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R A T A D O

C*V
rrá
y!t-G ò & ¿fi} c fr f
pJ'dfyC rí ¿C co
D A i
Immortalidade:
D atlm a ^

'' Compojlopolo Doutor Semuel da film , em


ejHetambemfe mostra a ignorancia de certo coútra-
riador de nojfo tempo que entre outros muytos erros
deu ncíte delírio de ter par a ß & publicar que
a alma de homem a cabajuntamen­
te como corpo.
Pag: 3
Ao benigno Leitor.
'i
O flim e he t>fado nas Ci­
dades politicos degradar os
empeftados,oupolomenos trã-
carlhes as portas, Cd vedar-
Ihes o commercio,& ynda pa­
ra prejeruar osJ.o s ordenar
defenßy.os contra a peile : Cd
Jen do os ares Je corrompem, o
malJem Jer Jentido vai latir ando, Cd quando menos
Je imagina lern as cidades, Cd as vez.es prouincias
inteiras Tots tendo oje entre nos hum pior que em-
peil *aojaque pareceo bem fazelo degradar, agoraJ e ­
ra conne ni ente preuenir Cd ordenar triaga contra a
peconha que vai vomitando, de que he bem nos pre­
catemos, Cd temamos pots com o nome d.eyudeo Cd ca­
pa de fingidas virtudes Cd modeslia poderiaj r dej-
tKuindo Cd contaminando alguns fingclos Cd pouco a
cautelados animos , em quem dez'ja Cd procura im­
prim ir as f al Jas Cd reprouadas opinions em que an-
da- Cd aos tais Jo pretendemos efpcrtnr Cd aduertir
porque nam periguem Je por ventura em algum tem­
po, ou lugar vierem ao trato, ou companhia d eile hy­
pocrita, ou doutros tais monßros, quejndaque rara­
mente, toda via alouds vez.es degeneram de Jeus paes.
Pois vendo,Cd notando o d Je urjo das coujas deße ho­
mem que nam nomey o por honra doJingue donde pro-
(o.- -A 2 ce^es
benigno L eito r.
cedeyndaque elle o nam merece pola fo lia ra £5?fib e r -
ba com quefala,olhando as dijjimulaccins & enganos
com que por algum tempo fequentou nojfas congreg a-
coins fingindo e íla r polas fantas or dés & eïlatutos
délias, & os termos com que começou a dar m oflras
do veneno qne trazia , & como chegado h prona nam
duuidou dar papel de fu á m aõ & o deu negando nelle
a tr adiçam 83 ley de boca dada por Dein a Jbíofih en
monte Synai, na qual confiíle a verdadeira declara-
cam da ley e fe r ita , dizendo que f i m fingimentos 83
fiilfidades, (3 que a ley nam ha m i Her tal explicacao,
& que elle, & outros como elle apodem dar :afifirmou
que os dinim porquefe goucrnou & gouerna Tfrael
fo r am tudo tnncnçoís de home s ambiciofos 83 m ali­
nos: repugnou o modo aprouado 83 vfado da circum -
cifam , gracejou das condicois de fa z e r 83 v fa r os
thephilim 83 mezuzah, p -iblicon por grande maldade
celebrar dons dias de Dafchoa man fando a ley cele*
brar f o hum, nam admitiu a legitima rezam que pa*
ra ijfo tiueram prophetas 3 v a r oesfantos na prim ei­
ra 3 figu n da caza ; denffelhe pouco de ouuir que a
ley daua lugar a fa z e r contra din quando os que tin­
ham authoridade vijfem que a coufa, & a hora 0pe­
dia como fe z Elyhau R eys.i. cap. 18. facrificando no
monte carmel contra ley que m anda q u efi no templo
fa n to fe fa ç a facrificio: como fe z Guiddonjuyz■8.
m andando matar varoins de penitel por lhe negarem
pao para fin s foldados , nam auendo ley que por tal
mande matar homés. N ao fa lta r ao amigos, 3 Z e -
lofis

\
Ao benigno Leitor. y
lofos de fe u bem que lhe pedirão 3 o am oeflaraõ hu ã
3 muy tas vezes tornafte ao caminho que deuia muy-
tos efcritos, de homés fabios lho moflrauam, muyto f e
trabalhou por nao chegar a rigor , nao baftou nada,
3 ynda a/fi f e procedeu com toda a brandura a que
ofeo cafo deu lugar confentindo que ficajfe na terra
por ver f e tornaua em contriçam 3 emendado feus
erros : mas em lugar dijfo v i eu 3 . v ir ao outras pef-
foasd os nojfos efcritos d efu am ao de tantos efú n d a­
los 3 infolencias que com rezao pudéramos rafgar as
veftiduras como fa z ia o 3 deuem fa z e r os bosyudeus
quando ouuem blaffem ar o nome d ofn or pois quando
menos dis que todo T fraelfaz culto eftranho, o qual
elle dezeja deftruir, como deftruyo, Guiddon a ara de
Bahai-, 3 a ifo ajunta o que era proprio de quem tal
di/fe que he nao ter temor de Deus nem ter alma, que
tanto monta como nam neuer pois dis que a alma do
homem he mortal 3 corruptiuel, 3 que acaba ju n ta-
com o corpo ajji como as almas dos caualos 3
dos mulos em quem nao ha entendimento. Beft tal, 3
in ju rioft opinião, que nos obriga-aprouar a im m or-
talidade da a lm a , yndaque nos parece impvffiueLq¿!$
efte m al fe pegue a nenhum verdadeiro yudeu ; toda
v ia per que ajfi como ouue hum poder a auer outros
que f e deixem leuar por ignorancia, ou foberba como
fe z efte, moftraremos prim eiro a verdade, 3 defpots
refutaremos as faifas rezots em contrario: 3 tu am i­
no 3 bem zelozo leitor conftdcrddotudo com teu bem,
3 deftiiter»ftadojnyzo abracándote fo ccm a verdade
A 3 3 ley
6 Ao benigno Leitor.
& leyfau ta dof n o r dame credito no que agora digo,
que para tomar eñ e trabalho entre as mais caufas me
moueu & moue muy to o dez.ejo de tornar ao grem io
e ñ a ouelha defgarrada & perdida em cuja reñ au -
rapao tepeço que de tua parte te empregues & ajudei
com todas tuas fo rça s ajji Deus tas de & con­
f e r ne muy tos annos para as empre­
g ar em feu feru iço .
D A

Immortalidade.
D A A L M A .

C a p . I.
Da criaçao do homem ifj defuas
perfeicoins.
M principio criou
Deus os ceos Sc a terra,Sc
tudo o que ha nelles,& na
criaçacn dos ceos tem os
que lè incluye a criaçam
dos a n jo s, de modo que
toda a machina do que
vem ose nam vemos con­
fía de tres mundos angélico, celefte, & terre­
no; Sc aílí vemos que o Señor bcm dito elle he
chamado formador, ou fortaleza de mundos
cm y efah . cap. 2.6 . & iftoqueriaófignilicaros
Seraphim que viu o mefmo propheta cap. 6 .
que de continuo louuauaõfeu criad or Sc di-
ziaõ :San to Santo Santo,com o dizer Santo em
todos os tres mundos,&: Iouuado Sc iantifàcado
em todos elles ;& que rendo o ScfiorDeus nof-
/ A 4 f o li-
8 Tratado Ja
fo ligar eftes mundos entre íi fazendo que en­
tre elles ouucíTe com m uniçaõ porque fem ella
nao fe podia efte mundo ca de baxo conferuar
com o dille o philofopho, & efta communiçaõ
era taó diíHcil com o feria ajuntar os ceos com a
terra , vfou Deus de hum meyo excelente cri­
ando o hom em ,& dandolhe 1er & virtudes que
o fizeíTem com o vinculo & ligameda terra com
os ceos nao corporalm ente que iífo repugna ef-
tar hum corpo no mefmo tem po em diuerias
partes, mas com o efp irito q u e no homem he
taó angelico & d iu in o , que com o dis Pindaro
con tem p lao q u e e ftà fo b reos ceo s, & o q u e fe
efconde dcbaxo da terra : he ta ó fo til que no
mefmo ponto paila por todas as partes do mun­
do terrefte, fobe ao celeftial difcorrendopor
todas as fpheras, penetra polo angelico ate
chegar a mais alta H yerarch ia, dos a n jo s & o
que mais he naó para ate chegar a primeira
ca u fa :& com o conuinha que efta foberana cri­
atura eftando na terra tiueífe trato no ce o , era
necelTarioqueconftalTe de duas partes taó d if-
tantes com o terra & c e o , & allí feguiu que
quanto ao corpo foi tomado da terra,& quanto
a alma foi mais que do ceo , pois procedeu im -
mediatam éte do mefmo Deus com o dis o ver-
fo G enef. c . 2 . y crio A. D io al hombre poluo
de la tierra, y foplo en fu naris alma de uidas5&
por fer efta obra taó iníigne & lingular auenta-
Immortalidade. 9
jada de todas as mais da criaçaõ naó fomente
a guardou D eus para o cabo de tudo m oftran-
tio que ella era o remate & fim por cujo refpei-
to le fazia tu d o , mas chegando D eu safazela
vía d eeftilo 8c termos diferentes, porque fen­
do tudo a tras dizer & fazer por outrem & 1er
logo obedecido, aqui muda lingoagcm & dis:
façamos o homem, com o chamando as criatu­
ras para denotar que fe em Deus coubera to ­
mar confelho & ajuda a obra era tal que o me­
recia , mas com o elle naó ha mifter ajuda nem
confelho , a duuida qu eja alguñs fizeraó enga­
nados da palaura façamos crendo que ha muy-
tos Deuzes, logo no verfo feguinte G e n .i . Se
' confunde 8c desfaz dizendo : y crio el D io al
hom bre. E ía y u a o b ra c o m o das maós de tal
artifice, quanto ao corpo com tanta ventagem
com o vemos nas figuras nas cores & nos m em -
v "^>ros:quanto a alma infpirada por bocado mefi-
mo D e u s, 8c de feu proprio bafo : quanto as
perfeiçoins recupilaçaõ & refumo de todas as
que ha em todos os mundos, por cujo refpeito
com rezaóo homem he chamado piqueno mü-
L do, porque nellc fe acha o fer com os elemen-
j l x . to s, a com poíiçaó & tem peram ento com os
I miftos, a faculdade vegetatiua com as plantas,
* a virtude fenfitiua 8c motiua com os brutos, &
enfim a alma intelediua com que affemelha aos
a anjos. Efta he a que dà ao homem o fer de ho-
J " A 5 m e m ,,
IO Tratado da
mem , & efta he a que o faz diferente dos bru­
to s ; efta he a que prouaremos 1er im m o rtal,&
incorruptiuel, efta finalmente a que fez fubir o
hoincm em tanto grao, que por elle dis o pfal-
m ífta: y menguaftelo poco de angeles. P f. 8.

Cap. 1 1 .
Das opinioins acerca da alma entre os

Eixadas as muytas & varias opinioins

D de Philofophos a cerca da alma racio­


nal , tocarei fò duas entre fi con tra­
rias , huma dos que faziaó a aima do
homem taõ nobre & izenta do corpo que naõ
confentiaó dizerfe que ella eftaua fubftancial-
m ente vnida com elle , fenaõ que o mouia Sc
gouernaua naó informando & viuificando,mas
aíliftindo & dirigindo aíli com o o piloto faz a
huma nao que a gouerna aíliftindo ao lem e, Se
que eftando o corpo inhábil & incapas defta ^
afliftencia por qualquer caufa que folie logo a *
alma o defemperaua , & iífo era morrer o co r- 1
po , & e n ta ó a alma ficaua liure & íeñora de 1Î
Immortalidade. ii

tal : & defte parecer foi Plataó 8c feus fequa-


zes j mas a efta opiniaó foi totalm ente co n ­
traria a dos que tinhaó que a alma era taó ca -
tiua do corpo 8c tam dependente delle que
de nenhum modo podia eftar fern elle , & que
de tal maneira o informaua & lhe eftaua vni-
d a, que por nenhum cafo podia t ftar fepara-
d a , mas antes em fe feparando logo acabaua
8c perdía fcu f e r , 8c em fim era m ortal 8c
corruptiuel fem ter mais duraçam nem exiften-
cia da que tinha o corpo de quem dependia,
& que com elle fe coníutnia & acabaua : 8c
defta mà feita foi Epycuro & feu vil rebanho
na G recia : defta o malino & obftinado Sadok
na Judea com a abominauel turba dos que
o feguiram chamados faduceos : defta n am ia-
bemos que aja rafto oje no mundo , ao menos
ñas partes onde ha cultura de engenhos Sí, ex-
'Ví.. ercicio de letras humanas ou diuinas, faluo for
em algum mal inftituido particular, que ja por
outras deprauadas opinioins fe deixou leuar
tanto da paxam que veyo a dar na total m ife-
ria & cegueira de fuá alma, com o íocede ago­
ra nefte cafo que tratam os conftrangidos da
propria co n fcien cia, & d ez ejo s de reduzir, 8c
t emendar efte dantes noíTo, & agora com muy-
ta noífa dor corrupto & apartado m em bro,
, ( de cujo remedio nam defefperam ospois yn-
I^ datergliu
ten^ re aluedrio 8c liberdade para fazer
L . y Penj“
il T ratado da
penitencia 8c emenda de fens erros , & to r-
narfe ao Señor que a ninguem fenega , antes
chama os peccadores para lhes dar mezinha de
feus males com o elle m eím o dispor yrm ih.
c a p .3. tornad hijos porfioços m clizinare vuef-
ras porfías.

Cap. I I I .
Em quefe refutao as opinioins aßima
iff fe poem anverdadeira.

N T R E os dous cftremos viciofos 8c

E errados das duas opinioins de Platoni­


cos 8c Epycuros , conhfte a verdade
certa & infaliuel que feguimos , Sc h e
qn ea alma racional efta vnida 8c apegada ao
corpo fubftancialmente informando, 8c naó af-
fíftindo contra o parecer dos primeiros , mas
com tudo que acabada aquella vniaó 8c defata-
da por morte fica a alma viuendo liure & fepa-
•rada do corpo contra o que fentem os fegun-
dos. T em contra fi os Platonicos os grandes
inconuenientes que fe feguern defta fua im agi­
nada affiftencia da alma no corpo,da qual fe le^
guiria que a alma naó da vida ao corpo, Scafíi
ficaria a alma perdédo feu principal efeis» que
Immortalidade. 13
he viuifkarfaria que o corpo naó foíTe viuifica-
dorfenaó fantaftico, & que naó vifle nem ou-
i'i uiíTe nem falaile, fenaó que outrem fizeíTe tu­
do iíTo nellecom o faziaó os eípiritos malinos
<1 n osy d olos: feguirfehia que o homem naó era
1 homem , porque o homem he hum com pofto
de corpo Se alm a, & efte tal modo naó faz có -
pofto, pois nelle naó ha vniaó entre as partes
com ponentes. ConfundefTe o defatino dos E -
pycuros com as eficazes rezoins que apontare­
mos prou-ando a immortalidade da alm a,eftan-
do de acordo com elles que ella efta verdadei­
ramente vnida ao corpo em quanto v iu e, mas
moftrandolhes que podeeftar, & eftàfeparada
do corpo defpois que elle morre : o que fevè
claro porque fendo verdade com o he em que
ninguem duuida que nhúa coufa criada he íe
naó para o b r a r , prouando nos que a alma ra-,
- cional pode obrar fem corpo logo he forçado
? '^ u e podera eftar feparada delle , & yndaque a
alma em quanto eftà vnida ao corpo em tudo o
I aue obra íe ferue delle com o de inftrumento
com tudo ha obras que faó de todo
e, as quais faó as obras do entendi-
chamaó feparado , & da vontade,
ido efpirituais rem otiílim as de tudo
,yFcorporai, com o íe vera nos cap .feguintes.
14 Tratado da

C ap . I V .

Em quefe prona a immortalidade da alma


por parte do entendimento.

Eixando de parte que a alma he to tal­


D m ente efpiritual & inuifiuel, & q u e
nam tern nada de corpo nem m ateria,
porque doutro modo com o a aima e f ­
ta vnida Se apegada com o corpo feria iíTo efta-
rem dous corpos ambos nuin lugar juntam ente
& penetrarfe hum corpo com outro coufa de
tod o abfurda Se reprouada em P h ilo fo p bia;
venhamos ao conhecim ento que fe pode ter da
alma por via de fuas obras proprias que fam as
do entendim ento as quais nam tem de íi nhúm
com m ercio com o corpo com o fe ve claro nos '
anjos que por iífo fe chamam entendim ento^
puros, Se em Deus que fe chama entendim en­
to puriffimo , logo pois em Deus & ríos anjos
onde nam ha nhua materia ha entender, o m ef-
m oíéru na alma feparada pois o homem en té-
de, porque nifto de entender a alma racional
nam tem lim ite,& aíTemelhaíTc a Dcus Se pod#-^
entender em tudo o que entende D c u s , Se yn-y%
da na eflencia do mefmo Deus ; he logo força-\
do reconheçam os no homem algum p rin c ip io ^
Immortalidade. ly
efp iritu al, donde proçedam eftas obras de en­
tender , o qual nara pode fer outro íènam a al­
ma fern miftura de corpo nem m ateria:porque
entender he huá obra em que a alma dentro de
fi debuxa e retrata a coufa entendida,yndaque
mam em fubftancía , ao menos numa viua ima­
gem , & fcm elh e n ça d elia , & p e ra a alma ti­
rar , Sc figurar efta femelhança da coufa he ne-
ceífario que primeiro lhe venha de fora • por
iffo os olhos íe eftampam & informaódas cores
Sc feicois das coufas paraas v e r , a lingua dos
fabores para goftar, & os mais fentidos ca-
dahum dos feniiueis ou qualidades que lhe to ­
c a m , Sc deífas íemelbanças corporais auidas
por m eyo dos fentidos exteriores vai a alma ti­
rando femelhanças efpirituais por virtude dos
fentidos interiores : & v e ífe ifto bem porque
todas as images das coufas ynda recibidas nos
fentidos co rp o ra is, fam muyto menos co r­
poreas Sc materiais do que fam as mefmas cou­
fas donde ellas nacem , com o por exemplo
paraver huá coufa diftante de m i, láe huá fe ­
m elhança da mefma coufa que chega a m i, St
com efta imagem recebida no olho vejo a m ef­
ma coufa que ella me reprezenta. Quem du-
uida que aquella efpecie , on imagem Sc
lem elhança da coufa he com o efpiritual em
refpeito da mefma coufa ? Poriífo os co r­
a o s de tanta grandeza com o os ceos vem
a ca -
J
16 T ratado da
a caber na minina dum olho taó piquena : logo
íe dos corpos viíiueis para fuas imagens & l c -
melhanças vai tanta diferença ate chegar ao
olbojd o olho polo fentido com um ,& mais fen­
tidos & potençias interiores ate chegar a alma
quanto mais & quanto mais fe farà elpiritual a
quclla femelhança que chega a ferinteligiucl?
lera tanto queja feja efpiritual puramente def-
pida de todo de materia & que de nhúm modo
poífaeftam parfe no corpo nem em couía co r­
poral; & aíli h e /5c fe moftra ynda mais claro
no conhecim ento das naturezas feparadas a
que Plataõ chamou y d ea s, com o dizer ho­
m e m , planta & as mais naturezas vniverfais
que o entendim ento percebe, <Sc coníidera to ­
talm ente feparadas & alheas da m ateria, por­
que fe fingiífemos que todas as platas do mun­
do fe acabaífem , nem por iífo o entendimento
deixaria de entender planta & difeurfar nella,
& aíB nas mais naturezas das coufas feparadas
& en comurrqdonde fe fegue que as íem elhan-
ças deftas coufas faó puramente efpirituais, <5c
aiíi impoíliuel he que delias fe poífa eftampar
& imprimir couza que naó feja efpiritual, <5c
por confeguinte pois o homem entende neftas
naturezas apartadas dos particulares 8c indiui
duos , 8c a alma fe reueíte de todas as imagen
das ditas naturezas impoíliuel hc naó 1er a al­
ma efpirito independente do corpo 8c que por
íipode
Immortalidade. 17
íi pode obbrar fern corpo & por confeguinte
fer immortal ; & aífi o entenderaó os pBilofo-
phos que a efta potencia d i alrra chamaram en­
tendimento feparado, & com rezam pois co n -
fidera & contem pla naturezas de todo fepa­
radas, a n jo s,& enfim o mefmo Deus. C or ro-
oraife mais efte argumento porque nifto de
entender por via de femelhanças & imagés das
coufas lâm femelhantes os entendimentos di-
uino, angelico & humano, & tetn hum modo
de igualdade cadahum cm fua proporçam , por
que Deus entende por ter em h todas as fem e­
lhanças efpirituais das coufas a ilico m o te m ,
todas as perfeiçoins de tudo por fer o princi­
pio & fonte de todas ellasjos anjos juntamente
com a natureza angelica receberão tambem de
Deus imagés que lhe reprezentaífem as coufas
para por ellas as entender &c conhecer ; mas as
almas alcançaõ eftns imagés por meyo dos co r­
pos de que le íerué recolhédo polas portas dos
fentidos as femelhanças das coufas em g roílb,
das quais a alma por via dos fentidos intiriores
vai futilizando & adelgaçando outras imagés
chegandoas cadaues mais a l i , ateque final­
m ente íejam inteligiueis & defpojadas de to ­
da materia : Sc pofto que O criador pu­
ra dar eftas imagens das coufas as almas
Jamo as deu aos anjos , o nam fez porque
por honrar as criaturas , &c vfar com cilas
J B mayor
i8 Tratado da
mayor fauor & m erce naó coftuma fazer por fi
o que por eilas pode 1er bem feito : & as almas
podiá aquirir & alcáçar eftas imagés por meyo
dos corpos, mas nam os anjos, por nam ferem
formas juntas 8c vnídas aos ditos corpos com o
faó as almas. Eja defta doutrina fe moftra por-
que rezam eftando a alma vnida com o co rp o *
naõp od e entender fern elle polo fcruiçô que
lhe faz a ella o frecendolhe rtp re2étaçoins pa- 1
ra entender recolhidas polos lentidos , donde
v e y ó a d iz e ro Philofopho que nhúa coufa efta
no entendimento , que naó cftiuelfe primeiro
no íèntido mas a neceflidade que a alma tem
defte feruiço do corpo nam lhe tira poder ella
entender todo creado e increado com o enten­
dem os anjos, & no modo em que pode fer c o ­
mo o mefmo Deus : naó lhe tira formar ella &
produzir para iílò imagés & femelhanças efpi- /,
rituais, 8c vniuerfais: naó lhe tira recebelas em
íi mefma, & eftamparfe delias; por onde pofto
que a alma em quanto efta vnida com o corpo
naó entenda fem elle,naó he ifto parte para que
nam poíla eftar apartada e entender fora delle,
& por confeguinte fer im ortal 8c indepedente
delle. Jf *
Im m ortalidade. ip

h C ap. V .
I Em que fe proua a imortalidade da al­
mapor parte da ■vontade.
I s A V ontade por fer propinqua ao enten­
dim ento he chamada dos philoíbphos
Ä apetite intele&ual, & com rezaõ por­
que nam ha querer fem en ten d er, &
tanto que o entendimento conhece a coufa por
boa, logo a vontade a fegue & procura auer, &
' alcançar ¡ Sc aííi na vontade cabem Sc militatn
as melmas rezoins que no entendim ento,& yn-
da mais claram ente; porque nomeadas as cou ­
fas boas em geral & feparadas, com o a bem a-
uenturança, afabiduria, a honra todos as de-
zejaõ, Sc as feguem com a vontade, por que e f-
~ " fas coufas aíli coníideradas pertençem à parte
efpiritual; mas quando vem a tratarfe do parti­
cular entrando as circumftancias & o s meyos
i para alcançar, en traóos apetites corporais ar-
J remeçandoífe a qui & allí Sc desbaratando o
! dezejo efpiritual : logo he forçado que tenha-
^ * m o s a vontade por independete do corpo,pois
V v eïTi procura a virrude & fedefuela pola alcan-
! çár& p o lT u ir, & de tal maneira viue carregada
j ^ de tudo o corporal que parece dezeja verleli-
ure do corpo vzando Sc fazendo muytas coufas
j B 2 que
1
20 Tratado da
que o deftruem & desberatam : por ccrto que
mal pode ter nada de corporal a vontade que
affi deípreza 8c engeita tudo o do mundo fo
por fe pegar com Deus : & bem fe moftra efta
verdade nos apetites do corpo que fendo elles
tam beftiais, com tudo vemos as almas que yn-
da aííi apegadas nos corpos & com o prezas Cc
catiuas nelles trabalham por viuer com o liures
& y z e n ta sd e lIe sa m o d o d e a n jo s. Bem cegó
efta logo 8c bem furdo quetn vendo & ouuindo
ifto nam reconhece em li mefmo húa alma in­
dependente do corpo aííi por parte do enten­
dimento com o por parte da vontade. E quan­
do ynda aííi fe nam dobre hum obftinado 8c in-
durecidocoraçam que dira aos con flan tes, 8c
valeroíos feruos de Deus que por fantificar feu
nom e fanto entregam a propria vida 8c a de
feus filhos a fogo 8c ferro? dira que fazem mal?
8c toda via Abraham em facrificar feu filho Y f .
h ak, & o filho em obedecer fizeram bem. E fe
nada bafta com efte pedernal gelado 8c duro,
jaque dis profeílâ fer yudeu, íe inim igos o fo r-
çaííem a ydolatrarque faria ? fe efta firme em
fua erro nea ? nam duuidara ydolatrar, 8c fe o
ía z , digame paraque quer 1er yudeu : 8c fe t o - y f
d aviafe deixa matar por honra de Dcus
ley , onde efta entam o premio de obra trnn
m eritoria? oh defcngancífe ja o mifcraucl &
infelice bicho da terra tam ignorante que por "
purav

^ — *
Immortalidade. ii
pura foberba nega a ventagem com que Deus
o apartou d a sb e fta sío p o rfe apartar de todo
Ylrael : faiba que quem nega a immortalidade
'a alma eftá muyto pertod e negar o mefmo
Deus, porq; quem nada tem e nem efpera d’ou-
fti^vida nam tem tem or de D e u s, & onde efte
falta nam ha conhecim ento de D e u s , porque
o tem or de Dcus he a porta daíabiduria &
conhecim ento de Deus . Hora nos coftumes,
nos pcnlam etitos, ñas obras , que vicios , que
infolencias, que maldades Se foberbas nam fe
acharam em quem cuda que defpois de morrer
nam ha de alcançar nem poíTuir mais do que
tinha antes de nacer? enfim fe as almas acabam
com os corpos viua Se triumphe Epycuro co ­
mo diífe hum antigo curiofo, que com eftes vi­
llas & triumphos acabara feus triftes d ia s , qué
-cheg ou a tam infelice eftado que compara fua
L e p rc fa , Se immunda alma com a alma de búa
fapofa, Se de hum cachorro.
ii T r a ta d o da
Cap. V I .
Em quefe iluflra a mefmaproua por
pan e dajufliça divina.

E R T O he que onde ha bom gouerno


C & prouidencia he neceífario que aja
íu fk ien te premio Se caftigo para os
que o m erecem , logo Dcus que gouer-
na o mundo com fumma prouidencia dara pre­
mio aos bós, <5e caftigo aos m aos;& nos vemos
que defta vida mortal faera muytos fern bailan­
te caftigo, nem galardaó de fuas obras, antes as
vezes com diferente fuceíTo do que merecem
pois vemos algüs dos milhores que em lugar de
premio Se galardam paftam a vida en mizerias
& pobreza & nella acabam : & outros vemos-
que fendo indinos de nacer , nunca acabam de '
m orrer, Sc quanto mais cheos d ebes tem po­
rais , com tanta mais foberba Sc inchaçum tri- .
umpham a vida a te o cabo fern refpeito dos,
homes né tem or ou memoria do meímo Deus:!
logo a bus Se outros he forçado que defpois cU «
m orte lhes fique parte , em que Dcus y*fifea
fatisfaçaó que naõ tomou na vida, porque douí
tro modo ficaria diminuta & falta a ju ítiça di-
uina, Se porconfeguinte he força confeíTemo-|[j
outro mundo, onde as alm,,c ^ ^ h e m Se a ju f
Immortalidade. 23
ftiça de Deus íe fatisfaça inteiramente dando a
caaahua o que merece- Paraque nos caníare-
mos trazendo exemplos defta verdade: bafte o
de Jahacob Sc Efau que o deixaó claro com o o
fol Dis Deus por elles em M alachi cap. i . ame
a Ja h a c o b , y a Efau aborreci ; vefte logo bem
que efte amor foi para os bés efpirituais na vi­
da futura, porque nos bés temporais da vida
prezente muytas mais obras de amor fe viraõ
em Efau que em Jahacob:porque Jahacob paí-
lo u a vida em abfencias, tem ores perfeguiçoís,
deígcftos, trabalhos, & dcfterros ate acabar a
uida nelles fora da terra fanta deixando fua def-
ccndencia no duro catiueiro do E g yp to;& elle
mefmo por fua boca condenou fcus annos por
poucos Sc maos diante de Paroh G en ef.4 7 . Sc
Efau polo contrario poífuyo mais larga vida
com mando Sc fenhorio , defcendencia de no­
breza que gozou, Sc grande abundancia de to -
des os bés temporais : logo os verdadeiros bés
daquelles que Deus ama no efpiritual confifté,
Sc nelles fó fc achaõ. Confirmaífe efta verdade
polo grãde cudado com que noífos fantos Pais
procuraraó feu enterro em fo terra fanta, o que
era fuperfluo para quem aíTeutaíTe configo que
tudo fe acabaua com a m orte; & pois elles tan­
to lizeraó por aquella fepultura , certo que al­
gum bem efperauaó de futuro o qual naó pode
fer outro faluo a refurreiçaõ dos m orto s, &
B 4 gloria
gloria das almas bemauenturadas em com pa­
nhia dos corpos glorificados: he logo infaliuel
que outra vida & outro mundo os efpera.

Cap. V I I .
Em quepor pajjos da eferitura fe confirma
de todo efta verdade.

L E M do teftemunho que nos dá a

A L ey Santa dizendo que no naris do


primeiro hornera íoprou Dens alma
de vidas, G enef. cap. 2 . Se do que dis
o v erfo : y crio el Dio al hom breen fu figura
G e n .c. i . o que nunca ninguen entendeu,nem
fe pode entéder fe nao pola alm a,& aííi he ella
tam incorruptiuel com o o lo pro de D cu s, Sc a
femelhança Se figura de Deus , elle mefmo nos
dis por Yefah. cap. y 7 . y almas yo h iz e :& co ­
mo elle fez tudo em exceituar aqui as almas, &
dizer que as fez moftra bem que ellas nam tem _
outra caufa eficiente, Se imediata fe naó Deus.
Y e h e z .c a p .i 8. dis he todas las almas a m iellas
com o alma del padre y com o alma del hijo a
m iellas. N o Pfal. 1 7 . dis : y yo conjuftedad
vere tus faces : fartarmee en fiendo delpierto
de tu femejança : onde fe moílra a refurreiçam
dos
Immortalidade. ly
dos mortos fegundo explica Raffi dizendo:
con juftedad vere tus faces, para o mundo vin­
douro entam verei tuas faces por meyo da ju f-
tedade , por que com ella faras tu Señor que
faya meu juyzo diante de ti: fartarmee en fien-
do defpierto de tu femejanca, com o dizer far-
tarmey de ver tua femelhança na refurreicam
dos mortos que elles feraó os feitos à tua íèm e-
Ihança.E efta parte do verfo explico eu aííirtua
femelhança a faber minha alma nefte corpo
mortal efta com o dormida & cega , & por if-
lo falta & faminta de tua vifta • mas entam me
fartarei delia & ficarei fatisfeito , quando defi-
pertar defte fono^Sc tiuer corpo glorificado era
que nam durma , que fera na relurreiçam dos
m ortos. N o P lal. 4 9 . dis: de cierto D io redi­
m ira mi alma de poder de fuella quando me
tomare felah ; & nam diremos que fejadtaua
que nam a uia de morrer que iflo ninguem ha
que o cfpere,prom etiaíTelogo redencam & vi­
da para o tem po que Deus o ouueífe de tirar
dafepultura: Scconfirm aífe mais efta verdade
porque Deus he chamado Deus de Abraham
Deus de Yshak Deus de jah acob,logo elles vi-
uem quanto a parte principal que he a alma por
q chamarfe o fefior Deus de coufas que naó ha
he tam impoíliuel com o aífemelharie & aceo-
modarfe o a¿to puro q he Deus à pura priuaçã
era q ficai ia o home m orto fe acabaífe de todo
B y para
26 Tratado da
paranunca mais tornar a 1er. AjuntaôíTe mais a
ifto os fonhos diuinos que conftam da ley , as
reueluçoins & prophecias, o que tudo perten­
ce fó a parte cipiritual Sc por confeguinte he
cila diuina pois com ella fe apega o tnefmo
D eus; & quando em todas as mais prophecias
onueífe que rep licar, nam ha replica, nhúa na
prophecia de M ofeh de quem diz a ley E xod .
cap. 3 3. y fablaua A. con M ofeh faces con fa­
ces com o fabla varón con fu compañero j Sc
com o cm Dcus nam ha fa c e s , lie tanto com o
dizer que fablaua Deus a M ofeh immediata­
mente : pois com o he çerto que Deus he efpi-
rito puriilîmo fern materia he forçado que a-
quillo a que elle fe com unica immediatamen­
te fejatam bem efpirito fern liga de m ateria:
elle fe com unica a alma immeuiatamcnte co ­
mo fe ve na prophecia de M ofeh logo a alma
he totalm ente efp irito, & por confeguinte in-
corruptiuel. O que parece conhecia Bilham
quando pedia paraíi morte dos juftos que he o
mefmo que pedir os bés do mundo vindouro,
porque fe elle os nam efperaua,nem outra cou­
la algúa defpois da m o rte , tanto lhe montaua
a morte dos juftos, com o a dos in ju ftos, antes
lhe vinha milhor morrer com o morreu de búa
eftocada , fem paífar as moleftias Se males que
le paíTum em doenças que alguãs vezes pade­
cem tambem os juftos. ]a logo fica bem do­
mo f-
Im m ortalidade. 27
moftrado por argumentos infaliueis & for-
ç o fo s , & confirmado por lugares da efcritura
que conuencem fer a alma do homem im ortal,
& tu d o o que alega o contrariador negando
efta verdade prouaremos fer fallo, abfurdo, Se
indino de barbaros & brutos gentíos , quanto
mais de quem dis que profeífa fer yudeu & o b -
feruar a l e y , a quai temos por fern duuida que
prefto negará fenam torna fobre fi & íe arre-
pende, porque com o dis Dauid Pfal. 4 2 . abif-
rao abilm ocham a.

