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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS


DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL
COMUNICAÇÃO SOCIAL - RELAÇÕES PÚBLICAS

Bárbara Pazzatto Brandão

“NÃO SOLTO MEU NORDESTE NEM A PAU”:


CONSUMO MIDIÁTICO E IDENTIDADE CULTURAL
ENTRE OS FÃS DE JULIETTE NO TWITTER

Santa Maria, RS
2022
Bárbara Pazzatto Brandão

“NÃO SOLTO MEU NORDESTE NEM A PAU”:


CONSUMO MIDIÁTICO E IDENTIDADE CULTURAL
ENTRE OS FÃS DE JULIETTE NO TWITTER

Trabalho de Conclusão de Curso submetido ao curso


de Relações Públicas da Universidade Federal de
Santa Maria (UFSM), como requisito obrigatório
parcial para a obtenção do grau de Bacharelado.

Orientadora: Profa. Dra. Milena Carvalho Bezerra Freire de Oliveira-Cruz.

Santa Maria, RS
2022
Bárbara Pazzatto Brandão

“NÃO SOLTO MEU NORDESTE NEM A PAU”:


CONSUMO MIDIÁTICO E IDENTIDADE CULTURAL
ENTRE OS FÃS DE JULIETTE NO TWITTER

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao


curso de Comunicação Social- Relações Públicas da
Universidade Federal de Santa Maria (UFSM),
como requisito obrigatório parcial para a obtenção
do grau de Bacharelado.

Aprovado em 02 de agosto de 2022

_______________________________________________________
Profa. Dra. Milena Carvalho Bezerra Freire de Oliveira-Cruz (UFSM)
(Orientadora)

_______________________________________________________
Profa. Dra. Monalisa Dias de Siqueira (UNIPAMPA)

_______________________________________________________
Profa. Dra. Sandra Dalcul Depexe (UFSM)

Santa Maria, RS
2022
Dedico este trabalho à minha avó Elsa que faleceu menos de dois meses antes da
finalização do meu Trabalho de Conclusão de Curso. Foi ela que me ensinou sobre raízes,
sobre família, sobre valorizar o lugar e as pessoas de onde vim.
Vó Elsa era uma jogadora de Canastra de mão cheia e, junto de meu avô, passou para
a família essa tradição. Meses antes de falecer, enquanto éramos dupla em uma partida do
jogo, ela me disse: “Não se ganha o jogo sem passar pela obrigada”. No vocabulário do jogo
“obrigada” é um momento pré estabelecido, onde é obrigatório se passar, mesmo que seja
desafiador. Nele, os jogadores precisam se esforçar ainda mais para conseguir vencer.
Sem imaginar, Vó Elsa estava ali, também, me ensinando sobre a vida e sobre esse
estágio final da faculdade. Para realizar meu sonho de me formar, preciso passar pelo
Trabalho de Conclusão de Curso e, apesar de desafiador, é algo necessário e pelo qual
dediquei mais de um ano de pesquisas. Onde estiver, saiba que em tudo que faço levo você no
meu coração e na minha ancestralidade.
AGRADECIMENTOS

Agradeço a minha mãe por fazer mais do que pode pela minha felicidade, por fazer
dos meus sonhos, também o dela, por me aconselhar, me mostrar o caminho, por me ajudar,
por me encorajar e me inspirar a ser uma mulher forte. Ao meu pai que fez meu sonho se
realizar, me apoiando e auxiliando.
Agradeço o meu namorado que conviveu diariamente com uma formanda ansiosa.
Que dedicou tempo de sua vida para me ajudar, me apoiar, me mostrar quando estava errando
e por me incentivar a melhorar. Finalizar este trabalho do jeito que eu desejava só foi possível
porque tive todo o suporte e afeto que eu precisava para poder me dedicar à escrita.
Aos meus amigos. A minha irmã de alma Natália que é parte fundamental da minha
vida e da minha formação, que mesmo de longe se faz perto sempre e para sempre. Ao João,
Mari, Naty e Ana que me acompanham desde o início da graduação e que se tornaram
grandes amigos, os quais ouviram meus desabafos e contribuíram para o que sou enquanto
formanda e pessoa. Agradeço por acreditarem em mim e pelos maravilhosos momentos de
leveza nesses meses de escrita.
Agradeço a Jaine por aguentar uma colega de trabalho que fala tanto sobre seu TCC e
por demonstrar felicidade por cada nova etapa concluída. A Dona Dilema, o Seu Zeno e a
Ana Paula que me ensinaram como a liderança pode ser empática e afetiva, me cedendo dias
para a concretização deste trabalho, apoio, conversa e muito mais.
Agradeço às minhas sobrinhas Beatriz e Bianca por renovarem sempre minha saudade
de casa, por me lembrarem de diferentes etapas da vida, por acreditarem em mim e até se
inspirarem, esse apoio foi essencial.
Agradeço o Programa de Educação Tutorial da Comunicação (PETCom/UFSM) que
se tornou a melhor experiência universitária que eu poderia sonhar, me possibilitando dois
anos cheio de aprendizado, carinho e trocas. Em especial, agradeço a tutora Profa. Dra.
Jaqueline Quincozes, que me acolheu e me ensinou muito sobre Relações Públicas e vida.
Agradeço à querida Profa. Dra. Milena Freire, minha orientadora, que, como em um
passe de mágica, faz toda aflição virar estímulo. Meus mais sinceros agradecimentos por me
dar a oportunidade de ser orientada por ti e por todas as reuniões que tivemos, pelos
ensinamentos e por tornar esses meses serenos e produtivos.
Agradeço a Universidade Federal de Santa Maria pelas políticas de assistência
estudantil, como o Benefício Socioeconômico (BSE), o qual foi fundamental para minha
permanência na graduação.
RESUMO

“NÃO SOLTO MEU NORDESTE NEM A PAU”:


CONSUMO MIDIÁTICO E IDENTIDADE CULTURAL
ENTRE OS FÃS DE JULIETTE NO TWITTER

AUTORA: Bárbara Pazzatto Brandão


ORIENTADORA: Profa. Dra. Milena Carvalho Bezerra Freire de Oliveira-Cruz.

A partir da análise de tuítes dos fãs de Juliette publicados entre janeiro de 2021 e julho de
2022, período que abrange desde a participação da artista no reality show Big Brother Brasil
2021 (BBB 21), até os lançamentos de documentário, álbum musical e turnê, o presente
trabalho busca observar as formas pelas quais o consumo midiático da representação de
Juliette no Twitter se relacionam aos processos de manutenção e ressignificação da identidade
regional da Região Nordeste. A metodologia analítica se baseou na coleta e sistematização
dos tuítes a partir de duas racionalidades presentes na perspectiva sociocultural de García
Canclini (1997), são elas: 1) Consumo como sistema de integração e comunicação, e; 2)
Consumo como lugar de diferenciação social e distinção simbólica entre os grupos. Para a
análise, portanto, houve a articulação conceitual entre consumo midiático (GARCÍA
CANCLINI, 1997), representações (HALL, 2016) e identidade e cultura regional
(ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2011). Em nossos resultados, percebemos que o consumo das
representações transcodificadas provocam reflexões a respeito da valorização, aceitação e
orgulho em ser de origem nordestina. Dessa forma, entendemos o consumo midiático como
fundamental para as relações sociais, como forma de se integrar a um grupo por meio do
pertencimento e diferenciação dos outros e, para a atribuição de novos significados às culturas
que, paulatinamente, foram sendo inventadas (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2011) por meio
de representações estereotipadas.

Palavras-chave: Consumo Midiático; Representação; Identidade Regional; Cultura; Twitter.


ABSTRACT

“NÃO SOLTO MEU NORDESTE NEM A PAU”:


MEDIA CONSUMPTION AND CULTURAL IDENTITY
AMONG JULIETTE’S FANS ON TWITTER

AUTHOR: Bárbara Pazzatto Brandão


ADVISOR: Profa. Dra. Milena Carvalho Bezerra Freire de Oliveira-Cruz.

From the tweet analysis of Juliette’s audience published between January 2021 and July 2022,
period that runs since the artist’s participation on the reality show Big Brother Brasil 2021,
until the releases of a documentary, music album and tour, the current work seeks to observe
the means by which the media consumption of Juliette’s representation on Twitter relates to
the maintenance and resignify processes of Brazil’s Northeast Region. The analytical
methodology were based on tweet gathering and systematization from two rationalities
present in the sociocultural perspective of Garcia Canclini (1997), as it follows: 1)
Consumption as an integration and communication system, and; 2) Consumption as a place of
social and symbolic distinguishing between groups. To the analysis were made, therefore, a
conceptual articulation between media consumption (GARCÍA CANCLINI, 1997),
representation (HALL, 2016) and identity and regional culture (ALBUQUERQUE JÚNIOR,
2011). In our results, we perceive media consumption as fundamental to social relations, as a
means to integrate a group through belonging and distinction from others, as well as to assign
new meanings to the cultures that has, slowly, been invented (ALBUQUERQUE JÚNIOR,
2011) through stereotyped representations.

Keywords: Media Consumption; Representation; Regional Identity; Culture; Twitter.


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO...........................................................................................................8
2 ANCORAGENS TERRITORIAIS..........................................................................13
2.1 CULTURA E IDENTIDADE NACIONAL ...............................................................13
2.2 CULTURA REGIONAL.............................................................................................21
2.2.1 A Região Nordeste .....................................................................................................24
2.3 REPRESENTAÇÃO ...................................................................................................26
2.3.1 Transcodificação .......................................................................................................32
2.3.1.1 A inversão dos estereótipos ........................................................................................33
2.3.1.2 Imagens positivas e negativas.....................................................................................34
2.3.1.3 Através do olhar da representação ..............................................................................35
3 VOCÊ NUNCA ESTEVE SOZINHA .....................................................................37
3.1 REDES SOCIAIS E A COMUNICAÇÃO DIGITAL ................................................37
3.1.1 Rede Sociais: conceitos e teorias..............................................................................37
3.1.2 Rede Sociais Digitais: novas perspectivas de apropriação e usos.........................40
3.2 COMUNIDADES E IDENTIFICAÇÕES..................................................................42
3.2.1 Comunidades em redes sociais digitais ...................................................................42
4 FLUXOS MIDIÁTICOS ..........................................................................................47
4.1 PERSPECTIVA SOCIOCULTURAL DO CONSUMO .............................................48
4.2 CONSUMO MIDIÁTICO ..........................................................................................54
4.2.1 A reciprocidade midiática entre o Big Brother Brasil e os Usuários- Mídias .....58
5 OBSERVAÇÃO .........................................................................................................63
5.1 O FENÔMENO ........................................................................................................63
5.1.1 Juliette........................................................................................................................63
5.2 ANÁLISE ...................................................................................................................66
5.2.1 Consumo como sistema de integração e comunicação...........................................67
5.2.1.1 Sotaque........................................................................................................................68
5.2.1.2 Culinária......................................................................................................................72
5.2.1.3 Pertencimento .............................................................................................................76
5.2.2 Consumo como lugar de diferenciação social e distinção simbólica entre os
grupos.......................................................................................................................................82
5.2.2.1 Símbolos da cultura nordestina...................................................................................83
5.2.2.2 Música.........................................................................................................................88
6 CONCLUSÃO ...........................................................................................................94
7 REFERÊNCIAS........................................................................................................99
8

1 INTRODUÇÃO

Em 2007, ganhei meu primeiro celular. Mas antes disso, insisti muito para que minha
mãe o comprasse e ela não entendia por que uma criança precisava de um celular, em um
momento em que internet não era uma opção acessível. Então, me indagava: “Você o quer
para jogar jogos? Para usar a calculadora?” e eu pretensiosamente dizia que era pela
calculadora, tendo a esperança que, assim, ganharia um celular. Ganhei uma calculadora. No
Natal daquele mesmo ano, ganhei o meu sonhado primeiro celular com uma cerimônia
planejada pelos meus pais. Em seguida, fui recebendo ligações atrás de ligações dos meus
tios, dindos, a família toda me ligou para que eu pudesse atender o meu próprio celular.
Não era pela calculadora, se quer era pelas ligações, jogos, rádio. Eu queria ter um
telefone e me distinguir daqueles que não poderiam ter e, ao mesmo tempo, me sentir parte de
um grupo de colegas que falavam sobre celulares, usavam celular, eu queria dizer que tinha
um. Lá, com sete anos, eu já estava vivenciando a experiência do consumo para além das
necessidades e funções preestabelecidas. Eu não precisava de um celular, mas não ter um me
fazia falta, isso porque atribui a ele um valor simbólico. Em 2007, possuir um celular era
fazer parte da modernidade, mesmo que esse já não fosse uma novidade, ele, nos meus grupos
sociais, simbolizava uma nova era, uma cultura diferente que estava chegando, simboliza
tecnologia e inovação. Os pesquisadores Mary Douglas e Baron Isherwood (2004) mostram
que nenhum ser humano existe, senão fixado à cultura de um lugar, de uma geração, de um
grupo e eu, agora sei que eu queria fazer parte dessa cultura.
A ideia de que o consumo não é irracional ou baseado nas necessidades fisiológicas
foi intensificada nas disciplinas de Mídia e Práticas de Consumo e Teorias de Relações
Públicas II, na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Mas buscar entender quais são
as razões que levam os sujeitos a atribuírem significados aos bens consumo1, tornou meu
olhar para essas disciplinas ainda mais atento. Por isso, desde antes de iniciarmos este
trabalho, minha certeza já estava na abordagem. O instinto de pesquisa se reforçava a cada
aula em que o foco era estudar as teorias de Garcia Canclini, porque, como outros autores dos
Estudos Culturais Latino-americanos, o direcionamento teórico, de uma forma ou outra,
auxilia na elaboração de respostas para esse questionamento.
Ao inverter a lógica, precisávamos - agora em terceira pessoa -, então, de um objeto
para aplicar a abordagem dos Estudos culturais latino-americanos. Em 2021, ano em que

1
Compreendemos que bens de consumo não englobam somente produtos materiais, mas também simbólicos,
culturais, que reverberam em relações, modos de perceber e habitar o mundo, discursos, símbolos.
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iniciamos o trabalho, além das vacinas contra o Covid-19, no Brasil, um dos assuntos mais
notáveis era o novo fenômeno chamado Juliette (GOOGLE TRENDS, 2021). A campeã do
Big Brother Brasil 2021 (BBB 21) se destacou entre os participantes da sua edição e de outras
edições também, uma das diferentes maneiras de comprovar isso, é a partir das pesquisas do
Google, em que Juliette se sobressai quando comparada aos campeões da edição 2020 e 2022
do programa, mostrando que ela não se tornou interessante por vencer o reality show, pelo
contrário, sua participação singular fez dela uma das maiores participantes do BBB, como
também uma grande personalidade do Brasil.
Em 2021, pela Geração Glamour e pelo Prêmio Men of the Year Brasil, Juliette
recebeu os prêmios de Mulher do Ano. Também em 2021 recebeu 2 vezes o Prêmio iBest nas
categorias Personalidade do Ano e Personalidade Revelação, ganhou também o Prêmio
Jovem Brasileiro na categoria Melhor Participante Reality, na mesma categoria também
recebeu prêmio pelo SEC Awards. Pelo Prêmio POP Mais ganhou na categoria Artista
Revelação Feminina, pelos Prêmio TodaTeen, Melhores do Ano RD1, Melhores do Ano
NaTelinha e Prêmio Área VIP ganhou na categoria Revelação do Ano. Já pelo BreakTudo
Awards recebeu prêmios nas categorias Personalidade da Internet e Melhor Reality Star. Pelo
Flame Roem World Awards recebeu o prêmio de Participante de Reality 2021, troféu ganhado
também pelo MTV Millennial Awards Brasil na categoria Realeza do Reality e, ainda em 2021
recebeu o prêmio de Celebridade Glow do Ano pelo Prêmio Glow - Melhores do Ano. Em
2022, recebeu o prêmio de Influenciador Brasileiro pela Nickelodeon e foi indicada pelo
Troféu Internet na categoria Revelação. (JORNAL DA PARAÍBA, 2022).
Juliette definitivamente não era uma participante como os demais, ela desde o início
entrou acompanhada de suas identidades, todos entram, mas o que a destaca é a constante
afirmação de suas origens, é sua força e vontade de comunicar sua identidade regional. Uma
grande parte do público da edição 2021 do programa viu nela uma representação positiva de
suas origens, se identificaram com as dores que ela passou e auxiliaram na conquista do
prêmio final. Muitas das dores faziam parte do preconceito e estereótipo, como mostraremos
no decorrer do trabalho, principalmente no tópico Observação.
Ao analisar Juliette, é possível notar que ter ela como objeto de estudo, também é ter o
Nordeste como espaço de discussão. Por isso, logo nas primeiras leituras fomos entender a
contribuição teórica de Durval Muniz de Albuquerque Júnior (2011) e Nilda Jacks (1997) no
que se refere a identidade regional nordestina e a tradição regional. A partir de então, muitas
questões surgiram relacionando o objeto e as teorias, entre elas: O regionalismo pode ser
intensificado pela mídia? Como a cultura regional se intensifica com a internet? De que forma
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a identidade regional se relaciona com a influência digital? De que forma a identidade


regional se relaciona com a distinção simbólica? Como a representação pode estar atrelada
aos estereótipos? De que forma as relações digitais baseadas na identidade regional podem
agregar valor simbólico aos bens de consumo?
Essas foram questões introdutórias até para a nossa compreensão sobre o tema. Depois
disso, encontramos um tensionamento entre representação, Juliette e consumo midiático:
Juliette reforça os estereótipos regionais ou se estabelece como uma representação nordestina
positiva? Albuquerque Júnior (2011, p. 352) compreende que “assumir a nordestinidade é
assumir essas várias representações excludente”, enquanto Nilda Jacks (1997) reforça a
importância do território, da história presente nas identidades, das tradições, mesmo que essas
sejam transformadas pela modernidade. Os autores não têm opiniões divergentes, mas ao
mesmo tempo, abordam o regionalismo por perspectivas diferentes. Enquanto o primeiro
demonstra olhar vigilante para as representações, a segunda busca evidenciar as tradições.
Nessa dualidade, que não é excludente, buscamos contribuir para o nosso
entendimento sobre o tema, bem como localizar a pesquisa no campo da Comunicação,
realizando um Estado da Arte e uma Pesquisa Bibliométrica com os seguintes eixos
temáticos: comunicação digital, consumo cultural, consumo simbólico, consumo midiático.
Recorremos assim, às plataformas Portal de Teses e Dissertações, Comunicon, Intercom,
Scielo, Portal de Periódicos da Capes e Compós para conhecer a produção acadêmica
brasileira, a partir de 2016, que se relaciona com o nosso trabalho.
Ao fim da pesquisa, encontramos ao todo 47 trabalhos, entre artigos, teses e
dissertações, entre esses encontramos artigos que nos acompanharam durante boa parte do
trabalho, como é o caso de Consumo, sentidos, usos e apropriações nas pesquisas de
recepção: nem tão sinônimos, nem tão distantes (SCHMITZ, 2015) e De blogueira a
influenciadora etapas de profissionalização da blogosfera de moda brasileira (KARHAWI,
2020). Com base no Estado da Arte e na Pesquisa Bibliográfica, compreendemos o que nos
despertava interesse e o que não gostaríamos de estudar, seja pelo grande número de
produções acadêmicas na temática, ou pela abordagem. No nosso entendimento, o trabalho
deveria envolver os tópicos: pertencimento a um grupo; distinção; representatividade;
recepção; mídia; simbólico; cultural. E não envolver: estratégias midiáticas; marketing;
relacionamento com marcas e públicos.
Com base nesses questionamentos exploratórios, nos nossos interesses pessoais e
acadêmicos, buscamos organizar o debate e, assim, responder à questão: De que modo a
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identidade regional nordestina está atrelada aos vínculos estabelecidos entre Juliette e seus
fãs?
A partir disso, nosso objetivo central foi observar as formas pelas quais o consumo
midiático da representação de Juliette no Twitter se relacionam aos processos de manutenção
e ressignificação da identidade regional do Nordeste, seguido pelos objetivos específicos: a)
perceber a atuação das representações midiáticas na constituição das identidades e
estereótipos da Região Nordeste; b) pensar de que modo as redes sociais digitais,
possibilitam refletir novas formas de habitar, socializar e perceber o mundo, por meio das
comunidades de fãs c) perceber a reciprocidade cultural existente entre os produtos midiáticos
e suas audiências. Em cada capítulo, buscamos responder a um dos objetivos específicos.
Para responder esses objetivos contamos com a tríade teórica metodológica
envolvendo a) consumo midiático (GARCÍA CANCLINI, 1997), b) representação (HALL,
2016) e c) identidade regional (ALBUQUERQUE JÚNIOR 2011; 2013). Para que essas
respostas fossem possíveis, no segundo capítulo, Ancoragens Territoriais, buscamos
compreender os conceitos de identidade e cultura e, junto a isso, traçar um panorama histórico
da identidade brasileira e regional, mais precisamente do Nordeste. Compreendendo desde o
início que o Nordeste é uma invenção simbólico discursiva (ALBUQUERQUE JÚNIOR,
2011), fomos buscar entender como essa invenção acontece por meio da representação
(midiática ou não), até chegarmos nos conceitos de estereótipo e transcodificação (HALL,
2016).
No terceiro capítulo, Você Nunca Esteve Sozinha, fomos compreender o que são redes,
comunidades, fandoms e as novas formas de habitar, pertencer, viver, se relacionar por meio
da internet, de modo a localizar nosso trabalho como situado em um ambiente também
digital, como é o caso do Twitter. Em Fluxos Midiáticos, compreendemos o que é consumo,
para além da perspectiva econômica e firmamos nosso reconhecimento metodológico no
consumo midiático, ao compreender a multiplicidade de textos que envolvem nosso objeto,
como o já citado Twitter, com o programa Big Brother Brasil 2021, o Instagram, o
Documentário. Apresentamos também a perspectiva sociocultural de García Canclini (1997)
teoria principal de nossa análise.
Como mencionamos no início do trabalho, nossa abordagem compreende o consumo
como cultural, para além de gastos inúteis e desejos irracionais - como preconiza Garcia
Canclini. No capítulo Observação, então, nos preocupamos em analisar os tuítes coletados na
plataforma Twitter por meio da utilização combinada das hashtags #Juliette, #Cactos,
#Nordeste, #Representação, #Culinária, #Música, #Sotaque, #BigBrotherBrasil, produzidos
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pelos fãs de Juliette, durante e depois da participação de Juliette no Big Brother Brasil 2021.
Essa seleção de tuítes se desenvolveu por meio de hashtags combinadas nas buscas da
plataforma Twitter, como mencionado, para isso, usamos a ferramenta de busca avançada, a
qual permite que a própria plataforma identifique tuítes que possuem em sua composição as
palavras das hashtags. Por exemplo, ao procurar por #Juliette e #Representação, o Twitter
filtra publicações que tenham em seu corpo de texto essas referidas palavras.
A partir disso, encontramos uma série de tuítes, os quais se aproximavam com as
temáticas de pesquisa (Consumo como sistema de integração e comunicação e; 2) Consumo
como lugar de diferenciação social e distinção simbólica entre os grupos). Depois de
selecionar os que mais se encaixavam, os categorizamos, seguindo uma lógica de temas
semelhantes, como culinária, sotaque, música, elementos e pertencimento, para que a análise
desses tuítes pudessem ser feitas de forma conjunta e articulada, com base em nosso
referencial teórico referente a consumo midiático (GARCÍA CANCLINI), representação
(HALL, 2016) e identidade regional (ALBUQUERQUE JÚNIOR).
Assim, como será possível perceber durante o capítulo “Observações” e
“Conclusão”, a articulação entre os tuítes produzidos pelos fãs de Juliette e a tríade teórica,
possibilitaram resultados que demonstram o interesse dos fãs em consumir representações que
as incentive na valorização, orgulho e respeito pelo seu lugar de origem. E, a partir da
representação de Juliette, floresce, neles, reflexões sobre a forma de se relacionar com a
Região Nordeste, impulsionadas pelo processo de transcodificação dos estereótipos negativos
(HALL, 2016).
13
14

2 ANCORAGENS TERRITORIAIS

O presente capítulo inicia indicando, já no título, um sentimento que pode ser comum
a muitas pessoas: o pertencimento. Sentir-se parte de algum território, cultura, grupo ou de
uma comunidade é pauta de estudo dentro das Ciências da Comunicação e, neste trabalho,
trataremos sobre o pertencimento ao lugar de origem. Para isso, será preciso refletir sobre
tópicos que fundamentam o debate: Cultura e Identidade Nacional, Cultura Regional e
Representação do Nordeste.
Esses três tópicos articulados auxiliam na construção do nosso objetivo de
compreender as formas pelas quais o consumo midiático pode estar relacionado à
manutenção e ressignificação da identidade regional do Nordeste, a partir do caso da
Juliette. Por essa razão, antes de falarmos sobre representação midiática, precisamos entender
como o lugar a ser representado se constituiu enquanto local social, cultural e identitário. Para
contribuir com o debate, teremos o amparo teórico Ruben Oliven (1986; 2001), Renato Ortiz
(2013), Albuquerque Júnior (2011; 2013), Stuart Hall (2003;2016), Kathryn Woodward
(2003), Nilda Jacks (1997;2003), Néstor García Canclini (2008) e Martín-Barbero (2003),
Cicília Peruzzo e Marcelo Volpato (2009), Rosa Cabecinhas (2009) e outros.
O seguinte subtítulo trata de uma contextualização histórica e antropológica sobre a
construção da cultura nacional. Passaremos, de maneira resumida, desde o Brasil Colônia,
Império e até a Ditadura Militar, período em que buscou-se categorizar o país nas cinco
regiões que conhecemos hoje. Essa abordagem histórica pretende servir como embasamento
de análise, na tentativa de explicitar a identidade regional como uma construção, portanto
mutável (HALL, 2003; 2006) e, assim, refletir se/como o objeto de estudo, a vencedora do
BBB 21 Juliette, pode contribuir para uma nova invenção do Nordeste (ALBUQUERQUE
JÚNIOR, 2011) a partir da identificação e da negociação de sentidos com seus audiência.

