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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

ESCOLA DE ENFERMAGEM
PROGRAMA DE GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM

HERBERT FAGUNDES DE SOUZA

SÍNTESE REFLEXIVA

SALVADOR
2023
A “saúde” é um conceito mutável que já sofreu inúmeras transformações ao longo da história,
dependendo do contexto político, social, econômico e cultural de uma sociedade. Isso porque
o ato de conceituar “saúde” é de extrema importância para duas ações: o direcionamento de
políticas públicas pelo Estado e a influência no comportamento da população frente a
processos de saúde-doença. Pensando nisso, durante boa parte de sua história, a saúde no
Brasil foi concebida como a ausência de doença, impactando no objeto de trabalho da saúde
pública, que teve predominantemente um enfoque médico-biológico. Assim, é importante
avaliar o histórico das políticas de saúde no país.

O período colonial é marcado pela ausência de ações voltadas à saúde, sendo que os poucos
médicos que residiam no Brasil atendiam apenas membros das classes mais altas,
demonstrando como o acesso a serviços médicos no país frequentemente se restringiam às
elites. As primeiras iniciativas governamentais de saúde somente ocorreram a partir da
chegada da família real a colônia, mas se limitaram ao controle de epidemias, serviços de
vacinação e manutenção da salubridade das áreas urbanas. Dessa forma, é triste ver que o
Estado só se preocupou em realizar ações de saúde no Brasil porque a corte portuguesa tornou
ele seu lar, não se importando com a população que aqui já viva. Do mesmo modo, durante a
Velha República, o Estado não se preocupou com o fornecimento da assistência médica,
havendo a separação entre saúde pública – marcada pelo modelo hegemônico sanitarista
campanhista, caracterizado pela intervenção sobre os espaços urbanos no controle de doenças
e pela vacinação obrigatória – e assistência médico-hospitalar – de caráter individual, cabendo
ao próprio indivíduo ou a iniciativa privada solucionar a devida questão. Assim, parece que
desde os seus primórdios, a saúde no Brasil se deu, infelizmente, como um privilégio das
elites.

Na Era Vargas ocorreram diversas ações e mudanças, mas gostaria de dar ênfase a três
momentos: a criação das Conferências Nacionais de Saúde, as quais eu acredito que não
foram inseridas no espaço público – aberto ao povo – devido, em partes, ao predomínio do
conceito restrito de saúde da época, não abordando-o como uma questão política e social; a
concessão, através das caixas de aposentadorias e pensões, de assistência médica aos
trabalhadores formais, havendo a exclusão dos rurais, domésticos e informais, que passaram a
ser tratados como pré-cidadãos; e a criação do Ministério da Saúde (MS), que se
responsabilizou pela assistência médica na área rural. Logo, embora o acesso a serviços
médicos ainda se mantivesse bem restrito, com o próprio Estado promovendo a segregação no
acesso a saúde, ele começa a ir um pouco mais além das elites brasileiras.
O governo ditatorial é marcado por uma crise no sistema de prestação de serviços de saúde. A
criação do Instituto Nacional de Previdência Social ampliou a cobertura previdenciária (mas
ainda restrita aos que tinham emprego formal e contribuíam com a Previdência Social,
demonstrando evidentemente uma lógica econômica, em que a preocupação não tinha foco no
bem-estar do cidadão, mas sim na possibilidade de eles faltarem no trabalho), terceirizando a
assistência médica previdenciária e intensificando as privatizações. As práticas médicas
passaram a ser orientadas pelo lucro e aumentou a corrupção na saúde. Nesse contexto de
crise e de discussão de novas concepções de saúde (olha só a mudança no olhar do que é
saúde promovendo uma consciência social e sendo um motor de transformações sanitárias no
país), surge o grande movimento da Reforma Sanitária.

A Reforma sanitária é um movimento que teve início no contexto de luta contra a ditadura na
década de 1970, com a atuação de profissionais de saúde e da área de docência e pesquisa,
movimentos estudantis e entidades de saúde (como o Cebes). Ela objetiva transformações no
setor de saúde, buscando melhorias nas condições de vida da população. Tem como marco a
Oitava Conferência Nacional de saúde, que finalmente contou com a participação popular,
acredito que em reflexo da ampliação do conceito de saúde, passando a ser tratada como uma
questão política e social e um direito do povo e dever do Estado. Nesse momento também
foram criadas as bases do nosso queridíssimo Sistema Único de Saúde (SUS), que nasce
definitivamente com a lei 8080/90.

