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Tempestade de Amor

"THE CHATEAU OF ST. AVRELL"

Violet Winspear

Azuis da cor do mar, tempestuosos como a costa bravia da Cornualha — aquela terra à beira-
mar, ao sul da Inglaterra, povoada de lendas e perigos — , os olhos de Eduard fitavam Luana
com uma força estranha. Ele era um lobo do mar, um homem solitário e forte, disposto a tirar
o melhor da vida. Luana o temia e o amava. Mas não podia se entregar àquele fascínio,
porque em seu peito ardia ainda uma chama de amor por Tarquin, o grande ator de teatro, o
poeta que povoou a solidão de Luana de beijos e sonhos. Eduard. . . Tarquin. . . fantasia e
realidade travando uma luta de morte em seu coração, dilacerando sua alma. . .

Digitalização e Revisão: Alice Maria

Copyright: VIOLET WINSPEAR


Título original: "THE CHATEAU OF ST. AVRELL"
Publicado originalmente em 1970 pela
Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear

Mills & Boon Ltd., Londres, Inglaterra

Tradução: EDITH MARTINS

Copyright para a língua portuguesa: 1981


EDITORA EDIBOLSO LTDA. — São Paulo
Uma empresa do GRUPO ABRIL
Composto e impresso nas oficinas da
ABRIL S.A. CULTURAL E INDUSTRIAL
Foto da capa: KEYSTONE

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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear

CAPÍTULO I

Foi tudo culpa de Taffy — ele entrou no Mask Theatre por uma porta lateral,
que estava entreaberta, e Luana teve que ir atrás. Ela o chamou insistentemente, mas o
poodle continuou correndo, com as orelhas levantadas e abanando o rabo curto. Taffy
gostava de aventuras, por isso passou por alguns cenários, depois disparou na direção
do vasto auditório, dando um latido quando uma voz recitou alguns versos no palco.
A voz maravilhosa parou de repente e Luana, passando por cima de algumas
cordas, chegou ao palco e viu uma figura alta que olhava para o animalzinho que tinha
ousado interromper um ensaio de Hamlet.
— Que incrível, é um poodle! — Uma mulher riu, mas os olhos de Luana estavam
presos no ator, que usava um suéter preto de gola alta. As calças justas, também pretas,
faziam suas pernas parecerem ainda mais longas quando ele se encaminhou com
passos ágeis para um canto do palco, e fixou o olhar não no cachorrinho, mas em
Luana.
Ele a examinou com curiosidade. Os olhos cinzentos, no rosto bem cinzelado,
pareciam assustadores. Luana sentiu imediatamente a graça, a força, o fascínio de um
ator nato, e um arrepio percorreu seu corpo. Sabia que ele era Tarquin Powers;
entretanto, parecia muito humano quando se ajoelhou perto do poodle.
— Este cachorro é seu?
— É de minha irmã de criação. — Intimidada por aqueles olhos cinzentos,
Luana desceu do palco e pegou o cachorro. — Taffy gosta de ficar sem a correia
quando nos aproximamos da margem do rio e é muito curioso quando encontra portas
entreabertas.
— Não somos todos? — murmurou o ator com uma voz grave e excitante. —
Acho que o porteiro estava ocupado com outra coisa, por isso não viu quando
entraram. Vocês dois estão quebrando uma das regras estabelecidas pelos atores para
os ensaios. . . ninguém no auditório.
— Desculpe-me, então, pela invasão.
— Não se preocupe com isto. — Havia tanta magia no sorriso que ele deu, que
Luana sentiu o coração parar de bater por um momento. Era inacreditável que
estivesse conversando com o ator principal de Otelo, peça que ela tinha assistido
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algumas noites atrás. Seu padrasto sempre reservava um camarote para a temporada
inteira, muito concorrida. Mas Luana gostava de teatro pela representação em si, e não
como um lugar ao qual era elegante comparecer quando uma companhia famosa se
apresentava.
— Esteve formidável em Otelo, sr. Powers. — Ela deu um sorriso tímido,
enquanto Taffy se mexia em seus braços. Os outros membros da companhia pareciam
agitados.
— Temos que continuar, tovarish. — Uma mulher alta com cabelo curto e voz
forte aproximou-se. — Diga para esta matushka ir logo embora.
Luana sentiu que todos olhavam para ela, com ar divertido, como se fosse uma
criança. Era claro que não era, apesar do rosto ansioso e dos olhos que ainda
conservavam uma inocência rara.
— Nossa diretora fala e eu obedeço — disse Tarquin Powers, mas havia uma luz
que dançava em seus olhos.
Luana teve a sensação excitante de que compartilhava um segredo com ele.
Aquele homem gostaria de passear nas margens do Avon com ela e o cachorro. Era
incrível que pudesse pensar nisso, mas era o que sentia instintivamente. Nos olhos dele
havia uma expressão que quase a amedrontou. Ele era o ator mais importante da
temporada teatral e tinha a fama de conquistar todas as mulheres, mesmo as mais
renitentes.
Ele olhou para a mulher alta e, por um instante, o rosto enrugado dela pareceu
mais feminino. Ela era Valentinova, uma diretora de teatro que havia fugido da Rússia
alguns anos atrás. Tinha fama de ser excelente, mas também de ser muito dura,
fazendo às vezes com que as atrizes
chorassem e os atores praguejassem. Mas ela parecia ter se rendido aos
encantos de Tarquin Powers.
— Vou me despedir dessa moça e do cachorro. Pode ser que não nos
encontremos de novo, radouchka.
— Você não se corrige! — Valentinova olhou para os outros membros da
companhia e uma moça loira deu uma risada.
— Já estou indo embora. . . — Luana deu as costas para o palco e num instante o
ator estava ao seu lado.
Notou como era alto quando ele colocou o braço ao redor dela e de Taffy,
levando-os pelo corredor do centro do auditório, depois pelo saguão, até a porta
principal do teatro que dava para o rio. O sol estava brilhando e havia no ar os aromas
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da primavera. Os cisnes deslizavam na água e o prédio parecia muito grande ao lado


dela e do homem que, no palco, era dono dos corações e das emoções de quem amava
o teatro.
— Parece uma cena do Lago dos Cisnes. — Ele sorriu. — Daqui a pouco, os cisnes
vão começar a dançar para nós.
Luana olhou para ele maravilhada, pois ninguém que conhecia falava assim:
nenhum dos amigos de sua irmã de criação usava tão bem as palavras, e os sócios de
seu padrasto só sabiam falar de dinheiro.
— O rio e os cisnes são maravilhosos nesta época do ano — disse ela, sentindo-
se muito prosaica e sem graça em comparação com as pessoas que o esperavam no
teatro, especialmente a bela atriz de longos cabelos loiros.
— Há muitas coisas maravilhosas! Uma árvore, uma torre, um rosto que se vê
na multidão e que nunca se esquece. . . — Ele começou a examinar o rosto dela, até que
deu uma risada. — Você só tem uma covinha! É para dar mais graça?
Luana ficou muito atrapalhada. Nunca ninguém tinha se incomodado em falar
daquele jeito com ela. E agora, quem o fazia era Tarquin Powers!
— Você parece envergonhada — comentou ele, já sério.
— É porque o senhor é um ator muito famoso. — Ela largou Taffy, que correu
até a beira da água, pondo-se a olhar para os cisnes. — Desculpe ter interrompido o
ensaio de Hamlet.
— Você já viu essa peça no palco? — Com uma graça natural, ele se encostou na
parede de pedra do teatro, um Hamlet vestido de preto, com um sorriso um pouco
triste nos lábios.
Luana fez que sim com a cabeça, sabendo que iria adorar a interpretação dele, só
por causa daquela conversa.
— Você mora aqui em Avendon-upon-Avon ou está só de visita?
— Moro aqui. É um lugar muito bonito.
— Sim. — Ele olhou pensativo para a paisagem. — Se pudéssemos voltar para
trás no tempo e ver como era este lugar no século XVI. . . Você gostaria?
— Mas isto acontece, sr. Powers, quando pessoas como o senhor sobem num
palco e pronunciam as palavras de Shakespeare.
— É verdade. — Ele a examinou devagar, desde os cabelos castanho-
avermelhados até os sapatos simples. — Você já quis ser atriz?
— Eu? — Ela riu. —- Tenho sardas e sou muito tímida.
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— Muitos atores são tímidos, senhorita.


— É verdade? — Ela arregalou os olhos. — O senhor me parece muito seguro.
— Ah, mas você ainda não me viu sem a máscara — ele brincou.
Ela o olhou, indecisa. Aquele rosto que mostrava força e sensibilidade era
apenas uma máscara? Aquele sorriso era forçado? Aquele ar ligeiramente triste
pertencia ao verdadeiro Tarquin Powers?
— O. . . o senhor precisa voltar para o ensaio.
— Antes de ir, você precisa me dizer seu nome. — Pegando no queixo dela, ele
levantou seu rosto. — Olhos estranhos, cor de violeta. Um pouco de sangue celta, se
não me engano?
— É. . . eu me chamo Luana Perry. — O coração dela palpitava, movido por uma
emoção que preferia ignorar, pois aquele estranho era mais atraente do que qualquer
pessoa que conhecia.
— Pierrete — disse ele imediatamente. — Outro nome não combina com você.
Será que vamos nos encontrar de novo, Pierrete, para falar de cisnes e de torres? Você
acha possível?
Luana achou que era quase impossível, por isso sentiu-se triste.
— Vou vê-lo em todas as montagens desta temporada — respondeu apenas.
— Sim, venha me ver com a máscara, Pierrete. — Ele a largou e, antes que
pudesse se despedir, estava sozinha de novo, pois ele já tinha voltado ao teatro.
Ela chamou Taffy, que veio obedientemente e deixou que ela prendesse a
correia. Tinha que atravessar a rua principal para chegar ao local onde morava com o
padrasto e a irmã de criação. A casa enorme, dirigida por Charme com a ajuda de duas
empregadas eficientes e de uma cozinheira.
A casa elegante com um Jaguar na porta e uma sala à altura das festas que
Charme gostava de organizar.
Dentro de uma semana. Charme ia comemorar seu aniversário com uma festa à
fantasia que Stephen St. Cyr iria pagar de bom gosto.
Quando chegou na calçada, com Taffy correndo atrás dela, Luana olhou para o
teatro e para o rio. Eles eram reais, assim como também tinha sido real sua conversa
com Tarquin Powers. Tinha encontrado o homem que havia por trás da figura
romanticamente apaixonada de Otelo e que a havia maravilhado com sua interpretação.
Apenas no palco os atores eram invulneráveis, como deuses. Na vida real,
tinham problemas como qualquer outra pessoa; tinham que vencer seus temores e
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podiam até se sentir solitários, apesar de suas vidas agitadas. Ela tinha certeza de ter
notado solidão nos olhos cinzentos de Tarquin Powers.
A casa dos St. Cyr estava localizada numa rua com árvores cheias de dores. A
construção era isolada e bastante grande, com uma entrada em forma de meia-lua e
degraus que levavam à porta da frente. As janelas tinham cortinas de renda e todo o
local achava-se impregnado de um ar de conforto e elegância. Luana nunca se sentiu à
vontade naquela casa. Nem mesmo quando sua mãe ainda era viva.
Enquanto procurava a chave da casa no bolso da saia, um carro esporte parou
na entrada. Do alto da escada, Luana ficou olhando um rapaz sair do carro e abrir a
porta para Charme St. Cyr. Ela saiu exibindo suas pernas bem-feitas e o sorriso que
reservava para os homens bonitos.
— Você quer entrar para tomar alguma coisa, Simon, depois de ter sido tão
bonzinho, levando-me para fazer compras?
— Gostaria muito, querida, mas tenho que aparecer um pouco na fábrica, senão
papai me deserda.
Charme riu, um som alegre e brilhante, que combinava com sua aparência.
— Então nos encontramos hoje à noite, no jantar dos Castles.
— Venho buscar você, Charme.
Luana sorriu quando o rapaz resolveu ser galante, beijando a mão de Charme.
Sem dúvida, ela era a jovem mais bonita de Avendon e seu casaco de pele de leopardo
falava mais sobre sua natureza do que Simon Fox imaginava. Ele entrou no carro,
acenou e desapareceu. Charme subiu lentamente os degraus, recebendo um latido de
boas-vindas ao poodle.
— Alô, querido! — Charme falou com o cachorro. Depois dirigiu um olhar frio
para Luana, reparando no cabelo despenteado. — Você parece que tem dezesseis anos.
Por que não tenta ser mais elegante? Talvez então homens atraentes como Simon Fox
prestem um pouco de atenção em você.
Havia um segredo no sorriso de Luana. Qual seria a reação de Charme se lhe
contasse que Tarquin Powers tinha falado com ela, sugerindo que havia um encanto
em seus olhos?
Luana destrancou a porta e Charme entrou na frente. Dirigindo-se para a sala de
estar, largou os pacotes num sofá e foi preparar uma bebida.
Não ofereceu nada para Luana, uma de suas maneiras sutis de sugerir que ela
não era bem-vinda naquela casa.
— Sei que é sua tarde de folga na loja — disse rispidamente, sem se incomodar
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em gastar seus tons aveludados com a irmã de criação —, mas você não deve se
esquecer de que papai e eu temos uma posição importante nesta cidade e você está
parecendo uma pobre coitada com essas roupas. Você ganha um bom salário na loja de
antigüidades e meu pai sempre foi muito generoso. Tem que se vestir melhor e andar
com o cabelo penteado! Meus amigos acham que você é uma piada.
— Ainda bem que eles se divertem um pouco comigo — disse Luana friamente.
— Já percebi que às vezes eles parecem muito entediados.
— Garotinha impertinente! — Charme olhou para ela com ódio. — Se não fosse
por causa da bondade de meu pai, você estaria morando numa pensão!
— Não me incomodo de ir embora. — Luana levantou o queixo. — Seu pai é que
não quer. Sempre que toco no assunto, ele fala de minha mãe e de como ela ficaria
aborrecida se soubesse. Ele tem medo de que as pessoas achem que não liga para mim.
. . como se alguém fosse se incomodar com isso! E minha mãe morreu há cinco anos!
— É uma prova da generosidade de meu pai o fato de ele ter se casado com sua
mãe e cuidado não só dela como também da filha ilegítima.
Luana sentiu a chicotada das palavras de Charme, uma arma que a irmã usava
desde que descobrira que a mãe de Luana, uma irlandesa muito bonita, tinha tido um
amor insensato na vida e que havia se casado com Stephen St. Cyr por desespero, ao
perceber que sofria de uma doença cardíaca que finalmente a matou. Nessa época
Luana tinha sete anos, e a mãe, Catarina, era muito alegre e corajosa. St. Cyr, um viúvo
com uma filha de dez anos, apaixonou-se por ela, livrando-a do trabalho pesado que
tinha de fazer para manter a filha. Por isto Luana lhe era grata. Por causa dos poucos
anos de conforto que ele deu à sua mãe, ela não se incomodava em morar naquela casa
e suportar a hostilidade de Charme.
Charme não entendia que alguém pudesse viver sem a admiração das outras
pessoas, especialmente a dos homens. As duas moças olharam-se por um instante e,
como Luana desviou o olhar, Charme sacudiu os ombros, terminando seu drinque.
— Espero que você procure parecer mais atraente na minha festa de aniversário.
Convidei as pessoas que têm alguma importância, e isto inclui um sócio de meu pai,
que vem da Cornualha. Eu queria que se hospedasse aqui, mas ele já reservou seu
apartamento no Hotel Bard and Harp. Um homem que só faz o que quer. . .
Luana não estava prestando atenção. Os amigos e os conhecidos dos St. Cyr não
a interessavam. Enquanto olhava pela janela, pensava no encontro com o ator de olhos
cinzentos, desejando que tornassem a se encontrar.
Naquele momento o telefone tocou e ela sentiu-se aliviada quando Charme saiu
da sala para atender. Luana podia ouvir a voz dela vindo do hall, animada e

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encantadora de novo, enquanto falava com alguém chamado sr. Talgarth.


— Então o senhor já chegou? Que bom! Sim, Avendon é uma cidadezinha muito
agradável e sem dúvida nosso teatro é muito famoso e atrai as melhores companhias.
Oh, garanto que o senhor vai gostar muito. . . Papai reservou um camarote para a
temporada, por isso o senhor tem que ir conosco! Venha jantar aqui na sexta-feira,
depois iremos todos ao Mask. Sim, uma peça de Shakespeare. O senhor gosta dele? E
claro que eu também! Quem não gosta?
Ao ouvir, isso, Luana sorriu. Sabia que Charme preferia peças mais leves.
Gostava de se sentar decorativamente no camarote do pai e Luana se distraía com a
maneira como ela se mantinha alheia à magia das peças.
Esta era uma das razões pelas quais Luana preferia sentar-se na platéia para
observar, apreciar e perder-se num mundo que entendia sem nenhum esforço. Era
como se a parte celta que havia nela correspondesse ao mistério e ao encantamento do
teatro. Avendon era um lugar muito querido para ela e a vida com os St. Cyr era
suportável porque todos os anos, de abril a setembro, realizava-se na cidadezinha uma
temporada teatral. Já estava subindo a escada para ir para o quarto quando Charme
perguntou:
— Você vai ao teatro na sexta-feira?
— Tenho uma poltrona. Se quiser, posso jantar no Old Míll Loft.
— Isto simplifica tudo, querida. — Charme sabia ser encantadora quando
conseguia o que queria. — Convidei aquele amigo de papai da Cornualha para jantar
aqui, e, como Simon Fox também vem, somos quatro.
— Três homens para uma mulher. — Luana comentou com uma certa ironia, o
que fez com que Charme estreitasse os olhos, como uma gata.
— Você seria demais.
— Já estou acostumada. — Luana continuou a subir a escada. — Vou comer no
Mill, assim não atrapalho. Estou louca para que sexta-feira
chegue logo.
— Por alguma razão especial? — A risada de Charme subiu pela escada. — Não
me diga que você tem um compromisso!
A definição de Charme de compromisso era um encontro com um rapaz da
cidade, que a levasse a um restaurante elegante e depois a um show ou a uma festa. Ela
não entenderia o prazer de Luana em ver Tarquin Powers no palco e sua satisfação em
trocar algumas palavras com ele. Charme iria caçoar dela, roubando toda a magia do
encontro.
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— Sim, tenho um compromisso — ela mentiu, só pela satisfação de ver o ar de


curiosidade da irmã de criação. Depois, antes que Charme pudesse perguntar o nome
do rapaz em questão, Luana fugiu para o quarto, seu pequeno oásis, com livros,
cadeiras fundas e um toca-discos.
Pôs para tocar um noturno de Chopin e sentou-se ao lado da janela para sonhar.

Na sexta-feira, Luana teve um dia muito agitado na loja, pois a estação turística
estava começando. A região atraía muita gente de fora, que vinha para ver as peças e os
atores que se apresentavam em Stratford e no histórico Mask Theatre, em Avendon, e
também para conhecer o velho castelo. Avendon ficava entre Stratford e o castelo, de
modo que era um ponto de parada para o almoço e para um passeio pela cidade, com
suas casas com madeiramento à vista e suas lojas pitorescas.
A direita ficava o rio, com as ameixeiras cobrindo a ponte Weir. Luana adorava
o lugar e conhecia bem o atalho sombrio que levava ao Old Míll Loft, onde muitas
vezes comia sozinha, olhando a água que passava pela roda do moinho, um dos
encantos do lugar.
O garçom levou-a para uma mesa num vão perto de uma janela, e ela estava
resolvendo o que escolher quando viu três pessoas sentadas numa mesa um pouco
adiante. Seu coração bateu mais depressa. Não havia como confundir a cabeça escura
erguida com segurança e também com um pouco de orgulho. Era Tarquin Powers.
Ficou abalada ao vê-lo, como se isto fizesse parte do destino, embora soubesse
que os atores do Mask costumavam ir ao Mill para comer ostras e tomar cerveja. A
tradição era tão antiga quanto Shakespeare.
— Oh. . . — exclamou, extasiada.
O garçom deu um sorriso, como se estivesse se divertindo com a admiração dela
pelo famoso ator.
— Ele está comendo ostras — murmurou o garçom. — Mas não como aquelas
que servíamos antigamente. São congeladas, senhorita. É por isso que podem ser
vendidas fora da temporada.
— Quero um filé com batatas fritas — ela resolveu. — E um copo de cerveja.
— Sim, senhorita.
O garçom foi embora e Luana ficou olhando para Tarquin Powers. A seu lado
estava uma moça que ela tinha visto no teatro e um outro homem que lhe ensinava
como tirar a ostra da casca. Tarquin Powers olhava com ar divertido para a bela atriz.
Luana apoiou o queixo na mão e ficou pensando em como seria bom ser bonita e
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se sentir admirada por um homem tão favorecido pelos deuses. Suspirou, certa,
naquele instante, de que era uma daquelas pessoas destinadas a ser apenas espectadora
dos amores e cios dramas dos outros. O mais estranho era que nunca tinha se
preocupado com isto antes e muito menos desejado o que lhe parecia inatingível.
O garçom trouxe-lhe o filé e a cerveja, e ela estava comendo quando os atores se
levantaram da mesa. Foi então que Tarquin Powers olhou para o vão onde Luana
estava quase escondida, como se sentisse sua presença. E ele a reconheceu. Dois passos
largos o levaram para junto da mesa.
— Pierrete! — exclamou. — A moça do poodle!
— Sim. — Ela sorriu timidamente; sem Taffy para segurar como se fosse um
escudo, ela se sentia exposta à atração daquele homem, ao espanto de que ele pudesse
se lembrar dela.
— Jantando sozinha? — Ele levantou uma sobrancelha, espantado. — Você
gosta de sua própria companhia, não é, Pierrete?
— Já estou acostumada — ela respondeu, esperando que não houvesse sinais de
queixa em sua voz. — Quero dizer, é melhor ficar sozinha do que se sentir demais
entre gente que não entende ou não gosta das mesmas coisas.
— Sim, sei o que você está querendo dizer.
— Vamos embora, Quin! — a moça que estava com ele chamou.
O ator olhou para o relógio, murmurando alguma coisa.
— É melhor você ir para não se atrasar. — Luana sorriu com alegria, embora
soubesse que sempre haveria alguém para afastar Tarquin Powers dela.
— Você tem lugar para a peça desta noite? — ele perguntou.
— É claro. Não quero perdê-lo como Petrúcio.
— Espero que você goste. E agora é melhor eu ir embora, antes que
ela comece a jogar coisas em mim! Au revoir, Pierrete!
—- Até logo, sr. Powers.
Ele saiu do restaurante com os outros atores e Luana tornou a ficar sozinha.
Ainda podia ver o rosto dele a seu lado, tão viril e atraente.
Estremeceu. Como ele era maravilhoso. E ainda por cima, delicado.
Por fim pagou a conta e se dirigiu para o teatro com os olhos brilhando.
As luzes estavam todas acesas, refletindo-se no rio; sobre a marquise brilhavam
os nomes dos atores que faziam o espetáculo daquela noite, A Megera Domada.
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Luana estava excitada. Ao se dirigir para o teatro, tinha a estranha sensação de


estar indo de encontro ao destino. Levava no rosto um ar quase infantil, a boina
colocada de lado, usando uma jaqueta de couro e uma saia justa e curta. As pernas
eram longas e esbeltas e, nos pés, trazia sapatos confortáveis. Sentia-se mística e
impressionável como o pessoal de teatro, que via símbolos na água, presságios numa
palavra ou num olhar.
Entrou no saguão iluminado do Mask Theatre, decorado com cupidos e rosetas
douradas, espelhos e cadeirinhas, também douradas, encostadas na parede. À direita e
à esquerda saíam as escadas para o balcão nobre e os camarotes. Com a entrada na
mão, dirigia-se para as portas giratórias que levavam à platéia quando seu olhar se
deteve num grupo de pessoas que conversavam perto da escada da direita.
Ela conhecia a figura de Charme, de cabelo platinado e um vestido branco muito
elegante, e o rapaz magricela que a olhava com admiração.
Mas não conhecia o homem que dominava o grupo por sua altura, sua pele
morena e a força incrível de suas feições. Usava seu terno elegante com muita
segurança e Luana percebeu o brilho do ônix nos punhos da camisa, quando ele
levantou o braço para pegar um charuto.
Deve ser o homem da Cornualha. Mas assim que pensou nisso, Luana percebeu
que o grupo a havia visto e que Talgarth voltava para ela seus olhos de um azul muito
intenso, como um crepúsculo celta. Eles, chamavam a atenção porque faziam um
contraste muito grande com os cílios e as sobrancelhas pretas. Olhos que enxergavam
de longe. . . talvez até demais para o conforto da pessoa que ele estava olhando.
-— Luana! — seu padrasto chamou. Luana percebeu a nota de indignação na
voz dele, ao reparar na maneira como estava vestida. Não teve outro jeito senão
obedecer. Stephen St. Cyr era um homem magro e grisalho, mas a fragilidade que
aparentava era tão enganadora quanto o fascínio que a filha exibia.
— Menina. . . — St. Cyr segurou-a pelo braço, puxando-a para o grupo. Havia
ansiedade em sua atitude, embora seu olhar ainda continuasse a mostrar desaprovação.
Seus dedos finos apertaram a mão de Luana quando ele se virou para sorrir para o
homem alto. — Eduard, quero que você conheça minha outra filha — disse, parecendo
um tanto insincero. — Era desta menina que estava falando. A mãe dela era uma
irlandesa linda, e tudo foi muito trágico. Consegui que fosse feliz por alguns anos, mas
ela acabou murchando como a flor do campo que era.
Como um celta, Eduard, você não acredita no destino?
— Acredito, mas sem exageros — disse Talgarth friamente, Olhava para Luana,
que estava impaciente para ir embora, para fugir para a platéia, pois a peça ia começar
a qualquer momento.
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— Muito prazer em conhecê-la, sita. Perry. — A voz era atraente, chamando a


atenção de Luana, que olhou para o rosto rude dele e para sua boca, que indicava ser
ele capaz de grandes paixões. Ele lhe lembrava penhascos rochosos e ela hesitou entre
aquele olhar e os ombros fortes, como uma mariposa pronta a iniciar seu vôo.
— Muito prazer em conhecê-lo, sr. Talgarth — ela o cumprimentou, apressada.
Em seguida lançou um olhar desafiador para o padrasto e depois se afastou,
desculpando-se por sobre o ombro: — Não quero perder nada. Talvez nos vejamos
depois que a peça terminar.
Enquanto escapava pela porta, ela percebeu que Talgarth levantou o charuto até
a boca, com ar totalmente indiferente.
— Ora essa! — exclamou Charme.
Luana imaginou que mais tarde ia ser repreendida pela irmã de criação. Não
queria parecer indelicada, mas não ia perder a entrada de Tarquin Powers no palco por
ter ficado conversando com um amigo de Charme. De qualquer maneira, eles
raramente percebiam sua existência. Ela achou seu lugar e ficou esperando emocionada
que a cortina se levantasse. Como na outra noite em que tinha estado lá, havia
excitação e tensão no ar, o que só acontecia quando os espectadores antecipavam um
espetáculo fora do comum. Todos queriam ver Tarquin Powers, dominados pela magia
que ele possuía como ator; uma força que era irradiada de modo que no palco ele
parecia muito vivo, uma pessoa especial. Tarquin podia ser amado, mas nunca
possuído. Era um solitário, um homem que. sabia a maneira de impressionar outras
pessoas. Podia distraí-las, tê-las à sua mercê.
Enquanto esperava pelo início do espetáculo, Luana olhou para os camarotes.
Charme e os três homens já tinham se acomodado e o cornualês estava examinando o
teatro com muito interesse. Charme disse qualquer coisa e ele respondeu com um
sorriso rápido. Era estranho que fosse amigo dos St. Cyr. Talvez tivessem se conhecido
na viagem que haviam feito a Penzance algumas semanas atrás. ^Stephen St. Cyr era
corretor de terras e viajava muito. No começo do ano havia feito um bom negócio e,
recebendo uma bela comissão, tinha adquirido um pequeno iate na Cornualha.
Ele teria comprado o barco de Eduard Talgarth? O homem tinha mesmo um ar
de marinheiro. Homens com olhos azuis penetrantes sempre lembravam o mar.
Foi então que aqueles olhos azuis a encontraram na platéia. Pareciam um raio
percorrendo seu rosto e reconhecendo-a como a moça que tinha sido indelicada com
ele. Pela expressão, ele não iria se esquecer daquilo tão cedo; ela estremeceu. Esperava
não encontrá-lo muitas vezes na casa dos St. Cyr, nem em Avendon. Ele parecia
estranho naquele lugar, como se pertencesse aos rochedos e às ondas enormes, tão
perigosas.
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Luana olhou para Charme, uma figura fria e elegante num vestido caro. Estaria
ela interessada naquele homem? Neste caso, era uma surpresa para Luana. Charme
geralmente gostava de mandar, e Eduard Talgarth parecia ser dono de cada centímetro
de seu corpo.
Naquele instante, as luzes do teatro começaram a se apagar e as cortinas se
abriram. O coração de Luana bateu mais depressa esqueceu imediatamente o estranho
moreno para se concentrar apenas ao palco, no cenário, nos atores com suas roupas
coloridas. Esperava ansiosamente o momento em que Tarquin Powers fosse entrar em
cena como Petrúcio, um homem à parte, mais bonito e mais vivo do que os outros; no
entanto era real para ela porque lhe tinha sorrido, falado com ela, chamando-a de
Pierrete.
Não tinha sido um sonho e nos olhos dele havia a promessa de encontrá-la de
novo em Avendon.
Mas não seria naquela noite. Depois da última chamada em cena, os aplausos
calorosos diminuíram, e Tarquin Powers foi literalmente atacado na porta do teatro.
Luana perdeu-o de vista na multidão de fãs e, com um sorriso, levantou a gola do
suéter para se agasalhar melhor e foi para casa debaixo de uma garoa fina.
Na entrada da casa estava um Lancia preto, evidentemente do homem que
procurava evitar. Tentou a porta da cozinha, que felizmente estava destrancada. Entrou
muito devagarinho, tomou um copo de leite gelado, depois atravessou o hall na ponta
dos pés, em direção à escada. Ouviu uma voz grave, o barulho das xícaras de café e,
por fim, a risada de Charme.
O sr. Eduard Talgarth estava sendo muito bem recebido naquela casa.
Luana deu uma mordida numa das bolachas que estava levando para o quarto.
Pretendia estar dormindo profundamente quando Charme subisse. Depois da magia
de ver Tarquin Powers, não estava disposta a ouvir um sermão por causa do estranho
da Cornualha.

