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D E L V I S DE C A M Õ E S , ' j

. Accreíccntadas nefta íegimefa iftip.rcílào. J


\ • Dirigidas a 2), Gonçalo Çoutlnho. ;

M I H I 1 T A X V S \ ^
1 & i

-"I^V-

PWi—imwni w&mymtz^xyzi&iíx- - w^«»,»»^ .«.«j»«^—. - -—


Imprejfdi com licença da fanck hquiJiÇdQ,
E M L I S B O A-
P o r P e d r o C r a s b e e c k , Atino d e M ( j X C V I I L
A cufta de Efieuao Lopez mercador delibros.
Com fmikgíQ,
J%JEí!e Üuro nzo ha coufa algua contra a f |
ou bòh cofiam es,
fr. AntonioTmljUio

^ T l f í a a Informação podefe Imprimir efle


líoro ? intitulado Rimas de Luis de Ca-
mões , & os Sonetos juntos a elíe , & depois
de impreíTos tornem a efte confelho, peia fe
conferirem com o próprio , & fe dar licença
pera correrem. Em Lisboa 8. de Mayo de
W7>
Mogo de Soufa. Marcos Tcxcm

\ -

f •«•.
Prologo ao Leitor\

E P O 1 S de gaftada a primeira impref


f a ó d a s R i m a s d cílc c x c e i ] c n í : e
. poeta,de
P f ^ jjSg terminando dalíofegunda vez àeftam-
tyty"'^ C^f) pa>p r °cureí q u e c s erros, q na outra por
wf culpa dos originaes fe cometerão, n e f h
fe emmendaílem de forte,que fícaílc me
recendo conheceríe de todos por digno parto do gran-
de engenho de feu autor. Verdade he,que oímmcníb
trabalho que leuei nifto , fe paça fomente com o amor
da patria que me moueo,& eu tiue por principal caufa ?
para perdoar âs dificuldades,que fe me ofFcrecíão,por
que vendo as eílrangeiras nações, em obras tão fermo-
fas algüas nodoas que as afeauâo,que a condição do té-*
po lhe imprimira,&: não a fuHcicncia do poeta,julgarão
com razaõ por indignos de o terem entre íi,homés que
não fabiao com fua diligencia, reílítuírlhe c preço que
elles com feu difeudo lhe roubarão : porque certo em
muitas fabulas que toca o Autor em diuerfas partes, &
textura dos veríbs, aí si í e eruroduíiráo 05 erros decué
os treíladaua,que j a quaíi na opinião do vulgo íc tinhão
por proprios de Luis do Camões.& íe ainda afsi não fi-
carem na realidade de fua primeira compcíição, bafte
que em quanto pude o comuniquei com peílbasquc o
entendião,conferindo varies originaes,&e{colhendo dej
les o que vinha mais propilo ao que o Poeta queria di -
zer,fcm lhe violar a graça,& termo particular feu, nua
neftas coufas importa muco. Nem foi Io cite o beiv.fi>
cio
db(fe afsi. he licito dizeí!o)que recebco de mim a memo
ria de Luis de Camões ? porque muitas poefias que o tem
po gaitara,caiiei a pefar do efquècí mento em que ja eíla
não íepultadas 3 acrcícentando a eíla íegunda kmpreflaõ
quaíi outros tantos Sonetosxinco Odes.alp-üsTercetos,
& tres cartas em prol a,que bem moflrao não defmere-
cerem o Stulo de íeu douo» N a vontade com q fe aceí-
te ío quero que tirando os olhos de mim, íc ponha no
que dou,ô£ acharão merecer o agradeci mento 3 comqu@
efte meu trabalho eípero ícr recebido. Vale«

x
E V E L R E Y Faço faber aos que e f e meu aluara
yiré,ey por b e m ^ me praz q por tempo de dez aii
rios,nenhu imprimi dor ,110111 toureiro aigu, ne outra
peíloa de qualquer qualidade q íeja ; nao poífa imprimir,
mc véder em todos eftes Reynos ÔC Senhorios de Portu
gal,nem.trazer de fora delles os ditos liuros/enao aqiief
les líureiros, ÔC peffoas que pêra íflb tiuerem licença da
dito Eibtiío Lopez.E qualquer imprimi dar,liureiro,ou
pefloa que durando os ditos dez annos,imprimir,ou ven
der os ditos litiros de Varias Rimas, & o das Luziadas
de Luis de C-anões,nos ditos Reynos,ôc- Senhorios, ou
os trouxer de fora delles fem licéça do dito Efteuao L o
pez, perderá para ella todos os volumes que aí si impri-
mir, vender ,011 de fora trouxer: & alem diflb encorrerât
em pena de vinte cruzados, a metade pera minha G a -
mara,&: a outra a metade para quem o acufar. E mando
a todas minhas juftiças, oínchcs, a que o conhecimen-
to difto pertencer,que lhe cumpráo,guardem, & taçam
inteiramente comprir, ÔC guardar eííe aluara, como fc
fiollé contem: o quai me praz que valha,& tenha força
Sc vigor, podo que o effeito dellc aja de durar mais dc
hum anno/em embargo da Ordenação do fegundo li
uro,titulo vinte/que o contrario difpoem.Belchior Pin-
to o fez em Lisboa a trinta de Dezembro , de mil Sc
quinhentos Sc nouenta & cínço, loáo da Coifo o fe?
eíaeuer*

REY f
A 2), Gonçalo
•t Coutinho.

V A S razões^Senhor, me moticraô a ti
rar
SSi^Mv^ de nono a luz efta parte das obras do
l/vj, admirauel Luís de Catre cs Príncipe dos
Poetas.A piirnéíra feré cilastaes,q n;er©
ce o autor efte nome, Aíegüda ter eu a v»
^ m. por meu fenhoi^para me valer defeii
emparo nos caí os a que íe arriíca quem íae a pubjico,6c
ambas me obrigam a offerecelias a v. m, nefta íegunda
ImpreíTao como o fiz na primeira, porque também não
quis defraudar ao poeta do fauor que em v.m. tinha re-
cebido,eílando deíenganado que com nenhüa outra pef
foa lhe podia melhorar íeu partido ,'ôcpedirlhe que íb~.
fraarrimailas a f e u nome. Porque fe me render lou«
uor de bom juyzo a eí colha que fiz de tão alta peeíiapa
ra aímpnmír,qiia*aficai: detodoacreditado 5 na eleição
do padroeyro que tomo para a defender. Quam r alta,ô£
quam excellente obra íeja efía,bé poflo efcuíar de o en-
carecer,pois a ponho.no theatro do mundo,na mais pu
ra,&: emendada impreflam que pude auer. Neila eílâ re
tratado,antes viua aquel íeadmírauel çngenho,de quem
aí firmo q feviuèra,pudera fazer im mortal o nome Por
fugues,òc ainda das feridas de noílas calamidades, cm
que tantos falfos efcrittores tao peíadamete nos magoa
rãojíoixbera tirar 1 ouuores fie troph eos.Não poílo decla
rar como efpanta a agudeza dc íeus ccceitos,como obri
ga a propriedadejdaslp^laur^s,como enleua o cncareci-
jnento das razôeá Quéaltezà tem de feméças,que mc-
tapíioras,que híperboies,que figuras ta Poéticas: Admí
jauel lie a gramdade dos Sonetos3a graça das Odes, t$C
Ca»--
Canç5es,a malcncolia tammufica das Elegias;" af>raífy
dura tam namorada das Éclogas. Que direi da policia
facilidade do verfo-da elegancia dos termos?da rique
za da iíagoa? Por hua parte me parece ô tira a todo I19
íiie a efperança de íer Poeta: por outra toda a diículpa
aos que vao mendigando iingoajes eltrang eiras para
por neÍlas,Ô£ tachão a nolla de eítenl: defeito ícu, mais
q culpa delia-Apontei citas cooías3que v a i i J u o ignora^
porque quero que entéda q í ei conhecer o preço do qu$
dou. Por onde me hei por muy obrigado a mirilu ven r
tura,por me aprefenrar occaílao,etn que defejando mui
to feruír .a v.ai.^quafi i ^ualei a vontade com a obra.Ma$
também eonfeílbq lhe a l o dcuçrei nunca poderme dar
çoufa que iguale ao merecimeto d4e v.m*^moiíjos loii
uores nao quero entrar,porq vejo di-ante o mar Oceano
muito mai s largo,& eftendído do que na verdade he.Ba
% que fe fiz algum íeriúço a y.m.com as po,çíias de C a
mões^imii-to rnayor o fiz a çljc,em as, entregar a v..mide
que fç fabp que em dot.es de $}ímp;,h,e mayo.r que todo?
feus iguaes,&: nas do corpo igual a todos os mayorçs do
mundo.Porque quanto âiíloque menos j m p o r t a a c a f a
dos Çoiitínhos hg hüa das mu.y poucas,que com^çacão
c o m o Reyno epa Portugal, & com d l a^er mafiçcetãQ*
M as que digo fcomeçarâo? Nó.meímo tempo do primei
ro Rey Afbnlb íGoníta per eferiteuras. aub
Coutinhos, que erao conquiftadores per Para o quç
çta nece Ilaria teré oi folgue fOUQi
& riqueza pam; q p a g a r ^ e ftó 05
ferulo a nobreza,. :De como f:eicontinuasrjpár ^ftõs qua-
trocentos a n n p $ I p o i ^ ^ r n H e p r o j ^ a ^
Oâo t e f ^ a R ^ © ^ pOTUgueíe*
A
. i f } fae-
'0
if

'fifceÂò fôitds cíc valor/emeados de oflos de Courinhos.


"E como a virtude per íí mefmo íem outra valia fe íuftc
ta,deu a efte Reyno doze fiz mais caías,que oje co eíplé
dorilluftre íc continua jiberaes de valcròfos peitos para
à guerrj >&: não a varas de profundos juyzios para a ad-
tmmftraçáo dá paz-, Entre eítas deu dous Cõdados^dos
ouaes.&
quaes,«... d-r>
... mais znúzoM,0 verdadeiro defta familíaíin
da que oje c x a n d o por fe juntar com a caía Real, pelo
cãfamento do íffame dom Fernando, yrmão delRèy
dom loao o terccyro,§oni a íenhora dona Guimar/vlti-
iria poíluydora delié)hé v.m.deícendente per' linha ligí
timamaíCLiíim. Quáto as partes do animo de que DeoS
deitou; o bom indicio nos deu v. m*-delias na í u a e m -
prefa dColyueyra 3 que tantbTcnipò te que via em íuas
âfítí^fPòKjue c í í a t e acjuella q eftg^h&íi o Reinado das
outras aruores,qae dignameme UV€ dffcreciaó. E efta hú
aqíieMá que lie Symbòiò da p ^ ^ brãdii^ra cortesãa de
qü^^thfíb^áét^dbi-Eft^bé^ átutftè ac P&ltefc;'qtíe'ín:e-
ftiitfwS ks màm ffeidas mfeéás {Wàa^te #f&plii& s;éo
fál Ê^terréí,^
ftk-eicmiô f e i t i o s em^iMriá letra, M 1 H 1 T AXVS*
-getai dós' grandès cn
Te dèftfòfcre hell&óí
^tiá€s1ifik lei a que
tiles Çàfe^&pmrá f&úiètô £httèjádòs,nutí
aleançab-d qpçfà&erecÉ. Dòmataeipa^fe oílnber pej

e â M ò ^ l ^ c ^ í f t ^ f f f e í t é s de con'
m d í ç á á ^ ô ^ d ^ g ^ d i c t ó ^ a i õ xmchoíâê réxõ. Outras*
dêlitíblir i aqfe%Mpf ei% a fsi
#
certos i
V
certos penhores do profundo juyzo de v.nvjas qua^snS
trate,poli as não danar cõ a pobreza de meu eftillo,&por
deixar q efpecüJar aos bòs engenhosJE bé moftra v,m.
ncllas as partes çxcelJcntcs de í a i animo,de q nio direy
mais,por q f c y que íi ao baftao, Jifrfç^in tfcir osjr^jtáco' Jn ais
prologo curto»Mas como não ey de exalçar ate o ceo a
niagnifica,&mqi heroica.o5bra q v.m.fcz cm<daç fçpuitu
ra hõfòda aos Òf&s deftctófrifa^ o|pla
beiamentejazião Ho^notoirodçSiÁniiá^T^
fua cota a obrigação comua,não defte Rçinp fp,mas
roda Efpanhal&afsi rççolheopera íi toda a gloria q a to
da eâaprouincia viçra,íe pára-tão decida ©t>ra lç ajunt^
ra, Baftante razão era êfta para fuás ppcfiâsTcrp dedica^
das ao nome de v.m.tóiao conheçerc outro. Aceiteas v.
iB.defendaas,h6reas,q fe v.m.o fizer entre os eftrangcUl
ros,elle lhe pagara cõ honrar (eu nome entre osçftfâgci
ros & naturaes. Porq a verdadeira pátria dos altos enger
nhos,nao he o iugar q conhece por naícimento, he íò a
entendimento claro ÒC perfeito,q fabe eítimar as coüfas
grandes,ô£ leuantadas.E afsi o emparo q v.m.lhe der eh*
tre juízos pobres q operfeguéjcomo eftrangeifo.^agarâ
co fazçr enuejado o nome de v»m*entre os ricos 6ccxcçt[
Jentes que o eftimão como natural. E bé he razão,q pois
clle por meyo de v, m. comçça oje a viuernoua vida £ec
gloria de feus efcritos,fique a memoria de v.m.pel-lo leu/
liure das leis da morto.&do òfqueâmcntoxóforiViò. £ a n
tiga,ô£ bê prouada profecia Peedca.Por maneira.que fó)
v.m.lhe for Achilles entre aquelles, íeja.cllç para v*pu
Homero entre hus d outros. Noílo SenhorAguàrdb ^
v, m. De Usboa a 16- de Ianeirò d e w ^ r o V l
I N L A V D E M L V D O VI C l CA-
monij Principis P o e t a r u m .
v* f f ' !

Emanuelís SoufeCoutígni Epigrammaa

\^^UQdSvphocks, cpml ore canity


Moflitianijcafiã, horrenth prdia> amores,
* héi&a Jímtd^cántit fed^âmoYeãmm.
PlMtiçrk authortCamoriim. Vnde bic: Trotulit iilsím ^
Lyflâ in Eods i m perl o/a plaga*. :
J7;;/^frwtáí/eJií? Dedit, <sr maiora daturmP
^^eeleri fato corri peretur, traí.
ÚorekMítfàrum' prœfuit, illo
lenior jíomdum eft, nobiliorq. chorus,.
Fios ceteris}virtusq. notice fuit ilk Qamœn
ï i&dititiure fibifceptra poefishabet.
ItrJbufîmos Heticonîs culmina tra&us
TYanftvl\t>ant)\xJ^yrdt>ftrtâ)fitmtáfDm»
QirrereÇãftaüos noftra de rupc liquores7
s. lufiïtab hmito pmteJyirm folo.
Cerne per mcultos^efrípe';éeliôra mtjfwy
^ Çefne fám fleriîi ceff ite Vëris opes.
• V J •• : ( í . • flori
.y -,bus
, • •hofti:
' • -!
Ko« ego km Lyjïos credo?fed Eljjios,
Orphtm ,
OrpVem aUomtds d;;lci modulimm? chutes,
Trâxlt í? dbßtygio /qual Iida monfira foro.
TheffalkoSjLodciceJacrõ cumfluminemontes,
tPieridumcj. trahk, cditmmq. choros.
Sunt mat ora nut Orphais miracula Voeis.
Mite a, quid[a ceres7mft tibi lingua foret}

ALIVD EIVSDEM.
Ad Dominum Gondifaluum Coutignim
if*

Nominibm gentis, donts, Qotitigne7 Minertue^


Nobilitatis bonos, fieridumq. dem.
Vitta fita in tenebris Qamonij Mufa iacebat9
Qjio nihil in toto grdnd'm orbe /mat.
fper te ßjua Hentern etiltum deponit, & audet
Obfita Lyfiac<e pleSíra ferire Lyra.
Je Velut Or photo reuocaßi muntre mkumt,
Orphceus exiftet nminisilletui.
Sic Vos alterno viuetis muntre, <sr Oiphmu
Jlter erit Muße, nominjs alter erit.

#
D. L E O N A R D O TV.RRICÀ*
no a Luis de Camôes.

S O N E T O.

C EleJle ligno de i gran fatti egregi


Del popol Lujîtano arditoe forte}
Qhein alto canto^adonto, délia morte
. Et del tempo gli auuiui&r ancoinfregit
Se in gli alti Elifij, diflellati fregi,
Uberoico Vafco orna le tempie accorte$
$er te dal bajfo Occafo a laite porte
Del Oriente ha i pià lodâti pregi.
À lni la pdmty à te il lattro Jïdeue
Luigi degno Apollor ir degno Homero$
E degne fol délia tua penna ifteffa:
Vlui per lei fra mille lingue, in brem
' fyuolge quejlo quello akro Emifyero
h ym carte la tua fama imprejja.
Sònecto dil Torqtiato TafTo/in lede de Luigl.
diCamcís. Parte 6. foi.47.
7"Afco, lc cui felici, ardite antenne
• y Incontro al Sol, che ne riporta il giOrno
Spiegar le vele, e fer cola ritorno,
N e egJipar, ch-edi cadere accennc.
N o n píu di te per aípro mar foftenne
Que], che fece al Ciclope o!traggio,&: fcori^o
N è chi turbo 1'Arpie nel íuo íoggiorno,
N c die piu bel íubíetto â coite penne»
•Et hor quella dei coito, e buon Luigi
Tant'oltre ftendeil gloríoíb volo,
Cheituoiípalmati legní andarmen Junge,
O n d ' a quelli, a cui s'alza íl noílro polo,
£ achi ferma incontra i fuoi.veffigi,
Per lui dei córíb tuo la fama aggiunge.
Soneto J o Licenciado Gaípar
Gomez Pontino,
\ Qui da grã Mínerua íe dcfcobre*
theíouroqu os homés mais íublíma,
Que quantos Phebo moftra lâ de ciçna,
E a inãy d ? Anthéo no feo auaro encobre»
Aqui pode tirar ouro do cobre
Quem de Pallas prouar a fotíl lima,
E no faber que Apollo mais eílima
Por arte vira a fer rico, de pobre.
Aqui da iüuftrp Muía, &: heroyca vea
D o incly;e> Poeta Luíkano '; '
Que çie-íouuor eterno a patría arrea.
Se pode ver bem claro hum dei "engano,
Qu'em quanto o Soi ;abi;aça, ôC o; mar rodea
Nujiqua iiibio. xuaís akp engepho humano.
Diogo BemardéSjemlouuor de Luis de Camões«
S O N E T O.
Vpmlouuarâ Camões quellenãofeja?
Q
Quê não ve q canfa cm vão engenho, arte!
Bile fe louua a fi í o, em toda parte,
E toda parte, elle fò enche d^nueja*
Q u e m juntos a t u m fprito ver defeja
Quantos does, çntrç mil Phebo reparte
(Quer ellc d'amor cante, quer de Marte,)
Por mais não defejar, elip f ò veja.
Honrou a patría em tudo: ímíga forte -
A fez com elle fò, íer encolhida,
Em premio d'eftender delia a memoria.
M a s f e i h e foy fortuna efeaffaem vida
Náo lhe pode tirar defpois da morte -
Hum rico emparo de fua fama ê£ gloria* I
De Francifco Lopez,a Luis de Camõe&
S O N E T O .
TIJ Stà o pintor famofo atento & mudo,5
^Pintando, recebendo mil louuorçSj)
Pello que retratou de varias cores,
Com engenho O fútil,
, ' víuo,8c
. agucio.
O *
Quem lie eíte que fala, pinta tudo,
O ceo,a terra,o mar,o campo, as flores^
Aues,ô£ animais, Nymphas,paftores,
C o diuino pincel do grande eftudo*
O Príncipe fera do gran ParnalTo,
:
O u o Grego excellente ) & foberano, ' •
O u Torcato também qifem verfo canta,
E fe íuo he Virgilio, Homero,ou TaíTo, ?
E h e como paarece Lufitano,
H e Luis de Gamões, <ju*o mundo cfpatiu, • ••
A O A V T O R,
* •-»,. - •» j 1 y * **
I. v IL/i C1' v' i 2.D01 Oil Xv C i w. a O 9

b O l\i L i v./,

S 'PVitOy me no hr[>yeo ceo yoaffe,


Dtâ híu-jtâ cà na terra tão chorado,
Quanto múhor tiras ja la cantadoy
Do mu to que uw bem ca nos cantnjlei
jfPartiJlete de nossos nos deixa/le,
yí [ar la doutro- lauro laureado,
Di/f crente daquelle que te hão dado
Os que Cíí com tem yerfos tanto honrafle*
La Hymnos, Odes, cantos mais [nanes
apodes cantar na ylngeüca literarchia
Onde efja Vo^ de cifne mais fe apura,
Js(jm te podem faltar matérias granes,
Emqueoccupes melhor d fantajia,
Çjiem fim o de ú pajfia, o de la dura *
Âo Autor por hum feu amîgd.
Ào quai rcfpondeo com o Soneto ói.que cé
meça.

Dt ião ânimo attentofi?" humana»

S O N E T O ,
r/

Q em ht ejie que na harpa Lufitam


Abate as Mufts Gregas (y Latinas?
E fa^queao mundo efqueção asplautinas
Gr a ùu}com gr a ça alegreJira y fana}
Luis de (gamões heyque a foberana
(potencia lhe influto partes diuinas,
dV quem ejpiram as flores -ts* boninasl
Va Homérica Mufa Manêuana.
Se tu{trmmphanîe %oma)efie alcançar m
Mo teu thcãtro, & Scena luminofa,
ISLnncá dogran Tmntio te admirara4$
Mas mtesfem contrafaz curkfi
EJlatua dyQuro alh lhe leuantaras$
Contente de ymtku tam ditofaa
< ; Fol.
R I M -A ãÇ

D E L V I S DE
C A M Õ £ s0 r

S O N E T O r«

7 M quinto quis fortuna que tïuejfe


Í s Effierança dalgum contentamento,
0 goflo de hum fuaue penfamento
Mefe^qu? feus ejfeitos efcreuejfe.
y
Tore m temendo amor que auifo dtffe
hîinba efcriptun a algum jny^o ifcnios
Efcureceome o engenho co tormento3
tpara que feus enganos mo Hfkjfe.
o Vos qtC Amor ohriga a fer f geitos
A diuerfts Vontades, qumdo lerdes
]S[um hreue liuro cafos tao diuerfos*
Verdades puras fao, & não defeitos:
E fabey que fegund'o amor tillerdes,
Term o entendimento de meus yerfos»

A Soneto
Sonetos
S O N E T O i.
T } V cantarei d'amor tão docemente,
^ P o r hüs termos em fi tão concertados^
Que dous mil accidentes namorados
Faça fentir ao peito que não fente.
Farei qu'amor a todos aumente,
Pintando mil fegredos delicado^
Brandas iras, foipiros magoados,
Temerofeòuladia, U pena aufente.
Também íenhora do dcfprezo honefto
D e voffa viíla branda & riguroía,
Contentarm'hei dizendo a menos parte»'
porem pera cantar de voíTo gefto
A compofiçam alta & milagrofa,
Aqui falta iaber,engenhOj& arte.

S O N E T O j.
P Om grandes efperanças ja cantei
^ Com qu'os Deoíes no Olimpo conquiftara-
Defpois vim a chorar porque cantara,
E agora choro j a porque chorei.
Se cuido nas pafladas que ja dei*
Cuílame efta lembrança fò táo câfâ,
Qu'a dor de ver as magoas que paíTara*
Tenho pola mor magoa que paílei.
Pois logo s*eftâ claro que hum tormento
D â caufa qu'outre n'aima s'acrefcente,
Ia nunqua poíTcr ter contentamento.
Mas eíla fancefia fe me mente?
O ociofo òc cego penfamentol
Ainda eu imagino em fer contente?
Soneto
De Luís de GÉnoes- %
S O N E T O 4.
r \ Efpois qac quis Amor qu'eu fô pafïailç
Quanto mal ja por muitos repartio,
Entregeume â fortuna^porquee vip
Que ha tinha mais mal qu'em mim moftrallè*
Ella, porque do Amor fe auentejaíTç
N o tormento que o Ceo me permitio,
que para ninguém fe coní entio,
Para mim f ô mandou que s muentaíTe,
Eifm'aqui vou com vario fom gritando
Copiofo exemplado para a gente
Que deftes dous tyrannos he fogeita
Defuarios em verfos concertando.
Trifte quem feu defçanfo tanto eftreitafi
Que deftc iaõ pequeno eftâ contente. ••

SONETO y
" C M prifóes baixas fuy hum tempo atada
^ Vergònhofo çaíHeo de meus errosí
Itid'agora arrojando leuo os ferros
Qu'a qiorte a mçu pefar tem j â quebrado;
Sacrifiquei a vida a meu cuidado,
Q u ' A mor não quer cordeíroSjncm bezerros?
V i magpas, vi miferia$,vi defterros
Parecome qu'eftauaafsi ordenado.
Contcnteïme com pouco, conhecendo
Qu'era o contentamento vergonhofo,
S o por ver que coufa era viuer ledo,
Mas minha eftrellaqu'eu j'agora entendo,
A morte cega, & o cafo duuídoíb*
Mv fi^erão de goílosauçr mçdo*
»
da*- . r — - Ai Soaô
'í -4 i Jfl

g ^ Ir-Sonetos
SONETO ^
TLluftrè,& dino ramo dos Meneies
^ Aos quaes o prudente, & largo céo
( Ç^'errarmô febe}emdote concec
^ R o m p e í f ô q s Maometicos arneíes;
Defprezando a fortuna^íeus reueíe.^
Ide paraonde o fado vos moueo.
Erguei fiUmmas no mar alto Erithreo^.
;
O -s ! * » r • • 1' • * f f f ' r'" J ."". ^ • < I ' ' f -,

E ferais nóua luz aos Portugueíes*


Opprimi com tão firme forte peito
O Pirata in foleme5qtie s cípanteP
E tre'maTrapoîban'i^ G'à'droiîa. (
ay noua cauf í a cordo Arabo eiïreito
A ( si1 qn o roxó mar daqu t ë m di ante
O íej a i o co fang tie de Turquia»
s o # e ¥ o r;1

5 !
Antes a^ora'Ikírey
O ' sptora atado '-' o . , .

Em!varias flaipmas variamente-á^dia^ '


Qifardeíle ^j^úi^zú

Qpe nem^miifirká^tfe^o^dtíidá-d^ **
Ma dança fariam up - " •
E íe algum p b i í ü O ^ ^ ^ Q ^ ^ ^ i f e f e ó Ç :j
Fuy coi&o * cf aeiit s ô f ^ f f r â ê í d ^ W c - -
Por tornar'axanfir cominatí alento* 'k/j
LoiiuadpviijaiAMor-^tmái^iii^to^: **
Pois para paffiírèmprtféô Éaf&QôJps or>c A
Eile meu t a o - e a ^ 'J % b' í*
5 fí
i*. V %
Sone^
De Luis deCamões.17
S O N E T O 8.
A MorquV) gefto humano n'aima efcreue,
* * * Viuas failcas me moftrou hum dia,
Donde hum puro criftal fe derretia
Por entre viuas rofas.& alua ncue.
 vifta qu'em ii mefma nao s^atreue,
Po; Te certificar do qu'ali via,
Foy conuertida em fonte,que fazia
A dor ao fuftrímento doce,& leue.
lura Amor, que brandura de vontade
Caufa o primeiro eft'eito: o penfamento
Endoudece, fe cuida qu'he verdade.
Olhay como Amor géra num momento,
D e lagrimas de lionefta piedade,
Lagrimas d'i m mortal contentamento»

SONETO *
T T Anto de meu eftado nv acho incerto,
^ Qu f em víuo ardor tremendo cftou dc frio»
Sem caufa juntamente choro } & rio,
O mundo todo abarco,& nada aperto.
H e tudo quanto finto, hum defconcerto:
D'alma hum fogo me fae,da vífta hum rtaj>
Agora efpero, agora defeonfio^
Agora defuario, agora acerto.
Eftando em terra,chego ao ceo voando,
Numliora acho mil annos,&: he de geíto
QiTem mil annos nao poíTo achar hunVhora*
Se me pregunta alguém porque afsi ando»
Refpondo que não fey: porem fofpeito
Que fò porque vos vi,minhafenhora*
A3 Soneto
t Sonetos
S O N E T O io.
HPRansformafe o amador na coufa ama
Por virtude do muito imaginar, .
Náo tenho logo mais que defejar,
Pois em mim tenho a parte dei ej a da*
Se nella eftâ mingai ma transformada,
Que mais defeja o corpo de alcançar?
E m íi fomente pode deícaníar, <
Pois confinoO tal alma eftâ liada«
Mas efta linda Ô£ pura femidea
Que como o accidente em feu íopeito ?
A í si
coa alma minha fe conforma-
:
Eftâ no ptnfamento como ídea
O viuo 8c puro amor de que fou feito>
Como a matéria íimpiez bufca a forma»
S O N E T O ir,
T ) A f f o por meus trabalhos tão iféíito
* De fentimento, grande nem pequeno^
Que í o pol 1 a v oiltadc com que penò
Me fica amor deuendo mais tormento*
Mas vayme amor matando taütô ã tento**
Temperando a triaga co veneno,
Que do penar a ordem defordeno,
Porque não mo confente o foffri mento*
Porem fe efta fineza o amor fente,
E págarme meu mal com mal pretende,
• Torname com prazer como ao foi neue,
Mas fe nié vè cos males tão comente,
Faz fe auaro da pena,porque entende
Que quanto rmjs mepaga>mais me deue*
Soneto"
De Luis de Camões.
SONETO 12,;
t j M flor vos arrancou de enrào crefcida '
^ ( Ah fenhor dom Antonio) a dura forte,
Donde fazendo andaua o braço forte
A fama dos antigos eíquecida;
Hún ío razão tenho conhecida,
C o m que tamanha magoa fe conforte,
Que pois no mundo auia honrada morte»
Que nao podíeis ter mais larga a vida„
Se meus humildes verfos podçm tanto5
Que co defejo meu fe iguale a arte,
Eípecial matéria me fereis.
E celebrado em triíle,ôí longo canto
Se morreítes nas mãos do fero Martes
N a memoria das gentes víuireis,
SONETO 13.
^ f V m jardim adornado de verdura,
A que efmaltão por cima varias flores,
Entrou hum dia a Deofa dos amores,
C o m a Deofa da caça, &: da efpeílura?
Diana tomou logo hua rofa pura,
Venus hum roxo lirío dos melhore^
Mas excediáo muito âs outras flores
As violas, na graça,& fer moi ura.
Preguntão a Cupido qu'alli eftaua
Qual daquellas trcs flores tomaria.
Por mais fuaue,pura, &C maisfermofa?
Sonrindofe o menino lhe tornaua;
Todas fermofas faó, mas eu queria,
Violentes que lírio, nem que rofa?
s " A 4 Sonô
Sonetos
S O N E T O 14.
^T^Odo o animal da calma repoufaua^
1
So Lifo o ardor delia nào lenda,
Qii'o repouío do fogo em que ardia
Conílftia na Nymphaque bufcaua*
O s morues; parecia que abalaua
O trifte íom das magoas que dezia s
Mas nada o duro peito commoiua,
Que na vontade d'outrem pofto eftaua^
Canudo ja de andar pola efpeíTura,
N o tronco d'hiia faya por lembrança
Efcreue eftas palauras. de trifteza ;
Nunca ponha ninguém fua eíperança
Em peito feminil?que de natura*
Somente em 1er mudauel tem firmeza«.
SONETO
T>"MTque amor nouas artes>nouo engenho
^ Para mattarme.&: nouas eíquiuanças,
Que não pode tir arme as efperanças,
Que mal me tirara o qu'eu não tenho..
Olhai dcque eíperanças me mantenho3,
Vedeque perigofas feguranças,.
Que não temo contraíles,nem mudanças
Andando em brauo mar perdido o lenho*
Mas com quanto não pode auer defgoílo
Onde eíperança falta-la m'efeonde
Amor hum manque matta,8£ não f e v ê ;
Que ditas ha que n'aima me tem poílo-
H u m m o fey que,que nafee não fey onde,
V e m não fel coniofic doe não fey porque»
Soneto
De Lins de Camões. y
SONETO
Q V e m vè í enhora claro &: manifclîo'
O lindo fer de voiTos oihos bellos5
Se não1 perder a vifta íó em vellos,
Ia não paga o que deub a voiïo g eito»
Efte me parecia preço honefto,
Mas eu por de ventagem merecellos
Dei mais a vida & aima ^or querei los
Donde ja me não fica mais de reíto,
Áfsi qu'a vida, & a]ma, òC efperança
E tudo quanto tenho,tudo he voflb3
E o proueito- diflb eu fó o leuot
Porqu'he tamanha bemauenturança
O daruos quanto tenho,& quanto poíTb,
Que quanto mais vos pago,mais vos deuo»
S O N E T O jr.
Q V a n d o da bella vifta, & doce rifo,
Tomando eftão meus olhos mantimento^
T ã o enleuado finto o peníamento'
Que me faz ver na terra o parayío.
Tanto do bem humano eítou diuifo,
Que qualquer outro bem, julgo por vento
Afsi qu'em cafo taJJegumio íento
AlTaz de pouco faz quem perde o fifo.
Em vos louuar fenhora não me fundo,
Porque quem voilas coufas claro fente
Sentira, que não pode conhecellas
Que de tanta efíranheza fois ao mundo.
Que não he d'èftranhar dama excellente
1
Que quem vos fez^fizefle ceo & eftrelJas.
fcwi.- i 1
,* Soneto
Sonetos
S O N E T O i?,
Ocès lembranças dapaílada gloria,
D Que me tirou fortuna roubadora,
Deixaimç repouíar em paz hunVora,
Que comigo ganhais pouca vittoria*
ImpreíTa tenho n'aima larga hiftoria
I)efte paíTado bem que nunca fora,
Ou fora,&: nao paíTara, masja agora
Em mim náo pôde auer mais qu'a memoria«
Viiio em lembranças, mouro d'efquecido
D e quem fempre deuera fer lembrado^
Se lhe lembrara eílado táo contente:
ô quem tornar poderá a 1er nafcido,
Sotiberame lograr do bem paíTado*
Se conhecer foubera o mal prefente«

S O N E T O
 Ema minha gentil, que te partifte
^ T á o cedo defta vida defcontente,
Repouía lâ no ceo eternamente,
E víua eu ca na terra fempre trifte»
Se lanoaílento Ethereo,onde fubifte
Memoria deíla vida fe confente,
Náo t'efqueças daquelle amor ardento
Que ja nos olhos meus tao puro vide«
E fe vires que pode merecerte
Algüa coufa a dor que me ficou
D a magoa fem remedío de perderte,
R o g a a Deos que teus anno$ encurtou,
Que táo cedo de ca me leue a verte,
Quam cedo de meus olhos te leuou*
Soneto * y
De Luis cie Camões. <
S O N E T O ic.
X T V m bofqueque das Nymphas íe habitaua
^ ^ Sybíla Nympha linda andaua hum dia,
E Subida nua aruore fombría,
A s amarellas flores apanhaua.
Cupido que alli fempre coftumaua 1
A vir paíTar a feita â fombra fria.
N'hum ramo o arco letras que trazia^
Antes que adormecefíe penduraua.
Á Nympha como idoneo tempo vira
Para tamanha imprefa, não dilata,
Mas com as armas foge ao moço efquiuo»
A s fettas traz nos olhos, com que tira:
ó paftores fugi,que a todos matta,
Senão a mim,que de matar me viuo.

S O N E T O li.
Reinos.^ o$ impérios poderofos
^ Que em grãdeza no mundo mais crefcerao
Ou por valor de esforço florecerão,
Ou por varões nas letras efpantofos.
Teue Grécia Themiftocles, famofos
Os Scípiões a Roma engrandeíceráo,
Doze Pares a França gloria derao,
Cides a Efpanha,& Laras bellicoíos.
A o noílo Portugal (que agora vemos
T ã o differente de íeu fer primeiro)
Os voffos derão honra àc liberdade.
E em vos grão íucceífor.&: nouo herdeiro
„ D o Bragançáo citado, ha mil eftremos
Iguaes ao fangue, & mores que a idade.
i Sone
Sonetos
S O N E T O 300
E VOS m , aparto(Ô vida)emtal mudança^
D Sinro viuo da morte o fentimento,
N l o íei peraqulhe ter contentamento,
Se mais ha de perder quem mais alcança?
Mas douuos efta firme fegurança,
Que pofto que me matte njeii tormento
P oi las agoas do eterno eíqueei mento
Segura paffarà minha lembrança
Antes fem vos meus olhos fe entrifteçáo,
Que com qualquer cous'outra fe contentem^
Antes os efqueçaes,que vos efqucção.
Antes nefta lembrança íe atormentem^
Que com efquccimento defmereçao
A gloria que cm foffrer tal pena íentem*

S O N E T O 13,
/ ^ H a r a minha enemíga,em cuja mao
^ P o s meus contentamentos a ventura*
Faltoute ati na terra íepultura,
Porque me falte a mim confolação*
Eternamente as agoas lograrão
A tua peregrina fermofura,
Mas em quanto me a mim a vida duras
Sempre viua cm minhalnia tacharão-
E fe meus rudos vcrfos podem tanto,
Que poflao prometerte longa hiftoria
Daquelle amor tâo puro 5c verdadeiro^
Celebrada feras fempre em meu canto,
Porque em quanto no mundo ouuer memoria,
Será minha eferittura teu letreiro.
Soneto
De Luís de Camões. *4
S O N E T O 24.
r
A Queila triíte 8c leda madrugada,
* ^ C h e a coda de magoa,& de piedade,
E m quanto ouuer no mundo faudadc
Quero que feja íempre celebrada.
Ella fó, quando amena &: marchetada
Saia,dando ao mundo claridade,
Vio apartarfe d'hua outra vontade,
Que nunca poderá veriè apartada.
Ella fô vio as lagrimas em fio,
Que d'au s Sc d'outros olhos diriuadas
Saccrefcentarão em grande ôçlargo lio.
Ella vio as pai auras magoadas,
Qúe poderão tornar o fogo frio,
E dar deíc.mfo as almas condena das,
SONETO *
S E quando vos perdi minha eíf erança
A memoria perdera juntamente,
Do doce bem paílado,& mal prefenre,
Pouco fennra a dor de tal mudança.
Mis amor em quem tinha confiança,
Me repreíenta mui miudamente
Quantas vezes me vi ledo & contenre3
Por me tirar a vida efta lembrança.
D e coufas de que não auia final,
Por as ter poftas ja emefquecïmento,
Deílas me vejo agora períeguido^
A h dura eftrella minha', ah eran tormento!
® \
Que m^l pode fer mor,que no meu :maJ
Ter lembrança do bem qirhe ja perdido? •
r: : r.-l Soneto
Sonetos
SONETO
C M fermofa Lechea fe confia,
^ P o r onde a vaydade tanta alcança,
Que tornada cai íoberba a confiança
Com os Deofes celeftes competia.
Porque não foffe auante çftapufadía,
(Que nafeqm muitos erros da tardança)
EmeíFeitp puferão a vingança,
Que tamanha doudice merecia.
Mas Oleno perdido por Lethea,
Nao lhe fofiVendo amor que foppoçtafíe
Caíhgo duro tanta fermoíura,
Quis padecer em íi a pena alhea,
Mas porque a morte amor náo apartaiTe*
Ambos tornados faó em pedra dura,

S O N E T O vj.
X y f Ales que contra mim vos conjuraftes,
^ ^ Quanto ha de durar táo duro intejxtot
Se dura porque dura meu tormento,
Baíteuos quanto ja me atormèntaftes*
M as fe afsi perfiaes, porque cuidaíles
Derrubar meu táo alto penfamento?
M á s pode a caufa delle,em qu*o foftenc®
Q u e vos.que deliamcfma o íer tomaftc*}
E pois voíTa tençáp eom minha nvorte
Ha de acabar o mal deftçs amores,
D ai j a fim a tormento tão comprida
Porque d'ambos contente feja a forte,
Vos porque me acabaftes, vencedores,
E eu porque acabei, de yos vencido.
De Lt>is de Camões. 8
S O N E T O 24.
P Ssafe a Pnmaáera traíladando
^ E m voffa vifta de!eitofa,& honefta,
Nas lindas faces,o)hos, boca.& tefta3
Boninas, lyrios, rofas debuxando.
D e forte volíb gefto matizando
Natura quanto pode manifeíla,
Qu'o monte,o campo,o rio,& a floreíta,
Se eftáo de vos fcnhora namorando.
Se agora nao quereis que quem vos ama
PoíTa colher o fruito deftas flores,
> Perderão toda a graça voflbs olhos.
Porque pouco aproueita linda dama,
Que ícrcieafle amor em vos amores,
Se vofla condição ptoduze abrolhos»

S O N E T O i9.
O E t e annos de paílor Iaeob feruia
^ Labão,pay de Rachel,ferrana bel Ia:
Mas não feruia ao pai, feruia a cila,
QiTella fópor premio pretendia.
Os dias na efperança de hum ló dia
PaíTaua, contentandofe com vellas
Porem o pay vfando de cauteJla,
Em lugar de Rachel, lhe daua Lya.
Vendo o trifte paftor que com enganos
Lhe fora afsi negada a fua paííora,
!
Como fe a não tiuera merecida:
^ Começa de feruir outros fet'annos, >.
' Dizendo: Mais feruira/e não fora
Pera tão longo amor tão curta a vida.
' ~ < Sone
Sonetos
S O N E T O pç
" C Stà o lafciuo &: doce paffarinho
* C o m o biquinho as penas ordenando,
O verfofem medida a l e g r e , b r a n d o , ,
Efpedindo no ruftico raminho.
O cruel caçador(que do caminho
Se vem calado & manío,defuiando)
N a pronta vida a fera e liderei tando,
E m morte lhe conuerte o ch-uo ninho,
PeíVarte o coração,que Íiure andaua,
(Poílo queja de longe deftinado)
Onde menos temia foi ferido.
Porque o frecheiro cego m'eíperaua,
Pera que me comaífe defcuidado,
Em voílos claros olhos eícondido®
SONETO 31.
TDEdeo deiejo(dama)que vos veja,
Nao entende o que pede,eítà enganado^
H^ cite amor tio fino,ô£ tao delgado,
Que quem o tem nao fabe o que deíejai
Nao ha couía a qual natural feja,
Que nío queira perpetuo feu eftado»
N ã o quer logo o defejo o defejado,
Porque nio Falte nunca onde fobeja,
Mas eíte puro affeito em mim fe danna,
Que como a graue pedra tem por arto
O cencro deíejar da natureza.
A í si o peníamento (polia parte I'
I

Que v iy comir de mim terrefte humana)


«

Foy fenhora pedir eíla baixeza.

l
l
De Luis de Camões. 17
SONETO 3v
T^Orque quereis fenhora que oftereça
A
A vida a tanto mal como padeço?
Se vos nafee do pouco que mereço,
Bem por nafeer eítà quem vos mereça;
Sabey que em fim por muito que vos peça,
Que poflb merecer quanto vos peço,
Que nío coníenfamor qu'em baixo preço
T a o alto pénfamento fe conheça.
Afsí que a paga igual de minhas dores,
Comi nada Jb reítaura,mas deueisma,
Por fer capaz de tantos disfauores.
E le o valor de voíFos feruidorés
Ouuer de fer igual conuofco mefma,
Vos ío conuofco mefma andai d'amores*
»

S O N E T O 55.
E tanta pena tenho merecida
S Em pago de foffrer tantas durezas,
Prouay fenhora em mim voíTas cruezas,
Que aqui tendes hüa alma oíFerecida.
Neila expérimentay fe fois feruida,
Defprezos,disfauores,& afperczas,
Que mòres foíFrimentosfirmezas
Suftentarei na guerra deita vida.
Mas contra voffos olhos quaes fetão?
Forçado hcque tudo fe lhe renda,
Mas porei por efeudo o coração.
Porque em tào dura & afpera contenda,
He bem que pois não acho defenfaõ,
Com me meter nas lanças me defenda;
B Soneto
t Sonetos
S O N E T O 34»
Q V a n d o o Sol encubereo vai moftrando
Ao mundo a luz quieta &: duuídofa^,
A o longo d'hüa praya deieítofa,
Vou na minha inimiga imaginando»
Aqui a yi os cabellos eoncertando5
Ali co a mão na faceiam fermofa,
Aqui falando alegre,ali cuidofa,
*i\gora eftando queda3agora andando*
Hlquí eíteue lentada,alí me vio,
Erguendo aquelles olhos tamifentoSj
Aqui mouida hum pouco,ali fegura-
Aqui fe entrifl-eceOjali fe rio,
Em fimneftes canfados penfamentos
Paifoefta vida vam,que íempre dura,
SONETO 35.
T T Y m mouer d'olhos brando & piadofo,
^ Sem ver de que,hü rifo brando, & honcfto3
Quafi forçado^um d o c e h u m i l d e gefto^
De qualquer alegria duuidoío: •»
Hum defpejo quieto,& vergonhofo,
Hum rcpoufo grauifsimo,&: modefto,
Hua pura bondade, manífeito
Indicio da alma,limpo,& graciofo: ,
Hum encolhido oufar, hüa brandura,
Hum medo fcm ter culpa,hum ar fereno,
Hum longo,& obediente íoffrimento>
Eíh. foi a celefte fermofura
Da minha Circe,&: o magico veneno
Que pode transformar meu penfameuco-
Soneto
De Luís de Camões. 10
S O N E T O J*. ^
*T**Omoumc voíla vifta íbberana *
^ Adonde rinha as armas mais â mão,
Por moftrar que quem bufea defenfaó
Contra eiles bellos olhos,que s'engana*
Por ficar da vittoria mais vfana,
Deixoumc armar primeiro da razão:
Cuidei de me faluar, mas foi cm vão,
Que contra o eeo náo vai defenfa humana.
Mas porem fe vos tinha prometido
O voílb alto deíhno cila vittoria,
Seruos tudo bem pouco,eftâ fabido.
Que pofto que eüdueíTe apercebido,
Nao leuais de vencerme grande gloria»
Mayor a leuo eu de fer vencido.
S O N E T O 37.
^ ^ " A ò palTes caminhante: Quçm me chamai'
Hua memoria noua,& nunca ouuida,
D 'hum que trocou finita & humana vida,
Por díuina, Minita,ôc çlara fama.
Quem he que tão gentil louuor derrama?
Quem derramar feu fatigue não duuida,
Por feguír a bandeira efclarecida
D hum capitão de Chrifto,que mais ama.
Ditofo fim, ditofo facrificio,
Que a Deos fe fez,ôç ao mundo juntamente9
Apregpando direi pãp alta forte.
Mais poderás coutar a toda a gente, í
Que fempre deu fua vida claro indicio
De vir a merecer tão Anta morte.
' ^ " " Bi Sone

t
t Sonetos
SONETO 58.
T^Ermofos olhos,que na idade noíTa
^ Moftrais do ceo certilsimos finais,
Se quereis conhecer quanto poffais,
Olhaime a mimique fou feitura voíTa^
Vereis que de viuer me defopofla
Aquelle rifo com que a vida dais,
Vereis como de amor m o quero mais,
Por mais que o tempo corra,&*o dãnopoíTa
E fe dentro neítalma ver quiferdes
Como nluim claro efpelho,alli vereis
Também a voíTa angélica ferena:
Mas eu cuido que fó por náo me verdes
Veruos em mim fenhòra não querei ss
Tanto gofto leuais de minha pena»
SONETO
O Fogo que na branda cera ardia,
Vendo o rofto gentil qu'eu n*alma vejo^
Se acendeo d'outrro fogo do defèjo,
Por alcançara luz que vence o dia*
Como de dotis ardores f e encéndia,
Da grande impaciência fez deípejo»
E remetendo com furor fobejo
Vos foi beijar na parte onde fe via.
Ditofa aquella flamma que fe atreue
Apagar feus ardores & tormentos,
N a vifta de que o mundo tremer deue*
Namoraõfefenhora os Elementos,
D e vos,ôi queima o fogò aquella neue,
Que queima corações & penfamentos.
Sonêcc
De Luis de Camões. 17
S O N E T O 40.
A L'egres campos,verdes amoredos,
Cl aras &: frefeas agoas de criftal,
Qu'em vos os debuxais ao natural,
Deícorrendo da altnra dos rochedos:
Silueftres montes,afperos penedos,
Compoftosem concerto deíigual,
Sabei que femljcença de meu mal
Ia não podeis fazer meus olhos ledos.
£ pois me ja não vedes como viftes,
Não me alegrem verduras deleitofas,
N e m agoas que correndo alegres vem,
Semearei em vos lembranças triftes,
Regando
O vos com l a g r i m a s faudofas,
E nafeerão faudades de meu bem.

SONETO 41.
Q V a n t a s vezes do fufo s'eiquecia
D ai lana, banhando o lindo íeo,
Tantas vezes d hum afpero receD
Salte ido Laurenio, a cor perdia.
Ella que a Syiuio mais qu'a íi queria,
Pera podéllo ver não tinha meo:
Ora como curara o mal alheo
Quein o fea mal tão mal curar fabia?
Elle que vio u o clara efta verdade,
C o m folluços dezia (qu'a elpeíTura
Commouia de magoa, a piedade)
C o 110 p >de a delordem da Natura,
Fa^er u o uíffe:en:es na vontade
A que>11 Ícl tvio conformes na ventura'
; : B i Soneto
t Sonetos
S O N E T O 4i.
Indo Sc fútil trançado, que ficaíte
Em penhor do remedio que mereço,
Se lo contigo vendote endoudeço,
Que fora cos cabellos qu'apertafte?
Aquellas tranças d'ouro que ligaíle
Qu'os rayos do fol tem em pouco prèçoy
Náo fei le para engano do que peço
Se para me atar, os defatafte?
Lindo trançado,em minhas mãos te vejo,
E por fatisfaçao de minhas dores
Como quem náo tem outra,ey de tomarte3
E fe não for contente meu deíejo,
Dirlh'ei que nefta regra dos amores
Pello todo também íe toma a parte«,
SONETO jg,
Cifne quando fente fer chegada f
A hora quo poem termo a lua vida,
Mufica com voz alta,& mui ílibida
Leuanta pola praya inhabitâda*
Defej a ter a vida prolongada,
Chorando do viuer a defpèdida, ,
Com grande íaudade da partida, O
Celebra o trifte fim deitajornada.
Afsi fenhora minha quando via
trifte fim que dauão meus amores,
Eftandopoftoja noeítremo fio,
Com mais íiiaue canto Sc armonia
Dífcanteí pellos voílos disfauores
L a vueftra falfa íe, y el amor mio.
Soneto
Dc Luís de Camões. u
S O N E T O 44.
T)Ellas eftremos raros que moftrou
A
Era faber Pallas, Vénus em fermofa,
Diana em çafta, Iuno em aniaiofa,
Africa,Europa,& Afia,as adorou:
Aqueíle faber grande que ajuntou
Efprito $c corpo em liga generofa,
Efta mundana machína luftrofa,
D e fò quatro Elementos fabricou.
JVÍas mor milagre fez a natureza
Em vos fenhoras,pondo em cada hua
O que por todas quatro repartío
4- vos feu refplandor deu Sol &: Lua,
A vos com viua luz,graça,& pureza,
Ar/ogo,terra agoa ,vos feruío.
S O N E T O 45.
Omaua Deliana pot viagatjça
* D a culpa do paftor que tanto amaua,
Caiar com Gil vaqueiro,& em fi vingaua
O erro alhco,& pçrfida efquiuanja.
A deferição fegura,a .confiança,
A s rofas que feu roíto debuxaua,
O deícontentamento lhas fpcaua,
Que tudo muda hüa afpera mudança;
Gentil planta diípofta em fecca terra,
Lindo fruito cie dura mão colhido,
Lembranças dbutro amor,&: fè perjura.
Tornarão verde prado em dura ferra,
Intp reffe enganofo,amor fingido,
fizerâo dçfdítofa a fçrmofura.
B 4 Sonc
SONE T O
R a m tempo ha ja que íbube da ventura,
^ - ^ A vida que me tinha deílínada.
Que a longa experiencia da paílada*
M e daua claro indicio da futura.
Amor fero,cruel,fortuna eícura,
Bem tendes vofTa força exprimentada^,
AíTolai, deftrui,não fique nada,,
Vingaiuos deita vida,qu'inda dura.
Soube amor dâ ventura que a não tinhaj
E porque mais fentifle a falta delia,
D e imanes tmpofsiueis me mantính a.
Mas vos íenhora,poís que minha eftrella
Náo foi melhor^viuei nefta alma minha.*
Que não tem a fortuna poder nella.
S O N E T O 47
Ç E algua hora om vos a piedade
*^De tam longo tormento fe fentira,
Náo confentira amor que me partira
De voffos olhos^inha Íaudade.
Aparteime de vos,mas a vontade,
Que pello naturaí n*atma vos tira,
M e faz crer que efta aufencia he de mentira,
Mas inda mal porem porque he verdade.
Irm'ey fenhora, & nefte apartamento,
Tomarão triftes lagrimas vingança.
Nos olhos dequem folies mantimento:
E aí si darei vida a meu tormento*
Qifemfim cà me achara minha lembrança,
Sepultado no voíTo cfcjuecimenro-
Soneto
De Lui s de Camões,
3 S O N E T O 48.
Como fe me alonga d'annonçai an na
A peregrinação caníada núnhaí
Couio s"cnciirta,& como aofim caminha,
Eíle meu breue & vão difcurfo humano,*
Vayfe gaílando a i d a d e c r e í c e o danno,
Perdefeme hum remedio,que inda tinha
Se por experiência fe adeiiinha,
Qualquer grade efperança,he grand engano;
Corro apos eíle bernique náo fe alcança,
N o meo do caminho me failece,
Mil vezescayo, &perco a confiança.
Quando elle foge,eu tardo,& na tardança
Se os olhos ergo a ver fe inda parece,
D a viíla fe me perde,Sc da efpetança.

S O N E T O ^ .
H T E m p o heja que minhaconfiança/ lo !
Se deçà de hua falia opinião,,,
Mas amor não fe rege por razão, ) 1; 1

Nãopoífo perder logoaefperança: ,


A vidaíi,que hua áfpera, mudança » <•» ' r u< •••<• i
Não deixa viver tanto huipíçoraçãoj • i,T
E eu na morte tenho a £al uação? t .,
Si: mas quem a defeja nãoa alcança.
Forçado he logo qu'eu efpere& viua, , ;.
A h dura ley d'amor,que não CQofçpte. ]f,- ?is
Quietação*n*hfia almaqu'he caçdu^V- . *.i
Se hei de víugr em fim forçadamente
Pera que quero a gloria fugiriua„ •
D'hua efperança vãa que m'atormepi^l.
Soneto

'•JTi
t Sonetos
S O N E T O yo.
Mor, co a efperança ja perdida
A Teu foberano templo viíicei,
Por ílnal do naufragio que paílei
Em lugar dos veftidos pus a vida.
Que queres mais de mim,que deftruida
Me tês a gloria toda que alcancei?
Nao cuides de farçarme,que não fei
Tornar a çnrrar onde não ha í aida. ,
Ves aqui alma, vida,8t eíperança,
Dcí pojos doces de meu bem pafíado,
Em quanto quis aquella em quem cu moreis
Neila podes tomar de mim vingança, .
E slnda nào eftas de mim vingado,
Conteixtate ço as lagrimas que choro,
S O N E T O fi.
A Pollo, §Cáí ! ftpUfMufosidiíeanrandíi
* * * C o m a dourada lyra,me influiao ? -
N a fuaue armonia que faziam,
Quando tomei a pena começando.
Ditoíofcjao día^horaquando ; r

T ã o delgados oliioiítie feríão, ^


Ditofos os fentidos que feútiáo ') •
Eítarfç em leu defejo trafpaílando,
Afsi cantaua,quando amor virou :
A roda,á efperança que corria,
T ã o ligèíra,que quafi era inuiítuel.
C o muer teu (enfie em noite o claro dia,
E fe algüa efpçrança me ficou,
Sera.dc Mayor mal,fc fprpofsiuel.
: j " Soneto
De Luís de Camões. *4
S O N E T O ji.
Mc Embranças faudofas, fe cuidais
De me acabar a vida neíle cilada,
N á o viiio com meu mal tão enganado,
Que não efpere delle muito mais:
D e muito longeja me coílumaís,
A víuer dalgum bem defefperado,
Ia tenho coa fortuna concertado!
De foffrer os trabalhos que me dais.
Atado ao remo tenho a paciência,
Pera quantos defgoftos der a vida,
Cuide em quanto quifer o peníainento,
Que pois tVao ahi outra refiftencia,
Pera tão certa queda de fubída,
Apararlh^i debaixo o foffnmento.
S O N E T O 53.
Partauafe Nife de Montano,
Em cuja alma partindofe ficaua,
Que o paftor na memoria a debuxaua^ i
Por poder fuftentaríe deíle engano.
Pellasprayas do Indico Occeano
Sobre o ciiruo cajado s^encoílaua,
E os olhos pellas agoas alongaua
Que pouco fe doíaõ de feu danno* '• >
Pois com tamanha magoa & faudade
(Dezia)quisdeixarme aemqifeu moro.
Por teftemunhas tpmo ceo & eftrelias-.
Mas le em vos ondas mora piedade,
Leuai também as lagrimas que choro,
Pois aí si me ieuaís a çauí a delias.. ; „ >
*• - Soneto
t Sonetos
SONETO î4.
Vando vejo que meu deftino ordena
Q Que por me experimentar de vos m'aparte^
Deixando de meu bem tão grande parte,
Qu'a mefma culpa fica grauepena: •
O duro dísfauor que me condena
Quando pella memoria fe reparte,
Endurece os íentidos de tal arte
Qu'a dor d'aufencia fica mais pequena.
Pois como pode fer que na mudança
Daquillo que mais quero eíte tão fora
De me não apartar também da vida!
Eu refrearei tao afpera efquiuança
Porque mais fentirei partir fenhora
Semfentir muito a pena da partida,
SONETO 55.
l ^ E p o i s de tantos dias mal gaitados,
Depois de tantas noites mal dormidas,
Depois de tantas lagrimas vertidas,
Tantos íbípiros vãos,vãmente dados.
Como não íois vos jadefenganados,
(Deíejos)que decoufas eíquecidas
Quereis remediar mortais feridas,
Qu'amor tez fem rèmedio,o tempo,os fadosf
Se náo tiuéreis ja experiencia
Das fem razões d*amor a quem feruifl&s,
Fraqueza fora em Vos a reíiftencía.
Mas pois por voflbmal (eus males viftes ; ' f
Qae te.itpo n ; o curou.,nem longa aufencia. •<
Qae bem deiie eípecaisjdcíqos triftes?
Soneto
De Luís áe Gamões,
SONETO
Ayades,vos que os rios habitais
* Que os faudoíos campos vão regando,
D e meus olhos vereis eftar manando,
Outros quequafi aos voífos iam iguais:
Dryades,vos que as íettas atirais,
Os fugitiuos ceruos derrubando,
Outros olhos vereis que triumphando
Derrubam corações,que valem mais.
Deixai as aljauas logo,& as agoas frias,
E vinde Nymphas minfias,fe quereis
Saber como d'hüs olhos nafcem magoai;
Vereis como fe pafíaõ em vão os dias,
Mas não vireis em vão,que ca achareis
Nos feus as fettas,& nos meus as agoas.

SONETO 57,
Ti A Vdaofe os tempos,mudãofe as vontades,
J - V l Mudafe o fer,mudafe a confiança,
Todo o mundo he compofto de mudança,
Tomando fempre nouas qualidades,
Continuamente vemos nouidades,
Differentes em tudo da efperança,
D o mal ficão as magoas na lembrança»
E do bem (fe algum ouue)as faudades:
O tempo cobre o chão de verde manto,
Que j a cuberto foi de neue fria,
E em mim conuerte em choro o doce canto.
E a fora efte mudar fe cada dia >
Outra mudança faz de nlòr eípantó,
Quo não fe muda ja como foia, 1
Sone
S O N E T O ç8.
© E as penas eotti que amor tão mal me tratra, .
® Quifer que tanto tempo viua dei las,
Que veja efcuro o lume das eftrellas,
E m cuja vifta o meu fe acende & matta:
E fe o tempo que tudo desbarata
Seccar as frefças roías Içm colhelas,
Moftrandome a linda cor das tranças bellas
Mudada de ouro fino em bella prata*
Vereis íènhora então também mudado
O penfamento,& aípereza voíla,
Quando não íirua ja fua mudança;
Sufpírareis então ffellopaflado,
E m tempo, quando executar fe poíFa
E m volTo arrepender minha vingança;
S O N E T O 59.

