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CAMPUS BAIXADA SANTISTA

INSTITUTO DE SAÚDE E SOCIEDADE

ENSAIO CRÍTICO SOBRE AS DESIGUALDADES SOCIAIS EM SAÚDE NO BRASIL

SANTOS
2022
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ANA CLARA DE SOUZA SANTOS


ANNE KAREN APARECIDA DIAS SANTOS
BARBARA DE GOIS MADUREIRA
BIANCA RIBEIRO TRINDADE

ENSAIO CRÍTICO SOBRE AS DESIGUALDADES SOCIAIS EM SAÚDE NO BRASIL

Trabalho apresentado à UC
Desigualdades Sociais e Políticas de
Saúde – Eixo Trabalho em Saúde, da
Universidade Federal de São Paulo
(UNIFESP) – Campus Baixada Santista,
como instrumento avaliativo do segundo
termo do ano de 2022.

Professora: Adriana Domingues

SANTOS
2022
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Sumário

1. Introdução 3
2. História das Políticas Públicas de Saúde no Brasil 4
3. Políticas Públicas de Saúde na cidade de Santos e CAPS 6
4. As diferenças no Sistema de Saúde Pública e Privada 10
5. Como a disparidade social afeta a saúde? 11
6. Considerações finais 14
7. Referências bibliográficas 15
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1. Introdução

O propósito deste trabalho é realizar uma reflexão em torno das desigualdades que
permeiam a saúde e suas diferentes esferas, como a pública e a privada, articulando essas
questões com a História das políticas de saúde brasileiras. Assim sendo, o ensaio visa criar
um paralelo entre a história da saúde no país e a maneira com que estas desigualdades são
distribuídas, relacionando portanto, o seu aspecto histórico com a atualidade.

Além dos aspectos teóricos, também é intuito do texto articular as questões e


argumentos apresentados durante o desenvolvimento à experiência pessoal dos componentes
do grupo durante as visitas ao Centro de Atenção Psicossocial do centro da cidade de Santos,
oferecidas pelo módulo Desigualdades Sociais e Políticas de Saúde no Brasil.

Vista disso, os questionamentos e reflexões trazidos à tona serão baseados na


bibliografia apresentada em sala de aula, em especial os textos “Direito à saúde - Um convite
à reflexão (NOGUEIRA, V.M.R e PIRES, D.E.P - 2004) ” e “O que querem dizer com
desigualdades sociais em saúde (BARATA, R.B - 2009)” sendo ambos apresentados e
utilizados durante o desenvolvimento das aulas do módulo.
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2. História das Políticas Públicas de Saúde no Brasil

Figura de Oswaldo Cruz - médico sanitarista faz com que seja obrigatório o uso da vacina durante a Revolta
da Vacina

O histórico da saúde pública brasileira possui suas raízes fincadas na desigualdade


desde o descobrimento do país, de acordo com o vídeo “A História da Saúde Pública no
Brasil”, ministrado pela Fundação Oswaldo Cruz, já nesse período o acesso aos cuidados
médicos era fragmentado de acordo com a classe social. Nesse sentido, é possível inferir a
visão de um país estratificado, cujo acesso de saúde que já era extremamente precário durante
a época colonial persistia em ser oferecido apenas para a parcela abastada da população,
deixando os escravos, que formavam cerca de 15% da massa social brasileira desamparados.
Posteriormente a esse período, as Santas Casas de Misericórdia foram instituídas como uma
tentativa de oferecer serviços em saúde e atendimento médico de qualidade para a população,
sendo que a primeira Santa Casa construída no Brasil, foi finalizada em 1542, na capitania de
São Vicente, atual cidade de Santos.

Apesar da motivação que inspirou a construção dos hospitais, a fama do Brasil como
país insalubre continuou persistente, sendo quebrada apenas durante o período que constituiu
a República. Esse acontecimento seguiu em função de uma necessidade econômica, visto que
após a instauração da Lei Áurea, a quantidade de mão de obra assalariada que o país
necessitava se tornou uma grande demanda. Entretanto, a fama do Estado em relação à saúde,
fazia com que os imigrantes europeus, que representavam uma boa possibilidade de mão de
obra, se mantivessem afastados. Assim sendo, foi nessa perspectiva que durante o século XIX
houveram diversos investimentos em reformas urbanas e sanitárias, focando, essencialmente,
em grandes centros urbanos e regiões portuárias.
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Foi também durante o século supracitado que ocorreu a ascensão de uma figura
protagonista no cenário sanitarista nacional, o médico e cientista Oswaldo Cruz foi um dos
grandes responsáveis por pesquisar os surtos de peste bubônica na cidade de Santos, que mais
tarde foram de grande importância para produção do soro antipestoso. Outra questão que foi
atribuída a ele, foi a obrigatoriedade da vacina, que apesar de ter sido a grande responsável
pela diminuição dos casos de varíola foi encontrada com muita resistência pela população do
país.

