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Belo Horizonte
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Belo Horizonte
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RESUMO
ABSTRACT
This work intends to study the value judgments "good and bad" and "good and evil"
in the philosophy of Nietzsche. For this, we will demonstrate that these values are not
inserted in any philosophical context, because they are present in the philosophical
conception of Nietzsche, who treated them according to his genealogical method.
The reference to the genealogical method consists of the need to present a more
complete approach to these values. After observing the attributes of Nietzsche's
method, with characteristics related to the Nietzschean concept of will to power and
the history-based research, we conceive that the value "good and bad" is superior to
the value "good and evil" in the conception of Nietzsche. This superiority of "good
and bad" is in accordance with the ideal movement of what the philosopher calls "life"
and is superior in the sense of not being linked to an impotent artificiality.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 6
CONCLUSÃO..................................................................................................................... 44
REFERÊNCIAS .................................................................................................................. 45
6
1 INTRODUÇÃO
tanto para a genealogia nietzschiana como para o item final de nosso trabalho, que
está relacionado com a miséria da vida.
daquele livro ainda estavam incompletos, quando diz “[...] de maneira canhestra,
como seria o último a negar, ainda sem liberdade, sem linguagem própria para
essas coisas próprias, e com recaídas”. Portanto, podemos dizer que os estudos de
Genealogia da moral consistem em estudos mais completos, e isso, também, é mais
provável por ser um estudo tardio e por incluir o seu conceito de Vontade, que
estaria relacionado com o que ele disse sobre “linguagem própria”. De fato, Araldi
disse que foi na “[...] Genealogia da moral que os estudos históricos da moral
assumem importância decisiva no procedimento genealógico (ARALDI, 2008, p.
34)”. Essa importância decisiva está relacionada com o conceito de vontade de
poder:
De acordo com o que observamos até aqui, podemos dizer que a vontade de
poder é recente na obra nietzschiana e fundamental para o método genealógico,
método que não estava relacionado com esse conceito de vontade em outras obras,
como dito.
Segundo Paschoal (2014, p. 54-56), o conceito de vontade está relacionado
com o fato vinculado ao movimento permanente do mundo, que consiste em um vir-
a-ser “num jogo permanente e aberto de forças que se desenrola sem conhecimento
prévio de vencedores e vencidos”. As forças incluídas no conceito de vontade de
poder não dizem respeito a “unidades fixas”, mas são “forças em ação” de
“existência provisória”. É por causa disso e do fato de estar presente, em tal
conceito, a realidade de que “tudo se encontra em movimento” (PASCHOAL, 2014,
p. 54) que não se pode atribuir uma origem primeira para a investigação genealógica
de Nietzsche sobre a moral. Jean Lefranc (2005) nos confirma essa impossibilidade,
porque a vontade de poder faz parte do método genealógico de Nietzsche e, como
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vimos, a genealogia não trabalha com causas primeiras. Isso se torna evidente
quando observamos que o próprio Nietzsche disse, sobre a vontade de poder, que
“este mundo é um monstro de força sem começo nem fim [...]” (NIETZSCHE, 2011,
p. 136), e, além disso, Nietzsche (1998) nos informou que a origem de algo não
condiz com a sua utilidade atual. Portanto, por causa de todas essas circunstâncias,
segundo Paschoal (2000), é extremamente complicado utilizarmos o nosso intelecto
presente para atribuirmos uma causalidade primeira, necessária e a-histórica,
oriunda da percepção histórica, para situações que estavam em constante vir-a-ser
e que não fazem parte de nossa realidade presente, que também está em constante
vir-a-ser. Porque o nosso intelecto tende a estabilizar falsamente tal vir-a-ser,
atribuindo causalidades imaginárias e, com isso, seria uma investigação idêntica à
investigação cristalizante dos metafísicos e de outros teóricos da moral. É por causa
disso que a vontade de poder é uma formulação que almejou ser uma contraposição
aos metafísicos, segundo Paschoal (2009), e uma formulação que assumiu a sua
condição de ser mais uma perspectiva dentre as várias existentes.