Ninguém,que niffo em fim fe torna tudo, s


Mas foi quçm tudo pode,& tudo teue.
Foi Rey: fez tudo quanto a R e y íe deue,
Pos na guerra & na paz deuido eítudo,
Mas quão pefado foi ao Mouro rudo,
Tanto lhe feja agora a terra içue.
Alexandre fera? Ninguém fe engane ,
Que fudentar,mais que adquirir feeftimt;
Sçrâ Adriano graõ fenhor do mundo?
Mais obferuante foy daley de cima.
He Numa? Numa não,mas he Ioanne, -
D e P ortugal Tcrcçiro/em fecundo,
Soneto
í
De Luis de Camões. 17
S O N E T O 6o.
f S V e m pôde liure fer gentil fenhora5
^ w V e n d o u o s com juízo foiTegado,
Se o nnnino qued'olhos hepnuado,
Nas mininas dos voíTos olhos mora?
-AUí manda,alli reina, alli namora,
A lli viue das gentes venerado,
Qu'o viuo lume,8£ o rofto delicado,
Imagens faó d'amor em to d'à hora.
Quem vê qu'em branca neue nafcem rofas
Que fios crefpos d'ouro vão cercando,
Se por antre efta luz a vifta pafla:
Rayos d'ouro vera, qu'as duuiaofas
Almas eíião no peito trafpaíTando
Afsi como hum cryítal o loi trafpaíTa»

S O N E T O 6i.
Ç f Omo fizeíte Porcia tal ferida?
^ ' F o v voluntaria,ou foy por innocencia?
Mas foy fazer amor experíencia
Se podia foffrer tirarme a vida.
E com teu proprío fangue te conuida
A não pores â vida refiftencía?
Andome acoftumando â paciência.
Porque o temor a morte nâoimpida.
Pois porque comes logo fogo ardente,
Se a ferro te coftumas? Porque ordena
Amor,que morra,& pene juntamente.
E tés a dor do ferro por pequena?
Si: que a dor coftumada não fe fente,
E eu não quero a morte fem a pena.
t Sonetos
S O N E T O .6i.-:

D E t i o diuíno accento & voz humana.


D e tao doces paiauras peregrinas,
Bem lei que minhas obras não í aõ dinas,
Que o rudo engenho meu me defengana*
Mas de voíTos efcrittos corre & mana,
Licor que vence as agoas C:ibalinas,
E conuofco do Tejo as flores finas
Farão enueja â copia Mantuana:
E pois a vos de ít não fendo auaras
As filhas de Mnemoíine fermofa,
Partes dadas vos tem ao mundo caras^
A minha Mufa & a voíla tão famofa,
Ambas poííb chamar ao mundo raras?
A voffa d'alta,a minha d'enuejofa*

S O N E T O 65.
ITNEbaixo deíla pedra eílâ metido
^ - ^ D a s fanguinofas armas defcanfado,
O capitão illuítre, afsina[ado,
D o m Fernando de Caílro efclarecidos
Por todo o Oriente tão temido,
E d a enueja da fama tão cantado:
Eíte pois fô agora fepultado
Eftà aqui ja cm terra conuertido.
!
A egrate 6 guerreira Luíitatüa
Por eíle Viriato que criaíle,
E chorão perdido eternamente.
Exemplo toma nifto de Dardania,
Que fe a Roma co elle anichilaíte,
Nem por ííTo Çarthago eílâ contente.
De Luis de Camões. 17
S O N E T O £4.
Q V e vençais no Oriente tantos Reys,
Que de nouo nos deis da índia o eftado,
Que eícureçais a fama que ganhado
Tinhão os que a ganharão a infiéis:
Que do tempo tenhais vencido as Ieys;
Que tudo em fim vençais co tempo armado,
Mais he vencer na patria defarmado,
Os monftros,ôc as chi meras que venceis.
E afsí fobre vencerdes tanto i migo,
E por armas fazer que fem íegundo
Volfo nome no mundo ouuido feja,
O que nos da mais nome inda no mundo,
H e vencerdes fenhor no Reyno amigo,
Tantas ingratidões,tão grande inueja.
S O N E T O íj.
X rOiTos olhos fenhora que competem
^ C o foi em fermoiura éc claridade,
Enchem os meus de tal íuauidade,
Que em lagrimas de vellos fe derretem,
Meus fentidos vencidos fe fometem
Afsi cegos a tanta mageílade,
E da tnfte prifaõ,da èícuridade,
Cheos de medo por fugir remetem*
Mas fe niílo mo vedes por acerto,
O afpero defprezo com que olhais
Torna a efpertar a alma enfraquefeida*
ô gentil cura,&: eílranho defconcerto,
Que tara o fauor quê vos não dais,
Quando o voífo defprezo corna a vida? .
C Soneto
t Sonetos
S O N E T O w.
Er mofara do ceo a nós defcida,
Que nenhum coração deixas ifcnto,
Satisfazendo a todo o penfamento,
Sem feres de nenhum bem entendida»
Quê lingoa auerâ táo atreuida,
Que tenha de louuarte atreiúmento,
Po"is a parte melhor do entendimento,
N o menos que em ti ha fe vè perdidaí
Se teu valor contemplo,a me!hor parte
Vendo que abre na terra hum paraífo,
O engano me falta,o efprito mingoa ;
Mas o que m m me tolhe inda Jouuarte.
He qué quando te vejo perco a lingoa,
E quando te não vejo perco oíifo.
S O N E T O 67.
T ) O i s meus olhos não canfaô de chorar >
Tnftézas que não canfaõ de canfarme,
Pois não abrãda o fogo em que abrafarme a
Pode quem eu jamais pude abrandar^
Não canfe o cego amor de me guiar
A parte donde não faíba tornarme,
N e m deixe o mundo todo de efcurarme
E m quanto me a voz fraca não deixar,
E fe nos montes, rios,ou em valles,
Piedade mora,ou dentro mora amor
Em feras^uesjprantasjpedras^goas,
ução a longa hiftoria de meus males
E curem fua dor com minha dor,
Que grandes magoas podem, curar magoas.
Som
De Luis de Camces. i3
S O N E T O 69.
Ayme hüa lei íenhora de queremos
Que a guarde,fopena dc enojaruos;
Que a fè que m*obriga a tanto amai uos,
Fara que fique cm ley de obedecemos,
T u d o me defendei, fenao í o veruos,
E dentro na minlfalma contemplamos,
Que fe afsi não chegar a contentamos,
A o menos que nio chegue aborrecemos,
E fe cila condição cruel &: efquiua
Que me deis ley de vida nio conknte,
Daima íenhora ja, feja dé morte.
Se nem eífa me dais, he bem que viua
Sem faber como viuo triftemente,
Mas contente porem de minha forte»
S O N E T O €9.
T^Erido fem ter cura perecia
O forte,& duro Telepho temido,
Por aquelle que n'agoa foy meado,
A quem ferro nenhum cortar podia«
A o Apollineo Oracuio pedia
Confçlho para fer reífreuida,
Refpondco que torneie a fer ferido
Por quem o ja ferira, & í araria.
Afsi (fènhora)quer minha ventura*
Que fendo de veruos claramente,
C o m vos tornar a ver, Amor me cora.
Mas hc tão doce voíTa fermofura,
Que fico como hydropico doente,
Q u e co beber lhe creicer :nòr-iecura.
C 1 Soneto
t Sonetos
S O N E T O 70.
A metade do Ceo fubido ardia
O claro Al mo paftor, quando deixauao
O verde pafto as cabras 5 & bufcauaõ
A frefcura fuauc d'agoa fria.
C o a folha da aruore fombria
D o rayo ardente as aues s^emparauaõ,
O modulo cantar de que ceíTauaõ
Sò nas roucas Cigarras fe fentia.
Quando Lifo paftor, nlium campo verde®
Natércia crua Nimpha f ô bufcaua
C o m mil fofpiros triftes que derrama.
Porque te vâs de quem por ti fe perde.
Para quem pouco t'ama ? (fulpíraua)
O Ecco lhe relponde, pouco te ama.
S O N E T O 71
A a faudofa Aurora deftoucaua
Os feus cabellos d'ouro delicados,
E as flores nos campos efmaltados
D o cryítalino orualho borrifaua:
Quando o fermofo gado s'efpalhaua
Do Siluio, & de Laurente pellos prados,
Paftores ambos, & ambos apartados
De quem o'mefmo Amor naõ fe apartaua.
Com verdadeiras lagrimas,Laurente
Naô fey (dizia) ò Nympha delicada,
Porque não morrejâquem viuo aufente,
Pois a vida fem ti naõ prefta nada?
Refponde Siluio, Amor naõ o confente
Que offende as efperanças da tornada.
Soneto
De Luís de Camões. *4
S O N E T O 7i.
Yan do de minhas magoas,a comprida
Magírçaçaó, os oíhos m'adormece,
E m fonhos aqueílaltna m aparece
Que para mim foy fonho nefta vida"
L à nua íoydade,onde eítendida
A vifta pelio campo destalece,
Corro par e Ja: Cc ei ia encão parece
Que mais de mim í*e alonga,compellida;
IJrado^ão me fujaes fombra benigna
Ella(os olhos em mímclium bran Jo pejo,
Como quem diz que ja nao pode Ler)
Torna a fugirme: & eu gritando,Dina?
Ances que diga Mene,acordo,&: vejo
Que nem hum breue engano poíTo ter«
S O N E T O 75.
© O f p i r o s inflamados, que cantais
^ A trííleza com qu'eu viuy taó ledo,
Eu mouro,&: naõ vos leuo, porqu'ey medo»
QiTao paflar do L'ethe vos petcaes.
ETentos para fempre ja ficaes
Onde vos moftraraõ todos co dedo
C o m o exemplo de majes, qu eu concedo»
Que para auifo d outros èftejaes.
E m quem,pois,virdes falias efpomnças
D ' A mor, & da Fortuna, cujos danos
Alguns teraópor bem auencuranças,
Dizeilhe,qu os feruiftes muitos annos,
E que em Fortuni tudo faõ mudançns,
E q u e m Amor í u ò h a f e i u ó enganos.
: . Ç j Soneto
t Sonetos
S O N E T O -4.
/ »

' \ Q u d l a f e r a humana^qu'enriquece
* V S u a prefumptuofa tyrania,
Deitas minhas entranhas,onde cria
Amor hum mal que falta quando crecéj
Se nella oceo moftrou(como parece)
Quanto moftrar ao mundo pretendia»
Porque de minha vida s'injuria?
Porque de minha morte s'ennobrece?
Hora em fim fubümai voila Victoria
SenhorajCom vencerme 5 & capàuarme,
Fazei diíto no mundo larga híítoria.
Que por mais que vos veja mal tratar me,
Ia me fico logrando deita gloria
D e ver que tendes tanta de matarme,
S O N E T O 75,
Itofo feja aquclle que fomente
Se queixa d\amorofas elquiuanças,
Pois por ellas não perde as eíperanças
D c poder n'alguni tempo fer contente
Ditofo feja quem citando abfente
Não lente mais que a pena das lembrança:
Porqirindaque íc tema de mudanças,
Menos feteme a dor quando fe fente,
Dicoío fcja(em fim)qualquer cítado
Onde enganos)defprezos>&: ífenção
Trazem o coracão atormentado.
M is tri (le quem fe fente magoado
D errps em que não pode auer perdão,
Sem ficar n alma a magoa do pcccado.
De Luis de Camões. 17
• S O N E T O /7 í .
/ p l Vem íoíle acompanhando juntamente
efTes verdes campos a Auezinha
Que deípoís de perder hum bem que tinha,
N a o fabc mais que coufa he ler contentei
Quem foíFe apartandoíle da gente:
Ella por companheira,& por vizinha
M'ajudaíTe a chorar a pena minha,
Eu a e!la o peíar que tanto Tente. _
Ditofa Aue^q^ao menos íc a natura
A íeu primeiro bem não da íegundo,
Dalhc o fer trifte a íeu contentamento*
Mas triílc quem de longe quis ventura
Que para refpirar 1 he falte o vento,
E para tudo,em fim,lhe falte o mundo*

o
S O N E T O 77«
Culto diuínal íc celebraua
N o templo donde toda a criatura
Louua o Feitor diuinojque a feitura
C o m íeu (agrado fangue reílauraua»
A l i Amor, que o tempo nVa^uardaua
Onde a vontade tinha maisfegura,,
N'hua celcfte-jôC Angelica figura
A viíla da rezaõ me faltearia.
Eu crendo qub lugar me defendia,
E feu liure coílumc naó fabendo
Que nenhum confiado lhe fugia,
Deixeimc cattiuar,mas ja qu'entendo
Senhora,que por voíTo me queria,
Do tempo que fuy liure nvarrependo*
C 4 Sone
[
Sonetos
S O N E T O 78.
fjjt;Eàa ferènidade deleítoía,
•*P'Que reprefenta em terra bum paratfo 2
Entre rubis,&: perlas doce rifo,
Debaixo d'ouro,& neue,cor derofas
Prefença moderada, & graciofa
Onde enfinando eflão defpejo,& fifo,
Que fe pode por arte, & p o r auifo
C o m o por Natureza fer fermofa:
Falia de quem a morte,& a vida pendo
Rara,fuaue,em fim fenhora voíTa,
Repoufo nella a l e g r e ^ comedido:
Eftas as armas fao com que me rende,
E me caprina Amor,mas não que polia
Deípojarme da gloria de rendido.
SONETO75?.
1 3 E m fei Amor qu'he corto o que receo"*
Mas tu porque comiíFo mais te apuras^
D e manhofo mo negas,& mo juras
N o teu dourado arco,& eu to creo,
 mão tenho metida no teu feo,
E não vejo meus danos as efcuras,
E tu com tudo tanto m'aíFegura^
Que me digo que minto,& que írfenleo»
Não fomente coníinto nefte engano,
O
Mas
, , inda to açardeço.&
O ^ J a mim me ne^o yj
Tudo o que vejo,& finto de meu dano«
O poderofo mal a que m entrego!
Que no meyo do jufto defengano.,
M e pofla inda cegar hum moço cego!
Som t
De Luis efe Cãmões. 21
SONETO 80.

D ' h u m naufragio cruel ja faluo anado,


Sò ouuir falar nellè o faz mediofoj
E jura qucem que veja bonançofo
O violento mar, & folTegado,
N a m entre nelle mais: mas vay forçado
Pello muito intereíle cubiçofo;
A<si,fenhora,eu, queda tormenta
De voíTa vifta fujo,por faluarme,
lurando de não mais em outra verme3
Mmh'alma que de vos nunqua s'aufenta5
Dâme por preço veruos,faz tornarme
Donde fugi tão perto de perderme.

S O N E T O 81.
A Mor he hum fogo qifarde fem fe ver 5
^ H e ferida que doe,& não fe fente,
He hum contentamento defeontente^
- H e dor que defatina fem doer.
H e hum não querer mais que bem querer,
H e hum andar folitarío entre a gente,
H e nunqua contentarfe de contente,
H e hum cuidar que ganha em fe perder»
H e querer eftar prefo por vontade,
He feruir a quem vence o vencedor,
He ter com quem nos mata lealdade»
Mas como caufar pode feu íauor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrario â fi he o mefmo Amor?
Sonc
t Sonetos
S O N È T O 8i,
C E pcivi por amnruos fe merece,
^ Q u ; r a delia liurc eftâ? ou quem iíento?
Q a c a] ma,que rezío,qu'entendimento
E m véruos fendo r e n d e ^ obedecei
Q a e mói* gloria na vidi s'oftcrece
Que occuparfe em vos o peníamento?
T o d a a pena cruel, todo o tormento
Em veruos fe m o ícare, mas efquecc.
M is fe merece pena quem amando
Conàno vos cftâ, fe vos offende,
O mundo matareis, que todo he voílot
E m mim podeis,fenhora, yr começando
Que claro fe conhece,& bem s*entend<s
Amaruos quanto deuo,& quanto poflò,
S O N E J O 85,
/ T \ V e leuas cruel morte? H u m claro dia«
^ C / A q u e h o r a s o t o m a f t e í Amanhecendo»
Entendes o que leuas í N ã o o entendo.
Pois quem to faz leuar? Quem p entendi
Seu corpo quem o gozai A terra fria,.
Como ficou fua luz? Anoitecendo
Luíkania que diz? Fica dizendo
E m fim não mereci Dona Maria.
M itaftc quem a vio* Ia morto eftaua.
Que diz o cru Amor? Falar não oiifa,
E quem o faz calar? Minha vontade»
N a corte que ficou? Saudade braua
Que fica lâ que ver? Nenhüa coufa,
Mas fica que chorar fua beidade*
Som
De Luis de Gamões.
S O N E T O ?4.':
á B l N d a d o s fios d'ouro reluzente
^ ^ Qu'agora da ma o bella recolhidos,
Agora fobre as rofas eftendidos
Fazeis que fua belleza s'acrccentc:
Olhos que vos moueis tão docemente
E m mil diuinos rayos cncendidos,
Se de câ me leu a es alma,& fentidos,
Que fora fc de vos não fora aufente-
Honeíto rifo,qu'entre a mor fineza
D e perlas,& coraes nafee, & parece
Se n'aima em doces cccos não o oiiulífe
S'imaginando í o tanta bel leza
D e íi, em noua gloria a alma s'dquécc,
Que fera quando a vir? ah quem a ville
S O N E T O
T J O y ja num tempo doce couía amar
E m quanto m'enganaua a efperança,
O coração com cfta confiança
T o d o íe desfazia ern defejar.
O vão,caduco,& débil efperar,
Como fe defengana hüa mudança!
Que quanto he mor a bemaiienturança*
Tanto r menos fe cré que ha de durar.
Quem ja fe vio contente.& proíperado
Vcndofç em breue tempo em pena tanta
Rezão tem de viuer bem'magoado.
Porem quem tem o mundo expermenta do
Não o magoa- a pena, nem o cfpanta,
Que mal fe eüranharâ o cofuvmaclo;
S O N E T O U.
;
Os illuftres antigos que deixaram ^ I
D T a l nome, qu'igualou fama à memoru 8
Ficou por luz do tempo alarga hiftoria *
Dos feitos em que mais s'afsinalarame
Se fe com coutas dçftes cotejaram
Mil voíTas cada hüa tam notoria,
Vencera a menor delias a mòr gloria
Qirel.es em tan:os annos alcançaram,«
A giona íüa foy, ninguém lha tomç
Seguindo cada hum vários caminhos,
Eftatuás leuautando no feu templo.
Vos ho ira Porcugueía,& dos Coutinhos*
Illuftrc D o m Ioaõ com melhor nome
A vos encheis de g l o r i a ^ a nos d'exempí<>
S O N E T O 87»
Onuerfaçaõ domeftica affeiçoa
C Hora em forma de boa, & iaà vontade
Hora d'huá amorofa piedade
Sem olhar qualidade de pefíba»
Se defpois,por ventura, vos magoa
C o m defamor,S£ pouca lealdade,
Lego vos faz mentira da verdade
O brando Amor,que tudo em fi perdoa*
N'*o faõ iílo quç falo conje&uras
Qu'o peníamentojulga m aparenaa^
Por fazer delicadas eí crituras.
Mciido tenho a maõ na confciencia,
£ niò filio fenaõ verdades pura$
Que ar calmou a viua experiência.
Seneto
De Luis de Camões.
S O N E T O 88.
rço grande igoal ao peníamento,
^-'Tenfamentos emobras diuulgados,
Ç não em peito timído encerrados,
E desfeitos defpois em chuua,& vento:
Animo da cobiça baixa ifentOy
Digno por líibfo,d'altos eílados,
Fero açoute dos nunqua bem domados
Ppuos do Malabar fanguinolento:
Gentileza de membros corporaes
Ornados de pudica continência,
Obra por certo rara de natura.
Eftas virtudes,& outras muitas mais
Dignas todas da Homérica eloquencia,
Iazem debaixo delia fepultura.

S O N E T O 8*.
^ í O mundo quis hum tempo que s'achafle
^ ^ O bem que por acerto,ou forte Vinha.
E por éxpermentar qué dita tinha,
Quis qu'a fortuna em mim s'expermentaiTe»
Mas porque meu deílino me moftraíle
Que nem ter efperanças me conuinha,
Nunqua neíta tão longa vida minha
Coufa me deixou ver que defejaffe.
Mudando andei coílume ) terra,& eftado
Por ver fe le mudaua a forte dura,
A vida pus nas mãos d'hum leue lenho:
Mas(fegundo o qu'o ceo me tem moílrado)
Ia fey que deíle meu bufcar ventura,
Achado tenho ja>que não ateuho. •• .
Sone
t :: : Sonetos í '
S O N E T O pç.
K Perfeição^'graça,o doce getro,
+ primavera ehea de frei cura —
Que femprc era vos florecc.a que auentura,
E arezáoenèecgarão efte peito: - -
A quelle criílaiino,& puro aipeito
Qu em íi compréhde toda a fermofura, [
O refplandor dos olhos,& a brandura
De quo amor a ninguém quis ter reípcíto;
S'ifto qu em vos íe vê,ver defjjaes
Como digno de veríe claramente, »
Por mais que de amor vos iíentaes:
Traduzido o vereis tam fielmente
N o meyo deite fpirito onde eftais,
Que vendouos fintais o qu'elle fente»
S O N E T O ^
\ f O $ quç cVolhos fuaues,& ferenos
^ C o m juftacaufa a vida captiuais,
E qu'os outros cuidados condenais
Ppr i n dmídos,baixos,&: pçquenos;
S'ainda do Amor domçfticos venenos
Nunqija prouaftes: quero quç faibaís
Qu'he taqto mais o amor defpois quç amais,
Quanto faõ mais as caufas de fer menos»
E não cuide ninguém qu'algum defeito
Quando na coufaamada s'jprefcnta,
P oíla de mi nui r o amor perfeito»
An-es o dobra majSj ôç fe atormenta,
Pouco,&: pouco o defeulpa o brando peito
Qu'Amor com feus çonuaiios $ f acitcenea.
Sono

«
De Luis cie Camões. 24
S O N E T O
Q V e poderei do mundo ja querer?
, Que naquiilo em que pus tamanho amor,
N ã o vi íenao defgofto,& defamor,
E morte em fim,que mais não pode fer.
Pois vida me não farta de viuer, I
Pois ja fei que não mata grande dor,
Se coufa hay que magoa dé mayor ?
Eu a verei: que tudo poíTo ver.
A morte a meu pefar m'aifegurou
D e quanto mal me vinha,ja perdi
O que perder o medo m*enfinou.
N a vida defamor fomente vi,
N a morte,a grande dor que me ficou:
Parece que para ifto f ó nafci. >»
S O N E T O pj.
T)Enfamentos qu'agora nouamente
^ Cuidados vãos ém mim refufcitais,
DizeiniCjainda não vos contentais
D e ter d,es,quem vos tem,tão dei contente?
Que fantafia he efta, que prefente
Cad'hora ante meus olhos me moftrais?
C o m ronhos,&: com fombras atentais
Quem nem por fonhos pode fer contenté?
Vejouos,penfamentos, alterados
E naõ quereis d'efquïuo,declararmë
Qu'hc ifto que vos traz tã enleados.
N a õ me negueis3s?andais para negarme, 4
Que fe contra mim eíbais aleuantados,
Eu vos ajudarey melmo a matarme.
. > Sone
Î.JT . ^ n Sonetos '
SB N E T O • e>\l t
O E tomar minha pena em penitencia \
^ D o erro em que cahio o penfamento,
Naò abranda, nias dobra meu tormento^ i
A ifto, a mais obriga a paeiençia. ' .1
Eshúa cor de morro ná apparençia, -
Hum cípalhar foípiros vaôs ao vento,
Em vos naõ faz fenhora, mouimento,
Fique meu mai em voíTa confciencia.
E í e de qualquer aípera mudança •
Toda a vontade iíenta Amor caftiga,
(Como eu vi bem no mal quê mè condena)
E S em vos naõ s'entende auer vingança,
Será forçado (pois A mor m'obrigaQ
Qu'eu fo de voífa culpa pague a pena*

SONÈTO 9J. '


\ Queila que de pura caftidade
^ D e íi mel ma tomou cruel vingança^
P o ; hua breue, &: fubita mudança
Contraria a lua honra &c qualidades
Venceo à fermofura a honéftidade,
Vènceo no fim da vida a çfperança^
Porque ficaífe viua tal lembrança,
Tal amor, tanta fé,tanta verdade.
De í i , d a gente,& do mundo efquecida,
Ferio com duro ferro o brando peito,
Banhando om fangue a força do tyranno
Eftr.mha ouíadia, eftranho feito,
Qne dando morte breue ao corpo humano,
Tenha lua memoria larga vida.
Sone
D e L u i s de C a m o es, i)
SONETO
veitîdos EJ lia reuoluia
^ ^ Q u . . ih'Eiie s deixara por memoria,
Doces d ipojoj d » pcilada gloria,
Doces quando feuíadooconientia.
Encr c cücs a fermofa cípada via
Q i c inítrumento toy da ti ide hiítoría,
E como quem do íi u n h a a V i c t o r i a ,
Faiando Io com eíia,aísi dizia.
F c r m o í a ^ noua eípada, ie í í c a í t e
Sò pera executares os enganos
D e quem tc quis deixar,em minha vida,
Sabe que tu comigo t'enganafte,
Que para me tirar de tantos danos,
Sobejame a trííteza da partida.
SONETO
quam caro mc culta o entenderte,
^•^Moleíto Amor,que fo por alcançarte,
De dor em dor me tês trazido a parte
Onde em ti odio, & ira fe conuerte.
Cudei que para em tudo conhecerte,
M e não faltaíTe experiencia,& arte,
Agora vejo n'aima acrecentarte
Aquilio qu'era caufa de perderte.
Eít iuastaó íecreto,no meu peito
Qu'eu mefmo que tc tinha,não fobia
Que me fenhoreauas deite geito.
Deícubriftc t'agora-& foi por via
Que teu defcubnmento,&: meu defeito
H u m me enuergonha,&: outro m'injuria.
D Soneto
Sonetos
S O N E T O 5)8.
C E defpois d'cfperança taóperdida,
^ Amor polia ventura coníentifle,
Qu'ainda algüa hora breue alegre vifTe
D e quantas triftes vio tão longa vida,
Hiía alma j a tão fraca, òí tão cai da
Por mais alto qu'a forte me fubiíTe,
Não tenho para mim que confentifíe
Alegria tão tarde conlcntida.
Não tão fomente Amor me não mofírou
Hum-hora em qne viueífe alegreníente
De quantas nefta vida me ncgouj
Mas inda tanta pena me confente,
Que co contentamento me tirou
O gofto dalgum'hora ler contente*
SONETO 99.

R a y a críítalino seftcndia
^ ^ P e l l o mundo,ch Aurora marchetada,
Quando N i f e paftora delicada
Donde a vida deixaria,fe partia.
Dos olhos com que o Sol efcurecia,
Leuando a vifra em lagrimas banhada,
De íi,do fado,& tempo magoada,;
Pondo os olhos no ceo,afs'i dizia*. <!
Na ice ícreno Sol,puro,& luzente
Reíplandcce fermofa,Sc roxa Aurora
Qualquer alma alegrando defeontente:
Q-' a minha,fabe tu que d»fd'agora
Limais na vida a podes ver contente,
N e m tão trifte nenhua outra paltora.
D e Luis de Campes. 26
S O N E T O 100.
X J O mimdo poucos an:ios,& califados
Víuijcheos dc vil miícria dura-
Foimc tão cedo a luz do dia ei cura,
Que não vi cinco luftrcs acabados.
Corri terras,& mares apartados,
Bufcando d vida algum remédio,ou cura,
Mas aquillo qu'em fim não quer ventura,
Náo o alcançáo trabalhos arnfeados.
Crioumc Portugal na verde,& cíiara
Patria minha Alanquer,mas âr corrupto
Que ncfte meu terreno vaio tinha,
M e fez manjar de peixes,cm ti bruto >
Mar,que bates na Ahazía fçra,& auar$
T ã o longe da dítoía patria minha.
S O N E T O 101.
Q V e me quereis perpetuas faudades?
Com qup çfperança ainda nVenganais*
Qu c o tempo que fe vay,náo torna mais,
E fe torna,não tonuo as idades:
R e z ã o h e j â ò annos,que vos vades,
Porqifeftes tão ligeiros que pa/Taís,
N e m todos para hum gofto íaõ iguais,
N ç m fempre faõ conformes as vontades,
Aquilio a que ja quis,he tão mudado,
Que quaíi he outra coufa,porqu'os dias
T e m o primeiro goílo j a danado. .
Efperançí?s de nouas alegrias
N . o mas deixa a fortuna,& o tempo errado
Que doconrentamen.o fiõ cl pias.
J
( 3 , "' " D-z Soneto
? ir - *'..t
M.
S O N E T O lot.
Erd ide,a:iaor 5 rezão,merecimento
V Qualquer alma faraó fègura,& force?
Porem f o r uma, c aí o, te m po,& forte
T e m do confliío mundo o regimento.
EíFeitos mtl reuoiue o penfamento,
E não fabe a que cauía fe reporte:
Mas fabe qu'o que lie mais que v i d a ^ m o r t e *
Que não o alcança humano entendimento.
Doctos varões darão rezóesfubidas,
Mas f i õ experiências mais prouadas,
E por ífto he melhor ter muito vifto.
Coulas h ai que paílaõ fem fer cridas,
E coulas cridas ha,íem fer paliadas.
Mas o melhor de tudo he crer em Chrifto.
SONETO 103.
T^Ioufc o coração de muito ifento-
De íi, cudando manque tomaria
T ã o ill icico amor ta! ouf 1 dia,-
T a l modo iiunqua vifto de tormento»
M "is os o:hos pintar no taó a tento
Outros que vifto tem na f a n x í i a ,
Qu'a rezaõ te me roía do que via,
Fugio, deixando o campo ao penfamento»
O H ypoiito cafto,que de geito
De Phedra tua madrafta fofte amado,
Que nio fab ia ter nenhum reípeito:
Em mim vingou o amor teu cafto peitOj
Mas efta dcíle agrauo tão vingado,
Que s'arrepende j a do que tem f e k a .
Som
DeLnis de Camões. 17
-, ; .SONETO
i
y .
104.
Q V è n i q u i f e r verd'Amor hua exccîjcncu
Onde íüa fineza maisfe appura,
Attente onde aie poem minha ventura,
Por ter de minha te experieacia.
Onde lembranças mitao a ion ra aufencia
* 1
Em temeroío mar,em guerra dura,
Alli
^ a íaud' ide eftà feiura,
-o '
Quando mor nico corre a pacienciar
M i s ponha me fortuna, bí o duro fado
E m nojo, mor te,d ano, òc perdição,
Ou em fub:ime,ôc profpera ventura:
Ponhame em fi m em baixo,ou alto liado,
Qifaté na dura morte írfacharâo
N a lingoa o nome,n'aima a viílapura.
SONETO 105.

Hum grande Capitão,que a roxa Aurora


Dos filhos defendeo da noite efeura*
Ajuntouíe a caterua negra, àc dura
Que na Áurea Cheríbnefo affbuta mor?,
Para lançar do charo ninho fora
Aqueiles que mais podem qu'a ventura,
M is hum forte Leão com pouca gente,
A multidão tão fera,como nefeia,
Deílruiado caftíga,&: torna fraca.
Pois ô Nymphes cantay.que claramente
Mais do que Leonidas fez em Grécia,
O uobre Leoais fez em Malaca,
D3 CAN
C A N C Õ E S

DE L VIS DE
C A M Õ E S

Canção primeira*

F Ermofa, úr gentil dama, quando vejo


Jtefia douro,& neue-}o lindo afoito^
jí bocagraciofa, o rifo honejlo,
0 colo de enfiai, o branco peito,
3)e meu não quero mais que meu defejo,
7S[em mais de Vos que Ver tão lindo gejlo,
jílli me manifejlo
*Por vojfo a Deosao mundo: alli mínfimo
TSlas lagrimas que choro,
r
E de mim que Vos amo, .
Em Ver que foube amaruos,me namoro:
E fico por mim sò perdido de arte
Quei ciúmes de mim por Vojf1 parte,

£e por Ventura viuo defcontente


fyor fraqueja d'efprito padecendo,
jídoce pena qu entender nãofey,
Fujo de mim, acolhome correndo
Jvofía Vi/la, t&rfico tão contente,
Que zombo dos tormentos quepajf r,
Di
Dc Luis dc Camões;
De quem me queixarei
Sevos me dais a vida deftegeito,
fiÇos males que padeço•
Senão de meu fogeito,
Qjíc não cabe com bem de tanto preço?
Mas ainda tjfode mim cudar não pojfof
Dyeflar muito foberbe com fer Vojfh

Se por algum acerto amor Vos erra


fpor parte do defejo, cometendo
Algum nefando e^ torpe defatino,
Se ainda mais que Ver em fim pretendo\
Fraquejas faõ do corpo, qiihe de terra,
Mas não do penfamento,que he diuino:
Se tão alto imagino
Qiie dé Vtfla me perco, ou pecco rújlo,
Defculpame o que Vejo,
Que fe em fim rejifio
Contra tão atrcuido & vão defejo,
Façomeforte em Vojfa vifta pura,
E armome de vojfa fermofura.

Das delicadasfombrancelbas pretas,


Os arcos com que fere amor tomou,
&fet* linda corda dos cabellos.
0)4
Canções
j
E porque de Vos tudo lhe quadrou;
J)os rayosdcjjes olhos fe^M feitos,
Com que fere quem alça osJema yelkst -
Olhos que/am tão íellos7
J)ao armas de ventagem ao amor $
Com que as almas deftrue,
(Porem fe be grande a dor
Coa altera do mc l, a refittue\
E as armas com que mata fam de fortt^
J2iie ainda lhe ficais deuendo a morte.

Lagrimas, & fujfim7penfamentos,


Quem delles fe queixarermofa damaP
Mimofo ejfa do ma l que por Vos Jenter
Çjie mayor hem defejaquemVos ama
(£eu e/f ar defabafando fcm tormentosP
Chorandojmmnando docementel
Quem Víite defcontente
Nao ha de dar ahuio a feu defgojlo>p
forque fe lhe agradeça-
1
mos com alegre Yofto í
Soffra [em males per a que os mereça:
Que quem do malfe queixa que padece?
Falto porque ejla gloria mo conhece.
De Luis de Camoes*
De modo que fecae o penfamento,
Em algüa frrque^a de contente,
He porque eßefegredo não conheço:
jiß'i que com razoes nao taofomente
Defculpo ao Amor de meu tormento,
Mas ainda a culpa fua Ih'agradeço:
5V efla fé mereço
Jígraça que effes olhos acompanho,
O bem do docè rifo,
Mas porem não fe ganha
Çfhum parayfo outro parayfo:
E aßt de enleada a ejperanca,
Se jatisfa^ co bem que não alcança,

Se com razoes efcufo meu remédio,


Sabe canção quê porque nao "Vejo,
Engano com paUuras o defejo.

Cançao fegunda,
V

A Infia bu idade da fortuna,


Os enganos fuaues damor cegor
Srnues (fe durarão longamente)
Virei?por dar avida algum foffego;
Que pok agram pena me importuna?
Canções
Importune meu canto a toda gente.
E fe opajfado bem co malprefente \\
Me endurece a Vo^no peito frio,
0 grande defuario
Dara de minha pena final certo,
Que bum erro em tantos erros he concerto
E pois nefta Verdade me confio,
(Se Verdade fe achar no mal que digo)
Saiba o mundo d!amor o def concerto,
Queja co a ra^ao fefe^amigo,
Sò por não deixar culpa fem cajligo,

Ia amor fe^ leys, fem ter comigo algüa9


la fe tornou de cego arrazoado-,
Sò por yfar comigo fem razoes:
E fe em algüa coufa o tenho errado,
Qomfifogrande dor na o vi nenbüa,j
jN^em elle deu fem erros affácoes,
Mas por vfar de fim ifencoes
fBufcon fingidas caufa4por matame,
Que pera derrubarme
No abifmo infernal de meu tormento,
T\aofoy foberbo nunca openfamento,
Tfym pretende mais alto aleuantarme
Daquillo que elle. quis,^ fe çlle ordem
De Luís de Camões.
Que eu paguefeu ouf ado atreuimento,
Saiba q*o mefmo amor que me condena
Mefe^ cajr na culpa fir mais m pena*

Os olhos qu'eu adoro^a quelle dia


Que decerao ao baixopenfamento ^ \
ISÇalma os apofenteifuauemente, „-x. Ai
N
E pretendendo maUjcomo auarento}
O coração lhe dei por iguaria, X
Qu'eu a meu mandado tinha obedientel
(Porem como anteJt lhefoy prefente>
Qu entenderão o fim de meu defejo9
Ou por outro defyejo,
Qua lingoa defeubriopor defuario>
Defede morto eftou pojlo num rio3
Onde de meu Jeruiço o frutto "Vejo;
Ma* logo fe alçafe a colhelo Venho^
E fogeme a agoa,fe beber porfio;
jifii que em fome e^ fede me mantenho,
Nao tem Tantalo a pena queufoftenho.

Depois quê aquella cm quem minValma Viue


Quis alcançar o baixo atreuimento}
' Debaixo deftt engano a alcancei,
jímamn do contino penfamento
Canções
Mafigurou nos braçosaß a úmt
Sonhando o que acordado defejei*
forque a meu defejo me gabei
De alcançar hum bem de tanto preço:
?Jlem do que padeço,
Judo em hua roda (fiou penando,
Quem mil mudanças me Anda rodeandoj
Onde fe a algum bem fubo,logo deço,
E aßi ganho,isr perco a confiança,
E aßt de mt fugindo,tras mi ando-
E nßi me tem atado hua vingança^
Qomo Ixiao,tdofirmena mudança?

Quando a Vifiafuaue & inhumana


Meu humano defejo de atreuido
Çometeo,fem fciber o que façja,
Que dejucí fermofurafoy nafcidoj
0 cego moço,que co a fet ta infam
Opeccado Vingou defia oufadia•
Jfora efie mal queu mèrecia,
Me dm outra maneira de tormento,
Que nunqm ó penfamento
(Que fempre Voa d hua a outrã parte)
Defini entranham triffes bem fe farte^
Inugiuando como ofamulentof
De Luis de Camões.
Ojie come mak,<sr a fome Vai crecendo,
^Porque d*atormenta) me nao/è aparte;
J f i i que para a pena\fiouViuendo,
Sou outro nouo Ti cio& nao m entendo.

De Vontades aíheas queu rcubana,


E qu enganofamente recolhia,
Em meufingtdopeito me mantinha.
De maneira o engano lhe fingia,
Qjie depois qua meu mando as fogigaua%
Çom amor asmattaua}queu não tinha:
{Porem logo o cajiigo que conuinha
0 vingatiuo amor me fc^fentir,
Fa^endomeJubir
Ao monte dJafpere^a qtiem Vos Vejo,
Ço ptfado penedo do defejo,
Que do cume do bem me Vay cair-
Torno a fubtllo ao defejado afjento,
Torna a cayrme, embalde.enfim pelejo,
2\ao te efpantes Siftpho~dcfte alento,
Qjiâs cofias o Jubido Jofrimento.

DeJtWte ofiftnmo bem fe nf&ffertct


Ao faminto defejo porque finta
J perda de perddlo mais paicfit,
Canções
Qomo o an&o a quem o fonho pinta
yí char thefowogrande,onde enrique [ce,
E farta fua fede cobicofaí
E acordando com fúria prefurofa?
Vay oanar o lugar onde fonhaua:
Mas tudo o que bufcana
L he comer te em car 100 a defimtmajr
Alli fua cobkammi't.Mppum^c^ oV..:;;f
(por lhe faltar aquilh quejpenmt* • ;
De/Tarte amor mefa^perder ojïfo,
{Torque aquelles que ejlao na noite efmray
TSLunqua fentirao tanto o trifte abyfo^ ;,c
Se ignorarem o bem do parayfo.

Qançao nomaís^eja mofúque digoí


Mm porque a dor me feja menos forte? v
Diga o pregão a ca ufa dJeJ}a mortey . ;

Canção terceírj,

JT A a roxa manhã clara


Do Orienteypor tas Vinha almdoy ç
;
Dos montes defcubrindo , ..
singraefcuridãodaInumara, v^!,
De Luis de Camões.
0fol qu? nunqua para,
Defua alem Vtftn ßudofa7
Trás ella preffurofo,
TSlos cauallos canfados do trabalho,
Que refyirao im heructáfrefco oruallho,
S'e efiende clarofllegre^ luminofo.
Os paffaros doando,
De raminho em raminho \>ao faltando?
E com fuaue & doce melodia
O claro diaflao man'tfeßando.

jímanha lella & amena


Seu roßo defcnbrindo,a fyeffnra
Se cobre de Verdura,
Çlara, fnane,angélica, ferma.
ô dekitofa pena,
ô effeito d'amoralto ir potente
One per mit teconfente
Qjie onde quer que me ache, & onde ftcja^
O Seraphim fempre Veja,
(
Tor quem de vitter triftefou contentei
Mas tu Aurora pura
f)e tanto beé da o?racas
»
n Ventura,
TJou dó foi por em ti úo excellentes,
Que reprejmes tanta fermofura.
i ; >;>» C a n ç õ e s
jflu^fime & leda
jf meus olhos me rnoflrapor quem mouro,
E os cahellos douro
mo goda os que vistas arremeda:
Efia k a lu^ qu arreda
jí negra efcuridao dofentimento
j4o doce penfamento:
0 orualho d<vs flores delicada,
Sao nos meus olhos lagrimas canfada
Qjacu choro co prazer de meu tormentoi
Os paffaros que cantão
MeosJfiritos fam qua Vo^leuantão
Mamfeflando ogefto peregrino,
Co tão diuinofom qu o mundo Jftantão*

j f f í i como acontece
jíquem a chara Vida fia perdendo.
Çhi cm quanto Vqy morrendo
Algüa YifaÕ fanta lhe aparece:
A mim em quem fallece
jíVida, que fovs Vos minha fenhord,
A efta alma que em Vos mora}
(Em quanto da prifaofe fia apartando)
Voa ejl aisjuntamente aprefentando,
Em for ma dafçrmofa í? roxa Aurora?
De Luis de Campes. 26
oditofa partida,,
o gloria foberan yalta^ fubida,
Se mo não impedir o meu defejo,
*Porquo que Vejo em fim me tom1 a vida,

Porem a natureza
Que nefta vifla pura fe mantinha,
Mefalta tãoafinha*
Quão aflnha o Solfalfa redondeza:
S^ouuerdes quhe fraqueja :
Morrer em tao penofo triflefiado}
jímor fera culpado,
Ou Vos, ondelleViue, tao ifento,
Qjie caufafies tao largo apartamento,
Porque perdera Vida co cuidado,
Que fe viver riaopoffo,
Homem formadofo de carrí/sr ojfo,
Efla vida que percamor ma deu,
Que nãofou meu:fe mouro danno he Voffo.

Canção de cifne feriem hora eflrema,


ISjidura pedra fria
Da memoria, te deixo em companhia
Do letreiro de minha fepultura,
QiUfombra ofeura ja m impede o dia.
.t •' £ O
Canções,

Cançao quarta.

V/^o as ferenas agoas


Do Mondego def endo,
Manf mente, qiUte o mar nãoparíw^
<Por onde minhas magoas
(Touca poucocrefcendo,
<Para nunc!acabarfe começaraoc
jíllt s'äjuntarao
l i eße lugar amenos
jfond'agora mouro,
Teßa de neut? ouro,
%tfo brand9, n? fuati,olharferenoi
Hum geïïo delicado,
Quefempre n'alma meß ara pintada*

Keßa florida terra,


Leda,frefc\ & fer ena,
Ledipxontehte para mim Vtuia
Em pa^ com minha guerra,
Çont ente con?a pena
Que de tão bellos olhos procedia:
Hum dia tf outro dia
0 sperar nienganam^
Longo tempo paffet^
O %
De Lms de Camões.
£om a vida folguei, }
So porfiem bem tamanho mempregaudr.
Ma<s que me prefia ja
Que tal fermofos olhos mo os ha.

O qum trialli dijfera


Qjie d amor tao profundo
O fim podefJeVer mdalgum'hora,
O quem cudar poderá
Quouueffe abi no mundo
jípartanríeu de Vos minha fenhora3
(para que defd*agora
(Perde/Pa efyerança,
E o vão penfamento,
IDesfeiftm hum momento,
Sm me poder ficar mais qua lembrança>
Quefempre fiara firme
Mo derradeiro defyedirme.

M M a mor alegria
ò
Que daqui leuarpoffo,
Qom a qual djfenderme trifle Jptfty
E , que nunqua fentta
Ts[p tempo que fuy Voffo
Quererdesme Vos quanto Vos eu quero*
Ez
/

• -u Canções •
tyorqtfo tormento fero ' ^)
íte Vofs apartamento
7S[ao Vos dará tal pena,
Qomo a que me condena:
Que mais fentireyvojjb [entimento^
]
Quo que mtntíúlma [ente ' '
Morreufenhorãy & Vosftcay contente;
•• - I
kS '

Qançao tufiarcts
jíqui acompanhando?
Efies camppy&èfias claras agoas,
E por mim ficaras
Qhorando isr fujpirando,, *
E ao mundo mofirando tantas magoas^
Quede tao larghifioria, • *"
Minhas lagrimasfiquempor memoria,

Canção quinta.

QFfie meu penfamento ' - *


forno he doce & Jm$e,
D'a Ima pod^ffe Vir gritando f o r a - )
Mofirando f eu tormento, " • ;
Cruel, afper o,^ grane, \ - •'
Diante deyvrsòminkífinhoray < < i
^ ~- ^ Poder* %
D e Luis de Camões, j j
Modera fer qu agora
Ovoffo peito duro
Tornara manfo abrando:
E eu que femprando
tPaffaro folitario humild\ofcuro^
Tornad'bum cifne puror
*Branfti? fonoro pello ar Voando,
(^om canto mmfefto,
Tintara meu tormentVojfo geflo.

fPintaros olhos bellos


Qfie tracem nas mirimas
0 núnino qu os/em nellcs cegou7
E os dourados ca beltos
Em tranças £ ouro finas
jíquem o foi fern ray os abaixou,
jítefia qu ordenou
Imatura tão fermofa,
0 bem proponionado,
jS[ari^ lind'afiladoy
Que cada parte tem dafrefca rofa>
jíboca gractofa,
Quequerella louuar 1?efenfado:
Em fim he hum the four o,
Terolas dentes7 palauras ouro.
E J Virafe
Canções.
Vtrcft claramente
o chma delicaday
Quem VOJ sefmeroii mais a nature^
E eu de genfem gente
Trouxera trafladada
Em mm tormento Vofpi gentik^
Somenfa affere^t
DeVoffa condição,
Senhora não différa,
orque fe não foulera
Quem Vos podia auer algumfenaoi
Esgalguem comra^aot
\Torque morres diffeffe> repondera
Mouro porquhe tão bella
Quinda não fou pera morrer por il la,

E fe polia Ventura
Dama Vos offendejfe
Efcreuendo de Vos oquenao fentot
E Vojfa fermofura
Tento a ter Ya defeefft>
Qua alcançaffe humild'entendimento:
Seria o fundamenoo
Daquillo que cantajfc,
Todo de puro amor^
De Luis cie Camões. 24
Porque Vojfo louuor
Em figura de magoas fe mojlrajfe:
E onde fe julgajje
jícaufa peito cjfelto} minha dor
Diria alh fem medo
Ç^em me fentir Vera, de quem procedo,

Então amoUraria
Os olhos faudofos,
Eo futyirarque tracalma conjtgo,
j í fingiaf alegria,
Os pafjos Vigarofos,
O fatiar^ eíquecerme do que digo,
Hum pele]ar comigo,
Elogo difculparme,
Hum recear oufanio,
.Andar mtu bem bufeando,
E de poder achallo acouardarme:
Em fim aueriguarme
Çhi o fim de tu lo quanto fiou fallando,
Sao lagrimas amores,
São Vojfcu ifenew, Cr minha dores,

Mas quem terá fenhora


Palmai com qu iguale
E 4
Canções
Çom^ojfa fermofura minha penai
Quem doceVo^ de fora
jíquelh gloria [alie
Qj e dentro na mintialmamor ordenai
7S{dopode tão piquem
Forca
t
d' engenho
o humanou
*

Com carga tão pejada?


Se não for ajudada
Tf hum piados olhar, ahum doc enganai
Çhe fci^endonio danno
Tão deleitos, Cr a dor tão moderada,
Um fim fe conuertejje
Tios gcftos dos louuores qtiefcreuejfe.

Qancao nao digas mais> Cr fe teus \]erfos\


A' pena 'Vem pequenos,

TS[ão queirão de ti mais} que dim menos*

Canção feifta*
^ Qm força defufád}<t
yfqmnfo fog eterno y
Jduni dha, la nus partes dVrientt±
T)'fir anhos habitada,
yfonao duro inueruo
Os campos renadíjCalegremente:
À Lit
De Lois úc Camões.
A Lnfoana gente
Tor armas f ngtúmfa^
Tem de/to fenhorio:
Çercad'ejla diht m rio
De marítimas cgoas faudofas^
Das heruas quaqut nafcem
Os gados jimtment\<tsr os olhos pafcemí

1Aqui minha ventura


Quis qu büa grande parte
Da Ytda que não tinha fe pajfajfe>
tpara qua fepultura
mãos do fero Marte
De [anguX? de lembrança* matizajfe^
Syamor determinajje
Qua troco defta Vida»
De mim qualquer memoria
Ficajje corrihiftoriãy
Que dihüs fermofos olhosfoffe lida>
JVtda alegria>
*Por tão doce memoria trocaria.
» ... , . . .

Mas ejlefingimento—
fpor m nha dura forte
Qom falfas esperanças me comida.
Canções.
ao cuida o penf amento
Que pode achar na mortt
O que não pode achar tão longa Vida,
Eftà já tão perdida
jí minha confiança,
Qu: de defejferado
Em Ver meu trijle fiado.
Também da morte perco a sperançap
Mas ô que s'algum dia
Dcfesperar podejfe, viutria,.

De quanto tenho Viflo


Iagora não mejfanto,
Qjí ate defefperar fe me defendej
Outrem foy caufa diflo,
Queununqua pude tanto,
Qjie caufífs tjle fogo que m çnceníe:
Se cudao que mojfende
Temor d' efqmcimento,
Ouxala meu perigo
Me fora tão amigo
(jhC algum temor deixara ao penf amento,
Ç^uem VíQ tamanho enleo,
ouu fs ahi f f eranca fem receoi
çl
De Luís cie Camões.
Quem tem que perder pojft
Se pode recear,
Mas triííe quem nao pode ja perder$
Senhora a culpa he Vojfa,
Que pera me maUr
fBaftara hunt hora Jo de Vos nao Ver;
*PofeJlesmem poder
Defalfas esperanças,
E do que mais In ejpanto
Que nunqua Vali tanto
Qjue vijje tanto hem corn efquiuança^
Valia tao pequena
2>{ao pode merefeer tão doce pena.

Ouuesy amor comigo


Tão brando, & pouco irado,
Qiianiagora em meus males fe conhefce
Que não ha mor ca/ligo
era quem tem errado,
Que negarIh9 o cajligo que merefee$
Ebem com acontefce
Quafô como ao doente
Da cura defyedido,
O medico fabido
Tudo quanto defeja lhe confente,
Wl I l llipw Mp I» M l j^gpi .IIWBIII

Canções
^/f/Si me confirma
Efiverança, defejo, i? ou/adia:

E agora Venho a dar


Qonta do hm pafifado,
jíefta trijie vida, longatijencti
Quem pod^imaginar
Qiiouuejsemmi peccado
Que meref :a tão grane penitencia§
Olbay cjuhe confidencia
j
5
1 (Tor tão pequeno erro
Senhora tanta pena: \ •
Não Vedes qu /?£ 0i^ena?
Mas fe tão longo <úr mifiero deííerra
Vos dâ contentamento,
Trunca m acabe nellè meu tormento.
t. 1

tf{io fermos\ & claro, •


1
E Vos ò aruoredos,
Quos jtifiosyencedores coroais,
E ao cultor auaro,
Continuamente ledosy
D'hum troncofiodiuerjos frutos dais,
yífii nunqua fintais,
Do tempo injun alguma
Quem
D e Luis de Camões.
Çíiem Vos achem abrigo 1
jísmagm qtiaqui digo>
Em quanto der ofolvirtudealua:
Porque de genfem gente
Saibao que ja não mata a yictaufenk.

Çançao neíle defterroviuiras,


Vo^ nua <&* defcuberta,
jíteqtio tempo emeccoteconuerta.

Canção fettima.
»

Andam amor que cante docemente,


0 quelle ja em mini)alma tem impreffo,
Com profuppofto de dèfabafarme:
E porque com meu mal feja contentey
Disque fer de tão lindos olhosprefo
Cont dlo bailaria a contentarme,
E-fÍexcellente modo d'enganarme
Tomara eu fo d-amor por interefô,
Senão farrep.endeffe
Qom a pena o engenho efcurefcendo.
Forem a mois matreuoy
Em Virtude do gèfto de quefcreuo,
EJe ht mais o que canto quo qu entendo,
Luioco
Carco:",
TiíiOiO linctajpeito,
Çt^te pode mau quamQr em meu defeito*

Sem ronhecer amor \nuer fout,


Seu arco t&feus eng mos desprezando,
Qmndo Viuendo delles me mantinha
0 amor enganofo, que fingia
Md Vontades alheas enganando,
Mefa^ja ^pmbarde quem o tinha:
jS^o touro entram Thebo/^Progne Vinlxt^
0 corno ÍAcheloo Flora entornaua,
Quand o amor folurn
Os fies douro, as tranças encrespadas,
^fo doce VerJefquiuas,
Os olhos rutilando chamas Yiuas,
Easrofasentra neuefemeadas$
Ço rifo tão galante,
Qjihum peito desfizera dç diamante*

Hum não fey que fuaue respirando,


Çaufaua hum admirado & nouofpantO,
Quíiiçoufiisinfenjíueiso [então:
E asgarridas aues leuantando
Vo<$; dif)rdenxdo4 em feu çanto,
Qomo no meu defejo sencendiao,
De Luis de Campes. 26
j f s fontes cryft.dlhm não corrião,
Iflammados na linda Vúía pura,
Flore fit a a Verdura
Qu'andando cos diubw pes tocaua,
Os ramos fabatxamo,
Ou efinueja das hemos que pi fumo,
Ou porque tuctanùlla s abaixam
Kão ouue cous'm fim
Que nao pafmaffe delt, & eu de mim

Porque quando Vi dar entendimento


Js coufasquo não tinhão, o temor
Me fe^ cudar, queffeityem mim faria
Conhecime não ter conhecimento,
E niflo fo o tiue, porqu amor
Mo deixou, porque VifTo que podia:
Tanta Vtnganfamor de mim queria,
Que mudo.ua humana na turent
lS[os montes, a durent
Délies em mim por troca trafpajfaua:
ò que gentil partido,
Trocar o fer do monte fem fentido,
Pello que ri hum juy^p humanofia :ia!
Olh iy que doe emano,
Tirar commuai proueito de meu dano!
ev t;: Canções J 7
"jfjli qiïindo podendo o fenthnento
aparte racional m entrifiecia, .
Velta bum appetite fomettida,
Mas dentro ríajma o fim do penf amento
Portão fublimecaufa me de^ia
Qjiera ra^aofer d ra^So Vencida..
jlfit que quando, avia fer perdida,
Jfmefma perdição a reftauraua?
E em manfa pa^eflaua
Cad'hum comfeu contrario rihumfogeito,
ògran concerto efle:
Quem fera que não julgue por celefle
jícaufa donde . Vem tamanVejfeito,
Que fa^rihum coração
Que Venha o appetite a fer ra^aoí

jlqui fenti d^mor a mor fineza,


Qomo foy Verfentir o infenftuel,
E o Ver a mim de mim mefmo perderme:
Em fim fenti negana natureza,
(Por onde cri que twTera pofòuel
jíos lindos olhos feus, ferido quererme,
Deffois que ja fenti desfallecerme,
Em lugar do fentido que perdia
Hão fej quem m efcrema
pefr
De Luis de Campes. 26
Dentro rí alma co as letras da memoria9
Ornais defle procejfo
Ço claro gejlo juntamente impreffo,
Que foy a cau/a de ta o longa b 'áloria
Se bem a declarey
Eu mo a efereuo} d!alma a trafladey.

Qancao fe quem te 1er


Tiao crer dos olhos lindos o que di^est
Tello qu'em f i s efe onde}
Os fentidos humanos lhe refponde
2{ao podem dos diuinos ferjuy^es,
Senão d'hum penfamento
Que a falta fupra afedo entendimentoê

Canção oitaua*
Omet .a trifle pena
Ia de defejferado
De Vos lembrar as muitas quepadefço:
Vendo que me condena
jfficar eu culpado
0 mal que me tratais, o queu merefço,
fonfejjb que conheço
Qtiemparte a caufa dei
0 mal em que me Vejo,
F <Pois
Canções
fempre meu defejo
j í tão largas promejfas entreguei»
Mas não tiue fosf ata
Ojie fegiàffeis tenção tão imperfeita*

S'emVoJfo efquecimentù
Tão condemnudo fiou
Com os finais demofirão que mofirats9
Vim mfietormento,
Lembranças mais não dou
y
Qtias que d efiã ra^ao tomar queirais:
Olhay que me traitais
*Afiidedia cm dia
Qom voffas efquiuançm
E 06 y ofiasesperanças
De que Vãmente eu menriqueficia7
(Rjnouão a memoria
(Pois com tela de Vos fio tenho gloria,

E si fio conheceffek
- Ser Verdade pura>
Mais que de jírabta o ouro reluzente?
Inda que não quifieffeis
condição tão dura
j

Mudareis n'outra muito différente^


De Luis de Campes. 26
E en como innocente
Huefiou em este cafos
Iftoemmaos pofiera
De quem fentença dera
j2[neficaffeo direito jtfio rafo.
Senão arreceara
Qua Vos por mim, & a mim por Vos matara.

Em Vos efcritt íVi


Fofa grande dureza,
E ri alma efcritta fia, que de Vos viues
TS[ãO qu'acabafife allt
Suagrande firmeza
O t/fie defengano quentão tiue;
tPorqu antes qu'a dor priue
De todo meus fentidos,
\Ao grande tormento
jfcodto entendimento,
Çom dom fortes foldados, guarnefeidos
f)e rica pedraria,
Queficaofindo minha In^&guia?

Defies acompanhado
Efiou poflo fem medo
yítudo o que fatal deflino ordene,
^ ~ V ' F i fode
Canções
5We fer que caufado,
Ou feja tarde}ou cedo,
Çom pena de pen ~rme me defpenei
E quando me condene
( Qjflft0 he o que mais efpero)
Inda a majores dores
^Perdidos os temores
(por mais que Venha,na o direi não querop
Qom tudo ejloutdo forte
Que nem mudar pode a me/ma morte.

£ançaofeja tão queres


Ver tanta crueldade,
La Vas onde Veras minha Verdade.

Canção nona.

J Vnto d'hum feco, fero^Jleril monte<


Inútil} & dejf ido,caluo, informe,
Da natureza em tudo aborrefcido,
Onde nem aueVoa, oufera dorme,
T^em rio claro corre, ou ferue fonte±
7>l em Verde ramo fa^ doce rui do,
fujo nome do Vulgo introduzido
Hefelix por antiphraji infelice
De Luís de Camões,
Oqual a nature^
Situou junto 1 parte ,
Onde hum braço de mar alto reparte
jfbaßia, d'Arabica aípere^t,
Onde fundada ja foy Berenice»
Ficando a parte donde
9
0fol que nella férue fe Ih efconde.

'Helle aparece o cabo com qua cofia


Africana, que Vem d'Aufiro correndo,
Limite fa^, Aromata chamado, t
Aromata outro tempo, que correndo
0 tempo a ruda lingoa mal compofia
Dos proprios outro nome lhe tem dado:
jíqui,nomcíY que quer apreffurado
Entmr polia garganta defie braço,
Me trouxe hum tempo i? teue
Minha fera Ventura,
jfcjui nefia remot\aspera,& dura
Warte do mundo, quis qu'a vida breut
Também de fideixaffe hum breueefya
orque ficaffeâVida
Tello mundo em pedaços rep'artida*

Api machet gafiandohûs trißes diasi


Cancocs
d
Triées, forçados, maos/s*folitario
Trabalho/os, de dor,Retira cheos,
JStfo tendo tão fomente por contrários
jívtda, ofoi ardente, úr agoas frias, ,
Os aresgroffos, feruidos,i?feos7
Mas os meus penf amentos quefam meos
*Para enganar a propria natureza*
Também vi contra mi7
Tra^endome a memoria
Algumaja pctffada, <s* breue gloria,
Qjteu ja no mundo vi quando viui,
tpor me dobrar dos males a ajfcre^a?
(Por me moflrar quauia
mundo muitas horas ci alegria.

