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DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
VITÓRIA
2018
BÁRBARA LEMPÉ ALONSO SCARDUA
VITÓRIA
2018
A meu marido, que com grande amor me
acompanha em todo tempo.
Agradeço a Deus, porque sem Ele eu nada seria, por sempre estar presente em
minha vida e me assistir em todo o tempo.
A meu marido, Bryan, por não me deixar desistir e por me dar todo o suporte
necessário nessa caminhada. Obrigada por todo o carinho e amor dispensado a
mim.
A minha mãe, que é a minha base e que, nos momentos bons e nos difíceis, sempre
me incentivou a estudar e a seguir meus sonhos.
A meu orientador, Prof. Dr. Geraldo Antonio Soares, por ter aceitado me orientar
neste trabalho. Seu zelo e amor pela História são inspiradores.
A minha queria amiga Larissa, que tornou a vida na academia muito mais agradável.
Levo sua amizade para toda a vida.
Realmente, é de admirar que eu não tenha
desistido de todos os meus ideais, tão absurdos e
impossíveis eles são de se realizar. Conservo-os,
no entanto, porque apesar de tudo ainda acredito
que as pessoas, no fundo, são realmente boas.
Imagem 7 - Pôster dos anos 1930, que promovia a revista nazista Neues Volk.
INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 9
INTRODUÇÃO
1
"It is not enough for people to be more or less reconciled to our regime, to be persuaded to adopt a
neutral attitude towards us; rather we want to work on people until they have capitulated to us, until
they grasp ideologically that what is happening in Germany today not only must be accepted but also
can be accepted". Discurso de Joseph Goebbels em 15 de março de 1933 para a imprensa sobre o
estabelecimento do Ministério de Educação Popular e Propaganda do Reich.
13
valores eram não só aceitos, como internalizados. Entra, aí, outro aspecto crucial
para a propaganda do Terceiro Reich, o da doutrinação. Propaganda não está
necessariamente ligada à doutrinação, uma vez que seu papel principal é o controle
e disseminação de informações, enquanto a doutrinação está ligada a questões
ideológicas. Kallis (2005) assinala que a propaganda de Estado serve não apenas
para informar o público, como também para promover os desejos da população e de
continuidade do governo. A propaganda de Estado, desta forma, desenvolve
diversos papeis, como o de integrar as massas, motivá-las e mobilizá-las, guiá-las e
também diverti-las. Funciona, portanto, como meio de por em prática a ideologia
ligada à doutrina. Isto se mostra especialmente essencial em uma ditadura, um
governo autoritário, em que se busca estabelecer uma sociedade com determinados
pensamentos e ações homogêneas, ainda que isso não possa ser alcançado em
sua totalidade, porque, como já foi dito, a sociedade é composta por indivíduos e
suas visões de mundo nem sempre convergem. Mesmo com a prática da coerção e
do terror, há uma eventual resistência às ideias que se procuram fazer aceitas.
O Terceiro Reich foi construído também sob essa óptica. A ideologia nazista
deveria permear todos os âmbitos da vida alemã, o que incluía ditar como as
pessoas deveriam se portar, qual a aparência ideal e os direitos e deveres de cada
um, sobretudo os deveres. O partido nacional-socialista fez, então, uso de forte
propaganda - sobretudo doutrinária, para alcançar seus objetivos, a partir da qual
podemos ver representações de homens e mulheres, adultos e crianças, inimigos e
adeptos do regime, construindo imagens acerca desses indivíduos. Esta propaganda
teve forte influência para o funcionamento e expansão do regime. A produção
propagandística ideológica na Alemanha nazista foi vasta desde que Hitler assumiu
como chanceler, em 1933, mesmo ano em que Joseph Goebbels assume como
Ministro da Propaganda (LONGERICH, 2014). A propagação das ideias do partido
se davam tanto por meio textual, em livros didáticos, cartilhas, panfletos, como
também por meio de imagética, em revistas e outros meios. Buscavam, assim,
reforçar a imagem e o ideal de uma sociedade ariana pura, com papéis de gênero
bem estabelecidos, dando grande importância à família e a valores tradicionais.
14
Quanto mais modesto for o seu lastro científico e quanto mais ela levar em
consideração o sentimento da massa, tanto maior será o sucesso. Este, porém, é a
melhor prova da justeza ou erro de uma propaganda, e não a satisfação às exigências
de alguns sábios ou jovens estetas. A arte da propaganda reside justamente na
compreensão da mentalidade e dos sentimentos da grande massa. Ela encontra, por
forma psicologicamente certa, o caminho para a atenção e para o coração do povo
(HITLER, 1925, p. 171).
2
Minha Luta, livro escrito em dois volumes, um em 1925 e outro em 1926, pelo chefe de Estado
nazista, em que expunha suas ideias antissemitas, nacional-socialistas e da superioridade racial
ariana.
15
breve experiência de democracia que tiveram. Em sua obra, Robert Gellately (2011)
nos traz a ideia de que a maioria de mulheres e homens que participaram da última
eleição antes do período ditatorial mostraram essa indignação com a democracia
parlamentarista votando em partidos como os de nazistas, nacionalistas ou
comunistas, ou seja, que representassem ideais contrários aos da República de
Weimar. A humilhante derrota na Primeira Guerra Mundial (1914-1919) e suas
consequências, o Tratado de Versalhes (1919), a instabilidade econômica, os
milhões de desempregados, a alta inflação, as eleições sem fim que pareciam nunca
resolver nada são alguns dos motivos que levaram os alemães a apoiarem as ideias
nazistas, aceitando até mesmo a violência que poderia se fazer necessária para
uma mudança de cenário (FRITZSCHE, 2008).
3
"[...] refuses to lead the life of a lady and a housewife, preferring to depart form he ordained path and
go her own way".
