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Dados Internacionais de C atalogação na Publicação (C IP )

Angélica llacqua C R B -8 /7 0 5 7

Dicionário de ciência da religião /organizado por Frank Usarski, Alfredo


Teixeira, João Décio Passos. - São Paulo: Paulinas; Loyola; Paulus: 2022.
920 p.

Bibliografia
ISBN 978-65-5808-118-0 (Paulinas)
ISBN 978-65-5562-484-7 (Paulus)
ISBN 978-65-5504-159-0 (Loyola)

1. Religião e ciência - Dicionário I. Usarski, Frank II. Teixeira. Alfredo


Dl. Passos, João Décio
22-0683 CDD 215.03

índice para catálogo sistemático:


1. Religião e ciência : Dicionário

1* ediçáo - 2022

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INSTITUTO DE
PUC-SP ESTUDOS DE RELIGIÃO
PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS
EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO liltU iA U SIiO A -P O K T O
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&eus projetos travam, seja nas convergências para as e a formação da Europa: de 570 a 1215. Barueri: Amarilys,
íquaís atuam. Na vertente das ciências da religião, 2010; MAKARENKO, A. Livro dos pais. Lisboa: Horizonte
ieles permitem tirar duas conclusões. Pedagógico, 1981; ROUSSEAU, J.-J. Emílio. Mem Martins:
I A primeira é que as religiões cumprem minima- Europa-América, 1990.
|mente uma função social educativa, ainda que: a) A U p io C a sa l i
íportem uma narrativa acerca da ordem do mundo
.que insiste em considerá-lo como misterioso e ina-
icessível à explicação e compreensão imediata dos
fseres humanos e, em conseqüência, b) façam apelo
^predominantemente a emoções (medos, alegrias, EL ADE, MIRCEA
tristezas) e sentimentos, associados ao cultivo da
ísensibilidade no mantra, na oraçãoP, na músicaP, Mircea Eliade (pronuncia-se como “Mirtchia
no canto e na dança; c) cultivem práticas ritualísticas Eliaadê” / IFA: ‘mirtjea eli’ade) foi um dos grandes
-de tipo mágico, buscando satisfações imediatas a in- autores da Ciência da ReligiãoP no século XX, que
íteresses pessoais do sujeito; e d) apelem à obediência ajudou a fortalecer e disseminar mundialmente a
do crente no cumprimento de suas obrigações, mais corrente teórica conhecida como “Fenomenologia
do que inteligência na sua tomada de decisões. da ReligiãoP clássica”. Nas últimas décadas vem
A segunda é que as religiões podem cumprir sofrendo muitas críticas, mas ainda tem grande
maximamente uma função social educativa, sempre prestigio na América Latina; entretanto, suas ideias
que: a) portam uma narrativa acerca da ordem do são cada vez menos usadas internacionalmente em
mundo, a qual, ainda que seja cientificamente língua inglesa.
inexplicável na sua totalidade, é suficientemente Eliade nasceu na capital da Romênia, Bucareste,
(existencialmente) compreensível e aceitável, e em 1907. Sua família era de tradição cristã-ortodoxa,
atualizam continuamente sua doutrina de modo a formada basicamente por sua mãe, Joana Stoenesco,
incorporar ao campo da “compreensão" as novas seu pai Ghéorghé Eliade e dois irmãos. O pai de
“explicações” oferecidas pelas ciências para os Eliade seguiu a carreira militar, e mesmo a condição
fenômenos naturais e culturais implicados em sua econômica humilde de sua família não o impediu de
narrativa; b) convocam as funções superiores cog­ se interessar pelos estudos desde cedo.
nitivas dos sujeitos para os situarem no mundo de Por um lado, era orgulhoso de ser romeno, afinan­
modo maximamente integral e coerente com relação do-se com posições nacionalistas mais autoritárias,
a esses mesmos mistérios do mundo, até mesmo consideradas de “direita" Com a política romena,
especificamente com relação aos objetos naturais, porém, tinha uma relação complexa, assumindo
aos seres vivos, aos outros sujeitos, e aos seus or­ posições e militâncias políticas controversas que o
denamentos históricos e culturais; c) oferecem uma levaram a ser preso - este é um dos temas mais polê­
micos de sua biografia. Por outro lado, foi fortemente
ordem regulatória para as condutas dos sujeitos, a
cosmopolita, tendo não só conhecido vários países,
qual implica a sua responsabilidade, uma vez que
aprendido diversas línguas, culturas e religiões, como
essa ordem envolve o exercício (e supõe o desenvol­
também era contra atitudes “provincianas".