Outra questão que foi essencial para o desenvolvimento da qualidade de vida no


Brasil foi a criação dos CAPS, Caixas de Aposentadorias e Pensão em 1923, que foi
instituído com a ideia de melhorar as condições de trabalho dos funcionários do setor
rodoviário. Posteriormente, o CAPS foi expandido para a IAPS, durante o governo de Getúlio
Vargas, o que colaborou para que a classe trabalhadora tivesse acesso a cuidados de saúde,
hospitais e um atendimento que não fosse unicamente assessorado por instituições de
caridade, uma vez que essa política pública procurava manter a saúde dos trabalhadores
controlada e sua produtividade o mais elevada o possível. Foi ainda durante o governo de
Vargas que a atuação da saúde passou a ser mais centralizada e a constituição garante novos
direitos trabalhistas como a licença maternidade e a assistência médica, mesmo que as verbas
destinadas à saúde fossem redirecionadas para outros setores, deixando, ainda, uma grande
fragilidade neste setor.

Foi em 1953 que o Ministério da Saúde Brasileiro foi criado, visando criar políticas
de atendimento em saúde em zonas rurais, já que até então, esse era um privilégio das pessoas
que moravam em cidades grandes e que possuíam Carteira de Trabalho assinada (CLT).
Entretanto, conforme o Regime Militar se consolidou no país, a militarização cresceu em
detrimento de diversas outras áreas do país, entre elas, o Ministério da Saúde, sendo que o
resultado dessa ação consistiu no crescimento da mortalidade infantil e das epidemias.

Em função disso, a piora dos sistemas públicos de saúde deixou os brasileiros


dependendo dos sistemas privados de saúde, e também dependentes dos convênios médicos,
sendo superada apenas durante 1988, durante a IV conferência nacional de saúde. Foi a partir
dessa reunião que os textos que deram origem a ideia e aos ideais da SUS que surgiram.

Quase trinta e cinco anos depois, o Sistema Único de Saúde emerge como um impacto
societário de importância expoente. E apesar das dificuldades enfrentadas em sua
implementação, hodiernamente, sua repercussão se traduz em números de grande valor para
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a população brasileira. Como exemplo destes números, pode-se citar os 2,3 bilhões de
procedimentos ambulatoriais, mais de 300 milhões de consultas médicas, dois milhões de
partos, onze mil transplantes, 215 mil cirurgias cardíacas, nove milhões de procedimentos de
quimio e radioterapia, 11,3 milhões de internações no âmbito do SUS. Além de oitenta e sete
milhões de pessoas têm sua saúde acompanhada por 27 mil equipes de saúde da família e 110
milhões são atendidas por agentes comunitários de saúde (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2008).

3. Políticas Públicas de Saúde na cidade de Santos e CAPS

Como previamente mencionado, as políticas públicas são essenciais para contribuir


com o avanço dos atendimentos e inserção de todo o tipo de população dentro daquilo que
lhes é constitucionalmente oferecido, a saúde. Entretanto, apesar dos exemplos anteriormente
citados serem de um caráter Federal e muitas vezes aparentemente não relacionados com o
dia a dia, as políticas públicas descentralizadas de função municipal, possuem um papel
protagonista na realidade da população brasileira.