2.1 CULTURA E IDENTIDADE NACIONAL

No presente subcapítulo, apresentamos os conceitos-chaves de todo o nosso trabalho:


a cultura e a identidade. Na reflexão, tentaremos responder a seguinte questão: como a cultura
e a identidade que conhecemos hoje foi desenhada durante as décadas e até séculos da história
brasileira? Junto a isso, buscaremos refletir o que é nação, identidade nacional e de que modo
os conceitos de cultura nacional e regional se relacionam.
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A cultura, de antemão afirmamos, não é um resultado. Ou seja, nossa intenção em


entendê-la a partir de sua história não é uma tentativa de somar questões históricas e encontrar
uma conclusão que nos diga, em definitivo, um único significado para o conceito. Mas,
entender como ele foi definido durante os anos nos ajuda na compreensão dos discursos e das
práticas sociais vividas hoje. A cultura pode ser entendida como “modo de vida” de um povo,
de uma comunidade, de uma nação ou de um grupo social” (HALL, 2016, p. 19), estando em
constante fluxo e mudança. Renato Ortiz (2013) afirma que a cultura pode ser compreendida
como a “consciência coletiva” que vincula os sujeitos uns aos outros. Mas, como essa
consciência coletiva se constrói em um lugar que é composto por diferentes raças, religiões e
até línguas espalhadas por um país continental? Essa também foi uma questão para vários
pesquisadores como Rocha Pita, Varnhagen, Sílvio Romero, Nina Rodrigues, Euclydes da
Cunha, Sérgio Buarque de Holanda, Gilberto Freyre, Caio Prado Jr., Darcy Ribeiro (ORTIZ,
2013). A partir desses estudos, mediados pelas reflexões de Renato Ortiz e Ruben G. Oliven
(2001), buscaremos traçar um panorama histórico.
Para Stuart Hall (2003) é comum e legítimo buscarmos entender a identidade vivida
hoje por meio da história. Afinal, é a partir do que já aconteceu com as pessoas e lugares no
decorrer de suas trajetórias que se constitui o que elas representam hoje. A identidade é
formada a partir de representações, e, assim como a cultura, está em constante transformação.
Para Renato Ortiz (2013, p. 622) "Toda identidade é uma representação e não um dado
concreto que pode ser elucidado ou descoberto, não existe identidade autêntica ou inautêntica,
verdadeira ou falsa, mas representações do que seria um país e seus habitantes”
Diante do contexto do nosso estudo, importa perceber que a história da construção de
representações culturais e identitárias do Brasil se deu em constante oscilação. Em muitos
momentos, valorizava-se as raízes, em outros, o estrangeiro. A questão da identidade é vista
também como a exaltação da diferença (WOODWARD, 2003). Assim, o contraponto que se
deu durante muitos períodos da história brasileira é o de busca pela modernidade, pela nação,
desvalorizando o que aqui se tinha e substituindo pelo ideal europeu e, depois,
norte-americano.
Em 1808, quando a família real portuguesa veio fugida para o Brasil, trouxe consigo
ares e características europeias. Nesse período, o território que era colônia se tornou sede da
monarquia e Vice-Reino do Brasil. O Rio de Janeiro, durante os anos, fez-se cidade
cosmopolita para abrigar as elites e suas vontades e ideais europeus, principalmente depois da
abertura dos portos brasileiros para o comércio exterior, o fluxo de comerciantes e viajantes
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cresceu e com isso a cidadela criada no Rio de Janeiro foi composta por pessoas que detinham
poder e riqueza.
Ruben G. Oliven (2001, p. 4) menciona que a glorificação da modernidade estrangeira
pela elite do Brasil distanciou ainda mais, essa população urbana, pelos níveis econômicos e
culturais, das províncias chamadas de Norte e Sul “já que os estratos superiores adotaram o
requinte e arremedo de vida intelectual como um símbolo de distinção". Nesse período de
reconstrução simbólica e identitária, do que antes era colônia e tornou-se sede da monarquia,
uma das principais questões foi “quem somos nós?”, essa dúvida, como afirma Renato Ortiz
(2013) foi trazida pelos intelectuais brasileiros que iniciaram o desejo de nacionalização.
Se para ser nação era preciso ser diferente das outras, era preciso descobrir o que nos
representava. A autora Kathryn Woodward (2003, p. 11) compreende que a representação está
intrinsecamente ligada à tentativa de responder aos questionamentos: Quem eu sou? O que eu
poderia ser? Quem eu quero ser? Por isso, aquele momento de grandes mudanças foi o
pontapé para as primeiras pesquisas sobre a identidade e cultura brasileira. Na tentativa de
nacionalização, intelectuais de variadas áreas se propuseram a entender as diferenças que
existiam em nosso território para, assim, tentar conceituar a identidade nacional.
O Brasil, país colonizado, com variações étnicas complexas, passou por uma longa
trajetória até entender-se enquanto nação. Renato Ortiz (2013) afirma que, por muito tempo,
nem todo território poderia ser chamado de nação, pois, com base nos princípios da época,
para ser nação deveria ser moderno, expansionista e rico. O fato é que, até ser território
independente, o Brasil não apresentava nenhum sinal de modernidade, nem mesmo depois de
sua independência trouxe muitos avanços. Mas, com a contemporaneidade, percebeu-se que
existem muitos outros fatores além do econômico para definir uma nação.
O ser nação é um todo integrado, é o coletivo que comporta diferentes identidades,
mas que juntas representam um mesmo território (ORTIZ, 2013). Com isso, voltamos à
questão anterior que busca entender como é possível criar uma consciência coletiva em um
país tão diversificado. A resposta pode ser encontrada no Estado. O Estado serve como
ferramenta mediadora na definição da cultura nacional, é papel dele garantir o direito de
expressar, representar e fazer cultura.
O que aconteceu com o Brasil, porém, não foi um caso de valorização cultural. Pelo
contrário, por suas questões fundantes, como a forma de colonização e até seu
desenvolvimento pautado na escravidão, a cultura nacional foi sendo inventada conforme
disputas discursivas de poder. Para ser nação, o todo-integrado precisaria, de fato, ser
articulado, ou seja, descobrir elementos que vinculam os diferentes povos espalhados pelo
17

território brasileiro. Renato Ortiz menciona que a cultura, quando associada à ao nacional
adquire a dimensão agregadora, portanto:

Se os membros de uma população territorial encontram-se separados pela distância


geográfica, pela origem de classe, pelo fato de serem citadinos ou camponeses, um
mesmo conjunto deve envolvê-los para que façam parte de uma unidade comum. A
cultura é a consciência coletiva que vincula os indivíduos uns aos outros (2013, p.
612)

Para encontrar essa característica agregadora, os intelectuais, ainda sob influência do


romantismo europeu e a partir da República Velha, buscaram na imagem do indígena, na
natureza selvagem e na vida rural representações de brasilidade. A contradição, porém, vem
na tentativa de embranquecimento da população como uma forma de solucionar o que para
Sílvio Romero, Euclides da Cunha, Nina Rodrigues, Oliveira Vianna e Arthur Ramos
(OLIVEN, 2001), líderes intelectuais da época, tinham como problemas: a raça e o clima.
Com isso, o incentivo para a imigração tornou-se a forma mais estratégica de fazer do Brasil
um pedaço da admirada Europa.
Entre a década de 1920 e 1930 uma das principais pautas políticas e intelectuais era a
questão da identidade e a cultura brasileira. Com a Semana da Arte Moderna, artistas
modernistas buscavam a representação do que se tinha de mais autêntico no Brasil, nesse
período, Oswald de Andrade, um dos líderes do Movimento Modernista de 1922, desenvolveu
atividades de pesquisa no interior do país para tentar encontrar elementos intrínsecos à cultura
brasileira. Um dos objetos mais palpáveis dessa busca pelas raízes nacionais foi o Manifesto
Antropófago, escrito por ele em 1928, propondo “uma modernidade brasileira que se
caracteriza por saber ingerir e digerir criativamente o que vem de fora” (OLIVEN, 2001, p. 5)
tal qual, na visão dele, se fez durante a história do país, na colonização. Ruben Oliven
interpreta o Manifesto da seguinte forma:

Antes do processo colonizador, havia no país uma cultura na qual a antropofagia era
praticada, e que reagiu, sempre antropofagicamente mas com pesos diferentes, ao
contato dos diversos elementos novos trazidos pelos povos europeus. É este instinto
antropofágico que deve ser agora valorizado pelo projeto cultural defendido por
Oswald de Andrade. Ele se caracteriza por defender ferrenhamente a intuição e pelo
poder de sintetizar em si os traços marcantes da nacionalidade que garantem a
unidade da nação (OLIVEN, 2001, p. 6)

O Movimento Modernista surgiu no Brasil no mesmo período em que foi criado o


primeiro partido nacional, o Partido Comunista. Mais tarde, em 1930 e na Ditadura Militar, a
criação de uma identidade que garantisse a unidade nacional também servia como forma de
18

demonstrar oposição "ao comunismo" que emergia dentro e fora do país. Mas, se para os
modernistas e alguns políticos da época, o ideal era pensar no nacionalismo como forma de
integração, Gilberto Freyre tinha outra visão. O sociólogo brasileiro ficou conhecido por
defender a tese de que o Brasil poderia se considerar uma “civilização tropical” de
características únicas, como a mestiçagem, afirma Oliven (2001).
O que os modernistas e Freyre tinham em comum era a intenção de revelar os aspectos
da cultura brasileira, contudo, o que os diferenciava era a abordagem. Para Freyre, ao
contrário do que já foi mostrado pelos intelectuais de 1922, a mestiçagem deveria ser motivo
de reconhecimento e valorização. Para o sociólogo, era a mistura de raças que fazia o Brasil
ser diferente dos outros países o que, aliado ao conhecimento mais aprofundado sobre as
regiões brasileiras, favorece a união nacional. A partir de então, Gilberto Freyre escreveu o
Manifesto Regionalista, em contrapartida ao Antrópofago de Oswald de Andrade.

Trata-se de um movimento que não atualiza a cultura brasileira em relação ao


exterior, mas que deseja, ao contrário, preservar não só a tradição em geral, mas
especificamente a de uma região economicamente atrasada. O Manifesto
regionalista desenvolve basicamente dois temas interligados: a defesa da região
enquanto unidade de organização nacional; e a conservação dos valores regionais e
tradicionais do Brasil, em geral, e do Nordeste, em particular. (OLIVEN, 2001, p. 6)

Assim, tanto Freyre que defendia a visão do regional, quanto os modernistas, os quais
tinham uma visão mais direcionada das raízes brasileiras, defendiam a ideia de nação. O
projeto de nacionalização envolvia diferentes grupos e ideologias, tendo em vista a imagem
de "civilidade" perante o internacional, bem como que o sentimento de pátria, de devoção ao
lugar de origem fossem intensificados. A partir de 1930 o Estado ganha mais centralidade,
com Getúlio Vargas no poder, a educação e os meios de comunicação se tornaram
instrumentos de construção da nacionalidade. Em 1939, o Departamento de Imprensa e
Propaganda foi criado com a intenção de difundir a brasilidade, de censurar e exaltar as
virtudes do trabalho. Nas escolas, foi proibido o ensino de línguas estrangeiras e adicionado à
grade curricular as disciplinas de Moral e Cívica. Nesse período “o que vinha de fora era
freqüentemente visto como impuro e, portanto, perigoso” (OLIVEN, 2001, p. 11).
Na década de 1970, o Brasil passava pela Ditadura Militar e o fomento ao
nacionalismo estava presente de forma intensa, explorando a ideia de país independente.
Neste período, se materializa a construção da identidade nacional evidenciada pela diferença,
isso porque “era preciso modelar uma imagem convincente de um Brasil autóctone, sem
influências estrangeiras (o comunismo), harmônico e cordial” (ORTIZ, 2013, p. 620). O medo
do comunismo intensificou o fortalecimento da questão nacional, ao criar símbolos e
19

discursos culturais que refutassem o inimigo comunista, para que em nenhuma instância fosse
entendido que o país apoiava a ideologia.
Assim, criou-se uma política cultural em escala nacional, por meio da Embrafilmes,
Funarte, Conselho Federal de Cultura, Fundação Pró-Memória, a qual funda-se na
reinterpretação das ideias de sincretismo e mestiçagem, de maneira acomodada à perspectiva
autoritária do Estado. Esse imaginário, como afirma Milton Santos (1998), vem desde os
bandeirantes expansionistas, passando pelo Imperador, que proclamou independência e é
resgatado sempre que necessário para reforçar o sentimento de nação. Essa relação da
identidade com o passado é refletida de maneira interessante por Woodward (2003, p. 19), a
qual entende que a busca pela legitimação da identidade pode acontecer “por referência a um
suposto e autêntico passado - possivelmente um passado glorioso, mas, de qualquer forma,
um passado que parece “real” - que poderia validar a identidade que reivindicamos”.
Nesse período, a política e a economia estavam totalmente centralizadas no poder da
nação (OLIVEN, 2001). Os estados passaram a ter ainda menos poder sob seus territórios e
comunidades, a autora Nilda Jacks (2003, p. 19) afirma que “o ato mais significativo desta
política foi a queima das bandeiras estaduais e a proibição de quaisquer símbolos que não os
nacionais”. Com isso, a desigualdade aumentou em níveis expressivos, já que as políticas
públicas cobriam, na maior parte das vezes, apenas os grandes centros, onde o capital se
acumulou. Com os estados sem tanta autonomia, muitos lugares ainda passavam pelo
processo de periferização, como é o caso do Nordeste. Vale lembrar que antes da Ditadura
Militar, ainda pelo presidente Juscelino Kubitschek, foi criada a Superintendência do
Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), cuja finalidade explícita era reduzir as
desigualdades regionais.
Do ponto de vista cultural, o Nordeste também foi berço de um movimento marcante
para a discussão da cultura nacional. O Tropicalismo, liderado pelos artistas Caetano Veloso e
Gilberto Gil, visava uma ruptura estética e ideológica. De acordo com Ruben Oliven, a
importância que esse movimento teve em diferentes níveis, mas principalmente o ideológico ,
através das letras de suas músicas que mostrava um Brasil desigual com “aviões no ar e
crianças descalças na terra”. Os tropicalistas ligavam-se ao modernistas no que diz respeito ao
reconhecimento do Brasil “enquanto nação capaz de deglutir diferentes influências
aparentemente contraditórias” (OLIVEN, 2001, p. 9) de outras partes do mundo. O
tropicalismo serviu como movimento revolucionário em meio ao autoritarismo e auxiliou no
processo de reconhecimento democrático, seguido pelo “Diretas Já”.
20

Com a luta pela redemocratização do país e com o processo de abertura política que
marcou o fim do ciclo militar (1985), velhas questões começaram a surgir
novamente. Assim, apesar – ou talvez por causa – da crescente centralização,
observam-se atualmente tendências contrárias a ela, que se manifestam por meio da
ênfase da necessidade de um verdadeiro federalismo, da proclamação das vantagens
de uma descentralização administrativa, do clamor por uma reforma tributária que
entregue mais recursos para os Estados e municípios e da afirmação de identidades
regionais que salientam suas diferenças em relação ao resto do Brasil (OLIVEN,
1986, p. 9).

O autor explica que, em 1885, com a federalização, o país se encontrava em um


momento “bastante integrado do ponto de vista político, econômico e cultural” e, por isso,
“sugerem que, no Brasil, o nacional passa primeiro pelo regional” (idem, 1986, p. 9). Em
contrapartida, foi também um momento em que movimentos populares começaram a de fato
se organizar e a busca por afirmar as identidades regionais vem como reação a uma tentativa
de homogeneização cultural. Ruben Oliven (1986) destaca outro ponto muito importante:
naquele momento, a cultura nacional, depois de tanto esforço para se definir e propagandear
para outros lugares, enfim, passa a ganhar visibilidade internacional.
O que tem de mais interessante nisso, no entanto, é que dentro do país, movimentos
populares crescem e começam a se preocupar com questões importantes, como a falta de
representação ou a representação estereotipada de muitos elementos divulgados como da
cultura brasileira a níveis globais. Foi então, paulatinamente, onde se observa a defesa da
construção do indivíduo, a partir de diferentes identidades, como as regionais, etárias,
gênero, religiosas e étnicas. Nesse contexto, os meios de comunicação de massa
desempenharam um papel valioso tanto para o fomento aos estereótipos, bem como para dar
visibilidade para diferentes culturas do mesmo país que, antes disso, se mantinham isoladas,
mas sobre isso falaremos mais adiante.
Agora, entendemos como importante dar continuidade ao caminho histórico que
percorreu nossa cultura nacional e que chega à globalização. Onde temos um crescimento na
exportação de bens materiais, como com a competitividade no mercado internacional, além de
bens culturais e simbólicos como as novelas, músicas, festas, religiões (OLIVEN, 1986). Em
2022, pode parecer difícil imaginar um mundo onde as culturas parecem se limitar ao seu
território geográfico, mas esse texto serviu para mostrar que desde muito tempo, a cultura
nacional é formada pela composição de muitas outras, fenômeno denominado de hibridismo
cultural e explicado por Néstor García Canclini.
O autor contextualiza que no final do século XIX, processos históricos aconteciam em
toda a América Latina, em relação a países da América do Norte e Europa. Enquanto nesse
segundo grupo de países avanços tecnológicos emergiram, o Brasil, por exemplo, ainda
21

buscava se estabelecer como nação, como foi mostrado. No século XX, contudo, buscou-se
trazer de fora elementos modernos para serem incorporados à cultura nacional. É nesse
cenário que a proposição de Néstor García Canclini (2008) nos auxilia a responder o
questionamento levantado no início do capítulo sobre como a formação da cultura e a
identidade brasileira, tal como conhecemos hoje, foi desenhada durante as décadas e, até
séculos, da nossa história.
Em seu livro, Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade, García
Canclini (2008, p. 19) explica que a hibridização se estabelece em “processos socioculturais
nos quais estruturas ou práticas discretas, que existiam de forma separada, se combinam para
gerar novas estruturas, objetos e práticas”. Exemplo disso, são as discussões mencionadas
anteriormente como a Semana da Arte Moderna e o Tropicalismo que, na busca por
incorporar a modernidade em suas criações artísticas, fomentaram, também, um novo
processo cultural no país. Ao usar inspiração de vanguardas europeias como cubismo ou o
estilos pop rock e o uso da guitarra para exaltar componentes regionais brasileiros, os artistas
auxiliaram no desenvolvimento de novos modos de comportamento, expressão e linguagem.

O processo de hibridização coloca no mesmo plano as diversas manifestações da


cultura contemporânea rompendo as fronteiras estabelecidas pela lógica da
modernidade, onde o culto deveria estar nos museus e o popular nas praças e feiras.
O tradicional e o moderno, portanto, já não sofrem uma oposição tão evidente, pelo
contrário, convivem em um mesmo cenário social. Neste sentido, surgem novas
formas de identidade cultural, que já não podem mais ser consideradas como
autênticas, nem ligadas apenas a um território (JACKS, 1997, p. 4)

Isso significa dizer, também, que ao refletir sobre a identidade nacional, tratamos
sobre o hibridismo cultural. Nossa cultura, como mostrado, foi formada ao longo dos séculos
por muitas apropriações e negociações que criaram dualidades, como a questão do popular e
do erudito, do arcaico e moderno, do inerente ao externo e do local ao global. Tudo isso,
evidencia que não existe uma identidade pura e autêntica, como explica García Canclini
(2008), mas sim, composta por diversas contribuições e reformulações externas ao “ser
nacional” e, é por essa razão, que o antropólogo explica o risco de delimitarmos as
identidades apenas pelo o que é vivido nos locais:

Quando se define uma identidade mediante um processo de abstração de traços


(língua, tradições, condutas estereotipadas), frequentemente se tende a desvincular
essas práticas da história de misturas em que se formaram. Como consequência, é
absolutizado um modo de entender a identidade e são rejeitadas maneiras
heterodoxas de falar a língua, fazer a música ou interpretar as tradições. Acaba-se,
em suma, obturando a possibilidade de modificar a cultura e a política. (GARCÍA
CANCLINI, 2008, p. 23)
22

Ao pensar na globalização, no entanto, entendemos que os fluxos migratórios de


pessoas, mercadorias e bens culturais auxiliaram na expansão de possibilidades identitárias,
como iremos refletir a seguir. Nesse contexto, também se percebe opacidade no que se refere
à enorme visibilidade de informações, culturas, lugares, sociedades, mas ao raso
aprofundamento dos mesmos, de modo o que se pretende, muitas vezes, não é a liberdade,
mas a competitividade e o domínio (MARTÍN-BARBERO, 2003)
Características da globalização, como explica Jesús Martín-Barbero (2003), são a
virtualidade e a velocidade, onde se formam um espaço-mundo, feito de redes e fluxos e não
de elementos materiais. O autor, metaforicamente, denomina os espaços geográficos como
pontos de acesso e transmissão, em que nos conectamos com o mundo inteiro, mas não
estamos de fato em lugar nenhum. Não estamos presencialmente no lugar onde nos
comunicamos, ao mesmo tempo em que nossas ideias não se enraízam no território, podendo
trabalhar e estudar à distância, visitar museus, exposições, países, pontos turísticos por meio
do nosso computador ou smartphone. Sobre isso, no entanto, Martín-Barbero explica que:

Não é possível habitar no mundo sem algum tipo de ancoragem territorial, de


inserção no local, já que é no lugar, no território, que se desenrola a corporeidade da
vida cotidiana e a temporalidade — a história — da ação coletiva, base da
heterogeneidade humana e da reciprocidade, características fundadoras da
comunicação humana, pois, mesmo atravessado pelas redes do global, o lugar segue
feito do tecido das proximidades e das solidariedades (2003, p. 2)

Em concordância, Manuel Castells (2002, p. 42) afirma que “nesse mundo de


mudanças confusas e incontroladas, as pessoas tendem a reagrupar-se em torno de identidades
primárias: religiosas, étnicas, territoriais, nacionais”. Por isso, entendemos que, apesar de
haver uma desterritorialização simbólica e até muitas vezes material, também valorizamos o
espaço que nos rodeia. Assim, voltamos nossas pesquisas ao regional, para entender como nos
identificamos com elementos que estão muito próximos das nossas ancoragens territoriais. No
próximo subcapítulo nos dedicamos em diferenciar o regional da região para conseguir pensar
em uma identidade regional do Nordeste, bem como entender o papel das diferentes mídias
para a representação ou/e estereotipação da região.

2.2 CULTURA REGIONAL

Como refletimos, a partir da globalização, muito se comentou sobre uma possível


desterritorialização, perda de raízes e até de identidade regional. O pesquisador
23

Martín-Barbero (2003), no entanto, afirma que passamos por uma “cultura da


modernidade-mundo” (p. 2). Ou seja, o processo globalizatório institui uma nova forma de
habitar espaços como trabalho, escola, relacionamentos, os quais passam, muitas vezes, a ser
mediados pelas tecnologias que nos conectam com o mundo todo. Embora não possamos cair
na dicotomia tecnologia-mercado, compreendemos, assim como o autor, que o “sentido do
lugar não é unívoco” (p. 2). Assim, mesmo com as inovações tecnológicas que nos permitem
estar e pensar os lugares de diferentes formas, os espaços geográficos, não perdem relevância
para o indivíduo depois da globalização.

Em meio à intensidade da globalização, eis que ressurge a tendência à valorização


do local. Paradoxalmente, apesar do fascínio pela informação internacionalizada e
pela aparente homogeneização de valores, revitaliza-se o apreço pelo local, pela
comunidade, pelo familiar. Não se negam as vantagens do mundo globalizado,
entretanto, o interesse pelas raízes insere-se nessa complexidade a ponto de
fazer-nos ver o mundo por meio das relações e articulações entre global e local e não
mais apenas pela globalização. (PERUZZO; VOLPATO, 2009 p. 139)

Os autores Cicilia Peruzzo e Marcelo Volpato (2009) ainda explicam que isso se deve
ao fato de que, com a ideia de um mundo globalizado, os locais e os grupos próximos como
comunidades familiares, de amigos, trabalho e escola passam segurança aos indivíduos, frente
a espaços instáveis. Como local, podemos entender o que envolve os “aspectos
geográfico-territoriais, mas também elementos de ordem cultural, histórica, linguística,
política, jurídica, de fluxo informacional e econômico” (idem, 2009, p. 144). Ao mesmo
tempo que contextualizam, os autores lembram que não há como atestar a imutabilidade dos
locais, pois esses estão em constante mudanças a partir das sociedades que ali habitam.
Milton Santos (1998) auxilia na compreensão da fluidez dos locais com a teoria das
horizontalidades e verticalidades. Para ele, por horizontalidades podemos entender as relações
que são possíveis geograficamente, vizinhos, amigos do trabalho, escola, enquanto as
verticalidades seriam as relações que se estabelecem mesmo com a distância, não perdendo as
formas de processos sociais que encontramos na primeira. Assim, a sociedade é formada por
novos processos territoriais, como afirma o autor, de forma que em um mesmo lugar podem
estar acontecendo relações horizontais e verticais. Mas por que isso é importante para
falarmos sobre regionalismo? Porque, assim, percebemos as diferentes formas de habitar o
mundo sem deixar de evidenciar a importância das ancoragens do espaço habitado.
A partir de Peruzzo e Volpato (2009), somos apresentados, também, à diferenciação
entre região e regional. Embora seja uma tarefa complexa, os autores afirmam que a
compreensão do que é região e, mais do que afirmar ser um fragmento de um espaço, como
24

país e estado, inclui elementos socioculturais que possibilitam sua existência. De forma que,
como explicam os autores, no que tange a região, há uma intersecção entre diferentes áreas de
estudo, não limitando apenas na perspectiva geográfica. Assim, resumem descrevendo que:

Deve-se apanhá-la, sobretudo, como um espaço contraditório e incerto que se


relaciona com outras dimensões espaciais, mas que possui certa contigüidade
histórica de fluxos (de informações, econômicos etc.), de fixos (elementos físicos),
sócio-cultural, e demais singularidades simbólicas (como a proximidade simbólica e
não só a territorial, ligada ao sentimento de pertença à questão dos interesses), uma
vez que “a região e o lugar não têm existência própria. Nada mais são que uma
abstração, se os considerarmos à parte da totalidade” (PERUZZO; VOLPATO, 2009
p. 148)

Quando falamos sobre as regiões brasileiras, Milton Santos (1988, p. 17) afirma que
Norte, Sul, Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste eram compreendidas, cada uma, “como uma
entidade autônoma, com aspectos particulares, o que equivalia a dividir o mundo em uma
infinidade de regiões autossuficientes, mantendo poucas relações entre si”. Está nesse ponto o
entendimento sobre o que é regional, uma vez que as regiões foram pensadas de maneira
isolada, porque detém características distintas entre si. O regionalismo é, então, a expressão,
orgulho e exaltação no que se refere aos elementos tradicionais de um determinado espaço.
A divisão político-administrativa do país em regiões aconteceu com o objetivo de
integrar estados e municípios em uma unidade nacional, com diferenças econômicas e
culturais, mas que construíam a imagem nacional. A pesquisadora Nilda Jacks (2003, p. 5)
registra que nessa década “tornou-se comum afirmar que o mundo estaria se homogeneizando
e que estaríamos a caminho de uma única cultura cada vez mais padronizada que tendia a
acabar com as culturas nacionais e regionais”. Contribuindo com a discussão, Albuquerque
Júnior (2011) compreende o regionalismo como uma das principais formas de embate ao
nacionalismo, porque, para ele, as regiões são resultado das lutas e dos conglomerados sociais
que, muitas vezes, foram escanteados.

O regionalismo é muito mais do que uma ideologia de classe dominante de uma


dada região. Ele se apoia em práticas regionalistas, na produção de uma
sensibilidade regionalista, numa cultura, que são levadas a efeito e incorporadas por
várias camadas da população e surge como elemento dos discursos destes vários
segmentos. (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2011, p. 39)

É neste sentido que Nilda Jacks (2003) afirma que, apesar de fazermos parte de uma
mesma nação, necessitamos de marcos de referência que estejam próximos de nós para,
assim, perceber que tais marcos são símbolos que constituem as identidades regionais. Em
1970, quando de fato as regiões brasileiras foram divididas entre as cinco que conhecemos
25

hoje, a discussão não era somente de caráter cultural, pois categorizar e segmentar o país
servia como forma de gerenciamento econômico e de institucionalização da nação.
Como viemos trazendo desde o início desde trabalho, a cultura nacional foi ganhando
características a partir de vários processos de hibridização e o que reforça essas peculiaridades
é o fomento ao todo-integrado (ORTIZ, 2013). Ao mesmo tempo, no que se refere à região,
Jacks (2003) entende que a cultura regional se relaciona com a alteração dos elementos e
hábitos de uma região para outra, pois são as especificidades regionais e a tradição de seguir
certos costumes que a criam e são essenciais para a formação da identidade (HALL, 2003).

