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RESENHA BTBLIOGR.ÁFTCA I
IAURENS LAT'DAN
UnþasíiMe de Pfltæüllr¡lh
E. Clrsweul
InÛoduçdo
Inrlmeros e veementes tributos verbais têm sido prestados à idéia de que a história
da ciência e a filosofia da ciência dependem totalmente uma da outra. Apesar disso, o
casamento entre as duæ disciplinæ, sancionado e perpetuado pela existência de deze-
nas de departamentos acadêmicos consagrados à questão, pafec€, muitas vezes, mais
imaginário do que real e mais forgado do que natural. É evidente que a presença de de-
partamentos e cadeiræ universitáriæ com nornes hlbridos não é sufïciente, por si mes-
m4 para demonstrar urna afìnidade real entre os dois tópicos. Além diso, na prática
efetiva, os dois são, coln freqüência, intei¡amente irrelevantes um para o outro. É ¿iff-
cil imaginar, por exemplo, como e por que o historiador que escreve sobre a evolução
da teoria da valência ou sobre a ciência na França revolucionária, extrairia mais bene-
ffcios do estudo da fìlqsofia da ciência do que, por exemplo, do estudo da história po-
lftica ou da sociologia. De maneira aniloga, é pouco provável que o filósofo da ciência
interessado nos paradoxos da confirmação ou no estatuto existencial das entidades
teóricas obtenha grandes esclarecimentos de um exame demorado da história da alqui-
mia ou da botânica sistemática.
Mas, se os argumentos destinados a estabelecer a.interdepend6ncia geral entre a his-
tória e a fìlosofìa da ciência são menos convincentes do que querem admitír alguns dos
r A. Koyré na sua resenha da obra de Crombie, Robert Grosseteste,em Diogène, n'o 16 (Outubro
1956), p. 19.
Teorìts do Método Cientlfico de Pbtño a Mach 7
;hiótórico recente efetuado nesæ domlnio. No que se refere a textos primdrios, escolhu.
.arbitrariamente Mach como ponto final de minha análise. Em conæqüência, não exa-
minarei diretapente nenh¡ma teoria do método especffica ao séctfo vinte.
É neceisário começar óncarando um fato signifiìativo mas desagradável: a total au-
sência de algo que se aproxime de um tratamento geral adequado da história da filoso-
fìa da ciência. Pelo que sei, esse é o único ramo importante da filosofìa ou da ciência
cuja história ainda está por ser escrita de manei¡a coerente e uniforme. É bem verdade,
é cla¡o, que já foram feitæ algumæ ra¡æ tentativas de escrever acerca do desenvolvi-
mento geral da história do método. Tais tentativas, entretanto, constitulram, quase
sem exceção, exemplos desastrosos da curiosa combinação de md erudição e de inge-
nuidade filosófica que caracteriza o historiador amador. Estranhamente, os pecados do
século vinte foram os mais escandalosos a esse respeito. Consideremos, por exemplo,
um trabalho de lVilliani Fowler publicado recentemente com o tftulo promissor de
Ihe development of scientífic metlnd (1962). Mesmo à mais caridosa leitura, o livro
se revela superficial e incompleto, o autor se contentando simplesnente em repetir
alguns dos velhos trufsmos que obstrufram, durante décadas, um conhecimento sólido.
Lemos, æsim, que o método de Descartes foi, ægundo o autor, puramente a priori e
nãecientífìco. A metodologia de Newton é examinada nos limites de dois parágafos
e nifo há nenhum indfcio de que Fowler tenha æ benefìciado dos estudos especializa-
dos acerca de fìguræ individuais, os quais teriam conferido substância e sigrifìcação
a um tratamento geral do tipo por ele empreendido. Se essa apreciação parece exces-
sivamente severa, sugiro a leitura do æguinte exemplo tfpico, extrafdo da primeira
págna do livro:
O período que vai de Roger Bacon a Isaac Newton marca a ¡uptura dos grilhões da
autoridade e o fim do ¡einado da teologia como rainha dæ ciências: esse ponto as-
sinala o início da era da experimentação. A influência, nessa época, da filosofia
sob¡e o método pode ser observada nos empiricistas ingleses, Locke, Berkeley e Hu-
me, quando fora¡n claramente expostos os problemas da.induçâo e da causalidade.
3.
{Êssos
Essas quatro obræ, além disso, , apresentam todas o defeito de não distinguirem en-
tre método cientffico e teorias do méùodo cientffico. Por'método cientffìco'entendo
simplesmente æ técnica.s e procedimentos que um cientista utiliza ao rcalizu experi'
mentos ou construir teorias. Por 'teoriæ do rnétodo cientlfico'entendo as opiniões
metacientlficas explfcitæ que um cientista adota ao examinar a lógica da inferência
cientlfica. A história do método cientffico é, na realidade, a história de uma arte ou
técnica largamente intuitiva, que tem mtúto pouco a ver, Pfovavelrnonte, com o discer'
nimento metacientffìco. Há inúmeros exernplos de cientistas que, embora tenham rara-
mente dado um passo em falso no laboratório, sabiam relativamente pouco acerca de
conceitos como induçâ'o, hipótese ou explicitação cientffica. Por outro lado, contudo,
a história das teorias do método cieritffìco é necessariamente uma história dæ idéias e
dos conceitos. Algumas vezes, é claro, ocorre que o método de um cientista fornece
uma ilustração viva da sua própria tporia do método, e é também verdade que podemos
muitas vezes examinar o método a fim de ilumina¡ e clarificar a teoria do método e
vice-vena. Seria inoperante, entretanto, supof que exista necessariafnente um isomor'
fismo cla¡o entre o que um cientista tliz sobre o método e o modo como ele de fato o
2 oa Parte do
and çítìcol
tive and de-
ductlv e though t (1 890).
3
D. ise¡avelmente tatado por Whewell, que conside¡a esta¡ o métorlo car'
tes ao método de observaçíio e experimèrrto" (Phìlosophy of the ìttducti-
ve
Tærìos do Métdo Cientlfiæ de Pletdo a Mach 9
pratica '.De resto, não há nada de espccialmente supreendente no fato de que a diver.
gência entre prática e prédica seja tão ampla na ciência como em outas áreæ. Embora
blernentar, esæ ponto parece ter sido freqüentemente ignorado. Asim, é inegdvel a
edstência, næ obræ mencionadæ de Fowler, Iæclercq, Un e lVhewell, de uma contf-
nua confusão entre o desenvolvimento da arte de experimentar e o deænvolvimento da
fìlosofia da ciência.
A ausência de uma sólida história geral das teorias do método cientffìco nffo sigrifìca,
porém, que sejam escåssos os estudos importantes e eruditos sobre aspectos especfficos
da história desse tema; um rápido olhar sobre a bibliografia que acompanha este artigo
poderá disipar rapidamente qualquer suspeita a esse respeito 5. No entanto, dada a
inexistência de uma história geral adequada da questÍo, os segmentos cronológicos re-
lativamente isolados que mereceram anáIise cuidadosa (aproximadamente, 400-3(X)
a.C., I I00-l3 80,1620-1720, I820.50) pareoem desconexos e fragmentários.
À primeira vista, não há nenhum fìo unifìcador que atravesse todos os momentos da
história do método cientffico. Os problemæ metodológicos de Newton parecem bem
diferentes dos de lVhewell ou de Mill, e mais diferentes ainda das questões tratadas na fì-
losofia contemporânea da ciência. É quase impossfvel perceber como os problemas que
interessavam a Comte ou a Descartes poderiam ter levado diretamente aos problemas
que preocupam os seus atuais sucessores. (Os seus problemas emm, sem dúvida, dife-
rentes dos nossos e seria um contra-senso histórico sugerir o contrário. Ao mesmo tem-
po, porém, s€mpre esperamos compreender como os seus problemas levaram aos nossos,
è a sugestão de que o que fazemos hoje é completamente independente do que eles fa-
zian é tão anti-histórica quanto a sugestão de que estamos fazendo exatamente o que
eles estavam fazendo). Se não um fato evidente, é certamente uma boahipóteæ de tra-
balho pensar que a atual filosofia da ciência æ inspira no seu préprio passado e que
os fÌlósofos da ciência contemporâneos não são autodidatas que trabalham em total
igtorância e separados dos pontos de vista dos seus predecessores imediatos e remotos.
Talvez o mais sério obstácr¡lo ao surgimento da história das teorias do método cien-
tlfìco como área legftima de estudo resida na tendência a confundí-la com a história
geral da epistemologia, o que leva a zupor que as categorias narrativæ e as divisões clas-
direta entre os dais tipos de problemas. Voltando ao meu exemplo do século dezessete'
é evidente que três das principais questões entre os fìlósofos da ciência da época se re-
tiriam a: (1) os objetivos e metas da ciência; (2) a ceúeza do conhecimento científico;
e (3) a existência d.e uma lógica da descoberta ou de um us inveniendl. Cada um desses
pontos constituía um polo de controvérsias e de extensos debates. Apesar disso, nem o
racionalismo nem o empiricismo tinham, per se,muita coisa z dizet sobre esses proble-
m Netrcn 1965.