C ap . V I I I .
Da faifa definição da alma do homem íéf
ignorancia do author della.
E N D O noticia que o contrariador

T que nos o b rig a a efcreu er, trataua de


imprimir hum liuro, & dezejado muy-
to velo, alcançamos hum fo quaderno
que teftemunhamos fielm ente fer eícrito de
fua propria maõ, de que a qui vai o treflado pa=
laura porpalaura; fomente o diftinguimos por
partes para dar repofta mais clara a cadahûa
délias. Dis pois afi.
28 Tratado da
CAP. X X I I I .
E m que íe trata que coufa íèja alm a
d o hom em , quem ha g e r a , íe he
m o rta l, ou polo contrario im ­
m ortal .
Diz. T ara auermos detratar fobre a mor­
talidade , o h imortalidade da alma do ho­
mem he couveniente perguntar prim eiro que
couja j j a a a it a alm a, mor mente qne algas
ignorantes quando ít nomeao parece que a figtw
rao alona donzela em corpo, como outros ñolapintad
fain do do purgatorio . ã i alma do homem pois dire­
mos que he & f è chama o espirito da vida com que
viue o qual efta nofangue ; (d com efte efpirito vine
c homem, faz. fa a s obras, & f e moue em quanto lhe
dura, & naõfe extinguefaltando naturalmente , o h
por algum cafo violento, & nao ha outra d ifer^ ca
entre a alma do bruto , & a do homem, que fe r a do
homem racional, & ad o bruto carecer de razao : no
de mais n acer, v'mer & morrer por tudo fa o iguais
como diz felomoh : & nao tem o homem ventagem do
animal na duracao,porque tudo vaidade ; ajfique à
alma do animal he ofett fungue espirituado como diz
a ley <o nelle conf fte & efta a dita alma : da mefma
maneira a alma do homem nofatigue & efpirito v i­
tal conf f i e .
Deixando as faltas & vicios defta abufada
defi-
älHimortalidade. 29
definicaõ em que naó fe acha genero nem dife
renca eífencial, a qual fe deue as verdadeiras
d efinicois, íe naó húa variedade & inconftan-
cia de palauras dizendo hüa vez que a alma do
homem he efpirito da vida no fangue, & outra *
que a alma do animal he o íeu fangue efpiritua-
\ d o ,& que da mefma maneira a alma do homem
no fangue, & efpirito vital confifte ¡ vamos ao
texto lagrado de que çegamente fe quer valer
efte contrafeito definidor. Dis Deus no D eut.
1 2 .alargando aos filhos de y frael a licenca pa­
ra com er carne como entraftem na terra fanta:
faluo esfuercate porno corner íãngre, que la
fangre es la aima, y no comas la alma cô la car­
ne. Para que nos canfaremos expliçando a me­
taphora defte paifo áquem feobftinou a tóma­
los todos a letrardeixemolo cudar & dizcr que
o homem he hum tronco com ramos & raizes,
a que a ley dis que o homem he aruore docam-
po D t t .20 crea & diga que as pedras da terra
ianta íàõ ferro puro ja que aííi o dis o texto
D eut. cap. 8. diga que os homes podem co­
mer almas de animais &fuftentarfe dellas &
que o fangue naó he vedado porferfingue fe
% naó por íer alma , & a íli logo lhe fera licito
com er o fangue coalhado , ou de hum ani­
mal morto dontem ou antontcm on dc h aja
muyto que falta a alma. Bom philoíbpho efta
efte para aflentar corn elle que a alma he
30 Tratado da
huá fubftancia incorporea, indivifiuel que efta
toda no todo & toda em qualquer parte , 6c
que he fonte & principio ae vida, & a dá a to ­
dos os corpos Sc membros que anim a, & o
Sangue polo contrario vemos quáo corrupti­
ve! & divifivel he taó longe de fer alma ou pro-
prio fogeito delia que nem vida tem nem ynda
re p a rte do anim al, que as partes do animal
naó fe perdem pola menhá & fe tornaõ a co ­
brar a tarde com o o íàngue, o qual he húa fub-
ftancia liquida comporta de diverfos humores
de que os membros fe fuftentaõ , Sc tomando
cadahum o que lhe ferve & aproveita,lança de
fîo re fto co m o inutil & fuperfluo , de cuja re­
tenção feguem muytas Sc perigofas infirmida-
des : mal podera logo huá taó vil Sc baxa ma­
teria fer alm a, mas a ley lhe chama afi por fer
o fangue o principal inftrumento da alma por
meyo dos efpiritos vitais que faó hus vapores
fotís gerados no coracaó da milhor & mais pu­
ra parté do fãngue: & a efte modo m etaphori-
co chama a ley alma a outra coufa mais remo­
ta dizendo D eu t.cap .24.-no penhorara a mue­
la de baxo , y muela de alto que alma el pefto-
ran a faber o inftrumento de ganhar o paó para
fuftenrar a vida, & porconfeguinte a alm aj
quanto mais que a ley de clarandoife no Levit.
cap. 1 7 . naó diz que a alma he fangue, fe naó
que efta no fangue dizendo : que aima de la
earn*
Immortalidade. 31
carne en la fitngre ella com o dizer que o fan­
gue he com o V incido & meyo para a alma in­
formar os membros & fe Vnir com elles.
Quem podera logo fofrer hum ydiota que iem
fa b ero alphabeto da pbilofophia fe atreue a
definir almas fendo fua ignorancia tanta & taó
grafía que as palauras da ley dftas fobre a alma
do bruto & taó mal entendidas delle, as aplica
no mefmo fentido a alma do homem fera mais
prouaquedizelo elle , &c naó fibendo que o
fangue do homem por ley naó he prohibido.
Pois quando naó bailara vera diferença dos
m em bros, da compoficaó & da eílatura do
homem que fe levanta ao ceo taó contraria da
dos brutos que vaó arraftrando & follando po­
la terra para hum yudeu dar Ventagem a alma
do homem em que ib por cila cauía conhece­
rão & confeífaram tanta nobreza & excelencia
os gentios fern ley , puderalhe bailar o que ella
dis G en. cap. 22 : y crio A. Dio al hombre
poluo de la tierra y foplo en fu naris alma de
vidas: pudera notar Se ver o que disoverfo
Proverb. 2 0 . candela de A. alma del hombre,
onde moílra a íabio quap mal eile nouo & e r -
, rado grofador interpreta o que alega do K ohe-
let cap. 3 . onde dis : y ventage del hombre de
la quatropea no es por que todo nada, pois
falaua alli fo n o co rp o ral, com o elle meimo
declarou dizendo : engrandeci mis fech as,
fragüe
V ' -
31 Tratado da
fragüe a mi cafas, plantea mi vinhas & difcor-
rendo por tudo o bom do mundo conclue : y
he lo todo nada. Logo nem da faifa definicaó
do hom em , nem do mal entendido pallo de
Selomoh fe proua fer a alma m ortal, antes íe
moftra totalm éte o contrano,pois felomoh ate
allí falaua ib do corpo & do que os homés al-,
cancam por feus o lh o s, de a alma he inuiliuel:
& a definiçam he tomada dum lugar da Ley
m alen tend ido, & pior aplicado ; m alenten­
dido , pois toma à letra o que alli he metapho-
rico com o ja moftramos : pior aplicado , pois
o que diíTe o texto pola alma do bruto quer el­
le transformar na alma do homem moftrando
que o feu entendimento he ynda menos que o
de hum elephante de quem logo a baxo dis que
he prudente.

C a p .I X .
One a alma do homem naoprocede da mor­
reria como a dos brutos 13 repoßa do
argumento en contrario.

D I Z mais . E fabido que temos coufa queß


chama alm a, perguntamos a oor a quem gera
cjla alma no corpo do homem * Respondemos que na
qttefiao ha pouca duuida, & he claro como o folgerar
o homem a alma doutro homem por geracao natural
ïmmortalidade. 33
da mefma maneira que hum anim al gera a alma
doutro anim al femelhante a elle, affi que hum Ele­
phante gera outro Elephante taõ prudente ; arapofa
outra rapofa taofagas o caualo outro caualo tao fo r ­
te obediente, Cd briofo - o homem polo confeguinte ge­
ra outro homem rational como elle, Cd de corapao en
tendido, que he a diferenga comque dos brutosf e a -
p a rta , Cd nao ha na materia fib r e que duvidar :
doutra maneira fo r a ageragao do homem manca Cd
imperfeita contra a ordem Cd inflituigao dittina , a
qual em virtude de fu apalau ra por mejo da fim ente
p oíla em cadahua das criaturas todas gerao f i u f e ­
melhante, Cd afflfe confer uadfuas ef f efies , Cd mul­
tiplicad, Cd ao homem particularmente fiy d ito: Cd
bem dijfe a elles Deus , <Cd d ije a elles Deus g e r a i,
multiplicai, Cd enchei a terra, Cdf ogeitai a ella, Cd
dominai feb re os pexes do mar . £ porque ò homem
gera em todof e ufemelhante ; por i f f o diz, a mefma
eferitura : Cd A d am viueo cento Cd trinta annos, Cd
gerou a fu a femelhanga: A dam ragional Cdprinfipe
na terrafobre as criaturas gerou a fu a imagem Cd
femelhanca em tudo perfeito fern que outrem inter ui-
ejfe na geragao . O mefmo diz, Selomoh quando diz:
que o nacer do homem hefemelhante ao nager do ani-
« m al ; Cd en fm a coufa car ege de toda duuida Cd con-
tradigaõ confirmada por rezao Cdpor lej.
Dado hum abfurdo fe feguem muytos , Se
aífi fe ve agora nefte contrariador falto de le­
tras que tomando porçerta & verdadeira búa
C pro-
34 Tratado da
propoficaó faifa, a iaber que a alma do homem
era aííi com o a alma do b ru to , logo vem com
outro tal erro dizendo que tambem os brutos
&OS homes faó femelhantes & iguais na gera-
ç a õ , Sc qne as almas dos homes procedem da
materia aííi com o delia procedem as almas dos
brutos : naó refpeitando a diferença ik. venta»
gem com que foi criada a alma do homem in -
fpirada nelle polo mefmo Deus: naó vendo que
elle dis em Yl'ah. y 7 . y almas yo hize : naó fa­
zendo cafo do que dis Selom oh Prouerb. 2 0 ,
candela de A. alma del hombre : atropelando
tudo cego pola contum açia vacilando, Sc tra­
zendo rezaó de vento que ficaria o hom em im -
perfeito fe naó geraífe outro homem inteira­
mente dandolhe corpo & alma, aífi com o hum
caualo gera outro : Sc trabalhando accomodar
a feu vaõ propofito o lugar do Genef. ca. 1 . em
que Dcus bendiífe o homem mandandolhe que
geraífe & m ultiplicaífe, Sc en cheífeaterra :
donde fe proua ío que a lei obriga ao homem a
efeituar oju fto matrimonio , òcque procure
ter legitim a deícendencia & povoar o mundo,
Sc que naó deixe de todo eífa obra dando para
ella o que pode dar que he a materia fem inal:
& afsi nenhuá imperfeição lhe fica pois da tu­
do o que pode dar , nem os brutos ficaó com
véntagem porque as almas dos brutos eftaõ na
materia em p o ten cia, Sc dalli íaem em a&o ,
mas
Immortalidade. 3y
mas a alma raçional com o he de grao , fuperi-
or, & q u e nhum com erçio tem com a m ateria,
nem depende della,foi forçado que vieíle tam­
bém de grao fuperior : & yndaafsi fica o ho­
mem com muy ta ventagem , porque da fua vir­
tude feminal do homem proçedem os mefinos
gjaos de alma que proçedem da femente dos
brutos, porque a criatura humana no ventre de
fua mai antes de ter alma raçional primeiro vi­
ve vida de planta ufando das virtudes da alma
vegeta tiua nutrindoífe & creçendo ; & de-
fpois viuevidade bruto gozando das faculda­
des da alma fenfitiua & motiua, com o he reçi-
bido por todos os philofophos & medicos
fundados em rezois & argumentos infaliueis
que naó faó deftc lugar , ]a logo a virtude fe­
minal & gcneratiua no homem naó fica nada
inferior a dos brutos, pois em poterçia tem as
mefinas almas vegetatiua & fenfitiua com que
fae cm a ¿to & fae adtuando, com pondo,& or­
nando a materia com tanta diferença quanta
fe ve na diftinçaõ dos membros do homem, no
f it io , na ordem & fermofura delles chegan-
doos a eftado & tempo que fejam orgaos ca-
, paçes de reçeber & recebam em fi a alma raçi­
onal inteleádua , & a dita difpofiçam 8c virtu­
de proçede da faculdade formatiua pofta na íe -
mente humana, onde nam chega a dos brutos,
nem fe eilende a mais que a formar membros
C 2 ca-
36 Tratado da
capaçes de alma fcníi tiva. Hora o que alega de
Adam que gerou feu femelhante a cabo de çen-
to & trinta anos prouando dahi que o homem
gera a alma doutro homem he abufo & lugar
mal entendido que fe por elfa razaõ fora pri­
m eiro diíTera iífo mefmo porKain & H evel que
tam bem foraõ homés gerados por Adam & n?ó
podia aver caufa porque naó troixefíem delle a
mefma femelhança que troixe Seth ,fe a femel-
hança fe ha de entender quanto à geraçam •
m a so çe rto he que a femelhança de que fala o
texto G en. y . dizendory bivio Adam çien to y
treinta anos,y engendro en fu femejança com o
fu figura : y llamo a fu nombre Seth . Se en­
tende quanto as qualidades, & virtude, & por
iífo naó ufa a meíma lingoagem nos primeiros
filhos porque elles naó aviaó de fer os que her-
daífem a bondade , & virtudes de feu pai , íe
nam Seth por cuja linha dereitaaviade vir 8c
veyoaom undoadefcendençia dos bòs & e f -
colhidos de Deus : por ifío dis o texto &c nota
por Seth filho terçeiro o que nam notou , nera
diiTe dos prim eiros, que gerou Adam feu fe­
melhante a faber hum filho verdadeiro 8c de-
reito fuçeífor na virtude 8c herança propria de 0
íèu p a i, diferente dos filhos primeiros com o
f o ir & a e f t e modo dis o texto G e n .z y . que
Abraham engendro a Y sh a k : & Gen. 2 1 . dis
que en Yshak fera llamado a el fernen : lendo
çerto
m m ortalidade;
§ çerto que tampem Abraham gerou Y fm ael&
1 outros filhos que por eíTa caula tambem eram
I 8c fam femente fua , mas a herança da virtude
I Sc bom nome 8c enfim do morgado de A bra-
I ham tocava fomente a Y s h a k , por iífo dis o
* texto que Abraham engendro aY shak & que
cm Y shaktera Abraham a femente 8c deícen-
d e n çia , com o tambem Seth fe chama femel­
hante a Adam,mas nam os outros porque Seth
I foi o legitim o herdeiro nos verdadeiros bés 8c
caíã de feu pai,que quanto nos bés da geraçam
natural tam femelhantes eraõ hús com o os ou­
tros . E ao que alega de Selomoh que o h o-
f mem no naçer he femelhante ao bruto nam ha
que dar repofta por fer trazido fern propoíito
fendo o naçer dos corpos em que o Sabio coin
rezam afíèmelha os homés aos b ru tos, & tra­
tando nos aqui das almas que nem naçem , nem
o dito de Selomoh fe entende delias pois elle
mefmo dis K ohel. 1 2 : y tornara el poluo fo -
Kre Ia tierra com o e r a , y el efpirito tornara al
D io que lo dio, Sc Proverb.20 : candeia de A .
alma del hombre .

C 3 C ap.
CAP. X. °
Q u e D eus introdus as alm as nos
corpos hum anos por m o d o a nos
o c c u lt o ..

I Z elle. O sq u ed iz en q u ea sa lm a sjlid

D Entes apartados do corpo , os quais Deus


criou por ju n to , & tem poßos como era f i ­
letro donde os manda meter nos ventres das
prenhes nao merecem fe r ouvidos, & f i o eßes osfo n -
hados defatinos da an tigavam gentilidade indinos
de toda rcpo'sia, queynda agora feguem ospharifeos.
Outros diz.em que nos ventres das prenhes por nova
cria ç a o cria Deus eñes Entes: coufa tambem m ara-
uilhofa eñranha de rezad & ley : & os que efla opi­
nião tomaofoy por nao conpeder em fe r a alma do ho­
mem mortal como entendíaloficauafendo f e fo r gera­
da por outro homem, & por aquelles meyos naturais
que as almas dos'dnimais f i o geradas : & como eßes
tambem porfi nao tenhad rezam , nem ley que ajude
feu penf¿mentó,& fabricad a adeuinhapam , nam ha
paraque gafiar o tempo em referir fu as rezois, &
desfazer feus fr a c os & caducosfundamentos.
N aó fei fe algum legiflador falou mais atre-
uido & refoluro que efte efpertador da torpe
& ja ha muy to fepultada feita de Epycuro que
por íer em materia taó graue ou por milhor di-
Im m uiUllüUUl!!. JJ7
zer taõleue em feus olhos, naó íè atreueu,nem
lhe pareçeu alegar leinem rezois , mas nhúa
podia auer para dizer que hús fonharaó defati-
nos & que outrostem fracos Sc caducos funda­
m en to s; fendo çerto que ifto das almas com o
& quando entraó nos corpos he húa das gran­
des marauilhas de Deus ; & fe elleús criou jun­
tas , Sc as tem no mundo d asalm as, ou as vai
criando húa & húa que faz iílò a noífo cafo, ou
que mais lhe cuftaua fazelo ùifi que afsi *
N aó he elle infinito no poder para as criar
com o & quando quizer ? N aó he incom pre-
henfiuel no faber para as introduzir nos corpos
quando os vir capazes delias? N a ó h e im e n -
íò para em todo lugar as prou erafeu tem po
fem tardar ? Logo que defuario he meter niífo
com tanta confiança Sc atreuimento naó fo ­
mente afirmando torpezas , fe naó tambem di­
zendo liberdades, fendo çerto que a formaçaó
do homem no ventre de fua m a i, a variedade,
diftinçam Sc fermofura dos membros delle o
fccreto Sc eficaçia das virtudes & faculdades
que Dcus pos nelles, o chupar aquella femence
da fubftançia da mai afsi com o qualquer fe-
mente deitada na terra chupa as humidades
delia, ho ufar das virtudes da alma vegetatiua
nutrindoífe Sc creçendo antes de fctuir nem fe
m ouer, & defpois aquirindo membros ja di-
ftintosm asvndaim perfeitos moueríè & fen-
C 4 tir
tir lem entender moftrando efeitos de alma
fenfitiva, & finalmente pulindolîè mais aquel-
les membros fazerenfè vafos Sc orgaós fufiçi-
entes 8c accomodados para entrar nelles a ai­
ma ititele&iva, he tudo tam admiravel 8c cheo
de mageftade & fabiduria divina que obrigou
os m ilbores dos philofophos trocar a con tem -
plaçam defte pailb em admiraçois ; 8c ao pfak
mifta rem eter tudo ao faber & poder do fenôr
dizendo no P fa l.i i$>:tus manos me fizieron 8c
me com puzieron, & ynda que açerca do tem ­
po em que feintrodus a aima raçional no co r­
po humano pudera alegar pareçeres Sc rezois,
co m o as principais defte tratado fe fundam na
Ley,íegu indo nos os paífos delia dizemos que
o mais provável he que a alma do macho entra
no corpo aos quorenta dias 8c a alma da femea
aos oitenta conform e o que mandou Deus no
L e v it.1 2 . que elfes melinos dias tivcífe a pari­
da de reíguardo antes de vir ao templo quo­
renta polo macho Sc oitenta pola femea. M as
em coufas tam occultas & profundas que Deus
refervou fó para fi falao os homés fabios &
graves muyto a te n tó ,& os ignorantes & lig e i-
.ros falam fem confideraçam nem refpeito c o ­
m o faz efte aqui moftrando bem a quanto íe
ellende feu fraco eftudo fem fundam entos,
nem doutrina.

CAT.
ïmmortalidade. 41

CAP. XI.

D a im ortalidade da alm a & m undo


vindouro refutando a faifa con-
• clu íaõ do con trariad or.

I Z elle mais : Seguejfe perguntar f e a

D alma do homem he mortal,ou polo contrario


imortal. E remondemos que do que precede
f e f e a colhendo a repofta,&fe r a dita alma
mor tal,pois dijfemos que ella confiflia no fangue , &
efpirito v ita l, o qual prim eiro morre & f e extingue
no homem do que o mefmo homem morra ; & nam
m orrera o homem f e o efpirito vital alma que o ani­
m a namfalta r a nelle : provajfe efta verdade natural
& palpada por muytos lugares da e fr itu r a expref-
fo ji aos quais nam ha tornar repoíla : & primeiro f e
prova porque nam conf a da ley que a alma do homem
fe ja im m ortal, ou para ella eíleja guardada outra
vida pena ong lo ria , & era totalmente impoffwel
naöfaseer a ley de tais eoufas mencao, porque nao co-
fu m a Deus incuhrir ao homem o caftigo antes lha
poem muytas vez.es diante para comomedo delle o
defuiar do mal como pola ley parece •
Ja affima moftramos claro que nem a alma
do animal bruto he fangue quanto mais a
C j do
41 Tratado da
do homem, por fer a alma do homem bua fub-
ftançia incorporea, inuiíiuel, Stincorruptiuel,
& o fangue húa materia em tudo contraria,em
que ha inuytas caufas de corrupçam na qual
encorre a cada paíTo : & íe o texto dis que a
alma do bruto efta no fangue he porque faltan­
do elle falta o principal inflam iento della c o ­
mo fica d ito , ¿celia fern inftrnmento n am o -
b r a , & çeífando de obrar fe aparta do corpo,
5c iífo fe chama morte : 5c vifto qne a alma do
bruto nam he fangue nem iífo quis dizer a le y ,
muy to menos o fera a alma do hom em , nem
ynda eftara no fangue com o em fogeito pro­
prio, porque grande abfurdo feria , que a alma
que tem por natureza dar vida aos membros
que anim a, 5c que he fonte da mefma vida,
deixe fem ella ao fogeito em que efta imedia­
tam ente , porque o fangue nam vive, nem he
parte integrante do corpo com o fe ve no muy-
to fangue queem húa hora fe perde, 5c em ou­
tra fe cobra fem por iífo auer variaçam na
quantidade, litio 5c numero das partes : hora o
que aqui dis o nouo artifta que o fangue 5c e-
ípirito vital primeiro morre 5c fe extingue no
homem do que o mefmo homem morra he dar
duas contraditórias ambas verdadeiras 5c con -
çeder tempo em que o homem efta m orto5c
nam efta morto : efta morto por queja lhe fal­
ta a alma pois fe extinguiu o Íangue 5c efpirito
vital:
Immortalidade.
rirai : naó efta morto porque elle afîï o dis que
o efpirito vital fe extingue antes que o homem
m orra. Veja cadahum com o a faifa opiniam
por fi mefmo fe deftrue . E ao que nega da
imortalidade da alma & da outra vida ha p cu -
co que refponder, porque fer a alma imortal
ja nos confta claramente da efcritura por muy-
tos lugares alegados, 8c por rezois demonftra-
tiuas : & au ero u tro mundo , & gloria para as
almas dos bós & condenaçaõ para as almas dos
maos naó he materia de duvida para os crentes
& fieis que admitem rezaó & doutrina, & a
procuram 8c dezejanv, que para os rebeldes 8c
infiéis efcufadas faó prouas, nem feruem con ­
tra os que negam os principios. Mas o premio
que dezejauam os prophetas & porquem dizia
David Pial. 2 7 : Si no creyera para ver en
bondad de A. en tierra de las vidas ; que he fe
nam o mundo vindouro fignificado nas palau-
ras de Abigail a David noliuro i.d e S e m u e l
cap. 2 j : y fera alma de mi fenor ligada em li-
gadero de vidas con A. tu Dio ? Eque outra
coufa nos moftra Yiah. cap. 6 4 . fe naó o mun­
do vindouro dizendo : o jo no vido D io íaluo
arique aífihaga al efperan a el ; com odizer:
o bem que o naó viu fe naó D c u s , Deus o fara
faber ao homem que efperar nelle ; 8c fe o fe-
nór nos nam deu expresam ente notiçia da-
quelle mundo a nos occulto elle fabe o por-
que:
44 Tratado da
que : S íja diíTcraõ uoftTos fabios q por naó auer
a elle comparaçam, nem ferem os fentidos hu­
manos capazes de o perçeber; mas afirmar que
era impoífiuel deixalo a ley em íilençio he erro
craífo querer obrigar a Deus que moftre & co ­
munique aos mortais o que elle viu que conuín-
ha efconder 8c guardar para os viuentes da ver­
dade: como elle dis P f. 3 1 .Q uan grande tu bic
que guardarte para tus tem ientes,onde a palau-
ra hebraica que treíladaram guardarte, propria-
‘ m ente falando dis efcondifte. Hora dizer que
conuinha decláralo & m oftrar os caftigos do
mudo vindouro para defuiar os homes de pec-
cados he dito fem nenhü vigor que baftantes
auizos den a ley ao homem , 8c lhe pos diante
artas de premios & caftigos nefte mundo que
com o de contado obrigam mais : & yn d aco m
as promelfas & ameaças do outro mundo lhe
nam faltón como fe ve no que promete a ley
aos boms dizendo no D eut. cap. 2 2 . porque
fea bien a ti y faran alongar dias, & polo con­
trario Num er.cap. 1 y. ameaça os maos dizen­
do: tajar fera tajada la alma efla, fu peccado en
ella: por boca do fefior temos,porque feja bem
a t i, he nefte mundo, 8c faras alongar dias, he
no mundo vindouro que todo he longura:& do
mefmo modo temos que talhar he nefte mun­
do, fera talhada he nomundo vindouro. E def­
ies verlos efta he a verdadeira explicaçam , &
quem
ïm m ortalickd e’ 45
quem quer antes as fabulofas Sc inuentadas co­
mo faz efte atreuido fiqueffe com ellas com feu
dono acabaram miferauelmente, pois elle rnef-
mo fe cança tanto, «Se tanto eftuda «Sc trabalha
por fe priuar do bem que Deus lhe daua & que
dara fern duuida nhüa a feus tementes & verda­
deiro pouo de yfrael com o diiferam aquelles
fantos varoims &c fabios noiTosrtodo yfrael hai
a ellos parte al mundo el venidero.

Cap. X I I .
Confirmaffe a verdade do mundo vindou­
ro refutando mais as faifas rejoins
cm contrario.
is mais, fcgundo f e prona porque dijfe D e tu
D ao borne:no dia que comeres della morrer mor­
reras, logo o homem foy criado mortal, S3 fogeito a
morrer ; doutra maniera f e fu a condicam fo ra im «
mortal ejfa immortalidade omiera de ter no corpo ti­
ni mado espirituado com o espirito que Dcus lhe in­
spirou, mas nao deuia morrer : outroß lhe di f e Deus
po tu & empo feras tornado, com que manifeßou ao
homemfeu fim , (3 lhe fe z fib e r que pesio que criatu­
ra tam principalfeus dias teriam numero & fin , &
ao que dantesfoy a ifo mefmo tornaria.
A efcri--
4<S Tratado da
Aefcritura fagrada nos da be.m a entender
que o homem nam morrera fenam peccara nas
palauras que Deus lhe dis Gen. cap. 2 : de to ­
do árbol del huerto com er comeras , ß c de ár­
bol del faber bien y mal n o 'comeras del, que en
dia de tu com er del morir morirás -, feguefe
logo polo fentido contrario que fe nam'Qome-
ra nam morrera : confirmaíle com a rezam do
m eím o verfo que d is:no dia que comeres mor­
reras , Se elle viueu muytos annos ; he logo
çerto que a fentença foi ficar fogeito a morte
no diaque com eu, Sc defpois yr viuendo Sc en­
fim morrendo contra o quedantes tinha por
natureza . E moftraífe mais efta verdade pois
ynda afsi pudera preièruarfe da m orte & tinha
no parayzo ter real remedio para iífo , Sc por­
que o homem peccador Sc fentençiado a mor­
rer nam efeapaífe da morte foi neçeífario de-
fterralo do parayzo com o dis Deus G en.cap. 3
y agoraquiça tendera fu m ano,y comera tam­
bién del árbol de las vidas , yviuira parafiem-
pre : & ifto de poder viuer para fempre nada
encontra a boa rezam , porque fe o homem ti­
ñera remedio para reftaurar tam bom húmido
radical & taó boa fubftancia com o perde cada
m om ento, eftiuera fempre num fer , Se nunca
m orrera, mas morre porque os mantimentos
com que cobra o que perdeu fempre tem algua
cou fade contrario com que enfraquece as vir­
tudes
Im m ortalidade. 47
tudes corporais -, & fe Deus tinha dado & po-
fto naquclla aruore efta virtude de rcftaurar
igual fubftançia da que fe perdeu , & esforçar
as virtudçs corporais, quem duvidara que com
ella podia o homem conferuar a vida para fem­
pre : mas deixando de parte tudo iífo , & dado
qpe o homem auia de morrer que tem que fa-
- zer iífo com a alma que por natureza he imor­
tal ? & morrer nam he mais que apartarfe a al­
ma do corpo & tornar cadahum a feu lugar -, Sc
por iífo dis Deps ao homem Gen. cap. 3 . que
poluo tu y a tu poluo tornaras. Q uem duvi­
dara que chama po aquella patte que foi toma­
da do po que he o corpo o quai efta em boa re­
zad que torne ao que dantes f o i , com o torna
tudo o que natutalmente fe corrom p e. Mas
quem ju lg atao mal que dis que alli fe entende
tambem aim a, & que ella fe torna em pò, pri­
meiro ouvera de provar que a aima foi dantes
pò,m as ella nunca foi nem podia fer pò, fenam
efpirito de Deus & fubftançia em tudo con­
traria do co rp o , Sc afsi quando nam ouvera
mais rezam impolsivel era tornarfe a aima na-
cjuillo em que fe torna o co rp o , porque duas
iubftançias contrarias quando conçedeífem os
que ambas fe corrompem era forçado que fe
convertelTem em lubftançias contrarias & naó
ambas em húa mefma co u fa. He logo mani-
fefto diíparate dizer que a alm adohcm em a
caba,
•48 ' Tratado da
a Qglja, & fe comprehende no verfo : poluo tu ,
y a tu poluo tornaras, a que Selomoh muyto
antes acodiu dizendo K 0h elet.cap .1 2 . y el e s ­
pirito tornara al D io que lo dio: & noíTos labi­
os tratando da alma diíTeraó.-tornala al D io co ­
mo te la dio a ti,a íãber tam limpa & taó pura.

