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Desafios no Transporte Rodoviário de Produtos Perigosos

Chapter · December 2018

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1 12,111

2 authors:

Fábio Ytoshi Shibao Mario Roberto dos Santos


Universidade Guarulhos Universidade Nove de Julho
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Saneamento e o Ambiente - 1

Organizadoras
Sandra Medina Benini
Leonice Seolin Dias
Juliana Heloisa Pinê Américo-Pinheiro

SANEAMENTO E O AMBIENTE

1ª Edição

ANAP
Tupã/SP
2018
2

EDITORA ANAP
Associação Amigos da Natureza da Alta Paulista
Pessoa de Direito Privado Sem Fins Lucrativos, fundada em 14 de setembro de 2003.
Rua Bolívia, nº 88, Jardim América, Cidade de Tupã, São Paulo. CEP 17.605-310.
Contato: (14) 99808-5947 e 99102-2522
www.editoraanap.org.br
www.amigosdanatureza.org.br
editora@amigosdanatureza.org.br

Editoração e Diagramação da Obra - Sandra Medina Benini


Revisão Ortográfica - Smirna Cavalheiro

Ficha Catalográfica

B467s Saneamento e o Ambiente / Sandra Medina Benini; Leonice Seolin


Dias; Juliana Heloisa Pinê Américo-Pinheiro (orgs). 1 ed. – Tupã:
ANAP, 2018.

336 p; il.; 14.8 x 21cm

ISBN 978-85-68242-85-8

1. Meio Ambiente 2. Saneamento 3. Saúde


I. Título.

CDD: 910
CDU: 913/49

Índice para catálogo sistemático


Brasil: Geografia
Saneamento e o Ambiente - 3

CONSELHO DE EDITORIAL

Prof. Dr. Adeir Archanjo da Mota - UFGD


Profa. Dra. Alba Regina Azevedo Arana - UNOESTE
Prof. Dr. Alexandre Carneiro da Silva
Prof. Dr. Alexandre França Tetto - UFPR
Prof. Dr. Alexandre Sylvio Vieira da Costa - UFVJM
Prof. Dr. Alfredo Zenen Dominguez González - UNEMAT
Profa. Dra. Alina Gonçalves Santiago - UFSC
Profa. Dra. Aline Werneck Barbosa de Carvalho - UFV
Prof. Dr. Alyson Bueno Francisco - CEETEPS
Profa. Dra. Ana Klaudia de Almeida Viana Perdigão - UFPA
Profa. Dra. Ana Lúcia de Jesus Almeida - UNESP
Profa. Dra. Ana Lúcia Reis Melo Fernandes da Costa - IFAC
Profa. Dra. Ana Paula Branco do Nascimento – UNINOVE
Profa. Dra. Ana Paula Fracalanza – USP
Profa. Dra. Ana Paula Novais Pires
Profa. Dra. Ana Paula Santos de Melo Fiori - IFAL
Prof. Dr. André de Souza Silva - UNISINOS
Profa. Dra. Andrea Aparecida Zacharias – UNESP
Profa. Dra. Andrea Holz Pfutzenreuter - UFSC
Prof. Dr. Antonio Fábio Sabbá Guimarães Vieira - UFAM
Prof. Dr. Antonio Marcos dos Santos - UPE
Profa. Dra. Arlete Maria Francisco - FCT/UNP
Prof. Dr. Baltazar Casagrande - SEDUC/MT
Profa. Dra. Beatriz Fagundes – Universidade Estadual Paulista - Unesp
Profa. Dra. Beatriz Ribeiro Soares - UFU
Profa. Dra. Carla Rodrigues Santos – Centro Educação FASIPE
Prof. Dr. Carlos Andrés Hernández Arriagada
Profa. Dra. Carmem Silvia Maluf - Uniube
Profa. Dra. Célia Regina Moretti Meirelles - UPM
Prof. Dr. Cesar Fabiano Fioriti - FCT/UNESP
Prof. Dr. Cláudio Antonio Di Mauro - Instituto de Geografia IG - UFU
Prof. Dr. Cledimar Rogério Lourenzi - UFSC
Profa. Dra. Cristiane Miranda Martins - IFTO
Profa. Dra. Daniela de Souza Onça - FAED/UESC
Prof. Dr. Darllan Collins da Cunha e Silva - UNESP
Profa. Dra. Denise Antonucci - UPM
Profa. Dra. Diana da Cruz Fagundes Bueno - UNITAU
Prof. Dr. Edson Leite Ribeiro - Unieuro - Brasília / Ministério das Cidades
Prof. Dr. Eduardo Salinas Chávez - Universidade de La Habana, PPGG, UFGD-MS
Prof. Dr. Edvaldo Cesar Moretti - UFGD
Profa. Dra. Eliana Corrêa Aguirre de Mattos - UNICAMP
Profa. Dra. Eloisa Carvalho de Araujo - UFF
Profa. Dra. Eneida de Almeida - USJT
Prof. Dr. Erich Kellner - UFSCar
Prof. Dr. Eros Salinas Chàvez - UFMS /Aquidauana Post doctorado
Profa. Dra. Fátima Aparecida da SIlva Iocca - UNEMAT
Prof. Dr. Felippe Pessoa de Melo - Centro Universitário AGES
4

Prof. Dr. Fernanda Silva Graciani - UFGD


Prof. Dr. Fernando Sérgio Okimoto - UNESP
Profa. Dra. Flávia Akemi Ikuta - UMS
Profa. Dra. Flávia Maria de Moura Santos - UFMT
Profa. Dra. Flávia Rebelo Mochel - UFMA
Prof. Dr. Flavio Rodrigues do Nascimento - UFC
Prof. Dr. Francisco Marques Cardozo Júnior - UESPI
Prof. Dr. Frederico Braida Rodrigues de Paula - UFJF
Prof. Dr. Frederico Canuto - UFMG
Prof. Dr. Frederico Yuri Hanai - UFSCar
Prof. Dr. Gabriel Luis Bonora Vidrih Ferreira - UEMS
Profa. Dra. Gelze Serrat de Souza Campos Rodrigues - UFU
Prof. Dr. Generoso De Angelis Neto - UEM
Prof. Dr. Geraldino Carneiro de Araújo - UFMS
Profa. Dra. Gianna Melo Barbirato - UFAL
Prof. Dr. Glauco de Paula Cocozza – UFU
Prof. Dr. Hugo Serra - Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará - Unifesspa
Profa. Dra. Isabel Crisitna Moroz Caccia Gouveia - FCT/UNESP
Profa. Dra. Jakeline Aparecida Semechechem - UENP
Prof. Dr. João Cândido André da Silva Neto - UEA
Prof. Dr. João Carlos Nucci - UFPR
Prof. Dr. João Paulo Peres Bezerra - UFFS
Prof. Dr. João Roberto Gomes de Faria - FAAC/UNESP
Prof. Dr. José Aparecido dos Santos - FAI
Prof. Dr. José Manuel Mateo Rodriguez – Universidade de Havana – Cuba
Prof. Dr. José Queiroz de Miranda Neto – UFPA
Prof. Dr. José Seguinot - Universidad de Puerto Rico
Prof. Dr. Josep Muntañola Thornberg - UPC -Barcelona, Espanha
Prof. Dr. Josinês Barbosa Rabelo - UFPE
Profa. Dra. Jovanka Baracuhy Cavalcanti Scocuglia - UFPB
Profa. Dra. Juliana Heloisa Pinê Américo-Pinheiro - UNIVBRASIL
Prof. Dr. Junior Ruiz Garcia - UFPR
Profa. Dra. Karin Schwabe Meneguetti - UEM
Prof. Dr. Leandro Gaffo - UFSB
Profa. Dra. Leda Correia Pedro Miyazaki - UFU
Profa. Dra. Leonice Seolin Dias - ANAP
Profa. Dra. Lidia Maria de Almeida Plicas - IBILCE/UNESP
Profa. Dra. Lisiane Ilha Librelotto - UFS
Profa. Dra. Luciana Ferreira Leal - FACCAT
Profa. Dra. Luciana Márcia Gonçalves - UFSCar
Prof. Dr. Marcelo Campos - FCE/UNESP
Prof. Dr. Marcelo Real Prado - UTFPR
Profa. Dra. Marcia Eliane Silva Carvalho - UFS
Profa. Dra. Márcia Eliane Silva Carvalho - UFS
Prof. Dr. Márcio Rogério Pontes - EQUOIA Engenharia Ambiental LTDA
Profa. Dra. Margareth de Castro Afeche Pimenta - UFSC
Profa. Dra. Maria Ângela Dias - UFRJ
Profa. Dra. Maria Ângela Pereira de Castro e Silva Bortolucci - IAU
Profa. Dra. Maria Augusta Justi Pisani - UPM
Profa. Dra. María Gloria Fabregat Rodríguez - UNESP
Saneamento e o Ambiente - 5

Profa. Dra. Maria Helena Pereira Mirante – UNOESTE


Profa. Dra. Maria José Neto - UFMS
Profa. Dra. Maristela Gonçalves Giassi - UNESC
Profa. Dra. Marta Cristina de Jesus Albuquerque Nogueira - UFMT
Profa. Dra. Martha Priscila Bezerra Pereira - UFCG
Prof. Dr. Maurício Lamano Ferreira - UNINOVE
Prof. Dr. Miguel Ernesto González Castañeda - Universidad de Guadalajara - México
Profa. Dra. Natacha Cíntia Regina Aleixo - UEA
Profa. Dra. Natália Cristina Alves
Prof. Dr. Natalino Perovano Filho - UESB
Prof. Dr. Nilton Ricoy Torres - FAU/USP
Profa. Dra. Olivia de Campos Maia Pereira - EESC - USP
Profa. Dra. Onilda Gomes Bezerra - UFPE
Prof. Dr. Oscar Buitrago - Universidad Del Valle - Cali, Colombia
Prof. Dr. Paulo Alves de Melo – UFPA
Prof. Dr. Paulo Augusto Romera e Silva – DAEE - SP
Prof. Dr. Paulo Cesar Rocha - FCT/UNESP
Prof. Dr. Paulo Cesar Vieira Archanjo
Profa. Dra. Priscila Varges da Silva - UFMS
Profa. Dra. Regina Célia de Castro Fereira - UEMA
Prof. Dr. Renan Antônio da Silva - UNESP - IBRC
Prof. Dr. Ricardo de Sampaio Dagnino - UNICAMP
Prof. Dr. Ricardo Toshio Fujihara - UFSCar
Profa. Dra. Risete Maria Queiroz Leao Braga - UFPA
Prof. Dr. Rodrigo Barchi - UNISO
Prof. Dr. Rodrigo Cezar Criado - TOLEDO Prudente Centro Universitário
Prof. Dr. Rodrigo Gonçalves dos Santos - UFSC
Prof. Dr. Rodrigo José Pisani - UNIFAL-MG
Prof. Dr. Rodrigo Simão Camacho - UFGD
Prof. Dr. Ronaldo Rodrigues Araujo - UFMA
Profa. Dra. Roselene Maria Schneider - UFMT
Prof. Dr. Salvador Carpi Junior - UNICAMP
Profa. Dra. Sandra Mara Alves da Silva Neves - UNEMAT
Prof. Dr. Sérgio Augusto Mello da Silva - FEIS/UNESP
Prof. Dr. Sergio Luis de Carvalho - FEIS/UNESP
Profa. Dra. Sílvia Carla da Silva André - UFSCar
Profa. Dra. Silvia Mikami G. Pina - Unicamp
Profa. Dra. Simone Valaski - UFPR
Profa. Dra. Sueli Angelo Furlan - USP
Profa. Dra. Tânia Paula da Silva – UNEMAT
Prof. Dr. Umberto.Catarino Pessoto.- UNESP/IS/SUCEN - SES/SP
Profa. Dra. Vera Lucia Freitas Marinho – UEMS
Prof. Dr. Vilmar Alves Pereira - FURG
Prof. Dr. Vitor Corrêa de Mattos Barretto - FCAE/UNESP
Prof. Dr. Xisto Serafim de Santana de Souza Júnior - UFCG
Profa. Dra. Yanayne Benetti Barbosa
6

ORGANIZADORAS DA OBRA

Sandra Medina Benini


Professora e Pesquisadora do UNIVAG - Centro Universitário de Várzea Grande-MT. Possui
Graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de Marília (1995), Bacharelado em
Direito pela Faculdade de Direito da Alta Paulista (2005), Licenciatura em Geografia pelo Centro
Universitário Claretiano de Batatais (2014), Especialização em Administração Ambiental pela
Faculdade de Ciências Contábeis e Administração de Tupã (2005), Especialização em Engenharia
de Segurança do Trabalho (2008), Mestrado em Geografia pela Universidade Estadual Paulista
Júlio de Mesquita Filho (2009), Doutorado em Geografia na Universidade Estadual Paulista Júlio
de Mesquita Filho (2015), Doutorado em Arquitetura e Urbanismo pelo PPGAU/FAU Mackenzie
(2016) e Pós-doutorado em Arquitetura e Urbanismo (PNPD/Capes) pela FAAC/UNESP - Campus
de Bauru-SP (2017). Tem experiência na área de Planejamento Urbano e Regional,
Planejamento Ambiental e Direito Urbanístico, atuando principalmente nos seguintes temas:
políticas públicas, política urbana, gerenciamento de cidades e gestão ambiental.

Leonice Seolin Dias


Possui Doutorado em Geografia pela Universidade Estadual Paulista-Unesp (2016), Mestrados
em Ciências Biológicas (2004), em Ciência Animal e Especialização em Ciências Biológicas (2001)
pela Universidade do Oeste Paulista-UNOESTE (2008), Habilitação em Biologia pelas Faculdades
Adamantinenses Integradas-FAI (2000), Graduação em Teologia pela Faculdade Teológica
Batista de Araraquara (2000), Graduação em Ciências pela Faculdade de Filosofia Ciências e
Letras de Tupã (1984). Tem experiência na área de Ecologia de insetos vetores, com ênfase em
dípteros muscoídeos. Membro participante do Grupo de Pesquisa em Biogeografia e Geografia
da Saúde (BIOGEOS) da Unesp/Presidente Prudente-SP.

Juliana Heloisa Pinê Américo-Pinheiro


Possui Graduação em Ciências Biológicas pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita
Filho” - UNESP (2007), Mestrado em Engenharia Civil com ênfase em Recursos Hídricos e
Tecnologias Ambientais pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - UNESP
(2010), Especialização em Gerenciamento Ambiental pela Universidade de São Paulo – USP
(2012), Doutorado em Biologia Aquática pelo Centro de Aquicultura da UNESP (2015) e Pós-
doutorado pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - UNESP (2017).
Atualmente é pesquisadora e professora titular permanente do Mestrado em Ciências
Ambientais da Universidade Brasil (UNIVBRASIL). Atua também como docente permanente no
Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil da Universidade Estadual Paulista “Júlio de
Mesquita Filho” – UNESP do Campus de Ilha Solteira. Tem experiência na área de gestão de
recursos hídricos, bacias hidrográficas, qualidade de água e ecotoxicologia. Participa dos grupos
de pesquisa “Ciências Ambientais e Saúde” e “Sustentabilidade Integrada dos Municípios” do
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) vinculados à
Universidade Brasil.
Saneamento e o Ambiente - 7

SUMÁRIO

Prefácio em Espanhol ....................................................................... 11


Eduardo Salinas Chávez

Prefácio em Português ..................................................................... 15


Eduardo Salinas Chávez

Capítulo 1 ......................................................................................... 19

(DES)RESPEITO AO DIREITO HUMANO À ÁGUA POTÁVEL NAS


CIDADES BRASILEIRAS
Celso Maran de Oliveira

Capítulo 2 ........................................................................................ 37

COLETA, TRANSPORTE, TRATAMENTO E DISPOSIÇÃO FINAL DE


ESGOTO URBANO
Iván Andrés Sánchez Ortiz; Eduardo de Aguiar do Couto; Ismarley
Lage Horta Morais; Juliana Heloisa Pinê Américo-Pinheiro

Capítulo 3 ......................................................................................... 63

REMOÇÃO DE FÓSFORO EM LEITOS CULTIVADOS COM Typha sp.:


UMA ALTERNATIVA PARA TRATAMENTO TERCIÁRIO DE ESGOTO
José Teixeira Filho; Aline Regina Piedade; Carolina Verbicaro
Perdomo; Denivaldo Ferreira de Souza

Capítulo 4 ......................................................................................... 87

PRESENÇA DE FÁRMACOS EM ESTAÇÕES DE TRATAMENTO DE


ESGOTO, PERSISTÊNCIA EM EFLUENTES E TÉCNICAS DE
REMOÇÃO
Juliana Heloisa Pinê Américo-Pinheiro; Gledson Renan Salomão;
Iván Andrés Sánchez Ortiz; Nádia Hortense Torres; Luiz Fernando
Romanholo Ferreira
8

Capítulo 5 ......................................................................................... 109

CLARIFICAÇÃO E ADENSAMENTO DE RESÍDUOS GERADOS EM


ETA DE DUPLA FILTRAÇÃO COM O USO DE POLÍMEROS
SINTÉTICOS
Rafael Montanhini Soares de Oliveira; Angela Di Bernardo Dantas;
Ana Christina Horner Silveira; Sérgio Carlos Bernardo Queiroz;
Giulliano Guimarães Silva

Capítulo 6 ......................................................................................... 121

RESÍDUOS SÓLIDOS URBANOS NO BRASIL: GERAÇÃO, COLETA E


DESTINAÇÃO FINAL
Leonice Seolin Dias; Ricardo dos Santos; Maurício Dias Marques;
Antonio Cezar Leal

Capítulo 7 ....................................................................................... 151

PLANO DE GERENCIAMENTO DE RESÍDUOS SÓLIDOS EM


EMPREENDIMENTOS URBANOS
Katia Sakihama Ventura; Paulo Vaz Filho; Karina Shibasaki; Thais
Madaschi

Capítulo 8 ........................................................................................ 165

ESTIMATIVA DE GERAÇÃO DE RESÍDUOS SÓLIDOS E USO DE


TÉCNICAS DE GEOPROCESSAMENTO PARA IDENTIFICAÇÃO DE
ÁREAS POTENCIAIS DE DISPOSIÇÃO FINAL
Ligia Flávia Antunes Batista; Raissa Franco Moda; Tatiane Cristina
Dal Bosco

Capítulo 9 ......................................................................................... 183

SISTEMAS DE CÁLCULOS E COBRANÇA PELOS SERVIÇOS DE


MANEJO DE RESÍDUOS SÓLIDOS PREVISTOS NA POLÍTICA
NACIONAL DE RESÍDUOS SÓLIDOS
Patricia Lopes Freire Pupin; Ana Claudia Giannini Borges
Saneamento e o Ambiente - 9

Capítulo 10 ....................................................................................... 201

UNIDADE DE CONSERVAÇÃO NO OESTE DO ESTADO DE SÃO


PAULO: UMA REFLEXÃO SOBRE SANEAMENTO AMBIENTAL NO
PARQUE ESTADUAL DO MORRO DO DIABO
Leonice Seolin Dias; Mauricio Dias Marques; Lucas Seolin Dias;
Raul Borges Guimarães
Capítulo 11 ....................................................................................... 227

A IMPORTÂNCIA DOS SERVIÇOS DE ZOONOSES MUNICIPAIS


PARA O MELHORAMENTO DO SANEAMENTO BÁSICO NO BRASIL
Lourdes Aparecida Zampieri D’Andrea; Patrícia Ferreira da Silva;
Chelsea Pereira de Souza; Raul Borges Guimarães

Capítulo 12 ....................................................................................... 245

O CONTROLE DE VETORES E O SANEAMENTO AMBIENTAL:


ALGUMAS AÇÕES DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS) NO
ESTADO DE SÃO PAULO
Umberto Catarino Pessoto; Ricardo Koiti Futema Nakamura;
Marisa Poloni; Paulo Hiroshi Koyanagui; Ivete da Rocha Anjolete

Capítulo 13 ...................................................................................... 263

REFLEXÕES SOBRE A DISPONIBILIDADE HÍDRICA FRENTE AO


CRESCIMENTO URBANO NO MUNICÍPIO DE MARICÁ -RJ
Eloisa Carvalho de Araujo; Marina Barcellos de Oliveira Calazães;
Nayra Helena Gomes dos Santos Moraes

Capítulo 14 ...................................................................................... 279

DRENAGEM URBANA E MEIO AMBIENTE


Sandra Medina Benini; Encarnita Salas Martin

Capítulo 15 ...................................................................................... 315

DESAFIOS NO TRANSPORTE RODOVIÁRIO DE PRODUTOS


PERIGOSOS
Fabio Ytoshi Shibao; Mario Roberto dos Santos
10
Saneamento e o Ambiente - 11

Prefácio em Espanhol

Cuando escuchamos la palabra saneamiento, nos viene a la mente


algo relativo a sanar y lo asociamos con salud y vida, lo cual es cierto, si
además le agregamos el adjetivo ambiental entonces pensamos en sanar,
cuidar, mejorar, etc., el medio ambiente, algo con lo cual nuestra sociedad
está comprometida si queremos seguir habitando en este planeta.
Desde el punto de vista científico y técnico a pesar de las diferencias
de uno a otro autor la mayoría concuerda en que el saneamiento ambiental
tiene como objetivo mantener los elementos y procesos ambientales en
nuestro planeta, de forma adecuada para su uso por los seres humanos,
incluyendo las acciones técnicas, económicas y sociales, que garanticen la
salud pública y ambiental.
No hay consenso en los elementos que incluye el saneamiento
ambiental y diversos autores, instituciones y países asumen unos u otros
indistintamente, por ejemplo en algunos países de América Latina como:
Perú, Bolivia, Chile y Argentina el concepto está restringidosolamente
al alcantarillado sanitario y el tratamiento de las aguas negras, sin incluir el
abastecimiento de agua potable, en México por ejemplo, aun es más
limitado y solamente se refiere al tratamiento de aguas negras. En general el
tratamiento y manejo de los residuos sólidos y la higiene comunal, a veces
soncomptemplados y veces no. dependiendo de diversos factores.
Diversos organismos internacionales relacionados con el Medio
Ambiente, la población y la salud entre otros (PNUMA, UNESCO, PNUD,
OMS, FAO) consideran que el Saneamiento Ambiental debe incluir entre
otros aspectos: el manejo del agua potable, la recolección y tratamiento de
las aguas residuales, los residuos sólidos y líquidos producidos por la
población en las ciudades y las industrias, así como aquellas medidas
higiénico-sanitarias, encaminadas a reducir los riesgos a la salud humana,
disminuyendo la contaminación de los suelos, el aire y las aguas
continentales y oceánicas, con el objetivo de mejorar la calidad de vida de la
sociedad.
Existen evidencias del saneamiento urbano en las antiguas
civilizaciones indoeuropeas y mesoamericanas, que construyeron ciudades
12

(Babilonia, Roma, Teotihuacán y muchas otras), pensando en la eliminación


de las aguas residuales de las viviendas y el uso de agua de buena calidad
para beber, cuando estas medidas eran violadas, se producían epidemias y la
proliferación de enfermedades asociadas a vectores como las ratas y los
mosquitos, o a las malas condiciones higiénicas de la época, lo que
provocaba numerosas muertes
En las últimas décadas del siglo XX y las primeras de este, la
humanidad ha avanzado mucho en una concepción más amplia y
abarcadora del Saneamiento Ambiental, pasando de considerarlo solo como
las acciones técnicas para su mejoramiento, a incluir como planteamos al
principio las acciones socioeconómicas para llevarlo a cabo, que incluyen
aspectos que pueden parecernos tan alejados como: las políticas públicas
para su ejecución, la educación de las nuevas generaciones, el reciclado de
los desechos de nuestro modo de vida cada vez mas consumista y
depredador con la naturaleza, la creación de un cuerpo legal para su
control, el cobro de impuestos asociados al uso de los recursos, la imposición
de multas y otros elementos a los infractores, etc.
Es en este contexto que se enmarca este libro en el cual los editores
han logrado reunir una amplia diversidad de trabajos y enfoques de muchos
autores, que desde campos diferentes de las ciencias nos proponen no
solamente aspectos teóricos sino también prácticos que buscan avanzar en
el conocimiento de esta problemática y su solución a mediano y largo plazos.
No es casualidad que en la mayoría de los Indicadores de Desarrollo del
Milenio, aprobados por las Naciones Unidas, esté implícito de forma
transversal el Saneamiento Ambiental como elemento básico y fundamental
para el mejoramiento de la calidad de vida de la sociedad humana.
El libro incluye 15 capítulos que abordan desde la problemática de la
recolección y tratamiento de los residuos sólidos y líquidos en áreas urbanas,
pasando por el control de vectores asociados a los desechos, el drenaje
urbano y la calidad del agua para el consumo humano, hasta aspectos más
teóricos como son: el cobro de los servicios para el manejo de los residuos
sólidos, la disponibilidad hídrica para el abastecimiento de agua con calidad
y en cantidad, el derecho al agua potable en ciudades brasileras y el
saneamiento ambiental en las unidades de conservación.
Saneamento e o Ambiente - 13

Estamos seguros que el esfuerzo realizado para la edición y


publicación de este libro contribuirá de forma significativa al incremento en
la cultura ambiental, tan necesaria para la superación de los graves
problemas que la sociedad brasilera y global, enfrentan en la búsqueda de
un camino más sustentable para nuestro desarrollo económico y social.
Antes de terminar quiero agradecer a los autores y editores por la
invitación a presentar este libro que estoy seguro se convertirá en un hito
importante de las ciencias ambientales en Brasil y documento de obligada
referencia para los estudiantes y profesionales relacionados con esta amplia
y transversal temática, haciendo posible su acceso también a la población en
general.

Tres Lagoas, MS, 22 de Noviembre del 2018.

Dr. Eduardo Salinas Chávez


Profesor Titular de la Universidad de La Habana, Cuba
Profesor Visitante Extranjero, UFMS- CPTL, MS, Brasil
14
Saneamento e o Ambiente - 15

Prefácio em Português

Quando ouvimos a palavra saneamento, vem-nos à mente algo


relativo a sanear e associamos isso com saúde e vida, o que está correto. Se,
além disso, acrescentamos o adjetivo ambiental, pensamos em sanear,
cuidar, melhorar, etc., o meio ambiente, algo com o qual nossa sociedade
deve estar comprometida, se quisermos continuar habitando este planeta.
Do ponto de vista científico e técnico, apesar das diferenças entre um
autor e outro, a maioria concorda que saneamento ambiental tem como
objetivo manter elementos e processos ambientais em nosso planeta de
forma adequada para seu uso pelos seres humanos, incluindo as ações
técnicas, econômicas e sociais que garantem a saúde pública e ambiental.
Não há consenso quanto aos elementos incluídos no saneamento
ambiental e diversos autores, instituições e países assumem uns ou outros
indistintamente. Por exemplo, em alguns países da América Latina, como
Peru, Bolívia, Chile e Argentina, o conceito de saneamento é mais restrito e
abrange apenas a coleta e o tratamento de esgotos, sem incluir o
abastecimento de água. Em outros países, como o México, por exemplo, o
conceito está limitado ao tratamento de esgotos, sem incluir a coleta. O
gerenciamento de resíduos sólidos e os hábitos de higiene, às vezes, são
incluídos, às vezes, não, dependendo do contexto e do país.
Diversos órgãos internacionais relacionados com o meio ambiente, a
população e a saúde entre outros (PNUMA, UNESCO, PNUD, OMS, FAO)
consideram que o Saneamento Ambiental deve incluir, entre outros
aspectos, o gerenciamento sanitário da água potável, a coleta e o
tratamento das águas residuárias, os resíduos sólidos e líquidos produzidos
pela população nas cidades e nas indústrias, assim como as medidas
higiênico-sanitárias, destinadas a reduzir os riscos para a saúde humana,
diminuindo a poluição dos solos, do ar e das águas continentais e oceânicas,
com o objetivo de melhorar a qualidade de vida da sociedade.
Existem evidências de saneamento urbano em antigas civilizações
indo-europeias e mesoamericanas, que construíram cidades (Babilônia,
Roma, Tehotihuacán e muitas outras), pensando na eliminação das águas
residuais das casas e no uso de água de boa qualidade para consumo.
16

Quando essas medidas eram desrespeitadas, ocorriam epidemias e a


proliferação de doenças associadas a vetores como ratos e mosquitos ou às
más condições de higiene da época, o que provocava numerosas mortes.
Nas últimas décadas do século XX e nas primeiras deste século, a
humanidade avançou muito com uma concepção mais ampla e abrangente
do Saneamento Ambiental, passando de considerá-lo apenas como as ações
técnicas para sua melhoria a incluir, como já abordado, as ações
socioeconômicas para levá-las a cabo e que incluem aspectos que podem
parecer distantes, como as políticas públicas para sua execução, a educação
das novas gerações, a reciclagem de resíduos resultantes do nosso modo de
vida cada vez mais consumista e predador da natureza, a criação de um
arcabouço jurídico para seu controle, a cobrança de impostos associada ao
uso dos recursos, a imposição de multas e outros elementos aos infratores,
etc.
É nesse contexto que se enquadra este livro, no qual as editoras
conseguiram reunir uma diversidade de trabalhos e enfoques de muitos
autores que, desde diferentes campos das ciências, propõem-nos não
somente aspectos teóricos, mas também práticos, que buscam avançar no
conhecimento desta problemática e sua solução a médio e longo prazos.
Não é por acaso que na maioria dos Objetivos de Desenvolvimento
do Milênio, aprovados pelas Nações Unidas, está implícito, de forma
transversal, o Saneamento Ambiental como elemento básico e fundamental
para a melhoria da qualidade de vida da sociedade humana.
O livro apresenta 15 capítulos que abordam desde a problemática da
coleta e tratamento dos resíduos sólidos e líquidos em áreas urbanas,
passando pelo controle de vetores associados aos resíduos, à drenagem
urbana e à qualidade da água para o consumo humano, até aspectos mais
teóricos, como o pagamento pelos serviços para o gerenciamento dos
resíduos sólidos, disponibilidade hídrica para o abastecimento de água com
qualidade e em quantidade, o direito à água potável em cidades brasileiras e
o saneamento ambiental em unidades de conservação.
Temos certeza de que o esforço realizado para a edição e publicação
deste livro contribuirá de maneira significativa para o avanço na
conscientização ambiental, tão necessária para a superação dos graves
problemas que tanto a sociedade brasileira como a global enfrentam na
Saneamento e o Ambiente - 17

busca de um caminho mais sustentável para nosso desenvolvimento


econômico e social.
Antes de terminar, agradeço aos autores e editoras pelo convite para
prefaciar esta obra, a qual tenho certeza que se converterá em um
importante marco para as ciências ambientais no Brasil e leitura obrigatória
para os estudantes e profissionais ligados a esta ampla e transversal
temática, tornando também seu acesso possível ao público em geral.

Três Lagoas, MS, 22 de novembro de 2018.

Dr. Eduardo Salinas Chávez


Professor titular da Universidade de Havana, Cuba
Professor visitante estrangeiro, UFMS-CPTL, MS, Brasil
18
Saneamento e o Ambiente - 19

Capítulo 1

DES)RESPEITO AO DIREITO HUMANO À ÁGUA POTÁVEL NAS


CIDADES BRASILEIRAS

1
Celso Maran de Oliveira

1 INTRODUÇÃO

O acesso à água potável é um direito humano de todos, advindo de


acordos internacionais e inscrito em normas jurídicas infraconstitucionais
brasileiras. O respeito a esse direito por parte do poder público é essencial
para garantia do direito à vida, bem como para o exercício dos demais
direitos fundamentais (OLIVEIRA, 2017), e a obrigação de respeito ao direito
fundamental impõe-se a todos os poderes do Estado (FERREYRA, 2008).
O exercício do direito humano ao acesso à água potável é mais visível
em nível local, nos municípios brasileiros, e estes devem garantir serviços de
fornecimento de água de boa qualidade a todos os cidadãos. Em caso de
desrespeito a esse direito estar-se-á diante de ilegalidade por parte do
poder público, tornando a cidade metaforicamente ilegal consoante a teoria
de Fernandes (2008), pelo descumprimento da norma jurídica.
Normalmente as justificativas comumente utilizadas para o
desrespeito é a indisponibilidade hídrica na localidade, e não a ineficiência
no modelo de gestão pública que propulsiona a diminuição ou esgotamento
dos recursos hídricos.
Com isso, ao se analisar a disponibilidade de água doce no planeta,
vê-se que é suficiente para todas as demandas, porém as disponíveis de fácil
acesso estão limitadas a um percentual inexpressivo em relação ao total
geral de água no planeta, e é inegável que as demandas têm aumentado
exponencialmente, somado ao fato de práticas nada sustentáveis em seu
uso o que acaba por ocasionar uma diminuição ainda maior de água doce

1
Doutor em Ciências da Engenharia Ambiental pela Universidade de São Paulo, professor
adjunto da Universidade Federal de São Carlos. E-mail: celmaran@gmail.com
20

disponível devido à má qualidade (GLEICK, 2000; TUNDISI, 2008; OLIVEIRA;


AMARANTE JUNIOR, 2009).
Por esses motivos que a atual situação mundial de escassez hídrica é
uma realidade para um número cada vez maior de países, acabando por
afetar, de forma direta e indireta, os direitos fundamentais da pessoa
humana. Pelo fato de os recursos hídricos não serem bens inesgotáveis,
políticas públicas nacionais precisam ser criadas para gerir seu uso, com o
reconhecimento de sua natureza de bem público e valoração econômica.
Pelo caráter de essencialidade à vida das pessoas é que o acesso
sustentável à água potável é reconhecidamente um direito humano
fundamental, fruto dos esforços das Nações Unidas que têm evoluído
gradativamente para esse reconhecimento. E o Brasil, como Estado-parte
das Nações Unidas, tem promovido reformas em seu ordenamento jurídico
com o escopo de incluí-lo com status de direito humano fundamental, o que
será visto no decorrer deste trabalho, seja quanto aos acordos no âmbito
das Nações Unidas e mesmo na evolução normativa brasileira.
Assim, o presente capítulo identifica normas infraconstitucionais nas
quais é possível constatar a recepção dos textos legais internacionais e, por
consequência, o reconhecimento no Brasil do acesso à água potável como
direito humano fundamental, para logo em seguida discutir os princípios da
não tipicidade dos direitos humanos fundamentais e da dignidade da pessoa
humana, e o respeito aos compromissos de Direito Internacional Público,
como modo a esclarecer o fato da não disposição constitucional de forma
expressa, mas com reconhecimento desse fundamental direito. Aborda,
ainda, a obrigação do poder público em garantir esse recurso essencial para
a manutenção da vida humana e exercício dos demais direitos
fundamentais, com a apresentação de dados oficiais que identificam
situações de ilegalidades das cidades por descumprimento das normas
jurídicas que determinam que o acesso à água potável é um direito humano
a ser respeitado.
Destaca-se que o presente estudo é um recorte de um projeto de
2
pesquisa interdisciplinar mais amplo , e fruto de uma intensa discussão com

2
Processo 2016/14163-7, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).
“As opiniões, hipóteses e conclusões ou recomendações expressas neste material são de
responsabilidade do(s) autor(es) e não necessariamente refletem a visão da FAPESP”.
Saneamento e o Ambiente - 21

ampla divulgação dos resultados de pesquisa a respeito do direito humano à


água no Brasil. A presente pesquisa foi desenvolvida a partir do método
hermenêutico, com o levantamento e análise de dados das Nações Unidas
em seus relatórios oficiais sobre disponibilidade hídrica mundial, e em
documentos do governo brasileiro a respeito do acesso à água potável,
assim como na literatura especializada sobre os impactos do acesso à água
de má qualidade na vida das pessoas. Houve, igualmente, o levantamento e
análise de normas jurídicas para se discutir os princípios norteadores dos
direitos humanos na Constituição, e no sentido de identificar a incorporação
direta ou indireta das disposições internacionais em relação ao
reconhecimento do acesso à água como direito humano fundamental no
Brasil.

2 DISPONIBILIDADE DE ÁGUA DOCE E SUAS CONSEQUÊNCIAS

Muitos países têm enfrentado sérias situações de não disponibilidade


de água suficiente para as demandas essenciais de sua população (CORTES
et al., 2015), e muitos outros, mesmo diante de certo conforto na
disponibilidade, acabam por não oferecer água potável. Tanto a falta de
água como a oferta de água de má qualidade para o consumo são situações
que violam os direitos humanos fundamentais, isso devido ao fato de o não
acesso à água potável inviabilizar todos os demais direitos fundamentais.
A região da América Latina e Caribe conta com abundância de
recursos hídricos. A região concentra quase um terço dos recursos hídricos
mundiais, porém sua população equivale a 6% e superfície a 13% dos totais
mundiais, onde a disponibilidade média de água alcança aproximadamente
22 mil metros cúbicos por habitante por ano, contrastando com níveis
mundiais um pouco superiores a 6 mil (WILLAARTS et al., 2014, p. 29).
Transpondo o caso para a situação brasileira, o país possui 12 (doze)
regiões hidrográficas, representando 12% de toda água doce do mundo
(GALLI; ABE, 2010). A estimativa da disponibilidade hídrica no Brasil,
baseada numa garantia de 95%, “é em torno de 12.000 m³/s ou 22% da
vazão média, excluindo-se a contribuição da bacia amazônica” (BRASIL,
2016, p. 23). Quanto à demanda consuntiva total estimada para o Brasil,
estimou-se de 2.275,07 m³/s, quando considerada a vazão retirada (BRASIL,
22

2016, p. 33). O setor de irrigação foi responsável pela maior parcela de


retirada (55% do total), seguido das vazões de retirada para fins de
abastecimento humano urbano (22%), indústria (15%), animal (6%),
abastecimento humano rural (2%) (BRASIL, 2016, p. 33). Ao se considerar os
municípios brasileiros, 47% são abastecidos exclusivamente por mananciais
superficiais, enquanto 39% por águas subterrâneas e 14% por
abastecimento misto (BRASIL, 2010, p. 34).
A disponibilidade hídrica por pessoa no Brasil indica uma situação
confortável, quando comparada aos demais países da sociedade
internacional. A disponibilidade hídrica média dos rios em território
brasileiro é de 168.790 m³/s. Ao se levar em consideração a vazão na área
da bacia amazônica, somente no território brasileiro, estimada em 89.000
m³/s, essa disponibilidade hídrica total atinge 257.790 m³/s (TUCCI et al.,
2001, p. 34). Esses autores consideram que os dados do balanço hídrico
revelam uma grande diversidade hidrológica do território brasileiro. Apesar
desse aparente conforto hídrico, existe no Brasil uma distribuição espacial
não isonômica dos recursos hídricos em seu território. A distribuição
espacial desigual contribuiu para a crise de abastecimento de água potável
nas diversas regiões do país, em especial nos grandes centros urbanos.
Segundo dados do Sistema Nacional de Informação sobre
Saneamento, no ano de 2016, referentes a informações sobre
abastecimento de água em 5.172 municípios, representando uma população
urbana de 170,9 milhões de habitantes, o número de pessoas atendidas foi
de 158,8 milhões de habitantes. E quanto ao índice de atendimento com
média nacional de 93,0%, merecem destaque as regiões Sul, Centro-Oeste e
Sudeste, em que os índices médios são de 98,4%, 97,7% e 96,1%,
respectivamente (BRASIL, 2018, p. 1).
O Brasil é um país que detém boa quantidade de água doce em
relação às demandas nacionais (AUGUSTO et al., 2012), mas conta com uma
distribuição desigual em suas regiões (TUNDISI, 2008). Porém, essa boa
disponibilidade de água doce nem sempre coincide com o acesso à água de
boa qualidade fruto de um serviço adequado de tratamento. A qualidade da
água pode ser representada por diversos parâmetros, que traduzem suas
essenciais características físicas, químicas e biológicas. A Portaria
2.914/2011 do Ministério da Saúde estabelece procedimentos e
Saneamento e o Ambiente - 23

responsabilidades relativos ao controle e à vigilância da qualidade da água


para consumo humano e define seu padrão de potabilidade, e recomenda a
análise de parâmetros físicos, químicos e microbiológicos, como: a) Físicos:
cor; turbidez – para água pós-filtração ou pré-desinfecção; gosto e odor;
temperatura; e radioatividade; b) Químicos: pH; cloraminas; dióxido de
cloro; cloro residual livre; fluoreto; e produtos secundários da desinfecção;
c) Microbiológicos: coliformes totais, Escherichia coli, cianobactérias e
cianotoxinas. Referidos parâmetros, expressos nos Anexos da Portaria
2.914/2011 do Ministério da Saúde, devem ser cumpridos pelos
responsáveis pelo sistema de abastecimento de água, objetivando-se a
garantia da qualidade e segurança da água para consumo humano.
Para Razzolini e Günther (2008, p. 3) o “abastecimento de água de
qualidade e em quantidade suficiente tem importância fundamental para
promover condições higiênicas adequadas, proteger a saúde da população e
promover o desenvolvimento socioeconômico”. Então, o acesso à água
potável causa impactos diretos e imediatos à qualidade de vida na forma de
melhoria das condições de vida e em benefícios à saúde como no controle
das doenças, aumento da produtividade econômica, educação, economia,
conforto e bem-estar, lazer e valorização pessoal da população.
Podem ser destacados diversos problemas advindos da falta de
acesso à água potável, especialmente à saúde pública e ambiental. Feachem
et al. (1983) apontam classes de enfermidades associadas à água: a)
relacionadas à falta de higiene pessoal e doméstica, em decorrência do não
acesso ou em razão da deficiência no abastecimento; b) ocasionadas por
contato com a água; c) transmitidas por vetores aquáticos; d) disseminadas
pela água; e e) transmitidas pela água.
A situação de vulnerabilidade das pessoas é extremamente
preocupante, e demonstra a inexistência ou ineficácia das políticas públicas
de acesso sustentável à água potável. A oferta de água potável à população
deve estar no ápice da agenda de prioridades das políticas públicas, isso
porque sua não concessão inviabiliza o exercício de inúmeros direitos
humanos fundamentais.
O fornecimento de água potável em quantidade insuficiente, ou
mesmo o fornecimento sem condições de potabilidade, envolve sérios riscos
humanos, representando problemas para a saúde da população. Pessoas
24

submetidas a situações como essas sofrem, de forma direta e indireta,


inúmeras consequências maléficas. Segundo dados do Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento, em torno de metade das pessoas nos
países em desenvolvimento são afetadas por problemas de saúde em
decorrência de água e saneamento, constituindo a segunda maior causa de
mortalidade infantil no mundo (ONU, 2006).
Embora em termos mundiais tenha aumentado consideravelmente o
número de pessoas que tiveram acesso à água tratada, representando 58%
da população mundial, estimou-se que no ano de 2015 em torno de 663
milhões de pessoas em todo o mundo ainda utilizaram fontes não
melhoradas de água potável, incluindo poços e mananciais sem proteção, e
água de superfície (ONU, 2015). Esses números são expressivos, porém,
defende-se neste trabalho a verdadeira universalização do acesso à água
tratada de forma suficiente, segura, aceitável, física e economicamente
acessível, com o respeito absoluto ao direito à vida. É inegável que o acesso
à água de boa qualidade, após tratamento adequado, garantirá a
manutenção da vida das pessoas.
É inquestionável que a água é matéria-prima para a maioria das
atividades humanas, e dotada de essencialidade para a vida. Devido a isso,
seu uso prioritário deve ser o consumo humano e a dessedentação animal,
conforme previsto na Política Nacional de Recursos Hídricos. Dispor de uma
grande riqueza hídrica, como ocorre no Brasil, não é garantia de oferta de
água de boa qualidade para a população, isso porque sua distribuição é
geograficamente desigual; sua quantidade e qualidade tendem a piorar
devido a práticas insalubres e desperdicentes; inexistência e ineficácia de
políticas públicas no fornecimento de água potável à população nacional,
igualmente em relação ao esgotamento sanitário, em que cria um ambiente
propício para a disseminação de diversos contaminantes: microrganismos
como bactérias, vírus e parasitas, toxinas naturais, produtos químicos,
agrotóxicos, entre outros.
Diante disso, seja de disponibilidade ou mesmo referente a danos à
saúde humana onde o vetor é a água de má qualidade, torna-se vital discutir
o direito ao acesso sustentável à água de boa qualidade no Brasil. O Estado
brasileiro é signatário de tratados internacionais, e membro de organismos
internacionais que reconhecem esse direito humano fundamental, porém
Saneamento e o Ambiente - 25

não internalizou de forma explícita em sua Constituição Federal. No


entanto, não é pelo fato de não ter internalizado que está desprovido de
normas internas no mesmo sentido. Pretende-se consolidar esse direito
como fundamental de forma que os cidadãos possam exigi-lo em foros
governamentais de discussão, bem como perante o Poder Judiciário no caso
de inércia estatal em sua obrigação de garantir às pessoas o acesso
sustentável à água potável.

3 ACESSO À ÁGUA POTÁVEL COMO DIREITO HUMANO NO BRASIL

O acesso sustentável à água, dentro de padrões de potabilidade, é


absolutamente fundamental para a manutenção da vida humana, e propicia
o regular desenvolvimento das pessoas em todas as dimensões de sua
existência por estar umbilicalmente ligado a outros direitos humanos
fundamentais, como educação, saúde, trabalho, lazer, acesso à justiça,
exercício dos direitos privados como o direito de propriedade, enquanto
consumidor, e demais direitos humanos fundamentais. Esses direitos devem
ser reconhecidos e garantidos pelo Estado sob os princípios de respeito,
proteção e realização, isto é, não devem ser violados. É papel do Estado a
promoção e garantia dos direitos reconhecidos, implícita e explicitamente
em seus ordenamentos jurídicos domésticos.
As Nações Unidas têm evoluído de forma gradativa rumo ao
reconhecimento do acesso à água como direito humano (OLIVEIRA, 2017).
Considera-se gradativo pelo fato de ser uma construção onde é possível
identificar em ordenamentos que não tratam de forma direta nesse
domínio, mas que garantem o direito ao acesso sustentável à água potável
com vinculação a outros direitos humanos fundamentais, vitalizando até o
momento em que a ONU disciplinou de forma direta e inequívoca como um
direito fundamental da pessoa humana. Segundo dados da Análise e
Avaliação de Saneamento e Água Potável (GLASS, 2014), os resultados
indicam que quase três quartos dos países (70 de 94 respondentes)
reconhecem o direito humano à água em sua Constituição ou outras
legislações. Esse número é expressivo e demonstra o comprometimento dos
países integrantes da ONU no acolhimento dos mandamentos
internacionais.
26

Quando se fala em direito humano à água, está se falando no direito


de todos os cidadãos a: a) abastecimento de água por pessoa de modo
suficiente e contínuo para o uso pessoal e doméstico, servindo de forma
geral para beber, saneamento pessoal, para uso doméstico como
alimentação e limpeza; b) uso pessoal e doméstico de forma segura,
estando livre de microrganismos, substâncias químicas e perigos
radiológicos que ameacem a saúde humana; c) acesso à água em padrões
aceitáveis para uso pessoal ou doméstico quanto a cor, cheiro e sabor; d)
fisicamente acessível, ou seja, ser possível acessar água com as
características apontadas acima o mais próximo possível; e) e para que não
cause discriminação social, a água deve ter preço acessível a todos.
Os acordos internacionais em matéria de direitos humanos exercem
um importante papel na administração da justiça em matéria hídrica,
devendo equiparar-se às previsões constitucionais, com reflexos jurídicos
sobre a legislação infraconstitucional nacional.
Porém, para sua efetiva proteção é recomendável que a legislação
dos Estados soberanos o recepcione, com reconhecimento de maneira
expressa, garantindo-se, assim, o acesso à quantidade suficiente de água
potável para uso pessoal e doméstico, saneamento pessoal, lavagem de
roupas, preparação de alimentos, higiene pessoal e doméstica; e acesso a
saneamento em geral para se proteger a qualidade de abastecimento de
água potável e demais usos múltiplos dos recursos hídricos.
Ao se analisar a Constituição (BRASIL, 1988), no sentido de localizar
previsões sobre recursos hídricos, não é possível identificar dispositivo
específico garantidor do direito ao acesso à água potável como direito
humano fundamental. Porém, em diversos dispositivos constitucionais há
tratamento da temática no domínio da água, como o que ocorre no artigo
21, inciso XX, ao determinar que compete à União instituir diretrizes para o
saneamento básico; a competência comum de todos os entes da Federação
de proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas
formas (artigo 23, inciso VI), e promover programas de melhoria das
condições de saneamento básico (artigo 23, inciso IX); a competência do
Sistema Único de Saúde de participar da formulação da política e da
execução das ações de saneamento básico (artigo 200, inciso IV). Quanto à
competência para legislar sobre águas, é competência privativa da União
Saneamento e o Ambiente - 27

(artigo 22, inciso IV), não excluindo os Estados que poderão ser autorizados,
por lei complementar (artigo 22, parágrafo único). E os municípios poderão
legislar sobre assuntos de interesse local e suplementar legislação estadual
ou federal no que couber (artigo 30, incisos I e II).
Quando se investiga o catálogo específico dos direitos e garantias
fundamentais vê-se que não está inscrito constitucionalmente, pelo menos
de forma explícita, a proteção ao direito de acesso à água potável. Sendo
assim, poderia se chegar à conclusão errônea de não aplicabilidade de todos
os tratados e normas internacionais em que o Brasil foi signatário. É
exatamente o contrário, uma vez que a Constituição Federal de 1988, em
seu artigo 5º, § 2º, estabelece que: “Os direitos e garantias expressos nesta
Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por
ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa
do Brasil seja parte”.
Então, os fundamentos jurídicos para o reconhecimento pelo Brasil
do acesso à água potável como direito humano fundamento são:
a) porque o Estado brasileiro aderiu aos tratados internacionais
mencionados anteriormente, além de ser Estado integrante das Nações
Unidas, que em atos jurídicos da organização internacional igualmente
estabelecem esse direito como sendo humano fundamental;
b) consoante o princípio da não tipicidade dos direitos fundamentais (PES,
2010) pode-se considerar como direitos humanos fundamentais aqueles
inscritos na Constituição e demais fontes formais do Direito. Com isso,
também devem ser considerados aqueles que transcorrem do regime
democrático, de outros princípios adotados pela Constituição e tratados
internacionais de direitos humanos, reconhecidos pelo Estado brasileiro.
O princípio da não tipicidade dos direitos fundamentais possibilita
não considerar somente os direitos humanos fundamentais enumerados
taxativamente na Constituição, podendo igualmente ser considerados
fundamentais os estampados nas demais fontes do direito, em uma
“perspectiva mais ampla da Constituição material” (CUNHA JUNIOR, 2008, p.
617). Este princípio encontra fundamento na própria Constituição Federal,
no § 2º do artigo 5º, ao considerar o elenco constitucional como meramente
exemplificativo, não afastando os advindos, inclusive, de tratados
28

internacionais, e outros fontes formais, como é o caso do acesso à água


potável;
Enquanto não há inclusão no texto constitucional do acesso à água
potável em quantidade suficiente e qualidade adequada para a manutenção
da vida, os gestores públicos e os tribunais nacionais devem adotar de forma
irrestrita o princípio da não tipicidade dos direitos fundamentais, somado ao
princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III) em suas
decisões, no sentido de evitar que pessoas sejam privadas de água potável,
independentemente de interesses econômicos, como tem acontecido
quando há interrupção no fornecimento de água, ou há postergação dos
agentes políticos em fornecer serviços sanitários essenciais às pessoas.
Defende-se que condições econômicas das pessoas não podem ser
empecilho ao gozo desse direito fundamental, nem mesmo por alegações
por parte dos agentes públicos de falta de recursos financeiros para o
fornecimento de água de boa qualidade, e em quantidade suficiente para as
condições essenciais humanas.
Além da aplicação do princípio da não tipicidade dos direitos
fundamentais e princípio da dignidade da pessoa humana, os gestores
públicos e os juízes devem interpretar extensivamente alguns mandamentos
jurídicos infraconstitucionais, dentro do chamado sistema normativo de
Bobbio (1997), reconhecendo-se o acesso à água como direito humano
fundamental.
c) em texto infraconstitucional há o tratamento da água potável com
essencialidade para a vida humana.
Diante da inexistência de previsão constitucional direta e indireta a
respeito do direito fundamental, pode-se reconhecê-lo por meio da
“previsão expressa da possibilidade de se reconhecer direitos fundamentais
não-escritos, implícitos nas normas do catálogo, bem como decorrentes do
regime e dos princípios Constituição” (SARLET, 2003, p. 79).
Sendo assim, o Estado brasileiro é dotado de normas
infraconstitucionais nesse sentido, como a Política Nacional de Recursos
Hídricos, ao estabelecer que a água é um bem de domínio público, de uso
comum do povo. A água não pertence ao poder público, nem mesmo aos
particulares, trata-se de um bem comum, não cabendo apropriação
identificável por se tratar de um direito humano fundamental, com as
Saneamento e o Ambiente - 29

características de inalienabilidade e irrenunciabilidade (IRIGARAY, 2003). A


lei das águas estabelece, ainda, que em situação de escassez, o uso
prioritário é o consumo humano para suas necessidades essenciais, e a
dessedentação de animais (BRASIL, 1997, art. 1º).
A lei que estabelece as diretrizes nacionais para o saneamento básico
e para a política federal de saneamento básico (BRASIL, 2007) estabeleceu
que os serviços públicos de saneamento básico serão prestados com base,
entre outros, no princípio da universalização do acesso (AUGUSTO et al.,
2012), o que significa ampliação progressiva do acesso de todos os
domicílios ocupados. A prestação desses serviços deve atender a requisitos
mínimos de qualidade, como regularidade e continuidade (BRASIL, 2007, art.
43). Essa universalização do acesso, de forma regular e contínua, pode ser
entendida como reconhecimento no Brasil de todos os diplomas legais
internacionais nesse sentido.
Segundo dados governamentais, o “acesso à rede geral, ou poço, ou
nascente com canalização cresceu nos domicílios urbanos de 95% para 97%
em 2000 e 2013 no Brasil” (IPEA, 2016, p. 102). A universalização está mais
próxima para as Regiões Sudeste (99%), Sul (99%) e o Centro-Oeste (98%).
Enquanto na região Nordeste chega 94% e na região Norte alcança 92% dos
domicílios em 2013 (IPEA, 2016, p. 103).
Em termos genéricos, o IBGE (2013, p. 15) registrou no ano de 2012
que 85,4% dos domicílios brasileiros eram beneficiados por rede geral de
abastecimento de água, o equivalente a 53,6 milhões de unidades
domiciliares. Segundo a Pesquisa Nacional de Saneamento Básico, ocorrida
em 2008, 87% dos municípios distribuía a água totalmente tratada, embora
em 6,2% a água era apenas parcialmente tratada e em 6,6% não havia
nenhum tratamento (IBGE, 2013, p. 19). Nessa pesquisa nacional foi
apontado que, no Brasil, a maior parte do volume de água tratada
distribuída (69,2%) sofre o processo convencional de tratamento
empregado em maiores proporções nas Regiões Nordeste, Sudeste e Sul. Na
Região Norte, o tratamento convencional é feito em menos da metade,
40,8%, da água distribuída e que recebe algum tipo de tratamento, sendo
que 31,7% do tratamento da água é feito por processos não convencionais e
em 27,4% é feita simples desinfecção (IBGE, 2011, p. 27). Defende-se neste
trabalho o acesso universal à água potável em quantidade suficiente e
30

qualidade adequada como um direito humano fundamental. Sendo assim, é


inadmissível que um cidadão seja privado de água em quantidade, qualidade
e de forma essencial para a manutenção de sua vida e o exercício dos
demais direitos humanos fundamentais. A cidade que não fornece água
potável para a totalidade de seus habitantes incorre em ilegalidade advinda
pelo não cumprimento de normas jurídicas.
Quanto ao acesso à água boa de qualidade, a lei determina que esses
serviços públicos terão sustentabilidade econômico-financeira sendo
assegurada “sempre que possível, mediante remuneração pela cobrança dos
serviços” (BRASIL, 2007, art. 29). Para aqueles usuários e localidades sem
capacidade de pagamento ou escala econômica suficiente e compatível com
o custo integral dos serviços, o § 2º do art. 29 (BRASIL, 2007) considera a
possibilidade de adotar subsídios tarifários e não tarifários. Esta última
previsão deve ser entendida como uma garantia para o fornecimento de
água potável inclusive para pessoas desprovidas de recursos financeiros,
pois um dos fatores para o estabelecimento dos valores a serem cobrados
pelo serviço de fornecimento de água tratada é a quantidade mínima de
consumo ou de utilização do serviço, visando à garantia de objetivos sociais,
como a preservação da saúde pública, o adequado atendimento dos
usuários de menor renda; e a capacidade de pagamento dos consumidores
(BRASIL, 2007, art. 30, incisos III e VI).
O reconhecimento da fundamentalidade do direito à água potável
está estampado quando a Política Nacional de Saneamento reconhece que
no momento de interrupção ou restrição do fornecimento de água por não
pagamento da tarifa, em “estabelecimentos de saúde, a instituições
educacionais e de internação coletiva de pessoas e a usuários residencial de
baixa renda beneficiário de tarifa social deverá obedecer a prazos e critérios
que preservem condições mínimas de manutenção da saúde das pessoas
atingidas” (BRASIL, 2007, art. 40, § 3º). É o direito ao mínimo necessário à
manutenção da saúde das pessoas nessas situações, sendo que a Lei
menciona aquelas desprovidas de recursos financeiros, chamadas de
usuários de baixa renda, igualmente beneficiadas pelo mínimo hídrico
essencial à qualidade de vida. Embora contenha situações muito bem
delimitadas garantidoras desse mínimo necessário, defende-se neste
trabalho que para o exercício pleno desse direito humano fundamental, esse
Saneamento e o Ambiente - 31

mínimo hídrico necessário deve ser estendido a todas as pessoas,


indistintamente de sua condição econômica e social.
Como o fornecimento de água potável é um serviço público
remunerado, em caso de inadimplência do consumidor este não deve ser
ridicularizado ou exposto a situações vergonhosas ou ameaças (BRASIL,
1990, art. 42). E pelo fato de o acesso à água ser um direito humano
fundamental, defende-se a proibição de desligamentos de serviços de água
para os consumidores com incapacidade de pagar pelo serviço, pelo fato de
não poder haver discriminação em decorrência da situação econômica.
Além do direito à quantidade mínima para a existência da vida, essa
prestação de serviços deve atender a normas mínimas de qualidade,
incluindo a regularidade, continuidade e aqueles associados aos produtos
oferecidos, ao atendimento dos usuários e às condições operacionais e de
manutenção dos sistemas, de acordo com as normas regulamentares e
contratuais. Esses padrões mínimos para a potabilidade da água são
definidos pela União (BRASIL, 2007, art. 43).
O Estatuto da Cidade estabelece diretrizes gerais de política urbana,
que objetiva ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade
e da propriedade urbana. Dentre as diretrizes gerais vê-se no artigo 2º,
inciso I, a “garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o
direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à
infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e
ao lazer, para as presentes e futuras gerações” (BRASIL, 2001). Então, uma
cidade somente pode ser chamada de sustentável com o cumprimento de
sua função social quando há o respeito ao direito aos serviços de
saneamento.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A quantidade de água doce de fácil acesso é absolutamente inferior à


totalidade de água disponível no planeta. A situação da dificuldade de
acessar água doce é agravada pelo aumento exponencial da população e por
práticas insustentáveis de uso, propiciando situações de escassez em muitos
países.
32

Embora o Brasil seja um país favorecido por grande quantidade de


água doce, o problema reside na sua localização geográfica, gerando
escassez hídrica, somado ao fato de poucas políticas públicas para a
disponibilização de água potável, o que agrava a situação da população
nacional, com reflexos negativos na vida desses cidadãos. Pelo fato de não
terem acesso sustentável à água potável, têm afetados seus direitos
fundamentais, ligados direta e indiretamente à vida e à dignidade.
O acesso à água em quantidade suficiente e qualidade adequada,
considerada assim sustentável, é vital e garantidora da qualidade de vida e
saúde das pessoas. Nesse sentido, as Nações Unidas apresentaram um
significativo progresso quando do reconhecimento como direito humano.
No caso brasileiro, esse direito fundamental não aparece de forma explícita
na Constituição Federal.
O princípio da não tipicidade dos direitos fundamentais pode e deve
ser utilizado nesse momento de ausência de previsão constitucional de
forma expressa. Com isso, o poder público não pode se furtar da obrigação
de fornecer água em quantidade suficiente e qualidade adequada a todas as
pessoas, e, em caso contrário, deve ser considerado descumpridor do
arcabouço normativo internacional das Nações Unidas. Ainda mais,
internamente o poder público deve garantir de modo espontâneo esses
direitos fundamentais, íntima e diretamente ligados ao direito à vida e ao
exercício de todos os outros direitos fundamentais.
Pelo fato de o poder público não poder se furtar da obrigação do
acesso sustentável à água potável às pessoas, inscrita em normas
infraconstitucionais, deve envidar todos os esforços para oferecer água de
boa qualidade e em quantidade suficiente à comunidade. Essa é uma
necessidade imediata porque o acesso à água de má qualidade, ou em
quantidade insuficiente afeta diretamente à vida, saúde e dignidade das
pessoas. Esse é o cerne do reconhecimento desse direito como humano
fundamental, sem excluir outras vinculações.
O Poder Judiciário pode garantir o direito ao acesso à água potável
por meio do poder coercitivo que a Justiça exerce, diante de situações de
denegação de direitos por parte do poder público por motivo de
insuficiência de recursos econômicos para seu fornecimento em quantidade
suficiente e qualidade adequada, ou mesmo em situações pontuais de
Saneamento e o Ambiente - 33

consumidores desprovidos de recursos econômicos para o pagamento do


serviço público, em nome do mínimo hídrico essencial.
Para efetivação do direito à água potável no Estado brasileiro todos
os níveis do governo devem desenvolver atividades condizentes para
garantir o acesso à água, em quantidade suficiente e qualidade adequada.
Caso esse direito não seja efetivado de modo universal, estar-se-á diante de
uma situação de denegação de justiça em matéria de direitos humanos em
geral, e em especial em matéria hídrica. No Brasil, o acesso à água potável
não ocorre em todas as cidades e para todas as pessoas, o que gera um
quadro de ilegalidade das cidades que não respeitam esse direito
fundamental. Assim, a cidade que não fornece água potável para a
totalidade de seus habitantes incorre em ilegalidade advinda pelo não
cumprimento de normas jurídicas.
Esse desrespeito, ou quadro de ilegalidade, faz com que haja violação
não somente do direito à água, mas exerce consequências violadoras em
cadeia de outros direitos, porque o direito ao acesso à água está
estreitamente ligado a outros direitos humanos, como: à vida, à saúde, à
educação, à dignidade, ao trabalho.

REFERÊNCIAS

AUGUSTO, L. G. S. et al. O contexto global e nacional frente aos desafios do acesso adequado à
água para consumo humano. Ciênc. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 17, n. 6, p. 1511-
1522, jun. 2012. Disponível em:
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36
Saneamento e o Ambiente - 37

Capítulo 2

COLETA, TRANSPORTE, TRATAMENTO E DISPOSIÇÃO FINAL DE


ESGOTO URBANO

3
Iván Andrés Sánchez Ortiz
4
Eduardo de Aguiar do Couto
5
Ismarley Lage Horta Morais
4
Juliana Heloisa Pinê Américo-Pinheiro

1 INTRODUÇÃO

A água é utilizada para diferentes finalidades, como abastecimento


humano, agricultura, atividades pecuárias, processos industriais,
saneamento básico, preservação do meio ambiente, lazer, paisagismo,
transporte e geração de energia. A partir da utilização da água, tem-se a
geração de águas residuárias, cujas características variam em relação aos
aspectos quantitativos (volume e vazão) e qualitativos (variáveis físicas,
químicas e biológicas), em função da atividade que as deram origem.
O uso racional, o controle de perdas, a redução do desperdício e a
utilização de águas residuárias (AR) são práticas que auxiliam na gestão da
demanda de água potável, na reciclagem de nutrientes, na oferta de água
para atividades como irrigação, além da redução nos custos do tratamento e
no volume de esgotos lançados nos corpos d’água receptores (AISSE et al.,
2006).
O esgoto não tratado causa grandes danos ao meio ambiente e à
saúde humana. Por tal motivo, as águas residuárias devem ser tratadas para

3
Engenheiro civil, D. Sc., professor associado, Departamento de Recursos Hidrobiológicos –
Universidad de Nariño (Colômbia). E-mail: ivansaor@hotmail.com
4
Engenheiro ambiental, D. Sc., professor assistente, Instituto de Ciências Puras e Aplicadas
(ICPA), Universidade Federal de Itajubá – campus Itabira. E-mail: eduardocouto@unifei.edu.br
5
Engenheiro ambiental, D.Sc, professor adjunto, Faculdade de Engenharia Civil – Universidade
Federal de Uberlândia. E-mail: ismarley@ufu.br
4
Doutora em Aquicultura na área de Biologia Aquática, professora titular, pós-graduação em
Ciências Ambientais, Universidade Brasil. E-mail: americo.ju@gmail.com
38

reduzir a transmissão de doenças relacionadas com as excretas, à poluição


da água e os consequentes danos à biota aquática (MARA, 2004).
A disposição final de AR, seja por meio do lançamento em corpos
receptores ou via reuso de água e aproveitamento de nutrientes, não
dispensa o tratamento adequado dos esgotos. A definição da alternativa de
tratamento mais adequada a cada situação deve considerar as exigências da
legislação vigente, as características da água residuária e os requisitos de
qualidade do uso pretendido, além de aspectos ambientais, sociais e
econômicos (MOTA; VON SPERLING, 2009). Vale ressaltar que em alguns
casos o tratamento deve considerar duas alternativas em conjunto, visto
que alguns usos não utilizam o esgoto tratado por alguns períodos do ano,
como a irrigação no período chuvoso ou mesmo a piscicultura (MOTA; VON
SPERLING, 2009).
Assim, este capítulo apresenta os principais aspectos associados à
coleta, transporte, tratamento e disposição final de esgoto urbano.

2 SISTEMAS DE COLETA E TRANSPORTE DE ESGOTO

As primeiras estruturas para a coleta de AR datam da Antiguidade. Na


Roma imperial, a cloaca máxima é considerada o primeiro sistema de esgoto
planejado no mundo, sendo implementado no século 6 a.C. (TSUTIYA, 1999).
Em 3.750 a.C., galerias de esgoto foram construídas em Nipur, na Índia e na
Babilônia. No entanto, durante a Idade Média, sabe-se que pouco se
avançou no que diz respeito às condições sanitárias. Uma pandemia de
peste bubônica fez mais de 40 milhões de vítimas na Europa no século XIV,
entre os anos de 1345 e 1349, ilustrando a precariedade do saneamento
nessa sociedade (NUVOLARI, 2011).
Porém, o planejamento de sistemas de coleta e transporte das águas
residuárias somente começou a ser estabelecido no século XIX: Boston, EUA
(1833); Hamburgo, Alemanha (1842), Londres, Reino Unido (1855); Rio de
Janeiro, Brasil (1857); Paris, França (1880). Entretanto, esses sistemas eram
concebidos para receber águas pluviais, esgoto sanitário e eventualmente
efluentes industriais (TSUTIYA, 1999).
Em 1879 foi concebido e implantado na cidade de Memphis, no
Tenessee (EUA), um sistema independente para a coleta e transporte de AR.
Saneamento e o Ambiente - 39

O sucesso dessa separação fez com que muitos dos sistemas, a partir de
então, fossem assim projetados. Dessa forma, existem três tipos de sistemas
de esgoto:
• Sistema de esgotamento unitário – também denominado
sistema combinado, compreende único sistema para a coleta de
águas pluviais, águas de infiltração e águas residuárias
domésticas e industriais.
• Sistema de esgotamento separador parcial – coleta de AR com
uma parcela das águas pluviais (telhados e pátios das
economias).
• Sistema separador absoluto – neste caso existe dois sistemas
totalmente independentes, sendo um responsável pela coleta de
AR e águas de infiltração (sistema de esgoto sanitário) e outro
responsável pela coleta de águas pluviais (sistema de drenagem
pluvial).
Os sistemas de esgoto sanitário são um conjunto de obras e
condutos destinados a coletar, transportar e dispor de maneira adequada as
vazões de esgoto sanitário. De acordo com Nuvolari (2011), seus objetivos
relacionam-se a três aspectos distintos: sanitário, social e econômico.
Os objetivos sanitários incluem eliminar a poluição por meio da
coleta segura das AR, com vistas à redução ou eliminação de doenças de
veiculação hídrica. Os aspectos sociais estão relacionados à melhoria da
qualidade de vida, que possui relação tanto com questões de saúde pública
quanto com o controle da estética do espaço ocupado por determinada
população. Já os objetivos econômicos visam à melhoria da produtividade,
vinculada à redução de enfermidades e preservação de recursos naturais
(NUVOLARI, 2011).
A mistura de águas pluviais às águas residuárias faz com que o
sistema projetado fique mais complexo e oneroso. A necessidade de coleta
da água pluvial em todos os logradouros exige grande extensão de
canalização com diâmetro elevado, além de impossibilitar o lançamento das
águas pluviais no curso d’água mais próximo devido à contaminação pelo
esgoto sanitário. Somado a isso, Azevedo Neto (1998) pontua outras
vantagens do sistema separador absoluto:
40

• Menores custos e prazos para construção, uma vez que manilhas


cerâmicas e outros materiais de baixo custo podem ser utilizados
em função das menores dimensões das canalizações;
• Flexibilização da execução das obras, dando prioridade para a
rede de maior importância para a comunidade;
• Maior facilidade no afastamento das águas pluviais, por meio de
lançamentos múltiplos com aproveitamento do escoamento nas
sarjetas; e
• Não prejudica a depuração dos esgotos sanitários.
No Brasil, o sistema separador absoluto geralmente é o mais
empregado. Todavia, muitas obras de coleta e transporte de esgoto ainda
devem sem realizadas no país, já que a porcentagem de esgoto coletado é
de apenas 51,9% (BRASIL, 2018).

2.1 SISTEMA DE ESGOTO SANITÁRIO

O sistema de esgoto sanitário é dividido em várias partes, cujas


principais são: rede coletora, interceptores, emissário, sifão invertido,
corpo de água receptor, estação elevatória e estação de tratamento.
A rede coletora é constituída por um conjunto de canalizações
destinado a receber e conduzir os esgotos dos edifícios. Os itens que
compõem a rede coletora são descritos a seguir: ligação predial é o trecho
do coletor predial que vai do limite do terreno até o coletor de esgoto. O
coletor de esgoto, por sua vez, é a tubulação que recebe esgoto dos
coletores prediais em qualquer ponto de seu comprimento. Já o coletor
predial é composto pela tubulação das instalações prediais de esgoto entre
os equipamentos hidrossanitários e o coletor de esgoto. O coletor principal
é o coletor de maior extensão dentro de uma bacia. Por fim, o coletor
tronco é a tubulação que recebe contribuição apenas de outros coletores.
Além dos itens descritos acima, a rede coletora também conta com órgãos
acessórios, tais como poços de visita (PV), tubos de inspeção e limpeza (TIL),
terminais de limpeza (TL) e caixas de passagem (CP).
Os interceptores são canalizações que exercem a função de receber e
transportar o esgoto coletado, sem receber ligações prediais diretas. O
emissário é uma canalização que conduz os esgotos a um destino
Saneamento e o Ambiente - 41

apropriado (estação de tratamento e/ou lançamento), não recebendo


contribuições em marcha. O sifão invertido é uma obra que objetiva
permitir a transposição de obstáculos pela tubulação de esgoto, com
escoamento sob pressão. O corpo d’água receptor é qualquer corpo hídrico
que recebe o lançamento de esgoto em estágio final.
A estação elevatória é constituída por um conjunto de instalações
que tem o objetivo de transportar os esgotos para cotas mais elevadas,
enquanto a estação de tratamento tem por finalidade reduzir as cargas
poluidoras do esgoto antes do lançamento no corpo de água receptor.
O regime hidráulico do escoamento nos sistemas de esgoto é
diferente em cada uma das partes dos seus componentes. Nos coletores e
interceptores são utilizados condutos livres. Nos sifões e estações
elevatórias, utilizam-se condutos forçados. Já os emissários podem
funcionar como condutos livres ou forçados.