12 Lørens Lsudan
sejam praticamente coextensivæ. O fato de que, hoje em dia, terrnos como empiricista
e racionalista não se apreæntem assim, é mais provavelmente um sigrro de que eles não
são realmente úteis em epistemologia do que um indfcio de que a epistemologia e a fi'
losofìa da ciência são muito diferentes. Podemos ir ainda mais longe e afìrmar que,
na medida em que a história da epistemologia nÍIo é a história da filosofìa da ciên'
cia, ela simplesrnente não tem direito de ser chamada de epistemologia. Tanto do pon'
to de vista histórico quanto etimológico, a epistemologia ou a teoria do conhecimento
denotava a investigação dos problemas conceituais e dos fundamentos da ciência. Na
realidade, a expressão 'filosofia da ciência'só veio a alcançar grande difusão porque os
epistemólogos esqueceram que deveriam estudar a fìlosoflta da ciência em lugar de pro-
biemas esotéricos que niÍo eram instruldos pela própria ciência nem relevantes para ela,
Idealmente, portanto, æ histórias da filosofìa da ciência e da epistemologia deveriam
coincidir em grande medida. Que hoje não æja æsim é resultado de sucessivas geragões
de fîlósofos persuadidos de que poderiam compreender melhor a natureza do conheci-
mento permanecendo completamente ignorantes do seu melhor exemplo.
Ao lado da ausência de categorias narrativæ relevantes, a historiografìa do método
se ressente da atençÍio insuficiente dada à evolução histórica dos conceitos fundamen-
tais da matéria. Compreenderlamos com muito mais clarcza a história do método se
soubéssernos sob que circunstâncias precisæ se deænvolveram noções como lei, indu-
1l
çã'o, hipótese, refutação e experimento . Além disso, há, sem dúvida, inúmeros aspec-
tos da evolução dessas noções que exigem especial atenção. Tomando corno exemplo
o caso da experimentaglo, é necessário saber quando os experimentos começaram a
desempenhar um papel decisivo no método dos filósofos naturais. É Obvio que nlÍo po-
dercos ofeiecer uma resposta satisfatória a essa questão limitando-nos a apontar os
numerosos experimentos realizados pelos gregos ou pelos escolásticos. Ernbora muitos
experimentos tenham sido executados na Antiguidade e na ldade Média, é duvidoso
que se atribuísse uma importância cntci¿l a ess€s testes empfricos ocæionais. Na reali-
dade, os experimentos (e as experiências em pensamento) que fìguram nas obras de
I
irônico constatar que alguns autores que escrevera¡n sobre a teoria newtoniana do mé.
todo cientffico consagraram, por vezes, mais atenção ao que ele poderia ter querido di-
zer por 'fingo'do que ao que ele entendia por hypotheæs'.) Do mesmo modo. quando
Whewell e Mill discutiam sobie a natureza da indução, é evidente que ambos utilizavam
o termo de maneira radicalmente diferente. É obviamente impossfvel, contudo, situar
esse debateno seu contexto histórico apropriado antes de adquirir uma rroção mais cla-
ra do que signifìcava em geral a indução no fim do sécrfo dezoito e no infcio do século
dezenove.
Outro provável ponto fraco na historiografìa do ¡nétodo cientffìco foi a sua preo-
cupação com um número reduzido de textæ cldssicos, à exclusão de vários indivfduos,
questões e argumentos de grande interesse. Qualquer estudioso da matéria sahe muitas
coisas sobre Newton, Bacon, Comte, \{hewell, Bernard, Mill e Peirce, rnas saberd algu-
ma coisa dos outros metodólogos que, aparentemente, desempcnharam papel de desta-
que na fìlosofìa da ciência da sua época? Saberá algr¡ma coisa, por exernplo, de Galeno,
Mariotte, Hooþ, Boyle, Diderot, Senebier, Reid e Apelt? Esses indivfduos figuram ra-
famgnte em histórias do método, embora uma compreensão de suas filosofias æja in-
dubitavelmente essencial para uma conc€pção clara do desenvolvimento do tema.
Mesmo essa falha, entretanto, nlfo æria tifo gande se estivéssemos em condições de
afìrmar que pelo menos os textos clássicos foram estudados com o devido cuidado,
sendo agora razoavelmente bem compreendidos. Infelizmente, isso está longe de ser
verdade. Embora alguns aspectos dessas obræ tenham sido analisados ern detalhe, ain-
da nã'o dispomos de nenhuma análise aprofundada tlo þara citar apenas alguns exem-
plos) Coars de philosophie positìve de Comte, do System of logic de Mill, daPhiloso-
phy of the inductive sciences de Whewell'ou dos hinciples of science de Jevons. É bem
provável que esses trabalhos, a scu próprio modo, sejar:n tâ'o importantes para a história
do método quanto o são, para a história da epistemologia, o Inquiry de Hume, a
Kritik der reinem Verrunft de Kant ou o Tractutus de Wittgenstein. E, no entanto,
possivelmente porque os epistemólogos levam a sua própria história lnais a sério do que
os filósofos da ciência, æ já podemos conta¡ com exegeses razoavelmente aprofunda-
das do Inquir7,, da Kritik e do Trøctafiis, as obras de Comte, Mill, Whewell e de Je-
vons, ao contrário, repousam tristemente nas estantes das bibliotecas. Na realidade, se
descontarmos æ exceções extraordinárias representadas pelos Segmdos analíticos de
Aristóteles e pelas Replae de Descartes, nenhum tratado substancial sobre o ¡nétodo
cientlfico foi examinado, em publicações, tão exaustivamente quanto mereceria.
Embora eu tenha sublinhado a necessidade de reconhecer a história da metodologia
como um tema autônomo e não apenas como um apêndice menor da história da episte-
mologia ou da história da ciência, seria manifestamente absurdo sugerir que é possfvel
compreender oseu desenvolvimento fora do contexto de certas suposições epistemoló-
gicas de caráter geral e de problemas cientlficos especfficos. Importa, em particular, es-
quivar o erro que consiste em s€parar seletivamente æ controvérsias metodológicas das
questões cientlfìcas que lhes conferiam substância e signifìcação. O debate renascen-
14 Lørens Ludan
tista sobre æ hipóteses, por exemplo, só pode ser apreciado em função das doutrinas
astronômicæ discutidas na época. Do mesrno modo, o debate que se desenrolou no fì-
nal do século dezenove acerca dos méritos metodológicos dos modelos, estava estreita-
mente ligado à polêmica científica entre os atomistas e os energeticistasr2. Outro pon-
to evidente de confluência se encontra na conexÍio entre a filosofia corpuscular e as
questões metodológicas no século dezesæte 13. Visto que os cientistas muitas vezes
acharn conveniente usar armas metodológicas quando nlio conseguem derrotar seus ad-
venários com arrnas experimentais, o historiador do método sempre deve proc¡rar a
motivação cientffìca tática que se esconde sob a adoção de uma determinada regra ou
teoria metacientlfica. Sern pretender sugerir que as discussões metodológicæ sempre
tornam a forma de uma apologia pro wa scientiß, é filrçoso reconhecer que os cientis-
tas muitæ vezes se vcrltam para a metodologia na esperança de racionalizarem as suas
próprias convicções téoricas e procedimentos experimentais la.
NÍo podemos encerrar esse tópico sem dizer que cabe aos positivistas lógicos uma
boa parte da responsabilidade pelo abandono da história do método nos nossos diæ.
Tanto na sua concepção da natureza da fìlosofìa da ciência como na atitude desdenho-
sa e condoscendente em relação aos seus predecessores, os fìlósofos do Cfrculo de Vie-
na fìzeram muito para desencorajar um estudo sério da história da metodologia. Feiø ã
acusação, talvee seja necessário explicá-la mais detalhadamente.
contemporânea da ciência.
