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PARTE 1

Uma introdução Apostólica

Irmãos, venho lembrar-vos o evangelho que vos anunciei, o


qual recebestes e no qual ainda perseverais; por ele também
sois salvos, se retiverdes a palavra tal como vo-la preguei, a
menos que tenhais crido em vão.
Antes de tudo, vos entreguei o que também recebi: que
Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras,
e que foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as
Escrituras.

— 1 Coríntios 15.1
CA P Í T U L O 1

Um Evangelho para Conhecer e Tornar Conhecido

Irmãos, quero lembrar-lhes o evangelho que lhes


preguei, o qual vocês receberam e no qual estão
firmes.
— 1 Coríntios 15.1

Um escritor ou pregador teria dificuldade para fazer uma introdução


melhor ao evangelho de Jesus Cristo que a do apóstolo Paulo à igreja de
Corinto1. Nessas poucas linhas, ele fornece verdade suficiente para
vivermos toda nossa vida e nos levar ao lar, na glória. Somente o Espírito
Santo poderia capacitar um homem para falar tanto, tão claramente e em
tão poucas palavras.

CONHECENDO O EVANGELHO

Nessa pequena porção da Escritura, encontramos a verdade que todos


precisamos redescobrir. O evangelho não é apenas uma mensagem
introdutória ao Cristianismo – ele é a mensagem do Cristianismo e o crente
faria bem em dar a sua vida na busca de conhecer a sua glória e torná-la
conhecida. Há muitas coisas a serem conhecidas neste mundo, e incontáveis
verdades a serem investigadas dentro da esfera do próprio Cristianismo; no
entanto, o glorioso evangelho de nosso bendito Deus e Seu Filho Jesus
Cristo está bem acima de todas elas2. Ele é a mensagem de nossa salvação, o
meio do nosso progresso rumo à santificação e a limpa fonte de onde flui
toda pura e correta motivação para a vida cristã. Ao crente que
compreendeu algo do seu conteúdo e caráter jamais faltará zelo ou ficará de
tal forma empobrecido que busque suas forças em cisternas rotas, sem água
e lavradas pela mão do homem3.
1 Coríntios 15.1 explica que o apóstolo já havia pregado o evangelho
para a igreja de Corinto. Na verdade, ele era o pai na fé deles4! Mesmo
assim, ele vê a necessidade máxima de continuar a lhes ensinar o evangelho
– não apenas para relembrá-los de seus ingredientes essenciais, mas
também para expandir o seu conhecimento sobre o evangelho. Em suas
conversões, eles apenas começaram uma jornada de descoberta que
abrangeria suas vidas inteiras e continuaria por eras intermináveis na
eternidade, descobrindo as glórias de Deus reveladas no evangelho de Jesus
Cristo.
Como pregadores e fiéis, seríamos sábios se víssemos, pelos olhos
deste antigo apóstolo, o evangelho com um novo frescor e o estimássemos
digno de uma vida de cuidadosa investigação. Porque, mesmo que já
tenhamos vivido muitos anos na fé, mesmo que tenhamos memorizado
cada texto bíblico com respeito ao evangelho, e mesmo que tenhamos
digerido toda publicação dos Pais da Igreja, dos Reformadores, dos
Puritanos e até dos estudiosos desta presente era, podemos estar certos de
que não alcançamos nem o sopé deste Everest que chamamos de evangelho.
Mesmo após uma eternidade de eternidades, o mesmo poderá ser dito
sobre nós!
Vivemos em um mundo que nos oferece quase um número infinito de
possibilidades e incontáveis opções que disputam a nossa atenção. O
mesmo pode ser dito do Cristianismo e a ampla gama de temas teológicos
que um homem pode gastar sua vida inteira examinando. Contudo, um
tema se eleva acima de todos e é fundamental para o entendimento de toda
outra verdade bíblica: o evangelho de Jesus Cristo. Através desta
mensagem singular, o poder de Deus se manifesta mais expressivamente na
igreja e na vida individual do crente.
Ao olharmos a história cristã, vemos homens e mulheres com uma
paixão excepcional para com Deus e Seu reino. Ansiamos ser como eles e
nos perguntamos como conseguiram ter um fogo tão duradouro. Depois de
uma avaliação cuidadosa de suas vidas, doutrinas e ministérios,
encontramos que eles diferem em muitas coisas, mas que há um
denominador comum: eles capturaram um vislumbre da glória do
evangelho e a beleza deste acendeu suas paixões e os conduziu. Sua vida e o
seu legado provam que uma paixão genuína e duradoura vem de uma
compreensão cada vez maior e mais profunda daquilo que Deus fez pelo
Seu povo pela pessoa e pela obra de Jesus Cristo. Não há substitutos para
tal conhecimento! Em tempos idos, o evangelho cristão era
frequentemente referido como evangel, da palavra latina evangelium,
quesignifica evangelho ou boas novas5. É por essa razão que os crentes são
frequentemente referidos como evangélicos. Somos cristãos porque
encontramos nossa identidade, vida e propósito em Cristo. Somos
evangélicos porque cremos no evangelho e o estimamos como a verdade
central da revelação de Deus ao homem. Ele não é apenas um prefácio, uma
nota de rodapé, um adendo; ele não é uma mera classe introdutória ao
Cristianismo; ele é um curso inteiro de estudo. É a história de nossas vidas,
as riquezas insondáveis que buscamos explorar e a mensagem que vivemos
para proclamar. Por essa razão, somos mais cristãos e evangélicos quando o
evangelho de Jesus Cristo é a nossa única esperança, nossa única glória e
nossa única e magnífica obsessão.