Cap. X I I I .
Que ospadres conhecerão o mundo
"vindouro.
iz mais. Terceirof e prom porque os padre nao
D atentaram a outra v id a , nem trataram , dos
bes della comof e nota de fe a s palauras por que d.iz.en-
d o o fe n o r a jib r a h a m q u e fiu premio fe r ia muy to,
elleresfiondeu: fenor Deus que dar as a mi, & eu me
vou fem filhos y& eñ e criado de minha cafa fe r a meu
herdeiro como dizer : Señor eu n am fii em que ei de
auer eñ e premio grande, ou em que moeda me as de
pagar pois eu nam tenho filhos que fejam herdeiros
defies meus bem s, & f e A braham atendera a outra
vida deixara o premio grande para ella,03 nam tra­
tara dos bems presentes ■deñes bems tratou T f h a f
na bençam com que bemdijfe a Tahacob, & fobre el­
lesfe funda a L e j pondohos por premio dos bons:tam­
bem Selomoh confiderando os males que na vida aco­
teciam , 03 nam vendo outra milhor,julgou por mais
bemanenturado aquelleque nam naceo.
Defpois
immortaiidade. ' 4^
Efpois que Abraham vençeu, & deipojpu
os iînco reÿs de que conta a efcritura Geïi
c a p .i 4 .L og o n o cap .leg u in tefe moftra Deus
a Abraham , & lhe dis: no temas Abraham , yo
amparo a ti tu precio mucho mucho ; y dixo A -
braham. A. D io que daras a mi ? y yo ando íòlo
& c.q u e a letra pareçam ifto promeffas tem po­
rais feitas em tempo que Abraham tinha caufas
de tem er inimigos poderofos Sc ofendidos; íe -
Vgundo iflb vendoffe Abraham fem filhos bem
aifenta o que refponde. A . D io que daras a mi?
& afsi no mefmo lugar a baxo prometendolhe
Deus a herança da terra reinonde: en que fabre
que la heredare ? D e modo que defte lugar íe
moftram bem promeiîàs temporais,vencimen­
to de inimigos, pas, herança de terrav& Abra­
ham refponde parte como quem nam auia m if-
ter tanto pois nam tinha herdeiros, parte como
quem fe achaua indino pedindo final. E o fenôr
querendo acodir a efta fraqueza & <|efconfian-
ça de Abraham lhe manda logo ftizer aquelle
m ifteriofoiàcrificioalli relatado, moftrando-
lhe em propheçia os muytos cafos que por dif-
curio de tempo auiam de acontecer a feus def-
cendentesem quenam aueria conto. Mas to ­
mando efte paifo polos bems efpirituais nada
en contra a repofta de Abraham dizendo. A .
D io que daras a mi? como d izer, fe eftou falro
de filhos que he o principal dos bems tem po-
D rais,
yo J. rataao a a
rais, como me prometes bems efpirítuais ? que
eftando eu falto de m erecim entos para os bés
menores donde me víraó para os mayores ? a- v
lem diíTo fabia bem Abraham que a bemauen-
turança para fer perfeita requere os bés efpiri­
tuais para a alma no mundo vindouro, & d es­
cendencia de filhos no mundo prezente com o
dizia o pfalmifta Pfal. 2 y. falando do jufto te -
m ente de Deus , Sc perguntando quem er£
efte jufto dis : fu alm aenb ienm an ira, y fu fe-
miente heredara tie rra . Bem refponde logo
Abraham nam duuidando da promefla fer efpi­
ritu al, mas reprezentando leu eftado Se falta
paraque Deus lha fupriíTe & afsi lhe fizeífe a
bemauenturança cumprida Sc acabada como
fez . E deixadas as muytas provas que conucn-
cem & moftram claro que Abraham conhecia
& efperaua os bés da outra vida para que he
mais que o facrificio de Y shak? porque caula
o lacrificaua Abraham fe por premio diganos
qual ; porque vida ja elle efta cançado della,
velho defenganado do mundo com a experien­
cia de tantas prouas, trabalhos & peregrina-
çois : bés do mundo tem muy tos mais do que
ha m ifter, & nenhum podia recompenfar a
morte daquelle filho : & le toda via diífermos
que Abraham teue algúm refpeito humano yn-
daque na verdade o nam teue nem podia ter :
que diremos a Yshak mancebo na flor de fua
ydade,
ydade, porque fe deixa m atar, íe por defobe-
a ecer a feu pai tem e que lhe pode vir algum
mal d efp ois, nenhum mal lhe pode vir que íe
compare a voluntaria m orte a que logo le en­
trega : certo que grande defatino feria fe o naö
faz por alcançar o premio dos bés que Deus
tem guardado para os bós que affi o temem, &c
felb een treg aõ p o rfan tificarfeu fanto nome,
tjue eftaó prontos a dar p orelleapropriavid a,
& nefte caíb naó cabe replica a quem tiver al­
gum juyzo de razam :& a que fe alega das ben-
çois que prometem fo bés temporais he falía
porque primeiro fe incluyem nellas os bés eí-
irituais ; & por iífo com eça a bençam de Y f-
E ak a Yahacob com húa conjuncam dizendo
G en. 27 : y de a ti el D io de rocío de los cie­
los, & c . final çerto que primeiro lhe deu outra
bençam que fe aífi nam fora impropia feria a
conjuncam : quanto mais que a bençam pri­
meira ficava expreífamente dita antes no verfo
afsima y bendixolo. E çerto he que qnando fe
poem a palaura de bençam abfolutamente íem
declarar que forte de bençam eífa contem os
bés efpirituais, porque a bençam dos bés tem ­
porais nam fe poem nunca abfolutam ente, fe-
nam nomeandoos & declarándoos hum por
bum : & conforme ifto dis o texto Gen. 2 6.
defpois da morte de Abraham : y bendixo el
D io aYshak fu hijo : «Se nao declara em que o
D 2 > ben*
bendilTe por fer bençaó de bés eíp iritu ais. E
quanto o que alega de Selomoh que vendo os
males deíta vida & naó conhecendo outra mil-
hor julgou por mais bem aventurado a quelle
que naó naçeo he totalm ente abfurdo & mal
entendido; pois outros muy tos lugares de Se­
lomoh moftraó o contrario,m as naquelle lugar
do Koheleth introdus Selom oh hum Epycuro
mao homem & defpois que em leu nome tocá
muytos a co n tecim en to sfemelhantes aos dos
brutos em cujo numero com rezaó fe pode di­
zer que eftam os epycuros conclue & dis que
efte tal milhor lhe fora nam naçer, pois que na
çeu para mal tratando fó do corpo,tem o fabio
que menos mal fora ficar em pura privaçam, &
nam perder a alma mas os que naçem para bem,
& ièrviço de feu criad o r, & procuram os bés
do corpo fomente p orvir a alcançar os da al­
ma , o mefmo fabio lhe anuncia & promete
grandes bés do mundo vindouro dizendo no
K oheleth cap. 7 : m ejor dia de fu muerte mas
que dia de fu fer naçidojporqucnacendo ynda-
quegozedos bés temporais he com anguftias
& trabalhos nefte mundo , mas morrendo co ­
meça nova vida em que goze dos bés efpiritu-
ais no mundo vindouro , onde para osbem a-
venturados tudo he bem íem nenhüa miftura
de males como tera os bes defte mundo .

CAF »
ïm m ortalidade. jj
CAP. x ir .
Q u e as almas dos bem aventurados
g o za m da g lo ria d e D eus & o
lo u v a o .

I z mais • Porque efta eferito : por ven­


D tura aos mor tos fa ro s m aravilha ; f e os
que carecem de vida f e alevantarao, Lou­
v ar ao a ti , por ventura contarfeha naf e -
pultura tua m ifericordia, tua verdade na per dicao :
por ventura fe r a conhecida na efeur idade tua m ara­
vilha , & tuajuftica na terra do efquecimento ? logo
negaaos mortos poder louvar a D ens, (3 levantarf e
para iffo, porque naquellafua morada nao ha v id a ,
nem ha eff>ir it o na cova terra de perdigad terra de
efeuridade & efquecimento, & f o os vivos podem
louvar a Deus ; (3 nam os mortos louvar ao ao f i -
nor nem todos os que decem aofle n c io >(3 nos bendi­
jéremos a y ah de agorafafta fem p re. Por ijfo efles,
(3 outros lugares femelhantes que a cada paß of e a -
chao f e argumenta da mi fe r ia (3 vaidade da vida
humana para obrigar a Deus a m ifericordia (3
compaxam de criatura tam caduca, & tadposteo du-
rad eira . Eis de palmospuz.efte os mests d io s , (3 o
meu tempo como nada diante de ti : de verdade tudo
v aidade & como fom bra pajfd todo homem : ouve
m inhaoragam fenór, & atenta minhas lagrimas, &
D 3 meu
54 Tratado da
meu clamor nam defuics agora porque peregrino et*
contigo,jornaleiro como todos meus paßados: defat ade
m i (3 levanta de m i teu caftigo, enfortecermeei antes
que va f3 nao eu f3 em outra parte : elle mi fe r icor-
d iofof3 fe r a propicio fobr ea maldade , f3 nam de-
perdera f3 nao multiplicara para defviar fu a yra ,^
nam e ff er atar a toda fu afan h a : f3 lembroujfe que
carne elle, efpirito quepajfa f3 nam tornara : f3 Tob
d ijia C.7* meus d i as fo r am ligeiros mais que a lan-
fad eira do tecedor f3 faltaram fern efferan ça de co­
brar outros ■lembrate que vento minhas v id a s , nao
tornara meu olho av erb em , nao me ver am olho do
que me via,teus olhos en mi nam eu : faltou a nuue f3
pajfou, afsi o que dece à cova nao fu b írk, nao tornara
mais a fu a ca fa, nem conhecerão mais ofeu lugar-yf3
logo diz, mais : eflou enfiftiado de minha vida, nam
e i de viver para fem pre, çeffa de mi com açoite, por­
que vaidade nieus dias : o mefmofentido fegue no cap.
I4> & outros muytos lugares qu eferia largo referir j
f3 quantosTfilmos f e achaõ effalhados que todos con­
ferem f3 concluyem com dizer que a vida do homem
he breve,f3 acabada ella naõ lhe fica nem taofomente
e f f er anç a de poder tornar a cobrar-outra ; porque a
arvore f e fo r cortada tem efperança de tornarynda a
f e r renovada-, f3 fu a brotadura nao cef a r á , f e envel­
hecer na terra fu a r a is , f3 em po morrer Jeu tronco
com o cheiro das aguas brotara, f3 f a r a ramo como
planta,mas o homem mor re f3fe r a enfraquecido f3
morto o homem, f3 onde elle : andar a b as aguas do
■■ ■ - “ * » ir ,
Im m ortaudade. ™
m ar, f3 o riofe r a fe e o f3fecarfea:m as o homem dor­
mio f3 nao fe levantara ate nao aver ceos nao efper*
tarao, f3 naofe levantar ao de f e a fono : como dizer :
tam ímpoffivel he o homem morto tornar a viver ,que
poder aoprim eiro fa lta r ao m ar as aguas, f3 os rios
caudalofosfecarfe, mas o homem nunca poderá tornar
raviver em quanto ouver ceos,quefe r a fem pre , nam
accordara dofono mortal qne hiia vez. dorm ir : £ por
que efte fono he taopezado dizáa D avid aofenor -.alu­
m ia meus olhos porq\ a cafo nao durma de mor te,por­
que a cafo n am digam euinim igo -.prevaleci contra
elle:tu Señor ves queo inimigo nao deixa d em ebu f-
car f e r a fá c il hiía hora poder v ir afu as maos, f3 pe­
recer nellas, alumia pois meus olhos puraque veja por
onde ponho os p e s , f3 pojfa guardarm e delle porque a
cafo nao dur ma de mor te,por q-, nao aconteça dorm ir
aquelle fono de que nam f e acor da, f3 f e glorie men ini
migo de auer prevalecido contra m i , ajji por tudof e
moftra que morto o homem nam f e a coufa delle, nem
tornara algum dia a v iv e r , porque annos de numero
v iv ir am ,f3 polo caminho donde nam tornarei,yrei :
acabarfeam ofim delles, f3 eu fiarei aquella jornada
comum a toda carne, f3 andarei aquelle caminho que
nam tornarei a defandar .
Pouco fazem ao c a fo , antes muyto fora de
propoíito fe alegaó aqui tantoslugares mal tra­
zidos para delles provar fer a alma do home cor
ruptivel,pois prouaó fomente q; o homé mor-
r e j& iífo naó ha mifter provalo:& affi explica-
D 4, remos
ratado da
remos fóalgús lugares em que podia aver apa­
rência yndaque fraca : & pallando polos mais
que moftraó fer a vida do homem breve, & feus
dias lim itad os, em que lhe parece que ynda
alegou p o u co , tratem os dos paíTos que para
feu intento tem mais força. D is no Pial. 88. fi
a los muertos haras maravill a ? parece que nao
poloque fegue : Si fera contada en la fueifa tb
m erced , tu verdad en la perdición ôcc. com o
d iz er; ninguem cude tal que para os m ortos
nada diífo ha de aver. Efta nefte lugar hüa fai­
fa & enganofa aparençia de verdade que en­
ganara a quem entender todos os veríos nega­
tivos : m asm oftraríéhaoen gan oaquem fou -
ber diftinguir & notar a diferença que he gran-
de entre os ve rfo s, pois o primeiro he em re-
fpeito doque fara Deus com os mortos , & os
mais faó em reípeito do que faraó os m ortos
com Deus : & aöi o primeiro verfo de Deus
para os mortos que diz : fi alos muertos haras
maravilha ? fe lera afirmativo confeífando que
fifa ra ; & os mais verfos que falaó dos m ortos
para com Deus fe haó de entender negativos
dizendo que na fepultura nada fe achara do
que o Píãlmifta allí pergunta. D is pois o pfal-
mifta pofto em anguftia & afliçam : fi a los
muertos haras maravilla ? com o dizer ; nam
pergunto por duvidar , bem fei fnór que fazes
maravilhas com vivos 6c com m ortos,mas com
tudo
ïmmortalidade. y?
tudo as que has de fazer com igo defpois de
m o r to , naó fejaò parte paraque deixes de mas
fazer em quanto vivo , faze agora com igo ma­
ravilhas te peço fenór , & falvame do perigo j
& lo g o ajunta rezois para obrigar ao Inór lhe
faça favores & merces em quanto por ellas p o -
^e louvalo 8c íèrvilo que he vivendo por que
na m o rte , & na fepultura naó ha nada d iífo ,
conform e moftraõ os verfos feguintes : fi íèra
contada en la fueffa tu merced & c . & iífo mefi»
mo confirma o Pfal. 1 1 y que dis : nolos muer­
tos alabaran a yah, y no todos defcendientes a
fuella : com o dizer que a alma que Deus pos
no homem em quanto unida ao corpo pode fa­
zer obras em que o fenor feja louvado , 8c era
que o homem firva & m ereca, mas nos mortos
nada diífo avera¿ de forte que ifto he com o húa
pregaçam aos vivos que fe tornem a Deus 8c
procurem m erecer em quanto vivem , porque
defpois da morte naó ha mais lugar de m ereci­
m ento, nem co n ta,nem memoria de coufa que
aproveite para a alm a, 8c conforme iílo dilíe-
ram noífos fabios com fua douta 8c mifteriofk
brevidade que mais val húa hora de contriçam
nefta vida que todas as vidas do mundo vin­
douro , a faber para por ellas alcançar m ereçi-
mentos 8c perdaó de peccados, paraque def­
pois da morte nam ficam ais remedio nem lu­
gar . P o is o cap. 7 , de Y o b que mais moftra
D y que
Tratado da
que a brevidade & inconftancia da vida huma­
na ! & o que tras do cap. 1 4 . que o homem naó
fe levantara em quanto ouver çeos.he arrogan-
çia grande aíTegurar que os çeos nunca acaba-
raó & por confeguinte que os mortos nunca fe
alevantaraó, antes'polo contrario dis que os
m ortos nam fe levantaraó em quanto durarem­
os çe o s,mas em elles acabando entaó fera tem ­
po em que os m ortos fe levantem;& que os ç e ­
os ajaó de fen ecer,& acabar confta claro doPf.
1 0 2 que diz falando dos çeosrelles fe deperde-
ran y tuertaras , y todos ellos com o panos fe
envegeceran , com o vertidos los mudaras y íe -
ran mudados :& e m Y e f.c . ultimo diz: afsi c o ­
mo los çielos nueuos y la tierra nueva que yo
hazien eftantes delante mi dicho deA.afsi cíta­
ra vueftra femiente y vueftro nombre. E as pa-
lauras no tornara mi ojo por ver bien , nam fe
podem entender em reljpeito da refurreiçam
porque Y ob nunca avia vifto o bem dellapara
agora dizer que nao tornaria a velo com leus
olhoSjlogo falava alli de bés que elle ja de antes
avia vifto & poífuydo: & fe toda via diífermos
que deífes bés falava da refurreiçaõ dos mortos
& q u e expreffamente os negou dahi mefmo fe
tir amais eficas & clara proua, pois negándoos
na hora de fua aflicaó & anguilla, & yndolhe
os amigos á maó torua fobre íi & os publica &
confelfa dizendo no cap. 1 2 .Q u ien no fupo en
todas
Immortalidade. 59
todas eftas? que mano de A. fizo efto que en iu
mano alma de todo vivo & efpirito de toda
carne de varón ; & pois ufa diferentes palauras
ñas almas dos brutos & do homem bem moftra
diferença que conheçe entre ellas:& publica q ;
palm ad o homem vivirá jkrafem pre dizendo
no c . 3 4 : fi puziera a el lu coraçon fu efpirito y
fu aliento a el apañaría, tranfiria toda criatura
a una, y hombre fobre poluo tornaria : no qual
lugar confola ao jufto &c aflito có trabalhosque
fe esforce nelles & o sto m ed a m a ó de Deus
porq; elle lhe recolhera fua alma quando mor­
rer , & tera o premio no outro mundo fe nefte
lhe fa lta r, porque quando fe confuma toda a
outra criatura,ío o homem ynda que efteja de-
baxo do po tornara fobre elle Se vivirá.

Cap. X V .
Da impertinencia defte contrariador em
alguas respis que alega .
D I Z mais • Os que defendem fe r a al­
ma do homem immortal coflumam re­
f f onder a algus dosfundamentos que f u ­
femos furtañdo o corf o , ö “ dando cer-
ois, as quais afsi como fa m pouco ver­
dadeira1
6o Tratado da
verdadeiras afftfe caem de fe u ? refpondempols' ao
texto,po tu & em pó feras tornado que alli falouD etu
com o corpo & nao com a alma . repoßa graciofa .
Deus falou como homem vivo & espirituado, & a
e ile tal fez.faber fu a condi pam , & lhe declarou que
fu a v id a teria termo (3 numero, & opo deixou no po
fe m mais lhe dar levantamento, o que era bem ne­
cesario para poder efperar por ijfo . A d a m f e nam
levantou mais avendo tanto que dor me,nem f e levan­
tara em quanto o mundo d u r a r, & ouver ceos , que
fe r a para fe m p r e . D a mefma m aneira respondem
aos textos corn que f e prova nam poderem os mortos
louvar a Deus a fa b er que o nam podem louvar cor­
poralmente como que n i j f i f o[fe a dizer algiia coufa f e
elles efpiritualmente opudeffem fazer , pois milhor
louvaria o efpirito limpo & livre do corpo, do que
louvaria incorporado & metido nelle : 6? nam era
verdadeiro dizer que os morios nam louvavam a
Deus louvandohoo efpirito delles : antesfe os mortos
louvavam tambem ao fn ó r,em vam fe f a z i a tambem
o argumento para obrigar a Deus a ter compaixam
do homem pondolhe di ante a brevidade de feus dios,
& vaidade dellesf e morto elle f i cav afu a alma & fe u
efp irito, & com cfava a ufar outra vida bem aven ­
turada , eterna & defcanfada, mas porque i fio afsi
nam he d izia & dira qualquer aflito : lembrate que
nam ha meu olho de tornar a ver bem. Adais refpon-
dem ao verfo : & lembroujfe que carne elles, efpirito
quepajfa & nam tornara, & femelhantes que o efpi-
rito nam tornará aquelle corpo m ortal, mas tornará
a corpo immortal : Cd nam vem que f e o efpirito tor-
! naffe o corpo tal, tornara milhor, Cd nam f e cham aria
e fe tornar nao tornar : enfim fa m difiinpoiss defpre-
pofitndaí Cd defvios mal tomados p a ra fu g ir a v er­
dade , a qual como he forte Cd poder oft nao deixa
vencer f e . Ajuntamos que A braham tambem dijfe:
ets agora comejfei a fa la r a meu fn ór , Cd eu po Cd
pfísza : & f e o efpirito de A braham era immortal,
Cd av ia de tornar a tomar corpo im m ortal, nam era
A brah am po' nem p in z a, nem talf e podia na verda­
de chamar , antes era A brah am hum ente immor­
ta l, Cd do corpo parte menos principal nam f e devia
fa z e r cafo para tomar o nome Cd chamar f e pó,porque
as coufas f e denominam da parte que nellas mais do-
¡ m in a , & m ais v a l no homem feu efp irito, & he a
parte principal : f e e fe efpirito he immortal, Cd ente
por f i , t a lfe a fendo o homem Cd nam f e cham ará po
, j/ndaque fe u corpo of e j a , Cd muy to mais fendo f ó ate

I cer to tempo, Conheceu pois A braham fu a condição


caduca Cd corruptível, Cd como talfe vio avendo de
fa la r comDetu,aparelhoufie de humildade confesan­
do Cd pondo diante quanto indino era defiafala. D é­
f i a mefma m an eirafe entende o lugar, po tu Cd empo
fe r a s tornado , Cd nam f e podia tal dizer polo homem
todo Cd vivo com que Deus falou fendo feu efpirito
im m ortal, nem o homem f e tornava cm po : o qual Se­
lomoh bem conheceo, Cd por ijfo difie que o homem nao
tinhaventagem nhua do animal na duracao porque
tudo v a id a d e, & o acontecimento do anim al ö* o a-
contecimento delle hum a elles : ajji como morre e ile
ajjí morre aquelle, & e l f ir ito hu m a todos, IS venta-
gem do homem m ais que do anim al nhíía porque tu­
do vaidade : osfabulofos declaradores dando fa id a à
eile v e r f o dizem ; tudo vaidade, afora a alma : (d
ata muyto bem e ila fu a repoila com tudo o que aqui
d iz ondef e trata que o homem em fu a dur a ç am na­
da he diferente do anim al & o mefmo efpirito que
tem hum tem outro , G? por iffo mefmo tudo vaida­
de , tudo v ai a hum lugar, tudo foy do po & tudo
torna ao pó ■ quem fa b e f e o efpirito do homem f o -
be para fim a , & o effirito do jumento dece elle
para baxo da terra : poloquefeitas as contas vim a
achar que nhua coufa milhor ao homem que gozar
o trabalho de fu as maós , Ü* que eila he a fu a par­
t e , nem leva outro fruto de fu a criaçam , & v i
que nam ha milhor que ale gr arfe o homem comfu as
obras porque eila he fu a parte : nam lhe r e ila ao
homem outra v i da par a v iv e r , de i l a que p rezente
tem ha de fa z e r conta, & cade b a l, f e a quer guar­
dada tema a D eu s, & guarde feus preceitos, ajfi
gozará o fruto de fe u trabalho .
S T E novo artifta fe finge argumentos &
E reportas ém que ninguem que nam eftiver
o çiofo perdera feu tem po:que nos importa fe
o corpo do homem formado do pó , Sc aver de
tornar ao po em refpeito da alma que nunca te­
ve que entrar,nem que fair com pò:& ynda fa­
lando
lando em rigor o corpo naó era a&ualmente pó
& fe nam mal différa Adam por Hauah o quç
diz G e n .2 : hueffo de mishueflbs,y carnede mi
carne,devendo dizer:po de meu po : & querer
repugnar contra efta verdade porque Deus fa­
lou com o homem vivo quando lhe chamou
p o , logo tambem chamou pó a alma que efta
« o homem vivo , he coufa de rizo que nam ha
no muudo falar o homem morto^ & com o ho­
mem vivo fe falam muytas coufas ou as mais
délias que pertencem ao corpo yndaque allí
efta a alma quando lhas dizem : quem diz ao
homem que com a, b eb a,011 durma ; quem lhe
pronoftica que tera tal ou tal infirmidade, fala
com homem vivo q; tem alma , mas a ella nhúa
deftas coufas lhe t o c a , com o tambem nam lhe
to ca a fentença dita ao homem de po tu & era
)o feras tornado, que em todojuyzode homés
Ííe lembrarlhe de que foy formado feu corpo,
& que nam fe efqueça nem fe engane vendoffe
agora tam longe de feu fraco principio que foy
po, porque a elle tornara por mais bem defpo-
fto,m ais honrado, mais querido,& mais fubli-
rae que fe veja. Hora os que explicam o verío
do Pfa. i i y ; no los muertos alabaran a yah di­
zendo que iffo fe entende quanto ao corpo di­
zem b em ,& ia aílima fica mais explicado$& a-
qui ha pouco que atentar,pola vam replica que
le elles efpiritualmente o pudefle fazer milhor
feria,
feria, faz logo conta q; as almas bemaventura-
das ja livres & yzentas dos corpos chamamos
nos m orto s,q ; he conforme as mais contas que
f a z . O s anjos louvaô a Deus de continuo co ­
m o dà teftemunho Y e ia h .c a p . 6» que vio ao
fnór aífentado fobre cadeira alta, & Seraphim
que eftavam em p é , & chamando hüs a outros
exalfavam ao fn ór, & diziam fanto, fan to ,fas­
to A. Zebaoth hinchimiento de toda la tierra
fu honra: & em Y eh ez. c a p .3. diz : y lleuome
efpirito , y ohi empos mi boz de eftruendo
grande : bendita honra de A. de fu lugar. Pois
que tenhaó tambem as almas dos bemaventu-
rados ja feparadas da prizaõ co rp o ral, feu m o­
do de louvar a Deus & o contemplar & enten­
der cadahua em feu grao com o efpiritos ver­
dadeiramente angelicos, quem avera que polla
duvidar ? Sendo çerto que nefta contem plação
da eífencia divina coníitte fua propria & ver­
dadeira gloria das alm as. Mas ynda aqui nos
nam deixa efte dem andifta, & torna a hum ar­
gumento inutil que deixavamos canfados de
tantos verfos alegados fem paraque fo para
moftrarque a vida do homem he breve & l'eus
dias limitados , & dizendo que por nam aver
outra vida os homes lantos pediam a Deus ti-
veílè compaxam & piedade delles, nefta, & os
livraífe da morte alargandolhes os dias da vida
nefte mundo : &c tem elle efta fabula por argu­
m ento
---------------- I m i i i o M i d á d d by
m ento taó demonftrativo , que antes dira hum
par de heregias que negalo ; & affi dis aqui que
le as almas feparadas louvaflem a Deus em vaô
íè faria o argumento para obrigar a Deus a ter
compaxam do homem pondolhe diante a bre­
vidade de feus dias , com o fe fora grande mal
desfazerfe eífe argumento , ou nam fora iiïo
hum defpropofito com o lam outros muytos
em que íe anda defvelando , Se David pedia a
Deus o nam talhaife em meyo de feus dias ; fe
dizia : fnõr alumia meus olhos porque a calo
nam durmam de morte & fem elhantes, quem
dira que tudo era fo por ter mais quatro annos
de vida nefte mundo ? Nam fera milhor dizer
& entender o que he verdade que o fazia para
com a guarda da ley & preceitos della, Sc para
com a contricam & arrependimento d ep ec-
cados mereçcr & alcanlar os b is do mundo
vindouro ? E fc nam digame íe David fo por
gozar mais hum pouco efte mundo pedia a
Deus avida : Mofeh Ely hau & Yonah porque
pediam a Deus a morte ? Eram de diferente fe
Sc doutrina da deDavidPNam por certortodos
afpiravam a hum mefmo firn dos bésefpirituais
Sc os pretendiam : David pedindo a Deus vida
para nella os mereçer , os outros ftmtos varóis
pedindo a morte para por dialogo os yr gozar.
P ois o verlo do P f.7 8 .q u e diz : efpirito andan
y no tornan b í fe deixa entender q¡ nao torna,
E nem
nem tornara por virtude Sc força propria, mas
por mandado de Deus porque rezaó naó torna­
ra? porque ja fe acabou com o corpó com o dis
efte ignorante ? H e grande falfidade vifta &
moftrada na mefma palaura que alega por íi ;
efpirito andan , que fe elle anda certo q u eja
tem diferente eífencia & qualidades do corpo
que ahi fe ficafem mais nhüm movimento ne«n
virtud es, mas o efpirito pelo contrario de tal
maneira fe aparta, que fe move anda, vaiífe u-
fando de virtude propria , a quai de nhüm m o­
do íe pode entender nem afirmar fe nam de
coufa que tem exiftencia a£hial. Hora a p ro ­
va de Abraham que falando corn Deus fe con-
feíTa por pó & çinza he propria defte fotil gro-
fador ; mas o homem naó teve nhüm principio
de çinza, nem íe torna nunca nella que äffi co­
mo Deus diífe ao homem que era pó & e m p ó
fe tornaria, afsi fizera tambem mençaõ da çin ­
za íe o homem participara della mas querendo
Abraham moftrar o eftremo da humildade Sc
fubmiííàõ com o convinha na prezença da ma-
geftade divina ufa daquellas palauras, que mais
que tudo podiam declarar a humildade j repre-
zentando a m iferia,& fragil condiçam do cor­
po humano, que büa vez defemparado da aima
fica taó inutil como po mifturado corn çinza
que para nada aproveita. E quanto a Selo ­
moh Koheî. cap •3. alem do que ja dilfemos ,
nos
ímmortalidade. 6?
nos mefmos verfos efta clara a verdade que he
falar do corpo & de tudo o co rp o ral, pois dis
que tudo foy do pó & que tudo tornara ao pó :
& elle muy to bem fabia que a aima do homem
nunca foy nem fera pó : & quando perguuta,
& parece deixa em duvida dizendo: quem fabe
fe o elpirito do homem vai para lima , & o ef­
pirito do jumento dece para baxo, naó he por­
que duvide da verdade diíTò pois elle mefmo
dis que tornara o efpirito a Dcus que o deu ;
mas quer faber o que fente o Epycuro para o
condenar, & do que entende o homem tem e-
rofo de Deus para mais o perfuadir & confor­
tar a que guarde fuas encomendanças & fua ley
vindo niíío a refumir tudo que temamos aDeus
& guardemos feus preceitos -, & certo que a
guarda da ley 8c mandamentos delia, naó tem
dugar proprio & verdadeiro , fenaó para pre­
mios efpirituaisj que quanto os tem porais,yn-
daquea ley os promete a quem tiver a obfer-
vancia delia por ferem elles viíiveis & palpá­
veis : tambem os que naó temem a Deus , nem
guardaõley os poífuem , & g o z a õ , & algüas
vezes ynda aventajados de Y írael : como dizia
Abraham a Abimelek Gen. a o •porque dixe de
çierto no temor de A . en el lugar efte : & toda
tfía, nem Abimelek nem os de fua terra pade-
fr.jaõ falta dos bês temporais,antes nadavaó em
Toda fartura & abundancia delles* os habita-
t E 2 dores
¿58 Tratado da
dores das malditas cidades eram opulentiis!.“]
mosias riquezas dos Egypcios >& outros muy-1
tos perditifsimos ydolatras nigrom antes, nam I
tinham conto : Sc fuperfluo feria trazer exem-|
pios defta verdade tam conhecida no m undo,]
& experimentada eni todos os tempos palíà-í
dos & prezentes'.logo poisSelomoh poem por1»
ultimo fim do homem temer a Deus & guardar^
le y , bem conheceo milhor Sc mayor premio
della que os bés temporais , que fe comunicam
tambem aos que nam tem ley , nem tem or dt
D eu s.

Cap. X V I .
Dos my>os argumentos iff repofias do
contrariador y iff confutacao da p ri *•
metra delias.

D I z elle mais . Cap. a./. em que f e poem


osfundamentos que costumam trazer por
f i os que dizem fe r a alma do homem im ­
m ortal, & aver refarrcicam dos morto.;
com as repofias a elles.
V E diz . Os que apregoam immortalidade da
m a , & refurreicam aos mortos fa m como
que querem fitb ir hua parede liza fe m efeat
Immortaiidade. 69
neun tendo em quef e apegar,todas as vez.es que eften-
dem a m ao, & vao para por opé efcorregao, & caem
como pare fe r a defe m f andamentos quefeguem.
Prim eiro : O homem foi, criado a imagem de
D em , D em he im m ortal, logo o homem he tam­
bém im m ortal, ou nao f e n a o homem feito a im a­
gem de D e m .
II. A c r ia f am dos homes nam fo i femelhante
a dos outros animais & D em in if ir ou nelle e i f ¿rá­
culo de v id a , logo eile e f f ir aculo he immortal.
III. D em dijfe ao homem, no dia que comeres
da arv ore, m orreras, f e A dam nam comera nam
m orrera, logo im m ortalfoi criado.
1 V • M ofeh dijfe a D em f e nam perdoas a cfle
povo, rifeame de teu livro que efcrevesle , nesie livro
eflam efcritos os que ham de viver vida eterna , õ?
•.e il es fa m os que vivem na terra dos viventes.
V . Semuel vejo fa la r a Saul logo os mortos v i­
vem & f a l a m .
V I • Elyhatsfo i tomado ao cco, & v iv e , & E -
lyffih refucitou morto .
V II» Nos Vfalmos f e le que os maosfe r am de-
flrujdos da terra & os bons floree er am ,logo outra v i­
da he necejfario que aja,porque nefta os maos flor ecem
Ö os bos padecem , & afft os maos nam fa m caftiga-
dos, nem osquilos prem iados,
' V I I I . Efta eferito V f 16:por que nao deixaras
minha alma na fepultu ra, nam deixar as o test m i-
-fericordiofo ver a coua-3 item quam grande o ten
E z bem
W ' 1 ratado da ,
bem que guardadle para tem tementes T ßil. 3 t. está
ef e r ito v iv ir am tem mortos, logo mats a terra de­
funtos lançara : item eu abro voßas f e pult nr as, fa r e i
fu b ir a vos de vejfas fcpalturas povo meu Yefah. 26.
item eu conheço meu redimidor v iv o , & ver da dei-
r o , fobre 0 pó e fia r ci , & de f o i s que minha pelle
trilharem efia de minha carne verei a D e m , 0 qual
ei de ver por m i & mem olhes ver am & nam alhee
& enfraqueceram mem rins , & c. Yobcap.tp. tam­
bem Danielprophetizou da refurreicam dos mortos.
D is mais. A o prim eiro argumento que 0 homem
nam fe r ia feito a imagem de D em f e nam fojfe im -
mortal refpondemos que he doudice querer que 0 ho­
mem fe ja imagem de D em em tudo & por tudo ajji
porque D em he omnipotente nem por ijfoo homem
fu a imagem he omnipotente j doutra m aneira f e ou­
ve[femos de confderar 0 homem imagem de D em em
tal fo r ç a que fe ja retrato feu fe r ia necejfario que 0
homemfojfe D em , & D em naó pode faster outro f e ­
melhante em tudo a f i m efm o, a map or grandeza
fu a h e f e r talque elle mefmo com todofe u poder nam
pode fa z e r outro feu igual, porque implica fe r D em ,
& poder f e r feito criado ou gerado : he pois 0 homem
imagem, & fem elhança de D em em algua coufa » he
h u afom brad efu afabed u ria, nam he a m efm a f i -
beduria : pode fia fobre as criaturas & he quaß
femelhante a D e m , mas nam podefla como Deus
ajfi nao he imagem de Deus na im m ortaiidade,
que ejfa he propria de Deus nam do homem ; por
ventu-
Immortaïîdaae. 71
’ventura como dias do homem os teta d ia s , tens an~
nos como d i as de varam : nampndera Tob d iu r i fio
f e o efpirito do homem fo r a im m ortal.