Em função desse aspecto, é possível relacionar uma das políticas públicas de saúde
mais distintas da cidade de Santos, com as visitas de campo oferecidas pelo Eixo Trabalho
em Saúde ao Centro de Atendimento Psicossocial. Também conhecido como CAPS, constitui
uma instituição especializada em saúde mental, tratamento e reinserção social para pessoas
com transtornos psicológicos persistentes. Nesse sentido, sua importância se dá na
substituição dos antigos "manicômios" ou hospitais psiquiátricos, que utilizam abordagens
violentas e anti científicas com os pacientes por técnicas de tratamento a longo prazo, que
visam a autonomia e a multiprofissionalidade. Assim sendo, durante a visita realizada, a
assistente social Renata esclareceu como a unidade se compõe e funciona, como pode ser
observado no seguinte trecho:

“O CAPS está neste endereço há 5 anos e conta com seis leitos disponíveis para internação. Além
disso, sua equipe profissional conta com dois assistentes, três psicólogos, um terapeuta ocupacional,
quatro psiquiatras, dois enfermeiros, dezesseis técnicos de enfermagem, quatro profissionais na área
de administração e duas farmacêuticas. São todos concursados, exceto os estagiários. Além disso, o
local recebe apenas pacientes acima de 18 anos, e o perfil mais recorrente é de mulheres entre 40 e 50
anos. Os casos atendidos são em sua maioria de esquizofrenia, transtorno bipolar e de
personalidade”.
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Excerto do Diário de Campo da participante Bianca Trindade.

Foi no sentido de pesquisar políticas públicas em instituições de saúde mental para


ocupar e acolher os pacientes, que a proposta da Rádio Tantan entrou em papel protagonismo.
A história dessa ação data de 1989 e tem origem na casa de saúde Anchieta, onde funcionava
um manicômio conhecido como “Casa dos Horrores”, o local era cenário de abusos e
tratamentos degradantes, como choques elétricos e confinamento. Era de conhecimento geral
que os pacientes do local sofriam maus tratos e os vizinhos chegaram a relatar que escutavam
constantemente gritos de socorro e choros.

Dado o cenário desastroso e a ameaça de desativação do lugar, a prefeita Telma de


Souza iniciou a formação de uma política de saúde pública cujo objetivo circundava em
promover a cultura, saúde mental, a diversidade e a prevenção de doenças, oferecer acesso à
educação, arte e cultura e inclusão social. O projeto que nasceu como uma tentativa de
integrar os pacientes dentro do local em que estavam internados evoluiu para a cidade, e a
rádio passou a ser transmitida via AM e FM. Apesar de ser uma ação relativamente simples, o
fato dos pacientes serem expostos a socialização e a tópicos que lhes interessavam foi fator
determinante para que o prospecto de tratamento da casa de saúde Anchieta melhorasse como
um todo. Toda a história e filosofia circundante do projeto pode ser consultada no artigo “ A
história da Rádio Tam Tam ( SAAD, Flávia - 2015).

“Lembro como se fosse o dia de hoje. Há trinta anos, eu era uma criança que já tinha o dom da
loucura. Foi quando fui convidado para me juntar àquela trupe de loucos, na Rádio TamTam, e eu achei meu
lugar. Hoje sei quem sou: sou um artista” - Relato de Elias Carmo da Silva, participante do projeto desde de
seu início.

Figura 2: Fotografia das “gravações” da rádio Tan Tan, em 1989


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Esse é um exemplo de como as políticas públicas podem ter um impacto positivo


quando associadas a serviços de saúde. Apesar de estarem presentes dentro do CAPS, as
políticas de reinserção social, como atividades artísticas e passeios turísticos pela cidade de
Santos, como explicado pela assistente social Renata, encarregada pelo local, são esparsas e
não ocorrem de maneira contínua.O espaçamento entre essas atividades é resultado de
dificuldades orçamentárias e logísticas, já que nos dias em que os pacientes saem para
atividades externas, a equipe fica desfalcada, e como apontado por Renata, a contratação de
um número maior funcionários seria de imensa ajuda. Uma vez que, sua realização
continuada poderia levar a benefícios de sociabilização e também parte da desmedicalização
do centro de atendimento psicossocial, de acordo com a encarregada, a exposição dos
pacientes a atividades lúdicas estimula a independência e autonomia destes.

“Uma semana antes de conhecermos o CAPS, uma estagiária de psicologia do CAPS me contou que os
pacientes de lá faziam artes em panos de prato para serem vendidas e gerar mais dinheiro para a
instituição. Mais tarde, tive a oportunidade de ver os panos de prato ao vivo, feitos com todo o cuidado
pelos pacientes do local.”

