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INTRODUÇÃO

O Opus Dei está organizado em duas seçóes: uma de homens e


outra de mulheres. As duas estão unidas na cabeça, isto é, no prelado
do Opus Dei e seus vigários nas diversas circunscriçóes. Por outro
lado, separam-se quando se trata do regime de governo, das atividades
coletivas —por exemplo, da formação espiritual das pessoas, inclusive
as casadas —e da gestão económica. Esta configuração torna necessário
o estudo simultâneo da açáo das pessoas de uma e de outra seção em
cada tempo e lugar, dando a cada qual o espaço necessário, de acordo
com suas características comuns e peculiares. Também levaremos em
conta elementos singulares, como o sacerdócio entre os homens, algu-
mas formas de cuidado pessoal no lar entre as mulheres, o fato de a
maioria de seus membros ser casada e a positiva evolução na liderança,
igualdade e complementaridade da mulher na sociedade.
Com relação à presença do sacerdócio e do laicato no Opus Dei,
analisaremoscomo surgiu e se desenvolveua cooperaçãoorgânica
entre os dois, reflexo da estrutura ordinária da Igreja, enraizada no
binómio constitucional entre o sacerdócio ministerial e o sacerdócio
comum; e, junto com a natureza institucional e hierárquica, apare-
cerá a índole familiar e comunitária da Obra. Também observaremos
que, do ponto de vista demográfico, organizacional e do alcance da
mensagem, a história do Opus Dei é, majoritariamente, um fenôme-
no laical.
Este livro teve sua origem durante um curso sobre a vida do fun-
dador do Opus Dei ministrado por José Luis González Gullón na
Pontifícia Universidade da Santa Cruz (Roma), no ano acadêmico de
2016-2017. Enquanto preparava as aulas, surgiu a ideia de transfor-
mar os apontamentos num livro que condensassea história da insti-
tuição fundada por Escrivá. Nesse momento, John Coverdale uniu-se
ao projeto. Em seguida, iniciou-se um longo processo de busca de
fontes e de encontros nas duas cidades onde residimos —Nova York e
Roma —,além de algumas viagens a regiões em que o Opus Dei se ex-
pandiu mais, como Argentina, Espanha, Filipinas e México. González
Gullón redigiu a história do Opus Dei durante os anos de Josemaria
Escrivá e de Javier Echevarría, ao passo que Coverdale compôs o pe-
ríodo de Álvaro del Portillo. Ambos os autores assinamos todo o livro,
pois cada um de nós revisou com profundidade o texto do outro e o
traduziu para seu idioma materno. No entanto, o leitor encontrará di- 13
A HISTÓRIA DO OPUS DEI

ferenças no modo de apresentar a história, pois procedemos de escolas


distintas. Pensamos que essa variedade enriquece a pesquisa.
A historiografia sobre o Opus Dei interessou-se sobretudo por
temas relacionados com a história social, cultural e política, como
o papel que desempenharam os membros da Obra na vida públi-
ca espanhola. Além disso, entre a morte de Josemaria Escrivá de
Balaguer (1975) e sua canonização (2002), alguns membros do
Opus Dei publicaram perfis, recordações e biografias do fundador,
em sua maioria com matizes hagiográficos. E, desde a criação do
Istituto Storico San Josemaria Escrivá (2001), apareceram livros e
artigos científicos e foram editadas fontes e biografias de pessoas
do Opus Dei. Grande parte dessas pesquisas cinge-se a espaços
concretos e utiliza cronologias que não ultrapassam as primeiras
três décadas da Obra.
Os aspectos espirituais da mensagem do Opus Dei —como é o
caso da consciência da filiação divina, da santificação do trabalho,
da unidade de vida do cristão, do matrimónio como vocação hu-
mana e divina e do espírito de serviço—foram se desenvolvendo
ao longo da história da Obra, tanto em sua compreensão como em
sua explicação e implantação. Pois bem: situar a continuidade e a
novidade do carisma do Opus Dei no contexto teológico, espiritual
e canónico dos últimos cem anos, ou o seu papel dentro das diversas
realidades que compõem a Igreja, são tarefas que vão além do objeto
do nosso livro. Em boa medida, ficam nas mãos dos especialistas
nessas matérias .
Talvez a principal dificuldade para contar com mais contribui-
çóes historiográficas sobre a Obra resida em que o Arquivo Geral da
Prelaziado Opus Dei (AGP) ainda não se encontra aberto à comu-
nidade académica. Neste sentido, agradecemos ao monsenhor Fer-