2.2 PROJETO DE REDE DE ESGOTO SANITÁRIO

Tsutiya (1999) destaca as principais atividades desenvolvidas no


estudo de projetos relativos à rede coletora:
 Definição de setores de densidades demográficas diferentes
a partir de avaliação e estudo da distribuição da população;
 Determinação dos coeficientes de variação de vazão,
consumo per capita de água para a previsão de vazões;
 Estimativa das vazões de grandes contribuintes, como, por
exemplo, indústrias e estabelecimentos comerciais;
 Calcular a vazão específica (L/s. ha ou L/s.m de canalização)
para cada setor de densidade demográfica;
 Determinação dos limites de bacias e sub-bacias de
contribuição;
 Traçado e pré-dimensionamento dos coletores tronco e;
 Quantificação preliminar das quantidades de serviços que
serão executados; para os coletores de esgotos, será feita
uma pré-estimativa da extensão dos diversos diâmetros,
com base nas vazões de esgotos.
42

3 TRATAMENTO DO ESGOTO

As águas residuárias são tratadas a partir do conceito de barreiras


múltiplas, que é a combinação de processos unitários utilizados no sistema
de tratamento. O principal objetivo da estação de tratamento de esgoto é
tratar o esgoto por meio da remoção de contaminantes e patógenos até um
nível de depuração aceitável para o seu retorno ao ambiente ou para reuso
imediato (SPELLMAN, 2014).
Métodos físicos, químicos e biológicos são utilizados para remover
contaminantes do esgoto. Para alcançar diferentes níveis de remoção dessas
substâncias, são combinados diferentes níveis individuais de procedimentos
em uma variedade de sistemas, classificados como tratamento preliminar,
primário, secundário e terciário. O tratamento mais rigoroso das águas
residuárias inclui a remoção de poluentes específicos assim como a remoção
e controle de nutrientes (UNITED NATIONS, 2003).
No tratamento preliminar é realizada a remoção dos sólidos em
suspensão grosseiros. No tratamento primário há remoção de uma fração
dos sólidos e da matéria orgânica em suspensão. No tratamento secundário
é feita a remoção da matéria orgânica biodegradável e de sólidos em
suspensão e algumas vezes é praticada a desinfecção. No tratamento
terciário é realizada a desinfecção, além da remoção de nutrientes e sólidos
suspensos remanescentes (ASANO et al., 2007).
Segundo Metcalf e Eddy (2004) e Von Sperling e Chernicharo (2012),
a eficiente remoção dos principais constituintes das AR depende dos tipos
de operações ou processos utilizados no sistema de tratamento de esgoto
que incluem:
• Para sólidos em suspensão: gradeamento, remoção de areia,
sedimentação, clarificação de alta taxa, flotação, precipitação
química, filtração profunda, filtração superficial e adsorção;
• Para matéria orgânica biodegradável: processos aeróbios ou
anaeróbios de crescimento disperso ou de crescimento aderido,
lagoas de estabilização, sistemas de tratamento físico-químico,
oxidação química, oxidação avançada e separação por
membranas;
Saneamento e o Ambiente - 43

• Para fósforo: tratamento químico, precipitação e remoção


biológica;
• Para nitrogênio: oxidação química, nitrificação e desnitrificação
de crescimento disperso e de crescimento fixo, remoção de
amônia por arraste com ar, troca iônica, amonificação e
assimilação bacteriana;
• Para patógenos: sedimentação, filtração, compostos clorados,
dióxido de cloro, ozônio e radiação ultravioleta; sólidos
dissolvidos e coloides: membranas, tratamento químico,
adsorção em carvão ativado e troca iônica; para compostos
orgânicos voláteis: adsorção em carvão ativado, arraste com ar,
oxidação avançada.
Todos os processos de gestão das AR dependem de respostas
naturais, como forças gravitacionais de sedimentação, ou de componentes
naturais, tais como organismos biológicos. Nos sistemas de tratamento de
esgoto convencionais, esses componentes naturais são suportados por uma
matriz muitas vezes complexa de equipamentos mecânicos que consomem
muita energia. Os sistemas naturais descrevem os processos que dependem
principalmente de seus componentes naturais para atingir o objetivo
pretendido. Esse tipo de sistema pode tipicamente incluir bombas e
tubulações para transporte e distribuição do esgoto, mas não dependerá
exclusivamente de fontes de energia externas para manter as principais
respostas de tratamento (CRITES et al., 2014).
Para evitar problemas ambientais produzidos pelo lançamento de
esgotos nos corpos hídricos é necessário projetar estações de tratamento
que garantam a remoção dos principais poluentes de preocupação para
preservação da vida aquática e da saúde humana. Devido aos efeitos
observáveis de maneira quase imediata nos corpos de água receptores,
muitas vezes são priorizadas alternativas tecnológicas para remoção
principalmente da matéria orgânica (demanda bioquímica de oxigênio-
DBO5, demanda química de oxigênio-DQO), dos sólidos suspensos (SS),
+
assim como do nitrogênio na forma amoniacal (NH 3-N + NH4 -N), na forma
de nitrogênio total (NT), e fósforo total (PT). A Tabela 1 apresenta um
resumo das eficiências típicas de remoção desses poluentes pelos sistemas
de tratamento mais utilizados.
44
Saneamento e o Ambiente - 45

Os sistemas de tratamento baseados em alternativas como os lodos


ativados e suas variantes, biofiltros aerados e biodiscos precisam de
componentes mecanizados que, além de consumir energia para seu
funcionamento, requerem contínuo controle, manutenção frequente e mão
de obra com níveis de treinamento elevados, condições essas que implicam
em maiores custos, mas que garantem alta eficiência de remoção da
matéria orgânica e nutrientes. As áreas e volumes requeridos pelos sistemas
mecanizados são menores que as necessárias para o funcionamento de
sistemas naturais, pois é necessário menor tempo de detenção hidráulica
para atingir a eficiência de remoção dos poluentes compatíveis com as
destes últimos.
Os sistemas de tratamento natural incluem a disposição no solo,
plantas aquáticas flutuantes e sistemas alagados construídos. Todos os
sistemas de tratamento natural são precedidos por alguma forma de pré-
tratamento mecânico para a remoção de sólidos grosseiros. Quando há área
suficiente e adequada para o propósito de tratamento, esses sistemas
podem muitas vezes ser a opção mais econômica em termos de construção
e operação, sendo frequentemente adequados para pequenas comunidades
e áreas rurais (UNITED NATIONS, 2003).
A seguir estão apresentadas descrições dos principais e mais comuns
sistemas de tratamento biológico de esgoto:
• Em sistemas de lodos ativados, há duas unidades que
compreendem a etapa biológica de tratamento: o reator
biológico, ou tanque de aeração, e o decantador secundário. A
concentração de biomassa no reator é elevada, devido à
recirculação de uma fração dos sólidos (bactérias) sedimentada
no fundo do decantador. A biomassa permanece mais tempo no
sistema que o líquido, situação que garante elevada eficiência na
remoção da matéria orgânica na forma de DBO. É necessário
remover uma quantidade de lodo (bactérias) equivalente à que é
produzida; esse lodo necessita de uma estabilização na etapa de
tratamento da fase sólida. O fornecimento de oxigênio é feito
por aeradores mecânicos ou por ar difuso. A montante do
tanque de aeração há uma unidade de decantação primária, para
46

a remoção de sólidos sedimentáveis, presentes no esgoto bruto


(VON SPERLING; CHERNICHARO, 2005).
• Dentre os reatores anaeróbios, um dos mais eficientes é o UASB
(Upflow Anaerobic Sludge Blanket), nos quais a DBO é convertida
de maneira anaeróbia por microrganismos dispersos no reator. O
fluxo do líquido é ascendente. A parte superior do reator é
dividida nas zonas de sedimentação e de coleta de gás. A zona de
sedimentação permite a saída do efluente clarificado e o retorno
dos sólidos (biomassa) ao sistema, aumentando a sua
concentração no reator. Entre os gases formados inclui-se o
metano. O sistema dispensa decantação primária. A produção de
lodo é baixa, e o lodo sai adensado e estabilizado. Já nos filtros
anaeróbios, a DBO é convertida de maneira anaeróbia por
microrganismos aderidos a um meio suporte (usualmente
britas). O tanque trabalha submerso e o fluxo é ascendente. O
sistema requer decantação primária (frequentemente tanques
sépticos); a produção de lodo é baixa, e este já sai estabilizado
(VON SPERLING; CHERNICHARO, 2005).
• Nos reatores aeróbios com biofilmes; e de maneira particular nos
filtros aeróbios, a DBO é estabilizada aerobiamente por bactérias
que crescem aderidas a um meio suporte (comumente pedras ou
material plástico). O esgoto é aplicado na superfície do tanque
por meio de distribuidores rotativos. O líquido percola pelo
tanque, saindo pelo fundo, à medida que a matéria orgânica fica
retida e posteriormente é estabilizada pela ação das bactérias.
Os espaços livres ficam vazios e possibilitam a circulação de ar.
No sistema de baixa carga há pouca DBO disponível para as
bactérias, o que faz com que essas sofram uma autodigestão,
saindo estabilizadas do sistema. As placas de bactérias que se
despregam das pedras são removidas no decantador secundário.
O sistema necessita de decantação primária (VON SPERLING;
CHERNICHARO, 2005).
• O biofiltro aerado submerso é formado por um tanque
preenchido com um material poroso, por meio do qual o esgoto
e ar fluem permanentemente. O fluxo de ar no biofiltro é sempre
Saneamento e o Ambiente - 47

ascendente, à medida que o fluxo do líquido pode ser


ascendente ou descendente. Os biofiltros com meios granulares
realizam, no mesmo reator, a remoção de compostos orgânicos
solúveis e de partículas em suspensão presentes nos esgotos.
Além de servir de meio suporte para os microrganismos, o
material granular constitui-se em meio filtrante. São necessárias
lavagens periódicas para se eliminar o excesso de biomassa
acumulada, reduzindo as perdas de carga hidráulica através do
meio (VON SPERLING; CHERNICHARO, 2005).
• Nos biodiscos, a biomassa cresce aderida a um meio suporte
composto por discos, os quais, parcialmente imersos no líquido,
giram, ora expondo a superfície ao líquido, ora ao ar (VON
SPERLING; CHERNICHARO, 2005).
• As lagoas de estabilização são grandes tanques de pequena
profundidade, definidas por diques de terra, e nas quais as AR
brutas são tratadas inteiramente por processos naturais,
envolvendo algas e bactérias. Existem três tipos principais de
lagoas de estabilização, a saber: lagoas anaeróbias, lagoas
facultativas e lagoas de maturação (SILVA; MARA, 1979).
• Nas lagoas facultativas, os esgotos fluem continuamente em
lagoas construídas para o tratamento de águas residuárias. O
esgoto permanece na lagoa por vários dias. A DBO solúvel e a
DBO finamente particulada são estabilizadas por bactérias
aeróbias dispersas no meio líquido, ao passo que a DBO
suspensa tende a sedimentar, sendo convertida de maneira
anaeróbia por microrganismos no fundo da lagoa. O oxigênio
utilizado por essas bactérias aeróbias é disponibilizado pelas
algas no processo de fotossíntese.
• Nas lagoas anaeróbias seguidas de lagoas facultativas a DBO é
em torno de 50 a 65% removida (convertida a líquidos e gases)
na lagoa anaeróbia (mais profunda e com menor volume),
enquanto a DBO remanescente é removida na lagoa facultativa.
O sistema ocupa uma área inferior a de uma lagoa facultativa
única. Já nas lagoas de maturação, o objetivo principal é a
remoção de organismos patogênicos. Nessas lagoas predominam
48

condições ambientais adversas para esses microrganismos, como


radiação ultravioleta, elevado pH, elevado OD, temperatura mais
baixa que a do trato intestinal humano, falta de nutrientes e
predação por outros organismos.
• As lagoas de maturação são utilizadas como um pós-tratamento
de processos que tem por finalidade a remoção da DBO, sendo
geralmente projetadas como uma série de lagoas, ou como
lagoas com divisões por chicanas. Nesses tipos de lagoas, a
eficiência na remoção de coliformes é de aproximadamente 99%
(VON SPERLING; CHERNICHARO, 2005).
• Na infiltração lenta, os esgotos são aplicados ao solo, fornecendo
água e nutrientes necessários para o crescimento das plantas.
Parte do líquido é evaporada, parte percola no solo, e a maior
parte é absorvida pelas plantas. As taxas de aplicação no terreno
são bem baixas. O líquido pode ser aplicado segundo os métodos
da aspersão, do alagamento, e da crista e vala. Este é um
processo de fertirrigação (VON SPERLING; CHERNICHARO, 2005).
• No processo de infiltração rápida, os esgotos são dispostos em
bacias rasas. O líquido passa pelo fundo poroso e percola pelo
solo. A perda por evaporação é menor devido às maiores taxas
de aplicação. A aplicação é intermitente, proporcionando um
período de descanso para o solo. Os tipos mais comuns são:
percolação para a água subterrânea, recuperação por drenagem
subsuperficial e recuperação por poços freáticos (VON SPERLING;
CHERNICHARO, 2005).
• Na infiltração subsuperficial, o esgoto pré-decantado é aplicado
abaixo do nível do solo. Os locais de infiltração são preenchidos
com um meio poroso, no qual ocorre o tratamento. Os tipos
mais comuns são as valas de infiltração e os sumidouros. No
escoamento superficial, os esgotos são distribuídos na parte
superior de terrenos com certa declividade, através do qual
escoam, até serem coletados por valas na parte inferior. A
aplicação é intermitente. Os tipos de aplicação são: aspersores
de alta pressão, aspersores de baixa pressão e tubulações ou
Saneamento e o Ambiente - 49

canais de distribuição com aberturas intervaladas (VON


SPERLING; CHERNICHARO, 2005).
• Os wetlands ou sistemas alagados construídos, também
conhecidos como terras úmidas construídas, banhados artificiais
ou alagados artificiais consistem de lagoas ou canais rasos, que
abrigam plantas aquáticas. O sistema pode ser de fluxo
superficial, com o nível da água acima do nível do solo, ou
subsuperficial, com o nível da água abaixo do nível do solo, com
escoamento horizontal ou vertical. No tratamento dos esgotos
atuam mecanismos biológicos, químicos e físicos (VON
SPERLING; CHERNICHARO, 2005).
Para países em desenvolvimento, o reuso dos efluentes tratados
apresenta uma importante alternativa para aproveitamento dos nutrientes
ainda presentes no esgoto com notada utilidade para fins produtivos
pecuários. A Organização Mundial da Saúde definiu diretrizes para o uso
seguro de águas residuárias e excretas para agricultura (WHO, 2006a), e
para aquicultura (WHO, 2006b). Nessas diretrizes estão estabelecidas as
medidas de proteção da saúde dos consumidores, dos trabalhadores e suas
famílias, e das comunidades locais onde são realizados os cultivos. Dentre
tais medidas está a eficiência do tratamento dos esgotos na remoção e/ou
inativação de patógenos excretados. Na Tabela 2 estão apresentadas as
eficiências de remoção ou inativação de patógenos, expressas em unidades
logarítmicas para diversos processos de tratamento de AR.

Tabela 2 – Unidades log de remoção ou inativação de patógenos excretados alcançados por


processos de tratamento de águas residuárias
Vírus Bactérias Protozoários Ovos de
Processo de tratamento
(oo)cistos helmintos
Processos biológicos de baixa taxa
– Lagoas de estabilização 1-4 1-6 1-4 1-3
– Reservatórios para 1-4 1-6 1-4 1-3
armazenamento e tratamento de AR
– Alagados construídos 1-2 0,5-3 0,5-2 1-3
Tratamento primário
– Decantação primária 0-1 0-1 0-1 0-<1
– Tratamento primário melhorado 1-2 1-2 1-2 1-3
quimicamente
– Reator anaeróbio de manta de 0-1 1-2 0-1 0,5-1
lodo de fluxo ascendente
50

Tabela 2 – Unidades log de remoção ou inativação de patógenos excretados alcançados por


processos de tratamento de águas residuárias (Continuação).
Tratamento secundário
– Lodos ativados + Decantação 0-2 1-2 0-1 0-<2
secundária
– Filtros percoladores + decantação 0-2 1-2 0-1 1-2
secundária
– Lagoas aeradas ou valos de 1-2 1-2 0-1 1-3
oxidação + lagoa de decantação
Tratamento terciário
– Coagulação/floculação 1-3 0-1 1-3 2
– Filtração em meio granular de alta 1-3 0-3 0-3 1-2
taxa ou filtração lenta em areia
– Filtração em dois meios 1-3 0-1 1-3 2-3
– Biorreatores de membrana 2,5=6 3,5-6 >6 >3
Desinfecção
– Cloração (cloro livre) 1-3 2-6 0-1,5 0-<1
– Ozonização 3-6 2-6 1-2 0-2
– Radiação ultravioleta 1->3 2->4 >3 0
Fonte: Adaptado de WHO (2006).

4 DISPOSIÇÃO FINAL DE ÁGUAS RESIDUÁRIAS

A disposição final deve considerar que além da carga orgânica e


nutrientes, os esgotos sanitários podem veicular microrganismos
patogênicos (vírus, bactérias, protozoários e helmintos) e agentes químicos,
os quais podem apresentar alta toxicidade ou ainda terem efeitos para a
saúde pouco conhecidos (BASTOS, 2003; AISSE et al., 2006).
De acordo com a Organização Mundial da Saúde, cada dólar investido
em água e saneamento, resulta no crescimento do Produto Interno Bruto
(PIB) global em 1,5% e na economia de 4,3 dólares em saúde no mundo
(WHO, 2014).
No Brasil, embora existam poucos registros sobre a utilização direta
de efluentes, a utilização indireta ocorre com elevada frequência devido ao
reduzido percentual de esgotos tratados (BASTOS, 2003). Em 2016, apenas
51,6% da população brasileira tinha acesso ao serviço de coleta de esgotos e
apenas 44,9% do esgoto gerado no país era tratado (Tabela 3) (BRASIL,
2018). Os esgotos lançados sem tratamento podem provocar grandes
Saneamento e o Ambiente - 51

problemas aos ecossistemas locais e circunvizinhos, dependendo da carga


orgânica lançada e dos contaminantes presentes (CAMPOS, 1999).

Tabela 3 – Índices dos sistemas de abastecimento de água e coleta de esgotos dos municípios
cujos prestadores de serviços são participantes do Sistema Nacional de Informações sobre
Saneamento (SNIS) em 2016, classificados por região geográfica e índices gerais do Brasil
Índice de tratamento
Índice de atendimento com rede (%)
dos esgotos (%)
Esgotos Esgotos
Água Coleta de esgotos
gerados coletados
Região Total Urbano Total Urbano Total Total
Norte 55,4 67,7 10,5 13,4 18,3 81
Nordeste 73,6 89,3 26,8 34,7 36,2 79,7
Sudeste 91,2 96,1 78,6 83,2 48,8 69,0
Sul 89,4 98,4 42,5 49,0 43,9 92,9
Centro-Oeste 89,7 97,7 51,5 56,7 52,6 92,1
Brasil 83,3 93,0 51,9 59,7 44,9 74,9
Fonte: Adaptado de Brasil (2018).

Dessa forma, há a necessidade de investimentos em saneamento no


país para aumento da disposição final de esgotos tratados e, sobretudo, do
reuso de águas residuárias visando à melhoria da saúde aliada ao
aproveitamento de água e nutrientes presentes nos esgotos. Os usos como
irrigação de áreas verdes dos municípios, estradas e residências, campos
desportivos, utilização para limpeza de pisos, avenidas e estradas, controle
de poeira, descarga de sanitários, lavagem de veículos e utilização na
construção civil, são exemplos de demandas de água que não requerem a
alta qualidade e que poderiam ser atendidas com efluente tratado,
reduzindo a pressão sobre os mananciais (AISSE et al., 2006).
O reuso potável, por outro lado, não tem sido recomendado (ou
recomendado com ressalvas) devido principalmente à dificuldade de
caracterização dos riscos associados à saúde, embora existam alguns
exemplos de aplicação prática (AISSE et al., 2006).
As estações de tratamento de esgoto no Brasil são projetadas, na
maioria das vezes, visando ao lançamento do efluente tratado em corpos
d’água. O dimensionamento do sistema visa à redução de poluentes,
sobretudo carga orgânica, de acordo com a capacidade de diluição e
assimilação do corpo receptor (MOTA; VON SPERLING, 2009). Dessa forma,
52

as tecnologias de tratamento adotadas geralmente priorizam a remoção de


matéria orgânica dissolvida e suspensa por meio de processos biológicos nos
quais os microrganismos utilizam os compostos orgânicos como substrato
(MOTA; VON SPERLING, 2009).
Em geral, os tratamentos biológicos são métodos mais sustentáveis e
econômicos para eliminar resíduos dos esgotos. No entanto, em relação a
outros parâmetros, a eficiência do sistema pode ser reduzida. Os nutrientes
nitrogênio e fósforo, por exemplo, apresentam concentrações no efluente
tratado próximas às do esgoto bruto, o que pode provocar a eutrofização do
curso d’água e resultar em problemas estéticos, recreacionais ou
mortandade de peixes. Tais problemas são agravados em períodos de
redução da vazão e consequente capacidade de diluição do corpo receptor
(MOTA; VON SPERLING, 2009).
Dessa forma, devem ser estudadas alternativas para a remoção ou
aproveitamento dos nutrientes do esgoto, por meio de sistemas de reuso de
água ou processos mais eficientes. São apresentadas a seguir algumas
formas de reuso e aproveitamento dos esgotos que podem contribuir para o
para o melhor aproveitamento das águas residuárias e reduzir os impactos
negativos causados pelo lançamento em corpos receptores.

4.1 UTILIZAÇÃO DE ESGOTOS SANITÁRIOS NA IRRIGAÇÃO

A utilização de esgotos sanitários na irrigação é uma alternativa cada


vez mais adotada por agricultores devido à escassez de recursos hídricos, à
possibilidade de utilização de efluente de qualidade inferior à necessária
para lançamento no corpo d’água, ao aproveitamento de nutrientes da água
residuária e consequente redução do consumo de insumos agropecuários,
bem como o avanço no conhecimento científico em relação ao reuso de
água (BASTOS, 2003). A disposição de esgotos no solo é uma atividade de
reciclagem, inclusive para a água, e possibilita a utilização do potencial
hídrico e nutrientes presentes no esgoto, para a geração de produtos (AISSE
et al., 2006; CAMPOS, 1999). A irrigação com águas residuárias consegue
aliar o aumento da produtividade, por causa da fertirrigação, com a
preservação da qualidade ambiental, por meio da redução dos lançamentos
diretos nos corpos d’água (CAMPOS, 1999). É uma alternativa que pode ser
Saneamento e o Ambiente - 53

associada a processos mais simples de tratamento de esgoto que o


necessário para disposição final em corpo d’água, sobretudo em relação às
exigências de remoção de nitrogênio e fósforo (MOTA; VON SPERLING,
2009).
A utilização de águas residuárias pode aumentar a infiltração de água
no solo e a recarga dos aquíferos, sobretudo os aquíferos livres. O aumento
da infiltração e do nível de água dos aquíferos livres contribui diretamente
para o aumento da vazão dos rios. Dessa forma, o aproveitamento de
esgotos sanitários para a irrigação é um instrumento importante para a
conservação das águas, principalmente em regiões críticas (AISSE et al.,
2006). O aproveitamento deve ser realizado seguindo critérios e
características específicas de cada projeto (CAMPOS, 1999).
A irrigação com esgotos sanitários é praticada em vários países. No
México e Israel, por exemplo, esta prática é regulamentada por legislação
específica e faz parte de programas governamentais (BASTOS, 2003). No
entanto, a irrigação com esgotos sanitários é uma forma de fertirrigação
com água salina e devem ser tomados alguns cuidados para a aplicação
desta tecnologia. No entanto, qualquer tipo de irrigação só pode ser
aplicada respeitando a compatibilização entre a qualidade da água, as
técnicas de irrigação, as características do solo e a seleção de culturas
(BASTOS, 2003). Vale ressaltar que muitas vezes as taxas de aplicação não
obedecem a princípios agronômicos, pois o principal objetivo é o
tratamento ou disposição final do esgoto (AISSE et al., 2006; BASTOS, 2003).
Parte do esgoto incorpora-se às plantas e solo e o restante contribui
para recarga do lençol freático e evapotranspiração ou escoa até o curso
d’água (CAMPOS, 1999). No entanto, deve-se prever também a disposição
do esgoto tratado no corpo receptor, visto que não se realiza irrigação no
período das chuvas (MOTA; VON SPERLING, 2009).
As características do esgoto podem alterar as características físicas,
químicas e biológicas do solo (AISSE et al., 2006; MOTA; VON SPERLING,
2009). O reuso agrícola exige um controle específico, sobretudo em relação
aos parâmetros relacionados às espécies iônicas (AISSE et al., 2006). Os íons
cloreto e sulfato presentes no esgoto, associados ao sódio, podem provocar
a salinização do solo (MOTA; VON SPERLING, 2009). A impermeabilização do
solo, causada pelo aumento da salinidade é agravada quando aliada a um
54

baixo índice de chuvas (CAMPOS, 1999). As concentrações de íons, tais


- + +
como Cl , B3 e Na , presentes no esgoto podem causar efeitos tóxicos e
desequilíbrios nutricionais diretos ou indiretos nas plantas, bem como
reduzir a permeabilidade do solo em decorrência da mudança em sua
estrutura (AISSE et al., 2006). A toxicidade dos íons pode ocorrer pelo
acúmulo nas folhas devido à transpiração das plantas ou absorção direta na
irrigação por aspersão. O acúmulo pode causar danos como queimaduras ou
necroses. Vários oligoelementos podem apresentar toxidade às plantas
mesmo em concentrações reduzidas ou quando combinados com outros
íons (AISSE et al., 2006).
A salinidade da água e do extrato solúvel do solo é medida
indiretamente pela condutividade elétrica (CE). A CE está relacionada à
capacidade de transmitir corrente elétrica que é influenciada pela presença
de substâncias dissolvidas (AISSE et al., 2006). Em geral, a salinidade afeta as
camadas superficiais do solo, reduzindo a infiltração e as características da
zona radicular (AISSE et al., 2006).
O aporte de nutrientes pela irrigação com esgotos pode
complementar a fertilização mineral natural. No entanto, os nutrientes
presentes no esgoto podem não estar disponíveis nas formas e momentos
necessários. O nitrogênio, por exemplo, é assimilado mais facilmente pelas
plantas na forma de nitrato e amônio, mas os efluentes podem ter teores
consideráveis de amônia e nitrogênio orgânico (BASTOS, 2003). Além disso,
é fundamental administrar a quantidade e a forma administrada. O excesso
de nutrientes pode trazer problemas para as culturas e algumas formas
como, por exemplo, o nitrogênio na forma de nitrato pode contaminar as
águas subterrâneas (CAMPOS, 1999; MOTA; VON SPERLING, 2009). Dessa
forma, o monitoramento do teor de nitrato no solo é importante para a
sustentabilidade do sistema (AISSE et al., 2006).
Por outro lado, a quantidade de fósforo adicionada ao solo pela
irrigação com esgotos sanitários geralmente consegue ser absorvida pelas
plantas. A lixiviação pode ocorrer principalmente em solos arenosos (AISSE
et al., 2006). Para proteção de fontes de água, a irrigação deve respeitar
algumas medidas de segurança. Dessa forma, não é recomendada a
irrigação com esgotos sanitários em áreas de recarga dos aquíferos ou
Saneamento e o Ambiente - 55

próximo a cursos d’água. Mesmo assim, é recomendável o monitoramento


da área e das águas subterrâneas (MOTA; VON SPERLING, 2009).
Em relação aos aspectos sanitários, é necessária a desinfecção para
garantir a segurança dos agricultores e consumidores (MOTA; VON
SPERLING, 2009). Dessa forma, critérios de qualidade microbiológica
também devem ser observados e dependem da qualidade da água
residuária utilizada, o tipo de cultura, o método de irrigação e o manejo
utilizado (Tabela 4) (AISSE et al., 2006; MOTA; VON SPERLING, 2009). Em
geral, a irrigação localizada ou subsuperficial apresenta menor risco de
contaminação do solo e da planta do que a aspersão (MOTA; VON
SPERLING, 2009).
As diretrizes adotadas nos Estados Unidos e recomendadas pela
Organização Mundial da Saúde são utilizadas como referência para normas
em diversos países (AISSE et al., 2006). Os riscos à saúde pública estão
relacionados ao dos consumidores de alimentos produzidos com esgotos, o
dos agricultores e trabalhadores expostos aos esgotos e às pessoas que
vivem ou acessam a região e áreas vizinhas ao local onde é realizada a
irrigação (AISSE et al., 2006).

Tabela 4 – Processos de tratamento necessários de acordo com o tipo de cultura agrícola


irrigada com esgoto sanitário tratado
Categoria Tipo de cultura Processo de tratamento

A Secundário + filtração +
A serem consumidas cruas
desinfecção
B Processadas industrialmente, cereais,
Secundário + desinfecção
forragens, pastagens e árvores
C Irrigação localizada de plantas da Pré-tratamento de acordo com
categoria B na ausência de riscos para o método de irrigação, no
os agricultores e público em geral mínimo sedimentação primária
Fonte: Adaptado de Brasil (2018).

De maneira geral, é possível obter uma produtividade com a


utilização de esgotos tratados semelhante à de parcelas irrigadas
convencionalmente (com águas e nutrientes). Isso indica uma grande
vantagem dessa prática, embora deva ser monitorada a presença de
56

contaminantes, tais como sódio, nitrato e patógenos, e a possibilidade de


impermeabilização do solo (MOTA; VON SPERLING, 2009).

4.2 UTILIZAÇÃO DE ESGOTOS SANITÁRIOS NA PISCICULTURA

O reuso de esgotos sanitários na agricultura ou piscicultura permite o


aproveitamento de água e reduz a demanda sobre os recursos hídricos,
aumentando a disponibilidade de fontes de água de melhor qualidade para
usos mais nobres como consumo humano e dessedentação de animais. A
presença de nutrientes nas águas residuárias (nitrogênio, fósforo, potássio
etc.), reduz ainda a necessidade de utilização de insumos utilizados no
processo de produção ou criação de peixes ou plantas (AISSE et al., 2006).
Em relação à piscicultura, a eutrofização proposital dos tanques por meio da
adubação e calagem visa a aumentar a comunidade de fito e zooplâncton
(base da cadeia alimentar dos peixes), reduzindo o consumo de ração (AISSE
et al., 2006).
A elevada concentração de nutrientes e matéria orgânica dos esgotos
domésticos contribui para o desenvolvimento do plâncton. No entanto, a
concentração de nitrogênio deve ser cuidadosamente monitorada, uma vez
que as diferentes formas do nitrogênio, sobretudo o nitrogênio amoniacal, é
tóxico para os peixes mesmo em pequenas concentrações. (AISSE et al.,
2006). Além disso, a amônia pode provocar uma redução da produção e um
aumento da incidência de doenças nos peixes (MOTA; VON SPERLING,
2009).
A toxicidade da amônia, assim como metais pesados, gás sulfídrico e
outros componentes das águas residuárias é influenciada pelo pH do meio
(MOTA; VON SPERLING, 2009). O efeito do pH sobre os peixes é indireto e
está relacionado à mudança na solubilidade, forma e toxicidade de diversas
substâncias (AISSE et al., 2006). O pH pode influenciar também a
disponibilidade de alguns nutrientes. O fósforo na forma de ortofosfato é
assimilado com facilidade pelo fitoplâncton, mas o aumento do pH (acima
de 9) pode resultar na formação de fosfato insolúvel, provocando a
precipitação de fósforo (AISSE et al., 2006).
Além do pH, nutrientes e matéria orgânica; o monitoramento da
qualidade da água na piscicultura deve envolver o controle de vários outros
Saneamento e o Ambiente - 57

parâmetros, tais como transparência, oxigênio dissolvido, salinidade,


condutividade elétrica, temperatura e clorofila “a” (MOTA; VON SPERLING,
2009).
As cargas orgânicas influenciam, dentre outros fatores, na
oxigenação da água e podem causar danos a várias espécies de peixes (AISSE
et al., 2006; MOTA; VON SPERLING, 2009). Por outro lado, pode haver uma
remoção considerável de sólidos em suspensão, DQO e amônia nos tanques
de piscicultura, contribuindo para o polimento dos efluentes (AISSE et al.,
2006).
Vale destacar que a qualidade microbiológica da água residuária
também é fator fundamental para a utilização de esgotos tratados na
piscicultura. Bactérias, vírus e protozoários presentes na água podem se
concentrar nas vísceras de peixes ou nas superfícies destes e de plantas.
Geralmente os patógenos, com exceção dos trematoides, não penetram na
carne comestível (músculo) dos peixes. No entanto, a penetração de
patógenos na carne comestível pode ocorrer sobretudo em condições de
estresse devido à, por exemplo, superpopulação ou qualidade da água
inadequada (MOTA; VON SPERLING, 2009).
Os principais mecanismos de transmissão de doenças de veiculação
hídrica decorrentes da utilização de esgotos sanitários na piscicultura são a
transmissão passiva de patógenos por meio da ingestão ou manipulação de
peixes contaminados e a transmissão de helmintos, que têm os peixes ou
outros componentes da biota aquática como hospedeiros intermediários
(AISSE et al., 2006).
Além da qualidade da água residuária, o sucesso da utilização de
esgotos sanitários na piscicultura depende da seleção criteriosa da espécie a
ser cultivada. A carpa e a tilápia são algumas das espécies mais
recomendadas para este tipo de sistema. A tilápia é, inclusive, considerada a
espécie com maior potencial devido à elevada tolerância a baixas
concentrações de oxigênio, altos níveis de amônia e variações na salinidade
(AISSE et al., 2006).
De maneira geral, o reuso de águas residuárias para produção animal
deve considerar os custos relacionados ao transporte de esgoto sanitário
aos locais de utilização, aspectos de saúde pública e saúde animal (afeta a
produção), contaminação de mananciais subterrâneos com compostos
58

poluentes e patógenos, mudança nas características do solo e aspectos


culturais relacionados à rejeição do consumo de alimentos produzidos com
esgotos sanitários (AISSE et al., 2006).

4.3 UTILIZAÇÃO DE ESGOTOS SANITÁRIOS PARA IRRIGAÇÃO DE


FORRAGEIRAS VISANDO À PRODUÇÃO ANIMAL

A matéria orgânica presente nos esgotos pode servir como


condicionante do solo ou ser decomposta para a formação de húmus. Além
disso, os nutrientes presentes em grandes quantidades nesse tipo de águas
residuárias contribuem para o desenvolvimento de diferentes culturas
agrícolas. Esses benefícios tornam o esgoto sanitário uma alternativa
interessante à fertilização química, uma vez que os fertilizantes químicos
não permitem aliar o condicionamento do solo ao suprimento de nutrientes
para as plantas (AISSE et al., 2006).
As plantas forrageiras e gramíneas são culturas com elevada
demanda de macronutrientes e possibilitam elevada remoção de nitrogênio
e fósforo dos esgotos sanitários. Além disso, essas plantas podem ser
utilizadas para alimentação animal. A escolha da forrageira para a
alimentação deve levar em consideração as espécies e fases de vida dos
animais para evitar a necessidade de suplementação da dieta destes,
reduzindo os custos de produção (AISSE et al., 2006). Além disso, a
qualidade sanitária da forrageira deve ser avaliada para reduzir riscos à
saúde humana e animal (AISSE et al., 2006).

4.4 REUSO URBANO E INDUSTRIAL DE ESGOTOS SANITÁRIOS

O consumo de água nos municípios depende do número de


habitantes e do padrão de consumo da população. Residências de padrão
-1 -
baixo consomem cerca de 125 litros diários de água por habitante (L.hab .d
1 -1 -1
), enquanto o consumo per capita é de cerca de 200 L.hab .d em
residências de alto padrão (ABNT, 1997). Essa diferença está relacionada a,
por exemplo, presença de piscinas, grandes jardins e banheiras nas
residências de padrão mais elevado. Além disso, o aumento da área urbana
Saneamento e o Ambiente - 59

contribui também para o aumento do consumo de água devido à instalação


de creches, hospitais e parques (BRASIL, 2018).
No Estado de São Paulo, a Resolução Conjunta SES/SMA/SSRH nº 01,
de 28 de junho de 2017, determina que os efluentes tratados provenientes
de Estações de Tratamento de Esgoto Sanitário (ETE) podem ser utilizados
para a irrigação paisagística; lavagem de logradouros e outros espaços
públicos e privados; construção civil; desobstrução de galerias de água
pluvial e rede de esgotos; lavagem de veículos; combate a incêndios (SÃO
PAULO, 2017).
Além dos padrões de lançamento de efluentes estabelecidos nas
legislações ambientais específicas, a Resolução Conjunta 01/2017 determina
um padrão específico com base em duas categorias de reuso: uso com
restrição moderada e uso com restrição severa (SÃO PAULO, 2017). Em
geral, as normas e critérios de qualidade estabelecem que a água de reuso
em ambiente urbano deve ter aspecto agradável e odor não objetável (AISSE
et al., 2006).
A Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo
(SABESP) produz, em média, 468 litros de água por segundo para
fornecimento externo ou uso interno da Sabesp nas ETEs. Além disso, foi
construído, em parceria com o setor privado, o Aquapolo Ambiental que
produz água de reuso para utilização no Polo Petroquímico da Região do
Grande ABC e é considerado o maior empreendimento para a produção de
água de reuso industrial na América do Sul e quinto maior do mundo,
fornecendo aproximadamente um bilhão de litros de água por mês para o
Polo Petroquímico de Capuava, na região do ABC Paulista (SABESP, 2018).
Na indústria, o consumo de água está relacionado à geração de
energia elétrica, à utilização como fluido de aquecimento ou resfriamento,
matéria-prima do processo ou transporte e assimilação de contaminantes
(AISSE et al., 2006). O uso de água com qualidade inadequada pode causar
problemas no processo como incrustações, corrosão e manchas (AISSE et al.,
2006).
A falta de garantias sobre a disponibilidade de água compromete a
ampliação da produção, impactando negativamente na economia da região
(PHILIPPI JÚNIOR, 2003). A diminuição do consumo de água na indústria
deve considerar, primeiramente, a redução na fonte, por meio da melhoria
60

do processo. O reuso industrial deve ser considerado após a avaliação de


todas as possibilidades de redução do consumo e depende da tipologia
industrial e tecnologias utilizadas (AISSE et al., 2006). A escassez hídrica
enfrentada por diversos mananciais e o aumento da demanda levam as
indústrias a avaliar alternativas de reuso interno e a considerar a compra de
efluentes tratados das companhias de saneamento a preços inferiores aos
da água potável (SANTOS; MANCUSO, 2003).

REFERÊNCIAS

ABNT – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 13969 – Tanques sépticos –


Unidades de tratamento complementar e disposição final dos efluentes líquidos – Projeto,
construção e operação. Rio de Janeiro: ABNT, 1997.
AISSE, M. M.; FLORENCIO, L.; BASTOS, R. K. X. Tratamento e utilização de esgotos sanitários. Rio
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62
Saneamento e o Ambiente - 63

Capítulo 3

REMOÇÃO DE FÓSFORO EM LEITOS CULTIVADOS COM Typha sp.:


UMA ALTERNATIVA PARA TRATAMENTO TERCIÁRIO DE ESGOTO

6
José Teixeira Filho
2
Aline Regina Piedade
3
Carolina Verbicaro Perdomo
4
Denivaldo Ferreira de Souza

1 INTRODUÇÃO

A crescente preocupação na qualidade de água das fontes receptoras


dos esgotos em condições não satisfatórias, incentiva os pesquisadores e
técnicos na busca de tecnologias apropriadas para tratamento das águas
residuárias, para que atendam as atuais normas vigentes para os
lançamentos de efluentes e assegurem a sustentabilidade dos recursos
hídricos (KIMWAGA et al., 2004).
Uma série de estudos sobre a melhoria da qualidade dos efluentes
tem sido realizada para satisfazer às exigências de reutilização ou disposição
em corpos receptores, destinados tanto para sistemas de grande porte e de
maior complexidade, quanto de pequeno porte, de baixo custo e facilidade
operacional, por exemplo tanques sépticos, lagoas de estabilização, reatores
anaeróbios, disposição nos solos e leitos cultivados (STEINMAN et al., 2004;
KIMWAGA et al., 2004; MAZZOLA et al., 2005; LOURES et al., 2006).
Os leitos cultivados foram concebidos por empregar processos

6
Doutor em Gestão de Recursos Hídricos. Professor livre-docente da Universidade Estadual de
Campinas – Unicamp. Docente no Instituto de Geociência e Faculdade de Engenharia Agrícola.
E-mail: jose@feagri.unicamp.br
2
Doutora em Engenharia Agrícola. Professora adjunta da Universidade Federal do Mato Grosso
– UFMT. E-mail: alinereginapiedade@gmail.com.br
3
Mestre em Geografia. Doutoranda em Geografia na Universidade Estadual de Campinas –
Unicamp. E-mail: caveper@hotmail.com
4
Mestre em Geografia. Doutorando em Geografia na Universidade Estadual de Campinas –
Unicamp. Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Capes.
E-mail: deny1609@gmail.com
64

ecológicos encontrados em áreas úmidas de ecossistemas naturais. Esses


sistemas utilizam plantas, solos e microrganismos para remover
contaminantes das águas residuárias e são eficazes no tratamento de
efluentes domésticos, industriais, urbanos, agrícolas, escoamento
superficiais relacionados com a produção animal, entre outros. Tal como
acontece com outras tecnologias de tratamento biológico natural, os
sistemas de tratamento de leitos cultivados são capazes de fornecer
benefícios adicionais. Eles são geralmente sistemas viáveis por não
demandar quantidades significativas de fontes de energia e por utilizar o
mínimo de requisitos operacionais. O tratamento das águas residuárias que
utiliza essa tecnologia também fornece uma oportunidade para criar
ambientes que se aproximam de habitats naturais de zonas úmidas e
valorizam o meio por meio da recreação passiva associadas a tanques
(KADLEC; KNIGHT, 1996).
Embora existam atualmente milhares de leitos cultivados no mundo,
a utilização desses sistemas é uma tecnologia relativamente nova na maioria
dos países tropicais, tais como Brasil e Tanzânia, e esta utilização intensiva
possui menos de três décadas de idade (KIMWAGA et al., 2004).
No Brasil, segundo Mazzola (2003), faltam estudos que visem à
exploração de todo o seu potencial. O uso de leitos cultivados como
tecnologia a ser utilizada em países tropicais é importante, pois países como
Brasil apresentam condições meteorológicas ideais ao longo do ano, que
favorecem a atividade microbiana, o que é vital para o desempenho dos
sistemas.
A importância do pós-tratamento reside no fato de que, no efluente
bruto, além da grande quantidade de matéria orgânica presente, há
quantidades substanciais de fósforo que não são retidas com eficácia no
tratamento tradicional de esgotos. Para a remoção de nutrientes,
principalmente de fósforo, recomenda-se, por exemplo, o uso de leitos
cultivados.
O fósforo está presente no efluente sanitário nas formas orgânica,
inorgânica complexa (polifosfatos) conforme aquelas aplicadas em
detergentes, e ortofosfato inorgânico solúvel, que condiz ao produto final
no ciclo do fósforo e a forma mais rápida disponível para uso biológico.
Durante o processo de tratamento biológico, os compostos orgânicos são
Saneamento e o Ambiente - 65

danificados, podendo oferecer ortofosfatos solúveis e polifosfatos que,


quando hidrolisados, podem ser convertidos em ortofosfatos. Em um
efluente orgânico bem estabelecido submetido a tratamento secundário, o
ortofosfato é a forma principal do fósforo, que consegue ser retirado por
processos de precipitação química ou absorvida por plantas e
microrganismos, conforme acontece com a utilização de leitos cultivados.
Vale notar que o meio suporte, o regime hidrológico e a vegetação
escolhida são uns dos principais fatores que afetam o desempenho dos
sistemas leitos cultivados. As interações de todos os fatores condicionam o
rendimento do sistema quanto à retenção dos nutrientes, em especial, o
fósforo.
Diante do exposto, neste estudo objetivou-se avaliar o rendimento
dos sistemas de leitos cultivados com Typha sp. para a retenção de fósforo e
verificar a qualidade da água presente em quatro escalas temporais
distintas: avaliação horária, avaliação diária, balanço do período
monitorado, bem como do período estendido.

2 TECNOLOGIAS PARA O TRATAMENTO DE EFLUENTES

As alternativas para tratamento de efluentes ou recuperação de


águas servidas de origem doméstica, agrícola ou industrial abrange
numerosas possibilidades, que podem ser complexas e sobrecarregadas, ou
simples e de baixo custo (GASI, 1988; METCALF; EDDY, 1991). Os métodos
convencionais mais empregados no controle da carga poluidora de efluentes
são lodos ativados, lagoas de estabilização (BERTHET, 1982; KAWAI, 1990;
SHIMADA et al., 1987), filtros (MATSUMOTO, 1987; PATERNIANI, 1991),
reatores anaeróbios (BENINCASA et al., 1986; TOLEDO, 1996; VIEIRA, 1984),
distribuição sobre o solo (BRAILE, 1979; PAGANINI, 1997; BREDA, 2003), e
ainda leitos cultivados (LEOPOLDO et al., 1996; VALENTIM, 2003).
Na Alemanha e nos Estados Unidos, por volta de 1955, sobrevieram
os primeiros resultados derivados da utilização de plantas aquáticas
vasculares na depuração de águas providas de origem doméstica e industrial
(BLAKE, 1982). Os primeiros trabalhos mostraram que plantas do gênero
Spircus, Typha e Phalaris possuem propriedades depuradoras úteis no
controle da carga poluidora de águas residuárias. Conte et al. (1992)
66

obtiveram pesquisas promissoras por meio do monitoramento de um


sistema de tratamento de efluentes domésticos utilizando Taboas, Junco e
Lírio do Brejo. Os autores relataram a eficiência das plantas aquáticas na
contenção de espécies químicas dissolvidas (N e K) e na diminuição das
taxas de demanda bioquímica de oxigênio (DBO), de demanda química de
oxigênio (DQO) e de material sólido em suspensão. Observações
semelhantes foram apresentadas por Zirschky (1986), Reuter et al. (1992),
Roston (1993) e Valentim (2003), realçando o uso de macrófitas como uma
interessante alternativa no manejo regulatório da carga poluidora de
massas de água.

3 SISTEMA DE TRATAMENTO COM LEITOS CULTIVADOS

O conceito de leitos cultivados é também encontrado em outras


publicações científicas com os nomes wetlands construídos (COSTA et al.,
2003; VALENTIM, 2003), áreas alagadas construídas (NOGUEIRA, 2003;
BRASIL, 2007), reed bed e zonas úmidas artificiais (GHOSH; GOPAL, 2010).
Neste trabalho será utilizado o termo leitos cultivados com o intuito de
padronizar a terminologia deste texto.
Segundo Metcalfy e Eddy (2002), os leitos cultivados foram
introduzidos de maneira artificial pelo homem, mas por tratarem as águas
residuárias baseadas em processos físicos, químicos e biológicos como nos
ecossistemas das várzeas naturais, são denominados sistemas naturais. Em
linhas gerais, leitos cultivados constituem um tipo de ecossistema que passa
significativa parte, ou todo o tempo, coberto por água em uma pequena
profundidade, que será denominado de meio filtrante (MITSCH; GOSSELINK,
1993).
Os leitos cultivados têm sido empregados no tratamento de águas
residuárias de origem doméstica, industrial e agrícola, e do runoff urbano e
rural. Na perspectiva da remoção de poluentes, Kadlec e Knight (1996)
relatam que esse sistema apresenta eficiência na remoção de poluentes
como: DBO, organismos patogênicos, metais pesados e compostos
orgânicos tóxicos.
Um componente para a formação do meio filtrante do leito cultivado
é constituído por plantas que apresentem propriedades de enraizamento
Saneamento e o Ambiente - 67

adequadas. O meio suporte para as plantas tem que permitir ampla


formação de raízes para a estabilidade estrutural e nutricional da vegetação.
A maioria das plantas dos leitos cultivados em geral apresenta um
crescimento lento ou morre quando colocada em meio suporte inadequado,
como solos densos ou solos compostos de pedras grandes e angulosas
(KADLEC; KNIGHT, 1996). Tal fato foi observado em pesquisa realizada por
Zanella (2008), na qual se notou a dificuldade de algumas espécies se
estabelecerem em um meio suporte de bambus cortados em anéis, quando
em comparação com um meio suporte de brita. Assim, a eficiência de
remoção de poluentes pode ser afetada pelas seguintes variáveis: tipo de
meio suporte, elementos meteorológicos, hidrodinâmica, hidrologia, fauna,
flora e regra de operação e manejo do sistema.
Dentre os tipos de leitos cultivados, eles podem ser classificados de
diversas formas: acerca do tipo de planta, se são naturais ou construídos, ou
de acordo com seus objetivos (LAUTENSCHLAGER, 2001).
Kadlec e Knight (1996) propõem uma classificação e descrevem três
alternativas de leitos cultivados: (1) leitos cultivados de fluxo superficial; (2)
leitos cultivados de fluxo subsuperficial, e (3) wetlands naturais. Existem
inúmeras variações de projetos para cada uma das alternativas. Além dessas
três alternativas, consegue-se ainda combiná-las entre si ou com outras
tecnologias naturais e gerar sistemas híbridos que atendem a necessidades
específicas (VALENTIM, 2003). Salienta-se, porém, que cada alternativa
apresenta vantagens e desvantagens para as diferentes aplicações.

4 FÓSFORO EM LEITOS CULTIVADOS

O fósforo é um nutriente fundamental para o desenvolvimento das


plantas, de modo que a introdução deste elemento em água receptora pode
ocasionar efeitos no ecossistema aquático. Uma necessidade do
ecossistema é que seja mantida a proporção entre os nutrientes carbono,
nitrogênio e fósforo, sendo esta constantemente representada por
106C:16N:1P. Normalmente, os efluentes não possuem esta correlação e,
portanto, a inserção de efluentes em ambientes aquáticos pode causar um
desequilíbrio de nutrientes no ecossistema receptor. Frequentemente, nota-
se que existe fósforo em excesso nos efluentes (KADLEC; KNIGHT, 1996).
68

O fósforo é empregado em leitos cultivados num ciclo biogeoquímico


complexo. Segundo Valentim (2003), os meios potenciais de remoção de
fósforo em sistemas naturais compreendem o consumo pelas plantas,
outros processos biológicos, precipitação e adsorção. Um esquema dos
processos que ocorrem com o fósforo em leitos cultivados é apresentado na
Figura 1.
A retirada pelas plantas pode ser considerável em sistemas de baixa
taxa e fluxo superficial, quando a colheita da vegetação é praticada
usualmente. Nessas situações a colheita pode representar de 20 a 30% da
remoção de fósforo, entretanto, a vegetação utilizada nos leitos cultivados
não é considerada fator significante na remoção de fósforo, porque, se não
for realizada a colheita, o fósforo retorna para o sistema aquático devido à
queda natural da vegetação. A remoção de fósforo por aguapés e outras
plantas aquáticas fica restrita ao necessário que as plantas precisam, não
superando 50 a 70% do fósforo encontrado no afluente (REED et al., 1995).

Figura 1 – Esquema simplificado dos processos que envolvem o


fósforo nos leitos cultivados

Fonte: Adaptado de Kadlec e Knight (1996).

Reed et al. (1995) destacam que as reações de adsorção e


precipitação são as maiores maneiras de remoção do fósforo dos efluentes
quando este tem oportunidade de contato com um volume significante de
solo ou sedimentos. No solo, as reações envolvem alguns elementos como
Saneamento e o Ambiente - 69

argila, óxidos de ferro e alumínio, componentes de cálcio presentes e o pH


do solo. Os solos de textura muito fina, bem como os de alto teor de argila,
propendem a ter um alto potencial de adsorção, no entanto elevam o
tempo hidráulico de residência. A areia e a brita, que possuem textura
grosseira, possuem baixa capacidade de adsorção do fósforo, e os solos
hidromórficos, que são ácidos e orgânicos, têm um elevado potencial de
adsorção por afeito da presença de ferro e alumínio. As principais formas de
fósforo em leitos cultivados são: fósforo dissolvido, fósforo orgânico sólido e
fósforo mineral sólido.

5 UTILIZAÇÃO DA MACRÓFITA Typha sp

Existem diversas plantas que são recomendadas para o sistema de


leitos cultivados, porém alguns especialistas afirmam que ainda não existe
um critério geral para a definição da planta apropriada para esses sistemas,
sendo aconselhável observar as espécies presentes nas proximidades da
região onde será instalado o sistema de leitos cultivados. Também é
aconselhável a montagem de um sistema piloto com algumas dessas
variedades de plantas, seja em monocultivo ou policultivo. Com o
monitoramento do desempenho do sistema piloto se determina qual a
melhor macrófita utilizada no tratamento das águas residuárias.
Davis (1995) alerta que essas plantas devem possuir características
próprias que as tornem tolerantes às condições de alagamento constante,
combinado com altas concentrações de nutrientes presentes nas águas
residuárias. Dentre os diversos tipos de plantas indicados para os leitos
cultivados, a Typha sp. foi a escolhida no estudo de caso para o
monitoramento da dinâmica de retenção de fósforo presente no efluente.
Essa escolha se justifica por esta ser bem adaptada e abundante na região
de Campinas/SP. Aliado a esses argumentos, destaca-se a experiência de
outros autores da Faculdade de Engenharia Agrícola (FEAGRI/UNICAMP), já
que esses serviram para o embasamento teórico e científico dos resultados
obtidos desta pesquisa.
De acordo com Lorenzi (1982), a macrófita do gênero Typha sp.
possui várias denominações regionais popularmente conhecidas como
taboa, tábua, capim-de-esteira, paineira-do-brejo, paineira-de-flecha,
70

espadana, partasana, landim, pau-de-lagoa, erva-de-esteira e tabebuia


(Figura 2).
A Typha sp. é uma planta daninha aquática com bastante frequência
em margens de lagoas, açudes, represas, canais de drenagem e depressões
pantanosas. É agressiva, chegando a produzir 7.000 kg de rizomas por
hectare, possuindo um teor de proteínas similar ao do milho e da batata;
além disso, possui propriedades medicinais como diurético, adstringente e
emoliente (LORENZI, 1982).

Figura 2 – (a) Inflorescência da Typha sp.; (b) Leito


cultivado com Typha sp.

Fonte: Próprio autor.

Para Bernard (1998), a taboa (Typha sp.) é evidenciada sendo própria


para utilização em leitos cultivados por sua estrutura interna ser composta
por tecidos que possuem espaços abertos nas folhas e nas raízes,
denominados aerenchyma. A importância desses espaços abertos permite o
transporte do oxigênio da atmosfera para as folhas e daí para as raízes e
rizomas. Parte do oxigênio consegue também sair do sistema radicular para
a área em torno da rizosfera criando condições de oxidação para os
sedimentos, para decomposição aeróbia da matéria orgânica, tal quanto
para crescimento de bactérias nitrificantes.

6 ESTUDO DE CASO

6.1 CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA EXPERIMENTAL

O experimento foi conduzido no Campo Experimental da Faculdade


de Engenharia Agrícola da Unicamp (FEAGRI/UNICAMP), município de
Saneamento e o Ambiente - 71

Campinas-SP, cujas coordenadas geográficas são: latitude 22°48’57” sul,


longitude 47°03’33” oeste e média altimétrica de 640 m.
O clima, segundo a classificação de Köppen, é uma transição entre os
tipos Cwa e Cfa, o que designa clima tropical de altitude com inverno seco e
verão úmido. A temperatura do mês mais quente (fevereiro) é superior a 22
°C e a do mês mais frio (junho) inferior a 18 °C. A precipitação média anual é
de 1.382 mm, com o período chuvoso estando entre outubro a março (1.048
mm), o que representa 75,8% do total de chuva anual. O período mais seco
ocorre de junho a setembro (SENTELHAS et al., 2007).
Esse campo experimental possui uma área de 15 hectares e abriga
diversos laboratórios, dentre eles máquinas e implementos agrícolas,
matérias-primas e armazenagem, secagem de produtos agrícolas, hidráulica
e irrigação, solos, geoprocessamento, termodinâmica e energia, e
saneamento rural.

6.2 CARACTERIZAÇÃO DO EFLUENTE

A água utilizada nas atividades de rotina da Faculdade de Engenharia


Agrícola é servida pela Sociedade de Abastecimento de Água e Saneamento
S/A (SANASA). Todo o efluente bruto das águas servidas é lançado na rede
de esgoto da Unicamp e parte desse volume é tratado e utilizado nos leitos
cultivados. Este sistema de tratamento foi desenvolvido dentro de um
projeto financiado do Programa de Pesquisa em Saneamento Básico
(PROSAB).
O efluente bruto é composto de dejetos sanitários e de águas
residuárias dos laboratórios proveniente da limpeza/manutenção do local e
lavagem de vidraria. As substâncias manuseadas agressivas ao meio
ambiente nos laboratórios não são lançadas na rede. Nesses casos, a
Feagri/Unicamp tem protocolos de procedimentos predefinidos para
descarte adequado.

6.3 PROSAB – PROGRAMA DE PESQUISA EM SANEAMENTO BÁSICO

O Prosab foi um programa de ação conjunta para o desenvolvimento


de alternativas tecnológicas para a área de saneamento básico, cujas
72

prioridades foram linhas de pesquisa que buscassem maior possibilidade de


solucionar problemas das populações menos favorecidas.
O Prosab visou ao desenvolvimento e aperfeiçoamento de
tecnologias nas áreas de águas de abastecimento, resíduos sólidos (lixo e
biossólidos), águas residuárias (esgoto), manejo de águas pluviais urbanas,
uso racional de água e energia, que sejam de simples aplicabilidade, baixo
custo de implantação, operação e manutenção, do mesmo modo que visem
à recuperação ambiental dos corpos d’água e à melhoria das condições de
vida da população, principalmente as menos favorecidas e que mais
necessitem de ações nessas áreas (MOTA; VON SPERLING, 2009).
Portanto, atendendo a esses objetivos, este estudo de caso foi
extraído de uma tese de doutorado que fez parte desse programa e na
Figura 3 está o fluxograma do sistema que foi implantado na Feagri.
Parte do efluente tratado passa por quatro unidades colocadas em
série:
a) Reator anaeróbio compartimentado (RAC): trata o esgoto bruto,
produzindo um efluente em nível secundário;
b) Leitos cultivados: pós-tratamento do efluente anaeróbio e foco
desta pesquisa;
c) Filtros lentos: produz um efluente com baixa cor e turbidez,
diminuta concentração de microrganismos, inclusive
patogênicos, com características essenciais à desinfecção efetiva;
d) Unidade de desinfecção: produz um líquido com as
características necessárias para ser utilizado em equipamentos
sanitários onde não sejam exigidas águas consideradas potáveis,
por exemplo, os vasos sanitários.
Logo depois a passagem do efluente bruto pelo tratamento
preliminar, o mesmo é conduzido por uma caixa de cimento amianto com
capacidade de 500 L, onde são bombeados para os Reatores Anaeróbios
Compartimentos (RAC), estabilizando aproximadamente 70,0% da matéria
orgânica biodegradável de entrada. Por gravidade, o afluente percorre dois
reservatórios plásticos com capacidade de 1000 l cada e destes
reservatórios derivam as tubulações que alimentam os leitos cultivados.
Esse sistema de tratamento da FEAGRI, que utiliza uma combinação de
Saneamento e o Ambiente - 73

tecnologias simples e de baixo custo, tem sido pesquisado por variados


autores com o objetivo de viabilizar aplicações no meio rural.

6.4 SISTEMA DE LEITOS CULTIVADOS

As mudas das plantas de Typha sp. foram transplantadas em 15 de


agosto de 2005 e aproximadamente durante seis meses se observou, sem
monitoramento diário, o estabelecimento da vegetação no sistema,
objetivando corrigir futuras falhas que pudessem ocorrer nos períodos de
monitoramento.
Foram utilizadas três unidades de leitos cultivados, sendo dois
cultivados com Typha sp. e outro sem cultivo (controle). Todas as unidades
foram preenchidas por brita nº 2 e cada leito cultivado possuía um volume
de 2,5 m³, profundidade de 0,55 m e área de 4,6 m².
Na Figura 4 ilustra-se o formato dos leitos cultivados, a maneira como
estavam dispostos e os pontos de monitoramento.
74

Figura 3 – Fluxograma do tratamento dos efluentes gerado


na Faculdade de Engenharia Agrícola da Unicamp

Fonte: Próprio autor (2018).

O período de monitoramento foi considerado o intervalo de dias em


que ocorreu o trabalho de campo nos leitos cultivados. O macrotrabalho foi
dividido em intervalos de quatro períodos. O período escolhido de
monitoramento como resultado para esse estudo de caso compreende
entre 01 e 22 de fevereiro de 2006.
Saneamento e o Ambiente - 75

Figura 4 – Formato e pontos de monitoramento dos leitos


cultivados implantados no Campo Experimental da Feagri

Fonte: Próprio autor (2018).

6.5 RESULTADOS

Os resultados a serem apresentados do monitoramento do sistema


de leitos cultivados se referem ao balanço do período monitorado e que,
para melhor compreensão, estão divididos em dois grandes grupos: (i)
Quantidade de Água e (ii) Qualidade de Água.
Nos resultados de Quantidade de Água foram abordados os volumes
médios diários de entrada (Vepm) e volumes médios diários de saída (Vspm) de
cada leito (Figura 5); dos volumes totais de entrada (Vepm) e volumes totais
de saída (Vspm) de cada leito (Figura 6); do volume médio diário
evaporado/evapotranspirado em cada leito (Figura 7); do volume total
evaporado/evapotranspirado em cada leito (Figura 8) e do valor médio
diário do TDH (Figura 9).
Nos resultados de Qualidade de Água, abordaram-se os valores
médios diários da concentração de fósforo total de entrada (PTepm) e da
concentração de fósforo total de saída (PTspm) nos três leitos (Figura 10); dos
valores médios diários da carga de fósforo total de entrada (KTepm) e da
carga de fósforo total de saída (KTspm) nos três leitos (Figura 5); dos valores
totais das cargas de fósforo total de entrada (KTepm) e das cargas de fósforo
total de saída (KTspm) nos três leitos (Figura 11); da eficiência de retenção de
fósforo no leitos (Figura 12).
76

6.5.1 Quantidade de água

Na Figura 5, têm-se os resultados dos valores médios diários do


volume do efluente de entrada (Vepm) e do volume do efluente de saída
(Vspm) para o leito Brita, leito Typha 1 e leito Typha 2 no período
monitorado.
Destaca-se, de maneira geral, nesta Figura 5, que os volumes do
efluente de entrada são sempre superiores aos volumes do efluente de
saída.

Figura 5 – Valor médio diário Vepm e Vspm dos leitos cultivados (leito Brita, leito Typha 1 e leito
Typha 2), no período escolhido (01 a 22/02/2006)

Verifica-se na Figura 5 que tanto os volumes de entrada quanto os


volumes de saída, para os três leitos, foram similares. O valor médio de Vepm
-1 -1
do leito Brita foi de 648,1 l d e o de Vspm foi de 631,8 l d . Para o leito
-1
Typha 1, os valores médios de Vepm e Vspm foram respectivamente 579,2 l d
-1 -1
e 556,6 l d , e o para o leito Typha 2 estas variáveis foram 629,1 l d para
-1
Vepm e 606, 3 l d para Vspm.
Da mesma forma que na figura anterior, na Figura 6 estão
apresentados os gráficos referentes ao volume de entrada (Vepm) e ao
volume de saída (Vspm) do efluente, porém trata-se dos volumes totais
monitorados no período. O leito Brita apresentou Vepm de 9720,9 l, valor
este superior 2,6% em relação ao Vspm (90476,8 l); no leito Typha 1, Vepm
(8688,6 l) foi superior em 4,1% em relação ao Vspm(8344,9 l); e o leito Typha
2 apresentou valor superior 3,8% do Vepm(9436,9 l) em relação ao
Vspm(9094,1 l).
Na Figura 7A tem-se o volume médio diário da
evaporação/evapotranspiração ocorrida no período monitorado, para os
três leitos cultivados. Para todo o período monitorado, o leito Typha 2
Saneamento e o Ambiente - 77

apresentou evapotranspiração superior em relação à


evaporação/evapotranspiração dos outros leitos.

Figura 6 – Valor total do período monitorado de Vepm e Vspm dos leitos cultivados (leito Brita,
leito Typha 1 e leito Typha 2), no período escolhido (01 a 22/02/2006)

No período, o leito Typha 2 teve uma evapotranspiração média de


-1 -1
49,1 mm d , o leito Typha 1 de 48,6 mm d e o leito Brita uma evaporação
-1
de 34,9 mm d . Os leitos com a macrófita Typha sp. apresentaram valores
superiores a 40,5% do leito Typha 2 e 39,2% do leito Typha 1 em relação ao
valor de evaporação do leito Brita.
Na Figura 7B têm-se os resultados da mesma variável da Figura 7A,
porém trata-se de valores totais dos volumes
evaporados/evapotranspirados dos períodos monitorados em cada leito. No
período esses valores foram: leito Brita com 523,8 mm, leito Typha 1 com
729,1 mm e leito Typha 2 com 735,8 mm.

Figura 7 – (A) Volume médio diário da evaporação/evapotranspiração. (B) Volume total


evaporado/evapotranspirado, no período escolhido (01 a 22/02/2006)

Na Figura 8 é possível observar o valor médio do TDH dos leitos


cultivados. No período I, o leito Brita teve TDH médio de 1,28 dias, o leito
Typha 1 de 2,30 dias e o leito Typha 2 de 1,56 dias.
78

6.5.2 Qualidade de água

Os resultados a seguir mostram os valores médios diários da


concentração de fósforo total de entrada (PTepm) e de fósforo total de saída
(PTspm) para o leito Brita, leito Typha 1 e leito Typha 2 no período
monitorado. Salienta-se que, pela configuração do sistema de entrada dos
leitos cultivados feita a partir de uma única tubulação dos reservatórios.

Figura 8 – Valor médio do TDH, no


período escolhido (01 a 22/02/2006)

Na Figura 9 é possível verificar que a concentração média de PTepm no


-1
período foi de 3,26 mg l e que a concentração de PTspm dos leitos Brita,
-1 -1 -
Typha 1 e Typha 2 foram respectivamente 2,16 mg l , 2,58 mg l e 2,13 mg l
1
.

Figura 9 – Valor médio diário de PTepm e PTspm dos leitos cultivados (leito Brita, leito Typha 1 e
leito Typha 2), no período escolhido (01 a 22/02/2006)

Os resultados descritos na Figura 9 tiveram como objetivo indicar as


concentrações de PTepm e PTspm, porém, para verificação do desempenho do
sistema de leitos cultivados, recomenda-se a quantificação da carga de
Saneamento e o Ambiente - 79

fósforo total (KT), conforme apresentado nas próximas figuras (Figuras 10 e


11).
Os resultados a seguir encontram-se os valores médios diários da
carga de fósforo de entrada (KTepm) e carga de fósforo de saída (KTspm) dos
leitos Brita, Typha 1 e Typha 2 no período monitorado.
Verifica-se pela Figura 10 que no período I, o leito Brita resultou em
-1
uma KTepm média de 2,02 g d , valor este superior 45,3% em relação ao
-1 -1
KTspm médio (1,39 g d ). Esta mesma variável foi de 1,59 g d de KTepm para
o leito Typha 1, sendo este valor superior 20,5% em relação ao KTspm médio
-1 -1
(1,32 g d ). O KTepm do leito Typha 2 foi de 2,15 g d , superior 72,0% em
-1
relação ao KTspm que foi de 1,25 g d .

Figura 10 – Valor médio diário de KTepm e KTspm dos leitos cultivados (leito Brita, leito Typha 1 e
leito Typha 2), no período escolhido (01 a 22/02/2006)

Assim como ocorrido na Figura 6, na Figura 10 é possível observar


que os leitos Typha 1 e Typha 2 apresentaram as maiores diferenças entre
os valores médios de KTepm e KTspm em comparação à diferença entre os
valores médios de KTepm e KTspm do leito Brita. Provavelmente essas
diferenças entre os valores médios de KTepm e KTspm são referentes à
potencialidade de retenção desse nutriente pelas plantas.
Na Figura 11 estão os resultados das cargas de fósforo (KT), porém
são referentes aos valores totais quantificados para carga de fósforo. Nesta
figura é possível verificar que a carga total de entrada (KTepm) no período I
do leito Brita foi de 30,25 g e que a carga total de saída (KT spm) foi de 20,91
g. Para o leito Typha 1 essas variáveis foram respectivamente 23,78 g para
KTepm e 19,83 g para KTspm; e para o leito Typha 2 foram 32,18 g da KTepm e
18,69 g da KTspm.
Na sequência, na Figura 12 está o resultado da eficiência de retenção
de fósforo dos leitos cultivados nos períodos monitorados. Observa-se que,
80

durante o período monitorado, os resultados demonstraram eficiências de


retenção superiores dos leitos que continham Typha sp. quando
comparados ao leito Brita.

Figura 11 – Valor total de KTepm e KTspm dos leitos cultivados (leito Brita, leito Typha 1 e leito
Typha 2), no período escolhido (01 a 22/02/2006)

No período monitorado, o leito Typha 2 foi o que apresentou maior


eficiência de retenção de fósforo (41,9%,), seguido pelo leito Brita, com 30,
9%, e do leito Typha 1, com 16,6%.

Figura 12 – Eficiência de retenção de fósforo dos


leitos cultivados (leito Brita, leito Typha 1 e leito
Typha 2), no período escolhido (01 a 22/02/2006)

O desempenho da remoção de fósforo, para os leitos com Typha sp.,


foi de 10,6%. Este valor foi resultante do cálculo no qual se relacionam a
carga de fósforo presente na parte aérea da macrófita estudada e a carga de
fósforo de entrada no efluente dos leitos cultivados. Sob a perspectiva desta
definição, encontraram-se dificuldades na busca de outros artigos que
mencionassem, por meio da remoção da biomassa aérea, contribuição para
Saneamento e o Ambiente - 81

a remoção de nutrientes em sistemas de leitos cultivados. Matos et al.


