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Violet Winspear
Azuis da cor do mar, tempestuosos como a costa bravia da Cornualha — aquela terra à beira-
mar, ao sul da Inglaterra, povoada de lendas e perigos — , os olhos de Eduard fitavam Luana
com uma força estranha. Ele era um lobo do mar, um homem solitário e forte, disposto a tirar
o melhor da vida. Luana o temia e o amava. Mas não podia se entregar àquele fascínio,
porque em seu peito ardia ainda uma chama de amor por Tarquin, o grande ator de teatro, o
poeta que povoou a solidão de Luana de beijos e sonhos. Eduard. . . Tarquin. . . fantasia e
realidade travando uma luta de morte em seu coração, dilacerando sua alma. . .
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear
CAPÍTULO I
Foi tudo culpa de Taffy — ele entrou no Mask Theatre por uma porta lateral,
que estava entreaberta, e Luana teve que ir atrás. Ela o chamou insistentemente, mas o
poodle continuou correndo, com as orelhas levantadas e abanando o rabo curto. Taffy
gostava de aventuras, por isso passou por alguns cenários, depois disparou na direção
do vasto auditório, dando um latido quando uma voz recitou alguns versos no palco.
A voz maravilhosa parou de repente e Luana, passando por cima de algumas
cordas, chegou ao palco e viu uma figura alta que olhava para o animalzinho que tinha
ousado interromper um ensaio de Hamlet.
— Que incrível, é um poodle! — Uma mulher riu, mas os olhos de Luana estavam
presos no ator, que usava um suéter preto de gola alta. As calças justas, também pretas,
faziam suas pernas parecerem ainda mais longas quando ele se encaminhou com
passos ágeis para um canto do palco, e fixou o olhar não no cachorrinho, mas em
Luana.
Ele a examinou com curiosidade. Os olhos cinzentos, no rosto bem cinzelado,
pareciam assustadores. Luana sentiu imediatamente a graça, a força, o fascínio de um
ator nato, e um arrepio percorreu seu corpo. Sabia que ele era Tarquin Powers;
entretanto, parecia muito humano quando se ajoelhou perto do poodle.
— Este cachorro é seu?
— É de minha irmã de criação. — Intimidada por aqueles olhos cinzentos,
Luana desceu do palco e pegou o cachorro. — Taffy gosta de ficar sem a correia
quando nos aproximamos da margem do rio e é muito curioso quando encontra portas
entreabertas.
— Não somos todos? — murmurou o ator com uma voz grave e excitante. —
Acho que o porteiro estava ocupado com outra coisa, por isso não viu quando
entraram. Vocês dois estão quebrando uma das regras estabelecidas pelos atores para
os ensaios. . . ninguém no auditório.
— Desculpe-me, então, pela invasão.
— Não se preocupe com isto. — Havia tanta magia no sorriso que ele deu, que
Luana sentiu o coração parar de bater por um momento. Era inacreditável que
estivesse conversando com o ator principal de Otelo, peça que ela tinha assistido
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algumas noites atrás. Seu padrasto sempre reservava um camarote para a temporada
inteira, muito concorrida. Mas Luana gostava de teatro pela representação em si, e não
como um lugar ao qual era elegante comparecer quando uma companhia famosa se
apresentava.
— Esteve formidável em Otelo, sr. Powers. — Ela deu um sorriso tímido,
enquanto Taffy se mexia em seus braços. Os outros membros da companhia pareciam
agitados.
— Temos que continuar, tovarish. — Uma mulher alta com cabelo curto e voz
forte aproximou-se. — Diga para esta matushka ir logo embora.
Luana sentiu que todos olhavam para ela, com ar divertido, como se fosse uma
criança. Era claro que não era, apesar do rosto ansioso e dos olhos que ainda
conservavam uma inocência rara.
— Nossa diretora fala e eu obedeço — disse Tarquin Powers, mas havia uma luz
que dançava em seus olhos.
Luana teve a sensação excitante de que compartilhava um segredo com ele.
Aquele homem gostaria de passear nas margens do Avon com ela e o cachorro. Era
incrível que pudesse pensar nisso, mas era o que sentia instintivamente. Nos olhos dele
havia uma expressão que quase a amedrontou. Ele era o ator mais importante da
temporada teatral e tinha a fama de conquistar todas as mulheres, mesmo as mais
renitentes.
Ele olhou para a mulher alta e, por um instante, o rosto enrugado dela pareceu
mais feminino. Ela era Valentinova, uma diretora de teatro que havia fugido da Rússia
alguns anos atrás. Tinha fama de ser excelente, mas também de ser muito dura,
fazendo às vezes com que as atrizes
chorassem e os atores praguejassem. Mas ela parecia ter se rendido aos
encantos de Tarquin Powers.
— Vou me despedir dessa moça e do cachorro. Pode ser que não nos
encontremos de novo, radouchka.
— Você não se corrige! — Valentinova olhou para os outros membros da
companhia e uma moça loira deu uma risada.
— Já estou indo embora. . . — Luana deu as costas para o palco e num instante o
ator estava ao seu lado.
Notou como era alto quando ele colocou o braço ao redor dela e de Taffy,
levando-os pelo corredor do centro do auditório, depois pelo saguão, até a porta
principal do teatro que dava para o rio. O sol estava brilhando e havia no ar os aromas
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podiam até se sentir solitários, apesar de suas vidas agitadas. Ela tinha certeza de ter
notado solidão nos olhos cinzentos de Tarquin Powers.
A casa dos St. Cyr estava localizada numa rua com árvores cheias de dores. A
construção era isolada e bastante grande, com uma entrada em forma de meia-lua e
degraus que levavam à porta da frente. As janelas tinham cortinas de renda e todo o
local achava-se impregnado de um ar de conforto e elegância. Luana nunca se sentiu à
vontade naquela casa. Nem mesmo quando sua mãe ainda era viva.
Enquanto procurava a chave da casa no bolso da saia, um carro esporte parou
na entrada. Do alto da escada, Luana ficou olhando um rapaz sair do carro e abrir a
porta para Charme St. Cyr. Ela saiu exibindo suas pernas bem-feitas e o sorriso que
reservava para os homens bonitos.
— Você quer entrar para tomar alguma coisa, Simon, depois de ter sido tão
bonzinho, levando-me para fazer compras?
— Gostaria muito, querida, mas tenho que aparecer um pouco na fábrica, senão
papai me deserda.
Charme riu, um som alegre e brilhante, que combinava com sua aparência.
— Então nos encontramos hoje à noite, no jantar dos Castles.
— Venho buscar você, Charme.
Luana sorriu quando o rapaz resolveu ser galante, beijando a mão de Charme.
Sem dúvida, ela era a jovem mais bonita de Avendon e seu casaco de pele de leopardo
falava mais sobre sua natureza do que Simon Fox imaginava. Ele entrou no carro,
acenou e desapareceu. Charme subiu lentamente os degraus, recebendo um latido de
boas-vindas ao poodle.
— Alô, querido! — Charme falou com o cachorro. Depois dirigiu um olhar frio
para Luana, reparando no cabelo despenteado. — Você parece que tem dezesseis anos.
Por que não tenta ser mais elegante? Talvez então homens atraentes como Simon Fox
prestem um pouco de atenção em você.
Havia um segredo no sorriso de Luana. Qual seria a reação de Charme se lhe
contasse que Tarquin Powers tinha falado com ela, sugerindo que havia um encanto
em seus olhos?
Luana destrancou a porta e Charme entrou na frente. Dirigindo-se para a sala de
estar, largou os pacotes num sofá e foi preparar uma bebida.
Não ofereceu nada para Luana, uma de suas maneiras sutis de sugerir que ela
não era bem-vinda naquela casa.
— Sei que é sua tarde de folga na loja — disse rispidamente, sem se incomodar
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em gastar seus tons aveludados com a irmã de criação —, mas você não deve se
esquecer de que papai e eu temos uma posição importante nesta cidade e você está
parecendo uma pobre coitada com essas roupas. Você ganha um bom salário na loja de
antigüidades e meu pai sempre foi muito generoso. Tem que se vestir melhor e andar
com o cabelo penteado! Meus amigos acham que você é uma piada.
— Ainda bem que eles se divertem um pouco comigo — disse Luana friamente.
— Já percebi que às vezes eles parecem muito entediados.
— Garotinha impertinente! — Charme olhou para ela com ódio. — Se não fosse
por causa da bondade de meu pai, você estaria morando numa pensão!
— Não me incomodo de ir embora. — Luana levantou o queixo. — Seu pai é que
não quer. Sempre que toco no assunto, ele fala de minha mãe e de como ela ficaria
aborrecida se soubesse. Ele tem medo de que as pessoas achem que não liga para mim.
. . como se alguém fosse se incomodar com isso! E minha mãe morreu há cinco anos!
— É uma prova da generosidade de meu pai o fato de ele ter se casado com sua
mãe e cuidado não só dela como também da filha ilegítima.
Luana sentiu a chicotada das palavras de Charme, uma arma que a irmã usava
desde que descobrira que a mãe de Luana, uma irlandesa muito bonita, tinha tido um
amor insensato na vida e que havia se casado com Stephen St. Cyr por desespero, ao
perceber que sofria de uma doença cardíaca que finalmente a matou. Nessa época
Luana tinha sete anos, e a mãe, Catarina, era muito alegre e corajosa. St. Cyr, um viúvo
com uma filha de dez anos, apaixonou-se por ela, livrando-a do trabalho pesado que
tinha de fazer para manter a filha. Por isto Luana lhe era grata. Por causa dos poucos
anos de conforto que ele deu à sua mãe, ela não se incomodava em morar naquela casa
e suportar a hostilidade de Charme.
Charme não entendia que alguém pudesse viver sem a admiração das outras
pessoas, especialmente a dos homens. As duas moças olharam-se por um instante e,
como Luana desviou o olhar, Charme sacudiu os ombros, terminando seu drinque.
— Espero que você procure parecer mais atraente na minha festa de aniversário.
Convidei as pessoas que têm alguma importância, e isto inclui um sócio de meu pai,
que vem da Cornualha. Eu queria que se hospedasse aqui, mas ele já reservou seu
apartamento no Hotel Bard and Harp. Um homem que só faz o que quer. . .
Luana não estava prestando atenção. Os amigos e os conhecidos dos St. Cyr não
a interessavam. Enquanto olhava pela janela, pensava no encontro com o ator de olhos
cinzentos, desejando que tornassem a se encontrar.
Naquele momento o telefone tocou e ela sentiu-se aliviada quando Charme saiu
da sala para atender. Luana podia ouvir a voz dela vindo do hall, animada e
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Na sexta-feira, Luana teve um dia muito agitado na loja, pois a estação turística
estava começando. A região atraía muita gente de fora, que vinha para ver as peças e os
atores que se apresentavam em Stratford e no histórico Mask Theatre, em Avendon, e
também para conhecer o velho castelo. Avendon ficava entre Stratford e o castelo, de
modo que era um ponto de parada para o almoço e para um passeio pela cidade, com
suas casas com madeiramento à vista e suas lojas pitorescas.
A direita ficava o rio, com as ameixeiras cobrindo a ponte Weir. Luana adorava
o lugar e conhecia bem o atalho sombrio que levava ao Old Míll Loft, onde muitas
vezes comia sozinha, olhando a água que passava pela roda do moinho, um dos
encantos do lugar.
O garçom levou-a para uma mesa num vão perto de uma janela, e ela estava
resolvendo o que escolher quando viu três pessoas sentadas numa mesa um pouco
adiante. Seu coração bateu mais depressa. Não havia como confundir a cabeça escura
erguida com segurança e também com um pouco de orgulho. Era Tarquin Powers.
Ficou abalada ao vê-lo, como se isto fizesse parte do destino, embora soubesse
que os atores do Mask costumavam ir ao Mill para comer ostras e tomar cerveja. A
tradição era tão antiga quanto Shakespeare.
— Oh. . . — exclamou, extasiada.
O garçom deu um sorriso, como se estivesse se divertindo com a admiração dela
pelo famoso ator.
— Ele está comendo ostras — murmurou o garçom. — Mas não como aquelas
que servíamos antigamente. São congeladas, senhorita. É por isso que podem ser
vendidas fora da temporada.
— Quero um filé com batatas fritas — ela resolveu. — E um copo de cerveja.
— Sim, senhorita.
O garçom foi embora e Luana ficou olhando para Tarquin Powers. A seu lado
estava uma moça que ela tinha visto no teatro e um outro homem que lhe ensinava
como tirar a ostra da casca. Tarquin Powers olhava com ar divertido para a bela atriz.
Luana apoiou o queixo na mão e ficou pensando em como seria bom ser bonita e
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se sentir admirada por um homem tão favorecido pelos deuses. Suspirou, certa,
naquele instante, de que era uma daquelas pessoas destinadas a ser apenas espectadora
dos amores e cios dramas dos outros. O mais estranho era que nunca tinha se
preocupado com isto antes e muito menos desejado o que lhe parecia inatingível.
O garçom trouxe-lhe o filé e a cerveja, e ela estava comendo quando os atores se
levantaram da mesa. Foi então que Tarquin Powers olhou para o vão onde Luana
estava quase escondida, como se sentisse sua presença. E ele a reconheceu. Dois passos
largos o levaram para junto da mesa.
— Pierrete! — exclamou. — A moça do poodle!
— Sim. — Ela sorriu timidamente; sem Taffy para segurar como se fosse um
escudo, ela se sentia exposta à atração daquele homem, ao espanto de que ele pudesse
se lembrar dela.
— Jantando sozinha? — Ele levantou uma sobrancelha, espantado. — Você
gosta de sua própria companhia, não é, Pierrete?
— Já estou acostumada — ela respondeu, esperando que não houvesse sinais de
queixa em sua voz. — Quero dizer, é melhor ficar sozinha do que se sentir demais
entre gente que não entende ou não gosta das mesmas coisas.
— Sim, sei o que você está querendo dizer.
— Vamos embora, Quin! — a moça que estava com ele chamou.
O ator olhou para o relógio, murmurando alguma coisa.
— É melhor você ir para não se atrasar. — Luana sorriu com alegria, embora
soubesse que sempre haveria alguém para afastar Tarquin Powers dela.
— Você tem lugar para a peça desta noite? — ele perguntou.
— É claro. Não quero perdê-lo como Petrúcio.
— Espero que você goste. E agora é melhor eu ir embora, antes que
ela comece a jogar coisas em mim! Au revoir, Pierrete!
—- Até logo, sr. Powers.
Ele saiu do restaurante com os outros atores e Luana tornou a ficar sozinha.
Ainda podia ver o rosto dele a seu lado, tão viril e atraente.
Estremeceu. Como ele era maravilhoso. E ainda por cima, delicado.
Por fim pagou a conta e se dirigiu para o teatro com os olhos brilhando.
As luzes estavam todas acesas, refletindo-se no rio; sobre a marquise brilhavam
os nomes dos atores que faziam o espetáculo daquela noite, A Megera Domada.
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Luana olhou para Charme, uma figura fria e elegante num vestido caro. Estaria
ela interessada naquele homem? Neste caso, era uma surpresa para Luana. Charme
geralmente gostava de mandar, e Eduard Talgarth parecia ser dono de cada centímetro
de seu corpo.
Naquele instante, as luzes do teatro começaram a se apagar e as cortinas se
abriram. O coração de Luana bateu mais depressa esqueceu imediatamente o estranho
moreno para se concentrar apenas ao palco, no cenário, nos atores com suas roupas
coloridas. Esperava ansiosamente o momento em que Tarquin Powers fosse entrar em
cena como Petrúcio, um homem à parte, mais bonito e mais vivo do que os outros; no
entanto era real para ela porque lhe tinha sorrido, falado com ela, chamando-a de
Pierrete.
Não tinha sido um sonho e nos olhos dele havia a promessa de encontrá-la de
novo em Avendon.
Mas não seria naquela noite. Depois da última chamada em cena, os aplausos
calorosos diminuíram, e Tarquin Powers foi literalmente atacado na porta do teatro.
Luana perdeu-o de vista na multidão de fãs e, com um sorriso, levantou a gola do
suéter para se agasalhar melhor e foi para casa debaixo de uma garoa fina.
Na entrada da casa estava um Lancia preto, evidentemente do homem que
procurava evitar. Tentou a porta da cozinha, que felizmente estava destrancada. Entrou
muito devagarinho, tomou um copo de leite gelado, depois atravessou o hall na ponta
dos pés, em direção à escada. Ouviu uma voz grave, o barulho das xícaras de café e,
por fim, a risada de Charme.
O sr. Eduard Talgarth estava sendo muito bem recebido naquela casa.
Luana deu uma mordida numa das bolachas que estava levando para o quarto.
Pretendia estar dormindo profundamente quando Charme subisse. Depois da magia
de ver Tarquin Powers, não estava disposta a ouvir um sermão por causa do estranho
da Cornualha.
CAPÍTULO II
Era o dia do aniversário de Charme St. Cyr e a casa estava muito agitada.
Lâmpadas coloridas acompanhavam a entrada de carros e os membros de uma
pequena orquestra tinham acabado de chegar com seus instrumentos. O bufê tinha
sido arrumado na sala de estar, onde as bebidas iam ser servidas. A sala de visitas
estava sem os móveis e os tapetes, preparada para as danças. As portas-janelas estavam
abertas para o jardim, todo iluminado.
