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Resenha do livro ‘’Vocação Perigosa’’

Seminário e Instituto Bíblico Maranata

Teologia Pastoral | Tiago Albuquerque

Israel Ferreira Lemos

Escrito pelo conhecido pastor reformado Paul Tripp, o livro Vocação Perigosa,

publicado no Brasil pela Casa Editora Presbiteriana, é mais um título na área de

pastoreio para a literatura teológica nacional que, entretanto, se diferencia da

maioria das demais obras da mesma área para abordar a teologia pastoral para

além da ótica do trabalho. Ou seja, o desejo do autor não é escrever mais uma

obra do que um pastor deve fazer, mas sim os perigos envolvidos na vida do

ministro.

O livro começa com Tripp fazendo uma avaliação de si mesmo, lembrando um

exemplo de anos atrás, ele conta que tinha uma grande dificuldade e luta contra

o pecado da ira, porém, não percebia. Esse pecado estava colocando seu

casamento em perigo, visto que, sua esposa já o tinha alertado várias vezes

desse mal, mas ele sempre o negava. No entanto, não negava simplesmente

porque era um orgulhoso, Tripp se achava mais do que era, e ao olhar parar si

mesmo não se achava capaz de cometer tamanha maldade. Isso se deu

porque ele olhava pro seu ministério e via sucesso, pelo menos da sua própria

ótica, várias e várias pessoas eram abençoadas por seus conselhos, sermões e

livros, a igreja crescia, suas ovelhas amadureciam e testemunhavam de como

ele era uma benção na vida delas. Como um homem de tanto sucesso

ministerial poderia em casa ser alguém irado com a esposa, ou como Deus faria

prosperar o ministério de um iracundo ? – Tripp se perguntava. Para ele, o

sucesso no ministério era um sinalizador da aprovação de Deus. Até que numa


viagem com seu irmão ele se deu conta da realidade e de que o sucesso do seu

ministério não dependia do quanto ele era piedoso, Deus não precisa da

piedade de alguém para usá-lo, embora requeira, e nem poderia significar que

ele estava isento das falhas comuns a homens pecadores.

Por isso, Vocação Perigosa se mostra como uma leitura absolutamente

indispensável, principalmente, por que o autor se propõe a falar de si mesmo,

seus erros cometidos e como aqueles que estão e almejam o ministério podem

evita-los.

Na parte 1, Tripp faz um alerta para o perigo do pastor, que muitas vezes se

vê totalmente engolido pelas responsabilidades e obrigações da igreja local,

deixar morrer a sua vida espiritual, e assim, entrar em decadência e desgaste

ministerial.

De maneira comum pastores aderem ao hábito do isolamento, não se

submetem ao aconselhamento de irmãos na fé e rejeitam o ministério e os

cuidados que poderiam e deveriam ser providenciados pelo corpo de Cristo que

eles mesmos pastoreiam. Enquanto suas ovelhas se fortalecem espiritualmente

por meio do relacionamento comum e intencional da igreja, em muitos casos, os

pastores não fazem aquilo que recomendam. Pastores nunca deixam de ser

ovelhas, portanto, eles devem ser nutridos, supridos, cobrados, exortados,

amados. Os próprios pastores precisam se ver como ovelhas, eles ainda não

chegaram a glorificação, até lá, sofrerão dos mesmos males de todos os

cristãos comuns. O fato de sempre estarem lidando com o problema alheio o

fazem não perceber ou perceber e não relevar os problemas do próprio

coração. Parece que há sempre uma bola de neve para que um ministério

fracasse, e por incrível que pareça ele nunca parece estar fracassando, porque

a casca é sempre bonita, os sermões abençoam, os aconselhamentos surtem

efeitos, a igreja cresce, os irmãos servem, mas ali atrás do título pastoral, tem
um homem que estuda para pregar mas não medita para si nas escrituras, não

prega o evangelho a si mesmo, não ouve conselhos de outros e inevitavelmente

ele corre para o fracasso no ministério e na sua própria vida com Deus.

O que Tripp faz é associar essa postura como até mesmo a sinceridade

assumida de muitos pastores que se colocam como superiores aos demais

membros da congregação, em nível de santidade e luta contra o pecado e o

mundo. Isso começa ainda na vida do estudante de teologia desde o começo do

seu seminário, a ideia de que ele é independente espiritualmente, confessa

poucos pecados, tem mais conhecimento teológico do que a maioria e as vezes

não é nem cobrado pelos outros membros, porque estes acreditam que o irmão

de fato está em um nível de santidade acima, sendo assim, ele só deve ajudar,

mas não precisa de cuidados espirituais. E assim nasce mais um pastor

‘’independente’’ que pode até pastorear, mas que dificilmente será pastoreado e

terá um coração contrito diante de Deus.

Esse desvio facilmente faz com que o pastor se esqueça do que o apóstolo

Paulo diz na carta aos Efésios, no capitulo quatro, onde ele fala que Jesus

Cristo providenciou dons a sua igreja dos mais variados possíveis para o

crescimento mútuo dos irmãos, mas o pastor não se vê como parte desses

beneficiários, mas está ali somente para administrar esses dons, entregar

sermões e aconselhamento, mas nunca ele mesmo ser beneficiado com os

dons que Deus deu a sua igreja.

