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Teologia da oração

Se não oramos, ou oramos de forma errada, nossa perspectiva sobre


Deus está errada.
Publicado
3 anos atrás
em
21h19 - 14/05/2018
Por
Paulo Ulisses
A oração é um item da prática cristã muito usado, densamente discutido,
mas geralmente, pouco compreendido. Quando perguntamos às
pessoas o que elas acham que significa oração ou sua aplicabilidade,
escutamos as mais variadas respostas, porém, a maioria massiva
aponta a oração como o ato de falar com Deus, ou uma forma de se
comunicar com o Pai. É bem verdade que essa definição não está de
todo errada, mas quando paramos para analisar alguns textos bíblicos,
como por exemplo Tiago 4.1-3, percebemos que há um modo de “pedir”
que é errado, e ao continuarmos o texto, vemos que isso acontece
quando um coração se mantém recalcitrante na prática do pecado. Tiago
demonstra que, tanto um desejo egoísta, quanto um coração impuro,
podem tornar o ato da oração ou de petição nulo ou vazio em si.
Por outro lado, observando a oração dominical (como é geralmente
conhecida), podemos perceber que há pontos que direcionam a mente e
o coração para um sentido mais amplo e mais profundo no contato com
Deus por meio da oração. Há uma “teologia” que norteia as palavras.
Em primeiro lugar, há uma distinção clara entre o modo como os
discípulos deveriam orar, e o modo como os hipócritas oravam (Mateus
6.5,6) . A palavra hipócrita era usada para referir-se aos atores gregos,
aqueles que encenavam um papel ou personagem. Cristo demonstra que
os discípulos não devem buscar transparecer algo que não são, e um
dos motivos é a vanglória. Devido ao local apontado por Jesus como
sendo o ambiente em que estes hipócritas faziam suas orações (a
sinagoga), é bastante possível que Cristo esteja se referindo aos fariseus
ou mestres da lei, que usavam a oração apenas como um meio para
demonstrar uma falsa piedade, com vistas à serem enaltecidos pelos
homens.
Não é necessário analisar muito profundamente o texto para extrairmos
uma advertência disso: A oração não é um meio para ser visto, notado,
reconhecido, aplaudido e etc. Isso é assim por uma razão: a oração não
se concentra em nós, não está voltada para nós, mas para Deus. Apesar
de entregarmos a Ele nossas petições, desejos, anseios, e vontades, é o
Senhor que está no centro das nossas orações. Qualquer tentativa de
voltar-se para si mesmo como aquele que merece estar em evidência na
oração, culminará em um desprezo da parte de Deus, e isso pode ser
visualizado no texto anteriormente citado de Tiago 4. O Escritor enfatiza
que a causa de as orações de alguns não serem atendidas, é que essas
orações estão sendo feitas com base em desejos vãos e egoístas:
“Pedis, e não recebeis, porque pedis mal, para o gastardes em vossos
deleites” (v. 3).
Parece não haver nenhuma nova informação em perceber isso, e de fato
não há, e isso é o mais triste. Quando paramos para observar as orações
feitas em nossas igrejas, logo vemos a ausência desse princípio, quando
orações eivadas de um desejo de auto realização e satisfação pessoal,
governam a forma como as pessoas se dirigem a Deus por meio da
oração. Embora não seja nossa intenção tratar da organização do culto,
poderíamos apontar para a causa disso; a própria forma como os cultos
são realizados. Tudo no momento devocional proporciona que os crentes
sintam-se como sendo aqueles que devem ser servidos ao invés de
servir. As orações, os cânticos e a própria pregação das Escrituras,
ajudam a construir nos crentes a ideia de que Deus é um “garçom” e
a igreja é um “restaurante” onde você poderá solicitar o tipo de benção que
deseja e o Senhor com o um sorriso solícito em atendê-lo, o servirá.
Ao contrário de tudo isso, a exortação de Cristo é que seus discípulos
sejam discretos e tratem a oração como sendo um exercício que os
levará à presença de alguém que além de ser íntimo e saber de nossas
necessidades, está pronto a nos ouvir, caso estejamos sendo realmente
guiados por um coração ansioso por servir a Deus, pois diferente do que
muitos poderiam pensar, servimos ao Senhor também por meio da
oração.
A seguir, após terem sido feitas essas primeiras considerações, Cristo
lhes entrega um modelo de oração a ser seguido. Vemos aqui Cristo em
seu ofício profético, advertindo seu povo quanto ao modo como devem
se portar diante do Pai. Sua vontade em mostrar aos discípulos como
orar, revela o caráter didático do ministério de Jesus. Eis um outro
grande problema que percebemos no evangelicalismo atual: damos
pouca importância ao ato de repetir esse modelo de oração deixada
para nós pelo próprio Senhor. Talvez alguns olhem para esta oração com
um preconceito ao romanismo, o que exibe um grande erro, pois, se
assim nos ensinou nosso Senhor, não se trata de seguir esta ou aquela
tradição (romana ou cristã), mas de seguir a Cristo, e uma grande prova
disso é que esta oração consta em nossas bíblias, ou seja, é palavra de
Deus, e como tal, deve ser lida e observada. Mas o pior de tudo é a ideia
de que muitos cristãos simplesmente desconhecem essa oração.