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Charme se sentia feliz porque a noite estava boa, e encantada com sua fantasia,
que era a de uma dama do século XVIII. A máscara que tinha acabado de
desembrulhar era antiga, com o cabo cravejado de pedras preciosas... um presente do
novo amigo moreno, com um aspecto um tanto perigoso, que tinha vindo da
Cornualha para assistir à festa. Os convidados deviam vir fantasiados. Luana tinha
ajudado a enviar a maioria dos convites, mas Charme misteriosamente tinha mandado
mais alguns no sábado.
Luana levantou a máscara até os olhos e observou Charme, perguntando-se
novamente se Eduard Talgarth fazia parte dos pianos da irmã.
— Você está com um ar estranho! — Charme quase arrancou a mascara das
mãos de Luana. — Seja um amor e leve Taffy para dar uma volta. Ando tão ocupada
que não tenho tido tempo para ele.
Luana encontrou o poodle debaixo do piano, latindo para um dos membros da
orquestra. Pegou-o no colo e estava saindo pela porta da frente quando o padrasto
chegou.
— Onde você vai, Luana?
— Charme pediu que eu levasse Taffy para dar uma volta.
— Ela está animada? — Stephen St. Cyr deu um sorriso. — Bem, não demore
muito. A festa vai começar às oito e meia.
— As lâmpadas ficaram muito bonitas.
— Ficaram, sim. — Ele agradou o cachorrinho. — Talgarth vem hoje à noite,
Luana. Gostaria que você fosse... mais amável. Ele é um homem bastante importante e
eu fiquei muito aborrecido naquela noite em que você foi embora correndo. Você não
precisa ter medo dos homens, Luana. Não deve deixar que o erro de sua mãe. . . Bem,
você sabe o que quero dizer. Não queremos que você fique solteira. — Ele riu, olhando
rapidamente para o cabelo avermelhado de Luana que caía liso até o ombro, como o da
mãe. — Você não é feia. Tem um ar de duende que alguns homens apreciam muito.
Luana ficou espantada com esta conversa. Seu padrasto nunca lhe havia dito
antes que ela tinha bom aspecto.
— Prometo não atrapalhar. Eu me afastarei se estiver incomodando.
— Luana! — Os olhos azul-claros estavam brilhando. — Isto não é maneira de
falar comigo. Só quero o seu bem!
Ele não a tratava tão mal quanto Charme.
— Vou dar uma volta com Taffy perto do rio, mas volto logo — prometeu.
Ele concordou e Luana sentiu que a olhava enquanto descia a escada com o
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cachorrinho pulando a seu lado. Seu padrasto queria muito que Eduard Talgarth fosse
bem recebido, o que significava que ele era rico e talvez até um genro em perspectiva.
Luana achava que Charme não se casaria por amor. Ela poria o interesse material antes
do romântico, pois sempre dera a impressão de que considerava o amor um sentimento
rudimentar e selvagem.
Enquanto passeava na margem do rio, Luana começou a imaginar, sem querer,
o que o cornualês moreno achava do amor. . . ele parecia também muito selvagem.
Do outro lado do rio estava o teatro iluminado e ela desejou ardentemente
poder conversar de novo com Tarquin Powers. Ele agora devia estar no camarim,
preparando-se para uma outra peça. Luana adoraria vê-lo num novo papel, mas não
ousava deixar de ir à festa de Charme.
Era uma loucura sentir-se tão romântica por causa de um estranho, mas não
podia se impedir. Era tão emocionante que ele tivesse reparado nela, sorrido para ela,
dito algumas palavras amáveis. Iria se lembrar disso tudo depois que ele deixasse
Avendon. . . Naquele instante, percebeu que um carro esporte tinha parado perto do
meio-fio e que o motorista estava olhando para ela. O "rosto do homem estava na
sombra, mas Luana sentiu o impacto de seu olhar.
Taffy saiu correndo em direção ao carro estacionado e ela teve que se virar para
chamar o cãozinho. Foi então que viu o homem. Ele estava inclinado, brincando com
Taffy, que abanava a cauda em sinal de reconhecimento.
Luana ficou aborrecida quando reconheceu o rosto celta moreno e vigoroso, o
cabelo preto agitado pela brisa. Taffy estava apoiado nas patas traseiras, cheirando a
mão de Eduard Talgarth.
— Boa tarde, srta. Perry — disse ele. — Parece que o Mask Theatre a fascina. —
Havia um pouco de zombaria na voz dele, como se estivesse caçoando.
— Trago sempre Taffy aqui para correr por entre as árvores. O campo fica um
pouco distante.
— Você deveria conhecer a Cornualha. . . Taffy ia adorar, pois poderia correr à
vontade pelas charnecas. Quilômetros delas, cobertas de urzes suficientemente altas
para encobrir uma moça, imagine um poodle.
— Acho que nunca terei o prazer, sr. Talgarth, de me esconder nas urzes da
Cornualha.
— Quem pode dizer o que vai acontecer, Luana Perry? A vida dá voltas
estranhas, mas você é ainda muito moça para saber.
— Tenho dezenove anos e sempre soube que a vida pode ser bem triste, sr.
Talgarth.
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— Não, Luana. — Agora ele estava falando com seriedade e seus olhos
brilhantes prenderam os dela. De repente, um casal se aproximou às gargalhadas,
rodeou a árvore e depois passou entre eles. Tarquin tirou a máscara; seu rosto,
iluminado pelo luar, mostrava sinais de tensão.
— Vamos sair desta casa de loucos. Onde podemos ir?
— Pela porta lateral, em cinco minutos estaremos no rio.
— Vamos, então!
— Podemos ir assim? — Ela riu enquanto tirava o chapéu, soltando os cabelos.
— Sim, por que não? — Ele a pegou pela mão e saíram da festa de Charme,
afastando-se rapidamente da casa, como se tivessem muito pouco tempo para ficar
juntos.
— Você se incomoda se eu a raptar?
Luana sacudiu a cabeça, pensando rapidamente naquele outro homem que
parecia capaz de fugir com uma moça. Com outras moças, nunca com ela. Entretanto lá
estava ela, à meia-noite, com o cabelo voando enquanto corria com Tarquin em direção
ao rio.
Estremeceu, mais de excitação do que de frio, e Tarquin envolveu-a com a capa,
mas ela não teve coragem de levantar os olhos. As mãos dele, quando â tocaram,
pareciam as mãos de alguém apaixonado, mas seria loucura sonhar que ele queria mais
que uma amiga, alguém com quem pudesse falar sobre cisnes e torres.
Por fim chegaram diante do teatro, agora escuro e vazio. Um cisne solitário
nadava à luz do luar, como um fantasma.
— Como é que você se sente num palco, diante de uma platéia cheia?
— É terrível — ele respondeu imediatamente. — Nos primeiros momentos, é
como se eu estivesse no inferno, no dia do juízo finai.
Mesmo o ator mais experiente acha que vai esquecer as falas, tropeçar em
alguma coisa, desagradar os espectadores. O alívio imenso quando se começa a falar, a
alegria quando se sente o calor da platéia. . . é tangível, Luana, como o sal no ar do mar.
É uma sensação maravilhosa. Não se deseja nada mais. Atinge-se as estrelas.
Quando ela olhou o perfil delineado pelo luar contra o céu escuro, percebeu que
o amava acima de tudo, desde o momento em que o ouviu falar pela primeira vez,
tocando seu coração tão sedento de amor.
Eles se olharam por um instante.
— Você não se parece com sua irmã — disse ele com ternura.
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— Bem, não somos parentes. O pai dela casou-se com minha mãe, mas fora isto
temos muito pouco em comum. Charme é considerada a beldade de Avendon, mas,
embora eu admire a beleza dela, não nos damos muito bem. É o caso do animalzinho
de estimação que vive junto de um gatinho sem dono. Charme gosta de almofadas e de
creme, mas eu me contentaria com... — Luana mordeu o lábio, pois estava para dizer
"afeição". Ninguém a amava desde a morte da mãe, apenas cuidavam dela no sentido
material.
Tarquin ouvia atentamente e de repente Luana estava se abrindo:
— Não quero ser ingrata aos St. Cyr. Stephen foi bom para Catarina, minha mãe.
Nunca conheci meu pai. Tudo o que sei é que era soldado e Catarina o amava. Sempre
disse que ele pretendia se casar com ela, mas foi mandado para fora do país e pouco
depois foi morto. Ela era empregada na casa da mãe dele, por isto não ousou contar seu
segredo a ninguém. Preferiu ir embora e, durante sete anos, fomos felizes vivendo
juntas, apesar de pobres, até que ela se casou com Stephen St. Cyr. Enquanto eu estava
num colégio interno, minha mãe ficou doente e morreu. . . Tarquin, você acha que devo
me envergonhar porque meus pais não eram casados? Charme pensa que sim. Ela acha
embaraçoso viver comigo.
— Na vida, as coisas muito vistosas geralmente são vazias, Luana, são velas
diante do sol. — Tarquin acompanhou o contorno do rosto dela com os dedos. — Uma
criança nascida do amor é o próprio amor, Pierrete. É como uma taça cinzelada com os
mais belos desenhos. Cheia até a borda com um vinho tépido. É o que somos, Luana...
o que fazemos de nós mesmos é que conta.
Ouvindo estas palavras, ela soube imediatamente que nunca mais se magoaria
com as palavras da irmã de criação. Parecia um sonho que estivesse ali com o grande
Tarquin Powers. Tinha a sensação de que correspondia a alguma necessidade dele;
uma volta à juventude, talvez, em busca da inocência perdida.
"Você deveria se chamar Alice", Charme lhe havia dito uma vez. "Num
momento parece que você está no País das Maravilhas, e no momento seguinte é como
se estivesse tomando chá com o Chapeleiro Maluco."
Luana sorriu consigo mesma. Charme não percebia que a vida era uma
maravilha e, ao mesmo tempo, uma loucura?
— Por que você está sorrindo? — Tarquin tocou-lhe o rosto e ela estremeceu,
pois não estava acostumada com isso.
— Gostaria de saber se minha irmã percebeu que fugimos da festa.
— Espero que sim. Isto lhe ensinará que o encanto dela não é tudo e que as fadas
pequeninas têm muito mais magia.
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— O quê, Tarquin? — Seu coração batia desesperadamente, pois sabia que podia
ficar muito ferida caso se apaixonasse por aquele homem. Mas queria amá-lo, aceitar os
momentos que ele podia lhe oferecer fora do teatro e com eles viver uma vida de
sonho.
— Que me sinto muito sozinho, Luana, mesmo quando estou rodeado de gente.
Acho que você já compreendeu isso. Você pensa com o coração, não é verdade?
— Sim. — Lembrou-se de Catarina, que também era assim. Lembrou também
que, naquele mesmo dia, St. Cyr havia dito que ela não devia ter medo dos homens por
causa do erro de sua mãe. Como podia temer alguma coisa nos braços de Tarquin se só
sentia felicidade?
— Preciso levar você para casa. Vai chover de novo.
Voltaram correndo. Quase todos os carros tinham ido embora, muitas lâmpadas
coloridas estavam apagadas e alguém tocava um disco.
— Não se esqueça — Tarquin murmurou, apertando a mão de Luana.
— Não. — Ela lhe entregou a capa, sentindo-se emocionada com o segredo que
partilhavam.
Ninguém podia saber que ia passear no domingo com Tarquin Powers.
A curiosidade dos outros só estragaria o que para eles era maravilhoso. Ele se foi.
Entrou correndo e, no hall, encontrou Charme que se despedia do cornualês.
— Luana?
— Uma festa ótima, Charme! -— Ela deu um sorriso travesso. — O senhor
também se divertiu, sr. Talgarth? — Virou-se para ele, o cabelo muito liso, os olhos
brilhando de felicidade.
— E você?
Luana percebeu pelo seu olhar, tão penetrante, que ele tinha notado que saíra
com Tarquin.
— Sim, muito. — Nos olhos dela havia desafio, pois que direito tinha ele, um
estranho, de censurá-la? Será que achava que ela devia ficar num canto, recebendo
apenas a caridade dos St. Cyr? Como o odiava! Ele era arrogante. . . um daqueles
homens que pensavam que só os privilegiados tinham direito a amar. — O senhor vai
ficar muito tempo em Avendon? — ela perguntou com voz muito Ma. — Ou está
ansioso para voltar para seu castelo?
Ele estreitou os olhos e por um instante ficaram sozinhos, pois Charme estava
conversando com amigos do pai. Levantando a cabeça, Talgarth a fitou, as
sobrancelhas pretas formando uma linha perigosa, os olhos brilhando como fogo.
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CAPÍTULO III
Ela não podia falar, não podia perguntar por que aqueles beijos eram perigosos.
Ficou olhando para ele, aninhada em seus braços, percebendo, entretanto, como o rosto
dele estava tenso.
— Pierrete — ele falou com a boca de encontro ao cabelo dela — você nunca se
perguntou por que combati esta. . . por que tentei convencer de que não podíamos ser
nada mais do que amigos? Não posso pedi-la em casamento.
Por um instante, ela ouviu apenas as batidas de seu próprio coração, mas de
repente a verdade começou a tomar forma, antes mesmo que ele falasse.
— Sou casado, Luana — disse ele simplesmente. — Você nunca desconfiou?
Você nunca se perguntou por que não a beijava? Você pensava que não me atraía?
— Nunca. . . ninguém falou de sua esposa, Tarquin.
— Só meus amigos mais íntimos sabem que sou casado. — Com um suspiro, ele
ajudou Luana a levantar-se, depois voltaram para a ponte.
Tarquin acendeu um isqueiro e logo encontrou o anel que ela havia jogado no
chão... prevenida por algum instinto de que ele não tinha o direito de lhe dar aquele
anel.
— Por favor, Luana — ele lhe estendeu o anel —, use no dedo que quiser. Não
tem importância. Entre nós só pode existir amizade, embora gostemos um do outro.
— Por que ninguém fala de sua esposa? — Ela tinha que saber todo o segredo.
— Vocês vivem separados?
— Sim. Casamos quando eu estava começando a carreira; quatro anos depois ela
ficou doente e teve que ser internada num hospital para doenças nervosas na
Califórnia. — Ele suspirou. — Ela é italiana, muito bonita e não pode mais voltar a ser
minha mulher. . . mas será minha esposa até a morte de um de nós. Na época em que
casamos, eu estava tão apaixonado que adotei a religião dela. Você sabe o que isto
significa, Luana?
— Sim — murmurou e suas mãos estavam tremendo quando colocou o anel no
dedo. Ela o usaria para sempre. Era tudo o que podia ter dele. — Sim, sei todas as
implicações, Tarquin, e estou muito triste. Pensei que você se mantinha reservado
porque eu não combinava com o seu mundo no teatro. . . e também me achava muito
jovem, muito ingênua e até feia demais. . .
— Ninfa adorada — ele a pegou pelos ombros —, como é que você pode ser feia
com esses olhos cor de violeta? Como poderia não me afeiçoar com seu sorriso, sem
nenhum dos artifícios que vejo todos os dias? Menos nesses domingos tão
maravilhosos. . . Nesses passeios de que nunca me esquecerei. . .
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amedrontada.
— Tarquin, vamos sair daqui. . . — Luana estava ofegante. — Tem mais gente no
jardim. . . por favor!
— Por favor? — ele caçoou. — As regras têm que ser obedecidas, não é?
— Que regras?
— As das convenções, minha querida. Ou de repente você ficou com medo do
meu amor?
— Você está sendo cruel!
— O amor é cruel. — Ele a puxou para fora do campo de visão das três pessoas
que chegavam para almoçar naquele jardim. — Por que fingir que é fácil sermos
amigos? Olhamos um para o outro, Luana, e as pessoas simplesmente deixam de
existir. Por que negar, feiticeirinha, que seus olhos tomam conta de mim cada vez que
se encontram com os meus?
— Não. . . — Ela não podia negar o que seus olhos revelavam. — O que sinto me
amedronta, Tarquin.
— Ah, Luana! Você acha que eu também não tenho medo, minha querida? Que
não vou sofrer ao me despedir de você . . alguém que não deveria pertencer a mais
ninguém além de mim? Alguém que devo deixar, e que mais tarde talvez torne a
encontrar o amor com outro homem?
Tarquin encostou o rosto no cabelo dela, abraçando-a com força, e
imediatamente Luana percebeu o que ele ia lhe pedir. Havia alguma coisa na atmosfera
que dava a impressão de que estavam num cenário preparado para a pergunta que ele
ia fazer e para a resposta que ela ia dar.
— Quero que você vá para Roma comigo — disse ele. — Não agüento mais ficar
sozinho. Não agüento mais o vazio de não ter alguém que goste de mim como eu sou e
não como um ídolo. Quero que você fique comigo, Luana.
Ela virou a cabeça lentamente, pressionando os lábios contra a mão fina que
estava segurando seu rosto. O beijo silencioso foi a resposta que deu.
— Minha querida! — Ele a beijou com ardor, murmurando palavras de amor.
Ela fez força para ouvir somente isto, para ver apenas o rosto dele.
Seria insuportável ver o rosto de Catarina, censurando-a. . . e havia também um
outro rosto, moreno, forte e muito celta, advertindo-a, que ela tentou afastar. A vida era
dela. Tarquin era a única pessoa no mundo que se incomodava com ela.
— Tarquin, é melhor irmos embora.