17
Uma vez que a doutrinação deveria vir desde a infância, livros didáticos e guias
para professores foram produzidos especialmente para alcançar esse propósito.
Para além disto, entretanto, estavam os grupos de jovens. A escola, embora
4
"Although I agree with Treitschke that men make history, I do not forget that women raise boys to
manhood".
18
A Liga das Moças Alemãs (Bund Deustscher Madel em Alemão ou BDM) foi
criada para ensinar meninas novas a respeito de seus importantes papéis
na sociedade alemã. Elas tinham seus próprios comícios, apesar de
também participarem nos comícios das mulheres, além de terem sua própria
revista. [...] As meninas eram ensinadas sobre aptidão física, leitura e
fidelidade partidária. Depois que a Alemanha foi para a guerra, as meninas
foram ensinadas a ajudar no esforço de guerra. [...] Meninas novas estavam
sendo moldadas pelo estado para se conformarem ao ideal de mulher que
iria conceber mais crianças para a nação (BRASHLER, 2015, p. 61,
7
tradução nossa) .
5
Hitlerjugend no original.
6
Bund Deutscher Mädel no original.
7
"The League of German Girls (Bund Deutscher Maedel in German or BDM) was established to teach
young girls about their important role in German society. They had their own rallies, although they did
attend the women's rallies as well, and they had their own magazines. […] Girls were taught physical
fitness, and reading and party loyalty. After Germany went to war the girls were taught how they could
aid in the war effort. […] Young girls were being shaped by the state to conform to the ideal woman
who would go on to give more children to the nation".
19
meninas. A importância destas estava no fato de que elas seriam as mães do Reich
e, assim, deveriam ser conformadas na imagem de mulher ideal, como mães fortes.
A educação era algo de responsabilidade do estado, para que nem pais nem
professores buscassem ensinar valores diferentes daqueles apregoados pelo
nazismo. A revista para mulheres, Frauen Warte, na edição de 1936, traz um artigo
intitulado Os Princípios Educacionais da Nova Alemanha, o qual nos dá uma ideia
de quais valores envolvem essa educação: "Todos os envolvidos com a educação
devem ter uma ideia clara e unificada das tarefas educacionais que estão perante
eles. Os quatro pilares de ferro da escola nacional e sistema educacional são: raça,
treinamento militar, liderança e religião!" (tradução nossa)8.
Havia, para auxiliar nessa empreitada, uma revista para as meninas da BDM
chamada A Garota Alemã9, distribuída entre 1933 e 1945. Esta revista demonstrava
claramente as expectativas do partido para com as meninas da Liga das Moças
Alemãs e trazia artigos e imagens sobre a natureza, mulheres jovens que
trabalhavam, instruções nos serviços domésticos, livros recomendados,
aconselhamentos sobre maternidade, dentre outros assuntos que estivessem
ligados ao preparo dessas jovens para servir os propósitos da ideologia nazista na
sociedade alemã. Em geral, são imagens de mulheres jovens realizando atividades
de forma alegre, construindo uma imagem do que toda menina alemã deveria querer
ser, pensando, inclusive, em tempos de guerra.
8
"All those involved in education must have a clear and unified idea of the educational tasks before
them. The four iron pillars of the national school and educational system are: race, military training,
leadership, and religion!".
9
Das deutsche Mädel no original.
20
Img. 1: Edição de 1935 de A Garota Alemã. Uma menina pratica arremesso de peso.
10
"the BDM propagated an ideal of the Young athlete and worker which changed little during the Third
Reich. […] The young athlete or agricultural worker was, after all, primarily a future mother".
21
Img. 2: Capa de uma das edições de A Garota Alemã. Uma jovem mulher segura um bebê.
O discurso de Jutta Rüdiger, que havia sido então indicada como líder da
BDM, publicado em uma das edições de A Garota Alemã de 1938 (tradução nossa),
deixa claro quais são os deveres e os princípios do programa Nazista para as
meninas:
11
"The foundations of our educational work with girls are worldview and cultural education, athletic
training, and social service. […] Athletic training should not only serve their health, but also be a
school that trains the girls in discipline and mastery of their bodies. Even the Jungmädel should learn
through play to put themselves second and place themselves in the service of the community".
22
ideia de que a criança "[...] deve saber que sem seu povo ele é um mísero nada, e
que é melhor que ele morra do que seu povo e sua pátria pereçam"12. Hitler se
convencera, desde cedo, de que "[...] o destino escolhera os arianos, especialmente
os alemães, para serem a raça dominante" e buscava, portanto, construir um
"[...]Estado que se alicerçasse na raça e que incluísse todos os alemães que então
vivessem além das fronteiras do Reich" (SHIRER, 2008, p. 122).
A vida dos alemães era, então, como uma constante luta pela dominância de
sua raça, na qual as mulheres deveriam exercer importante papel de combate. Elas
precisavam ser fortes para carregarem a próxima geração ariana, tendo corpos e
mentes preparados para isso. Elas deveriam ter em mente que os ideais nazistas
eram mais importantes do que qualquer outra coisa que seus pais tivessem a
ensinar, porque importava servir à comunidade. A obediência deveria ser também
direcionada primariamente ao partido e à ideologia, mais do que aos pais,
principalmente no que se refere ao tratamento de judeus e comunistas.
12
"[...] must know that without his people he is a miserable nothing, and that it is better if he himself
die than that his people and fatherland perish!".
13
"Photo essays on newspapers and magazines, and in the party's propaganda material, persistently
used the technique of pairing good and bad, new and old, 'genetically sick' and 'genetically healthy',
encouraging spectators to glance from one image to the othe and to embark on the journey of
refashioning the German people".
23
Img. 3: Edição de janeiro de 1938 de A Garota Alemã. Garotas sovietes aparecem em contraposição
à meninas nazistas e há no canto inferior esquerdo a frase "Quem Iria Querer Trocar de Lugar com os
Sovietes?".
