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139 principalmente orações subordinadas (Brandão, 2006; Gollan;

Goldrick, 2019). Essa diminuição na produção da sintaxe com-


plexa vem sendo correlacionada ao declínio na memória opera-
cional, que ocorre no envelhecimento normal (Brandão, 2006;
Kemper et al., 2001; Kemper, 2012).
Linguagem no Envelhecimento Nas habilidades lexicais, o déficit mais comum se refere ao
resgate de palavras. Essa dificuldade é conhecida como “fenô-

Saudável e Patológico meno da ponta da língua”, na qual o falante não consegue res-
gatar temporariamente uma palavra, embora saiba exatamen-
te seu significado e suas características semânticas (Brandão,
2006; Burke, 1997; Mansur; Radanovic, 2004). Em idosos, essa
Marcela Lima Silagi • Maria Isabel d’Ávila Freitas •
dificuldade ocorre mais frequentemente com nomes próprios
Isabel Junqueira de Almeida • Tharsila Moreira Gomes da Costa (Burke; Shafto, 2004; Gollan; Goldrick, 2019). Estudos que uti-
lizaram provas de nomeação de figuras com idosos cognitiva-
mente saudáveis mostram que palavras menos frequentes são
Introdução mais difíceis de serem resgatadas. Essa dificuldade estaria liga-
da a um déficit no acesso à informação fonológica, já que esses
A linguagem, assim como outras funções cognitivas, passa sujeitos se beneficiam da pista fonológica (quando o avaliador
por constantes transformações ao longo da vida. Essas mudan- fornece o fonema ou a sílaba inicial da palavra) e não da pista
ças podem ser observadas tanto na senescência quanto na se- semântica (dicas referentes ao significado da palavra) (Brandão,
nilidade. O conhecimento sobre as mudanças linguí­sticas que 2006; Diaz et al., 2016).
ocorrem no envelhecimento saudável deve constituir o ponto Na produção discursiva, alguns idosos apresentam uma
de partida para o estudo das alterações decorrentes de proces- característica denominada “verbosidade fora de tópico”, que
sos patológicos no idoso. se manifesta como uma fala excessiva, com mudanças de tó-
Para o pleno entendimento acerca da linguagem nesses dois pico súbitas e repentinas, impactando a coerência do discurso
contextos é importante caracterizar quais habilidades estão (Brandão, 2006; Kemper, 2012). Essa característica ocorre so-
preservadas e quais foram alteradas nas modalidades de com- bretudo quando o tópico do discurso envolve conteú­dos auto-
preensão oral, expressão oral, leitura e escrita, considerando os biográficos (Burke, 1997; Kemper, 2012). Em estudos que ana-
diferentes processamentos linguí­sticos: fonético (produção dos lisaram a narrativa oral ba­sea­da em figuras, os idosos tendem a
sons da fala); fonológico (organização dos fonemas na língua); ser menos eficientes, menos coerentes e a rea­li­zar mais comen-
morfossintático (formação das palavras e organização das fra- tários repetitivos (Cannizzaro; Coelho, 2012).
ses); léxico-semântico (significados e conceitos das palavras); A compreensão de linguagem se mantém mais preservada
e discursivo-pragmático (uso contextualizado da linguagem ou do que a produção no envelhecimento saudável. No nível da
funcionalidade). palavra, idosos têm desempenho equivalente a adultos jovens,
O objetivo deste capítulo é descrever as manifestações de podendo, inclusive, ter um aumento do vocabulário decorrente
linguagem mais comumente encontradas no envelhecimento da experiência linguí­stica (Obler; Pekkala, 2008). Em tarefas de
saudável e no envelhecimento patológico à luz das diferentes julgamento semântico, por exemplo, a identificação de relações
modalidades e processamentos linguí­sticos. semânticas entre palavras, adultos jovens e idosos têm desem-
penho similar (Fonseca; Parente, 2006a).