1
jfqui efliueu com efies penf amentos
G afiando o tempo & a vida,os quais taò
Mefubiao nas ajas, que caya,
(E Vede fe feria leue o falto,
Xe fonhados <&<Vaos contentamentos>
Em defejperaçao de Ver hum dia)
Aqui o imaginar fe conuertia
l^um fubito chorar, Cr nusfojf iros3
Que rompido os ares:
Jqui a atina cattm
De Luis de Campes. 26
Chagada t oda eflana em carne Viua,
De dores rodeada,Cr depefares,
Defamparada Cr defcuberta aos tiros
Da foberba fortuna,
Soberba, inexorauel, Cr importuna,

ISfao tinha parte dondefe deitaffe,


ISlem efyerança algua ondya cabeça
Hum pouco reclinajfe por defcanfo,
Tudo dor Iti era, Crcaufa que padeça,
Mas que pereça mo, porque paffajfc
O que quis o deflino nunca manjo:
ô qtíefle irado mar gritando amanfo,
Efles Ventos da Vo^ importunado$
Parece que s'enfreão-}
Somente o ceo feuero,
J s eàrellas ir ofado fempre fero
Qommeu perpetuo dannoferecreao',
Moflrandofe potentes Cr indignadoss
Contra hum corpo terreno,
Bicho da terra Vil, Cr tao pequeno.

Se de tantos trabalhos fo tirajfe


Saber indapor certo qu algum hora
Lembram a bus çlaros olhos que ja vi,
Fa
Canções
E fe efta trifle Yo^ rompendofom
jís orelhas angelicas tocafêe
J) actuei la em cuja Viftaja viui-'
jfqual tornada hum pouco Jobre
euoluendo na mente prejjurofa
Os tempos ja pajjados
De meus doces errores,
De meus fuaues mates, O* furores
Ç&r cila padecidos O" bufe ados,
Tornada [Inda que tarde) piadofa$
Hum pouco lhe ptfaffe,
E configo por dura fejulgaffei

Jfto fo que foubeffe, me feria


Defcanfo paravida, que me fica9
ífom ifio afagaria o fofrimento: v
Ah fenhora fenbora, & que tao rka
Eft aisy que ca tão longe dalegria
Me fuftentais c hum doce fingimentoj
Em Vos affigurando o penfamento
Foge todo o trabalhotoda a pena:
Sò com Voj?as lembranças
Macho feguro & fir te
f ontra o rofio fero^dafera moríe:
£ logo fe níajuntão 04 c$eranc4<§
De Luis de Campes. 26
Qom qua fronte tor nadei mais ferem
Torna os tormentos granes
Emfaudades brandas, <&fuaues.

Aqutcom ellesficopreguntando
jíos Ventos amorojos que rejftirao
Da parte donde Jlais,porVòsfenhora$
Jis aues que alli Voao fe Vos virão,
Qjie falteis, queJlaueis praticando
Onde, como,com quem, que dia/sr quora:
Alli a Vida canfada,fe melhora
Toma Jfiritos nonos, com que Vença,
A fortuna, C? trabalho,
Sò por tornar a veruos,
Sò por ir a feruiruos, & queremos,
Di^me o tempo qua tudo dara talho9
Mas o defejo ardente,que detença
Truncafoffreo,fem tento
M'abre as chagai de nouo aofoffrimento.

Afíi Viuo,isr s alguém te preguntajfe


Canção, como não mouro,
fodtslhe rejfonder, que porque mouro.
Canções
9- \ ** '

Canção decima.

*^ftnde qua meu tão certo fecretário.


Dos queixumes que fempre andofa^endOp
fPapel-: com quem a pena defafogo:
jís fem rabões digamos que Vmndo
Me fa^ o inexorauel, ir contrario
Dejlinofurdo a lagrimasa rogo:
Deitemos agoa pouca em muito fogo,
jícendafe com gritos hum tormento,
Qua todas as memorias feja ejlranho,
Digamos mal tamanho
\ADeos, ao mundogente,úr em fim ao Vento*
*Aquem ja muitas Ve^es o contei
Tanto debalde como o conto agora:
Masja que para errores fuy nacido,
Vir ejie a fer hum deües não duuidoy
Que pois ja d\icertar eftou tão fora,
2{ão me culpem também fe riijlo errei;
Se quer ejle refugio fo terei,
Faliar, <jr errar fem culpa liuremente,
Trifie quem de tãopoucçfiacontente•

la me defenganei que de queixarme,


2SÍM sWcanca remedio, mas quem pena
m
D e Luis deCampes.26
Forçado Ih" e gritary s*a dor he grande:
Gritarei\ mas he débil & pequem
JÍVQ^para poder defabafarme^
\forque nem com gritar a dor s*abrande?
Quem me dará fe quer que fora mande
Lagrima*fospiros infinitos,
Iguais ao mal que dentrorialma morai
Ma* quem pode algunihora
Medir o mal com lagrimas, ou gritos?
Em fim direi aquillo que rrienjinao
ira} a magoa, & de tias a lembrança,
Qtihe outra dor porfimais dura <srfirmtx
Qbegai defejperados para ouuirme,
Efujao os que Viuem $ejperança,
Ou aquelles que nella s^imagiriao,
tporquamor afortuna determinao
Xe lhe darem poder para entenderem
jf medida dos males que teuerem.

'Quando vim da materna fepultura


De nouo ao mundo logo me fi^erao
Eftrellas infelices obrigado:
Çom ter Iture aluedrio mo não derao7
Que eu conheci mil Ve^es na Ventura\
O milhar, o piorfegui forçada:
v Gançoes
E para que o tormento conformado
Me dejfem com a idade• quando abrijfe
Inda menino os olhos brandamente,
Mandão que diligente
Hum menino fem olhos me ferijje:
As lagrimas da infanda ja manauat
Qom huma faudade namoraday
0 fom dos gritos que no berço dana
Ia como de fofpiros me foaua
Coa idade Crfado ftaua concertado;
Porque quando por cafo membalauao
Se Verfos d1amor trifies me cantauão
Logo m adormecia a natureza
Çiue úo conforme Jlaua com a trijle^a,
»

Foy minb'ama htm fera}qu'o deflino


quis que molher foffe a que teuefft
Tal nome para mim} nem a aueria:
Afii criado fuy>por que bebeffe
0 Veneno amorofo de menino,
Que na mayor idade beberia:
E por coftume não me mataria.
Logo então Vi a imagem CrfemelhancA
Tfaquella humanafera tão fermofa,
Suaue, Cr Venenofa,
ÇLhí

— g , , . •• . . . « • • »
De Luis deCamoes«45
Que me criou nos peitos d t f f eranca,
De quem euvi desftois o origind:-
Que de todos os grandes de faunos
Fa^a culpa foberba & foberana*
tpareceme que tinha forma humanap
Mos fcentdkua spiritos diurnos,
Hum meneo fr prefença tinha tal$
Que (e Vmgloriaua todo o mal
l^ia vifta delia* a fombra coa Viue^p
Excedia a poder da natureza*

Quegenero tão nono de tormento


Teue amor, que nãofoffe, não fomente
^Prouado em mim, mas todo executadoi
Implacaueis durezas, quo feruente
Defejo que da força aopenfamento»
Tinhão de feu propofíto a bailado-,
E de fe Ver corrido & injuriado
jíqni /ombros phantafticos, trazida*
D^alguas temerários eíperanços, '
jís bemaúenturancos,
Njllas também pintadas fingidosj
Mas a dor do defj^re^o recebido,
Qua phantafia me defatinaua,
Esies enganos punha em defconcerto^
[Aqui o adenlnhar, o ter por certo
Çhitra Verdade qu into adeuinhaua>
E logo odefd^erme decorrido,
D tr as couflis que via outro fentilo,
E per a tu lo em fim bufe ar razoes,
Mas erao multas mm as fem ratões.

2^ao fey como fabia fiar roubando


(fos rayos as entranhas, que fogão
*Por ella pellos olhos fuhtilmente
Vouco a pouco imenúueis me falao
(Bem como do Veo húmido exhalando
ETta o fotilhumoro foi ardente,
Em fim ogefio puro tranfyarente,
Tara quem fica baixo & fem Valia
Defte nome ck'Bello, & defermofo
ô doce, piadofo,
Mo uer doUrn, quas almas fosbendia
Forao as hemos magicas, qtío ceo
Me [em beber, as quais por longos anm$
*b{outro fer me timão transformado;
E tão contente de me Ver trocado
Qjias magoas enganam cos enganos
E diante dos olhos punha o Veo
Que m\ncobriffe o mal qua/sl çreceo
Com
De LUÍS áe Camões, 4$
£omo quem com afagos fe criaua
IDaquelle para quem crefeidoflauk

*Pois quem pode pintar a Vida aufente


Com hum de [contentai me quanto via^
E aqueüefiar tão longe donde flauaP
O fallar fem faber o que di^ta*
jfndár fem Ver por onde, juntamente
Soffirar, fem faber que fospiraua
tpois quando aqueüe mal m atormentauai
E aquella dor que das Tartareas agoas
Saio ao mundox er mais que todas doe,
Que tantas Ve^es foe
Duras iras tornar em brandas magoas^
Agora co furor da magoa irado;
Querer & não querer deixar damart
E mudar noutra parte por vingança
0 defejo priuado de fperança,
Que tão mal fe podia ja mudar:
Agora a faudade do paffado
Tormento, puroydoce,t? magoado,
Fa^ja comer ter estes furores
Em magoadas lagrima<s damores.

Que defculpas comigo fobufcaual


Quatt>
í - Canções
. >
Quando o fuaue amor me não fofria
Qulpa na coifa amada} í? tão amada,
Em fim erao remedios que fingia,
0 medo do tormento, quenfinaua
jívida foßentarfe d'enganada,
Hjfio hua parte delia foy pajfada:
TSJa qual fe tiue algum contentamento *
íBreue imperfeito, úmido, indecente,
TSlãofoy fenao [emente
D"hum cumprido, & amarißimo tormento•
Efle curfio contino de trifte^a,
Efiespajfos tao "Vãmente efpalhados,
Me forao apagando o ardente gofio,
Que tao de fifo rialma tinha pofio,
D'aquelles penfamentos namorados,
Em queu criei a tenra naturell,
Que do longo cofiume d'afyere^a
Qontra quem força humana não refifieff
Se comuerteo no gofio defer trifie.

T>eftyarte a vida noutra fui trocando,


Eu não, mas o defino fero, irado,
eu inda a Ri por outra a não trocara•
te^me deixar o pátrio ninho amado,
- p í • .

$ afifando o longo mar, qu ameaçando


De Luis de Camoes« 45
Tantos Ve>es mefteue a vida chara$
Agora exprimentando a fúria rara
T)e Marteyque cos olhos quis que logo í
Vijfe & tocafj} o acerbo fruttofeu,
E nefle efeudo meuy
A pintura Verao do infefio fogo;
Agora peregrino Vagões* errante,
Vendo naçõesylingoagesy<tsr coflumes
Qeos Vários?qualidades differentes
Sôporfeguir com paff os diligentes
A t i fortuna injufla,que eonfumes
As idadesy lemndolhe diante
Hum ejperanca em vifta de diamante,
Mas quando das mãos cae fe conhece
Que hefragil vidro aquillo quapparece*

jfpiadade humana me faltaua,


vigente amiga ja contraria via,
Ts^oprimeiro perigo & no fegundo
Terra em que por os pes me falleciaß
jír pera refyirar fe me negaua,
E faltauameem fim o tempo vr o mundo:
Quefegredo tão ar duoy Úo profundo,
Tracer parayiueryúr para ávida
Ealtarme quanto o mundo tem para tila;
O EnaQ
Canções
>

E não poder perdelia,


Eflando tantas Ve^esja perdida?
Em fim nao otiue trance de fortuna,
?Kem perigosjiem cafos duutdofos,
{Injpftiçasdaquelles,quo confufo
Regimento do mundo antigo a bufo
Ealfobre os outros homens poder ofoi)
Queu não paffaffe atado a fel coluna
Do fofrimento meu, qua importuna
tPer/iguição de males em pedaços
Mil Ve^esfe^ aforça defeus braços>

Não conto tantos males como aquelle,


Que depois da tormenta procellofa,
Os cafos delia conta em porto kdo-y
Qíiituhgora a fortuna ftilluoft -
jf tamanhas miferias me coràpdle,
opa/j o tenho medo*
Ia de mal que me Venha nao ni arredo,
jS^em bem que me falleça ja pretendo,
Que para nn não Val cftucia humana,
De força foberanà,
Da prouicknciaem fim diuina pendo,
Ifto que cuidoj& Vejo h Ve\es tono
(para confolacão de tantos danos:
Mai
De Luis de Campes. 26
Mu a fraqueja humana quando lança
Os olhos na que corre, Cr não alcança,
Senão memoria dos paffados annos,
jís agoas quentão bebo, Cr o pão que como
Lagrima* triftes faõ', qiieu nunca domo,
Senão com fabricar na fantafia
Fantafliças pinturas d*alegria.

Que fepofôuel foffequetomaffe


0 tempo para trás como a memoriafi
fpeHosVejfligiosda primeira idade,
E de nouo tecendo a antiga hiftoria
Dc meus doces errores me leuajfe
(PelLisfloresqueVi da mocidade,
E a lembrança da longa faudade
Entãofojfe mayor contentamento,
Vendo a conuerfaçao leda Cr f iaue,
Ondhum Cr outra cbaue
EJleue de meu nouo penfamento,
Os campos, as paffados, osfinais,
Afermo fura, o f olhos, a brandura,
jígraça, a manfilão, a cortefia,
jíjingellamizade, que defuia
Toda baixa tenção, terrena,impura,
Qomo a qual outr alguma mo Vi nt xis3
0% JS
Odes
r
j4b Vas memorias, onde me leuais
0 fraco coração? qríinda não pojjb
Domarefie úovão defejoVoffo»

Js[omai$ canção nomais, quirey faliando


Sem o fentir mil annos, & sa cafo
Te culparem de larga, de pefada,
2S{ao pode fer (lhe di^e) limitada
jíagoa do mar em tao pequeno Vafo,
lS[em eu delicadezas Vou cantando
Çogofto do louuor, mas explicando
\furas Verdades ja por mim pajfadas,
Oxaláforão fabulas fonhada*.

Odes
DE LVIS DE CAMÕES.

O d e primeira, a Lua.

J^ Ftem hum pouco mufa o largo pranto^


Quamor f abre do peito,
E Veflida de rico, O* ledo manto
Demos honra refjteito
A a quelia, c ujo ohjeito
Todio mundo alumia,
E quarh
De Luis de Camoes.
Trocando a non efcurem claro dia,

ô Delia, qu'a pefar da neuoagrojfa


Cos teus rayos de prata
A noif efcurafames que nao pojfa
Encontrar o que tratta,
E o que ri alma retrata
Amor por teu diuino .
%oftoypor que endoudeçodef atino:

Tu que de fermojífíimas ejlrellas3


Qoroas O" rodeas
Teus cabellos de prata,& faces bellas»
E os campos fermofeasp
£oasroftâque femeas,
Qo as boninas que gera
0 teu celejle amor na primauera.

(pois Delia dos teus cèos VendoJias quantos


Furtos de puridades,
Sujpiros} magoas, ais,mufîcdê,prantoSi
jís conformes Vontades,
Humas por faudades,
Outras por crus indícios,
Fa^em dits proprias vidas facrificios.
Odes
la Veo Endimião por ejies montes,
0 ceofufyenfo olhando
E teu nome cos olhos feitosfontes,
Em vão fempre chamando,
tPed ndo fit feirando
Merccs a tua beldade,
Quache em ti humahora piedade•

ti feito pafior de branco gado,


Nasfeluas folitarias
Sb defeu penfamento acompanhado,
Cornerfa asalimarias,
Detod'amor contrarias,
Mas não como ti duras,
Onde lamenta cima defiuenturas;

Tara ti goarda ofltio frefco ddllh


Suas Jombros fermofat,
(Para ti no Erymantho o lindo Epilio
jís mais purpurea* rojas:
E as drogas cheirofits
Defte noffo Oriente,
Goarda felice Arabia mais contente.

Decjuepanthera> tigre/jh leopardo,


De Luis de CamSes.
[As afberas entranha*,
TSlão temerão o agudo & fero dardo,
Qjiando pellas monúnhas
Muy remotas, O* eftranhos,
Ligeira atrauejfams
Tão fermofa, quamor d!amor matatuii

Das caftas Vtrges fempre os altos gritos


Çlara Lucina ouuifte,
enouandolk a força & os ejfritos:
Mas os daquelle trifte
Ia nunca confentifte
Ouuillos hum momento,
tParafer menos granefeu tormento*

JS{ào fujas de mim afti, nem ajli üfcondas^


D'hum tão fiel amante,
Olha como fofpirão eftas ondas,
E como o Velho Atlante,
O feu collo arrogante,
Moue piadofamente
Ouutndo a minha >0^ fraca & doente,

Trifte de mim que mhe pior queixarme,


Tops minhas queixas digo,
G4
Odes
[Aquém ja ergui a mão para matame, '
^owo tf cruel imigo,
Mas eu meu fado figo,
(fuaiflo medefiina,
Efoifio pretende, isrJomenfina,

O quanto ha ja quo ceo me defengana:


E eufiempreporfio
Cada Ve^ mais na minha teima infana^
Tendo liure aluedrio
Jtyofujo o definam,
E efie quem mi Vejo,
Engana co a íperança meu defejo,

o quanto melhor fora que dormijfiem


Hum fono perennal,
Efies mern olhos trifies,Z?' nãovijfem
jícaufa de feu mal-,
Fugira hum tempo tal,
Mais que d!antes proterua,
Mais cruel quevffa,maisfiuga^queceruaa

Ay de mi queríabrafioem fogo Vuto,


Çom mil mortes ao lado,
E quando mouro mais então mais Viuo,

w , . . , i f n '
De Luis de Camoes« 45
tyorqiiafô me ha ordenado
Meu infelice fiado,
Que quando me conuida
jímorte para morte tenha Vidal

Secreta noite amiga, a qu'obedeço,


EJlas rofas {por quanto -]

Meus queixumes ouuijles) foffereço


Efle frefco Amarantho
Inda húmido do pranto
E lagrimas da Jfofa
Do ciofo Tithao branca & fermofa.

Ode fegunda.

^Ao fuaue, tãofref ca, & tão fermofa,


" • TS(unqua no ceo fahio,
\J Aurora no principio do Verão,
As flores dando a graça coftumada,
Como a fermofa manfa fera, quando
Hum penfamento viuo minjfirou,
For quem me defconheço.

íBonina pudibunda, oufrefca rofa,


Odes
Trinqua no campo abrio,
Quando os rayos do foi no TouroJlao>
De cores différentes efmaltada
Qomo ejla flor} que os olhos inclinando
0 fofrimento trifle coflumou
Jí pena que padeço.

Ligeira, bella ISlympha, linda7 irofa9


Não creo que feguio
Satyro, cujo brando coração
Namores commouejfe fera irada,
Que afòfoffe fugindo, Cr defpre^ando
Efte tormento} onde amor moftrou
Tão profpero começo.

ISlunqua em fim coufa beíía, Cr rigurofa


TS(atura produto,
Que iguale aquella forma Cr condição}
Que as dom em que Ymo eflima em nada:
Mu com tão doce geflo} irado,Cr brando
0 fentimento, Cr a Vida me enleuou
Qjiea pena lhe agradeço.

®em cudei de exaltar em Verfo, ouprofa,


Aquilio qua alma Vw,
De Luís de Camões, y
'jfntre a doce dureza manfidao,
fPrimores de belle^a defufada,
Mos quando quis Voar ao ceo cantando}
Entendimento , isr engenho, me cegou,
Lu^de úo alto preço.

J^aquella alta pureza deleito/a^


Que ao mundo fe encuhrio
E nos olhos angélicos, qu? fam
Senhores defiaVida deftinada,
Enaquelles cabellosque foliando
jío manfo vento a vida me enredou,
Me alegro, <6r entrifleço•

Saudade & foJJ:eita perigofa,


Qjiamor conflitujo,
fporcaftigo daquellesquefevão.
Temores, penas d'alma defpre^ada,
Fera efquiuança, que me Vay tirando
O mantimento que me fuflentou,
jítudo mojfereço.

Ode
• Odes
Ode terceira,

g E de meu penfamento
Tanta ra^ao tiuera dalegrarme,
Quanta de meu tormento
jTtenbo de queixarme,
Modera* trtfte lyra confolarme*

E minha Vo^; canfada


Que noutro tempo foy dlegre & purap
T^aofora afíi tornada,
Com tanta defuentura
Tão rouca, tão pefada, nem tão dura.
í

T
j{fer como fohia
Poderá leuantar Voffosíouuores,
Vos minha Hierarchia •
Ornáreis meus amores,
Que exemplo fao ao mundo jade dores,
.\

jflevres
o meus cudados,
'
Qmtentes dias, horas, <3* momentos9
ò Qjiam bem alembrados
Sois de meus penf amentos,
Reinando agora em mim duros tormentos
At
De Luís de Camões. yj
r
Jy goftos fugitluos,
jfygloria ja acabada, O* confumída,
frueis males efquiuos,
Qualme deixais avida
Quamchea de pefar-, quam deflruida!

Más como mo he morta ..


jítrijie vidaja, que tanto durai
forno não abre a porta
JL tanta defuentura,
Quem vão co feupoder o tempo cura.

Mas para padecella


Se esforça meu fogeito, & conudece,
Qjiefo pera distila
jí força me fallece,
E de todo me canfa,& m enfraquece.

o bem afortunado
Tu qualcmçafle com lyra toante
Orpheo ferefculadoy
Do fero ^hadamante,
E cos teus olhos Ver a doce amante.

\As infernais figum


Mouejle
Odes
Mouefte com teu canto docemente.
jís tres fúrias ef curas,
Implacaueis a gente,
Quietas fe tornarão de repente.

Ficou como pafmado


Todo o Stygio ÇT{eino co teu canto,
Equafi defeanfado
De feu eterno pranto,
(jeffm de alçar Sifipho o graue cantot

jí ordem femudaua
Das penas qu ordenaria alh Plutão,
Emdefcanfo tornaua
A roda delxião,
E em gloria quantas penas alli fao.

tPello qual admirada


JÍ.%ainha infernal, commouida
Te deu adefejada
EJpofa que perdida,
De tantos dias ja tiuera auida.

Pois minha defuentura


Çomoja não abranda hum alma humana,
De Luisdé Camoes.
Que he contra mim mais dura
E muy mais deshumana,
Que o furor de Caliroe profana*

ò crua, efquiua, ir fera7


Duro peito, cruelEmpedernido^
Dealgüa tigre fera,
DaHyrcania nacido,
Ou dantre ai durai rochas produzido.

Mas que digo coitado


E dc quemfioem Vao minhas quereUatâ
Sò vos (5 do falgado
Húmido %cyno) bellai
E claras Nymphas, condoeyuos dejfiat*

E douro guarnecidas
Voffas louras cabeças, leuantando
Sobol' agoa erguidas,
jís trancas gottejando,
Saht alegres todas, Ver qual ando.

Sahi em companhia
ÇantnnJo & colhendo as lindasflorest
Vereis minha (goma
Odes
0unireis meus amores,
jíjfentarek meus prantos, meus clamores.

Vereis o mais perdido


E mais mofino corpo que he geradop
Que eftà ja conuertido
Em choro, & nefiefiado
Somente yiue nelle ofeu cudado.

Ode quarta.

JpErmofa fera humana,


Em cujo coração fòherho O" rudú
jíforçafobergm
Do Vingatiuo amor, que Vence tudo
jís pontas amoladas
T>e quantas feitas tinha tem quebradas.

1Amada Circe minha,


CP ofioque minha não) com tudo amada$
A quem hum bem que tinha
Da doce liberdade defejada,
tPoucoa pouco entreguei,
Efe mais tenho inda entregarei
D e LuSs de Camões. 57
(pois natwe^a iroft
Da ra^ao te deu partes úo contrariasl
Que fendo úofermofa
Folgues de te queimar en flamas Varias,
Sem arder em nenbua,
Mais qti em quanto alumia o munda a lua.

tpois irimphandoVas
Çom diuerfos dcfpojos de perdidos,
Que tupriuando fias
De ra^io, dejui^o, & de fentidos, •
Equcfiã todos, dandp,\ - '
Aquelle bem qua todos Vai negando,

tanto te contenta •
Vero noclurno moço emferro enuolt9
Debaixo da tormenta
De luphcr em agoa, í r Vento /bltó,
Aporta qiiimpedido
Lhe tem feu

*Porquerido tensreceo
Qjte tantas mfole?icÍ0y^efquÍuançasr ,
A Deofa que poemfreo
Afoherhas}^ doudas efperanavs,
H
Odes
Qafíigut com rigor
E contra ti Acenda o fero Jfmor.

Olha a fermofa Flora


De despojos de mil fojfiros rica,
(pello capitão chora
Que là em Thejfalia m fim vencidofica;
Efoy fuhlime tanto
Qu altares lhe deu %oma, t? nomefanto,

Olha em Leshos aquétla


TS[o feuTfalteiro infigne conhecida
Dos muitos,qm por elU
Se perderão, per deo a chara vida
Na rocha que fe infama
Qom ftr ranedio eftrmo de quem ama.

Peito moço efcolhido,


Onde mais fe mojlraião as tresgraças,
QueVenm efcondido
{
Para fitem hum tempo antre as afaças^
tpagou coa morte fria
Ama vidà que à muitos ja daria„
vj
•V * " - "i "

E Vendofe deixada - > >


pai
Dc Luis de Camões. 58
Daquelle por quem tantos ja deixara,
Se foy de/efperada
\Precipitar da infame %gcha cbara,
Quo mal de malquerida
Sabe que Vida lhe hc perder a Vida,

Tomaime brauos mares,


:
Tomaime Vos, pw outrem me deixou,
Eafíi dos altos ares,
tendendo com furorfe arremeffou,
Jfcude tu fuaue,
jíetide poderofa, diuina aue.

Toma a tus a fo4 tvM


Minino pio illefa,&* fem periga
jíntesque neffos cruas
tAgoas caindo, apague o fogo antigo£
He digno amor tamanho
De viuer, fer tido por eftranJrt»

Naotfue he ra^ao quefeja


(Para as lobas ijentas quamor Vendem
Exemplo, onde fe Veja
Que também ficao prefas as que prendem:
jífô deu por fentença
fifemefis, quamor quis que tudo Vença•
Hz Ode
Odes

Ode quinta,

j^Vnqua manha fnaúe


Eftendendo fem rayos peílo mundol
Depois de mite graue,
Tempeftíiofa, negra,em mir profundoy
Megrou tanto mo, que ja nofundo
SeYío em mares groß os, _ .
Çoma lu^ clara cinmi dos olhos yojfbs.

'Queila fermofura >


Ojíefò no Virar de lies nfplandcce,
£ om que a fornira o [cur a
Çlara fe fa^ i? o campo rèüerdece,
Quando meu penfamento sentriftece,
Ellaty fuaYme^a
Me desfazem a nimm da trifte^a

0 meu peito onde fiais,


Ele per a tanto bem pequenoVafo,
Quando a cafio virais '
Cs olhos quede mim não fa^em cafo,
Todo gentilfienhoraentão Me abrafio
Na lu^ que me confume,
(Bem como a borboleta fa^no lume.
Dc Luis de Camões. 58
Se mil almas liuera
Qjia tãof ermofos olhos entregara,
Todas quantas pudera
^Polias pejianas delks pendurara,
E enleuadas na vi fiapura ir clara,
{'Pojh que dijjo indignas,)
Se andarão fempre "vendo nas mininas.

E Vox que de [cuidada


jígora Yiíúreu de tais querellu,
D"almas minhas cercada
Não podereis tirar os olhos ddí<tsy
lS[áo podefer que 1tendo a VojJa ent fellas
Jl dor que lhe mojlraífem *
Tantas} hum alma j o não abrandajjem,

Mm pois o peito ardente


líuafò pode ter/fémofa damap
fB^Jla quejla fomente
( orne je fojjem duas mil vos ama:
Tara que a dor de [na ardente flama
Conuofco tanto pojía.
Que não queiras ver cin^a Ma alma VoJJaí

Hl Ode
«
»
Odfes

Ode feifta*

j p Ode hum defejo immenfo


Arder no pato tanto,
Qu'abranda, i? a vim alma, o fogo hitenfè
Lhegafie u nodoas do terreno manto:
E purifique em tanta altera o fyrito
£om olhos immortais,
Que fa^quelea mais do queVe eferïtù,

Que a flama que s'acende


*Alto tanto alumia,
Ques9o nobre defejo ao bem s'efiendk
Que nunqua Vio, a fente claro dia,
E la Ye do que bufe a o natural,
jígraça, aviua cor
l^putra fie cie melhor qua cor porah

^ois Vos o claro exemplo,


T)eviua frmofur a
Que de tão longe ca noto, contemplo
Ti'alma, quefte defijo fobe, ejr a pura,
Não créais que não Vejo aquetta Imagem
as gentes nunqua Vem,
Jy J

M
Dc Luis deCamões.58
Ques*osolhos äufentes
7S(ao Vem acompajjada
í
Proporção, que das cores excellentes
De pureza, & Vergonha he Variada.
Da qual a Poeßa que cantou
Ate qui so pinturas
Com mortais fermofuras igualou:

Senão Vem oscahellos


Quo Vulgo chama d'ouro,
E fe nao Vem os claros olhos bellos
De quem cantão que fao do Sol thefourô\
E fe mo Vem do roßo as excellencias,
jíquem dirão que dem
%ofa, crifial^neue as apparenciasl

Vem logo a guta pura3


jflu^alta, tsrferena,
Quhe rayo da diiúna fermo furÀ
Qtierialma imprime> Zsrfora reuerberi
J f ß i como crifial do foi ferido
Que por fora derrama
jírecebida flama} efclareckh

E vemaa grauidadë
H 4 Com
for leda, t:-por fuaue,
¥{em outra por [ergram, muito amada ^

E Vem do honejlo fifo


Os altos relpiandores
Temperados co doce, & ledo rifo
jíctíjo abrir abrem no campo as forest
Js pal auras difcretas, &fnanes
Das quaes o rnouimmto
Eara deter o Vento, & as altas aues.

Dos olhos o virar


(Qne torna tudo rafo)
Do qual mo fabe o engenho dinifar
Sefoy por artificio, ou feito a cafo:
Da prefença os memos, a poftura,
O andzr, ír o mouerfe
Donde pode aprenderfe fermofura»

Jquelhnão fey que


Qtíajpira naofej como
Qtim*

hMfrWMrrtMtBafi masmm .. • • .
».»1 I
Dc Luis deCamões.58
'Çjãnwfuel faindo, a vifta o vee,
Mas per a o comprender não 11? acha tomo,
0 qual toda a To fiam poefit
Que mats roubo refinara,
Em 'Seatn^j nem em Laura nunqua vk,

Em Vos a mjfia idade


Senhora, G pode Ver,
Syengenho, ir fciência,isr habilidade,
Igual âfiermofuraVojja der.
f orno eu vi no meu longo apartamento
Qtialem aufincia a Vejo-
Tais afias da o defiejo ao pcnfamento.

fois fie o defejo affina


Hum alma ace/a tanto,
Que por Vos vfie as partes da diurna]
for Vos leuantarei não vifio canto
Quo'Bethisniouça, & o Tibre me tenante
Qtionoffo claro Tejo,
Enuolto hum pouco o vejo, & dififonanie.

O campo não oefmaltão


ElOreS en a hvnlhnc
Odes
Ouuidos para mim, para Vos olhos:
Mos faça o que qui fer o vil coflume,
Çjio foi qríem Vos efla
2s[a ofeuridãç dar a mais claro lume.

Ode fettima.

JS^ Quem darUo de findo as moradorM


Tão doutas, como bellos,
Florefceníes capellai
Do triumphante louro, ou myrtho Verde.,
D a gloriofa palma, que não perde
jíprefumção fublime,
2s[em por força de pefo algum s'opprime}

'\Aquem trarão na fralda


d{o/os, a roxa 'Clóris
Çonchas, a branca Doris,
Efiosflores do mar, da- terra aquellat
\Argenteos, ruiuosjbrancas, amareUs
Qom dançds, <ts coreas
De fermofas T^ereydos, <&r TSJjipeasí

[/íquem faraó os Hymnos, Odes, Cantos


Em TkbiU Amphion^
De Luis de Câmoes.
Em Lesbos Arion
Senão a Vos, por quem reflituida
Se Ve da Toe/ia ja perdida,
A honra, i?gloria igual
Senhor Dom Manoel de fortugal?

Imitando os efpritos ja pajfados


Gentis, altos, reais,
Hmra benigna dais
Ameu tão baixo, quão \elofo engenho:
*Por Mecenas a Vos celebra, i? tenho,
E/acro o nmieVoJJo
Farei, s'algua coufa em Ver/o poffo.

0 rudo canto meu que refufdta


As honras fepultadas,
As palmasja papadas
'Dos bdlicofos nofiosLufitanos,
tPaya thefouro d&s futuros amos,
Qomuofco se defende
Daky kthaja qual tudo semtde,

T^a vo/sa aruore ornada áíwra & gloria


Achou tronco excelknte
A hera florefeente
Odes
(
Vara a minha, atequi de baixa cflima,
iHji qual para trepar s'encofia, (sr arrima%
E nella fubireis
Tão alto, quanto aos ramos ejlendeis.

Sempre forao engenhos peregrinos


Da fortuna enuejados:
Que quanto leuantados
iPor hum braço, nas afas fao da fama,
Tanto por outro, a forte qiios defama9
£o pefio isrgrauidade
Os opprime da vil neceffidade.

Mas altos corações dignos dyimpcm


Que Vencem a fiortmza,
•'ni empre colima
Da fciência gentil: OSiauiáno,
SCipião, Alexandre, & Graciano
Qjie Vemos imnicrtais,
E vos que mjfo fiado dourais,

<Pois logo em quanto a cjthara fonorâ


$'ejlimar pello mundo,
:íto, tsrjocwnlo,
E em quanto produzir o Tejo} & o Douro
fá-

mÊmMËXm
Dc Luis de Camões. 58
{feitos de Marte, & fihebo crefyofl? louro»
Tereis floria immortal

Odç outauja.

jô^ Quelle Vnico exemplo


Defortaleza heroyca, & ou/adiap
Que mereceo no templo
Da fama eterna ter perpetuo dia,
0grani filho de Thetis, que de^ annos
Flagello foy dos miferos Troyanos:
V., i '• • .
T\ao menos en/inado
Foy nas heruas, isr medica pollicia,
Que defiro, & coftumado
jS[o foberho exercido, da milicia:
J/si quas mãos qua tantos morte, derao9
Também a muitos vida dar puderao*

E não fe despregou,
jíquelle fero, indomito mancebo
Das artes quenjinon
o intenio tia
Odes
Que s'o temido HeSlor matar podia,
Também chagas mortais curar Jabia.

Tais artes apwtdeo


Dofemiuiro meflre}& douto Velho,
Onde tanto creceo
Em Virtude,[ciência. O* em confelho$
Que Thelepho por elle Vulnerado
Sò delle podefer depois curado.

Vois a Vos ò excellente


E illujlrifômo Conde do ceo dado,
& arafazer prefente
D'altos Heroes, ofeculo pajfado,
Em quem bem trafladada (fia a memorU
DeVoJJos afcejidentes, honraf isr gloria;

ÏPoJîoqu'o penfamento
Occupado tenhais na guerra infejlap
Ou co fanguinolento
Taprobano} ou Achem quo mar molejla9
Ou co Qambayo occulto imigo nojjo
Que qual quer Mies teme o nome Vojfo:

Fauorecei 4 antiga
Scien-
mmmmm

De Luís de Càmoes*
Sctencid que ja Ac biles eJlimou-}
Olíay que y os obriga
. Verdes quem VojJo tempo rebentou
O frutto daqueWhorta, ondeflorecem
$ Untas nouas, qu'os doutos não conhecem^

Olhay quyemVoffos annos


Hüa horta produit varias heruas
Nos campos Indianos,
jís quaes aquellas doutas, <& proteruoê
Medea, & Qirce nunqua conhecerão
tPofto qu'a ley da Magica excederão»
t- . - • ^d i . . : • 'i •

E Vede carregado
D'annos, <y trás a Varia experiencia
Hum Velho, quenjinado
Das Gangeticas mufas na /ciênciaP
<Poda/iria fútil, e r arte fyluejlre
Vence o Velho ChironAAchila mejlrc*

O qualefta pedindo
VoJJo fauor, i? ajuda ao grão Volume
Qttimpreffo a lu^ faindo
Dara da medicina humviuo lume
R Odes ';
jf tolos os antigos encuber tos.

Afô que não podeis


Ofegar {como Vos pede) benigna aura,
Que fe muito Valeis
2s[a fanguíriòfa guerra Turca, isr Mauraf
Ajuda, quem ajuda contra a morte,
EJereis femellmte ao Grego forte.
r

Ode nona.
't ' * • - \ • •

Fogem as neuès frias


Dos altos mmtes>
As amores fornirias,
As verdes heruas crecem,
B o prado animo ck mil cores tecem.

Zephiro brandoJpira,
Sim fetos Amor afia cigora$
tprogm trifle fuspira,
ETbilomela chora,
0 ceo da frefca terra s enamora

VayVenm cytharea
Qom os coros das Nymphe rodeada,
4 lin3

biwmwimmmihi m I B
. Ê®»
i-
De Luis de Camões.
À'lindaTanopea
Defyida^ delicada
Qom asduas irmãs acompanhada*

Em quanto as officinas '


Dos Qyclopes,Vulcano fia queimando,
Vao colhendo boninas
As TS^ympbas, cantando
jí terra to ligeiro pè tocando.

Decedo duro monte


Diana,]a canfada d'efpej?ura$
Sufcando a clara fonte
Onde por for te dura
Terdeo Àtteona natural figura*

Afsife Vay papando


A Verde primauerafir feco efiio,
Ti 'as elle vem chegmdo
Depois o inuernofrio,
Que tambémpafjara por certo fio»

Irfeha embranquecendo
(^om afrigi da neue,ofeco monte,
Elupiter chouendo
I
Odes.
Turbara a clara fonte.
Temera o marinheiro o Ori ente.

fporque em fim tudo paffa:


Nao Jabe o tempo ter firmeza em nada?.
B noffa Vida efe a f f a
Foge tão aprejfada,
Que quando fe começa he acabada*

Que for ao dos Troyanor


Fieclor temidoyEneas piadofoi
Qonfumraote os annos
ò Qreffo tãofamofo•
Sem te Valer teu ouro preciofo»

Todo o contentamento
(frias qweüaua em ter thefouro vfano::
ô falfo penfamtníQ.
Qjrd cpJía de teu dano
Do douto Soíon creste o defengano*

0 bem qu aqui s9alcança


2N[2q dura por pof] ante,nem por forte.
bemauenturança
Durand^ doutra forte
De Luis de Camões.
Se ha i alcançar na vida pera a mort

forquem fim nada hafla


Contra o terrihel fim da noifeternat
l>{em pede a Veofa cajla,
Tornar a lu.^ fuperna
Hypolito da efcura noite jfuerna.

2S(em Tbefeo esforçado


Com manha} nem com força rigurofa
Liurar pode o ou fado
fin th oo da ejlantofa
frifão Lethea, tfcurag? tcnchrofa.

Ode decima*

JS^ guette moço fero


TS[a Teletronia coua doutrinado
Do Centauro feuero,
Qujo peito esforçado
£om tutanos de tigres foy criado

T>l9agoa fatal menino


0 Latut a may prefiaga do future,
Tara que ferro fino
t l
Odes
T^aô p ' f f o o peito duro,
Que defimrfmo afife tem por muro:

Acame lkendurece
Queferridopofíã d*armasojfendida:
Çega que não. conhece
Que pode auer ferida
Ts^alma, que menos doe perder a Vida;

Que aonde o braço irado


Dos Troyanos pajfaua ames^ efcudoí
Jli feYio paffado
laquelle ferro agudo
Do menino > quem todos pode tudo»,

Jllifevio catthío
Da cattiua gentil} que ferue& adora%
Jlli fe Vio? qkeyiuo
EmYiuo fogo morar
forque defeu fenhor fe Ve fenhora»

la toma a branda lyra


ISfa mão qu'à dura delias meneara5
Jlli cantax & f áfira
Mao como íhcnfinara

Si,
De Luis de Camões*
0 Velho, mas o moço que ocegara.

Qoislogo, quem culpado


Sera fe de pequeno offereçido.,
Foi logo a seu cuydado,
T^o berço inßituidQ
Á nao poder deixar defer ferido

Quem logo fraco infante


Tf outro inais poderofo foi sogeitoy
Que para cego amante
Foi de principiofeito
£om lagrimas banhando o brando peitol
H*' ••
S'agora foy ferido
T>a penetrante fetta,& força etherud^
E fe Amor he feruido
Que firua a linda ferua,
fiara que minha efirella mereferua:

O gefio bem talhada


O airofo mem, <3* a poflura$
O roßo delicado
Que na Yfta aj
Odes
Qomo pode deixar
De cattimr quem tenha, entendimento?
Que quem nao penetrar
Hum doce gefto atento,
Hão II? he nenhum louuor viuer ifento.

Qtfaqueíles cujos peitos


Ornou dyaltas [ciências o deflino9
Effesforao figeitos
Ao cego, vão menino,
Arrebatados do furor diuino.

0 (T{ey famofo Hebreo


Que mais que todos f mbe, mais amou$
Tanto, que a Deos alheo
Falfo facrificou,
Se muito foube, & teue,muito errou,

E o grão fabio quenfina


(Paffeando, os fegredos da Sophia,
A baixa concubina
Do vil eunuchoHermia
Aras ergueo, quaos Deofes sò denta„

Aras ergue a quem uma


De Luis de Camões. 68
0 Philo f o f a infigne namorado,
Doejfe a perpetua fama,
E grita, que culpado
Da lefa ditãndade he accufado,

la foge donde habita,


la paga a culpa enorme com dejlemj
Mas ò grande defdita
ïBemmofïra tamanho erro,
Que doutos corações mo faò de ferro.

[Antes naltittamente,
Ho fotilfangue, O4 engenJ?o mais perfeito,
Harnais conueniente
E conforme fogeito
Onde s'emprima q irando O* doce ajfeïto.

14 Sextí-
Sextinas

Í E X T I N Á S .

JT O geme pouco a pouco a curta vida,


(5V por cajo he Verdade quinda Vim)
Vayfeme o breue tempo d ante os olhos,
Qhoro pello paffiado, em quanto fallo
Se me paffao os dias paffioty paffo:
Vaijeme em fim a idade? Z? fica a pena•

Que maneira tão affera de pena


Que nunqua hum hora vio tão longa vida.
Em que poffa do mal mouerfe hum paffo,
Que mais me monta fer morto, queviuol
(
Para que choro eynfimi para que fallo}
Se lograrme não pude de meus olhos?

ò fermofos, gentis, í? claros olhos


Cuja aufencia me moue a tanta pena,
Quanta fe não comprendeem quantofallo,
Se nofimde tão longa cr curta vida
"DeVosrriinda inflamajfeorayoviuo,
\Tor bem teria tudo quantopafifo.

Mas bem fey, que primeiro o eflremo paffo


Me ha de Vtr a cerrar os trifles olhos,
De Luis de Camões. 6p
Qtfdtnor me moftreaquelles porqueVtuo.
Tijhntunlm ferao a tinta O* pena,
Que e/cmmao de tão mole/la Vida,
0 menos que paj/ei, & o mais que/alio.

ò que nao /ei quefcreuo, nem quefalio:


Que/e dyhum penfmento tioutro paj/o, *
Vejo tao trifie genero de Vtda,
Que/e lhe não Valerem tantos olhos>
7s[ão poj/o imaginar, qual/eja a pena
Que trajlade z/ta pena com que Viuo.

Ti9alma tenho comino hum /ogoviuo


Que fe nao refpira/fe no que/alio,
E/l arta ja.feita cin^a a pena.
Mas/obramayor dor que/ofrojis*pdjfo,
Me temperão as lagrimas dos olhos,
Qom que fugindo não s acaba a vida.

Morrendo eftou na vida, em morte viuo,


Vejo fem olhosjem lingoa/alio,
Ejuntamente pafío gloria pena.

Elo
Elegias

ELEGIAS DE
LVIS DE CAMÕES.

ia primeira.

Toe ta Simonides faltando


Qo capitão Tbemijlocles hum dix
Em coufa* de Jciência pratticando,
Hum arte fingular lhe prometia>
Quentão compunha, com que Ih'enfinaJJe
Afe lembrar de tudo o que fa^ia.
Onde tão futis regras lhe mojlrajfe
Que nunqua lhe paffajfe da memoria
Em nenhum tempo as cqufas que paffajfe*
T>em mirecia certo fama Cr gloria,
Quem dam regra contra o efquecimenfo,
Qu enterra em fiqualquer antiga hijloria»
Mas o capitão claro cujo intento
!Bem dfferente flaua7 porque auia
As pajfadat lembranças por tormento*
ô illuftre Simonides (di^ia)
(pois tanto em teu engenho te confias,
Qj<e moflras a memoria noua yia,
De Luis de Camões.
me defifes hunt arte quem mem dias
Me nao lembraj] e nada do paß ado,
ô quanto melhor obra mefarias.
&efie excellente ditto ponderado
Foffe^por quem fe vififiefiar aufinte
Em longas efierancas degradado,
ô como bradaria juftamente
Simonides inuenta nouas artes
T^äo meças o pajfadoco pre finte.
Que fe he forçado andar por Varias partes
Rufiando a vida algum deficanfi7 honefio
Que tu fortuna injufia mal repartes,,
Efieo duro trabalho he manifefio •>
Qtie por gr due que fija,ha de paßarfi
Qom antmofo Jjrito, & ledogefio,
Deque fierueas pejfoasalembrarfe
Dó quefie pafiouja,pois tudo paffia
Senão d'entrijlecerfe, magoarfie> V
Se doutro corpo hum*almafietr afj)afifa,
T\ão>cerno quis Tßhagoras na morte,
Mas como manda Jímor na vida eficaßa,
E sefie amitr no mundo efta de forte
Que na virtude sò d hum lindo objecto :
Tem hum corpo fem alma Viuo &fwtfy
Ond'efie objecto falta7 que he dejecto /

I r t w t e U f f i • «V SP' ".'•-•
Elegias
Tamanho pera a Vida,que ja nella
Mafia chamando a pena a dura Alécio:
(porque me não criara minha eflrella
Seluatko no mundo, habitante
TS[a dura Sgthia, ou na ajfere^a delia?
Ou no Caucafo horrendo fraco infante,
Criado ao peito d\xlgua tigre Hyrcana$
Homem fora formado de diamante.
i
Torque a cerui^ ferina írvihumana
7>{aofommettera ao jugo dura ley
Vaquei le que dá vida quando enganai
Ou em pago das agoas queflilley
jís que do mar paffeiforão de Lethe,
Tara que mefquecera o que pafsei.
Çíuo bem que a JfrerançaVaa promete,
Ou a morte o eftorua, ou a mudança,
Qjiht mal que hum alma em lagrimasderrete;
Iafenhor caíra como a lembrança
Hp mal do bem pafiadojbe trifle,isr duraP
Poisnace aonde morre a f f eranca,
Efe qui fer faber como s'apura
Jfumalma faudofa, nao fe enfade
De 1er tão longa isr mifera eferittura„ '
Soltaua Eolo a redea & liberdade
Ao manfo Eauom brandmentet
Dc Luis deCamões.58
E eu ji d tinha foita a faudade:
2\eptuno tinha pojlo o feu Tridente,
J proa a branca efcuma diuidiay
Qoa gente marítima contentev
O co/o das Jfyreidas nos feguia,
Os Ventos namorada Galathea1
Çonfigo fojfegados os mouia.
Das argênteas conchinhas !Panopea
.Andaua pcllo mar fazendo molhos
Melam o, Diamene, com Legea.
Eu trazendo lembranças por antolhos
Traria os olhos na agoa fojfegada,
E a agoa [em fojf ego nos meus olhos;
IA bemauenturança japajjada
Diante de mim tinha üo prefente»,
' Como fe não mudajje o tempo nada
E com o gfto im-notox defcontente,
Chum foffiro profundomal outiido,
(For não mojtrar meu mal a toda gente:
Dl^iafo darás NymphaSjfe o fentido
Em pui o amor tiuejles> ty in£agora
Da memoria.o não tendes efquecido»
Se porventura fordes algum hora
.Aonde entra o gnn Tejo a dar tributo
jíThetis, que Vos tendes por fenhota? .
Elegias
Ou por Verdes o prado verde eixuto
Ou por colherdes ouro rutilante,
DasTagicas arcas rico frutto:
Relias em Verfo heróicoelegante,
Efcreueic'hïia concha o quem mimvíflet
(Pode fer qualgum peito fe quebrante*
E contando de mim memorias trifles,
Os paftores do Tejo que me ouuiao
Oiiçao de Vos as magoas que me òuuifles.
Elias que ja nogeflo me entendido,
jSlcs meneos das ondas me mofirauao
Qjiem quanto lhe pedia confentão.
EJlas lembranças que me acompanhauao
<PoBa tranquilidade da bonança,
l>lem na tormenta graue me deixauÍQ.
{Torque chegando ao cabo da s fer anca,
Começo da faudade que renoua,
Lembrando a longa,& aff era mudança*
Debaixo eflando ja da eflrella noua,
Que no nouo Hemifyberio refflandecet
Dando do fegundo axe certa protia*
Eis a noite com nuues ejcurece
Doar fupitamente foge o dia7
E o largo Oceano rembrauece:
Amachina do mundo parecia
Dc Luis deCamões.58
Quem tormenta[e Vinha desfazendo,
Em ferras todo o nur fe conuertia.
Lutando 'Boreas feroyiyl^oto horrendo,
Sonoras tempefiades kuantauao,
Vas naos as velas concauas rompendo*
Às cordas co ruido affuuiauao5
Os marinheiros ja defifferados
Comgritos per a o ceo o ar coalbauao*
Os rajos por Vulcanofabricados
Vibraua o fero & afyero Tonante,
Ti 'emendo os Poios ambos daffomhradosl
Mli amor mostrandofepofiante
Eque por nenhum medo não fugia,
Mas quanto mais trabalho mais confiante^
Vendo a morte diantepn mim deçta,
Salgüa orafenhora Vos kmbrajfe
ISJ^ada do quepaffei me lembraria*
Em fim nunca ouuecoufa que mudafie
0 firme amor intrinfico daqudle
Em cujo peito huaVe^ deJtfo entr afife*
Hüa coufa fenhor por certo affelle,
Que ntinqua amor Je affina,ne m s'apura
Em quanto efidprefente a caufa delíe*
$)efi'arte me chegou minhaventura
J efia defejada longa terra^
Ve
Elegias
De todo o pobre honrado fepultura9
Vi quanta Vaidade em nos yencerra,
É dos pr opios quarn pouca}contra quem
Foy logo necefario termosguert a
Qi^e hum'ilha qn9o %ey de Torcà tem
Que o ^{cy daíPimenta lhe tomara,
Fombs tomarlhajsfucedenos bem.
Qom humarmadagr 0 f f a } qu' ajuntara
O Viforei deGoajios partimos
Qom toda agente darmas que s* achara,
E com pouco trabalho deftruimos
Agente no curuo arco exercitada.
Qom mortes com incêndios os punimos.
Era a ilha com agoas alagaday
De modo que swidaua em almadias,
Em fim outra Veneza trajladada,
TSiella nos detiuemos sòs dous dias,
Quefor ao para algüs os derradeiros
Que pajjarao de Styge as agoas frias*
Qu eHesJaÕ os remedios Verdadeiros
Que para a Vida Jlao apparelhados
j4os que a querem ter por caualleiros,
o lauradores bemauenturados,
Se conhece[sem feu contentamentoy
Qom o viuem no campo fojfegados.
Da*
'f s 'I
D Hf

v i^tliji a t v^<lIIÍOeS» 72
.m?er ^ > mfta
/ terra o mantimento,
/
jJ atoes a fonte clara a agoa pura,
MimmnO Jhm ouelhas cento a cento.
Is(dQ Vem o mar irado> a noite efcura,
for ir bufcar apedrado Oriente,
Nao temem o furor da guerra dura;
Viue hum com fuás amores contente,
Sem lhe quebrar o [cm foffegad®
0 cudado do ouro reluzente,
Se lhe falta ovejlido perfumado,
E da fermofa cor Afsyúa tinto,
E dos torcaes
* jítalicos laurado:
Se não tem as delicias de Qorinthoy
E fe de Tario os mármores lhe faltao$
0 Tiropo, a Efmeraldafir o lacinto,
Sefaos cafas d'ouro não s'ef?naltao,
Efmaltafelhe o campe de mil flores,
Onde os cabritos fem comendofaltao..
Jlli amo fira o campo Varias cores,
Vem fe os ramos pender co frutto ameno %
Mlife affina o canto dos paftores*
Jlli cantara Tityro, Sileno,
Em fim por ejlas partes caminhou
Afaã jujlica pera o ceo fereno.
Xlitofo feja aquelle que alcancou
' ^ Poder
fPoàr Yíhcy m doce companhia
D dá manias
.' ouelhtnhas
À criou,
Efle hem facilmente alcançaria
Js canjas naturais de toda a coufru,
Qomo fe gera a chuua & neue fna.
Os trabalhos dofoi que mo repouja,
E porque nos da a lua a lu^alhea,
Se tolhemos deThebo os rayos oufa.
E como tão de prefa o cèo rodea,
E como hum so os outros tra^ configo,
E fe he benigna ou dura Scytharea.
(Bem mal pode entender ifto que digo,
Que ha de andar feguindo o fero Marte
Que trag os olhos fempre emfeu perigo,
(Porem feja fenhor de qualquer arte,
Quepofto qua fortuna pojfa tanto,
Que tão longe de todo o bem me aparte,
Hão poderá apartar meu duro canto
Defta obrigaçãofua, em quanto a morte
Me não entrega ao duro rl\J)adamanto,
Seper a trifles ha tão leda forte.

El
D : Luis de Camões, /74í

Fj^a fegunda,.

/l'lue!í:í qne ctamor defcomedido


" {iJcllo fermoío moco fe perdeo,
fjjissòpor /ideamores foyperdido.
Defpois que a Deofa em pedra a connerteo,
De (eu humano geflo Verdadeiro,
Avitima Vo > sò lhe concedeo.\
ú
r .
J f t meu mal do proprio fer primeiro
Outra coufa nenhíia me confente,
Qjfefie canto quefcreuo derradeiro,
B salgua pouca vida eftando aufente
Me deixa amor, he porque o pensamento
Sinta a perda do hem dejlar prefente.
Senhor fe Vos ejpanta o fentimento
Qjie tenho em tanto ?nal para efcreuelo,
Furto efte hreue tempo a meu tormento.
{forque quem tem poder para fofrello
Sernfe acabar a vida co cuidado,
Também tera poier pera di^ello.
*Njm eu efcreuo mal tão cofllimado,
Mas n alma minha trifle, & faudofa
jffaudade fcreue, & eu trafiado.
\Anc\ogaflando a Vida trabalhofa,
J^i Btydi
Elejas
Ejj)filhando a continua faudade,
jfo longo dhüa praya faudoja*
Vejo do mar a infla bilidade,
forno com feu ruido impetuofo,
Retumba na mayor concauidade.
E com fua branca efcuma furtofo,
!>{a terra a feu pefar lhefiatomando
Lugar onde s'efienda cauernofo.
Ella como mais fraca lhefiadando
M concauas entranhas ondefleja
Suasfalgadas ondas eff olhando.
jí. todas efias coufas tenho inueja
Tamanha,que não fei deter minarme,
*Por mais determinado que me Veja.
Se quero em tanto mal defefferarmey
não poffo, porque amor/y faudade3
2\em licença me dão para ma t arme?
jís Ve^es cuido em mim fe a nouidade
E eflranhe^a das coufas0coa mudança,
Se poderão mudar bua Vontade.
E com ifio afiguro na lembrança
jínoua terra, o nouo tratto humano7
A efirangeir agente^ efi ranha vfança.
Suborne ao monte que Hercules Thebano
Do altifiimo Qalpe dtuidio,
Dan-
Dc Luis de Camões. 58
Tíando caminho ao mar Mediterrâneo.
úii c/lou tenteando aonde Yw
0 pomar das HejjeridasP mattando
Jtferpe qua feu pajfc? re/ijlio>
Em outra parfejlou afigurando
0 poderofo Antheo, que derrubado
Mais força fe lhe eftaríacrecentándo.
'Mas do Hercúleo braço fojugado
ftjj^ar deixou a Vida, não podendo
Da madre terra jafer ajudado.
lS[em comiftoem fim qu eftou dizendo,
]S[em com as armas tão continuadas,
De lembranças paffadas me defendo.
Todas as coufasVejo demudadas}
(Porque ótempo ligeiro não confmte
Qríeflejão defirmezaacompanhadas!
Vija qu a Primauera de contente
De mil cores alegres reüeflia
0 monteio rio} o campo alegremente1

Qttate aos montes duros conuidaud


A hum modo fuaue d'alegria.
Vi ja que tudo em fim me contentaua,
E que de muito cheo de firmeza
Hum mal por mil prazeres não trocava.4
TaI
Kl
^ Elegîas
Tal me fim a mudança Cr eflranhè^a,
Que fe y ou pellos campos, a Verdur&
Carece que fefecca de trifle^a.
Mas ifto he ja cojlume da Ventura,
Que aos olhos que viuem defcontentes?
Def contente o prazer fe Ih'afigura,
vgraue gr infiuffriueis accidentes
De fortuna Cr d'amor, que penitencia
Taograne dais aos peitos innocentes.
7s[ao hafla exprimentarme a paciência,
Com temores, Cr falfas ejperancas,
Sem que também m attente o mal daufencia?
Traceis hum brando animo em mudanças,
tpara que nunca poffafer mudado}
De lagrimas?fufpiros, Cr lembranças,
E s'efiiuer ao mal acofiumado,
Também no mal não confentis firmeza,
(para que nunqua Viua defcanfado.
Vtuia eu foffegado na trifie^a,
E alli não me faltaua hum brando engano}
Que tiraffe os defejos da fraqueja.
E Vendôme enganado eftar vfano,
Deu a roda fortuna? Cr deu comigo
Onde di nouo choro o nouo danno.
la deue de bafiar o quaqui digo,
fpara
Dc Luis deCamões.58
fará dar a entender o mak que caíío,
A quem ja Yio tão afpcro perigo.
E fe nos branos peitos fa<> a bailo
Hum peito magoado,defcontente,
Qu obriga a qttm o orne a confolallo,
jNao quero maisfenão que largamente
Senhqr me mandeis nouas dejfa terra9
JÍQ menos poderei Ytuer contente.
forque s'o duro fado me difteria,
Tanto tempo do bem,quofraco efprito
Def ampare a prifao onde yencerra;
Âçfom das negras agoas de Cocito
Ao pê dos carregados aruoredos
Qantarei o que nalma tenho ef :rittQf
E por entreffes horridos penedos,
jíquem negou natura o claro dia,
Entre tormentos ajjeros ir medos:
Çm a tremula Vo^,cahfada,<(?fria,
Qelebrarei o gejlo claro O*puro,
Que nunqua perderei da fanta fia.
E o mufico de Thraçia ja feguro
De perder fua Eurydice tangendoj
M1 ajudara ferindo o ar efcuro.
[Ás namoradas fombros renoluendo
ia/fado motmirão,
' £ 4
Elegias
E cm feu choro o rio ira emendo,
Em Salmoneo as penas faltarão.,
E das filhas de íBello juntamentí
De lagrimas osVafos s*encherão*
Qjiefe amor não fe perde em vida aufentel
Menos fe perdera por morte efeura*
forquem fim a almayiue eternamente,
E amortieffeitod!alma, &fempre dura

Elegia terceira;

Q Sulmonenfe Ouidio deflerrado


IS^a ajhere^a do ontho, imaginando
Ver fede feus parentes apartado:
Sua chara molher defamparando,
Seus doces filhos,feu contentamento,
Defua patria os olhos apartando:
TS{ão podendo encuhrir o jentimento,
jíos montes, & ás agoas fequeixaua
De feu efeuro & trifle nafcimento»
O curfo das eflrelias contemplam,
Ecomo por fua ordem difeurria
O cèo, o ar, & a terr adonde flaua.
Os peixes pello mar nadando y ia,
Jsferas pello monte? procedendo
IP jLv LI î s de Camões.
fome jeu natural lhes permittia•
Vêfuas fontes via eflar nacendo
H-èíAi
n.
\A($i so} de [eu proprío natural,
Apartado fe via em terra eflranba^
A cuja triííe dor não acha igual
Sofua doce Mufa o acompanha,
TS[psVerfos faudofosquefereuia,
E lagrimas com quaili o campo banhai
Defarte me afigura a fantafia
A Vida com que viuo defterrado,
7) o bem que noutro tempo pojfuia•
'Mil contemplo o goftoja paffado,
(fue nunqua pajfar a polia memorial
De quem o tem na mente debuxado*
a caduca & débil gloria,
Defenganar meu erro, coa mudança
Quefa^a frágil vida tranfitoria:
MU me reprefenta efla lembrança
fluam pouca culpa tenho, mentrijlece
Verfem ra^ão a pena que m alcança*
Qua pena que com caufa fe padece
Acaufa tirã o fentimento delia,

c -
Mas muito doe a que fe não merece.
%
Elegias
Quando a roxa ínanhafermofa/jr heSs
Abre as portas ao fol,<& cae o oruâlhõp
E toma a [em queixumes rPhikmela,
EJle cudado que co fono atalho
Emfonhos me parece, quo qu a gente
Wor feu defcanfo tem} me da trabalho,9
E depois d*acordado cegamente
(Ou por melhor di^er defaçordado,
Que pouco acordq tem hum dejcontente)
Valli me Von com paffo carregado,
A hum outeiro erguido, (r alli niajfento.
Soltando a redea toda a meu cudado.
pepois de farto ja de meu tormento,;
D"alli eflendo os olhos faudofos
A parte aonde tinha o penfamento,
Tijto Vejo fe nao montes pedregofos.
E os campoç fem gr aça, (srfeccos Vejo?
Queja floridos vira, & vraciofos.
Vejo o purofuaue, brando Tejo,
f om as CQncauas barcas, que nadand\ ]
Vão pondo em doce effeito fên defejo.
fiuas co brando vento nauegando,
Outras cos leues remos brandamente
As criflaííinas agoas apartando.
paillfdlo çoa agoa que não fente^

\ C
Dc Luis deCamões.58
If om cujo fenèmmto a alma fay
Em lagrimas desfeita claramente•
ò fugiúms ondas ejferay,
Que pois me não leuais em companhia\
Ao menos efias lágrimas leuau
%
Ate que Venha a que lie alegre dia,
Queu Va onde Vos his contente is* ledo;
Mas tanto tempo quem o paffaria?
TSJw pode tanto bem chegar tão cedo,
Porque primeiro a vida acabara;
Que s acabe tão affero degredo.
Mas ejla trifie morte que Vira,
S'em tao contrariofiadome acabajje,
Aalma impaciente adonde ira?
Qjiefe as portas Tartareas chegaffe
Temo que tanto mal pella memoria
TS[em ao paffar de Lethe lhe paffaffe*
Quês*a Tantalo & Tycio for notoria
A pena cm que Vay qua atormenta7
A pena que la tem terão por gloria.
Efia imaginação me acrecenta
Mil magoas no fentido^perqua vida
D9imaginações trifies fefuftenta.
Que pois de todo Viue confumida}
Porfio mal que pojjue fe refum
I erceto
Imagina na gloria poffuida»
Ate qiia noite eterna me confuma.
Ou Veja aqudk dia ckfejaão,
Em que fortuna faça o que cofiuma,
Se nella hahi mudar bum trifle fiado.