CAPÍTULO II

Era o dia do aniversário de Charme St. Cyr e a casa estava muito agitada.
Lâmpadas coloridas acompanhavam a entrada de carros e os membros de uma
pequena orquestra tinham acabado de chegar com seus instrumentos. O bufê tinha
sido arrumado na sala de estar, onde as bebidas iam ser servidas. A sala de visitas
estava sem os móveis e os tapetes, preparada para as danças. As portas-janelas estavam
abertas para o jardim, todo iluminado.
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear

Charme se sentia feliz porque a noite estava boa, e encantada com sua fantasia,
que era a de uma dama do século XVIII. A máscara que tinha acabado de
desembrulhar era antiga, com o cabo cravejado de pedras preciosas... um presente do
novo amigo moreno, com um aspecto um tanto perigoso, que tinha vindo da
Cornualha para assistir à festa. Os convidados deviam vir fantasiados. Luana tinha
ajudado a enviar a maioria dos convites, mas Charme misteriosamente tinha mandado
mais alguns no sábado.
Luana levantou a máscara até os olhos e observou Charme, perguntando-se
novamente se Eduard Talgarth fazia parte dos pianos da irmã.
— Você está com um ar estranho! — Charme quase arrancou a mascara das
mãos de Luana. — Seja um amor e leve Taffy para dar uma volta. Ando tão ocupada
que não tenho tido tempo para ele.
Luana encontrou o poodle debaixo do piano, latindo para um dos membros da
orquestra. Pegou-o no colo e estava saindo pela porta da frente quando o padrasto
chegou.
— Onde você vai, Luana?
— Charme pediu que eu levasse Taffy para dar uma volta.
— Ela está animada? — Stephen St. Cyr deu um sorriso. — Bem, não demore
muito. A festa vai começar às oito e meia.
— As lâmpadas ficaram muito bonitas.
— Ficaram, sim. — Ele agradou o cachorrinho. — Talgarth vem hoje à noite,
Luana. Gostaria que você fosse... mais amável. Ele é um homem bastante importante e
eu fiquei muito aborrecido naquela noite em que você foi embora correndo. Você não
precisa ter medo dos homens, Luana. Não deve deixar que o erro de sua mãe. . . Bem,
você sabe o que quero dizer. Não queremos que você fique solteira. — Ele riu, olhando
rapidamente para o cabelo avermelhado de Luana que caía liso até o ombro, como o da
mãe. — Você não é feia. Tem um ar de duende que alguns homens apreciam muito.
Luana ficou espantada com esta conversa. Seu padrasto nunca lhe havia dito
antes que ela tinha bom aspecto.
— Prometo não atrapalhar. Eu me afastarei se estiver incomodando.
— Luana! — Os olhos azul-claros estavam brilhando. — Isto não é maneira de
falar comigo. Só quero o seu bem!
Ele não a tratava tão mal quanto Charme.
— Vou dar uma volta com Taffy perto do rio, mas volto logo — prometeu.
Ele concordou e Luana sentiu que a olhava enquanto descia a escada com o
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear

cachorrinho pulando a seu lado. Seu padrasto queria muito que Eduard Talgarth fosse
bem recebido, o que significava que ele era rico e talvez até um genro em perspectiva.
Luana achava que Charme não se casaria por amor. Ela poria o interesse material antes
do romântico, pois sempre dera a impressão de que considerava o amor um sentimento
rudimentar e selvagem.
Enquanto passeava na margem do rio, Luana começou a imaginar, sem querer,
o que o cornualês moreno achava do amor. . . ele parecia também muito selvagem.
Do outro lado do rio estava o teatro iluminado e ela desejou ardentemente
poder conversar de novo com Tarquin Powers. Ele agora devia estar no camarim,
preparando-se para uma outra peça. Luana adoraria vê-lo num novo papel, mas não
ousava deixar de ir à festa de Charme.
Era uma loucura sentir-se tão romântica por causa de um estranho, mas não
podia se impedir. Era tão emocionante que ele tivesse reparado nela, sorrido para ela,
dito algumas palavras amáveis. Iria se lembrar disso tudo depois que ele deixasse
Avendon. . . Naquele instante, percebeu que um carro esporte tinha parado perto do
meio-fio e que o motorista estava olhando para ela. O "rosto do homem estava na
sombra, mas Luana sentiu o impacto de seu olhar.
Taffy saiu correndo em direção ao carro estacionado e ela teve que se virar para
chamar o cãozinho. Foi então que viu o homem. Ele estava inclinado, brincando com
Taffy, que abanava a cauda em sinal de reconhecimento.
Luana ficou aborrecida quando reconheceu o rosto celta moreno e vigoroso, o
cabelo preto agitado pela brisa. Taffy estava apoiado nas patas traseiras, cheirando a
mão de Eduard Talgarth.
— Boa tarde, srta. Perry — disse ele. — Parece que o Mask Theatre a fascina. —
Havia um pouco de zombaria na voz dele, como se estivesse caçoando.
— Trago sempre Taffy aqui para correr por entre as árvores. O campo fica um
pouco distante.
— Você deveria conhecer a Cornualha. . . Taffy ia adorar, pois poderia correr à
vontade pelas charnecas. Quilômetros delas, cobertas de urzes suficientemente altas
para encobrir uma moça, imagine um poodle.
— Acho que nunca terei o prazer, sr. Talgarth, de me esconder nas urzes da
Cornualha.
— Quem pode dizer o que vai acontecer, Luana Perry? A vida dá voltas
estranhas, mas você é ainda muito moça para saber.
— Tenho dezenove anos e sempre soube que a vida pode ser bem triste, sr.
Talgarth.
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear

— As pessoas geralmente compensam de uma maneira ou de outra a perda de


alguma coisa amada — disse ele, como se lembrasse da conversa que havia tido com St.
Cyr. — Com você é o teatro, não é?
— Sim — ela respondeu sucintamente, pois não queria conversar com um amigo
de Charme sobre um assunto que podia acabar em Tarquin Powers.
Que piada! Ela estava ali, toda alvoroçada só porque um ator lhe sorriu e lhe
dirigiu algumas palavras. . . migalhas que sobravam do banquete que ele
provavelmente partilhava com as atrizes mais encantadoras.
— Preciso voltar para casa. . . a festa já deve estar começando e ainda nem estou
vestida! — Ela se inclinou para prender a correia na coleira de Taffy, mas Eduard
Talgarth abriu a porta do carro e o poodle entrou, acomodando-se no banco da frente.
— Ora! — Luana.levantou os olhos, encontrando o olhar dominador que ele lhe dirigiu
enquanto abria a porta do carro.
— Pode entrar, menina. Estou indo para a festa e vocês dois vão chegar mais
depressa se você me suportar por uns cinco ou dez minutos.
Vamos, faça um esforço!
Ela corou; numa outra ocasião teria se afastado, indo a pé e deixando que ele
levasse o cachorro para casa. Mas já estava ficando tarde e o hábito de fazer a vontade
de Charme era forte demais para ser ignorado.
Entrou no carro, sentindo a maciez do couro do estofamento e o roçar do braço
de Talgarth, que fechava a porta.
Taffy estava sentado entre os dois e a brisa tocava o rosto de Luana. Ela ainda se
voltou para olhar o teatro, mas logo se lembrou do brilho que havia nos olhos de
Talgarth quando perguntou se ela compensava suas perdas com o teatro.
— O senhor não está usando fantasia — comentou. — Charme queria que todo
mundo fosse fantasiado.
— Não gosto desse tipo de coisa. Sua irmã vai ter que me desculpar, pois vim da
Cornualha e lá não costumo ir a festas.
— Ela vai fazer corri que o senhor ponha uma máscara — avisou, — Vamos ter
que usar máscaras até a meia-noite.
— Rendo-me, então! — Ele sorriu. — De qualquer maneira, a maioria das
pessoas usa alguma espécie de máscara a maior parte do tempo. É raro encontrar
alguém totalmente franco.
— Se as pessoas não fossem um pouco reservadas, seriam muito menos
interessantes.
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear

— Menina sabida! — Olhou-a diretamente, um olhar que durou um segundo,


mas que a deixou com a impressão de que ele era um homem muito profundo, capaz
de muitas coisas... inclusive de um rapto.
— O senhor passou a casa onde moro! — exclamou.
— E mesmo... — Ele fez uma manobra muito hábil e pouco depois estacionava o
Lancia. Uma música de dança estava tocando. A festa tinha começado.
— Acho melhor entrar por trás. — Luana abriu a porta e, enquanto saía do
carro, sentiu os olhos azuis da cor do mar de Eduard Talgarth, que a fitavam. O vento
havia desmanchado o cabelo dele, que caía sobre uma sobrancelha, sempre levantada,
dando-lhe um ar ligeiramente irônico. Ele sorriu, desfazendo a impressão de
autoridade que emanava de seu rosto. Não se podia dizer que fosse bonito, mas a força
de seus traços e aquele toque de inflexibilidade faziam dele um homem difícil de se
esquecer. Era como os corsários da Cornualha de muito tempo atrás; os
contrabandistas que traziam conhaque e rendas da Bretanha, escondendo-os nas
cavernas com passagens cavadas na pedra que levavam a velhas mansões sombrias em
cima de penhascos.
Aqueles homens morenos, foras-da-lei, tinham cruzado os mares, negociando
com todos os tipos de mercadorias, algumas exóticas, outras contrabandeadas.
Lembrou-se das palavras de Charme: "Ele deixou o mar para morar numa casa,
na Cornualha, que pertence há muitos anos à sua família. As pessoas de Penzance
dizem que é um- lugar estranho. Uma casa no estilo francês, chamada Castelo de St.
Avrell. Havia um príncipe francês que fugiu de uma revolta. Dizem que ele construiu a
casa para a francesa com quem ia se casar. A mãe de Eduard é bretã''.
— Que fantasia você vai usar esta noite? — ele perguntou com voz fria, como se
achasse que ela era uma criança que adorava se fantasiar.
— Não deve perguntar, sr. Talgarth. — Ela já estava fora do carro. — Faz parte
do divertimento tentar adivinhar quem é quem.
— Talvez eu devesse usar um lenço vermelho amarrado na cabeça. — Ela
aprovou, como se tivesse lido seus pensamentos. — Não ficaria bem?
— Sim — ela admitiu francamente. — O senhor daria um pirata muito bom.
— Eles não eram bons, Luana Perry. Pegavam o que era dos outros.
Ela pensou em Simon Fox, que estava namorando sua irmã de criação há quase
um ano; mas não era da sua conta se um estranho vinha da Cornualha com a intenção
de fugir com Charme. Quando ele a visse naquela noite, vestida de dama antiga, ia
querer que ela fosse morar no Castelo de St. Avrell. Provavelmente ele era muito rico e
Charme se achava suficientemente bonita para atrair um homem de posses.
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear

— Preciso entrar! — Luana se afastou correndo, com Taffy atrás.


Por volta de onze e meia, a casa estava repleta de gente. Dançavam na sala de
visitas; alguns pares estavam sentados na escada, comendo sanduíches ou bolo.
Figuras mascaradas passeavam por entre as árvores.
A festa estava sendo um enorme sucesso e muitas fantasias eram criativas e
interessantes.
Um homem estava parado ao lado da porta da sala de estar. Usando uma túnica
húngara abotoada nos ombros, calças -justas e botas de cano alto. Uma capa forrada de
cetim vermelho envolvia seu corpo alto e magro, e uma máscara de veludo negro
escondia seu rosto quase inteiramente.
Luana não conseguia tirar os olhos dele. Ela estava no bufê, com um pãozinho
recheado de salsicha em uma das mãos e um refrigerante na outra. Usava uma fantasia
de Pierrete, com todo o cabelo escondido dentro de um chapéu pontudo e sua máscara
prateada no rosto. Uma pequena meia-lua de prata estava presa em sua face esquerda,
na covinha.
Lentamente ela deu uma mordida no pãozinho. Parecia muito tímida assim
sozinha e seu coração começou a bater mais depressa quando o homem vestido de
húngaro se aproximou. Ele vinha para junto dela, decidido, e Luana o reconheceu com
todas as fibras de seu corpo jovem.
— Concordo com você. — A voz era quente e grave. — Pãezinhos recheados
com salsicha são irresistíveis.
Ela conhecia aquela mão expressiva, o anel no dedo médio, a magia daquela
voz. Quando ele deu uma mordida no pãozinho, ela caiu na risada.
— É você! — ela murmurou, numa espécie de encantamento.
— Às suas ordens, Pierrete. — Tarquin Powers inclinou-se galantemente. — O
pãozinho está excelente. Acho que vou pegar outro.
Representar me abre o apetite, e eu acabei vindo para cá com algumas pessoas,
sem trocar de roupa. O convite dizia que a festa era à fantasia, por isto aqui estou!
Para Luana, a festa encheu-se de repente de estrelas e de fanfarras. Não
imaginava que sua irmã de criação tivesse convidado Tarquin Powers e outros
membros da companhia para a sua festa, e aquilo era uma surpresa maravilhosa.
Involuntária, é claro, pois Charme não sabia que Luana conhecia o ator.
— Você vai querer alguma coisa mais forte do que refrigerante, não é? — disse
ela e, sorrindo, levou-o para uma mesa onde havia garrafas de vinho, vodca e uísque.
— Sirva-se, sr. Powers.
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear

— É melhor não jogar o copo na lareira, não é?


— Moro aqui — ela explicou, sorrindo, e logo ficou espantada quando ele a
envolveu com um braço, convidando-a para dançar.
A pista estava muito cheia, de modo que mal saíram do lugar. Mas só isto já era
excitante e Luana ficou assustada com a maneira como reagia àquela proximidade.
Quando ele falava com ela, os lábios próximos de seu ouvido, sentia-se indefesa, à
mercê de alguma coisa que devia combater. Ele era Tarquin Powers, não um rapazinho
de Avendon, que ela podia amar.
Amar. . . quando esta palavra chegou em seu coração, sentiu que Charme a
olhava, por isso achou melhor fingir que não conhecia seu par.
Charme estava parada com o convidado da Cornualha, que tinha consentido em
pôr uma máscara, mas que se destacava como uma pedra num jardim no seu discreto
smoking preto.
Ele olhava para Luana e, pela maneira como levantou a sobrancelha, pensativo,
ela percebeu timidamente que o cornualês tinha reconhecido seu par. Era o olhar de
um homem do mar, penetrante e treinado para enxergar mais do que as outras pessoas.
O que estaria vendo agora? Uma jovem ingênua apaixonando-se por um homem que
nem podia pretender conquistar?
— Vamos sair daqui. — Tarquin saiu dançando com ela pelas portas-janelas.
Depois pegou na mão dela e andaram um pouco pelo jardim, até uma árvore cheia de
flores.
— Uma linda noite de primavera, Pierrete. — Ele afastou um ramo de flores
para ver a lua nova. — Você já não quis recostar-se na lua nova? Pois é ali que um
Pierrô deve ficar, longe da multidão, um pouco triste, mas encantador.
— Estou contente porque o senhor gostou da minha fantasia.
— Você não deve ser formal comigo, Pierrete. Chame-me de Quin, como os
amigos.
— Você se incomodaria. . . — ela esmagou uma flor, um pouco nervosa — se eu
o chamasse de Tarquin? Gosto do nome.
— Pode me chamar do jeito que quiser — ele respondeu, divertido. — O teatro
está cheio de "querido" e "meu amor" e algumas mulheres até me chamam de "bruto".
— Mas por quê? — Luana não podia acreditar que ele merecesse isso.
— Por várias razões. Supõe-se que os atores românticos sejam muito
namoradores, dentro e fora do palco.
— E você é namorador?
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear

— Não, Luana. — Agora ele estava falando com seriedade e seus olhos
brilhantes prenderam os dela. De repente, um casal se aproximou às gargalhadas,
rodeou a árvore e depois passou entre eles. Tarquin tirou a máscara; seu rosto,
iluminado pelo luar, mostrava sinais de tensão.
— Vamos sair desta casa de loucos. Onde podemos ir?
— Pela porta lateral, em cinco minutos estaremos no rio.
— Vamos, então!
— Podemos ir assim? — Ela riu enquanto tirava o chapéu, soltando os cabelos.
— Sim, por que não? — Ele a pegou pela mão e saíram da festa de Charme,
afastando-se rapidamente da casa, como se tivessem muito pouco tempo para ficar
juntos.
— Você se incomoda se eu a raptar?
Luana sacudiu a cabeça, pensando rapidamente naquele outro homem que
parecia capaz de fugir com uma moça. Com outras moças, nunca com ela. Entretanto lá
estava ela, à meia-noite, com o cabelo voando enquanto corria com Tarquin em direção
ao rio.
Estremeceu, mais de excitação do que de frio, e Tarquin envolveu-a com a capa,
mas ela não teve coragem de levantar os olhos. As mãos dele, quando â tocaram,
pareciam as mãos de alguém apaixonado, mas seria loucura sonhar que ele queria mais
que uma amiga, alguém com quem pudesse falar sobre cisnes e torres.
Por fim chegaram diante do teatro, agora escuro e vazio. Um cisne solitário
nadava à luz do luar, como um fantasma.
— Como é que você se sente num palco, diante de uma platéia cheia?
— É terrível — ele respondeu imediatamente. — Nos primeiros momentos, é
como se eu estivesse no inferno, no dia do juízo finai.
Mesmo o ator mais experiente acha que vai esquecer as falas, tropeçar em
alguma coisa, desagradar os espectadores. O alívio imenso quando se começa a falar, a
alegria quando se sente o calor da platéia. . . é tangível, Luana, como o sal no ar do mar.
É uma sensação maravilhosa. Não se deseja nada mais. Atinge-se as estrelas.
Quando ela olhou o perfil delineado pelo luar contra o céu escuro, percebeu que
o amava acima de tudo, desde o momento em que o ouviu falar pela primeira vez,
tocando seu coração tão sedento de amor.
Eles se olharam por um instante.
— Você não se parece com sua irmã — disse ele com ternura.
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear

— Bem, não somos parentes. O pai dela casou-se com minha mãe, mas fora isto
temos muito pouco em comum. Charme é considerada a beldade de Avendon, mas,
embora eu admire a beleza dela, não nos damos muito bem. É o caso do animalzinho
de estimação que vive junto de um gatinho sem dono. Charme gosta de almofadas e de
creme, mas eu me contentaria com... — Luana mordeu o lábio, pois estava para dizer
"afeição". Ninguém a amava desde a morte da mãe, apenas cuidavam dela no sentido
material.
Tarquin ouvia atentamente e de repente Luana estava se abrindo:
— Não quero ser ingrata aos St. Cyr. Stephen foi bom para Catarina, minha mãe.
Nunca conheci meu pai. Tudo o que sei é que era soldado e Catarina o amava. Sempre
disse que ele pretendia se casar com ela, mas foi mandado para fora do país e pouco
depois foi morto. Ela era empregada na casa da mãe dele, por isto não ousou contar seu
segredo a ninguém. Preferiu ir embora e, durante sete anos, fomos felizes vivendo
juntas, apesar de pobres, até que ela se casou com Stephen St. Cyr. Enquanto eu estava
num colégio interno, minha mãe ficou doente e morreu. . . Tarquin, você acha que devo
me envergonhar porque meus pais não eram casados? Charme pensa que sim. Ela acha
embaraçoso viver comigo.
— Na vida, as coisas muito vistosas geralmente são vazias, Luana, são velas
diante do sol. — Tarquin acompanhou o contorno do rosto dela com os dedos. — Uma
criança nascida do amor é o próprio amor, Pierrete. É como uma taça cinzelada com os
mais belos desenhos. Cheia até a borda com um vinho tépido. É o que somos, Luana...
o que fazemos de nós mesmos é que conta.
Ouvindo estas palavras, ela soube imediatamente que nunca mais se magoaria
com as palavras da irmã de criação. Parecia um sonho que estivesse ali com o grande
Tarquin Powers. Tinha a sensação de que correspondia a alguma necessidade dele;
uma volta à juventude, talvez, em busca da inocência perdida.
"Você deveria se chamar Alice", Charme lhe havia dito uma vez. "Num
momento parece que você está no País das Maravilhas, e no momento seguinte é como
se estivesse tomando chá com o Chapeleiro Maluco."
Luana sorriu consigo mesma. Charme não percebia que a vida era uma
maravilha e, ao mesmo tempo, uma loucura?
— Por que você está sorrindo? — Tarquin tocou-lhe o rosto e ela estremeceu,
pois não estava acostumada com isso.
— Gostaria de saber se minha irmã percebeu que fugimos da festa.
— Espero que sim. Isto lhe ensinará que o encanto dela não é tudo e que as fadas
pequeninas têm muito mais magia.

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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear

— Como é que você sabe disso?


— Li num livro — ele respondeu. — Para falar a verdade, no passado
costumava ir para a Cornualha, nas férias. Havia um lugar em que as pedras pareciam
cavaleiros em guarda e as charnecas faziam pensar em histórias românticas. Havia uma
rocha enorme com um arco cavado que levava a uma caverna. Era lá que eu guardava
a minha coleção de despojos do mar... conchas, pedaços de quartzo e algas. — Ele fez
uma pausa e sorriu, com um braço no ombro dela. — Estou tentando me lembrar do
nome do lugar... o que guardo na memória é a casa que ficava nos penhascos. Ninguém
morava lá, mas havia um aviso no portão que dizia "Cuidado, invasores". Acho que era
isto o que mais me intrigava. Eu entrei na propriedade e descobri que as janelas
estavam fechadas e que havia ninhos de corvos no telhado. Não encontrei nem mesmo
um caseiro. Era como se o lugar fosse assombrado e ninguém ousasse morar lá.
Luana prendeu a respiração. Por um momento, sentiu-se tentada a dizer-lhe o
nome da casa e do homem que agora morava lá. . . sem temer os fantasmas. Mas
preferiu ficar calada.
Ele não tinha nada em comum com Eduard Talgarth, disso ela tinha certeza. O
cornualês não tinha sensibilidade nenhuma. . .
— Você nunca mais voltou?
— Não. — Ele sorriu, pensativo, olhando para o cisne que deslizava em sua
vigília solitária. — Não tive tempo, depois que comecei a trabalhar. Primeiro havia a
escola de arte dramática, depois comecei a carregar cenários, até que um diretor me
deixou entrar em cena levando uma lança. Meu primeiro papel falado foi em Júlio
César. Fiz o soldado que tinha que apunhalar Cassius, e agora o papel de Cassius está no
meu repertório. É um dos meus favoritos. — Ele deu uma risada, olhando depois para
Luana. — Estou aborrecendo você, Pierrete? Você está muito quieta.
— Estou encantada — disse ela imediatamente,, sem poder esconder uma nota
de emoção na voz. — Continue.
— Apesar das sardas, Luana, você não gostaria de ser atriz?
— Não. — Ela olhou para Tarquin, um pouco tímida ainda, mas sem achar que
iria caçoar de suas idéias.
Ele não seria o ator que era se não tivesse uma sensibilidade que provavelmente
tinha que esconder, ou até combater, pois o mundo do teatro era muito duro, e os
sentimentos feridos tinham que ser escondidos por trás de uma risada alegre ou de um
movimento displicente de ombros.
— Adoro o teatro, mas acho que os atores realmente bons já nascem com talento,
não são feitos de uma hora para a outra. Você entende o que quero dizer?
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear

— Uma espécie de deuses, é isto?


— Sim. — Ela riu. — E acho você maravilhoso, Tarquin.
— Agora estamos ensaiando Hamlet, para encerrar a temporada. Vai ser um
espetáculo maravilhoso e muito importante para mim, Luana. É a primeira vez que
interpreto Hamlet.
— Você vai se sair maravilhosamente bem, Tarquin.
— Eu quero que seja assim. Pelo menos uma vez na vida um ator quer ter uma
atuação que fique para sempre na memória dos espectadores. Ele quer que, muito
tempo depois, as pessoas ainda digam: "Ah, sim, vi quando ele interpretou aquele
papel. Foi maravilhoso!" Os atores são vaidosos, Pierrete. Gostam de ser adulados
mesmo depois de a cortina cair.
— Tarquin. . . — Alguma coisa na voz dele fez com que Luana estremecesse. Sob
o luar, seu rosto parecia pensativo e melancólico. Afinal, ele era tão vulnerável quanto
ela. . .
— Eu a amedrontei? — Ele a abraçou de repente. — Devo levá-la para casa?
— Sim, preciso voltar. . .
— E eu deveria me despedir e não voltar nunca mais. — Ele fez uma pausa,
acrescentando quase que selvagemente: — Mas não quero que seja assim. Quero vê-la
de novo, Luana, no domingo. Vamos passear de barco e fazer um piquenique... Está
combinado?
— Sim. . . Oh, sim! — Ela estava radiante. — Onde vamos nos encontrar. Você
quer que eu leve a comida?
— Vamos nos encontrar no Mill Loft e alugar um barco. Depois eu vou arranjar
uma cesta com coxas de peru, pasteizinhos de patê e uma garrafa de vinho.
— Você gosta de fazer tudo com classe. — Ela sorriu e em seus olhos havia
ansiedade, como se ainda não pudesse conceber que estava entrando na vida dele,
mesmo por algumas horas.
— Espero que não haja um namorado... — ele murmurou. — Algum Romeu
muito jovem. . .
— Não — ela respondeu depressa, sem conseguir esconder a alegria que estava
sentindo. — Não há ninguém. . . e eu gostaria muito de passear de barco com você.
— Então está combinado. Vamos seguir a correnteza e ver o que acontece. —
Antes que Luana pudesse falar de novo, ele roçou os lábios na luazinha prateada que
ela tinha no rosto. — Você sabe isto tudo, apesar de ser quase uma menina.

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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear

— O quê, Tarquin? — Seu coração batia desesperadamente, pois sabia que podia
ficar muito ferida caso se apaixonasse por aquele homem. Mas queria amá-lo, aceitar os
momentos que ele podia lhe oferecer fora do teatro e com eles viver uma vida de
sonho.
— Que me sinto muito sozinho, Luana, mesmo quando estou rodeado de gente.
Acho que você já compreendeu isso. Você pensa com o coração, não é verdade?
— Sim. — Lembrou-se de Catarina, que também era assim. Lembrou também
que, naquele mesmo dia, St. Cyr havia dito que ela não devia ter medo dos homens por
causa do erro de sua mãe. Como podia temer alguma coisa nos braços de Tarquin se só
sentia felicidade?
— Preciso levar você para casa. Vai chover de novo.
Voltaram correndo. Quase todos os carros tinham ido embora, muitas lâmpadas
coloridas estavam apagadas e alguém tocava um disco.
— Não se esqueça — Tarquin murmurou, apertando a mão de Luana.
— Não. — Ela lhe entregou a capa, sentindo-se emocionada com o segredo que
partilhavam.
Ninguém podia saber que ia passear no domingo com Tarquin Powers.
A curiosidade dos outros só estragaria o que para eles era maravilhoso. Ele se foi.
Entrou correndo e, no hall, encontrou Charme que se despedia do cornualês.
— Luana?
— Uma festa ótima, Charme! -— Ela deu um sorriso travesso. — O senhor
também se divertiu, sr. Talgarth? — Virou-se para ele, o cabelo muito liso, os olhos
brilhando de felicidade.
— E você?
Luana percebeu pelo seu olhar, tão penetrante, que ele tinha notado que saíra
com Tarquin.
— Sim, muito. — Nos olhos dela havia desafio, pois que direito tinha ele, um
estranho, de censurá-la? Será que achava que ela devia ficar num canto, recebendo
apenas a caridade dos St. Cyr? Como o odiava! Ele era arrogante. . . um daqueles
homens que pensavam que só os privilegiados tinham direito a amar. — O senhor vai
ficar muito tempo em Avendon? — ela perguntou com voz muito Ma. — Ou está
ansioso para voltar para seu castelo?
Ele estreitou os olhos e por um instante ficaram sozinhos, pois Charme estava
conversando com amigos do pai. Levantando a cabeça, Talgarth a fitou, as
sobrancelhas pretas formando uma linha perigosa, os olhos brilhando como fogo.
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear

— Há dois tipos de pessoas — disse ele suavemente. — Os dóceis e os selvagens,


e, se algum dia você for para a Cornualha, vai descobrir como sou.
— Posso imaginar — ela respondeu com indiferença. — Mas não pretendo ir
visitá-lo nem à sua esposa.
— Não sou casado, srta. Perry.
— Mas vai se casar, não é mesmo? — Ela virou nos calcanhares e subiu correndo
a escada.
Sabia que tipo de homem era, e chegou a ter pena de Charme, que teria que
enfrentá-lo. Ele podia ser generoso com seus presentes, mas não iria mudar seus
hábitos por causa de uma mulher, mesmo que a desejasse. A mulher teria que fazer
suas vontades e Luana não podia imaginar a irmã numa região como a Cornualha,
mesmo morando num castelo.
— Tarquin — ela murmurou já em seu quarto, sentando-se perto da janela. Uma
tempestade estava se formando. Ao sentir o vento que batia em seu rosto, lembrou-se
do beijo do ator, apagando de seus pensamentos a figura de Eduard Talgarth e a raiva
que ele tinha provocado.
Dentro de quatro dias veria Tarquin de novo.

CAPÍTULO III

Depois do primeiro passeio, eles passaram a se encontrar todos os domingos.


Com o barco que Tarquin tinha alugado, percorriam o rio Avon, parando para fazer
um piquenique, ou para procurar alguma hospedaria antiga, onde saboreavam rosbife
e batatas coradas, num ambiente de outras épocas.
Luana estava descobrindo o quanto ele se desgastava com o teatro e como
precisava relaxar com alguém como ela, que não exigia nada, que ouvia e ria, e
explorava com ele os velhos moinhos d'água e as ruínas de castelos no coração da
Inglaterra.
Naquele dia estavam em silêncio ao voltarem para o barco. Por fim, ele deu um
beijo leve na mão dela.
— Ninfa querida, você sabe ler no coração, não é mesmo? Você sabe que ele está
dividido.
Luana concordou, sem deixar de sorrir. Embora ele ainda não a tivesse beijado
nos lábios, sabia que havia alguma coisa entre eles. Tarquin a ajudou a entrar no barco,
depois começou a remar com a mesma graça que mostrava no palco. A tarde caía e
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear

tudo estava em silêncio. Por um momento seus olhos se encontraram.


— Você é uma criatura fora do comum, Luana. Eu já lhe disse que a natureza lhe
deu flores em lugar de olhos?
Muitas vezes Tarquin dizia coisas assim, mas ela não ousava entendê-las como
palavras de amor.
O que ele precisava era de uma companheira, alguém com quem pudesse ficar à
vontade.
Quando se separaram no fim da tarde, numa ponte muito antiga, Tarquin tirou
do bolso um anel com a forma de um escaravelho, com uma inscrição embaixo da asa.
— Em nome da nossa amizade — disse ele, mas colocou o anel no dedo em que
os homens costumam colocar a aliança.
— Não. . . não quero! — Aquilo era demais para ela, por isso arrancou o anel do
dedo, jogando-o aos pés de Tarquin. Depois saiu correndo, pretendendo nunca mais
vê-lo... pois já não se satisfazia em ser apenas uma amiga dele.
— Luana?
Ela atravessou a ponte correndo, com o brilho do sol agonizante nos olhos
cheios de lágrimas e, antes que pudesse impedir, tropeçou nos degraus da ponte e caiu
estatelada na relva cheia de flores.
— Luana! — Estava ao lado dela, ajoelhado. Seu rosto parecia sombrio e
preocupado quando ele a puxou de encontro ao peito.
— Não. . . por favor! — Ela lutou com ele. — Estou bem, deixe-me ir para casa.
— Não. . . — Tarquin continuou a abraçá-la.
Ela viu o rosto dele muito próximo, muito definido, como se seus traços
tivessem sido desenhados por estrelas. Prendeu a respiração quando Tarquin a beijou
levemente. . . mas de repente o calor transformou-se em chama e a carícia desapareceu
para dar lugar ao desejo de um homem que havia esperado ardentemente aquele
momento.
Beijos cobriram os lábios, os olhos e o pescoço de Luana. As comportas se
abriram e ela se viu inundada de amor, até que por fim pediu, rindo mas um pouco
amedrontada, que ele parasse, senão morreria sufocada de tantos beijos.
— Você é tão doce. . . — Ele murmurou, abraçando-a com força. — Percebi isso
quando a vi embaixo do palco, naquele teatro quase às escuras, segurando aquele
cachorro absurdo. Vi tanta inocência e tanta confiança que jurei comigo mesmo não
tocar em você. Pretendia que passássemos apenas algumas tardes juntos. Não queria
quebrar o encantamento dos nossos passeios pelo rio.
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear

Ela não podia falar, não podia perguntar por que aqueles beijos eram perigosos.
Ficou olhando para ele, aninhada em seus braços, percebendo, entretanto, como o rosto
dele estava tenso.
— Pierrete — ele falou com a boca de encontro ao cabelo dela — você nunca se
perguntou por que combati esta. . . por que tentei convencer de que não podíamos ser
nada mais do que amigos? Não posso pedi-la em casamento.
Por um instante, ela ouviu apenas as batidas de seu próprio coração, mas de
repente a verdade começou a tomar forma, antes mesmo que ele falasse.
— Sou casado, Luana — disse ele simplesmente. — Você nunca desconfiou?
Você nunca se perguntou por que não a beijava? Você pensava que não me atraía?
— Nunca. . . ninguém falou de sua esposa, Tarquin.
— Só meus amigos mais íntimos sabem que sou casado. — Com um suspiro, ele
ajudou Luana a levantar-se, depois voltaram para a ponte.
Tarquin acendeu um isqueiro e logo encontrou o anel que ela havia jogado no
chão... prevenida por algum instinto de que ele não tinha o direito de lhe dar aquele
anel.
— Por favor, Luana — ele lhe estendeu o anel —, use no dedo que quiser. Não
tem importância. Entre nós só pode existir amizade, embora gostemos um do outro.
— Por que ninguém fala de sua esposa? — Ela tinha que saber todo o segredo.
— Vocês vivem separados?
— Sim. Casamos quando eu estava começando a carreira; quatro anos depois ela
ficou doente e teve que ser internada num hospital para doenças nervosas na
Califórnia. — Ele suspirou. — Ela é italiana, muito bonita e não pode mais voltar a ser
minha mulher. . . mas será minha esposa até a morte de um de nós. Na época em que
casamos, eu estava tão apaixonado que adotei a religião dela. Você sabe o que isto
significa, Luana?
— Sim — murmurou e suas mãos estavam tremendo quando colocou o anel no
dedo. Ela o usaria para sempre. Era tudo o que podia ter dele. — Sim, sei todas as
implicações, Tarquin, e estou muito triste. Pensei que você se mantinha reservado
porque eu não combinava com o seu mundo no teatro. . . e também me achava muito
jovem, muito ingênua e até feia demais. . .
— Ninfa adorada — ele a pegou pelos ombros —, como é que você pode ser feia
com esses olhos cor de violeta? Como poderia não me afeiçoar com seu sorriso, sem
nenhum dos artifícios que vejo todos os dias? Menos nesses domingos tão
maravilhosos. . . Nesses passeios de que nunca me esquecerei. . .

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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear

— Não fale como se estivesse indo embora, Tarquin!


— Eu pertenço ao palco, minha querida. Eu me entrego à multidão como um
gladiador aos leões. . . e agora você sabe por quê. Nós dois não devíamos ter nos
encontrado, eu devia tê-la deixado em paz. . . Aquela festa louca! Não pude resistir
quando alguém me disse que Charme St. Cyr tinha uma irmã chamada Luana. Será que
havia duas moças em Avendon com um nome tão raro? Precisava descobrir! Então vi
você, vestida de Pierrete, minha Luana, fresca como a chuva de primavera nos brotos
verdes. Estraguei a minha primavera, pois devia ter ficado longe de você. . .
— Não me arrependo de nada. Nem um minuto sequer. — Ela sorriu para ele,
pois nada do que havia dito tinha empanado a magia de conhecê-lo; seu amor não iria
morrer porque não havia um futuro para eles. — Daqui a duas semanas você vai
representar Hamlet — disse ela suavemente. — Só mais dois domingos. Não vamos
desperdiçá-los.
— Agora pode ficar perigoso — ele a advertiu. — Sou apenas um homem, e
quando ficarmos sozinhos. . . Pierrete, você não é uma criança!
— Não. — Ela sacudiu a cabeça. — De repente fiquei muito mais velha e mais
sabida, por isso não quero perder os únicos momentos que podemos passar juntos.
Você disse que iríamos a Stratford na semana que vem, não se lembra?
— Eu vivia num inferno antes de você aparecer. — Ele a abraçou, encostando o
rosto no cabelo dela. — Vou para Roma depois de Hamlet, para fazer um filme, pois
preciso de dinheiro para o tratamento de Nina. Isto vai durar anos e talvez eu passe a
dedicar bem menos tempo ao teatro, que é toda a minha vida.
— Pobre Tarquin. — Ela pegou na cabeça dele e ali, na ponte, beijaram-se com
uma tristeza infinita.

Luana chegou pensativa e encontrou a casa cheia de amigos de Charme. O toca-


discos estava tocando o sucesso do momento e um casal dançava no hall iluminado.
— Não é uma notícia formidável? — Alguém que Luana conhecia vagamente
sorriu-lhe com uma taça de champanhe na mão. — Charme vai se casar! Eles
resolveram hoje!
Luana olhou em volta, atordoada, pensando ainda naquilo que Tarquin tinha
revelado... que tinha uma mulher na América, jovem, bonita, mas inválida.
— Estive fora o dia todo. Não sabia do noivado. — Luana hesitou na escada.
Devia ir cumprimentar a irmã de criação, mas alguma coisa a impedia. Sabia que
Eduard Talgarth tinha ido embora algumas semanas atrás, mas devia ter voltado.

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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear

— Simon sempre teve muita sorte. — Várias taças de champanhe se levantaram.