C) Do ponto de vista teológico e canónico, dois livros fundamentais são, respectivamente,


Pedro RODRIGUEZ, Fernando OCÁRIZe José Luis ILIANES,O Opus Dei na loja, Rei dos
Livros, Lisboa 1993, reimpressáo; e Amadeo de FUENMAYOR, Valentín GÓMEZ-IGI.ESIAS e
José Luis 11.1-ANES,
E/ itinerariojurídico de/ Opus Dei. Historiay defensade un carisma, EUN-
SA, Pamplona 1990, 4a ed. Sobre o Opus Dei dentro do contexto espiritual do século XX,
mencionamos os três volumes de Ernst BURKHART e Javier LóliEZ,Vidacotidianay santidad
en Ia enseñanza de san Josemaria, Estudio de teologiaespiritual, Rialp, Madri 2010-2013; e
Antonio ARANDA, E/ hecho teológicoy pastoral del Opus Dei. una indagación en Iasfuentes
14 fundacionales, EUNSA, Pamplona 2020.
INTRODUÇÃO

nando Ocáriz, prelado do Opus Dei, que acolheu a nossa proposta


de pesquisa e nos deu acesso à documentação. Ao mesmo tempo,
manifestamos nosso desejo de que se conclua o processo de catalo-
gaçáo do acervo documental, de modo a que todos os pesquisadores
interessados possam ter acesso a ele*.
O AGP é o arquivo mais importante para quem deseja conhecer
o Opus Dei. Guarda uma enorme riqueza documental. Em nosso
caso, utilizamos as fontes primárias que, segundo o nosso parecer, são
essenciais para abordar uma história geral; por exemplo, lemos as atas
dos congressos gerais, as visitas dos diretores da Obra aos organismos
regionais, as notas de governo, os documentos sobre as principais
atividades corporativas e muitos testemunhos pessoais. A qualidade e
o volume desse material, bem como a necessidade de não alongar de-
mais a extensão do nosso livro, fizeram-nos desistir de consultar ou-
tros arquivos, salvo o Arquivo Apostólico Vaticano (AAV),que tem
acervos documentais disponíveis até o ano de 1958. Para os aconteci-
mentos das últimas cinco décadas, entrevistamos duzentos homens e
mulheres de vários países.
Em que pese a extensão desta obra, sugerimos que se faça uma
leitura unitária, pois assim se compreenderá a continuidade e pro-
gressâo dos diversos aspectos que configuram o Opus Dei, tais como
a formação, as atividades corporativas e a incorporação pessoal da
mensagem de santidade.
Nossa monografia vem estruturada em seis grandes capítulos cro-
nológicos: quatro dedicados à etapa fundacional e dois aos anos em
que del Portillo e Echevarría governaram o Opus Dei, além de um
breve epílogo para os últimos cinco anos. Nessa apertada síntese, po-
demos dizer que o Opus Dei teve seu desenvolvimento inicial até
o momento em que, aos oito anos, viu-se envolto nos dois grandes
dramas coletivos que foram a Guerra Civil espanhola e, a seguir, a Se-
gunda Guerra Mundial. Nos anos 1940, estendeu-se pela Espanha até