Hoje, os evangélicos realizam tantas conferências, especialmente para os


nossos jovens, com a intenção de instigar a paixão do crente por meio da
comunhão, da música, de oradores eloquentes, histórias emotivas e apelos
comoventes. No entanto, qualquer que seja a empolgação criada, ela muitas
vezes desaparece rapidamente. No fim das contas, essas experiências
fomentam pequenos fogos em pequenos corações que se consomem em
poucos dias.
Nós nos esquecemos de que uma paixão genuína e duradoura nasce do
conhecimento da verdade, e especificamente da verdade do evangelho.
Quanto mais você conhecer ou compreender sua beleza, mais será tomado
pelo seu poder. Um vislumbre do evangelho moverá o coração
verdadeiramente regenerado a prosseguir. Cada maior vislumbre acelerará
o ritmo até que a pessoa esteja correndo incansavelmente em direção ao
prêmio6. O coração verdadeiramente cristão não pode resistir a tal beleza.
Essa é a grande necessidade do dia! É o que perdemos e precisamos
recuperar – uma paixão por conhecer o evangelho e uma igual paixão por
torná- lo conhecido.

TORNANDO O EVANGELHO CONHECIDO

O apóstolo Paulo foi um dos maiores instrumentos humanos para o


reino de Deus na história da humanidade e na história da redenção. Ele foi
responsável pela propagação do evangelho por todo Império Romano
durante um período de perseguição quase inigualável, sendo um excelente
exemplo do que significa ser um ministro cristão. No entanto, ele realizou
tudo isso por meio da simples proclamação da mensagem mais escandalosa
que já alcançou os ouvidos dos homens. Paulo era um homem
excepcionalmente capacitado, especialmente com respeito a seu intelecto e
zelo. Contudo, ele mesmo nos ensinou que o poder do seu ministério não
repousava em seus dons, mas na fidelidade da proclamação do evangelho.
Em sua primeira carta aos coríntios, Paulo escreve este grande aviso:
“Porque não me enviou Cristo para batizar, mas para pregar o evangelho;
não com sabedoria de palavra, para que se não anule a cruz de Cristo...
Porque tanto os judeus pedem sinais, como os gregos buscam
sabedoria; mas nós pregamos a Cristo crucificado, escândalo para os judeus,
loucura para os gentios; mas para os que foram chamados, tanto judeus
como gregos, pregamos a Cristo, poder de Deus e sabedoria de Deus.”7
O apóstolo Paulo era, acima de tudo, um pregador. Como Jeremias antes
dele, ele foi obrigado a pregar. O evangelho era como um fogo ardente,
encerrado nos seus ossos, que ele não conseguia conter8. Aos coríntios, ele
declarou: “Cri, por isso falei”9, e também: “Ai de mim se não pregar o
evangelho!”10 Essa grande estima pelo evangelho e pela sua pregação não
pode ser dissimulada quando não existe no coração do pregador e não pode
ser escondida quando existe.
Deus chama todo tipo de homens para carregar o fardo da mensagem
do evangelho. Alguns são mais solenes e graves, já outros mais alegres e
joviais. No entanto, quando a conversa é sobre o evangelho, uma mudança
vem sobre o semblante de um pregador e é como se estivesse diante