2.2.1 A Região Nordeste

O Nordeste é uma das cinco regiões do Brasil definidas pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE). A região é a segunda maior do país e a que mais contém
estados brasileiros em seu território, são eles: Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão, Paraíba,
Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe. Seu desenvolvimento foi pautado por
regimes escravistas e exploração ambiental, mas também foi berço das primeiras
reivindicações e resistências socioculturais do país. É sobre a cultura dita nordestina que nos
interessamos neste trabalho, por isso procuramos entender como ela passou por inúmeras
transformações no imaginário social, mediados pela mídia e por outras instituições. Para
tanto, precisamos passar por questões históricas a fim de entendermos como a cultura que
constitui as pessoas que lá moram, que está presente nas representações midiáticas ou no que
se produz sobre a região, passou por invenções (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2011), às quais,
hoje, constituem uma identidade regional.
É interessante lembrarmos de alguns aspectos básicos que compõem o espaço e que
nos dão contextualização para os próximos debates sobre cultura, identidade, representação e
estereótipos sobre a região. Ao pensar no Nordeste, uma das primeiras associações podem ser
referente à natureza, isso porque é uma região que apresenta grande diversidade de
características naturais, o que faz com que ela seja dividida em quatro sub-regiões, sendo elas:
Zona da Mata, Agreste, Sertão e Meio Norte.
A historiografia tradicional nos conta que o país iniciou pelo o que hoje chamamos de
Nordeste. E, embora essa região tenha sido central para a expansão de poder dos
colonizadores portugueses, também demorou a ser entendida como ambiente social, político,
econômico e cultural, conforme afirma Albuquerque Júnior (2011), em “A invenção do
26

Nordeste”. A partir do autor, entendemos que a região foi inventada e difundida no imaginário
social de uma forma estereotipada e, portanto este momento da pesquisa:

Trabalha no sentido da desconstrução foucaultiana dos discursos que deram


visibilidade e que tornaram dizível a região nordestina, nos marcos da modernidade,
definindo sua identidade, ou impondo seu atraso, como supostamente naturais e
resultantes de difíceis condições geográficas e climáticas, dos efeitos da
miscigenação da raça, da herança biológica dos antepassados, do predomínio do
negros sobre os brancos, de uma natureza irrecuperável, perdida para sempre...
(ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2011, p. 15)

Entender o Nordeste como uma invenção parte do pressuposto de que ele um dia não
existiu. Mas nosso objetivo não é somente mostrar seu percurso histórico no que tange sua
evolução como espaço2 e território, mas principalmente, falamos de uma invenção discursiva
e simbólica. O território, antes mesmo de ser colonizado já estava lá, mas o espaço ocupado e
afirmado enquanto lugar de direitos veio muito depois. Quando Albuquerque Júnior (2011)
reflete sobre a invenção da região, também fala sobre a invenção de todo um povo, o qual, a
depender do enunciado, se molda no imaginário social. E, se pensarmos nos discursos
trazidos pela elite brasileira desde o século XVIII, trata-se de um enunciado com raízes
autoritárias e de dominação.
Pode ser tentador dizer que, desde então, muita coisa mudou. Mas, para entendermos
os estereótipos que homogeneizam toda uma região ainda nos dias de hoje, precisamos fazer
essa retomada. Só assim, se compreende que muitos dos discursos sobre nordestinos e todo o
Nordeste são resultado de uma história pautada na repressão. Então, inventá-lo nada mais é do
que utilizar de elementos isolados ou de algum ponto visto na natureza, no sotaque ou até no
modo de viver de algumas pessoas e homogeneizar tais elementos como constituintes de toda
a região.
O Nordeste é uma produção imagético-discursiva formada a partir de uma
sensibilidade cada vez mais específica, gestada historicamente, em relação a uma
dada área do país. E é tal a consistência desta formulação discursiva e imagética que
dificulta, até hoje, a produção de uma nova configuração de "verdades" sobre este
espaço (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2011, p. 52)

Ao passo que as primeiras representações midiáticas do Nordeste foram sendo feitas, os


primeiros sinais de estranhamento nacional também foram mostrados. “Os Sertões”, de
Euclides da Cunha, publicado em 1906 é um marco quando falamos sobre representação
nordestina nas mídias “no sentido de que esboça os elementos com que vai ser pensado o

2
Para Miltons Santos (1988, p. 25), “o espaço é resultado da ação dos homens sobre o próprio espaço,
intermediados pelos objetos, naturais e artificiais”.
27

problema de nossa identidade nacional” (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2011, p. 66). Porque


foi com o auxílio da obra que iniciamos a busca pela nossa origem, uma visita ao passado, às
tradições, bem como, ainda segundo Albuquerque Júnior (Ibidem) “teríamos ficado
conhecendo, com ele, a influência do ambiente sobre o nosso caráter e a nossa raça em
formação”.
Foi nesse momento que se iniciaram as aparições das culturas regionais em larga escala,
seja por meio das novelas, livros, músicas ou outras artes. Isso é positivo, porque modifica os
padrões hegemônicos e eurocêntricos midiatizados. Mas, por outro lado, tais representações
não condiziam com a realidade de todo um povo, porque, como já mencionado, são o produto,
muitas vezes, de discursos elitistas e estigmatizados.

2.3 REPRESENTAÇÃO

Nesta altura do trabalho, já entendemos que a cultura e a identidade estão relacionadas e


que se moldam conforme as épocas e/ou transformações sociais, como a globalização, bem
como conforme os indivíduos que por elas são constituídos. Neste subcapítulo, então,
compreendemos mais a fundo a relação entre cultura, representação, estereótipo e, a partir
disso, apresentamos um conceito muito importante para nossa análise: a transcodificação
(HALL, 2016)..
Pertencer a uma cultura é estar em comunhão de sentidos entre uma comunidade. É como
compartilhar uma mesma forma de ver o mundo e dar significado às práticas, rituais e
tradições de forma semelhante. Albuquerque (2011), entretanto, compreende que os discursos
são agenciados de maneiras diferentes por cada indivíduo, porque eles são apenas
articuladores em meio a inúmeras mediações e formas de enunciação. Então nem todas as
pessoas irão se emocionar com as mesmas músicas, reivindicar as mesmas lutas e assimilar as
representações igualmente .
Segundo Hall (2016), para as identificações culturais serem possíveis, é necessário que os
membros de uma mesma comunidade compartilhem mapas conceituais similares, porque é
isso que faz com que elas consigam vivenciar o mundo por óticas culturalmente iguais. Do
mesmo modo, alterações na produção de sentido acontecem porque as interpretações e
interações se moldam conforme as mediações que envolvem cada indivíduo. Ou seja,
partilhar o mesmo mapa conceitual, significa ter um conjunto de conceitos, imagens e ideias
que lhes permitem “sentir, refletir e, portanto, interpretar o mundo de forma semelhante”
(HALL, 2016, p. 20).
28

A partir de uma concepção antropológica e sociológica da cultura, surge um


questionamento: como as pessoas que compartilham mapas conceituais similares sabem qual
o sentido presente nos objetos que desejam se referenciar? Hall (2016) nos explica que:

O sentido não está no objeto, na pessoa ou na coisa, e muito menos na palavra.


Somos nós quem fixamos o sentido tão firmemente que, depois de um tempo,ele
parece natural e inevitável. O sentido é construído pelo sistema de representação.
Ele é construído e fixado pelo código, que estabelece a correlação entre nosso
sistema conceitual e nossa linguagem, de modo que, a cada vez que pensamos em
uma árvore, o código nos diz para usar a palavra em português ÁRVORE, ou a
palavra inglesa TREE. (p. 42)

Isso quer dizer que o sentido das coisas é, assim como a cultura e a identidade, fluido
e mutável, baseado nas pessoas e representações que os constituem. De forma que, a
representação é responsável por, a partir de signos organizados em uma linguagem, atribuir o
sentido aos bens de uma determinada cultura (HALL, 2016), como aos objetos materiais. Para
conseguirmos compreender o que determinado discurso, imagem, texto, referência e objeto
significa, precisamos ter uma representação dele. Por consequência, a partir da compreensão
dos códigos compartilhados apresentados em cada representação, conseguimos regular a
nossa relação com os demais membros de uma cultura e orientar, assim, o nosso
comportamento (CABECINHAS, 2009).
Como nos explica a pesquisadora Rosa Cabecinhas (2009, p. 2), as representações
dizem respeito a uma modalidade do conhecimento que socialmente é elaborada e
compartilhada, contribuindo, assim, para “a percepção de uma realidade comum a um
determinado grupo”. Hall (2016) afirma que representar também é se colocar no lugar de um
objeto, cultura, pessoa. Quando, ao contextualizar o objeto de estudo desta pesquisa, falamos
que Juliette representa o Nordeste, estamos querendo dizer que, a partir do uso e apropriação
da linguagem, dos signos e imagens representacionais do Nordeste, Juliette comunica sua
identidade cultural. Esta articulação se dá porque a artista aciona tais elementos para interagir
e se integrar com quem compartilha o mesmo mapa conceitual que ela, bem como para se
distinguir de quem não tem o mesmo.
Stuart Hall (2016, p 22), nos auxilia na compreensão desse exemplo ao explicar que
“representar algo é descrevê-lo ou retratá-lo, trazê-lo à tona na mente por meio da descrição,
modelo ou imaginação; produzir uma semelhança de algo na nossa mente ou em nossos
sentidos.”. Isso é importante para nosso estudo, porque auxilia a compreender que, embora os
significados não sejam fixados, eles, a partir de uma repetida representação positiva ou
negativa, passam a se tornar marcados em nossos mapas conceituais.
29

Ao falar sobre o Nordeste, por exemplo, o autor Albuquerque Júnior (2011, p. 35)
afirma que ele pode ser tomado como uma "invenção, pela repetição regular de determinados
enunciados, que são tidos corno definidores do caráter da região e de seu povo”. Ou seja, o
que dá sentido aos objetos, bens e estilos de vida, são as formas pelas quais eles são
representados, que passam a expressar uma realidade, bem como ser referência para se
pensar em determinado contexto.
Portanto, representação significa “simbolizar alguma coisa, pôr-se no seu lugar ou
dela ser uma amostra ou um substituto” (HALL, 2016, p. 32) e, o que faz dela uma
representação positiva ou negativa é a forma como ela é empregada em determinados
contextos. Isso tudo nos leva a um conceito importante, os estereótipos, que são formas de
representar uma determinada cultura, personalidade, objeto ou situação por meio da exaltação
de alguns elementos. O mesmo autor (2016) conceitua estereótipo como um processo de
simplificação das características de uma pessoa, lugar ou de um grupo. Assim, quando se
estereotipa uma pessoa, uma identidade cultural, todo o contexto que o envolve, é reduzido a
apenas alguns traços memoráveis ou que são facilmente compreendidos e reconhecidos.
Por vezes, os estereótipos podem ser favoráveis, como é o caso de elementos que,
mesmo sem conhecermos o contexto, já temos uma boa impressão - normalmente por
consequência das relações e disputas que conferem a determinados grupos o lugar de
representação dominante, logo, universal. Mas, em outras situações, a partir da exaltação
repetitiva da diferença se tornam, além de estereótipos, parte de um processo de
estereotipagem, o qual contribui para a desigualdade. Isso porque, segundo Hall (2016, p.
191) a estereotipagem “implanta uma estratégia de “cisão”, que divide o normal e aceitável do
anormal e inaceitável. Em seguida, exclui ou expele tudo o que não cabe, o que é diferente”.
Ao nosso ver, a representação e o estereótipo andam juntos. Pois, quando há
representações hegemônicas, há também o risco de virar um estereótipo por meio da limitação
de outras representações. Ou seja, se ao falar sobre Juliette, pode-se remeter a ela apenas
como uma mulher nordestina, que veio de um ambiente de vulnerabilidade social, levando a
possíveis estigmatização sobre seu comportamento, e a projeções sobre sua história de vida.
Neste caso estamos restringindo a uma representação apenas e, dessa forma, esquecendo de
30

todas as outras que compõem a sua identidade como a de cantora3, advogada, feminista,
maquiadora, filha, irmã, milionária, empresária, ex-BBB.
Os estereótipos negativos são prejudiciais não só para a pessoa, mas a toda uma
comunidade que faz parte de determinada cultura ou que se identifica com certos
comportamentos e discursos. Desta forma, ao sustentar os estereótipos, também se avança
com a desigualdade social, porque, pela repetição, começam a se naturalizar em nosso
cotidiano. O conceito de naturalização é explicado por Hall (2016, p. 171), como uma
estratégia representacional, a qual pretende “fixar a diferença” por um longo período, na
tentativa de “assegurar o ‘fechamento’ discursivo ou ideológico”. Ou seja, se essas diferenças
que pretendem ser fixadas são “culturais”, então elas podem mudar durante o tempo, no
entanto se forem “naturais”, se tornam permanentes.
Em seu livro, Hall usa o exemplo dos estereótipos raciais. Mas para nosso estudo,
cabe falar sobre os estereótipos regionais e, na maior parte das vezes, referentes à Região
Nordeste do Brasil. Como mostramos em parágrafos anteriores, apesar de haver estereótipos
positivos, ainda é alta a taxa de negativos e um dos grandes fatores para isso é o preconceito.

O preconceito em relação ao Nordeste e ao nordestino nasceram de uma dada


visibilidade e dizibilidade da região, que não foi gestada apenas fora dela, mas por
seus próprios discursos e reproduzida por seu próprio povo. Este Nordeste nada mais
é que a regularidade de certos temas, imagens, falas, que se repetem em diferentes
discursos. (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2011, p. 343-344)

Um trabalho realizado por pesquisadores da Universidade Federal da Paraíba (UFPB)


em 2014 investigou as configurações que o preconceito regional contra nordestinos se
evidenciaram no Brasil. Na pesquisa, foi solicitado a cem estudantes universitários que
indicassem cinco adjetivos que representam o que, normalmente, os brasileiros usariam para
descrever um nordestino4. Os participantes também ordenaram suas escolhas de acordo com o
grau de importância que atribuíam a cada adjetivo. A opção mais citada entre os adjetivos

3
Juliette iniciou sua carreira como cantora após a edição 21 do Big Brother Brasil. Para isso, contou com aulas
de canto, treinos e sessões de fonoaudiologia. Mesmo com a carreira ainda no início, Juliette já lançou EP com 6
músicas, desenvolvidas por músicos paraibanos. Na época, foi o projeto com mais streams no Spotify nas
primeiras 24 horas após o lançamento, cantou ao lado de Gilberto Gil, Elba Ramalho, Alceu Valença e Chico
César. Bem como, lançou uma turnê por mais de 5 cidades brasileiras. Vale ressaltar que, apesar disso, a ideia de
que Juliette é uma cantora, ou artista, gerou polêmica em maio de 2022, após um comentário questionador da
humorista e também cantora Samantha Schmütz, a qual diz se incomodar com aqueles que acreditam que fama e
arte são sinônimos. Neste trabalho nos referimos à Juliette também como cantora, pois para nosso estudo sua
participação no meio musical também é parte da análise.
4
A pesquisa também investigou a configuração do preconceito racial. Para nosso estudo, utilizamos apenas
dados e adjetivos dos nordestinos.
31

negativos foi “burro” e a opção mais citada entre os adjetivos positivos foi “trabalhador”
(BATISTA et. al., 2014).
Os estereótipos negativos dos nordestinos, por exemplo, dizem respeito à pobreza, ao
atraso e à acomodação como aponta José Batista et. al. (2014) e são lembrados nos textos de
Albuquerque Júnior (2011) com muita firmeza e seriedade:

O discurso da estereotipia é um discurso assertivo, repetitivo, é uma fala arrogante,


uma linguagem que leva à estabilidade acrítica, é fruto de uma voz segura e
autossuficiente que se arroga o direito de dizer o que é o outro em poucas palavras.
O estereótipo nasce de uma caracterização grosseira e indiscriminada do grupo
estranho, em que as multiplicidades e as diferenças individuais são apagadas, em
nome de semelhanças superficiais do grupo. (p. 30)

A novela Cordel Encantado5, exibida pela emissora Globo, em 2011, é um dos grandes
exemplos de representação midiática do Nordeste. Isso porque, traz elementos presentes no
imaginário social para se referenciar ao Nordeste, como o cangaço, a literatura de cordel, os
versos, a seca, o trabalho sertanejo, coronelismo, entre outros.

Figura 1- Novela Cordel Encantado

Fonte: Correio do Povo (2018).

Esse é um caso típico em que é possível perceber a dualidade entre a importância da


representação e a representação estereotipada. A história, como podemos ver nas sinopses
feitas pela própria emissora, é inspirada na literatura popular de cordel, lembrando as raízes
5
A trama tinha como ponto de partida as lendas heróicas do sertão nordestino e o encantamento suscitado pela
realeza europeia, temas presentes nos poemas de cordel, originados na Europa da Idade Média. A partir dessa
base narrativa, criou-se o romance do casal central da novela, formado por Açucena, interpretada por Bianca
Bin, uma cabocla brejeira criada por lavradores no Nordeste do Brasil, sem saber que é a princesa de um reino
europeu; e Jesuíno, interpretado por Cauã Reymond, um jovem sertanejo que desconhece ser filho legítimo do
cangaceiro mais famoso da região. (GLOBO, 2021).
32

nordestinas de forma rimada, com versos e prosas e, por ter essa proposta, dá respaldo para
uma trama fantasiosa e até exagerada em certos pontos. No entanto, o que se torna importante
lembrar é a forma pela qual toda uma região passa a ser representada, como um lugar apego à
natureza, aos afetos parentais, místico, religioso, com paisagens exuberantes e, ao mesmo
tempo, desigual, comandado por coronéis e cangaceiros, onde a seca e a pobreza são pontos
bastante frisados.

O cangaço vai marcar o Nordeste e o nordestino com o estereótipo da "macheza", da


violência, da valentia, "do instinto animal", do assassino em potencial. Motivo de
orgulho e de vaidade para os setores tradicionais, notadamente para os camponeses
da região, o elogio ao cangaço servirá para estigmatizar o homem pobre e vindo do
meio rural do Nordeste, especialmente quando chega nas grandes cidades do Sul.
Estereotipá-los como homens primitivos, bárbaros, alheios à civilização e à
civilidade, que, embora fossem homens comuns, escondiam uma fera pronta a se
revelar, "às vezes nem pareciam gente". O Nordeste seria a terra do sangue, das
arbitrariedades, região da morte gratuita, o reino da bala, do Parabelum e da faca
peixeira. (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2011, p. 43)

Com isso, queremos dizer que as representações são essenciais para o


desenvolvimentos das linguagens, das relações sociais, dos imaginários e das compreensões
de espaços que não conseguimos visitar. O cuidado, contudo, deve estar na forma pela qual as
pessoas, as comunidades, regiões, grupos minoritários, estilos de vida e lugares são
representados, porque, muitas vezes, o discurso pode ser reducionista e embasar estereótipos e
preconceitos. O Nordeste, como afirma Albuquerque Júnior (2011, p. 217) é uma “criação
imagético-discursiva cristalizada, formada por tropos que se tornam obrigatórios”.
Ou seja, a concepção simbólica e cultural sobre o Nordeste vem sendo construída há
muitos anos e, por meio das representações, as quais são repetidamente usadas até se
cristalizar no imaginário-social, chega-se, por exemplo, à noção de um lugar místico e
mitológico, materializados na mídia através de personagens como o pregador Miguézim,
interpretado por Matheus Nachtergaele, de Cordel Encantado, o qual faz profecias, ou com o
Candinho, interpretado por José Loreto, na novela Flor do Caribe, um sertanejo que sua única
tarefa e vontade é cuidar de sua cabra de estimação.
É interessante perceber que, em todos esses signos contidos em novelas, revistas,
fotografias, textos, há uma estratégia embutida que orienta o visível e o dizível
(ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2011). Por essa razão, é preciso que haja estratégias que
elaborem outras narrativas e que passem a ressignificar códigos já cristalizados nos mapas
conceituais e no imaginário social.
33

2.3.1 Transcodificação

Tendo em vista a reflexão de Stuart Hall, entendemos que a “representação é uma parte
essencial do processo pelo qual os significados são produzidos e compartilhados entre os
membros de uma cultura” (HALL, 2016, p. 31) e que é a partir de seus usos e apropriações,
que concebemos comunidades de fãs envoltas nos mesmos mapas conceituais, bem como é
possível, a partir de representações hegemônicas, a estereotipagem. Essa prática faz parte de
uma estratégia discriminatória, porque passa a se naturalizar no imaginário social, por meio
da exaltação da diferença.
Em Cultura e Representação (2016), Stuart Hall reflete como contraestratégias foram
traçadas pelos movimentos de grupos minoritários pelos direitos civis, especialmente negros,
nos Estados Unidos .Na década de 60, diferentes conflitos identitários estavam acontecendo a
partir da mobilização destes grupos, como o fim da segregação no Sul e as migrações para os
centros urbanos no Norte. Nesse contexto, "questões de representação e poder adquiriram
centralidade na política contra o racismo e em outros movimentos sociais” (HALL, 2016, p.
189). Foi após esses movimentos de resistência que a afirmação da identidade cultural negra
se tornou ainda mais presente, “uma atitude positiva em relação à diferença e luta sobre a
representação” (idem, p. 212).
Antes disso acontecer, já haviam diferentes formas de criar narrativas que fugissem das
hegemônicas. Mas é, a partir desse contexto, que são traçadas estratégias para ir contra a
discriminação expressa nas representações midiáticas (principalmente raciais). Trata-se de
contraestratégias que envolvem diretamente os estereótipos, de uma forma que passa a tentar
mudar o sentido colocado e reforçado por anos, apropriando-se do que é negativo e
convertendo positivamente o significado. O conceito é denominado por Hall de
transcodificação e só é possível porque o significado escorre, desliza e é direcionado
conforme as pessoas que os constituem.

Palavras mudam seus sentidos. Os conceitos (significados) aos quais elas se referem
também se modificam, historicamente, e toda transformação altera o mapa
conceitual da cultura, levando diferentes culturas, em distintos momentos históricos,
a classificar e pensar sobre o mundo de maneira diversa. (HALL, 2016, p. 59)

Em nosso estudo, a partir do recorte teórico feito por Hall, exemplificaremos algumas
representações nordestinas e os modos pelos quais elas podem ser reconfiguradas na mídia a
partir da ideia de transcodificação. Ao falar sobre a Região Nordeste, alguns elementos vêm a
nossa mente, muitos deles são associações feitas por meio das representações midiáticas.
34

Como explicamos até agora, a partir de uma constante representação hegemônica, é possível
que estereótipos se constituam em nossos mapas conceituais, mas nem mesmo os estereótipos
são fixos. Neste contexto, os meios de comunicação podem tanto contribuir para o caráter
hegemônico de certas representações sociais quanto ser instrumentos de mudança social, ao
dar visibilidade a representações das minorias que fogem àquelas hegemônicas" (PARISE,
2022, p. 44). A fim de refletir o que Hall propõe teoricamente, apresentamos as três
contraestratégias apresentadas por Hall (2016) a partir de exemplos de representações
midiáticas na teledramaturgia e, também, pela própria Juliette.

2.3.1.1 A inversão dos estereótipos.

A primeira contraestratégia pretende valorizar positivamente todas as características


que normalmente seriam vistas como estereótipos negativos. Nos parágrafos anteriores,
mostramos como a Região Nordeste foi retratada na novela Cordel Encantado, onde um dos
signos6 representativos foram os arcaicos cangaceiros. Na novela, os cangaceiros estavam
relacionados a diferentes estereótipos negativos, como a violência. Na imagem abaixo,
observa-se uma contraestratégia utilizada pela Juliette, com respaldo dos veículos
hegemônicos, para demonstrar a força do cangaço em sua identidade cultural.

Figura 2- Juliette Chapéu de Cangaceira

Fonte: Instagram (2021).

6
Segundo Hall (2016), o signo representa um elemento para o qual designamos sentido, ele pode ser palavra,
sons, imagens.
35

Quando reflete sobre a Inversão dos Estereótipos Stuart Hall afirma que “a mudança
pode ser um progresso [...] mas o novo quadro não escapa das contradições da estrutura
binária da estereotipagem” (HALL, 2016, p. 215) regional. Ou seja, embora a contraestratégia
seja bem-vinda para demonstrar que o cangaço é um elemento histórico da cultura nordestina
e que, por isso, sua representação pode ser vista como resistência, também deve-se tomar o
cuidado para não expressar, também, uma representação que reforce estereótipos.

2.3.1.2 Imagens Positivas e Negativas.

A segunda contraestratégia que pretende a transcodificação, é uma das mais utilizadas


nas representações contemporâneas, porque visa, de fato, “substituir as imagens ‘negativas’,
que continuam a dominar a representação popular, por várias imagens 'positivas''' (HALL,
2016, p. 216). Ou seja, se existem muitos estereótipos relacionados ao atraso, acomodação,
falta de conhecimento, essa contraestratégia mostra justamente o contrário: nordestinos
bem-sucedidos, inteligentes, modernos.
Na figura 3, temos Juliette na capa da Vogue Digital, uma das principais revistas de
moda do país. E o interessante, levando elementos da cultura nordestina para o projeto de
fotografia e, na legenda: “A cultura nordestina, a força feminina, todos que tiveram amor por
essa história e eu.”. Na teledramaturgia, também é possível ver personagens que representam
imagens positivas, como é o caso do José Alfredo, interpretado por Alexandre Nero, na
novela Império, que é nordestino e dono de uma rede internacional de joalherias, um dos
homens mais poderosos do país, sendo chamado, inclusive, de comendador.

Figura 3- Juliette Capa Vogue

Fonte: Instagram (2021).


36

Outro exemplo bastante marcante de personagem que representa positivamente a


Região Nordeste é a Maria do Carmo, interpretada por Suzana Vieira, na novela A Senhora do
Destino, exibida em 2004, pela Rede Globo. A trama segue o estilo realista, o qual pretende
mostrar histórias fiéis a contextos cotidianos e se desenvolve. A partir de uma história de
superação, tem-se a protagonista Maria do Carmo, uma mulher pobre do estado de
Pernambuco, que vai com seus filhos para o Rio de Janeiro tentar mudar de vida. Com o
desenrolar da trama, a personagem se mostra uma mulher forte, afetuosa e honesta, que
consegue ficar muito bem sucedida financeiramente, a partir de seu empreendimento Do
Carmo Materiais Para Construção.
A partir desses exemplos, podemos perceber diferentes momentos em que o
nordestino é representado como alguém bem-sucedido, independente, com diferentes
narrativas paralelas além de sua identidade regional. Essa contraestratégia, pretende
demonstrar representações múltiplas, em que os personagens são constituídos por várias
versões de si, não sendo limitados aos estereótipos negativos.

2.3.1.3 Através do olhar da representação

A terceira contraestratégia rompe com a lógica de novas formas de representação e


apresenta um objetivo diferente: estar “dentro das complexidades e ambivalências da
representação em si e tenta contestar a partir dessa esfera” (HALL, 2016, p. 219). Ou seja,
aqui a intenção é monitorar, zelar e contestar as representações existentes e que ainda serão
construídas. Isso ocorre porque, considerando a constante mutação das culturas e identidades,
é necessário que haja uma estratégia que consiga acompanhar as mudanças de forma
consciente e vigilante. "Ela aceita e funciona juntamente com o caráter instável e mutável do
significado e entra, por assim dizer, em uma luta pela representação, embora reconheça que
não haverá vitória final, pois não existe possibilidade de fixar o significado. (HALL, 2016, p.
219)
Por essa razão, tem o intuito de resistir aos estereótipos que homogeneizaram, por
meio de um esforço contínuo para que haja diversidade e veracidade. Nas novelas, por
exemplo, que os personagens nordestinos não sejam representados negativamente apenas por
seu local de origem, que os sotaques respeitem as variações geográficas de cada estado, que
atores nordestinos tenham prioridade para representar personagens dessa região. Bem como
que as mulheres nordestinas não sejam representadas apenas de forma sexualizada e que as
37

representações de homens nordestinos não se restrinjam aos cangaceiros, nem mesmo que a
região seja pensada como unicamente paradisíaca, ou lembrada pelas secas.