Salientamos, como vimos, o fato de a vontade de poder estar relacionada
com a questão do devir mas, no entanto, para Paschoal , ela não possui nenhuma
substância e também não é uma substância no sentido de “tornar-se” e, por isso,
precisa ser entendida como “quantidades de ação, proporções de querer, forças em
ação” e um “quantum” que possui relação com “outros quanta” (PASCHOAL, 2014,
p. 56). Ou seja, são forças entendidas somente quando estão relacionadas com
outras forças, significando que não possuem o caráter solitário e não podem ser
entendidas como simples desdobramentos de algo que existia (o tornar-se de algo
anterior relativo ao vir-a-ser). Porque Nietzsche, também, segundo Paschoal (2009),
foi um crítico dos atomistas e, além disso, o próprio caráter dos escritos de
Nietzsche, de acordo com Paschoal, não demonstrava a conotação atomista e
substancialista, porque: “[...] o termo quantum, que encontramos naquelas
anotações, não corresponde a um tipo de matéria ou partícula mínima, como um
átomo ou uma mônada que permaneceria após desagregar-se” (PASCHOAL, 2014,
p. 56).
Depois das informações observadas até aqui, podemos acrescentar outras
informações importantes sobre a vontade de poder. Jean Lefranc, quando interpreta
a filosofia de Nietzsche, nos fornece um conteúdo importantíssimo sobre ela:
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opostos que entram em conflito, que são polos presentes em todo tipo de conflito;
portanto, quando Nietzsche pensa na moral como conflito, ele estabelece uma
divisão entre “moral dos senhores” e “moral dos escravos” relacionada a tal
polarização. São essas morais as responsáveis pelas valorações “bom e mau” e
“bom e ruim”, como veremos posteriormente.
Depois de todas as informações observadas, podemos dizer que Nietzsche,
com seu método genealógico, fez uma crítica a toda a moral, porque pensou que ela
estava no caminho errado do acréscimo de poder da vontade de poder, segundo
Paschoal (2014). Para Nietzsche, a moral ocidental vigente mereceu críticas,
também, pelo fato de que, com ela, o homem talvez não fosse capaz de alcançar a
sua “suprema potência e esplendor” (PASCHOAL, 2014, p. 62). E esse esplendor
difícil de alcançar estaria de acordo com o movimento da vida, que observaremos na
parte final de nosso estudo. Portanto, segundo esse comentador, como Nietzsche
observou a moral atual como o produto de uma vontade de poder negativa, o
filósofo, com os seus textos, pretendeu criar valores diferenciados. Porque a moral
que venceu, a “escrava” (como veremos), também criou os seus valores, já que a
vontade de poder de tal moral se utilizou de suas forças “agressivas, expansivas,
criadoras de novas formas, interpretações e direções” (NIETZSCHE, 1998, p. 67).
Então, os valores diferenciados que Nietzsche almejou criar, segundo Paschoal,
estão se opondo aos valores vigentes da moral “escrava” e estão de acordo com a
vontade de poder autêntica.
quando engendrava seu novo modo de interpretar, que os próprios filósofos tinham
interpretações e não conceitos imutáveis sobre a realidade e sobre os valores
morais; porque um mesmo fenômeno, quando analisado pelos filósofos, poderia
receber interpretações em outras perspectivas, e isso demonstrou que, quando se
trata de um fenômeno ou dos valores morais, não existe somente “a interpretação”,
travestida em conceito imutável, como os filósofos gostariam. Mas por que Nietzsche
observou nessa abordagem cristalizante, dos filósofos, algo ruim e, além disso, qual
a relação da metafísica com essa cristalização?