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— Oh, olhe as estrelas. Estão tão paradas, tão distantes. . . Elas me amedrontam
um pouco.
— Você é estranha...
— Aposto como você não diria isso para suas fãs.
— Minhas fãs não estariam a meu lado falando de estrelas.
— Elas querem uma coisa em especial, então?
— Você quer que eu mostre? — Com um movimento suave, Tarquin parou o
carro no acostamento e tomou Luana nos braços, provocando-a com seus beijos. De
repente ele estremeceu. — Luana. . . Luana querida, é justo pedir que você desista de
tudo por minha causa? De sua casa, da possibilidade de encontrar alguém que possa se
casar com você. . .
— Eu amo você. — Ela tocou no rosto dele. — Não tenho medo do futuro e a
casa dos St. Cyr nunca foi o meu lar.
— Gostaria de me casar com você, menina. Estou seguro do que sinto, Luana,
porque sou bem mais velho e porque já fui casado. Mas você também está segura de
seus sentimentos? Não é apenas uma ilusão?
O coração dela bateu mais depressa. . . tome cuidado. . . um deles pode iludi-la e
você vai sofrer. . .
— Não! — A palavra saltou de seus lábios antes de Luana encostar o rosto no
ombro de Tarquin. — Não fico segura de nada quando não estou em seus braços. Aí
então eu me sinto bem, porque sei que você precisa de mim. Não significo nada para
ninguém mais. Não há mais ninguém que me queira. . .
— Será que você não está confundindo solidão com amor?
—- Beije-me — ela murmurou — e descubra a resposta.
Luana voltou para casa muito tarde. Uma lâmpada brilhava no hall e, quando
ela se dirigia para cima, uma voz chamou-a:
— É você, Luana? — Seguiu-se uma pausa, como se Charme estivesse olhando
para o relógio. — Venha cá um instante. Quero falar com você.
Luana já estava esperando por isso desde que alguns amigos de Charme a
tinham visto com Tarquin numa confeitaria. Dando um sorriso resignado, entrou na
sala e encontrou a irmã sentada num dos sofás, fumando um cigarro.
— Onde você esteve? — ela perguntou com voz divertida. — Já é muito tarde e
não é a primeira vez que você chega procurando não chamar a atenção de ninguém.
— Isso não é verdade. Se eu quisesse evitar você ou seu pai, teria entrado pela
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Cornualha.
— Se você arranjar algum problema — continuou, com despeito —, não venha
correndo atrás de mim ou de meu pai. Sua boba, homem nenhum do mundo vai querer
alguma coisa com você além de se divertir um pouco. Olhe-se no espelho! O cabelo
todo despenteado, baixa, sem pintura nos lábios... ou será que o batom saiu com os
beijos que vocês trocaram, num carro parado em alguma estrada?
Charme tinha se aproximado da verdade, mas não sabia daqueles momentos de
doce tormento nos braços de Tarquin, quando ele lhe perguntou se ela tinha certeza de
amá-lo; quando ele falou de uma ilusão que podia impedi-la de ver o que realmente
desejava.
Ela olhou para Charme, bem consciente do futuro, dos problemas que teria que
enfrentar e de uma promessa de felicidade.
— Não se preocupe, Charme. Se eu precisar de ajuda ou mesmo solidariedade,
não virei procurá-la. Prefiro uma pessoa estranha.
Entrando no quarto, Luana lembrou-se das palavras de Tarquin: "Quero você.
Não agüento mais ficar sozinho. Quero que você fique comigo..."
Isto queria dizer que ele a amava?
CAPÍTULO IV
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear
para casa, pois não havia mais nada que pudessem fazer. Só podiam esperar que o
trabalho do cirurgião operasse seus milagres.
Chegando em casa, Luana foi imediatamente para o quarto, onde Taffy a
esperava. Pegando o cachorrinho no colo, ela se sentou perto da janela com a imagem
do homem cheio de curativos, deitado muito quieto numa cama de hospital. Era
insuportável pensar nisto, pois naquela mesma noite ele devia ter triunfado no papel
que queria tanto interpretar. . . o de Hamlet.
— Boa noite, príncipe adorado — murmurou. — Que Deus o proteja.
No dia seguinte, Luana pôde ver Tarquin por alguns minutos. Ele já estava
melhor e reinava a esperança no quarto tranqüilo. Uma enfermeira acompanhou-a até a
cama do doente, com um sorriso um tanto espantado.
— Ele é tão bonito. . . — comentou a enfermeira.
Luana logo imaginou o que ela estava pensando: um homem como ele devia
estar noivo de uma mulher lindíssima. A ansiedade havia acentuado os contornos de
seu rosto e ela estava tão pálida que um beijo deixaria uma marca. Seus olhos pareciam
pisados como flores depois de um dia de chuva.
Ela se sentou numa cadeira ao lado da cama, sabendo que não devia tocar nele,
embora quisesse dar um beijo no rosto cavado, envolto em curativos. Pouco depois
Tarquin abriu os olhos. Fitou-a diretamente, demorando-se em cada traço de seu rosto,
como se não a reconhecesse.
Luana tentou não ficar alarmada. A enfermeira tinha avisado que Tarquin podia
levar vários dias para reconhecer as pessoas e até para se lembrar de sua própria
identidade. Ele tinha sofrido uma fratura no crânio e, embora a pressão tivesse sido
suprimida, ainda estava em estado de choque.
— Alô, querido — ela murmurou, mas ele continuou a fitá-la com os olhos
inexpressivos e pouco depois adormeceu de novo.
Quando saiu do hospital, Luana foi dar uma volta pelo rio. Era triste olhar o
Mask, com uma lona cobrindo o que restava do telhado e avisos enormes anunciando
que o teatro estava fechado para reforma. Enquanto isso, a companhia ficaria de férias.
Alguns atores iam voltar para Londres.
Luana foi até a loja para se encontrar com Kay. Não puderam conversar muito,
pois Leonard Wells, o patrão, estava atendendo um freguês.
Entretanto, Kay conseguiu sussurrar que outra moça viria substituir Luana na
segunda-feira.
— Não sabia que você ia embora -— ela acrescentou, com ar magoado. — Podia
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ter me contado.
— Eu ia contar. . . — Luana lembrou-se de seus planos de ir embora com
Tarquin para Roma, que os esperava com a promessa de uma vida nova. Agora ia levar
algumas semanas até que ele pudesse viajar e ela estava sem emprego. Bem, ainda
tinha o correspondente a duas semanas de férias e um pouco de dinheiro economizado.
E seria bom estar livre para ver Tarquin quando quisesse.
— Srta. Perry! — Leonard Wells aproximou-se, entregando-lhe um envelope
com o salário, mais o correspondente a quinze dias de férias. — É uma pena que você
vá embora.
— Muito obrigada, sr. Wells. Gostei muito de trabalhar aqui. . .
Ambos hesitaram, como se ele quisesse detê-la e ela esperasse as palavras que a
manteriam no emprego. Mas ele continuou, com um pouco de pesar:
— Já contratei outra moça. Ela parece inteligente e se interessa por antigüidades.
— Que bom! — Luana sorriu. — Tenho certeza de que vai se dar muito bem
aqui. Até logo, senhor!
Saiu rapidamente, encerrando um capítulo de sua vida. A moça que tinha sido
ficou entre os enfeites de cobre e a figura de porcelana. Alguém um pouco mais velha
pisou na calçada para ir se encontrar com Ann, no Lemon's.
Enquanto tomavam chá, Ann falou de seus planos, que incluíam a representação
de uma tragédia grega.
— A Grécia deve ser um lugar maravilhoso — comentou Luana. A Grécia,
Roma, o mundo inteiro. Esses lugares eram a arena de Tarquin e Luana sentiu de
repente que nunca se tornariam realidade para ela. Era um sonho, como talvez fosse
também o amor de Tarquin. E se ele se esquecesse completamente da mocinha de
Avendon, tão inocente que mal conhecia a vida que ele levava com pessoas como Ann?
— Atenas — continuou Ann —, fora as ruínas do templo e o teatro clássico, é o
lugar mais barulhento do mundo. Nós gostamos de música animada e das danças, mas
não achamos ruim fugir do tráfego agitado e das buzinas. Em comparação, Londres é
um lugar muito tranqüilo. O pessoal de teatro gosta das luzes, mas há ocasiões em que
daríamos nossas almas por um pouco de paz.
— O que acontece quando vocês se cansam da tranqüilidade? — Luana sorriu,
mas havia um tremor nervoso em seus lábios.
— Voltamos para as luzes brilhantes, como mariposas. — Ann deu uma risada,
depois olhou para Luana com ar sério. — Você parece muito preocupada, mas garanto
como ele vai ficar bom. — Deu um tapinha na mão de Luana, tocando o anel. — Foi
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear
CAPÍTULO V
— Está bem! Powers sofreu uma fratura no crânio, provocada pelo raio e pelo
trovão, coisas sobrenaturais, que fazem parte das peças que ele costuma representar.
Os atores são pessoas estranhas, mocinha. Vivem seus papéis dentro e fora do palco.
Veja esse negócio de Nina, a mulher dele. Ele a amou, talvez ainda a ame, mas há
ocasiões em que quer que ela fique fora de sua vida. Isto cria uma barreira de culpa,
que foi o que aconteceu na noite passada. Powers precisava encontrar Nina. . . por isso
pus você ao lado dele, e ele pensou que você fosse Nina. E agora é muito provável que,
quando se recuperar, esqueça-se de você e de tudo o que significou para ele.
O coração de Luana bateu com toda a força. Ela estava exausta, mas todos os
seus sentidos permaneciam alerta.
— Você quer dizer que, por causa desse sentimento de culpa, Tarquin pode me
excluir da vida dele?
— Você deve estar preparada para isto — Strathern avisou.
— Na noite passada, eu o salvei porque ele pensou que eu fosse Nina. Você está
dizendo agora. . . — Mas ela não conseguiu pronunciar as palavras. Era doloroso
demais.
— Se ele não a reconhecer quando a vir — explicou Hugh Strathern —, não vai
se lembrar de que a amava. Por isso, é melhor não ficar por perto, sofrendo.
— O que vou fazer? — ela perguntou, muito triste. — Para onde vou? Tínhamos
planejado, Tarquin e eu, ir para Roma.
— Você teria sido realmente feliz? — perguntou o cirurgião, sem nenhuma
cerimônia.
Ela hesitou, pois alguma coisa no homem a obrigava a dizer a verdade.
— Eu o amo, é tudo o que sei.
— Se ele a reconhecer, você irá embora com ele?
— Sim. . . se ele me quiser. — Ela encontrou os olhos do cirurgião. — Você acha
que não estaria certo e que no fim Nina surgiria entre nós?
— Inevitavelmente. Entrei em contato com a clínica em Los Angeles. Não é o
fato de Nina poder se recuperar. . . o fato de ela não poder é que vai fazer com que o
sentimento de culpa que Powers tem acabe se tornando intolerável para você.
Luana ouvia em silêncio. O que aquele homem estava lhe dizendo era a mais
pura verdade.
— Você é jovem — ele continuou. — Vá procurar um outro lugar para morar,
um outro amor para ajudá-la a esquecer. Agora você precisa dormir. Vá para casa
descansar, e talvez eu ache alguma coisa para você fazer.
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear
— Você?
— Sim, mocinha. Este velho clínico, que já esteve apaixonado. Fomos casados,
Sheila e eu, mas a perdi quando nossa filha nasceu.
— Eu não sabia. Lamento muito.
— Não gosto de falar nisto. Patrícia está na escola. . . uma espécie de convento
na França. . . e daqui a duas semanas ela vai entrar de férias. Ela é muito delicada.
Gostaria que passasse as férias perto do mar. Talvez. . .
— Talvez o quê?
— Bem, vamos esperar um pouco. Ver o que acontece.
— Não, por favor, continue, agora que já fomos tão longe!
— Bem, estava pensando que vou precisar de alguém para ficar com Patrícia. . .
e estou preso a meu trabalho. Uma das professoras vai trazê-la da Bretanha... acho que
você poderia ir ao encontro dela e talvez passar o verão a seu lado.
— Você parece ter muita certeza de que vou ficar na mão.
— Conheço a minha profissão. Powers deu algum sinal de que a reconheceu?
— Não. — A palavra saiu como um suspiro.
— Lamento muito, mocinha. Mas talvez seja melhor assim.
— Mesmo que eu sofra muito?
— Sempre há dor quando alguma coisa precisa ser corrigida.
— A loucura que eu ia fazer?
— Você ainda é muito jovem, Luana. Mas é uma moça corajosa. Você ficou ao
lado dele na noite passada e falou quando seria muito fácil chorar. Ele é um homem e
tanto, não? Bonito como um desses deuses gregos. . .
— E bom. É por isso que ele fica aborrecido por poder ser feliz e Nina não. Foi
um casamento muito triste. Tarquin merecia o melhor. . . calor, companheirismo, filhos.
Ele é mais do que um ator de talento.
— Você não o amaria se não fosse assim. Se as coisas não derem certo, você
gostaria de fazer companhia para minha filha durante o verão? Patrícia é uma ótima
criatura. . . Muito imaginativa, bem do seu tipo. Mas ela tem a constituição frágil da
mãe e não a minha.
— Você tem um coração de ouro.
— Sim, para quem eu gosto, e só gosto de gente sincera.
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear
Luana foi para o hotel onde morava há uma semana. St. Cyr tinha tentado
convencê-la a voltar para casa, mas ela não quis. Depois que tudo se resolvesse, talvez
fosse trabalhar em Londres, onde poderia encontrar acomodações definitivas.
Não poderia ficar em Avendon, se Tarquin tivesse se esquecido dos passeios
pelo rio e do amor que lhe tinha jurado.
Ia regularmente ao hospital, mas, obedecendo ao conselho de Strathern, não via
Tarquin. Tinha que esperar para saber se ele perguntava por ela.
Mas ele não perguntou.
Tarquin nunca falou dela para Ann, nem
mostrou qualquer indício de que tinha se apaixonado por uma moça enquanto
representava no Mask.
Ele se lembrava do teatro, conhecia todos os membros da companhia e todas as
peças. Lembrava-se de cada detalhe. . . menos uma coisa. Quando Ann mencionou
casualmente uma moça chamada Luana, Tarquin perguntou se ela fazia parte da
companhia, acrescentando que não se recordava daquele nome.
Tudo tinha terminado!
Luana já sabia disso antes de ser convidada por Hugh Strathern para jantar no
Mill Loft. Ela se arrumou muito bem, colocando até um batom nos lábios. Ninguém
precisava saber como estava sofrendo. Ela, que tanto amava Tarquin, tinha se tornado
uma estranha para ele, excluída de suas recordações, de sua vida.
Tinha que aprender a viver sem ele e agora estava pronta para aceitar a proposta
do neurocirurgião.
— Você está muito bem, mocinha — ele a elogiou. — Sinto-me quinze anos mais
moço jantando com uma jovem bonita. O que você quer tomar? Vou querer um gim-
tônica.
— Eu também. Foi muito gentileza sua ter vindo de Londres para me ver.
— É um prazer para mim. — Ele pediu as bebidas para o garçom, depois ficou
olhando para ela. — Você não chorou nem uma vez, não é mesmo? Poderia ajudar.
— Não costumo chorar. — Ela forçou um sorriso. — E não me arrependo de ter
conhecido Tarquin, de amá-lo. Mas sei que vai ser difícil esquecê-lo. Ele não é um tipo
insignificante como eu.
— Você não deve imaginar que o que ele sentia por você era superficial. Pelo
contrário, mocinha, são as coisas profundas que às vezes têm que ser sepultadas, senão
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear
enlouquecemos.
— Você acha então. . . que um dia. . . — Ela o olhou com ansiedade e seus olhos
cor de violeta lembravam mistérios celtas.
— Pode ser que um dia ele se recorde de você, Luana mas você tem que aceitar
que agora é uma estranha para ele. Pensou em minha sugestão de tomar conta de
Patrícia durante o verão?
— Tinha pensado em ir para Londres — disse ela, depois de hesitar um pouco.
— Preciso arranjar um emprego fixo.
— Mas você não pretende tirar férias?
— Estas duas semanas, foram as minhas férias.
— Mas você não descansou nem um minuto. Olhe, Luana, preciso mesmo de
alguém para tomar conta da minha filha durante o verão. Não estou sugerindo isto
porque esteja com pena de você. De jeito nenhum! — Ele a olhou por cima da borda do
copo. — Você vai gostar. Seis semanas à beira-mar e a amizade de Patrícia. Se você não
aceitar, vou ter que procurar outra pessoa... alguma mulher mais velha, sem dúvida, o
que não vai ser tão divertido para a garota.
— Você é muito persuasivo — Luana sorriu.
— Acho que você quer ser persuadida — disse ele francamente. — Londres é
um lugar barulhento, confuso, e você vai se sentir muito sozinha. É melhor descansar
algum tempo, preparar-se para a cidade grande. Ficando ao lado da minha filha, talvez
você esqueça um pouco a ansiedade destas últimas semanas. Talvez isto torne mais
suportável a dor que está sentindo agora.
— Você acha que Patrícia vai gostar de mim?
— Ela é minha filha, Luana, e eu gosto de você. — Ele fez uma pausa enquanto o
garçom servia o primeiro prato. — Você já pensou em ser enfermeira?