de nós uma pessoa completamente diferente. A eternidade está estampada
em seu rosto, o véu fora removido e a glória do evangelho brilha com uma
paixão genuína. Tal homem tem pouco tempo para histórias fantásticas,
antídotos morais ou pensamentos de seu coração. Ele veio para pregar, e
pregar ele deve! Ele não pode descansar até que o povo tenha ouvido de
Deus. Se o servo de Abraão não podia comer até que entregasse a
mensagem do seu mestre Abraão111, quão menos o pregador do evangelho
pode se desleixar até que tenha entregado o tesouro do evangelho a
ele confiaado12!
Embora poucos discordem com o que temos dito até agora, parece que,
para a maioria, tal pregação apaixonada está fora de moda. Muitos diriam
que ela não tem o requinte e a sofisticação que são necessários para sermos
eficazes na modernidade. O homem pós-moderno, que prefere um pouco
mais de “humildade” e de abertura com outros pontos de vista, considera
um pregador apaixonado que proclama a verdade com coragem e sem ser
evasivo como um entrave. O argumento da maioria é que devemos
simplesmente mudar nossa maneira de pregar, pois ela parece tola para o
mundo.
Tal atitude com relação à pregação é a prova de que perdemos nosso
rumo na comunidade evangélica. Foi Deus quem designou a “loucura da
pregação” para ser o instrumento que leva a mensagem de salvação do
evangelho ao mundo13. Isso não quer dizer que a pregação deva ser tola,
ilógica, ou estranha. No entanto, a Escritura é o padrão para toda a
pregação, e não as opiniões contemporâneas de uma cultura decaída e
corrupta que é sábia aos seus próprios olhos e que prefere ter suas orelhas
agradadas e seu coração entretido em vez de ouvir a Palavra do Senhor14.
O apóstolo Paulo pregou o evangelho em todos os lugares por onde ele
viajou, e faríamos bem em seguir o seu exemplo. Embora o evangelho possa
ser compartilhado por muitos meios, não há um que seja tão ordenado por
Deus como a pregação. Portanto, àqueles que estão constantemente
buscando formas inovadoras de comunicar o evangelho para uma nova
plateia15, faria bem começar e terminar uma pesquisa nas Escrituras. Os que
enviam milhares de questionários perguntando aos não convertidos o que
mais desejam em um culto devem perceber que dez mil opiniões unânimes
de homens carnais não carregam a autoridade de um “i” ou “til” da
Palavra de Deus16.
Devemos entender que há um grande abismo de diferenças
irreconciliáveis entre o que Deus ordenou nas Escrituras e o que a atual cultura
carnal deseja.
Não devemos nos surpreender que homens carnais, tanto dentro como
fora da igreja, desejem teatro, música e mídia no lugar da pregação do
evangelho e da exposição bíblica. Até que Deus regenere o coração de um
homem, esse responderá ao evangelho da mesma forma que os demônios
do gadareno se dirigiram ao Senhor Jesus Cristo: “Que temos nós contigo,
Filho de Deus!”17. O homem carnal não pode ter nenhum verdadeiro
interesse ou apreço pelo evangelho à parte da obra regeneradora do