14
"Who Wold Wish to Change Places with the Soviets?". O título original da capa está em alemão e
foi traduzido para o inglês por Randall Bytwerk.
24
numa fábrica ou em casa, tem o mesmo valor" 15. Ainda assim, essas meninas
deveriam estar preparadas para o trabalho designado a elas sempre que fosse
necessário. Ela continua discursando que: "Aos 14, as Jungmädelbund se juntam ao
BDM. A maioria entra no mercado de trabalho ao mesmo tempo. Como resultado, as
atividades educacionais do BDM são reforçadas e aprofundadas para que se
adequem ao emprego e à vida prática"16 (RÜDIGER, 1938, tradução nossa). Elas
deveriam servir ao Reich como enfermeiras, cuidando dos soldados feridos, servindo
como professoras de crianças e como secretárias. Dessa forma, elas serviam a
comunidade e ajudavam a trazer sustento para casa em tempos de guerra, quando,
muitas vezes, aqueles que traziam o sustento estavam no front de batalha. Assim, a
imagem de garotas servindo ao Reich nas áreas necessárias, principalmente
durante o período de guerra, era algo comum, em especial como enfermeiras.
Elas também eram preparadas para servirem nas regiões do Reich em que
fossem requisitadas quando se fizesse necessário, na Alemanha Oriental, onde a
mão de obra era mais escassa, mas os ideais nazistas também precisavam ser
levados. Na edição de A Garota Alemã de maio 1942 (tradução nossa), há uma
frase na capa que diz: "Trazendo todo o entusiasmo e a fresca força da juventude,
nossas meninas do Serviço de Trabalho estão servindo no reconquistado território
germânico no Oriente"17, enquanto na edição de novembro do mesmo ano está
escrito: "Da mesma forma que enfermeiras da Cruz Vermelha Alemã estão
constantemente trabalhando em todas as frentes para cumprirem sua
responsabilidade, também as jovens meninas norueguesas alegremente servem
seus camaradas na frente Oriental"18.
15
"[...] expect that [...] each BDM girl Will receive training in home economics. That does not mean
that we make the cooking pot the goal of education for girls. The politically aware girl knows that any
work, whether in a factory or in the home, is of equal value".
16
"At 14, the Jungmädel joins the BDM. Most enter the job market at the same time. As a result, the
BDM's educational activities are strengthened and deepened so that they are suited to employment
and deepened so that they are suited to employment and practical life".
17
"Bringing their full enthusiasm and the fresh strength of youth, our Labor Service girls are serving in
the regained German territory in the East".
18
"Just as German Red Cross nurses are constantly at work on all fronts to do their duty, so also
young Norwegian girls cheerfully serve their comrades on the Eastern Front".
25
Se é dito que o mundo do homem é o Estado, sua luta, sua prontidão para
devotar seus poderes para o serviço da comunidade, então talvez possa ser
dito que o mundo da mulher é um mundo menor. Porque o mundo dela é
seu marido, sua família, seus filhos e seu lar. Mas o que aconteceria com o
mundo maior se não houvesse ninguém para guardar e cuidar do mundo
19
menor? (HITTLER, 1934, p. 1, tradução nossa) .
No mesmo discurso citado acima, Hitler diz também que acredita ser
inapropriado que mulheres tentem entrar em mundo que é masculino, em sua
esfera, porque considera "[...] natural que esses dois mundos se mantenham
21
separados" (1934, tradução nossa). Ao passo que homem e mulher seriam, ao
19
"If the man's world is said to be the State, his struggle, his readiness to devote his powers to the
service of the community, then it may perhaps be said that the woman's is a smaller world. For her
world is her husband, her family, her children, and her home. But what would become of the greater
world if there were no one to tend and care for the smaller one?". Trecho do discurso de Adolph Hitler
para a Liga das Mulheres Nacional-Socialistas (NS-frauenschaft) em 1934.
20
Povo.
21
"[…] natural if these two worlds remain distinct".
27
menos no âmbito do discurso, iguais, lutando por uma Alemanha maior e mais forte,
essa luta se daria em esferas separadas, com funções, deveres diferentes para cada
gênero. A batalha do homem era na política, em empregos considerados
essencialmente masculinos e, sobretudo, no campo de batalha. A batalha da mulher
era em casa, com seu marido, no berço. A mulher ideal era aquela que cuidava de
seu corpo, de sua mente, sabia cuidar de sua casa, de sua família e, sobretudo,
dava a luz a filhos fortes e saudáveis, não para elas mesmas, mas para a nação.
Não se tratava de uma dona de casa desocupada, sem propósito de vida. Não se
tratava de uma lady. Koonz (2013) diz que o termo lady não as descrevia bem por se
referir a mulheres da alta sociedade que, na visão deles, apesar de bonitas, eram
inúteis e que as mulheres nazistas serviam a um propósito específico.
22
"From his first day in office, Hitler claimed that Germany’s survival depended on the reversal of the
devastating demographic decline, the elimination of class conflict, and the eradication of the
contradictions of modern industrial life. At the center of his plan for the restoration of German society
was the creation of a Volksgemeinschaft, a monolithic, racially pure, and socially cohesive community,
which he saw as the antidote to the social ills of the Weimar era".
28
A falta de homens por conta das baixas causadas pela Primeira Guerra
Mundial era algo que influenciava sobremaneira a questão da transição feminina
para a Nova Mulher. Embora muitas tivessem sido impelidas a trabalhar fora para
fazer com que a sociedade continuasse funcionando, cobrindo a falta de homens
nos postos de trabalho e obtendo um sustento, já que seu provedor não estava em
casa, mas no front de guerra, ou morto. Ainda assim, o partido tratou essa questão
da mesma forma que boa parte da sociedade enxergava, propagando a ideia de que
as mulheres haviam roubado os trabalhos que pertenciam a homens, por preferirem
a carreira à família. Isto era, portanto, o legado de uma sociedade que havia se
corrompido pelos ideais liberais e democráticos de Weimar.