Ora. se todos os problemas da filosofia da ciência estivessem, como esses, tão estrei-
ta¡nente ligados à flsica contemporânea ou à teoria da informaçÍo, a história do mé-
todo teria, de fato, pouco mais do que um interesse tle antìquário. A afìrmação ern
t2 \¡erFtribben
1903. t3 Ve¡Ha¡ré 1964.
tt Sab¡a observoul regrry metodológicas g-eralmente "se¡vem como machit¿es rle guerre
-t9rno .as.
que sempre podemos dirigir contra os partidãrios ãe teorias ¡ivais" (Sabra -
ßel , p. 27g,;.t:
Teoríøs do Método Cientffìco de PI¿tEo a Mach 15
exame esquece' porém, o fato de que muitos dos principais problemas da filosofia da,
ciência são problemæ que ressurgem permanentemente, problemas que não são engen-,
drados por nenhuma teoria em particular, mas por virtualmente qualquer teoria. Pro.
blemas como os da formaçäo de conceitos na ciência, da natureza da lei, da indução,
dos métodos experimentais, das hipóteses, da discriminação entre os elementos a priori.
e os empfricos nas teorias; eses problemæ e outros semelha¡rtes não foram inventados'
pela recente filosofia da ciência, nem as soluções conternporâneas que a eles se ofere.
cem são totalmente originais e sem antecedentes. Além disso, como Beth convincente-
mente mosttou, os debates recentes da fìlosofìa da ciência "não se originam apenas
nos reultados da pesquisa cientffìca contemporânea considerados em si mesmos, mas,
ao contrário, na incompatibilidade desses resultados com certas doutrinæ fìlosóficas
pré'concebidas" que foram herdadas do passado. Beth conclui que "as discussões re.
centes sobre os fundamentos da matemática e da ciência ffsica não podem ser plena-
mente compreendidas sem referência ao seu backgrourd histórico e filosófico" ls.
Embora sem endossar a opinião extremada de Del Negro, segundo a qual "a única no-
vidade [dos positivistas lógicos] em relação a Mach se encontra no domlnio formalis-
ta" ró, parece plausfvel afìrmar que o positivismo lógico, assim como øs filosofws da
ciência msis recentes por ele inspùados, estão solidamente enraizados no desenvolvi-
mento histórico do método cientffico.
Apesar disso, os positivistas, bem como as escolas analftica e formalista que lhes su-
cederam, parecem extraordinariamente relutantes em investigar com cuidado a sua pró.
pria genealogia. ou adotam, de um lado (l), a tese de que a recente filosofia da ciéncia
representa uma ruPtura radical com todas as tradições anteriores, ou ent¿io, de outra
parte (2), sugerem que praticamente todæ as figuras céticas da história da ciência e da
fìlosofìa foram seus patronos intelectuais. A primeira tendência encontra, talvez, a sua
ilustração mais sugestiva na hesitação de Carnap em desigrar a fìlosofia do Cr'rculo de
viena pelo nome de 'positivismo lógico', pois tal etiqueta, segundo ele, poderia "suge-
;åï';Tå?#f,i
starem incluldos
na lista dos precursores do positivismo lógico: os sofìstas e os epicuristas, os nomina-
listas medievais, Bacdn, Hobbes, lncke, Hume, Bentham, Mill, spencer, Descartes,
Bayle, D'Alembert, Saint-Sim olzano, os philosophes,
Mach, Avenarius, Helmholtz, Einstein, Þeano, Frege,
Schröder, Russel, rrVhitehead, ch e Marx2o. Em certo
16 Lu¡ens Laudan
Está claramente implicado nesse texto que os atuais fìlósofos da ciência não deveriam
perder muito tempo zombando dos seus velhos predecessores fìlosóficos e que, na ver-
dade, æria bem melhor simplesmente deixar de lado essas lamentáveis coisas.
Até aqui, limiteime a examinar a história do método da maneira mais vaga e mais
geral posslvel. Næ seções seguintes, gostaria de considerar mais especificamente algu-
mas dæ questões e problemas com que se defrontam o historiador do método bem
como a literatura edstente sobre o assunto. Nâ'o tenho a menor pretensäo de apresen-
tar o que segue como um panorâma sinóptico do campo em questão. Ao contrário, tra-
ta-se apenas de oferecer algumas observações esquemáticas que poderão facilitar o uso
da bibliografia a que elas introduzem.
Além
1958;
1965;
t939;
1960.
18 L¿urewLøudm
O¡a,oasEônomoeoffsicoterão'ernmuitoscasos'oobjetivodedemonstrsrames- fa'
pelo mesmo caminho' O físico demonst¡a¡d cada
ma coisa . . . mas não procederão
to mediante *ns¿u,ãiooã'ì'bn"i" ou substância
" ïfiifrLffl;Jfi;
cæos, alcan'
em muitos
o. ' 'nãoestáqualiffca-
Duhem33éconvincenteaomostrafqueaquestãomodema:Quaissãoasfelações
discutitta pelos gregos em resposta à
entre a teoria ffsica.-a *etoffrio,?" i¡fora
p€rgunta:"QuaisseoærelaçOesentreoconhecimentoastronômicoeoconhecimento
cientlfico?".
Jáædissemuitasvezesgueoprincipaldefensordopontodevistainstrumentalfoi
como um clásico do instru'
Ftolomeu, culo Almagesto ¿ habiiualmente conúderado
mentalismo.EmboraessainterprctaçãoPaleçaumtantoduvidosaàluzdecertasobser-
enasHypothesespb-
vações fortemente essencialistÅ quõ se ãncontramnoAhtugesto
de Ftolomeu frente a essa questão capital
ainda
netantm deve-se
"¿.itir õ.-" "ii,ud.
pem¡rnece bastante ous"ui"; de resto, um artigo
sucinto de Kattsoff sobre o método
tentativa séria de esclarecer a sua Po-
cientffìco de Ftolomeu pafece constituif a rlnica
,iie" ;,I1í pouca ¿rnvi¿a de que vários ptolomistas medievais
eraÍi
e renascentistas
Duhem publicado há sesenta anos
ïistrumentali-stas'. Ora, desde o ensaio pioneiro
de
não voltaram a ser estuda-
atr!ís, as origens e o deænvolvirnento do instrumentalismo
luz desde aquela época'
dos com cuidado , ,r. gr*ar número de fatos
novos veio à
foi Cláudio Galeno' cuja uti'
outro metodorogo ñrgo áe extraordinária importância
experimentais constiûriu'
lizagão expllcita Or. i¿r:túca, de refutação e cãnfirmação
critérios formais de prova e
proi"urmånte, uma tlas primeiræ lentaliva¡ de introduzir
embora aparentemente tenha sido Aris'
de argumentação num teito cientlfìco. Assim,
atençÍio a estrutura lógica da teoria' Gale-
tóteles o primeiro metodólogo a estudar com
principais-trlbalhos de Galeno sobre
no foi o primeirológico dJteste de teoriæ. os
suficiente para sugerir que as
Àrfoaotogi" se perderam, mas deles restou um nrlmero 3s Kiefer e
de fato muito profundas '
suæ idéias, bem com.o a sua influência, foram
minuciosamente algumas dæ teoriæ lógicæ e metodológicas
Kalbfleisch examirra.À
æ Citodo oor Sambursky 1962, p. 135. A passagem completa pode ser encontada em Simpligt¡¡'
i;'iji¡ti;;¿ñî,¡ñ;;i;;;rum tibtos quøtuot paorei c"nimâitàrø @¿' de H. Diels. Berlim 1882,
pp.29l-292).
3 Duhem 1908.
e
36 Ver Kattsoff tg47.Cf . também Duhem 1908, pp' 129-134'
î:"i"* i,2:åil:"?Jwlü:"
äï'ä:)*f if:î*iffiå".i
).
Teorias do Método Aeníftco de Platõo a Mach 19
tões referentes à relação entre observação e teoria, além de terem claramenþ reconhe-
cido que a insisteìcia aristotélica em primeiros princfpios íttdubi&Íveis impunha restri-
ções pouco razoáveis ao desenvolvi¡nento téorico da ciência natural.
Ainda nÍo temos uma história geral da metodologia durante a ldade Média, embora
o livro Robqt Grossetcste (1953) de Crombie apresente um tratamento bastante am-
plo dos sécr¡los treze e quatorze s3.
Os melhores estudos sobre os riltimos perfodos da Idade Média e sobre a Renæcen-
ça são, provavelmente, o School of Paduø (1961) de Randail e o Retaisvnce concepts
of rtetlød (1960) de Gilbert. O mais antigo metodólogo latino da Idade Média a rece.
ber séria atenção da parte dos eruditos foi Alberto Magro, cuja obra foi analisada por
Dezani sa, Fernandez-Alonso ss, Grabmann s6, Mansion s? e Tinivella s8. Tomás de
Aquino, aluno de Alberto, foi estudado, do ponto de vista metodológico, por Ardley 5e ,
Collingwood æ, Meyer ót , Régis 62, Rimaud 63 e Simard fl. A mais clara apresentaç['o
de prosseteste, cujas obras receberam, provavelmente, análise mais completa do que as
de qualquer outro metodólogo medieval, se encontra nos estudos de Crombie 65,eil-
bora os trabalhos de Baur ft, Dales ó7 e Michand-Quantin óE acrescentem esclarecimen-
tos suplementa¡es sobre essa figura extremamente importante. A teoria geral da ciência
defendida por Roger Bacon, bem como as suas opiniões especlfìcas a respeito do méto.
do cientlfico, foram tratadas por Alessia 6e, Carton æ, Easton 7l , Hochberg ?2, Thorn-
dike æ , Tinivella 7a, Vasoli ?s e Wdrschmidt ?6. Stokes ?? estudou Guilherme de
'Oclfiam numa interessante dissertaçã'o. Mlliam tffallacæ, com a ambigõò de seguir o
exemplo de Crombie em seus trabalhos sobre Grosseteste, consagrou um livro à ótica
e ã,metodologia de Teodorico de Freiburg, que está longe, porém, de ser urna obra mui-
to legfvel ou muito ínstrutiva 7E. Uma monografìa recente escrita por Weinburg D exa-
50
gia de Alhazen.