Quando falamos em desconhecer, não estamos vendo isso da
perspectiva de que jamais tenham lido ou ouvido falar, mas, trazemos à
tona o fato de que não estão familiarizados com a importância dos
ensinos que são expostos nessa oração, e como muitas vezes (como já
exemplificado), pecamos em nossos exercícios devocionais por nos
distanciarmos tão excludentemente do padrão que é o próprio Cristo.
Nossa intenção não é analisar detalhe por detalhe da oração
dominical, para tal, sugerimos que seja lido (a seção sobre a oração
dominical) a obra do Johannes Geehard Vos – O catecismo maior
comentado (Editora Os Puritanos), mas perceber (como o título do artigo
enfatiza) a teologia construída por nosso Senhor Jesus Cristo em sua
oração.
Apesar de haver uma sequência de petições e solicitações que se
seguem do versículo 9 até o 13, é notório que os pedidos são feitos com
base em um coração virtuoso e piedoso, que se conforma perfeitamente
à lei de Deus e ao caráter que é esperado dos filhos de Deus. Os
pedidos são direcionados à Deus Pai, e não a qualquer outro deus, e
como se trata de uma oração, tendo já observado que a oração também
é um modo de servir ao Senhor, não se está servindo ou adorando a
qualquer outro deus, nenhum ídolo é erigido, e o nome do Senhor é
honrado, sendo usado numa expressão devocional. Note com isso que
todos os mandamentos referentes à nossa relação para com o Criador
são intimamente respeitados. Não há um pedido egoísta que cobice o
que é do próximo. Não se incorre em desobediência as autoridades ou
qualquer outro pecado. A oração de nosso Senhor é perfeitamente
bíblica, além de ser uma oração de alguém que voluntariamente se
submete ao Pai.
Outro ponto que demarca a teocentricidade da oração de Cristo é o
desejo por ver efetivado o reino de Deus e sua vontade. Como já
abordado, o coração da oração concentra-se no Senhor e não em nós.
Ademais de constatarmos isso nas palavras “venha o teu reino e seja
feita tua vontade”, na petição quanto ao pão de cada dia, Cristo
exibe confiança em Deus. Ele está ciente de que o Pai providenciará o
necessário para nossa sobrevivência, portanto, não convém pedirmos qualquer
coisa além disso, pois, não é a sobra de mantimentos em nossa dispensa que
nos garantirá o amanhã, mas a boa vontade e misericórdia de nosso Deus.
Apesar de muitos acharem que as palavras “E perdoa-nos as nossas
dívidas, assim como nós perdoamos aos nossos devedores” referem-se
ao tratamento entre irmãos, ou a uma postura de justiça onde, ao
desferirmos perdão somos também perdoados, conectando esse
texto (Mateus 6.12) aos versículos 14 e 15, percebemos que esse
princípio está diretamente ligado a Deus. Estando contentes e alegres
por ter Deus nos perdoados os pecados, não devemos nos colocar como
aqueles que impedem ou restringem o alcance do perdão. O Senhor nos
perdoou gratuitamente, sem que merecêssemos ou pudéssemos
retribuir. Como poderíamos privar outros de receberem perdão? Uma
parábola que lança luz sobre essa questão é a do servo incompassivo.
Tendo sido agraciado com o perdão de um superior, o servo nega o
perdão a alguém que lhe devia uma quantia irrisória diante daquela
devida ao senhor, então, quando descoberto, o senhor deste o lança nas
trevas. O contexto desta parábola também é sobre perdão, e a
advertência de Cristo é clara no final do texto: “Assim vos fará, também,
meu Pai celestial, se do coração não perdoardes, cada um a seu irmão,
as suas ofensas”. A demonstração de misericórdia está presente na
exortação de Jesus quanto à oração. Um coração misericordioso e
compassivo será ouvido pelo Pai.
A última frase de Cristo requer um pouco de atenção à gramática. Alguns
teólogos (e nós particularmente concordamos) apontam que a melhor
tradução da segunda parte desse texto seria: “livra-nos do maligno”, pois
a palavra “πονηρου” (ponêrou) aponta para uma personalidade maligna,
corrupta, pecadora, e isso ligado a oração anterior (não nos conduzas à
tentação) sugere que a ideia é de que se peça por proteção de algum
tipo de tentação ou situação calamitosa provocada pelo maligno. Dessa
forma, o pensamento de que Deus nos livrará de infortúnios nessa vida é
um equívoco, mas o que o texto remete é o que fala também Paulo em 1
Coríntios 10.13: “Não veio sobre vós tentação, senão humana; mas fiel é
Deus, que não vos deixará tentar acima do que podeis, antes com a
tentação dará também o escape, para que a possais suportar”. No dia
mal, da adversidade, e ainda mais, no dia em que nosso coração quiser
fraquejar e cair, o nosso Senhor proverá escape para que possamos
resistir ao pecado, glorificando assim o nome de Cristo. É bem verdade
que tanto essa última parte da oração quanto o versículo 12, onde Cristo
estaria supostamente pedindo perdão, em aplicação ao próprio Jesus,
são didáticos, ele nunca pecou ou foi estimulado por uma natureza caída
a pecar, como ocorre conosco. Mas Jesus está nos apontando o
caminho a seguir durante nossa vida. Devemos reconhecer nossa
fragilidade e dependência de Deus para resistirmos o pecado, para servi-
lo, para bendizê-lo e adorá-lo.

