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EDITORIAL PERFIL
3 A luta não para 22 A ministra do diálogo
4 VOZ DO LEITOR RAIO-X DA SAÚDE
28 O SUS na UTI
5 SÚMULA 31 Radiografia do desmonte
SAÚDE INDÍGENA 34 SERVIÇO
10 SOS Yanomami
PÓS-TUDO
CAPA | ENTREVISTA NÍSIA TRINDADE 35 Um guerreiro da mudança radical
14 Uma mulher à frente do SUS
A LUTA
NÃO PARA
FOTO: WALTERSON ROSA/MINISTÉRIO DA SAÚDE.
O
ano começou com um belíssimo e solar domingo, abordados estão a volta do papel articulador do Ministério da
trazendo a esperança de um governo eleito com a Saúde junto aos estados, municípios e o controle social do
promessa de nos restituir um ambiente democrático SUS, a retomada das altas taxas de vacinação, a prioridade à
e reconstruir e implementar políticas públicas inclusivas. emergência sanitária e humanitária entre o povo Yanomami,
Criado no cerne da ascensão do movimento sanitário ações interministeriais para lidar com a determinação so-
que defendeu a indissociabilidade de saúde e democracia cioambiental da saúde, o envolvimento e o compromisso
nos anos 1980, o Programa Radis se identifica com esse do ministério nos debates das conferências de saúde que
espírito. Constituído desde sempre por um pensamento ocorrem este ano.
e um jornalismo crítico, vai estar vigilante em relação aos As respostas de Nísia não são óbvias. Há sempre uma
rumos das políticas públicas e espera contribuir com muita reflexão a mais, um aspecto a destacar dentro de um cenário
escuta à sociedade e muito debate, para que, mais do que complexo, uma delicadeza, uma empatia e um compromisso
reconstrução, encontremos o caminho de construções mais ao pensar nos setores mais vulnerabilizados ou invisibilizados
ite do justas, abrangentes e equitativas. da sociedade. Vale a pena conferir.
ertura No domingo seguinte àquela posse democrática, o país Há um assunto importante a comentar com você, leitor.
do das assistiu em Brasília ao grotesco estrebuchar de uma horda Em todos os meses do último ano, cada nova edição da Radis
movida por ímpeto antidemocrático e violento, saudosa da foi disponibilizada em nosso site, divulgada em nossas redes
ditadura militar de 1964, de uma ignorância e um desrespeito sociais e teve o seu link enviado a todos os assinantes que
vergonhosos em relação à República, bradando histerica- têm e-mails cadastrados. Porém, como explicado aos leitores
mente, espumando ódio e quebrando tudo que aparecia à que nos procuravam, fomos surpreendidos por uma sucessão
sua frente, em um ato terrorista voltado a criar um ambiente de problemas para manter em dia a impressão das revistas,
que permitisse um novo golpe de Estado. a começar pelo fechamento da gráfica que nos atendia e
Leal à luta pelas liberdades democráticas e contra a pela demora e finalmente a impossibilidade de poder habi-
sangrenta ditadura militar e as desigualdades que ela apro- litar as empresas subsequentes na licitação então vigente e
fundou, Radis aguarda a responsabilização exemplar dos retomar as impressões. No segundo semestre, o obstáculo
golpistas e seus apoiadores, repudia a escalada de violência foi conseguir que as edições novas e as anteriores fossem
e desrespeito à vida que se ampliou no país nos últimos anos impressas cumulativamente e em tempo hábil, por meio de
e reafirma seu compromisso de tomar partido do SUS, dos um contrato temporário.
direitos humanos, do aprofundamento da democracia par- Tudo isso produziu uma situação inédita após 20 anos de
ticipativa e contra as estruturas de classe, coloniais, racistas rigorosa periodicidade no envio da Radis aos assinantes, frus-
e patriarcais que exploram, discriminam, oprimem, excluem trando tanto os leitores que gostam de receber e folhear cada
e violentam o outro. edição impressa, quanto a todos nós que trabalhamos muito
Voltando ao tema da esperança e reconstrução, traze- na busca de fazer chegar a 125 mil pessoas e instituições um
mos com grande alegria em matéria de capa uma entrevista jornalismo sério, sempre em defesa do SUS e dos direitos da
exclusiva com a ministra da Saúde, Nísia Trindade, primeira cidadania. Vamos superar esses problemas. A saúde e o SUS
mulher a ocupar esse cargo e comprometida com a saúde precisam da visão crítica e da participação cidadã de nossos
coletiva, a ciência e o fortalecimento do SUS. Entre os temas leitores. A luta por saúde para todos continua!
SUA OPINIÃO
Para assinar, sugerir pautas e enviar a sua opinião, acesse um dos canais abaixo
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EXPEDIENTE
SUS NECESSÁRIO E POSSÍVEL
Matéria super-oportuna sobre questões de é uma publicação
impressa e digital da Fun-
grande relevância! Parabéns! dação Oswaldo Cruz, edita-
Feizi Milani, via Instagram da pelo Programa Radis de
Comunicação e Saúde, da
Escola Nacional de Saúde
Investimentos em saúde são urgentes. Vamos Pública Sergio Arouca.
começar a exigir isso também?