vimento interminável) da consciênciaP cognitiva e
Sua primeira formação, tanto intelectual como
moral, da liberdade e da vontade e aponta para as
pessoal, ocorreu em seu país natal. Entre os muitos
conseqüências das ações individuais e coletivas; d)
romances que publicou, a extensa maioria foi escrita
em conseqüência, promovem o desenvolvimento
em romeno. Escreveu um livro que sintetiza a história
da autonomia do sujeito e a formação e o desen­
da Romênia e que, curiosamente, tinha o público
volvimento de comunidades (de fé, aprendizagem,
português como alvo: Os romenos - Latinos do Oriente.
culto e ação); e tanto mais o fazem quanto mais sua
Eliade teve dois casamentos: o primeiro com Nina
teologiaP, doutrina, pastoral e liturgiaP proverem
Maresh, de 1934 até o falecimento dela em 1944; e
elaborações referenciais e compreensivas para a ação
o segundo com Christinel Cottescu, em 1950.
pessoal e comunitária junto a instituições, da mais
Além desse aspecto mais nacional e familiar,
próxima e imediata - a familiar - até a mais ampla,
Eliade também conta com uma série de aventuras
mediata e complexa - a política mundial.
em outras culturas. Por motivos acadêmicos viajou
à Itália em 1927 e no ano seguinte foi à índia, que
Bibliografia: BADIOU, A. São Paulo. São Paulo: Boitempo, estava ainda sob administração colonial britânica,
2009; COMÊNIO, J. A. Didactica Magna: tratado da arte onde ficou até 1931. Lá, além de estudos filosóficos
universal de ensinar tudo a todos. Lisboa: Calouste Gul- e lingüísticos, praticou ioga no ashram (centro de
benkian, 1985; EUADE, M. Tratado de História das Religiões. prática) de swami Shivananda, seu mestre. Na década
Lisboa: Cosmos, 1977; KANT.I .Sobre a pedagogia. Piracicaba: de 1930, após um momento mais político da sua
Unimep, 1996; KÜNG, H. Religiões do mundo: em busca de vida, mas também dos primeiros livros acadêmicos,
pontos comuns. Campinas: Verus, 2004; LEWIS, D. L. O Islã foi nomeado adido cultural da embaixada romena
ELIADE, MIRCEA

em Londres, em 1940. Em seguida foi transferido língua francesa e participou ativamente do Circuit,
para Lisboa e viveu em Portugal até 1945. Eranos. Após apresentar cursos na Êcole des
De 1945 a 1956 viveu em Paris, momento de Études da Sorbonne, a pedido de Georges Dm
muita produção textual e de encontros com diversos ziip, se tom ou professor. Em 1956-1957 mini
eruditos, sobretudo no Circulo de Eranos. Em 1956 se cursos e palestras nos EUA, incluindo as HasM
mudou para Chicago, nos EUA. Neste pais adquiriu Lectures (“Conferências Haskell”) na Universidffl
nova cidadania, lá permanecendo até sua morteP de Chicago. Após a morteP do cientista da relii
em 1986. Foi nessas duas últimas fases que mais Joaquim Wach, que o convidou, o substituiu coi
viajou, produziu e conheceu as últimas amizades professor e chefe do departamento de Ciênciaíd-i
(Guimarães, 2000; Kitagawa, 2005; Rennie, 2005; ReligiãoP [History o f Religions], Ficou em Chicago'
Redyson, 2011). até seu falecimento em 1986, onde produziu mais
I. Da Filosofia à Ciência da Religião. A forma­obras acadêmicas, com destaque para a organizai
ção intelectual de Eliade como um todo pode ser da Enciclopédia de Religião, e consagrou sua carre|
resumida em uma trajetória que começa na filosofia As duas últimas fases, de 1945 até 1986, co]
europeia, passando pela filosofia indiana, orientalis- tituem uma parte mais amadurecida, de ascei
mo, história, literatura, politica, até culminar na área estabilidade e reconhecimento acadêmico. Chego*
acadêmica que mais o consagrou, a Ciência da Reli­ ganhar títulos de doutor honoris causa em universii
giãoP. Podemos dividir didaticamente em dois tipos des dos EUA, México, Argentina e San Salvador. Ali
de formação: a institucional e a autodidata via livros. de publicar inúmeros textos próprios, organizi
Sua formação institucional acadêmica começa em livros, criou e editou revistas. É nesse período q u g i
1925, na Universidade de Bucareste, no curso de sua identidade profissional fica mais clara enquaifl
filosofia (europeia), com forte influência do professor cientista da religião, já que foi nessa área acadêmii
Nae lonesco. Formou-se em 1928, concluindo com específica em que mais se engajou, destacando-se <3§
um trabalho sobre filosofia da Renascença italiana. forma paradigmática (Guimarães, 2000; Kitagai
Nos anos seguintes, entre 1928 e 1931, estudou 2005; Mendonça, 2015; Redyson, 2011).