(*) Boa parte das fontes do AGP entre os anos 1928 e 1975 estão catalogadas.Nestes
casos,a designaçãodos documentos começa com a série, seguida por três números, que
são, respectivamente, o arquivo, a pasta e o expediente. A partir desse ano, a documentação
está em um arquivo intermediário que, no melhor dos casos, só possui séries e arquivos.
Citaremos o material de acordo com as designações que nos foram fornecidas pela equipe
do AGP. 15
A HISTÓRIADO OPUS DEI

ser possível ultrapassar suas fronteiras, primeiro pela Europa e depois


pela América do Norte. Graças à aprovação pontifícia do Opus Dei,
em 1950 a Obra propagou-se para quase todos os países da América e
uns poucos da África e Ásia, e também iniciou importantes açóes cor-
porativas no campo da educação. Os anos 1960 foram testemunhas
da multiplicação das atividades e da mais ampla exposição do espírito
por parte do fundador, em tempos conciliares e de crise pÓs-conciIiar.
ós a morte de Escrivá de Balaguer, del Portillo assumiu a respon-
sabilidade de levar adiante o espírito fundacional e enfrentar novos
desafios,como a conclusão do itinerário jurídico, com a figura da
prelazia pessoal; a beatificação do fundador; e a inserção da Obra em
países com minorias cristãs. Com Javier Echevarría chegou um tem-
po de transformação social marcado pela era tecnológica, que levou
os membros do Opus Dei a buscarem mais caminhos para irradiar
sua espiritualidade na Igreja e no mundo.
A evolução institucional pode parecer um tanto repetitiva,pois
existe uma continuidade marcante: a mensagem do Opus Dei é a
mesma e os modos de atuação permanecem substancialmente iguais
aos dos anos 1940 do século passado, em suas estruturas básicasde
governo e de formação e no relacionamento com as autoridades ecle-
siásticas e outras instituições. Para dar coesão ao livro e facilitar a ta-
refa dos leitores que desejam encontrar temas específicos, procuramos
explicar os conceitos uma vez e acrescentamos notas que remetam aos
lugares em que os mesmos argumentos são tratados. Por tratar-se de
uma história geral, não oferecemosao final um elenco bibliográfico,
o qual seria forçosamente incompleto*. As notas podem ser encontra-
das no final da monografia, com exceção das que correspondem a esta
introdução e das explicativas, que vêm ao pé de página.
Agradecemos a José Antonio Araña, Eduardo Baura, Rafael Do-
mingo Oslé, Joseluís González, Andrew Hegarty, Marlies Kücking,
Javier Marrodán, Juan Manuel Mora, Santiago de Pablo Contreras,
Pablo Pérez López, Joseba Louzao, José Manuel Martín Quemada,

(*) Com algumas exceçóes,optamos por citar somente a bibliografiaque faz referência
direta à história do Opus Dei. O site «Biblioteca Virtual Josemaria Escrivá de Balaguery
Opus Dei» oferece uma informação bibliográfica exaustiva e atualizada sobre o fundador da
Obra, os seus sucessores,os membros do Opus Dei e as atividades institucionais: <https://
16 www.unav.edu/web/centro-de-estudios-josemaria-escriva/biblioteca-virtual/index>.
INTRODUÇÃO

Stefan Moszoro, María Eugenia OssandÓn, Antón M. Pazos, Ana


Sánchez de Ia Nieta e Fernando Valenciano, que revisaram o manus-
crito; às pessoas que leram alguns capítulos e seçóes; e às duas cente-
nas de historiadores,fiéis do Opus Dei e cooperadoresque entre-
vistamos.Os comentários e sugestóesde uns e outros contribuíram
decisivamente para melhorar a narrativa do livro. Somos especial-
mente gratos a Jesús Longares, a Feliciano Montero e a Stanley Payne,
que nos ajudaram a fazer boas perguntas ao passado para encontrar
respostasque engrandecem o futuro.