Transcodificar não é fácil, já que faz-se um grande esforço (pelas representações


estereotipadas, por exemplo) para fixar os significados. Contudo, a partir do
momento em que as discussões sobre poder e representação ganham centralidade no
debate público, movimentos sociais começam a exercer pressão nas estruturas
dominantes e os significados são redirecionados, contestados e, em última instância,
modificados. (PARISE, 2022, p. 44)

Essa vigília, encontra um novo potencializador. Com as redes sociais, a pressão


exercida pelos movimentos sociais pode ser exponencial, quando articulada às comunidades,
até aos fandoms. O uso da internet, das mídias, redes sociais digitais e de celulares se constitui
num diferencial importantíssimo para os movimentos populares e/ou coletivos envolvidos em
dinâmicas de transformação das sociedades, como mostra Cicilia Peruzzo (2013). É neste
contexto que direcionamos a discussão do próximo capítulo para contextualizar a
comunicação digital às comunidades de fãs.
38

3 VOCÊ NUNCA ESTEVE SOZINHA

Neste capítulo conceitualizamos as redes sociais como termo mais abrangente que o
utilizado recentemente, associado ao contexto digital. A partir de uma perspectiva que se
aproxima dos estudos de relações sociais, temos o objetivo de pensar de que modo as redes
sociais digitais, possibilitam refletir novas formas de habitar, socializar e perceber o mundo,
por meio das comunidades de identificação. Para isso, precisaremos compreender de fato, o
que são redes sociais, o seu encadeamento com a internet e os usuários e as comunidades que
se formam em volta de uma identidade em comum ou em diferença.
Assim, este capítulo pretende afunilar a discussão feita anteriormente, trazendo nosso
campo de análise para o âmbito digital. Sem a intenção de analisar métricas, insights,
algoritmos, nossa discussão se embasa em questões socioculturais que associam os conceitos
de identidade com os de comunidade e consumo midiático digital. Este capítulo também
conduzirá nossa reflexão para nosso foco de análise: os receptores.
Se lá na introdução indicamos nosso objetivo de observar as apropriações de sentido
manifestadas pelos seguidores de Juliette, chegou a hora de entender como esses participantes
de redes sociais digitais representam vozes ativas de participação e movimentação das
identidades. E, para isso, contaremos com o aporte teórico de pesquisadores que nos
acompanham nos estudos de redes sociais comunidades, usuários e consumo midiático, os
quais serão referenciados nos próximos parágrafos.

3.1 REDES SOCIAIS E A COMUNICAÇÃO DIGITAL

A partir da globalização, em que elementos tecnológicos começaram a fazer parte da


vida de algumas pessoas, falar sobre redes se tornou algo do cotidiano ou, ao menos, o
entendimento não aprofundado sobre o termo fez com que, para quem não é pesquisador da
área, esse seja automaticamente relacionado às redes sociais digitais. Neste subcapítulo,
buscamos embasar o sentido de redes sociais, fazendo com que seja perceptível a raiz
multidisciplinar do conceito, sendo estudado desde muitos anos antes da criação dos meios de
comunicação digitais.

3.1.1 Rede Sociais: conceitos e teorias


39

As redes sociais são compostas por pessoas que possuem alguma ligação entre si, seja
a vontade de integrar um mesmo grupo, consumir um mesmo conteúdo ou bem
material/simbólico, vivenciar determinada experiência. São pontos de ligação invisíveis que
integram as pessoas por alguma razão. Durante muito tempo da ciência, as pesquisas sobre os
mais diferentes elementos preocuparam-se em analisar fatores isolados e específicos que
compunham uma totalidade, hoje conhecemos tal abordagem como cartesiana. Raquel
Recuero (2006, p. 20) menciona que no início do século passado, novas formas de se
pesquisar e entender os processos científicos começaram a surgir, levando em consideração a
importância das interações entre os elementos de determinado estudo para o todo.

A mudança que foi aceita paulatinamente pela comunidade científica também deu
força a que estudos mais antigos recebessem renovada atenção. É o caso dos estudos
de redes, iniciados principalmente por matemáticos, mas depois adotados por
diversos ramos das chamadas Ciências Sociais (RECUERO, 2006, p. 21)

Então, para existir o conhecimento do que hoje entendemos como redes sociais,
muitos estudos foram influenciados por essa mudança de paradigma, a qual visualizou e
pesquisou os complexos que formam diferentes elementos, até mesmo os sociais. A
necessidade se deu por entender tais elementos como pertencentes a uma totalidade e não
separados uns dos outros, como explica Recuero (2006). Um famoso caso de pesquisa, citado
por Liliane Brignol (2019) e também por Recuero (2006) é o da Teoria dos Grafos
desenvolvida pelo cientista matemático Leonard Euler em 1736.
A teoria foi desenvolvida ao tentar desvendar o enigma das Pontes de Königsberg. A
cidade que dá nome à ponte, possuía sete pontes em que, folcloricamente, o desafio era
atravessar a cidade passando somente uma vez em cada uma dessas pontes. O matemático, no
entanto, produziu um artigo científico atestando que somente era possível tal circuito,
passando pelo menos duas vezes em cima de alguma das pontes. “Para tanto, ele conectou as
quatro partes terrestres (nós ou pontos) com as sete pontes (arestas ou conexões), mostrando a
inexistência da referida rota e criando o primeiro teorema da Teoria dos Grafos” (RECUERO,
2006, p. 22). Para Brignol, tal teoria foi fundamental para o que sabemos hoje sobre as redes:

Ao tentar desvendar o enigma (verificando que seria impossível atravessar as sete


pontes na mesma caminhada sem passar por uma delas duas vezes), Euler avançou
observando a matéria como um conjunto de nós conectados por links, obtendo a
representação de um grafo. Assim, ele conseguiu identificar propriedades
perceptíveis a partir de sua estrutura, que configuram princípios básicos para a
análise topológica de redes. (BRIGNOL, 2019, p. 189, tradução nossa)
40

O que levamos desta teoria para nossos estudos sobre redes, então, é o entendimento
sobre os grafos. Sendo um grafo, uma representação de uma rede, em que seus pontos se
conectam, como explica Recuero (2006, p. 23). Para ela, existem inúmeros âmbitos da
sociedade que podem ser entendidos com a Teoria dos Grafos, inclusive “os indivíduos e suas
interações”. O importante, neste contexto, é entender que a sociedade está integrada, não de
forma utópica, sem desigualdades, disputas de poder, conflitos e problemas sociais, mas
integrada porque é um organismo que conecta diferentes grupos sociais, sejam de trabalho,
amizade, consumo, infraestrutura.
A teoria que desvendou o enigma das Pontes, serve como base para pensarmos nos
padrões que envolvem as redes. Se, naquele caso, o padrão encontrado foi o de dupla
passagem pelo menos em alguma das pontes, nas interações sociais também encontramos
padrões de relacionamento. Para Degenne e Forsé (1999, apud RECUERO), as redes sociais
são:

Um conjunto de dois elementos: atores (pessoas, instituições ou grupos; os nós da


rede) e suas conexões (interações ou laços sociais). [...] “A abordagem de rede tem
seu foco na estrutura social, onde “os indivíduos não podem ser estudados
independentemente de suas relações com os outros, nem podem as díades ser
isoladas de suas estruturas afiliadas” (DEGENNE E FORSÉ 1999, p. 3 apud
RECUERO, 2006, p. 26)

Assim, é possível que essas conexões sejam confundidas com as comunidades, já que
as redes trata-se de algum vínculo entre atores sociais. Mas o conceito de comunidade está
muito mais relacionado a uma forma de “agrupamento humano, na qual cada ente
desempenhava sua função como parte de um organismo compreendido como harmônico e uno
em si” (LAZZARI; MAZZARINO; TURATTI, 2017, p. 4) e menos a somente interação
social. Recuero (2006) explica que as conexões entre os atores de uma rede social podem ser
tanto formais, quanto informais. Fazer parte de uma rede é ter uma conexão com outros
atores, as conexões interpessoais também fazem parte das comunidades, mas de forma
diferente.
As comunidades são mais estruturadas, “constituintes de laços fortes e de
proximidade, baseada na localização geográfica e na vida cotidiana, com valores partilhados”
(RECUERO, 2006, p. 105). Fazer parte de uma rede é estar vinculado a outros elementos de
forma muitas vezes impessoal, o que faz a conexão são interesses em comum, como já
mencionado. Para fazer parte de uma comunidade é preciso haver identificação e
participação. Liliane Brignol (2019, p. 188, tradução nossa) afirma que “a etimologia da
palavra rede vem do latim e significa entrelaçamento de elos para a formação de um tecido”,
41

dessa forma é possível pensar que cada ator social é um fio e é por meio dos interesses em
comum que há a integração, sendo uma rede um tecido já tramado.
Quando se começa a entender as redes sociais como teias abrangentes que ligam
indivíduos por meio de interesses em comum, histórias, trocas, conflitos, percebe-se também
que essas ligações invisíveis acontecem em diversos setores da vida e são responsáveis por
alimentar as narrativas que cada um leva consigo. Entender as redes sociais então, não
depende de entender os meios, a internet, os instrumentos de comunicação, mas sim, de
observar a trama de relações desenvolvidas pelas pessoas no decorrer de suas existências.

As transformações nas sociedades contemporâneas estão ligadas às formas como a


noção de redes também está sendo incorporada aos estudos de comunicação e
cultura, envolvendo-se nas formas dominantes de informação, comunicação e
conhecimento, bem como mudanças de sensibilidade, relações sociais, narrativas,
instituições políticas e mobilização social. (BRIGNOL. 2019, p. 193, tradução
nossa)

Precisamos, então, levar os estudos das redes sem esquecer do fluxo das
transformações sociais, das apropriações populares e dos usos cotidianos. Do mesmo modo
pensam inúmeros pesquisadores das mais variadas áreas do conhecimento, que produzem
saberes sobre as redes sociais digitais. Ao observar que as redes existem há muito tempo e são
estudadas sem depender do digital, é possível compreender que são as pessoas, a sociedade
que constitui as redes e não o contrário.

3.1.2 Rede Sociais Digitais: novas perspectivas de apropriação e usos.

As redes sociais digitais são extensão ao que acontece no ambiente não digital, porque
cada vez mais fazemos parte de um globo conectado, em que quase não existem barreiras
entre o on e off. Talvez seja por esse motivo que muitas vezes associamos redes sociais ao
digital, já que a conexão está em variados âmbitos de nossas vidas. Essas barreiras são ainda
menores ao falar sobre as lógicas de mercado. Milton Santos (1998 apud Martín-Barbero,
2003, p. 11) afirma que o campo mais conectado é o da competitividade mercadológica, que
pulveriza seus bens ao redor do mundo, levando a crer que a ideia de mundo integrado seja
uma verdadeira utopia.
Martín-Barbero (2003, p. 2) nos auxilia a compreender ainda mais a força das redes
sociais digitais, indicando que elas “não são unicamente o espaço no qual circulam o capital,
as finanças, mas também um “lugar de encontro” de multidões de minorias e comunidades
marginalizadas ou de coletividades de pesquisa e trabalho educativo ou artístico.”. O
42

pesquisador, então, afirma que precisamos saber diferenciar as formas de unificação que
possuem caráter competitivo e mercantil das que pretendem mundializar a cultura.
É a partir disso, que entendemos a necessidade de estudar as redes sociais digitais
como organismos constituídos pelos processos relacionais.

Assim, não falamos da internet como uma tecnologia única, que oferece
possibilidades de comunicação radicalmente novas e libertadoras, mas como um
ambiente comunicacional que deriva da consolidação de múltiplas tecnologias, cujos
sentidos, marcados por uma estrutura que nunca é neutra, podem ser transformados a
partir de seus efetivos usos sociais (BRIGNOL, 2018, p. 128)

Brignol (2018 e 2019) nos ajuda a não cair no descuido de entender as redes digitais
como meros instrumentos tecnológicos e pré-definidos. A autora defende, a partir de
Martín-Barbero (2014) que, ao estudar as dinâmicas em rede online, o olhar deve ser voltado
às apropriações sociais da tecnologia, as quais podem conduzir a novos modos de linguagem
e percepção, novas sensibilidades e sociabilidades (MARTÍN-BARBERO 2014 apud
BRIGNOL 2018, p. 128). Dessa forma, nosso olhar não é para os algoritmos, ou para as
métricas, mas para quem os movimenta: os usuários. No próximo capítulo, analisaremos as
apropriações de sentido apresentadas pelos usuários das redes sociais e seguidores de Juliette.
Antes, no entanto, se torna importante conceitualizar que, falar de receptores também
falamos sobre meio e mídias. Como já afirmamos, no período pré-internet as pessoas, ao se
apropriarem do que consumiam pelos meios de comunicação, discutiam suas opiniões com
suas redes sociais mais próximas, seja no grupo de trabalho, escola, grupo de amigos, na
igreja, vizinhança, família. Com a internet, porém, as discussões puderam ser ampliadas, de
forma que se entende os receptores não só como receptores, mas também como mídias.
Ao se tratar de redes sociais digitais, é comum nos referirmos às pessoas que
consomem e participam dos meios de comunicação digital de usuários, porque fazem uso das
mídias online. Carolina Terra (2014) entende que nas redes sociais digitais, qualquer pessoa
pode ser tanto usuário consumidor, quanto produtor de conteúdo e informações, criando
debates e também participando deles, a pesquisadora denomina tais participantes como
"usuários-mídias''.

Aqui se delineia um contraponto à cultura do controle: nesta mídia – web – o


usuário tem total condição de produzir seu próprio conteúdo ou escolher as fontes
que quer para se informar, entreter ou interagir. E tais fontes não necessariamente
estão a serviço dos meios de comunicação tradicionais, podendo ser blogs,
microblogs ou comunidades inteiramente lideradas por outros usuários comuns.
(MAIA; TERRA, 2014, p. 283)
43

As redes sociais digitais, portanto, desempenham um papel importante nos estudos de


recepção, porque indicam novas perspectivas de participação e apropriação. Além disso,
especificamente neste trabalho, tratamos sobre como os usuários-mídias se apropriam dos
discursos produzidos sobre a Juliette e transformam isso em formas de manifestação de
identidade ou diferença cultural.
Para Leonardo Nascimento (2020) “estamos diante de novas formas de nos
localizarmos no espaço, de ler livros, de escutar músicas, de nos relacionarmos, de buscar
informações e, também, um novo horizonte de problemas políticos, econômicos, relacionais”
(p. 13) e isso se deve ao uso massivo das redes sociais. Com a popularidade dos dispositivos e
a facilidade de acesso às mídias digitais, muitas das principais discussões da atualidade se
concretizam em ambiente digital, nós entendemos que esse fenômeno aconteça devido à
participação das pessoas enquanto usuários-mídias.
Há inúmeros casos em que as manifestações que se originaram online se concretizam
nas manifestações físicas, nos encontros, protestos e isso nos mostra que as redes sociais não
são apenas aparatos tecnológicos, mas que são constituintes das lógicas socioculturais, em
que se diferenciam do offline praticamente pelo seu alcance propiciado.
O fato é que a participação social sempre foi importante para grandes acontecimentos.
O que torna as redes sociais digitais notórias nesse sentido são as mobilizações que ali são
formadas, a rapidez em que os fatos são transmitidos e principalmente as múltiplas vozes, que
possuem força e possibilidade de alcance tão grandes ou até maiores, muitas vezes, do que as
mídias tradicionais.

3.2 COMUNIDADES E IDENTIFICAÇÕES

3.2.1 Comunidades em redes sociais digitais

As comunidades digitais são um fragmento da internet que muito nos interessa. As


pessoas que fazem parte delas quase nunca estão ligadas por vínculos parentais, às vezes
sequer se conhecem pessoalmente. A sociabilidade há muito tempo não depende de questões
de proximidade espacial. Com a globalização e também com a internet, as possibilidades de
relacionamento tomaram amplitudes não antes vivenciadas pelas sociedades. Isso, aliado à
popularização dos dispositivos móveis e a viabilização do acesso às redes sociais digitais, nos
mostra que fazer parte de uma comunidade digital depende de uma principal questão
importante: o pertencimento.
44

A territorialidade pode assumir caráter físico ou simbólico. A localidade geográfica


passa a não ser considerada característica intrínseca de uma comunidade porque,
mesmo à distância, pode-se se sentir parte. Não é que o território não possua mais
valor para a comunidade. Ocorre que agora esse território pode ser físico-geográfico
ou simbólico. Assim, adquire relevância o sentimento de pertença, já que se pode
pertencer à distância. O que está em jogo é a vontade e os interesses dos membros.
(PERUZZO; VOLPATO, 2009 p. 143)

A identidade e o pertencimento são questões relacionadas. Assim, na medida em que


as relações sociais e até os conceitos já concretizados, como redes e comunidades, vão
ganhando novas atribuições, as identidades também passam a fazer parte das renovações.
Liliane Brignol (2018) nos ajuda a pensar, a partir de Martín-Barbero (2006), que, assim
como o pertencimento, a identidade se encontra nas comunidades digitais por meio dos
simbolismos das tradições, dos interesses em comum e se desenvolve de maneira fluída.
Com a globalização e com a internet, as pessoas não buscaram a individualização e o
afastamento, mas sim alguns tipos de âncoras também nesses ambientes. Castells (2018)
explica que nas redes também percebemos agrupamentos sociais os quais, com o passar do
tempo, geram o sentimento de pertença e, em muitos casos, até uma identidade cultural.
Quem os ajuda a entender o pensamento do autor são Peruzzo e Volpato (2009):

As comunidades são construídas a partir dos interesses e anseios de seus membros, o


que faz delas fontes específicas de identidades. Essas identidades podem nascer da
intenção em manter o status quo ou de resistir aos processos dominantes e às
efemeridades do mundo globalizado, ou ainda de buscar a transformação da
estrutura social. Em todas elas existem processos de identidade, objetivos e
interesses em comum, bem como a participação em prol desse objetivo e o
sentimento de pertença, oriundo da identidade em questão. (PERUZZO; VOLPATO,
2009 p. 144)

Pelo mundo, são muitas as comunidades digitais que se formam. Em um levantamento


feito pelo think tank The Governance Lab (NOVECK et. al., 2021) se percebe que, entre
agosto e setembro de 2020, mensalmente, 1,8 bilhão de pessoas usaram os Grupos do
Facebook e mais da metade de todas as pessoas que usam o Facebook são membros de cinco
ou mais grupos ativos. Não são todos os grupos da plataforma que se constituem em
comunidades, mas muitas das comunidades digitais nascem nos grupos. O relatório produzido
pelo The GovLab busca abrir um diálogo sobre o papel e o impacto dos grupos online e os
fatores que fazem de alguns deles, comunidades digitais.
Trazendo para o nosso foco, a cultura nordestina, também no Facebook, uma
comunidade chamada “Sou Do Nordeste Mesmo E Com Orgulho” possui 404,8 mil membros,
as publicações se resumem a temáticas envolvendo a culinária e as lembranças nordestinas.
45

Ainda no Facebook, a comunidade “Meu Nordeste Arretado” apresenta em sua descrição que
o objetivo do grupo é reunir todos que amam o Nordeste e divulgar as belezas naturais, a
simplicidade e a afetividade do povo nordestino. Já na plataforma Instagram, a hashtag
#Nordeste conta com mais de 11 milhões de publicações e os perfis @coisasdenordestino_ ,
@nordestemeulindo, @meu_n0rdeste mostram a cultura da Região Nordeste.
O que essas comunidades têm em comum é a identificação. Todos os seus
participantes fazem parte e se consideram pertencentes ao grupo, porque se identificam com o
tema, com as ideias, publicações e debates que ali são tratados. Entendemos isso com base em
Castells (2018, p. 55), o qual afirma que a construção das identidades, em ambientes digitais,
se organiza em a) identidade legitimadora; b) identidade de resistência e; c) identidade de
projeto. A primeira refere-se às instituições dominantes, a segunda é representada pelas
pessoas que passam por situações de desprivilégio ou injustiça e a última é sobre a
mobilização das pessoas para buscar uma transformação social. "Qualquer que seja a
modalidade escolhida pelo usuário, as relações dadas no ciberespaço a partir das
representações comunicam-se com a sensação de pertencimento suscitadas no íntimo do
usuário". (CAETANO, 2018, p. 5)
Castells (2018) nos ajuda a entender que a identidade, no contexto das comunidades,
se estabelece nos interesses em comum. Seja o interesse de manter a realidade como está, o
poder, a voz e a visibilidade nas mãos de quem já está, ou, por outro lado, para combater as
injustiças enfrentadas, resistir e criar estratégias para mudar as situações de dominação. Ou
seja, as comunidades se constroem, porque há identificação de seus participantes com
determinados assuntos, pautas, reivindicações em comum. Assim como nos mostra Recuero
(2006), quando descreve alguns elementos que formam as comunidades digitais:

As discussões públicas; as pessoas que se encontram e reencontram, ou que ainda,


mantêm contato através da Internet (para levar adiante a discussão); o tempo; e o
sentimento. Esses elementos, combinados através do ciberespaço, poderiam ser
formadores de redes de relações sociais, constituindo-se em
comunidades.(RECUERO, 2006, p. 122.)

Entendemos que a personalidade midiática a partir da qual se constrói nosso objeto de


estudo, Juliette, desenvolveu indiretamente uma grande comunidade de fãs e não-fãs que a
acompanharam durante o reality show e ainda a acompanham em suas principais realizações
pós-programa. Alguns exemplos são o lançamento de seu primeiro EP7, apresentações

7
A sigla EP vem do inglês "extended play", usada para um disco longo demais para ser um single, geralmente
com duas faixas, e curto demais para ser um LP, ou "long play", de cerca de doze músicas.
46

artísticas e participações em programas de auditório. Sua comunidade de fãs é reconhecida


como “Cactos”, porque um cacto foi escolhido para ser o emoji de torcida da Juliette por seus
assessores durante a participação no programa Big Brother Brasil em 2021. No caso da
comunidade de fãs e não-fãs da Juliette, o que os une, principalmente, é a relação com a
Região Nordeste.
A ex-participante desde suas primeiras aparições no programa e nas suas redes sociais,
sempre evidenciou suas raízes nordestinas, de forma que essa foi uma das principais
afirmações que ela levou para o reality show, sendo citada por muitas pessoas e até pelos
outros participantes como uma das representantes da região na edição 2021 do programa. O
fato é que a comunidade de fãs da Juliette se formou, em grande parte, porque se
identificavam com ela pela identidade regional e as experiências decorrentes do lugar de
origem, como o preconceito e a discriminação.
Com base no que já trouxemos de Castells (2018), entendemos que a comunidade se
formou em volta das pautas de resistência levantadas pela Juliette , pois, em muitos
momentos, houve desrespeitos e até discursos xenófobos sobre a participante, justamente por
ela expressar sua nordestinidade. Castells (2018) nos ajuda a entender mais especificamente
sobre a identidade de resistência que, para ele, é um dos tipos mais importantes de construção
da identidade, porque:

Ele dá origem a formas de resistência coletiva diante de uma opressão que, do


contrário, não seria suportável, em geral com base em identidades que,
aparentemente, foram definidas por clareza histórica, geográfica, ou biológica,
facilitando assim a “essencialização” dos limites da resistência. (p. 57)

Então, ao fazer parte de uma comunidade, a pauta é entendida como pertencente a


cada um dos integrantes. Do mesmo modo, a identidade que faz parte das comunidades ao
entorno de Juliette, veem nela uma lembrança de seus lugares de origem, dos seus territórios.
A representação nordestina por quase cem dias consecutivos em um dos programas de maior
audiência da TV brasileira desenvolve simbolismos que podem possibilitar a identificação, ou
a diferença, como veremos na análise.
Os autores Peruzzo e Volpato (2009) afirmam que o interesse pelas raízes, pelos
locais de origem, territórios e locais, insere-se na complexidade do mundo globalizado, de
modo que dentro dessa complexidade seja possível perceber as relações entre o local e o
global de forma mais dinâmica..Os migrantes que consomem mídias sociais digitais para e
sobre suas identidades locais, são exemplos do fenômeno chamado pelos autores de
47

glocalização, que é quando há uma interação, nesse caso mediada pela mídia, entre o global e
o local. Percebe-se que o que move tais comunidades são, principalmente, as relações
simbólicas com suas identidades culturais, criando mecanismos de convivência, conforto e até
resistência por meio da interação com outros participantes na mesma ou em situação muito
próxima. No caso da comunidade de fãs e não fãs da Juliette, existem outros fatores que
podem ser considerados envolvendo uma competição, da qual ela estava fazendo parte. Mas,
de todo modo, a internet e as mídias digitais possibilitam tais ambientes de partilha:

De um modo geral, os múltiplos usos sociais das mídias por migrantes assumem
sentidos táticos de participação social, de construção de narrativas de si, de
manutenção de vínculos, de construção de redes de apoio, de ressignificação da
experiência diaspórica e de cidadania migrante. Assim, propomos pensar a internet
inserida em um contexto complexo, passando a ser problematizada desde as tensões
entre inovações da ordem tecnológica e as identidades dos sujeitos migrantes que se
apropriam de seus espaços comunicacionais. (BRIGNOL, 2018, p. 131)

Os usos das redes sociais digitais pelos usuários-mídias, migrantes ou não,


possibilitam que não somente pessoas se encontrem, mas também ideais, lutas, sentimentos.
Também se reencontram identidades que por vezes foram perdidas com o tempo e com a
fluidez das relações sociais na contemporaneidade, mas que, ao perceberem a representação,
são afloradas novamente. As redes sociais digitais são formadas por incontáveis comunidades
e são essas brotos de possíveis ressignificações e manutenção das identidades culturais, como
descobriremos em nossa análise.
48

4 FLUXOS MIDIÁTICOS

Vivemos em uma sociedade capitalista, que coloca as questões econômicas e materiais


como centrais para a organização das relações sociais. Assim, associar o conceito de
consumo aos valores mercantis é algo recorrente. Para muitos, consumir é saciar
necessidades, para outros está intrinsecamente relacionado ao desejo por produtos, por um
estilo de vida, pelo status. Em “O mundo dos bens para uma antropologia do consumo”, a
antropóloga Mary Douglas e o economista Baron Isherwood refletem sobre três perspectivas
de entendimento do consumo que se tornou senso comum para muitas sociedades. Apesar de
as considerarem limitadas para compreender um campo tão amplo como o do consumo,
também foram perspectivas que representam um marco acadêmico importante.
A primeira visão é conhecida como a materialista e diz respeito ao consumo apenas
como desejo e vontade, de forma que a mídia é tida como um motor que impulsiona o desejo,
por meio da publicidade. Essa abordagem, mostra que até mesmo os bens que não são tão
importantes para o cotidiano, se transformam em necessidades quando divulgados para tal.
Douglas e Isherwood (2004) mencionam sobre a sensação primitiva que envolve quem não
consome, porque entendem que o desejo de consumir, para muitas pessoas está associado ao
desenvolvimento pessoal. Mas, como eles mesmos afirmam, essa visão não se sustenta por si
só, sendo necessário a criação de outras visões que abarque o que representa o consumo para
a sociedade.
Dessa forma, a segunda visão, se assemelha à primeira quando resume o consumo
como gasto e, nesta, encontramos a ideia de consumismo. Embora esses dois conceitos não
sejam sinônimos, ainda é possível encontrar muitas pessoas que relacionam quase que
automaticamente o consumo e o consumismo. Por essa razão também, os autores afirmam que
essa perspectiva já foi chamada de “teoria da inveja”, em que ao fazer distinção de classes,
existem também bens de consumo que limitam-se para quem possui capital, enquanto quem
não possui, busca bens que suprem as desigualdades por meio do consumo desenfreado. Não
é por menos que essa perspectiva é nomeada, por muitos, de moralista.
A última, a visão naturalista, entende o consumo como aquele que atende às
necessidades físicas ou desejos inconscientes, ou seja, tudo aquilo que precisamos para fazer
tarefas básicas ou que se tornam necessárias, como na primeira visão. Seguindo esse mesmo
raciocínio, García Canclini (1997) entende também não ser possível observar o consumo
somente pela ordem naturalista e instrumentalista dos bens. Para o antropólogo, os indivíduos
incorporam hábitos, objetos, estilos de vida, em suas rotinas, de forma que naturalmente eles
49

se tornam necessários, ou seja, a necessidade, nesses casos, também é culturalmente


construída.
Os autores Douglas e Isherwood (2004) mostram que nenhuma dessas perspectivas
contempla o consumo como uma área de estudo complexa, porque fazem apontamentos muito
mais ligados ao setor econômico e psicológico, do que à sociedade e cultura, como iniciamos
o capítulo mencionando. García Canclini, no entanto, se tornou referência no estudo do
consumo como uma área cultural, vinculado às relações, informações e aos símbolos e,
dentro disso, pode ou não ter foco no mercado.