A DOM LIONIS
P E R E I R A , S O B R E O LU
uro que Pero de Magalhães Ike
offereceo do defcubrimento
da terra íanóla Cruz.

Efjois que Magalhães teue tecida


jíbreue hijloria fua, quillujlraffe
jí terra Saneia Çru^pouco fabida;
Imaginando a qnem a dedicajfe,
Ou com cujo fauor defenderia
Seu liuro d'algum Zoylo que ladrajfe:
Tendo niflo occup.tda a fantafia,
Lhe fobreueo hum fono repoufado
jíntesqiio Sol abriffeo claro dia.
Em fonhos Waparece todo armado
Marte? brandindo a lança furiofa.
Com que fe^ quem o Yio todo enfiado;
Dizendo em Va> pefada? temerofa:
K*0
Luis de Camoes.
Njnbüa obra que pofifa ferfamofa,
Senão a quem por armas refplandeça
2%o mundo todo, com tal nome,Crfama,
Que louítor immortal fempre mereça.
lfto aßi dito, Apollo que da flamma
Ceiefieguia os carros, d"outra parte
Se lhe aprefenta, Cr porfieunome o chama
Dizendo: Magalhães,pofio que Marte
Com [eu terror fejfante, todauia
Comigo deues sò d?aconfelbarte.
Hum Varão fapiente, em quem Talia
Tos fem thefouros, Cr eu minha ficiencia,
Defender tuas obras poderia.
Hejuflo qua Eficrittura na prudência
Ache sò defienfaô, porque a dureza
"Dm armas,he contraria da eloquencia$
Aßi difife. E tocando com defire^a
A cythara dourada, começou
De mitigar de Marte a fortaleza*
Mas Mercúrio que fempre cofiumou
Adeffartir porfias duuidofas,
Co Caduceo na mão que fempre vfiou,
Determina comporás perigofas
Opiniões dos Deofes inimigos,

C
Terceto
f om razoes boas, jußas/jr amoro/an
Edijfe: bem fabemos dos antiga
Berns, dos modernos, qtk rroiu i. '
De (Bellona os grautßimosperigo:,
Que também muitas Ve^es ajuntarão
As armas eloquencia, porquas Mufas
Mil capitães na guerra acompanharão.
ISjmqua Alexandre,ou Cef ar,nas confufas
Guerras, deixarão q efiudo em breue fpaçol
Ts[em armas da f<ciência fao efcufas.
JS^híia mão liuros, noutraferro,& aço,
A hiia rege, enfina,a outra fere
Mais co faber fe Vence, que co braço.
(Poií logo Varão grande, fe requere
Qiíe cometem does Apollo jllußre feja,
E de ti Marte palma, &gloria ejjere,
Efle Vos darei eu, em que feVeja
Saber7 O* esforço no ferenopeito
(ftíbe Dom Lionvs,que fa^ ao mundo enueja•
Defie as irmãsemVendo o bom fogeito,
Todas noue nos braços
>
o tomarão
Çriandoo co fen leite no feu leito,
As artes, & /ciência Wenfinarao,
Inclinação diuina Itiinfluirão,
As virtudes moraes quo logo ornarão.
Da*
LJ Ç Í.J
y
*Xiiim os exercidosJ o o femrao
Das amas m Oriente, onde primeiro -
Hum fotdado gentil inflituirao. .
'Ah taci ijfouM fe^de caualleiro,
(jjie de CbrtftdQ magnammo,<&figuro^
Afi mefmo Venceo por derradeiro.
Depois ja capitão forte, & maduro,
Gouernando toda Áurea Cherfonefio,
Lhe defendeo co hraço o débil muro.
^Porque Vindo a circala todo o pefo
Do poder dos Achens,quefiefioflenta
Do fangue alheo, em fúria todo acefio,
Efie sb quati Marte reprefenta
0 cafligou de forte, quo Vencido
De ter quemfiqueviuo fe contenta.
fpois tanto quo grão reino defendido
Deixou5 fegunda Ve^ com mayor gloria,
Tara o ir gouernar foy elegido.
E não perdendo ainda da memoria
Os amigos o fieugouerno brando,
Os imigos o danno da Victoria5
Hüs com amor intrinfeco, efierando
Efião por elle, Cr os outros congelados
0 vão com temorfinoreceando.
fpoisVedefiefi:raodesbaratados
Terceto
De iodo por feu braço, (e torna f f e ,
E dos mares da Índia degradados,
o
tPorquhe jujlo que nunqua lhe negajfe
0 confelho do Olympo alto <&fubidot
Fauor,& ajuda com que pelejajfe.
(Pois aqui certo eftà bem dirigido
; De Magalhães o liuro, ejle so deue.
De fer de Vos, ò Deofes efçolhido.
Iflo Mercúrio dijfe: & logo em breue
Se conformarão niflo Apollofíj? Marte,
E voou juntamente o fono Iene.
Acorda Magalhães, Zsrja fe parte
Avos offerecer, fenhor famofo
Tudo o que nelle pos fciência, i? arte.
Tem claro eftillo,engenho curiofo
Tara poder de Vos fer recebido
Com mão benigna d1animo amorofo«
{"Porque so de não fer fauorecido
Hum claro f f rito, fica baixo,& efcuro:
{
Pois feja elle comuofco defendido
Como o foy de Malaca ofraco muro,

0
3e Luis-de Camões,

j TVLO
fZ. *4
*
ííe mouerd'olhos excellente,
4 i O

Âquelk Vuw jfirito inflamado


Do crijlallino rojlo tranfyarentc,.
/quelle gefto immoto & repouf ado,
Ç^uefiando n'aima propriamentefcritto$
Isfaopode fer emVerfo trafladado,
jfquelle parecer qu'he infinito
Verafe comprender d?engenho humano,
O qual offendo em quanto tenho ditto-
Minflmma o coração, d'hum doce engano
Menleua, er engrandece a fantajia,
Que não vi mayorgloria que meu danno.
ô hemauenturado feja o dia,
Em que tomei tão doce penfamento^
Oiie de todo+os outros me defuia:
E hemauenturado ojbffrimento,
Qqe fouhe fer capa^ de tanta penal
Vendo qu'ofoy da caufa o entendimento»
Facame quem me matta, o mal quordena»
Trattemp. com enganos, defamores,
Qjí então me falua, quando me condenai
Efe de tão fnaues disfauores
L
Capitulo
Penando viue hum9alma confumida<,
6 que doce penar,que doces dores!
B/e bua condição endurecida,
Tamlem me nega a morte por meu damtol
o que doce morrer,que doce Vida!
Hf eme mofirahumgefio brando & humano7
Çomo que de meu mal culpada s'acka$
ô que doce mintir,que doce engano!
E sm quererlhe tanto ponho tacha,
Moftrando refrear o penfamento,
o que docefingir, que doce cacha!
U/si que ponho ja no foffri?nento
Aparte principal de minha gloria,
Tomando por melhor todo o tormento.
Sefinto tanto bem sò na memoria
De Vos Ver, linda dama,vencedora,
Que quero eu mais quefer vofja a Vittoria?
Se tantoVoffaVifia mais namora,
Quanto eu fou menos para merecemos,
Que quero eu mais, que ternos por fenhora?
Se procede (fie bem de conhecemos,
E confifle o Vencerem fer Vencido,
Que quero eu mais fenhora, que quererVosi
$'em meuproueito fa^ qualquer partido, 9
Sò na Vi fia d%us olhos thferenosP
r
s .
I3HB®1||||' "2
De Luis de Camões.
Qj<e quero eu mais ganhar, quefcr perdido}
Se meus baixos Jftritos de piquenos
Ainda não merecem feu tormento,
Que quero eu mais quo mais nãoJeja menos}
A caufa emfimm esforça o fioffrimento,
^ orqua pefar do mal que me refifie
De todos os trabalhos me contento,
ÇLua ração fa^ a pena alegre ou trifle.

OVTAVAS
DE LVIS DE CAMÕES!

A DOM ANTONIO DE NO,


ronha ^ íbbre o defconcçrto
do mundo.
iode fer no mundo tão quietoi
Ou quem terá tão liure o ptnfamentoí
Quem tão exprimentado, ir tao difereto,
Tão fora em fim d*humano entendimentoi
Quou com publico ejfieito, ou com fiecreto,
Lhe não reuolua, ir ejpante ofentimento,
Deixandolhe o juyço quaji incerto,
Ver,fy notar do inundo o deficoncertoi
L i fcm
Ou tau as
Quem ha que Veja aquelle que viuia
De latrocínios}mortes, C adultérios, ,
Qiiao juy^o das gentes merecia
^Perpetua pena, immenfos vitupérios?
Syafortuna em contrario o leua^giáa^
Moflrando emfim que tudo fao myflerios
Em alteia d'eftados triumphante,
Que por liure que feja não s'eïpante.

Quem ha que Veja aquelle que tão clara


Teüe a Vida, quem tudo por perfeito
O proprio Momo ás gentes o julgara,
Ainda que lhe vira aberto o peito?
Sya ma fortuna ao bem somente aiiara3
O reprime, tsr lhe nega feu direito,
Que lhe não fique o peito congelado
(por mais/sr mais que feja exprimentado.

Democrito dos Deofes proferia


Querão sòs dom, a pena/sr beneficio,
Segredo algum fera da fantafia,
De qu'eu achar não poffo claro indicio:
Quefe ambos vem por não cud-ada via,
Aquém os não merece, hegrande viçio
Em Deofes femjufliça, isr fem re^ao:
Mas Democrito o dijfe, (y Paulo não,
Dir-
Dc Luis de Camões. 58
Dirmeis que se fie ejlranho dejconcerto
TSloucmente no mundo fe moflraffe,
Que por liure que fojje, Cr muy experto,
T{ao era (Tejfrantar fe ríeffantajfe:
M.ís que feja de Sócratesfoy certo
Que nenhum grande cafolhe mudaffe
O Vulto,ou de prudente> ou de confiante}
Que tome exemplo de He, Cr não ni espante*

^Parece a ra ^ao hoa, mas eu digo


Queflevfo da fortuna tão dannado,
Que quanto Cr mais yfado, Cr mais antigo
Tanto cr mais ejlranhado, Cr hlafpbemado:
í
forque s'o céo das gentes tao amigo
TSfao da a fortuna tempo limitado,
TSQao he para caufar muy gr andejbanto>
Que mal úo mal olhado dure tanto.

Outro fpanto mayor aqui menlea,


Que com quanto fortuna tão profana
Qom efles defconcertos fenhorea,
J.nenhíía peff oadefengana:
Hão ha ninguém quaffente, nem que crea \
Efle difeurfo vão da vida humana,
(por mais que philofophe, nem qu entenda,
Qu algum pouco do mundo não pretenda.
Lj Dio*
Outauas
Diogenes pifam de Tlatao
Qom fern forMos pes o rico (Irado,
lio fir and:outra mais alta pre função,
Em dejpre^ar o fauflo tão pregado:
Diogenes nao yes queflremos faô
Effes que fegues de mais alto fiado,
Que fe de deffre^ar te pregas muitoy
Ia pretendes do mundo fama i^fruito.

Deixo agora reysgrandes, cujoJludo


He fartar efta fede cubiçofa,
De querer dominar, <sr mandar tudo
Comfama larga, & pompa fumptuofat
Deixo aquelles que tomao por efeudo
De feii4 Vícios, & Vida Vergonhofa,
jínobreza de feus anteceffores,
E não cudão de fi que faô peons.

Deixo aquellea quem o fono ejperta


0 gr ao fauor do rey que ferue & adora,
Que fe mantém íefia aura falfa,incerta,
Que de corações tantos he fenhora.
Deixo aquelles que ftão coa boca aberta
Tor s encher de thefouros d'hora em hora,
Doentes defta falfa hydropefta,
Que quanto mais alcança, mais queria.
Dc Luis de Camões. 58
Deixo outras obras vãs do Vulgo errado,
jíquem não ha ninguém que contradiga,
JS[em doutra coufa alguma he fojugado
Ouedhuma opinião, Zsrvfanea antiga:
Maspregunto ora a Qefar esforçado,
Ou a Platão diuino, que me diga
Efle das muitas terras em qu andou,
Efloutro de Vtncellas, qu alcançou}
i
Cefar dirá, fou dino de memoriaf
Vencendo Vários ponos esforçados,
Fuy Monarcha do mundo, & larga hiftorià
Ficara de meus feitosfublimados:
He Verdade, mas ejse mando Z?gloria
Lografle o muito tempo? os conjurados
fBruto Zsr Ca fio o dirão,que ft Venceflé
Em fim em fim as mãos dos teus morrefle.

D ira Platão por ver o Ethna úr o Njlo]


fuy a Cicilia, ao Egypto, Zr a outras partis£
Sô por Ver & fcreuer em alto eflillo
Da natural f ciência em muitas artes:
O tempo he hrewe, queres confumillo,
tylatao,todo em trabalhos> & repartes
Tão mal de teu findo as breues horas,
Quem fim do falfo fhebo ofilhoadoras'.
LA
• w,
foH
Outauas /

Pois depois que do mundofiaapartada


!A alma defla prifad terrejie & ofcura,
Bfta em tamanha* coifas occupada,
Que da fama que fica nada curai
Pois so corpo terreno finta nada
0 Synico o dira,feporventura
TS(o campo onde deitado mortofiaua
Def i os cães, <6r as aues enxotaua.

Quem tão baixa tiueffe a fantafia


Que nunqua em mores coufas a metejfe.
Quem so leuar feu gado a fonte fria,
E mungirlhe do leite que bebeffe,
Quão bemauenturado que feria,
Qtie por mais que fortuna reuoluejfe,
TS[unqua em fi fentiria major pena,
Qiie pefarlheda Vida fer pequena.

Veria erguer do foi a roxa face,


Veria correr fempre a clara fonte,
Sem imaginar a agoa donde nafce,
Nem quem a lu% efconde no Ori^pnte:
Tangendo a frauta donde o gado pafce,
Qonhfcma as heruas do alto monte,
Em Veos creria fimples Cr quieto,
Sem mais effecnlar nenhum fecreto.
De Lukde Cafàoes,
D'hum certo Trafilao feleirfcreue
Entras coufas da Velha antiguidade,
Que perdido hum grã tempo o fijo teue
fpor caufa dhuma grande injirmidade:
E em quanto defi fora doudofleue
Tinha por teima,ír cria por Verdade
Qjíerão fuás as naos que nauegauão,
Quantas no porto fino anchoraião»

*Por hum fenhor muy grande fe teria


{Alem da Vida alegre que paffaua)
fyoisnas que feperdião não perdia,
E das que vinhão faluas sakgraua,
TSlão tardou muito tempo, quando hum dia
Huncrito feu irmão, quaufenteflaua,
íi terra chega, & Vendo o irmão perdido^
D ofraternal amor foy commouido.

Aos médicos o entrega, ir com amfo


0 fa^ eflar a cura refufada,
Trifle, que por tornar lhe o charo fifa
Lhe tira a doce Vida defcanfada:
As heruas Apollineas dimprouifo
0 tornão a faude atras paffada,
Sefudo Trafilao, ao charo irmão
Agradece a Vontade,a obra não •
Outauas
^Porque depois de Ver/e no perigo
Dos trabalhos quo Jifo U> obrigam,
E depois de não Ver o fiado antigo
Qjia vã opinião Waprefentaua,
ô inimigo irmão com cor d amigo,
Qara que me tirafte{fufiiraua)
Da mais quieta vida, Cr liure em tudo±
Que nunqua pode ter nenhum fefudo,

forque rey, porque duque me trocarai


^Porque fenhor de grande fortaleça}
Que me daua qtto mundo s*acabara*
Ouqua ordem mudajfea nature^ai
Agora he me pefada a vida chara*
Sei que coufa he trabalho,í? que trifie%
Torname a meu fiado, quen fauija
Qtie na doudiçe s'o confifie ojifo•

Vedes aqui fenhor} muy clara?nente


Qomofortuna em todos tem poder,
Senão sô no que menos fabei?fentè
Em quem nenhum defejo pode auer:
Ffie fe pode rir da cega gente,
*Hsfiz não pode nada acontecer,
TSlem efiarã fufyeufo na balança
Do temor mao da pérfida f feranca,
De Luís de Camões. ^ j
Mas so fereno ceo me concedem
Qualquer quieto,humilde, docefiadoP
Onde com minhas mufas so viuera,
Sem verme em terra alhea degradado:
E alli outrem ninguém me conhecera
JS^em eu conhecera outro mais honradop
Senão a Vos também,como eu, contentep
Que bemfey quo ferieis facilmente,

E ao longo ihuma clara i? pura fonte,


Qu em burbulhas nafcendo conuidafie
Ao doce paffarinho que nos conte
Quem da clara conforte o apartaffe:
Depois cubrindo a neue o Verde monte
Aogafalhado o frio nos leuaffe, •
Autuando o jui^o ao doce fludo,
Mais certo manjar dyalma emfimque tudoa

Canúranos aquelle que tao claro


Ofe^o fogo d'aruore Phebea,
A qual elle em eflillo grande (srraro,
Loutmdo, o criftallino Sorga enfreai
Tanger anos na frauta Sanna^aro,
Hora nos montes, hora pella area,
(Paffara celebrando oTejovfano
0 brando & doce Laff) Qafielhano.
E com-
7
* Gutaiíâs
E comnofco também s achara aquella
fuja lembrança, & cujo clarogefio
TS^alma fomente Vejo: porque nella
EJla em ejfencia, puro & mantfeftop
For alta influição de minha ejlrella,
Mitigando o firme peito honeflo,
Entreeefcendo rofas nos cabellos
De que tomajfea lu^o folemVellos,

£ alli em quanto asfloresacolheffe,


Ou pello inuerno ao fogo accommodado$
Quanto de mim fentira nos dijfejfe
De puro amor o peitofalteado,
Não pedira eu então quamor me deffe
De Trajilao o hifano, & doudoftado9
Mas quentão 7ne dobraffe o entendimento]
ÍV ter de tanto bem conhecimento;

Mas para onde me leua a fantafia,


(Porqu imagino em bemauentnrançoi
Se tão longe a fortuna me defuia,
Quinda me não confente as ejferançasi
Syhum nouo penfamento amor me cria,
Onde o lugar, o tempo,as efquiuançai
Do bem me fa^em tão defamparado,
Que não pode fer mais qu imaginado*
De Luis de Camoes. 78
Fortuna em fim co amor fe conjurou
Qontra mim, porque mais me magoaffe,
Amor a hum Vao defejo viobrigou,
Sò para qua fortuna mo nega f f e ,
O tempo aefle fiado me chegou,
E nelle quis qua Yida s'acabaffe,
Se ha em mim acabarfe7 o queu nao creol
Çjiate da muita Vida me receo,

OVTAVAS
A DOM CONSTANTINO,,
Viforey na índia.
/

C Omo nos Voffos ombros tão confiantes


((Principe illuflre <sr raro) fufienteis
Tantos negocios árduos & importantes,
Dignos do largo império7 que regeis:
Como fempre nas armas rutilantes
Veflido, o mar,Za terra fegureis
Do pirata infolente, isr do tyranno,
Jugo do potenlifiimo Ottomano.
V
Outaim
' E como com Virtude necejfarta,
Mal entendida do juy^a alheo,
A dejordem do Vulgo temeram
7^a fanta pa^ponhaes o duro freo:
Se com minha ferittura longa & Varia
Vos occupajje o tempo, certo cm
Que com ridkulofa fantajia
Qpntra o commum proueito peccarnf

E não menos feria reputado


Por doce adulador, faga^ úr agudo,
Que contra meu tão baixo, (sr trifie fladç
íBufco fauor em Vos, que podeis tudo:
Se contra a opinião do Vulgo errado
Vos celebraJJeVerfo humilde i? rudoy
Dirão que com Uforija ajuda peço
Qontra a mfer ia injufla que padeço>.

Torem porqiia virtude pode tanto


liure arbítrio (como diffe bem
A Dario rey, o moçofabio <sfaito,
Quefoy reedificar Hieruftlem)
Efta níobriga quem humilde canto
Contra a tenção qua plebe ignara tem,
Vos faça claro a quem Vos não alcançaj
E não de premio algum vil efyeranea,
De Luís deCamões.^j
tf{muhßücco)ty outros^quWcançarãq
T^omes de Sem ide o f es foberanos,
Em quanto pello mnndo exercitarão
jíltos feitosquafi mais qrihumanos:
Comjußißma caufa fe queixarão
(lue não lhe reßmderao os mundanos.
Fauores do rumor jußos Cr iguoaesy 1
l
jífeus merecimentos immortaes9

quelle quê nos haços poderofos


Tirou a Vida ao Tingitano Antheo,
]
jíquem os feus trabalhos tão famofos
Ei^erão cidadão do alto ceo:
Achou qua ma tenção dos enuejofos
não fe doma fenão deffois qu'o v'eo
Se rompe corporal,porque na vida,
Ninguém alcança a gloria merecida*

(pois logo fe Varões tão excellentes


Eorão do baixo Vulgo molefiados,
0 Vitupério vil das rudes gentes
Em louuor dos reais,& fublimados,
Qiiem no lume dos Vojfos accedentes,
Poderá por os olhos, qu abalados
Lhe não fiquem da In^ Vendo os majores
Vojfos pafjados reis em per adores.
Outauas
Quem vera aquelle pay dapatria fm$
Açoute do foberbo Qaflelhano
Quo duro jugo so coa Jpada nm
Ü{emoueo do pefcoço Lujitano,
Que não diga ògran TS[uno a eterna itut
Memoria caufarã (fe não m engano)
Que qualquer teu menor tanto s'eflimeÂ
Que nunqua poffasferfenãofublimel

1S(ifto nãofallo maisforque conheço,


Que da materia fe m abaixa o engenho•
Mas pois qua diçertudo m'offereco^
Que diits ha que no defejo o tenho:
Sendo Vos de tão alto ir illujire preço^
Ávida foft es por rihumfraco lenho9
(
Por largo mar, ir Vndofa tempeflade3
Sô por feruir a regia mageflade.

E depois de tomar a redeadura


2S[a mão, do pouo indomito^uefiam
Çoflumado à largueza, ir ãfoltura
4)0 pefado gouerno quacabaua:
Quem não tera porfanta irjufta cura]
Qual de V off o conceito syejjeraua9
A tão defenfreada infirmidade
Applicarlhe contraria qualidade*
De Luis de Camoes. 104
jSlao he muito fenhor, s*o moderado
Gouerno fe blajphema, i? fe de fama,
Porquo pouo a largueras coflumado
M leyferena & jujh,dura chama: %
Pois o ^ello em Virtude so fundado
'De faluar almas da Tartarea flammtt
Qoagoa jalutifera de Qhriflo,
Codera por Ventura fer mal quifloî

Quem quifeffe negar tao gr ao Verdade


Qjialhe o feu eff eito fanfto & pio,
ISjgue também ao fol a claridade,
E certifique mais qu o fogo hefrio: .
Quofuccefjo he contrario daVontade,
jís obras que fao boas, (y o defuio-
Efa nas mãos dos homes cornette Ut*,
E nos de Deos eftao f uccejfo delias,

Sey eu, f abem todos qu'osfuturos


Verão por vos o eftado acrecentado,
Serão memoria VofJ a os fortes muros
Do Cambaico Damão bem fujlentado:
Da ruina mortal ferão feguros,
Tendo todo o ahcerfefeu fundado
Sobre órfãs emparadas com maridos^
Epagos os feruiços bemdeuidos.
M
Ou tau as
Qamanha infamia ao principe he perderfe
aponto do fiado feu, qu inteiro herdou,
(Por tao celebre gloria pode terfe
SJacrecentado<úr profiero o deixou:
7S(unqua confintiotf{omaennobrecerfe
Qom triumpho ninguém, fe nãoganhou
Amância,qu'o impérioacrecentajfe
tPormáyoresyittorias qualcançajfe,

(podetomar oVoffonome dbio


Damão por honra fua clara & pura?
Comoja do primeiro Confiantino
Tomou Tildando a quelle quinda dura:
E tu rey que no reyno Njptunino
La no feo Gangeîico a natura
Tapofentou, deferes inimigo
D9efe;fiado,não ficas [em ca/ligo.

íBemVtfie contra ti nadantesnaues,


fort ar a fiumofa agoa nauegando,
Ouuifis o forn das tubas não fuaues,
Mas com temor horrifero fiando:
Sentifie os golpes ajperos &graues
Do braço Lufitano nunqua brando,
Nãofoffrefieo gr ao brado penetrante
(IfÏQs trouoes imitam do Tonante•
De Luis de Camoes. 104
Mas antês dando as cofias,(sr a Vittoria
Ji fàirgances Ventura mo corrido,
Di fio Vens a entender caminhagloria
He de tal Vencedor feres Vencido:
Quemfc-^obras tão dignas de memoria
Sempre fera famofo Cr conhecido,
Onde osjuy^ps altos syeflimarem,
Queflis SQS tem poder de fam^ darem.

TSlão Vos temais fenhor do pouo ignam


E ingrato a quem tanto fc^ por elle,
Mas fabei, qu hefinal de ferdes claro$
Serdes agora tão mal quijlo delle:
Themijlocles da patria fua empar o,
O foi>'te liberal Cimon, Cr aquelle
Que leys ao pouo deu dEjparta antigo$
Teflemunhas ferão dijlo que digo,

Vois aojtifto Ariflides hum robujlo


Votando no Oracifmo cojlumado,
Lhe dijfe claro afli porquerajuflo
Defejaua que fofie dejlerrado:
tPacbitas por fugir do pouo injufto,
Calumniofo, dando no faiado
Conta de Lesbos, quelleja mandara,
Se tirou com fua efyada a vida charaf
Mz *
Ou tau as
Demojlhenes deitado das tormentas
(populares, a Pallas foy dizendo
De que tres-monjlros grandes te contentas,
Do Drago, Emocbojtp do vilpouo horrendo?
Que glorias immortaes outte, quifentas
Do Veneno Vulgar fofíem viuendot
\Pois mil exemplos deixo de Romanos,
E Vos também fois hum dos Lujitanos.

O V T A VA RI MA,

A S E T T A QJV E O P A P A
mandou a el Rey Dom
Sebaftião.

TV A Vy alto a quem os cêos em forte


* ^-Derao o nome Auguflofirfublimado.$
Daquelle caualleiro que na morte
*Por Çhrijlo foy de mil fettas pajfado:
\Poisdelleo fel peito, cafio, &forte
Co nome imperial tendes tomado,
Tomay também a fetta veneranda,
Qtfa vos o fuccejf or de Pedro manda«
DeLuisdeCamSes.
la por forte do cèo, qiio confentioy
Tendes o braço feu,relíquia chara,
Defenfor contra o gladio queferio
O pouo que Dauid contar mandara.
No qual,pois tudo em Vosfe permittío,
(PrefagiQ temos,& efperanca clara
Quefereis braçoforte & foberano,
Qontra ofoberb ogladio Mauritano.

Eo qiieflc prefagio agora encerra,


Nos fa> ter por mais certo Z? Verdadeiro
Afetta que Vos da quem he na terra
Das relíquias celeftes difyenfeiro:
Quas voffas fettasfao na jufiaguerra
Agudasentrar ao por derradeiro,
Qayndo a Voffos pés pouofem ley
Njos peitos que inimigosfao do %ey„

Quando voffas bandeiras dejfregaua


Albuquerque fortifsimo com gloria,
foliasprayas de Qerfia, & alcançaUA
Dé nacoes
* tão remotas a Vittoria,
*
Asfettas embebidas que tiraua
O arco ArmujtanOjhe larga hiftoria,
Que no arfDeos querendofe virauão,
!Tregandofc nos peitos quas tirauão.
Mi
Outauas
0 querido de Deos por quem peleja
0 ar também jt? ovento conjurado,
Ao atambor acode por que Veja
Que quem a Veosama,he de í)eos amado,
Os contrários reueis a madre Igreja
Atroarão co tom do ceo irado,
Qiie aßi deu ja fauor mayor que humano,
jílofue Hehreo?a Theodofio Hifpano.

<Pois fe as fettas tiradas da inimiga


Corda, contrafisonociuasfaõ7
Que faraó %ey as Voffas, que tem liga
Com a que ja tocou Sebaftião?
Tinta Vem do feu fangue,com qu obriga
Aleuantar a T)eos o coracãú,
* '

Crendo quas que Vos atirareis


IS^o fungue Sarraceno as tingireis.

Afcaniofe trazer me he concedido


Entre fantos exemplos hum profano)
di(ey do largo império conhecido,
d{omano,ír so relíquia do Troyano,
Vingou c&mfetta tr animo atreuido
As foberbas pal auras de TSfimano,
E logo foi dalli remunerado,
Qom louuores d'Appollo celebrado.
De Luis de Camoes. 104
*Aßi vos fJfytj que foHes fegurança
De noffa liberdade,Zr que nos dais
Dç grandes bis certißima fyeranea,
Nos coflumes Zr afyeito que morrais
Qoncebemosfegura confiança
(lue Deos a quem feruis Zr Venerais
Vosf ara vingador dos feus reueis,
E os prêmios Vos dara que mereceisQ

EHes humildes Verfos,que pregão


Sad deites Vojfos Reinos com Verdade,
Recebei com humilde Zr leda mão,
tPòishe deuido a %eys benignidade,
Tenhão{ fe nao merecem galardão)
Eauor fe quer da %egia Magefiade,
Aß tenhais de quem ja tendes tanto
Qom o nome Zr reliquiafauor Janto.

M*4 Eclo
Éclogas
É C L O G A S ,

A morte de D.Antonio de Noronha, que


morreo em Africa,& á morte de dom
loáo Principe de Portugal, pay
dei Rey D.Sebaftiáo..
ÉCLOGA I
Vmbrano,& Frondelio?paftores,
VM B R A N O ,

Q Ve grande Variedade vão fazendo


Frondelio amigo, 04 oras apre fiadas7)
£omo fe Vao as coufas conuertendo,
Em outras coufas Varias/s* infferadas:
Hum dia a outro dia Vay trazendo,
ípor fuás mefmas horas ja ordenadas,
Mas cjUâo conformes fao na quantidade$
Tad différentesfao na qualidade,

Eu vija defte campo as varias fores


Jis efirelias do ceo fazendo inueja,
Vi andar adornados ospafiores
De quanto pollo mundofe defeja:
E vi co campo competir nas cores
Os trajos de ohra tanta,& tad foheia>
Que fe a rica matéria nãofait aua,
Aobra de mais rica fobejaua »
h Vi
De Luis deCamoes.104
E vi perder [eu preço as Irancas rofas,
E quafeefcurecerfe o claro dia
Diante dhüas moftras perigofas,
Que Vénus mais que nunqua eiígranàeãa
Em fim vi as pajloras tao fermofas
Quo amcr de Jime/mo fe temia$
Mas mais temia o penfamento falto
De não fer para ter temor tão alto,

Agora tudo eflã tão dijferente,


Que moue os corações a grande jfanto.ã
E parece que lupiterpotente
8*enfada ja Ío mundo durar tanto,
O Tejo corre turuo & dejcontente,
As aues deixão feu fuaue canto,
E o gado em Ver qua herua lhe fallece
Mais que de a não comer nos emmagrect

J?ro. Vmhranoirmão, decreto he da natura


Inuiolaueljfixo/srfempiterno7
Qua todo o bemfucceda defuentura%
E não aja prazer que feja eterno:
Ao claro dia fegue a noiüfcura,
Ao verão fuaue, o duro inuerno,
E fe hahi quem fayba ter firmeza,
Be somente efla ley de natureza.
Ou tau as
To d'alegria grande zpfumptuofa
Aporta abrindo,Vem ao iriftefiado*
Se bua hora Vejo alegre isr deleitofa.
Temendo ejlou do mal aparelhado:
tíao Vès que mora a ferpe Venenofa
Entras flores do frefco <sr Verde pradoi
7>{ao (engane nenhum contentamento,
Qiie mais inftauel hecpio penfamento.

E pra^a a Deosquo trifee ir duro fado


De tamanhos defaferesfe contente,
Que fempre bum grande mal inopinada
He mais do quo ejftera a incauta gente;
Que Vejo efee carualho, que queimado
Taograuementefoi do rajo ardente,
TS{aofcja ora prodígio que declare
Qu^o bárbaro cultor meus campos are.

Vmb. Em quanto do feguro a^ambugeiro


Nos paftores de Lufo ouuer cajados,
E o Valor antigo que primeiro
Os fe^no mundo taõ afsinaladosi
7s[ão temas tu Frondelio companheiro,
Quyem nenhum tempo fejaofojugados,
lS[em qu'a cerui^ indómita obedeça
A outro jugo algum quefe ojfereçd.
De Luis de Camoes. 104
E pofloqua foberba fe leuante
Do inimigo, a torto, Cr a direito,
2^ão creas tu qua força íepugnanã
Dofero, Cr nunca ja Vencido peito1,
Que de/de quem poff ue o monte Athlante,
jtte onde bebe o Hidafpe tem fogeito,
O pojfa nunqua fer de força albea,
Em quanto o foi a terra Cr o céo rodea;

Fro. Vmbrano, a temeraria fegurança


Quem força, ou em re^ao não saffeguraJ
Hefatfa, Cr vã, qu*a grande confiança
?Íão he fempre ajudada da Ventura,
Que lá junto das aras da ff er anca
TS(eme/ís moderada jujta Cr dura
fiumfreo Itieftá pondo & ley terribel,

E s'attentas bem os grandes dannos


Que fe nos vão moftrando cada dia,
Porás freo também a efics enganos
Que feftã afigurando a oufadia:
Tu não Ves como os lobos Tingitanos
apartados de toda a couardia,
Mu tão os cães do gado guardadores,
E não somente os cães, mas os pafloresí
Eo
Outaiias
E o grande curral feguro ir forte
Do alto monte Athlas, não ouutfle,
Que com fanguinolenta Zr fera morte
Despouoado foy por cafo tr'fleî
ô cafo defaflrado, o dura forte,
Çontra quem força humana não reflfte,
Qual li também da "vida foy priuado
Tionio meu, ainda emflqrcortado.

Vmb. De lagrimas me banha todo o peito


Defje cafo terribel a memoria,
Quando Vejo quam fa bio,Zr quão perfeito\
E quam merecedor de longa hiftoria
Eraeffeteu paflor, quefem direito
Deu as Parcas a vida tranfitoria:
Mas não hahi quem dJerua o gado farte$
Nem do juuenilfangue o fero Marte;

Porem, fe te não for muito pefado,


{laquefta tri fie morte me lembrafie)
Cantares deffe cafo defaftrado
^quelles brandos Ver fos que cantafle
Quando ontem recolhendo o manfogadq
De nofoutros pajloresfapartajle:
Queu também, qu'as ouelhas recolhia
lS(ão te podia ouuir como queria.
D e Luís de Camões. ^j
Fro, Como ques que renoue ao penfamento
Tamanho mal, tamanha defuentura!
Torque fpalhar fojf irosyaos ao Vento,
Tera os que trifles fao he falfa cura:
Mas pois também te moue o fentimento
D a morte de Tionio trifte 'ofcura,
Eu porey teu de/ejo em doc effeito;
S'a dor me nao congé lia a Vo^no peito.

Vmb .Canta agora pajlor, qiiogado pafct


Antros húmidas heruas foffegado,
E la nas altas ferras, onde nafce
0 facro Tejo, a fombra recofiado,
Com feus olhos no chao, a ma o naface,
Eftà pera fouuir aparelhado,
E com filenùo trifte Jtao as Nymphas,
Dos olhos ejlillando claras lymphas.

0 prado,'as flores brancas & Vermelhas,


Eflà fuauemente aprefentando,
As doces & fol liei tas abelhas
Qom hum brando fufurroVao voando:
As manfas & pacificas ouelhas,
Do corner efquecidas,inclina ndo
As cabeças eftao ao fom diuino
Quefa^ pajfando o Tejo criftalUno.
0 Ven-*
Egíogas
0 vfoto cYentre as aruores rejfira,
Fazendo companhia ao claro rio>
JS[as/ombros a aue garrula fojfira
Suas magoas coalhando aoVento frm
Toca Frondelio toca a doce lyra,
Qjie daquelle Verde alamo fombria
A branda^hilomela entriflecida
Aofaudofo canto te comida,,

Çanta Frondelio.

Aqucttc dia as agoas mo gojlarao


As mimo/as ouelhas} ir os cordeiros
0 campo encherão d1amor of os gritos,
TSlãofe dependurarão dos falgueiros
As cabras de trifte^a, mas negarão
0 pajlo afiytso leite aos cabritosi
!Prodigios infinitos
Mo/lraua aquelle dia?
Quando a 'Parca queria
Princípio dar aofero cafo trifle:
E tu também {o coruo)o defeubrifie
Quando da nw direita em Vo^ of cura
Voando yrepetifle
A tjjramúca ley da morte dura.
De Luis de Camões,
!

T'ionio meu, o Tejo criftaUino, *


E as aruores que ja defamparaftc,
Cborao o mal de tua aufencia eterna,
Não fey porque tão cedo nos deixafle?
Mas fqy confentimento do defino,
forquem o mar & a terra fegoumia:
E a noite fempiterna,
Que tu tão cedoYifle,
(jruel,acerba, úr trifle,
Se quer de tua idade não te dera
Que lograras a frefca primauera,t
TS{ão vfara comnofco tal crueza,
Quedem nos montes fera,
3\{em pafior ha no campo fem trifie^a*

Os Faunos certa guarda dos paftores


Ja não feguem as lS[ymphas na fyeffura$
(em as Njmphas aos ceruos dão trabalho
Tudo como Vês, he cheo de trifiura,
jías abelhas o campo nega asfores
E asfloresa aurora nega o orualbo3
Eu, que cantando ejjjalho
Trifels todo o dta^v,
jífrauta que johta
Mouer as alias amores tangendo7
SSsspSKt

òe me Vay de trijtc^a enrouquecenao,


Que tudo Vejo trifte nefie montej
E tu também correndo
Manas enuolta ir trifte (o clarafonte.)

jís Tágides no rio, ir ríajbereça


Do monte, as Orpadas, conhecendo
Quem f obrigou ao duro ir fero Marte,
Como geral fentença vão dizendo
Que não pode no mnndo auer trifteça
Em cuja caufa amor não tenha parte$
forque afi deft'arte
TS(os olhos faudofos,
lS[ps paffos Vagar of os,
2s[o rofto, quo amor ir a fantafix
Da pallida viola lhe tingia,
jí todos de ft dana final certo
Do fogo que traria
Que nunqua Joube Amorfer incubertfo

la diante dos olhos lhe Voauao


Images, ir fantafticos pinturas,
Exercidos do faifo penfamento,
Epellas folharias cjpejjuras,
Entres penedos sòs que nãofallamo
Falaua

• waíV Willi
De Luis deCamoes.104
Falaua & defcubria feu tormento,
Num longo efquecimento
Def i todo embebido, .1
jíndaua tão perdido,
Que quando algum p "ftor lhe perguntam
jícaufa da tnfte^a que moftraua, ;
Como quem para penas so Vtuia,
Sonrindo lhe tornam,
Se não ViueJJe (rifle morreria.

"Mas como ejle tormento o afundou, ,


E tanto no feu rofto fe moflraffe,•
Entendido muy bem do pay fejudo} ^
Porque do penfamento lho tirajje,,,
Longe da caufa delle o apartou,
Porquem fim longa aufenáa acaba tudo:
Mas ò falfo Marte rudo,
Das Vidas cubiçofo,
?
Qn aonde o generofo
9eito refufcitaua em tanta gloria .,
De fem anteceffores ,a memoria, ,;
[Allifero Cr cruel he defiruijle.
Por injafta Vittoria
Primeiroqtiocudado aVidatrifie.
Éclogas
<Parecem Tionlo que te Vejo
\Por tingires a lança cobiçofo, n •
JSfjtquslle infidofangue Mauritano
Ne HiJJ)ano ginete beUicofo7
Qu ardendo também Vinha no defejo
De derrubar portem oTingitano;
6 confiado engano,
© incurtada vida,
Qua Virtude oprimida
Da multidão forçofa do inimigo,
2fao pode defenderfe do perigo,
tporquafíi o deUino o permitia,
E afít leuou cmjtgo
0 mais gentil paílor quo Téjú Vto.

Qual o mancebâEüryaloenredado
Entre o poder dos P^utvdos fartando
Js iras da foberba & dura guerra,
Do criftallino rofto a cor müdando,
fujo purpureêfângiie derramado
Pelloó aluas lijtaidtá tinge a/crra>
Que comoflorqua terra
Lhe nega o mantimento,
Porqiio tempo aumento u
*Também o krgo humor lhe tem negado,
D e Luis deCamoes.104
0 coUo inclinei languido Zr canfado; *
Tal te pinto Tionio dando o eJj?rito,
A quem to tinha dado,
Qtiefic he fomente eterno & infinitov
i,
Da loca congelada a alma pura
Lo nomejuntamente da inimiga9
E excellente Mar fida derramam»
E tugentil fenhora nao fobriga
rA prantofiempiterno,a morte dura,
De quem por ti fomente a Vida amaua:
<Por ti aos eccos dana
jíccentos numerofosv
ffor ti aos bellkofos
Exercicips fe deu do fero Marte,
E tu ingrata,o amor ja noutra parte
tPoras, como acontece ò fraco intento,
Quem fim em fim defíarte
Se muda o feminino penfamento^

tyafloresdefleyalle ameno Z?frio,


Que de Tionio o cafo defaflrado
Quereis n.ts altys ferras que fe cante:
Hum tumulo de fores adornado,
K % Lk
nte
Vendo tanmM magoa,
Anafe os olhosdagoar
Lendo na pedra dura aVerfo efcrittoj
Que diga afã: Memoria íbu que grito
Para dar teftemiinho em coda a
D o mais gentil efprito
Que tirarão do mundo Amor & Marte,

Vmbrano

... i

Qual o quieto fono aos canja dos


Debaixo dalgüa aruore fombria,
Ou qual aos fequiofos (sr encalmados,,
O Vento retirante, Cr a fonte fria,
Tais me forao teus ver/os delicados\
Teu nnmerofo canto Cr melodia:
E ainda agora o tom fuáue CT brandor
Os oHuidos meficaadormentando»
Em
De Luis de Cantões. 95»
s>

Em quanto os peixes húmidos trnerem, ,


Asareofas couas de fie rio,
E correndo eflas agoas conhecerem
Do largo mar o antigo fenhorio,
E em quanto eftas herúnlm püfto derem
Us petulantes cabras, eu te fio •
Quem Virtude dos Verfos que cant jle
Sempre Viua o paftor que tanto amajle,

Mas ja que pouco a pouco o foi nosfalta,


E dos montes as fombras sacreeenúor
Defloresmil o claro ceo sefmalta,
Que tão kdasaos olhoss*aprefentão,
Leuemos pello pè dejla ferra alta m
Os gados, que f gora fecontentão
Do que comido tem,Frondelio amigo,
Anda, qti ate o outeiro irei contigo/

LAntes por efie Valle, amigo Vmbram


Se íãprouuer, leuemos as ouelhas,
Que feeu por acerto não m engano
D"aqui me foa hum ecco nas vrelhaifi
0 doce accento não parece humano,
E fe tu nefte caio maconfelhaé,
Eu quer o Ver daqui que coufa /eja,
Quo tom mefpMagsa Vo% mefa^inuejaí
Ymb>

:?r -• r» :•.*• Sr*z. n • i í ? 2 IH?', sjf-rtí í - -


ymh.Contigo Vou^ieqmnt^maís^aclyegp 1
Mais gentil meâparèkjtVtos^uevmÍfte$
Peregrina jxcellente^mò téàeg&;
Que mefarcanopeitar aalmàm^
Ves como tem os ventosemfojpgo}
Nenhum rumor da ferra lhe refifte?
Nenhum paffaro Voa, mas parece
jQjie do canto vencido lhe obedece»

tPorem irmão melhor me parecia


Quenão fojfemos la, que. ftoruaremos:
JiS; Masfubidos nejiaarmre fombria
Todo o Valle d'aqui defcubriremos^
Os çurroes z? cajados toda Via
2S{efle comprido tronco penduremos,
tpara fuhirfica homem mais ligeiroP
Deixame tu Frondelioyr primeiro,

Eff era ajst} dariei de pè fe querer,


Subiras fem trabalho, ír fem ruido,
E depois que fubido la ejiiueres,
Darnias a mão de cima, quhe partido:
Mas primeiro me di^e, fe puderes
Ver, donde nace o canto nunqua ouu\dof
Quem lança o doce accento delicado
Falia, que ja te Vejo ejlar pafmado.
Ymb,
De Luís éç^Iamoes. loo
Fmk^éifds'mo'têjhma^m Jfeffura,
QmMmqmyiyfroniel'w^ejo agora;
Fermo f a Nynïphas Vejo na Verdura,
fyjodiu'tno gefîo o cèo namora,
H m de dçfufada fermofura,
Que dit outras parece firfenhora,
Sobre hum trifte fepulchro, não ceffando
B^fa perlas dos olhos diJíÜlando.

De todas ejlas altas femideas,


Quem torno eflao do corpo fepultado,
Hua regando as húmidas areai
Deflorestem o tumulo adornado:
Outras queimando lagrimas Sabeas
Enchem o ar de cheiro fublimado,
Outras em ricos pannos maisauante, -
Enuoluem brandamente hum nono htfantt*

Hua que dantre as outrasfe apartou,


(^om gritos qua montanhaentrifiecerão,
Disque depois qu'a morte a flor cortou,
Quas eflrellas somente merecerão,
Quefte penhor charifllmo ficoti
Daquelle a cujo império obedecerão/
Douro,Mondego}Tejo,<& Guadiana,
Tê o remoto mar da Taprobana. \ •••
— H.A P*
Éclogas
Di^ mais, que s"encontrar efte minim
Anoite intempeftiua amanhecendo,
Quo Tejo agora claro ir criftallino
Tomara a fera AleSlo em Vulto horrendo;
Masfe for conferuado do defino,
Qtíaseftrellas benignas promcttmdo
.. LheJtao o largo pflo d'/hnpeiufa,
Qo monte quem mao pontoyioMedufaè

Ffteprodigio grande a Mymphahella


Qom abundantes lagrimas recita,
Mas quai a eclypfada clara ftrella,
Qu'entre as outras o cio primeiro habita•
Tal cuberta de negra Vejo aquella
Aquém sòrialma toca a gr an defdita
(Dà ca Frondelio a mão, irfúbe a Ver
• Tudo o mais queu de dor mo fey diçer,

Frod.ò triftt morte, efqmua,ir mal olhada$


Qurá tantas fermofuras injurias,
D'aquellaDeofa bella ir delicadaf
Se quer algum rejleito ter deuias.
Eft a ht por certo Aônia filha amada
Daquellegran paftor, quemnofjos dioé
v Danúbio enfrea, ir manda o claro Ibero*
EJb anta o morador do Euxino fero»
Mor*
De Luis J e Camões»
r- >

Morrëofhê o excellente l? poderofo}


(Qu'a ijfoejiafogeità a vida humma)
Doce jíòmo, d\Aonia charo efyofo,
Ah ley dos fados afyera & tyrdnna:
Mas o fomperegrino, úr piadofo
£om qua fermofa Kywpha a dor engana
E/euta hum pouco, nota, &Ve Vmbrano,
Qnamhmque foa oVerfoQafklhano t

(Alniay primero amor del alma mia?


8pirita dichofo, en cuya vida
La mia efluuo en quanto Dios quèria*
Sombra gentil, defu prifionfalida7
Que dei mundo a la patria te boluifle
Dondefuifle engendra da,y procedida,
%èfábe alia efte facrificio trifle,
Que (offrefeen los ojos que te vieron,
Si la memoria dellos no perdiUe.
Quepiies los altos cielos permittieron,
Que no t'acompanajfe en tal jornada,
1para ornar fe foto a ti qitifieron,
T^tinqua permittiran quacompanada
De mi no fea efta èiemom tuya,
u
Éclogas •! AS,

Quefia de tus dejlojosadornada.


7\j dexami,por nw qiiel tietnpo huya
D'cfiar en mi con Jempiterno liant93
Haíl a que Vida y aimafiedeftruya,
Mas tu gentiljpiritu entretanto
Qjtt otr os camposyflore s Vas pi fanJ^
T otnu çamponas oyes,y otr o canto,
.Acra emheuefcido efiés mirando
Alla enel Empyreo aquella Idea
Que! mundo enfiremy rige çonfiu mando.
Aora te poffuya Scy tharea9
En fiu terçem afimto}o porque amafie,
0 porque nncua amante alla tefiea%
Aora el jol te admire,fi mirafis
QomoVapor losfignos entendido,
Las tierras alumbrando que dexafilt
Si en Ver efios milagros no has perdido
La memoria de mi, ofiue en tu mano
ÎNIppajfar por las agoas deloluidoí
íBuelueVn poco los ojos a efile Harto,
Verh Vna quad con trifle tlorç
Sobre ejhmamol fordo llama pi Vanf -
^er o fi entrar en en los fignos de orq,
Lfgrîmasy gemidos amorofios,
Quemiteuan el fuppwmyfanto choro,
De Luís de Camões.^j
La hmlre de tus ojos tan hermofos
YolaVeremüi preflo,y podre verte,
Que apefar de los hados enojofos
Tambien para los trijhs Vuo muerte.

E G L O G A II.

Almeno, & Agrário, paflores.

1 ejojuaue Cr branda}
7s[um Valle d!altas amores fombrio,
Bftaua o trifte Mmeno
Sujpiros jfalbando
Ao Vento, Cr doces lagrimas ao rio„
JS[p derradeiro fio
0 tinha a ff eranca,
Que com doces enganos
Lhe fuflentàra a vida tantos annos
Tsiumamorofa Cr branda confiança,
Que quem tanto queria
Parece que nao erra fe confia,

noite efcuradaua
^{eponfoaos canfados
í

Éclogas
Animais, ej
0 Valle trifie fiaua
Çhüs ramos carregados
Qu a noite fa^iaomaisefcurai
Moflraua a Jfeffura
Hum temerojo Jbanto,
As roucas ras foauao
7s[um charco d'agoa negra, & ajudauao
Dopajfaro nocturno o trifie canto*
0 Tejo com jomgraue
Corria mais medonho que fuaue.

Como toda a trifie^a


TSlofilencio confifie,
^Pareciaquo Valle fiauamudo,
E com efta graue^a
Efiaua tudo trtfie,
{
Porem o trfie Almeno mais que tudo:
Tomando por efeudo
De fua doce pena
Para poder foffrelia,
Eftar imaginando a càufia delia,
Qjtem tanto mal, he cura bem piquena,
Miyor he o tormento,
Que toma por alim hum penfamento*
At
De Luis de Camoes. 104
r
M rio fe queixam $
£om lagrimas em fio,
£om que cfeáao as ondas outro tanto,
Seu doce canto dam
Triííes âgoasaorio,
E o rio trifte fim ao doei canto\
jfo canfado pranto>
Qjias agoas refreaua,
Ü^ejponde o Valle Vmbrofo]
Da manja Vo^ o accento temerofo,
TSla outra parte do rio retumbam,
Quando da fantafia
0filencio rompendo, a[st di^ta.

Corre fuaue& brando


Qomtuas claras agoas,
Saidas de meus olhos (doce Tejo)
Fe de meus males dando,
Tara que minhas magoas
Stjao caftigo igoal de meu defejo,
Que pois em mimríaoVejo
anedio nem o (pero, -
E a morte fe defpre^a
De me mattar, deixandome a crueza
Da que!la por quem meu tormento quero,.
Saiba
Éclogas
Saiha ô mundo meu dano
Porquefe defengane em meu engana

la que minha Ventura, <


Ou quem ma caufâ ordena,
Quer por paga da dor tomefojfrellaj
Será mau certa cura
Para tamanha pena
Defejj>erar de auer ja cura rietta:
Porque fe minha eftrelU
Qaufou tal efquiuança,
Qonjinta meu cuidado
Que me farte de fer defefyerado,
Para defenganar minha efferança?
Que para ijfo naci,
Para viuer na rtiortefs ella em m,

T^Jio ceffe meu tormentç


De fa^er -feu officio,
Qtia^tú tem hua alma ao jugo attada#
T^em falte ofoffrimento,
Porque parece Vicio,
. Para tao doce malfaltar me nada,
ô Njmpha dilicada,
Honra da natureza.
Como
De Luis de Camoes. 104
Qomo pode ifiofer,
Que de tao peregrino parecer
Padejfe proceder tanta crueza}
Não Vem de nenhumgeito
De caufa diuml contrario effeitk

Pois como pena tanta


He contra a caufa delia}
Fora he de natural minha trifie^cú
Mas a ml que me ejpanta,
Nßo haßa ò Njmpha hella,
Qjie podes preuerter a nature
Tiãohe a gentileza
De teugefio celesle
Fora do natural-,
Islão pode a natureza fa^er tal:
Tu mefma (hella Njmpha) te fi\efie»
Porem porque tomafie
Tao dura condiçãofc te forma fiel

Por ti o alegre prado


Me he pefado <jr duro,
Abrolhos me parecem fuás flores,
Por
ti do manfogado
forno
' -de mim, não curo, < - •• Por
Éclogas
(Por não fâçer offenfa a tm amores.
Os jogos dos paflores^
j f s lutas entra rama,
lS[ada me fa^ contentep
E fouja do que fuy tão différentet
Que quando por meu nome alguém me chama
fpafmo quando conheço
Quinda comigo mefmo me pareço.
?

0gado qtiapatento
São n alma meuscudados7
E asflores que no campo femprè Veja
São no meu penfamento
Teus olhos debuxados7
Com queflouenganando meudefejos
jís agoas frias do Tejo
De doces fe tornarão
jírdentes & falgadas7
Deflois que minhas lagrimas canfadai
Qom feu puro licor fe mifturarão3
Como quando niiflura
Hyppanis coExampèo fuagoa pura«

Se ahi no mundo ouuejfc


Ouuirefme algua hora
De Luís de Camões.^j
Affentada na praya defle rio,
E de arte te diffeffe
O mal que paffo agora,
Qjte pode f f e mouerte o peitofrio,
ò quanto defuario
Que fiou afigurando:
íagora meu tormento
Não pode pedir mais ao penfamento
Quefie fantafiar que imaginando
Ávida me referua,
Querer mais de meu malferafokrba;

la aefmaltada Aurora
Defcobre o negro mantoy
Dafombra qu as montanhas encubria?
Defcanfa frauta agora,
Que meu canfado canto
Nao merece que veja o claro diai
Nao canfie a fantafia
Doestar em fipintando
Ogefio ddicado,
Em quanto trai ao paflo o manfogadc
Efle pafior que la sò vem falando:
Calarmeá somente,
Que meu mal mm ouuirfe me confiente.
O
Éclogas

Agrário paflor.