No nível da sentença, quando comparados aos mais jovens,
A linguagem no envelhecimento idosos podem apresentar dificuldades na compreensão de sen-
saudável tenças longas e sintaticamente complexas, um provável reflexo
de déficits de memória operacional (Antonenko et al., 2013;
As alterações de linguagem no envelhecimento saudável são Diaz, Rizio; Zhuang, 2016; Wingfield; Grossman, 2006).
heterogêneas. Algumas habilidades são mais suscetíveis ao de- Quanto à compreensão do discurso, ao serem solicitados a
clínio, enquanto outras permanecem preservadas (Diaz et al., recontar uma história ouvida, idosos lembram de uma quanti-
2016; Shafto; Tyler, 2014). dade menor de informação do que os mais jovens, dificuldade
Em relação ao processamento fonético-fonológico, não que também tem sido correlacionada ao declínio da memória
ocorrem mudanças importantes no envelhecimento saudável operacional decorrente do envelhecimento normal (Fonseca;
(Mansur; Radanovic, 2004). No entanto, alguns estudos mos- Parente, 2006a).
tram que idosos podem rea­li­zar um número maior de erros no Em relação ao processamento inferencial, isto é, a capaci-
nível fonológico em relação aos in­di­ví­duos mais jovens, os cha- dade de compreender informações implícitas a partir do texto
mados “deslizes”, que geram trocas fonêmicas (slip of the tongue) (escrito ou oral) em conjunto com conhecimentos prévios, al-
(Diaz et al., 2016). A fim de aumentar a taxa de deslizes de fala, guns estudos encontraram declínio no envelhecimento nessa ha-
um estudo comparou idosos e adultos jovens na produção de bilidade comunicativa. Entretanto, não há consenso na literatura
trava-línguas. Quando diminuí­ram a velocidade de fala, idosos sobre essa questão, já que em outros estudos não houve diferença
e jovens produziam erros em quantidade semelhante. Quando a entre jovens e idosos (Fonseca; Parente, 2006b; Silagi et al., 2014).
velocidade de fala aumentava, os jovens produziam mais erros e Um fator que pode afetar a compreensão de linguagem no
os idosos não conseguiam rea­li­zar a tarefa. Entretanto, a condi- idoso é a perda auditiva. A presbiacusia, que se refere à perda au-
ção estudada é bastante específica e não reflete adequadamente ditiva relacionada ao envelhecimento, atinge aproximadamente
a produção de fala em condições naturais, deixando, portanto, 30% da população com mais de 65 anos (Samelli et al., 2016).
em aberto a questão se há ou não declínio no nível fonológico Essa condição pode afetar a porção periférica e/ou central do sis-
em idosos saudáveis (Gollan; Goldrick, 2019). tema auditivo, levando a uma dificuldade na detecção principal-
Quando comparados aos jovens nas habilidades sintáticas, mente de fre­quências agudas, dificultando a percepção da fala,
alguns trabalhos indicam que idosos utilizam um menor núme- e em habilidades auditivas relacionadas ao processamento au-
ro de estruturas sintáticas complexas na produção discursiva, ditivo central (Samelli et al., 2016; Wingfield; Grossman, 2006).
1a prova Autor: Freitas e Py (21 x 28cm) Edição: 5a Revisor:
Revisão Capítulo 139 Págs.: 5 Operador: Edel Data:14/12/2021
2 PARTE 8  Aspectos Psicológicos do Envelhecimento e da Velhice

Compreender a fala apesar da dificuldade auditiva pode re- Além disso, outras alterações podem ocorrer simultanea-
querer um grande esforço atencional e a utilização de recursos mente com a afasia na população geriá­trica, por exemplo, as
cognitivos que deveriam estar disponíveis para a codificação da demências e outras doen­ ças neurológicas progressivas que
informação na memória e para os processos de compreensão também afetam a linguagem. Por isso, entender os mecanismos
mais elevados. Deste modo, idosos com presbiacusia podem ter alterados na afasia é importante para que seja rea­li­zado o diag-
dificuldades na compreensão da fala, mesmo quando as palavras nóstico diferencial, uma vez que cada distúrbio requer inter-
são detectadas corretamente (Wingfield; Grossmann, 2006). venções específicas (Lourenço; Mendes, 2008).
