegou a tempo ao
escritório de Lucia, e ela guardou-a no cofre. Ninguém o incomodou nem
lhe perguntou sobre a sua visita imprevista à Embaixada de Israel.
Na sexta-feira 13 de abril de 1956, ao início da tarde, Zelig Katz
entrou na sala de Amos Manor, diretor do Shabak. Katz era assistente
pessoal de Manor. A sede do Shabak ficava num velho edifício árabe em
Jaffa, não muito longe do pitoresco mercado de quinquilharias. Manor fez a
Katz a pergunta que lhe fazia todas as sextas-feiras: “Alguma coisa do Leste
europeu?” Sexta-feira era o dia em que a mala diplomática trazia relatórios
dos agentes do Shabak posicionados do outro lado da Cortina de Ferro.
Zelig observou, com indiferença, que poucos minutos antes recebera
de Varsóvia “um discurso qualquer de Khrushchev no congresso...”. Manor
saltou da cadeira. “Quê?!”, gritou. “Traga-me isso imediatamente!”
Manor, um jovem alto e bonito, emigrara para Israel poucos anos
antes. Arthur Mendelovitch, nascido na Romênia em família abastada, foi
enviado para Auschwitz, onde toda a família — pais, irmã e dois irmãos —
fora assassinada. Ele sobreviveu, mal pesando 40 quilos quando o campo
foi libertado. De volta a Bucareste, trabalhou para a Aliya Beth, ajudando a
fazer entrar clandestinamente refugiados judeus na Palestina sob controle
inglês. Adotou o nome de guerra Amos, e vários outros nomes, para cobrir
as pistas. Quando chegou a hora de ele próprio ir para Israel, em 1949, as
autoridades romenas não quiseram deixá-lo sair. Conseguiu fugir com um
passaporte checo falso, em nome de Otto Stanek. Os amigos começaram a
chamá-lo “o homem dos mil nomes”. Em Israel, tornou-se Amos Manor.
Subiu depressa na hierarquia dos serviços secretos. Isser sentia-se
fascinado por ele. Manor era o contrário de si. Isser, pequeno; Manor,
grande. Isser, duro e rude; Amos, delicado e cortês. Isser não fazia nenhum
desporto, enquanto Manor nadava, jogava futebol, tênis, voleibol. Isser
falava russo e iídiche; Manor falava sete línguas. Isser era um devoto
membro do Partido Trabalhista; Amos não se interessava por política. Isser
vestia-se de modo modesto; Amos tinha um estilo polido, europeu. Porém,
além de tudo isso, era inteligente e engenhoso. Isser recrutou-o para o
Shabak em 1949; ainda mal tinham passado quatro anos, Ben-Gurion
nomeou-o diretor, por recomendação de Isser. Também foi posto no
comando das relações secretas entre a comunidade de informações
israelense e a CIA.
Naquela sexta-feira chuvosa, Manor atirou-se sobre a pilha de
fotocopias. Não teve dificuldade em lê-las — uma de suas sete línguas era o
russo. À medida que lia as páginas, percebeu a enorme importância do
discurso de Khrushchev. Correu para o carro e acelerou até a casa de Ben-
Gurion.
“Tem que ler isto”, disse ele ao primeiro-ministro. Ben-Gurion, que
sabia russo, leu o discurso. Na manhã seguinte, sábado, convocou Manor
com urgência. “Isto é um documento histórico”, disse, “e quase prova que,
no futuro, a Rússia se tornará uma nação democrática”.
Isser recebeu o discurso em 15 de abril e percebeu imediatamente
que ele podia ser uma mais-valia para Israel. Era um meio de aprofundar os
laços do Mossad com a CIA, estabelecidos pela primeira vez em 1947. Em
1951, numa visita aos Estados Unidos, Ben-Gurion tinha recorrido ao
general Walter Bedell Smith, que conhecera na Europa, no fim da Segunda
Guerra Mundial. Bedell Smith era diretor da CIA (e prestes a ser substituído
por Allen Dulles, veterano do OSS e irmão do futuro secretário de Estado).
Bedell Smith concordou, hesitantemente, em estabelecer uma
cooperação limitada entre a CIA e o Mossad. O principal elemento era a
inquirição dos israelenses a emigrantes soviéticos e do Bloco de Leste.
Muitos eram engenheiros, técnicos e até oficiais do Exército que tinham
trabalhado em instalações da URSS ou de países pertencentes ao Pacto de
Varsóvia e podiam fornecer informações pormenorizadas sobre as
capacidades dos exércitos do Bloco Comunista. Esta informação era
regularmente transmitida e impressionava os americanos; a CIA nomeou
como ligação com Israel uma figura lendária — James Jesus Angleton,
chefe dos serviços de contrainformações da CIA. Angleton visitou Israel e
acabou por conhecer todos os diretores dos seus serviços. Estabeleceu uma
relação amigável com Amos Manor, e os dois chegaram a passar alguns
serões no pequeno apartamento de duas assoalhadas deste último, na
companhia de garrafas de uísque.
Porém, desta vez, Isser e Amos ofereceram-lhe muito mais do que
informações dadas por emigrantes. Decidiram entregar o discurso de
Khrushchev aos americanos — não pelo homem da CIA em Tel Aviv, mas
diretamente, em Washington. Manor enviou uma cópia do discurso por um
correio especial para Izzi Dorot, o representante do Mossad nos Estados
Unidos, que se apressou a chegar à sede da CIA em Langley e a entregou a
Angleton. A 17 de abril, Angleton levou o discurso a Allen Dulles, e ainda
nesse dia, mais tarde, o documento estava sobre a mesa de trabalho do
presidente Eisenhower.
Os peritos americanos em serviços secretos ficaram boquiabertos.
Os ínfimos serviços secretos de Israel tinham conseguido o que os
gigantescos e sofisticados serviços dos Estados Unidos, Grã-Bretanha e
França não conseguiram. Céticos, os altos funcionários da CIA ordenaram
que o documento fosse analisado por peritos, que concluíram,
unanimemente, que era genuíno. Com base nisso, a CIA passou-o ao New
York Times, que o publicou na primeira página em 5 de junho de 1956. A
publicação provocou uma espécie de terremoto no mundo comunista e fez
milhões de pessoas virarem as costas à União Soviética. Alguns
especialistas defendem que as insurreições espontâneas contra os soviéticos
na Polônia e na Hungria, no outono de 1956, foram motivadas pelas
revelações de Khrushchev.
O ardil originou enorme aprofundamento das relações do Mossad
com sua homóloga americana, e a modesta pasta que a doce Lucia mostrara
a seu belo Victor rodeou o Mossad israelense de uma aura de lenda.
Em Varsóvia, ninguém suspeitava de que Victor Grayevski tinha
feito chegar clandestinamente o discurso de Khrushchev aos Estados
Unidos. Em janeiro de 1957, Victor emigrou para Israel. O agradecido
Amos Manor ajudou-o a conseguir emprego no departamento do Leste
europeu do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Pouco tempo depois,
Victor também foi contratado como editor e repórter na secção polonesa da
Kol Israel, a rede de radiodifusão estatal.
Porém, Victor conseguiu um terceiro emprego. Pouco depois de
chegar a Israel, conhecera alguns diplomatas soviéticos numa ulpan, escola
especial onde imigrantes e estrangeiros aprendiam hebraico. Um dos
diplomatas russos encontrou-o por acaso num corredor do Ministério dos
Negócios Estrangeiros e ficou impressionado pela posição importante
alcançada por aquele novo imigrante. Pouco tempo depois, um agente do
KGB apareceu a caminhar como que por acaso ao lado de Grayevski numa
rua de Tel Aviv. Conversou com Victor Grayevski e lembrou-lhe o passado
na Polônia como antinazista e comunista. Depois, fez-lhe uma oferta: torna-
te agente do KGB em Israel. Grayevski prometeu pensar no assunto e
depois foi direto para a sede do Mossad. “O que faço?”, perguntou.
O pessoal do Mossad ficou encantado. “Maravilha”, disseram.
“Aceite!”
Fariam de Victor Grayevski um agente duplo que passaria
informações falsas aos russos.
Assim começou uma nova e longa carreira para Victor. Durante
muitos anos, forneceu aos russos informações fabricadas e alteradas pelo
Mossad.
Os seus contatos do KGB encontravam-se com ele em florestas nos
arredores de Jerusalém e Ramallah, em igrejas e mosteiros russos em Jaffa,
Jerusalém e Tiberiades, em encontros “fortuitos” em restaurantes e
recepções diplomáticas muito concorridas. Nem por uma vez, nos 14 anos
que Grayevski foi agente duplo, os soviéticos suspeitaram de que ele os
usasse. Elogiaram-no inúmeras vezes pelos excelentes materiais que lhes
fornecia; na sede do KGB em Moscou, corria o rumor de que a União
Soviética tinha um agente no interior dos círculos governamentais de Israel.
Ao longo de todos esses anos, os soviéticos confiaram em Grayevski
e nunca questionaram a sua credibilidade. A exceção aconteceu em 1967,
quando ignoraram as suas conclusões. Ironicamente, foi a única vez que
lhes passou informações inteiramente verdadeiras. Aconteceu durante o
“período de espera”, em 1967, antes da Guerra dos Seis Dias. O presidente
egípcio Gamai Abdel Nasser acreditava, erroneamente, que Israel
tencionava atacar a Síria em maio. Assim sendo, reuniu as suas tropas no
Sinai, expulsou as forças de manutenção de paz das Nações Unidas, fechou
os estreitos do mar Vermelho aos navios israelenses e ameaçou aniquilar
Israel. Israel não tinha nenhuma intenção de atacar e estava, pelo contrário,
ansiosa por impedir uma guerra com o Egito. O primeiro-ministro Eshkol
pediu à Mossad que informasse os soviéticos de que, se o Egito não
cancelasse as suas medidas de agressão, Israel teria mesmo de entrar em
guerra. Esperava que a União Soviética, cuja influência sobre o Egito era
enorme, travasse Nasser.
Grayevski passou ao KGB um documento com os pormenores das
verdadeiras intenções de Israel. Contudo, a URSS fez uma avaliação
errônea da situação; Moscou ignorou o relatório de Grayevski e encorajou a
beligerância de Nasser.
O resultado foi que Israel, num ataque preventivo, destruiu os
exércitos do Egito, da Síria e da Jordânia e conquistou muitos dos seus
territórios.
Também a União Soviética perdeu muito: as suas armas provaram
ser inferiores, o país renegou suas promessas e foi incapaz de apoiar seus
aliados duramente derrotados.
Não obstante, a longa relação entre Grayevski e o KGB culminou
nesse ano. Grayevski foi convocado para uma reunião com o seu contato
soviético numa floresta no centro de Israel. O agente do KGB informou-o
solenemente de que o Governo soviético queria agradecer-lhe os seus
serviços dedicados e decidira atribuir-lhe a sua mais alta distinção, a...
Medalha de Lênin!
O russo desculpou-se por não poder pôr a medalha na lapela de
Grayevski em Israel, mas assegurou-lhe que a medalha estava a sua espera
em Moscou, e que ele a receberia quando lá se deslocasse. Grayevski
preferiu ficar em Israel.
Em 1971, retirou-se do jogo da espionagem.
Porém, não foi esquecido. Em 2007, foi convidado à sede do
Shabak, onde foi recebido por um grupo seleto, que incluía os diretores
atuais e anteriores do Shabak e do Mossad, assim como muitos de seus
amigos, colegas e parentes. Foi então que Yuval Diskin, diretor do Shabak,
agraciou-o com um prêmio prestigioso por seus ilustres serviços — e Victor
Grayevski tornou-se o único agente secreto a ser condecorado duas vezes:
por seu próprio país, que serviu com devoção toda a vida, e pelo inimigo de
seu país, que ele ludibriou apesar dos riscos.
Um jornalista chamou-o “O homem que deu início ao fim do
Império Soviético”, mas Grayevski não concordou com a ideia. “Não sou
um herói e não fiz História”, comentou. “Quem fez História foi
Khrushchev. Eu só me cruzei com a História um par de horas, após as quais
nossos caminhos se dividiram.”
Morreu aos 81 anos. E, em algum lugar do Kremlin, numa pequena
caixa forrada de veludo vermelho, sua medalha, gravada com o perfil de
Vladimir Ilyich Lênin, talvez ainda o espere.
6. “TRAGAM EICHMANN, VIVO OU MORTO!”

“E como é seu nome?”, perguntou a moça.


“Nicolas”, respondeu o sorridente pretendente. “Mas meus amigos
me chamam de Nick. Nick Eichmann.”

A filha do judeu cego

No final do outono de 1957, Isser Harel recebeu uma estranha


mensagem de Frankfurt. Dizia ela que o Dr. Fritz Bauer, procurador-geral
de Hesse, solicitava a permissão de transmitir uma informação secreta ao
Mossad. Isser sabia quem era Bauer, uma figura muito respeitada na
Alemanha. Alto, carismático, com um maxilar aguerrido, era conhecido por
perseguir agressivamente criminosos nazistas. A sua juba de cabelo grisalho
tornava-o vagamente parecido com David Ben-Gurion. Também Bauer era
judeu e um lutador dos quatro costados. Em 1933, com a ascensão ao poder
de Hitler, foi preso num campo de concentração. A experiência de horror,
porém, não lhe dobrou o espírito. Conseguiu, mais tarde, fugir para a
Dinamarca e depois para a Suécia. No final da guerra, decidiu dedicar a
vida à perseguição e punição dos criminosos nazistas. A sua insatisfação
com as autoridades da Alemanha Ocidental, que pouco faziam para extirpar
o nazismo, era pública.
Em novembro de 1957, Isser enviou Shaul Darom, funcionário dos
serviços de segurança israelenses, para se encontrar com Bauer. Chegado a
Frankfurt, Darom teve uma longa conversa com o procurador-geral.
Passados poucos dias, entrou no gabinete de Isser em Tel Aviv. “O Dr.
Bauer disse-me que o Eichmann está vivo e escondido na Argentina”,
contou Darom.
Isser sobressaltou-se. Tal como milhões de judeus, sabia que o
coronel da SS Adolf Eichmann era a encarnação do horror nazista. O
Obersturmbannfiihrer Eichmann tinha dirigido pessoalmente a “Solução
Final”, o plano de aniquilação dos judeus europeus. Tinha dedicado a vida
ao massacre meticuloso de seis milhões de judeus e desaparecido depois da
guerra, e ninguém sabia onde estava; falava-se da Síria, do Egito, do
Kuwait, da América do Sul...
Darom reproduziu em pormenor a sua conversa com Bauer. Alguns
meses antes, Bauer tinha recebido uma carta da Argentina, enviada por um
emigrante alemão, meio judeu, que sofrerá às mãos dos nazistas durante a
guerra. Já tinha lido notícias nos jornais sobre a implacável perseguição de
Bauer aos criminosos nazistas e sabia que no topo da lista de homens mais
procurados estava Adolf Eichmann. Quando Sylvia, a sua bela filha, lhe
contou que andava a sair com um jovem chamado Nick Eichmann, ficou
estupefato. Pensou imediatamente que o jovem Nick tinha de ter alguma
relação com o desaparecido assassino. Escreveu a Bauer e garantiu que
podia conduzir os seus agentes ao esconderijo de Eichmann; este, ao que
parecia, vivia em Buenos Aires, sob identidade falsa.
Bauer já sabia que Eichmann tinha fugido da Alemanha depois da
guerra.
A sua mulher, Vera, e os três filhos tinham ficado na Áustria, mas
poucos anos depois também eles haviam desaparecido. Mais tarde, Bauer
descobriu que tinham emigrado para a Argentina, onde Vera tinha voltado a
casar.
Bauer estava convencido de que ela se tinha reunido a Eichmann e o
seu segundo casamento era fictício. O “segundo marido” tinha de ser o
próprio Eichmann, que a esperara.
Bauer receava perder Eichmann, se solicitasse ao Governo alemão
que fizesse um pedido de extradição à Argentina. Não confiava no sistema
judiciário alemão, ainda repleto de antigos nazistas. Também suspeitava de
alguns empregados na embaixada alemã de Buenos Aires. Bauer temia que,
ainda antes de o pedido de extradição oficial ser entregue aos argentinos,
alguém na embaixada ou na Alemanha avisasse Eichmann e este
desaparecesse para sempre.
Bauer falou abertamente com Shaul Darom. Queria que o Mossad
descobrisse se aquele homem em Buenos Aires era realmente Eichmann; se
sim, Israel devia pedir a sua extradição ou iniciar uma operação clandestina
e raptar Eichmann.
“Falo-lhe depois de muitos dias e noites de busca interior”, admitiu
Bauer.
“Só um homem na Alemanha sabe que decidi passar-lhe esta
informação, o ministro-presidente de Hesse, Georg August Zinn [social-
democrata e futuro presidente do conselho federal alemão, o Bundesrat].”
Regressado a Israel, Shaul Darom depositou sobre a mesa de
trabalho de Isser uma única folha de papel, com o esconderijo de Eichmann.
Os olhos de Isser concentraram-se numa frase: “4261, Calle Chacabuco,
Olivos, Buenos Aires.”
No início de janeiro de 1958, um jovem descia a Calle Chacabuco.
Era Emmanuel (Emma) Talmor, membro das operações especiais do
Mossad.
Isser enviara-o para que avaliasse a veracidade da mensagem de
Bauer.
Emma não gostou do que viu. Olivos era um bairro pobre,
maioritariamente habitado por operários. De ambos os lados da Calle
Chacabuco, não pavimentada, erguiam-se barracões decrépitos, entre os
quais se contava a porta 4261. No pequeno pátio desse número, Talmor
reparou numa mulher gorda e maltrapilha.
“Não acredito que aquela possa ser a casa de Eichmann”, disse
Talmor a Isser, em sua sala em Tel Aviv poucos dias depois. “Tenho certeza
de que Eichmann transferiu um caminhão de dinheiro para a Argentina,
assim como todos os líderes nazistas, que prepararam a fuga muito antes da
queda do Reich. Não acredito que ele viva naquela barraca e naquela favela.
Nem que aquela mulher gorda no pátio seja Vera Eichmann.”
As objeções de Talmor não convenceram o ramsad. Isser quis
continuar a investigação, mas precisava entrar em contato com a fonte de
Bauer.
Falou com Bauer, que revelou imediatamente o nome e o endereço
de seu informante: Lothar Hermann. Entretanto, este tinha se mudado para
outra cidade, Coronel Suarez, a cerca de 450 quilômetros de Buenos Aires.
Bauer enviou a Isser uma carta de apresentação que pedia a Hermann que
fizesse tudo para ajudar o portador da carta.
E, em fevereiro de 1958, chegou um visitante estrangeiro a Coronel
Suarez — Efraim Hoffstetter, chefe de investigação da polícia de Tel Aviv.
Estava, por acaso, na Argentina para uma conferência da Interpol e
concordou em cooperar com Isser. Com cautela, quando bateu na porta da
Avenida de la Libertad, apresentou-se como Karl Huppert, alemão. Na sala,
viu um homem cego, vestido de forma humilde, com as mãos pousadas
sobre uma enorme mesa de madeira. Quando Hoffstetter entrou, o cego
ouviu-lhe os passos e virou-se na direção dele, estendendo-lhe a mão. Era
Lothar Hermann.
“Sou amigo de Fritz Bauer”, disse Hoffstetter. E deu a entender que
estava ligado aos serviços secretos alemães.
Hermann contou que era judeu e que fora policial até os nazistas
tomarem o poder. Os pais tinham sido assassinados e ele enviado para
Dachau, onde tinha perdido a vista; mais tarde, tinha emigrado para a
Argentina com a mulher alemã. Quando por acaso ouvira o nome
Eichmann, contatara Bauer.
Seu único motivo era, afirmou, ajudar a punir os criminosos nazistas
que tinham massacrado a sua família.
“Na verdade”, disse ele, tocando o braço da sua encantadora filha
Sylvia, que entrara, “foi ela que descobriu Eichmann”.
A moça corou e contou com hesitação sua história a Hoffstetter.
Há um ano e meio, disse, ela e a família viviam no bairro Olivos, em
Buenos Aires. Fora lá que conhecera Nick Eichmann, um tipo simpático
com quem saíra algumas vezes. Não lhe contara que era de origem judaica,
já que se sabia que os Hermanns eram uma família ariana. Mas Nick não
media as palavras. Certo dia, comentara com ela que os alemães deviam ter
terminado o trabalho e aniquilado os judeus todos. E, noutra ocasião,
mencionara que o pai tinha sido oficial da Wehrmacht durante a Segunda
Guerra Mundial e que tinha cumprido o seu dever para com a pátria.
Nick partilhava com à-vontade as suas opiniões com Sylvia, mas
nunca a convidou para sua casa. Mesmo quando a família dela saiu de
Buenos Aires e os dois começaram a trocar cartas, ele escondeu o endereço
de casa e pediu-lhe que escrevesse para o endereço de um amigo.
Este comportamento estranho levou Lothar Hermann a suspeitar que
Nick fosse filho de Eichmann. Viajou com a filha a Buenos Aires e apanhou
um ônibus para Olivos. Sylvia, com a ajuda de alguns amigos, descobriu o
endereço de Nick Eichmann e até conseguiu entrar na casa da Calle
Chacabuco. Nick, porém, não estava em casa. Sylvia conheceu antes um
homem quase careca, com óculos e um bigode fino. Este disse-lhe que era
pai de Nick.
Hermann disse a Hoffstetter que concordava em ir novamente a
Buenos Aires com Sylvia e ajudar a investigação. Sylvia tinha
necessariamente de acompanhar o seu pai cego a todo o lado, e de escrever
e ler a sua correspondência. Hoffstetter deu-lhe uma lista de coisas de que
precisava para fazer a identificação definitiva de Eichmann: uma fotografia,
nome atual, local de trabalho, documentos oficiais sobre ele e impressões
digitais.
Hoffstetter e Hermann estabeleceram então um sistema seguro para
se corresponderem, e Hoffstetter deu a Hermann dinheiro para despesas.
Finalmente, tirou um postal ilustrado do bolso e rasgou-o ao meio.
Entregou uma metade a Hermann. “Se alguém lhe trouxer a outra metade,
pode contar-lhe tudo. Será um de nós”, disse.
Hoffstetter saiu, regressou a Israel e informou Isser.
Passados poucos meses, as informações de Hermann chegaram à
sede do Mossad. Este relatava com entusiasmo que descobrira tudo sobre
Eichmann.
A casa na Calle Chacabuco fora construída por um austríaco
chamado Francisco Schmidt, havia dez anos. Schmidt tinha arrendado a
casa a duas famílias: Daguto e Klement. Hermann afirmava enfaticamente
que Schmidt era Eichmann. Acreditava que Daguto e Klement eram apenas
coberturas do verdadeiro Eichmann.
Isser pediu ao seu agente na Argentina que confirmasse as
informações de Hermann. O telegrama de resposta foi: “Não há dúvida de
que Francisco Schmidt não é Eichmann. Ele não vive nem nunca viveu na
casa na Calle Chacabuco.”
Isser concluiu que Hermann não era credível e decidiu pôr fim à
investigação.

O erro

A decisão de Isser foi um enorme erro e podia ter estragado a


oportunidade de capturar Eichmann. A incompetência que caracterizou as
primeiras fases da operação salta à vista. Como é que uma investigação
secreta e tão complexa foi confiada a um homem idoso, cego e amador?
Como é que o Mossad levou a sério a sua identificação errônea de
Eichmann? Como é que Isser pôde ignorar o fato de Sylvia ter visitado a
Calle Chacabuco e conhecido o pai de Nick Eichmann? Em vez de enviar
um investigador profissional para Buenos Aires que pudesse atestar as
identidades dos dois inquilinos e do senhorio, Isser pura e simplesmente pôs
o assunto de parte. Este erro grave em particular não era nada habitual em
Isser.
Um ano e meio depois, Fritz Bauer foi a Israel. Não se quis reunir
com Isser Harel, que culpava por ter falhado a captura de Eichmann, pelo
que se encontrou diretamente com o procurador-geral Haim Cohen, em
Jerusalém.
Deu largas à raiva quando descreveu a Cohen o miserável tratamento
que a investigação recebera por parte do Mossad.
Haim Cohen convocou Isser e Zvi Aharoni, o chefe de investigação
do Shabak, a Jerusalém. Bauer esperava-os no seu gabinete e acusou Isser
Harel de dar cabo da investigação. Também ameaçou que, se o Mossad
fosse incapaz de executar a missão, seria obrigado a pedir às autoridades
alemãs que a cumprissem. Porém, não foi a sua ameaça que persuadiu Isser
Harel a reabrir o caso. Foi uma nova informação que Bauer lhe trouxera:
duas palavras que pareciam desvendar o enigma. O nome fictício de
Eichmann na Argentina, revelou Bauer, era Ricardo Klement.
Subitamente, Isser percebeu o seu erro e o engano dos seus homens.
Eichmann era mesmo um dos arrendatários da Calle Chacabuco.
Mas, em vez de Schmidt, era Klement.
A filha de Hermann tinha realmente saído com o filho de Eichmann
e a família Eichmann vivia mesmo na Calle Chabacuco. Porém, Hermann
não sabia que Eichmann tinha mudado o nome para Klement, e tinha-o
erradamente identificado como Francisco Schmidt. Se Isser tivesse feito o
que devia e enviado agentes experientes para investigar a história de
Hermann, teria há muito descoberto a verdadeira identidade de Eichmann.
Isser sugeriu então a Cohen e a Bauer que Zvi Aharoni dirigisse a
investigação. Aharoni era um homem alto e magro com uma testa larga,
bigode quadrado e mente aguçada. Era, ele próprio, judeu alemão e tinha
uma relação próxima com Cohen, mas não tanto com Isser. Aharoni
continuava zangado por, em 1958, quando fora a Buenos Aires a propósito
de outro caso, Isser não o ter encarregado de verificar o testemunho de
Hermann. O assunto, porém, tinha de ser esquecido. Agora, Isser precisava
desesperadamente da competência de Aharoni.
Assim, em fevereiro de 1960, Aharoni aterrissou em Buenos Aires.
Pediu a um amigo, judeu local, que fosse espreitar a casa da Calle
Chacabuco. O homem regressou transtornado. A casa estava vazia,
informou. Alguns pintores e pedreiros estavam a remodelar um dos dois
apartamentos, na verdade a antigo endereço dos Klements. Estes tinham
partido para parte desconhecida. Aharoni tinha portanto de encontrar uma
maneira de localizar Klement sem levantar suspeitas.
No início de março, um jovem argentino com uniforme de
mensageiro bateu à porta da casa na Calle Chacabuco. Trazia um pacote
pequeno e embrulhado, dirigido a Nicholas Klement. Continha um isqueiro
caro e um cartão perfumado com uma pequena inscrição: “Querido Nick,
parabéns pelo teu aniversário.” Parecia um presente de anos enviado por
uma mulher que pretendia permanecer anônima.
O mensageiro entrou no apartamento, onde alguns pintores ainda
trabalhavam, e perguntou pela família Klement, mas a maioria dos
trabalhadores não fazia ideia de quem eram os Klements. Um dos pintores,
contudo, disse ao mensageiro que achava que eles se tinham mudado para o
bairro de San Fernando, no outro lado de Buenos Aires. Depois, conduziu o
mensageiro a uma oficina próxima, onde o irmão de Nick Eichmann
trabalhava. Era um tipo louro chamado Dieter. Este foi bem-educado, mas
recusou-se a dar a novo endereço dos Klements. Porém, Dieter era tagarela
e revelou ao mensageiro que o pai trabalhava temporariamente na cidade
longínqua de Tucumã.
O mensageiro regressou à Calle Chacabuco e continuou a
importunar os pintores com perguntas incessantes. Finalmente, um deles
acabou por lembrar-se vagamente de um novo endereço dos Klements.
“Tem que pegar o trem até a estação de San Fernando”, disse. “Depois,
pegue o ônibus 203 e desça em Avijenda. Do outro lado da rua, há um
quiosque. À direita dele, um tanto afastada das outras casas, verá uma
pequena casa de tijolo. É a casa dos Klements.”
Feliz da vida, o mensageiro apressou-se a voltar para informar
Aharoni. No dia seguinte, Aharoni pegou o trem para San Fernando, seguiu
as indicações do pintor e encontrou imediatamente a casa. No quiosque
vizinho, parou e perguntou como se chamava a rua.
“Calle Garibaldi”, respondeu o velho vendedor.
A investigação estava novamente no caminho certo.

Calle Garibaldi

A meio de março, Aharoni vestiu um fato e dirigiu-se a uma casa na


Calle Garibaldi, a que ficava precisamente em frente da casa dos Klements.
“Sou representante de uma empresa americana”, disse à mulher que abriu a
porta. “Produzimos máquinas de costura e pretendemos construir uma
fábrica nesta zona. Gostávamos de comprar a sua casa.” E depois
acrescentou, apontando para a casa dos Klements: “E aquela casa
também. Quer vender?”
Enquanto conversava com a mulher, Aharoni premiu múltiplas vezes
um botão escondido na pega de uma pequena pasta que trazia consigo. Este
ativava uma câmera oculta que tirou fotos da casa dos Klements de vários
ângulos.
No dia seguinte, Aharoni consultou os arquivos da cidade e
descobriu que o lote em que ficava a casa dos Klements pertencia a Vera
Liebl de Eichmann, uma prova de que Vera não voltara a casar e que, de
acordo com o costume argentino, registrara a propriedade com o nome de
solteira e o nome de casada. Ricardo Klement parecia ter preferido não ser
mencionado em documentos oficiais.
Aharoni regressou à Calle Garibaldi várias vezes, a pé, em carros
particulares e numa van pequena, e tirou fotografias da casa, de Vera e do
menino pequeno que viu a brincar no quintal. Não viu Klement, mas
decidiu esperar por uma data especial: 21 de março. O arquivo de Aharoni
indicava que esse seria o 25.° aniversário de casamento de Adolf Eichmann
e Vera Liebl. Previu que Eichmann regressasse de Tucumã para celebrar
com a família.
A 21 de março, Aharoni voltou com a máquina fotográfica. No
quintal, viu um homem magro e quase careca, altura média, lábios finos,
nariz grande, bigode, óculos. Esses traços condiziam todos com a descrição
constante no arquivo dos serviços secretos.
Eichmann.
Em Israel, Isser dirigiu-se a casa de Ben-Gurion. “Localizamos o
Eichmann na Argentina”, disse. “Julgo que conseguimos capturá-lo e trazê-
lo para Israel.”
Ben-Gurion respondeu imediatamente. “Tragam-no vivo ou morto”,
disse.
Depois, pensou um pouco e acrescentou: “Seria melhor trazê-lo
vivo. Será muito importante para os nossos jovens.”

A chegada da equipe avançada

Isser formou então a equipe operacional. Os 12 membros foram


todos voluntários. Alguns eram sobreviventes do Holocausto e tinham
números dos campos de concentração tatuados nos antebraços. O núcleo da
equipe era a unidade operacional dos serviços de segurança. À sua frente
estavam os dois melhores agentes do Shabak. Rafi Eitan foi nomeado
comandante. Tinha como ajudante Zvi Malkin, que Eitan descreveu como
“corajoso, fisicamente forte e dotado de criatividade tática”. Era um homem
careca com sobrancelhas frondosas, maxilar largo e olhos fundos,
melancólicos, conhecido como o melhor espião capturador do Shabak.
Nunca andava com arma (“uma pessoa pode ser tentada a usá-la”), confiava
no “senso comum, criatividade e improvisação”, e tinha desmascarado
vários dos melhores agentes soviéticos. Passara parte da infância na Polônia
e emigrara com a família para Israel após um pogrom sangrento na cidade
de Krasnik Lubelski. Só a sua irmã Fruma e a família dela haviam ficado lá;
todos eles, bem como outros familiares de Zvi, tinham morrido no
Holocausto. Zvi cresceu em Haifa e lutou na Guerra da Independência.
Entre os seus muitos talentos, estavam a pintura, a escrita “compulsiva” e a
representação.
Durante uma estada em Nova York, tornara-se amigo próximo de
Lee Strasberg, diretor do Actors Studio, e aprendera com ele muito acerca
da arte da representação. “Em muitas operações do Mossad em que
participei”, disse mais tarde, “atuei como se estivesse num palco, inclusive
usando disfarces e maquilhagem. Noutras operações, senti que estava a
dirigir uma peça. Escrevia as minhas ordens como roteiros.”
Outro membro da equipe era Avraham (Avrum) Shalom, nascido em
Viena, entroncado, de poucas falas, adjunto de Eitan e, mais tarde, diretor
do Shabak. Alguns dos outros eram Yaacov Gat, um operacional de campo
discreto, baseado em Paris; Moshe Tavor, antigo soldado no Exército
britânico que pertencera ao grupo secreto “Vingadores”, que caçou
criminosos nazistas no final da guerra, e que matara, ele mesmo, alguns; e o
discreto e reservado Shalom Danny, um pintor talentoso e “um gênio” da
falsificação de documentos. Havia quem dissesse que ele fugira de um
campo de concentração nazista por ter falsificado uma autorização em papel
higiênico.
A maioria dos homens era casada, tinha família.
A equipe também estava bem composta em termos profissionais.
Incluía Efraim Ilani, um tipo que conhecia bem a Argentina e as ruas de
Buenos Aires. Era um serralheiro talentoso, um homem de grande força
física e um agente com uma cara muito “honesta”, que inspirava confiança
a qualquer pessoa. Yehudith Nissiyahu, religiosa, a melhor agente do
Mossad, também se oferecera. Yehudith era discreta, tímida, comedida, algo
obesa e modesta.
Era casada com um ativista do Partido Trabalhista chamado
Mordechai Nissiyahu. Recebeu várias vezes um dos autores deste livro;
nada no seu comportamento parecia fora do comum.
O Dr. Yona Elian, médico que já participara em várias operações do
Mossad, foi para ajudar a trazer Eichmann para Israel. Zvi Aharoni, o
investigador, também se juntou ao grupo. Mas o primeiro voluntário da
equipe foi o próprio Isser. Adorava liderar os seus homens em operações
perigosas no estrangeiro. Porém, desta vez sabia que, no decurso da ação,
haveria decisões imediatas a fazer e que só os responsáveis máximos as
poderiam tomar. E tudo aquilo podia ter consequências políticas graves.
Era, portanto, crucial que os israelenses fossem liderados por alguém que
pudesse tomar decisões políticas, se necessário. Isser sentiu que tinha de
tomar o comando.
No final de abril, uma equipe avançada de quatro agentes chegou
à Argentina vinda de diferentes direções. Fizeram entrar clandestinamente
no país equipamento essencial, como walkie-talkies, ferramentas e
instrumentos eletrônicos, material médico e uma parte do laboratório
ambulante de Shalom Danny, equipado para fabricar passaportes,
documentos e autorizações.
Alugaram um apartamento em Buenos Aires (nome de código
“O Castelo”), onde vários membros da equipe viveriam e trabalhariam, e
abasteceram-no de comida. No dia seguinte, alugaram um carro e foram os
quatro a San Fernando, onde chegaram às 7h40 da tarde.
A noite caíra entretanto, e tiveram uma grande surpresa. Enquanto
circulavam tranquilamente na estrada 202, viram de repente, a caminhar
diretamente na sua direção, Ricardo Klement! Este não lhes prestou atenção
e simplesmente virou e entrou em casa.
Os agentes concluíram que, provavelmente, Klement chegava a casa
sempre por volta daquela hora e que a captura ocorreria naquela mesma
estrada escura entre a estação dos ônibus e a casa.
Naquela noite, mandaram um telegrama encriptado para Israel:
“Operação viável.”

Um avião para Abba Eban

Isser sentia-se em maré de sorte. Soube que a 20 de maio a


Argentina celebraria o 150.° aniversário da sua independência. Chegariam
de todo o mundo delegações de alto nível, para participar nos festejos. Uma
delegação israelense chefiada pelo ministro da Educação Abba Eban
também iria. Abba Eban ficou contentíssimo por saber que a El Al poria à
sua disposição um avião especial — um Britannia “Whispering Giant”.
Ninguém disse a Eban que a verdadeira razão da generosidade da El Al era
a “Operação Eichmann”.
O voo 601 de Buenos Aires estava marcado para 11 de maio. A
tripulação foi cuidadosamente selecionada e Isser só revelara o segredo a
dois dos altos funcionários da El Al, Mordechai Ben-Ari e Efraim Ben-
Artzi. O piloto, Zvi Tohar, foi aconselhado a levar consigo um mecânico
qualificado, para o caso de o avião ter de levantar voo subitamente, sem
assistência de uma equipe local argentina.
Na madrugada de 1º de maio, Isser aterrissou em Buenos Aires com
um passaporte europeu. As pistas do aeroporto eram varridas por um vento
gelado. Na Argentina, o inverno estava próximo. Passados oito dias, na
noite de 9 de maio, vários israelenses entraram sub-repticiamente num
edifício alto em Buenos Aires. Subiram até um apartamento arrendado uns
dias antes (nome de código “Alturas”). Todos os membros da unidade
operacional estavam presentes. Antes daquele dia, tinham ficado em
variados hotéis espalhados pela cidade. O último a entrar foi Isser; pela
primeira vez, “os 12” estavam juntos.
Desde a chegada à Argentina, Isser tinha estabelecido um modo
original de comunicar com a sua equipe: no bolso, trazia uma lista de 300
cafés em Buenos Aires, com moradas e horário de funcionamento. Todas as
manhãs, iniciava uma volta a pé por esses cafés, seguindo um itinerário e
um horário pré-concebido por si. Assim, os seus agentes sabiam exatamente
onde o podiam encontrar em todos os momentos do dia. O único grande
inconveniente do sistema eram os litros de café argentino forte que o
ramsad tinha de ingerir nesses circuitos diários. Foi dos cafés que Isser
dirigiu os preparativos para a captura.
Foram dias de atividade febril: transportar e preparar o equipamento
necessário para manter um prisioneiro; alugar carros para fazer vigilância e
para a captura; alugar outros apartamentos e vivendas isolados nos
arredores da cidade, onde Eichmann pudesse ficar preso. A vivenda mais
importante (“A Base”) ficava a caminho do aeroporto. Estava arrendada a
dois agentes do Mossad que se faziam passar por turistas. Um deles era
Yaacov Meidad (Mio), um homem corpulento, nascido na Alemanha, que
perdera os pais no Holocausto e lutara no Exército britânico durante a
guerra. A mulher que fazia de sua companheira era Yehudith Nissiyahu. Na
vivenda, os agentes construíram um esconderijo para Eichmann e o seu
guarda, se a polícia local aparecesse para investigar. Prepararam um
segundo apartamento como alternativa.
O plano era agora capturar Eichmann a 10 de maio, o avião chegar a
11 de maio e, a 12, partir para Israel.
Porém, uma mudança de última hora estragou o plano. Dado o
grande número de visitantes para os festejos do aniversário, o Departamento
de Protocolo do Ministério dos Negócios Estrangeiros argentino informou a
delegação israelense de que teria de atrasar a sua chegada até o dia 19, às
duas da tarde. Para Isser, isso significava atrasar a captura de Eichmann até
19 de maio ou executar o plano no dia 10 e depois esperar no esconderijo
com o prisioneiro durante nove ou dez dias. Isso podia ser muito arriscado,
especialmente se a família dele pedisse uma procura intensiva do
desaparecido Eichmann. Nesse caso, correriam o risco real de Eichmann e
os seus captores israelenses serem descobertos pela polícia.
Apesar das reservas, Isser decidiu avançar com o plano original;
mas, devido à fadiga dos seus agentes, decidiu adiá-lo um dia. A hora H foi
marcada para as 19h40 de 11 de maio.
O plano operacional estava feito e preparado ao minuto: Eichmann
regressava do trabalho todas as noites por volta das 19h40, saía do ônibus
203 no quiosque e caminhava até casa pela Calle Garibaldi. A rua era
escura e o trânsito escasso. A operação seria conduzida por agentes em dois
carros: uma equipe para o sequestro, outra para segurança e proteção. O
primeiro carro estaria estacionado à beira da estrada, com a capota
levantada e os agentes fariam de conta que o consertavam. Quando
Eichmann passasse, saltariam sobre ele, dominá-lo-iam e atirá-lo-iam para
dentro do carro. Este arrancaria de imediato, com o outro carro no seu
encalço. O médico viajaria no segundo carro, para estar perto, caso o
prisioneiro tivesse de ser sedado.
Isser deu ordens precisas em tom severo. “Se houver algum
problema”, disse, “não larguem Eichmann, mesmo se forem parados. Se a
polícia os prender, digam que são israelenses, que estão agindo por conta
própria, e que querem levar o criminoso nazista à justiça”. Todos os que
conseguissem evitar a prisão, acrescentou, sairiam do país seguindo o plano
inicial.
Isser também instruiu Meidad e Yehudith Nissiyahu a mudarem-se
para a casa e comportarem-se como um casal de turistas. “De vez em
quando, saiam e descontraiam no gramado, comendo e lendo jornais.”
Todos os outros agentes receberam ordens para saírem dos seus
hotéis e mudarem-se para esconderijos previamente alugados.

Contagem decrescente

Dia 11 de maio, manhã.


A unidade operacional concluiu os preparativos. Mesmo antes da
hora H, os homens já tinham começado a apagar as peugadas. A maioria
dos veículos alugados foi devolvida. Todos os membros do grupo tinham os
seus disfarces preparados — maquilhagem, bigodes, barbas e perucas
falsos. Todos receberam documentos de identificação novos, adequados às
suas novas caras. Os 12 que tinham chegado a Buenos Aires dias antes,
percorrido as suas ruas, alugado carros e apartamentos, dado entrada em
hotéis e vigiado a casa na Calle Garibaldi desapareceram; outros 12, de
aspecto diferente e portadores de documentos diferentes com nomes
diferentes, tomaram as suas posições.
Também Isser deixou o hotel em que estava, guardou a bagagem na
estação ferroviária e regressou à cidade. Como todos os dias, tinha de fazer
a volta pelos cafés. Os seus movimentos daquele dia foram numa zona de
negócios e diversão, onde os cafés distavam escassos cinco minutos a pé
uns dos outros.
13h00 — Isser, Rafi Eitan e alguns dos operacionais mais destacados
encontraram-se para uma reunião final, num grande restaurante no centro da
cidade. À sua volta, argentinos bem-dispostos riam, bebiam e devoravam
carnes locais grelhadas. Às 14h, a equipe dispersou.
14h30 — Os agentes entraram no carro de captura, estacionado
havia alguns dias num grande parque de estacionamento na baixa da cidade,
e levaram-no para “A Base”. O segundo carro partiu de outro parque de
estacionamento.
15h30 — Os dois carros estavam estacionados em “A Base”, prontos
a entrar em ação.
16h30 — Última reunião em “A Base”. Os homens da unidade
operacional trocaram de roupa, pegaram nos papéis e prepararam-se para
sair.
18h30 — Partida dos dois carros. Quatro agentes seguiam no carro
de captura: Zvi Aharoni, motorista; Rafi Eitan, comandante; Moshe Tavor e
Zvi Malkin. Outros três agentes iam no segundo carro: Avraham
Shalom, Yaacov Gat e o Dr. Elian, que tinha consigo medicamentos,
instrumentos e substâncias soporíferas.
Os carros chegaram separadamente e encontraram-se num
cruzamento, não muito longe da casa dos Klements. Os agentes verificaram
a zona e certificaram-se de que não havia postos de controle nem forças
policiais por perto.
19h35 — Os dois carros estacionaram na Calle Garibaldi. O local já
estava completamente escuro. O carro de captura, um Chevrolet preto,
estava estacionado na berma, virado para a casa dos Klements. Dois agentes
saíram e levantaram a capota; Aharoni continuou ao volante e o quarto
homem escondeu-se no interior, atento ao ponto de onde Eichmann
emergiria da escuridão. Um dos homens calçou luvas finas, para o caso de
ter de tocar em Eichmann; a ideia de lhe tocar bastava para o encher de
nojo. Do outro lado da rua, estava o segundo carro, um Buick preto. Dele
saíram dois agentes, fingindo-se ocupados à volta do carro. O terceiro
permaneceu no assento do motorista, pronto a acender os faróis e cegar
Klement quando este se aproximasse. A armadilha estava montada.
Klement, porém, não apareceu.
19h40 — O ônibus 203 parou na esquina, mas ninguém desceu.
19h50 — Passaram mais dois ônibus. Klement não saiu de nenhum.
Os agentes foram tomados pela ansiedade. Que acontecera? Teria ele
mudado de hábitos? Teria sentido o perigo e fugido?
20h00 — Na reunião anterior, Isser dissera ao grupo que, se Klement
não chegasse até as oito, deviam abortar o plano e ir embora. Rafi Eitan,
contudo, decidiu esperar até as oito e meia.
20h05 — Outro ônibus parou junto à curva. Primeiro, os israelenses
não viram nada. Mas Avrum Shalom, da segunda equipe, discerniu de
súbito uma silhueta a descer a Calle Garibaldi. Klement! Ligou os faróis,
apontando o foco à figura que se aproximava.
Ricardo Klement caminhava para casa. Os faróis dirigiam-se-lhe à
cara, pelo que desviou o olhar. Continuou a andar. Reparou num carro
estacionado
— provavelmente com o motor empanado — e algumas pessoas a
tentar arranjá-lo. Nesse momento, um dos homens parados junto do
Chevrolet virou-se para ele. “Momentito, señor”, disse. Era Zvi Malkin e
aquelas eram as duas únicas palavras espanholas que conhecia.
Klement tentou tirar a lanterna que tinha no bolso e que usava muitas
vezes naquela zona escura da rua. Depois, aconteceu tudo à velocidade da
luz. Malkin receou que Klement estivesse a puxar de uma arma. Saltou
sobre ele e atirou-o para o piso poeirento da estrada. Klement soltou um
grito alto e agudo. Do carro, outro homem e mais outro saltaram sobre ele.
Uns braços fortes dominaram-lhe a cabeça e taparam-lhe a boca. Puxaram-
no para a parte de trás do carro e deitaram-no, aturdido, no chão do veículo.
O motorista ligou o motor e acelerou. Entre o momento em que Klement
apareceu e o carro partiu mal tinha passado meio minuto.
Segundos depois, o outro carro avançou atrás do primeiro.
As mãos e os pés de Klement foram rapidamente atados por mãos
ágeis. E alguém lhe pôs um trapo na boca. Tiraram-lhe os óculos e
substituíram-nos por óculos negros opacos. Uma voz ladrou em alemão,
próximo da orelha do prisioneiro: “Mexes-te e morres!” Ele obedeceu; não
se mexeu na viagem inteira. Entretanto, duas mãos deslizaram-lhe sob a
roupa e palparam-lhe a pele. As mãos de Rafi Eitan estavam à procura das
cicatrizes: uma debaixo da axila esquerda e outra no lado direito da barriga.
Eitan olhou para Malkin e assentiu com a cabeça. Deram um aperto de
mãos. Tinham Eichmann.
Eitan pensou ter os sentimentos controlados, mas apercebeu-se
subitamente de que estava a cantarolar a música dos guerrilheiros judeus na
guerra contra os nazistas, e a repetir o refrão: “Chegamos! Chegamos!”
O carro deslocou-se rapidamente, até parar subitamente, ainda com o
motor a trabalhar. Klement não tinha como saber que atravessavam uma
passagem de nível. Os dois carros tiveram de esperar longos minutos até
que o interminável trem de mercadorias passasse. Os agentes sentiram que
aquele momento foi o mais crítico de toda a operação. Estavam rodeados de
outros carros, todos à espera de que a barreira fosse levantada. De fora,
chegavam vozes, mas Klement não se atreveu a mexer-se. Nenhum dos
argentinos parados ao lado deles reparou em nada de estranho deitado no
chão do carro. Passados uns minutos, as barreiras foram levantadas e os
carros passaram ordeiramente.
20h55 — Os dois carros pararam na entrada de “A Base”. Klement,
arrastado como um cego entre os sequestradores, foi levado ao interior da
casa.
Não objetou quando os homens que o seguravam começaram a
despi-lo.
Exigiram, em alemão, que ele abrisse a boca. Obedeceu. Procuravam
uma cápsula de veneno entre os dentes. Ainda de óculos opacos, Eichmann
não via absolutamente nada, mas sentia que alguém examinava novamente
seu corpo e tocava suas cicatrizes. Mão experiente passou por baixo de seu
braço esquerdo e descobriu a pequena cicatriz deixada pela remoção, anos
antes, da pequena tatuagem com seu tipo de sangue, característica distintiva
dos oficiais da SS.
Subitamente, uma voz falou em alemão.
“Tamanho de chapéu... de sapatos... data de nascimento... nome do
pai... nome da mãe...”
Como um robô, Eichmann respondeu em alemão. Mesmo quando
lhe perguntaram “Qual é o número de sua carteira do Partido Nazista? E o
número da SS?”, ele não ficou calado.
Primeiro número: 45.326. O outro: 63.752.
“Nome?”
“Ricardo Klement.”
“Nome”, repetiu a voz.
Tremeu.
“Otto Heninger.”
“Nome?”
“Adolf Eichmann.”
Em volta, caiu o silêncio. Ele o rompeu. “Meu nome é Adolf
Eichmann”, repetiu. “Sei que estou nas mãos de israelenses. Também sei
falar um pouco de hebraico, estudei a língua com um rabino em Varsóvia...”
Lembrou alguns versos da Bíblia e começou a recitá-los, tentando
dizer as palavras hebraicas com a pronúncia correta.
Ninguém falou.
Os israelenses fitavam-no, estupefatos.

Um mensageiro para Sdeh Boker

Isser andava de café em café. A noite ia avançada, quando entrou em


outro café e se afundou numa cadeira de frente para a porta. De repente, viu
dois de seus homens na entrada. Pôs-se imediatamente de pé. “Nós o
pegamos”, disse Aharoni, resplandecente. “Foi identificado sem sombra de
dúvida e confessou que é Adolf Eichmann.”
Isser deu-lhes um aperto de mãos e saíram do café. Tinha de
regressar à estação de trens, levantar a mala e dar entrada num hotel novo,
sob identidade nova, como se tivesse acabado de chegar a Buenos Aires. O
ar da noite estava frio; Isser decidiu caminhar. Estava com uma ligeira febre
e a braços com uma constipação, mas naquele momento sentia-se
lindamente.
Caminhou sozinho, no escuro, aproveitando o ar fresco da noite e
sentindo-se revigorado — um sentimento cujo sabor inebriante jamais
esqueceria.
No dia seguinte, um carro estacionou numa cabana de madeira no
kibbutz Sdeh Boker. Um homem magro, de óculos, saiu dele, mostrou
documentos de identificação aos guardas e entrou na sala de Ben-Gurion.
Era Yaacov Caroz, assistente pessoal de Isser.
“Isser me mandou”, anunciou. “Recebemos um telegrama
dele. Temos Eichmann.”
O Velho Homem não se pronunciou. Depois, perguntou: “Quando
Isser volta? Preciso dele.”

Bastou a Isser ver os rostos perturbados de seus homens para


perceber que a mera presença de Eichmann os deprimia. O monstro alemão
estava junto deles, entre si havia apenas uma parede fina — e isso enervava
aqueles homens duros e enchia-os de repugnância. Não se conseguiam
habituar a tomar conta de um homem que, no entender de todos, era o
símbolo do mal; que fora o assassino de muitos dos seus parentes mais
próximos — pais, mães, irmãos e irmãs, todos desaparecidos em
crematórios. E tomar conta de Eichmann significava tratar dele 24 horas por
dia. Não podiam dar-lhe uma navalha, por isso barbeavam-no; não podiam
deixá-lo um único momento sozinho, para que não se suicidasse; tinham de
estar com ele mesmo quando ia à retrete. Yehudith Nissiyahu cozinhava e
servia as refeições a Eichmann, mas recusava-se a lavar os pratos onde ele
comera. A repulsão que ela sentia era incontrolável. Zvi Malkin, sentado a
um canto, lutou contra a repugnância por meio de desenhos que fez de
Eichmann num velho exemplar de um Guia da América do Sul. Os guardas,
revezados a cada 24 horas, estavam completamente esgotados, e Isser sentiu
que tinha de dar a todos um dia de folga. Deixá-los andar por Buenos Aires,
pensou, desfrutar da vida efervescente daquela grande cidade, e esquecer
por algumas horas a obscena realidade de “A Base”.
Aqueles tomaram-se os 10 dias mais longos das suas vidas —
escondidos num país estrangeiro e a viver com medo de que o menor erro
pudesse desencadear uma busca policial e um escândalo internacional.

Planejamento da fuga

Eichmann sentava-se numa sala vazia, sem janelas, iluminada dia e


noite por uma lâmpada solitária. Era obediente e cumpria prontamente as
instruções dos guardas. Parecia que se tinha resignado a seu destino.
O único que falava com ele era Aharoni, que o interrogou sobre a sua vida
antes da captura. Eichmann respondeu a todas as perguntas. Disse a
Aharoni que, depois da derrota da Alemanha, em maio de 1945, se
apropriara da identidade de um soldado raso da Luftwaffe, de nome Adolf
Karl Barth.
Mais tarde, passou por tenente da 22ª Divisão de Cavalaria das
Waffen-SS Otto Eckmann, e esteve encarcerado num campo de prisioneiros
de guerra.
No fim desse ano, quando o seu nome foi mencionado em
Nuremberg nos julgamentos dos líderes nazistas, fugiu do campo. Viveu
como Otto Heninger até 1950 em Zelle, na Baixa Saxônia, e nesse ano
fugiu para a Argentina, via Itália, por uma das rotas de fuga dos criminosos
nazistas.
Nove anos tinham passado desde que desembarcara na Argentina,
vestindo camisa branca e sobretudo, usando óculos de sol e bigode
finíssimo. Passou quatro meses com amigos na Pensão Jurmann, num
subúrbio de Buenos Aires, e outros quatro meses na casa de um contato
alemão chamado Rippler. Só então arriscou se deslocar sozinho e partiu de
Buenos Aires para Tucumã, cidade pequena a 950 quilômetros.
Uma vez lá, empregou-se na Capri, empresa de construção pouco
conhecida, suspeita de ser firma de fachada cuja missão era dar emprego a
fugitivos nazistas.
Em 4 de abril de 1952, Eichmann recebeu o seu bilhete de identidade
argentino em nome de Ricardo Klement, nascido em Bolzano, na Itália,
solteiro e mecânico de profissão.
Um ano antes, no início de 1951, Eichmann, sob nome falso, enviara
uma carta à mulher, na Áustria. Informava-a de que “o tio dos seus filhos, o
homem que ela julgara ter morrido, estava vivo e de boa saúde”. Vera Liebl
reconheceu imediatamente a sua caligrafia e disse aos filhos que o tio
Ricardo, primo do seu falecido pai, os tinha convidado a viver com ele na
Argentina.
Vera Liebl conseguiu passaportes legais para ela e os filhos. A
máquina secreta nazista entrou num frenesi e tratou de encobrir e apagar as
peugadas de Vera. Quando os agentes secretos israelenses finalmente
conseguiram o arquivo sobre Vera Liebl nos arquivos austríacos, o que
descobriram foi apenas uma pasta vazia cujo conteúdo se tinha
aparentemente evaporado.
Em junho de 1952, Vera Liebl e os três filhos, Horst, Dieter e Klaus,
desapareceram de casa sem deixar rastro. No início de julho, apareceram
brevemente em Gênova e a 28 de julho aportaram a Buenos Aires. A 15 de
agosto, saíram do trem na poeirenta estação de Tucumã.
“Vera Eichmann”, escreveu Moshe Pearlman no seu livro, “ainda
trazia na memória a imagem do oficial nazista elegante que tanto a
impressionava com o seu uniforme de gala e botas reluzentes. Mas o
homem que a aguardava na plataforma de Tucumã era um homem de meia-
idade, vestido de modo modesto, de rosto pálido e enrugado, expressão
deprimida e passos lentos. Era aquele o seu Adolf”.
O terrível Eichmann tomara-se irreconhecível. Tinha emagrecido e
começava a ficar careca, tinha as maçãs do rosto encovadas e a cara perdera
o aspecto arrogante que tanto a caracterizara. Parecia resignado e ansioso;
só os seus lábios finos sugeriam ainda crueldade e malícia.
Em 1953, a Capri abriu falência e Eichmann teve de procurar
emprego.
Primeiro, tentou abrir uma lavanderia em Buenos Aires, com mais
dois nazistas, depois trabalhou numa quinta de coelhos, e mais tarde numa
fábrica de enlatados de sumo. Finalmente, com a ajuda de outra organização
secreta nazi, Ricardo Klement foi nomeado capataz da fábrica de montagem
da Mercedes-Benz em Suárez. Nessa altura, começara finalmente a
acreditar que passaria o resto da vida em tranquilidade. Até 11 de maio de
1960.
Entretanto, os filhos de Eichmann procuraram-no pelos hospitais,
morgues e esquadras da polícia. Pediram ajuda à organização juvenil
fascista-peronista Tacuara, que se juntou à busca. Porém, depressa os filhos
de Eichmann concluíram que os israelenses deviam ter capturado o pai.
Tentaram então, sem êxito, convencer as organizações pró-nazistas a tomar
medidas drásticas, como raptar o embaixador israelense e mantê-lo cativo
até a libertação do pai. Os argentinos se recusaram a fazê-lo.
Isser instruiu os seus homens sobre o que deveriam fazer se o
esconderijo fosse localizado pela polícia. Se cercassem “A Base”, disse-lhes
Isser, Eichmann deveria ser levado para a câmara secreta que havia sido
preparada na casa. Se a polícia fizesse uma busca exaustiva, Eichmann
deveria ser retirado por uma saída secundária preparada para emergências.
Vários agentes deviam fugir com Eichmann, enquanto os outros fariam todo
o possível para retardar a busca, fossem quais fossem os perigos
envolvidos.
A todos que vigiavam Eichmann na época, Isser disse: “Se a polícia
descobrir o esconderijo e entrar, algeme-se a ele e dê sumiço na chave para
que não consigam separá-lo de você. Diga que é israelense e capturou, com
ajuda de amigos, o criminoso mais odiado do mundo, Adolf Eichmann, para
que o pudesses levar a tribunal. Depois, diz à polícia o meu nome
verdadeiro [Isser Harel], assim como a minha identidade falsa, e o nome do
hotel onde estou hospedado. Se eles te prenderem a ti e ao Eichmann, eu
também tenho de ser preso.”
Uns dias mais tarde, Eichmann concordou em assinar um documento
em que estipulava estar disposto a ser levado para Israel e julgado lá. Dizia
ele:

Eu, abaixo assinado Adolf Eichmann, de minha livre vontade


declaro: agora que a minha verdadeira identidade foi descoberta,
reconheço que de nada mais vale tentar fugir à justiça.
Concordo em ser levado para Israel e julgado por um tribunal
qualificado. Subentende-se que me será prestada assistência por um
advogado e que me será permitido descrever em tribunal, sem deturpação
dos fatos, um relato dos meus últimos anos de serviço na Alemanha, para
que uma descrição verdadeira desses acontecimentos possa ser passada às
gerações vindouras. Faço esta declaração de livre vontade. Nada me foi
prometido e não fui alvo de ameaças. O meu desejo é encontrar finalmente
a paz interior.
Uma vez que sou incapaz de recordar todos os pormenores e poderei
confundir-me na explanação dos fatos, peço que os documentos e
testemunhos relevantes sejam postos à minha disposição, para ajudarem os
meus esforços de estabelecimento da verdade.
Adolf Eichmann, Buenos Aires, maio de 1960

Esta declaração, como é óbvio, não tinha valor probatório.

Chegada do avião

Dia 18 de maio de 1960, 11h.


Teve lugar uma cerimônia formal no aeroporto internacional de Lod,
próximo de Tel Aviv. Muitas personalidades de alto nível, incluindo o chefe
de Estado-Maior, general Laskov, o diretor-geral do Ministério dos
Negócios Estrangeiros e o embaixador argentino em Israel, foram despedir-
se da impressionante delegação enviada à Argentina, para a comemoração
do 150.° aniversário do país. O Whispering Giant da El Al decolou,
transportando passageiros regulares, destinados a escalas ao longo do
caminho.
Poucos passageiros repararam que, em Roma, entraram outros três
civis a bordo. Passadas duas ou três horas, esses novos passageiros tinham-
se transformado em assistentes de bordo e deslocavam-se pelos corredores
usando uniformes da El Al. Na verdade, eram agentes do Mossad a
caminho de Buenos Aires, para ajudar os colegas. Um deles era Yehuda
Carmel, um tipo careca com um nariz proeminente e um bigode fino. Não
estava muito contente por fazer aquela viagem. Sabia que tinha sido
escolhido, não pelo seu talento, mas pela sua aparência. Uns dias antes, fora
chamado ao gabinete do seu superior, onde viu duas fotos na secretária:
uma sua e uma de um homem que não conhecia. Eram muito parecidos.
Quando lhe disseram que o homem desconhecido era Adolf Eichmann,
tremeu e ficou ainda mais chocado por saber que fora escolhido para atuar
como duplo de Eichmann. O plano de Isser era levar Carmel à Argentina
como membro da tripulação de cabine da El Al, pegar no seu uniforme e
nos documentos e depois usá-los para fazer Eichmann entrar, sedado, no
avião.
Isser também tinha preparado um plano B. Com a ajuda de um
intermediário, recrutou um jovem membro de um kibbutz, Meir Bar-Hon,
que estava de visita a familiares em Buenos Aires. Meir pediu-lhe que fosse
ao Bar Gloria, na Avenida Bartolome Mitre, onde o esperavam dois
homens: Isser e o Dr. Elian. Isser instruiu-o: “Quando voltares a casa dos
teus familiares, chama um médico e diz-lhe que tiveste um acidente de
carro, e que estás com tonturas, náuseas e fraqueza geral. O médico deverá
concluir que sofreste uma contusão e mandar-te para o hospital. A 19 de
maio, de manhã, dizes-lhe que te sentes muito melhor e pedes para ir para
casa. Vão dar-te alta e o hospital vai passar-te um papel que certifica que
recebeste tratamento a uma contusão.”
O Dr. Elian informou depois Meir de que sintomas específicos de
contusão devia queixar-se.
Meir saiu do Bar Gloria e cumpriu as instruções de Isser. Ficou
internado a gemer durante três dias num grande hospital de Buenos Aires. A
19 de maio, teve alta. Uma hora depois, Isser tinha na mão um documento
oficial do hospital, entregue a Meir Bar-Hon, que certificava que lhe tinham
dado alta depois de um acidente de carro.
Assim, se o plano de levar Eichmann para fora da Argentina como
membro da tripulação da El Al falhasse, Isser pô-lo-ia numa maca e
certificar-se-ia de que ele entrava no avião como Meir Bar-Hon, um doente
ainda a sofrer de uma contusão grave.

Dia 19 de maio.
Nessa tarde, o avião da El Al aterrissou em Buenos Aires. Havia
funcionários do protocolo do Ministério dos Negócios Estrangeiros, judeus
locais efusivos e crianças com pequenas bandeiras azuis e brancas de ambos
os lados do tapete vermelho estendido no corredor de chegadas.
Poucas horas depois, Isser conversou com o piloto, Zvi Tohar, e um
executivo da El Al e marcou a hora de decolagem: meia-noite de 20 de
maio.
Isser descreveu os seus planos. Após uma curta discussão,
concordou-se levar a cabo o plano A: Eichmann seria levado a bordo como
membro doente da equipe. O seu duplo, Yehuda Carmel, já tinha entregado
à equipe do Mossad o seu uniforme e documentos em nome de Ze’ev
Zichroni, navegador da El Al. Shalom Danny, o mestre falsificador da
equipe, manipulou os documentos, para que eles se ajustassem como uma
luva a Eichmann. Carmel recebeu documentos novos e foi informado de
que em breve sairia da Argentina.
Nessa noite, houve uma atividade frenética na “Base”. Após uma
semana de espera tensa, os agentes do Mossad voltaram a ganhar vida.
Eichmann foi drogado e adormeceu. Os agentes desfizeram
meticulosamente a casa. Os vários instrumentos e dispositivos foram todos
desmontados, os pertences pessoais embalados e a casa completamente
restaurada ao seu estado anterior. A altas horas da madrugada, nada restava
que pudesse dar a menor impressão do papel que a vivenda tinha
desempenhado nos oito dias anteriores. Em todas as outras casas se fizeram
ações similares.

Dia 20 de maio.
Isser saiu pela última vez do hotel, chamou um táxi para a estação
ferroviária e guardou a bagagem. Depois, retomou a rotina dos cafés dos
dias precedentes. O pessoal da El Al foi o primeiro a contactá-lo e, juntos,
prepararam um horário pormenorizado.
Ao meio-dia, começou a derradeira fase. Isser pagou a conta no
último café que visitou, foi buscar a bagagem e rumou ao aeroporto, para
supervisionar a operação de fuga. Caminhou pelo terminal, à procura do
melhor lugar para instalar o seu posto de comando. Passeou-se pelas zonas
de lojas e compra de bilhetes e finalmente descobriu o bar dos empregados
do aeroporto. Na rua, fazia um frio de rachar e o bar estava cheio de
funcionários de atendimento ao público, pessoal de terra e pessoal de voo,
todos em busca de uma bebida quente ou uma refeição ligeira. Isser ficou
encantado. Era o lugar ideal. Ninguém repararia nele nem daria conta das
consultas apressadas e sussurradas com os seus homens. Isser esperou até
uma cadeira ficar vazia e foi dela que começou a supervisionar os últimos
movimentos em solo argentino.
“Olá! El Al!”

21h — N’“A Base”, estavam todos prontos. Eichmann foi lavado,


barbeado, vestido num uniforme da El Al, e foi-lhe posto no bolso uma
identificação em nome de Ze’ev Zichroni. O seu rosto estava tão bem
disfarçado que nem um filho o reconheceria. O médico e dois agentes
também vestiam uniformes da El Al. O médico administrou a Eichmann
uma injeção que, em vez de o pôr a dormir, lhe toldou os sentidos.
Conseguia ouvir e ver, e até caminhar, mas era incapaz de falar e entender
inteiramente o que estava acontecendo.
Aharoni, também trajando uniforme da El Al, pôs-se ao volante do
carro com um agente no banco de trás. Eichmann foi sentado no banco de
trás, entre o médico e outro agente do Mossad. O carro arrancou.
À mesma hora, outros dois carros partiam de um popular hotel no
centro da cidade. Esses, sim, transportavam a verdadeira tripulação da El
Al. A viagem para o aeroporto foi meticulosamente sincronizada com o
progresso dos veículos do Mossad.
Isser, no seu posto de comando improvisado, recebia atualizações
minuto a minuto. Ordenou que a bagagem dos seus agentes fosse trazida ao
aeroporto. Tinha preparado rotas de fuga individuais para todos, mas se o
plano principal corresse sobre rodas, poderiam deixar a Argentina juntos no
avião da El Al. Não muito longe de Isser, Shalom Danny bebericava uma
caneca fumegante de café. Quem passava não fazia ideia da lata daquele
passageiro: tinha montado o seu laboratório de falsificação à vista de todos,
e estava atarefado a alterar os passaportes dos agentes do Mossad, a pôr
todos os selos necessários e a escrever tudo o que lhes permitisse partir sem
problemas.
23h00 — Um homem juntou-se a Isser. Já chegaram todos os carros
do Mossad e da El Al, informou ele. Isser foi imediatamente ao parque de
estacionamento e verificou os carros da El Al. Os membros da tripulação
mantiveram-se em silêncio. Pressentiam que estavam a participar em algo
extraordinário, mas não faziam ideia do que era. Ouviram calmamente as
instruções de Isser e não fizeram perguntas. Isser espreitou para dentro do
terceiro carro, onde Eichmann dormia entre os dois escoltas. “Avancem”,
disse. “Boa sorte!”
Os três carros avançaram, enquanto Isser voltava ao terminal. A
pequena caravana de veículos chegou à barreira das linhas aéreas
argentinas. O avião israelense estava parado no lote delas. “Olá! El Al!”,
exclamou alegremente um dos israelenses. Os guardas reconheceram-no e,
na verdade, estavam habituados a ver os israelenses entrar e sair o dia
inteiro do seu lote. Deitaram uma vista de olhos cansada aos passageiros
dos três veículos, todos vestidos com uniformes da El Al. Em dois dos
carros, os passageiros cantavam, riam e conversavam animadamente,
enquanto os do terceiro carro tinham adormecido nos assentos.
A barreira foi levantada e os três carros seguiram para junto do
avião.
Quando as portas se abriram, cerca de uma dúzia de homens de
uniforme deslocou-se em grupo pelo corredor de embarque. Eichmann
arrastava-se no meio, largamente escondido entre os outros. Seguravam-no
dois homens, que o ajudaram a subir as escadas e o puseram à janela, na
zona da primeira classe. O médico e a equipe de segurança espalharam-se
pelos lugares em volta dele e fingiram dormir. Se os oficiais de imigração
argentinos entrassem e verificassem os documentos de identificação de
todos, ser-lhes— ia dito que aqueles homens eram os responsáveis pelo
segundo turno e precisavam de descansar antes da fase seguinte do voo.
23h15 — Isser, ainda sentado no bar, ouviu o rugido característico
dos motores do Whispering Giant. O avião deslocou-se para o terminal e
parou na sua porta de embarque. Isser foi depressa à zona de partidas e
olhou em volta. Viu os seus homens espalhados pelos mais diversos sítios,
com as bagagens a seu lado. Isser caminhou entre eles e, ao aproximar-se de
cada agente, sussurrou: “Entrem no avião.” Estes começaram a caminhar
descontraidamente e juntaram-se à fila de controle dos passaportes. Todos
tinham os documentos prontos. E Shalom Danny fizera um belo trabalho
com eles.
23h45 — Depois de passar pela imigração e pela alfândega sem
problemas, o grupo atravessou a porta de embarque e caminhou para o
avião. Isser foi o último a pegar a bagagem, passar pelos controles e entrar
no avião, que começou quase imediatamente a deslocar-se para a pista.
0h00 — Noite de 20 para 21 de maio. O avião parou. A torre de
controle ordenou um compasso de espera. Os agentes ficaram tensos e
ansiosos. Teria acontecido alguma coisa? Teria a polícia argentina recebido
uma denúncia de última hora? Será que seriam ordenados a regressar?
Contudo, ao cabo de uns minutos de ansiedade terrível, o avião teve
autorização de partida. O Whispering Giant decolou sobre as águas
prateadas do Rio de la Plata.
Isser respirou de alívio.

“Tenho de informar o Knesset...”

Dia 22 de maio.
O avião aterrissou no aeroporto de Lod nas primeiras horas da
manhã.
Às 9h50, Isser foi diretamente para Jerusalém. Yitzhak Navon,
secretário de Ben-Gurion, conduziu-o imediatamente ao gabinete do
primeiro-ministro.
Ben-Gurion ficou surpreso. “Quando chegou?”
“Há duas horas. Temos Eichmann.”
“Onde está ele?”, perguntou o Velho Homem.
“Aqui, em Israel. Adolf Eichmann está em Israel, e, se concordar,
nos o levaremos à polícia imediatamente.”
Ben-Gurion manteve-se em silêncio. Não explodiu em pranto, como
alguns jornalistas afirmaram mais tarde, nem desatou a rir triunfalmente,
como outros escreveram. Não abraçou Isser, nem mostrou emoção alguma.
“Tem certeza de que é Eichmann?”, perguntou. “Como o
identificaram?”
Isser respondeu que sim, surpreso. Descreveu a Ben-Gurion todos os
critérios pelos quais Eichmann fora identificado, e sublinhou que o próprio
prisioneiro tinha admitido ser Adolf Eichmann. Mas o Velho Homem não
ficou inteiramente satisfeito. Não basta, disse. Antes de poder autorizar
novos passos, queria que uma ou duas pessoas que tivessem conhecido
Eichmann o visitassem e identificassem formalmente. Precisava da certezas
absolutas, e não diria uma palavra sobre aquilo ao governo até que a tivesse.
Isser telefonou para seu escritório e ordenou ao pessoal que
descobrisse duas pessoas que pudessem identificar pessoalmente Eichmann.
Logo localizaram dois israelenses que tinham conhecido Eichmann. Foram
levados à cela onde estava o prisioneiro, falaram com ele e identificaram-no
formalmente.
Ao meio-dia, um enviado israelense irrompeu num restaurante de
Frankfurt e foi direto a uma das mesas, onde um homem de cabelo grisalho,
visivelmente nervoso e tenso, estava sentado sozinho. “Herr Bauer”, disse o
israelense, “temos Adolf Eichmann. Nossos homens o capturaram e
levaram para Israel. A qualquer momento haverá uma declaração do
primeiro-ministro no Knesset.”
Bauer, pálido e profundamente emocionado, pôs-se de pé. Tinha as
mãos trêmulas. O homem que dera à Mossad o endereço de Eichmann na
Argentina, o homem sem o qual, muito provavelmente, Eichmann nunca
seria descoberto, não conseguiu se conter. Explodiu em choro, agarrou o
ombro do israelense, abraçou-o e beijou-o.
16h — Na sessão plenária do Knesset, Ben-Gurion subiu ao
palanque do orador. Leu uma declaração curta com voz firme e clara:
“Tenho a informar ao Knesset que os serviços de segurança de Israel
acabam de pôr a mão num dos maiores criminosos nazistas de todos os
tempos, Adolf Eichmann, responsável, com outros líderes nazistas, pela
chamada “Solução Final”, ou seja, pelo extermínio de seis milhões de
judeus europeus. Eichmann está presentemente detido aqui, em Israel. Será
em breve levado a julgamento, em Israel, de acordo com a lei relativa aos
crimes nazistas e seus colaboradores.”
As palavras de Ben-Gurion foram recebidas com choque e
admiração, que se transformaram num aplauso enorme e espontâneo. O
espanto e a admiração espalharam-se pelo Knesset e por todo o mundo. No
final da sessão do Knesset, um homem levantou-se de um lugar atrás da
bancada do Governo. Poucos lhe conheciam o rosto ou o nome. Era Isser
Harel.
O julgamento de Adolf Eichmann começou a 11 de abril de 1961,
em Jerusalém. A acusação apresentou 110 sobreviventes do Holocausto
como testemunhas. Algumas nunca tinham falado do seu passado, e
contaram pela primeira vez as suas histórias de horror. Foi como se todo o
Estado de Israel se colasse ao rádio e seguisse com grande dor e terror a
história pavorosa que emergia dos testemunhos. E como se todo o povo
judeu se identificasse com o procurador, Gideon Hausner, que confrontou o
criminoso nazista como representante dos seus seis milhões de vítimas.
A 15 de dezembro de 1961, Eichmann foi condenado à morte. O seu
recurso foi rejeitado pelo Supremo Tribunal e o perdão recusado pelo
presidente Yitzhak Ben-Zvi. A 31 de maio de 1962, Adolf Eichmann foi
informado de que o fim era iminente. Na cela, o condenado escreveu
algumas cartas à família e bebeu meia garrafa de vinho tinto Carmel. Por
volta da meia-noite, o reverendo Hull, pastor não-conformista, entrou na
cela de Eichmann, como tinha feito noutras ocasiões. “Hoje, não vou
discutir a Bíblia consigo”, disse-lhe Eichmann. “Não tenho tempo a perder.”
O pastor saiu, mas depois entrou um visitante inesperado na cela de
Eichmann. Rafi Eitan.
O sequestror parou de frente para o condenado vestido com um
uniforme castanho-claro. Eitan não disse uma palavra. Eichmann olhou para
ele e disse em alemão: “Espero que a tua vez chegue depois da minha.”
Os guardas levaram Eichmann para uma pequena divisão convertida
em sala de execução. O prisioneiro foi posicionado sobre um alçapão e
passaram-lhe um laço pelo pescoço. Um pequeno grupo de oficiais,
jornalistas e um médico, todos com permissão para presenciar a execução,
ouviu suas últimas palavras, ditas em conformidade com a tradição
nazista: “Voltaremos a nos encontrar [...]. Vivi acreditando em Deus [...].
Obedeci às leis da guerra e fui leal à minha bandeira [...].”
Dois policiais atrás de um biombo apertaram simultaneamente dois
botões, dos quais apenas um acionava o alçapão. Nenhum sabia qual era o
botão de controle, para que o nome do carrasco de Eichmann se mantivesse
desconhecido. Eitan não viu a execução, mas ouviu o baque do alçapão.
O corpo de Eichmann foi incinerado num forno de alumínio no pátio
da prisão. “Viu-se fumaça negra subindo para o céu”, escreveu um
jornalista americano. “Ninguém disse uma palavra, mas foi impossível não
recordar os crematórios de Auschwitz...”
Pouco antes do amanhecer do dia 1º de junho de 1962, um navio
rápido da guarda costeira de Israel atravessou a fronteira das águas
territoriais israelenses. O motor foi desligado e enquanto o barco andava
silenciosamente à deriva, um policial jogou as cinzas de Eichmann no
Mediterrâneo.
O vento e as ondas dispersaram os restos do homem que, 20 anos
antes, declarara alegremente: “Saltarei à gargalhada para o túmulo, feliz por
ter exterminado seis milhões de judeus.”
No leito da mãe moribunda, Zvi Malkin pensou na família
massacrada, na irmã Fruma e nos filhos pequenos dela, mortos no
Holocausto. Inclinou-se sobre a mãe e murmurou: “Mãe, peguei Eichmann.
Eruma foi vingada.”
“Eu sabia que você não esqueceria sua irmã”, sussurrou a
moribunda.
7. ONDE ESTÁ YOSSELE?