filosofias indianas e sânscrito na Universidade Eliade sempre foi um intelectual complexo e r
de Calcutá, na Índia, sob tutela de Surcndranath livalente, entretanto, a maioria das suas obras deixi
Dasgupta (1887-1952), um bengali com formação explícito que estava inserido na tradição da Ciênctó
em Cambridge e autor da então famosa História da da ReligiãoP. Por exemplo, em O sagrado e o profam
filosofia indiana. De volta à Universidade de Bucareste, aborda brevemente a história da área e seus precuiá
doutora-se em filosofia em 1933, com tese sobre ioga, sores. Em Origens: história e sentido na religião, tece?
onde depois se tomou professor. um histórico comentado dessa área e discute novaí
Além deste percurso oficial, Eliade se interessou direções para cientistas da religião se destacaren£.
por diversos temas ao longo da vida, foi autodidata socialmente. Com Kitagawa organizou um livro sobre 'l l
em muitos assuntos e produziu sobre outros tantos. metodologias dessa disciplina em 1959.
Existiram várias referências extras para ele, desde a Sobre a nomenclatura normalmente usada p o ™
própria tradição espiritual/intelectual romena, psi­ Eliade, o próprio autor avisou - em especial na nota 1 »
cologia profunda de JungP, cientistas sociais como de Origens: história e sentido na religião - que traduzia"S
FrazerP e Durkheimp, até cientistas da religião como Religionswissenschaft como “História das ReligiõesP”. m
M. MúllerP e R. Petazzoni. Na busca por ler autores Mas a tradução mais correspondente seria C iê n c ia »
e fontes tão variadas, aprendeu cerca de uma dezena da ReligiãoP, em português, e Science o f Religion, em M
de línguas: romeno, italiano, francês, alemão, inglês, inglês - termo original do fundador Max MúllerP )i
sânscrito, pali, parsi, bengalês, português e hebraico. (1823-1900). Sabendo da dificuldade e até da reiei-,||
Sua carreira acadêmica pode ser pensada em ção, principalmente em culturas de língua in g lesa,^
quatro fases: a romena, a portuguesa, a francesa e a de ver estudos humanos como “ciência", optou por .$|
estadunidense. A primeira fase vai das suas primeiras usar o termo “história" (Mendonça, 2015, p. 21).
leituras e publicações, desde adolescente, até 1940, Isso ocorreu na contramão da tendência de tradu- 'm
e é marcada pela escrita em romeno. Nas primeiras ções como Comparative Religion Religious Studies e até js|
viagens, livros (sobretudo de romances) e artigos Study o f Religions, mais comuns em inglês. E também S
começam a circular na Europa. Alguns livros desse o termo Historian o f Religions [Historiador(a) das re- w
momento passaram a ser publicados só recentemen­ ligiões] se tornou a tradução comum de Eliade para J j
te, mostrando gostos intelectuais singulares, como se referir aos estudantes da Religionswissenschaft. No
seu encanto pela poesia portuguesa, especialmente Brasil, tais acadêmicos e profissionais sâo chamados W
de Camões, e sua admiração pelo ditador Salazar, de “cientistas da religião”.
retratado no livro Salazar e a revolução em Portugal Eliade também busca enfatizar o termo “história"
em 1942. com o objetivo de ressaltar que se trata de uma jg
Na França, entre 1945 e 1956, adquiriu renome tradição acadêmica que preza pela historicidade do
internacional, escreveu muitos livros e artigos em seu objeto e se afasta de concepções teológicas, e, W Í
V
lo mesmo motivo, enfatiza a pluralidade do que intitulado na versão revisada e expandida em inglês:
se estuda; por isso, o plural em “religiões”. Contu­ Padrões em religião com parada] (1949) - escrito na
do, a semântica do termo “história" frequentemente sua fase de vida na França, é uma obra seminal em
.onfunde leitores desavisados da tradição intelectual que expõe seus principais conceitos teóricos; Mito
rópria da Ciência da ReligiãoP, à qual Eliade per- do eterno retorno (1949) - uma reflexão sobre a
ence e defendeu enquanto uma ciência autônoma. questão do tempo nas sociedades, das que chama de
| Nesse sentido, agrupamos suas obras-chave con- “arcaicas” até as modernas, dividindo entre as que
orme a lógica própria da Ciência da ReligiãoP, a qual veem o mundo de forma cíclica e as que o veem de
o próprio Eliade reconhecia estar fazendo, ou seja, forma linear ou histórica; Imagens e símbolos (1952)
com a complementaridade entre as duas subáreas tra­ - reunião de ensaios de simbologia comparada das