23
"A characteristic of the modern era is a rapidly birthrate in our big cities. […] The government is
determined to halt this decline of the family and the resulting impoverishment of our blood. There must
be a fundamental change. The liberal attitude toward the family and the child is responsible for
Germany’s rapid decline". Discurso de Joseph Goebbels na abertura de uma exibição sobre e para
mulheres em Berlim, em 18 de Março de 1933.
24
Slogan utilizado por mulheres conservadoras ainda durante a República de Weimar contra a
emancipação feminina, que mais tarde foi apropriado pelo partido nazista em suas campanhas a
favor da família.
29
A imagem da mulher ideal, aquela que dedica sua vida à sua família e à sua
casa foi baseada, portanto, em uma imagem feminina idílica. As mulheres passam a
serem retratadas em pôsteres e revistas com seus cabelos loiros presos e
repartidos, costumeiramente utilizando longos vestidos e aventais. Como a
unificação da Alemanha concluiu-se apenas no século XIX, sua Revolução Industrial
deu-se de forma tardia quando comparada a outros países como a Inglaterra, por
exemplo. Assim, a memória do que seriam tempos mais simples, em que a família
vivia harmoniosamente no campo e a mulher cuidava de todos os afazeres da casa,
dos filhos e, muitas vezes, da produção dos alimentos, estava ainda fresca. Essas
mulheres eram as avós do povo alemão que vivenciava, então, o nazismo, e a
lembrança delas gerava saudosismo e fazia com que os alemães apercebessem
esse passado como algo melhor. A imagem da mulher ideal passa a ser associada,
portanto, a imagem dessas mulheres de antigamente, que vestiam-se com modéstia,
tinham muitos filhos e trabalhavam no campo. Para Koonz (2013, p. 169, tradução
nossa): "Nos anos 1930, o apelo à vida mítica dela estava não nas tarefas que ela
realizava, mas na crença de que uma avó amorosa havia protegido sua família do
corrosivo mundo moderno"26, ou seja, do mundo da Nova Mulher.
Wendy Lower (2014) trabalha com o fato de que havia um ideal de beleza
feminino presente na ideologia nazista. Elas deviam ter um porte atlético e saudável
e é daí que a beleza real deveria vir, de uma boa alimentação e da prática de
exercícios. Cosméticos não eram bem quistos, desta forma, pintar as unhas, o
cabelo ou fazer a sobrancelha e usar batom não eram comportamentos aceitáveis
para uma boa menina ariana. Esses ideais foram preenchidos na figura de Vera
25
"While cultural critics blamed women for failing to guard traditional morality, other authors looked
back to prehistory for models to guide the future. In the midst of a cultural blackash against the New
Woman came a revival of speculation about the glories of a long-lost matriarchy".
26
"In the 1930s, the appeal of her mythic life lay not in the tasks she had perfoemed as much as in the
belief that the loving grandmother had protected her family from a corrosive modern world".
30
Stähli, por exemplo, de quem Lower (2014, p. 78) traz a descrição como alguém que
"[...] preenchia os requisitos de feminilidade ideal nazista: 1,80 m, 72 kg, 'cabeça
redonda, olhos azuis, cabelos louros, nariz reto'”27. Os motivos das propagandas
direcionados às mulheres costumavam ser justamente a imagem de uma mulher,
que preenche esses requisitos, e que carrega consigo seus filhos, para reforçar a
imagem de mãe, muitas vezes com um cenário campestre ao fundo. Ao mesmo
tempo, essas mulheres eram retratadas como sendo fortes, protetoras e amáveis.
Isso representava a volta a uma Alemanha pacífica e também forte, com o
renascimento de sua raça como ela deveria ser.
Img. 5: Pôster de propaganda nazista datado provavelmente de meados dos anos 1930.
Abaixo da imagem da mãe ariana amamentando, há a frase "Ajude o programa de assistência para
28
mães e crianças" (tradução nossa).
27
Os dados a respeito de Vera Stähli foram retirados pela autora dos arquivos referentes ao pedido
de casamento entre Vera e um soldado da Schutzstaffel (SS) feito a Himmler, que eram necessários
para atestar a ascendência ariana.
28
"Support the assistance program for mothers and children”. O pôster foi feito para a
promoção da caridade para o Nationalsozialistische Volkswohlfahrt (NSV), que poderia ser traduzido
como o "Bem Nacional do Povo Nacional-Socialista".
31
papel da mulher era o de servir a nação como mãe, provendo os filhos arianos que o
povo precisava. De acordo com Rupp (1977), isso só se justificava por conta da
política do partido, que glorificava o princípio do bem geral acima do bem individual.
As mulheres apenas prestavam um papel diferente, mas não inferior.
29
"What the man gives in courage on the battlefield, the woman gives in eternal self-sacrifice, in
eternal pain and suffering. Every child that a woman brings into the world is a battle, a battle waged for
the existence of her people. And both must therefore mutually value and respect each other when they
see that each performs the task that Nature and Providence have ordained. And this mutual respect
will necessarily result from this separation of the functions of each".
30
"This is the beginning of a new German womanhood. If the nation once again has mothers who
proudly and freely choose motherhood, it cannot perish. If the woman is healthy, the people will be
healthy. Woe to the nation that neglects its women and mothers. It condemns itself".
32
A revista Frauen Warte dedicava anualmente, no Dia das Mães, uma edição
voltada para a data, de forma a ajudar a valorar e fixar ainda mais o ideal de mãe
entre as mulheres nazistas. Na edição de 1940, podemos ver a intenção da
promoção do Dia das Mães na Alemanha:
31
"One of the Nazi’s first steps after seizing power was to declare Mother’s Day a national holiday".