Enquanto Isser, os seus agentes e o prisioneiro Eichmann esperavam


nas suas casas de segurança em Buenos Aires pela chegada do Britannia de
Tel Aviv, o ramsad estava a braços com outro projeto. Isser decidira
investigar os rumores de que havia outro criminoso nazista escondido na
cidade. Tratava-se do Dr. Josef Mengele, o Anjo da Morte, o médico
monstruoso que recebia os trens de judeus na plataforma de Auschwitz e
mandava com indiferença os saudáveis trabalhar e os mais fracos, as
mulheres, as crianças e os velhos para as câmaras de gás. Mengele tornara-
se um símbolo da crueldade e insanidade do Terceiro Reich. Desaparecera
depois da guerra, muito possivelmente para a Argentina.
Mengele vinha de uma família abastada. Agora que vivia escondido,
ela continuava a sustentá-lo, canalizando grandes somas de dinheiro. O
caminho do dinheiro, seguido por agentes do Mossad, conduzia a Buenos
Aires; contudo, até então, todos os esforços para descobrir Mengele tinham
fracassado.
Contudo, os israelenses tiveram um golpe de sorte. Em maio de
1960, pouco antes de o Britannia aterrissar em Buenos Aires, os agentes de
Isser descobriram o endereço de Mengele. Vivia em Buenos Aires com o
nome verdadeiro! Aparentemente, tinha a certeza de estar bem protegido.
Isser enviou o seu melhor investigador, Zvi Aharoni, verificar o endereço,
mas Mengele não estava em casa. Os vizinhos disseram a Aharoni que o
casal Mengele tinha saído por uns dias, mas que regressaria em breve.
Entusiasmado, Isser convocou Rafi Eitan. “Vamos observá-lo e
segui-lo”, disse-lhe. “Quando o Mengele voltar, raptamo-lo também e
levamo-lo para Israel com o Eichmann.”
Rafi recusou. Disse que a “Operação Eichmann” era muito
complexa; “capturamos um e temos todas as hipóteses de o conseguir pôr
no avião e levar para Israel”. Outra operação para a captura de um segundo
homem aumentaria tremendamente os riscos. Seria um enorme erro.
Isser cedeu, mas Rafi fez-lhe uma proposta alternativa: “Se levarem
Eichmann para Israel e mantiverem a captura dele em segredo durante uma
semana, eu levo Mengele.”
“Como vai fazer isso?”, perguntou Isser.
“Ainda temos algumas casas de segurança em Buenos Aires da
“Operação Eichmann”, que ninguém conhece. Podemos mantê-las. Quando
decolarem com Eichmann, a caminho de Israel, eu estarei voando com Zvi
Malkin e Avraham Shalom para um país vizinho. Vocês chegam a Israel e
mantêm a captura do Eichmann em segredo; ninguém saberá que
conseguimos, e ninguém estará a nossa procura. Nessa hora, voltamos a
Buenos Aires, pegamos Mengele e o mantemos numa das nossas casas. Ao
fim de uns dias, levamos para Israel.”
Isser concordou. Quando o Britannia, com Eichmann a bordo,
levantou voo para Israel, Eitan, Shalom e Malkin voaram para Santiago, a
capital do vizinho Chile. Tencionavam regressar a Buenos Aires após um ou
dois dias, se a captura de Eichmann fosse mantida em segredo, e lançar a
“Operação Mengele”.
Contudo, na manhã seguinte, a impresa mundial anunciou nas
primeiras páginas que os israelenses tinham capturado Eichmann na
Argentina. Estava fora de questão que alguns dos melhores agentes do
Mossad voltassem ao país e concretizassem outro sequestro. Rafi e os
amigos tiveram de abandonar o projeto e voltar a Israel.
Isser Harel disse mais tarde a Rafi que pedira a Ben-Gurion para
manter o sequestro de Eichmann em segredo por uma semana, mas o Velho
Homem se recusara a fazê-lo. “Já há pessoas demais que sabem”, teria dito
Ben-Gurion a Isser. “Não vamos conseguir manter o segredo por mais
tempo. Decidi informar o Knesset da captura dele ainda esta tarde.”
A captura de Eichmann foi anunciada — e Israel perdeu a
oportunidade de levar a julgamento um dos criminosos mais sádicos da
História.
Pouco depois do sequestro de Eichmann, Mengele sentiu o chão que
pisava começar a ferver. Mudou-se para o Paraguai e desapareceu, até
morrer de ataque cardíaco, quase 20 anos depois, em fevereiro de 1979.
No início de março de 1962, Isser Harel foi chamado por Ben-
Gurion. O Velho Homem recebeu-o calorosamente e discutiu com ele vários
assuntos.
“Que será que ele quer?”, perguntou-se Isser. Conhecia Ben-Gurion
bem e tinha a certeza de que ele não o convidara para uma conversa de
circunstância. Os dois homens gostavam um do outro e eram algo
parecidos.
Eram ambos baixos, teimosos e decididos, líderes natos, dedicados à
segurança de Israel. Nenhum dos dois estava habituado a perder tempo e
palavras. Desde a captura de Eichmann, tinham-se aproximado ainda mais.
Subitamente, no meio da conversa, Ben-Gurion virou-se para Isser:
“Diga-me uma coisa: consegue encontrar a criança?”
Não disse de que criança se tratava, mas Isser entendeu
imediatamente.
Nos dois anos anteriores, havia um assunto que emergia
constantemente em Israel, saído das primeiras páginas dos jornais, gritado
do palanque do Knesset, e lançado furiosamente por jovens seculares contra
os judeus ultraortodoxos: “Onde está o Yossele?”
Yossele era Yossele Schuchmacher, um menino de oito anos da
cidade de Holon que fora raptado por judeus ultraortodoxos, chefiados pelo
seu próprio avô. O velho hassídico queria educar Yossele segundo a
tradição ultraortodoxa, e tirara a criança aos pais. Desde então, o menino
desaparecera sem deixar rastro. A cada dia que passava, a disputa em volta
da criança crescia, de um assunto de família para um escândalo nacional e
uma confrontação progressivamente violenta entre os judeus seculares e os
judeus ultraortodoxos. Havia quem receasse a erupção de uma guerra civil
que dividisse a nação. Ben-Gurion voltou-se para Isser, como último
recurso.
“Tentarei, se assim quiser”, respondeu Isser. Regressou ao seu
gabinete e mandou abrir um arquivo operacional. Chamou-lhe “Operação
Cria de Tigre”.
Yossele era uma criança bem-parecida e vivaz. O seu único erro,
aparentemente, era ter escolhido mal os pais. Assim julgava o avô, Nahman
Shtarkes. O velho Shtarkes, esquelético, barbudo, de óculos, era um
hassídico fanático, um homem duro e teimoso. Ninguém o conseguira
dobrar, nem os brutamontes do KGB, nem os campos de trabalho
soviéticos, na Sibéria gelada, onde passara parte da Segunda Guerra
Mundial. Na Sibéria, perdera um olho e três dedos, devido às queimaduras
provocadas pelo frio, mas o seu moral permaneceu intacto. As vicissitudes
por que passara só alimentaram o seu ódio aos soviéticos, que atingiu o
auge em 1951, quando um grupo de rufias esfaqueou e matou um dos
filhos.
Encontrou consolo nos outros dois filhos, Shalom e Ovadia, e na
filha, Ida, que era casada com um alfaiate.
O jovem casal viveu durante algum tempo na velha casa de Shtarkes
em Lvov, onde se tinham instalado depois de vaguearam pela Rússia e pela
Polônia. Lá, em 1953, nasceu o segundo filho da família
Schuchmacher, Yossele.
O menino tinha quatro anos quando emigrou para Israel com os pais.
O avô e a avó Shtarkes e um dos filhos, Shalom, tinham chegado a Israel
uns meses antes. Nahman Shtarkes, membro da seita hassídica de Breslau,
estabeleceu-se em Mea Shearim, o setor ultraortodoxo de Jerusalém. Era
outro mundo, um mundo de homens vestidos com sobretudos ou cafetões
de seda negros e compridos, chapéus negros ou chapéus de pelo, barbas
frondosas e longas patilhas; de mulheres com vestidos empertigados
compridos, de cabelo coberto com perucas ou lenços; um mundo de
yeshivas, sinagogas, cortes de rabinos famosos. Shalom juntou-se a uma
yeshiva; o seu irmão Ovadia mudou-se para Inglaterra.
Ida e Alter Schuchmacher instalaram-se em Holon. Finalmente,
Alter arranjou emprego numa fábrica têxtil nos arrabaldes de Tel Aviv e Ida
foi contratada por um fotógrafo. Compraram um pequeno apartamento e
viviam com dificuldades. Acabaram enormemente endividados. Para
conseguirem pagar as contas, mandaram a filha, Zina, para uma instituição
religiosa em K’far Habad, e confiaram Yossele aos avós.
Ida e Alter Schuchmacher passaram por duras necessidades e
escreveram a amigos na Rússia que talvez não devessem ter ido para Israel.
Algumas das respostas às queixas do casal chegaram às mãos do velho
Nahman Shtarkes.
Este concluiu que os Schuchmachers tencionavam regressar à Rússia
com os filhos. A ferver de raiva, Nahman Shtarkes decidiu não devolver
Yossele aos pais.
Porém, no final de 1959, a situação econômica dos Schuchmachers
tinha melhorado. Viviam melhor e decidiram reunir a família. Em
dezembro, Ida foi a Jerusalém buscar o filho, mas nem Yossele nem o avô
estavam em casa.
“Amanhã o teu irmão Shalom leva-te o menino”, disse a mãe de
Ida. “Agora, está com o avô na sinagoga e não deves incomodá-los.”
No dia seguinte, porém, Shalom chegou a Holon sozinho e disse à
irmã que o pai decidira não devolver Yossele. A consternada Ida correu para
Jerusalém com o marido. Passaram o fim de semana na casa de Shtarkes, e
dessa vez Yossele estava lá. Ao fim da tarde de sábado, quando se
preparavam para sair com a criança, a mãe de Ida objetou: “Está muito frio
lá fora”, disse. “Deixem o menino dormir aqui e amanhã eu vou entregá-
lo.”
Os pais concordaram. Ida beijou o filho, que se enrolou na cama, e
foi embora na companhia do marido. Mal ela sabia que se passariam anos
até que voltasse a ver o filho.
No dia seguinte, nem Yossele nem a avó apareceram em Holon.
Mais uma vez, Ida e Alter puseram-se a caminho de Jerusalém. Mas em
vão. A criança tinha desaparecido e o velho Shtarkes recusou-se
abertamente a devolvê-la, a despeito das lágrimas de Ida. O filho tinha
desaparecido.
Após mais algumas viagens, Ida e Alter perceberam que o velhote
não lhes devolveria o filho nem revelaria o seu paradeiro. Em janeiro de
1960, decidiram pedir ajuda à justiça. Apresentaram queixa contra Nahman
Shtarkes no tribunal rabínico de Tel Aviv. Shtarkes não respondeu. E o
pesadelo começou....
Dia 15 de janeiro — O Supremo Tribunal de Israel ordena a Nahman
Shtarkes que entregue a criança aos pais dentro dos 30 dias seguintes e
convoca-o para tribunal. Este responde passados dois dias: “Não posso
comparecer, devido à minha débil saúde.”
Dia 17 de fevereiro — A família apresenta queixa na polícia e pede
que Nahman Shtarkes seja preso e mantido sob custódia até devolver o
menino.
O Supremo Tribunal ordena à polícia que procure a criança.
Passados 10 dias, a polícia abre um arquivo em nome de Yossele e dá início
à busca.
Dia 7 de abril — A polícia não consegue encontrar vestígios do
rapaz e pede ao Supremo Tribunal para ser dispensada da procura.
Dia 12 de maio — O Supremo Tribunal ordena, indignado, que a
polícia continue a busca e que Nahman Shtarkes seja finalmente preso. Este
é detido no dia seguinte.
Porém, se alguém estava à espera de que uns dias na prisão
persuadissem o velho Shtarkes a desistir, estava bem enganado. O duro
velhote não disse uma única palavra.
Tornou-se rapidamente evidente que Shtarkes não tinha escondido a
criança sozinho e que fora ajudado por uma rede de judeus ultraortodoxos
que tinham enganado a polícia. Estavam todos empenhados numa missão
sacrossanta: frustrar o plano pérfido de levar a criança para a Rússia e
convertê-la ao cristianismo (pelo menos era isso que Shtarkes lhes contara).
Até o rabino Frank, rabino máximo de Jerusalém, publicou um
decreto de apoio ao velho Shtarkes exortando a comunidade ortodoxa a
ajudá-lo da maneira que pudesse.
A questão surgiu na agenda do Knesset em maio de 1960 e a
imprensa adorou o assunto. Os primeiros a perceberem as implicações
profundas da matéria foram os representantes dos partidos religiosos.
Shlomo Lorenz, membro do Knesset, sentiu que o sequestro da criança
podia desencadear uma guerra religiosa em Israel. Ofereceu-se como
intermediário entre Shtarkes e a família Schuchmacher. Levou a Shtarkes,
ainda na cadeia, o esboço de um acordo em que os pais prometiam dar uma
educação ortodoxa ao filho.
Shtarkes concordou em assinar o papel com uma condição: que o
rabino Meizish, um dos rabinos mais fanáticos de Jerusalém, o ordenasse a
fazê-lo.
Lorenz correu para Jerusalém e encontrou-se com o rabino. Meizish
deu a entender a Lorenz que daria consentimento à assinatura do acordo, na
condição de os sequestrores não serem perseguidos pela justiça.
Lorenz dirigiu-se então ao chefe de polícia, Joseph Nahmias.
“Concordo”, disse Nahmias. “Leve o meu carro e traga o menino. O senhor
tem imunidade parlamentar, e ninguém seguiria o meu carro, de qualquer
forma, por isso as pessoas envolvidas permanecerão anônimas.”
Lorenz regressou, feliz da vida, ao rabino Meizish, mas este mudara
de ideia. Lorenz voltou à estaca zero. Sabia que a criança estava
provavelmente escondida numa das comunidades religiosas, escolas
talmúdicas ou aldeias ortodoxas. Mas todas elas se protegiam com uma
parede de silêncio.
Descobrir a criança ali seria uma missão impossível.
A 12 de abril de 1961, Nahman Shtarkes foi libertado da cadeia, “por
razões de saúde”, depois de ter prometido tentar encontrar a criança. Porém,
não cumpriu a promessa, e o Supremo Tribunal mandou prendê-lo
novamente, declarando que o sequestro era um “crime chocante e
desprezível”.
Em agosto de 1961, foi criado um Comitê Nacional para o Regresso
de Yossele, que começou a distribuir panfletos, a organizar reuniões
públicas e a alertar a imprensa. Milhares de pessoas assinaram as petições.
No horizonte, pairava a sombra sinistra de uma guerra cultural.
Em agosto de 1961, a polícia invadiu a aldeia hassídica de
Komemiut e descobriu que o pássaro lhe fugira entre as mãos. Yossele
estivera escondido na aldeia um ano e meio antes, em dezembro de 1959,
quando o tio Shalom o tinha levado para casa de um tal Zalman Kot. A
criança estivera escondida com o nome de “Israel Hazak”.
Entretanto, porém, a criança fora levada para outro lugar e Shalom
Shtarkes deixara o país e instalara-se na comunidade hassídica de Golders
Green, em Londres. A pedido da polícia israelense, Shtarkes foi preso pelos
ingleses. Quando o seu primeiro filho, Kalman, nasceu, a família levou o
bebé à prisão, onde o ritual de circuncisão foi levado a cabo.
Contudo, Yossele desaparecera sem deixar rastro. Algumas pessoas
achavam que tinha sido levado para fora do país, outras que tinha adoecido
e morrido. A polícia tornou-se alvo de chacota. Irromperam conflitos
violentos entre judeus seculares e judeus ortodoxos. Alunos de yeshivas
eram apanhados e agredidos na rua por transeuntes. Jovens seculares
atormentavam jovens ortodoxos com gritos de “Onde está o Yossele?”.
A fúria do público israelense chegou a um ponto de ebulição. O
Knesset foi sacudido por debates acessos.
Foi então que Ben-Gurion chamou Isser.
Quando concordou tomar a seu cargo a busca de Yossele, Isser Harel
não imaginava estar a aceitar a missão mais difícil e complicada da sua
carreira.
Nunca discutia assuntos operacionais com a mulher, Rivka, mas
desta vez disse-lhe: “Está em causa a autoridade do Governo.” Avraham
Shalom, um dos seus melhores agentes, tinha uma opinião diferente: “Isser
quis provar que conseguia fazer o que a polícia não conseguia.”
A polícia ficou mais do que contente por se ver livre da tarefa
indesejada.
Joseph Nahmias, chefe da polícia, perguntou a Isser: “Acredita
mesmo que é possível encontrar a criança?” Amos Manor, diretor do
Shabak e colaborador próximo de Isser, opunha-se a todo o projeto e tinha o
apoio de muitos dos funcionários superiores do Mossad e do Shabak. Todos
acreditavam que os seus deveres não incluíam aquela tarefa. Trabalhavam
para a segurança de Israel, não para andar a procurar um menino em escolas
hassídicas. Ao contrário de Isser, não julgavam que os serviços secretos
existissem para preservar a reputação do Estado judeu. Porém, assim que
Isser tomou a decisão, não a contestaram. A autoridade dele era absoluta.
Isser e os seus assistentes criaram uma força de ação com cerca de
40 agentes — os melhores investigadores do Shabak, membros da equipe
de operações, agentes religiosos ou pessoas que se faziam passar como tal,
e até civis que se voluntariaram para a operação. A maioria dos voluntários
eram membros da comunidade ortodoxa que perceberam o perigo que o
sequestro de Yossele constituía para a nação. Porém, as suas primeiras
operações acabaram num rotundo fracasso. Tentaram desastradamente
penetrar nos bastiões ultraortodoxos e foram imediatamente reconhecidos,
gozados e rejeitados. “Era como se eu tivesse aterrado em Marte”, disse um
dos agentes de Isser, “e fosse obrigado a misturar-me com uma multidão de
homenzinhos verdes sem dar nas vistas.”
Isser estudou pacientemente o arquivo, lendo e relendo cada
documento.
Não havia rastro de Yossele em parte nenhuma de Israel. Isser
chegou finalmente a uma conclusão: a criança tinha sido levada do país.
Mas levada do país para onde? A atenção de Isser foi despertada por
uma notícia peculiar. A meio de março de 1962, um grande grupo de judeus
hassídicos viajou da Suíça para Israel. Vieram inúmeros homens, mulheres
e crianças acompanhar o caixão do seu estimado rabino e enterrá-lo na
Terra Santa. Isser desconfiou de que o funeral fosse apenas uma desculpa
para fazer sair Yossele do país, quando o grupo voltasse à Suíça umas
semanas depois. Isser colocou homens no aeroporto e enviou para Zurique
uma pequena equipe chefiada por Avraham Shalom, para que seguissem os
hassídicos quando estes chegassem. Os agentes do Mossad chegaram a
visitar o colégio interno das crianças e entraram muitas vezes no pátio, de
noite, para espreitar pelas janelas e escrutinar todas as crianças. “Chegamos
a uma yeshiva no meio da floresta”, recorda Shalom. “Espreitamos às
janelas; sabíamos que ele podia estar disfarçado, mas procuramos um
menino da mesma idade.” Depois de uma semana de aventuras noturnas,
Shalom teve de informar Isser de que Yossele não estava seguramente entre
as crianças suíças.
Isser decidiu tomar o comando da operação. Confiou todos os
assuntos pendentes aos seus assistentes, instalou-se num quartel-general
improvisado em Paris e enviou os seus homens para todos os cantos do
mundo. Estes fizeram investigações na França, Itália, Suíça, Bélgica,
Inglaterra, América do Sul, Estados Unidos e Norte de África. Usando
diferentes disfarces, tentaram penetrar em comunidades e yeshivas
ortodoxas, para que pudessem listar os centros onde a criança podia estar
escondida. Um jovem judeu ortodoxo de Jerusalém chegou à famosa
yeshiva do rabino Soloweichik, na Suíça, fazendo-se passar por um aluno
ansioso por estudar a Tora com o renomado mestre. Uma religiosa modesta,
pia e devota chegou a Londres, levando consigo cartas calorosas de
recomendação da sogra de Shalom Shtarkes, cuja confiança conseguira
conquistar. Foi convidada pela família Shtarkes a ficar com ela, como sua
hóspede. O que a família não sabia era que a mulher era Yehudith
Nissiyahu, a melhor agente de Isser e participante no sequestro de
Eichmann.
Yehudith não era a única agente do Mossad trabalhando em Londres
naquele tempo. Londres era um importante centro de hassídicos
ultraortodoxos da seita Satmar (o nome vem da aldeia romena Satu Mare,
onde a seita teve origem). Isser mandou outra equipe de agentes para os
bairros residenciais da seita em Londres. Outra equipe foi enviada para a
Irlanda. Durante as operações em Inglaterra, os homens de Isser tinham
descoberto um jovem casal religioso que arrendara subitamente uma casa
isolada na Irlanda. Os agentes do Mossad calcularam que o casal se serviria
da casa como novo esconderijo para Yossele e prepararam um plano
pormenorizado para capturar a criança. Não perderam tempo a alugar
apartamentos e carros, a contrabandear equipamento e a preparar
documentos falsos. A operação foi planejada ao mais ínfimo pormenor.
E depois começaram os fracassos.
A primeira equipe a regressar a casa cheia de frustrações foi a da
Irlanda.
Afinal, o “casal religioso” era mesmo um casal religioso. Tinham
pura e simplesmente decidido tirar férias na Irlanda. Yehudit Nissiyahu
também foi incapaz de obter informações da família Shtarkes, e o jovem
que foi estudar as Sagradas Escrituras na Suíça regressou iluminado, mas de
mãos vazias.
De todo o mundo chegavam respostas negativas ao quartel-general
de Isser.
A criança tinha desaparecido.
O pior destino foi o que aguardou a equipe que tentara penetrar na
comunidade hassídica da Satmar em Londres. Alguns estudantes jovens e
perspicazes da yeshiva no bairro de Stamford Hill descobriram
imediatamente quem eram os visitantes não convidados e confrontaram-
nos, gritando: “Vêm aí os sionistas! Venham, o Yossele está aqui!”
Chegaram a chamar a polícia londrina. Os assistentes de Isser tiveram de se
esmerar para libertar os colegas da prisão de Sua Majestade.
Um após outro, os apoiantes mais aguerridos de Isser perderam a
esperança. Disseram-lhe: “Isser, não vai funcionar. Desiste da busca. Estás à
procura de uma agulha num palheiro. Não vamos encontrar o menino.”
Mas Isser não desistiu. Teimoso como um mula, afastou todas as
dúvidas e queixas e continuou, obcecado pela procura e confiante de que
descobriria a criança, por mais ínfimas que fossem as probabilidades.
Ainda em Paris, convocou Yaacov Caroz, diretor da célula local do
Mossad. Caroz, nascido na Romênia, perdera os pais no Holocausto e
envolvera-se em assuntos de espionagem e segurança desde que estudara na
Universidade Hebraica de Jerusalém. Esguio, com uma testa larga, traços
delicados e óculos, Caroz parecia claramente um intelectual. Tinha sido
antigo diretor do Tevel (“Universo”), o departamento do Mossad
responsável pelas relações secretas com serviços de informações
estrangeiros, e forjara algumas das mais secretas e incríveis alianças de
Israel. Tinha ajudado a construir um “pacto periférico” entre Israel e o Irã, a
Etiópia, a Turquia e até o Sudão; tinha estabelecido uma cooperação
próxima com os chefes dos serviços secretos franceses, britânicos e
alemães; conseguira uma aliança com o formidável general Oufkir, o
temido ministro do Interior de Marrocos, e visitava em segredo o rei
Hassan; havia mesmo ajudado o imperador etíope, Haile Selassie, a
esmagar uma tentativa de golpe dos seus ajudantes mais próximos. Durante
uma missão clandestina na Argélia, Caroz tinha-se apaixonado por uma
jovem chamada Juliette (Yael), que se tornara sua mulher. Caroz, delicado e
aparentemente educado, era um espião brilhante com fato e gravata que
nunca atuara como agente de campo; porém, a sua qualidade de homem
mundano que falava fluentemente francês e inglês tornava-o uma mais-valia
para Isser.
Isser trabalhava incessantemente. Alugara um quarto de hotel, mas
passava a maior parte dos seus dias e noites no apartamento que tinha
transformado no seu quartel-general de operações. Os assistentes
compraram-lhe uma cama desdobrável (“a cama do Yossele”, como lhe
chamavam) e, de vez em quando, Isser caia sobre ela para sestas curtas. Foi
assim durante vários meses. A maior parte do tempo era ocupada a estudar
relatórios, escrever telegramas e falar com os seus homens, dispersos por
toda a Europa. De madrugada, Isser saía do escritório e ia ao hotel, onde
tomava banho e se refrescava antes de voltar ao trabalho. Na primeira noite
em que voltou ao hotel às primeiras horas do dia, o porteiro lançou-lhe um
sorriso apreciativo. Aquele cavalheiro baixinho, pelos vistos, tirara o
máximo partido da vida noturna de Paris. Na segunda noite, o porteiro
permitiu-se lançar uma amigável piscadela de olho ao cavalheiro. Mas
quando as aventuras noturnas continuaram durante uma terceira, uma quarta
e uma quinta noites, o porteiro não se conseguiu conter mais. Quando Isser
voltou, ao nascer do dia, com os olhos vermelhos por privação de sono, a
barba por fazer e a roupa amarrotada, o porteiro tirou o chapéu, num gesto
teatral, fez uma vênia e declarou: “Tem o meu respeito, monsieur.”
E então, numa manhã de abril, os agentes do Mossad receberam uma
informação curiosa. Fora remetida por um jovem judeu ortodoxo chamado
Meir, enviado para Antuérpia. Conhecera lá um grupo de mercadores
religiosos de diamantes que dedicavam grande respeito ao velho rabino
Itzikel, considerado um homem sagrado. Quando queriam resolver as suas
querelas de negócios, não procuravam a ajuda dos tribunais estatais, antes
pedindo ao rabino que fosse seu mediador e juiz — frequentemente em
negócios de muitos milhões. A palavra dele era lei. Até na Europa moderna
este grupo observava os costumes dos tempos antigos.
Meir conseguiu penetrar no círculo de seguidores do rabino e
descobrir que, durante a Segunda Guerra Mundial, tinham funcionado como
grupo de resistência antinazi e salvado muitos judeus da Gestapo. Depois da
guerra, o grupo continuou a usar os mesmos métodos e a servir-se da
experiência adquirida como organização clandestina, para se dedicar a
aventuras comerciais em todo o mundo. Os mercadores de diamantes
contaram a Meir uma história extraordinária sobre uma francesa loura de
olhos azuis, católica, que pertencera à sua organização durante a guerra e os
ajudara a salvar judeus das garras de Hitler. A mulher tinha sido
profundamente influenciada pelo carisma do rabino, pelo que se converteu
ao judaísmo e se tornou uma ortodoxa devota e, sobretudo, uma mais-valia
de valor incalculável para o grupo. Os seus anos na clandestinidade tinham-
lhe ensinado muita coisa; era esperta, corajosa e sabia como encobrir
rastros, disfarçar-se e usar o seu charme natural como arma. Além disso,
tinha um jeito instintivo para os negócios e uma inteligência nata. Tinha
percorrido o mundo em missões para o grupo de Antuérpia com o seu
passaporte francês. “É uma mulher santa”, contaram os judeus de Antuérpia
a Meir. Contaram-lhe ainda que ela já tinha visitado Israel, que o filho do
seu primeiro casamento, chamado Claude, também se tinha convertido e,
depois de estudar em yeshivas na Suíça e em Aix-les-Bains, era agora aluno
de uma escola talmúdica em Jerusalém. Mas nem mesmo as pessoas de
Antuérpia sabiam o paradeiro atual da fabulosa mulher santa.
A história despertou a imaginação de Isser. À primeira vista, não
havia nada no relatório que ligasse a francesa a Yossele. Mas, para Isser, a
mulher parecia uma pessoa com enorme potencial, uma mulher de mil
caras. Podia ser uma dádiva dos céus para os líderes ortodoxos, se
precisassem de alguém para cumprir missões secretas relacionadas com
Yossele.
Isser decidiu seguir o instinto, abandonar todas as outras pistas e
concentrar-se na misteriosa convertida. Telegrafou para Israel todos os
pormenores que conhecia e instruiu o serviço a encontrar o filho e a mãe.
Poucos dias depois, chegou a resposta. O filho chamava-se agora
Ariel e estava realmente em Israel. Contudo, ninguém sabia onde parava a
mãe. O seu nome de nascimento era Madeleine Ferraille. Em Israel, era
conhecida como Ruth Ben-David.
Os relatórios que chegaram ao quartel-general de Isser pintaram um
perfil mais preciso de Madeleine Ferraille. A bela jovem tinha estudado
História e Geografia na Universidade de Toulouse e na Sorbonne, em Paris.
Tinha-se casado com o namorado da faculdade, Henri, e o filho nascera
pouco depois da deflagração da Segunda Guerra Mundial. Madeleine
juntou-se aos Maquis durante a guerra, e as suas atividades clandestinas
levaram-na a entrar em contato com judeus franceses e belgas, entre os
quais o grupo de Antuérpia.
No final da guerra, acabou por iniciar umas aventuras conjuntas de
importação e exportação com alguns deles.
Em 1951, divorciou-se de Henri, depois de se apaixonar por um
jovem rabino numa pequena cidade alsaciana. O rabino, um sionista
fervoroso, quis emigrar para Israel, e os dois amantes decidiram casar-se lá.
A conversão dela ao judaísmo deveu-se, portanto, não tanto ao amor que
sentia pela religião propriamente dita, mas mais ao amor que sentia por um
dos seus crentes. Ruth Ben-David, recém-convertida, atou o cabelo louro
com um lenço, trocou as suas roupas elegantes pelos trajes sem forma de
uma judia ortodoxa e seguiu o noivo para a Terra Santa. Porém, em Israel, o
romance azedou; o rabino deixou-a e ela ficou sozinha, deprimida e
frustrada. A sua crise pessoal, ao que parece, motivou-a a aproximar-se dos
círculos mais extremistas em Jerusalém e do seu líder, o rabino Meizish.
Ruth conquistou muito respeito nos círculos religiosos depois de usar o
passaporte francês para entrar no setor jordaniano de Jerusalém e rezar no
Muro das Lamentações.
No início da década de 1950, Ruth regressou a França e recomeçou a
fazer longas viagens. Os agentes do Mossad descobriram que ficava muitas
vezes em Aix-les-Bains, ou numa instituição de religiosas próxima de Paris.
Porém, não tinha endereço permanente.
As autoridades de imigração informaram os homens de Isser de que,
nos últimos anos, Ruth visitara Israel por duas vezes. Na segunda, a 21 de
junho de 1960, saíra de Israel com uma menina, cujo passaporte dizia ser
sua filha.
Tinha saído do país num voo da Alitalia e o seu destino final fora
Zurique.
Mas quem era a menina? Ruth Ben-David não tinha filhas. Isser
sentiu que estava na pista certa. “Descobre-a!”, disse a Yaacov Caroz.
Armado com uma descrição pormenorizada da mulher, Caroz e outro
agente puseram-se a caminho de Aix-les-Bains. Ora, conforme chegavam à
pequena cidade, nem queriam acreditar no que viram: Ruth Ben-David —
ou, neste caso, Madeleine Ferraille —, elegantemente vestida, estava à beira
da estrada a pedir boleia! Ficaram boquiabertos. Francesas elegantes e
refinadas a pedir boleia nas estradas de França não são propriamente algo
que se veja todos os dias, como é óbvio. O motorista fez imediatamente
uma inversão de marcha e acelerou de volta à senhora, mas outro carro
parou a sua frente e partiu com a beldade.
Os agentes voltaram de Aix-les-Bains de mãos vazias; mas, por
outra fonte, souberam que Ruth Ben-David tinha uma relação bastante
chegada com Joseph Domb, um abastado mercador de joias de Londres.
Tinha sido vista sentada sozinha com Domb num automóvel, o que não era
próprio de um homem hassídico. Isser já ouvira falar de Domb: era um
inimigo convicto do Estado de Israel. Pertencia à seita hassídica Satmar, era
confidente próximo do rabino da Satmar em Nova York e conhecia os
maiores líderes da Satmar em várias comunidades na Europa. “Se o rabino
da Satmar em Nova York é o papa”, disse um especialista a Isser, “Domb é
o arcebispo dele”.
Isser apercebeu-se de que todos os caminhos conduziam a Londres.
Era lá que viviam os dois filhos do velho Shtarkes. Era lá que estava
baseada uma comunidade ativa da seita Satmar, liderada por Domb. Fora lá
que ele fora visto com Ruth Ben-David, que podia ter feito sair
clandestinamente Yossele de Israel. Isser não tinha dúvidas: o sequestro da
criança fora certamente orquestrado pelos hassídicos da Satmar em Israel e
na Europa. Domb encarregara-se da operação. Ruth Ben-David fora
fundamental no sequestro, devido às suas capacidades, experiência e
passaporte francês; talvez ela soubesse onde estava escondida a criança.
As suspeitas foram confirmadas por um agente do Shabak que
interceptou várias cartas que Ruth Ben-David escrevera ao filho.
Continham algumas alusões veladas a Yossele Schuchmacher.
Porém, Isser precisava de mais informações e, portanto, decidiu
penetrar no mundo dos hassídicos da Satmar. Os seus agentes de Londres
comunicaram-lhe a existência de um mohel — rabino especializado na
circuncisão de recém-nascidos judeus — chamado Freyer (nome fictício).
Era um tagarela, um homem que apreciava os prazeres da vida sob um
manto de retidão e, por último e mais importante, um homem próximo de
Domb e que afirmava conhecer o paradeiro de Yossele.
Isser lançou uma operação complicada, destinada a trazer Freyer
para Paris: um dos seus homens fez-se passar por príncipe marroquino,
aproximou-se discretamente de Freyer e disse-lhe que se apaixonara por
uma moça judia. Tinham-se casado em segredo e mantido fiéis ao judaísmo
em casa, em Marrocos. Agora, a mulher dera à luz um menino e ambos
queriam que ele fosse circuncidado, mas não o podiam fazer em Marrocos;
a sua família assassiná-lo-ia se soubesse... A mulher e o filho estavam em
Paris.
Será que o rabino Freyer podia ir circuncidar o bebê? Seria
graciosamente recompensado.
Freyer concordou prontamente e chegou a Paris alguns dias depois.
Assim que entrou no apartamento do “príncipe marroquino”, foi retido
pelos agentes do Mossad. Estes escoltaram-no até uma sala vazia, onde foi
interrogado durante várias horas por Victor Cohen, chefe do departamento
de investigação do Shabak. O mohel apanhou um susto de morte, não
ofereceu resistência e mostrou-se pronto a falar. Mas quando lhe
perguntaram sobre Yossele, ergueu as mãos. “Peço imensas desculpas”,
disse, “mas não sei absolutamente nada”.
No fim das contas, a verdade era que Freyer nada sabia sobre a
criança sequestrada e a fanfarronice era apenas uma maneira de
impressionar os amigos.
Mais uma vez, os esforços de Isser levaram a um beco sem saída.
Para sua surpresa, saiu a sorte grande a outra equipe de agentes seus.
Com a ajuda dos serviços secretos franceses, conseguiram interceptar várias
cartas enviadas a Madeleine Ferraille, e numa delas encontraram a
oportunidade que procuravam. Era uma resposta a um anúncio que ela
pusera no jornal para vender a sua casa de campo em Orleães, uma bela
cidade no “Jardim de França”, o vale do Loire. Remeteram uma carta para a
caixa postal referida no anúncio e ofereceram a Ferraille mais dinheiro do
que ela pedia pela casa.
Diziam ser empresários austríacos à procura de um local onde passar
férias.
Madeleine Ferraille respondeu e deu-lhes o endereço da casa. Pouco
depois, eles responderam-lhe que tinham visitado a casa e que ela se
adequava às suas necessidades. Marcaram um encontro para fechar o
negócio a 21 de junho de 1962, no átrio de um grande hotel de Paris.
Uns dias antes do encontro, os homens de Isser chegaram separados
a Paris e iniciaram uma atividade intensa. Alugaram carros e casas de
segurança em Paris e nos seus arrabaldes, estabeleceram rotas de fuga,
prepararam documentos e equipamento, e fizeram vir de Israel especialistas
em vigilância e interrogatórios.
Isser também decidiu que a melhor maneira de obrigar Ruth Ben-
David a revelar os seus segredos era por via do filho. Ariel estudava numa
yeshiva em Israel e, ao que parecia, sabia muita coisa sobre Yossele. Isser
decidiu prendê-lo ao mesmo tempo que raptassem a mãe em França. Ariel
era ortodoxo, mas menos fanático do que a mãe. Isser estabeleceu um
sistema de comunicação que permitiria aos agentes do Mossad sincronizar o
interrogatório de Ruth com o interrogatório do filho em Israel, para que
pudessem usar as respostas do filho para questionar a mãe.
E, de fato, na manhã de 21 de junho, uma mulher alta, elegante e de
uma beleza impressionante entrou no hall do hotel. Era Madeleine Ferraille.
A encantadora francesa apresentou-se aos dois austríacos que a
esperavam. Um deles chamava-se Herr Furber e o outro Herr Schmidt. Ela
falava um inglês excelente e também dominava o alemão. Nunca suspeitou
da identidade dos dois compradores. O grupo rapidamente chegou a acordo
sobre a venda da casa, mas o advogado estava atrasado. Furber foi ligar-lhe
de uma das cabines telefônicas do hotel e, quando regressou, disse que o
advogado se tinha desculpado profusamente; ficara retido em casa, dissera
ele, devido a vários assuntos urgentes. Perguntara se podiam passar por sua
casa, na cidade de Chantilly, perto da capital, e deu a Furber o endereço e
indicações pormenorizadas. Recebê-los-ia imediatamente e assinariam
todos os papéis ali mesmo.
“Vamos?”, perguntou Furber.
Madeleine concordou. Entraram no carro alugado dos dois austríacos
e deslocaram-se à villa do advogado. Porém, o charme da francesa quase
deitou toda a operação a perder. Furber, o agente ao volante, ficou tão
extasiado com Madeleine que passou um semáforo vermelho. O silvo
estridente de um apito fê-lo regressar à realidade. Viu um policial gordo e
zangado correndo na direção deles, apitando ao mesmo tempo que apontava
para o semáforo vermelho.
Furber parou o carro, acometido por maus pressentimentos. Que
devia fazer? Estava num país estrangeiro, com documentos falsos, a guiar
um carro alugado com uma mulher que estava prestes a desaparecer.
Passariam uma multa de trânsito, a polícia iniciaria um processo contra ele,
e... Porém, Madeleine Ferraille, a origem dos seus problemas, foi também
quem o salvou. Deitou a cabeça de fora da janela e atirou um sorriso
encantador ao polícia. “Monsieur Vagent”, disse ela, docemente, “este
senhor é um turista.
É de um país estrangeiro, está a viajar com uma mulher e a tentar
diverti-la com as suas histórias... Estou certa de que compreenderá a
situação. Por favor desculpe-o...” Também o polícia foi seduzido pelo
charme da mulher e deixou os agentes em pânico seguirem viagem sem lhes
passar nenhuma multa.
O carro não demorou a chegar à bonita cidade de Chantilly, onde
o “advogado” vivia. Entraram no caminho de acesso à villa e pararam antes
da entrada principal. Os dois empresários ajudaram gentilmente a
convidada a sair do carro, acompanharam-na até casa e as portas abriram.
Ela entrou. Foi levada ao “escritório do advogado”.
O papel de advogado foi desempenhado por Yaacov Caroz.
“Madame”, disse ele, em francês, “não está aqui para discutir sobre a sua
casa de Orleães, mas sobre outro assunto”.
“Como? Que vem a ser isto?”
“Quero falar com você sobre uma criança chamada Yossele
Schuchmacher.”
Nesse momento, apareceram a seu lado outros dois homens. Quando
ela se virou para trás, percebeu que os dois “empresários” tinham
desaparecido sem deixar rastro. Foi tomada pelo medo.
“Caí numa armadilha!”, murmurou, com a voz quebrada, em francês.
“Caiu nas mãos dos serviços secretos israelenses, madame”, disse
Caroz.
Nesse preciso momento, Ariel Ben-David, filho da francesa, era
preso por policiais na cidade de Be’er Yaacov, em Israel.
Em Chantilly, Caroz dirigiu-se a Ruth Ben-David. “Madame, está
envolvida no sequestro de Yossele Schuchmacher. Queremos a criança!”
“Não sei nada e não direi nada”, respondeu ela firmemente. Após o
choque inicial, tinha recuperado rapidamente. Caroz levara consigo a
cunhada, enfermeira experiente, para intervir em caso de emergência.
“A enfermeira não foi necessária”, recorda.
“A mulher era muito inteligente”, acrescenta Shalom. “Percebemos
imediatamente que ela sabia muito mais do que estava disposta a revelar.”
Os israelenses sabiam que Ruth era a sua última esperança. Contudo,
também presumiam que aquela dama de ferro não cederia facilmente e que
o assunto podia demorar algum tempo. Ruth foi passada a Yehudith
Nissiyahu, chegada de Londres. Nissiyahu tratou-a bem e cuidou das suas
necessidades de mulher crente. Forneceu-lhe livros de oração e velas para o
Sabbath; cozinhou-lhe refeições kosher. A ala que a prisioneira ocupava era
interdita a homens. A enfermeira ocupava o quarto ao lado do dela.
O interrogatório começou. A convertida foi confrontada durante
horas pelos agentes, quase sempre Yaacov Caroz e Victor Cohen, que se lhe
dirigiam em francês. Ficou espantada por descobrir que os israelenses
sabiam tudo sobre ela, mas recusou-se teimosamente a revelar informações
sobre Yossele. “Não direi nada”, repetiu incessantemente. Chamou a Victor
Cohen “flic”, o equivalente a “tira”, na gíria francesa. Negou
obstinadamente ter qualquer ligação que fosse com o sequestro.
“Por isso, comecei a falar com ela sobre todo tipo de assunto”,
recorda Victor Cohen, “só para amolecê-la. Queria entender como uma
jovem cristã se tornara ortodoxa fanática. São dois mundos bem diferentes.
No início, quando começamos a falar, ela insistia em que houvesse uma
mulher na sala. Depois, concordou em ficar apenas comigo, mas insistia em
que a porta ficasse aberta”.
Um dos interrogadores era responsável pela desagradável missão de
lhe fazer acusações insultuosas, para que ela perdesse a calma. Os homens
do Mossad tinham esperança de que ela reagisse impulsivamente e
desembuchasse palavras que não pretendia dizer; tudo podia ser usado no
interrogatório simultâneo do filho dela, em Israel.
E, com efeito, o interrogatório de Ariel Ben-David, em Israel,
começou a dar frutos. O chefe de investigação em Israel era Avraham
Hadar, um tipo duro com nome de código incongruente, Pashosh (Melro).
Este disse ao jovem que a mãe tinha capitulado. “Sua mãe confessou tudo”,
disse ele. “Suas mentiras não levarão a lugar nenhum. Diga a verdade!”
E, pouco depois, Ariel vergou. Disse que sabia o que tinha
acontecido à criança e que falaria “apenas se minha mãe e eu tivermos
imunidade”.
Pashosh respondeu “É sua!” e levou-o imediatamente a Amos
Manor, chefe do Shabak. Assim que o viram, Manor gritou para Ariel:
“Concordo com o que quer que seja que Pashosh prometeu. Agora, diga:
onde está o menino?!” Ariel estremeceu. Acabou por admitir que a mãe
tinha levado clandestinamente Yossele para fora de Israel, disfarçando-o de
menina. Tinha falsificado o passaporte, em que ainda constava o nome
antigo do filho, Claude. Mudara o nome para Claudine e alterara ainda a
data de nascimento, para que esta se adequasse à idade de Yossele. Ariel
também sabia que a criança fora levada para a Suíça.
A confissão de Ariel foi imediatamente remetida a Chantilly, e os
interrogadores de Ruth Ben-David confrontaram-na com os novos fatos.
“Ariel está em nossas mãos”, disse-lhe Victor Cohen. “Ele enfrenta uma
punição muito dura. Confessou tudo. Não quer saber do destino de seu
filho?”
“Já não é meu filho”, murmurou ela. E permaneceu inquebrável. Os
interrogadores não podiam deixar de admirar a tremenda força daquela
mulher.
Gradualmente, a situação tornou-se insustentável. A solução parecia
tão próxima e, contudo, os interrogadores sentiam que tudo podia acabar
num tremendo fracasso.
Finalmente, Isser decidiu que chegara o momento de tomar, ele
mesmo, o comando.
Na sala escura e despojada, Isser Harel e Ruth Ben-David
enfrentaram-se com a mesa de permeio. Alguns agentes do Mossad estavam
de pé atrás deles; Cohen e Caroz serviram de intérpretes.
Isser acreditava firmemente que aquela mulher ferozmente
determinada não cederia a ameaças. A única maneira, concluíra, era
convencê-la com argumentos morais. Ela era religiosa, sem dúvida, mas
daria ouvidos à lógica. Afinal de contas, não fora uma judia ultraortodoxa
toda a vida e não lhe corria no sangue o fanatismo de gerações anteriores.
Era uma mulher inteligente e astuta, e devia ser tratada enquanto tal.
“Represento o Estado de Israel”, disse Isser, sopesando cada palavra.
“O seu filho contou-nos tudo, e temos muitas outras informações sobre
você. Conhecemos a maioria dos seus segredos. Lamentamos ter sido
obrigados a mantê-la aqui pela força. A senhora converteu-se ao judaísmo,
e o judaísmo é sinônimo de Israel. Sem Israel, o judaísmo não sobreviveria.
O sequestro de Yossele representou um terrível golpe para a comunidade
religiosa em Israel. Fez emergir sentimentos de fúria contra os ortodoxos. A
senhora pode ser a causa de um banho de sangue e de uma guerra civil. Se
não devolver a criança, o resultado pode ser um libelo de sangue. Peço-lhe
que pense no que pode acontecer à criança! Ele pode adoecer, até morrer.
Como é que a senhora e os seus cúmplices enfrentariam os pais dele, caso
isso acontecesse? Seria algo que vos atormentaria até o fim da vida. E
jamais serão absolvidos!
“É mulher e é mãe. Se alguém desaprovasse a maneira como educou
o seu filho e lho levasse para longe de si, como se sentiria? Conseguiria
dormir à noite?
“Não estamos lutando contra a religião. O nosso único propósito é
encontrar a criança. Assim que a tivermos, a senhora será libertada, o seu
filho será libertado — e Israel estará novamente unida.”
Isser fitava o rosto de Ruth, que começou a revelar o seu conflito
interior.
Parecia dividida por sentimentos contraditórios. Ruth estava sob uma
tremenda tensão, a lutar contra si própria, como só uma pessoa forte
consegue quando confrontada com um dilema extremo.
Os agentes do Mossad estavam imóveis como estátuas. Também eles
acreditaram que o momento da verdade chegara.
Ruth ergueu a cabeça. “Como saber que é um representante genuíno
do Estado de Israel? Como posso confiar em você?”
Sem pensar duas vezes, Isser puxou seu passaporte diplomático,
emitido no seu verdadeiro nome, e entregou-o a Ruth Ben-David.
Os seus homens ficaram estarrecidos. Será que ele enlouquecera?
Dar nome e passaporte... era um tremendo risco! Isser, contudo, sentiu que
só tinha chance de êxito se lhe mostrasse que era sincero e confiava nela.
Por um longo momento, Ruth observou o selo branco de Israel no
passaporte. Mordeu os lábios até pingae sangue da boca.
“Não aguento mais”, murmurou. “Vou ceder...”
Depois, subitamente, ergueu a cabeça. “A criança está com a família
Gertner, no número 126 da Penn Street, no Brooklyn, em Nova York. Eles o
chamam de Yankele.”
Isser ergueu-se de supetão. “Será libertada assim que tivermos a
criança.”
E saiu da sala.
Uma troca intensa de telegramas alertou Jerusalém, depois Nova
York e Washington. Isser telefonou a Israel Gur-Arie, o responsável de
segurança das missões diplomáticas israelenses na América do Norte. Gur-
Arie, que vivia em Nova York, investigou o endereço em Brooklyn e
confirmou, por telegrama, que o endereço estava certa e que a família
Gertner vivia numa zona largamente habitada por hassídicos da Satmar.
Jerusalém enviou um telegrama para Avraham Harman, embaixador de
Israel em Washington, instruindo-o a contactar o FBI e a pedir-lhe que
encontrasse a criança e a devolvesse a Israel.
Gur-Arie telefonou, ele próprio, ao seu homólogo do FBI e
informou-o de todos os pormenores: “o que a criança come, o que veste”,
etc. Os agentes do FBI responderam: “Se sabe tanto sobre ele, vá buscá-lo.”
Gur-Arie respondeu: “Deem-me autorização.” Os agentes do FBI
recusaram-se a fazê-lo.
O quartel-general de Isser começou a receber uma leva de
telegramas perturbadores. Os americanos estão hesitantes, informaram Gur-
Arie e o embaixador israelense. Perguntaram: Têm certeza absoluta de que
a criança está naquele endereço? Que aconteceria se invadíssemos a casa e
não encontrássemos a criança? O FBI deu a entender que suas reticências se
deviam às iminentes eleições para o Congresso. A seita Satmar controlava
quase 100.000 votos, e a administração não queria correr o risco de perdê-
los.
Em Chantilly, Isser começava a perder a paciência. À meia-noite
pegou o telefone. “Liguem-me com Harman, em Washington”, ordenou.
Quando a ligação foi estabelecida, foi direto ao assunto. “Harman”,
disse, “fala Isser Harel. Quero que entre em contato com o procurador-geral
Robert Kennedy, imediatamente, e diga-lhe, em meu nome, que o FBI deve
buscar o menino agora mesmo”.
Harman ficou chocado. “Isser, como pode falar dessa maneira?” Deu
a entender que os serviços secretos americanos podiam estar acompanhando
a conversa.
“Tanto melhor”, disse Isser. “Não falo apenas com você.” Esperava
que os americanos estivessem na escuta, e a sua posição firme os levasse a
agir.
Harman continuou a hesitar e tentou avisar Isser sobre as possíveis
complicações diplomáticas. “Não lhe pedi opinião”, informou Isser,
rispidamente. “Diga-lhes que, se não agirem imediatamente, serão
responsabilizados por tudo o que acontecer.”
Poucas horas depois, Isser foi chamado ao telefone. Era de Nova
York.
Os funcionários do consulado informaram-no de que Robert
Kennedy tinha agido de imediato. Uma equipe de agentes do FBI,
acompanhada pelo responsável da segurança israelense, deslocara-se ao
Brooklyn. A criança foi de fato encontrada e levada para um local seguro.
Era Yossele.
Um jovem jornalista chamado Elie Wiesel (o futuro vencedor do
Prêmio Nobel) telefonou a Gur-Arie. “Ouvi dizer que encontraram a
criança.” Gur-Arie, que tinha jurado manter segredo, negou
veementemente. Wiesel levou anos para perdoá-lo.
O 4 de julho de 1962 também foi dia de festa nacional em Israel,
porque foi nessa data que o avião que transportava Yossele para casa
aterrissou no aeroporto de Lod. A imprensa louvou entusiasticamente a
eficiência dos serviço secreto. Israel estava rapidamente se tornando o único
país do mundo em que aquele tipo de organização-sombra era amado e
admirado por toda a nação. Um conhecido advogado israelense, Shlomo
Cohen Zidon, escreveu carta de agradecimento a Ben-Gurion por ter
descoberto a criança. Ben-Gurion respondeu: “Deve agradecer ao nosso
serviço secreto e, principalmente, a seu diretor, que dedicou vários dias e
noites à missão e não descansou, mesmo quando os assistentes quase
desistiram, até encontrar a criança e a levar do seu esconderijo, o que
também não foi nada fácil.”
Enquanto todo Israel celebrava o salvamento de Yossele, Isser estava
em Paris, onde os seus homens prepararam uma festa modesta em sua
honra. Um dos agentes ergueu o copo “à criança devolvida à pátria, ao
homem de ferro que a descobriu, ao Estado que tão bem sabe proteger seus
cidadãos”.
Outro agente ofereceu a Isser um pequeno tigre de pelúcia, como
recordação da operação. Os colegas fizeram chegar a sua casa em Tel Aviv
a “cama de Yossele”, na qual ele passara tantas noites insones.
Uma vez o menino descoberto, toda a verdade emergiu.

Tudo começara com um telegrama.


Na primavera de 1960, quando Yossele passava clandestinamente de
uma yeshiva para outra em Israel, Ruth Ben-David recebeu um telegrama
do seu amigo rabino Meizish: “Venha imediatamente para Jerusalém, tenho
um bom desafio para você.” Quando chegou, Ruth descobriu que o
“desafio” era, na verdade, uma missão secreta: levar clandestinamente
Yossele para fora de Israel.
Ruth voltou a França, alterou o seu passaporte, mudou o nome do
filho de Claude para Claudine e a data de nascimento dele de 1945 para
1953.
Depois, mudou de roupa e de nome e tornou-se Madeleine Ferraille.
Voou para Gênova e comprou uma passagem para um navio que navegaria
para Israel transportando passageiros e novos imigrantes.
Na doca de Gênova, começou a brincar, como que por acaso, com a
filha de oito anos de uma família de imigrantes. Quando o embarque
começou e os imigrantes se ocupavam com a bagagem e as malas, a
encantadora Madeleine levou a menina pela mão e conduziu-a ao convés do
navio. Os agentes italianos de imigração verificaram o seu passaporte e
registraram a sua entrada a bordo com uma menina. Em Israel, ela repetiu o
procedimento e a imigração israelense anotou, como era seu dever, que ela
saíra do navio com a filha pequena.
Poucos dias depois, Madeleine Ferraille entrou a bordo de um avião
no aeroporto de Lod, com a “filha Claudine”, que era nem mais nem menos
que Yossele Schuchmacher, trajando um belo vestido de menina e saltos
altos de cabedal.
Yossele passou quase dois anos em colégios internos ultraortodoxos
na Suíça e em França. Mas, quando a busca de Yossele em Israel ganhou
uma proporção maior, Madeleine apareceu no colégio interno de Meaux,
onde a criança estava então escondida sob o nome de “Menachem, órfão de
pais suíços”.
Vestiu-o novamente com roupa de menina e levou-o de avião para a
América. Uma vez lá, foi ajudada pelo líder da seita Satmar, rabino Joel
Teitelbaum, que ordenou a um distribuidor de leite chamado Gertner que
levasse “Yankele” para sua casa e o fizesse passar por um primo da
Argentina que viera para uma visita prolongada.
Os especialistas do Mossad perceberam que a rede clandestina
ultraortodoxa espalhada por toda a Europa e América se comparava às
organizações secretas dos melhores serviços de informações do mundo. E,
acima de tudo, ficaram abismados com Ruth Ben-David. Esta cumpria à
risca as regras da conspiração, nunca tinha umo endereço permanente,
transportava todos os seus documentos importantes na sua mala de senhora,
mudava de identidade tão facilmente como qualquer pessoa muda de roupa.
A bonita francesa era a Mata Hari do mundo ortodoxo.
Porém, enquanto Israel regozijava pela devolução de Yossele aos
pais,
Ruth Ben-David sentia-se abatida e derrotada. “Sou culpada”, dizia
ela aos amigos, chorando. “Traí a nossa causa. Nunca me perdoarei.
Confiaram-me um tesouro precioso e eu não consegui mantê-lo.”
Porém, Madeleine Ferraille/Ruth Ben-David tinha demonstrado tão
admiravelmente as qualidades necessárias para se ser agente secreto, que
Isser Harel decidiu oferecer-lhe emprego no Mossad. Mas chegou tarde.
Ruth regressou a Jerusalém e desapareceu no mundo ultraortodoxo. Três
anos depois, casou-se com o rabino Amram Blau, o líder de 72 anos da
mais fanática das seitas, a Neturei Karta.
Isser Harel e Yossele Schuchmacher conheceram-se apenas nove
anos depois, quando um dos autores deste livro deu uma festa em honra de
Isser e convidou Yossele. Yossele — hoje em dia, segundo-cabo numa
divisão de tanques — apertou a mão de Isser e declarou: “Estou
profundamente comovido. Isser Harel é a pessoa mais importante da minha
vida. Sem ele, eu não estaria aqui entre vocês.”
8. UM HERÓI NAZISTA A SERVIÇO DO MOSSAD

Num sufocante dia de agosto de 1963, dois homens entraram nos


escritórios de uma empresa de engenharia em Madrid e pediram para falar
com o dono, um austríaco chamado Otto Skorzeny. Apresentaram-se como
funcionários dos serviços de informações da NATO e disseram-lhe que
vinham por recomendação da mulher, de quem se separara. Tinham uma
proposta irrecusável a fazer-lhe...
Em breve o respeitável empresário percebeu que os seus visitantes
sabiam tudo sobre si e o seu passado. Durante a Segunda Guerra Mundial, o
oficial da SS Skorzeny fora um dos grandes heróis -se não o maior herói —
da Alemanha nazista. Atleta alto e carismático, de rosto marcado por uma
cicatriz de um duelo de esgrima, tornara-se um oficial de comando
temerário que conduzia operações espetaculares. A 12 de setembro de 1943,
aterrissou, com um batalhão de paraquedistas transportados por planadores,
no cume do Gran Sasso, o pico mais alto dos Apeninos italianos;
irromperam pelo Hotel Campo Imperator, onde o antigo ditador fascista
Benito Mussolini fora preso por um novo Governo italiano antinazista. O
capitão da SS Skorzeny salvou Mussolini e levou-o para junto do
agradecido Hitler, que o cobriu de medalhas e promoções. Na Batalha das
Ardenas, no final de 1944, Skorzeny — naquela altura já coronel das
Waffen SS — passou sorrateiramente pelas linhas da frente juntamente com
duas dezenas dos seus homens, todos vestidos de soldados americanos, e
provocou desordem e confusão nas fileiras aliadas.
As suas operações valeram-lhe a reputação de “homem mais
perigoso da Europa”. Após a sua absolvição dos julgamentos de Dachau no
final da guerra, mudou-se para Espanha, onde desfrutou da proteção do
ditador fascista Franco, e fundou a sua empresa.
Os seus visitantes naquele dia de 1963 não perderam tempo com
conversa de circunstância. “Não somos exatamente da NATO”, admitiu um
deles, num alemão perfeito. “Na verdade, pertencemos aos serviços secretos
israelenses.” Os dois homens eram Rafi Eitan e o líder da célula do Mossad
na Alemanha, Avraham Ahituv.
Skorzeny empalideceu. Ainda nem um ano antes, os israelenses
tinham enforcado Adolf Eichmann. Agora queriam-no a ele? Ele fora
declarado inocente nos julgamentos de guerra, mas houve quem o acusasse
de ter participado na queima de sinagogas judaicas durante a Kristallnacht,
em novembro de 1938.
No entanto, o homem baixo sentado à sua frente dissipou os seus
receios.
“Precisamos da sua ajuda”, disse. “Sabemos que tem bons
conhecimentos no Egito.” Depois, passou a explicar ao coronel da SS a
razão por que o Estado judeu precisava dos seus serviços.
Em 21 de julho de 1962, tão-só duas semanas após o regresso
triunfal de Yossele a Israel, o Egito espantou o mundo ao lançar quatro
mísseis. Dois eram do tipo Al-Zafir (O Vencedor), com um alcance de 280
quilômetros, e dois do tipo Al-Qahir (O Conquistador), com um alcance de
560 quilômetros. Os enormes mísseis, envolvidos em bandeiras nacionais
egípcias, desfilaram orgulhosamente pelas ruas do Cairo no Dia da
Revolução, 23 de julho. O presidente Gamai Abdel Nasser vangloriou-se a
uma multidão em êxtase de que os seus mísseis eram capazes de chegar a
qualquer alvo a “sul de Beirute”.
Ao sul de Beirute, os líderes israelenses foram tomados pelo espanto
e pela ansiedade. Os mísseis de Nasser podiam realmente atingir qualquer
alvo em Israel. Representaram uma completa surpresa para Israel e, nos
corredores do poder, ouviram-se palavras furiosas dirigidas à atuação de
Isser Harel.
Enquanto Nasser construía os seus foguetes mortíferos, diziam os
críticos, o Pequeno Isser andava ocupado a procurar Yossele. Enquanto a
existência do Estado judaico era ameaçada por perigos terríveis, os
melhores agentes de Isser corriam de yeshiva em yeshiva, disfarçados de
judeus ultraortodoxos.
Ben-Gurion, preocupado, convocou Isser Harel, que prometeu
conseguir todas as informações sobre o projeto egípcio logo que possível.
No seu quartel-general, Isser pôs os seus melhores agentes a trabalhar na
missão e ativou os infiltrados e informantes no Egito. E, de fato, a 16 de
agosto, menos de um mês passado sobre o lançamento dos quatro mísseis,
entregou um relatório pormenorizado a Ben-Gurion.
Os mísseis estavam a ser construídos por cientistas alemães,
informou Isser.
Descobriu que, em 1959, Nasser decidira estabelecer um arsenal
secreto de armas não-convencionais. Nomeou o general Mahmoud Khalil,
antigo comandante dos serviços secretos da Força Aérea, diretor da Agência
de Programas Militares Especiais, responsável pelo desenvolvimento de
armas modernas ultrassecretas — caças, foguetes e mísseis, bem como
substâncias químicas e radioativas. Foi concedido um enorme orçamento à
agência.
A primeira tarefa de Khalil foi contratar pessoal para fabricar as
armas. E sabia onde o encontrar.
Os seus agentes começaram a recrutar centenas de especialistas e
cientistas alemães, a maioria dos quais trabalhara nos institutos de pesquisa
e locais de teste de foguetes e aviação da Alemanha nazista. Mais de 300
alemães, atraídos pelos salários altos, contrapartidas e uma miríade de
privilégios, chegaram clandestinamente e a conta gotas ao Egito, e
ajudaram Nasser a construir três instalações secretas.
A primeira foi a “Fábrica 36”, onde o genial construtor de aeronaves
Willy Messerschmitt montava um caça egípcio. Messerschmitt foi o pai dos
mortíferos caças da Luftwaffe, a força aérea nazista, durante a Segunda
Guerra Mundial. Mahmoud Khalil assinara contrato com ele a 29 de
novembro de 1959.
Na segunda fábrica, conhecida pelo código “135”, um engenheiro
chamado Ferdinand Brandner construía motores a jato para a aeronave de
Messerschmitt. Brandner passara vários anos na Rússia e, após o seu
regresso à Alemanha, Khalil entrara em contato com ele com a ajuda do
Dr. Eckart, um dos diretores da Daimler-Benz.
Porém, a mais secreta era a “Fábrica 333”, escondida numa área
remota no deserto. Lá, os antigos “meninos-prodígio” de Hitler construíam
agora as armas-prodígio de Nasser, os mísseis de alcance intermédio.
Segundo as fontes de Isser, o projeto egípcio acelerara a fundo em
dezembro de 1960. Nesse mês, um avião de reconhecimento U-2 americano
fotografara um enorme local em construção em Dimona, Israel, que parecia
um reator nuclear. A imprensa mundial anunciou a descoberta nas
parangonas. Ninguém acreditou nas declarações rebuscadas de Israel de que
a estrutura era uma fábrica têxtil. O Egito e várias outras nações árabes
fizeram ameaças furiosas a Israel. Mas as ameaças não bastavam, e o Egito
esperava neutralizar o projeto nuclear secreto de Israel com o
desenvolvimento das suas próprias armas não-convencionais.
O líder dos cientistas de foguetes alemães no Egito era o professor
Eugen Sänger, diretor do Instituto de Pesquisa de Propulsão a Jato em
Stuttgart.
Sänger tinha passado alguns anos na França, depois da guerra, e foi
lá que construíra o míssil Veronique, uma réplica medíocre do míssil V-2
alemão.
Chegou ao Egito com os seus assistentes — professor Paul Goerke,
especialista em eletrônica e sistemas de orientação, e Wolfgang Pilz, antigo
engenheiro nas instalações de Peenemünde, onde o brilhante Wernher von
Braun tinha desenvolvido os mísseis V-2 da Alemanha nazista. Outro perito
em sistemas de orientação e controle que tinha uma colaboração próxima
com os seus colegas no Egito era o Dr. Hans Kleinwachter, cujo laboratório
para desenvolvimento de sistemas de orientação de mísseis ficava na
pitoresca cidade alemã de Lörrach, perto da fronteira com a Suíça. O
departamento de química era chefiado pelo Dr. Ermin Dadieu, antigo oficial
da SS. Os alemães e os egípcios montaram várias empresas de fachada —
Intra, Intra-Handel, Patwag e Linda — que compraram peças e materiais
para o projeto dos mísseis. O diretor administrativo da Intra-Handel era o
Dr. Heinz Krug, que também geria o Instituto de Pesquisa de Propulsão a
Jato, em Stuttgart.
Hassan Kamil, um milionário egípcio residente na Suíça, também
estava envolvido, como intermediário. Com a sua ajuda, os egípcios
formaram duas companhias-fantoche na Suíça: a MECO (Mechanical
Corporation) [Sociedade Mecânica] e a MTP (Motors, Turbines and Pumps)
[Motores, Turbinas e Bombas], cuja tarefa era adquirir materiais básicos,
aparelhos elétricos e ferramentas de precisão; também recrutaram
especialistas e peritos. Os três diretores dessas empresas eram
Messerschmitt, Brandner e Kamil.
Em 1961, Sänger e várias centenas de engenheiros, técnicos e
empregados locais egípcios tinham começado a construir os mísseis
egípcios. Contudo, no final desse ano, o Governo alemão descobriu a
ligação secreta entre o projeto egípcio e o Instituto de Pesquisa de
Propulsão a Jato em Stuttgart.
As autoridades alemãs obrigaram Sänger a demitir-se, regressar à
Alemanha e cessar toda e qualquer atividade. O Professor Pilz sucedeu-lhe
como chefe do projeto egípcio.
Em julho de 1962, a Fábrica 333 já tinha produzido 30 mísseis.
Quatro deles foram lançados com grande pompa perante uma assistência
seleta de convidados governamentais e jornalistas; outros 20 (alguns dos
quais fantoches) foram exibidos pelas ruas do Cairo envolvidos na bandeira
nacional egípcia.
Quando se reuniu com Ben-Gurion em agosto, Isser Harel mostrou-
lhe uma carta de Pilz a Kamil Azzab, o diretor egípcio da Fábrica 333, que
Rafi Eitan e os seus homens tinham conseguido copiar. Era um pedido de
3,7 milhões francos suíços para comprar peças de máquinas e outros
equipamentos necessários à construção de 500 mísseis de tipo 2 e 400
mísseis de tipo 5.
Ao todo, 900 mísseis! O relatório de Isser causou uma profunda
ansiedade na comunidade de defesa. Os especialistas israelenses
acreditavam que os egípcios não tinham intenção de carregar as ogivas dos
mísseis com explosivos convencionais; não teriam gastado milhões de
dólares a construí-los se quisessem apenas que os mísseis transportassem
meia tonelada de dinamite. Um bombardeiro podia fazê-lo com mais
precisão. Era claro para eles que o Egito carregaria as ogivas com bombas
atômicas ou outras substâncias proibidas pela lei internacional, como gás
tóxico, culturas microbiológicas ou desperdícios radioativos mortais.
Segundo Isser, os cientistas alemães tinham um plano pérfido para
destruir Israel: estavam a desenvolver armas apocalípticas, mísseis
colossais, ogivas radioativas capazes de “matar qualquer ser vivo” e
envenenar o ar em Israel durante muitos anos; até estavam a trabalhar em
raios mortíferos e outros tipos de maquinetas infernais.
“Levámo-los demasiado a sério”, admitiu posteriormente o general
Zvi Zur, então chefe de Estado-Maior. “Os nossos cientistas eram amadores
e não sabiam interpretar as informações.” Ainda assim, os israelenses
descobriram o calcanhar-de-aquiles do projeto egípcio — os alemães ainda
não tinham conseguido desenvolver um sistema de orientação adequado,
para dirigir os mísseis até os seus alvos. Uma vez que esse obstáculo não
fosse transposto, os mísseis não podiam ser utilizados.
Isser Harel já não era o mesmo homem que as pessoas conheciam e
admiravam. Tinha passado por uma profunda mudança desde a captura de
Eichmann. O homem de cabeça fria e conhecido por ter nervos de aço via
agora a Alemanha como o eterno inimigo de Israel e do povo judeu.
Acreditava resolutamente que o Governo alemão apoiava os
cientistas no Egito e os ajudava secretamente nos seus esforços de
destruição de Israel. O ramsad pediu a Ben-Gurion que alertasse o
chanceler alemão Konrad Adenauer e exigisse que este agisse
imediatamente para travar as atividades dos cientistas. Ben-Gurion recusou-
se a fazê-lo. Muito recentemente, a Alemanha dera a Israel um enorme
empréstimo de 500 milhões de dólares para desenvolver o deserto de
Negev; Ben-Gurion e Adenauer tinham estabelecido relações pessoais de
confiança e respeito mútuo; Adenauer e o seu ministro da Defesa, Franz
Josef Strauss, haviam fornecido a Israel enormes quantidades de armas
modernas, no valor de centenas de milhões de dólares — tanques, canhões,
helicópteros, aviões —, tudo de forma gratuita, num esforço secreto por
expiar o Holocausto e os crimes da Alemanha contra o povo judeu. Ben-
Gurion confiava no Governo alemão, e não queria pôr em risco as relações
de Israel com o país, com o lançamento de acusações e exigências de
intervenção na crise egípcia. Deu instruções a Shimon Peres, vice-ministro
da Defesa, para que escrevesse uma carta pessoal a Strauss e lhe pedisse
discretamente ajuda.
Mas isso não bastava para Isser, que decidiu lançar a sua própria
campanha enérgica para interromper as atividades alemãs no Egito.
A 11 de setembro de 1962, às 10h30 da manhã, um moreno com
traços característicos do Oriente Médio entrou nos escritórios da Intra, na
Schillerstrasse de Munique. O secretário que o conduziu ao gabinete do
diretor da empresa, Dr. Heinz Krug, ouviu-o dizer que fora enviado pelo
coronel Nadim, um oficial egípcio que mantinha contatos próximos com
Krug. Meia hora depois, o egípcio saiu do edifício na companhia de Krug.
Uma hospedeira das United Arab Airlines viu os dois homens
passarem pela bilheteira da companhia. Foi a última pessoa a ver Krug.
Na manhã seguinte, a mulher de Krug foi informada pela polícia de
que o marido estava desaparecido. Passados dois dias, a polícia encontrou o
Mercedes branco de Krug abandonado nos arredores de Munique. O carro
estava coberto de lama e o tanque vazio. Uma chamada anônima para a
polícia anunciou: “O Dr. Krug está morto.” Porém, algumas informações de
outras fontes levaram a polícia a crer que Krug fora raptado e levado para
Israel por agentes do Mossad. Atualmente, não restam dúvidas de que Krug
morreu.
A 27 de novembro, Hannelore Wende, secretária de Pilz na Fábrica
333, viu um envelope gordo no correio da manhã. O remetente era um
conhecido advogado de Hamburgo. Hannelore abriu o pacote e o gabinete
foi abanado por uma explosão ensurdecedora. A secretária de Pilz foi
levada, gravemente ferida, para o hospital, onde passou alguns meses antes
de sair, cega, surda e com o rosto terrivelmente marcado por cicatrizes.
No dia seguinte, chegou à Fábrica 333 uma grande encomenda com
a indicação “Livros”. Quando um funcionário egípcio a abriu, o pacote
explodiu e matou cinco pessoas. O endereço do remetente, um editor de
Stuttgart, era, afinal, falso.
As encomendas-bomba continuaram a chegar nos dias seguintes.
Algumas foram enviadas da Alemanha, outras do Egito. Algumas
explodiram e provocaram mortos; outras foram desarmadas por
especialistas do Exército egípcio, alertados por oficiais da Fábrica 333. A
identidade dos remetentes não foi oficialmente estabelecida, mas os
egípcios e os jornalistas tinham certeza de que as bombas haviam sido
preparadas e enviadas para o Cairo pelo Mossad israelense. Muito mais
tarde, concluiu-se que várias cartas tinham sido remetidas pelo Espião do
Champanhe. Este agente israelense, chamado Ze’ev Gur-Arie, operava no
Egito sob o nome “Wolfgang Lutz”, o dono alemão de haras perto do Cairo.
Fazia-se passar por antigo oficial das SS que se estabelecera no Cairo com a
mulher alemã, e formara ligações próximas com a alta sociedade egípcia e
seus chefes militares.
As cartas-bomba perturbaram profundamente os cientistas alemães,
que viam suas vidas correndo perigo. Muitos receberam chamadas
anônimas com ameaças a eles e a suas famílias, se continuassem a trabalhar
no projeto de Nasser. As três “fábricas” no Egito, assim como suas
empresas-irmãs na Europa, aplicaram medidas rígidas de segurança.
Quando visitavam a Europa, os cientistas tinham de se deslocar em
grupos grandes acompanhados por oficiais de segurança alemães. Esta
prática provavelmente salvou o Professor Pilz na viagem que fez à Europa
no fim de 1962. Um grupo de estranhos seguiu-o na Alemanha e na Itália,
mas não teve oportunidade de se aproximar.
Isser passou o outono e o inverno de 1962 na Europa, enquanto
dirigia várias operações do Mossad que visavam obter informações mais
precisas e atualizadas. Rafi Eitan conseguiu penetrar numa missão
diplomática que tratava do correio dos cientistas alemães. Estas operações
eram as suas preferidas. “É muito melhor do que recrutar agentes”, disse.
“Quando recrutamos um agente, temos de treiná-lo, montar-lhe uma
cobertura à prova de bala, pô-lo em ação e dar-lhe tempo para estabelecer
contatos... Mas ler o correio dos nossos inimigos é muito melhor — temos
resultados imediatos e materiais de primeira categoria.”
Para as suas operações não-convencionais, Eitan precisava de
equipamento eletrônico muito sofisticado, mas não sabia onde o arranjar. O
equipamento, utilizado pela CIA e outros serviços de informações, não se
vendia nas lojas. Enquanto lia o jornal no seu gabinete em Paris, Eitan
reparou numa pequena nota sobre o famoso mafioso judeu Meyer Lansky,
chefe da máfia de Miami. Na mente calculista de Eitan, aquilo pareceu uma
oportunidade. Ligou logo para as informações telefônicas: “Quero o
número de Meyer Lansky, em Miami!”
Passados três minutos, Lansky estava do outro lado da linha.
“Shalom, Meyer”, disse Eitan. “Sou israelense, estou a trabalhar em Paris, e
preciso que ajude o Estado sionista.”
“Mas com certeza”, respondeu Lansky. “Daqui a um mês, vou a
Lausana, na Suíça. Encontramo-nos lá.”
Eitan encontrou-se com Lansky em Lausana, e disse-lhe o que
precisava.
Lansky deu-lhe o endereço de um homem em Chicago. “Ele arranja-
lhe o que quer”, disse. Uma semana depois, Eitan aterrissou em Chicago e
dirigiu-se à morada. “O equipamento eletrônico que o tipo nos arranjou
serviu-nos muito bem nas nossas operações contra os cientistas alemães”,
resumiu Eitan.
Uma das operações deu a conhecer um novo nome a Isser Harel: Dr.
Otto Joklik. Segundo as informações das fontes, Joklik era um cientista
austríaco especializado em radiação nuclear. Estava alegadamente
envolvido num projeto ultrassecreto egípcio para obter armas nucleares em
tempo recorde.
Os egípcios tencionavam fundar uma empresa de fachada, a Austra,
na Áustria, que compraria materiais radioativos para o projeto de Joklik e os
enviaria para o Egito. A Austra estaria separada da Intra, para evitar
qualquer investigação das autoridades alemãs. Joklik devia conduzir dois
testes nucleares para o Egito e produzir várias bombas atômicas a inserir
nas ogivas dos mísseis.
Tudo isto indicava que Joklik era um homem muito perigoso, talvez
o mais perigoso dos cientistas alemães. Todas as células do Mossad na
Europa receberam uma ordem urgente: “Descubram o Joklik!”
Porém, Isser teria uma surpresa atordoante. Em 23 de outubro de
1962, um estranho bateu à porta de uma embaixada de Israel na Europa,
pediu para ver o responsável de segurança e disse-lhe: “Chamo-me Otto
Joklik. Estou pronto a dar um relatório completo das minhas atividades para
o esforço de guerra egípcio.”
Duas semanas depois, Joklik aterrissou em Israel no mais profundo
secretismo.
Passados muitos meses, quando a deserção de Joklik se tornou
pública, alguns jornalistas europeus escreveram que Joklik contactara os
israelenses provavelmente devido ao desaparecimento do diretor da Intra,
Heinz Krug.
Joklik mantinha um contato próximo com Krug, um dos poucos que
conheciam o papel de Joklik nos “programas militares especiais” do Egito.
Quando Krug desapareceu, Joklik entrou em pânico. E se Krug
tivesse sido raptado pelos israelenses? Talvez falasse e revelasse as tarefas
secretas de Joklik. E isso, como Joklik bem sabia, era uma sentença de
morte. Por conseguinte, decidiu atravessar as linhas de batalha e render-se
aos israelenses.
Assim, esperava ele, conseguiria ao menos salvar a vida.
Joklik passou quatro dias em Israel. Ficou em isolamento restrito, em
instalações de segurança máxima do Mossad. Isser decidiu usá-lo para duas
tarefas principais: como fonte de informações sobre o projeto egípcio e
como agente duplo que regressaria ao Egito e trabalharia para o Mossad.
Otto Joklik disse aos israelenses que tinha sido recrutado por um
funcionário superior alemão das United Arab Airlines, que o apresentara ao
general Mahmoud Khalil, que os cientistas alemães apelidavam “Herr
Doktor Mahmoud”. O seu encontro com o Herr Doktor resultou em dois
projetos: o “íbis” e o “Cleópatra”. O segredo desses projetos foi partilhado
apenas com o Professor Pilz e o Dr. Krug.
A “Operação íbis” visava dotar o Egito de uma arma radiológica
capaz de espalhar radiações nucleares perigosas. Joklik definiu como seu
objetivo obter grandes quantidades de um isótopo radioativo, o cobalto-60,
e fazer experiências com ele no Egito. Se estas corressem bem, Joklik
tentaria obter mais cobalto, que seria colocado nas ogivas dos mísseis e
espalharia radiações mortais após o impacto.
O propósito do seu segundo projeto, “Cleópatra”, era produzir duas
bombas atômicas. Joklik sugeriu um método original de fabrico das
bombas: comprar urânio enriquecido a 20 por cento nos EUA ou na Europa;
enriquecê-lo a 90 por cento com centrifugadoras especiais, desenvolvidas
na Alemanha e na Holanda pelos cientistas Dr. Wilhelm Groth, Dr. Jacob
Kistemaker e Dr. Gernot Zippe; e fabricar a bomba com o urânio
enriquecido.
Joklik foi aos EUA, onde tentou obter urânio enriquecido. Também
se encontrou com vários cientistas alemães e convidou-os a construírem
centrifugadoras no Egito. Ao mesmo tempo, comprou cobalto-60 na Europa
e enviou-o para uma ginecologista do Cairo, chamada Dr.a Khalil, irmã do
Herr Doktor Mahmoud...
Quando o interrogatório de Joklik em Israel terminou, o seu
testemunho foi mandado para vários especialistas, para revisão e avaliação.
Os relatórios que estes fizeram, por alguma razão, não receberam a devida
atenção.
Quanto ao projeto “Cleópatra”, disseram os especialistas, as
hipóteses de Joklik conseguir urânio enriquecido a 20 por cento eram quase
nulas. Ainda que o conseguisse, o Egito precisaria de pelo menos cem
centrifugadoras da mais alta qualidade para produzir, em dois a três anos, o
urânio necessário para fabricar uma bomba. E, mesmo que construíssem a
bomba, esta não espoletaria, dado que as fórmulas de Joklik estavam
incorretas. Os especialistas também descartaram a importância da
“Operação íbis” e das armas radiológicas, cujo impacto, disseram, não seria
maior do que o de uma bomba normal.
O tom tranquilizador dos relatórios não acalmou a liderança da
nação.
Pelo contrário, esta ficou ainda mais alarmada pelas informações de
que os egípcios também estavam a desenvolver armas químicas. A 11 de
janeiro de 1963, os seus medos mostraram-se justificados, quando os
egípcios usaram gás tóxico na sua guerra no Iêmen. A ministra dos
Negócios Estrangeiros Golda Meir encontrou-se com o presidente Kennedy
e falou-lhe do perigo de os egípcios armarem os mísseis com ogivas não-
convencionais; pediu-lhe que interviesse, mas Kennedy não o fez.
As ogivas não-convencionais eram, de fato, muito perigosas, mas a
prioridade máxima foi perturbar o desenvolvimento dos sistemas de
orientação dos mísseis.
No inverno de 1963, o Dr. Kleinwachter, especialista em sistemas de
orientação da Fábrica 333, passava umas semanas na Alemanha. Ao início
da noite de 20 de fevereiro, saiu do seu laboratório em Lõrrach e conduziu
até o estreito caminho na entrada de sua casa. O caminho estava escuro e
deserto, coberto de neve espessa. Subitamente, emergiu de uma rua
transversal um carro que bloqueou a passagem com um chiar de pneus.
Dele saiu um homem que se dirigiu a Kleinwachter. O cientista vislumbrou
um terceiro homem no carro.
“Onde vive o Dr. Shenker?”, perguntou o homem que saiu. Sem
esperar resposta, sacou de um revólver equipado com silenciador e
disparou. A bala despedaçou o para-brisas e alojou-se no cachecol de lã do
cientista.
Kleinwachter tateou o guarda-luvas em busca do seu revólver, mas o
assaltante correu de volta para o outro carro, que desapareceu
imediatamente de vista.
A polícia descobriu o primeiro carro abandonado a cerca de 110
metros da cena do ataque. Os três homens haviam fugido noutro carro.
Tinham deixado para trás um passaporte com o nome Ali Samir, um dos
chefes dos serviços secretos egípcios. O fato, afinal, era uma falsa pista: no
dia do ataque, Samir estava no Cairo e fora fotografado com um jornalista
alemão. Os homens que atacaram Kleinwachter nunca foram descobertos.
Contudo, a opinião unânime da imprensa foi que a tentativa de assassinato
fora conduzida por israelenses, e redundara em fracasso.
Poucas semanas depois, o Mossad voltou a tentar — tendo desta vez
como alvo o Dr. Paul Goerke, alemão, na Suíça.
Goerke, como Kleinwachter, trabalhava num sistema de orientação
para os mísseis egípcios no seu laboratório na Fábrica 333. Era tido como
muito importante pelos egípcios — assim como pelo Mossad. A sua filha
Heidi vivia em Friburgo, uma cidade alemã próxima da fronteira com a
Suíça. Pouco depois do atentado à vida de Kleinwachter, o Dr. Joklik
telefonou a Heidi e disse-lhe que conhecera o pai dela no Egito, onde este
trabalhava no desenvolvimento de armas terríveis que visavam a destruição
de Israel.
Joklik insinuou que, se não cessasse as suas atividades, Goerke se
exporia a riscos sérios. Se, pelo contrário, saísse do Egito, ficaria incólume.
“Se ama o seu pai”, concluiu Joklik, “venha no sábado, 2 de março, às
quatro da tarde, ao Hotel Les Trois Rois, em Basileia, e eu apresento-a a um
dos meus amigos.”
Heidi, assustada, contactou imediatamente H. Mann, antigo oficial
nazista, que fora contratado pelos egípcios para garantir a segurança dos
cientistas.
Mann alertou a polícia de Friburgo, que notificou as autoridades
suíças. E assim, quando Joklik e o amigo entraram no Hotel Les Trois Rois,
tinham à espera vários carros da polícia estacionados nas traseiras do
edifício, detetives a deambular pelo átrio e gravadores instalados perto da
mesa onde Heidi Goerke se sentou.
Joklik e o amigo — o agente do Mossad Joseph Ben-Gal — caíram
em cheio na ratoeira. Não suspeitaram de nada, e falaram com Heidi
Goerke uma hora, com o cuidado de não fazer ameaças diretas, mas
aludindo ao perigo que o pai dela corria, se continuasse a construir as suas
armas terríveis. Ofereceram a Heidi um bilhete de avião para o Cairo, para
que persuadisse o pai a regressar à Alemanha, onde ele e a família estariam
a salvo.
Quando o encontro terminou, os dois homens deixaram o hotel e
apanharam o trem das seis para Zurique, onde tomaram caminhos
diferentes. Porém, enquanto aguardava outro trem na plataforma, Joklik foi
preso por polícias à paisana. Ben-Gal foi detido perto do consulado
israelense.
Nessa noite, a polícia alemã pediu à homóloga suíça que extraditasse
os dois homens suspeitos de ameaçar Heidi Goerke e, ainda, de ter
participado no ataque ao Dr. Kleinwachter.
Do seu quartel-general na Europa, Isser ativou os seus contatos e
tentou persuadir os suíços a libertarem Ben-Gal e Joklik, mas estes
recusaram-se, devido ao pedido de extradição alemão. Isser regressou a
Israel e encontrou-se com a ministra dos Negócios Estrangeiros Golda Meir.
Tinham-se tornado muito próximos e nutriam a mesma hostilidade e
suspeição para com a Alemanha. Golda sugeriu que Israel abordasse o
chanceler Adenauer e exigisse que a Alemanha Ocidental retirasse o pedido
de extradição.
Isser conduziu imediatamente para Tiberiades, onde o primeiro-
ministro Ben-Gurion passava férias. Urgiu-o a mandar um enviado especial
a Bona, a capital da Alemanha Ocidental. O enviado apresentaria a
Adenauer provas das atividades atrozes dos cientistas alemães no Egito, e
exigiria uma retirada do pedido de extradição.
Ben-Gurion recusou.
Isser não desistiu. “Tem de decidir o que fazer se a captura se tornar
pública. Nessa altura, todo o assunto explodirá.”
“Como assim, explodirá?”, perguntou Ben-Gurion.
“Assim que a prisão de Ben-Gal for conhecida, virá à luz toda a
história dos cientistas alemães no Egito. Israel terá de explicar porque é que
Ben-Gal fez o que fez. Também teremos de revelar que os egípcios têm
andado a comprar à Alemanha equipamento para construir mísseis e outros
projetos militares.”
Ben-Gurion pensou por momentos e acabou por dizer: “Assim seja.”
Foi o início da rutura entre os dois homens.
Ao início da noite de quinta-feira, 15 de março de 1963, a United
Press anunciou a prisão de Joklik e Ben-Gal, “por suspeita de ameaça da
filha de um cienasta alemão que trabalha para o Egito”. Isser Harel
convocou uma reunião secreta com os chefes de edição dos jornais diários e
descreveu-lhes os antecedentes da detenção de Ben-Gal. Teve o cuidado de
sublinhar a participação de Joklik no caso, o tipo de trabalho que este fizera
no projeto egípcio e o fato de ele ter voluntariamente mudado de lado e
estar a tentar reparar os danos que provocara.
Durante os dias seguintes, os adjuntos de Isser informaram em
segredo três jornalistas israelenses: Naftali Lavi, do Haaretz; Shmuel Segev,
do Ma’ariv; e Yeshayahu Ben-Porat, do Yedioth Aharonoth. A todos foram
dados os fatos, as moradas da Intra, da Patwag e do Instituto de Stuttgart.
Os três homens partiram então para a Europa, para reunir dados
sobre os cientistas alemães e enviá-los para os seus jornais em Israel. Isser
achou que as notícias sobre o projeto dos cientistas alemães teriam mais
credibilidade se chegassem da Europa. Outros homens do Mossad foram
mandados para o estrangeiro para informar jornalistas pró-Israel.
Isser Harel não percebeu que o tópico alemão era um dos mais
sensíveis em Israel. O seu ataque desenfreado à Alemanha começou uma
avalancha que não podia ser travada, uma torrente de acusações contra os
cientistas que provocou um verdadeiro pânico em Israel.
A 17 de março, já a imprensa israelense e estrangeira estava envolta
num mar de parangonas sensacionalistas: havia cientistas alemães, a
maioria dos quais antigos nazistas, produzindo armas mortíferas no Egito.
Estavam a preparar armas biológicas, químicas, nucleares e radioativas.
Estavam a desenvolver gás tóxico, micróbios terríveis, raios mortíferos,
ogivas equipadas com bombas atômicas ou resíduos radioativos que
espalhariam radiações letais.
Os jornais competiam entre si com a publicação de histórias que
pareciam plagiadas dos livros aos quadradinhos de Flash Gordon: o raio
mortífero que chiava e queimava tudo à sua passagem... o ar sobre Israel,
que ficaria envenenado durante 90 anos, no mínimo... os micróbios que
espalhariam pragas atrozes, etc. A campanha também acusou o Governo da
República Federal Alemã de se coibir de pôr fim às atividades diabólicas
dos seus cidadãos que trabalhavam para o Egito, mas que na verdade
seguiam a peugada de Hitler. Os jornalistas enviados para a Europa
lançaram mais achas para a fogueira, uma vez que todos os dias
“descobriam” novos pormenores sobre o plano diabólico dos cientistas.
O julgamento de Ben-Gal e Joklik em Basileia acabou com
sentenças leves para os dois homens — dois meses de prisão, já cumpridos.
Mas teve um resultado secundário com enormes implicações.
Durante o julgamento, o juiz reparou, subitamente, que um dos
espectadores estava armado.
“Como se atreve a entrar no meu tribunal com uma arma?”,
perguntou, indignado.
“Tenho licença para porte constante de armas. Sou o responsável
pela segurança dos cientistas alemães no Egito”, respondeu o homem.
Identificou-se como H. Mann — o homem que fora contactado por
Heidi Goerke após o telefonema de Joklik e que efetivamente alertara a
polícia alemã.
Um informante infiltrado do Mossad saiu imediatamente da sala de
audiências e comunicou o incidente aos superiores. Quando ouviu o relato,
o agente veterano do Mossad Raphi Medan apanhou o primeiro trem para
Viena e correu para casa do famoso caçador de nazistas Simon Wiesenthal.
Wiesenthal concordou imediatamente em ajudar o Mossad.
“Sabe alguma coisa sobre um alemão chamado H. Mann?”,
perguntou Medan.
Wiesenthal lançou-se à consulta dos seus vastos arquivos. Após
algumas horas, regressou à presença de Medan com um arquivo na mão.
“Foi oficial da SS durante a guerra”, disse. “Trabalhou numa unidade de
operações especiais sob as ordens do coronel Otto Skorzeny.”
Medan levou a informação ao omnipresente Rafi Eitan e a Avraham
Ahituv. Este era um homem quase careca e bronzeado, de bigode e óculos,
nascido na Alemanha com o nome de Avraham Gotfried e emigrado com os
pais devotos para Israel com cinco anos. Aos 16, já era membro do
Haganah e, aos 18, foi um dos fundadores do Shabak. Extremamente
inteligente, concluíra os estudos durante o seu serviço, e licenciara-se em
Direito, summa cum laude. Em 1955, apanhara o mais importante espião
egípcio em Israel,
Rifat El Gamai, que operava sob a identidade israelense de Jack
Bitton.
Ahituv fez El Gamai mudar de campo e tornou-o um dos melhores
agentes duplos do Mossad. El Gamai forneceu informações especializadas
manipuladas aos egípcios durante mais de 12 anos. Em 1967, na véspera da
Guerra dos Seis Dias, El Gamai informou os egípcios de que Israel ia lançar
um ataque terrestre antes de ativar a aviação; a resultante lassidão da Força
Aérea egípcia facilitou a sua destruição em terra pelos jatos israelenses.
Ahituv acabaria por ser um dos melhores diretores de sempre do Shabak,
altamente apreciado pelos seus esforços por integrar os árabes israelenses
na sociedade israelense.
Naquele início de noite de maio de 1963, depois de ouvir o relatório
de Medan sobre Mann e Skorzeny, Ahituv virou-se para Eitan: “Porque não
tentamos recrutar o Skorzeny?”
A princípio, a ideia parecia fantasiosa, mas tinha a sua lógica: se
Skorzeny falasse com Mann, talvez conseguisse obter material altamente
classificado do seu antigo subordinado. A questão era agora como contactar
Skorzeny.
Uma pesquisa rápida mostrou que a mulher de Skorzeny, de quem
ele estava separado, se mantivera em contato próximo com ele e geria uma
empresa especializada em comércio de metais. Os agentes do Mossad
descobriram um empresário israelense, Shlomo Zablodovitch, que
trabalhava na mesma área, e contactaram-no. Sim, disse ele, conhecia a Sr.a
Skorzeny. Apresentou-os a ela, que lhes contou tudo o que precisavam de
saber.
Foi assim que Eitan e Ahituv apareceram no escritório de Skorzeny
em Madrid. Pediram ao antigo herói do Terceiro Reich que se tornasse seu
agente e providenciasse à Mossad informações sobre as atividades dos
cientistas alemães no Egito. Além de H. Mann, Skorzeny conhecia alguns
chefes da comunidade alemã no Egito, muitos dos quais tinham sido seus
colegas.
“Como é que posso confiar em vocês?”, perguntou Skorzeny. “Como
é que posso ter a certeza de que não me perseguirão mais tarde?” Receava
que os vingadores israelenses o descobrissem, como tinham descoberto
Eichmann, e o seu destino fosse o mesmo deste.
Rafi Eitan encontrou imediatamente a solução. “Temos o poder de
lhe oferecer liberdade do medo”, disse. Pegou numa folha de papel e
escreveu uma carta a Skorzeny, em nome do Estado de Israel, que lhe
garantia “liberdade do medo” e lhe assegurava que não seria submetido a
nenhum tipo de perseguição nem violência.
Skorzeny leu atentamente o documento e, depois, emudeceu.
Levantou-se e caminhou de trás para a frente e de frente para trás, imerso
em pensamentos.
Por fim, virou-se para os israelenses. “Concordo.”
Nos meses seguintes, Skorzeny forneceu aos seus contatos do
Mossad informações de valor incalculável sobre as atividades dos cientistas
alemães no Egito. Com a ajuda de H. Mann e dos seus antigos compinchas,
obteve listas pormenorizadas dos cientistas alemães e suas moradas,
relatórios sobre o progresso dos projetos, planos e diagramas dos mísseis,
correspondência sobre as tentativas frustradas de montar o sistema de
orientação dos mísseis.
Isser Harel, porém, já não estava lá para ler os relatórios de
Skorzeny.
Entretanto, a mídia israelense avançava, desenfreada.
Matérias, editoriais, cartoons e até poemas exaltados anunciavam
que a Alemanha de 1963 era a mesma Alemanha de 1933; e a mesma
Alemanha que tinha massacrado seis milhões de judeus ajudava agora o
Egito a preparar um novo Holocausto. No Knesset, Menachem Begin, líder
da oposição, pronunciou uma tirada incendiária contra Ben-Gurion: “Vocês
andam vendendo uzis aos alemães — e eles mandam micróbios para os
nossos inimigos.” Num discurso, Golda Meir, aliada de Isser, acusou os
alemães no Egito de produzirem armas “cujo objetivo era destruir todos os
seres vivos”.
Estas acusações eram exageradas, quase totalmente afastadas da
realidade.
Amos Manor, diretor do Shabak e amigo próximo de Isser, contou-
nos: “Durante esse período, quando dirigiu a campanha contra os cientistas
alemães, Isser era um homem desequilibrado. Era muito mais do que uma
obsessão. Não se conseguia ter uma conversa normal sobre o assunto com
ele.”
Shimon Peres, vice-ministro da Defesa, regressado a Israel a 24 de
março de uma viagem a África, deu-se imediatamente conta do tremendo
perigo que a cruzada de Isser Harel podia ter nas relações germano-
israelenses.
Também percebeu que as histórias sobre as armas “que matam todos
os seres vivos” eram simplesmente absurdas. A Aman, o ramo de
informações das Forças Armadas israelenses, apresentou-lhe uma
apreciação totalmente diferente. “Reunimos tudo o que conseguimos”, disse
o chefe de informações das Forças Armadas, general Meir Amit, “e, pouco
a pouco, algo se tornou claro: esta história foi muito exagerada [...]. O
nosso pessoal diz que isto não pode ser verdade; não pode ser algo tão
grave.”
O pessoal de Amit não descobriu nenhuma indicação de que os
cientistas alemães estivessem a desenvolver armas químicas ou
bacteriológicas; as histórias sobre armas apocalípticas pareciam tiradas de
livros de ficção científica; as quantidades de cobalto que tinham entrado no
Egito eram ínfimas. Também ficou provado que o Dr. Otto Joklik, cujo
testemunho desempenhara um papel importantíssimo naquela história toda,
não passava de um oportunista em quem não se podia confiar.
O relatório da Aman chegou à mesa de trabalho de Ben-Gurion a 24
de março. Este convocou imediatamente Isser Harel e questionou-o sobre as
suas fontes. Exigiu respostas completas e rigorosas. Isser admitiu ter
enviado jornalistas para a Europa, com instruções minuciosas; também
admitiu não ter informações sobre gás tóxico, radiologia, bombas de
cobalto.
No dia seguinte, Ben-Gurion encontrou-se com Shimon Peres, que
veio acompanhado do chefe de Estado-Maior e do general Amit. O relato
pormenorizado feito pelo chefe da Aman pintou uma imagem clara: os
cientistas que trabalhavam no Egito eram medíocres e estavam construindo
mísseis obsoletos. Suas atividades eram, com efeito, perigosas, mas o
pânico que se espalhara pelos círculos executivos de Israel, incluindo o
Ministério da Defesa e as Forças Armadas, era absolutamente exagerado.
Ben-Gurion convocou Isser mais uma vez. A conversa foi tensa, e
Ben-Gurion expressou dúvida quanto à exatidão dos relatórios e das
avaliações de Isser. A confiança total que caracterizava as relações entre os
dois homens foi substituída por um debate furioso que tocou outros
aspectos das relações germano-israelenses. Isser regressou, colérico, a seu
gabinete e despachou uma carta de demissão para Ben-Gurion.
Ben-Gurion tentou convencê-lo a não renunciar, mas Isser não
cedeu.
“Demito-me”, disse, “e é uma decisão final”.
Foi o fim de uma era.
Ben-Gurion pediu então a Isser que ficasse até que encontrasse um
substituto.
Isser recusou. “Diga a Ben-Gurion que envie imediatamente alguém,
e fique com as chaves”, disse à secretária de Ben-Gurion. O primeiro-
ministro teve de encontrar imediatamente um substituto para o mítico
ramsad. “Ligue já para Amos Manor”, disse à secretária, que correu para o
telefone.
Contudo, o diretor do Shabak estava incomunicável, a caminho do
kibbutz Maagan no vale do Jordão, para visitar a família, e os celulares
ainda não tinham sido inventados.
“Então, ligue-me ao Meir”, disse Ben-Gurion, impacientemente. O
general Meir Amit estava a meio de uma viagem de inspeção no Negev,
mas foi contactado por rádio e convocado a Tel Aviv. À chegada, soube que
ia ser nomeado diretor do Mossad até que um novo chefe tomasse as rédeas
da organização. Poucas semanas depois, a nomeação de Amit tornou-se
definitiva.
Após a carta discreta de Shimon Peres a Franz Josef Strauss, a
Alemanha encarregou o Professor Boehm, um especialista respeitado, de
divisar meios de trazer os cientistas do Egito. A Alemanha conseguiu,
efetivamente, tentar muitos dos cientistas com ofertas de emprego em
instituições de investigação no seu território. Os outros deixaram
gradualmente o Egito. Não conseguiram construir mísseis, os sistemas de
navegação falharam, as ogivas de mísseis não foram preenchidas com
materiais radioativos, e nem o avião de Messerschmitt levantou voo.
Um dos autores deste livro viajou até Huntsville, no Alabama, e
encontrou-se com o menino dos olhos da NASA, Dr. Wernher von Braun.
Von Braun consultou exaustivamente as listas de cientistas alemães
no Egito e dos seus alegados projetos e concluiu que as hipóteses de aqueles
cientistas de segunda linha conseguirem fabricar mísseis eficazes eram
muito diminutas.
O projeto do Herr Doktor Mahmoud terminou num completo
fracasso.
O assunto dos cientistas alemães originou a queda de Isser Harel e a
ascensão de Meir Amit. Harel desenvolveu um repúdio profundo para com
o seu sucessor e combateu-o amargamente durante os anos de Amit como
ramsad. O assunto dos cientistas alemães também minou o poder político de
Ben-Gurion, que se demitiu poucos meses depois.
No Cairo, os serviços secretos egípcios desmascararam Wolfgang
Lutz, o Espião do Champanhe, e prenderam-no em 1965. Contudo, foram
incapazes de desmascarar o seu disfarce alemão; foi simplesmente
condenado a pena de prisão e libertado após dois anos e meio.
O fim do assunto também foi o fim da colaboração do Mossad com
Otto Skorzeny, o agente mais improvável alguma vez ao serviço do Estado
judaico.
9. NOSSO HOMEM EM DAMASCO