I 1944.
Dezani 5s Fernandez-Alonso 1936. s Grabmann 1944.
57 Mansion1956. s Tinivella 1944. I l¡dley 1950.
@ collingwood 19ó4. 61 62
Meyer 1934. négir 1948.
6 Rimaud 1925. 6 si*utd 1965.
s C¡ombie 1953a, 1953b, 1955b. Ver Dales 1961, pa¡a uma discussalo crltica de algumas con-
clusões de Crombie,
6 Bau¡ 1914. 67 1963.
Dales
I MichandQuantin 1953.
@ Alessia 19.5?. D Cafion 1924. Í Easton 1952.
2 Hochberg 1953. æ Tho¡ndike 1914. fl
Tinivella 1944.
Ë Vasoli 1956. æ W¿tuschmidt,lgl4.VertambémAdamson 18?6'
3 Siok", lg6O.CÍ. tambémBoehner 1945;Moody 1935;Mose¡ 1932eThomburn 1918.
É Wallace 1959. t J. Weinburg 1965.
Teorlas do Método Cient{flco de Platilo a Møch 2t
Como vimos, os gregos distinguiam entre a ffsica e a astronomia com respeito aos
objetivos correspondentes das duas disciplinas, sustentando que as teorias astronômi-
cas eram instrumentais, ao passo que eram realistæ æ teoriæ flsicas. Ao fìnal da Idade
Média e duiante a Renascença, essa distinçifo passou a receber investigações cuidado-
sas, resultando em inúmeras discussões de grande importância metodológica. Duhem 8?
mostrou que os filósofos árabes, em especial Averroës e al-Bitruji, defendiam a idéia de
que a astronomia devia fazer mais do que simplesmente salvar as aparências, devendo
também se ocupar das verdadeiras causas dos movimentos celestes EE. Em suma, esses
pensadores pretendiam que a astronomia e a ffsica eram, ambas, de natureza essencia.
lista. A dificuldade dessa doutrina estava em que a astronomia ptolomáica e a ffsica
aristotélica, se interpretadas de maneira realista, eram totalmente incornpatlveis. Dese-
jando presewar uma e outra, Tomás de Aquino Ee e Maimônides afirmavam que as hi-
póteses astronômicas deveriam ser interpretadas apenas como instrumentos de predi-
Ð, essa opiniâ'o parece ter amplamente predominado até a
ção. Com raras excegões
época de Copérnico.
s Edwa¡ds lg6}.t1Í. também Randall 1941 e o artigo de C, Schmitt, a ser publicado proxima-
mente, sobre a teo¡ia da experimentaçÍio de Zabarella.
Er Patronnier de Gandillac lg37.æ Duhem 1906b. t' Sol*i 1905
s Duhamel 1948. 85 Hooykaas 1958.
* Ottg 1958a, 1958b. Ver também Rossi 1954, sobre Fracastorius; Yates 1954,sobre Raimundo
Lrrllio; Rashdall l9QT, sob¡e Nicolau de Autrecourt; Duhem 1913 e Ingarden 1954, sobre Buri-
dan, e rileil 1932, sob¡e Pomponazzi.
e Oslrincipais estu-dos de Duhem sob¡e o instrumentalismo na ldade Méclia sâo o seu artigp de
1908 e o volume 6 do seu ,L¿ syúème du morde 1954. (I98).
s "L", A¡abes semblent donc avoir unanimement admis cet axiome: Les hypothèses astronomi-
." (Duhem I 908, p. 2S6).
ques doivent être conformes à la nature des choses célestes . .
P
rDVer lldtey 19i0.
'rîïlï
e Blake
22 laurens Lcudøn
Por volta do século dezesæis, entretanto, tentou'se æriamente adotar uma atitude
à interPre
, realistas em relação
vicção de que CoPérnico havia,
tivamente verdadeiros dos céus'
certamente não tenha terminado af) no célebre conflito entre Galileu e o Cardeal Ro'
berto Bellarmino. Mais ainda do to a interpreta¡ o sis'
terna heliocêntrico como uma de stxÍvel, de um estado
x e, menos
de coisas real. Recusava-se até a hipótese
ainda, de uma hipótese falsa, tendo essa defesa obstinada da realidade do sistema co'
pernicano Esse confronto famoso foi objeto, juntamente
com as su diversas exposições, os historiadores encont¡an-
do muita tomar partido na questão' Assim é que Duhem'
por exemplo, embora admitindo que Galileu possufa sólidas razões cientfficæ, insiste
9r p-u um <1e
exÍrme das opiniões (aluno de Çop_érnico)-acerca
dessa ouestão ver
e out¡aö afins, ;,Çr-ant 1962; Giacon 1943 e
ié46;i;;;ãoã-if¿+; ini"'¿. 1962; Ravetz 1965 e Rosen
1940 e 1959.
e Bluk" t960,p.37.
93 vestigadas Por Bla-
I 954; Prantl I 875,
"a primeira defini-
e4 Dois '
åitå :
sição heliocêntrica.
I
Teorias do Método Cient{fiæ de Platão s Møch 23
om que Bellarmino tinha uma noção do método cientlfico e das pretensões da ciência à
verdade mais cla¡a do que Galileu tt. Or4 a objetividade de Duhem é um tanto suspei-
ta ness€ caso, pois, além de católico fervoroso, era, ao mesmo tempo, instrumentalista
declarado; não surpreende muito, portanto, que simpatizasse nais com a posiçÍo de
Bellarmino do que com a de Galileu s. Os artigos recentes de Clavelin e7 e de Duba¡l
s, ambos fomecendo uma grande quantidade de evidência documentária, são duas
melhores análises dessa questão.
Existem, é claro, várias outræ questões importantes relativas à teoria galileana do
método cientlfico que foram amplamente discutidas na literatura. Koyré s sublinhou
com insistência os elementos platônicos preæntes no pensamento de Galileu, embora a
identificação excessivamente simplifìcada que esse autor estabelece entre 'platonismo'
e 'matematicismo'escamoteie muitos problemas. O recente trabalho de Geyrnonat,
Gølileo Gølilei: ø biogrøphy and inryiry ínto his philosophy of science (1965) oferece
um contrapeso efìciente ao tatamento de Koyré læ. Deve-se mencionar, finalmente,
que as origens históricas das idéias metodológicas de Galileu também foram objeto de
muitos estudos lo¡.
r01 A respeito do bôckgmunt da merodologia de Galileu, além das obras !á mencionadas na s€-
ção anterior, ver o cont¡overtido t¡abalho de Strong: hocdures and nietuphysics (1936) e
Wiener 1936-
2A L&rensL&dsn
médiocre" t@. As fantasiæ que cercafn a reputação de Bacon são tão curiosas quanto
o próprio p€ñonagem. Por mais de duzentos anos, foi considerado o fundador da ciên-
cia experirnental moderna, o pd da filosofìa moderna e o iniciador do método induti-
vo. Seu nome foi constantemente æsociado ao de Newton, dizendose que havia revo-
lucionado a filosofìa da ciência da mesma maneira corno Newton, mais tarde, transfor-
maria a ffsica. Tendo sido tão estreitamente ligado à filosofìa indutiva, era inevitável
gue a reputação de Bacon esmaecesæ quando o indr¡tivismo deu lugar ao hipotético.
dedutivismo. Visto que a história das idéiæ æ altera fatalmente pelas rnodas e preferên-
cias de cada época, Bacon raramente recebeuum tratamento simpático no Dosso século,
exceto por parte daqueles que, como M.B. Hesse, encontrarn na sua obra tendênciæ hi-
potéticodedutivas. Via de regra, porém, os atuais historiadores do método tendem a
r03,
trata¡ Bacon como um indutivista æm interesæ e um tanto ingênuo aceitando, æ-
sirn, a opinião de Koyré, ægundo a qual nfo pasa de 'bno plaisante¡"tt lü peßar que
Bacon tenha alguma coisa a ver com a ciência ou a fìlosofìa rnodernæ. Nfo obstante a
baixa cotaçifo atual de Bacon nos esquemí¡s correntes entre os especialistas fìlosófìcos,
seria um erro dar a impressão de que in¡lmeros æpectos da sua teoria do método foram
imerecidamente descuidados; bem ao contrtlrio, há provavelmente mais estudos consa-
16.
grados a Bacon do que a qualquer outra figura na história da fìlosofìa da ciência
Mesmo assim, ainda permaneoe um enigma o modo exato como ele abordou vdrios pro-
blernas. As fornus, por exemplo, que ele esperava descobrir por indução, eram leis ou
definições? As relações çantitativas poderiam ser tratadæ mediante æ Tabelas de
Apreæntação de Bacon? Bacon entendia pelos æus instantiae crucß o mesmo qu€ en'
tendemos por experimentos cruciais? Finalmente , e é lalvez a pergunta mais importan-
l@
RostandemLeclercq 1960, p. 11. Fundamentahnente, Rpstand parece putilhar da opiniâg de
Voltaire (expressa næ suæ Lettes philosophiques" 1734), para o qual Bacon foi "le père de la
philosophie expérimentale".
te, em que medida Bacon era capaz de admitir que æ hipóteses e conjeturas ocupam
um lugar importante na investigação cientffica?