32
"[...] even at the end of the war, the party found the resources to celebrate Mother's Day with pomp
and circumstance. The government awarded an Honor Cross to prolific mothers and ordered the Hitler
Youth to salute women wearing the medal".
33
fundação para a futura vida dessas moças que estão noivas, mas que não
têm o tempo ou dinheiro para participar de um curso de treinamento mais
longo em economia doméstica. [...] Assim como os homens cumprem seu
dever, elas estão se preparando para seus deveres como esposas e mães,
33
quando derem a luz, e cuidar e proteger seus filhos (LINHARDT-KÖPKER,
1940, tradução nossa).
.O Partido Nazista buscava, com o Dia das Mães, fortalecer a ideia de que o
sacrifício das mães em ter e criar filhos para o Volk era não só um dever, mas algo
em que elas deveriam ter prazer, dedicando suas vidas a isso. A Deutschen
Frauenwerkes era uma entidade que tinha como função encorajar as mulheres a
terem mais filhos e prepará-las para cumprirem suas funções como mães e esposas
a partir de cursos. As mulheres eram vistas como mães, tendo filhos ou não. As que
ainda não haviam tido filhos eram vistas como tal, apenas mães que ainda não
tiveram filhos, mas que devem ter, para cumprir seu papel com o povo. Em um
cartão feito pelo Ministério da Educação Popular e Propaganda do Reich para o Dia
das Mães de 1944, quando a Segunda Guerra Mundial estava quase em seu fim, há
uma boa explicação do papel da mulher na Alemanha nazista:
Nós todos temos uma coisa que realmente faz nossas vidas valerem a pena
viver nessa terra: é o nosso próprio povo, que para nós alemães é a nossa
Alemanha. Nós estamos dentro desse povo. Nós vivemos com esse povo e
estamos ligados a ele nos bons e nos maus momentos. Nossa maior
missão e a mais sagrada tarefa é preservar esse povo. Para esse objetivo,
34
nenhum sacrifício é grande demais (HITLER, 1944, tradução nossa).
33
"On Mothers’ Day, the Mothers’ Service wants to show all women and mothers that the National
Socialist state recognizes, values, and supports mothers. In the past, the attention was on mothers
who already had children. More and more, the task is also to provide short-term but intensive courses
in marriage and the family that will build a good foundation for the future life of those girls who are
engaged, but have neither the time nor the money to participate in a longer training course in home
economics. [...] Just as men do their duty, they are preparing for their duties as wives and mothers,
when they will give birth, and care for and protect their children". Erna Linhardt-Köpker, autora do
artigo, era a chefe de departamento da Deutschen Frauenwerkes, do Serviço das Mães.
34
"We all have but one thing that really makes our lives worth living on this earth: That is our own
people, which for us Germans is our Germany. We stand within this people. We live with this people
and are bound to it in good times and bad. Our highest duty and holiest task is to preserve this people.
For that goal, no sacrifice is too great".
34
O Füher precisava dos filhos destas mulheres para criar uma grande e forte
nação e, para isto, precisava que essas mulheres sacrificassem seus filhos na
guerra quando necessário. Uma raça ariana forte era necessária. Por isso havia
locais como a Escola para Noivas, para preparar as moças para que cumprissem
seu papel. Como as mães eram preparadas para serem mães para o Volk e o
importante, principalmente em tempos de guerra, era que filhos fossem gerados, as
mães solteiras também não representavam um problema para o partido. Como a
moral da sociedade era muito ligada a moral burguesa e cristã, a maior parte das
pessoas não aceitavam que mulheres solteiras engravidassem apenas para dar
filhos ao Füher. Em 1939, Heinrich Himmler, na busca de uma Alemanha mais cheia
de racialmente puros, passou uma diretiva secreta para todos os membros da SS e
da Polícia Alemã para que estes procriassem sem medo de estarem engravidando
jovens solteiras e incentivando a engravidar suas esposas também:
Para além dos limites das leis e convenções burguesas, que talvez sejam
necessárias em outras circunstancias, pode ser uma tarefa nobre para
mulheres e meninas alemãs de bom sangue a tornarem-se até fora do
casamento, não despreocupadamente, mas a partir de uma profunda
seriedade moral, mães das crianças dos soldados que vão para a guerra de
35
quem apenas o destino sabe se retornará ou morrerá pela Alemanha
(HIMMLER, 1939, tradução nossa).
35
"Beyond the limits of bourgeois laws and conventions, which are perhaps necessary in other
circumstances, it can be a noble task for German women and girls of good blood to become even
outside marriage, not light-heartedly but out of a deep moral seriousness, mothers of the children of
soldiers going to war of whom fate alone knows whether they will return or die for Germany". Heinrich
Himmler era o Reichsführer-SS (Chefe ou Comandante da SS) e Chefe da Polícia Alemã.
35
chefe nazista era a de procriar a maior quantidade de crianças fruto da união entre
homens da SS e da polícia com mães que fossem comprovadamente arianas,
formando uma prole de elite.
36
Pode ser traduzido como "Fonte da Vida".
37
"Himmler also planned for the Lebensborn homes to serve women and children well beyond the
delivery itself. He intended to encourage single mothers to give up their children - ideally products of
unions between 'racially pure' women and members of the SS - for adoption by members of the SS so
that they could be raised in National Socialist families".
36
terem a assistência necessária para conceberem estas crianças. Isso não quer dizer
que todas as mulheres eram permitidas a conceber sem estarem casadas. De
acordo com Brashler (2015), às mulheres que não se enquadravam no mais alto
padrão de "racialmente puras" não era permitida ter seus bebês já que eram
consideradas moralmente inferiores por não estarem um casamento. Mães solteiras,
que tiveram muitos filhos, principalmente quando estes eram de pais diferentes
eram, inclusive, esterilizadas. Para terem seus filhos, as mulheres tinham que
comprovar sua pureza racial e a de seu parceiro.