Minha querida Nadia, minha querida família,


Escrevo estas últimas palavras na esperança de que continuem
eternamente unidos.
Peço a minha mulher que me perdoe, que se cuide e dê boa
educação a nossos filhos [...]. Minha querida Nadia, pode voltar a se casar,
para que nossos filhos tenham pai.
Está absolutamente livre a esse respeito. Peço que não chore pelo
passado, mas olhe para o futuro. Envio meus últimos beijos. Por favor reze
pela minha alma.
O seu,
Elie

Esta carta chegou à mesa de trabalho do novo ramsad, Meir Amit,


em maio de 1965. Elie Cohen, um dos espiões mais audazes da História da
espionagem, escrevera-a com uma mão trêmula, poucos minutos antes de a
sua vida chegar a um final abrupto nas masmorras de Damasco.
A vida secreta de Elie Cohen começara mais de 20 anos antes.
Cohen, um judeu egípcio jovem e bonito, ia a caminho de casa numa tarde
úmida a meio de julho de 1954. Contava 30 anos, era de altura mediana,
usava um bigode preto aparado e tinha um sorriso desarmante. Encontrou
um velho amigo polícia numa rua do Cairo. “Vamos prender uns terroristas
israelenses hoje”, confidenciou o polícia. “Um deles chama-se Shmuel
Azar.” Elie fingiu espanto e admiração, mas, assim que se despediu do
polícia, correu para o seu apartamento alugado e tirou de lá a pistola, os
explosivos e os documentos. Elie estava profundamente envolvido em
atividades clandestinas. Planeava rotas de fuga e preparava documentos
falsos de famílias judaicas que queriam emigrar para Israel. Também era
membro de uma organização judaica clandestina que conduzia uma
operação ambiciosa mais tarde conhecida como “Caso Lavon”.
No início de 1954, os líderes israelenses tinham ficado ao corrente
da decisão do Governo britânico de se retirar completamente do Egito. O
Egito era o mais forte dos países árabes e um inimigo confesso de Israel.
Enquanto o Exército britânico estivesse presente no Egito e mantivesse
bases e aeródromos militares ao longo do canal do Suez, Israel podia contar
com a sua influência moderadora sobre a junta militar que governava o país.
Com a decisão de evacuar o Egito, essa influência evaporaria
instantaneamente; além disso, cairiam nas mãos do Exército egípcio bases
modernas, aeródromos e enormes aglomerados de equipamento e materiais
bélicos.
Israel, então com apenas seis anos, podia tornar-se alvo de agressão
de um Exército egípcio maior e mais bem equipado que procurava vingança
da sua vergonhosa derrota na Guerra da Independência de Israel, em 1948.
Poderia a decisão britânica ser revogada? Ben-Gurion já não estava à
frente de Israel; tinha-se retirado para o kibbutz Sdeh Boker. Fora
substituído por um líder moderado mas fraco chamado Moshe Sharett.
Pinhas Lavon, ministro da Defesa, disputava abertamente a autoridade de
Sharett. Sem o conhecimento de Sharett, e sem informar o Mossad, Lavon e
o coronel Benyamin Gibli, chefe dos serviços de informação militares
(Aman), congeminaram um plano perigoso e insensato. Descobriram uma
cláusula no acordo britânico-egípcio que permitia à Grã-Bretanha regressar
às suas antigas bases em caso de crise grave, e julgaram ingenuamente que,
se várias bombas terroristas rebentassem pelo Egito, a Grã-Bretanha
concluiria que os líderes do Egito não conseguiam manter a lei e a ordem.
Por conseguinte, os britânicos cancelariam a decisão de se retirar do país.
Lavon e Gibli decidiram então fazer rebentar várias bombas no Cairo e em
Alexandria, visando bibliotecas e centros culturais americanos e britânicos,
cinemas, postos de correio e outros edifícios públicos. Os agentes secretos
da Aman no Egito recrutaram alguns jovens judeus locais, sionistas
fervorosos, prontos a dar a vida por Israel. Ao fazê-lo, a Aman infringiu a
regra sacrossanta da comunidade de serviços secretos israelense: nunca usar
judeus locais em operações hostis, uma vez que isso pode pôr em grave
risco não só as vidas dele, como a vida de toda a comunidade judaica. Para
cúmulo, os jovens rapazes e moças não receberam treino preliminar para
aquele tipo de operações.
As bombas eram rudimentares, feitas em estojos de óculos em que se
depositava uma substância química. Introduzia-se outra substância química
num preservativo posto dentro do estojo; o químico, altamente corrosivo,
queimava o preservativo e entrava em contato com a outra substância
dentro do estojo, produzindo assim um pequeno foco de incêndio. O
preservativo era usado como ferramenta temporal, para permitir que a
pessoa que deixava o dispositivo incendiário fugisse antes da explosão.
O plano estava condenado à partida. Em 23 de julho, após um par de
operações menores, uma das bombas explodiu no bolso de Philip Natanson,
membro da rede sionista, à entrada do Cinema Rio, em Alexandria.
Natanson foi detido pela polícia e, nos dias seguintes, todos os membros da
rede foram apanhados.
Elie Cohen também foi preso, mas as buscas ao seu apartamento não
conduziram à descoberta de nenhum indício incriminatório; Cohen foi
libertado, mas a polícia egípcia abriu um arquivo em seu nome. Este incluía
três fotografias e a história de Elie Shaul Jundi Cohen, nascido em 1924 em
Alexandria, filho de Shaul e Sophie Cohen, que tinham emigrado para um
destino desconhecido em 1949, com as duas irmãs e cinco irmãos de Elie. O
suspeito terminara o liceu francês e estudara na Universidade Farouk, no
Cairo.
Os egípcios não sabiam que a família de Elie tinha emigrado para
Israel e ficado em Bat Yam, um subúrbio de Tel Aviv.
A despeito das detenções, Elie decidiu ficar no Egito e não fugir.
Receando o pior para os amigos, coligiu todas as informações sobre
o encarceramento, maus-tratos e torturas que eles sofreram na prisão
egípcia.
Em outubro, os egípcios tornaram pública a prisão de “espiões
israelenses” e, a 7 de dezembro, começou o julgamento destes no Cairo.
Max Bennet, agente secreto israelense preso com o restante grupo, matou-
se cortando os pulsos com um prego enferrujado que tirou da porta da cela.
No julgamento, a acusação pediu a pena de morte para alguns dos detidos.
Os pedidos de clemência que chegaram do núncio papal, do ministro dos
Negócios Estrangeiros francês, dos embaixadores americano e britânico,
dos membros da Câmara dos Comuns britânica Richard Crossman e
Maurice Auerbach, do rabino máximo do Egito... foram todos em vão. A 17
de janeiro de 1955, o Tribunal Militar Extraordinário anunciou as
sentenças: dois dos acusados foram considerados inocentes; dois foram
condenados a sete anos de prisão com trabalhos forçados, outros dois a 15
anos, e dois a prisão perpétua. Os dois chefes da rede, o Dr. Moshe Marzuk
e o engenheiro Shmuel Azar, foram condenados à morte e enforcados
quatro dias depois, no pátio da prisão do Cairo. Em Israel, o Governo foi
abalado por um tremendo escândalo político. Quem dera a ordem estúpida e
criminosa para aquela operação? Várias comissões de inquérito foram
incapazes de dar uma resposta clara. Lavon e Gibli atiraram as
responsabilidades um para o outro.
Lavon, ministro da Defesa, foi forçado a demitir-se e substituído por
Ben-Gurion, que regressou da reforma. O coronel Gibli nunca foi
promovido e, passado pouco tempo, teve de abandonar o Exército.
No Egito, Elie Cohen perdera alguns dos seus melhores amigos.
Embora continuasse a ser suspeito aos olhos das autoridades, permaneceu
no Cairo e prosseguiu as suas atividades clandestinas. Só em 1957, após a
Guerra do Suez, emigrou para Israel.
“Os Mártires do Cairo”. Assim se chama uma rua sossegada e
sombria em Bat Yam. Elie passava por ela todos os dias, quando ia visitar a
família. Os primeiros passos que deu em Israel não foram fáceis. Durante
algumas semanas, andou à procura de trabalho. Graças à sua fluência em
línguas (árabe, francês, inglês e até hebraico), conseguiu emprego: traduzir
revistas semanais e mensais para a Aman. O seu escritório numa rua de Tel
Aviv estava disfarçado como agência comercial. Elie recebia um salário
modesto: 170 libras israelenses (95 dólares americanos) por mês. Ao cabo
de alguns meses, foi despedido. Um dos amigos, também ele judeu egípcio,
arranjou-lhe outro emprego: contabilista na cadeia de lojas Hamashbir. O
emprego era entediante, mas o salário, maior. Por essa altura, o irmão
apresentou-o a uma jovem enfermeira bonita e inteligente de origem
iraquiana. Um mês depois de a conhecer, Elie casou-se com Nadia, irmã de
um intelectual em ascensão chamado Sami Michael.
Certa manhã, entrou um homem no gabinete de Elie. “Chamo-me
Zalman”, disse. “Trabalho nos serviços secretos. Quero oferecer-lhe
emprego.”
“Que tipo de emprego?”
“Na verdade, muito interessante. Vai viajar muito à Europa. Talvez
tenha de ir a países árabes como nosso agente.”
Elie recusou. “Acabei de me casar”, disse. “Não quero viajar para a
Europa nem para sítio nenhum.”
Foi o fim da conversa, mas não o fim do assunto. Nadia engravidou
e teve de deixar o emprego que tinha. A Hamashbir foi reestruturada e
despediu alguns empregados. Elie foi um deles. Não conseguiu encontrar
outro trabalho. E então, como por mero acaso, bateu à porta do seu
apartamento alugado um visitante inesperado.
Era novamente Zalman.
“Porque é que se recusa a trabalhar para nós?”, perguntou a Elie.
“Pagamos 350 libras [195 dólares] por mês. Recebe formação
durante seis meses. Depois, se gostarmos de si, fica. Senão, é livre de ir
embora.”
Desta vez, Elie não disse que não. E tornou-se agente secreto.
Alguns veteranos da Aman contam uma versão diferente. Segundo
eles, quando chegou a Israel, Elie não arranjou emprego na Aman, porque
os testes psicológicos por que passou mostraram que era demasiado
confiante.
Era, sem dúvida, dotado de muita coragem e uma memória
excelente, mas tendia a sobreavaliar as suas capacidades e a correr riscos
desnecessários. A combinação desses traços tornava-o inadequado para a
Aman.
Mas no início da década de 1960, as coisas mudaram. A Unidade
131 da Aman, a unidade de operações especiais do ramo de informações
das Forças Armadas israelenses, começou a procurar urgentemente um
agente altamente qualificado para Damasco, capital da Síria. Nos anos
anteriores, a Síria tornara-se o mais agressivo dos países árabes, e inimigo
confesso de Israel, que não perdia uma oportunidade para atacar. A Síria
confrontou Israel em batalhas sangrentas nos montes Golã, e nas margens
do lago da Galileia; espalhou esquadrões de terroristas ao longo da fronteira
israelense. E, agora, planeava um grandioso projeto de engenharia cujo
objetivo era desviar as águas dos afluentes do rio Jordão e cortar o
abastecimento de água de Israel.
No final da década de 1950, Israel lançara um projeto de construção
de enormes tubos e canais que transportariam uma parte da água do Jordão
até a árida região de Negev. A água foi retirada da parte do rio que passava
por território israelense. O projeto de água desencadeou uma série de
conferências árabes. As nações árabes decidiram solenemente desviar os
afluentes do Jordão e matar o projeto israelense. A tarefa foi atribuída à
Síria.
Israel não podia sobreviver sem a água do Jordão. Não podia deixar
que a Síria fosse bem-sucedida, e começou a planejar uma resposta.
Precisava de um agente em Damasco, alguém de confiança, seguro de si e
audaz. As mesmas características que tinham levado a Aman a rejeitar Elie
faziam a Unidade 131 recebê-lo de braços abertos. (Cinquenta anos depois,
veio a saber-se que a Aman tentara recrutar outra pessoa para o trabalho —
Sami Michael, irmão de Nadia Cohen! Michael recusou, permaneceu em
Israel e tornou-se um dos seus grandes poetas.)
A formação de Cohen foi longa e exaustiva. Todas as manhãs, sob
qualquer pretexto, Elie saía de casa e dirigia-se ao centro de treinamento da
Aman. Durante várias semanas teve apenas um instrutor: um homem
chamado Yitzhak. Elie começou por aprender a memorizar coisas. Yitzhak
lançava uma dúzia de objetos na mesa — um lápis, um molho de chaves,
um cigarro, uma borracha, clipes. Elie olhava-os por um ou dois segundos.
Depois, tinha de fechar os olhos e descrevê-los. Também aprendeu a
identificar o tipo e o fabricante de tanques, aviões e canhões. “Vamos dar
uma volta”, dizia-lhe Yitzhak. Os dois saíam para passear nas ruas
apinhadas de Tel Aviv. “Estás a ver aquela banca de jornais?”, murmurava
Yitzhak.
“Agora, vai lá e finge que estás a ver os jornais, mas ao mesmo
tempo tenta descobrir quem te está a seguir.” Quando regressavam ao
centro, Yitzhak ouvia o relatório de Elie e atirava um punhado de fotos na
mesa.
“Acertou neste; realmente seguiu-o, mas e este aqui, junto à
árvore? Também andava atrás de você.”
Certa manhã, Zalman apresentou-o a outro instrutor, Yehuda, que
ensinou a usar um transmissor de rádio pequeno e sofisticado. Depois,
mandou Elie fazer uma série de exames médicos e testes psicológicos. Após
os testes, Zalman apresentou Elie a uma jovem chamada Marcelle Cousin.
“Chegou a hora de um teste decisivo, Elie”, disse-lhe Zalman.
“Marcelle vai dar-lhe um passaporte francês em nome de um judeu egípcio
que emigrou para a África e agora veio a Israel como turista. Com este
passaporte, vai a Jerusalém e fique lá dez dias. Marcelle vai dar todos os
pormenores de sua identidade falsa — seu passado no Egito, sua família,
seu trabalho na África. Em Jerusalém, só vai falar francês e árabe. Vai
conhecer pessoas, fazer amizades e estabelecer contatos novos sem revelar
sua verdadeira identidade. Também tem de se certificar de que não é
seguido.”
Elie passou 10 dias em Jerusalém. No regresso, deram-lhe uns dias
de folga. Nadia acabara de dar à luz uma filha, Sophie. Depois do Rosh
Hashana — o ano novo judeu —, Zalman apresentou-o a dois homens, que
não se identificaram. “Passaste o teste em Jerusalém, Elie”, disse um deles,
sorrindo. “É hora de começar a tratar de assuntos sérios.”
Numa sala despida das instalações da Aman, Elie conheceu um
xeque muçulmano, que lhe ensinou pacientemente o Alcorão e as preces
muçulmanas. Elie tentou concentrar-se, mas não parava de cometer erros.
“Não se preocupe”, disseram-lhe os instrutores. “Se alguém começar
a fazer perguntas, diga que não é um muçulmano devoto e que só tem
memórias religiosas vagas dos dias de escola.”
Depois, Elie recebeu uma antevisão da sua missão: estava prestes a
ser enviado a um país neutro e, após mais formação, seguiria para a capital
de um país árabe.
“Qual?”, perguntou.
“A seu tempo saberá.”
Foi Zalman que disse: “Vai se fazer passar por árabe, criar contatos
locais e estabelecer uma rede de espionagem israelense.”
Elie concordou sem hesitações. Confiava que conseguiria cumprir a
missão.
“Vai receber passaporte sírio ou iraquiano”, disseram-lhe mais tarde
os instrutores.
“Por quê? Não sei nada sobre o Iraque. Arranjem documentos
egípcios.”
“É impossível”, disse Zalman. “Os egípcios têm registros atualizados
da população e de todos os passaportes que emitiram. É perigoso demais.
O Iraque e a Síria não têm registros assim. Não conseguiriam investigá-lo.”
Passados dois dias, Zalman e os colegas revelaram a Elie sua nova
identidade. “Seu nome é Kamal. Seu pai erae Amin Tabet, por isso seu
nome completo será Kamal Amin Tabet.”
Os funcionários que trabalhavam no caso de Elie tinham preparado
uma lenda — uma história falsa — pormenorizada para o seu novo agente.
“É filho de pais sírios. Sua mãe chamava-se Saida Ibrahim. Teve uma
irmã. Nasceu em Beirute, no Líbano. Quando tinha três anos, sua família
saiu do Líbano e mudou-se para o Egito, para Alexandria. Não se esqueça:
sua família é síria. Um ano depois, sua irmã morreu. Seu pai era negociante
de têxteis. Em 1946, seu tio emigrou para a Argentina. Pouco depois,
escreveu seu pai e convidou a família para juntar-se a ele em Buenos
Aires. Em 1947, chegaram todos à Argentina. Seu pai e seu tio
estabeleceram uma parceria com uma terceira pessoa e abriram uma loja de
têxteis, mas foram à falência. Seu pai morreu em 1956 e, seis meses depois,
morreu também sua mãe. Você vivia com o tio e trabalhavas numa agência
de viagens. Mais tarde, entrou no mundo dos negócios e se saiu muito
bem.”
Elie precisava agora de uma história para contar à própria família.
“Arranjei emprego numa empresa que trabalha com os Ministérios
da Defesa e dos Negócios Estrangeiros”, disse ele a Nadia, quando
regressou a casa.
“Precisam de alguém que viaje pela Europa, compre ferramentas,
equipamento e materiais para a Ta’as [a indústria militar de Israel] e
descubra mercados para os produtos deles. Virei muitas vezes para casa, em
licenças prolongadas. Sei que a separação vai ser dura — para ambos, mas
receberá meu salário integral aqui, e em poucos anos compramos mobília
na Europa e montamos o apartamento.”
No início de fevereiro de 1961, um carro descaracterizado levou Elie
para o aeroporto de Lod. Um jovem que se apresentou como “Gideon” deu-
lhe um passaporte israelense com o nome verdadeiro dele, 500 dólares
americanos e uma passagem de avião para Zurique.
À chegada a Zurique, Elie foi recebido por um homem de cabelo
grisalho que lhe ficou com o passaporte e deu o passaporte de um país
europeu, noutro nome. Esse passaporte tinha um visto de entrada no Chile e
um visto de trânsito na Argentina. “Em Buenos Aires, o nosso pessoal
prolonga-te o visto de trânsito”, disse o homem, pondo na mão de Elie um
bilhete de avião para Santiago, com escala em Buenos Aires. “Amanhã
chegas a Buenos Aires. No dia seguinte, às 11 da manhã, deve ir ao Café
Corrientes. O nosso pessoal encontra você lá.”
Elie chegou à capital da Argentina e deu entrada num hotel. Na
manhã seguinte, às 11 em ponto, um homem idoso sentou-se à sua mesa no
Café Corrientes, e apresentou-se como Abraham. Cohen recebeu ordens
para se instalar num apartamento mobiliado, já alugado em seu nome. Um
professor local entraria em contato com ele e ensinar-lhe-ia espanhol. “Não
terá outras preocupações”, disse Abraham. “Eu trato de suas finanças.”
Três meses depois, Elie estava pronto para a fase seguinte. Falava
um espanhol aceitável, conhecia Buenos Aires bem, vestia-se e
comportava-se como milhares de imigrantes árabes que viviam na capital
argentina. Outro tutor ensinou-o a falar árabe com sotaque sírio.
Abraham encontrou-se novamente com ele num café e entregou-lhe
um passaporte sírio em nome de Kamal Amin Tabet. “Tem de mudar de
endereço até o fim da semana”, disse Abraham. “Abra uma conta bancária
nesse nome. Comece a frequentar os restaurantes árabes, os cinemas em que
passem filmes árabes e clubes culturais e políticos árabes. Tente fazer o
maior número possível de amigos, estabelecer contatos com os chefes da
comunidade árabe. É um homem abastado, um comerciante e um
empresário brilhante. Trabalha no negócio das importações e exportações,
mas também está envolvido em transportes e investimentos. Faça
contribuições generosas para os fundos de caridade da comunidade
árabe. Boa sorte!”
O espião israelense tinha realmente muita sorte. Em poucos meses,
Elie Cohen foi capaz de penetrar no âmago da comunidade sírio-árabe de
Buenos Aires. O seu charme, confiança, bom senso e fortuna atraíram
muitos árabes, entre os mais importantes. Depressa se tornou uma figura
conhecida nos círculos árabes. A grande oportunidade aconteceu no clube
muçulmano, numa noite em que conheceu um cavalheiro de ar digno, bem
vestido, quase careca, cujo rosto era adornado por um bigode farfalhudo.
Este apresentou-se como Abdel Latif Hassan, chefe de edição da revista
Mundo Árabe, publicada na Argentina. Hassan ficou profundamente
impressionado com a personalidade séria do “imigrante sírio” e os dois
tornaram-se amigos próximos.
Aos acontecimentos culturais nos clubes seguiram-se reuniões mais
íntimas na companhia de líderes da comunidade árabe. Elie ganhou lugar na
lista de convidados da embaixada síria, e era solicitado para festas e
recepções finas. Numa recepção oficial na embaixada, Hassan conduziu o
amigo Tabet até um funcionário imponente, trajado com um uniforme de
general sírio.
“Permita-me que lhe apresente um verdadeiro e devoto patriota
sírio”, disse Hassan ao general. E depois, virando-se para Elie, acrescentou:
“Apresento-lhe o general Amin el-Hafez, adido militar da embaixada.”
Elie parecia ter concluído a última fase de estabelecimento de sua
história.
Chegara a hora da verdadeira missão de espionagem. Foi informado
de tudo num encontro breve e sub-reptício com Abraham em julho de 1961.
No dia seguinte, entrou no gabinete de Hassan. “Estou farto de viver na
Argentina”, admitiu. Amava a Síria acima de tudo, e queria regressar. Será
que Hassan podia ajudá-lo, escrevendo algumas cartas de recomendação? O
editor escreveu imediatamente quatro cartas: uma para o cunhado, em
Alexandria, duas para amigos em Beirute (um dos quais um banqueiro
muitíssimo influente) e a carta para o filho, em Damasco. Elie visitou os
seus outros amigos árabes, e não tardou a encher a mala com cartas de
recomendação entusiásticas, escritas pelos líderes da comunidade de
Buenos Aires.
Em julho de 1961, Kamal Amin Tabet foi para Zurique, trocou de
avião e seguiu para Munique. No aeroporto da capital bávara, foi abordado
por um agente israelense chamado Zelinger. Este entregou a Elie o seu
passaporte israelense e um bilhete de avião para Tel Aviv. No início de
agosto, Elie chegou a casa. “Vou ficar alguns meses em casa”, disse ele a
Nadia.
Os meses seguintes foram passados em treino intensivo. A história
de Elie era perfeita e ele identificava-se completamente com a sua nova
personalidade. Yehuda, o seu instrutor de rádio, voltou a aparecer para o
ensinar a fazer transmissões de rádio em código. Passadas poucas semanas,
Elie era capaz de receber e transmitir entre 12 e 16 palavras por
minuto. Leu compulsivamente livros e documentos sobre a Síria, o seu
exército, armas e estratégia. Após uma miríade de reuniões com
especialistas, ele próprio se tornou especialista em política interna síria.
Em dezembro de 1961, Elie regressou a Zurique. Porém, o seu
destino final era Damasco, a toca do lobo.
A tensão na fronteira entre a Síria e Israel crescera devido à fraqueza
interna do regime sírio. Desde 1948, o país fora abalado por uma longa
série de golpes militares. Passou a ser raro que um ditador sírio tivesse o
privilégio de morrer de causas naturais — morriam na forca, em frente de
um pelotão de fuzilamento, ou pelos bons serviços de um assassino. O
instável país vivia em constante tumulto. Muito frequentemente, ansiosos
por distrair a opinião pública dos problemas internos, os líderes sírios
causavam deliberadamente incidentes fronteiriços. As execuções públicas
eram uma cena comum nas praças de Damasco. Um após outro, os
carrascos tiravam a vida de pessoas rotuladas como conspiradoras, espiãs,
inimigas do Estado e apoiadores do regime anterior. Pouco tempo antes de
Elie chegar, um golpe, em 28 de setembro de 1961, pusera fim à breve
união sírio-egípcia, pomposamente chamada “República Árabe Unida”.
Antes de iniciar a sua missão, Elie encontrou-se com o eterno
Zalman, que lhe deu instruções pormenorizadas: “Vai receber um
transmissor de rádio do Zelinger, seu contato em Munique. Depois de
chegar a Damasco, será contactado por um empregado da empresa de
radiodifusão síria.
Também ele é um “imigrante” que, como você, instalou-se
recentemente na Síria. Não conhece sua verdadeira identidade. Não tente
encontrá-lo! Ele determinará o momento certo para estabelecer contato com
você.”
Em Munique, Zelinger ofereceu-lhe um pacote impressionante de
equipamento de espionagem: folhas de papel em que a chave do código de
transmissão fora escrita com tinta invisível; livros que serviam como
códigos de transmissão; uma máquina de escrever especial; um transistor
em que fora inserido um transmissor; uma máquina de barbear cujo cordão
servia de antena para o transmissor; barras de dinamite escondidas em
sabão Yardley e cigarros; e alguns comprimidos de cianeto, para suicídio,
caso fosse preciso...
Elie perguntou-se como conseguiria entrar com todo aquele
equipamento na Síria, onde a alfândega e os controles de imigração eram
minuciosos e severos.
Zelinger tinha a resposta: “Vai comprar uma passagem no SS Astoria
que navegará de Gênova para Beirute no início de janeiro. Alguém entrará
em contato com você no navio e vai ajudar a passar os controles fronteiriços
na Síria.”
Elie embarcou no Astoria. Certa manhã, quando estava sentado perto
de um grupo de passageiros egípcios, um homem aproximou-se e
murmurou:
“Segue-me.” Elie levantou-se e afastou-se do grupo. O homem
disse: “Mei nome é Majeed Sheikh El-Ard. Tenho carro.” A dica era que ele
conduziria Elie até Damasco.
El-Ard era um homem baixo e tímido, empresário internacional e um
conhecido — e dúbio — empresário de Damasco. Era casado com uma
judia egípcia e, contudo, escolhera passar os anos da Segunda Guerra
Mundial na Alemanha nazista. A sua personalidade instável e gananciosa
fazia-o parecer um mau parceiro, que foi precisamente o que atraiu a
atenção dos serviços secretos israelenses. Estes não tardaram a fazer dele
seu agente, pese embora ele não se apercebesse disso. Acreditava que
trabalhava para sírios de extrema-direita a atuar clandestinamente.
Acreditou piamente na história de Kamal Amin Tabet e nos anos seguintes
seria uma enorme ajuda para o espião israelense.
A sua primeira tarefa foi certificar-se de que a bagagem de Tabet
passaria incólume pelos controles sírios.
Dia 10 de janeiro de 1962. O carro de El-Ard, vindo de Beirute, foi
parado na fronteira síria. No porta-bagagens, estavam as malas de Elie
Cohen, cheias de equipamento de transmissão e outros objetos
incriminatórios. Elie viajava sentado no assento do pendura, ao lado de
Sheikh El-Ard.
“Está ali o meu amigo Abu Khaldun”, disse El-Ard a Elie, quando se
aproximaram da fronteira. “Ele por acaso está com problemas financeiros.
Quinhentos dólares americanos vão certamente melhorar a situação
dele.”
E, assim, viajaram rapidamente 500 dólares da carteira do agente
israelense para o bolso de Abu Khaldun, inspetor da alfândega síria. A
barreira foi levantada e o carro rumou ao deserto. Elie Cohen estava na
Síria.
Na agitada Damasco, repleta de mesquitas apinhadas e souks
coloridos, não era difícil imergir na multidão. Mas Elie queria exatamente o
oposto.
Queria sobressair, e depressa. Alugou uma villa de luxo no bairro
chique de Abu Ramen, próximo do quartel-general do Exército sírio. Da
varanda da villa, Elie conseguia ver a entrada da casa de hóspedes oficial do
Governo sírio. A sua própria casa ficava entre embaixadas estrangeiras,
moradias de ricos homens de negócios e residências oficiais dos líderes da
nação. Elie guardou imediatamente o seu equipamento secreto em vários
esconderijos espalhados pela casa. Para evitar o risco da entrada de
informantes ou traidores em sua casa, decidiu viver sozinho e abster-se de
contratar empregados.
E teve novamente sorte. Chegara a Damasco no momento certo. O
colapso da República Árabe Unida foi visto pelo presidente Nasser, no
Cairo, como uma afronta pessoal e uma humilhação para o Egito. Os líderes
sírios, tanto os políticos como os militares, estavam obcecados com a
possibilidade de um golpe de Estado inspirado pelos egípcios, e a
espionagem israelense não estava na agenda de prioridades. Além disso,
precisavam desesperadamente de aliados, apoiantes e fontes de
financiamento novos, quer na Síria quer entre os emigrantes sírios. Kamal
Amin Tabet, o leal milionário nacionalista, armado com excelentes cartas de
recomendação, era o homem certo à hora certa.
Cohen estabeleceu contatos com rapidez e eficácia. As cartas de
recomendação abriram as portas da alta sociedade, dos bancos e dos
círculos comerciais que tinham inspirado o golpe de Estado de 28 de
setembro. Os seus novos amigos apresentaram Elie a funcionários de topo
do Governo, altas patentes do Exército e líderes do partido do poder. Dois
ricos homens de negócios cortejaram o jovem e bonito milionário, na
esperança de que ele casasse com uma das suas filhas. Numa demonstração
de generosidade,
Tabet contribuiu com uma soma substancial de dinheiro para a
construção de uma cozinha pública para os pobres de Damasco. A sua nova
popularidade abriu-lhe o caminho dos círculos de governação; porém, Elie
absteve-se de se identificar com os novos governantes sírios, pois intuiu que
a situação era temporária. A Síria ainda atravessaria grandes abalos internos
após a separação do Egito.
Um mês após a sua chegada a Damasco, Elie foi visitado por George
Salem Seif, um apresentador de rádio que conduzia as transmissões da
Rádio Damasco para os emigrantes. Era o homem que Zalman mencionara
na última reunião de informação de Elie em Israel. Seif tinha “regressado”
à Síria um pouco antes de Tabet. Em virtude da sua posição, podia fornecer
a Elie informações privilegiadas sobre a situação política e militar. Seif
também mostrou a Elie as linhas de orientação secretas que o ministro da
Propaganda lhe dava, definindo o que podia difundir e o que tinha de
esconder da sua audiência. Nas festas na casa de Seif, Elie conheceu vários
altos cargos e políticos conhecidos.
Seif, como El-Ard, não fazia ideia da verdadeira identidade de Elie
Cohen. Também ele acreditava que Tabet era um nacionalista fanático com
uma agenda política pessoal.
Elie Cohen percebeu que se tornara o espião mais solitário do mundo
-sem um único amigo e confidente; não sabia se havia outra rede israelense
a operar em Damasco. Precisava de nervos de aço para suportar a pressão
da terrível solidão e desempenhar um perigoso papel 24 horas por dia. Sabia
que nem durante as suas raras visitas a casa podia partilhar o segredo com a
mulher e que também a tinha de enganar.
Começou a transmitir as suas mensagens para Israel diariamente, às
oito da manhã — e às vezes também à noite. As suas transmissões eram
feitas sob uma proteção infalível. O transmissor estava na sua villa, muito
perto do Quartel-General do Exército, uma fonte de transmissões
infindáveis.
Ninguém conseguia distinguir entre as transmissões de Elie e a
miríade de mensagens emanadas do centro de comunicações do Exército.
Seis meses depois de chegar à Síria, Kamal Amin Tabet tornara-se
uma figura conhecida na alta sociedade de Damasco. Depois, decidiu ir ao
estrangeiro “em negócios”. Primeiro, voou para a Argentina, onde se
encontrou com vários dos seus amigos árabes, depois foi para a Europa,
mudou de avião e de identidade, e aterrissou no aeroporto de Lod numa
noite quente de verão. O “caixeiro-viajante” chegou carregado de presentes
ao seu apartamento modesto em Bat Yam, onde Nadia e Sophie o
esperavam.
No final do outono, Elie Cohen apanhou um avião para a Europa.
Poucos dias depois, Kamal Amin Tabet chegou a Damasco. Durante a sua
estada em Israel, os seus superiores da Aman tinham-lhe dado uma
minicâmera, para que ele pudesse fotografar locais e documentos. Teve de
esconder os microfilmes em caixas caras de peças de gamão. As caixas
eram feitas de madeira polida ornamentada com um mosaico de nácar e
marfim. O ornamento em mosaico podia ser retirado da madeira polida, e
reinserido após o microfilme ter sido colocado na cavidade. Tabet enviaria
os jogos de gamão para “amigos na Argentina”, que os mandariam para
Israel na mala diplomática.
Alguns dos primeiros documentos que Elie enviou foram relatórios
internos secretos sobre o crescente descontentamento no Exército e o poder
ascendente do partido socialista Ba’ath (Ressurreição). Elie sentiu uma
profunda mudança de ambiente na Síria e deixou-se guiar pela intuição.
Estabeleceu contatos próximos com os líderes do Ba’ath e contribuiu
com grandes quantias de dinheiro para o partido.
Agira bem. A 8 de março de 1963, Damasco foi sacudida por um
novo golpe de Estado. O Exército depôs o Governo e o partido Ba’ath
tomou o poder na Síria. O general Hafez, amigo de Elie desde Buenos
Aires, foi nomeado ministro da Defesa do gabinete de Salah Al-Bitar. Em
julho, deu-se novo golpe, dessa vez dentro do regime. Hafez tornou-se
presidente do Conselho Revolucionário e chefe de Estado. Os melhores
amigos de Tabet foram nomeados para posições cruciais no Governo e na
hierarquia militar.
O espião israelense era agora membro do círculo íntimo do poder.
Uma festa charmosa em Damasco. Um após outro, os carros
luxuosos de ministros e generais chegaram à enorme villa. Uma longa fila
de convidados em fatos de noite e uniformes resplandecentes entra na casa,
onde o anfitrião recebe calorosamente os seus convidados. A lista parece
um diretório de “quem é quem em Damasco”: vários ministros, incluindo o
ministro da Defesa e o ministro da Reforma Agrária, vários generais e
coronéis, os líderes de topo do Ba’ath, empresários e magnatas. Muitos
deles rodeiam o coronel Salim Hatum, o oficial que conduziu os seus
tanques até Damasco na noite do golpe de Estado, e deu efetivamente a
presidência ao general Hafez.
O presidente Hafez chega mais tarde e cumprimenta calorosamente o
seu anfitrião e amigo Kamal Amin Tabet. Vem acompanhado pela mulher,
deslumbrante no casaco de marta que Tabet lhe ofereceu como sinal da
admiração dos emigrantes sírios pelo presidente e a sua mulher. Não é
a única que recebe presentes dispendiosos de Tabet. Muitas mulheres usam
joias e vários altos cargos conduzem carros oferecidos por Tabet.
Importantes responsáveis políticos depositaram dinheiro dele nas
suas contas.
Na sala, um grupo de funcionários governamentais e oficiais do
Exército regressados da fronteira com Israel discute a situação militar; são
acompanhados por empresários e engenheiros que trabalham no ambicioso
projeto de desvio dos afluentes do rio Jordão. No espaçoso átrio, reúnem-se
os diretores da Rádio Damasco, a rádio estatal, e os diretores do Ministério
da Propaganda. Tabet é agora um deles, uma vez que o Governo lhe pediu
que fizesse umas transmissões de rádio para as comunidades emigrantes.
Tabet tem outro programa de rádio, em que analisa assuntos políticos
e econômicos.
Aquele partido, como muitos outros, custa uma fortuna a Tabet, mas
este nem pestanejou. Atingiu o cume do êxito, e parece que não há porta
que não consiga abrir. Tem bons amigos do Quartel-General do Exército e
participa regularmente em reuniões de decisão política do Ba’ath.
Elie continuou a transmitir para Israel relatórios de caráter militar,
nomes e funções de funcionários de topo do Governo, ordens militares
ultrassecretas e outros assuntos. Fotografou e enviou para a Aman mapas
militares, a maioria dos quais diagramas pormenorizados das fortificações
ao longo da fronteira israelense. Também enviou relatórios sobre novas
armas introduzidas no Exército sírio. Descreveu a capacidade síria de
absorção de novas armas.
Meses depois, um general sírio admitiria amargamente: “Não havia
segredo do Exército que Elie Cohen desconhecesse...”
Elie transmitia todas as manhãs para Israel e não receava ser
apanhado, graças à rede protetora das transmissões do Exército sírio do
quartel-general adjacente. Porém, certa vez recebeu uma visita-surpresa de
um amigo, o tenente do Exército Zaher Al-Din. Elie conseguiu esconder o
transmissor, mas ficou na mesa um molho de papéis com o código secreto,
sob a forma de grelhas cheias de letras.
“Que é isto?”, quis Zaher saber.
“Oh, são palavras-cruzadas”, disse Elie.
Além das transmissões e das caixas de gamão para os seus “amigos
argentinos”, Elie desenvolveu uma terceira via de comunicação com Israel:
a Rádio Damasco. Divisou com os seus superiores em Tel Aviv um código
de palavras e expressões que inseriu nos seus programas de rádio e que
eram devidamente descodificadas pela Aman.
Elie deu ainda outro passo nos seus esforços de obtenção de
informações ultrassecretas. Começou a correr um rumor nos círculos
governamentais em Damasco de que Tabet organizava festas de sexo ilícito
na sua villa. Só os seus amigos mais próximos e íntimos eram convidados
para as festas, onde conheciam variadas mulheres bonitas. Algumas eram
prostitutas de rua e outras meninas de boas famílias. Os convidados de
Tabet apreciavam o sexo selvagem, mas o seu anfitrião era o único que não
perdia a calma.
Cohen também fornecia secretárias atraentes — e generosas — aos
seus amigos em posições de topo. Um deles era o coronel Salim Hatum,
cuja amante passava a Tabet cada palavra que ouvia do seu coronel.
Tabet mostrava um fervor patriótico extremo quando falava sobre
Israel, que definia como “o mais vil inimigo do nacionalismo árabe”. Urgia
os líderes da Síria a aumentar a propaganda anti-israelense e a abrir
uma “segunda frente” contra Israel, depois do Egito. Até acusou os amigos
de não fazerem tudo o que podiam contra o agressor israelense. Ao fazê-lo,
alcançou o seu objetivo. Os amigos militares ficaram determinados a
mostrar-lhe que se enganara e a provar-lhe que estavam preparados para
combater o inimigo.
Levaram-no por três vezes a visitar as posições sírias ao longo da
fronteira israelense. Deixaram-no ver as fortificações e os bunkers,
mostraram-lhe as armas concentradas na zona e descreveram-lhe os seus
planos defensivos e ofensivos. O tenente Zaher Al-Din levou-o ao campo
militar El-Hama, onde estavam armazenadas grandes quantidades de armas
novas. Na sua quarta visita à fronteira israelense, Tabet foi o único civil
num grupo de altos dirigentes sírios e egípcios. O grupo era liderado pelo
chefe militar árabe mais respeitado de todos, o general egípcio Ali Amer,
cabeça do Comando Árabe Unido, que dirigia — pelo menos no papel — as
forças combinadas do Egito, da Síria e do Iraque.
Logo após a visita de Amer, os líderes do Ba’ath encarregaram Tabet
de uma incumbência vital: foi enviado numa missão de reconciliação com
Salah Al-Bitar, o idoso líder do Ba’ath, que fora deposto pelo general Hafez
e estava desde então “numa cura” em Jericó. Tabet foi à Jordânia e passou
alguns dias com o antigo primeiro-ministro. Regressado a Damasco, Tabet
acompanhou ao aeroporto o doente presidente Hafez, que ia a caminho de
Paris para fazer tratamento médico. Quando Hafez voltou, passadas umas
semanas, Tabet estava novamente na recepção de boas-vindas que
aguardava na pista. A sua missão fora inteiramente conseguida.
Em 1963, houve uma importante mudança em Israel. Meir Amit, o
novo ramsad que substituíra o Pequeno Isser, estava havia uns meses à
frente quer da Aman quer do Mossad. Amit decidiu abolir a Unidade 131 e
transferir todos os homens e operações dela para o Mossad. Elie Cohen
soube certa manhã que seu empregador mudara e que era agora agente do
Mossad.
Nesse mesmo ano, Nadia deu à luz sua segunda filha, Íris. Porém,
em novembro de 1964, durante a segunda visita a Israel naquele ano, Elie
viu seu sonho secreto concretizar-se: Nadia teve um terceiro bebê, um
menino! Chamaram-no Shaul.
“Durante aquela visita, notamos que Elie tinha mudado”, disseram
mais tarde os membros da sua família. “Estava introvertido, nervoso e
lúgubre. Perdeu a calma várias vezes. Não queria sair, não queria encontrar
amigos. “Logo me despeço”, disse ele. “No ano que vem, regresso a Israel.
Não vou deixar novamente a minha família.”
No final de novembro, Elie deu um beijo de despedida à mulher e
aos três filhos, e foi novamente embora. Nadia não sabia que aquele era o
último adeus.
O dia 13 de novembro de 1964 era uma quarta-feira. As posições
sírias na fronteira israelense, perto de Tel-Dan, abriram fogo sobre tratores
israelenses que trabalhavam na zona desmilitarizada. A reação israelense
foi extraordinária. Tanques e canhões ripostaram com fogo intensivo e,
minutos mais tarde, aviões Mirage e Vautour juntaram-se à batalha. Os
aviões fustigaram as posições sírias, depois desceram em direção ao local
de desvio das águas do Jordão e rebentaram os canais escavados pelos
sírios.
Destruíram sistematicamente equipamento mecânico pesado,
escavadoras, tratores e pás. A Força Aérea síria não interferiu, pois ainda
não dominava os seus recém-comprados jatos soviéticos MiG.
A imprensa mundial legitimou quase unanimemente a resposta
israelense à agressão síria. Meses depois, os dirigentes sírios diriam que um
dos arquitetos do ataque israelense fora Elie Cohen, que estava em Israel
durante a batalha. Graças a Cohen, os israelenses estavam inteiramente a
par do pobre estado da Força Aérea síria e da sua incapacidade de travar
uma batalha naquela fase. Os israelenses também tinham conhecimento
pormenorizado das fortificações sírias e dos trabalhos de desvio de água.
Sabiam exatamente que tipo e que quantidade de armas estavam
posicionados em cada base e bunker.
Mas Elie Cohen sabia muito mais do que isso. Tinha conseguido
travar amizade com um empresário saudita que fora contratado para
planejar e escavar os primeiros canais do projeto sírio. Graças a essa
amizade, os israelenses souberam, com meses de antecedência, onde se
fariam as escavações, que profundidade e largura teriam os canais, que
equipamento seria utilizado, e outros pormenores técnicos. O empreiteiro
também informou o seu amigo Tabet sobre a capacidade dos canais para
suportar bombardeamentos aéreos e toda a extensão das medidas de
segurança. O bom amigo de Cohen chamava-se Bin Laden, pai do pequeno
Osama. Graças às informações pormenorizadas que este deu ao espião,
Israel atacou o projeto várias vezes, até os países árabes decidirem
abandoná-lo de vez em 1965.
A meio de janeiro de 1965, poucas semanas depois de Elie ter
deixado Israel, a caixa de correio de Nadia Cohen recebeu um bonito postal.
“Minha querida Nadia”, escreveu Elie em francês, “escrevo-te estas
pequenas linhas para te desejar um Feliz Ano Novo, que espero que traga
felicidade a toda a família. Muitos beijos para os meus queridos Fifi
[Sophie], íris e Shaikeh’ [Shaul], e para ti, do fundo do meu coração —
Elie.”
Quando Nadia recebeu o postal, Elie jazia, espancado e torturado, no
duro chão empedrado da prisão de Damasco.
Há vários meses que o Mukhabarat -serviço secreto — sírio estava
em alerta. O alarme fora acionado pelo chefe Tayara, diretor do
departamento palestino do Mukhabarat. Tayara reparou que, desde o verão
de 1964, quase todas as decisões tomadas pelo Governo sírio ao final da
tarde ou até durante a noite eram transmitidas no dia seguinte nos
programas de língua árabe da Kol Israel, a rádio pública israelense. Além
disso, Israel tornara públicas algumas decisões ultrassecretas, tomadas em
reuniões restritas. Tayara também ficou pasmado com a precisão dos
bombardeamentos israelenses durante o incidente de 13 de novembro. A
sua conclusão lógica foi que os israelenses tinham conhecimento exato dos
destacamentos do Exército sírio nas linhas da frente, e sabiam precisamente
o que atingir e como. Ficou convencido de que Israel tinha um espião nos
mais altos níveis do Governo sírio. A Kol Israel transmitia as informações
do espião numa questão de horas. Isso significava que ele enviava os seus
relatórios por rádio. Mas onde estaria o transmissor?
No outono de 1964, Tayara e os colegas empreenderam grandes
esforços de localização do transmissor secreto com equipamento soviético,
mas falharam.
Em janeiro de 1965, tiveram sorte.
Um navio soviético descarregou no porto de Latakiyeh uns
contentores enormes carregados de equipamento de comunicação novo, que
substituiria os instrumentos obsoletos do Exército sírio. A troca de
equipamento teve lugar a 7 de janeiro de 1965. Para que os novos
dispositivos pudessem ser instalados e verificados, todas as comunicações
do Exército foram suspensas durante 24 horas.
E, então, quando o silêncio caiu sobre todas as comunicações do
Exército do país, um oficial de serviço num receptor militar discerniu uma
transmissão solitária e tênue. A transmissão do espião. O oficial pôs-se
imediatamente ao telefone.
Esquadrões do Mukhabarat equipados com localizadores soviéticos
lançaram-se imediatamente na busca da fonte da transmissão. Infelizmente,
a transmissão parou antes de chegarem ao local. Porém, os cálculos febris
dos técnicos apontaram numa direção: a casa de Kamal Amin Tabet.
“É um erro”, determinou um dirigente do Mukhabarat. Era
impensável que Tabet, que os líderes do Ba’ath queriam nomear ministro no
Governo seguinte, pudesse ser espião. Tabet estava acima de qualquer
suspeita.
Mas, nessa noite, a transmissão fez-se novamente notar. O
Mukhabarat pôs-se novamente em campo e chegou ao mesmo resultado.
Às oito da manhã em ponto, num dia ensolarado de janeiro, quatro
agentes do Mukhabarat forçaram a entrada na esplêndida casa do bairro
Abu Ramen.
Arrombaram a porta principal, arrancando-a dos gonzos, e correram
para o quarto, de armas na mão. O espião estava lá, mas não dormiar. Foi
apanhado em flagrante delito, em meio a uma transmissão. Ergueu-se
imediatamente e encarou os agentes; não tentou fugir e não resistiu aos
captores. Pela primeira vez, a sorte estava contra ele. “Kamal Amin Tabet”,
tonitruou o agente no comando, “está preso!”
A notícia se alastrou como fogo por Damasco. Uma fantasia, um
absurdo, impossível, disparate! Não havia palavras que expressassem o
choque e a incredulidade dos líderes sírios quando ouviram as notícias.
Poderia um dos dirigentes do partido de Governo, amigo pessoal do
presidente, milionário e membro da alta sociedade ser... um espião?!
As provas, porém, eram irrefutáveis. O transmissor que Tabet
guardava atrás das portadas da janela, o pequeno transmissor de reserva
escondido no grande candelabro da sala, os microfilmes, os cigarros cheios
de dinamite, as páginas com códigos... O homem era, efetivamente, um
traidor.
Perfeitamente em pânico, as cabeças do regime ordenaram uma
investigação aturada. Que sabia ao certo Tabet? Será que podia incriminá-
los? O próprio presidente Hafez foi interrogá-lo à cela. “Durante o
interrogatório”, testemunhou Hafez mais tarde, “quando fitei Tabet nos
olhos, fui subitamente assaltado por uma terrível suspeição. Senti que o
homem à minha frente não era sequer árabe. Muito cautelosamente, fiz-lhe
algumas perguntas sobre religião muçulmana, sobre o Alcorão. Tabet mal
conseguiu citar alguns poucos versos. Tentou defender-se dizendo que tinha
saído da Síria ainda muito jovem e que a sua memória o traia. Mas naquele
momento percebi: ele é judeu.”
Os torturadores de Damasco encarregaram-se do resto. Enquanto
Tabet jazia na sua cela escura, desmaiado, com o rosto e o corpo cobertos
de feridas terríveis, já sem unhas, a sua confissão chegava às mãos do
general Hafez. O homem não se chamava Tabet. Chamava-se Elie Cohen e
era um judeu israelense.
Em 24 de janeiro de 1965, Damasco anunciou oficialmente “a prisão
de um importante espião israelense”. Um alto cargo, lívido de raiva, rugiu
na conferência de imprensa: “Israel é o diabo, e Cohen o agente do diabo!”
O pânico espalhou-se por Damasco. Seria Cohen um lobo solitário,
ou o chefe de uma rede de espiões? Uma após outra, 69 pessoas foram
presas; 27 eram mulheres. Entre os suspeitos estavam Majeed Sheikh El-
Ard, George Salem Seif, o tenente Zaher Al-Din, altos cargos do Ministério
da Propaganda, prostitutas e outras mulheres cuja identidade não foi
revelada.
Foram ainda interrogadas outras 400 pessoas que tinham estado em
contato com Tabet. A investigação expôs alguns problemas difíceis. Muitos
dos líderes políticos, militares e de negócios da Síria estavam entre os
amigos mais chegados de Cohen. Os investigadores não lhes podiam tocar.
Os nomes deles não podiam ser mencionados, já que qualquer alusão
pública a eles podia criar a impressão de que estavam envolvidos na
espionagem de Tabet. Os sírios também descobriram que Tabet fizera todos
os possíveis por evitar a publicação de qualquer contato entre os seus vários
informantes; assim, era muitíssimo difícil estabelecer a extensão da rede de
espionagem.
Em Israel, a censura militar impôs um bloqueio total a qualquer
menção à prisão de Cohen. Os israelenses ainda tinham esperança de o
salvar e estavam determinados a impedir que as notícias sobre ele
chegassem à mídia local. Mas havia algumas pessoas que tinham o direito
de saber. Certo fimal de tarde, um estranho visitou os irmãos de Elie. “Seu
irmão foi preso em Damasco e acusado de espionagem para Israel”, disse o
homem. Os irmãos ficaram boquiabertos. Um deles, Maurice, correu para
casa da mãe em Bat Yam. “Mãe, tem de ser forte”, disse. “Elie foi preso na
Síria.”
A velhota ficou sem palavras. Finalmente, conseguiu falar. “Na
Síria?
Como? Atravessou a fronteira por engano?” Quando Maurice lhe
explicou o que Elie faziar em Damasco, a pobre senhora caiu prostrada.
Nadia ficou entre os três filhos, estupefata. Embora sempre tivesse
suspeitado de que o marido não lhe revelava tudo, nunca suspeitara do tipo
de trabalho em que ele estava envolvido. Os colegas de Elie tentaram
acalmá-la. “Vamos pôr a família imediatamente num avião para Paris”,
disse-lhe um deles. “Vamos contratar os melhores advogados. Vamos fazer
todo o possível para salvá-lo.” Meir Amit encarregou-se pessoalmente dos
esforços de salvamento de Cohen.
A 31 de janeiro, Jacques Mercier, um dos melhores advogados de
França, chegou a Damasco. Oficialmente, fora contratado pela família de
Cohen. Na verdade, era o Estado de Israel que lhe cobria as despesas.
Chegou à Síria com uma missão impossível. “Percebi desde o meu primeiro
dia em Damasco”, disse ele mais tarde, “que o destino de Elie Cohen estava
traçado.
Seria enforcado. Agora, tudo o que eu podia fazer era ganhar tempo
e pensar num acordo que lhe salvasse a vida.”
A princípio, Mercier tentou evitar o julgamento. Reuniu-se com
líderes do regime e pediu que lhe fosse permitido ver Cohen, para que este
assinasse a sua nomeação como advogado.
O seu pedido foi categoricamente rejeitado.
Porém, Mercier depressa descobriu que tinha alguns aliados em
certos círculos governamentais que tratavam a opinião pública mundial com
respeito. Queriam um julgamento em que os direitos do acusado fossem
protegidos. Eram apoiados — por razões totalmente diferentes —
pelos “falcões” do sistema militar, inimigos confessos de Hafez, que
queriam expor em pleno tribunal os laços próximos entre o presidente e
Tabet. Aquele julgamento, achavam eles, tornaria pública a corrupção do
regime e minaria a sua posição.
Esta abordagem, porém, era ferozmente combatida por outro grupo
— todos aqueles que haviam mantido laços pessoais com Tabet. Sabiam
que um julgamento público podia mandá-los, também a eles, para a forca. A
fação tinha um único objetivo: evitar um julgamento público a todo o custo
e eliminar Cohen tão depressa quanto possível.
O julgamento acabou por se realizar perante um tribunal militar
especial, à porta fechada, frente a uma sala vazia; só algumas porções,
devidamente selecionadas, foram transmitidas pela televisão estatal. Não
houve advogados de acusação nem de defesa. Quando Cohen pediu ao
tribunal um advogado de defesa, o juiz-presidente explodiu: “Não precisa
de um defensor. Toda a imprensa corrupta está do seu lado e todos os
inimigos da revolução são seus defensores.” O juiz-presidente avocou-se as
funções de interrogador, advogado de acusação e juiz. Mas o pior foi a
identidade do juiz — era o general-brigadeiro Salah Dali, antigo bom amigo
de Tabet. O coronel Salim Hatum, outro amigo próximo, mesmo íntimo, de
Tabet estava entre os juizes.
Para refutar qualquer rumor das suas ligações com Cohen,
perguntou-lhe: “Conhece Salim Hatum?” E o acusado, como ator que segue
um roteiro pormenorizado, virou-se para a sala de tribunal vazia, depois
fitou Hatum nos olhos e respondeu: “Não, não o vejo nesta sala.”
Essa parte passou na televisão. “Toda a cidade de Damasco riu com
este episódio”, disse Mercier. “Aquilo não foi um julgamento. Foi uma
tragicomédia, um circo.”
As câmeras de televisão mostraram os codefensores de Elie Cohen:
El-Ard, Al-Din, Seif, algumas prostitutas. Mas quem eram as outras
mulheres? Esposas de altos cargos? “Secretárias”? Amigas de Tabet e dos
líderes do Ba’ath? E que segredos tinha Cohen comunicado a seus contatos
israelenses? Era acusado de espionagem, mas ao longo do julgamento nem
uma palavra foi dita sobre as coisas que fez nem o conteúdo das suas
transmissões. A única coisa que as câmeras não puderam dissimular foi o
tremor nervoso de um músculo na maçã esquerda do rosto de Cohen, e uma
contínua e acentuada inclinação da cabeça. Ambas resultavam da tortura
com eletrodos inseridos no corpo e na cabeça.
Israel acompanhou o julgamento em silêncio. Todas as noites, a
família de Elie reunia-se em frente ao televisor que o Mossad lhes
emprestara. As crianças, Nadia, os irmãos choravam baixinho quando viam
o rosto de Elie na tela. A mãe, num impulso, beijou a tela e encostou no
rosto de Elie a pequena estrela de David que trazia pendurada no peito.
Sophie exclamou: “É meu pai! É um herói!” Nadia chorou em silêncio.
Em Damasco, Mercier acordava no meio da noite, encharcado em
suor frio e atormentado por pesadelos horríveis. A sua impotência
deprimiu-o profundamente. A 31 de março, o Tribunal Militar publicou o
veredito: Elie Cohen, Majeed Sheikh El-Ard e o tenente Zaher Al-Din
foram condenados à morte.
Mercier fez um novo esforço. Nos meses de abril e maio de 1965,
visitou Damasco três vezes. Na mala, levou ofertas substanciais de Israel. A
primeira foi um acordo: Israel estava pronta a entregar à Síria
medicamentos e equipamento de agricultura pesado, avaliado em milhões
de dólares, pela vida de Cohen. Os sírios rejeitaram a oferta. Israel fez
outra: enviar para o vizinho os 11 espiões sírios que tinham sido capturados
e presos em Israel.
Os sírios também rejeitaram essa oferta, mas deram a entender que o
perdão presidencial não estava fora de questão.
Em 1º de maio, a sentença de El-Ard foi alterada para prisão
perpétua. Em 8 de maio, a sentença de Elie Cohen foi oficialmente
publicada. O Mossad fez um último esforço. Em Paris, Nadia Cohen
apresentou um pedido de clemência à embaixada síria. Chegaram outros
pedidos do resto do mundo.
Vinham assinados por figuras mundialmente famosas, como o papa
Paulo VI, o filósofo britânico Bertrand Russell, homens de Estado como o
francês Edgar Fauré e Antoine Pinay, a rainha-mãe Elisabeth da Bélgica e o
político belga Camille Huysmans, o canadense John Diefenbaker, cardeais e
ministros italianos, 22 membros do Parlamento britânico, a Liga dos
Direitos Humanos, a Cruz Vermelha Internacional... Se tivesse sabido deles,
Elie ter-se-ia recordado dos pedidos similares que tentaram em vão salvar
as vidas dos seus amigos no Cairo, 11 anos antes.
Em 18 de maio, no meio da noite, Elie Cohen foi acordado pelos
carcereiros. Vestiram-lhe uma túnica branca comprida e levaram-no para o
mercado de Damasco. Deixaram-no escrever uma carta à família e trocar
algumas palavras com Nissim Andabo, rabino de Damasco. Em seguida, os
soldados sírios prenderam-lhe ao peito um cartaz enorme em que sua
sentença estava escrita em grandes letras árabes. As câmeras de TV e os
jornais concentraram-se no homem solitário que subiu as escadas para a
forca entre duas fileiras de soldados armados.
O carrasco estava à espera e passou rapidamente o laço em volta do
pescoço de Elie. Depois, fez o condenado subir num banco rasteiro.
Elie olhou a multidão, em silêncio, resignado, mas não derrotado. A
multidão susteve a respiração. Ouviu-se distintamente o baque quando o
banco foi puxado debaixo dos pés do condenado; homens e mulheres
gritaram de prazer ao ver os espasmos do espião israelense.
Grandes multidões de damascenos, misteriosamente acordados às
primeiras horas da manhã, passaram pela forca nas seis horas seguintes para
ver o corpo. Em Israel, o pesado véu de silêncio foi levantado de um
momento para o outro. Em poucas horas, Elie Cohen transformou-se em
herói nacional. Centenas de milhares de pessoas partilharam o pesar da
família. Escolas, ruas e parques receberam o nome dele. Artigos e livros
descreveram seus feitos. Nadia não voltou a se casar.
Até hoje, 46 anos depois da morte de Elie Cohen, a Síria recusa-se a
devolver o cadáver para que seja enterrado em Israel. Elie Cohen é
considerado um dos heróis do Mossad. Mas muitos apontam um dedo
acusador à organização. A sua família e vários autores defendem que o
Mossad usou Elie com extrema imprudência, ao fazê-lo difundir os seus
relatórios todos os dias, por vezes duas vezes por dia; o Mossad chegou a
ordenar-lhe que transmitisse regularmente os debates do Parlamento sírio,
muito embora a sua importância fosse quase nula. Foi uma tarefa
irrelevante que fez Elie correr riscos desnecessários.
Elie Cohen foi um grande espião; e o seu fim foi o fim de todos os
grandes espiões.
A sua confiança excessiva e as exigências imprudentes dos seus
responsáveis conduziram-nos à morte.
10. “QUERO UM MiG-21 ”

Meir Amit, o sucessor de Isser Harel, era um homem especial. Era


firme, decidido, por vezes franco e queixoso, mas também afável,
charmoso, soldado entre os seus soldados e homem de muitos amigos.
Moshe Dayan disse-nos: “Foi o único amigo que alguma vez tive.”
A história de vida de Meir Amit simbolizou a mudança na liderança
do Mossad. Isser Harel nasceu na Rússia e pertenceu à geração pioneira; já
Meir Amit, sabra (nascido em Israel), foi o primeiro de uma longa linha de
generais israelenses que lutaram nas guerras de Israel e entraram no Mossad
após muitos anos de uniforme. Isser pertencia à geração discreta, de poucas
palavras, envolta numa sombra de anonimidade, conspiração e ocultação.
Meir Amit era um homem do Exército, com muitos amigos e colegas
que sabiam o que ele fazia. A vida nas sombras não era para ele. E embora
o Pequeno Isser tivesse carisma e uma aura de mistério a seu favor, Amit e
os seus sucessores tinham a franqueza e a autoridade brutais que o posto e o
uniforme lhes deram.
Nascido em Tiberiades, criado em Jerusalém, e finalmente membro
do kibbutz Alonim, Meir passara a maior parte da vida de uniforme.
Membro do Haganah desde os 16 anos, e comandante de batalhão quando
as Forças Armadas israelenses nasceram, fora ferido na Guerra da
Independência de Israel e depois fizera uma brilhante carreira no Exército.
Comandante da brigada de elite Golani, chefe de operações durante a
Campanha do Sinai, chefe do Comando do Sul e, a seguir, do Comando
Central, Meir estava certamente a caminho de se tornar chefe do Estado-
Maior; mas um malfadado salto de paraquedas imobilizou-o durante um
ano numa cama de hospital. Parcialmente recuperado, após uma longa
convalescença e alguns estudos na Universidade de Columbia, foi nomeado
diretor da Aman. E foi lá que Ben-Gurion o apanhou naquela dramática
tarde de abril de 1963, quando precisou de um substituto para o Pequeno
Isser.
Os primeiros passos de Meir no Mossad não foram fáceis. Muitos
dos colegas de Isser Harel, como Yaacov Caroz, não suportavam os modos
abruptos e a autoconfiança de Meir. Alguns demitiram-se imediatamente,
outros demoraram mais tempo. Sob a liderança de Amit, iniciou-se uma
mudança de guarda. Mas o tumulto interno contra o novo ramsad não foi
nada comparado com o que o Pequeno Isser lhe fez.
No final da primavera de 1963, Ben-Gurion demitiu-se do Governo e
foi substituído, enquanto primeiro-ministro e ministro da Defesa, por Levi
Eshkol, seu aliado próximo. Eshkol lançou várias iniciativas que
enfureceram o seu predecessor. Uma foi a nomeação do Pequeno Isser
como seu conselheiro para os assuntos de serviços secretos. O Pequeno
Isser estava amargurado e desapontado desde o seu afastamento do Mossad.
E, quando ouviu que Meir Amit fizera um favor invulgar aos marroquinos,
atacou o adversário sem dó nem piedade.
O Mossad de Meir Amit estabelecera relações muito próximas com o
reino de Marrocos.
A aproximação com Marrocos tinha começado ainda durante o
mandato de Isser. As primeiras ligações com os marroquinos tinham sido
feitas por Yaacov Caroz e Rafi Eitan. No inverno de 1963, Isser disse a
Eitan, na mais estrita confidência: “O rei de Marrocos, Hassan II, receia que
o presidente Nasser do Egito planeie assassiná-lo, por causa das políticas
pró-ocidentais dele. Quer que o Mossad se encarregue da sua segurança
pessoal.”
A história parecia fantasiosa. Um rei árabe pede ajuda aos serviços
secretos israelenses? Rafi Eitan, o eterno prático, e outro agente, David
Shomron, apanharam imediatamente um voo para Rabat, a capital
marroquina, com passaportes falsos; foram conduzidos por uma entrada
secreta no palácio do rei. Recebeu-os o formidável general Oufkir, ministro
do Interior do rei, cujo simples nome fazia as pessoas tremer. Oufkir era
conhecido pela sua crueldade, uso de tortura contra os inimigos do rei e por
ser responsável pelo estranho desaparecimento de muitos oponentes do
regime. Contudo, era o conselheiro mais valorizado pelo rei em matéria de
serviços secretos, e qualquer acordo entre Israel e Marrocos precisava de
obter a sua aprovação. Recebeu Eitan com o seu adjunto, o coronel Dlimi.
Eitan e Oufkir chegaram a acordo ali mesmo: o Mossad e os serviços
secretos marroquinos estabeleceriam ligações próximas e escritórios
permanentes em ambos os países; o Mossad treinaria os serviços secretos
marroquinos e Marrocos daria aos agentes do Mossad uma cobertura
infalível em todo o mundo; criar-se-ia um corpo especial de obtenção de
informações secretas conjuntas; o Mossad também formaria a unidade
especial encarregue da segurança do rei. O acordo foi selado com uma
visita ao rei; Eitan fez uma vênia desajeitada e beijou-lhe a mão — e o
Mossad ganhou o primeiro aliado no mundo árabe.
Duas semanas depois, Oufkir estava em Israel. O general, habituado
a palácios sumptuosos e hotéis finos, passou a sua longa visita no pequeno
apartamento de três assoalhadas de Eitan, num bairro modesto de Tel Aviv.
Eitan conseguiu, pelo menos, a ajuda de Philip, o lendário chef do
Mossad, para alimentar o seu convidado marroquino. Oufkir foi e veio
várias vezes, e as relações dos dois serviços melhoraram. Em 1965, Oufkir
pediu a Meir Amit um favor especial.
O maior líder da oposição e mais perigoso inimigo do rei era um
marroquino chamado Mehdi Ben-Barka. Depois de ser acusado de
conspirar contra o rei, Ben-Barka exilara-se, mas continuou as atividades
subversivas dos seus esconderijos. Condenado à morte in absentia, Ben-
Barka sabia que a sua vida corria perigo, pelo que operava com precaução
extrema e os homens de Oufkir tinham sido incapazes de o encontrar. Será
que o Mossad podia ajudar?
Os homens de Amit ajudaram realmente. Sob um pretexto
engenhoso, estabeleceram contato com Ben-Barka na Suíça e convenceram-
no a ir a Paris para uma reunião importante. À porta do famoso restaurante
Brasserie Lipp, na Rive Gaúche, foi detido por dois polícias franceses que
— soube-se mais tarde — constavam da lista de pagamentos de Oufkir.
Ben-Barka foi entregue a Oufkir e desapareceu, mas uma testemunha
afirmou ter visto Oufkir apunhalá-lo até a morte. Foi o próprio Meir Amit
que informou o primeiro-ministro Eshkol: “O homem está morto.”
Em França, o desaparecimento de Ben-Barka originou um escândalo
político inaudito. O presidente De Gaulle ficou possesso de raiva, e, na sua
fúria, não poupou Israel, quando soube do seu papel no sequestro. Isser
Harel ficou estarrecido. Como é que o Mossad podia participar num caso
daqueles?
Como é que Amid podia desempenhar um papel numa operação
criminosa e imoral — e pôr em perigo a aliança próxima que Israel tinha
com a França?
Pediu a Eshkol que despedisse imediatamente Amit. Eshkol hesitou,
mas depois nomeou duas comissões de inquérito, que não encontraram
bases para a tomada de medidas contra Amit. Afinal de contas, Amit atraíra
Ben-Barka até Paris, mas não participara no sequestro e assassinato. O
Pequeno Isser demitiu-se e exigiu a demissão imediata tanto de Eshkol
como de Amit. Tentou lançar uma campanha na imprensa, mas a censura
militar proibiu estritamente qualquer menção ao caso.
Isser continuou teimosamente a lutar contra Amit. Porém, o ramsad
já estava envolvido noutra operação de importância crucial na defesa de
Israel.
Tratava-se da aliança secreta que os seus homens tinham forjado
com os curdos no Iraque.
“No final de 1965”, escreveu Amit nas suas memórias, “o nosso
sonho começou a tomar-se realidade. O incrível aconteceu. Uma delegação
oficial israelense estabeleceu-se no campo do mulá Mustafa Barzani [líder
dos rebeldes curdos no Norte do Iraque].”
A chegada de agentes do Mossad ao Curdistão foi considerada uma
tremenda vitória dos serviços de informações israelenses. Pela primeira vez,
estabeleceu-se contato com um dos três componentes da nação iraquiana —
os curdos, que travavam uma guerra obstinada e interminável contra o
Governo de Bagdá. (Os outros dois componentes eram os muçulmanos
xiitas e sunitas.) Os rebeldes, liderados por Barzani, controlavam uma
grande
área dentro do Iraque. Se o Mossad conseguisse transformar os
rebeldes curdos numa força militar forte, os líderes iraquianos seriam
forçados a concentrar esforços nos problemas internos e a sua capacidade
de combater Israel diminuiria. A aliança com os curdos podia tornar-se uma
verdadeira bonança para Israel.
Os primeiros dois agentes do Mossad passaram três meses no
Curdistão.
Barzani incluiu-os no seu círculo íntimo, levava-os onde quer que
fosse, e contava-lhes todos os seus segredos. Esse primeiro encontro lançou
as bases de uma cooperação próxima que duraria muitos anos. Barzani e os
chefes militares curdos visitaram Israel; Meir Amit e os seus adjuntos foram
ao Curdistão; Israel forneceu armas aos curdos e defendeu os interesses
deles em fóruns internacionais.
Beni Ze’evi, o agente superior israelense que foi o primeiro a visitar
o Curdistão, deixara a mulher Galila em Londres, grávida. O filho Nadav
nasceu quando o pai seguia Barzani nas montanhas acidentadas do
Curdistão.
Ze’evi recebeu um telegrama codificado. Vinha assinado “Rimon”
— nome de código de Meir Amit — e dizia:

“Mãe e filho estão de excelente saúde.


Mazal Tov!”