Tendo tudo isso em mente, percebemos que a oração é bem mais do


que uma conversa com Deus, é um exercício espiritual, onde nos
inclinamos diante do trono da graça, para clamarmos por socorro, para
pedirmos sua proteção, para expormos nossas frustrações e mágoas,
para receber dele o conforto ao atravessarmos situações difíceis. A
oração é um veículo de comunhão nossa com nosso Deus, através de
Cristo, nosso sacerdote, por meio do Espírito, nosso consolador. Quando
oramos, nos humilhamos reconhecendo que todo o poder está nas mãos
do Deus trino e uno, que desde os céus rege todas as coisas. Quando
oramos, nos alegramos em Cristo, pois, com intrepidez podemos nos
achegar a presença de Deus. A oração é uma demonstração que nos
proporciona agora, o que viveremos na eternidade; um momento de
íntima comunhão com nosso Deus. Quando oramos somos fortalecidos
espiritualmente, para suportarmos a caminhada cristã.

A oração é uma prática bíblica, onde expomos nosso pensamento a


respeito de Deus. Se não oramos, ou oramos de forma errada, nossa
perspectiva sobre Deus está errada. Logo, se nossa visão sobre Deus
não está respaldada no que a Escritura diz, que Deus estamos servindo?
A quem estamos orando? Ao Deus trino e uno, Criador dos céus e da
terra, ou aos ídolos que criamos em nosso coração? Atentemos mais ao
que as Escrituras falam sobre Deus, e assim, oremos mais, acheguemo-
nos mais a Deus por meio da oração.
Cristo triunfa!

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