— Que eles sejam muito felizes!
Simon? Simon e Charme!
Luana apoiou-se no corrimão e quase deu uma gargalhada por imaginar que a
irmã fosse desistir de um jovem muito rico como Simon para ir morar num lugar
agreste como a Cornualha. Agora percebia que Charme e Talgarth não combinavam
em nada, pois a irmã gostava de levar uma vida boa, e o cornualês era um homem
rude, com a luz do mar nos olhos e um ar de quem é dono de sua própria vida.
Charme e Simon tinham em comum o gosto pelos divertimentos e, com toda a
certeza, ela o dominaria. Isto não aconteceria com Talgarth. Luana o vira pela última
vez na loja onde trabalhava. Ele tinha entrado para comprar uma peça de porcelana,
muito cara, e Luana quase disse que Charme ia preferir uma jóia ou um porta-pó.
— Vi um cartaz das peças do Mask na vitrine — comentou ele lentamente. —
Parece que você vai regularmente ao teatro. Nunca a encontro quando vou à sua casa.
— Sempre gostei de teatro — disse ela, na defensiva, como acontecia sempre que
conversava com aquele homem. — E é fascinante quando vêm atores famosos.
— Tome cuidado, Luana. Um deles pode iludi-la e você vai sofrer.
Ele foi embora e ela nunca mais o viu. Mas nas duas semanas seguintes pensou
muitas vezes naquela conversa, quando entrava nos bastidores do Mask.
Luana não era do tipo que queria ter um caso com um homem, e Tarquin não
podia legalizar o que sentiam um pelo outro. Teria ela coragem de se tornar sua
amante? Tentou evitar esta pergunta muitas vezes, mas quando estava com Tarquin
nada parecia importar, exceto fazê-lo feliz, ser o que ele queria que ela fosse. . . até sua
amante em Roma. Tarquin não queria lhe pedir isso, mas, à medida em que se
aproximava o dia da separação, achou que talvez ele mudasse de idéia.
Era o que percebia em seus olhos, em seus braços e em seu beijo. Ele queria
acabar com a solidão. . .
No dia em que foram a Stratford, ambos estavam muito tensos. . . Pararam para
almoçar numa hospedaria, onde havia um poço ainda do tempo dos romanos. Tarquin
quis tirar uma fotografia dela encostada numa das pedras cheias de musgo.
— É para seu álbum de recordações? — ela perguntou, pretendendo mostrar-se
alegre, mas sem conseguir.
— Se eu fosse romano e você minha escrava — respondeu ele, segurando-a pelo
queixo —, não falaríamos de recordações nem de despedidas.
Quando ele a beijou subitamente no pescoço, Luana prendeu a respiração, meio
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear

amedrontada.
— Tarquin, vamos sair daqui. . . — Luana estava ofegante. — Tem mais gente no
jardim. . . por favor!
— Por favor? — ele caçoou. — As regras têm que ser obedecidas, não é?
— Que regras?
— As das convenções, minha querida. Ou de repente você ficou com medo do
meu amor?
— Você está sendo cruel!
— O amor é cruel. — Ele a puxou para fora do campo de visão das três pessoas
que chegavam para almoçar naquele jardim. — Por que fingir que é fácil sermos
amigos? Olhamos um para o outro, Luana, e as pessoas simplesmente deixam de
existir. Por que negar, feiticeirinha, que seus olhos tomam conta de mim cada vez que
se encontram com os meus?
— Não. . . — Ela não podia negar o que seus olhos revelavam. — O que sinto me
amedronta, Tarquin.
— Ah, Luana! Você acha que eu também não tenho medo, minha querida? Que
não vou sofrer ao me despedir de você . . alguém que não deveria pertencer a mais
ninguém além de mim? Alguém que devo deixar, e que mais tarde talvez torne a
encontrar o amor com outro homem?
Tarquin encostou o rosto no cabelo dela, abraçando-a com força, e
imediatamente Luana percebeu o que ele ia lhe pedir. Havia alguma coisa na atmosfera
que dava a impressão de que estavam num cenário preparado para a pergunta que ele
ia fazer e para a resposta que ela ia dar.
— Quero que você vá para Roma comigo — disse ele. — Não agüento mais ficar
sozinho. Não agüento mais o vazio de não ter alguém que goste de mim como eu sou e
não como um ídolo. Quero que você fique comigo, Luana.
Ela virou a cabeça lentamente, pressionando os lábios contra a mão fina que
estava segurando seu rosto. O beijo silencioso foi a resposta que deu.
— Minha querida! — Ele a beijou com ardor, murmurando palavras de amor.
Ela fez força para ouvir somente isto, para ver apenas o rosto dele.
Seria insuportável ver o rosto de Catarina, censurando-a. . . e havia também um
outro rosto, moreno, forte e muito celta, advertindo-a, que ela tentou afastar. A vida era
dela. Tarquin era a única pessoa no mundo que se incomodava com ela.
— Tarquin, é melhor irmos embora.

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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear

— Sim, acho que é melhor.


Como ele ameaçasse beijá-la de novo, Luana saiu correndo por entre as árvores.
Foram em silêncio até o carro, e juntos visitaram os principais pontos turísticos
da região. O sol já estava mais baixo quando pararam para admirar a paisagem. Foi
então que ela percebeu que Tarquin estava rodeado por um grupo de pessoas que
pediam autógrafos. Uma jovem olhava para ele com admiração, e Luana lembrou-se de
seu primeiro encontro com Tarquin. Ela também tinha ficado com aquele ar de
adoração? Foi por isso que ele resolveu ir à festa de Charme? Será que Tarquin a queria
por causa dessa adoração e porque ela não iria jamais interferir em sua vida pública?
Oh, estava sensível demais! Não podia esperar que Tarquin fosse puxá-la pela
mão, apresentando-a: "Esta é a moça que escolhi". Ele nunca diria nada em termos
assim tão simples. Ele não era livre. Então Tarquin se despediu das admiradoras e
voltou para Luana. As mulheres não tiravam os olhos dela, curiosas em saber se
também era atriz.
— Querida?
— É bom se sentir admirado pelas mulheres onde quer que você vá?
— É como se elas quisessem me partir em pedaços.
Ela riu e ele a envolveu com o braço enquanto caminhavam até o carro.
As pessoas estavam olhando e Luana percebeu, emocionada, que Tarquin estava
querendo que soubessem que ela era alguém em especial. . .
Ele a beijou levemente quando entraram no carro. Seus olhos se encontraram
por um momento e Luana percebeu que Tarquin tinha lido seus pensamentos. Ele sabia
que, durante alguns minutos, ela tinha se sentido separada dele pela barreira da fama,
e ele a tranqüilizou com um beijo, com um olhar. Teria que ser assim, Tarquin pareceu
adverti-la silenciosamente. Se queria viver com ele, tinha que aceitar isto.
Quando partiram, o sol era uma bola de fogo no céu e os passarinhos cantavam
nas árvores.
— Peça alguma coisa! — disse ela de repente. — Ouvi um cuco.
— Criança! Já sei o que vou pedir. . . Quer que eu conte?
— Não! Se você contar, não acontece!
— Já está quase acontecendo, minha querida.
Ela percebeu imediatamente o que Tarquin queria dizer e, com o coração
batendo rapidamente, um pouco apreensiva, recostou a cabeça no ombro dele.
Anoiteceu antes de chegarem no Mill Loft, onde iriam jantar.
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear

— Oh, olhe as estrelas. Estão tão paradas, tão distantes. . . Elas me amedrontam
um pouco.
— Você é estranha...
— Aposto como você não diria isso para suas fãs.
— Minhas fãs não estariam a meu lado falando de estrelas.
— Elas querem uma coisa em especial, então?
— Você quer que eu mostre? — Com um movimento suave, Tarquin parou o
carro no acostamento e tomou Luana nos braços, provocando-a com seus beijos. De
repente ele estremeceu. — Luana. . . Luana querida, é justo pedir que você desista de
tudo por minha causa? De sua casa, da possibilidade de encontrar alguém que possa se
casar com você. . .
— Eu amo você. — Ela tocou no rosto dele. — Não tenho medo do futuro e a
casa dos St. Cyr nunca foi o meu lar.
— Gostaria de me casar com você, menina. Estou seguro do que sinto, Luana,
porque sou bem mais velho e porque já fui casado. Mas você também está segura de
seus sentimentos? Não é apenas uma ilusão?
O coração dela bateu mais depressa. . . tome cuidado. . . um deles pode iludi-la e
você vai sofrer. . .
— Não! — A palavra saltou de seus lábios antes de Luana encostar o rosto no
ombro de Tarquin. — Não fico segura de nada quando não estou em seus braços. Aí
então eu me sinto bem, porque sei que você precisa de mim. Não significo nada para
ninguém mais. Não há mais ninguém que me queira. . .
— Será que você não está confundindo solidão com amor?
—- Beije-me — ela murmurou — e descubra a resposta.
Luana voltou para casa muito tarde. Uma lâmpada brilhava no hall e, quando
ela se dirigia para cima, uma voz chamou-a:
— É você, Luana? — Seguiu-se uma pausa, como se Charme estivesse olhando
para o relógio. — Venha cá um instante. Quero falar com você.
Luana já estava esperando por isso desde que alguns amigos de Charme a
tinham visto com Tarquin numa confeitaria. Dando um sorriso resignado, entrou na
sala e encontrou a irmã sentada num dos sofás, fumando um cigarro.
— Onde você esteve? — ela perguntou com voz divertida. — Já é muito tarde e
não é a primeira vez que você chega procurando não chamar a atenção de ninguém.
— Isso não é verdade. Se eu quisesse evitar você ou seu pai, teria entrado pela
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear

porta dos fundos.


— Você está se achando muito importante, não?
— O que você quer dizer com isso? — Luana estava muito pálida.
— Você sabe muito bem. — Charme soltou a fumaça do cigarro com
sofisticação. — Imagino que metade de Avendon já sabe do seu relacionamento com
aquele ator do Mask Theatre.
Luana prendeu a respiração. Da maneira como Charme falava, parecia que ela
estava tendo um caso com Tarquin. . . Com certeza a irmã estava despeitada porque o
ator não se interessara por ela. . . Luana encontrou os olhos de Charme apertados como
os de uma gata.
— Você não percebeu que está fazendo o papel de boba, correndo atrás de um
homem muito mais velho? Todo mundo sabe que os atores viram a cabeça de garotas
sem graça, bobas, que se contentam com um pouco de atenção, mas nem papai nem eu
queremos que você traga problemas para casa. Deve haver promiscuidade em seu
sangue, mas você não vai se comportar como sua mãe. . .
—- Chega, Charme! — Os olhos de Luana brilhavam de raiva. — Eu bato em
você se continuar a falar assim de Catarina. Fale o que quiser de mim! Já estou
acostumada e sei melhor do que ninguém que não fiz nada demais com Tarquin, além
de passar com ele os melhores momentos da minha vida. Ele é culto e bom e um ator
extraordinário. . . e não um galã de uma companhia de terceira categoria!
— Você está encantada com ele! Acho que com uma boboca de dezenove anos,
que não se interessa por rapazes mais moços, pode desempenhar o papel de grande
ator com perfeição. E o que você vai fazer quando seu herói for embora? — ela
perguntou, caçoando. — Ele não vai querer se casar com você, pois sabe que não
combina com o mundo sofisticado em que vive. Você só atrapalharia. Aqui em
Avendon, ele se sente lisonjeado com sua admiração. Que ator resistiria a isto?
Luana bem que gostaria de responder que ia embora com Tarquin, mas manteve
os lábios bem fechados. Quando chegasse a hora, partiria sem nenhum remorso.
Charme estava lhe mostrando mais uma vez como sua presença era indesejável
naquela casa. Ainda por cima, agora Luana tinha se tornado uma rival. Embora não
fosse bonita no sentido estrito da palavra, parecia uma criatura dos bosques, com os
olhos grandes demais para o rosto, e tinha atraído um homem encantador. . . Charme
estava com ciúme.
Luana percebia agora que Charme não amava Simon Fox.
O que ela queria era se casar com um homem que pudesse dominar, de outra
maneira teria escolhido aquele estranho moreno e dominador da
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear

Cornualha.
— Se você arranjar algum problema — continuou, com despeito —, não venha
correndo atrás de mim ou de meu pai. Sua boba, homem nenhum do mundo vai querer
alguma coisa com você além de se divertir um pouco. Olhe-se no espelho! O cabelo
todo despenteado, baixa, sem pintura nos lábios... ou será que o batom saiu com os
beijos que vocês trocaram, num carro parado em alguma estrada?
Charme tinha se aproximado da verdade, mas não sabia daqueles momentos de
doce tormento nos braços de Tarquin, quando ele lhe perguntou se ela tinha certeza de
amá-lo; quando ele falou de uma ilusão que podia impedi-la de ver o que realmente
desejava.
Ela olhou para Charme, bem consciente do futuro, dos problemas que teria que
enfrentar e de uma promessa de felicidade.
— Não se preocupe, Charme. Se eu precisar de ajuda ou mesmo solidariedade,
não virei procurá-la. Prefiro uma pessoa estranha.
Entrando no quarto, Luana lembrou-se das palavras de Tarquin: "Quero você.
Não agüento mais ficar sozinho. Quero que você fique comigo..."
Isto queria dizer que ele a amava?

CAPÍTULO IV

Estava muito abafado na sexta-feira e havia uma promessa de tempestade no ar.


Luana estava muito alegre naquele dia.
— Parece que você gosta de chuva — comentou Kay, uma moça que também
trabalhava na loja de antigüidades.
— É. — Luana estava desempacotando algumas peças que o dono da loja tinha
comprado num leilão. — Espero que chova de tarde, pois à noite vou ao teatro.
— É a estréia de Hamlet hoje, não é mesmo? — perguntou a moça.
— Sim. — Luana sorriu e seu coração bateu mais depressa.
A manhã passou calmamente. Na hora do almoço Luana ficou na loja, vendo
revistas enquanto comia um sanduíche. Estava lendo uma história de amor numa ilha
tropical quando soou a campainha da loja e ela levantou os olhos, esperando ver um
freguês. Era um rapazinho com uma cesta enorme de violetas.
— Srta. Perry?
— Sim.
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear

— Então é para a senhorita. — Ele colocou a cesta no balcão, pondo ao lado um


pacote muito bem embrulhado. — Felicidades!
— Hoje não é o meu aniversário! — Ela estava espantada.
Mas o rapazinho já tinha ido embora. Procurou um cartão na cesta, mas não
encontrou. Depois abriu o presente e descobriu que era um vidro de perfume de
violetas, muito caro. Junto com o perfume havia um cartão com algumas palavras
românticas: ''Para a moça cujos olhos são mais bonitos do que um jardim de violetas.
Vejo-a esta noite, ninfa querida. Tarquin".
Ela ficou com os olhos cheios de lágrimas. Era bem dele!
Como Tarquin era delicado lembrando-se dela naquele dia, enquanto se
realizava o ensaio final de Hamlet, seu papel mais importante naquela temporada, sua
despedida de Avendon. Ele representaria seu papel por três noites; depois, na manhã
de segunda-feira, iriam os dois para o aeroporto, pois tudo já estava preparado para a
partida. Só faltava contar para o padrasto e ir embora.
— O que é isso? — Kay tinha voltado e olhava espantada para as violetas.
— Um amigo me mandou. — Luana sorriu, pois a outra moça parecia
espantada. — São lindas, não é mesmo?
— Também ganhou um perfume? — A moça o cheirou. — Hum. . . de Hamlet?
— Sim.
— Você está apaixonada, não é, Lu? Será que fez bem em se encontrar com ele?
Você vai sofrer muito quando ele for embora.
Ela tinha avisado o patrão de que ia deixar o emprego, mas não tinha contado a
razão para ninguém. Poderia ter dito naquele momento a Kay, mas alguns turistas
entraram na loja e as duas moças ficaram ocupadas até as quatro horas.
— Vou buscar chá e alguns bolinhos no Lemon's — disse Kay. — Puxa, já vai
começar a chover! — Um trovão soou enquanto Kay saía correndo da loja, para não
pegar chuva.
A tempestade começou a cair, tornando mais forte o cheiro das violetas. As
violetas enviadas pelo homem que ela amava. Luana sabia que a peça ia ser um
sucesso, desde o momento em que Tarquin aparecesse no palco, já usando o traje de
Hamlet, transformando-se imediatamente diante de seus olhos no príncipe estranho,
atormentado por um fantasma.
A chuva caía com mais força e o céu estava escuro.
Os raios iluminavam a loja e os trovões faziam trepidar as vitrines. Luana
resolveu acender a luz. Provavelmente Kay estava esperando a chuva melhorar para
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear

voltar com o chá e os bolinhos.


Quando Luana estendeu a mão para o interruptor, soou um trovão fortíssimo e
um raio iluminou a rua. Parecia que uma bomba tinha caído e ela levou as mãos aos
ouvidos, assustada. A terra estremeceu; depois tudo ficou em silêncio, interrompido
apenas pela chuva.
Ela estava tremendo. Pelo barulho, o raio devia ter caído na cidade. . . em algum
lugar perto do rio. Pelas vitrines embaçadas, pôde ver que as pessoas saíam à rua, com
impermeáveis na cabeça, olhando para o lugar de onde tinha vindo o clarão intenso e o
barulho.
Hesitou um momento, reprimiu um tremor repentino, depois abriu a porta da
loja de antigüidades.
— Será que o raio atingiu alguma coisa, sr. Lyons? — perguntou ao livreiro
vizinho.
— Acho que sim, pois foi muito forte. Aposto como pegou alguém. Ouça,
menina! Um carro de bombeiros.
A sirene soou juntamente com um outro trovão e todo mundo parecia
assustado. O céu ainda estava escuro, embora a chuva tivesse melhorado.
O pior da tempestade tinha passado, mas todo mundo sabia que tinha
acontecido alguma coisa terrível perto do rio. O raio tinha atingido um prédio e os
bombeiros estavam se dirigindo para o local do desastre.
— Luana. . . — Kay veio correndo pela chuva fina, sem chá nem bolinhos, com
um ar preocupado. —- Minha querida, estavam dizendo no Lemon's que o Mask foi
atingido!
— O Mask? — Luana olhou para a amiga sem poder acreditar. — Não. . . não
pode ser. Tarquin está lá... a companhia está ensaiando. Não é possível!
— Olha — Kay entrou na loja, saindo logo depois com um impermeável na mão
—, ponha isto na cabeça e vá ver o que aconteceu. Você sabe como são esses boatos. . .
De qualquer maneira, o raio pode ter caído do lado de fora do teatro. . .
— O teatro não. . . Por favor, meu Deus! — Luana estava tremendo quando
vestiu o impermeável. — Cuide da loja, Kay.
— Não se preocupe com isso. . .
Luana começou a correr em direção ao teatro, com o cabelo voando ao vento, a
chuva no rosto. . . ou eram lágrimas de medo?

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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear

O gramado em frente ao teatro estava cheio de gente e havia bombeiros no


telhado do edifício, mexendo na balaustrada de pedra que estava quebrada; pedaços de
pedra estavam espalhados pela rua, juntamente com estilhaços de vidro. Outras pedras
caíram, depois ouviu-se a sirene de uma ambulância que se aproximava.
— Como na guerra — murmurou um homem. — Parece que alguém está
gravemente ferido. . . coitado!
Luana ouviu isto enquanto atravessava a multidão, desesperada para encontrar
Tarquin. Chegou diante do teatro juntamente com a ambulância, o que a deixou
aterrorizada. Era o símbolo dos ferimentos e da dor. Ficou parada em silêncio, entre o
povo, querendo entrar correndo no teatro, mas retida como todos os outros pelo braço
da lei.
— Por favor. . . — Luana pegou no braço de um policial. — Tenho amigos no
teatro. . . Não posso entrar?
Ele olhou para ela, reparando no rosto pálido e preocupado, mas sacudiu a
cabeça com pesar.
— Lamento muito, moça. É perigoso. Parte do telhado esta caindo e ninguém
pode entrar enquanto não for seguro.
— Quem. . . quem ficou ferido?
— Não sei, moça.
Ele virou de costas para ela porque outras pessoas espiavam, excitadas, pois os
enfermeiros estavam trazendo alguém numa maça. Alguém que permaneceu imóvel
enquanto os enfermeiros colocavam a maca na ambulância. Luana prendeu a
respiração quando três pessoas saíram do teatro. Uma delas era Valentinova, que foi
levada até a ambulância por um rapaz, noivo da atriz principal da companhia, Ann,
que apareceu logo depois.
Ann hesitou alguns segundos, depois viu Luana na multidão e correu a seu
encontro. Ela estava muito pálida, abalada. Pegando Luana pela mão, dirigiu-se ao
policial.
— Minha amiga precisa vir comigo. O noivo dela está ferido.
Luana já sabia. . . talvez desde o momento em que o raio caiu. Sentia com o
coração e com os nervos que havia acontecido uma catástrofe em sua vida e, enquanto
se dirigia para o carro de Ann, o chão fugiu de seus pés.
— Por que teve que acontecer isto a Tarquin? – Luana falava, desesperada. —
Por que justamente com ele, que é incapaz de fazer mal a uma mosca?
— Tudo aconteceu muito depressa. — Estavam paradas ao lado do carro,
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear

olhando a ambulância que se afastava. — Quin e Vai estavam no corredor da platéia,


bem debaixo da cúpula do teatro e daquele lustre de cobre. Estavam estudando o palco
para uma cena. De repente houve aquele clarão horrível, uma explosão e todos nós nos
jogamos no chão, cobrindo nossos ouvidos enquanto a cúpula e à parte do telhado
caíam no auditório. — Ann respirou fundo e seus olhos se encheram de lágrimas.
— Quin é ótimo ator por causa das reações rápidas, porque percebe as coisas
antes dos outros. Quando o raio caiu, ele se jogou sobre Vai, protegendo-a enquanto
caíam o vidro, as pedras e aquele lustre pesado.
Quin foi atingido na cabeça e na espinha. Val cortou-se e está muito abalada.
Elas entraram no carro em silêncio e se dirigiram para o hospital.
Luana estava atordoada com o choque. Tarquin estava gravemente ferido;
poucas horas antes de sua estréia como Hamlet, ele havia sido atingido pela "fúria das
alturas".
— Não fique preocupada — disse Ann gentilmente, enquanto estacionavam no
hospital. — Quin é muito forte, tem uma vitalidade incrível. Ele já interpretou Petrúcio
com febre alta e você não pode imaginar como foi aplaudido. Vamos procurar Buck.
Ele já deve ter falado com o médico e vai poder nos informar se Quin ficou muito
ferido.
Luana estremeceu ao ouvir estas palavras. Parecia que estava tendo um horrível
pesadelo. Tarquin jazia inconsciente numa mesa de operação, à mercê dos bisturis,
parte de um drama que envolvia a vida dele e também a dela.
Buck estava na sala de espera, muito pálido e preocupado.
Valentinova, muito abalada, ia passar a noite no hospital. Tarquin tinha sido o
mais atingido.
— Ele vai ser operado o mais depressa possível — Buck explicou. — Mandaram
chamar o melhor neurocirurgião de Londres. . . Strathern. — Como Luana começasse a
tremer, ele a animou: — Coragem, querida. Vai correr tudo bem.
— Eu sei. — Depois ela continuou, com voz rouca: — Há uma capelinha aqui no
hospital... vou ficar lá. Acho que nenhum de nós pode vê-lo agora.
Buck confirmou com a cabeça.
— Não vou demorar. — Luana saiu silenciosamente, dirigindo-se para a capela
onde tinha ido muitas vezes rezar para que Catarina não morresse. . .
A operação começou às nove horas e só à meia-noite uma enfermeira veio
informar que Tarquin tinha sido levado para o quarto e que permaneceria inconsciente
durante toda a noite e possivelmente no dia seguinte. Ela recomendava que fossem
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear

para casa, pois não havia mais nada que pudessem fazer. Só podiam esperar que o
trabalho do cirurgião operasse seus milagres.
Chegando em casa, Luana foi imediatamente para o quarto, onde Taffy a
esperava. Pegando o cachorrinho no colo, ela se sentou perto da janela com a imagem
do homem cheio de curativos, deitado muito quieto numa cama de hospital. Era
insuportável pensar nisto, pois naquela mesma noite ele devia ter triunfado no papel
que queria tanto interpretar. . . o de Hamlet.
— Boa noite, príncipe adorado — murmurou. — Que Deus o proteja.
No dia seguinte, Luana pôde ver Tarquin por alguns minutos. Ele já estava
melhor e reinava a esperança no quarto tranqüilo. Uma enfermeira acompanhou-a até a
cama do doente, com um sorriso um tanto espantado.
— Ele é tão bonito. . . — comentou a enfermeira.
Luana logo imaginou o que ela estava pensando: um homem como ele devia
estar noivo de uma mulher lindíssima. A ansiedade havia acentuado os contornos de
seu rosto e ela estava tão pálida que um beijo deixaria uma marca. Seus olhos pareciam
pisados como flores depois de um dia de chuva.
Ela se sentou numa cadeira ao lado da cama, sabendo que não devia tocar nele,
embora quisesse dar um beijo no rosto cavado, envolto em curativos. Pouco depois
Tarquin abriu os olhos. Fitou-a diretamente, demorando-se em cada traço de seu rosto,
como se não a reconhecesse.
Luana tentou não ficar alarmada. A enfermeira tinha avisado que Tarquin podia
levar vários dias para reconhecer as pessoas e até para se lembrar de sua própria
identidade. Ele tinha sofrido uma fratura no crânio e, embora a pressão tivesse sido
suprimida, ainda estava em estado de choque.
— Alô, querido — ela murmurou, mas ele continuou a fitá-la com os olhos
inexpressivos e pouco depois adormeceu de novo.
Quando saiu do hospital, Luana foi dar uma volta pelo rio. Era triste olhar o
Mask, com uma lona cobrindo o que restava do telhado e avisos enormes anunciando
que o teatro estava fechado para reforma. Enquanto isso, a companhia ficaria de férias.
Alguns atores iam voltar para Londres.
Luana foi até a loja para se encontrar com Kay. Não puderam conversar muito,
pois Leonard Wells, o patrão, estava atendendo um freguês.
Entretanto, Kay conseguiu sussurrar que outra moça viria substituir Luana na
segunda-feira.
— Não sabia que você ia embora -— ela acrescentou, com ar magoado. — Podia
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear

ter me contado.
— Eu ia contar. . . — Luana lembrou-se de seus planos de ir embora com
Tarquin para Roma, que os esperava com a promessa de uma vida nova. Agora ia levar
algumas semanas até que ele pudesse viajar e ela estava sem emprego. Bem, ainda
tinha o correspondente a duas semanas de férias e um pouco de dinheiro economizado.
E seria bom estar livre para ver Tarquin quando quisesse.
— Srta. Perry! — Leonard Wells aproximou-se, entregando-lhe um envelope
com o salário, mais o correspondente a quinze dias de férias. — É uma pena que você
vá embora.
— Muito obrigada, sr. Wells. Gostei muito de trabalhar aqui. . .
Ambos hesitaram, como se ele quisesse detê-la e ela esperasse as palavras que a
manteriam no emprego. Mas ele continuou, com um pouco de pesar:
— Já contratei outra moça. Ela parece inteligente e se interessa por antigüidades.
— Que bom! — Luana sorriu. — Tenho certeza de que vai se dar muito bem
aqui. Até logo, senhor!
Saiu rapidamente, encerrando um capítulo de sua vida. A moça que tinha sido
ficou entre os enfeites de cobre e a figura de porcelana. Alguém um pouco mais velha
pisou na calçada para ir se encontrar com Ann, no Lemon's.
Enquanto tomavam chá, Ann falou de seus planos, que incluíam a representação
de uma tragédia grega.
— A Grécia deve ser um lugar maravilhoso — comentou Luana. A Grécia,
Roma, o mundo inteiro. Esses lugares eram a arena de Tarquin e Luana sentiu de
repente que nunca se tornariam realidade para ela. Era um sonho, como talvez fosse
também o amor de Tarquin. E se ele se esquecesse completamente da mocinha de
Avendon, tão inocente que mal conhecia a vida que ele levava com pessoas como Ann?
— Atenas — continuou Ann —, fora as ruínas do templo e o teatro clássico, é o
lugar mais barulhento do mundo. Nós gostamos de música animada e das danças, mas
não achamos ruim fugir do tráfego agitado e das buzinas. Em comparação, Londres é
um lugar muito tranqüilo. O pessoal de teatro gosta das luzes, mas há ocasiões em que
daríamos nossas almas por um pouco de paz.
— O que acontece quando vocês se cansam da tranqüilidade? — Luana sorriu,
mas havia um tremor nervoso em seus lábios.
— Voltamos para as luzes brilhantes, como mariposas. — Ann deu uma risada,
depois olhou para Luana com ar sério. — Você parece muito preocupada, mas garanto
como ele vai ficar bom. — Deu um tapinha na mão de Luana, tocando o anel. — Foi
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear

Quin que deu para você?


— Sim. Por causa da nossa amizade.
— Amizade? — Ann parecia divertida. — Você é humilde demais, querida. Você
seria uma péssima atriz. Acho que o amor tem que ser mais desfrutado e não tratado
como se o homem fizesse um grande favor para uma moça, amando-a. Tenho a
impressão de que você tem medo. Ele é apenas um homem, querida.
— A enfermeira me olhou de um modo tão estranho. . . — Os olhos de Luana
encontraram-se com os de Ann. — Acho que ela ficou chocada por eu não ser
fascinante.
— Quin vê diariamente uma porção de mulheres fascinantes. — Ann
acrescentou. — No fundo, ele é muito sério... e depois, há Nina. A família dela não
devia deixar que se casassem. Deviam saber que ela tinha uma doença nervosa e que
podia piorar.
— Talvez esperassem que o casamento a curasse.
— O casamento com um ator jovem e ambicioso? Ele sempre teve muito êxito,
desde que pisou no palco. Foi muito azar Quin ter encontrado essa moça e não ter
percebido que ela não servia para ele. É muito estranho. . . A vida pública de Quin não
tem um senão, mas ele tem sido tão infeliz na vida particular. . . Você pode ser muito
boa para ele, Luana.
-— E se eu piorar tudo com o meu amor? — Luana perguntou, muito
séria. — Ele pertence a Nina. Nada altera isto. Sou uma intrusa.
— Você é introspectiva demais — Ann argumentou. — Não deve
achar que traz azar para ele com seu amor. Quin precisa de alguém como
você.
— Eu. . . eu não sei. . . — Luana tocou no anel que ele tinha dado. — Hoje no
hospital ele não me reconheceu. Olhou para mim como se eu fosse uma estranha.
— Ele pode não nos reconhecer por algum tempo. Você tem que estar preparada
para isto, Luana. Diga-me, que idade você tem? Não estou querendo ser indelicada,
mas Buck acha que você tem dezessete anos.
— Oh, não! — Luana deu uma risada. — Vou fazer vinte anos em setembro.
Você acha que eu me comporto como se tivesse dezessete anos? Sempre me achei um
pouco antiquada, porque não gosto de música moderna nem dos cantores populares.
— Você parece tão jovem, tão pura — Ann comentou. — Esse seu ar de
juventude eterna vai fazer com que seu marido um dia pareça muito mais velho.
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear

— Meu. . . marido? — O olhar de Luana passou de Ann para a janela e foi um


alívio quando outras pessoas da companhia entraram no
restaurante.
Localizando Ann, elas foram perguntar de Tarquin e conversar com animação
sobre o teatro atingido pelo raio e sobre seus planos para o resto da temporada.
Luana ouviu por algum tempo, depois, sentindo-se uma intrusa, afastou-se
silenciosamente e ninguém do grupo percebeu que ela tinha ido embora.
Chegando em casa, ligou para o hospital e lá a informaram de que o sr. Powers
estava apresentando melhoras satisfatórias.
—- Obrigada. — Ela se afastou do telefone para encontrar Charme, que a olhava
da escada, pronta para sair.
— Ouvi uma história engraçada — disse ela, como por acaso. — Simon soube
por um repórter do Avendon Herald. Parece que o seu Tarquin Powers é casado. Você
sabia, queridinha, ou ele estava escondendo isto de você?
— Sim, sabia — respondeu Luana com um suspiro. Na manhã seguinte
Avendon inteira iria saber da novidade, e ela estremeceu ao pensar na etiqueta de "a
outra" que seria pendurada em seu pescoço.
— Você puxou sua mãe, não é mesmo? — comentou Charme. — Pronta para se
envolver com qualquer homem bonito que apareça. Espero, minha querida, que se
lembre do que eu lhe disse no outro dia: papai e eu não queremos escândalos aqui em
casa.
— Não se preocupe! — Luana retesou o corpo esbelto, a luz do poente fazendo
brilhar o cabelo avermelhado em redor do rosto muito pálido. — Pretendo me mudar
daqui. Posso arranjar um quarto no Hotel Bard and Harp. . .
Charme levantou uma sobrancelha, depois caminhou até a porta com ar de
dignidade ofendida.
— Faça o que quiser! Você não é criança, pois de outro modo aquele ator não ia
querê-la. Reconheço que você tem peito, Luana. Não sabia que papai e eu poderíamos
ter arranjado um casamento muito mais conveniente para você?
Luana olhou espantada para Charme e seu coração começou a bater
insistentemente.
— De. . . de quem você está falando?
— Você o conhece, querida. Ele passou muitos anos fora do país e perdeu o
contato com as pessoas que conhecia, com as moças que podia namorar. Agora que está
morando na Cornualha, quer se casar. . .
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear

— Você está se referindo a Eduard Talgarth?!


— Por que não?
— Mas eu pensei. . .
— O quê? Que eu ia desistir de Simon para tomar conta de uma velha mansão
na Cornualha? Nunca! Como disse para Eduard, você é quem gosta de penhascos,
cavernas e castelos cheios de correntes de ar. Acho que concordou comigo, e a teria
pedido em casamento se você não tivesse mostrado tão claramente que não gostava
dele.
— Ele. . . é muito arrogante. — Luana estava chocada com a idéia de ser pedida
em casamento por aquele homem moreno, com ar de pirata. Se soubesse o que os St.
Cyr tinham em mente, teria saído de casa várias semanas atrás. Eles queriam entregá-la
para aquele estranho como se fosse um fardo que ele pudesse levar para um de seus
navios! — Ainda bem que ele já foi embora!
Charme olhou para Luana.
— Estou espantada com as suas conquistas! Você parece só atrair os homens
mais velhos! Meus amigos nunca a acharam bonita, embora seu cabelo não seja dos
piores. Se ao menos você mandasse fazer um corte elegante e o penteasse direito. . .
— Gosto dele assim. — Luana jogou o cabelo para trás com um movimento de
desafio, e o brilho que havia em seus olhos provocou a curiosidade de Charme.
— E o ator também, imagino. Ele está separado da mulher?
— Sim. Ela é doente.
— Oh, estou entendendo.
— Não, Charme, você não está entendendo nada. Tarquin e eu gostamos um do
outro, mas não fomos além disto.
— Você era a sua musa, então, até que um raio o atingiu? E agora, Luana? Na
minha opinião, você devia arranjar um marido e não um namorado casado.
— Alguém como Eduard Talgarth, que acha que o amor pode ser comprado?
— Poderíamos ser amigas, Luana, se você não fosse tão sonhadora, como um
personagem de Lewis Carroll que não consegue pôr os pés na terra. Você é como Alice,
que entrou no espelho e encontrou gente que falava coisas que ela não entendia. No
fim, ela fugiu!
A porta fechou-se.
Charme tinha ido embora, mas as palavras permaneciam no ar, como seu
perfume: "No fim, ela fugiu. . . ela fugiu. . ."
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear

CAPÍTULO V

Só havia uma luz acesa e a saleta do hospital estava muito silenciosa.