Excerto do diário da participante Ana Santos

O excerto do diário exemplifica a maneira com que um trabalho simples pode contribuir não
somente para os pacientes do CAPS, por meio do incentivo a arte, reinserção social e arrecadação de
fundos para a instituição. Mas também, como uma forma de aproximar a sociedade do local,
promovendo a comunicação e a dissolução de tabus associados com o cuidado psicológico.
As desigualdades sociais permeiam dimensões como a renda, educação, saúde,
gênero, trabalho, acesso à serviços, entre outros. Assim sendo, geram iniquidades que se
estendem inclusive ao processo saúde-doença-cuidado.

“Mas, quando falamos em desigualdade social geralmente estamos nos referindo a situações que
implicam algum grau de injustiça, isto é, diferenças que são injustas porque estão associadas a
características sociais que sistematicamente colocam alguns grupos em desvantagem com relação à
oportunidade de ser e se manter sadio” (BARATA, 2009, p.12).

A saúde, portanto, envolve a presença de saneamento básico, imunizações, nutrição


adequada, organização familiar, controle de doenças, entre outros. Além disso, o contexto da
saúde está correlacionado com várias vertentes da vida de um indivíduo, gerando situações
como carência de recursos financeiros para adquirir alimentos orgânicos no lugar de
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ultraprocessados ou intensa carga horária de trabalho e deslocação em transportes públicos,


dificultando a inserção do hábito de prática de atividades físicas.
À vista disso, apesar de a Constituição Federal do Brasil assegurar a saúde a todos,
inúmeros grupos sociais se encontram em situação de vulnerabilidade.

“Aqui no Brasil, ao aprovar o capítulo sobre a saúde na Constituição Federal de 1988, a população,
por meio de seus representantes no Congresso, decidiu que a saúde é um direito de todos e que deve
ser garantido mediante ações de política pública. Fez ainda mais do que isso, definiu a saúde através
de um conceito amplo, que inclui os seus principais determinantes e apontou em linhas gerais os
princípios que o sistema nacional de saúde deveria ter: universalidade, integralidade e equidade”
(BARATA, 2009, p.12).

A fim de compreender sobre as origens e causas das desigualdades sociais em saúde,


Rita Barradas Barata descreve teorias possíveis no capítulo “O que queremos dizer com
desigualdades sociais em saúde?” do livro “Como e por que as desigualdades fazem mal à
saúde?”.
A teoria Estruturalista ou Materialista é a mais conhecida e aceita, defende que o
poder aquisitivo de um indivíduo ou sociedade definirá o seu estado de saúde. Ou seja, os
menos favorecidos economicamente seriam os mais afetados por enfermidades e os que se
encontram no topo da pirâmide, estariam menos suscetíveis. Entretanto, essa teoria já passa a
ser questionada quando Rita Barata expõe que Cuba apresenta um PIB per capita dez vezes
menor do que os Estados Unidos e a esperança de vida de ambos os países é a mesma, de 77
anos.
A segunda teoria é conhecida como psicossocial, em que a desvantagem social é vista
como uma fonte de estresse e desencadeador de doenças. A terceira teoria, da Determinação
Social, passa a enfatizar os contextos de inclusão ou exclusão social.

“A versão brasileira da teoria da determinação social do processo saúde-doença dá maior ênfase


explicativa ao modo de vida, considerando que nele estão englobados tanto os aspectos materiais
quanto os aspectos simbólicos que refletem as características sociais de produção, distribuição e
consumo, às quais cada grupo social está relacionado através do modo de vida. Ao mesmo tempo que
busca articular as diferentes esferas da organização social, o conceito de modo de vida reúne em um
mesmo marco teórico as condições coletivas dos grupos e os comportamentos dos indivíduos que
compõem esses grupos” (BARATA, 2009, p.18).

Por fim, a teoria Ecossocial descreve como produção de saúde/doença os processos de


incorporação pelos organismos humanos e aspectos sociais e psíquicos dominantes nos
cenários de moradia e trabalho. Desta forma, a teoria classifica como inviável a divisão entre
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o biológico, o social e o psíquico. Por conseguinte, o entendimento das desigualdades sociais


em saúde ultrapassam a polarização entre doença social e não-social, uma vez que qualquer
processo de enfermidade advém da organização social.