Só efta prova que tem os da ley de aver Deus


feito o homem a fua imagem & íèmelhança
baftava para nos efcuíàr efte trabalho Sc nin­
guem duvidar da immortalidade da alma , & fe
os epycuros primeiros authores defta mà feita
tiveram ley & creram nella eu fico quenunça
tal lhe paííàra pola imaginacam, que nam eram
tam faltos de juyzo & philofopbia, que negaf.
fem a força dos argumentos que concluem em
forma com o efte : fez Deus o homem a fua
imagem, & femelhança, & iífo nam quanto ao
corpo , porque em Deus nam ha corpo , nem
femelhança de c o r p o , logo quanto a alm a, Sc
por confeguinre a alma do homem he fem el-
hante a Deus ; entam profigamos aííi : a alma
do homem he íèmelhante a Deus , logo ha de­
ter daquillo que tem D eu s, nam tudo que iífo
nam feria fer femelhante feria fer o mefmo j
hora Deus tem fer fubftancia feparada,tem fer
fapiente , tem fer immortal : teràlo g o aalm a
de tudo ifto tanto quanto bafte para afa z e ríe -
melhante,mas com tal diíferença que em Deus
tudo he infinito por fer criad o r, na alma tudo
he limitado por íèr criatura , em Deus tudo he
in cread o , na alma tudo por criacam de Deus:
E 4 Se fen-
7*
& fendo aífi verdade & le y , nam fe pode ima­
ginar que eftà em leu juyzo perfeito o homem
que em contrario refponde o que fica na folha
a tr a s , nem agora val oqu e podia replicar que
ja nos igualamos a alma com Deus no ponto
em que eftamos da immortalidade , porque íe
a alma nunca ha de ter fim que ventagemlhe
faz Deus . M uyta ventagem heter Deus a im -
xnortalidade de í i , & a alma tela porque Deus
lha d eu , & pois lha deu ja teue principio, &
aííi bem fica ynda entre Deus & alma hüa di-
llançia infinita, com o do que tem principio
ao que nhum principio te v e , & por iífo dize­
mos que Deus vive em eternidade porque nao
teve princip io, n e m te ra fim ; & as almas &
anjos vivem em Evo porque tiveraó principio ,
mas nam teram fim , & tudo o defte mundo
baxo vive em tem po , porque tem principio
& fim : he logo bem claro £or efte argumento
fer a alma immortal por fer feita afem elhança
de D e u s, porque doutro modo que femel-
hança íèria fe com eçaífe & acabaífe com o té -
cfta defafizada opiniam que para mais a con­
fundir bafta a repoíta indina de homes que
da o author della em que elle mefmo moftra
que fe confunde vendo que nam fe fatisfas com
os fubterfugios, tirandoífe do que diz a ley
que o homem he femelhante a Deus , & di­
zendo que he quafi fem elhante, mas que naõ
podcfta
Immortalidade. 73
podefta com o D eus. fingindofle ou fonhando
que dizemos nos que o homem he hum Deus ;
Sc he hum fonho taó bem fundado com o a
confequencia que fas que nam deixa de fer de
bom diale tico : a alma he femelhante a D eu s,
logo a alma he o meímo Deus ; aííi dira . a cal
,he femelhante a n eve, logo a cal he n ev e, o
diamante ou criftal he femelhante ao fol logo,
o criftal he , o diamante hehum fol : pois os
vcrfos de Y o b em que nos diz que os dias &
annos do homem faó lim itados, faó bem fora
de propofito quando fe trata da alm a, que no
fim deífes dias do homem fe torna a pegar com
Deus que a crio u , & com quem tem fua fe-
m elh an ça.

c a p . x r i i .
Q u e a alm a d o h om em tem nom e
proprio com que tam bem íe di-
ílin gu e da alm a dos brutos.

I z mais . A o fecu n d o. A criação da


D homem nao foy femelhante h dos brutos
animais : ß? D em i n f irou nelle esf ¡rá­
culo de v i d a , logo eñ e ef i r aculo he im ­
mortal . R efotidcm os ane nada ata o argumento ,
E y 8/0
74 Tratado da
& f e tira m ala confequençia > porque nam f e fig u e
que o efpirito que deu vida ao corpo de A d am fem
alm a de A d am fojfe efpirito im m ortal, antes polo
lugar f e m oflra que o mefmo efpirito de vida tem
os animais que tem o homem , porque na criacao
delles dijfe Deus • produza a terra alma vivente,
& n(t criaçam do homem defpois de j a animado,,
com o efpirito vital que lhe infpirou , f o i o homem
por alma viv en te, a/fi que a mefma palaura ufa
num lugar que no outro ; & como d iz Selomoh :
efpirito hum a todos : N am tirar Deus ao homem
da terra na companhia dos brutos como pudera f a ­
zer f o i ajfas conveniente, & que naof a i ffe na m a­
nada delles o homem podeflador fobre elles , r a ­
tional & participante de fabid u ria divina , (d a f i
do modo de fu a criaçam pudeffe aprender a fe r
tambem differente em fu a vid.a como avia fido nel-
la • outras differenças f e , acham tambem na m ef­
ma criaçam & todas para doutrina do hom em ,
hum f o criou Deus & nam muy tos & lhe deu hua
molher que tirou delle mefmo , todas eflas coufas
o enfinam a v iv e r , mas nada tem que fa z e r com
f e r mortal ou im m ortal, f e A d am eíliv era vivo
quando Deus lhe fe s entrar o efpirito de vida pu­
déramos dizer que effe efpirito era coufa f para­
da & apartada do efpirito an im al, com que A -
dam j a v i v i a , porem A d am nam f e mouia an­
tes de lhe entrar o efpirito v i t a l , logo o efpirito
vital que entrou em A d am foy a alma a n im a l,
& a
Immortalidade.
ê j a mefma alma anim al foy a alma racional s
ß? toda he a mefma coufa , de tal maneira que
entrando no homem a alm a an im al, logo fica nel»
le a rezam & difcurfo , a que chamam alma ra ­
çion al. Louvarei ao fn or en minha vida canta­
rei a meu Deus em quanto eu , que defpois que
eu nam for , j a nam poderei cantar j fa ir a feu ef­
pirito tornara a fn a terra , tornara o homem a
terra que he neffe dia pereferam feus penfamentos,
no dia de o homem morrer acabaram todos feu s
difcu rfos, ja m a is nam raciocinar a : E cclefca p .ç.
tudo 0 que achar tua fortaleza fa z e , porque nam
obra , nem raciocinio nem fcien çia , nem fabid u -
r ia na fepultura para onde tu vas ; no dia de
m orrer o homem tudo acaba com elle , mortal &
finito fo i 0 efpirito que Deus lhe deu , nam im ­
mortal ß? infinito, & por iffo morre que alias nao
m orrera : Tob cap. 3 4 . f e puzefie fib r e ellefeu
coraçaõ, fe u efpirito & feu efpiraculo recolheria,
affi m orreria toda a carne juntamente , & 0 ho­
mem em po' fe r ia tornado, 0 mefmo dos outros ani­
mais recolheras feu efpirito , efpir ar ao , 4 :fe u pó
f e tornaraõ. F fiil. 1 0 4 . de m aneira que re­
colhendo D eus, tirando Deus & fazendo cef a r m
homem anim al racional como em qualquer outro
que racional nao h e , feu efpirito cadahú delles f e
extingue ß? a cab a. A lg as dizem por afear efla
v erd ad e, que tam bom fica fendo hum cachorro
como hum hom em , & merecem efies fe r privados
y6 Tratado da
com dor , do f e r que D em lhes dett, pols tao m al o
conhecem & eflt m ao, qu edefn õresdo cachorro f e
fa z e m , fern yrmaõs f o porque lhes nam deu D em
v id a para fem p re, como que lhes fojfe devedor de
nigua coufa . & milhor d izia o outro mofeu roman-
f eiro : mortal m epario m i m adre, y pues pude mo­
r ir luego, lo que el cielo os dio de grado no lo pidáis
de derecho,
Y ndaqueefte errado & atrevido contraria­
dor naó íabe nada de hebraico,nem quis nunca
apréndelo por pura contumacia , toda via he
forçado aqui tocarlhe nelle & taó claro que o
entenda : diz o texto fagrado na formaçam do
homem : & infpirou Deus em feu naris alma
de vidas, ufando allí para dizer alm a, d’efta
palaura NeíTaroah , & Neífamah em todo lu­
gar quer dizer alma de homem , & nam alma
de bruto que eífa fe chama Nephes ; conforme
ifto em Yefah. c . y 7. y almas yo hize diz Nefi-
famoth que he o plural de NeíTamah:Pfa. 1 yo.
tod aalm alouveaofuór N eífam ah : Proverb,
c . 2 0 alma do homem candca de Deus,NeíTa-
mah : ja logo temos que Deus infpirou no ho­
mem NeíTamah com o alli diz.N ilm ath Haym.
alma de vidas : o que tambem rnoftra que he
para mais que hüa vid a:& fe a alma do homem
algúas vezes he chamada nephes, tem iífo par­
ticular rezam que fe dira a feu tem p o , donde
fe v é b e m , que os que tratam difto femltime
d alia-
Immortaiic
da lingua fanta he força que andem as efcuras
apalpando com o çegos & quebrando a cada-
paífo os foçinhos com o fazem os ignorantes,
ôc o faz efte agora aqu i, o qual com o fe preza
tanto de fotil dira , que me im p o rta, yndaque
afsi feja ; eífa vofla Neífamah que dizeis fer
ptopria do homem o mefmo lugar lhe da tam­
bem nome de Nephes que he a alma que dizeis
dos brutos : pois diz o texto : & foy o homem
1c nephes H ayah: por alma vivente; logo tudo
he hum pois a ley afsi o diz , & igualou N eífa-
mah com N ep h es, & N ephes com Neífamah:
ôc quando mandou a terra que produzilfe os
brutos diz tambem q; tenhaõ Nephes Hayah,
alma vivente : & e íla mefma da agora aqui ao
homem quando conclue & diz & foy , por al­
ma vivente , logo em rezaó de alma ,n a õ h a
aqui nhúadiffercnça. Efcuta atenta & apren­
de . Era tanta a diferença entre o corpo cor­
ruptível do homem & a Neífamah , ou alma
immortal & diuina que parece excedia todo
enrendimento aver entre cftes dou's eftremos
liniaõ , a qual por eífe rcfpeito negavam os
platónicos com o fica d ita , & afsi foy neceíla-
rio qu e o texto nola mcftraífe claramente di­
zendo com o diz que inípirou Deus no homem
N eífam ah, im m ortal. & por natureza inde­
pendente do corpo , por cujo tefpeito parece
repugnava unirle com elle , & exífeitar nelle
obras
obras differentes de entender & difcurfar : Se
para nos tirar eífa duvida dis : & foy por alma
vivente : nam dis foy alma vivente,ou foy N e ­
phes Hayah que he alma dos brutos , fenam
foy por alm a, ou em lugar de alm a: com o di­
z e r , ynda que a Neífamah he de taó fublime
grao que feu oficio proprio he entender, iífo
nam-lhe tirou fazer ella tambem no corpo hu­
mano o officio que faz a N ephes nos brutos de
vivificar, de fentir Se mover & tudo mais, con­
forme o que dizia Y o b c. 3 3. y aliento del D io
me abiviguó, onde vem a mefma palaura N e f-
famah : & com efta verdadeira exp liçíó çeífaó
todas as voltas em que anda confufo efte çego
o qual com o por dilucido intervallo vem acon-
feflar que a alma do homem he participante de
fabiduriadivina, Se entaó com iífoaffirmar que
nam tem differença da alma dos brutos, he ja
piorque çegueira : Se quando elle mefmo o
naó confeílara,quando nada do que fica dito o
convençera : paraque dira que foy o entendi­
mento concedido ao homem , o livre aluidrio,
os p receitos, a le y a terra íàntaos facrifiçios ,
o templo fanto ? çerto que tudo foy para m e-
reçer & alcançar os bes efpirituais,que quanto
i os temporais , os m andos, os fenho rios , &
as requezas milhor as gozaó Se poífuem os
gentíos ynda que naó aja nelles ley: por honra,
Se premio «kqual Yfrael engeitaó as dignida­
des,
d e s , proveitos 8c goftos com que os povos os
convidaõ, vivem triftes podendo viver alegres,
padecem miferias proprias podendo remidiar
asalh eas, paífaõ a vida medrofos Sc defterra-
dos , podendo viver confiados Sc quietos : &
tu contrariador como taó çeg o , tés arte de
dizerque tambem pola ley padeçes o defterro
aio led a d e, a in ju ria, o odio & a defaventura
em que andas alfombrado de phantafmasqtie
tein qu ietaõ d ed ia & de n o ite , & que enfim
te faraó perder o juyzo : pois tuas contas fam
todas de v en to , Sc milhor t e , fora levar boa
" vida ja que naó efperas nada defpois da m orte,
mas enganafte que o acharas muyto em que te
p ez e, Si aparecera tua alma em juyzo de Deus
para receber feu m erecid o, & afsi te acharas
com dous infernos , mas eu que dezejo tirarte
delles te amoefto que te arrependas , te tires
de teu mao caminho , peças perdaõ a teu cria­
dor do muyto que rebellafte, a fuas criaturas
do muyto que oífendefte & efcandilizafte : os
verfos que alegas fem propofito , como excla­
mando : louvarei a meu Deus em minha vida ,
cantarei a meu Deus em quanto eu ; applicaos
parabém , Sc contriçam de teus peccad os&
tornate delles em quanto vives com eftudo ver­
dadeiro da le y , com temor de Deus Sc enfino
dos mayores ; pergunta a teu pay & denun-
çiartea , a teus velhos Sc diram a t i , nam quei­
ras tu:
>t '
ras tu íèr o pay Sc o velho aprende primeiro
hebraico, & deíãprende tantos erros em quan­
to s te engolfarte por purafoberba S cin u eja:
córrete de dizer que o homem he fnór de
hum cachorro , & que hum cachorro ha medo
do homem , que mais medo teras tu dum leaó
& d ú tigre : envergonhate de em materias tam
graves & importantes nos alegar com roman-
ç ifta s; da te ja por fatisfeito de trefladar tan­
to verfo de Selom oh & de Y ob fem mais que
provar, que o homem morre : o que nem ha
mifter proua nem encontra a verdade que de­
ves ter & crer a cerca da alma que Deus pos
e m t i, & q u e nam he em cuamaó faltar co m a
conta della que daras muyto que te amargue
com o dis Selomoh Kohel. cap. 12. porque a
toda fecha & Dio traerá en juyzio fobre todo
encubierto fi bueno o fi malo .
Diz mais- A o terceiro. N'a tita erneue come­
res da arvore morrer morreras : f e A dam nao co­
mera, 3 nao m orrera, logo im m ortalfoj criado. D i­
zemos que hefalfo 0 argumento & que nao f e figu e q
f i A dam nao comera nao m orrera, mas fiyueffe que
f e A dam nam comera nam morrera aquella morte
com que Deus 0 am eaçou, fu a morte natural, & a
feu tempo morreria A d a m , nam morreria morte
anticipada por rezam de pajfar 0preceito, a fii diz a
ley & 0 preceito 0 que comstter tal cafo morrer mor­
rera, por ventura nam ha de morrer f i aquelle
cafo
Immortalidade. 8i
cafo nam com etier, oh fo r çerto ha de morrer , mas
nam ha de morrer aquella morte por aquelle cafo
am eaçada . Te hez . f e f e converter o peccador de
feu caminho vivo eu diz. o fn or que nam m orrera,
nam morrera a morte am eaçada , nam no matarei
antes de cumprir feus dias , nam no matarei com
moppte ma aos peccadores devida : afsi f e A dam
nam peceara nam no ju lgara Deus como oju lgou ,
quef e logo o nam caßigou com ojuyzo da morte & lhe
prorogou a vida por mercefoy com feus encargos : E
quando bem foße que A dam fo i criado immortal
nam no mofira afsi a fraqueza defeu çimento que de
corner <£? beber tinha necefsidade de baxo de condi­
cam f e guardaße o preceito que Ihefoipoflo, na hora
que o pajfou perdeu a im mortalidade, & afsi morreu
quef e immortalfo ra nam peccando immortal ouvera
de viver corporalmente, peccou & morreu, & pafou
a immortalidade , mas à verdade he que mortal &
corruptivelfo i criado .
Efte argumento fica baftantemente refpon-
dido no ca p . 1 2 . & moftrado que o homem fe
nam comera nam morrera , & yndaque mor-
refle nada iífo fazia nem mudava na natureza
da alma que bem confta ja fer immortal : & tu­
do que alega & conclue que o homem mortal
& corruptível foy criado , he fophiftico & fu-
Ihiclo , porque morrer o homem nam he per­
derle a alma nem ynda o corpo : mas he desfa-
zerfe <Sc acabarfe a uniam que avia entre elles ;
F &for~
i i ratado da
& tornarfe cadahum a feu lugar com ofica dito
8c dem onftrado.

CAP. XVIII.
Q u e explica algüs paífos m al en­
tendidos do c o n tra ria d o r.

D I z niais . s io quarto . Aíoffeh dijfe a


D em : rifeam e agora de ten livro que ef-
crevefte , ne fie livro fa o efcritos os ¡que
bao de v iv er vida eterna, & estes fa o os
que vivent na terra dos viventes. Dizemos que tti­
do f e refere a vida prezente, & nao a outra que
nao h a , a j f A í of e h dijfe a D em que o rifcajfe do
feu livro em que efereve os bos para os premiar
nefta v id a fazendolhe cumprir fern dias em paz
& felicidade ; nao entendemos que tenha Deus al­
gum livro de lem branças, mas que a linguagem he
accommodada a nojfo modo para m oflrar que tem
D em conta com o m undo, para o premiar G? ca­
stigar , deste livro pois dijfe Afofch a Deus que o
rifcajfe , 13 fo i como dizer , matame talbame ano­
tes de eu ter cumprido o meu curfo, f e nao vejo o
perdao a efte povo nao quero vida ; da mefma m a­
neira quefalou outra ves (3 a j f tufazjente a m i ma­
tame logo matando f e achei graça em teus alhos K &
nao
r *
mm o
nao veja o men mal ; hua vez. te pedí Señor que me
matajjes Z ciando o bem de fie povo, porque nam
queria eu v id a p a ra v er o feu m a l, agora te peco
fegunda vez. Zelandb o men bem , porquef e com tan­
to trabalho eu ei de v iv e r , nao me he agradavsl
ter vida : a j f falou tambem R ibkah a T sh af d i­
zendo que lhe era a vida pezada , & nao q u ariav i
v&rf e Tahacob ouvejfe de tomar molher das filhas da
terra ; nao pedia Aíofeh a Deus que o rifcajfe do
livro em que efiavam efcritos os que aviam de v i­
v er vida eterna, & perfeitamente ditofi , f e tal
v id a a v ia , para f e r lançado no livro dos inimigos
de Deus condenados a eterno m al, que efla petiçam
fo r a loca & defijfidada: terra dos viver.tesf e chama
efte mundo em que vivemos & andamos, terra das
vidas a fi b e r que f e chamao mttytas vidas porque
nellavivem m uytos, & afsi nao he terra de h u afó
vida ■ terra dos mortos, terra de perdiçãofe chama
a cova , poçoßlencio, terra de efeuridade & fom bra
de morte onde a lus nam entra como nola reprezentn
Tob : defla terra das vidas f e f a z murtas vezes
menção Tchez . cap. 32 . & a cada pajfio en mtiy-
tos pfalmos , andarei as fazes do Stnor em terra
das v id a s , liurou 0 Stnor minha alma da morte
& das mads daquelles que a bufeavam para tyra-
n ia , por ijfo v iv ir ei & andarei diante de Deus na
terra das vidas , empos ijjo f r e i agradecido po­
las merces que conheço receber de fu a mao ,
afsi offer ecerei Sacrificio pola fin d e : vafode f a l ­
lt 2 Va-
vaçoes levantarei, & em nome de A . chamar e i ,
m em votos ao fn o r pagarei-, & preciofa em olhos do
fn o r a morte de fe m bo's,nam estima oJ'nor tam pottco
fe m bós que lhe nam fe ja muy cara fu a m orte, por
ijfo nam nos, entrega facilmente nos maos de fe m
inimigos,& en com eñ e motivo em final de fa u m e n ­
to de grapas -, mem votos ao finör pagarei di ante a -
gora de todofienpovo , & affifica m oílrado cjuaiffie-
ja n os efcritos no livro do f n o r , & quai à terra das
vidas .

S T O naó he argumento , nem ha quem


Y diga que Mofeh pedia a Dcus o rifcailé do
livro em que eftam efcritos os que ham de viver
vida etern a: boa he a explicaçam que dis que
M ofeh pedia a Deus o rifcaífe do livro que ef-
crevera a faber da ley que eíía he o livro que
D e u sefcreveo ; dis pois M o fe h : Exod. 3. y
agora fi perdonas fu peccado , fi no arremáta­
me agora de tu libro que eferivifte : com o di­
zer ínór tu me mandarte tirar os filhos de Yfi-
rael do Egypto ; & por mais que me efeuzei
nam quizefte fenam que foífe eu o inftrumento
das maravilhas que entam obrafte , & em todas
ellas eftou eu nomeado, & eferito no teu livro
da ley que eferevefte , pois fe tudo iífo ha de
vir a parar em fim tam trifte & miferavel como
efte de fer teu povo aqui confumido & acaba­
do no d ez erto , & nam vir a ten a prometida,
rifea-
Immortalidade. 8y
rifcame de teu livro , que nam he bem feja eu
nomeado em negocio que teve tam grandes 8c
honrofos principios 8c meyos para virem a dar
no fim em afronta & vituperio : mas porque
noutro paífo pedia Mofeh a Deus exprefíamen-
tea m orte dizendo Num er. a i . y fi aííi tu ha-
ziep a mi matame agora matando fi alie gracia
en tus o jo s , y no vere en mi m a l, o mefmo di­
remos que pedia no lugar affima ; & de ambos
os lugares fe moftra claro que M ofeh c ria &
efperava a vida futura tanto que a troco della
engeitava a prezente fe aííi folfe por vontade
de Deus , fenam defpropofitoferiapedírlbea
elle o que podia tomar por fuas maós ; mas to ­
da via nem e lle , nem os mais varois fantos que
ab o rreçiam av id a, tomavam por fuas maós a
m orte por fe nam perjudicar no merecimento
dosbésqueefperavam defpois della, nem na
queriam fe nam por vontade de feu criador que
mata & da vida com o elle dis Deut. c. 32 : yo
mato y abiviguo ; E quanto aver paífos em que
terra das vidas fe diz por efte mundo importa
pouco , que nos dahi nam tomamos proua de
noífo intento , nem falta lugar em que he terra
fauta , porque o propheta Ÿ ehez. c. 2 6. refe­
rindo deftruyçam doutras terras concluc: y da­
rá fermofura en tierra de las vidas a faber em
terra fanta-E a razana que ajunta que efte mun­
do fe chama terra das vidas porque nellevi-
F 3 vem
8ó Tratado da
. h
vem muytos , tem outra mayor em contrario, <¡
que milhor fe chamaria terra de mortes , por­
que nella morreram & morrem muytos mais,
E aili nam ha que reparar nos verfos alegados a
propofito da terra das vidas, nem fazem , nada
ao cafo ; mas fo a explicaçam do verfo : Pfalm
i i 6 . p recio faen o jo sd e A . la muerte a,fus
b u enos, he de quem tira explicaçoésde fua k
cabeça fern ter doutrina como fas a q u i, dizen- I
do que a palaura precióla quer dizer, cara, que
cufta m uyto, ou quedà defgofto, pois dizque *
or iífo nam entrega, Deus facilmente feus
E ós na maõ dos inimigos , porque iífo lhe be
muyto caro , ou p en ofo, com o fe elle naó pu-
d e ífe . Liuralos dos inimigos : mas efte paífo
ajuda muyto noflà verdade , porque a palaura
Yakar có que entra o verfo , en todo lugar fig-
nifica preciofo, fuave , fermofo com o Prover.
2 4 : D e todo aver preciofo y hermofo : & L a­
m ent. cap. 4 . hijos de Syon preciofos : onde
ufa da mefma palaura Yakar a faberfuave,pre­
ciofo , tido en grande eftima ; & tal diz que he
para o feñor a morte de feus bós,porque ao Te­
nor lhe he fuave recolhelos em fua gloria , &
darlhes inteiramente o premio de íuas obras
com o fazfegundo diz Y o b cap. 3 4 : fi puziere
a el fu co raço n , fu efpirito y fu aliento a el
apañaría; onde ufa da palavra Neífamah, que
fica moftrado fer a alma inípirida por Deus no
b-suíícra
m m or
homem a qual o mefmo Deus torna a apanhar
& recolher para i ï .

Cap. X XIX.

D» mal que o cantraviador entende iff


nega o paßo da alma de Semuel yir
fa la r a Saul.
I z mais . A o quinto : Semuel vejo f a ­

D lar a Saul logo os mortos vivem & fa la m .


Respondemos que nam vejo Semuelfa la r
a S au l, nem os mortos vivem oufalam , &
o que f e efcreve acerca de fia vinda ou fa la nb p ri­
meiro livro que f e intitula de Semuel be tudo con­
trario a doutrina quef e tira d.a ley, G? lugares ale­
gados polos quais f e mo flr a que os mortos nam v i­
vem , nem fabem de algna coufa como aquellos que
j a naö f a o , a j f fendo a tal efcritura contraria a
verdadeira doutrina da ley , he força que fe ja fa ifa
& om m entada como outras efcritas & recibidas
polos p h arifos • & reprovadas polosftduceos : nos
temos a lej por guia & fundamento principal &
por ella avernos de julgar & apartar o falfo do
verdadeiro, <£? aßi nos manda a ley que nao creamos
ao propheta, ou fanhador que com falfos milagres,
ou apparendas nos quizer levar a ador a pao dedeu -
zes eñranhos que nao conhecemos, nem a ley nos em-
finou a conhepelos, iß con ofundamento firm e f o i l o
nella , nos nao manda defprezar fetes finais : a m ef­
ma nos da regra para conhecer o F r opheta falfo que
em nome do fn o r fa la r fin a d acontecer a couzfl que
elle prophetizou , que tudo he avifarnos iß f a ­
iem os acautelados contra a malicia dos homés , que
nam pefiam de inventar iß efcudr in h a r, malda­
des, contra os quais eítam feguros os quef e acolhem a
verdade da ley : pois comofe ja doutrina nova dizer
que os mortos falam ißf e levantam ao chamado de
quem os 'chama, coufa que a ley nam conheceo, antes
ve dou eile modo de chamar por elles como gentílico
iß vão • a efcritura ou conto de quem nos diz que
Semuel vay fa la r a Saul he necefiario que fe ja de nos
lançada, iß regeitada firm es na doutrina, iß ver-.
dade da ley ; iß por certo que quem olhar para o con­
to a chara logo nelle fu a vaidade ; porque he de fa b er
quem emprestou a Semuel aquella capa para f e cu*-
br i r , quemihe deu oc orpo iß aquellas barbas bran­
cas que de poucos dias eilauam metidas debayo da
t e r r a , f e elle quando ft y o defle mundofoy nu com
feu espirito para o lugar em que efiaua : tambem Se­
muel lhe difie que ao outro dia eflaria corn elle, iß
afß tam bom lugar terà Saul de quem o Snor fe apar­
tou , iß f e fe z ini migo como allife d i z , como tinha
Semuel minofo feu ; enfim f e ha Lipois iß algúa arte
para enganar iß moslrar corpos fan tásticos, eu de
tal
Immortalidade. 8p
talarte naõfe i , G? algum engano poderia acontecer
fizejfe a mulher malfeitora a Saulpor em cudar que a
alma de Semuel veftida em novo corpo & hábitos lhe
vej/o fa la r he mais que vanijfimo doutrina f a i f a ,
gentílica, vam Tefahiau . Tolos vivos f e perguntara
aos mortos ? como d izer, mais fabe, mais vai,m ilhor
he o vivo que o morto : que bem pode fa z er o morto ao
•vivo , pois poios vivos f e ha de perguntar aos mortos>
Selomoh porque o cao vivo milhor que o L eao mor­
to , porque os que vivem fabetn que haode morrer,
& os mortos nao fabem algua coufa , & nao mais a
elles prem io , porque ao efquecimento fo i entregue
fu a m em oria, tambem o amor delles tambem o odio
delles, tambem a ynueja delles j a pereceo & parte
nam a elles mai spara fem pre em tudo o qu efefas de-
baxo do f o i, o morto acabou, nam tem mais conta
com o que f e fa s no mundo & tam pouca conta tem
que como diz Tob cap. 14 nem defeus filhosfa b e ,fa r -
feam poderofos feus filhos & nam'Jabera , envelhe­
cerfeao & nam atentará a elles: pois f e 0 homem
morto, he e fie , f e dormindo eila feu fono de que nao-
acord ara, envergonhenfe os fabulofos que andam
com os mortos as cofias & nos querem perfuadir que
aparecem de novo aos vivos, & lhes ferv em de con-
felh eiro s.