Dessa forma, o SUS nasce legalmente, possuindo princípios e uma organização complexa.
Quanto aos princípios, são eles: a universalização e equidade no acesso a serviços de saúde; e
a integralidade, incluindo ações de promoção à saúde, prevenção de doenças, tratamento e
reabilitação (Isso porque a saúde deixa de ser enxergada como ausência de doença e passa a
ser tratada, superficialmente falando, como qualidade de vida). Quanto a organização: há uma
descentralização do poder e responsabilidades em diferentes níveis de governo (Ministério da
Saúde, Secretaria Estadual e Municipal de Saúde e os Conselhos de Saúde); e há uma
hierarquização em níveis de atenção (Atenção Primária, Secundária e Terciária). É importante
lembrar que a Atenção primária de saúde (APS) apresenta uma menor densidade tecnológica,
mas não é menos complexa do que os níveis superiores, pois também integra uma quantidade
enorme de serviços e relações com a população. O problema é que muitos não compreendem
que a APS é a porta de entrada do SUS e acabando buscando equivocadamente o nível
secundário, como Unidades de pronto atendimento (UPAs), ou o terciário, em hospitais,
quando suas questões poderiam ser facilmente resolvidas em uma Unidade básica de saúde
(UBS).

Um exemplo que comprova a relevância da criação da APS é a minha avó, que pela idade não
tem mais condições de ficar se movendo por longas distância, então a presença de uma
Unidade de Saúde da Família, no bairro dela (Feira X em Feira de Santana) é fundamental,
permitindo que ela consiga continuar monitorando sua saúde através de consultas e exames,
indo a clínicas e hospitais somente em último caso. Já outro que comprova a relevância da
atenção secundária foram duas situações que vivi no ano de 2023, em que tive fortes crises
alérgicas e busquei uma UPA, em que fui atendido de maneira rápida e eficiente, recebendo
medicamentos e controlando a evolução da alergia (se eu tivesse que procurar um hospital,
talvez levaria mais tempo de deslocamento e de atendimento, deixando que a alergia evoluísse
para um quadro mais grave, como uma parada respiratória). Dessa forma, eu digo com
propriedade que a organização do SUS em níveis de atenção facilita os atendimentos de cada
tipo de caso.

A situação da minha avó pode ser utilizada também para exemplificar a importância da
territorialização em saúde, mapeando e analisando as especificidades de cada unidade
geográfica, e por conseguinte, permitindo a organização dinâmica das práticas de atuação do
SUS, de forma que as UBS e USF sejam implantadas visando a atender as necessidades da
população daquele território (se não houvesse uma USF no bairro dela, teríamos mais uma
cidadã sem acesso a serviços de saúde). Outra abordagem da territorialização em saúde é a
dos territórios como produtores de saúde e doença, promovendo o reconhecimento das
situações de vida e condições de saúde, e assim entendendo melhor a atuação dos
determinantes sociais de saúde (DSS). Isso está completamente inserido no nosso dia a dia,
um exemplo são as recentes modificações das praças da minha cidade, inserindo aparelhos de
academia e brinquedos paras as crianças, impactando positivamente o estilo de vida e as
relações sociais desse espaço, produzindo saúde.

Por fim, é essencial entender que, embora o SUS seja necessário na vida de todo brasileiro,
atuando na prevenção e promoção à saúde de uma forma jamais vista na história do nosso
país, ele apresenta inúmeros problemas, como acesso desigual a serviços, subfinanciamento,
superlotação e falhas na gestão. Por isso que a reforma sanitária se mantém em curso até hoje,
contando com a participação de diversos movimentos de saúde e participações populares na
luta pela efetivação dos seus direitos sociais. A luta pelo Sistema Único de Saúde é a luta pela
democracia.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Ministério da Saúde. Relatório final da 8ª Conferência Nacional de Saúde, 2020.


Disponível em: http://conselho.saude.gov.br/relatorios-cns/1492-relatorio-final-da-8-
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BRASIL. Ministério da Saúde. Sistema Único de Saúde. Governo Federal. Disponível em:
https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/s/sus. Acesso em: 01 de junho de
2023.

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Disponível em: https://youtu.be/lpIm1cUI1gQ. Acesso em: 01 de junho de 2023

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ESCORES, S.; TEIXEIRA, L.A. História das políticas de saúde no Brasil de 1822 a 1963:
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Disponível em:
https://ava.ufba.br/pluginfile.php/3837150/mod_resource/content/1/1.3%20ESCOREL_histori
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