dicionais: (1) estudos mais específicos, histórico-em- religiões, numa perspectiva bastante generalista e
íricos, de cada religião, chamados de História das trans-histórica ou a-histórica; O sagrado e o profano
ligiões ou, mais recentemente, Ciência da Religião (1956) - uma apresentação da forma como este au­
Empírica; (2) e sistematizações dos dados religiosos tor entende a Ciência da ReligiãoP e seu objeto de
da humanidade, em sentido teórico, conhecida como estudos; História das Religiões: ensaios em metodologia
Fenomenologia da ReligiãoP, Religiões Comparadas e, [na referência espanhola, Metodologia da História das
tualmente, Ciência da Religião Sistemática. Religiões] (1959) - é uma reunião de ensaios meto­
Sobre a subárea 1 é interessante notar que Eliade dológicos em Ciência da ReligiãoP, com tendência
só realizou pesquisas de campo pessoalmente sobre claramente fenomenológica, coorganizado co m j. Ki­
tradições indianas, especificamente ioga. Mesmo tagawa; Mito e realidade [Aspectos do mito, na tradução
outros temas que o interessaram desde cedo, como portuguesa] (1963) - obra introdutória sobre a sua
alquimiaP, foram estudados empiricamente somente visão de mito e a relação deste com outras dimensões;
de forma documental-textual. Em geral, quando Origens. História e sentido na religião (1969) - os pri­
fazia estudos sobre religiões específicas, se baseava meiros capítulos são uma visão histórica, metateórica
em obras de especialistas e relatos de viajantes ou e da função de cientistas da religião no mundo atual.
missionários - ou seja, em fontes secundárias e até Acima se optou por mencionar somente obras
terciárias. Segue uma lista comentada: Enciclopédia mais centrais e exemplares de seus trabalhos em
de Religião, dezesseis volumes (1987) - editada por Ciência da ReligiãoP. Para listas mais completas,
Eliade em inglês, foi publicada postumamente, ver Handoca (1997-1999; 200 7 ), Garcia (2003),
contando com onze artigos. Foi reeditada e amplia­ Redyson (2011) e Mendonça (2015). Importante
da sob direção de L. Jones em 2005, inclusive em ressaltar que Eliade gravou seu legado com estudos
formato virtual (e-book); História das crençasP e das grandes, “de fôlego”, que impressionam pela sua
ideias religiosas, três volumes (1976-1983) - versão erudição. Uma questão metodológica que sustentou
mais aprofundada e cronológica do surgimento e tais feitos foi sua prática consciente de sempre fazer
desenvolvimento das religiões em escala mundial, revisões bibliográficas mais completas e atualizadas.
da “Idade da Pedra” até a “Idade das reformas”; Extraía sempre o estado da questão dessas revisões e
Dicionário das Religiões (1989) - escrito com Ioan as agrupava sistematicamente conforme uma lógica
Couliano, é uma versão póstuma e reduzida das generalizadora, pautada por uma visão particular da
duas obras anteriores, feita para ser um guia para hermenêuticaP fenomenológica (Guimarães, 2000,
leitores não especialistas; Yoga. Ensaio sobre a origem p. 264-270).
da mística indiana (1936); Técnicas do yoga (1948); Estudiosos do pensamento eliadiano chamam a
Yoga: imortalidade e liberdade (1954); e Patanjali e o atenção para várias referências que marcaram Eliade.
yoga (1962) - estes quatro livros, somados a outros Segue um breve apontamento das mesmas: pensa­
textos menores, são o resultado dos seus estudos mento e teologiaP cristão-ortodoxos; nacionalismo
nas e sobre culturas “indianas”. Trata-se das poucas romeno conservador ou de direita, especialmente
obras de Eliade escritas como especialista; Religiões da filosofia de N. Ionesco; filosofia humanista e
australianas: uma introdução (1971) - resultado de espiritual da Renascença italiana; filosofias indianas,
quase uma década de leituras de fontes secundárias especialmente, escolas de Tantra e Ioga; psicologia
e de textos de especialistas. de JungP; teologiaP de O ttoP; romantismo alemão;
A subárea 2 é entendida por Eliade como busca fenomenologia de Husserl, Bachelard, Heidegger
por estruturas e morfologias próprias das religiões e DiltheyP; tradicionalismo metafísico de C. Co-
- ou “experiências do sagradoP” - , vistas compara­ dreanu, J. Evola e A. Coomaraswamy; e dos cientistas
tivamente. A maior parte dos seus textos próprios da da religião R. Petazzoni, G. Dumézilp, J. Wach e G.