Erto he que os pouos habitadores da ter­


C ra lanta entre outras abominaçois tam­
bem tinham efta de perguntar aos mortos ÓC-
F ƒ tomar
po Tratado da
tomar repollas delles, mas nam he çerto que
auer mortos & darem elles repolla era fallida-
de & m entira, nem que o fnór vedou eífe co -
ílu m ep orfer vaó «Scfabulofoque muy tos ou­
tros vedou que eram verdadeiros, ou de verda­
de fe faziam , com o pallar os filhos polo fogo,
& facrificalos a M olek : falla rezam he logo di­
zer que por iílo a ley veda perguntar os mortos *
por que iífo he vaó & fabulofo , pois a ley ve­
da outras muytas co u las, em que nam ha nada
de fabula nem mentira • mandar Saul como
mandou Sem . i . e . z 8 • que na terra nam ou-
velïe adevinhos, nem Pythoés para perguntar
aos mortos fez o que devia conforme ley ; mas
querer elle perguntar a Semuel bufeando re­
medios para iíTo contra ley , he claro final que
fàzia conta defta repolla de Semuel m orto,
com o de coufa c e r ta ; & a ífi quem iílo nega,
fica negando o paffo defde leu principio com o
yra negando tudo o que lhe encontrar algúa das
opinioís em que fe obftina , & que funda em
rezoísd e vento como efta, em qu eaccu faos
pharifeos que a falfificaram fem nos dizer por
que in te re líe , que fe era por contradizer aos
faduceos elle a diante confeíla que nam fabe
nada delles, nem fabe quais livros admittem,
nem quais negatn : Hora dizer que nos deixa­
mos a guia & caminho que nos moftra aley que
tambem veda fonhador propheta fallo he
Immortalidade. 91
rezam fora de propoíiro porque vay muyta di­
ferença de vedar a coufa a negala , antes quém
prohibe & veda a cou fa, ja niífo mefmo a con-
feífa & lhe concede fer: aíli porque hay fonha-
dor & propheta falfo , por iífo veda a ley dar-
lhe credito : porque as gentes paífavam os fi-
. lhos polo fo g o , & os ofreciam ao ydolo cha­
mado M olck , manda a ley a Yfrael que nam
faça tal abominaçam : aííi porque avia pergun­
tar a m ortos, & ter reporta d elles, por iífo
manda a ley D eut. i 8. que nam inquirais,nem
pergunteis a mortos pois a duvida donde veyo
ao limpies & nú efpirito de Semuel aquella ca­
pa , & aquellas barbas venerandas,he de quera
auvidar que os anjos tantas vezes ditos na ley
& aparecidos a Abraham a Ychofuah &David
& c . fe reprezentavam em aparençia de cami­
nhantes , de capitaés & de foldados; donde
lhes vieram os vertidos, as iníignias, as armas
& quanto feguirfe que tam bom lugar teria
S au lp eccad or, como Semuel fanto , & tanto
valeria là o mao como o bom , he fabulofp,que
Semuel nam trata alli de pena nem gloria do
outro mundo , fe nam diz : y mañana tu y tus
hijos comigo , a faber , amenhá fereis no con­
to Sc companhia dos mortos : & quando qui-
zeíTemos tomar em outro fentido , quem fabe
da contriçam que fes S au l, quem nos dirá o
m erecimento que teve cm entrar na batalha
V“ com
pz Tratado da
com feus filhos, & o ferecerfe a íi & a elles a
D eus fabendo que hia corn elles a m orrer.
Q uem nos dirá fe as almas ynda dos bõs na
primeira entrada do outro mundo antes de
gofar da gloria tem que purificar pois nam hà
jufto na terra que nam peque , & affi ynda Saul
peccador fe poderia por tranfito achar no mefi-c
mo lugar com Semuel jufto morto de poucos
diasrPois os lugares que nos tras para nos pro­
var quanto mais podem & valem os vivos que
os mortos vem com o de norte ful para efte ca­
fo em que nhúa comparaçam fazemos dos
m ortos com os vivos ; mas nam he muyto que
fale fora de propofito quem quis làber tanto
fem meftre,nem focederlhe o que protefta S e ­
lomoh dizendo K ohel. 7. no te afabientes de-
maíiadamente , porque te en loqueceras, Sc
bem enloquecido & frenetico efta quem ja ne­
ga & a diante vai negando os livroS íàntos a-
provados Sc recebidos por toda a antigua &
labia congregaçam de Y fra e l, & polos labios
das gentes .
D iz mais . A o f x t o Elybatt foy tomado ao feo,
& viv e : Elyjfah refucitou morto . Seja embora que
eílas coufas affi acontejfem nada fe tira delias para a
immortalidade da alma; antes fe moslra quef e Deus
quis confervar Ely bau vivo para o mandar pregar
aos hom es, foy porque fe morreffe nam poderia tor­
nar ao mundo ftlv o f e Deus o cri affe de novo como
cfTtm
Immortalidade. 93
criou ao primeiro homem , dilatoulhe pois D eu sa
vida f e ajji he , mas nam nof e z im mortal, pois no
cabo de fa z er fu a embaxada ha de morrer : Se ou­
virmos osfaduceos fobre e ila eferitura , fib e r emos
0 que nos dizem délia, que na verdade parece pouco
necejfaria efta guarda de Elybciu vivo , & nam f e
limitou 0 poder de Deus para levantar bos efpiritos
'chdaves que elle quizer dos quaisf e fir va para feus
embaxadores : tambem o morto que refuçitou Elyfa h
cornf e eftender fobre elle ajuntando a boca com a fu a
boca G? as maos corn as fuas mao s , galante modo de
fa z e r milagres , G? refucitar mortos • nam obra
Deus d eíla maneira : nadaf a z aopropofito efte mor­
to a quem Deifs f e afft fo i tornou a dar por merce no­
vo efp irito, G? tornou a m orrer, nem refuçitou par a
v id a de fe m p r e , que nos importa logo fita refurrei-
ç am para mofirar a immortalidade de que tratamos,
& com tudo a v e r 'a muyto que dizer fib re a verdade
defies m ilagres, que Deus nunca f i s cm cutro tem­
po , nem coftumou m atar homes para defpois os re-
fucita r : & nof i gando de Semuelf i l é que refp ondea
D av id a fea s firv os que f i m aravilhavam de o ver
comer quandofoube da morte dofiiho porque dantes
jejuou em quanto ynda o moço v i v i a , jeju ei cho­
rei , porque di fie quem fab e f i f i apiadara o fi/or ds
de m i , & v iv irá o m oço, G? agora elle morreuy
puraquej a eujeju a r ei ou por ventura poderei torna-
lo à v id a , eu vou para elle, G? elle nam tornar apar a
m i . Outro milagre f i conta de Elyfalo que certo
parece
p4 Tratado da
parece milagre compofto & defneceffarto, & mila­
gres tao baflos G? quafi minineiros nao costuma
Deus fa z e r : f o j elle em companhia dos prophetas a
cortar lenha ao y ar d en , G? cahiu o ferro do m acha­
do a hum no rio , o qual f e lhe amargou dizendo3 ah
ah Stnor meu que o pedi empreñado , G? Lançou
E ljfa h hum pao na agua & nadouoferro G? afsto
recolheu outraves o que o perdeu & pegou netled
milagres fobre oferro de hum machado he efcufido
& tam pouco necejfario , que mal f e podera crer :
haffe pois de fab er que entre os livros que os T h ari-
feos nos vendem ou dam por verdadeiros ha muy tos
que os Saduceos reprovam , G? dizem quais f i o os
de verdade j eu nam f e i por o dedo em todos quais
f t jam pór nam aver communicado com os ditos Sa­
duceos , porem fern efta ccmmuniçam polofogeito das
coufas f e pode bem alcançar que livros ou que parte
delles devam fe r reprovados, ou recebidos , & o que
me affirmo Le que fa m eñes home's tam fo fieito fo s,
ou por milhor dizer pouco verdadeiros em fa a s con­
f i s , que a efr itu r a que nam tivcr em fu a abona-
çam outro teñemunho mats que ofeu ficarà muyto
fofpeitofa , G? duvidofa G? f e tiver contra f tefte-
munho de outros 'judeus que fu a verdade neguem ,
nhüm credito merecera ; afsi os que amarem a ver­
dade , G? dezejarem- affertar devem procurar com
toda fu a fo rça in te ir a r f doque dizem os Saduceos
fobre a verdade dos livros que os Thar i feos quizeraS*
meter na conta dos figrados & divinos porque d eñ a
> m anei-
Immortalidade. 95-
maneira nam vivam & fejam enganados co m a fal-
ß d ad e que nelles fc a ch a, £j> poJJ'am v ir ao verda­
deiro conhecimento , que o credito que f e da as
efer ituras mentirofas,& vãs cofu m a impedir & a -
talhar .

AI fe pode foflfrcr a ignorancia defte ç e -


M go que dis nos moftrarà os livros canoni­
cos & aprovados fe falara com os Saduceos,&
feinform àrad ellesjcom ofeos Saduceos tive­
ram algúa authoridade no povo & nam foram
abominados , ou elle pudera falar entre gente,
& nam merecera exemplar caftigo pola foltu-
ra & pouco acatamento com que fala^ ou por
milhor dizer defatino & çegueira, pois ere
& legue o que confeífa que naó vio , nem la­
be . D iz o texto F.eys 2 . c a p . 2 . y fubio
Ely hau cn latem p eftaalosçielo s : & diz mais
M alach i. c a p . 4 . he yo embian a v o sE ly -
bau el Propheta antes de venir dia de A . el
grande ; cm que conta teremos , ou paraque
daremos reporta a quem ifto nega , ou duvida
dizendo fe afsi he , & dà rezam que pare­
ce pouco neceífaria efta guarda de Elyhau vi­
vo pois Deus pode fe quizer criar tam bós
efpiritos para mandar por feus embaxado-
res ; fem atentar nem laber que nam faz
Deus depoder abfuluto coula que tire nem
defraude os m erecim entos dos Santos va-
roés
y6 Tratado da
varoés com o foram os do zelofo Eiyhau ; Se fe
nega o cafo do minino que Elyfah refuçitou
por milagre efcuzado , Se graceja das diligen­
cias que o propheta fez preparando Se efquen-
tando os frios membros do minino morto : fe
nega o milagre do ferro que nadou ñas aguas
do yarden Se veio affima ; negue todos os qu£
no 2 . dps Reys conta a eferitura que fez Ely­
fah : que o paífar enxuto as aguas do yarden,o
fazer vir uífas que defpedaçaílèm 4.2 minimos,
o emendar as aguas malinas de Y ericho 5 o fa ­
zer boa para os díícipulos a panela mal tem pe­
rada Se amargofa ; o fuftentar tanto pouo com
2 0 paés de fevada & fobejar ¿ que mais tem ou
paraque era fazelos fe Deus naó quer milagres
taó baftos com o elle d is , Se tudo o dos mila­
gres affima fe pudera por outra via remediar
íèm milagre : Se fe abfolutamente negatodos
que mais teve o milagre das aguas de Marah
que M oíèh fez doçes Se faudaveis deitando
nellas o pao de húa arvore por mandado de
D e u s:& o que alega porfi de David quejejuou
em quanto o moço vivia & fev eftiu Se comeu
defpois de m orto , me parece fas totalm ente
contra , pois dis David. Semu. cap.' 1 2 : yo
andan a e l, y el no tornara am i : em q u em o-
ftra bem David que naó tinha o filho por de
todo perdid o, & ambilado pois dis que yrà
para e lle , & fa z ia conta de o achar em gloria
Sc bera
immoruaiiaaae. 97
& bem pois íè conidia & alegra fó com cudar
que yrà para elle , que fe fora para o yr bus­
car à fepultura , iiTo nam podia fer caufa de
íe alegrar mas antes de fe entriftecer de no­
vo pois íe hia acabar de todo : & e m dizer j
yo andan a el confeifa que cftà elle em 1er :
& no que d iz ; y el no tornara a m i, he co ­
rn© dizer , elle to rn ara, mas naó a m i, nem
em meus d ias, fenaô defpois de largos tem ­
pos na refureiçaõ dos mortos com o o Señor
prom éte dizendo : Biviran tus muertos & c .
defpertad y cantad moradores de poluo , por­
que rocio de verduras tu rocio , y tierra defun­
tos echara . Yefah . cap . 2 6 .

CAP. XX.
RepeteíTe o argum ento da ju ílíça
d iv in a , & m o fh a ííc a falla ex-
plicaçam do adveifario íobré
e lla .
i z e lle . A o V i l . en mmtos T ftl-

D mos f e lé que os maos f e r am deflruydos


da terra Ö1 os bos floreceram : logo
outra <vida he necejfario que aja porque
G fu'*
porque nefia os maos florecem , & os fo's p a d efem ,
os maos namfa m cafitgados, nem osju ftos prem ia­
dos • Responde : mos que nos Tfalmos f e le da de­
ft ru j cam dos m aos, & flore cimento dos bos, i f he
doutrina verdadeira fundada na m efm a ley : porem
negamos o que f e fegue que os maos nefta v id a nam
fa m caftig ad os, nem os ju ftos premiados , porque
tal dito como ejfe he totalmente contrario k verdsdt
& fundamento da ley . que nam publica outra coufa
que dizer fa z e bem para que fe ja bem ati & a
teus filhos de f o i s de t i , porque eu Snor Deus teu
forte , çiofo que v ifto a maldade dos pays fobre os
filhos fobre os terceiros, £? fobre os quartos aos que
me aborrecem , & que f a f o m ifericordia a m ilha­
res aos que me amam & guardam meus preceitos ;
de maneira que na vida prezente paga Deus ao
mao em fu a cabeça , & na de feus f i ’hos & d e fe n ­
dentes : ( f tambem paga ao bom fazendo bem *
fu a fem ente quafi em infinito, como pago« a A -
braham , cuja femente pofto que mugtas vezes pro­
vo cou a g r a devina de tal m aneira quf mereceu
f e r confumida ou ao menos de todo repudiada to­
da v ia por f e r femente f u a , & guardar fu a pa-
laura nam tirou della fu a m ifericordia como de
outras gentes antes f e lembrara de reftituilo a
milhor eftad o, reffieitando aos mefmos Rags i f con­
certo com elles celebrado : i f faberas que of n o r
Deus teu , elle Deus fiel que guarda o concerto i f
a m ifericordia aos que oam am i f guardam feus
mandamentos ate miUJJima g eracam , i f que paga
aos que o aborrecem em fu as fa z esp a ra fa z e rp e r­
der a elles : em fu as fazes paga Deus ao perver-
f o nam lhe dilata o cafiigo por nhum tempo , he
doutrina de ley i f doutrina verdadeira deba.xo da
qual militamos . A g ora f e muytas vezes vemos
florecer os maos i f que nao levao fleu cafligo rao
p íe f i o , ou da m aneira que nos queríamos , deve­
mos cudar que a nojfa v ifia he muyto curta para
alcançar as ordés de Deus i f o profundo de fu a
fab id u ria corn que governa o mundo : Deus ol­
ha os coraçoés, ve i f Jube o que cadahum mere­
ce , i f conforme ao que merece lhe paga • nos po­
lo contrario vemos o de fo ra i f julgamos como ce­
gos , Deus f i f r e porque naö dezeja deflruyr o ho­
mem , i f antes quer que fie converta porque nam he
perfeita a maldade do Hamorreo ategora, porem J e
f e nam converte he çerto que fien caftigo lhe ha de
v i r , fie fie nam converte Ju a esjada agu cara, fien
arco armou i f aparelhou a elle , i f fies aparelhar
a elle , vafios de morte fiuas Jetas : i f nos entende­
mos que porque o caftigoanojfoparecer tardou, ja
o maoficou fe m e lle , pois deuemos faber que o efta-
dofelice,dos homes nao he fieguro, antes fie continua­
rem em fu a maldade lhe podemos esjerar fu a çerta
queda : v i o mao arraigado i f lancava ramos como
lour o verde i f pafiou i f ets naõ elle, i f bufqueyo
i f nao fo i achado : iß o vemos cadapojfo acontecer, i f
atalha Deus i f corta a muy tos quando çudao que ct-
.G % meçao
meçao d v i v e r , v i fita co varias doenças i f males da
fom e da pobreza, abaxa os altos i f cazas ricas poe pola
chao de tal maneira que ordinariamente nos efpan-
tamos ver homes i f filhos delles que em outro tempoj a
conhecemos : pois iílo he pajfar a m ao, i f iílo he
bufialo i f nam achar dellefinal como tambem fiao
pajfadas M onarchias grandes de que Deus hunt
tempo f e fierviu para cailigo doutras gentes, i f to­
dos por fim receberão fu a paga, i f ynda receberam
que Deus v iv e i f v é i f ju lga o mundo cadadia i f
nhiía outra coufa vemos fenam juyzos feus na tér­
ra dos homes m al conhecidos . D o bom i f ju ila
polo contrariofie dis moço fu i i f tambem envelheci ,
i f nao v i ju fto deficmparado, nem fu a fem ente bufi-
car pao , afji que nefta vida paga Deus ao bom i f
ao mao , nenhum fe ja tam necio i f loco que outra
confit cude i f fa ç a húa conclufiio tao defiafifizada con­
tra a verddde i f fundamento da ley, porque fie qui-
zer experimentar em fu a cabeça acharia a intei­
reza defta verdade, como f o i obrigado a confiejfar
certo poeta principal entre os de fina naçam que pare­
ce tcveynveja ao caminho dos maos entendendo que
p ara elles nao av ia caftigo i f dis a f f . Os bas v i
fem prepajfar-, no mundo graves tormentos, i f p ara
mats me efjan tar os maos vi fem pre nadar em m ar
de contentamentos : cudando alcançar ajfi o bem tam
m al ordenado fu i mao , inas fu i caftigado ajsi quejo
para m i anda o mundo concertado : loco homem ajfiis
i f todos os que cudarem que aos maos acontecefem p re
bens
Immortalidade. lo i
bem hum dia lhes poder à acontecer, mas o fim delles
p ara deftruypam-, polo contrario aos bös poder a algum
dta v tr mal, & ou por que Deus os quer provar , ou
porque nao ha homem tao jufto que nao mereça algu
caftigo, porem o fim delles para pas :abaxe[fe logo o te­
m erario juyzo dos homes em cujos olhos murtas ve-
ices he bom aquelle que nos de Deus he mao-, abaxe hií
pouco as aseas de fu a imprudente prefunçam com que
quer tomar o lugar de Deus & faseerf e com elle juyz,
na te r r a , & ajft quando alguas coufas v ir acontecer
cuyo fegredo nao alcança deixeas a Deus juftojuyz,
que o mundo governa com alta fa b id u ria levantada
muyto da humana, porque aynda que muytof e canfe
nao poder a alcançar , Salomoh : z3 v i toda a obra de
Deus que nao poder a o homem achar a obra quefefaz.
debaxo dofoi,por amor da qual trabalhará o hosnem
por bufear (3 nao achara ; fo fa ib a o homem (3 con­
heça que Deus hejuyz. na terra , & nella comjuHa
balançaprem ia os bos caftiga os maos , (3 quando
v ir H evel jufto perecer nas maos do pérfido K ain ,
cudef e e ff a morte granjeou o peccado de feu pay , z3
aprenda a temer aDeus q\o caftigo do peccador eften-
de atefeus filhos; & f e bem efta materia he tal q; con­
vidava a hum longo difeurfo Ise nece(far ioatalhar por
chegar ao f i m , (3 bafta fobejamente o que moftramos
p ara annulacao do argumento em contrario fundado
em fa ifa apparenda contra fiel doutrina da ley.
Efcufada & imprópria arenga para moftrar
úue os hom 5s naó entendem nem alcançam
G 3 os
io ! Tratado da
os juyzos de Deus & que fe enganam julgando
a maó por bom , & o bom por m ao, & que os
altos cayem , & os baxos íobem por providen­
cia divina , nam vindo nada difto a propofito
do argumento,que fe funda fo nos bòs que paf-
fam a vida com traba lhos & acabam nelles: Sc
dos maos que poífuem bés & d efcan co até o
ultimo da vida que triumpham : quem podera
negar os exemplos defta verdade fenam algum
ig n o ra n te, & fo b e rb o contrariador que nam
vio as efcritutas , & fe as vio as nam entende :
dexado o exemplo deYahacob & Efau trazido
a efte propofito no c.ó .q u e dira a YofihauRey
de Yehudah de quem dis o texto R e y s 2 .c .2 2 .
hizo lo derecho en ojos de A.y anduuo en toda
carrera de David fu padre, y no íe tiro a dere­
cha ni a yzquierda, y com o el no fue de ante el
R ey que fe tornaífe a A. con todo fu coracon y
con toda fu alma, y con todo fu aver com o to ­
da ley de M ofeh , y dcfpues del no fe levantó
com o el ; & toda via efte fanto R ey foy m orto
por maó de Paroh N ech ol R ey de Egypto,aíIi
foy m orto Yefahiau por ManaíTeh, he jrm ihau i
famtificado no ventre de Sua mai he tam gran­
de zellador he o fervador da lei perfiguido m o- i
leftado com emfinitos generos de caftigos he o
por Rem ate levado cativo Æ gypto he m arti­
rizado nelle aííi Zacharia polo povo, Sc outros
m uytosbósque acabaram m al, Si nam tem
co n to '**'
Immortalidade. 103
conto ostyrannos & maos que acabaram bem?
Q u e dira a Hevel innocente & jufto m orto por
maós de K ain? Dirá como dizque p o rp ecca-
dos de feu p a y , he falfidade contra ley que
manda que a alma que peccar eífa morrera Y e-
hez.cap .2 8. & dis que naó morrera o pay polo
fiího nem o filho polo pay ; & o mefmo he ao
contrario que os m erecim entos do pay bom
naó livraraó de caftigo ao filho mao com o fe vé
por exemplos da mefma le y , pois os peccados
do povo de Yfrael por onde he caftigado &
m orto no deferto,naó tira a feus filhos entrar a
poífuir a terra fanta : rebella Korah & fcus fe-
quazes , a terra fe abre 8c os engole vivos, &
ficam cm falvo os filhos de Korah : acha Deus
em David hum homem fcgundo feu coracam ,
nada val eiîaprivança para defender Abfalom
Ammon & Adoniahu feus filhos antes todos
elles com o fangue & vida íatisfazem leus pec­
cados : faó grandes os merecimentos de Abra­
ham. Yshak, & Y ahacob, mas naó deixaó por
iífo de fer caftigados & punidos feus filhor
quando peccaó : & a efta verdade nada encon­
tra o que alega da ley que diz : Exod .zoryo A.
tu Dio , Dio çelofo vilitan delito de padres ío-
bre hijos fobre terceros, y fobre quartos a mis
aborrecientes ; y fazien merced a milles a mis
am antes, y a guardantes mis encom endarlas:
porque nas palauras a mis aborrecientes y a
G 4 mis
104 Tratado da
mis amantes efta a verdadeira explicaçam do
verfo , a quai he que focedéndo os filhos na
maldade aos pays , que eftes tais chama abor-
re ce n te s, caftigara elles tais filhos maos ate
terceira & quarta geraçam , mas focedendo os
filhos aos Pays na bondade que elfes lam os
amantes farà com elles merces ate milhares
de g eraco ës, quer dizer que em hus & ou­
tros yra fempre communicando aos derradei­
ros algüa parte de premio , ou caftigo pola
m aldade, ou bondade dos primeiros , m aso
principal do premio ou caftigo fem duvida le ­
ra por m erito s, ou dem eritos proprios de
tal modo que nem o bom filho dom aoterá
mal polo peccado de feu pay , nem o m ao
filho de bom por merecimentos de feu pay fi­
cara abfolto do caftigo : he logo ccrto que
para o outro mundo efta guardado o premio
& caftigo dos bós dedos maos; depara ma­
yor prova defta verdade vejamos o que nos
moftra a comparaçam dos filhos de Yfrael com
os povos do mundo , porque eftes gouver-
naó , fenhoréaó de trium phaó, & aquelles
peregrinaó, padecem de lamentaó , as gen­
tes gozaó bés , tem fa m a & n o m e ; de Y £
rael polo contrario dis por elle Y e fa h . cap.
y 3 : no forma a el y no ferm ofura, dec. m e-
nosíprcciado y vedado de varones ^ varón de
dolores y ufado a enfermedades : de com o
ifto
Immortalidade. lo j
ifto naó he por hüa ydade, nem por duas fe-
naó porm uytas , he forçado confeífar , que
ha outr» vida & bés para os que os m ere-
çem & nefta os naó alcançam ; ou que o po­
vo de Yfrael he a pior gente do mundo &
a mais m erecedora de males , & caftigos,
o que he falfo pois por elles diz Deus Y e-
fah . c a p . 2 6 ■ abrid puertas y entrara gen­
te jufta guardan fieldades; que he com o di­
zer que venha Yfrael a gloria de Deus & rece­
ba o premio da fidelidade com que entre as
gentes fervio feu D eu s, & abominou o ferviço
das ydolatrias com o dis o Pfaltno 4 4 . fa­
lando em peífoado m efm opovo : fiolvidamos
nombre de nueftro D i o , y efpandimos nue-
ftras palmas a D io eftrafio : & ifto he dito
polo eftado prezente & cativeiro do povo de
Deus com o 1'e ve claro no dito P falm o , 8c
doutros muy tos que gritam efta verdade, 8c
a efta moftrando com o dedo o verfo que
diz : floreçcn malos com oyervas yherm ol-
lecen todos obrantes tortura * para feren de-
ftruydos fafta fiempre : & o que diz Selomoh
K o h e l. ca p . 7 : y ay jufto que fe depierde
en fu juftedad . E o verfo que alega por fi
do P fa l. 3 7 . no vide jufto defemparado ,
ni fu Temiente bufcan pan ; prova mais nof-
fa vefdade por que em notar no jufto que
nam he dexado moftra bem que o jufto padece
' G y afii-
io 6 Tratado da
afliçois & trabalhos nefte mundo,mas que nel­
les o coníola o fnór & o nam larga delua rnaó
conferm ed is o verfo Pfa 9 . que no dexarastus
requerientes A. Se o que dis a ley D eut. c .3 1 .
A . D io el andan contigo no te afloxara y no te
dexara:enfim dis que o jufto he nos trabalhos
differente do mao porque efte defefpera nelles
Se he dexado, mas aqut lie pelo contrario con ­
fia em Deus Se he amparado conform e o q u e
dis o verfo P íalm .32. confian en A. m ercedlo
arrodeara : Se o que fegueque a fem ente do
jufto nam bus cara paó alienta bem com o que
fica dito das m erces que Deus acrecenta ao
bom filho de bom como aqui promette que fo­
bre a merce de o naó deixar , dis que lhe dara
paó a faber bés temporais de que muytas vezes
carece o jufto que naó troixe a juftedade de feu
pay mas bem fe vé que eftes bés temporais naõ
fatisfazem baftantemente o debito aos juftos,
pois vemos Se he çerto que muytos dos inju-
ftos os poífuem com mayor abundançia Sc lar­
gueza : Sc o que alegado poetam oftraque o
naó entendeo , pois elle diz ynda mais que
n o s , Se conform e os de fua profilïàm fe alar­
ga , Se afirma que a todos os bós vio males , &
a todos os maos vio b é s , Se parecendolhe ifto
coula çerta que naó podia faltar , efpantaífe
co m o fo nelle faltou Se teve males avendo fe -
guido o caminho por onde no mundo fe alcan­
çam
Immortalidade. 107
çam os bés : mas nao entendeoque haalgus
peccadorcs taó mofinos que tem dous infer­
nos , hum nefte mundo & outro no vindouro,
& a ífi o m erecia efte pois fes mal fundado na
errada opiniam decudarque por iíTolheviria
bem : & affi teram mal todos os quepeccam
por foberba nam fe tirando de fuas corruptas
opinioés , dos quais dis Yefah. cap. y : guay
los dizicntes al mal b ie n , y al bien m a l.

CAP. XXI.

MoitraiTe mais a verdade p or ou­


tros veríos m al entendidos d o
ad veríã rio .

I z . A o V t t 1 . efta eferito : porque


D nam deixar as minha alma na fepultu ra,
nam deixaras o teu bom ver a cova j item
qtsam grande tea bem que efeondes te para
os qise te temem : Remondemos que nada vem ao pro»
pojito : & 0 fentido do primeiro verfo he efte : nam
deixaras minha alma vir a poder de meus inimigos
& que e a por fu a mao deçà a cova : alegravajfe D a­
v id de ter ofn or em fu a guarda & dizta que debaxo
fe u abrigo dormia fe g a r o , nem temt a que o m a-,
tnjfem
loS Tratado da
Kiffern nao querendo dizer que defpois de morto tira ­
r ia fu a alma da fepultura, que i f f o encontra ao que
fegu e , nam daras a teu bom ver a cova, nem quer
dizer que nunca av ia de ver a cova, que a cava to­
dos a hao de ver , & nhum vivo efcapara de fu a s
maös : que homem v iv irá £2?nao vera a morte , &
liv rara fu a alma da mao da morte ? mas quer dizer
que o Señor nao deixaria fu a alma em perigo da
morte, nem confentiria como diziamos por maos dos
maos que o bufeavam ver elle a cova como em outros
Tfalmos f e confolava. O fegundo verfo, quao grande
teu bem que efeondefle para teus tementes por f i efla
declarado com o que Jegue obra fie aos que effera o em
t i , diante dos filhos dos homes, de m aneira que d i­
ante os filhos dos homes na vida prezente obra Deus
efle bem : & que bem he ? efcondeloas no efeondido
de tuasfazes dos alevantnmentos dos homes ■ efeon-
delosàs em tua tenda das contendas das linguas : tu
lhe feras amparo & abrigo contra toda a perfe-
guiçao dos homës , trayçois & maldades de que
daua ao Señor grapas avelo livrado , bes aconte­
cidos ñas faces dos filhos dos homes de prezente ,
outros bes nam fonharemos & f e fonharm os, fo n -
hos f e r a ö .