(2009) também afirmam existir pouca informação sobre o desempenho de
espécies vegetais na remoção de nutrientes em sistemas de leitos
cultivados, porém esses autores utilizaram o termo extração de nutrientes
pelos vegetais em sistemas de leitos cultivados. Brasil et al. (2007)
observaram eficiência inferior (1,6%).
Matos et al. (2009) também obtiveram eficiências de remoções
inferiores para fósforo nas plantas cultivadas com efluente de suinocultura,
sendo 2,3% de remoção de fósforo no leito cultivado com Typha latifolia L.
(taboa); 3,9% no leito cultivado com Alternanthera philoxeroides (Mart.)
Griseb. (erva daninha alligator); 3,2% no leito cultivado com Cynodon
dactylonPers. (capim tifton-85), e 3,9% no leito cultivado com a mistura
destas espécies descritas anteriormente. Matos et al. (2009) destacam ainda
que o fósforo é um elemento de difícil remoção em sistemas convencionais
de tratamento de águas residuárias. Diante de tal afirmação, a eficiência de
remoção obtida de 10,6% pode ser considerada muito expressiva. Esta
eficiência de remoção de fósforo foi muito superior à obtida por Lee et al.
(2004) em leitos cultivados com Eichhornia crassipes (aguapé), que foram
apenas de 0,1 e 1,2%.
Desse modo, a hipótese de que a eficiência da remoção de fósforo
em sistemas de leitos cultivados é inferior à eficiência de retenção foi
confirmada. Porém, quando a remoção de nutriente for muito pequena,
como em pesquisa realizada por Brasil et al. (2007) e Lee et al. (2004), a U.S.
EPA (2000) recomenda que o tempo e o trabalho requeridos para colher e
reusar ou fazer ordenamento dessas plantas pode não compensar.
Entretanto, estudos com plantas, que apresentam maior potencial de
produção de biomassa e manejos adequados no futuro, poderão viabilizar
em conjunto com novas tecnologias à produção de bioenergia. Essa
produção de energia poderá, no futuro próximo, viabilizar econômica e
financeiramente os tratamentos de esgotos utilizados com leitos cultivados.
Pompeu (2008) destaca a necessidade em gerar um destino para à
biomassa produzida. Deste modo, é fundamental que ao se planejar um
sistema de tratamento de leitos cultivados, também seja levada em
consideração unidades de beneficiamento e de armazenamento de
biomassa. Rodrigues (1985) sugere Unidades Hidro-Agrícolas, isto é, um
82

sistema leitos cultivados através da utilização de macrófitas, ocasionando a


melhoria da qualidade da água, que posteriormente seria empregada para
práticas na aquicultura como a criação de peixes, rãs, etc. e para agricultura
intensiva. Visto que a elevada produção de biomassa, atividades relativas a
várias formas de utilização das macrófitas também são indicadas. Segundo o
autor, além das características de retenção/remoção de nutrientes e
geradoras de rendimento, essas unidades poderiam possibilitar a
permanência do homem no campo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O sistema leitos cultivados com Typha sp. utilizado no pós-


tratamento de efluente de Reator Anaeróbio Compartimentado (RAC) em
clima tropical, mostrou eficiência para a retenção e remoção de fósforo de
22,4% e 10,6% respectivamente.
O monitoramento baseado em avaliações horárias mostrou-se
adequado, pois permitiu que os valores calculados para as outras escalas
temporais distintas como as avaliações diárias, do balanço do período
monitorado, expressassem com maior fidelidade a eficiência na
retenção/remoção de fósforo em sistema de leitos cultivados, permitindo
assim maior entendimento da dinâmica do fósforo em sistema de leitos
cultivados.
O desempenho da eficiência de remoção de fósforo está relacionado
com o desenvolvimento da vegetação e este é afetado por elementos
meteorológicos, principalmente pelo déficit de pressão de vapor saturado.
A carga média diária de fósforo retida no sistema de leitos cultivados
foi: leito Brita com 0,44 ± 0,83 g; leito Typha 1 com 0,41 ± 0,66 g e leito
Typha 2 com 0,63 ± 1,06 g. E as eficiências de retenção, com base na carga
de fósforo, foram de 19,7, 18,9 e 23,5%, respectivamente, para os leitos
Brita, Typha 1 e Typha 2.
Esta pesquisa também mostrou que o manejo nos sistemas de leitos
cultivados influencia na eficiência de retenção e remoção de fósforo. Fator
observado com certa tendência de aumento tanto da eficiência de retenção
como a eficiência de remoção de fósforo em relação ao aumento da massa
de matéria fresca do sistema.
Saneamento e o Ambiente - 83

Por isso, quando se aplica um manejo adequado no sistema de leitos


cultivados, obtém-se maiores quantidades de massa de matéria fresca das
plantas, consequentemente maiores eficiências de remoção/retenção de
fósforo do efluente. As plantas usam nutrientes dos leitos cultivados para
seu crescimento, atuando, desta forma, como extratoras de grande parte
dos elementos nutricionais do efluente em tratamento.

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86
Saneamento e o Ambiente - 87

Capítulo 4

PRESENÇA DE FÁRMACOS EM ESTAÇÕES DE TRATAMENTO DE


ESGOTO, PERSISTÊNCIA EM EFLUENTES E TÉCNICAS DE REMOÇÃO

7
Juliana Heloisa Pinê Américo-Pinheiro
8
Gledson Renan Salomão
9
Iván Andrés Sánchez Ortiz
10
Nádia Hortense Torres
11
Luiz Fernando Romanholo Ferreira

1 INTRODUÇÃO

O século XXI vem sendo marcado por um enorme boom no


desenvolvimento, disponibilidade e uso de produtos farmacêuticos e
cosméticos. O consumo humano de produtos farmacêuticos aumentou nos
últimos anos e espera-se que aumente ainda mais devido à crescente
população mundial e ao aumento da expectativa de vida do ser humano
(VAN DER Aa et al., 2011).
Segundo o Instituto de Ciência Tecnologia e Qualidade (ICTQ, 2014),
o Brasil é recordista em automedicação, em que aproximadamente 70% da
população já se automedicou e autodiagnosticou. Para Anvisa (2017), os
medicamentos são responsáveis por mais de 30% das intoxicações humanas
no país. Assim, após serem administrados, os fármacos são excretados e
lançados no esgoto (FENT et al., 2006).

7
Doutora em Aquicultura na área de Biologia Aquática, professora titular, pós-graduação em
Ciências Ambientais, Universidade Brasil. E-mail: americo.ju@gmail.com
8
Engenheiro civil, mestrando em Engenharia Civil pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de
Mesquita Filho” (UNESP) - campus de Ilha Solteira - SP. E-mail: gledson.salomao@hotmail.com
9
Engenheiro civil, D. Sc., professor associado, Departamento de Recursos Hidrobiológicos -
Universidade de Nariño (Colômbia). E-mail: ivansaor@hotmail.com
10
Doutora em Química na Agricultura e no Ambiente, pós-doutoranda na Universidade
Tiradentes (UNIT). E-mail: nadiahortense@gmail.com
11
Doutor em Microbiologia Agrícola, professor na Universidade Tiradentes (UNIT). E-mail:
romanholobio@gmail.com
88

Sabe-se que um dos principais problemas no Brasil ainda é a falta de


tratamento de esgoto, tendo em vista os impactos causados pelo despejo
inadequado desse resíduo líquido no meio ambiente. O desenvolvimento de
estudos para encontrar um sistema eficiente no tratamento é o ponto
principal para definir o melhor modelo a se utilizar em cada região, de
acordo com a característica do efluente a ser tratado.
Os modelos mais difundidos não são totalmente eficazes para
remover os chamados “poluentes emergentes” encontrados no ambiente,
como, por exemplo, os fármacos. Essas substâncias podem atuar como
desreguladores endócrinos nos seres vivos e estão relacionadas no rol dos
micropoluentes encontrados em corpos d’água em escala de µg/L e ng/L
mesmo após passarem pelas Estações de Tratamento (ETE) (VALUVA et al.,
2016). A maior concentração desses produtos químicos advém de áreas
urbanas e atinge o meio aquático, principalmente via escoamento urbano
e/ou por meio das águas residuárias domésticas e industriais (DELHOMME
et al., 2008).
A Resolução Conama 430/2011 define parâmetros de tratamento e
lançamentos de efluentes nos corpos receptores, porém não há padrões
máximos estabelecidos para esses micropoluentes. Alguns métodos de
remoção de fármacos são aplicados, como: processos de adsorção,
fotodegradação, degradação por processo oxidativo avançado com ozônio e
biomembrana.
Os processos adsortivos em coluna de leito fixo têm apresentado
resultados satisfatórios, sendo um dos mais eficientes no tratamento de
águas de abastecimento e águas residuárias. Esses processos são
empregados a fim de se diminuir os níveis de compostos tóxicos nos
efluentes, reduzindo os impactos ao meio ambiente (MOREIRA, 2008).
A fotodegradação é um processo de degradação de compostos
presentes em águas superficiais devido à exposição à luz solar dos
compostos presentes em águas superficiais por meio de processos diretos e
indiretos. A fotodegradação direta ocorre quando o espectro de absorção da
radiação ultravioleta (UV) se sobrepõe ao espectro solar (> 290 nm). A
fotodegradação indireta pode ocorrer em águas naturais quando a matéria
orgânica dissolvida absorve a luz solar, produzindo espécies reativas de
oxigênio que interage com os micropoluentes (COOPER et al., 1989;
Saneamento e o Ambiente - 89

GUERARD et al., 2009). Contudo, Valuva et al. (2016) ressaltam que a


matéria orgânica (MO) também pode afetar a fotoexposição de forma
negativa, filtrando a luz solar e inibindo as reações químicas.
O processo biológico de tratamento de esgoto, seguido de
tratamento com ozônio tem elevadas taxas de remoção de fármacos,
chegando, em muitos casos a 95% de remoção desses compostos, incluindo
as substâncias persistentes (WILT et al., 2018). O ozônio tem como alvo
compostos eletrolíticos que contêm ligações duplas, estruturas aromáticas
ou grupos amina que são frequentemente encontrados na estrutura química
de produtos farmacêuticos (NAKADA et al., 2007).
Assim, o presente capítulo traz uma abordagem sobre um
levantamento quantitativo e caracterização dos fármacos, processos de
tratamentos de águas residuárias e tecnologias de pós-tratamento para
remoção desses xenobióticos dos efluentes.

2 LEVANTAMENTO QUANTITATIVO E CARACTERIZAÇÃO DOS FÁRMACOS

Os fármacos são contaminantes emergentes que possuem


características lipofílicas e de pouca biodegradabilidade, as quais podem se
acumular nos ecossistemas. Dentre as fontes de fármacos no ambiente,
podem-se destacar a liberação de excretas de origem humana e animal, e
também o descarte irregular de medicamentos em efluentes e corpos
d’água. Com isso, pode haver o comprometimento na qualidade da água
para consumo e aumentar a toxicidade dos ambientes aquáticos, pois os
tratamentos convencionais de esgoto não são estruturados para a remoção
dessas substâncias (ROMANO, 2018).
Existem várias fontes e vias possíveis que contribuem com o aporte
de fármacos no ambiente (Figura 1). Esses xenobióticos são parcialmente
metabolizados e excretados via urina e fezes dos seres humanos e são
destinados para um sistema de tratamento de águas residuais (HEBERER,
2002; JONES et al., 2005).
Alguns fármacos não utilizados, excedentes, ou com prazo de
validade expirado podem ser dispostos em vasos sanitários, embora este
tipo de prática não seja recomendada. Águas residuais de hospitais podem
90

ser tratadas separadamente ou combinadas com as águas residuais


municipais e, em seguida, tratadas nas ETEs (IKEHATA et al., 2007).

Figura 1 – Fontes e vias que contribuem com o aporte de fármacos no ambiente

Fonte: Ikehata et al. (2007).

Os fármacos mais frequentemente encontrados em águas residuais


são antibióticos, antiácidos, esteroides, antidepressivos, analgésicos, anti-
inflamatórios, antipiréticos, betabloqueadores, drogas hipolipemiantes,
tranquilizantes e estimulantes (RIVERA-UTRILLA et al., 2013). Os agentes
anti-inflamatórios não esteroides são os compostos terapêuticos mais
amplamente utilizados. Essa classe de fármacos é frequentemente prescrita
para relatos de dores musculoesqueléticas e consumida sem prescrição
(automedicação) para dores menos intensas. Como exemplos de fármacos
desta classe estão o ácido acetilsalicílico, paracetamol, diclofenaco,
ibuprofeno, cetoprofeno e naproxeno (RANG, 2001).
As concentrações encontradas de fármacos em águas naturais estão
tipicamente abaixo dos níveis de dosagem médica administrados por
Saneamento e o Ambiente - 91

pacientes com alguma enfermidade, porém estudos avaliaram o risco de


toxicidade para o ecossistema, que apresentaram efeitos adversos para
organismos aquáticos e terrestres (DAUGHTON; TERNES, 1999; KHETAN;
COLLINS, 2007).
A Tabela 1 apresenta alguns dos fármacos detectados em ETEs, suas
respectivas concentrações médias e classe de droga pertencente.

Tabela 1 – Relação de fármacos detectados em estações de tratamento de esgoto


Analíto Concentração Classe do fármaco
(ng/L)
Atenolol 1445 Bloqueador beta-adrenérgico cardiosseletivo
Cafeína 327 Estimulante do sistema nervoso central
Carbamazepina 250 Anticonvulsivo
Codeína 531 Analgésico
Diclofenaco 1868 Agente anti-inflamatório
Furosemida 1021 Diurético
Gabapentina 13200 Anticonvulsivo
Gemfibrozil 1736 Agente regulador de lipídios
Hidroclorotiazida 5478 Diurético
Ibuprofeno 24 Agente anti-inflamatório com propriedades
analgésicas
Levetiracetam 12500 Anticonvulsivo
Mepivacaína 26 Anestesia local
Metoprolol 4100 Bloqueador beta
N-Acetil-4-Amino- 3413 Metabolito de metamizol
Antipiryne (4-AAA)
Naproxeno 421 Agente anti-inflamatório com propriedades
analgésicas e antipiréticas
N-Formil-4-Amino- 6550 Metabolito de metamizol
Antipiryne (4-FAA)
Ofloxacina 357 Agente antibacteriano
Paraxantina 1156 Estimulante do sistema nervoso central
psicoativo. metabólito da cafeína
Sulfametoxazol 332 Agente antibacteriano
Valsartan 29700 Antagonista do receptor da angiotensina
Fonte: Adaptado de Teijon et al. (2010); Gurke et al. (2015).

A quantificação dos micropoluentes é realizada por meio de análises


cromatográficas. A cromatografia por definição é um método físico-químico
de separação dos componentes de uma mistura, realizada pela distribuição
desses componentes em duas fases, que estão em íntimo contato, fases
classificadas em: estacionária e móvel. O material a ser analisado estará
92

presente na fase móvel que será bombeado para dentro de uma coluna
contendo material adsorvente (sílica normalmente), e programas
computacionais farão a quantificação do micropoluentes retido na coluna
(COLLINS et al., 2009).

3 PROCESSO DE TRATAMENTO DE ÁGUAS RESIDUÁRIAS

Cada processo de tratamento de água residuária busca a melhor


eficiência para a remoção máxima dos poluentes lançados, respeitando os
parâmetros de lançamentos de efluente sanitário nos corpos d’água
estabelecidos na legislação CONMA 430 DE 2011. Os processos biológicos
são os mais frequentemente utilizados, porque permitem o tratamento de
maiores volumes, conseguem alcançar altas taxas de remoção de matéria
orgânica (MO) e os custos são relativamente baixos (MELO et al., 2009).
De acordo com Von Sperling (2017), o tratamento de efluentes pode
ser classificado como:

 Tratamento preliminar: remoção de sólidos grosseiros, de gorduras e


areia;
 Tratamento primário: remoção de sólidos sedimentáveis e parte da
MO, predominando os mecanismos físicos;
 Tratamento secundário: remoção da demanda bioquímica de oxigênio
(DBO) em suspensão e solúvel e;
 Tratamento terciário: remoção de nutrientes, organismos patogênicos,
compostos recalcitrantes, metais pesados, sólidos inorgânicos
dissolvidos e sólidos em suspensão remanescente.

Vários compostos persistem após o processo de tratamento terciário


de uma forma inalterada. Entre esses compostos persistentes encontram-se
os compostos emergentes, grupo poluidor, constituído por substâncias
químicas de origem diversificada, caracterizadas por sua alta produção e
consumo, o que implica sua presença contínua no meio ambiente, como os
fármacos (DAUGHTON; TERNES, 1999; SEDLAK et al., 2000; TEIJON, 2010).
Gurke et al. (2015), em seu estudo sobre a remoção de fármacos em
ETEs convencionais, observaram a ineficiência dos processos convencionais
Saneamento e o Ambiente - 93

para a remoção dessas substâncias emergentes nos efluentes, visto que as


concentrações desses compostos na entrada e na saída da ETE estavam
praticamente iguais.
Dentre as técnicas de tratamento convencionais de efluentes
encontram-se a fossa séptica (FS), os filtros anaeróbios (FA), as lagoas
anaeróbias (LAN), as lagoas facultativas (LF), as lagoas de maturação (LM),
os lodos ativados (LA), os reatores anaeróbios de fluxo ascendente e de
manta de lodo (upflow anaerobic sludge blanket: UASB) e o pós-tratamento
(POS). Essas técnicas podem ser empregadas individualmente, bem como
em conjunto. A utilização de um ou mais processos deverá ser definida por
um especialista da área.
De acordo com Von Sperling (2017), para determinar a eficiência de
remoção de determinado poluente em uma etapa do tratamento aplica-se a
equação 1:

𝐶0 − 𝐶𝐸
𝐸(%) = ∙ 100
𝐶0
Equação 1.

Onde
E = Eficiência de remoção (%)
C0 = Concentração afluente do poluente (mg/L)
CE = Concentração efluente do poluente (mg/L)

3.1 FOSSA SÉPTICA E FILTRO ANAERÓBIO

O tanque séptico é um reator biológico anaeróbio, no qual os


processos de tratamento do esgoto ocorrem por meio da interferência de
microrganismos que agem ativamente no processo de degradação da MO.
Por ser um tanque fechado, o tratamento é realizado na ausência de
oxigênio livre (ambiente anaeróbio), tendo como resíduo do tratamento
uma biomassa anaeróbia (lodo) e a formação de biogás, gás carbônico e
metano (ÁVILA, 2005).
O tanque séptico é considerado um sistema individual, interligado a
uma única edificação, que atua como um digestor anaeróbio de baixa carga
94

orgânica, possui eficiência de remoção de demanda química de oxigênio


(DQO) entre 40 e 70%, e de 50 a 80% na remoção de sólidos suspensos
totais (ANDRADE NETO et al., 1999).
Por sua vez, a FS baseia-se em um processo de atividade microbiana
em fase sólida (disposição do lodo anaeróbio) que possui remoção de DBO
limitada. Tal fato faz com que o processo seja ampliado, e o efluente após
passar pela fossa, é encaminhado para um FA, onde ocorrerá a remoção
complementar da DBO, e o efluente passará através de um meio filtrante
em fluxo ascendente (VON SPERLING, 2017).
A Figura 2 apresenta o tratamento de esgoto utilizando o processo de
FS seguida de filtro anaeróbio.

Figura 2 – Sistema de fossa séptica seguido de filtro anaeróbio para tratamento de esgoto

Fonte: Ecocasa (2016).

3.2 LAGOAS DE ESTABILIZAÇÃO

As lagoas de estabilização são tanques escavados no solo, nos quais


os esgotos fluem continuamente e o tratamento baseia-se em processos
naturais. As bactérias e as algas são os seres vivos que habitam essas lagoas,
coexistindo em um processo de simbiose e, dessa forma, tratando os
esgotos por meio da decomposição da MO pelas bactérias (PACHECO;
WOLFF, 2004). As lagoas são as formas mais simples de tratamento e podem
Saneamento e o Ambiente - 95

ser classificadas em LAN, LF e LM, na maioria formando um sistema em série


para atingir maior eficiência de remoção de poluentes.

3.2.1 Lagoa anaeróbia

As lagoas anaeróbias (LAN) são estruturadas para receber esgoto


contendo altas taxas de cargas orgânicas, considerando a relação de carga
versus superfície da lagoa. Isso gera como resultado a ausência de oxigênio
dissolvido (OD) na massa líquida. Dessa forma, a remoção de poluentes
ocorre por meio da sedimentação e ação de microrganismos anaeróbios,
descartando a necessidade de algas para a produção de oxigênio no meio
aquoso. Assim para atingir tal eficiência, as LAN são projetadas com níveis
de profundidades maiores do que as recomendadas para LF, onde o
processo fotossintético é o principal agente na redução da poluição
(CAMPOS, 1999).
As bactérias anaeróbias possuem uma taxa metabólica e reprodução
mais lenta que a bactérias aeróbias. Por esse fato, o tempo de permanência
do efluente nessas lagoas é de 2 a 5 dias, e a degradação da MO é parcial. A
taxa de remoção de DBO por esses microrganismos anaeróbios é na faixa de
50 a 70%, sendo considerado insuficiente. Assim, é necessário um
tratamento posterior, no qual o material da LAN e levado até uma LF, para o
restante do processo de tratamento (VON SPERLING, 2017).

3.2.2 Lagoa facultativa

As lagoas facultativas (LF) são caracterizadas pela sua alta taxa de


ocupação no solo, tendo em vista que possui sua profundidade menor, em
torno de 1,5 m. Contudo, o uso dessas lagoas antecedidas por LAN reduz a
sua ocupação no solo de até 1/3, se comparado ao mesmo processo sem a
utilização de LAN. O efluente que chega até as LF possui carga de apenas 30
a 50% do esgoto bruto, portanto pode ser constituída por menores
dimensões (VON SPERLING, 2017).
96

3.2.3 Lagoa de maturação

As lagoas de maturação (LM) são geralmente incluídas quando a


remoção de patógenos é necessária, mas impõem um aumento nas
exigências de área construída já substanciais dos sistemas de lagoas.
Segundo Von Sperling (2017), pode-se definir a lagoa de maturação,
como um polimento no efluente advindo das lagoas de estabilização, além
da remoção de organismos patógenos, como, por exemplo, a Escherichia
coli (E.coli), iniciando uma desinfecção. Nesse tipo de lagoa também se
obtém redução nos níveis de amônia. Para alcançar vasta eficiência, as LM
são dimensionadas para obter o máximo de rendimento de alguns fatores
como: pH, insolação, temperatura, dentre outros, sendo recomendada a
utilização de profundidades de 1 metro ou menos.
A Figura 3 apresenta de maneira gráfica um sistema de tratamento
por meio de lagoas de estabilização anaeróbia, facultativa e de maturação.

Figura 3 – Sistema de tratamento de águas residuárias por meio de lagoas de estabilização


anaeróbia, facultativa e de maturação

Fonte: Adaptado de Tilley et al. (2014).


Saneamento e o Ambiente - 97

3.3 LODOS ATIVADOS

O processo de tratamento por lodos ativados (LA) é um dos mais


utilizados mundialmente para o tratamento de efluentes domésticos e
industriais caracterizados por carga orgânica biodegradável e substratos
nitrogenados. O sistema de LA possui uma eficiência entre 95 e 98% de
redução da DBO (HAMMER; HAMMER JUNIOR, 2006; WIESMANN et al.,
2007). O princípio desse processo está ligado à oxidação bioquímica de
diversos poluentes orgânicos e inorgânicos, a partir da participação efetiva
de uma variada biomassa microbiana suspensa no meio e mantida sob
concentração constante de OD (BENTO et al., 2005; MESQUITA et al., 2013).
De acordo com Von Sperling (2017), os LA podem ter diversas
variantes, como: divisão de acordo com a idade do lodo, divisão de acordo
com o fluxo (contínuo ou intermitente) e divisão de acordo com os objetivos
do tratamento como remoção de carbono (DBO) ou remoção de carbono e
nutrientes (nitrogênio e/ou fósforo).

3.4 REATOR ANAERÓBIO DE FLUXO ASCENDENTE E DE MANTA DE LODO


(UASB - UPFLOW ANAEROBIC SLUDGE BLANKET)

O sistema de tratamento por reator UASB consiste em unidades


únicas ou seguidas de algum método de pós-tratamento (VON SPERLING,
2017). O sistema é simples e inclui baixos custos operacionais, baixo
consumo de energia e baixos requisitos de espaço (MIRZOYAN; GROSS,
2013).
Um reator UASB pode ser operado em um tempo de retenção
hidráulica (TRH) relativamente curto, da ordem de até 6 horas (MAHMOUD
et al. 2004). A Figura 4 ilustra um fluxograma típico de uma ETE composta
por unidades para tratamento preliminar (gradeamento e remoção de
areia), medidor de fluxo, tratamento biológico (reator anaeróbio de fluxo
ascendente e de manta de lodo) e tratamento do lodo (leito de secagem).
98

Figura 4 – Fluxograma típico de uma estação de tratamento anaeróbio de esgotos, com


unidades de pré-tratamento e de desidratação de lodo

Fonte: Adaptado de Chernicharo (2007).

3.5 PÓS-TRATAMENTO

O sistema de pós-tratamento é fundamental para aumentar a


eficiência de remoção da poluição dos efluentes, incluindo a redução dos
micropoluentes dispostos no esgoto. A maioria dos estudos encontrados na
literatura baseia-se no pós-tratamento de efluentes secundários
provenientes de sistemas de LA convencionais e poucas informações estão
disponíveis sobre o tempo de vida dessas tecnologias de tratamento de
efluentes com biorreatores de membrana (NGUYEN et al., 2013; BENSTOEM
et al., 2017).
A maioria das aplicações dos sistemas de pós-tratamento pode ser
encontrada também interligada em série ao tratamento anaeróbio, essa
tecnologia de tratamento, em muitos estudos, é classificada de tratamento
de fim de tubo (end of the pipe). O processo consiste na remoção dos
poluentes persistentes dos efluentes advindos do sistema de tratamento
biológico (RAZO-FLORES et al., 2006).
Em se tratando dos fármacos, que são compostos quimicamente
resistentes, é preciso que haja um tratamento completo das águas
residuárias com o auxílio de um sistema de fim de tubulação, para garantir
Saneamento e o Ambiente - 99

que o efluente tratado seja lançado no corpo receptor com concentrações


muito reduzidas.
A presença de poluentes emergentes em águas superficiais indica
que as eficiências de remoção alcançadas em tratamentos convencionais de
água não são adequadas para remover este tipo de poluente. Portanto, faz-
se necessária a aplicação do pós-tratamento, dos quais alguns são
classificados como bons contribuidores na diminuição desses compostos em
efluentes, sendo eles: adsorção, fotodegradação, degradação por processo
oxidativo avançado utilizando o ozônio e biomembrana.

4 TECNOLOGIAS DE PÓS-TRATAMENTO PARA REMOÇÃO DE FÁRMACOS


DOS EFLUENTES

4.1 ADSORÇÃO

Os poluentes emergentes, como os fármacos, geralmente são


persistentes a métodos de degradação biológica, como foi anteriormente
comentado, ou não são removidos efetivamente por métodos de
tratamentos físico-químicos. A partir dessa premissa, a adsorção tornou-se,
então, um dos métodos mais populares para esse fim, ganhando
importância como um processo de separação e purificação (NASCIMENTO et
al., 2014).
A adsorção é um processo que consiste na operação de transferência
de massa que utiliza a habilidade de certos materiais sólidos em concentrar
na sua superfície determinadas substâncias presentes em fluidos líquidos ou
gasosos, possibilitando a separação dos componentes desses fluidos
(NASCIMENTO et al., 2014). O material que se acumula na interface do
produto que irá realizar a adsorção é normalmente denominado de
adsorvato ou adsorbato; e a superfície sólida na qual o adsorvato se
acumula (aquela responsável pela remoção do poluente), de adsorvente
(RUTHVEN, 1984).
As reações de adsorção ocorrem por meio da interatividade, que
pode ser tanto química quanto física. A interação química, denominada
quimissorção, depende da atratividade adsorvente/adsorvato, que criará
ligações que podem ser de forte atração. Já a interação física, fissorção,
100

pode ser classificada como uma ligação fraca, uma vez que estará
relacionada à área superficial (poros) disponível do adsorvente
(NASCIMENTO, 2014).
Um dos métodos de aplicação desta técnica é a remoção por meio de
uma coluna de leito fixo de fluxo ascendente ou fluxo descendente por
gravidade, localizada no final do processo convencional de tratamento do
efluente (end of the pipe), o qual terá o composto adsorvente em seu
interior, correspondendo à fase sólida do processo, e o efluente
corresponderá à fase aquosa. O efluente tratado nos processos já
mencionados chega até a coluna e passa através dela, sendo esta
responsável por reter o fármaco contido no efluente (fase aquosa). A
vantagem de utilizar a coluna por gravidade é a redução do custo para
funcionamento do sistema, visto que não haverá a necessidade do processo
de bombeamento (FRANCO et al., 2018). A maioria dos processos de
separação e purificação, com base na tecnologia de adsorção, envolve
operações de fluxo contínuo (BORBA et al., 2008).
A respeito do material adsorvente, o carvão ativado granular (CAG) é
amplamente utilizado para remover contaminantes orgânicos da água e
águas residuais com boa eficiência (FRANCO et al., 2018). O carvão ativado
tem alta capacidade de adsorção relacionada a uma alta área superficial.
Também é relativamente barato e pode ser facilmente regenerado após
atingir o limite de saturação (DANMALIKI; SALEH, 2017; SALEH et al., 2017).
A sílica também é altamente eficiente na adsorção, porém o seu
custo tem sido, ainda, um empecilho para a sua aplicação. Estudos com
adsorventes de baixo custo estão sendo desenvolvidos cada vez mais, tais
como aluminosilicatos e os resíduos agrícolas a base de cascas de arroz,
trigo, amêndoas, café e coco (NASCIMENTO, 2014).
O que deve ser notar quando se pretende utilizar um adsorvente no
processo de tratamento é a sua eficiência, ou seja, o tempo de reação do
material para que ele possa começar a interagir com o contaminante, e o
intervalo de tempo que conseguirá remover com alta eficiência o fármaco,
até ocorrer a saturação da coluna, momento em que o adsorvente já não é
mais capaz de reter o poluente. Sendo assim, alguns fatores influenciam e
devem ser observados antes de adquirir o material adsorvente, tais como: a
área superficial (porosidade, volume dos poros), as propriedades do
Saneamento e o Ambiente - 101

adsorvente e do adsorvato (tamanho das partículas, polaridade)


(NASCIMENTO, 2014).

4.2 FOTODEGRADAÇÃO

O tratamento por ultravioleta (UV) vem sendo usado para


desinfecção de águas residuais e água potável na América do Norte, Europa
e vários países ao redor do mundo (AVISAR et al., 2010). Esse sistema é
muito eficiente em tecnologias avançadas de tratamento de água e pós-
tratamento de efluentes. Além disso, os processos oxidativos avançados
(POA), em particular, a irradiação UV reagindo junto ao peróxido de
hidrogênio (UV/H2O2), são eficazes na oxidação de numerosos compostos
orgânicos e inorgânicos (LEGRINI et al., 1993).
Os POAs são extensivamente estudados devido ao seu potencial
como alternativa ou complemento aos processos convencionais de
tratamento de efluentes (MELO et al., 2009). Esses processos são todos
baseados na geração de radicais livres altamente reativos (HO*, O 2*-, HO2*
(ESPLUGAS et al., 2007). Durante o tratamento com UV/H2O2, a oxidação
ocorre principalmente por radicais HO* que reagem de forma não seletiva
com contaminantes orgânicos (ROSARIO-ORTIZ et al., 2010).
A Figura 5 apresenta um sistema chinês de tratamento de efluente
utilizando radiação UV, no qual aplica-se o sistema de UV em canais livres,
por onde o efluente pré-tratado irá atravessar. O tempo de interação varia
de 10 a 60 segundos, dependendo do fabricante.
102

Figura 5 – Sistema chinês de tratamento de água residuária com UV

Fonte: Made in China.com (2018).

Resultados da exposição à UV de efluentes contendo fármacos foi


estudada por Nassar et al. (2017). Os autores notaram que foi muito efetivo
o tratamento, porém um fator determinante para a sua utilização é o custo
para implantação e funcionamento. O processo oxidativo avançado UV/
H2O2 levou à completa degradação dos fármacos, contudo, há uma ressalva
sobre a formação de subprodutos com toxicidade ainda desconhecida que
pode inviabilizar o processo por UV, por isso devem ser realizados mais
estudos nessa área.

4.3 PROCESSO OXIDATIVO AVANÇADO COM OZÔNIO (O 3)

O ozônio, assim como o peróxido de hidrogênio, faz parte das


substâncias com potencial oxidativo. A utilização do ozônio se dá na reação
de oxidação de contaminantes por mecanismo direto ou indireto. No
primeiro, a molécula de ozônio reage diretamente por ataque eletrofílico
(afinidade para obter elétrons) aos átomos com uma densidade de carga
negativa ou à insaturações. O mecanismo indireto envolve a produção de
radicais hidroxila em meio alcalino. Uma vantagem de se trabalhar com o
O3, é a sua maior absortividade molar para gerar radicais hidroxila
(DOMÈNECH et al., 2001).
A ozonização direta é eficiente na oxidação de fármacos (>90%), com
exceção do ibuprofeno (anti-inflamatório) cuja degradação só é possível
Saneamento e o Ambiente - 103

pela combinação de O3 com água oxigenada (H2O2), propiciando 90% de


oxidação após 10 minutos de reação (MELO et al., 2009).

4.4 FILTRAÇÃO POR MEMBRANA

Os processos de filtração por membrana são importante técnica de


remoção dos poluentes emergentes dos efluentes. Esse sistema pode ser
classificado como uma barreira que separa duas fases e que restringe, total
ou parcialmente, o transporte de várias substâncias químicas presentes no
efluente ou qualquer outra solução que se deseja filtrar (VIEIRA, 1999).
A membrana é uma estrutura superficial que separa duas fases, como
mencionado acima, porém permite, paralelamente, uma troca seletiva de
materiais com o auxílio de forças motrizes, está fará com que o efluente
atravesse a membrana de forma que, ao final, saia completamente tratado
(ANDRADE, 2001). A Figura 6 apresenta uma representação dos processos
de separação promovidos por pressão mecânica, e as substâncias retidas ou
que permeiam através dos respectivos tipos de filtração por membranas.

Figura 6 – Processos de filtração por membrana e as respectivas espécies que são retidas em
cada etapa

MF: Microfiltração; UF: Ultrafiltração; NF: Nanofiltração; OI: Osmose Inversa;


Fonte: Petrus (1997).

Basicamente, a diferença entre as etapas de filtração é o tamanho


dos poros, como se observa nos tipos de substâncias que ficam retidos em
cada fase (Figura 6). Podem-se classificar os processos de separação por
membranas em: microfiltração, ultrafiltração, nanofiltração e osmose
104

reversa, que utilizam pressão hidráulica como força motriz para separar a
água dos contaminantes (MIERZWA et al., 2008). A Figura 7 classifica cada
fase de filtração com o seu respectivo diâmetro dos poros e pressão aplica
no sistema.

Figura 7 – Características do sistema de tratamento de efluente com membrana de acordo com


o respectivo diâmetro dos poros e pressão

Fonte: Mierzwa et al. (2008).

Dessa forma é notório que a utilização da técnica de filtragem por


membranas para tratamento de efluentes sanitários, especificadamente em
processo de “end of the pipe”, é satisfatório, pois possui condições técnicas,
financeiras e econômicas favoráveis para a redução de contaminantes
emergentes das águas residuárias (NAKAMURA, 2017).

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

As concentrações de poluentes emergentes, em especial os


fármacos, têm aumentado significativamente nas últimas décadas, e com
isso aumenta-se a procura por tecnologias de tratamento capazes de
remover esses poluentes que são prejudiciais ao ambiente. Contudo, a
estrutura de tais compostos é altamente persistente aos processos de
Saneamento e o Ambiente - 105

tratamento convencionais de esgoto, e esses compostos permanecem em


altas concentrações ao final desse tratamento.
Sendo assim, faz-se necessário ampliar a eficiência das ETEs, e uma
das técnicas utilizadas é o pós-tratamento em final de tubulação, que é
capaz de reduzir as concentrações de diversos fármacos das águas
residuárias, podendo ser aplicada às diferentes formas de pós-tratamento
exemplificadas nesse capítulo.

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Saneamento e o Ambiente - 109

Capítulo 5

CLARIFICAÇÃO E ADENSAMENTO DE RESÍDUOS GERADOS EM ETA


DE DUPLA FILTRAÇÃO COM O USO DE POLÍMEROS SINTÉTICOS

12
Rafael Montanhini Soares de Oliveira
13
Angela Di Bernardo Dantas
14
Ana Christina Horner Silveira
15
Sérgio Carlos Bernardo Queiroz
16
Giulliano Guimarães Silva

1 INTRODUÇÃO

Em seu estado natural, as águas superficiais, quando poluídas,


podem apresentar inúmeras impurezas que podem causar prejuízos à saúde
humana. As estações de tratamento de água (ETAs) têm como objetivo
remover essas impurezas, produzindo água potável que atenda ao padrão
de potabilidade estabelecido pelo Anexo XX da Portaria de Consolidação Nº
5 de 28 de setembro de 2017 do Ministério da Saúde.
Durante o tratamento de água na ETA são gerados resíduos
denominados lodos de ETA, e seu tratamento e disposição final requerem
atenção especial. Sem o tratamento adequado, esses resíduos muitas vezes

12
Engenheiro civil, mestre em Ciências Cartográficas (FCT/UNESP) e doutor em Engenharia
Química, professor da UTFPR. E-mail: rafaeloliveira@utfpr.edu.br
13
Engenheira civil com mestrado, doutorado e pós-doutorado em Hidráulica e Saneamento
pela Escola de Engenharia de São Carlos (EESC-USP). Profª da Universidade de Ribeirão Preto
(UNAERP) Ribeirão Preto-SP. Diretora da Hidrosan Engenharia. E-mail: angeladb@terra.com.br
14
Engenheira civil pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), mestre em
Engenharia Ambiental pela Universidade Federal do TO (UFT). E-mail:
anachristinasilveira@gmail.com
15
Engenheiro ambiental pela Universidade Federal do Tocantins. Mestre em Recursos Hídricos
e Saneamento Ambiental pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (IPH/UFRGS),
doutorando em Tecnologia Ambiental pela Universidade de Ribeirão Preto (UNAERP) Ribeirão
Preto-SP, professor do curso de Engenharia Ambiental da Universidade do Tocantins – UFT. E-
mail: sergiocbq@gmail.com
16
Engenheiro ambiental e mestre em Ciências do Ambiente pela UFT, doutorando em
Tecnologia Ambiental pela Universidade de Ribeirão Preto (UNAERP) Ribeirão Preto-SP,
professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Tocantins (IFTO). E-mail:
giullianogsilva@gmail.com
110

são direcionados diretamente para os corpos d’água, causando graves danos


ambientais. Nas ETAs de ciclo completo, que possuem as unidades básicas
como: gradeamento, caixa de areia, sistema de coagulação, floculação,
decantação e filtração rápida, os resíduos do tratamento são gerados nas
etapas de decantação e filtração, sendo denominados de lodo de
decantadores e de água de lavagem de filtros, respectivamente.
Apesar de a tecnologia de ciclo completo ser a mais comumente
encontrada no Brasil, tecnologias de menores custos de implantação e
operacional, como a dupla filtração, que é constituída por sistemas de
filtração ascendentes e descendentes, difundiram-se bastante no
tratamento de águas eutrofizadas, com matéria orgânica natural e baixa
turbidez. Diferente das ETAs de ciclo completo, a dupla filtração não possui
as unidades de floculação e decantação, sendo que os resíduos gerados no
tratamento são provenientes das descargas de fundo dos filtros ascendentes
e das lavagens dos filtros ascendentes e descendentes.
Para Di Bernardo et al. (2012), os resíduos de ETA podem ter
características diversas, pois a sua geração depende de diversos fatores
qualidade da água bruta, tecnologia de tratamento da ETA, dosagem de
produtos químicos. Essas diferentes características dos resíduos dificultam a
definição do melhor sistema de tratamento, pois interferem nos processos
de adensamento, desaguamento e secagem do lodo.
Tendo em vista esta problemática, o presente trabalho teve como
objetivo caracterizar os resíduos gerados em uma ETA de dupla filtração, e
por meio de ensaios de bancada, avaliar a eficiência da clarificação e do
adensamento por gravidade dos resíduos com a aplicação de polímeros
sintéticos.

2 ENSAIOS PARA O USO DE POLÍMEROS

Os resíduos ensaiados foram coletados em uma ETA de dupla


filtração na cidade de Porto Nacional-TO, operada atualmente pela
Odebrecht Ambiental/Saneatins. A ETA possui uma vazão média de 170 L/s
e período de operação em torno de 18 h/dia, atendendo cerca de 43.017
habitantes. A água bruta é proveniente de represa, que apresenta ao longo
Saneamento e o Ambiente - 111

do ano, baixos valores de turbidez (4 a 30 uT) e cor aparente (34 a 62 uH),


características que possibilitam o emprego da dupla filtração. A ETA possui
10 módulos de filtração, cada um com 1 filtro ascendente de pedregulho
(FAP) seguido de 1 filtro rápido descendente de areia (FRD). Os filtros
operam com taxas de filtração constantes, com valores de 163 m³/m².d para
os FAPs e de 122 m³/m².d para os FRDs. A Figura 1 mostra a disposição da
ETA em planta.

Figura 1 – Layout da ETA de Porto Nacional-TO

Fonte: Próprio autor (2018).

2.1 COLETA E CARACTERIZAÇÃO DOS RESÍDUOS

Para que a amostra coletada dos resíduos dos filtros fosse


representativa, inicialmente foram levantados os dados operacionais da ETA
no período de julho a setembro de 2013. Foram avaliados os dados de vazão
e volume de água gastos nas lavagens, frequência de execução das
descargas de fundo intermediárias (DFIs) e duração da carreira de filtração.
Após a análise dos dados operacionais, foi verificada que a duração
média das carreiras de filtração do FAP e FRD eram de 80 h e 22 h para o
FAP e FRD, respectivamente. Para definir o volume a ser coletado de
112

resíduos, tomou-se como base a quantidade de lodo gerado durante a


carreira de filtração completa do FAP (80 h). Nesse período, as DFIs do FAP,
lavagem do FAP e lavagem do FRD representaram 20, 22 e 58% do volume
total de resíduos gerados, respectivamente. Considerando esta proporção
de geração de resíduos e a obtenção de um volume total a ser preparado de
400 L para a execução dos ensaios de bancada com polímero, foram obtidas
as seguintes amostras:
a) DFIs do FAP (80L): coleta de amostras a cada 1 min, 8 amostras
de 10,0 L.
b) Lavagem do FAP (88L): coleta de amostras a cada 1 min, 11
amostras de 8,0 L.
c) Lavagem do FRD (232 L): coleta de amostras a cada 1 min, 15
amostras de 15,5 L.
Cada amostra coletada de 1 em 1 minuto foi caracterizada em termos
de turbidez. Em seguida, os resíduos foram todos misturados, para posterior
realização dos ensaios de bancada. Tanto as amostras compostas individuais
(80, 88 e 232 L) como a amostra composta final (400 L) foram devidamente
caracterizadas de acordo com os parâmetros do Quadro 1.

Quadro 1 – Parâmetros e técnicas analíticas utilizadas


Parâmetro Unidades Método Limite de detecção
Alumínio mg/L Al EAA-Forno de grafite 0,001
Cor aparente mg/L C Espectrofotométrico 1
Ferro mg/L Fe EAA - Chama 0,01
Manganês mg/L Ma EAA - Chama 0,001
pH Adimensional Potenciométrico 0,01
Sólidos Suspensos Totais mg/L Gravimétrico 1
Turbidez uT Nefelométrico 0,1

2.2 ENSAIOS DE BANCADA COM POLÍMEROS

Os ensaios de bancada com polímeros foram feitos em equipamento


jarteste e cones Imhoff. Os parâmetros de controle utilizados nos ensaios de
jarteste foram: tempo de mistura rápida (60 s) e gradiente da mistura rápida
-1
(300 s ). Foram testados três tipos de polímeros sintéticos (catiônico,
Saneamento e o Ambiente - 113

aniônico e não iônico) de dois fornecedores para cada tipo de polímero


(Quadro 2).

Quadro 2 – Dados dos polímeros utilizados nos ensaios


Características Descrição usada na pesquisa
Catiônico – médio peso molecular – em emulsão Catiônico A
Catiônico – médio peso molecular – granulado Catiônico B
Aniônico – baixo peso molecular – em emulsão Aniônico A
Aniônico – baixo peso molecular – granulado Aniônico B
Não iônico – Em emulsão Não Iônico A
Não iônico – Granulado Não Iônico B

Em cada ensaio de jarteste foram testadas as dosagens de polímero


de 1, 2, 4, 6 e 8 mg polímero/gSST e feita uma amostra controle sem
polímero (denominada bruta). Os ensaios seguiram este roteiro:
a) os jarros do equipamento (jarteste) foram preenchidos com a
amostra composta do resíduo da ETA homogeneizado;
b) foram adicionadas as dosagens de polímero em cada jarro e
realizada a mistura rápida (para os polímeros granulares, era
preparada antes a emulsão);
c) logo após a mistura rápida, o volume de cada jarro era
transferido cuidadosamente ao cone Imhoff;
d) após a transferência do volume do jarteste para o cone,
iniciaram-se leituras de turbidez do sobrenadante (amostra da
superfície do cone) e volume de lodo (mL) em função do tempo.
Foram realizadas leituras a cada 5 min por 1 h.
e) no final do ensaio, foi sifonado o sobrenadante do cone e
caracterizado em termos de SST, metais, pH e turbidez.

Para encontrar a concentração de sólidos no lodo adensado no fundo


do cone foram utilizados os cálculos das equações 1 e 2.

( SSTaap  SSTsobren)
SSTLodo  equação (1)
VLodo
114

SSTLodo
TSólidos Lodo 
10.000 equação (2)

em que:

SST Lodo = concentração de SST no lodo (mg/L);


SST aap = concentração de SST da amostra composta dos resíduos após
aplicação de polímero (mg/L);
SST sobren = concentração de SST do sobrenadante no cone (água
clarificada) (mg/L);
V Lodo = volume de lodo no fundo do cone (mL);
TSólidos Lodo = teor de sólidos no lodo clarificado/adensado (%).

3 RESULTADOS ENCONTRADOS PARA O USO DOS POLIMEROS

3.1 RESULTADOS DA CARACTERIZAÇÃO DOS RESÍDUOS DA ETA

Neste item são apresentados e discutidos os resultados da


investigação experimental. A Figura 2 mostra os valores de turbidez dos
resíduos durante a lavagem dos filtros. Nota-se que, tanto na lavagem do
FAP, quanto na lavagem do FRD, os valores atingiram picos de turbidez de
350 uT e 245 uT, respectivamente, após 1 min do início da lavagem. A partir
desse momento, os valores diminuíram bruscamente até se estabilizarem
em valores médios em torno de 9,1 uT para o FAP e de 4,2 uT para o FRD. Já
para os dados da descarga de fundo do FAP, não foi observada a redução
abrupta dos valores de turbidez durante o procedimento.
Saneamento e o Ambiente - 115

Figura 2 – Valores de turbidez durante a execução da descarga de fundo e lavagem do FAP e


lavagem do FRD

Fonte: Próprio autor (2018).

Os resultados de turbidez no filtro descendente durante a lavagem se


assemelham ao de filtros rápidos de ETAs de ciclo completo, como foi
observado nos trabalhos de Scalize (1997) e Freitas (2007). A Tabela 1
mostra os resultados da caracterização dos parâmetros físico-químicos
obtidos nas amostras de resíduos. Observa-se que os maiores valores de
sólidos suspensos foram obtidos na descarga e na lavagem do FAP, 362 e
250 mg/L, respectivamente. A concentração de sólidos suspensos na água
de mistura (198 mg/L) é considerada baixa, quando comparada com os
lodos provenientes de ETAs de ciclo completo. Os valores de metais,
principalmente o alumínio estão elevados, devido ao coagulante usado na
ETA (cloreto de poli alumínio), ficando acima do estabelecido pela Resolução
Conama 375/2005 para corpos de água classe II.
116

Tabela 1 – Resultados da caracterização dos resíduos da ETA


Parâmetros Descarga Lavagem Lavagem Amostra
do FAP do FAP do FRD composta final
Turbidez (uT) 219 99 79,7 80
Cor aparente (uH) 1.280 1.795 88 431
Sólidos suspensos (mg/L) 362 128 114 198
Ph 8,20 7,10 7,60 7,10
Alumínio total (mg/L) 1,10 4,07 2,04 1,00
Ferro total (mg/L) 6,39 2,90 1,35 1,64
Manganês total (mg/L) 0,16 0,91 0,12 0,18
Fonte: Próprio autor (2018).

3.2 RESULTADOS DOS ENSAIOS DE BANCADA COM POLÍMEROS

A Figura 3 apresenta os valores de turbidez da água clarificada obtida


nos ensaios com diferentes polímeros. De maneira geral, todos os polímeros
foram eficientes na redução de turbidez, obtendo-se valores sempre abaixo
de 10 uT no tempo de 60 minutos. Contudo, o polímero catiônico B se
destacou, conseguindo valores próximos de 1 uT, para todas as dosagens
testadas. Os resultados dos ensaios reforçam o que já foi encontrado em
outras pesquisas, Scalize (1997) e Freitas (2007), sobre a importância dos
polímeros na clarificação da água de lavagem de filtros rápidos,
principalmente devido à prática de recirculação desses resíduos.
Na Figura 4 são mostrados os valores de teor de SST obtidos nos
ensaios. Este parâmetro é importante na definição da tecnologia de
desaguamento a ser adotada, em geral etapa subsequente ao adensamento
de lodo em ETAs. Percebe-se que o uso do polímero catiônico da empresa A
resultou em um lodo mais adensado, teor de sólidos de 0,90%, com
dosagem de 4 mg pol/g SST. O polímero aniônico A também apresentou
valor similar ao primeiro polímero, com 0,87%, mas com dosagem maior, de
8 mg pol/g SST.
O maior valor de SST do lodo adensado foi de 0,9%, valor
significativamente inferior aos teores normalmente encontrados em lodos
adensados por gravidade de ETAs de ciclo completo devido à contribuição
das descargas dos decantadores (> 2%). Os baixos valores de teor de sólidos
Saneamento e o Ambiente - 117

alcançados indicam que algumas tecnologias mecânicas de desaguamento,


podem não ser adequadas para tratar estes resíduos, pois necessitam de um
lodo afluente com teores de sólidos maiores, acima de 2%.

Figura 3 – Turbidez do sobrenadante (água clarificada) nos ensaios de clarificação e


adensamento por gravidade

Fonte: Próprio autor (2018).


118

Figura 4 – Teor de sólidos no lodo final nos ensaios de clarificação e adensamento por
gravidade
1,00

0,90

0,80

0,70
Teor de Sólidos (%)

0,60

0,50

0,40

0,30

0,20

0,10

0,00
Não Iônico - A Não Iônico - B Aniônico - A Aniônico - B Catiônico - A Catiônico - B

mg pol/g SST

1 mg pol/g SST 2 mg pol/g SST 4 mg pol/g SST 6 mg pol/g SST 8 mg pol/g SST

Fonte: Prórprio autor (2018).

4 CONCLUSÕES

Com base nos resultados obtidos, chega-se às seguintes conclusões:


a) os resíduos caracterizados na ETA de dupla filtração se
mostraram similares aos resíduos gerados em filtros rápidos de
ETAs de ciclo completo;
b) o uso de polímeros mostrou-se eficiente no processo de
clarificação dos resíduos da ETA de dupla filtração;
c) o adensamento por gravidade do lodo com os polímeros atingiu
teor de sólidos máximo abaixo de 1%, o que pode inviabilizar o
emprego na sequência do tratamento do lodo de algumas
tecnologias mecânicas de desaguamento, como a centrífuga e o
filtro prensa;
d) em virtude de poucos dados disponíveis na literatura sobre o
tratamento de resíduos de ETA de dupla filtração, recomenda-se
que sejam efetuados novos ensaios de tratabilidade com este
tipo de resíduo, testando-se outras formas de tratamento, como
a filtração em tecido geotêxtil, além de ensaios adicionais de
clarificação e adensamento por gravidade para obtenção de
Saneamento e o Ambiente - 119

parâmetros de projeto (velocidades de clarificação e de


adensamento).

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de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo, São Carlos, 1997.
120
Saneamento e o Ambiente - 121

Capítulo 6

RESÍDUOS SÓLIDOS URBANOS NO BRASIL:


GERAÇÃO, COLETA E DESTINAÇÃO FINAL

17
Leonice Seolin Dias
18
Ricardo dos Santos
19
Maurício Dias Marques
20
Antonio Cezar Leal

1 INTRODUÇÃO

O crescimento demográfico está concentrado em áreas urbanas, em


grandes centros, com projeção de que até 2025 cerca de dois terços das
pessoas vivam em cidades (BONGAARTS, 2009). Esse crescimento, de forma
casual e não planejada, ainda que em si não seja um problema, pode resultar
em muitos problemas ambientais, com destaque para a geração crescente,
excessiva e desordenada de resíduos sólidos (DE SHERBININ et al., 2007).
“A atividade humana gera resíduos, em desvantagem para a
natureza, que não consegue eliminá-los a tempo, sendo que a reciclagem
desse material funcionaria como base para a sua sustentabilidade”
(FABREGAT et al., 2018, p. 15).
Devido a essas mudanças no perfil demográfico, social, econômico e
consequentemente ambiental, intensificada no país a partir da década de

17
Bióloga, doutorado em Geografia pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), Faculdade de
Ciências e Tecnologia, Presidente Prudente, Estado de São Paulo, Brasil. Colaboradora do
Laboratório de Biogeografia e Geografia da Saúde (BIOGEOS), Unesp, Presidente Prudente. E-
mail: nseolin@gmail.com
18
Doutorando em Geografia pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), Faculdade de
Ciências e Tecnologia, Presidente Prudente, Estado de São Paulo, Brasil. E-mail:
ricasantos2000@yahoo.com.br
19
Professor, mestrado em Agronegócio e Desenvolvimento pela Universidade Estadual Paulista
(UNESP), Faculdade de Ciências e Engenharia, Tupã, Estado de São Paulo, Brasil. Membro do
Grupo de Pesquisa em Gestão e Educação Ambiental (PGEA), Unesp, Tupã. E-mail:
mdmarques1985@gmail.com
20
Professor assistente doutor do Departamento de Geografia da Universidade Estadual Paulista
(UNESP), Faculdade de Ciências e Tecnologia, Presidente Prudente, Estado de São Paulo, Brasil.
Pesquisador PQ/CNPq. E-mail: cezar@fct.unesp.br
122

1970, consolidaram-se no território brasileiro significativos desafios para a


gestão pública. Entre os diversos reveses, podem-se mencionar como
exemplos, aumento da pobreza, exclusão social, aumento da violência em
algumas áreas e, sobretudo, agravamento no que tange a questões
envolvendo saneamento ambiental, nas diferentes esferas de poder,
incidindo diretamente no espaço municipal.
De acordo com Rodrigues (1998), a geração de lixo é tão antiga
quanto a ocupação da terra pelo homem. Entretanto, suas características
foram alteradas, como a durabilidade e volume, a partir do processo de
desenvolvimento industrial. Outro fato destacado é que a sociedade gera
também dejetos industriais, alterando a composição do lixo doméstico. Este
passa a não ser mais composto apenas de material orgânico, mas por
diversos tipos de materiais como os vidros, plásticos, metais, entre outros.
Todas as atividades ou processos de vida, sejam de cunho natural ou
social, são geradores de resíduos. A diferença é de que a natureza se
sobressai em relação à sociedade na eliminação destes, com
reaproveitamento e reutilização dos seus detritos, numa perspectiva
sustentável (FABREGAT et al., 2018).
No Brasil, entre 2014 e 2015, o crescimento populacional foi “de 0,8%
e a geração per capita de Resíduos Sólidos Urbanos – (RSU) cresceu no mesmo
ritmo. Isso provocou crescimento de 1,7% na geração de RSU de um ano
para outro, sendo a média de geração nacional de resíduos de 1,1
kg/hab.dia (ABRELPE, 2015, p. 19).
Nesse cenário, um dos grandes desafios da sociedade moderna está
em administrar corretamente os seus RSU, sobretudo no que se refere à
destinação final. Apesar dos avanços legais no Brasil, as políticas municipais de
Gerenciamento de Resíduos Sólidos (GRS) estão aquém do ideal. De acordo
com a Abrelpe (2015), apenas 58,7% do lixo coletado no Brasil foram
destinados aos aterros sanitários, e o restante, quase 30 milhões de
toneladas, foi disposto em aterros controlados ou depósitos a céu aberto
(lixões).
A população cresce com o costume de dispor seus resíduos sólidos
para a coleta na porta de casa e com seu recolhimento e disposição em
locais periféricos do perímetro urbano, conhecidos como lixões, e isso
minimiza a consciência do indivíduo, pois parece retirar o problema do
Saneamento e o Ambiente - 123

campo de visão da maioria da população, dando a falsa impressão de


regularidade (TAKENAKA, 2008).
Todavia, a disposição inadequada dos RSU gera impactos ambientais,
como a degradação do solo, a deterioração dos corpos d'água e fontes, a
intensificação das inundações, a contribuição para a poluição do ar e a
proliferação de reservatórios de doenças e vetores de importância sanitária
(JACOBI; BESEN, 2011).
Os lixões e depósitos clandestinos são considerados fontes atrativas
para vetores mecânicos, que são invertebrados com características
sinantrópicas, geralmente artrópodes, que procuram ativamente indivíduos
dos quais se alimentam, ou utilizam como recursos para reprodução. Ao
entrarem em contato com seus hospedeiros, os vetores mecânicos podem
veicular agentes infecciosos patogênicos (CÔRTES, 1993).
Dentre os vetores mecânicos de maior importância estão as moscas
sinantrópicas, consideradas transmissoras de mais de cem agentes de doenças
infectoparasitárias (GRACZYK et al., 2001). Em razão do alto impacto sanitário
na dispersão e manutenção dessas enfermidades, esses insetos são
considerados bioindicadores ambientais satisfatórios da qualidade sanitária de
áreas urbanas (NURITA; HASSAN, 2013). Há que se destacar que, em especial,
os depósitos clandestinos, bastante comuns nas cidades brasileiras, são
muitas vezes difíceis de serem identificados, agravando ainda mais a situação.
Percebe-se, portanto, que são grandes os problemas gerados pelos
RSU. Para Fabregat et al. (2018), o desafio da sociedade é reduzir esses
resíduos ao mínimo, tornando-os recicláveis e diminuindo seus efeitos e
impactos negativos no meio ambiente e na saúde pública, por meio de uma
gestão ambiental e econômica eficaz, com novo paradigma que muda a
filosofia de gestão de resíduos para gestão sustentável desses recursos.
Esse novo enfoque prescreve decisões que viabilizam a prática de
saneamento ambiental, uma vez que um ambiente saudável proporciona as
condições higiênicas, salutares e de preservação dos recursos naturais.
Assim, toda ação humana incide diretamente nas condições ambientais.
Nos dias atuais, pensar em saneamento ambiental nos centros
urbanos envolve a coleta, tratamento e disposição dos RSU (mais conhecido
como lixo urbano). Segundo Rosa et al. (2010, p. 2),
124

[...] abrange ainda tratamento desses resíduos em aterros sanitários;


eliminação de lixões a céu aberto ou clandestinos; centrais de
incineração; coleta seletiva e reciclagem; desobstrução da rede de
águas pluviais (águas de chuva); limpeza urbana.

Para o Brasil (2013, p. 11):

O saneamento possui como principais componentes os sistemas de


abastecimento de água, sistemas de coleta e tratamento de esgotos
sanitários, controle de vetores de doenças; manejo, tratamento e
disposição final de resíduos sólidos (lixo); e o manejo de águas pluviais
urbanas, entre outros. Em regiões urbanas, as atividades destinadas à
promoção do saneamento ambiental devem incluir a proteção à
qualidade do ar e das águas, repercutindo favoravelmente sobre a
saúde humana.

Assim, todos esses aspectos definem a importância do saneamento,


tendo em vista que:

A falta de saneamento básico e ambiental causa consequências para todo


o meio ambiente e não só para as cidades: poluição dos solos, das águas
(superficiais e subterrâneas), alagamentos, doenças, entre outros. Trata-
se de serviço de fundamental importância para a saúde pública urbana e,
por conseguinte, para a saúde humana. Muitas vezes é insuficiente e ou
deficitário, face à própria dinâmica da cidade, ao contínuo crescimento
desta, à falta de investimentos e/ou à ingerência administrativa de seus
gestores e, sobretudo, à falta de percepção ambiental da população
usuária. (ROSA et al., 2010, p. 2).

Assim sendo, este trabalho propõe-se a discutir a problemática dos


RSU e suas implicações no meio ambiente. São abordados assuntos e
conceitos relacionados aos temas RSU, meio ambiente e vetores de doenças
veiculadas pela disposição irregular desses materiais, com base em
pesquisas realizadas pelos autores e pesquisadores que lidam com a
temática ambiental, sendo relevantes, entre outros, os trabalhos contidos
em Leal et al. (2002, 2004); Santos (2010); Santos e Leal (2015); Seolin Dias
(2008, 2009), Seolin Dias, Guimarães e Santarém (2016), bem como dos
livros organizados por Seolin Dias, Leal e Marques (2015); Gonçalves et al.
(2016) e Fabregat Rodríguez, Leal, Zanin e Seolin Dias (2018).
Para melhor desenvolver e fundamentar o trabalho, realizaram-se outros
levantamentos bibliográficos referentes aos temas abordados. Foram também
coletados diversos dados secundários em órgãos públicos e em empresas que se
Saneamento e o Ambiente - 125

dedicam a pesquisas referentes à coleta e destinação final dos RSU. Em seguida,


esses dados foram organizados e sistematizados em gráficos e tabelas,
possibilitando análises comparativas em relação às proposições versadas.
Os temas discutidos neste trabalho são relevantes na atualidade,
considerando o cenário apresentado no país com diversos entraves que
ainda requerem reflexão, pesquisa e intervenções por parte dos diversos
segmentos sociais e das instâncias de poder. É neste intuito e perspectiva
que se insere este artigo, buscando contribuir para minimização desses
problemas de significância latente na sociedade atual, apesar de alguns
avanços nas últimas décadas, acentuando dificuldades em relação aos RSU e
suas implicações no meio ambiente.

2 PROBLEMÁTICA DA GERAÇÃO DE RESÍDUOS SÓLIDOS URBANOS

Em todo mundo, os problemas gerados pelos RSU, principalmente


quanto ao seu destino inadequado, vêm sendo sistematicamente
considerados, tendo em vista que a crescente geração desse resíduo nos
centros urbanos constitui preocupação constante à saúde pública e aos
impactos ao meio ambiente.
Historicamente, a problemática do aumento da geração de RSU vem
agravando-se devido ao crescimento acelerado da população, que acarreta
aumento na produção e consequente consumo de bens e serviços,
associado ao incremento das atividades industriais. Se por um lado os
avanços na Ciência contribuem para aumento na expectativa de vida, saúde,
melhora do nível socioeconômico da população, entre outros benefícios,
ainda que não apropriados por todos os segmentos sociais, em
contrapartida, concomitantemente, os RSU são inevitáveis e praticamente
toda ação humana está diretamente relacionada à sua geração.
Para Leal et al. (2002, p. 183), tem-se constatado

[...] que os maiores poluidores são também os maiores


consumidores, sejam os industriais ou residenciais. No entanto, os
prejuízos e problemas causados por um consumismo exacerbado e
descontrolado é socializado com aqueles que acabam enfrentando
problemas que são inversamente proporcionais a sua capacidade de
consumo. Em suma, as populações pobres e excluídas ou a grande
126

maioria dos trabalhadores são os que mais sofrem com os problemas


derivados dessa estrutura societal vigente.

De acordo com Nascimento et al. (2006, p. 97):

O estilo de vida urbano constitui um grande fator na produção de


resíduos, determinando o comprometimento da qualidade de vida,
principalmente nos países de economia periférica, onde se consomem
produtos, cujas embalagens assemelham-se às dos países
desenvolvidos, e os recursos financeiros disponíveis para a construção
de uma infraestrutura de saneamento são muito restritos.

Essa ideia é enfatizada ainda por Seolin Dias e Guimarães (2009, p.


1):

Além do expressivo crescimento da geração de resíduos sólidos,


sobretudo nos países em desenvolvimento, observam-se, ainda, ao
longo dos últimos anos, mudanças significativas em suas características.
Essas mudanças são decorrentes principalmente dos modelos de
desenvolvimento adotados e da mudança nos padrões de consumo.

Aliado a esse cenário, a ineficiência do Poder Público, por diversos


motivos, em ações voltadas à gestão dos resíduos sólidos, tais como coleta e
disposição adequada, torna cada vez mais difícil para os municípios dar uma
destinação adequada ao lixo gerado. As ações para resolução dessa
problemática são insuficientes por serem implementadas em menor ritmo,
se comparadas à intensidade de sua geração. Esse cenário pode ser
explicado pela sociedade de consumo, no bojo do sistema capitalista que
incentiva, em nome do lucro, a aquisição de bens supérfluos e com pouca
durabilidade em larga escala, mediante os recursos da propaganda e
publicidade que a todo momento associam a sensação de bem-estar à
compra excessiva de produtos de toda espécie.
Dessa forma, sem a infraestrutura necessária para oferecer um
destino correto aos RSU, a maior parte desses resíduos sólidos recolhidos
nas cidades é depositada em áreas improvisadas, que acabam por se
transformar em definitivas, denominados “lixões”. Esses locais geram uma
série de transtornos que por vezes se refletem em problemas graves de
saúde pública, com a presença de vetores de enfermidades, como insetos e
roedores, atingindo principalmente a população mais pobre, com menor
Saneamento e o Ambiente - 127

poder aquisitivo, e, portanto, menor detentora dos bens gerados na


sociedade.
Santos e Leal (2015) destacam a necessidade que a sociedade tem de
gerir adequadamente os resíduos decorrentes de sua produção e consumo,
além dos recursos naturais que, nos últimos tempos, são utilizados de forma
inadequada, provocando o que vem sendo denominado de crise ambiental.
Segundo os autores, isso é reflexo da ausência de adequado planejamento e
gestão ambiental, que precisa necessariamente envolver o poder público e a
população para a resolução desses problemas.
Partindo-se para estudos localizados sobre a temática RSU, destaca-
se também que a

[...] presença de um lixão e a ação de catadores no local, impedindo a


cobertura imediata do lixo, podem resultar em situações mais
insalubres para as populações que residem no entorno dessas áreas
degradadas. Isto resulta na proliferação de vetores e na emanação de
odores. É comum a queima dos resíduos sólidos provocada pelos
catadores, que procuram com isso reduzir a presença de vetores de
doenças e facilitar a coleta de metais. (SEOLIN DIAS et al., 2005).

Pesquisa realizada no município de Tupã, Estado de São Paulo,


realizada com 30 moradores circunvizinhos ao lixão, por Seolin e Hamada
(2006) e contida em Seolin Dias et al. (2013, p. 3),

[...] com objetivo de avaliar a influência do lixão, sobre as condições


de salubridade da população circunvizinha, considerando-se as
condições antes e após a desativação do lixão e instalação do novo
aterro sanitário, trouxe os seguintes resultados: número significativo
de moradores que identificaram a presença de fatores insalubres,
representando 33,3% para ratos, 76,7% para baratas, 86,7% para
moscas, 90% para odores fétidos e 90% para a fumaça.

Pesquisa realizada em Presidente Prudente, Estado de São Paulo,


mostra que “os moradores que identificaram a presença de fatores
insalubres no lixão discriminaram 16,6% para ratos, 30% para baratas, 93,3%
para moscas, 93,3% para odores fétidos e 100% para a fumaça” (SEOLIN
DIAS et al. (2013, p. 10). Ao comparar-se os resultados dos dois locais (Tupã e
Presidente Prudente), para os autores,
128

[...] observa-se que diferem com relação à presença de ratos e baratas


nas residências, possivelmente porque os moradores de Tupã residiam
mais próximo ao depósito de resíduos que os de Presidente Prudente.
Já as menções para as moscas e os fatores abióticos (odores e fumaça),
praticamente foram iguais para os moradores dos dois municípios
estudados. (SEOLIN DIAS et al., 2013, p. 10).

No município de Presidente Epitácio, Estado de São Paulo, pesquisa


realizada por Santos (2010) constatou em relação a esses aspectos, resultados
semelhantes aos citados nas pesquisas anteriores. Em cálculo amostral
estatístico com 691 entrevistados, distribuídos nos diversos setores
censitários da área urbana do município, estabelecidos pelo IBGE,

[...] 33,6% (232 pessoas) apontaram como principal problema ambiental


no bairro, o lixo, entulho e animais mortos jogados em terrenos vazios e
nas ruas; 12,0% (83 pessoas) identificaram como problema as fumaças
em decorrência da queimada de lixo, galhos, folhas/poeira e partículas
em suspensão que se torna mais agravante nos períodos secos do ano,
provocando ou intensificando problemas respiratórios; 11,9% (82
pessoas) identificam o mau cheiro provocado pelas fábricas e esgoto;
8,5% (59 pessoas) apontaram a ausência de arborização, de áreas verdes
e corte de árvores; 7,1% (49 pessoas) apontaram os alagamentos nas
ruas; 2,0% (14 pessoas) identificaram a presença de vetores de doenças
provocados pela presença de ratos, pombas, baratas, morcegos e insetos;
1,6% (11 pessoas) apontaram a poluição sonora; 0,7% (5 pessoas)
identificaram a poluição de córrego e rio, referindo-se principalmente ao
córrego do Caiuazinho onde muitas pessoas jogam lixo e animais mortos
(setor 47); 6,9% (48 pessoas) não responderam e 35,0% (242 pessoas)
disseram que em seu bairro não há problemas ambientais. (SANTOS,
2010, p. 256).

Considerando-se essa problemática, evidencia-se um esforço


legislativo no Brasil para tratar dos resíduos sólidos urbanos e seus
impactos no meio ambiente. Esse processo teve início na década de 1930,
culminando com a Lei Federal 12.305/2010, que instituiu a Política
Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS).
Na sequência, apresenta-se suscintamente a evolução da legislação
brasileira e do Estado de São Paulo, com ênfase nos RSU.
Saneamento e o Ambiente - 129

3 LEGISLAÇÃO AMBIENTAL BRASILEIRA E PAULISTA APLICADA AOS RSU

A primeira legislação ambiental consistente no Brasil surgiu com a


promulgação do Decreto Federal 23.793, de 23 de janeiro de 1934, que
aprovou o primeiro Código Florestal do país. Ali foram estabelecidas várias
normas visando à proteção das florestas, dos cursos d’água em âmbito
federal e de outros elementos do ambiente. Em seguida, surge o Decreto
Federal 24.643, de 10 de julho de 1934, que decretou o Código das Águas.
Essa legislação culminou na promulgação da Lei Federal 4.771, de 15 de
setembro de 1965, que instituiu o Novo Código Florestal. Entretanto, não
havia menção relacionada ao tratamento aos resíduos sólidos urbanos.
Em 1981 foi instituída a Política Nacional do Meio Ambiente,
através da Lei Federal 6.938, de 31 de agosto de 1981, e regulamentada
pelo Decreto Federal 99.274, de 6 de junho de 1990. Essa legislação
passou a considerar e abarcar as questões atinentes ao meio ambiente de
forma mais completa e com maior amplitude. Porém, particularmente, a
preocupação com os resíduos sólidos passou a ser alvo de maior atenção
com a promulgação da Constituição Federal de 1988, que normatizou
efetivamente a questão ambiental no Capítulo VI – Do Meio Ambiente,
artigo 225. A partir da Constituição Federal de 1988, originaram-se
diversas outras leis e decretos complementares com a finalidade de
explicitar outros aspectos, inclusive orientando estados e municípios e
delegando competências específicas.
Em 2004, o Ministério do Meio Ambiente buscou iniciar uma
proposta de diretrizes direcionadas especificamente aos resíduos sólidos
no país, que visava instituir um Política Nacional de Resíduos Sólidos. A
partir do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), ocorreram
esforços para colher subsídios da sociedade em geral, sobretudo ligados à
gestão de resíduos sólidos (BRASIL, 2011). Como exemplo, pode ser citada
a Resolução Conama 358, de 29 de abril de 2005, que passou a dispor
sobre o tratamento e a disposição final dos resíduos dos serviços de saúde
e dando outras providências.
Especificamente no Estado de São Paulo, pode ser citada a
Resolução Conjunta SS/SMA/SJDC-SP 1 (Secretaria de Estado da Saúde, do
Meio Ambiente e da Justiça e da Defesa da Cidadania), de 15 de julho de
130

2004, que estabeleceu a classificação, diretrizes básicas e regulamento


técnico sobre Resíduos de Serviços de Saúde Animal (R.S.S.A.).
Posteriormente, foi promulgada a Lei Estadual 12.300, de 16 de março de
2006, que Instituiu a Política Estadual de Resíduos Sólidos e definiu
princípios e diretrizes para todo o Estado.
Em 2007, com a Lei Federal 11.445, de 5 de janeiro de 2007, que
estabeleceu diretrizes nacionais para o saneamento básico no Brasil, entre
outras questões, passou-se a abordar

[...] o esgotamento sanitário (coleta, transporte, tratamento e


disposição final adequados dos esgotos sanitários); limpeza urbana e
manejo de resíduos sólidos (coleta, transporte, transbordo, tratamento
e destino final do lixo doméstico e do lixo originário da varrição e
limpeza de logradouros e vias públicas).