Débora Cassilhas, via Instagram FIOCRUZ
Mario Moreira
INSPIRAÇÃO Presidente
Amo suas revistas! Uma faxineira que lê de ENSP
tudo. Leio Radis na casa da patroa e hoje faço Marco Menezes
Direito no 4º semestre. Radis, você é minha Diretor
inspiração! Tenho muitas. Já até compartilhei PROGRAMA RADIS
com colegas, amigos e vizinhos. Obrigada a Rogério Lannes Rocha
todos os colaboradores que fazem a nossa Coordenador e editor-chefe
Justa Helena Franco
leitura cultural de conhecimento e saber. Meu Subcoordenadora
muito obrigada!
REDAÇÃO
Jacira Manu, Rio Grande (RS)
Luiz Felipe Stevanim
Editor
R: Olá, Jacira! Ficamos muito felizes com seu
RECONSTRUÇÃO DEMOCRÁTICA comentário. Você que é nossa inspiração! Bruno Dominguez
Subeditor
Capa maravilhosa!
Shana Emanuelle, via Instagram Reportagem
Adriano De Lavor,
Ana Cláudia Peres,
Liseane Morosini,
JOAQUIM VENÂNCIO Glauber Tiburtino,
Quando estudei na Escola Politécnica Licia Oliveira;
Luíza Zauza e
(1997-2000), perguntava por ele Fernanda Mendes
e pouco se sabia. Achei primoroso (estágio supervisionado)
esse resgate da memória do fabuloso
Arte
Joaquim Venâncio. Felipe Plauska
Anderson Machado, Rio de Janeiro
Documentação
Eduardo de Oliveira
Conto a história de Joaquim
(arte e fotografia)
Venâncio para todos as/os alunas/
alunos do Provoc que tenho orien- Administração
tado. Parabéns à Radis e ao repórter Fábio Lucas
Flávia Vianna Papacena
Glauber Tiburtino! Ingridi Maia da Silva
Maria Conceição Messias, via Instagram
A democracia resiste
O Palácio do Planalto, o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF)
foram invadidos e vandalizados em 8 de janeiro, deixando um rastro
inédito de destruição em Brasília. O atentado que chocou o país ocorreu uma
semana após a posse do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. Imagens
que circularam pelo mundo mostraram a depredação do patrimônio público
feita por vândalos, apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro. O prejuízo
pode chegar a R$ 7 milhões, apontou a Folha de S.Paulo.
Logo depois dos ataques, o presidente Lula pediu união de todos pela
democracia. No dia seguinte, montou um gabinete de crise e decretou a
intervenção federal na segurança pública do Distrito Federal (até 31/1).
Em reunião com todos os governadores e autoridades, os presidentes da
Câmara dos Deputados e do Senado e os ministros do Supremo Tribunal
Federal (STF), o presidente Lula declarou que o “país não vai permitir que a
democracia escape das mãos”. Numa imagem simbólica e histórica, após
a reunião, todos caminharam de mãos dadas do Palácio do Planalto até
o STF. Investigações estão em curso para buscar os responsáveis diretos e
indiretos pelo ataque, e para reparar as perdas.
Ataque à cultura
O bras de arte, móveis e monumentos foram saqueados, depre-
dados e danificados, enquanto cômodos e espaços externos
da Esplanada foram destruídos e quebrados. No Planalto, um painel
do pintor Di Cavalcanti (1897-1976), que estava no Palácio desde a
inauguração de Brasília, em 1960, foi furado com facadas.
Revogaço na Saúde
A inda na primeira quinzena de governo, o Ministério
da Saúde revogou seis portarias publicadas na
gestão anterior contrárias às diretrizes do Sistema
Único de Saúde. De acordo com a pasta, todas as
ações anuladas não haviam sido pactuadas com o
Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e o
Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde
(Conasems), prejudicando a transparência e o diálogo
entre os entes que compõem o SUS. O “revogaço” foi
uma das recomendações do relatório do Grupo Técnico
(GT) da Saúde [saiba mais na pág. X].
Em 2020: a pandemia.
DIVULGAÇÃO
Vacina contra HIV da
Janssen é segura,
mas ineficaz
O estudo Mosaico realizado pela Janssen foi encer-
rado após conclusão dos testes na fase 3 de que a
vacina é segura, mas não consegue prevenir a infecção
pelo vírus HIV. Ao todo foram 3.900 voluntários, entre
homens cisgêneros e pessoas trans com idades entre 18
e 60 anos. Os testes foram realizados em nove países,
entre 2019 e 2022. O Brasil também participou.
A vacina continha um mosaico de componentes
que deveriam atingir vários subtipos diferentes de HIV “A ciência
está de volta”
presentes no mundo todo. No entanto, a resposta imu-
ne não conseguiu incluir quantidades significativas dos
chamados anticorpos neutralizantes. Os resultados da
pesquisa demonstram que a busca por um imunizante De Ricardo Galvão, físico brasileiro, novo presidente
eficaz contra o HIV ainda é muito complexa, já que do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico
o vírus sofre mutações de forma rápida e escapa do e Tecnológico (CNPq). Presidente do Instituto Nacional
sistema imune. Um ano antes, a Janssen também não de Pesquisas Espaciais (Inpe) entre 2016 e 2019, Galvão
havia conseguido sucesso em outro estudo realizado foi demitido durante o governo Bolsonaro ao alertar
com jovens mulheres na África subsaariana. sobre o aumento do desmatamento na Amazônia.