i z no P ial. i<S : porque no dexaras mi


D alma a fueíTa , no daras tu bueno para ver
fueíTa , jaque efte groíador qu eriae x p lica ro '
verfo
verfo a feu propofito, divia atentar para o fe-
guinte que diz : fazme faber fendero de vi­
das , hartura de alegrias con tus fazes : fer-
inofuras en tu derecha fiempre : o qual verfo
nhña correfpondencia tem com o outro ad-
m ittindo a explicaçam do errado grofador,
porque efte verfo claramente fala do mundo
vindouro, & nada tem que trate defte mun­
do , & aííi o que dis fazme faber fenderode
vidas nam he rogativa pois David ja fabia os
caminhos da ley em qne confifte ávida , mas
he linguagem affirmativa de futuro farmcas
fa b e r, com o fe différa quando morrer entaó
roe faras faber o caminho das vidas que fe­
ra o caminho para fubir aos çeos, & vir à com ­
panhia dos anjos do Señor que effa he a ver­
dadeira vida : & fermofura de alegrias con
tus fazes, com o dizer que entaó me aprovei­
tarei dorefplandor de tua divindade que ef-
fas faó as verdadeiras alegrias de tus fazes;
porque entaõ minha alma ja Separada das car­
gas defte corpo terá virtude & força para
ver claramente a verdade : y fermolura en
tu derecha fiempre : a faber; en tam me de­
leitarei de verdade com a vifta do Señor com o
com hua dadiva dada com maõ dereita em que
fe entende a piedade ; & ifto fera para fempre
fem aver nefta bemaventurança, nhum inter­
vallo nem fim como ha nos bés defte mundo
por
j î o r cujo refpeito os nomeados & entendidos
nefte verfo nam fe podem aplicar fe nam aos
bés do mundo da verdade : & aífi para milhor
entendet o dito verfo conuem atentar o que
fica dito antes : por tanto fe alegro mi coraçon
y agradofe mi honra : y también mi carne m o­
rara a fiuzia : por que no dexaras mi alma & c .
o que n am he ja& arfe que nam morrera , pois
porqualquer via que foife era força m orrer: fe-
nam que de tal maneira m orreria, que nunca
fe perderiam as cfperanças de reviver : Sc por
iífo da razam dizendo : por tanto fe alegro mi
coraçon , Scc . a faber por quanto eftou con­
fiado que tu nam deixaras minha alma na fe-
pultura ; jaque por húm delito tam grave c o ­
mo com eti me mandafte dar por novas & di­
zer por Nathan propheta : tam bién A. fk o
paifar tu peccado Semu. 2 . cap. 1 2 . daqui tiro
por çerto que naó deixaras minha alma apar-
tarfe de ti, nem ficar no numero dos perdidos,
que iífo fe chama ver a alma a fo ifa . £ o veríb
do Pfal. 3 1 . que diz : quan grande tu bien que
guardarte para tus tem ientes obrarte para los
confiantes en ti delante hijos de hombre . tem
duas partes d iftintas, húa do bem que o fefior
guarda eíèondido para dar a feus tementes no
mundo vindouro, outra das obras que faz com
elles nefte mundo,de modo queeftar hum bem
guardado para o feñor o dar aos juftos de futu-
ro,nam tira darlhes aqui outro de prezente:dô
primeiro difquan grande tu bien que efeon di-
fte : do fegundo dis obrafte delante hijos de
h o m b re , no primeiro ufa do encarecim ento,
quan grande com o dizer grande em lummo
grao que naó tem com paraçam, & diz tu bien,
bem que h e fó te u , & eicondifte, que ninguem
Ííkbe, nem entende nada delle : no fegundo
dis obrafte delante hijos de hom bre; ö cfe ro
mefmo bem diante de filhos de homem & e s ­
condido he im poilïvel, forcado he logo que íe
entendaó nefte verfo dous bés diftintos pois
elle mefmo declara que hum he efeondido &
occulto & outro claro & manifefto . E a tor­
ta explicaçam que tras ao verfo dizendo : ef-
condelofas dos levantamentos dos homés , cf-
condelofas dos levantamentos das línguas de
nenhum modo fe com padece, pois o verfo
claramente trata do bem que Dcus tem eícon-
dido para as peífoas , & das peífoas naó fe dis
que Deus as efeonde fenam que as ampara , de­
fende & guarda, & fe elle as quer guardar nam
ha mifter de as efeonder , & quando nas pef-
foas cayra bem a linguagem de efeonder diffé­
ra . Oh com o efeondes teus tem entes,& nam
qnan grande tu bien que efeondifte para tus
tem ien tes, de modo que efeulado he gaftar
tem po nas difparatadas imaginações defte va-
niffimo fon had or.
C A P . X X I I .
D a rcíúrreiçaÕ dos m o rtos & falia
expliçaõ dos veríòs trazidos em
c o n tra rio .
o
i z . A o I X . O lugar dc Tefeah. V i-
D viram tem m or tos : remondemos que m m
fa la o Propheta dos verdadeiros mortos
& dos que acabaram o curfo natural da.
v id a , nem dis que efles fe levantaram, mas os mor­
tos de que fa la fa o o povo de Tfrael effalhado polas
terras, & nellas contado por morto que ninguém
citda d'elle que tornara mais a fe r gente, m asque
feempre ja z e r a no chao abatido v il , m irrado &
fecco ; da mefema maneira que delle fa la por f e -
melhança o Propheta Tehez = cap . 3 7 . onde de­
clara que os ojfos Jecos eram a cafa de Tfrael re­
i f eito que elles diziam fecarao f e nojfos ojfos , &
pereceo nojfa ef f er anca fomos atalhados a nos : con­
form e efte feentido dis : eu abrirei vojfas fcp/ultu-
ras , nam dis que tiraria os verdadeiros mortos
das covas, mas os vivos affemelhados a mortos a -
jun taria das terras & lugares a donde efiavam lan­
çados , & eram comofuasfepulturas r e ff eito defeu
eflado, & os tornaria a terra de T fra el, afji que hum
lugar hefemelhante ao outro, & ãbosfalaoparabólica
Im m örtaO acïe^^^^
he- fcmeUtante ao-outro, (¿ ambos faktÓparahdusa-
(¿n am propriamente, (¿ ynda para mayor decla-
raçam repitiremos atras hu pouco : do principio ate
of m trata aquelle capitulo do ajuntamento, de TJ
r a e l , & mo fir a como o Si nor castiga diferente­
mente as outras gentes do que ca flig a r á a elle , por
ellas , dis mortos nam v iv ir am , defuntos nam f e
aíèvantaram , por tanto v i f ta fle & deflru jfle a el­
les y (¿ per de fie toda a memoria delles querendo di­
zer que as gentes cafliga o Señor (¿ muda feu efia-
do de maneira que mais nam tornam ao que dantes
fo r a m , porem Y frael cafliga diferentemente ; ajun-
tufle a gente Sitior , ,•ajuntafte a gente glorificaficte,
alongafle aos flits da terra , quer dizer : ajuntaste
S itior, multiplicafte Seiior fa z e r maravilhas com
aquella gente, (¿ afli te glorifica fie com gente que
avias lançado aos fins da te rr a , & por concíufam
defpois de todos os males pafados t defpois delongas
e ffe r an cas, v iv ir am teus m ortos, os teus fe rid o s ,
os teus mortificados, epilados & contados quaji por
mortos na terra , v iv ir a m , lançolosha a terra de
f i , & brotaram della como erva , (¿ he confiarme ao
que fie lé no cap. fieguinte : nos vindouros lançarà
Yahacob rayzes, florecerá & brotará Y frael, tudo
fa m femelhanças (¿ modos de fa la r corn figuras que
he nece f a r io entender comjuyzo de homes , & nam
tomar as palauras comofioam indiferetamente : f i ­
gue o lugar de Yob : (¿ confefl'o meu redimidor
vivo y (¿por derradeiro fobre meu pó ef i ar ei : res
H pon-
114 ïr a t a a o d a
pondemos que muy defviado he ofentido de Yoh du­
que lie corn que muytos o entendem , ou querem
entender, (¿ o que em fu fla n cia dis he que elle tin­
ha confiança em Deses que yn da o avia de alevan-
tar daquelle lugar , ondejazia chagado , ferid o (¿
debilitado, (¿ levantado em f u s pe's lhe avia de
fa z e r os facrtficios que dantes coflum ana, (¿ lou-
vallf : eu confejfo meu redimidor vivo , eu f e i que
aquelle em quem tenho confiança he Deus v iv op o-
derofo para me rem ir , livrar , levantar , tirar
defta angustia , tribulaçam (¿ m tferia em que
me vejo ; (¿ todas as vezes que Deus livra os ho­
mes de males (¿ tribulações (¿ perigos f e chama
D eus redimidor , affi quando redimio o povo de
oÆgypto , (¿'he materia fo r a de que flam : (¿ por
derradeiro fobre o pò e fla r e i, andarei (¿ me move­
rei , yndaque agora amigos vos pareça tam pouco
aparelhado para andar : (¿ defpois que minha pelle
trilharem e f t a , defpois que a infirm idade doença (¿
chagas de que eflou ferido: (¿ fah io of i t an de d i ante
do Stnor (¿ fe r iu a Yob com chaga md,defde a planta
do pé ate o alto de fu a cab eça; defpois que os bichos
criados nellas,ou levantados do pó em que eflou affen-
tado, vijltujfie minha carne de bicho (¿ immundicia
do pó, minha pellef e cortou, (¿ defatoujfe, deixarem
de tratar mal efla pelle (¿ carn e, entonces dem m ha
carne verei a Deus • entonces reformado (¿ convale­
cido, reflituydo a meu antigo eftadofo r ç a s (¿ perfei-
catn verei aD cus-.madrugarei aquelle lugar onde cu
Immortalidade. 115
eofi umava fa z e r lhefacrifici os,Ci m adrugava Ci f a - .
zi a fu b ir a ß aço i s Ci affi verei a Deus o quai en ei de
ver a mi dativo ufado no hebraico,o quai eu mefmo ei
de ver Ci nam eflranho, nam ha de fe r outro por m i,
eu mefmofa r e i efte offici o: defenganaivos amigos que
tam fem caufam e perfeguis calum niáis, affrontais,
dizendo que por minha maldade eftou no eftado em
que me vedes •j a dez vezes me emvergonhaftes nam
vos correis de vos endurecerdes contra m i , defenga-
naives Ci fab ei que he verdade o que vos tenho dito, Ci
vos 0 vedes na minha pelle, Ci ua minha carne que f e
pegou no meu ojfo, Ci fiquei com a pelle de meus den­
tes, com a pelle pegada nos dentes, com tudo íffo tenho
e f f er anç as certas antes f e i que m eei de ver levan­
tado defte e fia d o , Ci tornado ao meu prim eiro eíla -
rei fobre meus pes , verei minha carne reftituida, Ci
y r c i dar graças a D eus, Ci offerecerlhe novos f i ­
eri ficios ; tudo ifto vio Tob cumprido em f i de f o i s
que 0 Stnor levantando d ’elle feu açoite , como f e
lé no fim do livro <, elle mefmo fo i ver a D eu s,
Ci polos mefmos feus amigos offereceu alça ça m ,
Ci de verdade haftara ifto para defenganar os que
mefmo a ft f e enganam entendendo efte lugar dife­
rentemente daquella muy ta clareza cornque em
outros muytos fa la neíla materia o mefmo livro
de Tob negando levantamento de defuntos , como
j a atras moftramos . Algtis querendo mal en­
tender a palaura por derradeiro interpretam no
fim do mundo Ci juyzo final que vammente im a-
H 2 gjnaó
ii6 I ratado da
ginao com«fe m ó pudejfé f e r derradeiro , & derra­
deiro muy breve & limitado em poneos dias confor-
me o fogeito em quef e tratajfe : que den a comer
man no deferto que nao conhecerão teus pays por cau-
f a de te a flig ir , Cd por cauft de te tentar por
fa z e r bem a ti em o tets derradeiro , eße derra­
deiro f e limitou no fim de 4 0 . annos que o po­
vo andou no deferto antes de entrar na terrapro-
m eted a, fa la v a pois Tob do fim Cd derradeiro de
fu a infirm idade , id nam fa la v a do derradeiro
d ia do mundo , que nunca acabara , m oílraffe
claro polo fim do livro Cd bem di [fe Deus ao der­
radeiro de Tob mais que ao feu principio Cd f o ­
ram a elle quatorze m il ovelhas , Cd eße era o
derradeiro de que Tob fa la v a , Cd eße 0 q u eeffe-
r a v a . Tambem fon har porque alli f e Te , & de
minha carne verei a D eus, que 0 homem real Cd
vifivelmente ha de ver a Deus nos ceos : ver a
Deus he adóralo no templo Cd lugar dedicado no
templo divino 5 nam fe r am vißas minhas fazes en
v a z io , nao ver ess diante de mi ao lugar de min­
ha morada fe m trazer qu em eojfreçais, Cd entnm
•vio Tob a Deus quando convalecido fo i offirecerlhe
a lfa fois, fa la r em outra vida he defuario.

I Z o verfo em Y efah . c a p . z6 : bi-


D viran tus m uertos, com o mi calabrina
fe alevantaran : defpertad y cantad mora­
dores de poluo , por que ro çio de verdu­
ras
Immortalidade. 117
ras tu ro c io , y tierra defuntos ech ara. P o r
nova coufa julgara nefte contrariador tirar­
nos agora aqui a efcritura do literal , quem
notar feus difcurfos , & fe lembrar que toma
alma por fangue , & fangue por alma ib por fu­
gir de expliçois alegóricas as quaes agora nos
, quer aqui perfuadir por andar em tudo as avef-
fas: dizer que por m ortos nefte pafîo fe enten­
de o povo v iv o , mas contado por m orto por
eftarem cativeiro he falíidade porque os paf-
fo sem q u e a ley & efcrituras prometem a re-
m iífaódo povo & apanham ento delle expref-
lam ente naó tem c o n to , aílique fora de ca­
minho feria agora encubrir debaxo de para-
bola o que tantas vezes eftá apregoado a altas
vozes : & o que quer confirmar com Yehez .
cap. 37. da vifaó dos oílbs focos, fobre que dis
allí que Deus fez fobir nervos & carne & cou­
ro & lhes infpirou efpirito & vida dizendo que
nam hemais que por húa femelhança para íi-
nificar o povo efpalhado , feco & mirrado co­
mo oífos mas vivo, & que efta com o em fe-
pulturas donde Deus dis que os tirará, feria tu­
do falfo fenaó foífe para ímificar verdadeiros
mortos & fepultados em taó longo cativeiro ,
porque he forçado confeflar que fobre aquel-
íes oífos fecos vieraó realmente todos os acon­
tecim entos deque naquelle lugar fe faz m en-
ç a ó , & que de verdade eftiveraó vivos , &
H 3 ani-
ii8 Tratado da
animados tanto que dis R abi Elyhezer que os
m ortos que vivificou Yehezchel eftiveram
levantados & cantaram cantico ; que canti­
co ? A . matan y abiviguan ; matan con ju-
ftic ia , y abiviguan con piedades : & R abi Y e -
hofuahdiz , o cantico que cantaram foy : A.
matan y abiviguan , fazien defcender a fucila
y fazien fobir, & R o b i Joféph galileo dis ynda
m uyto mais , que eftes m ortos vivificados por
Yehezchel fobiram a terra de Y fr a e l, & ca-
faram & tiveram filhos & filhas , mas enfim
todos conformam que eftes mortos na verda­
de tornaràm a ter vida , porque fe n am , fe­
ria neceífario dizer que foy o exemplo fallo,
& en ta m feria tambem falfo todo o exempla­
do , & como o exemplado he verdadeiro, he
força que feja tambem verdadeiro o exem -
‘ , nr irnos que Yfrael he feme­
& hum jufto a hua palma,
lle força confelfar que na verdade há palma &
lia vinha ,• ou que o exemplo he ridiculo ; aííi
fe Yfrael he bem comparado a oífos fecos
qu evivem , he forçado que viveífem pois el­
les eram o exemplo & a imitaçam delles avia
de viver Yfrael tambem morto , Se metido na
fepultura com o os oífos E aííi o declara o
Señor ao Propheta nefte cafo com o fe diffé­
ra : o que te moftrei neftes oílos fecos que co ­
m o vifteenchi de carne & efpirito & enfim
revi-
Immortalidade. 119
teviveram , teilrva de doutrina quedo m ef­
mo modo farei reviver os oiTos fecos Sc con -
fumidos do povo de Yfrael Sc os tirarei das
fepulturas em quejazem ha tantos annos em
diverfas partes do m undo. & afli vem a aju-
ftarfe a lemelhança com o aífem elhado, Sc
doutro modo nam ; que paradlo fácil eraao
Señor moftrar ao Propheta gente pobre ef-
parzida & trifte , Se logo tórnala aleg re,
vinda & rica , que afli vinha a fer a feme-
lhança propria : mas imaginar & dizer que
nefte lugar por mortos fe entendem vivos Se
negar a propriedade Sc literal da femelhança
heabfu rd o; como tambem no verfo atras que
diz : muertos no vivirán defuntos no le a-
levantaran ; dizer que henofen tid o contra­
rio & que alli tala em gentes contadas por
mortas como fe as igual-afle, Se comparafle
corn Y fra e l, & ellas eftiveífcm oje em afliçóis
Se cativeiro com o elle, ou folTe forçado que
em algum tempo venham a fer cativas, pa­
ra nunca mais 1er redimidas , o que nam con­
forma com o que dis Deus por Yrmih . cap.
4. 8 . tornare tornança de Moab , y de Amon
y de Helam , ja logo eftes nam foram cati­
vos Se contados por morros para nunca mais
Viver , nem tornar , nem pode nelles ca­
b era torta explicaçam do verfo : Muertos
no vivirán , defuntos no fe alevantaran :
« TT
no Tratado da
pois elles tornaraó & fe alcvantaram : & alem
diífo paraque era parabola fobre coufa que
Deus diz taó claro em Y rm ih .c. 4 6 . con todas
las gentes fare fin , & c • he logo forçado que
tenha fentido literal o verfo que d iz : muertos
tos no vivirán, defuntos no fe levantaran. M as
venhamos ao verdadeiro fentido das palaura,s
de Y elab: vivirán tu muertos a faber no tem po
da íalvaçaõ de Y fra e l, porque entaó o Señor
refuçitara os mortos defpois que redimir 8c
falvar feu povo dos cativ eiro s, 8c conform e
ilfo diz tambem Daniel cap. 12. ym u ch osd e
dormientes en tierra de poluo fe levantaran ¿
& por eífe tem po fala o P ro p h e ta , com o di­
zer entam viviram teus m orto s, & em dizer
teus moftra bem que faó fó os juftos que eífes
faó os do Señor com quem falava . Com o mi
calabrina fe levantaran ; fabendo o Propheta
defi que craju fto,& tendo cfperanças em Deus
que fe levantaria dis que do mefmo modo íe
levantaram os mais juftos : dcfpertad y cantad
moradores de polvo , porque aííi o d iram ea-
dahum a feu companheiro , ou porque virá voz
do çeo que os cham e, & lh esd iga defpertad,
& c . porque rocio de verduras tu rocio , por
modo de parabola, aííi com o o orvalho he
conveniente & proveitofo para as verduras 8c
as faz brotar da te rra , 8c enfim faz viver as
ervas fecas, aííi teu orvalho Señor fara com os
m orios.
Immortalidade. 121
m orto s, que ynda que delles nam aja mais que
olios fecos , elfes aíli fara reviver, & pularam
da terra que os deitara fora de íi & iífo he o
que d iz : y tierradefuntos echara : E o verfo
atras que fala nas gentes & dis muertos no b i-
viran , defuntos no fe levantaran , & c . tem
poucoque explicar pois fe entende bem polo
fentido contrario , que ficaram debaxo da ter­
ra deftruydos para fempre fem mais memoria
delles,mas Y lrael revivendo nam fomente g o -
fara dos bés do S e ñ o r, mas o Señor mefmo fe
honrara corn elles com o dis o verfo no dito lu­
gar : añadirte a gente A.añadirte a gente, hon-
raftere. E ao paífo que alega de Y ob cap. 1 9 .
naó refpondo, porque nam entendo provar
d’elle o intento , & aííi explique os veríos co­
mo quizer , 8c faça novas arengas, & ajunte
mais fynonimos fe ihe parece que ynda o nam
entendem , mas paraque elle fe entenda lhe
enfinarei a conftruyr o primeiro verfo dos que
alega em que eftá abuíado 8c fe achara corrido
de nam faber bufcar a fonte limpa, nem querer
darfe à lingua fin ta ; & fica rle enganado com
a errada verfaó L atin a, que treíladou mal 8C
diífe aííi : porque fei que meu remidor vive,&
no ultimo dia me ei de alevantar da terra : &
a verdade H ebraica nam dis ta l, nem falana
primeira peífoa me alevantarei por que entatn
différa a Kum com alep h , mas fala da terceira
H j peffoa
i2 i Tratado da
peílba 8c diz Y akum com yod fe Ievautarà , &
aííi a noífa biblia vulgar eftà bem & dis : y po­
ftrero íòbre poluo fe alevantara ; de modo que
naó dis Y o b de fi que elle fe levantará , fenam
que poftrero fe alevantara , tomando a palavra
poftrero por atributo de D eu s, ou por relati­
vo de Deus afirmando que elle fe levantara; &F.
aqui íè vé bem quantos erros nacem de nam fa­
b e r a língua fanta para fcguir a verdade hebrai­
c a , a qual nam permite tom ar aqui a palaura
poftrero polo ultimo dia com o mal tomam os
Latinos ; nem polo termo & fim dos males de
Y ob como efte audas adverfario ex p lica , mo­
ftrando bem nefte paíTo que a ninguem refpei-
ta , pois tambem da biblia Latina que fó labe
admitte aquillo em que errou tomando a ter­
ceira pelfoa por prim eira, & rcgeita aquillo
em que avia algúa apparencia explicando po­
ftrero polo dia ultimo fó p oryr a diante com
fuas mal tomadas imaginações : Dis pois o
verfo : yo conofco mi redimidor vivo , y
poftrero fobre poluo fe alevantara : confeílà
Y ob que ha hum criador eterno vivo & firme
de quem efpera merces porque o conhece por
poderoíb & piadofo , labe que efte Señor diz
por fi em Yefah . cap . 4 8 . yo el primero ,
también yo poftrimero , por ilfo dis agora
defpois de publicar que o Señor he redimi­
dor de todas as anguftias aos que efperam em
fuas
Immortalidade. 123
ias mifericordias , declara outro artigo que
ré dizendo, y poftrero fe alevantara, com o
b différa , efte Señor que por fer infinito
bm principio nem fim le chama & he pri-
neiro & poftrero efte fe alevantara fobre a
erra para a julgar , & defte que na piedade
ia juyúça & no poder he infinito efpero as
nifericordias & merces que adiante refere ;
n conclufam dis que o Señor bemdito elle íe
¡levantará j ao modo que dis N u m . i o. le -
lan tate A . efparzanfe tus inimigos , & no
IJfalm . 4 4 . levántate para ajuda a n o s ; E
I b que com enta da palaura poftrero , que he
para tem po breve moftra o pouco que alcan­
ça das linguas &c grammatica porque dizer
poftrero abfolutamente fem nenhum adjun­
to he forçado que feja para o ultimo que nam
ha outro alem delle , mas quando cftepoftre
ro fe dis com pronomes meu teu feu com o
nos paifos que aqui alega de poftremeria de
Yfrael & da poftremeria d e Y o b ,e n ta m po­
derá fignificar tempo breve, quanto mais que
; Y ob'defpois de leus trabalhos viveo 1 4 0 -
annos ;
Mas ííTo nenhña íemelhançn tem com o po­
ftrero dito abfolutamente,que elfe de força he
•’ para o fim de tudo,& afli o entenderá & expli-
caraô nefte lugar os latinos dizendo; no ultimo
Ji dia;
114 Tratado da
dia m asa verdade he que por efte poftrero ft
entende el D io com o fica dico que he primei,
ro & poftrero , 8c affi com o no principio
criou o mundo aííi no cabo o ju lgara, 8c iíTo
diíTe Y o b : y poftrero a faber el D io fobre po.
luo fe alevantara, entendendo por pó os ho­
mes como dis o texto que poluo t u . •

CAP. XXIII.

Q u e o livro de D aniel he canonico


con tra a iníolencia do adveríario
que o n e g a .

D
I z • F altanos que r e ff onder ao que diz. o
livro de D aniel: o f muy tos dos que dormem
na terra do p ó deffertaram , eßes para
vida de fem p re, (¿ eßes para deshonra,
para def r e z o de fem pre , & outra fiés, (¿ tu vai
ao fim & defcanqaras (¿ eftaras cm fim dos dias em
tunforte : & dizemos que eße livro de D aniel nam
he recibido dos lúdeos chamados Saduceos , o quefo
baßava para lhe tirar o credito (¿ fe p o r f e dever ao
tefiemunhofimples dos Fharifeos m uj pouco confor- 0
m eaoqu ejad ijfem os, vi fio ferem efies homes tais
que tornaram por oficio ou por locura trocar palan-
immort
ra s , m u d ar, tor fe r , interpretar avenadamente
as efcr itur as par a confir m açam & firm eza de fe m
confufosfonhos , cjucrcndo por efiesfaifas meyosaju-
dalos : quando por f i mefmo n aofe moflrara a pouca
verdade dos lugares referidos , doutrina toda T ha­
rtf e a contraria a doutrina da ley eferita na quelle
livro dehaxo do nome de Frophecia para engano do
povo G ctn frm açam da fa ifa pregaçam : mo-
ílrajfe pois apouca verdade dos ditos lugares porque
dis o prim eiro que muytos refucitnram , £? ñam­
áis que todos refucitaram , & f e tal refurreiçam
ouveffe de aver era necejfario que foffe geral para
todos os homes ou foffe que refucitajfem para pojfuir
hem ou para poffutr mal conforme ao que cadahum
vivendo mer ceso , & como os F h a rifo s preguem ö
digao que a refurreiçam nam he para todosfenam
fomente para algas como tambem as almas nam fam
todas im m ortais, fen am hitas f i & outras n am , j a
fica claro que a eficritura fo i feita & accomodada
para provar & authorifar fina tam fa ifa & errada
pregaçam : o mefmo f e ve polo verfo ultimo em quan­
ta. dis g ofiria D aniel & E ila r ia em fu a forte no
firn dos dias , qoe os F har ¿feos enf nao que no
tempo que vier o A f a j f ah fe levantaram os mor­
tos cadahum para poffuir fu a herança na terra de
Tfrael , doudice cÿ locura defitinada para cuja
#prova f e aproveitaram da f i l f a eficritura. Outras
caufas f e acham no livro de D aniel que bem m ofiraõ
& publicaofua artificiofa tnvençam , allí he a p r i­
m ei-
metra, ves que achamos nomes de anjos nomeados pot
feus nomes queateli nam aviamos fabido nem por ley
nem por outros livros, id todofeu eslilo & modo ht\
huafabricada compofçam ; id nam pareça a alguenf
dificultofo aver efcritos id efcritores falfós por quef I
quizer abrir os olhos nennua coufa vera que mat. I
ordinaria fe ja nos hom es. quem f z - o livro de Tu-1
dith id o teceo id aquella h t ílo n a , quem o tyceira
id quarto de E fdras , quém o da fabid u ria id oui.
tros muytos que nao he necejfario refer ir,pois tambem
a bifloria defte he necejfario que entre nefle numerof
naofaltao efcritores ƒalfós,prophetasfonbadores men­
tir ofos que atad o f e eflende a malicia humana , a-
moeftafoes temos da ley que nos avizou id quisfazer
acautelados, quem ha fu a verdade f e apegar de todos
oserros efeapara. H e finalmente aquella doutrina e f
crita no livro de D aniel doutrina nova ’contraria d
doutrina da ley , id outros livros que fu as pizadas
feguem , id a j f por tudo nada della curaremos ou de-
vemos curar ; id moflrado que temos fe r o homem
todo mortal, pouca necefßdade tinha d eJe moflrar o
q u e f r a , id nam lhe reflar outra vi da para, v iv e r ,
vejamos os inconvenientes ou males que fe fg u e m do
erro contrario .

livro de Daniel he prophetico verdadei­


O ro ,authentico & provado porauthorida-
d c s & r e z a ó : por authoridades queom ehrfo
Danief
D aniel nam fomente dis que lhe veyo a pro-
phccia com o dizem os mais Prophetas, mas
tambem alega teftemunhas dizendo no c a p .
i o : y vide yo Daniel a mis folas la vifion ,
y los varones que fueron comigo no vieron la
viíion , pero tem blor grande cayo fobre el­
los , y fueron en efcondedijo ; & eftes varois
tim o s que foram Hagay , Zacharyah & M a-
la c h i, os quais defpois tambem Prophetiza-
ram com o dis Hezra cap . y • corroboraífe
' com a aprovaçam dos fantos & fabiosvarõis
da Synagoga grande em cujo concilio fe a-
charam os Prophetas Hezra , Hagay , &
Zcchariah , que puzeram efte livro de Daniel
no numero dos 2 4 . livros aprovados & ca­
nonicos que temos , confeílàmos & fegui-
mosreonfirmaíTe polo commiim confentim en-
to de toda acongregaçam fanta d eY ftaelq u e
o racebeo & confeíTouate o je , & confef-
fara ate fim do mundo : a eftas authorídades
fe ajunta a efficas rezam , que efte livro he
feito por hum homem conhecido por fabio
Se fanto , & efcrito en tempo que avia com -
municaçam de Prophecias , como fica mo-
ftrado nos Prophetas affima , Sc da quali­
dade & eftima de Daniel da teftemunho o
Propheta Y e h e z . c a p it. 1 4 . dizendo ; y
fi fueren tres los varones eftos entre ella,
N o a h , D an iel, y Y ob ellos con fujuftedad
- jufte-
juftedad efcaparan fu alma dicho de A . Quem
poderá logo foífrer a obftinaçam & maldade
de quem tudo ifto nega por que dis que o ne-
gao os Saduceos o que naó c re o , nem elle o
pode fib e r , masque o neguem importa pou­
co pois os Saduceos tiueraó o principio & no­
me de Sadok perverfo hom em , o qual por
paixaó & contumacia deixou feu meftre Anfi-
g n o ,& ajuntou turba de gente perdida a quem
com faifa prcgaçaõ perfuadiu contra os Phari-
feos varois fantos eftudiofos apartados dos co-
ftumes & ufança do vulgo , & por ílfo chama­
dos Peruífim , Pharifeos afaberapartados,cu-
ja doutrina foy fempre folida, fie l, [& funda­
da nas verdadeiras tradições, & com o tal foy
aceita & refpeitada por todas as ydades , & a
dos Saduceos como abominavel foy regeitada
& em pouco tempo totalmente desfeita & ef-
quecida de modo que naó ouve mais memoria
della, nem oje fe fabe que a aja ; 8c elles fica-
raó maldiçoados & apregoados por malfins he­
reges , arrenegados, & pot feu refpeito em
tempo de Rabban Gamiiel fe acrecentou na
Hamidah aquelle verfo que diz : a los renega­
dos no íea efperaiiça, y todos los hereges y
todos los malfines como punto fean perdidos
para que entodo°mundo & por boca de todo
Ylrael foílem amaldiçoados tres vezesnodia
como faó. Hora a rezaó que efte alegade dous
verfos
Immortalidade. up
veríbs do mefmo livro triumphando com ella»
he como as mais fuas que tras dis Daniel .cap.
ï %. y muchos de dormientes en tierra de pol­
uo defpertaran, eftos para vidas de fiempre,
y eftos para repudios y para deiprecio de fiem­
pre : & agora inventa efte vaó commentador
qqp fe tal reíurreiçaó ouvera avia de fer geral
para todosjonde he de notar quantas lembran­
ças efcuíadas nos fez no argumento da juftiça
divina com que caftiga & da premio aos homes
que nos nam metamos nella porque fomos çe-
g o s , & nam vemos nem entendemos mais
que o de fo ra , & nos nam metamos nos fecre-
tos de D e u s, & agora tam confiado em feu fa­
b e r , tam feguro para determinar o que Deus
fas com as almas » que fo por nam decer de fua
obftinaçaõ nega o livro prophetico aprovado
& recebido , & fou çerto que todas as vezes
que fe vir atalhado negara todos os mais livros,
& aífi vem a fer pior que os arrenegados por­
que eíTes quando fe fazem turcos ou mouros he
por algú refpeito ou appetite , de que fe arre­
pendem ao outro dia & tornam em contriçam;
mas os que por foberba & contumacia deixam
o caminho da verdade como fez, efte, difficul-
tofamente tem emenda nem remedio : mas di­
game fuppondo que ha de aver refurreiçam de
mortos que caufa ou que rezaó pode conven-
cer que feja geral para todos, ou para que fe
I ha
130 ïracaaoaa
ha de alevantar a turba multa das gentes que
nam fizeram bem nem mal a Yfrael 6c por ven­
tura o nam conheceram nem iouberam d elle,
ou que inconveniente ha para que dos que per-
Îèguiram a Yfrael fe levantem aigus para vitu­
perio, deshonra & caftigo; antes contra razaô
féria que hum N eb u ch ad -N ezar, hum A ntjp-
cho hum T ito , tantos tyrannos , tantos inqui-
fidores, tantos perfeguidores que mataraô d e-
ftruyram, 8c aiïolaram a Y frael Se toda via aca­
baram feus dias fartos & cheos de todo o tem ­
poral , ficalfem fem caftigo no efpiritu al, 8c
muyto em rezaô Scjuftiça eftàque fobre o c a - '
ftigo occulto que padecem fuas aimas vieife
tempo em que tomando ellas corpo por algum
eípaço tenham tambem eífe caftigo con heci­
do & manifefto a olhos daquelles que por fuas
maõs nefta vida padeceram, & a verdade da ju -
ftiça pede que eftes tyrannos perfeguidores íe
alevantem para infamia, affronta 6c vituperio,
Sc os perfeguidos 8c juftos para honras & vi
da verdadeira conforme Yefah. cap. 2 6 . vivi­
rán tus muertos , & c . com o fica dito que em
lhe chamar o propheta mortos de D eu s, m o-
ftrou bem que entende os juftos . E o que diz
fobre o fegundo verfo alegado que os Pharife-
os enfinaó que para o tempo do Maíliah fe ale-
vantaram os m ortos cadahum para poífuir fua
herança na terra de Y frael, he falfo com m en­
tic io ,
Immortalidade. 131
tic io , que nam ha tal doutrina entre nos ; mas
nam he muyto que efte pobre que anda men­
digando fe engane a cada paífo nas informa­
ções que toma ; 8c nefta fe equivocou tom an­
do reíurreiçam dos m ortos por dias do M affi-
ah , 8c faó muyto differentes , que na vinda do
Jklalliah tem os que avera redempçam dos ca­
tiveiros , entrada do povo de Yírael na terra
fanta, herança & poffeílàm della com reyno 8c
fenhorio de Y fratl Sc fogeiçam das g en tes, de
que as eícrituras eftam cheas ; particularmente
no Deuter, cap. 3 0 . y tornara A. tu D io a tu
ca tiv e rio , & c .y traerte ha A. tu D io a la rier-
ra que heredaron tus padres, y herederarlahas,
y benificiartehay muchiguartea mas que a tus
padres : mas da refurreiçam dos mortos por
diante ojo no vido Dio a fueras de t i , nem ou­
ve entendimento que niíTo fe meteífe nem pro­
pheta ou fabio que íbbre coufas tain occultas
trataffc ; & aííi no verfo alegado nam fe fala em
herança de terra ; nem em días doM aifîah íe
nam em fim dos dias do mundo ; dis pois o ver-
fo em Daniel ultimo : y tu anda a la fin y repo-
faras , y alevantarteas a tu fuerte a fin de los
dias; onde a letra Hebraica nam dis a fin de los
d ias, fe nam a fin de la d erech a; pola qual fe
entende a piedade & merce que Deus uíàra
com os mortos no fim dos dias ; Sc por iílo íe
dis bem allia D an iel; 110 fim de tens diasre-
í x pou-
132 Tratado da
poufaras, ou gozaras da gloria na companhia
dos ju fto s , que efta he tua forte, & no hm dos
dias te levantaras a faber da fepultura para go­
zar efta mefma forte & gloria em corpo & al­
ma , conforme o que fica ditoque muy tos dos
dormidos na terra defpcrtaraõ para vidas de
íèmpre . Mas o que faz efta abonaçam do li­
vro & propheciade Daniel mais clara que o fol
he a tranílaçaõ dos fetenta interprétés que foy
feita fobre os ditos 2 4 livros que te m o s , co n ­
fesam os & feguimos , nos quais entrou tam ­
bem efte livro de D a n iel, & nelle como nos
mais fizeraõ as mudanças & apontamentos que
acharaóos 7 0 interpretes que convinha alu­
miados polo efpirito divino de que nem Y f­
rael nem ynda os povos duvidaram nunca ; lo ­
go fica afias dem onftrado, que o livro de Da­
niel he prophetico & verdadeiro & que tudo
alegado en contrario he fallo vaõ & ridiculo
com o he quererlhe tirar o credito por que
tras nomes de ¿anjos que naó fe acham em ou­
tros livros, que fe os anjos tem mimes & Dcus
os chama por elles com o chama as eftrellas,
que inconveniente tem nomealos D a n ie l, ou
que obrigaçam tinha de os calar com o fizeram
os mais liv ro s, em que naó foy neceflario no­
m ealos; & fazer difib argumento que nam tem
os anjos nomc he ignorancia crafiá; de quem
nam fabe que Y ahacob perguntava ao anjo por
Immortalidade. 133
íèu nome G enef. cap. 3 2. •dizendo : y deman­
do Y ahacobyd ixo : denuncia agora tu nom -
bre:y dixo porque efto demandas por mi nom­
bre : logo forçado he confeífar que os anjos
tem nome ; & aquelle anjo que apareceo a Y e -
hofuah cap. ynda que nam declarou feu no-
qje prop rio, todavia manifeftou feu nome ap­
pellativo dizendo : yo mayoral de fonfado
de A •
--------------------------------------------------------

Cap. X X I V .