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PRECEDENTES

A CHEGADA
DE JOSEMARIA ao mundo, em 1902, deu-se
ESCRIVÁ
em plena belle époque,período histórico da Europa ocidental e da
América do Norte que começou por volta de 1880, uma vez concluí-
da a guerra franco-prussiana, e que durou até a eclosão da Primeira
Guerra Mundial, em 1914. Essas quatro décadas caracterizaram-se
pela prosperidade nos países desenvolvidos, com uma economia sus-
tentada pela indústria, um constante aumento da demografia urba-
na, progressos científicos e tecnológicos em diversos setores —por
exemplo, na medicina, na radiotelefonia, na aeronáutica, na cinema-
tografia —e o desenvolvimento de novas expressões artísticas, como o
impressionismo, a art nouveau e o cubismo.
O idealismoe o positivismoimperavamno mundo acadêmi-
co, otimista com a ideia do progresso e com os avanços científicos
e tecnológicos.A confiança na capacidadedo homem impregnava
também a vida das nações. As grandes potências incrementavam a
expansão colonial com o desejo de levar o seu domínio a todo o orbe,
beneficiando-se das matérias-primas desses países.
No Ocidente, a passagem das sociedades rurais para as industriais
trouxe consigo uma brusca mudança social. Os paradoxos dos diver-
sos sistemas liberais transformaram-se em desigualdades e confrontos,
e, em parte como reaçáo a isso, o pensamento e a ação do socialismo,
do comunismo e do anarquismo cresceram exponencialmente.
Nessa época, a Espanha buscava de algum modo sua própria iden-
tidade. A perda da posse das Filipinas, de Cuba e Porto Rico no cha-
mado desastrede 1898 havia demonstrado que o país já não era uma
potência no concerto das nações. Além disso, a monarquia constitu- 19
A HISTÓRIADO OPUS DEI

cional instaurada em 1874 —a Restauração —dava sinais de cansaço e


de desorientação política. A alternância de governo entre os liberais e
os conservadores, baseada no caciquismo, tinha seus dias contados em
razão do crescimento dos partidos de massas. Por isso não foram para
Maura,
frente os projetos regeneracionistas* do conservador Antonio
nem as tentativas de melhora do liberal José Canalejas, assassinado
e
por um anarquista em 1912. À necessidade de renovação política
soldados
social uniram-se outras dificuldades, como os milhares de
(1911-
que morreram na guerra contra as tribos do Rife de Marrocos
intenso êxodo
-1927) e os conflitos sociais internos, alimentados pelo
rural para as grandes cidades e as ideologias revolucionárias.
para o
Os 19 milhões de espanhóis viviam um lento despertar
e 63%
mundo contemporâneo. Deles, 70% viviam em zonas rurais
ultrapas-
eram analfabetos; além disso, a taxa de mortalidade infantil
aumentava a
sava 1,5%. Por outro lado, cresciam as zonas urbanas,
em torno
classe média e a expectativa de vida dos adultos, que estava
dos cinquenta anos.
XX, a
A Espanha era um país confessional. No início do século
maior parte da população fora batizadae recebia a doutrina católi-
12
ca nos templos e escolas.Trinta e três mil sacerdotes diocesanos,
mil frades e 42 mil freiras constituíam uma forte presença institucio-
os
nal da Igreja no território nacional, desde as grandes cidades até
povoados mais remotos. Estavam nas mãos de instituições religiosas
25% da educação primária e 80% da secundária.
A Igreja também tinha um projeto regeneracionistapara a Es-
panha, de acordo com a tradição católica. O cristianismo estava arrai-
gado na vida social, numa religiosidade às vezes afetada pelo clerica-
lismo e pela falta de reflexãopessoal. Em razão dos ensinamentos da
Igreja e da herança cultural recebida, a mentalidade tradicionalista,
favorável ao Estado confessional, era majoritária entre os católicos.
Por isso foram aplaudidas as condenações do Papa Pio X (1903-
-1914) ao modernismo, postura intelectual que entendia a fé como
um pensamento imanente.