A partir do que foi exposto anteriormente, pode-se concluir As manifestações mais comuns das afasias são: dificuldades
que algumas habilidades de linguagem, sobretudo na produção, na compreensão oral e escrita (para palavras, frases e discurso);
sofrem um declínio leve no envelhecimento saudável, como a anomias (dificuldade de acessar a palavra); parafasias (trocas
produção de estruturas sintáticas complexas e o acesso lexi- de fonemas ou de palavras na fala); paráfrases (substituição da
cal. A compreensão de linguagem se mantém menos impac- palavra por uma frase); circunlóquio (dificuldade em acessar
tada, mas há ainda questões em aberto, sobretudo em relação o tema principal da enunciação); neologismos (emissão de pa-
à compreensão de estruturas sintáticas complexas e à compre- lavras que não existem na língua); agramatismo (omissão de
ensão de inferências. Torna-se evidente, a partir dos estudos palavras nas frases); perseveração (repetição da mesma res-
sobre linguagem no envelhecimento saudável, a interação da posta para diferentes contextos); paralexias (trocas de fonemas
linguagem com outras habilidades cognitivas, como a memó- ou palavras na leitura); paragrafias (trocas de letras, grafemas
ria operacional, a atenção, o controle inibitório, velocidade de ou palavras na escrita); coocorrência de alterações motoras
processamento da informação e as habilidades auditivas. A da fala (apraxia de fala e disartria) (Mansur; Radanovic, 2004;
Tabela 139.1 resume as principais modificações da linguagem Ortiz, 2010).
no envelhecimento saudável nos diferentes tipos de processa- Dependendo das manifestações em um ou mais componen-
mento linguí­stico. tes da linguagem, podemos classificar as afasias em diferentes
tipos: as afasias não fluentes correspondem às alterações decor-
rentes de lesões anteriores à fissura sylviana, nas quais ocorre
A linguagem no envelhecimento especialmente prejuí­zo da expressão oral; as afasias fluentes são
patológico decorrentes de lesões posteriores à fissura sylviana, ocorrendo
maior prejuí­zo da compreensão oral; as lesões que atingem a
As doen­ças mais comuns que afetam a linguagem no pro- ­área perisylviana e fascículo arqueado geram afasias com alte-
cesso de envelhecimento são o acidente ­vascular encefálico, o ração da repetição e as lesões que poupam essas re­giões geram
traumatismo cranioencefálico e as demências. A seguir, serão as afasias com preservação da repetição.
descritas as principais manifestações de linguagem decorrentes Estudos mostram que lesões semelhantes podem resultar em
de cada um desses diferentes quadros. tipos de afasia diferentes a depender da idade dos in­di­ví­duos.
Em geral, os achados indicam que, em comparação aos in­di­ví­
duos mais jovens, os idosos apresentam mais afasias fluentes do
„„ Alterações de linguagem no acidente que afasias não fluentes. Ou seja, há maior comprometimento na
­vascular encefálico compreensão oral em idosos com lesão adquirida, aumentando
A alteração de linguagem que ocorre após o acidente a dependência comunicativa e funcional deles (Castro-Caldas;
v­ ascular encefálico (AVE) é chamada de afasia, quando há lesão Confraria, 1984; Eslinger; Damasio, 1981). Corroborando com
no hemisfério dominante (geralmente hemisfério esquerdo). o achado clínico, as lesões posteriores foram as mais encontra-
A afasia após um AVE ocorre com mais fre­quência em ido- das em in­di­ví­duos idosos afásicos, provavelmente associadas
sos do que em adultos jovens (Ellis; Urban, 2016). Quinze por à trombose dos ramos posteriores da artéria cerebral média
cento dos in­di­ví­duos com menos de 65 anos sofrem de afasia (Ellis; Urban, 2016).
após o primeiro AVE is­quêmico e essa porcentagem aumen- Em relação ao prognóstico, o aumento da idade pode in-
ta para 43% para in­di­ví­duos com 85 anos de idade ou mais fluenciar negativamente a extensão da recupe­ração neurológica
(Engelter et al., 2006). espontânea em pacientes afásicos (Steele, Aftonomos; Munk,
2003). Pashek e Holland (1988) verificaram que pacientes com
menos de 70 anos têm mais chances de alcançar recupe­ração
TABELA
„„ 139.1 Principais modificações da linguagem no envelhecimento parcial ou completa da fala e da linguagem em comparação
saudável. com pacientes mais velhos. Uma das explicações é que os idosos
apresentam mais alterações atencionais, executivas, sensoriais,
Processamento Manifestações
comportamentais e psicológicas, prejudicando o processo de
Fonológico Relativamente preservado; trocas na fala não são reabilitação. A presença de demência também tem um impacto
comuns na resposta à terapia nesse grupo, o que complica as medidas de
Léxico-semântico Dificuldades de nomeação, inclusive, para nomes recupe­ração espontânea e a melhora após o tratamento. Até um
próprios, decorrem, principalmente, de falhas no quarto de todos os pacientes geriá­tricos com afasia global foram
acesso lexical, estando o conhecimento semântico relatados como sendo dementes.