Ciência da ReligiãoP foi escrita nessa perspectiva, e van der LeeuwP.
são os que ganharam maior notoriedade acadêmica, Diante de toda essa bagagem intelectual, Eliade
e até social, de modo geral, com ideias que serão criou uma síntese pessoal que deve ser vista como
tratadas a seguir. Segue uma breve lista de obras da sistêmica, ou de conceitos interdependentes. A
subárea 2: Tratado de História das Religiões [também seguir, um resumo das categorias que estruturaram
EUADE, MIRCEA

seu pensamento através dos escritos acadêmicos, Coincidência opositorum (do latim: “comcidêfj^gl
conform e seus com entadores (R ennie, 2 0 0 6 ). dos opostos") é uma categoria retirada do ren^gi
Sendo autoproclamado “generalista” ou “cientista centista N. de Cusa e usada por Eliade como mjia"
sistemático das religiões”, utilizou categorias que categoria da estrutura-padrão presente em rm toáS
buscavam sistematizar a vastidão de matérias so­ todo o mundo, em que há uma harmonizaçã^^ f
bre religiões para encontrar sistemas de sentido. elementos dicotômicos, simbolizando a unidadei^
Entendia que, assim, iria decifrar seus significados “Todo”. Tal discurso está presente nos mitos. M w f j
mais profundos. para Eliade, contam histórias sagradas e estão sermj3j|j
Três categorias interligadas estão na base do siste­ conectados com narrativas de ações feitas em um
ma eliadiano. A primeira seria a noção de (1) sagrado/ tempo primordial, do “princípio”, de uma criaçâJSs
sacred, que no livro Origens Eliade afirma ser uma Seria, para religiosos, a verdade por excelência.Sj
“estrutura da consciênciaP humana”, ou seja, uma Várias noções sobre tempo compactuam nestejes- '
visão de mundo que dá sentido e realidade a coisas quema teórico. O Homo religiosusP crê e passa p orijls
antes sem significado, ou profanas. Isso significa que tos que reatualizam um illud tempus (do latim: “aqueifri
tal categoria deve mais à tradição de É. Durkheiràp tempo", isto é, um tempo sagrado, heterogêneo em
do que o próprio Eliade admitia, ainda que haja relação ao tempo histórico profanoP). Para Eliadej
explícita referência ao Sagrado/Holy, em maiúsculo, mentalidade “arcaica”, eminentemente religiosa,:fez_
da hermenêuticaP fenomenológica de R. OttoP. O constante menção a momentos antigos, de criaçãjjS
sagradoP eliadiano é a relação entre o valor que hu­ do mundo - mitos cosmogônicos - in ilio tempntB
manos dão ao objeto de devoção e o que reflete desse (“naquele tempo"). Para religiosos, além do temp£'|
objeto na psique humana (Rennie, 1996, p. 20-21). profanoP há o tempo sagrado, sempre reversível ou'?
A segunda categoria-chave seria (2) hierofania, retomável ritualmente, sendo, então, tempos cícliccIS
um neologismo derivado do grego - literalmente: Para os modernos, só há o tempo histórico, lineaja
“expressão do sagrado". Eliade cunhou o termo encadeando um terror da história: consciênciaP <|n
para ser amplo, abarcando várias possibilidades de situação trágica humana do passar do tempo.
expressão através da dialética “sagrado/profanoP", Sobre religiões e a forma que deveriam ser estuli
tanto nos vários objetos, tempos, povos, como dadas, defendia que religiões deveriam ser estudadas!
até em variação de intensidade ou nitidez. Assim, em seu próprio plano de referência, o “religioso! i
qualquer “experiência do sagradoP” - entendida sendo autônomas em relação a outros fenômenos^B
como vivência criadora ou atribuidora de sentido, sociais, psicológicos, econômicos, lingüísticos, f is io -»
que toma algo mais real - seria uma hierofania. Isso lógicos, mesmo que inseridos em contextos históri-JM
frequentemente é resumido na seguinte fórmula: o cos. Se religiãoP é algo particular ou suigenerisP, sua ®
sagradoP se manifesta no profanoP. ciência e métodoP de estudo também deveriam ser.9
Partindo das formulações anteriores, Eliade Assim, Eliade defendia que a Ciência da ReligiãoP é~|í
mostra que, assim como o ser humano pode ser uma disciplina autônoma. Na obra Origens, defendeu W
visto como Homo faber, o ser que cria, também é que cientistas da religião, de um lado, deveriam ter J
(3) Homo religiosusp, ou seja, a condição humana é maiores intercâmbios com outras áreas, e, de outro W
constituída também pela experiência religiosap ou lado, devenam conhecer mais sobre a perspectiva da W
“do sagradoP”. Eliade vê o ser humano, de modo uni­ sua própria área específica, bem como sobre religiões U
versal, como religioso, e sempre buscou mostrar isso asiáticas e do mundo “primitivo”.