Fermofa manha clara & deleito/a,


Qtte como frefca rofa na verdura
Te moflras lella & pura; marchetando
!
As TSLymphas emalhando feus cabellos
]S[ps Verdes montes bellos7 tu so fa^es
Quando a fmhra desfasesjtrifie & tf cura£
Fermofa a fyeffura, frefca a fonte,
Fermofo o alto monte} o rochedo,
Fermofo o arueredo, deleitofo,
Em fim tudo fermofo co teu rofto,
D'ouro & rofas compoflo is* claridadev
Traces a faudade aopenfamento,
Mojlrando num momento o roxo dia,
Co a doce armonia nos cantares,
Dospaffaros apares} que Voando
Seu paflo andao bttfcando nos raminhos
Para os amados ninhos? que mantém,
ôgrande & fummo bem de natureza,
Eftranha futile^a de pintora,
Que matiza nurnhora de mil cores,
0 ceo,a terra, asflores}monte,{?prado»
ô tempo ja pajfado, quam prefente
Te vejo abertamente na Vontade^
. '"^
D e Luís de Camões.^j
Qmmanba faudade tenho agora,
Do tempo qtta pajlora minha amam,
E de quanto pre^aua minha cjor:
Enúo tinha o amor mayorpoder, «
Então num sò querer noi igualaua,
^Porque quando hum chamaua a quem queria\
* I

J
O ecco refpondia dajfeiçao,
2S(o brando coração da doce imiga*
Njfla 'amoro/a liga concertauao,
Os tempos "que pafjauao com prazeres:
Ivíofiraua a flaua Qeres poliam eiras,
Das brancas fementeiras ledo frutto,
Pagando feu tributo òs lauradores,
E enchia aos paftores todo prado
Pales, do manfo gado guardadoraf
jZephiro, a frefca Flora paffeando
Os campos efmaltancjfrde boninas.
lS[as agoas criflaltinas trifle jlaua
N^arcifío,quinda olhauariagoapura?
Sua linda figura delicada$
Mas ecco namorada de feugejlo
Qom pranto manifejlo feu tormento,
No derradeiro accento lamentam,1
Alli também sachaua o fangue tinto
Dopurpureo lacintho, ír o dejlroco
' Ol
Éclogas
Dé Adonis lindo moço, mortefea,
Da bellaSçytharea tão chorada,
Toda a terra efmaltada dejlas rofas.
Jlli as Ttymphas fermofas pellos prados
Os Faunos namorados apos ellas,
Mojlrandolhe capellas de mil cores,
Quefaçião dasfloresque colhido,
Js TSLymphas lhe fogião amedrentadas\
As fraldas leuantadas pellos montes,
Afrefca agoa das fontes ejlalharfe•
Vertuno transformar/e alhfeVta,
tPomona que traria os doces fruttos,
Allipaftores muitos, que tangião,
As gaitas que tra^ião, & cantando
Eflauão engajando fuás penas,
Tomando das Sirenas o exercido,
Ouuiafe Salteio lamentar-fa
Da mudança queixarfe crua & fea,
Da dura Galathea tão fermofa;
Eda morte enuejofalS[emorofo
Ao monte cauernofo fe querella,
Quefua Elifa bella em pouco ejpaço
Cortara inda em agraço a dura forte
6 immatura morte, qua ninguém
De quantos Vida tem, nunca perdoas,
*
De Luis de Camões. »07

Mas tu tempo que Voas apre fiado,


Hum deleitofqeflado quam afinha
TSlefla Vida mefquinha transfiguras,
1 Em mil dejauenturas, Cr a lembrança
Njs deixas por herança do que leuas-%
jífiòi que fe nos ceuas com prazeres,
He para ?ios comeres no milhor.
Qada Ve^em peor te Vás mudando,
QuantoVes inuentando,que oje aprouas,
Logo d manha reprouas com infiancia;
ô efiranha inconftancia, Xsrtão profanav
De toda a coufa humana inferior,
JL quem o cego error fempre anda annexop
Mas eu de que me quexo\ m que digol
Viue o tempo comigo, ou elle tem
Culpa no mal que Vem da cega gente}
{Por Ventura ellefiente,ou elle entendi
Aquilio que defende o fer diuino}
Elle vfa de comino feu ofjicio,
íiut ja por exercício lhte hediuidos
Danos frutto colhido na fiarão ,
Dofermofo verão, Cr no inuerno,
Com feu humor eterno congelado,
°

Do Vapor leuantado, co a quentura


Do foi, a terra dura lhe da alento, 3V*
~ Oi

..»ril.luiWpi.iiiiu.^cnu.—ü. 1 " "'í lí


: 'Éclogas
!Tara que o mantimento produzindo
Eílè fempre comprindofeu cofiume,
Aß que nao confume de finada,
Nem muda da pajfada vida hu?n dedo,
jfntesfemprefia quedo no diuido,
^Porque este hefeu partido,i?Jua vfança3
E nelle efta mudança,he mais firmeza.
Mas quem a lei deß>re%a,& pouco efiima;
De quem de la de cima efta mouendo
0 cêo fubüme C r horrendo,o mundo purol
Efie muda o feguro Cr firme eftado,
Do tempo nao mudado da Verdade,
Nao foi naquella idade de ouro claro,
Q firme tempo caro Cr excellente
Viuia então a gente moderada»
Sem fir a terra arada dana pad,
Sem fer cauado o chão asf rat tas aauay
Nem chuua defejaua,nm quentura}
Supria então natura o neceßario,
iVois quem fei tão contrario a efta vidai

Saturno, que perdida a lu^ferena,


1 auf ou que em dura, pena defierrada
Foße do cêo deitado onde viuia,
Porque osfilhoscomia,quegeraua^
Por iffo fe mudam o tempo igual
De Ltiîs de Camoes. to8
* \

Em mais baixo metal,<(? aß decendo


ISLosVeo aßt trazendo a eße fiado.
Mas eu defatinado adonde Vou?
Para onde me leuoua fantafiaï
Queflougafiando o dia em Vas palaurâsï
Quero ora minhas cabras ir leuando
^ío manfo Tejo brando,porque achar
No mundo que emendar,não he d'agora,
íH>afia que a vida fora delle tenho,
Qom meu gado me auenhoj&efiou contente',
Poremfe me não mente a vifiapi Vejo
TsLefiapraya doTejoyeslar deitado
Almeno,que enleuado em penfamentos,
As horts O" momentos Vaygaflando,
Par elle vou chegando? sò por Ver
Se poderei fa^er que ornai que fente
fium poucofe lhe auf ente da memoria,

Almeno fonhando,

ô doce penfamento7o doce gloria,


SaÕ efies por Ventura os olhos bellos
Que tem de meusfentidosa Vittoria?
Sad efias{JSlympha) as tranças dos cabellos
Que fasert} dß feu preço o ouro alheo,
9-á P*
: 'Éclogas
E a mim de mim mefimo, so com Vellosi
He eftã a alua coluna, c lindo efieo,
Sifientador das obras mais que humanas,
Que eu nos braços tenho,& não o creol
Áhfidfo penfamento, que menganas,
Façefme por a boca onde não deuo,
Com palauras de doudo, írquafi infianas
Como alçar te tão alto afi matreuoï
Tairafas doutas eu, ou tu mùs das?
Leuafme tu a mim, ou eu te leuoi
ISfao poderei euyr onde tuVas?
(porem pois yr não pojfo onde tufores
Quando fores, não tornes onde ejlâs»

Agrário.

o que tri fie fuccejfo fioy d'amom


0 qita efe pafior aconteceo>
Segundo ouui contar a outros paJlorcL
Que tanto por feu dannofieperdeo,
Quo longo imaginar em [eu tormento,
Em défi tino amor lho conuerteo.
òforçofo Vigor do penfamento,
Que pode noutra coufafiar mudando,
Afirma, a vida,ofifio, o entendimento.
Efiãfie hm trifie amante transformando ^
De Líris de Camões. iop
lS[a vontade daquella que tanto ama,
DeJt fua própria effencia traffortando.
E nenhua outra coufa mais de fama
Quaji, fe Vè quem f i ha algum fentido$
Que defle fogo infano não s inflama;
Almeno que aqui Jla tão influído
JS[ofantaftico fonho,quo cuidado
Lhe tra^fempre ante os olhos efeulpido*
Eftafelhe pintando d'enleuado
Que temja da fantaflica paflora
0 peito diamantino mitigado.
Em efte doc engano flaua agora
Falando como em fonhos, mas achando
Ser Vento o que fonhaua,grita,chora.
Defiarte andauao fonhos enganando
0 paftor fomnolento, qtia Diana
Andaua entras ouelhas celebrando.
Defïarte a nuuem falfa emferma humana
0 Vão pay dos Centauros enganaua,
(QuAmor quando contenta fempre engana.)
Qomo a efle que configo sò fallaita,
Cudando qui fallaua d'enleuado,
Com quem lhe o penfamento figuram.
TSSJio pode quem (juer muito fer culpado, .
Em nenhum erro, quando Vem a fer
0 amor
: 'Éclogas
0 amor cm doudice transformado.
ISjo Le amor amorJe não vier
Com doudices, deshonras, difcencoes,
Pa^es^guerras,prazer, tsr dejfra^er,
Perigos,ünguas mas, murmurações,
Çiumes, arroidos, competências,
Temores, mortes, nojos,perdições:
Eflas faoVerdadeiras pmitencias
De quem põem o defcjo onde não deue,
De quem engana alheas innocenáas. ^
Mas ifto tem Amor, que não feferem
Senão onde be illkito (y cuflofo,
E onde he mor perigo mais s'atreue.
1
Paffaua o tempo alegre, delehofo
0 Troyano paftor, em quanto andaut
- ' Sem ter alto defejo,<sr perigofo.
Seus furiofçs Touros coroam,
Enos ala?nosaltos efereuia
Teu 7i9me{Ennonc) quando a ti sò amam9
(jecião os altos alamos, crecia
0 amor que te tinha fem perigo9
Efem temor contente te fer táa.*
Mas defyoij que deixou entrar conjtgo
lllicito defejo, & penfamento,
Defua quietação tao inimigop
D e Luís deCamões»114
A toda a patria pos cm detrimento
Com morte de parentes, & de irmãos.
Çom cru incêndio, grande perdimento.
l^ifio fenecem penfamentos Vaos,
Trifles feruiços malgalardoados,
Quja gloria f 1 paff i dantre as mãos.
Lagrimas fußiros arrancados;
Djalma,todos fepagão com enganos,
Eoxala fojfem muitos engana Jos.
[
jíndão com jeu tormento tão vfanos,
Gaß ando na doçura dhum cuidado
À pos hwriejferança tantos anos,
E tal ha taõ perdido namorado,
Tão contente copouco,que daria
Por hum sòmouer d'olhos, todo o gado,
E em todo o pouoado çs* conpanhia,
Sendo außentes deß,eflao prefentes
Qom quem lhe pintafempre a fantaßa•
(fhum certo não fei que andao contentes,
E logo hum nada os torna ao contrario
De todo o fer humano différentes,
ò tyrannico amor,o cafo Vario,
Qjie obrigas hum querer quefemprefeja
Defi contino {yaßero aducrfario.
E outr hora nenhüa alegre eßeja.
Senão
: 'Éclogas
Senão quando do [eu dejpojo amado
Sua inúga eftar triumphando Veja.
Quero filiar com efte, qu enredado
Nejla cegeira efià ftem nenhum tento$
Acorda ja paftor dejacordado.
"Aim.o porque me tirajte hum penfamcnt*
Qu agora Jlaua os olhos debuxando,
De quem aos meus foy doce mantimento\
* Agrário.
TfyJJa imaginação ejlàsgaftando
0 tempo a vida Almeno? ô perda grande?
Hão Vesquam mal os dias yas pajjandoí
Almeno.
Fermofos olhos, ande agente & ande,
Que nunca Vos ireis deft'alma minha,
/ (Por mais quo tepo corra,a morte o mande,
Agrário.
Quem poderá cuidar que tão aftnha
Se perca o curfo afii do Jifo humano,
Que corre por direita Z? jufta linha*
Quefejas tão perdido por teu dano,
Almeno irmão, nao he por certo auifo,
Mas muygrande doudicép*gr and1engano, +
Almeno.
ô Agrário, que Vendo o doce rifo,
•E*
De Luis de Camões.12j
E o roflo tão fermofo, como efquiuo,
O menos que perdi, foi todo o fifo.
E não entendo defquefuy cattiuo,
Outra coufa 4e mim,fenão que mouro
]S(em iflo entendo bem, pois inda viuo.
Jifombra deflèvmbrofo, Cr Verde louro,
Qajfo a vida, ora em lagrimas canfadas
Ora em loumres dos cabellos douro
Se preguntares porque fao choradas,
Ou porque tanta pena me confume,
%euoluendo memorias magoadas.
Defque perdi da vifla o claro lume,
E perdi a f f eranca, Cr a caufa delia,
2S^ão choro por ração, mas por coflume.
lamais pude co fado ter cautella,
7S[em nunca ouue em mim contentamento,
Que não fojfe trocado em duraflrella>
Que bem liure viuia & bem ifento,
Sem nunca fer ao jugo fomettido,
De nenhum amorofo penfamento.
Lembrame{Agrario amigo) quofentido
Tãofora d amor tinha, que me ria
De quem por elle Via andar perdido.
De Varias cores fempre me Veflia,
De boninas afronte coroaua,
: 'Éclogas
Tombant paflor cantando me vencia.
J . barba então nas faces m apontam, »
Na luta,no correr,<Zr em qualquer manha,
Sempre a palma antre todos alcançam.
Da minha idade tenra em tudo ejlranha,
Vendo{como acontece) affeiçoadas
Muitas Nymphas dorio,Zr da montanha;
Qom palauras mimofas Zr forjadas
Da foita liberdade,Zr liure peito,
Às traria contentes,Zr enganadas.
Mas não querendo amor que defiegeito
Dos corações andaffe triumphando,
Em quem elle criou too puro effeito:
Touco Zr pouco mefoi de num leuando,
Difômuladamente as mãos de quem
Todefta injuria agora efta vingando.
Agrário.
D efe teu cafo Almeno eufei mui bem
0 principio Zr o fim,que Nemorofo
Qontado tudoiffo, Zr mais me tem.
Mas quer o te di,>er fe o cnganôfo
Amor, he costumado a defconcertos,
Qjue nunca amando fe^paflor ditofo.
Ia que ndle efles cafos faô tão certos, •
-Torqu'os eflranhas tanto, que de magoa
Te
D e Luis de Camões.12j
Te chorão as montanhas, Cr os deßrtos?
Vejoteftargaftando em Vtua fragoa,
E juntamente em lagrimas Vencendo
jígran Sicilia em fogo, o Njlo emagoai
Vejo qtiOi tuas caíras não querendo
Goftar as verdes heruas, s'emmagrecem$
Jts tetas aos cabritos encolhendo.
Cs campos que co tempo reuerdecem,
Os olhos alegrando defcontentes?
Em te Vendo parece quentriftecem*
Todos os teus amigos Cr parentes,
Que la da ferra vem por cmfolarte,
Sentindo ríalma a pena que tu fentes0
Se querem de teus males apartarte,
Deixando a cafa &gado,Vasfugindo
fomo ceruo ferido, a outra parte.
TSJfio Ves quamor 04 vidas confumindo
Viuesà de Vontades enleuadas,
No falfo parecer dhumgefto lind oi
Nem as heruas das agoas defejadas
Se far tão, nem de flores as abelhas,
N^em efte amor de lagrima* can fadas.
Quantas Ve^es perdido entras ouelhas
Chorou 7he b o de Daphné as efquiuanças
pegando 04 flores brancas cr Vermelhas.
' " %
: 'Éclogas
Quantas vè^es as afiem mudanças
0 namorado gallo tem chorado,
De quem o tinha enuolto em ejperanças.
Eflaua o trifle amante recoflado,
Chorando ao fe d!humfreixo o trifle cafo,
Quo falfo amor lhe tinha deflinado,
Por elle o facro Pindo,p* o gr an Pam ajo
T^a fonte d'Aganippe difli liando,
0 fa^ião de lagrimas hum Vafo.
Vinha o intonfo .Apollo alli culpando
A fobeja trifle^a perigofa,
Qom aceras palauras reprouandoo
Gallo porque endoudeces, quafermofa
Nympha que tanto amafle, defcubrindê
Porfalfaafè que daua mintirofa*
Polias Alpinas neues yay feguindo
Outro amor, outro hem,outro defejo,
Qomo inimiga em fim de ti fugindo\
Mas o mifero amante, quofobejo
Mal empregado, amor lhe defendia
Ter de tamanha fe Vergonha ou pejo3
Dafalfefiça Nympha não fenda
Senão quo frio do gelado %heno
Os delicados pès lbyoffenderia.
Orafe tu Ves claro, amigo Almeno$
m

De Luis de Camões. 12 j
*
Que d amor os defafires fao de forte
Que para mattar bafta ornais piquem,
Porque não pões bumfreo a mal ûo forte,
Que em eftado te poem, quefendo Viuo
la nao s'entende em ti Vida nem mortel
k. e

Almeno.
Agrário, fe do geflofugjtiuo
Por cafo da fortunã defaflrado
Algunihora deixar de fer cattiuo,
Oufendo para as Vrfas degradado
Aonde fëoreas tem o Occeano,
Cos frios Hyperboreos congelado,
Ou onde o filho de Clymene infano,
Mudando a cor da* gentes totalmente,
As terras apartou do tratto humano
Oufe por qualquer outro accidente
Deixar efle cudado tão ditofo,
Por quem fou, de fer trifie,tão contenté*
Efle rio, que paffadeleitofo,
Tornando para tras, ira negando
A natureza o curfo prefurofo.
As feras pello mar irão bufcan^o
Seupafco, & andarshão polia ffefíura
Das bernas os delphins apacentando.
Ora fe tu y es n'aima quão fevura
1 J 6
<P Tenho
[Ogas
Tenhoeflá fê7xy armr,pc,n quhfiijM
Nejfe confelho, Cr prattica tão dum*
Se de tua perfianao dejtíles
Vai repafiar teu gado a outra parte,
Que he dura a companhia para os trifles,
Jrluã sò coufa quero encomendarte,
$ara repoufo algum de meu engano>,
Antes qiio tempo em fim de mim te aparti
Que fe efla fera qiianda em trajo humano,
Vires polia montanha andar Vagando,
De meu deffojorica, Cr de meu dano,
Qom os viuos f f ritos inflamando
0 ar, o monte, Cr a ferra, que configo
Qonwtuamente leua namorando,
Se queres contentarme como amigo,
tpajfando, lhe dirás,gentilpaftora
TStfo ha no mundo vicio fem cafligo.
Tornada em duro mármore mo fora
A fera Anaxarete,fe amorofo
Mojlrâraoroflo angélicoalguhora.
Foy bem justo o cafligo rigurofo,
rorem quem fama fISlympha,não queria
ISfyda taofea emgefto tão fermofo.
Agrário.
Tudofarei Almeno, cr mais faria,
D e Luís de Camões» 114

Mas bem vês como Phebo ja impinado


Me mania} que da calma iníqua crua
Recolhe em algum Valle o manjo gado»
Tunejja fantajia faljat? nua
Para engano mayor de teu perigo
Nao queres companhia fenãoafm«
Voume daqui\ tp fique Deçs contigo,
E ficaras melhor acompanhado„
Almeno,
Elie contigo va, como comigo
Me fica a companhando meu cuiack»
i

É C L O G A III.
P e A l m e n o > & B e l i f a , continuan-
d o c o m a paíTada.

Afifado ja algum tempo qiios amores


D'Almeno por feti mal erão paffados,
forque nunca amor cumpre o que promete,
Entrhüs Verdes vimeiros apartados,
Ogando pellp campo as brancas flores,
Em
*

Éclogas
\ ' "« s' '
Em lagrima canfadas fe do - • c
Quando a linda paflora que compek
£o monteçm ajpere^a,
Co prado em gentileza,
For quem o trifle Almeno endoudecia>
*Pellapraya doTejo dfcurria
A lauar a beatilha, o trançado,
la o folconfentia
Quefaiffe da fombra o manfogado,

E acordado ]a do penfamento
Que tão defacordado o fempre teuí,
Vio por acerto o bem que incerto tinha:
E porque onde amor a mais satreue
Jlli mais enfraquece o entendimento,
2S(ão lhe foube di^er o que conuinha:
Qomo homem quâ aprazada briga vinha
Aquém de fora engana
jíconfiança humana,
E depois Vendo o rofio a quem refifie,
Treme,teme o perigo, não infifle
la s arrepende, a audacia lhefallece\
Deftarteo paftor trijle
Oufi^rrecea, esforçaenfraquece.
Etc- j
Luis c!e Camões,
T* , ? n» ». /» • i
jel temo ã/tê atomto o Jentido,
'ometteotom furor de [atinado
E tirou da fraqueja coração-
Qomettimento foy defefiperado,
Qubüaso fatuação tem bum perdido,
Perder toda a Jperança á/aluação,
As magoas que pafifaraofe dirão3
Masasquella di^ia,
Lembrandolbe que Via
As agoas murmurar do Tejo amenas,
Remeto a Vos, d Tágides Ca moías,
Que de m.igoa não pofifo diçer tantoi
fporqueem tamanhos penas
Me canja a pena/y a dor m impede o cantol

íBelifa pafitora.
Qu alegre campo, irpraya deleitofa,
E quam faudofia fa^efia spejjura .
A firmo fura angélica ir ferena>
Da tarde ameria^ir quam faudofamenti
Asèfla ardente abranda Jufpirandò
De quando em quando o Vento alegre &firiú<
fundo rio os mudos peixes faltão,
No ar sefmaltão os céos douro ir Verde?
E fhebo perde aforça da quentura,
: 'Éclogas
folia & f f u r aftCU^°paffeando
0gado brando, aofom das çampfamiuu,
(Pifando as finas irfermofas flores,
Os guardadores, que cantando ò gejio
Fermofo ir honeflo, das pafloras quamao,.
jío ar derramao mil fofyiros vãos,
Hum louua as mãos, ir outro os olhos belívs.
Outro os ca bel/os douro em fom fuaue,
jíamorofa aue leua o contraponto,
Mas ò que conto, irfaudofa hifloria
Qtiena memoria aqui fe mofferece:
Se nao me efquece, ja nefle lugar
Ouui foar nos Valles algum dia,
Erejpondia o ecco onomeemvão
Njun coração, Tíelifa retumbando:
Eflou cudando como o tempopaffa,
E quão efcaff a k toda alegre Vida,
E quão comprida, quando be trifle ir dura.
'H.eflaefyeffura longo tempo amei,
Se m enganei com quem do peito amaua,
Não me pefauade fer enganada,
Fui [alteada em fim d1 hum ptnfamento,
Çjihum movimento tinha caí}o irfao,
Qonuafacão foy fonte defle engano,
Que por mu dano entrou com falfa cor,
De Luis de Camões. u6
Porquo amor na Nympba qtihe figura
Entra em figura de Vontade honefia.
Mas que me presta agora dar dif culpa
Se abi ouue culpa pola o firme amor,
Sò mm pajlor que nunca ofoi nem lua
Ou ferra algíta, defío Ibero ao Indo,
Outro úo lindo Virão, Cr tão manbofo,
TS(efie amorofo fiado, i?fè que tinha,
Qua alma minha tão fecretamente,
Viui contente amando Cr encubrindo,
Eliefingindo mintirofos dannos,
Que fao enganos que mo cuílão nada,
Tendo alcançada ja no entendimento
\Xfê intento meu sò nelle pofio,
Que logo o rpfio mofira os corações,
E as affeiçoes cos çlhos fe pratticão,
Qiie mais publicão muito que paiauras,
Com fuás cabras fempre aparte Vinha
Ondeu mantinha os olhos Cr o defejo.
Tu manfo Tejo, cr tufloridoprado,
7)o mais pajfado em fim quaqui não digo,
Sereis m obrigo tefiemunho Certo,
Que dejeuberto Vos foi tudo Cr claro,
I
I ô tempo auaro, b forte nunca igual,
Qamnho ml quereis a humana gente,
ÍP4 te
: 'Éclogas
Porque hum contentefiadoafittrocafiesî
Vos me tirafies do meu peito ifento,
0 penfiamento honefio, Csrrepoufado,
Ia dedicado ao coro de Diana,
Vos nua vfana vida mepufefies,
E alli qutfefies que go%ajfe o dano
Do doce engano, que fe chama amor,
Qom cujo error paffaua o tempo ledo,
E Vos tão cedo me tirais hum bem,
Qjamor ja tem imprefforialma minha,
Depois qiia tinha enuolta em efierançast
E com lembranças trisies me deixais\
Mal me pagais a fe que fempre tiue:
Mas afitViue quem [em dita hace,
Masja qua face alegre o folefconde,
E nao refionde alguém a tantas magoas,
Senão as agoas que dos olhos faem,
«Asf ombras caem, Cr vãofe as a limarias
Da: eruas Varias fartas, feu caminho,
(Bufando o ninho os paffaros fem dono
Ja pello forio efjnecem o comer,
Qttero efquecer também tão doce hifioria,
9ois he memoria que tra^ mor cudado,
Jfio he paffado, Cr /ê me deu paixão,
Os dias vão gafiando o mal Cr o bem,
De Luis deCamões..ijp
E nao conuem quererme magoar,
Do que emendar não pojjoja com magoas,
T^oó claras agoas defierio Irando,
Que vão regando o campo matizado,-
Efle trançado lauar quero emfim,
Que ja de mim mefqueço coa lembrança
Dejla mudança, quefquecer não [ei
*Bem qu eu Vir ei mudar a opinião,
Quem fim bornes fao,a quo e/quecimentõ
Depreffa fa^ mudar o penfamento*

Almeno*
Se a vifta não m engana a fantafta,
Comoja vi enganou mil Ve^es,quando
Minha Ventura enganos me Joffria,
Parecme que Vejo eftar lanando
Bua Nympba hum Véo no claro Tejo,
Qíte femeflafâelifa affigurando.
'Nao pode fer Verdade iflo que Vejo,
Que facilmente aos olhos s*affigura
Aquilio que fe pinta no defejo.
o acontecimento qu aventura
Me dã pêra mor danno: efla he certo,
Que não he doutrem tanta fermofura*
Se poderei fallarlhe de mais pertol
: 'Éclogas
Mas fugirmeha: não pode fer} qiïo rio
Par acolá não tem caminho aberto,
ò temor grande, ôgrande defitario,
Ojia Vo^wimpide, a lingoa negligente
Dejl'arte efia tornando o peito frio.
De quanto me fobeja ejlando au fente,
Qjte pera lhe /aliarfempre imagino,
Tudo me falta agora em eUar prefente;
òafiieito fuaue i? peregrino,
Pois como tão afinbi a fisefquece
Hua fé Verdadeira, hum amor fino?
ftelifa.
Q altas fmideaSjpQps padece
Em VoJJo rio a honra delicada9
De quem tamanha força não merece,
Ouf j a por Vos ( Hympha) referuada,
Ou nalgfta aruore alta ou pedra durai
Seja por Vos aftnha transformada*
Almeno. • i

AhNympha não te mudes a figura,


Nem Vos Deofas queirais qtieu feja parte
Defe m§dar tamanha fermo fura.
Porqu'a quçm falta a Vo> para falar te,
E a quem fallecea lingoa ü* ouf adia,
Também faltarão maôs para tocar te.
<Be-
De LuisdeCámoes.
fBelifa.
Que me queres Almeno} ou que porfia
Foy a tua tão ajf era comigo,
Minhayontade não to merecia.
Se com o amor o façes, eu te digo,
Quamor que tanto mal mefa^em tudo7
jSlm pode fer amor, mas enemigo.
7S{ão es tu de faler tãofalto Cr rudo,
Que tão femJifo amajf como amafle,

Almeno„
Onde Vtfle tu Nympha amor fefudo?
forque te não alembraquefolgafle
Qom meus tormentos tYifles,<sa lgffhora
Qom teus fermofos olhús ja meolhaflti
Corno (efqueceja {gentil paílorà)
Quefciganas de ler nos freixos Verdes
0 que de ti efcriuia cada hora?
Qomo tão prefles a memoria perdes
Do amor que moflrauas, queu não digo
Se o W ò altos montes não differdesl
\forque te não alembras do perigo
A qtie sò por me ouuir fauenturatm
jBufcando horas de sefla, horas d1abrigo}
Qoa maçãa de difcordia mi tiranas
: 'Éclogas
QJÍC AVenm que aganhou por [ermofim
Tu como mais fennofa lhaganhauds, ~
Eejcondendote entre n f f efifura,
Bias fogindo come Vergorhofa
Da namorada ir doce trauejjura,
TSfaoera efta a maça douro fermofa,
Qom que encubertaafiide aftucia tanta
Cedipe s*enganou de cubicofa.
2s[em a que o curfo teue dyAtbalanta
Masera aquella com que Gahthea
0 pafior cattiuou como elle canta.
Se mas tenções poíerao nodoa fêa
Um noffo firme amor de inueja pura
íVorque pagarei eu a culpa alheai
Quem deftafè, quem dfie amor mo cura
• Trunca teue fogeito o coração,
Qu o firme amor côa Ima eterna dura

Mal conheces Almeno humaffeiçao


Que fe eu defife amor tenho e/quecimento
Meus olhos ?nagoados to dirão.
Mas teu fobejo ir liure atreuimento
E teu pouco fegredo, difindando
Foj caufia defie longo apartamento
De Luis de Cam'oes.
Ves dá Nymphas do Tejo que mudando
Me imja pouco a pouco o claroge(lo
i{j)utrafúrma mais dura trafpaffando,
'Hum so fegredo meu te manifejlo,
Que te quismuto emquantoVeor queria
Mas de pura affeição, <sr amor honeflo*
Epois teu mao cudado & ou/adia
Caufoutão dura & afpera mudança
Folgo que muitas Ve^es to diçia.
Fica te embora, & perde a confiança
Que mais me naoVem comoja vijle

o duro apartamento, o Vida trifle


ô nunca acontecida defuentura,
Pois como$í)mpha,afii te deffidiflet
j f f î i f e ha deyr tornando fan ter cura
fiejfa filueîlre '&afi)era rudeza,
Tão branda <tsr excellente fermofural
Tua nunca entendida gentileza,
E teus membros ap fe transformarão>
Tï(egandofelhe a propria nature^ai
Deflyarte teus cabellosfetornarão,
Deixandoja feu preço ao ouro fino,A
Emfolhai qtiàCoriem do qk negarão}
1 t Éclogas
S*e?le confentmento foy diutm,
Qonfintame também que perc ; a vAd.t
Antes qua mais m obrigue o de!atino,
Quefe a fortuna dura embrauecida
* Tanto em meu tormento fe defmede,
TSfätiyiua piais hmialma tão perdida
E Vos feras do monte, pois Vos pede
Minha pena e remédio derradeiro,
Fartai ja de meu fangueVoffafede?
E Vos paß ores rudos defle outeiro,
Porqila todos em fim ß manifeße
Que coufa he amor puro {^verdadeiro*
Ao pé defle funereo aeipreße
Mc fareis hum fepulchrofem arm
De boninas qu'o prado ameno Vefle9
Qomdefufadas muficasdSOrphçQ
Que vos cantareis,Zgdefiaforte
Islão auerei mue ja ao Maufoleo,
Eporque minha cin^a fe conforte
Em Vojfos metros doces <jr fuaues9
As eximias
Ü .. 9
: Ï t
fareis de minha morte.

Alli rejhonderão as altas aues
Não modula6 ?io canto, nemíafciuas^
Mas de dor;, hora roucas, hora graues.
Não correrão, $s agpas fugitiuai
De Luis de Cam'oes.
Jßegres for aqui, was faudofas, .. ..„
Queparedão me yem dos olhos HtmJ
ffacerao peitasprayasdeleitofas
Os ãfperos abrolhos em lugar
Dos roxos Urios, das pudicas nfaij
fião trarão as ouelhas a pajlar
D arredor do fepulchro os guardadores
Que rúo comerão nada de pejar.
Vi,
'ão os Faunos, guarda dos paftores
Se morri por amorespreguntando,
%efponderão os eccos, per amores.
2%s que por aqui forem caminhando,
Hum epitaphio trijle je lera
Que eßeja minha morte declarando:
Eno tronco d'humaruore eftarít
TS[uma rnda cortiça pendurado
Ffcrit to chua fouce, aßt dira,
v
Almeno fui paflor de manfo gado,
Em quanto confintio minha Ventura
De Nymphas cr paß oras celebrado.
Syúlgüa hora por dita na ffefiura
Se perder o amor a afje'tcdo,
Tirem a pedra defiafepultura,
E em figura de cin^a os acharão.
mmmissssÄ »yBliliEliliPiPg SjMSBsfflgl 1.1 ggSS

FrondolbDuriano^
- Paftores.
*

C Antando por bum Valle docemente


Dedão dom Taftores quando Thebo
No reino de TS{eptuno fe ejcondia,
De idade cada bum era mancebo,
Mas Velho no cudado ir defcontente
Do que lhe elle caufaua parecia:
0 que cada hwndi^ia
Lamentandofeu mal,feu durofado
1S[adfou eu tad oufado,
Que o oufe a cantarfem Voffa ajuda,
(Porquefe a minha ruda
Frauta,deftefawrVoffofordina
%Jfo efcufar afonte Qaballina;

EmVos tenho Helicon, tenho Tegafo,


Em VOJ tenho Calíope, ir Thalia,
E as outras fette irmãs dofero Märte
Em Vos perde Minerua fua valia.
Em Vos ejtao os-finos de TamaJo,
De Luis de Cam'oes.
Das Pierides em Vos s 'encerra a arte,
f o a mais piquena parte
Senhora} que me deis da ajuda Vofíaè
Podeis fa^er queu poffa
Efcurecer ao foi refflandecente,
Podeis fitter qua gente
Em mim do gr an poder Vofío seffantel
E que Voffos louuoresf>mpre cante,

Podeisfa^er que creça d hora em hora9


0 nome Lufitano}<sr faça inuejà
jíSmirna^que de Homero fe engrandecei
Podeis fa^er também quo mundo veja
Soar na ruda frauta o que a fonora
Cithara Mantuana so merece,
íagora me parece
Que podem começar os meus paflom\
Trattar de fem amores,
Porque inda que prefentes nao estejaa
Jts que elles Ver defejao
Mudança do lugar menos de fiado,
Nao muda hum coracao dejfeu cuidadol
» » • . , . , - — — -

% deixaua dos montes a alturd


E ?mjalga dai ondas s'ejcondia
: 'Éclogas
0 foi, quando Trondofo Cr Durmo
Ão longo de hum ribeiro que corria
(polia maisfrefca parte da Verdura,
Qlarojfuaue, Cr manfo todo o am
Lamentando [eu dano,
Vinhaja recolhendo o manfo gado,
E hum iftando calado,
Em quanto hu pouco o outrofe queixaua» t

Jpos elle tornaua


A diçer defeu mal o que fentia,
E em quanto ellefalkua,o outro. ouuuu

Vinhaofe afia queixando aos penedos,


Aosfiilueftres montes,ir ajfereça,
Que quafide fiem males fiedoiaoy
Alli as pedras perdiaofiua dureza,
Al li os correntes rios efilar quedos,
^Prontos a fuás queixas paredão,
E soas que podiao
E.ftes males curar que tilai caufiamo,
0 ouuido lhenegauãfr
cr perderem de toda a f f er anca,
Masellesque mudança
D'amor com tantos males não fiarão,
Ealiando inia com dias lhe dezião*
V
—V ---* - .
De Luis de Cam'oes.
Frondofo.
Ifto he o que aquella verdadeira
Fé, com que te amei fempre meneia,
Sem nunca te deixar hum sò moment
Como {cruel Beli/a) ùfquecia
Hum mal cuja efimanca derradeira
Em ti sò tinha pofio feu ajfentol
T^ao vias meu tormento*
íifio vias tu a fé com que Camaual
Cerque não fabrandaua
Efie amor, que me tu tão mal pagafleí
Mas pois ja me deixafie
(jo a Jf erança de ti toda perdida,
Terça quem te perdeo também a vida«
Vuriano.
Se os males que por ti tenho foffrido,
(ô Siluana em meus males tão confiante)
Quiferas que aigu hora te différa,
Ainda que de duro diamante
Fora teu cruel peito endurecido,
Creo qu'a piedade te mouera,
Tagora em branda cera
Os montes fao tornados, & ospenedos,
E os rios que fiao quedos,
Sentirão mm fo f f iros minhas queixas,
Éclogas
Tu sò (cruel) me deixas
dues mais que montes ir penedos dura
Efiugitiua mais qu'a âgoa pura.
Frondofio.
Onde fia aquella falia, que fioía
Sò com feu doce tom, que me chegaua
jf-uiuarme os Jpiritos canfadosl
Onde f ã o olhar Irando7 que cegaua
0 foi refilandecente ao meo dial
Ondefilão os cahellos dilicados3
Quãoyento emalhados
0 ouro efcurecm, ir a mim mattamo?
E a quantos os olhãuao
Qaufauao também nouos accidentesi
Porque cruel confentés
Quego^e outro a gloria a mim deuidai
Terça quem te per de o também a Vida.
í)uriano.
IS^hum bem Vejo qu'a meu mal efiert?
Senão fe he fjerar que morte dura
Em fim me Venha dar tua fiaudade?
Vejo faltarme a tua firmo fur a,
A Vontade me di\ que defiejpere,
Contradite a ra^ao efia Vontade^
nua beldade
De Luís de Camões,
Em quem moftrou o cabo 4 natureza
7s[ão ha tanta crueza
Que hum tão firme amor dejpre^ar queira.
E híia fé verdadeira
Mas tu que de ra^do nunca curajle
Torquera darme a vida, ma tirajlt.

Aquém ÇBelifa ingrata)úntregaftã


Aquém déftt {cruel) afermofurã
Que sò a meu tormento fe deuia?
{Torque hüa fé deixafîe firme ir pur aí
Torque tao fem rejpeito me trocafte,
Tor quem sò nem olharte merecia?
E o bem que te queria,
Que nunca perderei fenaopor morte,
7S(ão he de mayor forte
Que quanto a cega gente eflima ir pregai
Soa tua crueza
Foi nifto contra mim endurecida,
Terça quem te perdeo também a vida.
Doriano.
Leuafleme meu bem num sò momento,
Leuafteme com elle juntamente
De cobrallo jamais a confiança,
Deixasieme em lugar delle somente
£5 #<<<*
J-jHá continuei dor,i? hum tormento.
Hum mal de que nao fode auer mudança-j
Tu qu eras a Jfierança
Dos males que me tu cruelcaufaflc,
De todo te troeafie,
f om Amor conjurada em minha morte,
Porem fe minha for te
Confente que por ti feja caufada,
Morte naofoi mais bemauenturada.
Frondofo.
Islão nacefle dalgüa pedra dura,
Não te gerou algüa tigre Hircana,
Nao foi tua criação entre a rudeza,
jíquem {cruel) faifie deshumana?
No ceo formada foi tuafermofura,
Onde a mefma brandura he natureza,
EJlatua dureza
Donde teue principio, ou a tomafle?
Porque dura engeitaíie
HumVerdadeiro amor que tu bem viatè
Una fé que conhecias,
Por outra de ti nunca conhecida?
Perca quem te perdeo também a Vida.
Doriano.
Viaife co feu paflor o manfogad
: Por-
De Luís de Camões, 143,
Porque cf amor entende aquella parte
Qua natureza irracional ltimfina%
O ruftico leão fem nenhuarte
Do inflinto natural so infinado,
jíonde fente amor alli senclina,
E tu que de diuina
Ifão tes menos que Vénus úr Cupido,
Porque fequer coouuido
Hum amor Verdadeiro não [ocorres}
Ou porque te não corres
Que te Vença o leão em piedade,
Se Vénus não te Vence na beldade?
Frondofo.
A mim não me faltaua o que fe pre^t
Entre os çelefies Deofes, queformarão
yftua mais que humana fermofura,
Em mim os voluntários céos faltarão^
Em mim fe preuerteo a natureza
D"hüa cruel fermofa criatura,
Mas pois Selifa dura,
Que do mais alto cio 4 nos viefles
Em teu peito celefle
Hum tal contrario pode apofentarfe,
ISlão be contrario achar fe
Tamanha f é , tão mal agradecida,
: 'Éclogas
*Perca quem te perdeo também a Vida.
Doriano.
íPor ti a noite efaira me contenta,
tpor ti o claro dia me auorrece,
Abrolhos para mi f 1 dfr efeas flores,
Adoce philomela nfentrifiece,
Todo o contentamento rn atormenta
Qom a contemplação de tem amores:
As fie [las dos paflores,
Que podem alegrar toda a trifleça^
Em mim tua crueza
Fa^ que o mal cad'hora Va dobrando
ò cruel, ate quando
Durara em ti hum tal auorrecimento?
E a Vida em mim, que fojfre tal tormento?
Frondojo.
Fugifle dhum amor tão conhecido
Fugifte dhüa fé tão clara Cr firme,
E fieguifte a quem nunca conhecefle,
Tfao por fugir d amor, mas porfugir me,
Que bem vias que tinha merecido
0 amor que tu a outrem concedefle5
A mim não me fi^efie
ftijnhíia fiem reção, que bem conheço
Que tanto nao mereço,
De Luis de Camões. . ijp
Ei^eflea ãquelle bem firme fincero,
Que fabesque te quero
Em lhe tirar a gloria merecida,
(perca quem te percho também a Vida.

Doriano.
Crece cad9bora em mim mais o cudado,
£ Vejo quem ti crece juntamente
Cadhora mais de mim o efquecimento,
ô Syluana cruel porque confente
O teu feminil peito delicado,
Efquecerlhe hum tão ajfero tormentoB
Tal auorrecimento
Merece hum capital teu inimigo,
TSlãofeu que sò contigo
Eflou contentenada mais defejo>
Syalgüahora te Vejo
Tu es hum sò bem meu hua sogloria,
Que nuncafe me aparta da memoria.

Olhos que virão ja tuafermofura


Vida que sò de Verte fefoííinha,
Vontade que em ti era transformada,
Huniahna qua tua emfiso tinha,
TaoVnlda conftgo^quanto a pura
Alma
: 'Éclogas
jdmâ co débil corpo efta liada:
E agora apartada
Te W de f i com tal apartamento,
Quai fera feu tormento?
fera aquelle mal que tem prefente?
Mayor he quo que fente
0 trifle corpo na vitima partida,
i
Terça quem te perdeo também a Vida,
Doriano.
Regendo noutro tempo o manfo gado
Tangendo minha frauta nefles vales,
\Tajjam a doce Vida alegremente,
2Íao fmtia o tormento de fies males,
Menos flntia o mal dejle cudado,
Qjte tudo enúo em mim era contente,
Agora nao fomente
Deita Vida fuaue rriapartafte,
Mas outra me deixafie
Quão duro mal que finto ca no peito
Me, tem ja tão affeito,
Que finto ja por gloria minha pena,1
3V natureza o mal que me condena•
Frondofo.
Juntamente Vwr compridos ano*',
De Luis de Cam'oes.
Os fados te concedao, que quifierao
Ajuntar te com tal contentamento,
, <Pois para ti os bis todos nacerao,
Momentos para mim, males ir danos]
Logra tu sò teu bemyeu meu tormento3
T^enhum apartamento
Belifa, me Jara deixar d'amarte,
Tor que em nenhua parte
To deras nunca fiarfem mim huniora0
Qonfiente pois agora
Quem pago defia fiétao conhecida
Terça quem te perdeo também a vida,
Doriano. -f
Vejate èu [crua) amar quem te defiame,
Tor que faibas que coufa he fier amada2
De quem tu auomces ir defyre^as,
Vejate eu fier ainda defi>re^ada
De quem tu mais dejejas que te ame,
Tor que fintas em ti tuasxrue^as,
Sinta* tuas durezas,
E quanto pode ojeu cruel eff eito,
JS^um coração fogeito,
Tor quem Jintindo o mal queufinto agora,
BJlero qu algum hera
Faraó teu próprio mal de mim lembrar te,
Éclogas
Ia que nao pode o meu nunca abrandarte
Erondofo.
Milannos de tormento me'parece
Qada hora que fm ttj& jem ejperança
Viuo de poder mais tornar a verte,
Suftentame efta vida tua lembrança,
jí Vida febre tudo me entriftece,
A Vida antes perdera que per der tet
Mas eu fe por querer te,
Hum bem que em ti sò tem feu firme ajfent&
Padeço tal tormento,
Que indaejf era de ti quem te defama,
Ou ao menos te ama,
Çom algumfalfo amor,ou fé fingida,
Perca quem teperdeo também avida.

Doriano.
Entao{cruel) Veras fe te merece
Qom tamanho dejpre^o fcr trattada,
Hum alma que de amartc sò fe pregai
Mas como podes tu fer dejhre^ada,
Se o menos quem ti fora fe parece
Abrandar pode montes & ajfere^a*
Porque fe a natureza
Em ti o remate pos da fermofura,
De Luis de Cam'oes.
Qual fera a pedra dura
Qua teu Vallor refifia brandamente?
Quanto mais fraca gente
Quão humano parecer nãofe d fende,
E a mefma Vénus Deofa ao teu fe rende

E pois f é verdadeira, amor perfeito


Tormento dejtgual, & vida trifle,
Junta com hum continuo foffrimento,
E hum mal em que todo o mal confifle}
N[ão poderão mouer teu duro peito,
{
jíamoftrares fe quer contentamento
De veres meu tormento,
Mas antes ijlo tudo deffre^afte, «
E a outrem te entregafle,
*Por me não ficar nada em que íferajfe,
Senão quando acabaffe
'[Ávida, qua meu malhe tao comprida,
fperca quem te perdeo também avida*

Doriano.
Longo curfo de tempo, isr apartado
Lugar, a hum coração que fia entregue
Não podem apartar de feu intento
Vorquefogei^cruel) a quem te feguel
: 'Éclogas
'ISfao Ves qti teufugir he efcnfadol
Quefern mim nunca fias bum sò momento,
Nenhum apartamento
(Inda qu a alma do corpo fe m aparte,)
Poderá mfentarte
3) èff alma triíle, que continuamente
Emfi te tem prefente,
Torna cruel, mo fujas a quem fama,
Vem dar a vwte ou Vida a quem te chama.

jínoiteefcwa, trifte,& tenebrofa,


Que ja tinha eftendido o negro manto,
D'efcuridade a terra toda enchendo,
Fe^ por a ejies paflores fim ao canto,
Quão longo da ribeira deleitofa,
Vinhao feumanfo gado recolhendo»
Se aquillo queii pretendo
2)efle trabalho hauer,quhe todo Voffo,
Senhora alcançar poj]o}
Nfão fera muito hauer também a gloria',
Eolauro da Vittoria,
Que Vimlio procura,<sr hauer pretende,
Pois o mefnm Virgilio a Vos fe rende.

Belo*
De Luis de Camões..ijp

ÉCLOGA V
Feita do Autor na fua puerida;

A Quem darei queixumes namorados.


Do meu pafor queixofo namorado?
j í Ir anda Vo^fojpiros magoados,
A ca ufa porque n'aima he magoado,
De quem fer ao feus males confoladosj,
Quem lhe f ara diuido gafalhado,
Sòyos fenhor fermofo ir excellenteP
EJfecial em graças entre agentá

*Pcr partes mil lançando afantafta,


tBufquei na terra ef relia queguiajfé
Meu rudo \erfoyerh cuja companhia
Afanta piedade fempre andajje
Luzente ir clara ccmo a tu^ do dia7
Quo rude engenho meu malumiaffe,
Em V o f f as perfeições grão fenhor Vejo
Ainda alem comprido o meu de feio>
: 'Éclogas
j f Vos fe dern a quem junto fe ha dado
{Brandura, manfidão,engenho,& arte,
D*hum (frito diuino acompanhado,
Dos fobre humanos hum em toda parte,
Em Vos as graças todas fe hão juntado,
De Vos em outras partesfe reparte,
Sois claro rayo, f :lis ardente chama,
Gloria Cr louuor do tempo,aças da fama.

Em quanto aparelho hum nouo íprito,


E Voç de áfne tal quo mundo espante,
Com que deVos,fenhor, em alto grito
Louuores mil em toda parte cante,
Ouui o canto agrefle em tronco eferito,
Entre vacas isrgado petulante
Que quando tempo for em milhor modti
Ha dente ouuir por Vos o mundo todo.

j f s vãs querellas br andas,& amor ofas,


Sejão de Vos trattadas brandamente,
Verdades d alma pouco venturofas,
Saidas com fufpiro Viuo, Cr ardente,
Quem Vojfas mãos sentregao Valer of as,
tPara defjois viuerem entre agente,
Chorando fempre a antiga crueldade.
De Luis de Camões..ijp
Ii declinam o foi contra o Oriente,
E o mais do dia ja erà paßado,
Quando o pafior co graue mal quefente}
bordar ahm empartta feucudado,
Se queixa da pafiora docemente,
Qudando de ninguémfer efeutado,
Eu que o mui numaruore efereuia
jís magoas que cantou,ir aßt di%i<t.

Ou tu do monte *Pindafo es nacida,


Ou mar mor te p triofermofa is4 dura,
Que não pode fer fej a concebida
Dureza ta! de humana criatura,
Ou es quica em pedra connertida,
E ih da nxture^ji talventura,
(Poremmofe^em it boaimpreßao»
So de mármore torharte o coração.

Ja eßa ?ninha yo^rouca & chorofa,


Jlgente mais remota moueria,
Efe foltaße ayea lagrimofa,
Os tigres em Hircania amanfaria,
Se não foras cruel quanto fermofa,
Meu longofuffirar te abrandaria,
Mas fujpirar por ti/sr bem quererte,
Quefaçem feriao mais endurecertei
: 'Éclogas
Se deixam Vencer a crueldade
De tua tão perfeita fermofura,
Hum pouco Viras bem minha Vontade,
E Viras efta fé tão limpa isr pura,
*Por Ventura quouuerai piedade
E tiuera eu quica melhor Ventura
Mas nunca achou igoal tua belle^a,
Senãofe foy em ti tua dureza,

la. hum peito abrandara que nao fente


Meu duro &graue malfegundo heforte,
Se decera ao infernofero Z? ardente
"Mouera a piedade a mefma morte.
Se hua gotta de agoa brandamente
Torna brando hum penedo duro ír forte,
Tantas lagrimas minhas não farão
Humpiqueno final num coraçãoí

Na tejla tenho hua fonte vim dagoa,


Que por meus olhos trifles fe derrama,
No peito efià de fogo hüa viua fragoa,
Ojie tudo emficonuerte & tudo inflama$
A mor ao derredor por mayor magoa
Voando mais acende a ardente chama,
Efe qm Verfe ardentesfao feus tiros,
Olhafe fao ardentes mmfufftros»
p e Lüís de Cam5e$; 130
Quandogrita,<& rumor grande fefente,
Que fe acende algum fogo em cafa, ou torre,
De pura compaixão vaj toda agente
Gritando agoa ao fogo,tsr cada hum corre,
j f j l i anda meu peito em chama ardente
Ecoa agoa dos ollm fe focorre,
Que quem mabrafa outra agoa me defende,
Porque com efla o fogo mais fe acende.

Quando Vemos qm fae la no Oriente


O Sol, feu antigo curfo começando,
Eermofo,mtenfo,puro,ir refulgente,
O monte,cdmpo, mar,tudo a kgrando,
Quando de nos syefconde no Tonentt
E noutras terras fae alumiando
Sempre em quanto Vai dando ao mundo giro
<Por ti meus olhos chorão, O* eu fofyiro,

Qamnha o dia todo o caminhante,


Vem acabado a noite em que defeança,
Trabalham tormenta o mareante,
Coça o dia fereno & de bonança
Recobra o amo fértil, ir abundante
Jb{a terra o laurador fe nella cança,
Mas eu de meu trabalho, úr mal tão forte,
Tormento effero emfim, <sr crua morte.
: 'Éclogas
De ouuirmeu nula* rofas matutinas.
Com do de mim fe cerrao Zr emmurcheccm,
Com meu fufpiro ardente,as cores finas
Ter dem o crauo,Zr lirions não flomern,
Co aroxa aurora aspallidas boninas
Em de fe alegraremfe entrißecern
Deixa feu canto Trogne Zr Thilomena,
Que mau lhe doe qua fia a minha pena.
(
i(fJJ} jnde o mente ccncauo a meus ais,
E tu como afbide cerras lhe o ouuido>
As amores do campo, os animais,
Mofirao fentir meu mal fem terfentido,
E a ti as minhas dores defigmis
não mouem effe peito endurecido:
Tor mais Zr mais que chamo,não refoondesp
E quanto mais te bufcoimais (efcondese

T^aquella ptrte adonde coftumauas


Apacentar meus olhos, Zr teu gado,
A Ht onde mihe^es me moftrauas
Ser eu de ti o pafior mais defejado,
Mílve^es te bufquei porverfedaim
Ainda algum defcanfo a meu cudado,
No campo em vão tebufeo/rbufeo o nmte?
Qual o ferido'ceruo bufea a fonte.
De Luis de Camões. »3«
Efle lugar de ti defamparado,
£om cuju forniras frias ja fotgajle,
Agor i trifte & efcuro he ja tornado,
Que todo o bem contigo nos leiiajle:
Tu eras nojjo foi mais defejado,
]S(ão temos lu^ depois que nos deixafle,
Torna meu claro fol,vemjameu bem,
Qual he o hfuexjue tedetemi

Depois que defieValle te apartajley


TSÍao pace o branco gado com fecura,
Secoufe o campo defque lhe negafle
Dos tem fermofos olhos a h^ pura,
Secoufe a fonte donde ja te olhaftef
Quando menos que agora ajhera/jr durâ$
l^ega fem ti a terra dando gritos,
Pajlo ás cabras, cr leite aos cabritos;

Sem ti doce cruel minha inimiga


A clara lu^ e/cura mê parece,
Efle ribeiro, quando amor m obrigai
Com meu chorar por ti continuo crecep
lS[ão ha fera qtiafome não per figa,
7S(em o campo fem ti ja não florece,
Qegos ejlão meus olhos,ja não Vem,
Pois que não podem Ver meu claro bem,

«U
\ j f f i ã f i
_ . -—ja*. -—- ri*n>m MII-IIII m
.JjíLJKI - "»MM' "»ÍBSM
^iiriiir.ffrmi-1
: 'Éclogas
0 campo como cfantes nãofe efmaha
Xe boninas a^ties,brancas,vermelhas,
Kão choue ao pâftojtsfente da agoa a faltap
As manfits ir pacificas ouelhas
Também cruel contigo o céo lhe falta7
'Hão achãoflor as melífluas abelhas,
Çom lagrimas que manao dos meus olhos^
Aterra nosprodu^ duros abrolhos»

Toma pois ja paßora a efie prado,


E restituíras efia alegria,
Alegraras o mome, o campo/)gado,
Alegraras também a fonte fria,
Tor na,Vem ja meu foi tão defejadop
Faras a noite efcura claro dia
E alegra ja efia magoada Vula,
Em tua aufiencia toda confumida.

Vem como quando o rayô tran f farente


D efie nofifj Oriente, que efeondido
Deixa hum certo teníor a mortalmente^
Que caufaver o Orbe eficurecido,
E quando toma a vir claro ir luzente
Alegra o inundo todo entrifiecido,
Aßt he para mim tua tu^ pura?
Clarofoi, ir a aifene ia noite eficura,
De Luis deCamões..ijp
Tu efquecida ja do bem pajfado,
E do primeiro amor que memcjlrajle,
Teu coração de mim tens apartado,
E também o lugar defamparasle:
Não te quero eu_ ati mais qua meu gado}
mofou eu mefmo aquelle que tu amaflel
<Pois onde mereci tão grão defuio?
Ouueme,pois me Vesja morto <Çrfrio*

ÍBem Ves que, por amorfe moue tudo,


E não ha quem damor fe Veja ifento*y
O animal maisfimples,baixo,ir rudo,
O de mais Imantado penfamento,
Ate debaixo dagoa o peixe mudo *
La tem d'amor tombemfeumouimtnto9
A aue,que no ar cantando Voa
Também por outra aue fe ajfeiçoa?

Amuftca do leue paffarinho


Que [em concerto algüfolta Cr derrama9
T>ttm raminho faltando a outro raminho9
Cantando com amor fuffira Cr chama,
Em quanto no amado Cr doce ninho
Não acha aquelle a quem sò bufea Cr am is
NJXQ cejffa do trabalho que tomara
Tendofòfeu defeanfo em quem achara.
: 'Éclogas
j4fera que Lc mais fera o liao,
Sempre acha outro leão,outra fera,
Em quem pofsa empregar hua affeiçao^
Que lhe a comer facão no peito gera,
Tambémfabefenúrfua paixao ,
Tambémfujpirajfiorre/? defejfera
AcenaJalta, brada?ferue,i?geme,
E não temendo nada,amor sò teme*

0 cerm que e/condido & embofcada


Temendo o cubiçofo caçador,
E/la na feluajnontetbofqueju prado^
MH onde anda Cr Vtue,Viue amor,
D"amor de temor aconpanhado,
Comjuòla caufa amor temyCr temor%
Temor de quem alliferillo Vinha,
E amor a quem ja ferido o tinha*

Se o animalínfenfiuel que não fentt.


Também [ente d'amor a frecha dura,
^Porque te não abranda o fogo ardüV%
Que procede de tua fermofura,
^Porque efcondes a lu^do foi ãgentéi
Qjte neffes olhos traces bella Cr pura,
Mais bella,mais fuaue,& maisfermofa,
%ue lírio}quehfmin,que crauo* Cr rofa.
<Poè
De Luis de Camões..ijp
Pode ferfeme viras, quefinuras,
Ver desfazer hum peito em triíle pranto,
E bem pouco fizeras fe me Viras,
Ja que eu so por te Ver fufiiro tanto,
jfs magoas Crfufpiros que me ouuiras,
Te poderão mouer a grande effanto,
A dor,a piedade, afenúmento,
E a mais qne para mais he meu tormento•

Ospmfamentos vãos, que o Vento leue


O fujpirar em vão também ao Vento,
O efferar A calma, a chuuafà neue,
E na® te poder Ver hum so momento,
Tormento he que somente a ti fe deue,
E fe pode inda hauer major tormentop
Quem te vio, Cr fe vé de fiaufente
Muito mais paff aramais leuemente*

Fa^ moffa a pedra dura emfua dureza>


Qo agoa que lhe toca brandamente,
^Abranda o ferro forte a fortaleza
Se lhe toca também o fogo ardente,
Sò cm ti não conheço a natureza,
Qjía fer de pedra, ferro,ou de ferpente^
la teu peito cruel fora desfeito
JDOfogo, Cr das lagrimas que deito»
Edogâs
jQjmdo a fermofa Aurora moflra a fronte
Alegre toda a terra Vendo o dia,
Quando Vhebo aparece no Oriente,
Manifejla também grande alegria:
Contente come o gado ao pê do monte,
Alegre yay beber àfonte fria-}
Tudo contente ejfa ,alegre tudo,
En sò/o^cnfatm, trijlemudo.

Se da alma tsr do corpo tês a palma,


E do corpo fem alma mo tis do,
jHa dò do corpo so que eftà fem alma,
(pois fem alma não viue o corpo sò
Na chama, m ardor,no fogo,ts calma»
7S(a afftição,no querer,eu fou hum sò,
2fãò acharasVmtade mais cattiua,
Tiem outra como a tua tao efquina.

Se te apartas por não ouuir meu rogo,


Onde esíitiem te ei de importunar,
<Pofto que Vas por agoa ferro,ou fogo,
Qontigo em toda a parte nihas de achar
q ofogo em q tifo/s* a agoa em q me afogc;
Em quanto eu Viuofor ha de durar,
E o no que me tem prefo he de tal forte,
Que ião fe ha de foit ar em vida ou morte.
De Luís dfe Camões. »34
f^efle meu coração fempre eflaras
Em quanto a alma eíliuer com elle Vnida, m
Meu f f iritu também pofjuiràs
Defioís qua alma do corpo for partida ,
tPor mais & mais que faças,nãofaros
Que tão te ame nefla & na outra vida,
ImpofTtuelfera que eternamente
Eftês de mim aufente efiando aufente,

Qa me acompanhara tua memoria,


Se o rio quefe di^ do efquecimento
Da minha não borrar tao longa hyfloria2
Tão grane mal,tão duro apartamento;
jítê que quando te Veja entrar na gloria,
Viuirei num continuo jentimento,
E inda então fer à{fe ijlofer pojfa)
Efla mini) a Ima la feruir a Vojfte

jíqui comgraue dor, com triíleacceiifo,


Deu o trifle pafiorfim a feu canto,
Co fofio baixo,ir alto openfamento
Seus olhos começaraô muo pranto,
Mll Ve^esfe^parar no ar o Vento,
E apiadou no céo o coro fanto,
As circunflantesfduas fe abaixarão,
Dedo das tristes magoas que efecutâraÕ»
Com
Com hüa nuo na face, encojlado,
Emfuàdor tão enleuado ejlaua}
Que como em gr aue fonnofexultado
Não Yio o foi queja no mar entraua:
Berrando anda em roda o manfo gado,
Quo feguro curral ja defejaua$
Njts COMS te rapofas, tsrem feu ninhos
Se recolhem os Jtmples paffarinhos.

lafohre hum fecco ramo ejlaua poflo


0 mocho com funejlo trifle canto,
Jí cujo fom o pajler ergueo o roílo,
E Vio a terra enuolta em negro manto,
Quebrando então o fio a feugojlo,
Mas não quebrando o fio a feu pranto$
tpara melhor cudar em feu cudado,
Leuou para os currais o manfo gado,

Ecloi
De Luis de Camões. . ijp

É C L O G A VI-
A O D y Q^VE D A V E I R O .