Tarquin tinha passado o dia prostrado e Luana havia esperado horas a fio, com
todos os nervos de seu corpo muito tensos, que alguém viesse lhe dizer que ele já
estava melhor. Era horrível não poder fazer mais nada além de esperar.
— Srta. Perry!
Luana levantou-se, olhando ansiosamente para o homem grande, de ombros
largos e cabelos vermelhos, com mãos tão delicadas quanto as de uma mulher. Hugh
Strathern aproximou-se, pegando-a pelos ombros.
— Você está sempre aqui, esperando. Bem, venha comigo, jovem, vamos ver se
o rapaz reage ouvindo sua voz. A ciência pode fazer tudo, menos o papel de uma
mulher. . . você está me entendendo?
— Sim. — Por fim, alguém precisava dela para alguma coisa.
Luana passou a noite inteira sentada ao lado de Tarquin, falando com ele de sua
infância, de coisas tristes ou alegres, das peças que tinha visto.
Ele permanecia muito quieto, ouvindo o som da voz dela. Vida, amor, uma
mulher a seu lado. . . mas quando, afinal, ele murmurou um nome, foi o de Nina.
No momento em que a luz da manhã começou a penetrar no quarto, Hugh
Strathern olhou para seu paciente com ar satisfeito. Depois tirou Luana do quarto.
— O rapaz está dormindo. Vamos tomar café, depois você pode ir para casa
dormir.
— Você quer dizer... — Ela estava esperançosa.
— Já vi isso antes. Os homens nascem de uma mulher, e não querem morrer se
há uma mulher ao lado, lutando por eles. Powers está bem agora. Era uma espécie de
crise e ele precisava saber se uma determinada mulher estava a seu lado.
— Eu? — perguntou, ansiosa, lembrando que ele tinha murmurado um nome
que não o dela.
— Não. Nina, a mulher dele. Provavelmente Powers se culpa em parte pela
doença dela, e na noite passada confundiu vocês duas. Ele melhorou por causa dela, e
não por sua causa. Você está entendendo?
— Não muito. — Ela olhou para o neurocirurgião. — Diga-me tudo. Quero
entender direito.
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear

— Está bem! Powers sofreu uma fratura no crânio, provocada pelo raio e pelo
trovão, coisas sobrenaturais, que fazem parte das peças que ele costuma representar.
Os atores são pessoas estranhas, mocinha. Vivem seus papéis dentro e fora do palco.
Veja esse negócio de Nina, a mulher dele. Ele a amou, talvez ainda a ame, mas há
ocasiões em que quer que ela fique fora de sua vida. Isto cria uma barreira de culpa,
que foi o que aconteceu na noite passada. Powers precisava encontrar Nina. . . por isso
pus você ao lado dele, e ele pensou que você fosse Nina. E agora é muito provável que,
quando se recuperar, esqueça-se de você e de tudo o que significou para ele.
O coração de Luana bateu com toda a força. Ela estava exausta, mas todos os
seus sentidos permaneciam alerta.
— Você quer dizer que, por causa desse sentimento de culpa, Tarquin pode me
excluir da vida dele?
— Você deve estar preparada para isto — Strathern avisou.
— Na noite passada, eu o salvei porque ele pensou que eu fosse Nina. Você está
dizendo agora. . . — Mas ela não conseguiu pronunciar as palavras. Era doloroso
demais.
— Se ele não a reconhecer quando a vir — explicou Hugh Strathern —, não vai
se lembrar de que a amava. Por isso, é melhor não ficar por perto, sofrendo.
— O que vou fazer? — ela perguntou, muito triste. — Para onde vou? Tínhamos
planejado, Tarquin e eu, ir para Roma.
— Você teria sido realmente feliz? — perguntou o cirurgião, sem nenhuma
cerimônia.
Ela hesitou, pois alguma coisa no homem a obrigava a dizer a verdade.
— Eu o amo, é tudo o que sei.
— Se ele a reconhecer, você irá embora com ele?
— Sim. . . se ele me quiser. — Ela encontrou os olhos do cirurgião. — Você acha
que não estaria certo e que no fim Nina surgiria entre nós?
— Inevitavelmente. Entrei em contato com a clínica em Los Angeles. Não é o
fato de Nina poder se recuperar. . . o fato de ela não poder é que vai fazer com que o
sentimento de culpa que Powers tem acabe se tornando intolerável para você.
Luana ouvia em silêncio. O que aquele homem estava lhe dizendo era a mais
pura verdade.
— Você é jovem — ele continuou. — Vá procurar um outro lugar para morar,
um outro amor para ajudá-la a esquecer. Agora você precisa dormir. Vá para casa
descansar, e talvez eu ache alguma coisa para você fazer.
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear

— Você?
— Sim, mocinha. Este velho clínico, que já esteve apaixonado. Fomos casados,
Sheila e eu, mas a perdi quando nossa filha nasceu.
— Eu não sabia. Lamento muito.
— Não gosto de falar nisto. Patrícia está na escola. . . uma espécie de convento
na França. . . e daqui a duas semanas ela vai entrar de férias. Ela é muito delicada.
Gostaria que passasse as férias perto do mar. Talvez. . .
— Talvez o quê?
— Bem, vamos esperar um pouco. Ver o que acontece.
— Não, por favor, continue, agora que já fomos tão longe!
— Bem, estava pensando que vou precisar de alguém para ficar com Patrícia. . .
e estou preso a meu trabalho. Uma das professoras vai trazê-la da Bretanha... acho que
você poderia ir ao encontro dela e talvez passar o verão a seu lado.
— Você parece ter muita certeza de que vou ficar na mão.
— Conheço a minha profissão. Powers deu algum sinal de que a reconheceu?
— Não. — A palavra saiu como um suspiro.
— Lamento muito, mocinha. Mas talvez seja melhor assim.
— Mesmo que eu sofra muito?
— Sempre há dor quando alguma coisa precisa ser corrigida.
— A loucura que eu ia fazer?
— Você ainda é muito jovem, Luana. Mas é uma moça corajosa. Você ficou ao
lado dele na noite passada e falou quando seria muito fácil chorar. Ele é um homem e
tanto, não? Bonito como um desses deuses gregos. . .
— E bom. É por isso que ele fica aborrecido por poder ser feliz e Nina não. Foi
um casamento muito triste. Tarquin merecia o melhor. . . calor, companheirismo, filhos.
Ele é mais do que um ator de talento.
— Você não o amaria se não fosse assim. Se as coisas não derem certo, você
gostaria de fazer companhia para minha filha durante o verão? Patrícia é uma ótima
criatura. . . Muito imaginativa, bem do seu tipo. Mas ela tem a constituição frágil da
mãe e não a minha.
— Você tem um coração de ouro.
— Sim, para quem eu gosto, e só gosto de gente sincera.

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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear

Luana foi para o hotel onde morava há uma semana. St. Cyr tinha tentado
convencê-la a voltar para casa, mas ela não quis. Depois que tudo se resolvesse, talvez
fosse trabalhar em Londres, onde poderia encontrar acomodações definitivas.
Não poderia ficar em Avendon, se Tarquin tivesse se esquecido dos passeios
pelo rio e do amor que lhe tinha jurado.
Ia regularmente ao hospital, mas, obedecendo ao conselho de Strathern, não via
Tarquin. Tinha que esperar para saber se ele perguntava por ela.
Mas ele não perguntou.
Tarquin nunca falou dela para Ann, nem
mostrou qualquer indício de que tinha se apaixonado por uma moça enquanto
representava no Mask.
Ele se lembrava do teatro, conhecia todos os membros da companhia e todas as
peças. Lembrava-se de cada detalhe. . . menos uma coisa. Quando Ann mencionou
casualmente uma moça chamada Luana, Tarquin perguntou se ela fazia parte da
companhia, acrescentando que não se recordava daquele nome.
Tudo tinha terminado!
Luana já sabia disso antes de ser convidada por Hugh Strathern para jantar no
Mill Loft. Ela se arrumou muito bem, colocando até um batom nos lábios. Ninguém
precisava saber como estava sofrendo. Ela, que tanto amava Tarquin, tinha se tornado
uma estranha para ele, excluída de suas recordações, de sua vida.
Tinha que aprender a viver sem ele e agora estava pronta para aceitar a proposta
do neurocirurgião.
— Você está muito bem, mocinha — ele a elogiou. — Sinto-me quinze anos mais
moço jantando com uma jovem bonita. O que você quer tomar? Vou querer um gim-
tônica.
— Eu também. Foi muito gentileza sua ter vindo de Londres para me ver.
— É um prazer para mim. — Ele pediu as bebidas para o garçom, depois ficou
olhando para ela. — Você não chorou nem uma vez, não é mesmo? Poderia ajudar.
— Não costumo chorar. — Ela forçou um sorriso. — E não me arrependo de ter
conhecido Tarquin, de amá-lo. Mas sei que vai ser difícil esquecê-lo. Ele não é um tipo
insignificante como eu.
— Você não deve imaginar que o que ele sentia por você era superficial. Pelo
contrário, mocinha, são as coisas profundas que às vezes têm que ser sepultadas, senão
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear

enlouquecemos.
— Você acha então. . . que um dia. . . — Ela o olhou com ansiedade e seus olhos
cor de violeta lembravam mistérios celtas.
— Pode ser que um dia ele se recorde de você, Luana mas você tem que aceitar
que agora é uma estranha para ele. Pensou em minha sugestão de tomar conta de
Patrícia durante o verão?
— Tinha pensado em ir para Londres — disse ela, depois de hesitar um pouco.
— Preciso arranjar um emprego fixo.
— Mas você não pretende tirar férias?
— Estas duas semanas, foram as minhas férias.
— Mas você não descansou nem um minuto. Olhe, Luana, preciso mesmo de
alguém para tomar conta da minha filha durante o verão. Não estou sugerindo isto
porque esteja com pena de você. De jeito nenhum! — Ele a olhou por cima da borda do
copo. — Você vai gostar. Seis semanas à beira-mar e a amizade de Patrícia. Se você não
aceitar, vou ter que procurar outra pessoa... alguma mulher mais velha, sem dúvida, o
que não vai ser tão divertido para a garota.
— Você é muito persuasivo — Luana sorriu.
— Acho que você quer ser persuadida — disse ele francamente. — Londres é
um lugar barulhento, confuso, e você vai se sentir muito sozinha. É melhor descansar
algum tempo, preparar-se para a cidade grande. Ficando ao lado da minha filha, talvez
você esqueça um pouco a ansiedade destas últimas semanas. Talvez isto torne mais
suportável a dor que está sentindo agora.
— Você acha que Patrícia vai gostar de mim?
— Ela é minha filha, Luana, e eu gosto de você. — Ele fez uma pausa enquanto o
garçom servia o primeiro prato. — Você já pensou em ser enfermeira?
— Prefiro trabalhar com antigüidades. Coisas inanimadas não sentem dor
quando se partem.
— Você é muito vulnerável, Luana, por isso precisa de um homem forte para
cuidar de você. Alguém diferente daquele ator; mais velho, menos romântico, com o pé
na terra.
— Não quero me apaixonar de novo. É tão maravilhoso. . . Mas quando tudo
acaba sente-se mais a solidão do que antes. — Ela deu um sorriso triste.
— Você devia sorrir mais vezes, Luana. Forma uma covinha.
— É esquisito. Só tenho covinha de um lado — acrescentou. Queria se esquecer
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear

que uma vez alguém também havia reparado na covinha, que mais tarde tinha
recebido muitos beijos. Para tirar aquela recordação da cabeça, perguntou: — Onde
Patrícia vai passar as férias?
— Ah, num lugar encantador e cheio de lendas. — Os olhos dele iluminaram-se.
— Tenho uma casa lá, ou melhor, dois chalés ligados por dentro e modernizados, mas
com a parte externa intacta. Sabe, paredes de pedra envelhecidas pelo tempo e um
telhado de sapé bem espesso. Costumo ir lá para descansar, de vez em quando. Aí, tiro
meu barco e pesco um pouco. Tenho um amigo que mora a alguns quilômetros. Fica
mais agradável, se é que se pode dizer isto de um lugar tão agreste, mas maravilhoso!
— Você só pode estar falando da Cornualha!
— Isso mesmo, mocinha. Não há nenhum lugar igual. A terra do rei Arthur e de
seus cavaleiros. Onde o povo ainda acredita em sereias e onde o pessoal que mora nas
charnecas atravessa depressa os campos de urzes quando o sol se põe. Dizem que os
homens de pedra ainda dançam e que se ouvem seus passos na relva. Sim, a
Cornualha. Patrícia adora o lugar. No ano passado uma prima pôde ficar com ela, mas
depois se casou e eu acabei na mão. — Ele olhou para Luana, enquanto cortava o filé.
— Você vai gostar muito da Cornualha. É o lugar perfeito para alguém muito
imaginativo. Pode-se tomar banho de mar, há praias maravilhosas, penhascos
majestosos e ruínas de velhos castelos que vocês duas vão poder explorar. Você ainda
consegue resistir à minha conversa?
Ela deu um sorriso, ainda confusa.
A Cornualha era grande, mas, quando não se quer encontrar alguém, qualquer
lugar toma-se minúsculo.
E ela não queria tornar a ver Eduard Talgarth, o homem que achava que o amor
podia ser comprado.
— Não sei o que fazer — confessou. — Fico achando que Tarquin ainda pode se
lembrar de mim, e se eu for embora. . .
— Olhe — disse Strathern —, vamos fazer um trato. Vá vê-lo amanhã. Fique
diante dele, agora que está se restabelecendo, veja-o ao lado daquela atriz bonita e, se
ele a reconhecer, esqueça-se da Cornualha. Por outro lado — Strathern apertou os
lábios —, se você descobrir que não significa mais nada para ele, faça o que eu disse. Vá
para a Cornualha, para se encontrar com o barco que vai trazer Patrícia da Bretanha. Vá
com ela para o chalé e passe o verão lá.
— É um ultimato?
— Sim, mocinha. Alguém tem que resolver as coisas para você. Estamos
combinados?
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear

Ela ficou brincando com o saleiro e o anel lançou uma luz azul no ambiente
romântico do Mill.
— Que anel estranho! — Strathern comentou.
— E um escaravelho. Foi Tarquin quem me deu. Simboliza a proteção e,
segundo se acredita, dá sorte.
— Você está muito ferida, não é? — Strathern falou com uma delicadeza que
teria surpreendido seus colegas, que o conheciam como um homem rude, sem tempo
para dedicar às mulheres, a não ser como pacientes.
— Sim. — Embora fosse de natureza reservada, Luana, sentiu que podia se abrir
com ele. — Ele me dizia coisas tão lindas. . . que precisava de mim. E agora sou a única
pessoa de que ele se esqueceu, como se eu não tivesse importância alguma.
— Como já lhe disse, é melhor não pensar muito em Tarquin Powers agora. Ele
está se sentindo muito culpado porque a ama e não àquela pobre criatura doente. Ele é
um homem sensível, caso contrário não teria esses escrúpulos.
Os olhos de Luana encheram-se de lágrimas, pois seria muito difícil esquecer
aqueles dias perfeitos em que cada coisa que diziam, cada olhar que trocavam tinha
toda a emoção do amor que estava crescendo. Em seu coração ele era ternura e, ao
mesmo tempo, tempestade.
— Vá vê-lo amanhã — disse Strathern. — Você vai ficar ainda mais magoada se
ele a fitar com olhos de um estranho, mas há um remédio.
— A Cornualha?
— Sim. A salvação pelo sol, Luana. Uma oportunidade para você esquecê-lo, ou
para ele se lembrar de você. — Strathern tomou um gole de vinho. — Você está me
perguntando com os olhos quando deve ir. Será no próximo fim de semana. Patrícia vai
sair um pouco antes das outras porque andou muito gripada e eu quero que respire
logo o ar saudável da Cornualha. — A voz dele tornou-se ríspida. — Não quero que
aconteça nada com a menina. Ela é tudo o que tenho, além do meu trabalho.
Luana ficou comovida com aquelas palavras. Durante o resto do jantar eles
conversaram sobre outras coisas. Quando se despediram, diante do Hotel Bard and
Harp, ela já tinha decidido o que iria fazer.
— Está bem. Vou fazer companhia a Patrícia durante as férias. . . se Tarquin não
me quiser.
— Ótimo! Até logo, mocinha. Ligue para mini contando o que resolveu.
— Vou ligar, sim. Boa noite, Hugh.
Ela ficou sozinha, embaixo da tabuleta com o nome do hotel que balançava ao
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear

vento. Tarquin e ela tornariam a se encontrar. . . para se amar?

Luana saiu de Avendon muito cedo, de trem, dirigindo-se para


Londres, onde ia passar alguns dias. Queria conhecer um pouco a cidade, em
companhia de Hugh Strathern, e comprar roupas para as férias que ia passar na praia.
Na sexta-feira seguinte partiria para Pencarne, para abrir o chalé, arejar as roupas de
cama, comprar comida. O barco que traria Patrícia chegava no domingo, o que lhe
dava algum tempo para se acostumar com o chalé e com a vizinhança.
Hugh foi recebê-la na estação, mas não perdeu tempo em consolá-la. O que mais
poderia dizer? Ela tinha ido visitar Tarquin, mas isso não curou a falha de memória
que a tornava uma estranha para ele.
Strathern levou-a para um hotelzinho, onde tinha reservado um quarto, depois
foram almoçar num restaurante panorâmico, de onde se descortinava a cidade inteira.
Depois que pediu o aperitivo, ele lhe mostrou uma carta de Patrícia, dizendo que
estava muito contente porque o pai tinha encontrado uma boa companhia para ela,
durante o verão. Ela queria mostrar para Luana toda a Cornualha romântica.
Visitariam Tintagel e Dozemare Pool, nas charnecas. E tinham que ir também a St.
Avrell.
— O chalé é perto de St. Avrell? — Luana olhou assustada para
Strathern, pois era lá que ficava o castelo do amigo de Charme!
— St. Avrell fica a uns oito quilômetros de Pencarne. — Hugh olhou para o
rosto que revelava aborrecimento. — Os penhascos escarpados e as ondas altas tiram o
castelo do mapa dos turistas comuns que querem tomar sol ou fazer compras. Parece
que você já ouviu falar dele. . . talvez em relação ao caso da moça que foi encontrada
numa das cavernas, estrangulada com o próprio cabelo.
Luana prendeu a respiração.
Tinha que haver alguma coisa de dramático no lugar em que Eduard Talgarth
morava.
Tinha que haver imponência, mares bravios e uma moça estrangulada pelo
amante.
— Você está entusiasmada com essas férias?
— Acho que sim.
Ela se inclinou para olhar a vista. Hugh mostrou-lhe os pontos mais
interessantes e Luana procurou prestar atenção. Agora tinha que olhar para a frente e
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear

tentar se esquecer do sorriso polido de um estranho que Tarquin lhe dirigiu quando se
despediram. Seu único consolo era que agora ele estava bem melhor. Voltaria ao palco.
Iria a Roma e talvez nunca mais se lembrasse da moça para quem tinha dito: "Venha-
comigo. Não agüento mais ficar sozinho. . ."
Depois do almoço, Hugh levou-a para o terraço, onde ela comentou que se
sentia como se estivesse na popa de um navio.
— Você tem muita imaginação — disse ele. — Patrícia vai gostar. Ela é como
você, Luana. Romântica, idealista. . . As duas vivem no mundo da lua. Você precisa de
proteção.
— Oh, não sei. — Ela sorriu. -— Tive que me arranjar sozinha desde que minha
mãe morreu. Meu padrasto não se preocupava comigo e Charme nunca soube o que
fazer com alguém que preferia passear na margem do rio a ficar debaixo do secador de
ura cabeleireiro. Tinha que ser independente e acho que me saí bem.
— Você se saiu esplendidamente — ele concordou —, mas vive muito sozinha,
não é, mocinha? Talvez tenha sido por isso que se apaixonou tanto. . .
— Não. — Ela sacudiu a cabeça. — Não amo Tarquin para fugir da solidão. Foi
alguma coisa mágica que aconteceu, como se estivéssemos enfeitiçados. Acho que
nunca irei esquecê-lo.
— Então você estará se condenando a uma vida solitária, Luana.
— Uma mulher, ou um homem, não pode .encontrar outra coisa além do amor
para superar a solidão? — Ela fitou o cirurgião nos olhos. — Você não encontrou?
— Meu trabalho é importante para mim e para os outros, mas no fim do dia vou
para casa e encontro tudo arrumado, como sozinho alguma coisa preparada por minha
empregada, leio, vejo um pouco de televisão e tenho alguns amigos no golfe. Não,
Luana! Há muito pouca coisa que pode substituir o amor.
— Então formamos um par! — Ela sorriu, inocente. —- Perdemos a pessoa que
amávamos. Hugh, você foi muito amável trazendo-me aqui.
— Temos que ir a outros lugares antes de você. viajar para a Cornualha. Você
conhece bem Londres?
— Não muito. Antes de Catarina morrer, morávamos em Warwick, onde ela
trabalhava para uma escritora excêntrica. St. Cyr apareceu um dia para tratar da
compra de algumas terras, viu minha mãe e apaixonou-se. Acho que ela se casou mais
por minha causa. Queria segurança e tinha medo de que me pusessem num orfanato se
ela morresse enquanto eu era criança. Mas acho que nunca me adaptei à casa dos St.
Cyr. Só fui realmente feliz com Tarquin. . . — Luana virou-se para Hugh Strathern. —
Não estou triste. Sei que ele vai ficar bom, e isto me alegra.
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear

Ele tem muito a dar ao mundo e acho que eu sempre soube que as horas que
passamos juntos eram maravilhosas demais, parecidas demais com um sonho para
durar.
Ficaram em silêncio, como se Strathern estivesse comovido. Depois ele
comentou, com a voz um tanto ríspida:
— Estou contente porque você e Patrícia vão fazer companhia uma para a outra
durante o verão. Foi um bom arranjo.
— Eu também gostei.
— Sim, você parece um pouco mais alegre.
Enquanto esperavam o elevador, Luana afastou os olhos de um casal jovem, de
mãos dadas. Não podia deixar de se lembrar do homem que costumava pegar-lhe a
mão, apertando um pouco o anel que tinha em sua mão esquerda e que ela jogou
longe, achando que ele estava caçoando dela.
Continuaria a se lembrar de tudo o que Tarquin tinha dito. Ele tinha esquecido e
talvez nunca mais se lembrasse da moça que chamava de "ninfa querida".

Nos dias que se seguiram, Luana explorou Londres em companhia de Hugh


Strathern, sempre que ele tinha algum tempo livre. Naquele dia, estavam debruçados
na ponte Tower, olhando as águas do Tâmisa. Antigamente era de lá que saíam as
barcaças reais para os outros palácios à margem do rio.
— Você já quis viajar para lugares distantes? — Luana sorriu. — Ver as ilhas
Molucas e os pagodes de sete andares?
— E você, mocinha?
— Oh, eu sou sonhadora. Mas acho que esses lugares, na realidade, não são tão
exóticos quanto imaginamos. Onde será que aquele navio esteve e o que terá nos
porões? — Luana mostrou um navio atracado. — Alguma coisa bem comum, espero.
Barris de rum ou sacos de açúcar.
— Por que não sedas, perfumes e pérolas contrabandeadas?
Hugh estudou-a com um sorriso estranho.
— Você parece muito interessada nesse tipo de comércio, que ainda é praticado
em algumas partes do Oriente.
— Sim, desconfiei disso depois que fiquei conhecendo alguém. . . um homem
que estava interessado em minha irmã de criação. Tenho certeza de que já foi pirata em
alto-mar! — Ela deu uma risada. — Hugh, você acha que sou tão jovem e tão romântica
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear

quanto Patrícia?
— Em alguns pontos você é jovem. Em outros. . . — Ele colocou a mão sobre a
dela, que estava na grade da ponte. — Bem, mocinha, onde vamos almoçar?
— Onde você quiser. — Luana tirou a mão, para alisar o cabelo. Não devia
flertar com Hugh. Ele era um homem solitário, podia dedicar-lhe alguma coisa mais do
que amizade e ela não queria magoá-lo.
No dia seguinte iria para a Cornualha e Hugh voltaria para seu trabalho. Logo
se esqueceria daqueles momentos românticos e ela também não sentiria mais aquele
impulso traiçoeiro de procurar consolo nele.
— Vou visitá-las daqui a um mês — disse Hugh, ao se despedir de Luana mais
tarde, no hotel. — As chaves do chalé estão com a sra. Lovibond, que cuida da casa. Ela
e o filho, que é pescador, moram logo abaixo, por isso você não vai se sentir tão isolada.
Também entrei em contato com o gerente do banco de Pencarne e deixei bastante
dinheiro depositado para você e Patrícia. Será que nos esquecemos de alguma coisa?
— Acho que não. Vou esperar o navio que vem da Bretanha na manhã de
domingo e a freira que está acompanhando Patrícia me entregará a menina.
— Isso mesmo. Irmã Grace estará vestida com o hábito religioso, de modo que
você não terá dificuldade em reconhecê-la.
— Aposto como Patrícia tem o seu cabelo.
— Sim, é verdade, mas no rosto ela se parece com a mãe e isto me preocupa um
pouco... Bem, mas acho que esse verão vai fazer muito bem para Patrícia. Você tem que
cuidar para que ela tome muito sol, respire o ar do mar e coma bastante.
— Serei uma irmã mais velha para ela em todos os sentidos — Luana assegurou.
— Estou acostumada com barcos, por isso posso levá-la. . .
— Não! — A palavra saiu com toda a rispidez. — Vocês duas sozinhas, de jeito
nenhum! Jim Lovibond pode levá-las no Saucy Bride. As águas naquele pedaço da
costa da Cornualha são muito bravias para você. Vá sempre com Jim. Insisto nisto.
— Está bem — ela assegurou. — Prometo fazer tudo o que você recomendou a
respeito de Patrícia. E as charnecas, Hugh? Ouvi dizer que há muitos pântanos.
— Patrícia tomará cuidado, mas não há muitos em redor de Pencarne. É só perto
de St. Avrell que você vai ter que tomar cuidado, especialmente "num dia de neblina.
— Não iremos para aquele lado. . . pelo menos não mais de uma vez, se Patrícia
quiser visitar o castelo. — Luana estava tensa, pois não queria se encontrar com Eduard
Talgarth. Mas era estranho... tão estranho que ele tivesse dito que ela visitaria o lugar
onde morava, onde as urzes eram tão altas que podiam esconder uma moça. Era como
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear

se ele soubesse. . . Entretanto, como alguém poderia saber, e Talgarth ainda menos, que
um raio iria pôr fim ao que havia entre ele e Tarquin, e que iria procurar se esquecer de
sua dor na Cornualha?
— É um lugar interessante — disse Hugh. Depois, ele a segurou pelos ombros e
sorriu com tristeza. — Vou sentir sua falta, Luana. Você vai me escrever?
— É claro. Quero que você tenha notícias de Patrícia.
— Suas também. — Ele estava muito sério. — Você deve ter desconfiado que a
acho uma moça extraordinária, com um coração de ouro.
— Obrigada, Hugh.
— Não seja formal! Não estou ainda tão velho que não sinta vontade de beijar
uma moça bonita, e é o que você pede com esse ar inocente, como se estivesse com o
seu tio favorito.
— Não quero perder sua amizade — disse ela gravemente.
— Você acha que um beijo a estragaria?
— Pode ser, Hugh. Não somos pessoas superficiais, acostumadas a brincar com
o amor, e você sabe como me sinto a respeito de Tarquin. Não foi apenas o caso de uma
moça que se apaixona por um ator bonito. Estas semanas na Cornualha vão provar
quanto foi profundo.
— Muito sensata, apesar de tão jovem, não é, Luana? Sim, você vai se submeter
a essa prova. Tem que descobrir sozinha se seu coração pertence para sempre a
Tarquin Powers.
Despediram-se pouco depois e Luana foi arrumar a mala.
Terminando logo, ficou sem ter nada que fazer até a hora de embarcar. Não
tinha cartas para escrever, nem telefonemas a dar. Já tinha ligado para Ann e soube que
Tarquin estava cada vez melhor. Quis dizer: "Mando-lhe todo o meu amor", mas estas
palavras não teriam nenhum significado para ele.
Foi até a janela do quarto e viu que os carros estavam molhados. Será que cada
vez que chovia lhe acontecia alguma coisa importante?

CAPÍTULO VI

Morro do Falcão. Uma pedra escura contra o céu, dominando uma grande
extensão de charnecas em Pencarne, uma encantadora aldeia de pescadores entre os
penhascos.
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear

O chalé parecia fascinante, escondido por uma saliência da pedra, com um


jardim espalhado numa plataforma rochosa.
Os quartos eram mobiliados em estilo rústico e a cozinha estava aparelhada com
um fogão a gás, armários, um aquecedor de água e uma pequena geladeira também a
gás.
Jim Lovibond era muito prestativo. Ajudou a levar as compras para casa e a
estender os lençóis sobre as touceiras de alfazema para que secassem ao ar do mar.
— Você é muito moça para cuidar da filha do doutor — comentou, com um
sorriso. — A srta. Patrícia vai chegar amanhã e ela é muito levada, apesar de parecer
delicada. Se há mais alguma coisa que eu possa fazer pela senhorita, diga-me, por
favor.
— Obrigada, Jim. O pessoal daqui é tão amável como você?
— Somos todos muito prestativos — ele respondeu, acanhado. — Mas a
senhorita não parece de fora, com o seu aspecto e o seu nome. Parece que é daqui!
Luana respirou fundo o ar da Cornualha, certa de que ia gostar do lugar. Na
casa, ouvia-se o barulho do mar, que à noite devia embalar o sono de todos os
habitantes de Pencarne.
Passou algum tempo ocupada arejando a casa, fazendo bolinhos e colocando
flores nos cômodos. Quando terminou, a casa estava alegre e acolhedora, com um
cheiro muito gostoso de bolinhos recém-saídos do forno.
Quando olhou para o relógio e viu que já eram cinco e meia, lembrou-se de que
naquela hora Ann e Buck deveriam estar visitando Tarquin no hospital, falando de
seus planos para o futuro. Mas não mencionariam o papel que ela tinha desempenhado
nos trágicos acontecimentos das últimas semanas.
Tudo ficou embaçado e ela teve que combater as lágrimas que lhe vieram aos
olhos. Não podia ficar em casa pensando em coisas tristes. . . ia dar uma volta! Por isso,
arrumou-se depressa e saiu de casa. O céu estava avermelhado pela luz do crepúsculo
e da praia soprava um vento frio.
Desceu o atalho que levava ao chalé dos Lovibond, que tinha um jardim cheio
de flores que cresciam por entre as pedras. A mãe de Jim estava lá colhendo alguns
galhos de hortelã.
— Você vai até a praia? — ela perguntou.
— Sim, está uma tarde tão bonita... — Luana parou um instante. — Gosto do seu
jardim, sra. Lovibond. Parece uma pintura.
— Bondade sua — respondeu a mulher, cobrindo os olhos por causa do sol. —
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear

A maré vai começar a subir daqui a pouco, por isso tome cuidado, moça.
— Sei nadar. — Luana deu uma risada.
— Claro, mas você está acostumada com as ondas da Cornualha? Arrastam uma
pessoa pequena como você como se fosse um pedaço de cortiça. Não se esqueça.
— Está bem — Luana concordou imediatamente, sentindo-se bem porque
estavam se preocupando com ela.
Depois continuou até a praia, admirando-se com a extensão de areias, as pedras
como monstros marinhos adormecidos. Ficou olhando a paisagem, emocionada e um
tanto atemorizada por aquela costa lendária, com ondas enormes que indicavam o
perigo do mar. Gaivotas voavam por perto, em busca das pedras onde iriam passar a
noite.
A praia estava deserta e Luana imaginou como aquele trecho da costa devia ser
selvagem e despovoado na época em que os navios eram atraídos para as pedras pelas
tochas dos cornualeses, quando as cavernas eram usadas para esconder barris de
conhaque contrabandeado e peças de renda.
Lembrando-se de que a maré já ia começar a subir, foi se sentar numa pedra
para olhar as ondas que se quebravam nas rochas, os penhascos que se erguiam
majestosos atrás dela, dourados pela luz do sol. Era um espetáculo magnífico e Luana
olhava maravilhada para o sol que mergulhava no mar.
O silêncio só era quebrado pelo piar dos pássaros marinhos e pelo barulho das
ondas que subiam cada vez mais. Luana imaginava que estivesse sozinha quando
ouviu o som de um galope pela praia, aproximando-se a cada segundo, até que um
cavalo escuro e seu cavaleiro delinearam-se de encontro ao sol poente. Ela ficou
imóvel, mas uma espécie de instinto fez com que se levantasse de repente. . . no
momento em que o cavalo parou, espirrando água e levantando areia com seus cascos,
O movimento súbito que ela fez deve ter assustado o animal, que relinchou e se
levantou nas patas traseiras, quase derrubando o homem que o montava.
— Que diabo foi isto? — O cavaleiro controlou o animal imediatamente, depois
começou a procurar o que tinha provocado aquele susto. Seu cabelo preto voava com o
vento, como a crina do cavalo.
Havia alguma coisa de primitivo nos dois, como se costumassem surgir das
cavernas para tomar posse da praia quando o sol se punha e as ondas cresciam de
tamanho.
Luana olhou para o rosto do homem e um resto de luz fez brilhar o azul
profundo dos olhos dele. Ela o teria reconhecido em qualquer lugar. . . mas naquela
praia longínqua da Cornualha, com as ondas batendo nas pedras, ele estava em seu
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear

elemento, inconfundível, como se fizesse parte do cenário.