A contraposição aos filósofos, oriunda da necessidade de se utilizar de uma
nova interpretação, aconteceu pelo fato de nunca se perguntarem pelo valor dos
valores e porque são esses próprios valores os responsáveis por essa cristalização
de conceitos mencionada anteriormente, quando os valores fazem com que os
pensadores “tomam-nos como pressupostos intocáveis e os utilizam para
estabelecer suas fórmulas sobre a moral, a ciência, a política etc.” (PASCHOAL,
2000, p. 4). Além disso, podemos pensar que a contraposição aos filósofos está
relacionada com o fato de que “a investigação crítica do surgimento e
desenvolvimento da moral [feita por Nietzsche], que ocorre a partir dos escritos de
1876, está intimamente ligada à crítica da metafísica”. (ARALDI, 2008, p. 36). Se
fizermos a inferência entre o que esses dois comentadores disseram agora,
podemos dizer que os valores são utilizados, por parte dos filósofos, para explicar a
política, a ciência e a moral, e esses valores estão intimamente relacionados com as
necessidades e modos de interpretação da metafísica, se lembrarmos que também
a metafísica está demasiadamente vinculada com uma necessidade de adquirir
conceitos imutáveis e fixos para explicar a realidade com todas as suas instâncias
complexas. Portanto, esse confronto com os filósofos possui relação com a
cristalização ilusória que acontece tanto com os valores quanto com a metafísica,
que se acha no direito de explicar todas as instâncias e âmbitos da realidade, como
a ciência, a política e a moral, por exemplo. É por causa da contraposição às
cristalizações dos valores e da metafísica que a genealogia se opõe à necessidade
de buscar uma origem para os valores relacionada com “sua identidade
cuidadosamente recolhida em si mesma, sua forma imóvel e anterior a tudo o que é
externo, acidental, sucessivo.” (FOUCAULT, 1982, p. 13). Porque, como dito, esse
engessamento, relacionado com os valores/metafísica, foi ilusório na concepção de
Nietzsche. Mas observaremos, depois, outras informações para explicar melhor
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[...] como se esse mundo de coisas ditas e queridas não tivesse conhecido
invasões, lutas, rapinas, disfarces, astúcias. Daí, para a genealogia, um
indispensável demorar−se: marcar a singularidade dos acontecimentos,
longe de toda finalidade monótona; espreitá−los lá onde menos se os
esperava e naquilo que é tido como não possuindo história − os
sentimentos, o amor, a consciência, os instintos; apreender seu retorno não
para traçar a curva lenta de uma evolução, mas para reencontrar as
diferentes cenas onde eles desempenharam papéis distintos; e até definir o
ponto de sua lacuna, o momento em que eles não aconteceram (Platão em
Siracusa não se transformou em Maomé). (FOUCAULT, 1982, p. 12).
(2005), em Além do bem e do mal, esse pathos também está relacionado com a
auto confiança desses nobres, que sabem que se encontram em posições elevadas
e, portanto, criam valores e não se importam com as instâncias e circunstâncias que
estão fora deles para justificar as suas ações. Percebe-se, então, que a criação de
“bom” não possui relação com a utilidade vinculada com os utilitaristas e psicólogos
ingleses mencionados.
Precisamos, porém, questionar sobre como Nietzsche concluiu que foram
esses “nobres” e poderosos que criaram o juízo e conceito “bom”. Para isso,
lembramos que Nietzsche verificou a etimologia da palavra “bom” de acordo com as
várias línguas. O filósofo constatou que diversas línguas da humanidade possuíam
algo em comum relacionado com a transformação conceitual de “bom”, porque
“„nobre‟, „aristocrático‟, no sentido social, é o conceito básico a partir do qual
necessariamente se desenvolveu „bom‟” (NIETZSCHE, 1998, p. 21). Além disso,
Nietzsche lembrou que tal desenvolvimento de “bom” acontece paralelamente a
outro desenvolvimento que transforma “„plebeu‟, „comum‟, „baixo‟ transmutar-se [...]
em „ruim‟” (NIETZSCHE, 1998, p. 21). Kahlmeyer-Mertens (2007, p. 3) nos lembra
que “bom” esteve relacionado aos nobres e espiritualmente bem nascidos “[...]
mesmo nas manifestações mais antigas da Humanidade, em suas civilizações mais
primitivas [...]”. Portanto, consiste em algo presente desde tempos imemoriáveis.
Sobre isso, Nietzsche (1998, p. 22) disse, também, que os nobres se utilizaram de
“bom” para o fato de se considerarem como superiores no poder, porque
designaram a si mesmos como “„os poderosos‟, „os senhores‟ [...] ou segundo o
signo mais visível desta superioridade, por exemplo, „os ricos‟, „os possuídores‟ (este
o sentido de arya , e de termos [...] em iraniano [...]”.
Além disso, Paschoal (2009, p. 99) nos lembra que “bom”, segundo
Nietzsche, também se referia às ações dos nobres, que “também são designadas,
por corresponderem, como uma extensão deles mesmos, como boas”. Mas o filósofo
relatou que o que mais interessou a ele, como já relatamos, foi o fato de tais nobres
designarem “bom” para “um traço típico de caráter” (NIETZSCHE, 1998, p. 22). E
Nietzsche disse que esse traço de caráter esteve relacionado com a palavra “veraz”
ou “verdadeiro”, que funcionou para a diferenciação dos nobres perante o homem
comum e vulgar, que consideravam como mentiroso. Com relação a essa
diferenciação para o homem mentiroso, para Nietzsche, os primeiros a se
designarem como verazes foram os nobres gregos.
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conceito inicial, é que ele vai distinguir, por contraposição a este seu estado, o que é
por ele desprezado: o „homem comum mentiroso‟”(PASCHOAL, 2009, p. 101). É
importante demarcamos essa ordem em que aparecem as palavras “bom” e “ruim”
na valoração nobre, porque ela é importante para o entendimento do que é a moral
nobre e, também, porque essa demarcação será importante quando retomarmos
essa característica.