Ainda mais desconcertantes do que essas questões textuais são os problemas histó-
ricos referentes ao papel de Bacon na história da metodologia, tanto em termos daqui-
lo que deveu a seus predecessores quanto no sentido da influência que exerceu sobre os
que o sucederam. No,lVoyum organum, Bacon afìrma que a sua teoria da ciência é nova
e revolucionária e alguns historiadores parecem ter simplesmente endosado as suas pa-
lavras. No entanto, boa parte da obra parece derivar de fuistóteles
lffi e de precursores
medievais e renæcentistas de Bacon 107.
O problema da sua influência é ainda mais complicado, O indutivismo e o anti-hipo-
teticismo de Newton foram derivados de Bacon ou, ao contrário, De Morgan læ está
certo ao afirmar que é imposlvel que os escritos de Bacon sobre o método possam ter
influenciado Newton? As naturezas simples das Regulae de Descartes baseavam-se nas
naturezas simples do Novum orgatam læ ? Os phitosophes levam Bacon realmente a
rro?
sério ou era mero tributo verbal a deferência que manifestavam em relação a ele
E por que, para evocar uma questão mais importante,o Novum orgømtm atraiu tanta-
atenção por parte dos cientistas e hldsofos, e quando isso começou a ocorrer? Fulton
rlr Jones rl2, Penrose 113 e Presley tla. investigaram, todos eles, o surgimento do baco-
,
nismo na Ingfatena; apesar disso, porém, ainda não está claro por que ele se tornou o fdo-
lls.
lo ta Royal Society e dos seus primeiros membros, como Boyle, Glanvill e Hooke
Felizmente, a situação dos estudos especializados com respeito a Descartes é um
pouco mais promisora. Nos últimos quinze anos, surgiram vários estudos fundamén-
tais sobre a sua teoria do método que alteraram radicalmente a nossa concepçlio da me.
todologia cartesiana 116. Fm especial, revelou-se que Descartes conferia à experiência
um papel na determinaçã'o dos conteúdos das teoriæ muito maior do que poderiam
16
Consulta¡ Kosmari 1964 e Larson 1962, pata uma análise interessante das tendências a¡istotéli-
cas presentes no Novum organum.
rØVer Allbut 1913; Dynoff 1916: Hanschmann 1903; Hooykaas 1958; P. Janet 1889 e P' Rossi
1968. As semelhanças ent¡e Bacon e o seu homônimo medieval foram exuninadas por Hochberg
1953 e Vasoli 1956.
16
v"r D. Morgan 1915.
¡@
Sobt. as possíveis relações ent¡e a metodologia baconiana e a ca¡tesiana, ver Hube¡t 1937;Lr-
lande l9Ll e 1929;Levi 1925;Milhaud l917 e Roth 1937.
rl0Cf. Dieckmann 1943;Luxembourg 1965;Va¡tanian 1953 eWhite 1963.
ul Fulton 1931. 112 R. Jones 1961, 1r3
Pen¡ose 1934.
lla Presley 1953'
115
P*u uma curiosa e estimulante discussão da influência de Bacon no pensamento americano ci-
entífico e filosófico posterior, ve¡ Daniels 1963 e 1965.
26 LaurensLaudan
sugerir algumas passagens do seu Discurso e das suas Meditações rr7. Além disso, hoje
está estabelecido que Descartes tinha uma sólida compreensâ'o tle algo como o método
hipotéticodedutivo e que ele se dispunha a recomendar o seu emprego na ciência natu-
t¿ 118. A velha imagem de Descartes, o a priorista,vem sendo substitufda pela imagem
mais correta de um fìlósofo dotado de aguda sensibilidade a várias limitações da razão
solit¿iria.
Os problemæ contextuais, por outro lado, também são bem mais claros no que se
refere a Descartes. Gilson lle e Markus læ investigaram a dfvida de Desca¡tes para com
os seus primeiros precuñiores, enquanto Lalande ¡21 e llowell
r22
, entre outros, exami-
123
naram a influência que Bacon exerceu sobre ele.Mouy escreveu sobre o desenvolvi-
mento da metodologia entre os primeiros cartesianos (especialmente Rouhault e Régis
lä), Laudan ¡2s examinou a influência de Descartes sobre a metodologia inglesa e
Vartanian 126 e Pelikán 12? abordaram as contribuições gure os metodólogos d<¡ llumi-
nismo francês deviam a Descartes. O que esses estudos revelam, fundamentalmente, é
um relato de corno uma metodologia hipotético-dedutiva já sofisticada foi gradativa-
mente abandonada frente ao entusiasmo provocado pelo indutivismo baconiano e new-
toniano.
É claro que muitos metoclólogos continentais desse perlodo não eram cartesianos
ortodoxos. Pensamos, em particular, no brilhante Ess¡i delogique (1678) de Ma¡iotte
t2E
- um fascinante tratado sobre o método cientffìco, injustarnente esquecido - bem
como em determinadas pætes da Ingica de Port-Royal (1664)r2e e nos esciitos meio-
dológicos de Huygensls, Malebrancher3l , Pascallil , Perraultr33, van Helmontlil e do.
1937; Lewis 1950; Markus 1949; McRae 1957 e 1961; Meier 1926; Milhaud 1921 ; Mit¡ovich
1932' ; Ruvo 1937; Segond 1932; Sirven 1937; Smith 1902 e 1963;
Stock min 1960;Weber 1958 e 1964, e von Wright 1950. Ver ainda
Augus 9,184).
117
Sob.e o papel da experiência na metodologia cartesiana, ver Blacke 1929; Gewi¡tz l94l; Howell
1926 e Liatd 1879.
llE
Vrr, em particular, Buchdahl 1963a; Sabra 1955 e 1967 e C¡ombie 1958.
rre r21
Gilson 1951. Ma¡kus 1949.
1æ
Lalnnde lgIL e L929.
rz A. Howell L926.Ye¡ também Milhauil 1921 e a nota 109 acima.
1æ
Mouy 1934.
ta Parauma rápida análise da metodologia de Régis, ver Watson 1964.
1ã
Laudan 1966b. lãVartanian 1953. r27
P"likârn!g37.
1æO únioo
estudo sólido sobre o Ess¿i de Mariotte foi ¡ealizado por P. Brunet L94'l .Panuma
comparação entre as opiniões metodológicas e lógicas de Roberval e Mariolte, ver Rochot 1953.
lD Ver Arnauld e Nicole 1664.
læ Os pontos de vista de Huygens são examinados po¡ Sabra 196? e Mouy 1934.
r31
A *elho¡ análise da teoria do método de Malebranche e, provavelmente,adeBuchenau 1910.
Consultar ainda Bridet 1929; Dreyfus 1957; Labbas 1931 e Rome 1963.
132
Sobr" Pascal, ver öaillat L923, e Ott L967 .
rs Sobr" o rnétodo de Per¡ault, ver Delorme 1947.
1r Ver Mepham 1965.
Teorìas do Método Cientilico de Platão a Mach 27
13s.
primeiro Spinoza
Outra área que passou recentemente a receber cuidadosa investigação é a do desen-
volvimento do pensamento metodológico inglês no perlodo compreendido entre Bacon
e Newton l#, intewalo esse que é decisivo, tanto para compreender a herança de
Bacon quanto para avaliar a originalidade de Newton. Dos autores dessa época, foi pro-
vavelmonte Robert Boyle quem recebeu a maior atenção, embora restem ainda muitos
æpectos da zua metodologia que não foram estudados como provavelmente mere-
ceriam 137.