4. As diferenças no Sistema de Saúde Pública e Privada

É importante para nós, como profissionais da saúde, conhecer sobre esse cenário de
desigualdade social entre a saúde privada e pública. São poucos os países do mundo que
podem oferecer atendimento médico com igualdade para toda a população e é visível as
diferenças observadas entre uma Instituição hospitalar privada onde se é oferecido para a
população um atendimento individualizado, tratado por inúmeras especialidades, exames de
última geração e internação prolongada por um custo em dinheiro e uma unidade pública de
atendimento em saúde.
Na primeira semana de novembro, visitamos o Centro de Atenção Psicossocial
(CAPS), localizado na cidade de Santos. Os CAPS são unidades especializadas em saúde
mental para tratamento e reinserção social de pessoas com transtorno mental grave e
persistente e estes centros oferecem um atendimento interdisciplinar, composto por uma
equipe multiprofissional que reúne médicos, assistentes sociais, psicólogos, psiquiatras, entre
outros especialistas.
Durante a visita, analisamos as informações coletadas com a assistente social Renata,
observamos a infraestrutura do local e o bem-estar dos pacientes. Uma das imagens mais
chamativas para mim, foi a infraestrutura do local, mal distribuído e necessitando de
reformas. Renata informa que os usuários, familiares de usuários e servidores dos serviços de
saúde mental da Unidade juntamente com o sindicato dos servidores públicos municipais de
Santos (Sindserv) têm feito reuniões e assembléias para a discussão de reformas e também
contra a privatização da saúde mental. O Sistema Único de Saúde (SUS) “prevê uma
estrutura híbrida de gestão da saúde, baseada no funcionamento simultâneo de uma rede de
atendimento pública e gratuita ao cidadão e outra privada, que atua de maneira complementar
e conforme as diretrizes do SUS” (Fiocruz, [2016]). A contradição entre a proposta de
universalidade do SUS e a atuação da rede privada é ponto de partida para articulações e
movimentos contra a tendência de privatização do setor da saúde. Além disso, as
transferências de recursos públicos para os planos e seguros privados, o difícil ressarcimento
das ações prestadas pelo SUS aos usuários de planos de saúde privados e a precariedade que
vem caracterizando o crescimento desordenado da oferta privada estão na agenda das críticas
do movimento sanitário e nas propostas de fortalecimento do SUS.
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“Outro debate sobre a relação público e privado está relacionado à gestão de unidades
de saúde. Isto porque, além da administração pública direta de unidades clínicas e
hospitalares do sistema público, há estratégias de gestão em andamento, por meio das
autarquias, organizações sociais de saúde (OS) e das fundações. No caso das OS, algumas
críticas apontam para a ocorrência de desvios de recursos públicos, problemas relacionados
ao acesso, relação precária com o trabalhador, entre outras questões” (Fiocruz, [2017]).

O processo de terceirizar e privatizar a saúde afeta tanto os trabalhadores quanto a


população e fere muitos princípios do SUS do cuidado ao próximo. Nos questionamos sobre
os próximos rumos da saúde, pois estamos diante de uma situação de desmonte da proteção
social, de perdas de vidas humanas como nunca vimos antes, que chega a nos esvaziar de
forças para disputar o projeto de defender o interesse público. E que mesmo no cenário atual
do SUS, o mercado privado da saúde vai muito bem.

A unidade do CAPS Centro conta com um Conselho Gestor, porém não está ativo no
momento e é neste cenário atual que a importância do controle social atua, ao trazer a
possibilidade de a sociedade civil interagir com o governo para estabelecer prioridades e
definir políticas de saúde que atendam às necessidades da população. Quando conquistamos
esses espaços de atuação da sociedade na lei, começou a luta para garanti-los na prática e
garantir a implementação das deliberações é uma disputa permanente em defesa do SUS. É
por isso que a promoção do conhecimento sobre a saúde no País e o papel dos Conselhos de
Saúde implica no fortalecimento do SUS.

5. Como a disparidade social afeta a saúde?

Tendo como base as teorias produzidas por Rita Barradas Barata, podemos definir as
desigualdades sociais com uma diferença no padrão de vida dos membros da sociedade, seja
por motivos econômicos, de gênero, orientação sexual, grupo, raça, religião ou faixa etária, e,
que infelizmente, determina um lugar para esta parcela da população. Esses aspectos
biológicos/naturais e sociais que nos constituem e nos distinguem uns dos outros com base
em características externas, são conhecidos como marcadores sociais da diferença e são
reforçados como estereótipos e estigmas ao longo do tempo no inconsciente coletivo e global.