Cultura do
contramão do movimento de revogações e reestruturações que o
governo Lula vem fazendo para devolver o país à normalidade demo-
estupro e
crática, resgatar o papel do Estado nas políticas sociais e garantir os
direitos humanos de todas as vidas que existem e importam no Brasil.”
o futebol
A constatação é da Associação Brasileira de Saúde Coletiva
(Abrasco), em nota (25/1) em que critica o decreto presidencial
11.392 de 20 de janeiro de 2020, que cria o Departamento de Apoio
DIVULGAÇÃO
por uma mulher de 23 anos que, em
vários depoimentos à Justiça, todos
sem contradições, forneceu detalhes
que desmentem a versão apresentada
pelo jogador. A agressão ocorreu no
banheiro de uma boate, em Barcelona,
na noite de 30 de dezembro de 2022,
e a vítima não quer indenização.
Comportamentos machistas que
predominam no mundo do futebol são
evidências de práticas naturalizadas
no cotidiano com a desculpa de que
se tratam apenas de “brincadeiras”.
“Os homens têm um pacto entre
eles de se proteger. Eles acham esse “O aparato estatal tem capacidade, não só
comportamento normal”, declarou a para entregar benefícios à população, como
comentarista Renata Mendonça, do para entregar uma cultura de solidariedade,
SportTV, à jornalista Natuza Nery no
uma cultura do comum. Quando a pessoa vai
podcast O Assunto, do G1 (27/1).
O futebol, muitas vezes, é o passa- se vacinar, quando a pessoa vai numa unidade
porte de ascensão social mais sonhado de saúde, quando a pessoa vai numa escola, ou
por crianças e jovens que almejam viver seja, em qualquer interação com os serviços
da bola e mudar de vida. E não faltam
públicos, isso não pode ser entendido fora
exemplos de que o esporte de fato
cumpre esse papel. Mas os benefícios de um projeto político. Temos que repolitizar
concedidos pela indústria de uma a sociedade, disputar valores, afirmar a
das maiores paixões nacionais não ideia da solidariedade, da emancipação, da
podem servir de salvo-conduto para
a manutenção da cultura do estupro.
distribuição, da equidade, para que essas
Isso precisa acabar. Um agressor deve ideias ganhem força.”
ser punido, independentemente de seu De Sonia Fleury, doutora em Ciência Política e especialista
mérito esportivo e lugar social. As víti- em Medicina Social, em entrevista ao Centro de Estudos
mas clamam por justiça e a sociedade Estratégicos (CEE) da Fiocruz, em 17/1. Disponível em https://
deve se juntar a elas. bit.ly/3wNuQ4B.
“O
que fazem os brancos com todo esse ouro? consequências da xawara, uma perturbação na floresta
Por acaso, eles o comem?” A indagação do que é sentida espiritualmente pelos indígenas, mas que
xamã yanomami Davi Kopenawa foi proferida tem um causa muito precisa: a presença ilegal de garim-
em 1990, durante o Tribunal permanente dos povos sobre a peiros na Terra Yanomami. Segundo relatório elaborado
Amazônia Brasileira, e já era um alerta para os impactos do pelo gabinete de transição governamental, o garimpo
garimpo ilegal sobre a vida do povo Yanomami, que vive na ilegal avançou 46% na região, em 2021; somente em
maior reserva indígena do país. Essas palavras do líder espiritu- 2022, foram registrados 11.530 casos de malária. O
al — que lembram uma profecia — fazem sentido diante da Ministério da Saúde decretou Emergência em Saúde
crise sanitária que levou à morte de 570 crianças yanomami Pública de Importância Nacional, em 20 de janeiro, diante
entre 2019 e 2022, em consequência de desnutrição e doen- do quadro de desassistência sofrido por este povo. No dia
ças como pneumonia e malária — um cenário desolador que seguinte, o presidente Lula visitou Roraima, juntamente
chocou a opinião pública nacional e internacional, causado com as ministras dos Povos Originários, Sonia Guajajara,
pelo avanço de garimpeiros sobre o território sagrado deste e da Saúde, Nísia Trindade.
povo, com a possível omissão e até mesmo o incentivo do Quando as primeiras equipes do Ministério da Saúde
governo do ex-presidente Jair Bolsonaro. chegaram à Terra Indígena (TI) Yanomami, identificaram
Em seu livro A queda do Céu: Palavras de um Xamã crianças e idosos em estado grave de saúde, com desnu-
Yanomami, escrito com o antropólogo Bruce Albert, trição avançada, malária, infecção respiratória aguda e
Kopenawa explica que, na crença do povo Yanomami, os outros agravos. Técnicos e profissionais da força-tarefa
minérios foram enterrados no subsolo por Omama, o ser da relataram casos de mulheres que pesavam apenas 27
Criação, para que não contaminassem os humanos. A sede quilos amamentando e a preocupação com o surgimento
de lucro e de mercadorias dos “brancos”, em busca de ouro dos primeiros casos de tuberculose entre os atendidos na
e outros metais, fez com que a “fumaça da epidemia xawara” Casa de Apoio à Saúde Indígena (Casai), em Boa Vista,
se espalhasse sobre a Terra e atingisse o povo da floresta, onde estão recebendo tratamento cerca de 700 pessoas
narra o líder espiritual. “O que chamamos de xawara são o — mais que o dobro da capacidade da unidade.
sarampo, a gripe, a malária, a tuberculose e todas as doenças Radis preparou um resumo crítico para entender o que
de brancos que nos matam para devorar nossa carne.” está acontecendo com os Yanomami e como essa crise
A crise sanitária vivida pelos Yanomami no início humanitária revela os impactos ambientais e sociais do
de 2023 lembra a narrativa de Kopenawa sobre as garimpo ilegal.