— Então nos encontramos de novo! — exclamou Eduard Talgarth, levantando a
voz para dominar o barulho do mar. — Você acabou vindo ver a parte do mundo onde
moro. O que foi que a trouxe aqui, Luana Perry? Não foi o prazer de me ver, disto
tenho certeza.
Enquanto falava, ele dirigiu o cavalo para perto dela, parando-o a seu lado.
Depois fitou-a com um brilho irônico no olhar.
— Posso tocá-la para ver se você não é um diabinho feito de algas e de magia,
que apareceu para assustar o meu cavalo e me jogar nas pedras?
— Você gosta de dizer coisas estranhas. . . — Ela jogou o cabelo para trás. —
Preciso voltar para casa e é melhor você ir embora, se não quiser ser pego pela maré.
— Onde você está hospedada?
Ela não queria dizer, mas sabia que ele era suficientemente teimoso para
prendê-la naquele lugar até que a água estivesse em seus tornozelos.
— Estou em Pencarne e, durante as férias, vou tomar conta da filha de. . . um
amigo.
— Num daqueles chalés? — Ele mostrou o penhasco com o chicote.
— Sim — disse ela, com relutância. — Num chalé chamado "Porto de Pedras".
—Ah, é interessante saber. E agora é melhor você voltar correndo para o seu
porto antes que eu a carregue na garupa do meu cavalo.
Ela olhou espantada, antes de correr em direção aos penhascos, seguida pela
risada que ele deu.
No meio da escada, sentiu-se compelida a acompanhar com o olhar o cavaleiro e
sua montaria até que desaparecessem, engolidos pela areia. Então St. Avrell ficava
naquela direção e ela não poderia evitar outros encontros com Eduard Talgarth.
Seu coração bateu mais depressa. O que foi mesmo que Charme tinha dito? "Ele
quer uma mulher no castelo... podia tê-la pedido em casamento se você não mostrasse
tão claramente que o achava odioso."
De repente, ela ficou com medo. E se sua irmã de criação tivesse acertado? E se
Talgarth começasse a persegui-la, agora que estava num lugar tão afastado?
Luana subiu o resto da escada correndo, como se ele já estivesse atrás dela. Era
uma loucura comportar-se assim, mas só se acalmou depois que chegou em casa.
Acendeu a luz e se encostou na porta fechada, com a respiração ofegante e o rosto
vermelho. Pouco depois, mais controlada, deu uma risada. Como se Eduard Talgarth
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear

pudesse ter algum domínio sobre ela contra a sua vontade! Não estavam no misterioso
Oriente nem na Inglaterra vitoriana! Nos dias atuais uma moça não precisa temer
homem nenhum.

Estava se dirigindo para a sala de estar quando notou um prato coberto na


cozinha. Levantou a tampa e o delicioso aroma das sardinhas em escabeche abriu seu
apetite. Havia também um pedaço de torta de maçã, com um potinho de creme, e um
girassol do jardim dos Lovibond para que ela soubesse quem tinha deixado aquele
jantar.
— Eles são maravilhosos — murmurou, sentando-se para jantar e afastando da
mente a lembrança de um rosto moreno iluminado por dois olhos azuis muito
perigosos. Olhos estranhos, que pareciam iluminados por uma chama!
Luana foi para a cama por volta das nove horas e leu um pouco à luz de um
lampião. Seu quarto era encantador e se comunicava por uma porta com o quarto de
Patrícia. Podia ouvir o barulho do mar, batendo na praia num ritmo calmo e constante,
que mais parecia um murmúrio: "Durma e sonhe. . . durma e sonhe. . ."
Apagou o lampião e preparou-se para dormir.
No dia seguinte iria buscar Patrícia — um táxi velho viria apanhá-la pela manhã,
atravessariam as charnecas para pegar a estrada para Port Perryn, onde o navio
da Bretanha atracaria. Luana estava ansiosa para conhecer Patrícia, ver se ela se parecia
com o pai. Hugh Strathern era muito bom e com ele se sentia segura, pois sabia que
não lhe recusaria ajuda caso alguma coisa a amedrontasse ou a aborrecesse.
Fechou os olhos e pôs-se a ouvir o barulho do mar. . . e, embora não quisesse se
lembrar daquele estranho encontro na praia, descobriu que cada detalhe estava
gravado em sua mente. Sentia de novo o cheiro de maresia e via a pelagem brilhante
do cavalo saudável e bem exercitado, a cabeça escura do cavaleiro delineada de
encontro ao céu do crepúsculo. . . Gostaria de se esquecer do rosto forte e queimado de
sol. . . A boca daquele homem tinha linhas profundas, que mostravam autoridade, e
uma risada franca.
Ele nunca tinha sido um homem sonhador; toda a sua vida havia sido ativa e
parecia que ele tinha se divertido com isso. O nariz era dominador, o queixo tinha uma
fenda. . . que parecia esconder um diabo. Sua voz mostrava entonações estrangeiras,
uma herança do bretão que havia nele, intensificada por anos de viagem para lugares
longínquos. Eduard Talgarth era profundo, como um desses poços solitários nas
charnecas. Como o mar que batia em sua porta e corria em seu sangue.
Ele era insensível por natureza ou havia se tornado assim pela vida que levara?
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear

Em todo o caso, era melhor manter-se longe. Não queria ser perseguida como uma
corça vislumbrada entre a folhagem, para lhe conceder o divertimento da caça. Não ia
perder tempo com ele.
Luana tinha conhecido a alegria de ser amada e, pelo que podia ver, não havia
ternura no coração daquele homem, tão diferente de Tarquin.
— Tarquin. . . — murmurou repetidas vezes antes de adormecer.

Luana protegia os olhos da luz refletida pela água da baía enquanto o navio
atracava. Pouco depois, os passageiros começaram a desembarcar, mostrando
passaportes e papéis a funcionários de uniforme azul-escuro.
As malas começaram a aparecer no cais, onde carros e táxis estavam de
prontidão.
Luana procurava a menina de cabelos vermelhos acompanhada por uma freira
de hábito cinzento e touca engomada. Os passageiros continuavam a sair do navio e,
por fim, Luana viu a figura alta de uma freira. Levantou a mão e seus olhos se
encontraram com os da menina. Teve certeza de que era Patrícia. Ela disse alguma
coisa para a freira e as duas olharam para Luana. A menina sorria, mas as sobrancelhas
da freira estavam franzidas enquanto ela examina Luana da cabeça aos pés.
O vestido de Luana era vermelho e a saia curta voava, agitada pela brisa do mar.
O cabelo castanho-avermelhado estava penteado para trás.
Parecia muito esbelta e frágil, como se tivesse saído das urzes altas que cobriam
os penhascos acima do porto.
Irmã Grace desembarcou, mostrou os dois passaportes, e por fim se aproximou
de Luana, segurando uma valise em uma das mãos e a menina na outra. A touca
branca parecia aumentar sua altura e sua dignidade, reduzindo Luana quase a uma
escolar.
— Você é a srta. Perry? — ela perguntou. — Que vai tomar conta de Patrícia?
— Sim, irmã. — Luana ficou imediatamente na defensiva. — Asseguro-lhe que o
pai dela, o dr. Strathern, tem toda a confiança em mim.
— Você é muito jovem... não muito mais velha que Patrícia. Será que vai dar
conta? As duas sozinhas num chalé nas charnecas?
— O chalé não é na charneca, irmã. — Luana deu um sorriso que não foi
correspondido. — Ao lado moram um pescador e a mãe, duas pessoas muito boas que
trabalham para o dr. Strathern.

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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear

— A mulher cozinha?
— Não, eu sei cozinhar. — Luana estava começando a se aborrecer. — Sou
perfeitamente capaz, irmã. O pai de Patrícia não me encarregaria de cuidar dela se eu
não fosse responsável.
— Os homens nem sempre julgam bem o caráter das mulheres — disse irmã
Grace explicitamente. — Muitas vezes deixam-se levar por um rosto bonito.
— Ninguém pode dizer que eu seja uma mulher fatal. . . — Luana não sabia se
achava graça ou se ficava aborrecida. Os olhos verdes de Patrícia brilhavam; ela estava
se divertindo com a situação, mas Luana sabia que a freira não estava querendo
entregar a menina a alguém tão jovem. Devia ter pensado nisso e se vestido com mais
austeridade. Mas queria agradar Patrícia, que estava esperando aquelas férias com
tanta ansiedade.
— Você vai me desculpar se estou preocupada. — Irmã Grace lançou um olhar
para a aluna. — Patrícia não está muito bem de saúde e, no convento, preocupamo-nos
com ela. Sei que o dr. Strathern é um homem ocupado, mas mesmo assim. . .
— O dr. Strathern não escreveu para a escola, irmã, avisando que uma jovem
iria tomar conta da filha? A senhora tem que admitir que um homem como ele
dificilmente escolheria uma companheira para Patrícia em quem não confiasse. Eu
trabalho, irmã Grace, e logo vou fazer vinte anos. A senhora não deve se impressionar
com a minha juventude!
— Você acha que estou sendo intrometida? — Pela primeira vez irmã Grace
sorriu. — Talvez eu leve os meus deveres muito a sério e espere o mesmo de todo
mundo. Como você disse, o dr. Strathern é um homem muito importante, que lida com
muita gente todos os dias e talvez esteja mais apto a julgar o caráter das pessoas do que
os outros homens. Por acaso você é enfermeira?
— Não, trabalho com antigüidades.
— Embora pareça tão jovem! — Irmã Grace riu do que tinha dito.
Depois tornou a ficar séria e se virou para Patrícia. — Você vai se comportar
direito, não é? Vai usar chapéus quando ficar no sol e não se cansar demais nas águas
turbulentas desta Cornualha de que gosta tanto. Você me promete?
— Irmã Grace, chega de conselhos! — Patrícia sorriu e seu rosto pálido ganhou
um ar travesso. — Luana me parece maravilhosa, e também divertida, e adoro meu pai
porque vou poder passar as férias com ela.
— Está certo, então. Menina, onde está a sua mala?
— Ali, junto com as outras. — Patrícia apontou para uma pilha de malas no cais.
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear

— Vá pegá-la! Todas as suas coisas estão lá, junto com a renda.


— Renda! — Patrícia fez uma careta enquanto ia buscar a mala.
— Uma ótima menina, mas um pouco teimosa demais — disse irmã Grace. —
Você vai ser firme com ela? Não é bom que os jovens façam tudo o que querem,
especialmente agora, quando parece que os pais estão perdendo a autoridade. Patrícia
não é muito forte, e gosta de entrar no mar. . . Você precisa tomar cuidado. Ela é muito
sujeita a gripes.
— Prometi ao pai dela fazer todo o possível. Ele gosta muito da menina e quer
que ela se divirta nas férias.
Luana olhou para Patrícia, que voltava carregando uma mala. A menina tinha
pernas compridas e o uniforme fazia com que aparentasse menos do que os seus
dezesseis anos. Tinha os olhos do pai e uma trança de cabelo ruivo estava escapando
do chapéu ridículo. Luana resolveu comprar-lhe um chapéu novo assim que irmã
Grace partisse.
As três caminharam pelo cais e a irmã perguntou se pretendiam voltar
imediatamente para Pencarne.
— Não, vamos almoçar em algum lugar por aqui e depois dar uma olhada em
Port Perryn antes de voltarmos para casa. — Luana sorriu enquanto falava, mas seu
tom era firme. Tomaria cuidado com Patrícia, mas a deixaria à vontade. Hugh queria
que a filha tomasse ar puro e comesse bastante, e Luana iria providenciar que fosse
assim. — A senhora quer almoçar conosco? — convidou.
Irmã Grace desculpou-se, pesarosa. Precisava chegar logo à casa da
irmã. Chamou um táxi e pouco depois afastava-se, segurando a valise de couro
que continha suas roupas, seus livros e, sem dúvida, presuntos e tortas da Bretanha
para a irmã, que estava convalescendo de uma operação.
— Ela é uma boa pessoa, mas — Patrícia sorriu para Luana — por que as
pessoas muito boas são tão sérias?
— Elas só pensam no dever e têm medo de se divertir. Mas, sem elas, o mundo
seria terrivelmente mau. — Luana pegou a mala e convidou Patrícia: — Vamos comer
num lugar chamado "Camelot".
— Prefiro pessoas de caráter mais brando. — Patrícia deu uma risada, enquanto
tirava o chapéu. Seu cabelo era de um ruivo dourado e seu rosto tinha uma malícia que
o chapéu de abas largas escondia. — Você entende o que quero dizer? Simpáticas, mas
não com a alma vendida ao demônio.
Há muitas pessoas assim. . . Sir Lancelot foi uma delas. . . Nesta parte há muitas
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear

lendas sobre o Rei Arthur e os Cavaleiros da Távola Redonda!


— Sir Lancelot é o seu favorito.
— É claro! Ele era tão corajoso, e é uma pena não ter podido ir à procura do
Santo Graal porque amava a rainha. — As duas caminhavam juntas pela rua. — Como
você ficou conhecendo o meu pai? Fiquei muito contente quando ele escreveu
contando que tinha encontrado uma pessoa jovem e encantadora para passar o verão
comigo. Você é um encanto, sabia? Pops ficou louco por você? Isto seria bem divertido!
Os homens se acomodam muito quando não há uma mulher para animá-los.
— Ora essa! — Luana não pôde impedir uma gargalhada. — Seu pai operou
um... um amigo meu, salvando-lhe a vida. Foi assim que ficamos nos conhecendo. Eu
estava desempregada e ele sugeriu que eu cuidasse de você durante o verão.
— Ele deve ter achado que uma podia tomar conta da outra — Patrícia sugeriu,
com um brilho malicioso no olhar. — Pops é maravilhoso, não é mesmo? Do tipo rude.
Gosto de homens que parecem que podem tomar conta do mundo... homens com
autoridade. Quero me casar com um assim, isto é, se encontrar alguém que não se
incomode com cabelos ruivos.
— Seu cabelo tem um tom dourado que é muito raro. Eu gosto dele e acho que
seu homem autoritário vai querer alguém com espírito.
— Você é muito amável, Luana. Fala comigo como se eu fosse adulta.
— Mas você vai ficar um dia, não é?
— Mas dezesseis anos é uma idade tão difícil! A gente não é mais criança e
ainda não é adulto. Costumava ler os contos da Távola Redonda como se fossem
lendas, e agora percebi que são histórias de amor!
— Isto não torna a vida mais excitante?
— Estas férias vão ser maravilhosas! — Patrícia comentou com uma risada. —
Minha prima Vai fazia com que eu me sentisse uma criança. Não podia andar sem os
sapatos e quase desmaiava quando eu saía de barco com Jim.
—Vamos fazer tudo para que estas férias sejam boas — Luana prometeu. — É a
primeira vez que venho para a Cornualha e estou muito impressionada com os
penhascos e as praias. Parece um outro mundo.
— O povo da Cornualha é diferente e alguns homens são tão morenos que
parecem latinos. Este é um lugar excitante, Luana. s Qualquer coisa pode acontecer.
— Imagino. —Luana olhou com prazer a paisagem de Port Perryn, com seu
emaranhado de ruazinhas pavimentadas com seixos redondos, casas de pedra e a
longa amurada do porto, cheia de redes de pescadores.
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As gaivotas grasnavam e um pescador cantava enquanto calafetava seu barco.


Patrícia gostou de almoçar no Camelot. E durante a refeição, fez a pergunta já
esperada por Luana:
— De onde você é? Ficou conhecendo meu pai em Londres?
Luana sacudiu a cabeça e depois, respirando fundo, falou de Avendon, tentando
não pensar no homem que tinha tornado a cidade divina, até o momento em que a
fitara com os olhos de um estranho. Falou do rio e dos cisnes, do teatro atingido pelo
raio, da ponte com o moinho.
— Você gosta de teatro? — perguntou Patrícia.
— Sim, sempre gostei. Bem, o que vamos pedir de sobremesa? — Luana queria
mudar de assunto. — Você pode escolher.
— Hum, vamos comer uma coisa que você não conhece. . . trovão com raios!
Luana olhou espantada para Patrícia e por um momento seus olhos refletiram
dor e choque de ver o Mask Theatre depois que havia sido atingido pela ira do céu.
— Não é assim tão ruim! — Patrícia riu. — É uma espécie de sorvete com calda e
creme.
— Oh, agora estou entendendo. — Luana forçou-se a sorrir, embora ainda
houvesse uma sombra em seu olhar. — Sim, preciso experimentar tudo o que é
cornualês.
A sobremesa estava muito boa e num instante a conversa de Patrícia a distraiu.
Quando saíram da hospedaria onde ficava o restaurante, e foram passear por uma rua
com lojinhas pitorescas, Luana já não estava sentindo tanto a falta de Tarquin.
Compraram dois chapéus de palha e saíram correndo em direção à praia. Um
homem sentado na quilha de um barco virado voltou a cabeça muito devagar para
olhá-las, a fumaça do charuto embaciando o brilho dos olhos azuis.
Quando chegaram na areia, Patrícia parou de repente, olhando o homem
sentado no barco.
— É o amigo de Pops! — ela exclamou. — O que ele está fazendo em Port
Perryn?
Luana também reconheceu o homem imóvel como uma figura de proa,
delineado de encontro ao mar.
— Ele costumava navegar pelo sete mares — Patrícia murmurou, excitada. —
Mas agora desistiu, para ficar com seu primeiro amor.

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— Ela deve amá-lo muito para ficar esperando enquanto ele veleja pelo mundo
— disse Luana, um tanto confusa, lembrando-se do que Charme havia dito sobre ele.
— Não estou falando de uma moça! — Patrícia deu uma risada, um som jovem e
musical que deve ter chegado até o homem que estava fumando sozinho. — Se ele
amasse uma moça da Cornualha, ele a teria levado também. . . ele é desse tipo, Luana.
— Do que você está falando, então? — Sem querer Luana estava curiosa.
— Ele queria ser escultor. Mas, quando o pai morreu, falido, Eduard Talgarth
teve que ir para o mar, para recuperar os bens da família. O pai dele jogava tanto que
se tomou famoso na Cornualha. Pois o moço conseguiu! Comprou de volta a casa da
família, e até algumas coisas que haviam se dispersado, como retratos antigos e móveis
feitos com a madeira dos navios da Invencível Armada. Ele é um homem muito
decidido e, de certa maneira, excitante.
— Excitante? — Luana murmurou, reparando no homem que se levantou e se
aproximava com passos longos e seguros. Usava calça bem talhada e uma camisa
branca, bem modernas, mas dava a impressão de pertencer a outro século, a outra
época. O vento agitava seu cabelo e seus olhos brilhavam à luz do sol.
— Dizem que ele tem o demônio no corpo — sussurrou Patrícia. Os Talgarth
sempre têm.
— A jovem Patrícia. Nós nos conhecemos no ano passado, quando você veio
para St. Avrell com seu pai. — Ele estendeu a mão para a garota, que ficou muito
vermelha. Depois deu um sorriso irônico, como se soubesse muito bem que as duas
estavam falando dele.
— Alô, sr. Talgarth.
— Não tínhamos resolvido que seria Eduard?
— Sim, mas você podia ter esquecido.
— Nunca me esqueço de quem quero me lembrar. — Ele olhou acintosamente
para Luana, que estava muito tensa, vivamente consciente do brilho daqueles olhos
azuis.
— Ela está fazendo companhia para mim — disse Patrícia sofregamente. —
Luana Perry.
— Já nos conhecemos. Ela não lhe contou? — Ele deu uma risada, olhando para
Luana. — Por um estranho capricho do destino, encontramo-nos de novo, e estou
curioso em saber por que, entre todos os lugares, ela resolveu vir para a Cornualha.
— Porque meu pai pediu. — Patrícia olhava para os dois, curiosa. — Pops
operou um amigo de Luana que estava muito mal. Ela ficou tão agradecida que
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concordou em tomar conta de mim durante o verão.


— Quanta generosidade, srta. Perry, e como vai ser bom para Patrícia ter sua
companhia nas férias. — Ele fitou Luana diretamente nos olhos, com um brilho de
malícia no olhar. — Será que conheço esse seu amigo? Por acaso não fomos
apresentados enquanto estive em Avendon?
— Acho. . . acho que você o viu na festa de minha irmã. E também quando ele
interpretou Shakespeare no Mask Theatre.
— Ah, o ator bonitão!
— Sim. — O coração de Luana começou a bater rapidamente e ela sentiu de
novo o antagonismo, uma vontade de ferir aquele homem que parecia rir dela, como se
fosse a mulher mais ingênua do mundo.
— Então ele ficou doente? Passou mal?
— Ele ficou muito ferido quando um raio caiu no teatro. O sr. Strathern salvou-
lhe a vida.
— E você veio para a Cornualha.
— Como você pode ver. — Levantou o queixo, enfrentando o olhar de
curiosidade daquele homem que sabia de sua amizade com Tarquin. . . que havia dito
que ela poderia sofrer por causa de uma ilusão. Era perturbador saber que Eduard
Talgarth podia ler em seus olhos e descobrir que tinha fugido porque Tarquin já não a
amava.
— Você é muito reservada, Luana! — Patrícia interrompeu a conversa dos dois.
— Nem contou que já conhecia o sr. Talgarth!
— Foi um relacionamento muito superficial — disse ele devagar. — Talvez a
srta. Perry prefira ignorá-lo. Em todo o caso, é bom encontrar vocês duas, pois eu
estava me sentindo um tanto solitário.
— Parece mesmo. — Patrícia sorriu para ele. — O que você está fazendo em Port
Perryn logo hoje, que estou chegando para as férias? Pops andou escrevendo para
você?
— Não. — Havia provocação no sorriso que ele deu. — Não tenho mantido
contato com o seu pai.
— Então você é adivinho! Eles costumam ter olhos azuis.
— E longas barbas brancas — ele completou.
— Todo mundo diz que sua avó era vidente e que podia prever o futuro. Ela
profetizou que a família perderia o castelo por muitos anos.
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— Provavelmente porque sabia do amor que o filho tinha pelas cartas. — Ele
olhou para Luana. — Você já falou à srta. Perry a respeito do demônio dos Talgarth,
que só pode ser exorcizado de cada homem da família pelo amor de uma jovem
sincera?
— É uma história intrigante — Luana murmurou e seus olhos detiveram-se por
um instante na fenda do queixo dele. — Mas você acredita nela?
— Como já falei muito e vi uma porção de coisas estranhas, fico imaginando se
não seria melhor o último dos Talgarth arranjar uma noiva. — Ele deu um sorriso
atrevido. — Uma noiva carinhosa. . .
— Tenho certeza de que você não terá problemas nesse sentido — disse Patrícia,
os olhos pregados nos ombros largos e na pele escura como madeira contra a brancura
da camisa. — Gostaria de tê-lo conhecido quando você tinha dezenove anos e ganhou
uma taça por ter derrotado o campeão de luta romana de Penzance.
— É verdade, minha flor? — Ele tinha uma expressão tolerante. — Deixe-me
ver. . . poderia ter empurrado seu carrinho quando você era bebê, mas não sei como
isto influiria em minha reputação como lutador.
— Não amole — respondeu Patrícia. — Gostaria de ter pelo menos uns
dezesseis anos nessa época.
— Eu estava de partida para o Extremo Oriente, flor. Nós estaríamos nos
separando por um longo tempo.
— Você não me levaria junto, se eu fosse sua namorada?
— Naquela época não era dono de meu navio, Patrícia.
— Você sente falta do mar? É por isso que veio para Port Perryn. . . para olhar
para os navios?
— Sim, lembrando o passado, como se o futuro não pudesse ser tão bom quanto
os dias que já vivemos, com suas horas tristes ou alegres.
Luana o fitava, tão alto e moreno, com o horizonte azul atrás e o azul do mar nos
olhos. Tão perspicaz, tão experiente, deixando-a indefesa quando pediu com os olhos
que se tornassem amigos para agradar Patrícia.
— Quero que vocês dois sejam amigos. — Nos olhos verdes havia aquela
expressão dos jovens que querem amor e alegria, e não palavras amargas. — Seja
camarada, Luana. Não seremos convidadas para ir ao castelo, se vocês não se
apertarem as mãos, esquecendo-se de qualquer briguinha que possam ter tido. O
castelo é maravilhoso. . .
— É mesmo? — Luana murmurou, e impulsivamente estendeu a mão para
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Eduard Talgarth, preparando-se para o contato com aqueles dedos finos que podiam
modelar a pedra, a prata ou o ferro de acordo com sua vontade. Luana se surpreendeu
com a delicadeza do toque, pois ele segurou a sua mão como se fosse um passarinho.
Os olhos dele demoraram-se no escaravelho azul do anel dela.
— Parece ser verdadeiro. Tem alguma inscrição? Às vezes há alguma coisa
escrita debaixo da asa.
— Há algumas palavras — ela admitiu, sentindo ainda o calor dos dedos dele —
, mas não sei o que significam.
— Posso tentar?
Ela hesitou. Depois, percebendo o olhar de Patrícia, entregou o anel para
Eduard, que o estudou durante alguns minutos.
— Sim, está escrito em árabe — disse ele finalmente. — Não dá para traduzir,
mas o anel é um talismã para afastar o azar.
Luana o olhou rapidamente, perguntando-se se ele imaginava quem lhe tinha
dado o anel. Ele não lhe havia dado sorte, embora ela o guardasse com carinho pelas
recordações que trazia.
— Posso experimentar, Luana? — Patrícia pediu. — É um anel tão diferente.
— Não. — Eduard sacudiu a cabeça, pegando na mão direita de Luana, para
recolocar o anel. — O escaravelho é como uma aliança: pode perder sua magia se outra
pessoa o usar. Vou lhe dar um anel que tenho no castelo, quando vocês duas forem
jantar comigo.
— Que tipo de anel? — Patrícia estava encantada com a idéia de receber um
presente dele.
— Um anel de princesa, como os usados pelas dançarinas tailandesas quando
executam as danças rituais nos templos.
— Vou adorar. — Ela passou o braço pela cintura de Luana, como se estivesse
com vontade de abraçar aquele homem que a fitava com ar divertido. — Você viajou
pelo mundo inteiro? — perguntou. — Até o Himalaia?
— Sim, visitei os templos místicos em Katmandu, onde os sinos tocam como se
fossem feitos de gelo. Vi cúpulas douradas ardendo ao sol, morei numa casa de chá ao
lado de uma ponte de bambu, dormi num diva forrado de peles de tigres da Sumatra e
fiquei amigo de um príncipe da Manchúria. — Ele sorriu e suas narinas se retesaram ao
respirarem o ar da Cornualha. — Agora voltei para St. Avrell. . . o último dos Talgarth.
— Você tem sorte em ser homem e poder fazer o que quer — comentou Patrícia.

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— Não é bem assim. — Ele deu um sorriso enigmático. — O que vocês vão fazer
à tarde? Descansar na praia, tomar chá e depois voltar para casa?
— Adivinhou! — Patrícia riu. — Em suas viagens, você deve ter aprendido a ler
pensamentos.
— Talvez. — Ele procurou os olhos de Luana. — Posso ler os seus?
— Sou eu quem vai ler os seus — respondeu Luana, sorrindo. — Você não tem
nada para fazer agora e gostaria de passar a tarde conosco. Com certeza Patrícia vai
adorar.
— E você? — ele perguntou, com a voz arrastada.
— Como você lê. pensamentos, deve saber a resposta — Luana respondeu
ironicamente, e virou-se, escondendo um sorriso. Será que imaginava que ela estava
tão ansiosa para passar a tarde com ele quanto Patrícia?
Eles se estenderam na areia aquecida pelo sol, perto do mar. A voz grave de
Eduard chegava em ondas até Luana. Ela cobriu os olhos com o chapéu de palha e
deixou que ele distraísse Patrícia com suas histórias, pois, como todos os viajantes,
tinha muitas coisas para contar. A menina sentia-se atraída por ele, mas Luana estava
na defensiva. Como Eduard sabia a respeito de Tarquin, ele a fazia lembrar-se das
coisas que queria esquecer.

CAPÍTULO VIl

Tomaram um chá delicioso numa confeitaria que ele conhecia e, enquanto


respiravam a brisa que atravessava as acácias, Eduardo propôs levá-las para casa.
— Vocês não gostariam de atravessar as charnecas numa charrete, no estilo
antigo? — Ele olhou para Luana. — Gosto das coisas antigas, com sua aura romântica.
— Já vi você dirigindo um carro esporte muito moderno — ela retrucou, embora
estivesse com vontade de ir de charrete.
— Você já andou no meu carro, não é mesmo?
Imediatamente surgiu entre eles a lembrança da noite em que ela tinha passeado
às margens do rio, admirando o teatro todo iluminado. Naquela noite havia estrelas em
seus olhos, e aquele homem tinha visto. . . e tinha visto mais ainda, pois parecia ser
adivinho. Desde aquela ocasião ele sabia que Luana ia conhecer a Cornualha e as
charnecas, onde as urzes eram tão altas que encobriam uma moça.
— Temos que viver no mundo de hoje — ele continuou —, mas isto não nos
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impede de gostar de ir até as índias de barco, ou de atravessar as charnecas de charrete.


— Parece irresistível. — Patrícia distendeu o corpo para afastar a sonolência que
a dominava. — Adoraríamos ir com você!
— Luana? — Ele levantou uma sobrancelha. — Você sabe que também vai
gostar, por que não admite logo?
Ele a desafiou com o olhar, mas daquela vez Luana não pôde resistir.
— Temos que passar no Camelot para pegar a mala de Patrícia.
Ele concordou, pagou a conta e acompanhou-as até a hospedaria.
Quinze minutos depois, estavam voltando para casa ao som dos sininhos
colocados ao arreio do cavalo.
Luana sentia a magia que impregnava o ar da Cornualha enquanto passavam
por muros de pedra e árvores vergadas pelo vento. O longo chicote de Eduard cantava
no ar, mas não tocava o cavalo. Ele mostrou as ruínas de uma abadia numa colina, com
uma velha árvore retorcida contra o céu vermelho.
— Parece assombrada, não? — Eduard falava com seriedade. — Dizem que há
um fantasma no meu castelo, um ancestral francês que fica numa torre olhando para o
mar, esperando um navio que não chega nunca. Diz a lenda que ele estava esperando
sua noiva, que vinha da França, mas ela foi pega durante a revolução e nunca mais foi
vista.
— O que aconteceu com ele? — perguntou Patrícia. — Ficou desesperado?
— Casou-se com uma moça da Cornualha. — Eduard sorriu. — Tiveram uma
filha que mais tarde se casou com um Talgarth. Foi assim que o castelo veio parar em
nossas mãos.
— É um lugar fabuloso! — Os olhos de Patrícia estavam brilhando. — Luana,
parece um cenário de uma lenda de cavaleiros e donzelas infelizes.
— Você e seus cavaleiros! — Luana sorriu.
— Todas as jovens sonham com Tristão. . . ou com Hamlet. — Ele olhou para
Luana, de propósito. — Mais tarde superam o sonho. . . geralmente.
Ela percebeu imediatamente o que ele queria dizer, que seu amor por Tarquin
baseava-se num sonho e como tal devia permanecer. "Você está enganado, ele me
amava!" Ela queria jogar estas palavras no rosto moreno do cornualês. "Era amor, como
você nunca vai sentir. Você, com sua arrogância de comerciante, que acha que não há
nada que não possa comprar, desde que ofereça o preço certo!"
Ele a olhou como se estivesse lendo seus pensamentos. Depois, com
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uma risada, parou a charrete numa curva da estrada.


— Olhem — murmurou, mostrando um passarinho que atravessava a charneca
em direção a um monólito de pedra, escuro e sinistro. Em seu redor, as samambaias
pareciam fumaça dourada na penumbra que se espalhava pela charneca.
— Chamam-no de "Harpa do Diabo" — disse Eduard. — Vamos ouvir a música
que o vento faz?
Desceram da charrete e caminharam pelo mato alto até o monólito, e era
verdade! O vento em redor da pedra, que tinha a forma de uma harpa, parecia
produzir uma música sobrenatural, como se uma mão invisível estivesse tocando na
rocha escura.
— Oh, não gostaria de vir aqui sozinha. — Patrícia agarrou no braço de Eduard.
— Adoro as charnecas à luz do dia, mas quando começa a escurecer parece que elas
mudam, ficam ameaçadoras.
— A caída da noite revela o que há de primitivo em todas as coisas — ele
comentou. — O rosto da amada fica diferente; os olhos femininos enchem-se de
mistério.
Ao ouvir a voz dele, que tinha a harmonia da música celta, Luana percebeu o
quanto estava perturbada pela charneca e por aquele homem.
Um passarinho piou no meio do mato, o céu estava dourado.
O vento trazia perfumes... Ela percebeu que Eduard a fitava e que a luz do
crepúsculo estava refletida em seus olhos.
— É dramático, não é mesmo? Como o cenário de uma peça. . .
— Você precisa falar disso? — ela murmurou.
Ele levantou as sobrancelhas e olhou para Patrícia, que tinha ido brincar com o
cavalo e não os ouviria se falassem baixo.
— Diga-me uma coisa. . . Tarquin Powers lhe contou que já era casado antes ou
depois de fazer com que você se apaixonasse por ele?
— Como. . . como você sabe que ele já era casado?
— Resolvi investigar.
— Não é da sua conta!
— Você diz isso com muito vigor.
— Você foi a Avendon como amigo de Charme.
— E não foi por Charme que Tarquin Powers se interessou, não é? Se tivesse
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sido por ela, então meu interesse seria válido?