Da audacia defte contrariador quefendo


bum ignorante fe mete a falar ate na
tranfmigracao das almas.
D i z . Cap. 25. em quef e poem os errost
& males que procedem de f e ter a alma do
homem por im m ortal. Como de hum ab-
fu rd o coílumam nacer mujtos abfurdos, £?
de hum erro mujtos erros, fa m tantos os nacidos de-
ß a errada opiniam ou locura fobre a immortalidade
da alm a, que nam fe r a fá c il manifeílalos : os P ha­
rtfeos quefumente a ferias almas der am immortali­
dade , bem aventur an f a eterna & tambem males
eternos para nam condenarem ejfas almas facilmente
I 3 aos
134 "1 ratado da
aos tormentos dijferam G? dizem que quando aconte­
cia fa z e r hita alma num corpo obras por onde merecia
fe r condenada, ou faltandolhe para cumprir algii
mandamento, a tornava Deus a mandar em fegu n -
do G? terceiro corpo ate que ganhe como elles dizjemo
pam que no ceo ha de comer : introduziram tambem
hum lugar de purgatorio no qual pudefe m purgar
fern defeitos as almas dos que fo ra m medianamente
bo's, en tanto que para eñ e fim as degrada Dcus
muy tas vezes G? mete dentro dos animais ( animais
bacharéis devem fic a r ) paraque allife purguem, G?
a j f porque pode acontecer andar a alma de hum ho­
mem dentro de hiía vaca , quandof e degolar aquella
vaca fe ja de maneira quefintn pouca pena ; que os a -
nimais f e degolem com piedade bom G? der eito he,
mas nampor eñ a ca u fa , & quando nenhum defles
remedios b añ a G? a alma foy tam ma que merece fe r
condenada a manda Deus aos tormentos eternos on­
de para fem pre v iv a penando , G? n iñ o veyo a p a ­
rar , G?f e lhe converteu a gloria que eñ a alma pojfu-
hia antes no ceo morando como elles dizem debaxo da
cadeira da devindade ; alma tola que f e nam foube
bem p eg ar, & f e deixou lançar qua ñeñe mundo :
pergunte agora alguem a eñes quem foy o que tanto
lhes d ifie , pois a ley lho nam d ijfe, ou em que fu n ­
dam feus ditos : pintores fa lfo s , novos cenfores da
ju ñ ip a d iv in a, maravilhofos na v ifla do povo que
com adm iraçam os ouve f
lmmoMliUWJ. ijy
Ndaque as coufas defte falfo com m enta-
Y dor merecem yra , & indignaçaõ pola li­
berdade & d efacato com que fa la , por outra
»arte fe lhe pode ter laftima & compaxam po-
{a ignorancia & cegueira em que anda tom an­
do informaçóis nas coufas grandes de homés
ridiculos & vaõs com que fe engana com o faz
agora aqui no que fe lhe imprimiu do Guilgul
ou tranímigraçam das almas ; o que nunca lhe
fucedera , fe elle procurara bufcar doutrina de
homés verdadeiramente fabios & tem entes de
D ens porque entam aprendera como aquelles:
graves & fantos varóis & fabios noílos que
por fua Íabiduria & fantidade mereçeram fer
vafos das verdadeiras tradicóis vindo a tratar
das coufas altas & foberanas determinaraó que
ficaífem entre elles com o em defpofito &
claufura fem dellas fe dar parte aos de fora : &
ynda algüas dellas cftreitaram & limitaram
tanto que nam confentiram fe trataífe dellas
mais que entre dois ou tre s , & eífes fapientes
efcolhidos & aprovados: defta maneira fo per­
mitiram & acordaram fe trataífe das materias
chamadas M ahalfch Merkavah , & Mahaífeh
Bereílith j que he fecha de quatregua y fecha
de en p rincipio. que contem modos & ca­
minhos de inveftigar & conhecer a eífencia di­
vina : & a ifto chamaram elles Paradés, 011 yar­
din fechado,em que a poucos era licito entrar:
I 4 & quali
1 ¿U J U U U o T B -----------------------
& quafi a efte predicamento ordenaram fe re«
duziífem as confideraçóis do Guilgul ou trans-
migraçam das almas querendo que a efpecula-
çam de coufas tam fecretas ficaífe fó naquelles
que as pudcífem tratar & entender fem elcan-
dalo nem ponfufam encubrindoas do p o v o .
Mas defpois que na miferia dos cativeiros a
demafiada cutiofidade ou atrevimento de ali­
gas vangloriofos homes devaifando efte facra-
tiífim o jardim , & deixando abertas as portas
principais d’elle o fizeram publico ate aos y-
d io ta s, chegamos a efte trifte & infimo eftado
em que nos vemos ; porque a liviandade de hüs
communicando , & a ignorancia de outros re­
cebendo , vieram a fazer commuas Sc quafi
profanas as coufas dantes tidas por fantas & fó
para poucos Sc labios refervadas: mas eu a
quem ifto toca na alma Sc que dezejava fenam
tornar as coufas a feu principio,pois ificvfe tem
por im poffivel, ao menos fázelas parar que
nam acabem de cayr , com o confentirei que
entre rudos & vulgares fe trate de m aterias,
que ate entre os fabios era prohibido de tratar?
com o foportarei fem grande dor a temeridade
com que algüs que prefumem ter entendimen­
to nam duvidam determinar & refolver o m o­
do com que o Señor bendito elle governa as
almas , & outras materias ynda mais fublimes,
fendo os homes tam limitados no juyzo que
lmmortahcüdé.
ynda os mais prudentes nas coufas politicas &
palpaveis erram a cadapaífo no governo de fu­
as peíToas , familias & Refpublicas , nam lhes
bailando para aífertarem nem o exemplo de
cafos paífados, nem a coníideraçam dos por
v ir . Mas tornóm e a ti çego & incapas V r ie l,
& pcçote que me digas que furor te inflamma,
"ou que veneno te perturba o miolo & os fenti­
dos para dares credito a homes ignorantes
com quem te vas precipitar, & deíprezaresa
doutrina dos íàbios de cujo coníelho te pude­
ras aproveitar ; & fetuquizeras tomar oqu e
eu te dava ha muytos anuos ouveralos gaftado
b e m , & aprenderas a lingua fan ta, & p o isa-
gora tés tanta rezaó de ter a todo efte mundo
por íofpeito , o que por eífa caufa nem que­
res , nem ja podes receber dos vivos acharas
nas liçois & doutrina que nos ficou dos mor­
tos , pois deífçs nam tinhas que temer que te
enganavam, nem odiavam que nunca lhes lem­
brou fe no mundo avia de nacer hum tal & tam
feo monftro como t i . Nam differas entaó que
tinhamos por enfinodos Pharifeos que as ai­
mas dûs homes tornam em brutos animais pa­
ra fe em m endar,& quando iífo nam bafta,nem
íeemm endaõ faó condenadas a tormentos e-
ternos , fendo iífo illufõis comque te enganaó
algús pouco menos ignorantes, mas nam tara
malinos com o ti : eutaó naó duvidaras aceitar
I y & crer
& crer a verdadeira crença & doutrina dos
Pharifeos que feguindo as divinas tradicõis
tem & enfinam que para as almas ha premio &
caftigo no mundo vindouro , & as almas dos
juftos óebós vaó defcanfar na gloria & bem -
aventurança com o dizia Abigail a David S e­
m u el. i . cap. 2 y : y fera alma de mi Señor li­
gada en ligadero de las vidas con A. tu D io . Se
as almas dos irjjuftos & maos ficaraó fem nhúm
repouío privadas da gloria & claridade divina
que he o mayor caftigo & pena que podem ter,
& para íignificaçam delle legue o verlo dizen­
do : y alma de tus inimigos la afondeara en pal­
ma de la fonda ; mas em íecretos da tranlm i-
graçam das almas fe nam metem os Phárifeos
nem prometem a Imas almas gloría , & a ou­
tras condenaçam eterna com o mal fe informou
efte miferavel mendicante que fe m erecera
ufar bem da natureza humana queDeus lhe deu
& elle a depravou , nam fe deixara enganar,
nem dilfera que temos que a Sehitah,ou dego-
Iamento das aves & animais fe manda fazer'
com piedade por reípeito das almas dos homés
nam aífertem de eftar a llí, mas antes fe achara
fatisfeito & contente de faber os fecretos &
rezóis da Sehitah ■ & entam fou certo que naó
ufara de eícarnios dizendo : animais bacharéis
devem ficar ; alma tola que nam fe foube bem
pegar : entam fouberaque as almas a feu pezar
vem
Immortalidade. 139
vem ao mundo , a feu pezar fe tornam d’elle,
& a feu pezar duram conta de fi ao Señor bem -
dito elle ; com o tambem dará a aima defte da­
rá fua conta muyto a feu pezar por mais que íe
tenha & publique por alma de bruto anim alj&
negra conta fera ella fe com tempo fe nam re-
£>lvc a fazer milhores contas .

Cap. X X V .

Gfue he deVido fazgr hos officios ilf roga­


tivas polos monos contra a barbaria
do advcrjario.
I z . Empos os erros affima f e i e r n logo
D outros como fa m fazerem ora ç oes & roga­
tivas polos mortos, offeree er por elles effer­
tas para os ajudar a tirar mais cedo das
penas do fingido purgatorio, m il abafos & fap erfit-
foes que f e u fim em feus enterros coufas todas que
muyto offendem a verdadeira ley & culto divino que
de tais nugas fenam ferv e nem paga, autes as regei•
ta & abomina .

A temos dito que nem ley , nem Prophe­


I tas j nem fabios diíferam claramente nada
em
i 4°
em particular do mundo vindouro , quanto
mais do que fe paífa com as almas , porque
Deus o reíeruou fo para fi nam querendo que
diífo tiveífcmos mais que húa noticia univerfal
que ja fica bem demonftrada & fundada na
p recifa & inviolável verdade dajuftica divina,
que alli fitisfara inteiram ente aos bós que
iayraó defte mundo fem premio , & fe entre­
gará dos maos a quem faltou caftigo : & he taó
certa & infallivel efta doutrina , que quafi por
húa força do lume natural, fe eftcndeu no mun­
do & fe fez commua a todas as gentes pois to ­
das ellas por feras & barbaras que fejam, ufatn
officios de piedade com feus defuntos : E pois
o Píal. 3 i . em refpeito da paga dos bós nos
tocou fo nefta generalidade dizendo que he
fem limite grãde o bem q; efta efcondido para
os bósjdixem os polo fentido contrario q; tam­
bem he muyto grande o mal que efta refervado
para os m aos: & ynda q; dos noíTos hay pias &
bé fundadas opinióis açerca de divcríos graos
de caftigos em que as almas íè purificaõ , nada
diífo trataremos có efte temerario & contumas
pervertcdor,que tambem dira q; eftes çeos que
vemos tam ornados & admiraveis faó fo por bé
parecer , & que nelles nam ha habitaçam de
Deus , nem de anjos fideliífimos miniftros que
o fervem & louvam de contínuo ; mas os que
aííi o confeífamos Sc temos que o fen h o rio ,
poder,
Immortalidade. 141
oder, valíalos Sc miniftros dos Reys da terra
Î e hila piquena fotnbra daquella foberana m a-
geftade de Deus no çeo acompanhado tem i­
do Sc amado de toda a angelica m ilicia, nos
aíTenta bem que neíTa fanta companhia entrem
as almas dos juftos ja purificadas & limpas de
peccados por aquelle que he incomprehenfivel
no poder Se no laber de que nos nam habernos
nada . Quem fera logo tam injufto & inhábil
ju yz das coufas , que reprove, Se condéneos
bós officios que Y frael ufa com feus mortos? as
oraçoés & offertas feitas por elles quem duvi­
I da que Deus as íãbera dirigir & encaminhar,
fenam algü rudo Sc malino defalmado ? as di­
ligencias que fazemos por amortalhar aquelles
corpos com limpeza , poios mandar a terra
( com prefteza, por dar locorro as almas com
rogativas Sc efmolas que entendemos lhes a -
proveitam , a quem podem parecer mal ? ou a
quem podem deixar de parecer bem? fuperfti-
çoÓs Sc abuíos contra ley em leus enterros naó
fabem os ; fora bom que os diífera Sc deraífel-
he ju fta reporta ou fe lhe moftrara que efta mal
informado pois nam fabe as honras que em Y fi.
rael fe faziaõ nas exequias dos Reys queiman­
do drogas arom aticas, Sc unguentos precio-
fos com o confta do livro 2 . das palauras dos
dias cap. 2 1 . dizendo na morte de Yehoram :
y no fizieron a el fu pueblo ardedura como ar-
dedu-
141 Tratado da
dedura de fus padres. D eix o as deligendas
que fez Abraham por aver a lapa da dobradura
para fepultar Sarah , & lhe ficar por herança
G e n e f. y o . paífo polo que fez Y acob ajura­
m entando a Yofeph que o vá fepultar em terra
íanta, mas pergunta paraque foram todas eftas
prevençóis? chorarem a Y ahacob 7 0 diase^n
E g y p to , em que fe fundou ? yr a entérralo
com tam honrado & grave acom panham ento,
& fazer Yofeph entam por elle lete dias de a-
vel para que foy ? conjurar Yofeph a ièus yr-
maós que lhe levem feus oífos de Æ g y p to , de­
que fervio? empregarfe niifo M ofeh tanto de
veras en tempo de tantas & taõ importantes
occupaçoés , & enfim levar configo hús olTos
ja fecos & mirrados que mifterio teve ? para
que he bufear outro , pois a ley o dis tam claro
D eu t. cap. 32. publicando a grande preroga-
tiva & excelencia da terra fanta de quem d iz :
* y perdonara fu tierra a fu pueblo, & c . & o que
mais he que o mefmo Deus moftrou que tem
particular cudado da fepultura dos bós , ranto
que elle a deu por fua propria maó a M ofeh
D eu t. c. ultimo , & nam confentio que o co r­
po morto do peccador tocaífc nos oífos de E -
íifah com o dis o verfo Reys 2 . cap. 1 3 . y an­
duvo y to có el varón en hueífos de Eliíah y re­
bivio , y alevantofio fobre fus pies . Paífo po-
loque lemos & fabemos dos R c y s , dos P ro­
phetas,
Immortalidade. 143
p hetas, dos grandes de Y frael que todos elles
morrendo tiveram muyta conta com fuas fe-
pulturas. D eixo a grande religiam com que
os vivos em toda parte trabalham executar Sc
cumprir as ultimas vontades dos defuntos .
Grande & o d io fa he por certo a diabolica de-
terminaçam & atrevimento d eq u em o u zaa-
firmar que tudo ifto Sc muyto mais que deixa­
mos por concluyr he pura fabula & vaydade .
R efu m am oscom oqu em and aaley D eu t. 1 4 .
dizendo : hijos vos a A. vró D io , no vos ref-
cunenes , y no pongades peladura entre urõs
ojos por muerto : que pueblo Santo tu a A . tu
D io , y en ti efeogio A. por fer a el por pueblo
d ethelorom as que todos los pueblos que fo­
bre fazes de la tierra : fe obriga Deus aos vivos
que nam façam eftremos polos mortos porque
hüs Sc outros faó filhos de Deus Sc povo de feu
thefouro , efta prerogativa de tanta privança
em que fe ha de entender , fenam na vida fu­
tura , Sc bés délia pois nefta paífam tantos ma­
les ? Ou quem dira que os mortos de Y frael fe
acabam para nunca mais aver memoria delles»
fenam quem ja de todo tiver corrupto & de­
pravado o entendimento ? pois nefta vida os
povos pofluem Se gozaó tudo o bom do mun­
do ; Se YIrael tanto ao contrario .

Gap.
144 Tratado da

CAP. XXVI.

Q u e h e devido hum ilharíe o Y u -


d e o , & q u eb ran tarle, & yn d a
deixar a propria vida por Santifí-*
car o nom e do Señor.

D I z . y los er ros acompanham como adjun­


tos neceffarios mujtos males , que nam ha
erro que pojfa parir algum bem , & ajji
efta locura tem obrado no mundo muy tas
com dano & perda dos di nos della, daqui naçeo que
de fr e z a n d o mujtos os bes ou males prezen tes com ef-
perança de mayores males inílttuiram novas ordes
6? regras de viver condenando & fogeitandofeus
corpos a rigores & durezas da ley nam pedidas , &
dos bos nam feg u id a s, morar nos montes comer m al
& v eftir pior, o que mais he que chegaram a tan­
ta Locura quejulgaram por coufa mais fan ta & re­
ligiofa o efta do dosfolteiros que o do legitimo m atri­
monio divina & naturalmente inflituido , outros
ofereceram fuas almas aos m artirios, & cutelo ne­
ciamente , & as vidas que os antigos padres tanto
eflim aram como prodigos & defifsizados vãmente ,
(3 fem cauft largaram & deixaram afsi que an­
dando enloquecidos debaxo de faifas esperanga s , 0
Immortalidade. 145-
pr emeff‘i s que a ß mefmos fem perguntar a D e tu f e
faz.em , nam fabem o que bufcam , & porque fa o in­
dinos de bes presentes nao merecem que o Señor LhoS
de y nem licença para ufar d'elles.

Oftoque efte capitulo parece faja com as


P gentes cfpecialmente com os papiftas que
ordenaram religiões & condenaram o matri­
m onio contra ley divina & natural, refponde-
remos fó ao q u en o s toca em quanto vitupera
os rigores ufados com o corpo & chama locura
à conftancia de deixar a vida por Deus • & em
ambos os pontos vay errado contra ley & e x ­
emplos de varóis Tantos & p enitentes, porque
quanto ao primeiro os tais rigores em feuslimi-
tes faó licito s, necefiarios ¡Se pedidos de Deus
para fatisfaçaó & penitencia de peccados : por
ley, porq; Deus nos manda affligir noífas almas
N um . 2 9 . por exem plos; quem naó fabe em
quantos je jú s ,quantas vigias, quantas lagrimas
gaftava David leu tempo & fua vida ateq; Deus
lhe perdoaífe o peccado que elle trazia diante
de feus olhos de continuo Pfalm. j i . & final­
m ente açeitandolhe eftas afperezas lhoperdo
ou ? quem nam leu que o penitente Ahab raf-
gando fuas veftiduras jejuou & fe cubrió de
Saco & de Silicio como lentos R e y f. i . ca p .
21 . por cujo merecimento lhe fez Deus mer­
ces , & deu teftemunho que nçeitava por bom
k o que
i 46 Tratado da
o que brantamento de Ahab dizendo : fi viftc
com o fe quebrantó Ahab delante mi ? A quem
nam he notorio o cafo das abftinencias,& con -
triçam dos moradores de N inive apregoado
polo propheta Yonah com que Deus ufou m i-
iericordia com elles ? E quanto ao fegundo
ponto a ley manda D eu .6 . que amemos a Deus
com toda noíl'a alma, que he tanto com o dizer
que por fua honra ponhamos & entreguemos a
propria vida ; & os filhos de Ifrael aííi o ale­
gam por fcrviço ao Señor dizendo Pfalm . 4 4 :
porque íbbre ti fomos matados todo el dia, fo ­
mos contados com o ovejas al degolleo , & ifto
feria alegado em vaó fe foy malfeito , & fe era
milhor blafphemar & ydolatrar por viver, que
deixar a vida por fantificar o nome do Señor :
Y efah. n 0cap .y 3.em nome do povo dizrapre-
tado y affligido, y no abrira fu boca, com o cor
dero al degolheo es llevado , & c . & toda via
D eus lho aprova & lhe da premio : o mefmo
Ie fa h .ca p . yo. alega por fias affrontas & pe­
rigos em que nam duvidava meter fua propria
peííba por amor de Deus dizendo : mi cuerpo
di a firientes, mis quixadas a peladores; mis fa­
zes no encubrí de infamias y efeopetina : &
deixados infinitos exemplos defte propofito,
baftamfo os de Abraham & Ishak para moftrar
que fe os padres eftimavatn & queriam as vidas
era pera as offreçer Se dar por honra & íèrviço
de leu
Immórtãíi3ã3ê^^^^47
de feu criador,por obfervançia de cuja ley nada
podem fazer os homés milUor , nem mais lou­
vável que entregala & oíFerçela quando for ne-
f ceífario que para nam fer aíli milhor fora nun­
ca a ter, nem poífuir ; 8c quem contra efta ver­
dadeira doutrina confirmada por ley & autbo-
ydades fa la r, claramente aprova & pregoa a
torpeza 8c intemperança que tem os Epycuros
por brazam : comamos 8c bebamos que a rae-
nham m orrerem os •

cap. xxm.
D o s bes que íe íeguem de eíperar
pola outra vida con tra a ig n o ­
rancia do a d veríà rio .

I z : Bem algum que pofla nacer defla f a i ­


D f a opiniam nam no ba porque f e eiles dijfe-
rem , quefenam ouvera majores les , ou
mayores males , os bornes nam temeram a
D en s, & cadahu m farafua vontade, nenhiia con-
fa d iz e m , muyto mais f e teme o ladram da força
que v é prezente , do que teme do inferno que nam
v é , & quando o caftigo be duvidofo, ou ameaffado
para lonqe, respondem que tambem os ameajftdos
pao comem : nam he ajji nos casliçosprezetites & que
K 2 debre-
148 Tratadãda
de breve f e f a g a ö , antes f e hum v a i p ara m atar &
lhe lem braõ quef e matar lhe cortaram a cabega , re-
f r e a j f ? & nao m ata, (Tf i f e nam refrear com 0 medo
dos males prezen tes, mug to menos 0f a r a com 0 medo I
fitltcto de que lhe ficam e ffe r angas de efcapar, affi os
juyzo s & caftigos de Deus com os homes podem muy- :
to mais para os dobrar que ameaffos futuros que hafi
de ter cumprimento em vida naó conhecida ; fe r v e o
foldado na guerra , onde tem mais ger ta a perda que
e ganho por eftipendio taö limitado que efcajfiamente
pode v iv e r , milhor fe r v ir a o homem a feu mefmo
D eus a quem tem obrigagam de f e r v i r , & que ejfe
mefmo fervigo paga diferentemente; fe r v i go tao leve
que pare ge nao he nada : & agora Tfrael que pede o
Señor Deus de ti,fen ao que temas ao Señor Deus teu,
fi? que andes em todos feus caminhos ; caminhos de
der eito, caminhos d e ju ñ ig a , caminhos fuaves fi? le­
ves, que os que nam eftam pegados na tortura amam
fi? dez.ej.sm, fi? efirompegam nelles os pcrverfos fi?
maos ; quanto f e adogaram a meu padar tuas palau-
ras mais que mel a minha boca .

inguém ha que duvide que o Señor bem -


N ditoelle fatisfas aos bós muyto mais do
que caftiga aos m aos,com o elle dis que caftiga
os maos ate terceira & quarta geraçam , & faz
merces a feus amantes a milhares Sc fendo ifto
affi ja achamos nas elperanças do mundo vin­
douro algum fim mais que o temor do caftigo,
pois
Imrrfbrtalidade. 14p .
; pois tem muyto mais ventagem as efperanças
do prem io, &; aííi fe vé bem quam vil Se defua-
riada coníideraçaõ he a defte perverío engenho
que vera a limitar híía coufa que naó tem limi­
te , pondo por fim do mundo vindouro fo o te­
mor dos caftigos , & ynda applicando eífe ío -
njente a ladróis defalmados que nam temem os
• torm entos prezentes -, tratandoífe aqui mate­
ria que refpeita muyto mais o premio dos bós
que o caftigo dos m ao s. P ois logo porque naó
entrara aqui o bem de co n fo lar, Se confortar
¡ os afflitos em feus trabalhos ? Porque nam fer-
i vira para reprimir os roins peuíamétos & obras
dos que ynda que nam fejam ju fto s , toda via
nam faó de todo depravados? Porque nam fera
paraque aííi com o hús temem a D eu s, outros
i o amem tendo por çerto que finalmente fe haó
j de unir & pegar com elle,pois eile he o ultimo
t fim Se pretençam do amor unirfe o amante
co m o amado : & em conclufam quem nos o -
brigara a defeubrir fins em coufa que nam tem
fim , Se que Deus quifque h o s foífe encuberta
com o dis o verfo:quan grande tu bien que ef-
condifte paratus tem ientes , oqu e de nlm mo­
do fe entende dos bés defte mundo,que naó ló ­
mente faó patentes & manifeftos mas ynda co ­
rnus & algüas vezes com mais abundancia da-
i dos aos naó tementes & delles poífuidos com o
moftram as experiencias claram ente.
K 3 Cjp*
ly o Tratado da

C A P . X X n u .

D a perdiçaõ em que vem dar quem


le coftu m a Sc obítina em rõis o-
p in ò is. j

I z : Algum tempo morei eu na efeur id a - ■


D de em que vejo embarajfados a muy tos , &
duvidofos com os enleos defa ifa s efer ituras
I
$
doutrina de fabulofos homes nampoden- 1
do tomar firm eza & acabar de atinar com eñ a v ida
eterna tam apregoada de tantos £? lugar donde f e a - ■
v ia de pofiuir vendo a ley de todo calada em coufas «
tam grandes , £? de tanta importancia, mas defpois '■
que por amor da verdade obrigado do temor de Deus
me d iffu s a de f f rezar & vencer o temor dos homes -j
p oflafom ente nelle minha confiança, en tudo f e tro-
cou & mudou minba f o r t e , porque alumiou Deus
meu entendimento tirándome de duvidar das coufas ;
que me affiigiam & pondome no caminho da ver d a- •
de confirmeza, & todos meus bes pullaram e creçe- ',
ram a v i fla dos homes, & minha fau de foy gu ar- j
dada com tam particular & notoria ajfiflenciadivi-
na , que os que menos queiram feram confrangidos |
& obriga bos ajji o confejfar vivo pois contente de ,
conhecer meu fim & fab er as condicoes da ley que
Dcus
imii^TRTTTrrarrer- T fT
Dens me den para g u ard ar, nam fabrico torres no
vento alegrándome o h enganando me vámente com
esperanzas fa /fa s defonhados b es, tambem me nam
entrifteço, nem perturbo com pavor de majores ma­
les : polofe r de homem que Deas me den, fe? vida que
me empreftou lhe don muy tas g r a ç a s , porque fendo
que antes de en fe r me nam devia n ada, me quis an-

I fesfaz.tr homem que nam bicho ; fe? de verdade que


a coufa que mais me afftigiu fe? ca n fu nefta vida f o i
entender fe? im aginar hum tempo que avia bem fe?
m al eterno para o homem, fe? que conforme ao que
obrafte gonharia o bem o h o m al, oque f e entam me
fora dado efeolhcr , eu fern nhua demora reípondera
que nam queria ganho tao arrifiado , fe? me con­
tentava antes com ganhar menos : en fim permite
Tiens eftas opiniois para atormentar as confciencias
daq Helles que delle fe? de fu a ft el verdade f e apartam;
fe? aqui fazem os fim de referir mais cafos, em que a
fa ifa tr adiçam mal f e apartou da verdade fe? der cito
caminho da ley por efeuzar fttzer mayor procefto con­
tra os inimigos culpados, dando por bem provado
com os referidos o primeiro & principal fundamento
de nojfa propoftçam atras no cap. 7 . lan çado. E a -
gora nos vamos a contar alfuas hiftorias .

Experiencia nos enfina que os que pou­


A co a pouco íe vam coftumando a corner
peçonha , no cabo vem aíuftentarfe & viver
d ella • & onde de primeiro fentiam aniias &
K 4 daño,
ijz ïr a ta a Q a a
dano, ja defpois paíTam bem como le ufalTem
de mantimento natural : & com rezam porque
fegundo he maxima Philofophica & vulgar,
cada hum fe fuftenta & conferva com feu fe­
m elhante, & íe deftrue com feu con trario, &
por iífo aquella peçonha que no principio era
contraria & danava, ja no fim polo coftume fe
foy fazendo fem elhante, & aproveita: & dà
qui vem que os tais nem fintem feu perigo por
eftar ja o mal convertido em natureza, como o
dos ethicos confirmados que eftam ardendo Se
nam fintem fe b re ,& enfim morrem com endo,
Sc falando com o fa õ s, nem podem morrer de
peçonha com o aconteceu a Mithridates R ey
do ponto & outros muytos que queriam ma­
tarle com ella & nam puderamrdo mefmo mo­
do íucede nas difpofiçóis Sc habitos do enten­
dim ento,cujo proprio manjar he a verdade, Sc
as fcieJicias,que o fuftentaõ Sc esforçaõ,& pelo
contrario amentira & faifas opinioés íàõ com o
peçonha que o corrom pe, & desbarata , mas a
quem fe vai coftumando nellas de tal maneira
vem a em beberfe, & habituarfe que donde nos
principios fentiaalteraçõis & rcpu gnançia, ja
no cabo fe aquieta & aífegura com o fe gofaíle
do natural & proveitofo mantimento da verda­
de : temos nas maós o exemplo claro nefte en­
fermo que elle mefmo coufelfa que algum tem ­
po andou vacillando com as anlias da peçonha
fem
TTT
fem íe faber determ inar, & com o foy ufando
della tantos annos entregándole nas faifas &
depravadas opinioés com tanta contum acia,
fem querer tomar a triaga dos bós confelhos &
doutrina, veyo aconfirm arfe de maneira que
nam fente o mal ja convertido em natureza ; Sc
affi perfeverando nos erros , vem a dar por re-
*mate na ultima çegueira affirmando de fique
tem bés por íeus m erecimentos, que vive con­
tente , & alegre, que louva a Deus polo fer de
homem que lhe deu fazendoife elle juyz de fi
mefmo contra dereito naturaljmas deixandoife
julgar por juyzes fem fofpeita diram elles que
naó conhecem nem fabem de homem mais in­
felice & miferavel; o diado , aborrecido ate de
feus yrmaós,expelido,envergonhado,fem con­
fiança por fora,fem paz em caza,fem filhos,fem
mifuah, fern thephilahj enfim fem bem nenhü:
Sc os bés que o confolam , ou eníoberbeíTem
tanto de ter faude & pao para comer faó gerais
a todo m undo, quanto mais que tambem iflò
perdera prefto como elle mefmo confeífa que
nam fe engane o mao vendoífe com bés q; naó
lhe tardará muyto feu caftigo, & eífes poucos
bés que agora poilue que çegueira he dizer
que foy porque defprezou o temor dos ho-
m é s , & pos fua confiança em Deus , enfim
dar a entender que teve bés por merecimentos
proprios, fendo iílõ contra o que ufam os ho­
bs y més
més bóns & Tantos , que ate o mefmo M oíèh 1
pedia a D eas o deixafíe paíTar à terra Tanta por I
lúas piedades podcndo a legar m uytos,m ere-
çim entos proprios , & d’elle mefmo tgjftemu-
nha aley que era humilde muyto; & efta era &z
foy fempre a condiçam dos bós tem erofos de
Deus viverem defconfia dos de f i , & confiar
fó ñas mifericordias do Señor : quanto mai? ï
que os muytos homes , aííi do povo de Ifrael
com o das gentes que polTuem muyto mais din­
heiro & mais faude que elle , porque m ereci­
mentos dira que os poifuem ? Q ue alegria he
logo efta em que vive ? porque tras bós velli­
dos ? outros os trazem milho res ; porque nam
efpera, nem teme males do outro mundo def­
pois de tantos bés com o goza nefte ? muyto
mayor alegria teremos nos por çerto aquelles
que efperamos & cremos bés da outra vida de-
ipois de tantos males defta . Hora louvar a
Deus porque o fez homem , rezam fora fe ri­
lara bem da natureza de homem, mas para ufar
tam mal que o deixa no numero das beftas ,
milhor lhe fora fer húa dellas , que o elephan­
te o leam & outras muytas alimañas poífuyn-
do mais forças & mais vida , & fendo yzentas
de fo m es, doenças &c triftezas pafiam muyto
milhor que o homem , o qual com o bem diífe
Hyppocrates nacendo he in ú til, crecendo ig­
norante, confiftindo foberbo , ¿c declinando
naife-
m m o rw .
xnifcravelj & tantos males & outros infinitos
a que o homem he mais fogeito que os bru tos,
nam podiam nem podem mitigarfe fe naó com
as efperanças dos bés fu turos, & aííi nam po­
de aver creatura mais infeliçe & trifte que o
homem que vive iem ter efperanças d'elles ; &
aiTi efte contrariador he m aisinfeliçe , Sc pior
que os mefmos bichos , fobre que nam ha que
alargar fendo coufa tam patente & notoria no
mundo : & aííi concluy mos avendo bem pro­
vado & demonftrado a immortalidade da alma
raçion al, & refutado & explicado todas as re-
zõis & authoridades mal trazidas Sc pior in­
terpretadas em co n trario . E agora nos vamos
am oftrar a verdade que efte conrrariador tra­
balhou , Sc trabalha offufcar dizendo que nam
ha tradiçam nem ley de b o c a , que foy a rais
donde lhe procederam & procedem todos lèus
m ales, & efta deve fer apropofiçam que elle
dis da por bem provada & que tem lançada no
cap. 7. do feu livro oqu al tambem refutare­
mos moftrando fer em tudo fa lfo , dandanos
Deus vida Sc podendo avelo íobre que pore­
mos toda noífa diligencia, & cu d ad o .