Essa Lei contribuiu significativamente para evoluir-se na disposição


de RSU no país e para a formulação de uma legislação mais direcionada ao
tema.
Em 2 de agosto de 2010, a Lei Federal 12.305 instituiu a Política
Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), regulamentada pelo Decreto
7.404/2010 (BRASIL, 2010). A lei incorporou conceitos modernos de gestão
de resíduos sólidos, trazendo novas ferramentas à legislação ambiental
brasileira. Alguns desses aspectos podem ser ressaltados, como: acordo
setorial; responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos;
logística reversa; coleta seletiva; ciclo de vida do produto; Sistema de
Informações sobre a Gestão dos Resíduos Sólidos (SINIR), Planos de
Resíduos Sólidos (BRASIL, 2011).
Esses aspectos referem-se diretamente e incidem nas relações
entre entes federados (Estados e municípios), devendo repercutir e
materializar-se na elaboração dos demais planos de resíduos sólidos
(planos estaduais, interfederativos e municipais). O Decreto Federal
7.404/2010 que regulamentou a PNRS, em seus artigos 53 e 54,
estabeleceu o vínculo entre os planos de resíduos sólidos (municipais ou
intermunicipais) e os planos de saneamento básico, no que se refere,
sobretudo, à limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos urbanos.
Saneamento e o Ambiente - 131

A concepção de ente federado passou a ter expressividade no


âmbito municipal a partir da Constituição Federal de 1988 que garantiu
mais autonomia aos municípios. Assim, os municípios passaram a ter

[...] competências próprias, independência administrativa, legislativa


e financeira e com faculdade de legislar sobre assuntos de interesse
local; suplementar a legislação federal e a estadual e, ainda,
organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou
permissão, os serviços públicos de interesse local de caráter
essencial. (art. 30 incisos I, II e V).

A partir desse contexto, o município passou a ter responsabilidade


de legislar sobre os serviços de limpeza urbana e toda a gestão e manejo
dos resíduos sólidos, desde a coleta até a sua destinação ou disposição
final ambientalmente adequada, estendendo isso inclusive aos espaços
rurais. Contudo, legisla em âmbito local a partir de suas especificidades,
sem contradizer a legislação estadual e federal.
Ao mesmo tempo que a Federação sanciona e delega maior
autonomia na Administração Pública, muitos municípios esbarram em
dificuldades financeiras para executar diversas ações, seja por ineficiência
na administração e ausência de pessoal qualificado para assumir as
diversas funções, seja pela centralização dos recursos que devem ser
repassados pelo Estado e pela União. Esta situação repercute diretamente
na implementação de ações ambientais, entre elas, a destinação adequada
dos resíduos sólidos urbanos.
Registre-se que, mais recentemente, houve preocupação legislativa
com a questão ambiental, como a Lei Federal 12.651/2012, alterada pela
Lei 12.727/2012, preocupada com a vegetação nativa, que revogou a Lei
4.771/1965, ou a Lei Federal 13.465/2017, voltada à regularização
fundiária rural e urbana. Porém, nelas não há mais nenhum tratamento
específico com respeito aos RSU.
132

4 CARACTERÍSTICAS, GERAÇÃO, COLETA E DESTINAÇÃO FINAL DE RSU NO


BRASIL

Há de se ressaltar, no entanto, “a relatividade da característica


inservível do lixo, pois aquilo que já não apresenta nenhuma serventia para
quem o descarta, para outro pode se tornar matéria-prima para um novo
produto” (BRASIL, 2001, p. 25) ou no processo industrial. Nesse sentido,

[...] a ideia do reaproveitamento do lixo é um convite à reflexão do


próprio conceito clássico de resíduos sólidos. É como se o lixo pudesse ser
conceituado como tal somente quando da inexistência de mais alguém
para reivindicar uma nova utilização dos elementos então descartados.
(BRASIL, 2001, p. 25).

Dessa forma, “resíduo então é tudo aquilo que pode ser reutilizado e
reciclado e, para isso, esse material precisa ser separado por tipo, o que
permite a sua destinação para outros fins” (SALVETTI, 2015, p. 27). Podem
ser encontrados nas formas sólida (resíduos sólidos), líquida (efluentes) e
gasosa (gases e vapores).
Resíduo sólido, de acordo com o Dicionário Brasileiro de Ciências
Ambientais, é:

Todo e qualquer refugo, sobra ou detrito resultante da atividade


humana, excetuando dejetos e outros materiais sólidos; pode estar
em estado sólido ou semi-sólido. Os resíduos sólidos podem ser
classificados de acordo do com sua natureza física (seco ou molhado),
sua composição química (orgânico e inorgânico) e sua fonte geradora
(domiciliar, industrial, hospitalar, etc.). Uma classificação que se
sobrepõe a todas as demais é aquela que considera os riscos
potenciais dos resíduos ao ambiente, dividindo-os em perigosos,
inertes e não inertes. NBR10. 004. (LIMA e SILVA et al., 2002, p. 204-
205).

Segundo o Dicionário Eletrônico Hauais da Língua Portuguesa (2009),


“lixo” significa qualquer material sem valor ou utilidade, ou detrito oriundo
de trabalhos domésticos, industriais, etc., que se joga fora. E a Associação
Brasileira de Normas Técnicas (ABNT, 2004) o define como sendo

[...] os restos das atividades humanas, considerados pelos geradores


como inúteis, indesejáveis ou descartáveis, podendo-se apresentar
Saneamento e o Ambiente - 133

no estado sólido, semissólido ou líquido, desde que não seja passível


de tratamento convencional.

O termo “resíduo sólido, mais utilizado na linguagem acadêmica ou no


meio técnico, conforme o Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, do latim
residuum, significa “sobra, resto”, e residere, que significa “ficar atrás, sobrar
(CUNHA, 2012). E a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT, 2004),
por meio de sua NBR 10.004:2004, bem como o Conselho Nacional de Meio
Ambiente (CONAMA), por meio de sua Resolução 005/1993, definem
resíduos sólidos como materiais que:

Resultam de atividades de origem industrial, doméstica, hospitalar,


comercial, agrícola, de serviços e de varrição. Ficam incluídos nesta
definição os lodos provenientes de sistemas de tratamento de água,
aqueles gerados em equipamentos e instalações de controle de
poluição, bem como determinados líquidos cuja particularidades
tornem inviável o seu lançamento na rede pública de esgotos ou
corpos de água, ou exijam para isso soluções, técnica e
economicamente, inviáveis em face da melhor tecnologia disponível.

De forma assemelhada aos conceitos anteriormente expostos, os

[...] aterros sanitários diferem de lixões (em que o lixo é despejado no solo
a céu aberto) porque têm dispositivos para minimizar efeitos nocivos ao
ambiente, como impermeabilização do solo, drenagem e tratamento de
efluentes líquidos e gasosos e cobertura dos resíduos. (EIGENHEER;
FERREIRA, 2006, p. 34).

Enquanto isso, o lixão é aquele “localizado geralmente na


periferia das cidades, onde o lixo fica apodrecendo ou então é
queimado, causando grande poluição do ar, do solo e das águas” (SÃO
PAULO, 2011, p. 28). No Brasil, nesses locais, para Pereira Neto (1 999, p.
17),

[...] não são depositados somente o lixo urbano; há também o


despejo de lixo industrial tóxico, lixo hospitalar e qualquer outro
que o município venha a gerar. Como o teor de resíduos
orgânicos é bastante elevado (média de 65%), este material em
condições anaeróbias, fermenta liberando gases tóxicos (que
carreiam dioxinas e furanos) e um líquido altamente poluente
denominado chorume. Este líquido (que carreia várias formas de
ácidos orgânicos) dissolve tintas, resina e outras substâncias
químicas de alta toxidade e contamina o solo, impedindo o
134

crescimento de plantas. No período chuvoso a massa de lixo é


lavada pela água da chuva, o chorume entra com maior facilidade
de infiltração no solo, contaminando os mananciais de superfície
(rios, lagos córregos, etc.).

Dentre alguns fatores assinalados para o aumento na geração dos


resíduos sólidos, o acréscimo desse material torna-se “um dos maiores
desafios com que se defronta a sociedade moderna, seu equacionamento da
geração excessiva e da disposição final ambientalmente segura dos resíduos
sólidos” (JACOBI; BESEN, 2011, p. 2). Ainda, destacam os autores, que “a
preocupação mundial em relação aos resíduos sólidos, em especial os
domiciliares, tem aumentado ante o crescimento da produção, do
gerenciamento inadequado e da falta de áreas de disposição final”.

[...] Entre os diversos problemas ambientais existentes, o dos


resíduos sólidos urbanos tem-se tornado um dos maiores desafios da
atualidade. Com o crescimento acelerado da população, houve
incremento na produção de bens e serviços. Estes, por sua vez, à
medida que são produzidos e consumidos, acarretam uma geração
cada vez maior de resíduos, os quais, coletados ou dispostos
inadequadamente, trazem significativos impactos à saúde pública e
ao meio ambiente. (DEUS et al., 2004, p. 1).

Entre os diversos problemas ambientais existentes, o dos resíduos


sólidos urbanos tem-se tornado um dos maiores desafios da atualidade.
Com o crescimento acelerado da população, houve incremento na produção
de bens e serviços. Estes, por sua vez, à medida que são produzidos e
consumidos, acarretam uma geração cada vez maior de resíduos sólidos, os
quais, coletados ou dispostos inadequadamente, trazem significativos
impactos à saúde pública e ao meio ambiente.
Em meio a vários fatores assinalados para o aumento na geração dos
resíduos sólidos, menciona-se o crescimento e concentração populacional,
aumento na expectativa de vida, melhora do nível socioeconômico da
população, entre outros. Assim, o aumento desse material torna-se “um
dos maiores desafios com que se defronta a sociedade moderna, seu
equacionamento da geração excessiva e da disposição final ambientalmente
segura dos resíduos sólidos” (JACOBI; BESEN, 2011, p. 2). Ainda, para os
autores, “a preocupação mundial em relação aos resíduos sólidos, em
Saneamento e o Ambiente - 135

especial os domiciliares, tem aumentado ante o crescimento da produção,


do gerenciamento inadequado e da falta de áreas de disposição final”.
Para Cohen (2003), citado por Riscado e Badejo (2010, p. 4),

[...] o crescimento populacional aliado à intensa urbanização


acarreta a concentração da produção de imensa quantidade de
resíduos e a existência cada vez menor de áreas disponíveis para
a disposição desses materiais. Junta-se a esses fatos as questões
institucionais, que tornam cada vez mais difícil para os
municípios dar um destino adequado ao lixo produzido.

As características dos RSU “variam em função dos aspectos sociais,


econômicos, culturais, geográficos e climáticos, uma vez que esses fatores
também diferenciam as comunidades entre si e as próprias cidades”
(BRASIL, 2001, p. 33). Reflexo de uma sociedade de consumo, a geração de
RSU tende a aumentar significativamente a cada ano.
Esse material é proveniente de várias atividades como, resíduos
residenciais (denominados de domiciliares ou domésticos), constituídos por
restos de alimentos, embalagens, madeiras, vidros, plásticos, papéis, entre
outros; resíduos de serviços de saúde, gerados de hospitais, centros de saúde,
farmácias, clínicas médicas e veterinárias, entre outros; resíduos de
construção civil (denominados resíduos de construção e demolição),
constituídos de sobras e/ou rejeitos de obras da construção civil: reformas,
demolições, entre outros; resíduos de varrições, poda e capina, feiras, etc.,
advindos de varrições de ruas, podas de árvores, serviços de capina, serviços
de capinas de jardins e parques, entre outros). O artigo 13 da Lei Federal
12.305/2010 (Política Nacional de Resíduos Sólidos), cita os tipos dos resíduos
sólidos (BRASIL, 2010).
No Brasil, segundo Abrelpe (2015), os números referentes à geração
de RSU revelam um total anual de aproximadamente 80 milhões de
toneladas, configurando um crescimento a um índice inferior ao registrado
em anos anteriores. Para Abrelpe (2015, p. 19),

[...] a população brasileira apresentou um crescimento de 0,8% entre


2014 e 2015 e a geração per capita de RSU cresceu no mesmo ritmo.
A geração total, por sua vez, atingiu o equivalente a 218.874 t/dia de
RSU gerado no país, um crescimento de 1,7% em relação ao ano
anterior.
136

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE,


2010), em 2009 foram coletados diariamente entre 180 e 250 mil toneladas
de resíduos sólidos urbanos, correspondendo a uma média de 1,1
kg/habitante/dia.
A partir dos Censos Demográficos realizados pelo IBGE nas últimas
décadas (Gráfico 1), observa-se que o volume de resíduos sólidos vem
aumentando significativamente, sobretudo na área urbana, denotando o
crescimento populacional do país e a concentração das pessoas na área
urbana em detrimento da área rural.

Gráfico 1 – Coleta e destino de resíduos sólidos por domicílios no Brasil


60000000

50000000

40000000

30000000

20000000

10000000

0
1991 2000 2010 1991 2000 2010
Área urbana Área rural
Coletado serviço de limpeza/caçamba Queimado na propriedade
Enterrado na propriedade Jogado terreno baldio ou logradouro
Jogado em rio, lago ou mar Outro destino

Fonte: IBGE – Censos Demográficos de 1991, 2000 e 2010.


Organização: Santos (2018).

A “coleta de serviço de limpeza/caçamba” passa a ser ofertada com


maior intensidade nos domicílios de 1991 a 2010. Em 1991, esse tipo de
serviço abrangia 21.739.197 domicílios; em 2000, 34.401.517 e em 2010
passou para 47.926.640.
Entre os maiores desafios para superação do destino final de RSU,
destaca-se na área urbana a disposição “queimado na propriedade” que
apresentava em 1991, 2.085.459 domicílios; em 2000, 1.430.331 domicílios
Saneamento e o Ambiente - 137

e em 2010, 777.861 domicílios. Apesar de identificar-se diminuição no


período analisado, considera-se ínfima, necessitando de intervenção para
resolução deste problema. Em contrapartida, na área rural ocorreu um
aumento significativo dessa prática, apresentando em 1991, 2.045.101
domicílios; em 2000, 3.598.669 domicílios e em 2010, 4.702.788 domicílios.
Quanto à disposição de RSU considerado “enterrado na
propriedade”, identificou-se uma diminuição significativa na área urbana,
denotando em 1991, 224.296 domicílios com essa prática; em 2000,
117.819, e em 2010, 38.723. Na área rural, identificou-se uma diminuição,
apesar de ter ocorrido uma oscilação, sendo em 1991, 345.792 domicílios
apresentando essa prática; em 2000, 403.966, e em 2010, 293.324 de
resíduos.
Em relação à disposição de RSU “jogado em terreno baldio ou
logradouro”, nota-se uma diminuição gradativa tanto na área urbana como
na área rural. Na área urbana, identificou-se em 1991, 2.606.156 domicílios
que declararam realizar essa prática; em 2000, 1.180.177; e em 2010,
400.862. Já na área rural, em 1991, foram identificados 2.849.717
domicílios; em 2000, 1.922.407 e em 2010, 733.896 domicílios.
O item “jogado em rio, lago ou mar” mostrou uma diminuição mais
evidente em relação aos outros parâmetros analisados, tanto na área
urbana como na área rural. Porém, a ocorrência ainda é predominante na
área rural. Na área urbana, identificou-se em 1991, 305.959 domicílios
com essa prática; em 2000, 121.794; e em 2010, 26.245. Já na área rural,
em 1991, foram identificados 111.709 domicílios; em 2000, 71.711 e em
2010, 16.807 domicílios.
Como “outro destino” de RSU, os dados do IBGE apresentaram o
seguinte cenário: na área urbana, em 1991, 196.201 domicílios; em 2000,
83.228; em 2010, 56.420. Na área rural, em 1991, 1.802.244 domicílios; em
2000, 471.668; em 2010, 171.153 domicílios. Apesar de ter ocorrido uma
diminuição tanto na área urbana como na área rural, nota-se que essa
situação é mais expressiva ainda na área rural.
Já a destinação final dos RSU coletados por tonelada/ano (t/ano),
dados do IBGE – Pesquisa Nacional de Saneamento Básico (PNSB) e da
Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais
(ABRELPE) demonstram uma diminuição de 2000 para 2007, mostrando uma
138

pequena queda na destinação adequada de 40,5% para 38,6%. A partir de


2008 até 2016, a destinação adequada cresce de 54,9% para 58,4%,
mostrando uma evolução. Já a destinação inadequada aumentou um pouco
de 2000 para 2007, de 59,5% para 61,4%. Mas também mostra
posteriormente uma relativa queda e uma tendência à estagnação,
atingindo 45,1% em 2008 e 41,6% em 2016 (Gráfico 2).

Gráfico 2 – Destinação final dos RSU coletados (t/ano) no Brasil


70

60

50

40

30

20

10

0
1998 2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012 2014 2016 2018
Destinação adequada (%)
Fonte: IBGE (2002), ABRELPE (2007, 2008, 2009, 2010, 2012, 2015, 2016).
Organização: Santos (2018).

Tais dados demonstram a fragilidade dos municípios no Brasil em


gerir adequadamente a destinação dos resíduos, onde mais de 40% deles
não conseguiram, até 2016, implementar ações para resolução deste
problema. Normalmente, esta situação atinge a população mais carente,
onde os serviços de coleta normalmente demoram mais para abranger as
pessoas que moram em áreas periféricas, sobretudo nos grandes centros
urbanos que concentram a maior parte da população brasileira.
Nas últimas décadas a população migrou abruptamente do campo
para as cidades, dificultando que o poder público conseguisse acompanhar
com oferta de infraestrutura adequada de modo a garantir condições
mínimas de saneamento que envolve não só a coleta de resíduos, mas
também o acesso a água potável, sistema de rede de esgotos e
equipamentos públicos importantes como espaços de lazer, escolas, centros
de assistência médica, entre outros.
Saneamento e o Ambiente - 139

Uma das maneiras de diminuir a geração de resíduos sólidos seria


sistematicamente contribuir para a criação e implantação de cultura
sustentável, que fizesse uso e se apropriasse de bens realmente necessários à
qualidade de vida e, consequentemente, à qualidade ambiental. Entretanto,
assiste-se no bojo do sistema capitalista, a disseminação de uma sociedade
extremamente consumista e constantemente bombardeada pelos meios de
comunicação a consumir uma série de “novidades” que supostamente
ofertariam à população soluções fáceis e mágicas, criando necessidades
desnecessárias.
Assim, tem-se um paradoxo de difícil solução, surgindo como alternativa
a coleta seletiva como forma de reaproveitamento de inúmeros resíduos sólidos
para produção de outros materiais, contribuindo para a diminuição da
quantidade de lixo na disposição final em aterros sanitários ou valas, que incide,
consequentemente, na perda de espaços que se tornam inutilizáveis nessas
áreas.
A partir de dados levantados pelo IBGE e a Abrelpe, a coleta seletiva
nos municípios brasileiros teve um impulso considerável de 2000 a 2007,
saltando de 451 (8,2%) para 3.593 (65%) municípios com alguma iniciativa de
coleta seletiva implementada. Chama-se atenção que a partir da aprovação da
Lei Federal 12.305, que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos
(PNRS), regulamentada pelo Decreto 7.404/2010, a coleta seletiva continuou a
ter um crescimento, porém de forma pouco expressiva, abrangendo 3.878
(69,6%), dos 5.570 municípios existentes no país (Gráfico 3).
140

Gráfico 3 – Municípios com iniciativas de coleta seletiva no Brasil

100

80

60

40

20

0
1998 2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012 2014 2016

Com coleta seletiva (%)

Fonte: IBGE (2000), ABRELPE (2005, 2007, 2008, 2009, 2010, 2012, 2015, 2016).
Organização: Santos (2018).

Há que se ressaltar que nem todos os municípios que contêm algum


tipo de coleta seletiva conseguem apoiar ou subsidiar catadores,
associações ou cooperativas, dando-lhes o suporte necessário. Outra
questão que merece ser considerada é que nem todos esses municípios
conseguem ter um nível de abrangência significativa da coleta seletiva no
âmbito de toda extensão territorial municipal (área urbana ou rural).
Conforme mencionado anteriormente, a quantidade de RSU disposta no
ambiente está atrelada ao contexto de uma sociedade que a cada dia torna-se
mais consumista de bens desnecessários, aumentando muito o volume de
resíduos a cada ano. De acordo com a análise anterior, o fato de o município ser
detentor de alguma iniciativa de coleta seletiva, não garante necessariamente a
eficácia desse importante trabalho social e ambiental, ainda pouco reconhecido
e valorizado.
Ao se estabelecer um comparativo do Índice Evolutivo da Coleta de
RSU entre o Brasil e a Região Sudeste, a partir de dados da Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), identifica-se que na Região
Sudeste de 2000 a 2016 os serviços de coleta sempre estiveram acima da
média do país. Isso pode ser explicado pela concentração populacional,
urbana e industrial nessa região, requerendo que esse tipo de serviço fosse
Saneamento e o Ambiente - 141

intensificado, ainda que o resíduo sólido não seja totalmente disposto


adequadamente como recomenda a legislação (Gráfico 4).

Gráfico 4 – Índice Evolutivo da Coleta de RSU no Brasil e Região Sudeste (%)

120

100

80

60

40

20

00
1996 2001 2006 2011 2016
Brasil (%) Região Sudeste (%)

Fonte: PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios


Organização: Santos (2018).

Dados do IBGE e da Abrelpe demonstram que, no período de 2000 a


2016, a disposição final de RSU aumentou na forma de aterro sanitário, de
49.614 t/dia (35,4%) para 114.189 t/dia (58,4%). A disposição em aterro
controlado mostrou pouca variação, predominando uma estagnação nessa
forma. O mesmo pode-se dizer em relação à disposição dos RSU em vazadouro
a céu aberto (lixão), fato que se constitui preocupação de saúde pública. Outras
formas de destinação podem ser consideradas, como unidade de
compostagem, unidade de triagem para reciclagem, unidade de tratamento
para incineração, vazadouro em áreas alagáveis, locais não fixos e outra unidade
(Tabela 1).
142

Tabela 1 – Destino de RSU no Brasil em t/dia (t/dia) e o percentual (%)


correspondente, de 2000 a 2016
Vazadouro a céu
Aterro sanitário Aterro controlado Outras formas
Ano aberto (lixão)
t/dia % t/dia % t/dia % t/dia %
2000 49.614 35,4 33.854 24,2 45.484 32,5 11.126 7,8
2008 110.044 58,3 36.673 19,4 37.360 19,8 4.736 2,6
2009 91.524 56,8 38.459 23,9 31.101 19,3 - -
2010 99.919 57,6 42.231 24,3 31.433 18,1 - -
2011 103.335 58 43.032 24,2 31.628 17,7 - -
2012 105.111 58 43.881 24,2 32.296 17,8 - -
2013 110.232 58,3 46.041 24,2 32.946 17,4 - -
2014 113.975 58,4 47.272 24,3 33.986 17,4 - -
2015 116.631 58,7 47.942 24,1 34.177 17,2 - -
2016 114.189 58,4 47.315 24,2 33.948 17,4 - -

Fonte: IBGE (2000), ABRELPE (2005, 2007, 2008, 2009, 2010, 2012, 2015, 2016). Organização:
Santos (2018).

A disposição de RSU em aterro controlado e vazadouro a céu aberto


(lixão) são considerados formas inadequadas, sendo o ideal que esses materiais
pudessem ser cada vez mais direcionados à coleta seletiva, quando possíveis de
serem reciclados. E aqueles que realmente não dispõem de uma utilidade (os
rejeitos), deveriam ser dispostos em aterro sanitário para garantir que não
ofereçam riscos à saúde da população e ao meio ambiente.
Verifica-se o crescimento per capta da geração de RSU de 2014 para
2015, no mesmo ritmo do crescimento da população (0,8%), sabendo-se que
em 2009 os resíduos chegavam a 1,1 km/habitante/dia. As Tabelas 2 e 3
mostram a evolução no trato relativo aos RSU no Brasil.
Saneamento e o Ambiente - 143

Tabela 2 – Evolução no trato com os RSU no Brasil por domicílios segundo o IBGE
Ação Área Domicílios (quantidade) Evolução (%)
1991 2010 Aumento Redução
Coletado (serviço de Urbana 21.739.197 47.926.640 120,46
limpeza/caçamba) e rural
Queimado na propriedade Urbana 2.085.459 777.891 62,70
Rural 2.045.101 4.702.788 129,95
Enterrado na propriedade Urbana 224.296 38.723 82,74
Rural 345.792 293.324 15,17
Jogado em rio, lago ou mar Urbana 305.959 26.245 91,42
Rural 111.709 16.807 84,95
Outro destino Urbana 196.201 56.420 71,24
Rural 1.802.244 171.153 90,50
Fonte: Base nos dados do IBGE/Censos Demográficos de 1991, 2010. Organização: Marques
(2018).

Tabela 3 – Evolução no trato com os RSU no Brasil quanto à disposição


Disposição de RSU Evolução (%)
2000 2016 Progresso
Destinação adequada 40,5 58,4 Aumento
Destinação inadequada 59,5 41,6 Redução
Coleta seletiva (municípios) 8,2 69,6 Aumento
Aterro sanitário (municípios) 35,4 58,4 Aumento
Fonte: Base nos dados do IBGE/PNSB 2000 (IBGE, 2002), ABRELPE (2016). Organização: Marques
(2018).

Veja que o Quadro 1 mostra a situação comparativa entre os anos


1991 e 2010, enquanto no Quadro 2 é apresentada a comparação entre
2000 e 2016. Em ambos, é notória a evolução, havendo redução de ações
negativas e aumento de ações contributivas no trato dos resíduos.
A par do demonstrado anteriormente, ressalte-se que tão nocivos
quanto os fatores bióticos, são os abióticos, como a fumaça e os odores
fétidos provocados durante a queimada dos resíduos inorgânicos.
O resto de comida contido nos lixões costuma servir de alimentos
para animais, como suínos, aves, roedores, entre outros. Os animais de
economia doméstica (p. ex.: suínos, cabras) lá sobrevivem, são consumidos
144

sem os mínimos critérios de higiene ou inspeção sanitária. Dessa forma, há


um grande risco da aquisição de zoonoses.
A proliferação de insetos vetores de doenças nos “lixões” é outro
fator de grande interesse para a Saúde Pública. Ali há abundância de
substratos, ricos em matéria orgânica, de alto teor energético, que
propiciam locais ideais para a proliferação de insetos, especialmente
dípteros muscoideos (moscas) que são vetores mecânicos de inúmeros
patógenos para o homem e animais.
A situação é preocupante, pois os lixões, além de problemas
sanitários, como a proliferação de doenças e impactos no meio ambiente,
causam também problemas sociais, atraindo “catadores” que fazem a
catação e separação do lixo, na tentativa de aproveitar os materiais
recicláveis e reutilizáveis, tendo essa atividade como meio de sobrevivência.
Essa questão é agravada na atualidade, esbarrando-se em diversas
dificuldades, como a das associações ou cooperativas de catadores se
manterem, quer por dificuldades na logística de venda dos materiais e de
entendimento entre os associados/cooperados, quer por ausência de
incentivos e apoio da gestão pública, entre outros fatores.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na análise realizada, observou-se que no Brasil, em termos de


legislação referente aos RSU, houve um avanço considerável, ainda que
tardiamente. A legislação mais consistente incidiu diretamente sobre
Estados e municípios, tendo que se adequar gradativamente às mudanças
promulgadas pelas novas normas. Nesse sentido, a Região Sudeste, com
destaque para o Estado de São Paulo, teve iniciativas anteriores à Lei Federal
12.305, de 2 de agosto de 2010, regulamentada pelo Decreto Federal
7.404/2010 (BRASIL, 2010), que delimitou normas mais claras e específicas em
relação à gestão dos RSU.
Destaca-se neste processo o papel dos municípios, em que de fato as
diretrizes das leis e decretos devem ser concretizadas, esbarrando-se no
movimento contraditório, como ente federado, dotado de autonomia, mas ao
mesmo tempo dependente de recursos a serem repassados pela União, devido
à centralização destes. Por outro lado, são poucos os municípios que dispõem
Saneamento e o Ambiente - 145

de pessoal técnico capacitado para implementar o que estabelece a legislação


em diversos aspectos, no que concerne à disposição de RSU.
Apesar de ter-se verificado um avanço tanto na legislação ambiental
alusiva aos RSU, como na efetividade das ações em relação à sua disposição
final, identifica-se que há muito por fazer e que muitos municípios
brasileiros enfrentam enormes desafios com o crescimento populacional e
urbano. Este fato requer maior planejamento e eficácia das ações nas mais
diversas instâncias de poder, cabendo ao poder público a concretização de
políticas importantes aliadas à conscientização da população, que necessita
participar ativamente deste processo.
Portanto, entende-se que as autoridades sanitárias, por meio de seus
órgãos próprios, devem se esforçar para que seja dada destinação adequada
aos RSU e de outros resíduos sólidos de qualquer natureza, inclusive
predispondo maior força na fiscalização daquilo que efetivamente ocorre. A
presença de um lixão, sobretudo na periferia das cidades, representa risco
para a saúde pública e para o meio ambiente, contribuindo para a
transmissão de doenças e de seus vetores de doenças.

REFERÊNCIAS

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agosto de 1981, 9.393, de 19 de dezembro de 1996, e 11.428, de 22 de dezembro de 2006;
e revoga as Leis 4.771, de 15 de setembro de 1965, e 7.754, de 14 de abril de 1989, a
Medida Provisória 2.166-67, de 24 de agosto de 2001, o item 22 do inciso II do art. 167 da
Lei 6.015, de 31 de dezembro de 1973, e o § 2o do art. 4o da Lei no 12.651, de 25 de maio de
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Saneamento e o Ambiente - 147

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2008.
150
Saneamento e o Ambiente - 151

Capítulo 7

PLANO DE GERENCIAMENTO DE RESÍDUOS SÓLIDOS EM


EMPREENDIMENTOS URBANOS

21
Katia Sakihama Ventura
22
Paulo Vaz Filho
23
Karina Shibasaki
24
Thais Madaschi

1 INTRODUÇÃO

Os instrumentos legais definem que o gerador de resíduos da


construção civil é responsável pelo manejo adequado, desde sua segregação
até seu destino final.
A Lei Federal 6.838/1981 (Política Nacional de Meio Ambiente), a
Constituição Federal de 1988, a Lei Federal 11.445/2007 (Lei do Saneamento
Básico), e a Lei Federal 12.3005/2010 (Política Nacional de Resíduos Sólidos)
incentivaram a preocupação com a população e seu entorno, exigindo
práticas de gestão de resíduos sólidos condizentes com as diretrizes da
saúde pública e com os princípios do desenvolvimento sustentável.
Os Resíduos da Construção Civil (RCC) representam os materiais de
extrema preocupação se comparados a outros resíduos gerados em área
urbana, pelo volume que ocupam e por possuírem contaminantes em sua
constituição e pelos efeitos danosos na saúde humana e no meio (ACHILLAS
et al., 2011).
O descarte inadequado de RCC promove a degradação ambiental,
pode contaminar o solo e os recursos hídricos, bem como contribuir para

21
Doutora em Engenharia Hidráulica e Saneamento (EESC/USP), professora do Departamento
de Engenharia Civil da UFSCar (DECiv/UFSCar). E-mail: katiaventura@yahoo.com
22
Mestre em Engenharia Urbana (DECiv/UFSCar), professor das Faculdades Integradas de
Araraquara e do UNASP - Engenheiro Coelho. E-mail: paulo@villeengenharia.com.br
23
Engenheira civil, pesquisadora e mestranda do Programa de Pós-Graduação em Engenharia
Urbana (PPGEU-UFSCar) na época do presente trabalho. E-mail: kashibasaki@gmail.com
24
Engenheira ambiental, pesquisadora e pós-graduanda do curso de MBA Restauração,
Licenciamento e Adequação Ambiental – UFSCar, campus Sorocaba. E-mail:
thais_madaschi@hotmail.com
152

ocorrência de enchentes e atração de vetores, além de provocar impactos


ambientais pela extração direta de recursos naturais (LI et al., 2011).
No entanto, o descarte inadequado de resíduos sólidos não é a única
ação que contribui para os impactos ambientais, mas sim o desperdício de
materiais no canteiro de obra. A perda de materiais em obras está
relacionada à geração de resíduos e ao elevado consumo desses materiais.
O primeiro passo para o efetivo gerenciamento é a classificação dos
resíduos sólidos, seguido da segregação apropriada do material gerado
(SOUZA et al., 1998).
Estima-se que a construção civil consome, aproximadamente, 50%
dos recursos extraídos da natureza. Além disto, o setor é responsável por
gerar diariamente de 40 a 60% dos resíduos na área urbana (SILVA;
FERNANDES, 2012).
A Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) define resíduos
sólidos pela norma NBR 10.004/2004 como:

Resíduos nos estados sólido e semissólido, que resultam de


atividades de origem industrial, doméstica, hospitalar,
comercial, agrícola, de serviços e de varrição. Ficam incluídos
nesta definição os lodos provenientes de sistemas de
tratamento de água, aqueles gerados em equipamentos e
instalações de controle de poluição, bem como
determinados líquidos cujas particularidades tornem inviável
o seu lançamento na rede pública de esgotos ou corpos de
água, ou exijam para isso soluções técnicas e
economicamente inviáveis em face da melhor tecnologia
disponível. (ABNT, 2004).

No Brasil, este mesmo documento classifica os resíduos sólidos


conforme seu grau de periculosidade em (ABNT, 2004):
a) Resíduos Classe I - Perigosos: apresentam alguma característica
(inflamabilidade, reatividade, corrosividade, toxicidade e patogenicidade),
por suas propriedades físicas, químicas ou infectocontagiosas, as quais
podem apresentar risco à saúde pública e ao meio. Exemplos: areia de
fundição com material perigoso, resíduos de serviços de saúde do grupo A e
E, resíduos de incineração ou tratamento térmico com solo contaminado,
óleo lubrificante usado ou contaminado, dentre outros;
b) Resíduos Classe II - Não Perigosos: não apresentam a mesma
periculosidade que os da Classe I. Exemplos: restos de alimentos, papel e
Saneamento e o Ambiente - 153

papelão, plásticos em geral, madeira, vidro, lodos, outros resíduos não


perigosos. Essa classe está subdividida em (ABNT, 2004):
 II A – Não inertes: não estão classificados nas classes I e II B. Podem
apresentar propriedades como biodegradabilidade, combustibilidade
ou solubilidade em água. Exemplos: orgânicos, papéis, outros.
 II B – Inertes: resíduos que não apresentam qualquer constituinte
solubilizados a concentrações superiores aos padrões de potabilidade
de água, conforme recomendações da NBR 10.006 e NBR 10.007.
Exemplos: tijolo, madeira, vidros, rochas, outros.

Os resíduos sólidos gerados em empreendimentos urbanos,


denominados de Resíduos da Construção Civil (RCC), são provenientes de
“construções, reformas, reparos e demolições de obras de construção civil,
incluídos os resultantes da preparação e escavação de terrenos para obras
civis” (BRASIL, 2010a, 2010b).
A Resolução Conama 307/2002 classifica os RCCs como ilustrado no
Quadro 1:

Quadro 1 – Classificação dos RCCs pela Resolução Conama 307/2002


Classe Descrição do resíduo Exemplo
A Aqueles destinados à reciclagem ou Tijolos, materiais e revestimentos
reutilização como agregado em cerâmicos, blocos e tubos de concreto e
obras de infraestrutura, edificações argamassa
e canteiro
B Podem ser reciclados e/ou ter outro Vidro, gesso, madeira, plástico, papelão,
destino outros
C Materiais cuja recuperação ou Estopas, lixas, panos, pincéis (sem
reciclagem é desconhecida ou o presença de substâncias da classe D)
custo econômico é inviável
D Materiais que contêm compostos Solvente e tintas; telhas; materiais de
nocivos à saúde amianto; resíduos provenientes de
reformas em clínicas e instalações
industriais com possível contaminação
Fonte: Conama (2002).

O gerenciamento de resíduos sólidos compreende o mesmo


recomendado pela Política Nacional de Resíduos Sólidos, quando se refere
às etapas de gerenciamento destes materiais. O gerador de materiais desta
natureza é responsável por elaborar e implementar os Planos de
Gerenciamento de Resíduos da Construção Civil (PGRCC), em consonância
154

com os instrumentos legais do município e com planos municipal/regional


de saneamento e de resíduos sólidos (CONAMA, 2002; CONAMA, 2012).
A finalidade deste trabalho foi relatar a importância da elaboração de
planos de gerenciamento de resíduos sólidos em três empreendimentos
urbanos no município de São Carlos, localizado no interior paulista.

2 METODOLOGIA

Foi realizado levantamento bibliográfico de normas,


regulamentações legais, trabalhos científicos em periódicos, manuais e
publicações pertinentes à gestão de resíduos da construção civil. A base de
dados impressos consistiu nos registros da Prefeitura Municipal de São
Carlos e de empreendimentos similares.
Em seguida, a equipe realizou investigação aos empreendimentos
para reconhecimento das áreas, acompanhada por ficha de caracterização, a
qual foi criteriosamente elaborada, de acordo com os objetivos previamente
definidos. Esta ficha permitiu o registro das observações antes do início das
obras. Os dados registrados (croquis, registros fotográficos e
reconhecimento do entorno) foram organizados e utilizados
posteriormente.
A abordagem deste levantamento foi exploratório-descritiva, cujas
observações diretas permitiram captar informações sobre o registro de
dados no local, e direcionar o levantamento para os aspectos essenciais
definidos pelos pesquisadores (LAKATOS; MARCONI, 2011).
Por fim, elaborou-se o Plano de Gerenciamento de Resíduos Sólidos
(PGRS) para os empreendimentos urbanos. Cada Plano atendeu aos anseios
do contratante, bem como possibilitou a tomada de decisão para a
aprovação dos empreendimentos analisados.
A mobilização socioambiental foi realizada no início das obras para
todos os colaboradores, a fim de orientar sobre: a) os procedimentos
adequados e sua importância no canteiro de obra; b) infraestrutura
necessária na obra instalada para segregação de resíduos sólidos
diretamente no momento de sua geração, e c) sinalização e procedimentos
de emergência, especialmente em caso de manipulação de resíduos
perigosos gerados durante a execução da obra.
Saneamento e o Ambiente - 155

3 ESTUDO DE CASOS

No Brasil, os RCCs coletados diariamente representam cerca 58% dos


RSU gerados por dia (ABRELPE, 2016).
Na década de 1990, cerca de 500 kg de resíduos da construção civil
eram gerados anualmente por cada habitante (PINTO, 1999). Em relação a
esses dados, o município de São Carlos, com cerca de 270 mil habitantes,
possui geração diária de 600 toneladas, equivalente a pouco mais de 800 kg
por habitante ao ano. Isto demonstra que, nos últimos anos, houve
aumento significativo do setor da construção civil nesta cidade.
Em São Carlos, a Lei Municipal 13.867, de 12 de setembro de 2006,
que aborda sobre o Plano Integrado de Gerenciamento de Resíduos da
Construção Civil, exige programa de gerenciamento desses resíduos, por
parte das

[...] pessoas físicas ou jurídicas, públicas ou privadas, proprietárias ou


responsáveis por obra de construção civil ou empreendimento com
movimentação de terra, que produzam resíduos de construção. (SÃO
CARLOS, 2006).

Considerando o exposto, os RCCs gerados são resíduos de grande


volume (artigo 12), cuja responsabilidade é do empreendedor durante o
período de execução da obra (artigo 17) e, portanto, de acordo com o artigo
4º, esse gerador deve encaminhar seus resíduos para os locais indicados e
licenciados pela municipalidade, denominados Ecopontos (SÃO CARLOS,
2006).
Cabe observar que, em 2018, a Usina de Reciclagem de Resíduos da
Construção Civil do município está desativada. Mas em períodos anteriores,
apresentou significativo processamento e segregação de materiais e
fabricação de subprodutos da reciclagem.
Nos empreendimentos urbanos do presente estudo, os RCCs gerados,
em sua maioria, pertencem à Classe II B (inertes). Porém, devido ao caráter
específico de cada obra e à composição dos materiais, eles também foram
segregados nas Classes I (perigosos) e II A (não inertes).
156

3.1 CARACTERÍSTICAS DOS EMPREENDIMENTOS URBANOS

O Plano de Gerenciamento de Resíduos Sólidos (PGRS) foi elaborado


para três empreendimentos urbanos (A, B e C) na área urbana do município
de São Carlos (Tabelas 1 e 2).

Tabela 1 – Características gerais dos empreendimentos urbanos A e B


Aspectos Considerados Empreendimentos
A B
Nível socioeconômico Baixo padrão Baixo padrão
Área total (m²) 6.797,50 28.338,53
Área construída (m²) 5.139,67 21.743,70
Tipo de ocupação Multifamiliar Multifamiliar
Implantado Não Não
Dados gerais
Edifício (un) 01 15 (2 blocos); 1 (1 bloco)
Pavimentos 09 04
Apartamentos-tipo por andar 12 04
Existência de área externa/lazer Sim Sim
Total apartamentos-tipo (un) 108 496
Fonte: Ville Projetos de Engenharia (2014).

Cabe observar que o empreendimento urbano C inclui sete lotes


(residenciais, comerciais, áreas públicas em geral), dos quais três destinam-
se à ocupação residencial, com área total do empreendimento (73,67 ha).

Tabela 2 – Características gerais do empreendimento urbano C


Aspectos considerados Empreendimento C
Nível socioeconômico Alto padrão

Área total (m2) 73,67 (ha)

Tipo de ocupação Unifamiliar

Implantado Sim

Dados gerais
Áreas verdes e públicas 4
Lotes residenciais 3
Existência de área externa/lazer Não

Unidades residenciais existentes 682

Fonte: Ville Projetos de Engenharia (2014).


Saneamento e o Ambiente - 157

3.2 ETAPAS DOS PLANOS DE GERENCIAMENTO DE RESÍDUOS SÓLIDOS

Os PGRS dos empreendimentos supracitados contemplaram as


diretrizes recomendadas pelo artigo 3º da Política Nacional de Resíduos
Sólidos (BRASIL, 2010a), o qual inclui a segregação/separação prévia, coleta,
acondicionamento, armazenamento, transporte e destinação final para cada
tipo de resíduo gerado, durante e após a execução das obras.
A primeira fase da implantação das obras corresponde à
terraplenagem, ou seja, a etapa que conforma o terreno, deixando-o
aplainado conforme as cotas dos projetos a serem executados. A segunda
fase refere-se ao gerenciamento dos resíduos sólidos gerados na
implantação da infraestrutura, pavimentação e execução das edificações.

3.2.1. Caracterização e segregação dos resíduos na fonte geradora

Durante a execução das obras (fase de implantação)

Para correta organização e recebimento de materiais gerados pela


implantação dos empreendimentos foi necessária a inclusão de área nos
canteiros de obras, exclusivamente para segregação e depósito temporário
de resíduos sólidos. Esta área foi denominada de “Pátio de Resíduos”.
Cabe observar que os resíduos sólidos provenientes do almoxarifado
e do refeitório eram compostos, basicamente, por resíduos orgânicos e
recicláveis como papel, papelão, plásticos e vidros, classificados como
resíduos sólidos domiciliares (Classe II - não perigosos).
O Pátio de Resíduos dispunha de coletores metálicos (caçambas) para
facilitar sua visualização pelos funcionários e, consequentemente, fazê-los
dispor os materiais nos coletores específicos, conforme tipo de material
gerado.
Por meio de embasamento científico e com base nas características
dos empreendimentos, definiu-se a geração diária de 400 gramas de
resíduos domiciliares por funcionário, em cada empreendimento, como
ilustra a Tabela 3.
158

Tabela 3 – Geração diária de resíduos domiciliares por funcionário, na etapa de implantação


Empreendimento Número de funcionários Quantidade (kg/dia)
A 60 24,0

B 160 64,0

C 23 9,2

Total 243 97,2

Fonte: Ville Projetos de Engenharia (2014).

Para classificação dos resíduos sólidos gerados nesta fase (Classes A,


B, C, D), consideraram-se as orientações dadas pelas Resoluções do Conama
307/2002, 348/2004, 431/2011 e 469/2015. Para a segregação/
caracterização dos resíduos sólidos gerados nas obras, foi proposta a
seguinte forma de organização:
a) identificação dos resíduos sólidos:
- Classe A: blocos de concreto, argamassa e concreto;
- Classe B: recicláveis (tubos de PVC, madeira e gesso);
- Classe C: resíduos orgânicos e recicláveis do refeitório e administração;
- Classe D: tintas, solventes e óleo lubrificante.
b) implantação de medidas preventivas de controle ambiental:
- uso de formulário, exclusivamente elaborado para controle do volume
de resíduos sólidos gerados no dia;
- desenvolvimento de treinamento para os colaboradores (funcionários,
fornecedores, consultores) para minimizar e segregar os resíduos
sólidos gerados diretamente na fonte e adotar práticas operacionais
seguras, especialmente no manuseio de produtos perigosos.

Após a execução das obras (fase de operação)

A fase de operação compreende a ocupação dos empreendimentos


por seus respectivos usuários. Por conta disto, o tipo de resíduo sólido é,
praticamente, oriundo de atividades diárias (recicláveis/seletivos e
orgânicos).
Saneamento e o Ambiente - 159

De acordo com informações atualizadas pela empresa que realiza a


coleta, o transporte e o acondicionamento dos resíduos domiciliares no
município de São Carlos, a produção de resíduos sólidos é de 765 gramas
por habitante, diariamente. O Plano de Resíduos Sólidos de São Carlos indica
720 gramas por pessoa ao dia (SÃO CARLOS, 2006).
Para geração de resíduos domiciliares na fase de operação, adotou-se
geração média diária de 0,8 kg de resíduos domiciliares por habitante e
quatro moradores em cada unidade residencial. Os dados apresentam-se na
Tabela 4.

Tabela 4 – Geração diária de resíduos domiciliares por morador, na etapa de operação


Empreendimento Número de moradores Quantidade (kg/dia)
A 432 345,60

B 1.984 1.587,20

C 2.728 2.182,40

Total 5.144 4.115,20

Fonte: Ville Projetos de Engenharia (2014).

3.2.2 Coleta, acondicionamento e armazenamento de materiais

Após a segregação, a coleta de resíduos sólidos segue as orientações


normativas e legais vigentes, conforme tipo de material gerado no local.
Para o acondicionamento e armazenamento de RCC, seguiu-se as
orientações da Resolução Conama 448/2012, que ressalta que:

O gerador deve garantir o confinamento dos resíduos após a


geração até a etapa de transporte, assegurando em todos os
casos em que se torne possível, as condições de reutilização e
de reciclagem. (CONAMA, 2012).

De acordo com a Lei Municipal 13.867/2006, os RCC e volumosos


podem ser coletados por:

Dispositivos utilizados para a coleta e posterior transporte de


resíduos, tais como caçambas metálicas estacionárias,
160

caçambas basculantes instaladas em veículos autopropelidos,


carrocerias para carga seca, incluídos os veículos utilizados no
transporte do resultado e movimento de terra. (SÃO
CARLOS, 2006).

Durante a execução das obras, no “Pátio de Resíduos”, foram


previstas caçambas temporárias para os RCCs com placas informativas para
diferenciação dos tipos de resíduos sólidos para auxiliar a segregação
adequada (Figura 1).

Figura 1 – Caçambas para resíduos A e B durante a execução do empreendimento C

Fonte: Ville Projetos de Engenharia (2014).

Após o esgotamento da capacidade das caçambas destinadas aos


resíduos Classe A, foi proposto o transporte até Área de Transbordo e
Triagem (ATT) por empresas cadastradas pela Prefeitura Municipal de São
Carlos (utilizando veículos apropriados), de modo a contemplar as
orientações do Capítulo VIII (artigos 23, 24 e 30) da Lei Municipal
13.867/2006 (SÃO CARLOS, 2006).
Saneamento e o Ambiente - 161

Para os resíduos de Classe IIB, foi proposto seu encaminhamento


para a cooperativa que realiza a coleta seletiva no município. A madeira
destina-se à área de transbordo e triagem, indicada pela Prefeitura
Municipal. Para o gesso foi proposto destino para a reciclagem e/ou
recuperação (com viabilidade econômica) ou em aterro de resíduos classe I.
Para os resíduos perigosos (Classe D) gerados nas obras (latas de tinta,
solventes e óleo lubrificante), foi recomendada sua coleta por caminhões da
obra durante sua geração e encaminhamento até depósitos, os quais
construídos temporariamente para o armazenamento destes materiais
(Figura 2).
Os resíduos orgânicos e recicláveis gerados no refeitório,
almoxarifado e nas salas de engenharia foram depositados em coletores
(Figura 3).

Figura 2 – Depósito de Resíduos Classe D (perigosos) durante a execução do empreendimento C

Fonte: Ville Projetos de Engenharia LTDA, 2014.

No caso dos resíduos recicláveis e orgânicos gerados pelos motoristas


e operadores, foi proposta a distribuição de coletores “portáteis” para
serem colocados nas alavancas dos câmbios dos veículos a fim de
permitirem o armazenamento temporário dos mesmos.
162

Figura 3 – Coletores para resíduos seletivos gerados na execução do empreendimento C

Fonte: Ville Projetos de Engenharia (2014).

Para corroborar com as ações programadas e obter melhores


resultados, realizaram-se treinamento e ações de educação ambiental para
os colaboradores.

3.2.3 Transporte de resíduos sólidos

No início das obras, os resíduos volumosos gerados durante a limpeza


da camada vegetal (solo com raízes e galhos de árvores) foram
transportados e encaminhados por empresas especializadas e cadastradas
junto à Prefeitura Municipal de São Carlos para a destinação adequada.
Na fase de terraplenagem das obras foram realizados cortes dos
terrenos cujo material (solo) foi aproveitado nos próprios empreendimentos
como aterros, sem a necessidade de descarte.
O transporte interno dos resíduos das Classes A, B, C e D foi feito por
funcionários até Pátio de Resíduos, sendo, posteriormente, transportados
para os locais de destino adequados, sem ônus para a administração
pública, pois a responsabilidade é dos geradores.
Os resíduos sólidos recicláveis e orgânicos foram transportados até
os coletores dispostos nos canteiros das obras, sendo, posteriormente,
encaminhados à cooperativa do município. O material orgânico foi recolhido
em lixeiras próprias e transportado pela empresa que realiza esta atividade
no município.
Saneamento e o Ambiente - 163

3.2.4 Destinação final

O destino final dos resíduos orgânicos e rejeitos provenientes do


refeitório e do canteiro de obras foi o Aterro Sanitário Municipal de São
Carlos, e os resíduos recicláveis foram doados à cooperativa atuante no
município.
Os RCCs foram destinados, conforme orientação do artigo 10 (por
tipo) do Conama (2002).

4 CONCLUSÃO

Por fim, conclui-se que o Plano de Gerenciamento de Resíduos


Sólidos é relevante na área urbana, pois possibilita a adequação de
procedimentos, em consonância às exigências legais e normativas, bem
como auxilia a tomada de decisão do gerador de forma antecipada.
A infraestrutura implantada nas obras permitiu o adequado manejo
de resíduos sólidos, especialmente os perigosos, tornando a obra limpa e
segura para a realização das atividades programadas.
As ações de sensibilização ambiental, realizadas durante as obras,
despertaram participação voluntária dos colaboradores, sendo fundamental
para a efetiva segregação dos resíduos sólidos.

REFERÊNCIAS

ABNT – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 10004 – classificação de resíduos


sólidos. São Paulo: ABNT, 2004. 71p.
ABRELPE - ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EMPRESAS DE LIMPEZA PÚBLICA E RESÍDUOS ESPECIAIS.
Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil 2016. São Paulo: ABRELPE, 2016. 64p. Disponível
em: <www.abrelpe.org.br> Acesso em: 12 jan. 2018.
ACHILLAS, Ch.; BANIAS, G.; MOUSSIOPOULOS, N. et al. A web-based decision support system
for the optimal management of construction and demolition waste. Waste Management, v.
31, n. 12, p. 2497-2502, 2011.
BRASIL. Lei Federal 12.305, de 2 de agosto de 2010. Política Nacional de Resíduos Sólidos.
Brasília: MMA, 2010a. Disponível em:
<http://www.mma.gov.br/port/conama/legiabre.cfm?codlegi=636> Acesso em: 12 jan.
2018.
BRASIL. Decreto Federal 7404, de 23 de dezembro de 2010. Regulamenta a Lei 12.305, de 2 de
agosto de 2010. Brasília: MMA, 2010b. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/decreto/d7404.htm> Acesso
em: 12 jan. 2018.
164

CONAMA – CONSELHO NACIONAL DE MEIO AMBIENTE. Resolução 307, de 5 de julho de 2002.


Disponível em: <http://www.mma.gov.br/port/conama/legiabre.cfm?codlegi=307>. Acesso
em: 12 jan. 2018.
CONAMA – CONSELHO NACIONAL DE MEIO AMBIENTE. Resolução 348, de 16 de agosto de
2004. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/port/conama/legiabre.cfm?codlegi=449>.
Acesso em: 12 jan. 2018..
CONAMA – CONSELHO NACIONAL DE MEIO AMBIENTE. . Resolução 431, de 24 de maio de
2011. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/port/conama/legiabre.cfm?codlegi=649>.
Acesso em: 12 jan. 2018.
CONAMA – CONSELHO NACIONAL DE MEIO AMBIENTE. Resolução 448, de 18 de janeiro de
2012. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/port/conama/legiabre.cfm?codlegi=672>.
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CONAMA – CONSELHO NACIONAL DE MEIO AMBIENTE. Resolução 469, de 29 de julho de
2015. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/port/conama/legiabre.cfm?codlegi=714>.
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LAKATOS, E. M.; MARCONI, M. A. Fundamentos de metodologia científica. 7. ed. São Paulo:
Atlas, 2010. 270 p.
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PINTO, T. P. Metodologia para a gestão diferenciada de resíduos sólidos da construção urbana.
189 p. Tese (doutorado) – Engenharia, Escola Politécnica, Universidade de São Paulo, 1999.
SÃO CARLOS (Prefeitura). Lei 13.867, de 12 de setembro de 2006. Institui o Plano de
gerenciamento integrado de resíduos da construção civil e o sistema para gestão destes
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SOUZA, U. E. L.; PALIARI, J. C.; ANDRADE, A. C. et al. Perdas de materiais nos canteiros de obras:
a quebra do mito. Qualidade na Construção, v. 2, n. 13, p. 10-5, 1998. Disponível em:
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São Carlos-SP: Ville Projetos de Engenharia, 2014. (Documentos impressos).
Saneamento e o Ambiente - 165

Capítulo 8

ESTIMATIVA DE GERAÇÃO DE RESÍDUOS SÓLIDOS E USO DE


TÉCNICAS DE GEOPROCESSAMENTO PARA IDENTIFICAÇÃO DE
ÁREAS POTENCIAIS DE DISPOSIÇÃO FINAL

25
Ligia Flávia Antunes Batista
26
Raissa Franco Moda
27
Tatiane Cristina Dal Bosco

1 INTRODUÇÃO

A modernização, associada ao aumento da renda e da expectativa de


vida da população, tem ocasionado o crescimento de sociedades urbanas.
Os incentivos ao consumo e a produção de bens cada vez menos duráveis
têm refletido, consequentemente, no aumento da produção e da
diversidade dos resíduos sólidos urbanos (RSU).
Os resíduos, quando dispostos de forma incorreta, ocasionam
problemas, muitas vezes complexos, para a sociedade e para o meio
ambiente, como, por exemplo, sua degradação, poluição do solo, do ar, das
águas superficiais e subterrâneas. Além disso, deve-se considerar a
proliferação de vetores, os aspectos estéticos negativos e ainda a
depreciação imobiliária (LOPES, 2011).
No Brasil, de maneira geral, a destinação inadequada dos resíduos
sólidos, ultimamente tem sido uma questão extensamente discutida sendo
apontado como um problema crítico, já que afeta diretamente a vida de
toda população. Conforme Relatório da Situação da Disposição Final de
Resíduos Sólidos Urbanos no Estado do Paraná (2017), no ano de 2016 cerca
de 2800 toneladas de resíduos foram destinados diariamente em aterros
controlados ou lixões. É importante evidenciar que as estruturas

25
Doutora em Ciências Cartográficas, docente da UTFPR. E-mail: ligia@utfpr.edu.br
26
Graduanda em Engenharia Ambiental. E-mail: rfrancomoda@gmail.com
27
Doutora em Engenharia Agrícola, docente da UTFPR. E-mail: tatianebosco@utfpr.edu.br
166

mencionadas não possuem recursos e medidas fundamentais para proteção


do meio ambiente contra degradações.
Com a implantação da Política Nacional dos Resíduos Sólidos (PNRS),
publicada em 2 de agosto de 2010 pela Lei 12.305/2010 (BRASIL, 2010),
determinou-se que devem ser encaminhados para a disposição final em
aterros sanitários apenas os rejeitos. Além disso, ficou estabelecido aos
municípios brasileiros que até 2 de novembro de 2014 os lixões a céu aberto
e os aterros controlados fossem extintos (CONDE et al., 2015). Entretanto,
mesmo após esse prazo, uma grande fração dos municípios brasileiros
continua realizando de forma inadequada a disposição final de seus
resíduos. Segundo dados do Roteiro para encerramento dos lixões publicado
pela ABRELPE (SILVA FILHO, 2017), cerca de três mil lixões foram
identificados no ano de 2017 em todo território nacional.
A escolha de uma área para servir de aterro sanitário de resíduos não
perigosos deve respeitar os critérios técnicos exigidos pela norma NBR
13.896 (ABNT, 1997) e, no caso do Estado do Paraná, a Resolução CEMA 94
(PARANÁ, 2014), sendo os critérios mais relevantes para implantação:
declividade, proximidade de corpos hídricos, proximidade a núcleos
urbanos, profundidade do lençol freático, facilidade de acesso e vida útil.
No Paraná, muitos municípios não contam com locais adequados
para destinação dos resíduos sólidos, como é o caso de algumas cidades da
Região Metropolitana de Londrina (RML), a citar: Jataizinho, Rancho Alegre e
Uraí. Por serem municípios de pequeno porte, com poucos habitantes,
muitas vezes, não há condições econômicas para cada um dos municípios
realizarem investimentos em obras desse tipo.
A Lei Federal 12.305, de 2 de agosto de 2010 (BRASIL, 2010),
apresenta como solução para municípios que se deparam com tais
problemas a conformação de consórcios intermunicipais, que, dentre outras
vantagens, podem resultar na diminuição de custos para a disposição final
dos resíduos sólidos urbanos gerados.
Para tanto, realizou-se um estudo de caso, considerando as
legislações vigentes e a necessidade de minimização dos impactos
ambientais da implantação de aterros sanitários. Fez-se a projeção
populacional dos municípios de Jataizinho, Rancho Alegre e Uraí, o seu
Saneamento e o Ambiente - 167

respectivo dimensionamento e a indicação de áreas mais aptas para a


implantação de um aterro sanitário consorciado.

2 RESÍDUOS SÓLIDOS URBANOS

A NBR 10.004/2004 (ABNT, 2004a), define resíduo sólido como:

Resíduos nos estados sólido e semi-sólido, resultantes das atividades


de uma comunidade, de origem: industrial, doméstica, hospitalar,
comercial, agrícola, de serviço e de varrição. Além disso, também são
considerados resíduos sólidos os lodos provenientes dos sistemas de
tratamento de água e também aqueles gerados em equipamentos e
instalações de controle de poluição, bem como determinados
líquidos, cujas particularidades tornem o seu lançamento na rede
pública de esgotos ou corpo d’água inviável, ou exijam para isso
soluções técnicas e economicamente inviáveis em detrimento da
melhor tecnologia disponível.

No Brasil, no ano de 2017, foram geradas cerca de 214.900 toneladas


de resíduos/dia, totalizando aproximadamente 79 milhões de
toneladas/ano. Ressalta-se que houve um crescimento de 1% com relação à
geração de resíduos do ano anterior (2016), salientando o grande
crescimento no volume de resíduos sólidos no decorrer dos anos (ABRELPE,
2017).
O aumento da geração de resíduos chama a atenção para outro
aspecto muitas vezes desconhecido: sua destinação e posterior disposição.
A disposição final de resíduos sólidos, segundo a Política Nacional de
Resíduos Sólidos (PNRS), é a “distribuição ordenada de rejeitos em aterros,
respeitando as normas operacionais específicas de modo a evitar danos ou
riscos à saúde pública e à segurança, minimizando os impactos ambientais”
(BRASIL, 2010, s/p).
O aterro sanitário, segundo a NBR 8419/1992, “é uma técnica de
disposição de resíduos sólidos urbanos no solo, que não causa danos à
saúde pública e à segurança”. Além disso, os aterros desse tipo utilizam
conceitos de engenharia para dispor os resíduos na menor área possível
com o menor volume, realizando sua cobertura com camada de solo, ou
outro material inerte, na conclusão de cada jornada de trabalho. Os aterros
sanitários devem ter alguns requisitos mínimos, tais como:
168

Impermeabilidade da área, cobertura diária da camada de resíduos (com


solo ou outra substância inerte), desenvolvimento de projeto de
investigações geológicas e hidrogeológicas, contínuo gerenciamento de
todos os resíduos recebidos e desenvolvimento de um projeto de
encerramento. Além disso, tais estruturas são monitoradas
permanentemente garantindo a inexistência, ou a mitigação de qualquer
impacto ambiental ou social causado. Suas principais vantagens estão
relacionadas à sua grande maleabilidade para receber uma gama
demasiadamente grande de resíduos, seu baixo custo quando comparado
com outras soluções, como a incineração, e a coerência com formas
avançadas de valorização dos resíduos, desde que apenas os rejeitos sejam
encaminhados para o aterro sanitário (RUSSO, 2003). Outro ponto
importante a ser considerado refere-se à inexistência de impactos
ambientais, desde que seu projeto e sua operação ocorram de forma
planejada, de acordo com todos os requisitos de um aterro desse tipo,
apontados nas normas NBR 8419/1992, NBR 13896/1997 relacionadas a
aterros sanitários de Resíduos Não Perigosos, e outras legislações
pertinentes de acordo com o porte e a localização do aterro.
No Brasil, utiliza-se também como forma de disposição final de
resíduos sólidos os aterros controlados e lixões. Embora não sejam maneiras
adequadas, ainda são realidade no país. O aterro controlado contém alguns
elementos a mais que os lixões, visto que, por intervenção da legislação e
dos órgãos de proteção do meio ambiente, promovem com alguma
frequência a cobertura dos resíduos com solo (ou outro material inerte).
Entretanto, o tratamento não é eficiente, uma vez que na maioria dos casos
um aterro controlado não possui nenhum tipo de tratamento do lixiviado ou
impermeabilização do solo, causando assim sua poluição ou ainda a
poluição das águas subterrâneas (NASCIMENTO, 2012). Por não possuir
sistema de coleta de lixiviado, no aterro controlado esse líquido fica retido
no interior do aterro, o que pode proporcionar a desestabilização do
maciço, desabamentos e grande risco de acidentes em sua operação.
Já os lixões são formas totalmente inadequadas de disposição final de
resíduos e são caracterizados pela descarga desses materiais diretamente
no solo, sem qualquer tipo de tratamento prévio ou ordenação (FEAM,
1995). Os impactos ambientais causados pelos lixões são inúmeros, uma vez
Saneamento e o Ambiente - 169

que eles intensificam a poluição do ar, do solo e das águas, principalmente


por meio da percolação do chorume, que apresenta grande potencial
poluidor e surge pela infiltração, lixiviação da água e decomposição da
matéria orgânica contida nos resíduos. Além disso, as áreas onde são
localizados os lixões podem apresentar riscos de incêndio, com explosão e
deslizamentos (NASCIMENTO, 2012).
É importante evidenciar que a partir de 2014, segundo a PNRS
(BRASIL, 2010), ficou proibida a destinação final de resíduos sólidos em
lixões ou em aterros controlados. Sendo assim, os RSU devem ser tratados,
reutilizados ou reciclados e apenas os rejeitos devem seguir para os aterros
sanitários.

3 ESTUDO DE CASO: REGIÃO METROPOLITANA DE LONDRINA

No mapa da Figura 1 apresentam-se os 25 municípios que fazem


parte da RML, destacando-se os três que são objeto deste capítulo. Uraí e
Rancho Alegre não contam com nenhuma estrutura de disposição final de
resíduos sólidos e o município de Jataizinho possui uma estrutura com a vida
útil esgotada, sendo necessária a construção de um novo empreendimento.
Os mapas e dados georreferenciados utilizados neste estudo foram:
a) modelo digital de elevação (MDE), na escala de 1:250.000,
disponibilizado pelo projeto TOPODATA, do Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais (INPE);
b) mapa rodoviário disponível na plataforma digital do Departamento
Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT);
c) mapa hidrográfico acessível no portal digital Hidroweb, da Agência
Nacional das Águas (ANA);
d) mapas políticos municipal e estadual oriundos da plataforma
digital do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE);
e) dados referentes à localização e profundidades de poços na área
de estudo, proveniente da plataforma digital do Sistema de Informação de
Águas Subterrâneas – SIAGAS, desenvolvido pelo Serviço Geológico do Brasil
(CPRM). Tais dados foram utilizados para estimar a profundidade do lençol
freático, por meio do nível estático da água;
170

Figura 1 – Região Metropolitana de Londrina

f) dados populacionais referentes aos anos de 2010 e 2016, obtidos


por meio da plataforma digital do Instituto Paranaense de Desenvolvimento
Econômico e Social (IPARDES);
g) dados referentes ao percentual da população atendida com
serviços de coleta de resíduos domiciliares no ano de 2013, provenientes da
plataforma digital do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento
(SNIS).
Todo o processamento de dados georreferenciados do presente
trabalho foi realizado por meio do software livre QGIS.

3.1 PRÉ-PROCESSAMENTO DOS DADOS GEORREFERENCIADOS

Foram aplicadas as seguintes operações:


a) Geração de grade de declividade (em percentual), a partir do MDE
TOPODATA;
b) Geração de matriz de proximidade em relação à malha viária, área
urbana e corpos hídricos;
Saneamento e o Ambiente - 171

c) Estimativa de profundidade do lençol freático a partir de


interpolação do dado de nível de água do lençol freático, com o método
IDW (Inverse Distance Weighted);
d) Projeção populacional e estimativa de geração de resíduos: Para
realizar a projeção populacional foram utilizados dados do IPARDES. Com
relação ao cálculo da geração de resíduos ao longo dos anos, foram
utilizados dados provenientes do SNIS para analisar a taxa de coleta dos
municípios e dados de geração per capta apresentados por Monteiro (2001).