— Acho que sim. Foi por causa dela que você foi a Avendon, e poucos homens
olham para mim quando Charme está por perto.
— Tarquin Powers olhou.
— Aquilo foi diferente. Ficamos nos conhecendo no teatro e, embora eu saiba
agora que alguma coisa em mim deve ter-lhe lembrado a esposa, houve uma certa
magia no nosso encontro.
Os olhos dela prenderam os de Eduard; na luz do crepúsculo seu rosto parecia
de pedra, como os menires que se erguiam nas charnecas.
Ele jamais entenderia que o coração podia ser afetado por uma determinada
expressão do olhar, que revelava tanta solidão. Eduard Talgarth era auto-suficiente
demais para vir a precisar de alguém como Tarquin precisou dela. . . embora por pouco
tempo.
— Foi um encontro muito romântico — disse ela suavemente.
— Você está querendo dizer que não há romance em mim, apenas uma alma
voltada para o comércio?
— Por acaso estou enganada?
— Não inteiramente. Nunca acreditei num único amor. Não há muito tempo
para sonhar na vida de um homem que viaja de porto em porto, e chega a formar sua
própria companhia de navios. A vida é muito difícil, muito cheia de transações
comerciais, como você concluiu. Mas há uma coisa que nunca faria embora eu seja um
diamante bruto... nunca faria uma mulher me amar, sabendo que não poderia lhe dar o
meu nome. . . Ah, foi por isso que você fugiu, Luana, porque ele pediu que você se
tornasse sua amante?
— Eu. . . o amava. Não ficaria envergonhada se. . .
— Foi por isso que você fugiu? — Eduard insistiu.
— Não. Ele se esqueceu de mim depois da operação. Não me reconheceu. Não
se lembrou do tempo que passamos juntos. Tudo isto é muito doloroso... e, de qualquer
maneira, por que lhe interessaria?
— Porque você é jovem e não tem ainda aquela camada de autodefesa que
protege algumas pessoas por toda a vida. Você é como Patrícia.
— Bem — ela teve que sorrir —, é bom saber que Patrícia e eu temos a sua
proteção. . . uma espécie de tio.
Ele prendeu a respiração e Luana percebeu imediatamente que corria perigo,
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porque aquele homem se parecia tanto com um tio quanto um tigre se parece com um
gatinho. Com uma risada, ela correu até a charrete. Patrícia estava dormindo no banco
e se recostou em Luana enquanto atravessavam a charneca no escuro.
Eduard parou a charrete no alto dos penhascos, perto do atalho que descia até a
casa, e carregou Patrícia, enquanto Luana caminhava na frente, com a mala. Ela abriu a
porta, acendeu a luz e, quando se voltou, Eduard estava parado na soleira, muito alto,
com uma mecha de cabelo escuro caída na testa, o cabelo dourado de Patrícia
espalhado em seu ombro. Parecia um corsário carregando sua presa. O sorriso que deu
aborreceu Luana, pois era como se ele tivesse lido o que se passava por trás dos olhos
cor de violeta.
Patrícia estremeceu quando ele a deitou no sofá.
— Você está em casa, minha flor.
— Oh, já acabou o dia maravilhoso?
— Teremos outros, menina, prometo.
— Podemos ir ao castelo?
— Medevil virá buscá-las. Você se lembra dele? Era marinheiro e veio trabalhar
comigo quando vim para o castelo.
— Ele me contou que você lhe salvou a vida, que ele perdeu parte da perna
esquerda por causa de um tubarão, e que ia perder a outra perna se você não tivesse
mergulhado com uma faca entre os dentes.
— Medevil teria dado um jeito! — Eduard deu uma risada. — Ele veio de uma
aldeia onde dizem que as pessoas têm sete vidas. Estava procurando pérolas quando o
tubarão o atacou.
— O guardião das pérolas. . . — Patrícia sorriu.
— Sim, podia ser. — Eduard endireitou o corpo, quase encostando a cabeça no
teto baixo. — Boa noite, Patrícia... Luana. Medevil virá buscá-las quando eu voltar de
Londres. Tenho que ir falar com o capitão de um dos meus cargueiros.
— Você vai estar com Pops em Londres?
— Acho que sim. Eu lhe devo um almoço.
— Então diga para ele que eu gostei muito de Luana e que pode ficar sossegado,
que tudo está correndo bem.
— Vocês duas vão ficar bem até eu voltar? — Ele olhou para Luana.
— Eduard Talgarth, não preciso de um tigre guardando nossa porta. Vamos
ficar muito bem. Diga isto para Hugh.
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— Hugh?
— Dr. Strathern — corrigiu logo, depois mal conteve um grito quando ele
segurou seu pulso, fazendo com que ela o acompanhasse até a porta.
Luana só pensava numa coisa: ele ia beijá-la! Se ele a beijasse. . . bem, o que faria?
Chamaria Jim Lovibond, o único homem das redondezas que se equiparava
fisicamente a Eduard Talgarth, que havia passado muitos anos no mar e que era dono
de seu destino?
— Você está tremendo — ele observou. —- Que diabo está pensando? Que
quero beijá-la no escuro?
— Você é um bruto! — Luana ofegou. — Você faz todo o possível para me
embaraçar.
— Não devia mostrar tão claramente, jovem, que não gosta de mim. Eu me sinto
desafiado e fico louco para que você mude a opinião que tem a meu respeito — Pegou
no queixo dela, fazendo-a levantar o rosto. — O que há em mim que a aborrece tanto?
Meu rosto? Ou é porque não uso palavras ternas? Ou porque a avisei que Tarquin
Powers podia magoar uma moça ingênua como você?
— Você deve estar muito satisfeito por ter acertado — ela respondeu.
— Isto quer dizer que você não gosta de mim pelas três razões? Bem, então não
há remédio. Nunca tive mel em minha boca, nem um rosto bonito, e você não pode
evitar que um gatinho se aproxime do fogo depois de um longo inverno. Você acha que
não percebi, no momento em que entrei na casa dos St. Cyr, que você era tratada como
se estivesse lá por caridade? Cheguei um pouco tarde. . .
— O que você quer dizer com isso? — As palavras saíram antes que ela pudesse
impedir.
— Você poderia gostar um pouco mais de mim, Luana Perry, se eu fosse o
primeiro homem a tratá-la com mais consideração.
— Que importa se eu gosto de você ou não?
— Vamos nos encontrar muitas vezes nas próximas semanas, por isso eu a
trouxe aqui. Falamos com mais facilidade no escuro e eu quero lhe dizer uma coisa:
preciso de amigos tanto quanto você, pois passei muito tempo longe de St. Avrell e me
tornei um estranho para as pessoas que conheci. Vamos, Luana! Não é sempre que
peço para alguém gostar um pouco de mim.
Ela o olhou, distinguindo apenas o rosto dele na escuridão da noite.
Podia-se ouvir o murmúrio do mar que se misturou com o suspiro que ela deu.
— As pessoas são tão complicadas.
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear

— Você está querendo dizer que é difícil gostar de mim?


— Vai. . . levar algum tempo.
— Hugh Strathern também precisou de algum tempo?
— Hugh estava a meu lado quando precisei de um amigo e ele foi muito bom.
— Ela sorriu, sem querer levar a sério aquela mágoa de Eduard Talgarth. E observou,
mais de perto a fenda profunda no queixo, as sobrancelhas grossas sobre os olhos azuis
da cor do mar. Estes eram os traços do homem que dirigia seu próprio destino com
tanta firmeza quanto um navio.
Ele era o último dos Talgarth. Havia passado- quinze anos de sua vida
ganhando dinheiro para comprar de volta o castelo da família, e agora queria se casar.
Era preciso que houvesse novamente descendentes dos Talgarth no castelo; a linhagem
não devia se interromper como tinha acontecido no tempo do pai dele.
Luana examinou-o e se sentiu apreensiva por ele estar procurando uma moça
corno ela.
Uma moça solitária que tinha encontrado o amor e o perdera. Que não tinha
família a não ser os St. Cyr.
Ela estava tensa... e um tremor percorreu sua espinha quando Eduard tocou seu
cabelo.
— Vou me despedir e deixá-la em paz — disse ele. — É o que você está
querendo, não é mesmo?
— Estou cansada — respondeu, abalada. — O dia hoje foi muito longo.
— Deve ser um alívio, Luana, saber que vou passar uma semana em Londres. —
Ele deu uma risada, soltando-a. — Vou dar as lembranças que você mandou para
Strathern e talvez lhe traga um presente do meu navio, que acabou de chegar do
Oriente com peças de seda pura.
— Não sei como poderia usá-la aqui na Cornualha.
— Nem mesmo para cobrir as almofadas? — ele perguntou devagar. — Até
logo, srta. Perry.
Ele se afastou noite adentro e ela não se mexeu enquanto não ouviu os sininhos
da charrete e o barulho dos cascos do cavalo diminuindo na estrada que levava a St.
Avrell. O mar murmurava na praia e a atmosfera voltou a ficar serena.
— Estou fazendo chocolate, Luana. — A voz de Patrícia chegou até ela. —
Venha tomar logo, antes que esfrie.
Luana sorriu, pois o chocolate quente e a tagarelice da menina eram
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear

deliciosamente normais depois de sua conversa com Eduard Talgarth. As coisas que
haviam dito um para o outro tinham um sentido mais profundo, que lhe causava a
sensação de estar diante de um perigo que precisava combater. Ele pediu a amizade
dela, ofereceu-lhe sedas, mas mesmo assim não se sentia à vontade ao lado dele.
Quando o olhava, tinha vontade de fugir... e seu toque era insuportável, porque não
era o de Tarquin.
Fechou a porta do chalé e foi se encontrar com Patrícia na sala de estar.
— De que você estava falando esse tempo todo? — ela perguntou. — Por que
você não me disse que já conhecia Eduard Talgarth? Por que tanto segredo?
— Não achei que fosse importante. — Luana tomou um gole do chocolate. —
Vamos nadar amanhã e fazer piquenique na praia?
— Vamos, que maravilha! — Patrícia olhou Luana por cima da xícara. — Você
acha que Eduard esperaria três anos até eu ficar mais velha? Ele vive muito sozinho e
eu gostaria tanto de morar no castelo. . . Seria muito romântico ser a noiva do último
dos Talgarth.
— Seu pai não aprovaria o casamento com um homem com o dobro da sua
idade — disse Luana friamente.
— Mas a idade não é importante quando duas pessoas se amam. Os homens
mais velhos são mais gentis, mais experientes, e podem ensinar a uma moça tudo sobre
a vida. Aposto como vou conseguir que Eduard espere por mim.
— Você não vai fazer nada disso! — Luana estava chocada. — Não vou deixar
que você namore Eduard Talgarth. Seu pai nunca me perdoaria.
— Você se sente atraída por Pops?
— Gosto muito dele.
— Gostar de alguém não é a mesma coisa que sentir atração.
— Vamos parar com esta bobagem — Luana falou com firmeza. — Seu quarto já
está arrumado e está na hora de ir para a cama.
— Sua chata — disse Patrícia, mas logo se arrependeu. — Você sofre quando
fala de coisas românticas porque não pode se esquecer do homem por quem esteve
apaixonada?
— Não quero falar desse assunto, Patrícia! Já acabou. . . tenho que me esquecer
dele.
— Ele era maravilhoso?
— Era. — Luana levantou Patrícia. — E agora, já para a cama, mocinha. Vou
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear

subir assim que acabar de lavar as xícaras.


— Luana. . .
— O que é agora, srta. Curiosa?
— Estou muito contente porque Pops pediu que você passasse as férias comigo.
É horrível ser tratada como criança, mas você e Eduard tratam-me como se eu já fosse
adulta. Você não o acha interessante? Já esteve em tantos lugares distantes. . . e há
alguma coisa nele que o torna excitante. O que você acha que é?
— Um ar de pirata — disse Luana francamente. — Ele é um homem que não faz
muita questão das regras e das convenções que os outros seguem.
— Como você o conheceu?
— Ele foi a Avendon para conquistar a minha irmã de criação. Charme é muito
bonita, mas é suficientemente sensata para não se deixar levar por um cornualês que
gosta de fazer o que quer. Ela preferiu ficar noiva de outro rapaz, mas garanto como o
coração de Eduard não ficou partido por causa disso, nem mesmo um pouquinho
machucado.
— Você é muito dura com ele — Patrícia protestou.
— Oh, garanto como ele nem se incomoda. — Luana sorriu. — Talvez seja
salutar para ele encontrar uma mulher que não se curve diante de seu charme de
pirata.
— Então você está admitindo que ele tem charme!
— Que homem não tem, quando se dispõe a isso? E agora, para a cama,
mocinha. Seus olhos já estão fechando de sono.
Num movimento súbito, Patrícia envolveu Luana com os braços.
— Gosto muito de você. É tão diferente das minhas professoras e da minha
prima! Parece uma daquelas donzelas infelizes que são salvas por um cavaleiro.
— De que preciso ser salva?
— De ter-se apaixonado pelo homem errado.
Luana prendeu a respiração, com o coração doendo. Como aquela menina podia
saber que, enquanto durou, o amor entre ela e Tarquin tinha sido lírico como uma
canção, com todas as nuanças e todas as tonalidades corretas? Mas aquele amor nasceu
condenado e o próprio céu os separou.
Eles tinham se amado na época errada. Tinham se encontrado tarde demais e
aquela canção não podia durar.

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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear

Todos os dias da semana seguinte iniciavam-se com o canto dos passarinhos, o


cheiro do mar no ar e o brilho convidativo da água embaixo dos penhascos. Luana e
Patrícia pulavam da cama com o primeiro raio de sol e estavam dentro da água antes
mesmo que a sra. Lovibond preparasse o café da manhã.
Um tempo maravilhoso, sem uma nuvem escura no céu até a manhã de sábado,
quando o mar amanheceu agitado e as ondas altas, enchendo a caverna com seu
clamor.
— Oh! — Patrícia corria das ondas. — Hoje o mar está bravo!
— Vamos a Mawgan-in-Vale? Passamos quase uma semana inteira na praia e eu
gostaria de conhecer a aldeiazinha.
— Vamos, então! — Patrícia saiu pulando pela praia. — Parece que vai chover,
mas podemos levar nossas capas.
Subiram correndo o atalho no penhasco para se preparar. Luana fez sanduíches
de tomate e presunto, encheu uma garrafa térmica com café, acrescentou alguns
pasteizinhos na cesta e depois partiram para Mawgan-in-Vale. A vegetação da
charneca tremulava com o vento e elas levaram duas horas para chegar à aldeia que
havia sido esconderijo dos contrabandistas. Agora parecia muito tranqüila com suas
casinhas construídas uma abaixo da outra, como uma cidadezinha de brinquedo.
Luana ficou encantada com o lugar. Parecia que o tempo tinha parado e que
tudo continuava igual a antigamente.
O passeio foi muito agradável.
Almoçaram na margem de um rio, exploraram a aldeia, depois compraram
cartões-postais numa pequena agência do correio.
— Vou mandar alguns cartões para a Bretanha — disse Patrícia. — E um para
Pops. Para quem você vai mandar os seus?
Luana olhou para os cartões coloridos e pensou em Ann. . . mas ela podia não
estar mais em Avendon. Se
Tarquin já tivesse deixado o hospital, Ann e Buck teriam ido embora com ele. Os
dois iam trabalhar numa peça em Londres. Tarquin tinha uma vila nos arredores de
Roma. . .
— Comprei os cartões como lembrança. — Ela forçou um sorriso. — Mawgan-
in-Vale é tão bonita. Quero me lembrar do.dia que passamos aqui.
Por volta das quatro horas as nuvens começaram a baixar e as flores que
cobriam os muros tornaram-se mais escuras. Já estava começando a garoar quando
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear

chegaram à charneca. Um aldeão que passou por elas recomendou:


— Voltem para casa depressa. Já vai começar a chover e vocês duas vão ficar
molhadas até os ossos.
Suas palavras foram proféticas, mas elas tiveram sorte de entrar num moinho
deserto assim que as primeiras gotas de chuva começaram a cair.
Logo depois, parecia que o mundo vinha abaixo. A chuva caía com toda a força e
o vento uivava assustadoramente.
— Teríamos ficado ensopadas. . . podíamos até nos afogar! — murmurou
Patrícia, tirando o cabelo molhado que insistia em grudar no pescoço. — É como ficar
debaixo de uma cachoeira. . . Ouça o barulho da chuva no telhado do moinho!
Luana olhou em volta e viu os degraus que levavam a outra sala, onde muito
tempo atrás a farinha era moída entre as mãos. Alguma coisa se mexeu num canto e
Luana tentou não pensar em morcegos ou em aranhas. Era melhor ficar lá do que ter
que enfrentar o dilúvio .. . A charneca e o céu pareciam unidos pela chuva. Trovejava e
os riachos que havia nas proximidades transbordavam.
Era apavorante, como se a chuva não fosse parar nunca mais, fazendo com que
Luana se lembrasse daquela outra tempestade que tinha atingido Avendon. Patrícia e
ela estavam sozinhas naquele moinho em ruínas. E se caísse um raio? Estremeceu e
Patrícia voltou-se para fitá-la.
— Está tudo bem! — Luana a acalmou. — A chuva já está melhorando.
Pouco depois, a chuva parou. Apenas os riachos gorgolejavam e, da vegetação
molhada, saía um aroma muito agradável.
Luana respirou fundo o ar maravilhoso e sorriu para Patrícia.
— Vamos embora logo — disse ela.
As duas enfrentaram corajosamente as urzes ensopadas, atravessando a
charneca em direção a Pencarne. A chuva tinha lavado o céu, deixando-o prateado e
translúcido, e as gotas d'água brilhavam como pedras preciosas. O espetáculo era
lindo, mas quando chegaram perto dos penhascos, onde ficava o chalé, as duas
estavam molhadas até os joelhos.
Pensando no aquecedor, em roupas secas e numa boa xícara de chá, correram
para casa, mas pararam assustadas no atalho que descia até o chalé. Havia uma fenda
profunda e uma corrente de lama que escoava, com pedaços de pedra e de terra. As
duas prenderam a respiração ao mesmo tempo, quando viram as ruínas do chalé, semi-
soterrado por uma parte do penhasco que havia desmoronado.
— Deus do céu! — exclamou Patrícia.
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear

Luana sentiu o sangue fugir do rosto. Se ela e Patrícia tivessem chegado antes do
dilúvio, estariam dentro da casa quando a chuva pesada fez cair no telhado o que antes
parecia ser um pedaço sólido de rocha.
— Que horror! — Patrícia ia começar a descer pelo atalho cheio de lama quando
Luana a segurou pelo braço.
— Não adianta descer! Olhe, vem vindo alguém!
— É Medevil! — Patrícia exclamou, acenando para o empregado de Eduard
Talgarth, que vinha mancando pelo atalho escorregadio e cheio de pedras.
Ele sorriu quando chegou perto delas.
— Meu patrão mandou que eu viesse buscar as duas para tomar chá. . . mas
acho que vão ter que passar a noite no castelo, ou até ficar mais tempo. A casinha
desmoronou, senhorita. — Ele olhou diretamente para Luana. — Está um horror. É
preciso tirar a terra que caiu em cima dela.
— E as pessoas que moram mais embaixo do penhasco? — ela perguntou,
ansiosa. — Estão bem?
— Claro. — Seus dentes brancos brilharam no rosto moreno. — A pedra só
pegou este chalé, senhorita. Fui ver se não estavam dentro dele e agora vou levá-las
para o meu patrão.
— Mas as nossas coisas estão no chalé! — disse ela. — Nossas roupas e nossos
objetos pessoais. Precisamos ir buscar.
— Depois o sr. Jim levará o que puder, mas agora as duas estão tremendo e o
patrão vai ficar bravo comigo se não levá-las imediatamente para o castelo. Vamos! A
charrete está esperando.
— Sim, vamos para o castelo. — Patrícia pegou no braço de Luana, afastando-a
da cena do desmoronamento. — O sr. Talgarth vai cuidar de tudo quando souber do
que aconteceu com o chalé.
Luana não duvidava e, como não havia mais nada que pudesse fazer,
acompanhou Patrícia e Medevil até a charrete. Ele tinha deixado o veículo e o cavalo
num lugar abrigado e sua mão morena acariciou o animal enquanto as duas se
acomodavam. Luana não pôde deixar de observar o homem que tinha viajado sob o
comando de Talgarth até ser ferido pelo tubarão. Então, ele subiu agilmente na
charrete, pegou as rédeas e partiram em direção a St. Avrell.
— Que excitante! — Patrícia já tinha se recuperado do choque e seus olhos
verdes brilhavam. — Vamos ficar hospedadas no castelo. Pense nisto, Luana!
Era o que Luana estava fazendo. A única coisa que temia era a presença do dono
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear

do castelo, mas tinha que aceitar aquela situação até que o chalé fosse arrumado.
Podiam se acomodar na aldeia, mas Patrícia ficaria desapontada. O castelo era um
lugar romântico e diferente, e Luana não queria aumentar a aflição da menina pelo que
tinha acontecido com a casinha.
O céu agora estava esverdeado, a charneca parecia estranha e os menires que se
levantavam aqui e ali tinham o aspecto de figura solitárias, encantadas pela varinha do
mago Merlin.
Luana sentiu uma mãozinha fria esgueirar-se entre as suas.
— Você vai tomar um banho quente assim que chegarmos ao castelo — disse
ela. — Não quero que apanhe uma gripe.
— Estou bem. . . — Mas Patrícia começou a espirrar.
Medevil olhou para elas.
— As duas precisam tomar um grogue com rum, canela, limão açúcar
queimado. — Ele apressou o cavalo, e os sininhos tilintaram depressa, enquanto o
vento cantava por entre as urzes, trazendo o cheiro do mar. — Logo estaremos em casa,
jovens. Logo chegaremos ao castelo.

CAPÍTULO VIII

O castelo delineava-se na penumbra, um amontoado de telhados, paredes em


diversos planos e torres com janelas estreitas; quando entraram no pátio, havia tochas
acesas.
Luana estava fascinada; mas, ao ver uma figura alta que se aproximava da
charrete, preparou-se para enfrentar Eduard Talgarth.
— Você demorou muito para trazer minhas convidadas — disse ele a Medevil,
mas logo viu o estado em que as duas estavam.
— Meu Deus, o que houve com vocês? Por acaso Medevil entrou em algum
atoleiro enquanto vinham para cá?
— Houve um deslizamento de terra em cima do chalé. — Patrícia deu um
espirro. — Está num estado horrível, por isso espero que você nos deixe ficar aqui por
algum tempo.
— Vocês estavam no chalé? — Ele olhou imediatamente para Luana,
percebendo seu cabelo despenteado, os olhos arregalados e o tremor de sua boca.
— Fomos passar o dia em Mawgan-in-Vale. Entramos num moinho velho
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear

quando a chuva começou a cair. . . Quando chegamos em casa, o chalé estava tão
danificado que Medevil nos trouxe para cá. Você não se importa?
— Importar? — Ele parecia irritado. — O que você acha que sou, srta. Perry, um
homem de pedra das charnecas? Estou muito satisfeito por ter um teto para lhes
oferecer.
— Muito obrigada.
— Não há de quê. — Ele olhou para Patrícia e deu uma risada. — Vocês serão
minhas presas de guerra, hein? Entrem no castelo. A lareira está acesa e Medevil vai
fazer seu grogue de rum, enquanto Jancey prepara o banho. Logo vocês vão estar se
sentindo melhor.
Patrícia desceu da charrete e entrou correndo no castelo, pela porta que Eduard
tinha deixado aberta. Então ele estendeu a mão para Luana, que a ignorou. . . e pagou
por isto. As pedras ainda estavam molhadas e, quando pulou da charrete, ela
escorregou e teria caído no chão se Eduard não a segurasse. Por um instante ficou tão
perto daquele homem que sentiu perder a identidade, tomando-se o destroço de um
naufrágio, que ele podia pegar e jogar fora. Nunca tinha tido aquela sensação antes, e o
instinto lhe preveniu para não lutar, pois poderia despertar uma faísca primitiva
naquele homem. Ele riu suavemente.
— Parece que você gosta de pisar em lugares que devia evitar. Agora peça-me
para soltá-la.
— Quer que eu suplique? — Enquanto falava isso, Luana sentiu que seu coração
batia como uma ave aprisionada.
— Sim, quero ver como é que fica sua voz quando pede um pouco de
misericórdia para o homem de pedra.
— Sr. Talgarth, estou preocupada com Patrícia e gostaria de providenciar para
que ela fosse se deitar o mais depressa possível. Ela não é forte e teve uma gripe
horrível pouco antes de vir para cá.
— Está bem. Vamos fazer um trato. Chame-me de Eduard que eu a solto.
— Você está agindo como uma criança!
— Como você, Luana. Você me trata como se eu fosse um homem perigoso, mas
não passo de um camarada comum, com um gênio muito agradável.
— Comum, foi que você disse?
— Para um cornualês com um pouco de sangue bretão. . . Às vezes parecemos
piratas mal-encarados, mas você não deve deixar que isto a perturbe. — Os dentes dele
brilharam num sorriso irônico. — A maneira como você fica perturbada quando me
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aproximo está me deixando curioso, Luana. Talvez você goste de mim sem saber.
— Garanto que não.
— Vamos, como é que você pode ter tanta certeza? E por que nega logo que
alguém possa me apreciar? Vou ter que forçá-la a gostar de mim?
— Você está perdendo o seu tempo!
— Há um tremor nervoso em sua voz, Luana. E seus olhos estão arregalados, de
tanta apreensão que você está sentindo. Jurou não se apaixonar de novo só porque suas
asas se queimaram com a primeira
chama? Isso acontece com todo mundo.
— Como aconteceu com você. . . e Charme?
— Sua linda irmã de criação. — Ele a abraçou com força, como se estivesse
lembrando de uma mulher mais atraente. — Ela ficaria perfeita neste castelo, você não
concorda? As salas antigas ressurgiriam com seu bom gosto e num instante o castelo
ficaria uma beleza. Os bailes e as reuniões de fim de semana, do tempo da minha avó,
recomeçariam e todo mundo aplaudiria a noiva que escolhi. É uma pena que uma
história tão romântica não tenha se tornado realidade. Você gostaria que eu fosse seu
cunhado, Luana?
— Como deixei a casa dos St. Cyr, acho que isto não teria nenhuma importância.
Ele continuava abraçando-a como se não fosse largá-la nunca mais.
— Então você não vai mais voltar para lá?
— Nunca mais.
— Para onde irá, quando o verão terminar?
— Para Londres.
Ele examinou o rosto dela, a luz das tochas em seus olhos, acentuando os
ângulos de seu rosto moreno.
— Hugh Strathern mora lá.
— Sim.
— Neste caso, é melhor deixá-la ir para junto da filha dele antes que você morra
de ansiedade em meus braços. Há só mais uma coisa.
— Sabia que tinha que haver.
— Por favor, fique à vontade em minha casa. Tenho certeza de que você tem
imaginação suficiente para apreciar a história romântica do castelo e a construção, feita
em granito da Cornualha. Explore à vontade e não deixe que o acidente que aconteceu
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear

com o chalé a perturbe.


Enquanto falava, ele a soltou e entraram juntos no castelo. Foi como se
estivessem voltando no tempo. O hall era majestoso, iluminado por lustres e pelo fogo
que refletia nos lambris de madeira. Em cima da escada havia uma galeria
pitorescamente antiquada. O chão era coberto por um tapete grosso de cores suaves. As
paredes estavam cheias de quadros grandes, a mobília parecia francesa e num canto
havia um aparador com uma garrafa de vinho e alguns copos. Patrícia, aninhada numa
poltrona, esquentava os pés na lareira. Ela sorriu para Eduard.
— Estou me sentindo como uma donzela libertada, no castelo de Lancelot.
— Estava dizendo para Luana que vocês duas podem ficar no castelo o tempo
que quiserem. A casa, os jardins e a praia são de vocês. . . mas não vão entrar na água
quando a maré estiver cheia. É perigoso, pois há pedras embaixo.
Ele olhou para Luana, depois aproximou do fogo um banquinho de veludo azul.
— Por favor, sente-se. Medevil vai preparar os grogues enquanto falo com
Jancey, minha governanta. Vocês vão achá-la um pouco ranzinza, mas é uma boa
pessoa.
Ele foi para o hall e Luana sentou-se no banquinho perto do fogo.
Numa noite como aquela, em que a brisa do mar unia-se ao vento da charneca,
era bom estar entre paredes espessas e seguras.
O fogo crepitava e podia-se ouvir o mar rodopiando em redor das pedras
submersas.
— Não é um lugar fascinante? — Patrícia murmurou, como se os retratos
pudessem ouvir. — Você gosta daquela taça de prata no consolo da lareira? Eduard a
ganhou com aquela luta. E olhe aquele veleiro. . . Ele esculpiu tudo com as próprias
mãos e as velas são de seda. Quando vim aqui com Pops, no ano passado, não podia
imaginar que acabaria hospedada no castelo.
— Só enquanto o chalé estiver inabitável — Luana avisou.
— Isso vai levar uma semana ou duas. Ele a chamou de Luana e fez com que seu
nome soasse tão bonito... Por que você não gosta de Eduard, apesar de ele ser tão
amável conosco? Você está fingindo que não gosta dele? Os adultos às vezes agem
assim.
— Há pessoas com as quais temos que nos acostumar, outras das quais
gostamos em apenas uma hora. — Luana inclinou-se para o fogo e o cabelo castanho-
avermelhado encobriu seu rosto e seus olhos pensativos. — Em Avendon ele parecia
mundano e cínico como os amigos da minha irmã de criação. Aqui em St. Avrell ele é
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear

diferente, e ainda não descobri qual é o verdadeiro Eduard Talgarth.


— Bem — disse Patrícia, com muita sensatez —, acho que ele fica mais à
vontade na Cornualha do que em qualquer outro lugar.
— Um homem que viajou pelo mundo inteiro? — Luana olhou para o veleiro e o
imaginou no leme de seu navio nas águas ensolaradas das índias, dando ordens para a
tripulação, o vento em seu cabelo preto como as asas de um corvo, seus olhos
refletindo o azul do mar. Ele estava muito próximo dos elementos da natureza e nisto
estava seu fascínio e seu perigo, pois como podia alguém agarrar uma onda, ou um
raio, ou as asas de uma águia?
Luana não podia imaginar o momento em que fosse se sentir à vontade com ele.
Sua natureza arisca retraía-se diante do domínio que ele exercia, como um salgueiro
que se protege do vento com seu manto de folhas.
Foi um alívio quando Medevil entrou na sala com duas canecas fumegantes
numa bandeja. O ar perfumou-se de rum, especiarias e limão.
— Isto acaba com os resfriados. Não franza o nariz para este rum, srta. Patrícia,
porque é de boa qualidade. Faça de conta que é uma poção mágica e beba tudo.
— Você deve sentir falta de sua ilha ensolarada, não é, Medevil, onde crescem
árvores exóticas e a cana-de-açúcar?
Ele ficou pensativo, os olhos pretos brilhando com as recordações de lugares e
experiências ligadas ao homem que servia há muitos anos.
— A cana-de-açúcar não dá na charneca, mas o mar bate como um tambor
embaixo da minha janela, por isto estou feliz de passar aqui as minhas outras cinco
vidas.
— Cinco, Medevil? — Luana estava intrigada.
— Já perdi duas, senhorita Uma numa luta num porto, quando o patrão me
carregou como se eu fosse um saco de batatas e me levou para o navio com uma faca
entre as costelas. Ele tirou a faca, limpou o buraco com uísque e me fez gritar tanto que
voltei a viver. Na outra vez, um tubarão quis me comer e o capitão lutou com o bicho e
me carregou de volta para o navio. Achei que devia ficar com ele. Sem ele, é perigo
certo. Sem meu patrão, viveria triste na ilha onde cresce a cana-de-açúcar.
Luana comoveu-se com a lealdade do marinheiro, apesar da vontade de fugir
daquele homem admirado por todo mundo.
Eduard voltou naquele momento com Jancey, que as levou para dois quartos
que se comunicavam, no andar superior do castelo. Pouco depois, já tinham tomado
banho e vestido camisolas quentes. Patrícia achou que a cama era grande demais para
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ela e ficou com medo de que houvesse ratos nos armários enormes.
— Posso dormir com você, Luana? — ela pediu.
— Venha, então. — Luana riu do espetáculo cômico das duas na cama imensa,
que era persa, com incrustações que combinavam com a mobília decorada com dragões
entalhados. Certamente naquela cama nunca haviam dormido duas jovens
desamparadas, com o cabelo trançado e camisolas compridas!
Patrícia deu uma risada nervosa e, naquele momento, a porta se abriu e Jancey
entrou com uma bandeja com vários pratos cobertos.
— Você não gostou de seu quarto? — Ela olhou para Patrícia com uma
expressão severa no rosto.
— É muito grande e eu ficava pensando no fantasma do castelo.
— Os fantasmas não fazem mal a ninguém, menina, eles são feitos de
superstição e de sombras. — Jancey colocou a bandeja entre as duas. — São as pessoas
que causam problemas.
— Lamento que nossa chegada tenha aumentado seu trabalho. . . — Luana
tentou se desculpar. — Posso arrumar nossos quartos e ajudá-la na cozinha.
— Não preciso de você fazendo bagunça na minha cozinha. — Jancey lançou um
olhar penetrante para Luana, que não parecia muito mais velha do que Patrícia. —
Vocês não são culpadas pelo que aconteceu com o chalé. Foi coisa da natureza, de
modo que não há mais nada a fazer.
Comam logo, antes que a comida esfrie.
Luana destampou os pratos e encontrou galinha ensopada com bolinhos muito
delicados; como sobremesa, um pudim que parecia delicioso.
Sorriu para Jancey, agradecendo a refeição.
— O sr. Talgarth mandou que eu fizesse alguma coisa quente e substanciosa,
por isso comam tudo. — A governanta foi embora e Patrícia olhou para Luana.
— Não gosto muito dessa mulher. E também não gosto de bolinhos!
— Coma um ou dois. Fazem bem para resfriados. — Luana sorriu, encorajando-
a. — Lá embaixo você me disse que estava gostando muito de ficar aqui no castelo. Já
mudou de idéia? Neste caso podemos arranjar um quarto em Pencarne.
— Oh, não! — Patrícia começou a comer depressa. — Quero muito ficar aqui. . .
É que eu estou um pouco nervosa esta noite e Jancey não é nem um pouco simpática.
Acho que Eduard não a manda embora porque cozinha bem.
— Acho que sim. — Luana inclinou a cabeça para esconder um sorriso, pois
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estava se divertindo com os ares de adulta de Patrícia. — Este ensopado está uma
delícia, não é mesmo?
— Hum. . . Você acha que Eduard vem dizer boa-noite para nós?
— Espero que não!
Patrícia olhou para Luana e riu.
— Acho que você tem vergonha dele!
— Tenho vergonha de ser vista na cama por qualquer homem. Ele não ousaria...
— Luana interrompeu-se, mordendo o lábio. Sabia que Eduard Talgarth ousaria muitas
coisas e só a idéia de ser vista por ele, de camisola e com o cabelo trançado, já lhe dava
vontade de se esconder embaixo das cobertas.
Ficou aflita, com medo de ouvir os passos dele do lado de fora da porta.
Foi um alívio quando Jancey foi buscar a bandeja, levando um recado dele. O
patrão desejava que dormissem bem e na manhã seguinte lhes daria os recados
enviados de Londres pelo pai de Patrícia. Ele tinha também alguma coisa especial para
contar à srta. Perry.
— Boa noite para vocês duas. — Jancey avançou para a porta, tão perdida no
tempo quanto a casa onde trabalhava, com seu vestido escuro, seu cabelo prateado
preso num coque e o molho de chaves na cintura estreita. — Não precisam ficar com
medo do fantasma do castelo. O patrão dorme nos aposentos que pertenceram a
Eduard, o Valente. A torre em cima do quarto do patrão é que é assombrada.
A porta fechou-se atrás dela e as duas arregalaram os olhos.
— E ele não tem medo — Patrícia murmurou.
— Não — Luana concordou. — Uma lenda e uma sombra não amedrontariam o
dono deste castelo. Gostaria de saber. . .
— O que ele tem para lhe contar amanhã?
— Sim. — Luana estava imaginando quem ele teria visto em Londres além de
Hugh Strathern. — Posso apagar a luz?
— Precisa, mesmo? — Patrícia estava nervosa.
— Feche os olhos e num instante você vai estar dormindo. — Quando ela
apagou a luz, o barulho do mar pareceu ficar mais próximo. Pouco depois, ouviu-se os
passos irregulares de Medevil apagando as luzes da galeria. Depois um cavalo
relinchou na cocheira e a folhagem farfalhou de encontro à parede de pedra do castelo.
O castelo tinha duzentos anos e suas lendas faziam parte de St. Avrell, como
seus penhascos de granito e as charnecas que o rodeavam. Havia sido construído para
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uma família grande, mas só restava ali um homem solteiro, com empregados fiéis, e o
cavalo que montava quando o sol se punha. Uma vez ele tinha dito que Luana
descobriria que tipo de homem era, se fosse para a Cornualha. Mas ela já sabia. . . ele
era corajoso, um pouco mau, e tão sozinho que poderia se casar apenas para ter uma
companheira. Apesar de suas viagens, talvez nunca tivesse encontrado alguém para
amar.