Alicuto peícador. Agrário paílor»

A T\tijlka contenda defufada


Entre ai Mufas dos bofques/las áreas,
Defeusrudos cultores modulada
jícu)o ftm atônitas & albeas
Do monte as brancas Vaccas efliueraop
E do rio as faxatiles lampreas,
T1 efejo de cantar-yque Jemouerao
Oi troncos as auenas dos paflores>
E os JiíueJlres brutos fojfienderao:
menos o cantar dos pefcadores
Js ondas amanfou do alto pego,
Efe^ouuir os mudos nadadores.
E Je por fuftentárje o moço cego *
Kos trabalhos agrejles a alma inflama,
0 que he mais proprio no ocio/s* nófo f f ego»
Mais mãrauílhas dando a Vo^da fama
JS[ú mefmo marVndofo, avento frio,
Grafas roxas acende a roxa flama.
Vos [ò ramo de hum tronco alto & fombrio)
" Cuja
Éclogas • '
Cuja frondentexoma ja cubrio ,
De Lufo todo o gado irfenhork.
E cujo fao madeiro ja fato
A lançar a forço/a irlarga rede,
mais remoto mar qiio mmdoVio.
E Vos cujo Valor tão alto excede
Que a cantalo em Vo^ alta ir diuim
jífonte de Tarnafo moue a fede.
Ouui da minha humilde çanfonina,
Aarmonia que Vos aleuantais
Tanto,que de vos mefmo a fameis dana,
Efe agora que ajfabil me efcutajs
Não outúrdes cantar com alta tuba
0 que vos deite o mwtdo que dourais,
Se os ^eis auòs Vojf )s,que de hba
, Os %einos deuajlàrãojião ouuis,
Que,nas a^ds do Verfo excelfo Juba;
Se não [abemosfrautos pafioris
Tintar de Tora os campos/emeadòs
De armasycorps fortes, ir gentis,
ípor bum moço anlmo/ç fuftentados,
Contra o indómito j>ay de toda EJJ>anba,
Qontraa fortuna Vaa, ir injunosfados.
Hum maço cujo esforço, animo,ir manha
Fe ^decer do Olympo o duro Marte,

B dar*
_
D c LuisdeCamões."147
£ dãrlhe a quinta Efphera quacompdtfha
-Senão [abem cantar amenos parte'
T)o fapiente peito, <?gran confelho
Que pode (ò %eino illuflre)defcanfartè,
Peito quo douto jípollo fe^Vermelho,
Dtixar o Jaero monte <sràs fioue irmãs,
Di^qua dle feeffcitem como aefyelho:
Saberão se cantar as fiias vãs
Qontendas,de Alicüto vil Agrário,
Hum defcamas cubertofiutro de lãs.
Vereis{Duquefereno) o efiillo vario,
J nos nouoynds noutro mar cantado,
D'hum que sò foi das Mufasfecretarto»
Opefcadorfincero,quèamanfado"
Tem o pego de Pocrita co canto,
Polias fmoras ondas compafíádo^ J
Defle feguindo o fom que pode tanto, u
£ mtfiurando o antigo Vfantuano,
Façamos nouo eflilk,<srnouo efpanto.
Partirafe do monte jfgrario infmo, :
Para onde a força so do penfamento,
Lhe encaminham o laffo pefo humano^
Embebido num tongòèfqmimenio íV
Defi,<& do fén gado, & pobre fato,
Apos hum doce fóríhb, v fingimjitoi;
: 'Éclogas
Rompendo as Jiluas hórridas do mato,
Vai por cima de outeiros cr penedos,
Fugindo em fim de todo humano trato,
Ante os feus olhos leua os olhos ledos,
Da branca Viamene, que enuerdece
Sò co meneo vs Valles Cr rochedos.
Ora feri configo quando tece
2^a fantajla algum prazer fingido,
Hora falia, hora mudo sentrijlece.
Qual a tenra nonilha, que corrido
Tem montanhasfragofas, Cr ejpejfuras,
fporbufcar o corritgero marido,
E canfada nu húmidas Verduras, .
Qairfe deixa aolongodonHiro.,
lã quando as fmbras Vemdt^d^CMdf*
E nem coa noite,ao Valle fe^-primf^
Se lembra de tornar cotm foiá, " J>
Perdida pello bruto companheiro.
Tal Agrário chegado emfiytfe via,
Onde o gran pego homfono fufpirfo
Nua praya arenofa, húmida CnfoiÀ-
Tanto quão, mar eflranho os ol/mvjra^.
Tornando em Ji de longe ouuiotocarfe
De douta mão, não vifla^Crnom lyra*
Eello o fom defufado defiáarfè9
fará
De Luis de Camões.
«, •

Tara onde mais fotut de/ejiiido


De oiiuir Zr conuerfar, Zr dep o iarfi,
T^ao tinha muto e/paço andado,quando
T^ua C9 icauidide de hum penedo
Que pouco Zr pouco fora o mar cauando
Topou chumpefcador que pronto Zr quedo
T^Jia pedra ajjentado brandamente
Tangendo, fa^ja o m ir fereno Zr ledo*
Mancebo era de idade florecente,
Tefcador grande do alto} conhecido
Tello nome de toda a húmida gente^
jíhcuto Je chama, que perdido
Era pella fermofa Lemnoria,
Nympha que tem o mar ennobreádo»
Tor ella as redes lança noite Zr dia.
Tor ella_ as onlis tumulas dejpre>a, •
Tor eila foffre o foi Zr a chim fria«
Co [eu nome mlye^es a hraue^a
Dos Ventos feros aminfou coverfo,
Qjie remoue das rochas a dure,*?*
E agora em fom deVp^ fuaue ir terf®
Ejla feu no ne aos eccos enjinando
Tot ejlillo do zgrefte fom diucrfo:
Do qual Agrário ato nto ájhxando
Da fantfu hum poMofca cudado,
S
: 'Éclogas
Sufpenfo efteuefis números notando:
Mas Jlicuto Vendo fe efhouadò
f
Pèllopaflor da mufica diuina
jileuantarJo oroftofojfegado,
Lhe di^afii: Vaqueiro da campina
Que vã bufcar as arenojas prayas,
Onda belía Amphitrite sò domina?
Que ração ha paflorporque te fayas
{Tara o neffci efcamofojzsr V:l terreno,
Vos muifloridos myrthosjts* altas fayas}
Quefe agora o mar Ves brando 'isr fereno>
E eftenderemfe as ondas pella area
Aman fadas das agoas com que peno,
Logo Veras o como defenfrea
Eolo o Vento pello mar Vndofo,)
Deforte que Js^eptuno o arrecea.
Q^efponde Jgrarioiò mufico <sr amorofo
Tef :ador, eu não Venho a Ver o lago
%'auo e quietofiu o Vento brado,&irofo.
Mas o meu penfamento, com que apago
Js flama* ao defejo, me traria
Sem Quuk <sr fem Verfufpenfo & Vago.
Até qua tua Angelicaarmonia
Me acordou,Vendo o fom com quaqui cantai
•A tua perigofa Lemnoria.
MM
De Luis de Camões..ijp
Mas fe de Verme ca no mar (eff antas,
Eu mcjbanto também do cflillo nouo
Com que as ondas horrifonas quebrantas:,.
0 qual pofto que certo Uuuo Cr aprouo
Defejo de prouar contra o filueflre
Antigo pajloril, queu mal renouo.
E tu que no tocar pareces meflre,
Podes julgar fe he clara a differença
Entre o canto marítimo Cr o campeflreS
liao ha ( d i f f e Alicuto)em mim detença,
Mas antes aluoroço, inda que Veja
Que ejfa tua confiança so me Vença.
Mas porque faibas que nenhua inueja
Os pefeadores tentos aos paflores,
fom que pello mundo ft defeja9
Toma a lira m mão que os moradores
Do Vítreo fundo vejo ja juntar fe,
Vara ouuir no fios rufticos amores.
E bem Ves pclla praya aprefentarfe
Nas conchas varia cor a vifla humana,
E o mar vir por antfellas,& tornar fe.
Sojfegado do Vento afúria infana,
Encrcjfa brandamente o ameno rio
Quefeu licor aqui me/lura Cr dana,
Efle penedo concauo <rfombno,
S%
B H B B M M B —

• ' Éclogas
de cangrejos Ves eílar cuberto,
£fos da d brigo do fel quieto Zr frio.
Tudo nos nioílra em jim repoufo certo,
E nos conuida ao canto com que cs mudos

(st jeciejapao ejtesrti


Poeta*, nos officios difcrepantes,
tios engenhos poremfotis & agudos.
Eja mil companheiros circunfl antes
Eílauao para ouuir & aparelhauao
Ao Vencedor os prêmios femelhantes.
Quando ja as lyras fubito tocauao
jfgrario corneçaua & da armonia
Os pefcadores todos fe admirauao,
E defla arte Alicuto rejf ondia.
* «

Agrário.
Vosfemicapros Decfes .do alto monte,
Faunos longe uos, Satyros, Syluaiios,
E Vos Deofas do bofquè ciara fonte,
Ou dos troncos queviuem largos anos-
Se tendes pronta humpouco a facrafronte,
jí nojjos verfes ruflicos ir humanos
Ou me dai ja a coroa de loureiro,
Ou penda a minha lyra dum pinheiro.
Ali-
De Luis de Camões. . ijp
Jlic. 'Vos húmidas Deidades de/te pego,
Tritões cerúleos, Troteo, com Talemo,
E Vos TS[ereidas do fal em que uauego,
#V quem do Vento as fúrias pouco tem
Seasvojjas ricas aras nunca nego,
O congro nadador na pa do remo,
TS{áo confintais quamuftca marinha
Vencida feja.aquimlyra minha.

jyr8$âflorfe fe>hum tempo o moço louro,


^ Quedo foi asearre tas moue Z? guia,
Ouuio o rio jímphrifo a lyradouro,
Çjiofeu facroinuentor AÜi tangw
lo foy Vãcca, lupiter foy tourg,
Manfas omlbas junto da agoa fria
Guardou o fermofo jídonis, tornad§
Em bezerro Ts^eptuno foy ja achado»

Alie. Vefcadorja foy Glauco, o qual agora


Deos he do mar,<&Vrotheo Thocas guarda
lS[aceo no pego a Deofa que hefenhora
Do amorofo prazer, que fempre tarda:
Se foi bezerro o Deos quo mar adora
Também ja foy Delphin,ísr quem refguarda
Vera quos moços pefeadores erao
flu o efeuro enigma ao Vate derao.
J&™-*
: 'Éclogas
r
Àgra. Temo fa Dinamene, fe dos ninhos
Os implumes penhores ja furtei
M doce philomela, ir dos mortinhos
Tara ti (fera) as flores apanhei,
Efe os crejpos medronhos nos raminhos
Jti com tanto goflo aprefentei,
Torque nao das a Agrário defditofo
Humsò reuoluer d"olhos piadofo}
r
Alk. Tara quem trago dagoa em Vafo cauo
Os curuos camarões viuos faltando?
Tara quem as conchinhas ruinas cauo?
J\(a praya os hrancos bugios apanhando?
Tara quem de mergulho no mar brauo
Os ramos de coral Venho arrancando?
Senão pera a fermofa Lemnoria,
Que c'hum sò rifo a vida me daria?

Agr.Qiiem vio o dcfgrenhado ir crejfto inùerm


D'altos nuues Vejlido, horrido,ir feo,
Ennegrecendo a vifia o céo fuperno,
Quando os troncos arranca o rio cheoy
(Rajos/buuas/rouces, hum trifle inferno,
Moflra ao mundo hum pallido receo,
Tal he o amor ciofo a quem fofyeita
Que outrem de feu* trabalhosfe aproueita,
Alie,
De Luis de Camões. . ijp
Alie, Se alguém vio pello alto 0 ßbilante
Furor, deitandoflamasCr bramidos,
Quando as pafmofas ferras tra^diante
Horrido aos olhos, horrido aos ornadosp
Abraços derrubando o ja nutante
Mundo, cos Elementos deftruidos;
Aßi me reprefenta a fantafia
A defejftração de Ver hum dia.

Jígra. Mini) alua Dinamene, a Trimauera


Q^ios cambos deleitofos pinta Cr Veße,
E rindofe bua cor dos olhos gera
Com que na terra Vem o arco celeíle,
0 cheiro/ofas,flores,a Verde era,
Qom toda afermofura aynena,agre fie,
Tfão he para meus olhos tão jermoja,
Qomo a tua que abate o lirio Cr rofa»

Alie. As conchinhas da praya que aprefentão


A cor das nuuens, quando nace o dia,
0 canto das Sirenas„quaaormeu tão
A tinta quenomurice fecria,
Njiuegar pellas agoas que syajfentão
Co brando bafo quando a fefla he fria,
Não podem Nympha minha aßt apra^eme,
Qomo Verte hw hora alegre Verme.
&4 Agra.
rxiogas
Agrário.
'xA Deofa que na Lybica a lagoa
Em forma Virginal apareceo,»
QM]O nome tomou que tanto foa,
Os olhos bellos tem da cor do ceo.
Garços os tem, mas bua qiia coroa
Das fermofas do campo.mereceo
Da cor do campo as moflra graciofos,
Quem disque nao.faoeßes osfermofosl
jílicuto.
(perdòemme as deidades, mas tu diua
Que no líquido marmol esgerada,
A lu^ dos olhos teus celeíle í? viua
Tês por vicio) amorofo atraueffada,.
2petos lhe. chamamos,masquemprms-
De lu^Q dia baixa is* foffegada,
Tra^ a dos fern nos meus quo não nego-,
E com, tudo ijjo ainda afü eílou cego»

J f ó cantaudo; ambos oicultores


Do monte & praya,quando os atalhara®
A hum paßms, a outropefcadcres,
E quaisquer a feu y.ate coroarão
De capellts idôneas & fermofas,
QjiOiKymphaó lhe tecerão iy ordenarão.
A Am
D c Luís de Gamões.
lá Agrário de mortinhos ir de rofas
A Alicuto. de hum fio de torcidos
(Bustos,ir conchas ruims ir lufirofas.
Bflâuão ríagoa os peixes embebidos,
Qo as cabeçasfora,quafi em terra?
_ Os muftcos delphins efiao perdidos•
hdgauão os pai tores. que na ferra
O cume ir preço efia do antigo canto,
Que quem o,nega contra as Mufas erra,
Di^em os pefcadores: que outro tanto
Tem da fomra frauta quanto teut
O campo pafloril da antigo Manto.
Mas já b pafior de Admeto o carro leue
Mblhaua ríagoa amara,ir compellia
A recolher a roxa tarde ir breue,
Efioyfimda contenda o fim do dia«.

É C L O G A VII
Intitulada dos Faunos».

jS^ S doces cantilenas, que cantauao


Osfimúcapros Deofes amadores,

o
Das Napeas,qu os montes habitamos
: 'Éclogas
(jantando efcrentrei,quefe os amores
Aos filucftres Deofes maltratarao
la ficdo de[culpados os p afores.
Vosífenhor dom Antonio)aonde acharão
0 claro Apollo Cr Marte hü fer perfeito
Em quem fuás altas mentes afinarão,
Se meu ingenho he rudo O* imperfeito,
fBem fabe ondefe falua,pois pretende
Leuantar co a caufa o baixo efeito.,
Em Vos minha fraqueja fe defende,
Em vos tnjlilla afonte de Vegafi,
0 que meu canto pello mundo eflende.
Vedes que as altas Mufas do Tarnafo
Cantando Vos estão na doce lyra,
Tomandome das mãos tao alto cafti
Vedes o louro Apollo, que me tira
De louuarVojfafirpe, Cr efcurece
0 que em Vofjo louuor meu canto affira
Ou por me auer inufja mefallece,
Ou por não Verfoar na frauta ruda
0 que afonora cithara merece.
Poisfei ,fenhor,di^er,qii a lingoa muda
Em quanto progne trisle o fentimento,
Da corrompida irmã co pranto ajuda.
Eem quanto GaUtha aomanfoyento
De Luís de Camões, 143,
S0!ta os cabellos louros da cabeça
ETitjro nas [ombras fa^affento.
E em quanto flor aos campos nãofalie ça
(Se não recebeis iflo por affronta)
Fara qiioDouro ir oG anges Vos conheça.
Eja qua lingoa niflo fica promta,
Çonfenti qua minha Écloga fe conte
Em quanto Apollo asVoffas coufas conta*
T^o cume do Parnafo duro monte,
De filueííre aruoredo rodeado,
]S[dce hüa criflallina ir clara fonte,
Donde hum manfo %iíeiro diriuado,
(por cima faluas pedras, manfamentê j
Vay correndo frnue irfoffegado.
O murmurar das ondas excellente,
Ospajfaros excita,que cantando,
Fa^em o monte Verde mais contente\
Tav claras Vad as agoas caminhando
Çjte no fundo as pedrinhas delicadas
Se podem hua ir hua ejlar contando.
7\ao je Verão ao redor pifadas
De fera ou de paflor qualli chegajfe,
Torque do ejfejjo monte faõ Vedadas.
Herua fe não Vera, qualli. criaffe
O monte ameno, trifleM Veneno[a,
Se-
Éclogas
»

Senão que la no centro as igualaffe,


0 roxo Uno apârda branca rofa,
A cecem brancaa flor q dos amantes
A cor tem magoada/s4faudofa.
^ÎÏÏt fe Vem os myrthos circundantes,
Que a crijlallina Venus encubriraõ,
Da companhia dos Faunos petulantes.
Ortèlã,manjarona,alli rejjnruo,
Onde nem frio inuerno,ou quente eflio*
As murcharao jamais,ou feccasVirao*
Defl'arteVay feguindo o curfo o rio,
0 monte inhabitado,<& o deferto,
Sempre com Verdes aruores fombrio*
Aqui hua linda IS^ymphapor acerto
Perdida da fragueira companhia,
. Aquém efle alto monte era encuberto.
Qan fada]a da caça vindo bum dia,
Quis defeanfara fombra da floreftaf
E tirar nas mãos aluas da agoafria•
E Vendo a nouidade manifeïla
D oft tio,ir como as aruores co vente
As calmas defendido da altafefta, *
Das aues o lafciuo mouimento,
Que em feus modulos verfos occupadas
As afas dal ao doce penfa mento.
Tendo
De Luis de Cam'oes.
Tendo notado tudo, ja pajfadas
vAs horas da gran sêfia je tornou
Ahüfcar as irmãs no fentro amadas.
Depois que largamente lhes. contou
Do mo Vtfio lugar que pertofiaua,
Que tanto tpor eflremo a namorou.
Qtüo outro dia foff em lhes rogaua
A lauarftnaquella fonte amena,
Que tão fer mofas agoas difiillaua,
la tinha dado hum giro a tu^ f irena1
Do gr an pafior de Admeto,& ja nam,
Aos ditofos amantes noua pena,
Quando as fermof as Nymphas a porfia
(para o lugar do monte caminhauão-,
Rompendo a manhã roxa,alegre Cr fria.
jb'hua os cahcllos louros feeffalbauão,
ipello fermof o collo fem concerto,
Com dous mil nos fuaues senlaçauao.
Outra leuando o collo defcuberto,
[Tor mais dejpejo em tranças os atara,
jíuendo por pefado o dejconcerto,
Dinamene, cr Ephirea quem topara,
l^jias tPheho num rio,Z? èncuhrirao
Sem delicados corpos nagoa clara,
Sirene,Cr ISQfe, que das mãosfugirão
: 'Éclogas
T>9 Tegro Pan, Jmanta & mais Ely/%
Defiras nos ar cos,mais que quantas tirão.
Alinda D ali ma, com 'Behfa,
Ambds vindas do Te]oyque como ellad
T^jnlm tão fermofa as eruas pifa»
Toda* efias Angélicas don^ellas,
Pello Viçofo monte alegres hião,
Quais no ceo largo as nítidas eflrellai;
Mas donsfiluefircs Deofes que trarão
0 penfamento em duas occupado,
Aquém de longe mais qua fi quertão,
!S[ão lhe ficam monte, Valle,ou prado,
2s[em aruore por onde quer que andauao^
Qjae rüo foubefie delles feu cudado.
Quantas Ve^es os rios quepajjauão
' Detiuerão feu cwf o, ouuindo os danos,
Qjiãte os duros montes magoaiãq,
Quantas Vc^es amor de tantos anos
Abrandara qualquer Vontade ifenta,
S'em Nymphas corações outtejfe humanos*
Mas q uem de feu cudado fe contenta,
Offereça de long; a paciência,
Qjíamrr de alegres magoas fe fufienta,
Qtio moço Idálio quisnefia jciência
Quefe compadece ff'em deus contrários,
Di*
De Luis de Camões..ijp
Digito quem tiuer delle experienáa.
fado os Deofes em fim por montes Vários,
Exercitando os olhos faudofos,
Jo criflallino rio tributários,
Toparão dos pês aluos mimofos
As pifadas na urra conhecidas,
As quais for aofeguindo prefurofos.
Mas encontrando as Nymphas, que de f f idas
]\[a clara fonte eftauão, não cudando
Que ctalguémfoffem viflas, ou fentidas,
Deixarãofe estar quedos, contemplando
As feições nunca viflas, de maneira
Queviffem femfer Viflos, eff rcitando*
tPcrem a e f f e f f a mata, mcnfageira
D a futura cilada, co rugido
Dos raminhos dhua affera Auelleira,
Moflrando a hum dos Deofes efcondido,
Todas tamanha grita alleuanúrãoy
Como fe foffe o monte deflrv.ido.
E logo afsi déjf idas fe lançarão
Telia ejfefjura tão ligeiramente,
Qjte mais então quos Ventos auoarao»
Qual o bando das pombas, quandofente
A fer mofa Águia cuja vifta pura
Não obedece ao foi rejflandecmte.
: 'Éclogas
Empnfialbe o temor da morte dura
a[as noua força, ir mo parando
Çortao o ar, <í? rompem a effeffura.
DÍfl%arte vão as Kymphas, que deixando
De feu dejpcjo os ramos carregados
1\ MS por entre as filuas vão Voandoa
Mas os amantes ja defefperados,
Que para as alcançar emfimfe viao
jS[éida dos pès caprinos ajudados.
Qom amoro [os brados as feguüo,
Humsò,quo outro ainda não tomauii
Folego. algum da preffa que trarão$
Mas defjjois defcanfado Jequeixaua.

Primeiro Satym

jth Ny vnphas fugi titias,


Que sò por não Vjar humanidadef
Os perigos dos matos não temeis,
tpara que fois efquinas,
Quinda de nos não peço piedade,
Mas def]as aluas carnes quoffendeis?
^íhNymphas não Vereis
Que Ewydice fugindo deffa forte
Eugio do amante, Zsr não da fera morte?
De Luís de Camões, 143,
Também afii Eperle foi mordida
Da bibora e[condida,
Olhay afierpeNymphas na herna Verde
Qjiem a condição nao perde perde a Vida»

Que tigre, ou que leão,


Que peçonhenta fera, Venenofa,
Ou que inimigo emfimyos Vay figtúndoi
D hum brando coracao,
i *

Que prefio dcfia yifía rigjirofa,


DeJipara yos foge, andais fingindo}
Olhay quem gefiolindo,
TSlão feconfentepeito tao disforme,
Se não quereis que tudo fe conforme:
«Pofio que bellas rtagoa Vos vejais,
Jífonte não creais,
Que Vos tra^enganadapor vingança,
Defia nofifa efi>erança qu enganais,

Mas ah que nao confinto


Que nem pallaura minha Vos offenda,
To/lo que me deficulpa a magoa pura,
l^ymphas digo que minto,
Que nãopode auer nunca quem pretenda
De desfazer em vojjafiermofura,
T Se
: 'Éclogas
Se amor de tanta dura
(por tanto mal tão pouco bem merecey
lS[ao ejiranhels mintialmayqu endoudece,
QueJe falia doudices de improuifo,
Sem tento nem auifoy
Queira Deos que dureza tao crecida
Que me nao tire a vida alem do fifo.

Coufas grandes ir ejlranhas


Tem pello mundo feito irft^ natura,
Qu'a quê Vos naovioÇSlymphas} muto effantao>
T\[as Ly bicas montanhas
As Scitales fao ferasy de pintura
Tãofingular, que sò co a Vifla encantao,
^As Hienas leuantao
Avo^tao natural aVo^humana,
Qua quem as oiiue facilmente engana,
E Vos (ô gentis feras) cujo afpeito
0 mundo tem fogeito
Tendes de natureza juntamente
yfVijld, zrVo^de gente, irfer o o peito.

Das amorofas leis


Çom que liga natura os corações
Andaisfugindo ÇSÍjmphas)na efieffura,
Como
De Luis deCamões..ijp
Como nao Vos correis
Que em Vos aja tão duras condições,,
Quepojfaô mais qtia prouida natura?
Se V o/J a fermofura
He fobrenatural\ não he forçado
Qifafíi tenha também o peito irado:
Mas antes ao amor em cuja mão
Os corações estão
o

$V Vojfa gentileza tão fcrmofa,


hhes deuás amorofa condição,

\Amor he hum brando a f f eito,


Que Veos no mundo pos Cr a natureza,
(Para aumentar as coufas que criou,
D'amor esta fogeito
Tudo quanto poffue a redondeza?
Tfada fem efte ajfeito fe gerou;
tPorelle conferuou
jícaufa principal o mundo amado9
Donde o pay famulentofoy deitado,
Ás caufas elle as atta Cr as conforma
(fom o mundo, Cr reforma
Á matéria, quem ha que não o Veja ?
Qjianto meu, mal defeja fempre formai
TI
Éclogas
Entre as heruas dos prados
Kao ha machos ir fêmeas conhecidas
E junto Jrnda outra permanece?
TS^aõ eflão carregados
Os "vimeiros das vides retorcidas,
Onde o cacho enforcado amadurecei
ISfao Vedes que padece
Tanta tristeza a rola pella morte
Da fua amada ir Vnica conforte?
(Pois la no Olympo a quantos cattiuou
Cupido, ir maltrattou?
Milhor queu o dirá a fútil don^ella,
Que la na fua tella o dibuxou*

Jh cafo grande ir graue,


Ah peitos de diamante fabricados,
E das leis abfolutas naturais,
jíquelle poder alto,queforçados
íquelle amor fuaue, '
OsVeofes obedecem defyre^ais?
Tois quero que faibais
Que contra o fero amor nunca ouueefcudoj,
Ofeucoftume hevingançaemtudo,
Eu Vos verei deitar em hum momento?
Sofpiros mil ao Vento,
La-
Dc Luis de Camões." 147
Lágrimas trifles prantos, nouador,
Por quem tenha outro amor no pmfamento.
>

Mais qui fera diçer


0 defditofo amante, que ajudado
Se via então da magoa da triftèça,
Masfoilho defender
O outro companheiro como irado,
Qom ta o disforme ér aff era dureza,
jíquillo que a rudeza
E a f ciência agrefte lljenflnara
Imaginando como que acordara
jy algum fonho arrancando d alma hugrito*
0 mais qualli foi dito,
Vos montes o direis, Vos penedos,
QuemVsfsos aruoredos anda eferito.1

Satyro fegundo,
TS{em vox nacidas fois de gente humana
Nem foi humano o leite que mamdsies,
Mas dalgua disforme fera Hircana,
Lana Qaucafo monteVoscriafles,
Daqui tomafles a afferent ihfana,
Daqui o frio peito congelafles,
Sois Sphinges nos gefios naturais,

r5 &
Quoroflo sò de humanasamoflrais.
Ecîoeas
o
SeVösfofies cr Lidas na eßefura,
Oncle não cuve cou/a quefie achaße
Jinimal. erua Verdejou pedra dura,
Çtue em feu tempo paff ado não amaße,
Nem a quem a affeição fuaue Cr pura
TSleffa prefenteforma não mudaße.
^Porque não deixareis também memoria
De Vos, em namorada, Cr longa hifioria?

Olhai como na Anadia fioterrando


0 namorado Alpheo fina agoa clara
La na ardente Sicilia Vay bufcando
5V debaixo do mar a Nympha chora,
Jfßtmefmo Vereis pajfar nadando
Mis, que Galathea tanto amara,
!Toronde do Cicople a grande magoa
Conuerteo do mancebo o fatigue em agoa

Virai os olhos(Kymphas)a Erycina


Fßeffura v'ereis a Iii mudarfe
Egcria>Cr cm fonte clara Cr crislaüina,
fPella morte de"Humadeßillarfe:
Olhai qu'a trße Biblis Vos enfim
Qom perderfe de todo Cr transformar fe
Em lagrwm que emfimpoderão tanto,
acrecentàrãofempre o Verde maiito.
De Luis de Camões..ijp
E fe entre as ciar cts agoas ouue amoref,
Os penedos também for ao perdidos,
Olhay os dom conformes amadoresy
No monte Ida em pedra comer tidos,
Letheapor cayr emvaos errores,
Defua fermofura procedidos,
Oleno porque a culpa emfitomaua,
Por nao Ver cafhgar quem tanto amam.
Tomay exemplo,& vede em Qypro aquella
Por quem Jphis no laço pos a vida,
Também vereis em pedra a Nympha bella,
Cuja Vo^foi por Juno confúmida,
Efe queixar fe quer de fna eflrella,
jívo^ extrema sò lhe he concedida,
E tu também (ô Daphnis)que trouxefie
Primeiro ao monte o doce Verfo agrefle»

Tamanho amor lhe tinha a branda amiga,


Que em inimiga emfim fe foi tornando,
Que porquelxympha ejlranha outra ofogiga
Suas magicas eruas Vay bufcando
Olhay a crw dor a quanto obriga,
Que por vingarfua ira, transformando
Foi em pedra, o dura confufaô,
Depois lhe pefaria, mas em Vóo.
T 4 Olhai
: 'Éclogas
Olhai(?S(bnph4s) as amores alçadas,
jí cuja [ombra andais colhendo fores,
Qomo em feu tempoforao nomoradas,
Que ainda agora o tronco fente as dores>
Vereis tambémj fe fordes alembradas,
Qomo a cor das amoras he de amores,
0 fangue dos amantes na verdura
Teflemunha de Tisbe a fepultura

E üpella odorífera Sabea,


lS[ao vedes que de lagrimas daqueüa
Que com feu payfe ajunta ç^fe recrea^
jfrabiafe enriquece & viue delia}
Vede mais a Verde aruore Tenea,
Que foi ja noutro tempo Kympha bella%
E CypariJ]o angélico mancebo,
jfmbos Verdes comolammas de Thebo*

EJla o moço de Thrigia dilicado


No mais alto aruoredo conuertido,
Que tantas Ve^esfere o Vento irado
Galardão defem erros merecido,
Que da alta Sericinthia fmdo amado,
(
Tor hua Kympha baixafoi perdido,
E a Deofa a quem perdeodopenfamento>
Qiíis que tambémperdejfe o entendimento»
Ofu-
De Luis deCamões..ijp
Ofuhito furor lheafguraua •
Que o monte,as ca/as,<ír aruores calmo,
Ja dos pudicos membros fe priuaua,
Qua T)eofa <sra fúria grade o confrangido»
Ja no indtno montefe lançaua,
'Vefiua morte as feras fe doiao:
Defarte perdeo Mhis na effefura
7)eJpois de tantas perdas a figura.

Lembremos quando as gentes celebrauao


Em Grécia as grandes fefitas de Lyeo,
Onde as fermofas TSLympbas fe juntauad
E osfiacrosmoradores do Lyceo,
Todos em docefinofieoccupauão
Tello monte depois que anouteceo,
Mas o Veos do Helejfonto não durmía
Que bum nouo amor o fono lhe impedia..

Mas ella emfimos braços efiendendoy


Em ramosfielhefiorãotransformando^
Emray^es os pes fe vão torcendo,
E o nome Lotho sò lhe Vay ficando.
Vede Kapeas efiecafio horrendo,
Que Vos efitã de longe ameaçando,
Que aßt também daqueüa a quem fieguia
Ofiacro Tan, a formafieperdia»
E que direis de Thilisyque perdida
Da jaudofa dor em queviuia,
Adefeíperaçao emfim trazida
Do comprido ejbcrar de dia em dia,
Tor defatar do corpo a trijle vida
yftaua ao colo a cinta que traria,
Mas o tronco fem folha pello monte
%hodope, abraça olento 'Demop

3S(ds boninas também Vereis lacintho,


(por quem Phebo defi fe queixa em Vao,
Vereis o monte Idálio em fangue tinto,
Do neto de feu pai, da may irmão,
Qhora Vénus a dor do moço extinto,
Maldigo cio Cp a terra com ra^ao,
J . terra porque logo naoje abrio,
0 céoporque tal mortepermittio„

E tu confiante Qlycie, a quem fallcce


A fé de teus amores enganofos,
J^o louro amante que de tife efquecc,
Se efquecem os teus olhos faudofos,
TSfjnbum alegrefado permanece,
Que fao do mundo osgoflos mintirofos,
E a tua clara lu^por quemfujpiras
Ainda agora em herua a folha viras.
De Luís de Camões.Camões.182
TragoVos eftas coufás a lembrança,
\forque fe ejiranhe mais Voffa crueza/
Com Ver qua criaçad ir a longa vfança
Vos nao preuerte ir muda a natureza,
Vou as lagrimas minhas em fiança
Quem tudo quanto eftana redondeza
Qoufa d'amor ifenta7 fe atentais>
Em quanto Vos não Virdes não Vejais.

la diffe que iamor fentpre tiuerão


As coufas infenfiueis pena ir gloria,
Vede as fenjiueis comofe perderão,
E dirvos ey das aues larga hyfloria,
Qjias penas que em fua alma fe foffrerao,
Nas afas lhe ficarão por memoria
E aquelle altiuo, ir leue mouimento,
Lheficou do Voar dopenfamento.

O doce roxinoljir a andorinha,


De donde ellas fe for ao transformando,
Senão do puro amor qtio Thracio tinha
Quem Poupa ainda a amada anda chamando?
Clama fem culpa a mifera aue^inha,
Que tia arca de Phajis habitando
Do rio toma o nome, ir afia fe Vay,
Qhamando a niãy cruel, ir injujlo o pay. -
Vede
: 'Éclogas
Vede a que engeitou Talias por falar
Que dos amores he maypr defeito,
E aquella que fucede em [eu lugar
Ambas aties d'amor y fado effeito.
Hua porque fugia ao Deos do mar,
Outra porque tentara o pátrio leito,
E Scylla qtía feu pay pos em perigo,
S opor fer muito amiga doeUemigo.

E Tico a quémficarãoainda as cores


Da purpura ^ eal que ter fioia
EEfaco que o feguir defeus amores
O trouxe a Ver ião cedo o ejlremo dia:
OuVede os dous tãofirmesamadores,
Quamor auestorvou na prayafiria,
Do 1{ey dos ventos era genro o trifie,
Mas contra o fado em fim nada refiflt

Eflaua a trifie Alcyone esperando


Com longos olhos o marido au fiente,
Mas os if ados Ventos affoprando,
1S[(M agoas o afogarão trifiemente,
Emfonhos fie lhe efiàreprefientando
Qjjie o coração prefiago nunca mente,
So do bem as fofyeitas mintirao,
Qu'as do mal futuro certas fiaot „
DcLuis deCamões»1<fj
yfo pranto os olhos feus a trifie enfaya>
íBufcando o mar com elles hia í? vinha,
Quando o corpo fem alma achou na praya/
Sem alma o corpo achou,querialma tinha9
TSfjrtidas do Egeo confolaya,
Pois efie trifie officio Vos conuinha,
Çonfo!aya,fahi datvoffat agoas,
Se confolação ha em grandes magoas.

Mas ò nefeio de mim? qü'efiou faliando


Das aue^inhas manfas, Cr amorofas,
Se também teue amor poder Cr mando
Entre as feras montefes Venenofas,
O leão Cr a leoa, como ou quando
Tais formas alcançarão temerofas,
Sabeo da Deofa Dindymene o templo,
E a quo deu a Adónis por exemplo.

Qjiemfoffea manfavaccadiloia,
Mas ogranNilo o diga qua adora,
Que forma teue a Vrfa faber fehia
Do Polo Boreal donde ella mora:
O cafo de AEleon também diria
Em ceruo transformado, Cr milhorfora
Que dos olhos perdera a Vifla pura
Qiie efcolher nos feus galgos fepultura,
: 'Éclogas
Tudo tjlo ÀBeon vio na fonte clara,
Onde afi de impmúfo em ceruo vio,
Que quem afíi defia arte alli o topara,
Quefe mudajfe em ceruo permittio,
Mas como o trifle amante emf i notara
A defufada forma, f? partio,
Os feus qtio mo conhecem, o vão chamando,
£ eftando alli prefente o vão hufcando.

Qos olhos & co geflo lhes faliam,


Qua Vo^ humana ja mudada tinha,
Qualquer delles por elle então chamam,
E a multidão dos cães contra tile vinha,;
Quevieffe Ver hum cento lhegritaua,
JéÜeon aonde eflas açude afinha,
Que tardar tanto he esle, (lhe di^ia)
He efte,he efie, o ecco yejpondia.

Quantas coufts cm vão efiou [aliando,


(ô efquinas TS[apeas) fem que Veja
0 peito de diamante hum pouco brando,
De quem meu danno tanto so defeja,
Pois por mais que de mim me andeis tirandot
E por mais longa em fim qua vidafeja,
Nunca em mim fe Vera tamanha dor,
Q^amor a não conuerta em mais amor.
Aqui
De Luís de Camões.Camões.182
jiqui (o TSLymphas minhas) vos pintei
Todo demores hum jardim fitaue,
Das aues, pedras, agoas VOJ contei,
Sem me ficar bonina, fera, ou aue:
Se efle amor que no peito apofcntei
Que dos contentamentos tem a ehaue,
(por dita em tempo algum deteminaffe
Que de tão longos dannos Vos pefajfe. «

Qtwito mais de Vagar Vos contaria


De minha larga hifloria, ir não alhea,
E com quanta mais agoa regaria
De contente, quo rio a branca area,
lS[ouo contentamento me feria
Formar de meu cudado a noua idea,
E Vos goflando defle Nado vfano,
Zombaríeis então de Voffci engano.

Mas com qum fallo, ou que siougritando,


Pois não ha nos penedos fentimento?
Ao Vento eflou palauras effalhando,
j í quem as digo corre mais quo Vento,
A Vo^, ir a Vida, a dor mefia tirando,
E não me tira o tempo o penfamento,
Direi em fim cts duras efjuiu ancas,
Qtte sò na morte tenho as eff erancas,
: 'Éclogas
jfqtà o trijh Satyro acabou,
Çom foluços qu'a alma lhe arrancarão,
E os montes infenjlueis qu abalou
2s(asyltimas repofas o ajudauao,
Quando Thebonas agoas s'encerrou,
(jos animais quo mundo alumiauao,
E co luzente gado appareceo
J celejle paftora pello céo,

É C L O G A V11L
Pifcacoria.

A %de por Galathea branca e> loura,


Sereno pefçadçrpobre, forçado
D'hua eflrella cruel,que quer à mingo a moura.
Os outros pefcadores tem lançado
H? Tejo as redes, elle sò fa^ia
Ejíe queixume aoVento defenda do.
Quando y ira (fermofa Nympha)o dia
Em que te poffa dar a conta efireita,
Vejla doudice trifle, isr Vao porfia?
<
b{ao Ves que me foge a alma,Cr q mengeita9
íBufcando num sò rifo da tua boca,
Nos teus olhos ã^ues manfa colheitai
Se a effe Jbiritu algua magoa toca,
Se d amor fca mlU bîi.x pézadtt,
Que
De Luís de Gamofes. *JJ
Que te Vay, Galathea,nefla troca?
Darùi mini) almaJ.a ma tes roubada,
ffiaõ ta demandarei, damepùr etta
Jiüaso Volta d olhos defcudada.
Se muto te parece, ir minha ejlreüa
Naõ confertir ventura tão\ditofa,
Doute as ufas do amor perdidas neUa„
Que m xis tc pojfo dar ISLympha femofa9
Inda que o mar daljofar me cubrira
Todaejía prayaleda irgrackfai
vnfao as ondas,quebra o vento aíra§
Minha tormenta triíie ^ofoffega9
t)peito arde em Vao,em vaõ fojpira,
Jfo romper d\tlua anda a weuoa cega€
Sobre os montes d'Ar rabida viçofos3}
Em quanto a elles a do foi não chega.
Eu Vejo aparecer outros fermofos
%ayos,quagraça is* cor ao cêo roubarãof
Ficão meus olhos cegos mak faudofos»
Quantas Ve^es as ondas fe encrejparao±
Qom meus fujfiros/pmntas com meu prantê
Se pararão com magoa, ir me
§e na força da dor a Vu^ leuanto,
E ao fom do remo qu'a agoa Vqy ferindo^
perante a (ita meu cudado canto» /
0$

«s*
Ecogas
Os mamofos deJphins meflão ouuindo7
JÍ noite foffegada, o mar calado
Sb Galathea foges, & Vas rindo.
Eflranhtspor Ventura o mar cercado
Da fraca rede, a barca ao Vent afoita,
E hum pobre pefcador aqui lançado?
jíntes que dè no céo o foi büa Volta,
Se pode melhorar minha Ventura,
Qomo acontece aos outros riagoa enuolta,
Igoal preço não he da fermofura
Area d'ouro, quo rico Tejo espraya,
Mas hum amor que para fempre dura,
Vejão teus olhos (bella Nympha)apraya
Veras teu nome na mimofa area,
Trunca fobre elle o mar com fúria fayà.
Vento ou ar ategora a não faltca,
Trcs dia* ha que fcritto aqui o deixou
jímor,guardandoo a toda a força alhea,
Elle com fuas mãos mefmo ajudou,
Efcolher eflas conchas> que guardando^
Tara ti bua,& bua sò ajuntou.
Hum ramo te colhi de coral brando,
Antes quo ar lhe deffe, parecia,
0 que de tua boca fiou cudando,
Ditofo feofoubeffeindaalgumdia.
De Ltus de Camoes. lH

REDONDILHAS
D E L V I S D E C A M Õ E S ,
A aigus propofitos onde fc contem
glofas,&voltas,amotes feus > & alhcos.
Óbolos rios que vão Não hegoflo,mas he magoa.
Por fôabylonia machi
Ondefentado chorei E vi ctue
j. todos os danos
As lembrança* de S.yao, Se caufauão dai mudanças
E quhnto nella pajfei E as mudanças dos anos•
A IH o rio corrente Onde vi quantos enganos,
De meus olhosfoy manado, Fa^ o tempo as ejferançdé*
E tudo bem comparado, AUi vi o mayor bem,
íBabylonid ao malprefente, Quão pouco ejfaço que dura
Sjao ao tempo paffado» 0 mal quão deprejft Vem?
E quam triflefiado tem
AUi UtnhrançM contentes . „Quemfefiada ventura.
alma fereprefentarao,
E minha* coufoi aufentest Vi aqtúllo que mais vat9
Se fiarão tão prefentes Quentãofe entende múlm
Qomofe nunca pafiarão* Quando mais perdidofor^
}
epois de acordado, Vi o bem fuceder mal,
o rojto banhado em agoa, Eomalmuto pior.
Deftefonho imagina do,* Evicommuto trabalho
Ç omprar arrependimento
Vi que todo o bem paj[ad<i V *> , » - r / j

Vi
Vi nenhum eon(cntex:entOj Traute minha que tangendo
E Vejome a mtm.quefpa Ho Os montes fadeis Vir
Tújlcs pdauras. ao lento,. Tera onde eflaueis, correndo
E as agoas que hiao decendo
SBemfdo rios ejlas agoas,. Tornauao logo a fubir.
£om que banho ejle papelr Jamais Vos não ouuirão
Sem parecefer cruel, Os tigres que fe amanfaúaep
Variedade de magoas, E as ouelhas que pajlauão,
E confufao de Babel. Das heruas fe fartarão,
Como homem q por exeplo Que por Vos ouuir deixâuao.
Tos trances em q fe achou, '
De f f ois qu a guerra deixou, Ia nao fareis docemente
delias paredes do templo Em rofts tornar abrolhos
Suas armas pendurou, lS[a ribeirafomente,
TS{em poreis freo A corrente
Afã despois quaffentei • E mais fe for dos meus olhos,
Que tudo o tempogaflam, Não mouereis a efpeffura,
De trifle^a que tomei TS(pn podereis ja trazer
TS{osfa Igueiro?pendurei jítras Vos a fonte pura,
Os orgads cd que cantauav í5ws não podefles mouer
Aquelle tnflrumento ledo, Defconcertos da Ventura*
Deixei da vida pajfada,
Dizendo, mufica amada Ficareis offerecida
DeixoVos nefie aruoredo> Afama que fempre Vella,
Jt memoria confagrada, ; Emita de mim tão querida,
- 5V-
f
D e Luís de Camoes. 15^
Porque mudando/e a Vida De Ver quam ligeiro pajje,
Se mudao os goTtos delia TSftmca em mi poderal tãtê
jfcba a tenra mocidade Que pofto que deixe o canto,
Prazeres accommo dados, jícaiifa delle deixaffe.
E logo a mayor idade
la/ente por pouquidade Mos ern tristezas & nojos
jíquelles goíios pajfados. Em goß o & contentamento
Per fol, por neue, por Veto,
Hugo/lo que oje fe âlcãça Terne prefente aios ojos
A manha ja o nao Vejo, Por quiê muero tan contêto•
jífíi nos tra^a mudança, Orgaos ipfrauta deixaua,
De fferanca emefieranca Deffojomeu tão querido,
Ede defejoemdefejo. T^o falgueiro qualli efíam
Mas em Vida taoefcajfa Que para tropheo ficaua
Que ejperança fera forte! De quem me tinha Vencido,t
Fraqueja da humana forte
Que quanto da Vidapajfa Mas lembrãças da afeição
Eítí recitando a morte\ Que alli cattiuo me tinha,
Me preguntarao então
Mas deixar nefia effeffurà Quer a damufica minha,
O canto da mocidade, Qiíeu cantaua em Syãoi
cude agente futura Quefoy daquelle cantar
Jzue fera obra da idade Das gentes tão celebrado,
O querh força da ventura. Porque o deixaua de vfar,
Que idade,tempo,o effanto Poisfempre ajuda a pafsar
V 5 fitl3
RedoHclilhâS adilhas
Qtialquer trabalhopaffado. i^pnferia confia idonta
Tor a bra ndar a paixão
-(^anta o caminhante ledo Que cantaffe em ßabylonia
As, cantigas de Sião.
2^0 caminho trabalho/o,
Que quãdo amuta grauest,
Tor antr o efbeffo aruoredo
Defaudade quebrante
E de noite o temerofo Efia vital fortaleça.
Cantando refrea o medo. Antes moura de trifleça,
f anta o prefo docementej Que por abrandala cante•
Os duros grilhões tocando,
{janta o fegador contentej
E o trabalhador cantando Quefe ofinopenfamento
0 trabalho menos fente. Sb na trifieça confifie,
7Íão tenho medo ao tonrizM
Eu qrfeflas coufas fenti Que morrer de puro triße
Que mayor
°H'alma de magoas tão contentamento?
chea,
Qomo dirà,reff>ondi, Kern mfrauta cantarei' .
Quem tao a lhe o esta deft 0 que paß o & paffet ja,
Doce canto em terra alheai 2\[em menos o efereuerei,
1
Qomo poderá cantar forque a penna canfara,
Que em choro banha o peito}E eu não def lanfarei.
:
I
forque fe quem trabalhar • ;

Canta por menos canfar Qßefe vida tão pequena


Eu sò defcanfos engeito. • S'acreceta em terra efiranis
E fe amor aßi o ordena, •
Qtte não parece ração %ação he que canfeapena,
Dz
D e Luís de Camões. ijó
De efcreuer pena tamanha. Se em quanto viuer aßt
(porem fe pera ajfentar Ouuer tempo em que te nege
O que fente o coração Ou que me efqueça de ti.
jipma ja me canfar?
TSfao canfepara Voar, Mas ò tu terra de gloria,
A memoria em Sião. Se eu numa vi tua ejfencia,
Como me libras na aufencid*
Terra bemauenturada, 2{ão me libras na memoria,
Se por algum mouimento Senão na reminifcencia,
D"alma 7nefores mudada, Qiia alma he taboa rafa,
Minha pena feja dada Que cçm a efcrita doutrina
jíperpetuo efquecimento^ Celefte,tanto imagina,
A pena dejle deflerro • Que Voa da propria cafd
Qtieu mais defejo efculpida, È fobe a patria diuina.
Em pedra?ou em duroferm
Effanunca feja ouuida} tsfão he logo a faudade
Em cafligo de meu erro. Das terras onde naceo
Acarnejnasbedocêo,
Bfe eu cantar qui fer, Daquella fanta cidade,
Em 'Babylonia fogeito, Donde efPalma defcendeo*
Hierufalem fem te Ver, E aquella humanafigura,
ÀJo^quando a mouer Que cã mt pode alterar,
m me congele no peito. Não he quem íha <k bufcar,
jí minha lingoa fe apege He rayo da fermofura,
Jfsfauces, pois te perdi) Que sòfe deue de amar.
RedoHclilhâS adilhas
Qíios olhos ir a lu^ q atea E o que tomei por Vicio
0 fogo que ca fiogeita, Me fa^grao pera a Virtude.
T{JO do foi/nas da candeaJ E fa^ quefte natural
He fomhra daquella idea Amor,que tanto fe pre^a
QueDcos efia mais perfeita. Suba da fomhra o a real
E os que ca me cattiuarao Da particular'belle^a, '
Sad poderofos a f f eitos, Tara a belle^agèrah
finos corações tem figeitos^
Sophifias que rnenfinarao Fique logo pendurada
Maos caminhos por direitos* jífrauta com que tangi,
ò Hierufalem fagrada,
Defles o mando tirano, E tome a lyra dourada,
Me obriga com defiatino, Tara sà cantar de ti.
jícantar ao fom do dano 2fao cattiuo irferrolhado
Cantares d'amor profano T^a fèabylonia infernal,
Tor verfios d'amor diurno* Mas dos Vícios defatado,
Mas eu luftrado co [amo E ca defla a ti leuado,
fT{ayo na terra de dor, Tatrii minha natural.
De confufoh ir ddcjfanto,
Qomo ei de cantar o canto Efe eu mais der a cerui^
Que sòfe deue ao Senhorl A mundanos a cadentes.
Duros,tiramos,ir Vigente»,
Tanto pode o beneficio, T^ifquefie quanto ja fi^,
Da graça que dá fiaude, Dogran liuro dos Viuentesc
Qu ordena qua Vida mudez E tomando ja na mao
A ly-
De Luís de Camões. Camões. 182
jfîyra.feinta Cr capaÇonheçao que humanos fao.
Doutra mats alta inuençao,
falefe efía confufao, E aquelle poder tão duro
£antefc a Vifao de pa% Dos a f f eitos com que Venho,
Qu enc e de alma Cr engenho,
Ouçam o paftor, Cr o %ey, Que ja me entrarão o mure
%etumbe ejleaccento fanto, Do hure arbítrio que tenho,
Mouafe no mundo efpanto, EÍks que tao furtofos
°Que do queja mal cantei Gritando Vem a efcal larme,
Apalynodiaja canto. Maos spiritus dannofos,
Á Vos sò me quero ir, Que querem comoforçofos
Senhor Cr gr an capitão, Do alicerce derrübarme.
Da alta torre de Syão,
A qual não poffe) fubir Derrubayos,fiquem sòs,
Se me Vos não dais a mão, De forças fracos, imbelles,
(porque não podemos nos,
Nfogran diafingular N[m com elles ir a Vos,
Que na lyra o doutofom Nemfem Vos tiramos delles;
Hier ufalem celebrar, Não bafta minha fraqueja,
Lembraiuos de cajligar Para me dar defenfao,
Os roins filhos de Edom. Se Vos fanto capitão
^Quelles que tintos vão 2S{efta minha fortaleza
j f f o pobrefangue innocente, Nãopof'cr des guarnição.
ir Soberbos copoder vão,
Arra fayos igualmente, - E tufo carne, que encantas
J
Filha
Redondilhäs
Filha de 'Bethel taofea, Em fim cabeça do canto.
Toda de núferias chea, Quem logo quando imagina
Que milve^es te Icuantas, Kos vícios da carne má,
Qontra quem tefenhorea, Os pen[mentos declina,
ÍBeatosb pode [er Jíqnella carne diuina,
Quem coa ajuda celefle Que na eru^esiêucja.
Contra ti preualecer Quem do vil contentamento
E te Vier a fa^er Ca defte mundo vißnel
0 mal que lhe tufi^efie. Quanto ao home for poßiue!
paß ar logo o entendimento
Quem com difciplina crua (para o mundo inteiligiueh
Sefere mais quhüa ye^,
Cuja alma de vícios mu, Jlli achara alegria
Fa ^ nodoas na carne f ia, Em tudo perfeita & chedf
Que ja a carne ríalmafe^. De tão fuaue armonia,
E beato quem tomar Que nem por pouca recrea3
Seus penfamentos refentes, í{em por fobeja enfaßia*
E em mcendo os afogar, Àlh Vera tão profundo
Tor não Virem a parar Myfieriona fmrna altera,
Em vidosgranes úrVrgêtes. Que vencida a natureza
Os mores faußos do mnndo
Quem com elles logo der lulgue por mayor baixe^u
IS^a pedra do furorfanto,
E batendo os desfizer, ò tu diuino apofento,
pedra que Veo a fer Mmha patrta fmgular%
St
De Luis de C i m o cs. 158
Se sb com te imaginar Eflapenaquè te dou
Tanto fobe o entendimento, Fara voar teus efritos,
Que fara iem ti fèacharí E dandome a padecer
Ditofo quemfe partir Tudo o que quis que pufeffe^
Tara tijterra excellente, *Pudê em frn delle di^er
Taojuftofi? tão penitentey Que me deu com q e[creue fie
Que deffois de atifubir O que me deu a e fermer^
La defcanfe eternamente»
Eu qtfefie engano entendi^
Carta a hüa dama. Difielhe,que eficreuerek
Querendo efcreuer hum dia, %eípondeo, dizendo afii,
O mal que tanto eftimei, Altos affeitos de ti,
Cudando no que poria, E d^vdlia ctuem te deu
Vi amor que mediria Eja qm U manifefifa
Eficreue,queu notarei Toam minhas efirànhe^fél
Ff cr em pois que te pre>a$
E como para fe ler Milagres dhum claro gefià,
JS[ão era hfimap^qtmd E de quem 9 vio trifte^as.
A que de mim quisfa^py,
Das afas tirou a pena,\ ) Abjenhora em que s apura
* »

Qom que me fê^efcreuer. A fe de meu petifamento,


Ef eutai t? eftai a tento, *
E lozo como a tirou Que com Voffafermofium
Me difft% autua os eff ritos, huala atnor meu tormento.
Que pois em teüfamr fou, ojto que tao remota
Eive.
RedoHclilhâS adilhas
Efejais de me efcutar, Agloria de verme trifie.
Por me não remedear,
Ouui,que pois amor nota, Hum ^ey degrandepoder
Milagresfaí de notare Com Veneno foy criado,
Porque fendo cojlwnado,
Efcreuem vários autores, TS[do lhe pode f f e empecer,
Que junto da clara fonte Se depois lhefoffe dado.
Do Gangesyos moradores Eu que criei de piquena
Viuem do cheiro das flores Ávida a quanto padece,
Que nacem naquelltmonte, Deíta forte me acontece,
Se osfentidos podem dar Que não me fa^mal a pena,
Mantimento ao viuer, Senão quando mefallece*
2\(do he logo dejfantar,
Se eftes viuem de cheirar, Quem da doença %eal,
Que viua eu de Vos Ver* De longe enfermo fe fente
Por jegredo natural,
Hua aruore fe conhece, Fica ja o Vendo somente
Que na geral alegria HumVolatil animai
Ella tanto sentnftece, Do mal quamor em mi cria,
Que como he noite florece, Quando aquella Fénix Vejo,
E perde asfloresde dia São de todo fi caria,
Eu q em Veruosfinto o preço Masficarne hyd, opeftt, >
Que emVoJJa vfta confifte, Que quãto mais,mais deftjoT
Em a Vendo me entrifleço,
forque fet que não mereço Da bibou he Verdadeiro
Se
De Luis de Camões. . ijp
s
Se a conforte vay bufear, Vos olhos logo ccgaud,
Que emfe querendo juntarP Vos que minha Uberdade
Deixa a peçonh i primeiror Senhora tyraniçais,,
forque lhe impede o gerar, Jnjuflamente mandais
J/st quando me aprefento Quando Vosfallo Verdade
M VoJJa vifla inhumanat Que Vos não pojfa Ver mais*
jf peçonha do tormento
Deixo a parte,porque dana Da palmafe efereue ir cata
Tamanho contentamentov Ser tão dura,ir tãoforçofa9
Quepefo nao a quebranta,
Querendo amorfuflentarfe Mas antes de prefunçofa,
Feçhua Vontade efquiua, Qomelle mais fe leuanta•
DyhPaJlatua namorarje, C°Pef7 4U€
Deffois por manifeflarfe A confiada quem mim Vejo
Çonuerteoa em molher Viua. Haof mente ma dobrais,
De quem me irei queixando>, Mas dobra/e meu defejo,
Ou quê direi que niengana, Co que então Vos ijuero mais.
SeVoufeguindo ir bujcãdo
Bua image que de humana Se alguém os olhos quifer
Em pedrafeVay tornandol As andorinhhas quebrar,
Logo a mãy fem fe deter
ijfúafontefefibia, Büa ertia lheVay bufear,
J0a qual certo fe prouaua Qne lhefa^ outros nacen
Que ijuvm fobr ella juraua, Eu qu os olhos tenho a tento
Sefalftdade diçia^ Hfis Vofjos queflrellas fao,
O-
Redondilhäs
Cegaofe os do entendimento} Ifto faõ claros finais
Mds nacemme os da ra^ãoy Do muto quem ml podeis,75
Defolgar cl meu tormento. T>(em podeis defejar maisl
Que fe Vernos defejais,
La pura mde ofol fat Em ml claro Vos Vereis.
Defcubrimos nauegando E quereis Ver a que fim
Hum nono rio admirando, Em mi tanto bem fe pos,
QÍÍO lenho que nelle cae Porque quis amor afim
Em pedra fe Vay tornando. Que por vos Verdes a vos,
Não fe ejfantediflo atgêtes Também me vijfeis a mim.
Mais ra ^ão fera quejfantey
Hum coração tão pojfante, Do$ males que me ordenais
Que com lagrima* ardentes Qji inda tenho por pequenos\
Se conuerte em diamante, Sabei fe mos efeutats,
Que ja não fei di^er mais$
fPode hum mudo nadador Ne vos podeisfaber menos.
JSjt linha <sr cana influir Masjaqu'a tanto tormento,
Tão Venenofo Vigor Nãç fe acha quem refifla,
Que fa^ mais não fe bulir Eu fenhora me contento,
0 braço da pefeador. De terdes mn foffrimentoB
Secomecão« de beber for aluo de yojfavifla,
Dejltyeneno excellente, j
Meus olhos femfe deter, Quantos contrários confenté'
Não fefabem mais mouer Amor por mais padecer,
/finada que fe apre fente. Que aquella vifla excellente
Que
D e Luis de Camões,
Qi:è mefa^yhcr contente Com quo pcnfamento fonha,
Me faça tão trifle fcr. Saa api como as Harpyas,
Mas dou ejle entendimento Quasmais doces igoariat
Ào tnal que tanto mJojfende, Vão ccnuerícr emA peçonha,
•» íf
Como na Vella fe entende,
Que fe fe apaga co Vento, Ta^meflemal infinito
Co mefmo Vento fe accende. TSlãopoder ja mais di^tr,
Ter não vir a corromper
Exprimentoufe algum'hora Osgofios que tenho eferito,
T*\iue que chamao Camao, Cos males quey de fereuer.
Quefe da cafa onde mora lião qmo que fe apregoe
Ve adultera aftnhora, Mal Unto para encubrir,
Morre de pura paixão. Torq em qiãto aqui fe ouuir
d dor be tão fem medida, ]S[enbtia outra coufa foe,
Que remedio lhe não Val, Qu a gloria de Vos feruir.
Mas ò ditof•> anima l,
Que pode perder a Vida Outras.
Quando vè tamanho mah Dama d'eftranho primor,
Se Vos for
Nosgops de vos querer Tefada minha firmeza,
Esíaua agora enleuado, Olhai não me deis trifle^a,
hão fora [alteado, Torqua comer to em amor.
flDas lembranças de temer Se cxdais
r por outrem defamado, De me matar quando vfais
Efias fojbeitas tãofrias, D^efjuiuança,
Irei
Redôndilîias
bei totmr por vingança Deßois que dama Vos vi
Amamos cada Ve^ mais. , Entendi
Que perdera amor feu preço!
tporem V ofifo penfamento , Vois ofauor que Weit peco
Como ifento, Vos pede elle para Ji
Seguira fua tenção, T^em duuido
Crendo quem tanta affeição Que nS pode de fentid®
ISjío aja acrecem amento. tf{efißir,
creaíS
K™ Tois em ve^ de Vos ferir
Que deffarte Vosfaçais Ficou de Vos Ver ferido!
Innencml,
Qu amorfobre o impoßuel Mas pots Vojja vfia ht ttl3
Amefira que pode mais. Em meu mal,
Que poffo de vos quererá
Mas já da tenção que figo Que mal poderei Valer
Me defdigo, Onde o mefmo amor naoVah
Que fe ha tanto poder nelle Se atentar,
TãbêVospodeis mais quelle, Kenbum bempoßo eß>erarM
Keße malquevjais comigo. & ox:da
Mas fe for Que Vos alem lraßfeja%
O Vojf o poder mayor, Se quer para me matar«
Antre nos,
Quem poderá mais que Vos, Mas nem com iß o créais
St Vos podeis mais quamori Que façais
Meusferuiçosmais pequeno&d
D e Luis de Camões. . ijp
Porq eu qjutdo fpero menos, Qjie d na lhe achar d? (culpa
Sa hei que então quero mais. A grande m goa fmfjada
JS[ada efjicro, Me tem a alma tão canja da
Mu de mi crede efiefero, Quefemecofejja a culj
Que em fer Voffio, 7 elagpor difculpada.
Vos quero tudo o quepoffo,
E nãopojjo quanto quero. Ora Vede que perigos
Tem cercado o coração,
Sò por efia fantefix Que no me o da oppefsão, •
Merejcia J/eusproprios enemigos
De meus males algn fruto, Poy pedir adtfehjáõ:
Para o muito que queria. Quefofpeitas eu hem fei
Dem.ineir i, Qomofe claro Vos viffe,
Que não he na derradeira Que he certo o queja cudei,
Grande efparuo, Que nunca mal fo [peitei,
Que qulfdzma^os quertãto Que certo me não faifíe. .
Que outro tato deVos queira,
Mas queria efia certeza
A híias foípeicas. Daquella que me atormeta,
Sofpeitas que me quereis, Porq emtamanha eftreite^a
JdzfWi Vos quero dar lugar, Ver que difj o fe contenta,
(]Áe de certas m? miteis, He defeanjo da trifie^a.
Se a caufa de que nafceis Porque fe efia sò Verdade
Vos quifejfe mfejfar. M confejfa limpa & nua
. De cautella zsrfalfIdade,
X ' não
RedoHclilhâS adilhas
Não pode a minha Vontade Mas defpois jade cari fadas
Defconforme da fua .As fúrias do imaginar,
Vinha em fim arrebentar
Tor fegredo namorado7 Em lagrimas magoadas,
He certo eflar conhfcido, E bem pera magoar.
Que o ma t defer engeitado E deixandofe vencer
Mais atormenta falido Os meus fingidos enganos
Md Ve^esj que fofpeitado. De tão claros defengano
Mas eu sò em quê fe ordena 2^0 pojfo menosfa ^er,
Nouo modo de querella, Que contentarme cos danos•
De medo da dor pequena
Venho achar na mayor pena E pedir que me tirafion
O refrigerio para ella. EJle mal de fofpeitar,
Que me Vejo atormentar,
la nas iras me infla met Inda que me confeffiff em
2<(as vinganças nos furores, Quanto me pode mattar.
Queja doudo imaginei, Olhai bem fe me traceis,
Eja mais doudo jurei Senhora poflo no funy
D"arrãcar dalma os amores. Tois mfte eflado> a queVim
la determinei mudarme Ta ra que vòs confej]eis,
Para outra parte com ira7 Se dão os tratos amim»
r - • V
Defpoh Vim a concertarme, \
Que era bom certificarme Mas para que tudo poffa
No q moflraua a mintira. Jmor, que tudo encaminha,
Taljtijliça lhe conuinha>
Porque
D e Luís de Camões.Camões.182
forque da culpa q he Voffa He depouco efprementadó.
Venha fer a morte minha.
h/liça tão mal olhada, jfs recitas tracem na mão
Olhay com que cor fe doura, Os que redeas num tiuerao,
Que quer no fim da jornada, Vendo quanto mal fizeram
Que VOS fejais confefiada A cubica & ambiçam
fyara quúu feji o q moura. Di fruçados fe acolherão.
yfnjo quefe Vay perder
ÇPois confeffaiuos jàgora, Diürue mil ejfier ancas,
Inda que tenho temor, Vejo o mao que Vem a ter•
Que nem neíta vitima hora Vejo perigos correr
Me ha de perdoar amor Quê na cuda q ha mudaçasl
Voffos peccados.fenhora.
E afsi Vou defefperado, Os q nuca em fella andara®
íf orque efles são os coflumes ]S[a fella poflos fe Vem»
D'amor,qhe mal empregado De fa^er mal não deixaram9
Do qual Vou ja condenado De demonios habito tem
Ao irferno de ciúmes0 „As que ojuflo profanarão\
Que podera vir a fer
Labatinto do autor quei 0 mal nunqua refreadoi
j k i p d o f e do mundo. Anda porferto enganada
Cojrrefem Vela, zy fem leme jíquelle que quer Valer,
d tempo defordenado Leuando o caminho errado*
D 1?nmgrande Vento leuado9
0 que perigo nam teme} He pera os bos confiança9
i Ver.
Redondilkis
Ver que osmhos phmíecerã, Se do ni dnamje apartarão.
fpoflj que fe ddiueram
f ora eHafimulaçao, Ccuite que Luís de Ca-
Sembre cafuzos
i. J ttueram móes fez na índia, a cer
Nam iporque
u 1 pouerne o leme tcs fidalgos,
c : i kJ ' Jcujos no
Em mar emuolto/pturbado mes aqui vao.
Q fie tem feu remo mudado ç A primeira iguaria foi
Se merecegriti7 crgcme
entre dous pratos;
E<n tempo defordenado.
& dizia,
Terem jufio galardão,
E dor dos que merecerão Se não quereis padecer
Sempre cafigos tiueram Hüa ou duas horas trifies>
Semnenhua redempçao - Sabeis que aueis de fa^er,
[To fio que fe de tiueram. !BoluerosperdoVenifres, ,
' Nj tormenta fe Vier Que aqui não ha que comer
Defefpere na bonança, E pojlo que aqui leais
Quem manhas nam fibe ter Trouinha que Vos enlea
•7
R> 11 TI
me lhe vawn Corrido nao <estejais,
~/ ' '