com descrições de culturas “arcaicas”, “primitivas", Também advogava o projeto de um novo huma- ■
pré-modernas ou tradicionais, afirmando, opositiva- nismo que combatesse o provincianismo europeu e m
mente, que os modernos são, por definição, os que norte-americano, sobretudo da sua filosofia, e a crise 3
negam essa dimensão experiencial, os não religiosos. moral da Modernidade. Clamava por um conheci- M
Seja como variações, fundamentações ou con­ mento mais amplo do saber humano mundial, in- 1
seqüências dos termos anteriores, várias categorias cluindo experiências “do sagradoP”, que revestiriam J
compõem a constelação do pensamento eliadiano. sentido ao “homem moderno” (Rennie, 1996; 2006; 3
Sím bolos, para ele, são sempre religiosos, pois Guimarães, 2000; Mendonça, 2015; Redyson, 2011). «
revelam estruturas reais do mundo, sendo também II. Repercussão das ideias de Eliade no mundo a
polivalentes e universais. Existem normalmente e no Brasil. Sobre o recebimento das obras de Eliade, f,
dentro de um simbolismo, sistema de símbolos. ele escrevia pensando, sobretudo, em não especia- ^
Inspirado em JungP, mas diferente dele, a noção de listas, ao mesmo tempo em que evitava excesso de 3
arquétiposP seria uma base existencial profunda de didatismo. Isso deixou sua escrita muito envolvente. 1
cada símbolo e serviria como critério de tipologia/ Por outro lado, ao longo dos últimos cinqüenta 'jt
classificação dos fenômenos religiosos pelo cientista anos tem sido bastante criticado, não somente pelas 1
da religião. Para Eliade, o simbolismo e os arquéti­ posições políticas pró-autoritarismo como também j
posP fazem parte da riqueza da vida interior humana por vários pontos considerados frágeis ou exagerados i
chamada de imaginação. em seus trabalhos.
III. O impacto do “programa eliadiano” na malmente de posição mais empirista ou historicista e
'ência da Religião. Cruz (20 1 3 , p. 38-3 9 ) ar- a favor de teorias explicativas—é de entender a forma
~"aenta que há um “programa eliadiano” para a como Eliade pensou e fez ciência como inadequada
jncia da ReligiãoP, o qual é resumido em cinco em várias dimensões. Segue um resumo do debate
^ítos: (1) o objeto dessa ciência são as hierofa- nascido nos anos 1970.
s ao longo da história e em todo o lugar, com Em termos metodológicos, a crítica recai sobre
ecial atenção ao simbolismo e aos arquétiposP o uso indevido de dados, de que Eliade utiliza
*tontrados em documentos; (2) é a Ciência da Re- fontes primárias e secundárias como se fossem a
jieiãoP a responsável por direito para integrar todo mesma coisa, e que foi pouco criterioso na escolha
jipaterial religioso academicamente, sendo outras de alguns documentos. A falta de material empírico
' ciplinas apenas auxílios para essa principal; (3) a comprobatório de suas teorias também é afirmada,
*menclatura que mais usou, História das ReligiõesP, mostrando que Eliade mostrava mais uma série de
je tornou uma forte referência, sendo que muitas fatos avulsos do que uma demonstração empírica.
-'ociações, inclusive a mundial, utilizam-na (por O mais pesado de todos os comentários é de que
exemplo, 1AHR - A ssociação Internacional para a a forma como Eliade sistematiza e apresenta sua
istória das Religiões)-, (4) sobre a particularidade pesquisa não é testável ou falseável empiricamente
jlíi generisP da Ciência da ReligiãoP, acrescenta-se (no sentido dado por K. Popper). No máximo, é
que é um empreendimento científico mais interpre- verificável, mas de maneira muito dependente da
tivo; e (5) requer um domínio enciclopédico que interpretaçãoP do seu leitor.
tegre todos os resultados de pesquisas específicas Suas interpretações também são vistas como uma
sobre religiões, generalização excessiva que não respeita o contexto
í Esse programa se tornou paradigmático inter- de significação de símbolos e mitos por parte dos
acionalmente, com foco na América do Norte, agentes religiosos. Além disso, sua visão um tanto
refletindo até hoje da A cadem ia A m erican a de a priori de arquétiposP não explica e não dá voz
Religião. Ressaltamos que os pontos 1 e 4 foram a quem utiliza narrativas e símbolos religiosos. É
^especialmente abraçados, tanto mundialmente como apontado pejorativamente como um “Frazer do sé­
no Brasil, sobretudo com bases fenomenológicas de culo XX”, por ter certa fixação com o que chamava
interpretaçãoP. Houve toda uma rede de autores de povos “primitivos/arcaicos” e cometer os mesmos
unidos, de alguma maneira, pela visão eliadiana, erros do autor do século XIX.