(*) O regeneracionismo é o movimento ideológico iniciado na Espanha em fins do século


XIX que, motivado principalmente pelo sentimento de decadência, propugna uma regene-
20 ração completa da vida espanhola. [N. T.]
PRECEDENTES

O chamado

Josemaria Escrivá Albás nasceu em Barbastro, Huesca, em 9 de


janeiro de 1902. Seu pai chamava-se José Escrivá Corzán e havia nas-
cido em Fonz, Huesca, em 1867; a linhagem procedia de Balaguer
(Lérida). Sua mãe chamava-se Dolores Albás Blanc e era de Barbas-
tro, com antepassados em Aínsa (Huesca). O casal havia contraído
matrimónio quatro anos antes, em 1898, e residia na Calle Mayor de
Barbastro, numa casa alugada à esquina da Plaza del Mercado. Em
1899, nascera sua primogênita: Carmen l.
Barbastro contava com 7 mil habitantes. Apesar desse escassonú-
mero, era sede episcopal havia oito séculos. A economia da cidade
girava em torno de diversas atividades agrícolas,como o plantio de
cereale a produção de vinho e azeite. Os comerciantese pequenos
empresários conviviam com os empregados e diaristas. Havia tendên-
cias políticas de gêneros diversos, desde as carlistas —tradicionalistas e
partidários do Antigo Regime —até as republicanas e socialistas. Nos
círculos recreativos e culturais dominava o pensamento liberal, sem
que houvesse graves conflitos políticos ou sociais.
Em fins do século XIX, José Escrivá e outros dois sócios criaram
uma empresa dedicada ao comércio de tecidos e à venda de chocola-
te. Em 1902, um sócio se retirou com o compromisso de não abrir
um negócio do mesmo tipo em Barbastro.José Escrivá estabeleceu
uma nova sociedade chamada Juncosa y Escrivá. De início, esta ati-
vidade empresarial deu bons resultados, e a família Escrivá gozou de
posição relativamente acomodada. De acordo com os costumes da
época, quatro pessoas cuidavam do serviço da casa. José Escrivá vivia
a solidariedade cristã com as esmolas que dava a pessoas necessitadas,
a colaboração económica com o Centro Católico da cidade e a orga-
nizaçâo de conferências religiosas para seus empregados.
Aos quatro dias de seu nascimento, Josemaria foi batizado na ca-
tedral de Barbastro, que era a sua paróquia. Pouco depois —em 23 de
abril —,recebeu a Confirmação, Quando tinha dois anos, padeceu de
uma meningite aguda. Desenganado pelos médicos, sua mãe rezou
uma novena a Nossa Senhora do Sagrado Coração prometendo que,
se o menino ficassecurado, iria em peregrinação à ermida dedicada 21
A HISTÓRIADO OPUS DEI

a Nossa Senhora de Torreciudad, a vinte quilómetros de Barbastro.