Depois dessa informação relacionada ao fato de que o “bom” aparece
primeiro do que o “ruim”, podemos dizer que Nietzsche (1998) considerou essa
forma de valorar como própria da moral nobre; ou seja, a moral que opõe “bom” a
“ruim”, com o “bom” aparecendo primeiro. Quando essa nobreza aristocrática se
arruínou, segundo Nietzsche, a palavra “bom” foi utilizada de outra maneira na nova
aristocracia, a espiritual, que se apropriou de “bom” e “ruim” de forma a estipular
uma inversão quando a primeira nobreza aristocrática sofreu sua ruína. Essa
segunda moral consistiu no que Nietzsche denominou de moral escrava.
Mas como foi essa inversão e por que Nietzsche pensou nessa segunda
moral como inferior? Ora, veremos posteriormente o que Nietzsche concebeu para
pensar essa moral como escrava e, portanto, como uma moral inferior.
Nietzsche (1998) disse que a “moral nobre” (ou “moral dos senhores”) é
melhor do que a “moral escrava” (esclareceremos melhor o motivo posteriormente).
Foi por isso que, quando apresentou exemplos históricos relacionados com o nobre,
como a besta loura, foi duramente criticado, porque não se atentaram ao fato de que
Nietzsche se valeu de uma tipologia. Sobre isso, Segundo Paschoal (2014, p. 132),
um tipo, para Nietzsche, consiste na “caracterização de um perfil psicológico que [...]
ganha contornos de uma máscara ou de uma caricatura. Não se trata simplesmente
da representação de um personagem histórico ou social”. Mas por que Paschoal
pensa de tal maneira?
Ora, Paschoal comenta que um tipo está vinculado com uma criação de
artista (segundo o modo de Nietzsche conceber) desenvolvida a partir de um
personagem histórico e, também, algo que cria uma uniformidade passageira
quando estabiliza certos fenômenos. Essa uniformidade passageira é conveniente
quando lembramos que Nietzsche foi um opositor de cristalizações que se
pretenderam absolutas, como vimos. Portanto, para Paschoal, trata-se de uma
simbologia que não defende ou critica todos os aspectos da realidade do
personagem histórico que se utiliza como exemplo, já que é uma criação de artista.
Porque, quando Nietzsche se utiliza de Napoleão na primeira dissertação de
Genealogia da moral, por exemplo, segundo Paschoal (2009), ele defende certas
características bem específicas de tal figura, mas também aumenta aspectos para
se contrapor ao que ele estava criticando. Por isso, é importante mencionar que
Nietzsche não defendeu todos os atributos da figura histórica de nome Napoleão,
pois Paschoal deixa claro que o filósofo não considerava essa figura como um
exemplo a ser seguido quando se referia ao seu caráter. Portanto, está relacionado
com aspectos extremamente específicos e circunscritos dos personagens históricos
que são criticados ou elogiados e que, também, consistem em aspectos
aumentados, relacionados com o fato de funcionar como uma criação passageira
para criticar o que precisa ser criticado. Foi por isso que, quando Nietzsche se
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sacerdotes foram os primeiros que se utilizaram das palavras “puro” e “impuro” para
realizar uma divisão estamental. Essa divisão nos forneceu informações importantes
sobre o porquê do desenvolvimento de “bom” e “ruim” ter sido diferente nessa
aristocracia e não mais algo que funcionou como uma divisão estamental
posteriormente, divisão estamental esta (“bom” e “ruim”) que estava presente na
aristocracia guerreira, como nos lembra Kahlmeyer-Mertens (2007).
Essa informação nietzsciana sobre o “puro” e “impuro” foi importante porque o
“puro”, segundo Nietzsche (1998, p. 24), se referia aos próprios sacerdotes quando
se representavam como o “ [...]homem que se lava, que se proíbe certos alimentos
que causam doenças de pele, que não dorme com as mulheres sujas do povo
baixo”. Ou seja, tal “puro” revelava “[...] algo malsão nessas aristocracias sacerdotais
e nos hábitos que nelas vigoram, hábitos hostis à ação” (NIETZSCHE, 1998, p. 24).