— Prefiro trabalhar com antigüidades. Coisas inanimadas não sentem dor
quando se partem.
— Você é muito vulnerável, Luana, por isso precisa de um homem forte para
cuidar de você. Alguém diferente daquele ator; mais velho, menos romântico, com o pé
na terra.
— Não quero me apaixonar de novo. É tão maravilhoso. . . Mas quando tudo
acaba sente-se mais a solidão do que antes. — Ela deu um sorriso triste.
— Você devia sorrir mais vezes, Luana. Forma uma covinha.
— É esquisito. Só tenho covinha de um lado — acrescentou. Queria se esquecer
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que uma vez alguém também havia reparado na covinha, que mais tarde tinha
recebido muitos beijos. Para tirar aquela recordação da cabeça, perguntou: — Onde
Patrícia vai passar as férias?
— Ah, num lugar encantador e cheio de lendas. — Os olhos dele iluminaram-se.
— Tenho uma casa lá, ou melhor, dois chalés ligados por dentro e modernizados, mas
com a parte externa intacta. Sabe, paredes de pedra envelhecidas pelo tempo e um
telhado de sapé bem espesso. Costumo ir lá para descansar, de vez em quando. Aí, tiro
meu barco e pesco um pouco. Tenho um amigo que mora a alguns quilômetros. Fica
mais agradável, se é que se pode dizer isto de um lugar tão agreste, mas maravilhoso!
— Você só pode estar falando da Cornualha!
— Isso mesmo, mocinha. Não há nenhum lugar igual. A terra do rei Arthur e de
seus cavaleiros. Onde o povo ainda acredita em sereias e onde o pessoal que mora nas
charnecas atravessa depressa os campos de urzes quando o sol se põe. Dizem que os
homens de pedra ainda dançam e que se ouvem seus passos na relva. Sim, a
Cornualha. Patrícia adora o lugar. No ano passado uma prima pôde ficar com ela, mas
depois se casou e eu acabei na mão. — Ele olhou para Luana, enquanto cortava o filé.
— Você vai gostar muito da Cornualha. É o lugar perfeito para alguém muito
imaginativo. Pode-se tomar banho de mar, há praias maravilhosas, penhascos
majestosos e ruínas de velhos castelos que vocês duas vão poder explorar. Você ainda
consegue resistir à minha conversa?
Ela deu um sorriso, ainda confusa.
A Cornualha era grande, mas, quando não se quer encontrar alguém, qualquer
lugar toma-se minúsculo.
E ela não queria tornar a ver Eduard Talgarth, o homem que achava que o amor
podia ser comprado.
— Não sei o que fazer — confessou. — Fico achando que Tarquin ainda pode se
lembrar de mim, e se eu for embora. . .
— Olhe — disse Strathern —, vamos fazer um trato. Vá vê-lo amanhã. Fique
diante dele, agora que está se restabelecendo, veja-o ao lado daquela atriz bonita e, se
ele a reconhecer, esqueça-se da Cornualha. Por outro lado — Strathern apertou os
lábios —, se você descobrir que não significa mais nada para ele, faça o que eu disse. Vá
para a Cornualha, para se encontrar com o barco que vai trazer Patrícia da Bretanha. Vá
com ela para o chalé e passe o verão lá.
— É um ultimato?
— Sim, mocinha. Alguém tem que resolver as coisas para você. Estamos
combinados?
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Ela ficou brincando com o saleiro e o anel lançou uma luz azul no ambiente
romântico do Mill.
— Que anel estranho! — Strathern comentou.
— E um escaravelho. Foi Tarquin quem me deu. Simboliza a proteção e,
segundo se acredita, dá sorte.
— Você está muito ferida, não é? — Strathern falou com uma delicadeza que
teria surpreendido seus colegas, que o conheciam como um homem rude, sem tempo
para dedicar às mulheres, a não ser como pacientes.
— Sim. — Embora fosse de natureza reservada, Luana, sentiu que podia se abrir
com ele. — Ele me dizia coisas tão lindas. . . que precisava de mim. E agora sou a única
pessoa de que ele se esqueceu, como se eu não tivesse importância alguma.
— Como já lhe disse, é melhor não pensar muito em Tarquin Powers agora. Ele
está se sentindo muito culpado porque a ama e não àquela pobre criatura doente. Ele é
um homem sensível, caso contrário não teria esses escrúpulos.
Os olhos de Luana encheram-se de lágrimas, pois seria muito difícil esquecer
aqueles dias perfeitos em que cada coisa que diziam, cada olhar que trocavam tinha
toda a emoção do amor que estava crescendo. Em seu coração ele era ternura e, ao
mesmo tempo, tempestade.
— Vá vê-lo amanhã — disse Strathern. — Você vai ficar ainda mais magoada se
ele a fitar com olhos de um estranho, mas há um remédio.
— A Cornualha?
— Sim. A salvação pelo sol, Luana. Uma oportunidade para você esquecê-lo, ou
para ele se lembrar de você. — Strathern tomou um gole de vinho. — Você está me
perguntando com os olhos quando deve ir. Será no próximo fim de semana. Patrícia vai
sair um pouco antes das outras porque andou muito gripada e eu quero que respire
logo o ar saudável da Cornualha. — A voz dele tornou-se ríspida. — Não quero que
aconteça nada com a menina. Ela é tudo o que tenho, além do meu trabalho.
Luana ficou comovida com aquelas palavras. Durante o resto do jantar eles
conversaram sobre outras coisas. Quando se despediram, diante do Hotel Bard and
Harp, ela já tinha decidido o que iria fazer.
— Está bem. Vou fazer companhia a Patrícia durante as férias. . . se Tarquin não
me quiser.
— Ótimo! Até logo, mocinha. Ligue para mini contando o que resolveu.
— Vou ligar, sim. Boa noite, Hugh.
Ela ficou sozinha, embaixo da tabuleta com o nome do hotel que balançava ao
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tentar se esquecer do sorriso polido de um estranho que Tarquin lhe dirigiu quando se
despediram. Seu único consolo era que agora ele estava bem melhor. Voltaria ao palco.
Iria a Roma e talvez nunca mais se lembrasse da moça para quem tinha dito: "Venha-
comigo. Não agüento mais ficar sozinho. . ."
Depois do almoço, Hugh levou-a para o terraço, onde ela comentou que se
sentia como se estivesse na popa de um navio.
— Você tem muita imaginação — disse ele. — Patrícia vai gostar. Ela é como
você, Luana. Romântica, idealista. . . As duas vivem no mundo da lua. Você precisa de
proteção.
— Oh, não sei. — Ela sorriu. -— Tive que me arranjar sozinha desde que minha
mãe morreu. Meu padrasto não se preocupava comigo e Charme nunca soube o que
fazer com alguém que preferia passear na margem do rio a ficar debaixo do secador de
ura cabeleireiro. Tinha que ser independente e acho que me saí bem.
— Você se saiu esplendidamente — ele concordou —, mas vive muito sozinha,
não é, mocinha? Talvez tenha sido por isso que se apaixonou tanto. . .
— Não. — Ela sacudiu a cabeça. — Não amo Tarquin para fugir da solidão. Foi
alguma coisa mágica que aconteceu, como se estivéssemos enfeitiçados. Acho que
nunca irei esquecê-lo.
— Então você estará se condenando a uma vida solitária, Luana.
— Uma mulher, ou um homem, não pode .encontrar outra coisa além do amor
para superar a solidão? — Ela fitou o cirurgião nos olhos. — Você não encontrou?
— Meu trabalho é importante para mim e para os outros, mas no fim do dia vou
para casa e encontro tudo arrumado, como sozinho alguma coisa preparada por minha
empregada, leio, vejo um pouco de televisão e tenho alguns amigos no golfe. Não,
Luana! Há muito pouca coisa que pode substituir o amor.
— Então formamos um par! — Ela sorriu, inocente. —- Perdemos a pessoa que
amávamos. Hugh, você foi muito amável trazendo-me aqui.
— Temos que ir a outros lugares antes de você. viajar para a Cornualha. Você
conhece bem Londres?
— Não muito. Antes de Catarina morrer, morávamos em Warwick, onde ela
trabalhava para uma escritora excêntrica. St. Cyr apareceu um dia para tratar da
compra de algumas terras, viu minha mãe e apaixonou-se. Acho que ela se casou mais
por minha causa. Queria segurança e tinha medo de que me pusessem num orfanato se
ela morresse enquanto eu era criança. Mas acho que nunca me adaptei à casa dos St.
Cyr. Só fui realmente feliz com Tarquin. . . — Luana virou-se para Hugh Strathern. —
Não estou triste. Sei que ele vai ficar bom, e isto me alegra.
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear
Ele tem muito a dar ao mundo e acho que eu sempre soube que as horas que
passamos juntos eram maravilhosas demais, parecidas demais com um sonho para
durar.
Ficaram em silêncio, como se Strathern estivesse comovido. Depois ele
comentou, com a voz um tanto ríspida:
— Estou contente porque você e Patrícia vão fazer companhia uma para a outra
durante o verão. Foi um bom arranjo.
— Eu também gostei.
— Sim, você parece um pouco mais alegre.
Enquanto esperavam o elevador, Luana afastou os olhos de um casal jovem, de
mãos dadas. Não podia deixar de se lembrar do homem que costumava pegar-lhe a
mão, apertando um pouco o anel que tinha em sua mão esquerda e que ela jogou
longe, achando que ele estava caçoando dela.
Continuaria a se lembrar de tudo o que Tarquin tinha dito. Ele tinha esquecido e
talvez nunca mais se lembrasse da moça que chamava de "ninfa querida".
quanto Patrícia?
— Em alguns pontos você é jovem. Em outros. . . — Ele colocou a mão sobre a
dela, que estava na grade da ponte. — Bem, mocinha, onde vamos almoçar?
— Onde você quiser. — Luana tirou a mão, para alisar o cabelo. Não devia
flertar com Hugh. Ele era um homem solitário, podia dedicar-lhe alguma coisa mais do
que amizade e ela não queria magoá-lo.
No dia seguinte iria para a Cornualha e Hugh voltaria para seu trabalho. Logo
se esqueceria daqueles momentos românticos e ela também não sentiria mais aquele
impulso traiçoeiro de procurar consolo nele.
— Vou visitá-las daqui a um mês — disse Hugh, ao se despedir de Luana mais
tarde, no hotel. — As chaves do chalé estão com a sra. Lovibond, que cuida da casa. Ela
e o filho, que é pescador, moram logo abaixo, por isso você não vai se sentir tão isolada.
Também entrei em contato com o gerente do banco de Pencarne e deixei bastante
dinheiro depositado para você e Patrícia. Será que nos esquecemos de alguma coisa?
— Acho que não. Vou esperar o navio que vem da Bretanha na manhã de
domingo e a freira que está acompanhando Patrícia me entregará a menina.
— Isso mesmo. Irmã Grace estará vestida com o hábito religioso, de modo que
você não terá dificuldade em reconhecê-la.
— Aposto como Patrícia tem o seu cabelo.
— Sim, é verdade, mas no rosto ela se parece com a mãe e isto me preocupa um
pouco... Bem, mas acho que esse verão vai fazer muito bem para Patrícia. Você tem que
cuidar para que ela tome muito sol, respire o ar do mar e coma bastante.
— Serei uma irmã mais velha para ela em todos os sentidos — Luana assegurou.
— Estou acostumada com barcos, por isso posso levá-la. . .
— Não! — A palavra saiu com toda a rispidez. — Vocês duas sozinhas, de jeito
nenhum! Jim Lovibond pode levá-las no Saucy Bride. As águas naquele pedaço da
costa da Cornualha são muito bravias para você. Vá sempre com Jim. Insisto nisto.
— Está bem — ela assegurou. — Prometo fazer tudo o que você recomendou a
respeito de Patrícia. E as charnecas, Hugh? Ouvi dizer que há muitos pântanos.
— Patrícia tomará cuidado, mas não há muitos em redor de Pencarne. É só perto
de St. Avrell que você vai ter que tomar cuidado, especialmente "num dia de neblina.
— Não iremos para aquele lado. . . pelo menos não mais de uma vez, se Patrícia
quiser visitar o castelo. — Luana estava tensa, pois não queria se encontrar com Eduard
Talgarth. Mas era estranho... tão estranho que ele tivesse dito que ela visitaria o lugar
onde morava, onde as urzes eram tão altas que podiam esconder uma moça. Era como
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear
se ele soubesse. . . Entretanto, como alguém poderia saber, e Talgarth ainda menos, que
um raio iria pôr fim ao que havia entre ele e Tarquin, e que iria procurar se esquecer de
sua dor na Cornualha?
— É um lugar interessante — disse Hugh. Depois, ele a segurou pelos ombros e
sorriu com tristeza. — Vou sentir sua falta, Luana. Você vai me escrever?
— É claro. Quero que você tenha notícias de Patrícia.
— Suas também. — Ele estava muito sério. — Você deve ter desconfiado que a
acho uma moça extraordinária, com um coração de ouro.
— Obrigada, Hugh.
— Não seja formal! Não estou ainda tão velho que não sinta vontade de beijar
uma moça bonita, e é o que você pede com esse ar inocente, como se estivesse com o
seu tio favorito.
— Não quero perder sua amizade — disse ela gravemente.
— Você acha que um beijo a estragaria?
— Pode ser, Hugh. Não somos pessoas superficiais, acostumadas a brincar com
o amor, e você sabe como me sinto a respeito de Tarquin. Não foi apenas o caso de uma
moça que se apaixona por um ator bonito. Estas semanas na Cornualha vão provar
quanto foi profundo.
— Muito sensata, apesar de tão jovem, não é, Luana? Sim, você vai se submeter
a essa prova. Tem que descobrir sozinha se seu coração pertence para sempre a
Tarquin Powers.
Despediram-se pouco depois e Luana foi arrumar a mala.
Terminando logo, ficou sem ter nada que fazer até a hora de embarcar. Não
tinha cartas para escrever, nem telefonemas a dar. Já tinha ligado para Ann e soube que
Tarquin estava cada vez melhor. Quis dizer: "Mando-lhe todo o meu amor", mas estas
palavras não teriam nenhum significado para ele.
Foi até a janela do quarto e viu que os carros estavam molhados. Será que cada
vez que chovia lhe acontecia alguma coisa importante?
CAPÍTULO VI
Morro do Falcão. Uma pedra escura contra o céu, dominando uma grande
extensão de charnecas em Pencarne, uma encantadora aldeia de pescadores entre os
penhascos.
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear
A maré vai começar a subir daqui a pouco, por isso tome cuidado, moça.
— Sei nadar. — Luana deu uma risada.
— Claro, mas você está acostumada com as ondas da Cornualha? Arrastam uma
pessoa pequena como você como se fosse um pedaço de cortiça. Não se esqueça.
— Está bem — Luana concordou imediatamente, sentindo-se bem porque
estavam se preocupando com ela.
Depois continuou até a praia, admirando-se com a extensão de areias, as pedras
como monstros marinhos adormecidos. Ficou olhando a paisagem, emocionada e um
tanto atemorizada por aquela costa lendária, com ondas enormes que indicavam o
perigo do mar. Gaivotas voavam por perto, em busca das pedras onde iriam passar a
noite.
A praia estava deserta e Luana imaginou como aquele trecho da costa devia ser
selvagem e despovoado na época em que os navios eram atraídos para as pedras pelas
tochas dos cornualeses, quando as cavernas eram usadas para esconder barris de
conhaque contrabandeado e peças de renda.
Lembrando-se de que a maré já ia começar a subir, foi se sentar numa pedra
para olhar as ondas que se quebravam nas rochas, os penhascos que se erguiam
majestosos atrás dela, dourados pela luz do sol. Era um espetáculo magnífico e Luana
olhava maravilhada para o sol que mergulhava no mar.
O silêncio só era quebrado pelo piar dos pássaros marinhos e pelo barulho das
ondas que subiam cada vez mais. Luana imaginava que estivesse sozinha quando
ouviu o som de um galope pela praia, aproximando-se a cada segundo, até que um
cavalo escuro e seu cavaleiro delinearam-se de encontro ao sol poente. Ela ficou
imóvel, mas uma espécie de instinto fez com que se levantasse de repente. . . no
momento em que o cavalo parou, espirrando água e levantando areia com seus cascos,
O movimento súbito que ela fez deve ter assustado o animal, que relinchou e se
levantou nas patas traseiras, quase derrubando o homem que o montava.
— Que diabo foi isto? — O cavaleiro controlou o animal imediatamente, depois
começou a procurar o que tinha provocado aquele susto. Seu cabelo preto voava com o
vento, como a crina do cavalo.
Havia alguma coisa de primitivo nos dois, como se costumassem surgir das
cavernas para tomar posse da praia quando o sol se punha e as ondas cresciam de
tamanho.
Luana olhou para o rosto do homem e um resto de luz fez brilhar o azul
profundo dos olhos dele. Ela o teria reconhecido em qualquer lugar. . . mas naquela
praia longínqua da Cornualha, com as ondas batendo nas pedras, ele estava em seu
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear
pudesse ter algum domínio sobre ela contra a sua vontade! Não estavam no misterioso
Oriente nem na Inglaterra vitoriana! Nos dias atuais uma moça não precisa temer
homem nenhum.
Em todo o caso, era melhor manter-se longe. Não queria ser perseguida como uma
corça vislumbrada entre a folhagem, para lhe conceder o divertimento da caça. Não ia
perder tempo com ele.