ANA CLÁUDIA PERES E LUIZ FELIPE STEVANIM. COLABORARAM ADRIANO DE LAVOR E ROGÉRIO LANNES
“O
que a vida quer da gente é coragem”. A frase confirmação, em uma tarde de sexta-feira, 10 de fevereiro.
inspiradora do escritor mineiro Guimarães O conteúdo não podia ser mais direto: “16h”. Sem tardar,
Rosa foi citada por Nísia Trindade na conclusão fomos encontrar Nísia na sede do MS no Rio de Janeiro,
do seu discurso de posse como ministra da Saúde, no dia 2 depois de um longo dia de compromissos — mas com um
de janeiro de 2023. Coragem e outro tanto de disposição sorriso gentil, o olhar sereno e a disposição para conversar
seriam indispensáveis para a jornada iniciada pela carioca durante mais de quarenta minutos.
de 65 anos, socióloga e presidente da Fiocruz nos últimos Na entrevista exclusiva à Radis, a ministra da Saúde
seis anos. Somente nos primeiros quarenta dias como ressaltou o compromisso em resgatar a ciência e a saúde
ministra, ela viajou a Roraima para constatar a grave crise coletiva como bases para a construção de políticas públi-
sanitária vivida pelo povo Yanomami; esteve nos Estados cas. Entre as ações prioritárias para os 100 primeiros dias
Unidos para a posse do novo presidente da Organização de governo, ela mencionou o lançamento do Movimento
Pan-americana da Saúde (Opas), o também brasileiro Jarbas Nacional pela Vacinação, como algo “mais amplo” que uma
Barbosa; e liderou as primeiras ações de reconstrução das campanha — com foco na recuperação das coberturas
políticas de saúde, incluindo o planejamento de estratégias vacinais que faziam o Brasil ser referência internacional até
para revitalizar o Programa Nacional de Imunizações (PNI) 2016. “Recuperar o papel de coordenação do Ministério
e retomar as altas coberturas vacinais. da Saúde é essencial”, disse.
Nísia é a primeira mulher à frente do Ministério da Saúde Servidora da Fiocruz desde 1987, Nísia é formada em
(MS). Desde o anúncio feito pelo presidente Lula, em 22 Ciências Sociais pela Universidade do Estado do Rio de
de dezembro, de que a então presidente da Fiocruz seria Janeiro (Uerj), com doutorado em Sociologia pelo antigo
a escolhida para comandar a pasta, Radis procurou uma Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj).
oportunidade para conversar com aquela que tem a missão Presidiu a Fiocruz de 2017 a 2022, inclusive no período de
de recuperar a autoridade sanitária do Ministério da Saúde, enfrentamento à pandemia de covid-19. Na conversa, ela
comprometida nos últimos anos. Só para se ter uma breve também falou sobre participação social, enfrentamento ao
dimensão do tamanho do desafio: desde 2016, houve uma racismo, reestruturação da área de Saúde Indígena diante
piora generalizada de indicadores e a perda da capacidade da emergência sanitária yanomami e definição de políticas
de coordenação e gestão do Sistema Único de Saúde (SUS), intersetoriais atentas aos chamados determinantes sociais e
como constata o relatório do Grupo Técnico (GT) da Saúde ambientais. Pontuou ainda que as condições de saúde têm
na transição, do qual Nísia fez parte. um impacto muito grande na agenda social e que é hora
Porém, diante da urgência de inúmeras agendas, a de construir alternativas que levem em conta a questão:
entrevista exclusiva com a nova ministra parecia cada “Como políticas de saúde podem impactar positivamente
vez menos provável. Até que recebemos a mensagem de as condições de vida?”
O que significa ser a primeira mulher à frente do Ministério E o que o fato de ser mulher representa para a agenda
da Saúde em um país ainda machista como o Brasil? institucional?
É um lugar muito desafiador. Seria para qualquer pessoa, ainda É interessante falar disso porque ao mesmo tempo que
mais no momento que estamos vivendo, com todo o processo de eu sei que é importante para as mulheres ocuparem essas
desconstrução das instituições. E mais do que isso: de destruição posições, se não tivermos políticas públicas efetivas tor-
do ânimo e da cultura. É um ataque que eu diria que não é só na-se um gesto, ainda que importantíssimo, insuficiente.