3.2 ANÁLISE MULTICRITÉRIO

Os critérios avaliados para identificar as áreas mais adequadas para a


instalação do aterro foram: declividade, profundidade do lençol freático e
distâncias da rede viária, das áreas urbanizadas e dos corpos hídricos. A
análise multicritério pode ser realizada de diferentes maneiras e a
metodologia aplicada neste estudo foi a utilização de inferência fuzzy e
posterior aplicação do método Analytic Hierachy Process (AHP), proposto
por Saaty (1990), para obtenção do resultado final, já utilizado em trabalhos
semelhantes tais como: Samizava (2006) e Lopes (2011).
Por meio da abordagem fuzzy foi possível representar regiões de
transição entre áreas adequadas e inadequadas para instalação de aterros,
bem como normalizar os mapas. Foram aplicadas funções sigmoidais, como
proposto por Eastman (1999), para modelar os critérios que envolveram
esta análise.
Para integrar todos os fatores em um mapa síntese que apresentasse
os locais mais adequados para instalação de aterro sanitário foi aplicada
uma abordagem de média ponderada, em que os pesos foram obtidos a
partir da aplicação do método AHP. Esta abordagem consiste na
comparação pareada das variáveis, por meio da atribuição de grau de
importância relativa entre elas. Como resultado da comparação pareada foi
gerada uma matriz 5x5, e a partir dessa matriz, os autovalores de cada uma
das variáveis foram calculados. Os autovalores são os pesos finais que foram
multiplicados por cada um dos mapas resultantes da normalização pelo
método fuzzy, gerando o mapa final de adequabilidade da área para a
implantação de um aterro sanitário.
172

3.3 PROJEÇÃO POPULACIONAL E GERAÇÃO DE RESÍDUOS

A projeção populacional realizada foi parte do processo para obter a


quantidade de resíduos gerada atualmente e também a previsão de geração
para 15 anos. Calculou-se a geração diária de resíduos ao longo de toda vida
útil do empreendimento, possibilitando seu dimensionamento e a definição
pela melhor área de implantação. Utilizou-se, para tanto, um método de
projeção populacional simplificado.
Consideraram-se os dados obtidos no IPARDES referentes à
população dos anos de 2010 e 2016 e, assim calculou-se a taxa de
crescimento populacional ao longo dos seis anos. Em seguida, fez-se a
extrapolação até o ano de 2031. Tal método foi utilizado haja visto que a
taxa de crescimento e a população são pequenas, com alterações pouco
significativas ao longo dos anos.
A taxa utilizada no que se refere à população atendida pelo sistema
de coleta foi proveniente do SNIS (2015). Os dados são referentes aos anos
de 2010 a 2013, sendo possível calcular a taxa de coleta ao longo desses
anos e realizar sua extrapolação para os anos seguintes. Como os municípios
são pequenos, a taxa de coleta é bem alta, variando entre 90 e 100%. A
extrapolação da taxa até o ano de 2031 resulta uma situação em que não há
nenhuma melhora na coleta de resíduos dos municípios ao longo dos anos,
possibilitando a indicação de uma área que comporte um aterro sanitário na
condição de atendimento de 100% da população urbana.
A geração per capta adotada para os cálculos foi sugerida por
Monteiro (2001). Segundo o autor, para uma população de até 30 mil
habitantes adota-se o valor de 0,5 kg/hab/dia para a geração per capta de
resíduos sólidos urbanos.
Para calcular a quantidade diária gerada de resíduos (t/dia) a
equação (1) foi utilizada:

𝑡𝑜𝑛 𝑝𝑜𝑝∗𝑝𝑒𝑟𝑐𝑎𝑝𝑡𝑎∗%𝑑𝑒𝑐𝑜𝑙𝑒𝑡𝑎
𝐺𝑒𝑟𝑎çã𝑜 (𝑑𝑖𝑎 ) = 1000
(1)

Em que: pop é a população; per capta é a geração per capta adotada;


e % de coleta é o percentual de resíduos coletados.
Saneamento e o Ambiente - 173

Para determinar a quantidade de resíduos sólidos urbanos gerados


por ano, utilizou-se a equação (2):

𝑡𝑜𝑛 𝑡𝑜𝑛
𝐺𝑒𝑟𝑎çã𝑜 (𝑎𝑛𝑜) = 𝐺𝑒𝑟𝑎çã𝑜 (𝑑𝑖𝑎 ) ∗ 𝑑𝑖𝑎𝑠𝑑𝑜𝑎𝑛𝑜 (2)

A geração de resíduos, em m³/dia e em m³/ano, foi determinada por


meio das Equações 3 e 4, respectivamente. Para tanto, foi adotado o valor
de 230 kg/m³ para o peso específico do resíduo, conforme Monteiro (2001):

𝑡𝑜𝑛
𝑚³ 𝑔𝑒𝑟𝑎çã𝑜( )
𝑑𝑖𝑎
𝐺𝑒𝑟𝑎çã𝑜 (𝑑𝑖𝑎) = 𝐾𝑔 ∗ 1000 (3)
𝑃𝑒𝑠𝑜𝑒𝑠𝑝𝑒𝑐í𝑓𝑖𝑐𝑜( 3 )
𝑚

𝑚³ 𝑚³
𝐺𝑒𝑟𝑎çã𝑜 (𝑎𝑛𝑜) = 𝐺𝑒𝑟𝑎çã𝑜 (𝑑𝑖𝑎) ∗ 𝑑𝑖𝑎𝑠𝑑𝑜𝑎𝑛𝑜 (4)

Ressalta-se que o dimensionamento do aterro foi realizado supondo-


se que a disposição final dos resíduos será realizada em trincheiras ou valas.
O dimensionamento das valas foi realizado, auxiliando na escolha das áreas
mais adequadas para implantação do aterro sanitário. Para cálculo do
dimensionamento das valas do aterro algumas variáveis precisam ser
adotadas, sendo elas: fator de compactação, fator de cobertura, altura,
limite superior e limite inferior, das trincheiras.
O fator de compressão, ou a compressividade, é o nível de
compactação ou a diminuição do volume que uma massa de resíduos pode
sofrer quando compactada (MONTEIRO, 2001). Sabendo disso, o grau de
compactação adotado foi 3:1. Segundo Monteiro (2001), esse é o valor
mínimo de compactação dos resíduos, e significa que 3 m³ de resíduos
ficarão reduzidos a 1 m³ após a compactação.
Ressalta-se que fator de cobertura é a quantidade de material inerte
que será disposta sobre os resíduos ao final da jornada de trabalho. Nesse
caso o valor utilizado foi 15%.
Com relação às dimensões determinadas para as valas, recomenda-se
que a inclinação do talude siga a proporção 1:3, ou seja, a cada 1 m de
altura a trincheira deve ter 3 metros de base. Dessa forma, foi determinado
que as trincheiras propostas teriam altura igual a 3 m (h=3), limite superior
174

igual a 48 m (Ls=48) e limite inferior igual a 30 m (Li=30). O volume das


trincheiras foi calculado por meio da equação (5).

𝑔𝑒𝑟𝑎çã𝑜
𝑉= 𝐹.𝑐𝑜𝑚𝑝
∗ 𝐹. 𝑐𝑜𝑏 (5)

Em que: V é o volume das trincheiras; F. comp é o fator de


compressividade; e F. cob é o fator de cobertura.
Para o cálculo do comprimento das trincheiras, a equação (6) foi
deduzida para a equação (7), tornando possível o cálculo dessa variável.

𝐶∗ℎ∗(𝐿𝑖+𝐿𝑠)
𝑉𝑡 = 2
(6)

𝑉
𝐶= ℎ∗(𝐿𝑖+𝐿𝑠) (7)
2

Em que: Vt é o volume total; C é o comprimento; h é a altura; Li é o


limite inferior; e Ls é o limite superior.
As trincheiras foram projetadas para 15 anos totalizando 15
trincheiras, ou seja, 1 trincheira a cada ano.

4 ÁREAS POTENCIAIS PARA A IMPLANTAÇÃO DE ATERRO SANITÁRIO


CONSORCIADO

Apresentam-se na Figura 2 os mapas com os resultados para o fator


hidrografia. Os demais mapas encontram-se em Moda (2017). De modo
geral, verifica-se que a área é banhada por vários corpos d’água,
inviabilizando muitas áreas para implantação de aterro, a fim de reduzir a
suscetibilidade dos recursos hídricos à contaminação.
Os pesos resultantes da aplicação do método AHP encontram-se no
Quadro 1. Observa-se que a distância dos cursos d’água está associada ao
maior peso, ou significância, com relação aos outros critérios, enquanto a
distância da rede viária obteve o menor grau de importância entre todos os
parâmetros avaliados. Ressalta-se dessa forma, que os critérios ambientais
resultaram em pesos maiores quando comparados aos critérios de logística,
Saneamento e o Ambiente - 175

indicando que para este estudo os parâmetros ambientais são mais


relevantes.

Quadro 1 – Pesos finais gerados com o método AHP


Critério avaliado Peso
Distância dos cursos d’água 0,302
Declividade 0,230
Profundidade do lençol freático 0,209
Distância a área urbana 0,200
Distância a rede viária 0,060

Os pesos obtidos para cada um dos critérios avaliados foram


multiplicados por seu respectivo mapa fuzzy e somados, gerando assim o
mapa final, representado na Figura 3, que indica o nível de adequabilidade
da área de estudo para receber um aterro sanitário.
Por meio do mapa da Figura 3, foi possível realizar uma análise e
seleção das áreas mais aptas para a implantação do empreendimento em
questão. As regiões que apresentam maior adequabilidade e possuem maior
disponibilidade de espaço para construção de um aterro sanitário foram
apontadas e ilustradas na Figura 3 com as letras de A a F. Foi realizado o
cálculo de área para cada região para verificar qual estava mais próxima da
área necessária para construção de um aterro sanitário, considerando a
geração de resíduos dos municípios atendidos. Os resultados estão
apresentados no Quadro 2.
Ressalta-se que as regiões A, B e E, apesar de possuírem dimensões
que permitem a operação do aterro sanitário, tornam-se inviáveis pela
distância dos centros urbanos, ocasionando problemas com relação à
logística, uma vez que as 3 áreas urbanas devem ser consideradas na
análise. Dessa forma, as regiões C, D e F mostram-se mais viáveis para
implantação do aterro sanitário, visto que possuem adequabilidade acima
ou próxima a 0,75, e assim como as demais regiões, possuem dimensões
favoráveis ao empreendimento e ainda ficam localizadas a uma distância
intermediária entre as 3 áreas urbanas atendidas.
176

Figura 2 – (a) Hidrografia da área de estudo; (b) Mapa de proximidade aos cursos d’água;
(c) Mapa fuzzy da distância aos corpos hídricos

Com relação à estimativa de geração de resíduos sólidos, por meio


dos cálculos discutidos na seção 2.4.3, foram obtidos os resultados quanto à
população, geração de resíduos, volume e comprimento das trincheiras
referentes aos 21 anos analisados. Como os cálculos foram realizados
separadamente para cada município, mas ao final devem ser somados uns
aos outros, uma vez que o aterro consorciado atenderá Jataizinho, Rancho
Alegre e Uraí igualmente, os resultados apresentados na Tabela 1 são
referentes aos 3 municípios atendidos pelo aterro sanitário.
Saneamento e o Ambiente - 177

Figura 3 – Mapa da adequabilidade da área de estudo

Quadro 2 – Possíveis áreas para implantação de um aterro sanitário


A B C D E F

Área (km²) 7,34 3,89 8,11 10,69 7,57 7,93

Nota-se que a população atendida ao final da vida útil do aterro será


de aproximadamente 31.000 habitantes, gerando cerca de 14 t/dia de
resíduos. Por meio da Tabela 1 é possível afirmar que o aterro sanitário
dimensionado enquadra-se na classificação de aterro sanitário de pequeno
porte (BRASIL, 2008), uma vez que a geração diária de resíduos não
ultrapassa de 20 t/dia, configurando inúmeras vantagens para o
empreendimento, como, por exemplo, o licenciamento ambiental mais
simplificado, quando comparado ao licenciamento de um aterro de grade
porte. Além disso, foi possível analisar que o volume das trincheiras varia de
aproximadamente 6.900 a 7.900 m³, enquanto o comprimento oscila entre
aproximadamente 60 e 66 m, ao longo da vida útil do aterro sanitário.
178

Sendo assim, é possível afirmar que as dimensões das trincheiras


construídas serão semelhantes.
É importante ressaltar ainda que problemas com relação à
construção ou operação das trincheiras podem ser resolvidos de forma mais
rápida caso seja construída uma trincheira a cada ano e não uma única
trincheira para toda a vida útil do aterro.
Por meio dos cálculos nota-se ainda que não é necessária uma área
muito extensa para construção do aterro, considerando as especificações
das trincheiras e também o espaço necessário para construção de toda
estrutura que envolve um aterro sanitário, por exemplo, balança, guarita,
cerca viva e outros. Dessa forma, o tamanho da área não é um fator
limitante na escolha do local com maior aptidão para implantação.
Para melhor quantificação da área total ocupada pelas trincheiras,
sua extensão foi calculada considerando valores acima dos obtidos pelos
cálculos. Adotou-se a medida de 70 metros de comprimento e 50 metros de
largura para cada trincheira, além disso foi considerado o espaço de 20
metros entre as trincheiras para que haja espaço de manobras para os
caminhões. Desta maneira, a extensão territorial (área) ocupada apenas
pelas trincheiras será de aproximadamente 116.000,0 m² (0,12 km²), um
valor bem baixo com relação à extensão territorial das áreas identificadas
como aptas para implantação e operação de um aterro sanitário. Na Figura
4 ilustra-se o esboço da área destinada as trincheiras do aterro.

Figura 4 – Esboço da área destinada às valas do aterro sanitário


Saneamento e o Ambiente - 179

Tabela 1 – Resultados da projeção populacional, geração dos resíduos e dimensionamento das


valas do aterro

Ano População Geração de Volume Comprimento (m)


(hab) resíduos (m³/ano)
(ton/dia)
2010 27302 12,85 7819,17 66,83
2011 27461 12,95 7877,87 67,33
2012 27620 12,61 7671,47 65,57
2013 27779 12,52 7618,62 65,12
2014 27938 12,59 7661,81 65,49
2015 28097 12,67 7704,10 65,85
2016 28256 12,74 7748,18 66,23
2017 28415 12,81 7791,37 66,59
2018 28574 12,88 7834,56 66,96
2019 28733 12,95 7877,75 67,33
2020 28892 13,02 7920,93 67,70
2021 29051 13,09 7964,12 68,07
2022 29210 13,16 8007,37 68,44
2023 29369 13,23 8050,49 69,81
2024 29528 13,30 8093,68 69,18
2025 29687 13,38 8136,87 69,55
2026 29846 13,45 8180,06 69,92
2027 30005 13,52 8223,24 70,28
2028 30164 13,59 8266,43 70,65
2029 30323 13,66 8309,62 71,02
2030 30482 13,73 8352,80 71,39
2031 30641 13,80 8395,99 71,76

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este capítulo apresentou informações que servem de subsídio para a


tomada de decisões para o gerenciamento de resíduos sólidos municipais.
Tais informações são fundamentadas em estudos e critérios técnicos, de
modo que a legislação ambiental seja cumprida e o meio ambiente seja
protegido, de forma a promover a sustentabilidade.
Os fatores ambientais foram considerados de maior importância para
o estudo de caso realizado. O fator socioeconômico, no que se refere à
população, também foi considerado, principalmente pelo critério distância
das áreas urbanizadas, que levou em conta os impactos negativos que um
aterro sanitário pode causar aos habitantes.
180

Com relação à projeção populacional e à geração de resíduos,


embora tenham sido realizadas de forma simplificada, proporcionam o
encaminhamento para a definição do tamanho e localização da área do
aterro sanitário consorciado entre os municípios analisados.
Desta forma, ressalta-se a importância de avaliações criteriosas para
a instalação de empreendimentos de alto potencial de impacto ambiental,
as quais possam de fato nortear os rumos de projetos desta natureza, em
detrimento de questões políticas e econômicas, que, em geral, não têm a
tônica de mitigação de riscos ambientais.

REFERÊNCIAS

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perigosos – Critérios para projeto, implantação e operação. Rio de Janeiro: ABNT, 1997.
ABNT – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 10.004: resíduos sólidos. Rio de
Janeiro: ABNT, 2004a.
ABNT – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 8.419: Apresentação de projetos
de aterros sanitários de resíduos sólidos urbanos: procedimentos. Rio de Janeiro: ABNT,
1992. Versão corrigida: 1996.
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altera a Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998; e dá outras providências. Brasília: DOU,
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Saneamento e o Ambiente - 181

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2017.
182
Saneamento e o Ambiente - 183

Capítulo 9

SISTEMAS DE CÁLCULOS E COBRANÇA PELOS SERVIÇOS DE MANEJO


DE RESÍDUOS SÓLIDOS PREVISTOS NA POLÍTICA NACIONAL DE
RESÍDUOS SÓLIDOS28
29
Patricia Lopes Freire Pupin
30
Ana Claudia Giannini Borges

1 INTRODUÇÃO

A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), instituída pela Lei


12.305 de 2010 (BRASIL, 2010a) e regulamentada pelo Decreto 7.404 do
mesmo ano (BRASIL, 2010b), é uma Política Pública que visa a atender a
demanda de regulamentação dos resíduos sólidos gerados pela sociedade
brasileira.
A PNRS dispõe de instrumentos para sua devida aplicação no
território brasileiro. Dentre esses instrumentos, estão os Planos de Resíduos
Sólidos (BRASIL, 2010a, art. 8°, inciso I). Esses Planos devem ser elaborados
nas seguintes instâncias: nacional, estadual, microrregional, de regiões
metropolitanas ou aglomerações urbanas, intermunicipal, municipal
(incluindo o Distrito Federal) e de gerenciamento de resíduos sólidos (para
empreendimentos responsabilizados pela Lei) (BRASIL, 2010a, art. 14).
Dentre esses, pode-se considerar que os Planos Municipais e
Intermunicipais são aqueles que interagem diretamente com a questão dos
resíduos sólidos, devido à proximidade com os geradores. O que favorece
um diagnóstico real e atual da situação, assim como proposições diretas e
viáveis aos municípios.

28
Este artigo foi apresentado no I SINGEURB 2017 (Simpósio Nacional de Gestão e Engenharia
Urbana) e encontra-se nos anais deste evento. Ressalta-se que para esta publicação, houve revisões.
29
Mestranda em Geografia pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”,
UNESP Rio Claro. E-mail: patricialopesfreire@hotmail.com.
30
Doutora em Sociologia pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”.
Docente da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, UNESP Jaboticabal. E-
mail: agiannini@fcav.unesp.br.
184

Os Planos Municipais de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos


(PMGIRS) são obrigatórios para municípios com mais de vinte mil
habitantes. Há, também, a possibilidade de elaborar Plano Intermunicipal de
Resíduos Sólidos (PIRS), caso queiram se consorciar. Esses dois tipos de
Planos são elaborados em acordo com o art. 19 da PNRS, o qual define o
“conteúdo mínimo obrigatório” desses, cuja elaboração é estimulada pelo
Governo Federal, com o condicionamento do cumprimento de todos os
preceitos da PNRS para acessar recursos da União (BRASIL, 2010a, art. 19).
Para este ‘conteúdo mínimo’, a PNRS estabelece Instrumentos
Econômicos pelos quais o poder público municipal “poderá instituir medidas
indutoras” (BRASIL, 2010a, art. 42) em prol de atender inúmeras iniciativas de
controle, gestão dos resíduos sólidos, entre outros através de um “sistema de
cálculo dos custos da prestação dos serviços públicos de limpeza urbana e
de manejo de resíduos sólidos” (BRASIL, 2010a, art. 19, inciso XIII).
O uso de Instrumentos Econômicos para o planejamento ambiental é
tratado pela PNRS, mas foi instituído anteriormente pela Política Nacional
de Meio Ambiente (PNMA), Lei 6.938/1981 (BRASIL, 1981, 2010a). No caso
dos resíduos sólidos municipais no Brasil, tem-se também a Lei de
Saneamento, 11.445/2007 (BRASIL, 2007). Essas Leis legalizam e cobram a
adoção de taxas, tarifas ou outras formas de cobrança dos serviços de
31
manejo de resíduos sólidos , pelos entes públicos, em prol de proteção à
integridade do sistema ambiental (BRASIL, 2017).
Mesmo com estas Leis, inúmeros municípios não realizam cobrança
alguma. Na Pesquisa Nacional de Saneamento Básico em 2008, dos 5.564
municípios do país, 5.562 têm ‘serviços de manejo de resíduos sólidos’, mas
apenas 607 (11%) cobram por estes serviços, sendo que 441 municípios
realizam esta cobrança por tarifas, enquanto 166 municípios alegam fazer a
cobrança por outros meios não especificados. (IBGE, 2008)
Assim, é importante compreender como os Planos municipais ou
intermunicipais tratam a cobrança dos serviços de manejo de resíduos
sólidos, a fim de garantir a sustentabilidade econômico-financeira deste

31
A PNMA não utiliza o termo ‘manejo de resíduos sólidos’, aborda apenas o ‘tratamento e a
destinação’ (PNMA, 1981), sem orientar sobre a gestão de Resíduos Sólidos como um todo.
Porém, esta Lei assume a “[…] vanguarda na regulamentação sistêmica da proteção ambiental
no Brasil” (DERANI; SOUZA, 2013, p. 247).
Saneamento e o Ambiente - 185

serviço e gestão. O objetivo deste capítulo é identificar e analisar como os


Planos de Resíduos Sólidos dos municípios da microrregião de Jaboticabal-
SP, tratam o inciso XIII, do art. 19 da Política Nacional de Resíduos Sólidos.

2 INSTRUMENTOS ECONÔMICOS DE COBRANÇA DE SERVIÇOS PÚBLICOS


DE LIMPEZA URBANA E MANEJO DE RESÍDUOS SÓLIDOS

A ação governamental busca mecanismos a fim de modificar e limitar


o comportamento de diversos atores, para tal utiliza como práticas: a
política de comando e controle e/ou os instrumentos econômicos (BROLLO;
SILVA, 2001). Os autores afirmam ainda que:

A primeira caracteriza-se por impor normas e padrões de acesso e de


utilização dos recursos naturais. Os instrumentos econômicos, por
sua vez, empregam sinais de mercado (preços, taxas, subsídios) com
o objetivo de influenciar o comportamento dos agentes econômicos,
de modo a garantir o uso mais racional dos recursos naturais. A
orientação da Política Nacional de Resíduos acompanha esta análise,
pois incorpora estas ações como instrumentos para sua
implementação. (BROLLO; SILVA, 2001, p. 5).

A PNMA simboliza a “proteção jurídica” das questões ambientais


32
através de instrumentos jurídico-econômicos , já que esta “contém as bases
de uma política econômica ambientalmente mais ajustada, em decisão
compartilhada com a sociedade” (DERANI; SOUZA, 2013, p. 249).
A Lei 11.445/2007, que rege sobre o Saneamento Básico, assegura a
sustentabilidade econômico-financeira da gestão de resíduos sólidos através
da instituição de “tarifas, preços públicos e taxas para os serviços” (BRASIL,
2007, art. 29). Denny et al. (2013, p. 45) admitem que

[...] os instrumentos econômicos aplicáveis à gestão de recursos


naturais são ainda muito incipientes no Brasil. Tais instrumentos
possuem três principais funções: financiar os serviços de gestão;
orientar o comportamento dos agentes (gestores públicos, população

32
“[...] instrumento jurídico-econômico é toda norma que gere um movimento de estímulo no agente
econômico para atividades menos impactantes. Essas normas podem ser de cumprimento voluntário,
em vista de um ganho econômico direto, como tradicionalmente se entende as normas indicativas e
premiais, e também podem obedecer a uma construção híbrida, em que a consequência premial
encontra-se numa mais célere compreensão social e administrativa da construção ambientalmente
mais sustentável da opção econômica ambicionada.” (DERANI; SOUZA, 2013, p. 250).
186

e o setor produtivo) para cumprimento das metas municipais,


estaduais e federais; e internalizar no preço os impactos gerados.

De acordo com Andrade (2004), essas cobranças para internalizar os


impactos, são uma resposta às chamadas externalidades negativas, decorrentes
de uma imperfeição do mercado. As externalidades negativas são resultado
das atividades econômicas (consumo, produção, distribuição, dentre outras)
de certos agentes e que incidem em custo a outros agentes/sociedade.
As externalidades negativas são “[…] custos oriundos da atividade
produtiva que, todavia, não integram os cálculos do produto, sendo,
portanto, repassados, não para o mercado, mas para a coletividade e para o
governo” (DERANI; SOUZA, 2013, p. 259). Por não onerar o agente gerador,
essas externalidades não compõem o preço final do produto, logo “[…] os
indivíduos não sentem os custos totais das ações, e, por conseguinte,
realizam mais dessas do que a sociedade desejaria” (ANDRADE, 2004, p. 32).
Derani e Souza (2013) admitem ainda que a diminuição de externalidades
negativas gera, de imediato, um bem à coletividade.
Além dessas legislações (PNMA e Lei de Saneamento), a PNRS
também salienta, no inciso XIII do art. 19, a necessidade de cobrança, por
entes públicos, do serviço de manejo de resíduos, observada a Lei 11.445,
de 2007 (BRASIL, 2010a), e que esta esteja expressa nos Planos.
Em observação à Lei 11.445/2007, identifica-se que o ‘sistema de
cálculo dos custos’ está conceituado nos arts. nº 30 e 35, e para obter tal
sistema deve-se observar: renda da população, características do zoneamento
municipal, análise gravimétrica dos resíduos sólidos (separação, composição,
pesagem e classificação), destinação e todos os custos relacionados (BRASIL,
2007, arts. 30 e 35). Inclusive, neste sistema deve-se viabilizar a
internalização das externalidades negativas ao agente gerador.
Vale ressalvar que existem diferenças conceituais e jurídicas a
respeito das principais formas de cobrança (taxas e tarifas) dos serviços de
resíduos sólidos. O Código Tributário Nacional estabelece que taxas “têm
como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização,
efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao
contribuinte ou posto à sua disposição” (BRASIL, 1966, art. 77). Além de que
“não pode ter base de cálculo ou fato gerador idênticos aos que
Saneamento e o Ambiente - 187

correspondam a imposto nem ser calculada em função do capital das


empresas” (BRASIL, 1966, art. 77, parágrafo único).
Com relação à limpeza pública e a gestão de resíduos sólidos, Sabbag
(2016, p. 582-583) esclarece que há uma diferença entre a taxa de limpeza
pública (“atrelada a atividades como varrição, lavagem, capinação,
desentupimento de bueiros e bocas de lobo”) e a taxa de coleta domiciliar
de lixo (referente “aos serviços públicos de coleta, remoção e tratamento ou
destinação de lixo ou resíduos sólidos”). A primeira taxa é inconstitucional,
pois é gerada após

[...] prestação de serviço inespecífico, indivisível, não mensurável ou


insuscetível de ser referido a determinado contribuinte, não podendo
ser custeado senão por meio do produto da arrecadação dos
impostos gerais. (SABBAG, 2016, p. 828).

Já a taxa de coleta domiciliar de lixo, segundo o autor, é considerada


válida. Isto se dá por que a taxa tende

[...] a beneficiar unidades imobiliárias autônomas, de propriedade de


diferentes lindeiros das vias públicas servidas, além de serem
suscetíveis de utilização, de modo separado, por parte de cada
usuário. (SABBAG, 2016, p. 830).

Sabbag (2016) esclarece ainda um importante impasse dos órgãos


municipais sobre a taxa de coleta domiciliar de lixo, o qual paira sobre a
constitucionalidade ou não da cobrança estar baseada, e ser propriamente
efetuada, pelas medições do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU).

Para o STF (RE 232.393-SP), a sistemática apresentada é válida, pois o


cálculo com base na metragem do imóvel não implica, por si só,
identidade com a base de cálculo de imposto, v.g., do IPTU. Aquela
Corte entende que os imóveis maiores produzirão mais lixo do que os
do fato gerador, calcada na metragem do imóvel. Da mesma forma,
havendo uma taxa de fiscalização que venha a ser calculada em razão
da extensão da obra, entende-se o dado dimensível como
perfeitamente compatível com a quantificação do serviço público de
fiscalização por ela remunerado, sem qualquer identidade com a
base de cálculo do imposto predial. (SABBAG, 2016, p. 846).

Outro fator a considerar é a abordagem exposta por Pedersoli (2015)


sobre a cobrança das taxas de coleta de lixo ou de limpeza pública estarem
188

vinculadas à cobrança de tarifa de água. Para a autora, esta prática usual é


inconstitucional, e tais cobranças deveriam ser impugnadas pelos “órgãos de
defesa do consumidor, especialmente Promotorias de Justiça” (p. 1).
Infere-se que a questão da legitimidade da cobrança via IPTU ainda
gera inúmeras discordâncias. Um ponto depreendido (pelas autoras deste
artigo), após observações sobre as análises de Leite (2006) e Butto et al.
(2014), é que há nos municípios uma dificuldade em diferenciar taxa de
limpeza urbana e taxa de coleta domiciliar de lixo. Dito isto, vê-se a
inconstitucionalidade de se encontrar recolhido, através do carnê do IPTU
ou até mesmo pela cobrança dos serviços referentes à distribuição de água,
a taxa de limpeza urbana, já que a mesma não pode ser custeada pela base
de cálculo de impostos gerais, como o IPTU.
Fora a questão da legalidade ou não de tais práticas, Brollo e Silva
(2001) esclarecem que o recolhimento desses serviços, cobrados com o IPTU
ou Taxas de Serviços,

[...] compõe o caixa geral das prefeituras, o que dificulta o acesso


preciso ao montante arrecadado e realmente destinado aos serviços
ligados à coleta, transporte, tratamento e destinação final dos
resíduos sólidos urbanos. A cobrança em geral não cobre o custo dos
serviços. Assim, por conta de uma arrecadação insuficiente,
incompetência administrativa, deficiências de planejamento
estratégico, atrelados a uma legislação ineficiente (Lei de
Concessões, na esfera federal, e licenciamento de empreendimentos,
na esfera estadual), os municípios convivem com a inadimplência.
Com isso fica inviabilizada a ampliação da coleta e a realização de
obras necessárias à destinação final dos resíduos. Nos pequenos e
médios municípios, há o descumprimento dos serviços básicos, como
a coleta de lixo, enquanto nos grandes municípios e regiões
metropolitanas acabam negligenciando áreas de difícil acesso, como
periferias e bairros de baixa renda. (BROLLO; SILVA, 2001, p. 23).

Sabbag (2016, p. 860) afirma que “ambas [taxas ou tarifas] são


prestações pecuniárias tendentes a suprir de recursos os cofres estatais, em
face de serviços públicos prestados”. Porém, enquanto as taxas atendem às
necessidades dos entes federados, a tarifa, considerada como uma espécie de
preço público, pode “ser agora conceituada como o preço de venda do bem,
exigido por empresas prestacionistas de serviços públicos (concessionárias e
permissionárias), como se comuns vendedoras fossem” (SABBAG, 2016, p.
860). O autor aborda ainda como principal diferença entre elas:
Saneamento e o Ambiente - 189

[...] O traço marcante que deve diferir taxa de preço público – do qual
a tarifa é espécie – está na inerência ou não da atividade à função do
Estado. Se houver evidente vinculação e nexo do serviço com o
desempenho de função eminentemente estatal, teremos a taxa. De
outra banda, se presenciarmos uma desvinculação deste serviço com
a ação estatal, inexistindo óbice ao desempenho da atividade por
particulares, vislumbrar-se-á a tarifa. (SABBAG, 2016, p. 861).

Assim, considerando as diferenças conceituais e legais entre taxas e


tarifas, os municípios devem, em atendimento à PNMA, Lei de Saneamento
e PNRS, utilizar-se de instrumentos econômicos de cobrança de serviço
público de manejo de resíduos sólidos, dentre outros, a fim de buscar uma
gestão que preze pela sustentabilidade econômico-financeira.

3 MÉTODO

O método de pesquisa utilizado foi a análise documental, visto que


esta “pode se constituir numa técnica valiosa de abordagem de dados
qualitativos” (LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p. 38). Os autores esclarecem que este
método de pesquisa permite, inclusive, analisar leis, regulamentos, normas,
e quaisquer outros documentos que componham uma informação.
As análises foram feitas nos planos dos seis municípios (Bebedouro,
Guariba, Jaboticabal, Pitangueiras, Monte Alto e Taquaritinga) obrigados a
confeccioná-los, visto o limitante do número de habitantes (acima de
20.000). Os Planos foram obtidos após contato telefônico com os órgãos
competentes nas Prefeituras Municipais e sites oficiais dos mesmos.
Para a análise do inciso XIII do artigo 19 da Política Nacional de
Resíduos Sólidos sobre “sistemas de cálculo de custos” e “formas de
cobrança dos serviços”, utiliza-se como parâmetro de avaliação as
definições apresentadas nos arts. 30, 35 e 39 da Lei de Saneamento. Para
esta avaliação, considera-se como critério a identificação do atendimento
ou não dos preceitos, como apresentado no Quadro 1.
190

Quadro 1 – Critérios para avaliação dos Planos de Resíduos Sólidos da Microrregião de


Jaboticabal-SP
Preenchimento do campo Forma de atendimento Interpretação
Apresenta e demonstra as informações/serviços ou dados
X Atende aos preceitos
de forma clara e conclusiva.
Informa possuir informações/serviços ou dados, mas não
Y Atende parcialmente demonstra ou apresenta, não permitindo uma análise
conclusiva.
Não apresenta ou não posssui informações/serviços ou
0 Não atende
qualquer outro dado, logo não atende as normativas

4 SISTEMAS DE CÁLCULOS E FORMAS DE COBRANÇA DOS SERVIÇOS DE


MANEJO DE RESÍDUOS SÓLIDOS NA MICRORREGIÃO DE JABOTICABAL

33
Os Planos Municipais da Microrregião de Jaboticabal devem conter,
mesmo que de forma implícita, o ‘sistema de cálculo de custos’ e ‘formas de
cobrança dos serviços’, com base no art. 19, inciso XIII, da PNRS, bem como
o expresso nos arts. 30, 35 e 39 da Lei de Saneamento (BRASIL, 2007,
2010a), com o intuito da sustentabilidade econômico-financeira dos
34
municípios .
Diante do exposto, e utilizando os critérios do Quadro 1, obteve-se o
resultado apresentado no Quadro 2.

33
As análises estão baseadas nas seguintes referências: Bebedouro (2011), Guariba (2014),
Jaboticabal (2015), Monte Alto (2012), Pitangueiras (2013) e Taquaritinga (2014).
34
De acordo com a abordagem de Sabbag (2016), depreende-se que o sistema de
gerenciamento de limpeza urbana compreende o setor de limpeza pública e o setor de coleta
domiciliar de lixo, porém estes possuem arrecadação distinta. Visto isso, percebe-se a
importância de identificar como é arrecadado e distribuído esses recursos. Porém, por questões
metodológicas, não haverá a possível pesquisa desses dados, ficando isto para pesquisas
futuras.
Saneamento e o Ambiente - 191

Quadro 2 – Síntese da análise dos Planos de Resíduos Sólidos da Microrregião de Jaboticabal-SP


Planos
Lei de Saneamento n° 11.445/07 Bebedouro Guariba Jaboticabal Monte Alto Pitangueiras Taquaritinga
Art. 30
"I - categorias de usuários, distribuídas por faixas ou
quantidades crescentes de utilização ou de 0 0 Y Y 0 Y
consumo;"
"II - padrões de uso ou de qualidade requeridos;" Y Y X X Y X
"III - quantidade mínima de consumo ou de
utilização do serviço, visando à garantia de
objetivos sociais, como a preservação da saúde 0 0 0 0 0 0
pública, o adequado atendimento dos usuários de
menor renda e a proteção do meio ambiente;"
"IV - custo mínimo necessário para disponibilidade
Y 0 Y Y Y X
do serviço em quantidade e qualidade adequadas;"
"V - ciclos significativos de aumento da demanda
0 0 0 Y Y Y
dos serviços, em períodos distintos;" e
"VI - capacidade de pagamento dos consumidores." 0 0 0 0 0 0
Art. 35
"I - o nível de renda da população da área atendida;" X X 0 X X X
"II - as características dos lotes urbanos e as áreas
Y Y Y Y Y Y
que podem ser neles edificadas;"
"III - o peso ou o volume médio coletado por
X X X X X X
habitante ou por domicílio."
Art. 39
"As tarifas serão fixadas de forma clara e objetiva,
devendo os reajustes e as revisões serem tornados
0 0 0 Y Y Y
públicos com antecedência mínima de 30 (trinta)
dias com relação à sua aplicação."
"Parágrafo único. A fatura a ser entregue ao usuário
final deverá obedecer a modelo estabelecido pela
0 0 0 Y Y Y
entidade reguladora, que definirá os itens e custos
que deverão estar explicitados."
Fonte: Elaborado a partir dos Planos de Resíduos Sólidos da Microrregião de Jaboticabal-SP.

Os Planos dos municípios de Jaboticabal, Monte Alto e Taquaritinga,


atendem parcialmente o inciso I do art. 30, visto que não apresentam as
“categorias de usuários distribuídas por faixas ou quantidades crescentes de
utilização ou consumo”. Nesses Planos, identifica-se apenas a projeção de
crescimento populacional e de consumo, sem categorizá-los. Já nos Planos
de Bebedouro, Guariba e Pitangueiras nada consta sobre a categorização
dos usuários.
Para o devido entendimento do inciso II, identifica-se que ‘os padrões
de uso e qualidade requeridos’ correspondem aos padrões estabelecidos e
instituídos pela Lei sobre o uso e a qualidade de um serviço de manejo de
resíduos sólidos. Os quais devem conter:

[...] conjunto de atividades, infraestruturas e instalações operacionais


de coleta, transporte, transbordo, tratamento e destino final do lixo
192

doméstico e do lixo originário da varrição e limpeza de logradouros e


vias públicas. (BRASIL, 2007, art. 3°, inciso I, letra c).

Desta forma, para a análise subsidiária, construiu-se o Quadro 3.

Quadro 3 – Síntese do inciso II do art. 30 da Lei de Saneamento, dos Planos de Resíduos Sólidos
da Microrregião de Jaboticabal-SP
Planos
Inciso II artigo 30
Bebedouro Guariba Jaboticabal Monte Alto Pitangueiras Taquaritinga
Conjunto de atividades 0 0 X X X X
Infra-estruturas 0 Y X X X X
Instalação de coleta Y Y X X Y X
Transporte 0 Y X X Y X
Transbordo 0 0 X X Y X
Tratamento X Y X X Y X
Destino Final do lixo doméstico X X X X Y X
Destino final do lixo varrição/poda Y X X X Y X
Destino final do lixo de logradouros e vias
Y X X X Y X
públicas
Fonte: Elaborado a partir dos Planos de Resíduos Sólidos da Microrregião de Jaboticabal-SP.

Os Planos dos municípios de Jaboticabal, Monte Alto e Taquaritinga


apresentam, integralmente, as informações e dados pertinentes aos itens
citados no Quadro 3, inclusive com imagens e críticas ao sistema.
O Plano de Pitangueiras destaca que terceiriza grande parte da
limpeza urbana e da gestão de resíduos sólidos. Os itens expostos no Quadro
3, que são de responsabilidade de empresa terceirizada, são citados de
maneira insatisfatória. Com isto, podem-se considerar três possibilidades: a)
a empresa não passou todas as informações ao grupo que elaborava o
Plano; b) o município não se propôs a buscá-las como deveria; ou c) esses
itens não são cumpridos de acordo com a Lei. Já os municípios de
Bebedouro e Guariba apresentam dados insuficientes diante a abordagem
do inciso II.
Nenhum dos municípios apresentou qual seria a ‘quantidade mínima
de consumo ou serviço’ para o atendimento do inciso III do art. 30 (Quadro
2). O que expressa a incompreensão do texto ou descumprimento
voluntário de abordar o tema.
Apenas o município de Guariba não demonstra custo algum do
manejo de resíduos sólidos, como requerido no inciso VI. O Plano apresenta
apenas custos da área de saúde. Possui, inclusive, um prognóstico para o
estabelecimento de taxas dos resíduos de saúde para 2015, além de
‘prenunciar’ que, para o ano citado, será realizada uma revisão ampliada
desse Plano e, nesta, programa-se a realização de um “cronograma
Saneamento e o Ambiente - 193

financeiro” (GUARIBA, 2014). Por fim, deve-se evidenciar que este município
não possui dados concretos sobre os gastos com manejo de resíduos
sólidos.
Com relação ao mesmo inciso, o município de Taquaritinga demonstra
todos os custos atuais do manejo de resíduos sólidos, inclusive quanto à
projeção de custos de melhorias propostas, além de analisar o potencial
econômico em cumprir tais propostas. Os demais municípios apresentam
parcialmente os custos, visto que não abordam todos os elementos
necessários, bem como não realizam a mesma qualidade de análise do Plano
de Taquaritinga. Destaca-se o PMGIRS de Pitangueiras por relatar a dificuldade
em reunir e entender os custos do município, pois os mesmos estão
espalhados em “diversas rubricas do orçamento municipal” (2013, p. 77).
Os planos de Monte Alto, Pitangueiras e Taquaritinga atendem
parcialmente o inciso V do artigo 30, pois demonstram diariamente, no
período de um mês, a demanda de serviço. Porém, subentende-se que há
também a necessidade de demonstrar os dados mensais e anuais, o que
permitiria a análise dos ciclos de demanda de forma completa, considerando
os períodos de sazonalidade, como afirmam Souza et al. (2015) e Monteiro
et al. (2001). Os Planos dos demais municípios não apresentam esses dados.
De acordo com o inciso VI, nenhum dos seis Planos apresentou
informações sobre a ‘capacidade de pagamento dos consumidores’, a qual
poderia advir de uma análise simples das rendas por bairros, inclusive
utilizando dados do censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), dados esses que deveriam ser coletados pelo Poder Público
Municipal.
Já o inciso I do art. 35 da Lei de Saneamento (Quadro 2), o qual
aborda ‘o nível de renda da população da área atendida’, só não foi
cumprido no Plano de Jaboticabal, visto que este é o único a não informa a
renda da população. Todos os outros municípios usaram a metodologia de
análise através do Produto Interno Bruto (PIB) per capita.
Sobre as ‘características dos lotes urbanos e as áreas que podem ser
neles edificadas’ do inciso II, subentende-se as características do
zoneamento municipal. Observa-se que todos os municípios atendem
parcialmente este item. Os Planos abordam coletas por bairros, lotes
urbanos com o problema de destinação de resíduos sólidos ilegal ou até
194

mapas com as divisões setoriais/bairros dos municípios. No entanto,


identifica-se a falta de uma abordagem mais completa que contenha dados
socioeconômicos das localidades e que caracterize realmente os lotes
urbanos que servem de lixões para resíduos sólidos.
Todos os municípios demonstraram o peso ou volume médio por
habitante, de acordo com o inciso III do art. 35.
Assim, a partir da análise dos arts. 30 e 35, pode-se inferir que
nenhum plano apresenta, de forma clara, como é realizado o ‘sistema de
cálculo de custos’. Vale ressaltar que Polaz e Teixeira (2009), Santiago e Dias
(2012) e Veiga (2014) apresentam indicadores para a sustentabilidade
financeira do manejo de resíduos sólidos municipal. Esses estudos, dentre
outros, poderiam ter sido utilizados pelo Poder Público municipal para
auxiliar o corpo técnico para a elaboração dos indicadores.
Quanto às “formas de cobrança dos serviços”, tem-se a definição do
art. 39 e respectivo Parágrafo Único apresentados no Quadro 2. Visto isso,
os Planos de Bebedouro, Guariba e Jaboticabal não indicam a cobrança nos
municípios, bem como não se empenham na construção de um “sistema”.
Os três que possuem a cobrança são os municípios de Monte Alto,
Pitangueiras e Taquaritinga, afirmam que a mesma é feita no carnê do
Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e admitem que está
desatualizada e incoerente com os custos efetivos. Os Planos não deixam
claro se a “forma de cobrança” atende, por completo, os preceitos do art. 39
da Lei de Saneamento.
É importante reafirmar que a cobrança do manejo de resíduos
sólidos, recolhida pelo carnê do IPTU, gera discussões, como evidenciado
por Leite (2006), Butto et al. (2014) e Sabbag (2016). Deve-se evidenciar,
também, que há ressalvas a esta forma de cobrança no Planos, como
pontuado no Plano de Jaboticabal:

[...] não há obrigatoriedade para que sejam destinados a esses


serviços, pois os recursos obtidos dessa forma passam a integrar
recursos gerais do Tesouro [Municipal], e são destinados aos órgãos
responsáveis por Lei orçamentária anual. (JABOTICABAL, 2015, p. 56).

O PMGIRS de Taquaritinga lista, na “Análise Financeira do Sistema de


Gestão de Resíduos” (TAQUARITINGA, 2014, p. 151), a “taxa de coleta de
Saneamento e o Ambiente - 195

lixo (17.700 cadastros)” e o “valor a ser arrecadado no IPTU com Taxa


(2013): R$ 723.181,30”. Após dividir o último valor pelo número de
cadastros (conta não elaborada no Plano), obteve-se que o valor médio
cobrado pela gestão municipal seria de R$ 40,86.
Após esta apresentação, o Plano de Taquaritinga, lista inúmeros
custos e projeções (para resíduos sólidos) que resultariam em uma “nova”
taxa de R$ 107,87 por ano e cadastro. Há ainda a informação de que o custo
do manejo de resíduos do serviço de saúde é absorvido pela Prefeitura.
Porém, os serviços de varrição, poda e capina estão internalizados na “Taxa
de coleta de Lixo”, informação esta que mostra inconstitucionalidade
referente à formação desta taxa, pois esses serviços não podem ser
cobrados em taxas, muito menos no IPTU, conforme advertência de Sabbag
(2016).
O Plano de Pitangueiras afirma que a cobrança da “taxa de manejo
de resíduos sólidos”, através carnê de IPTU, é obtida “através da
multiplicação da área construída por R$ 0,72” (PITANGUEIRAS, 2013, p. 49).
Porém, informa que “de acordo com o departamento de contabilidade da
Prefeitura não há informações sobre a base de cálculo da tarifa”
(PITANGUEIRAS, 2013, p. 74). Esta é fixa e não varia com a quantidade
recolhida. Percebe-se, neste contexto, uma falta de definição e/ou
incompreensão, do município e/ou da empresa que elaborou o Plano, sobre
as diferenças existentes entre taxas e tarifas, pois usam-se os termos
indistintamente. Este Plano problematiza a arrecadação via carnê do IPTU,
pois atesta que esta receita é vinculada a outros compromissos do
município, não sendo integralmente investida no manejo de resíduos sólidos
(terceirizado). Define que será planejada uma “nova taxa”, porém não
esclarece como esta será cobrada.
O PMGIRS de Pitangueiras apresenta dados nos quais as despesas do
município foram quase quatro vezes o valor das receitas e, assim,
demonstra a insustentabilidade econômica da gestão de limpeza urbana. Os
serviços relacionados aos resíduos da saúde também são terceirizados.
Quanto aos resíduos industriais, da construção civil e agrossilvopastoris, o
município os considera como de responsabilidade dos próprios geradores.
Identifica-se, ainda, com base no art. 39 da Lei de Saneamento, que além de
196

indefinições na cobrança, a formação dos custos, no decorrer do Plano, não


é demonstrada ou explicitada para o contribuinte.
Identifica-se no Plano de Monte Alto, que a cobrança dos serviços de
manejo de resíduos sólidos, feita via IPTU, seja o valor de R$ 19,47. Porém, o
Plano informa que há uma defasagem entre o valor cobrado e o valor gasto
pelo município, e, portanto, haverá um alto reajuste, justificado pela
qualidade dos serviços que serão prestados.
O plano de metas do PMGIRS de Monte Alto confirma que a ‘forma
de cobrança’ continuará sendo pelo carnê do IPTU. Todavia, mesmo
apresentando como será aplicada a taxa, a mesma não se encontra clara e
objetiva, como institui a Lei, pois não explicita custos e itens para tal.
Percebe-se a indefinição quanto a adoção de taxa ou tarifa (pós-reajustes), o
que pode ser algo consciente ou não (dada pela não diferenciação entre os
dois conceitos). Infere-se ainda, pelas conclusões do Plano, que a taxa
vigente é responsável pelo pagamento dos serviços de limpeza em geral,
varrição e coleta de lixo, o que torna a taxa inconstitucional.
O município de Jaboticabal não possui cobrança de taxa de limpeza
desde 1998 (o que faz desta revogação um ato constitucional) e, em 2007,
foi revogada a cobrança dos serviços que envolvem os resíduos infectantes.
Porém, os resíduos de saúde gerados por empresas, possuem uma “tarifa
variável” e desatualizada, segundo o Plano, e este valor é repassado ao
Serviço Autônomo de Água e Esgoto de Jaboticabal (SAAEJ).
O Plano de Jaboticabal informa que os serviços de limpeza urbana
são pagos com a receita dos tributos arrecadados (sem especificar quais),
enquanto parte das despesas com o manejo de resíduos sólidos são pagos
com a receita da “tarifa de água e esgoto” (de responsabilidade do SAAEJ), e
o restante não foi descrita de onde provém. Porém, o Plano salienta que a
alocação deste recurso do SAAEJ prejudica melhorias no sistema de água e
esgoto, já que os cofres públicos estão sendo onerados e a saúde financeira
da autarquia citada está comprometida. Visto isso, o Plano de Jaboticabal
sugere a adoção de algum tipo de cobrança (taxa ou tarifa) para equilibrar a
situação financeira ainda em 2015, ano de aprovação do mesmo.
Lembrando que o empenho de taxas ou tarifas, no final, devem minimizar as
externalidades negativas e visar ao bem da coletividade (ANDRADE, 2004).
Saneamento e o Ambiente - 197

Não é demonstrada nenhuma “forma de cobrança dos serviços” do


manejo de resíduos sólidos no Plano de Guariba.
O Consórcio Intermunicipal para Gestão Integrada de Resíduos Sólidos
dos municípios de Bebedouro e Barretos (este não integra a microrregião
analisada), informa como meta (sem data precisa), em prol de autonomia
financeira, a cobrança dos serviços de limpeza através de uma taxa
“diferenciada em função do nível de renda dos beneficiários e que possa ser
compatível com os serviços” (BEBEDOURO, 2011, p. 74). Ratifica ainda que
há uma taxa de R$ 3,78 por quilograma repassada para a terceirizada
contratada. Em suma, o Plano utiliza informes vagos e imprecisos, inclusive
ao demonstrar dados sem esclarecer se seria dos municípios objeto ou dos
municípios em geral no país.
Por fim, observa-se o predomínio de respostas inconclusivas, vagas e
até incompletas nos Planos, o que reflete a falta de entendimento das
normas ou a intencionalidade em “maquiar” informações relevantes. Além
de pleno desconhecimento da forma como serão cobrados estes serviços.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para a análise da sustentabilidade financeira dos municípios da


Microrregião de Jaboticabal-SP quanto ao manejo de resíduos sólidos,
devem-se considerar as informações expressas nos Planos de Resíduos
Sólidos destes municípios. Para tal, utilizaram-se como parâmetros os arts.
30, 35 e 39 da Lei de Saneamento. Isto se deve ao cumprimento da
normativa da PNRS, que institui cobrança dos serviços de manejo de
resíduos sólidos, através de seu art. 19, inciso XIII.
Identificou-se que os municípios não possuem informações satisfatórias
sobre os conceitos do inciso XIII da PNRS: “sistema de cálculo de custos” do
manejo de resíduos sólidos e as “formas de cobrança desses serviços”. As
abordagens inclonclusivas dos Planos com relação à adoção de taxas ou
tarifas, e até mesmo a possível incompreensão das diferenças entre ambas,
corrobora para morosidade na resolução desta questão, já que a constituição
de um Plano, dá ao Poder Público Municipal, um roteiro instrutivo de ação.
Essa análise retrata o não atendimento às Políticas Públicas que
regem o tema (PNMA, Lei de Saneamento e PNRS), o que pode significar a
198

não compreensão dos preceitos destas Políticas Públicas ou a


intencionalidade em não as atender.
Em Bebedouro, Guariba e Jaboticabal, os custos de limpeza urbana e
de manejo de resíduos apresentam-se integralizados ao custo total, sem
distinção. Esses são absorvidos pelo Poder Público, em total desatenção aos
preceitos das leis citadas. Já Monte Alto, Pitangueiras e Taquaritinga
possuem cobrança via carnê do IPTU, mas admitem não ser o melhor meio
de cobrança e que estas estão desatualizadas, onerando os cofres públicos.
Em suma, pode-se inferir que o manejo de resíduos sólidos dos
municípios da Microrregião está comprometido, pois há evidente dificuldade
orçamentária em manter os serviços prestados, o que pode ser ampliado ao
se observar as novas propostas de adequação presentes na PNRS.
Além do exposto, percebe-se que não há uma abordagem satisfatória
sobre as diferentes formas de captação dentro do mesmo tema, ou seja, ao
se abordar limpeza pública e coleta domiciliar de lixo. Deve-se compreender
que esses serviços não devem apresentar a mesma base para os custear, pois
a limpeza pública deve ser atendida pelos tributos, enquanto a coleta
domiciliar de lixo pode advir tanto de taxas quanto de tarifas.
Por fim, pode-se considerar que os municípios, ao apresentarem os
Planos, estão apenas atendendo a obrigatoriedade definida pela PNRS. No
entanto, os Planos não apresentam efetivamente a condição do manejo de
resíduos sólidos no município, o que dificulta uma análise e, portanto, a
adoção de ações necessárias pelo Poder Público Municipal.

AGRADECIMENTO

Agradecemos à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São


Paulo (FAPESP) pelo financiamento do Projeto de Auxílio Regular “A Política
Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) e seus desdobramentos nos Planos
Municipais de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos (PMGIRS) em
municípios do estado de São Paulo”.
Saneamento e o Ambiente - 199

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Saneamento e o Ambiente - 201

Capítulo 10

UNIDADE DE CONSERVAÇÃO NO OESTE DO ESTADO DE SÃO


PAULO: UMA REFLEXÃO SOBRE SANEAMENTO AMBIENTAL NO
PARQUE ESTADUAL DO MORRO DO DIABO
35
Leonice Seolin Dias
36
Mauricio Dias Marques
37
Lucas Seolin Dias
38
Raul Borges Guimarães

1 INTRODUÇÃO

A intensa expansão de atividades socioeconômicas traz modificações do


habitat natural que podem ser irreversíveis. Com foco nisso, a Lei 6.938/1981
que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, estabelece entre seus
instrumentos “a criação de espaços territoriais especialmente protegidos pelo
Poder Público federal, estadual e municipal, tais como áreas de proteção
ambiental, de relevante interesse ecológico, e reservas”.
Dentre os espaços territoriais protegidos, destaca-se a Reserva
Estadual Morro do Diabo, que foi criada pelo Decreto Estadual 12.279, de 29
de outubro de 1941, com área de 37.156,68 hectares. O Decreto
Estadual 25.342, de 4 de junho de 1986, mudou a área para 34.441,08
hectares e a denominação para Parque Estadual Morro do Diabo – PMED, e
o Decreto Estadual 28.169, de 21 janeiro de 1988, atribuiu ao Parque a área

35
Bióloga, doutorado em Geografia pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), Faculdade de
Ciências e Tecnologia, Presidente Prudente. Colaboradora do Laboratório de Biogeografia e Geografia
da Saúde (BIOGEOS), Unesp, Presidente Prudente, São Paulo, Brasil. E-mail: nseolin@gmail.com
36
Professor, mestrado em Agronegócio e Desenvolvimento pela Universidade Estadual Paulista
(UNESP), Tupã. Membro do Grupo de Pesquisa em Gestão e Educação Ambiental (PGEA),
Unesp, Tupã, São Paulo, Brasil. E-mail: mdmarques1985@gmail.com
37
Professor, mestrado em Administração pela Universidade Estadual de Londrina, Londrina,
Paraná. E-mail: lseolin@bol.com.br
38
Professor titular do Departamento de Geografia da Universidade Estadual Paulista (Unesp),
Faculdade de Ciências eTecnologia, Presidente Prudente, São Paulo. Coordenador do
Laboratório de Biogeografia e Geografia da Saúde da Unesp e membro da Comissão de Saúde e
Ambiente da União Geográfica Internacional. E-mail: raul@fct.unesp.br
202

definitiva de 33.845,33 hectares (SÃO PAULO, 1941, 1986, 1988) extensão que
se mantém até hoje.
O PEMD localiza-se no sudoeste do Estado de São Paulo, região
conhecida como Pontal do Paranapanema, constituindo-se na maior área
contínua remanescente de floresta nativa que restou nesse espaço.
Atualmente está sob a responsabilidade do Instituto Florestal do Estado de
São Paulo (IF), encarregado de sua administração e manutenção.
O Parque possui importante área contínua de Floresta Estacional
Semidecidual (Mata Atlântica de Interior), estando presentes Matas Ciliares e
fragmentos de Cerradão e Cerrado, e grande diversidade biológica, o que
propicia a ocorrência de importantes espécies de fauna, além de abrigar a maior
reserva de peroba-rosa (SÃO PAULO, 2006). Biodiversidade ou diversidade
biológica é entendida como sendo “a variabilidade entre organismos vivos de
39
todas as origens” , sendo essencial para a sobrevivência da própria vida no
planeta. Assim, para Alho (2012), a perda da biodiversidade em escala global
representa uma ameaça direta ao bem-estar e à saúde humana. Daí a
importância da existência de unidades de conservação – UC, que visam a
proteger os ecossistemas e sua variedade em diferentes regiões.
40
Como as unidades de conservação possibilitam o uso público em seus
espaços, em 2017, o PEMD recebeu alto número de visitantes do país e do
exterior, cerca de 23.000 mil pessoas (O IMPARCIAL, 2018). Além desses,
considere-se ainda os visitantes residentes das cidades próximas, de pequenas
propriedades e dos assentamentos que circundam o Parque.
A visitação no PEMD, assim como em outros parques protegidos, traz
consigo impactos ambientais, como a presença dos resíduos sólidos (lixo) que
favorecem a proliferação de insetos nocivos à saúde da população,
principalmente as moscas que são consideradas vetores mecânicos de mais de
65 tipos de doenças para o homem (GERBA et al., 2011; SEOLIN DIAS, 2008).

39
Decreto Legislativo 2, 1994 e Decreto 2.519/1998 (Convenção sobre Diversidade Biológica,
Art. 2º, in verbis): “a variabilidade de organismos vivos de todas as origens, compreendendo,
dentre outros, os ecossistemas terrestres, marinhos e outros ecossistemas aquáticos e os
complexos ecológicos de que fazem parte, compreendendo ainda a diversidade dentro de
espécies, entre espécies e de ecossistemas” (BRASIL, 1994; BRASIL, 1998).
40
O termo “uso público” pode ser definido como uma forma de utilização e aproveitamento
das unidades de conservação, por meio da visitação, independentemente da motivação do
visitante (contemplação, recreação, esporte, observação de aves, entre outros) ou do segmento
do turismo em questão (ecoturismo, turismo de aventura, entre outros) (BRASIL, 2011, p. 64).
Saneamento e o Ambiente - 203

Considerando-se a relevância que os dípteros muscoides (moscas)


assumem em Saúde Pública e o desconhecimento dos riscos que esses
insetos podem causar em área de proteção ambiental, o presente estudo
reporta-se ao PEMD.
Apresenta assim uma breve revisão de literatura sobre a legislação
ambiental brasileira e Unidades de Conservação (UC), bem como compila
dados de captura de moscas nas bordas do PEMD, resultante de pesquisa
realizada para a tese de doutorado intitulada “Biogeografia e Saúde: uma
41
visão integrada das moscas sinantrópicas de Teodoro Sampaio – São Paulo” .

2 LEGISLAÇÃO AMBIENTAL BRASILEIRA E UNIDADES DE CONSERVAÇÃO


(UC)

Áreas protegidas, no Brasil, englobam as Unidades de Conservação


(UCs), a que se refere o inciso I do artigo 4º da Lei Federal 9.985, de 18 de
julho de 2000, regulamentada pelo Decreto 4.340/2002, que instituiu o
Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC)
(BRASIL, 2000; BRASIL, 2002).
Essa Lei reporta-se ao artigo 225, § 1º, I, II, III e VII, da Constituição
Federal, estabelecendo uma definição legal de Unidade de Conservação (UC)
como sendo:

Espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas


jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente
instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites
definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam
garantias adequadas de proteção. (BRASIL, 2000).

Entende-se por SNUC o conjunto organizado de áreas protegidas na


forma de unidades de conservação que, planejado, manejado e gerenciado
como um todo, é capaz de viabilizar os objetivos nacionais de conservação
(MILANO, 2001). “Deve servir como um instrumento técnico-jurídico que
agrega objetivos nacionais de conservação, uniformidade e política,
terminologia e conceituação sobre as Unidades de Conservação”
(GONZAGA, 2005, p. 135).

41
A Tese foi defendida no dia no dia 9 de abril de 2016, na Universidade Estadual Paulista (UNESP)
de Presidente Prudente – SP, sob a orientação do prof. Dr. Raul Borges Guimarães.
204

O SNUC, de acordo com os objetivos de manejo e tipo de uso, divide as


categorias de UCs em dois grupos, com características especificas: Proteção
Integral (contendo cinco categorias de manejo) e de Uso Sustentável
42
(contempla sete categorias de manejo) .
O parágrafo 2º do artigo 7º da Lei 9.985/2000 estabelece que “o objetivo
básico das Unidades de Uso Sustentável é compatibilizar a conservação da
natureza com o uso sustentável de parcela dos seus recursos naturais”. O
o
Art. 8 divide o grupo das Unidades de Proteção Integral em cinco categorias de
UC que são: I – Estação Ecológica; II – Reserva Biológica; III – Parque Nacional; IV
– Monumento Natural; V – Refúgio de Vida Silvestre (BRASIL, 2000, grifos
nossos).
Ressalte-se que

[...] nas Unidades de Proteção Integral a presença humana não é


admitida de forma permanente, mas apenas esporádica, com fins
turísticos, educativos ou científicos. Já nas Unidades de Uso
Sustentável, a tutela ambiental já presume a ocupação humana,
ainda que baixa ou restrita a certos grupos. (OLIVEIRA, 2010, p. 149).

Dentre as categorias mencionadas, neste trabalho dá-se ênfase ao


estudo de “Parque Nacional” que, segundo o art. 11 da mesma Lei,

[...] tem como objetivo básico a preservação de ecossistemas naturais


de grande relevância ecológica e beleza cênica, possibilitando a
realização de pesquisas científicas e o desenvolvimento de atividades
de educação e interpretação ambiental, de recreação em contato com
a natureza e de turismo ecológico. (BRASIL, 2000).

Como a legislação pode ser aplicada na criação de parques pelo


Estado ou pelo município, estende-se o estudo para o Regulamento dos
Parques Estaduais Paulistas, aprovado pelo Decreto Estadual 25.341, de 4 de
junho de 1986, o qual apresenta um conjunto de normas para definir e
caracterizar os parques estaduais que podem, por sua vez, auxiliar na
atuação de diferentes profissionais e colaboradores diante desse ambiente,
pois os parques estaduais são destinados a fins científicos, culturais,
educativos e recreativos.

42
O “objetivo básico das Unidades de Proteção Integral é preservar a natureza, sendo admitido
apenas o uso indireto dos seus recursos naturais, com exceção dos casos previstos nesta Lei”
(Parágrafo 1º do artigo 7º da Lei).
Saneamento e o Ambiente - 205

Como observado, são vários os benefícios que os Parques trazem à


sociedade. Confirmam Rudzewicz e Castrogiovanni (2003, p. 2) referindo-se a
Dixon e Sherman (1990) e Kinker (2002; p. 37):

Além da manutenção da biodiversidade e dos processos ecológicos,


as oportunidades de recreação e ecoturismo, as oportunidades de
educação ambiental e pesquisa (Investigação científica), e a proteção
dos valores estéticos, espirituais, culturais, históricos e existenciais.

Estendendo-se sobre o assunto, em se tratando de Parque Nacional,


segundo Fulgencio (2007, p. 465),

[...] comportam a visitação pública para fins recreativos e educacionais,


regulamentada pelo plano de manejo da unidade. As pesquisas
científicas, quando autorizadas pelo órgão responsável pela sua
administração, estão sujeitas às condições e restrições determinadas por
este, bem como ao que for definido em seu plano de manejo.

Para que tais atividades possam funcionar, deve-se atentar para as


diretrizes que são parte relevante do processo. Por isso, destaca-se que toda
UC, que inclui os Parques Estaduais, deve ter um plano de manejo, que deve
ser elaborado em função dos objetivos gerais pelos quais ela foi criada
43
(BRASIL, 2000) .
Sobre o Plano de manejo, de acordo com o artigo 2º, inciso XVII, da
Lei 9.985/2000, tem -se que

[...] é um documento técnico mediante o qual, com


fundamento nos objetivos gerais de uma Unidade de
Conservação, se estabelece o seu zoneamento e as normas
que devem presidir o uso da área e o manejo dos recursos
naturais, inclusive a implantação das estruturas físicas
necessárias à gestão da Unidade. (BRASIL, 2000).

Dessa forma, o Plano de manejo constitui o principal instrumento de


planejamento e gestão de UC (SÃO PAULO – FUNDAÇÃO FLORESTAL, 2018),
sendo um documento técnico elaborado com base em vários estudos,

43
A Lei Federal 9.985/2000 determina que “as unidades de conservação devem dispor de um
Plano de Manejo e devem abranger a área da unidade de conservação, sua zona de
amortecimento e os corredores ecológicos, incluindo medidas com o fim de promover sua
integração à vida econômica e social das comunidades vizinhas” (BRASIL, 2000, artigo 27, § 1°).
206

“incluindo diagnósticos do meio físico, biológico e social, que estabelece as


normas, restrições para o uso e ações prioritárias a serem desenvolvidas na UC
e em sua zona de amortecimento” (GUIMARÃES; PELLIN, 2015, p. 40).
Apesar de sua importância ambiental, o Plano de manejo, por si só,
não traz a solução almejada. Na apresentação do Plano de manejo do
PEMD, José Goldemberg afirma:

Um ou outro autor, em seus debates teórico-filosóficos, insiste em


afirmar que o Plano de Manejo não é a panaceia que solucionará
todos os problemas das unidades de conservação, e isto é uma
verdade.

Como grande parte dos problemas enfrentados pelas UCs está


relacionada às intervenções antrópicas, necessita-se pensar essas Unidades
com possibilidades mais amplas, principalmente no que diz respeito às ações
de educação ambiental aos visitantes, populações residentes do seu entorno e
gestores das UCs. Essas ações devem abordar, sobretudo, a questão dos
resíduos sólidos (lixo), principalmente dos orgânicos, que favorecem a
proliferação de vetores de doenças.
Segundo a Organização Pan-Americana da Saúde (OPS, 1990), a relação
entre o meio ambiente e saúde incorpora todos os elementos e fatores que
afetam a saúde desde a exposição de fatores específicos como elementos
biológicos ou situações que interferem no estado psíquico do indivíduo.
Como visto, “as questões ambientais são partes integrantes de saúde,
logo, meio ambiente e saúde” são temas indissociáveis (FREITAS, 2006, p.
599). Assim, como o ambiente influencia a saúde de variadas maneiras,
Tambellini e Câmara (1998, p. 48) afirmam que “a relação entre o ambiente e
o padrão de saúde de uma população define um campo de conhecimento
referido como ‘Saúde Ambiental’ ou ‘Saúde e Ambiente’”.

3 SANEAMENTO AMBIENTAL EM UNIDADE DE CONSERVAÇÃO

Nos dias atuais muito se discute sobre a importância da conservação


ambiental, sobretudo, das questões relacionadas ao que as UCs podem fazer
para a proteção da natureza. Assim, “apesar do nome ‘unidades de
conservação’ remeter ao entendimento de áreas conservadas, é possível
notar impactos significativos nessas áreas devido ao uso” (VIANA; ROCHA,
Saneamento e o Ambiente - 207

2009, p. 5). Esses impactos dos usos das UCs podem ser tanto de origem
natural (p. ex.: queda de árvores, fogo, entre outros) como antrópica
(causados pelo homem).
Confirma o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade
– ICMBio, que, ao contrário do que alguns setores da sociedade imaginam,
as UCs não constituem espaços protegidos “intocáveis”, apartados de
qualquer atividade humana. Elas fornecem direta e/ou indiretamente bens e
serviços que satisfazem várias necessidades da sociedade brasileira,
inclusive produtivas (MEDEIROS; ARAÚJO, 2011).
Portanto, um dos impactos ambientais em áreas naturais, que pode
ser causado pela ausência de saneamento nas UCs, refere-se à coleta e ao
destino inadequado dos resíduos sólidos gerados nessas áreas protegidas,
principalmente dos orgânicos, que, além de denegrirem a paisagem,
acumulados nas bordas ou deixados nas trilhas, favorecem a proliferação
de insetos vetores.
Assim, a gestão dos resíduos sólidos depositados em áreas de
proteção, torna-se um tema de grande importância a ser considerado
pelo Poder público, pois em algumas áreas não há qualquer tipo de
coleta do lixo. É válido mencionar que, “em 2017, o número de visitantes em
cerca de cem Unidades de Conservação (UCs) federais chegou aos 10,7 milhões.
Um recorde, com 20% de aumento real, em relação a 2016” (BRASIL/ICMbio,
2018, p. 2).
O Ministério do Meio Ambiente escreve que “as unidades de
conservação (UCs) têm um papel central na gestão dos resíduos sólidos nos
municípios em seu entorno” (BRASIL, 2013, p. 1). Ainda, essas UCs “são
espaços fundamentais na articulação institucional envolvendo o poder
público e a sociedade” (BRASIL, 2013, p. 1).
A partir disso, o termo Saneamento é uma expressão que emerge nesse
contexto. Conforme a Organização Mundial da ou de Saúde (OMS/WHO, 2014),
Saneamento é definido como:

[...] o controle de todos os fatores do meio físico do homem, que exercem


ou podem exercer efeitos nocivos sobre o bem-estar físico, mental e
social. De outra forma, pode-se dizer que saneamento caracteriza o
conjunto de ações socioeconômicas que têm por objetivo alcançar
Salubridade Ambiental.
208

Para a Fundação Nacional de Saúde (FUNASA), saneamento básico


“constitui o conjunto de ações visando à modificação das condições
ambientais com a finalidade de prevenir a difusão de vetores patogênicos e de
promover a saúde pública e o bem-estar da população" (BRASIL, 2004, p. 8).
A Lei Federal 11.445/2007 estabelece as diretrizes nacionais para o
saneamento básico e cria o Comitê Interministerial de Saneamento Básico.
O artigo 2º dessa Lei, na Redação dada pela Medida Provisória 844, de
2018, define "Saneamento Básico" como o conjunto de serviços,
infraestruturas e instalações operacionais de: a) abastecimento de água
potável; b) esgotamento sanitário; c) limpeza urbana e manejo de resíduos
44
sólidos; d) drenagem e manejo das águas pluviais urbanas .
E o Projeto de Lei que visa a instituir a Política Nacional de Saneamento
Ambiental, ainda em tramitação, define no inciso I de seu parágrafo único
que saneamento ambiental é o conjunto de ações socioeconômicas que têm
por objetivo alcançar níveis crescentes de salubridade ambiental, por meio do
abastecimento de água potável, coleta e disposição sanitária de resíduos
líquidos, sólidos e gasosos, promoção de disciplina sanitária do uso e
ocupação do solo, drenagem urbana, e controle de vetores e reservatórios de
doenças transmissíveis, com a finalidade de proteger e melhorar as condições
de vida, tanto nos centros urbanos quanto nas comunidades rurais e
propriedades rurais mais carentes.
Como visto, “Saneamento ambiental” é um tema abrangente, pois
compreende aspectos que vão além do saneamento básico, resíduos
sólidos, poluição, controle de vetores, entre outros. É o conjunto de ações

44
a) abastecimento de água potável, constituído pelas atividades, pela disponibilização, pela
manutenção, pela infraestrutura e pelas instalações necessárias ao abastecimento público de
água potável, desde a captação até as ligações prediais e os seus instrumentos de medição; b)
esgotamento sanitário, constituído pelas atividades, pela disponibilização e pela manutenção de
infraestrutura e das instalações operacionais de coleta, transporte, tratamento e disposição final
adequados dos esgotos sanitários, desde as ligações prediais até a sua destinação final para a
produção de água de reuso ou o seu lançamento final no meio ambiente; c) limpeza urbana e
manejo de resíduos sólidos, constituídos pelas atividades, pela infraestrutura e pelas
instalações operacionais de coleta, transporte, transbordo, tratamento e destino final dos
resíduos sólidos domiciliares e dos resíduos de limpeza urbanas; e d) drenagem e manejo das
águas pluviais urbanas, constituídos pelas atividades, pela infraestrutura e pelas instalações
operacionais de drenagem de águas pluviais, de transporte, detenção ou retenção para o
amortecimento de vazões de cheias, tratamento e disposição final das águas pluviais drenadas,
contempladas a limpeza e a fiscalização preventiva das redes (BRASIL, 2007).
Saneamento e o Ambiente - 209

socioeconômicas que têm o objetivo de obter a salubridade ambiental, com


a finalidade de assegurar a saúde da comunidade.
Para Martinez Abreu et al. (2014), o termo "saúde ambiental" ou
“saneamento ambiental” assinala não somente um conjunto analítico de
conhecimento e práticas, mas também o sistema de recursos humanos, físicos,
instituições financeiras que trabalham com tais conhecimentos e práticas, sendo
necessário demarcar adequadamente ambos os aspectos. Ainda, na visão dos
autores, atualmente

[...] a saúde ambiental é considerada uma maneira limitada de


nomear um fenômeno que não deve emitir uma ideia para curar ou
resolver o dano ou o efeito sobre o meio ambiente (na prática atual,
a palavra "saneamento" é frequentemente reservada apenas para
ações no campo gestão de resíduos líquidos e excrementos), mas o
seu papel principal deve ser preventivo. (MARTINEZ ABREU et al.,
2014, p. 406)45.

Na concepção de Valvassori e Alexandre (2012, p. 1), saneamento


ambiental é

[...] o conjunto de ações que objetivam a melhoria da salubridade


ambiental que abrange os serviços de abastecimento de água, coleta e
tratamento de esgotos sanitários, coleta e tratamento de resíduos
sólidos urbanos, controle de vetores transmissores de doenças e
drenagem urbana.