Luana tinha conhecido a alegria de ser amada e, pelo que podia ver, não havia
ternura no coração daquele homem, tão diferente de Tarquin.
— Tarquin. . . — murmurou repetidas vezes antes de adormecer.
Luana protegia os olhos da luz refletida pela água da baía enquanto o navio
atracava. Pouco depois, os passageiros começaram a desembarcar, mostrando
passaportes e papéis a funcionários de uniforme azul-escuro.
As malas começaram a aparecer no cais, onde carros e táxis estavam de
prontidão.
Luana procurava a menina de cabelos vermelhos acompanhada por uma freira
de hábito cinzento e touca engomada. Os passageiros continuavam a sair do navio e,
por fim, Luana viu a figura alta de uma freira. Levantou a mão e seus olhos se
encontraram com os da menina. Teve certeza de que era Patrícia. Ela disse alguma
coisa para a freira e as duas olharam para Luana. A menina sorria, mas as sobrancelhas
da freira estavam franzidas enquanto ela examina Luana da cabeça aos pés.
O vestido de Luana era vermelho e a saia curta voava, agitada pela brisa do mar.
O cabelo castanho-avermelhado estava penteado para trás.
Parecia muito esbelta e frágil, como se tivesse saído das urzes altas que cobriam
os penhascos acima do porto.
Irmã Grace desembarcou, mostrou os dois passaportes, e por fim se aproximou
de Luana, segurando uma valise em uma das mãos e a menina na outra. A touca
branca parecia aumentar sua altura e sua dignidade, reduzindo Luana quase a uma
escolar.
— Você é a srta. Perry? — ela perguntou. — Que vai tomar conta de Patrícia?
— Sim, irmã. — Luana ficou imediatamente na defensiva. — Asseguro-lhe que o
pai dela, o dr. Strathern, tem toda a confiança em mim.
— Você é muito jovem... não muito mais velha que Patrícia. Será que vai dar
conta? As duas sozinhas num chalé nas charnecas?
— O chalé não é na charneca, irmã. — Luana deu um sorriso que não foi
correspondido. — Ao lado moram um pescador e a mãe, duas pessoas muito boas que
trabalham para o dr. Strathern.
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear
— A mulher cozinha?
— Não, eu sei cozinhar. — Luana estava começando a se aborrecer. — Sou
perfeitamente capaz, irmã. O pai de Patrícia não me encarregaria de cuidar dela se eu
não fosse responsável.
— Os homens nem sempre julgam bem o caráter das mulheres — disse irmã
Grace explicitamente. — Muitas vezes deixam-se levar por um rosto bonito.
— Ninguém pode dizer que eu seja uma mulher fatal. . . — Luana não sabia se
achava graça ou se ficava aborrecida. Os olhos verdes de Patrícia brilhavam; ela estava
se divertindo com a situação, mas Luana sabia que a freira não estava querendo
entregar a menina a alguém tão jovem. Devia ter pensado nisso e se vestido com mais
austeridade. Mas queria agradar Patrícia, que estava esperando aquelas férias com
tanta ansiedade.
— Você vai me desculpar se estou preocupada. — Irmã Grace lançou um olhar
para a aluna. — Patrícia não está muito bem de saúde e, no convento, preocupamo-nos
com ela. Sei que o dr. Strathern é um homem ocupado, mas mesmo assim. . .
— O dr. Strathern não escreveu para a escola, irmã, avisando que uma jovem
iria tomar conta da filha? A senhora tem que admitir que um homem como ele
dificilmente escolheria uma companheira para Patrícia em quem não confiasse. Eu
trabalho, irmã Grace, e logo vou fazer vinte anos. A senhora não deve se impressionar
com a minha juventude!
— Você acha que estou sendo intrometida? — Pela primeira vez irmã Grace
sorriu. — Talvez eu leve os meus deveres muito a sério e espere o mesmo de todo
mundo. Como você disse, o dr. Strathern é um homem muito importante, que lida com
muita gente todos os dias e talvez esteja mais apto a julgar o caráter das pessoas do que
os outros homens. Por acaso você é enfermeira?
— Não, trabalho com antigüidades.
— Embora pareça tão jovem! — Irmã Grace riu do que tinha dito.
Depois tornou a ficar séria e se virou para Patrícia. — Você vai se comportar
direito, não é? Vai usar chapéus quando ficar no sol e não se cansar demais nas águas
turbulentas desta Cornualha de que gosta tanto. Você me promete?
— Irmã Grace, chega de conselhos! — Patrícia sorriu e seu rosto pálido ganhou
um ar travesso. — Luana me parece maravilhosa, e também divertida, e adoro meu pai
porque vou poder passar as férias com ela.
— Está certo, então. Menina, onde está a sua mala?
— Ali, junto com as outras. — Patrícia apontou para uma pilha de malas no cais.
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— Ela deve amá-lo muito para ficar esperando enquanto ele veleja pelo mundo
— disse Luana, um tanto confusa, lembrando-se do que Charme havia dito sobre ele.
— Não estou falando de uma moça! — Patrícia deu uma risada, um som jovem e
musical que deve ter chegado até o homem que estava fumando sozinho. — Se ele
amasse uma moça da Cornualha, ele a teria levado também. . . ele é desse tipo, Luana.
— Do que você está falando, então? — Sem querer Luana estava curiosa.
— Ele queria ser escultor. Mas, quando o pai morreu, falido, Eduard Talgarth
teve que ir para o mar, para recuperar os bens da família. O pai dele jogava tanto que
se tomou famoso na Cornualha. Pois o moço conseguiu! Comprou de volta a casa da
família, e até algumas coisas que haviam se dispersado, como retratos antigos e móveis
feitos com a madeira dos navios da Invencível Armada. Ele é um homem muito
decidido e, de certa maneira, excitante.
— Excitante? — Luana murmurou, reparando no homem que se levantou e se
aproximava com passos longos e seguros. Usava calça bem talhada e uma camisa
branca, bem modernas, mas dava a impressão de pertencer a outro século, a outra
época. O vento agitava seu cabelo e seus olhos brilhavam à luz do sol.
— Dizem que ele tem o demônio no corpo — sussurrou Patrícia. Os Talgarth
sempre têm.
— A jovem Patrícia. Nós nos conhecemos no ano passado, quando você veio
para St. Avrell com seu pai. — Ele estendeu a mão para a garota, que ficou muito
vermelha. Depois deu um sorriso irônico, como se soubesse muito bem que as duas
estavam falando dele.
— Alô, sr. Talgarth.
— Não tínhamos resolvido que seria Eduard?
— Sim, mas você podia ter esquecido.
— Nunca me esqueço de quem quero me lembrar. — Ele olhou acintosamente
para Luana, que estava muito tensa, vivamente consciente do brilho daqueles olhos
azuis.
— Ela está fazendo companhia para mim — disse Patrícia sofregamente. —
Luana Perry.
— Já nos conhecemos. Ela não lhe contou? — Ele deu uma risada, olhando para
Luana. — Por um estranho capricho do destino, encontramo-nos de novo, e estou
curioso em saber por que, entre todos os lugares, ela resolveu vir para a Cornualha.
— Porque meu pai pediu. — Patrícia olhava para os dois, curiosa. — Pops
operou um amigo de Luana que estava muito mal. Ela ficou tão agradecida que
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear
— Provavelmente porque sabia do amor que o filho tinha pelas cartas. — Ele
olhou para Luana. — Você já falou à srta. Perry a respeito do demônio dos Talgarth,
que só pode ser exorcizado de cada homem da família pelo amor de uma jovem
sincera?
— É uma história intrigante — Luana murmurou e seus olhos detiveram-se por
um instante na fenda do queixo dele. — Mas você acredita nela?
— Como já falei muito e vi uma porção de coisas estranhas, fico imaginando se
não seria melhor o último dos Talgarth arranjar uma noiva. — Ele deu um sorriso
atrevido. — Uma noiva carinhosa. . .
— Tenho certeza de que você não terá problemas nesse sentido — disse Patrícia,
os olhos pregados nos ombros largos e na pele escura como madeira contra a brancura
da camisa. — Gostaria de tê-lo conhecido quando você tinha dezenove anos e ganhou
uma taça por ter derrotado o campeão de luta romana de Penzance.
— É verdade, minha flor? — Ele tinha uma expressão tolerante. — Deixe-me
ver. . . poderia ter empurrado seu carrinho quando você era bebê, mas não sei como
isto influiria em minha reputação como lutador.
— Não amole — respondeu Patrícia. — Gostaria de ter pelo menos uns
dezesseis anos nessa época.
— Eu estava de partida para o Extremo Oriente, flor. Nós estaríamos nos
separando por um longo tempo.
— Você não me levaria junto, se eu fosse sua namorada?
— Naquela época não era dono de meu navio, Patrícia.
— Você sente falta do mar? É por isso que veio para Port Perryn. . . para olhar
para os navios?
— Sim, lembrando o passado, como se o futuro não pudesse ser tão bom quanto
os dias que já vivemos, com suas horas tristes ou alegres.
Luana o fitava, tão alto e moreno, com o horizonte azul atrás e o azul do mar nos
olhos. Tão perspicaz, tão experiente, deixando-a indefesa quando pediu com os olhos
que se tornassem amigos para agradar Patrícia.
— Quero que vocês dois sejam amigos. — Nos olhos verdes havia aquela
expressão dos jovens que querem amor e alegria, e não palavras amargas. — Seja
camarada, Luana. Não seremos convidadas para ir ao castelo, se vocês não se
apertarem as mãos, esquecendo-se de qualquer briguinha que possam ter tido. O
castelo é maravilhoso. . .
— É mesmo? — Luana murmurou, e impulsivamente estendeu a mão para
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear
Eduard Talgarth, preparando-se para o contato com aqueles dedos finos que podiam
modelar a pedra, a prata ou o ferro de acordo com sua vontade. Luana se surpreendeu
com a delicadeza do toque, pois ele segurou a sua mão como se fosse um passarinho.
Os olhos dele demoraram-se no escaravelho azul do anel dela.
— Parece ser verdadeiro. Tem alguma inscrição? Às vezes há alguma coisa
escrita debaixo da asa.
— Há algumas palavras — ela admitiu, sentindo ainda o calor dos dedos dele —
, mas não sei o que significam.
— Posso tentar?
Ela hesitou. Depois, percebendo o olhar de Patrícia, entregou o anel para
Eduard, que o estudou durante alguns minutos.
— Sim, está escrito em árabe — disse ele finalmente. — Não dá para traduzir,
mas o anel é um talismã para afastar o azar.
Luana o olhou rapidamente, perguntando-se se ele imaginava quem lhe tinha
dado o anel. Ele não lhe havia dado sorte, embora ela o guardasse com carinho pelas
recordações que trazia.
— Posso experimentar, Luana? — Patrícia pediu. — É um anel tão diferente.
— Não. — Eduard sacudiu a cabeça, pegando na mão direita de Luana, para
recolocar o anel. — O escaravelho é como uma aliança: pode perder sua magia se outra
pessoa o usar. Vou lhe dar um anel que tenho no castelo, quando vocês duas forem
jantar comigo.
— Que tipo de anel? — Patrícia estava encantada com a idéia de receber um
presente dele.
— Um anel de princesa, como os usados pelas dançarinas tailandesas quando
executam as danças rituais nos templos.
— Vou adorar. — Ela passou o braço pela cintura de Luana, como se estivesse
com vontade de abraçar aquele homem que a fitava com ar divertido. — Você viajou
pelo mundo inteiro? — perguntou. — Até o Himalaia?
— Sim, visitei os templos místicos em Katmandu, onde os sinos tocam como se
fossem feitos de gelo. Vi cúpulas douradas ardendo ao sol, morei numa casa de chá ao
lado de uma ponte de bambu, dormi num diva forrado de peles de tigres da Sumatra e
fiquei amigo de um príncipe da Manchúria. — Ele sorriu e suas narinas se retesaram ao
respirarem o ar da Cornualha. — Agora voltei para St. Avrell. . . o último dos Talgarth.
— Você tem sorte em ser homem e poder fazer o que quer — comentou Patrícia.
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear
— Não é bem assim. — Ele deu um sorriso enigmático. — O que vocês vão fazer
à tarde? Descansar na praia, tomar chá e depois voltar para casa?
— Adivinhou! — Patrícia riu. — Em suas viagens, você deve ter aprendido a ler
pensamentos.
— Talvez. — Ele procurou os olhos de Luana. — Posso ler os seus?
— Sou eu quem vai ler os seus — respondeu Luana, sorrindo. — Você não tem
nada para fazer agora e gostaria de passar a tarde conosco. Com certeza Patrícia vai
adorar.
— E você? — ele perguntou, com a voz arrastada.
— Como você lê. pensamentos, deve saber a resposta — Luana respondeu
ironicamente, e virou-se, escondendo um sorriso. Será que imaginava que ela estava
tão ansiosa para passar a tarde com ele quanto Patrícia?
Eles se estenderam na areia aquecida pelo sol, perto do mar. A voz grave de
Eduard chegava em ondas até Luana. Ela cobriu os olhos com o chapéu de palha e
deixou que ele distraísse Patrícia com suas histórias, pois, como todos os viajantes,
tinha muitas coisas para contar. A menina sentia-se atraída por ele, mas Luana estava
na defensiva. Como Eduard sabia a respeito de Tarquin, ele a fazia lembrar-se das
coisas que queria esquecer.
CAPÍTULO VIl
porque aquele homem se parecia tanto com um tio quanto um tigre se parece com um
gatinho. Com uma risada, ela correu até a charrete. Patrícia estava dormindo no banco
e se recostou em Luana enquanto atravessavam a charneca no escuro.
Eduard parou a charrete no alto dos penhascos, perto do atalho que descia até a
casa, e carregou Patrícia, enquanto Luana caminhava na frente, com a mala. Ela abriu a
porta, acendeu a luz e, quando se voltou, Eduard estava parado na soleira, muito alto,
com uma mecha de cabelo escuro caída na testa, o cabelo dourado de Patrícia
espalhado em seu ombro. Parecia um corsário carregando sua presa. O sorriso que deu
aborreceu Luana, pois era como se ele tivesse lido o que se passava por trás dos olhos
cor de violeta.
Patrícia estremeceu quando ele a deitou no sofá.
— Você está em casa, minha flor.
— Oh, já acabou o dia maravilhoso?
— Teremos outros, menina, prometo.
— Podemos ir ao castelo?
— Medevil virá buscá-las. Você se lembra dele? Era marinheiro e veio trabalhar
comigo quando vim para o castelo.
— Ele me contou que você lhe salvou a vida, que ele perdeu parte da perna
esquerda por causa de um tubarão, e que ia perder a outra perna se você não tivesse
mergulhado com uma faca entre os dentes.
— Medevil teria dado um jeito! — Eduard deu uma risada. — Ele veio de uma
aldeia onde dizem que as pessoas têm sete vidas. Estava procurando pérolas quando o
tubarão o atacou.
— O guardião das pérolas. . . — Patrícia sorriu.
— Sim, podia ser. — Eduard endireitou o corpo, quase encostando a cabeça no
teto baixo. — Boa noite, Patrícia... Luana. Medevil virá buscá-las quando eu voltar de
Londres. Tenho que ir falar com o capitão de um dos meus cargueiros.
— Você vai estar com Pops em Londres?
— Acho que sim. Eu lhe devo um almoço.
— Então diga para ele que eu gostei muito de Luana e que pode ficar sossegado,
que tudo está correndo bem.
— Vocês duas vão ficar bem até eu voltar? — Ele olhou para Luana.
— Eduard Talgarth, não preciso de um tigre guardando nossa porta. Vamos
ficar muito bem. Diga isto para Hugh.
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear
— Hugh?
— Dr. Strathern — corrigiu logo, depois mal conteve um grito quando ele
segurou seu pulso, fazendo com que ela o acompanhasse até a porta.
Luana só pensava numa coisa: ele ia beijá-la! Se ele a beijasse. . . bem, o que faria?
Chamaria Jim Lovibond, o único homem das redondezas que se equiparava
fisicamente a Eduard Talgarth, que havia passado muitos anos no mar e que era dono
de seu destino?
— Você está tremendo — ele observou. —- Que diabo está pensando? Que
quero beijá-la no escuro?
— Você é um bruto! — Luana ofegou. — Você faz todo o possível para me
embaraçar.
— Não devia mostrar tão claramente, jovem, que não gosta de mim. Eu me sinto
desafiado e fico louco para que você mude a opinião que tem a meu respeito — Pegou
no queixo dela, fazendo-a levantar o rosto. — O que há em mim que a aborrece tanto?
Meu rosto? Ou é porque não uso palavras ternas? Ou porque a avisei que Tarquin
Powers podia magoar uma moça ingênua como você?
— Você deve estar muito satisfeito por ter acertado — ela respondeu.
— Isto quer dizer que você não gosta de mim pelas três razões? Bem, então não
há remédio. Nunca tive mel em minha boca, nem um rosto bonito, e você não pode
evitar que um gatinho se aproxime do fogo depois de um longo inverno. Você acha que
não percebi, no momento em que entrei na casa dos St. Cyr, que você era tratada como
se estivesse lá por caridade? Cheguei um pouco tarde. . .