Graçæ em grande parte a M.B. Hesse, um contemporâneo de Boyle, mais jovem do
que ele, Hooke, começa a ser reconhecido como importante pensador metodológico
ræ
. O General scheme de Hooke, esquecido durante muito tempo e que constitufa
uma tent¿tiva de codificar e ampliar as técnicas indutivas de Bacon, parece especial-
mente digno de nota l3e. A obra de Joseph Glanvill, chamado às vezes de o 'Hume do
século dezessete', também apreænta algum interesse l{. Embora existam certas seme-
lhanças entre o tratamento da causalidade que encontramos em Glanvill e Hume, Pe-
trescu rar parece tet ¡azlo ao sublifihar as diferenças, bem mais marcantes do que as
semelhanças, das duas abordagens. Outros metodólogos ingleses desse perfodo cuja
obra foi estudada recentemente são Charleton 142 , Gilbert ¡43, Harvey l{, Hobbes 14s,
Locke 146, Ba¡row la7 e Sydenham rß.
Passemos, finalmente, ao mais enigmático de todos os metodólogos, Isaac Newton,
que se proclamava a personificação do esprit dbbserver. Nâ'o é certo que as obræ de
Newton contenham mais de quinhentas palawas sobre a natureza do método cientf-
fìco; apesar disso, cada uma das suæ vá¡iæ declarações a respeito, embora muitas vezes
concebidas de maneira apenas casual e às vezes expressÍrs de forma até grosseira, foram
l3sVer especia-lmente Hall 1964 e Pastore L921 . Cf. tanrbémC. Adam 1885; Bertauld L891;
McKeon 1.930;Richter 1898;Hayes 195? eThilo 1893.
lsPara um geral dos desenvolvimentos que ocorreram nesse período,ve¡Leeuwen 1963 e
-ex-ame
Presley 1953.
137P.u anrílisg¡
da metodologia e oyle, ver Boas 1952, 1956 e 1965;
Fulton 1932; Hall 1964; Laud 4; Meier 1907; Mendelssohn 19021
Rogen 19ó6; Sambursky 1958; e Wiene¡ 1932.
ls Ve¡ Hesse f 96?.(164).
l9 Felizmente, essa obra ext¡e vias de ser reimp¡essa,,.de sorte que
a.sua leitu_ra, junto com as encontram nas wasMicrographla e
Phllosophlcal.lexperùnentt; ce.
lo V"r.. especial Popkin t9S3 e f960, Laudan 1966b e Leeuwen 1963.
lal Petrescu 1911. r€ Ver Zilsel 1941.
Ver Kargon 1966.
la2
lfl y^e1 Çhauvois 1957; C¡ombie 1959b; Ghiselm 196ó; Jevons 1962; passmore 1958 e Walmsley
t964. (t12r.
r4s
Ver Brandt 1928; Ktihter 1902; Madden 1960b; Pacchi 1965; Tönnies lB80 e Walkins 1965.
tsy^e1
4r¡O-ersoq^l!,21;ll.qt-r!t 1952; Laudan 1966c;Mandelbaum 1964;Odegard 1965;Rogers
1966 e Yost 7951. (167, 229).
ra7
ver Kargon 1965. l€ Ver Yost 1950.
28 Lurens Løtdøn
Comparado com os dois séculos entre os quais está situado, o século dezoito p€rma-
neoe como uma linha divisória na história da metodologia. Embora enriquecido de um
bom número de fìlósofos de primeira ordem, o Iluminismo não conseguiu produzir
uma só obra reconhecida como um clássico do método cientlfìco. Apesar disso, seria
um erro grave concluir que o século dezoito não oferece nenhum interesse do ponto
de vista medotológico. Na verdade, pretendo defender a idéia de que algumas obras
desse perfodo são extrema¡nente importantes, não tendo sido reconhecidas como os
I
I
Teorias do Método Científico de Platõo a Mach 29
gras, a pressa dos flsicos e outros cientistas naturais em tomarem o primeiro vagâ'o in-
ãutivista. Quase todos os principais trabalhos ingleses e a maioria dos de outros pafses
sobre a fìlosolta natural que zurgiram no perfodo que vai mais ou menosde 1715 em
diante, se referem às regulae, acentuando que uma ciência purifÌcada de todas as hipó'
teses é o ideal a que todos devem aspirar. As quest@s metodológicas passaram a ær mi'
nuciosamente examinadas nas obras de 's Gravesande, Voltaire, Musschenbroek, Pem-
¡sE. Essas análises resultam,
berton, Martin, Maclaurin, Desagulien e muitos outros
com rarfssimæ exceções, no elogio da ciência experimental e indutiva e em copiosos
insultos aos 'construtores de sistemæ'e fazedores de hipóteses'
Em geral, essas discussões, que muitas vezes nada mais são do que simples paráfrases
do Novum organum ou dasregulae, contêm pouqulssimo material que surpreenda pela
originalidade ou pela perspicácia. Consideradas em conjunto, entretanto, constituem
um sigrificativo sintoma de quão radicalmente mudará, desde a época de Descartes,
Boyle e Hooke, a concepção do cientista acerca da sua disciplina -
tanto em relação
aos seus objetivos como em relação aos seus métodos. Uma observaçãÕ de Benjamin
Martin cancleÅza vivamente a atitude dominante :
ls P.u um exarne de urn grande número desses prefácios, ver I. B. Cohen 1956.
ls B. M"ttin, P¿ ílosophical grømmør ('l.a ed., Londres 1769) p' f 9'
1@
Urn t"*u semelhante figura no Troité des premiè¡es vérités (L724) de Buffie¡.
lut
Pur" análises de diversos aspectos da filosofia da ciência de Berkeley, ver Hin¡ich 1950; Hunger-
mann 1960; Jessop 1953; lllyhill 1957; Popper 1953; Ritchie 1967 e \,lVhit¡ow 1953a e 1953b.
(ls2, 1.83, 208).
Teori¿s do Método Científíco de Plstõo a Mach 3l
hipótese 162.
David Hume, cujos Treatíse (1739) e Inquirl (1748) impuseram uma forma com-
pletamente nova às concepções de lei, causalidade e indução, foi talvez o pensador me-
- -
todológico mais original e certamente o mais influente a surgir na primeira metade
do século dezoito. Além das exposÍções sobre o seu p€nsamento que podem ser encon.
tradas em qualquer história da filosofìa, eu chamaria a atenção para o fato de que a
teoria de Hume sobre as leis foi examinada por Ruddick ¡63, enquanto Petrescu ¡fl e
l6s investigaram as relações
.Popkin entre Hume e Glanvill, tendo Papillon r6s a apresen-
tado um interessante argumento para considerar Hume como o fundador do positivismo.
Nã'o há dúvidas, porém, de que o exame mais intenso e demorado das questões me.
todológicas realizado durante a fuminismo está ligado aosphilosopheseàEncycbpé-
die (1751-1780). Entusiastas na aceitação da ffsica de Newton, mas relutando, a prin-
cfpio, em endossar a teoria do método que lhe estava assoçiada tuu, autores franceses
como Condillac, Condorcet, Diderot e D'Alembert escreveram longamente sobre a in-
dução, as hipóteses e as regras de experimenttgão 167 . Dente as principais obras a
esse respeito, encontramos o Traité des systèmes (1749\ de Condillac t6, os Pensées
sur l'interpfttation de Ia ruture (1754) de Diderot r6e, trabalho que revela forte incl!
nagão baconiana, os Éléments de philosoph¡'¿ de D'Alembert r?0 e apópnafincyclo-
pédie, que contém inúmeros artigos consagrados a questões de interesse metodológico
(como, por exemplo, 'hypothèse", "système" e o "discours préliminaire")I7l . A esse
respeito, há um longo ensaio sobre as hipóteses particularmente interessante, de auto-
ria de George læSage, escrito com a manifesta intenção de ser inclufdonaEncyclo-
pédie. Bmbora não tenha sido, fìnalmente, incluído nessa obra, foi publicado postuma-
mente por Prévost em l8M.
r@Sob.e
a metodologia cle Leibniz, ver Adam 1885;Cassirer 1902 e 1911;Coutu¡at 1901 ;Ehren-
berg 1845 e McRae 1957 e 1961.
16
Ruddi.k 1949. Ver tamþé¡n Lenz 1958; Ducasse 195lc;Greenberg 1955;Masaryk 1884;Richter
1893; Robinson 1968a e 1968b; Richa¡ds 1968 e Stove 1968. (7,104,L52,t95,202,217)
ra Pet¡escu 1911. 16
Popkin 1953.
l65a Papillon 1s68. (i46).