Viana e Rocha (2009, p. 15), trabalhando em UCs, observaram áreas


impactadas pela presença antrópica, com “a livre circulação de animais
domésticos que atuam como vetores de doenças para animais nativos e para
seres humanos”. É certo que nas UCs não é permitida a entrada de animais
domésticos, pois esses transitam, urinam e defecam em locais inadequados. Os
autores notaram também a presença de resíduos sólidos nas trilhas. Esses
resíduos quando dispostos de forma inadequada, constituem-se em foco de
proliferação de vetores transmissores de doenças, de importância sanitária

45
Actualmente se considera que salud ambiental es una forma limitada de nombrar un
fenómeno que no debería emitir una idea hacia lo curativo o sea resolviendo el daño o el efecto
sobre el ambiente (en la práctica presente, la palabra "saneamiento" con frecuencia se reserva
solamente para las acciones en el campo del manejo de desechos líquidos y excretas), sino que
su principal rol debe ser preventivo (MARTINEZ ABREU et al., 2014, p. 406).
210

(TCHOBANOUGLOS et al., 1993), como moscas, que são insetos que têm
importância como vetores de várias doenças.
Destaca-se que algumas moscas, vetores mecânicos de patógenos
(vírus, bactérias, etc.), são comumente associadas a interferências
antrópicas e então classificadas como sinantrópicas, pois são capazes de se
adaptar às condições promovidas pelo homem.

4 MOSCAS E SINANTROPIA: EFEITOS DAS AÇÕES HUMANAS

A ordem Díptera, uma grande ordem dos insetos, compreende


mais 150.000 espécies descritas. Pertencem a essa ordem as moscas, que
constituem uma das populações de insetos cosmopolitas mais abundantes
na Terra, com adaptação aos mais variados nichos ecológicos e diferentes
habitats (AMORIM, 2009).
Algumas espécies de moscas, ao longo dos anos, com a degradação
de seu habitat natural, por disponibilidade de água, abrigo e alimento
acabaram migrando para os centros urbanos. Encontraram em abundância
os recursos essenciais para sua sobrevivência, assim, adaptando-se bem às
condições ambientais criadas ou modificadas pelo homem (ao novo
ambiente). Para Linhares (1981) e Nuorteva (1963), esse tipo de associação
desses insetos com ambientes humanos é conhecido como sinantropia.
De acordo com a abundância de cada espécie em uma área ecológica,
podem ser classificadas pelo comportamento sinantrópico em “eussinantrópicas
ou permanentes”, que são aquelas moscas tipicamente urbanas e que podem
ser encontradas dentro de residências; “semissinantrópicas ou ocasionais”, que
habitam áreas semirrurais; e, “assinantrópicas”, que ocorrem em ambientes
silvestres (áreas bem conservadas) não dependendo da presença do homem
para sobreviverem (GREGOR; POVOLNY, 1958; GREENBERG, 1973).
Comparadas a outras espécies endêmicas no Brasil, as moscas
sinantrópicas mais importantes pertencem às famílias Muscidae,
Calliphoridae, Sarcophagidae e Fanniidae. Esses insetos, devido à estrutura
dos seus aparelhos bucais do tipo lambedor-sugador, apresentam em
comum a capacidade de alimentar-se de substratos no estado líquido por
meio de uma probóscide (não possuem aparelho mastigatório) ou
prontamente solúvel nas secreções das glândulas salivares, e depositam
Saneamento e o Ambiente - 211

sucos digestivos sobre os alimentos sólidos antes de sugá-los (BORROR;


DELONG, 1988; MacLEOD; DENNELLY, 1957; MALIK et al., 2007).
O material orgânico, de origem vegetal ou animal, em fermentação ou
putrefação (fezes, lixo, restos de alimentos, carcaças, etc.) é utilizado pelas
moscas como alimento e/ou criadouro, pois as fêmeas depositam seus ovos
nesses resíduos para desenvolvimento de suas larvas até a fase adulta
(FERREIRA; LACERDA, 1993; GREENBERG, 1971; SEOLIN DIAS et al., 2008).
Dessa forma, sob condições naturais, as moscas procuram grande
variedade de substâncias alimentares, frequentando lixões, estábulos de
criação de animais, plantas em decomposição, matadouros e frigoríficos,
aterros sanitários e comércio de alimentos em feiras (BAUMGARTNER;
GREENBERG, 1984).
Após alimentarem-se e pousarem em substratos contaminados,
infectam várias estruturas corporais (pernas, asas, tubo alimentar, entre
outras), com bioagentes patógenos ao ser humano (bactérias, protozoários,
vírus, cistos de protozoários e ovos de helmintos, entre outros) (SANTOS,
2006; NAZNI et al., 2005). Pelo seu hábito, as moscas costumam repousar
sobre utensílios humanos que são encontrados em residências, escolas,
hotéis, restaurantes, entre outros, e então os agentes presentes em sua
superfície corporal são transferidos, por contato, para os alimentos destinados
ao consumo humano e para outras superfícies (SANTOS, 2006; SUKONTASON
et al., 2005).
Segundo estudos, cerca de 50 espécies de moscas
sinantrópicas foram descritas como estando associadas a
condições insalubres e envolvidas na disseminação de
enteropatógenos para humanos (GRACZYK; RONALD; TAMANG,
2005). Algumas espécies são causadoras de miíases (bicheiras) em
animais (ZUMPT, 1965), desempenhando assim um papel na
epidemiologia de muitas doenças infecciosas.
Ressalta-se que as moscas atuam como vetores mecânicos
(transportadores) de cerca de cem patógenos que estão associados a mais de
65 enfermidades no homem e animais domésticos (CHOW, 1940; FÖRSTER et
al., 2007;
212

Mapa 1 – Localização da área de estudo

Fonte: Elaborado por Okado (2018).

46
O Pontal é constituído por 32 municípios , abrangendo uma área
aproximada de 18.441,60 km². Teodoro Sampaio, com população de
aproximadamente 21.386 habitantes, é um dos municípios no qual está
localizado o PEMD, cerca de 18 quilômetros do centro da cidade (IBGE,
2010). A área do Pontal encontra-se na província geomorfológica do
Planalto Ocidental do Estado de São Paulo. Possui características climáticas
diferenciadas, segundo classificação de Koppen, do tipo fundamental Cwa,
clima seco, verão quente e úmido e macrotérmico subtropical. A descrição

46
Constituem o Pontal do Paranapanema os municípios de Alfredo Marcondes, Álvares
Machado, Anhumas, Caiabu, Caiuá, Emilianópolis, Estrela do Norte, Euclides da Cunha Paulista,
Iepê, Indiana, João Ramalho, Marabá Paulista, Martinópolis, Mirante do Paranapanema,
Nantes, Narandiba, Piquerobi, Pirapozinho, Presidente Bernardes, Presidente Epitácio,
Presidente Prudente, Presidente Venceslau, Rancharia, Regente Feijó, Ribeirão dos Índios,
Rosana, Sandovalina, Santo Anastácio, Santo Expedito, Taciba, Tarabai e Teodoro Sampaio.
Saneamento e o Ambiente - 213

da precipitação pluviométrica apresenta valores entre 1.100 mm e 1.300


mm anuais. As temperaturas oscilam entre 13 e 32 °C, temperaturas
negativas no inverno e chuvas fortes no verão. O relevo uniforme, suave
ondulado, com declividades de 1 a 3 graus. O ponto mais alto da região é o
Morro do Diabo (599,5 m acima do nível do mar). O tipo de solo
predominante é o latossolo, de textura arenosa e fortemente ácido (LEITE,
1998; SÃO PAULO, 2006).
O Pontal é caracterizado por ocupações irregulares, sendo algumas
legalizadas e instituídas em grandes fazendas de agropecuárias, em especial
a exploração do gado bovino, “que para legitimar a posse das terras, iniciou-
se, então, um processo voraz de ocupação das florestas da região
(BEDUSCHI FILHO, 2002, p. 6). Para Dean (1996 apud BEDUSCHI FILHO, 2002,
p. 6), “impulsionado pela construção de ferrovias e pela expansão do cultivo
do café, assim como em outras regiões do Estado, o desmatamento de
vastas áreas florestais foi intenso”. Nesse contexto, as ocupações irregulares
provocaram e vêm causando diversos impactos socioambientais na região.
Destaca-se que, historicamente, após o processo de desmatamento e
ocupação, as terras dessa região foram destinadas a monoculturas extensivas
(café, algodão, amendoim e pecuária), que reduziram significativamente a
biodiversidade e empobrecem o solo e, nos dias atuais, boa parte das terras
estão comprometidas com a monocultura canavieira e pecuária extensiva.
Confirma Thomaz Junior (2012, p. 17) que “o crescimento da expansão
da área plantada com cana-de-açúcar no Pontal do Paranapanema indica que
a territorialização da cana se dá sobre áreas de pastagens (anuais e perenes)”.
Cita-se, também, que as pequenas propriedades agrícolas, como em
outras regiões, sofreram várias alterações também em razão dos pequenos
agricultores buscarem novas alternativas de sobrevivência, como
a substituição das lavouras de produtos de subsistência pela atividade
canavieira.
Portanto, o grande impulso que a cana-de-açúcar obteve nos
últimos anos no Pontal, fez com que grandes fazendas e pequenas
propriedades que antes eram pastagens e lavouras, fossem
transformadas em plantio de cana, com as construções de grandes
destilarias de Etanol e os assentamentos rurais, que
214

[...] criam um mosaico de paisagens e feições regionais em uma área


originalmente homogênea e que agora oferece uma gama de aspectos e
problemas muito interessantes, em função de suas diferenciações
antrópicas. (PASSOS, 2004, p. 178).

Convém ressaltar que a drástica mudança na paisagem natural da área


do Pontal iniciou-se com a extração ilegal de madeira e desmatamentos da
Mata Atlântica, que reduziu a cobertura florestal e a substituiu especialmente
por culturas e pastagens. Mesmo diante da destruição da grande floresta
tropical, segundo Passos (2004), somente em 1941, o governo estadual teve
interesse pelas suas matas, transformando-as em Reserva Florestal. Dos
297.000 hectares, da Grande Reserva do Pontal, reservados “à conservação da
flora e fauna estadual e o futuro estabelecimento de florestas protetoras,
remanescentes ou modelos”, hoje restam cerca de 35 mil, concentrados
no PEMD e pouco mais de 12.000 hectares em fragmentos florestais pela
região (BEDUSCHI FILHO, 2002; PASSOS, 2004).
O PEMD possui vegetação do tipo floresta estacional semidecidual, no
domínio da Mata Atlântica e, além desse tipo de floresta, apresenta matas
ciliares e fragmentos de cerradão e cerrado. Ainda, abriga importantes e
diversas espécies de fauna e flora, inclusive algumas ameaçadas de
extinção (SCHIILER et al., 1993; SÃO PAULO, 2006; AB’SABER,
2003). Uma rodovia asfaltada, SP-613, corta o PEMD, constituindo ameaça à
integridade dessa Unidade de Conservação, principalmente pela ocorrência de
atropelamentos de animais silvestres. Além disso, nas margens dessa rodovia
ocorre descarte de animais mortos pela população residente nas proximidades,
além de outros materiais.
Os principais atrativos do PEMD são as trilhas interpretativas do
Morro do Diabo; da Lagoa Verde; do Paranapanema e do Barreiro da Anta.
Essas trilhas, pelo Programa de Uso Público e por meio de agendamento
prévio, são utilizadas para caminhadas e atividades de educação ambiental
por visitantes, estudantes de todos os níveis e pesquisadores. O Parque,
ainda, possui hospedarias estruturadas, com refeitório e quiosques para
piquenique, para receber e abrigar os visitantes e pesquisadores.
Com relação ao Plano de Manejo que todas as UCs precisam ter, para a
Secretaria de Meio Ambiente, é
Saneamento e o Ambiente - 215

[...] um instrumento de trabalho imprescindível aos chefes das


unidades de conservação, algo que todos podem dizer ser o rumo
certo e direito, porém dinâmico e flexível, para o alcance dos
objetivos de gestão desta unidade de conservação, dentro do mais
amplo conceito de gestão adaptativa. (SÃO PAULO, 2006, p. 5).

47
O documento oficial do PEMD tem como objetivos a identificação, a
sistematização, a ordenação e a ampliação de informações e ou
conhecimentos sobre o Parque.

6 METODOLOGIA PARA CAPTURA DAS MOSCAS SINANTRÓPICAS NO PEMD

Os insetos foram capturados no período de março de 2012 a março


de 2013, utilizando-se armadilhas com garrafas tipo “Pet-2L”, contendo
como atrativo fígado bovino e peixe (sardinha), seguindo proposição de
Ferreira (1978), com modificações de Hwang e Turner (2005).
Essas armadilhas foram instaladas em árvores a uma altura média de
1,70 metro do solo, ficando expostas por 24 horas, com 12 coletas em dias
que marcaram o início, meio e fim de cada estação.
Às margens da rodovia que corta o Parque, foram demarcados os pontos
de fixação das armadilhas, sendo a primeira a um quilômetro após o início do
Parque e a quinta a um quilômetro antes do seu término e as outras três
durante o percurso em intervalos territoriais de idêntico comprimento.
As moscas capturadas foram levadas ao Laboratório de Biogeografia
e Geografia da Saúde da Universidade Estadual Paulista de Presidente
Prudente-SP, onde foram identificadas com auxílio de microscópio
esteroscópico e utilização de chaves dicotômicas específicas (CARVALHO;
RIBEIRO, 2000; CARVALHO; MOURA; RIBEIRO, 2002).

47
O documento tem o propósito de: Estabelecer normas que orientem o cumprimento dos
objetivos que motivaram a criação do Parque; estabelecer a diferenciação e intensidade de uso
mediante zoneamento; orientar a aplicação dos recursos financeiros; assegurar a preservação
integral dos recursos naturais e promover a recuperação das áreas alteradas; dotar o Parque
de diretrizes para o seu desenvolvimento integrado que contribuam para o uso turístico
ordenado regional; estabelecer um programa de pesquisa que possibilite a compreensão do
ecossistema protegido e a definição de técnicas de recuperação ambiental, bem como para o
manejo racional dos recursos naturais (SÃO PAULO, 2006, p. 29).
216

7 RESULTADOS e DISCUSSÃO

Foram capturadas 266 moscas adultas, sendo da


família Calliphoridae 22,1% (213) e da Muscidae 32,9% (53).
Dentre os califorídeos, popularmente conhecidos como “moscas
varejeiras”, três das espécies são mais estudadas: Chrysomya albiceps, originária
da Europa, C. megacephala, originária da Austrália e Oriente, e C. putoria,
originária da África. Registra-se que, em 1970, esses insetos foram introduzidos
no Brasil, inicialmente no Sudeste, provavelmente por meio de embarcações.
São espécies exóticas-invasoras, com diversificação do hábito alimentar e,
com elevada tolerância às variações climáticas, o que proporcionou uma
rápida dispersão por todo território nacional (IMBIRIBA et
al., 1977; PRADO; GUIMARÃES, 1982). São consideradas excelentes
colonizadoras, pois as moscas adultas apresentam alta capacidade de
dispersão e perfeita habilidade na localização de recursos efêmeros a
grande distância (FERRAZ, 2008, GREENBERG, 1973).
Para Ferraz (2008, p. 12), “os califorídeos são constituídos por espécies
típicas de diferentes ambientes, sejam florestais, rurais ou urbanos, muitas
delas exibindo alta sinantropia”, podendo funcionar como indicadoras de
interferência humana nos ambientes naturais (FIGUEIREDO, 2016).
Em fragmentos de Mata Atlântica, Furusawa e Cassino (2006)
pesquisaram Calliphoridae e concluíram que as espécies denominadas como
assinantrópicas apresentaram preferência pela área com menores
interferências antrópicas, e as espécies hemissinantrópicas ou
eussinantrópicas pelas áreas com maior interferência antrópica. E, segundo
Figueiredo (2016), que a abundância e riqueza de califorídeos foram
frequentes todos os meses do ano, influenciadas positivamente pela
temperatura.
Os Muscideos, popularmente conhecidos como “moscas domésticas”,
apresentam ecologia e hábitos que podem variar em diferentes regiões do
mundo, devido à adaptação ao clima e a outros fatores naturais ou antrópicos
(WHO, 1986). A espécie Musca doméstica é a mais comum das moscas
domésticas e associada a humanos, estando presente em todas as regiões
biogeográficas. Sua presença está no intra e peridomicílio urbano, onde
Saneamento e o Ambiente - 217

encontram abrigo, alimento e substrato de criação (MARICONI et al., 1999;


SANTOS, 2006).
Em áreas florestais, observam Fried et al. (2005), que membros da
família Muscidae preferem ambientes com bordas e fragmentos de floresta de
vegetação mais densa em vez de áreas abertas e fragmentos com bordas que
apresentam vegetação típica de sub-bosques.
Em fragmento de mata, no Rio de Janeiro, Leandro e D’Almeida
(2005) pesquisaram quatro famílias de moscas, e os resultados obtidos
demonstraram a Calliphoridae como sendo a primeira mais abundante
(65,90%), e a Muscidae a terceira mais representativa (12,47%).
Os trabalhos citados comprovaram a presença de moscas
sinantrópicas, das famílias Calliphoridae (varejeiras) e Muscidae (domésticas)
em fragmentos de mata Atlântica, estando em consonância com os resultados
deste estudo em Unidade de Conservação (PEMD).
Pode-se considerar a presença de califorídeos, principalmente da
espécie C. megacephala, altamente sinantrópica, em UC, pelo fato
de que, após sua introdução ao país, esses insetos dispersaram-se
rapidamente, competindo e causando declínio significativo com outras
moscas nativas. Leandro e D’Almeida (2005, p. 378), referindo a fragmento
de matas, registra que “C. megacephala é uma espécie r-estrategista, de
hábito alimentar generalista, daí a possibilidade de se adaptar em variados
ambientes”, inclusive em UC. Ainda, para Didham et al. (1996 apud
LEANDRO; D’ALMEIDA, 2005, p. 378), “as espécies generalistas e
oportunistas respondem melhor às mudanças ambientais do que as
especialistas”.
Os muscídeos, principalmente a espécie M. domestica, são bem
adaptados aos centros urbanos e em áreas rurais, o que faz crer que a sua
presença no PEMD pode estar associada à forte pressão dos assentamentos e
das pequenas propriedades rurais que circundam o PEMD ou a uma vantagem
competitiva frente a outras espécies. Além disso, os animais mortos descartados
nas margens da rodovia e/ou bordas das matas, pelos moradores próximos à
UC, são utilizados como alimento, abrigo e reprodução de moscas.
Outro fator que favorece o aumento das populações de moscas
sinantrópicas no PEMD é o comportamento irresponsável dos
visitantes, que gera perturbações ambientais, pelo descarte inadequado dos
218

resíduos orgânicos que são jogados ou deixados de maneira incorreta no


interior no Parque (Figuras 1 e 2).

Figuras 1 e 2 – Sacolas plásticas contendo resíduos orgânicos no chão e penduradas na


árvore na entrada para o Morro do Diabo

Fonte: Seolin Dias (2018).

Além da conduta dos visitantes, o comportamento da população


próxima à UC, principalmente do espaço rural, também deixa a desejar,
haja vista que o “saneamento ambiental é inadequado em item como
gestão de resíduos sólidos, o que é justificado por falta de infraestrutura
adequada disponível para a realização, ou pela falta de educação
ambiental local. Confirmam May et al. (2008) que as ações de saneamento
ambiental no meio rural brasileiro ainda apresentam um déficit.
Ademais, ressaltam-se as dificuldades dos gestores com relação à
manutenção do PEMD pela falta de recursos financeiros que deveriam ser
utilizados em termos de aquisição de materiais e desenvolvimento de
projeto de educação ambiental e gestão ambiental. Além disso, o reduzido
número de funcionários para fiscalização intensiva no espaço territorial da
unidade e para atividades de educação ambiental tanto com os visitantes e
como com os moradores próximos ao Parque.
Um dos princípios básicos da educação ambiental é o respeito à
diversidade cultural. É preciso buscar novos hábitos e habilidades, que
possibilitem aos grupos ou indivíduos a manutenção de uma relação mais
igualitária entre si e desenvolvimento de projeto pioneiro de educação
ambiental na apropriação dos recursos naturais.
Saneamento e o Ambiente - 219

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A manutenção de uma Unidade de Conservação, como de um Parque


Estadual ou Federal, representa esforço da legislação para conservação ou
preservação ambiental de ecossistemas e da biodiversidade, aliada a ações que
possam concretizar estas normativas. Esses procedimentos têm relação e
influência direta na saúde de uma população, contemplando necessariamente
estudos envolvendo conhecimentos da “Saúde Ambiental”.
Por este motivo, nessas unidades é fundamental considerar o
saneamento ambiental como expressão de atitudes que incidem diretamente
na qualidade ambiental de qualquer espaço. Nesse contexto, as moscas
sinantrópicas são consideradas um importante indicador da saúde ambiental
desse saneamento.
Com os resultados obtidos neste estudo, pode-se observar que,
apesar de estar em uma área protegida, o Parque Estadual Morro do Diabo
encontra-se impactado devido à presença significativa de moscas
consideradas urbanas. Possivelmente, isso se deve à sua proximidade com o
espaço urbano ou ausência de ações adequadas de saneamento ambiental
por parte dos visitantes.
A escassez ou redução de alimentos para as espécies nativas pode
também ter contribuído para a presença no Parque de espécies mais
generalistas e adaptadas a ambientes com interferência antrópica. Esse
cenário pode ser agravado quando estas encontram condições atrativas por
meio de diversos fatores conforme mencionado neste trabalho.
Por isso, não se deve desconsiderar o descuido de visitantes do parque,
bem como das populações de seu entorno, relativo aos descartes
inadequados dos resíduos sólidos em suas adjacências, o que contribui para a
atração e permanência das moscas neste ambiente. Esta situação constitui-se
desafio de difícil solução que os gestores do parque têm para resolver, devido
a escassos recursos para contratação de maior número de funcionários e
ações formativas de Educação Ambiental.
Por outro lado, as moscas sinantrópicas têm o potencial de servir
como indicadores da saúde ambiental revelando o impacto da mudança
ambiental no local. Relativamente fáceis de capturar, esses insetos
podem ser utilizados para estudos em Unidades de Conservação, quando se
220

pretende buscar fatores que possam causar problemas de saúde pública e


desequilíbrios no ambiente.
Ao estudar a presença das populações de moscas em Unidades de
Conservação, elucida-se duas questões: como as populações estão
reagindo às mudanças ambientais e consequências não intencionais que
os impactos podem afetar no bem-estar e na saúde dos moradores
próximos e visitantes do PEMD.
Também as moscas, como indicador biológico, é um elemento valioso
para verificação da qualidade ambiental em determinado ambiente. Assim,
este trabalho teve como intenção demonstrar os aspectos favoráveis da
utilização dessa variável.
Desta forma, a presença do indicador biológico mencionado e os
resultados de sua mensuração implica na premente necessidade de
desenvolver Projetos formativos de Educação Ambiental, com visitantes, e
populações das cidades residentes no entorno do parque. Neste contexto,
considera-se que ações formativas/educativas devem ser permanentes,
tendo um efeito em médio e longo prazo, atuando como fator preventivo.
Este é um dos caminhos para desenvolver consciência ambiental e
sanitária nas populações envolvidas direta ou indiretamente com o
PEMD tendo em vista implementar atitudes de respeito à diversidade
ambiental e de saneamento ambiental, evitando usos ou apropriação
indevida dos recursos naturais.

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226
Saneamento e o Ambiente - 227

Capítulo 11

A IMPORTÂNCIA DOS SERVIÇOS DE ZOONOSES MUNICIPAIS PARA O


MELHORAMENTO DO SANEAMENTO BÁSICO NO BRASIL

48
Lourdes Aparecida Zampieri D’Andrea
49
Patrícia Ferreira da Silva
50
Chelsea Pereira de Souza
4
Raul Borges Guimarães

1 INTRODUÇÃO

As condições de saúde ambiental na maioria dos municípios


brasileiros são precárias pela deficiência ou ausência de serviços públicos de
saneamento ambiental, falta de planejamento, ações fragmentadas ou
descontínuas, com desperdício de recursos e baixa eficiência, resultando em
grandes cargas socioambientais (BRASIL, 2005; BRASIL, 2016).
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), zoonoses são
definidas como: “doenças ou infecções naturalmente transmissíveis entre
animais vertebrados e seres humanos” (WHO, 2018). A transmissão pode
ocorrer de forma direta (contato com secreções ou contato físico através de
mordeduras e/ou arranhaduras) ou indireta (vetores, consumo de alimento
contaminado com o agente etiológico), entre outras (ACHA; SZYFRES, 2001).
Em virtude de sua importância do ponto de vista econômico e social, é
necessária a adoção de medidas capazes de minimizar transtornos através

1
Doutora, pesquisadora científica do Centro de Laboratório Regional do Instituto Adolfo Lutz de
Presidente Prudente/SP E-mail: lourdes.andrea@ial.sp.gov.br
2
Aprimoranda, Programa de Vigilância Laboratorial em Saúde Pública Centro de Laboratório
Regional do Instituto Adolfo Lutz de Presidente Prudente/SP E-mail:
patriciaferreirabiomedica@gmail.com
3
Aprimoranda, Programa de Vigilância Laboratorial em Saúde Pública Centro de Laboratório
Regional do Instituto Adolfo Lutz de Presidente Prudente/SP E-mail:
chelsea_souza@hotmail.com
4
Professor titular do Departamento de Geografia da Universidade Estadual Paulista (Unesp),
Faculdade de Ciências eTecnologia, Presidente Prudente, São Paulo. Coordenador do
Laboratório de Biogeografia e Geografia da Saúde da Unesp e membro da Comissão de Saúde e
Ambiente da União Geográfica Internacional. E-mail: raul@fct.unesp.br
228

da execução de métodos pertinentes para a prevenção, controle ou


erradicação destas doenças (MIGUEL, 1996; LIMA et al., 2010). É necessário,
ainda, para que tais medidas sejam adotadas, que se tenha conhecimento
sobre as características causa, incidência e prevalência (GUIMARÃES et al.,
2010), procurando-se envolver os serviços de zoonoses municipais na
política municipal de saneamento ambiental.
A primeira atividade relacionada ao controle de zoonoses implantada
no Brasil foi a construção de canis públicos nas principais capitais do país
(BRASIL, 2016). Posteriormente, já na década de 1970, houve a criação dos
primeiros Centros de Controle de Zoonose (CCZs), em que as atividades
eram voltadas principalmente para controle da raiva (BRASIL, 2016;
RODRIGUES, 2017).
Outros programas de saúde pública foram incorporados à rotina, o
controle de vetores foi favorecido pela descentralização das atividades de
controle de endemias, até então trabalhadas pela Fundação Nacional de
Saúde (FUNASA) (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2017). A partir da década de
1990, o Ministério da Saúde (MS) sistematizou a aplicação dos recursos
para apoiar os municípios na implantação e na implementação de unidades
de zoonoses integradas ao Sistema Único de Saúde (SUS) (MINISTÉRIO DA
SAÚDE, 2017; BRASIL, 2003).
Os CCZs são instituições municipais ligadas a órgãos locais de saúde,
podendo possuir estrutura física e personalidade jurídica legalmente
estabelecida (BRASIL, 2003). Suas competências e atribuições são voltadas
para os “programas de controle de zoonoses, de doenças transmitidas por
vetores e de agravos provocados por animais peçonhentos” (REICHMANN,
2004; GOMES, 2009). O dimensionamento do tipo de modalidade de CCZ ou
de canil municipal a ser implantado nos municípios é feito de acordo com a
população humana existente daquela localidade (BRASIL, 2003).
Portaria MS/GM 1.138, de 23 de maio de 2014, definiu as “ações e
os serviços de saúde para vigilância, prevenção e controle de zoonoses e de
acidentes causados por animais peçonhentos e venenosos, de relevância
para a saúde pública” (BRASIL, 2014a). Em conjunto com a Portaria 758, de
26 de agosto de 2014, as atribuições relacionadas ao controle de zoonoses
foram mais bem definidas e o CCZ passou a ser substituído pela Unidade de
Vigilância de Zoonoses (UVZs) (BRASIL, 2014b). Essa mudança possibilitou
Saneamento e o Ambiente - 229

que as ações fossem mais direcionadas, trazendo melhorias para o serviço


(RODRIGUES, 2017) e a possibilidade de melhorar sua integração com outros
serviços importantes para o saneamento ambiental.
As ações, atividades e estratégias de vigilância de zoonoses visam a
eliminar ou diminuir os riscos de transmissão à população humana. Para
isso, é necessário o levantamento do impacto que o tipo de zoonose causa
na saúde pública, através da avaliação da gravidade, capacidade de
disseminação, instalação e transmissão, a população vulnerável, as espécies
animais envolvidas, o tempo e a área onde ocorre a doença (SÃO PAULO,
2006; BRASIL, 2017), como é o caso da leishmaniose visceral (LV).
A LV é considerada uma zoonose, doença crônica e sistêmica causada
pelo protozoário tripanosomatideo, Leishmania infantum (sinonímia
Leishmania (Leishmania) chagasi) (BANULS et al., 2007). Cerca de 90% do
total de casos ocorrem em grupo de seis países, do qual o Brasil faz parte
(ALVAR, 2012; WHO, 2016). A forma de transmissão ocorre pela picada da
fêmea de vetores flebotomíneos infectadas, tendo como a principal espécie
transmissora o Lutzomyia longipalpis, mas o L. cruzi também é incriminado
(BRASIL, 2017).
No ambiente urbano, o cão é considerado reservatório de maior
importância (DE SOUZA, 2012; SILVA, 2014). Quando acomete o humano, os
sintomas mais comuns incluem esplenomegalia, pancitopenia, febre e perda
de peso, podendo levar o indivíduo à morte quando não diagnosticada e
tratada adequadamente (LEMOS et al., 2003; LINDOSO; GOTO, 2006).
O MS estabeleceu em 2006 o Programa de Vigilância e Controle da LV
(PVCLV), tendo como objetivo a diminuição de morbidade, letalidade assim
como a dispersão territorial da doença (ZUBEN; DONALÍSIO, 2016). O
programa estabelece como medidas o diagnóstico e o tratamento precoce
dos casos em humano, diminuição dos vetores (flebotomíneos) e controle
dos reservatórios domésticos (ZUBEN; DONALÍSIO, 2016; WERNECK, 2010).
As recomendações acerca das ações de vigilância em saúde que
devem ser realizadas para LV varia de acordo com a condição
epidemiológica do município e a transmissibilidade da doença. Os
municípios podem ser classificados como silenciosos, em que não possuem
casos autóctones da doença, municípios em transmissão onde possuem
registro de casos notificados, podendo ser ainda de transmissão esporádica
230

moderada ou intensa, conforme o número de casos ocorridos no período


avaliado (SÃO PAULO, 2006; BRASIL, 2016). É de extrema importância a
presença de um Serviço de Zoonose ou CCZ estruturado e funcionando de
forma adequada, como um fator primordial no que tange às ações de
vigilância e controle da LV numa dada localidade. Entendem-se como
Serviço de Zoonose atividades recomendadas pelo PVCLV e que o município
deve realizar em relação ao reservatório canino.
Em zonas endêmicas, o aumento de casos de LV tem se relacionado a
vários fatores, como: aumento do número de casos da doença em pacientes
imunodeprimidos e controle inadequado de vetores e reservatórios
(D’ANDREA, 2017), além das alterações climáticas, que contribuem para a
disseminação do vetor (MONTALVO et al., 2012; CDC, 2013).
De maneira geral, nas zonas urbanas, periurbanas e rurais, sabe-se
que a dispersão da LV se associa às mudanças das características ambientais
e/ou ações antrópicas oriundas das ocupações territoriais (SÃO PAULO,
2006). No entanto, essa zoonose possui forte interdependência com regiões
de florestas remanescentes que foram modificadas, sendo os espaços rurais
importantes locais de armazenamento e concentração de vetores e
reservatórios (SILVA, 2007). Nesse contexto, compreende-se a importância
de estabelecer o processo de saúde-doença em regiões agrárias de
organização familiar, como, por exemplo, os assentamentos. Logo, essas
unidades agrícolas merecem atenção especial em estudos de vigilância em
saúde e assistência básica, pois se configuram como possíveis focos de
manutenção e facilitadores de rotas de dispersão de LV no território
(D’ANDREA; GUIMARÃES, 2018).
A elaboração de uma Política Municipal de Saneamento Ambiental de
forma participativa e democrática é uma das formas encontradas para
fortalecer aos municípios a melhoria dos serviços prestados (BRASIL, 2005).
O objetivo do presente capítulo é de analisar a importância dos serviços de
zoonoses municipais e de sua relação com a política municipal de
saneamento ambiental.
Vejamos como essa situação ocorre numa região brasileira e de que
maneira os serviços de zoonose podem responder por diferentes problemas
de saneamento ambiental.
Saneamento e o Ambiente - 231

2 PANORAMA DA LEISHMANIOSE VISCERAL NA REGIÃO DE SAÚDE DE


PRESIDENTE PRUDENTE E O PAPEL EXERCIDO PELOS SERVIÇOS DE
ZOONOSE MUNICIPAIS

A LV encontra-se em expansão em território paulista e vem se


disseminando pelo oeste do Estado de São Paulo, apresentando padrões e
situações epidemiológicas variadas entre municípios (D’ ANDREA, 2017), e é
de fundamental importância o desenvolvimento de uma visão geográfica
integrada da doença (D’ ANDREA et al., 2015; D’ ANDREA, 2017). Existe um
efeito de radiação dos focos da LV que precisam ser elucidados, e tal difusão
se configura em um problema de vigilância e controle, uma vez que se
observam diferentes eixos de dispersão (D’ ANDREA et al., 2015).
Dos 45 municípios que compõem a Rede Regional de Atenção à
Saúde (RRAS), 11 de Presidente Prudente/SP, com relação à situação
epidemiológica para LV em maio de 2018, 42,2% (19) são de transmissão
humana e canina; 17,8% (oito) apenas de transmissão canina; 11,2% (cinco)
encontram-se em investigação; 8,9% (quatro) silenciosos receptivos
vulneráveis (com presença de vetor) e 20% (nove) silenciosos não receptivos
vulneráveis (sem a presença de vetor) (FIGURA 1 e TABELA 1). Quanto à
presença de Serviço de Zoonoses para a realização das atividades
preconizadas pelo PVCLV, 62,2% (28) são totalmente estruturados; 26,7%
(12) sem serviços de zoonose; 11,1% (5) não possuem estrutura física,
porém, possuem equipe de zoonoses capacitada (FIGURA 1 e TABELA 1).
Dentre esses municípios sem estrutura física, temos 6,7% (3) deles que,
embora não tenham estrutura física disponível, funcionam apenas
parcialmente. Coletam as amostras biológicas dos cães, mas realizam a
triagem sorológica com teste rápido (TR) DPP BioManguinhos para LV canina
no Laboratório de Referência Regional para esse agravo, que é o Centro de
Laboratório Regional - Instituto Adolfo Lutz de Presidente Prudente V (CLR -
IAL PP V) (FIGURA 1 e TABELA 1). Com relação aos assentamentos de
reforma agrária, 42,2% (19) abrigam um total de 121 dessas unidades
agrícolas (FIGURAS 1 e 2). Os municípios de Mirante do Paranapanema e
Teodoro Sampaio são detentores dos maiores números dessas unidades
232

agrícolas em seus territórios, 35 (28,9%) e 22 (18,2%) respectivamente


(FIGURA 2).
Figura 1 – Situação Epidemiológica da Leishmaniose Visceral, disponibilidade de Serviços de
Zoonoses e localização dos Assentamentos de Reforma Agrária nos municípios que compõem a
Região de Saúde de Presidente Prudente – São Paulo – Brasil, em maio/2018

Tabela 1 – Classificação dos municípios da região de saúde de Presidente Prudente/SP, em


relação ao Serviço de Zoonoses e situação epidemiológica de leishmaniose visceral em 05/2018
Municípios Serviço de Zoonoses Situação Epidemiológica
1. Alfredo Marcondes Totalmente estruturado Transmissão canina

2. Alvares Machado Totalmente estruturado Transmissão canina

3. Anhumas Sem serviços zoonoses Silencioso não receptivo


vulnerável
4. Caiabu Sem serviço zoonoses Silencioso receptivo vulnerável

5. Caiuá Totalmente estruturado Transmissão canina

6. Dracena Totalmente estruturado Transmissão humana e canina

7. Emilianópolis Totalmente estruturado Em investigação - notificação


de casos caninos
importados/com presença de
vetor
8. Estrela do Norte Sem serviço zoonoses Silencioso não receptivo
vulnerável
9. Euclides da Cunha Paulista Sem serviço zoonoses Silencioso não receptivo
vulnerável
Saneamento e o Ambiente - 233

10. Flora Rica Totalmente estruturado Transmissão humana e canina

Municípios Serviço de Zoonoses Situação Epidemiológica


11. Iepê Sem serviço zoonoses Silencioso não receptivo
vulnerável
12. Indiana Sem serviço zoonoses Silencioso não receptivo
vulnerável
13. Irapuru Totalmente estruturado Transmissão humana e canina

14. João Ramalho Sem estrutura física, Notificação de casos caninos


parcialmente funcionando autóctones/sem presença de
vetor
15. Junqueirópolis Totalmente estruturado Transmissão humana e canina

16. Marabá Paulista Totalmente estruturado Transmissão humana e canina

17. Martinópolis Totalmente estruturado Transmissão canina

18. Mirante do Sem estrutura física, Em investigação da espécie de


Paranapanema parcialmente funcionando leishmania de casos caninos
autóctones/com presença de
vetor
19. Monte Castelo Totalmente estruturado Transmissão humana e canina

20. Nantes Sem serviço zoonoses Silencioso não receptivo


vulnerável
21. Narandiba Sem estrutura física e sem Silencioso receptivo vulnerável
funcionamento
22. Nova Guataporanga Totalmente estruturado Transmissão humana e canina

23. Ouro Verde Totalmente estruturado Transmissão humana e canina

24. Panorama Totalmente estruturado Transmissão humana e canina

25. Paulicéia Totalmente estruturado Transmissão humana e canina

26. Piquerobi Totalmente estruturado Transmissão canina

27. Pirapozinho Sem serviço zoonoses Silencioso receptivo vulnerável

28. Presidente Bernardes Sem estrutura física, Transmissão canina


parcialmente funcionando
29. Presidente Epitácio Totalmente estruturado Transmissão humana e canina

30. Presidente Prudente Totalmente estruturado Transmissão humana e canina

31. Presidente Venceslau Totalmente estruturado Transmissão humana e canina

32. Quatá Totalmente estruturado Em investigação da espécie de


leishmania de casos caninos
autóctones/Com presença de
vetor
234

33. Rancharia Totalmente estruturado Transmissão canina

Municípios Serviço de Zoonoses Situação Epidemiológica


34. Regente Feijó Sem serviço zoonoses Notificação de casos caninos /
Sem presença de vetor
35. Ribeirão dos Índios Totalmente estruturado Transmissão canina

36. Rosana Sem serviço zoonoses Silencioso não receptivo


vulnerável
37. Sandovalina Sem estrutura física e sem Silencioso receptivo vulnerável
funcionamento
38. Santa Mercedes Totalmente estruturado Transmissão humana e canina

39. Santo Anastácio Totalmente estruturado Transmissão humana e canina

40. Santo Expedito Totalmente estruturado Transmissão humana e canina

41. São João do Pau d’Alho Totalmente estruturado Transmissão humana e canina

42. Taciba Sem serviço zoonoses Silencioso não receptivo

43. Tarabai Sem serviço zoonoses Silencioso não receptivo

44. Teodoro Sampaio Totalmente estruturado Transmissão humana e canina

45. Tupi Paulista Totalmente estruturado Transmissão humana e canina

Fonte: Instituto Adolfo Lutz – Núcleo de Ciências Biomédicas de CRL Presidente Prudente .
Figura 2 – Distribuição dos municípios da RRAS 11 Presidente Prudente/SP com seus respectivos
quantitativos de assentamentos de reforma agrária em seus territórios

Fonte: INCRA (http://www.incra.gov.br) e ITESP (http://www.itesp.sp.gov.br). Acesso em: 16


maio 2018.
Saneamento e o Ambiente - 235

Analisando a situação epidemiológica da LV na região de saúde de


Presidente Prudente, nota-se a que há uma relação de proximidade entre os
municípios atingidos e que os mesmos seguem uma rota de dispersão da
doença no sentido noroeste para sudeste (Figura 1). Isto é, da região da Alta
Paulista que irradia para a região do extremo oeste, Pontal do
Paranapanema, Alta Sorocabana, atinge também o Alto Capivari (D'ANDREA,
2017). Esse grupo de municípios encontra-se localizado próximo à rodovia
Marechal Rondon e, segundo Cardim et al. (2013; 2016), é o principal eixo
de dispersão da doença e localizam-se próximos aos municípios de Ouro
Verde e Dracena, onde ocorreram os primeiros casos de LV em 2005. A
expansão da doença pode ser influenciada pela circulação de produtos,
pessoas, animais, bens e mercadorias, entre municípios que possuem casos
notificados (MESTRE; FONTES, 2007; CARDIM et al., 2013; D'ANDREA,
2017).
Na região de Presidente Prudente, o fluxo entre o campo e a cidade
se intensificou, devido à existência de grande quantidade de assentamentos
de reforma agrária. Ao todo, compreendem mais de 6.046 lotes em uma
área de 144.896,71 ha (INCRA, 2018; ITESP, 2018).
Em estudos prévios, foram comprovados casos autóctones de
transmissão de LV canina no assentamento Santa Rita, no município de Tupi
Paulista-SP e durante a caracterização ambiental dos lotes do assentamento
Santa Terezinha da Água Sumida no município de Teodoro Sampaio-SP,
foram evidenciados cenários propícios para manutenção do ciclo da doença,
como a existência de currais, galinheiros e chiqueiros próximos às
residências; acúmulo de lixo e matéria orgânica; áreas de vegetação
margeando vários lotes e extensas áreas de pastagens combinadas a cães
soltos circulando livremente, criando um ambiente favorável para
reservatórios silvestres (D’ ANDREA et al., 2015; D’ANDREA, 2017;
D’ANDREA et al., 2017). Ainda, soma-se a expansão do plantio de
monoculturas, como a cana-de-açúcar, outro fator contribuinte para o efeito
de radiação da zoonose em vários desses espaços (D’ANDREA; GUIMARÃES,
2018), pois muitos cães com LV canina oriundos de áreas urbanas são
abandonados nesses canaviais próximos aos assentamentos, porque os
proprietários não querem que seus animais sejam eutanasiados, conforme
recomendação do PVCLV (D’ANDREA et al., 2015).
236

É importante salientar que os assentamentos de reforma agrária não


devem ser tratados como regiões marginalizadas. Porém, do ponto de vista
sanitário, possuem grande potencial para albergar reservatórios de
zoonoses como a LV, merecendo atenção especial dos gestores municipais
por configurarem regiões prioritárias de risco, necessitando ações de
vigilância em saúde e de disponibilização e atuação de equipe de zoonoses
capacitada (D’ANDREA, 2017).
Nesse contexto, três municípios da região de saúde de Presidente
Prudente (que possuem assentamentos de reforma agrária em seu território
se destacam: dois localizados na região do Pontal do Paranapanema
(Rosana-SP e Euclides da Cunha Paulista-SP) e um no Alto do Capivari (Iêpe-
SP), todos sem serviços de zoonoses e classificados como áreas silenciosas
não receptivas para o vetor flebotomíneo. Esse fato também deve aplicar-se
ao município de Sandovalina-SP, que apesar de possuir equipe capacitada,
esta não é atuante.
Conforme recomendações do PVCLV, mesmo os Estados e municípios
sem notificações de casos humanos e/ou caninos de LV devem adotar ações
de vigilância, evitando ou reduzindo os impasses relacionados a essa
zoonose, principalmente em regiões vulneráveis.
O município de João Ramalho-SP é o único que apresentou
notificação de casos caninos autóctones, mas sem presença do vetor,
possuindo equipe capacitada e atuante, mas sem estrutura física própria e
com realização da triagem sorológica TR DPP® BioManguinhos no CLR - IAL
PP V. São necessários maiores estudos para poder compreender se de fato é
uma área não receptiva, já que existem casos autóctones notificados de LV
canina.
Em 68,4% dos municípios da região de saúde de Presidente
Prudente/SP que possuem assentamentos de reforma agrária em seu
território, encontram-se em transmissão humana e/ou canina (Caiua,
Dracena, Marabá Paulista, Martinópolis, Paulicéia, Piquerobi, Presidente
Bernardes, Presidente Epitácio, Presidente Venceslau, Rancharia, Ribeirão
dos Índios, Teodoro Sampaio e Tupi Paulista). Esses municípios possuem
algum tipo de serviço de zoonoses funcionando. Cabe ressaltar que a
maioria deles necessita da realização ou continuação de medidas
preventivas, o que inclui a avaliação das condições sanitárias, manejo
Saneamento e o Ambiente - 237

ambiental, levantamento entomológico, limpeza dos ambientes, medidas de


educação em saúde, entre outros (SÃO PAULO, 2006). As ações devem ser
efetivadas de maneira integrada e de forma hábil o suficiente para prevenir
ou conter o agravo em sua completitude (SÃO PAULO, 2006; ZUBEN;
DONALÍSIO, 2016).
Outro ponto que merece atenção especial é em relação aos
municípios silenciosos, receptivos ou não (Euclides da Cunha Paulista-SP,
Rosana-SP e Sandovalina-SP) e em investigação (Mirante do Paranapanema-
SP). Essas seriam de fato áreas que se configuram com risco iminente, onde
não há notificações de casos autóctones humanos e/ou caninos ou não
possuem um serviço de vigilância estruturado para notificações do referido
agravo, visto que não contam com serviço de zoonose com estrutura física
funcionando. Diante do exposto, os próximos passos seriam levar em
consideração a existência da realização de inquéritos sorológicos censitários
nesses locais (especialmente nas zonas rurais e assentamentos de reforma
agrária), se os proprietários de animais procuram serviço especializado para
o diagnóstico canino e, por conseguinte, se esse é notificado ao serviço
público (D’ANDREA et al., 2015).
A diversidade da ocupação territorial no oeste paulista torna a
compreensão da LV complexa e repleta de particularidades. Trabalhar
apenas com as variáveis diagnóstico e tratamento de doentes não é o
suficiente para o entendimento do processo saúde-doença. Nesse aspecto, a
aplicação da espacialidade através de métodos cartográficos é fundamental.
Outros estudos poderão ser direcionados às escalas locais em áreas urbanas
e seus respectivos assentamentos de reforma agrária, visando à realização
de ações integradas e efetivas para a prevenção e controle da doença
nesses ambientes.

3 A IMPORTÂNCIA DA ATUAÇÃO DOS SERVIÇOS DE ZOONOSES


MUNICIPAIS

A Lei 8.080/1990, que criou o SUS, trouxe como obrigação:


“promover, proteger e recuperar a saúde, englobando a promoção de ações
de saneamento básico e de vigilância sanitária” (BRASIL, 1990). Esse sistema
238

reconhece a importância do saneamento básico para a melhoria das


condições de saúde da população (BRASIL, 1990, GODECKE; DECKER, 2014).
Como parte dos serviços de vigilância, sob responsabilidade
sanitária dos municípios, os serviços de zoonoses municipais podem cumprir
um papel importante de fortalecimento da visão intersetorial do
saneamento básico. Mas para isso, é preciso compreender as dificuldades
de implantação desses serviços nos diferentes municípios brasileiros. Dentre
os municípios da RRAS 11 de Presidente Prudente/SP e que não possuem
Serviço de Zoonoses, os que se encontram em situação mais preocupante
são: Regente Feijó, que mesmo classificado como não receptivo a doenças
como a Leishmaniose Visceral, possui notificação de casos caninos; os
municípios de Caiabu e Pirapozinho que são dois municípios que possuem o
vetor transmissor dessa doença desde 2011, mas que até o momento não
realizaram nenhuma atividade de inquérito sorológico e de vigilância de
animais suspeitos com LV. Esses municípios apontados fazem fronteira com
Presidente Prudente, que há transmissão humana e canina de LV. Narandiba
e Sandovalina, também merecem atenção especial, uma vez que ambos são
silenciosos receptivos e que apesar de possuírem equipe capacitada, não
possuem nenhuma estrutura física de Serviço de Zoonoses e também não
realizam atividades de inquérito sorológico e busca ativa de casos suspeitos.
Dos municípios que possuem apenas transmissão canina, Presidente
Bernardes ainda não possui um serviço de zoonoses com estrutura física.
Portanto, o mesmo encontra-se parcialmente funcionando, uma vez que
utiliza a estrutura física do CLR - IAL PP V para realizar os testes de triagem
sorológica para LV canina. Já os demais municípios que possuem
transmissão canina, o Serviço de Zoonoses encontra-se totalmente
estruturado e funcionando o que favorece as ações de vigilância e controle.
Este fato é importante visto que, na maioria dos casos, a transmissão da LV
canina precede a infecção no homem (OLIVEIRA et al., 2001; BORGES et al.,
2014).
Essa avaliação da situação do ciclo de transmissão da LV e do papel
dos municípios na vigilância e controle de doenças infectocontagiosas e
parasitárias nos ajuda a compreender as dificuldades encontradas pelos
municípios. Foram observados, por exemplo, que os municípios de menor
porte são justamente aqueles que, na maioria dos casos, enfrentam as
Saneamento e o Ambiente - 239

maiores dificuldades. Tanto na implantação dos Serviços de Zoonoses como


na sua manutenção e execução contínua das ações de vigilância em saúde.
Esse fato está relacionado diretamente com a situação socioeconômica dos
municípios analisados. Dados similares foram observados em um estudo
realizado por Gomes et al. (2011).
Outro ponto a ser levado em consideração nessa análise, é que a
estruturação de Serviços de Zoonoses está ligada diretamente à condição
epidemiológica de um determinado município, uma vez que na maioria
deles que não o possuem, são municípios silenciosos receptivos e silenciosos
não receptivos de doenças como a LV. Isto é, na maioria dos casos, o gestor
só se preocupa com a estruturação do serviço, frente a uma situação de
risco iminente ou quanto há notificação de casos caninos ou humanos da
doença em seu território, quando o ideal é que todos se estruturassem e
realizassem atividades de vigilância com ações voltadas para prevenção e
redução do risco de introdução da LV. Afinal, é recomendado pelo manual
de vigilância, o controle e a prevenção de zoonoses independente da
classificação epidemiológica do município, assim como a integração das
ações do SUS na implementação do Plano Nacional de Saneamento Básico
(BRASIL, 2013; 2016).
Enfim, é de grande importância a realização de estudos sobre a
efetividade das ações realizadas dos serviços de zoonoses, a fim de
identificar aquelas que se mostraram mais eficientes e eficazes para
determinada região. Dessa forma, será possível considerar de que maneira
esses serviços podem se somar aos serviços de saneamento básico
municipal, promovendo a melhor qualidade de vida da população.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

É de grande relevância o papel que o serviço de zoonoses


desempenha na vigilância em saúde não só para LV, mas para outras
doenças e que o gestor municipal priorize esse tipo de serviço. Sendo de
extrema importância que os municípios o tenham disponível na escala local,
que o mesmo seja totalmente estruturado, funcione com equipe capacitada
e realize ações constantes e eficazes de vigilância em saúde.
240

Há um número consideravelmente elevado de municípios que não


possui serviço de zoonoses totalmente estruturado na região de saúde de
Presidente Prudente, o que os tornam vulneráveis em relação ao risco de
ocorrência de LV. Principalmente por pertencerem a uma região
considerada endêmica para a doença, levando em consideração a sua
localização, relação de proximidade e fluxo de mercadorias, pessoas, bens e
serviços.
Há uma estreita relação quanto ao tipo de disponibilização de serviço
de zoonoses, atuação da equipe zoonoses e a situação epidemiológica para
a LV, especialmente em municípios silenciosos (receptivos ou não) e em
investigação. É possível dimensionar diferentes situações de risco
epidemiológico para a doença, auxiliar no trabalho das entidades envolvidas
na vigilância em saúde e apoiar na tomada de decisão em áreas prioritárias,
principalmente em assentamentos de reforma agrária, por apresentarem
ambiente propício para o estabelecimento e manutenção do ciclo da LV.
É necessário que lacunas sobre dados epidemiológicos e outros
aspectos relevantes sejam compreendidos e entendidos na totalidade dos
territórios, tanto em áreas urbana, periurbana e rural dos municípios.
Contribuindo para o fortalecimento do SUS, na equidade de serviços
prestados para as populações vigentes e na melhoria das condições de
saúde ambiental dos municípios brasileiros, o que é fundamental para o
desenvolvimento do saneamento básico no Brasil.

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WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). Leishmaniasis. 2016. Disponível em:
<http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs375/en/> Acesso em: 4 maio 2017.
WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). Zoonoses. 2018. Disponível em:
<http://www.who.int/topics/zoonoses/en/>. Acesso em: 4 jul. 2018.
ZUBEN, A. P. B. V.; DONALÍSIO, M. R. Dificuldades na execução das diretrizes do Programa de
Vigilância e Controle da Leishmaniose Visceral em grandes municípios brasileiros. Cadernos
de Saúde Pública, v. 32, p. e00087415, 2016.
244
Saneamento e o Ambiente - 245

Capítulo 12

O CONTROLE DE VETORES E O SANEAMENTO AMBIENTAL:


ALGUMAS AÇÕES DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS)
NO ESTADO DE SÃO PAULO
51
Umberto Catarino Pessoto
52
Ricardo Koiti Futema Nakamura
53
Marisa Poloni
54
Paulo Hiroshi Koyanagui
55
Ivete da Rocha Anjolete

1 INTRODUÇÃO

O Sistema Único de Saúde (SUS) implantado no Brasil a partir de 1990,


conforme definido na Constituição Federal de 1988, foi concebido a partir de
ideias e conceitos de saúde que vieram sendo construídos ao longo de muitos
anos nos diversos espaços de discussões e práticas de saúde públicas e de
atenção aos problemas de doença das pessoas em todo mundo e,
particularmente, no Brasil.
Até ser preenchido plenamente pela ideia e prática da atenção
médica curativa às pessoas nos serviços de saúde, seja em qualquer ordem
de intervenção, a noção de saúde sempre esteve em interface com a de
ambiente, este entendido como fator condicionante dos agravos e demais
acontecimentos que interferem na saúde das populações.

51
Doutor em Geografia pela Universidade Estadual Paulista (Unesp, Faculdade de ciência e
Tecnologia, Presidente Prudente, São Paulo, Brasil. Pesquisador científico do Instituto de Saúde
e da SUCEN da SES/SP, Brasil. E-mail: umberto@isaude.sp.gov.br
52
Especialista em Gestão em Saúde pela Universidade Estadual de Maringá (UEM), chefe II da
Seção de Operação de Campo (SOC) do CR9. E-mail: sr10.soc@sucen.sp.gov.br
53
Especialista em Saúde Pública pela UNAERP, chefe II da Seção de Avaliação e controle (SAV)
do CR9. E-mail: sr10.sav@sucen.sp.gov.br
54
Especialista em Saúde Pública pela Faculdade de Saúde Pública (USP), engenheiro VI. E-mail:
sr10.soc@sucen.sp.gov.br
55
Especialista em Gestão em Saúde pela Universidade Estadual de Maringá, Diretor Técnico de
Saúde do CR 9. E-mail: dir.sr10@sucen.sp.gov.br
246

O processo de reforma pelo qual passou o sistema de saúde


brasileiro nos últimos trinta anos fez, em um primeiro momento, com que
se privilegiasse a ampliação da atenção médica pública a toda população,
uma vez que era restrita somente aos contribuintes da Previdência Social e
aos pobres via acesso pelas Santas Casas de Misericórdia.
A própria construção do SUS, por heterogênea e múltipla que é, foi
incorporando a concepção ampliada de saúde como a própria Constituição
de 1988 define. Nesta incorporação foi sendo estabelecido que as vigilâncias
epidemiológica e sanitária, bem como o controle de vetores, também eram
ingredientes importantes para a plenitude do gozo da boa saúde que se
pretendia para além do simples entendimento de ausência de doença para
definição da saúde.
O adensamento das discussões acerca do papel das vigilâncias
epidemiológica e sanitária e de outros setores das secretarias de Saúde que
desenvolvem ações pertinentes ao campo, para além da assistência médica,
levaram à construção do constructo Vigilância em Saúde. É um constructo de
longo percurso e que foi desaguar na primeira conferência nacional do tema
apenas em 2018, cujas deliberações foram publicadas pelo Resolução CNS
583, de 9 de maio de 2018 (BRASIL, 2018).
A secretaria do Ministério da Saúde foi criada anteriormente, em
2003, conforme Oliveira e Cruz (2015, p. 262):

Para responder aos desafios pelos quais o País passava, imerso em


uma situação de saúde complexa com a superposição de problemas
cuja causalidade é distinta, as ações das vigilâncias epidemiológica e
ambiental, que eram realizadas por diferentes estruturas do MS,
foram assumidas pela Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS),
instituída em 2003 pelo MS por meio do Decreto nº 4.726/2003.
(BRASIL, 2003).

A conferência de 2018 consolidou os quatro eixos das vigilâncias, que


atuavam de forma isolada no setor saúde das três esferas da Federação que
conformam o SUS. A vigilância epidemiológica, sanitária, do trabalhador e
ambiental. Conforme relatório final são definidos os eixos (BRASIL, 2018, p.
3):

X – Vigilância em saúde ambiental: conjunto de ações e serviços que


propiciam o conhecimento e a detecção de mudanças nos fatores
Saneamento e o Ambiente - 247

determinantes e condicionantes do meio ambiente que interferem na


saúde humana, com a finalidade de recomendar e adotar medidas de
promoção à saúde, prevenção e monitoramento dos fatores de riscos
relacionados às doenças ou agravos à saúde.
XI – Vigilância em saúde do trabalhador e da trabalhadora: conjunto
de ações que visam promoção da saúde, prevenção da
morbimortalidade e redução de riscos e vulnerabilidades na
população trabalhadora, por meio da integração de ações que
intervenham nas doenças e agravos e seus determinantes
decorrentes dos modelos de desenvolvimento, de processos
produtivos e de trabalho.
XII – Vigilância epidemiológica: conjunto de ações que proporcionam
o conhecimento e a detecção de mudanças nos fatores
determinantes e condicionantes da saúde individual e coletiva, com a
finalidade de recomendar e adotar as medidas de prevenção e
controle das doenças, transmissíveis e não-transmissíveis, e agravos à
saúde.
XIII – Vigilância sanitária: conjunto de ações capazes de eliminar,
diminuir ou prevenir riscos à saúde e de intervir nos problemas
sanitários decorrentes do ambiente, da produção e circulação de
bens e da prestação de serviços do interesse da saúde. Abrange a
prestação de serviços e o controle de bens de consumo que, direta
ou indiretamente se relacionem com a saúde, compreendidas todas
as etapas e processos, da produção ao consumo e descarte.

A inserção da vigilância ambiental no escopo das práticas da atenção


básica redesenha e amplia a percepção da complexidade do processo saúde-
doença, que já vinha sendo construída desde as discussões sobre a
determinação social das doenças ocorridas desde o final da década de 1960,
principalmente entre os sanitaristas da América Latina. A rigor, apenas as
atividades de vigilância epidemiológica e sanitária eram práticas da saúde
pública, ficando a vigilância ambiental no limbo de atuação intersetorial que,
invariavelmente, não tinha coordenação. Com a definição da vigilância
ambiental como prática de saúde pública se procura maior efetividade na
interação entre as vigilâncias.
A temática ambiental não é estranha à saúde, nem deveria ser,
porém o ponto tangente entre a saúde e o ambiente dava-se apenas na
problemática do saneamento básico, principalmente no fornecimento de
água potável e esgotamento sanitário como forma de diminuir os riscos a
que estavam submetidas vastas parcelas da população brasileira ao
adoecimento por diarreias, hepatite A, poliomielite e outras doenças de
veiculação hídrica (BARCELLOS; QUITERIO, 2006). Dois dos principais itens
de financiamento do governo federal aos municípios carentes e das ações
248

integradas de saúde – políticas de saúde dos anos 1980, antes da


implantação do SUS – eram a construção de fossas sépticas e encanamento
de água potável para as populações rurais e das periferias dos centros
urbanos (HEIMANN et al., 1992).
São várias as atividades que a vigilância ambiental – no atual estádio
de entendimento de que dela se tem – desenvolve como, por exemplo,
monitoramento de ambientes de trabalho, qualidade das águas e do solo,
do ar, etc. Muitas delas são de responsabilidade cruzada entre o setor saúde
e do meio ambiente, polícia ambiental, defesa civil e outros (BARCELLOS;
QUITERIO, 2006; OLIVEIRA; CASANOVA, 2009; OLIVEIRA; CRUZ, 2015).
Da diversidade das práticas da vigilância ambiental, como indicadas
acima, uma das atividades ou ações principais de saúde pública é o controle
de vetores e animais peçonhentos e nocivos à saúde humana. No Estado de
São Paulo existe uma organização, no âmbito da secretaria estadual da
Saúde, que é responsável por essas ações. Em nenhum outro Estado da
Federação existe instituição especializada similar. Esta instituição é a
Superintendência de Controle de Endemias (SUCEN).

A Superintendência de Controle de Endemias – SUCEN, criada pelo


Decreto-Lei 232, de 17 de abril de 1970, alterado pelo Decreto-Lei
238, de 30 de abril de 1970, e pela Lei 1.804, de 18 de outubro de
1978, é entidade autárquica, com personalidade jurídica e patrimônio
próprios, sede e foro na Capital do Estado de São Paulo, vinculada à
Secretaria de Estado da Saúde. (SÃO PAULO, 2001, art. 1).

Em verdade, as atividades da SUCEN estavam em acordo com as


atividades desenvolvidas pela Superintendência de Campanhas de Saúde
Pública (SUCAM) da esfera federal. Inicialmente, as endemias de maior
prioridade eram Doença de Chagas, Malária e Febre Amarela silvestre,
quadro que se alterou desde meados 1980 até os anos 2000, quando a
Dengue ganhou proeminência.
Atualmente, as ações de saúde pública – de controle de vetores –
que a SUCEN desenvolve são chamadas de programas de controle, que têm
como foco as seguintes endemias: Dengue, Chikungunya, Zika, Febre
Amarela, Doença de Chagas, Febre Maculosa, Esquistossomose,
Leishmaniose Visceral, Leishmaniose Tegumentar. Além dessas endemias
transmitidas por vetores, também a SUCEN tem responsabilidade em
Saneamento e o Ambiente - 249

assessorar os municípios do Estado de São Paulo em assuntos como animais


sinantrópicos nocivos, como escorpiões, baratas, lacraias, percevejos, etc.
2 MATERIAL E MÉTODOS

Para o levantamento dos dados quantitativos sobre os casos


humanos das doenças transmitidas por vetores foram utilizados os dados do
SINAN net, tanto do sítio eletrônico do Ministério da Saúde, Datasus, bem
como do Centro de Vigilância Epidemiológica da Secretaria de Estado da
Saúde de São Paulo. Os dados relativos às ações de controle dos vetores
específicos de cada doença foram coletados no sítio eletrônico da SUCEN
(SUCEN, [s/d]) e dos registros arquivados no Centro Regional 09 de
Presidente Prudente, São Paulo, Brasil.
Foi realizada pesquisa bibliográfica acerca da relação ambiente e
saúde bem como sobre a introdução do tema do ambiente no escopo das
ações intrínsecas ao setor saúde, como, por exemplo, a realização da 1ª
Conferência Nacional de Vigilância em Saúde.
Os dados organizados foram disponibilizados de forma a entender a
magnitudes das ações controle dos vetores responsáveis pela disseminação das
endemias. Não se procurou fazer correlações diretas entre ações e seus
resultados, expressos em aumento ou diminuição dos casos de casos. A ideia foi
apresentar a entrada da vigilância ambiental como ação de saúde pública e suas
práticas já correntes nesse campo específico do controle de vetores, uma ação
do escopo da atenção básica.

3 ATIVIDADES DE CONTROLE DE ENDEMIAS E SUA RELAÇÃO COM O


SANEAMENTO AMBIENTAL URBANO

Dos programas que a Superintendência desenvolve, para este


capítulo vamos descrever e analisar alguns dados de produção para
combate aos vetores de relevância urbana. Por isso, as atividades do
programa do controle da Doenças de Chagas, da Febre Maculosa, da
Esquistossomose e da Leishmaniose Tegumentar não são objeto de estudo
em razão de sua relevância ser mais pertinente, em geral, aos ambientes
rurais.
250

O quadro epidemiológico a partir do qual nos permite fazer essa escolha,


de inclusão e exclusões dos vetores e endemias específicas, é o referente à
região do Estado de São Paulo denominada de Departamento Regional de
56
Saúde 11 (DRS-11) e Centro Regional 9 (CR-09) da SUCEN (Figura 1) . Nesta
região do sudoeste do Estado, formada por 45 municípios, não há relato de
casos de leishmaniose tegumentar, de Doença de Chagas e esquistossomose em
ambiente urbano há mais de, pelo menos, 15 anos.
Figura 1 – Localização da Região de Saúde 11 e municípios no Estado de São Paulo

Fonte: Tabwin – CVE/SP. Elaboração: Autores (2018).

Entretanto, os casos de dengue e leishmaniose visceral foram


paulatinamente aumentando desde meados dos anos 2000, com flutuações
erráticas no caso da dengue (Tabelas 1 e 2, respectivamente). A seguir

56
O DRS11 está dividido em cinco regiões de saúde: Alta Paulista com 12 municípios
(Dracena, Flora Rica, Irapuru, Junqueirópolis, Monte Castelo, Nova Guataporanga,
Ouro Verde, Panorama, Paulicéia, Santa Mercedes, São João do Pau D’Alho, Tupi
Paulista ) , Alta Sorocabana com 19 municípios (Alfredo Marcondes, Álvares
Machado, Anhumas, Caiabu, Emilianópolis, Estrela do Norte, Indiana, Martinópolis,
Narandiba, Pirapozinho, Presidente Bernardes, Presidente Prudente, Regente Feijó,
Ribeirão dos Índios, Sandovalina, Santo Anastácio, Santo Expedito, Taciba, Tarabai),
Alto Capivari com 5 municípios (Iepê, João Ramalho, Nantes, Quatá, Rancharia),
Extremo Oeste com 5 municípios (Caiuá, Marabá Paulista, Piquerobi, Presidente
Epitácio, Presidente Venceslau) e Pontal do Paranapanema com 4 municípios
(Euclides da Cunha Paulista, Mirante do Paranapanema, Rosana, Teodoro Sampaio)
Saneamento e o Ambiente - 251

apresentamos as informações para efeito de ilustração. Nos casos da LV


57
estão distribuídos por Grupos de Vigilância Epidemiológica .

Tabela 1 – Número total de Casos de Dengue autóctones por ano,


DRS 11 – 1995 a 2017
ANO N° CASOS
1995 320
1996 147
1997 114
1998 54
1999 59
2000 69
2001 93
2002 89
2003 15
2004 1
2005 54
2006 440
2007 842
2008 25
2009 287
2010 1183
2011 879
2012 695
2013 6.895
2014 1.527
2015 10.760
2016 17.010
2017 64
Fonte: CVE, SES/SP. Elaboração: Autores (2018).

57
Há dois grupos no DRS 11: o GVE XXI engloba as regiões de saúde da Alta
Sorocabana e do Alto Capivari, o GVEXXII as regiões da Alta Paulista, do Extremo
Oeste e do Pontal do Paranapanema.
252

A seguir, na Tabela 2, nota-se um incremento inicial rápido de casos


de leishmaniose visceral, para, ao longo do tempo, flutuar na casa dos 30
casos. Isso se dá em razão do desconhecimento da história da doença e da
ocorrência na região. Com o alerta dos primeiros casos o número de
diagnósticos tende a aumentar. Em seguida, com as ações voltadas ao seu
controle, os casos tendem a recuar.

Tabela 2 – Casos de leishmaniose visceral no DRS 11 de 2005 a 2018


Casos humanos confirmados de Leishmaniose Visceral
segundo LPI e ano de notificação,
Departamento Regional de Saúde 11. 1999 a 2018*
local Grupo de Vig. Epidemiológica
GVE XXII
GVE XXI Pres.
ano Pres. Prudente Venceslau DRS-11
2005 0 9 9
2006 0 50 50
2007 0 78 78
2008 0 60 60
2009 0 25 25
2010 0 31 31
2011 0 41 41
2012 0 36 36
2013 2 42 44
2014 0 19 19
2015 4 29 33
2016 4 31 35
2017 5 32 37
2018 1 12 13

Fonte: CVE/SES/SP, elaboração própria (2018).


* de 1999 a 2004 nenhum caso foi registrado na região.
LPI: local provável de infecção.
Saneamento e o Ambiente - 253

Porém, para além dos casos humanos dessas endemias, importante


ressaltar as ações de combate aos vetores específicos de cada uma delas. No
caso da Dengue, o vetor a ser combatido é o Aedes aegypti e o Lutzomyia
longipalpis no caso da leishmaniose visceral. É o que passamos a relatar agora
e a fazer as relações com o que se pode chamar de saneamento ambiental
urbano em seus aspectos restritos.
Restrito porque o termo e a ação de saneamento ambiental urbano
seguramente é muito mais amplo que as ações de controle de vetores e sua
articulação com as ações de educação sobre a história natural dessas
doenças e com o demais setores da administração municipal.

4 ATIVIDADES DE CONTROLE DO VETOR DA DENGUE

Desde o reinício das epidemias de dengue na década dos anos 1980,


passou-se a estudar a chamada ecologia do vetor: seus criadouros e abrigos,
hábitos alimentares, horário de pico de atividade, etc. Dentre todas o que
nos interessa aqui são as de controle de criadouros e abrigo.
A SUCEN tem como atividade específica a orientação, capacitação e
coordenação dessa atividade junto aos municípios. No caso do programa dessa
endemia existem quatro atividades principais que podem contribuir
diretamente em um arranjo ambiental urbano que poderia ser visto como
saneado: atividades de rotina chamada visita a imóveis, arrastão, mutirão e
coleta de pneus.
Nas atividades de rotina chamada casa a casa (SUCEN, 2018) uma das
ações estimuladas é a eliminação dos criadouros quando possível:

Eliminação: inutilização do recipiente, por meio de sua alteração


física, como furar, amassar, de modo a impedir o acúmulo de água
e posterior destinação adequada. Recipientes inservíveis são os
principais indicados para essa ação. (SUCEN, 2018).

Esta estimulação é realizada pelos agentes comunitários de saúde e


pelos agentes de controle de endemias, ficando a cargo do morador a ação
concreta de eliminação. Em geral, a visita com esse fim, no Estado de São
Paulo, ocorre de três em três meses, perfazendo quatro ciclos anuais. O
pacto é que todos os imóveis-domicílios sejam visitados nos municípios.
254

Imóveis não domiciliares, públicos, comerciais e outros têm diferentes


formas de abordagens que não são relevantes para o assunto em tela.
No caso da atividade denominada de MUTIRÃO de limpeza, que
ocorre geralmente em períodos mais favoráveis à proliferação dos insetos
alados que viriam a desencadear as epidemias, ação é mais intensa e
focalizada em áreas mais vulneráveis (com maior risco de infestação pelo
vetor) associada com atividades de informação e educação organizadas para
esse fim específico. O objetivo é também eliminar criadouros, somente que
atinge uma intensidade muito elevada e a população é mobilizada a retirar
de seus quintais todos e quaisquer recipientes que poderiam servir como
criadouro do Aedes aegypti. A ideia é que o morador deixe nas calçadas
esses objetos sem uso e que não têm mais serventia para serem recolhidos
pelos funcionários das prefeituras, ou contratadas pela mesma, para
destinação apropriada.
Outra atividade que também ocorre em períodos mais propícios à
infestação do vetor, mas principalmente em caso de transmissão já instalada
da dengue, é o que se chama de ARRASTÃO de limpeza. Neste caso as
características são as mesmas do mutirão, com a diferença de que aqui
quem faz o trabalho de eliminação dos recipientes, desde a retirada de
dentro do quintal do morador até a destinação correta é o funcionário
público.
Na região do CR09/DRS11, em levantamento no sistema de
informação interno da SUCEN dessas atividades, verificamos os seguintes
números:

Tabela 3 – Atividades realizadas entre 2013 e 2017 nos 45 municípios da regional


Atividade Casas trabalhadas Controle mecânico

Mutirão 734.831 207.143


Arrastão 713.097 219.681
Totais 1.447.928 426.824

Fonte: SUCEN, CR09 (2018).