•como, por exemplo, D. Allen, G. Allen, I. Couliano, Suas teorias são frequentemente vistas como
G. DumézilP, R. Gross, E H eilerP.J. Kitagawa, W tendo forte teor esotérico, místico e, principalmente,
Smith, A. Terrin e, no Brasil, L. Dreher, A. Guima­ criptoteológico (teologiaP implícita). Em especial,
rães, A. Mendonça, E Possebon, C. Rohden etc. O sua noção de “sagrado”, por mais que autoafirmada
ponto 5 fundamentou uma série de livros, coleções, como parte da consciênciaP humana, transparece
revistas, departam entos e cursos, fomentando a muitos leitores como uma espécie de teologiaP
estudos comparativos de viés eliadiano em todo secularizada. E, pior, a dialética sagradoP/profanoP,
o mundo. Até mesmo abrange outras áreas, como sendo própria do contexto cristão, é taxada de ser
Filosofia, História, Literatura e Psicologia, e todo usada como referência etnocêntrica para ler outras
o tipo de autores, obras ou simplesmente curiosos culturas. Sua teoria de que toda cultura “arcaica" tem
não especialistas. O aspecto 3 também norteou no­ uma visão de mundo cíclica, além de denunciada
menclaturas em todo o mundo, incluindo o Brasil, como descuidadamente universalista, é apontada
como o caso da ABHR - Associação Brasileira de por especialistas como equivocada no que tange à
História das Religiões. variedade de tradições mundiais.
Infelizmente, o ponto 2 ainda não obteve a meta Por fim, sua escrita é qualificada por muitos como
desejada em muitos países, algo já percebido pelo fortemente ambígua. Se por um lado sabemos que
próprio Eliade. Ele reivindicou atitudes mais ousa­ em partes isso foi proposital, visto que Eliade mirava
das e autônomas por parte de cientistas da religião também públicos não especialistas, por outro lado
em seu livro Origens, pensando numa articulação isso é fruto inconsciente da sua trajetória intelec­
que diminuísse os riscos de extinção da sua disci­ tual. A Ciência da ReligiãoP pode ser descrita como
plina. No entanto, muitos críticos perceberam as nascida de mentalidade universalista do movimento
ideias eliadianas mais atrapalhando a soberania da iluminista, mas também de outros movimentos que
Ciência da ReligiãoP do que a ajudando (McCut- buscavam entender as singularidades de “outras"
cheon, 1997). culturas - do ponto de vista europeu.
Sobre críticas relacionadas a questões pessoais Eliade, como muitos autores provenientes deste
ou políticas, boas sínteses estão em Rennie (1996; contexto, carregava em si essa ambigüidade, o
2006), Guimarães (2000), Cruz (2013), e bons ar­ que explica a disputa sobre se ele considerava a
gumentos são levantados por McCutcheon (1997) e historicidade ou se era a-histórico - outro ataque
Gasbarro (2013). A tendência geral dos críticos - nor­ muito freqüente. Ele considerava a seu modo a
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historicidade dos fenômenos religiosos, mas era ÊM ICO/ÉTICO


abertamente contra visões historicistas em geral, e
sobre as religiões, especificamente. Assim, optava I. Etimologia. Êmico: sufixo do inglês phonr
por herm enêuticasP fenom enológicas que, em Ético: sufixo do inglês phonetic.
muitos sentidos, guardam também as ambigüidades II. Form ulação do conceito. Êmico/ético sào
do contexto sócio-histórico referido. No caso da oriundos dos estudos de Kenneth Pike (1 9 12-200QÍÍ*
corrente teórica da Fenomenologia da ReligiãoP em que na década de 1950 articulava os conceitos fonéll
que Eliade se alocava, havia também a ambigüidade mica e fonética com pesquisas lingüísticas. Enquant»'!
específica entre visão acadêmica secular e visão teo­ a fonêmica é entendida como o estudo do significadá’!
lógica - ponto que é muito lembrado hoje. lingüístico, a fonética é entendida como o estudo dos
No que tange ao Brasil, tais críticas chegaram sons de uma língua. A fonêmica é construída tendiJi
tarde, tendo sido conhecidas mais amplamente so­ como referência a perspectiva “de dentro”, pois sj
mente no século XXI. Assim como em toda a América ocupa dos significados lingüísticos do falante inves-|l
Latina, aqui Eliade continua com grande prestígio, tigado, enquanto a fonética é construída a partir da V
sendo um autor quase sempre citado em todos os perspectiva “de fora”, pois faz uso de técnicas quçlj
eventos, publicações e trabalhos finais em Ciência buscam, sobretudo, identificar os sons utilizados p elS !
da ReligiãoP, e em outras áreas quando estudam falante. Ao sistematizar o trabalho do antropólogw
religiões. Como afirma Rennie (2005), dada a im­ como observador participante, Pike identificará d u ^ S
portância de Eliade, todo cientista da religião deve diferentes posturas que serão derivadas conceituaíl*
passar pelo entendimento e pelas criticas a tal projeto mente do sufixo das palavras fonêmica e fo n é ticáí
em sua formação. Devemos ouvi-lo se quisermos as perspectivas êmica e ética (Erickson; Murphjt®
avançar/aprofundar nesta ciência. 2015, p. 154).