— O que você quer dizer com isso? — As palavras saíram antes que ela pudesse
impedir.
— Você poderia gostar um pouco mais de mim, Luana Perry, se eu fosse o
primeiro homem a tratá-la com mais consideração.
— Que importa se eu gosto de você ou não?
— Vamos nos encontrar muitas vezes nas próximas semanas, por isso eu a
trouxe aqui. Falamos com mais facilidade no escuro e eu quero lhe dizer uma coisa:
preciso de amigos tanto quanto você, pois passei muito tempo longe de St. Avrell e me
tornei um estranho para as pessoas que conheci. Vamos, Luana! Não é sempre que
peço para alguém gostar um pouco de mim.
Ela o olhou, distinguindo apenas o rosto dele na escuridão da noite.
Podia-se ouvir o murmúrio do mar que se misturou com o suspiro que ela deu.
— As pessoas são tão complicadas.
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deliciosamente normais depois de sua conversa com Eduard Talgarth. As coisas que
haviam dito um para o outro tinham um sentido mais profundo, que lhe causava a
sensação de estar diante de um perigo que precisava combater. Ele pediu a amizade
dela, ofereceu-lhe sedas, mas mesmo assim não se sentia à vontade ao lado dele.
Quando o olhava, tinha vontade de fugir... e seu toque era insuportável, porque não
era o de Tarquin.
Fechou a porta do chalé e foi se encontrar com Patrícia na sala de estar.
— De que você estava falando esse tempo todo? — ela perguntou. — Por que
você não me disse que já conhecia Eduard Talgarth? Por que tanto segredo?
— Não achei que fosse importante. — Luana tomou um gole do chocolate. —
Vamos nadar amanhã e fazer piquenique na praia?
— Vamos, que maravilha! — Patrícia olhou Luana por cima da xícara. — Você
acha que Eduard esperaria três anos até eu ficar mais velha? Ele vive muito sozinho e
eu gostaria tanto de morar no castelo. . . Seria muito romântico ser a noiva do último
dos Talgarth.
— Seu pai não aprovaria o casamento com um homem com o dobro da sua
idade — disse Luana friamente.
— Mas a idade não é importante quando duas pessoas se amam. Os homens
mais velhos são mais gentis, mais experientes, e podem ensinar a uma moça tudo sobre
a vida. Aposto como vou conseguir que Eduard espere por mim.
— Você não vai fazer nada disso! — Luana estava chocada. — Não vou deixar
que você namore Eduard Talgarth. Seu pai nunca me perdoaria.
— Você se sente atraída por Pops?
— Gosto muito dele.
— Gostar de alguém não é a mesma coisa que sentir atração.
— Vamos parar com esta bobagem — Luana falou com firmeza. — Seu quarto já
está arrumado e está na hora de ir para a cama.
— Sua chata — disse Patrícia, mas logo se arrependeu. — Você sofre quando
fala de coisas românticas porque não pode se esquecer do homem por quem esteve
apaixonada?
— Não quero falar desse assunto, Patrícia! Já acabou. . . tenho que me esquecer
dele.
— Ele era maravilhoso?
— Era. — Luana levantou Patrícia. — E agora, já para a cama, mocinha. Vou
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Luana sentiu o sangue fugir do rosto. Se ela e Patrícia tivessem chegado antes do
dilúvio, estariam dentro da casa quando a chuva pesada fez cair no telhado o que antes
parecia ser um pedaço sólido de rocha.
— Que horror! — Patrícia ia começar a descer pelo atalho cheio de lama quando
Luana a segurou pelo braço.
— Não adianta descer! Olhe, vem vindo alguém!
— É Medevil! — Patrícia exclamou, acenando para o empregado de Eduard
Talgarth, que vinha mancando pelo atalho escorregadio e cheio de pedras.
Ele sorriu quando chegou perto delas.
— Meu patrão mandou que eu viesse buscar as duas para tomar chá. . . mas
acho que vão ter que passar a noite no castelo, ou até ficar mais tempo. A casinha
desmoronou, senhorita. — Ele olhou diretamente para Luana. — Está um horror. É
preciso tirar a terra que caiu em cima dela.
— E as pessoas que moram mais embaixo do penhasco? — ela perguntou,
ansiosa. — Estão bem?
— Claro. — Seus dentes brancos brilharam no rosto moreno. — A pedra só
pegou este chalé, senhorita. Fui ver se não estavam dentro dele e agora vou levá-las
para o meu patrão.
— Mas as nossas coisas estão no chalé! — disse ela. — Nossas roupas e nossos
objetos pessoais. Precisamos ir buscar.
— Depois o sr. Jim levará o que puder, mas agora as duas estão tremendo e o
patrão vai ficar bravo comigo se não levá-las imediatamente para o castelo. Vamos! A
charrete está esperando.
— Sim, vamos para o castelo. — Patrícia pegou no braço de Luana, afastando-a
da cena do desmoronamento. — O sr. Talgarth vai cuidar de tudo quando souber do
que aconteceu com o chalé.
Luana não duvidava e, como não havia mais nada que pudesse fazer,
acompanhou Patrícia e Medevil até a charrete. Ele tinha deixado o veículo e o cavalo
num lugar abrigado e sua mão morena acariciou o animal enquanto as duas se
acomodavam. Luana não pôde deixar de observar o homem que tinha viajado sob o
comando de Talgarth até ser ferido pelo tubarão. Então, ele subiu agilmente na
charrete, pegou as rédeas e partiram em direção a St. Avrell.
— Que excitante! — Patrícia já tinha se recuperado do choque e seus olhos
verdes brilhavam. — Vamos ficar hospedadas no castelo. Pense nisto, Luana!
Era o que Luana estava fazendo. A única coisa que temia era a presença do dono
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear
do castelo, mas tinha que aceitar aquela situação até que o chalé fosse arrumado.
Podiam se acomodar na aldeia, mas Patrícia ficaria desapontada. O castelo era um
lugar romântico e diferente, e Luana não queria aumentar a aflição da menina pelo que
tinha acontecido com a casinha.
O céu agora estava esverdeado, a charneca parecia estranha e os menires que se
levantavam aqui e ali tinham o aspecto de figura solitárias, encantadas pela varinha do
mago Merlin.
Luana sentiu uma mãozinha fria esgueirar-se entre as suas.
— Você vai tomar um banho quente assim que chegarmos ao castelo — disse
ela. — Não quero que apanhe uma gripe.
— Estou bem. . . — Mas Patrícia começou a espirrar.
Medevil olhou para elas.
— As duas precisam tomar um grogue com rum, canela, limão açúcar
queimado. — Ele apressou o cavalo, e os sininhos tilintaram depressa, enquanto o
vento cantava por entre as urzes, trazendo o cheiro do mar. — Logo estaremos em casa,
jovens. Logo chegaremos ao castelo.
CAPÍTULO VIII
quando a chuva começou a cair. . . Quando chegamos em casa, o chalé estava tão
danificado que Medevil nos trouxe para cá. Você não se importa?
— Importar? — Ele parecia irritado. — O que você acha que sou, srta. Perry, um
homem de pedra das charnecas? Estou muito satisfeito por ter um teto para lhes
oferecer.
— Muito obrigada.
— Não há de quê. — Ele olhou para Patrícia e deu uma risada. — Vocês serão
minhas presas de guerra, hein? Entrem no castelo. A lareira está acesa e Medevil vai
fazer seu grogue de rum, enquanto Jancey prepara o banho. Logo vocês vão estar se
sentindo melhor.
Patrícia desceu da charrete e entrou correndo no castelo, pela porta que Eduard
tinha deixado aberta. Então ele estendeu a mão para Luana, que a ignorou. . . e pagou
por isto. As pedras ainda estavam molhadas e, quando pulou da charrete, ela
escorregou e teria caído no chão se Eduard não a segurasse. Por um instante ficou tão
perto daquele homem que sentiu perder a identidade, tomando-se o destroço de um
naufrágio, que ele podia pegar e jogar fora. Nunca tinha tido aquela sensação antes, e o
instinto lhe preveniu para não lutar, pois poderia despertar uma faísca primitiva
naquele homem. Ele riu suavemente.
— Parece que você gosta de pisar em lugares que devia evitar. Agora peça-me
para soltá-la.
— Quer que eu suplique? — Enquanto falava isso, Luana sentiu que seu coração
batia como uma ave aprisionada.
— Sim, quero ver como é que fica sua voz quando pede um pouco de
misericórdia para o homem de pedra.
— Sr. Talgarth, estou preocupada com Patrícia e gostaria de providenciar para
que ela fosse se deitar o mais depressa possível. Ela não é forte e teve uma gripe
horrível pouco antes de vir para cá.
— Está bem. Vamos fazer um trato. Chame-me de Eduard que eu a solto.
— Você está agindo como uma criança!
— Como você, Luana. Você me trata como se eu fosse um homem perigoso, mas
não passo de um camarada comum, com um gênio muito agradável.
— Comum, foi que você disse?
— Para um cornualês com um pouco de sangue bretão. . . Às vezes parecemos
piratas mal-encarados, mas você não deve deixar que isto a perturbe. — Os dentes dele
brilharam num sorriso irônico. — A maneira como você fica perturbada quando me
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear
aproximo está me deixando curioso, Luana. Talvez você goste de mim sem saber.
— Garanto que não.
— Vamos, como é que você pode ter tanta certeza? E por que nega logo que
alguém possa me apreciar? Vou ter que forçá-la a gostar de mim?
— Você está perdendo o seu tempo!
— Há um tremor nervoso em sua voz, Luana. E seus olhos estão arregalados, de
tanta apreensão que você está sentindo. Jurou não se apaixonar de novo só porque suas
asas se queimaram com a primeira
chama? Isso acontece com todo mundo.
— Como aconteceu com você. . . e Charme?
— Sua linda irmã de criação. — Ele a abraçou com força, como se estivesse
lembrando de uma mulher mais atraente. — Ela ficaria perfeita neste castelo, você não
concorda? As salas antigas ressurgiriam com seu bom gosto e num instante o castelo
ficaria uma beleza. Os bailes e as reuniões de fim de semana, do tempo da minha avó,
recomeçariam e todo mundo aplaudiria a noiva que escolhi. É uma pena que uma
história tão romântica não tenha se tornado realidade. Você gostaria que eu fosse seu
cunhado, Luana?
— Como deixei a casa dos St. Cyr, acho que isto não teria nenhuma importância.
Ele continuava abraçando-a como se não fosse largá-la nunca mais.
— Então você não vai mais voltar para lá?
— Nunca mais.
— Para onde irá, quando o verão terminar?
— Para Londres.
Ele examinou o rosto dela, a luz das tochas em seus olhos, acentuando os
ângulos de seu rosto moreno.
— Hugh Strathern mora lá.
— Sim.
— Neste caso, é melhor deixá-la ir para junto da filha dele antes que você morra
de ansiedade em meus braços. Há só mais uma coisa.
— Sabia que tinha que haver.
— Por favor, fique à vontade em minha casa. Tenho certeza de que você tem
imaginação suficiente para apreciar a história romântica do castelo e a construção, feita
em granito da Cornualha. Explore à vontade e não deixe que o acidente que aconteceu
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear
ela e ficou com medo de que houvesse ratos nos armários enormes.
— Posso dormir com você, Luana? — ela pediu.
— Venha, então. — Luana riu do espetáculo cômico das duas na cama imensa,
que era persa, com incrustações que combinavam com a mobília decorada com dragões
entalhados. Certamente naquela cama nunca haviam dormido duas jovens
desamparadas, com o cabelo trançado e camisolas compridas!
Patrícia deu uma risada nervosa e, naquele momento, a porta se abriu e Jancey
entrou com uma bandeja com vários pratos cobertos.
— Você não gostou de seu quarto? — Ela olhou para Patrícia com uma
expressão severa no rosto.
— É muito grande e eu ficava pensando no fantasma do castelo.
— Os fantasmas não fazem mal a ninguém, menina, eles são feitos de
superstição e de sombras. — Jancey colocou a bandeja entre as duas. — São as pessoas
que causam problemas.
— Lamento que nossa chegada tenha aumentado seu trabalho. . . — Luana
tentou se desculpar. — Posso arrumar nossos quartos e ajudá-la na cozinha.
— Não preciso de você fazendo bagunça na minha cozinha. — Jancey lançou um
olhar penetrante para Luana, que não parecia muito mais velha do que Patrícia. —
Vocês não são culpadas pelo que aconteceu com o chalé. Foi coisa da natureza, de
modo que não há mais nada a fazer.
Comam logo, antes que a comida esfrie.
Luana destampou os pratos e encontrou galinha ensopada com bolinhos muito
delicados; como sobremesa, um pudim que parecia delicioso.
Sorriu para Jancey, agradecendo a refeição.
— O sr. Talgarth mandou que eu fizesse alguma coisa quente e substanciosa,
por isso comam tudo. — A governanta foi embora e Patrícia olhou para Luana.
— Não gosto muito dessa mulher. E também não gosto de bolinhos!
— Coma um ou dois. Fazem bem para resfriados. — Luana sorriu, encorajando-
a. — Lá embaixo você me disse que estava gostando muito de ficar aqui no castelo. Já
mudou de idéia? Neste caso podemos arranjar um quarto em Pencarne.
— Oh, não! — Patrícia começou a comer depressa. — Quero muito ficar aqui. . .
É que eu estou um pouco nervosa esta noite e Jancey não é nem um pouco simpática.
Acho que Eduard não a manda embora porque cozinha bem.
— Acho que sim. — Luana inclinou a cabeça para esconder um sorriso, pois
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear
estava se divertindo com os ares de adulta de Patrícia. — Este ensopado está uma
delícia, não é mesmo?
— Hum. . . Você acha que Eduard vem dizer boa-noite para nós?
— Espero que não!
Patrícia olhou para Luana e riu.
— Acho que você tem vergonha dele!
— Tenho vergonha de ser vista na cama por qualquer homem. Ele não ousaria...
— Luana interrompeu-se, mordendo o lábio. Sabia que Eduard Talgarth ousaria muitas
coisas e só a idéia de ser vista por ele, de camisola e com o cabelo trançado, já lhe dava
vontade de se esconder embaixo das cobertas.
Ficou aflita, com medo de ouvir os passos dele do lado de fora da porta.
Foi um alívio quando Jancey foi buscar a bandeja, levando um recado dele. O
patrão desejava que dormissem bem e na manhã seguinte lhes daria os recados
enviados de Londres pelo pai de Patrícia. Ele tinha também alguma coisa especial para
contar à srta. Perry.
— Boa noite para vocês duas. — Jancey avançou para a porta, tão perdida no
tempo quanto a casa onde trabalhava, com seu vestido escuro, seu cabelo prateado
preso num coque e o molho de chaves na cintura estreita. — Não precisam ficar com
medo do fantasma do castelo. O patrão dorme nos aposentos que pertenceram a
Eduard, o Valente. A torre em cima do quarto do patrão é que é assombrada.
A porta fechou-se atrás dela e as duas arregalaram os olhos.
— E ele não tem medo — Patrícia murmurou.
— Não — Luana concordou. — Uma lenda e uma sombra não amedrontariam o
dono deste castelo. Gostaria de saber. . .
— O que ele tem para lhe contar amanhã?
— Sim. — Luana estava imaginando quem ele teria visto em Londres além de
Hugh Strathern. — Posso apagar a luz?
— Precisa, mesmo? — Patrícia estava nervosa.
— Feche os olhos e num instante você vai estar dormindo. — Quando ela
apagou a luz, o barulho do mar pareceu ficar mais próximo. Pouco depois, ouviu-se os
passos irregulares de Medevil apagando as luzes da galeria. Depois um cavalo
relinchou na cocheira e a folhagem farfalhou de encontro à parede de pedra do castelo.
O castelo tinha duzentos anos e suas lendas faziam parte de St. Avrell, como
seus penhascos de granito e as charnecas que o rodeavam. Havia sido construído para
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear
uma família grande, mas só restava ali um homem solteiro, com empregados fiéis, e o
cavalo que montava quando o sol se punha. Uma vez ele tinha dito que Luana
descobriria que tipo de homem era, se fosse para a Cornualha. Mas ela já sabia. . . ele
era corajoso, um pouco mau, e tão sozinho que poderia se casar apenas para ter uma
companheira. Apesar de suas viagens, talvez nunca tivesse encontrado alguém para
amar.
Quando Luana acordou, o sol já iluminava o quarto. Era ainda muito cedo, mas
ela quis se levantar imediatamente, para se familiarizar com o castelo.
Pulou da cama, pegou a roupa e foi se vestir no banheiro, para não acordar
Patrícia, que devia dormir mais uma ou duas horas. Na noite anterior ela parecia que ia
ficar resfriada. Luana estava inquieta e, depois de fazer a toalete, vestiu o suéter e a saia
escocesa, já limpos e secos, e saiu do quarto sem fazer barulho.
Na noite anterior estivera confusa demais para reparar na decoração do castelo,
mas naquela manhã notou a madeira escura da escada que levava ao hall, onde as
cadeiras e o banquinho ainda estavam em redor do fogo apagado. Ouviu o barulho do
mar e viu que o sol atravessava as longas janelas na extremidade do vestíbulo.
Resolveu sair e, a caminho da porta, passou por um relógio de latão, usado nos navios,
e por um vaso oriental com rosas vermelhas, meio desfolhadas.