Outra atividade de grande impacto que ocorre em períodos


epidêmicos, ou mais precisamente, de risco de epidemia, é a atividade de
Saneamento e o Ambiente - 255

retirada dos pneus usados de automóveis e demais veículos que


permanecem no ambiente urbano, seja em quintais, terrenos baldios e em
borracharias. O trabalho de recolhimento de pneus usados em borracharias
já faz parte da rotina das prefeituras, que recolhem e acondicionam em
locais cobertos, chamados de ecopontos, e posteriormente acionam
empresas responsáveis por políticas de logística reversa ou mesmo de
compostagem para pavimentação de vias.
A atividade de recolhimento de pneus no período descrito, também
chamado de intensificação das atividades de combate ao Aedes, é feito em
todo perímetro urbano, em especial direcionado aos moradores, com ampla
campanha educativa prévia. No evento do tipo na região, no período de 14 a
18 de maio de 2018 foram recolhidos 8.186 pneus. Não contabilizando os
retirados em rotina mensal.

5 ATIVIDADES DE COMBATE AO VETOR DA LEISHMANIOSE VISCERAL (LV)

A principal ação de impacto no saneamento ambiental urbano, neste


caso, é a atividade chamada de manejo ambiental.
Diferentemente do caso do Aedes aegypti, o flebotomineo Lu
longipalpis é um vetor, predominantemente, de hábito noturno e de
tamanho muito pequeno, de difícil identificação a olho nu. Além disso, os
locais onde se prolifera ainda não estão bem estabelecidos pela literatura
em ambiente urbano. Não se observa suas formas imaturas (não aladas) no
cotidiano. Sabe-se que condições são necessárias para seu desenvolvimento
(umidade, presença abundante de matéria orgânica, tanto vegetal quanto
animal, sombreamento do local) porém não se tem clareza da extensão dos
possíveis criadouros no ambiente das cidades (todo o quintal, um vaso de
plantas, um tronco de árvore, criadouros de animais, etc.). Obviamente que
o conhecimento da bioecologia do vetor é estabilizado entre os profissionais
entomologistas, porém o combate ao mesmo sofre de efetividade nas
políticas públicas de saúde. A população, que tem dificuldades no combate
ao Aedes, que é de fácil observação e que tem criadouros já conhecidos e
com condições muito mais específicas de viabilidade, tem mais dificuldades
ainda com o Lu longipalpis devido ao exposto.
256

As intervenções ambientais são antigas no controle das consideradas


pragas, seja na agricultura seja no caso de vetores de doenças. As primeiras
desde a China antiga e, no último caso, desde o final do século XIX (SUCEN,
2012). Com o aparecimento urbano da leishmaniose visceral a ideia de
controle do ambiente, para controle dos vetores, foi incorporada ao
programa de saúde pública, desde a esfera estadual até a municipal, como
sua principal atividade.
As atividades de controle integrado do Lu. Longipalpis, denominada
de manejo ambiental, são definidas da seguinte forma na cartilha paulista
do programa (SUCEN, 2012, p. 11):

Este conceito de Manejo Ambiental é muito abrangente envolvendo


qualquer tipo de intervenção no ambiente. Houve, então, a
necessidade de maior detalhamento, desenvolvendo-se conceitos
mais específicos tornando-os mais operacionais que são apresentados
a seguir conforme, WHO (1982):
 Modificação Ambiental: é uma forma de ordenamento do meio
que consiste em qualquer transformação física permanente da
terra, água ou vegetação, dirigida a prevenir, eliminar ou reduzir
habitats de vetores, sem causar efeitos adversos excessivos na
qualidade do ambiente urbano.
 Manipulação Ambiental: é uma forma de ordenamento do meio
que consiste em qualquer atividade periódica planificada, dirigida
a originar condições temporárias desfavoráveis à proliferação de
vetores.
 Modificação da Habitação ou do Comportamento Humano: é
uma forma de manejo ambiental que visa reduzir o contato entre
o homem, o vetor e o agente.
 O manejo ambiental vem sendo cada dia, mais valorizado nas
questões relacionadas aos problemas da LVA, ao lado das ações
de vigilância epidemiológica, entomológica (vetores), controle
químico e controle de cães.
Esta estratégia tem sido indicada para limpeza de quintais, terrenos e
praças públicas, a fim de alterar as condições do meio, que propiciem
o estabelecimento de criadouros de formas imaturas do vetor.
Medidas simples como limpeza urbana, eliminação dos resíduos
sólidos orgânicos e destino adequado dos mesmos, eliminação de
fonte de umidade, não permanência de animais domésticos dentro de
casa, entre outras, certamente contribuirão para evitar ou reduzir a
proliferação do vetor.

O controle integrado, do qual o manejo é parte relacional


constituinte, também é conjunto constituído pelos controles social, químico
e biológico. As ações necessárias para que a efetivação desse tipo de
Saneamento e o Ambiente - 257

controle se estabeleça devem extrapolar o chamado setor saúde. Devem-se


estabelecer relações entre os diversos setores da administração pública,
principalmente entre os setores de educação, de obras, de meio ambiente,
de assistência social e outros.
Essa é uma atividade de suma importância no controle desse vetor
específico, porém de difícil implementação devido à pouca tradição de
trabalho intersetorial na gestão da administração pública brasileira. Em
momentos de campanha de interrupção da cadeia de transmissão da
dengue, particularmente, ocorrem essas mobilizações, porém, no caso da LV
essa forma de trabalho integrado precisa ser constante e sistemática. O
trabalho educativo das equipes de agentes comunitários de saúde e dos
agentes de controle de endemias é fundamental na sua perpetuação.
Associado a esse trabalho educativo a disponibilização de caçambas de
recolhimento de entulhos vegetais e demais resíduos é necessário devido à
dificuldade de destinação dos mesmos enquanto atividade individual do
morador.
58
No ano de 2005, logo no início da transmissão canina da região do
GVE-XXII, principalmente na região de saúde denominada de Alta Paulista,
muitos municípios introduziram formas de estímulo aos munícipes para que
aderissem ao manejo ambiental, como, por exemplo, selo de qualidade de
limpeza do quintal, ou, seu reverso, sistema de cores indicando o grau de
risco de cada casa para a proliferação do vetor e com o tempo, seja em
razão dessa endemia ou mesmo da dengue, foram sendo criadas leis
municipais de penalização, por multas, em razão das condições sanitárias
favoráveis para proliferação do Aedes aegypti ou Lu longipalpis.
Como o controle desse vetor não possui a mesma especificidade do
controle do Aedes, devido à não caracterização objetiva de seu criadouro,
suas ações foram sendo integradas à rotina das outras atividades.
Atualmente, foi elaborado um sistema de informações para coletar,
organizar e analisar as ações de controle da leishmaniose visceral.
Anteriormente, o sistema era mais precário e impossibilitava a quantificação
das Informações e sua análise qualitativa.

58
O município a notificar o primeiro caso foi Dracena.
258

6 OUTROS VETORES E ANIMAIS PEÇONHENTOS

A ideia do manejo ambiental, apesar de ter sido introduzida com


mais pertinência nas ações do programa de controle da LV, vem ganhando
importância também devido ao aumento das notificações de encontro e dos
acidentes com animais peçonhentos, particularmente com os escorpiões. O
ato de rearranjar os espaços peridomiciliares, retirando vegetação e restos
de frutos acumulados, realização de poda regular das árvores e retirada de
entulhos e restos de construção, como tijolos, madeiras e mesmo utensílios
domésticos fora de uso, é a maneira mais apropriada de se controlar a
proliferação tanto dos escorpiões quanto de seu alimento preferencial, que
é a barata.
Os acidentes com animais peçonhentos tiveram expressivo aumento
nos últimos anos. As informações que constam dos sistemas nacionais de
notificação são apenas para os casos em que ocorrem acidentes e que a
pessoa precisa ser atendida nos serviços da atenção básica ou dos prontos-
socorros dos hospitais, que são referência local ou regional para esse tipo de
atendimento, pois necessitam ter disponíveis os soros apropriados para
cada tipo de animal envolvido no acidente. O encontro desses animais
dentro dos domicílios, principalmente dos escorpiões, é, em geral, somente
informado ao serviço de zoonoses municipal que, neste caso, desloca
funcionários para reconhecer a área e fazer pesquisas no entorno para
verificação e identificação de possíveis esconderijos bem como orientar os
moradores quais procedimentos necessários para evitar a domiciliação da
espécie.
No caso dos escorpiões, no DRS11, a espécie mais comum
encontrada e que causa mais acidentes é o Tityus serrulatus, mais conhecido
pela população como escorpião amarelo. A seguir apresentamos as
ocorrências de acidentes com escorpiões, em dez anos, distribuídos pelas
regiões de saúde divididas por departamento de saúde e centro regional da
SUCEN.
Saneamento e o Ambiente - 259

Tabela 4 – Casos de acidentes com escorpiões no DRS 11 de 2007 a 2016

Para efeito ilustrativo, a seguir apresentamos o gráfico da evolução


das notificações de acidentes com os escorpiões:

Gráfico 1 – Evolução do número de acidentes com escorpiões no


DRS 11 de 2007 a 2016

Total de notificação de acidentes no DRS-11 2007-2016


1000

800
nº de casos

600

400

200

0
2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
ano

Fonte: Ministério da Saúde. Elaboração: Os autores (2018).

Na Tabela 5 apresentamos os casos de notificação de acidentes por


aranhas, no caso os números se mantêm estáveis nos últimos dez anos e em
volume bem menor que o de escorpiões, não se constituindo, assim, um
260

problema epidemiológico de grande magnitude, embora a toxicidade da


picada da aranha armadeira ou das bananeiras (Gênero Phoneutria) seja um
grande problema, principalmente para idosos e crianças.

Tabela 5 – Casos de acidente com aranha no DRS 11 de 2007 a 2016

Também o controle do caracol gigante africano, achatina fullica, que


foi introduzido no Brasil sem que houvesse predadores naturais, é uma das
possibilidades a partir do manejo ambiental, uma vez que se diminui a
umidade do terreno, funcionando assim como barreira à sua proliferação.
Nos três casos apresentados neste tópico a ideia de saneamento
expressa fortemente a derivação etimológica da palavra sanear: tornar são,
higiênico ou salutar; salubrificar. Limpar os quintais e arredores como forma
de tornar habitável para o ser humano o espaço onde vive e evitar a
proximidade de vetores e outros animais transmissores de patologias. Uma
ideia controversa, mas que informa as ações de vigilância ambiental.

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O redimensionamento do conceito de vigilância no interior do


arcabouço das práticas de saúde dos serviços de atenção básica, ampliando
seu alcance com a introdução da ideia de vigilância em saúde como síntese
de práticas das já consagradas vigilâncias epidemiológica, sanitária,
ambiental e dos ambientes de trabalhado, permite se pensar em
consequências concretas para o saneamento ambiental.
Saneamento e o Ambiente - 261

Essa ampliação do conceito de vigilância coloca suas práticas no


amplo espectro do conceito de saneamento. O setor saúde já havia há
muito tempo se inserido nas discussões sobre as vertentes fundamentais
do conceito: saneamento básico como a coleta de esgoto e de lixo bem
como o provimento de água potável. Desde muito cedo se associou a
coleta de lixo, de esgoto e o provimento de água às quedas sensíveis de
mortalidade infantil no mundo. As políticas de saúde dos anos 1980 são
pródigas nesse sentido, como as Ações Integradas de Saúde (AIS) e o
convênio dos Municípios Carentes (HEIMANN et al., 1992).
Agora se amplia ainda mais o escopo da ação da saúde, o controle de
vetores sendo uma prática da atenção básica, de atribuição dos municípios,
também passa a ser entendida como parte da ação de saneamento
ambiental em seu sentido lato.
A ação da vigilância ambiental, como definida e organizada pela
primeira conferência nacional, pode engendrar o que a efetivaria
concretamente, as ações intersetoriais no interior das esferas do Estado
brasileiro.

REFERÊNCIAS

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Único de Saúde. Rev. Saúde Pública, v. 40, n. 1, p. 170-7, 2006.
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<http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/2018/Reso588.pdf>. Acesso em: 28 ago. 2018.
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262

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2018.
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Saneamento e o Ambiente - 263

Capítulo 13

REFLEXÕES SOBRE A DISPONIBILIDADE HÍDRICA FRENTE AO


CRESCIMENTO URBANO NO MUNICÍPIO DE MARICÁ - RJ

59
Eloisa Carvalho de Araujo
60
Marina Barcellos de Oliveira Calazães
61
Nayra Helena Gomes dos Santos Moraes

1 INTRODUÇÃO

62
Alguns estudos recentes situam a temática da disponibilidade
hídrica como prioritária nas agendas de países e cidades, ressaltando, na
associação do crescimento urbano ao desenvolvimento das cidades, a
ampliação do consumo de água. Cuidados com a água passam por ações
estruturantes e não estruturantes. Provisão de investimentos em
infraestrutura, formulação de políticas públicas e criação de mecanismos de
governança pouco resolvem se não forem articulados à discussão do tema
com a sociedade.
Maricato (2011) anunciava que a cidade do final do século XX se
assemelhava mais a uma região, espraiada e fragmentada. Segundo a
autora, fenômeno esse que, a partir dos anos 1980, aprofunda as
desigualdades, com a redução significativa da capacidade de investimentos
do Estado e impactos na qualidade dos serviços públicos. Gerando ainda,

59
Arquiteta Urbanista, doutora em urbanismo. Professora do Departamento de Urbanismo e da
Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da EAU/UFF. Vice-líder do Grupo de Pesquisa
Cidade, Processos de Urbanização e Ambiente (CNPq/UFF). E-mail: eloisa.araujo@gmail.com
60
Pesquisadora colaboradora. Bolsista de Iniciação Científica PIBIC/UFF/CNPq, 2016 /2017.
61
Pesquisadora colaboradora. Bolsista de Iniciação Científica PIBIC/UFF/CNPq, 2017/2018.
62
Estudos alertam quanto ao tema: como de PRATES, M. M.; LOURENCETTI, J.; OLIVEIRA, J. N. O
crescimento urbano e suas implicações na água subterrânea: o exemplo de Mirassol, SP. XVII
CONGRESSO BRASILEIRO DE ÁGUAS SUBTERRÂNEAS e XVIII ENCONTRO NACIONAL DE
PERFURADORES DE POÇOS. Disponível em: <file:///C:/Users/Eloisa/Downloads/27756-102128-
1-PB.pdf>. Acesso em: 27 jun. 2018. Assim como o Relatório Mundial das Nações Unidas sobre
o Desenvolvimento dos Recursos Hídricos (WWDR4), lançado em 2014. Disponível em:
<http://unesdoc.unesco.org/images/0022/002257/225741E.pdf>. Acesso em: 2 maio 2018.
264

segundo a autora, um “desenvolvimento incompleto” (MARICATO, 2011, p.


180-181). Para a referida autora, a ocupação do solo urbano por novas
formas urbanas, no âmbito da “recuperação de áreas degradadas contribui
para a gentrificação”, além de se basear em “práticas ilimitadas do mercado
imobiliário” (p. 174).
Para Whately e Campanili (2016, p. 9), a “questão central não é a
disponibilidade ou a falta de água, mas sim as formas de utilização desse
recurso”. No presente capítulo pretendemos contribuir para reflexões
quanto à disponibilidade hídrica e sua estreita relação com o crescimento
urbano, entendendo que tal relação está associada a desigualdades
socioespaciais. Associados ao tema, podemos relacionar o desmatamento, o
desperdício e mudanças climáticas como potenciais fatores para gerar a
vulnerabilidade de populações a serem abastecidas.
Mas segundo Whately e Campanili (2016, p. 62), não são as cidades
as vilãs em termos de uso das águas.

O abastecimento das cidades é responsável pela segunda maior


retirada de água no país (e o terceiro maior consumo). Grande parte
dos municípios brasileiros é atendida por mananciais superficiais
(61%) – em geral, por apenas um. Em alguns casos, porém os
mananciais superficiais estão em outras bacias, e é preciso transferir
a água para a região a ser abastecida.

Questões relacionadas ao planejamento do uso das águas também


podem ser associadas para além da obra de Whately e Campanili (2016), às
obras de Zmitrowicz e Angelis Neto (1997) e Mascaró (2016). Estes últimos
autores salientam que não só as questões técnicas devem ser observadas,
mas também a dinâmica urbana, as densidades urbanas e os custos no
planejamento da infraestrutura. E tais princípios puderam ser analisados,
tratando-se do município de Maricá, nas obras de Guichard (2005), Amaral
(2015) e Araujo e Holzer (2016).
A partir deste contexto o presente artigo tem como objetivo
contribuir para uma reflexão crítica de como o município de Maricá,
integrante da porção leste da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, vem
enfrentando a problemática da disponibilidade hídrica frente ao
crescimento urbano. A escolha do sítio em questão, como sua acelerada
urbanização, foi influenciada pelas intensas mudanças urbanas provocadas
Saneamento e o Ambiente - 265

pelo anúncio, em 2006, da implantação do Complexo Petroquímico do


Estado do Rio de Janeiro – COMPERJ decorrente, sobretudo, de estratégias e
ações do Estado e do capital privado.
A pesquisa aqui apresentada centrou seus esforços na compreensão
deste tema no município de Maricá e terá esta discussão oportunizada nos
itens a seguir descritos.

2 ORGANIZAÇÃO TERRITORIAL: UMA ANÁLISE EM CURSO

2.1 O MÉTODO NA ANÁLISE

A caracterização do município de Maricá deu-se por meio de


mapeamentos, dados secundários e indicadores. Mas também pode ser
interpretada pela abordagem perceptiva, alicerçada no olhar das
pesquisadoras e na revelação do campo. A leitura técnica e perceptiva do
sistema de abastecimento de água no município de Maricá, objeto de
63
pesquisa em curso , não se distanciou de sua imagem junto à opinião
pública, de sua gestão e operação. Isto é, a percepção de como o serviço é
oferecido.
Em um primeiro momento o trabalho se ateve a captar dados
secundários nos sites oficiais da Prefeitura Municipal de Maricá, Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Sistema Nacional de
Informações de Saneamento (SNIS) para então construir um panorama geral
sobre a situação do município no que tange ao abastecimento de água. Ao
analisar os dados coletados, observou-se um conflito nas informações
fornecidas pelo IBGE e o SNIS no que diz respeito ao percentual de
população abastecida pela rede geral da Companhia Estadual de Águas e
Esgoto (CEDAE). O primeiro, que tem seus dados coletados através da
consulta à população, aponta que apenas 18,95% dos domicílios são
abastecidos pela rede geral, de acordo com o censo realizado em 2010.

63
Inicialmente as informações apresentadas foram geradas para compor o Relatório de
Pesquisa institucional intitulada “Infraestrutura e Cidade: relação entre espaço e meio ambiente
– reflexões sobre disponibilidade hídrica e crescimento urbano” (PIBIC/EAU/UFF/CNPq,– 2017).
Atualmente a pesquisa segue intitulada como “Águas Urbanas na Cidade Contemporânea:
abordagens, exigências e possibilidades nas cidades de Maricá e Niterói”
(PIBIC/EAU/UFF/CNPq,– 2018).
266

Enquanto isso, o diagnóstico feito em 2013 pelo SNIS, que coleta as


informações com a concessionária prestadora de serviço, apresenta um
valor de 57,98% de população atendida pelo serviço. Apesar de estes dados
serem obtidos de maneira diferente e serem passíveis de margem de erro, a
diferença entre ambos é muito relevante. O conflito de informações
evidencia uma demanda reprimida no município, que não é contabilizada
pelo diagnóstico da concessionária e esta foi uma das razões que motivou o
presente trabalho.
O abastecimento de água para toda a população não é uma realidade
e mesmo assim a transformação de solo rural em urbano, em curso, com
loteamentos e condomínios continuando a ser aprovados, tem como origem
o abastecimento de água por poços.
Para poder construir uma análise crítica concisa sobre o tema foi
necessário coletar informações com todos os diferentes grupos políticos e
sociais relacionados direta e indiretamente à questão do abastecimento de
água no município. Assim, foi posto como essencial o contato com a
população, técnicos da prefeitura, representantes da CEDAE entre outros.
As disparidades dos dados sobre abastecimento de água, fornecidos
pelo IBGE e SNIS, fez com que o início do estudo contemplasse uma
atividade de campo para coletar informações primárias, mesmo que não tão
abrangentes quanto as coletadas pelas instituições supracitadas. Esta etapa
64
consistiu na aplicação de um questionário , elaborado de maneira
autônoma, com perguntas qualitativas sobre a água consumida em cada
propriedade, bem como sua origem e em que momento do ano este recurso
é mais escasso. A intenção foi traçar um quadro de como a população local
avalia a prestação deste serviço, qual seu conhecimento sobre a
abrangência do problema e como faz para driblar a falta d'água e suas
consequências.
Criado um panorama da situação a partir das percepções junto à
população fez-se necessário buscar contato com técnicos da Prefeitura

64
Foi aplicado um total de 300 questionários ao longo da área de estudo. Destes, 150 foram
respondidos por moradores e/ou donos de propriedades no Distrito Centro em razão da sua
densidade populacional e importância histórica e econômica. Os outros questionários foram
distribuídos igualmente entre os distritos restantes (Ponta Negra, Inoã e Itaipuaçu), sendo 50
em cada um.
Saneamento e o Ambiente - 267

Municipal e da CEDAE, para entender como o setor público vem lidando


com as fragilidades do sistema de abastecimento de água e qual é a base de
dados utilizada por eles para orientar contratos realizados, identificar
problemas e prospectar sobre demandas.
Ainda em um esforço de ampliar a análise crítica sobre o assunto
buscaram-se artigos e trabalhos que tenham o município em questão como
objeto de estudo, a fim de observar como o tema foi tratado por outros
pesquisadores e como ele influencia em outras áreas do planejamento.

2.2 O TERRITÓRIO – MARICÁ

Reflexo das grandes e rápidas transformações espaciais mais


recentes, a partir da década de 1970, este território vem se apresentando
submetido a pressões diversas derivadas dos eixos/vetores de expansão a
partir de sua principal centralidade, o centro de Maricá, considerando
também os eixos viários mais significativos como, a Rodovia RJ-106, RJ-114,
entre outras, além de Unidades de Conservação de grande expressão
ambiental, como o Parque Estadual da Serra da Tiririca e a Área de Proteção
Ambiental de Maricá. O processo investigativo realizado baseou-se no
crescimento urbano, sobretudo, no crescente número de novos
parcelamentos que vem sendo implantados nessa área de expansão urbana
da metrópole do Rio de Janeiro, nos conflitos socioambientais decorrentes
de pressões e tensões sobre o território, que tem seu rebatimento na
disponibilidade de água para abastecimento da população e na situação
ambiental dos recursos hídricos existentes.
Situado oficialmente na porção leste da Região Metropolitana do
Estado do Rio de Janeiro, o município foi reintegrado a esta região através
da Lei Complementar 133, de 15 de dezembro de 2009 – na esfera estadual.
268

Figura 1 – Mapa da Região Metropolitana do Rio de Janeiro

Fonte: CEPERJ (2014).

Dois fatores podem ser considerados condicionantes do


desenvolvimento da região – crescimento urbano e disponibilidade de água.
Estes em muito influenciam a estruturação da dinâmica regional e
apresentam interface com o desenvolvimento dos grandes
empreendimentos em implantação na região.
A seguir, a ilustração com a localização territorial de Maricá, assim
como a distribuição de seus distritos:

Figura 2 – Mapa de localização de Maricá com a delimitação de seus distritos

Fonte: Prefeitura de Maricá, Site v-brazil e adições. Mapa elaborado pelas pesquisadoras, 2017.
Saneamento e o Ambiente - 269

Esta formação apresenta o 1° distrito, Cidade de Maricá, integrado


por 22 bairros, ocupa a região central do município; o 2° distrito, Vila de
Ponta Negra, integrado por 12 bairros, situa-se na parte leste do município;
já o 3° distrito, Vila de Inoã, formado por 6 bairros, localiza-se na parte
noroeste do município; e o 4° e último distrito, Vila de Itaipuaçú, com
composição formada por um total de 10 bairros, situa-se no leste do
município e faz divisa com o município de Niterói, especificamente com a
65
Região Oceânica .
Sobre o sistema hidrológico, que mereceu atenção especial das
pesquisadoras, Maricá está inserido no Sistema Lagunar de Maricá-
Guarapina que, por sua vez, integra a região hidrográfica da Baía de
Guanabara. Esta sub-região hidrográfica abrange três bacias principais
(Figura 3): (1) Rio Vigário, na porção leste do território, (2) Rio Ubatiba,
drenando a porção mais centralizada do território e, por último, (3) Rio
Caranguejo, responsável por drenar a parcela situada na parte oeste do
município. Já seu Complexo Lagunar é composto por cinco lagoas de água
salobra: (1) Maricá, a maior delas com aproximadamente 18,21 km² de
extensão, depois (2) Barra e (3) Guarapina, com 8,12 e 6,44 km² de
extensão, respectivamente. Por último, as lagoas (4) Padre, com 2,10 km² e
(5) Brava. Ao todo o complexo de lagoas tem cerca de 35 km² (AMARAL,
2016).

Figura 3 – Mapa de Maricá – Composição da sub-bacia de Maricá-Guarapina

5 Rio Itapeteiu

1 Canal da Costa

Fonte: Comitê da Baía de Guanabara (2014) adaptado por Amaral (2016).

65
Ressalta-se que esta delimitação atual está em conformidade com a informada na Lei
Orgânica Municipal, promulgada aos 5 de abril de 1990.
270

Atualmente a cidade vive o impacto da euforia do crescimento


66
urbano . Grande parte do território foi transformada em solo urbano sem o
acompanhamento simultâneo dos investimentos em infraestrutura urbana.
Mas desde a desaceleração das obras do Complexo Petroquímico do Rio de
Janeiro (COMPERJ), em 2016, que grande parte do solo transformado em
urbano ainda espera por ações de urbanização. Uma urbanização que chega
de forma parcial, fragmentada.
O crescimento urbano, na proporção vivenciada pelo município de
Maricá, nesses últimos dez anos, não teve como não produzir impactos na
área ambiental, econômica, de saúde pública, requerendo um extenso plano
de investimentos e inúmeros desafios. Entretanto, esta problemática não é
exclusiva do município, mas comum a diversas cidades brasileiras, inclusive
dentro da região metropolitana do Rio de Janeiro, requerendo articulação
entre gestão do uso do solo e infraestrutura urbana.
Em relação ao restante do município a região do Centro possui a
maior cobertura da concessionária de águas e esgotos do Estado
(Companhia Estadual de Água e Esgotos – CEDAE). Entretanto, essa condição
não necessariamente favorece seus moradores. Do grupo que não possui
problemas com falta de água, apenas 25% possuem a concessionária como
fonte exclusiva de abastecimento enquanto a maioria opta por poço na
propriedade. Por outro lado, a maior parte do grupo que alega possuir esse
tipo de problema possui o abastecimento pela concessionária (77%) e,
ainda, em razão da inconstância do serviço, 22% destes também possuem
uma fonte alternativa.
Esses números corroboram com as afirmações de Holzer e Quevedo
(2014) que descrevem algumas inquietações sobre a dispersão urbana no
espaço urbano-regional brasileiro, assim como afirmam que a má qualidade
dos serviços da CEDAE inverte a lógica da especulação imobiliária na cidade.
Para os autores, isso se torna preocupante, à medida que a municipalidade,
para mudar o quadro atual, terá que, para além de prover infraestrutura,
ganhar a confiança dos investidores e da população.

66
A população do município, segundo o Censo do IBGE de 2010, era de 127.461 habitantes. Já a
estimativa prevista para 2018, é de 157.789 habitantes.
Saneamento e o Ambiente - 271

Das análises realizadas e confrontadas com os resultados dos


questionários aplicados ficou salientado que a Prefeitura reconhece que o
planejamento para a melhora de infraestrutura urbana passa pela
necessidade de um plano de investimentos permanente, de longo prazo.
Sem esgotar, no entanto, a realização de aportes de investimentos a curto e
médio prazo, a partir dos quais as melhorias já poderiam ser apropriadas
pela população. Mas como ela pretende realizá-lo?
Para a Prefeitura, o crescimento urbano da cidade é uma realidade
considerada positiva, que pressupõe iniciativas de planejamento e diálogos
permanentes com instâncias governamentais de diferentes esferas, com
investidores privados e com a população. O que nem sempre, no nosso
entendimento, fica demonstrado na análise territorial realizada na presente
pesquisa. Um descompasso entre a intenção e a ação é o dilema que precisa
ser enfrentado pela municipalidade, sobretudo quando o fenômeno em
pauta é o espraiamento urbano.

[...] o fenômeno do espraiamento metropolitano e sua dinâmica não


se restringem a variáveis demográficas e à urbanização contínua. Por
esta razão aspectos como, mudanças implícitas no processo de
organização sócio espacial, os relacionamentos desse processo, os
mecanismos de ação e seus agentes e, de que forma estes impactam
a formação de uma nova paisagem, precisam ser investigados.
(ARAUJO; HOLZER, 2016, p. 37).

Qualquer dificuldade nesse sentido nos direciona a imaginar que a


ação/intenção da municipalidade poderá tender a efetivar uma empresa
municipal de saneamento. O que pressupõe conhecimento sobre o tema,
planejamento, gestão de recursos humanos, técnicos e financeiros.
A partir da contratação, pela Prefeitura, do Plano Municipal de
Saneamento algumas diretrizes podem ser evidenciadas e cruzadas com a
análise das entrevistas aplicadas pela presente pesquisa. O referido plano
aponta a necessidade urgente de aportar recursos para ampliar a oferta dos
sistemas de abastecimento de água e de esgotamento sanitário, associados
a campanhas de conscientização. Segundo diagnóstico do plano, em
referência, o sistema hídrico já não comporta mais a captação de água via
poços profundos.
272

A investigação realizada pelas autoras também constatou, por meio


de ações do setor público, que há previsão de compensações
socioambientais associadas aos grandes projetos urbanos anunciados para a
região, como recuperação de bacias, plantio de mudas nas matas ciliares dos
rios, projetos de educação ambiental, saneamento, transporte, habitação e
obras de recarga artificial da água subterrânea. De toda forma, serão
necessárias investigações futuras, em virtude dos desacordos e imprecisões
das fontes.
Dos trabalhos estudados, fica evidenciada, no artigo de Holzer e
Quevedo (2014), a exposição sobre as circunstâncias do parcelamento de
terra e urbanização da cidade. No que tange ao abastecimento de água, o
déficit deste serviço básico parece inverter a lógica de valorização do solo.

Em tempo de escassez hídrica, como a que ocorre nesse ano de 2015,


a vazão a ser fornecida passa a ser muito menor, o que torna a
população servida pela rede desfavorecida em relação a que possui
poço, isso leva a valorização de áreas onde é possível captar as águas
subterrâneas, ainda que seja de qualidade duvidosa e, ironicamente,
a uma desvalorização das atendidas por rede, principalmente no
mercado dos alugueis, pois a água deve ser adquirida de carros pipa a
um custo considerável e oferta limitada. (HOLZER; QUEVEDO, 2014,
p. 7).

O referido artigo traz alguns dados do Ministério da Saúde, que


mostram que os números em relação à quantidade de domicílios ligados à
rede de água não melhoraram de maneira significativa de 2008 para 2013.
No trabalho denominado “Maricá, Cidade Sedenta” é ressaltado que
a questão da disponibilidade hídrica, em especial o abastecimento de água,
não pode ser desconsiderada em hipótese alguma (AMARAL, 2016).

O desenvolvimento econômico anunciado já cede lugar às


preocupações associadas às constantes irregularidades de
abastecimento de água, dependência de carros-pipa e inúmeros
poços artesianos, aumento da poluição dos rios e, em especial, das
lagoas. Isto para se restringir aos problemas de natureza hídrica.
(AMARAL, 2016, p. 25).

A análise territorial realizada, até então, deflagrou nas pesquisadoras


uma questão central: De fato, a municipalidade nos pareceu reconhecer a
demanda existente e, além disso, que o serviço prestado pela CEDAE é
Saneamento e o Ambiente - 273

insuficiente, buscando junto à referida empresa um campo de diálogo para


aprimorar seus serviços. Mas como efetivar uma ação, que responda com
brevidade as necessidades de abastecimento de água da população?
Nesse sentido, a pesquisa realizada identificou três cenários
prospectivos para Maricá frente a disponibilidade hídrica.
O primeiro não conta com especulações ou hipóteses, trata-se do
quadro em que a cidade se encontra atualmente. Lidar com os problemas e
as potencialidades.
O segundo cenário trata de uma prospecção que considere o
crescimento urbano. Com a população local e flutuante em constante
crescimento requerendo ampliação dos elementos que estruturam o espaço
urbano. Considerando as aglomerações que se concentram ao longo dos
eixos estruturantes, tal desenho impõe a necessidade de um olhar mais
apurado, evidenciando as áreas da cidade em expansão que precisam de
investimentos em infraestrutura. O adensamento é inevitável com ou sem
67
os grandes empreendimentos anunciados . Por outro lado, é certo que a
construção de novos atrativos econômicos acarretará em intensificação de
população extra. Essa dinâmica de parcelamento, de venda e adensamento
do solo é garantida pela iniciativa privada e especulação imobiliária.
Entretanto, as obras de infraestrutura são custosas e dependem de mais de
uma esfera do poder, seja ele público (estadual ou municipal) ou privado.
Neste cenário, consideramos que as arenas de debates se prolonguem e que
as obras continuem estagnadas e o contrato com a CEDAE, seja
questionado.
O terceiro cenário se apresenta de forma positiva. Neste
consideramos o inevitável aumento tanto do contingente populacional
quanto da quantidade de turistas em épocas específicas, o que gera tanto
um adensamento quanto um espraiamento urbano. Contudo, nesta
hipótese é considerado que as obras de infraestrutura em curso serão
completadas e que os projetos mencionados sejam realizados. E mais ainda,
que haja um esforço significativo para que as metas estabelecidas em

67
Durante o primeiro semestre de 2017, vídeos institucionais foram veiculados no site oficial da
Prefeitura apresentando grandes projetos urbanos para a cidade, com interface com outras
esferas públicas.
274

contrato sejam realizadas e/ou a empresa municipal que Maricá pretende


criar esteja bem estabelecida.

Figura 4 – Cenário Prospectivo 03

Fonte: Baseado na plataforma Google Earth, CONEN, ANA e adições. Ilustração elaborada pelas
pesquisadoras

Com base no que foi apresentado, concluímos que a problemática do


abastecimento de água no município é ainda mais ampla que os dados do
Sistema Nacional de Informações em Saneamento (SNIS) mostram. A
questão hídrica supera a pequena abrangência da rede geral da CEDAE e
está igualmente relacionada à qualidade da água ofertada, ao preço cobrado
e aos meios que a população encontra para driblar essa escassez. O que tem
influência direta na saúde pública, no comércio ilegal de água e na
degradação ambiental.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O acelerado crescimento urbano do município de Maricá é um fato


que permeia a base de diversos discursos sobre a cidade.
Do exposto acima, ressaltamos que a questão hídrica de Maricá é
muito complexa. Algumas razões evidenciam este problema. Primeiro
Saneamento e o Ambiente - 275

porque este problema não pode ser resolvido dentro dos limites do
município em razão da sua condição geográfica, fazendo com que o
município fique refém de outras estruturas urbanas, o que demanda gestão
interinstitucional. E em segundo, assim como as demais cidades da Região
68
das Baixadas Litorâneas , Maricá sofre com os períodos de pouca chuva,
impossibilitando ainda mais este abastecimento. Com isso, muitas pessoas
preferem ter poço em sua propriedade a estarem ligadas à rede geral de
abastecimento em razão do custo e irregularidade do serviço prestado pela
concessionária.
A cidade de Maricá e suas esferas social e ambiental são, portanto,
vítimas de um processo de parcelamento de terra e urbanização “a todo
custo” onde o poder municipal cede aos interesses econômicos de
empresários e investidores pensando, produzindo e vendendo uma cidade
que não possui infraestrutura básica para habitação com qualidade de vida.
O mercado imobiliário, hoteleiro e do petróleo lucram com as vantagens
ambientais e locacionais do município e pretendem recompensar suas ações
através de medidas mitigadoras. Tais medidas ficam, geralmente, a cargo de
quem é responsável pelos danos causados e por essa razão é comum que
não compensem de fato os prejuízos que pretendem amenizar. Ainda,
agravando a situação, a esfera estadual, representada pela CEDAE, parece
não cumprir com os seus deveres contratuais para com a cidade de Maricá,
pois alega não ter condição de investir na cidade. Ou será que não há
disponibilidade hídrica?
De modo geral, a situação de Maricá é grave e precisa de maneira
urgente da atenção dos poderes municipal e estadual, mas também da
militância popular e de ambientalistas para que o interesse econômico de
um seleto grupo não sobreponha à necessidade de toda uma população e
continue a degradar o ecossistema em questão. Dessa forma, esperamos
que o presente estudo possa servir de ferramenta para os grupos
supracitados na busca de uma cidade mais sustentável e democrática.

68
A Região das Baixadas Litorâneas é uma das oito regiões de governo do Estado do Rio de
Janeiro.
276

Nesse sentido, sinalizamos que a questão a ser enfrentada pela


69
municipalidade possa se apoiar na gestão das Águas Urbanas , como um
desafio, adequando o planejamento urbano e regional a necessidade de
tratar a água no meio urbano como um todo.
O presente estudo nos permitiu formar uma visão ampla do
problema de abastecimento de água no município de Maricá. Para além da
questão da disponibilidade hídrica, esse problema está relacionado a uma
negligente transformação do uso do solo e da oferta fragmentada dos
serviços urbanos, contribuindo para a promoção da desigualdade social e
espacial, favorecendo o desenvolvimento diferencial dos espaços da cidade.
Todavia, a nova gestão continua a apoiar os grandes
empreendimentos, o que divide a opinião pública. Essa atitude demonstra
uma posição comum, e não frutífera, de diversas municipalidades brasileiras
onde seu bem mais valioso, a terra, é cedido à especulação imobiliária e à
iniciativa privada sem contrapartidas equivalentes.

REFERÊNCIAS

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Maricá, RJ. Projeto Final I. 2015. Graduação (monografia) – Curso de Engenharia de
Recursos Hídricos e do Meio Ambiente da UFF. Escola de Engenharia, UFF, Niterói, 2015.
AMARAL, F. Maricá, cidade sedenta. Projeto II. 2016. Graduação (monografia) – Curso de
Engenharia de Recursos Hídricos e do Meio Ambiente da UFF, Niterói, 2016.
AMARAL, F. HOLZER, W. Dispersão urbana e planejamento urbano-regional: inquietações. In:
OJIMA, R.; MARANDOLA Jr. (Orgs.). Dispersão urbana e mobilidade populacional –
implicações para o planejamento urbano e regional. São Paulo: Edgard Blücher, 2016.
AMARAL, F. Processos recentes de urbanização em território fluminense: o fenômeno da
dispersão sob a ótica da influência de grandes projetos Urbanos. In: OJIMA, R.;
MARANDOLA Jr. (Orgs.). Dispersão urbana e mobilidade populacional – implicações para o
planejamento urbano e regional. São Paulo: Edgard Blücher, 2016.
AMARAL, F. Relatório de pesquisa institucional infraestrutura e cidade: relação entre espaço e
meio ambiente – reflexões sobre disponibilidade hídrica e crescimento urbano. Niterói:
PIBIC/EAU/UFF/CNPq, 2017.

69
De acordo com Carlos Tucci, em sua obra intitulada Águas Urbanas (2008), águas urbanas são
integradas por componentes que contribuem para o desenvolvimento ambiental sustentável,
quando supostamente associadas à conceitos da gestão integrada dos recursos hídricos. Para o
autor, tais pressupostos são essenciais às etapas do plano, ação e manutenção das
infraestruturas urbanas.
Saneamento e o Ambiente - 277

GUICHARD, D. Mobilidade espacial e produção do espaço urbano: um estudo sobre Maricá – RJ.
Anais do 1º SEMINÁRIO MARICÁ – DINÂMICA URBANA E AMBIENTAL. 2005. Disponível em:
<http://lemetro.ifcs.ufrj.br/sem_marica_2005.pdf>. Acesso em: 2 maio 2018.
HOLZER, W.; QUEVEDO, C. O meio ambiente em questão: uma análise da arena de debates
públicos em Maricá/RJ. In: COSTA, M. L. P. M.; SILVA, M. L. P. (Orgs.). Produção e gestão do
espaço – 10 anos de PPGAU/UFF. Niterói: FAPERJ, 2014.
IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Cidades. Disponível em:
<http://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=_EN&codmun=330270&search=rio
-de-janeiro|marica>. Acesso em: 27 maio 2018.
IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Sistema Nacional Informações de
Saneamento – SNIS. Disponível em: <http://www.snis.gov.br/>. Acesso em: 27 maio 2018.
MARICATO, E. O impasse da política urbana no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2011.
MASCARÓ, J. L. Infraestrutura urbana para o século XXI. Porto Alegre: Masquatro, 2016.
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<http://www.marica.rj.gov.br/>. Acesso em: 28 maio 2018.
TUCCI, C. E. M. Águas urbanas. Estudos avançados, São Paulo, v. 22, n. 63, 2008. Disponível em:
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Acesso em: 20 maio 2018.
WHATELY, M.; CAMPANILI, M. O século da escassez – uma nova cultura de cuidado com a água:
impasses e desafios. São Paulo: Claro Enigma, 2016. (Coleção agenda brasileira).
ZMITROWICZ, W.; ANGELIS NETO, G. Infra-estrutura urbana. São Paulo: Escola Politécnica da
USP, 1997.
278
Saneamento e o Ambiente - 279

Capítulo 14

DRENAGEM URBANA E MEIO AMBIENTE

70
Sandra Medina Benini
71
Encarnita Salas Martin

1 OS PROBLEMAS DA DRENAGEM URBANA

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)


– Censo 2010, aproximadamente 84% da população brasileira vive em áreas
urbanas. Para abrigar esse contingente populacional, as cidades vêm se
expandindo em ritmo cada vez mais acelerado, desconsiderando quase
sempre as normas urbanísticas vigentes, ficando à mercê dos interesses
ditados pelas leis de mercado, que se fazem presentes, incontestavelmente,
no modelo de produção de nossas cidades, seja por meio da verticalização
intensa ou pela expansão desordenada das cidades no país.
O que se assiste como resultado é o surgimento de uma diversidade
de problemas, sobretudo aqueles de natureza socioambiental, tais como: a
ocupação de áreas de riscos (Áreas de Preservação Permanente – APPs,
áreas com declividades acentuadas e sujeitas a deslizamentos, encostas,
etc.), carência de serviços públicos, infraestrutura e mobiliário urbano,
ausência/deficiência de saneamento básico, comprometimento do sistema
de drenagem, estrangulamento do sistema de tráfego, poluição,
contaminação de mananciais, deposição irregular de resíduos sólidos,
dentre outros.
Dentre os graves exemplos citados, é comum serem noticiadas nos
meios de comunicação, situações que envolvem a ocorrência de uma

70
Doutora em Geografia pela FCT-UNESP, Doutora em Arquitetura e Urbanismo pela
Mackenzie, e Pós-Doutorado em Arquitetura e Urbanismo pela FAAC-UNESP, Docente e
Pesquisadora da UNIVAG. E-mail: arquitetura.benini@gmail.com
71
Docente do Departamento de Planejamento, Urbanismo e Meio Ambiente da FCT/UNESP. E-
mail: encarnita@fct.unesp.br
280

precipitação mais expressiva, os chamados eventos extremos, levando a


deslizamentos, inclusive, com soterramento de edificações e pessoas, além
do comprometimento dos sistemas de drenagem pluvial urbana, criando
pontos de inundação, causando prejuízos materiais, além de eventuais
sinistros mais graves, representados por perdas humanas.
Entretanto, o que não é levado ao conhecimento da população, é que
esses problemas ocorrem em razão do intenso adensamento urbano aliado
à infraestrutura precária e deficitária, agravada pelo uso de técnicas de
engenharia hidráulica obsoletas e da impermeabilização crescente do solo
urbano, além de instrumentos de controle de ordenamento do solo
ineficientes, decorrentes de falta de capacitação técnica em administrações
municipais, da falta de continuidade dos projetos nas diferentes gestões e
de interesses políticos e econômicos, cujos objetivos nem sempre
consideram aspectos técnicos em suas decisões. Trata-se de tragédia
anunciada e que se repete todo ano.
No âmbito da questão, torna-se importante analisar de forma
integrada todo o contexto nos mais diversos aspectos, inclusive no âmbito
legal, uma vez que é exigido que um novo empreendimento apresente uma
o
infraestrutura básica em conformidade com o que estabelece o § 5 , do art.
2º, da Lei Federal 6.766/1979.

§ 5o. A infra-estrutura básica dos parcelamentos é constituída pelos


equipamentos urbanos de escoamento das águas pluviais, iluminação
pública, esgotamento sanitário, abastecimento de água potável,
energia elétrica pública e domiciliar e vias de circulação.

Apesar da previsão legal, o que se observa é que as características


físicas da cidade e/ou da área onde os empreendimentos imobiliários serão
implantados, sejam totalmente desconsideradas (MARTIN, 2015). Como
evidência disso, pode-se citar o fato de os planejadores ignorarem o
histórico de precipitação pluviométrica, bem como o tempo de retorno das
maiores chuvas, o que faz com que o sistema de drenagem, muitas vezes,
seja subdimensionado; além disso, o traçado dos lotes e do arruamento de
loteamentos e bairros, que desconsideram o relevo e as curvas nível, aliados
ao tamanho cada vez menor dos lotes e à grande taxa de
impermeabilização, fazem com que a velocidade e a quantidade da água
Saneamento e o Ambiente - 281

que escoa na superfície seja cada vez maior; por fim, a intervenção em APPs,
posicionando lotes em áreas sujeitas à inundação.
O “envelhecimento” das redes de galerias pluviais também é outro
aspecto importante. Como geralmente não se pensa no crescimento e
consequente impermeabilização das áreas urbanas, as galerias são
projetadas e dimensionadas para uma situação da cidade naquele
momento. Com o tempo, as vertentes das bacias urbanas vão sendo
impermeabilizadas e as galerias passam a estar subdimensionadas para
aquela nova quantidade de água a ser captada. O resultado disso são as
enchentes e inundações, pelo transbordamento direto dos cursos d’água,
pelo extravasamento da água das galerias, através de bocas de lobo, dos
ralos das casas e, no limite, a ruptura da tubulação.
Segundo Botelho (2011, p. 82), um dos “maiores problemas
enfrentados pelas cidades brasileiras hoje é a ocorrência de inundações e
enchentes”, visto que esses eventos “têm causado grandes prejuízos
financeiros e até mesmo perdas de vidas humanas, seja por efeitos
imediatos, como afogamentos”, ou, ainda, “indiretos, como doenças
infectocontagiosas decorrentes do contato com águas contaminadas”.
Com a finalidade de complementar a abordagem, dentre os fatores
que contribuem para o comprometimento dos sistemas de drenagem, além
da impermeabilização do solo urbano, destaca-se que o “desmatamento e a
substituição da cobertura vegetal natural, que são fatores modificadores
que em muitas situações”, não apenas alteram como também “resultam
simultaneamente em redução de tempos de concentração e em aumento
do volume de escoamento superficial, causando extravasamento de cursos
d’água” (POMPÊO, 2000, p. 16).
72
No que se refere aos problemas de drenagem urbana , Tucci (1998)
é categórico ao afirmar que os mesmos são oriundos da alta
impermeabilidade do solo urbano, ineficiência do sistema de drenagem, da

72
A Lei Federal 11.445/2007, marco legal do saneamento básico brasileiro, estabelece as
Diretrizes Nacionais para o Saneamento Básico e para a Política Federal de Saneamento Básico,
que introduziu formalmente o termo em seu art. 3º, inciso I, alínea d, considerando “drenagem
e manejo de águas pluviais urbanas o conjunto de atividades, infraestruturas e instalações
operacionais de drenagem urbana de águas pluviais, de transporte, detenção ou retenção para
o amortecimento de vazões de cheias, tratamento e destinação final das águas pluviais
drenadas nas áreas urbanas” (BRASIL, 2007, p. 3).
282

retirada da cobertura vegetal, assim como da quantidade de sedimentos de


ordens diversas (antrópicos, exemplos do resíduos sólidos) conduzidos pelas
águas pluviais, entre outros.
O Brasil adota o sistema de drenagem das águas pluviais, do tipo
separador absoluto, em que a água que escoa pelas áreas urbanas, segue
direto das galerias pluviais, para os cursos d’água. Como os serviços de
varrição das ruas e calçadas nem sempre funcionam bem, aliados às épocas
de floração e de queda de folhas das árvores do sistema de arborização
urbana e, principalmente, à falta de educação e de responsabilidade por
parte da população, que joga todo tipo de lixo nas ruas e calçadas, as
galerias vão tendo seu volume útil reduzido, pelos resíduos, de todo tipo e
tamanho, que entram pelas bocas de lobo (Figura 1). O resultado é o
agravamento do risco e da ocorrência de enchentes e inundações.

Figura 1 – Lixo em bocas de lobo

Fonte: Benini e Martin (2018).

Deste modo, Pompêo defende que

[...] as enchentes provocadas pela urbanização devem-se a diversos


fatores, dentre os quais destacamos o excessivo parcelamento do solo
e a consequente impermeabilização das grandes superfícies, a
ocupação de áreas ribeirinhas tais como várzeas, área de inundação
frequente e zonas alagadiças, a obstrução de canalizações por detritos
Saneamento e o Ambiente - 283

e sedimentos e também as obras de drenagem inadequadas. (POMPÊO,


2000, p. 16).

Diante da relevância das considerações apresentadas por Pompêo


(2000), deve-se considerar o ciclo hidrológico (Figura 2) como um fenômeno
de origem meteorológica com complexidades intensas, com enorme
variabilidade temporal e espacial e que se configura como um sistema
73
natural .

Figura 2 – Ciclo hidrológico

Fonte: Elaborado pelo Engº Ricardo Ribeiro. Disponível em:


http://www.ecomvoce.com.br/Figuras/ciclo_hidrologico_pagina.jpg.png.
Acesso em: 4 abr 2015.

Segundo Mota (2003), o intenso processo de urbanização tem


provocado alterações no ciclo hidrológico dos assentamentos humanos
como: aumento da precipitação; redução da evapotranspiração por redução
da vegetação; aumento do escoamento superficial; redução da infiltração da
água pela impermeabilização e compactação do solo; alterações no nível do
lençol freático; maior erosão do solo, e consequente aumento do processo

73
“Sistema natural: O sistema natural é formado pelo conjunto de elementos físicos, químicos e
biológicos que caracterizam o sistema natural da bacia hidrográfica e os recursos hídricos
formado pelos rios, lagos e oceanos.” (TUCCI, 2005a, p. 175).
284

de assoreamento, aumento da ocorrência de enchentes; e poluição de


águas superficiais e subterrâneas. Segundo o IBGE (2011), tais efeitos
podem ser “potencializados quando as áreas urbanas ocupam terrenos de
74
alta declividade, vales de rios encaixados ou se expandem por áreas
sujeitas a inundações”.
Complementando, Tucci (2007) explica que as alterações do ciclo
hidrológico das áreas urbanizadas afetam diretamente a dinâmica fluvial da
bacia hidrográfica, a exemplo da dispersão de energia pelo sistema de
drenagem urbana.
Em razão da alteração do ciclo hidrológico, aliada à falta de
infraestrutura adequada e de um efetivo ordenamento de solo urbano,
várias cidades brasileiras têm enfrentado o dilema das inundações e
enchentes urbanas, que vêm colocando em xeque os atuais modelos de
políticas urbanas de uso e ocupação do solo, principalmente as habitacionais
e ambientais.
Nesse sentido, Silva (2011, p. 57) esclarece que as “modificações
executadas na paisagem para a implantação de cidades” têm afetado
“diretamente a dinâmica hidrológica, alterando os caminhos por onde a
água circula”. A “retirada da cobertura vegetal produz alterações drásticas
no ciclo hidrológico, capazes de provocar grandes danos nas áreas urbanas”,
como “processos erosivos, movimentos de massa e inundação respondem
por parte dos danos ambientais em áreas urbanas”.
Botelho e Silva (2007) apontam que as “principais alterações no ciclo
hidrológico” são oriundas da “ocupação do espaço urbano, destacando a
impermeabilização do terreno, através das edificações e da pavimentação
das vias de circulação” (apud SILVA, 2011, p. 57) (Figuras 3 e 4).

74
Segundo Justus et al. (1986) e Kaul (1990), rios encaixados são aqueles que têm sua
nascentes encravadas e acompanham o sistema de falhamento da bacia hidrográfica.
Saneamento e o Ambiente - 285

Figura 3 – Balanço hídrico num espaço Figura 4 – Balanço hídrico num espaço
natural antropizado

Fonte: Schueler (1987 apud TUCCI, 2002, p. 476).

Em conformidade com as figuras ilustradas (Figuras 5 e 6) por


Schueler (1987 apud TUCCI, 2002), os impactos da urbanização alteram
significativamente o sistema natural do ciclo hidrológico. Para Gonçalves e
Guerra (2005), o espaço

[...] é resultado de drásticas transformações antrópicas sobre o meio


físico ao longo dos anos. Inúmeros pesquisadores tornaram-no seu
objeto de estudo em função dos impactos a que estão submetidos.
Assim, busca-se de forma integrada determinar variáveis, avaliar,
diagnosticar, compreender e prever os efeitos da ocupação humana
sobre o meio físico, assim como sua dinâmica temporal.
(GONÇALVES; GUERRA, 2005, p. 189).

Figura 5 – Variação temporal da vazão de escoamento segundo o grau de urbanização

Fonte: Schueler (1987 apud TUCCI, 2002, p. 476).


286

Figura 6 – Resposta da geometria do escoamento

Fonte: Schueler (1987 apud TUCCI, 2005, p. 92), adaptado por Benini (2018).

Gonçalves e Guerra (2005, p. 189) defendem que as “áreas urbanas”,


a partir de sua ocupação e concentração humanas “intensas e muitas vezes
desordenadas, tornam-se locais sensíveis às gradativas transformações
antrópicas”, que podem ser agravadas na medida em que “se intensificam
em frequência e intensidade o desmatamento, a ocupação irregular, a
erosão e o assoreamento dos canais fluviais, entre outras coisas”. Nesta
mesma linha de pensamento, Viera e Cunha (2005) explicam que a
ocupação e uso do solo urbano afetam o ciclo hidrológico, através de
processos que se dão em três fases:

[...] a primeira corresponde à transformação do pré-urbano para o


urbano inicial, em que ocorrem a remoção de árvores, da vegetação
e a construção de casas, aumentando a vazão e a sedimentação, e a
construção de tanques sépticos e drenagem para o esgoto,
aumentando a umidade do solo e a contaminação. A segunda
engloba a construção de muitas casas, edifícios, comércio,
calçamento das ruas, acarretando diminuição na infiltração e
aumento do escoamento superficial. Nessa fase ocorre falta de
tratamento de lixo e esgoto, ocasionando poluição nas águas. Na
última fase, que corresponde ao urbano avançado, ocorrem muitas
edificações residenciais e públicas, instalação de indústrias,
acarretando aumento do escoamento superficial, vazão, pico de
enchentes. (VIEIRA; CUNHA, 2005, p. 131-132).
Saneamento e o Ambiente - 287

Diante desta problemática, cabe citar Santos (2004), que afirma que
75
a cidade pode ser considerada como a segunda natureza , uma natureza
humanizada ou artificial. Frente a esta afirmação, Francisco (2008, p. 183)
defende que a “segunda natureza é produto e conseqüência da
desconstrução da primeira”. Desta forma, deve-se considerar que a cidade,
enquanto ambiente artificial, é produto e condição da dinâmica
socioespacial.
Swyngedouw (2001, p. 84) afirma que a cidade, a sociedade e a
natureza, são partes “inseparáveis, mutuamente integradas, infinitamente
ligadas e simultâneas, responsáveis pelas contradições, tensões e conflitos”.
Nesse contexto, é importante que as medidas necessárias para o
enfrentamento dos problemas relacionados à drenagem urbana sejam
planejadas/elaboradas, de modo a considerar as características físicas de
cada localidade.
Entretanto, é comum verificar que em muitas cidades do país há
ausência ou deficiência nos processos de planejamento e gestão urbana, em
razão do parcelamento inadequado do solo que não leva em consideração
as particularidades existentes no território; do não respeito à necessidade
de implantação e manutenção de áreas verdes, do emprego de soluções que
envolvem intervenções estruturais que alteram de maneira intensa as
características físicas e os sistemas ambientais existentes. Dentre elas pode-
se citar a retificação, a canalização fechada de cursos d’água, e ainda a
impermeabilização de APPs.
Cabe destacar também o uso de estruturas de concreto que nem
sempre são dimensionadas considerando-se a impermeabilização futura das
áreas a serem drenadas, a impermeabilização cada vez maior, implicando no
prejuízo dos processos de infiltração e contribuindo para o aumento
significativo do escoamento superficial.

75
“[...] há sempre uma primeira natureza prestes a se transformar em segunda; uma depende
da outra, porque a natureza segunda não se realiza sem as condições da natureza primeira e a
natureza primeira é sempre incompleta e não perfaz sem que a natureza segunda se realize.
Este é o princípio da dialética do espaço.” (SANTOS, 2004, p. 214).
288

Frente aos enfoques apresentados pelos diversos autores, é possível


dizer que, qualquer que seja a escala de urbanização, esta irá produzir
impactos no ciclo hidrológico, interferindo diretamente na dinâmica da
natureza e consequentemente no equilíbrio dos ecossistemas urbanos.
Assim, torna-se fundamental a revisão/superação de técnicas ultrapassadas
ancoradas em conceitos higienistas, que nortearam e vêm norteando, a
elaboração de processos de planejamento e gestão dedicados à
problemática dos sistemas de drenagem em muitas cidades brasileiras.
Assim, resgatando os diversos aspectos relacionados à questão da
drenagem urbana, temática tão recorrente na contemporaneidade, faz-se
necessário considerar os elementos artificiais produzidos pelo homem, que
afetam o meio urbano, dentre eles as “edificações, pavimentações,
canalização e retificação de rios, entre outros, que acabam por reduzir
drasticamente a infiltração” e, consequentemente, “favorecem o
escoamento das águas, gerando o aumento da magnitude e da frequência
das enchentes nessas áreas” (BOTELHO, 2011, p. 72-73).

2 CHUVA NAS CIDADES

Basta começar o período de chuvas para que a população assentada


em áreas de risco, como fundos de vales ou encostas, entre em estado de
alerta para o enfrentamento de enchentes, inundações, alagamentos e/ou
ainda, deslizamentos. No caso especial referente às enchentes, inundações
e alagamentos, essas se analisadas no contexto urbano, não são decorrentes
somente dos condicionantes geomorfológicos e topográficos do sítio urbano
para sua ocorrência, mas também à intensa impermeabilização do solo
urbano, a exemplo da cidade de São Paulo (Figura 6).
Saneamento e o Ambiente - 289

Figura 7 – Enchentes em São Paulo

O Viaduto Antártica em 1996 (à esq.) e em 2013: nenhuma mudança


Foto: Agência Estado/Fernando Sampaio e Filipe Araújo Fonte: Revista Veja São Paulo.
Disponível em: <http://vejasp.abril.com.br>. Acesso em: 17 jul. 2013.

Entretanto, esse cenário não se restringe somente às metrópoles,


76
como o caso exemplificado de São Paulo , mas faz parte da realidade de
cidades de pequeno, médio e grande porte, a exemplo de diversas outras
cidades cuja lista seria enorme.
É incontestável que os cenários apresentados (Figura 7) são
alarmantes pelos mais variados efeitos e abrangência de suas
consequências. Para a compreensão da dimensão desses eventos, deve-se,
num primeiro momento, considerar a frequência e intensidade das chuvas.
Nesse sentido, Brandão faz importantes considerações:

76
Fonte: Folha de São Paulo: Cotidiano (matéria publicada em 31.08.2012). Disponível em
<http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/1146250-dados-do-ibge-apontam-que-populacao-
do-pais-cresce-rumo-ao-interior.shtml>. Acesso em: 17 jul. 2013.
290

No momento em que se assiste, com maior freqüência e intensidade,


a uma série de fenômenos naturais extremos destruidores de
paisagens em diferentes escalas e em distintas regiões da Terra, urge
investigar as ligações sincrônicas entre eventos de escala planetária
com aqueles de natureza local e microclimática, como, por exemplo,
os gerados na escala da cidade. (BRANDÃO, 2005, p. 49).

Segundo Tucci, as enchentes em áreas urbanas decorrem de dois


processos, que podem ocorrer isoladamente ou de forma integrada:

 devido à urbanização: são o aumento da freqüência e magnitude


das enchentes devido à ocupação do solo com superfícies
impermeáveis e rede de condutos de escoamentos.
Adicionalmente o desenvolvimento urbano pode produzir
obstruções ao escoamento como aterros e pontes, drenagens
inadequadas e obstruções ao escoamento junto a condutos e
assoreamento;
 em áreas ribeirinhas – as enchentes naturais que atingem a
população que ocupa o leito maior dos rios. Essas enchentes
ocorrem, principalmente pelo processo natural no qual o rio
ocupa o seu leito maior, de acordo com os eventos extremos, em
média com tempo de retorno da ordem de 2 anos. (TUCCI, 2002,
p. 475).

De modo didático, Tucci (2005, p. 29) explica que a inundação pode


ser caracterizada pelo aumento do nível dos rios além da sua vazão normal,
ocorrendo o transbordamento de suas águas sobre as áreas próximas. Desta
forma, pelas “cotas do leito maior” é possível identificar a “magnitude da
inundação e seu risco” (Figura 8).

Figura 8 – Áreas com risco de inundação

Fonte: Schueler (1987 apud TUCCI, 2005, p. 92), adaptado por Benini (2018).
Saneamento e o Ambiente - 291

Para Tucci (2005, p. 29), a inundação do “leito maior dos rios é um


processo natural, como decorrência do ciclo hidrológico das águas”, e
destaca que há problemas quando a “população ocupa o leito maior, uma
vez que são áreas de risco e que, por isso, os impactos são freqüentes”.
Nesta mesma corrente, Coelho explica que

[...] os problemas ambientais (ecológicos e sociais) não atingem


igualmente todo o espaço urbano. Atingem muito mais os espaços
físicos de ocupação das classes sociais menos favorecidas do que os
das classes mais elevadas. A distribuição espacial das primeiras está
associada à desvalorização de espaço, quer pela proximidade dos
leitos de inundação dos rios, das indústrias, de usinas
termonucleares, quer pela insalubridade, tanto pelos riscos
ambientais (suscetibilidade das áreas e das populações aos
fenômenos ambientais). (COELHO, 2005, p. 26-27).

Rosin comenta como a população de menor poder aquisitivo sente os


efeitos oriundos da especulação imobiliária.

Diante dos efeitos produzidos pela lógica da especulação imobiliária


urbana, comumente encontramos famílias de menor renda ou sem
renda, ocupando regiões periféricas, desvalorizadas, como por
exemplo: áreas insalubres nas proximidades de parques industriais,
assim como os fundos de vales, áreas de encostas morros, dentre
outras localidades. Intensificando a complexidade da questão, temos
uma parcela significativa desses espaços decorrentes de ocupações
clandestinas. Esses locais, em regra, não oferecem condições
mínimas de habitabilidade e infraestrutura básica a boa parte dos
seus moradores, ou seja, os mesmos não têm acesso aos serviços
públicos e vivem em situação de vulnerabilidade social, decorrentes
da inadequada e incipiente estrutura existente em assentamentos e
construções ilegais. (ROSIN, 2011, p. 195).

A partir dos estudos apresentados por Corrêa (1995), Coelho (2005) e


Rosin (2011), constata-se que o espaço urbano é constituído de assimetrias,
atingindo de modo mais contundente as famílias em situação de maior
vulnerabilidade, principalmente em períodos de grandes precipitações
pluviométricas. Diante deste cenário, Tucci afirma que

[...] em algumas cidades onde a freqüência de inundação é alta, as


áreas de risco são ocupadas por sub habitações, porque representam
espaço urbano pertencente ao poder público ou desprezado
economicamente pelo poder privado. A defesa civil é,
constantemente, acionada para proteger essa parte da população. A
292

questão com a qual o administrador municipal depara-se, nesse caso,


é que, ao transferir essa população para uma área segura, outros se
alojam no mesmo lugar, como resultado das dificuldades econômicas
e das diferenças sociais. (TUCCI, 2002, p. 480-481).

Para os aspectos acima apresentados, certamente a busca por


soluções é de extrema complexidade. Entretanto, Tucci (2005, p. 57), ao
desenvolver estudos aprofundados sobre essa problemática, faz uma série
de recomendações técnicas ao propor que, em áreas sujeitas a enchentes,
alagamentos e inundações sejam aplicados os conhecimentos hidráulicos à
luz dos princípios sustentáveis para o controle das águas pluviais e por meio
da implantação de sistemas de drenagem urbana, onde seja possível a
adoção de técnicas que contemplem instrumentos de equilíbrio do meio
urbano com o ambiente natural e que seguem os princípios da
infraestrutura verde.

3 CONTROLE DE ÁGUAS PLUVIAIS

Ao longo de décadas, a engenharia hidráulica fez uso de técnicas


orientadas pelos princípios higienistas introduzidos no país por meio dos
primeiros planos de reformulação urbanística, inspirados em cidades
europeias, e que foram adotados e seguidos pelos engenheiros,
planejadores e gestores nas cidades brasileiras. Muitas das propostas
desenvolvidas se constituíram em respostas aos graves problemas
referentes à ocorrência de enchentes e inundações, para os quais se
propunham a retificação e canalização dos rios urbanos. Neste sentido,
Botelho (2011, p. 94) esclarece que as medidas de controle de enchentes

[...] são usualmente classificadas em estruturais, quando o homem


altera o sistema fluvial, através de obras hidráulicas, como barragens,
diques, canalização e retificação; e em não estruturais, quando o
homem busca uma convivência harmônica com o rio, através da
elaboração de planos de uso e ocupação e zoneamentos de áreas de
risco à inundação, sistemas de alerta e seguros-enchentes.
(BOTELHO, 2011, 94).

Uma medida comum, contemplada nos projetos de engenharia


hidráulica, era a destinação das áreas de preservação permanente para
abertura de grandes avenidas e vias expressas em regiões centrais e quando
Saneamento e o Ambiente - 293

esses elementos naturais – os rios, córregos, fundos de vale, encontravam-


se localizados em áreas periféricas, os equívocos se acentuavam ainda mais
ao permitir que essas áreas fossem ocupadas inadequadamente para
77
habitação, em regra, por assentamentos informais .
Tucci (2005) comenta que as soluções de engenharia hidráulica
adotadas – como mencionadas anteriormente, são equivocadas sob vários
aspectos, gerando prejuízos de diversas ordens para a cidade, e de modo
permanente para a população como um todo.

O controle atual do escoamento na drenagem urbana tem sido


realizado de forma equivocada com sensíveis prejuízos para a
população. A origem dos impactos é devida principalmente a dois
tipos de erros:
 Princípio dos projetos de drenagem: A drenagem urbana tem
sido desenvolvida com base no seguinte princípio errado: “A
melhor drenagem é a que retira a água pluvial excedente o mais
rápido possível do seu local de origem”.
 Avaliação e controle por trechos: Na microdrenagem os projetos
aumentam a vazão e transferem todo o seu volume para jusante.
Na macrodrenagem são construídos canais para evitar a
inundação em cada trecho crítico. Este tipo de solução segue a
visão particular de um trecho da bacia, sem que as
consequências sejam previstas para o restante da mesma ou
dentro de diferentes horizontes de ocupação urbana. A
canalização dos pontos críticos acaba apenas transferindo a
inundação de um lugar para outro na bacia. (TUCCI, 2005, p. 74).

77
“Na maioria das cidades no Brasil, muitos são os fatores que provocaram a ocorrência de
assentamentos informais em áreas de vulnerabilidade ambiental – as APPs, entre os quais são
evidenciados a carência habitacional, disponibilidade de espaços com restrição ambiental,
desrespeito às normas ambientais e urbanísticas, a ausência de fiscalização dos órgãos
responsáveis, a inescrupulosa especulação imobiliária e, sobretudo o descaso do poder público.
No âmbito da questão, Rolnik (1997) alerta que a cidade ilegal (loteamentos informais,
clandestinos e irregulares) é ‘tolerada para poder ser, posteriormente, negociada pelo Estado’
através da regularização fundiária, como condicionante de um pacto entre Estado e as
lideranças dos bairros, onde o Estado é tido como o ‘provedor’ e os moradores da cidade ilegal
passam a ser os ‘devedores de um favor do Estado’. Neste contexto, a incorporação da cidade
ilegal pela cidade legal (formal e oficial) ocorre como uma forma de anistia, através da
regularização fundiária, favorecendo a implementação de uma política com fins explicitamente
eleitorais. Entretanto, entende-se que o Direito à Cidade só será efetivado quando o Estado
adotar uma política habitacional inclusiva, que não seja sinônima de uma barganha de
escrituras pelos tão disputados votos.” (ROSIN, 2011, p. 30).
294

Tucci (2005, p. 78) explica que as medidas de “controle do


escoamento podem ser classificadas, de acordo com sua ação na bacia
hidrográfica”, em:

 Distribuída ou na fonte: é o tipo de controle que atua sobre o


lote, praças e passeios;
 Na microdrenagem: é o controle que age sobre o hidrograma
resultante de um ou mais loteamentos;
 Na macrodrenagem: é o controle sobre os principais riachos
urbanos.
As medidas de controle podem ser organizadas, de acordo com a
sua ação sobre o hidrograma em cada uma das partes das bacias
mencionadas acima, em:
 Infiltração e percolação: este tipo de solução encaminha o
escoamento para áreas de infiltração e percolação no solo,
utilizando o armazenamento e o fluxo subterrâneo para
retardar o escoamento superficial. Este tipo de solução busca
recuperar as funções hidrológicas naturais da área. A
infiltração não deve ser utilizada em áreas onde a
contaminação da água pluvial é alta ou o lençol freático é
muito alto;
 Armazenamento: através de reservatórios que podem ocupar
espaços abertos ou fechados. O efeito do reservatório é o de
reter parte do volume do escoamento superficial, reduzindo o
seu pico e distribuindo a vazão no tempo;
 Aumento da eficiência do escoamento: através de condutos e
canais, drenando áreas inundadas. Esse tipo de solução tende
a transferir enchentes de uma área para outra, mas pode ser
benéfico quando utilizado em conjunto com reservatórios de
detenção;
 Diques e estações de bombeamento: solução tradicional de
controle localizado de enchentes em áreas urbanas que não
possuam espaço para amortecimento da inundação. (TUCCI,
2005, p. 78).