III. Perspectiva antropológica. Pike, ao s is t J S
Bib liog rafia: ALLEN, D. Myth and Religion in Mircea matizar os conceitos êmico e ético, os relaciona â íj
Eliade. New York: Routledge, 2002; CRUZ, E. R. Estatuto dois instrumentos do trabalho do antropólogo: a l
epistemológico da ciência da religião. In: PASSOS, J. D.;
participação e a observação. A participação, segunja
do Pike, seria de ordem êmica, pois seu objetivo t i
USARSKI, F, (Orgs.). Compêndio de ciência da religião. São
permitir aos antropólogos vivenciar o cotidiano dosfj
Paulo: Paulus/ Paulinas, 2013. p. 37-49; GARClA, J. A. H.
nativos, pensando e se comportando como eles, o 3
Bibliografia comentada de Mircea Eliade. Estúdios deAsia
que possibilitaria perceber os hábitos de determi-ji
y África, vol. 38, n. 1, 2003, p. 223-262; GASBARRO, N. M.
nada cultura na perspectiva dos próprios nativos.a
Fenomenologia da religião. In: PASSOS, J. D.; USARSKI, F.
A observação seria de ordem ética, pois mantêm
(Orgs.). Compêndio de ciência da religião. São Paulo: Paulus/
antropólogo em distanciamento. Cabe aqui a ressalva*
Paulinas, 2013. p. 75-113; GUIMARÃES, A. E. 0 sagrado e a de que ética em nada diz respeito à área da Filosofia J
história: fenômeno religioso e valorização da história à que estuda os valores e comportamento humanos, S
luz do anti-historicismo de Mircea Eliade. Porto Alegre: área muitas vezes também identificada com moral. 1
Edipucrs, 2000; HAN DOCA, M. Mircea Eliade. Biobibliografie, Pike entende que a abordagem êmica se constitui.3
l-IV. vol. 1-3: Bucurejti: Editura Jurnalul literar, 1997-1999; um avanço em métodosP antropológicos, pois, a o l
vol. 4: Bucureçti: Criterion Publishlng, 2007; KITAGAWA, interpretar determinada culturaP na perspectiva f
J. Eliade, Mircea (First edition, 1987). In: JONES, L. (Org.). dos nativos, se evita o etnocentrismoP (Erickson; a
Encyclopedia o f Religion. 2nd Ed. (ebook). New York, USA: Murphy, 2015, p. 155), próprio da interpretaçãoP |
MacMillan Reference, 2005. p. 2753-2757; McCUTCHEON, de determinada cultura, tendo como perspectiva os í
R. Manufacturing religion: The Discourse on Sui Generis parâmetros de uma outra.
Religion and the Politics of Nostalgia. Oxford: Oxford Na segunda metade do século XX, com o prota- 1
University Press, 1997; MENDONÇA, M. L. A História das gonismo de Marvin Harris (1927-2001), o m atéria-1
Religiões de Mircea Eliade: estatuto epistemológico, me­ lismo cultural busca imprimir maior cientificidade J
todologia e categorias fundamentais. Doutorado em à Antropologia. Suas bases metodológicas estão no |
Ciência da Religião. Juiz de Fora: UFJF, 2015; REDYSON, D. axioma de que as pessoas podem ser tanto sujeito 1
Introdução ao pensamento de Mircea Eliade. João Pessoa: como objeto da investigação cultural (Erickson; í
Editora Universitária - UFPB, 2011; RENNIE, B. (Ed.). Mircea Murphy, 2015, p. 166). Sendo assim, o antropólogo |
pode pesquisar tanto o outro como a sua própria I
Eliade: A Criticai Reader. London/Oakville: Equinox, 2006;
cultura. Para garantir um conhecimento crível, Harris
RENNIE, B. Mircea (Further considerations). In: JONES, L.
propõe dois critérios epistemológicos. O primeiro 'í
(Org.). Encyclopedia o f Religion. 2nd ed. (ebook). New York,
seria o estudo do domínio mental em contraponto )
USA: MacMillan Reference, 2005. p. 2757-2763; RENNIE, B.
ao comportamental, entendido o mental pelo que
Reconstructing Eliade. Making Sense of Religion. Albany,
elas pensam e o comportamental pelo que elas
NY: State University of New York Press, 1996.
fazem; o segundo seria o estudo do domínio êmico ;:
M ath eus O liv a d a C o sta em contraponto ao ético, sendo que o êmico per-

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