Nós, seres humanos, intercambiamos objetos para satisfazer necessidades que


fixamos culturalmente, para integrarmo-nos com outros e para nos distinguirmos de
longe, para realizar desejos e para pensar nossa situação no mundo, para controlar o
fluxo errático dos desejos e dar-lhe constância ou segurança em instituições e rituais.
(GARCÍA CANCLINI, 1997, p. 71)

Assim, compreendemos que não há consumo sem motivo ou irracional, porque todos
os atos de consumo são culturais, de forma que os usos e apropriações que as pessoas
realizam, para com o consumo, são parte da cultura e das relações sociais que elas vivenciam
ou almejam. Para explicar detalhadamente todos os elos existentes entre a cultura, sociedade
e consumo, existem algumas teorias, sendo o nosso foco voltado para o campo dos Estudos
Culturais Latino-americanos, principalmente de García Canclini. O autor, com base em suas
pesquisas, elencou algumas maneiras pelas quais podemos estudar, discutir e até analisar o
consumo pela ótica cultural, são as chamadas racionalidades, às quais servirão como base de
análise do nosso objeto, bem como serão apresentadas no subcapítulo abaixo.

4.1 PERSPECTIVA SOCIOCULTURAL DO CONSUMO

Ainda no início deste trabalho, apresentamos nosso maior objetivo: observar as formas
pelas quais o consumo midiático da representação de Juliette no Twitter se relacionam aos
processos de manutenção e ressignificação da identidade regional do Nordeste. Considerando
a reflexão de Nestor Garcia Canclini, os conceitos de consumo e identidade são entrelaçados.
A partir do momento em que consumimos, também fazemos escolhas, comunicamos,
evidenciamos gostos, apropriações, diferenciações, rituais e identificações. “O que significa
consumir? Qual é a razão - para os produtores e para os consumidores- que faz o consumo se
expandir e se renovar incessantemente? (GARCIA CANCLINI, 1997, p. 60)”. Estas questões
nos fazem refletir sobre o contexto do nosso estudo. Como os meios de comunicação criam
50

narrativas que visam aproximar o público?. Por que e de que formas a audiência se engaja
para com o Big Brother Brasil e seus participantes, como é o caso de Juliette? Como se
desenvolvem comunidades digitais que se denominam fãs de produtos midiáticos? E por que
outros desejam evidenciar seu descontentamento com reality shows e seus participantes? É
possível que a identidade cultural de um determinado grupo possa ser reforçada por meio da
construção e debate em torno de um produto midiático?.
Para amparar nossa discussão, inicialmente apresentamos a perspectiva de Nestor
García Canclini, a fim de entender a teoria que pode responder esses questionamentos, bem
como perceber “qual o significado e importância do consumo como mediador e porta para o
entendimento de múltiplos processos sociais e culturais” (MARQUES, 2016, p. 2). Garcia
Canclini (2009) entende o consumo cultural como um processo diverso e com várias direções
de estudo e debate “percebemos que o consumo serve para pensar, em um cenário de disputas
pelo o que a sociedade produz e pelo modo de usá-las” (GARCÍA CANCLINI, 2009, p. 114,
tradução nossa)
O antropólogo argentino é conhecido por sua afirmação “o consumo serve para
pensar”, mas há quem não saiba que tal frase é inspirada na leitura de Douglas e Isherwood
(2004), autores pioneiros no entendimento de usos e apropriações aos objetos e bens.
Voltando nessa teoria, eles afirmam que as pesquisas sobre o consumo por muito tempo foram
voltadas, principalmente, aos processos de produção e distribuição, mas são as teorias que
estudam a etapa em que os bens deixam o posto varejista e passam para as mãos dos
indivíduos, que conseguem captar o valor simbólico neles contido.
García Canclini complexifica a proposta de Douglas e Isherwood e, baseado nas
formas pelas quais os indivíduos se apropriam dos bens materiais e simbólicos, nos usos e
significados que assumem, desenvolve a perspectiva sociocultural do consumo. Entendendo
que o consumo é um campo abrangente e que passou muito tempo sendo estudado por
economistas, apenas, ou tendo suas pesquisas voltadas para a produção, reprodução e
distribuição, o autor volta o olhar para as áreas das ciências sociais e suas contribuições
acerca do campo e reflete sobre seis perspectivas que abordam estudos sobre consumo. São
elas: 1) racionalidade econômica; 2) racionalidade sociopolítica interativa; 3) aspectos
simbólicos e estéticos da racionalidade consumidora; 4) racionalidade integrativa e
comunicativa de uma sociedade; 5) cenário de objetivação dos desejos e; 6) consumo como
processo ritual.
Tendo em vista a importância de observar o consumo como para além da
instrumentalização das teorias econômicas, García Canclini pondera a necessidade de
51

considerarmos “os processos de consumo como algo mais complexo do que uma relação entre
meios manipuladores e dóceis audiências” (1997, p. 59). Assim, mesmo que os meios de
comunicação e seus produtos, como BBB e Juliette expressam elementos que instiguem os
usos e apropriações, também somos construídos por “camadas” que se estabelecem a partir
das relações socioculturais e, portanto, também nos relacionamos com os meios de diferentes
maneiras. Dessa forma, se torna pertinente avançar na discussão e apresentar com detalhes
cada modelo de estudo que García Canclini reflete ao propor o estudo socioantropológico do
consumo.
Nos primeiros dois modelos, o autor analisa o “Consumo como lugar de reprodução
da força de trabalho e expansão do capital e consumo como o lugar onde as classes e os
grupos competem pela apropriação do produto social” (MARQUES, 2016, p. 5), os quais se
complementam na medida em que tratam sobre a produção e a reprodução social, a partir da
ideia de necessidade. Essa ideia, busca evidenciar que, embora o senso comum nos auxilie a
crer, a necessidade não está conectada à demanda e oferta, ou necessidades e produção, mas
sim aos grupos hegemônicos (como a mídia) os quais criam “estratégias mercantis” que
geram necessidades.
Sendo assim, a partir dessas necessidades construídas socialmente no cotidiano, há
uma disputa entre diferentes grupos no processo de apropriação desses bens materiais e
simbólicos. Trazendo para o nosso caso (BBB e Juliette), em uma primeira instância a mídia
“tem o papel” de apresentar a Juliette como uma representação do Nordeste, para isso usa
símbolos, discursos e cria narrativas que despertam nas audiências a necessidade de se
apropriarem (ou não) desses bens. Logo, na segunda perspectiva se constituem grupos sociais
em que podem disputar, a partir de lógicas próprias do contexto, para terem espaço nessa
discussão.
Neste contexto, se percebe o consumo como “lugar onde as classes e grupos
competem pela apropriação social, entendo as apropriações de bens materiais e simbólicos
como um cenário de disputas pelas formas de se consumir” (MARQUES, 2016, p. 4). Ao
afirmar isso, Camila Marques expressa algo bastante caro ao nosso trabalho, que é a intenção
dos indivíduos de disputar pela apropriação dos bens materiais e simbólicos, a fim de se
organizarem socialmente, já que “nenhuma sociedade e nenhum grupo suportam por muito
tempo a irrupção errática dos desejos, nem a conseqüente incerteza de significados. Em outras
palavras, precisamos pensar, ordenar aquilo que desejamos” (CANCLINI, 1997, p. 64).
É importante mencionar que esses modelos não são fixos, ou apresentam um
ordenamento metodológico, pelo contrário, Garcia Canclini (1997) menciona que uma
52

perspectiva completa de estudo sobre o consumo se dá quando essas racionalidades são


articuladas, considerando o contexto de forma mais ampla. Por essa razão apresentamos os
dois primeiros modelos de forma conjunta e já os relacionamos ao terceiro.

Quando Canclini (1992; 2006) apresenta o aporte consumo como um lugar de


diferenciação e distinção entre os grupos, aponta que nas sociedades que se
caracterizam como democráticas, existe a ideologia de que todos nascem iguais; no
entanto, por meio do consumo, os sujeitos encontram um jeito de se diferenciarem
socialmente. (CORRÊA, 2019, p. 57)

Quando pensamos nesse modelo, a distinção pode estar relacionada a uma diferenciação de
classe, intelectual, artística, financeira, cultural. Se relacionarmos ao nosso caso, consumir as
representações midiáticas nordestinas, a partir de Juliette, pode significar se diferenciar dos
demais por conhecer sobre aspectos da cultura do Nordeste, sobre moda e beleza, bem como
distinguir ao criar uma diferenciação entre as torcidas. Como mencionamos, existem
inúmeros fandoms para os participantes do BBB, que competem entre si. Então consumir
representações midiáticas nordestinas a partir de Juliette é se distinguir de quem consome,
preferencialmente, Gil do Vigor8, por exemplo.
Então consumir por distinção está vinculado ao raro, ao diferente, exclusivo, aquele
que poucos têm acesso a determinado capital social, intelectual, geográfico e outros. O que
tem de exclusividade nesse cenário são os elementos pertinentes à cultura nordestina que se
distingue de outras regiões do país. Além disso, a diferenciação presente na audiência do
BBB e dos fandoms está em características dos grupos que costumam consumir e produzir
conteúdos sobre o programa, em sua maioria são jovens, com conhecimento sobre cultura pop
(celebridades, memes) e alto nível de interações nas redes sociais digitais.
Desse modo, comunicar que é fã do programa ou de um determinado participante
expressa, involuntária ou voluntariamente diferentes características sobre esses. Quando
comunicamos torcer pela Juliette no reality show, também comunicamos a não torcida pelos
outros participantes. Por essa razão, também, quem consome por distinção comunica,
expressa e divulga seus usos e apropriações, como explica Garcia Canclini:

Se os membros de uma sociedade não compartilhassem os sentidos dos bens, se


estes só fossem compreensíveis à elite ou à maioria que os utiliza, não serviriam
como instrumentos de diferenciação [...] visto que quem não pode possuí-los
(precisa conhecer) o seu significado sociocultural. (1997, p. 63)

8
Ex-participante do Big Brother Brasil 2021 que, durante a edição, protagonizou junto de Juliette disputas pelo
favoritismo. Vale ressaltar que ambos são do Nordeste do país.
53

Assim, o status de quem consome bens de distinção está “justamente nas


propriedades que esses bens possuem de se diferenciar de outros bens, e, consequentemente,
distinguir quem os possui". (MARQUES, 2016, p. 7). A contradição (ou talvez a
complementaridade) desta perspectiva, está na racionalidade integrativa e comunicativa de
uma sociedade, em que os grupos que se unem por meio dos bens materiais e simbólicos, o
fazem na intenção de pertencer. Iniciamos esse trabalho falando sobre pertencimento e ele
está embasado na teoria de integração, em que a partir da identificação (ou não) com as
representações sobre o Nordeste postas em circulação também por Juliette, o indivíduo tem a
possibilidade de expressar sua identidade e fazer parte de uma comunidade.
Como afirmamos, a teoria de García Canclini pretende analisar os objetos de forma
associada, articulando as racionalidades, “em virtude de cada uma passar uma visão parcial do
consumo” (CORRÊA, 2019, p. 57). Portanto, nossa escolha teórico-metodológica está
direcionada aos modelos de Consumo como um lugar de diferenciação e distinção entre os
grupos e Consumo como sistema de integração e comunicação.
Quando García Canclini inicia a reflexão desse modelo de consumo integrativo,
menciona como ele faz parte das relações cotidianas, por meio das escolhas que fazemos.
Para o autor (1997) consumir é trocar significados, por isso quando escolhemos assistir uma
série que está em alta, ou um clássico do cinema, queremos fazer parte do grupo de pessoas
que compreenderá as conversas, os memes, as referências à série que só quem assiste sabe.
Do mesmo modo, quem consome o produto midiático "Juliette" faz parte de um grupo que
tem o interesse em comum sobre as palavras-chave "Nordeste", “reality show”, “moda e
beleza”, “cultura”. Neste caso, percebemos que as perspectivas são complementares.

É inclusive pelo caráter comunicativo do consumo que ele pode ser entendido
também como distintivo, afinal: como distinguir um sujeito que possui diploma
universitário em um bairro da periferia, onde a maioria não tem acesso ao ensino
superior, se não houver um compartilhamento desse bem adquirido (MARQUES,
2016, p. 5)

Ao observarmos alguns conteúdos produzidos sobre a Juliette na rede social Twitter, é


possível mapear como a audiência do Big Brother Brasil e de outros reality shows
compartilha suas opiniões sobre entretenimento e muitos outros assuntos. Então, tuitar sobre
Juliette é comunicar sobre si mesmo, já que expressa algo que os demais conhecem as
características. De maneira geral, o Consumo como sistema de integração e comunicação se
explica quando nos apropriamos dos bens por meio da identificação. Ao nos identificar
também nos diferenciamos (WOODWARD, 2003) por isso que cada escolha de consumo é
54

uma escolha de pertença e comunicação. Assim, ao se identificar com os discursos, símbolos,


com as narrativas criadas por ela no decorrer de sua exposição televisionada ou pelas suas
redes sociais, com a cultura nordestina que ela representa, também se comunica que “é um
cacto”, ou seja, que faz parte desse grupo de pessoas que gostam das temáticas que envolvem
a ex-BBB.
Para finalizar nossa apresentação das seis racionalidades, trazemos as duas últimas
que são Consumo como cenário de objetificação e Consumo como processo ritual. A
primeira, refere-se ao desejo, ao querer, às vontades, essa perspectiva é uma das que o senso
comum mais se apropria. Porque é muito fácil entender o consumo como desejo, por essa
razão ficam famosas as máximas “eu quero, eu compro”, “eu assisto, porque eu gosto”. Para
nossa interpretação, essas máximas se adequam ao modelo de objetificação, mas entende-se
que é uma teoria que exige cuidado e atenção, uma vez que sempre há uma razão por trás dos
gostos, desejos, vontades e preferências.Por isso, é interessante entendermos que os desejos
são constituídos e sustentados a partir de uma lógica subjetiva bastante complexa, que
envolve desde as trajetórias individuais, até as conexões do indivíduo com o contexto social,
cultural e econômico. O mais importante, então, é compreender que os desejos não são
irracionais ou desconectados de uma cultura. Embasando esse entendimento, García Canclini
exemplifica:

Nos estudos sobre consumo cultural no México, que mencionarei mais adiante,
descobrimos que a falta de interesse de setores populares em exposições de arte,
teatro ou cinema experimentais não se deve apenas ao fraco capital simbólico de que
dispõem para apreciar estas mensagens, mas também à fidelidade aos grupos em que
se inserem. Dentro da cidade, são seus contextos familiares, de bairro e de trabalho,
os que controlam a homogeneidade do consumo, os desvios nos gostos e nos gastos.
(GARCÍA CANCLINI, 1997, p. 66)

Ou seja, há motivos culturais (muitas vezes não evidentes à primeira vista) por
algumas pessoas não gostarem de exposições de arte, seguindo o exemplo, assim como há
questões culturais que fazem com que algumas pessoas gostem e se identifiquem com Juliette.
Por fim, tratamos sobre o consumo como um processo ritual, em que “se mostra uma resposta
possível para se desvendar as formas com que a sociedade seleciona e fixa, através de acordos
coletivos, os diferentes significados sociais que a regulam” (MARQUES, 2016, p. 13).
É nesta perspectiva, por exemplo, em que consumimos por consequência de uma data
especial, ou celebramos alguns momentos/eventos específicos em nossas vidas.São datas que
passam a ter um simbolismo e passam a ser como um rito, mesmo que mediado pelo sistema
capitalista. Nesse modelo, então, consumimos o que faz parte de um ritual e,
55

consequentemente, aquilo que tem um significado. "Tanto para a sociedade tribal, quanto para
a nós, os rituais servem para conter a flutuação dos significados. Os rituais são convenções
que constituem definições públicas visíveis" (DOUGLAS; ISHERWOOD, 2004, p. 112).
Assim, a partir da cultura que integramos , absorvemos significamos a determinados
bens, transformando lugares, objetos, discursos, símbolos em sagrados. Um ponto interessante
para discussão, é que quando consumimos por rito, consumimos, também, porque desejamos
pertencer ao grupo identitário que também ritualiza tal bem. Assim, o entrelaçamento entre os
modelos de racionalidade é o que possibilita a perspectiva socioantropológica proposta por
García Canclini.
Ao analisar a obra de García Canclini, Daniela Schmitz (2015) entende que, apesar
dos meios de comunicação serem parte de uma lógica mercantilista, também fazem parte das
culturas e, consequentemente, suas audiências.

Embora as exigências e a sujeição ao financeiro interfiram na produção, estilo e


circulação dos produtos midiáticos, eles possuem uma determinada autonomia que
diz respeito à dinâmica própria de seus processos produtivos e seu consumo, o que
torna possível tomá-los como bens culturais. (SCHMITZ, 2015, p. 259)

Neste contexto, a seguir buscaremos compreender como se define o consumo


(cultural) midiático, a fim de relacionar as comunidades digitais de usuários-mídia ao
consumo de programas como o Big Brother Brasil. Esta reflexão visa demonstrar como a
participação das audiências é fundamental para esse tipo de programas televisivos, os quais
criam narrativas a partir da contribuição do público.

4.2 CONSUMO MIDIÁTICO

As pesquisas sobre o consumo cultural são fruto de interesse entre muitos


pesquisadores das áreas de comunicação social, antropologia e sociologia. Em uma pesquisa
realizada por Nilda Jacks e Daniela Schmitz, no ano de 2019, pode-se perceber uma crescente
nos trabalhos sobre a relação da mídia com os indivíduos (consumidores e receptores),
realizados por estudantes da comunicação em níveis de pós-graduação no Brasil nas últimas
décadas. Apesar das pesquisas sobre Estudos Culturais ainda serem em sua maioria
estrangeiras, as autoras apontam a relevância inegável da produção brasileira tanto em termos
quantitativos, quanto pelo “esforço em perseguir a qualificação das pesquisas” (2019, p. 179)
Em outro momento, a autora Daniela Schmitz (2015) explica que as pesquisas sobre
consumo, recepção e fãs são importantes para observar toda a construção da sociedade, pelo
56

potencial que tem no desenvolvimento de subjetividades e identidades. É neste sentido que


Douglas e Isherwood afirmam que “nenhum ser humano existe senão fixado na cultura de sua
época e lugar” (2004, p. 110), de forma que são os bens de consumo (materiais e simbólicos)
a parte visível da cultura (p. 114).
Assim, durante as décadas de pesquisa sobre o consumo midiático e os estudos de
recepção, percebeu-se que embora sejam “muito próximos como práticas inscritas no âmbito
da audiência, entende-se que se tratam de processos distintos” (SCHMITZ, 2015, p. 260). O
pesquisador Ismar Capistrano (2020) descreve que a recepção pode ser entendida como a
construção de sentidos sobre os meios de comunicação e mensagens, enquanto que o
consumo midiático, em uma perspectiva mais ampla, se relaciona às “apropriações que se faz
desses meios de comunicação”.
Na perspectiva do consumo, mesmo que a racionalidade econômica tenha uma
implicação mais abrangente, por sua materialidade e relação com os mercados, ao observar
pelo âmbito da cultura entendemos que o que cerca as escolhas, os desejos e as preferências e
identificações dos indivíduos tem uma dimensão social e simbólica que, em muitos sentidos,
se sobrepõe à econômica (TOALDO, JACKS, 2013, p. 2). A autora Daniela Schmitz explica
que, ao estudar o consumo midiático temos um “olhar mais amplo, de orientação transversal
em relação à totalidade de conteúdos midiáticos que se consome, podendo-se também recortar
em um meio ou uma temática” (2015, p. 264).
Isso nos ajuda a entender que um trabalho com a perspectiva do consumo midiático
envolve quatro principais questionamentos: 1) o que os indivíduos consomem, 2) como
consomem; 3) quanto se expõem aos meios e; 4 ) o contexto em que se envolvem com eles. A
partir dessas considerações, é possível entender os estudos sobre consumo midiático como da
ordem da relação mais ampla com os meios de comunicação, sua presença no cotidiano
pautando tempos, espaços, relações, percepções etc. (SCHMITZ, 2015).
Assim, o consumo midiático possui uma perspectiva mais ampla, porque engloba o
conjunto de processos que condicionam e atravessam a recepção, e está vinculado às
experiências vividas pelos fãs no seu dia-a-dia que fazem e corroboram para o consumo de
tais bens materiais e simbólicos. Seguindo essa perspectiva, podemos definir este trabalho
como um estudo de consumo midiático, porque envolve as raízes e perspectivas culturais
existentes nas apropriações e interações dos usuários-mídias ao que se produz sobre a Juliette,
durante e depois de sua participação no Big Brother Brasil 2021.
Mariângela Toaldo e Nilda Jacks (2013, p. 7) indicam que esse estudo diz respeito ao
que “os indivíduos consomem da mídia – meios e produtos/conteúdos –, a maneira com que
57

se apropriam dela (do que consomem – como a utilizam) e o contexto em que se envolvem
com ela (lugares, maneiras, rotinas...)”. É nesta perspectiva que analisamos um conjunto de
práticas comunicativas que passam pela apropriação e produção de sentidos em uma vasta
diversidade de textos sobre Juliette. O autor André Jansson (2002) nos auxilia a compreender
este contexto a partir da perspectiva da midiatização do consumo.

Os fenômenos culturais surgem da interação entre significação e interpretação – uma


interação que se baseia e contribui para a negociação de significados culturais
compartilhados. Toda escolha entre produtos materiais e imateriais é resultado e
contribui para a cultura. O significado cultural não é carregado naturalmente dentro
do próprio objeto; não é totalmente fixo ou pré-dado, mas desenvolvido dentro dos
processos de produção, troca e uso. (JANSSON, 2002, p. 10, tradução nossa)

Ou seja, falar sobre Juliette é falar sobre Big Brother Brasil, redes sociais, música,
Nordeste, reality show, mídia de massa, representação. É esse olhar amplo sobre um
composto de bens materiais e simbólicos que constitui o consumo midiático, não é sobre ligar
a televisão e assistir ao Big Brother Brasil 21, apenas, ou a publicar\ um tuíte sobre Juliette,
curtir uma publicação que fale sobre o Nordeste, comprar um cactos, ou ouvir La Belle de
Jour9 após assistir o BBB 21, mas sim a combinação voluntária desses e tantos outros fatores.
Para refletir a partir de exemplos, podemos pensar no Big Brother Brasil 2021, em que
a participante Juliette se tornou inspiração, principalmente, quando o assunto é Nordeste.
Como mostraremos em nossa análise, a representação de uma participante que
orgulhosamente comunicou suas identidades, foi importante para muitas pessoas que, ao
consumir o produto midiático Juliette10 (seja ainda no BBB 2021 ou depois do fim da edição),
se sentiram inspirados, ou até mesmo encorajados a exaltar outras produções culturais que
envolvem suas raízes. No exemplo abaixo, podemos perceber a conexão de 3 diferentes
textos, a partir do consumo midiático de Juliette: o programa televisivo, as redes sociais
digitais e a música.
Figura 4- Tuíte 1 Figura 5- Tuíte 2

9
La Belle de Jour é uma música de Alceu Valença, lançada em 1992, que marcou a edição 2021 do Big Brother
Brasil por causa de Juliette e Gil do Vigor.
10
Compreendemos Juliette como um produto midiático, com base em André Jansson (2002) e na teoria da
intertextualidade, em que o produto/objeto passa a expressar diferentes significados midiáticos a partir de seus
discursos, textos e imagens. E, acrescentado a isso, também há o que o autor entende por hiper-realidade, "onde
não existe mais nenhuma mídia no sentido original, mas apenas aparatos comerciais que produzem simulacros
para uma audiência de massa imaginária.” (JANSSON, 2002, p. 15, tradução nossa)
58

Fonte: Twitter (2021). Fonte: Twitter (2021).

Assim, o consumo midiático se desenvolve a partir da pulverização de diferentes


textos. Quem escreveu esse tuíte, consumiu Big Brother, Juliette (suas redes sociais, seus
discursos) e, a partir de suas apropriações, passou a consumir músicas que antes não tinha
costume, além de também ouvir o EP da participante. Um ponto muito interessante de ser
afirmado, também, é sobre o quarto texto que é o próprio Twitter, porque além de consumir, o
usuário-mídia desejou comunicar suas identificações, a fim de mostrar que faz parte da
comunidade de fãs, das pessoas que são naturais da Região Nordeste, das que gostam de
música nordestina, das que assistem BBB e, por tudo isso, também se distinguir de quem não
faz parte.
Fica entendido, então, que o estudo de consumo midiático olha para a apropriação
pelo receptor. Diz respeito ao que os fãs afirmam a respeito do produto, bem como pega para
si elementos dos produtos midiáticos que consome e, de fato, os aplicam no seu cotidiano. O
exemplo acima ilustra muito bem isso, embora não tenhamos aprofundado em uma análise.
Ademais, com uma rápida pesquisa no Google percebemos que muitas outras pessoas também
tiveram apropriações parecidas com essa. A jogadora de futebol Marta, por exemplo, no
documentário, Você Nunca Esteve Sozinha, mencionou que passou a ter em sua casa mais
cactos, a partir da representação de Juliette, já que a participante usava esse símbolo como
forma de identificação da sua torcida e suas origens nordestinas.
O que podemos perceber é que o consumo midiático, nesse caso, não diz respeito à
Juliette, apenas, mas também a como suas identidades são apropriadas pelo público do
programa, bem como essas pessoas escolhem consumir e compartilhar suas apropriações, a
fim de demonstrar o pertencimento e a distinção de ser/se identificar com a cultura nordestina.
Assim sendo, seguiremos com um tópico importante para este subcapítulo, onde nos
focaremos em mostrar o consumo midiático, apresentado aqui, presente nas relações entre os
meios e as audiências do Big Brother Brasil, entendemos que há uma lógica recíproca entre
eles a partir da cultura.
59

4.2.1 A reciprocidade midiática entre o Big Brother Brasil e os Usuários- Mídias

No primeiro e segundo subcapítulo, contextualizamos o consumo como um campo de


estudo cultural, em que a partir de seus usos e apropriações desperta, preserva, modifica e
restaura identidades e relações sociais. Agora, neste subcapítulo, retornaremos as ideias de
usuário-mídia e redes sociais digitais e associamos ao consumo midiático, porque a partir de
todas as teorias trazidas até o presente momento, entendemos que há uma reciprocidade
midiática entre o Big Brother Brasil e a audiência que produz conteúdo sobre o programa.
Para Toaldo e Jacks (2013, p. 17) existem dois eixos em que concentram-se os estudos
de consumo midiático, o primeiro diz respeito a “como o contexto afeta a experiência da
mídia”, já o segundo, a "como a experiência da mídia afeta as percepções que o próprio
indivíduo tem de si e do mundo” que corroboram para nossa discussão, para perceber que a
relação “meios de comunicação e audiências” vem muito antes dos programas como Big
Brother Brasil (BBB) e os usuários-mídias.
Estreado em janeiro de 2002, o programa reúne pessoas de diferentes lugares, idades,
etnias, classes sociais e estilos de vida em uma casa vigiada 24h por inúmeras câmeras. O
objetivo é jogarem entre si, por meio de provas, dinâmicas e convivência a fim de eliminar
cada vez um dos participantes até que sobre um, o grande vencedor de um prêmio milionário.
A pesquisadora Marília Millan explica a dinâmica desse tipo de produção midiática:

A idéia e mesmo o nome do programa apontam na direção da busca da realidade in


natura. Sendo assim, a estratégia discursiva central é a criação de efeitos que
mimetizem, ao máximo, a realidade (escolha de pessoas comuns, imagens de atos
cotidianos, linguagem coloquial, técnicas de filmagem, etc). Para atrair a atenção do
público, enriquecer as imagens e adequar-se à lógica televisiva, a construção
simbólica do programa é feita a partir de tarefas e desafios propostos aos
participantes que desencadeiam reações, atitudes e conflitos entre eles. (2006, p.
192)

O BBB é um programa original da Holanda e apresentado no Brasil pela emissora de


televisão Globo. Desde seu início, buscou aproximar ainda mais o público à televisão,
apostando em um formato que retratasse a realidade de modo mais convincente do que
programas tradicionais, como mostrou Millan (2006). Por meio de atividades estratégicas e
até pela convivência com o diferente, o produto midiático se assemelha ao público pelas
reações às adversidades dos participantes.
Como afirma a autora Joana Meniconi (2005), ainda na terceira edição, dois
participantes entram para o jogo por meio da escolha do público e tal fato é uma marca no
60

programa, porque foge da linearidade de escolhas e decisões feitas pela emissora, como com a
Agenda-setting de toda programação diária. Durante as primeiras dezessete edições, o
programa contava com o voto por meio de ligações, mensagens de texto e, depois, pela
internet também. Mas, a partir de 2018, a emissora restringiu os votos somente ao site oficial
do reality show. Um dos motivos, certamente, foi o alto engajamento nas redes sociais pelos
fãs, um verdadeiro case transmídia, que trataremos mais adiante.
A relações entre redes sociais digitais e Big Brother Brasil transformou o formato do
programa, bem como as possibilidades de interação dos públicos e dos próprios participantes.
Isso porque com a crescente movimentação dos fãs no Twitter, Instagram e até em grupos do
Telegram, a própria emissora percebeu que os fãs acompanham o programa de forma
totalmente conectada à internet. Por outro lado, quando falamos sobre uma reciprocidade
entre audiência e reality show, relacionamos, também, ao uso das redes sociais digitais que
permitem lucro ao BBB e entretenimento aos fãs.
Para se ter uma ideia, as terças-feiras de eliminação são os dias em que o programa
possui os maiores índices de audiência na transmissão do programa na TV aberta. Isso
acontece porque os fãs se envolvem muito com os participantes, criam torcidas e passam a se
considerarem fãs deles, de forma que organizam mutirões para votar, bem como para defender
ou atacar nas redes sociais, conforme suas preferências e identificações.
No que diz respeito às comunidades digitais, entendemos que “aquelas compostas por
fãs são denominadas de fandom” (STEFANO; VIEIRA; 2018, p. 102) e apresentam
características específicas, como o alto nível de engajamento e produção de conteúdo digital.
Um dos ambientes mais propícios para a "proliferação" dos usuários-mídias que formam
fandoms é o Twitter, uma vez que a rede proporciona um alcance grande nos tuítes, quando
esses são associados às hashtags em alta.
Um exemplo deste monitoramento pode ser observado entre as hashtags em circulação
no nono paredão11 da edição 2021 do programa, sendo este o de maior número de votos da
temporada, disputado pelos participantes Juliette, Rodolffo e Sarah. Como nos mostra a
figura 6, durante os dias da votação, as hashtags mostraram uma preferência para a
eliminação da participante Sarah.

