Você está na página 1de 55

UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E NATURAIS

DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

BÁRBARA LEMPÉ ALONSO SCARDUA

Mulheres do Terceiro Reich: a construção da imagem da mulher


ideal na propaganda Nazista (1933-1945)

VITÓRIA

2018
BÁRBARA LEMPÉ ALONSO SCARDUA

Mulheres do Terceiro Reich: a construção da imagem da mulher


ideal na propaganda Nazista (1933-1945)

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado ao Departamento de História
do Centro de Ciências Humanas e
Naturais da Universidade Federal do
Espírito Santo, como requisito parcial para
obtenção do grau de Licenciado em
História.

Orientador: Prof. Dr. Geraldo Antônio


Soares

VITÓRIA

2018
A meu marido, que com grande amor me
acompanha em todo tempo.

A minha mãe e a meu irmão, que com


alegria me acolhem e incentivam.

A Deus, que é quem me sustenta e me


guarda.
AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus, porque sem Ele eu nada seria, por sempre estar presente em
minha vida e me assistir em todo o tempo.

A meu marido, Bryan, por não me deixar desistir e por me dar todo o suporte
necessário nessa caminhada. Obrigada por todo o carinho e amor dispensado a
mim.

A minha mãe, que é a minha base e que, nos momentos bons e nos difíceis, sempre
me incentivou a estudar e a seguir meus sonhos.

A meu orientador, Prof. Dr. Geraldo Antonio Soares, por ter aceitado me orientar
neste trabalho. Seu zelo e amor pela História são inspiradores.

A todos os professores que me acompanharam durante o curso de meus estudos,


os quais transmitiram valiosos ensinamentos para o intelecto e para a vida.

A minha queria amiga Larissa, que tornou a vida na academia muito mais agradável.
Levo sua amizade para toda a vida.
Realmente, é de admirar que eu não tenha
desistido de todos os meus ideais, tão absurdos e
impossíveis eles são de se realizar. Conservo-os,
no entanto, porque apesar de tudo ainda acredito
que as pessoas, no fundo, são realmente boas.

Anne Frank (1944)


RESUMO

A imagem formada sobre as mulheres que viveram no Terceiro Reich (1933-1945)


por meio de propaganda é a imagem de uma mulher ideal, que tinha padrões
estéticos, ideológicos e morais a seguir. A historiografia sobre as mulheres do
nazismo tem variado durante o tempo, mas, em geral, demonstra as mulheres como
vítimas de seu tempo. A propaganda exercia grande poder de convencimento na
vida das pessoas, mas isso não retirou a individualidade de cada um. Buscamos,
com este trabalho, mostrar as representações acerca da imagem da mulher ideal
que se construiu durante o período em que o nazismo esteve no poder na
Alemanha, como essa imagem afetou a vida destas mulheres e até que ponto essa
imagem teve efeito, tomando como base discursos e imagens do período veiculados
pelo próprio partido, como a revista para mulheres Frauen Warte.

Palavras-Chaves: Mulheres; Terceiro Reich; Propaganda; Representação.


LISTA DE IMAGENS

Imagem 1 - Edição de 1935 de A Garota Alemã.

Imagem 2 - Capa de uma das edições de A Garota Alemã.

Imagem 3 - Edição de janeiro de 1938 de A Garota Alemã.

Imagem 4 - Edição de novembro de 1942 de A Garota Alemã.

Imagem 5 - Pôster de propaganda nazista datado provavelmente de meados dos


anos 1930.

Imagem 6 - Edição de abril de 1943 da Frauen Warte.

Imagem 7 - Pôster dos anos 1930, que promovia a revista nazista Neues Volk.

Imagem 8 - Mulheres trabalhando na produção de Máscaras de Gás em Hamburgo,


1940.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 9

2. PROPAGANDA, IDEOLOGIA E AS MENINAS DO REICH .................................. 12

3. MÃES PARA O FÜHRER, MÃES PARA O VOLK ............................................... 26

4. MULHERES DO NAZISMO, O IDEAL E O REAL .............................................. 39

CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 51

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 53


9

INTRODUÇÃO

O contexto em que viviam os alemães no momento da ascensão de Hitler ao


poder, em 1933, era ainda um contexto de uma sociedade conservadora, apesar da
liberação feminina ocorrida durante o período da República de Weimar e do
crescente individualismo. Grande parte da população almejava uma união do povo,
havia um nacionalismo aceso, com um desejo e retorno ao tradicionalismo - ainda
que pouco se tivesse modificado de fato na sociedade quanto aos valores
tradicionais. As taxas de natalidade estavam cada vez mais baixas por toda a
Europa, o que não podia ser diferente na Alemanha, e as mulheres eram culpadas
por isso. Eram consideradas culpadas, em grande parte, pela subversão da
sociedade. Elas também desejavam, entretanto, fazer parte desse algo novo, que
resgatava o antigo, que Hitler trazia.