Quando soube do nascimento do bebé, Barzani pegou em quatro


pedras e marcou um pedaço de terra com elas. “Este é o meu presente para
o seu filho”, disse a Ze’evi. “Quando ele crescer, pode vir ao nosso país e
reivindicar seu pedaço de terra.”
E enquanto as suas relações com os curdos se desenvolviam, Meir
Amit começou a planejar outra grande operação do Mossad, nome de
código “Yahalom” (Diamante), a operação de que provavelmente mais se
orgulhou.
No ano que precedeu a morte de Amit, nós o encontramos várias
vezes em sua casa de Ramat-Gan. “A história começou numa das minhas
reuniões com o general Ezer Weizmann, que na época era comandante da
Força Aérea”, começou a contar. “Tomávamos café de duas em duas ou três
em três semanas. Numa dessas reuniões, perguntei a Ezer o que podia fazer
por ele enquanto ramsad. Ele respondeu imediatamente: “Meir, quero um
MiG-21.” Eu disse: “Enlouqueceu? Nem no mundo ocidental há um avião
desses.”
O MiG-21 era o mais sofisticado dos caças soviéticos na época. Os
russos forneceram muitos aos Estados árabes.
Mas Ezer não vacilou: “Precisamos de um MiG-21, e você não
deveria poupar esforços para nos conseguir um.”
Amit decidiu confiar a operação a Rehavia Vardi, um oficial de
operações veterano que já antes tentara arranjar um MiG-21 no Egito ou na
Síria.
“Passamos muitos meses a trabalhar nesta operação”, disse Vardi
anos mais tarde. “O nosso principal problema foi como transformar a ideia
numa operação.”
Vardi espalhou “antenas” por todo o mundo árabe. Passadas muitas
semanas, recebeu uma informação de Yaacov Nimrodi, adido militar de
Israel no Irã. Nimrodi escreveu-lhe sobre um judeu iraquiano chamado
Yossef Shemesh, que dizia conhecer um piloto que podia levar um MiG-21
para Israel. Shemesh era solteiro, inteligente, mulherengo e bon vivant, e
tinha uma capacidade misteriosa de fazer amizades e levar as pessoas a
confiar nele. “Tinha lábia e conseguia ser muito persuasivo”, disse Nimrodi.
“Recrutou o piloto da maneira mais profissional que se imagine.
Trabalhou nele durante um ano. Só ele conseguia fazer uma coisa dessas,
mais ninguém.” Nimrodi decidiu testar Shemesh. Ordenou-lhe que fizesse
algumas operações de espionagem secundárias. Shemesh passou o teste
com distinção, obtendo excelentes informações secretas. Depois, Nimrodi
deu-lhe luz verde para lançar a operação.
Em Bagdá, Shemesh tinha uma amante cristã. Camille, a irmã dela,
era casada com Munir Redfa, piloto da Força Aérea iraquiana e também
cristão.
Shemesh sabia que Redfa se sentia frustrado e amargurado; pese
embora fosse um excelente piloto de MiG-21, não era promovido de posto.
Além disso, tinha ordens de pilotar um MiG-17 antiquado para cumprir
uma missão repugnante: o bombardeamento de aldeias curdas. Redfa
encarava-o como uma humilhação e uma despromoção. Queixou-se aos
seus superiores, que lhe deram a entender que, por ser cristão, nunca seria
promovido nem se tornaria chefe de esquadrão. Redfa era um homem muito
ambicioso e, portanto, concluiu que deixara de fazer sentido viver no
Iraque.
Durante quase um ano, Shemesh manteve longas conversas com o
jovem piloto, até finalmente o convencer a fazer uma curta viagem a
Atenas.
Usando toda a sua eloquência e poder de persuasão, Shemesh
explicou às autoridades iraquianas que Camille, a mulher de Redfa, sofria
de uma doença grave e que a única maneira de a salvar era levá-la para ser
examinada por médicos ocidentais. Ela tinha de ir imediatamente à Grécia,
disse ele, e pediu que fosse dada ao marido autorização para a acompanhar,
uma vez que era a única pessoa da família que falava inglês.
As autoridades capitularam, e Munir Redfa recebeu autorização para
viajar com a mulher para Atenas. Foram recebidos por outro piloto —
coronel Ze’ev Liron (Londner), oficial da Força Aérea israelense. Liron
nascera na Polônia, sobrevivera ao Holocausto e era chefe de informações
da Força Aérea. O Mossad pedira a sua ajuda no caso de Redfa. Liron e
Redfa encontraram-se várias vezes. Liron fingiu ser um piloto polonês a
trabalhar para uma organização anticomunista. Munir Redfa falou-lhe da
família, da vida no Iraque e da sua profunda decepção com os seus
superiores, por lhe terem ordenado o bombardeamento de aldeias curdas.
Todos os homens curdos capazes estavam fora, a combater, disse ele, e nas
aldeias restavam apenas mulheres, crianças e idosos. Eram pessoas assim
que tinha de matar?
Fora a gota de água que o levara a tomar a sua decisão final: sairia
de vez do Iraque.
Seguindo ordens do Mossad, Liron convidou Munir a juntar-se-lhe
numa pequena ilha grega. O Mossad deu a Redfa um nome de código:
“Yahalom”
(Diamante). Na atmosfera serena e tranquila da ilha, os dois homens
continuaram a conversar e tomaram-se bons amigos. Certo final de
noite, Liron perguntou a Redfa o que aconteceria se ele saísse do Iraque
com seu avião.
“Me matariam”, disse Redfa. “Além disso, nenhum país me daria
asilo.”
“Há um país que o receberá de braços abertos”, disse Liron, e
revelou a verdade a seu perplexo amigo: “Não sou um piloto polonês, mas
israelense.”
Longo silêncio.
“Vamos falar sobre isso amanhã”, disse Liron, e despediram-se até o
dia seguinte. De manhã, Redfa disse a Liron que decidira aceitar a oferta.
Os dois começaram então a discutir as condições da deserção de Redfa e a
quantia de dinheiro que receberia.
Redfa foi muito modesto. “Meir Amit disse que oferecesse a Redfa
uma certa quantia”, disse Liron mais tarde, “e que a duplicasse se
necessário. Mas Redfa aceitou imediatamente minha oferta inicial.
Concordamos que a família se reuniria a ele em Israel.”
Da ilha grega, viajaram para Roma. Shemesh e a amante chegaram
de Bagdá. Poucos dias depois, chegou Yehuda Porat, agente do serviço de
informações da Força Aérea, que começou a dar todas as informações a
Redfa.
“Era educado, muito gentil, um homem de honra”, recorda Porat.
“Corajoso, pouco falador; não tinha as inibições que se poderiam
esperar de um homem naquela situação.”
Em Roma, Liron e Redfa discutiram métodos de comunicação.
Concordou-se que, quando Redfa ouvisse na rádio Kol Israel a
popular canção árabe “Marhabtein Marhabtein”, ela seria o sinal para que
se pusesse a caminho. O que Redfa, contudo, não sabia era que, enquanto se
reunia com os seus contatos em vários cafés de Roma, estava a ser
observado pelas chefias do Mossad.
“Decidi”, contou-nos Meir Amit, “dar eu próprio uma olhadela ao
piloto antes de a operação entrar na fase final. Apanhei o avião para Roma e
fui ao café onde o piloto iraquiano e os meus homens se encontrariam.
Sentei-me numa mesa próxima e esperei. Depois, entraram muitas pessoas
no café. O sujeito deixou boa impressão, fiz sinal ao nosso homem sentado
ao lado dele de que estava tudo bem, e fui embora.”
Durante o nosso encontro, Amit insistiu em ler uma passagem do seu
livro De Frente, em que descreve o grupo que entrou no café em Roma: “O
pinga-amor judeu (Shemesh), de chinelos por causa de uma ferida no pé, a
amante dele, uma senhora gorda e quase feia (não percebi o que ele via
nela), e o Diamante (nome de código de Munir), um homem baixo, robusto,
de ombros largos e cara séria. Não sabiam que estavam sendo testados.”
Só quando se convenceu de poder confiar no Diamante é que Amit
deu a Rehavia Vardi a ordem de prosseguir para a fase seguinte — dar
instruções ao piloto iraquiano em Israel. Liron e Redfa voltaram a Atenas,
para apanhar um voo para Tel Aviv. Porém, um equívoco no aeroporto de
Atenas quase estragou a operação. Por engano, Redfa entrou num voo para
o Cairo, em vez de Tel Aviv. Só quando embarcou no voo da El Al é que
Liron descobriu que Redfa tinha desaparecido.
“Fiquei desesperado”, descreveu Liron mais tarde. “Convenci-me de
que estava tudo perdido. Mas, após alguns minutos, Munir apareceu a meu
lado. As aeromoças do voo para o Cairo contavam sempre os passageiros,
descobriram que havia um a mais, verificaram as passagens e mandaram
Munir para o voo de Tel Aviv.”
Redfa passou 24 horas em Israel. Foi informado de tudo e chegou a
ensaiar o itinerário do voo para Israel. Nas instalações do Mossad,
ensinaram-lhe um código secreto; os seus novos amigos levaram-no depois
a dar um passeio na Rua Allenby, uma das principais artérias de Tel Aviv e,
ao princípio da noite, convidaram-no para um restaurante fino em Jaffa,
“para que se sentisse em casa”.
Redfa regressou a Atenas, trocou de avião e aterrissou em Bagdá,
preparado para a fase final.
Porém... “naquele momento, quase tive um ataque cardíaco”,
relembrou Amit. “Uns dias antes da deserção, o piloto iraquiano decidiu
vender a mobília de casa. Agora, imaginam o significado de uma súbita
venda de garagem de um piloto de caças. Morrí de medo de que o
Mukhabarat [serviço de segurança] iraquiano descobrisse e interrogasse
Redfa, o prendesse e a operação falhasse completamente. Graças a Deus,
Mukhabarat não soube de nada, e a estúpida venda dos bens daquele sovina
não conduziu à prisão dele...”
Depois, houve outro problema: como tirar a família do piloto do
Iraque, primeiro para a Inglaterra e depois para os Estados Unidos? Redfa
tinha irmãs e cunhados que era preciso retirar antes do dia do voo. Quanto à
sua família imediata, fora acordado que pegaria um avião para Israel. A
mulher de Redfa não sabia absolutamente nada sobre aquilo, pois ele tinha
medo de contar a verdade. Só contou que iam para a Europa, para uma
longa estada. Ela pegou um avião, com os dois filhos, para Amsterdã, e o
pessoal do Mossad que os esperava lá levou-os para Paris, onde Liron os
recebeu. Ela continuava sem saber que pessoas eram aquelas.
“Ficaram num apartamento pequeno com uma cama de casal”,
recordou Liron. “Sentamos nessa cama e, ali mesmo, na noite da véspera do
voo para Israel, revelei que era funcionário do Governo israelense, e que o
marido dela ia aterrissar em Israel no dia seguinte e que nós também íamos
para lá.”
A reação dela foi terrível. “Chorou e gritou toda a noite”, contou
Liron aos superiores. “Disse que o marido era um traidor; que aquilo era
traição ao Iraque, que os irmãos dela matariam Munir quando descobrissem
o que ele tinha feito.
“Quis ir imediatamente à embaixada iraquiana e contar o que o
marido tencionava fazer. Não parou de gritar e chorar a noite inteira. Tentei
acalmá-la; disse que se quisesse vê-lo novamente teria que vir para Israel
comigo.
Ela percebeu que não tinha outra saída. Entrou no avião de olhos
inchados e com um filho doente, e fomos para Israel.”
Em 17 de julho de 1966, uma das células do Mossad na Europa
recebeu uma carta encriptada de Munir informando que a fuga era iminente.
Em 14 de agosto, levantou voo, mas uma avaria no sistema elétrico do
avião obrigou-o a voltar e aterrissar na base aérea de Rashid. “Mais tarde”,
disse Amit, “descobriu que não era nada grave. A cabine encheu-se
subitamente de fumaça por causa de um fusível queimado; se ele
continuasse o voo, teria chegado sem problemas, mas não queria correr
risco e voltou à base, ganhando mais uns cabelos brancos...”
Dois dias depois, Munir Redfa levantou novamente voo. Cingiu-se à
rota planejada, até que apareceu naos telas dos radares israelenses um
pontinho que indicava aproximação de um avião estranho no espaço aéreo
do país. O novo comandante da Força Aérea, general Mordechai (Motti)
Hod, partilhara o segredo com apenas um par de pilotos, que iam escoltar o
avião iraquiano até a base. A todas as outras unidades, pilotos, esquadrões e
bases da Força Aérea Hod deu uma ordem: “Hoje, vocês não fazem nada,
mas absolutamente nada, sem uma ordem verbal minha. E todos conhecem
a minha voz.” Hod não queria que um piloto excessivamente zeloso
abatesse a “aeronave inimiga” que violasse a soberania de Israel.
O MiG-21 penetrou no espaço aéreo israelense. Ran Pecker, um dos
ases da Força Aérea, fora escolhido para escoltar Redfa. “O nosso
convidado está desacelerando”, transmitiu Ran à torre de controle da Força
Aérea. “Fez-me sinal com o polegar que quer aterrissar; e também balançou
as asas, que é o código internacional indicador de que se vem em paz.” Às
oito da manhã, 65 minutos depois de levantar voo de Bagdá, Redfa
aterrissou na base da Força Aérea de Hatzor, em Israel.
Um ano depois do início da operação, e dez meses antes da Guerra
dos Seis Dias de 1967, a Força Aérea recebeu seu MiG-21. Os dois caças
Mirage que o escoltaram desde a fronteira aterrissaram com ele. Meir Amit
e seus homens tinham conseguido o impossível. O MiG-21, nesse tempo
considerado a joia da coroa do arsenal soviético e encarado como a
principal ameaça às forças aéreas ocidentais, estava nas mãos de Israel.
Depois de aterrissar, ainda perplexo e confuso, Munir foi levado para
casa do comandante da base de Hatzor. Vários oficiais superiores
organizaram uma festa, numa desconsideração indesculpável dos
sentimentos do homem.
“Munir ficou surpreendido e, a princípio, sentiu que tinha entrado
inadvertidamente na festa de casamento de alguém”, recordou Meir Amit.
“Sentou-se a um canto e manteve-se em silêncio.”
Após um curto descanso, quando lhe foi assegurado de que a mulher
e os filhos já estavam num avião da El Al a caminho de Israel, Munir Redfa
foi levado para uma conferência de imprensa. Na sua declaração, falou
sobre a perseguição aos cristãos no Iraque, os bombardeamentos dos curdos
e as razões por que desertara.
Após a conferência de imprensa, Munir foi levado para Herzliya,
uma cidade banhada pelo oceano, a norte de Tel Aviv, para se juntar à
família.
“Fizemos o que pudemos por acalmá-lo, encorajá-lo e elogiá-lo pela
operação”, escreveu Meir Amit. “Prometi-lhe fazer tudo o que estivesse ao
meu alcance para ajudá-lo a ele e à família a recuperar, mas receei a fase
seguinte, pois sabíamos que a família do Munir era muito problemática.”
Poucos dias depois de Munir aterrissar o seu MiG em Hatzor, o
irmão da sua mulher — oficial do Exército iraquiano — chegou a Israel.
Vinha acompanhado por Shemesh e a sua amante Camille. O oficial estava
louco de raiva. Haviam-lhe dito que tinha de visitar urgentemente a irmã,
que estava muito doente na Europa, e, para seu espanto, fora levado para
Israel. Quando se encontrou com Munir, perdeu as estribeiras, chamou-lhe
traidor, lançou-se a ele e tentou esmurrá-lo. Também acusou a irmã de ter
estado ao corrente dos planos do marido, o que a tornava cúmplice de um
crime inqualificável.
Ela negou as acusações, mas em vão. Poucos dias depois, o irmão
deixou Israel.
A primeira pessoa a pilotar o MiG foi Danny Shapira, um famoso
piloto da Força Aérea e o melhor piloto de teste de Israel. Motti Hod
convocou-o no dia seguinte à aterragem do avião e disse-lhe: “Vais ser o
primeiro piloto ocidental a voar um MiG-21. Começa a estudar o avião, voa
com ele tanto quanto puderes e aprende as suas capacidades e fraquezas.”
Shapira encontrou-se com Munir. “Falamos em Herzliya uns dias
depois de ele chegar”, disse Danny Shapira. “Quando nos apresentaram, ele
parece que despertou. Encontrámo-nos depois em Hatzor, junto ao avião.
Mostrou-me os botões, revimos as etiquetas, que estavam todas em russo e
árabe, e, passado uma hora, eu disse-lhe que ia pilotar o avião. Ele ficou
espantado.
Disse: “Mas não fez nenhuma formação!” Expliquei que era piloto
de teste.
Ele pareceu-me muito preocupado e pediu para estar no avião
quando eu levantasse voo. Prometi-lhe que assim seria.”
Todas as altas patentes da Força Aérea foram a Hatzor ver o voo
inaugural. Ezer Weizmann, até muito recentemente comandante da Força
Aérea, também lá foi. “O Ezer chegou-se ao pé de mim, bateu-me no
ombro, e disse: “Danny, nada de acrobacias, traz o avião de volta, está
bem?” O Redfa também lá estava. Eu levantei voo, fiz o que tinha a fazer, e
depois de aterrissar, ele veio para mim e abraçou-me. Tinha lágrimas nos
olhos: “Com pilotos como você”, disse ele, “os árabes nunca vencerão”.”
Ao cabo de alguns voos de teste, os especialistas da Força Aérea
perceberam porque é que o Ocidente tinha em tão alta consideração o MiG
— 21. Voava muito alto e muito depressa. Pesava menos uma tonelada do
que os Mirages III franceses e israelenses.
A operação do MiG-21 chegou às primeiras páginas da imprensa
mundial.
Os americanos ficaram boquiabertos. Não tardaram a enviar para
Israel uma delegação de técnicos e pedir para estudar o avião. Israel,
contudo, recusou-se a deixá-los aproximar-se do aparelho antes de os
Estados Unidos partilharem com o país o que sabiam sobre o SAM-2, o
novo míssil antiaéreo dos soviéticos. Os americanos acabaram por
concordar e enviaram para Israel pilotos americanos, que inspecionaram e
pilotaram o MiG-21.
Aprender os segredos do MiG-21 foi uma ajuda tremenda para a
Força Aérea israelense e essencial para preparar o confronto com os MiG
que acabou por acontecer passados 10 meses, na Guerra dos Seis Dias de
junho de 1967.
“Aquele MiG desempenhou um importante papel na vitória da Força
Aérea israelense sobre as forças aéreas árabes, e em particular na destruição
da Força Aérea egípcia em poucas horas”, declarou Amit, orgulhosamente.
O Mossad e a Força Aérea israelense tinham efetivamente alcançado
uma tremenda vitória, mas quem pagou o preço foi Munir Redfa e a sua
família.
“Após a chegada, o Munir teve uma vida muito dura, miserável e
triste”, disse um alto funcionário do Mossad. “Construir uma vida nova para
um agente [fora do seu país] é uma missão quase impossível. O Munir senti
-se frustrado, mas a família dele também sofreu. A família ficou
destroçada.”
Durante três anos, Munir tentou fazer de Israel a sua casa, e chegou a
pilotar aviões Dakota das petrolíferas israelenses até o Sinai. A família
vivia em Tel Aviv; foi-lhes dada uma identidade falsa de refugiados
iranianos. Mas a mulher de Munir, católica devota, foi incapaz de fazer
amigos, sentiu-se isolada e não conseguiu adaptar-se à vida em Israel.
Acabaram por se mudar para um país ocidental, sob identidades falsas.
Mesmo lá, longe de casa e dos familiares, rodeados por agentes de
segurança locais, sentiam-se sozinhos e receavam o longo braço do
Mukhabarat iraquiano.
Em agosto de 1988, 22 anos após a deserção, Munir Redfa morreu
em casa, de um ataque cardíaco súbito. A mulher, chorosa, telefonou a Meir
Amit (que deixara o Mossad havia muito) e disse-lhe que, nessa manhã, o
marido descera do segundo andar da casa e, com o filho a seu lado, tinha
subitamente caído no átrio e morrido instantaneamente.
O Mossad organizou um serviço fúnebre para Munir Redfa. Os
agentes mais velhos não conseguiram reter as lágrimas. “Foi uma cena
surreal”, disse Liron. “O Mossad israelense a chorar um piloto iraquiano...”
Após o êxito da “Operação Diamante” e a subsequente e
surpreendente vitória na Guerra dos Seis Dias, Meir Amit viu uma
oportunidade de lançar outra operação. Pediu aos seus superiores que
exigissem a libertação dos prisioneiros do caso Lavon, no quadro de uma
troca de prisioneiros de guerra. Aqueles jovens estavam a apodrecer na
prisão há 13 anos, sem hipótese de perdão ou libertação antecipada. Israel
parecia tê-los esquecido.
Agora que a Guerra dos Seis Dias terminara, Israel estava a negociar
com o Egito. Afinal, Israel capturara 4.338 soldados egípcios e 830 civis —
enquanto o Egito capturara apenas 11 israelenses. Porém, os egípcios
recusaram-se firmemente a incluir os prisioneiros do caso Lavon no acordo.
Meir Amit não desistiu. “Esqueça, Meir”, disse Moshe Dayan, o
ministro da Defesa, ao seu amigo. “Os egípcios nunca vão libertá-los.”
Eshkol, o primeiro-ministro, tinha a mesma opinião. Mas Amit recusou-se
obstinadamente a desistir. Acabou por enviar nota pessoal ao presidente
Nasser, “de soldado para soldado”, e exigiu a libertação dos prisioneiros,
assim como a de Wolfgang Lutz, o Espião do Champanhe, que fora detido
durante o problema dos cientistas alemães.
Ao mesmo tempo, Amit negociou uma troca de prisioneiros de
guerra com os sírios. Também nessa negociação tinha um interesse pessoal:
pediu aos sírios que o ajudassem a libertar Shula Cohen da prisão libanesa.
Shula Cohen (nome de código “A Pérola”) era um dos espiões mais
lendários do Mossad. Simples dona de casa, tinha estabelecido relações
com altos cargos no Líbano e na Síria, organizado a emigração clandestina
de milhares de judeus sírios e libaneses, e dirigido uma rede de espionagem
altamente eficaz.
Para seu espanto, o pedido a Nasser deu certo e os sírios seguiram o
exemplo pouco tempo depois. Meir Amit venceu. Os prisioneiros do caso
Lavon, Lutz e Shula Cohen foram devolvidos clandestinamente a Israel.
Por vezes, as missões para trazer de para casa os filhos de uma nação
são as mais relevantes.
11. OS QUE JAMAIS ESQUECERÃO

No início de setembro de 1964, um homem careca, robusto, na casa


dos 40, de óculos de sol, chegou à estação ferroviária de Roterdão, na
Holanda, saído do expresso de Paris. Deu entrada no luxuoso Rheinhotel no
centro da cidade, com o nome de “Anton Künzle”, empresário austríaco. A
seguir, foi a um posto de correios próximo e alugou uma caixa postal com o
mesmo nome. Do posto de correios seguiu para o banco Amro, abriu uma
conta e depositou 3000 dólares americanos. Numa loja de cópias,
encomendou cartões de visita e papel timbrado em nome de Anton Künzle,
gestor de uma empresa de investimentos em Roterdão. Depois, dirigiu-se
apressadamente para o consulado brasileiro e preencheu formulários para
obter um visto de turismo para o Brasil. Numa clínica médica, fez exames
de rotina e recebeu um certificado médico acerca da sua saúde, depois
visitou o optometrista, fez batota durante o teste e mandou fazer óculos
graduados grossos, muito embora não precisasse deles para nada.
Na manhã seguinte, fez uma curta viagem a Zurique e abriu uma
conta no Credit Suisse, na qual depositou 6000 dólares. Depois, regressou a
Paris, onde um maquilhador lhe colou um bigode farfalhudo à cara; posou
para um fotógrafo com os seus novos óculos e este deu-lhe um conjunto de
fotografias de passaporte. Novamente em Roterdão, levou as fotos ao
funcionário que tratava dos vistos no consulado brasileiro, e o visto de
turista para o Brasil foi carimbado no seu passaporte austríaco. Agora,
podia comprar o bilhete de avião para o Rio de Janeiro, com voos de
ligação até São Paulo e Montevidéu, no Uruguai. Onde quer que fosse, o
verboso Künzle falava dos seus negócios prósperos na Áustria. As gorjetas
generosas que espalhou pelo caminho, a sua escolha dos melhores hotéis e
dos mais exclusivos restaurantes falavam por si — Künzle era,
efetivamente, um empresário rico e bem-sucedido.
Com estas ações aparentemente simples, o agente do Mossad
Yitzhak Sarid (nome fictício) construiu uma cobertura infalível. Algures
entre Paris, Roterdão e Zurique, Yitzhak Sarid evaporou-se sem deixar
rastro e emergiu no seu lugar um homem novo: Anton Künzle, um
empresário austríaco com morada em Roterdão, contas bancárias, cartões de
visita, um visto e uma passagem de avião para o Brasil.
Poucos dias antes, em 1º de setembro, Yitzhak Sarid fora convocado
para um encontro em Paris. Sarid era membro da equipe operacional do
Mossad, nome de código “Caesarea”. Num esconderijo na avenue de
Versailles, encontrou-se com o comandante da Caesarea, Yoske Yariv, um
homem robusto e musculoso admirado pelos seus subordinados. Yariv,
antigo oficial do Exército, substituíra Rafi Eitan na direção da equipe
operacional. Eitan fora nomeado diretor da célula europeia, com base em
Paris.
Yariv começou por dizer que, dentro de poucos meses, o Parlamento
da Alemanha Ocidental adotaria um estatuto de limitações no que
respeitava aos crimes de guerra, o que significava que os criminosos
nazistas — que até então viviam na clandestinidade — poderiam reemergir
dos esconderijos e retomar uma vida normal, como se nunca tivessem
cometido as suas atrocidades.
Yariv disse que muitos alemães queriam virar a página e deixar o
passado hediondo da Alemanha para trás das costas. Mesmo outras nações
que haviam sofrido às mãos dos alemães não estavam ansiosas por
continuar à procura de criminosos nazistas. Desde a captura de Eichmann,
havia quatro anos, a sensibilização para os crimes nazistas diminuíra, como
se o julgamento e a execução de Eichmann tivessem fechado um capítulo
na História mundial. Era imperativo, disse Yariv, garantir que o estatuto de
limitação dos crimes nazistas não fosse aprovado. O mundo tinha de ser
lembrado de que ainda havia monstros à solta.
“Deviamos matar um dos maiores criminosos nazistas”, disse Yariv a
Sarid.
Um agente do Mossad em missão na América do Sul descobrira-o.
O Carniceiro de Riga, um nazista letão culpado do massacre de 30.000
judeus, fora identificado com alto grau de segurança. Estava a viver no
Brasil sob o verdadeiro nome: Herberts Cukurs. O ramsad Meir Amit dera
luz verde à operação.
Yariv virou-se então para Sarid. E não apenas devido à sua folha de
serviço como agente inteligente e engenhoso que participara na operação de
Eichmann. Também sabia que Sarid nascera na Alemanha e que os pais
tinham morrido no Holocausto. Sarid fugira para a Palestina, mas jurara
lutar contra Hitler e fora um dos primeiros voluntários palestinos no
Exército Britânico durante a guerra. Yariv não tinha portanto de preocupar-
se com a motivação de Sarid.
“Quero que construas uma identidade como empresário austríaco”,
disse o comandante da Caesarea a Sarid. “A tua tarefa será ir ao Brasil,
encontrar o Cukurs e ganhar-lhe a confiança. Esse é o primeiro passo para a
execução dele.” Na reunião de informação pormenorizada que se seguiu,
Yariv deu a Sarid o seu novo nome: “Anton Künzle”.
Dez dias depois da reunião em Paris, Anton Künzle embarcou num
avião da Varig para o Rio de Janeiro. Estava entusiasmado mas, ao mesmo
tempo, perturbado pela sua missão. Nunca se encontrara numa situação
daquelas.
Tinha de operar, completamente sozinho, num país estrangeiro, e
tentar travar amizade com um monstro com sentidos apurados e que estava
pela certa à espera de que, um dia, alguém o tentasse matar. Künzle sabia
muito bem que um simples erro podia estragar toda a operação; um simples
passo em falso podia custar-lhe a vida.
Durante o voo, Künzle leu atentamente uma pasta volumosa com
documentos, testemunhos e recortes de imprensa sobre a história de
Herberts Cukurs. Este tornara-se famoso na década de 1930, como piloto
dotado e ousado que voara da Letônia para a Gâmbia, em África, num avião
pequeno que construíra com as próprias mãos. De um dia para o outro, o
jovem e bonito piloto transformara-se num herói nacional na Letônia. Foi-
lhe atribuída a Medalha Internacional Santos Dumont, nome do pioneiro da
aviação brasileira. A imprensa chamou-lhe “a Águia da Letônia” e “o
Lindbergh letão”. O Museu da Guerra em Riga foi assaltado por
multidões ávidas por ver o avião de Cukurs lá exibido.
Cukurs era um nacionalista letão de direita. Contudo, tinha muitos
amigos judeus. Chegou mesmo a viajar à Palestina e a regressar
profundamente impressionado pelos feitos sionistas. Os seus discursos
entusiásticos sobre os pioneiros na Palestina pintavam-no como um aliado
dos judeus letões.
Porém, quando a Segunda Guerra Mundial deflagrou, as coisas
mudaram subitamente. A Letônia começou por ser ocupada pelos
soviéticos, que rapidamente conquistaram o ódio do povo e perseguiram
gente como Cukurs.
Porém, o Exército Vermelho retirou-se após Hitler invadir a Rússia
— e a Letônia foi conquistada pelo Exército alemão. Cukurs
metamorfoseou-se completamente. Enquanto nacionalista convicto e líder
de uma organização fascista fanática chamada “Cruz do Trovão”, que se
ofereceu para servir os nazis, Cukurs tornou-se o assassino mais cruel e
sádico dos judeus de Riga.
Logo no início, ele e os seus soldados reuniram 300 judeus numa
sinagoga local e puseram-lhe fogo, matando todos os ocupantes. Cukurs
prendeu judeus, espancou-os até a morte com o revólver, fuzilou centenas
de outros, humilhou e assassinou judeus ortodoxos, esmagou as cabeças de
bebês contra as muralhas da cidade. Certa noite, obrigou uma menina judia
a despir-se em frente de um grupo de prisioneiros judeus, depois forçou um
velho rabino a afagá-la e a lamber-lhe o corpo todo, ao som das gargalhadas
embriagadas dos guardas letões. No verão, ordenou o afogamento de 1200
judeus no lago Koldiga e, em novembro de 1941, conduziu 30.000 judeus
de Riga ao local de abate na floresta de Rumbula, onde os judeus foram
despidos por soldados alemães e fuzilados a sangue-frio.
Künzle ficou em profundo choque quando leu os depoimentos de
alguns judeus que sobreviveram por milagre. Os documentos da pasta
descreviam a fuga de Cukurs para França no fim da guerra, com
documentos falsos. Fez-se passar por “camponês” e conseguiu embarcar
num navio com destino ao Rio de Janeiro. Levou consigo uma estranha
“apólice de seguro” — uma jovem judia chamada Miriam Keitzner, que ele
protegera durante a guerra. Miriam, que agora atuava como sua defensora,
falou por todo o Brasil do seu nobre “salvador de Riga”.
No Rio, Cukurs rapidamente estabeleceu relações calorosas com
muitos judeus brasileiros. Adorava descrever a quem o ouvisse a história
fascinante de Miriam. “Os nazis apanharam-na na Letônia”, costumava
dizer. “Ia ter uma morte horrível, mas eu salvei-a, arriscando a minha
própria vida.” Era raro que um tão bravo herói e salvador de judeus
chegasse ao Rio de Janeiro, e os judeus da cidade faziam o que podiam por
mostrar ao bravo letão o valor que davam aos seus nobres feitos.
Cukurs tornou-se muito popular na comunidade judaica — até a
noite em que o bravo letão bebeu mais do que devia. O álcool desatou-lhe a
língua, e o inebriado Cukurs contou então uma história assaz diferente à sua
audiência.
Com efeito, falou de judeus, mas agora chamava-os de porcos e
escória.
Falou com entusiasmo dos meios que ele e os seus amigos nazis
tinham usado para massacrar os judeus da Europa, de judeus que foram
queimados, afogados, fuzilados e espancados até a morte... Os amigos
judeus do letão ficaram estupefatos; começaram a investigar — e os
resultados da pesquisa foram aterradores.
Quando a sua verdadeira identidade foi exposta, Cukurs
desapareceu. Não saiu do Rio, mas mudou-se para um bairro distante do
centro da grande cidade. Abandonou Miriam Keitzner, de quem já não
precisava. Miriam viria a casar com um judeu local e a integrar-se na
sociedade brasileira. Quanto a Cukurs, mandou vir a mulher e teve três
filhos.
Dez anos passaram. Cukurs era o respeitado dono da empresa “Táxi
Aéreo”. Mas então, por acaso, foi novamente descoberto pela comunidade
judaica do Rio de Janeiro, que decidiu despertar a opinião pública com um
grande protesto. Estudantes irromperam pelos escritórios da “Táxi Aéreo”,
partiram janelas, destruíram equipamento e esvaziaram gavetas... Cukurs
saiu imediatamente do Rio de Janeiro com a família e foi para São Paulo.
Embora lá ninguém o incomodasse, Cukurs continuou a sentir-se em
perigo. Era atormentado por medos e suspeitava de todos os estranhos que o
abordavam. Em junho de 1960, alguns dias após a captura de
Eichmann, Cukurs foi ao quartel da polícia de São Paulo e pediu proteção.
O pedido foi aceito — mas também foi divulgado na mídia, e os parentes
das vítimas de Cukurs espalhados pelo mundo ficaram sabendo onde ele
morava.
À medida que os anos se passaram, os medos de Cukurs não fizeram
senão crescer. Contou à mulher e aos filhos que vingadores judeus podiam
descobrir seu paradeiro e vir assassiná-lo. Chegou a preparar uma lista dos
inimigos mais perigosos, a maioria dos quais judeus brasileiros importantes
do Rio de Janeiro. No topo da lista estavam Aharon Steinbruck, senador;
Alfredo Gartenberg; Marcus Constantino; Israel Skolnikov; Sr. Klinger e Sr.
Pairitzki.
Cukurs manteve o nome verdadeiro, mas construía suas casas como
fortalezas e, aparentemente, pagava subornos substanciais pela proteção da
polícia e de seguranças.
Lançou-se em várias aventuras de negócios, mas falhou. Segundo o
arquivo de Künzle, a último endereço de Cukurs era uma marina num lago
artificial às portas de São Paulo. Cukurs costumava alugar barcos e levar
turistas em passeios aéreos sobre a cidade no seu hidroavião.
Künzle sabia muito bem que, se tentasse abordar Cukurs
diretamente, certamente lhe levantaria suspeitas, por isso passou alguns dias
no Rio de Janeiro. A sua estada na deslumbrante cidade brasileira
contrastou tremendamente com a missão sombria que tinha iniciado.
Caminhou pelas praias de Copacabana e Ipanema, observou as bonitas
mulatas em biquínis mínimos, olhou para o inefável Pão de Açúcar e a
enorme estátua de Cristo no topo do monte Corcovado, viu uma macumba
(o vudu brasileiro), absorveu o sol quente e os ritmos do samba. Foi o
turista típico, mas conheceu vários funcionários governamentais de topo e
investidores privados no negócio do turismo, foi recebido pelo ministro do
Turismo local, e apresentou-se como investidor interessado em empresas
turísticas no Brasil.
Recebeu algumas cartas de recomendação de grandes figuras do
negócio turístico de São Paulo.
Künzle chegou a São Paulo e encontrou imediatamente a marina de
Cukurs. Junto do cais, ligeiramente afastado dos barcos de recreio, viu um
velho hidroavião. A seu lado, estava um homem alto e magro, vestido com
um macacão de piloto. Era Herberts Cukurs.
Künzle dirigiu-se à bela jovem alemã que vendia bilhetes para as
excursões de barco de Cukurs e pediu-lhe informações sobre o turismo na
zona. Na altura, não sabia que a jovem era mulher do filho mais velho de
Cukurs. Ela admitiu que não sabia muito sobre turismo, mas apontou para o
homem de macacão. “Pergunte-lhe, que ele ajuda-o.”
Künzle dirigiu-se ao piloto e apresentou-se como investidor
austríaco. Fez algumas perguntas profissionais, a que Cukurs respondeu
com relutância; mas a atitude dele mudou quando Künzle perguntou se
podia contratar o avião para dar um passeio sobre a cidade. Poucos minutos
depois, estavam no ar. Os dois homens tiveram uma conversa longa e
amigável. Künzle sabia como fazer amigos. No regresso, Cukurs convidou-
o a ir ao seu barco, para tomarem um brandy.
Enquanto bebiam, Cukurs irrompeu de súbito numa diatribe furiosa
contra os seus acusadores. “Fui um criminoso de guerra?!”, gritou. “Salvei
uma menina judia durante a guerra.” Künzle suspeitou que a indignação de
Cukurs era falsa e que o letão só queria provocar uma reação sua.
“Combateu na guerra?”, perguntou Cukurs.
“Sim”, disse Künzle, “na frente russa”. Porém, o tom da resposta
pareceu indicar o oposto, ou seja, Künzle tinha servido no Exército, mas
certamente não na frente russa. Depois, desabotoou a camisa e mostrou a
cicatriz que tinha no peito a Cukurs. “Da guerra”, disse ele, sem mais
explicações.
Künzle fez uma rápida avaliação do seu anfitrião. Cukurs estava
numa situação econômica má: o macacão puído, o avião periclitante, o
pobre estado dos seus barcos todos indicavam um nível de vida baixo.
Percebeu que tinha de levar Cukurs a crer que ele, Künzle, era uma
oportunidade de superar os problemas, o homem que podia ajudá-lo a fazer
grandes lucros.
Assim sendo, continuou a falar da sua empresa e dos seus parceiros,
e dos projetos grandiosos de investir muito dinheiro no turismo da América
Latina.
Deu a entender que Cukurs talvez pudesse juntar-se ao grupo, já que
conhecia bem a cena turística brasileira.
Cukurs pareceu interessado nas palavras do seu convidado, mas
Künzle levantou-se de repente. “Bom”, disse, “não devia incomodá-lo mais.
O senhor deve estar muito ocupado”.
“Não, de todo”, disse Cukurs, e sugeriu que Künzle fosse a sua casa,
num dos dias seguintes, depois do trabalho, para poderem “discutir
interesses comuns”.
O contato foi estabelecido. A isca, lançada. Agora, Cukurs tinha de
ser persuadido a engoli-lo.
Ao início dessa noite, Künzle despachou um telegrama codificado
para Yoske Yariv. Usou pela primeira vez o nome de código que Yariv
escolhera para Cukurs: “O Falecido.”
Também Cukurs escreveu umas linhas nessa noite. Pegou na lista
dos seus inimigos mais perigosos e acrescentou um nome à lista.
Anton Künzle.
Uma semana depois, um táxi parou diante de uma rua no bairro da
riviera paulista. A casa era modesta, mas protegida como uma fortaleza:
estava rodeada por uma muralha e arame farpado, a entrada era barrada por
um portão de ferro, e junto dele estava um jovem com um cão de ar
agressivo.
Künzle pediu ao rapaz — que, afinal, era um dos filhos de Cukurs —
que informasse o piloto da sua chegada. Cukurs recebeu-o calorosamente,
mostrou-lhe a casa, apresentou-o à mulher Milda, depois abriu uma gaveta e
mostrou a Künzle cerca de 15 medalhas da altura da guerra; muitas delas
estavam adornadas por uma suástica.
Cukurs abriu outra gaveta e mostrou ao espantado Künzle o seu
armamento privado: três revólveres de alto calibre e uma espingarda
semiautomática. Cukurs revelou-lhe orgulhosamente que os serviços
secretos brasileiros lhe tinham dado autorização de porte de todas as armas.
“Sei como me defender”, acrescentou.
Künzle tomou as palavras de Cukurs como uma ameaça velada: se
me tentares prejudicar, parecia o anfitrião dizer-lhe, ficas a saber que tenho
armas, sou perigoso.
Cukurs teve subitamente uma ideia. “Porque não fazemos uma
viagem até às minhas quintas? Ficam no campo; podemos passar a noite
lá.”
Künzle concordou prontamente. No entanto, a caminho do hotel,
parou numa loja de ferragens e comprou um canivete. Não fosse ser
preciso.
Uns dias depois, os dois entraram no carro alugado de Künzle e
dirigiram-se para as montanhas.
Foi uma viagem sinistra e tensa. Ali estava Anton Künzle, armado
com uma simples faca, receando Cukurs e, porém, determinado a tentá-lo
com propostas de dinheiro fácil e conduzi-lo à morte.
E, sentado no carro a seu lado, estava Herberts Cukurs, forte,
sensato, mas pobre, suspeitando do seu novo amigo, armado com um
revólver de alto calibre, mas incapaz de resistir ao isco que Künzle lhe
mostrava.
Ocorreu a Künzle que talvez fosse ele a vítima naquele jogo do gato
e do rato; talvez Cukurs não acreditasse na sua história, talvez estivesse a
levá-lo para as montanhas para o assassinar.
De caminho, visitaram uma quinta negligenciada. Subitamente,
Cukurs tirou da mala a espingarda semiautomática. Künzle sobressaltou-se.
Porque é que Cukurs tinha trazido tanto a pistola como a espingarda?
“E que tal um concurso de pontaria?”, perguntou-lhe Cukurs. Künzle
compreendeu imediatamente: Cukurs queria testar as suas capacidades
enquanto antigo combatente na frente russa e ver se ele sabia disparar. O
letão fixou um alvo de papel a uma árvore, carregou a espingarda e
disparou 10 balas em catadupa. Os disparos formaram uma aglomeração
com dez centímetros de diâmetro. Cukurs tirou da mala um segundo alvo de
papel, recarregou a espingarda e passou-a a Künzle. Este era veterano do
Exército britânico e das Forças Armadas israelenses, um excelente atirador.
Pegou na arma e disparou sem demora as 10 balas. O resultado foi uma
aglomeração com três centímetros. Cukurs acenou a cabeça em jeito de
aprovação.
“Excelente, Herr Anton”, disse.
Voltaram ao carro e continuaram até uma segunda quinta. Era muito
maior e incluía uma floresta densa e um rio, onde alguns jacarés se
espraiavam preguiçosamente. Cukurs conduziu-o à floresta e Künzle foi
novamente assaltado por medos. Seria uma armadilha? Será que Cukurs o
levara ali para o poder assassinar sem deixar pistas?
Continuou a caminhar ao lado de Cukurs. Subitamente, pisou uma
rocha que fez um prego soltar-se no seu sapato e penetrar-lhe o calcanhar.
Dobrado de dor, Künzle ajoelhou-se e tirou o sapato. Havia sangue a pingar
da ferida no calcanhar.
Cukurs dobrou-se e puxou a pistola. Künzle estava exposto,
completamente indefeso. Acabou-se, pensou, chegara o seu último
momento.
O letão o abateria como um cão. Mas Cukurs deu-lhe a arma. “Use a
coronha”, disse, “martele-o para baixo”.
Künzle pegou a arma. Subitamente, os papéis tinham-se invertido.
Estavam sozinhos sítio no meio da montanha. Não se via vivalma em
vários quilômetros em seu redor. A arma estava carregada. Podia acabar
com Cukurs naquele preciso instante. Bastava apontar a arma e premir o
gatilho.
Em vez disso, agachou-se e martelou a ponta afiada do prego, após o
que devolveu a arma ao dono.
Ao cair da noite, os dois chegaram a uma cabana decrépita e
improvisaram o jantar com alguma comida que tinham levado. Estenderam
os sacos-camas em duas camas velhas de ferro. Künzle viu Cukurs meter a
arma debaixo da almofada. Perturbado por pensamentos funestos, tirou a
faca do bolso e manteve-se preparado, mas foi incapaz de dormir.
A meio da noite, ouviu um som vindo da cama de Cukurs. O nazista
levantou-se, pegou na arma e saiu silenciosamente. Porquê, pensou Künzle?
Tentou ouvir o som que vinha lá de fora, e subitamente ouviu um
ruído fácil de reconhecer. Cukurs saíra para urinar. E tinha levado a arma
muito provavelmente devido aos animais selvagens que rondavam por ali.
Regressaram no dia seguinte, sãos e salvos, a São Paulo. Künzle
suspirou de alívio quando entrou no hotel.
Durante a semana seguinte, Künzle convidou Cukurs para bons
restaurantes, clubes noturnos caros e bares. Reparou no olhar esfomeado de
Cukurs e apercebeu-se de que o homem há anos não saboreava todos
aqueles prazeres que o dinheiro comprava. O seu passo seguinte foi pedir a
Cukurs que lhe fizesse companhia em vários voos domésticos, a expensas
de Künzle, evidentemente. Visitaram alguns grandes locais turísticos e
Cukurs desfrutou da melhor alimentação e alojamento.
Foi então que Künzle sugeriu que fossem a Montevidéu, a capital do
Uruguai. Os seus parceiros, disse, queriam estabelecer o centro de negócios
da América do Sul e ele ia ver que escritórios e instalações estavam
disponíveis. Chegou a pagar o passaporte novo de Cukurs.
Künzle apanhou o avião para Montevidéu e, dias mais tarde, Cukurs
juntou-se-lhe. Mas as suspeitas do letão não tinham desaparecido; este
levou a máquina fotográfica. Assim que saiu do avião no aeroporto de
Montevidéu, viu Künzle à espera. Cukurs puxou da máquina e tirou várias
fotografias de Künzle, apanhando-o de surpresa. O amigo, parceiro e
patrocinador tornara-se, aos olhos de Cukurs, o maior suspeito num plano
para o assassinar.
Entretanto, Künzle alugara um grande carro americano. A
cor — rosa-choque — deixava-o envergonhadíssimo, mas aquele era o
único carro disponível na agência de aluguel. Também reservou quartos
para ambos no melhor hotel da cidade, o Victoria Plaza. Passaram alguns
dias em Montevidéu, à procura de um edifício que pudesse servir como
sede da empresa de Künzle. Não encontraram nada, mas desfrutaram de
umas férias de sonho. Künzle convidou Cukurs para os melhores
restaurantes, levou-o a clubes noturnos, em viagens turísticas e ao casino,
onde partilhou os ganhos com ele. Cukurs andava encantado. Finalmente,
acabaram por se separar, e Künzle foi para a Europa, depois de prometer a
Cukurs que voltaria daí a poucos meses, para continuar a desenvolver o
projeto dos dois. Cukurs regressou a São Paulo, mas disse à mulher que
alguém o seguira em Montevidéu e que, portanto, tinha de se manter alerta
e pronto a defender-se.
Em Paris, Künzle encontrou-se novamente com Yariv e os amigos, e
todos começaram imediatamente a preparar a operação. Decidiram que
Cukurs seria executado em Montevidéu, por algumas razões: no Brasil,
Cukurs era protegido pela polícia local, e isso podia levantar alguns
problemas; além disso, também vivia no Brasil uma grande comunidade
judaica e esta ficaria vulnerável a ataques dos neonazis ou alemães que
procurassem vingança; e, finalmente, a pena de morte ainda estava em vigor
no Brasil, e se alguma equipe de assassinato fosse apanhada e julgada, as
suas vidas correriam perigo.
A equipe de assassinato consistia em cinco agentes e era chefiada
pelo próprio Yoske Yariv. Um dos agentes era Ze’ev Amit (Slutzky), primo
do ramsad Meir Amit; os outros eram Künzle, Arye Cohen (nome fictício) e
Eliezer Sudit (Sharon), que também recebeu passaporte austríaco em nome
de Oswald Taussig.
Os membros da equipe chegaram a Montevidéu em fevereiro de
1965.
Oswald Taussig alugou um Volkswagen verde e uma casa pequena, a
Casa Cubertini, na Calle Cartagena, no bairro Carrasco. No último
momento,
Yariv encarregou-o de uma tarefa arrepiante: comprar um baú
grande, como os baús de viagem usados no século XIX. Serviria como
caixão para o cadáver do nazista quando a operação terminasse.
Künzle convidou Cukurs a voltar a Montevidéu.
Em 15 de fevereiro de 1965, Cukurs foi à esquadra da polícia.
Recebeu-o aí um agente chamado Alcides Cintra Bueno Filho. “Sou
empresário”, disse o letão. “Há vários anos que estou sob a proteção da
polícia brasileira, porque tenho boas razões para recear pela minha vida.
Agora, um parceiro de negócios europeu pediu-me que viajasse a
Montevidéu com ele. Que acha disto? Posso ir ao Uruguai? Não é
arriscado?”
“Não vá!”, respondeu firmemente o agente. “Aqui, está em paz
porque o protegemos. Mas não se esqueça de que, uma vez fora do Brasil,
deixa de estar protegido. Expõe-se aos inimigos. E, se tem inimigos,
presumo que eles não o tenham esquecido.”
Cukurs pensou um pouco, pareceu hesitar, mas acabou por se
levantar e dizer: “Sempre fui um homem corajoso. Não tenho medo. Sei
defender a minha vida. Ando sempre armado. E, acredite, apesar dos anos
que passaram, ainda tenho uma pontaria certeira.”
Künzle recebeu Cukurs em Montevidéu a 23 de fevereiro. A
armadilha estava montada. Künzle levou Cukurs num Volkswagen preto
que tinha alugado até a Casa Cubertini, onde a equipe de assassinato
esperava. Pelo caminho, fizeram várias paragens, “para ver” outras casas
que podiam servir de escritório da empresa. Por fim, chegaram à Casa
Cubertini. Viram uns homens a trabalhar em obras na casa do lado. O carro
verde de Taussig, também um Volkswagen, estava estacionado na casa.
Künzle desligou o motor, saiu do carro e caminhou com determinação para
a porta. Cukurs seguiu-o. Künzle abriu a porta e viu uma cena aterradora:
na casa escura, os membros da equipe de assassinato estavam encostados às
paredes, vestidos apenas com roupa interior. Sabiam que não podiam
dominar Cukurs sem uma luta sangrenta e tinham despido a roupa para que
esta não se sujasse com o sangue daquele. Havia qualquer coisa de chocante
naquela visão de um grupo de gente em roupa interior, esperando a vítima
na escuridão.
Künzle abriu passagem e Cukurs seguiu-o para dentro de casa.
Assim que ele entrou, Künzle fechou a porta. Três homens saltaram sobre
Cukurs. Ze’ev Amit tentou agarrá-lo pela garganta, como tinha treinado em
Paris. Os outros assaltaram-no de ambos os lados.
O letão deu luta. Conseguiu desenvencilhar-se dos atacantes e correr
para a porta. Puxou a maçaneta e tentou tirar a pistola que tinha no bolso,
enquanto gritava em alemão “Lassen sie mich sprechen!” (“Deixem-me
falar!”).
Durante a luta, Yariv tentou cobrir a boca de Cukurs com a mão,
para o impedir de gritar. Cukurs mordeu-a violentamente e quase arrancou
um dedo de Yariv. Este gritou de dor. Naquele momento, Amit pegou uma
marreta e desferiu uma pancada na cabeça de Cukurs. Jorrou sangue da
ferida. Os corpos dos atacantes e da vítima converteram-se numa massa em
convulsão no chão, enquanto Cukurs tentava desesperadamente puxar a
pistola. Foi uma questão de segundos. Arye encostou a arma na cabeça de
Cukurs e disparou duas vezes. O silenciador abafou o som dos disparos.
O corpo de Cukurs caiu prostrado. O sangue fluiu por suas roupas e
pelos mosaicos do chão. Os membros da equipe estavam cobertos de
sangue.
Oswald Taussig correu para o pátio e ligou a torneira central da casa.
Os amigos lavaram o sangue, depois limparam o chão e as paredes; ainda
assim, os mosaicos da casa continuaram manchados.
Um dos membros da equipe de assassinato afirmou mais tarde que a
intenção do grupo era capturar Cukurs com vida e levá-lo a um tribunal
marcial improvisado, antes de o executar. Contudo, devido ao planejamento
defeituoso ou à subestimação grosseira da força física do letão, a missão
transformou-se num repulsivo banho de sangue imprevisto e desnecessário.
O agente do Mossad tinha alugado a casa na Calle Cartagena na última
hora; o baú de viagem foi comprado igualmente na última hora. Em vez de
saltarem sobre a vítima, os agentes do Mossad podiam tê-lo alvejado
imediatamente. Contudo, como alguns membros da equipe nos disseram, a
missão foi cumprida.
Os agentes puseram o cadáver de Cukurs no baú, para fazer a polícia
crer que tencionavam raptá-lo e retirá-lo clandestinamente do Uruguai.
Depois, deixaram no cadáver uma carta datilografada em inglês, preparada
antecipadamente:

“Tendo em consideração a gravidade dos crimes pelos quais


Herberts Cukurs foi acusado, particularmente sua responsabilidade pessoal
no homicídio de 30.000 homens, mulheres e crianças, e a terrível crueldade
demonstrada por Herberts Cukurs na prossecução dos seus crimes,
condenamos o dito à morte. O acusado foi executado em 23 de fevereiro de
1965 por “aqueles que jamais esquecerão”.”

A equipe saiu da casa e partiu nos dois Volkswagens alugados. Na


casa ao lado, os operários continuavam a martelar e trabalhar; não tinham
ouvido absolutamente nada. Yariv sofreu de dores terríveis na mão. Até
morrer, nunca mais conseguiria mexer devidamente um dedo. Taussig e
Künzle devolveram os carros e saíram dos hotéis. Toda a equipe deixou
Montevidéu por rotas tortuosas para a Europa e Israel. Ze’ev Amit voltou a
Paris “ferido no corpo e magoado na alma”. Durante muitos meses, foi
atormentado por pesadelos terríveis, incapaz de superar o choque e a dor.
Quando todos os membros da equipe de assassinato tinham saído da
América Latina, um agente do Mossad telefonou às agências noticiosas
alemãs e noticiou a execução de um criminoso nazista em Montevidéu,
por “aqueles que jamais esquecerão”.
Os jornalistas que receberam a mensagem descartaram-na logo,
acreditando que era uma partida. Ao ver que nada acontecia, os agentes do
Mossad prepararam uma mensagem muito mais pormenorizada e credível, e
mandaram-na para as agências noticiosas e para um repórter de um jornal
de Montevidéu, que alertou a polícia. A 8 de março, mais de 10 dias depois
de Cukurs ser morto, a polícia chegou finalmente à Casa Cubertini.
No dia seguinte, a imprensa mundial anunciou, em grandes
cabeçalhos, a descoberta do cadáver de Cukurs numa casa vazia em
Montevidéu. Nas notícias, foram apontados dois nomes como suspeitos do
homicídio: Anton Künzle e Oswald Taussig. Poucos dias depois, um
semanário de Rio de Janeiro publicou uma enorme fotografia de Anton
Künzle tirada por Cukurs.
A revista chamou a Künzle “o austríaco sorridente”. A fotografia foi
reproduzida na primeira página do jornal israelense Maariv. Alguns amigos
do agente do Mossad identificaram imediatamente Anton Künzle.
Passados uns dias, chegou uma carta à casa de Cukurs. Era um
esforço algo pobre de Anton Künzle para encobrir as pistas.

Caro Herberts,
Com a ajuda de Deus e de alguns dos nossos compatriotas, cheguei
em segurança ao Chile. Descanso agora, depois de uma viagem cansativa,
e estou certo de que também você chegará em breve a casa. Entretanto,
descobri que fomos seguidos por duas pessoas, um homem e uma mulher.
Temos de ter muito cuidado e tomar todas as precauções. Como eu sempre
disse, você corre um grande risco por trabalhar e viajar com seu nome
verdadeiro.
Pode vir a ser desastroso para nós, e também levar à descoberta de
minha verdadeira identidade.
Espero, portanto, que as complicações no Uruguai tenham ensinado
a você uma lição para o futuro, e que passe a ser mais prudente. Se reparar
em algo suspeito dentro ou em redor de sua casa, lembre-se do conselho
que dei — saia e se esconda com os homens de Von Leeds [líder nazista que
tinha fugido para o Cairo com um grupo de exilados alemães] durante um
ou dois anos, até que haja uma anistia definitiva.
Quando receber esta carta, por favor responda para o endereço que
conhece, em Santiago, no Chile.
Teu, Anton K.

A carta, claro, não enganou ninguém. Milda, a mulher de Cukurs,


ficou convencida: Künzle era o assassino.
Quase todos os participantes do assassinato de Cukurs morreram.
Ze’ev Amit, que os autores deste livro conheceram bem, morreu na Guerra
do Yom Kippur, em 1973.
A missão deu frutos. Os parlamentos da Alemanha e da Áustria
rejeitaram o estatuto de limitação dos crimes nazistas.
Anos mais tarde, o antigo ramsad Isser Harel telefonou a um dos
autores deste livro e contou que um bom amigo dele queria conhecê-lo. Não
deu mais pormenores, tão-só umo endereço no Norte de Tel Aviv. O autor
encontrou uma pequena e bonita casa. Um homem robusto, careca e de
óculos abriu a porta.
Disse-lhe: “Guten Abend, Herr Künzle.”
12. À PROCURA DO PRÍNCIPE VERMELHO

Em 5 de setembro de 1972, às quatro e meia da manhã, oito


terroristas armados e com as caras cobertas com máscaras de esqui
arrombaram o apartamento da equipe israelense nos Jogos Olímpicos de
Munique. Mataram Moshe Weinberg, treinador da equipe de luta livre, que
tentou barrar-lhes a passagem, e Joe Romano, campeão de levantamento de
pesos. Alguns atletas, acordados pelos gritos e o tiroteio, conseguiram fugir
saltando das janelas; nove foram levados como reféns pelos terroristas.
A polícia alemã chegou, seguida por jornalistas, fotógrafos e equipes
de televisão que acompanharam o drama que se desenrolava na aldeia
olímpica.
Pela primeira vez na História, o mundo assistiu a um ataque
terrorista sangrento transmitido ao vivo nas telas de televisão. Também
Golda Meir, primeira-ministra de Israel, o viu, depois de ser acordada pelo
seu adjunto militar. Golda sentiu-se encurralada: o ataque aconteceu num
país amigo e a responsabilidade pelo salvamento dos reféns recaia sobre os
ombros dos alemães. As autoridades do Estado da Baviera, onde o ataque
ocorria, rejeitaram educadamente a sugestão israelense de enviar a Sayeret
Matkal, a melhor unidade de operações especiais do país. “Não têm com
que se preocupar”, disseram os alemães aos representantes israelenses,
“vamos salvar todos os reféns”. Mas a Alemanha não tinha a experiência, a
criatividade e a coragem de enfrentar uma organização terrorista mortífera e
astuta. Após um dia inteiro de negociações esgotantes entre os terroristas e
as autoridades alemãs, os terroristas e os reféns foram conduzidos ao
aeroporto de Fürstenfeldbruck, às portas de Munique. Os alemães tinham
prometido aos terroristas que poderiam embarcar num avião que os levaria
até o destino que escolhessem. Porém, a polícia tinha planejado uma
armadilha infantil e amadora no aeroporto. Tinha puxado um avião vazio e
sem tripulação da Lufthansa até o centro do aeroporto. Nos telhados, tinham
sido posicionados franco-atiradores incompetentes. O líder dos terroristas
foi inspecionar o avião. Era aquele avião, sem tripulação, com os motores
frios, que ia levantar voo daí a poucos minutos? Os terroristas perceberam
imediatamente que estavam a ser enganados. Abriram fogo e lançaram
granadas de mão. Durante o tiroteio que se seguiu com a polícia,
assassinaram todos os reféns. Um polícia alemão também foi morto na troca
de tiros, assim como cinco dos oito terroristas (os outros seriam capturados,
mas libertados pouco depois, após o desvio de um avião da Lufthansa pela
organização terrorista). O general israelense Zvi Zamir, que tinha
substituído recentemente Meir Amit como ramsad, assistiu impotentemente,
da torre de controle, ao drama sangrento. Fora enviado para Munique pela
primeira— ministra Golda Meir, mas sem o direito de intervir na operação
alemã. Os seus anfitriões insistiram incessantemente que o plano era
excelente, e que ele tinha apenas de ver para crer. O que o ramsad viu foi o
massacre dos atletas israelenses. Percebeu então que Israel tinha um novo
inimigo: uma organização terrorista que chamava a si própria “Setembro
Negro”.
Setembro Negro.
Foi assim que os terroristas palestinos rebatizaram o mês de
setembro de 1970, quando o rei Hussein da Jordânia massacrou milhares de
palestinos no seu reino. Nos anos desde a Guerra dos Seis Dias, em 1967,
os terroristas tinham conquistado gradualmente controle sobre largos
pedaços de território jordaniano e muitos bairros na capital, Amã; cidades e
aldeias ao longo da fronteira israelense tornaram-se para eles bases
exclusivas em cujas ruas andavam armados. Rejeitavam a autoridade do rei
Hussein e, pouco a pouco, haviam-se tornado os verdadeiros donos da
Jordânia. O rei sabia tudo isso, mas não fazia nada. Numa das suas visitas a
um campo do Exército, viu um soutien voar como uma bandeira na antena
de um tanque.
“Que é isto?”, inquiriu, zangado.
“Significa que somos mulheres”, respondeu o comandante do
tanque.
“Vossa Majestade não nos deixa lutar.”
Hussein não aguentou mais. Não podia continuar a enterrar a cabeça
na areia, enquanto o seu reino lhe escapava entre os dedos. A 17 de
setembro de 1970, o rei lançou o Exército contra as bases e campos
terroristas. Foi um massacre terrível. Os terroristas foram fuzilados nas
ruas, perseguidos, capturados e executados sem julgamento. Alguns
encontraram refúgio nos campos de refugiados palestinos, mas a artilharia
jordaniana bombardeou os campos sem uma ponta de remorso e matou
milhares de pessoas. Bandos de terroristas em pânico atravessaram o rio
Jordão e renderam-se ao Exército israelense. Preferiam apodrecer em
prisões israelenses a morrer com armas jordanianas. Durante o massacre, a
maioria dos terroristas sobreviventes fugiu para a Síria e o Líbano. Até
hoje, o número de terroristas mortos durante o Setembro Negro permanece
desconhecido; os números rondarão 2000 a 7000 pessoas.
Yasser Arafat, chefe da Fatah, a maior organização terrorista
palestina, ficou obcecado com a vingança. Criou, no interior da Fatah, uma
organização secreta, uma espécie de organização clandestina dentro da
organização clandestina. Os normais membros e comandantes da Fatah nem
sequer sabiam da sua existência. Arafat chamou-lhe “Setembro Negro”.
Esta não se pautava pelas linhas de conduta “respeitáveis” que Arafat
tentava na altura impor ao seu grupo, para conseguir o reconhecimento e a
compaixão internacionais. Aquele seria um grupo cruel e livre que atacaria
os “inimigos do povo palestino” de todas as maneiras possíveis, sem
piedade.
Formalmente, o Setembro Negro não existia e Arafat podia negar
qualquer ligação com ela, mas secretamente era o seu criador e líder.
Nomeou Abu Yussef, um dos comandantes superiores da Fatah, como
diretor do Setembro Negro; para chefe de operações, selecionou Ali Hassan
Salameh, um jovem com pontos de vista fanáticos, mas nem por isso menos
corajoso e inteligente. Ali era filho de Hassan Salameh, que fora o último
comandante supremo das forças palestinas, durante a Guerra Israel-Árabe
de 1948.
Hassan Salameh fora morto em combate e o filho Ali jurara
continuar a luta do pai.
As primeiras operações do Setembro Negro não preocuparam
demasiado Israel, uma vez que foram maioritariamente dirigidas contra a
Jordânia. Os terroristas puseram uma bomba nos escritórios de Roma da
companhia aérea nacional jordaniana; atacaram a embaixada jordaniana em
Paris com coquetéis Molotov; desviaram um avião jordaniano para a Líbia;
sabotaram a embaixada jordaniana em Berna, uma fábrica de material
eletrônico na Alemanha, e reservatórios de petróleo em Hamburgo e
Roterdão; na cave de uma casa de Bona, assassinaram cinco agentes
secretos jordanianos. A sua operação mais aterradora até então fora o
assassinato do antigo primeiro-ministro jordaniano Wasfi Al-Tal, no átrio
do Hotel Sheraton do Cairo. Um dos assassinos agachou-se sobre o cadáver
e sorveu o sangue da vítima.
Dada a vitória de Israel na Guerra dos Seis Dias de 1967, os
terroristas tomaram a si a tarefa de continuar a guerra contra o Estado
judeu. Desviaram aviões, atravessaram as fronteiras de Israel e
assassinaram civis, puseram bombas e cargas explosivas nas grandes
cidades. O Shabak e o Mossad tinham de lutar agora contra um inimigo
novo, penetrar nas suas organizações terroristas, frustrar os planos delas, e
prender os ativistas. Era a Fatah, não o Setembro Negro, a maior
organização contra a qual Israel tinha agora de lutar.
Porém, o Setembro Negro foi muito rápida a transpor os limites que
tinha originalmente definido para as suas atividades e começou a lutar
contra as nações ocidentais, mas primeiro e principalmente contra Israel.
O massacre de Munique foi a primeira agressão sangrenta da
organização.
E foi assim que Ali Hassan Salameh conquistou o seu título. Foi ele
o cérebro por trás da operação de Munique. Os rumores sobre a sua
obsessão com assassinato e sangue espalharam-se entre os terroristas, que
começaram a chamar ao filho de Hassan Salameh Príncipe Vermelho.
No início de outubro de 1972, dois generais aposentados solicitaram
uma reunião com a primeira-ministra Golda Meir, que substituíra Levi
Eshkol, após a morte súbita deste em 1969. Eram eles o novo ramsad, Zvi
Zamir, e o conselheiro da primeira-ministra para o contraterrorismo e antigo
chefe da Aman, Aharon Yariv.
Golda Meir ficou absolutamente traumatizada com a “noite de
Munique”, quando os atletas israelenses foram assassinados. “Uma vez
mais, matam-se judeus presos e amarrados em solo alemão”, dissera ela.
Golda era uma mulher forte e dura. Era claro que não deixaria que o
massacre de Munique ficasse sem castigo.
E foi exatamente isso que Zamir e Yariv lhe propuseram.
Zvi Zamir era um homem magro, quase careca, sardento, com traços
bem definidos numa cara triangular, antigo combatente do Palmach, mas
não era visto como um general excecional. O mais alto cargo a que subira
durante o seu serviço militar fora comandante da frente sul. Mais tarde,
exerceu o cargo de adido militar e representante do Ministério da Defesa na
Grã-Bretanha. Em 1968, foi nomeado ramsad, no lugar de Meir Amit, que
chegara ao fim do mandato. Muita gente criticou a nomeação de Zamir. Era
um homem brando e tímido, sem experiência de operações secretas.
Faltava-lhe carisma, e ele próprio não se considerava chefe do Mossad,
como Harel e Amit antes de si. Preferia agir como uma espécie de
presidente da administração e delegar autoridade em muitos assistentes. Só
durante a Guerra do Yom Kippur (ver Capítulo 14) é que ganharia fama,
mas em 1972 não podia gabar-se de nenhum êxito substancial. Além disso,
alguns dos mais antigos agentes do Mossad, como Rafi Eitan, não gostavam
dele e abandonaram os cargos em protesto.
Yariv, como Zamir, era mais um homem das sombras do que um
homem das luzes da ribalta. Fora um extraordinário chefe da Aman durante
a Guerra dos Seis Dias, mas era sobretudo admirado pela sua mente culta e
analítica.
Homem magro, delicado, com óculos sobre uma testa larga, Yariv,
com os seus bons modos, mais parecia um professor erudito do que um
mestre da espionagem.
Yariv e Zamir tinham muito em comum. Presumia-se que fossem
rivais, devido às suas funções similares, mas trabalhavam em harmonia e
confiança mútua. Eram ambos tranquilos, discretos, reservados e algo
tímidos.
Detestavam ser o centro das atenções e eram muito cautelosos nas
suas análises e planos. Contudo, a ideia que descreveram a Golda Meir
naquela tarde de outubro era surpreendentemente brutal: os serviços
secretos tinham de identificar e localizar os líderes do Setembro Negro, e
matá-los. Todos.
Desde Munique que os dois tinham iniciado uma atividade intensiva
e reunido informações secretas de alta qualidade sobre o Setembro Negro.
Foram preparados para a reunião com Golda Meir. o Setembro
Negro, disseram, tencionava lançar uma guerra total contra Israel. Era um
grupo que jurara matar tantos judeus quanto possível — militares, civis,
mulheres e crianças. A única maneira de travar o Setembro Negro era matar
todos os seus líderes, um por um. Esmagar a cabeça da serpente.
Golda Meir hesitou. Não era fácil para ela tomar uma decisão que
significaria enviar jovens numa arriscada campanha de assassinato. Israel
jamais o fizera. Ficou sentada em silêncio durante muito tempo. Depois,
começou a falar com uma voz quase inaudível, como se conversasse
consigo mesmo.
Mencionou a terrível memória do Holocausto e a trágica marcha do
povo judeu ao longo das eras, sempre perseguido, acossado e massacrado.
Finalmente, ergueu a cabeça e olhou para Yariv e Zamir. “Enviem os
rapazes”, disse.
Zamir começou imediatamente a preparar a operação. Chamou-a “Ira
Divina”.
Contudo, Golda Meir também interveio. Enquanto primeira-ministra
de um Estado judaico e democrático, Golda Meir não podia confiar apenas
na promessa feita por Yariv e Zamir de que “os rapazes” não atacariam
senão os líderes e os principais militantes do Setembro Negro. As
promessas não bastavam. Ela sabia muito bem que aquela operação cairia
fora do escopo da lei e que se o controle civil sobre as ações do Mossad
fosse afrouxado, correr-se-ia um real perigo de algumas pessoas inocentes
também serem mortas. Assim sendo, decidiu estabelecer um controle
apertado sobre a “Ira Divina”. Criou um comitê secreto que incluía, além de
si mesma, o ministro da Defesa Moshe Dayan, e o vice-primeiro-ministro,
Yagal Allon, um brilhante general aposentado. Os três transformaram-se
numa espécie de tribunal secreto que tinha de rever e aprovar cada caso
individual da operação. Chamaram-lhe Comissão X. Yariv e Zamir tinham
de submeter todos os arquivos e nomes ao trio, e só após a obtenção de
aprovação é que a equipe de assassinato do Mossad podia entrar em cena.
A Massada (Caesarea), o departamento operacional do Mossad, foi
designada como responsável pela persecução da “Ira Divina”. Era chefiada
por Mike Harari, um agente moreno, áspero e reservado. Quase todos os
assassinatos aconteceriam na Europa, onde o Setembro Negro tinha
colocado os seus homens, todos protegidos por coberturas sofisticadas.
Harari escolheu os agentes entre os homens do Kidon, a equipe
operacional da Massada. Cada unidade enviada contra um operacional do
Setembro Negro era composta de várias equipes secundárias. Uma equipe
de seis homens e mulheres seria responsável por identificar e seguir os
suspeitos. Tinham de se certificar de que cada homem que visavam era o
homem pretendido, o lobo com pele de cordeiro. Chegariam à cidade onde
o suspeito terrorista operava, seguiam-no, fotografavam-no às escondidas,
estudavam os seus hábitos, localizavam os amigos que tinha, descobriam o
endereço exata dele, os bares e restaurantes que frequentava, a sua rotina
diária, hora após hora. Uma unidade menor, na maioria dos casos
constituída apenas por um homem e uma mulher, ficava responsável pela
logística — aluguel de apartamentos, quartos de hotel e carros. Outra
equipe pequena tratava das comunicações com o quartel-general
operacional avançado, que normalmente se estabelecia na cidade europeia
em causa e com a sede do Mossad, em Israel.
A equipe de assassinato propriamente dita consistia em vários
agentes do Mossad, que eram os últimos a chegar à cidade. A sua tarefa era
dirigir-se a uma certo endereço, a dada hora, e matar o homem cuja
fotografia e outros pormenores identificadores tinham recebido. Enquanto
trabalhavam na cidade do alvo, eram protegidos por outra equipe — um
conjunto de agentes armados e motoristas, estacionados na sua
proximidade, com veículos prontos a sair, e rotas de fuga planejadas e
ensaiadas. A sua tarefa era proteger, se preciso fosse com armas, os
membros da equipe de assassinato.
Imediatamente após o fim da operação, todos os membros da equipe
de assassinato e seus seguranças saíram do país.
A equipe que identificava e seguia os suspeitos saiu antes da
operação. Os outros ficavam mais uns dias, para apagar rastros, embalar
equipamento e devolver os carros alugados usados na operação.
A primeira cidade escolhida para uma operação “Ira Divina” foi
Roma.
Na Cidade Eterna, a equipe avançada identificou e seguiu um
homem que ninguém acusaria de terrorismo: um funcionário inferior na
Embaixada da Líbia, palestino de 38 anos, nascido em Nablus, chamado
Wael Zwaiter. Era um homem magro, afável e delicado, filho de um
conhecido homem de letras e tradutor árabe. Já Wael era conhecido pelas
suas excelentes traduções de ficção e poesia do árabe e para o árabe. Era
além disso um grande amante de arte. Trabalhava como intérprete na
embaixada líbia, por um magro salário mensal de 100 dinares líbios, levava
uma vida muito modesta e morava num pequeno apartamento na Piazza
Annibaliano. Os amigos conheciam-no como homem moderado que
rejeitava qualquer forma de violência e frequentemente expressava
repúdio por terrorismo e assassinatos.
Porém, nem os amigos mais chegados de Zwaiter sabiam do seu
segredo; o bom amigo era um fanático cruel que comandava as operações
do Setembro Negro em Roma com uma determinação implacável. Muito
recentemente, tinha engendrado e levado a cabo uma operação pérfida:
descobriu duas jovens inglesas que passavam os primeiros dias das suas
férias em Roma, antes de seguir para Israel. Zwaiter instruiu dois jovens
palestinos bonitos e charmosos a estabelecer contato com as moças e a
tentar seduzi-las. E, com efeito, os jovens Casanovas não tardaram a acabar
nas camas das inglesas. Quando se despediram das suas amantes, um dos
palestinos pediu à sua que levasse para Israel um pequeno gira-discos,
como presente para a família dele na Cisjordânia. A insensata moça
concordou prontamente, e o gira-discos foi devidamente enviado com a
restante bagagem das senhoras no balcão da El Al no aeroporto de Roma. O
que elas não sabiam era que Zwaiter e seus encantadores amantes as tinham
mandado para a morte. Sob supervisão de Zwaiter, o pessoal do Setembro
Negro desmontou o toca-discos, encheu-o de explosivos e voltou a colocá-
lo numa caixa novinha em folha. O dispositivo estava programado para
explodir assim que o avião alcançasse a altitude de cruzeiro. O avião e
todos os seus passageiros estavam condenados.
Felizmente, os terroristas não sabiam que, depois de um avião
transatlântico da Swissair destinado a Israel ter explodido devido a um
dispositivo semelhante, os compartimentos de bagagem dos aviões da El Al
tinham sido revestidos de proteção espessa para que nenhuma explosão
conseguisse destruir o avião. O toca-discos explodiu efetivamente, mas o
rombo foi contido pela armadura. O piloto da El Al, alertado por uma luz
vermelha intermitente, regressou imediatamente ao aeroporto.
As atordoadas moças inglesas foram interrogadas e revelaram seu
envolvimento com os deslumbrantes amantes palestinos. Contudo, os dois
há muito que tinham saído de Itália, após sua dolorosa despedida das moças
que tinham enviado à morte.
Os primeiros grupos da equipe de assassinato chegaram a Roma e
seguiram Zwaiter durante vários dias. Um jovem casal passeou em frente à
embaixada líbia e a mulher acionou uma câmera escondida na mala sempre
que Zwaiter entrava ou saia. Alguns “turistas” chegaram a Roma em vários
voos. Um deles, um canadense de 47 anos chamado Anthony Hutton,
alugou um carro na Avis e disse ao empregado que estava hospedado no
Hotel Excelsior, na Via Veneto. Se tivesse verificado a informação, o
empregado descobriria que não havia ninguém com aquele nome no
Excelsior, como também não estavam lá outros “turistas” que alugaram
carros nessa mesma semana e deram endereços falsos às locadoras.
Na noite de 16 de outubro, Zwaiter regressou a casa e estava prestes
a pôr uma moeda de 10 liras para acionar o elevador. A entrada era escura e
alguém no terceiro andar tocava uma melodia melancólica no piano.
Subitamente, dois homens emergiram das sombras e enfiaram 12
balas de Beretta 0.22 no corpo de Zwaiter. Ninguém ouviu os disparos; os
dois agentes saltaram para um Fiat 125 estacionado na Piazza Annibaliano.
Poucas horas depois já tinham saído do país.
Agora que Zwaiter fora assassinado, sua cobertura deixava de ser
necessária. Um jornal de Beirute publicou o obituário, assinado por várias
organizações terroristas que choraram Zwaiter como “um dos nossos
melhores combatentes”.
O líder da pequena equipe que matou Zwaiter era um israelense na
casa dos 20 anos chamado David Molad (nome fictício). Nascera na Tunísia
e emigrara para Israel ainda criança. Dos pais, ambos professores e
sionistas, herdara um domínio perfeito do francês, um amor profundo e
intensamente emocional pelo Estado de Israel e um patriotismo ardente.
Desde tenra idade, David sonhara servir Israel, mesmo que para isso tivesse
de correr risco de vida. No Exército, oferecera-se para uma equipe de elite
de operações especiais das Forças Armadas israelenses e impressionara os
comandantes com a sua coragem e criatividade. Depois da recruta, entrara
no Mossad e rapidamente se tornara um dos seus melhores agentes,
participando nas operações mais perigosas. Devido à sua fluência em
francês, podia facilmente tomar uma identidade francesa, belga, canadense
ou suíça. Casou jovem e não tardou a ser pai de um menino. Isso, porém,
não acalmou a sua ânsia de servir na linha da frente das lutas do Mossad.
Depois da morte de Zwaiter, David passou uns dias em Israel, após
os quais apanhou um avião para Paris.
Passaram poucos dias até o telefone tocar num apartamento do
número 175 da rue d’Alésia, em Paris. O Dr. Mahmoud Hamshari atendeu a
chamada. “Fala o Dr. Hamshari, representante da OLP [Organização de
Libertação da Palestina] em França?” A voz tinha um forte sotaque italiano.
O homem apresentou-se como jornalista italiano que simpatizava
com a causa palestina e pediu para entrevistar Hamshari. Concordaram
encontrar-se num café longe da casa de Hamshari.
O Dr. Hamshari, um respeitado historiador que vivia em Paris com a
sua mulher francesa, Marie-Claude, e a menina de ambos, tomara sérias
precauções nos últimos tempos. Quando caminhava pela rua, procurava
continuamente pessoas que pudessem estar a segui-lo; saía dos cafés e
restaurantes antes de receber tudo o que pedira; inquiria muitas vezes os
vizinhos sobre estranhos que pudessem ter perguntado por ele.
À primeira vista, não tinha nada com que se preocupar. Era um
acadêmico, homem moderado, bem integrado nos círculos intelectuais
parisienses. “Não precisa de tomar nenhuma precaução”, escreveu Annie
Francos no semanal Jeune Afrique, “porque não é perigoso. Os serviços
secretos israelenses sabem-no bem”.
Todavia, os serviços secretos israelenses sabiam mais coisas. Por
exemplo, que Hamshari participara na tentativa gorada de assassinar Ben-
Gurion na Dinamarca, em 1969; que estivera envolvido na explosão em
pleno ar de um avião da Swissair em 1970, que tirara a vida a 47 pessoas;
que tinha ligações a misteriosos jovens árabes que costumavam entrar
sorrateiramente no seu apartamento, à noite, transportando malas pesadas.
Os serviços secretos israelenses também sabiam que Hamshari era
agora o segundo nome na linha de comando do Setembro Negro na Europa.
Portanto, no dia em que Hamshari saiu de casa para ser entrevistado
pelo jornalista italiano, uma duplas entrou sorrateiramente no apartamento e
saiu 15 minutos depois.
No dia seguinte, os estranhos esperaram que a mulher e a filha de
Hamshari saíssem do apartamento e ele ficasse lá sozinho. O telefone tocou,
e Hamshari pegou no receptor.
“Dr. Hamshari?”, perguntou novamente o jornalista italiano.
“Sim, é o próprio.”
Naquele instante, Hamshari ouviu um uivo agudo — e logo a seguir
uma explosão estrondosa. Uma carga explosiva escondida sob sua mesa
explodiu e Hamshari caiu, gravemente ferido. Poucos dias depois, morreu
no hospital, não sem antes acusar o Mossad de sua morte.
Poucas semanas após a morte de Hamshari, Mike Harari e um
homem chamado Jonathan Ingleby chegaram à ilha de Chipre. Deram
entrada no Hotel Olympia, em Nicósia. O Chipre tornara-se recentemente
um campo de batalha entre agentes israelenses e árabes, devido à sua
localização, próxima de Israel, Síria, Líbano e Egito. Desta feita, os dois
agentes israelenses seguiam um palestino de nome Hussein Abd el Hir.
Poucos meses antes, Abd el Hir tinha sido nomeado representante do
Setembro Negro no Chipre. Também tinha a seu cargo as relações com a
União Soviética e as nações do Bloco de Leste que se haviam convertido
num paraíso e abrigo para os terroristas. Na Rússia, na Checoslováquia,
Hungria e Bulgária, havia terroristas palestinos a treinar nas instalações do
exército e unidades de forças especiais. Desses países, chegavam
carregamentos de armas e equipamento para as organizações terroristas; e
havia uma boa quantidade de líderes palestinos, crentes entusiásticos na
ideologia soviética, que estudavam na Universidade Patrice Lumumba, em
Moscou.
Abd el Hir também era responsável pela infiltração de terroristas em
Israel e pela eliminação de espiões árabes que fossem ao Chipre encontrar-
se com os seus contatos israelenses. O Comitê X sentenciou-o à morte.
Naquela noite, Abd el Hir entrou no quarto de hotel, apagou as luzes
e foi se deitar. Jonathan Ingleby certificou-se de que o homem adormecera
e, depois, apertou um botão num controle remoto. O hotel tremeu com uma
explosão avassaladora. Num quarto no terceiro andar, um casal de
israelenses em plena lua de mel refugiou-se imediatamente debaixo da
cama. O recepcionista correu ao quarto de Abd el Hir. Quando a fumaça se
dissipou, a cena terrível que viu o fez desmaiar: a cabeça sangrenta de Abd
el Hir fitava-o, presa no vaso.
A vingança do Setembro Negro foi instantânea.
Em 26 de janeiro de 1973, um israelense de nome Moshe Hanan
Ishai encontrou-se com um amigo palestino no Morrison Pub, na Calle Jose
Antonio, em Madrid. Depois de saírem, apareceram à frente deles dois
homens que lhes bloquearam a passagem. O palestino fugiu e os dois
homens puxaram de armas, cravejaram Ishai de balas e desapareceram.
Só alguns dias depois é que se soube que o verdadeiro nome de Ishai
era Baruch Cohen, agente veterano do Mossad que tinha estabelecido uma
rede de estudantes palestinos em Madrid. O jovem com quem se encontrara
no pub era um dos seus informantes, que na verdade tinha sido introduzido
na rede pelo Setembro Negro. Os camaradas vingaram a morte de Abd el
Hir com a de Baruch Cohen.
O Setembro Negro também foi dado como responsável pelo atentado
a Zadok Ophir, outro agente israelense, num café de Bruxelas, e pelo
assassinato do Dr. Ami Shechori, adido da Embaixada de Israel em
Londres, por carta-bomba.
Duas semanas após a morte de Abd el Hir, o Setembro Negro
nomeou um agente novo no Chipre. Mal tinham passado 24 horas desde a
sua chegada a Nicósia quando o palestino se encontrou com o contato do
KGB, regressou ao hotel, apagou a luz — e morreu da mesma maneira que
o predecessor.
Arafat e Ali Hassan Salameh decidiram, por conseguinte, levar a
cabo um ato de vingança desmedido. Planearam desviar um avião, carregá-
lo de explosivos e fazer um comando suicida pilotá-lo até Israel. O avião
despenhar-se-ia então no centro de Tel Aviv, com a morte de centenas de
pessoas. Foi uma versão preliminar do ataque do 11 de setembro às Torres
Gêmeas, em Nova York.
Os informantes do Mossad tiveram conhecimento dos preparativos, e
vários agentes começaram a seguir em Paris um grupo de palestinos que
estavam, aparentemente, a cargo do projeto. Certa noite, os agentes
repararam num velho que se juntara ao grupo. Enviaram fotos do homem
para o quartel-general do Mossad e o estranho foi identificado como Basil
Al-Kubaissi, líder de topo do Setembro Negro. Al-Kubaissi era um jurista
muito conhecido, professor de Direito na Universidade Americana de
Beirute, um acadêmico respeitado. Porém, também ele, à semelhança de
Zwaiter, Hamshari e alguns outros, era um lobo disfarçado de cordeiro. Em
1956, tentara assassinar o rei Faisal do Iraque com um carro cheio de
explosivos lançado no caminho da caravana real. A bomba explodiu
prematuramente e Al-Kubaissi fugiu para o Líbano e, depois, para os
Estados Unidos. Uns anos mais tarde, tentou assassinar Golda Meir, então
de visita ao mesmo país. Quando esse objetivo falhou, tentou assassinar
Meir na reunião da Internacional Socialista em Paris. Novo fracasso. Al-
Kubaissi não desistiu. Aderiu à Frente Popular de Libertação da Palestina e
tornou-se adjunto de George Habash, chefe desse grupo terrorista.
Participou no planejamento do massacre de 30 de maio de 1972, em que
passageiros inocentes no aeroporto de Lod foram atacados por terroristas
árabes e japoneses. Morreram 26 pessoas no ataque, a maioria das quais
peregrinos porto-riquenhos à Terra Santa. Posteriormente, Al-Kubaissi
aderiu ao Setembro Negro, e estava então em Paris, provavelmente para
comandar a operação do avião suicida. Deu entrada num pequeno hotel na
rue des Arcades, perto da Place de la Madeleine.
Em 6 de abril, depois de jantar no Café de la Paix, Al-Kubaissi fez o
caminho de regresso ao hotel. A equipe de assassinato do Mossad esperava-
o na place de la Madeleine. Duas pessoas estavam na rua e outras duas num
carro. Uma usava uma peruca loura. Quando Al-Kubaissi se aproximou, os
dois agentes caminharam para ele, desengatando as armas. E foi quando o
inesperado aconteceu. Um carro ostentoso parou junto a Al-Kubaissi e uma
jovem bonita debruçou-se da janela. Os dois trocaram umas frases e Al-
Kubaissi entrou no carro, que se afastou imediatamente. Os agentes
frustrados perceberam que a mulher era uma prostituta que acabara de
seduzir Al-Kubaissi.
Toda a operação falharia redondamente por causa de uma prostituta!
Porém, o comandante da equipe, ali presente, acalmou os seus
desapontados guerreiros. Esperem, que ela já o traz de volta, disse ele,
sensatamente. Não lhe perguntaram como é que ele tinha a certeza disso,
mas o fato é que acertou. Mal 20 minutos tinham passado quando o carro
regressou. Al-Kubaissi despediu-se da prostituta e começou a caminhar
para o hotel. Dera poucos passos quando dois homens emergiram da sombra
e lhe bloquearam a passagem. Um deles era David Molad.
Al-Kubaissi percebeu imediatamente. “Não!”, gritou em francês.
“Não! Não façam isso!”
O corpo de Al-Kubaissi foi perfurado por nove balas e caiu aos pés
da Igreja da Madeleine. Os agentes do Mossad saltaram para dentro do
carro de fuga e fugiram da praça.
No dia seguinte, tal como no caso de Zwaiter, o porta-voz da Frente
Popular de Libertação da Palestina revelou o verdadeiro papel do professor
de Direito.
Nos meses seguintes, Molad e os membros do Kidon mataram vários
enviados do Setembro Negro que tinham ido à Grécia comprar navios,
carregá-los com explosivos e navegá-los até portos israelenses.
Mas uma pergunta continuava sem resposta: Onde estava o arquiteto
do atentado de Munique? Onde estava Salameh?
Salameh estava no seu quartel-general, em Beirute, a planejar as
jogadas seguintes. A primeira era a tomada da Embaixada de Israel na
Tailândia por uma equipe do Setembro Negro. Contudo, a operação saiu
gorada; ameaçados pelos duros generais tailandeses e pressionados pelo
embaixador egípcio em Banguecoque, os terroristas libertaram os seus
reféns e saíram da Tailândia completamente humilhados.
A operação seguinte de Salameh foi mais irrefletida: seus homens,
armados até os dentes, irromperam pela embaixada saudita em Cartum, no
meio de uma festa de despedida de um representante europeu, e capturaram
quase todo o corpo diplomático da capital sudanesa. Por ordem de Arafat,
libertaram a maioria dos reféns e mantiveram apenas o embaixador
americano, Cleo A. Noel, o chefe da missão americana, George C. Moore, e
o embaixador belga, Guy Eid. Cumprindo instruções de Salameh,
assassinaram-nos com uma crueldade terrível, disparando primeiro nos pés
e nas pernas das vítimas e subindo depois lentamente os canos das
espingardas de assalto kalashnikov até abrirem o peito das vítimas.
Os terroristas foram presos após o massacre, mas o Governo sudanês
libertou-os semanas depois.
O mundo reagiu com fúria e repugnância ao assassinato chocante
dos diplomatas. Israel sentiu que era tempo de desferir um golpe fatal ao
Setembro Negro.
Em Jerusalém, Golda Meir deu luz verde para a “Operação Fonte da
Juventude”, uma nova fase da “Operação Ira Divina”.
A 1 de abril de 1973, um turista belga de 35 anos chamado Gilbert
Rimbaud, deu entrada no Hotel Sands, em Beirute. No mesmo dia, Dieter
Altnuder, outro turista, registrou-se no mesmo hotel. Os dois homens não
sabiam, aparentemente, nada um do outro; a ambos foram dados quartos
com vista para o oceano.
A 6 de abril, chegaram mais três turistas ao hotel. O garboso e
impecavelmente vestido Andrew Whichelaw era britânico; David Molad,
que chegou duas horas depois no voo de Roma, apresentou um passaporte
belga em nome de Charles Boussard. George Elder, que chegou ao início da
noite, também era britânico, mas assaz diferente do seu compatriota.
Charles Macy, outro turista britânico, deu entrada no Hotel Atlântico, na
praia de El-Baida.
E, como um verdadeiro inglês, fazia perguntas sobre a previsão
meteorológica duas vezes por dia.
Os seis homens visitaram Beirute, caminharam pelas ruas e
familiarizaram-se com as principais artérias de trânsito, cada um por si. Nas
agências Avis e Lenacar, alugaram três Buick Skylarks, uma van Plymouth,
um Valiant e um Renault-16.
A 9 de abril, uma esquadrilha de nove navios lança-mísseis e
embarcações de patrulha da Marinha israelense navegaram rumo ao mar-
alto e entraram nas linhas de trânsito internacionais. O MB Mivtah
transportava uma unidade paraquedista, sob o comando do coronel Amnon
Lipkin, que devia atacar o quartel-general da Frente Popular de Libertação
da Palestina. Outras duas unidades vinham no MB Gaash: outro pelotão
paraquedista e a unidade de elite Sayeret Matkal, sob ordens do coronel
Ehud Barak. Tinham uma missão diferente. Antes de embarcar, todos
tinham recebido fotografias de quatro pessoas: três eram Abu Yussef,
comandante supremo do Setembro Negro; Kamal Adwan, comandante das
maiores operações da Fatah e responsável pelas operações do Setembro
Negro nos territórios ocupados pelos israelenses; e Kamal Nasser, principal
porta-voz da Fatah. Os três, segundo se disse aos soldados, moravam no
mesmo edifício, na rue Verdun.
A quarta fotografia era de Ali Hassan Salameh. Ninguém sabia onde
ele estava.
Os comandos trajavam roupa civil. Às nove e meia da noite,
conforme os navios se aproximaram de Beirute, puseram perucas e
vestuário hippie. Ehud Barak pôs um vestido, para parecer uma morena
voluptuosa; no soutien, levava escondidas várias cargas explosivas.
Do escuro emergiram várias balsas de borracha, na praia deserta de
Beirute, trazendo os paraquedistas dos navios. À sua frente, estes viram os
seis carros, com cada um dos “turistas” escondido atrás de cada volante.
Todos os soldados sabiam em que carro deviam entrar. Numa questão de
minutos, os carros tomaram direções diferentes. Alguns viraram para o
quartel-general da Frente Popular. Outros veículos, um dos quais conduzido
por Molad, dirigiram-se para o edifício onde os líderes do Setembro Negro
viviam.
A unidade militar de operações especiais que se dirigiu para o
quartel— general da Frente Popular tinha ensaiado o ataque num edifício
em construção num subúrbio de Tel Aviv. Certa noite, quando assistira ao
treino, o chefe de Estado-Maior David (Dado) El’azar abordara um tenente
jovem e bonito chamado Avida Shor. “Vamos usar 120 quilos de explosivos
para mandar abaixo o edifício em Beirute”, disse Avida. “Mas isso é
desnecessário e perigoso. A explosão vai afetar edifícios vizinhos, e há lá
muitos civis.” Tirou um bloco de notas do bolso. “Fiz umas
contas. Deviamos usar apenas 80 quilos de explosivos. Isso manda o
edifício abaixo, sem ferir pessoas inocentes em outras casas.” El’azar
mandou verificar os cálculos e concordou com a sugestão de Shor. Instruiu
o comandante da operação a usar uma carga máxima de 80 quilos.
Os paraquedistas chegaram ao quartel-general da Frente Popular.
Após um curto tiroteio em que dois comandos israelenses perderam a vida,
os paraquedistas tomaram a entrada do edifício e deixaram lá 80 quilos de
explosivos. A explosão transformou o edifício numa pilha de ruínas e
matou muitos terroristas. Nenhum edifício vizinho foi atingido.
Um dos comandos que morreram foi o tenente Avida Shor.
Ao mesmo tempo, outras unidades paraquedistas e comandos navais
atacavam vários campos terroristas a sul de Beirute, num movimento de
diversão cujo intuito era provocar uma resposta dos terroristas e do Exército
libanês. Não houve resposta nenhuma.
Entretanto, os comandos da Sayeret Matkal chegavam ao edifício da
rue Verdun. Estavam prestes a entrar, quando passaram dois polícias
libaneses.
Estes viram apenas um casal de namorados ternamente abraçados na
calçada.
O Romeu era nada mais nada menos que Muki Betzer, um dos
melhores lutadores da Sayeret, e a sua curvilínea Julieta era Ehud Barak.
Assim que os policiais dobraram a esquina, os israelenses entraram no
edifício. Arrombaram em simultâneo os apartamentos de Kamal Adwan, no
segundo andar, de Kamal Nasser, no terceiro, e de Abu Yussef, no sexto.
Os líderes terroristas não tiveram hipótese. Quando os paraquedistas
arrombaram a porta dos seus apartamentos, lançaram-se em busca das
armas mas os soldados foram mais rápidos. Em poucos minutos, os três
terroristas estavam mortos. A mulher de Abu Yussef tentou protegê-lo com
o corpo e também foi atingida. Outra baixa foi uma velhota italiana que
vivia no apartamento em frente ao de Adwan. Quando ouviu os disparos,
abriu a porta e foi atingida por uma saraivada de balas.
Durante a operação, os comandos tomaram posse de documentos que
encontraram nos armários e gavetas dos líderes do Setembro Negro.
Depois, pegaram nos feridos e nos mortos e correram para os carros que
regressariam à praia, onde as balsas de borracha os esperavam.
Na praia, os seis “turistas” do Mossad estacionaram os carros
alugados numa fila ordenada, deixando as chaves na ignição. Pouco tempo
depois, as empresas de aluguel receberam o pagamento via American
Express.
A força de ação reuniu-se no navio-mãe e navegou para Israel. A
operação foi um êxito. O quartel-general da Frente Popular de Libertação
da Palestina foi apagado do mapa e os líderes do Setembro Negro foram
mortos; entre eles, estava Abu Yussef, comandante da organização.
O que os comandos não sabiam, porém, era que Ali Hassan Salameh
dormia tranquilamente num apartamento discreto a uns meros 50 metros da
casa da rue Verdun. Não foi incomodado. No dia seguinte, quando a morte
de Abu Yussef foi anunciada, Salameh tomou-se líder do Setembro Negro.
A “Operação Fonte da Juventude” anunciou o fim do Setembro
Negro. A organização nunca recuperaria. Afinal de contas, tinham morrido
todos os seus líderes.