Figura 6- Paredão Juliette, Rodolffo e Sarah

11
Nome dado ao encontro de participantes que podem ser votados pelo público para deixar o programa.
61

Fonte: Odysci (2021).

Na temporada anterior, um outro exemplo ajuda a perceber a potência dos


usuários-mídias na construção do programa. O Big Brother Brasil foi indicado para receber o
título do Guinness World Records pela maior quantidade de votos do público recebidos por
um programa de televisão, após um paredão envolvendo dois protagonistas da edição,
obtendo um total de 1.532.944.337 votos (O GLOBO, 2021). O site da organização, no Brasil,
afirma que um dos maiores fatores para a concretização do recorde foi a intensa participação
dos fãs nas redes sociais digitais. Abaixo um trecho do que afirma o site:

Um fenômeno visto nessa edição foi a participação ativa nas redes sociais de
celebridades como Neymar, Anitta, Bruna Marquezine, Thammy Miranda, Agatha
Moreira, entre outras, torcendo e encorajando seus seguidores a manter os seus
favoritos na casa. [...] No primeiro mês, o programa teve um aumento de 10% na
audiência em relação ao mesmo período do ano passado, e angariou mais de 51
milhões de dólares com publicidade, algo nunca visto na indústria dos realities.
(GUINNESS WORLD RECORDS, 2020)

Como mostramos, o Big Brother foi um dos programas que introduziu o contato mais
próximo com o público aqui no país. Por um lado, quem assiste tende se sentir pertencente às
decisões e rumos do programa. Por outro, esta participação beneficia o próprio BBB e toda
emissora devido ao patrocínio das muitas marcas que aparecem na grade do programa, seja
nas provas, no mercado, no prêmio final, em dinâmicas e em muitos outros momentos.
Olhando para a repercussão do programa de forma transmidiática , podemos perceber
como o contexto afeta a experiência da mídia a partir do que os usuários-mídias estão
produzindo. No caso do Big Brother Brasil, foi criado um quadro em que são exibidos os
conteúdos produzidos em ambiente digital, como Twitter e Instagram, que mais geram
engajamento sobre o programa. O quadro se chama “O Brasil tá vendo”, sendo fixo na grade
da programação, e exibido às terças-feiras de eliminação, um dos dias de maior audiência.
Assim, além de mostrar que a produção está antenada ao que está sendo falado pelo público
62

sobre a edição, também atesta que os conteúdos produzidos pela audiência são importantes
para a construção do programa.
Assim, compreendemos que o segundo ponto que representa a reciprocidade entre
públicos e reality shows é a criação de narrativas. O programa busca estabelecer essa
aproximação com o público de diversas maneiras, seja na abertura para participação, na
linguagem informal, no estilo de dinâmicas ou na elaboração de histórias, quase como em
filmes e novelas. Neste contexto, importa perceber o programa também como uma forma de
contar a história dos participantes, de modo a envolver e aproximar o público dos
protagonistas por meio da identificação. Em entrevista ao pesquisador Bruno Campanella
(2008), Boninho, diretor do programa, menciona sobre a criação de narrativas:

“Aqui dá certo [o Big Brother] pelo tipo de edição que a gente faz, que é diferente de tudo. Nos
outros países eles simplesmente mostram o que acontece. Nossa equipe bola vídeos, desenhos
animados, clipes com piadas, vinhetas... Fazemos uma mistura da cultura que temos da
teledramaturgia, que aplicamos bem no programa, com o lado bem humorado e escrachado do
brasileiro” [Boninho. diretor de televisão]

Ou seja, desde a sua direção e produção, o BBB é pensado para atrair a identificação
do público. O que torna o programa tão atraente é a possibilidade do público acompanhar
tudo, se identificar com questões banais; como ser co-autor de uma narrativa dramática, com
participantes "reais", por meio da participação. Como menciona Gabriela Habckost (2017, p.
28) “essa participação se expressa porque o indivíduo comum utiliza – ou tem potencial de
utilizar - o reality show como uma oportunidade de empreender uma reflexão sobre sua
própria essência enquanto ser humano.”. De forma que, ao questionar nossa existência,
também questionamos nossas identificações e diferenças.

Ao compreender as identidades como narrativas (BHABHA, 1998), marcadas pela


experiência de deslocamento, devemos considerar todos os elementos que podem
participar da construção desses relatos, perpassados por uma diversidade de
linguagens, códigos e sentidos, cada vez mais diversos – o que pode levar tanto a
uma adequação a modelos homogêneos e estereotipados, quanto oferecer a
possibilidade de subverter esses mesmos modelos e dar visibilidade à pluralidade de
narrativas identitárias. (BRIGNOL. 2018, p. 129)

O que percebemos na audiência do Big Brother Brasil é que ela quer interagir,
produzir e compartilhar suas opiniões de forma a encontrar pessoas que complementam ou se
assemelham a esses pensamentos. Raquel Recuero (2006) afirma que esses fandoms, ou
comunidades digitais de fãs, se formam justamente por meio dos interesses em comum,
podendo, inclusive, ser pelo consumo de um mesmo produto midiático, como o programa.
63

Então ter uma narrativa que instigue a identificação e a diferença, aproxima o público a
assistir, criar comunidades, produzir conteúdos e, principalmente, consumir o reality show.
Assim,

Buscamos pensar nas identidades, ainda, a partir do modo como são contadas,
narradas, reconstruídas pelas experiências e através da memória dos sujeitos
que vivem em seu cotidiano essas transformações das culturas e de suas formas de
reconhecimento. Consideramos a possibilidade de construir narrativas identitárias
por meio do processo duplo de contar se e perceber a alteridade, o que passa, em
grande medida, por construções midiáticas. (BRIGNOL, 2018, p. 129)

Na perspectiva de Bruno Campanella (2008), podemos relacionar a formação das


identidades, por meio do consumo midiático de produtos como o BBB, que possibilitam a
formação de redes sociais, as quais reverberam o pertencimento e a distinção. "A adaptação
brasileira do Big Brother provocou um impacto que vai muito além do significativo resultado
financeiro que ele gerou para a Rede Globo. O reality show também inspirou a criação de
uma grande comunidade de fãs, composta por diversos espaços de debate" (CAMPANELLA,
2008, p. 2).
Com base no que foi tratado até aqui, conseguimos perceber a dimensão cultural que
envolve as relações entre meios de comunicação e os fãs. Nosso olhar para os meios, é atento
e crítico, mas se estabelece por meio da culturalidade que envolve os fãs, porque entendemos
que mesmo esses sendo envoltos pela concepção capitalista, também são importantes para o
reconhecimento do ser com ele mesmo. Essa reciprocidade se funda em lucro para a emissora,
a partir do engajamento e o senso de pertencer e distinguir para os fãs, por meio da formação
de comunidades digitais.
Tendo em vista nossa perspectiva de observar as relações de consumo pelo viés
cultural e midiático, compreendemos que consumir narrativas, elementos simbólicos e
materiais sobre o BBB (e mais especificamente sobre Juliette) é também comunicar a
identidade pertencente, diferenciar, desejar e ritualizar. Assim, compreendemos o consumo
como um lugar complexo, contraditório e múltiplo, em que todos estamos sujeitos e que se
explica na apropriação coletiva e usos simbólicos. Aos questionamentos trazidos no início
deste subcapítulo, alguns serão aprofundados, a seguir, por consequência de nossa análise dos
tuítes sobre Juliette.
64

5 OBSERVAÇÃO

5.1 O FENÔMENO

Vera França (2001) traz uma pertinente reflexão sobre o objeto da comunicação, a
qual nos interessamos trazer na apresentação de nosso estudo. A autora abre um debate sobre
os objetos da comunicação e elenca dois: 1) os meios de comunicação e; 2) o processo
comunicativo. Ao falar sobre os meios de comunicação, a autora afirma que esses dizem
respeito à comunicação midiática e, ao falar sobre o processo comunicativo, refere-se aos
“processos humanos e sociais de produção, circulação e interpretação de sentidos, fundados
no simbólico e na linguagem” (FRANÇA, 2001, p. 6).
Desse modo, compreendemos que o cerne de nossa pesquisa é amplo, constituído por
diferentes elementos que só serão analisados individualmente, porque dizem respeito à
completude. Em outras palavras, afirmamos que nosso objeto são as representações
midiáticas sobre a cultura nordestina e os sentidos construídos/compartilhados pelos fãs
a partir da Juliette, enquanto figura pública. De modo específico, nossa análise será sobre
os tuítes que os fãs repercute sobre ela ou sobre os demais elementos que a compõem,
considerando, assim, a comunicação como “um processo de troca, ação partilhada, prática
concreta, interação – e não apenas um processo de transmissão de mensagens” (Ibidem, 2001,
p. 15).

5.1.1 Juliette

Juliette Freire, tem 32 anos, é natural de Campina Grande, na Paraíba. Participou da


edição 21 do Big Brother Brasil, no ano de 2021 e, ao final dos três meses de reality show, foi
a campeã, ganhando o prêmio de R$ 1,5 milhão e um carro Fiat Pulse. Após o programa já
lançou documentário, EP musical, se tornou embaixadora de marcas, gravou lives musicais
com a presença de Gilberto Gil, Elba Ramalho e Wesley Safadão, tornou-se parceira da ONU
em ação para refugiadas, bem como realizou uma turnê musical pelo Brasil.
Por isso, falar de Juliette é também falar de Big Brother Brasil 2021. Durante sua
participação no programa, a sister trouxe elementos que constroem uma jornada a qual
podemos associar aos de heróis, que sofrem, entretém, vivem, buscam alcançar um sonho e,
dentro dessa perspectiva, são atacados pelos vilões.
65

Desde suas primeiras apresentações no programa, Juliette afirma se identificar com


algumas pautas, como a de ser mulher e nordestina. Bem com que não representava bandeiras,
mas era representada por elas. Uma parte do público, entretanto, se identificava com ela e
justamente pelas bandeiras que ela passou a representar dentro do reality show. Para quem
não assistiu, pode-se imaginar que os desafios enfrentados no BBB sejam de caráter
competitivo, como as provas, racionamento de comida, convivência conflituosa, saudade de
casa. No caso de Juliette, além desses habituais percalços também havia o preconceito pelo
lugar de origem. "O preconceito em relação ao Nordeste e ao nordestino nasceram de uma
dada visibilidade e dizibilidade da região [...]. Este Nordeste nada mais é que a regularidade
de certos temas, imagens, falas, que se repetem em diferentes discursos" (ALBUQUERQUE
JÚNIOR, 2011, p. 344).
Mesmo não sendo a única pessoa de origem nordestina na edição, o foco para as
críticas foi Juliette, sendo afirmado, inclusive, xenofobia. Alguns dos comentários dos
participantes foram:
"Tudo ela quer falar do Nordeste, tudo ela quer falar de coisa de lá, pra quê?”. [Sarah, ex-bbb
2021. Disponível no GloboPlay].

“Aí as pessoas dizem: não, é o jeito, porque lá na terra dessa pessoa [Juliette] é normal falar
assim. Eu sou de Curitiba, entendeu? É uma cidade muito reservadinha, por mais que eu seja
artista e rode o mundo, eu tenho os meus costumes”. “Tipo, eu tenho muita educação pra falar
com as pessoas, eu tenho meu jeito brincalhão, eu brinco, mas reparem que eu não invado, eu não
desrespeito, eu não falo nem pegando nas pessoas. E é normal isso aqui dentro e eu fiquei me
sentindo mal”. [Karol Conká, ex-BBB 2021. Disponível no GloboPlay].

Outras vezes, por decorrência do jogo, a participante também foi chamada de


emocionada, indecisa, sem noção, possessiva, frágil, caça likes e oportunista. Entendemos ser
por causa disso, também, que muitas pessoas se apegaram à ex-BBB, já que ela estava sendo
alvo fácil dos demais dentro do reality show. Era quase como se existisse um senso de justiça
por parte dos fãs, como afirma Selton Mello no documentário. Em razão disso, os números de
seguidores foram subindo em suas redes sociais digitais, bem como houve a formação de fã
clubes e um grande fandom chamado de Cactos. Cacto, inclusive, se tornou símbolo da
participante, sendo usado em seu perfil e nos perfis de quem desejava comunicar a torcida por
Juliette, como é o caso da jogadora de futebol Martha, também nordestina:

"Eu tenho vários cactos aqui em casa, mas depois dessa febre aí, Juliette e tal, aí eu comprei
muito mais" [Martha, jogadora de futebol 2021. Disponível no GloboPlay].
66

A produção de conteúdo nas redes sociais dos participantes do reality show é algo
muito importante para a extensão do discurso manifestado no programa. Ainda no
documentário sobre a trajetória de Juliette, seus assessores12 foram questionados sobre qual a
estratégia escolhida para administrar as redes dela, isso porque o crescimento exponencial de
seus seguidores também foi gerado pelos conteúdos planejados por quem administrava essas
redes.

“A Juliette é alguém de várias facetas e a estratégia foi mostrar todos esses lados dela. Quando
ela era humilhada na casa, a gente não dizia: “ah, vamos postar, vamos mostrar pras pessoas que
ela tá sendo humilhada”, a gente não fazia isso. A gente: “pô, isso aí deixa, isso é o jogo”. Eu
quero mostrar quem é Juliette. E aí a estratégia foi essa: “vamos mostrar quem é ela, vamos
esquecer do jogo”" [Déborah Vidjinsky e Huayana Tejo, assessores de Juliette. Disponível no
GloboPlay]

Eles ainda afirmam que usaram os próprios vídeos e imagens da participante, antes de
entrar para o BBB e associaram aos vídeos do pay per view. O que Déborah menciona, ainda,
é que Juliette nunca teve o perfil de blogueira no Instagram. Como explica a pesquisadora
Issaaf Karhawi (2020), as blogueiras, por muito tempo, foram associadas a pessoas que
possuíam tempo livre, informações técnicas, acesso aos meios digitais, (associando isso,
também, a pessoas com capital financeiro elevado) e vontade de produzir conteúdos sobre
temas de seu interesse de forma amadora. Por isso, um perfil de blogueira, muitas vezes
significava dedicar tempo de sua vida para a produção de conteúdos, como fotos produzidas,
textos direcionados aos fãs com dicas e opiniões sobre determinado assunto.
No caso de Juliette, o uso das redes sociais digitais não era pensado para esse fim, por
isso durante sua participação no programa, a veiculação dos vídeos produzidos por ela sem
pretensão de ser blogueira serviram para construir uma imagem mais próxima do público.
Como explica Karhawi (2020), “a proximidade desses sujeitos de seus públicos, de sua rede, a
partir da escrita íntima, do uso da primeira pessoa (no caso dos blogs, Instagram, Twitter) e da
pessoalidade cria uma aproximação entre o criador de conteúdo e seus públicos.”
(KARHAWI, 2016, p. 47)
Por isso, as redes sociais da participante são elementos importantes para este estudo de
consumo midiático. A ativa produção de conteúdos em seus perfis sobre o Nordeste faz com

12
Com o consumo paralelo de redes sociais ao assistir reality shows se tornou essencial ter uma equipe
responsável exclusivamente gerenciar os perfis dos participantes nas redes sociais, principalmente Instagram,
Twitter e Tiktok. As principais responsabilidades desses profissionais, então, são criar conteúdos que
complementam a narrativa criada pelo participante dentro do programa. Durante a participação de Juliette no Big
Brother Brasil 2021, sua equipe se tornou reconhecida pela alta qualidade das publicações, bem como há,
inclusive, quem diga que sua vitória no reality show se deve em parte pelo trabalho desenvolvido em suas redes
sociais digitais.
67

que eles sejam ambientes de análise ricos, porque além da personalidade da participante
durante o programa que em muitos momentos fazia referência à sua região, foram os
conteúdos produzidos em seu Instagram, mostrando, inclusive, muitos elementos que
expressam a cultura nordestina, como pode ser observado abaixo.

Figura 7- Mutirão Figura 8- Dicionário Juliettês

Fonte: Instagram Juliette (2020). . Fonte: Instagram (2020).

Figura 9- Juliette Cangaço. Figura 10- Juliette Revista Vogue.

Fonte: Instagram (2021). Fonte: Instagram (2021).

Com isso tudo, desejamos evidenciar que tanto dentro do reality show quanto fora,
Juliette foi protagonista de inúmeros fatores que podem se relacionar com os conceitos de
identificação, diferença, distinção e pertencimento. Isso porque criou uma identidade visual,
completamente articulada com sua origem cultural e regional e usou discursos e símbolos
para se aproximar ainda mais de seus públicos. Portanto, em nosso capítulo de análise
buscaremos tensionar as hipóteses trazidas até aqui a partir dos modelos de racionalidade de
García Canclini (1997), da teoria de transcodificação de Stuart Hall (2016), bem como do
aporte teórico de Albuquerque Júnior (2011) no que tange ao regionalismo e ao Nordeste.

5.2 ANÁLISE
68

Iniciamos a monografia contextualizando o percurso histórico pelo qual passou a


identidade e a cultura brasileira, falamos sobre Movimento Antropofágico, hibridismo
cultural, globalização, representação, estereótipo. Compreendemos que sim, a cultura se
molda com os anos, com as pessoas que por ela se constituem, pela repetição e continuidade,
mas que também se adapta e atravessa à contemporaneidade, pelas práticas cotidianas.
Se os pesquisadores um dia acreditaram que a globalização foi um perigo às
identidades regionais, talvez hoje se pode chegar mais perto de dizer que, embora haja novas
tecnologias, hábitos, modos de vida, ainda assim, as sociedades buscam pelas histórias que
são possíveis pela ação coletiva, pela reciprocidade e troca que acontece nos espaços
habitados, sejam esses cultivados geograficamente, ou carregados nas raízes emocionais.
Assim, abaixo categorizamos nossa análise em duas racionalidades complementares
conforme proposta de Nestor García Canclini, a primeira: “Consumo como sistema de
integração e comunicação'', e segunda: “Consumo como lugar de diferenciação social e
distinção simbólica entre os grupos”. Isso porque objetivamos observar as formas pelas quais
o consumo midiático da representação de Juliette no Twitter se relacionam aos processos de
manutenção e ressignificação da identidade regional do Nordeste. A seleção de tuítes se deu
após uma leitura flutuante, a qual possibilitou a categorização a partir do referencial teórico.

5.2.1 Consumo como sistema de integração e comunicação.

Para Néstor García Canclini (1997), vivemos em um tempo de segmentações e


fraturas, onde o consumo serve para unificar, ordenar e permitir que as pessoas se entendam
enquanto comunidades. Por isso, essa vertente diz respeito ao sentido de consumir por
pertencer. Ou seja, quem consome determinado produto, mídia, estilo de vida deseja encontrar
códigos que as unifiquem, ou que pelo menos as façam se entender dentro de uma
comunidade (GARCÍA CANCLINI, 1997). E o ato de consumir envolve absorver, comunicar
e, principalmente, se integrar com os demais consumidores, de forma a, muitas vezes,
valorizar uma representação de forma conjunta, como acontece com os Cactos, por exemplo.
As razões pelas quais quem consome conteúdos relacionados à Juliette, podem estar
relacionadas ao desejo de querer fazer parte de uma comunidade que se apoia e se fortifica,
como os Cactos. Abaixo, trataremos sobre como esse consumo auxilia na manutenção da
identidade regional nordestina, a partir da transcodificação.

5.2.1.1 Sotaque
69

Ao pesquisarmos as hashtags #Juliette e #Nordeste na plataforma Twitter


encontramos uma série de tuítes que referem-se ao sotaque de alguma parte da região. Para
nós, tal fato se relaciona ao que explica Albuquerque Júnior (2011, p. 176), quando menciona
que o sotaque funciona como “um dos primeiros índices de identificação e também de
estereotipia''. Então quando há a representação de alguém, como Juliette, que carrega um
sotaque característico, também há a identificação (das raízes e lutas) e, outras vezes, a
diferença e o estereótipo. Então, a partir da identificação ou da diferença vinda por meio do
sotaque, é esperado que, aqueles que se sentem representados exponham sua vinculação,
porque se entendem como parte de um mesmo grupo de pessoas que passam pelas mesmas
situações envolvendo esse contexto.
Vale ressaltar que, como o autor menciona, ser reconhecido como nordestino apenas
pelo sotaque, muitas vezes pode ser desafiador, já que há inúmeros estereótipos empregados a
esse grupo que, antes mesmo de conhecer, já se cria um julgamento, positivo ou negativo. O
exemplo que trazemos abaixo é de alguém que, por muito tempo, tentou esconder seu sotaque
para não ser associado automaticamente à região. Entendemos que isso se deve a esses
estereótipos, principalmente aos negativos. Mas, a partir da circulação midiática da
personagem Juliette e também de sua contraestratégia de Inversão do Estereótipo (HALL,
2016), que valoriza e reforça o seu sotaque, a usuário-midia (TERRA, 2014) afirma que
também passou a se aceitar, porque se sentiu integrada à uma cultura.
Por meio da Inversão dos Estereótipos (HALL, 2016), Juliette apresenta seu sotaque
como um elemento positivo, que remete à sua história, às suas raízes. Torna o seu sotaque
motivo de orgulho e, principalmente, uma característica que a torna singular dentro de uma
competição. Como parte de uma estratégia de afirmação de sua identidade nordestina, ela faz
isso pelas redes sociais com o “Dicionário Juliettês” (figura 8) ou em momentos dentro do
reality show.
Figura 11- Tuíte 3
70

Fonte: Twitter (2021)

A figura 11, mostra tuítes de 30 de março de 2021, quando Juliette ainda estava na
edição do Big Brother Brasil. Mais de um ano depois, Juliette usa o seu perfil no Twitter para
expressar sua aversão aos contextos que tentam neutralizar os sotaques. Isso aconteceu,
porque durante um teste para dublagem de um personagem infantil não especificado, lhe foi
solicitado para neutralizar o sotaque (JORNAL DA PARAÍBA, 2022).

Figura 12- Tuíte 4

Fonte: Twitter (2022).

Em uma transmissão ao vivo, em 10 de junho de 2022, no seu perfil do Instagram


(@juliette), a cantora afirmou que, apesar de dolorido, não lhe foi estranho, porque já foram
muitos pedidos como esse, inclusive em músicas, em outros trabalhos e em muitas situações
de sua vida pessoal. Juliette, na mesma transmissão, reitera a importância de diferentes
sotaques em publicidades e até conteúdos para o público infantil, para que desde pequenas as
crianças se sintam representadas.
O foco aqui, claro, não é discutir se dubladores devem ter voz com sotaque ou sem
sotaque, até porque entendemos que todas as vozes carregam sotaques, raízes e histórias. Mas
sim, compreender que, muitas vezes, o pedido de silenciamento dos sotaques está
acompanhado de xenofobia e preconceito pelo lugar de origem. Quando é assim, fica evidente
que o posicionamento de pessoas públicas como Juliette, as quais afirmam suas identidades a
partir de um movimento de transcodificação dos estereótipos, acaba por valorizar
positivamente o sotaque nordestino que normalmente pode ser visto como estereótipos
negativos (HALL, 2016). E seus fãs, ao se identificar, corrobora com a valorização do seu
próprio sotaque, como é o caso da figura 13, onde a usuário-mídia mostra que não esconde
71

seu sotaque, inclusive, acredita que ele carrega inúmeros elementos positivos relacionados aos
nordestinos.
Figura 13- Tuíte 5.

Fonte: Twitter 2022).

O sotaque, como vimos, é uma importante ferramenta de integração e comunicação da


cultura e da identidade de um determinado povo. E, entendendo que as racionalidades são
complementares então, ao se integrar, também se comunica a distinção de outros grupos. Isso
porque, por exemplo, ao pertencer a uma cultura a qual possui manifestações artísticas, ritos,
culinária, festas e modos de se expressar cujos sentidos são propriedade de quem pertence,
esses mesmos elementos tornam-se distintivos em relação a outros grupos (CANCLINI,
1997). Esse é um fato teórico-metodológico importante de ser pautado, porque percebemos a
costura, por vezes discreta, mas sempre presente, entre as duas racionalidades, ou seja, há
uma reciprocidade entre integrar/comunicar e distinguir, que se faz com que ambas sejam
vivenciadas sempre de forma conjunta, uma vez que o consumo por distinção “se constrói
parte da racionalidade integrativa e comunicativa de uma sociedade” (Ibidem, p. 63).
De modo tangível, percebemos essa reciprocidade presente no comentário feito na
postagem de Juliette, apresentado na figura 12, sobre não haver sotaque neutro. A
usuário-mídia afirma que o seu sotaque é a representação de um povo forte, guerreiro,
persistente, que respira cultura, o qual ela se orgulha em fazer parte. O uso de elementos
intrínsecos à cultura nordestina como o ‘oxe’ e o ‘vixe’, além de serem considerados por ela
traços da sua cultura, também são tidos como elementos distintivos pela paulatina
representação desses como marcas discursivas da cultura nordestina. Pois, para se tornarem
elementos distintivos, esse sotaque já precisa estar cristalizado no imaginário social como um
elemento característico de uma a parte da sociedade.
A partir da situação envolvendo Juliette, outros usuários-mídias, também expressaram
sua opinião sobre existir ou não um sotaque neutro. Esse embate revela disputas que se
baseiam em argumentos xenófobos como forma de adaptar e minimizar as expressões
culturais/regionais, a partir do parâmetro que se tem como universal (logo, que vem dos
grupos econômicos dominantes - pertencentes ao eixo Rio-São Paulo). Como pode ser visto
72

no tuíte da figura 13. A partir desta publicação, compreendemos que a ideia de neutralização
do sotaque é, no fundo, uma forma de suprimir as características culturais de quem é diferente
da região sudeste, como expõe o tuíte abaixo.

Figura 14- Tuíte 6

Fonte: Twitter (2022).