Daí, Nietzsche relatou que essa incapacidade para a ação provocou inúmeras
seqüelas para a humanidade, como a criação de uma metafísica, jejuns e diversos
ascetismos, incluindo o ascetismo sexual. Foi, então, por causa dessa incapacidade
relativa à ação, da qual os adjetivos “puro” e “impuro” nos fornecem pistas, que a
contraposição entre “bom e ruim” não mais foi estamental, como mencionamos.
Sobre essa grande dificuldade relativa aos atos, dos sacerdotes, Nietzsche
disse que esse entrave, referente a eles, fez com que tudo existente se tornasse
mais perigoso, como, por exemplo, “altivez, vingança, perspicácia, dissolução, amor,
sede de domínio, virtude, doença” (NIETZSCHE, 1998, p. 24-25). Ainda sobre essa
incapacidade indicada pelo “puro” e “impuro”, Nietzsche apresentou outras
conseqüências de tal dificuldade, um pouco adiante, quando disse que “já se
percebe com que facilidade o modo de valoração sacerdotal pode derivar daquele
cavalheiro-aristocrático e depois desenvolver-se em seu oposto; [...] isso ocorre
quando a casta dos sacerdotes e dos guerreiros se confrontam [...]”. Ou seja, foi a
incapacidade para a ação e a impotência dos sacerdotes, para o filósofo, que
fizeram com que houvesse uma inversão de valores, um desenvolvimento oposto ao
desenvolvimento de “bom” e “ruim” dos aristocratas guerreiros, cujos principais
representantes foram os gregos. Essa impotência é, então, geradora de ódio, e ela é
a responsável pela inversão de valores quando os sacerdotes e guerreiros se
confrontam. Sobre esses sacerdotes inversores, para Nietzsche, os judeus foram
significativos representantes. Então, para apresentarmos um exemplo significativo
sobre essa inversão, lembramos que o filósofo a explicitou bem:
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próprio a todos nós ocidentais, porque, como Nietzsche (1998) disse, tal valoração
foi vitoriosa na humanidade. Consiste, para a comentadora mencionada, em uma
valoração nada inocente, porque se utiliza das sutilezas e artificialidades da
linguagem para vencer; é por isso que, também, a valoração nobre pertence aos
ingênuos.
então, não passou de um revestimento do ódio judeu, ódio que foi transformado em
sutil e delicado. No entanto, sobre esse apoderamento do cristianismo relacionado
com a inversão de valores, não podemos conceber tal “estratégia” dos judeus como
atos intencionais de enganação, porque Reginster (2016, p. 48), citando Nietzsche,
nos lembra que a reavaliação dos “escravos”, para alcançar os seus objetivos,
necessita que “[...] os [...] fracos [...] devem internalizar os novos valores que
criaram: precisam passar por um processo de auto engano - eles próprios têm de
acreditar na legitimidade dos valores”. Ou seja, sobre o confronto entre “fracos” e
“fortes” mencionado anteriormente, podemos dizer que os “fracos” precisam
acreditar, realmente, que seus inimigos são os “maus” e eles próprios são os “bons”.
Além disso, de acordo com Reginster (2016, p. 59), a impotência dos sacerdotes
necessita de uma reavaliação ocasionada por uma “reação à frustração, sendo esta
compreendida como um dano do sentimento de poder”. Portanto, para Reginster
(2016, p. 65), “é a vontade de poder – e não o desejo de prejudicar os outros – que
induz o fraco a desvalorizar seus próprios valores.” Ou seja, é a vontade de poder,
imanente a todas as coisas, que faz com que o querer poder, para Reginster (2016),
inverta os valores e se transforme em algo que favoreça o querer poder dos
impotentes, de forma invertida, o que significa que não se trata de querer prejudicar
os outros. E, além disso, sobre o confronto entre “nobres” e “escravos” também já
mencionado, outra observação importante está relacionada com o que Register
(2016, p. 65) disse de “inverter os próprios valores”; ou seja, os sacerdotes quiseram
atuar como os nobres guerreiros, mas não conseguiram, e isso proporcionou uma
reavaliação.