Silveira (2002, p. 18) explica que a “macrodrenagem recebe


geralmente os aportes da microdrenagem e é constituída por córregos,
riachos e rios da zona urbana”, por esta razão, frequentemente “córregos e
riachos são retificados e encapados (engalerizados)”.
Silveira (2002, p. 18, grifo nosso) classifica essas intervenções
urbanas como “rol clássico de obras de macrodrenagem”, as quais retificam
e ampliam as seções de canais naturais, por meio da “construção de canais
artificiais, grandes galerias, além de estruturas auxiliares para controle,
Saneamento e o Ambiente - 295

dissipação de energia”, para o “amortecimento de picos, proteção contra


erosões e assoreamento, travessias e estações de bombeamento”.
Dentro desse rol clássico de obras de macrodrenagem, Tucci (2005, p.
40) esclarece que as “medidas para o controle de inundação podem ser do
tipo estrutural e não estrutural”:

As medidas estruturais são obras de engenharia implementadas para


reduzir o risco de enchentes. Essas medidas podem ser extensivas ou
intensivas. As medidas extensivas são aquelas que agem na bacia,
procurando modificar as relações entre precipitação e vazão, como a
alteração da cobertura vegetal do solo, que reduz e retarda os picos
de enchente e controla a erosão da bacia. As medidas intensivas são
aquelas que agem no rio e podem ser de três tipos [...]: (a) aceleram
o escoamento: construção de diques e polders, aumento da
capacidade de descarga dos rios (canais) e corte de meandros; b)
retardam o escoamento: Reservatórios e as bacias de
amortecimento; c) desvio do escoamento, são obras como canais de
desvios.
As medidas não estruturais são aquelas em que os prejuízos são
reduzidos pela melhor convivência da população com as enchentes,
através de medidas preventivas como o alerta de inundação,
zoneamento das áreas de risco, seguro contra inundações, e medidas
de proteção individual (‘floodproofing’). (TUCCI, 2005, p. 40-41 –
negrito nosso).

Segundo Tucci (2002, p. 482), no primeiro caso estão as “medidas


de controle através de obras hidráulicas, tais como barragens, diques e
canalização, entre outras”, e, no segundo caso, são “medidas do tipo
preventivo, tais como zoneamento de áreas de inundação, alerta e seguros”
e por esta razão, “as medidas estruturais envolvem custos maiores do que
as medidas não-estruturais” (Figura 9).
296

Figura 9 – Principais medidas estruturais e não estruturais de controle de enchentes

Fonte: Botelho (2011, p. 94), adaptado por Sandra Medina Benini (2014).

A Figura 9 permite compreender a divisão entre as medidas


estruturais e não estruturais. Todavia, o que deve ser destacado é que no
modelo clássico de obras de macrodrenagem, nos projetos de engenharia
hidráulica são adotadas medidas que podem ser:
a) estruturais intensivas: quando o homem modifica o rio;
b) estruturais extensivas: infraestrutura verde; e
c) não estruturais: quando o homem convive com o rio.

No que se refere às medidas estruturais (Quadro 1), deve-se destacar


que estas “correspondem às obras que podem ser implantadas visando à
correção e/ou prevenção dos problemas decorrentes de enchentes”
(CANHOLI, 2005, p. 25).
Saneamento e o Ambiente - 297

Quadro 1 – Medidas estruturais

PRINCIPAL PRINCIPAL
MEDIDAS APLICAÇÃO
VANTAGEM DESVANTAGEM
Aumento da cobertura
Impraticável
vegetal Redução do pico Pequenas
para grandes
Extensivas
Medidas

(áreas verdes e de cheia bacias


áreas
arborização)
Controle de perda do Reduz Impraticável
Pequenas
solo (contenção de assoreamento para grandes
bacias
encosta) áreas
Alto grau de Danos
Grandes rios e
Diques e polders proteção de significativos
na planície
uma área caso falhe
Redução da Aumento da
Melhoria do canal

rugosidade vazão com


Efeito localizado Pequenos rios
por pouco
desobstrução investimento
Amplia a área Impacto
Área de
Corte de protegida e negativo em rio
inundação
Medidas Intensivas

meandro acelera o com fundo


estreita
escoamento aluviar
Localização
Todos os Controle à Bacias
difícil devido à
reservatórios jusante intermediárias
desapropriação
Reservatório

Reservatório Mais eficiente


Vulnerável a Projeto de usos
com com o mesmo
erros humanos múltiplos
comportas volume
Operação com Restrito ao
Reservatório Custo não
mínimo de controle de
para cheias partilhado
perdas enchentes
Caminho da Amortecimento Depende da
Mudanç

Grandes bacias
canal

cheia de volume topografia


a de

Reduz vazão do Depende da Bacias médias


Desvio
canal principal topografia e grandes

Fonte: Simons et al. (1977, apud TUCCI, 2005, p. 41-42), adaptado por Sandra Medina Benini (2014).

O Quadro 1 apresenta as vantagens e desvantagens na adoção de


medidas estruturais para controle de enchentes, entretanto o que não pode
deixar se mencionar é que “medidas estruturais não são projetadas para dar
uma proteção completa ao sistema, pois isto exigiria um dimensionamento
contra a maior enchente possível” (SILVEIRA, 2002, p. 24), o que significaria
aumentar o custo do empreendimento.
298

Canholi (2005) explica que as medidas estruturais intensivas, de


acordo com seu objetivo, podem ser de quatro tipos:

a) de aceleração de escoamento: canalização e obras correlatas.


b) de retardamento do fluxo: reservatório (bacia de
detenção/retenção), restauração de calhas naturais;
c) de desvio do escoamento: túneis de derivação e canais de
desvio;
d) e que englobem a introdução de ações individuais visando a
tornar as edificações à prova de enchentes. (CANHOLI, 2005, p.
25).

Para Tucci, as medidas estruturais intensivas são:

Reservatório: O reservatório de controle de enchentes funciona


retendo o volume do hidrograma durante as enchentes, reduzindo o
pico e o impacto a jusante da barragem. [...]
Diques ou polders: São muros laterais de terra ou concreto,
inclinados ou retos, construídos a certa distância das margens, que
protegem as áreas ribeirinhas contra o extravasamento. Os efeitos de
redução da largura do escoamento confinando o fluxo são o aumento
do nível de água na seção para a mesma vazão, aumento da
velocidade e erosão das margens e da seção e redução do tempo de
viagem da onda de cheia, agravando a situação dos outros locais à
jusante. O maior risco existente na construção de um dique é a
definição correta da enchente máxima provável, pois existirá sempre
um risco de colapso [...]. (TUCCI, 2005, p. 43-46).

Neste sentido, para que se possam implementar as medidas


estruturais intensivas, há necessidade de execução de obras de retificação
do canal, permitindo, assim, acelerar a drenagem das águas pluviais. No
tocante às medidas estruturais extensivas, Tucci explica que a

Cobertura vegetal: a cobertura vegetal tem capacidade de


armazenar parte do volume de água precipitado pela interceptação
vegetal, aumentar a evapotranspiração e de reduzir a velocidade do
escoamento superficial pela bacia hidrográfica. Quando é retirada a
cobertura vegetal a tendência é de aumentar o volume escoado, as
cheias e redução das estiagens, aumentando a variabilidade das
vazões. O aumento da cobertura é uma medida extensiva para
redução das inundações, mas aplicável a pequenas bacias, onde tem
mais efeito (< 10 km²). O efeito maior deste tipo de medida é sobre
os eventos mais freqüentes de alto risco de ocorrência. Para eventos
Saneamento e o Ambiente - 299

raros de baixo risco o efeito da cobertura vegetal tende a ser


pequeno.
Controle da erosão do solo: o aumento da erosão tem implicações
ambientais pelo transporte de sedimentos e seus agregados,
podendo contaminar os rios a jusante e diminuir a sua seção e
alterando o balanço de carga e transporte dos rios. Um dos fatores é
a redução da seção dos rios e o aumento da freqüência das
inundações em locais de maior sedimentação. O controle da erosão
do solo pode ser realizado pelo reflorestamento, pequenos
reservatórios, estabilização das margens e práticas agrícolas corretas.
Esta medida contribui para a redução dos impactos das inundações.
(TUCCI, 2005, p. 42).

Entretanto, deve se considerar que não basta somente a reposição


ou manutenção da cobertura vegetal, há necessidade de execução de obras
e dispositivos que permitir a reservação, ou seja, a contenção temporária
das águas pluviais. Segundo Canholi (2005, p. 35), a reservação se apresenta
como um “conceito mais significativo e de amplo espectro no campo das
medidas inovadoras em drenagem”, pois

[...] a utilização da reservação em drenagem urbana vem se


transformando em um conceito multidisciplinar. O aspecto
paisagístico adquire importância, principalmente na viabilização
social de obras. A aceitação pela comunidade de tal tipo de obra
guarda estreita relação com o sucesso da implantação, nesses locais,
e áreas verdes e de lazer. (CANHOLI, 2005, p. 54).

Desta forma, dispositivos de reservação para controle de enchentes


se apresentam como medidas sustentáveis e alternativas ao modelo
tradicional de canalização dos córregos e rios urbanos, como pode ser
observado no Quadro 2, que elenca as características da canalização frente
à reservação.
300

Quadro 2 – Características da Canalização x Reservação

CARACTERÍSTICA CANALIZAÇÃO RESERVAÇÃO

 Renovação dos  Contenção temporária para


Função subsequente liberação.
escoamentos.
 Reservatórios abertos
Componentes
 Canais abertos / galerias.  Reservatórios subterrâneos;
Principais  Retenção sub-superficial.

 Instalação em áreas novas;  Área nova (em implantação);


 Ampliação de capacidade  Construção em etapas;
Aplicabilidade  Área existente (em
pode se tornar difícil
(centros urbanos). superfície ou subterrâneas);
 Áreas novas: podem ser
 Aumenta dimensionadas para impacto
Impacto nos significativamente os picos zero;
trechos de das enchentes em relação  Reabilitação de sistemas:
jusante à condição anterior; podem tornar as vazões e
(quantidade)  Maiores obras nos jusante compatíveis com a
sistemas de jusante. capacidade disponível.
 Facilita remoção de material
flutuante por concentração
Impacto nos em áreas de recirculação dos
 Transporta para o corpo
trechos de reservatórios e dos sólidos
receptor toda carga de
jusante em suspensão, pelo
poluente afluente;
(qualidade) processo natural de
decantação.
 Necessária limpeza
 Manutenção em geral periódica;
pouco frequente (pode  Necessária fiscalização;
ocorrer excesso de  Sistemas de bombeamento
Manutenção /
assoreamento e de lixo); requerem operação /
operação
 Manutenção nas galerias é manutenção;
difícil (condição de  Desinfecção eventual
acesso). (insetos).

Estudos  Requer definição dos


 Requer definição dos picos hidrogramas (volume das
hidrológicos /
de enchentes. enchentes).
hidráulicos
Fonte: Walesh (1989, apud CANHOLI, 2005, p. 32), adaptado por Sandra Medina Benini (2014).

Conforme apresentado no Quadro 2, a reservação, enquanto medida


não convencional, é um sistema alternativo para a drenagem urbana, uma
vez que favorece o planejamento em áreas urbanizadas, permitindo
adequação e/ou otimização do sistema existente. Segundo Tucci (2005, p.
103), permite a “integração entre o projeto de implantação no espaço, o
Saneamento e o Ambiente - 301

projeto arquitetônico e as funções da infraestrutura de água dentro do


ambiente urbanizado” (Figura 10).

Figura 10 – Ilustração esquemática dos conceitos de canalização e reservação

Fonte: Canholi (2005, p. 36).

Conforme observado na Figura 10, constata-se que a reservação,


além de um sistema que faz retenção/detenção das águas pluviais, também
favorece a infiltração. Todavia, deve-se considerar que, apesar de Canholi
(2005) apresentar o conceito de “reservação” como uma das “medidas
inovadoras em drenagem”, Silveira (2002) já havia organizado uma “Lista de
Medidas de Controle Básicas”, na qual relacionou várias obras aplicadas à
drenagem urbana, que têm com principais funções o armazenamento
temporário das águas pluviais, assim como permitir a infiltração da mesma
(Quadro 3).
302

Quadro 3 – Lista das medidas de controle básicas


CARACTERÍSTICA
OBRA FUNÇÃO EFEITO
PRINCIPAL
Armazenamento
Retardo e/ou redução do
Pavimento com temporário da chuva no
escoamento pluvial
Pavimento camada de base local do próprio pavimento.
gerado pelo pavimento e
Poroso porosa como Áreas externas ao
por eventuais áreas
reservatório. pavimento podem também
externas.
contribuir.
Infiltração no solo ou
Reservatório linear Retardo e/ou redução do
retenção, de forma
Trincheira de escavado no solo escoamento pluvial
concentrada e linear, da
infiltração preenchido com gerado em área
água da chuva caída em
material poroso. adjacente.
superfície limítrofe.
Infiltração no solo, ou
Depressões Retardo e/ou redução do
Vala de retenção, no leito da vala,
lineares em escoamento pluvial
infiltração da chuva caída em áreas
terreno permeável. gerado em área vizinha.
marginais.
Infiltração pontual, na Retardo e/ou redução do
Reservatório
Poço de camada não saturada e/ou escoamento pluvial
vertical e pontual
Infiltração saturada do solo, da chuva gerado na área
escavado no solo.
caída em área limítrofe. contribuinte ao poço.
Reservatório de Armazenamento
Retardo e/ou redução do
pequenas temporário do
Microrreserva escoamento pluvial de
dimensões tipo esgotamento pluvial de
-tório áreas
‘caixa d’água’ áreas impermeabilizadas
impermeabilizadas.
residencial. próximas.
Telhado com Armazenamento Retardo do escoamento
Telhado
função temporário da chuva no pluvial da própria
reservatório
reservatório. telhado da edificação. edificação.
Armazenamento
temporário e/ou infiltração Retardo e/ou redução do
Bacia de Reservatório vazio
no solo do escoamento escoamento da área
detenção (seco).
superficial da área contribuinte.
contribuinte.
Armazenamento
temporário e/ou infiltração Retardo e/ou redução do
Bacia de Reservatório com
no solo do escoamento escoamento da área
retenção água permanente.
superficial da área contribuinte.
contribuinte.
Armazenamento
Reservatório Retardo e/ou redução do
Bacia temporário do escoamento
coberto, abaixo do escoamento da área
subterrânea superficial da área
nível do solo. contribuinte.
contribuinte.
Condutos e
Condutos de Armazenamento Amortecimento do
dispositivos com
armazenamen temporário do escoamento escoamento afluente à
função de
to no próprio sistema pluvial. macrodrenagem.
armazenamento.
Faixas de terreno Amortecimento de
Faixas Áreas de escape para
marginais a corpos cheias e infiltração de
gramadas enchentes.
d’água. contribuições laterais.
Fonte: Silveira (2002, p. 30), adaptado por Sandra Medina Benini (2014).
Saneamento e o Ambiente - 303

Complementando seus estudos, Silveira (2002) elencou


posteriormente as vantagens hidráulicas e os efeitos ambientais dessas
medidas controle, entendidas pelo autor como básicas, dentre os
dispositivos utilizados na drenagem urbana.

Quadro 4 – Síntese das vantagens hidráulicas e os efeitos ambientais


Medida de Efeitos ambientais
Vantagens hidráulicas
controle (positivos e negativos)
Contribui para recarga do lençol freático Age positivamente ao filtrar na
[...]. Não contribui para paisagismo aquático camada porosa e no solo os
ou verde. É hidraulicamente autônomo. O escoamentos fracamente
Pavimento revestimento superficial poroso evita poluídos.
poroso empoçamentos, projeções d’água e a
aquaplanagem de veículos, além de reduzir
ruídos do tráfego. Há maior visibilidade das
marcas pintadas na pista.
Contribui para recarga do lençol freático e Efeito positivo ao tratar
para a umidade do solo, mas a variante de escoamentos levemente poluídos
Trincheira de
retenção contribui menos. Integra bem a por infiltração na estrutura
infiltração
paisagem verde quando recoberta por porosa e no solo.
grama. Hidraulicamente autônoma.
Contribui para recarga do lençol freático e Favorece tratamento de
para a umidade do solo, mas a variante de escoamentos levemente poluídos
Vala de retenção contribui menos. Integra bem a por infiltração no solo. Em valas
infiltração paisagem verde quando recoberta por de retenção evitar períodos
grama. Todavia, o funcionamento hidráulico inundados compatíveis com a
que requer supervisão. proliferação de mosquitos.
Recarrega significativamente o freático. Efeito positivo ao tratar
Poço de Menos efeito na contribuição à umidade do escoamentos levemente poluídos
infiltração solo (obra pontual). Funcionamento por infiltração na estrutura
hidráulico autônomo. porosa e no solo.
Quando projeto permite infiltração no solo O escoamento vindo dos
contribui para recarga do freático e para a telhados é tratado por
umidade do solo. Funcionamento hidráulico microrreservatórios de
automático. Os microrreservatórios tipo infiltração. Os reservatórios tipo
Microrreser- cisterna podem agregar função de reserva ‘caixa d’água’ e cisternas
vatório adicional de água para incêndio, lavagem de precisam de limpeza constante e
carro, irrigação de jardim e outros usos serem bem vedados para evitar
domésticos e industriais. riscos sanitários. O ideal é mantê-
los secos.

O projeto pode incorporar a função de A estagnação de águas por


Telhado jardim e assim também contribuir para o entupimento da saída pode
reservatório paisagismo verde. favorecer a proliferação de
mosquitos.
304

Medida de Efeitos ambientais


Vantagens hidráulicas
controle (positivos e negativos)
Se o projeto contempla leito permeável, Esta estrutura não deve ser
contribui para recarga do lençol freático e implantada se dispositivos de
umidade do solo. As bacias de detenção retenção de poluição, sedimentos e
em geral integram-se facilmente em um lixo significativos não puderem ser
paisagismo verde, com plantio de implantados ou uma limpeza muito
Bacia de
gramados e árvores. Assumem a função frequente não puder ser
detenção
benéfica paralela de ser um espaço verde sustentada. Grande risco de
de lazer, de passeio e prática de esportes. proliferação de vetores ligados ao
lixo. Por outro lado, trata eventual
poluição leve pela infiltração no
solo.
Se o projeto contempla leito permeável, Esta estrutura não deve ser
contribui para recarga do lençol freático e implantada se dispositivos de
umidade do solo. Com leito estanque, retenção de poluição, sedimentos e
não há contribuição ao freático, mas as lixo significativos não puderem ser
margens têm umidade para receber implantadas ou uma limpeza muito
vegetação. As bacias de retenção em frequente não puder ser
geral integram-se facilmente em um sustentada. Grande risco de
paisagismo aquático e mesmo a um proliferação de vetores ligados ao
Bacia de
paisagismo verde se as margens lixo. Por outro lado, trata eventual
retenção
receberem vegetação e não materiais poluição leve pela infiltração no
inertes como cascalho. Gestão hidráulica solo. O problema de uma provável
pode ser desnecessária em função da proliferação de mosquitos em
variação de níveis de projeto e do função do espelho d’água.
tratamento e declividade das margens.
Oferece funções complementares de
pesca, passeios aquáticos, passeios nas
margens e outros.
Obra discreta com funcionamento Esta estrutura não deve ser
hidráulico autônomo, mas dispositivos de implantada se dispositivos de
emergência e aeração requerem gestão e retenção de poluição, sedimentos e
manutenção. Podem agregar função de lixo significativos não puderem ser
reserva adicional de água para incêndio, instalados ou uma limpeza muito
Bacia
lavagem de ruas e praças, irrigação de frequente não puder ser
subterrânea
jardim, alimentação de chafarizes e sustentada. Grande risco de
outros usos públicos. proliferação de vetores ligados ao
lixo. Por outro lado, trata eventual
poluição leve pela infiltração no
solo.
São discretas e possuem funcionamento Pode haver retenção indesejada de
Condutos de
hidráulico autônomo, mas dispositivos de poluentes, lixo ou sedimentos.
armazena-
emergência e aeração requerem gestão e
mento
manutenção.
Contribui para recarga do lençol freático Benéfica no tratamento do
e para a umidade do solo. Integra bem a escoamento pluvial fracamente
Faixa paisagem verde. Hidraulicamente poluído, como o de um
gramada autônoma. Pode ser espaço verde de estacionamento.
lazer e passeio e, dependendo das
dimensões, local de prática de esporte.

Fonte: Silveira (2002), adaptado por Sandra Medina Benini (2014).


Saneamento e o Ambiente - 305

Como pode ser observado no Quadro 4, há uma série de vantagens


hidráulicas e em geral, constata-se que dentre os efeitos ambientais, há
efeitos positivos e negativos. Os efeitos positivos são verificados não só no
custo do empreendimento, mas também no menor impacto sobre o
ambiente, uma vez que permite a integração de sistema natural, como o
verde urbano, na operacionalização do sistema de drenagem.
No tocante aos efeitos negativos, devem ser considerados que os
mesmos podem ser mitigados, mediante um gerenciamento adequado da
estrutura proposta, visto que estão relacionados com a manutenção e
limpeza de resíduos e sedimentos.
Posteriormente aos estudos de Silveira (2002), Tucci (2005)
apresenta como resultado de suas pesquisas sobre a drenagem urbana, um
quadro com os principais dispositivos de infiltração, os quais são utilizados
para o controle das águas pluviais (Quadro 5).

Quadro 5 – Principais dispositivos de infiltração


Dispositivos Características Vantagens Desvantagens
Planos com declividade >
Planos e Gramados, áreas
Permite 0,1% não devem ser usados.
valos de com seixos ou
infiltração de O transporte de material
infiltração outros materiais
parte da água sólido para a área de
com que permitam a
para o subsolo. infiltração pode reduzir a
drenagem infiltração natural.
capacidade de infiltração.
O acúmulo de água no plano
Planos e Gramados, áreas durante o período chuvoso
Permite
valos de com seixos ou outro não permite trânsito sobre a
infiltração da
infiltração material que área.
água para o
sem permita a infiltração Planos com declividade que
subsolo.
drenagem natural. permita escoamento para
fora do mesmo.
Concreto, asfalto ou Não deve ser utilizado para
Permite
Pavimento bloco vazado com ruas com tráfego intenso
infiltração da
permeável alta capacidade de e/ou de carga pesada, pois a
água.
infiltração. sua eficiência pode diminuir.
Poços de Redução do
infiltração, Volume gerado no escoamento Pode reduzir a eficiência ao
trincheiras de interior do solo que superficial e longo do tempo dependendo
infiltração e permite armazenar amortecimento da quantidade de material
bacia de a água e infiltrar. em função do sólido que drena para a área.
percolação armazenamento.

Fonte: Tucci (2005, p.85-86), adaptado por Sandra Medina Benini (2014).
306

O Quadro 5, apresentado por Tucci (2005), se aproxima dos estudos


de Silveira (2002), visto que ambos os autores enfatizam os benefícios de
dispositivos alternativos (medidas estruturais extensivas) em relação ao
modelo tradicional (medidas estruturais intensivas).
Assim, conforme apresentado por Silveira (2002), Tucci (2005a),
Canholi (2005), fica evidenciado o caráter preventivo das medidas
estruturais extensivas, em razão da redução dos custos e da possibilidade de
maior eficiência e eficácia na implantação de um sistema alternativo de
drenagem urbana.
Nessa mesma corrente, Botelho (2011, p. 98) explica que as medidas
estruturais extensivas de controle de enchentes têm por objetivo a melhoria
do “funcionamento do ciclo hidrológico urbano e, consequentemente, na
quantidade e qualidade de água (embora, na maioria, ainda pouco
divulgadas e implementadas)”, a exemplo da “contenção de encosta e
margens de rios, captação de água da chuva, ampliação de áreas verdes,
utilização de pisos permeáveis e aproveitamento das águas servidas”.
No tocante às medidas não estruturais apresentadas por Botelho
(2011) na Figura 9 Principais medidas estruturais e não estruturais de
controle de enchente), devem ser considerados, primeiramente, os estudos
realizados por Silveira, os quais indicam os benefícios dessas medidas, ao

[...] reduzir impactos sem modificar o risco das enchentes naturais, e


em alguns casos, estipular princípios que revertam os riscos
artificialmente majorados por ações antrópicas às condições naturais.
As ações não estruturais em drenagem urbana abrangem os
mecanismos de estipulação dos princípios básicos (filosofia), de
estabelecimento de como estes princípios devem ser respeitados
(legislação, normas e manuais técnicos) e de preparação da
sociedade para que eles venham a ser implantados e obedecidos na
atualidade e no futuro. (SILVEIRA, 2002, p. 24).

Na mesma corrente, Canholi (2005, p. 25) procura evidenciar que


medidas não estruturais “são aquelas em que se procura reduzir os danos
ou as consequências das inundações, não por meio de obras, mas pela
introdução de normas, regulamentos e programas”, os quais possam
disciplinar o “uso e ocupação do solo, e a conscientização da população para
a manutenção dos dispositivos de drenagem”.
Saneamento e o Ambiente - 307

Considerando aquelas mais adotadas, as medidas não estruturais


podem ser agrupadas em: ações de regulamentação do uso e
ocupação do solo; educação ambiental voltada ao controle da
poluição difusa, erosão e lixo; seguro-enchente; e sistemas de alerta
e previsão de inundações. (CANHOLI, 2005, p. 26).

Assim como Canholi (2005), Tucci (2005, p. 49) afirma que as


medidas não estruturais podem ser do “tipo preventiva como: previsão e
alerta de inundação, zoneamento das áreas de risco de inundação, seguro e
proteção individual contra inundação”.

O zoneamento é baseado no mapeamento das áreas de inundação


dentro da delimitação da cheia de 100 anos ou a maior registrada.
Dentro dessa faixa, são definidas áreas de acordo com o risco e com a
capacidade hidráulica de interferir nas cotas de cheia a montante e a
jusante. A regulamentação depende das características de
escoamento, topografia e tipo de ocupação dessas faixas. O
zoneamento é incorporado pelo Plano Diretor Urbano da cidade e
regulamentado por legislação municipal específica ou pelo Código de
Obras. Para as áreas já ocupadas, o zoneamento pode estabelecer
um programa de transferência da população e/ou convivência com
os eventos mais freqüentes. O sistema de alerta tem a função de
prevenir com antecedência de curto prazo, reduzindo os prejuízos,
pela remoção, dentro da antecipação permitida. (TUCCI, 2002, p.
482).

Conforme foi apresentado, fica evidenciada a importância das


medidas não estruturais, como parte integrante da elaboração e
implementação de um adequado sistema de drenagem urbana, assim como,
fica explícito o dever da administração pública em promover o devido
ordenamento do solo urbano com a finalidade essencial de evitar a
ocupação de áreas de risco.
Tucci (2005, p. 107) explica que o “planejamento urbano deve
considerar os aspectos relacionados com a água, o uso do solo e a definição
das tendências dos vetores de expansão da cidade”, uma vez que “existe
uma forte inter-relação entre os mesmos”, a exemplo:

 o abastecimento de água é realizado a partir de mananciais que


podem ser contaminados pelo esgoto cloacal, pluvial ou por
depósitos de resíduos sólidos;
308

 a solução do controle do escoamento da drenagem urbana


depende da existência de rede de esgoto cloacal e tratamento de
esgoto, além da eliminação das ligações entre as redes;
 a erosão do solo produz assoreamento e interfere na ocupação
do solo, nas ruas, sistemas de esgoto, entre outros;
 a limpeza das ruas, a coleta e disposição de resíduos sólidos
interferem na quantidade e na qualidade da água dos pluviais.
(TUCCI, 2005, p. 107).

A implementação das medidas citadas acima, se constituem em


metas fundamentais a serem alcançadas por meio do processo de
planejamento e gestão urbana. Para tanto, Tucci (2005, p. 107) explica que
uma das maiores dificuldades dos gestores públicos no que se refere à
implementação de um planejamento integrado “decorre da limitada
capacidade institucional dos municípios para enfrentar problemas tão
complexos e interdisciplinares e a forma setorial como a gestão municipal é
organizada”.
Assim, pode-se constatar a importância de se elaborar um Plano
Diretor de Drenagem Urbana, o qual deve conjugar os planos urbanísticos,
do sistema viário, saneamento e resíduos sólidos, com as legislações
pertinentes (Uso do Solo, Ambiental e de Recursos Hídricos), como condição
sine qua non para subsidiar a gestão das águas pluviais em áreas urbanas.

O Plano Diretor de Drenagem Urbana tem o objetivo de criar os


mecanismos de gestão da infra-estrutura urbana relacionado com o
escoamento das águas pluviais e dos rios na área urbana. Este
planejamento visa evitar perdas econômicas, e a melhorar as
condições de saúde e meio ambiente da cidade, dentro de princípios
econômicos, sociais e ambientais definidos pelo Plano Diretor de
Desenvolvimento Urbano e Ambiental da cidade.
O Plano Diretor de Drenagem Urbana tem como meta buscar:
 Planejar a distribuição da água pluvial no tempo e no espaço,
com base na tendência de ocupação urbana compatibilizando
esse desenvolvimento e a infra-estrutura para evitar prejuízos
econômicos e ambientais;
 Controlar a ocupação de áreas de risco de inundação através de
regulamentação;
 Convivência com as enchentes nas áreas de baixo risco. (TUCCI,
2005, p. 135).
Saneamento e o Ambiente - 309

Desta forma, o Plano Diretor de Drenagem Urbana deve ser


estruturado de modo a contemplar projetos e ações de controle das
inundações, por meio de projeções de cenários futuros, por cálculos
matemáticos, com base nas tendências existentes, como aspectos
geomorfológicos do espaço, condições climáticas, o adensamento,
impermeabilização, dentre outros, de modo a viabilizar o gerenciamento de
risco.
Neste sentido, Tucci (2007, p. 312) explica que para elaboração de
projetos de controle da inundação deve ser observada a “simulação da
ocorrência do evento como modelo hidrodinâmico que considere o sistema
de funcionamento sob pressão”, considerando a dinâmica pluvial urbana e
as medidas preventivas, a exemplo da Tabela 1: onde são apresentados
dados referentes ao tempo de retorno (anos) em áreas urbanizadas, com
objetivo de subsidiar a projeção de cenários e gerenciamento de risco.

Tabela 1 – Tempo de retorno utilizado para obras de drenagem


Tempo de retorno
Sistema Uso
(anos)
Residencial 2–5
Microdrenagem Área comercial de alto valor 2 – 10
Aeroportos 2 – 10
Área comercial central 5 – 10
Macrodrenagem
- 10 – 100

Fonte: Asce (1992, apud TUCCI, 2007, p. 312), adaptado por Sandra Medina Benini (2014).

Para Tucci (2005), a análise destes cenários permite realizar uma


projeção dos investimentos envolvidos para “reduzir a freqüência das
inundações e os prejuízos aceitos”, a exemplo:

Ao se adotar um risco de 10% anualmente, ou tempo de retorno de


10 anos. Aceita-se que em média poderão ocorrer eventos uma vez a
cada 10 anos que produzirão prejuízos. A análise adequada envolve
um estudo de avaliação econômica e social dos impactos das
enchentes para a definição dos riscos. (TUCCI, 2005, p. 175).

Nesse sentido, Botelho (2011, p. 76) explica que, as “onerosas obras


de drenagem urbana”, como a “canalização (aberta ou fechada), retificação,
310

alagamento, afundamento, desvio etc.”, podem ajudar a controlar as águas


pluviais, mas se executadas sem a aplicação das medidas extensivas e as
medidas não estruturais, essas mesmas obras podem vir a contribuir para a
ocorrência de enchentes, muitas vezes em maior proporção, ao longo do
tempo.
Dessa forma, dentre o conjunto de medidas não estruturais, destaca-
se a importância da elaboração do Plano Diretor de Drenagem Urbana, para
gerenciar as águas pluviais no espaço urbano de modo preventivo e com
mais respeito aos sistemas naturais. Destaca-se a importância de respeitar
as APPs, que são áreas naturalmente sujeitas à inundações e que se
configuram como áreas de risco, de acordo com o uso do solo que se faça
em tais áreas, principalmente no caso de haver ocupação humana.
Todavia, deve-se considerar que as cidades no Brasil apresentam
problemas de alta complexidade relacionados ao ordenamento do solo
urbano, em razão não apenas da alta concentração demográfica, mas
essencialmente da ausência e/ou escassez de políticas públicas elaboradas
para prevenir e minimizar problemas decorrentes dos mecanismos
utilizados pela especulação imobiliária para o uso e ocupação do solo
urbano.
Para Ramos, Baptista e Nascimento (1997) e Cruz, Tucci e Turcknicz
(2000), o planejamento urbano deve otimizar o ordenamento do uso e
ocupação do solo urbano (Plano Diretor, Lei de Zoneamento, Lei de
Parcelamento do Solo, etc.) com a observância das dinâmicas do meio
ambiente e dos índices urbanísticos, os quais têm por finalidade primordial
determinar o percentual adequado de ocupação de um terreno, bem como
o índice de permeabilidade para a unidade parcelada.
Tais apontamentos são complementados por Tucci e Campana (apud
IPH, 2002), Fagundes (2002) e Pauleit, Ennos e Goiding (2005), em que os
autores esclarecem que a densidade urbana, assim como a densificação e
dispersão urbana, merecem especial atenção dos planejadores urbanos,
visto que são fenômenos distintos que interferem diretamente no uso e
ocupação do solo, determinando o aumento ou não, de áreas
impermeáveis/impermeabilizadas, que têm consequências diretas sobre
dinâmica das águas pluviais.
Saneamento e o Ambiente - 311

Assim, no que tange à drenagem urbana, torna-se imprescindível que


o planejamento urbano considere a implementação de um novo projeto
urbano, pensando numa proposta projetual, capaz de incorporar
mecanismos que possibilitem a convivência harmoniosa dos elementos
naturais no espaço urbano.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como foi apresentado neste capítulo, o controle das águas pluviais


ainda vem se dando segundo modelos clássicos de obras de engenharia
hidráulica baseados em intervenções severas sobre os canais fluviais
urbanos, renegando os sistemas naturais existentes nas cidades, utilizando-
se de medidas estruturais intensivas que desviam e retificam canais,
canalizam e encapam os rios urbanos.
Tais sistemas se constituem em “bombas relógio”, uma vez que não
tardam em apresentar problemas que afetam a população de maneiras e
com intensidades diferentes, de acordo com o grau de vulnerabilidade em
que se encontram.
Todavia, como foi abordado ao longo do texto, existem outros meios,
ou seja, outras técnicas a serem utilizadas para controlar a dinâmica pluvial
em cidades, a exemplo das medidas estruturais extensivas (contenção de
encosta, captação da água de chuva, aumento das áreas verdes, adoção de
pisos permeáveis, dentre outros) e das medidas não estruturais (sistema de
alerta, planos de zoneamento, educação ambiental, dentre outros), que
podem contribuir de modo decisivo para a construção de uma nova visão
relacionada aos processos de planejamento e gestão voltados para a
questão da drenagem urbana.
Desse modo, torna-se necessária a revisão dos modelos
convencionais, bem como a adoção de técnicas alternativas pautadas por
princípios ambientais que considerem a possibilidade de construção da
sustentabilidade urbana.
312

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314
Saneamento e o Ambiente - 315

Capítulo 15

DESAFIOS NO TRANSPORTE RODOVIÁRIO DE PRODUTOS


PERIGOSOS

78
Fabio Ytoshi Shibao
79
Mario Roberto dos Santos

1 INTRODUÇÃO

Globalmente, mais pessoas vivem em áreas urbanas que em áreas


rurais, com 54% da população mundial residindo em áreas urbanas em
2014. Em 1950, 30% da população mundial era urbana e, em 2050, 66% da
população mundial será urbana, conforme projeta o relatório da United
Nations (UN, 2014). Segundo outra estimativa do mesmo relatório (UN,
2014), em 1990, o Brasil apresentava 74% da população vivendo em zonas
urbanas, cresceu para 85% em 2014 e previu que deverá alcançar o índice
de 91% da população vivendo em zonas urbanas até 2050.
O Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC) mostrou que a
influência humana no sistema climático é clara e crescente. Entre 2000 e
2010, verificou-se um aumento das emissões anuais totais de gases de
efeito estufa (Greenhouse Gas [GHG]), sendo o setor de transportes
responsável por 11% desse crescimento. No ano de 2010, o setor contribuiu
com 14% das emissões globais de GHG (IPCC, 2014).
O desenvolvimento econômico destaca a movimentação de produtos
perigosos pelos diversos modais de transporte, sendo estes essenciais para a
cadeia de suprimentos. Porém, qualquer que seja o modal adotado, a
atividade do transporte de produtos perigosos envolve riscos e sempre

78
Doutor em Administração de Empresas, professor e pesquisador do Mestrado Profissional em
Administração: Gestão Ambiental e Sustentabilidade (GeAS) e Mestrado em Cidades
Inteligentes e Sustentáveis (CIS) da Universidade Nove de Julho – UNINOVE. E-mail:
fabio.shibao@gmail.com
79
Doutor em Administração pela Universidade Nove de Julho – UNINOVE. E-mail:
mario.rsantos@terra.com.br
316

existe a possibilidade de acidentes, conforme indicam os dados da


Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB, 2018).
Uma das consequências desses acidentes são as mortes por eles
provocadas, e são consideradas como um problema de saúde pública em
todo o mundo e é a nona principal causa de morbidade, o que gera altos
custos sociais e econômicos para os países (FORIGUA; LYONS, 2016).
Esse tipo de transporte representa uma ameaça que precisa de
estratégias e ferramentas para reduzir a taxa de risco para a sociedade, para
as propriedades e para o meio ambiente. Melhorar a segurança rodoviária é
um dos objetivos mais importantes para os legisladores de políticas de
transportes na sociedade contemporânea e é uma questão estratégica para
melhorar a qualidade de vida em geral (CONCA et al., 2016), tornando-se
assim um desafio a ser enfrentado.
O transporte de produtos perigosos diz respeito a todos os produtos
que são utilizados regularmente, tais como combustíveis, gás ou
fertilizantes. Esses materiais perigosos podem ter efeitos térmicos
resultantes de combustão ou explosão, efeitos mecânicos causados por
explosões, efeitos tóxicos resultantes de inalação, contato ou ingestão de
um produto químico tóxico devido a um vazamento em uma instalação ou
efeitos causados por substâncias radioativas relacionadas à radiação
ionizante. Essas substâncias inflamáveis, tóxicas, explosivas, corrosivas ou
radioativas apresentam sérios riscos e perigos às pessoas, propriedades e ao
meio ambiente por causa de suas propriedades físicas ou químicas
(MABROUK et al., 2017).
A segurança do transporte de produtos perigosos é um tópico para o
planejamento de transporte que envolve segurança rodoviária,
armazenamento de mercadorias, prevenção e segurança de uma forma
geral. O objetivo principal é reduzir os riscos de acidentes perigosos durante
as operações de transporte, seja local ou longa distância (CONCA et al.,
2016).
No Brasil, a retomada do crescimento econômico, segundo a
Confederação Nacional do Transporte (CNT, 2017a), aumentará a demanda
por melhor eficiência na infraestrutura de transporte e, sobretudo, reforçará
a necessidade de o país dispor de rodovias com maior qualidade. Assim,
garantir a recuperação e a expansão da malha rodoviária mostra-se
Saneamento e o Ambiente - 317

imprescindível para comportar um crescimento social e econômico em


bases permanentes.
Os produtos são transportados por meio do modal rodoviário,
prioritariamente no Brasil, modal este responsável por 61,1% das cargas
transportadas no país. Na sequência, os modais ferroviário com 20,7%;
aquaviário, 13,6%; dutoviário, 4,2% e aéreo, 0,4% (CNT, 2017b). As estradas
são reconhecidamente o principal elemento de infraestrutura econômica
para a economia do Brasil (MACHADO et al., 2018), portanto, infere-se que
haja grande quantidade de acidentes rodoviários, principalmente
considerando-se a precariedade das estradas nacionais.
Esses acidentes podem estar relacionados a falhas mecânicas
(problemas de falta de manutenção dos veículos); falhas humanas
(distração, imperícia ou imprudência); ou condições ambientais (chuva,
neblina, etc.) (MACHADO et al., 2018).
O transporte de produtos perigosos não pode ser tratado como um
meio de transporte de uma mercadoria comum. Consequências imediatas
de acidentes rodoviários envolvendo caminhões e o transporte de produtos
perigosos, além das prováveis perdas de vidas humanas e danos materiais
(RECHKOSKA et al., 2012), incluem poluição de solos e água, com danos aos
ecossistemas terrestres e aquáticos e consequente perda econômica
(SIQUEIRA et al., 2017). Essas consequências podem ser ainda mais trágicas
especialmente quando ocorrem em áreas urbanas densamente povoadas
(CONCA et al., 2016).
A legislação deverá ser bem abrangente quanto ao transporte,
evitando-se, assim, que ocorra de forma irregular, pois é comum encontrar
veículos trafegando sem cumprir às exigências estabelecidas pela
regulamentação ou em áreas de prováveis riscos, aumentando, dessa forma,
a possibilidade de ocorrer acidentes. Os motoristas devem estar treinados e
preparados para resolver a situação em caso de acidente, para abrandar a
gravidade e possível descontrole, evitando, assim, prejuízos irreparáveis ao
meio ambiente, pois nem sempre é possível a restauração do local
contaminado e, quando possível, é lenta e onerosa.
Nesse contexto, este capítulo visa a identificar as principais
peculiaridades dos acidentes com manejo de produtos perigosos,
abrangendo o transporte rodoviário no Estado de São Paulo, fundamentado
318

nos dados de emergências químicas atendidas pela CETESB entre 2008 e


2018. Esses acidentes se tornaram um dos desafios na gestão das cidades,
bem como de seus sistemas urbanos de transportes e das rodovias que as
cercam.

2 INDÚSTRIA QUÍMICA E O TRANSPORTE DE PRODUTOS PERIGOSOS

A indústria química está presente em praticamente todas as


atividades humanas, como, por exemplo, tratamento de água e esgoto,
produção de alimentos, saúde e lazer, entre outros, e exige o consumo de
grandes e crescentes quantidades de substâncias químicas (GALEMBECK et
al., 2007).
Nos últimos anos, as empresas químicas, de uma forma global,
auferiram o crescimento da demanda (GALEMBECK et al., 2007) com taxas
anuais levemente superiores ou iguais às do Produto Interno Bruto (PIB) nos
países desenvolvidos, e taxas superiores nos países em desenvolvimento
(WONGTSCHOWSKI, 2002).
As indústrias químicas tiveram, em 2016, o faturamento líquido anual
mundial estimado em US$ 5.197,6 bilhões. O Brasil ocupou a oitava posição
nesse segmento com US$ 109 bilhões, conforme mostrado na Tabela 1, que
representou 2,4% do PIB total em 2016 e 10,8% do PIB industrial em 2015,
segundo a Associação Brasileira da Indústria Química (ABIQUIM, 2017).
Saneamento e o Ambiente - 319

Tabela 1 – Os 13 maiores países produtores de produtos químicos em 2016


Colocação País Faturamento líquido (US$ bilhões)

1 China 1.907
2 Estados Unidos da América 768
3 Japão 262
4 Alemanha 236
5 Coreia 166
6 Índia 133
7 França 133
8 Brasil 109
9 Irlanda 102
10 Reino Unido 99
11 Suíça 97
12 Itália 87
13 Taiwan 78
Fonte: Abiquim (2017).

Já em 2017, o faturamento líquido da indústria química brasileira foi


US$ 119,6 bilhões, conforme distribuição apresentada na Tabela 2
(ABIQUIM, 2017).
Tabela 2 – Faturamento líquido da indústria química brasileira por segmento em 2017

Segmentos da indústria química Faturamento líquido (US$ bilhões)

Produtos químicos de uso industrial 58,1


Produtos farmacêuticos 16,9
Fertilizantes 9,1
Higiene pessoal, perfumaria e cosméticos 12,4
Defensivos agrícolas 8,8
Produtos de limpeza e afins 7,6
Tintas, esmaltes e vernizes 3,9
Fibras artificiais e sintéticas 0,8
Outros 2,0
Total 119,6

Fonte: Abiquim (2017).


320

A balança comercial dos produtos químicos brasileiros tem mostrado


crescentes déficits e de forma sucessiva. As exportações brasileiras, em
2017, alcançaram o valor de US$ 13,6 bilhões, em contrapartida, as
importações atingiram US$ 36,8 bilhões. Como consequência, o déficit
agravou-se, passando de US$ 1,5 bilhão em 1991 para US$ 23,2 bilhões
(estimados) em 2017. O maior valor do déficit aconteceu em 2013, com US$
32 bilhões, contabilizados US$ 46,1 de importações e US$ 14,1 de
exportações (ABIQUIM, 2017).
Essa situação deveu-se a incentivos dados à importação por alguns
Estados brasileiros em prejuízo do produtor nacional e, também, aumento
na importação de produtos acabados, o que provocou indiretamente a
redução na demanda interna por produtos químicos intermediários
(ABIQUIM, 2012).
O segmento de produtos químicos de uso industrial fez investimentos
com o objetivo de expandir a capacidade de produção de produtos
petroquímicos básicos e resinas termoplásticas. No entanto, grande parte
do crescimento do consumo desses produtos no mercado interno foi
suprido pelo aumento das importações (ABIQUIM, 2012).
Uma das características da indústria química de produtos para uso
industrial é transportá-los entre as suas unidades industriais e os seus
clientes (TEIXEIRA, 2005). A predominância do modal rodoviário acarreta um
número crescente de viagens de veículos transportando produtos perigosos
por todo o território nacional e não é possível fazer uma previsão de
mudanças nesse cenário em curto prazo (ABIQUIM, 2012). Esse fato gera
acréscimo nos custos logísticos porque aumenta a probabilidade de
ocorrência de acidentes com produtos perigosos. Isso motivou cidades,
como São Paulo, a adotarem restrições de circulação de caminhões que
transportam produtos químicos e combustíveis em diversas vias na área
urbana em determinados horários.

2.1 SEGURANÇA NO TRANSPORTE DE PRODUTOS QUÍMICOS

Produtos químicos tornaram-se indispensáveis com o passar dos


anos, gerando acréscimo no uso e, como decorrência, aumentaram a
exposição e os riscos ao homem relativos a esses produtos. Segundo a
Saneamento e o Ambiente - 321

Organização das Nações Unidas (ONU), estima-se que existam em torno de


quatro milhões de diferentes produtos químicos participando nas cadeias
produtivas que resultam no aumento de seu potencial risco ao ser humano
(LEAL JR., 2010).
O transporte de produtos químicos está atrelado aos possíveis riscos
de segurança e se destaca como potencial poluidor ao transitar pelas
estradas ou ferrovias porque pequenos acidentes envolvendo cargas
perigosas atraem a atenção do público, dos responsáveis por políticas
públicas e das indústrias, que sinalizam que os riscos podem ser originados
tanto acidentalmente quanto por ações premeditadas (RENIERS; DULLAERT,
2012).
A operação de transporte acontece, em geral, fora dos limites das
empresas e carece de uma estrutura com o objetivo de prevenção de
acidentes, e caso esses acidentes ocorram possa dar uma rápida solução ao
problema. Essa estrutura envolve as próprias empresas, os operadores
logísticos, as empresas de atendimento a emergências, a polícia rodoviária,
os bombeiros, a defesa civil, os órgãos ambientais e os serviços de saúde.
As leis e os regulamentos sobre o transporte de produtos perigosos
visam a proteger os stakeholders que diretamente transportam esses
produtos e os envolvidos indiretamente, entre eles os serviços de
emergência e o público em geral. Essas regulamentações colocam deveres e
responsabilidades para todas as partes, objetivando dar ciência sobre os
procedimentos para reduzir os riscos de acidentes e, caso ocorram, garantir
uma ação eficaz (RECHKOSKA et al., 2012).
O setor químico considera estratégico integrar às cadeias de valor a
ele relacionadas sua responsabilidade em saúde, segurança e meio
ambiente, e agregar também ferramentas para melhoria de desempenho.
Desse modo, foi criado o Sistema de Avaliação de Segurança, Saúde, Meio
Ambiente e Qualidade (SASSMAQ), por meio do módulo rodoviário, em
maio de 2001, fundamentado no Safety & Quality Assessment System
(SQAS), desenvolvido pelo Conselho Europeu da Indústria Química
(European Chemical Industry Council [CEFIC]).
Ao SASSMAQ foram adicionados os módulos estação de limpeza para
empresas que atuam na limpeza e descontaminação de isotanques, tanques,
vagões-tanque e embalagens utilizados na armazenagem ou no transporte
322

de produtos químicos; o módulo ferroviário e o módulo de atendimento a


emergências para as empresas que fazem esses atendimentos no transporte
de produtos químicos (ABIQUIM, 2012).
Desse modo, o sistema permite monitorar o desempenho da gestão
das empresas prestadoras de serviços à indústria química nos diversos
modais de transporte, possibilitando assim reduzir de forma contínua os
riscos de desastres nas operações de distribuição e transporte de produtos
químicos perigosos (ABIQUIM, 2012).
Os números de acidentes têm exibido estabilidade na taxa de
frequência de acidentes de transporte, mesmo considerando-se a ampliação
dos riscos de acidentes em razão do aumento da quantidade transportada e
do número de viagens por estradas cada vez mais movimentadas. O setor
considera esse evento relevante, porém, pondera que será possível reduzir
o número de acidentes no transporte de produtos perigosos no médio
prazo, segundo Abiquim (2012), com a adoção de algumas providências, tais
como:
a) aumentar a participação dos modais marítimo e ferroviário para reduzir o
volume de cargas transportadas por modal rodoviário;
b) realizar investimentos em equipamentos de controle das frotas, na
capacitação e na cultura de segurança entre os motoristas, para aprimorar o
processo de transporte rodoviário, tendo o SASSMAQ como referência;
c) tornar os equipamentos de transporte mais resistentes em caso de
colisões; e
d) melhorar a qualidade das principais estradas por onde trafegam os
veículos que transportam os produtos químicos, sobretudo os produtos
perigosos.

2.2 PRODUTOS PERIGOSOS

É considerado um produto químico perigoso qualquer substância


que, dadas as características físicas e químicas, ofereça riscos à segurança
pública, à saúde das pessoas e ao meio ambiente, quando transportada, de
acordo com os critérios de classificação da ONU, publicados pela Portaria
204/1997 do Ministério dos Transportes (LEAL JR., 2010; PEDRO, 2006).
Saneamento e o Ambiente - 323

No Brasil, um produto é classificado como perigoso para o transporte


terrestre quando se enquadra em uma das nove classes e subclasses
estabelecidas na Resolução 420, de 12 de fevereiro de 2004, da Agência
Nacional de Transportes Terrestres (ANTT, 2004a), conforme apresentado
no Quadro 1.
324

Quadro 1 – Classificação dos produtos perigosos por classes

Classes Subclasses
Explosivos
1.1 Substâncias e artigos com risco de explosão em massa
1.2 Substâncias e artigos com risco de projeção, mas sem risco de explosão
em massa
Classe 1 1.3 Substância ou artigo com risco de fogo e com pequeno risco de explosão
ou de projeção, ou ambos, mas sem risco de explosão em massa
1.4 Substâncias e artigos que não apresentam risco significativo
1.5 Substâncias muito insensíveis com risco de explosão em massa
1.6 Artigos extremamente insensíveis sem risco de explosão em massa
Gases
2.1 Gases inflamáveis
Classe 2
2.2 Gases não inflamáveis não tóxicos
2.3 Gases tóxicos
Classe 3 Líquidos inflamáveis
Sólidos inflamáveis
4.1 Substâncias autorreagentes e explosivos sólidos insensibilizados
Classe 4
4.2 Substâncias sujeitas à combustão espontânea
4.3 Substâncias que em contato com água emitem gases inflamáveis
Substâncias oxidantes e peróxidos orgânicos
Classe 5 5.1 Substâncias oxidantes
5.2 Peróxidos orgânicos
Substâncias tóxicas e infectantes
Classe 6 6.1 Substâncias tóxicas
6.2 Substâncias infectantes
Classe 7 Material radioativo
Classe 8 Substâncias corrosivas
Classe 9 Substâncias e artigos perigosos diversos

Fonte: ANTT (2004a).

A Resolução ANTT 701, de 25 de agosto de 2004, ressalva que


resíduos que não se enquadrem nesses critérios, porém, abrangidos pela
Saneamento e o Ambiente - 325

Convenção da Basileia sobre Controle de Movimentos Transfronteiriços de


Resíduos Perigosos podem ser transportados como pertencentes à Classe 9,
Substâncias e artigos perigosos diversos (ANTT, 2004b).
A ABNT tem uma série de normas aplicáveis ao transporte de
produtos perigosos, que são constantemente atualizadas. O Quadro 2, a
seguir, apresenta um resumo dessas normas e a data de publicação da
atualização vigente.
Quadro 2 – Normas ABNT para o transporte de produtos perigosos

Norma ABNT Título Emissão

Identificação para o transporte terrestre, manuseio,


NBR 7500:2018 08/05/2018
movimentação e armazenamento de produtos
Transporte terrestre de produtos perigosos — 12/09/2011
NBR 7501:2011
Terminologia
Transporte terrestre de produtos perigosos – Ficha de
NBR 7503:2018 emergência e envelope para o transporte – 06/04/2018
Características, dimensões e preenchimento
Conjunto de equipamentos para emergências no
NBR 9735:2017 10/08/2017
transporte terrestre de produtos perigosos
Conjunto de equipamentos para emergências no
NBR 10271:2017 08/11/2017
transporte rodoviário de ácido fluorídrico
Proteção contra incêndio por extintores no transporte
NBR 12710:2001 rodoviário de produtos perigosos: cancelada e -----
substituída pela NBR 9735
Instalação e fixação de extintores de incêndio para
NBR 13095:2000 carga, no transporte rodoviário de produtos perigosos: -----
cancelada e substituída pela NBR 9735
NBR 13221:2017 Transporte terrestre de resíduos 08/11/2017

Transporte rodoviário de produtos perigosos —


NBR 14064:2015 30/07/2015
Diretrizes do atendimento à emergência
Transporte rodoviário de produtos perigosos – Área de
NBR 14095:2008 estacionamento para veículos – Requisitos de 11/08/2008
segurança
Transporte terrestre de produtos perigosos – 16/08/2017
NBR 14619:2017
Incompatibilidade química

Fonte: Adaptado de Transporte Rodoviário de Produtos Perigosos (2012) e ABNT (2018).

Note-se que, conforme mostrado no Quadro 2, o transporte de


produtos perigosos é uma atividade fortemente regulamentada (TINOCO et
al., 2016).
326

3 ACIDENTES COM O TRANSPORTE DE PRODUTOS PERIGOSOS

Os acidentes com transporte rodoviários de produtos perigosos


resultam em uma constante apreensão, pois causam impactos tanto às
pessoas quanto ao meio ambiente. O transporte rodoviário desses produtos
é o líder em termos numéricos de acidentes ambientais no Estado de São
Paulo. Verificou-se que, dos 3.896 acidentes abrangendo produtos químicos
atendidos entre 1º de maio de 2008 a 31 de maio de 2018, o modal
rodoviário foi o maior ofensor nas estatísticas de acidentes, com 55,21% dos
atendimentos, conforme apresentado na Tabela 3 (CETESB, 2018).

Tabela 3 – Emergências químicas atendidas pela CETESB por atividade 2008-2018

Atividade Valor (%)

Transporte rodoviário 55,21


Postos e sistemas retalhistas de combustíveis 2,98
Indústria 7,60
Descarte 6,39
Transporte aquaviário 1,80
Outras 8,34
Armazenamento 2,75
Mancha órfã 1,16
Nada constatado 4,67
Não identificada 4,34
Transporte ferroviário 2,05
Transporte por duto 2,72
Fonte: Cetesb (2018).

A Cetesb classifica o atendimento como “Emergência Química”


quando abrange qualquer situação que envolva produtos químicos que
possa significar um perigo à saúde da população, ao meio ambiente e aos
patrimônios público e privado, demandando interferência imediata dos
órgãos públicos (CETESB, 2010).
Na classificação adotada pela Cetesb, a atividade “Nada Constatado”
refere-se a situações as quais, após a avaliação em campo, não foram
caracterizadas como situações de emergência. “Não Identificada” se refere a
situações nas quais havia algum produto envolvido, mas não foi possível a
identificação da fonte geradora. A atividade “Mancha Órfã” relaciona-se a
Saneamento e o Ambiente - 327

manchas de óleo existentes na superfície do mar ou de outros corpos de


água e cuja origem não foi identificada. O item “Outras” relaciona-se a
atendimentos efetivados em aterros sanitários, empresas, estabelecimentos
comerciais, laboratórios de instituições de ensino, entre outros e que não se
enquadram nas demais atividades (CETESB, 2010).
Do total de 4.047 acidentes envolvendo produtos químicos atendidos
pela Cetesb, entre 1º de maio de 2008 a 31 de maio de 2018, verificou-se
que a partir de 2013 a quantidade de acidentes tem diminuído ano após
ano. Até então se situavam acima de 400 acidentes por ano no Estado de
São Paulo, conforme pode ser observado na Figura 1.

Figura 1 – Emergências químicas atendidas pela Cetesb de maio de 2008 a maio de 2018

451 461
410 407 413 385
371 365
313 333

138

2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018

Fonte: Cetesb (2018).

Os acidentes nas rodovias têm ocorrido pela falta de qualidade das


estradas brasileiras em razão dos baixos investimentos em infraestrutura de
transporte nos últimos anos. Por exemplo, em 2010 aplicou-se 0,26% do PIB,
enquanto em 2015 foi apenas 0,10% em relação ao PIB, motivado
provavelmente pela crise econômica que atingiu o país em 2014. Em 2016, o
investimento foi de 0,14% (CNT, 2017a).
Além disso, em relação às principais causas dos acidentes registrados,
constatou-se que a falta de atenção dos motoristas (27,4%) e velocidade
incompatível com o local (12,8%) foram as principais causas de acidentes
nas rodovias federais em 2016 (MJSP/PF, 2017), portanto, devido à falha
humana como mostrado na Figura 2.
328

Figura 2 – Principais causas de acidentes (em porcentagem) nas rodovias federais em 2016

Defeito na via 1,6%


Ultrapassagem indevida 2,4%
Animais na pista 2,7%
Dormindo 3,9%
Desobediência à sinalização 5,0%
Defeito mecânico em veículo 5,3%
Ingestão de álcool 6,6%
Não guardar distância de segurança 6,6%
Velocidade incompatível 12,8%
Outros 25,6%
Falta de Atenção 27,4%

Fonte: MJSP/PF (2017).

Utilizando-se a fórmula para calcular a frequência de ocorrências em


porcentagem proposta por Pedro (2006), tem-se:

F(%) = (n/N) x 100

F = frequência de ocorrência em porcentagem;


n = número de acidentes, com transporte de produtos perigosos por
causa de acidente, consequência do acidente, localização, rodovia e tipo de
produto;
N = número total de acidentes com transporte de produtos
perigosos.

Assim, para o ano de 2017, a frequência de acidentes:

F (%) = (174 / 333 x 100) = 52,25% de frequência de acidentes com


produtos químicos nas rodovias do Estado de São Paulo no ano de 2017.
A Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) reúne cerca de 38,6%
dos acidentes atendidos pela Cetesb, o interior é responsável por 50,7% e o
litoral com o restante 10,7% no Estado de São Paulo (CETESB, 2018).
A seguir, na Tabela 4, apresentam-se os 34 municípios que
apresentaram 20 ou mais acidentes ao ano entre o período de 1º de maio
de 2008 até 31 de maio de 2018. As 365 cidades restantes registraram 1.579
acidentes em dez anos, totalizando 3.896 acidentes. A cidade de São Paulo
Saneamento e o Ambiente - 329

destaca-se com 825 (35,6%) dos 2.327 acidentes registrados nesses


municípios e 21,2% de todas as emergências atendidas pela empresa
(CETESB, 2018).

Tabela 4 – Registro de acidentes por munícipios – maio de 2008 até maio de 2018

Cidade Acidentes Cidade Acidentes

São Paulo 825 Ribeirão Preto 32


Santos 160 São José do Rio Preto 32
Guarulhos 124 Sorocaba 32
Cajati 104 Santo André 30
Miracatu 93 Araraquara 28
Cubatão 76 Juquiá 27
São Bernardo do Campo 73 São Vicente 27
Barra do Turvo 62 Diadema 25
Osasco 51 Sumaré 24
Campinas 49 Barretos 23
Jundiaí 48 Americana 22
Guarujá 45 Mairiporã 22
Limeira 43 Barueri 21
São Sebastião 38 Caraguatatuba 21
Itaquaquecetuba 33 São Carlos 21
Paulínia 33 Registro 21
Cotia 32 Itu 20

Subtotal 1889 428

Total 2317
Fonte: Adaptado de Cetesb (2018).

Ao comparar-se a Tabela 4 com a Tabela 5, sob o ponto de vista de


implicações na RMSP, Guarulhos, Santos e São Bernardo do Campo
representam situações geralmente mais complexas. Essas ocorrências em
áreas intensamente ocupadas e, em grande parte, pavimentadas, permitem
330

a vazão de produtos líquidos (35,14% dos acidentes) por vastas áreas, como
também acarretam morosidade do trânsito. Além disso, apresentam alguns
perigos inerentes aos produtos frequentemente entregues nessas regiões,
como, por exemplo, amônia e cloro, substâncias reconhecidamente tóxicas;
gás de petróleo liquefeito (GPL) e gasolina, ambos inflamáveis; e oxigênio
(substância oxidante) para milhares de hospitais e clínicas; todos circulando
diuturnamente no mesmo espaço físico onde moram ou trabalham milhões
de pessoas (TEIXEIRA, 2005).

Tabela 5 – Classe de risco de produtos em circulação maio de 2008 a maio de 2018


Valor
Classe de risco
(%)
Líquidos inflamáveis 35,14
Não classificado 23,76
Não identificada 12,39
Substâncias corrosivas 9,86
Gases inflamáveis 5,42
Substâncias e artigos perigosos diversos 4,57
Gases tóxicos 2,22
Substâncias oxidantes 2,06
Substâncias tóxicas 1,45
Gases não inflamáveis e não tóxicos 1,19
Sólidos inflamáveis, substâncias autorreagentes e explosivos sólidos 0,92
insensibilizados
Substâncias sujeitas à combustão espontânea 0,31
Peróxidos orgânicos 0,22
Substâncias e artigos com risco de explosão em massa 0,22
Substâncias que em contato com a água emitem gases inflamáveis 0,15
Substâncias infectantes 0,09
Materiais radioativos 0,02
Fonte: Cetesb (2018).

O uso do solo adjacente às faixas de rolagem de ruas e avenidas,


usual nas áreas urbanas, acresce a gravidade dos acidentes de forma
considerável, destacando-se que esses fatos, combinados às dificuldades de
deslocamento em determinados horários e, por conseguinte, as
possibilidades de restringir ou impossibilitar as ações de contenção, podem
contribuir, de maneira significativa, para a exposição da população aos
Saneamento e o Ambiente - 331

riscos inerentes aos produtos perigosos transportados, corroborando com a


posição de Reniers e Dullaert (2012). Esses acidentes atraem a atenção da
população para os possíveis riscos ao meio ambiente e à saúde,
especialmente em relação aos riscos de classe 3 – líquidos inflamáveis, em
razão do elevado percentual (35,14%) de emergências atendidas.
Apesar da redução dos acidentes nos últimos dez anos, como
apresentado na Figura 1, o transporte de produtos perigosos carece de
adequações para que possa ocorrer de forma segura.
O transporte de produtos perigosos deve ser fiscalizado e controlado
pelos órgãos responsáveis. Porém, a falta de preparo dos agentes
envolvidos tanto na circulação dessas substâncias no país como para o
atendimento em caso de acidente, potencializam os riscos associados a
essas substâncias tão importantes para economia do Brasil.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O transporte de produtos perigosos não pode ser tratado como meio


de transporte normal de uma mercadoria qualquer quando se avaliam seus
potenciais impactos, ressaltando-se que todos os envolvidos na cadeia
produtiva têm sua parcela de responsabilidade e, consequentemente,
responsabilidade solidária com as ações do condutor, quando da ocorrência
de acidentes.
Observou-se que cada uma das classes de risco e suas respectivas
subclasses representam um risco específico quando não há contenção do
produto em caso de acidentes, destacando-se os produtos da classe 3.
Efetivamente, não há uma substância que seja totalmente segura e que não
apresente nenhum tipo de implicação quando de seu transporte, seja de
impacto ambiental, pessoal ou econômico, especialmente em se tratando
de uma região intensamente povoada como a RMSP.
Isso se torna mais complicado de se prevenir quando os produtos
com maior frequência nas ocorrências são os líquidos inflamáveis, da classe
de risco 3 (35,14% conforme mostrado na Tabela 5). A gravidade dos
vazamentos no transporte de produtos perigosos a granel, em geral, é
sempre maior pelos grandes volumes transportados individualmente, seja
332

em um único recipiente ou em um veículo, comumente no estado gasoso, o


que faz com que as ações emergenciais de contenção sejam complexas.
Os impactos ambientais gerados em consequência de substâncias
químicas são difíceis de remediar e nem sempre é possível restaurar o meio
contaminado, o que torna as ações de recuperação morosas e onerosas ao
ocasionador do dano. Esse fato suscita a percepção do cliente em relação às
dificuldades dos modais de transporte e ações para uma imediata contenção
dos prováveis acidentes, agindo como alerta sobre os danos pessoais,
patrimoniais e ambientais das atividades de transporte que poderão causar
(VICENTE, 2002).
Assim, é necessário que mais recursos sejam investidos para a
manutenção das estradas brasileiras, uma vez que esse tipo de modal é o
mais utilizado para o transporte no país, assim como investimentos em
treinamento e capacitação dos responsáveis pelo transporte de produtos
perigosos, uma vez que a maioria dos acidentes foi causada por falha
humana (falta de atenção [27,4%]) e imprudência dos condutores
(velocidade incompatível [12,8%]).
Apesar de existirem políticas públicas no Brasil para regular o
transporte de produtos perigosos por estrada e para a proteção do meio
ambiente, mecanismos que permitam o gerenciamento de riscos com base
em ferramentas aplicáveis e diagnóstico rápido devem ser desenvolvidos
para facilitar a tomada de decisões. Tais ferramentas aplicam-se a diversos
setores, entre os quais podem ser citadas empresas gestoras de rodovias,
seguradoras, empresas de transporte, órgãos de fiscalização e inspeção
(MACHADO et al., 2018).
Nesse contexto, Mabrouk et al. (2017) propuseram o uso de
ferramentas para geogovernança de redes de transporte de produtos
perigosos em ambientes urbanos, que integram um sistema de informações
geográficas (Geographic Information System – GIS). O sistema
disponibilizaria dados geográficos e descritivos, como população, sistema de
abastecimento de água potável, instalações urbanas de saúde, transporte,
distribuição de energia e infraestrutura de matérias-primas, possibilitando
planejar o encaminhamento do transporte de produtos perigosos em um
ambiente urbano.
Saneamento e o Ambiente - 333

Outra abordagem foi sugerida por Van Raemdonck et al. (2013), que
é calcular o risco de um incidente: (1) cálculo da probabilidade geral da
ocorrência de um acidente com base em dados de acidentes internacionais
de transporte de produtos perigosos – base para o mapa de risco global e
(2) cálculo da probabilidade local de ocorrência de um acidente com base
em dados de acidentes e parâmetros de infraestrutura do transporte na
região investigada – base para o mapa de risco local. A relação entre os dois
cálculos resulta em um parâmetro da localidade, que representa as
circunstâncias específicas locais que podem levar a um acidente. O quadro
de avaliação permite estimar os riscos do transporte de produtos perigosos
ao longo de uma rota específica para o transporte por qualquer meio, seja
rodoviário, ferroviário, fluvial e até gasoduto.
Na mesma linha, Cordeiro et al. (2016) propuseram também a
aplicação de ferramentas para a elaboração de um mapa de risco ambiental,
pois é uma ferramenta operacionalmente adequada e capaz de simular de
perto a situação real, tornando-o um instrumento relevante para a tomada
de decisões e gestão de risco.
Maslac et al. (2017) sugeriram que as empresas invistam na formação
preventiva de seus motoristas, melhorando o conhecimento dos
condutores, incluindo a educação dos condutores sobre comportamentos
de risco no tráfego e organizar treinamentos de direção seguros. Tal
abordagem resultaria na diminuição de comportamentos arriscados desse
grupo específico de motoristas.
Portanto, espera-se que este texto estimule o interesse de
pesquisadores para o desenvolvimento de estudos pertinentes ao
transporte de forma que possam cooperar para o diagnóstico,
monitoramento e prevenção de acidentes com produtos perigosos. Dessa
forma contribuirão também na superação dos desafios relativos ao
transporte de produtos perigosos enfrentados na gestão das cidades, cada
vez mais presentes no cotidiano das pessoas.
Os municípios desempenham um papel importante no
desenvolvimento de sociedades sustentáveis, particularmente por meio dos
contratos públicos. Nessa área, os governos municipais podem ter um
impacto significativo no meio ambiente, colocando demandas conscientes
do meio ambiente nos produtos e serviços adquiridos. Ao mesmo tempo, os
334

municípios são os principais responsáveis pela redução da fonte de emissões


de CO2 que mais cresce nas áreas urbanas: o transporte rodoviário
(BJORKLUND; GUSTAFSSON, 2015).

REFERÊNCIAS

ABIQUIM – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DA INDÚSTRIA QUÍMICA. A indústria química. São Paulo:


ABIQUIM, 2012. Disponível em: <https://abiquim.org.br/industriaQuimica>. Acesso em: 24
jul. 2018.
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química em 2017. São Paulo: ABIQUIM, 2017. Disponível em:
<https://abiquim.org.br/uploads/guias_estudos/desempenho_industria_quimica_2017.pdf
>. Acesso em: 5 jun. 2018.
ABNT – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 7500: Identificação para o
transporte terrestre, manuseio, movimentação e armazenamento de produtos perigosos.
Rio de Janeiro: ABNT, 2015.
ABNT – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. ABNT Catálogo. 2018. Disponível em:
<http://www.abntcatalogo.com.br/>. Acesso em: 5 jun. 2018.
ANTT – AGÊNCIA NACIONAL DE TRANSPORTES TERRESTRES. Resolução 701, de 25 de agosto de
2004. Brasília, DF, 2004b. Disponível em:
<http://portal.antt.gov.br/index.php/content/view/1701/Resolucao_701.html>. Acesso
em: 12 jun. 2018.
ANTT – AGÊNCIA NACIONAL DE TRANSPORTES TERRESTRES. Resolução 420, de 12 de fevereiro
de 2004. Brasília, DF, 2004a. Disponível em:
<http://portal.antt.gov.br/index.php/content/view/1420/Resolucao_n__420.html>. Acesso
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BJORKLUND, M.; GUSTAFSSON, S. Toward sustainability with the coordinated freight
distribution of municipal goods. Journal of Cleaner Production, v. 98, p. 194-204, 2015.
Disponível em: <https://doi.org/10.1016/j.jclepro.2014.10.043>. Acesso em: 25 jun. 2018.
BRASIL. Ministério da Justiça e Segurança Pública. Departamento de Polícia Rodoviária Federal
(MJSP/PF). Prestação de Contas Ordinária Anual – Relatório de Gestão do Exercício de
2016. Brasília: MJSP/PF, 2017. Disponível em:
<http://www.justica.gov.br/Acesso/auditorias/arquivos_auditoria/policia-rodoviaria-
federal/sede-e-superintendencias-consolidados/prf-2016-relatoriogestao-p-1.pdf>. Acesso
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