Sentiu as batidas do coração ao se dirigir para o jardim do castelo, que parecia se
estender por toda a parte, com árvores, estátuas e recantos com passarinhos pousados
em bancos de madeira. De repente viu um muro, com urzes brancas entre rosas
coloridas. Ficou maravilhada, louca de vontade de tocar nas rosas, mas teve medo dos
espinhos.
Entrou no roseiral por uma porta que havia no muro.
Não esperava encontrar um lugar tão bonito. O perfume era intoxicante. As
rosas cresciam numa mistura incrível de cores, e tudo parecia um sonho. Ainda havia
gotas de orvalho nas pétalas e pequenas aranhas douradas paradas em suas teias.
Luana se perguntou se Talgarth costumava ir àquele lugar romântico. Havia visto rosas
no hall do castelo e um homem que trabalhava com as mãos podia gostar de flores.
Saiu pela outra porta e encontrou um atalho que levava aos penhascos cobertos
de grama, que dominavam o mar, onde ondas enormes
brilhavam ao sol como se fossem de cristal. Ajoelhou-se num banco para admirar
a paisagem. O vento salgado desmanchava seu cabelo e avivava a cor de seus lábios;
pouco depois viu alguma coisa na rebentação das ondas e, assustada, percebeu que era
um homem. Ela e Patrícia haviam sido avisadas para não nadar quando as ondas
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear
estivessem altas, mas Eduard Talgarth não se preocupava com a força e com o perigo
do mar de St. Avrell, pois cortava as ondas com braçadas longas. Sua cabeça escura e
seu corpo esbelto apareceram por um momento, depois foram cobertos pela água e
Luana achou que ele não iria aparecer mais.
Prendeu a respiração, esperando vê-lo de novo. Evidentemente ele nadava
muito bem, mas e se fosse pego por uma corrente em redor das pedras? E se batesse a
cabeça e desaparecesse para sempre?
Ajoelhada, tentava ver por entre a espuma das ondas de cristal.
Procurou um braço levantado, o calção azul, o cabelo escuro. Sua ansiedade
aumentava a cada minuto, quando ouviu uma voz profunda cantando.
Já estava em pé quando ele apareceu, delineando-se por um instante de
encontro ao céu azul e dourado. O cabelo preto estava molhado e despenteado; Eduard
usava um suéter branco de gola olímpica e uma calça preta, que encompridava ainda
mais suas pernas. Trazia na mão o calção molhado e, assim que a viu, interrompeu a
canção, com as palavras "minha querida" ainda nos lábios.
— Bom dia! — ele exclamou. — Você é madrugadora. . .
— Então você está aqui! — Ela olhou para ele, atrapalhada tanto pela canção que
ele estava cantando como por sua ansiedade por causa de um homem que conhecia o
mar muito bem. Evidentemente ele tinha saído da água e ido até alguma caverna, onde
trocou de roupa.
— Estou acostumado a nadar de manhã cedo. Pulava do Pandora para nadar no
mar... — Ele parou ao lado dela e, antes que Luana pudesse impedir, tirou alguma
coisa que estava presa em seu cabelo. Era uma pétala de rosa, cor de sangue. — Você
esteve em meu roseiral, hein?
— Espero que você não se incomode. . .
— Incomodar? — Ele a olhou com curiosidade. — Parece que você me acha uma
espécie de bicho-papão, Luana. Para você, todas as minhas portas estão abertas. Foi
uma surpresa agradável encontrar o jardim encantado do ogre?
— Não é raro um homem do mar gostar de plantas?
— Sempre gostei do contato com a madeira, o metal ou com coisas vivas. Queria
ser escultor, mas neste caso teria demorado muito para ganhar dinheiro. — Os olhos de
Eduard prenderam os dela. — Você não ficou chocada com uma afirmação tão
mercenária?
— Não, nestas circunstâncias — ela admitiu. As mãos dele eram finas, firmes e
queimadas pelo sol dos trópicos. — Ouvi dizer que o castelo caiu em mãos de
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear
Luana estava consciente da presença dele a seu lado, da maneira como Eduard olhava
quando o vento levantava sua saia acima dos joelhos e desmanchava seu cabelo. Teve
uma vontade irracional de sair correndo, e ele deve ter percebido isto, porque deu uma
risada.
— Luana —- ele murmurou. — Você está sempre fugindo, mesmo quando
estamos nos dando bem. Você não gosta de mim, mas eu quero lhe pedir um favor.
— Um favor? — Luana se virou, afastando-se da porta que havia no muro que
cercava o roseiral; em seus olhos havia um apelo para que ele não lhe pedisse nada. A
troca de favores levava a uma certa intimidade, e ela não queria nada com Eduard
Talgarth.
Ele abriu a porta do roseiral e novamente ela se viu rodeada pelas flores
maravilhosas. Mas desta vez Talgarth estava a seu lado para compartilhar a beleza das
rosas, seu perfume intoxicante e seu simbolismo.
— Que favor você acha que vou pedir? Pela expressão de seus olhos, é alguma
coisa horrível demais para ser expressa em palavras. Luana — ele tornou a rir —, não é
um beijo, nem uma proposta de casamento. Você pensou que fosse?
— É claro que não!
— Então por que está tão apreensiva? Pode me dar um tapa se eu lhe roubar um
beijo e sempre pode dizer não se eu a pedir em casamento.
— Por favor, pare de me provocar e diga logo do que se trata.
— Estou provocando, então? Você acha que eu quero beijá-la, Luana Perry?
Outros homens já quiseram.
— Com certeza você acha divertido falar deste assunto, e está curioso. Você quer
descobrir por que Tarquin gostava da minha companhia e por que Hugh Strathern
quer se encontrar comigo de novo. Nunca beijei Hugh, se é isto o que você quer saber.
— Mas foi um pouco mais longe com o ator charmoso, hein?
— Não... quero falar deste assunto. — Ela agarrou uma rosa, dando um gemido
de dor, pois um espinho tinha entrado em seu polegar.
Imediatamente Eduard pegou a mão dela, inclinou a cabeça e, antes que Luana
pudesse impedir, sugou o sangue. O tempo todo ele a fitou com aqueles olhos azuis
magnéticos e ela sentiu a força primitiva que havia naquele homem, aquela capacidade
para ser bom ou cruel. Com Eduard não havia meio-termo, nem a sofisticação que fazia
com que os outros homens parecessem menos terríveis. Se ela tivesse sido mordida por
urna cobra, ele teria agido da mesma maneira.
— As rosas podem ser perigosas — disse ele calmamente. — Precisei lancetar
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear
meu dedo há quinze dias. Doeu ser tocada por meus lábios?
Ela ficou vermelha, pois ele havia feito o incidente parecer uma cena de amor.
— Obrigada. — Retirou a mão e olhou para o pontinho vermelho para não ter
que enfrentar o olhar dele. — Agora já não posso mais recusar o favor.
— Nem mesmo se for uma proposta?
Ela o olhou um tanto chocada, mas ele deu uma risada.
— Não vá desmaiar, Luana. Posso parecer um pirata com os instintos à flor da
pele, mas não quero uma moça apaixonada por outro homem. Não é nada demais,
quero.apenas fazer um bom negócio.
Luana sorriu lentamente, pois este era o Talgarth que conhecia: o comerciante
que se sentiria muito bem recompensado se Charme St. Cyr tivesse concordado em se
casar com ele. Eduard sorriu para ela, com um brilho de curiosidade no olhar. Pouco
depois estavam na torre redonda, onde ele tinha seu estúdio. Enquanto subiam a
escada em caracol, um gato passou por entre as pernas de Luana, que deu um gritinho
de susto.
— E Tinker. Ele costumava viajar conosco no Pandora e, juntamente com
Medevil, veio comigo quando deixei o mar. Ele está indo para o porão, para pegar
ratos. — A mão que segurou o cotovelo dela era forte, mas muito sensível, como se
cada fibra tivesse vida própria, como se a forma dos ossos fosse mais interessante para
ele do que a superfície.
Como se cada pétala de rosa fosse mais bonita do que a flor inteira. Como se
procurasse recriar a carne e a pétala em madeira ou em metal.
Ele era um homem estranho e complexo. . . um aventureiro e um sonhador, e
Luana ficou admirada quando entrou no estúdio.
O ar tinha cheiro de madeira e as mesas estavam cobertas de ferramentas e
esculturas; havia também uma cabeça de bronze, forte, quase cruel, com a
insinuação de um sorriso nos lábios atrevidos. . . a cabeça de Eduard!
— Pode olhar à vontade e, se quiser, pegar também. — Ele foi para o outro lado
da sala redonda, onde havia um armário, um fogãozinho e utensílios de cozinha.
Ela estudou a cabeça, percebendo que era uma bela obra de arte, embora faltasse
alguma coisa. Virou-se para Eduard em busca da comparação. Ele a olhou rapidamente
enquanto acendia o gás e quebrava ovos numa frigideira. . . Luana não encontrou os
olhos azuis como a luz do dia, com cílios escuros, e logo notou por que a peça parecia
morta em comparação com o homem.
O que chamava a atenção em Eduard Talgarth era o fato dele ser intensamente
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CAPÍTULO IX
não tenho medo, ninfa querida? Que não vou sofrer ao me despedir de você?''
Mas ele não tinha sofrido quando se despediu dela. . . e agora o oceano os
separava.
Luana correu pela praia, perseguida pelo piar dos pássaros. Ela não podia
pensar em Tarquin durante aquelas férias, que tinham dado uma reviravolta tão
estranha. Não só estava hospedada no castelo, como também posava para a estátua de
Ondina. Para seu alívio, Eduard permitiu que Patrícia assistisse às sessões. Era como se
estivesse posando para um artista, só que ele trabalhava com argila, usando as mãos
hábeis para modelar suas feições e os contornos de sua silhueta esbelta reclinada numa
pedra que havia sido trazida da praia.
Também tinha havido o problema do que vestir. Embora Jim Lovibond tivesse
trazido a maior parte das roupas delas, Eduard havia achado os vestidos de Luana
muito modernos, acrescentando que ela tinha que usar alguma coisa muito leve, como
a neblina que vinha do mar.
Obedecendo às ordens, Medevil trouxe uma arca enorme de um dos sótãos e,
quando a abriu, as duas prenderam a respiração. A arca estava cheia de cortes de uma
seda tão leve que passaria por um anel.
Luana sentiu-se compelida a olhar para Eduard, encostado na lareira, um
charuto entre os dentes. O sorriso que ele deu fez com que ela se perguntasse se não
teria havido uma moça especial na vida dele, uma moça muito bonita. Nascida para ser
envolta naquelas sedas orientais.
— Um plantador de café — ele contou — encomendou um enxoval para a noiva,
mas quando chegamos na ilha onde morava, no Pandora, um de seus empregados foi a
bordo para avisar que não descarregássemos a carga encomendada por seu patrão. A
moça havia escrito que ia se casar com outro homem, pois não agüentaria morar na
ilha. A arca ficou no Pandora até que eu voltasse para a Cornualha. Veja se encontra
alguma coisa para usar para mim, Luana.
Ela corou, ajoelhando-se ao lado da arca de sedas, que estava sendo remexida
sem nenhum cuidado por Patrícia. A menina não entendia como era triste um homem
querer oferecer tanta coisa para uma mulher e receber em troca apenas uma carta fria
dizendo que ela não o amava suficientemente para ir morar na ilha.
— Não é maravilhoso? — Patrícia enrolou-se num corte de seda da cor do mar.
— Não é assim que se usa um sári. — Com o charuto preso entre os dentes,
Eduard ajeitou a seda em torno do corpo de Patrícia. — Agora você está tão bonita
quanto uma dançarina oriental.
Patrícia sorriu, começando a dançar pela sala.
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear
— Para os que têm o coração jovem, minha flor, e às vezes para aqueles que
precisam de amor porque nunca amaram. Mas já está na hora de você e Luana irem
para a cama.
— Já? — ela protestou.
— Já são mais de dez horas e você está com cara de sono. — Ele olhou para
Luana e sorriu, embora seus olhos estivessem sombrios. — Vocês duas estão dormindo
bem aqui no castelo? Não se preocupem com o nosso fantasma. De acordo com a lenda,
só assombra os Talgarth, e eu ocupo os cômodos onde dizem que ele aparece. Ele é um
exilado solitário, como eu.
— Mas seu lar é na Cornualha. . .
— Nasci na Cornualha, mas nosso lar é onde está nosso coração. E agora desejo-
lhes uma boa noite. . . Vocês não querem tomar leite quente?
— Leite quente me lembra o colégio! — Patrícia franziu o nariz.
— Que coisa horrível! — Ele estava acendendo um de seus charutos finos, como
se pretendesse ficar fumando sozinho no salão ou passear até o roseiral, onde o ar
estaria perfumado.
— Obrigada pelo presente — disse Luana, um tanto embaraçada.
— Não há de quê. — Os olhos dele provocaram-na através da fumaça. — Dizem
que dar objetos valiosos para uma pessoa estranha atrai boa sorte para a casa. Você
ainda se sente uma estranha?
Não sabia o que responder. Inúmeras vezes, em sua vida, ela se sentira como
uma estranha, de modo que um olhar ou um gesto podiam despertar de novo essa
sensação. E o fato de Eduard lhe dar a pulseira e o berloque não tinha nenhum
significado especial. Luana não queria que ele colocasse a corrente em redor de seu
pulso, mas, mesmo assim, a maneira fria com que Eduard deu o presente lembrou-lhe
vivamente a adolescência, quando Charme era muito mais bem tratada e cada presente
que Luana recebia significava mais uma obrigação para com seu padrasto.
Ela não queria nada de ninguém, se não fosse dado de boa vontade.
Mas já tinha agradecido a Eduard, e sabia que não devia provocá-lo se não
estivesse preparada para a luta. Naquela noite sentia-se indefesa e, quando ele deu um
passo em sua direção, percebeu que seus joelhos tremiam.
— Que foi que aconteceu? — ele perguntou em voz baixa. — Fiz alguma coisa
que a magoou? Acho que não, Luana. Você é imune a qualquer coisa que eu possa
fazer. Sou apenas aquele cornualês desagradável que tem a capacidade de ler seus
pensamentos. Sei o que você está pensando neste instante.
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear
— Não acredito!
— Mas sei, Luana. Você está pensando em Avendon e nas humilhações por que
passou. Sempre no segundo plano, sentada na sombra, observando o drama e o desejo
na vida das outras pessoas. Depois você teve seu próprio drama, mas a cortina se
abaixou; neste momento você está se sentindo magoada e revoltada. Você não quer
mais ficar de fora. . . Você quer ser amada, não é, Luana?
— Como você ousa? — Lutando com uma fraqueza estranha nas pernas, ela
procurou fugir do homem moreno e alto, com olhos penetrantes por trás da fumaça do
charuto. — Patrícia, vou dormir! Você não vem?
— Estava só dando mais uma olhada na arca, Luana, você me faz um vestido
com uma destas sedas?
— Sim, querida, amanhã.
— Boa noite, Luana — disse Eduard, cortando a conversa. — Bons sonhos.
— Eu. . . — Ela queria dizer que o odiava. Era horrível ser tão transparente para
um homem, como se não lhe pudesse esconder nenhum segredo.
— Não diga nada — ele recomendou, com voz lenta. — Você pode se
arrepender.
— Você é incorrigível! — Ela jogou a cabeça para trás, girou nos calcanhares e
saiu da sala. Já estava no meio da escada quando Patrícia a alcançou.
— Você tornou a brigar com ele! — ela acusou. — Não sei como você pode!
— É muito fácil. Ele é o demônio mais presunçoso que já tive a infelicidade de
encontrar. Foi capitão de um navio por tanto tempo que acha que pode mandar em
todo mundo, como fazia com a tripulação. Coitado! Com certeza pensavam que eram
chefiados pelo Capitão Gancho!
— Você é engraçada, Luana.
— Ainda bem que você aprecia o meu humor, mas não pretendia fazer graça.
Quanto mais cedo o chalé ficar pronto, melhor. Poderemos então arrumar nossas malas
e deixar este lugar... e aquele homem.
— Ele deu uma pulseira para cada uma de nós. Gostei tanto da minha que acho
que vou dormir com ela. — Patrícia olhou para o braço. — Ele ia me dar um anel, mas
acho que só vai dar quando eu ficar mais velha. E muito significativo um homem dar
um anel a uma moça. . . embora tenha ouvido dizer que na Espanha dar uma pulseira é
uma prova de amor. Seria sensacional se Eduard pretendesse se casar com uma de nós.
Luana colocou sua pulseira na penteadeira. O idolozinho brilhou com a luz da
lâmpada, lembrando-lhe que a raiva era uma insensatez e que somente a reflexão trazia
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear
sabedoria. Mas aquele homem era tão desagradável. . . nem mesmo Charme, com suas
observações maldosas, irritava tanto Luana como aquele demônio alto, com olhos azuis
e tão profundos que ela se sentia afogar quando ele a olhava.
Estava resolvida! Assim que Jim viesse dizer que o chalé estava pronto, ela e
Patrícia iriam embora do castelo. Mas enquanto isto, tinha que tirar o melhor partido
de uma situação tensa e perturbadora.
Enquanto se despia, percebeu que Patrícia tinha ido dormir no outro quarto,
embora tivesse deixado a porta de comunicação aberta.
— Boa noite, Patrícia. Durma bem.