16 ce a sef
volume
destino
qrrr, pã, volta da segunda metade do século dezoito, poucos metodólogos ingleæs se
d'ispunham sequef a admitir a possibilidade de que as hþteæs pu¡lessem ter algum
valãr positivo na investigação científica. Ao que sei, Joseph Priestleylæ e David Har'
tley fóram os únicos opósilores ingleses de envergadura às posições estritamente indu-
tivistas. Os argumentojde Hartley em favor -d-e uma utilização cautelosa dos métodos
l?''
hipotéticos sãó particularmente interessantes
Autores médicos e biólogos também aderiram prontamente aos debates metodoló'
gicos da época l?s. Dentre esses, devemos
1?6,
Ànneìknst (1764) de Zimmermann as
sæuting inquiries into philosophy (1770) d
r?7 e o Inquíry into the state of medìcine, on
science de lihomme (l'l,78) de Barthez
the true princþtes of the indrtctive phitosophy (1781) de Jones. Embora se ocuPem
menos diretamente das questões de método na biologia, são igualmente interessantes
t70.
os escritos de Lineu sobre nomenclatura e classificação
No.último quartel do século dezoito, ocorreram dois acontecimentos de fundamen'
tal importância para a história subseqüente do método. O primeiro foi a formrfação
da filolofia crltica de Kant. Embora tratem do método cientffìco apenas incidental'
mente, a Oftíca da,razão pura de Kant, os se]gs holegOmerw e os Fundamentos meta'
da ciência' Verificou-æ
físicos da c.íêncía tem implicações mriltiplas para.a fìlosofia
rapidamente que a insistência de Iiant na presença de elementos ideiais no conheci
mãnto cientffico solapava apenpectiva indutivo-empfrica que dominara a metodologia
Se o início do século dezenove assitiu à passagem da ciência das mãos dos amadores
para os profissionais, uma transformação de tipo semelhante também ocorria, embora
com ligeiro atraso, na filosofìa da ciência. Graçæ principalmente à obra de Comte e de
Whewell, assim como ao ca¡áter czda vez mais técnico da própria matéria, a filosofia
da ciência passou a ser uma disciplina autônoma no início do século dezenove. Prati-
camente pela primeira vez, livros inteiros, e não somente prefácios ou capftulos isola-
dos, foram consagrados exclusivamente ao tema. Ampère e Whewell chegaram até à
audácia de inclufrem a expressão 'fìlosofia da ciência'nos tftulos dos seus trabalhos.
Pela primeira vez, forarn criadas cadeiræ de história e de fìlosofìa da ciência nas univer-
sidades. Na realidade, de um ponto de vista quantitativo, e talvez qualitativo também,
somos obrigados a falar da ocorrência de uma virtual revolução na disciplina entre
1800 e 1900.
A realização isolada talvez mais importante do século passado foi a formulação,
por Auguste Comte, dos princlpios básicos do 'positivismo', doutrina que se revelou
responsável, de um modo ou de outro, por vários dos mais importantes desenvolvimen-
tos ulteriores na teoria do método cientlfico. Especialmente no segundo volume do seu
Cours de philosophie positive, Comte adotou uma fìlosofia da ciência que, não obstan-
te todos os s€us defeitos e limitações, fornecia uma exposição convincente dos objeti-
vos, métodos, estrutura e limitações da ciência. Inspirando-se nos analistas franceses
(Fourier t* e- particular) e nas obras de Newton e de Ampère, Comte afirmava que a
ciência deveria ocupar-se exclusivamente com a descoberta de leis descritivæ dos fenô-
menos, devendo, ao mesmo tempo, renunciar prudentemente a qualquer tentativa de
descrever causas eficientes ou "modos de produçâ'o". Ii bem verdade, é claro, que o
Cours ofercce pouco mais do que um esboço de como seria essa ciência fenomenalfsti-
ca; no entanto, embora Sejam por vezes vagos, é inegável que os seus argumentos exer-
ceram um produndo efeito tanto nos positivistas ortodoxos que seguiram Comte como
tæ
Ver especialtnglt^"^9 Discou¡s préliminøire que introduz ao liv¡o de Fou¡ie¡ Théorie analytique
de lo ch¿leu¡ (1822).
34 Laurens Løudan
em autores como Whewell e Apelt que consagrüam muito do seu tempo a uma refuta'
l8t . Curiosamente, o Ctturs de Comte
ção quæe sistemática dæ doutrinas de Comte
jarnais foi traduzido para o inglês e a versÍio resumida da obra que Martineau realizou
é insatisfatória, ao mesmo tempo porque distorce às vezes o que Comte pretendia di-
zer e, o que talvez seja ainda mais grave, porque simplifìca em exc€sso os argumentos
lEz,
do autor. As teses gerais de Comte sobre o método foram exanúnadas por Cha¡lton
Ducassé le , Dupuy
tu, Gräber 18s,
Uvy-Bruhl le e outros
187.
Os desenvolvimentos
lE8, Chatlton l8e,
posteriores do fositivismo francês foram estudados por cleBrogtie
buboul rm, Fouillée rer
, Frankel
1e2
e Simon
1t3. Alek'Kowalski lq escrev€u um inte-
ressante'estudo sobre o desenvolvirnento do positivismo na Polônia durante o séctrlo
dezenove. Existem também vários estudos tendo por objeto aspectos especfficos da
les e as relações
tradição comteana, tais como a sua influência em Claude Bernard
1e6.
entre Kant, Hume e Comte Mesmo assim, é relativamente reduzido o número de
ætudos sobre as origens pré-comteanas do positivismo, a despeito do fato de que æ
opiniões de cientistas como D'Alernbert, l,azare Carnot e Biot exibem notáveis seme'
re7
lhançæ com algumas teses expressas no Cours .
of natural philosophy le8, obra à qual, segundo eles próprios, Whewell e Mill cleviarn
muito. No Discourse, Henchel formulou o que viria a cer conheciclo mais tarde como
os 'canônes da indução de Mill' (na verdade, ele os fornrulou bem mais claramente do
que Mill o faria posteriormente), examinando longamente, também, certas questões
sobre a causalidade, a indução e æ hipóteses. Embora Minto se deixasse provavelntente
levar pelo entusiæmo quanclo afìrmava quie o Discourse de Herschell foi "a prirneira
tentativa feita por um eminente homem de ciência de torna¡ expllcitos os métodos da
ciência" lee, é incontestável que Herschel deu uma das noláveis contribuições à tradi-
çã'o indutiva, que conta Bacon, Newton, Hume e Mill entre os seus representantes
ilus-
2m e os
tres. O Discourse de Herschel foi detalhadamente examinado por Ducasse
2o1 e de Cannon 202 acrescentam úteis esclarecimentos äs con-
escritos de læuckfeld
clusões de Ducasse.
Dez anos antes da publicaçÍio do Discourse, surgiu o volume póstumo de Brown, as
Lectures on the philosophy of the human m¿nd. Nessa obra, que representa, sob vários
aspectos, uma elaboração de temas que se encontram no seu livro anterior,Iruquiry
into the relation of cause and effect (1818), llrown rompe cçm a tradição inglesa do-
minante de recus¿r todas as hipóteses, sustentando que os mótodos hipotéticos e o
racioclnio analégico constituem técnicas importantes à disposição do cientista, que
deve utilizá-las sem hesitação '03. Também foram importantes os Elements of the
philasophy of the human mind de Dugald Stewart, cujo segurrdo volume é em grande
parte consagrado a questões metodológicæ.
Embora adotada por razões bem divenas, a doutrina de Brown constituiu t¡m dos
pilares da fìlosofìa da ciência de William Whewell, que, dtuante mais de três décadas,
publicou abundantemente sobre a lógica da ciência. O seu brilhante trabalho Philoso-
phy oÍ the inductive sciences (cuja primeira edição data de 1840) foi apenas a primei-
ra investida de um constíurte ataque à perspectiva indutiva estreita que dominava, até
a época de lVhewell, grande parte da filosgha da ciência. Nas suæ obræ O/ inducfion
(1S49) e On the philosophy of discovery (1860), Whewell continuou a criticar incisi-
vamente a doutrina segundo a qual a ciência consiste na observaçâ'cr passiva cla nature-
za. Inspirando-se largamente em Kant, Iilhewell percebeu claramente a extensã'o em
que a análise k¡ntiana da percepçäo e da cogriçâ'o tornava insustentiíveis as teorias
antefiores da indução e do método cientlfìco. Blanché
2fi e Marcucci 2os escreveram
os principais estudos sobre a obra de Whewell. Nos últiuros atros, verificou-se urn re-
nascimento dos estudos especializados sobre esse autor e um grande uúmero de im-
r% foi
O Discoun¿ de Herschel ¡simp¡ss.5s ¡ecentemente (1966), acompanltaclo de uma inte¡es-
sante introdução feita por Parûidge.
1Ð
W. Mitrto,ogic, induc tiv e and deduc tìv e (N. Y. 1 904, p' 257 ).
¿
Ð tÞca$se 1942.
æl Leuckfeld 189?. u Cannon 1961.
æ
203
sobré Brown, ver Réthoré 1893. (187). Blanché 1935.
ru
Ma¡cucci 1963.
I
36 Laurenslaudan
portantes estudos exegéticos e críticos foram consagrados a vários aspectos da sua filo-
sofia da ciência 2ffi.