E corrobora Albuquerque Júnior:

Esses relatos fundam uma tradição, que é tomar o espaço de onde se fala como
ponto de referência, como centro do país. Tomar seus "costumes" como os costumes
nacionais e tomar os costumes das outras áreas como regionais, como estranhos. São
Paulo, Rio de Janeiro ou Recife se colocam como centro distribuidor de sentido em
nível nacional. As "diferenças" e "bizarrias" das outras áreas são marcadas com o
rótulo do atraso, do arcaico, da imitação. (2011, p. 54)

A neutralização do sotaque, nesse caso, é tomar como referência o modo de falar


sudestino e, a partir disso, compreender que certas expressões regionais devem ser evitadas.
São Paulo, Rio de Janeiro e Recife não são citados pelo autor de forma aleatória, pelo
contrário, esse apontamento se deve, também, pelo fato de que, esses, são espaços
constantemente representados nas mídias. Nas telenovelas, nas músicas, noticiários e em
muitos outros contextos de visibilidade, a representação tende a ser homogênea, se
cristalizando no imaginário social formas pontuais de se falar. É interessante perceber, neste
sentido, que em muitas destas representações que universalizam o que seria "o Nordeste” se
caracterizam por reduções (logo, estereotipias) de elementos tradicionais de um Estado da
Federação específico: Pernambuco.
Como Albuquerque Júnior (2011, p. 135) reflete, o “falar nordestino constitui, na
elaboração paulatina de uma língua imaginária, um sotaque imaginário que abarca o todo
regional, desconhecendo as variações de pronúncia e usos linguísticos no Nordeste”. Quando
falamos em elaboração paulatina, falamos em repetidos estereótipos que se consolidam no
imaginário social, os quais não representam todo um povo. E um ponto muito importante ao
falarmos sobre sotaque e estereótipos é que o Nordeste é amplo, são muitas pessoas, com
diferentes modos de falar ou se expressar - a ideia de que os nordestinos falam da mesma
forma é um reducionismo, próprio do estereótipo.
73

Assim de maneira analítica, se apropriar do conteúdo das postagens da Juliette, como


fez a usuário-mídia dos primeiros tuítes, reverberou na reafirmação de sua identidade
regional, bem como auxiliou na compreensão de que ela não precisa mudar seu jeito de falar
apenas porque ele carrega suas raízes identitárias. A partir da Inversão do Estereótipos,
percebe-se um caso em que a ressignificação da identidade regional do Nordeste acontece
pela afirmação de seu sotaque, pela não neutralização e silenciamento, a partir da
representação de Juliette.

5.2.1.2 Culinária

Desde o Manifesto Regionalista de Gilberto Freyre (1996), a culinária do Nordeste se


relaciona com as tradições. Em Nordeste (2013) o autor escreveu sobre o cultivo de cana de
açúcar e como essa monocultura foi imprescindível para criar “condições de vida, habitação e
de alimentação [...] para a formação dos dois tipos de homem regional: o aristocrata e o
homem do povo”. Em Casa-Grande & Senzala (2003) apontou como a culinária nordestina se
formou a partir de influências indígenas, portuguesas e africanas e, em Açúcar (2007)
evidenciou novamente o quanto a culinária nacional é fruto do Nordeste brasileiro.
Por essas e outras razões, compreendemos que ter a temática culinária, neste tópico, é
imprescindível ao se falar do Nordeste. Ao pesquisarmos pelas hashtags #Juliette #Nordeste
muitas foram as publicações relacionadas à culinária, esse fato pode ser compreendido tanto
pelas tradições da cozinha nordestina, como também pelos episódios protagonizados por
Juliette envolvendo a culinária no Big Brother Brasil 21.
O preparo de um prato típico nordestino, o cuscuz, foi motivo para discórdia entre
Juliette e o participante Fiuk. Depois da discussão que também teve participação de Gil do
Vigor, outro participante nordestino, que corroborou com Juliette na discussão, a campeã
chegou a dizer que, pelo alto rendimento e baixo custo, ‘cuscuz salva uma vida’. Depois
disso, é possível perceber tuítes utilizando as hashtags #Juliette e #Cuscuz.

Figura 15- Tuíte 7 Figura 16- Tuíte 8


74

Fonte: Twitter (2021). Fonte: Twitter, (2021).

Mas essa não é a única comida que se tornou assunto no Twitter, a partir de Juliette.
Em 2021, depois de sua participação no Big Brother Brasil 21, a artista publicou uma foto
com a frase: “prazer, meu nome é fava”. Depois disso, a hashtag #fava passa a fazer parte dos
Assuntos do Momento da plataforma no Brasil, alcançando milhares de tuítes sobre o assunto.
Nos comentários, no entanto, é possível ver um número expressivo de pessoas que não
conhecem o alimento, o qual tem alta produção no estado da Paraíba.

Figura 17- Tuíte 9 Figura 18- Tuíte 10

Fonte: Twitter (2021). Fonte: Twitter (2021).

Sobre isso, é interessante pensarmos em como a artista estimula a visibilidade13 de


assuntos relacionados ao Nordeste e, muitas vezes, por meio de elementos que não estão
13
Vale ressaltar que, no último ano, o termo “receita de fava nordestina” teve uma ascensão de 300% em
comparação a períodos anteriores. (GOOGLE TRENDS, 2021)
75

presentes nas representações mais frequentes da região, tais como o cacto, as paisagens
paradisíacas, ou o sertão. Outro exemplo desse fato foi a palavra macaxeira ter entrado,
também, nos Assuntos do Momento Twitter Brasil, como mostra a figura 22. Ainda dentro do
reality show, a participante afirmou que costuma falar macaxeira, ao invés de aipim ou
mandioca. Depois disso, houve um forte debate na plataforma sobre as formas de se referir ao
alimento, em cada região do país.

Figura 19- Tuíte 11

Fonte: Twitter (2021).

Figura 20- Tuíte 12

Fonte: Twitter (2021).

Ao responder uma fã, a administradora do perfil da artista no Twitter, afirmou ter


jantado macaxeira e, ainda, complementou afirmando: “bem nordestina, para combinar com a
temática desse perfil”. Meses depois, quando Juliette já havia se tornado a campeã da edição
2021 do Programa, novamente macaxeira volta a virar assunto na plataforma. Isso aconteceu
depois dela ter publicado uma foto do almoço em seus stories do Instagram. No twitter, o
assunto macaxeira entrou nos Assuntos do Momento, como mostra a figura 22.

Figura 21: Tuíte 13


76

Fonte: Twitter (2021).

Figura 22: Tuíte 14

Fonte: Twitter (2021).

Figura 23: Tuíte 15

Fonte: Twitter (2021).

Assim, a partir da análise desses casos, bem como do entendimento que a identidade
presente é parte do processo de redescoberta do passado e também das raízes identitárias
(WOODWARD, 2003), compreendemos que afirmar sua identidade por meio da culinária,
como faz Juliette, é uma forma de integrar ao grupo, de comunicar seu passado, seus
antecedentes e, principalmente, de dizer a qual comunidade deseja ser reconhecido como
parte. Como mencionamos no início deste tópico, a culinária está na raiz nordestina e,
consequentemente, brasileira. Então, ao se reconhecer nas publicações e nos discursos de
Juliette, uma reafirmação das próprias identidades acontece.

5.2.1.3 Pertencimento
77

Como último tópico dessa temática, trouxemos um conjunto da amostra de tuítes que
não falam sobre um elemento específico, mas que dizem respeito a uma apropriação
simbólica da identidade regional do Nordeste, comunicada por Juliette, de forma ampla e
atravessada pelas diferentes temáticas. Por muitos momentos deste trabalho, mostramos que
Juliette se tornou uma artista, saiu campeã do Big Brother Brasil e também com uma
comunidade de fãs potente, a qual não deixou de acompanhar seu trabalho após o reality
show. No documentário Você Nunca Esteve Sozinha, disponível no GloboPlay, a assessora de
Juliette, Déborah Vidjinsky, menciona que a escolha do cacto como elemento representativo
da artista se deu de forma instantânea, ao saber que os participantes do BBB precisam de
emojis para se diferenciar dos outros, tanto dentro do Programa, quanto nas redes sociais.
Logo após o anúncio dos participantes da edição 2021, os fãs do BBB já tinha uma
tarefa: votar em uma pessoa para iniciar a primeira semana de reality show, imune ao paredão.
Entre os 20 participantes, os seis mais votados, a partir dessa dinâmica, ficaram imunes e
separados dos demais 14 por algumas horas. Juliette foi uma das mais votadas e, então,
iniciou no reality show com pelo menos uma semana de permanência garantida. No
documentário sua assessora diz ter mobilizado influencers de João Pessoa para estimularem
seus próprios fãs a votar para a imunização de Juliette. Vale lembrar que, dentro de um reality
show, iniciar imune é uma grande vantagem, já que o período inicial, normalmente, não é
suficiente para um participante demonstrar sua personalidade, podendo facilmente ser
indicado ao paredão e, correndo o risco de ser eliminado.
Então, com o passar dos dias dentro do reality show, o aumento de pessoas que se
consideram pertencentes a comunidade fãs de Juliette aconteceu de forma exponencial. No
capítulo de apresentação de Juliette, mencionamos que muito da identificação de seus fãs veio
depois dos ataques que a participante recebeu dentro do jogo, muitos deles, até mesmo,
xenofóbicos. A comunidade de fãs, a qual desejou se integrar e até comunicar sua
identificação com Juliette foi tão expressiva que os números em suas redes sociais romperam
as expectativas inclusive de sua equipe:

“Ela tinha deixado comigo as senhas das redes sociais [digitais] dela de uma forma bem ‘ó, tu vai
cuidar do meu Instagram’ e eu achava que ia fazer um ‘postzinho’ por dia e vida que segue, né?
[...] Chegou uma hora que a gente já estava acostumado, já deixava os cards de tantos milhões,
tantos milhões, tantos milhões meio que pronto, porque às vezes era tão rápido, mudava tão
rápido, mudava de milhão duas vezes na semana.” [Déborah Vidjinsky. Assessora e amiga de
Juliette. Disponível no GloboPlay].

Na final do Big Brother Brasil 21, Juliette estava com quase 24 milhões de seguidores
78

só em seu Instagram, se tornando a participante, entre todas as edições, com mais seguidores.
Ao ser intitulada como campeã, ainda durante o episódio final da edição do reality show, seus
assessores publicaram uma foto de agradecimento pelos votos no perfil da artista no
Instagram, com isso ela bateu o recorde mundial de publicação na plataforma, alcançando 1
milhão de curtidas em menos tempo- apenas 3 minutos (G1, 2021). O post hoje conta com
mais de 8 milhões de curtidas e o perfil possui mais de 33 milhões de seguidores também no
Instagram.
Mas a vivacidade dos Cactos não começou neste momento. Na verdade, ainda durante
o programa, esses fãs esgotaram alguns produtos consumidos por Juliette, como os os ovos
de páscoa sabor Oreo da Lacta (GKPB, 2021), ou o tênis usado por ela no aeroporto
(VOGUE, 2021), além de muitos outros que se tornaram tendência, como um determinado
estilo de delineado (CAMPOS, 2021), uma combinação de roupa (MULHER, 2021), um
modelo de pijama usado pela artista (BORGES, 2021), um livro citado por ela em uma
transmissão ao vivo (BORGES, 2021). Outro caso interessante foi o de pesquisadores do
projeto Aves de Noronha que realizaram um estudo com espécies terrestres e marinhas
ameaçadas de extinção em que uma das aves capturadas recebeu o nome de Juliette (G1,
2021). Diante deste contexto, Juliette já esteve como brasileira com maior engajamento no
Instagram e a quarta no mundo (UOL, 2022).
Esse trabalho não pretende ter uma análise quantitativa, como já ficou evidente, no
entanto os fatos mencionados acima são importantes para entendermos a grandiosidade do seu
fandom, os Cactos. A expressividade da adesão ao fenômeno também é perceptível pela
quantidade de indicações e prêmios recebidos por Juliette em decorrência de seus fãs. Em
2021, por exemplo, ela ganhou o prêmio de Melhor Fandom do Brasil, pela BreakTudo
Awards e outros dois, com a mesma categoria, pela MPM Awards e pelo Prêmio POP Mais,
bem como foi indicada para receber nas categorias Fandom Real Oficial pela MTV Millennial
Awards Brasil e Fandom do Ano pelo Meus Prêmios Nick e Melhor Fandom pelo Prêmio
TodaTeen. Ao todo, foram 40 prêmios recebidos, nas mais diversas categorias e outras 50
indicações, também, em 2021.
A pesquisadora Issaaf Karhawi (2020) afirma que na formação das comunidades
digitais estão elementos intrinsecamente relacionados ao pertencimento. Quem pertence à
comunidade Cactos não só deseja comunicar suas identificações com os demais participantes,
como também deseja se sentir ainda mais próximo ao sentido da comunidade, seja esse
cultuar a personalidade Juliette ou o que ela representa. Para a pesquisadora, existem
primordialmente dois pontos na construção das comunidades digitais de fãs que envolvem o
79

pertencimento, são eles: a interação mútua entre os indivíduos e a permanência em um espaço


específico da rede social digital.
Essa é praticamente uma descrição do Twitter, um ambiente de encontro de inúmeros
usuários-mídias que se sustenta pelo caráter pessoal, interativo e instantâneo nas trocas de
mensagens e mídias. Nesse sentido, uma breve pesquisa na página inicial da rede social
digital, Twitter, aponta a presença de pelo menos 300 pessoas e comunidades que possuem a
palavra “cactos” no seu nome de usuário da rede social digital. São pessoas que além de
compreenderem sua identificação com a comunidade, desejam comunicar seu pertencimento
já em seu nome digital. Karhawi (2020, p. 110-111) explica que esse sentido de comunidade e
pertencimento acontece “baseando suas relações em afinidade [...] trata-se de um espaço de
acolhimento e de intimidade” e, quando falamos em identificação com situações xenofóbicas,
esse íntimo é ainda mais pulsante, como ilustram as figuras 24 e 25.

Figura 24: Tuíte 16.

Fonte: Twitter (2021).

Figura 25: Tuíte 17.

Fonte: Twitter (2021).

Os pesquisadores Mary Douglas e Baron Isherwood (2004) nos ajudam a refletir que
as pessoas vêem sua cultura se modificar no decorrer da vida, a ela são atribuídas novas
palavras, ideias, maneiras. Mas isso não acontece como um metrô que passa pelos indivíduos,
pelo contrário, é por meio do consumo que as próprias pessoas vão desempenhando um papel
nessa mudança. Se pensarmos em todos os anos que determinadas culturas foram
estereotipadas e, por meio da transcodificação advinda de novos produtos midiáticos,
discursos e símbolos, foram tomando novos significados social, temos então a constatação de
que “o consumo é a própria arena em que a cultura é objeto de lutas” (p. 103).
Nas figuras 24 e 25 é possível perceber a colaboração dos indivíduos para a mudança
80

em sua cultura, a partir do consumo de discursos de Juliette, os quais comunicavam orgulho


pelo seu lugar de origem, bem como por todas as características intrínsecas à cultura
nordestina. A usuário-mídia da figura 26 mostra que em determinado momento de sua vida
foi acometida pela falta de aceitação, em decorrência do preconceito que sentiu por ser
nordestina, mas que ao ter contato com a representação midiática de Juliette e perceber seu
orgulho de ser nordestina, passou a construir novos significados para sua cultura, não
deixando que a xenofobia e os estereótipos negativos sejam a narrativa vitoriosa.

Figura 25: Tuíte 18

Fonte: Twitter (2021).

Figura 26: Tuíte 19.

Fonte: Twitter (2021).

Um detalhe importante que ilustra nosso argumento (presentes nas figuras 26 e 27) são
os relatos de reflexões a partir da representação de Juliette. Se antes era possível ver
indivíduos que, por conta do preconceito, sentiam dificuldade de afirmar sua identidade
regional, percebe-se uma mudança na postura, o que corrobora para a ideia de integração a
um grupo onde reafirmam a identidade. Sendo um processo de resistência que os faz,
também, colaborar na transcodificação dos estereótipos, não aceitando mais o silenciamento,
a neutralização e nem mesmo a piada. Durante sua participação no Big Brother Brasil, Juliette
aponta momentos de sua vivência onde exemplifica a teorização trazida por Albuquerque
Júnior:

“Eu senti na minha pele, as pessoas ironizando na minha cara, tirando onda do meu sotaque, me
imitando [...] Eu sou uma pessoa estudada e tal, mas onde eu chego as pessoas me tratam como
analfabeta. Me tratam como matuta, como burra. [...] As pessoas acham que no Nordeste é mato,
seca, jumento e analfabeto. E não é.” [Juliette. Disponível no GloboPlay]

Assim, a integração acontece de forma espontânea, porque ao se reconhecer nas


81

feridas, nas raízes e experiências comunicadas por Juliette, seus fãs intercambeia significados
que só podem ser, intimamente, compreendidos pelos nordestinos. É uma aparente empatia,
como mostra a figura 28, é ver os ataques xenofóbicos recebidos por Juliette e entender que
esses não atingem só ela, mas toda uma população, não atingem sua personalidade, atingem o
que a moldou, atingem, assim, sua cultura regional.

Figura 28: Tuíte 20

Fonte: Twitter (2021).

O pesquisador Stuart Hall (2016) nos ajuda a entender o reconhecimento das dores
compartilhadas que, em maior grau, contribui com a integração de seus fãs. É o orgulho que
Juliette sente por sua cultura e a forma com que a artista comunica suas origens que auxilia na
construção de identificação positiva do que tem sido visto como sofrimento. No livro Cultura
e Representação (2016), o autor, inclusive, mostrou como a contraestratégia de “Imagens
Positivas e Negativas” contribuiu, a partir de 1970 para um grande sucesso de bilheteria ao
colocar pessoas negras nos centros de gêneros cinematográficos populares, e culminou no
fortalecimento dos movimentos de direitos civis, corroborado pela identificação destes grupos
com o que estavam consumindo na mídia.
Observando o nosso caso, quando Juliette afirma sua identidade, motiva seus fãs a se
identificar, tanto com suas raízes, quanto com a própria personalidade. Isso,
consequentemente, também corrobora com a manutenção cultural de sua região . Porque ao se
afirmar de forma positiva, Juliette estimula e mostra que é possível não cair no reducionismo
dos estereótipos e, então, estimula a integração de pessoas que se aceitem, não julguem pelo
lugar de origem ou, até mesmo, não se calem para o preconceito. No exemplo abaixo, figura
29, é possível ver que os fãs também compreende a implicação de Juliette para a cultura
nordestina e, por isso, torce, se emociona, deseja se integrar e comunicar seu pertencimento
ao fandom.
Figura 29: Tuíte 21
82

Fonte: Twitter (2021).

Com o que temos até aqui é possível vermos muitas respostas às nossas hipóteses, são
depoimentos e postagens bem complexas e interessantes em seus significados, o que nos
permite perceber a potência do consumo midiático para a manutenção e ressignificação das
identidades regionais. Neste subcapítulo, debatemos como o consumo serve para organizar os
pensamentos enquanto sistema integrativo, a partir de agora, compreendemos como o
consumo, ao integrar, também diferencia e distingue os indivíduos. Faremos isso sem
esquecer da relação de reciprocidade existente entre as duas racionalidades propostas por
Nestor Garcia Canclini.

5.2.2 Consumo como lugar de diferenciação social e distinção simbólica entre os grupos

Em muitos momentos deste trabalho, contamos com o amparo teórico da pesquisadora


Kathryn Woodward (2003, p. 29), para entender que “as identidades são fabricadas por meio
da marcação da diferença”. Por outro lado, importa perceber que essa diferença acontece,
muitas vezes, de forma complementar à integração, porque, ao se identificar com determinada
representação cultural, o indivíduo passa a fazer parte de um mesmo grupo e se difere de
outros. Consumir, então, é fazer escolhas identitárias.
Para recordarmos, a teoria Consumo como Diferenciação Social e Distinção
Simbólica (CANCLINI, 1997) diz respeito, resumidamente, a uma pessoa ou grupo consumir
um determinado bem, se integrar, comunicar e, por consequência, se diferenciar de quem não
consome. Essa distinção acontece por meio do orgulho pelo bem consumido, pelo status que
esse produto ou estilo de vida engloba, pelas características que são intrínsecas a determinado
grupo.
Então, o Consumo como lugar de distinção social e simbólica (CANCLINI, 1997), diz
respeito justamente a consumir com a intenção de se diferenciar, por desejar dar evidência ao
seu gosto característico e identitário. A distinção acontece porque há um conhecimento geral
de que aquele bem de consumo significa algo, isto é, que significa uma identidade específica,
um status, uma personalidade. E, ao relacionar à primeira racionalidade, percebemos que
quem se distingue faz isso, porque faz parte de um grupo, mas o que compreendemos ser
diferente entre as duas racionalidade, no entanto, é a comunicação.
Quem consome e repercute as representações sobre a cultura nordestina publicadas
por Juliette afirma sua distinção porque, como já mencionamos no tópico Perspectiva
83

Sociocultural do Consumo, pretende se diferenciar dos demais por (re)conhecer aspectos da


cultura do Nordeste, sobre moda e/ou beleza. Nesse caso, ao ter um cacto como tatuagem, por
exemplo, mesmo sem explicar o que significa, o indivíduo já está comunicando que faz parte
de um grupo de pessoas que gosta do significado presente nos cactos, ou até mesmo,
demonstra sua identificação com a cultura nordestina.
A partir disso, entendemos também que essa “marcação da diferença ocorre tanto por
meio de sistemas simbólicos de representação quanto por meio de formas de exclusão social”
(GARCÍA CANCLINI, 2015), onde a distinção pode estar relacionada ao status e poder. Isso
ocorre, na maior parte das vezes, quando se trata de grupos hegemônicos e pode se relacionar
à xenofobia. Mas no caso do objeto deste trabalho, está muito mais relacionado ao orgulho
pelas raízes, a uma aceitação, apesar do preconceito e, a valorização das identidades.

5.2.2.1 Símbolos da cultura nordestina

Desde o início de sua vida pública, Juliette (acompanhada de seus assessores) faz o
uso de adereços e elementos simbólicos que representam a Região Nordeste. Estar em uma
competição, como o Big Brother Brasil, onde a cada semana um participante é eliminado,
indica a necessidade de se apropriar de ícones que a representam. A intenção é clara:
proporcionar aos telespectadores e usuários-mídias uma série de signos imagéticos e
discursivos, a fim de estimular a identificação, bem como estabelecer seu posicionamento
dentro do jogo.
Seguindo essa estratégia, hoje é possível percebermos diversos elementos alusivos ao
Nordeste, que representam a ex-BBB, como o cacto, o chapéu de cangaceiro. É possível
inferir que isso seja parte da estratégia de criar uma narrativa que faça sua audiência do
Programa entender suas raízes, porque estar vinculada diretamente a uma região, possibilita
identificação aos membros daquele lugar. E, estando em uma competição, quanto mais
pessoas que se identificam, melhor.
Stuart Hall (2016) nos mostrou que as pessoas as quais fazem parte de uma mesma
cultura compartilham mapas conceituais semelhantes e, por essa razão, atribuem o mesmo
sentido14 aos símbolos e signos. Quando falamos em símbolos da Região Nordeste, portanto,
nos referimos a elementos que, culturalmente, foram sendo utilizados para representar esse
povo, porque fazem parte da história e da geografia, bem como são fatos marcantes e

14
O sentido é construído pelo sistema de representação ele consiste não em conceitos individuais, mas em
diferentes maneiras de organizar, agrupar e classificá-los, bem como em formas de estabelecer relações
complexas entre eles. (HALL, 2016, p. 42)
84

identitários. Muitas vezes, esses usos podem acontecer de forma estereotipada como nos
mostra Albuquerque Júnior.

Essas figuras, signos, temas que são destacados para preencher a imagem da região,
impõem-se como verdades pela repetição, o que lhes dá consistência interna e faz
com que tal arquivo de imagens e textos possa ser agenciado e vir a compor
discursos que partem de paradigmas teóricos os mais diferenciados.
(ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2011, p. 62)

Vale lembrar que o cacto é uma espécie de plantas que se desenvolve, naturalmente,
em climas áridos e semiáridos. No Brasil, seu habitat principal é a Caatinga, bioma do
Nordeste brasileiro, um ambiente com pouca chuva e bastante seca. Por isso, utilizar o cacto
para representar toda a região, também é um uso estereotipado dos símbolos, visto que esse
não se encontra em todo o Nordeste, mas sim em pontos específicos. Ou seja, utilizar o
elemento, estimula o imaginário social a compreender que a região é toda cometida pela seca.
Percebemos, inclusive que, compreender sobre os usos de tais elementos foi
fundamental, também, para a audiência do Programa, a qual, por vezes, expressou sua opinião
a respeito do uso de elementos tidos como do Nordeste. Na figura 30, é possível perceber
uma usuário-mídia comentando exatamente sobre o uso do cacto como um elemento
representativo de uma parte do Nordeste e não de todo. Em um momento da edição 21 do
reality, as principais torcidas foram de Juliette e Gil do Vigor, por isso a comparação entre os
dois nordestinos era bastante utilizada pelas torcidas. A temática da representação nordestina
também serviu de ponto para expressar integração ou diferenciação.

Figura 30- Tuíte 22.

Fonte: Twitter (2021).

De forma estereotipada, ou não, se apropriar de elementos representativos são


importantes para quem está na mídia, especialmente em uma competição. A autora Issaaf
Karhawi (2020, p. 112) menciona que para influenciar, criar identificação, ou até criar um
fandom, “é preciso de destacar na multidão virtual”, seja por meio de uma habilidade,
competência, ou mesmo um capital, que possibilite criar autoridade sobre determinado
85

assunto. A narrativa criada por Juliette e seus assessores, durante o reality show, trouxe a ela a
possibilidade de ser voz para muitos assuntos, principalmente relacionados à cultura
nordestina.
Sobre se destacar na multidão virtual, a administradora de sua conta no twitter, Candy
Ferraz, afirma que o cacto “é um símbolo de um povo e de um lugar. O cacto é isso e, ela
explicou15 ‘lá dentro’ sem saber que ‘aqui fora’ nós éramos os cactos” (GLOBOPLAY,
2021). O cacto virou símbolo de sua torcida, como mencionado acima, e serviu como
elemento para a destacar tanto entre os outros participantes, quanto na multidão virtual que
compõem as redes sociais digitais, tão importantes para quem está em um reality show.
Assim, se torna imprescindível ter um tópico da análise que se proponha a discutir os
elementos utilizados por Juliette e a apropriação de seus fãs para, a partir disso, se distinguir.
Nesse momento, também, vale lembrar da costura existente entre o Consumo como sistema
integrativo/comunicativo e como lugar de distinção simbólica e diferenciação social
(CANCLINI, 1997), porque ao falar sobre cactos, ao mesmo tempo que falamos de um
símbolo de distinção e diferenciação, também falamos de um dos maiores fandoms do Brasil.
Em vários momentos deste trabalho mostramos que Juliette possui uma comunidade
de fãs bastante afetuosa e empenhada. No Twitter, por exemplo, ao procurar pelas hashtags
#Juliette e #Cactos encontramos uma série de tuítes, sem contar as já mencionadas
comunidades de fãs que utilizam do símbolo como forma de diferenciação social entre as
outras comunidade de fãs e torcida.
Outro símbolo usado por Juliette para representar a cultura nordestina é o chapéu do
cangaceiro, que é visto como sinônimo de força e relutância à modernização, como um
defensor do tradicionalismo (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2011). Por outro lado carrega,
também, o estereótipo da violência e do atraso. Percebemos, inclusive, que os elementos, por
vezes utilizados de forma estereotipada, passam a fazer parte de uma contraestratégia, a qual
inverte o significado contido no elemento para algo positivo.

Figura 31- Tuíte 23.

Fonte: Twitter (2021).

