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Antonio Spinola Portugal e o Futuro
Antonio Spinola Portugal e o Futuro
Vivemos uma época por demais conturbada para que antes de se dar
a público um livro de doutrina não se medite muito profundamente,
tentando prever em que medida a resposta à voz da consciência
encontra na sociedade o eco esclarecedor que se procura ou, pelo
contrário, mais contribui para aumentar a confusão. Esta mesma
interrogação se nos deparou; e ao decidirmos publicar este livro,
ponderámos maduramente as questões suscitadas pelos problemas que
tivemos de enfrentar ao longo de um mandato de governação de uma
província ultramarina. Seria por certo muito mais cómodo, por mais
conforme ao habitual, optar pelo silêncio, mas a isso se sobrepôs a
obrigação moral de trazer a debate ideais que estiveram na base de
soluções postas em prática com -inegável êxito.
Portugal vive hoje, sem dúvida, uma das horas mais graves, senão
a mais grave, da sua História, pois nunca as perspectivas se
apresentaram tão nebulosas como as que se deparam à geração actual.
E não se julga necessário fundamentar esta afirmação em análise
histórica mais detalhada do que aquela que nestas páginas
apresentamos; pois nas crises do passado, atentas a situação mundial
e as características demo-económicas das épocas em que se
projectaram, jamais a essência da Nação, a segurança física e o
bem-estar material e social de tantos dos seus cidadãos estiveram em
tão grave risco como o estão no presente. As crises passadas foram,
essencialmente, crises de independência política que comprometeram,
é certo, o Estado Português na sua estrutura de poderes, sem que
todavia estes deixassem de ser exer- cidos sob tendências coevas. Os
grupos de pressão, quando surgiam, não se apoiavam na consciência
cação dos recursos surge assim como denominador comum dos requisitos
essenciais de um Estado - a sua subsistência e prosperidade. E neste
quadro geral tudo o mais são aspectos marginais. Com efeito, ou o
Estado procura subsistir em clima de prosperidade assimétrica em
favor de minorias, e então é a sua ordem interna que acaba por se
desagregar, determinando o perecimento desse Estado; ou o Estado
procura subsistir em clima de prosperidade equilibrada e justamente
repartida, e então haverá que evitar a descapitalização dos recursos
-morais, humanos, técnicos e materiaisassegurando-lhes a
multiplicação imposta pelas necessidades crescentes; ou o Estado
subestima estes imperativos prosseguindo outros fins em obediência a
critérios preconceituais destituídos de substrato realista - e então
o seu desaparecimento pela via da integração na esfera de
dependência de outro ou de outros Estados será um facto apenas
dependente de prazo.
E como não pode esperar-se que a opinião geral tenha uma clara
noção das proporções, não deve exigir-se que a massa apenas deseje
ter o que é possível, pois sempre desejará possuir o que vê
possuirem as sociedades paralelas. Quanto mais forte for a
intervenção dos poderes paternalistas na vida social e por mais
claras que sejam as explicações dadas, mais se enraizará na massa a
tendência para culpar o poder dessa insatisfação. E neste clima
emocional a contestação generaliza-se a todos os sectores, começando
a adquirir proporções inquietantes, mesmo no seio das organizações
em que a disciplina mais se enraizou: a Igreja e a Instituição
Militar.
É que a obediência de outrora, o respeito pela autoridade que se
aplaudia, a identificação incondicional do governante com o chefe,
tudo isso cedeu lugar à noção de que mandar é servir a comunidade;
Como pode então terminar uma guerra deste tipo? Por outras
palavras, em que se consubstancia- ria uma vitória militar das
forças da ordem numa guerra subversiva? Analisemos em tese, as
diferentes possibilidades.
apresenta como solução para a crise que vivemos. Solução que implica
a aceitação de três. princípios.
a crise explica-se por si, pois as soluções que têm sido procuradas
situam-se rio quadro de um modelo económico que cada vez menos
traduz as tendências evolutivas do mundo actual. Será mesmo legítimo
duvidar-se de que, na estrita confinação a esse quadro, seja algum
dia possível reencontrar a estabilidade monetária enquanto ela
depender de políticas particulares divergentes por força da
estrutura geral em que se desenvolvem. E os movimentos para o
estabelecimento de políticas coordenadas, com o esforço de
integração de espaços económicos e as tentativas do estabelecimento
de autoridades económicas supra-nacionais, são prova bem evidente de
que já se vai reconhecendo o facto de a desorientação monetária não
ser um sintoma de desregramento à escala mundial, mas o preço que se
paga pelos nacionalismos mais ou menos exacerbados.
Por tudo isto nos parece haver razões profundas para a crise que
o mundo atravessa e que, evidentemente, se reflecte nos problemas do
nosso País. Mas, como é nesse mundo que temos de viver, não cremos
tra uma organização que se desviou dos princípios que lhe estiveram
na origem, ou se, pelo contrário, deveremos envidar todos os nossos
modestos esforços no sentido da sua reconversão, em atitude
construtiva que nos granjeie respeito, prestígio e aceitação.
Portugal não detém o monopólio da clarividência, da razão, da
justiça e da visão histórica; é esta uma verdade que não poderá
esquecer quem acredita nos ideais que presidiram à Carta das Nações
Unidas e tem a intenção honesta de, quanto possível, se aproximar
deles. Parece assim não ser prudente alicerçarmos a procura das
soluções para o problema nacional na vituperação de um organismo
mundial de cujo descrédito, bem vistas as coisas, talvez Portugal
esteja a beneficiar.
Fora da integração numa Europa que nos poderá aceitar desde que
sejamos eminentemente europeus, seria na ligação mais íntima com a
Espanha, no apoio limítrofe da África Austral, na Aliança Atlântica
ou no culto da Comunidade Luso-Brasileira que poderíamos encontrar
alternativas para o isolamento internacional a que fomos votados.
Resta uma terceira opção - uma linha política que pelo peso da
razão fosse susceptível de suporte por qualquer dos blocos ou pelo
menos por um deles, sem compromisso dos seus interesses, posições e
princípios, procurando estabelecer entre esses blocos uma disputa
pela aliança, em vez de os concitar a uma convergência na
hostilidade.
ficativo, certo passo de uma das alocuções deste último aos quadros
do seu partido, na qual fez a apologia da língua portuguesa como
sendo muito do que nos devem os africanos, e afirmou ao mesmo tempo
serem superiores os técnicos formados nas escolas portuguesas aos
que, ao abrigo dos programas de apoio ao seu partido, foram formados
nas escolas soviéticas e chinesas.
Eis as razões por que entendemos que está em nossas mãos a chave
de uma saída portuguesa para a conjuntura que consentimos; e ao
afirmá-lo pretendemos significar que, sem embargo de não
controlarmos todos os factores da situação, dependem das nossas
decisões factores suficientes para inverterem a fisionomia da
conjuntura actual.
Mas, ainda que todos estes riscos fossem bem mais gravosos, qual
a alternativa? Decididamente não vemos outra, pois, pela via mal
disfarçada da hegemonia de uma parcela, apenas nos espera a
desagregação pela via revolucionária com o auxílio externo, a maior
ou menor prazo, com a certeza dos riscos que agora se pretendem
evitar: corte de todos os laços com a cultura lusíada, ruína dos que
ali construíram as suas vidas, inutilidade de tantos e tão pesados
sacrifícios de vidas e bens.
Com riscos ou sem riscos, não vemos, porém, outra via para a
salvação do País que, de outro modo, caminhará para a desagregação
por amputação, uma a uma, das suas parcelas africanas.
CONCLUINDO
- Fim -