— Boa noite — ela resmungou.
Luana suspirou, deitando-se na cama enorme. Como podia explicar a Patrícia
que os antagonismos eram tão naturais quanto as afeições? Que, embora tentasse, não
ficava à vontade com Eduard Talgarth? Ele fazia com que ela se sentisse inexperiente e
tola, como se seu amor por Tarquin tivesse sido uma criancice e não o acontecimento
mais importante de sua vida. Luana não tem mais nada a que se apegar, se não
pudesse acreditar que Tarquin também a havia amado.
Antes de apagar a luz, tocou no idolozinho e fez uma promessa: tentaria ficar
amiga de Eduard. Havia ocasiões em que ela o achava interessante, especialmente
quando ele falava do Oriente, revelando cultura e até delicadeza.
Estava sorrindo quando adormeceu. . . delicadeza era uma palavra engraçada
quando aplicada ao dono do castelo.
Depois que Luana acabava de posar para a Ondina, ela e Patrícia podiam
passear à vontade pelo castelo e pelas redondezas. Descobriram uma quadra de tênis
em boas condições e chegaram a jogar um pouco, até que Eduard apareceu,
desafiando-as para uma partida. Ele jogava muito bem e as fez correr tanto pela quadra
que acabaram exaustas de tanto rir e tiveram que ser reconfortadas com refrescos.
Usavam também a charrete e muitas vezes Eduard as levava para ver os pontos
românticos da Cornualha. Visitaram as ruínas do castelo de Tintagei, onde lendas
antigas pareciam pairar no ar, ao lado de velhos fantasmas.
Foram à igrejinha das seis virtudes e Luana percebeu um sorriso nos lábios de
Eduard quando examinavam as figuras nos vitrais antigos.
— Qual delas você prefere? — ela perguntou sem querer.
— A esperança — ele respondeu —, pois abrange todas as outras virtudes.
— Fé e caridade — Luana murmurou. — Justiça, exaltação e alegria.
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear
Uma mulher assim teria que ser um anjo. Tenho certeza de que você não espera
encontrar um anjo. — As cores dos vitrais refletiam-se em seu rosto.
— Você acha que um anjo não me aceitaria?
— Se ela o amasse. — Luana afastou-se para examinar um cavaleiro de pedra
que tinha atraído a atenção de Patrícia.
Nos dias que se seguiram, muitas vezes a charrete cortou as charnecas, o som
dos sininhos misturando-se às risadas e o vento avivando a cor do rosto das duas
jovens.
Naquele dia estavam na baía Constantine e Eduard falava de suas viagens a
Patrícia, enquanto Luana ouvia, pensativa. Se ele não encontrasse nada que o
prendesse ao castelo, ia voltar para aquelas ilhas exóticas, ela tinha certeza.
— Olhem! — Ele se levantou num salto. — Há uma foca naquele rochedo!
— Não há uma lenda que diz que as sereias costumam se transformar em focas?
— Luana virou a cabeça para olhá-lo e, ao perceber que ele também a fitava, sentiu que
uma faísca elétrica percorria seu corpo.
Aquele homem tinha vivido em ilhas pagas e ela o imaginou brincando no mar
com uma moça, muito alegres, depois carregando-a nos braços até uma casinha com
telhado de palha.
— Você está parecendo uma sereia com o vestido grudado no corpo e o cabelo
preso.
— Muito obrigada pelo cumprimento!
— Não estou querendo ser engraçado. — A voz de Eduard estava extremamente
suave. — As sereias costumam seduzir os homens, e os marinheiros são mais
suscetíveis ao seu encanto do que as outras pessoas.
Luana não sabia o que responder, por isso preferiu olhar a paisagem,
casualmente, como se não percebesse que o mar e o céu combinavam-se para realçar
tudo o que havia de primitivo naquele homem. A pele dele era morena e seu cabelo,
preto como o ferro; os ombros largos nunca se curvavam, apesar da carga imposta pela
vida.
Foi um alívio quando a foca mergulhou, nadando embaixo d'água com uma
rapidez incrível.
— A sereia voltou para o seu palácio submarino. — Luana riu, um pouco sem
ar.
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear
depois num banco alto, enquanto Luana passava um anti-séptico no ferimento. Ele não
se queixou da dor e, por alguma razão estranha, foi ela quem estremeceu. Olhou-o e
Eduard deu aquele sorriso que sempre a deixava insegura.
— Você tem mãos delicadas. Já pensou em se tornar enfermeira?
— Hugh já me perguntou a mesma coisa. — Ela aplicou uma pomada, fazendo
depois um curativo. — Você acha que devo ser enfermeira? Talvez seja isto que deva
fazer depois destas férias, quando voltar para Londres. Talvez possa treinar no hospital
onde Hugh trabalha. Acho que ele gostaria que. . .
— Você gosta dele? As moças costumam se sentir muito atraídas por médicos.
— Como os marinheiros pelas sereias?
Ela estava sorrindo, mas prendeu a respiração quando Eduard a pegou pela
cintura, atraindo-a de encontro a seu corpo. Seu rosto estava sério, os olhos brilhavam e
uma mecha de cabelo caído na testa aumentava-lhe o ar de atrevimento.
— Posso agradecer da maneira tradicional, Luana? — A voz dele era
perigosamente suave. —- Com um beijo?
CAPÍTULO X
navio de sonho que nunca chegará num porto. Quero obter aquilo que desejo, mas pela
primeira vez em minha vida estou com medo. Acho que prefiro ficar com a metade do
sonho a perdê-lo por inteiro, uma concessão que não faria quando era mais moço. Eu
teria dito "para o diabo" e ficado com o que queria. Não me importaria com o futuro.
— Por que você podia ir embora no Pandora?
— O Pandora ainda é meu. Ainda posso ir embora, levando a metade de um
sonho como carga.
Ele tomou o resto do vinho e ficou olhando para um quebra-cabeça persa que
estava em cima de sua mesa de trabalho, mexendo com ar ausente nas peças de marfim
e ébano.
— A vida é composta de luzes e de sombras, do dia e da noite. Não podemos ter
a luz do dia no meio da noite, temos que esperar a aurora e torcer para que o dia seja
ensolarado. — Ele procurou os olhos de Luana. — Pode rir agora. Talgarth está sendo
sentimental e profundo.
Mas ela não tinha vontade de rir. Segurando o copo de vinho, foi até a janela e
viu que o sol tinha desaparecido e que as sombras tomavam conta do castelo. Quando
se voltou, ele estava descobrindo a estátua inacabada de Ondina.
— Você gostaria de posar por meia hora? Quero ver se acabo isto antes que o
telhado do chalé esteja pronto e vocês voltem para Pencarne.
— Não. . . estou com o vestido.
— Está bem assim. . . Por favor, pose para mim.
Ela fez a pose, que agora já lhe vinha naturalmente, o perfil delineado pelo
cabelo, a insinuação da espera na silhueta esguia de seu corpo. Era mais fácil posar
quando deixava os pensamentos vagarem e naquele dia eles foram até Avendon, até
Charme, que era linda, mas que dificilmente era a figura frágil dos sonhos de um
homem. Se Eduard a quisesse mesmo, poderia tê-la tomado de Simon Fox. . . mas ele
não se incomodou.
Lembrou-se das palavras de Charme: "Ele só quer alguém para morar no castelo.
Qualquer pessoa serve. . . até você, Luana".
Pelo menos uma vez Charme havia errado a respeito de um homem. Eduard
estava apaixonado por uma mulher e não sabia se era correspondido. Se não pudesse
tê-la, pretendia ir embora no Pandora.
Quem seria a mulher com quem ele sonhava?
— Pronto. — A voz dele veio de longe. — Agora você pode descansar e se
preparar para o jantar.
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear
Ela estremeceu, percebendo que estava com frio. Uma rajada de vento entrou
pela janela da torre.
— Parece que vai chover. — Ele cobriu a Ondina, um fantasma no meio do
estúdio. Embaixo ouviram as ondas batendo nas pedras e, por uma janela, avistaram a
luz intermitente de um farol que ficava além da curva da baía. Uma sentinela solitária
guiando os navios que passavam ao largo das pedras.
— Qual é a sensação de estar num navio no meio de uma tempestade? — Luana
perguntou.
— E assustador, mas deixa de ser excitante quando descobrimos que
continuamos vivos depois que o perigo passou.
— Você acha então que somente quando passamos por um perigo, um
sofrimento ou nos ferimos é que sentimos a alegria de estarmos vivos?
— É mais ou menos isso, Luana. Como pode haver um grande amor, por
exemplo, sem antes ter havido um amor menor? Um daqueles que parecem oferecer o
paraíso, enquanto duram, mas que no fim não são verdadeiros. Não se pode ser capitão
de navio antes de se ser marinheiro. Não se pode amar de verdade antes de se amar
pela metade.
Ela se sentiu atraída pelos olhos dele.
— O que você está dizendo?
— Você sabe muito bem.
Ela sabia, mas não queria ouvir mais nada. Desculpou-se, saiu do estúdio e
subiu para o quarto depressa, fechando a porta atrás de si, como se quisesse deixar
Eduard de fora. Mas ele não a seguiu. Apenas as palavras que ele tinha dito não se
silenciaram, enquanto o vento soprava mais forte e as ondas batiam como se quisessem
invadir o castelo.
Durante o jantar, a tempestade ficou mais forte. Eduard não apareceu e Jancey
estava preocupada. Depois Luana e Patrícia ficaram um pouco na sala, mas cada rajada
de vento as assustava.
— Vamos para a cama — disse Luana.
— As duas jovens atravessaram o hall como crianças assustadas. A porta do
escritório de Eduard estava fechada e não havia sinal de Medevil.
Um relógio deu as horas. Eram dez e meia e naquela noite devia ser horrível
estar nas charnecas ou no mar.
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear
Luana dormia agitada quando foi despertada por uma sirene. Sentou-se
imediatamente na cama, percebendo que o ruído vinha de fora do castelo.
Alguém abriu a porta do quarto.
— Luana, você está acordada? — Patrícia parou na soleira da porta, arfando. —
Desci para ver o que era aquele barulho horrível e Jancey me contou que um navio
bateu nas pedras. Eduard e Medevil foram socorrer. Não é horrível? Pode ser que haja
pessoas se afogando!
Luana levantou-se rapidamente e começou a se vestir. Patrícia acendeu a luz,
exclamando:
— Parece que você está chorando!
— Vamos descer. A sirene está soando perto do castelo e é bem provável que os
passageiros salvos sejam trazidos para cá. Vamos ajudar Jancey a fazer sanduíches e a
preparar as camas.
No instante seguinte as duas jovens estavam no andar de baixo, recebendo
ordens de Jancey, que era calma e prática e, como filha de pescador, acostumada a
esses desastres. Por volta de meia-noite, Patrícia dormia no sofá da sala, mas Luana e
Jancey estavam ocupadas na cozinha, onde havia um grande caldeirão de sopa e vários
bules de café.
A mesa estava arrumada com sanduíches de carne e de ovos e já havia várias
camas preparadas.
Os passageiros do navio deviam estar chegando. Dois homens tinham vindo da
praia com a notícia de que o navio saíra da América e se dirigia para o porto quando se
chocou com os rochedos de St. Avrell. O casco fora atingido e o navio estava
adernando, mas seus passageiros estavam chegando no barco salva-vidas. O barco
voltaria depois ao navio para buscar a tripulação.
Luana e Jancey trocaram um olhar preocupado, pois dentro de uma hora o
navio avariado estaria afundando, de modo que seria muito perigoso salvar a
tripulação. Luana pegou uma caneca de chá e foi para junto da lareira, muito nervosa,
tentando não pensar nas ondas cobrindo o navio, nos passageiros transportados pelo
barco salva-vidas, que tinha que contornar os rochedos cruéis para atingir a praia.
Os passageiros chegaram meia hora depois, muitos deles chorando, trazendo
alguns pertences catados às pressas.
Enquanto entravam na grande cozinha aquecida, Luana lhes oferecia café,
cobertores e algumas palavras de conforto. Patrícia, já acordada, dava-lhes comida
enquanto fazia perguntas ansiosas.
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear
Todos queriam falar ao mesmo tempo, agora que estavam em terra, debaixo de
um teto seguro. Uma mulher contou que um dos passageiros tinha ficado com a
tripulação para não sobrecarregar o barco salva-vidas.
Luana ouvia tudo numa espécie de sonho, sem parar de socorrer as pessoas. Por
volta de duas e meia, os passageiros salvos estavam acomodados para passar a noite e
havia silêncio na cozinha. Patrícia bocejava diante do fogo, mas não queria ir para a
cama.
— Quero ficar acordada — ela explicou. — Preciso saber se Eduard está bem.
— Não vai acontecer com o sr. Eduard — disse Jancey. — Ele é bom marinheiro,
é um Talgarth dos velhos tempos, quando os homens desta família eram tão vigorosos
quanto meus dois irmãos, que saíram com seus barcos quando os soldados
desembarcaram nas praias de Dunquerque. Estou ficando velha, srta. Luana, e vivo de
minhas recordações, mesmo que sejam um pouco tristes.
Luana ouvia o barulho do mar e do vento. Naquela noite suas recordações
estavam especialmente melancólicas. Estremeceu, muito nervosa, quando o relógio deu
as horas e contou três batidas. A maré estava alta e o barco salva-vidas teria que lutar
para trazer os homens para a praia.
— Meu Deus, fazei com que eles se salvem — ela rezou. — O capitão, a
tripulação, e também o passageiro que ficou no navio.
O vento havia diminuído e o dia estava começando a raiar quando o som de
vozes quebrou o silêncio... vozes masculinas, aliviadas, algumas risadas cansadas.
Mais alguns minutos e a cozinha ficou cheia de gente. Homens altos aglomeram-
se ao redor do fogo, comendo sanduíches, tomando sopa, café ou chá.
Enquanto entregava cobertores, Luana procurava Talgarth. Ele não estava lá,
mas um homem perto da porta chamou sua atenção e ela abafou um grito. Seus olhos
se encontraram enquanto ele tomava um gole de café.
— Luana!
— Tarquin!
Ela só acreditou no que estava vendo depois que atravessou o bando de homens
e pegou no braço dele.
— Era você quem tinha ficado com a tripulação!
— Sim. — Ele riu. — É inacreditável, Luana. Você é real?
— É claro. — Era o Tarquin do primeiro encontro, os olhos cinzentos brilhando
no rosto bonito. Lembrou-se de todos os momentos que tinham passado juntos, até o
dia em que o raio a afastou da memória dele. — Você me reconheceu!
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Sabrina 151 – Tempestade de Amor – Violet Winspear
espontânea vontade, havia o Pandora, sempre pronto à minha espera. Se você não
puder me amar, Luana, vou embora com a metade de um sonho.
— Eu?
— Sim, desde o momento em que você se afastou correndo no saguão do Mask
Theatre, ansiosa para estar na platéia antes da entrada em cena de seu ator.
— Mas você foi à Avendon para ver minha irmã. . .
— Fui conhecer uma moça chamada Luana. St. Cyr falou de você e eu fiquei
intrigado por causa do nome, querendo saber se pertencia a uma moça diferente e
encantadora. Luana — ele sorriu —, tendo sangue celta, você deve ter boa intuição. E
mesmo assim não percebeu nada?
— Você nunca foi gentil comigo como era com Patrícia.
— Patrícia é uma criança e um homem não é gentil com a mulher que ama... ele
a deseja tanto que às vezes não pode deixar de ser um pouco cruel. Se você soubesse,
Luana. . . Se você gostasse um pouquinho de mim.
— Mas eu gosto!
O mundo ficou azul de repente, sem nuvens, nem neblina, nem ondas enormes
batendo na praia. Um raio de sol surgiu no oriente e os passarinhos começaram a voar
alegremente.
— Hoje, quando vi Tarquin, fiquei satisfeita porque ele estava bem. . . mas senti
que revivia quando soube que você não estava ferido. Eduard, não é possível amar de
verdade quando não se amou romanticamente. Tarquin foi o romance que tive. . . você
é o meu amor.
Os olhos dele brilharam quando ela lhe revelou o que tanto queria ouvir.
Eduard a abraçou com ternura, e juntos observaram o nascer-do-sol. O dia seria
ensolarado e para eles não haveria solidão.
— Eduard — Luana murmurou —, seu café vai esfriar.
FIM
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SABRINA 153
CORAÇÃO ATORMENTADO
Anne Mather
SABRINA 154
CHÃO DE ESTRELAS
Robyn Donald
Para Lorena, verão significava paraíso. Era a época em que ela ia trabalhar em Waiwhetu, na
costa ensolarada e florida da Nova Zelândia, onde as praias eram tranqüilas, e o mar, à noite,
parecia um chão de estrelas. Lá sentia-se inteiramente feliz, até que conheceu Bourne
Kerwood, o compositor de sucesso, o homem que despertou em seu coração as emoções mais
profundas que uma mulher pode experimentar. Por ele, a alma de Lorena ficou doente de
amor, e seu corpo, febril de desejo. Deslumbrada, percebeu que Bourne a queria também...
mas apenas como um caso passageiro, um amor para ser vivido no verão e esquecido depois...
Bianca 60
Doce Ilusão
Hilda Nickson
A carreira antes de tudo! Esta era a vida de Madeline, até aquele homem lhe oferecer a doce
ilusão de um amor!
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