As mulheres eram encorajadas e ensinadas, de fato, a encontrarem maridos
que se encaixassem no padrão da higiene racial. Por serem responsáveis pela
procriação, elas eram vistas, de acordo com Gupta (1991, p. 40, tradução nossa):
"[...] como 'mães da raça' ou, em contraste gritante, difamadas, como as culpadas
pela 'degeneração racial'"38. Assim, o sentido do casamento se dava, para o partido
nazista, apenas para a procriação e crescimento da raça e, para isto, deveria ser
feito entre seus mais desejáveis pares, ou seja, duas pessoas arianas. Como o
partido controlava todas as áreas da vida pública e também boa parte da vida
privada das pessoas, o casamento era também um assunto estatal. Casamentos
entre arianos e não-arianos, principalmente judeus, e também entre pessoas
saudáveis e aquelas com doenças hereditárias foram proibidos pelas Leis de
Nuremberg, em 1935 (MOUTON, 2006). O controle dessas uniões era responsável
por manter a Alemanha livre do crescimento do número de pessoas consideradas
indesejáveis para o nazismo, garantindo a expansão do Lebensraum39 com o
aumento das taxas de natalidade apenas de arianos. Não apenas o controle dos
casamentos indesejáveis, mas também o incentivo a casamentos entre arianos era
necessário.
Assim, um generoso empréstimo para casamento era concedido com a
condição de que a esposa deixasse seu emprego - mas ela também tinha
que passar por exames médicos. Para também encorajá-la a ter filhos, o
regime quase de imediato decretou que as prestações para saldar o
empréstimo seriam reduzidas em um quarto no nascimento de cada nova
criança (GELLATELY, 2011, p. 40).
38
"[...] as 'mothers of the race', or, in stark contrast, vilified, as the ones guilty of 'racial degeneration'".
39
O espaço vital Alemão.
37
Img. 6: A edição de abril de 1943 da Frauen Warte traz a imagem de uma mulher trabalhando
em uma fábrica. Abaixo da imagem, lê-se: "Mulheres alemãs sempre sabem que é uma questão de
40
existência e inexistência de seu povo. A guerra total é a demanda do momento. Todos ajudam!"
(tradução nossa)
40
“German women always know that it is a matter of the existence or nonexistence of their people.
Total war is the demand of the hour. Everybody help!”.
38
A mulher alemã serve a seu povo com amor e em meio a sua necessidade
mais profunda, e seu amor dá a ela a força para se sacrificar, para fazer
sem, para fazer seu trabalho diário! [...] Ela quer continuar orgulhosa e sem
parar, apesar de seus sofrimentos pessoais, mantendo a mais alta
42
dignidade da feminilidade em meio a sua dor, até que cheguemos ao fim.
41
"Strength from Love and Faith: German Women and the Führer's Birthday".
42
"The German woman serves her people with love in the midst of its deepest need, and her love
gives her strength to sacrifice, to do without, to do her daily work! […] She wants to remain proud and
unbroken, despite her personal sorrows, maintaining the highest dignity of womanhood in the midst of
her pain, until we reach the end".
39
43
"Women could not remain uninvolved in this struggle for it involved their future, too, and the future of
their children. — We stood between the parties of the old system, but were unsatisfied. We wanted to
find the way to our people. In the midst of crisis we had to take a stand, but where was there a place
for us". Parte do artigo de Erna Günther para a revista Frauwen Warte, cujo objetivo era explicar o
papel da mulher no Estado Nazista.
40
Apesar das vontades individuais, não podemos dizer que a propaganda não
influenciou em nada na formação, no caráter e nos desejos dessas mulheres. A
formação dessas meninas e mulheres foi em meio a toda uma esfera nazista, em
que o Estado interferia em todas as áreas de suas vidas. A doutrinação estava
presente em todos os lados. Além disso, o conhecimento acerca dos horrores do
holocausto estavam muito mais presentes para aqueles que se engajavam na
expansão e ocupação do Leste europeu. Muitas mulheres só se tiveram
conhecimento das más condições de vida dos judeus e das execuções em massa
tardiamente, em geral após 1942. E, mesmo tomando conhecimento do que ocorria,
houve, de fato, entre os alemães, uma banalização do mal. A crença de que judeus,
ciganos, pessoas deficientes e qualquer outro que não se enquadrasse no perfil
racial ariano apenas atrapalhavam o crescimento do Reich, fazia com que essas
mulheres enxergassem as atrocidades cometidas - ou as cometessem - como forma
de vingança contra esses inimigos. As pessoas estavam mais preocupadas "com o
destino de entes queridos lutando contra o 'bolchevismo judaico'" (LOWER, 2014, p.
93).
41
[...] alta, loira e de olhos azuis e encarnava o ideal de beleza "Ariano". Uma
vez que Hitler não era casado, ela constantemente ficava ao seu lado em
recepções oficiais do estado ou nas funções partidárias. Ela era retratada
em publicações de propaganda como a dona de casa e mãe perfeita. Em
1938, ela tornou-se a primeira mulher a receber a "Cruz de Honra das Mães
Alemãs". No todo, ela deu a Goebbels seis filhos, de quem a vida era feita
44
pública em reportagens regulares em filmes e em noticiários semanais
(GHDI, tradução nossa).
44
"[…] tall, blond, and blue-eyed, and embodied the "Aryan" ideal of beauty. Since Hitler was not
married, she often stood at his side at official state receptions or party functions. She was portrayed in
propaganda publications as the perfect housewife and mother. In 1938, she became the first woman
to receive the "Cross of Honor for the German Mother." Altogether, she bore Goebbels six children,
whose lives were made public in regular reports in films and weekly newsreels".