político — é mais profundo, pois atinge valores básicos, huma- Foi uma sensibilidade do presidente Lula, que escolheu
nistas, civilizatórios e até emancipatórios. E há uma dimensão assim, e ele falou muito antes de me fazer o convite que
internacional, porque vemos uma grande crise das instituições e queria uma mulher e alguém comprometido com o SUS,
da democracia. O fato de ser mulher, em um país tão machista e a luta contra a pandemia na liderança da Fiocruz foi o
como o nosso, reedita para mim, mas de uma forma muito mais terceiro elemento que o fez escolher o meu nome. Quantas
ampla, o que vivi ao me candidatar à presidência da Fiocruz. Eu vezes ouvi as pessoas me perguntarem: Quem vai ser “o”
via muitas vezes pessoas que apostam também em um caminho Secretário Executivo? Poderia ser “a” Secretária. Isso é
Uma das 10 medidas prioritárias para reconstruir a saú- uma das coisas que mais me deixou satisfeita, ter conseguido
de, segundo o GT de Transição, é resgatar a autoridade não só as medidas, mas o acordo para isso.
sanitária e técnica do Ministério da Saúde (MS), compro-
metida no último governo. Como pretende “resgatar essa Desde 2016 observamos uma queda acentuada nas
autoridade” e melhorar a relação do MS com estados e coberturas vacinais, o que foi ainda mais agravado na
municípios? pandemia. Além do movimento anunciado, que medidas
Essa foi uma tônica da transição. Procurei desde o início pôr em estão sendo planejadas para reverter esse quadro e o
prática isso como visão e pactuação. Não só recebendo e indo à Brasil voltar a ser referência em imunização?
reunião tripartite, com as representações do Conass [Conselho O que nós temos procurado fazer: primeiro, dar estabilidade
Nacional de Secretários de Saúde] e Conasems [Conselho à própria oferta de vacinas. Nós não tínhamos, no momento
Nacional de Secretarias Municipais de Saúde], mas também de assumir o governo, dados transparentes sobre a situação
fazendo muitos diálogos diretos, indo ao Conselho Nacional dos estoques. Mais do isso: eles estavam sob sigilo, que é
de Saúde (CNS), recebendo governadores e parlamentares. uma coisa fora de propósito. O que fizemos de imediato foi
Recuperar o papel de coordenação do Ministério da Saúde é recompor todos os estoques para replanejar as ações. Ao
essencial. Procuramos fazer isso deixando as primeiras ações lado disso, vamos iniciar várias campanhas (no plural), para
de governo pactuadas, mostrando já de início o que seria essa cada momento, para cada vacina, mas dentro dessa visão de
condução. Todo o Movimento Nacional pela Vacinação, que um movimento nacional. E estabelecemos um grupo com o
não estamos chamando de campanha, porque é algo mais Ministério da Educação para que essa ação não seja restrita ao
amplo que isso, foi pactuado na última tripartite, em janeiro. Da Ministério da Saúde. Que se possa ter, para ampliar a cobertura
mesma forma, o programa para a redução de filas de cirurgias vacinal das crianças e adolescentes, a vacinação nas escolas,
eletivas e exames também foi pactuado, não só do ponto de sem com isso descuidar da rotina. As vacinas para a covid-19
vista formal, mas também no sentido de reconhecer a grande para crianças e adolescentes, na medida que a gente vai con-
FOTO: JULIA PRADO/MINISTÉRIO DA SAÚDE.
diversidade do Brasil. Estabelecemos que isso será feito a partir seguindo repor os estoques, estão sendo distribuídas. Em 27
de planos pactuados nos estados. Quando a gente fala em de fevereiro, a gente vai dar a partida para esse movimento
recuperar o protagonismo, não é uma nova centralização. Mas nacional, mas muitas ações de vacinação devem ocorrer antes,
para o SUS funcionar, esse papel de coordenação nacional é por exemplo, no território yanomami, que foi também definido
fundamental. O MS precisa trabalhar com mais equidade: há como prioridade, não só pela situação em que se encontram,
estados que precisam de uma atenção especial; e [é preciso] mas porque tem havido um afluxo maior de pessoas, o que
promover uma solidariedade interfederativa. É nessa direção pode trazer alguns tipos de risco. É a ciência e a saúde coletiva
que a gente está buscando caminhar e nesse primeiro mês foi presidindo a visão de política pública.
polêmica na sociedade, mas acho que é também uma nada disso aqui com vocês. Aliás, nem sei o que estaria
oportunidade de falar de algo que não é dito: primeiro, falando ou fazendo porque não havia condições de fazer
que é obrigação do Ministério da Saúde cuidar da saúde nada — quase 60% do orçamento de todos esses pro-
integral de meninas e mulheres; é uma obrigação do MS gramas prioritários que mencionamos aqui haviam sido
protegê-las e garantir o aborto, nas condições em que cortados. A famosa PEC do Teto [de gastos] já se mostrou
ele é permitido legalmente no Brasil [quando a gravidez insustentável, né? Então, isso abre caminho para o debate
é resultante de estupro, quando há risco de vida para a e para mostrar a importância de um SUS fortalecido com
mulher e em casos de feto anencefálico, isto é, com má financiamento adequado. O que fizemos foi apenas a
formação cerebral]. Há algo que a sociedade não gosta recomposição com a garantia de orçamento para esses
muito de ouvir, mas infelizmente sabemos que é verdadei- programas. Já em relação à saúde mental, também teremos
ro: grande parte dessas violências acontecem na família, que fazer um grande debate na sociedade. É importante
na vizinhança, ou seja, no meio daqueles que deveriam reforçar a linha de cuidado, de como podemos fortalecer
proteger essas meninas e mulheres. Aí se diz: “É o Estado a saúde mental e voltar à concepção dos Caps [Centros de
FOTO: JULIA PRADO/MINISTÉRIO DA SAÚDE.