Além disso, sobre essa marca deixada pelos “escravos” citada anteriormente,
outra consideração importante consiste no fato de que, para Paschoal (2009),
Nietzsche não gostava da vontade de poder relacionada com a valoração escrava
que possibilitou essa espiritualização, mas, no entanto, aparentemente entrando em
contradição, esse comentador nos lembra que Nietzsche (1998, p. 25) falou, sobre
os “escravos”, que “somente no âmbito dessa forma essencialmente perigosa de
existência [...] é que o homem se tornou um animal interessante, apenas então [...] a
alma ganhou profundidade [...] tornou-se má”. Ou seja, segundo Paschoal (2009),
Nietzsche via uma certa criatividade em tal “moral escrava”, e tal característica
espiritual criativa também ocasionaria um novo “nobre”. Tal “nobre”, para esse
comentador, apresentaria como característica a valoração “bom e ruim”, mas
também possuiria características referentes ao lado espiritual referido.
vontade de poder com o conceito de eterno retorno. Portanto, também foi importante
termos apresentado um esclarecimento anterior, na primeira parte deste trabalho,
sobre o conceito de vontade de poder, para esclarecermos esse conceito
quandovinculado com a noção de vida em Nietzsche.
Então, retomando a concepção de valor, ele está, para Kahlmeyer-Mertens,
relacionado com o que foi relatado:
Ele age e cresce espontaneamente, busca o seu oposto apenas para dizer
Sim a si mesmo com maior júbilo e gratidão – seu conceito negativo, o „
baixo‟, „comum‟, „ruim‟, é apenas uma imagem de contraste, pálida e
posterior, em relação ao conceito básico, positivo, inteiramente perpassado
de vida e paixão, „nós, os nobres, nós, os bons, os belos, os felizes!‟.
Quando o modo de valoração nobre se equivoca e peca contra a realidade,
isso ocorre com relação à esfera que não lhe é familiar, que ele inclusive se
recusa bruscamente a conhecer [...]. (NIETZSCHE, 1998, p. 29).
imagem do inimigo, “em todo caso estará muito longe do falseamento com que o
ódio entranhado, a vingança do impotente atacará [...] o seu adversário”. O que
significa que o “nobre” sabe dizer sim até mesmo para o falseamento, porque, para
Nietzsche, vive o falseamento sem o ódio, que seria a melhor forma de vivê-lo e
algo relacionado com a vida. E, sobre o combate do “nobre”, “[...] não suporta
inimigo que não aquele no qual nada existe a desprezar, e muito a venerar!”.
(NIETZSCHE, 1998, p. 31). Ou seja, ele sabe aproveitar a vida até mesmo nos
momentos difíceis relacionados com os combates e lutas. Mas essa luta não era
dirigida contra os “escravos”, já que, segundo Paschoal (2014), eram dignos de
desprezo e não adentravam na lógica citada no trecho acima. No entanto, sobre
esse desprezo, Nietzsche disse que a aristocracia grega foi muito feliz quando
desprezou e nomeou a esfera que não lhe era familiar de “ruim”, apesar de não ser
inimiga de tal esfera.
Depois de observarmos essa maneira “nobre” de agir, podemos dizer que
diferente é a forma como os “escravos” lidam com a vida e com os valores, porque,
para Kahlmeyer-Mertens (2007, p. 7), a disposição reativa possui relação com uma
valoração “que, ao se instaurar, nega a si mesma enquanto perspectiva e se arroga
o direito de determinar (para além de toda e qualquer instância de realização) o
modo de ser da totalidade dos entes”. Mais adiante, Kahlmeyer-Mertens (2007, p. 7)
diz: “esta é a compreensão da verdade, como uma instância que surge em função
da separação radical frente ao mundo fenomênico [...]”. Ou seja, para esse
comentador, a valoração dos “escravos” consiste em algo que nega o instante em
seu movimento circular e estipula uma interpretação derivada que se julga no direito
de estipular a totalidade dos entes da realidade da vida e cristalizá-los. Os
“escravos” são inconformados com a realidade. Portanto, para Kahlmeyer-Mertens,
Nietzsche está fazendo, também, uma grande crítica à metafísica, de acordo com
sua noção de vida. Daí, tal comentador diz que essa perspectiva quer se auto-
assegurar da realidade e, com isso, nega os fenômenos e a vida, porque estipula
representações sobre a realidade antes dos acontecimentos aparecerem. É por isso
que, para Kahlmeyer-Mertens (2007, p. 9), a moral escrava é mesmo escrava,
porque quer “assegurar-se daquilo que é tangível, tornando „pensável todo ente‟,
submetendo toda a realidade a procedimentos de um pensamento esquemático que
pretende jogar luz sobre tudo aquilo que é inusitado”.
Esse mecanismo citado no parágrafo anterior, dos “escravos”, também
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CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
ARALDI, Clademir Luís. Nietzsche como crítico da moral. Dissertatio, Pelotas, v. 28.
2008. Disponível em: <
https://periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/index.php/dissertatio/article/view/8846/5841> .
Acesso em: 07 jul. 2017.