Todos menos um.


Em Tel Aviv, os documentos conseguidos durante a “Operação Fonte
da Juventude” ajudaram a resolver um mistério que tinha preocupado o
Mossad nos dois anos anteriores. Era o caso Páscoa.
Em abril de 1971, duas bonitas jovens francesas aterrissaram no
aeroporto de Lod e tentaram passar pelos serviços da imigração com
passaportes franceses falsos. A segurança do aeroporto já fora avisada da
chegada delas. As moças foram levadas para uma sala secundária, onde
foram revistadas por mulheres-polícia e oficiais femininos do Shabak. A
busca revelou algo estranho: a roupa das mulheres, inclusive a roupa
interior, pesava o dobro do que seria de esperar. As mulheres-polícia
descobriram que o vestuário das francesas estava saturado com um pó
branco. Parecia que as roupas tinham sido imersas numa solução espessa
que continha o pó branco. Quando se sacudia e esfregava a roupa, caiam
grandes quantidades de pó. Encontrou-se ainda mais pó branco nos saltos
dos sapatos requintados das senhoras. As duas jovens carregavam cerca de
cinco quilos de pó branco que revelou ser um explosivo plástico muito
forte. Numa caixa de tampões, numa das malas das jovens, a polícia
encontrou vários detonadores.
As moças não resistiram ao interrogatório e admitiram que eram
irmãs, filhas de um empresário rico de Marrocos. Chamavam-se Nadia e
Madeleine Bardeli. Tinham sido contactadas por um homem, em Paris, e,
aventurosas por natureza, concordaram contrabandear o pó.
“E quem são os vossos cúmplices?”, perguntaram os detetives da
polícia.
Nessa tarde, vários policiais percorreram o pequeno Hotel
Commodore em Tel Aviv e prenderam um velho casal francês chamado
Pierre e Edith Bourghalter. Quando desmontaram o transistor do casal,
descobriram que o seu interior fora preenchido por fusíveis de ação
retardada, para o fabrico de cargas explosivas. Pierre Bourghalter desatou a
chorar.
No dia seguinte, o comandante da operação também aterrissou cheio
de confiança em Israel: era uma francesa atraente, de 26 anos, na posse de
um passaporte em nome de Francine Adeleine Maria. Na verdade,
chamava-se Evelyne Barges e o Mossad conhecia-a como terrorista
profissional, uma marxista fanática que já participara em vários ataques
terroristas na Europa.
Quando interrogados pela polícia, os membros da chamada “Equipa
Páscoa” confessaram que a sua intenção era rebentar as cargas explosivas
plásticas em nove grandes hotéis de Tel Aviv, na época alta do turismo, e
matar tantos turistas e israelenses quanto possível, desferindo um golpe
fortíssimo contra Israel.
O simpático grupo foi preso, mas o homem que puxava os
cordelinhos não fora apanhado. Chamava-se Mohammad Boudia, um
argelino encantador, diretor de um teatro de Paris e, ele próprio, ator. Mais
uma vez, um Dr. Jekyll e Mr. Hyde: um homem de cultura, intelectual e
artista cuja vida em palco não era senão uma cobertura das suas atividades
criminais. Era amante de Evelyne Barges e estava envolvido em tantos
casos amorosos que os agentes do Mossad lhe chamaram “Barba Azul”.
Boudia começara por receber ordens de George Habash e da Frente
Popular de Libertação da Palestina. Um ano depois de a Equipa Páscoa ter
sido capturada, Boudia aderira à Setembro Negro e fora nomeado chefe da
organização em França. Esteve envolvido no homicídio de Khader Kanou,
um jornalista sírio em Paris que se suspeitava ser informante do Mossad.
Boudia também tinha a seu cargo as operações do Setembro Negro
na Europa e planeava um ataque a um campo de transição para imigrantes
judeus na Rússia. Depois do assassinato de Hamshari, Boudia tomou
precauções extremas. Segui-lo tomou-se incrivelmente difícil.
Em maio de 1972, uma equipe de assassinato do grupo da Massada
chegou a Paris e tentou encontrar Boudia. Sabiam o nome e o endereço da
nova namorada de Boudia. Os agentes esperaram pacientemente na esquina
do edifício onde ela vivia. Finalmente, Boudia saiu do nada e entrou
sorrateiramente. Contudo, no dia seguinte, quando os moradores saíram
para trabalhar, ele não estava entre eles! Só após um mês frustrante, quando
compararam as notas que tomaram, é que os agentes repararam num
pormenor estranho: todas as manhãs que se seguiam às noites tórridas de
Boudia com a amante, havia entre as pessoas que saiam do prédio uma
mulher alta e grande. Por vezes, era loura, por vezes morena... Por fim, os
agentes desvendaram o enigma: com o seu talento de ator, Boudia
disfarçava-se de mulher antes de sair do edifício.
Mas agora, por alguma razão, ele deixara de visitar a namorada, e o
Mossad perdeu-lhe o rastro. A única pista que tinham era que ele ia de
metro, todas as manhãs, para as suas reuniões, e apanhava o trem na estação
Etoile, sob o Arco do Triunfo. Essa estação de metro era enorme, passavam
por ela quantidades infindáveis de trens; milhões de pessoas percorriam as
suas passagens subterrâneas para trocar de linhas. Como é que iam
descobrir Boudia, “o homem das mil caras”?
Não havia outra escolha, contudo. O Mossad alertou os seus agentes
espalhados pela Europa. Inúmeros israelenses receberam as fotografias de
Boudia e posicionaram-se nos corredores, passagens, átrios e plataformas
da gigante estação Etoile. Passou um dia, depois dois e três, e nada
aconteceu.
Mas, ao quarto dia, um dos agentes viu Boudia — disfarçado, mas
ainda assim o homem que procuravam. Dessa vez, colaram-se-lhe como
sombras até ele entrar no carro, estacionado perto da saída do metro.
Seguiram o carro e vigiaram-no durante a noite, enquanto Boudia estava
numa casa na rue des Fossés Saint-Bernard, provavelmente o endereço da
sua nova namorada. Na manhã seguinte, a 29 de junho de 1973, Boudia
aproximou-se do carro, inspecionou-o exaustivamente do exterior, espreitou
sob o chassis e, aparentemente satisfeito, abriu a porta e sentou-se ao
volante. Uma explosão ensurdecedora transformou o carro numa pilha de
metal revirado e negro, matando Boudia. Segundo jornalistas europeus, Zvi
Zamir, o ramsad, assistiu à explosão de uma esquina próxima.
Mas os chefes do Mossad não tiveram tempo de festejar o seu êxito.
Chegara uma mensagem urgente ao quartel-general: um mensageiro
especial do Setembro Negro, o argelino Ben Amana, recebera ordens para
se encontrar com Ah Hassan Salameh. Ben Amana atravessara a Europa
numa rota estranha e tortuosa, e chegara a Lillehammer, uma cidade de
veraneio na Noruega.
Uns dias depois, a equipe de assassinato do Kidon, sob o comando
de Mike Harari, estava em Lillehammer. Ninguém fazia ideia do que
Salameh fazia na pacata cidade montanhosa. O primeiro grupo seguiu Ben
Amana até a piscina da cidade e viu-o estabelecer contato com um homem
que parecia ser do Oriente Médio. Três membros do grupo observaram as
fotografias que tinham e concluíram que o homem era, indubitavelmente,
Salameh.
Rejeitaram a opinião do quarto colega, que tinha ouvido o homem
falar com outras pessoas e sublinhara que era impossível que Salameh
falasse norueguês.
Mas os agentes estavam arrogantemente seguros de sua
identificação.
Seguiram Salameh pelas ruas de Lillehammer e viram-no na
companhia de uma jovem norueguesa grávida.
A operação entrou na fase final. Chegaram mais agentes de Israel;
Zvi Zamir estava entre eles. A eliminação de Salameh seria o último passo
na destruição total do Setembro Negro, e Zvi Zamir queria assistir ao
grande final. Os assassinos seriam o eterno Jonathan Ingleby, Rolf Baehr e
Gerard Emile Lafond. David Molad, porém, não participou na operação. O
grupo auxiliar alugou carros e quartos de hotel. Alguém fez notar que os
moradores da cidade repararam imediatamente na atividade incomum. A
presença em Lillehammer de tantos “turistas” com carros acelerando em
todas as direções não era uma visão muito comum em Lillehammer durante
o verão.
Em 21 de julho de 1973, Salameh e a sua amiga grávida saíram de
um cinema onde tinham visto Clint Eastwood, em O Desafio das Águias. O
casal pegou o ônibus e desceu numa rua calma e deserta. Subitamente, um
carro branco freou a seu lado. A seguir, dois ou três homens saltaram de
armas Beretta na mão, e pulverizaram o corpo de Salameh com 14 balas.
O Príncipe Vermelho estava morto.
Assim que a operação terminou, Mike Harari ordenou a seus homens
que saíssem imediatamente da Noruega. A retirada decorreu conforme as
regras: os assassinos saíram primeiro, abandonando o carro branco no
centro de Lillehammer, e embarcado nos primeiros voos para fora de Oslo,
a capital.
A maioria dos agentes e Mike Harari partiram a seguir, deixando
para trás a equipe encarregada de esvaziar as casas de segurança e devolver
os carros alugados. Porém, uma ocorrência inesperada virou tudo do avesso.
Uma mulher que morava perto do local do tiroteio reparou na cor — branco
— e na marca — Peugeot — do carro dos assassinos. Um policial
responsável por um bloqueio de estrada entre Lillehammer e Oslo viu um
Peugeot branco dirigido por uma mulher muito atraente e anotou a placa do
carro. No dia seguinte, quando o carro foi devolvido na locadora do
aeroporto, a polícia prendeu os ocupantes, Dan Aerbel e Marianne
Gladnikoff. Seu interrogatório levu à captura de mais dois agentes, Sylvia
Raphael e Avraham Gemer. Outros dois agentes foram presos no mesmo
dia. Aerbel e Gladnikoff cederam sob o interrogatório intensivo.
Revelaram informações ultrassecretas da operação, endereços de
casas de segurança na Noruega e pela Europa toda, regras de conspiração,
números de telefone, e modus operandi do Mossad. A polícia foi a um
apartamento em Oslo e descobriu uma vasta coleção de documentos. E
descobriu também que Ig’al Eyal, responsável de segurança da Embaixada
de Israel, tinha uma ligação com o Mossad. Foi um desastre.
No dia seguinte, a imprensa da Noruega publicou a notícia das
prisões dos agentes israelenses. Foi um golpe terrível no prestígio e na
credibilidade do Mossad. Mas a imprensa publicou outra notícia, ainda mais
devastadora do que a primeira: o Mossad matara o homem errado.
O homem assassinado em Lillehammer não era Ali Hassan Salameh.
Chamava-se Ahmed Bushiki e era um garçom marroquino que viera
para a Noruega à procura de trabalho. Casara-se com uma norueguesa loura
chamada Torril, que estava entretanto grávida de sete meses.
Os jornais de todo o mundo fizeram parangonas sensacionalistas. Os
agentes capturados foram julgados, e alguns condenados a longas penas de
cadeia. Um deles, Sylvia Raphael, causou grande impacto nos noruegueses,
pela sua aparência orgulhosa e nobre. O julgamento proporcionou-lhe um
prêmio inesperado: apaixonou-se pelo seu advogado norueguês e, após a
libertação da cadeia, casou-se com ele e viveu feliz até morrer de cancro,
em 2005.
Após o fiasco de Lillehammer, os chefes do Mossad foram obrigados
a limpar a casa — mudar regras de conspiração, abandonar casas de
segurança, estabelecer novos contatos... Tiveram de admitir a sua
responsabilidade pela morte da Ahmed Bushiki e pagar 400.000 dólares à
família. O pior, porém, era que a lenda da gloriosa e invencível Mossad fora
estilhaçada.
Golda Meir ordenou a Zvi Zamir que terminasse imediatamente
a “Operação Ira Divina”. Porém, não tardou que o fracasso fosse
obscurecido por acontecimentos mais dramáticos. Em 6 de outubro, os
exércitos do Egito e da Síria lançaram um ataque-surpresa a Israel.
Começara a Guerra do Yom Kippur. (Ver Capítulo 14.)

Passaram-se dois anos.


Numa noite amena de primavera, em 1975, uma família de Beirute
recebia a mulher mais bonita do mundo. Georgina Rizk merecia, sem
sombra de dúvidas, o título, uma vez que fora eleita, quatro anos antes,
“Miss Universo” no vistoso concurso de beleza de Miami Beach, na
Florida. A lindíssima beleza libanesa conquistara fama, prêmios, viagens,
encontros com líderes mundiais. De volta ao Líbano, desenvolvera uma
carreira brilhante como supermodelo e proprietária de lojas de moda.
Nessa noite, na casa dos amigos, conheceu um jovem atraente e
carismático. Apaixonaram-se. Dois anos depois, em 8 de junho de 1977,
casaram-se. O feliz noivo era Ali Hassan Salameh.
A carreira dele também tinha corrido de vento em popa nos anos
anteriores. No final de 1973, o Setembro Negro deixou de existir. A
despeito do colapso de sua organização, Salameh tornara-se o braço-direito
de Arafat e seu “filho adotivo”. Corria um rumor de que seria nomeado
sucessor de Arafat como chefe da OLP.
Depois da queda do Setembro Negro, Salameh foi nomeado chefe
da “Força Dezessete”, responsável pela segurança pessoal dos líderes da
Fatah e por todos os golpes de mão heterodoxos. Salameh acompanhou
Arafat numa viagem a Nova York. Arafat entrou na Assembleia Geral das
Nações Unidas com um ramo de oliveira na mão mas trazendo uma arma no
cinto.
Salameh também esteve ao lado de Arafat quando este foi a Moscou
e se encontrou com líderes mundiais poderosos. Para espanto de Israel, foi
sondado pela CIA.
Em mais um dos seus grandes descuidos, a CIA decidiu ignorar o
passado sangrento do Príncipe Vermelho, o papel dele no massacre de
Munique, o assassinato selvagem de diplomatas americanos em Cartum que
ele planejara, o simples fato de ser um dos terroristas mais perigosos do
mundo, e recrutou Salameh como informante. A CIA esperava que Salameh
se tornasse um leal servidor dos interesses americanos. A agência ofereceu
centenas de milhares de dólares a Salameh, mas este recusou. Em
contrapartida, concordou em passar longas férias com Georgina no Havai, a
expensas da agência.
A vida de Salameh mudou, e os seus amigos tinham começado a
acreditar que ele já não corria risco de vida. Mas Salameh sentia que tinha
os dias contados. Não parava de falar sobre a morte. “Eu sei”, disse ele a
um jornalista, “que, quando o meu destino for traçado, o fim chegará.
Ninguém poderá me salvar”.
E Israel decidiu traçar seu destino.
Desde a queda do Setembro Negro, tinha havido muitas mudanças
em Israel. Golda Meir saíra, o seu sucessor Yitzak Rabin demitira-se e
estava no poder um novo primeiro-ministro, Menachem Begin. Zvi Zamir
fora substituído no lugar de ramsad pelo general Yitzhak (Haka) Hofi,
antigo comandante da região norte. O terror palestino contra Israel
continuou, em ataques esporádicos. Em 1976, o desvio de um avião da Air
France para Entebbe, no Uganda, resultara numa audaz incursão de
salvamento por paraquedistas israelenses e membros da Sayeret Matkal. Em
1978, terroristas da Fatah aterrissaram em Israel, apoderaram-se de um
ônibus civil e seguiram para Tel Aviv. Foram travados num bloqueio de
estrada, às portas da cidade, e, finalmente, dominados, não sem antes
assassinarem 35 passageiros civis. Outros civis, homens, mulheres e
crianças, foram brutalmente assassinados numa série de incursões
terroristas ao território israelense.
Menachem Begin achava que nenhum terrorista com sangue nas
mãos podia ser deixado em paz. No final da década de 1970, o nome de
Salameh estava novamente na lista dos vingadores.
Um agente do Mossad foi enviado clandestinamente a Beirute e
conseguiu inscrever-se no ginásio em que Salameh treinava. Certo dia, ao
entrar na sauna, viu-se, frente a frente, com Salameh, nu.
A formidável descoberta desencadeou um debate aceso no quartel-
general do Mossad. Salameh, nu, no ginásio, era uma presa fácil. Por outro
lado, qualquer tentativa de o matar ali podia causar a morte de civis. O
plano foi, por conseguinte, abandonado.
É então que entra Erika Mary Chambers.
Erika era uma inglesa solteira, excêntrica e estranha, que vivera na
Alemanha durante os quatro anos anteriores. Chegara a Beirute e alugara
um apartamento no oitavo andar de um edifício, na esquina entre a rue
Verdun e a rue Madame Curie. Os vizinhos tinham-lhe dado a alcunha de
Penélope.
Ela contara que trabalhava como voluntária para uma organização
internacional que cuidava de crianças pobres. E era vista, realmente, em
hospitais e agências humanitárias. Houve quem dissesse mesmo que ela
conhecia Ali Hassan Salameh. Parecia uma mulher muito solitária. Sempre
de cabelo desgrenhado e roupa maltrapilha, Penélope saía para a rua com
pratos cheios de comida para os gatos vadios; também se dizia que o
apartamento estava cheio de seus amigos felinos. Penélope também era
amante da pintura, mas quem via as suas telas rapidamente se dava conta de
que o talento dela era limitado.
Além de pintar paisagens libanesas, porém, o que realmente
interessava a Miss Chambers era o intenso tráfego que passava na estrada
sob suas janelas e, especificamente, a passagem diária de dois carros: uma
van Chevrolet, sempre seguida de um jipe Land Rover. Emcódigo, Erika
anotava escrupulosamente as horas e direções dos movimentos dos
veículos. Todas as manhãs eles vinham do bairro de Snoubra, desciam as
ruas Verdun e Curie, na direção sul, para o quartel-general da Fatah.
Regressavam à hora de almoço e voltavam a aparecer ao início da
tarde, novamente na direção do quartel-general.
Observando os carros com binóculos, Erika identificou Salameh
sentado no banco de trás do Chevrolet, entre dois guarda-costas armados;
no Land Rover que seguia, vinham sempre muitos outros terroristas
armados.
Os guarda-costas de Salameh talvez o pudessem proteger, mas não
podiam salvá-lo do pior inimigo de um agente secreto: a rotina. Desde o
casamento com a bela Georgina, a vida de Salameh caíra num padrão
constante: mudara-se com a mulher para uma casa no bairro de Snoubra, e
ia trabalhar, como um funcionário público, à mesma hora todos os dias,
vinha a casa almoçar e descansar, regressava ao trabalho depois da sesta.
Estava a descurar as regras básicas do secretismo: nunca desenvolver
hábitos regulares, nunca ficar no mesmo endereço muito tempo, nunca usar
o mesmo itinerário duas vezes, nunca viajar à mesma hora do dia.
Em 18 de janeiro de 1979, um turista britânico chamado Peter
Scriver chegou a Beirute, deu entrada no Hotel Mediterranee e alugou um
Volkswagen Golf azul na agência Lenacar. No mesmo dia, Scriver
encontrou-se com um turista canadense chamado Ronald Kolberg, que ficou
no Royal Garden Hotel e alugou um Simca Chrysler, também na Lenacar.
Kolberg era nada mais nada menos do que David Molad. Um
terceiro cliente da popular locadora entrou no escritório no dia seguinte. Era
Erika Chambers, que pediu um carro “para uma viagem às montanhas”.
Deram-lhe um Datsun, que ela estacionou perto de casa.
Nessa noite, três navios lança-mísseis aproximaram-se de uma praia
deserta entre Beirute e o porto de Jounieh, e deixaram na areia molhada
uma grande carga de explosivos. Kolberg e Scriver estavam lá e carregaram
os explosivos para a mala do Volkswagen.
Em 21 de janeiro, Peter Scriver pagou a conta e saiu do seu hotel,
conduziu o Volkswagen azul para a rue Verdun e estacionou-o de forma que
Erika Chambers o visse da janela. Depois, apanhou um táxi para o
aeroporto e embarcou num voo para o Chipre. Ronald Kolberg também saiu
do seu hotel e mudou-se para o Hotel Montmartre, em Jounieh.
Às quatro menos um quarto da tarde, como habitualmente, Ali
Hassan Salameh entrou no Chevrolet. Os seus guarda-costas tomaram o
Land Rover e a pequena caravana de carros dirigiu-se para o quartel-general
da Fatah. Os carros desceram a rue Madame Curie e viraram para a rue
Verdun.
Do oitavo andar do edifício na esquina das duas ruas, Erika
Chambers observava a aproximação dos carros. Molad estava a seu lado,
com um controle remoto na mão.
O Chevrolet passou tranquilamente pelo Volkswagen azul. Nesse
momento, Molad apertou o interruptor no controle remoto.
O Volkswagen explodiu e transformou-se numa enorme bola de
fogo. O Chevrolet, engalfinhado nas chamas, explodiu a seguir. Foram
projetados para cima enormes pedaços de metal e estilhaços de vidro. As
janelas nas casas vizinhas ficaram despedaçadas e sobre a rua choveram
fragmentos de vidro. Os transeuntes viram horrorizados os corpos dos
passageiros do Chevrolet espalhados entre os detritos fumegantes.
Chegaram carros da polícia e ambulâncias ao local e os paramédicos
retiraram do chassis retorcido do Chevrolet os corpos do motorista, dos dois
guarda-costas e de Ali Hassan Salameh.
Em Damasco, um mensageiro perturbado entregou um telegrama
urgente a Yasser Arafat, que presidia a uma reunião no Hotel Meridien.
Arafat leu o telegrama completamente chocado e começou a chorar.
Nessa mesma noite, uma balsa de borracha, lançada de um navio
lança-mísseis, deu à costa na praia de Jounieh. Ronald Kolberg e Erika
Chambers saltaram para a balsa, que os levou para o navio. Poucas horas
depois, estavam em Israel. A polícia libanesa encontrou os carros alugados
estacionados na praia, com as chaves na ignição.
Erika Mary Chambers era o nome verdadeiro de uma agente do
Mossad, judia britânica que vivera em Inglaterra e Austrália antes de
emigrar para Israel, e fora recrutada pelo Mossad na Universidade
Hebraica. Regressou a Israel e nunca mais se ouviu falar dela.
Foi o fim da busca e o fim da “Operação Ira Divina”.
O Setembro Negro estava eliminado.

Muitos anos depois, conheceram-se alguns pormenores da operação.


O general Aharon Yariv admitiu numa entrevista televisiva que aconselhara
a primeira-ministra Golda Meir “a matar tantos líderes do Setembro Negro
quanto possível”. Admitiu que ficou surpreendido pelo fato de “uma
operação militar das nossas forças em Beirute e alguns assassinatos na
Europa terem bastado para que os líderes da Fatah travassem o terrorismo
no estrangeiro. Isso prova que fizemos bem em usar este método por algum
tempo”.
Porém, o assunto melindroso teve um epílogo surpreendente e
promissor.
Certo dia, em 1996, o jornalista israelense Daniel Ben-Simon foi
convidado por amigos para uma animada festa em Jerusalém. Uma vez lá,
conheceu um palestino jovem e simpático, impecavelmente vestido e
falante de inglês.
Este apresentou-se como “Ali Hassan Salameh”.
“Esse é o nome do homem que planejou o massacre dos atletas
israelenses em Munique”, disse Ben-Simon.
“Era o meu pai”, disse o jovem. “Foi assassinado pelo Mossad.”
Contou ao estupefato Ben-Simon que morou muitos anos com a mãe na
Europa e finalmente viera para Jerusalém como convidado de Yasser
Arafat.
“Nunca acreditei que um dia estaria dançando com jovens
israelenses numa festa em Jerusalém”, acrescentou. Descreveu a sua viagem
por Israel, a amável hospitalidade dos israelenses que conhecera e
expressou o desejo de conciliar israelenses e palestinos.
“Sou um homem de paz, cem por cento”, disse o jovem Salameh.
“Meu pai viveu em tempos de guerra e pagou o preço com a vida. Agora,
começou uma nova era. Espero que a paz entre israelenses e palestinos seja
o acontecimento mais importante da vida dos dois povos.”
13. AS VIRGENS SÍRIAS

Numa noite tempestuosa de novembro de 1971, um navio lança-


mísseis da Marinha israelense lutava contra as ondas furiosas do
Mediterrâneo, enquanto abria caminho até a costa síria. Tinha saído da
grande base naval em Haifa ao início da noite, navegado ao longo da costa
libanesa, e entrado em águas territoriais sírias. O navio escurecido passou
pelo porto iluminado de Latakiyeh e manteve o seu rumo ao Norte. Por fim,
acabou por amarrar a uma distância segura de uma praia deserta, perto da
fronteira turca. Do navio em extrema oscilação, emergiram comandos
navais da Esquadrilha 13, que lançaram algumas balsas de borracha à água.
Quando estavam prontos a partir, a porta de uma cabine secundária
fechada abriu e deixou sair três homens vestidos com roupa civil. Tinham
os rostos cobertos com keffiyehs axadrezados e nos sacos impermeáveis
transportavam pequenos transreceptores, passaportes falsos, bens pessoais e
revólveres carregados. Sem dizer uma única palavra, saltaram para as balsas
que iam para a praia. Os comandos ignoravam a identidade deles ou a razão
por que os levavam para a Síria. Quando se aproximaram da costa, pouco
antes do amanhecer, os três civis mergulharam nas águas geladas e nadaram
até a praia. Agacharam-se na zona da rebentação até verem a silhueta de um
homem à sua espera na areia. Nadaram os últimos metros e foram ao seu
encontro. O homem chamava-se Yonatan, nome de código “Próspero”, seu
líder. Trouxera roupa enxuta para os amigos encharcados, que se trocaram
imediatamente. A seguir, levou-os até o carro, escondido ali perto. Um
estranho, aparentemente um ajudante local do Mossad, esperava ao volante.
Ligou o carro e misturou-se habilmente com o tráfego numa das
principais estradas sírias. Poucas horas depois, entraram em Damasco.
registraram-se em dois hotéis. Após um longo sono, reuniram-se e
passaram ao reconhecimento da capital síria. Eram todos antigos comandos
da Esquadrilha 13, e agora agentes do Mossad, e estavam a meio da missão
mais invulgar das suas vidas. Entre eles, estava David Molad.
A operação tinha sido planejada umas semanas antes, no quartel-
general do Mossad em Tel Aviv. O ramsad Zvi Zamir, o diretor da Caesarea
Mike Harari, e alguns chefes de outros departamentos reuniram-se com os
quatro jovens, cujas idades iam de 23 a 27 anos. Eram amigos próximos e
tinham participado em várias operações juntos, combinando as suas
competências de comandos navais com a formação do Mossad. Todos eram
naturais do Norte de África, e falavam impecavelmente francês e árabe.
Chamam a si mesmos
“Cosa Nostra”, como a máfia siciliana. Zamir começou a informá-
los da operação.
Dois anos antes, chegara à Mossad uma mensagem da Síria. Fora
enviada pelos líderes da minguante comunidade judaica. O regime
autocrático do presidente Hafez El-Assad, que tomara o poder em 1970,
oprimia e perseguia os judeus locais. Pouco a pouco, muitos tinham saído
do país, deixando para trás uma comunidade pequena e envelhecida. A
maioria dos homens jovens e capazes tinha fugido da Síria, deixando para
trás moças judias sem esperança de encontrar maridos. A melhor opção
para elas era fugir para Israel.
Algumas das jovens, disse Zamir aos Cosa Nostra, tinham tentado
fugir pelo Líbano, com a ajuda de traficantes. Algumas tinham sido
capturadas, maltratadas, torturadas e até fuziladas. Poucas tinham
conseguido, apesar de tudo, chegar a Beirute. Todas tinham o endereço de
um esconderijo na capital libanesa. Os colaboradores locais do Mossad
tinham cuidado delas até elas poderem seguir para Israel.
Certa noite, no inverno de 1970, um navio lança-mísseis israelense
aproximou-se do porto de Jounieh, a norte de Beirute, e uns pescadores
locais levaram até ele as 12 moças que tinham fugido da Síria.
O comandante do navio israelense era um velho lobo dos mares e
tripulante de submarinos: coronel Avraham (Zabu) Ben-Ze’ev. Antes da
operação, ele e os seus homens tinham treinado intensivamente num
modelo construído numa base da Marinha. A formação fora excelente e a
transferência das 12 moças judias para bordo fora calma e eficaz. Zabu
ordenou aos seus homens que dessem cobertores às moças, que tremiam
terrivelmente assustadas, e lhes servissem sandes e café. A seguir,
navegaram a todo o vapor para Haifa. Ben-Ze’ev aportou às quatro da
manhã e, para sua grande surpresa, viu a figura inconfundível da primeira-
ministra Golda Meir à espera no cais, juntamente com o chefe de Estado-
Maior das Forças Armadas israelenses, general Haim Bar-Lev, e o seu
adjunto, general David (Dado) El’azar. Golda Meir deu uma festa modesta
em honra das moças sírias e ficou profundamente abalada pelas suas
histórias. Durante o ano seguinte, Ben-Ze’ev e o seu sucessor no cargo,
Amnon Gonen, levaram a cabo mais algumas operações para trazer mais
jovens sírias da costa libanesa para Israel. Mas, aparentemente, o
cruzamento da fronteira sírio-libanesa tornara-se muito perigoso, e não se
podia confiar nos traficantes e pescadores árabes.
Golda Meir decidiu então trazer as restantes moças diretamente da
Síria para Israel.
Chamou Zamir e ordenou-lhe que salvasse as moças sírias.
Na reunião com os Cosa Nostra, Zamir disse aos quatro jovens:
“Têm de trazer aquelas meninas. É essa a vossa missão.”
Começou um debate aceso na sala de reuniões. “Será este um
trabalho para agentes do Mossad?”, perguntou um dos rapazes. A tarefa
devia ser dada à Agência Judaica. Outro acrescentou, algo zangado, que o
Mossad não era uma agência matrimonial e os seus agentes não deviam
arriscar a vida no mais perigoso e cruel país árabe do mundo só para
assegurar que umas poucas virgens judias encontrassem noivos.
O ramsad manteve-se inflexível. Relembrou aos seus homens que
salvar as comunidades judaicas em países inimigos era uma das missões do
Mossad desde o início.
A operação recebeu o nome de código “Smicha”, que significa
“cobertor” em hebraico.
Um dia depois de terem chegado ao território sírio, a autoconfiança
dos membros do Cosa Nostra melhorou. Caminharam pelas ruas de
Damasco conversando em francês. Investigaram o meio à sua volta e
certificaram-se de que não estavam a ser seguidos pelo Mukhabarat, o
temível serviço secreto da Síria. Nesse mesmo dia, passearam pelos
mercados iluminados da cidade, e entraram numa joalharia. “Próspero” e
“Claudie” (Emanuel Allon) estavam a observar as joias, a conversar em
francês, quando o comerciante se debruçou na direção deles e murmurou:
“São do Bnai Amenu ["nosso povo”, em hebraico], não são?”
Os agentes ficaram boquiabertos. Se a sua identidade era tão
facilmente reconhecida, corriam risco de vida. Ignoraram o comentário do
comerciante, saíram rapidamente da loja e desapareceram no meio da
multidão.
As notícias sobre a oportunidade de fugir da Síria e chegar a Israel
propagaram-se entre as jovens da comunidade judaica. “A nossa situação na
Síria era muito má”, disse mais tarde Sara Gafni, uma das jovens.
“Estávamos sob pressão para nos casarmos... mas com quem? Não
havia ninguém. Ouviamos muitas histórias e rumores, e ficamos obcecadas
com a ideia: chegar a Israel, à terra dos judeus.”
“Próspero” recebeu uma mensagem secreta: amanhã à noite, as
moças estarão à espera numa van pequena não muito longe dos vossos
hotéis.
Na noite seguinte, com efeito, os Cosa Nostra encontraram a
pequena van, com a caixa coberta com uma napa, estacionada numa rua
escura.
Os agentes já tinham saído dos hotéis e levavam as malas. Dois dos
membros da Cosa Nostra sentaram-se na frente do carro e outros dois nas
traseiras, sob a cobertura de napa, onde os esperavam várias moças entre os
15 e os 20 anos e ainda um rapaz adolescente. Os Cosa Nostra estavam
novamente com keffiyehs a cobrir-lhes a cabeça e deixando não mais de
uma estreita abertura para os olhos. Sabiam que o Exército e a polícia
estabeleciam frequentemente barreiras e postos de controle nas estradas
sírias. Decidiram que, se a polícia os parasse, diriam que a van levava as
moças numa excursão do liceu.
O ajudante local do Mossad que lhes levara a van ia ao volante.
Apanhou algumas moças em localizações predeterminadas e depois
rumou ao Norte, em direção a Tartus. Chegaram a uma praia deserta e os
jovens judeus sírios e agentes esconderam-se numa cabana abandonada.
Longe da praia, esperava-os um navio lança-mísseis da Forças
Armadas israelenses. “Próspero” fez sinal ao navio com uma lanterna e
contactou-o por rádio. As balsas de borracha, ocupadas por comandos da
Esquadrilha 13, fizeram-se à praia.
De repente, ouviram-se disparos muito perto de “Próspero” e dos
seus amigos. Estes protegeram-se imediatamente, mas depressa perceberam
que os disparos não os visavam a eles. Quem estava a disparar? Teriam os
sírios detetado as balsas da esquadrilha? “Sarilho na praia”, comunicou o
chefe do comando naval, Gadi Kroll, por rádio para Israel. Porém, não
desistiu.
Ordenou às balsas da esquadrilha que regressassem e rumou para
Norte, para uma praia alternativa previamente escolhida. Enquanto isso,
“Próspero” e os seus homens puseram as moças rapidamente na van,
conduziram para norte e contactaram novamente o navio da Marinha. Dessa
vez, a praia estava calma. As moças e os homens da Cosa Nostra, com os
keffiyehs novamente a cobrir-lhes a cara, meteram-se na água até a cintura e
saltaram para as balsas, que os levariam para o mar-alto. Após uma longa e
turbulenta viagem nas águas tempestuosas, finalmente abordaram o navio
da Marinha e rumaram a Israel. Os agentes desapareceram numa cabine; as
moças foram levadas para outra e instruídas a nunca dizer nada a ninguém
sobre a sua fuga da Síria. Tinham deixado as famílias em Damasco e, se a
sua fuga para Israel fosse descoberta, os pais podiam correr risco de vida.
O ajudante local conduziu a van de volta a Damasco, para preparar a
operação seguinte.
O navio lança-mísseis chegou a Haifa sem mais nenhum incidente.
Porém, antes de enviar os rapazes na missão seguinte, o Mossad tentou
descobrir quem disparara naquela noite na praia. O departamento de
informações secretas analisou relatórios de espiões, ativou os seus agentes
adormecidos na Síria, contactou as suas fontes no Exército. Tudo em vão.
Concluíram que o incidente podia ter sido uma emboscada mal planejada ou
uma resposta nervosa dos soldados sírios a movimentos suspeitos na água.
Na vez seguinte, os Cosa Nostra chegaram a Damasco por ar. Foram
de Paris e fingiram ser estudantes de Arqueologia de visita às antiguidades
da Síria. Tinham documentos falsos e os bolsos cheios de bilhetes do metrô
parisiense, moedas, recibos de cafés e restaurantes, e outras provas
tangíveis da sua presumível identidade. Os documentos estavam em ordem,
mas sentiam-se nervosos e tensos. E se o Mukhabarat tivesse descoberto as
suas identidades falsas? Passaram os controles da imigração sem problemas
e, contudo, foram incapazes de se acalmar. Atravessaram o apinhado átrio
de chegadas do aeroporto e viajaram para a cidade em táxis diferentes.
Instalaram-se em vários hotéis. “Claudie” deu entrada no Hilton de
Damasco.
A primeira noite que passaram em Damasco foi tensa. Os quatro
jovens sabiam muito bem que, se fossem apanhados, tinham o destino
traçado: tortura e uma morte horrível. Pediram ao ajudante local do Mossad
que os levasse à praça onde, anos antes, os sírios tinham enforcado o maior
espião israelense de sempre, Elie Cohen. A ida ao local onde o corpo de
Cohen estivera pendurado na forca, enquanto uma multidão fanática
festejava e mostrava os punhos, foi demais para eles. “Claudie” deixou os
amigos e regressou a correr ao hotel. Ficou profundamente abalado com a
experiência.
Atormentado pela imagem sinistra da praça, “Claudie” virava-se e
revirava-se na cama, incapaz de dormir. Subitamente, à meia-noite, ouviu
um ruído na porta e percebeu imediatamente o que era: uma chave a ser
inserida na fechadura. “Acabou-se”, pensou. “Apanharam-me. Vou ser o
próximo a ser enforcado na praça.” Correu para a porta e espreitou pela
vigia. E o que viu foi uma turista americana já entradote a tentar abrir a
porta. Após várias tentativas falhadas, a senhora foi embora. Afinal, tinha
saído do elevador no andar errado. “Claudie” sentiu-se renascer.
Enquanto esperavam que o grupo seguinte de moças se preparasse,
caminharam pelas ruas de Damasco e frequentaram cafés e restaurantes. Os
empregados de mesa olhavam admirados o quarteto de franciús (franceses)
que se partiam a rir durante as refeições. A culpa era de “Claudie”, que
conseguia sempre dissipar a tremenda tensão dos colegas — e a sua — com
a improvisação de discursos bombásticos em francês, em que inseria
palavras e piadas em calão hebraico.
A operação seguinte e várias outras correram sobre rodas, até o dia
em que “Próspero” e os amigos repararam no invulgar tráfego e grandes
concentrações de tropas ao longo da praia. Não sabiam qual era a razão,
mas não podiam arriscar uma operação naquela costa tão profusamente
patrulhada. “Próspero” decidiu, portanto, mudar o itinerário.
“Vão para Beirute!”, disse ele ao seu colaborador, e todos foram para
a capital libanesa, a cem quilômetros dali. Depois de atravessarem a
fronteira com o Líbano, “Próspero” viajou para Jounieh, um porto a norte
de Beirute habitado sobretudo por cristãos. Não tardou a conseguir alugar
um barco, na verdade um iate de tamanho médio, depois de explicar ao
dono que queria levar 15 convidados numa viagem de recreio ao oceano. Ia
ser uma “festa— surpresa” para um amigo que fazia anos. Uma vez
garantido e preparado o barco para a partida, enviou um telegrama
codificado para os seus superiores em Paris e informou-os da mudança de
planos. Não tardou a receber uma confirmação pela mesma via.
Nessa noite, a van chegou de Damasco, transportando a habitual
carga de jovens judias. “Claudie” ia ao volante. A van parou a poucos
quilômetros da fronteira libanesa e desfez-se da carga humana. “Claudie”
continuou, sozinho na van, mostrou os documentos no posto de controle
fronteiriço e entrou no Líbano. Pouco mais à frente, parou a van na beira da
estrada e esperou. As jovens, carregadas com as suas malas pesadas e
escoltadas pelos agentes do Mossad, caminharam no escuro durante horas,
tropeçando no chão repleto de pedras e contornando a barreira do controle
fronteiriço. Após uma marcha esgotante, alcançaram a estrada, do outro
lado da fronteira, e encontraram “Claudie”, que as conduziu a Jounieh.
Entraram uma por uma no iate, até finalmente o barco de recreio as levar na
sua “viagem de festa de aniversário”. Em alto-mar, as moças foram
transferidas para um navio da Marinha.
Os Cosa Nostra passaram o dia seguinte em Beirute, a passear e a
fazer compras. De noite, regressaram a Damasco da mesma maneira que
tinham vindo; uns quilômetros antes da fronteira, três dos agentes saíram e
continuaram pelos campos escuros à volta do posto de controle fronteiriço.
“Claudie” atravessou legalmente com o carro, encontrou-se com os
amigos mais à frente na estrada e levou-os para Damasco.
No dia seguinte, regressavam a Paris e, depois, a Tel Aviv.
A operação terminou em abril de 1973, quando Golda Meir se
deslocou à base naval de Haifa para agradecer pessoalmente a “Próspero”,
“Claudie” e os seus amigos, por tudo o que tinham feito. Entre setembro de
1970 e abril de 1973, o Mossad e a Marinha tinham conduzido cerca de 20
operações de transporte de jovens judeus e judias da Síria, através das
praias de Tartus e da costa libanesa. Todas as operações correram bem e
cerca de 120 jovens foram levados para Israel. A operação foi um segredo
durante mais de 30 anos.
Com o fim da operação, acabou também a Cosa Nostra. Os seus
membros dedicaram-se a atividades mais pacíficas, como negócios, turismo
e serviço público, embora fossem chamados para operações especiais do
Mossad de vez em quando.
O tempo passou e Emanuel Allon (“Claudie”) foi convidado para o
casamento de um parente seu. Foi apresentado à noiva e reconheceu-a
imediatamente: era uma das virgens que tinha ajudado a trazer da Síria.
Perguntou-lhe: “De onde é?”
A moça empalideceu. Ainda se sentia obrigada a preservar o segredo
do passado. Allon sorriu: “Não veio da Síria? Por mar?”
A mulher, de tão aturdida, quase desmaiou, mas depois, subitamente,
agarrou-se a Allon, abraçou-o e beijou-o ternamente. “Foi o senhor”,
murmurou ela. “Tirou-me de lá!”
“Aquele momento”, disse Allon mais tarde, “valeu por todos os
riscos que corremos”.
14. “HOJE VAMOS ENTRAR EM GUERRA!”

Era uma da madrugada de 5 de outubro de 1973, quando o agente do


Mossad “Dubi” recebeu um telefonema do Cairo. Dubi era um alto
funcionário que operava a partir de um esconderijo em Londres. O
telefonema foi um choque tremendo. Do outro lado estava o agente mais
importante e mais secreto do Mossad, um agente cuja existência era do
conhecimento de apenas um punhado de escolhidos. Era conhecido
como “Anjo” (em alguns relatórios, seu nome de código era “Rashash”
ou “Hot’el”). Anjo pronunciou poucas palavras, mas uma delas fez Dubi
estremecer. A palavra foi “químicos”. Dubi telefonou imediatamente para o
quartel-general do Mossad, em Israel, e transmitiu a palavra-código.
Assim que ela chegou ao ramsad, Zvi Zamir, este disse a Freddie
Eini, seu chefe de gabinete: “Vou para Londres.”
Zvi Zamir sabia que não tinha tempo a perder, pois o
código “químicos” continha uma mensagem funesta: “Esperem um ataque
imediatoa Israel.”
Israel aguardava um ataque dos vizinhos árabes desde a Guerra dos
Seis Dias, em 1967, em que ganhara grandes parcelas de território: a
península do Sinai e a Faixa de Gaza ao Egito, os montes Golã à Síria, a
Cisjordânia e Jerusalém à Jordânia. As Forças Armadas israelenses estavam
então dispostas nos montes Golã, na costa oriental do canal do Suez, e ao
longo do rio Jordão. Os países árabes brandiam os sabres, prometiam
vingança, mas na guerra de atrito que se seguira às batalhas dos Seis
Dias, Israel tinha o poder. Todos os esforços de trocar os territórios recém-
conquistados pela paz haviam sido furiosamente rejeitados pelos
Estados árabes. Entretanto, o impetuoso presidente Nasser do Egito morrera
e fora substituído por Anwar Sadat, um homem sem carisma, visto pelos
peritos de Israel como fraco, irresoluto e incapaz de conduzir o seu povo a
uma nova guerra. Após a morte do primeiro-ministro Eshkol, a liderança de
Israel fora depositada nas mãos fortes da carismática Golda Meir, uma
estadista dura e poderosa, ajudada pelo mundialmente famoso ministro da
Defesa Moshe Dayan. Parecia que a segurança de Israel não podia estar em
melhores mãos.
Semanas antes do telefonema, o rei Hussein da Jordânia deslocara-se
a Israel no maior dos segredos e avisara Golda Meir de que os egípcios e os
sírios estavam a planejar um ataque a Israel. Hussein era agora um aliado
secreto de Israel e estava envolvido em negociações intensas com enviados
de Golda Meir. Porém, nessa ocasião, Golda Meir não ficou preocupada
com os avisos de Hussein. Estava muito mais interessada nas eleições
iminentes, e o lema de campanha do seu partido trabalhista era “No canal
do Suez, tudo calmo.”
Porém, naquela noite, escassas 18 horas antes do Yom Kippur,
parecia que, no canal do Suez, nada estava calmo. Zvi Zamir levou muito a
sério o aviso do Anjo. Segundo procedimentos preestabelecidos
desencadeados pela palavra de código, o ramsad devia encontrar-se com o
seu agente em Londres assim que recebesse sinal.
Zamir apanhou o primeiro voo para Londres. O Mossad tinha uma
discreta casa secreta no sexto andar de um edifício na capital britânica,
próximo do Hotel Dorchester. O apartamento estava equipado com sistemas
de escuta, servido e protegido por agentes do Mossad. Tinha sido adquirido
e equipado com um só fim: os encontros com o Anjo. Assim que Zvi Zamir
chegou, um destacamento de 10 agentes do Mossad ocupou posições em
redor do edifício, para proteger o seu chefe no caso de o sinal do Cairo
fazer parte de um plano para o capturar ou ferir. O chefe da unidade era o
veterano Zvi Malkin, o lendário agente que ajudara a apanhar Eichmann na
Argentina.
Zamir esperou todo o dia, tenso e inquieto, pelo Anjo. Ao que
parecia, o agente tinha feito uma escala em Roma, no regresso do Cairo, e
só chegou a Londres à noite. Os dois homens encontraram-se no
esconderijo às 11 da noite.
Entretanto, o Yom Kippur — o feriado de prece, jejum e expiação —
ocupara Israel. Todo o trabalho parara, a televisão e a rádio tinham
interrompido as suas emissões, não havia carros nas estradas. As fronteiras
do Estado judeu eram patrulhadas por unidades mínimas do Exército.
A reunião entre Zamir e o Anjo durou duas horas. Dubi anotou todas
as palavras.
Era perto da uma da madrugada quando a reunião terminou. Dubi
convidou o Anjo a passar a outra divisão, onde lhe pagou os costumeiros
honorários de 100.000 dólares. Zamir estava frenético e apressou-se a
compor um telegrama urgente para Israel, mas os agentes do Mossad não
conseguiram localizar o codificador da embaixada, para transmitir a
mensagem vital. Zamir acabou por perder a calma e telefonou para casa de
Freddie Eini. As chamadas não foram atendidas e o operador, já irritado,
disse-lhe: “Desculpe, mas ninguém atende. Acho que hoje é um feriado
importante em Israel.”
“Tente novamente!”, vociferou Zamir. Por fim, o toque acordou o
seu chefe de gabinete, que atendeu o telefone. Parecia ainda meio
adormecido.
“Enche uma bacia com água fria”, disse-lhe Zamir. “Ponha os pés lá
dentro e pegue caneta e papel.” Quando Freddie cumpriu a ordem, Zamir
ditou-lhe a frase de código: “A empresa vai assinar o contrato no fim do
dia.”
Depois, Zamir acrescentou: “Agora vista-se, vá para a sede e acorde
todo mundo.”
Freddie seguiu à risca as ordens de Zamir. Começou a telefonar para
todos os líderes militares e políticos de Israel. A mensagem que lhes
transmitiu podia resumir-se numa frase: “Hoje vai começar uma guerra.”
Pouco depois, o telegrama que Zamir escrevera chegou finalmente a
Tel Aviv: “Segundo o plano, os egípcios e os sírios vão atacar ao fim da
tarde. Sabem que hoje é feriado e acham que podem desembarcar [no nosso
lado do canal do Suez] antes de escurecer. O ataque será conduzido segundo
o plano que conhecemos. Ele [o Anjo] acredita que o Sadat não pode adiar
o ataque por causa da promessa que fez aos outros chefes de Estado árabes,
e quer manter inteiramente o compromisso que fez. A fonte calcula que,
apesar da hesitação de Sadat, a probabilidade de que o ataque aconteça é de
99,9 por cento. Eles acreditam que vão vencer, e por isso é que têm medo
de uma fuga de informação que provoque uma intervenção exterior. Isso
poderá dissuadir alguns dos parceiros, que reconsiderariam a sua posição.
Os russos não participarão na operação.”
A informação dramática do ramsad não foi aceito como válida por
toda a gente. O general Eli Zeira, o atraente e confiante chefe da Aman,
estava convencido de que não havia perigo de guerra, a despeito das
informações preocupantes transmitidas pelas fontes secretas. Estava
convencido de que as enormes concentrações de soldados e armamento
egípcio na costa africana do canal do Suez não eram senão uma grande
manobra do Exército. Zeira também admitiu, em conversa com Zamir, que
não tinha “nenhuma explicação” para um relatório da Unidade 848
(posteriormente renomeada Unidade 8200; a 848 era a instalação de escuta
e monitorização das Forças Armadas israelenses). A unidade informava que
as famílias dos conselheiros militares russos na Síria e no Egito estavam a
sair desses países com urgência — uma indicação mais que certa de guerra
iminente.
O chefe da Aman e a maioria dos líderes da comunidade de Defesa
acreditavam fortemente na “concepção”, uma teoria de que o Egito não
atacaria Israel senão sob duas condições: a primeira era que o país
recebesse jatos de combate da União Soviética capazes de fazer frente ao
caça israelense, assim como bombas e mísseis que conseguissem chegar aos
centros populacionais de Israel; e a segunda era a garantia de participação
dos outros países árabes na investida. Sem a verificação dessas duas
condições, dizia a “concepção”, a probabilidade de o Egito atacar era nula.
O Egito faria ameaças, seria impertinente e provocatório, conduziria
manobras gigantescas, mas não entraria em guerra.
A teoria, porém, já tinha falhado uma vez, em 1967. Nesse ano, uma
grande parte do Exército egípcio estava no Iêmen, onde travava há muito
uma guerra contra o Exército real. Israel estava convencida de que o Egito
não iniciaria nenhuma ação provocatória ou agressiva se parte do seu
Exército estivesse presa nas areias movediças do Iêmen. Porém, a 15 de
maio de 1967, as unidades de elite do Exército egípcio atravessaram de
repente o Sinai e alcançaram a fronteira israelense, enquanto o presidente
Nasser expulsava os observadores das Nações Unidas e fechava os estreitos
do mar Vermelho à navegação israelense. Os especialistas israelenses
deviam ter percebido a falha da sua lógica, mas no esplendor da incrível
vitória na Guerra dos Seis Dias tudo foi esquecido.
A teoria da “concepção” também pairou sobre a reunião
extraordinária do Governo convocada às primeiras horas de 6 de outubro de
1973. Além de Zeira, vários ministros do Governo duvidaram das
informações sobre um iminente ataque de surpresa egípcio-sírio. Por duas
vezes no passado, em novembro de 1972 e maio de 1973, o Anjo tinha
avisado Israel de um ataque iminente. Era verdade que ele se retratara no
último momento, mas em maio de 1973 chegaram a mobilizar-se de
urgência grandíssimos números de soldados na reserva, e a operação custara
a Israel a assombrosa soma de 34,5 milhões de dólares.
Naquela reunião matinal do Governo, todos tinham consciência da
gravidade da situação. Não obstante, só decidiram fazer uma mobilização
parcial dos reservistas. Os ministros decidiram ainda não lançar nenhum
ataque preventivo contra as enormes concentrações militares egípcias ao
longo do canal.
Zamir regressou a Israel e manteve-se firme: a guerra é iminente!
Citou o aviso do Anjo sobre uma ofensiva conjunta dos exércitos egípcio e
sírio pouco antes do anoitecer.
Às duas da tarde, Zeira convocou os correspondentes militares do
seu gabinete e declarou que a probabilidade de início de uma guerra era
baixa.
Ainda discursava quando um adjunto entrou no gabinete e lhe
entregou uma pequena nota. Zeira leu-a e, sem dizer palavra, pegou na
boina e saiu espavorido.
Pouco depois, o gemido das sirenes de ataque aéreo despedaçou o
silêncio do Yom Kippur. A guerra começara.
Depois da guerra, alguns oficiais superiores da Aman acusaram
furiosamente o Anjo de ter ludibriado Zamir com a menção do fim do dia
como a hora do ataque, quando a verdadeira ofensiva tinha começado a
meio da tarde. Só mais tarde se veio a descobrir que a hora H fora alterada
no último momento, numa conversa telefônica entre os presidentes da Síria
e do Egito. O Anjo já estava no avião a caminho de Londres.
Parece estranho que os chefes da Aman fossem perturbados pelo erro
do Anjo, ou pelos seus prévios avisos errados. Aparentemente, os chefes da
Aman viam o Anjo, não como uma fonte de informações secretas, mas
como representante do Mossad no gabinete do presidente egípcio, que devia
descrever, ao mais ínfimo pormenor, tudo o que lá acontecia. Ignoraram o
fato de, apesar do seu alto cargo, o Anjo ser “apenas” um espião que
produzia excelentes relatórios, mas nem sempre sabia tudo, como qualquer
outro espião.
Durante a Guerra do Yom Kippur, que rebentou nesse dia, o Anjo
continuou a fornecer informações de alta qualidade a Israel. Quando os
egípcios dispararam dois mísseis Scud contra concentrações das tropas
israelenses, surgiu um relatório tranquilizador do Anjo. O Exército egípcio
não fazia intenção de usar mais mísseis durante as batalhas, dizia ele, e o
Egito não intensificaria a guerra contra Israel.
A Guerra do Yom Kippur terminou a 23 de outubro. O Exército sírio
fora esmagado nos montes Golã e os canhões israelenses posicionaram-se a
30 quilômetros de Damasco. No Sul, os egípcios tinham ocupado uma
estreita faixa de 7,5 quilômetros na costa israelense do canal do Suez, mas o
seu Terceiro Exército foi completamente rodeado pelos israelenses, que
estabeleceram uma cabeça de ponte em território egípcio, furaram as linhas
egípcias e conquistaram posições novas a uns meros 100 quilômetros do
Cairo.
Apesar de tudo isso, Israel não pôde rejubilar com a sua vitória. A
guerra custara 2656 vidas, 7251 feridos e a destruição do mito do seu
superior poder.
Contudo, os israelenses e os egípcios iniciaram negociações e
assinaram acordos, primeiro para o fim das hostilidades, depois para o
estabelecimento de uma paz duradoura entre as duas nações. A Síria
recusou juntar-se ao processo de paz.
Zvi Zamir completou o mandato e foi substituído pelo general
Yitzhak (Haka) Hofi.
Zamir reformou-se entre elogios generalizados aos seus feitos. Foi
aclamado por ter sido o único na comunidade das secretas a avisar sobre os
preparativos militares dos sírios e dos egípcios, e por ter providenciado a
informação crucial sobre o ataque iminente a Israel. Se os líderes de Israel
tivessem prestado mais atenção aos avisos de Zamir, e ordenado um
imediato ataque preventivo, é altamente provável que os resultados da
guerra tivessem sido bem melhores para o país. Alguns ministros do
Governo mantiveram que Israel se abstivera de iniciar ações preventivas
para que ninguém a acusasse de começar a guerra. Não só o argumento
parece forçado, como a decisão parece míope. Com efeito, o que é mais
importante: que Israel não seja “acusada” de desencadear a guerra, ou que
se proteja por todos os meios ao seu alcance?
E, contudo, o Dr. Uri Bar-Yossef, um historiador israelense, continua
a defender que o aviso do Anjo salvou os montes Golã. Na manhã de 6 de
outubro, segundo escreveu, mobilizaram-se de urgência unidades blindadas
a seguir à informação do Anjo; essas equipes chegaram aos Golã durante a
tarde e conseguiram impedir o avanço sírio no setor de Nafah.
No final da guerra, após uma pressão pública inaudita, o Governo de
Israel nomeou uma comissão de inquérito, chefiada por Shimon Agranat,
juiz do Supremo Tribunal que investigou o processo de tomada de decisões
durante a Guerra do Yom Kippur. A comissão ordenou a exoneração
imediata do Exército do general Eli Zeira (e de muitos outros oficiais,
incluindo o chefe de Estado-Maior David El’azar).
Mas quem era o Anjo? Ao longo dos anos, publicou-se um
infindável rol de histórias, informações e livros — todos eles errôneos —
sobre a sua identidade. Era óbvio que o Anjo era alguém muito próximo dos
círculos governamentais e do comando supremo do Exército egípcios.
Porém, ninguém conseguiu penetrar a muralha de secretismo que protegia a
verdadeira identidade do Anjo. Tanto os jornalistas como os analistas lhe
chamaram vários nomes de código e pintaram uma figura abençoada com
talentos lendários. O Anjo tornou-se o herói de muitas histórias de espiões e
até de alguns romances muito vendidos.
Após sua exoneração, o general Zeira carregava uma frustração
profunda. Ficou determinado a provar a sua inocência e expor ao mundo a
sua versão dos acontecimentos de 1973.
Por fim, decidiu escrever um livro e explicar, ele mesmo, porque
tinha rejeitado a informação do Anjo.
O general escreveu que o Anjo era nada mais nada menos do que um
agente duplo que fora introduzido no Mossad pelos astutos egípcios, como
forma de ludibriar os israelenses.
Alguns jornalistas acreditaram na história de Zeira e escreveram que
o Anjo era, de fato, um agente duplo par excellence. O papel do Anjo,
explicaram, fora, durante algum tempo, passar informações secretas
verdadeiras e exatas a Israel, para ganhar a confiança do país — e, depois,
quando o Mossad estivesse praticamente a comer-lhe da mão, fornecer-lhe
uma mentira monstruosa que destruísse o país.
Era, realmente, uma grande história. Explicava tudo, ou quase...
Porque tanto Zeira como os seus seguidores escolheram desprezar um
simples fato: todas as informações do Anjo, desde o início ao fim, haviam
sido absolutamente exatas. Onde estava a mentira?
E quando o Anjo pôde, efetivamente, ludibriar Israel e dizer que o
imenso deslocamento de tropas na margem do canal do Suez era apenas
exercício, e não havia perigo de guerra, o “agente duplo” escolheu a
solução oposta: telefonou ao adjunto de Zamir na Inglaterra, deu-lhe o
aviso — “químicos” —, depois foi para Londres e avisou Zamir de que o
ataque-surpresa era iminente.
Não obstante, era impossível frear Zeira. Em 2004, quando foi
publicada uma nova edição do seu livro, Zeira avançou ainda mais e
revelou publicamente a identidade do Anjo. Numa série de entrevistas que
culminaram com o programa de notícias televisivo do jornalista veterano
Dan Margalit, Zeira pronunciou o verdadeiro nome do Anjo.
Ashraf Marwan.
O nome espantou todos aqueles que conheciam os círculos políticos
egípcios. Mal conseguiam acreditar que Marwan pudesse ser um espião
israelense.
Mas quem era este mestre da espionagem? Quem era Ashraf
Marwan?
Em 1965, uma moça egípcia meiga e tímida conheceu, no campo de
tênis de Heliopolis, um jovem charmoso e bonito. A moça, chamada Muna,
era a terceira filha da sua família e não propriamente a mais inteligente. A
irmã Huda era mais dotada e uma excelente aluna do liceu de Gizé. Porém,
Muna era bonita, encantadora e a favorita do pai. O jovem que ela
conhecera vinha de uma família respeitável e endinheirada, e ele próprio
tinha acabado de concluir um bacharelato em Química e entrado no
Exército.
E Muna apaixonou-se perdidamente.
Não demorou muito a apresentar o namorado à família. Foi assim
que o jovem conheceu o pai de Muna, o presidente do Egito, Gamai Abdel
Nasser.
Nasser não ficou com muita certeza de a filha ter encontrado o par
ideal, mas ela não lhe deu alternativa. Nasser acabou por convidar o pai do
jovem, oficial superior na Guarda do Presidente, a encontrá-lo em seu
gabinete, e os dois homens concordaram que os filhos deviam se casar.
Um ano depois, em julho de 1966, os jovens se casaram. Pouco
depois, o marido de Muna foi colocado no departamento de Química da
Guarda Republicana e, no fim de 1968, era transferido para o departamento
presidencial de ciência.
O nome do genro do presidente era Ashraf Marwan.
O jovem, ao que parecia, não estava satisfeito com o novo emprego,
pelo que pediu a Nasser permissão para continuar seus estudos em Londres.
Nasser concordou e Ashraf Marwan instalou-se, sozinho, na capital
inglesa, sob a supervisão apertada da Embaixada do Egito.
Porém, a supervisão parece não ter sido suficiente. Ashraf Marwan
gostava de se divertir, de festas, de aventura — e Londres, na década de
1960, fornecia tudo isso com generosidade. Não tardou que o jovem egípcio
gastasse todo o dinheiro que recebera. Precisava de outra fonte de
financiamento dos seus prazeres noturnos — e não demorou a encontrá-la.
Ela se chamava Suad e era casada com o xeque do Kuwait Abdallah
Mubarak Al-Sabah. Ashraf seduziu a romântica senhora e ela, por seu
turno, abriu a bolsa. Contudo, o envolvimento dos dois não durou. O caso
foi descoberto e o furioso Nasser obrigou o rapaz malcomportado a
regressar coberto de vergonha. Nasser exigiu que Muna se divorciasse do
adúltero, mas ela se recusou, intransigente. O pai acabou por decidir que
Marwan ficaria no Egito e só teria permissão de ir a Londres para entregar
trabalhos aos professores. Marwan tinha ainda de pagar todo o dinheiro que
recebera de Suad Al-Sabah. Arranjaram emprego para ele no gabinete de
Nasser, e, uma vez por outra, Marwan era encarregado de tarefas e missões
insignificantes.
Em 1969, Ashraf Marwan regressou a Londres para entregar um
trabalho para a universidade. Porém, também aproveitou a ocasião para
começar a trair o sogro. A humilhação que o presidente do Egito lhe
infligira deixara-o amargurado e frustrado. Não hesitou: telefonou para a
Embaixada de Israel e pediu para falar com o adido militar. Quando um
funcionário atendeu, Marwan identificou-se com o nome verdadeiro e disse
abertamente que queria trabalhar para Israel. Pediu que a sua oferta fosse
participada às pessoas que tratavam desse tipo de atividade. O funcionário
que recebeu a chamada não o levou a sério e não participou a chamada. O
segundo telefonema de Marwan também ficou por responder. Mas, nessa
fase, a história chegou aos ouvidos de alguns agentes do Mossad. O chefe
da célula europeia do Mossad, Shmuel Goren, recebeu um telefonema de
Marwan.
Goren sabia quem Marwan era, estava ciente da sua importante
posição, e pediu-lhe que não ligasse mais para a embaixada. Deu-lhe um
número particular e alertou imediatamente alguns colegas.
O relatório ultrassecreto de Goren foi passado a Zvi Zamir e a
Rehavia Vardi, chefe do Tzomet, o departamento do Mossad que trata do
recrutamento de agentes. Os dois nomearam uma equipe especial para
verificar a oferta de Marwan ao pormenor. Por um lado, a oferta de Marwan
tinha todas as características de uma esparrela clássica: alguém bem
posicionado na organização inimiga oferece-se como agente, não é
necessário esforço algum de recrutamento. Parecia altamente suspeito. O
homem podia ser um agente duplo, enviado como isco pelos serviços
egípcios.
Por outro lado, o mesmo raciocínio podia conduzir a uma conclusão
oposta. Alguém bem posicionado da organização inimiga oferece-se como
agente. Tem certamente acesso a materiais ultrassecretos que mais ninguém
pode fornecer. Talvez, afinal de contas, ele fosse o agente ideal, aquele por
que todos os serviços secretos do mundo sonham. Além do mais, os homens
de Vardi sabiam quem Marwan era: um jovem ambicioso, hedonista; por
conseguinte, alguém que ama dinheiro. A tentação era grande para os
recrutadores do Mossad.
Goren regressou a Londres e pediu a Marwan que o encontrasse.
Este apareceu elegantemente vestido, o epítome do jovem atraente.
Marwan disse abertamente a Goren que ficara profundamente desapontado
pela derrota egípcia na Guerra dos Seis Dias, em 1967, e que decidira
juntar-se ao vencedor. Mas, além desse motivo “ideológico”, Marwan pediu
muito dinheiro: 100.000 dólares americanos por cada encontro em que
entregasse um relatório aos seus contatos.
Goren inclinou-se para a aceitação da proposta, apesar dos enormes
honorários. Jamais um agente do Mossad recebera tal quantidade de
dinheiro.
Mas, primeiro, Goren precisava de uma prova tangível de que
Marwan merecia o esforço. Pediu-lhe uma amostra dos documentos
secretos que podia oferecer. A entrega dos documentos também ligaria
Marwan à Mossad, porque seriam incriminatórios e uma prova sólida de
que Marwan se tornara um agente israelense. Do ponto de vista egípcio,
isso faria dele um traidor e um agente inimigo.
Marwan não deixou Goren esperar muito tempo e forneceu à Mossad
as minutas integrais das conversas do presidente Nasser com os líderes da
União Soviética, em Moscou, em 22 de janeiro de 1970. Na visita, Nasser
exigiu que os soviéticos lhe entregassem bombardeiros de longo alcance
modernos e capazes de fazer bombardeamentos profundos em Israel.
O documento deixou estupefatos todos os que o leram. Nunca
tinham visto um documento como aquele; a sua autenticidade era
indubitável. Os chefes do Mossad perceberam que tinham um tesouro
fabuloso nas mãos.
Nomearam Dubi como contato de Marwan e mandaram-no para
Londres.
Também tomaram imediatamente todas as medidas necessárias:
alugar um apartamento em Londres para os encontros com o Anjo, equipá-
lo com escutas secretas e dispositivos de gravação, garantir a segurança do
sítio e estabelecer um fundo especial para financiar o seu agente mais
precioso. O jogo podia começar.
Os encontros eram convocados pelo próprio Marwan, sempre que
tinha algo a informar. Segundo as regras acordadas com Dubi, Marwan
fazia um telefonema a um intermediário (há fontes que afirmam que ele
ligava a mulheres judias em Londres), e o Mossad era alertada. Marwan
forneceu aos seus contatos muitíssimas informações secretas e documentos
políticos e militares ultrassecretos. O coronel Meir Meir, diretor do Ramo 6
(Exército egípcio) da Aman, participou em vários desses encontros. Meir ia
a Londres a coberto de uma identidade falsa. Todas as etiquetas da sua
roupa eram arrancadas. Meir costumava andar por Londres durante horas, a
pé, em táxis e ônibus, para ter a certeza absoluta de que não era seguido,
depois chegava finalmente ao apartamento e subia até o sexto andar.
Quando visitou o apartamento pela primeira vez, encontrou um homem
bonito mas desagradável, que o desprezou abertamente e o olhou com
ar condescendente. Marwan só amoleceu quando percebeu que Meir era um
homem com conhecimentos e experiência vastos. Certa vez, o seu amigo do
Mossad pediu a Meir que levasse uma pasta a Marwan. Quando Meir
perguntou o que estava dentro dela, o amigo piscou-lhe o olho e
respondeu “um apartamento de luxo na Praça Hamedina” (o bairro mais
caro de Tel Aviv), insinuando que a pasta continha uma soma fabulosa de
dinheiro.
Segundo estimativas do Mossad, as informações de Marwan durante
o seu serviço secreto a Israel custaram ao Estado judeu mais de três milhões
de dólares.
Nasser morreu a 28 de setembro de 1970 e foi substituído por Anwar
Sadat. O professor Shimon Shamir, um dos acadêmicos mais preeminentes
do Egito em Israel, analisou o caráter de Sadat a pedido do Mossad. Era um
homem fraco, monótono, disse Shamir, e sublinhou que Sadat não
permaneceria muito tempo no poder nem entraria em guerra. Muitos líderes
egípcios pensavam exatamente o mesmo, mas Marwan decidiu apoiar
incondicionalmente Sadat. Tirou à mulher as chaves do cofre pessoal de
Nasser, pegou nos arquivos e documentos mais importantes e levou-os ao
novo presidente.
Em maio de 1971, apoiou-o novamente, quando alguns líderes
egípcios conspiraram para levar a cabo um golpe de Estado pró-soviético.
Entre os conspiradores estavam alguns dos nomes mais famosos do Egito:
Ali Sabri, antigo vice-presidente; Mahmoud Fawzi, antigo ministro da
Guerra; Sharawi Guma, ministro do Interior, e outros ministros e deputados.
O plano era assassinar Sadat durante a sua visita à Universidade de
Alexandria. Porém, Sadat antecipou-se e prendeu todos os conspiradores.
Marwan apoiou-o e ajudou-o quando Sadat esmagou a conspiração.
Os resultados não tardaram a chegar. A posição de Marwan na
hierarquia egípcia melhorou enormemente. Foi nomeado secretário
presidencial de informação e conselheiro especial do presidente.
Acompanhava Sadat nas suas viagens pelo mundo árabe e participava em
conversações políticas de alto nível.
O estatuto de Marwan melhorou e o mesmo aconteceu aos seus
relatórios.
Em 1971, Sadat viajou várias vezes a Moscou e ofereceu a Leonid
Brezhnev uma lista de compras de armas de que precisava para atacar
Israel.
A lista incluía, entre outras coisas, um MiG-25. Marwan passou a
lista aos seus contatos do Mossad. Quando estes lhe pediram as minutas das
conversas entre Sadat e Brezhnev, Marwan também lhas facultou. Zvi
Zamir ficou profundamente impressionado pelos relatórios de Marwan, e
conheceu-o pessoalmente.
O material passado por Marwan era distribuído a alguns altos
funcionários do Mossad e oficiais da Aman, ao chefe de Estado-Maior das
Forças Armadas israelenses e ao seu adjunto, à primeira-ministra Golda
Meir, ao ministro da Defesa Moshe Dayan, e ao confidente de Golda, o
ministro sem pasta Israel Galili.
Aparentemente, parte do material de Marwan também aterrissou nas
mesas de trabalho de outros serviços secretos. Marwan abordou os serviços
secretos italianos e ofereceu-se para trabalhar com eles; segundo uma fonte,
também estabeleceu contato com o MI6 inglês. Isso explica porque é que,
naquele fatídico dia 5 de outubro, quando ia a caminho de se encontrar com
Zvi Zamir em Londres, Marwan fez uma escala em Roma: também
informou os italianos da guerra iminente.
Já antes um dos seus relatórios chegara aos italianos, mas por via do
Mossad. Um mês antes da Guerra do Yom Kippur, a Líbia pedira ajuda ao
Egito. Os terroristas palestinos ao serviço do líder líbio Muammar Khaddafi
tencionavam abater um avião da El Al durante a sua decolagem do
aeroporto de Roma.
O ato tinha como objetivo castigar Israel por ter abatido — por
acidente — um avião líbio civil sobre o Sinai, em fevereiro de 1973. O
Mossad obtivera provas de que alguns terroristas palestinos planeavam
desviar um avião, carregá-lo com explosivos e fazê-lo cair sobre uma das
grandes cidades israelenses (ver Capítulo 12). Quando um avião que voava
com cores líbias surgiu sobre o Sinai e se recusou a identificar-se e a deixar
o espaço aéreo israelense, os controladores da Força Aérea israelense
concluíram que aquele era o avião dos terroristas. Lançaram dois ou três
jatos de combate, que abateram o aparelho. Mais tarde, descobriu que o
avião se desviara da rota devido a uma tempestade de areia no Sinai. Os
socorristas israelenses encontraram 108 corpos entre os restos fumegantes
do avião.
Khaddafi jurou vingar as vítimas. A equipe designada para cumprir a
operação somava cinco terroristas da Fatah, chefiados por Amin Al-Hindi.
O presidente Sadat decidiu ajudar os líbios e ordenou a Marwan que
entregasse dois mísseis Strella de fabricação russa aos terroristas. Marwan
enviou os mísseis terra-ar para Roma pela mala diplomática. Em Roma,
Marwan pôs os mísseis na mala do carro, encontrou-se com Al-Hindi numa
sapataria na famosa Via Veneto, entrou com ele numa loja de tapetes e
comprou dois tapetes grandes. Depois, envolveu os mísseis nos tapetes e
transportou tudo de metrô até o esconderijo dos palestinos... Os terroristas
prepararam-se para lançar os mísseis, ignorando que Marwan já tinha
alertado o Mossad, e esta os italianos. A 6 de setembro, o esquadrão
antiterrorismo da polícia italiana arrombou o apartamento em Óstia, perto
do aeroporto de Roma. Os italianos prenderam alguns membros da equipe
terrorista e apreenderam os mísseis. Os outros membros da equipe foram
capturados num hotel de Roma.
A imprensa italiana nomeou o Mossad como fonte que tinha alertado
os serviços italianos; houve quem dissesse que, durante a operação, o
próprio Zvi Zamir estivera em Roma.
Um mês depois, eclodiu a Guerra do Yom Kippur.