O pequeno ficou curado, e sua mãe o levou nos braços até aquela
capela, em agradecimento.
Nos anos seguintes, chegaram ao lar três meninas: María Asunción,
a Chon, em 1905; María de 10sDolores, a Lolita, em 1907; e María del
Rosario, em 1909. Infelizmente, a mortalidade infantil levou uma
após
outra. Rosario faleceu com nove meses de idade, em 1910; Lolita, com
cinco anos, em 1912; e Chon, com oito, em 1913.
Apesar destas cruéis contrariedades, a maior parte da infância de
Josemaria foi normal e alegre, de progressivaabertura à sociedade
e
ao mundo. A família Escrivá estava unida. Com seus pais aprendeu
a viver a liberdade com responsabilidade, bem como outras virtudes,
qual a laboriosidade e a ordem. Também lhe ensinaram a rezar com
uma piedade simples2.
Entre 1905 e 1908, Josemaria frequentou um jardim de infância
dirigido pelas Filhas da Caridade de São Vicente de Paulo; e de 1908
a 1915 foi aluno de um colégio dos padres escolápios.Em 1912,
ano em que começava a sua educação secundária, recebeu a primeira
Comunhão na escola, beneficiando-se da disposiçãode Pio X para
que as crianças comungassem ao chegar ao uso da razão. Quando
recebeu a Eucaristia, Josemaria pediu a graça de não cometer nunca
um pecado grave.
Devido à conjuntura econômica do momento e ao fato de que
o antigo sócio não havia cumprido o compromisso de não lhe fazer
concorrência, a sociedade Juncosa y Escrivá entrou em crise. Juan
Juncosa e José Escrivá processaram o antigo sócio, e o tribunal de
primeira instância de Barbastro decidiu a favor da empresa, em 1910.
Em consequência de uma apelação, o juízo cível do Tribunal Terri-
torial de Saragoça também proferiu sentença favorável à Juncosa y
Escrivá, embora reduzisse a indenizaçáo à qual tinha direito. A antiga
sociedade —que estava em fase de liquidação por haver terminado o
seu período social —apresentou um recurso de apelação. Em maio de
1913, o Tribunal Supremo rejeitou o recurso e a obrigou a pagar as
custas do pleito. Juncosa y Escrivá faliu e, em consequência, cedeu
o ativo social a uma comissão de credores. Em 1915, outra sentença
do Tribunal Supremo decidiu a favor de um pleito apresentadopor
22 alguns credores. A empresa foi, então, definitivamente encerrada3.
PRECEDENTES

Como o património social da empresa não era suficientepara


ressarciras dívidas, José Escrivá pagou os credorescom seu capital
familiar. Não estava legalmente obrigado a isso, mas julgou em cons-
ciência que devia fazê-lo. Esta resolução foi apoiada por sua mulher;
outros parentes, contudo, não a entenderam, pois, com esta medida,
a família Escrivá Albás ficava arruinada. Teve de prescindir das pes-
soas que trabalhavam no serviço da casa e começou a passar apertos
económicos. Em Josemaria desencadeou-se uma crise interior, uma
vez que essas dificuldades económicas se uniam à dor pela morte pre-
coce de suas irmãs e à sua entrada na adolescência. A serena resigna-
çáo cristã de seus pais o ajudou a manter a confiançaem Deus e a
esperançano futuro.
Em março de 1915, José Escrivá conseguiu um trabalho como
empregadona La Gran Ciudad de Londres, uma loja de tecidos de
Logroño. Depois do verão desse mesmo ano, trasladou a família para
a capital de La Rioja, cidade que contava 24 mil habitantes. Os Es-
crivá enfrentaram os incómodos próprios da mudança e da inicial
ausência de amizades. Carmen matriculou-se na escola de Magisté-
rio, curso que concluiria em 1921; e Josemaria continuou os estudos
secundáriosno Instituto Geral e Técnico de Logroño. Durante as
manhãs, ia ao instituto; à tarde, ao colégio de Santo António de
Pádua, onde estudava e recebia aulas complementares, como era ha-
bitual na época.
Em fins de 1917 ou início de 1918, depois de um dia de inten-
sa nevascana cidade, deu-se um fato que transformoupara sempre
a vida de Josemaria. «De repente, ao ver uns religiososcarmelitas,
descalçossobre a neve»4, perguntou-se: «Se outros fazem tantos sa-
crifícios por Deus e pelo próximo, não serei eu capaz de Lhe oferecer
Veio-lhe, então, o pensamento de ser sacerdote, algo que até
o momento considerava inadequado para si.
Procurou a direçáo espiritual de um carmelita, o padre José Mi-
guel da Virgem do Carmo, e decidiu incrementar as práticas cristãs
que em suas próprias palavras o levaram «à comunhão diária, à
purificação,à confissão... e à penitência»6. Dois ou três meses mais
tarde, o religioso lhe propôs que ingressassena ordem carmelita. Jo-
semaria Escrivá meditou com calma e chegou à conclusão de que seu
caminho estava no sacerdócio secular. 23

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