Vera falçar a balança Torque por mais que corrais


2\aoeis d'alcançara
Os que nunca trabalharam, \
Tendo o que lhe nam come, A feguda foi poíta a D 5 íiin

Se ao innocente cemanaram
_> f rãciíco Dalmei
(perdera® o eterno bem, da^ & dezia.
Helioga-
DcLuis de Camões» 1<fj
Jielb?abalo ^ombaua . Aquarta foi polia aloão
Das peffeias conuidadas, Lopez Leitão,a quem o
E de forte as enganam, autor mandou hü mote
Que as iguarias que dana, que vú adiante , febre
Vinbao nos pratos fintadas, hüa peca de cacha , que
mandou a hüa
TS[ao temais tal trauefifura d a iria.
[Vois ja mo pode fer nona*,
Que a cea efiã figura Torque os q Vos conuidarão
De Vos não vir em pintura Vofjo c/lamago não danem.
| Mu ha de Vir toda em troua, For jufia ca'fia ordenarão
Se tronas Vos enganarão,
ç A terceira foi pofta a Que trotas Vos de[enganou.
Bitor daSyiucira^ Vos tercisifto por tacha,
& dezia. f ornerter tuck cm tromrf
fí Cea mo a papareis, fpçisfe me \nrdes ^omharp
y \ » s * • f * '***. ' $ # -•-• - f

£om tudoiporque não minta 2Sj cudeisfieítor qihe cacha


tyara beber achareis fine aqui não ha cachar,
l\[ão Qaparica, mas tinta9
E md confas que papeis» Finge que refpohde l o i
E Vosjorcets o focinhov JLope^ Leicao.
"( Pm efiu amphibologia?
Foisjabei que
jue aaToe/ia
Toefiia fefar ora nao defao,
Vos da aq ri tinta por Vinho, Eu juro pello céo bento
E papeis por iguam* Se de comer me não dão
RedoaJilhas
Qu e eu rã o fon Camafêao A quinta & derradexi,
Que má de manter do Vete. f o i p o f t a a Francifco de
Mello, & dezia,
Finge que refponde o
Autor, Dyhum homem q teiio cetro
Da vea marauilhofa,
Senhor naoVos agafieis, Nãofoi coufa duuidofa,
(porque Deos vof pr onera Quefe lhe tornaua em metro
E fe mais fa her quereis, 0 que hia a di^er em profia,
£{as cofias defie lereis
Jfs iguarias que ha. De mim Vos quero apofiar
Que faça coufias mais nouas,
Vira o papel, que di- De quanto podeis cudar,
' zia aísL Efid cea que he manjar,
Vos faça na boca em tronas,
Tendes ne migalha afiada,
jf oufansríhua de molho, Redondiihas mandadas
Ê nada feito em empada, ao Viforei, com o
E Vento de tigellada, mote adiante
Ticar 7io dente em repolho.
De filado tendes tafßlhos, Conde, cujo illufire pek
Anes da pena que fente Merece nome de %ej, v
Quem defo^vèanda doenter Do qual muito certo fú,
^Bocejar devhihó&Jaihos, Que lheficafendo eflreité
[ diarèn írmòexcellxt^ Q carro dèViforci.;
De Luís deCamões.Camões.182
Serulrdes Vos de occupurme, Trontopara todo effeito,
Tanto contra meu planeta, Efpauta todo o conceito,
Isfaofoi fenão afas darme Qomo coração tamanho
Cd as quaisVou a queimarme Vos pode caber no peito.
£omo fa^a borboleta. >
jí clernen:ia que afferena
Efe eu d pena tomar, Qoracão tãojingular,
Qiie tão mal cortada tenho, S\eu rtijfo pufejfe a pena, ;
Sera para celebrar Seria encerrar o mar
V0JJ0 Valor fingular, Em coua muito pequena*,. L
1)mo de mis alto engenho. 1 i r
Bem bafia fenhor, q agora
Que fe o meu Vos celebrajfe, Vosfiruais de me occiipar, ^
2<[eceffario me feria, Que aßtfareis aparar , v c)
Que Qsolhos d'Jguia to?mfe Jpena com que algua horà
Sà para que não cegajfe Vos Vereis ao céço Voar; *
NofoldeVoffdValia. s

AJíí y o* irei louuando,


Vojíos feitosfublimados, Vos amimJo chãoerguèdo.
mhos 0 m
Nas armas dinos degloria, ^ ™ ?° cortando,
Vos co a efpada 'fr**?*»
no mundo too oaaos1
jitSem Vos d^oßospaffados
Eu coapenae/creuendo.
Se refuçiia a memoria.
Mote que lhe madou o
Viforei na índia,pera lhe
TtMaqmUemmoeJlmho, fazer yçlcas,
X 4 MiiUo
HedondilLis
Mutofou meu enemigo, farão paçes comigo,
Weis que nao tiro de mi Que por a vida em perigop
Cudàdos com que nafcif 0 bomfora para mim.
Que poem a Vida em perigo,,
Oxalá que fora afsu Tronas a hua dama que
.s
lhe madou pedir algüas
Voltas do autor, obras luas.
Viuer eu fendo mortal
De cudados rodeado, Senhora fe eu alcançajfe
Carece mèu natural T\ o tempo, que ler quereis,
Qjue a peçonha nãofaç mal Qjie a dita dos meus papeis
f quem foi nella criado. (Polla minhaf è trocaff?
TWa fou meu inimigo E por Ver
Que por não tirar de mi Tudo o que poffo efcrmer
Cudados com que nafci, Em ma is breue relação,
aporei a vida em perigo, Indo eu onde ellesVao,
Oxalá que fora afsL Tor mim sò qttifeffeis ler:

Tanto vim aacrefcentar DeÍbois dever bum cudado


Cudados, q nuuo.ua amafao 7 ao contente de feu mal,
Em quanto a Vida durar, Varek ò natural ^
Qjte canfo ja de cuidar Dn cfui aqui vedespintado,K
forno cudíidosiuíú cctnfaó. Que o perfeito v
SYsíes cudados, que digo Amor, de quefoufoge i to,
Dejftm fim a mim, igráfi, Vereis afpero ir cruel
Aqui
De Luís { c Camóss. ?
J qui com tinta, <ts pape!, 'Bem Vejo que me entendeis
Em ml cofangue no petto. Mas porque nãfalle em Vão
Sa hei que a ejla nação
Que hum contino imaginar Tanto que o, fi, concedeis $
*P{aquiÍÍõ,quc Amor0ordena,
Tim, logo ejla na mão9
Ide pena, q emfim por pena
Se não pode declarar, E quem da fama fe arreda,
Que s'en leuo Que tudo Vay def cuhrir,
Dentrorialma quanto deuo, Deuefempre de fugir
De trasladar em papeis, De Si tis, porque dafeda
Vede qual melhor lereis, Seu ?iatural he rugir.
St a niijfe aquillo qefcreuo. Mas pano fino, delgado
Qual araxa, zsr outros afsi\
Outras a hua íenhora^ a Dura,aquenta,& he calado$
quem derao pera hua íi Amor ofo, da deft,
lha íua hum pedaço de Mais quefitim, ne tareado•
cetim amarello., de
quem fè tinha Mas efles'que fedas são,
íofpeita e Co que sengarião mil damas
y. Mais Vostomao do que dão,
Se diluais da verdade Tromettem,masnao dar ao2
Efta palaura, Sitim, Senão nodaspara as famas*
Achareis[em falfidade, E fe nao me quereis crer,
Que após o fi, tem o tim, Ou tomais outro caminho,
Que tme em toda a cidade. (por exemplo o podeis ver.
RedoHclilhâS adilhas
Quando ta Virdes arder Quem Vos ifto diç fenhora,
cafa dalgum Veçtnho. Seruio nas VoJJa s armadas
muito, mas anda ja fora,
Q feminina fimpreça, E pode fer, queinda agora
Donde eSfáo culpas a pares, Traçabertas asfrechadas»
Que por hu dom de nobreça, E poflo que disfauores
Deixa o does dénaturera, 0 tirão de feruidor,
Mais altos irßngulares. Quer vos Ventura melhor,
Hum do q anda enxertado Que dos antigos amores
Ko nomjty nas abras nao, Inda lhefica efle amor*
( fallo comoexprbnentado,)
Que fitim defta feição A hua fenhora, que e f h
EH tenho muito cortado. ya rezando poç
hüas contas
Diçemme que era amareüo,
A quem aßt o quis dar, (Peçouos que nte digais
Sò para me Deos Ving ir, As orações que reçafles,
Se vem ma o amarelo, Se faõpellos que mattafles
O que eu não poffo cudar. Se por Vos que afsi mattaif
^Porque quem fabe viuer Se são por Vos, são perdidas
(por eßas artes m an bofas, Que qualfera a ora ca%
( Iß o bem pode nao fer, ) Quefeja fatisfacão
Dà a mininas fermofaí Senhora de tantas vidasi * vrin
Somente polios façer.
Qge fe ndes quantos vem
A sò Vida
A sò vida Vos pedir, Pois logo fefeis ftruída,
Como Vos ha TL)tos de ouuir, Que tãtos mortos não fejão,
Se yos não ouuis ninguém?
o Não regeis onde Vos Vejão,
Istão podeis fer perdoada Ou Vede pira dar Vida,
Cô mãos a mattar ta pro tas Oufe quereis efeufar
QueJenbüa tra^fiscontas, EHes males que caufafies,
outra traceis e/pada. P^efucitai quem mataíres,
Njw tereis por quem re^ar*
Se diteis que encomendando
Os que mattafies andais, Efparfa a hua dama que
Se re^iis por que mattais, lhe deu hua pena.
Para que mattais re^andoi Seríalma,<snopenfament®
Que fe na força do orar Por Vojf) me manifefto,
heuantais as mãos aos ceos,Nao me pefa do que fento
T^ao as ergueis para Deos, Quefenad fojfrer tormento±
Erguidas para matar. Faço ojfença a Voffo geflo.
E pois quarto amor ordena,
E quando os olhos cerrais E quanto efla alma defeja,
Toda enleuada na fee, Tudo ã morte me condena,
ferradß os de quem Vos vê,Nao quero fenao que feja
P^rc^nunqm Verem mais. Tudo pena, pena, pena.
Poisfe aßt forem tratados
Efperfa a hua dama que
Os que Vos Ve> quando orais
Efjas horas que regais, lhe chamou cara feni
São as horas dos finados, olhos.
Sem
Redondühas
Sem olhos vi o mal claro Villas <s? caftillos tengo
Qjte dos olhos fe fegnio: Todos a mi manda*Jone,
(pois cara fem olhos vio Então cu que efiou de molbê
Olhos que lhe cuflao caro. fom a lagrima no olho,
D'olhos nãof faco mencaò
4 t
folio Virar do en VeÇ
ffois quereis qu olhos na feja Digo lhe tu es illis es*
Vendouos, olhos fobejão• E por iffo naô to olho. ,
Kao vos Vedofilhosnad fao. (Pois honra porueito nao
cabem numfaco.
Disparates feus na
Índia. Vereis bus que nofeu fty®
Efe mundo es el cambio, Cudad que tracem Paris»
A do ay doypitos Vãos E querem com dous feitn
0 por onde, bons, & ma os Pender anca pello meyo
Todosfomos dei merino. Vereis mamebinhos darte
Mas os tnaoi fao de teor, Com efpada tmtalabarte
Quedes *sque
q mtidão a cot lS[ad ha mais Italiano
Qhamãlogo aelT^ey copadre A efe direis meu mano
E.em fim dexaldos mtmadre Vos foisgal nte que farte,
Que fempre tem hum fabor Maspan O' Vino anda elv
De quem torto nace tardefe cambio, que no mob%
endireyta. garrido.
r

Deixay a hum que feabone, Qutro\ em cala the«iro


Dialogo de mntofengo forcado lhe omreis>
D e Luis de Camões. . ijp
Qjx.fé matarancontres Que o sãge todo he Vermelho
X lo núfno bara ccn quatro, S*ellc mais alto o differa
(Prcçacfe de dar rcpoftas Efle pellote pufera,
Ç om pdaurasím Lopofas, Que o [cu echo lhe refponda,
Mas fe lhe meteis a mão, Qiiefu p&dre era de rl\onda,
jS[a pa^ moftrao coração E fu madre de Antequera,
J^a guerra niQslrã as cofias E quer cuhrir o cco com a
forque aqui troce a porca joeyra*
orabo.
Fraldas largasgraueafpeito
Outros Vejo por aqui fiara fenador Romano
y.(quefe acha mal o fundo O que grandifsimo engano
Queandã emendãdo omudo> q Memo Ih"abri f f e o peito,
E não fe emendão a ft, Confciencia, quefobeja,
Efes refpondem aquém Sifo com que o mundo reja,
Delles não entende bem. Marfidao outro quefi
Eldolor que eHafecreto. Mas que lobo eftaem ti
Mas porem que for difereta Metido em pelíe de oueja»
efponderlhe ha muito bem E fabem no poucos„
JJsi ourou o mundo,afsi
....
yl» \'i
ha de J íain Guardai nos d!us memfnom
J

, Que ainda coprão ^ Vende>


Achareis rafeyro velho Hüs que he certo q defcedep
Que fe quer Veder por galgo,. Dageraçam de pafíores,
Di^ q o dinheiro he fidalgo? Moflranfe Vos bôs amigo
Mi<i
Redondilhäs
%fíts fe vos Vbn em perigos EJies pigitem por jufliça
Efcarrauos nas paredes Qjw tem morto mil pejfoas
Qm dc forâ dormiredes, Tor vida de quanto quero,
Irmão que he tempo de figos
1
Torque de ra bo depmo A donde tienen las mentes
IS^unca bom Virote« Huns fecretos trouadoresf
[nhãs Quefa^em cartas d7amores
. Que di+eis d'hûs quate rara Dc que fição muy contentes?
Lhe ejlão ar dedo em cubica Nfío querem fair apraca
E fe tem mando} ajuftiça Tracem troua por negaça,
Fazem de teas d aranhas} Efe lha gabais qnheboa,
Com fuás hypocnfm Di^ quhe de certa pcffoa:
Que fab deuoffâs efpias; Hora que quereis que fdçap
Para os pequenos bus Njros Se nao irme por efíe mundoÎ
Para os grandes tudo feros
(Pois tu paruo não fabias 0 tu como me atarracas
Que la vão leysy Efcudeiro de Solia,
Onde querem cruzados) Qom bocaes de fidalguia
Trazidos quafl com Vacas!
Mas tornado a Ss enfadonhos Importuno a impertmar9
' fujas coufas são notorias, Morto por defenterrar
Huns q contão mH hiflorias Parentes que chárao jaz
Mais defmãchadas q fonhos Voto atai que mè fara
Huns mais p.truos q^ãboas Hum de(les nunqua falar
Quefludão palawas boas$ Mais Co viua alma• *
Hm
DcLuis de Camões» 1<fj
Huns quefala o muto Vs Vorq entre quatro maduras
f)e que qu tf era fugir, Leueis ta m bem cinc o Verdes
liuns quem fim fcmfefentir Deitmonos mais ao mar
Andao falando entreft: E fie algumfe arrecear,
(porfofos fem re^f.o, $ aJfe tre s cuquc tro trcuas,
E defquetomão amão, E Vos temais cores nonas}
Ealão fem necefsida de Mas não he pera ejhantar,
E fe algus hora he Verdade, Queque percos ha merm,
Deue fer na confifiao Em cada monta lhe rocão.
í
forque quem não mente,
la me entendeis? 0 Vos qüefoesfecretários
Das conciencim %eais,
0 Vos quemquer q me ledes Qu'entre os homens efiais
Quàueis de fer auifado, fPor feuhores ordinários°
Quedi^eis a namorado forque não pondes hum fre®
Que caça Vento com redes? jío roubar q Vay fem meyo
Jura por vida da Dama7 Debaixo de bomgouerno>
Falia conftgo na cama, ¥ois hum pedaço dinferno
Vafja de noite, <sr tf cana, *Por pouco dinheiro alheo
For fa W^fta guitarra Se Vende * Mouro,
^ocr.í fempre,viua que ama» E a Iudeo?
forq calça a Jeu propofito. ^Porque amente offeicoada
Sempre a \eal dignidade 1
1
Mas deixemos fequiferdes Vos fa^julgar por bondade
{
Por hu pouco as traueffuras;A malim def culpada?
i r
Redondiihas
Moue dprefença l{cal Sendo os rejlos inuidados
Hua ajfciçao natural EVÕÍ de cachas mil contos,
Que logo inclina ao £•'.</^ Sabeis co quãpoucos potos>
A feu fa iwr> & não diç , Que lhosachaftes quebrados..
Hum rifão muytogeral Se o que tem ifso Vos da,
Que o Abbade donde canta, Vos mui be lho merefceflet,
Dabijantay Torque fe a cacha lhe dejles,
E Vos hailhaes a effe foml nu
(P or iffcogentis pajlores, ,
Vos cba na a Vos mercadoresA dona Francifca d A r a -
Htm que sofoi pajlor bom, gão, mandandolhe eftà
regra que lha g u >
y Mote ; a loão Lopez faíTe.
Leitão, íbbre hüa peça
de cacha q elle mandou MOTE. }
ahüa dama 11a India^q fe M a s pore a q cuidados.
lhe fazia dozelía: o qual
leão Lopez Leitão,hc o Tanto m 1 y ores tormentos
que elle-conuidou 110 Forão fempre os quejojfri,
banquete atras. Daquillo que cSt^nnim,
Mote. Que não fel que penfafrétos
Se Voffa dama Vos da São os para qi e nacu
Tudo quanto Vos quifejles, (Quando Vejo e/te meu peitê
Di^et para que lhe dejles A perigos arrife ado s
0 que Vos ellafa^jal Inclinado, bemfofpeito,
Qjie a
De Luis de Camões. . ijp
Que a cudadosfou fogeito, Mas porem a que cudados?
Mas porem a que cudados. Outra ao mefmo.
Outra ao mefmo. Se as penas quamor me deu
Qjie vindes em mim buf ar, Vem por tao fuaues meos, ;
fadados,que fou cattiuo, ISlao ha que temer receos,
Eu não tenho que Vos dar? Que Val hum cudado meu
Se vindes a me mattar\ for nul def :anfos alheos.
la ha muito,que não Viuo. Ter nus olhos tãofermofos
Se vindes porque me dais Os fentidos enleuados,
Tormentos de federadosy (Be fey quem baixos eflados
Eu quefempreJoffri mais, Saõ cudados perigofos,,
r
o que nao Venhais, Mas,porem,ah que cudados.

Carta que o Autor mandou a dona Franciíca


de Aragão/com a gloía acima. ,
Senhora.
jDeixeime enterrar no efqúecimento dçV.m.crendo me feria
ãf i mais feguro: mas agora que he feruida de me tornar á
refufcitar, por moflrarfeus poderes,lembrolhe que, bua W-
da trabalhou he menos de agradecer que bua morte defcan
fada. h4M)e efta Vida q agora de nouo me da for pira ma
• tornar a tomar, feruindofe delia,não meficamais que dèfe
jar,que poder acertar com efle mote dev.m.ao qual dei tres
entendimètos, fegundo as pai auras delle poderão* foffrerfe
forem bôsjie o mote de Vanfe maos,fao asglofas minhas.
I Glo-
Mote alheo. Mas alegrias que medos,
pampos bemauenturados Se mos quereis fa^er ledos?
Tomaiuos agora trifles, Tomaiuos agora trifles.
Quos dias,em que me vifles
Alegre, j a faõ pajfados, la me vifies ledo fer,
Mas dejfois quo falfo amor.
Glofa» Tão trifte me fe^viuer,
Campos cheos de prazer, Ledos folgo de Vos Ver,
Vos queflais reuerdecmdo Porque me dobreis a dor.
la me alegrei com Vos Ver, E fe eftegoftofobejo
o
Avora Venho a temer, De minha dor me fentifles,
o '

Quentriftecats em me Vedo. Julgai quanto mais defejo


E pois avifta alegrais, As horas que Vos não Vfjo,
Dos olhos de federados, Quos dias em que mevifíes»
NJo quero que me Vejais,
Para que fempre f j a is 0 tempo quhe dcfigual,
Qmpos bemauenturados. De fcccos verdes vos tem,
Porque em Vofj^iatural
Poremfe por accidcnte Se muda o malper!t\bem,
V os pefar de meu tormento kMas o meu per a mor mal. ~
6*a bereis qua mor confente,Se preguntais Verdes prados,
Que tudo me dejcontente, Pei los tempos differ entes,
Senão defcontentamento, Que d Amor mefurão dados,
Tri-
De Luis de Camões. . ijp
TVi fies aqui fao prefentes, Em Vos hum conhecimento,
jilegresja ja o paj] a dos. Ver mal qo mal me trattajfc
Tudo por bem tomaria,
Mote alhèo. ^oflo quo corpo carifaffe
Trabalhos defeanfarião A alma defeanfaria,
Sçpara Vos trabalhaffe, Separa Vos trabalhaffef
Tempos trifles paffarião,
$'algüa hora Vos lembrajje. Quem VoJJas cruezas j t
Soffreo, a tudo fe pos,
Gioia própria, Qoflumadoficara,
Nunca o prazerJe conhece E muito melhorfera
Senão depois da tormenta, Se trabalhar para Vos„
Tao pouco o bem permanece, Trifle^as efquecerião,
j2Ji€fe o defeanfo fiorece, Qoflo que mal me tratarão,
Logo a trabalho arrebenta? Annos não me lembrarião,
Sempre os besfe lograrião, Que como efloutros paflarao
Ma* os males tudo atalhão, Tempos triílespaffariãoa
íPorem ja quafii porfiao,
Onde def :anfis trabalhão Se fojje galardoada
Trabalbosjef canfamo, Efle trabalho tão durçs
/fi" ffão viuera magoido.
• Qualquer trabalho mefora Mas não o foi o pajfade,
For Vos gran contentameto, Qomo o fera o futuroi
Talada fentira fenhora, De canfar não canfaria,
Se vira dtjlo algum hçm Se quifmis que canfaffe,
Iz ÇaiJW
- Redondilkas
Cauar, morrer, falohia, jífsi que vos & mais êu,
Tudo em fim ejqueceria, Ambos famos contra ml
Se algua hora Vos lêbraffe. Mas que foffra meu tor mito
Sem querer maisí
Mote alheo. Nad hefor a de r afeto,
Trifle vida fe me ordena, Que queira meu foffrhrièto%
*Pois quer Voffa condição , Pois quer Vojfa condição.
Que os males q dais por pena
Mefiquempor galardão. 0 mal que Vos dais por bem9
E f f e fenhera he mortal, „
propria, Que o malq dais como mal^
!Depois defemprefoffrér Em muito menos fe temy <
as cruezas, Por coftume natural.
'merer* * Mas,porem nefta Vittoria, .
Me quereis fátisfa^er : Que comigo he bem pequenay
Mewsferuiços com trifle^fà A mayor dor me condena •
Mas pois embalde re/i/le A pena quedais por gloria;
Que Voffa vifta condena? Qu os males q dais por penaí
e tes era a pena
Que degalardão
cb tão trifle Que mor bem mçj^íft vir3
n/te Vi m Qjfeferuiruos,não
' v • - • - Pois que mau quero eu pew,?
De contente do meu mal Sequanto rnais
j í tao grande eflremoVim, Tanto mais Vos deuefeil' *
Que eonftiito em mm!:afimy Se VoJJos merecimentos
De
DcLuis de Camões» 1<fj
De tao alta efiima fiao, h fi^ outros fundamentos,
JJfa^defauor medaõ, lafi^fenhora atriíle^a
Em querer q meut tormetos De todos meuspenfiamentosp
Mefiquemporgalardoo. 0 menos que lhe entreguei
Foi "efia confiada Vidai
Mote alheo. Qndo íue nt
fi° vertei,
li não pofif ) fier contente, Porque de quanto efierei
Tenho a efierança perdida, Tenho a efierança perdida.
J.ndo *perdido entre a gente,
Nê mouro, nem tenhoVida, jícahar de me perder
Fora ja muito melhor.
Glofa própria« Teuerafim efita dor,
Depois que meu cruel fado, Que nao podendo morfier
Defiruiohua finança. fada ve^afinto mor.
Em que me Vi leuantado, De Vos de/ejo efconderme,
No mal fiquei fem mudança; Ede ml principalmente,
E do bem defefierado, Onde ninguém pojfia Verme?
0 coraçao que ifito [ente, q pois meganho em perderme
jffiua dor nãorefiíle, Ando perdido anti a gente:
' Porque Vêjnui claramente,
Que* páfnafci para trifile, (CoUos de mudanças
»
cheos* 3
• la não pofio fer contente. Não me bufiqueisjnhos qrod
TenhoVos por tão alheos,
Por iffio, contentamentos, Que do bem que nao efiero\
Fugi de quem Vos defire^ Indameficaoreces.
Jfj Em
im^'MéMidià

RedoHclilhâS adilhas
E m pena ta o fem medida, Tor exprimentar lu Sa
Em tormento tao efquiuo, Jmorfe m'acbauafcrte,
Que moura ningüè duuida, fee como di^ja,
Mai eu Je mouro, ou je viuo, Me conuidou com a mortê
TSlem mouro,nem tenho vida. Sò por Ver fe a tomaria.
E como elle feja a coufa,
Mote, & glofa do autor, Onde efia todo meu bem$
a hua dama que fe cha %effondilbe{como quem
rnaua Ana» Quer di^er mais,e não oufa)
î\ao a quero, mais fe Vem,
A morte pois que fou Voffi,
\'Hão na quer o> mas fe Vem, Não diffe maisporque enta®
Ade fer todo meu bem, entendeoquanto me toca%
E f e tinha dit to o não,
Gioia. Muitas ve^es di:> a boca
jfmor que em meupenfameto 0 que nega o coração.
Qom tanta fé fe fundou, Toda a coifa defendida
Me tem dado hum regime to, E?n mais eflima fe tem,
Que quandovir meu tormèto <Por ifîo he coufa fabida,
Mefalue com cujo fou, Que perder por a vida$
E com ejla deferi f ad, Ha de fer todo mÊud^m. ?
Qom que tudo Vencer poffo,
Di^acaufa aocoraçad, Motealheo,
7s[ão tem em mim jurdição, Vejo a n'aima pintada,
j í morte, pois quefou Voffi, Quando ma pede o defejo.
A na
De Luís dez Camões; t/z
Xnatural que não Vejo. Como aquelle que cegou
He coufa vifla ir notoria$
Glofa própria. Que a natureza ordenou
Se so no Ver puramente Que fe lhe dobre em memoria
Me transformei no que Vf, 0 que em Vifla lhe faltou,
De Vi fia tao excellente jtfíi a mim que não rejo,
Mal poderei fer aufente, Os olhos ao que defejo.
Em quãto o não for de mim. jS[a memoria ir nafirmeza
Torque a alma namorada Me concede a natureza
Mra^ tao bem debuxada, A natural que não vejo,
E a memoria tanto Voa,
Que fe a não Veja empeffoa, Mote alheo.
Vejo a n'aima pintada* Sem Vos com meu cudado,
Olhay com quem,irfem què»
0 defejo quefê eflende
jfo que menos fe concede Gioia própria.
Sobre Vos pede ir pretende, Vendo Amor, q com Vos Ver
£omo o doente que pede Mais leuemente foffrU
0 que mais fe lhe defende3 Os ?nales, que mefa^ia,
Eu q trúdufenúa não Vejo, Não me pode iflo fojfrer,
•Tenho piedade ir pejo, Conjuroufe com meu fado,
De me ver tao pobre ejlar, Hum nouo mal me ordenouL'
a 0

Que então naô tenho q dar, Ambos meleuad forçado


Quando me pede o defejo, Nao fei onde, pois que Vou
Sem yos, ir co meu cudado.
X4 M
RedoHclilhâS adilhas
Na fèi qual he mais eílrano Veixamé cégo t? femguía
Deííes dons males,que figo, Que hú por melhor copanhia
Se não Vos Ver, fe comigo Ficar onde Vos ficais.
Leuar migo tamanho, J f i i me vou de meu bem,
0 que fica Zpaquevem, Onde quer a forte eítrella,
Hum me mata,outro defejo, Sema alma que em f i Vos tef
£om tal mal, Cr[em tal be, Co mal de viuer fem cila,
Em taisefiremos me Vejo, Olhai com que^sfem quem
Olhai com quem,(srfem que*
Mote alheo.
Outra fua 3 ao m e f m a Sem ventura he por demais;
mote. ' >

'jfmor cuja prouidencia Glofa própria,


Foifempre quenãoerraffe> Todo o trabalhada bem
Porque nalma Vos leuajfe, Promettegoflof)frui to•
Pjfpettãdo ornai de aufencia Mas os trabalhos que Vem
Quis q eVos me trãsformafk Para quem dita não tem
E Vendôme ir maltratado, Vale pouco,isr cuflão muito.
Eu ísrmeu cudado sòs, Pimpem todo a pedra dum,
Proim ni f f o da t tentado, Fa^os bornes immufais,
Por não me aufentar de Vos2 0 trabalho,quando atura,
Sem Vos, Cr co meu cudado«Mas querer achar Ventura
Sem Ventura, he por demais,
Mas eft'alma qu'eu traria Mote alheo.
Porque Vos nella morais, Mmtialma libramos delia.
Glor
De Luis de Camões. . ijp
Glofa própria* Epois mefoffre tenção,
Gritarei por defengano,
fois o Veruos tenho em mais Tudo pode hüa affeiçã®.
Que mil Vidas que me deis,
J f i como a que me dais, TrouadeBofcao»
Meu bemja que mo negais Jufiafuemiperdiciony
Meus olhos não mo negais. De mis males foy contento,
Efe a tal eflado Vim£ Ta no efferogalardony
Guiado de minha eflrella, ffues \uefho merecimiento
Quando ouuerdes dò de m Satitfi^p a mi pafíion*
Minha Vida dai lhe a fim,
Mini? almaJlembraiuos delia, Gioia própria.
Defbues quAmor me formo
Outro mote alheo, Todo de amor,qual me Veo,
Tudo pode hüa affeição. En las Ityes que me dio,
í El mirar me confintio>
Glofa própria, Y defendeome el deffto.
Tem tãljur dição Jmor, Mas el alma como injufla,
IS^alma donde fe apofenta, En Vtendo talperficion,
E de^âjefa^fenhor, Dio aldejfeo occaflon,
Qua liberta í? ifenta Ypues qMebréley tanjufid
De todo o humano temor* Mia fue mi perdicion.
E com muijujta ra^ão
Como fenhor foberano, Moflrandofeme el Amor
Qjíamor não confente dano, Mas benigno que cruef
Sobre
RedoHclilhâS adilhas
Sobre tyranno traydor, Qjúen ha%e al mal tavfano,
De celos de mim dolor 1 tan libre alfentimento}
Çruifo tomar parte enel. El dejfeo? no,ques Vano,
To que tan dulce tormento El amor? no ques tyranoy
3S[o quiero dallo aunq pecco,(Puesivuejlro merefcimiento.
eJíHo,y no lo çonfiento,
Masf l me lo toma a trueco, No pudiedo amor robarme
De mis malesfoy contentef De mis tan charos dejfojos,
Aunq fue por mas b'òrarmep
Sencra Ved lo que ordena Vos fola para mattarme,
EJle Amor tanfalfonuejlro, Lepreftafies Vueftros ojos,
5V pagar a cojla agena, Mattaronme ambos a dos,
Mada q de Vn mirar vueflro Mas a Vos con mas ra^pit
Haga el premio de mi pena. Deue el la fatisfaúon,
MM Vos para que Veais Que a mtypor ely por Vos$
Tan enganofa tencion, Satisfi^p mi pafmu
Aunque muerto me fintais
lS[o mireis>queJt mirais, A hua D a m a com quem
Ya no ejpero galar dm, bucria a n d a r i a
mores.
tPue? que premio{me direis) Mote.
Eff eras} que fera buem, Minina fermofa, & crua9
Sabed(i no lo fa beis} (Bem fey eu
Que es lo mas delo quepmo Quem deixara defer feu.
Lo menos que merefccis* Se Vos quiséreis fer fua.
Voh
1<fj
DcLuis de Camões»
Volta. Querofer VoJfoj&riao meut
Minina mais que na ydade, Sede Vos minha c r não fua*
Se para me querer lem
Vos não vejo ter Vontade, Mote a hii dama que
He porqne outrem Vola tem, eftaua doente,
Temuola zrfa^yola crua,
IPorem eu Da doença, em quê ardeisj
la tomara não fer meu, Eufor avo f f a mesinha,
Se Vos não fôreis iãofua. Soo com vosferdes a minhal

2\[os olhos Cr na feição He muito para notar '


Vos vi) quando Vos olhaua, (jura tão bem acertada:
Tanta graça que Vos daua Que podereisfer curada
Degxaça ejle coraçãoj Somente com me curar
ISfãono quifesíes de crua, Se quereis dama trocar,
ffior fer meu. jfmbos temos a me^inhaj
óe ottírew Vos dera o feu Eu a Vojfa, Cr Vos a minha.
\Todefer fôreis mais fua.
Olhay que não quer amor,
Menina tende maneira, (Tor quefiquemos iguoais)
Que abanão Venha a fer tpois meu ardor não curais,
(pois não querei',que Vos quer Que fe cure Voffo ardor:
Que queirais que Vos na cfira Eu ca finto Vojfa dor,
Olhay não mefejais crua, E fe Vosfmtis a minha,
Que pois eu Dayt& tomaj a me^nha.
Ou-
¥
Redondilhas '
r

Outro a outra dama que Qu eu por ter,fermofa dam


eftaua também doen A doença que em Vos Vejo
te. Vos confeffo,que defejo
Deufenhora por fentença Dè cair com Vofco em cama,
*Amor quefo fieis doente, Se confentis que me Vença
7 ara fazerdes agente Efie mal,nao ouue gente
Doce, isfermofa a doença.. Da fiaude tao contente,
Qomo eufierey da doença.
*Rãofabendo amor curar
Foi a doença fa^er Eftancias^ a outra dama
Fermofa para fe Ver, doente,
Doce para fe pafiar, Olhai que dura fentença,
Então Vendo a differença, Foi amor dar contra mim,
Que ha de vos a toda a gente%Que porque em Vos me perdi,
Mandou quefofieisdoente, E?n Vos me bufea a doença.
Vara gloria da doença. Qlaro efia
Que em Vos sò me achara,
E digovos de Verdade, Que em rrn/e me Vê bufear9
Qiie afiaude anda enuejofa, Não poderá mais achar,
Por Ver eflar tão fermofa Que aforma do <me fui ja,
Em vos efia infirmidade.
Tiao façais logo detença Que fe em vos Amorfe pos,
Senhora em eflar doente Senhora heforçado aßt,
forque adoecera agente Qu o mal que me bufea a mi
Qm aefejos da doença. Que Vosfaça mal a Vos-,
Sem

S
D e Ltiis de Cámqes. 175
San mtnttr, A hua dama que eftaua
Jmor me quis defiruir, veftida de dò.
Por modo nunqua cudado,
Pois ha de fer forçado, Mote.
Pefaruos de Vos fieruir. D'atormentado ts* perdido,
la Vos não peço,fenão,
Mas fois tão de [conhecidaj Que tenhais no coração
E[ad meus maies de forte 0 que tendes no Vefiido.
Que Vos ameaça a morte, Voltas.
Porque me negais a vida: Se de dò Veftida andais
Se por.boa Por quem ja vida não tem,
Tal jufiiça fe pregoa Porque não no anéis de que
Quando defiajortefor, Vos tantas Ve^es mattais,
Auei Vos perdão d1 Jmor, Que brado fem fer ouuido
Qu'a parte ja Vos perdoa, E nunca Vejo fenao
.t % i
f onemas no coração,
„/ , ;

Mas o que mais temo em fim, E grande do do Vefiido,


Ele,que nefia dtjferença,
Que Je não tome a doença, Outro a dona Guiomar
Se me nãotornaisa mim: . de B j a s f e q u e i m a n -
/ y '<''•»

DeVerdÛde, doíe com hüa vellá


Que ja Vojfia humanidade no
De quefie queixe não um,
Pots para as almas taobem, Mote., '
Fe^fmor infinidade. Amor que todos offende
RR~*
1 em
Redondilhas
Täte, federa,por goflo, Em corefma, he confidencia,
Qjießmiffe o Vojfo roflo Açoutes /s* penitencia
0 /eine nas ahnen acende. Vos esta muito milhor.
Volta.
Aquelle roß o que trai JS[aô fiqueis dtflo affrotada,
0 mundo todo abrafado (Pois a culpa h Vofía rnefim
Se foy daflamatocadoy Que molher q tão maluada
Foy porquefinta o quefa He bem,que polia corefma
Seja bem difeiplinada.
SB? feyquAmorJe lhe rende.
(Porem o feu prefoppofio Se a penitencia Vos Val,
Foy, fentir o Voffi rojlo, Muy bem açoutada efiaisJ
0 que nas almas acende* (Pois por corefma pagais
VGJJOS vicios do carnal.

A h ü a m o l h e r q f o y a- TSLao torneis a fer errada.


çoutaaa por hum home Nè condeneis a Vos mefma$
que chamauaô foáo Vois ejlais ja emendada,
Corefma na índia. £ não fereispor corefma
T^aõ ejlejais agrauada, Outra Vc^ difeiplinada.
Senão fefor de Vos mefma,
Porq a molher quhe errada Efparfa a hü fíclMgo
Com ra>ad polia Corefma índia,que lhe tardaua
Qeutfer difeiplinada. com hüacamifaga
1
Volta. lante que lhe
Quererdes profano amor promecceo*
1<fj

DcLuis de Camões»
Quem no mundo qui/cr fer Que me e/laua be tal nome,
Jutdo por Jingular, EJJfe diabo Vos tome,
fará maisfe engrandecer,
A de trazer fempre o dar Perdido mais que ninguém 1
Js^as ancas do prometter, Confefffenhoraftr:
Mas o diabo não quer
E j* que,Voffa mercê, Aos Anjos tamanho bem,
Large^a tem por diuifa, Pois logo nao me conueni,
(fomo todo mundo vê, Ou fí me conuem tal nome,
Ha mijler que tanto dê Sera pera què Vos tome. "
Que venha dar a cami/a.
Se Vos benzeis com 'catitella
Mote a hua dama qlhe Como Tfanjo& não delu^j
chamou diabo, por no- Ma I pode fugir da Cru^
me foa dos Anjos. Quem Vos tendespoflo nella*
Mote. Mas ja q foy nimba eflrella,
Senhora pois me chamais Ser diabo, ty ter tal nome, •
Tao sê ra^ao tão mao nome,Guardaiuos q Vos não tome.
Inda o diabo Vos tome.
^ Volta. Ia que chegais tanto ao cabo,
Quem qúcrq VÍo,ou que Uo, Com as mãos pofl&s aos ceos,
Ter a per nono Cr moderno, Vou fempre pedindo a Dcos,
'ler quem viue no inferno Çjie VÜS leite ejle dial o,
0 penf amento no ceo. Eu fenboniv.au. megabo,
}/uvsfe a Vos Vos pareceo Mis pois q me dais ta! nome,
1 orno

•*U|!!.!
RedoHclilhâS adilhas
Tomo para que Vos tome.]S[ao podem dar, pode Amor
Que fa^ qual quer amador
A hum feu amigo a quê Liure das humanas leysr
nao podia encontrar. Mortesfirguerras}crueis?
Ferro frio, fogo,& neue.
Mote. Tudo foffre quemoferue.
Qual tera culpa de nos
7S[efie mal que todo he mewt Moca fermofa dejpre^a
Quando vindes não Vou eu, Todo ofrio,& toda a dor,
Quando Vou nao vindes Vos,(Olhay quanto pode amor
Mais q a pro pia natureza})
Reinado Amor e dom peitos Medo/iem delicadeza
Tece tantas fälßdades, ' Ltiempede,que paffe a neue.
Que de conformes Vontades jíftfarquem amorferue9
Fa^defconformes effeitos
Igualmente Viue em nos, formais trabalhos que tem
Mas por defconcerto feu A tudo soffrccma,
Vos leuafe Venho eu, ^Paffa pella nenefria
Me leuafe vindes Vos, Mm alua qu a própria nem,
Çom todo o frio s\treue%
Mote feu. Vede em que fogo ferue
Vefcalça vay polia neue, 0 trijle quo Amor ferue}
Aßt fa^ quem amorfer ue. Outro alheo.
Voltas. A dor qii a mini? alma fente
Os preuilegios quos <l{eys Hão nafabe toda agente.
VQL
DeLuîsdeCarftoes. */7
Voltas próprias ©trofeu,
V. ' *

Queïlranho cafa de amor Tfalma/s* de quanto tiuer


Que Le en tormentas Qjieroque me defjiojeü,
Que Venho a fer auarento • Qom tanto que me dexelI
Dos dores de minha dor Os olhas pera VòfVw.
Por me nam tra tar pior
Se fe jabeyou fefefmte, Valea.' ' '
Nfa na digo a toda a gente* Coufa efte corpo nam üm3 '
»y Qjie ji não tenha is rendida
Minha dor, &,caufa delia • Depois de tirar lhe a Vida?
De ninguém a oufo fiar, Tirdflhe ã morte também: J-
Queferia auenturar Se mais tenho que perder
jíper dermeyOíLa perdelia? .Mais f eróqüe úeletíeis^
Epois foocom padece lia £o?n tanto que me deíXM
A minha alma efla contente,Os olhosferaVosyerS'
Mão quero q o fajba agente.
Não !

Mote alhea
Jínde no peito efe ondula. Jhnom de hüa ca/a da
Dentro nahtifepultadah Qiic eu vi pollo meu màí i'
De mifoo feja chorada}
De ninguémfeja fentida, , Foiças próprias»
me matte,ou me de vida£ !S(fa cafada fuy por
Ou Vrn tnfiej mtwtmt&i ».> Os olhos de ft/mhores,
Não ma Jayba toda agente^ Qiidey que fo f f em amores, \
Elles
Redondilkas
Biles fi^eraofc amor, Cupido fofte madraço.
Fa^fe o defejo major
3)onde o remedio nm Val Outro fcu.
Em perigo de meu mah O coração nos olho?$
E os olhos pus no chão
Nam meparecèo que jímor for vingar $ coração,
&odeffetanto comigo,
Que dode entra por amigo Volta,
Se leuante por Jenhor-y 0 coração enuejofo
L euame de dor em dor, Qmo dos olhos andaua,
E definalem final, Sempre remoques me daua?
Qada Ve^para mor maL Que rnw era o meu mimofo
Venho eu de piado/o,
v/iirríi
Outro fe IÇLI.
ii. 'Bo Jenhor
JU <J Zfir/Uf
'
/ftiv» meu
vv/atm/
t
coração
Enforquei minba ejperança, {BQÍQ OS meos olhos no chat
Mas amorfo) tão madraço,
Que lhe cortou o laraço. Outro feu.
Tus meus olhos nhüa funda%
Y Voltas. E fi> hum tiro com ella,
Foy a effirfanca julgada - jísgrades de hk^j ancila
tPor jen tença da Ventura,
Qjie pois me teue a pindura, j Voltas.
QuefoJJedepindnràda, 7 Bua dama de malmda,
Vem Qipidowa
£
\ %UI
eff ada .: v 1 J mo u fais olhès m mãôP
\ tt

Çmdk cmto o baraço, ') EtiromJ?5apedrada


Qom
De Luis de Camões.
f om elles ao coração, Çriofe em num efte amor
Jmâ minhafunda então Efenhoreoufe demim9
E pus os meus olhos nella, Agora que o conheci
TraperfuebroPajanelUo Mattame Com disfauon

Aîheo. As flores me torna abrolhos^


De piquem tomey amor A morte me determina
Torque o não entendi, / Quem eu trouxe deminirta
Agora que o conheci / Nas minbtds dos meus olhos*
Mattame com du faim, Defla magoa,ir defla dor
«
Tenho fabido em fim,
Voltas próprias. Tor amor me perco a mim, '
Vio moço,ir pequenino, 5V que de mi perde o amor„
E a mefma idade tnfína3
Quefe encline hua menina, Tarece fer cafo eflmihç
As woslras de hum menino. 0 qu amor em mim ordena$
Ouuilhe chamar amor^ Quem idade tão pequena
Tello nome me venci, Aja tormento tamanho.
'Npiqua tal enganoSejão
vt* milagres d Amor$
ei Ey os defoffrer afií
Até que aja dò de mim
Crefceome de dia em dia Quem entender efla dor.
Qom a idade a affeiçao,
(Porque amor de criação
alma ir na yidafe cria, Apwtarãofe os meus olhos.

* * £9
Reápndílhas
Demim tãolçnge$ . . \ Po^fe vojfa condição,
F alfos amores Que tao docehede pajfar
Ful/os mãos enganadores, SooellaVos anis leuar
, ,( > ... ; De mim tão longe
Foiças próprias. Falfos amores,
%rattarãome com cautdla t E o xala enganadores, ^
f V m enganar mais alinha,:
Deilhe pojfe d'alma minha ; Outra cantiga velha.
Foraome fogir com ella* Falfo caualeiro ingrato
T^ãoba velloSjMm haVella Enganaifme;
De mi tão longe, Vos diteis que eu Vos matoy
FalJos amores. , . E Vos mataifme,
Falfosmaos enganadores,
Polcas próprias,
Entregtymlbeã liberdade, •• - Cojlumadas artesfao '
E çnfim da vida o mdbor Para enganar innúceticiaè
Foraõfe/^. do defamor fPiadofaó àppàreïïcids
Fiarão necefôdade, . S ohrey^ento cora ça o: *
Quemjeue Û fuaVontade - Eu Vos anw/Jr Vos ingrato
1
De mim tão longek t v < MagoaifiM, •-
Falfos amores < - • • '•> Dizendo que eu Vos matto
Erão cruéis matadores: , • E Vos mattaifme.
» " •

Tslãofe pòs terra nem mar Pede agota qu'ai de tiàf


Entre vos queforão em vãof \4nda maisperto dófimi-': '
Quajufliçaft^fe em mim
E o pregão disque fois Vos? Dotou em Vos naturè ^a
Quando mais Verdade tratto Ofummo da perfeição,
Leuantaifme, ; * Quo que em VOÍ hefenao\"
Que vos defimoeVmmatto, Me em outras gentileza:
E Vos matai [me. 0 Verde naofe dejprc^as
Qtt agora que Vos o tendes$
Se de meu mal me contento, Sad bellos os olhos Verdes„
He, porque par a Vos Vejo
Em todo o mundo dejqo, Ouro ipa^id he a milhor
J£ em ningue merecimento. Cor porque a gentefe perde^
Mu a graça deffe Verde
Voltas próprias. Tira a graça de toda cor»
Para quem Vos joube olhar Fica agora fendo aflor
Tão impofimelfoy ferê A cor que nos olhos tendes» -
0 poderuos merecer, Porquefi o VoJfos^Verdeh
Como o não Vos dcfejar;
Pois logo a meu penfamento Outro Mote alheo.
2S( enhum remédio lhe Vejo, Paraqúe medantommo <
Senãofe der o defejo Apromcbàndotanpoco^ijà
ao merecimento, Perdido mas no tàn loco

Outro alheo.
Vos fenbora tudotendes
I Tiempo perdido es aqutl
Senão q tedes os olbosVtrdes.
iuÍ
Kcdondillias • I
Quefe paffaen dorme aff&n, Qtfejfas fentellas tatt rams
<Tues quanto mas me to dan, TJofon nel ciclo mas ei ras,
Tanto menosfiento dei Qjien los ojos donde efan.
Qtie defcubra lo queJunto} Torque quando miro en ella4
TSlolo bare,que no es ta poco De como alumbran al ciclo*
Que no puede fer ta n loco Kofe que feran ml cieh
Qtiien tienetalpenfamiento. Mas,featafonejlr eitos.

Se pan que me manda amor, Njfe puede prefumir,


Que de tan dulce querella, Que alcielo fuban fefiora
A na die dè parte delta, Que la lübre quenYos mora,
(porque la fienta mayor. l\(o tiene mas que fubtr,
á
Es tan dulce mi tormiento Mas piefo que dan quei elU$
Que am femantoja poco jí Dios nel oclauo ci el oy
I f es macho quedo loco (porque fon aca en el fuelo,
Degujlo de lo que/lento. Dos tan hermofaseJlrelUs,

Outromote alheo, • Outro alhco.


Tt tyueflm ojos farteil&sy i T)c dentro tengo mi mal
Qtiemienden pechos deyello, Que defora no éyfemh
Suben por cl ayrt al cielo
I cn Ikgandofon ejlrellas, Voltas próprias.
Mi ?2ueu4yy dulcc querdiaj
Voleaspropriãs. t Es imnjibk d la gente,
r
tal/os horesQsdiVi El almafola lafante?
D e Luis de Camões; úo
Quelcutrpo no es dino delia Ytan contrario Viuiendo
Co)no la Vtuafentella Alfin alfin conformamos,
Sencubrç M ei pederml ues ambos ados bufcamos
J)e dentro tengo mi mal\ Lo que mas nos Va huyendo.
Vqy trasvosfiempreftguicde,
Outro mote alheo, Xvos huyendo por otro
Amor loco,amor loco, Andais bca,y me ha^ekloco,
Yo por Vos,y Vos por otro.
Mote alheo. ;v
Voltas próprias. Todo es poco lo pofòbUo
Diome amor tormentos dos,
ffara que pene doblado, Glofa propria.
Vno es Verme defamado, Ved qu enganos jenorea
Qtro es manfilla de Vos, 'NjieUrojuyzjo tan loco,
Ved q ordena Amor W m} Que por mucho quefe crea,
Porque me Vos haveis loco, Todo el bien quefe deff \a.
Quefeats loca por otro. Alcançado queda poço
Vn bien de qualquieragrado
TrattaU amor de manera Se de a verfe es impofsible,
Qt<eporque afííme trattais, Queda mucho dejfeado,
Qjátre q pues no me amais, Ma* p*ra mucho alcatifado*
' Qu ameis otro,q no os quiera Todo es poço lopofible.
Mas con todo fino osViera
De todo loca por otro Outra.
Qom mas ra^nfucrt loco. (Poßble
fo/tble esesa amimicudado
cudado
* F É
RedoHclilhâS adilhas
foderme ha^erfatUfecho, tPerderej mil allegriM
Sifuera po&ble olhado
Ma^er no hecho lo hecho Mote leu.
Jfuturo lopajfado. (pois he maUyoffo que meã
Si oluido pudiera auery Senhora,meucoração,
Fuera remediafuffriblei Eu \pf$ocapúuo(am,
MM ya que no puedefer Mem olhosJmbrems eu,
ÇPvra contento me ha^er,
Todo espoco lo pofiibk» Volta.
Lemberuos minha trifle
Motealfieo, Çhíe ja mais nuca me deixa$
Vede bem fe nos mem dm Lemhrems co quata queixa
Os defgoftos Vtfobejos} Se queixa minha firmeza:*
tPok tenho medo a defejos, Lembreuos que namhe meu
E quero malà alegrias: Efte trijle coração, •
E pois ha tanu-re^ao
Voltas próprias. : Mem olhosJembreuos eu»
» > • A J •^

Se defejosfuyja ter, OuttomotcfeiL


Serviram de atormentarme,
Stâlgü bem pode alegrar meStnhora7 pou minha Vida
Qutfme antesentriííecer, Tendes emVoJfo
JJ X
poder,
'

tpajfey amos pajjey dmP íporferdes delia feruida,


Em defgojlàs tam fobejo% Nao queiraerque defíruida
%mfm por-mg ierdefem fojfafer*
VoU
D e I M s i t Camões, it1-
Volta. Que pojfa viuer fm Vertios
Minhalma por na perdemos*
lüo nam pormepefar
Te morrer feVos quiferes, Defie tamanho perigo,
Que milhor me he a cabar Que remedio pojjo ter?
Milve^es quefoportar Se viuofoo com Vos ver
Os males que me fizerdes, Se Vos nam Vejo perigo ,
Mas foo porJerdesfiruidaí -Quero acabar comigo
pe mi em quanto viuer, Que ningul me veja Veruos,
Vos. peço que minha vida Senhora, por nam perdemos
7s[ao queirais que diflruyda
fojja fer. Mote a tres damas qüe
lhe diziam que o _
Outro feu a hua dama, amauão,
Na feyfe m engana Helena,
f oismefa^danno olharms Se Maria, R fe -hana,
T - *
Mao quero por nao qreruos, Nao fei qual delias megana}
Que tangue me Veja Veruos,
. Volta.
Volta. Hüa dis que me quer bem,
DeVeruos ancih VosVer Outra jura que mo quer,
Ha dons eftremos mortais, Mas em jura de molher
Efamelles emfitais, , Quem crera/ellumo trem.
Quhuporhümefa^morrer Haopofío rú creraHelem:
Mas antes quer o ejcolher^ J Maria, nem kana, r
Mas
MOA nafel qual mau migam Que digao quantos a Vem
Fermofa,O* mal empregada^
Hüafa^nit juramentoss
Que sò meu amor eflima, Tomafles da fermo fura
jí outra di^ quefe fina, Quanto delia defejafies,
loana que bebe os Ventos3 E com ella mentarda/les
O '
Se cudo que mente Helena, Tara taõ trifle ventura
Também mintira loana, Mittaueisfendofd teint '
Mas que metemom engana. Mattais agora em cafada,
Mat ta is de toda a maneira,
Outro feu a hüa dama Fermofa,(sr mal empregada;
mal empregada,
- 'I Outro a hüa foâ G o m
Menina naofey di^er, çalues,
Vendouos taõ acabada,
Quão triítefiou por Vos ver, Motç
Fermofa,mal empregada* Çom Vojfos ol/yosGonçalms
Senhora captiuo tendes
Voltas. Efie meu coração mende^
Quem taõ ma/vos empregou,
fyouco derntfe doya,
Tois nad vio quanto me hia Eu fou boa teflemunbdp
Em tirar me o que tirou; Quamor tem por coufa md,
Obriga o primor que tem Qu olhos que fao bonièsja,
Lindeza taõ efiremada. Se nomevnfem alcunha
f w
De Luís de Camões. 182
Pm 0 (Oraçao apunha y : A húa dama que lhe jvtr
E di^ olhos pois Vos tendes íaua fempre pellos
Qhamaime coraçdò mendes* feus olhos.