versus família”. Não, não é! A família deve proteger, como Atenção Psicossocial] com força. Nesse momento, estamos
a família deve vacinar crianças e adolescentes, mas é uma estruturando o que vai ser o trabalho da nova Secretaria
obrigação do Estado — no caso, do MS — cuidar das de Saúde Mental do MS.
crianças e adolescentes. Nossa política tem que ser a do
cuidado. Mas acho que temos que esclarecer sempre. São Ministra, a senhora é uma apaixonada confessa por lite-
questões muito difíceis de lidar, mas que são comprovadas ratura e queríamos perguntar o quanto a literatura lhe
por dados. inspira em momentos desafiadores? Tem conseguido ler
algo para além dos relatórios técnicos?
Qual a posição do MS em relação a dois pontos que vão [Risos] Tenho lido pouco literatura, mas ela é inspiradora
ser muito debatidos na 17ª CNS: saúde mental e a pre- mesmo, porque nos desloca, nos tira do lugar em que es-
sença das comunidades terapêuticas; e financiamento? tamos e nos faz pensar com mais liberdade. Mas para você
Em relação ao financiamento, minha visão é clara: de que ver como o tempo para a literatura diminuiu, já passei de
existe o desfinanciamento, como sempre falamos. Vamos romance para o conto e agora estou nos poemas [risos].
ter que superar essa situação e aumentar o financiamen- Ultimamente, tenho lido o mais recente livro de poesia
to público para a saúde, estabelecendo metas para isso. do Paulo Henriques Britto [Fim de Verão], que ganhei de
Acho que essa tem que ser uma discussão para este ano presente. São poemas lindos.
ainda. Agora, é importante dizer: temo que se a PEC da
Transição não tivesse sido aprovada, eu não estaria falando ■ LEIA O PERFIL DA NÍSIA NA PÁGINA 22
coordenadora da ONG carioca Redes da Maré passou um que a pesquisadora assume agora no Ministério da Saúde,
filme inteiro — a parceria entre elas havia começado logo uma pasta com orçamento insuficiente — segundo o GT
que Nísia assumiu a Fiocruz, em 2017, e Eliana a procurou da Transição, houve uma perda de 22,7 bilhões de reais
para pensarem juntas um plano de ação entre a instituição — e problemas tão diversos quanto a crise humanitária
e o Complexo da Maré, um dos maiores conjuntos de dos Yanomami e a reestruturação do Programa Nacional
favelas do Rio de Janeiro. de Imunizações (PNI). “Além do perfil técnico, Nísia tem
“Quando foi declarada a pandemia, a primeira pessoa um interesse genuíno pelo outro. Ela se afeta pela dor do
que busquei foi a Nísia”, recorda Eliana. Atordoada com outro”, resume Eliana. “E há muita beleza no modo como
as notícias alarmantes e desencontradas que davam conta ela atua, sem medir esforços para resolver as demandas
de um vírus que vinha da China e estava matando pessoas, que lhe chegam”.
ela pegou o telefone e ligou diretamente para a presidente Amigo de longa data de Nísia, o pesquisador Gilberto
da Fiocruz. “Na mesma hora, Nísia me chamou em seu Hochman enumera uma série de características já conhe-
gabinete e mobilizou uma equipe”. Começava ali um cidas do perfil de Nísia Trindade: intelectual respeitada,
projeto que envolvia desde pesquisas para observar como pesquisadora criativa, exímia conhecedora da saúde pública
o vírus se comportava no território até um programa de e dos problemas sociais do Brasil e dona de uma capaci-
testagem que só foi encerrado recentemente, em dezem- dade de liderança invejável. Mas há algo que não cabe
bro. “Chamamos de Conexão Saúde e foi um projeto tão no currículo: Ana, a filha de Gilberto, é afilhada de Nísia;
potente que, quando ganhou corpo, as pessoas finalmente ocorre que, contrariando o caminho natural, foi a própria
pararam de morrer por covid na Maré”. menina quem escolheu a madrinha. O episódio narrado à
Como desdobramento, surgiu o Vacina Maré. Em ape- Radis por Gilberto não chegou a provocar surpresa, mas diz
nas quatro dias, 36 mil pessoas foram vacinadas na região. muito sobre a atual ministra: “Ana ter escolhido Nísia para
“Foi uma ação exemplar”, diz Eliana, que define Nísia como esse papel significa reconhecer exatamente o cuidado, a
uma pessoa doce e séria, firme e comprometida, qualidades escuta e a atenção, traços tão marcantes na personalidade
que considera essenciais para um cargo público como o da Nísia quanto suas características intelectuais”.