relativamente preservado
Por fim, as lesões que ocorrem no hemisfério cerebral não
Morfossintático Preservado para materiais mais simples, pode estar dominante para a linguagem (geralmente, o hemisfério direito)
prejudicado para a produção de sentenças mais não provocam manifestações afásicas. No entanto, o in­di­ví­duo
longas e com maior complexidade sintática
pode apresentar alterações comunicativas. São relatadas difi-
Discursivo Utilização de uma quantidade maior de palavras culdades na compreensão e produção de diferentes padrões de
para exprimir suas ideias, muitas vezes, de maneira prosódia, dificuldades discursivas com desrespeito às regras de
redundante e repetitiva
coerência e troca de turnos, desvio do assunto, confabulações,
Compreensão Dificuldade para sentenças complexas e discurso, redução do conteú­do informativo e dificuldade na compreen-
oral especialmente em ambientes com ruí­do são de sentidos não literais, como humor, sarcasmo e inferên-
Fonte: adaptada de Mansur e Radanovic (2004). cias (Fonseca et al., 2006).
CAPÍTULO 139  Linguagem no Envelhecimento Saudável e Patológico 3

„„Alterações de linguagem no traumatismo TABELA


„„ 139.2 Alterações de linguagem no traumatismo cranioencefálico.

cranioencefálico Processamento Manifestações


Por conta do maior envolvimento em acidentes automo- Léxico-semântico Dificuldades de nomeação e evocação de
bilísticos, os jovens adultos estão mais suscetíveis a sofrerem palavras
Dificuldades de categorização e fluência
traumatismo cranioencefálico (TCE). Por sua vez, a popula- verbal
ção geriá­trica está em um segundo pico de incidência, com a
queda da própria altura sendo a maior causa dos traumatismos Morfossintático Dificuldade de formular sentenças e
compreender frases com estrutura sintática
(Almeida et al., 2016). de diferentes complexidades
As conse­quências do TCE em populações idosas são, comu-
mente, mais graves, com o dobro de taxas de mortalidade em Discursivo-pragmático Discurso socialmente inadequado, repetitivo,
comparação aos jovens adultos, além de pior desempenho fun- desorganizado, vago e desinibido
Falha na interpretação da linguagem abstrata
cional e, consequentemente, maior número de sequelas na pós- e indireta
-alta hospitalar (Adekoya et al., 2002; Peterson; Kegler, 2020).
Fatores como progressão da idade e menor pontuação na Escala
de Coma de Glasgow foram apontados na literatura como pre-
ditores de pior prognóstico e desfecho (Susman et al., 2002). TABELA
„„ 139.3 Resumo das manifestações de linguagem no
Em geral, os estudos apontam que os in­di­ví­duos com TCE comprometimento cognitivo leve e nas síndromes demenciais.
apresentam como déficits clássicos as alterações de atenção, me-
mória, comportamento, linguagem e função executiva (Coelho, Quadro Principais manifestações de linguagem
2002; Mansur; Radanovic, 2004). CCL Alterações leves evidenciadas em tarefas linguí­
As alterações esperadas estão condicionadas ao tipo de lesão sticas complexas e com alta demanda cognitiva
adquirida pelo paciente. Nas lesões focais, como as contusões, DA Alterações predominantes no acesso ao sistema
que frequentemente lesionam ­áreas frontais e temporais, a se- semântico (interface linguagem-memória)
quela dependerá da ­área cerebral lesionada, podendo ocasionar DV Alterações heterogêneas devido à variabilidade
afasia (frequentemente afasia anômica), disartria (alteração da dos locais de lesão
execução motora da fala) e/ou a apraxia de fala (alteração da
DLFT Alterações discursivas em macroestrutura e
programação motora da fala). Em razão da aceleração e desace- comportamental alterações semânticas
leração cerebral, nas lesões difusas, mais frequentes em quedas Interferência da disfunção executiva e alteração
e em acidentes, há déficits de linguagem não afásicos e relacio- de comportamento na linguagem
nados às alterações cognitivas que, nesse caso, são definidos APP não fluente Alteração sintática (agramatismo) e apraxia de fala
como alterações linguí­stico-cognitivas (Coelho, 2002; Davis;
Coelho, 2004; Mansur; Radanovic, 2004). A Tabela 139.2 apre- APP semântica Degradação do conhecimento semântico
senta um resumo das alterações de linguagem mais prevalentes. APP logopênica Alterações na alça fonológica da memória
operacional
„„Alterações de linguagem nas demências Demências com
manifestações
Alterações de linguagem heterogêneas +
alterações motoras da fala (disartria e apraxia de
As alterações de linguagem ocorrem em praticamente to-
motoras fala)
das as síndromes demenciais. A análise na natureza dos erros
linguí­sticos, junto a outras características clínicas e neuropsi- APP: afasia progressiva primária; CCL: comprometimento cognitivo leve; DA: doença
de Alzheimer; DLFT: degeneração lobar frontotemporal; DV: demência vascular.