Quando Luana acordou, o sol já iluminava o quarto. Era ainda muito cedo, mas
ela quis se levantar imediatamente, para se familiarizar com o castelo.
Pulou da cama, pegou a roupa e foi se vestir no banheiro, para não acordar
Patrícia, que devia dormir mais uma ou duas horas. Na noite anterior ela parecia que ia
ficar resfriada. Luana estava inquieta e, depois de fazer a toalete, vestiu o suéter e a saia
escocesa, já limpos e secos, e saiu do quarto sem fazer barulho.
Na noite anterior estivera confusa demais para reparar na decoração do castelo,
mas naquela manhã notou a madeira escura da escada que levava ao hall, onde as
cadeiras e o banquinho ainda estavam em redor do fogo apagado. Ouviu o barulho do
mar e viu que o sol atravessava as longas janelas na extremidade do vestíbulo.
Resolveu sair e, a caminho da porta, passou por um relógio de latão, usado nos navios,
e por um vaso oriental com rosas vermelhas, meio desfolhadas.
Sentiu as batidas do coração ao se dirigir para o jardim do castelo, que parecia se
estender por toda a parte, com árvores, estátuas e recantos com passarinhos pousados
em bancos de madeira. De repente viu um muro, com urzes brancas entre rosas
coloridas. Ficou maravilhada, louca de vontade de tocar nas rosas, mas teve medo dos
espinhos.
Entrou no roseiral por uma porta que havia no muro.
Não esperava encontrar um lugar tão bonito. O perfume era intoxicante. As
rosas cresciam numa mistura incrível de cores, e tudo parecia um sonho. Ainda havia
gotas de orvalho nas pétalas e pequenas aranhas douradas paradas em suas teias.
Luana se perguntou se Talgarth costumava ir àquele lugar romântico. Havia visto rosas
no hall do castelo e um homem que trabalhava com as mãos podia gostar de flores.
Saiu pela outra porta e encontrou um atalho que levava aos penhascos cobertos
de grama, que dominavam o mar, onde ondas enormes
brilhavam ao sol como se fossem de cristal. Ajoelhou-se num banco para admirar
a paisagem. O vento salgado desmanchava seu cabelo e avivava a cor de seus lábios;
pouco depois viu alguma coisa na rebentação das ondas e, assustada, percebeu que era
um homem. Ela e Patrícia haviam sido avisadas para não nadar quando as ondas

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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear

estivessem altas, mas Eduard Talgarth não se preocupava com a força e com o perigo
do mar de St. Avrell, pois cortava as ondas com braçadas longas. Sua cabeça escura e
seu corpo esbelto apareceram por um momento, depois foram cobertos pela água e
Luana achou que ele não iria aparecer mais.
Prendeu a respiração, esperando vê-lo de novo. Evidentemente ele nadava
muito bem, mas e se fosse pego por uma corrente em redor das pedras? E se batesse a
cabeça e desaparecesse para sempre?
Ajoelhada, tentava ver por entre a espuma das ondas de cristal.
Procurou um braço levantado, o calção azul, o cabelo escuro. Sua ansiedade
aumentava a cada minuto, quando ouviu uma voz profunda cantando.
Já estava em pé quando ele apareceu, delineando-se por um instante de
encontro ao céu azul e dourado. O cabelo preto estava molhado e despenteado; Eduard
usava um suéter branco de gola olímpica e uma calça preta, que encompridava ainda
mais suas pernas. Trazia na mão o calção molhado e, assim que a viu, interrompeu a
canção, com as palavras "minha querida" ainda nos lábios.
— Bom dia! — ele exclamou. — Você é madrugadora. . .
— Então você está aqui! — Ela olhou para ele, atrapalhada tanto pela canção que
ele estava cantando como por sua ansiedade por causa de um homem que conhecia o
mar muito bem. Evidentemente ele tinha saído da água e ido até alguma caverna, onde
trocou de roupa.
— Estou acostumado a nadar de manhã cedo. Pulava do Pandora para nadar no
mar... — Ele parou ao lado dela e, antes que Luana pudesse impedir, tirou alguma
coisa que estava presa em seu cabelo. Era uma pétala de rosa, cor de sangue. — Você
esteve em meu roseiral, hein?
— Espero que você não se incomode. . .
— Incomodar? — Ele a olhou com curiosidade. — Parece que você me acha uma
espécie de bicho-papão, Luana. Para você, todas as minhas portas estão abertas. Foi
uma surpresa agradável encontrar o jardim encantado do ogre?
— Não é raro um homem do mar gostar de plantas?
— Sempre gostei do contato com a madeira, o metal ou com coisas vivas. Queria
ser escultor, mas neste caso teria demorado muito para ganhar dinheiro. — Os olhos de
Eduard prenderam os dela. — Você não ficou chocada com uma afirmação tão
mercenária?
— Não, nestas circunstâncias — ela admitiu. As mãos dele eram finas, firmes e
queimadas pelo sol dos trópicos. — Ouvi dizer que o castelo caiu em mãos de
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear

estranhos e que você tinha que recuperá-lo para os Talgarth.


— Só há um, no momento -— disse devagar.
Luana acompanhou o olhar que ele lançou para os torreões do castelo, a torre
redonda de um lado, como uma galeria. Notou o trabalho de ferro nas janelas estreitas
e a bandeira do navio tremulando ao vento sobre a estrutura admirável, que iria durar
mais um século porque havia sido feita de pedra da Cornualha.
— É a bandeira do meu navio favorito, o Pandora — ele explicou. — Ele está
agora num dique seco em Port Perryn, pois pode ser que um dia eu volte para o mar.
Quem é que pode saber?
Luana percebeu uma nota de nostalgia em sua voz. . . e também um pouco de
arrebatamento, como se nada fosse capaz de prendê-lo em terra se não conseguisse
formar uma família no castelo. Será que ele percebia que era preciso mais do que a
posse do castelo para transformá-lo num lar? Ele, que talvez tivesse sido cruel com as
mulheres que conheceu em suas viagens e que o teriam amado? Nesse instante Eduard
sorriu e Luana sentiu-se confusa. A expressão dele, pouco antes fechada, agora era
gentil.
— Todos nós temos uma personalidade dividida — disse ele. — Todos nós
temos que seguir uma estrela, mas nem sempre seu curso forma uma reta.É como
procurar por uma ilha desconhecida; pode-se seguir o mapa apenas durante parte do
caminho, depois vai-se por conta própria. Muitas vezes não se encontra a ilha, mas, se
isso acontecer, deve ser o paraíso. . . até que irrompa uma tempestade.
O coração de Luana estava batendo depressa demais.
— Ontem à noite você mandou me dizer que tinha uma coisa especial para me
contar. É sobre Tarquin, não é verdade?
— Sim. Ele foi ver Hugh Strathern para fazer um exame final; Hugh lhe deu alta
e perguntou se ia viajar para fazer um filme. Ele disse que ia para á América. . . para
ver a mulher.
Houve um silêncio tenso entre os dois, quebrado apenas pelo piar dos pássaros
marinhos e pelo barulho das ondas, ritmado, premente, como a dor que tomou conta
de Luana. Conhecer Tarquin havia sido como ir a um banquete ao qual não esperava
comparecer. . . E agora a mesa estava tirada, as velas apagadas, o vinho esquecido na
taça do amor. Ela estremeceu, mas uma mão quente afastou-a da beira do penhasco.
— Vamos tomar café — Eduard convidou. — Eu mesmo preparo tudo no
estúdio que tenho naquela torre pontuda. Para um homem do mar que gosta de
plantas, até que sei preparar uma refeição decente.
Eles caminharam lado a lado pelo atalho que levava ao roseiral. O tempo todo
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear

Luana estava consciente da presença dele a seu lado, da maneira como Eduard olhava
quando o vento levantava sua saia acima dos joelhos e desmanchava seu cabelo. Teve
uma vontade irracional de sair correndo, e ele deve ter percebido isto, porque deu uma
risada.
— Luana —- ele murmurou. — Você está sempre fugindo, mesmo quando
estamos nos dando bem. Você não gosta de mim, mas eu quero lhe pedir um favor.
— Um favor? — Luana se virou, afastando-se da porta que havia no muro que
cercava o roseiral; em seus olhos havia um apelo para que ele não lhe pedisse nada. A
troca de favores levava a uma certa intimidade, e ela não queria nada com Eduard
Talgarth.
Ele abriu a porta do roseiral e novamente ela se viu rodeada pelas flores
maravilhosas. Mas desta vez Talgarth estava a seu lado para compartilhar a beleza das
rosas, seu perfume intoxicante e seu simbolismo.
— Que favor você acha que vou pedir? Pela expressão de seus olhos, é alguma
coisa horrível demais para ser expressa em palavras. Luana — ele tornou a rir —, não é
um beijo, nem uma proposta de casamento. Você pensou que fosse?
— É claro que não!
— Então por que está tão apreensiva? Pode me dar um tapa se eu lhe roubar um
beijo e sempre pode dizer não se eu a pedir em casamento.
— Por favor, pare de me provocar e diga logo do que se trata.
— Estou provocando, então? Você acha que eu quero beijá-la, Luana Perry?
Outros homens já quiseram.
— Com certeza você acha divertido falar deste assunto, e está curioso. Você quer
descobrir por que Tarquin gostava da minha companhia e por que Hugh Strathern
quer se encontrar comigo de novo. Nunca beijei Hugh, se é isto o que você quer saber.
— Mas foi um pouco mais longe com o ator charmoso, hein?
— Não... quero falar deste assunto. — Ela agarrou uma rosa, dando um gemido
de dor, pois um espinho tinha entrado em seu polegar.
Imediatamente Eduard pegou a mão dela, inclinou a cabeça e, antes que Luana
pudesse impedir, sugou o sangue. O tempo todo ele a fitou com aqueles olhos azuis
magnéticos e ela sentiu a força primitiva que havia naquele homem, aquela capacidade
para ser bom ou cruel. Com Eduard não havia meio-termo, nem a sofisticação que fazia
com que os outros homens parecessem menos terríveis. Se ela tivesse sido mordida por
urna cobra, ele teria agido da mesma maneira.
— As rosas podem ser perigosas — disse ele calmamente. — Precisei lancetar
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear

meu dedo há quinze dias. Doeu ser tocada por meus lábios?
Ela ficou vermelha, pois ele havia feito o incidente parecer uma cena de amor.
— Obrigada. — Retirou a mão e olhou para o pontinho vermelho para não ter
que enfrentar o olhar dele. — Agora já não posso mais recusar o favor.
— Nem mesmo se for uma proposta?
Ela o olhou um tanto chocada, mas ele deu uma risada.
— Não vá desmaiar, Luana. Posso parecer um pirata com os instintos à flor da
pele, mas não quero uma moça apaixonada por outro homem. Não é nada demais,
quero.apenas fazer um bom negócio.
Luana sorriu lentamente, pois este era o Talgarth que conhecia: o comerciante
que se sentiria muito bem recompensado se Charme St. Cyr tivesse concordado em se
casar com ele. Eduard sorriu para ela, com um brilho de curiosidade no olhar. Pouco
depois estavam na torre redonda, onde ele tinha seu estúdio. Enquanto subiam a
escada em caracol, um gato passou por entre as pernas de Luana, que deu um gritinho
de susto.
— E Tinker. Ele costumava viajar conosco no Pandora e, juntamente com
Medevil, veio comigo quando deixei o mar. Ele está indo para o porão, para pegar
ratos. — A mão que segurou o cotovelo dela era forte, mas muito sensível, como se
cada fibra tivesse vida própria, como se a forma dos ossos fosse mais interessante para
ele do que a superfície.
Como se cada pétala de rosa fosse mais bonita do que a flor inteira. Como se
procurasse recriar a carne e a pétala em madeira ou em metal.
Ele era um homem estranho e complexo. . . um aventureiro e um sonhador, e
Luana ficou admirada quando entrou no estúdio.
O ar tinha cheiro de madeira e as mesas estavam cobertas de ferramentas e
esculturas; havia também uma cabeça de bronze, forte, quase cruel, com a
insinuação de um sorriso nos lábios atrevidos. . . a cabeça de Eduard!
— Pode olhar à vontade e, se quiser, pegar também. — Ele foi para o outro lado
da sala redonda, onde havia um armário, um fogãozinho e utensílios de cozinha.
Ela estudou a cabeça, percebendo que era uma bela obra de arte, embora faltasse
alguma coisa. Virou-se para Eduard em busca da comparação. Ele a olhou rapidamente
enquanto acendia o gás e quebrava ovos numa frigideira. . . Luana não encontrou os
olhos azuis como a luz do dia, com cílios escuros, e logo notou por que a peça parecia
morta em comparação com o homem.
O que chamava a atenção em Eduard Talgarth era o fato dele ser intensamente
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear

vivo, como se ainda estivesse no tombadilho de um navio.


— Bacon com ovos e torradas? — ele perguntou.
Luana concordou, percebendo imediatamente que estava com muita fome.
— Você trabalha muito bem. Esta cabeça está ótima.
— Preciso de um modelo mais bonito. — Ele sacudiu os ombros. — Alguma
coisa mais leve. Você gosta daquela gaivota?
— Oh, sim. — A peça era bem mais leve, como se tivesse sido feita com mais
amor. — Você gosta de coisas selvagens, não é mesmo?
— Você parece surpresa. Estou mais em contato com o que é selvagem do que
com o domesticado. . . Pensei que soubesse, ou, pelo menos, imaginasse.
— Nem sempre é fácil imaginar o que se relaciona com você. — Ela tocou na asa
da gaivota. — Mas você ainda não me disse qual é o favor que quer de mim.
— Você não faz idéia? Qualquer outra pessoa já teria percebido há muito tempo.
Quero que você pose para mim.
Ela o olhou, espantada, enquanto ele transferia os ovos para uma travessa e
colocava fatias de bacon na frigideira. O café enchia a sala com seu aroma gostoso.
— Por que você quer que eu pose? Não sou bonita.
— Não — ele respondeu devagar. — Você não é como os brilhantes, o
champanhe gelado e as orquídeas.
— E Charme?
— Ela é tudo isso.
— Coitado! Ela não veio para o castelo nem para servir de modelo nem como
esposa. — Luana deu uma risada. — E o que sou eu, uma substituta?
— Você é uma violeta silvestre, Luana, um riacho correndo pelos bosques. — Ele
se virou e Luana viu o sinal de uma tempestade nos olhos azuis, o olhar do capitão de
um navio, de um pirata de alto-mar, de um homem que tinha conhecido muitas
mulheres e que achava que ela era a mais ingênua de todas.
— Gostaria de esculpi-la — disse ele. — A jovem Ondina esperando pelo
príncipe.
— Não! — A palavra saiu de dentro dela. — Não quero. . . de jeito nenhum!
— Você está sendo infantil.
— E você está sendo cruel!

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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear

— Ah, você acha que eu sou cruel?


— Sim. Você quer captar a obsessão e a dor que há em mim.
— Admito que sua expressão me intriga, mas o que busco é alguma coisa inata,
que não tem nada a ver com as mágoas da adolescência. — Ele levantou uma
sobrancelha enquanto falava. — Você tem muito o que aprender sobre os homens,
Luana. E muito mais ainda sobre mim.
De repente o bacon começou a queimar e ele foi cuidar disto. Luana tentou
afastar as lágrimas, pois seria humilhante chorar diante do homem que, na realidade,
nunca tinha amado nada além de seus navios, do oceano e da habilidade de suas mãos.
Ele queria usar essas mãos para criar uma moça de pedra para combinar com seu
coração. Pois bem! Ela posaria para uma Ondina que nunca o faria sofrer por amor.
— Quando você quer que eu comece a posar?
Ele colocou a comida nas travessas, o café no bule e puxou uma
cadeira para ela.
— Amanhã, se você quiser ir até o fim. Nunca começo nada que não possa
terminar.
— Será uma maneira de pagar sua hospitalidade. — Ela inclinou a cabeça para o
prato. — Você gosta de fazer bons negócios.
— Você acha que negocio tudo, Luana?
— Não é verdade? Você não queria comprar uma mulher?
— Sei que compraria se quisesse. — Ele riu. — Como viajante experiente, posso
lhe assegurar que vi mulheres serem compradas por uma pérola ou alguns bodes. Isto
não a impressiona?
— Se tivesse que ser comprada, preferia que fosse por uma pérola. Afinal de
contas, estamos na Inglaterra e não num canto bárbaro do mundo.
— Você não acredita que isto possa acontecer num país civilizado como o nosso?
— ele perguntou, irônico.
Ela mordeu o lábio, lembrando-se da habilidade de Charme em se vender pela
oferta mais alta.
— Prefiro acreditar no amor. Não imagino uma felicidade real, duradoura, sem
amor.
— Ele a tornou feliz?
— Por algum tempo fui muito feliz.

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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear

— Chegou a entrever o paraíso, hein?


— Se você entender assim.
— Talvez um dia, Luana, você abra os olhos para a realidade. — Pois foi real.
— Um sonho parece real, depois acordamos e vemos que nos enganamos. No
fim, é muito mais satisfatório ter a realidade do que um sonho.
— Oh, você não entenderia!
— Não mesmo? — Ele parecia divertido. — Por que você pensa assim?
— Você acreditaria se eu lhe falasse sobre Katmandu, sabendo que você esteve
lá e eu não?
— Você quer dizer que eu teria que me apaixonar primeiro para depois falar
sobre o amor? — Ele limpou os lábios com um guardanapo xadrez. — Quer mais café,
Luana?
— Por favor.
— Ainda bem que você gostou do meu café.
-— Estou com muita sede.
— Você está pedindo para levar uma palmada, jovem. — Os olhos dele
brilharam ao lhe entregar a xícara. — Qualquer dia destes. . .
— Você terá que me pegar primeiro.
— É o que pretendo fazer — ele respondeu devagar. — Você ganhará uma
palmada ou um beijo. . .
O coração de Luana quase parou de bater quando ouviu aquilo, mas, ao olhar
para ele, Eduard estava pondo açúcar no café e um raio de sol brilhava em seu rosto,
tornando a expressão indecifrável. Aquele rosto celta, moreno e forte... um arrepio
percorreu-lhe a espinha, pois aquele era o rosto de um homem que mantinha a palavra!

CAPÍTULO IX

O rugido do mar, as ondas enormes que arrebentavam nas pedras, espalhando


espuma — esta era a música de St. Avrell. Sempre que ia à praia, Luana lembrava-se do
menino que Tarquin havia sido, procurando conchinhas naquela região e imaginando
que os rochedos eram cavaleiros vigiando.
Era estranho como não podia fugir dele, por mais longe que fosse. E quando
ouvia o barulho ritmado do mar, parecia escutar sua voz: "Você acha que eu também
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não tenho medo, ninfa querida? Que não vou sofrer ao me despedir de você?''
Mas ele não tinha sofrido quando se despediu dela. . . e agora o oceano os
separava.
Luana correu pela praia, perseguida pelo piar dos pássaros. Ela não podia
pensar em Tarquin durante aquelas férias, que tinham dado uma reviravolta tão
estranha. Não só estava hospedada no castelo, como também posava para a estátua de
Ondina. Para seu alívio, Eduard permitiu que Patrícia assistisse às sessões. Era como se
estivesse posando para um artista, só que ele trabalhava com argila, usando as mãos
hábeis para modelar suas feições e os contornos de sua silhueta esbelta reclinada numa
pedra que havia sido trazida da praia.
Também tinha havido o problema do que vestir. Embora Jim Lovibond tivesse
trazido a maior parte das roupas delas, Eduard havia achado os vestidos de Luana
muito modernos, acrescentando que ela tinha que usar alguma coisa muito leve, como
a neblina que vinha do mar.
Obedecendo às ordens, Medevil trouxe uma arca enorme de um dos sótãos e,
quando a abriu, as duas prenderam a respiração. A arca estava cheia de cortes de uma
seda tão leve que passaria por um anel.
Luana sentiu-se compelida a olhar para Eduard, encostado na lareira, um
charuto entre os dentes. O sorriso que ele deu fez com que ela se perguntasse se não
teria havido uma moça especial na vida dele, uma moça muito bonita. Nascida para ser
envolta naquelas sedas orientais.
— Um plantador de café — ele contou — encomendou um enxoval para a noiva,
mas quando chegamos na ilha onde morava, no Pandora, um de seus empregados foi a
bordo para avisar que não descarregássemos a carga encomendada por seu patrão. A
moça havia escrito que ia se casar com outro homem, pois não agüentaria morar na
ilha. A arca ficou no Pandora até que eu voltasse para a Cornualha. Veja se encontra
alguma coisa para usar para mim, Luana.
Ela corou, ajoelhando-se ao lado da arca de sedas, que estava sendo remexida
sem nenhum cuidado por Patrícia. A menina não entendia como era triste um homem
querer oferecer tanta coisa para uma mulher e receber em troca apenas uma carta fria
dizendo que ela não o amava suficientemente para ir morar na ilha.
— Não é maravilhoso? — Patrícia enrolou-se num corte de seda da cor do mar.
— Não é assim que se usa um sári. — Com o charuto preso entre os dentes,
Eduard ajeitou a seda em torno do corpo de Patrícia. — Agora você está tão bonita
quanto uma dançarina oriental.
Patrícia sorriu, começando a dançar pela sala.
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear

— Quer que eu pose para você?


— Você não ficaria quieta nem um minuto. Eu acabaria fazendo uma escultura
olhando para quatro lugares ao mesmo tempo, com braços e pernas por toda a parte.
Vamos esperar que você fique mais velha e um pouco mais sossegada.
— Como Luana? — Patrícia lançou um olhar travesso para sua companheira,
que estava admirando uma peça de tule.
— Posso fazer uma espécie de túnica grega com este tecido — disse ela. — E tão
bonito! Parece uma nuvem prateada iluminada pelo sol!
Como Eduard não respondesse, ela o olhou, para ver sua reação. O coração de
Luana bateu agitado, pois ele a fitava com uma expressão intensa, do outro lado da
sala. Ela podia imaginar o que estava pensando.
Talvez que ela nunca ficaria tão atraente quanto as jovens que dançavam nos
templos orientais.
— Sim, use isso — ele disse muito devagar. — Faça uma saia cheia de panos,
para dar efeito de farrapos. Ondina vivia na praia e estava apaixonada pelo príncipe
que morava no castelo. Ela não deve ser sofisticada. . . e sim ter um ar de inocência. As
pessoas que possuem magia geralmente não se dão conta disso.
— Gosto da história de Ondina. . . combina tanto com Luana. — Patrícia ligou o
rádio e a música pôs fim à conversa.
Eduard chamou Medevil e pediu que ele trouxesse uma garrafa de vinho.
— Não é sempre que tenho convidados, por isso quero comemorar.
A vida aqui deve ser muito solitária, Luana pensou. O castelo ficava afastado
das outras casas e Eduard tinha dito que perdera o contato com as pessoas que
conhecia. Ele havia partido para praias distantes quando tinha dezenove anos e o
castelo ficara vazio durante muito tempo.
Mas naquela noite havia música. As lâmpadas estavam acesas, o mar e as
charnecas afastados pelas cortinas de brocado. Pouco depois Medevil trouxe o vinho.
As teias de aranha em redor da garrafa causavam a impressão de que o vinho
estivera na adega desde a época dos contrabandistas.
— Não franza o nariz — Eduard disse para Patrícia, enquanto despejava o vinho
numa garrafa do mais fino cristal. — O vinho fica melhor quando envelhece e este lote
foi guardado por meu avô, assim que veio da França. Havia muitos Talgarth naquela
época, Minha avó gostava de dar festas e na mesa de banquetes, na sala de jantar, havia
lugar para cem pessoas. Dançavam a noite toda, tomavam champanhe no café da
manhã e depois atravessavam a charneca a cavalo para abrir o apetite para novos
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear

jantares e mais danças.


— Devia ser sensacional, com todos os candelabros acesos e os
músicos tocando na galeria. — Os olhos de Patrícia estavam brilhando. — Você
não pode começar tudo de novo?
Ele sacudiu a cabeça, mas por um momento Luana notou melancolia em seus
olhos, como se quisesse voltar de alguma maneira aos dias felizes do passado. Mas
Charme o rejeitara. Luana tinha visto o retrato da avó dele na saleta onde costumava
escrever suas cartas. Uma criatura sorridente, cheia de vida. Com uma massa de
cabelos loiros, enormes olhos azuis e jóias brilhando no pescoço branco, ela havia feito
um grande rombo na fortuna dos Talgarth. Seu filho — o pai de Eduard — havia
herdado da mãe o gosto pelos amigos e por uma vida agitada, e no fim o castelo e as
jóias da família foram vendidos para pagar suas dívidas de jogo.
Eduard serviu as duas de vinho. Patrícia estava emocionada.
— Posso fazer um brinde? — ela perguntou. — Por favor, deixe!
— É claro que pode. Raramente tenho companhia, e duas hóspedes tão bonitas
podem ordenar o que quiserem a este marinheiro rude.
— Não acho que você seja nem um pouco rude — Patrícia protestou. — Você é
tão galante quanto aquele outro Talgarth de antigamente.
— Você é muito amável. — Ele sorriu, mas sem provocar Patrícia.
Não estava com aquela expressão irônica e seu olhar pousou com suavidade na
menina, que ainda era desajeitada, mas que em um ou dois anos poderia virar a cabeça
de um rapaz com seus olhos verdes e seu sorriso malicioso. Sendo filha de um amigo,
Patrícia viria sempre ao castelo, e ele queria companhia.
Luana ficou um pouco chocada ao constatar isso, mas não havia nada que
pudesse fazer. Patrícia não escondia que gostava dele e Eduard não seria o primeiro
homem a se casar com uma moça muito mais jovem.
— E agora, o nosso brinde — disse Patrícia.
— O vinho tem sua razão de ser, ou não existiriam uvas nas parreiras.
O amor tem sua razão de ser, ou não existiriam as mulheres. Pronto!
Ele levantou as sobrancelhas e ergueu o copo, primeiro para Patrícia, mais
lentamente para Luana, os olhos brilhando, atrevidos, conservando para ela uma faísca
de zombaria e não aquela expressão suave que dirigiu para Patrícia.
Luana tomou um gole do vinho, depois virou-se para uma vitrine com uma
coleção de objetos que ele tinha trazido de suas viagens. Peças de jade de cores raras,
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear

um pequeno pagode entalhado no marfim, um ídolo com olhos de pedras preciosas, e


amuletos com pequenas inscrições em letras minúsculas.
Olhou para o seu anel de escaravelho, com a inscrição embaixo da asa. . . em vez
de felicidade, o anel trouxera apenas má sorte. Parecia que tinha algum feitiço. . . pois
não era possível que uma peça tão bonita pudesse trazer tanto azar.
— Admirando os meus jades?
Ela estremeceu quando Eduard parou a seu lado.
— Sim. . . são muito bonitos. Não imaginava que o jade pudesse ter tantas cores.
— Estas coisas são muito evocativas. Lembram-me as festas fluviais com os
barcos cheios de flores, gongos, templos em ruínas e lagos com carpas douradas. — Ele
abriu o vidro da vitrine e pegou um galho de flores de cerejeira, feito de jade, delicado
como a brisa. — Esta peça é muito antiga. Veja, tem uma presilha por baixo, de modo
que pode ser presa no cabelo. A flor de cerejeira simbolizava o amor na velha China, e
pode ser que este enfeite tenha sido usado pela amada de um mandarim, que o cercava
de atenções, trazendo chá, abanando-o com um leque de marfim ou ouvindo versos a
seus pés.
Luana o olhou, pois ele sempre a surpreendia quando falava assim, mostrando
seu interesse pelas pequenas coisas e pelas tradições antigas.
— Você gostaria que as mulheres ainda fossem assim?
— Obedecendo ao menor capricho do homem? — ele perguntou devagar. —
Seria muito agradável ter uma escrava apaixonada, mas prefiro uma moça inteligente
que saiba apreciar uma boa conversa. Que me dê o inferno. . . e prometa o paraíso.
Ele recolocou o jade no lugar e tirou duas pulseiras delicadas com um pequeno
Buda de ouro pendurado em cada uma delas.
— Por favor, aceite esta lembrança minha. — Ele deixou cair uma das pulseiras
na mão de Luana, depois foi até Patrícia, prendendo a outra em seu pulso. Fez tudo
com muita elegância, enquanto Luana ficava parada ao lado da mesa com os dedos
fechados em redor do Buda. . . o deus da tranqüilidade e da reflexão.
— Oh, Eduard, é linda! — Patrícia enlaçou o pescoço dele com os braços e deu
um beijo no rosto moreno. — Você é meu homem favorito. . . Por favor, espere até que
eu cresça, senão entro para um convento!
Ele riu, enquanto ela brincava com a pulseira.
— Quando você ficar mais velha, Patrícia, vou lembrá-la desta noite e você vai
rir da mocinha que queria ir para o convento. Você terá tudo o que sonhou.
— Os sonhos tornam-se realidade?
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— Para os que têm o coração jovem, minha flor, e às vezes para aqueles que
precisam de amor porque nunca amaram. Mas já está na hora de você e Luana irem
para a cama.
— Já? — ela protestou.
— Já são mais de dez horas e você está com cara de sono. — Ele olhou para
Luana e sorriu, embora seus olhos estivessem sombrios. — Vocês duas estão dormindo
bem aqui no castelo? Não se preocupem com o nosso fantasma. De acordo com a lenda,
só assombra os Talgarth, e eu ocupo os cômodos onde dizem que ele aparece. Ele é um
exilado solitário, como eu.
— Mas seu lar é na Cornualha. . .
— Nasci na Cornualha, mas nosso lar é onde está nosso coração. E agora desejo-
lhes uma boa noite. . . Vocês não querem tomar leite quente?
— Leite quente me lembra o colégio! — Patrícia franziu o nariz.
— Que coisa horrível! — Ele estava acendendo um de seus charutos finos, como
se pretendesse ficar fumando sozinho no salão ou passear até o roseiral, onde o ar
estaria perfumado.
— Obrigada pelo presente — disse Luana, um tanto embaraçada.
— Não há de quê. — Os olhos dele provocaram-na através da fumaça. — Dizem
que dar objetos valiosos para uma pessoa estranha atrai boa sorte para a casa. Você
ainda se sente uma estranha?
Não sabia o que responder. Inúmeras vezes, em sua vida, ela se sentira como
uma estranha, de modo que um olhar ou um gesto podiam despertar de novo essa
sensação. E o fato de Eduard lhe dar a pulseira e o berloque não tinha nenhum
significado especial. Luana não queria que ele colocasse a corrente em redor de seu
pulso, mas, mesmo assim, a maneira fria com que Eduard deu o presente lembrou-lhe
vivamente a adolescência, quando Charme era muito mais bem tratada e cada presente
que Luana recebia significava mais uma obrigação para com seu padrasto.
Ela não queria nada de ninguém, se não fosse dado de boa vontade.
Mas já tinha agradecido a Eduard, e sabia que não devia provocá-lo se não
estivesse preparada para a luta. Naquela noite sentia-se indefesa e, quando ele deu um
passo em sua direção, percebeu que seus joelhos tremiam.
— Que foi que aconteceu? — ele perguntou em voz baixa. — Fiz alguma coisa
que a magoou? Acho que não, Luana. Você é imune a qualquer coisa que eu possa
fazer. Sou apenas aquele cornualês desagradável que tem a capacidade de ler seus
pensamentos. Sei o que você está pensando neste instante.
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear

— Não acredito!
— Mas sei, Luana. Você está pensando em Avendon e nas humilhações por que
passou. Sempre no segundo plano, sentada na sombra, observando o drama e o desejo
na vida das outras pessoas. Depois você teve seu próprio drama, mas a cortina se
abaixou; neste momento você está se sentindo magoada e revoltada. Você não quer
mais ficar de fora. . . Você quer ser amada, não é, Luana?
— Como você ousa? — Lutando com uma fraqueza estranha nas pernas, ela
procurou fugir do homem moreno e alto, com olhos penetrantes por trás da fumaça do
charuto. — Patrícia, vou dormir! Você não vem?
— Estava só dando mais uma olhada na arca, Luana, você me faz um vestido
com uma destas sedas?
— Sim, querida, amanhã.
— Boa noite, Luana — disse Eduard, cortando a conversa. — Bons sonhos.
— Eu. . . — Ela queria dizer que o odiava. Era horrível ser tão transparente para
um homem, como se não lhe pudesse esconder nenhum segredo.
— Não diga nada — ele recomendou, com voz lenta. — Você pode se
arrepender.
— Você é incorrigível! — Ela jogou a cabeça para trás, girou nos calcanhares e
saiu da sala. Já estava no meio da escada quando Patrícia a alcançou.
— Você tornou a brigar com ele! — ela acusou. — Não sei como você pode!
— É muito fácil. Ele é o demônio mais presunçoso que já tive a infelicidade de
encontrar. Foi capitão de um navio por tanto tempo que acha que pode mandar em
todo mundo, como fazia com a tripulação. Coitado! Com certeza pensavam que eram
chefiados pelo Capitão Gancho!
— Você é engraçada, Luana.
— Ainda bem que você aprecia o meu humor, mas não pretendia fazer graça.
Quanto mais cedo o chalé ficar pronto, melhor. Poderemos então arrumar nossas malas
e deixar este lugar... e aquele homem.
— Ele deu uma pulseira para cada uma de nós. Gostei tanto da minha que acho
que vou dormir com ela. — Patrícia olhou para o braço. — Ele ia me dar um anel, mas
acho que só vai dar quando eu ficar mais velha. E muito significativo um homem dar
um anel a uma moça. . . embora tenha ouvido dizer que na Espanha dar uma pulseira é
uma prova de amor. Seria sensacional se Eduard pretendesse se casar com uma de nós.
Luana colocou sua pulseira na penteadeira. O idolozinho brilhou com a luz da
lâmpada, lembrando-lhe que a raiva era uma insensatez e que somente a reflexão trazia
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear

sabedoria. Mas aquele homem era tão desagradável. . . nem mesmo Charme, com suas
observações maldosas, irritava tanto Luana como aquele demônio alto, com olhos azuis
e tão profundos que ela se sentia afogar quando ele a olhava.
Estava resolvida! Assim que Jim viesse dizer que o chalé estava pronto, ela e
Patrícia iriam embora do castelo. Mas enquanto isto, tinha que tirar o melhor partido
de uma situação tensa e perturbadora.
Enquanto se despia, percebeu que Patrícia tinha ido dormir no outro quarto,
embora tivesse deixado a porta de comunicação aberta.
— Boa noite, Patrícia. Durma bem.
— Boa noite — ela resmungou.
Luana suspirou, deitando-se na cama enorme. Como podia explicar a Patrícia
que os antagonismos eram tão naturais quanto as afeições? Que, embora tentasse, não
ficava à vontade com Eduard Talgarth? Ele fazia com que ela se sentisse inexperiente e
tola, como se seu amor por Tarquin tivesse sido uma criancice e não o acontecimento
mais importante de sua vida. Luana não tem mais nada a que se apegar, se não
pudesse acreditar que Tarquin também a havia amado.
Antes de apagar a luz, tocou no idolozinho e fez uma promessa: tentaria ficar
amiga de Eduard. Havia ocasiões em que ela o achava interessante, especialmente
quando ele falava do Oriente, revelando cultura e até delicadeza.
Estava sorrindo quando adormeceu. . . delicadeza era uma palavra engraçada
quando aplicada ao dono do castelo.