15
Em um momento da participação de Juliette no BBB 21, ela afirma: “Eu amo cacto, é uma espécie do sertão,
ele nasce na seca, ele é extremamente resistente e ele floresce. [...] Eu tenho quatro tipos de cactos lá em casa, eu
uso roupas de cacto, minha mãe usa roupas de cacto.” (GLOBOPLAY, 2021).
86

Na figura 31, a pessoa mostra que compreende de uma maneira aprofundada os signos
do chapéu como um elemento da cultura nordestina, isso faz com que ela se distingua pelo
conhecimento histórico, cultural, que reverbera em afeto e orgulho de seu lugar de origem
(CANCLINI, 1997). Então, a usuário-mídia pretendeu comunicar seu conhecimento sobre o
elemento cultural, de forma que evidenciou seu pertencimento à comunidade nordestina, mas
que, principalmente, a distingue daqueles que falam sobre o elemento sem saber sua
simbologia.

Pensar a região requer vê-la, e vê-la não é olhar para sua empiria amorfa, variada e
colorida, mas organizar uma dada visibilidade com imagens que sejam consideradas
sintéticas, imagens que remetam a uma pretensa essência imagens simbólicas,
arquetípicas, que serão instituídas com seu vir à luz como o rosto da região.
(ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2011, p. 165)

A distinção acontece também quando os membros de determinada cultura


compartilham o significado dos bens de consumo, de forma que quem cultivar cactos, usar a
hashtag, comunica sua integração aos fandoms, comunica seu conhecimento sobre a cultura
nordestina, se distingue não apenas daqueles que não compartilham estas códigos ou
conhecem o seu significado sociocultural (CANCLINI, 1997). É por isso que ganhar um
cacto, como mostra a figura 32, não se restringe ao objeto cacto, mas pela simbologia que o
envolve e, que passa a ter ainda mais representação midiática depois de Juliette.

Figura 32- Tuíte 24.

Fonte: Twitter (2022).

Entendemos, inclusive, que o cacto se tornou um símbolo tão importante para os fãs
de Juliette, que a distinção que o envolve, interage com a racionalidade ritualística, tendo o
signo/presente deste exemplo uma função além da mercadológica, porque servem para pensar
enquanto comunidade que se identifica regionalmente (CANCLINI, 1997).
87

Os rituais eficazes são os que utilizam objetos materiais para estabelecer o sentido e
as práticas que os preservam. Quanto mais custosos forem esses bens, mais forte
será o investimento afetivo e a ritualização que fixa os significados a eles
associados. Por isso, eles definem muitos dos bens que são consumidos como
"acessórios rituais", e vêem o consumo como um processo ritual cuja função
primária consiste em "dar sentido ao fluxo rudimentar dos acontecimentos" (Ibidem,
p. 65)

No nosso ver, existem inúmeros pontos marcantes que distinguem e diferenciam quem
consome os símbolos, discursos, produtos midiáticos de Juliette, mas o principal deles é a
identidade regional nordestina. Para distinguir, como mencionamos acima, é preciso fazer
parte de um grupo, onde “a lógica que rege a apropriação dos bens como objetos de distinção
não é a da satisfação de necessidades, mas sim a da escassez desses bens e da impossibilidade
de que outros os possuam” (CANCLINI, 1997, p. 63). Ou seja, mesmo podendo ter o desejo
de ser nordestino, nem todo fandom de Juliette é nordestino, como também é possível que
nem todos já tenham experimentado cuscuz, conhecido as sub-regiões, as especificidades do
cangaço, ou mesmo ter o sotaque nordestino. Nesse caso, ser nordestino é motivo de distinção
e, principalmente, porque há diferentes representações midiáticas que enaltecem o quanto esse
pertencimento é reconhecido positivamente.

O discurso regionalista não pode ser reduzido à enunciação de sujeitos individuais,


de sujeitos fundantes, mas sim a sujeitos instituintes. Nesse discurso, o espaço surge
como uma dimensão subjetiva, como uma dobra do sujeito, como produto da
subjetivação de sensações, de imagens e de textos por inúmeros sujeitos dispersos
no social. Este discurso permite que as mesmas imagens e enunciados sejam
agenciados por diferentes sujeitos e eles são apenas articuladores no meio desta
dispersão de enunciados, conceitos, temas e formas de enunciação.
(ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2011, p. 62)

Albuquerque Júnior nos auxilia na compreensão de que o Nordeste não pode ser
representado por um único sujeito, mas sim, por uma comunidade de pessoas, de vivências,
de discursos. São as comunidades de fãs que se formam com o intuito de evidenciar seu
orgulho pela sua região de origem, de forma que as diferenciam das outras pessoas e regiões,
exatamente pelas características intrínsecas àquele lugar: o Nordeste. O discurso da
diferenciação, busca criar uma marcação simbólica no que diz respeito ao pertencer e ao não
pertencer, ao ser nordestino, o sujeito não é de nenhuma outra origem.

Figura 33- Tuíte 25.


88

Fonte: Twitter (2022).

A figura 33 é um indiscutível exemplo de Consumo como sistema de integração e


comunicação (CANCLINI, 1997). Porém, compreendemos ser pertinente observar que a
usuário-mídia não só comunica sua satisfação em fazer parte do fandom Cactos, como
também coloca a sua ídola em um lugar de distinção, onde, segundo ela, jamais haverá outro
participante do reality show como ela, bem como que represente como ela o Nordeste. Além
da frase, também há uma foto, onde é possível ver dois bonecos de vestidos, com elementos
do cangaço, bem como um chapéu de cangaceiro, mostrando que assistir ao show de Juliette.
A cena tem a simbologia semelhante a um rito onde se reúnem os adereços regionais, como
forma de comunhão.
A pesquisadora Issaaf Karhawi (2020) afirma que ser uma influenciadora (ou um
artista que possui uma fandom como os Cactos) implica em possuir um capital simbólico que
a confira distinção. Em um momento de sua participação no BBB, Juliette explica aos outros
participantes o que é a xilogravura, técnica utilizada para ilustrar um Cordel em um dos
quartos da edição 2021, bem como explicou o que a literatura de Cordel, corroborando ainda
mais para a sua distinção enquanto personalidade e participante do reality show.
Com isso, compreendemos que o uso de elementos por Juliette é apropriado por seus
fãs como forma de se integrarem enquanto comunidade regionalista e, consequentemente, se
distinguirem a partir dos significados fixados culturalmente nos elementos, a partir do
estímulo discursivo de Juliette (CANCLINI, 1997). Um importante apontamento que
trouxemos aqui é que os elementos não só servem para integrar/comunicar e
distinguir/diferenciar, mas também para ritualizar o orgulho que sentem pelo Nordeste.

5.2.2.2 Música
89

Ao falar sobre comunidade, fandom e identificação não é difícil visualizarmos a


relação desses fatores com a música. Albuquerque Júnior (2011, p. 177) afirma que a música
é responsável por ser um “espaço de instituição da voz como símbolo, como identidade de um
artista e, por extensão, como identidade de uma região”. Quando ainda estava no Big Brother
Brasil e, antes de ser cantora, Juliette já era vista como uma representação midiática regional.
Com a música, ela passa a ganhar mais um espaço para usar sua voz como símbolo de sua
história e comunicar seu orgulho em ser nordestina.
Com o auxílio de Stuart Hall (2016), entendemos que os fãs se interessam em
consumir produtos midiáticos que contribuam para a inversão dos estereótipos, o
entendimento é reforçado ao vermos os prêmios e indicações recebidos pela artista e seu
fandom no ano de 2021 no quesito música. Pelo MPM Awards, Juliette venceu nas categorias
Melhor EP, em Clipe do Ano pela música Diferença Mara e foi indicada na categoria Música
Chiclete pela música Vixe que Gostoso; pelo Prêmio Contigo! Juliette venceu na categoria
Revelação Musical. Em setembro de 2021, quando estava prestes a lançar seu EP, a cantora
quebrou recorde nas plataformas de streaming com 600 mil salvamentos prévios (UOL,
2021).
Apesar da carreira intensa, é interessante pontuar que Juliette iniciou sua participação
na cena musical depois da saída do BBB 21. Dentro do reality show, a participante expressou
diversas vezes seu sonho em ser cantora e seu talento foi enaltecido tanto pelo público quanto
por alguns outros participantes. Em seu documentário, seus assessores afirmaram que chegou
um momento em que muitas propostas musicais começaram a aparecer sem antes mesmo de
Juliette sair do reality show.

“Começou a chegar os contatos das marcas, começou a aparecer gente da música, gravadora.
Chegou um momento que eu disse a Deborah: eu tenho todas as opções que cê imaginar, o que cê
imaginar a gente tem. Quer fazer o quê? A gente tem tudo. Alguém botou lá, fulaninho vai ser
influenciador, fulaninho vai ser não sei o quê, Juliette vai ser maquiadora. Daí a Anitta foi lá e fez
um tweet respondendo ‘não, Juliette será cantoouura, pq o Brasil quer”.[Huayna Tejo, assessor
de Juliette, disponível no GloboPlay]

A conexão identitária envolvendo audiência e a música, no nosso caso a nordestina,


tem uma história longa e pairada pela saudade. Luiz Gonzaga16 foi um dos grandes nomes da
16
É na década de quarenta que surge Luiz Gonzaga como o criador da "música nordestina", notadamente do
baião. Ele, depois de passar por São Paulo, onde compra uma sanfona que desejava havia muito tempo, chega ao
Rio de Janeiro em 1939, após dar baixa do Exército, onde tinha sido corneteiro entre 1930 e 1938. Nascido na
Fazenda Caiçara, município de Exu, Pernambuco, em 1912, Gonzaga era filho de camponeses pobres; Januário,
seu pai, era sanfoneiro, artesão que consertava sanfonas e que animava bailes rurais nos fins de semana. Por isso,
para sobreviver no Rio de Janeiro, ele toca em cabarés, dancings e gafieiras do Mangue, zona de meretrício,
onde executa tangos, valsas, boleros, polcas, mazurcas, toda uma série de sons dançantes de origem estrangeira.
Gonzaga participa ainda como músico dos programas de calouros de Ary Barroso, o que lhe rende no máximo
90

música nordestina. Segundo Albuquerque Júnior (2011), o cantor dirigia sua música aos
nordestinos que tiveram que deixar sua terra natal e vir tentar a vida em outras regiões, como
o Sudeste e, com isso, a música do artista vai ser pensada como representante desta identidade
regional, porque, “vai produzir um “sentir nordestino”, instituir uma certa “visão nordestina”
das formas e dos sentimentos, cantando a "verdade nordestina” com seu timbre de dor,
tornando a sua própria forma de cantar um índice de regionalidade”. (p. 180). Na figura 34 é
possível vermos essa identificação acontecendo, também, com as músicas de Juliette.

Figura 34- Tuíte 26.

Fonte: Twitter (2021).

O reconhecimento da mesma dor, com o mesmo tipo de preconceito e, principalmente,


com a forma de enfrentar esses ataques, levam artistas nordestinos até hoje a encantar os fãs
por meio do talento e da identificação. Nas figuras 35 e 36, é possível vermos não só o desejo
do público pelas músicas de Juliette, mas também a vontade de criar novas narrativas a uma
representação nordestina. Stuart Hall (2016) mostra que a contraestratégia “Através do olhar
da representação” pretende exatamente isso: empenhar-se que, no nosso caso, nordestinos
ocupem seus lugares na mídia, ou em quaisquer outros espaços que já lhes foram negados ou
limitados aos estereótipos.

Figura 35- Tuíte 27.

Fonte: Twitter (2021).

cinco tostões. É neste programa, na Rádio Nacional, que em 1940, após executar o forró Vira e Mexe, conquista
a nota máxima e é contratado pela rádio, a mais importante do país e que congregava artistas de todos os lugares.
(ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2011, p. 174)
91

Figura 36- Tuíte 28.

Fonte: Twitter (2022).

No caso da figura 35, o usuário-mídia sequer sabia quais seriam as letras, ritmos e
melodias das canções de Juliette, mas já declarava torcida pela carreira de cantora. Embora
tenha visto que sua voz expressava aptidão musical, percebemos que não é esse o único
motivo da torcida, sendo a identificação cultural o principal deles. Em complemento a isso, a
figura 36, corrobora com esse pensamento, porque, ao assistir a turnê musical de Juliette, a fã,
além de se impressionar com entrada da cantora, a diferenciando de outros cantores pela
presença de palco e voz, comunicando sua distinção por ser fã de alguém como ela, também
complementa o pensamento anterior afirmando que haters vão ter que “engolir o preconceito
com farinha”.
No caso da figura 37, algo semelhante acontece. O usuário-mídia comunica sua
integração ao fandom Cactos e diferencia Juliette de outros cantores, mostrando que, antes
dela, não prestava atenção na cultura nordestina, nem mesmo se identificava com as músicas
regionais. Mas, a partir de Juliette, voltou seu olhar para o Nordeste, de forma que, inclusive,
provocou um questionamento em relação à cultura regional, porque passou a falar sobre o
Nordeste em suas relações pessoais, o que antes não era costume, bem como a consumir
produções midiáticas de artistas nordestinos e, principalmente, valorizar a sua cultura.

Figura 37- Tuíte 29

Fonte: Twitter (2021).

Figura 38- Tuíte 30

Fonte: Twitter (2021).

Os casos acima, são exemplos do consumo midiático como forma de pertencimento e


92

também de distinção, sendo possível haver indícios de uma possível ressignificação da


identidade regional nordestina nos fãs de Juliette. Neste caso, como evidenciamos desde o
início, as racionalidades são complementares entre si (CANCLINI, 1997).
Assim, tudo o que trouxemos até o momento nos faz perceber que a música carrega
atributos culturais para Juliette e seus fãs. Ser cantora é uma das várias facetas que ela
desenvolve enquanto personalidade artística. Mais que ser cantora, Juliette usa as suas
canções e produções musicais como forma de evidenciar seu regionalismo. Portanto, apesar
da incontestável presença da racionalidade integrativa, compreendemos que as músicas
regionais de Juliette também são formas de se diferenciar das demais produções musicais,
bem como distinguir quem faz parte do fandom.
Na figura 39, por exemplo, a usuário-mídia destaca elementos presentes nas músicas
de Juliette que não encontra em outras músicas, ela se coloca em um lugar de apreciadora de
“boa música”, sendo essa a produzida por Juliette.

Figura 39- Tuíte 31

Fonte: Twitter (2021)


.
O pesquisador García Canclini (1997, p. 69) nos mostra que, muitas vezes, o consumo
é considerado como um lugar de gastos inúteis, mas que, na verdade, o que ocorre é uma
“reorganização transnacional dos sistemas simbólicos”. Assim, afirmar que gosta do EP de
Juliette é, também, uma forma de se diferenciar de quem ouve músicas que não expressem
“leveza e tranquilidade”, como é o caso da figura apresentada acima. O mesmo acontece na
figura 40 e 41, onde os fãs comunicam que assistiram o show de Juliette, se diferenciando de
quem não pode assistir.
Para quem é fã da artista, ter a oportunidade de participar de sua turnê é um verdadeiro
privilégio. Como afirma García Canclini (1997), para que haja a distinção é necessário que
uma comunidade de pessoas perceba qual o valor simbólico daquele bem de consumo, fato
que mostramos no tópico anterior, ao falar sobre os cactos. Estar presente em um show de
Juliette é uma grande distinção para o fandom, porque além de ser a primeira turnê da artista,
também é uma forma de afunilar quem pode, seja financeira ou geograficamente, estar
presente. Vale lembrar, nos casos abaixo as fãs diferenciam Juliette de outros artistas,
93

evidenciando o quanto a artista representa a cultura nordestina e ainda supera as expectativas


na performance.

Figura 40- Tuíte 32

Fonte: Twitter (2021).

Figura 41- Tuíte 33

Fonte: Twitter (2022).

“Eu não solto meu Nordeste nem a pau” foi uma frase dita por Juliette para o seu
produtor musical, Juzé, logo após sua saída do Big Brother Brasil 2021. A sua série de
transmissões ao vivo ao lado de grandes nomes da música nordestina foi, segundo Juliette,
uma retribuição ao público nordestino por ‘tudo o que eles a deram’, com as lives, a cantora
pretendeu direcionar as tantas mídias que estariam esperando para comentar sobre, para o
Nordeste. Então, o que refletimos a partir desse caso, é que a música se torna mais uma
ferramenta de reafirmação de sua identidade, de comunicação do seu pertencimento e
valorização do Nordeste. Junto com ela, vem uma geração que ao consumir os produtos
midiáticos produzidos pela artista, percebe ainda mais orgulho do lugar de onde vieram.
94

6 CONCLUSÃO

Ao longo do trabalho, são várias as vezes em que pensamos sobre as conclusões.


Quais respostas vamos ter com a análise? O que tantas teorias combinadas podem nos trazer
de resultado? Chegamos nela com aprendizados interessantes. Mas, antes daqui, já sabíamos
que pesquisar sobre cultura, identidade e consumo não seria uma tarefa simples, porque são
conceitos complexos dentro da academia, já que são base para diferentes pesquisas. Nossa
intenção, então, foi aprender com cada autor que passou por esse trabalho e, com base nisso,
expressar página a página um pouco do que estudamos e aprendemos.
O que nos guiou até aqui foi nosso objetivo central: observar as formas pelas quais o
consumo midiático da representação de Juliette no Twitter se relacionam aos processos de
manutenção e ressignificação da identidade regional do Nordeste.
Para chegar nele, tentamos responder um de nossos objetivos específicos por capítulo,
no primeiro, Ancoragens Territoriais, nosso objetivo foi perceber a atuação das
representações midiáticas na constituição das identidades e estereótipos da Região Nordeste.
Para isso, contamos com o aporte teórico de Ruben Oliven (1986; 2001), Renato Ortiz (2013),
Albuquerque Júnior (2011; 2013), Stuart Hall (2003;2016), Kathryn Woodward (2003), Nilda
Jacks (1997;2003), Néstor García Canclini (2008) e Martín-Barbero (2003), Cicília Peruzzo e
Marcelo Volpato (2009), Rosa Cabecinhas (2009) e outros.
Para responder nosso objetivo, iniciamos apresentando os conceitos de identidade e
cultura e, ao compreender que eles são fluidos e possíveis de mudanças a partir das pessoas e
transformações sociais, avançamos com a intenção de perceber como a cultura e a identidade
nacional se constituíram durante o tempo da história brasileira. Entendemos que a identidade
nacional está intrinsecamente relacionada ao Nordeste e, a partir deste pressuposto, refletimos
sobre como o Nordeste pode ser percebido como uma invenção discursiva e simbólica, que
se constrói no imaginário social pelo visível e dizível, ou seja, pelos discursos e
representações. Para finalizar nosso capítulo, abordamos representação e entendemos que ela,
muitas vezes, é essencial para o reconhecimento de suas comunidades, mas, a depender de sua
narrativa, pode instituir estereótipos. Então, compreendemos que nem os estereótipos são para
sempre, porque eles fazem parte das culturas e identidades, a partir disso, conhecemos o
conceito de transcodificação e, finalizamos, associando ele às representações midiáticas.
As representações são como reflexos, ora auxiliam na compreensão do que precisa ser
visto, ora refletem apenas uma parte do todo. As representações podem atuar na constituição
das identidades, quando são apropriadas pelos indivíduos, reconhecidas como verdade. No
95

caso do Nordeste, as representações em muitos casos, historicamente, foram apropriadas de


forma estereotipada.. Quanto a isso, Albuquerque Júnior (2011, p. 353) critica a postura da
mídia, por insistir em representar a região como folclórica, miserável, violenta, seca, até de
cangaceiros, beatos e coronéis.
Compreendendo a importância da mídia para os indivíduos, identidades e,
principalmente, representações, fomos entender qual a participação da mídia digital enquanto
possibilitadora de novas identidades. Nosso segundo objetivo específico, então, foi pensar de
que modo as redes sociais digitais, possibilitam refletir novas formas de habitar, socializar e
perceber o mundo, por meio das comunidades de identificação. Para refletir, contamos com o
aporte teórico de Raquel Recuero (2006), Liliane Brignol (2018;2019), Milton Santos (1998),
Martín-Barbero (2003; 2014), Leandro Nascimento (2020), Carolina Terra (2009; 2011;
2014), Issaaf Karhawi (2020), Manuel Castells (2018), Cicilia Peruzzo e Marcelo Volpato
(2009) e outros.
Neste capítulo, com Martín-Barbero (2003, p. 2) descobrimos que mesmo não estando
geograficamente próximas, as pessoas, na maior parte das vezes, buscam pelo “tecido das
proximidades" e essa territorialidade pode ter um caráter físico, ou simbólico (PERUZZO;
VOLPATO, 2009). Quando um grupo de pessoas têm, em comum, essa mesma intenção de se
encontrar nas redes sociais, formam comunidades. Em muitos casos, essas têm o caráter
regional e se comprometem em valorizar, lembrar do passado e semear o orgulho nos
integrantes pelo seu local de origem.
No capítulo Você Nunca Esteve Sozinha, aprendemos como se formam as redes, as
comunidades e como essas duas são intrinsecamente culturais, porque são formadas pelas
pessoas e, formar grupos identitários ali, é uma consequência esperada pelo motivo que já
afirmamos anteriormente: os indivíduos precisam estabelecer vínculos que os façam se
reconhecer nos ambientes. O segundo capítulo, além de conceitualizar termos, como redes
sociais e comunidades, têm ligação direta com nossa análise, porque mostra o papel das
mídias digitais no pertencimento ao local de origem, mesmo sem depender do espaço
geográfico e não só isso. Aprendemos o que são usuário-mídias (TERRA, 2014).
Na escrita do terceiro capítulo, chamado Fluxos Midiáticos, desenvolvemos o
objetivo de perceber a reciprocidade cultural existente entre os produtos midiáticos e seus fãs.
Para tanto, buscamos compreender o que liga consumidores e produtores a expandir e
renovar os bens de consumo. A partir de Mary Douglas e Baron Isherwood (2004) e García
Canclini (1997), percebemos que consumir é dar sentido às relações, é se organizar
coletivamente e, assim, entendemos que todo consumo é cultural, inclusive o consumo
96

midiático. As produções midiáticas, mesmo inseridas em uma lógica capitalista, só são


apropriadas pelos fãs quando há a identificação, quando há o reconhecimento, quando o mapa
mental dos fãs fornece sentido ao que está sendo representado.
O que une a produção midiática e os fãs é a identificação e a negociação de sentidos.
Nesse contexto, o que uniu parte da audiência do Big Brother Brasil 2021 com Juliette foi a
identificação regional. Todo o fenômeno que foi Juliette é resultado de um reconhecimento de
representações e códigos culturais, das lutas e saudades e de uma percepção de que ela pode
contribuir para uma transcodificação dos estereótipos presentes na cultura nordestina. Ao
consumir, as pessoas fazem escolhas identitárias (CANCLINI, 1997), assim, todo consumo é
tomado por alguma razão específica ao indivíduo, sendo nosso foco observar sua operação
para integrar e para comunicar identidade regional.
Na análise do trabalho, nossa intenção foi cumprir nosso objetivo central: observar as
formas pelas quais o consumo midiático da representação de Juliette no Twitter se relacionam
aos processos de manutenção e ressignificação da identidade regional do Nordeste
Encontramos duas principais: 1) Consumo como sistema de integração e comunicação e 2)
Consumo como lugar de diferenciação social e distinção simbólica (GARCÍA CANCLINI,
1997). Nossa metodologia de análise, então, foi observar como essas duas racionalidades
operacionalizam formas de consumir os produtos midiáticos produzidos por Juliette e como
esse consumo possibilita uma ressignificação e manutenção da identidade regional.
O aprendizado que fez parte de todo o trabalho é de que o significado não é fixo, ele
escorre pelas mãos (HALL, 2016). Assim, a cultura, identidade, representação e nem mesmo
os estereótipos são invariáveis. Eles mudam, paulatinamente, conforme as pessoas que por
eles são constituídos. Assim, na análise, observamos como os fãs de Juliette, ao consumir Big
Brother Brasil 2021, a turnê musical, o EP, os cactos, as transmissões ao vivo e tudo que já foi
apresentado em momentos anteriores, comunica seu pertencimento, distinção e diferenciação
dos outros grupos. Nossa principal conclusão, partindo da análise, é que Juliette e todos os
produtos midiáticos que a envolvem, fomentam reflexões de seu fandom em relação ao
Nordeste.
Situações envolvendo aceitação, valorização, orgulho do lugar onde vieram estão
neste escopo. Porque em muitos tuítes analisados, os fãs apresentam casos em que deixaram
de negligenciar ou rejeitar sua regionalidade a partir da representação orgulhosa de Juliette,
que passaram a ressignificar sua própria vivência enquanto nordestinos. Essa reflexão, por
parte dos fãs, está vinculada à transcodificação, onde seja pela Inversão dos estereótipos, por
97

Imagens negativas e positivas, ou Através do olhar da representação (HALL, 2016), os fãs se


preocupa em dar manutenção a uma realidade cristalizada pelo estereótipo.
A cultura, identidade, representação e os estereótipos são flexíveis, já entendemos.
Mas a mudança não acontece de maneira abrupta. É paulatinamente que as pessoas vão
mudando seus próprios modos de ver e estar e passam, assim, a exigir respeito, valorização e
a não aceitar reducionismos regionais. Assim, compreendemos que chegamos ao objetivo
central deste trabalho ao observar as formas pelas quais o consumo midiático da
representação de Juliette no Twitter se relacionam aos processos de manutenção e
ressignificação da identidade regional do Nordeste. De maneira resumida, a ressignificação
acontece, porque, a partir da representação de Juliette, os fãs se sentem integrados a uma
comunidade, porque o indivíduo se apropria desse repertório para dizer algo sobre si mesmo
(DOUGLAS; ISHERWOOD, 2004, p. 110) e quando se vincula à produção midiática de
Juliette, se diferencia da discriminação regional e se integra às suas identidades.
Tais conclusões presentes nos objetivos específicos e no geral, foram possíveis graças
ao grande aporte teórico deste trabalho. Autores como, principalmente, Albuquerque Júnior
falaram por mim- agora, em primeira pessoa- ao tratar sobre o Nordeste. Escrever e pesquisar
sobre uma cultura que não é, em primeiro olhar, a minha foi um dos desafios encontrados.
Mas depois de ler o autor (2011;2013) não só compreendi o quanto a cultura brasileira tem em
sua base a cultura nordestina, como também sei que “quando se toma o objeto Nordeste como
tema de um trabalho, seja acadêmico, seja artístico, este não é um objeto neutro” (p. 221). Por
outros momentos, ainda ao escrever sobre Nordeste, também tive dificuldade em falar sobre a
dor, porque senti que, mesmo amparada pelos pesquisadores, vim de uma cultura diferente - e,
muitas vezes, hegemônica-, dizer que nordestinos sofrem.
Ademais, também tive dificuldade em quantificar os tuítes dos fãs de Juliette no
Twitter, mas entendo que o foco do trabalho foi em analisar os discursos encontrados.
Apesar da tentativa de deixar o trabalho mais completo possível, ainda assim ficam
lacunas para serem respondidas por mim, no futuro, ou por outros pesquisadores que se
entusiasmarem com a temática. Seria possível investigar, mais a fundo, o papel das
representações ou nos debruçar sobre as racionalidades de García Canclini (1997) e relacionar
os produtos midiáticos ou bens de consumo regionais com a perspectiva ritualística. Do
mesmo modo, uma continuidade seria possível ao monitorar grupos identitários e perceber
como as redes sociais digitais podem auxiliar na manutenção da cultura. Estudar sobre Juliette
foi um grande aprendizado, principalmente para alguém que não faz parte de seu fandom.
98

Assim, no futuro, entendo que seria interessante, também analisar outras personalidades que
possuem o discurso regional.
Finalizamos este trabalho tendo a certeza que aprendemos algo. Não somente
atingimos os objetivos propostos previamente, mas aprendemos enquanto futura Relações
Públicas que a audiência não consome de modo irracional e, portanto, nunca deve ser tratada
como tal. Percebemos que apesar de, muitas vezes, longe fisicamente de minhas próprias
raízes, sempre encontrarei forma de me ancorar, seja tendo o mesmo costume que minha mãe
de tomar chimarrão à tardinha, ou de falar da mesma maneira que ela. O significado é fluído,
mas o sentimento que pertence a cada indivíduo é agarrado às origens.

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