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  Revista  LIBERDADE  e  CIDADANIA  –  Ano  III  –  n.  12  –  abril  /  junho,  2011  –  www.flc.org.br  
 

RESENHA

Mircea Eliade –Tratado de história das


religiões (1919)
Por Antonio Pain *

São Paulo: Martins Fontes, 2010, 479 p.

Com a publicação do Tratado


de história das religiões, a Editora
Martins Fontes completa, de certa
forma, a divulgação do que se
considera seja a parcela central da
obra de Mircea Eliade (1907/1986).
Temos em vista o fato de constar de
seu catálogo O sagrado e o profano e
Dicionário das religiões.

Eliade coroa a trajetória


iniciada por William James
(1842/1910) na obra Variedades da
experiência religiosa, aparecida em
1902. Agora a investigação não mais
diz respeito ao que melhor poderia expressar aquilo a que corresponderia o
“outro mundo”. Volta-se para esclarecer o lugar que a dimensão religiosa ocupa
na constituição da pessoa humana. James classificou a massa de informações
disponíveis sobre a vivência religiosa em sua terra natal (Estados Unidos).
Indicou que a expressão de sua autenticidade encontrava-se no papel que viria a
desempenhar na vida de quem a tivesse experimentado. Em síntese, o objeto do
estudo passa a ser a experiência religiosa. O passo seguinte seria dado pelo
pensador alemão Rudolf Otto (1864/1937) ao publicar, em 1917, livro intitulado
Idéia do sagrado.
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A contribuição de Eliade cifra-se no estabelecimento de que a vivência


do sagrado situa-se entre os primeiros passos que a espécie humana empreenderia
no sentido de orientar-se no espaço circundante. E mais: que essa vivência irá
permear a formação da personalidade, vindo a ocupar lugar especial na maneira
pela qual iremos construindo referenciais, sem nos darmos conta. Associa a essa
experiência fundante o fato de que todos dispomos da reminiscência de espaços
mais significativos que outros (a experiência espacial que associamos aos
primeiros amores; a terra natal, etc.). O homem religioso tem horror à
homogeneidade do espaço profano. Perde ali o referencial. Assim, para o homem
religioso emerge a necessidade de encontrar o espaço sagrado. Eliade apresenta
exemplos edificantes da permanência, em nossa vida cotidiana, daquilo a que
corresponderiam as vivências primordiais da espécie humana.

Importa aqui salientar outra categoria fundamental a que recorre em sua


doutrina. Trata-se do termo hierofania.

Hierofante era o nome que designava, na Grécia Antiga, o sacerdote que


presidia aos mistérios de Elêusis, um dos cultos então praticados. Cumpria-lhe
anunciar o sagrado. Assim, a hierofania corresponde ao elemento a partir do
qual tem-se acesso à esfera do que seria o sagrado.

Eliade reuniu a documentação disponível acerca das mais expressivas


religiões existentes na obra História das crenças e das idéias religiosas, em três
volumes. A partir desse material, pode estabelecer o que se poderia denominar de
tipologia das hierofanias, isto é, dos elementos através dos quais certas
civilizações buscaram aproximar-se do sagrado.

O próprio Eliade explica deste modo o caminho escolhido: “A via que


seguimos, se não é a mais simples, é pelo menos a mais segura. Começamos a
nossa pesquisa pela exposição de algumas hierofanias cósmicas, o Céu, as
Águas, a Terra, as Pedras. Se escolhemos estas classes de hierofanias, não foi
porque as consideramos como as mais antigas (o problema histórico não se
coloca por enquanto) mas porque a sua descrição explica, por um lado, a dialética
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do sagrado e, por outro, as estruturas segundo as quais o sagrado se constitui. Por


exemplo, o exame das hierofanias aquáticas ou celestes prover-nos-á de um
material documental apto a levar-nos à compreensão: 1º) do sentido exato da
manifestação do sagrado nestes níveis cósmicos (o Céu e as águas); 2º) da
medida em que as hierofanias uranianas ou aquáticas constituem estruturas
autônomas, isto é, revelam uma série de modalidades complementares e
integráveis do sagrado. Passaremos em seguida às hierofanias biológicas (os
ritmos lunares, o Sol, a vegetação e a agricultura, a sexualidade, etc.), e
finalmente aos mitos e aos símbolos.”

O fato de que tenhamos escolhido que as instituições sociais sejam


estruturadas segundo princípios estritamente laicos não deveria significar que
devamos desvalorizar a dimensão do sagrado como constitutiva de nosso modo
de ser. A subestimação da dimensão religiosa levará inevitavelmente à
incapacidade de lidar com o sagrado. O mérito da cultura geral consiste
precisamente em permitir que saibamos colocar cada um dos seus componente
no lugar próprio.

Levando em conta que o nosso sistema de ensino não toma


conhecimento da cultura humanista, cumpre destacar a importância das edições
que a Martins Fontes tem patrocinado. Pelo menos torna acessível parte dos
textos básicos --constitutivos do que se convencionou chamar de cânon, isto é, as
obras básicas da cultura ocidental, entre as quais a presença de Eliade é
inquestionável.
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Mircea Eliade

Mircea Eliade nasceu na capital da


Romênia (Bucareste). Depois de adquirir formação
intelectual na pátria de origem e interessando-se
pelo estudo da religião, concluiu a Universidade de
Calcutá, na Índia, onde permaneceu de 1928 a
1931. Seus primeiros estudos, dedicados à religião
hindu, apareceram em 1935. Durante a guerra,
viveu em Lisboa, radicando-se em Paris, no pós-
guerra, onde seria professor na École des Hautes
Études. Finalmente, deu cursos e orientou teses na
Universidade de Chicago, nos Estados Unidos. Faleceu nessa última cidade.

Fonte

Revista LIBERDADE e CIDADANIA


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