45
Página da internet cujo título pode ser traduzido como "História Alemã em Documentos e Imagens",
que contém vasto acervo de fontes sobre a história alemã.
42
casamento, que os Goebbels não poderiam viver em uma sociedade que não fosse
nazista. Isso representa, porém, muito mais uma fuga dos julgamentos e
condenações que viriam com a queda do nazismo do que a recusa a se viver em
uma sociedade democrática ou socialista.
46
"While Nazi ideology encouraged large families, there were laws put in place to hinder the creation
of children that the Nazi party found inferior".
47
"In 1936 Heinrich Himmler, head of all police forces and the SS, established a 'Reich's Central
Agency for the Struggle against Homosexuality and Abortion'. [...] Along with the new antiabortion
legislation, a law was introduced on May 26, 1933, to legalize eugenic sterilization and prohibit
43
Img. 7: Pôster dos anos 1930, que promovia a revista nazista Neues Volk, ou Novo Povo, o órgão
oficial do partido sobre questões raciais. Lê-se na imagem: "Essa pessoa geneticamente doente vai
custar à comunidade do nosso povo 60.000 marcos durante sua vida. Cidadãos, este é seu dinheiro.
48
Leia a Neues Volk, a mensal do escritório da polícia racial do NSDAP" (NEUES VOLK, tradução
nossa).
voluntary sterilization. [...] It ordered sterilization for certain categories of people, its notorious
paragraph 12 prescribing the use of force against those who did not submit freely".
48
"This genetically ill person will cost our people’s community 60,000 marks over his lifetime. Citizens,
that is your money. Read Neues Volk, the monthly of the racial policy office of the NSDAP”. Tradução
do alemão para o inglês feita por Randall Bytwerk.
44
Wendy Lower (2014) trabalha sobre essa questão a partir de mulheres que
participaram do nazismo. Ela fala de uma mulher chamada Ilse Struwe, uma jovem
secretária que havia sido enviada ao leste europeu durante a Segunda Guerra.
Struwe já estava se habituando a imagem do que enfrentaria no leste antes mesmo
de ir para lá, mas enfrentar a realidade se tornaria algo mais difícil. Ela foi, em 1942,
conhecer o gueto onde os judeus viviam, se é que pode-se dizer que viviam, o que
era proibido, mas havia se tornado um passeio comum entre os alemães no Leste,
como um tipo de aventura. Apesar de ser um acontecimento marcante para ela,
"continuou a trabalhar e a ter uma convivência agradável com as colegas do
dormitório especial onde moravam" (LOWER, 2014, p. 102). Entretanto, a situação
mudou a partir do momento em que Struwe passou a presenciar, durante a noite, os
fuzilamentos de judeus. Os fuzilamentos eram feitos no cinema que ficava em frente
49
"To be a mother for the Fatherland, to save Germany, to put an end to want—the ideals interlocked,
became synonymous with being a woman".
50
"Working class women slowed down on the job, middle-class women could not be mobilized in the
workforce. Most women refused to have large families".
51
"[…] made it impossible to achieve a total mobilisation of 'Aryan' labour for total war".
45
a seu dormitório, ocorrendo de frente para seu quarto. Struwe não deveria
bisbilhotas, mas, ainda assim, olhou pela janela o que ocorria e relatou em seu
diário.
[...] Vi claramente homens, mulheres, crianças, velhos e jovens. [...] Por que
estavam jogando panelas na rua, uma atrás da outra, com tanta raiva? De
repente, me veio. Eles estavam atraindo a atenção [...]. Fiquei atrás da
janela, com vontade de gritar: Façam alguma coisa! Isso não basta!
Peguem armas! Vocês estão em maioria! Uns poucos de vocês podem se
salvar! Aquelas pessoas, pela minha estimativa eram umas trezentas -
depois eu soube que eram muito mais - e estavam sendo levadas por um
punhado de soldados. Mas os prisioneiros [os judeus] arrastavam os pés,
resmungavam de cabeça baixa, seguindo pela rua escura, rendiam-se sem
nenhuma luta. E continuei olhando bem, até a fila desaparecer. Depois
voltei a me deitar (STRUWE, 1942, apud LOWER, 2014, p. 103).
Apesar de estar horrorizada com a situação, a secretária não agiu para mudar
o que viu, pelo menos não de forma visível. Havia indignação com o era visto pela
fresta de sua janela, mas talvez o medo ou o fato de ter se acostumado ao mal. Fato
é que houve uma certa desilusão com o nazismo. A autora diz que Ilse trabalhava
sem emoção, no automático, e que chegou a escrever que: "uma parte de mim
ficava fora de mim" (STRUWE, 1942, apud LOWER, 2014, p. 106).
[...] Já que alcancei meu 16º ano de vida em julho deste ano e, apesar de
muitos esforços, ainda não consegui encontrar um emprego no escritório ou
em vendas, eu lhe seria imensamente grata. muito honrado senhor
chanceler do Reich, se o senhor pudesse me encaixar em um escritório do
partido, principalmente porque meu pai é o único provedor de cinco
pessoas. Minhas notas são boas (M., 1933, apud EBERLE, 2010, p. 142)
buscou tornar tudo público, ainda assim havia grande apoio feminino, qualquer que
fosse o motivo. E as mulheres trabalharam para que o nazismo desse certo, fosse
como esposas, secretárias, enfermeiras, professoras ou como no caso de mulheres
como Gertrud Scholtz-Klink, líder da NS-Frauenschaft. A imagem que Scholtz-Klink
criou para as mulheres do Reich teve importante contribuição em um plano maior,
uma vez que Hitler precisava que as mulheres alemãs transmitissem uma imagem
de limpeza e decência para mascarar um estado assassino.