cológicas, pode ser um importante instrumento para auxiliar
no raciocínio do diagnóstico diferencial dos tipos de demên-
cia. A Tabela 139.3 resume o perfil do déficit de linguagem no
comprometimento cognitivo leve e nas diferentes síndromes Déficits de compreensão da linguagem oral e escrita têm
demenciais. A descrição destas alterações será aprofundada nos sido relatados nos sujeitos com CCL, que apresentam compre-
parágrafos subsequentes. ensão mais pobre de histórias, sobretudo de conteú­dos mais
complexos e implícitos, e que requerem processamento de in-
„„Alterações de linguagem no ferências (Schmitter-Edgecombe; Creamer, 2010; Silagi et al.,
2021).
comprometimento cognitivo leve Alguns estudos não encontraram diferenças de linguagem
O comprometimento cognitivo leve (CCL) é definido como entre in­di­ví­duos com CCL e in­di­ví­duos cognitivamente sau-
o estágio in­ter­me­diá­rio entre o envelhecimento saudável e a de- dáveis ou entre CCL e aqueles com doen­ça de Alzheimer leve
mência quando existem queixas cognitivas, prejuí­zo cognitivo, (Toledo et al., 2018). Por isso, para um diagnóstico preciso e
mas preservação funcional (Petersen, 2004). As alterações de uma investigação detalhada da linguagem no CCL, indica-se
linguagem em sujeitos com CCL são sutis e estão associadas uma combinação de testes (Radanovic et al., 2007).
ao declínio nos níveis semântico e pragmático da linguagem
(Barbeau et al., 2012), o que afeta o discurso e o torna desorga-
nizado, menos informativo, com presença de termos indefini-
„„Alterações de linguagem na doen­ça de
dos e, em alguns momentos, frases sem sentido (Asp; Villiers, Alzheimer
2010; Toledo et al., 2018). Por isso, a análise do discurso pode Os distúrbios da linguagem em in­di­ví­duos com doen­ça de
ser um recurso sensível para identificar o quadro de CCL, espe- Alzheimer (DA) dependem, principalmente, da sua gravidade.
cialmente, de forma longitudinal (Mueller et al., 2018). Entretanto, outros fatores podem interferir na apresentação clí-
Outros déficits de linguagem em in­di­ví­duos com CCL têm nica, como o nível de escolaridade, os hábitos prévios e a reser-
sido descritos em tarefas de fluência, nomeação e conheci- va cognitiva. Um desafio para a descrição da linguagem na DA
mento semântico (Lopez-Higes et al., 2014), que podem estar é o fato de suas alterações ocorrerem de forma interligada com
associados a déficits de controle inibitório que afetam a busca as de outras funções cognitivas que lhe dão suporte, sobretudo
semântica (Duong et al., 2006). a memória (Mansur et al., 2005).