Outro feu. Quando me quer enganar


De que mefeme fugir A minha bella perjura,
De morte,dorjúr perigo Para mais me confirmar
Se me eu leuo comigoi 0 que quer certificar,
Pellosfm olhos me jura*
Voltas.
Tenhome perfuadido Como meu contentamento
Por ra^ao conueniente, Todo fe rege por elies,
Que naopofjo fer contente Imagina o penfamento
Pois que pude fer nacido, Que ftfa^agrauo a elles,
Jlnda fempre tão 1 nido Não crer tãograo*juram to•
0 meu tormento comigo
q eumefmo foumeu perigo. Porem como em cafos tais
Jndo jaYiflo,úr corrente
E fede mi me liuraffe, Sem outros certos finais
jS(enbum gosto me feria: Quanto mella jura mais,
Que nao fendo eu nao teria Tanto mais cudo que mente\
Mal que effe bem me tiraffe;
Força he logo que aj?i p a ffe?Então Vendolhe offendxr
Ou com defgojh conàgo, Bus tais olhos como aqHes,
Oufüngojh^ fem perigo, Deixome entes tudo crer
RédotMilhas
Rec
Sèpella rm Cortftranger^ Inda que feja em pobreza
jí jurar falfo por elíes. TStji õvio o bem darique
ÍS(em o mal de empobrecer •
Mote. ft^à o ganhou pera perder,
Vos tentis mi coracon. Mas ganhou com Vida igual
>
NAÔ ter binem fentirmal
~

Glofa própria.
Micoraconmè anrobado
4
Outras a hfia dama que
Y Amor viendo mis enojosß lhe virou o rofto*
Me dixOyfuete lleuado
Por los mas hermofos ojos9 Olhos não Vos mereci
Que des que fluo he mirado• Que tenhais tal condição
Gradai [obre naturales, Taô liberais pera o chaè
Te lo ihnen en prfion, Ta o iro/os pêra mi,
Yfi amor time ra^pn
Sénora, por las feh des Voltas próprias«
Vos teneis mi coracon.
à

(Baixos & honejlos andaU


Mote alheo. Por Vos negardes a quem
Ha hü be que chegafoge 2Íão quer mais}q aquelle bl
Üchamfeefle bmtal Qjie Vos no chab espalhais.
Ter bem para fentir mal. Se pouco Vos mereci
2{ã me/limais mais qo chm
Volta propria. jíquetn Vos o galardoo
$luem Vueo[empn numfer Qait3<?mo negais a ml
Meti
De Luis de Camões..ijp
Mote do Autor. 0 bem tao mal ordenado, .
Fuy maoymo6 fuy ca figa do*
Venceome jfmor>nao onego Afíi que s o para mim
Tem mais força queu afia^ Anda o mundo concertado, '
Que como he çego}tyrapa%}
Vameporrada de çego. A hua dama perguntais
dolheqüemo mataua.
Volta,
—_ -v tts"'® O ' % A

Sòpor qiihe rapa^roim, ^ Mote.


Deilhe hü bofete zombando: ^erguntaifme que me matai
Drenei ò mao eftaisme dado Não quero rejf onder nada,
forque fois mayor que miml for Vos naofa^er culpada.
Pois fe Vos eu descarrego-,
Bem dizendo ijlo, cba% , Voltas. -
Tomam outra: ta rapa% Efe a pena nao m atiça
Que das porrada de cego. A di^er pena tão forte, -
Quer orne entregar a mortef
Efparfa fua ao def:oncer Antes que vos k jufliça-
to do mundo. Porem fe tendes cubica
Os bons vi fempre papar De Vos Verdes tão culpada».
Jio mundogr aues tormetos: Direi que nao finto nada.
E para mais m espantar,
Os maos vi fempre nadar Mote.
Em mar de contentamentos. Efconjurote Domingas
Cuidando a Icancar a(sim Pois me das tanto cuidadoy
RedoHclilhâS adilhas
Que me digas fe te Vingas Endoudeçotão o finto
Vmirei menos penado. Domingas
o no Valle brado3
"

(\efronde o ecco Domingas


Voltas. E tu inda te não Vingas
luranafme que outras cabrasDe me Ver doudo tornadof
Folgauas íapafcentar,
Eu por não me magoar, Alheo.
Fingia querão palauras. Se alma Ver fe rrn pode
tAgora d*arte te Vingas Onde penfamentos ferem,
D'algü meu doudo peccado, Qjuefarei para me creremí
Quinda queiras Domingas,
Kao poffo fer enganado« Voltas fuás.
ISfalma bua sò ferida
Qualquer coufa bufe a o feu Fa^na vida mil finais,
.Afonte vay para o Tejo, Tanto fe defcobre mais,
E tu para o teu defejo, Quanto he mais efcondida9
<Por te Vingares do meu, S'efia dor tao conhecida
De mi te efijueces Domingas Me naõvem,porq nao querí,
Comeu faço do meu gado: Quefarey para ma cm ml
Tra^a aDeos qfe te Vingas,
Que moura defefpçrado. Se fe pudefiebem Ver
Quanto callo/s* quãta seta,
lS[a fantafia te pinto, Deffois de tanto tormento
Falote/ejponde o monte, Qúdaria alegre fer.
®ufco o rio,bufco afonte. Mas fe não me querem crer
De Luis de Camões. 184
Olhos que tao mal me ferem, Voltas fuás,
Que farei para me crereml
Se me for,& Vos deixar
Alheo. {Ponho por cafo que peffa)
Voffo bem querer fenhora, Efdâlma minha quhe Xoffa,
Vojf o mal melhor mefora, Qonuofcoriha de ficar.
Volcas fuás. Jlfíi que sò por leuar
Ia agora certo conheço jí mini? alma,fe me for
Ser melhor todo tormento, Vês leuarei meu mor9
Onde o arrependimento
Se compra por juflo preço. Que mal pode maltratarme
Engamume hum li começo Que conuofcofeja mali
Mas o fim me di^ agora OH que bem podefer tal
Quo mal melhor mefora. Que se Vos poffa alegrarme?
0 mal não pode enoja r me,
Quando hu bè he tão d anofo 0 bem me fera major
Que fendo bem, da cuidado, Se Vos leuar meu amor,
0 durmoficaobrigado
ji fer menos perigo[o. Alhea.
Mas fe a mim por deflitofo, Pequenos contentamentos
Co bem me foi mal, fenhora, Ht bufar quem contenteis
Co Vojf o mal bem me for a. Qu\i mim não me conheceis*
Alhea.
Se me dtfla terra for, Voltes do Autor.
Eh Vos leuarei amor. Os gostos que tantas dores
RedoHclilhâS
adilhas
Fi^eraoja Valer menos, Afãs com que fefoftenba-
ISLao os aceita pejuenos 'Naõ ha mal q lhe nao Venha
Qjtem nunca teue may ores..
(
£em parecem Vãos
Qjiis fàuores
Voar a huaalta tom
Tots tad tarde me quereis, Mas achou fé defafado,
Qutnda me naõ conheceis. E Vendofe depenado,
De puro pen do morre
Offerectume alegria S\i queixumes fe [ocorre,
Tendome j i cego,i? mouco, Lança no fogo m iis lenha
He baixeza aceitar pouco Nao ha mal qlhe naõ Venha.
Quem tanto Vos merecia,
A | faeff '{F* f ^ ®

Ideuos poroiiiravia'
huas lenhoras cj auiao
Tois o bem que me deueis
dé fer terceiras para com
tíunqua mofatisfareiso
li ti a dama ília,

Âlhea*
« staff

TOM a tantas perdições


Ter dig 10 perdeo a pena Senhoras quereis dar vidã
Nad ha nulqlbe nao Venha, Ditoj'a fija aferida
Que tem taes cerurgioesi
Voltas fu as. Tois Ventura
Terdigâò que o penfamento M' fobio a tanta alturâ
Sobio em alto lugar, Que me fejitsValedonsP
tPerde a pena do Voar, Ditofa feja a triflura
Ganha a pena do tormento. Que fe cura
2\ao tem no ar ne no Vento
for Vojjos rogos fenhoras\
De Luís cie Camões. tf*
M pni i mortal nado cuido c que mo cura.
h cju entendeis fjuhc a/sim, A meus ays
JSiaÕ quero faltar por rm,(Pecorm que lhe Valhais
Que por mm falia meu unaL Damas d'amor tão Validas£
Sois fermofas, Que nunijua tal dor fintak
Jueis de fer piadofas Que queirais
for fer tudo d?bua cor; Onde naojejiis queridas*
Que pois amor Vos fe^ rofiu
Milagro/as, Endechas 3 a húa cattiua
Fa^ei milagres d!amor. com que an latia d amo«*
res na Indiajch ama-
fedi a quem Vos fa beis, da Barbora»
Quefaiba de meu trabalho»
Nao pello qiieu niffo Valho, Jquella €aUtui$
Mu pello que Vos Valeis: Qjie me tem cattiu®3
Quo Valer forque nella Vtuo$
De Voffo alto merecer la não quer que Viuãp
Com lho pedir degiolhos, E'i nunqua Vi rofa
Vara quem meu padecer Em fuauès molhosf
f)ojja Ver Que para me molhos
0 poder que tem /'m olhos. Fojje mais fermofa.

Fofa muitafermo fura ]S{em no ceo eflrell-


Co a fua tanto Val, T{em no campo flores$
Qiie me rio de meu mal Meparecem kllas9
4 Qm
Redoj&diíhas

Como os meus mores* Qua tromenia amanfh


fi\ofo fingular, Neila em fim defcanfa
Olhos foffcga dos, Toda a minha pena0
ífretos & canfados Efa he cattiua
Mas não demattan Que me tem cattiuoi
E pois nelta viuo
Hila graça viua, He força que Vtua*
Que nelles lhe mQraz Outra,
fiara fer fenhora Quem ora foubejfé
De quem he cattiua, Onde o amor nafcen
firetos os cabellos, Quofemeajfe.
Onde o pouoVao
fierde opinião D'amor, fem danos
jduos lourosfaa leitos, Me fi^laurador,
• - . i Semeaua amor,
firetidãg d1a mor, £ colhia enganos:
Tão doce a figura, Não vi em meusamm
Qtia nm lhe jura Homem que apanlxtjfe
Que trocara a cor. 0 quefemeaffe.
Leda manfdão
QJÍO fifo acompanha, Vi terra florida
{Bem parece eftranha De lindos abrolhos,
Mas Sar hora não» Lindos pata os olhosf
i Duros para a vida,
firefsnça ferena Mas a re.^ perdida
T
D e Luís de Camões.
l9%
One talheruapafee J s agQU ^
Emforte hora nafee. Me fa^em chorar,
6> fao do mar
Com quanto perdi Eflas d'amar faõe
Trabalhaua em Vaos For ellas releuo
Se faneey gr ao, Todas minhas magoast
Grande dor coibi: Quefe força dagou
Amor nunca vi Me leua3eu as leuOc
Que muito dtiraffe
Que não magoajfe. Todas mentriflecems
Todas faofalgadas•
AlheOo choradas
Doces me parecem,
Se me leuaôagoas, Çorrey,doces agoas,
Tios olhos Oi leHQ. Quefe em Vos níenleu9s
IS^aõ doem as magoai
Próprias. Que no peito leuoi
Se defaudade
Morrerey,ou nao\ O u t r o alheo.
Meus olhos dirão Menina dos olhos Verdes 4

De mim a Verdade; Torque me nao Vedesí


*Por elles matreuo
jílcancar
4 as avoas* Próprias,
o '
X/tf moflrem as magoa Biles Verdes fao,
Qjjt nejla alma leuo* E tem por vfança
az K*
d O Vi »»1 - a i a í3. jí
T\ ã cor e$?erànçá3 Çjie ejjxzançd doo:
E nas obras não: . . . Se na condicao
»

Vo,ff a condição . v, Ejla feremVerdes7 '


1Sjo he (folhos Verdes$ '. Torque me não vedesl
Torque me não vedes?
Outro alheo*
Ifençoes a molhos, Trocai o cudaclo
Une elles clivem terdes Senhora comigoa
iSlaõ jao d'olhos Verdes Vereis o perigo
2\(em de verdes olhos: Quhejer defemach*
Siruo de giolhos, '>
Evos n.w me < redes, . . Voltas próprias
forque mt iúo Vedesl Se trocar defeja
0 amor entre nos,
jíuiaodefer .( He para que em Vos
(porque pojfa VeHos, Vejais o que Vejo,
OJÍWSolhostíiúhdlos Efendo trocado3
'Nao fe haocíefeonder: Efte emor comigo%
MM fa^-ifme crer SerVosha cajligo,
Que ja nao feio VerdesTerdes meu cududo,
iforque me nau Vedesl
Tendes o feri ti do
Verdes nao o fao D9amor liure,ir ifento$
TSfo que alcanço deites, E cudais que he Vento
Verdesfao aquellt<> Ser tao mal querido,
<Í\ T
J\üQ
— * * i>'v
De Luis c!e Camões.
2{ao feja o cuildck Vemos hum só di&
Tao Vo[fo inimigo Quemfe guardaria}
Chie quero o perigo
J)efer de [amado. eir
7S{eík auenturarf
Mu nunca foi tal Ver,& não guarda^J>
Efie meu querer, Que guardar de Ver,
Que quem tanto quer Verdefender
Queira a tanto mal\ Muito bom feria,
Seja eu maltrattado, Mas quem poderia?
E nunca o cafligo
Vos mofíre o perigo, Mote.
Que hefer defumadoP Irme quiero madre
jíquella gderap
Outra a tençam de Con el marinero
Miraguarda» s/ffer mannera;
Ver,& mats guardar
De Ver outro dia Voltas próprias*
Quem o acabaria? Madrefi me fucre
Do quiera que vá
A lindeza Vojfa, Ho lo quieroyo,
Dama quem a vê, Quel amor lo quierep
Impofíiuel he yíquel nino fero
Que guardar fe poffa• Jrla^e/jue me mueray
SeJactam a mojja, for Vn marinero,
a$ J fer
Redondilkas
Áfer marinem, D a quel nino fiero,
Veayo quien quiero,
El que todo puede% Sea marinera.
Madre,no podr^
Tues el alma Va Outra cantiga velha.
Çjie el cuerpofe quede,
Con el por quien muer o, Saudade minha
Vay porque no muera; Quando vos veritâ
Que fies mariner o$
Sere marinera. Volta própria,
Efte tempo Vao,
Es tyranna ley, Eíla vida efcaffa
Del ninofenhor, Tara todos paffa
Qjie porVn amor Soo para mim nad3
Se de feche vn T{eyz Os dia* fevao,
Tues defia manera Sem Ver esíc dia
Quiere$o me quiere, Quando Vos Veria?
Tor Vn mariner o
jífer marinera. • Vede efla mudança,
Se efla bem perdida,
Qifîd) ondas, quando • * Em tam curta Vida
VifiesVos don^ella, ; Tam longa efycrança,
Sitndo tiemay btlla, ' ... Se cfle bem fe alcança;
Andar nauegandob i Tudo foffmi a,
Masnofeejjera ^ Quando Vos Veria.
Sau-
De Luis de Camões.
Sd lido fa dor, Ávida eftimaus
Eu bem vos entendo: Mais então viuiar
Xfas nam me deffend<*$ Porque Vos feruia,
forque offendo amor. Soo para Vos Ver,
Se fojjeis mayor; Ia que V01 nam Vejo,
Eni mayor Vã!ia: Para que h Viml
Vos efiimaria,
T?" /*
Viuojemrezao
Minha faudade,
Porque em minha dor
Çaro penhor meu,
2^am a pos amor,
Aquém direy eu
Que enimigos fam
Tamanha Verdade?
Muy grande
JLYÀt treyçam,
VOTIVU a
Na minha Vontade
Mt obriga a fa^er
QueVmfenhora
De noite, (r de dia
Sempre Vos teria. Sem vos poder ver0

Outra alhca. T{am me atrenoja


Vida da minh'alma Minha tam querida$
N(am Vos poffo Vers jf chamamos vida
Jjh nam he Vida Torque a tenho ma#
(
Para fe fojfrer. K Ninguém cuidara
V • \ "»
Queiflopodefer rv
Voltas próprias, * Sendome Vos vida,
vft.wrkuv
Quando VVJ
Vos eu CÍ*
via fiam poder Vim.
'e hm lograw
EjjTe ,<
• ••cv . r *4
Rccloacfillhas
C o y f a de Beirame Terá bem que rir
namorou Ioanee Tois amas beirame
E a mim não loant
Voltas próprias.
Quem ama api
Tor coufa tão poucas Ade fer amada,
Andas namorado? Ando maltratada
Amas a toucado, D'amores por ti
E não quem o touca? Amame a mim
Ando cega & louca E deixa o beirame
\Ter tymeuloane, Que he re^ão loant.
Tu pello beirame.
A todos encanta
Ama* o Vefltdo * Tua paruoice,
Esfalfo amador De tua doudice
Tu não Ves quamor Gonçalo fe effanta,
Se pinta dijjridô? E ^om bando canta
Cego &perdid6 "x - foyfií de beirame
^í Wítí porfÈeirame Namorou Joane,

E eupor ti loane* Eu não fcy que vifle


N e/lê meu toucado,
«Seahuemiefyir, \ :
o < . , < í Que tão^íanmhdo
Quedara detií* - ^ Delle te fentifle
Que deixas a mim , Não te Veja trifiei
cf or coufa tão Viíf
De Lui-s de Canpoes,
Amarre loane Gados, que pa/ceti.
E deixa o beirame. Sabei que a deueis
Aos olhos d9Helena:
loanegim a, Oi Ventosferena2
Maria chorona. Fatores da brolhos
Aft lommtaua 0 ar de fem olhos.
0 mal quefentiao
Os olhos fria, Fa aferrasfloridasp
£ não o heirame Fundaras as fontes:
Que mattou loane. Syifto fa^ nos montes%
Que far d nas Vidas* -
Não fey de que Vem Traias fufpendidoi
Andares Viflido Como eruas em molhos
Que o mefmo Cupido 2ia lu\ defeus olhos9
Víjlido não Um
Sabes de que Vem Os corações prende _
Amares heirame, Com graça inhumana,
Vem defer loane< De cadapefiana \ ?, •
Hum alma lhe pende.
Motes feus. Amor [e lhe rende,
Se Helena apartar E pofto emgiolhos
Do campo few olhos, P afina nosfem olhos.
cr ao a br olhose
Voltas. AlheOo
A Verdura amena Veraesjaó os campos,
De
Redofídíihas
#

T>e Cor de Um4&f * Com r ofás,<& flores


1
A f i f a o os olbot. Mocas que as regad
meu coracaoc Mata orne £ amora*

Voltas firas. Voltas fuás.


teeflendes Entre efes penedos
(jom Verdura lella, Que daqui parecem.
Otielhas que nella Verdes heruas crecem,
Vojfo pafto tendesf Altos aruoredos.
jyhruM Vos mantendes rochedos
Çjie tra^overao, Agoa com que asfores
E eu das lembranças,
*
D%outras [ao regadas
Do meu coração* Que matão Namores,

pafceis Co 4 ^ e ayr
Co contentamento, Daquella cjpe/jurap
Vojfo mantimento Outra fe meflura
2{ao o entendeis: Que dos olhos fay;
l/lo que comei* Toda junta Vay
2s[?iõ [ao bentas,não, %egar brancas flore?
•Sadgraças dcs olhos Onde ha outros olbot
Do meu coracaô, Que ma tao Amores*

Alheo. Cetefesjardins,
ao as hortas • Asflores eflrelias,
De Luis deCamões..ijp
Jiorteloas delias Ficará na follaí
Sad híts Seraphins: Se ficar irofa,
Pj>fas,irjasmins lS[aõVôs ejla bem
De diuerfas cores, Fique antesfermofa
Anjos que as rega o Que mais força tem»
Matãome demores.
Alhea* 0 amorfermofo
Menina fermofa Se pinta, fe chama
Di^ei de que Vem Se he amor, ama,
Serdes rigurofa Se ama, hepiadofo.
A qum Vos quer kml Dagora a grofa
Que efle texto tem,
Voltas porpríaSo Que quem he fermofa^
Na o feiquemafsella^ Ha de querer bem*
Vofsa[ermofura
Que quem he tad dura jíiiei do menina
TS(aò podefer bella* Dejfa fermofura
Vos fereis fermofa, Que s'a terra he dura,
Mas a re^ao tem, Secajfe a bonina.
Que quem heyroja Sede piadofa
l^aõ parece bem. TSlao veja ninguém
Que por rigurofa
jímo,fira be de bella, Percaes tanto bem,
jís obras fao cruas: Albea.
Pois qual defiasduas. Tcndtme mão mile
qi
^ Redonxlilhâs
Qtihnm real meiem, Qjihum real me deuh

Volcas próprias. Çomproume amor


Ç'hum real d'amor, Sem lhe fa^tr preço,
Dous de confiança3 Eu não lhe mereço
E tres de esperança Darme\dvsfauor.
Me foge o trèdorp Da me tanta dor,
Falfo defamor, Quando apos elle
S1encerra naquelle Tello que me deue.
Quhum real me deue,
Eu de á bradamkp
Tedwmo empreflado ElleVay fugindo,
ISlão lhe quis penhor$ Elie fempre rindo,
He mao pagador Eu fempre chorando,
Tendemo offerrado. De quando em qttandv
Çfhum cordel attado No amor satreue
fAo troncofeleue Como que não deue.
Quhum real me deue.
*

v(falar Verdade
Por esta trauejfa Elle ja pagou,
Se Vay acolhendo, MM Inda ficou
Eylo Vay correndo Deuendo a metade
Fugindo a grao prejja. Minha liberdade
7s[ejla mão, & nejfa Ele a que me deue
Ofãfoiatreue Sò netíafe atreüe,
De Luis de Camões. . ijp

CARTAIMANDA
D A D A I N D I A A H V M AMIGO.
\ ' ' ' ' • t .;••' '

T^Efejei tanto huâ Vojfa, quê cudo quepella muL


to defejar, a mo vi. Torque e/le he o rnais certo
to flume da fortuna, confentir que j e defeje o que mais
prefio ha de negar.Mas porque outraiTSlaos me nao fa
çao tamanha offenfa> como he fa^eremme Jàjpeitar
que Vos não lembro • determinei de Vos obrigar agorâ
com ejía: na qual pouco mais,ou menos Vereis o q que*
ro que me efereuais dejfa terra. Em pago do qual,d'an
te mão Vos pago com nonas defla}quenão ferao mas m
fundo de bua arca para autfo de algüs auentureiros,
que cudãó que todo o mato he ouregãos, & nãofalem
que cajt? la mas fadas ha,
Dejpois que dejfa terra parti, como quem o fa^ja
para o outro mundojnandei enforcar a quantas jperari
ças dera de comer ate então,com pregão publico por.
falfífícadoras de moeda, E de/enganei cfjespenfamen
los que por ca; a traria porque em mim nao jicaffe pe-
dra f obre pedra. S cfi pofto em faio que me não Via
fenão por entre lujco^srfufo^s derradeiras palavras
que natfyo difje,fôrão as dc Só pião Africano: Ingra
ia pátria wn pofiulebu ofja mea. Torque quando cu«»
i ;V v ; : da
Cartas
do que fem peccado,que me obriga [fe a tres diásdeTur
gatorio , p a f f ei tres mil de mas lingoas; peores ten-
ções fanadas Vontades}nafcidas de puraenueja} dc Ve-
rem [H amadayedra deJi arrancada,<jrem outro muro
a fida> da qual também amizades mais brandas què
cerafe a/cendão em odios que demandafyerauao}(sr e
lume que me deitaua mais pingos na [ama que os cou-
ros de hum leitão. Então ajunMufe a ifto acharemmç
fernpre na pelU a virtude de Achiles} que mo podia fer
cortado fenao pellas folas dos pés, as qtiaes de mas ?MQ
Verem nunquajne[ç^Ver as de muitos, & mo engei-
íar conuerfacões da me [ma imprcjfad, a quem fracos
punhao 'mão nome,Vingando com a Ihigoa o qm nao pQ
dião cm o braço, Em fim} [enbor{u não/ei com que
me pague fabtr também fugir a quantos laçosnejfa
terra me anmuão os acontecimentos fenão com me vir
para eJh,onde viuo mais Venerado,q os touros da Mer
dana,mais quieto que a cela de hum frade Trega-*
dor. Da terra Vos [ei di^er que h maj deVilões roins,
madrafta de homes honrados# [forque os quefe ca
Lm cão a bufear dinheiro, [empre fefoftentão [obre a
agoa com bexigas. Mas os que fua opinião deita,a las
armas Mo uri [cote, como maré corpos mortos a praya.
(porqRefa bei que antes que amadureção fefecão. la
eftes que tomauão efla opinião de valetes & cofias crê
dequeminqua riberas dei Duero arriba cavalgarão
cmo<*
*
De Luis de Camões. . ijp
Camoranos,què roncas de tal foberhia entrefifuejfen
hablando,i? quando Vem ao effeito da obra faluaofe
com diferem, que fe não podem fa^er tamanhas duas
ccufas como he prometerdar. Informado difto,Veo
âefta terra loaòTofcano,que como fe acbaua em alga
tnaguflo de r o fies Verdadeiramente, que alli erafuço
Píer las carnes crudas/u beber la biua fangre.Q0o
de Siqueira feVeo c.i mais humanamente,porqiiç/fifft o
prometteo em hua tormeta grande em que fe VÊ, Mas
hum Manoel Serrão, queficut Cr nos manqueja de hn
olho, fe te cà prouado arrepiadamente.Porq fui toma
do por jtti^ de certas pala uras de q elle fe^ defdiper a
bufoldado,o qual polia pojlura de fua pefloap-a cá ti-
do em boa conta.Se das damas da terra qreis nouasyw
quais fio obrigatórias a híia carta/o mo marinheiros â
fefla de fio F.Pero Gonçaluesfabei q asPortuguefas
todas cae de maduras} q não ha cabo q lhe tenha os pô
tosfe lhe quiferem lançar pedaço. Pois as que a terra
dà,alem de ferem derrala/a^eime m.que lhe faleis aU
gus amores de Petrarca, ou de ^Bofcão/eJf ondem Vos
híid lingoagem meada de eruilhaca, que trona na gar -
ganta do entendimento,aqual Vos laça agoa naferuu-
ra da mor quentura do mudo. Hora julgai fenor o que
femirà hum eflamagocoflumado a refiftir aifalfida-
des de hn roftinho de tauxia de hua dama Lisbonen~ .
fe}quç d 'ta como pucarinho nouo com a agoa2 vendofe
agora entre éslt carne de felé^que nenhum âmor da de
ft> como nao chorara las memoriasdeIn illo -tempere?
fpor amor de mim, que ás molhercs de f fa teyra dig--is
de núnln parte, que fe querem a bfolutamente ter alça
da com baraço, pregão, que não rcceem/eis niefes
de màvida porefje maryjucm aseffero ,compyocif
f0,0)1? paleo reueflido em pontificalyadmdeeMontras
'fenhoras lhe irão entregar as chaues da cidade/s1 re-
conheceram toda a obediench a que por fua muita ida
de fao ja obrigada*. fV agora não mais fenao que e*
fie Soneto que aqui Vay}quefi^à morte de dom Anto-
nio de Noronha} Vos mando em final de quanto delU
me pefou. flua Bgloga fi> fobre a mefinamatéria%
â qual também tratta algüa couja da morte do Trin
cipe,que me parece melhor que quantas Também
VoU mandara para a mofirardes la a Miguel Via^
que pelU muita ami>ade de Dom Antonio folgaria de
a Ver, mu a occupação de efiréuer muitas carta* pa~
ra o %eyno me nao deu lugar. Também la ejcreuo a
Luis de Lemos, em repofia doutra que vi fua,fe lha
não derão,fatba que be culpa da viagem na qual tudo
fe perde. Vale,
E m flor vos arrancou cie então crecida
A h fenhor Dom Anconio ; a dura fortcí
Donde fazendo andaua o braço force
v
' \ Ata-
De Luis de Camões. . ijp
A Fama dos antigos efquecidao
H u a fò razão tenho conhecida
C o m que tamanha magoa fe conforte*
Q u e pois no mundo auia hórada morte*
Que não podíeis ter mais larga vida.
Se meus humildes verfos podem tanto
Q u e co engenho meu íe iguale a arte,
Efpecial matéria me fereis.
£ celebrado em trííte,&: doce canto,
Se morreftes nas mãos do fero Marte,
N a memoria das gentes viuireis,'

C A R T A II A O V T R Q AMIGO.

E Sta %ty com a candea na mão morrer nas de v. tf?*


fe dahipaffar feja em cin^aforque não quero (
que do meu pouco,comao muitos. E fe toda via quifer
meter mais mãos fia efcudela, mandelhe Luar o nomep
valhafem cunhos,
L a mar en médio,y tíerras he dexado,
V quanto bien cuitado y o tenia:.
M a s quan vano imaginar,quã claro engana
E s darme yo a entender que con partirme,
D e mim fe a de partir hum mal tamanho.
Quão mal ejià no cafo quem cuda que a mudança d*
b
Cartas
lugárjmüda a dor dofentimento. EJenao digao quten
dixo que taufencia canja oluido.forqueem fim li tier
ra queda,O4 o mais a alma acompanha. Ao aluo de/les
cm!eidos joga o meus pen/amentos a barreira, tendome
ja pello cojlume ta o contente de triíie,que trijle mefa
ria fer contente-,porq o longo vjo dos annos fe conuerte
em natureza. Tois o que hepara mor mantenho eupa-
ra mor bem. Ainda que para Viuer no mudo,me debruo
doutro pano,por não parecer euruja entre pardais, far
çedome hum para fer outroJendo outro para fer hum:
nus a dor dtfíimulada dara [eu fruito, que a tnsie\a
no cor açãoJ?e como a tráÇa no pano: & por tão trijle
tne 'tenho, que fejentijje alegria, de trijle naoyiuiria,
!forque a talforte vim,que não Vejo ban algu em quan
to Vejo/jue não naceopara mtmjur por não Jenúr ne-
nhum,nenhum defejo.forque corjas impofíiueis he me
lhor eJqiiecdiU tjue defejalas. E por ijfo,
Sò trifteza ver queria
Pois minha ventura quer
Quefòeila U
Conheça pof ãtegríâ;
E que fe outra quifer^
Morra por ella.
Touco fabe da trifte^a quem{ Jem rtmediopara ella)
dt^ 40 trijle que Je alegre!?ok não yé que alhos cotu
K • Untar
De Luis deCamões..ijp
tentamcntos a hum coração defcontente}não lhe mm**
deando o que fentejhe dobrão q que padece Vosfe Vem
a mão efperarm dc mimpalaurhihosjueiradas,enfor^
cadas de bcs propofitosfPois de [enganamos que defque
profejjci trijle^ajuinca maisfoubejugar a*outro fito*
E porq não digais q nao fougete fora do meu bairro,
Vedes Vai bua Voltafeita a efe mo te?q efcolhina mana
da dos egeitados.E cudo q não he tão dedo queimado}q
nãofejíi dos q elrl{ey mãdou chamar:o qual falia afíh
N a o quero, não quefo
íubão amarelo»

Se de negro for _ ,r
Também me parece,,
Quanto m aborrece ;
T o d a a alegre cor:
C o r que moftra dor
Quero, Sc não quero
IuJbáo amarelo*
fiareceuos q fe pode di^er mau> nao me reffondaii
quemgabara a noiuaforque ajfentai quefo) comidop
^ fazendo,ou afoprando7que não he tão pequena abi
lida de E porque vos não pareça que foy mais acertar,
que querelo fa^er: Vedes Vay outra do mefnojaeç com
santo quefe nao V*t a pafmar.
$1 Pcí^
Cartas
Perdigão perdeo a pena.»
N ã o ha mal que lhe não venha.

E m hum mal 011 tro começa


Que niinqua vem fò nenhum;
E o trifte que tem hum,
A fofrer outro s'offereca:
E f ò pello ver conheça,
Que baila hum íb que tenha^
Para que outro lhe venha.
Que graça fera ejperardes de mim propofítos em cou£
fas q os mo tempera comigo, pois ainda q queira,nao
pojjo o que quero* que hum fentido remontado de não
por pé em ramo Verde,tudo lhe fucede afíi:& cada hã
acòde ao que lhe mais doy.E mais euqueoquèmais me
entrijlece he contentamento ter, poisfujo deite,que mi
nlSalma o aborrece}que lhe lembra que he virtude de
Viuer fem elle. forque jafabeis que magoa he Veloasp
&não o paparas fPor fugir deffes inconuenientes».
Toda a coufa defcontente
Contentarme fàconuinha
D e meu goíto,
Que o mal de que fou doente^
Sua mais certa mezinha
He defgoíío. -
;
v • h
De Luís de Camões,
la muirieis di^er,,Mouro o que mo podes ancrjdo pel
li tua alma. 0 mal fem r entedio,o mais certo que tem,
èefa^er da neceftuhde Virtude: quanto mais fe tudo
ião pouco durãycomo o pajjado prazer. forq em fim,
J!legados fon iguales Jos que bine por fm manos,{se
jíefle propifito,pouco musfiH menosJe fi^erão buas
fyolt-u a bum mote dencbemão,q dispor fua arte
han lo,mais que não defi>o {que toda a galantaria he
maia donde fenao ejpera) o qual crede, que tem mais
.que roer do que bum praguento: Por tanto recuerde ei
alma adormida,isrmande efcumar o entendimento,que
doutra maneira,De fuera dormiredespajhr^jcç, E c
meu fenljor di^afâo
Daualhe o vento no chapeíraô
Quer dè, quer n a ã
B e m o pode reuoluer
Que o venço não tras.raais fruieo
E mais vento he fent r muiro^
O que em fim,fim a de ten
O melhor^ he melhor íer,
Q u e o vento no chapeiraô^
Quer lhe dè, quer n a ã
Hua coufa jabei de mm,q quem antes o bem do ma%
que q mal do l ê}porq muito mais fejente o por Vir,qQ
paJJ^kE a morte até matar/nata, Nãojeife jereU
b] marco,
Cartas
mär Cã de voar tão alto? porque para tomar a palha ã
tfta rndterhí, [ao necçffarias afas de nebri ? Mas Vos
fois homem de prol, defcalpame a conta em quejm
unho. E a que de mim Vos [et dar he.
Que efperança me deípede,
Tnfteza naò me fallece,
E tudo o mais m'aborrece*
Ia que mais naó mereceo
Minha eftrella,
So a trifteza conheço,
Pois que para mim naíceo,
E eu para ella,
No mundo não te boa for te,fenao quem tem por ha a
q tem.E daqui me Vem cotentarme de triße.Mas olhai
de que maneira viuo aßi ao reues , tomando por certa
Vida,certa morte}com que folgo em q me pes, pois mi*
nha forte he feruida,de tal forte. Hua coufa fabei, q
o mal inda que às Ve >es o Vejais louuar,não ha quem o
lo une com a boca,que
JI o não tache com o coração
. •

Ajudame afofrer,
Vida taó fem fbfrimenco,
E raò fem vida:
Ver que em fim,fim a de ter
D e f g r f t o , & contentamento
Hua medida.
jften*
De Luis de Camões. . ijp
Atentai que nao fad maos confeitos de enforcado para
os que eftiío com o baraço na garganta judar q o bem,
& o mal ainda quefíjao di ferentes na vida, fao con-
formes na morte: porque Vemos que mo ha üo alta for
te,nem Ventura tadfubida, ou defflrada,a quem nao
ãfopre a morte,nao fopre o fogo da vida, A feti fim to-
das as coufas Vao correndo.Nem ha coifa a que o tepo
nao confnmma}nem vida que deft tantoprefuma, que
fe nao Veja nada,cm fe Vendo, que ornais certo que te~
mos,he nada termos certo, cã na terra ,pois para fem
naõ nafcemosffe o fu nos da incerto,nada erra6 Quero
ms dar conta de hum Soneto fem pernas, que fefe^a
hum certo recontro, quefe teue com efle definidor de
bõspropofitos, £ r nao fe acabou, porque fe teuep®r
mal empregada a obra!Qujo teor he o feguinte*
f o r ç o u m c Amor hum dia que jugaíTe
Deu as cartas,& doures leuantou,
E fem refpeitar mão,logo trunfou,
Cudando que o metal q u e m enganaíTe,
Dizendo,pois trunfou,que triunfafle
A hüa. cota douros que jugou;
E u entaó por burlar quem me burlou*
Três paos juguei: & difle que ganhafle*

frincipes de condição$iinda que o fejao de fangm,


H M
Cartâs
fio mais cnfaãonlw que pobreza,fa^em com fuafu
dc [(THtâ/om que lhe cauemos, fidalguias de fem auès:
onde nsd ha rgo úopúrade, que não tenha algua er
nilhacs. Li íateis que b- fia bum [ride roim}p:ra dir
quefallar a híi conuemoTrs coufiu nio fe f'rfre fem
difeordia. ( ompmhia,namorar,mandar vdlaÕ roim
fobre coufa de {eu intereffe. Não fe pode ter padecia
com quem quer que lhe façad o que não fn^pejaguar
deámentos de boa4 obras Jeftruem a vontade para nao
fa^elLts a amigo, que tem mais conta com o wtereffe$
que com a amizade,re%ai delle q he dos ca nomeados0
Grande trabalho he querer fa^er alegre roflo,qua
do o coração eftã trifle: pano he q não toma nuncci he
f/la tintafq a lua recebe a claridade do foi, ísr o roflo
do coraçdò.Nada da quem naídà honra no q daJSia.fr
Um que aguardecer,quê no, q recebe a mo recebe:por-
que bem compradoVai/> que com dia fe copra. Nada
fe da de graça,o que fe pede muito. Efta wio que rtãú
tem hüa Vida,tem mui Us.Onde a ra^ao fegmerna pel
la Vontade,ha muito que praguejar,i? pouco que Ion-
itar.. Nenhüa coufa. howeya os bornes tanto confíg0,
como males de quefe não guardar ao,paleado, Não bã
alma fem corpo, que tantos corpos faça fem almas/o-
mo ejle purga tório,a que chamais honra, donde muitas
Ve^es osfamescudão fieaganbh?ahi a perdem, £?/*=>
di
De Luis cie Camões, f^y
de ha !')({arnhadepem a pode âtíèr em cefi
gwl (onuerfa rã o. rBvnnn receo o engano, quem cm
mau o que lhe dt^em/j o que Vw, Agora ou fe a de Vu
* tier no mundo /em verdade ycu com Verdade [em mudo.
E para multo pontual perguntai lhe donde Vcm-Vereis
que algo úeneen el cuerpo que te duele. Hora h mpe«
ta-me la e/la gaita yque nê afsi, nem afi achareis meo
real de defeanfo neflávidayella nos tratta fomente co-
mo atheos de fi/scom razão >poisfomente nos he dada
fo^'a ganharmos nella, o que fabemos: fe fe gafa ma!
gofãdajuntanüte com perdela>nos perdemos. Em fim
ejla minha fenhora,fendo a coufa porq mais fademos,
he a mais fraca alfaya de que nos fruímos. Efe que
remos Ver quão breue heponderemosVejamos, que
ganhamos em viuer, os que meemos: veremos que não
ganhamos fenão algum bem façerfe o fa^emoLEpor
que refeitando, que opor Vir talfera, enthefouremos,
porque nao fabemos, quando a morte nos pedira , que
Ihe-paguemos, £{imea yi coifa mais pam lembrar
menos lembrada, que a morte,fendo mau aborrecida
que a Verdade, tem fe em menos conta que a virtude;
Mas com, tudo com feupenf amento, quando lhe Vem a
Vontade a carreta mil penf amentos V ah,que tudo pa-
ra com ella he hum lume de palha*. Njenhüa couf anu
mck tato as medidas,para com efes que vimm a nm
Cartas
Bonança como eil a. Torque quando lhe menos lern£
bra,então Ihè arranca as amarras, dando com os cor-
coßa/s*fe Vem a mão com as almas no bfern%
que he bem roim guafalhado,
E pois todos ífto temos
INaò nos engane a riqueza
Porque tanto efmorecemos
E tm que vamos,
Ia que temos por certeza
Q u e quandg mais a queremos^
A deíxanm

Gaftamos em alcançala
A vida,& quando queremos
Vfat deüa?
, N o s tira a morte lograla
. Àlsi QLje a Deps perdemos^
E a efia.
Tor queja ouuirieis di^er ninho feitojpega morta. Qu$
me diteis ao contentamento do mundo, que toda a du«
ra delle eftd em quanto fe alcançai porque acabado de
p a f f ar, acabado de efquecer, E com ra^ao,porque a^
ca lado de alcaçar he paff ido^mayor faudade deixa9
do que he o contentamento que deu, EJperai por mefa
m.q ll?e quero dar hm palamnlm de propofito*
Mun^
De Luís de Camões,
M u n d o fe te conhecemos
Porque tanto defejamos^
Teus enganos?
E fe aísi tc queremos^
M u y fem caufa nos queixamos
D e teus danos.

T u não enganas ninguedl


Pois a quem te defejar^
Vemos que danas^
Se te querem qual te vemj
Se te querem enganar^
Ninguém enganas,

Vejãofe os bcs que tiuerao


Os que mais em alcançarte
S e efmerarao^
Que hüs vincado, não viueraô
E outros fò com deixarte^
Defcanfarão,

Se efta tao clara fc


T e aclara teus enganos^
Defengana,
Sobejamente mal vc^
Caríàs 1
0jsem com tantos deíenganos
Se engana.

Mas como tu fempre morei


K o engano em que andamos
E que vemos,
N a ó cremoso que tu podes*
Senaó o que defejamos
E queremos«

Nada te pode eílímar


Quem bem quiíer conheccrte,
Eeftimarre,
£ u e em te perder^ou ganhai
O mais fcguro ganharte
He perderce.
»

E quem em v determina
Deícanfo poder achar
Saiba que erra;
£ u e fendo a alma díuini
N a ó a pode defcaníat :
N a d a da terra,

Kâícemos pata morrer!


ü c Luis de Camões* • ipp
Morremos para ter vida
E m ti morrendo^
O mais certo he merecer
N o s a vida conhecida
:
Cáviuendo»

. E m fim mundo,es eftalagem


E m que potifaó noflas vidas
Decorrida*
D e ti leüaó de paflfajem
Ser bem, ou mal recebidas
? 3
N a outra vida. h i
,• ' t i• J
jffueaa afuera Rodrigo, que eufe muito for por efe
caminho,darei em enfadonho. jíinda que me pareceja
\ me não liurarãpreuiíegio de cidadão do Torto. Epois
me vedo a vos fofreime com meus encargos. Eporque
não digais que [ou hereje de Amorjty q lhe não fet ora
ções:Vedes Vay hüafDi Juan de q muriofâlartcom bii
pê a Tortugueft/jróutro aCaftelhanafir naõyos e f '
pauteis da libre,que eu em qualquer palmo defamate
ria perco o norte. E os fupricantes di^em afíu
Di,íuan, de que murio Blas,
Tan niíio, y tan mal logrado? ,*
Gil murio de defamado>
Díme
Cartas
Dime luan, quien le engano
Que con amor le engaíuífe
Penfando que el bien haíiaíTe,
Adonde el mal áerco hallò*
Defpues que el engano vio
Que hizo defengaiíado?
Gil moriode deíàmado,
;
).- - í „•

T a u o u com elle pendença


E m ter razão confiado
M a s amor c o m o he letrado,
Ou lie contr elle a lentenç^
E co aquella differenca
DuTe entre íi o coi tado,
Gil morreo de d eíairjad o.

Quem iem r^zao tão cerrada


Q u e não faiba, fendo rudo
E fem refpeito,
Que fem Deoshe tudo nada,
E nada com elle tudo
Sem defeito?

E fendo ifto tao certo,


C o m o todo confeífamos,
De Luis deCamões..ijp
E fabemos,
N ã o demos pello incerto
O em que tão certo eftamos
Pois o vemos.
•jítudo ifto podeis reJJjonder,íj todos morremos do mal
de fhaetão,porq dei dicho al hecho,Vagran trecho. E
de faber as coufas/srpajfarpor ellas,ha mais differen
ça,q de confolar a Jer confolado: mas aßt entrou o mu
do/sr aß ha de fair, muitos a reprendei o, & poucos a
emendalo. E com iffo amainopejando effas poder ofas
mãos bua quatrinqua deVe^es, cujayida <y reueren*,
dißma pcffoa,noffo S e n h o r ;

Zombaria que fez fobre algús homes a que


não íabia mal o vinho: fingindo,, que em
Goa nas feitas que fe fizeraó afoceíTaó de
hum goueniador, fairao a jtigar as canas
eíles cercos galantes coui diuiias nas ban-
deiras, & letras conformes fuas tensões,&
; ví
inclinacôes. . . ^ V
E hu q bebia exceßuametite tirou pôr diuifa hu Mor
ctgo,aue em q foy conuertida Aleitboe co as irmãs,por
dejf repare osficrificiosde !Baco.E como aquelle q fe
em tal erro çaij]e,m qriafer emertido em ta baixo a-
nm u/ytã nòjofojdt^ia afua letra aßemCafiäham
Cartas
Si yo dcfobedeciere < S>
A tu deidad fanfta v pura^
E n almudes mi figura. »
Jdgus pragnentos quiferad di^er, que efta letra trà
maliciofa,ir que não queria di^er tanto, que defeja/r
eflegalante defer mudado em al,como defejaua almu
des defle licor Mas he muito grande falfidade,que fen
do a letra aftifeitayt cafo acertou de fairaquella pa*
laura com q motbaua as fuas,quê tirana a diuifa. Do
q o mocentè autor de/poisficoupara fe enforcar. Mas
outro galante que defino bêbado ja paffaua os limites
do bom,ir coftwmdo beber, tirou por bua diuifa büâ
palmeira aruore,que entre os antigos fignificaua Vitto
ria,ir aopè delia algüs ramos de vides, ir de parres*
tas pifadas, cr di^ia a letra afju
Ficai vencidas fcm gloria -
Vos vides, & vos parreiras;
Porque os ramos das palmeiràs,
Sao os que tem a vittoiia.
Também aqui não faltarão praguentas, quequiferm
di^er,o vinho q efle denoto deixando ja atras deVortU
gal,cometia com Valerofo a nim o: Orra cas, ir Fr. llu, te
do em pouco Caparicas,ir Seixau. Mas quem ha que
fuja de mãslingoàsUu de mal coflumadas gargfntail
Outro galante a quemfaçta mal ao eflamago beber
QVte
De Luis de Camões. . ijp
õ Vinho aguado,tirou por ãuifa hua peça de chama k
te fem aguoas,que lhe aprefentaua Deos Saccoi&dL
%ja a letra como por parte do me/mo Sacco,
Sem aguoas, lènho^kuayo
Se for bom,
Que las aguas de Moncayo
Frias fon*
jíqm nao tíuerão praguentos que di^er, por fer opU
mão defifica, ferem melhores os mantimentosfimples$
que compojlos.
Outro que no beber lançaua a barra,inda mais a*
km que os acima efcritos, tirou por diuifa hua falman
dria,paffeando por cima de huas bra^s defogoj&a
letra âi^ia.
En eí tu ego bíuo yo,
Mas o pintor errando as letras acertou de por. D-efuê
gola beuoyo. Donde os praguentos quiferão adiuh
nhar, que efie galante bebia Orraca de fogo, 0 demo«*
wiofoyfa^er tal erro,para dellefayr tamanho acerto.
Outro denoto,que defque eftaua quente,di^ia dos com-
panheiros quaefquer que fo f f em,o quede cada hum fã
hia fem rejpeko: tirou por diuifa hum demoninhãdo9
lançando os olhos em aluo/fcumando, úr apontando
€om o dedo para hum frafeo de vinho,i^di^ia a letra*
S e faliar d e m a f i a d o
c Náo
Cartas
N ã o mo tachem^porque em fim
Aquella alma falia em mim.
Sendo até qui introduzidos os religiofos de ©acco$
pedirão dons doutra religião}que tambe os deixa ffèm
jugar as canas,Cr que elles tirarão taldiuifa,com que
fe tiraffe a limpo fua abilidade:Cr fendo entrados am
bosjuntos por certa conformidade,queauia entre am»
bos,trouxerão pintados nas bandeiras, cada hum feu
far de pombas: Cr di^ia a letra„
Se como vos hahi par,
Vos o podereis julgar.
Certo que ate qui chegou a malícia dos homes,porque
tão futilmente quiferão interpetrar a innocencia d(fia
letra,eme tomarão a derradeira jillaba da primeira re
gra, çr ajuntarad na com "aprimeira da derradeira,
que Vem a di^erpanw, Cr differao que juntosfignU
jücauão ifjo aquelles dons inocentes. Malpeccado tão
errada anda a maldade humana,que logo tem por par
nos aos quefaiem pouco*
Outro home entrou também por ademícta nas cor
nas,o qual di^em que tinha partes marauilhofas, por*
que era tão perfeito emfuas coufas,queo feu comer a*
ma de fer o melhor temperado,Cr mais fuaue do mnn~
do. E os feus Veflidos erão fernpre dos mais finosjHi-
nos,<sr fetins que fe podejfem defcnbrtr: Cr efta per-
feição
De Luis de Camões. . ijp
feicao die nos amores amiúdes fe lhe eßendii/Por
que com os amigos fempre tinha futile^as de conuerft
tao^com as amigas humfingirspie queria o que na§
queria.Eem fim ate nojugar \faua daquellas manhass
todas as que para ganhar erao necejfarm. E tinha
mais hum reues da fortuna recebido}que felha eflendia
defde a ponta do n iri^ ate bua orelha. Efie fenhor ti
roa por diuifii bua cam fa toda [atirada de pontinhos
Uuor antigoa letra difta aßt,
Pontos de honrado,& fefudo
Sempre na vida quis ter,
Apontado no viuer,
Apontado mais que tudo
E m meu veftir,& comer;
Pontos futis no meu gofto^
Mais futis no conuerfar
Tanto me vim apontar.
Q u e apontado trago o rofto£
E as cartas para jugar*
\r ' o r <•* r #0*,?
Muitos outros bornes illujlres quiferao fer admitidos
wfioA fefi.vs/jrcan.is/jrque fe fizera memoria dellesp
conforme fuás cahdides, mas infinita efcripturafora,
fegüdo todos os bornes da índiafidoafônalados/jr por
ifioefie, b afiem, pirafierniremde amofira do que ha
ms mais, F I 1 S.
cz TA-
T A B O A Dy A-
S O N E T O S .

,jf' jflma minha gentil que te part [fie, f


Aquella trifie & leda madrugada,. 7
jílegres campos perdes aruoredos. if
Amor coa fperancaja perdida. 11
Apollojkr as noueMufas difcantando* i|
Jfpartauafe Nife de Montano, , 14
yímor que ogefa humano rialma efcreue», j
Amor he hum fogo que ardefemfe Ver.. 21
Aquella fera humana que enriquecev ip
^fperfeição?agraça o docegeito„ 2^
jfquella que de pura cajlidade., 24
® T>ufca amor nouas artesjiouo engenho. 4
©ra fel amor que he certo o que receo* 20
minha enemiga em cuja mão» $
(forno fi^efie Torcia talferida. 16
Comgrandes ejperancas ja cantei* t
C0///0 quando do mar tempeftuofo» 21:
Conuerfacão domefica afeiçoa. > 22
;D Vocês lembranças da paffadagloria* 5
De Vof aparto o TSLymphas em tal mudança.6
Depois de tantos dias malgafados, 14
De tão diuino accentojtsr Vo^ humana. 16
Debaixo defa pedra efia metido.. 16
•0>

T A 3 O Á O Ar '
fjamie hua kyíeihora de queremos. 18
De(pois que quU amor que eu [o pajfajje» i
Ditojn [eja aquel!e que fomente; jp
Vos illuflres antigos que deixarão. i%
B Em qu ano quis fortuna que tiuejfe. i
Eu cantarei de amor tão docemente. ibidem.
Em flor Vos arrancou de então crecida. 4
Efpanta crecer tanto o Crocodilo, 6
Em fermof i Letbea [e confia„ 7
: Eftafe a Trimauera trafladando. S
: Efla o lofáuodoce pajjarinho. S
£ w prijoe.í baixasfoy hum tempo atado9
Esforço grande igual ao penjamento, 2|
F Fermo/os olhos que na idade nofîa, 10
. Fermofura do ceo a nosdecida, 17
Ferido [em ter cura perecia, ' 17
Fiou[e o coraçãode muito ifento, ,
l ot ja num tempo doce eoufa aman • t%
G Gr m tempo ha que /oube da Vent ura. îl
H H an mouer Solhos brando <sr piadof®t p
I L a (audo/a auroradfloucaua, 18
Lmdo tsr [util trançado que ficafie, u
Lembranças laudo/as [ecudats, 14
Ledàfermtdadt deleito/a. to
€ I Afofe
TABOADA/
M Malet que contra mim Vos conjurafies. J
Muda efe os tempos mudacfe as Vontades» 15
2S[ Num jardim adornado de Verdura. 4
<: Num bofque que das Nymphas fe habitam. 6
i 2\aopaffes caminhante>quem me chama« 10
Nay a das Vos que os rios babitaes*
ÍS(a metade do ceofubido ardia. .18
0 tempo que de amor viuerfcya. %
• Tfo mundo quis hum tempo que fe ackaffe» 23
Np mundo poucos a nnos,tsr can fados. 26
0 Os ^eynos/sr os Impérios poder of os. 6
• O fogo que na branda cera ardia. * a8
: 0 cifne quando [ente fer chegada. n
v ] 0 comofe me alonga de anno em anno,
0 culto diuinal fe celebram. 20
4
Ondados fios de ouro reluzente. « ~ 22
: Os vejTidos Elifareuoima, * 25
i 0 quam car orne cujl a o entenderte. < 25
': 0 rayo crijlallino fe efiendia. • 2f
4
P Tajfopor meus trabalhos tad if en to* £
1 (pedeme o defejo dama que Vos Veja„ 8
n Cerque quereis fenhora que ojfmça, ?
.mFeitos eflrenios raros que moftrou. < 12
(pois meus olhos não canfao de chorar- 17
f- ,- <Pé;Í-
TABOADA.
; i Teu/amentos que agora nouamntc. 24
Q Qjtem Ve fenhora claro & manifefío. 5
I Quando da bella Vtjía <jrÂoce rifo, ibidem.
; Qjimdo ofoi enwbtrto Yg mo/Irando. \ p
( Quantas Ve^es do fufo fe efqueda, a
;, Quando Vejo que meu deftino ordena. 14
Q mm ja ^ nogrmfipiikbro que defcreue. 15
pode Ihm fer gentil fenfara, \á
l Vençaií no Orknte tantos %eys. 17
Quando de minhas magoas a comprida» ;
Quem foffe acompanhado jmtamráe^ % 10
Que leuas cruel morte? c/^ro 2!
Que poderei do mundo ja querer. 24.
Qi^ we querei perpetua4f mdades. 2á
Quem quiser Ver de amor büa excellencia» 27
^ k ja que minha confiança. i
5> Vo/ / m f i w/«/** eJJ>erança9 7
& tó annos de pajlor lacob feruia» 8
Se tanta pena tenho merecida, p
Se algüa hora em Vos a piedade.
A cow teo mal me trata.
. Soeiros inflamados que cantai ip>
& pena por amaruosfe merece. 21
& tomar minha pena em penitencia,
S
r ^ Y ^ " Í4 " Í
TABOADA.
Se deff ol$ dc efjieranca tão perdida. , lJ
T Tanto de meu (fiado me acho incerto, |
Transformate o amador na coufa amada. j
Todo animal da calma repoufaua. 4
Tomoume Vojfa Yifia foberana. 10
Tomam Deitam por Vingança. iz
Tempo heja que minba confiança. 15
F Voffos olhosfenhora que competem, v;- v;• 17
Z7erdade>amor, ra^ao,merecimento. \ a<$
Vos quede olhos[uaues^ferenos* 25
Vos Njmphaé da Gangetica effejjura* 27
Canções»
^ .yf infiabilidade da fortuna, tp
C Comforça defufada. 3 <5
F Vermofagentil dama quando Vejo,- - 27
I la aroxamenha clara, 31
limtodehum feco feroj&efleril monte* < • 42
Áf Mandante amor que cante docemente. y)
S Se eífe meupenfamento, - 34
T Tomey a trifle pena. - - • 4*
F Vaõ as ferenas agoas, ~ . -
Vinde cã meu tão certo fecretario^ > 45
Sexeína. • * '• i
•- .
F Fogeme pouco a pouç o a curtaVida* 6$
Odes
TABOADA
Odes, :
J - À quem clarão de pindo os moradores. 6t
Jqueile Vnico exemplo. >
Jqueile moçofero. - v ód>
D Vetem bum pouco Mufi o largo pranto. 50
F Fermofa fera humana. 56
i Fogem 04 neuesfrias»1 s > Ó4
Trunca manhafuaue. j • \ 58
5P Tode humdefejoimmenfo,
S Se de metipenfamento* 54
T Tíjõjuüuejão frefca,&- taüfermofa. 55
Elegias.
^ jfquella de amor def comedido, 74
0 OToetaSimonides falando. ép
0 Stdmonenfe
nfe Ouuidío deferrado, ^ 7^
Terceto.
Defyois que Maga Ih ah teue tecida. 78
Capitulo.
J. ^^//e wowr exceilente, 81
OicauaRima.:
woj Vo/Jíw hombros úo confiantes, 87
M :M<j ^Ito %ey a quém os ceos erti /arte,, 5?o
Q . Qjiem podejer no mundo úo fiteto,. 81
Edo-
ADA.V
Éclogas.
A Ao longo do ferem, lot
• A quem darei queixumes namoradas* 128
Ar u/l tea contenda de/ufada. • r^
f
Js doces cantilenU que cantando. 14 j
< Arde por galatbea branca7<jr loura, 15%
Cantando por hwnvaüe docemente. no
<P (Pajfado j.t algum tempo que psamwes* 114
Ü ÇLuegrande\hiriedddevwfii^endo,
i •)

l : Taboada das Rèdondilh^Motcs^Spar^


fas^ & Gíofas,
T' " JÍ Amorte pois quefóuVoffb. i/t
v • Júnior que todos offende. " 17 f
0 . A dor que mirdk, alm& fentç. 176
Amores de büa çafada, ° *77
AquelU cattiuJ, ?8jf
.Apartaúoje os meta éllffl*
Amor locoymor loco. 18®
jímorcujitproíiidenciã. '
' Q fronde cujo tllujlre peito. t
pampos bcmuenturados,
Qomfem rela, <sr fem leme. 16t\
f om\oJTo$ OUTOS Gonculuzs.
íoyfâ
TABOADA,
; ;\Í Coyfa de Beyrme. i ISS
.357 Dama de cf ranho primor* 160
• í/o^Cd ra que ardeis, 174
; fenhora porfentença, 174
De atormentado & perdido* *75
! DeJcalça Vay polaneue. V. 176
D'alma,<sr de quanto titten 177
$ pequena tomey amorV 178
' DeVutfros ojos centellas, 179
2)^ í/ewfrottwgowi raaL 179
De que me ferue fogir» 182
£ Enforquey minha eferança* 177
• E/f es alfinetes Vão. l8o
£/?e mundo es el canino. íóá
:: \Efconjuro te Domingas, 185
F Falfo camleiro ingrato. 178
Ha hum bem que chega foge* 182
Z la não poffo ftr contente.
>; lufa fne mi perdicion• .37?
Irme quiero madre.
M Mas porem a que cndados.
i - JWWVO fois meu enemigo. 1Ó4

Minha alma lembramos delta* 172


]
Meninafermofap^WM* 7J
T
i í 5
Menina dos olhos verdes, <vV ^ % ú6

r? Menina não fey diferi \ * ^ tti


Menina fermofa, ^ 15) o
Não e/léjaes agrauada^ • ^^
Nío /t;>' femeenganaEkna, ' " * ?.8i
0 Olhay que dura fentençá* ' 174
O/A0.Í yos mereci til
Oi bosyt fempre pajfar» * 1

T • Peçouos que me digais. ' 165


Pus o coracao nos olhos. 177
íPmmem olhos nua f unda. . 177
íP^rd qtie mèdaó tormentos, 179
• (Pois he mais vojjb que meu«, 18a
- *Pois me fa^dano olbaruos* tSt
íTofôbleesamicudado. , V
° Perguntaifme quem me mataf • i8|;
!Pequeno; contentamentos. 284
'Perdigão per de o a pena. 284
f Pois a t intas perdições. . 18$
Querendo efcreucr hum dii* - < ijB
fto mundo quiser fer* 17'é
/era culpa de nos* x V 17Ó
Quem ora fonbeffe^- • 4185
1
Quando me quer enganarv
T A B O A D A .
8 Sobre os rios que vão. 154
Sojfeitas que me quereis; i6i
Se deriuais de Verdade. 165
Se nao quereis padecer. Ï6Z

Se Voffa dama Vos da» \6 8


Sem Vos^ com meucudado 171
Sem Ventura he por demais 172
Senhorafe eu alcançaffe. 1Ó4
Senhora pois me chamais* 176
Se me leuao aguas. Ï8<S

Se de meu mal me contento„ 179


Saudade minha. 187
Senhora pois minha vida. 180
& n alma ^ no penfamento ^ 166
Sem Ventura he por demais; >72
alma Ver fe não pode. 185
Se me defta terra for. 184
Se Helena apartar. i8p
T Tendeme mão ndle* ipo
Trabalhos defcanfariao„ 170
Trtfle vida fe me ordena. 170
Tudo pode bua affeição» I7J
Trocay o cudado. i8 6
Todo es poco lo pofsible. 180
Vejo
TABOADA/
V Vejo n ahm pintada, 171
Ver>& mais guardar, 187
Vos fnhora tudo tendes.
Vida da minha a Ima« 188
Vede bem fe nos meus dias, 18o
Vos teneis mi cora con.
*
181
í7*:?}' 0 bem fugindo, ibidem*
Venccome amor não no negofl 18 ]
Fofjo bem querer fenbora, 184
Verdes fio os campos. ' . í Bp
Verdesfaò hortas. . iH^

F I 1 &

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