Cap.
rataao üa
Cap. XXIX.
Da ley de boca <Sf 'verdadei­
ra tradicam .
S iabicfc das gentes yndaque ex crci-,

O tados nas fciencias naturais, obferva-


çatn & d iicu rfo das coufas , toda via
nas que dependem de rezam nam foi
poffivel conformarenfe , antes fe dividiram em
pareceres contrarios, & ouve entre elles gran­
de diferença nas opinióis açerca da caufa pri­
meira , da criaçam do mundo , dos principios
das caufas naturais,& doutras muytas queílóis
philofophicas, íobre que ynda dura a demanda
fem ate oje auer juyz bailante a determínala
por modo que a todos fatisfaça, Sc com rezam
porque fendo o juyzo dos homés limitado mal
íe pode fiar d’elle a conclufam de coufas tam
ocultas & remotas dos fentidos , & aífionde
naó ha provas taó bailantes & infalíveis com o
íàõ as da arithm etica Sc geometria fe vem a fc i- «
encia Sc conhecim ento das coufas a fundar na
authoridade de algum homem grande, Sc tara
excelente que baile dizelo elle para fo por iííb
lhe dar credito como faziaó os difcipulos de
Pythagoras que perguntados pola rezam doq;
criaó,davaó por repolla, elle o diiîe. Mas logo
ao en-
Immortalidade. 57
ao encontro achamos a feita dos platónicos q j
por doutrina de feu meftre a nada davaõ credi­
to íèm manifefta prova,com o dizem do mefmo
Plataó que lendo a hiftoria & relaçóis da cria-
çaõ do mundo por Mofeh diife.-bem dis o rufti-
co fe o provara; chamando ruftico a quem pro-
punçia a coufa fem alegar a prova & rezaó de-
monftrativa della , donde fe tira por çerto que
he impoíEvel ter verdadeira,certa & firme Ici-
encia das caufas occultas aquirida por rezam,
porque nella íé nam aquieta de todo o enten­
dimento , & em todas as rezóis humanas pode
aver perigo de errar Sc aíh as que hüs engenhos
abraçam & adm item , optrosas abominam &
defprezaó; & por cõfeguinte para faber a cou­
fa de çerto fem duvidar he forçado vir a dar na
authoridade talque a todos geralmente fatis-
faça & obrigue , mas efta fendo im poífivela-
charfe nos h o m es, foy neçeffario q; naceílè do
mefmo Deus íèíior noífo & feus Prophetas a-
lumiados por elle,& íòaquellesqne a tem eftaô
feguros na fé,verdade & pureza doq; crem fem
duvidas né perigo de errar :& efte he o favor &
ventagem finguíar que fez Deus a Yfrael íobre
todas as gentes que Ifrael tem ley dada por bo­
ca do mefma Deus,na qual nos tira de todas as
duvidas que pudéramos ter com as gentes fo ­
bre a criaçam do mundo dizendo : em princi­
pio crio el D io a los cielos y a la tierra ; & nos
con-


confirmou na verdade do que tem os & eremos
açerca da elfencia & unidade da primeira cau-
fa dizendo no D eut. cap. 6 . oye Y frael A .nue-
ftro D io A.uno & outros muytos lugares a efte
m odo s os quais yndaque confeiîêm os que por
difeurfo 8c rezõis naturais fe podiam vir a
conhecer , 8c alcançar , toda via para nos affe-
gurar de todo & fer efta verdade certa fiel &
firme fobre nos foi neceífario que Deus o difo
feífe por fua boca 8c iífo ynda por modo que
primeiro preparou feu povo moftrandolhe fi­
nais çertos , milagres 8c maravilhas com que o
confirmaífe , 8c aifègurafle no conhecim ento
de feu fa b e r, & poder infinito , & o obrigaífe
a perder & deixar de todo as róis opiniõiS a-
prendidas no Æ g y p to ,& a confefiar a verdade
com o fizeram no mar roxo onde dis o texto
E xod. 14. poios filhos de Yfrael ja redimidos
do cativeiro , & vingados de feus inimigos : y
tem ieron en A .y en M ofeh fu fiervo: Abraham
noífo pay he louvado pola virtude da fe com o
d iso verfo G e n e f.i y:y creyó en A.y contolo a
el por juftedad. David Pfa. 119 dis : carrera de
fé efeogi com o dizer que efte he o caminho
feguro em que o homem Íabio tem erofo de
Deus deve andar * porque nos outros que pen­
dem de rezóis humanas fempre ha perigo de
errar : & no mefmo Pfalm o dis mais: todas tus
encomendanças verdad e f e : copio fe différa,
que
ím m of taiiaaae. i jp
que todas as encomendanças da ley yndaque
nellas poffa darfe & le dé rezam , lá tem algúa
coufa mais que as fublima , que he creias por
f é , 8c que nellas ha mais algum fecreto em fe­
rem mandadas por Deus $ 8c affi o nam furtar,
nam matar , nam adulterar Vedados tam bem
«as leys das gentes fam ordenados fo por bom
governo, mas na ley de Deus alem do bom go­
verno trazem mais aquella prerogativa q ; tem
fer crido por fe que alem da rezam clara, tem
mais o fecreto de 1er mandado por D e u s , em
que ha mifterio tanto que baftou para por effe
refpeito dizer o Pfalmifta Plál. 1 4 7 querendo
moftrar efta ventagcm da ley de Deus & de Y f­
rael : no fizo affi a toda la gente : y juyzios no
los conocieron : a fib er em fuas leys nam fou-
beram, nem alcançaram mais que a rezam cla­
ra & conhecida ordenada para pas 8c bom go­
verno na terra ; mas nos juyzos de Deus ha
grande diferença tanto que o proveito 8c pre­
mio de os ter & guardar chega ao outro mun­
do como diffe o verfo no P fa l.2 0 . falando def­
ies : en fu guardarlos precio mucho, o qual na­
ce do mifterio & fecreto que tem crelospor
fé, porque eífa he fó concedida a Yfrael com o
por elle diz Yefah. cap. 2 7 : abrid puertas en­
trara gente jufta guardan fieldades . E os que
fora defta verdade & fé fe enclevam com fio-
berba & prefumem faber ley fam os defventu-
rados
rados çcgos Sc ignorantes indinos & incapazes
de eníino & doutrina de quem dizia o prophe­
ta Y eíãh. cap. y :g u a y lo s fabios en lus o jo s,
y delante fus faces entendidos. E bem prova­
da ja & vifta efta verdade que na ley efcrita te­
mos muytas propofíçõis de fé, yndaque nellas
aja & fe polla dar boa rezam , fcgue outra qup
por fé cremos tambem a faber que eifa ley e f.
crita nam pode fer bem & verdadeiramente
entendida, fe nam por meyo da verdadeira
tradiçam dada por Deus a M oíèh no monte
íinay, a qual tradiçam , ou explicaçam da ley
efcrita, fe chama ley d ebo ca , & ynda que a
crem os por f e , recib im cn to , Sc eníinodos
mayores nam deixa de ter outras muytas re-
zõ isfo rço íãsqu em o ftram & convencem que
fem efta ley de boca nam fe pode entender a
ley efcrita fem notáveis & çertos perigos de
errar com o confiara do capitulo feg u in te.

Cap. X X X .
De alguas reçois que provam a verdade
da tradiçam & ley de boca.
Udo o que fabem Sc podem faber os ho­
T mes he por hum de tres caminhos ; por
authoridade, por rezaó , por experiencia : por
' expe-
Immortalidade. id i
experiencia fabetnos as coufas fervindonos dos
fentidos corporais provando , vendo & apal­
pando : por rezam difcorrendo , diftinguindo
& examinando : por authoridade crendo &
confentindo . Deftes tres modos de faber fó
o que íè fabe por authoridade he firm e, quan­
do fabemos que ella procede de principio &
fon te donde naó pode nacer erro . O que fe
fabe por rezam tem mil baxos em que dar,por-
que em quanto ella difcorrendo trabalha com ­
por & dividir, conhecer & apartar o co n fc-
quentedo repugnante, finalmente diftinguir
entre o falfo & verdadeiro, corre aífas perigos
de errar, para cujo remedio alógica inuentou
os inftrumentos de difinir,dividir,& argumen­
tar trazendo tantos modos de propoíiçõis Sc.
fylogifmos fem baftarem para impedir tanta
con fuíàm d eopin ióiscom o vemos nas fcien-
cias , tanta turba de feitas quantas ha nas re-
ligióis, tanta variedade de pareceres quanta le
ve na philofophia natural & politica de modo
que com muyta rezam fediífe ja que quantas
cabeças tantas fentenças . O que fe fabe por
experiencia yndaque mais feguro & certo que
o que fe alcança por rezam , tambem requere
fuas regras & limitaçõis para conhecer os efei­
tos contrarios que muy tas vezes nacem d’ella :
com o efquentarfe o corpo humano com a ne­
ve fria , esfriarfc com o banho q u en te; m iti-
L 'garfc
16 z T rãtãdqda
garfe a febrc comvinho ¿c açenderfc com agua
Sc femelhanres. Mas aquillo que fe fouber por
todos cftcs tres caminhos quem duvida que fe­
ra infalivel & inviolável ? com o he o que te­
mos & eremos os do povo l i é Yfrael porque
authoridade nos a temos por tradiçam & enh­
ilo dos mayores que nos affeguram fer ella ua-
çida do principio & fonte da mefma verdade
que he o Señor Deus noífo que deu efta ex-
pliçam a M ofeh no monte Sinay & M ofeh a
entregou a Yehofuah , & Yehofuah aos vel­
hos, Sc aííi fucceffivamentc , & poftoque húa
tam fundada & verdadeira authoridade nos
baftava , narn deixa de eftar confirmada com o
vinculo da experiencia & rezo in s : & quanto a
experiencia he ella a mais antiga çerta & fe-
gura de quantas pode aver no mundo , co n ti­
nuada por milhares de annos, com batida por
tantos inimigos & to rm en tas, fem avernhúa
quepudeíTe diminuir hum ponto a verdadeira
tradiçam fundada nefta divina authoridade, &
tam impreífa nos animos dos bós Yudeus que
nem a mefma morte he baftante nam digo a
extinguila , mas nem ayuda a ofufcala : &
quanto asrezoins poftoque fam muytas apon­
tarei fo algúas que podem obrigar ao mais re ­
beldes & continuas do mundo .
Prim eira porque a ley efcrita nos a crem os
por tradiçam & té, com o fe \é claro porque fe
ella
lmmortaimaae. 10?
^ .
ella fe perdeíTe , &Ndeípois dealgüs annosfe
achalfe por onde lhe dariam credito os homes
fe nam por authoridade , & tradiçam dos vel­
hos ? E nam he ífto húa fupohçam fingida,mas
hum cafo acoui^cido na verdade ao povo de
Y írael cm tempo d’el R ey Y ofiyahu , a quem
Hilkyahu faccrdote grande trouxehum livroda
* ley que fe achou ñas paredes do templo como
fo conta no livro 2 . dos R e y sc a p it. 2 2 . &
tendo el R ey aquillo por couía nova , toda via
deu credito a Hilkiyahu que aquelle erao li­
vro da le y , & o mandou cumprir & guardar
folénemente . & todo povo fe ouve por obri­
gado a o b ed ecer, em que claramente confefi-
íbu quanto credito tem & quanta força as tra-
diçoins &: doutrina dos mayores .

Segunda porque a mefma ley nos manda


que procuremos Íaber das tradiçoins & a s a -
prendamos dos mayores dizendo no D cut. ca.
32 : demanda tu padre y denunciartea, tus vie­
jo s y denunciaran a ti : & Detit.cap. 1 7. quan­
do fera encubierto de ti cofa , d e c . y vernas a
los facerdotcs , S e c . Q ue coula fe pode dizer
mais clara que efta em que nas duvidas que fe
ofrecem rem ete Deus as partes a quem enten­
de a ley puraque conforme ella as determine Se
fe faça ohcdecer com pena capital ; Se fe tudo
cftava tam claro na ley de tam exprefib bafta-
L 2 va quc
164 1 rà ta d o d a
va que cadahum lcíTe por élla, 8c efcuzaraile o
trabalho & dano de v iro povo a Hyerufalaim
ao ju yzo fupremo, & de occupar os homes fa­
bios & eftudiofos em coufas desneceiïàrias.
T erceira , porque as letras do alphabeto he­
braico fam todas confoantes , & cm lugar de
vogais ufam de pontos ; eftes pontos na ley naõ
he poffivel porenfe , nem fubentenderenlè fal-
yo per tradiçam porque na ley & efcrituras ha
muy tas palauras que tendo as mefmas letras fa­
zem diferente liçam & fentido por caufa dos
pontos com o por exemplo , deftas tres letras
Zayn , chaph R es , variando os pontos fazem
dizer Zachar, Z echer, Z ech or, que linificam ,
m acho, m em oria,lem bratc; & com o todo Y f-
rael conforma nefta liçam , & conform ou fem­
pre íèm nunca Ler Zachar onde ha da fer Z e­
cher, nem Z ccher onde le ha de 1er Z ech or 8c
outros muy tos lugares a efte modo ; quem fera
tam contumas ou tam çego que nam veja Sc
conf elle que a liçam dos livros da ley Sc efcri-
turas que temos fem entrenós ninguem difcre-
par nella pende totalm ente da tradiçam Sc del­
ia procedeu?
D eixo muytas palabras que nas eícrituras Sc
na ley fe lem contra regra de gramatica , c o ­
mo Homah fem vau que fignifica muro, Sc por
dereita regra fe devia 1er Hamah que íignifica
para fem pre,Sc por regra fe avia de 1er lehalam
que
Immortalidade. i 6 j.
que íignifica para en òu brir, & outros muytos
paífos a efte m o d o ; logo pois todo Yfrael lé
Se l'empré leu Homah fem vau, Se nam Hamah
Exod. 1 4 ..Se fempre leu Leholam íem vau, Se
nam Lehalam : Exod. 3. efte mi nombre para
íiem pre, See. certo que nam podia fer íem tra-
.d içam Se lus divina, que nam cabe no entendi­
m ento que todos fe conformaífem a 1er fem
d iferepar, Se mais em lugares que repugnam a
mefma rezam .
Q uarta porque ha paífos na ley , que fe nam
foífe a tradiçam de nenhum modo íe poderiaó
os homés conformar na verdadeira inteligen­
cia d’e lle s, Se efta hade íer talque todos con­
formem nella,porque aífi dis o verío N u m .iy :
ley una ferà a vos , Se fendo muytas as explica-
ç õ is , com o íeriam faltando a tradiçam im pof-
livel feria fer a ley hüa : Se dos muytos lugares
que moftram efta verdade toquemos fomente
tres ; primeiro do que dis o verfo no Exod. x ó'
tratando das obras prohibidas em Sabath ; no
faldra varón de fu lugar en el dia feteno: feguh-
do no L ev it. 2 3 . falando na fefta dos taberná­
culos dis : y tornaredes a vos en el dia primero
fruto de árbol hermoío : o terceiro no D eu .S .
Se i i . dis : y eferivirlaas fobre umbrales de tu
cafa y en tus puertas . Aqui nos eníinou a tra­
diçam que o lugar dito no Sabath he diftancia
de dois mil paífos que tantos fe podem andar
L 3 em
1 66 Tratadora
em Sabath; & que o frutcfde arbol hermofb he
o do çidram ; & que as palauras dos umbrais
das portas fam de oye Yfrael ate y en tus puer­
tas D eu t.6 . Q uem efta tradiçam negar que lhe
refta mais que dar en mil abfurdos,dizendo hûs
que o lugar do homem he fua c a z a , outros fua
villa ou çidade : afirmando outros que frutow
ferm ofo he laranja ou marmelo ; outros que as
palauras eferitas nas portas fejam os dos man­
damentos ou toda a ley , affi que tudo feriam
co n fu foin s. Senam vejamos o que acontece
aos que querem traduzir a Biblia fanta onde
nunca foy , nem fera poffivel conformar de to ­
do com à verdade h eb raica, & affi de feis ver-
foins que fabemos na lingua latina chamadas
latina vulgata ; de Hyeronim o, latina chaldai-
ca , de Pagnino de Ebero , de M u n ftero, de
Aries m ontano, nhúa conforma corn outra, &
todas dilcordam em muytos lugares da verda­
de Hebraica . Hora fe rito affi he no entendi­
mento da letra & das palauras que pendem de
grammatica cujas regras nam deixam error aos
verfados nellas, que remedio podia aver para
o eíTencial & verdadeiro fentido & tençam
d elias, fenam efte da divina tradiçam ? He lo­
go forçado cõfeffiala & feguila, ou cayr & ficar
nos abfurdos & perigos em q; anda quem pen­
de dos varios,& incóftantes juyzos dos homés,
o que em materias tam graves com o as da ley
lmmortalícIãc!e^,,,"757
de nhum modo fe poc^e nem deve confcntir.
D eixo lugares da ley que fe encontram cla­
ramente com o por exemplo o que dis E xo . 1 2 .
y morada de hijos de Y frael en Æ gypto fueron
4 3 0 annos; & achamos que Keath filho de L e ­
vi foy hum dos que vieram a Æ g y p to , & íe
contarmos todos os dias de fua vida, & os dias
de Hamramíeu filho , & 8 o annos que tinha
M ofeph quando tirou os filhos de Y frael do E -
gypto,nam chegam a mais que a 3 yo annos, Sc
tam bem dis a ley Exod. 1. con 7 0 . almas deí-
çendieron tus padres a Egypto; & fe as conta­
mos húa por húa naó achamos mais que 6 9 . he
logo forçado que affi para conciliar eftes & ou­
tros lugares que fe encontrão,com o para ter &
feguir a çerta explicaçaó dos paífos affima di­
tos & outros muytos em que os entendimen­
tos fe naó podem humanamente conformar; a-
ja algúa regra fuperior que os aquiete Sc eníine
a verdade & efta he a tradiçaõ , a quem deuc-
mos o bem de ter ley húa & juyzo hú o que
fem ella naó he pofsivel ter .
Q uinta porq; na fabrica do tabernaculo def­
pois da miuda relaçaó q ; dá o texto de com o íe
avia de fazer as coufas delle em diverfas partes
conclue Sc dis falando có Mofeh;faras como te
moftre en el monte,quafi enfinandonos niífo q;
a futileza & mageftade da obra avançava todas
as informaçoins dadas por eferito Sc requeria
L 4 mais
mais algúas advertençias encomendadas de pa-
laura : Sc ynda iiTo nam baftou, mas foy necef-
iàrio que Deus iufluyíTe entendimento & fabi-
duria no coraçatn de Bezalel & Aholiab para
atinar a fazer hüa obra tam fublime . C onfir-
maólTede todo eftasrezoins corn outras muy-
tas, em que nam alargamos por concluyr; mas
quarenta dias & quarento noites que M ofeh*
efteve no monte cadaves fem comer nem beber
nem dormir pois nam eftava ociofo,em que di­
remos que fe occupava fe nam em receber efta
divina tradiçam ? quorenta annos que os filhos
de Y frael gaftaram no deferto fem o cudado de
trabalhar para corner & veftir que faziaõ fenaò
tomar doutrina de feu meftre M oieh que os
governava conforme as verdadeiras tradiçóis?
ie nam vejamos como nos cafos em que nam
eftava baftantemente informado confultava &
perguntava a Deus oque faria como fez com
o homem que blaíphemou L ev itic.2 4 . Sc com
aquelle que colheu lenhas em Sabath Num. 1 y
cujo caftigo íufpendeu ate faber o que Deus
mandava fazer d’elles, yndaque ja pola ley tin­
ham pena de morte : Sc quem duvida que ou­
tros muytos cafos aconteceram de que a ley
11am tratamos quais feria forçado refolver con­
forme a tradiçam, pois ha tantas & tam impor­
tantes materias em que nam falou a efcritura ,
eomo feria da forma das compras Sc vendas ,
cartas
T m m ô f t â ï ï ï ï 3 ï ï ë ^ ^ ™ " 77x ^
cartas de dotes & divorcios , teftamentos ,
co n tra to s, obrigaçoins, hypotecas & outras
infinitas coufas que lie forçado occorreffem
cadadia , & de feito occorriam como fe lé no
Exod. 1 8 . que M ofeh julgava o povo & fe o c-
cupava niilo todo dia , & confultava as coufas
com Deus , forçado era logo que os cafos fof-
fem muy tos & grandes tanto que obrigaram a
Ythro aconfelhar a Mofeh tomaífe adjuntos no
governo refervando fo o mais importante para
i i . E nam diremos que a determinaçam deftas
caufas ficava no arbitrio do juyz para as refol-
ver conforme as pefloas, tempo 6c lugar ; pois
vemos que o nam fez aííi M ofeh no cafo das
filhas de Zelophad pedindo a parte que cabía a
íeu pay por herança na terra fanta , & corn fer
efte cafo meramente c iv il, o nam determinou
M ofeh fem primeiro o confultar com Deus
N um .2 7 : quanto mais que no confelho de Y -
thro a Mofeh fe moftra claro que elle nam de­
terminava as coufas por feu parecer & juyzo
nem a ley efcrita baftava a determínalas, mas
era neceíTario vir à caufa fuprema como fe lé
no Exod. 1 8-onde dis Y thro: Agora oye en mi
boz y aconfejartee, y fera el Dio contigo : fe y
tu al pueblo efcuentra el D io , y traerás tu a las
cofas al Diorquem íera logo tam duro & perri­
nas que ynda queira mais prova d’efta verdade
a que fe podia ajuntar ver que nam temos lugar
L y na ley
na ley que nos mande dizer thephilah , & tod a
via tem os muytos exemplos de varoins fantos
que a diziaõ , o que he forçado fe derivaífe del­
les a nos por hüa continua, & pura tradiçam .
D eix o de dizer que as leys,conftituicoinsJ>& a -
cordos das gentes quaifquer que fejam > tem
fuas explicaçoins, & eftas fempre pendem do
author dos tais acordos,conftituiçoins & leys:
he Jogo forçado que a explicaçam de nolfa ley
divina penda fó d o Señor Deus noífo author
della & que todas as q ; derem os homes fabios
Sceftudioíòs tementes de Dcus por ella fe re­
gulem & a ella fe dirigam, & todas as que della
íè apartaõ fejaó tidas por abfurdas & abominá­
veis nacidas de homés ignorantes & foberbos.
E contra ifto naõ faz nada dizer que fe feguiria
dahi íèrem duas leys, por que toda he hüa, mas
compofta como de corpo que he a efcritu ra,&
aima que he a explicaçam délia. de modo que
naley efcrita íeco n tem virtualmente aexp li-
caçam délia & da explicaçaõ le infere & tira a
ley efcrita , & hüa & outra pen de del Dio au­
thor de todas as perfeiçoins & verdades , por­
que doutro modo fe as ¿xplicaçoins da ley fan-
taficaftem fogeitas aos homes, ficariam logei-
tas a mentiras,a q ; efta fogeito o entendimen­
to de todo o homem , com o dis o veríò Pfaltn
?i< í:tod o hombre mentirofo.

C ap,
Immortalidade. 171

C a p . u ltim o .

D a 'Verdade de nof f as contas nas laas no­


yas t f Jo lenidades.

Q u e os hebreos chamaó R os HodeS


O ou principio de mes chamaraó os la­
tinos novilunio & interlunio , & no
nofló vulgar conjunçam de lúa,que he
o tempo em que ella fe nos encobre totalmente
porque com o a lúa de li naó tem luz com que a
vejamos he neceíTario que lhe venha do í o l , &
na hora da conjunção naó vem lus do fol à lua
mais que pola parte de riba onde naó alcança
nolfa v ifta, Sc pola parte de baxo nos fica toda
efcura & en cuberta por algüas horas em quan­
to fenam defencontram eftes dois planeras, &
fe poem em fitio que o fol poiîa illuftrar algua
parte da lu a , corn que ymosveudo tanto della
quanto vai alcançando de claridade; & como
de continuo movendoífe vaõ deíencontran-
doífe eftes planetas & pondoífe mais frontei­
ros hum do o u tro , ymos vendo mais da lua ca -
daves em quanto afsi crece ateque finalmente
fe vem a por ambos os planetas de roíio a rofto
& entam o íòl enche toda alua de lus pola par­
te de diante Sc por ilfo a vemos to d a , &iiTo
fe cha­
fe chama oppofiçam oiíplenilunio,vulgarmen­
te lua c h e a , tempo em que a lúa nos aparece
toda no oriente, & o fol defronte no occiden­
t e : & daquelle ponto torna por leus palios a
yr recebendo tanto menos lus do fol quanto
mais fe vai chegando para elle aparecendonos
cadavefmenor ate que torna a encubrirfenos de
todo na hora em que o fol lhe fica por lima, Sc
lhe nam da lus nhúa pola parte com que fica
para nos ; & nefte curio perenne & regulado
vai fempre continvando tendo de crecente 1 4
dias & algüas horas ate fer chea, Sc outras tan­
tas de minguante atte fer nova -, Sc efta conjun-
çam de lua nova celebraram muytos os anti­
gos Chaldeos, Perfas & Gregos , mas em par­
ticular fe aílinalaram nilTo os Hebreos deixan­
do aconta aftronomica , & lantilicando o pri­
m eiro dia do mes por dito de duas teftamun-
has que vinham ao fupremo magiftrado dos
íanhedrim a Yerufalaim dando fé de aver ja vi­
fto a lúa & com iífo fantificavam o dia & era
folene cora facrificio aventajado com o manda
a ley Num . 2 8 . dizendo : y en principios de
vueftros mezes faredes allegar alcaçion a A.
toros hijos de Vacca d o s , & c . & nam deixa­
vam os nolfos a conta aftronomica pola nam
faber ou defprezar mas antes a obfervavam Sc
feguiam tomando d’clla motivo Sc principio
para efperar as teftemunhas no dia em q u eja
era
Immortalidade. . ij3
era poffivel virem, ma^ fe nam vinham íãntifi-
cavam entam o dia feguinte quer vieílèm quer
nam, affi que muytas vezes focedia fazerem
dois dias de lua nova em Yerufalaim com o íe
ve no livro i . de Semuel c a p .2 o q u e d iz :y fue
de mannanadel mes la fegunda , & c . y dixo
S¿iula Yehonathan fu h ijo , porque no hijo de
Y la i también a y e r, también oy al pan ? & ele­
geram noífos fabios efte modo de fantificar os
mezes por m ilhor, 8c mais feguro polos incon­
venientes que avia na conta aftronomica cayn-
do a conjunçam hora a meya noite , hora ao
m cyo dia; 8c tinham elles authoridade ¿¿licen ­
ça par fazer a conta das luas affi ou affi , com o
le vé no que ordena a ley no primeiro preceito
dado aos ftlhos de Yfrael no Æ gypto dizendo
no Exodo 12 : el mes efte a vos cabcça de me­
z e s ,& c . a vos afaber o modo de o fantificar em
feu principio a vos toca a M oíeh & Aharon
com quem alli falava o Señor com o governa­
dores do poyo , & aos que polo tempo defpois
fuccedelfem em feu lugar para que elles orde-
naiïem & mandailëm & o povo obedecefle
com o fe fez por muy tos centenarios de annos
em Yerufalaim em quanto durou o mando &
Sefiorio do magiftrado grande dos fanhedrim :
8c vcfîè bem a quanto le eftendia ftia authori­
dade nefte particular, porque yndaque a eferi-
tura no lugar affima dis : el mes efte ; com tudo
nam
nam he alii nomeado mes nhúm por nome pro­
prio , antes fe fala alli num mes por modo que
era forçado ficaíTe na elciçam do magiftrado
fantificar o primeiro mes quando vifle que afsi
viria a Pafchoa de Pefah a cayr na prima vera
com o manda a ley no D eut. cap. 1 6 : guarda
a mes el temprano y haras Pefah a A . tu D io,
& c . & o mes temprano nam vem fempre no
mefmo tempo , antes hüs annos anticipa Sc
outros tarda : & com o o Señor ordenou que
alem defta rezam do mes temprano tambem
vieífe o povo ñas tres Pafchoas aYerufalaim
deixou o cargo ao fummo magiftrado para fe-
gundo asoccafioins & variedades dos tempos
fantificar o mes primeiro húa lúa a diante fe a f ­
si lhe parcceífe neccíí’a rioJ& ynda nam brotaf-
fem nem floreeeífem as arvores,ou fofle grande
o incómodo & impedimeto dos caminhos por
aguas crecidas, pontes quebradas & c .& naó fo
ifto mas q; podiaó na mefma fefta tomar & ç e -
lebrar mais dias dos q ; mada a ley & feftejalos
por folenes occorrédo algüa necefsidade com o
achamos no 1. 1 .dosReys 8 que fezSelom oh q ;
polo grande concurfo do povoprológou a fefta
dos tabernáculos Sc fez celebrar 14 dias man­
dando a ley fo fete.H ora nefte modo de fantifi-
caras lúas & foleranifar os principios de mezes
porteftemunhas de vifta naó deixou de aver hú
grande inconveniente ficando os que moravam
fora /
Immortalidade
fora da terra iànta fempreem duvida quando a -
viam d eçelebrarasl^afchoaspor naôfaberem
quai dos dias do mes aviaô emlerufalaim fanti-
ficadomem lhes poder chegar avilo dilTo atem ­
po, & por remedio para nam errar çelebravam
dois dias fora da terra fanta,tirando no dia gra­
de de Kipur,que por naó poderem todos jejuar
dous dias contavaõ no mes fetimo fempre do
dia prim eiro,& affi acontecendo que o jeiû lh e
vide a cayr aos nove naó fkavaó encontrando a
l e y , antes parece que ella deu lugar Sc an tici-
pou o remedio a efta duvida dizendo no L ev it,
c . 2 3 . yaffligiredes vueftras almas en nueve ai­
mes en la tarde,com o le différa; ynda que o je ­
jum do mes feteno he aos des dias do proprio
m e s, com tudo acontecendo fazelo aos nove
naó deixará de feraçeito . Mas conliderando a-
quelle grande labio R abi Hillel principe & ca ­
beça dos Sanhedrim de feu tépo qne fé vinhaô
chegando os cativeiros com que lfrael fe efpa-
lharia por partes taó diftantes & rem otas,& q;
de todo çeffaria a fantificaçaõ dos mezes orde­
nou todas as feftas por conta das conjunçoins
dasluas fundandoffe na Epaéta determinando
os dias folemncs ate fim do mundo, & confor­
me ilîo fe fazia em terra finta , mas fora d’ella
entraram em difputa , por quererem hums fa­
zer com o fe fazia em terra de Y frael, & outros
quererem léguir com o ate entam aviam feito ;
& fo y
i ?6 Tratado da
& foy o cafo ao fupremç juyzo dos Sanhedrim
a Yerufalaim , o qual mandou que por ííhum
m odo deixaiîem a ufança antigua de feus pays:
& yndaque nam declaraífem a caufa & rezam
porq; afsi o mandaram, certo que a teria muy­
to efficas & bem fundada; ou foiTe para im pri­
mir em nolfos animos hua confolaçam qu£
nem fempre avernos de eftar em cativeiro fora
da terra fanta & follem os d eP afch oaem P a-
fchoa efperando tornar a ella & gozar daquelle
tem po em que fe tornem a fantificar os mezes
por teftemunhas de vifta com o dantes: ou folle
para que nos refintamos de n o lfap erd a& m i-
le r ia , & trabalhemos com nolîas rogativas
mover o Señor que uze com nolco de fuas pie­
dades & nos redima & leve a n oífi terra onde
todos celebremos noífas folenidades no m e f­
mo tem po: ou finalmente porque pareceria in-
jnfto tirar aos dias aquella dignidade & prero-
gativa aquirida & )a confirmade em tantos an­
nos; ou por outros refpeitos , bafta que orde­
naram fe guardaífe & feguiífe o ufo antigo en­
tendendo q ; menor efcandalo era guardar o co -
ftu m eporfer principiado & feguido dos ma­
yores em coufa que elles tinham poder & au­
thoridade, que derógala, nem offendela dando
occafiam ao povo diminuir o refpeito & o b -
fervancia devida aos ritos dos antigos & gran­
des de Y frael; porque qualquer piquena mu­
dança
Immortalidade. 177
dança nas couíàs antiga? & confirmadas abri­
ria porta perigofa para total extinçam & ruina
das leys Sc ritos recibidos & aprovados ; tanto
que dizem os politicos que milhor he tolerara
ley yndaque nam feja oblolutam entc boa mas
antigua & re ce b id a , que introduzir outra yn­
daque milhor : & nefte cafo nam fe pode dizer
que feguimos coftume nam bom,que pois o fe-
guiram prophetas R eys & magiftrados , com
mais rezam o feguiremos n o s, & o con tradi-
zelo Sc repúgnalo feria infoffrivel Sc criminal
infolencia, & maldade. E contra eftas verda­
des Sc tam confirmada doutrina nada faz dizer
que íè a conjunçam da lua fe obferva 8c guarda
por conta aftronomica eícufado feria fazer
dous dias deRoshodes nem encontra dizer que
tomamos as vezes Roshodes no primeiro dia
muytas horas antes da conjunçam ; porque o
guardar dous dias algõs dos mezes foy bem or­
denado Sc ntceífario para igualar as luas & fa­
zer que algãas horas de ventagem que ellas le ­
vam fobre os dias nam venham a multiplicarfe
& confundir a c o n ta . E tom ar Roshodes al-
gúas horas anres da conjunçajn nada perjudi­
ca , pois quando aísi focede nam fundamos a
con ta das feftas no primeiro dia fe nam no fe-
gundo, Sc efte chamamos primeiro dia do raes
que entra, Sc o primeiro deixamos na conta do
jn c s q u c fa y e . D o que tudo fe m oftraaver-
M dade
17 S Tratado da
dade & firrazea de noíTas lúas novas & foie ni-
dades que pendem dellas, a fciencia, engenho,
& eftudo ae noífos grandes 5c fabios authores
deftas contas infalíveis aprovadas & feg u id as
ate dos mais expertos fabios das gentes : m o-
ftraílè a muy ta ignorancia & rudeza de quem
por leves argumentos com fo b e rb a & contu­
m acia tomou atrevim ento & ouzadia de fe
oppor a ellas querendo fubir ao ceo a tom arfe
com Deus ao modo dos gigantes fundadores
da torre de Babilonia j nam podendo elle fun­
dar nem híía efcura & miíera cabana que Deus
deftrnyrá com manifefto & tem erofo caftigq
fe prefto nam fe emenda de feu e rro , & rebel-
liam pedindo ao Señor m iíericordia, a qual
elle ufe com todo feu povo de Ifrael 6c
nos redima de tantos cativeiros 6c
cegueiras por fuas infinitas pi­
edades , A M E N .

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