Após a guerra, Marwan continuou a cumprir enormes tarefas


secretas a mando de Sadat. Viajou como enviado deste a capitais árabes, e
participou ativamente na separação de forças entre a Síria e o Egito — e
Israel. Também presenciou as conversas entre o secretário de Estado
americano Henry Kissinger e o rei Hussein da Jordânia, em Amã. A
separação de forças deu a Marwan a oportunidade de se ligar a outros
serviços secretos — a CIA americana, que procurava informações secretas
credíveis sobre as políticas egípcias depois dos acordos provisórios com
Israel. Segundo fontes americanas, as relações secretas de Marwan com a
CIA duraram quase 25 anos. Marwan visitou os Estados Unidos várias
vezes, para receber tratamentos médicos, e desfrutava sempre de uma
hospitalidade calorosa e generosa oferecida pela CIA.
Porém, até a sua posição superior e as suas atividades secretas
perderam o encanto, e Marwan começou uma segunda carreira no mundo
dos negócios.
Comprou um apartamento de luxo, em Londres, no número 24 de
Carlton House Terrace, e começou a investir dinheiro em vários projetos.
Em 1975, Ashraf Marwan foi nomeado presidente da União Industrial
Árabe — uma organização fundada pelo Egito, Arábia Saudita e Emirados
do Golfo para produzir armas convencionais pelos métodos ocidentais. O
projeto falhou, mas ajudou Marwan a estabelecer contatos valiosos no
mundo dos negócios. Após um curto mandato, Marwan foi afastado do
cargo, e em 1979 mudou-se para Paris. Passados dois anos, após o
assassinato do presidente Sadat por terroristas fanáticos, mudou-se para
Londres e começou uma carreira de negócios brilhante, que fez dele um
homem muito rico. Recebeu Dubi, seu contato do Mossad, num hotel do
qual era dono em Maiorca, nas ilhas Baleares, e fez-lhe saber que se ia
retirar do mundo da espionagem. Há quem defenda que, no final da década
de 1970, Marwan sentia o chão egípcio arder-lhe sob os pés, e que já se
suspeitava de que ele mantinha laços secretos com Israel, pelo que decidira
deixar o Egito e o Mossad.
Nos anos seguintes, Marwan alcançou uma série de feitos negociais
fabulosos. Investiu bem o dinheiro e não tardou a comprar parte da equipe
de futebol do Chelsea, e mesmo a competir com Muhammad El-Fayed, pai
de Dodi, namorado da princesa Diana, pela compra dos luxuosos armazéns
Harrods, de Londres. Como no passado, Marwan mantinha um estilo de
vida hedonista, andava sempre bem vestido e deixava no seu rastro um rol
de casos amorosos. Alguns agentes da CIA que o visitaram uma vez no
hotel de Marwan em Nova York tiveram de esperar à porta, até que a sua
mais recente conquista se vestisse e saísse da suíte.
Na década de 1980, o nome de Marwan foi associado a vários
negócios de tráfico de armas para o regime de Khaddafi, na Líbia, e para os
terroristas no Líbano. Um jornalista americano afirmou que Marwan
convidou um agente da CIA a sua casa, conduziu-o ao terraço e apontou
para um Rolls Royce resplandecente estacionado à porta de casa. “Foi um
presente do Khaddafi”, disse.
A história da ligação de Marwan a terroristas parece a mais pura
invenção.
Marwan não teria feito negócios com terroristas e arriscado ter
problemas com o Mossad, que podia expor o passado dele como agente
israelense a qualquer instante e assim sentenciá-lo a uma morte certa. Se
Marwan se envolveu realmente em negócios obscuros com a Líbia ou os
terroristas, só pode ter sido em completa cooperação com o Mossad.
Porém, os anos passaram e, em 2002, foi publicado em Londres um
livro chamado Uma História de Israel. O livro tinha assinatura do
acadêmico israelense Ahron Bregman, e mencionava o espião que tinha
avisado Israel da iminente Guerra do Yom Kippur. Bregman chamou ao
espião “o genro”. Era uma pista de que o espião era alguém próximo de
uma personalidade importante; e o Anjo fora, realmente, genro de Nasser.
Bregman escreveu que o homem fora um agente duplo que fornecera a
Israel informações falsas.
O livro não revelou o nome de Marwan, mas não deixou de despertar
sua fúria. Marwan reagiu com uma entrevista ao jornal egípcio Al-Ahram,
em que desdenhava da investigação de Bregman e a chamava “uma história
estúpida de detetives”.
Bregman, ofendido, decidiu defender a honra e, numa entrevista
a Al-Ahram, afirmou abertamente que “o genro” era de fato Ashraf
Marwan. Era uma acusação grave, mas faltavam provas. Não teve impacto
algum... até o dia em que Eli Zeira declarou que o agente duplo que
“enganara” Israel era efetivamente Ashraf Marwan.
Nunca antes tal coisa acontecera em Israel. A identidade de antigos
espiões não era revelada, em muitos casos, mesmo depois de sua morte.
E Ashraf Marwan estava vivo, era vulnerável, presa fácil para os assassinos
do Mukhabarat egípcio. Zvi Zamir regressou de 30 anos de aposentadoria e
tentou entrar em contato com Marwan, mas o Anjo recusou-se a falar com
ele. “Não quis”, disse Zamir, pesaroso, “porque sentiu que eu não o protegi.
Fiz tudo o que pude para protegê, mas não consegui.”
Após as revelações de Zeira, Zamir rompeu o silêncio autoimposto e
atacou severamente o antigo chefe da Aman. Acusou-o de revelar segredos
de Estado. Zeira rebateu com a afirmação de que o antigo ramsad protegia
um homem que não era senão um agente duplo.
Ronen Bergman, jornalista israelense que assistia a uma transmissão
televisiva ao vivo de uma cerimônia oficial no Egito, viu o presidente Hosni
Mubarak dar um caloroso aperto de mão a Marwan, que o acompanhou na
deposição de uma coroa de flores no túmulo de Nasser. Após a transmissão,
Bergman escreveu que Marwan tinha sido agente duplo. O presidente
Mubarak apressou-se a defender Marwan e rejeitou firmemente os rumores
que o davam como espião israelense.
Israel viu-se engolfada numa torrente de acusações e contra-
acusações. A Mossad e a Aman nomearam duas comissões de inquérito que
chegaram à mesma conclusão: Marwan não era agente duplo e não causou
prejuízo algum a Israel. Zeira não desistiu e processou judicialmente Zamir.
O antigo juiz Theodore Or, nomeado como árbitro pelo tribunal, decretou
com firmeza que a versão de Zamir era a verdadeira.
Aparentemente, Zeira e os seus seguidores tinham escolhido ignorar
o fato de Marwan ter sido uma das figuras mais destacadas do Governo
egípcio, genro de Nasser e conselheiro próximo de Sadat. Os líderes do
Egito não queriam admitir que um dos seus fora um traidor e espião
sionista. Tal admissão teria espantado a opinião pública egípcia e abalado a
confiança dos egípcios em seus líderes. Assim, escolheram outra
abordagem: elogiar e enaltecer Marwan em público, mas selar secretamente
seu destino.
No início de junho de 2007, o juiz Or publicou suas descobertas.
Em 12 de junho, um tribunal israelense confirmou oficialmente a
história de Zamir sobre o papel de Marwan a serviço do Mossad. Duas
semanas depois, em 27 de junho, o corpo de Marwan foi encontrado na
calçada sob o terraço de sua casa.
Alguns observadores israelenses acusaram o serviço secreto do Egito
pelo assassinato. Muitos acusaram Zeira, pois seu comportamento
irresponsável provocara a morte de Marwan. Por outro lado, a viúva de
Marwan, em declaração que dificilmente surpreenderia, acusou o Mossad
de assassinar o marido. Testemunhas oculares declaram ter visto homens
com traços do Oriente Médio ao lado de Marwan, no terraço, poucos
minutos antes de sua morte.
A Scotland Yard fechou e reabriu o caso até finalmente declarar que
era incapaz de descobrir os responsáveis. Os assassinos do Anjo continuam
em liberdade.
15. UMA ARMADILHA COR DE ROSA PARA O
ESPIÃO ATÔMICO

Tirando andar com um cartaz de “Sou Espião”, Mordechai Vanunu


parecia fazer tudo o que podia para expor a sua vida secreta.
Mordechai Vanunu era técnico no reator atômico de Dimona, as
instalações mais secretas e seguras de Israel. A imprensa, assim como
muitos governos estrangeiros, estava convencida de que Israel fabricava
armas nucleares naquele complexo ultrassecreto. Qualquer pessoa que se
candidatasse a um emprego em Dimona tinha de passar por um longo e
rigoroso processo de preenchimento de papelada, interrogatórios, exames
de especialistas do Shabak e outros especialistas de segurança, até — ao
cabo do procedimento exaustivo -ser autorizada a entrar no complexo
secreto. A vigilância intensiva e o escrutínio apertado continuavam ao
longo de todo o período profissional dos empregados em Dimona.
Vanunu candidatou-se a um trabalho em Dimona depois de ver um
anúncio num jornal diário. Preencheu um formulário nos escritórios
das “instalações de pesquisa nuclear” na cidade próxima de Berseba, foi
submetido a uma investigação rotineira de segurança e conseguiu o
emprego sem problema algum.
Como pôde isso ser? Vanunu era um radical de esquerda, os amigos
eram membros árabes do partido comunista e antissionista Rakah, ele
participava em ações de protesto ao lado deles, fora fotografado em
manifestações extremistas pró-palestinos, transportava cartazes, fazia
discursos e dava entrevistas à imprensa.
Também recebia militantes do Rakah no seu pequeno apartamento de
Berseba, e pediu-lhes para se juntar à célula universitária deles,
exclusivamente composta por jovens radicais árabes, abertamente hostis ao
Estado de Israel. Na Universidade Ben-Gurion, onde estava matriculado
como aluno, era conhecido pelas suas ideias radicais.
Era um jovem talentoso mas instável. Antes de se tornar apoiante do
Rakah, fora extremista de direita e admirador do rabino racista Kahane.
Mais tarde, apoiou o partido de extrema-direita Hatechiya (Ressurgimento)
e votou no Likud até, finalmente, aterrissar na extrema-esquerda. Segundo
Vanunu, a controversa Guerra do Líbano de 1982 levou-o a modificar as
suas opiniões políticas. Solitário e quase sem amigos, Vanunu acreditava
firmemente que era discriminado devido às suas origens marroquinas. Essa
convicção cresceu quando Vanunu chumbou nos testes de admissão para a
Academia da Força Aérea e foi colocado no Corpo de Engenharia. Após a
sua dispensa das Forças Armadas de Israel, Vanunu começou a estudar
Engenharia em Tel Aviv, mudou de ideia e foi morar em Berseba, onde
começou a estudar Economia, mudou outra vez de ideia e transferiu para
Filosofia. Tornou-se vegetariano e, depois, vegano.
Os seus colegas de aulas ficavam impressionados pela sede de
dinheiro de Vanunu. Ele gabava-se de não ter de trabalhar, mas
simplesmente de investir com inteligência no mercado bolsista. No seu
diário, dava “prioridade máxima” ao mercado bolsista, à frente da Filosofia
e do Inglês. Tinha um Audi vermelho, fazia algum dinheiro como modelo
nu e, numa festa de alunos, baixou as cuecas para ganhar um prêmio.
O estilo de vida de Vanunu dizia respeito apenas a ele, claro, mas a
sua atividade política como simpatizante do Rakah e apoiante dos
palestinos devia ter acionado mil alarmes. Em vez disso, foi chamado para
comparecer numa reunião com agentes do Shabak, que lhe disseram para
parar as atividades e assinar um documento em que declarava que fora
avisado. Ele não assinou. E não parou.
O Shabak descreveu as atividades de Vanunu num relatório de rotina
para o diretor de segurança do Ministério da Defesa. O diretor transmitiu o
relatório ao diretor de segurança do reator de Dimona, que o arquivou numa
das suas pastas. E o assunto ficou por aí. Não se atuou, nem se iniciou
nenhuma vigilância a Vanunu. Foi um lapso incrível. Toda uma cadeia de
pessoas — agentes do Shabak locais e nacionais, e os diretores de
segurança do ministério e de Dimona — falhou o cumprimento do seu
dever.
Vanunu continuou as suas atividades políticas e não voltou a ser
incomodado.
Vanunu era “operador” no Instituto 2, o departamento mais secreto
no complexo de Dimona. Dos 2.700 empregados de Dimona, só 150 tinham
permissão de entrar no Instituto 2. Vanunu tinha dois cartões de
identificação: o número 9567-8 para entrar nas instalações de Dimona, e o
320 para entrar no Instituto 2.
Do lado de fora, o instituto parecia um modesto edifício de dois
andares que podia funcionar como local de armazenamento ou uma unidade
marginal de serviços públicos. Porém, alguém com espírito indagador teria
reparado numa estrutura de elevador no telhado plano e perguntado por que
precisaria um edifício de dois andares de um elevador. A chave desse
mistério residia no verdadeiro segredo do Instituto 2: o elevador era
necessário, não para subir, mas para descer para os seis andares
subterrâneos engenhosamente escondidos. Vanunu era responsável pelo
turno da noite e conhecia bem o edifício. O primeiro andar dividia-se entre
vários gabinetes e um bar. Alguns portões no piso térreo eram utilizados
para transferência de barras de urânio destinadas ao reator; no mesmo
andar, havia mais escritórios e alguns laboratórios de montagem. No
primeiro andar subterrâneo, armazenavam-se tubos e válvulas. No segundo,
ficavam a sala de controle central e uma espécie de terraço, a que se
chamava “varanda da Golda”. Os visitantes importantes que usufruíssem de
autorização máxima de acesso podiam ver da varanda o pavilhão de
produção abaixo de si. No terceiro andar subterrâneo, estavam técnicos que
trabalhavam nas barras de urânio vindas de cima. No quarto andar, um
espaço subterrâneo grande que ascendia à altura de três andares, situavam-
se a unidade de produção e os equipamentos de separação, onde o plutônio
produzido no reator era extraído das barras de urânio. O quinto andar
abrigava o departamento metalúrgico e o laboratório onde os componentes
das bombas eram produzidos. No sexto andar subterrâneo, os desperdícios
químicos eram carregados para contentores especiais.
Vanunu sabia que, durante a operação normal do reator nuclear, a
reação em cadeia produzia plutônio que se acumulava nas barras de urânio.
Depois de ser “raspado” das barras, este era usado nos pisos quatro e cinco,
e servia para a montagem das armas atômicas de Israel.
Certo dia, por nenhuma razão especial, Vanunu levou uma câmera
para o Instituto 2. Levou-a na pasta, entre os livros de que mais tarde
precisaria nas aulas, na Universidade Ben-Gurion. Se os controladores de
segurança lhe perguntassem porque é que trouxera uma câmera para
Dimona, Vanunu tencionava dizer que a levara para a praia e que se tinha
esquecido dela na pasta. Mas ninguém verificou a sua pasta, ninguém fez
perguntas, e Vanunu guardou a câmera no armário pessoal. Durante os
intervalos de almoço e tarde, quando não havia ninguém no edifício,
Vanunu passou a deambular pelos andares subterrâneos, fotografar os
laboratórios, o equipamento e os corredores, desenhar esboços
pormenorizados, entrar em gabinetes vazios e vasculhar documentos em
cofres abertos. Ninguém o via e ninguém suspeitava dele. Parecia que os
responsáveis da Segurança se tinham evaporado. Os chefes de Vanunu não
faziam ideia do seu perigoso passatempo e tinham-no como um técnico
discreto, sério e diligente.
No final de 1985, Vanunu foi despedido, após nove anos em
Dimona. A demissão não se deveu às suas atividades políticas, mas antes a
cortes no orçamento de Dimona. Vanunu foi despedido em conjunto com
muitas outras pessoas. Recebeu uma indemnização por despedimento de
150 por cento e oito meses de salário como “bolsa de adaptação”. Porém,
Vanunu ficou, uma vez mais, zangado e frustrado. Decidiu ir para o
estrangeiro, fazer uma longa viagem — e talvez nunca mais voltar, se
conseguisse encontrar uma nova casa, à semelhança dos 12 milhões de
judeus que viviam fora de Israel.
Vendeu o apartamento e o carro, e liquidou as contas bancárias.
Vanunu, então com 31 anos, pôs a mochila às costas e partiu em
viagem.
Já tinha feito viagens longas antes, uma à Europa e outra aos Estados
Unidos.
Desta vez, rumou ao Extremo Oriente. Na mala levava os dois rolos
que tinha fotografado em Dimona.
A sua primeira paragem foi a Grécia, depois a Rússia, a Tailândia e o
Nepal. Em Katmandu, Vanunu conheceu uma israelense e cortejou-a de
forma acanhada. Apresentou-se como “Mordy” e admitiu com franqueza
que era um pacifista de extrema-esquerda e que talvez não regressasse a
Israel.
Visitou um templo budista e brincou com a ideia de se tornar, ele
mesmo, budista.
Depois de Katmandu, Vanunu viajou pelo Extremo Oriente, até
finalmente aterrissar na Austrália. Durante alguns meses, fez biscates em
Sydney, mas sentia-se quase sempre solitário e triste. Certa noite, caminhou
por um dos bairros menos recomendáveis da cidade, um abrigo para
prostitutas, ladrões e vendedores de droga. Da escuridão, à sua frente,
emergiu o pináculo da Igreja de São Jorge, um conhecido refúgio de almas
atormentadas: pessoas desesperadas, criminosos, vagabundos sem abrigo,
homens e mulheres pobres e oprimidos. Vanunu entrou e conheceu o padre
anglicano John McKnight. O bom padre percebeu imediatamente que
Vanunu estava à procura de casa e família. Estabeleceu uma relação
próxima e calorosa com o seu hóspede tímido e inseguro. Nas semanas
seguintes, os dois tiveram conversas longas e honestas, e finalmente — em
17 de agosto de 1986 — Vanunu foi batizado como cristão e escolheu um
nome: John Crossman.
Foi uma enorme mudança para um judeu praticante, nascido em
Marraquexe, que passara a juventude em escolas talmúdicas e yeshivas em
Berseba. É verdade que o seu zelo religioso diminuíra havia anos, mas a
conversão foi mais produto da sua instabilidade e confusão do que do seu
desapontamento com o judaísmo. Se não tivesse entrado na Igreja de São
Jorge e conhecido o padre McKnight, poderia ter-se convertido ao budismo
ou a qualquer outra religião. Mas, voltando as costas ao judaísmo, também
virava as costas a Israel; a aversão ao seu país tornou-se, gradualmente, um
dos maiores motivos das suas ações futuras.
Um dia, durante um encontro social na igreja, Vanunu contou aos
seus novos amigos o trabalho que tivera em Israel, descreveu o reator de
Dimona e ofereceu-se para fazer uma apresentação de diapositivos com as
fotografias que tirara. Os amigos olharam-no desinteressadamente; não
faziam ideia do que ele estava a falar. Mas um homem na audiência ficou
intrigado com as palavras: Oscar Guerrero, um viajante colombiano e
jornalista ocasional.
Vanunu e Guerrero tinham pintado a vedação da igreja juntos e
vivido no mesmo apartamento durante algum tempo. Guerrero percebeu a
importância das fotografias e incendiou a imaginação de Vanunu com
promessas de fortuna e glória.
Vanunu queria dinheiro, desesperadamente, mas também achava que
podia usar a prometida glória para promover a paz entre judeus e árabes.
Não era o seu plano original: não saíra de Israel e transportara os dois rolos
de película pelo mundo durante meses para fazer a paz. Contudo, fazer a
paz e salvar o mundo da bomba atômica israelense tornaram-se um motivo
alegadamente nobre das suas ações. A sua guerra privada contra o projeto
nuclear israelense ganhou ímpeto à medida que os dias passaram, e
transformou-se numa razão de peso para a publicação das fotografias de
Dimona. Mas Vanunu também sabia que se o fizesse deixaria de ser
israelense.
Nunca mais poderia regressar em segurança a Israel, onde seria
rotulado de traidor e inimigo do Estado.
Ainda assim, a tentação era enorme. Vanunu e Guerrero foram juntos
a uma loja de fotografia em Sydney. Revelaram as imagens que Vanunu
tirou no Instituto 2 e tentaram vendê-las aos escritórios locais de revistas
americanas e a estações de televisão australianas, mas em vão. Foram tidos
por excêntricos ou vigaristas a tentar ganhar dinheiro fácil. Ninguém
acreditou que aquele jovem tímido e ascético tivesse o maior segredo de
Israel nas mãos.
Finalmente, Guerrero foi a Espanha e Inglaterra, e dessa vez saiu-lhe
a sorte grande. Os editores do londrino Sunday Times que ouviram a
história perceberam o dramático potencial de uma história sobre o reator
israelense, com base em fotografias e desenhos exclusivos. Contudo,
tinham de ser extremamente cautelosos. Pouco tempo antes, tinham sido
gravemente prejudicados pela compra dos “diários de Hitler”, afinal um
embuste de segunda categoria. Por conseguinte, pediram autorização para
analisar exaustivamente o material que Guerrero lhes levara.
Entretanto, um funcionário da televisão australiana entrou em
contato com a Embaixada de Israel em Camberra e inquiriu se o homem
estranho que lhes oferecera fotografias do reator de Dimona era realmente
cidadão israelense. A história chegou aos ouvidos de um jornalista
israelense que a escreveu para o seu jornal de Tel Aviv.
E, como um raio, um abalo atordoador atingiu os serviços secretos
de Israel: um antigo operador do Instituto 2 em Dimona está a tentar vender
o segredo mais vital de Israel. “O sistema falhou, não chegamos a ele a
tempo”, admitiu desanimadamente Haim Carmon, então diretor de
segurança do Ministério da Defesa.
As notícias foram logo comunicadas ao “Clube dos Primeiros-
Ministros” — o primeiro-ministro Peres e os antigos primeiros-ministros
Rabin e Shamir —, que eram membros do Governo de Unidade Nacional.
Estes decidiram encontrar e trazer Vanunu imediatamente para Israel.
Alguns adjuntos sugeriram matar Vanunu em vez de o trazer, mas a ideia foi
abandonada. O primeiro-ministro pegou no telefone e ligou ao ramsad.
O Mossad tinha um novo diretor desde 1982: Nahum Admoni. Após
quase 20 anos de generais caídos de paraquedas das Forças Armadas
israelenses para o leme do Mossad, a organização tinha finalmente um novo
chefe, um chefe que tinha subido na hierarquia da próprio Mossad. Nahum
Admoni, nascido em Jerusalém, era veterano do Shai e da Aman. Fora
adjunto de Yitzhak Hofi e alcançara o cobiçado cargo de ramsad depois de
Hofi se retirar em 1982. Admoni passaria sete anos como ramsad, mas eles
não seriam os melhores anos das secretas. Entre 1982 e 1989, vários
incidentes envergonharam o Mossad: o caso Pollard, que surgiu quando um
analista civil judeu dos serviços de informações foi preso em Washington
por espionar para uma unidade de informações secretas israelense; depois,
foi o caso Irã-Contra, em que Israel estava envolvido; seguiram-se as
capturas de alguns agentes do Mossad em países estrangeiros por erros
negligentes; mas o que mais prejudicou Israel foi, certamente, Mordechai
Vanunu. Assim que Peres lhe telefonou, Admoni lançou uma operação para
capturar Vanunu. O computador do Mossad vomitou o nome de código da
operação: “Kaniuk”.
Nahum Admoni enviou com urgência uma unidade de Caesarea para
a Austrália, para que encontrasse Vanunu. Contudo, na chegada, os agentes
descobriram que estavam atrasados. O passarinho já voara do ninho — para
a Inglaterra.
Pouco depois de entrevistar Guerrero, o editor do Sunday Times
enviou Peter Hounam, uma estrela da secção “Insight” do semanário, à
Austrália, para se encontrar com Vanunu. Quando embarcou no avião,
Hounam já sabia que os cientistas britânicos tinham analisado algumas das
fotografias mostradas por Guerrero e confirmado a sua autenticidade. A
reunião com Vanunu em Sydney também convenceu Hounam de que a
história era verdadeira. Hounam ficou particularmente impressionado por
Vanunu negar as afirmações exageradas de Guerrero de que ele era “um
cientista israelense”.
Vanunu contou-lhe a verdade: fora apenas um técnico em Dimona.
Vanunu e Hounan foram para Londres e deixaram Guerrero para
trás. Em Londres, Vanunu foi submetido a vários interrogatórios intensivos
pelo pessoal do Sunday Times. Contou-lhes tudo o que sabia e revelou aos
britânicos que Israel também estava a desenvolver uma bomba de neutron,
capaz de destruir seres vivos mas deixar edifícios e estruturas intactos.
Descreveu ainda o processo de montagem das bombas no Instituto 2.
Porém, Vanunu pareceu assustado e nervoso ao longo de todo o processo.
Receava ser morto ou raptado pelos serviços israelenses. Os responsáveis
do Sunday Times tentaram acalmá-lo. Mudaram-no para outro hotel e
recrutaram todo o pessoal para que servisse, por turnos, como babysitter do
seu precioso convidado. Insistiram — em vão — para que não fosse passear
sozinho na rua.
Quando os interrogatórios terminaram, ofereceram-lhe um negócio
fantástico: 100.000 dólares pela história e pelas fotografias, 40 por cento
dos direitos de distribuição dos artigos do jornal e 25 por cento dos direitos
do livro, se fosse escrito. Também lhe disseram que Rupert Murdoch,
proprietário do Sunday Times, era proprietário da empresa cinematográfica
20th Century Fox, e que estava a pensar fazer um filme sobre a vida de
Vanunu. O papel principal seria desempenhado por Robert de Niro.
Os anfitriões de Vanunu em Londres ofereceram-lhe todas as
tentações possíveis, exceto uma: uma mulher. Vanunu ansiava por sexo e
pelo calor de uma mulher, e não conseguia. Quando Rowena Webster,
funcionária da Insight, lhe fazia companhia, ele tentava desesperadamente
levá-la para a cama, mas ela resistia. O sexo era o calcanhar de Aquiles de
Vanunu, mas os espertos editores do Sunday Times não perceberam.
Também não perceberam que o medo de Vanunu dos serviços
secretos israelenses era justificado. Um dos repórteres da Insight foi
enviado a Israel para descobrir se Vanunu era efetivamente quem dizia ser.
Falou sobre ele com um jornalista israelense, que alertou
imediatamente o Shabak. Poucas horas depois, vários membros da equipe
operacional do Mossad aterravam em Londres. A equipe era chefiada por
Shabtai Shavit, adjunto do ramsad. A operação foi comandada pelo segundo
adjunto do ramsad e chefe da Caesarea, Beni Ze’evi.
Dois agentes do Mossad fizeram-se passar por fotógrafos da
imprensa e andaram pelo edifício do Sunday Times a tirar fotografias a
trabalhadores que por acaso protestavam e faziam greve. Passados uns dias,
viram e fotografaram Vanunu, que depois seguiram pelas ruas de Londres,
pelo método da “vassoura” desenvolvido por Zvi Malkin, agente veterano
do Mossad. Além de seguirem o seu “alvo”, os agentes “varriam” as áreas
que ele provavelmente visitaria e estabeleciam-se lá antes de ele chegar. E
assim, a 24 de setembro, Vanunu chegou a Leicester Square, local favorito
dos turistas e visitantes da cidade. Numa banca de jornais, Vanunu viu uma
moça “que era a cara escrita da Farrah Fawcett, a estrela do programa
televisivo "As Panteras".
Era uma loura bonita e, para Vanunu, parecia “linda e angelical”.
Vanunu observou-a demoradamente, enquanto ela esperava na fila da banca
de jornais. Ela virou a cabeça e olhou-o, num olhar prolongado e carregado
de sentido. Os olhos dos dois cruzaram-se por momentos, mas a vez dela
chegou, pelo que comprou o jornal e se foi embora. Vanunu também se
virou noutra direção, mas, depois de se encher de coragem, regressou e
perguntou-lhe se podia falar com ela. Ela concordou com um sorriso.
Seguiu-se uma conversa banal entre os dois. Ela apresentou-se como Cindy,
uma beleza judia de Filadélfia, em viagem turística pela Europa.
Vanunu ficou desconfiado. Os dias anteriores tinham-no deixado
com os nervos em frangalhos. O pessoal do Sunday Times continuava a
interrogá-lo interminavelmente e a adiar a publicação da história. O seu
receio dos serviços secretos israelenses aumentou, depois de ter sabido que
o Sunday Times ia pedir à Embaixada de Israel em Londres que comentasse
a história.
Explicaram que um jornal respeitável como o Sunday Times tinha
sempre de pedir os comentários do outro lado da história. Ele não ficou
convencido.
Sentia-se só, zangado e impaciente.
E, de repente, aparecia Cindy.
“Você é do Mossad?”, perguntou, meio brincando.
“Não, não”, disse ela. “Não. O que é Mossad?”
Ela perguntou o nome dele.
“George”, respondeu. Era o nome que usara para se registrar no
hotel.
Ela sorriu. “Oh, não acredito”, disse. “Você não se chama George.”
Quando se sentaram num café, ele revelou o verdadeiro nome e
contou sobre o Sunday Times e seus problemas. Cindy sugeriu
imediatamente que ele fosse a Nova York, onde ela podia indicar advogados
bons.
Ele, contudo, não a ouviu, nem por sombra. Mordechai Vanunu
apaixonou-se à primeira vista. Encontrou-se com Cindy várias vezes nos
dias seguintes, e, segundo ele, foram os melhores dias de sua vida.
Caminharam em parques de mãos dadas, foram ao cinema e viram A
Testemunha, com Harrison Ford, e Hannah e as suas Irmãs, de Woody
Allen. Também assistiram a um musical chamado 42nd Street e beijaram-se
a rodo. Ele jamais esqueceria aqueles abraços quentes e beijos doces.
Cindy dava beijos doces, mas se recusava firmemente a dormir com
ele. Disse-lhe que não podia convidá-lo para o hotel onde estava porque
partilhava o quarto com outra moça. Também se recusou a ir ao quarto de
hotel dele. “Anda tenso e nervoso”, dizia constantemente, “assim não dá
certo. Pelo menos não em Londres”.
Até que ela teve uma ideia. “Por que não vem comigo a Roma?
Minha irmã mora lá, tem um apartamento, podemos nos divertir muito, e
pode esquecer os problemas.”
A princípio, ele recusou. Mas ela estava determinada a ir a Roma e
comprou passagem em classe executiva. Quando conseguiu finalmente
convencê-lo, comprou uma passagem igual. “Paga depois”, disse.
E ele sucumbiu à tentação.
Se fosse um homem mais sério e razoável, teria percebido
imediatamente que caia numa “armadilha cor de rosa”, a expressão que os
serviços secretos usam para designar uma sedução feita por uma mulher.
Assim, do nada, Vanunu conhece uma moça na rua, ela apaixona-se
perdidamente por ele e prontifica-se a fazer tudo por ele: levá-lo para casa
da irmã em Roma, comprar-lhe um bilhete de avião muito embora mal o
conheça. Não pode dormir com ele em Londres, mas pode dormir com ele
em Roma. Um homem sensato teria concluído que a história de Cindy era
suspeita, até ridícula. Mas, desta vez, os psicólogos do Mossad tinham feito
um excelente trabalho. Sabiam exatamente o que Vanunu queria, e previram
que ele ficaria cego pelos beijos doces e promessas ainda mais doces de
uma mulher linda e atraente.
Peter Hounam, do Sunday Times, era um homem sensato. Assim que
ouviu falar de Cindy, percebeu que algo não batia certo. Deu o seu melhor
por persuadir Vanunu a não se encontrar mais com ela, mas de nada valeu.
Vanunu já tinha engolido o isco e nada no mundo o faria mudar de
ideia.
Certa vez, pediu a Peter que lhe desse boleia até o café onde Cindy o
esperava, e Peter entreviu a jovem (mais tarde, conseguiria fazer um esboço
da cara dela, com base no seu breve encontro). Quando soube da intenção
de Vanunu de sair de Londres “por uns dias”, Peter tentou novamente
convencê-lo a mudar de ideia, mas em vão. Ainda assim, avisou Vanunu de
que não saísse de Inglaterra e que não deixasse o passaporte entregue aos
empregados da recepção do hotel. Contudo, Peter Hounam estava longe de
imaginar que Vanunu ia mesmo apanhar um avião para Roma e poder
assim, finalmente, dormir com a sua Cindy.
Cindy concordara em dormir com Vanunu em Roma por uma razão
bem diferente. Israel não queria raptar Vanunu em solo britânico. O
primeiro-ministro Peres não queria confrontar a formidável Dama de Ferro
Margaret Thatcher. Tal como ele, o Mossad não se sentia à vontade na Grã-
Bretanha.
Poucos meses antes, as autoridades alemãs tinham encontrado uma
pasta com oito passaportes falsos britânicos numa cabine telefônica.
Infelizmente, a pasta tinha uma etiqueta que indicava a identidade do
proprietário e a sua ligação à Embaixada de Israel. O Governo britânico
ficou furioso. O Mossad prometeu não infringir novamente a soberania
britânica. Assim, nem Peres nem o Mossad queriam sequer imaginar o
lançamento de uma operação secreta na Grã-Bretanha.
Foi assim que Roma se tornou a escolha de eleição. As relações
entre o Mossad e os serviços secretos italianos eram próximas e sólidas. O
ramsad Nahum Admoni e o almirante Fulvio Martini, chefe dos serviços
secretos italianos, eram bons amigos. E, com o caos crônico que reina na
Itália, era quase certo que os italianos nunca conseguiriam provar que
Vanunu fora raptado no seu território.
E foi assim que Cindy e Mordy embarcaram de mãos dadas no voo
504 da British Airways para Roma, a 30 de setembro de 1986. Quando
aterrissaram, às nove da noite, os dois amantes foram recebidos por um
jovial italiano com um enorme ramo de flores na mão. Este levou-os para o
carro, em direção a casa da irmã de Cindy. Ao longo da viagem, Cindy
cobriu o seu ditoso Mordai de abraços e beijos.
O carro parou junto de uma casa pequena. Uma moça abriu-lhes a
porta. Vanunu foi o primeiro a entrar. Subitamente, a porta fechou-se e dois
homens saltaram para cima dele, bateram-lhe sem piedade e atiraram-no ao
chão. Reparou que um deles era louro. Enquanto lhe atavam as mãos e os
pés, a moça debruçou-se sobre ele e enterrou-lhe uma agulha no braço.
Ficou tudo enevoado e Vanunu mergulhou num sono profundo.
Uma van comercial transportou Vanunu, inconsciente, para o Norte
do país. O veículo viajou durante várias horas. Ao lado de Vanunu iam dois
homens e uma mulher. Ao cabo de umas horas, Vanunu recebeu outra
injeção. Cindy desaparecera. O carro chegou ao porto de La Spezia e
Vanunu, deitado numa maca, foi levado para bordo de uma lancha rápida
que rumou ao alto-mar, onde um cargueiro israelense de nome Tapuz
esperava (segundo uma fonte, chamava-se SS Noga). A tripulação do navio
recebeu ordens de entrar na cabine e não espreitar. Quem estava de serviço,
porém, viu a lancha chegar. Uma escada de corda foi lançada borda fora e
dois homens e uma mulher subiram cautelosamente a bordo. Transportavam
consigo um homem inconsciente, que levaram para a cabine do adjunto do
comandante. Trancaram a porta depois de entrarem. O navio navegou
imediatamente para Israel.
Vanunu passou a viagem toda trancado na pequena cabine. Não via
Cindy.
Estava preocupado com ela, sem saber o que lhe tinha acontecido.
Não percebeu que ela pertencia à equipe do Mossad; tinha-o levado até o
esconderijo e provavelmente saíra de Itália na mesma noite. A mulher que
acompanhou Vanunu a bordo do navio era a médica e continuou a
administrar-lhe anestésicos durante a viagem.
O navio lançou âncora não muito longe da costa israelense e Vanunu
foi então transferido para um lança-mísseis da Marinha israelense. Foi
recebido por oficiais da polícia e agentes do Shabak, que o prenderam
formalmente e o conduziram à prisão de Shikma, em Ashkelon.
Durante o seu primeiro interrogatório, Vanunu ficou a saber que,
enquanto ia a caminho de Israel, o Sunday Times começara a publicar a
série baseada nas suas revelações. Os artigos, melhorados por fotografias e
desenhos, foram reproduzidos em múltiplos jornais de todo o mundo. O
Sunday Times revelou que todas as estimativas feitas acerca da força
nuclear de Israel tinham sido erradas. Até então, os especialistas julgavam
que Israel possuía entre 10 e 20 bombas atômicas primitivas. Porém, as
informações fornecidas por Vanunu provavam que Israel se tornara uma
potência nuclear e que o seu arsenal continha pelo menos 150 a 200 bombas
sofisticadas. Também tinha a capacidade de produzir hidrogênio e armas de
neutron. Vanunu assustou-se com as revelações sensacionalistas. Receou
que os israelenses o matassem; e receava também por Cindy, não
acreditando que ela fizesse parte de um plano contra ele.
Durante cerca de 40 dias, o mundo não soube o que acontecera a
Vanunu.
A imprensa publicou várias histórias sensacionalistas que não tinham
uma ponta de verdade. A mídia britânica descreveu em detalhes como ele
tinha sido sequestrado em Londres e levado clandestinamente para Israel
num “caixote diplomático”. Outros jornais citavam “testemunhas” que o
haviam visto embarcar, na companhia de uma jovem, num iate que o levara
para Israel. Os deputados em Londres exigiram investigação e medidas
graves contra Israel.
Vanunu foi acusado oficialmente em meados de novembro e
apareceu em tribunal muitas vezes. Isso levou-o à decisão de passar a perna
aos seus carcereiros. Vanunu sabia exatamente onde os jornalistas estavam à
espera quando era levado a tribunal. Numa das suas idas à casa da justiça,
Vanunu, sentado no banco de trás do carro da polícia, esperou que este
parasse em frente da multidão de jornalistas e fotógrafos. Depois,
subitamente, encostou a palma da mão na janela do carro. Repórteres e
fotógrafos da imprensa mundial conseguiram ler a frase que Vanunu
escrevera nela: vanunu foi raptado em roma, itl, 30.9.86. 21:00. veio para
roma no voo ba 504.
A revelação não prejudicou as relações de Jerusalém com Londres,
pois deixou claro que Vanunu deixara a Grã-Bretanha de livre vontade, num
voo comercial. Em Roma, contudo, os diretores dos serviços secretos
ficaram zangados e frustrados, mas após algum tempo os israelenses
conseguiram compensar os estragos.
Vanunu foi acusado de espionagem e traição. Foi condenado a 18
anos de prisão.
No exterior, porém, não foi considerado nem espião nem traidor.
Por toda a Europa e América emergiram associações e ligas em seu
nome, e Vanunu foi retratado como um intrépido lutador pela paz, um
mártir que arriscara a vida para travar o projeto nuclear de Israel.
Vanunu, evidentemente, não fora nada disso. Os bordões heroicos e
ideológicos não serviam senão para encobrir as ações confusas do operador
frustrado do Instituto 2. O fato é que ele não tentou combater o projeto
nuclear israelense enquanto trabalhou em Dimona. Se não tivesse sido
despedido, talvez ainda lá trabalhasse hoje. Mesmo quando saiu do país,
não se apressou a iniciar a sua guerra santa, antes viajou pelo mundo, fez
turismo no Nepal e na Tailândia, foi batizado na Austrália. Se não tivesse
conhecido Guerrero, talvez tivesse mantido as fotografias da “varanda da
Golda” e dos laboratórios de montagem das bombas no fundo da mochila.
Porém, muitas pessoas boas e ingênuas por todo o mundo viram-no
como um lutador contra o perigo atômico israelense. Um casal enternecedor
dos Estados Unidos adotou-o como filho — pese embora a família dele
ainda fosse viva — e outros bons cristãos continuaram a nomeá-lo como
candidato ao Prêmio Nobel da Paz.
Quando foi liberto da prisão, após 18 anos, Vanunu escolheu viver
numa igreja de Jerusalém. Hoje em dia, continua a exibir o seu ódio por
Israel, recusa-se a viver lá, recusa-se a falar hebraico, só responde pelo
nome John Crossman, e publica anúncios de procura de uma noiva árabe ou
palestina (“Desde que não seja israelense”) nos jornais árabes.
E Cindy? O fato é que, dada a urgência da operação em Londres, o
Mossad não teve tempo de criar uma cobertura sólida para ela. A mulher
usou o nome da irmã, Cindy Hanin, e o passaporte desta, e isso ajudou os
jornalistas britânicos e israelenses a descobrirem a sua verdadeira
identidade.
Descobriram que, na verdade, ela se chamava Cheryl Ben-Tov, nome
de solteira Hanin, e era filha de um milionário americano que tinha feito
fortuna no negócio dos pneus. Era uma sionista devota e emigrara para
Israel com 17 anos. Servira nas Forças Armadas israelenses e casara-se com
um antigo oficial da Aman. Um agente do Mossad recrutou-a para a
organização.
Tinha um QI alto e uma enorme motivação, e o passaporte
americano ajudava. Fez um curso de formação exaustiva de dois anos antes
de ser levada de urgência para Londres, com outros membros da “Operação
Kaniuk”. Após o sequestro de Vanunu e a explosão de publicidade à sua
volta, Cheryl teve de se demitir da atividade operacional.
Hoje em dia, Cheryl Hanin Ben-Tov vive em Orlando, na Florida.
Ela e o marido trabalham no negócio imobiliário e são um modelo de
família judaico-americana. O caso Vanunu impossibilitou que Cindy
continuasse a ser agente do Mossad. Os colegas lamentam profundamente
que a mulher inteligente, bonita e engenhosa já não trabalhe com eles. Com
efeito, Cindy conseguiu tirar Vanunu de Inglaterra sem infringir nenhuma
lei.
Margaret Thatcher controlou facilmente seus tumultuosos deputados,
quando se tornou claro que não fora cometido nenhum ato ilegal em
território britânico.
Porém, não tardou que o Mossad voltasse aos seus velhos hábitos.
Dois anos depois, Arie Regev e Yaacov Barad, agentes do Mossad, puseram
um palestino em Londres como agente duplo. O palestino foi preso e
Thatcher fechou o polo do Mossad em Londres, além de expulsar Regev e
Barad.
Mais uma vez, o Mossad prometeu comportar-se. E assim fez... até o
caso Mahmoud Al-Mabhouh...
16. O SUPERCANHÃO DE SADDAM

Em 23 de março de 1918, no auge da Primeira Guerra Mundial, um


enorme projétil de artilharia explodiu no centro da Place de La République
de Paris.
Uma hora depois, outro projétil atingiu o centro de Paris e matou
oito pessoas. As explosões aterrorizaram os parisienses, que presumiam que
a sua cidade, longe da frente de combate, fosse segura. O comandante do
distrito de Paris ordenou imediatamente que as florestas em redor da
capital, onde provavelmente a unidade de artilharia alemã se escondera,
fossem passadas a pente fino por vários esquadrões. Porém, a busca acabou
sem resultados. Os franceses supuseram que os projéteis tinham sido
lançados de um dirigível, embora ninguém tivesse comunicado o
avistamento de um zepelim. Seis dias depois, numa Sexta-Feira Santa,
explodiu outro projétil em Paris. Desta vez, atingiu em cheio a Igreja de
Saint Gervais, no 4.° bairro de Paris. A explosão matou 91 pessoas e feriu
100.
O pânico espalhou-se pela cidade. As patrulhas militares que saíram
da capital não encontraram nada. Nunca ninguém ouvira falar de um canhão
que conseguia atingir Paris de uma distância tão grande. Os jornais
compararam o monstro que os bombardeou à distância ao enorme canhão
que o escritor Júlio Verne descrevera no livro Da Terra à Lua. O canhão
ficcional de Júlio Veme conseguia disparar uma nave espacial para a Lua.
Os franceses tiveram sorte. A guerra acabou nesse mesmo ano com a
vitória dos Aliados sobre a Alemanha imperial. As informações sobre o
terrível canhão que espalhara morte e pânico na capital francesa começaram
a chegar a conta-gotas. Havia quem lhe chamasse o “Canhão de Paris”,
outros apelidavam-no “Canhão de Wilhelm”, por causa do nome do
imperador alemão, Guilherme (Wilhelm) II. Afinal, descobriu que o canhão
tinha sido desenvolvido pela indústria de armamento pesado Krupp, que
produzira três unidades do misterioso canhão. Este tinha um alcance inédito
de 128 quilômetros. Os seus projéteis tinham quase um metro de
comprimento e a carga de pólvora chegava aos três metros e meio. Os
projéteis subiam a uma altura de 42 quilômetros, um recorde que só foi
batido pelos mísseis V-2 alemães, na Segunda Guerra Mundial. A Krupp
montou os três supercanhões no maior dos segredos. Os canhões eram
puxados por trens especiais que se deslocavam de uma posição para outra
quase diariamente. Cada um era operado por 80 soldados de artilharia,
todos proibidos de falar sobre o canhão a quem quer que fosse. Era
imperativo cobrir os canhões monstruosos com um espesso véu de
secretismo.
Conforme a guerra se aproximou do fim, a capacidade de manobra
dos supercanhões rapidamente se deteriorou. A aviação britânica descobriu
os enormes canhões, perseguiu-os ao longo dos carris e bombardeou-os sem
cessar. Também os franceses dispararam sobre eles de posições próximas
das linhas da frente. Contudo, nenhum dos ataques foi certeiro. O único
canhão neutralizado foi um que explodiu enquanto fazia um disparo. Matou
cinco soldados. Os outros dois canhões desapareceram sem deixar rastro no
final da guerra. O que lhes aconteceu ainda hoje é um mistério. Podem ter
sido desmantelados ou escondidos nalguma gruta profunda ou mina
abandonada.
Os supercanhões converteram-se em lendas e muitos pensaram que o
mistério nunca seria desvendado. Contudo, em 1965, uma idosa alemã
chegou ao Canadá e encontrou-se com o Dr. Gerald Bull, um cientista de 37
anos que chefiava o HARP (High Altitude Research Program — Programa
de Pesquisa de Altas Altitudes) na Universidade McGill, em Montreal. A
mulher era parente de Fritz Rausenberger, defunto diretor de design das
fábricas Krupp. Entregou a Bull um manuscrito perdido que descobrira nos
arquivos de família e que descrevia ao pormenor o grande canhão e a forma
como ele funcionava.
O manuscrito deu asas à imaginação de Bull. Este tinha reputação de
ser um gênio: concluíra o doutoramento com 23 anos e era o mais jovem
doutorado de sempre de uma universidade canadense. Bull sonhava em
construir supercanhões que disparassem projéteis contra alvos a centenas de
quilômetros de distância e lançasse mesmo satélites no espaço exterior. Bull
serviu-se do manuscrito que a senhora alemã lhe trouxera como base de um
livro sobre os canhões de Wilhelm e as possibilidades que eles ofereciam
aos cientistas do futuro.
O livro, porém, não bastava. Bull conseguiu financiamento dos
governos americano e canadense, assim como da sua universidade. Instalou
o seu enorme canhão — o canhão mais comprido alguma vez construído —,
num campo de testes nos Barbados. O canhão tinha 36 metros de
comprimento e um calibre de 424 milímetros. Centenas de trabalhadores,
técnicos e engenheiros, muitos dos quais autóctones, participaram na
construção e teste do formidável canhão.
O canhão de Bull portou-se de forma extraordinária nos testes de
disparo e lançou cargas pesadas a altitudes inauditas. Bull afirmou que se
em vez de projéteis armasse o seu canhão com mísseis propulsionados a
combustível sólido conseguiria disparar um míssil de 100 quilos a uma
distância de 4000 quilômetros ou uma altitude de 250 quilômetros.
O canhão de Bull foi um grande feito, mas os governos americano e
canadense decidiram, por várias razões, parar de financiar o projeto. Em
1968, Bull foi forçado a sair dos Barbados. A frustração que o invadiu foi
imensa. Bull atacou, cheio de rancor e ódio, os “burocratas” que tinham
abortado o seu projeto.
Durante algum tempo, Bull produziu projéteis de artilharia e até
exportou para Israel 50.000 projéteis, para utilização com armas fabricadas
nos EUA.
Chegaram mesmo a atribuir-lhe a cidadania americana. Contudo,
Bull tinha um fusível a menos, nem sempre controlava o que lhe saía da
boca, e conseguia entrar em conflito com a maioria dos oficiais e
funcionários públicos superiores que conhecia. A humilhação que sentira
pelo fecho do campo de testes nos Barbados continuava a corroê-lo, e Bull
estava disposto a tudo para construir os seus grandes canhões. Tornou-se
uma obsessão, e nada o podia travar.
Primeiro, construiu um obus GC-45, a arma mais avançada do seu
tempo, com um alcance de 40 quilômetros. Bull vendeu a arma a todos os
que a quiseram comprar. Apesar do embargo das Nações Unidas à venda de
armas à África do Sul, Bull vendeu os seus canhões ao exército desse país,
que precisava deles para combater Angola. Bull também vendeu à África do
Sul uma licença para construir os canhões no seu próprio território.
Há quem defenda que a CIA apoiou secretamente as atividades
ilegais de Bull. Contudo, assim que o assunto veio a público, os amigos da
CIA de Bull desapareceram e ele ficou sozinho, exposto às acusações das
Nações Unidas de se ter tomado um traficante cínico e impiedoso. Bull foi
obrigado a regressar aos Estados Unidos, onde teve uma surpresa
desagradável: um tribunal americano considerou-o culpado de negócios de
armas ilegais e condenou-o a seis meses na cadeia. Quando foi libertado e
regressou ao Canadá, Bull apanhou uma multa de 55.000 dólares. Zangado
e amargurado, Bull mudou-se para a Bélgica, onde fundou uma nova
empresa, em associação com as Poudreries Réunies de Belgique (União das
Fábricas de Pólvora da Bélgica).
Porém, a sua obsessão não diminuiu. Bull continuou a sonhar com a
construção de um supercanhão digno da imaginação de Júlio Veme. Como o
Fausto de Goethe, estava disposto a vender a alma ao diabo para concretizar
o seu sonho. E, de fato, encontrou o diabo: o megalômano ditador do
Iraque, Saddam Hussein.
Naquele tempo, o Iraque travava uma guerra implacável contra o Irã.
Bull vendeu aos iraquianos 200 obuses GC-45, fabricados na Áustria
e contrabandeados pelo porto de Aqaba, na vizinha Jordânia. Isso, porém,
foi apenas o início.
Saddam Hussein, como Bull, ficou profundamente frustrado depois
de Israel ter bombardeado o reator nuclear de Tamuz e desfeito o seu sonho
de tornar o Iraque uma potência nuclear. Saddam também sentia uma inveja
imensa de Israel, que estava à beira de lançar satélites para o espaço.
Bull ofereceu a Saddam a construção do maior e mais longo
supercanhão do mundo. Com esse canhão, prometeu Bull, Saddam
conseguiria lançar satélites para o espaço, disparar projéteis a uma distância
superior a mil quilômetros. Saddam percebeu que poderia assim atingir os
centros populacionais de Israel e aceitou de bom grado a oferta. Bull
chamou ao seu empreendimento “Projeto Babilônia”.
Bull esboçou os planos do “Babilônia”: um canhão de 150 metros de
comprimento, com um peso de 2.100 toneladas e calibre de um metro!
Contudo, antes de construir o seu canhão colossal, Bull decidiu
montar um protótipo menor, para testes. Chamou o canhão menor
de “Pequena Babilônia”, embora a “pequena” fosse maior do que todos os
antecessores. O canhão tinha 45 metros de comprimento, e o comandante de
artilharia de Saddam ficou boquiaberto com o seu desempenho. E, todavia,
aquilo não era nada, comparado com o verdadeiro canhão que emergia no
deserto do Iraque.
Bull quis colocar seu canhão gigante num monte despido,
posicionando os componentes do canhão mais longo e pesado do mundo
numa vertente ascendente. Depois de escolher o local, Bull encomendou as
partes do canhão de várias fábricas de aço europeias. O componente
principal era, evidentemente, o cano, que Bell tencionava montar com
vários e enormes tubos de aço. Mandou vir os tubos da Inglaterra, da
Espanha, da Holanda e da Suíça. As encomendas foram camufladas como
“partes de um grande oleoduto”. Estando o Iraque sujeito a restrições
internacionais draconianas de importações de matérias-primas estratégicas,
uma vez mais as encomendas foram feitas em nome da vizinha Jordânia.
Os canos começaram a chegar. O aspecto mais incrível de toda a
operação foi que a maioria dos Estados e das empresas envolvidas na
produção dos canos percebia perfeitamente que os canos não eram senão
peças de uma gigantesca arma letal. Contudo, seu cinismo e ganância,
assim como sua indiferença pelas guerras no Oriente Médio, levaram-nas a
cooperar sem problemas. Os enormes canos receberam licenças de
exportação, foram postos em cargueiros e enviados ao destino. Muitos deles
chegaram ao Iraque sem nenhum contratempo.
O exército privado de técnicos e engenheiros de Bull começou a
montar as peças do canhão, todas apontando para o ocidente, para Israel.
Bull, contudo, ainda não estava satisfeito. Construiu dois canhões
autopropulsados para os iraquianos: Al-Majnoon e Al-Fao. Al-Majnoon (O
Louco) foi imediatamente integrado à artilharia do Iraque.
Bull também concordou em melhorar os mísseis Scud no arsenal de
Saddam, e modificar-lhes as ogivas. Conseguiu estender o alcance dos Scud
e aperfeiçoar-lhes o desempenho. Esses mesmos mísseis seriam usados
contra Israel durante a primeira Guerra do Golfo.
Era demais. Segundo o testemunho do filho de Bull, agentes
israelenses avisaram Bull para que parasse com suas atividades perigosas.
Bull recusou-se a ouvir. Mas Israel não estava sozinha no objetivo de travar
o cientista. A CIA e o MI6 andavam preocupados. E os iranianos também
tinham contas a ajustar com Bull: durante a Guerra Irã-Iraque, os iraquianos
tinham usado contra eles os canhões construídos por Gerald Bull. Ao que
parecia, não faltavam inimigos a Bull; e eles estavam determinados a pôr
fim a seus projetos.
Como Bull ignorou os avisos, os agentes estrangeiros intensificaram
as atividades. Várias vezes durante o inverno de 1990, o apartamento de
Bull no bairro Uccle de Bruxelas foi arrombado por desconhecidos.
Nenhum levou nada, mas revirou a mobília e esvaziou armários e gavetas,
deixando marcas claras da sua visita. Era outro aviso para Bull: Estamos
aqui. Podemos entrar e sair de sua casa a nosso bel-prazer, e chegar ainda
mais longe do que isso.
Uma vez mais, Bull ignorou os avisos e continuou a brincar com
fogo.
As partes dos canhões continuaram a chegar, e foram montadas, uma
após outra, no monte. Parecia que nada podia travar o “Projeto Babilônia".
Exceto uma coisa.
Em 22 de março de 1990, Bull regressou a seu apartamento de
Bruxelas e, enquanto procurava no bolso as chaves, um homem surgiu do
corredor escuro, com uma pistola com silenciador na mão, e disparou cinco
tiros na nuca de Bull. O pai do grande canhão caiu e morreu
instantaneamente.
A imprensa mundial lançou-se em especulações sobre a identidade
dos assassinos. Houve quem dissesse que os assassinos tinham sido
mandados pela CIA, outros apontaram o MI6, Angola, Irã... mas a maioria
dos observadores concordou que se tratava de Israel. A polícia belga
começou a investigar, mas não concluiu nada. Os assassinos de Gerald Bull
nunca foram encontrados.
Com a morte de Bull, a construção do grande canhão parou
imediatamente. Seus assistentes, pesquisadores, compradores espalharam-se
pelos quatro cantos do mundo. Conheciam partes do projeto, mas o plano
geral estava guardado na cabeça de Bull, e só ele sabia como proceder. A
morte dele foi também a morte do “Projeto Babilônia”.
Duas semanas depois da morte de Bull, as autoridades britânicas
emergiram da sua longa letargia. Finalmente destacaram para o porto de
Teesport uma equipe alfandegária que apreendeu oito enormes canos de aço
de Sheffield, definidos nos papéis de exportação como “oleodutos”. A
iniciativa foi boa, mas tardia: já havia outros 44 “oleodutos” em serviço no
Iraque. Nas semanas seguintes, mais componentes do canhão gigante foram
apreendidos em outros cinco países europeus. Uma investigação oficial na
Inglaterra tentou esclarecer como empresas respeitáveis como a Sheffield
Forge Masters [Fundições de Sheffield] ignoravam os objetivos pérfidos de
Saddam Hussein e forneciam canos de aço para o grande canhão.
Quando o Exército americano conquistou o Iraque em 2003,
descobriu pilhas de enormes canos enferrujando na sucata de Al-
Iskanderiya, cerca de 50 quilômetros ao sul de Bagdá. Os enferrujados
canos foram tudo o que ficou dos grandiosos planos do Dr. Gerald Bull.
O assassinato de Gerard Bull deu-se numa época em que o caráter do
Mossad passava por uma profunda mudança. O novo ramsad, o agente
veterano do Mossad Shabtai Shavit, encontrou uma realidade diferente
quando entrou em funções em 1989. Por ser um antigo combatente da
Sayeret Matkal e chefe da Caesarea, parecia o homem certo para o trabalho.
A partir da década de 1970, com a eliminação sistemática dos líderes
do Setembro Negro, e ainda mais nas décadas de 1980 e 1990, a ênfase da
atividade do Mossad mudou das informações secretas para as operações
especiais. O Mossad teve gradualmente de assumir a maioria das operações
contra os perigos civis e não-convencionais que ameaçavam o Estado de
Israel. Os órgãos formais do Estado eram incapazes de derrotar eficazmente
o terrorismo. Os líderes terroristas viviam no estrangeiro, em relativa
segurança, planeavam os ataques e enviavam homens para ataques contra
instituições ou cidadãos israelenses em todo o mundo. Mesmo quando sabia
quem eles eram e o que andavam a fazer, Israel não podia prendê-los e levá-
los à justiça. A única alternativa que restava à Mossad era encontrá-los e
matá-los. Eram ações brutais e absolutamente penosas para homens como
David Molad, que as tinham de levar a cabo; não obstante, cumpriam os
seus fins, quando o assassinato dos líderes terroristas aniquilava ou
imobilizava as suas organizações durante muitos anos. A caça dos líderes
do Setembro Negro foi o melhor exemplo. O caso de Gerard Bull teve
resultados semelhantes. Muito embora os assassinos nunca tenham sido
oficialmente identificados, a morte de Bull foi a morte dos seus projetos
diabólicos.

Foi também o caso de Wadie Haddad.


Tudo começou com uma caixa de chocolates.
O Dr. Wadie Haddad, dirigente da Frente Popular de Libertação da
Palestina, era um dos mais perigosos inimigos de Israel. A sua operação
mais famosa tinha sido o desvio de um avião da Air France de Tel Aviv
para Paris, a 27 de junho de 1976. Vários terroristas, árabes, alemães e sul-
americanos, forçaram o piloto a aterrissar em Entebbe, capital do Uganda, e
exigiram a troca dos reféns judeus e israelenses pelos terroristas mais
perigosos do mundo.
Numa heróica operação de socorro, comandos israelenses voaram
centenas de quilômetros, aterrissaram em Entebbe, mataram os terroristas e
libertaram os reféns. Depois de Entebbe, Haddad percebeu que a sua vida
corria perigo e mudou o seu quartel-general para Bagdá, onde se sentia em
segurança. Do Iraque, continuou a lançar operações terroristas contra Israel.
O Mossad estava determinado a matar o arquiterrorista. Mas como?
Lançou-se uma operação meticulosa, com o objetivo de descobrir
tudo sobre Haddad, principalmente os seus pontos fracos e vícios.
Um ano depois do salvamento de Entebbe, os agentes do Mossad
descobriram que Haddad adorava chocolate, especialmente chocolate belga
de qualidade. A informação sobre o vício secreto de Haddad foi dada por
um palestino em que o Mossad confiava, infiltrado na Frente Popular de
Haddad.
O ramsad, Yitzhak Hofi, apresentou a informação ao novo primeiro-
ministro de Israel, Menachem Begin, que autorizou imediatamente a
operação. Os agentes do Mossad conseguiram depois recrutar um adjunto
da confiança de Haddad, que andava em missão pela Europa. Quando este
regressou, levou ao patrão uma grande caixa de chocolates Godiva,
daqueles de deixar água na boca. Os especialistas do Mossad injetaram um
veneno biológico fatal nos chocolates com recheio cremoso. Presumiram
que Haddad, que adorava chocolates Godiva, devoraria todos os chocolates
sozinho e nem pensaria partilhá-los com alguém.
O agente entregou a caixa embrulhada a Haddad, que, logo que se
viu sozinho, engoliu os chocolates todos. Em poucas semanas, o gorducho
Haddad começou a perder apetite e peso. As análises ao sangue feitas pelos
seus médicos indicaram uma grave deficiência imunitária. Ninguém em
Bagdá percebia o que estava a passar-se com o líder da Frente Popular.
A saúde de Haddad piorou. Tomou-se fraco, esquelético e confinado
à cama. Quando o seu estado se agravou, Haddad foi transferido para uma
clínica da Alemanha Oriental. Como a maioria dos países do Bloco
Soviético, a Alemanha Oriental oferecia apoio generoso, formação, armas e
refúgio aos terroristas palestinos. Contudo, os seus conhecimentos de
primeira linha de nada valeram. Os médicos da Alemanha Oriental não
conseguiram salvar Haddad e, a 30 de março de 1978, este morreu “de
causas desconhecidas”. O líder terrorista de 48 anos deixou à irmã milhões
de dólares que acumulara enquanto conduzia a sua guerra patriótica pela
Palestina.
O diagnóstico dos médicos alemães foi que Haddad tinha morrido
por causa de uma doença terminal que lhe atacara o sistema imunitário.
Ninguém suspeitou do Mossad. Alguns adjuntos próximos de Haddad
acusaram as autoridades iraquianas do envenenamento, por Haddad se estar
a tornar demasiado incômodo para o regime. Só após muitos anos, os
escritores israelenses tiveram permissão de publicar que o Mossad estivera
por detrás da morte extemporânea de Haddad. Quando Yasser Arafat
morreu 30 anos depois, os seus adjuntos acusaram Israel de ter provocado a
morte. Essa acusação nunca foi provada, apesar dos exames e testes
exaustivos feitos pelos médicos franceses de Arafat.
Com a morte de Haddad, a sua organização letal colapsou. Os
ataques do grupo de Haddad contra Israel pararam quase completamente, e
a longa batalha de Israel com um dos seus mais vis inimigos terminou
definitivamente.
Depois de Bull e Haddad, foi a vez de Shaqaqi.
Em meados do século XIX, o sultão do Império Otomano enviou o
comandante da Marinha imperial, um almirante famoso e admirado, para
conquistar a ilha mediterrânica de Malta. O almirante fez-se ao mar e
navegou durante muitos meses pelo Mediterrâneo.
Mas não encontrou Malta.
O almirante regressou a Istambul e anunciou ao sultão “Malta Yok!”,
ou seja, “Malta não existe”, em turco.
Contudo, na nossa época, houve quem encontrasse Malta, e
encontrasse não só a ilha, mas também um homem que lá chegara
disfarçado, sob identidade falsa, e a viajar em total secretismo. Era o Dr.
Fathi Shaqaqi, chefe da organização terrorista Jihad Islâmica.
Em 26 de outubro de 1995, no fim da manhã, Fathi Shaqaqi saiu do
Hotel Diplomat na cidade de Selma, em Malta. Ia fazer compras antes de
regressar a Damasco, onde vivia desde há uns anos. Shaqaqi usava uma
peruca e tinha passaporte líbio em nome de Ibrahim Shawush. Sentia-se
bem seguro na serena cidade maltesa. Não sabia que vários agentes do
Mossad o seguiam há uma semana, quando viajara de Malta para a Líbia,
para participar de conferência das organizações palestinas clandestinas.
Nove meses antes, em 22 de janeiro, dois homens-bomba da Jihad
Islâmica de Shaqaqi tinham se suicidado perto de uma estação de ônibus no
nó rodoviário de Beit Lid, não muito longe da cidade de Netanya.
Morreram 21 pessoas, a maioria das quais soldados, e 68 ficaram
feridas. Foi um dos ataques terroristas mais sangrentos da História
israelense. O primeiro-ministro Yitzhak Rabin acorreu imediatamente a Beit
Lid e ficou profundamente chocado pela carnificina. A fúria de Rabin
culminou quando leu que Shaqaqi se vangloriara a um jornalista da revista
Time:
[...] Este foi o maior ataque militar de sempre no interior da Palestina
[excluindo as guerras israelo-árabes].
Time : Isso parece dar-lhe alguma satisfação.
Shaqaqi: Dá satisfação ao nosso povo.
Rabin, em fúria, ordenou ao ramsad Shabtai Shavit, oficial de
carreira do Mossad, que matasse o dirigente da Jihad Islâmica.
Havia muito que Shavit perseguia Shaqaqi.
Segundo a revista semanal Der Spiegel, o Mossad propôs atingir
Shaqaqi no quartel-general de Damasco. Rabin, porém, recusou a ideia.
Estava secretamente envolvido em conversações de paz com o presidente
sírio, Hafez Al-Assad, e não queria gorar as já magras hipóteses de pôr fim
ao conflito com o vizinho setentrional de Israel. Rabi pediu à Mossad que
sugerisse planos alternativos para a operação. Era uma missão muito
complicada, explicou Shavit, uma vez que Shaqaqi sabia que estava na mira
do Mossad. Era precisamente por isso que muito raramente saía da Síria.
Apesar de tudo, Rabin recusou-se a autorizar o ataque em Damasco e
ordenou que se conduzisse a operação fora das fronteiras sírias.
Mas onde? Durante algum tempo, os líderes do Mossad não
souberam o que fazer. Por fim, acabaram por ter sorte: Shaqaqi foi
convidado para uma conferência de organizações terroristas palestinas na
Líbia. A princípio, respondeu que não iria, mas depois soube que o seu
arquirrival Said Mussa, chefe da odiada organização Abu Mussa,
tencionava participar na conferência. Os especialistas do Mossad
presumiram que Shaqaqi não daria a vantagem ao adversário e iria à
conferência, custasse o que custasse. E, de fato, um relatório secreto de
Damasco confirmou-o: Shaqaqi ia à Líbia. Em Jerusalém, Rabin deu a luz
verde.
Há fontes europeias que afirmam que os preparativos para o
assassinato começaram quando os especialistas em terrorismo do Mossad
verificaram os registros de voos anteriores de Shaqaqi para a Líbia.
Descobriram que ele fazia sempre escala em Malta, quando voava para
Trípoli. O ramsad decidiu operar em Malta, não na Líbia. Malta era um
local mais conveniente e tranquilo. Os agentes do Mossad esperaram no
aeroporto de Valletta por Shaqaqi, que presumivelmente pararia lá a
caminho da Líbia. Shaqaqi quase conseguiu enganar os seus perseguidores,
porque aterrissou em Malta apenas no terceiro voo do dia proveniente de
Damasco, e bem disfarçado. Demorou-se nas chegadas e apanhou o voo de
ligação para a Líbia.
Em 26 de outubro, ao início da manhã, Shaqaqi regressou a Malta e
deu entrada no Hotel Diplomat, onde já antes ficara. Recebeu o quarto 616
e saiu imediatamente do hotel. Dois agentes do Mossad montados numa
mota azul seguiram-no por todo o lado. Shaqaqi passou algumas horas a
visitar lojas e mercados. Ia a caminho do hotel, quando a mota azul parou a
seu lado. Um dos agentes, mais tarde descrito como um homem com traços
do Oriente Médio, aproximou-se dele e abateu-o com seis balas, à queima-
roupa e com silenciador. Shaqaqi caiu no passeio, enquanto o seu assassino
corria para um beco próximo, onde o esperava o companheiro montado na
mota, já ligada.
Aceleraram para a praia ali perto e saltaram para uma lancha que os
levou para um cargueiro que aguardava em alto-mar. O navio transportava,
oficialmente, cimento de Haifa para Itália. Mas, além de cimento, levava
outra carga: o próprio Shabtai Shavit, que monitorou a operação de um
posto de comando improvisado a bordo. A rota de fuga fora bem planejada.
Ninguém seguiu os dois agentes, que chegaram sãos e salvos ao
navio.
Após a morte de Shaqaqi, os seus adjuntos da Jihad Islâmica
tentaram desvendar um enorme mistério: quem fora o traidor que passara os
pormenores da sua viagem à Mossad? Os assassinos sabiam tudo: a data da
sua partida para Malta, o número do voo, a identidade falsa, a data do
regresso a Malta e Damasco... Depois de uma investigação que durou cinco
meses, os líderes da Jihad Islâmica prenderam um estudante palestino que
era assistente próximo de Shaqaqi, e acusaram-no de traição. O estudante
cedeu no interrogatório e confessou: tinha sido recrutado pelo Mossad
enquanto estudava na Bulgária. Os seus contatos tinham-no instruído a
mudar-se para Damasco e juntar-se ao grupo de Shaqaqi. Nos quatro anos
seguintes, conseguiu ganhar a confiança de Shaqaqi e tornar-se um dos
poucos que conheciam as atividades de Shaqaqi.
Ao contrário do Hamas e do Hezbollah, que investiam uma grande
parte dos seus recursos em atividades sociais, a Jihad Islâmica tinha um
único propósito: o terror. Baseava-se num número muito pequeno e
compartimentalizado de células, compostas por palestinos que não tinham
outro propósito senão combater Israel. O próprio Shaqaqi era tido pela
diáspora palestina como o pai ideológico do terrorismo suicida. Foi o
primeiro a descobrir nos ensinamentos sagrados do islão uma legitimação
de atentados a bomba e assassinatos.
A organização de Shaqaqi foi responsável por uma longa lista de
ataques terroristas sangrentos: 16 mortos no ataque a um ônibus da linha
405, na estrada de Tel Aviv para Jerusalém, em de julho de 1989; nove
mortos no ataque a um ônibus de turistas israelenses perto do Cairo, em 4
de fevereiro de 1990; oito mortos num atentado a bomba contra um ônibus
em Kfar Darom, no Sul de Israel, em novembro de 2000; três soldados
mortos no ataque suicida ao bloqueio de estrada de Netzarim, na Faixa de
Gaza, em 11 de novembro de 1994; e a terrível bomba em Beit Lid que
matou 21 soldados, em 22 de janeiro de 1995. Shaqaqi fez por merecer a
sentença de morte que o Mossad executou numa rua de Malta. Depois de
Shaqaqi morrer, a Jihad Islâmica quase se esboroou e levou anos a
recuperar parcialmente da morte do seu líder.
Israel nunca admitiu a responsabilidade do assassinato. O primeiro-
ministro Yitzhak Rabin disse: “Não sabia do assassinato, mas se é verdade
não o lamentarei.”
Pouco tempo depois, o próprio Yitzhak Rabin foi assassinado, não
por um terrorista palestino, mas por um fanático judeu.
17. FIASCO EM AMÃ

“Baba! Baba!” (“Pai! Pai!”), exclamou a menina, e saltou do jipe


preto e correu atrás do pai, para um altíssimo edifício de escritórios no
centro de Amã, na Jordânia.
“Baba!”, exclamou ela, e desencadeou um dos maiores fiascos da
história do Mossad.
A operação tinha sido magistralmente planejada. Muito embora
parecesse algo trôpega, tinha tudo para dar certo. O objetivo era matar
Khaled Mash’al, o recém-nomeado chefe do Gabinete Político do Hamas.
Mash’al era um engenheiro informático de 41 anos, homem atraente, com
uma barba negra bem aparada. Era um dirigente em ascensão no Hamas,
que, nos anos anteriores, se tornara o maior inimigo de Israel. Essa
organização terrorista, alimentada pelo fanatismo islâmico, tinha substituído
a OLP na luta impiedosa contra Israel, depois de Yasser Arafat e Yitzhak
Rabin darem um passo para a paz, com a assinatura dos Acordos de Oslo,
em setembro de 1993. Os altos funcionários do Mossad tinham proposto
Mash’al como alvo a abater depois de um atentado a bomba em Jerusalém,
em 30 de julho de 1997. Dois terroristas fizeram-se explodir no apinhado
mercado de Mahane-Yehuda, matando 16 israelenses e ferindo outros 169.
O primeiro-ministro Benjamin (Bibi) Netanyahu convocou uma reunião de
emergência do Governo, que decidiu matar um dos líderes do Hamas. O
ramsad, general Danny Yatom, nomeado para o lugar em 1996, foi
encarregado por Netanyahu de designar o homem a morrer.
Yatom tinha uma longa carreira militar. Era um homem musculoso,
careca, com um sorriso sempre pronto. Tinha sido combatente e vice-
comandante da Sayeret Matkal, depois oficial do Corpo de Blindados, e
chefe do Comando Central de Israel com a patente de major-general. Tinha
uma devoção, de corpo e alma, ao primeiro-ministro Yitzhak Rabin e fora
seu secretário militar. Depois da morte de Rabin, para surpresa de muita
gente, foi nomeado diretor do Mossad. Todos os que o conheciam
apreciavam a sua eficiência e currículo militar, mas ninguém descortinava
nenhuma das qualidades necessárias a um dirigente de uma organização
secreta. A sua nomeação parecia mais um tributo ao falecido Rabin do que
uma escolha do melhor homem para a função.
Após a sua reunião com Netanyahu, no início de agosto de 1997,
Yatom convocou uma reunião de emergência na sede do Mossad, em Tel
Aviv. Os dirigentes dos maiores departamentos do Mossad foram chamados
à sala de reuniões. Eram eles: Aliza Magen, adjunto de Yatom; B., diretor
da Caesarea, o departamento de operações especiais; Yitzhak Barzilai,
diretor do Tevel, responsável pela cooperação com serviços secretos
estrangeiros; Ilan Mizrahi, diretor do Tzomet, o departamento de recolha de
informações secretas; D., diretor do Neviot, especializado na penetração em
alvos inimigos; e os diretores dos departamentos de pesquisa e terrorismo
(as pessoas designadas por uma letra, em vez do nome, ainda estão ao
serviço).
No início, a discussão conduziu a um beco sem saída. O Mossad não
tinha uma lista completa dos líderes do Hamas. O mais preeminente
dirigente do Hamas era Mousa Mohammed Abu Marzook, mas o homem
tinha um passaporte americano e qualquer ataque contra ele podia criar
complicações com os Estados Unidos. Khaled Mash’al, por seu lado, era
unanimemente considerado como um bom alvo, mas o escritório deste
ficava em Amã. Depois de assinar um acordo de paz com a Jordânia, em
outubro de 1994, o primeiro-ministro Rabin tinha proibido todas as
operações do Mossad nesse país. Enquanto foi secretário militar de Rabin, o
general Yatom seguiu as ordens de Rabin à risca, mas, depois de ser
nomeado ramsad, Yatom decidiu ignorar as instruções do falecido Rabin e
propôs o nome de Mash’al ao primeiro-ministro Netanyahu. A sugestão foi
apoiada pelo chefe da Caesarea e o seu oficial de informação, Mishka Ben-
David.
Netanyahu concordou. Porém, determinado a evitar uma crise com a
Jordânia, ordenou que se fizesse uma operação “discreta”, não um golpe
que desse nas vistas. Yatom encarregou o grupo Kidon — a unidade de elite
da Caesarea — da execução da operação. Um doutorado em Bioquímica,
membro do departamento de pesquisa do Mossad, sugeriu o uso de um
veneno mortal que fora desenvolvido no Instituto de Biologia em Ness
Ziona. Poucas gotas desse veneno caídas na pele de uma pessoa causar-lhe
— iam a morte. O veneno não deixava vestígios e era impossível de detetar
mesmo com autópsia. Já fora usado um veneno semelhante no caso dos
chocolates Godiva contra Wadie Haddad, chefe da Frente Popular de
Libertação da Palestina (ver Capítulo 14).
“A ideia do veneno não o incomodou?”, perguntou o jornalista
israelense Ronen Bergman a Mishka Ben-David anos mais tarde. “É uma
maneira tão repugnante de se morrer...”
“Acha que uma bala na cabeça ou um míssil disparado contra um
carro é mais humano do que veneno?”, perguntou Ben-David. “Teria sido
melhor, evidentemente, se não fosse preciso matar pessoas, mas, na guerra
contra o terror, isso é inevitável. A decisão do primeiro-ministro de levar a
cabo uma operação 'discreta' para não prejudicar as relações com a Jordânia
foi lógica.”
No verão de 1997, alguns transeuntes numa rua de Tel Aviv viram
dois jovens agitando latas de Coca-Cola e depois arrancando os fechos para
abrir. A bebida gaseificada esguichava com um som borbulhante. Durante
um momento, as pessoas olhavam muito aborrecidas para os dois jovens,
mas depois seguiam caminho. Não podiam adivinhar que eram ambos
agentes do Mossad ensaiando o assassinato de Mash’al: um deles abriria
uma lata de Coca-Cola quando ele passasse, para distraí-lo, enquanto o
outro lhe jogaria gotas de veneno na nuca.
Seis semanas antes da operação, em agosto de 1997, os primeiros
agentes chegaram à Jordânia. Tinham passaportes estrangeiros e seguiam a
rotina diária de Mash’al: quando saía de casa, quem ia com ele no carro de
manhã, que rota tomava, onde ia, como estava o tráfego àquela hora.
Contavam o tempo que Mash’al demorava a sair do carro e a entrar neste ou
naquele edifício, verificavam se ele parava para conversar com alguém
antes de entrar nos edifícios, e reuniram todas as informações que pudessem
influenciar os planos operacionais.
O relatório da equipe avançada para a sede do Kidon resumiu os
resultados da missão preliminar: todas as manhãs, Mash’al saía de casa sem
guarda-costas. Entrava num automóvel utilitário preto conduzido pelo
assistente, e dirigia-se para o Gabinete de Apoio Palestino, no edifício do
Centro Shamia, em Amã. Depois de Mash’al sair, o motorista partia com o
carro. Mash’al caminhava uma curta distância até o edifício e entrava.
“Gabinete de Apoio Palestino” era um nome que camuflava o que na
realidade era o quartel-general do Hamas na capital jordaniana.
O relatório de vigilância da equipe avançada também sugeriu a
melhor maneira de chegar a Mash’al: de manhã, no passeio, quando ele saía
do carro e caminhava até o edifício.
Os preparativos continuaram por todo o verão: vigilância, envio de
outras equipes auxiliares para Amã, aluguel de casas de segurança e de
veículos.
Subitamente, em 4 de setembro, Jerusalém foi abalada por outro
ataque terrorista: três membros do Hamas fizeram-se explodir na Rua Ben-
Yehuda, matando cinco israelenses e ferindo 181. Israel não podia esperar
mais, era tempo de agir.
No dia 24 de setembro de 1997, véspera da operação. Um casal de
turistas descontrai junto da piscina de um grande hotel de Amã. O homem
tem um roupão de banho branco vestido. Diz aos empregados do hotel que
está a recuperar de um ataque cardíaco; os seus passos vagarosos,
cautelosos, provam que ainda sofre dos efeitos secundários da doença. A
jovem que está com ele é médica. De vez em quando, verifica-lhe a
pulsação e a pressão arterial. Estão quase sempre deitados nas cadeiras à
beira da piscina. O “paciente cardíaco” é nada mais nada menos que Mishka
Ben-David, encarregado da comunicação entre o quartel-general do Mossad
e os agentes no local. A mulher, também agente do Mossad, é mesmo
médica e transporta consigo uma injeção do antídoto do veneno destinado a
matar Mash’al. O antídoto neutraliza o efeito do veneno. Seria usado se
algum agente do Kidon fosse exposto acidentalmente a algumas gotas do
veneno, durante a operação. Uma injeção imediata do antídoto seria a única
forma de o salvar de uma morte certa.
Enquanto o pseudopaciente e sua médica esperam junto da piscina, a
equipe de assassinato faz os últimos preparativos. Nos dias anteriores,
vários agentes chegaram a Amã. Vão conduzir os veículos de fuga e
desempenhar outros papéis secundários. Depois deles, chega a própria
equipe de assassinato: dois agentes do Kidon, que se fazem passar por
turistas canadenses chamados Shawn Kendall e Barry Beads. Os dois dão
entrada no Hotel Intercontinental. Em retrospetiva, levantam-se perguntas
perturbadoras sobre estes dois: Porque foram escolhidos, pese embora
nunca tivessem trabalhado num país árabe? E porque é que receberam
passaportes canadenses, se mesmo a mais superficial das inspeções provaria
que não eram canadenses? O inglês era artificial, o sotaque era israelense e
a história falsa seria certamente desmontada ao cabo de uma investigação
séria. Porém, tudo isto é pouco, se comparado com o erro da equipe de
vigilância, patente apenas depois de a operação ser iniciada.
O golpe teria presumivelmente lugar na entrada do edifício do
Centro Shamia, onde ficava o gabinete de Mash’al. O encontro entre os
agentes do Kidon e Mash’al seria rápido e mortal. “Shawn” e “Barry”
tinham de aproximar-se de Mash’al, deitar-lhe o veneno líquido na nuca e
fugir num veículo que os esperava ali perto. Os dois “canadenses” estavam
bem preparados, depois do seu treino nas ruas de Tel Aviv. Shawn ia
segurar a lata de Coca-Cola. Quando chegasse perto de Mash’al, tinha de
puxar a patilha e dirigir “acidentalmente” o jorro da lata na direção dele. A
lata, contudo, não era a protagonista da história. Barry, que tinha consigo o
pequeno recipiente com o veneno, era a principal figura da operação; numa
questão de segundos, tinha de deitar o veneno na direção de Mash’al. A lata
de Coca-Cola devia distrair a atenção de Mash’al, para que ele não visse o
jorro venenoso. O líquido espalhar-se-ia na pele e matá-lo-ia de “ataque
cardíaco”.
Outros dois “turistas”, um homem e uma mulher, deviam esperar no
átrio do edifício, para o caso de a equipe de assassinato precisar de ajuda.
Por exemplo, Mash’al podia caminhar demasiado depressa em direção ao
edifício, e os dois canadenses talvez não o conseguissem atingir. Nesse
caso, o casal de “turistas” devia sair do edifício e chocar contra Mash’al,
atrasando-o até que os membros da equipe de assassinato chegassem.
Assim, não haveria confronto com os jordanianos, acreditavam os
planejadores do Mossad.
A chave do êxito era a situação no local propriamente dito: zona
livre de guarda-costas, membros da família, conhecidos, polícias, militantes
do Hamas e outras pessoas que pudessem frustrar o golpe. E, de fato, as
instruções dos oito agentes enviados à Jordânia eram claras: conduzir as
operações apenas se todas as condições supracitadas fossem cumpridas.
Danny Yatom mantém que disse aos agentes: “Se as condições
divergirem do plano original, podemos sempre fazer a execução numa data
posterior.”
Ao que sabemos, foi isso que realmente aconteceu. Os agentes
deslocaram-se várias vezes ao local, mas abortaram o assassinato devido a
problemas inesperados: a presença de polícias jordanianos, de guarda-costas
que escoltavam Mash’al, ou a decisão de último minuto de Mash’al de não
ir ao escritório nesse dia.
25 de setembro de 1997, dia D.
O comandante da operação ocupa a sua posição do outro lado da rua,
frente ao edifício. Decidiu-se não usar celulares nem instrumentos de
comunicação eletrônica na zona, e os agentes teriam de comunicar com as
mãos ou o corpo. Em caso de necessidade de abortar a operação, o
comandante avisaria os dois agentes tirando o boné.
Atrás do edifício, o carro de fuga espera pelos dois assassinos.
Shawn e Barry estão prontos, tal como o casal no hall do edifício.
Está tudo a postos.
Na casa de Mash’al, a rotina da manhã é quase perfeita, à exceção de
uma pequena mudança de última hora. A mulher de Mash’al pede-lhe que
seja ele a levar os dois filhos à escola, ao contrário dos outros dias, quando
é ela que trata disso. As crianças entram no carro com o pai, mas a equipe
de vigilância do Mossad não as vê, e informa o pessoal do Kidon que
Mash’al está a caminho, sozinho no carro com o motorista. Os agentes não
reparam nas duas crianças sentadas no banco de trás. As janelas do carro
são escurecidas e é impossível ver as crianças do exterior.
Mash’al chega ao Centro Shamia, sai do carro, cruza a rua e começa
a subir a escadaria que conduz à entrada do edifício. Os dois assassinos
aproximam-se dele — dez, cinco, três metros... Subitamente, a filha de
Mash’al emerge do carro. “Baba! Baba!”, exclama, e começa a correr para
o pai. O motorista sai do carro e segue a criança. O comandante da
operação, posicionado do outro lado da rua, repara na criança. Tira o boné e
tenta fazer sinal para seus homens, para que abortem a operação. Contudo,
nesses segundos críticos, os dois agentes estão atrás de uma das pilastras de
cimento na entrada do edifício e, por momentos, perdem contato com o
comandante. E, pior, não veem a menina e o motorista correndo atrás dela.
Os assassinos prosseguem em sua missão. Alcançam Mash’al, e
Shawn agita a lata de Coca-Cola e tira o fecho. Naquele dia, pela primeira
vez, o fecho sai mas a lata não abre. A manobra de distração não dá certo.
Barry ergue a mão, para jorrar o veneno no pescoço de Mash’al.
Segundo contratempo: o motorista de Mash’al, que corre atrás da criança,
vê o estranho erguer a mão e pensa que ele quer apunhalar o patrão.
Começa a gritar, corre na direção de Barry, e tenta bater-lhe com um jornal
dobrado.
Mash’al ouve os gritos do motorista e vira-se para trás. Nesse
momento, Barry lança o veneno e umas gotas atingem o ouvido de Mash’al.
Este só sente uma ligeira picada, mas percebe que algo não está bem e
começa a fugir o mais depressa que consegue. Shawn e Barry correm para o
carro de fuga.
Nessa altura, entra outra personagem em cena: Muhammad Abu
Seif, militante do Hamas a caminho de entregar alguns documentos a
Mash’al.
Ouve os gritos e vê o confronto entre o seu líder e os dois agentes.
Enquanto Mash’al foge para proteger a própria vida, Abu Seif tenta segurar
Shawn e Barry, que estão prestes a entrar no carro de fuga. Luta com
Shawn, que lhe bate com a lata que não abriu. Shawn e Barry conseguem
entrar no carro, que se põe imediatamente em fuga.
E, depois, os dois cometem o erro mais crucial da operação. O
motorista diz a Shawn e Barry que viu Abu Seif anotar a placa do carro. Os
assassinos decidem imediatamente abandonar o veículo. Receiam que Abu
Seif alerte a polícia e que sejam presos ao chegar ao hotel de carro,
conforme planejado. Não têm nenhum esconderijo, nenhuma rota de fuga.
Barry e Shawn saem do carro ao fim de alguns quarteirões e o
motorista segue caminho, para se livrar do veículo.
Mas Abu Seif, veterano dos mujahedins que lutara contra os russos
no Afeganistão, ainda não desistiu. Obstinado e ágil, correu atrás do carro
dos israelenses. Shawn e Barry, que saíram do carro e caminham agora de
ambos os lados da calçada, não reparam nele até que Abu Seif salta sobre
Barry, agarra sua camisa e começa a gritar que aquele homem tentou matar
Mash’al. Shawn, que caminha do outro lado da rua, cruza a estrada e corre
para ajudar o companheiro. Bate em Abu Seif, ferindo-o ligeiramente na
cabeça, e joga-o numa vala à beira da estrada. A luta continua, e não tarda a
formar-se ao redor dos três uma multidão que converge sobre os dois
estrangeiros que parecem estar batendo num árabe.
Um policial aparece em cena, dispersa a multidão, para um táxi e
obriga os dois estrangeiros e Abu Seif, muito ferido, a entrar. O táxi dirige-
se para a central.
Na polícia, os agentes a princípio pensaram que Abu Seif tinha
atacado os dois estrangeiros, mas, depois de ter se recuperado da luta, este
os acusa de atacar Mash’al. Os investigadores jordanianos verificam os
passaportes dos dois homens e, quando percebem que eram canadenses,
alertam o cônsul. O diplomata fala durante pouco tempo com Shawn e
Barry, e diz aos jordanianos: “Não sei quem são esses caras, mas de uma
coisa tenho certeza — não são canadenses!”
Os jordanianos, ainda sem saber o tesouro que tinham em mãos,
decidiram manter os dois estrangeiros detidos e permitem que deem um
telefonema. Os agentes telefonam para o quartel-general operacional do
Mossad na Europa e informam que estão presos. Simultaneamente, uma
agente que fizera parte da operação e vira a cena em frente ao Centro
Shamia percebeu o grave erro que ocorrera e decidira alertar o “doente
cardíaco”, Mishka Ben-David, o alto funcionário do Mossad na capital
jordaniana. Corre ao hotel. Quando a viu, Ben-David percebeu
imediatamente que tinha acontecido o pior. As ordens naquela operação
eram que nenhum agente devia aproximar-se dele senão em caso: se a
operação tivesse falhado e todos os agentes tivessem de ser imediatamente
retirados do país.
Ben-David desfez-se do roupão de banho, vestiu-se rapidamente e
acorreu ao local de reunião secreto, previamente preparado. Pouco depois,
chegou o comandante da operação. Também ele tinha consciência do
fracasso. Porém, nenhum dos dois podia imaginar o caos que estava prestes
a desenrolar-se.
Mishka enviou um relatório imediato para o quartel-general do
Mossad. O ramsad Danny Yatom discutiu a situação com os chefes dos
departamentos e decidiu ordenar aos agentes que procurassem abrigo na
Embaixada de Israel em Amã e não utilizassem a rota de fuga que tinham
ensaiado de antemão.
Na Jordânia, todos deixaram o local de reunião e rumaram à
embaixada. Só a médica ficou no hotel.
Entretanto, noutro bairro de Amã, o veneno começava a atuar
fatalmente sobre Mash’al. Este desfaleceu e foi levado para o hospital. Os
israelenses sabiam que, se não recebesse o antídoto, Mash’al morreria em
poucas horas.
Netanyahu soube das más notícias no carro, quando ia a caminho de
uma festa de Ano Novo judeu na... sede do Mossad. Foi uma coincidência
fantástica. Yatom informou o primeiro-ministro, que ficou estarrecido.
Netanyahu decidiu que o ramsad devia apanhar imediatamente um
avião para Amã, encontrar-se com o rei Hussein e contar-lhe tudo, sem
subterfúgios nem mentiras. Da sede do Mossad, o primeiro-ministro ligou
ao rei Hussein e disse-lhe que ia enviar o ramsad, a respeito de um assunto
muito importante. O rei concordou imediatamente, embora não fizesse ideia
do que se tratava.
Quem estava com Netanyahu diz que ele foi tomado pela ansiedade
e instruiu Yatom a concordar com qualquer exigência que o rei fizesse em
troca do regresso dos agentes a Israel. Também ordenou a Yatom que
oferecesse o antídoto aos jordanianos e salvasse Mash’al da morte certa.
Sharon diria mais tarde: “Vi Netanyahu no caso Mash’al. Ele veio-se
completamente abaixo e tivemos de o voltar a pôr no lugar... Estava sob
pressão e pronto a abdicar de tudo...”
O rei Hussein ouviu consternado o relato de Yatom e ordenou ao seu
pessoal que se informasse do estado de Mash’al. O diagnóstico chegou
imediatamente: o homem estava a definhar rapidamente. O rei ordenou que
ele fosse imediatamente transferido para o hospital real e aceitou a oferta de
Yatom do antídoto que poderia salvá-lo. Numa absurda reviravolta deste
caso penoso, os israelenses e os jordanianos iniciaram uma guerra contra o
tempo, para salvar a vida de um inimigo comum, na verdade, um
arquiterrorista.
Mishka Ben-David regressou ao hotel. Tinha a ampola do antídoto
no bolso. “Eu andava por ali na posse do antídoto”, disse numa entrevista
posterior a Ronen Bergman, “sabendo que ele já não valia de nada, pois
nenhum dos nossos homens fora afetado pelo veneno. Só o nosso alvo
estava em estado crítico. Decidi destruir o antídoto, pois receei ser
apanhado com ele. Mas depois recebi uma chamada do comandante da
unidade em Israel.
Perguntou-se se ainda tinha o antídoto e, quando eu disse que sim,
pediu-me que descesse ao átrio do hotel. Um comandante do Exército
jordaniano estava lá à minha espera, disse-me ele, e tinha de levar
imediatamente o antídoto para o hospital.”
Porém, surgiu outro problema: a médica que devia administrar o
antídoto ao moribundo Mash’al recusou-se a fazê-lo se não fosse o próprio
ramsad a dar-lhe a ordem. Danny Yatom, que deixara o palácio real e ia a
caminho da embaixada, telefonou-lhe e ordenou-lhe que acompanhasse
Mishka.
Contudo, quando os dois chegaram ao hospital, os jordanianos
opuseram-se à ideia de a médica israelense injetar o antídoto. Talvez
receassem que ela tentasse terminar o trabalho...
Para complicar ainda mais o caso, o médico do rei, encarregue da
tarefa de salvar a vida a Mash’al, recusou-se a administrar o antídoto sem
saber a fórmula química do veneno e do antídoto. Não queria assumir
responsabilidade pela vida de Mash’al, não fossem os israelenses passar-lhe
a perna e matar o homem. Rebentou nova crise. Ambos os lados ficaram
entrincheirados nas suas posições, com os jordanianos a exigirem as
fórmulas e os israelenses a recusarem-se a entregá-las.
O estado de Mash’al piorou rapidamente. Deixou de respirar e foi
ligado a uma máquina de respiração artificial nos cuidados intensivos do
hospital real.
Todos os envolvidos se aperceberam de que a morte de Mash’al seria
um desastre para as frágeis relações dos dois países. O rei, profundamente
magoado com os israelenses, chegou a ameaçar dar ordens ao Exército para
que irrompesse na embaixada e prendesse os quatro agentes do Mossad que
lá se tinham refugiado. Também disse que poria fim a qualquer cooperação
política e militar com Israel.
As horas passaram e a tensão continuou a crescer. O rei anunciou
que, se Mash’al morresse, condenaria à morte os assassinos — os dois
agentes detidos pela polícia jordaniana. Também fez uma chamada urgente
ao presidente americano Bill Clinton.
Os americanos começaram imediatamente a pressionar Israel para
que entregasse a fórmula aos jordanianos. Netanyahu mergulhou numa
maratona de reuniões com vários grupos de conselheiros e ministros do
Governo, até finalmente ceder e entregar a fórmula aos jordanianos.
O médico jordaniano administrou o antídoto a Mash’al. A reação foi
imediata. Mash’al abriu os olhos.
Quando as notícias da recuperação de Mash’al chegaram a Israel,
todos suspiraram de alívio, como se seu próprio irmão na Jordânia tivesse
sido salvo, pela graça de Deus!
Mishka Ben-David e a médica conseguiram sair da Jordânia. Seis
agentes do Mossad continuaram em Amã, quatro na embaixada e dois sob
custódia da polícia jordaniana.
No serviço de cuidados intensivos, o estado de Mash’al continuou a
melhorar. Israel enviou para Amã uma delegação de alto nível, que incluiu
o primeiro-ministro Netanyahu, o ministro dos Negócios Estrangeiros Ariel
Sharon e o ministro da Defesa Yitzhak Mordechai. O rei Hussein, contudo,
recusou-se a receber a delegação e enviou o irmão Hassan a seu encontro.
O Governo também convocou Efraim Halevy, antigo adjunto do
ramsad e amigo do rei Hussein. Halevy era, então, embaixador de Israel na
União Europeia, em Bruxelas. Viajou imediatamente para Amã e fez uma
proposta ao rei. Em troca dos quatro agentes da embaixada, Israel libertaria
da prisão o xeque Ahmed Yassin, carismático fundador e líder do Hamas. O
rei concordou e os quatro agentes regressaram a Israel com Halevy.
As negociações finais foram confiadas a Ariel Sharon, que tinha uma
relação próxima com o rei.
Sharon exigiu a libertação dos dois agentes do Kidon que ainda
estavam presos. A Jordânia impôs em troca a libertação de 20 prisioneiros
jordanianos detidos em Israel. Sharon concordou. Porém, na última hora, os
jordanianos mudaram de ideia e exigiram mais concessões de Israel. Sharon
perdeu a calma na presença do rei. “Se isto continua assim”, disse
irritado, “o nosso povo fica em suas mãos, cortamos sua água [que Israel
fornecia à Jordânia] e matamos novamente o Mash’al.”
A explosão de Sharon revelou-se eficaz, e chegou-se a um acordo.
Dois helicópteros israelenses aterrissaram na Jordânia. Um deles trouxe os
dois agentes do Kidon para Israel; o outro levou o xeque Yassin, libertado
da prisão.
Os israelenses e a mídia mundial criticaram e ridicularizaram a
operação do Mossad na Jordânia. Netanyahu também foi duramente atacado
por sua gestão do assunto e não teve alternativa senão nomear uma
comissão de inquérito para investigar “a falha operacional na Jordânia”.
A comissão livrou completamente o primeiro-ministro, mas culpou o
ramsad pelas “falhas de desempenho” e por lançar uma operação destinada
a correr mal desde o início. Porém, não pediu a demissão de Yatom.
Depois do fiasco de Amã, as relações da Jordânia com Israel ficaram
piores do que nunca. Khaled Mash’al, que ainda era uma figura menor no
Hamas, conquistou estatuto na organização e tomou-se um dos seus maiores
dirigentes. Depois da morte do xeque Yassin, Mash’al subiu à liderança
suprema do Hamas. O prestígio do Mossad em Israel e no mundo — e
mesmo aos olhos dos seus dirigentes e agentes — ficou gravemente
beliscado. Danny Yatom, que falhou em toda a operação, foi abertamente
criticado por muitos altos funcionários do Mossad. Aliza Magen, adjunta de
Yatom, disse, sem papas na língua, que ele não tinha qualificações para ser
ramsad.
Apesar das críticas, Yatom não se demitiu. A única pessoa que
assumiu responsabilidade pelo fiasco foi o diretor da Caesarea, que se
demitiu imediatamente. Só passados cinco meses, em fevereiro de 1998,
quando um agente do Mossad foi preso na Suíça quando tentava pôr um
aparelho de escuta na linha telefônica de um membro do Hezbollah, é que
Yatom finalmente cedeu. “Assumi a responsabilidade de comandante”,
disse numa entrevista ao jornal Haaretz, “e decidi me demitir devido aos
reveses na Jordânia e na Suíça”.
Foi substituído por Efraim Halevy, antigo adjunto do ramsad que
tinha conseguido negociar com o rei Hussein a libertação dos quatro
agentes envolvidos no fiasco do caso Mash’al.
18. DA COREIA DO NORTE, COM AMOR