4 PARTE 8  Aspectos Psicológicos do Envelhecimento e da Velhice

Classicamente, o perfil de linguagem na DA é marcado por al- „„ Alterações de linguagem na demência


terações em aspectos léxico-semânticos e pragmáticos, com rela-
tiva preservação dos fonológico-sintáticos, que são de rara ocor- ­vascular
rência até os estágios mais avançados da doen­ça (Kempler, 1991). A apresentação clínica da demência ­vascular (DV) varia
A progressão das dificuldades de linguagem tem diferenças enormemente a depender da etiologia e da localização da lesão
in­di­vi­duais, mas é possível definir três estágios. De uma forma cerebral. Os subtipos classificados como demência pós-AVE,
geral, no primeiro estágio, os sujeitos demonstram dificuldades demência ­ vascular is­
quêmica subcortical, demência multi-
para encontrar palavras. No estágio in­ter­me­diá­rio, o vocabu- -infarto (cortical) e a demência mista (Skrobot et al., 2017)
lário e a linguagem como um todo se tornam empobrecidos. podem produzir déficits de linguagem distintos. Além disso,
Por fim, no estágio avançado, os sujeitos conseguem ape- a maioria das descrições de linguagem em pacientes com DV
nas fornecer respostas limitadas, reduzidas a poucas palavras focam na diferenciação com pacientes com DA, reforçando a
(Nasrolahzadeh et al., 2016). predominância de déficit de memória episódica e linguagem na
Até o estágio avançado, o in­di­ví­duo pode manter habili- DA enquanto os pacientes com DV parecem apresentar maior
dades comunicativas tais como conversas simples, apesar de prejuí­zo de funções executivas (Reed et al., 2007). Contudo, es-
apresentar iniciativa reduzida para a comunicação, vocabulário ses achados são altamente controversos e muitos estudos têm
ou capacidade reduzida para associar ideias e convertê-las em mostrado uma sobreposição no desempenho de pacientes com
informações precisas (Radanovic et al., 2007). Em situação de DA e DV (Mathias; Burke, 2009).
diá­logo, observam-se também dificuldades para introduzir e Além de haver poucos estudos detalhados sobre o perfil de
mudar de assunto de maneira coerente e ativa, apresentando linguagem dos in­di­ví­duos com DV, eles têm produzido resul-
maior fre­quência de troca de turnos comunicativos e menor tados conflitantes. Alguns estudos subdividiram os in­di­ví­duos
número de enunciados, o que significa empobrecimento da ela- com DV de acordo com a etiologia e local da lesão e encontra-
boração discursiva (Garcia, 1991; Mentis et al., 1995). ram que aqueles com lesões corticais apresentam pior desem-
As medidas de discurso, que envolvem o conteú­do de lin- penho na fluência verbal semântica (categoria “animais”) e na
guagem, são par­ticular­mente importantes para identificar os tarefa de vocabulário em relação àqueles com lesões subcorti-
déficits de linguagem na DA. As tarefas de descrição de figura cais (Gunstad et al., 2005). Já outros estudos não encontraram
ou figuras em se­quência são as medidas mais indicadas porque diferenças no desempenho de linguagem em subgrupos de pa-
têm o benefício adicional de minimizar as demandas da memó- cientes com DV (Paul et al., 2000; Lim et al., 2019).
ria episódica e autobiográfica com a permanência das figuras Em bateria ampliada de testes de linguagem, os pacien-
enquanto o in­di­ví­duo produz a fala encadeada. Tais medidas tes com DV apresentam déficits de compreensão e expressão
são úteis na detecção de alterações no processamento semân- linguí­stica em relação aos sujeitos controles. Em comparação
tico, complexidade sintática, uso pragmático da linguagem e aos sujeitos com DA, a única tarefa que diferenciou os dois gru-
parâmetros de fala e voz (Mueller et al., 2018). pos foi a tarefa de nomeação por confrontação, em que os pa-
Em produção de narrativas, os sujeitos com DA mostraram
cientes com DV tiveram um desempenho melhor, mas abaixo
menor número de componentes textuais, erram mais no relato
dos valores esperados para a normalidade. Os pacientes com
da se­quência dos eventos e produzem maior número de propo-
DV cometem mais erros visuais e parafasias durante a nomea-
sições irrelevantes, mesmo quando dispõem do apoio de ima-
ção de figuras, o que indica que há prejuí­zo semântico e visuo-
gem (Ska; Guenard, 1993).
A fluência verbal semântica é mais prejudicada na DA em perceptual (Freitas et al., 2018).
relação à fluência verbal fonêmica (Taler; Phillips, 2008). Os Essa discrepância de resultados também pode ser atribuí­da,
déficits em tarefas de nomeação são bem documentados na DA além da heterogeneidade do tamanho e local da lesão, às altera-
(Bayles et al., 1992). Tais dificuldades podem ser explicadas por ções hemodinâmicas e de conectividade que seguem o dano is­
múltiplos fatores, como déficits perceptuais visuais, atencionais, quêmico. Os sujeitos com DV de grandes vasos costumam apre-
de acesso lexical e deterioração de representações semânticas, sentar maior prevalência de comprometimento visuoespacial
havendo distintos subgrupos (Kempler, 1991; Mansur et al., ou de linguagem, enquanto a lesão de pequenos vasos parece
2005; Silagi et al., 2015). se associar mais com a disfunção executiva (Ying et al., 2016).