Gilberto Hochman,
pesquisador da Casa de Oswaldo Cruz
durante seis anos. Nesse período, ela encarou muitos desafios. Diante da escalada no número de infectados, Nísia colocou
A começar pela eleição que lhe consagrou como a candidata em funcionamento um novo Centro Hospitalar no campus de
mais votada com 58,7% dos votos em primeira colocação, em Manguinhos e ainda o Observatório Covid-19, rede transdiscipli-
novembro de 2016 — apesar do resultado, pairava no ar a nar que realiza pesquisas e sistematiza dados epidemiológicos,
ameaça de que o então presidente Michel Temer desrespeitasse monitora e divulga informações, para subsidiar políticas públi-
o processo eleitoral e não a nomeasse para o cargo. Só depois cas no país. Sob o seu comando, a Fiocruz ainda aumentou
de dois dias em compasso de espera e muita apreensão por a capacidade nacional de produção de kits de diagnóstico e
parte da comunidade acadêmica e científica, Nísia foi nomea- processamento de resultados de testagens; e organizou ações
da a primeira mulher presidente da Fundação Oswaldo Cruz. emergenciais junto a populações vulneráveis — a exemplo do
Nas eleições para o segundo mandato, em 2020, foi reeleita que aconteceu no Complexo da Maré.
com a votação mais expressiva de toda a história da Fiocruz, “Foi extraordinário o papel de liderança exercido por ela e
91,6% dos votos. não apenas no sentido esperado pelo fato de ela ser a presiden-
À frente da maior instituição de pesquisa do país, deparou- te da Fiocruz naquele período”, avalia Simone. “Mas Nísia fez
-se com o rodízio de seis ministros da Saúde, dois presidentes isso com muita escuta, promovendo o diálogo com os distintos
da República, uma pandemia, obscurantismo, negação da ci- atores e grupos da instituição e com uma enorme capacidade de
ência, movimentos antivacina e uma jornada diária que causava agregar”. O senso de trabalho coletivo sempre funcionou como
apreensão no círculo de amigos mais próximos. “Ficávamos uma espécie de bússola para a atual ministra. Para quem já as-
preocupados com toda a carga de trabalho e responsabili- sistiu ao modo como Nísia conduzia uma reunião do Conselho
dade que estavam postos”, lembra a pesquisadora da Casa Deliberativo da Fiocruz — órgão máximo de deliberação que
de Oswaldo Cruz, Simone Kropf. Mas ela também recorda reúne todos os dirigentes da instituição e outros representantes
que Nísia sempre foi uma “fonte de tranquilidade” com uma de órgãos da administração em reuniões mensais — não restam
reconhecida habilidade para acalmar quem está por perto. dúvidas sobre o seu poder de conciliação.
“Não se trata de um descolamento da realidade. Nísia tem É por isso que, se alguém torce o nariz para o fato de
total consciência da gravidade dos desafios. Mas, ao mesmo uma cientista social — e não uma médica — estar à frente do
tempo e aliada à competência técnica, há uma maneira serena Ministério da Saúde, a melhor resposta parece estar na própria
de lidar com os problemas”, diz Simone. “Isso tranquiliza e une trajetória de Nísia, ligada diretamente à Fiocruz, instituição que
as pessoas, o que talvez tenha sido fundamental para conduzir sempre prezou pela interdisciplinaridade. “Nísia sempre valo-
os processos na Fiocruz durante aquele momento dramático rizou a ciência e a saúde na sua dimensão integral”, continua
da nossa história”. Simone, ressaltando a importância de haver uma ministra de
Foi Nísia quem liderou as ações da instituição no enfren- Estado que se preocupa com a questão social em um país
tamento da pandemia no Brasil, coordenando todo o acordo extremamente desigual como o Brasil.
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para a O presidente e a ministra: Nísia toma posse como
vocou primeira mulher à frente da pasta da Saúde
O SUS NA UTI
Da falta de vacinas à ausência de participação social, os
FOTO: REPRODUÇÃO.
desafios do SUS para superar o desmonte dos últimos anos
BRUNO DOMINGUEZ
R
edução da taxa de coberturas vacinais, com altíssimo O GT-Saúde analisou mais de duas centenas de do-
risco de reintrodução de doenças como a poliomieli- cumentos encaminhados por entidades e movimentos da
te; queda acentuada de consultas, cirurgias, proce- sociedade civil, contendo pontos de alerta e recomenda-
dimentos diagnósticos e terapêuticos realizados pelo SUS, ções sobre diversos assuntos de relevância para a saúde,
atrasando o início do tratamento de doenças crônicas, como conta o co-relator do grupo, o médico sanitarista Adriano
cânceres e doenças cardiovasculares; retorno de registro de Massuda. Professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), ele
internações por desnutrição infantil provocadas pela fome; foi secretário de Saúde de Curitiba, secretário-executivo
estagnação na trajetória de queda da mortalidade infantil e substituto do Ministério da Saúde (2011-2012), secretário
aumento de mortes maternas (de 54,8 para 107,2 por 100 de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos da pasta
mil nascidos vivos entre 2019 e 2021). (2015) e consultor da Organização Pan-Americana da
Esta é parte da radiografia revelada pelo Grupo Técnico Saúde (Opas/OMS).