Num agradável fim de tarde em Londres, em julho de 2007, um


hóspede saiu do seu quarto num hotel em Kensington. Apanhou o elevador
para o átrio e saiu direto a um carro que o esperava à porta. Era um alto
funcionário sírio que chegara de Damasco naquela mesma tarde. Ia a
caminho de uma reunião.
Assim que ele passou pela porta giratória, dois homens levantaram-
se de uns cadeirões na outra ponta do átrio. Sabiam exatamente onde ir.
Depois de chegarem à porta do quarto do sírio, entraram com um
dispositivo eletrônico especial. Estavam preparados para vasculhar
metodicamente o quarto, mas desta vez a tarefa foi facilitada. Havia um
computador portátil em cima da secretária. Os dois homens ligaram-no e
poucos momentos depois tinham instalado uma versão sofisticada de um
programa de espionagem. Este permitia-lhes monitorar e copiar à distância
todos os arquivos guardados na memória do computador. Depois do
trabalho feito, os dois homens saíram do hotel sem que ninguém reparasse
neles.
Quando estudaram os arquivos do computador, os especialistas do
Mossad em Tel Aviv ficaram boquiabertos. Numa reunião de emergência
das chefias dos departamentos, descreveram a informação de valor
incalculável que lhes tinha caído nas mãos: uma coleção de arquivos,
fotografias, esboços e documentos que expunham, pela primeira vez, o
programa nuclear ultrassecreto da Síria. O material tinha uma importância
suprema e incluía os planos de construção de um reator nuclear numa área
desértica remota, correspondência entre o Governo sírio e oficiais de alto
nível da administração norte-coreana, e fotografias que mostravam o reator
revestido de cimento. Uma fotografia mostrava dois homens, um dos quais
veio a ser identificado como um alto funcionário do projeto atômico norte-
coreano, e o outro como Ibrahim Othman, chefe da Comissão de Energia
Atômica Síria.
As descobertas confirmaram várias notícias esparsas que tinham
chegado à comunidade de informações secretas de Israel em 2006 e 2007.
As notícias indicavam que o Governo sírio estava a construir, no mais
absoluto segredo, um reator nuclear na região desértica de Dir Al-Zur, no
extremo nordeste do país. O local isolado era adjacente à fronteira turca, e
distava algumas centenas de quilômetros do território iraquiano. Talvez a
revelação mais surpreendente fosse o fato de as instalações da Síria serem
planejadas e supervisionadas por especialistas nucleares da Coreia do Norte
e financiadas pelo Irã.
A cooperação próxima entre a Síria e a Coreia do Norte começara
com a visita do presidente norte-coreano Kim Il-sung a Damasco, em 1990.
Durante a visita, por instigação do presidente sírio Hafez Al-Assad,
os dois países tinham assinado um acordo de cooperação militar e
tecnológica.
Muito embora o assunto nuclear tenha sido discutido em conversas
dos dois chefes de Estado, Assad decidiu dar-lhe prioridade secundária
naquela altura e preocupou-se principalmente com o desenvolvimento de
armas químicas e biológicas. Cancelou mesmo os planos de comprar
reatores nucleares à Rússia. Em fevereiro de 1991, durante a “Operação
Tempestade no Deserto”, chegou à Síria o primeiro carregamento de
mísseis Scud da Coreia do Norte. As informações sobre a existência dos
mísseis chegaram a Moshe Arens, ministro da Defesa israelense. Vários
generais do Exército recomendaram a Arens que se iniciasse um ataque
militar para destruir os Scud antes de estes ficarem operacionais. Arens
descartou a ideia, uma vez que queria evitar outra conflagração na região.
No funeral de Hafez Al-Assad, em junho de 2000, o seu filho e
sucessor, Bashar Al-Assad, encontrou-se com outra delegação da Coreia do
Norte. As duas partes discutiram em segredo a construção de um complexo
nuclear na Síria, a ser supervisionado pela Agência de Pesquisa Científica
Síria. Em julho de 2002, houve outro encontro secreto em Damasco, com a
participação de altos funcionários da Síria, do Irã e da Coreia do Norte, em
que se chegou a um acordo tripartido. A Coreia do Norte construiria um
reator nuclear na Síria, com financiamento do Irã. O custo de todo o
projeto, desde a mesa de desenho até a produção de plutônio destinado a
fins militares, foi calculado em dois mil milhões de dólares.
Nos cinco anos seguintes, apesar de algumas informações que
chegaram de Damasco, nem a CIA nem o Mossad tinham conhecimento do
projeto sírio. Houvera uns sinais de alarme esporádicos, mas tinham sido
ignorados.
Os serviços secretos americanos não foram capazes de compreender
o significado das informações que tinham acumulado, enquanto o Mossad e
a Aman foram enganadas pelas suas próprias estimativas de que a Síria não
tinha nem capacidade nem desejo de obter armas nucleares. Ninguém
procurou desafiar esse equívoco, apesar dos muitos indícios: em 2005, o
Andorra, um navio que transportava um carregamento de cimento da Coreia
do Norte para a Síria, afundou-se perto da cidade costeira israelense de
Nahariya; em 2006, outro cargueiro norte-coreano, navegando sob a
bandeira panamiana, foi detido no Chipre com um carregamento de cimento
e uma estação de radar portátil; em ambos os casos, o “cimento” era
evidentemente equipamento para o reator nuclear. No final de 2006, os
especialistas nucleares iranianos visitaram Damasco para inspecionar o
progresso da construção das instalações. Os serviços secretos israelenses e
americanos tiveram conhecimento da visita, mas não perceberam que estava
ligada ao projeto de Dir Al-Zur.
Os sírios usaram de extrema precaução para manter o projeto em
segredo.
Impuseram uma proibição total de comunicações a todo o pessoal
que trabalhava na área. A posse de celulares e dispositivos de satélite era
estritamente proibida e todas as comunicações eram levadas por
mensageiros, que transportavam as cartas e mensagens e as entregavam em
mão. A atividade na área não foi identificada do espaço, apesar de os
satélites americanos e israelenses continuarem a passar por cima dela.
E então, subitamente, em 7 de fevereiro de 2007, um passageiro saiu
de um avião no aeroporto de Damasco. Era Ali Reza Asgari, general
iraniano, ex— vice-ministro da Defesa e antigo líder dos Guardas
Revolucionários (ver Capítulo 2). Ficou no aeroporto até receber
confirmação de que a família tinha saído do Irã. A seguir, foi para a
Turquia. Pouco depois de aterrissar em Istambul, desapareceu.
Um mês depois, soube-se que Asgari tinha desertado para o
Ocidente numa operação organizada pela CIA e o Mossad. Asgari foi
interrogado e informado numa base americana na Alemanha, onde revelou a
existência dos planos nucleares sírio-iranianos e do acordo entre a Coreia
do Norte, o Irã e a Síria. Contou aos seus interlocutores que o Irã estava não
só a financiar o projeto de Dir Al-Zur, mas também a exercer forte pressão
sobre a Síria para o concluir o mais depressa possível. Forneceu à CIA e à
Mossad uma quantidade riquíssima de pormenores sobre o progresso do
projeto e identificou os principais envolvidos, tanto na Síria, como no Irã.
As novas informações obrigaram o Mossad a entrar imediatamente
em modo operacional. O ramsad era, desde 2002, Meir Dagan, que
substituíra Efraim Halevy (ver Capítulo 1). Segundo fontes estrangeiras,
Dagan destacou unidades e agentes para confirmarem as informações dadas
por Asgari. O primeiro-ministro Ehud Olmert convocou para uma reunião
os chefes de Estado-Maior do Exército, o ministro da Defesa e os serviços
de informações. Concordou-se, por unanimidade, conduzir uma operação
urgente para obter informações sólidas e irrefutáveis sobre o complexo de
Dir Al-Zur. Israel não podia aceitar que a Síria, o seu inimigo mais
implacável e agressivo, se transformasse numa potência capaz de fabricar
armas nucleares.
Passaram-se apenas cinco meses após a deserção de Asgari quando
os agentes do Mossad adquiriram uma enorme vantagem — o laptop do alto
funcionário sírio. As chefias do Mossad e da Aman puderam então
apresentar ao primeiro-ministro Olmert as provas definitivas de que o
Governo necessitava.
Pouco depois, Dagan conseguiu alegadamente outro trunfo. Um alto
funcionário do Mossad, numa operação ousada e criativa, recrutou um dos
cientistas que trabalhavam no reator. Este fotografou extensivamente o
reator, tanto por dentro como por fora, e até fez um vídeo das estruturas e
do equipamento que havia nelas. Eram as primeiras fotografias tiradas na
própria área que o Mossad recebia do reator. As imagens revelaram uma
grande estrutura cilíndrica com paredes finas, mas sólidas e reforçadas.
Outras mostravam um andaime externo destinado a fortalecer as
paredes exteriores do reator. Havia ainda fotografias de um segundo
edifício, menor, equipado com bombas de petróleo e à volta do qual vários
caminhões podiam estacionar. Uma terceira estrutura era aparentemente
uma torre que abastecia o reator de água.
O Mossad manteve os americanos a par de tudo e deu-lhes cópias de
todos os relatórios e fotografias, incluindo imagens de satélite e transcrições
de telefonemas entre a Síria e a Coreia do Norte. Sob intensa pressão de
Israel, os Estados Unidos puseram os próprios satélites ao serviço do caso.
Tanto as imagens de satélite como o rasteio eletrônico da troca de
telefonemas indicaram que os sírios estavam a construir a uma velocidade
vertiginosa.
Em junho de 2007, o primeiro-ministro Olmert foi a Washington
com todo o material que Israel tinha coligido. Encontrou-se com o
presidente Bush e disse-lhe que Israel decidira que o reator sírio tinha de ser
destruído.
Olmert sugeriu que os Estados Unidos lançassem um ataque aéreo
contra o reator, mas o presidente americano recusou-se a fazê-lo. Segundo
fontes americanas, a Casa Branca respondeu que “os Estados Unidos
escolhem não atacar [o reator]”. A secretária de Estado Condoleezza Rice e
o secretário de Defesa Robert Gates tentaram persuadir Israel “a confrontar
[os sírios], não atacar”. Bush e o conselheiro de Segurança Nacional Steve
Hadley expressaram o seu apoio de princípio a uma ação militar, mas
pediram que qualquer operação fosse adiada até se obterem informações
indicadoras de uma ameaça mais clara.
Em julho de 2007, Israel fez algumas excursões aéreas a alta altitude
e programou o seu satélite espião Ofek-7 para tirar fotografias
pormenorizadas do reator. Essas fotografias, quando analisadas por
especialistas americanos e israelenses, mostraram claramente que a Síria
estava a construir um reator idêntico ao complexo nuclear da Coreia do
Norte em Yongbyon. Um vídeo que Israel partilhou com os Estados Unidos
mostrava que os núcleos dos dois reatores eram idênticos, incluindo a
maneira como as barras de urânio estavam colocadas no interior da
estrutura. Outros vídeos mostravam mesmo os rostos de engenheiros norte-
coreanos que trabalhavam dentro do reator.
Além disso, o departamento de interceptação da Aman, a Unidade
8200, fez transcrições completas de conversas intensas entre Damasco e
Pyongyang.
Todas estas evidências foram enviadas para Washington, mas os
Estados Unidos continuaram a exigir provas irrefutáveis de que o complexo
era realmente um reator nuclear e de que havia materiais radioativos no
local.
Israel sentiu que não tinha outra hipótese senão conseguir também
essas informações.
Em agosto de 2007, Israel encontrou a prova definitiva de que o
complexo em Dir Al-Zur era um reator nuclear. Esta foi obtida por uma
unidade de operações de elite, a Sayeret Matkal, numa operação que pôs em
perigo as vidas de muitos soldados israelenses. Os comandos da Sayeret
Matkal foram à Síria, em dois helicópteros, durante a noite. Tinham
uniformes do Exército sírio vestidos. Passaram por áreas povoadas, bases
militares e estações de radar, e aterrissaram sem ser detetados perto de Dir
Al-Zur, depois aproximaram-se da zona do reator e recolheram amostras do
solo à volta do reator. Uma vez analisadas em Israel, essas amostras
revelaram ser altamente radioativas, provando irrefutavelmente que havia
substâncias radioativas no local.
As novas provas foram apresentadas a Steve Hadley. Depois de os
seus peritos terem analisado as amostras de solo, Hadley percebeu que o
assunto era grave. Convocou os seus conselheiros mais próximos, e as
conclusões foram apresentadas ao presidente Bush, na reunião diária com
Hadley, na Sala Oval. Hadley conversou depois com Dagan e concluiu que
o reator representava realmente um perigo claro e imediato. Os Estados
Unidos aceitaram que o reator sírio tinha de ser eliminado e batizaram a
operação de Dir Al-Zur como “O Pomar”. Nas suas memórias, George W.
Bush escreveu que, durante algum tempo, pôs a hipótese de atacar o reator,
mas, depois de discutir as opções com a sua equipe de segurança nacional,
acabou por decidir não o fazer. Sentiu que “bombardear um país soberano
sem aviso nem justificação anunciada criaria graves reveses”. Também
excluiu um ataque secreto de soldados americanos.
Contudo, Olmert telefonou ao presidente Bush e pediu-lhe que
destruísse o reator. Durante a conversa telefônica, Bush estava na Sala
Oval, rodeado pelos seus conselheiros mais próximos: a secretária de
Estado Condoleezza Rice, o vice-presidente Dick Cheney, Steve Hadley e o
seu adjunto Elliott Abrams, entre outros. Nas consultas preliminares,
Condoleezza Rice convencera-os a rejeitar o pedido de Israel.
“George, peço-lhe que bombardeie o complexo”, disse Olmert.
“Não posso justificar um ataque a uma nação soberana”, respondeu
Bush, “a menos que as minhas agências de informações intervenham e
digam que se trata de um programa de armas”. Bush recomendou o “recurso
à diplomacia”.
“Sua estratégia é muito perturbadora para mim”, disse Olmert
francamente. “Farei o que acho necessário para proteger Israel.”
“Esse cara tem peito”, disse Bush mais tarde. “É por isso que gosto
dele.”
Segundo o londrino Sunday Times, o primeiro-ministro Olmert
encontrou-se com o ministro da Defesa Ehud Barak e o ministro dos
Negócios Estrangeiros Zippi Livni. Os três, juntamente com os chefes das
comunidades de defesa e informações, discutiram as novas provas, assim
como as possíveis repercussões de um ataque militar. Finalmente, os dados
foram lançados: o reator sírio seria eliminado. O primeiro-ministro
informou o líder da oposição Benjamin Netanyahu e recebeu o seu apoio
incondicional.
A data do ataque foi estabelecida para a noite de 5 de setembro de
2007.
No dia anterior, segundo uma notícia posterior do Sunday Times,
chegara à área de Dir Al-Zur outra unidade de elite, o Shaldag (Pica-Peixe).
Os homens passaram quase um dia escondidos nas proximidades do reator.
A sua missão era iluminar o reator com raios de laser na noite seguinte, para
que os jatos da Força Aérea pudessem visar diretamente o alvo. Às 11 da
noite de 5 de setembro, 10 aviões F-15 decolaram da base aérea de Ramat
David e dirigiram-se para ocidente, sobre o Mediterrâneo. Trinta minutos
depois, três dos aviões receberam ordens para regressar à base. Os outros
sete foram instruídos a dirigir-se para a fronteira entre a Turquia e a Síria, e
virar para sul, para Dir Al-Zur. Pelo caminho, bombardearam a estação de
radar, impossibilitando as defesas aéreas sírias de identificar a aproximação
de aeronaves estrangeiras. Poucos minutos depois, chegaram a Dir Al-Zur
e, de uma distância cuidadosamente calculada, lançaram mísseis ar-terra
Maverick e bombas com meia tonelada, acertando no seu alvo com
precisão.
O reator sírio, cujo fim era construir bombas atômicas para a
destruição de Israel, foi obliterado em poucos segundos.
O primeiro-ministro Olmert, ansioso por evitar uma reação militar
síria, estabeleceu contato urgente com o primeiro-ministro da Turquia,
Tayyip Erdogan, e pediu-lhe que transmitisse uma mensagem ao presidente
Assad.
Israel não tinha intenção de entrar em guerra com a Síria, sublinhou
Olmert, mas não podia aceitar uma Síria nuclear à porta de sua casa. Porém,
a garantia de Olmert provou ser desnecessária. Na manhã após o
bombardeamento, a reação de Damasco foi o silêncio total. O porta-voz do
Governo não disse uma única palavra. Só às três da tarde é que a agência
noticiosa síria emitiu uma declaração oficial. Esta dizia que aviões
israelenses tinham penetrado no espaço aéreo sírio à uma da madrugada. “A
nossa Força Aérea forçou-os a retirar-se, depois de [eles] terem lançado
munições sobre uma área deserta. Não foram prejudicadas nem pessoas
nem equipamentos.”
A imprensa de todo o mundo queria desesperadamente saber como o
Mossad tinha conseguido obter fotos e até vídeos do interior do reator sírio.
O canal de televisão ABC noticiou que ou Israel tinha posto um agente no
reator sírio ou o Mossad tinha recrutado um dos engenheiros e este
fornecera as imagens do complexo.
Em abril de 2008, sete meses depois da destruição do reator, a
administração americana anunciou finalmente que o complexo sírio tinha
sido um reator nuclear construído com apoio da Coreia do Norte e que “não
fora concebido para fins pacíficos”. George W. Bush considerou que
a “execução do ataque” de Olmert contra o reator sírio tinha restaurado a
confiança que ele perdera nos israelenses durante a guerra de 2006 contra o
Líbano, que Bush sentiu inepta.
Funcionários da comunidade de informações americana mostraram
aos espantados congressistas e senadores diapositivos que tornaram clara a
semelhança entre o reator da Síria e o reator coreano de Yongbyon; uma
apresentação com fotografias de satélite, esboços e plantas — assim como
vídeos — estabeleceu a proveniência dos materiais.
Israel só conseguiu manter o segredo durante duas semanas, durante
as quais negou ter atacado o reator. Mas depois o líder da oposição
Benjamin Netanyahu, entrevistado num programa noticioso ao vivo,
declarou: “Quando o Governo age em nome da segurança de Israel, dou-lhe
todo o meu auxílio... e também neste caso fui um parceiro desde o primeiro
momento e ofereci meu apoio absoluto.”
Onze meses depois, em 2 de agosto de 2008, o projeto nuclear sírio
teve um último episódio. Nessa noite, havia um jantar festivo no espaçoso
terraço de uma casa de praia em Rimai el-Zahabiya, a norte do porto sírio
de Tartus. A casa, próxima da praia, tinha uma vista espantosa sobre o
Mediterrâneo. O terraço, de frente para as ondas escuras, era um ditoso
refúgio da umidade da costa síria. Uma suave brisa marinha refreava o
sufocante calor do verão.
Os convidados, sentados a uma mesa oblonga, eram amigos
próximos do dono da villa, o general Muhammad Suleiman, que os tinha
convidado para passar um fim de semana tranquilo.
Suleiman era o conselheiro mais próximo do presidente Assad, em
matéria militar e de defesa. Tinha supervisionado a construção do reator e
geria a sua segurança. Nos mais altos círculos de poder na Síria, era visto
como uma sombra de Assad. O seu gabinete ficava no palácio, adjacente ao
gabinete do presidente. Porém, só uns poucos escolhidos o conheciam, tanto
dentro como fora do país.
A imprensa síria nunca citou o nome dele, mas o Mossad sabia quem
ele era e seguia atentamente suas atividades.
Suleiman, então com 47 anos, tinha estudado Engenharia na
Universidade de Damasco, onde conhecera e se tornara amigo de outro
aluno, Bassel Al-Assad, filho preferido e herdeiro natural do presidente
Hafez Al-Assad.
Quando Bassel morreu num acidente de viação, em 1994, Assad
apresentou Suleiman ao filho mais novo, Bashar. Assad morreu de cancro
em 2000 e Bashar substituiu-o como presidente. Depois, nomeou Suleiman
como seu confidente e fiel assistente.
Suleiman depressa se tomou um dos homens mais poderosos da
Síria. O presidente Assad fê-lo responsável por todos os assuntos militares
sensíveis.
Suleiman acabou por ser a principal ligação entre o presidente e os
serviços secretos iranianos, especialmente em matérias que respeitassem à
cooperação secreta com organizações terroristas no Oriente Médio.
Também era o principal contato sírio com o Hezbollah e mantinha uma
relação próxima com Imad Mughniyeh, chefe militar dessa organização.
Depois de Israel se ter retirado da zona de segurança no Sul do Líbano, em
maio de 2000, Suleiman encarregou-se da transferência de armas do Irã e da
Síria para o Hezbollah, especialmente a entrega de mísseis de longo
alcance. Durante a Segunda Guerra do Líbano, em 2006, um desses mísseis
atingiu em cheio as oficinas ferroviárias de Israel, em Haifa, e matou oito
trabalhadores. Mais tarde, Suleiman forneceu ao Hezbollah mísseis terra-ar
fabricados na Síria, pondo assim em perigo as atividades aéreas de Israel no
Líbano.
E Suleiman ocupava outro cargo único e ultrassecreto: era membro
superior do Comitê de Pesquisa Sírio que trabalhava no desenvolvimento de
mísseis de longo alcance, armas químicas e biológicas, e pesquisa nuclear.
Tinha supervisionado a ligação com a Coreia do Norte, coordenado o
envio das partes constituintes do reator para a Síria, e dirigido as medidas
de segurança que isolavam os técnicos e engenheiros norte-coreanos que
trabalhavam na construção do reator.
A destruição israelense do reator foi um golpe pesado, mas não fatal,
para Suleiman. Depois de recuperar do choque inicial, Suleiman começou a
planejar a construção de outro reator, cuja localização ainda não fora
definida.
Porém, Suleiman percebeu que tinha a vida mais dificultada, pois
sabia que agora era procurado tanto pelos serviços secretos americanos
como pelos serviços secretos israelenses. Assim, antes de embarcar na fase
seguinte, tirou uns dias de licença na sua casa em Rimai El-Zahabiya. Um
fim de semana tranquilo com amigos chegados e comida de excelência
pareciam o melhor remédio para aliviar a pressão.
Do centro da sua grande mesa, Suleiman via as ondas chegarem à
praia.
Porém, escaparam-lhe à atenção duas figuras imóveis agachadas na
água a uns 150 metros. Tinham nadado para a costa desde um barco que as
largara a cerca de quilômetro e meio da casa de Suleiman. Esses comandos
navais e franco-atiradores israelenses transportavam equipamento de
mergulho e tinham avançado água dentro, até a praia frente à casa. Quando
os pés já tocavam solo, ergueram-se e procuraram a casa de Suleiman. As
informações que tinham estavam certas. Analisaram bem a casa e o terraço,
observaram todas as pessoas sentadas à mesa, e concentraram-se no alvo: o
general sentado entre os convidados.
Às nove da noite, os franco-atiradores calibraram as miras e
ajustaram a distância. O terraço estava bastante apinhado, e os dois
convidados indesejados dos fatos de mergulho negros queriam certificar-se
de que conseguiam alvejar o general sem ferir mais ninguém. Emergiram da
água, deram alguns passos e depois apontaram as armas equipadas com
silenciadores à cabeça de Suleiman. Um sinal eletrônico soou nos seus
altifalantes e eles dispararam em simultâneo. Os disparos foram fatais. A
cabeça de Suleiman voou para trás e todo o corpo caiu para a frente, sobre a
mesa coberta de comida. Os convidados, a princípio, não perceberam o que
tinha acontecido. Só quando repararam no sangue que pingava da cabeça de
Suleiman é que perceberam que ele tinha sido alvejado. Gerou-se pânico no
terraço, alguns a tentar ajudar Suleiman, outros baixando-se com medo ou a
correr desorientados de um lado para o outro, aos gritos. Durante o
alvoroço, os franco-atiradores desapareceram.
O Sunday Times publicou uma versão ligeiramente diferente do
acontecimento. Disse que os franco-atiradores eram membros do comando
naval israelense Esquadrilha 13, que tinham chegado à costa síria a bordo
de um iate de um empresário israelense e regressado imediatamente após o
cumprimento da missão.
A notícia causou um choque tremendo em Damasco, mas o Governo
manteve o silêncio e não respondeu à cobertura da imprensa. Os dirigentes
militares e de segurança ficaram confusos. Como é que a equipe de
assassinato tinha chegado a Tartus, a 220 quilômetros de Damasco? Como é
que tinha fugido? Não haveria lugar na Síria onde os líderes do país
estivessem em segurança?
Só ao cabo de alguns dias é que foi emitido um comunicado
lacônico: “A Síria está a conduzir uma investigação para encontrar os
responsáveis por este crime.” Porém, a imprensa noutros países árabes não
tinha esperado pela reação oficial. Fizera desde o início uma cobertura
extensa com notícias pormenorizadas e especulação sobre a identidade dos
assassinos. A imprensa árabe se concentrou em quem teria interesse em
eliminar aquele general e apontou o dedo acusador para Israel, afirmando
que Tel Aviv determinara o assassinato devido ao papel de Suleiman no
reator de Dir Al-Zur.
A reação dos serviços secretos ocidentais foi diferente. Nenhum
verteu lágrimas pela morte de Suleiman. Em junho de 2010, a Esquadrilha
13 foi condecorada pelo chefe de Estado-Maior das Forças Armadas
israelenses por “vários feitos militares”, cuja natureza não foi revelada.
Pode-se especular se as honras concedidas à unidade de operações
especiais navais não são, pelo menos em parte, um reconhecimento
da “Operação Suleiman”.
19. AMOR E MORTE NO FIM DA TARDE

A 12 de fevereiro de 2008, vários homens dispersaram-se sub-


repticiamente em volta de um edifício habitacional de um bairro luxuoso de
Damasco. Ao fim da tarde, viram um Mitsubishi Pajero prateado
estacionado junto do prédio. Um homem de fato preto, com uma barba bem
aparada, saiu do carro e entrou no edifício. Não vinha acompanhado de
guarda-costas. Os agentes dispostos na rua murmuraram para
minitransmissores que “o homem” tinha chegado a Damasco e estava a
caminho do apartamento.
Sabiam que o homem de preto estava prestes a encontrar-se em
segredo com a amante, Nihad Haidar, uma síria que o esperava no seu
apartamento. O homem levava um presente à lindíssima Nihad, que
festejava naquela semana o seu trigésimo aniversário.
Os dois amantes passaram umas horas no apartamento de luxo posto
à sua disposição por Rami Makhlouf, um empresário bem-sucedido e primo
do presidente sírio Bashar Al-Assad.
Pouco antes das 10 da noite, o homem de preto saiu do edifício e
entrou no Pajero prateado. Ia a caminho de uma reunião num esconderijo
discreto, no bairro Kfar Sousa, onde costumava encontrar-se com enviados
iranianos, sírios e palestinos.
Segundo o Sunday Express londrino, os agentes que o seguiam
observaram nas telas dos celulares uma fotografia atualizada do homem,
para se certificarem de que não se enganavam na identificação. Mantiveram
linhas de transmissão abertas e participaram cada movimento do “alvo” ao
posto de comando do Mossad.
Quando ele saiu do edifício onde passara algumas horas com Nihad,
os agentes tiveram uma excelente oportunidade de comparar o rosto com
aquele que viam nas fotografias de suas telas. Confirmaram a identificação
aos colegas em Damasco e ao quartel-general em Tel Aviv. Instalou-se uma
tensão imensa no Mossad. Os chefes dos departamentos reuniram-se no
gabinete de Meir Dagan, onde havia todo o equipamento necessário à
monitorização da operação em tempo real.
O homem ligou o Pajero prateado.
“Ele vai a caminho”, murmurou um dos agentes para o seu
minimicrofone.
O homem no Pajero prateado era Imad Mughniyeh e há anos que
deixava uma trilha sangrenta atrás de si.
Dia 15 de novembro de 2001.
Após o ataque às Torres Gêmeas, o FBI divulga um grande cartaz
com a lista dos “terroristas mais procurados” do mundo.
O cartaz tem os selos do FBI, do Departamento de Estado e do
Departamento de Justiça americanos.
A lista contém 22 nomes e 22 fotografias.
O primeiro nome é o mais perigoso de todos.
O prêmio pela sua captura é cinco milhões de dólares.
Até ao ataque às Torres Gêmeas, ele tinha sido considerado
responsável pelas mortes de mais americanos do que qualquer outro
terrorista vivo.
Imad Mughniyeh.
18 de abril de 1983: atentado a bomba na Embaixada dos Estados
Unidos em Beirute, no Líbano — 63 mortos.
23 de outubro de 1983: atentado a bomba no quartel-general dos
fuzileiros americanos em Beirute — 241 mortos.
23 de outubro de 1983 (mesmo dia): atentado a bomba no quartel-
general dos paraquedistas franceses em Beirute — 58 mortos.
E o sequestro e assassinato de William Buckley, agente da CIA;
vários ataques
à Embaixada dos Estados Unidos no Kuwait; desvio de um avião da
TWA e de dois aviões das linhas aéreas do Kuwait; assassinato do coronel
W. R. Wiggins, do grupo de observadores das Nações Unidas no Sul do
Líbano; massacre de 20 soldados americanos na Arábia Saudita...
Quando a lista acima foi enviada para Israel, o Mossad acrescentou
seus próprios dados:

• 4 de novembro de 1983: atentado a bomba ao quartel-general das


Forças Armadas israelenses em Tiro, no Líbano — 60 mortos.
• 10 de março de 1985: ataque a uma escolta das Forças Armadas
israelenses em Metula, na fronteira israelo-libanesa — 8 mortos.
• 17 de março de 1992: atentado a bomba à Embaixada de Israel na
Argentina — 29 mortos;
• 18 de julho de 1994: atentado a bomba ao Centro Comunitário
Judaico de Buenos Aires — 86 mortos.

E... o sequestro e assassinato de três soldados israelenses no setor


fronteiriço de Har Dov; o sequestro do empresário israelense Elhanan
Tannenbaum; um atentado a bomba próximo do kibbutz Matzuba; e, o mais
destruidor de todos, o sequestro e assassinato dos soldados Regev e
Goldwasser na fronteira israelo-libanesa, que desencadeou a Segunda
Guerra do Líbano.
Imad Mughniyeh, o arquiterrorista por trás de todos esses crimes, era
um homem misterioso em permanente deslocação entre as capitais do
Oriente Médio. Iludia os fotógrafos e recusava dar entrevistas. Os serviços
secretos ocidentais sabiam muita coisa sobre as suas atividades, mas quase
nada sobre a sua aparência física, os seus hábitos e esconderijos. Sabiam
que tinha nascido em 1962, numa das aldeias do Sul do Líbano. Segundo
informações fragmentárias, os pais eram xiitas devotos e na adolescência
Mughniyeh tinha-se mudado para Beirute e crescido num bairro pobre e
habitado maioritariamente por palestinos apoiantes da OLP. Tinha desistido
do liceu e aderido à Fatah, o ramo terrorista da OLP. Mais tarde, tomara-se
guarda— costas de Abu Ayad, adjunto de Arafat, e fora membro da Força
17, a unidade de segurança especial da Fatah formada na década de 1970 e
comandada por Ali Hassan Salameh, o Príncipe Vermelho (ver Capítulo
12).
Porém, em 1982, Israel lançou a Guerra do Líbano, chamada
“Operação Paz na Galileia”, invadiu o Líbano e esmagou a OLP. Os
membros sobreviventes, chefiados por Yasser Arafat, exilaram-se na
Tunísia.
Mughniyeh, todavia, decidiu ficar e juntar-se ao primeiro grupo de
fundadores do Hezbollah.
O Hezbollah, literalmente “Partido de Deus”, era uma organização
terrorista xiita criada em 1982, em resposta à invasão israelense do Líbano.
Inspirado pelo aiatolá Khomeini, formado e apoiado pelos Guardas
Revolucionários do Irã, o Hezbollah tornou-se o vil inimigo de Israel e
definiu como seu objetivo principal “a saída definitiva de Israel do Líbano,
como prelúdio da sua obliteração final”. O Hezbollah envolveu-se em atos
de terrorismo violentos contra Israel desde o primeiro dia de existência. E
Mughniyeh foi um recruta ideal para o grupo recém-nascido.
Como verdadeiro homem de sombras, escolheu trabalhar em segredo
e abster-se de aparecer em público. As informações sobre ele eram
fragmentárias e frequentemente contraditórias. Uma fonte descrevia-o como
guarda-costas do xeque Fadlallah, líder espiritual do Hezbollah, enquanto
outra dizia que era o chefe de operações da organização, o cérebro por
detrás das operações mais arriscadas e sangrentas do Hezbollah. Ao
contrário do atual líder do Hezbollah, o xeque Nasrallah, Mughniyeh nunca
aparecia na televisão e nunca fazia discursos inflamados de ódio. Porém, na
realidade, era bem mais perigoso do que o loquaz xeque. Depressa subiu à
posição de terrorista mais eficiente e esquivo do mundo, como Carlos no
seu tempo, e como o seu colega e grande admirador Osama bin Laden.
Mughniyeh era um terrorista cruel e criativo. Deu subitamente nas
vistas, quando planejou e comandou vários massacres no Líbano, no final
da “Operação Paz na Galileia”. Tinha apenas 21 anos nesse dia de outubro
de 1983 em que enviou caminhões carregados de explosivos e conduzidos
por homens-bomba para os complexos dos fuzileiros americanos e dos
paraquedistas franceses em Beirute. Poucos dias depois, repetiu o cenário
contra o quartel-general das Forças Armadas israelenses em Tiro. Aos 22,
conduziu um grupo de terroristas num ataque contra a Embaixada dos
Estados Unidos, fortificada, no Kuwait e depois desviou também lá o seu
primeiro avião. Após cada uma das operações, desaparecia sem deixar
rastro.
Aos 23 anos, Mughniyeh desviou um avião da TWA que ligava
Atenas a Roma e obrigou o piloto a aterrissar no aeroporto de Beirute.
Durante o desvio, assassinou o mergulhador naval Robert Dean Stethem e
atirou o corpo deste pela porta da cabine de pilotagem. Mughniyeh fugiu
depois da operação de desvio do avião, que durou 17 dias, mas dessa vez
deixou para trás uma recordação: a impressão digital na casa de banho do
avião.
Quase nada se sabia sobre a sua vida privada, exceto que era casado
com uma prima que lhe dera um filho e uma filha. Mughniyeh soube desde
tenra idade que era um alvo de atenção de vários serviços secretos
ocidentais, e tentou esconder a sua identidade. Submeteu-se a uma cirurgia
plástica rudimentar na Líbia, deixou crescer a barba e afastou-se das luzes
da ribalta.
Só uma fotografia confirmada de Mughniyeh — gordo, barbudo,
com óculos e um boné com viseira — chegou aos serviços secretos
ocidentais. A sua descrição também era imperfeita — o FBI retratava-o
como “nascido no Líbano, falante de árabe, cabelo e barba castanhos,
1,70m, 60kg”. É difícil imaginar como é que as dimensões generosas de
Mughniyeh conseguiram encolher e caber num corpo de modelo de 60
quilos... Mas a descrição só confirmava que Mughniyeh se protegia bem e
conseguia iludir os inimigos.
Depois de todos os ataques, atentados à bomba e desvios que
fez, Mughniyeh tornou-se um admirado herói do Hezbollah. Era conhecido
pela sua sofisticação, coragem e talentos operacionais, tudo o que fazia os
serviços secretos mundiais recearem o braço militar do Hezbollah. À
medida que o seu poder aumentou, Mughniyeh tornou-se um enorme alvo a
abater para Israel e o Ocidente. Mughniyeh percebeu-o e transformou-se
num paranoico em constante fuga, desconfiado de tudo e todos (incluindo
os conselheiros mais próximos), que mudava frequentemente de guarda-
costas e dormia todas as noites em locais diferentes. As suas viagens entre
Beirute, Damasco e Teerã ocorriam sob o mais absoluto secretismo.
Segundo o perfil preparado por Israel e outros serviços
secretos, Mughniyeh era um solitário muito carismático, muito impulsivo e
muito conhecedor das mais recentes engenhocas e instrumentos eletrônicos.
Tinha uma capacidade excecional de mudar de identidade e aparência, o
que lhe permitia enganar os inimigos; os agentes secretos israelenses
chamavam-lhe “o terrorista com nove vidas”.
David Barkai, oficial da Aman e antigo major na Unidade 504 dos
serviços secretos que compilou o arquivo sobre o perfil de Mughniyeh,
disse numa entrevista ao jornal britânico Sunday Times: “Tentamos
derrubá-lo várias vezes no final da década de 1980. Acumulamos dados
sobre ele, mas, quanto mais perto chegávamos, menos informações
colhíamos — não havia pontos fracos, mulheres, dinheiro, drogas... nada.”
A caça a Mughniyeh durou muitos anos. Em 1988, as autoridades
francesas quase o apanharam, quando o avião em que ele seguia fez uma
escala em Paris. A CIA tinha passado informações sobre Mughniyeh aos
franceses, incluindo uma fotografia e alguns pormenores sobre o passaporte
falso dele. Contudo, os franceses recearam que a captura pudesse levar ao
assassinato dos reféns franceses detidos no Líbano na altura, por isso
escolheram ignorar a presença de Mughniyeh e deixaram-no seguir. Os
serviços americanos tentaram prendê-lo na Europa, em 1986, e na Arábia
Saudita em 1995. Todavia, ele conseguiu desaparecer, como sempre.
Durante esses anos, Mughniyeh esteve profundamente envolvido no
planejamento e execução de ataques a israelenses e judeus na Argentina.
Em 1992, organizou o atentado a bomba à Embaixada de Israel em Buenos
Aires, por um caminhão repleto de explosivos conduzido por um shaheed.
Morreram 29 pessoas. Alguns dirigentes do Mossad viram a operação como
um ato de vingança pelo assassinato do xeque Abbas Al-Musawi, líder do
Hezbollah, num ataque de helicóptero no Sul do Líbano.
Passados dois anos, outro atentado a bomba abalou Buenos Aires,
dessa vez no Centro Comunitário Judaico, e provocou 86 mortos. Alguns
especialistas acharam novamente que o Hezbollah estava vingando o
sequestro pelos israelenses de um de seus dirigentes, Mustafa Dirani, no
Líbano.
As equipes dos serviços secretos dos Estados Unidos e de Israel que
foram a Buenos Aires para investigar os dois atentados concluíram que
havia ligação. O modus operandi era idêntico — carregar um caminhão
com explosivos e enviá-lo para o alvo com um suicida ao volante.
Mughniyeh tinha usado exatamente o mesmo método em Beirute e
em Tiro, no início da sua carreira. Os investigadores provaram que os
serviços secretos iranianos e os seus colaboradores locais também estavam
envolvidos nos atentados. Pelo menos um dos caminhões, o que servira para
o atentado à embaixada, fora vendido aos terroristas por um vendedor de
carros xiita de Buenos Aires chamado Carlos Alberto Taladin. A trilha
levava claramente a Imad Mughniyeh.
Durante esses anos, Mughniyeh passou longos períodos de tempo no
Irã.
Depois do assassinato do xeque Al-Musawi, Mughniyeh receou que
Israel o tentasse matar também. Criou uma equipe operacional em Teerã,
composta por combatentes do Hezbollah e membros dos serviços de
informações iranianos. Os colegas que o ajudaram a criar a unidade foram
Mohsen Rezaee, comandante supremo dos Guardas Revolucionários, e Ali
Fallahian, ministro de Informações. Ao que parece, essa unidade foi
responsável pelos dois ataques mortíferos em Buenos Aires. Os ataques
tiveram um resultado:
Mughniyeh tornou-se o homem mais procurado por Israel.
Sentenciou-se a si mesmo à morte pelos seus atos. Porém, muitos anos
passariam antes de a sentença de morte ser executada.
Em dezembro de 1994, Mughniyeh foi visto em Beirute. Pouco
tempo depois, escapou a uma tentativa de assassinato com um carro-bomba
num bairro do Sul da cidade. A polícia libanesa publicou as descobertas que
fez: fora deixada uma carga explosiva debaixo de um carro estacionado
perto da mesquita onde o xeque Fadlallah lia o seu sermão. A explosão
destruiu a loja de Fuad Mughniyeh, irmão de Imad, cujo cadáver foi
encontro entre os destroços. Imad, porém, que devia lá estar, mudou de
ideia à última hora, decidiu não ir, e sobreviveu. As suas nove vidas
salvaram-no mais uma vez.
Semanas depois do atentado a bomba, os serviços secretos, agindo
em conjunto com o Hezbollah, prenderam vários civis suspeitos de
envolvimento no ataque, como colaboradores do Mossad. O principal
suspeito foi um homem chamado Ahmed Halek.
Segundo a declaração oficial da polícia, “Halek e a mulher
estacionaram o carro perto da loja de Fuad Mughniyeh. Halek entrou na loja
para se certificar de que Fuad lá estava, apertou-lhe a mão, regressou ao
carro e ativou a bomba”. O jornal libanês As-Safir, citando fontes de
confiança, disse que Halek tinha participado numa reunião com um alto
funcionário do Mossad no Chipre. O oficial do Mossad deu-lhe instruções
sobre a utilização da bomba e pagou-lhe cerca de 100.000 dólares. Halek
acabou por ser executado.
Dessa vez, Mughniyeh fugiu, mas os agentes do Mossad não
desistiram.
Coligiram meticulosamente todos os pormenores que encontraram,
compilaram relatórios de serviços secretos estrangeiros e estudaram os
métodos pessoais de Mughniyeh. Em 2002, o Mossad recebeu um relatório
sobre Mughniyeh que o ligava ao envio de 50 toneladas de armamento para
terroristas palestinos. Depois, porém, ele desapareceu novamente, apesar de
correrem rumores de que era agora comandante supremo do Hezbollah e
provável sucessor do xeque Nasrallah. A sua principal ligação era a que
mantinha com os serviços secretos iranianos, e dizia-se que atuava com as
Brigadas Al-Quds (o nome árabe de Jerusalém) dos Guardas
Revolucionários, acusadas de cooperação com comunidades xiitas de todo o
mundo e com organizações terroristas controladas por iranianos. O alto
estatuto de Mughniyeh obrigou-o a aumentar as suas medidas de segurança.
Persistiam rumores de que mudara novamente de aparência,
possivelmente com outra cirurgia plástica.
Segundo fontes europeias, no final da Segunda Guerra do Líbano, o
Mossad recrutou vários palestinos que viviam no Líbano mas se opunham
veementemente ao Hezbollah. Um deles tinha uma prima na aldeia de
Mughniyeh. Foi ela que disse ao agente recém-recrutado que Mughniyeh
tinha viajado à Europa e regressado ao Líbano com um rosto totalmente
diferente.
O Mossad tinha portanto um novo desafio — espionar clínicas de
cirurgia plástica por toda a Europa.
O golpe de sorte inesperado aconteceu em Berlim. Segundo o autor
britânico Gordon Thomas, o agente residente do Mossad em Berlim,
Reuven, conheceu um informante alemão que tinha ligações discretas a
pessoas da antiga Berlim Oriental. O informante transmitiu que Imad
Mughniyeh se tinha submetido recentemente a várias cirurgias plásticas que
lhe tinham mudado totalmente as características faciais. O tratamento tivera
lugar numa clínica que pertencera à Stasi, os antigos serviços secretos da
Alemanha Oriental. A Stasi servira-se da clínica para remodelar os rostos
de agentes e terroristas enviados em missões clandestinas ao Ocidente.
Após uma negociação difícil, Reuven concordou pagar ao
colaborador alemão uma quantia substancial em troca de um arquivo com
34 fotografias atualizadas de Mughniyeh.
Os especialistas de Meir Dagan que analisaram as fotografias
concluíram que Mughniyeh tinha feito operações aos maxilares: a
mandíbula fora cortada e depois enxertara-se nela material ósseo próprio,
para se conseguir um maxilar mais estreito, o que o fazia parecer mais
magro e emaciado.
Vários dentes da frente tinham sido substituídos por dentes artificiais
com formas diferentes. Os olhos também foram alterados pelo
estreitamento da pele em seu redor. O tratamento terminou com a mudança
de cor de cabelo para grisalho e a substituição dos óculos por lentes de
contato. Mughniyeh já não parecia o “original”, e todas as velhas
fotografias coligidas pelos serviços secretos ocidentais desde a década de
1980 tomaram-se irrelevantes.
Segundo fontes estrangeiras, o Mossad começou logo a planejar o
assassinato de Mughniyeh. Meir Dagan convocou os seus melhores agentes,
incluindo o diretor da Caesarea, o comandante da equipe do Kidon, e vários
outros altos funcionários que trabalhavam no caso de Mughniyeh. Depressa
se percebeu que seria impossível apanhar Mughniyeh num país não—
muçulmano. Ele viajava muito raramente ao Ocidente e só se sentia em
segurança no Irã e na Síria. Os israelenses sabiam que qualquer ação nesses
territórios implicaria enormes riscos. Era verdade que Israel já tinha
operado em países árabes e levado a cabo golpes em Beirute, durante a sua
campanha contra o Setembro Negro; que os seus comandos tinham chegado
tão longe quanto Tunes, onde tinham alegadamente matado o líder terrorista
Abu Jihad. Contudo, Teerã e Damasco eram cidades muito mais
desconfiadas, armadas e perigosas do que Beirute e Tunes. Por outro lado,
Meir Dagan percebeu o tremendo impacto que uma operação bem-sucedida
teria. A morte do líder terrorista mais mortífero do mundo em Damasco,
refúgio e fortaleza dos inimigos de Israel, provaria que ninguém podia fugir
ao longo braço do Mossad — espalharia confusão, medo e insegurança
entre os restantes líderes terroristas.
Segundo o jornal Independent de Londres, o plano que emergiu das
discussões no quartel-general do Mossad baseou-se na probabilidade de
Mughniyeh ir a Damasco a 12 de fevereiro de 2008. Presumia-se que nesse
dia ele se encontraria com altos cargos iranianos e sírios que iam participar
na celebração do aniversário da revolução iraniana.
Depois de um estudo das possibilidades, decidiu-se que se
estacionaria um carro-bomba diretamente ao lado do carro de Mughniyeh.
O Mossad mergulhou numa atividade frenética para conseguir
informações pormenorizadas de todas as suas fontes, incluindo os serviços
estrangeiros. Será que Mughniyeh iria realmente a Damasco? E, se sim, que
identidade escolheria? Em que carro se deslocaria? Onde ficaria? Quem o
acompanharia? A que horas chegaria à reunião marcada com os
representantes sírios e iranianos? Seriam as autoridades sírias informadas da
sua chegada? Estariam os líderes do Hezbollah a par dos planos de viagem?
O relatório que fez pender a decisão em favor do projeto de
assassinato chegou de uma fonte muito fidedigna, que confirmou a intenção
de Mughniyeh de viajar a Damasco. A informação foi corroborada, segundo
o jornal libanês El-Balad, por agentes que tinham posto dispositivos de
localização nos carros de Mughniyeh e dos dirigentes do Hezbollah.
Foi então que a máquina bem oleada da Caesarea entrou em ação.
Por rotas tortuosas, as várias equipes do Kidon chegaram a Damasco. Uma
equipe especial fez entrar clandestinamente os explosivos na capital síria.
À última hora, um informante de longa data do Mossad passou
informações cruciais. Sempre que ia a Damasco, dizia o relatório,
Mughniyeh ia visitar a amante. Pela primeira vez, os mestres de
espionagem do Mossad ficaram a saber que Mughniyeh tinha um caso
amoroso secreto. A bela mulher, de nome Nihad Haidar, esperava
Mughniyeh num apartamento discreto na cidade. Nihad sabia de antemão as
datas de chegada de Mughniyeh a Damasco, de Beirute ou de Teerã. Ele
costumava ir sozinho ao ninho de amor dos dois, dispensando os guarda-
costas e o motorista.
Os observadores já no local foram alertados por mensagens urgentes.
Será que Mughniyeh visitaria a amante desta vez? Saberia antecipadamente
a proprietária do apartamento da vinda dele?
Os membros da equipe de assassinato chegaram a Damasco na
véspera da operação. Foram de avião para a capital síria depois de passarem
por várias cidades europeias. Segundo o Independent, a equipe era
constituída de três agentes: um chegou de Paris, num voo da Air France, o
segundo decolou de Milão com a Alitalia, e o terceiro apanhou um voo
menor de Amã, com a Royal Jordanian. Os documentos falsos dos três
agentes indicavam que eram empresários, dois deles na indústria automóvel
e o terceiro um agente de viagens. Declararam, à chegada, que tinham ido
passar umas curtas férias na Síria, e passaram pela imigração sem
problemas. Chegaram de carro à cidade, em separado, e juntaram-se só
depois de se certificarem de que não estavam a ser seguidos.
Posteriormente, encontraram-se com alguns auxiliares que tinham chegado
de Beirute e foram conduzidos para uma garagem escondida, onde os
esperava um carro alugado e, junto deste, uma carga de explosivos que
incluía cargas plásticas e pequenas bolas de metal.
Os três assassinos fecharam-se na garagem, prepararam a carga
explosiva e instalaram-na no carro alugado. A carga não foi posta — como
alguns jornais diriam mais tarde — no apoio de cabeça do assento de
Mughniyeh, mas no compartimento de rádio do veículo alugado.
Outra equipe de observadores do Mossad esperou pela chegada de
Mughniyeh a Beirute. O seu papel era segui-lo a toda a hora, ficar sempre
nas imediações do apartamento onde ele se encontraria com a amante, e dar
a notícia da sua partida. Tinham de o seguir e garantir que ele chegava ao
encontro em Kfar Sousa. Entre as pessoas com quem se ia encontrar
estavam o novo embaixador iraniano em Damasco e o homem mais sigiloso
da Síria, o general Muhammad Suleiman. Suleiman, entre outras pessoas,
era responsável pela transferência de armas do Irã e da Síria para o
Hezbollah e mantinha relações próximas com Imad Mughniyeh. (Suleiman,
envolvido como estava no secreto projeto nuclear sírio, só tinha seis meses
de vida; seria misteriosamente assassinado a 2 de agosto, durante um jantar
com amigos na sua casa de praia. Ver Capítulo 16.)
No mesmo fim de tarde, a Embaixada do Irã tinha marcado uma
comemoração do aniversário da revolução, no Centro Cultural Iraniano em
Kfar Sousa, muito perto do esconderijo onde Mughniyeh se ia encontrar
com os altos cargos iranianos e sírios. Contudo, Mughniyeh decidiu não
participar nas comemorações, mas apenas conferenciar com os parceiros e
sair de Damasco.
A 12 de fevereiro, de manhã, as equipes do Mossad estavam a
postos. Os observadores ocuparam as suas posições em redor do prédio, o
primeiro destino de Mughniyeh. Ao final da tarde, informaram que
Mughniyeh tinha chegado ao apartamento de Nihad — e ao princípio da
noite informaram os seus superiores de que ele se tinha posto a caminho do
segundo destino. A sua esperança era que também fosse o último.
O Pajero atravessou Damasco e chegou a Kfar Sousa. Os
observadores seguiam Mughniyeh como sombras e informavam
continuamente sobre todos os seus movimentos. O carro-bomba tinha sido
levado para a zona onde Mughniyeh ia estacionar. O sinal de ativação seria
dado a uma grande distância, por equipamento eletrônico. Os agentes que
tinham preparado o carro há muito que haviam deixado o local e já estavam
a caminho do aeroporto.
Os sensores eletrônicos seguiram o carro prateado. Este parou e o
homem de negro saiu. Um auxiliar estacionou o carro-bomba perto do
Pajero prateado.
Pouco antes das 10 da noite, uma explosão estrondosa sacudiu o
bairro de Kfar Sousa, não muito longe da escola iraniana (fechada àquela
hora) e junto a um parque público. Exatamente no momento em que
Mughniyeh saiu do jipe, o carro a seu lado explodiu.
Mughniyeh morreu.
A morte abalou profundamente o Hezbollah. Foi um terrível golpe
para o Governo sírio, poucos meses depois de o seu reator nuclear secreto
ter sido pulverizado.
Em novembro de 2008, poucos meses após a morte de Mughniyeh,
as autoridades libanesas anunciaram a descoberta de uma rede de
espionagem do Mossad. Uma das pessoas presas, Ali Jarrah, de 50 anos,
oriundo do vale de Bekaa, tinha trabalhado para o Mossad nos últimos 20
anos, por um salário mensal de 7000 dólares. Foi acusado de ir
frequentemente à Síria, em missões para o Mossad. Em fevereiro de 2008,
poucos dias antes da operação, foi a Kfar Sousa. Os serviços secretos
libaneses que prenderam Jarrah descobriram no carro dele uma pilha de
equipamento fotográfico sofisticado, uma câmera de vídeo e um GPS, todos
habilmente escondidos.
Jarrah cedeu sob a pressão do interrogatório e confessou que os
contatos do Mossad lhe tinham ordenado que vigiasse, fotografasse e
coligisse informação sobre os bairros que Mughniyeh visitaria, incluindo o
ninho do amor em que se encontraria com Nihad.
Israel negou qualquer ligação ao assassinato, mas o porta-voz do
Hezbollah acusou repetidamente “os sionistas israelenses” do assassinato
do “herói da Jihad, que morreu como um shahid [mártir]”.
Sean McCormack, porta-voz do Departamento de Estado americano,
não expressou a mesma opinião. Descreveu Mughniyeh como “um
homicida insensível, um assassino em série e um terrorista responsável pelo
fim de inúmeras vidas”.
“Sem ele, o mundo é um lugar melhor”, concluiu McCormack.
20. AS CÂMERAS ESTAVAM GRAVANDO

No início de janeiro de 2010, dois Audi A6 pretos passaram pelo


portão fortificado de um edifício cinzento empoleirado numa colina no
Norte de Tel Aviv. O edifício, chamado “O Instituto”, era na verdade o
quartel— general do Mossad. O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu foi
recebido pelo ramsad, Meir Dagan, quando saiu do segundo carro. Havia
pouco tempo, Netanyahu tinha prolongado o mandato de Dagan por mais
um ano.
Dagan e os dirigentes do Mossad sentiam-se otimistas e confiantes
depois do êxito das suas últimas operações: a destruição do reator sírio e os
assassinatos de Mughniyeh e Suleiman. O mais urgente agora era cortar
outra ligação entre o Irã e os terroristas, e essa ligação chamava-se Al-
Mabhouh.
Segundo o jornalista Ronen Bergman, o nome de código do Mossad
para a caça a Al-Mabhouh era “Tela de plasma”.
Na sala de reuniões, Dagan e os seus auxiliares superiores
apresentaram o plano de assassinato de Mahmoud Abdel Rauf Al-
Mabhouh, líder do Hamas e elemento fundamental no sistema de
contrabando de armas do Irã, via Sudão, Egito e península do Sinai para a
Faixa de Gaza. Al-Mabhouh, disseram os homens de Dagan, seria morto em
Dubai, um dos Emirados Árabes Unidos no golfo Pérsico.
Netanyahu aprovou a execução da “Operação Tela de Plasma” e os
preparativos começaram imediatamente. O plano era matar Al-Mabhouh
num quarto de hotel em Dubai. O Sunday Times londrino garantiu que os
membros da equipe de assassinato do Mossad ensaiaram o golpe num hotel
de Tel Aviv sem avisar a gerência do hotel.
Mahmoud Al-Mabhouh, ou “Abu Abed”, nasceu em 1960 no campo
de refugiados de Jabalia, no Norte da Faixa de Gaza. No final da década de
1970, aderiu à Irmandade Muçulmana e, como muçulmano fervoroso,
participou na sabotagem de cafés árabes onde se praticava jogo. Em 1986,
foi preso pelo Exército israelense por posse de uma espingarda automática
AK47, mas foi libertado em menos de um ano e aderiu à Brigada Izz Ad-
Din Al-Qassam, o braço militar do Hamas.
Salah Shehadeh, comandante de Al-Mabhouh, confiou a este e a
muitos outros terroristas do Hamas uma missão especial: raptar e matar
soldados israelenses. A 16 de fevereiro de 1989, Al-Mabhouh e outros
membros do Hamas roubaram um carro, vestiram-se de judeus
ultraortodoxos, e ofereceram boleia a um soldado chamado Avi Sasportas,
que pedia transporte para casa num cruzamento. Quando Avi entrou no
carro, Al-Mabhouh virou-se para trás e deu-lhe um tiro na cara. Al-
Mabhouh e os seus acólitos enterraram Avi depois de se fazerem fotografar
com o cadáver. Três meses depois de assassinar Avi, Al-Mabhouh e outros
membros do Hamas raptaram Ilan Saadon, outro soldado, no cruzamento de
Reem, e assassinaram-no também. Al-Mabhouh admitiu posteriormente
numa entrevista à Al-Jazeera o seu papel nos assassinatos e no enterro dos
soldados mortos.
Depois do segundo assassinato, Al-Mabhouh fugiu para o Egito,
depois para a Jordânia, e continuou as suas atividades terroristas,
maioritariamente pelo tráfico de armas e explosivos para Gaza. De volta ao
Cairo, foi preso pelos egípcios, passou quase um ano inteiro — 2003 —
numa cadeia egípcia, e mais tarde fugiu para a Síria. Era já rotulado como
terrorista perigoso, procurado pela polícia de Israel, do Egito e da Jordânia.
Os seus superiores consideravam-no um organizador de excelência e Al-
Mabhouh subiu na hierarquia do Hamas, concentrando quase todos os seus
esforços no tráfico de armas do Irã para a Faixa de Gaza.
Al-Mabhouh sabia que era um homem procurado pelo Mossad,
devido às suas funções; também sabia que Israel não se esqueceria nem
perdoaria o assassinato dos seus dois soldados. Como tal, Mabhouh tomava
precauções extremas, mudava frequentemente de identidade e fazia-se
passar por empresário a viajar entre cidades do Oriente Médio em negócios
legítimos.
Disse a um amigo que, quando ficava num hotel, costumava barricar
a porta do quarto com cadeirões, “para evitar surpresas desagradáveis”.
Numa rara entrevista à rede Al-Jazeera, Mabhouh apareceu com a
cabeça coberta com um pano preto. “Tentaram apanhar-me três vezes”,
disse ele, “e quase conseguiram. Uma vez em Dubai, uma vez no Líbano,
há seis meses, e uma terceira na Síria, há dois meses, depois do assassinato
de Imad Mughniyeh. É o preço que pagam todos os que lutam contra os
israelenses.”
Na verdade, Al-Mabhouh deu a entrevista contrariado; achou que era
um risco desnecessário, mas teve de obedecer a ordens explícitas da
liderança do Hamas. Alguns garantiriam mais tarde que a entrevista ajudou
o Mossad a encontrá-lo. Al-Mabhouh tinha concordado aparecer à frente
das câmeras sob uma condição: que a sua cara fosse completamente
distorcida na imagem. Depois da gravação da entrevista, a cassete de vídeo
foi enviada para Gaza, para inspeção. Afinal, a distorção da cara falhou e
ele foi instruído a gravar novamente a entrevista. A transmissão da nova
entrevista foi adiada (só seria feita depois da morte de Al-Mabhouh). Al-
Mabhouh quis saber o que tinha acontecido à primeira gravação, e foi-lhe
dito que a cassete de vídeo estava guardada nos arquivos do Hamas. Há
quem acredite que essa cassete chegou às mãos dos agentes que andavam à
procura de Al-Mabhouh.
Umas semanas depois da gravação, um membro superior do Hamas
recebeu uma chamada de um árabe que dizia estar ligado a um grupo que
traficava armas e lavava dinheiro. Este fez ao Hamas faminto de armas
algumas ofertas que a organização não podia recusar, e pediu para se
encontrar com Al-Mabhouh em Dubai. Era estranho que tivesse escolhido o
Dubai como local de encontro; a agitada cidade dos Emirados era, na
verdade, o local onde Al-Mabhouh estava reunido com os seus homólogos
iranianos. Este telefonema misterioso pode ter sido a sentença de morte de
Al-Mabhouh.
E então deu-se um episódio inaudito na história das guerras de
espionagem: a eliminação do “Tela de Plasma” foi filmada, registrada e
imortalizada por um circuito fechado de câmeras de vigilância instalado em
toda Dubai, desde os balcões do aeroporto aos halls, corredores e
elevadores dos hotéis.
As fitas são um testemunho singular do desenrolar da operação e
suas fases subsequentes: permitiram a centenas de milhões de espectadores
de todo o mundo, confortavelmente instalados em suas poltronas, seguirem
a operação secreta e fatal de uma equipe de assassinato.

Segunda-feira, 18 de janeiro de 2010.


Vários agentes do Mossad aterram em Dubai. São os percursores de
uma grande equipe de 27 agentes que chegarão, um por um, a Dubai nas 24
horas seguintes. Doze tinham passaportes britânicos, quatro franceses,
quatro australianos, um alemão e seis irlandeses.
Os agentes registram-se em diferentes hotéis da cidade.

Terça-feira, 19 de janeiro de 2010.

00h09 — Dois agentes do Mossad, meio carecas, Michael


Bodenheimer, de 43 anos, com passaporte alemão, e o seu amigo James
Leonard, com passaporte britânico, aterrissam em Dubai. Segundo a polícia
local, são a equipe avançada do grupo responsável pelo assassinato de Al-
Mabhouh.
00h30 — O comandante da operação, Kevin Daveron, com barbicha
e óculos, chega a Dubai a bordo de um voo direto de Paris. Vem
acompanhado da sua adjunta, Gail Folliard, uma ruiva vivaz. Têm ambos
passaportes irlandeses.
01h21 — Gail Folliard dá entrada no hotel de luxo Jumeriah e recebe
um quarto no 11.° andar. Quando a recepcionista lhe pergunta pelo
endereço, ela responde sem hesitar: Memmier Road, 78, Dublin, Irlanda.
Mais tarde, ficariam sabendo que este endereço não existia.
01h31 — Kevin Daveron, o comandante, junta-se à adjunta e
registra-se no Jumeriah. Fica no quarto 3308.
02h29 — Peter Elvinger, coordenador de logística da operação,
chega a Dubai com um passaporte francês. É magro, tem barba, usa óculos
elegantes. Segundo a polícia, transporta uma pasta “suspeita”.
02h36 — No aeroporto, Peter encontra-se com outro membro da
equipe e, juntos, dirigem-se para um hotel na cidade.
10h15 — Mahmoud Al-Mabhouh sai de Damasco em direção a
Dubai, num voo direto das linhas aéreas Emirates. No Dubai, deverá
coordenar com um enviado iraniano um novo envio clandestino de armas
para Gaza.
10h30 — Peter, coordenador da operação, sai do hotel e encontra-se
com a equipe de assassinato num grande centro comercial.
10h50 — Kevin e Gail, comandante e sua ajudante, juntam-se ao
encontro no centro comercial. Kevin não usa os óculos e a pera
desapareceu.
12h18 — A reunião termina e a equipe dispersa-se. Kevin regressa
ao Hotel Jumeriah e faz o registro de saída. As câmeras de segurança
mostram-no a entrar noutro hotel, onde põe uma peruca, óculos e um
bigode falso.
14h12 — Dois agentes, vestidos com equipamento de tênis, entram
no luxuoso Hotel Al-Bustan Rotana. São observadores que esperarão por
Al-Mabhouh, que deverá chegar na hora seguinte.
15h12 — Gail também sai do Hotel Jumeriah.
15h15 — Mahmoud Al-Mabhouh aterra em Dubai. Mostra um
passaporte iraquiano falso no posto de controle de imigração e declara que
trabalha no negócio da importação de têxteis.
15h25 — Gail passa para outro hotel, onde muda de roupa, põe
maquiagem e uma peruca.
15h28 — Al-Mabhouh chega ao Hotel Al-Bustan Rotana. No balcão
de registro, pede um quarto com janelas seladas e sem varanda. Dão-lhe o
quarto 230, no segundo andar. Apanha o elevador para o segundo andar,
sem perceber que os dois jogadores de tênis que o acompanham na viagem
são observadores do Mossad.
15h30 — Os observadores informam, por um dispositivo de
transmissão especial, que Al-Mabhouh entrou no quarto e que o quarto em
frente é o número 237.
15h53 — Peter, o coordenador, chega ao hotel de Al-Mabhouh e vai
para o centro de negócios. Telefona para a recepção e reserva o quarto 237.
16h03 — Uma nova equipe de observadores substitui a primeira e
espera que Al-Mabhouh saía do quarto.
16h14 — Todos os membros da equipe de assassinato estão já no
Hotel Al-Bustan Rotana.
16h23 — Al-Mabhouh sai do quarto, observa o átrio do hotel para se
certificar de que o local é “seguro” e sai do hotel. Os observadores seguem-
no.
16h24 — Os observadores transmitem para o comandante da equipe
pormenores acerca do carro que levou Al-Mabhouh para a baixa da cidade.
16h27 — Peter, o coordenador, entra no átrio do hotel e entrega a
Kevin Daveron a sua pasta, que provavelmente contém os objetos
necessários para assassinar Al-Mabhouh.
16h33 — Peter vai à recepção, registra-se e recebe a chave do quarto
237, frente ao quarto de Al-Mabhouh. paga a soma de 400 dólares.
16h40 — Peter dá a chave do quarto a Kevin e sai do hotel para um
destino desconhecido.
16h44 — Kevin entra no quarto 237. Inspeciona a janela e a vigia da
porta, pela qual poderá ver Al-Mabhouh entrar no quarto.
17h06 — Gail entra no quarto 237. Ela e Kevin reveem os horários e
continuam a receber informações sobre os movimentos de Al-Mabhouh na
cidade.
17h36 — Um dos observadores entra no hotel com um boné. A um
canto de um corredor vazio, substitui o boné por uma peruca.
18h21 — Gail sai do quarto 237 com a pasta que Kevin entregara a
Peter.
Vai ao parque de estacionamento do hotel e entrega a pasta a um dos
membros da equipe de assassinato.
18h32 — O primeiro elemento da equipe de assassinato sai do
parque de estacionamento e entra no átrio do hotel.
18h34 — O segundo elemento da equipe de assassinato entra no
hotel e instala-se nos cadeirões e sofás no canto extremo do luxuoso átrio,
tão longe quanto possível do primeiro elemento.
18h43 — O primeiro destacamento de observadores, os agentes que
trajam roupa de tênis, sai do hotel.
19h30 — Peter, coordenador de logística, sai de Dubai num voo para
Munique, na Alemanha.
20h00 — Uma empregada do hotel que limpou o segundo andar sai
do local. Um elemento da equipe de assassinato tenta entrar no quarto de
Al-Mabhouh.
20h04 — Kevin, posicionado perto dos elevadores, faz sinal aos
membros da equipe de assassinato para entrarem no quarto, quando um
elevador para no segundo andar e um hóspede sai. O sistema de controle
eletrônico registra uma tentativa de entrada forçada no quarto 230, o quarto
de Al-Mabhouh.
20h20 — Al-Mabhouh regressa ao hotel. Os observadores informam
Kevin de que ele se dirige ao elevador.
20h27 — Al-Mabhouh entra no quarto. Kevin e Gail estão de guarda
no corredor do segundo andar, junto dos elevadores. No quarto 230, dá-se o
assassinato.
20h46 — Quatro membros da equipe de assassinato saem do hotel.
20:47 — Gail e outro membro da equipe de assassinato saem do
hotel.
20h51 — Kevin entra no quarto de Al-Mabhouh depois do
assassinato e pendura o sinal “Não incomodar” na maçaneta da porta.
20h52 — Os observadores saem do hotel.
22h30 — Kevin e Gail deixam o Dubai num voo direto para Paris.
Por volta da mesma hora, todos os membros da equipe partem para destinos
diversos.

Às 10 da noite, a mulher de Al-Mabhouh liga-lhe para o celular. O


telefone toca e o atendedor de chamadas responde. Ela liga novamente,
várias vezes. Um amigo chegado também tenta falar com Al-Mabhouh,
sem êxito. As mensagens de texto enviadas para Al-Mabhouh continuam
sem resposta. O tempo passa e Al-Mabhouh não dá sinal de vida. A mulher,
já desesperada, liga para vários altos funcionários do Hamas, que decidem
enviar o seu representante em Dubai ao Hotel Al-Bustan Rotana. O homem
vai à recepção e liga para o quarto 230. Ninguém responde.
Depois da meia-noite, os empregados do hotel vão finalmente ao
quarto de Mabhouh, destrancam a porta e encontram o corpo. Um médico
chamado de urgência examina o cadáver e conclui que a causa de morte foi
uma paragem cardíaca.
O Hamas publica uma declaração oficial que atribui a morte de Al-
Mabhouh a “razões médicas”. Contudo, a família de Al-Mabhouh rejeita o
diagnóstico médico e insiste que Al-Mabhouh foi assassinado pelo Mossad.
O corpo foi enviado para um médico legista de Dubai, enquanto uma
amostra do sangue seguiu para um laboratório em França. O relatório do
laboratório chegou passados nove dias. O Hamas anuncia então que Al-
Mabhouh foi assassinado por agentes do Mossad, que começaram por
atordoá-lo com um aparelho de choque elétrico e depois o sufocaram com
uma almofada. Ao mesmo tempo, a polícia de Dubai anuncia que não foram
encontrados vestígios de veneno no sangue de Al-Mabhouh. Contudo,
rapidamente chegam à conclusão de que o Mossad matou Al-Mabhouh em
seu território. Em 31 de janeiro, 12 dias depois da morte, o Sunday Times
londrino publica uma história sobre o envenenamento. Os jornalistas
afirmam que os assassinos de Israel entraram no quarto de Al-Mabhouh e
injetaram um veneno que simula ataque cardíaco, fotografaram todos os
documentos que ele tinha e saíram do quarto depois de pendurar o sinal
“Não perturbe” na maçaneta da porta.
E 28 de fevereiro, o adjunto do comandante da polícia de Dubai
informa à imprensa que o laboratório francês encontrou no sangue de Al-
Mabhouh vestígios de um analgésico forte, usado em anestesia antes de
cirurgias. A substância, diz ele, provoca relaxamento muscular seguido de
perda de consciência. Pressupôs que os assassinos injetaram o anestésico na
vítima e depois a sufocaram, para que a morte parecesse natural.
O jornalista Gordon Thomas publica no Telegraph de Londres artigo
sobre “a licença para matar do Mossad”. Thomas afirma que o modus
operandi na morte de Al-Mabhouh foi semelhante a outros assassinatos
executados pelo Mossad no passado. Acrescenta que os 11 membros da
equipe de assassinato, seis dos quais mulheres, foram escolhidos entre 48
membros da unidade operacional Kidon. Yossi Melman, do jornal Haaretz,
também sublinha que os movimentos dos assassinos, como refletem as
câmeras de vigilância e outras descobertas, eram idênticos aos de operações
prévias do Mossad: chegada em diferentes voos de várias partes do mundo,
estadas em hotéis diversos, telefonemas feitos através de operadores
internacionais, vestuário que dificulta a identificação e esforço por passar
por turistas ou empresários genuínos que juntam negócios com prazer.
Contudo, outros especialistas descartam essa teoria, dizendo que os
métodos são exatamente os mesmos usados pela maioria dos serviços
secretos ocidentais, pelo que era impossível estabelecer claramente quem
levara a cabo o assassinato.
A revista semanal alemã Der Spiegel revela que a agência secreta
alemã, a BND, informou aos deputados do seu Parlamento que Al-
Mabhouh foi morto por agentes do Mossad. Der Spiegel também descreve
como Michael Bodenheimer, nascido em Israel, tinha pedido em 2009
passaporte alemão por ter pais nascidos na Alemanha. Com seu novo
passaporte tinha embarcado num avião, em 8 de novembro de 2009, de
Frankfurt para Dubai e depois para Hong Kong, itinerário idêntico ao que
fez antes e depois do assassinato. Segundo Der Spiegel, outros nove agentes
tinham rumado para Dubai nesse mesmo dia de novembro de 2009, de
vários aeroportos europeus. Aparentemente, era um ensaio geral da
verdadeira operação, levada a cabo em janeiro de 2010.
Numa entrevista ao jornal AI-Arabiya, o comandante da polícia de
Dubai, Dhahi Khalfan Tamim, explicou por que tinha certeza de que Al-
Mabhouh fora morto pelo Mossad: “Em primeiro lugar, temos algumas
amostras de ADN e impressões digitais. Em segundo, todos [os membros da
equipe de assassinato] tinham passaportes estrangeiros verdadeiros com
pormenores falsos e, quando se descobre que alguns dos donos [dos
passaportes] eram de Israel, o que se conclui? Que a “Paz Agora”
assassinou Al-Mabhouh?... Foi o Mossad, com certeza absoluta!”
O comandante da polícia de Dubai depressa se tornou uma estrela da
imprensa, passando horas em frente às câmeras de televisão de todo o
mundo dando entrevistas a quem se dispusesse a ouvir. Os jornalistas
televisivos passaram a adorá-lo, maioritariamente graças às câmeras de
vigilância de Dubai. Mostrou à imprensa um vídeo montado a partir de
cassetes de câmeras de vigilância espalhadas pelo Dubai. Tamim explicou e
mostrou de forma inteligente como os membros da equipe de assassinato
tinham andado pelo emirado e entrado e saído dos hotéis, centros
comerciais e aeroporto, nos seus esforços por vigiar Al-Mabhouh,
frequentemente mudando de roupa e disfarces.
Segundo Tamim, o núcleo da equipe de assassinato compôs-se de 11
membros: três cidadãos irlandeses, seis britânicos, um francês e um alemão.
Estes chegaram a Dubai em vários voos de muitos aeroportos
europeus, alguns dos quais na noite de véspera da operação, outros ao
mesmo tempo que Al-Mabhouh, e alguns umas escassas horas antes da
operação. As 648 horas de vídeo das câmeras de vigilância ajudam a polícia
de Dubai a reconstruir os acontecimentos que culminaram com a morte de
Al-Mabhouh.
As cassetes e as fotografias tiradas pelas autoridades de imigração a
todos os passageiros que entraram e saíram de Dubai levaram o comandante
da polícia de Dubai à conclusão de que, não 11, mas muitos mais agentes do
Mossad participaram na operação. O número oficial que mencionou foi 27,
mas Tamim acrescentou posteriormente mais alguns nomes à sua lista de
suspeitos.
Porém, as suas conclusões suscitaram várias perguntas. O Mossad
não sabia que havia uma rede de câmeras de vigilância espalhadas pelo
Dubai?
Segundo Tamim, os agentes israelenses tinham visitado o Dubai
várias vezes para preparar a operação. Não viram as câmeras de vigilância?
E, se viram, talvez grande parte das entradas e saídas dos hotéis, a troca de
roupa, perucas e bigodes não fosse senão um espetáculo para as câmeras, e
vários participantes não interviessem na operação mas fossem usados
apenas para ludibriar quem mais tarde analisasse as cassetes.
E há outra dúvida: o comandante da polícia gabou-se de todos os
membros da equipe de assassinato terem sido fotografados quando
passaram pelos serviços de imigração. O Mossad não sabia que isso
acontecia sempre em Dubai? Não se certificou de que as caras dos seus
agentes estariam alteradas e disfarçadas para ser impossível reconhecê-los
posteriormente?
E há uma terceira pergunta. Como as câmeras de vigilância
registraram cada fotograma e cada segundo dos movimentos dos agentes
secretos exceto dois, a entrada e a saída da equipe de assassinos no quarto
de Al-Mabhouh?
O comandante Tamim revelou à imprensa que a equipe de
assassinato utilizou um número de telefone austríaco para algumas
comunicações.
Depois de analisar registros telefônicos, Tamim conseguiu
estabelecer as identidades dos estrangeiros que usaram o número e eram,
aparentemente, membros do Mossad. Também sublinhou que vários agentes
tinham pago as suas despesas em Dubai com cartões de crédito MasterCard
recarregáveis da Payoneer, uma empresa sediada no Iowa mas com um
centro de pesquisa e desenvolvimento em Israel.
A revelação mais intrigante da investigação é que a maioria dos
membros da equipe de assassinato tinha usado passaportes verdadeiros de
cidadãos israelenses com dupla nacionalidade e muito poucos passaportes
falsos.
Aparentemente, havia uma razão — a equipe de assassinato estava a
trabalhar num país árabe considerado território inimigo. Se os membros da
equipe de assassinato fossem capturados, podiam pedir proteção aos
cônsules da Grã-Bretanha, da Alemanha, da França e da Austrália... Se os
cônsules verificassem os registros, descobririam que aquelas pessoas
existiam mesmo e concordariam em ajudá-las. Se, pelo contrário, a equipe
de assassinato tivesse usado passaportes falsos, o logro teria sido
imediatamente exposto e os agentes ficariam desprotegidos.
Depois de se saber tudo isto, Israel foi duramente criticada pelas
nações cujos passaportes tinham sido usados em Dubai. A Grã-Bretanha, a
Austrália e a Irlanda expulsaram os representantes do Mossad do seu
território. A Polônia prendeu no aeroporto de Varsóvia um homem chamado
Uri Brodsky e extraditou-o para a Alemanha. Brodsky era suspeito de
ajudar o agente Michael Bodenheimer a obter um passaporte alemão sob
um pretexto falso.
(Brodsky acabou por ser libertado pela Alemanha após o pagamento
de uma multa de 60.000 euros. Bodenheimer nunca foi encontrado.) Outros
países expressaram indignação e fúria. Essas reações pareciam revestir-se
de hipocrisia, pois a utilização de passaportes falsos ou alterados é prática
corrente da atividade de qualquer serviço secreto; as nações que apontaram
o dedo a Israel usaram e continuam a usar passaportes falsos, tal como o
Mossad. Apesar disso, quando uma rede de espionagem russa foi
desmantelada nos Estados Unidos, no final de 2010, ninguém acusou os
seus membros de utilizarem documentos falsos britânicos e americanos.
As notícias da imprensa mundial criaram a impressão de que a
operação de Dubai correu efetivamente bem, mas foi afetada por um erro
grave decorrente da forma como os israelenses subestimaram tanto o Dubai
como as nações ocidentais que envolveram. Foi um golpe duro para a
imagem internacional de Israel — mas não para as suas atividades secretas.
Os enviados do Mossad expulsos foram rapidamente substituídos. As
promessas do comandante da polícia de Dubai de que os membros da
equipe de assassinato seriam em breve capturados, uma vez que as suas
identidades eram conhecidas em todo o mundo, não se materializaram. Nem
um agente do Mossad da equipe de Dubai foi identificado e detido pelas
polícias internacionais.
Porém, o Dubai tornou-se um símbolo dos novos desafios que todos
os serviços secretos enfrentam num mundo em mudança. A era dos
métodos escondidos acabou definitivamente. As câmeras de vigilância, as
fotografias e as impressões digitais dos serviços de imigração, as rápidas
verificações dos passaportes, o ADN... todos exigem meios e métodos
muito mais sofisticados dos espiões do mundo, quando iniciam as suas
missões obscuras e sinistras.
A 7 de abril de 2011, uma aeronave não identificada disparou um
míssil contra um carro de passageiros, numa estrada 15 quilômetros a sul de
Porto Sudão, no Estado africano do Sudão. Segundo fontes israelenses, o
carro foi atacado por um Shoval não-tripulado, que consegue transportar
uma carga com uma tonelada e voar 4000 quilômetros sem reabastecer. O
Shoval pertence a uma nova geração de aviões não-tripulados que Israel
utiliza em missões arriscadas além-fronteiras e que substituem os aviões
pilotados. Os aviões não-tripulados israelenses estão entre os melhores do
mundo e cumprem missões de ataque e de informações secretas por todo o
Oriente Médio.
Uma das duas pessoas que morreram no ataque ao carro no Sudão
foi, ao que se diz, um dirigente do Hamas. O Hamas utilizava a estrada
sudanesa para traficar armas do Irã para Gaza. As armas vinham de barco,
eram descarregadas em Porto Sudão e procediam numa caravana de
veículos através do Egito e do Sinai para Gaza, atravessando as fronteiras e
os postos de controle com subornos.
O Governo sudanês acusou imediatamente Israel pelo golpe.
Israel fora designada como culpada noutro ataque misterioso a uma
caravana de armas em janeiro de 2009. Os caminhões que transportavam
armas, mísseis e explosivos foram destruídos e morreram 40 pessoas que
conduziam a caravana.
Um dos homens alegadamente mortos foi o dirigente do Hamas
responsável pelo tráfico de armas do Irã para Gaza.
21. DA TERRA DA RAINHA DE SABÁ

Um grupo de crianças etíopes, de pele negra e vestidas de branco,


entrou no palco da enorme sala de audiências em Jerusalém. As crianças,
abençoadas com uma espécie de beleza singular, observavam o público com
os seus grandes olhos negros repletos de curiosidade e orgulho. Shlomo
Gronich, o famoso compositor israelense, estava sentado ao piano. As suas
primeiras notas navegaram delicadamente sobre a multidão silenciosa, e
uma canção lindíssima e ao mesmo tempo arrepiante emergiu do coro
infantil:

A Lua observa lá em cima


Às costas, uma pequena bolsa de comida
O deserto que pisamos não tem fim à vista
E minha mãe promete a meus irmãozinhos
“Só mais um pouco, mais um pouco,
Levantem as pernas, façam um esforço final,
Na direção de Jerusalém.”