Espírito Santo. E, no entanto, esse milagre acontece no coração humano por
meio da pregação do evangelho que, a princípio, ele desdenha. Portanto,
devemos pregar a homens carnais a própria mensagem que não desejam
ouvir, esperando que o Espírito aja! Se isso, os pecadores podem ver
beleza no evangelho tanto quanto um porco pode achar valor em
pérolas, ou um cão pode mostrar reverência ante uma carne santificada, ou
um cego pode apreciar um quadro de Rembrandt18. Pregadores fazem um
desserviço a homens carnais dando-lhes aquilo que seus corações caídos
desejam, mas lhes servem de fato quando colocam verdadeiro alimento
diante deles, até que, pela obra milagrosa do Espírito Santo, eles
reconheçam tal alimento pelo que realmente é e o provem, reconhecendo
que o Senhor é bom19.
Antes de concluirmos esta breve discussão sobre a pregação do
evangelho, devemos abordar uma última questão. Alguns teorizam que
nossa atual cultura não consegue tolerar o tipo de pregação que foi tão
efetiva durante os grandes despertamentos e avivamentos do passado. A
pregação de Jonathan Edwards, George Whitefield, Charles Spurgeon e
outros pregadores similares seria ridicularizada, satirizada e zombada com
desprezo pelo homem moderno. No entanto, essa teoria falha em considerar
que, mesmo naqueles dias, homens ridicularizavam e satirizavam esses
pregadores! A verdadeira pregação do evangelho sempre será loucura para
qualquer cultura. Qualquer tentativa de remover a ofensa e tornar a
pregação “apropriada” diminui o poder do evangelho. Isso também
defrauda o propósito pelo qual Deus escolheu a pregação para ser o meio
de salvar os homens – que a esperança do homem não repousasse sobre o
refinamento, a eloquência ou a sabedoria humana, mas sobre o poder de
Deus.
Vivemos em uma cultura presa pelo pecado como que por barras de
ferro. Histórias morais, máximas fantásticas e lições de vida compartilhadas
do fundo do coração de um amado animador de auditório ou treinador de
vida espiritual não têm poder real contra tal escuridão. Precisamos de
pregadores do evangelho de Jesus Cristo que conheçam as Escrituras e, pela
graça de Deus, enfrentem qualquer cultura clamando: “Assim diz o
Senhor!”

1 - 1 Coríntios 15.1-4

2 - 1 Timóteo 1.11

3- Jeremias 2.13; 4.3

4 - 1 Coríntios 4.15

5- N.T.: Essa explicação decorre do fato de que, em inglês, o termo comumente traduzido como
evangelho é “gospel”.

6 - Filipenses 3.13-14

7 - 1 Coríntios 1.17-24

8 - Jeremias 20.9

9 - 2 Coríntios 4.13 Almeida Atualiza

10 - 1 Coríntios 9.16

11 - Gênesis 24.33

12 - Gálatas 2.7; 1 Tessalonicenses 2.4; 1 Timóteo 1.11; 6.20; 2 Timóteo 1.14; Tito 1.3
13 - 1 Coríntios 1.21

14 - Romanos 1.22; 2 Timóteo 4.3

15 - N.T.: O termo utilizado em inglês, “seeker”, se refere a igrejas nos EUA conhecidas como “seeker-
sensitive”, igrejas onde o culto é organizado para agradar os participantes, seguindo suas opiniões.

16 - Mateus 5.18

17 - Mateus 8.29

18 - Mateus 7.6

19 - Isaías 55.1-2; Salmos 34.8

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