52
Scholtz-Klink restored motherhood. With the full backing of a totalitarian state, she used financial
incentives, radio programs, vacation activities, advanced educational degrees in “womanly” subjects,
career opportunities in the Frauenwerk, motherhood medals, and ceremonies to make women feel at
home in their domestic Lebensraum.
53
Never did we love our Germany more deeply than here, after experiencing Bolshevism,” one nurse’s
letter says. “Never were we filled with such thankfulness toward the Führer as now, when we see what
he saved us from.”
48
As nazistas não eram discípulas cegas, nem seu único objetivo de vida era ter
filhos para o Volk. Elas aprenderam a utilizar as oportunidades do sistema a seu
favor e mantiveram em si algumas características da época de Weimar como
questões de moda e a vontade de trabalhar. Mouton (2006) diz que, mesmo com
todo o esforço de propaganda e incentivos financeiros em alguns casos, os casais
não estavam tendo filhos. As mulheres não estavam se tornando mães para o
Führer. Ainda segundo a autora, o partido falhou em reverter o declínio das taxas de
natalidade entre 1933 e 1945 e, ao invés de terem quatro ou cinco filhos como
desejavam, os casais tinham apenas um ou nenhum. As mulheres também
continuaram a trabalhar, tornando-se um número crescente nas estatísticas. Além
disso, elas "[...] consistentemente evitavam as duas áreas de emprego consideradas
apropriadas para mulheres pelo estado: agricultura e serviço doméstico" 54
(MOUTON, 2006, p. 279, tradução nossa).
54
"[…] consistently avoiding the two areas of employment deemed appropriate for
women by the state: agriculture and domestic service".
49
Arlette Farge (2015, p. 95) diz que o "aspecto moral que faz sentir com
acuidade a noção de justiça e aquela de necessidade autoriza cada membro da
sociedade a formular um julgamento estético e ético sobre aquilo que lhe é dado
ver". As pessoas tinham noção e capacidade de julgar que o que estavam vendo e
fazendo era cruel e, ainda assim, tomavam parte. Mulheres que ocupavam a
Alemanha Oriental, em suas visitas proibidas aos guetos judeus, faziam compras de
seus objetos pessoais, o que também era proibido. Mas, ainda mais cruel, e também
proibido, muitos saques eram feitos aos bens pessoais dos judeus. Esses bens eram
vendidos ou enviados a familiares na Alemanha Ocidental. Muitas esposas de
oficiais participavam nesses crimes. De fato, não apenas nos roubos, mas
diretamente em assassinatos também, acompanhando seus maridos, oficiais da SS,
50
e incitando-os a dar início aos massacres, carregando chicotes e vivendo uma vida
abastada às custas do holocausto e das terras férteis do Leste. Segundo relata
Lower (2014), Erna Petri chegou a assassinar crianças judias que vira fugindo do
campo de extermínio, porque seu marido demorou a chegar em casa para fazê-lo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esse ideal não pode ser sustentado durante a guerra. O ideal passou a ser a
mulher que auxiliava no esforço de guerra, mas sempre olhando para o futuro em
que retornaria para casa, apesar de que as funções cumpridas por mulheres eram
essencialmente femininas. As mulheres deviam ser as perpetradoras da raça ariana,
a raça pura, mas também trabalhar para que o Reich continuasse funcionando. Elas
deveriam ser cúmplices de todas as formas para o crescimento do nazismo.
Muitas mulheres, por outro lado, acreditavam de fato na causa nazista e foram
importantes partes do seu funcionamento. Essas foram as mulheres atingidas pelas
propagandas e era a elas a quem as propagandas eram direcionadas. Mulheres
52
idosas não tinham tanta serventia para o partido, pois estas já tinham cumprido o
seu propósito de trazer filhos ao mundo, mas as jovens ainda deveriam dar frutos.
Homossexuais, ciganas, judias e deficientes não podiam ser consideradas alemãs,
portanto não poderiam ser enquadradas na propaganda acerca da imagem da
mulher ideal, apenas na anti-propaganda, que tinha como serventia ensinar às
pessoas o que elas não deveriam ser, com quem não deveriam se relacionar, o que
não deveriam almejar para suas vidas, para seu povo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Fontes
Primárias
EBERLE, H. Cartas Para Hitler. Tradução de Claudia Abeling e Renata Dias Mundt.
São Paulo: Planeta do Brasil, 2010.
Secundárias
LOWER, W. As Mulheres do Nazismo. Tradução de Ângela Lobo. Rio de Janeiro:
Rocco, 2014.
Obras de apoio
BRASHLER, K. L. Mothers for Germany: a look at the ideal woman in Nazi
propaganda.
BOCK, G. Racism and Sexism in Nazi Germany. Signs: Journal of Women in Culture
and Society, Chicago, v. 8, n. 3, p. 400-421, 1983. Disponível em:
<http://www.jstor.org/stable/3173945>. Acesso em: 04 jun 2018.
54
FRITZSCHE, P. Life and Death in the Third Reich. Cambridge: Harvard University
Press, 2008.
KALLIS, A. A. Nazi Propaganda and the Second World War. Nova Iorque: Palgrave
Macmillan, 2005.
KOONZ, C. Mothers in the Fatherland. Women, the Family and Nazi Politics. Nova
Iorque: Routledge, 1987.
MOUTON, M. From Nurturing the Nation to Purifying the Volk. Weimar and Nazi
Family Policy, 1918-1945. Nova Iorque: Cambridge University Press, 2007.
RUPP, L. J. Mobilizing Women for War: German and American Propaganda, 1939-
1945. Nova Jersey: Princeton University Press, 1978.
WELCH, D. The Third Reich. Politics and Propaganda. Nova Iorque: Routledge,
2007.