Na parte 2, Tripp aborda os efeitos doxológicos desse processo de alienação

vivido pelo vocacionado em relação aos cuidados e a atenção da igreja. O

senso de independência e suficiência na vida do candidato trouxe efeitos para

além da futura relação pastor/igreja, atingindo seu relacionamento com o próprio

Deus. A isso ele chama de “perda de reverência”. Os deveres pastorais, a

preparação de sermões e estudos, as obras da igreja e o discipulado dos novos


na fé, muito embora todos eles carregados de valor, acabam a serem

desempenhados de forma automática pelo ministro. Todo o senso de

entusiasmo e devoção que deveria permear o ministério é, de pouco a pouco,

perdido e, em casos mais graves, começa-se a domesticar pecados na vida

privada, ao mesmo tempo em que o líder pastoreia a igreja como se tudo

estivesse tranquilo.

Um dos resultados disso é a mediocridade, pecado geralmente tolerado pela

própria pessoa e até mesmo por aqueles que recebem daquilo que o pastor

estuda. Mediocridade é antes de tudo um problema do coração, quando não há

devoção, perde-se a paixão e sem paixão, o tempo colocará o serviço no

automático e depois do automático, ele não precisará ser tão profundo assim.

Ao relacionar o que Tripp fala com o que Charlles Spurgeon diz em seu livro

‘’Lições aos meus alunos’’ – O pastor ou pelo menos aquele que almeja a

excelente obra, será bom em tudo que fizer, pois este homem de devoção a

Deus e com um coração convencido a quem está servindo não poderá entregar

outra coisa, senão o melhor que ele pode.

Por último, na parte 3, o ministério pastoral agora enfrenta a confusão interna.

Nesse ponto o orgulho do ministro é denunciado. Paul Tripp diz que com

frequência o pastor se esquece de quem ele mesmo é, apenas um instrumento

nas mãos de Deus. Um sintoma inegável do florescimento do egocentrismo do

ministro é a constante busca de realizações e feitos ministeriais, Um sintoma

bem comum do egocentrismo no ministério é quando o pastor está sempre ou

muitos mais preocupado e entusiasmado com os seus feitos pessoais como

pastor, os títulos que ele recebe, ou a obtenção de destaque na igreja e na

comunidade acadêmica. O pastor muitas vezes, enveredando por esse

caminho, esqueceu de se contentar com o que é a razão de seu ministério: que

aqueles que lhe foram confiados sejam apresentados perfeitos em Cristo

naquele grande dia.


Por fim, gostaria de colocar algumas das soluções para que os ministros não

fracassem em seus ministérios. Tripp oferece muitas, mas iremos ver somente

algumas agora. Primeiramente, o ministro precisa ser visto como um membro

comum, é claro que ele será mais cobrado e sua própria vida será um exemplo,

mas ele não deve esconder da congregação que a obra em sua própria vida

ainda não foi terminada por Deus, e assim, se mostrando como fraco, se

permita ser cuidado nas muitas áreas ainda deficientes na sua caminhada. É

claro que não é sempre que o pastor será bem instruído biblicamente, afinal, ele

sabe ou pelo menos deveria mais do que todos ali, portanto, o pastor deve se

envolver com o presbitério e outros pastores para que seja instruído na Palavra

e até repreendido quando assim for necessário.

E claro, não menos importante, a igreja precisa ver o que o ministro é, o

pastor precisa viver a vida ordinária na igreja e conviver com esses irmãos, se

mostrando para eles como um homem normal. E o que ele deve ser em

essência é um adorador fiel ao Senhor, alguém constante em sua presença,

que vive a vida comum do lar e tem o ministério como um dever dado do próprio

Deus, e que o ministério não o leva pra distante do Senhor, mas sim, para mais

próximo, isso impactará ainda mais a igreja do que os melhores sermões que o

ministro deve pregar. O Pastor deve ser um adorador.

Em fim, gostaria de recomendar Vocação Perigosa para todos os pastores

que se sentem cansados e desgastados no ministério, que olham para suas

próprias vidas e podem estar percebendo pecados escondidos ou disfarçados,

talvez possam está se enxergando por mais do que realmente são, pastores

que precisam voltar a serem ovelhas e novamente entregar a Deus um uma

vida de piedade e assim ter de fato um ministério bem sucedido e aprovado por

Deus, este livro encorajará os pastores e candidatos ao episcopado a

entregarem para Deus tudo que podem de melhor e sempre, mas numa

condição de devoção. Ajudará a olhar para o ministério e ver que nem sempre o
sucesso significa aprovação, e portanto, deve constantemente estar avaliando a

própria vida. E para todos os candidatos que desejam evitar cair nessa

condição, de fato, essa leitura me ajudou a perceber minhas próprias

dificuldades e de que maneira posso lidar com elas. Creio que uma das grandes

lições, foi que, a fidelidade do ministro não está naquilo que ele faz, ele pode

até fazer muito bem, mas está naquilo que ele é. Se pudesse escolher um

versículo que encaixaria perfeitamente com o livro, certamente seria 2 Timóteo

2:15 – É diante de Deus que devemos nos apresentar todos os instantes:

Aprovado!

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