Depois que Luana acabava de posar para a Ondina, ela e Patrícia podiam
passear à vontade pelo castelo e pelas redondezas. Descobriram uma quadra de tênis
em boas condições e chegaram a jogar um pouco, até que Eduard apareceu,
desafiando-as para uma partida. Ele jogava muito bem e as fez correr tanto pela quadra
que acabaram exaustas de tanto rir e tiveram que ser reconfortadas com refrescos.
Usavam também a charrete e muitas vezes Eduard as levava para ver os pontos
românticos da Cornualha. Visitaram as ruínas do castelo de Tintagei, onde lendas
antigas pareciam pairar no ar, ao lado de velhos fantasmas.
Foram à igrejinha das seis virtudes e Luana percebeu um sorriso nos lábios de
Eduard quando examinavam as figuras nos vitrais antigos.
— Qual delas você prefere? — ela perguntou sem querer.
— A esperança — ele respondeu —, pois abrange todas as outras virtudes.
— Fé e caridade — Luana murmurou. — Justiça, exaltação e alegria.
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear

Uma mulher assim teria que ser um anjo. Tenho certeza de que você não espera
encontrar um anjo. — As cores dos vitrais refletiam-se em seu rosto.
— Você acha que um anjo não me aceitaria?
— Se ela o amasse. — Luana afastou-se para examinar um cavaleiro de pedra
que tinha atraído a atenção de Patrícia.

Nos dias que se seguiram, muitas vezes a charrete cortou as charnecas, o som
dos sininhos misturando-se às risadas e o vento avivando a cor do rosto das duas
jovens.
Naquele dia estavam na baía Constantine e Eduard falava de suas viagens a
Patrícia, enquanto Luana ouvia, pensativa. Se ele não encontrasse nada que o
prendesse ao castelo, ia voltar para aquelas ilhas exóticas, ela tinha certeza.
— Olhem! — Ele se levantou num salto. — Há uma foca naquele rochedo!
— Não há uma lenda que diz que as sereias costumam se transformar em focas?
— Luana virou a cabeça para olhá-lo e, ao perceber que ele também a fitava, sentiu que
uma faísca elétrica percorria seu corpo.
Aquele homem tinha vivido em ilhas pagas e ela o imaginou brincando no mar
com uma moça, muito alegres, depois carregando-a nos braços até uma casinha com
telhado de palha.
— Você está parecendo uma sereia com o vestido grudado no corpo e o cabelo
preso.
— Muito obrigada pelo cumprimento!
— Não estou querendo ser engraçado. — A voz de Eduard estava extremamente
suave. — As sereias costumam seduzir os homens, e os marinheiros são mais
suscetíveis ao seu encanto do que as outras pessoas.
Luana não sabia o que responder, por isso preferiu olhar a paisagem,
casualmente, como se não percebesse que o mar e o céu combinavam-se para realçar
tudo o que havia de primitivo naquele homem. A pele dele era morena e seu cabelo,
preto como o ferro; os ombros largos nunca se curvavam, apesar da carga imposta pela
vida.
Foi um alívio quando a foca mergulhou, nadando embaixo d'água com uma
rapidez incrível.
— A sereia voltou para o seu palácio submarino. — Luana riu, um pouco sem
ar.

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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear

— Para se encontrar com o príncipe Huldebrand. — Patrícia fez uma pirueta. —


Estas férias são as melhores que já tive. Amanhã podemos ir a Camelford, onde ficava
o palácio do Rei Arthur?
— Onde você quiser, minha flor. — Eduard sorriu e a luz de seus olhos
misturou-se com o brilho do mar. . . duas chamas azuis que ardiam ao mesmo tempo.
— Você é maravilhoso! — Subitamente intimidada, Patrícia inclinou-se para
pegar uma concha, mas imediatamente a jogou longe, pois alguma coisa estava se
mexendo dentro dela. Era um caranguejinho, que começou a se mover pela areia.
Nisto, Luana notou um monte de penas cinzentas, na entrada de uma das
cavernas na encosta do penhasco. Foi ver o que era e descobriu uma gaivota com a asa
quebrada. Sabendo que as gaivotas são muito cruéis com as que estão machucadas,
Luana foi ver se poderia socorrê-la.
Quando se aproximou da entrada da caverna, a ave saiu de sua apatia, assustou-
se e procurou atingi-la com seu bico aguçado.
— Luana. . . — Mãos fortes seguraram-na, levantando-a da pedra onde ela tinha
subido, para colocá-la firmemente na areia.
— Coitada daquela gaivota. . . está ferida!
— Eu sei e vou pegá-la sem ter um olho furado. — Mesmo assim, Eduard
machucou-se no pulso enquanto pegava a gaivota, que piava sem parar. — Vamos
levá-la para casa, que Medevil cuida da asa dela. Ele sabe tudo sobre animais
selvagens. . . Uma vez tivemos um pelicano ferido a bordo do Pandora. Outra vez, um
elefantinho, que machucou a tromba e precisou usar uma atadura.
Ele segurou a gaivota com firmeza e Luana dirigiu a charrete até o castelo.
Patrícia queria saber mais coisas sobre o elefante — um presente de um comerciante
tailandês —, que eles tiveram que dar para um zoológico, pois não podia fazer parte da
tripulação do Pandora.
— Foi uma pena. — Eduard sorriu. — Ele ajudava muito quando tínhamos que
descarregar o navio.
Quando chegaram em casa, Medevil tomou conta da gaivota e Luana se
ofereceu para cuidar da bicada que Eduard levara no pulso. O ferimento era profundo
e poderia inflamar.
— Tenho um estojo para primeiros socorros no meu estúdio — disse, e Luana o
acompanhou até lá.
Patrícia foi ver Medevil cuidar da gaivota. O estúdio estava sombrio, pois a
tarde chegava ao fim. Eduard acendeu a luz e tirou o estojo do armário. Sentou-se
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear

depois num banco alto, enquanto Luana passava um anti-séptico no ferimento. Ele não
se queixou da dor e, por alguma razão estranha, foi ela quem estremeceu. Olhou-o e
Eduard deu aquele sorriso que sempre a deixava insegura.
— Você tem mãos delicadas. Já pensou em se tornar enfermeira?
— Hugh já me perguntou a mesma coisa. — Ela aplicou uma pomada, fazendo
depois um curativo. — Você acha que devo ser enfermeira? Talvez seja isto que deva
fazer depois destas férias, quando voltar para Londres. Talvez possa treinar no hospital
onde Hugh trabalha. Acho que ele gostaria que. . .
— Você gosta dele? As moças costumam se sentir muito atraídas por médicos.
— Como os marinheiros pelas sereias?
Ela estava sorrindo, mas prendeu a respiração quando Eduard a pegou pela
cintura, atraindo-a de encontro a seu corpo. Seu rosto estava sério, os olhos brilhavam e
uma mecha de cabelo caído na testa aumentava-lhe o ar de atrevimento.
— Posso agradecer da maneira tradicional, Luana? — A voz dele era
perigosamente suave. —- Com um beijo?

CAPÍTULO X

Com o coração batendo descompassado, Luana tentou se afastar, mas ele a


segurava com força. Ela parecia um salgueiro agitado pelo vento. . . a espuma de uma
onda mergulhando naqueles olhos da cor do mar, quando ele se inclinou para acariciar
os lábios, o pescoço, o lóbulo de sua orelha e por fim a boca, abafando um murmúrio
de protesto.
Nos lábios dele havia o gosto do mar. Na tempestade daquele beijo ela se sentiu
indefesa, incapaz de fazer qualquer coisa senão submeter-se. Quando tudo terminou,
estava tão chocada quanto uma donzela vitoriana beijada a contragosto. Reagiu ao
ultraje dando-lhe um tapa no rosto.
Ele riu. . . riu e a abraçou, o cabelo caído na testa, os olhos ainda mais brilhantes.
— A quem você está querendo punir, a mim ou a você mesma? — ele zombou.
— Eu o odeio!
— Por quê? Por tê-la despertado do sonho que tomou conta de você quando
Powers a tocou pela primeira vez? Você realmente acha que os beijos dele foram tão
maravilhosos que não pode corresponder a nenhum outro homem. . . nem mesmo a
mim?
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear

— Você me beijou à força!


— E você gostou! Você ainda não se conhece, Luana Perry, e muito menos sabe
o que é um homem. Você não quer alguém que dobre o joelho, galante e trágico. Você
não quer admitir, mas um beijo roubado às vezes é muito mais doce do que um beijo
dado. Quem é que gosta de receber tudo embrulhado para presente? Nenhuma mulher
de verdade, com certeza, e nenhum homem com um pouco de sangue nas veias.
— Não! — ela respondeu vivamente. — Você só quer um brinquedo. Está
acostumado com moças que consideram o amor uma mera brincadeira, como tirar uma
fruta de uma árvore ou nadar numa lagoa, mas não estamos numa ilha tropical e eu
não sou uma índia!
Ele deu uma risada.
— Você tem uma opinião bem estereotipada a meu respeito, não é verdade? O
pirata que durante quinze anos viveu e amou onde sua fantasia o levava. Em alguns
aspectos você tem razão, mas todos esses anos nunca deixei um coração partido
quando o Pandora ia embora. Não sou santo, mas também não sou um devasso.
Largou-a, dirigindo-se para uma mesa onde havia uma garrafa e alguns copos.
Ela ouviu um ruído e viu por entre lágrimas que ele estava despejando vinho em dois
copos. Depois se aproximou com os copos na mão.
— Isto vai acalmar seus nervos abalados — ele zombou. — Não é sempre que
você é beijada por um homem de quem não gosta.
— Vinho. . . à tarde?
— Não há hora determinada para qualquer tipo de prazer, Luana. — Ele lhe
estendeu um dos copos com um vinho cor de rubi. — Lembre-se de que sou um
Talgarth. Minha avó costumava tomar champanhe no café da manhã.
— Você deve ter saído a ela!
— Você acha? — O sorriso que ele deu era enigmático. — Porque ela sempre fez
o que quis?
— Você sabe o que quer e está resolvido a obter. . . como quando reconquistou o
castelo e os tesouros pertencentes à sua família.
— Sou um homem teimoso, mas sei que há um limite entre o que quero e o que
posso ter. Tenho um sonho, mas sei que não posso forçar certas coisas que estão nas
mãos do destino. . .
— Você me disse que os sonhos não são tão satisfatórios quanto a realidade.
— Não são mesmo, Luana, se continuam sendo sonhos. — Ele tomou um gole
de vinho. — Talvez você e eu estejamos condenados a isto, amarrados ao mastro de um
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear

navio de sonho que nunca chegará num porto. Quero obter aquilo que desejo, mas pela
primeira vez em minha vida estou com medo. Acho que prefiro ficar com a metade do
sonho a perdê-lo por inteiro, uma concessão que não faria quando era mais moço. Eu
teria dito "para o diabo" e ficado com o que queria. Não me importaria com o futuro.
— Por que você podia ir embora no Pandora?
— O Pandora ainda é meu. Ainda posso ir embora, levando a metade de um
sonho como carga.
Ele tomou o resto do vinho e ficou olhando para um quebra-cabeça persa que
estava em cima de sua mesa de trabalho, mexendo com ar ausente nas peças de marfim
e ébano.
— A vida é composta de luzes e de sombras, do dia e da noite. Não podemos ter
a luz do dia no meio da noite, temos que esperar a aurora e torcer para que o dia seja
ensolarado. — Ele procurou os olhos de Luana. — Pode rir agora. Talgarth está sendo
sentimental e profundo.
Mas ela não tinha vontade de rir. Segurando o copo de vinho, foi até a janela e
viu que o sol tinha desaparecido e que as sombras tomavam conta do castelo. Quando
se voltou, ele estava descobrindo a estátua inacabada de Ondina.
— Você gostaria de posar por meia hora? Quero ver se acabo isto antes que o
telhado do chalé esteja pronto e vocês voltem para Pencarne.
— Não. . . estou com o vestido.
— Está bem assim. . . Por favor, pose para mim.
Ela fez a pose, que agora já lhe vinha naturalmente, o perfil delineado pelo
cabelo, a insinuação da espera na silhueta esguia de seu corpo. Era mais fácil posar
quando deixava os pensamentos vagarem e naquele dia eles foram até Avendon, até
Charme, que era linda, mas que dificilmente era a figura frágil dos sonhos de um
homem. Se Eduard a quisesse mesmo, poderia tê-la tomado de Simon Fox. . . mas ele
não se incomodou.
Lembrou-se das palavras de Charme: "Ele só quer alguém para morar no castelo.
Qualquer pessoa serve. . . até você, Luana".
Pelo menos uma vez Charme havia errado a respeito de um homem. Eduard
estava apaixonado por uma mulher e não sabia se era correspondido. Se não pudesse
tê-la, pretendia ir embora no Pandora.
Quem seria a mulher com quem ele sonhava?
— Pronto. — A voz dele veio de longe. — Agora você pode descansar e se
preparar para o jantar.
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear

Ela estremeceu, percebendo que estava com frio. Uma rajada de vento entrou
pela janela da torre.
— Parece que vai chover. — Ele cobriu a Ondina, um fantasma no meio do
estúdio. Embaixo ouviram as ondas batendo nas pedras e, por uma janela, avistaram a
luz intermitente de um farol que ficava além da curva da baía. Uma sentinela solitária
guiando os navios que passavam ao largo das pedras.
— Qual é a sensação de estar num navio no meio de uma tempestade? — Luana
perguntou.
— E assustador, mas deixa de ser excitante quando descobrimos que
continuamos vivos depois que o perigo passou.
— Você acha então que somente quando passamos por um perigo, um
sofrimento ou nos ferimos é que sentimos a alegria de estarmos vivos?
— É mais ou menos isso, Luana. Como pode haver um grande amor, por
exemplo, sem antes ter havido um amor menor? Um daqueles que parecem oferecer o
paraíso, enquanto duram, mas que no fim não são verdadeiros. Não se pode ser capitão
de navio antes de se ser marinheiro. Não se pode amar de verdade antes de se amar
pela metade.
Ela se sentiu atraída pelos olhos dele.
— O que você está dizendo?
— Você sabe muito bem.
Ela sabia, mas não queria ouvir mais nada. Desculpou-se, saiu do estúdio e
subiu para o quarto depressa, fechando a porta atrás de si, como se quisesse deixar
Eduard de fora. Mas ele não a seguiu. Apenas as palavras que ele tinha dito não se
silenciaram, enquanto o vento soprava mais forte e as ondas batiam como se quisessem
invadir o castelo.

Durante o jantar, a tempestade ficou mais forte. Eduard não apareceu e Jancey
estava preocupada. Depois Luana e Patrícia ficaram um pouco na sala, mas cada rajada
de vento as assustava.
— Vamos para a cama — disse Luana.
— As duas jovens atravessaram o hall como crianças assustadas. A porta do
escritório de Eduard estava fechada e não havia sinal de Medevil.
Um relógio deu as horas. Eram dez e meia e naquela noite devia ser horrível
estar nas charnecas ou no mar.

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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear

Luana dormia agitada quando foi despertada por uma sirene. Sentou-se
imediatamente na cama, percebendo que o ruído vinha de fora do castelo.
Alguém abriu a porta do quarto.
— Luana, você está acordada? — Patrícia parou na soleira da porta, arfando. —
Desci para ver o que era aquele barulho horrível e Jancey me contou que um navio
bateu nas pedras. Eduard e Medevil foram socorrer. Não é horrível? Pode ser que haja
pessoas se afogando!
Luana levantou-se rapidamente e começou a se vestir. Patrícia acendeu a luz,
exclamando:
— Parece que você está chorando!
— Vamos descer. A sirene está soando perto do castelo e é bem provável que os
passageiros salvos sejam trazidos para cá. Vamos ajudar Jancey a fazer sanduíches e a
preparar as camas.
No instante seguinte as duas jovens estavam no andar de baixo, recebendo
ordens de Jancey, que era calma e prática e, como filha de pescador, acostumada a
esses desastres. Por volta de meia-noite, Patrícia dormia no sofá da sala, mas Luana e
Jancey estavam ocupadas na cozinha, onde havia um grande caldeirão de sopa e vários
bules de café.
A mesa estava arrumada com sanduíches de carne e de ovos e já havia várias
camas preparadas.
Os passageiros do navio deviam estar chegando. Dois homens tinham vindo da
praia com a notícia de que o navio saíra da América e se dirigia para o porto quando se
chocou com os rochedos de St. Avrell. O casco fora atingido e o navio estava
adernando, mas seus passageiros estavam chegando no barco salva-vidas. O barco
voltaria depois ao navio para buscar a tripulação.
Luana e Jancey trocaram um olhar preocupado, pois dentro de uma hora o
navio avariado estaria afundando, de modo que seria muito perigoso salvar a
tripulação. Luana pegou uma caneca de chá e foi para junto da lareira, muito nervosa,
tentando não pensar nas ondas cobrindo o navio, nos passageiros transportados pelo
barco salva-vidas, que tinha que contornar os rochedos cruéis para atingir a praia.
Os passageiros chegaram meia hora depois, muitos deles chorando, trazendo
alguns pertences catados às pressas.
Enquanto entravam na grande cozinha aquecida, Luana lhes oferecia café,
cobertores e algumas palavras de conforto. Patrícia, já acordada, dava-lhes comida
enquanto fazia perguntas ansiosas.

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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear

Todos queriam falar ao mesmo tempo, agora que estavam em terra, debaixo de
um teto seguro. Uma mulher contou que um dos passageiros tinha ficado com a
tripulação para não sobrecarregar o barco salva-vidas.
Luana ouvia tudo numa espécie de sonho, sem parar de socorrer as pessoas. Por
volta de duas e meia, os passageiros salvos estavam acomodados para passar a noite e
havia silêncio na cozinha. Patrícia bocejava diante do fogo, mas não queria ir para a
cama.
— Quero ficar acordada — ela explicou. — Preciso saber se Eduard está bem.
— Não vai acontecer com o sr. Eduard — disse Jancey. — Ele é bom marinheiro,
é um Talgarth dos velhos tempos, quando os homens desta família eram tão vigorosos
quanto meus dois irmãos, que saíram com seus barcos quando os soldados
desembarcaram nas praias de Dunquerque. Estou ficando velha, srta. Luana, e vivo de
minhas recordações, mesmo que sejam um pouco tristes.
Luana ouvia o barulho do mar e do vento. Naquela noite suas recordações
estavam especialmente melancólicas. Estremeceu, muito nervosa, quando o relógio deu
as horas e contou três batidas. A maré estava alta e o barco salva-vidas teria que lutar
para trazer os homens para a praia.
— Meu Deus, fazei com que eles se salvem — ela rezou. — O capitão, a
tripulação, e também o passageiro que ficou no navio.
O vento havia diminuído e o dia estava começando a raiar quando o som de
vozes quebrou o silêncio... vozes masculinas, aliviadas, algumas risadas cansadas.
Mais alguns minutos e a cozinha ficou cheia de gente. Homens altos aglomeram-
se ao redor do fogo, comendo sanduíches, tomando sopa, café ou chá.
Enquanto entregava cobertores, Luana procurava Talgarth. Ele não estava lá,
mas um homem perto da porta chamou sua atenção e ela abafou um grito. Seus olhos
se encontraram enquanto ele tomava um gole de café.
— Luana!
— Tarquin!
Ela só acreditou no que estava vendo depois que atravessou o bando de homens
e pegou no braço dele.
— Era você quem tinha ficado com a tripulação!
— Sim. — Ele riu. — É inacreditável, Luana. Você é real?
— É claro. — Era o Tarquin do primeiro encontro, os olhos cinzentos brilhando
no rosto bonito. Lembrou-se de todos os momentos que tinham passado juntos, até o
dia em que o raio a afastou da memória dele. — Você me reconheceu!
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear

— Assim que a vi, uma ninfa entre todos esses marinheiros.


— Você não me reconheceu depois do acidente no teatro, Tarquin.
— Que coisa estranha. . . Mas agora tudo me voltou à memória de repente.
Luana. . . ninfa querida!
— Estou tão contente de ver que você está bem! Deve ter sido horrível. . .
Tarquin, vou lhe dar um cobertor. . .
— Não. Ele a segurou. — Estou agasalhado e não me molhei. Fique mais um
pouco. Diga-me o que você está fazendo aqui, na casa de Eduard Talgarth.
— Ele devia estar junto com a tripulação. Você não o viu?
— Sim. Um homem alto e moreno, fazendo o trabalho de três pessoas para nos
tirar daquele navio infernal, que afundou assim que o capitão saiu. Acho que ele está
agora com o capitão Lake. Havia homens da guarda costeira na praia e parece que ele é
o mandachuva de St. Avrell.
— Ele é apenas Talgarth — ela sorriu —, e as outras pessoas têm que se curvar
diante de sua força e de tudo o que ele sabe sobre o mar. Ainda bem que não aconteceu
nada com ele.
— Você não me contou o que está fazendo aqui na Cornualha.
— Estou fazendo companhia para Patrícia durante as férias. . . Ela está ali
adiante, dando sopa para aquele marinheiro. Tarquin — ela procurou os olhos dele —,
ouvi dizer que você tinha ido para a América. O dr. Strathern contou para Eduard. . .
— Eduard? — ele comentou, com uma careta. — Você estava pálida e muito
tensa até que eu lhe disse que ele estava bem. Você não gostava dele. Por acaso
Talgarth não era o namorado da sua irmã de criação?
— Não. — Ela ficou espantada com o vigor de sua negativa. — Ela foi apenas
uma distração... como eu também fui.
— Você, Luana?
— Sim. — E ela até pôde sorrir quando acrescentou: — Para você.
— Não é verdade — ele protestou. — Tínhamos tanta coisa em comum... Sempre
que nos encontrávamos era como se fosse uma festa. Sempre que nos beijávamos era
como se o sol estivesse despontando.
— Mas o amor é uma tempestade — ela se ouviu dizer —, e não apenas o sol
que brilha durante parte do dia. Amar é saber que as rosas murcham assim como
desabrocham, e eu acho que não queríamos mais do que aquelas horas agradáveis que
passamos no rio. Não chegamos a olhar mais longe.
112
Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear

— Nem podíamos, naquela ocasião.


Ela o olhou com mais atenção, notando certa tristeza em seu rosto.
Descobriu, então, por que ele tinha voltado da América.
— Minha mulher morreu tranqüilamente e foi um alívio para nós dois. Ela não
ia sarar nunca.
— Lamento tanto, Tarquin.
— Mas, Luana, agora podemos ir para Roma. Já lhe pedi isto antes e você disse
que queria ficar comigo.
— Por quanto tempo?
Ela sorriu com segurança, pois conseguia enxergar além da atração que ele lhe
despertou em Avendon, além da jovem solitária que era naquela época. Tarquin era tão
bonito... mas sabia agora que não estava completamente acordada quando ele a beijara.
— Você deve estar com fome — disse ela. — Vou dizer para Jancey que você
quer sopa, ou sanduíches.
— Luana. . .
Mas ela tinha ido embora. Quando encontrou Jancey, disse-lhe apenas:
— Aquele homem bonito perto da porta quer comer alguma coisa. . . Vou levar a
garrafa de café para a praia. O sr. Talgarth está lá e deve estar com fome e com frio.
— Estava preocupada com ele e já ia pedir para que alguém fosse lhe levar
comida e também alguma coisa para beber. Tem galinha fria na despensa, srta. Luana.
— Farei ótimos sanduíches de frango com tomate. — Elas sorriram como
conspiradoras. — Vou colocar a minha capa.
— Sim, agasalhe-se bem. A manhã está escura e deve haver neblina na praia.

A tempestade da noite anterior tinha terminado, mas havia neblina, o que


tornava o piar das aves marinhas muito triste. A capa de Luana era uma mancha
colorida no atalho que levava à praia e as árvores pareciam fantasmas.
Havia um carvalho numa curva do atalho, de onde se avistava o mar nos dias
claros. Luana estava passando por esta árvore quando alguma coisa se mexeu,
assustando-a. Uma figura alta surgiu de trás do velho tronco, o suéter velho afastando
a ilusão de que era um espírito da madrugada. Era Eduard.
Ficaram olhando um para o outro, rodeados por filetes de neblina. O cabelo dele
estava despenteado, seu rosto molhado e os olhos intensamente azuis, como
113
Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear

pedacinhos de céu surgindo nas brumas do amanhecer.


Como ele não dissesse nada, Luana lhe estendeu a cesta com os sanduíches de
galinha e o frasco com café quente.
— Trouxe alguma coisa para reconfortá-lo.
— Você. . . — disse ele, com aquela voz que se tornava perigosamente suave
quando estavam a sós. — Pensei que estivesse conversando intimamente sobre os
velhos tempos com um certo amigo seu. Uma surpresa para nós dois o fato de ele estar
a bordo do Florina.
— O navio afundou, Eduard?
— Sim. Era um belo navio, mas os rochedos de St. Avrell são muito perigosos.
Ele foi afundando devagar.
— Foi um milagre os passageiros e a tripulação terem sido salvos.
— Um milagre para você, Luana?
— Para mim?
— Tarquin Powers estava no navio.
— Eu sei. — Ela se aproximou dele. — Você não quer café? Está forte e amargo,
como você gosta.
— Você está sendo muito amável comigo — disse ele, um tanto surpreso. — Está
grata porque ajudei a salvar o seu namorado?
— Não.
— Você sempre diz "não". O que foi que disse para ele?
— Que estava contente por ele estar bem. . . Eduard! — ela exclamou,
derrubando a cesta quando as mãos fortes dele a seguraram, prendendo-a de encontro
ao tronco de carvalho. Uma prisioneira vestida com uma capa vermelha, os cabelos
caindo como folhas de outono em redor das têmporas e do pescoço esguio. — Eduard. .
.
— Então você ficou contente porque ele estava bem. . . Posso perguntar quando
vocês dois partem para Roma? Acredito que ele já tenha recuperado a memória, e que
vocês vão recomeçar de onde pararam.
— Se você não parar de brigar comigo. . . — De repente toda a tensão daquela
noite veio à tona e os olhos de Luana encheram-se de lágrimas. — Passei a noite toda
tão preocupada. . . mesmo quando tinha muita coisa que fazer. . . e agora você está me
magoando.

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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear

— Preocupada... por minha causa?


— É tão difícil assim de acreditar?
— Você se preocuparia com uma mosca. — Ele então ficou em silêncio,
examinando o rosto dela, observando cada contorno, cada traço, especialmente as
lágrimas que caíam, até que uma delas desapareceu dentro da covinha. — Menina
estranha, rindo e chorando, e aqui embaixo comigo em vez de ficar com Powers.
— Sim, não é uma loucura? Porque me preocupo em trazer café para você,
quando Tarquin é tão bonito, galante. . . e viúvo?
— É verdade isso? — Os olhos de Eduard estreitaram-se perigosamente. —
Então este café que você está me trazendo, esta atenção é apenas uma boa ação, porque
ajudei a salvá-lo?
— Bruto!
— Você acha que ele se incomodaria se eu roubasse um beijo de sua noiva?
Todos os heróis ganham beijos.
— Demônio!
Ele riu. . . riu e a segurou, embaixo do carvalho enorme, beijando-a com
violência. Luana só sentia o contato dos lábios de Eduard, quentes, vivos e com gosto
de mar. Esqueceu-se de tudo, até mesmo da moça com quem ele sonhava, sobre a qual
tinham conversado na noite anterior, no estúdio.
— Luana — era como se a espuma estivesse murmurando seu nome —, é
melhor você não falar a Powers a respeito deste beijo.
— Nunca — ela murmurou. — Ele vai embora logo, acredito. Parece que tem
que ir para Roma o mais depressa possível.
— Você vai se encontrar com ele depois?
— Não. Vou ficar na Cornualha, fazendo companhia para Patrícia e posando
para a Ondina. — Ela se afastou um pouco, para fitar os olhos de Eduard. — Quem é
ela, a moça que você não pode ter, que pode fazer com que você vá embora no Pandora
com a metade de um sonho como carga? Preciso saber.
— Talvez você tenha o direito de saber. — Ele afastou uma mecha do cabelo
castanho-avermelhado. — Ela é bem mais jovem do que o pescador calejado que a ama.
Tem um coração que resplandece em seu olhar e beijar sua boca é como beijar uma
rosa. É terna, mas também generosa. Quando a vi pela segunda vez, quase a trouxe
para o meu castelo solitário. Não sei por que não fiz isso, mas naquela ocasião ela não
podia ver a lua porque tinha estrelas nos olhos, e eu queria que ela me amasse. — Ele
parou, continuando depois suavemente: — Se ela não pudesse me amar de livre e
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear

espontânea vontade, havia o Pandora, sempre pronto à minha espera. Se você não
puder me amar, Luana, vou embora com a metade de um sonho.
— Eu?
— Sim, desde o momento em que você se afastou correndo no saguão do Mask
Theatre, ansiosa para estar na platéia antes da entrada em cena de seu ator.
— Mas você foi à Avendon para ver minha irmã. . .
— Fui conhecer uma moça chamada Luana. St. Cyr falou de você e eu fiquei
intrigado por causa do nome, querendo saber se pertencia a uma moça diferente e
encantadora. Luana — ele sorriu —, tendo sangue celta, você deve ter boa intuição. E
mesmo assim não percebeu nada?
— Você nunca foi gentil comigo como era com Patrícia.
— Patrícia é uma criança e um homem não é gentil com a mulher que ama... ele
a deseja tanto que às vezes não pode deixar de ser um pouco cruel. Se você soubesse,
Luana. . . Se você gostasse um pouquinho de mim.
— Mas eu gosto!
O mundo ficou azul de repente, sem nuvens, nem neblina, nem ondas enormes
batendo na praia. Um raio de sol surgiu no oriente e os passarinhos começaram a voar
alegremente.
— Hoje, quando vi Tarquin, fiquei satisfeita porque ele estava bem. . . mas senti
que revivia quando soube que você não estava ferido. Eduard, não é possível amar de
verdade quando não se amou romanticamente. Tarquin foi o romance que tive. . . você
é o meu amor.
Os olhos dele brilharam quando ela lhe revelou o que tanto queria ouvir.
Eduard a abraçou com ternura, e juntos observaram o nascer-do-sol. O dia seria
ensolarado e para eles não haveria solidão.
— Eduard — Luana murmurou —, seu café vai esfriar.

FIM

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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear

Você vai viver uma história emocionante!

SABRINA 153
CORAÇÃO ATORMENTADO
Anne Mather

— O que você esperava? — perguntou Harriet, zangada e muito surpresa. — Que eu me


emocionasse ao vê-lo outra vez? Que esquecesse o porco egoísta que você realmente é? — Sem
refletir, parou na frente de André e esbofeteou aquele rosto de expressão fria e zombeteira.
Harriet tinha se esforçado por reconstruir sua vida desde que ele a abandonara, há oito anos. E
agora, quando estava instalada num chalé no interior da França, certa de que a beleza e a paz
daqueles campos fariam muito bem a seu coração atormentado, André aparecia outra vez em
sua vida. Será que nunca teria paz, que nunca se livraria dele?

Um romance que você não pode perder!

SABRINA 154
CHÃO DE ESTRELAS
Robyn Donald
Para Lorena, verão significava paraíso. Era a época em que ela ia trabalhar em Waiwhetu, na
costa ensolarada e florida da Nova Zelândia, onde as praias eram tranqüilas, e o mar, à noite,
parecia um chão de estrelas. Lá sentia-se inteiramente feliz, até que conheceu Bourne
Kerwood, o compositor de sucesso, o homem que despertou em seu coração as emoções mais
profundas que uma mulher pode experimentar. Por ele, a alma de Lorena ficou doente de
amor, e seu corpo, febril de desejo. Deslumbrada, percebeu que Bourne a queria também...
mas apenas como um caso passageiro, um amor para ser vivido no verão e esquecido depois...

Bianca 60
Doce Ilusão
Hilda Nickson
A carreira antes de tudo! Esta era a vida de Madeline, até aquele homem lhe oferecer a doce
ilusão de um amor!

Toda semana, uma nova emoção!

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