É, impossfvel mencionar Whewell sem pensar imediatamente em Mill, pois a sua con-
trovérsia sobre ¿ indução e as verdades necessárias constitui um dos debates mais fæ-
cinantes na história do método cientlfico. Mill era, de maneira geral, urn indutivista
um tanto ortodoxo, que via a ciência como a generalização da observação, sustentando
que todas as idéias científicas (inclusive æ da matemática) provêm diretamente da ex-
periência. Mill nã'o podia concordar com Whewell (e Kant) em que as teorias cientlfìcas
possuem, ao mesmo tempo, uma universalidade e uma necessidade que a experiência.
jamais poderia justificar por si só, O que Whewell dizia acerca da explicaçâ'o dos fatos e
da união d<¡s conceitos era, na opinião de Mill, mal concebido e, ao mesmo ternpo,
errôneo quando aplicado da maneira como o fazia Whervell. Os artigos de Strong 20? e
Walsh 208 ronstituem talvez as melhores exposições dessa controvérsia especffìca.
O System of logic (1843) de Mill pretendia ser, é claro, muito mais do que uma crf-
tica das inclinações kantianas de Whewell. Nessa obra, Mill pretenclia formular os pa-
drões formais a que deveriam obedecer tanto o raciocfnio indutivo quanto o dedutivo.
A julgar pelas reccpções que mereceu na época, a obra tomou-se imediatamente um
clássico, passando a ser utilizada como texto nas universidades inglesas até quase o
final do #culo. Aliás, mesmo no nosso século Mill foi algumas vezes chamado de "o
pai da indução" e o seu System of logic considerado como um liwo que "rnarcou épo-
c^" 2Ú . O System de Mill foi examinado por Crawford 210, Jacfrson 2tt ,Kubitz2t2 e
Munson 213,
Embora o pensamento metodológico inglês 2ra nos meados do século estivesse indu-
bitavelmente domin¿do por Whewell e Mill, viírias fìguras menores escreviam na época
sobre questões de metodologia. Entre esses podemos citar H. L. Mansel (Prolegomena.
logica, 1851), Baden Powell 2rs (EssaTs on the spät of the inductive philosophy,
1855), Bailey (Essays on the persuit of truth, 1959), Stuart (A chapter of science: or,
what ìs a law of nnflre?,1868), Finch (On the inductive philosophy, 1872). e J.
Macquorn Rankine ("Outlines of the science of energetics", 1855). O ensaio de Ranki-
õVerButts1965a,1965b,1967,l969ae1969b;Ducasse195lb;Heathcote1953e1954;Leuck-
feld 1897; Pearl 1966; Seward 1938; Stoll 1929 e Walsh 1962a e 1962b. A ediçiio crítica das
obras de Whewell, atualmente em curso sob a direção de Buchdahl e de Laudan, apresenta certo
inte¡esse a ese respeito. (125, L37).
M Strong 1955. ru Wulrh 7962a.Yer também Hutton 1850. (34).
æWestarvay 1919,p.176. 2loCrawford 1913. 21t
Jackson 1941.
2t3
'12 Kubit" 1931.
¿î'iÎä"1i*f,!îïH
2r4 as de meaclos do século
215
P"¡u um rápido exame das teses de Powell, ver Knight 1968,
Teorias do Mëtodo Cientiftco de Platõo ø Mach 37
iåï::"¡":f*it"^lÍîiîïi',åî1|T,':,'å,î'J,ii1î'ril:','"iir"î"iåf;#
6).
218
Ve¡ Buek l9l2 e wi[iams 1968. 2le
Ver Gresky 1936.
Ø Miil nte, uma lógica da descoberta com uma lógica da confirmaçdo. Assim,
ele "on
obse é "a operação que consiste em deseobrir e em ptovat proposições ge-
rais" (M .liwo 3, capítulo 2).
38 Lø¡ensLaud¿n
riæ, passaram a conceber a indução como um tipo de inferência e como uma teoria da
tógicø dt confirmação22r .
2 s.lf 19s1.
za^Para um 1945;
- Halpern 1944;
Cha¡lton d, ver
Pilet 196 1914.
(98, 118)
xA ao afirma¡ qrie a Introduction de
i:Tiï;';"lr:;iïlì,i"y";r¿
ert.
* q9Þr. Coumot, ver ÌIarpe 1936 e 1938; Fedi 1934; Ruddick 1940; Bottinelli 1913; Milhaud
1927 e o estudo clássico þublicado por Mèntré em I 908. (9, 57, I33, 149, f 5 3).
Teor'øs do Método Cientlfîco de Plattío ø Mach 39
NP^tuuma interessante análise cle certas relações entre a física e a metodologia do século deze-
nove, ver L B. Cohen 1959.
ær
Crombie 1959c. Ð Feibleman 1959. Æ Ellegard 1956 e 1957.
cações filosóficas foi, talvez, o traço mais fieqüente na fìlosofìa da ciência do final do
século dezenove. Chauncey Wright sustentava que a ciência é metafìsicamente neutra,
no sentido de que os resultados cientfficos não podem nem confìrmar nem ¡efutar ne-
. No seu Der pft ilosophische Kritizismus (l 876), Riehl
23ó
nhum enunciado 'metaffsico'
examinou "do ponto de vista da filosofia crftica" a lleltbíld cientlfica do final do se-
culo dezenove. Concentrando.se mais especifìcamente nos problemas da física, Stallo
apresentou, no seu Concepß ønd theories of nødøn physìcs (1882) 23?, uma interpre'
tação instrumentalista brilhante, embora controvertida, dos conceitos cientffìcos. A
obìa popular de Clifford, Common sense of the exøct sciences (1385)'s' alcançou,
no entanto, influência muito maior, tendo sido recentemente examinada em detalhes
por Smokler 23e . Nessa época, Friedrich Engels já havia concluíd o o seu Anti'Dùhring
já existia pelo menos em forma de esboço
.(l S78) e a sva Dfulétiu da tuturezø também
40. Gore publicara a sua Art of scientific díscovery (1878) e discutia-se amplamente
a Classification of the sciences (1864) de Spencer. E era ainda mais larga a influência
da Logik der exakten füissenschaften (1883) de Wundt. Entre as obras menores publi'
t
cadas nesse perlodo, poderfamos mencionar Über díe Grp.nzen des Naturerkennens
(18'72) de DuBois-Reymond, a Zur Lehre von der Hypothesenbildung (1896) de Hille'
brand, a Philosophie der Naturwissenschaft (1882) de Schultze e a Erlcenntnistheore'
tische Logik (l 878) de Schuppe.
Passemos, finalmente, a um rápido exÍrme da obra de Mach, com quem a filosofia
contemporânea acusa uma daS suas maiores dívidas. Independentemente da sua doutri-
na sensacionalista, Mach é lembrado por um grande número de noções metodológicas
de extraordinária importância. A sua crltica do espaço e do movimento absolutos, a
sua ônf,æe na 'economia de pensamento'como a força que impulsiona o teórico e o
na investigação cientffìca, re-
encontrar em Thiele 241 uma
a de Weinber1*' u melhor
&Puru apreciacões acerca das Philosophical discussions (187?) de Wright e da teoria dométodo
que es-saobrá contém, ver Madden l-953, 1956 e 1963 e Wienet 1945'
æ?
Ver também o habalho anterior e esquecido de Stallo, General principles of the philosophy of
rutute (1848\. Para um rápido exame da vida e obra de Stallo, ver Easton 1966. Ver também
Kleinpeter l90l e Drake 1959.
B Ver também as Lectures and æsøys (1901) de Ctifford. (88). 2æ
Smokler 1958.
mVer Hook 1955 e \ilalter 1948. Pa¡a um exame de aþns debates iomunistas sob¡e ométodo,
que tiveram lugar pouco depois, ver Emery 1935.
ãl J. Thi"lr 1963.
42 LaurensLøudan
Conchtsio
2s5 do nosso panorarna da
Chegamos æsim ao infcio do nosso séct¡lo e ao término
sinóptica a uma
história das teorias do método cientffìco. Acrescentæ uma conclusão
alterar a natureza mesma do trabalho. Aliás, um dos
resenha deste tipo equivaleria a
justamente, a riqueza e a eomplexidade do desenvolvimento
temas deste ætigo fo1,
histórico do pensamenå metotlológico, riqueza e complexidade esæ
que desafiam
O defeito de um estudo deste gênero está em que' em'
resumos fáceis ou superfìciais.
bora constitua uma sólida argumentação em favor de um estudo crftico e sofìsticado
próprio se encontra muito longe da crltica ou da sofìstica-
rla história do método, ele
A vætidão ãa iarefa que impus a mim mesmo exclui a profrrndidade
ção desejáveis.
e tenho plena consciência de que é diffcil encontrar uma só sentença no Panorama
apresentaão que não exija sériis qualifìcações ou esclarecimentos'
Ainda assim, seu
æ inúmeros erros e as desmesuradæ simplificações que
objetivo tení sido alcançãdo os
cr¡idado'
o trabalho contém intluzirem algum leitor a estudar a questão com maior