A DA também afeta a compreensão da linguagem oral, espe- Portanto, ainda não se consegue definir um perfil de lingua-
cialmente de sentenças complexas e extensas, que demandam gem que seja patognomônico na DV. O conceito de DV está
sobrecarga da capacidade de armazenamento de memória ope- evoluindo e os próprios critérios diagnósticos para DA também
racional e do processamento semântico da linguagem (Mansur foram atualizados para além da forma amnéstica “clássica”. Além
et al., 2005). disso, uma proporção ainda não bem estabelecida de demências
Da mesma forma, a linguagem escrita sofre alteração na DA, é a mista (DV + DA) (Raz et al., 2016). O estabelecimento de
observando-se a presença de disgrafia devido à redução de re- critérios diagnósticos mais precisos para DV certamente contri-
cursos cognitivos gerais com o avanço da doen­ça (Silveri et al., buirá para um perfil de linguagem mais consistente.
2007). Já a leitura em voz alta (decodificação) tem sido consi-
derada, em geral, uma função cognitiva que resiste ao processo
demencial, mesmo com alterações para compreender o material
„„Alterações de linguagem na degeneração
escrito (Bayles et al., 1993). Contudo, estudos mais detalhados lobar frontotemporal
mostram que os in­di­ví­duos com DA apresentam latência maior O termo degeneração lobar frontotemporal (DLFT) abrange
para leitura de palavras irregulares da língua e progressiva dete- as demências que afetam predominantemente o comportamen-
rioração da habilidade para ler (Patterson et al., 1994). to (variante comportamental da DLFT) e a linguagem (afasias
Em virtude da associação dos déficits linguí­sticos a déficits progressivas primárias) (Gorno-Tempini et al., 2011).
de outras funções cognitivas, o prejuí­zo na comunicação dos Na variante comportamental da DLFT, apesar de o sintoma
in­di­ví­duos com DA deve ser avaliado em diferentes situações inicial ser a alteração de comportamento, distúrbios cognitivos
considerando modificações ambientais, usos de próteses audi- podem ocorrer ao longo da doen­ça, como a disfunção executi-
tivas, tempo necessário para se comunicar e comportamentos va, alterações de memória episódica e de linguagem. As mani-
que podem interferir na habilidade comunicativa em uma situ- festações linguí­sticas são heterogêneas e incluem anomias; re-
ação mais ecológica (Carvalho; Mansur, 2008). dução de fala; mutismo; ecolalia; perseverações; dificuldade na
CAPÍTULO 139  Linguagem no Envelhecimento Saudável e Patológico 5

repetição de palavras e frases; erros fonológicos; agramatismo; apresentam disartria hipocinética, caracterizada por hipofonia,
dificuldade na compreensão oral de palavras e frases; dislexia; imprecisões ar­ticulatórias, voz soprosa e alteração da prosódia
e disgrafia. Também podem ser observadas disartria e apraxia (voz monótona) (Duffy, 2013). Quanto à linguagem, são descri-
de fala (Hardy et al., 2016; Harris et al., 2016). As características tas alterações em fluência verbal, sobretudo de verbos, e, prin-
de linguagem relatadas na DLFT variante comportamental, em cipalmente, compreensão de estruturas sintáticas complexas.
par­ticular a desorganização do discurso, ecolalia e persevera- Essas características têm sido associadas a alterações de me-
ção são frequentemente consideradas secundárias à disfunção mória operacional e funções executivas, mais do que a déficits
executiva frontal. puramente linguí­sticos (Bastiaanse; Leenders, 2009; Lee et al.,
Nas afasias progressivas primárias (APPs), a alteração de 2003; Radanovic, 2017).
linguagem é o sintoma inicial da doen­ça e permanece como dé- Na demência com corpos de Lewy (DCL), embora não cons-
ficit proeminente por pelo menos 2 anos. As APPs podem ser titua um sintoma inicial, a disartria hipocinética pode estar
classificadas em três subtipos, de acordo com os processamen- presente com a progressão da doen­ça. Da mesma forma, alte-
tos linguí­sticos prejudicados e as ­áreas cerebrais acometidas rações de linguagem também não têm sido relatadas em fases
(Gorno-Tempini et al., 2011): iniciais. Em fases mais avançadas, porém, os pacientes podem
„„ APP variante não fluente ou agramática: alteração predomi- ter alterações no processamento semântico, que têm sido corre-
nante da fluência da fala, com presença de apraxia de fala e/ou lacionadas a déficits em outras habilidades cognitivas (atenção,
agramatismo. As alterações semânticas não são típicas do qua- memória operacional, habilidades visuoespaciais). Na conver-
dro, porém, nota-se dificuldades na compreensão de sentenças sação, os pacientes apresentam confabulação, incoerência e per-
complexas devido à alteração sintática. Dificuldades de leitura e severações. A fluência verbal semântica e de verbos pode estar
escrita de natureza fonológica e sintática também podem ocor- diminuí­da (Frattali; Duffy, 2005).