da Saúde (GT-Saúde) do então governo de transição, cons- O grupo ainda realizou 38 reuniões com diferentes
tituído por 21 integrantes, entre os quais a socióloga Nísia órgãos de governo e segmentos da sociedade, como re-
Trindade Lima, que viria a ser anunciada ministra da Saúde presentantes dos trabalhadores da saúde e comunidade
(veja perfil na página XX), e quatro ex-ministros da pasta — científica. Tudo isso em três semanas. A ministra Nísia,
o relator José Gomes Temporão, Alexandre Padilha, Arthur revela Massuda à Radis, esteve em praticamente todos os
Chioro e Humberto Costa. Um diagnóstico de deterioração encontros. “Foi um trabalho intenso, com um grupo muito
da saúde do Brasil a partir de 2016, aprofundada pela experiente e pluripartidário, para traçar um diagnóstico
pandemia de covid-19, que levou à piora generalizada em preliminar e subsidiar a nova gestão a recuperar, recons-
indicadores, a ponto dos especialistas classificarem o contex- truir e atualizar o papel de protagonista do Ministério da
to atual como “uma crise sanitária de extrema gravidade”. Saúde (MS)”, diz.
Q
ual é o retrato do Brasil no início de 2023? Falta desorganização das políticas públicas ocorridos nos últimos
de remédios no Farmácia Popular; atraso na anos, com a ameaça real de colapso dos serviços públicos.
edição dos livros didáticos para o ano letivo de Ao longo de 100 páginas, o Relatório traz um raio-X do
2023; carência de vacinas para o enfrentamento das no- cenário deixado pelo governo do ex-presidente Jair Bolsonaro
vas variantes da covid-19 e a continuidade do Programa e permite avaliar os desafios que a sociedade brasileira tem
Nacional de Imunizações (PNI); as universidades prestes a pela frente. Elaborado com a participação de cerca de mil
fecharem as suas portas pela ausência de recursos mínimos pessoas e trazendo contribuições de centenas de organi-
para manutenção; completa escassez de verbas para a área zações, o documento reúne as conclusões de 32 Grupos
de Defesa Civil e a prevenção de desastres. Esses são alguns Temáticos, nas áreas mais diversas, que vão da Saúde às
sintomas constatados pelo Relatório Final do Gabinete de Comunicações. Radis preparou um resumo deste diagnóstico
Transição Governamental que levam ao diagnóstico de um que será fundamental para a elaboração de políticas públicas
problema mais grave: o desmonte do Estado brasileiro e a nos próximos anos.
• 45 mil km² de floresta foram desmatadas de 700 casos no período. Em 2021, mais de 66
entre 2018 e 2022, somente na Amazônia, mil mulheres foram vítimas de estupro e 230
caracterizando a maior destruição mil sofreram violência doméstica.
ambiental em 15 anos no país.
• Entre 2019 e março de 2022, mais de 400
• 178 mil pessoas vivem em situação de rua mil novas armas de fogo foram registradas
no Brasil, e 32 mil delas chegaram a essa no país; deste total, mais de 96% estão nas
condição nos últimos dois anos. mãos de homens.
• 1 milhão de pessoas foram despejadas ou • O garimpo ilegal avançou 46% nas Terras
ameaçadas de despejo desde o início da Indígenas: 28,1 mil Yanomamis vivem
pandemia de covid-19, um cenário de déficit emergência humanitária, com violências
habitacional de 5,9 milhões de domicílios. sistemáticas, mortes de crianças e mulheres,
destruição ambiental e adoecimento.
• O Brasil bateu recorde de feminicídios no
primeiro semestre de 2022, registrando cerca
COLCHA DE RETALHOS
Uma obra que pretende “quebrar” esquemas narrativos tradicionais, a his-
tória em quadrinhos Andei por entre as frestas e te trouxe flores, pedras e
algumas miudezas (Editora Mino), assinada por Paulo Crumbim apresenta
uma investigação sobre o momento atual do país, em uma mistura que reúne
mangá, pixo, videogame, rap e teatro. “Desbravando trilhas ousadas, a linha
de Crumbim costura artes, análise política e manifestos sobre as possibilidades
dos quadrinhos de maneira única”, informa a editora sobre a obra, que se
propõe “implodir os limites atrofiados de nossa própria realidade”. O projeto
tem apoio do Rumos Itaú Cultural 2019-2020.
OCUPA TUDO
Fruto da pesquisa de doutorado desenvolvida em meio aos levantes populares de 2011 a 2014 no Brasil e no mundo,
o livro #Ocupa — uma experiência educativa (Nefi Edições), da pesquisadora Sarah Nery, reúne narrativas de expe-
riências a partir de sujeitos que participaram dos acontecimentos Ocupa, uma tática de resistência já utilizada por
alguns movimentos sociais no mundo de diferentes maneiras (ocupações de imóveis e de terras, principalmente). A
partir da Primavera Árabe, a tática espalhou-se pelas praças e outros espaços públicos do planeta. A obra, editada pelo
Núcleo de Estudos de Filosofias e Infâncias da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Nefi/Uerj), está disponível
para download gratuito em https://bit.ly/3XNgihy.
■ JORNALISTA E AUTOR DE DOIS LIVROS SOBRE A HISTÓRIA DA PSIQUIATRIA, MAD IN AMERICA E ANATOMIA DE
UMA EPIDEMIA (EDITORA FIOCRUZ). TEXTO ORIGINALMENTE PUBLICADO NO PORTAL MAD IN BRASIL (3/2). LEIA NA
ÍNTEGRA: HTTPS://BIT.LY/3IHOZQP.