“As desigualdades naturais não determinam a ocorrência das desigualdades sociais e são, muitas
vezes, condicionadas por estas. Diferenças naturais como as de sexo, raça, força, estatura, inteligência
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e fecundidade só propiciam o surgimento de desigualdades sociais quando são utilizadas por uma
sociedade como critério para a atribuição de papéis sociais” (SILVA; BARROS, 2002).

Em 1988, houve a institucionalização da Constituição Federal - norma de maior


hierarquia do sistema jurídico brasileiro - e com ela, a criação do Sistema Único de Saúde,
com o intuito de que a sociedade pudesse não só ter uma assistência integral e gratuita, mas o
direito universal em acessá-la.

[...] mais de 60% da população brasileira vivia um vazio assistencial. O SUS trouxe um forte
crescimento do acesso à saúde básica, à atenção primária e à saúde da família, o que se refletiu em
indicadores como a taxa de mortalidade infantil, que, desde o final dos anos de 1980, reduziu quatro
vezes no país [...] (MEDICI, 2022).

Entretanto, mesmo o SUS sendo considerado a melhor política pública existente em


30 anos, nota-se uma injustiça nesse sistema. Mesmo que haja a equidade - o oferecimento de
tratamentos baseados nas necessidades do indivíduo, buscando atingir a universalidade -,
como princípio básico, ainda existem contextos onde isso não ocorre. Um exemplo disso
temos o CAPS Vila Nova, localizado em uma região vulnerável da cidade de Santos, onde os
grupos minoritários, inclusive pessoas em situação de rua e profissionais do sexo, devem se
locomover até o CAPS próximo ao porto, justamente por não poderem utilizar aquele serviço
devido suas condições de vida e receio dos funcionários em lidar com "aquele" tipo de
sujeito, os quais ainda permanecem invisíveis para a sociedade.
A integrante Anne pode vivenciar essa situação durante uma visita ao projeto
"Dinâmicas do Território" com a docente Gabriela Vasters, onde ela e outros alunos
realizaram uma pesquisa no entorno da Silva Jardim para saber se os moradores conheciam a
Vila Criativa localizada no bairro Vila Nova, quais atividades e cursos ali eram oferecidos e
quais ações a Unifesp e os responsáveis da Vila Criativa poderiam criar para que as pessoas
passassem a comparecer no local, a fim de não só futuramente gerar renda aos
frequentadores, mas fazer com que as crianças/adolescentes desenvolvam alguma habilidade,
para que as mesmas não se envolvam em situações ilícitas devido o exemplo oferecido no
“quintal de casa”.
Chegando ao destino, ela pode observar muitos indivíduos em situação de
vulnerabilidade ​e feridos deitados em torno do restaurante Bom Prato à espera do horário do
jantar, onde alguns policiais faziam buscas e apreensões, enquanto a policlínica se encontrava
vazia. Lembra-se de perguntar à professora o por que de não pedirem ajuda, e ela responder
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que o local apenas atendia residentes próximos a universidade - palavras da equipe de saúde -
o que a fazia sempre recomendar noções básicas de primeiros socorros aos seus alunos da
extensão caso acontece algo próximo a eles.
Sendo assim, como a desigualdade aumenta ou prejudica a saúde mental das pessoas?

“Para eles, a doença é o principal determinante da posição social, e não o contrário, isto é, as pessoas
doentes não conseguem ter um desempenho social satisfatório e por isso encontram-se desfavorecidos”
(BARATA, 2009, p.14).

Vivenciar certos tipos de discriminação e marginalização diariamente pode se tornar


um fator desencadeante para o surgimento de doenças físicas ou psicológicas. Aspectos como
ambiente urbano inadequado, condições insalubres de trabalho, pobreza e condições de vida
precárias também impactam negativamente na saúde, fazendo com que essa população esteja
mais insatisfeita com os serviços oferecidos do que a população em geral, o que pode resultar
em taxas de abandono nos métodos de tratamento e aumento dos índices de depressão,
suicídio e ansiedade, isso explica o motivo dos países subdesenvolvidos apresentarem uma
má condição de saúde comparado aos países mais desenvolvidos.

“Estigma, preconceito, práticas de exclusão e negação da identidade são alguns dos estressores
sociais que contribuem para que os grupos minoritários estejam mais propensos a apresentar uma
saúde mental mais vulnerável” (MACEDO, 2021).