rer. As alterações decorrem de atrofia e/ou hipometabolismo Na paralisia supranu­clear progressiva (PSP), a disartria é
predominante na região posterior frontoinsular esquerda bastante comum e, frequentemente, configura-se entre os sin-
„„APP variante semântica: perda progressiva do conhecimen- tomas iniciais. Inclui características das disartrias hipocinética,
to semântico, com alteração predominante da compreensão de espástica e, em menor fre­quência, atáxica (Frattali; Duffy, 2005;
palavras e presença de anomias, circunlóquios e parafasias se- Peterson et al., 2019). No âmbito da linguagem, os pacientes
mânticas. A produção motora da fala e os aspectos fonológicos apresentam alteração na fluência verbal fonêmica e semântica e
e sintáticos da linguagem estão preservados. Na leitura e escrita déficit moderado na compreensão de sentenças. Na fala espon-
ocorrem erros na decodificação por rota lexical dependente do tânea, podem apresentar perseverações e diminuição na taxa
conhecimento semântico (dislexia e disgrafia de superfície), por de fala, com preservação da estrutura sintática. As alterações
exemplo, a leitura da palavra “taxi” como “tachi”. Anosognosia de linguagem, aparentemente, estão relacionadas a déficits em
e alterações comportamentais são frequentes e podem impactar funções executivas, mais do que a um comprometimento pura-
as questões pragmáticas da linguagem, como desinibição e des- mente linguí­stico (Peterson et al., 2019).
respeito à troca de turnos durante a conversação. As alterações Na síndrome corticobasal (SCB), os pacientes frequente-
decorrem de atrofia e/ou hipometabolismo na região temporal mente apresentam quadros de disartria, que afetam aspectos
anterior predominantemente à esquerda temporais e prosódicos, tais como aprosódia, diminuição da
„„APP variante logopênica: comprometimento na memória taxa de fala e aumento da duração dos fonemas (Ozsancak
fonológica de curta duração que ocasiona fala alentecida, ano- et al., 2006). A apraxia de fala também é frequente (Grijalvo-
mias no discurso (falhas do tipo word finding), pausas, para- Perez; Litvan, 2014; Peterson et al., 2019). Quanto à linguagem,
fasias fonêmicas e dificuldade na repetição e compreensão de são descritas alterações em fluência verbal fonêmica e semânti-
frases extensas. Os pacientes não apresentam agramatismo nem ca, nomeação (relacionada a déficits no acesso lexical mais do
alterações motoras da fala. A APP variante logopênica pode ser que ao conhecimento semântico), compreensão de sentenças e
o sintoma inicial da DA, podendo ocorrer alterações de me- repetição de palavras e sentenças. Na compreensão de palavras,
mória episódica, cálculo e comportamento. As alterações ob- alguns estudos relataram alterações (Di Stefano et al., 2016), en-
servadas decorrem de atrofia e/ou hipometabolismo na região quanto em outros os pacientes tiveram desempenho adequado
posterior perisylviana ou parietal esquerda. (Peterson et al., 2019). Na fala espontânea, podem ser observa-
dos erros sintáticos e fonológicos e diminuição da taxa de fala
(Peterson et al., 2019).
„„ Alterações de linguagem nas demências Na atrofia de múltiplos sistemas (AMS), as alterações de
com parkinsonismo linguagem são pouco relatadas. Já a disartria é bastante fre-
Na doen­ ça de Parkinson (DP), os déficits motores são quente, configurando um sintoma precoce no curso da doen­ça.
predominantes; porém, alterações cognitivas podem ocorrer Geralmente, observa-se um tipo misto de disartria, com compo-
(Bastiaanse; Leenders, 2009). Em relação à fala, os pacientes nentes hipocinético, atáxico e espástico (Frattali; Duffy, 2005).

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