Era a canção da “Viagem” do poeta Haim Idissis, que descrevia a


viagem épica dos judeus etíopes até a Terra Prometida, até Israel. O público
aplaudiu, animado. Talvez a intenção de Idissis não fosse aquela, e talvez as
multidões entusiasmadas não reparassem, mas a canção infantil descrevia o
capítulo mais comovente — e mais terrível — da emigração dos judeus
etíopes para a terra dos seus pais:
O luar logo apareceu A nossa saca de comida perdeu-se ...
E à noite os bandidos atacaram Com uma faca e uma espada afiada
No deserto, o sangue da minha mãe A Lua é minha testemunha e prometo
aos meus irmãozinhos:
“Só mais um pouco, mais um pouco O sonho vai concretizar-se Em
breve chegaremos à Terra de Israel.”
Nenhuma comunidade israelense sofreu tão terrivelmente como a
tribo etíope no seu caminho para Israel.
Tornaram-se uma lenda viva.
A própria existência da tribo parecia tirada de um livro de histórias.
Tratava-se de uma tribo judaica, isolada do resto do mundo,
enraizada no coração de África. Viviam nas montanhas e vales da Etiópia, a
terra da rainha de Sabá. Durante milhares de anos, a tribo agarrou-se
teimosamente a sua fé, uma religião bíblica pura e inocente.
Essa tribo discreta e tímida perdera-se na História. Os líderes, os
kessim, anciãos venerados que se vestiam de branco, comandavam o seu
rebanho segundo as regras ancestrais do judaísmo e os costumes básicos da
vida moderna. Era uma tribo que em tempos vivera em paz e serenidade
entre os vizinhos e que noutros tempos fora perseguida por governantes
cruéis. Mas também teve de enfrentar a triste humilhação de rabinos e
especialistas teológicos judaicos do mundo exterior que haviam decidido
que os judeus etíopes, normalmente conhecidos como falasha, não eram
verdadeiros judeus.
Apesar de tudo, os judeus etíopes não desistiram. E, geração após
geração, inspirados pelas tradições passadas de pais para filhos e de mães
para filhas, sonharam com o dia em que partiriam rumo à Terra de Israel.
Muito poucos etíopes foram para Israel nos primeiros 30 anos de
existência do país. Mesmo durante o reinado do imperador Haile Selassie, o
Leão da Judeia, grande amigo e aliado de Israel, não se fez nenhum esforço
sério para levar os judeus da Etiópia para o Estado judeu. As coisas
começaram a mudar em 1973, quando Ovadia Yosef, rabino máximo de
Israel, publicou uma halacha inequívoca que ditava que os judeus etíopes,
que se chamavam a si mesmos “Beta Israel”, eram judeus de pleno direito.
Passados dois anos, o Governo de Israel decidiu aplicar a Lei do
Regresso aos judeus etíopes. E quando se tornou primeiro-ministro em
1977, Menachem Begin convocou o general Yitzhak (Haka) Hofi, diretor
do Mossad.
“Traga-me os judeus da Etiópia!”, disse Begin ao ramsad.
Na estrutura do Mossad, havia uma unidade especial, a Bitzur,
responsável pela defesa dos judeus em países inimigos e pela organização
de imigrações desses países para Israel. A Bitzur — mais tarde rebatizada
Tzafririm — pôs-se imediatamente em ação.
Pouco depois de Begin dar a ordem a Haka, David (Dave) Kimhi
aterrissou em Adis Abeba, capital da Etiópia. Dave era vice-diretor do
Mossad e chefe do Tevel, departamento responsável pelas relações
internacionais secretas.
Foi encontrar-se com o governante da Etiópia, Mengistu Haile
Mariam.
Naquela época, as portas de saída da Etiópia estavam fechadas à
emigração judaica. A nação estava dilacerada por uma guerra civil e
Mengistu pediu a Israel que o ajudasse a combater os rebeldes. Kimhi
recusou-se lutar contra os rebeldes pelo lado de Mengistu, mas prometeu
fornecer-lhe armas... sob uma condição — que Mengistu permitisse a
emigração judaica. “Exigimos”, disse Kimhi, “que cada avião Hércules
israelense que aterrisse aqui carregado de equipamento militar decole
carregado de judeus”. Mengistu concordou. E o êxodo de judeus da Etiópia
começou.
O acordo durou seis meses, até ser destruído em fevereiro de 1978
por um lapsus linguae do então ministro do Exterior Moshe Dayan.
Dayan disse a um jornal suíço que Israel fornecia armas ao exército
de Mengistu. Houve quem dissesse que Dayan o fizera de propósito, por se
opor ao acordo de armas com o regime marxista e pro-soviético de
Mengistu.
Mengistu ficou furioso. Não podia admitir publicamente que
mantinha relações secretas com Israel e cancelou imediatamente o acordo
com o Mossad. O canal direto para a emigração judaica ficou bloqueado,
mas a ordem de Begin para Haka continuava em vigor.
As portas da Etiópia estavam novamente fechadas, mas o quartel-
general do Mossad recebeu uma carta vinda de Cartum, capital do Sudão,
vizinho da Etiópia, que ofereceu subitamente outra rota de fuga para os
judeus etíopes.
A carta vinha assinada por Fereda Aklum, um professor judeu etíope
que conseguira atravessar a fronteira para o Sudão. Para Israel, o Sudão era
um país inimigo. Era amaldiçoado pela fome, pela seca e por guerras tribais
e religiosas. Havia milhares de refugiados de várias partes do país — e da
vizinha Etiópia — reunidos em campos de tendas esquálidos. Aklum enviou
várias cartas a Israel e a organizações humanitárias de todo o mundo, numa
tentativa desesperada de conseguir ajuda urgente para a emigração dos
judeus etíopes. Uma das cartas de Aklum acabou por ir parar ao quartel—
general do Mossad e atraiu a atenção de um alto funcionário. “Estou no
Sudão”, escreveu Aklum, “mandem-me um bilhete de avião”. Em vez de
um bilhete de avião, o Mossad enviou ao Sudão Danny Limor, um dos seus
homens, para se encontrar com Aklum.
Quando se encontraram, concordaram que Aklum tentaria encontrar
judeus nos campos de refugiados e informaria Danny. Em poucos
meses, Aklum localizou realmente 30 judeus, e o Mossad organizou
discretamente a sua emigração para Israel. Passado um mês, Aklum foi
integrado no Mossad e encarregado de localizar judeus em Cartum.
Contudo, não encontrou nenhum judeu na capital e o enviado do Mossad
decidiu regressar a Israel.
Antes de ir embora, Limor instruiu Aklum a também emigrar para
Israel.
Aklum, porém, quis ficar e continuar à procura de judeus noutras
zonas do Sudão. Limor, não obstante, foi inflexível. Ordenou a Aklum que
pusesse fim às suas atividades e fosse para Israel ao cabo de uma semana.
Aklum desobedeceu à ordem e começou a viajar de cidade em
cidade, de campo de refugiados em campo de refugiados, na esperança de
encontrar judeus. Não encontrou um único, mas sabia bem que se
regressasse a Israel naquele momento a emigração de judeus etíopes pelo
Sudão terminaria.
Assim, compôs um relatório falso, mencionando os nomes de muitos
judeus que alegadamente encontrara no Sudão, enviou-o para o Mossad e
anunciou que ficava no Sudão “para tratar deles”.
Na verdade, os judeus que Aklum listou existiam mesmo, mas não
estavam no Sudão. Ainda viviam nas suas aldeias na Etiópia. Aklum
começou um trabalho solitário na Etiópia. Visitou as aldeias e tentou
convencer os judeus locais a emigrarem para a Terra de Israel. O rumor de
que havia uma via secreta para Jerusalém espalhou-se como um fogo
incontrolável. A princípio, surgiram uns poucos homens, depois foram
famílias e, finalmente, aldeias inteiras embalaram os seus magros pertences
e puseram-se a caminho. Milhares de pessoas, incluindo velhos, mulheres e
crianças, saíram da Etiópia em segredo. Eram inspirados por um sonho
messiânico, pelas promessas bíblicas de regresso à terra do leite e do mel.
Prepararam alimentos e água, atravessaram a fronteira e começaram
uma viagem esgotante e perigosa no deserto. Caminhavam durante a noite e
durante o dia escondiam-se em grutas e recantos de rochas. Muitos
adoeceram e morreram. Houve bebês que morreram de desidratação nos
braços das mães. Um pai perdeu quatro filhos durante a terrível viagem.
Algumas pessoas foram mordidas por cobras e escorpiões, outras
morreram de doenças infecciosas. A água e a comida que tinham levado
consigo foram insuficientes. Vários grupos foram atacados por ladrões que
lhes roubaram os bens e frequentemente deixaram para trás pilhas de
cadáveres. Anos mais tarde, a atriz Mehereta Barush, que participou na
viagem, descreveu o preço terrível que pagaram. Segundo ela, todas as
manhãs os viajantes contavam os cadáveres dos amigos. Por vezes, havia 10
corpos estendidos na areia, outras vezes 15. Não houve uma família que não
tivesse perdido pelo menos um filho.
No verão de 1981, Danny Limor e a sua equipe do Mossad voltaram
clandestinamente ao Sudão. Chamaram a si mesmos “os hafis”, abreviatura
de “Forças de Haka no Sudão”. O seu objetivo era estabelecer contato com
os judeus etíopes do Sudão.
Todavia, os judeus sobreviventes enfrentavam outras dificuldades
quando tentavam entrar em contato com os enviados do Mossad. Mesmo
quem conseguia chegar aos campos de refugiados de Cartum chegava de
coração partido. Tinham de esconder a sua religião judaica, mas ao mesmo
tempo evitavam comer os alimentos não kosher que as agências
humanitárias distribuíam aos refugiados. As mulheres eram violadas e as
jovens raptadas por rufias e criminosos que agiam como verdadeiros donos
dos campos. Um grupo de cem moças foi raptado e desapareceu. Os
familiares que as procuraram descobriram que tinham sido vendidas à
Arábia Saudita, onde cerca de 120.000 mulheres eram mantidas como
escravas. Vários judeus foram identificados como tal pelos seus vizinhos
nos campos e presos e torturados pela polícia sudanesa. Muitos ficaram
meses e mesmo anos nos campos de refugiados antes de conseguirem fugir
para Israel.
Os judeus etíopes pagaram um preço muito alto pelo seu sonho de
passar as portas de Jerusalém. Morreram mais de 4000 judeus durante as
várias fases da viagem. Henry Gold, um judeu canadense que trabalhou
como voluntário nos campos do Sudão e da Etiópia, ficou profundamente
chocado com a situação dos judeus que lá encontrou e criticou duramente
os enviados israelenses por não cumprirem devidamente a sua missão.
Porém, o Mossad estava efetivamente a procurar estabelecer uma via
segura de levar os judeus para Israel. O êxodo do Sudão começou com voos
comerciais normais, com passaportes falsos, mas o Mossad depressa
decidiu levar os refugiados para Israel por mar e enviou navios que os
levassem pelo mar Vermelho e pelos estreitos de Tirão, até o porto de Eilat.
Como disfarce, o Mossad montou na Europa uma empresa de
turismo e viagens. “Para navegar naquela área é preciso ter uma história
preparada”, disse Yonatan Shefa, agente do Mossad e um dos diretores da
operação, “porque, se não se tiver uma história, ao fim de uma semana eles
perguntam “Que andam a fazer aqui? São turistas? Que é que há aqui para
ver?” A empresa alugou uma estância balnear abandonada perto de Porto
Sudão, chamada “Arous”, e assinou um acordo com o Governo sudanês
para o desenvolvimento de desportos marítimos no mar Vermelho. Todos os
trâmites administrativos foram confiados a Yehuda Gil, então tido como um
dos melhores oficiais do Mossad. Gil foi a Cartum, encontrou-se com
funcionários do regime e, com muita argúcia, explicou, convenceu e
subornou, até finalmente conseguir todas as autorizações e licenças
necessárias para explorar a estância de Arous.
O homem encarregado do estabelecimento e gestão da estância foi
Yonatan Shefa, que participara em muitas operações do Mossad. Arous
estava na verdade construído como uma aldeia, com bangalôs individuais e
alguns edifícios comuns. Vários agentes do Mossad foram enviados de
Israel, com passaportes falsos, e tornaram-se instrutores e funcionários da
estância.
Encheram a loja da estância de equipamento, tanques de mergulho,
máscaras, barbatanas e tubos de snorkel. Havia um transmissor escondido
da loja, que estava em contato permanente com o quartel-general do
Mossad. Emanuel Allon, que tinha participado em muitas operações com
Shefa, incluindo o salvamento das virgens sírias, recebeu uma chamada de
Yonatan. “Disse-me: “Preciso de você para uma coisa especial. Desta vez, é
uma operação sem mortes; uma coisa especial, uma coisa humana. Estou
falando com você e ficando emocionado. Quero fundar uma aldeia numa
estância no Sudão.” A aldeia estava aberta ao público e havia cartazes
publicitários espalhados pelas paredes de agências de viagens europeias.
Muitos turistas passaram férias em Arous e, pelo menos desse ponto
de vista, a estância foi um êxito. Durante o dia, mergulhavam, nadavam e
desfrutavam da praia no mar Vermelho. Mas o que os turistas não sabiam
era que quase todas as noites os agentes do Mossad partiam da aldeia para
trazer judeus dos campos de refugiados. Os “instrutores de mergulho”
inventaram uma história para encobrir tudo aos empregados da estância,
todos sudaneses. Diziam aos locais que iam passar a noite com as
enfermeiras suecas do hospital da Cruz Vermelha na cidade de Cassala.
Quando as alegres partidas alcançaram uma frequência duvidosa, os
empregados locais começaram a suspeitar de que se passava alguma coisa,
mas, desde que recebessem os seus salários generosos, preferiam fazer vista
grossa.
As viagens noturnas eram feitas em quatro vans velhas. Os agentes
do Mossad, sob o comando de Danny Limor, conduziam até junto dos
campos.
Os jovens membros de uma organização etíope secreta, o Comitê,
reuniam grupos de judeus e levavam-nos para as vans.
Porém, isso não era fácil. Os israelenses corriam muitos perigos.
David Ben-Uziel, um dos chefes da operação, classificou a aproximação
aos campos como “a parte mais perigosa” da missão. “Ficávamos muito
perto dos campos”, disse. “Podíamos ser apanhados e, como tal, tínhamos
de acabar essa fase assim que possível.”
Embora o Comitê tentasse localizar os judeus nos campos de
refugiados, muitos abstinham-se de se identificar, por medo da polícia
sudanesa. Os judeus das aldeias montanhosas na Etiópia nunca tinham visto
um homem branco. Recusavam-se a acreditar que os israelenses fossem
judeus que os tivessem vindo salvar, pois não sabiam que também havia
judeus brancos. Só quando Danny Limor rezou com eles é que começaram
a acreditar que ele era judeu — um tanto estranho e com um modo de rezar
invulgar, mas judeu ainda assim.
Receando uma fuga de informação, os agentes do Mossad não
avisavam previamente os judeus. Os membros do Comitê diziam-lhes que
se preparassem para partir a qualquer momento e que, quando fossem
contactados, tinham de deixar tudo e ir embora. E assim, noite após noite,
grupos de judeus saiam sorrateiramente dos campos e caminhavam às
escondidas até o ponto de encontro numa pequena ravina próxima, onde os
agentes do Mossad os esperavam.
A caravana de quatro vans viajava centenas de quilômetros até a
costa do mar Vermelho. Pelo caminho, tinham de passar por postos de
controle do Exército e da polícia. Danny subornava os guardas e as vans
tinham autorização para continuar. No ponto de encontro na costa,
esperava-os a Marinha israelense.
Havia um navio ancorado a alguma distância e os comandos navais
vinham até a costa em balsas de borracha para receber os judeus e levá-los
para bordo do navio principal. O navio que vinha todas as semanas até a
costa sudanesa era o Bat-Galim. Nenhum dos agentes do Mossad e dos
comandos navais esqueceria o encontro emocional com os seus irmãos
etíopes e a sua dramática partida para Israel. O agente do Mossad David
Ben-Uziel descreveu a transferência dos judeus para os navios num
gravador portátil. “O mar está tempestuoso”, diz. “Temos cada um dos
nossos irmãos nos braços, para que nenhum se afogue. As emoções dos
nossos homens estão à flor da pele. Alguns dizem que a cena lhes lembra os
próprios pais, que foram para Israel como imigrantes ilegais; ficaram à
beira das lágrimas quando viram os nossos irmãos entrar no navio.”
“Eles chegavam em completo silêncio”, acrescenta Gadi Kroll, o
comandante da força naval. “Velhos, mulheres e bebês nos braços.
Navegávamos em mares tempestuosos. Sentavam-se e não
murmuravam uma única palavra.” Os navios da Marinha levavam-nos para
Eilat.
Certo dia, o voluntário Henry Gold, judeu canadense, foi à estância.
Estava exausto do trabalho árduo nos campos de refugiados e alguns
amigos convenceram-no a tirar uns dias de folga, tomar sol, nadar e
mergulhar. Não fazia ideia das atividades secretas em curso dentro e fora de
Arous. Porém, quando passeou pela estância, sentiu que havia qualquer
coisa estranha: teve a impressão de que estava rodeado de agentes do
Mossad. O pessoal parecia muito estranho. “Tinham um sotaque esquisito.
Uma mulher apresentou-se-me como suíça, mas não tinha sotaque suíço, e
os iranianos não tinham sotaque iraniano. Ao jantar, punham nas mesas uma
salada finamente cortada. Eu já tinha estado em muitos lugares do mundo,
mas aquelas saladas só se serviam em Israel.” Na manhã seguinte, Gold não
hesitou mais e virou-se para o instrutor de mergulho perguntando em
hebraico: “Pode dizer-me o que é que vocês fazem aqui?” O homem,
estupefato, corou e caiu numa cadeira. Por fim, perguntou a Gold, também
em hebraico: “Quem é você?”
Nesse mesmo dia, chegou um alto funcionário do Mossad e teve uma
conversa privada com Gold. Gold confrontou-o com irritação sobre o
tratamento dado aos judeus nos campos de refugiados.
Numa das operações, em março de 1982, enquanto vários barcos
transportavam etíopes para o navio, na mais cerrada escuridão, uma balsa
com quatro agentes do Mossad ficou presa entre umas rochas perto da praia.
Nesse momento, emergiu subitamente da praia um esquadrão de
soldados sudaneses armados com espingardas automáticas AK47 apontadas
à pequena embarcação.
Danny Limor conseguiu controlar-se e lançou-se num ataque aos
soldados, gritando em inglês para o comandante: “Está louco ou quê? Vai
disparar contra turistas?” Continuou a falar aos berros sobre os turistas que
vinham fazer mergulho para a estância, sobre a contribuição de Arous para
o turismo do Sudão, depois ameaçou apresentar queixa em Cartum contra o
comandante do esquadrão. O oficial, estupefato, desculpou-se e explicou
que presumira que as pessoas no barco fossem contrabandistas. Ordenou
aos seus soldados que abandonassem imediatamente o local.
Os agentes do Mossad saíram ilesos, mas as partidas por mar, ao que
parecia, não podiam continuar. Tinha de se descobrir uma nova maneira de
transportar os judeus para Israel. Certa manhã, os turistas de Arous
acordaram e descobriram que todo o pessoal estrangeiro desaparecera, à
exceção de alguns funcionários locais que tinham ficado a preparar o
pequeno-almoço dos convidados. Na noite anterior, os agentes do Mossad
tinham abandonado a aldeia. Deixaram cartas pedindo desculpa e dizendo
que a estância fechara devido a problemas orçamentais. Os turistas
receberiam o dinheiro de volta quando regressassem aos seus países. Assim
foi, e todos os mergulhadores foram reembolsados nas semanas seguintes.
Depois de longas discussões na sede do Mossad, o ramsad decidiu
que os transportes seguintes seriam feitos por ar, com aviões de transporte
Rhinos-Hércules C130 da Força Aérea israelense. Era uma jogada
arriscada, implicava penetrar no espaço aéreo sudanês e aterrissar
repetidamente soldados israelenses no território de um país inimigo. Mas
Israel não tinha alternativa: os judeus etíopes tinham de ser salvos.
Em maio de 1982, os agentes do Mossad voltaram ao Sudão. A sua
primeira missão foi localizar possíveis zonas de aterragem a sul de Porto
Sudão. Descobriram um aeródromo britânico abandonado e concertaram a
pista, para que fosse possível aterrissar nela os pesados Rhinos. O primeiro
grupo de judeus foi levado do ponto de encontro até o local. Utilizaram-se
tochas para iluminar a faixa de aterragem. Porém, quando o enorme Rhino
da Força Aérea aterrissou, os judeus etíopes quase morreram de susto. O
gigante pássaro de metal que viram pela primeira vez na vida aterrissou
com um rugido dos motores que levantou nuvens de poeira e parecia vir
direto a eles. Muitos fugiram a sete pés e só concordaram regressar após
esforços esgotantes de persuasão do pessoal do Mossad. Outros recusaram-
se teimosamente a entrar na barriga do monstro de aço. A aeronave que
devia partir logo a seguir acabou por finalmente partir com uma hora de
atraso, com 213 judeus a bordo.
Os agentes receberam um telegrama de felicitações da sede, mas
aprenderam uma importante lição. No futuro, as vans esperariam até o
Rhino ter aterrado e aberto a rampa, e depois então fariam o caminho até a
parte de trás do avião, para que os judeus entrassem imediatamente na
barriga aberta do avião.
A estratégia foi um êxito, mas não durou muito tempo. As
autoridades sudanesas aperceberam-se do estranho tráfego na pista de
aterragem abandonada e os agentes do Mossad tiveram de encontrar outra
zona de aterragem. Não tardaram a encontrar uma pista alternativa, 46
quilômetros a sudoeste de Porto Sudão. Dessa vez, o Mossad decidiu levar
a cabo uma grande operação de salvamento com sete voos Hércules, cada
um transportando 200 judeus.
A “Operação Irmãos” aconteceu sob o comando pessoal do ramsad
Haka e do general Amos Yaron, comandante do Corpo de Paraquedistas.
Nos dois anos seguintes, desde meados de 1982 até meados de 1984, levou
para Israel 1500 judeus etíopes.
A operação, embora coroada de êxito, quase acabou em fracasso.
Um informante das forças de segurança sudanesas identificou o homem de
contato do Mossad nos campos de refugiados. Addis Solomon, judeu
etíope, foi detido e torturado durante 42 dias pelos sudaneses. Queriam
saber os nomes dos seus contatos e os locais de encontro com os agentes do
Mossad.
Solomon, contudo, não cedeu e não revelou o segredo.
No final de 1984, a situação nos campos piorou. A fome e as
doenças infecciosas causaram muitas mortes entre os etíopes. O Sudão era
assolado por uma guerra civil que ameaçava o regime de Jaafar Nimeiry,
ditador da nação. A sobrevivência deste dependia de uma concessão urgente
de ajuda financeira e alimentos dos Estados Unidos.
Israel pediu a Washington que ajudasse o Sudão, se o país permitisse
que o resgate aéreo israelense prosseguisse. A administração concordou e o
embaixador americano em Cartum foi instruído a negociar segundo essas
diretrizes. O resultado foi um compromisso: os judeus não seriam levados
diretamente para Israel mas antes via um terceiro país; Israel não se
envolveria na operação; a compensação para o Sudão seria entregue na
forma de alimentos e combustível.
A Embaixada dos Estados Unidos em Cartum informou Washington
de que os judeus podiam ser retirados do Sudão dentro de cinco ou seis
semanas.
Foi assim que nasceu a “Operação Moisés”.
Entretanto, o ramsad Haka fora substituído pelo seu adjunto Nahum
Admoni, que se distinguira nos anos anteriores pelos seus esforços
enérgicos de organização da emigração dos judeus etíopes. Admoni
autorizou os seus homens a levar os judeus para a Bélgica. Um empresário
judeu que detinha uma pequena empresa de voos fretados concordou em
ajudar com os seus Boeing.
E, assim, em 18 de novembro de 1984, à 1h20 da manhã, aterrissou
no Sudão o primeiro avião belga. Nele entraram 250 refugiados esfaimados,
exaustos e gravemente traumatizados. Porém, o piloto belga recusou-se a
decolar, por o avião só estar equipado com 210 máscaras de oxigênio,
insuficientes para os 250 passageiros. O agente do Mossad responsável pela
operação chamou-o à parte e murmurou-lhe tranquilamente mas de forma
firme: “Faça o favor de escolher e decidir quem vive e quem morre!”
Depois, acrescentou, menos tranquilamente: “Se não entras na cabine e
ligas os motores, lanço-te do avião e ponho outro piloto no teu lugar.”
Foi um argumento muito persuasivo. O piloto entrou na cabine e, às
2h40 da manhã, o primeiro voo da “Operação Moisés” decolou para Israel,
com uma escala em Bruxelas. Durante os 47 dias seguintes, os Boeing
fizeram 36 voos secretos e transportaram 7.800 judeus etíopes.
Em Israel, a censura militar fez esforços desesperados para impedir
qualquer fuga de informação sobre a operação. Os esforços foram bem—
sucedidos até Arie Dulzin, presidente da Agência Judaica, publicar uma
declaração de que “uma das tribos judaicas está prestes a regressar à nossa
pátria”. Na sequência desse comunicado, o New York Jewish Press
publicou os pormenores da operação. Seguiu-se o Los Angeles Times.
Passados três dias, o primeiro-ministro Shimon Peres declarou no
Knesset: “O Governo de Israel agiu, e continuará a agir, até o limite dos
seus poderes e para lá deles, para continuar a operação até que o último
judeu etíope chegue à sua pátria.” Nesse mesmo dia, os sudaneses
cancelaram os voos e a operação foi interrompida. Os sudaneses ficaram
furiosos, não com os artigos na imprensa, mas com o discurso do primeiro-
ministro, que confirmou a história. “Se os israelenses tivessem ficado
calados mais um mês”, observou um oficial americano em Washington,
“teria sido possível salvar todos os judeus na Etiópia”.
O vice-presidente George H. W. Bush ficou profundamente
impressionado pela “Operação Moisés” e pelos esforços de Israel para levar
os etíopes, a despeito dos enormes riscos. Decidiu intervir. Umas semanas
depois do cancelamento da “Operação Moisés”, sete aviões Hércules da
Força Aérea americana aterrissaram no aeródromo sudanês de Al-Qadarif.
Levavam a bordo vários agentes da CIA. A força de ação americana lançou
a “Operação Rainha de Sabá” e transportou os 500 judeus etíopes que
restavam no Sudão diretamente para a base da Força Aérea israelense, em
Mitzpeh Ramon, no Negev.
Dois meses depois, Jaafar Nimeiry foi deposto por uma junta militar.
Os oficiais dos serviços secretos líbios partiram imediatamente para o
Sudão, para pegar agentes do Mossad que ainda estivessem em Cartum.
Os últimos três agentes foram descobertos pelos líbios e conseguiram fugir,
na última hora, para a casa de um agente da CIA. O americano escondeu-os
em sua casa e mais tarde o colocou em caixotes de transporte que enviou de
avião para Nairobi, capital do Quênia. David Molad, que fora um dos altos
funcionários do Mossad no Sudão, escapou discretamente do país. O
salvamento dos judeus etíopes seria uma de suas últimas operações antes de
se aposentar do Mossad.
Nas operações “Moisés” e “Rainha de Sabá”, a cooperação entre
americanos e israelenses fora perfeita, quase idílica. Infelizmente, pouco
depois destes acontecimentos, o caso Pollard explodiu em
Washington: Jonathan Pollard, funcionário judeu da comunidade secreta
americana, foi preso por espionar em favor de Israel. O Governo americano
ficou incrédulo e furioso; os diretores da CIA sentiram-se traídos pelo
aliado que tinham ajudado e que, em troca, os espionava.
O Governo israelense pediu desculpas efusivas e devolveu os
documentos roubados por Pollard aos Estados Unidos. Porém, as relações
secretas entre Jerusalém e Washington sofreram um terrível revés. Um dos
contatos de Pollard era nada mais nada menos do que Rafi Eitan, o lendário
agente do Mossad que agora chefiava uma organização secreta obscura no
Ministério da Defesa. A organização, a Lakam, (Gabinete de Relações
Científicas) foi imediatamente desmantelada e Washington iniciou
procedimentos judiciais contra Eitan. Ainda hoje, Eitan não pode entrar nos
EUA, por receio de ser detido.
A “Operação Moisés” foi grandemente criticada por muitos judeus
etíopes, pois tirou a vida a cerca de 400 pessoas. Também no Mossad, os
oficiais da Caesarea, chefiada na altura por Shabtai Shavit, desaprovaram
fortemente o planejamento e execução da operação pelo Bitzur. Shavit e os
seus homens afirmaram que o Bitzur era um departamento marginal que
não estava preparado para empreender uma operação da enorme magnitude
da “Moisés”. O pessoal do Bitzur insistiu que a operação correu bem
precisamente devido ao seu caráter espontâneo e improvisado. Também
sublinharam que recrutaram alguns dos melhores agentes do Mossad para
tratar das várias fases da “Moisés”.
As lutas internas não mudaram o fato de milhares de judeus terem
regressado à Terra de Israel. E, porém, mesmo depois de finalizadas as
operações “Moisés” e “Rainha de Sabá”, milhares de judeus continuavam
na Etiópia. Também eles queriam emigrar para Israel, mas as portas
estavam fechadas. Israel sentiu que era imperativo trazê-los, por razões
ideológicas e sionistas, mas também humanas: muitas famílias tinham sido
divididas e dilaceradas; tinham chegado a Israel filhos sem pais, pais sem
filhos, maridos sem mulheres... Esta separação originou terríveis problemas
de adaptação e muitas tragédias pessoais, como suicídios de jovens
incapazes de lidar com a nova realidade sem o apoio das famílias. Os
emissários da Agência Judaica transferiram milhares de judeus para campos
em redor da capital Adis Abeba, e os judeus etíopes continuaram a rezar por
um milagre que os levasse para a Terra de Israel.
E o milagre aconteceu.
Seis anos após a “Operação Moisés”, em maio de 1991, foi lançada
a “Operação Salomão”. Foi conduzida no auge da guerra civil, enquanto os
rebeldes contrários à junta militar no poder se aproximavam de Adis Abeba
por todos os lados. A operação foi tornada possível por um acordo de
última hora, apadrinhado pelos Estados Unidos, entre o Governo de Israel e
o sitiado governante Mengistu, nos últimos dias antes do seu colapso.
O acordo foi negociado graças à atividade secreta de Uri Lubrani,
um dos “homens misteriosos” de Israel, que fora enviado especial ao Irã e
ao Líbano. Israel concordou em pagar à Etiópia 33 milhões de dólares pela
emigração dos judeus, enquanto os Estados Unidos prometeram a algumas
das altas figuras do Governo de Mengistu asilo político na América. Em
simultâneo, chegou-se a um entendimento com os líderes dos rebeldes de
que aceitariam umas tréguas na luta por um tempo limitado, enquanto Israel
conduzia a sua operação. Ao fim de 36 horas, a operação terminou.
A execução da “Operação Salomão” foi atribuída às Forças Armadas
israelenses. O vice-chefe de Estado-Maior, general Amnon Lipkin-Shahak,
tomou a si o comando da ação. Sob ordens suas, Israel enviou para Adis
Abeba “tudo o que conseguisse voar”. A companhia aérea El Al mandou
para a Etiópia 30 aviões comerciais. A Força Aérea mandou muitos dos
seus aviões. Foram enviados para Adis Abeba esquadrões de elite do
Shaldag (Pica-Peixe). A ajudá-los, tinham centenas de soldados de
infantaria e paraquedistas de origem etíope que tinham emigrado para Israel
ainda crianças havia poucos anos. Foram colocados nos confins do
aeroporto e conduziram os judeus até os aviões. Em 34 horas, foram
levados 14.400 judeus para o aeroporto. Embarcavam nos aviões à
velocidade da luz e decolavam logo para Israel. Durante a operação, bateu-
se um recorde mundial: um Boeing 747 da El Al embarcou 1.087
emigrantes, mas, ao aterrissar, contava 1.088. Nascera um bebê durante o
voo.
Ao verem os jovens soldados etíopes que tinham chegado de Israel
para salvar seus irmãos, os emigrantes eram arrebatados por emoções
tremendas. Mesmo os duros paraquedistas etíopes, nos seus uniformes
verdes, boinas vermelhas e botas das Forças Armadas israelenses,
desatavam a chorar.
Hoje, mais de 20 anos depois da “Operação Salomão”, ainda há
muitos judeus na Etiópia, e fazem-se esforços para trazê-los para Israel.
Contudo, a adaptação dos etíopes à sociedade israelense não tem sido fácil,
muitas vezes devido à disparidade entre a comunidade africana rural e uma
nação ocidental moderna, mas também devido à discriminação aberta ou a
reivindicações hediondas de alguns líderes religiosos de que os etíopes não
sejam judeus verdadeiros.
Como diz a última estrofe da canção da “Viagem”:

Na Lua A imagem da minha mãe me observa.


Mãe, não desapareça!
Se ao menos estivesse a meu lado,
Ela seria capaz de convencê-los de que sou judeu.
EPÍLOGO

GUERRA COM O IRÃ?

Aeroporto de Entebbe, Uganda, 4 de julho de 1976


É noite cerrada quando quatro aviões Hércules israelenses, não
detetados pelo radar ugandês, aterram sub-repticiamente no aeroporto de
Entebbe.
Voaram 4.000 quilômetros desde a sua base em Israel e transportam
a bordo a unidade de operações especiais Sayeret Matkal e várias outras
unidades de elite do Exército. Uma semana antes, terroristas árabes e
alemães desviaram um avião comercial da Air France que saíra de Tel Aviv
em direção a Paris, e aterrissaram-no em Entebbe. Protegidos e apoiados
pelo ditador ugandês, o general Idi Amin, os terroristas mantêm reféns 95
civis israelenses. Israel decide lançar uma operação ousada no coração de
África, para salvar os reféns.
Poucos minutos depois de aterrissarem, os comandos israelenses
espalham-se pelo aeroporto. Yoni Netanyahu, comandante da Sayeret
Matkal, lidera os seus homens num assalto ao terminal onde os reféns estão.
No intenso tiroteio que irrompe, Yoni cai subitamente, apanhado por uma
bala. Outro oficial da Sayeret, o capitão Tamir Pardo, debruça-se sobre o
seu comandante caído, liga o microfone e chama os camaradas. “O Yoni foi
atingido”, diz ele. “Muki, conduz tu!” O adjunto de Yoni, Muki Betzer,
toma o comando e prossegue a missão. Poucos minutos depois, a batalha
acaba. Os terroristas foram mortos, os reféns, salvos, e os pesados aviões
Hércules descolam a caminho de Israel.
O salvamento dos reféns, tão longe de casa, está prestes a tornar-se
lendário. Porém, pagou-se um preço: três reféns morreram no tiroteio. Tal
como um soldado, o tenente-coronel Yoni Netanyahu, irmão do futuro
primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. Toda a nação de Israel chora a
morte de Yoni. Nessa noite, Tamir Pardo, o oficial de comunicações da
Sayeret, bate à porta da família Netanyahu em Jerusalém; foi enviado para
informar os familiares de Yoni das circunstâncias da sua morte. Florescerá
uma relação calorosa entre a família Netanyahu e Tamir Pardo, que esteve
ao lado de Yoni nos seus últimos momentos.
Passados 35 anos, Tamir Pardo, com 57 anos, é nomeado ramsad,
substituindo Meir Dagan.
Nascido em Tel Aviv numa família judaica de origens turca e
sérvia, Tamir ofereceu-se com 18 anos para os paraquedistas, formou-se na
academia de oficiais e serviu nas unidades de operações especiais Sayeret
Matkal e Shaldag (Pica-Peixe). Quatro anos após Entebbe, entrou no
Mossad, participou em várias operações anônimas e recebeu três vezes o
Prêmio de Segurança de Israel. Em 1998, foi nomeado presidente da
comissão de inquérito do Mossad que investigou a tentativa de assassinato
frustrada de Khaled Mashal, em Amã. Pouco depois, tornou-se diretor do
Nevioth, o departamento do Mossad responsável pela compilação eletrônica
de informações secretas em países estrangeiros. Especializou-se em novas
tecnologias e planejamento criativo. Em 2002, quando Dagan foi nomeado
ramsad, Pardo tornou-se um dos seus dois adjuntos e durante os quatro anos
seguintes chefiou o departamento de operações do Mossad; em 2006,
porém, passou um ano como general das Forças Armadas israelenses,
aconselhando o Estado-Maior sobre operações especiais. Diz-se que
planejou várias missões ousadas durante a Segunda Guerra do Líbano.
Pardo foi chamado de volta para junto de Dagan em 2007. Esperava ser
nomeado ramsad quando o mandato de Dagan chegasse ao fim, em 2009,
mas o Governo, impressionado com os feitos de Dagan, prolongou os seus
serviços por mais um ano. Pardo, desapontado, demitiu-se do Mossad e foi
trabalhar para uma empresa de serviços médicos. Isso não durou muito. A
29 de novembro de 2010, o primeiro-ministro Netanyahu nomeou-o como
ramsad seguinte, e Pardo iniciou funções em janeiro de 2011.
Sob várias perspetivas, Pardo seguiu as peugadas do seu predecessor.
A implacável guerra sub-reptícia contra o Irã continuou. Em novembro e
dezembro de 2011, várias explosões abalaram uma base militar onde eram
testados os mísseis Shehab e um subúrbio de Isfahan onde o gás de urânio,
separado nas centrifugadoras em cascata, era novamente convertido em
matéria sólida. Mais tarde, outro cientista, o Dr. Mostafa Ahmadi-Roshan,
vice-diretor do complexo subterrâneo de Natanz, foi morto enquanto
conduzia pelas ruas de Teerã. O modus operandi foi semelhante ao de
vários assassinatos anteriores.
O Irã acusou Israel dos ataques e jurou vingança. Pela primeira vez,
os serviços secretos iranianos tentaram levar a cabo vários golpes contra
alvos israelenses na Ásia: um atentado a bomba a um carro em Nova Deli
feriu a mulher de um diplomata israelense; um atentado semelhante em
Tbilisi, na Geórgia, falhou; houve várias explosões em Banguecoque, na
Tailândia, uma das quais feriu o autor, de nacionalidade iraniana. Os
serviços secretos egípcios desmantelaram um plano de agentes iranianos
para fazer explodir um navio israelense que navegava pelo canal do Suez. A
guerra sub-reptícia entre Israel e o Irã emergia à luz do dia. Os inspetores de
polícia de Nova Deli, Banguecoque e Cairo apontaram o dedo aos serviços
secretos do Irã.
A imprensa mundial descreveu em pormenor as tentativas algo coxas
de espiões iranianos de atacar alvos israelenses no estrangeiro.
Também se conheceram novos pormenores sobre as operações
israelenses dentro do Irã. Algumas fontes ocidentais afirmaram que o
Mossad tinha estabelecido bases operacionais no Azerbaijão e no Curdistão,
mesmo junto à fronteira iraniana. Estas serviam como campos de treino e de
partida de agentes para o território iraniano. As mesmas fontes afirmaram
que muitos dos agentes do Mossad a trabalhar dentro do Irã eram, na
verdade, membros da oposição MEK, muçulmanos iranianos que podiam
misturar-se melhor com a população local do que qualquer oficial
israelense. Muitos militantes do MEK tinham sido treinados em instalações
secretas em Israel, e até ensaiado algumas operações em modelos
construídos de propósito — como uma rua de Teerã onde montariam uma
emboscada a um carro de um cientista nuclear iraniano ou deixariam uma
bomba, perto da casa deste.
Noutros casos, os dissidentes iranianos eram abordados por meios
diferentes. Vários memorandos da CIA chegaram a afirmar que os oficiais
do Mossad levavam a cabo missões de recrutamento “Bandeira Falsa”. Os
israelenses, fazendo-se alegadamente passar por agentes da CIA,
recrutavam militantes da organização terrorista paquistanesa Jundallah e
mandavam-nos em missões de sabotagem e de assassinato no interior do
Irã. Segundo os memorandos da CIA, os israelenses faziam-se passar por
agentes secretos americanos para ultrapassar a objeção dos devotos
muçulmanos de servir o Estado judaico.
Na primavera de 2012, observadores internacionais preocupados
afirmaram que o projeto nuclear iraniano estava perto do fim, e fontes da
Agência Internacional de Energia Atômica chegaram a declarar que o Irã
produzira 109 quilos de urânio enriquecido, o bastante para montar quatro
bombas atômicas.
Se Israel decidisse desferir um grande golpe sobre o projeto iraniano
com o lançamento de um ataque total contra os seus centros nucleares, a
guerra sub-reptícia daria lugar a uma guerra aberta.
Segundo a imprensa mundial e muitos porta-vozes verbosos, Israel
não estava sozinha na sua ponderação de uma opção militar. Em Jerusalém
e Washington, fontes oficiais confirmaram que Israel e os Estados Unidos
agiam em conjunto, mas discordavam num ponto crucial: quando é que o
Irã tinha de ser travado por todos os meios necessários — militares ou
outros. Os americanos diziam que seria o momento em que o
enriquecimento de urânio do Irã chegasse aos 80 por cento, uma fase crucial
no desenvolvimento do seu poderio nuclear. O urânio enriquecido a esse
nível podia ser muito rapidamente melhorado para 97 por cento, o grau
necessário para montar uma bomba atômica.
O calendário de Israel era diferente, baseado em informações do
terreno e detecção por satélite. O Mossad descobrira que o Irã estava
empenhado numa caótica corrida contra o tempo, a construir um grande
número de instalações subterrâneas enterradas a centenas de metros de
profundidade.
Estava a transferir todos os seus materiais cindíveis e os seus
laboratórios secretos para debaixo de terra. Relatórios secretos obtidos pelo
Mossad, com a ajuda da organização de resistência MEK, diziam que o Irã
tinha construído um novo complexo subterrâneo perto de Fordo. Nas
enormes paredes do novo complexo, os iranianos planeavam instalar 3000
centrifugadoras novas, muito mais rápidas e sofisticadas do que o
equipamento de que se serviam até então. Nesse complexo, os iranianos
podiam alimentar as centrifugadoras com urânio enriquecido a 3,5 por cento
e continuar a enriquecê-lo até ele estar pronto a ser usado. Israel estava
convencida de que aquela gruta do apocalipse, como muitas outras bases e
laboratórios, tinha de ser destruída antes de as centrifugadoras serem
instaladas e estarem completamente protegidas contra um ataque aéreo.
“Quando eles chegarem à fase crítica do enriquecimento”, disseram
os enviados israelenses aos americanos, “será demasiado tarde para os
atacar. Terão entrado na “era imune”, quando nenhuma bomba será capaz
de destruir o projeto deles. O tempo de agir é agora, na primavera de 2012”.
Washington não ficou convencida e quis tentar uma campanha de
sanções duras. Israel não acreditava que o Irã pudesse ser travado com
sanções.
Numa cúpula em Washington no início da primavera de 2012, o
presidente Obama e o primeiro-ministro Netanyahu elogiaram a firme
aliança estratégica entre as suas duas nações, mas não conseguiram pôr-se
de acordo sobre o passo seguinte contra o projeto nuclear iraniano. Os
relatórios do Mossad continuavam a indicar que Teerã procurava
incansavelmente tornar-se uma potência atômica. Ao mesmo tempo, os
líderes iranianos não deixavam de ameaçar Israel de aniquilação total.
Bastava a ideia do que o Irã fanático e nuclear representava para Israel e o
mundo para recordar aos israelenses o velho adágio talmúdico: “Se alguém
te vem matar, ergue-te e mata-o primeiro.”
Israel sentiu que, mais uma vez, estava só. E, como em 1948, o ano
da sua criação, e em 1967, na véspera da Guerra dos Seis Dias, Israel
enfrenta novamente a decisão mais fatídica de sua existência.
AGRADECIMENTOS

Em 2010, foi publicada em Israel uma versão inicial de Mossad que


ficou na lista de livros mais vendidos durante 70 semanas e recebeu
prêmios de ouro, platina e diamante por bater recordes de vendas.
Queremos agradecer, antes de mais nada, ao nosso editor israelense, Dov
Eichenwald, diretor-geral da Yedioth Ahronoth, que concebeu a ideia e
depois nos encorajou e apoiou ao longo do caminho.
Estamos profundamente gratos aos antigos diretores e agentes da
comunidade de serviços secretos — só pudemos nomear um punhado
deles — que nos ajudaram com informações e conselhos.
Os nossos assistentes de pesquisa, Oriana Almassi e Nilly Ovnat,
fizeram um esforço tremendo para dar vida ao projeto. Nilly Ovnat também
nos ajudou enormemente na preparação da versão inglesa, reescrita e
atualizada, de Mossad.
Nos Estados Unidos, deu-nos muito prazer colaborar com Dan
Halpern, da HarperCollins/Ecco, e com os nossos empenhados editores,
Abigail Holstein e Karen Maine. Também queremos agradecer à nossa
revisora, Olga Gardner Galvin, pelos seus olhos de Raios x e lápis
questionador.
Este livro é publicado quase que simultaneamente em mais de 20
países de todo o mundo, e agradecemos enormemente os esforços dos
nossos agentes, a Writers’ House de Nova York, e especialmente os do “Mr
Writers’ House”, Al Zuckerman, e a infatigável diretora de direitos de autor
no estrangeiro Maja Nikolic.
Finalmente, agradecemos a nossas esposas, Galila Bar-Zohar e Amy
Korman, pelos conselhos, pelas leituras, pelas correções, pelas sugestões,
pelas discussões — e por, aparentemente, ainda não terem desistido de nós.

MICHAEL BAR-ZOHAR
NISSIM MISHAL
BIBLIOGRAFIA E FONTES

Mossad baseia-se numa grande variedade de fontes, livros,


documentos, artigos de imprensa e entrevistas. Uma vez que respeita a
materiais secretos, a importância de fontes fidedignas e sólidas é crucial. A
maioria das fontes em hebraico foram documentos inéditos e entrevistas de
fundo a muitos dos maiores atores neste mundo de sombras. Também
recorremos a muitas fontes em inglês, depois de tentar separar as
informações fidedignas das invenções fantasiosas de mentes férteis.
Esperamos ter sido bem-sucedidos nessa aventura.
Quanto aos livros e artigos em hebraico mencionados nas referências
bibliográficas, os títulos foram traduzidos para o português. As fontes
marcadas com um “(H)” são originalmente escritas em hebraico.
Entre as muitas e diferentes fontes deste livro, os autores utilizaram
as seguintes publicações do Dr. Ronen Bergman:
O Capítulo 1, “Rei das Sombras”, baseia-se, entre outras fontes, no
seguinte:
“Ao Serviço de Sua Majestade”, Ronen Bergman, Yedioth Ahronoth,
5 de fevereiro de 2010 (H).
“Dagan Semeou o Caos”, Ronen Bergman, Yedioth Ahronoth, 7 de
outubro de 2005 (H).
“Instituição Fechada”, Ronen Bergman, Yedioth Ahronoth, 3 de
julho de 2009 (H).

O Capítulo 2, “Funerais em Teerã”, baseia-se, entre outras fontes, no


seguinte:
Bergman Ronen, Ponto sem Retorno, Zmora-Bitan Dvir, Kinneret,
2007, pp. 32, 454-56, 470-71, 473, 478, 481-82, 491-92 (H).
“Um Incidente Fantástico”, Ronen Bergman, Yedioth Ahronoth, 7 de
dezembro de 2007 (H).
“O Espião Que Falou”, Ronen Bergman, Yedioth Ahronoth, 12 de
setembro de 2009 (H).
“O Cérebro”, Ronen Bergman, Yedioth Ahronoth, 19 de março de
2010 (H).
O Capítulo 4, “Um infiltrado soviético e um cadáver ao mar”,
baseia-se, entre outras fontes, no seguinte:
“Foi assim Que o Mossad Matou o Meu Pai (e Mentiu à Minha
Mãe)”, Ronen Bergman, Yedioth Ahronoth, 26 de maio de 2006 (H).

O Capítulo 14, “Hoje vamos entrar em guerra!”, baseia-se, entre


outras fontes, no seguinte:
“O Homem Deles no Cairo”, Ronen Bergman, Yedioth Ahronoth, 6
de maio de 2005 (H).
“Nome de Código Hatuel”, Ronen Bergman, Yedioth Ahronoth, 7 de
setembro de 2007 (H).

O Capítulo 16, “O supercanhão de Saddam”, baseia-se, entre outras


fontes, no seguinte:
“Cortem-lhe a Cabeça, Versão Mossad”, Ronen Bergman, Yedioth
Ahronoth, 8 de junho de 2007 (H).

O Capítulo 17, “Fiasco em Amã”, baseia-se, entre outras fontes, no


seguinte:
“Mais Raciocínio Que Sorte”, Ronen Bergman, Yedioth Ahronoth, 7
de julho de 2006 (H).

O Capítulo 18, “Da Coreia do Norte, com amor”, baseia-se, entre


outras fontes, no seguinte:
“O Plano Nuclear de Assad”, Ronen Bergman, Yedioth Ahronoth, 4
de abril de 2008 (H).
“O General Nuclear Morto à Beira-Mar”, Ronen Bergman, Yedioth
Ahronoth, 4 de agosto de 2008 (H).
“Wikileaks: o Ataque à Síria”, Ronen Bergman, Yedioth Ahronoth,
24 de dezembro de 2010 (H).

O Capítulo 20, “As câmeras estavam gravando”, baseia-se, entre


outras fontes, no seguinte:
“Desliguem o Plasma”, Ronen Bergman, Yedioth Ahronoth, 31 de
dezembro de 2010 (H).
“The Anatomy of Mossad’s Dubai Operation”, Ronen Bergman,
Christopher Schult, Alexander Smoltczyk, Holger Stark e Bernard
Zand,
Spiegel Online, 17 de janeiro de 2011.

O Capítulo 21, “Da terra da rainha do Sabá”, baseia-se, entre outras


fontes, no seguinte:
“Preço: 4000 Mortos”, Ronen Bergman, Yedioth Ahronoth, 3 de
julho de 1998 (H).

Capítulo 1: Rei das Sombras


Meir Dagan
“Meir Dagan, the Mastermind Behind Mossad’s Secret War”, Uzi
Mahanaimi, Sunday Times, 21 de fevereiro de 2010.
“The Powerful, Shadowy Mossad Chief Meir Dagan Is a
Streetfighter”, Times, 18 de fevereiro de 2010.
“Mossad Chief Meir Dagan Is a “Streetfighter”, Nation (Paquistão),
18 de fevereiro de 2010.
“Vegetarian, Painter... Spy Chief”, Uzi Mahanaimi, Sunday Times,
21 de fevereiro de 2010.
“Mossad — The World’s Most Efficient Killing Machine”, Gordon
Thomas, Rense.com, 12 de setembro de 2002.
“Abu Jabel Apanha o Mossad”, Yigal Sarna, Yedioth Ahronoth, 13
de setembro de 2002 (H).
Mike Eldar, Associação Sayeret Shaked, “A Herança”, sinopse do
livro Unidade 424, a história da Sayeret (Unidade de Operações
Especiais) Shaked, publicado pela Associação Shaked (H).
“Dagan Quê?”, Sima Kadmon, Yedioth Ahronoth, 30 de novembro
de 2001 (H).
“Mossad em Espera”, Ron Leshem, Yedioth Ahronoth, 18 de janeiro
de 2002 (H).
“As Primeiras Liquidações”, Yigal Sarna e Guy Leshem, Yedioth
Ahronoth, 26 de setembro de 1997 (H).
“Para ti, Avô”, Amos Shavit, Yedioth Ahronoth, Dia do Holocausto,
12 de abril de 2010 (H).
“Podia-se Rebentar”, Amir Oren, Haaretz, 28 de março de 2010 (H).
“Até os Melhores Generais da Guerra do Yom Kippur Se
Enganaram”, Ron Leshem, Yedioth Ahronoth, 14 de janeiro de 2000 (H).
“Sharon Promoveu Dagan”, Nahum Barnea, Yedioth Ahronoth, 13
de setembro de 2002 (H).
“O Bravo Funcionário Que não Se Priva de Matar”, Yedioth
Ahronoth, 11 de setembro de 2002 (H).
“Meir Dagan: o Super-Homem de Israel”, Smadar Periy, Yedioth
Ahronoth, 17 de janeiro de 2010 (H).
“Israel Conduz Uma Campanha de Liquidação no Oriente Médio”,
Dana Herman, Haaretz, 14 de fevereiro de 2010 (H).
“O Trabalho da Vida Dele”, Yoav Limor e Alon Ben-David, YNET,
4 de junho de 2005 (H).
“Na Sombra, Não É Mau Ser Chefe do Mossad: Meir Dagan”, Amir
Oren, Haaretz, 23 de março de 2010 (H).
“Até Nasrallah Receia os Métodos de Dagan”, Aluf Ben, Haaretz, 26
de setembro de 2008 (H).
“Perfil Especial — O Homem Que Devolveu a Israel o Seu
Elemento Disuasor”, Alon Ben-David, 4 de fevereiro de
2010, News.nanalO.co.il/article (H).
“Um Político Corre Riscos (sobre Meir Dagan)”, Stella Korin-
Lieber, Globes, 18 de fevereiro de 2010 (H).
“Quem Vai Lidar com o Projeto Nuclear Iraniano”, Aluf Ben,
Haaretz, 26 de agosto de 2003 (H).
“Sharon Delega ao Diretor do Mossad a Resolução da Ameaça
Nuclear Iraniana”, Aluf Ben, Haaretz, 4 de setembro de 2003 (H).

Ataques a líderes terroristas na Síria e no Líbano


“Islamic Jihad Leader Killed in Lebanon”, Bassem Mroue,
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Israel e a deserção de Askari e Amiri do Irã


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Dr. Mohsen Fakhrizadeh (“O Cérebro”)


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Capítulo 3: Enforcamento em Bagdá


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Teveth, Shabtai, Ben-Gurion’s Spy, The Story of the Political
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Bar-Zohar, Michael, Spies in the Promised Land, Houghton Mifflin,
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Entrevistas com Shlomo Hillel, Yehuda Taggar, Mordechai Ben-
Porat.

Capítulo 4: Um infiltrado soviético e um cadáver ao mar


O caso Avni Avni, Ze’ev, False Flag: The Soviet Spy Who
Penetrated the Israeli Secret Intelligence Service, St. Ermin’s Press,
Londres, 2000.
Capítulo censurado e não publicado sobre Ze’ev Avni, conforme
Isser Harel, preparado por Michael Bar-Zohar para o livro Spies in the
Promised Land.
Entrevistas a Ze’ev Avni, ao antigo ramsad Isser Harel, ao antigo
diretor do Shabak Amos Manor, a membros do Mossad e do
Shabak (anonimamente).
Um cadáver ao mar Capítulo censurado e não publicado sobre
Alexander Israel, “O Traidor”, preparado por Michael Bar-Zohar para o
livro Spies in the Promised Land.
Entrevistas a Isser Harel, Amos Manor, Rafi Eitan, Raphi Medan,
família e amigos de Alexander Israel (anonimamente).
Michael Bar-Zohar, “O Primeiro sequestro do Mossad”, Anashim
[Revista Popular], n° 14, 15-19 de abril de 1997 (H).

Capítulo 5: “Oh, isso? É o discurso do Khrushchev...”


Entrevistas a Victor Grayevski, Amos Manor, Isser Harel, Yaacov
Caroz.
Khrushchev, Nikita, The Secret Speech — on the cult of personality,
Fordham University, Modern History Sourcebook.
“The Day Khrushchev Denounced Stalin”, John Rettie, BBC, 18 de
fevereiro de 2006.
“Khrushchev’s War with Stalin’s Ghost”, William Henry
Chamberlin, Russian Review, vol. 21, n° 1, 1962.
“Dreams into Lightning: Victor Grayevsk”, Michael Ledeen,
asher813typepad.com/dreams_into_lightning/2007/ll/victor-grayevsk.html,
5 de novembro de 2007.
“The Man Who Began the End of the Soviet Empire”, Abraham
Rabinovich, Australian, 27 de outubro de 2007.
“Victor Grayevsk”, Telegraph.co.uk, 1 de novembro de 2007.
“The Secret About Khrushchev’s Speech”, Tom Perfit, Guardian,
conforme citado no Harretz, 27 de fevereiro de 2006 (H).
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“Há Um Discurso de Khrushchev ao Congresso”, Yossi Melman,
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“O Nosso Homem no KGB”, Yossi Melman, Haaretz, 22 de
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“Mudança total (inversão) na transmissão com a entrada de Victor
Grayevski”, Kol Israel (H), www.iba.org.il/ kolisrae!70.

Capítulo 6: “Tragam Eichmann, vivo ou morto!”


Capítulos baseados em entrevistas e documentos de Isser Harel
censurados e não incluídos no livro de Michael Bar-Zohar Spies in the
Promised Land mas saídos no Yedioth Ahronoth em 1970, e no livro de
Michael Bar-Zohar Dia do Juízo Final, Tepper, 1991 (H).
Harel, Isser, A Casa na Rua Garibaldi, Maariv, 1975 (H).
Bascomb, Neal, A Caça a Eichmann, Miskal Books, Yedioth
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Malkin, Peter Z., Eichmann nas Minhas Mãos, Revivim, Tel Aviv,
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“O Homem da Seringa”, Dr. Yona Elian, Etty Abramov, Yedioth
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“Zvi Malkin: o homem que capturou Eichmann”, Eli Tavor, Yedioth
Ahronoth, 15 de março de 1989 (H).
“Cinquenta anos depois da captura e ida de Adolf Eichmann para
Israel, os seus sequestrores dissipam alguns mitos sobre a operação e
contam o que sentiram quando apanharam o maior dos nazistas”, Avner
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“Yehudith Nessyahu É Dina Ron, a Mulher Que sequestrou
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Capítulo 7: “Onde está Yossele?”


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Entrevistas a Isser Harel, Yaacov Caroz, Amos Manor.
“A Convertida da Neturei Karta”, Yair Etinger, Haaretz, 9 de julho
de 2010 (H).
“Para eles, ele continua a ser o Yossele: 45 anos depois da operação,
os combatentes não se esqueceram daqueles dias”, Eyal Levi, Maariv NRG,
18 de outubro de 2005 (H).
Capítulo 8: Um herói nazista a serviço do Mossad
Entrevistas a Haim Israeli, Rafi Eitan, Raphi Medan, Isser Harel,
Meir Amit,
Amos Manor, Wemher von Braun.
Julgamento de Otto Skorzeny e outros, Tribunal Militar Geral da
Zona Americana da Alemanha, 18 de agosto a 9 de setembro de 1947,
documento dos serviços secretos britânicos.
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Bar-Zohar, Michael, Shimon Peres: The Biography, Random House,
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Capítulo 9: Nosso homem em Damasco


Entrevistas à família, irmãos e mulher de Eli Cohen, e a Jacques
Mercier.
Segev, Shmuel, Sozinho em Damasco: vida e morte de Eli Cohen,
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“Eli Cohen”, série de artigos de Michael Bar-Zohar, Haaretz,
setembro de 1967 (H).
“Filha do Espião Eli Cohen Fala abertamente do Seu Sofrimento”,
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Capítulo 10: “Quero um MiG-21!”


Entrevistas a Meir Amit, Ezer Weizman.
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Nakdimon, Shlomo, A Esperança Que Morreu: a ligação israelo-
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“Asas Partidas”, Sara Leibovitz-Dar, NRG, Maariv, 2 de junho de
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Capítulo 11: Aqueles que jamais esquecerão
Entrevistas a “Anton Künzle”, Menahem Barabash.
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Bar-Zohar, Michael, Les vengeurs, Fayard, Paris, 1968.
“Menahem Barabash, Antigo Membro do Lehi e Um dos Assassinos
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“Julgamento Rápido para os Assassinos de Cukurs”, John Alison,
Yedioth Ahronoth, 8 de março de 1965 (H).
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“O Meu Avô Matou Um Nazi”, Gad Shimron, Bamachane, 25 de
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Capítulo 12: À procura do Príncipe Vermelho


Bar-Zohar, Michael; Haber, Eitan Massacre in Munich, Lyons
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“Morte de Muhamad Uda, Um dos Arquitetos do Massacre de
Munique”, Haaretz, 3 de julho de 2010 (H).

Capítulo 13: As virgens sírias


Entrevistas a Avraham (Zabu) Ben-Zeev, Emanuel Allon, Amnon
Gonen e outros (anonimamente).
“As Nossas Forças no Coração de Damasco”, Gadi Sukenik, Yedioth
Ahronoth, 17 de outubro de 2005 (H).

Capítulo 14: “Hoje vamos entrar em guerra!”


Bar-Joseph, Uri, O Anjo, Ashraf Marwan, o Mossad e a Guerra do
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“Conduziu de Maneira Modesta Operações Duras e Ousadas:
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“Doze Dias antes de Yom Kippur Golda Recebeu Informação
Secreta: o Egito e a Síria estão a planejar uma guerra”, Shlomo Nakdimon,
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Responsável Sou Eu”, Eli Zeira, Yedioth Ahronoth, 24 de outubro de 2003
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“Como Um Familiar de Nasser Enganou Israel”, Aharon Bregman,
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Capítulo 15: Uma armadilha cor de rosa para o espião atômico


“Vanunu partilhou informações “para impedir um segundo
Holocausto”, Nana News, 30 de abril de 2004 (H).
“Sobre os Protocolos no Julgamento de Vanunu”, Yossi Melman,
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“História da Captura de Vanunu Publicada Esta Manhã em Israel”,
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“A Vida de Cindy, a Agente do Mossad Que Tentou Vanunu”, Yossi
Melman, Haaretz, 7 de abril de 1997 (H).
“Da Austrália à Tentação de Cindy: como Vanunu foi raptado”,
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“Amigos Falam sobre Cindy”, Zadok Yechezkeli, Yedioth Ahronoth,
8 de abril de 1997 (H).
“Machanaymi: desligou-me três vezes o telefone na cara”, Naomi
Levitzky, Yedioth Ahronoth, TI de abril de 1997 (H).
“Governo Italiano Continuará a Investigar o sequestro de Vanunu”,
Yochanan Lahav, Yossi Bar e Roni Shaked, Yedioth Ahronoth, 11 de janeiro
de 1987 (H).
“Fui sequestrado em Roma — Escreveu Vanunu na Palma da Mão”,
Zadok Yechezkeli e Gad Lior, Yedioth Ahronoth, 23 de dezembro de 1986
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“Vanunu não Foi o Primeiro a Cair na Armadilha... As Raparigas da
Tentação”, Ohad Sharav, Yedioth Ahronoth, 17 de novembro de 1986 (H).
“A Rapariga Que Tentou Vanunu Chama-se Cheryl Ben-Tov e É de
Nataniya”, Yohanan Lahav, Yedioth Ahronoth, 21 de fevereiro de 1988 (H).
“A Rapariga Que Tentou Vanunu Vive 18 Anos à Sombra Dele:
Cindy tem medo”, Anat Tal-Shir e Zadok Yechezkeli, Yedioth Ahronoth, 20
de abril de 2004 (H).
“Sunday Times: são estes os segredos atômicos de Israel. Sob um
armazém abandonado, 35 metros abaixo do chão, constroem-se bombas
atômicas”, Yedioth Ahronoth, 6 de outubro de 1986 (H).
“Ele Tornou a Fazê-lo”, Ron Ben-Ishai, Yedioth Ahronoth, 25 de
novembro de 1999 (H).
“Foi Assim Que Fotografei o Reator Nuclear (segunda parte da
entrevista ao Sunday Times”,) Modi Kreitman, Yedioth Ahronoth, 6 de
junho de 2004 (H).
“Mordechai Vanunu: “Não há democracia em Israel”, Gad Lior,
Yedioth Ahronoth, 6 de junho de 2004 (H).
““E depois apareceu o tipo louro que me bateu.” Vanunu testemunha
acerca do seu sequestro em tribunal”, Michal Goldberg, Yedioth Ahronoth,
24 de novembro de 1999 (H).
“A Cindy do Caso Vanunu Está a Vender o Apartamento Que Tem
na Florida”, Sunday Times, citado no Yedioth Ahronoth, 20 de abril de
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“Saudades de Cindy”, Shosh Mula e Wata Awissat, Yedioth
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“Mordechai Vanunu: foi assim que me raptaram”, Shlomo
Nakdimon e Tova Zimuki, Yedioth Ahronoth, 24 de janeiro de 1997 (H).
“Eu Avisei Vanunu: cuidado com a Cindy”, Michal Goldberg,
Yedioth Ahronoth, 24 de novembro de 1999 (H).

Capítulo 16: O supercanhão de Saddam


Ascensão e queda de Gerald Bull
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Os assassinatos de Wadie Haddad e Fathi Shaqaqi
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“Cinco Balas na Cabeça, à Queima-Roupa Numa Rua
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“Assassínio em Malta: as capacidades profissionais dos agentes em
face da negligência de Shaqaqi. Não se encontraram balas no local do
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“Por Vezes Uma Organização Pequena não Consegue Recuperar”,
Yossi Melman, Haaretz, 30 de outubro de 1995 (H).
“Com Uma Arma, Explosivos, Veneno, sem Fazer Perguntas”, Yossi
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“Apesar do Financiamento Iraniano, a Jihad Islâmica Definha desde
o Assassínio de Shaqaqi”, Guy Bechor, Haaretz, 14 de outubro de 1996 (H).

Capítulo 17: Fiasco em Amã


Yatom, Danny, Partilha Secreta: da Sayeret Matkal para o Mossad,
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“Regresso ao Local do Crime”, Yossi Melman, Haaretz, 26 de
setembro de 2007 (10.° aniversário do fiasco) (H).
“O caso Mossad (Mash’al): recapitulação completa dos
acontecimentos”, Anat Tal-Shir; “Netanyahu enterrará o chefe do Mossad
devagar mas de forma sofisticada”, Nahum Bamea; “Notícia de última hora:
os jordanianos ameaçam entrar à força na embaixada em Amã. Israel
obrigada a entregar a fórmula secreta da arma química”, Shimon Shiffer;
“Hussein exige que o Mossad despeça todos os envolvidos no caso, caso
contrário a Jordânia não permitirá a entrada de nenhum agente israelense”,
Smadar Perry; “Devido a êxitos anteriores, o Mossad achou que uma
operação como esta era infalível”, Ron Ben-Ishai; “Danny Yatom foi
deixado sozinho; agora, todos lhe voltam as costas”, Ariela Ringel Hoffman
e Guy Leshem; “A rivalidade entre agências secretas passa para os níveis
inferiores; oficial superior de segurança: “Se não parar imediatamente,
vamos pagar caro”, Alex Fishman, Yedioth Ahronoth, edição especial, 10
de outubro de 1997 (H).

Capítulo 18: Da Coreia do Norte, com amor


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George W. Bush, Decision Points, Crown, Nova York, 2010.
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“Antigo Diretor da CIA: o secretismo que envolve o ataque ao reator
sírio não se justifica”, Amir Oren, Haaretz, 9 de julho de 2010 (H).

Capítulo 19: Amor e morte no fim da tarde


“Profile: Imad Mughniyeh”, Ian Black, Guardian, 13 de fevereiro de
2008.
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Associated Press, 13 de fevereiro de 2008.
“Mossad Most Wanted: A Deadly Vengeance (Imad Mughniyeh)”,
Gordon Thomas, Independent, 23 de fevereiro de 2010.
“Comentário: uma mensagem clara de Nasrallah e do Hezbollah”,
Amir Oren, Haaretz, 13 de fevereiro de 2010 (H).
“Relatório do Hezbollah Acerca da Liquidação de Mughniyeh”,
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Mughniyeh”, Yedioth Ahronoth, 13 de fevereiro de 2008 (H).
“Síria: a liquidação de Mughniyeh é um ato terrorista”, Yoav Stern e
Yossi Melman, Haaretz, 13 de fevereiro de 2008 (H).
“Os Ataques Terroristas Que Puseram Mughniyeh no Mapa”, Yossi
Melman, Haaretz, 13 de fevereiro de 2008 (H).
“Retaliação pelo Assassínio de Mughniyeh É Uma Questão de
Tempo”, Roy Nachmias, Yedioth Ahronoth, 30 de junho de 2008 (H).
“Comentário: ele estava acima de Nasrallah na lista dos mais
procurados”, Yossi Melman, Haaretz, 13 de fevereiro de 2008 (H).
“Irã — o assassinato de Mughniyeh é um exemplo do terrorismo
israelense”, Dudi Cohen e Roy Nachmias, Yedioth Ahronoth, 13 de
fevereiro de 2008 (H).

Capítulo 20: As câmeras estavam gravando


“Assassins Had Mahmoud al-Mabhouh in Sight as Soon as He Got
to Dubai”, Hugh Tomlinson, Times (Reino Unido), 17 de fevereiro de 2010.
“Mahmoud al-Mabhouh Was Sedated Before Being Suffocated,
Dubai Police Say”, Times (Reino Unido), 1 de março de 2010.
“Informação do Sunday Times: PM autorizou assassinato de
Mabhouh”, YNET, 21 de fevereiro de 2010 (H).
“Inquiry Grows in Dubai Assassinations”, Robert F. Worth, New
York Times, 24 de fevereiro de 2010.
“O Primeiro-Ministro Britânico Ordenou a Investigação aos
Passaportes Falsos; Embaixador israelense Chamado para Dar
Explicações”, Barak Ravid e Dana Herman, Haaretz, 18 de fevereiro de
2010 (H).
“Resultado: nenhum fiasco, grande feito”, Eitan Haber, Yedioth
Ahronoth, 18 de fevereiro de 2010 (H).
“Equipa de Assassínio Fez Três Visitas a Dubai”, Smadar Perry,
Yedioth Ahronoth, 19 de fevereiro de 2010 (H).
“A Última Liquidação do Gênero; Não Haverá Muitas mais como
Esta”, Yossi Melman, Haaretz, 19 de fevereiro de 2010 (H).
“Netanyahu para a Equipa de Assassínio: o povo de Israel confia em
vocês, boa sorte”, Yedioth Ahronoth, 21 de fevereiro de 2010 (H).
“Gail Está de Saída (do Hotel)”, Noam Barkan e Benjamin Tubias,
Yedioth Ahronoth, 22 de fevereiro de 2010 (H).
“Dubai Expõe mais 15 Agentes; Dez Deles Têm Nomes de Cidadãos
israelenses”, Haaretz, 25 de fevereiro de 2010 (H).
“Liquidação em Dubai: oito israelenses com passaportes falsos serão
chamados a testemunhar por investigadores britânicos”, Modi Kreitman,
Zvi Zinger e Eitan Glickman, Yedioth Ahronoth, 28 de fevereiro de 2010
(H).
“Embaixador israelense na Austrália Foi Chamado para Dar
Explicações”, Dana Herman e Barak Ravid, Haaretz, 25 de fevereiro de
2010 (H).
“Londres Não Espera o Mossad”, Itamar Eichner, Yedioth Ahronoth,
4 de maio de 2010 (H).
“Relatório dos Serviços Secretos Australianos: o Mossad é
responsável pela falsificação”, Yedioth Ahronoth, 25 de maio de 2010 (H).
“Passaportes Falsos: diplomata israelense expulso da Irlanda”, Modi
Kreitman e Itamar Eichner, Yedioth Ahronoth, 16 de junho de 2010 (H).
“Assassinos do Oficial Superior do Hamas Estão na Lista dos
“Procurados” da Interpol”, Avi Issacharov e Dana Herman, Haaretz, 19 de
fevereiro de 2010 (H).
“Não Resistiu à Tentação — estrangeira suspeita de o ter feito abrir a
porta”, Smadar Perry e Roni Shaked, Yedioth Ahronoth, 1 de fevereiro de
2010 (H).
“Dubai Apresenta os Assassinos: foi assim que ele foi morto. Uma
agente à porta”, Smadar Perry, Yedioth Ahronoth, 16 de fevereiro de 2010
(H).
““Graças a Deus, Sei Tomar Precauções”, Mabhouh, em entrevista à
Al-Jazeera”, Smadar Perry, Yedioth Ahronoth, 12 de fevereiro de 2010 (H).
“Um Abraço de Dubai — retrato de Dhahi Khalfan”, Smadar Perry,
Yedioth Ahronoth, 5 de março de 2010 (H).
“Informação: Alemanha emite um mandado de prisão de um
suspeito de ajuda no ataque de Dubai”, Ofer Aderet e Yossi Melman,
Haaretz, 16 de janeiro de 2011 (H).
““Agente do Mossad” Multado em 60.000 Euros na Alemanha É Uri
Brodsky, Acusado de Envolvimento na Liquidação de Mabhouh”, Eldad
Beck, Yedioth Ahronoth, 16 de janeiro de 2011 (H).
“O Homem Morto — “um oficial superior do Hamas”, Smadar
Perry, Yedioth Ahronoth, 7 de abril de 2011 (H).
“Dubai Police Allege Assassination Team in Hamas Commander’s
Slaying Used Credit Cards Issued by Iowa Bank”, John McGlothlen, News
Hawk, Statewide News, 24 de fevereiro de 2010.
“Dubai Police Release New Suspects in Hit Squad Killing”, Simon
McGregor-Wood, Vic Walter e Lara Setrakian, ABC News Dubai, 10 de
fevereiro de 2010.
Caso de estudo Elance, www.payoneer.com/CS.Elance.aspx.
“Israel Atacou no Sudão”, Yossi Yehoshua, Yedioth Ahronoth, 6 de
abril de 2011 (H)
“Israel Atacou no Sudão”, Smadar Perry, Yedioth Ahronoth, 7 de
abril de 2011 (H).
“Sudan to File a Complaint Against Israel to the UN Over the Air
Strike”, “Israel Attacked in Sudan to Prevent Arms Smuggling to
Gaza”, Nile_tv_international.net, 20 de abril de 2011.
Aljazeera.net, 7 de abril de 2011.

Capítulo 21: Da terra da rainha de Sabá


Das muitas fontes deste capítulo, a mais útil foi o livro de Gad
Shimron Tragam-me os Judeus da Etiópia. Como o Mossad Trouxe os
Judeus Etíopes do Sudão, Maariv (Hed Arzi), Or Yehuda, 1988 (H).
The History of the Ethiopian Jews, Jewish Virtual Library,
jewishvirtuallibrary.org.
“Israel to Speed Immigration for Jews in Ethiopia”, Greg Myre, New
York Times, 1 de fevereiro de 2005.
“Distant Relations”, Uriel Heilman, Jerusalem Post, 8 de abril de
2005.
Falasha: Exile of the Black Jews of Ethiopia, documentário de
Simcha Jacobovici, 1983.
“A Emigração dos Judeus Etíopes, Operação Moisés, 1984, e
Operação Salomão, 1991”, www.jafi.org.il/ JewishAgency/Hebrew (H).
“Operação Moisés”, Ainao Freda Sanbato, Haaretz, 11 de março de
2006 (H).
“Depois, Perguntei em Hebraico “Que Estão a Fazer Aqui?”, David
Shalit, Haaretz, 17 de maio de 1996 (a história de Harry Gold) (H).
“O Êxodo da Etiópia”, Tudor Parfitt, Yedioth Ahronoth, 25 de
outubro de 1985 (H).
“Esquadrilha 13 nas Costas Sudanesas”, Yedioth Ahronoth, 15 de
março de 1994 (H).
“Esquadrilha 13 aterrissou no Sudão”, Arie Kizel, Yedioth Ahronoth,
18 de março de 1994 (H).
“Última Paragem: Sudão”, Shahar Geinosar, Yedioth Ahronoth, 27
de junho de 2003 (H).
“Primeiro, Tragam Umas Amostras”, Yigal Mosko, Yedioth
Ahronoth, 12 de outubro de 2001 (H).
“Amante Israel”, Dani Adino Ababa e Zimbabwe (Mengistu Haile
Mariam), “Seguido no Deserto”, Smadar Shir, Yedioth Ahronoth, 17 de
junho de 2009 (H).
“Nas Pradarias de Etiópia”, David Regev, Yedioth Ahronoth, 19 de
março de 2010 (a história de David Ben-Uziel) (H).
“Hamasa L’Eretz Israel” (“Viagem para a Terra de Israel”): letra de
Haim Idissis, música de Shlomo Gronich.
“25 Anos da Operação Moisés: entrevistas a Emanuel Allon, Gadi
Kroll, David Ben-Uziel e Yonathan Shefa”, Nir Dvori, The News, Channel
2, 15 de junho de 2010 (H).
“Operação Salomão — tragam os judeus etíopes”, Harel e Eran
Duvdevani, sky-high.co.il (H).
Yedioth Ahronoth, 23 de setembro de 2005 (H).

FONTES GERAIS

Livros em hebraico

Amidror, Yaacov, Serviços de Informações da Teoria à Prática,


Edições do Ministério da Defesa, 2006.
Bar-Zohar, Michael (ed.), 100 Homens e Mulheres de Coragem,
Edições do Ministério da Defesa, 2007.
Edelist, Ran, O Homem Que Montou Um Tigre, Zmora-Bitan, 1995.
Fine, Ronald, O Mossad, Or-Am, 1991.
Gilon, Carmi, Shin-Beth entre os Cismas, Miskal Yedioth
Ahronoth, Tel Aviv, 2000.
Golan, Aviezer; Pinkas, Danny Nome de Código: A Pérola, Zmora-
Bitan-Modan, 1980.
Golan, Aviezer, Operação Susanna, Yedioth Ahronoth, 1990.
Halevi, Efraim, Um Homem nas Sombras, Matar, 2006.
Kimche, David, A Última Opção, Miskal Yedioth Ahronoth, Tel
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Melman, Yossi (ed.), Relatório da CIA sobre os Serviços Secretos
israelenses, Zmora-Bitan, Tel Aviv, 1982.
Melman, Yossi; Haber, Eitan Os Espiões: as guerras de
contraespionagem de Israel, Miskal Yedioth Ahronoth, Tel Aviv, 2002.
Sagi, Uri; Tal, Rami (eds.), Luzes no Nevoeiro, Yedioth Ahronoth,
1998.
Shimron, Gad, O Mossad e o Mito, Keter, Jerusalém, 2002.
Thomas, Gordon, Os Espiões de Gideão: a história secreta do
Mossad, Or-Am, 2008.
Westerby, Gerald, Um Agente do Mossad em Território Hostil,
Matar, 1988.

Livros em inglês

Bar-Zohar, Michael, Spies in the Promised Land, Houghton Mifflin,


Boston, 1972.
Landau, Eli; Dan, Uri; Eisenberg, Dennis, The Mossad, Paddington
Press, Nova York, 1978.
Posner, Steve, Israel Undercover: Secret Warfare and Hidden
Diplomacy in the Middle East, Syracuse University Press, Syracuse, Nova
York, 1987.
Raviv, Dan; Melman, Yossi Every Spy a Prince: The Complete
History of the Israeli Intelligence Community, Houghton Mifflin, Boston,
1990.

Livros em francês

Bar-Zohar, Michael, Les vengeurs, Fayard, Paris, 1968.


Dan, Uri, Mossad: 50 ans de guerre secrete, Presses de la Cité, Paris,
1995.

ENTREVISTAS
Isser Harel, Yaa’cov Caroz, Izzi Dorot, Yitzhak Shamir, Amos
Manor, Meir Amit, Anton Künzle, Menachem Barabash, Victor Grayevski,
Yitzhak Rabin, Ezer Weizman, Haim Israeli, Dr. Pinhas (Siko) Zusman, Uri
Lubrani, Wernher von Braun, Rafi Eitan, Raphi Medan, Yitzhak Sarid, Eli
Landau, Hanoch Saar, Avraham (Zabu) Ben-Zeev, Emanuel Allon, Amnon
Gonen, família de Elie Cohen, família de Alexander Israel, Ze’ev Avni, e
muitas outras pessoas que preferiram manter o anonimato.
EXTRATEXTO

Instalações nucleares de Natanz — graças ao zelo de um oficial de


informações do Mossad. (Google Earth)
Ali Mohammadi. Explosivos numa moto. ( Wikipédia)
Meir Dagan. Seus soldados o chamavam “Rei das Sombras”. (Dan
Balilti)

Dagan: “Este velhote é meu avô.” (Cortesia de Yad Vashem)


Isser Harel. Ben-Gurion lhe disse: “Tragam Eichmann, vivo ou morto!”
(Amit Shabi)
Adolf Eichmann julgado em Jerusalém. (Gabinete de Imprensa do
Governo de Israel)
Madeleine Ferraille, também conhecida como Ruth Ben-David — a
Mata Hari do mundo judeu ultraortodoxo. (Arquivos do Yedioth Ahronoth)
Yossele Schuchmacher com os pais, depois de ser encontrado e
regressar a Israel. À direita, Yechezkel Adiram, repórter do Yedioth
Ahronoth. (David Rubinger)
Al-Qahir, “O Conquistador”, o míssil que os cientistas alemães
construíram no Egito. (Arquivos do Yedioth Ahronoth)

Professor Eugen Sanger com Otto Joklik.

O ditador italiano Benito Mussolini e o seu salvador Otto Skorzeny.


Elie Cohen e a família num raro momento de felicidade.
“Kamal Amin Tabet” na companhia de oficiais sírios nas colinas de
Golã. (Arquivos do Yedioth Ahronoth)
Elie Cohen julgado em Damasco.
Anton Künzle fotografado por Herbert Cukurs. “Se eu for assassinado,
meu assassino está nestas fotografias.”
Primeira página do Yedioth Ahronoth de 7 de março de 1965
anunciando o assassinato de Cukurs.

O baú onde o corpo de Cukurs foi encontrado em Montevidéu.


MiG-21. Ezer Weizman queria um. (Zvika Tishler)

Diretores do Mossad (ramsads) Meir Amit e Efraim Halevi. (Michael


Kremer)
Golda Meir: “Enviem os rapazes.” (David Rubinger)
O Príncipe Vermelho e a mulher mais bonita do mundo.
O funeral do Príncipe Vermelho. Yasser Arafat e o filho de Ali Hassan
Salameh.
Zvi Zamir: “Hoje vamos entrar em guerra!” (Gabinete de Imprensa do
Governo de Israel)

Ashraf Marwan, nosso homem no gabinete do presidente egípcio.


(Wikipédia)
Yitzhak (Haka) Hofi. As forças de Haka no Sudão. (David Rubinger)
Gerald Bull, o homem que vendeu a alma ao diabo. (Wikipédia)
Nahum Admoni, no encalço de Vanunu. (Arquivos do Yedioth
Ahronoth)

O etemo Rafi Eitan recebe certificado de mérito pela captura de


Eichmann. (Gabinete de Imprensa do Governo de Israel)
“John Crossman” (Mordechai Vanunu) sai da cadeia. (Gabinete de
Imprensa do Governo de Israel)
Diretores do Mossad: Danny Yatom e Shabtai Shavit. (Meir Partush)

Uma armadilha cor de rosa chamada “Cindy”. (Arquivos do Yedioth


Ahronoth)
Imad Mughniyeh, primeiro nome na Lista dos Mais Procurados do
FBI. (Hezbollah)
Khaled Mash’al. A trapalhada que lhe salvou a vida. (Gabinete de
Imprensa do Governo de Israel)

O reator nuclear sírio, antes e depois da visita da Força Aérea


israelense. (Governo dos EUA)
Mahmoud Al-Mabhouh. As câmeras estavam gravando. (Wikipédia)
Os agentes do Mossad em ação. (Cortesia da polícia de Dubai)
“O sonho vai se realizar/Em breve chegaremos à Terra de Israel.” (Elad
Gershgoren)

Tamir Pardo, ramsad. (Tomeriko)

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