Nesse sentido, se faz necessário abordar o estigma infligido às profissionais do sexo


que as impede de acessar diversos lugares e serviços de saúde que teoricamente deveriam
atender a todos, mas isso não ocorre, uma vez que a marginalização desse grupo levam-as a
se distanciarem desses serviços pelo receio de serem discriminadas devido a exposição de seu
trabalho, tanto pela população quanto pelos profissionais de saúde, deixando-as sem um
tratamento integral/adequado e à mercê de diversos problemas de saúde, como: gravidez
indesejada, ISTs/AIDS, violência, doenças ginecológicas e uso de drogas.
Segundo uma pesquisa qualitativa realizada pelo Boletim do Instituto de Saúde São
Paulo - BIS, referente ao cuidado e saúde sexual das prostitutas da região de baixo meretrício,
localizado no centro de Santos, observou-se que das 11 profissionais entrevistadas apenas 10
não haviam recebido orientações referentes às medidas preventivas em saúde por sua atuação
na prostituição.
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A partir do momento que uma mulher passa a exercer a função de profissional do sexo
em um cenário em que esta é sua única opção, deve-se pensar no que a determinou estar ali,
quais são as possíveis consequências a serem sofridas, seus riscos, o local em que ela se
encontra inserida e quais os arquétipos das pessoas desse meio (qual a visão de mundo dessas
pessoas?).
Durante o trabalho realizado por estes profissionais eles são expostos a diversos riscos
o tempo todo uma vez que estão em situação de vulnerabilidade, doenças sexualmente
transmissíveis, violência física e verbal são alguns dos exemplos dos riscos aos quais eles
estão expostos todos os dias. Todo o preconceito sofrido por estes profissionais cria um
afastamento que muitas vezes parte dele mesmo, que não sente-se à vontade para recorrer aos
serviços de saúde. Quando possuem condições financeiras melhores estes profissionais
recorrem a serviços de atendimento particular, mas esta não é uma realidade da grande
maioria deste grupo.
Isto além de trazer à tona o debate acerca da criação de serviços de saúde voltados ao
atendimento de profissionais do sexo, que acima de tudo ainda necessitam e possuem o
direito de ter acesso aos serviços de saúde, nos faz refletir sobre:

“O quanto nós, profissionais da saúde mental e sociedade, estamos fazendo a nossa parte? Em nosso
dia a dia, estamos eliminando ou reforçando as práticas de exclusão? Quando nos deparamos com
uma realidade diferente da nossa, consideramos suas particularidades e as valorizamos ou tentamos as
invisibilizar de alguma maneira? Estamos buscando o conhecimento adequado para lidar com as
diferenças? Qual o nosso papel social nisso?” (MACEDO, 2021).

6. Considerações finais

Os CAPs foram um passo importante na Reforma Psiquiátrica no Brasil e que atende


aos princípios do SUS, oferecendo assistência, cuidados e tratamentos à saúde mental da
população em nosso País, porém o Brasil ainda possui grandes desafios para superar ao
falarmos sobre a Saúde Mental, como o déficit na assistência (profissionais na área), políticas
e programas eficientes, desinformação e preconceito com o portador de saúde mental.
A “saúde mental está diretamente ligada aos aspectos sociais e culturais”. Uma em
cada cinco pessoas que vivem em áreas afetadas pelas guerras, têm depressão, ansiedade,
transtorno de estresse pós-traumático, transtorno bipolar ou esquizofrenia. E em relação às
pessoas em situação de rua, em virtude dessas condições de vida e em busca de fugir da
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situação em que se encontra, o transtorno mais comum nessa população está associado à
dependência de álcool (8% – 58%) e outras drogas (5% – 54%). A construção e
reestruturação de uma boa saúde mental nesses casos é um projeto a longo prazo, sendo
importante o acompanhamento integral dessa população. (Conexa Saúde, 2022).
Para haver mudanças no futuro, primeiramente é necessário romper esse “tabu” com a
doença mental, conscientizar a população sobre as doenças psíquicas de forma que todos se
engajem no tema. Os serviços de saúde públicos e privados devem se estruturar para atender
a demanda e ampliar as ações e campanhas de cuidados preventivos e de tratamento. A
mente saudável deve ser buscada para que se equilibre o significado da saúde para o ser
social.

7. Referências bibliográficas

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https://portal.fiocruz.br/trajetoria-do-medico-dedicado-ciencia. Acesso em: 12 nov. 2022.

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Como e por que as desigualdades fazem mal à saúde? Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2009.
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