A ideologia nazista permeava todos os âmbitos da vida alemã, o que incluía


ditar como as pessoas deveriam se portar, qual a aparência ideal e os direitos e
deveres de cada um, sobretudo os deveres. O partido nacional-socialista fez, então,
uso de forte propaganda para alcançar seus objetivos, a partir da qual podemos ver
representações de homens e mulheres, adultos e crianças, inimigos e adeptos do
regime, construindo imagens acerca desses indivíduos, como a da mulher ideal: a
mãe de filhos arianos que cuida do lar. Ao mesmo tempo em que elas eram
diminuídas, eram atraídas a este regime.

O envolvimento feminino com o Nacional-Socialismo é um assunto complexo. A


produção historiográfica sobre o período do nazismo na Alemanha, sobre seus
líderes, a ideologia, os feitos, os horrores e as consequências é muito vasta.
Escrever sobre uma área já tão explorada pode parecer, a primeira vista, repetitivo e
não muito inovador. A história sempre nos traz, entretanto, a possibilidade de
observar uma mesma temática sobre novas óticas. Além disso, a história dos
alemães comuns e das mulheres no Reich de Hitler ainda abre muitas possibilidades
de exploração.

A forma como as mulheres que viveram na Alemanha nazista são vistas na


historiografia tem variado com o tempo, entre passivas e ativas no regime. Logo
após a Segunda Guerra, essas mulheres eram vistas como meras vítimas, ou como
aquelas que tiveram que consertar os erros cometidos pelos homens. Por muito
10

tempo, o depoimento de mulheres não foi algo de grande interesse para a


historiografia. A grande quantidade de propaganda nazista voltada às mulheres fazia
parecer que todas elas haviam sofrido alguma espécie de lavagem cerebral e, por
isso, seriam apenas mães, esposas, donas de casa ou professoras e enfermeiras,
profissões que exigiriam um cuidado maternal. Seus atos nada teriam a ver com as
atrocidades do nazismo.

A imagem que se constrói acerca da mulher ideal, a mulher que os nazistas


desejavam que fosse a mulher alemã, era uma mulher que representasse a pureza e
força da raça ariana. Elas deveriam servir, sobretudo, à comunidade. Entretanto,
devemos compreender que a propaganda de governo é aquilo que ele deseja e até
mesmo que a população deseja, mas, não necessariamente, é aquilo que ocorre. A
sociedade é formada por indivíduos e, como tais, estes são capazes de julgar o que
veem, o que querem para si, o que consideram ético ou não. Essas mulheres não se
tornaram apenas mães por conta da propaganda que viam, elas trabalharam fora de
suas casas, onde fossem necessárias, quando o esforço de guerra as chamou.
Muitas mulheres acreditavam de fato na causa Nazista e deveriam ser vistas,
portanto, como parte importante da sociedade nazista e ainda como contribuintes
para que o regime funcionasse, inclusive nas atrocidades cometidas durante o
período.

O que nos interessa na discussão acerca da mulher é, portanto, a imagem que


se formou acerca delas. Buscamos compreender quem era a mulher ideal e se essa
imagem pode ser, de fato, alcançada. Em nosso primeiro capítulo, traremos um
breve histórico com possíveis justificativas para um inicial apoio ao partido nazista e
abordaremos o funcionamento e propagação da propaganda e a ideologia na
sociedade nazista. Além disso, traremos exemplos de como essa propaganda era
exercida na vida das jovens meninas do Reich. No capítulo seguinte, discutiremos a
formação da imagem da mulher ideal e tudo o que envolve isto, principalmente, ser
mãe para o Führer. No terceiro e último capítulo, trataremos sobre a realidade na
Alemanha, sobre as mulheres que de fato apoiaram o nazismo e sobre as que não
apoiaram e buscaremos compreender se a imagem ideal feminina era apenas ideal
ou real, possibilitando, assim, uma melhor compreensão do papel da mulher no
nazismo. Para tal, utilizaremos como fontes revistas da época, como a revistas para
mulheres, a Frauen Warte, diversos discursos feitos por líderes do partido e líderes
11

das ligas femininas, pôsteres e imagens exemplificam o que se esperava da mulher


alemã, cartas que eram enviadas para Hitler, entre outros.
12

2. PROPAGANDA, IDEOLOGIA E AS MENINAS DO REICH

Não é suficiente que as pessoas estejam mais ou menos conciliadas ao


nosso regime, que estejam persuadidas a tomar uma postura neutra em
relação a nós; preferimos trabalhar em pessoas até que elas tenham nos
capitulado, até que elas compreendam ideologicamente que o que está
acontecendo na Alemanha hoje não apenas deve ser aceito, mas também
1
pode ser aceito (GOEBBELS, 1933, tradução nossa) .

Um dos objetivos da propaganda na Alemanha nazista foi o de persuadir as


massas, para que o totalitarismo fosse estabelecido no Reich e foi grande
influenciadora no alcance desse objetivo. Não devemos pensar, entretanto, na
Alemanha do Terceiro Reich como uma grande massa convencida por Hitler ou
Goebbles, mas devemos buscar entende-la a partir dos indivíduos que a formavam,
que tiveram seus motivos os quais os levaram a seguir a agenda nazista.

O nazismo teve crescente adesão na Alemanha desde que suas ideias


começaram a se espalhar entre a população. No momento em que Hitler inicia o
Terceiro Reich, há apoio de considerável parte dos alemães, mas ainda havia um
grande público a ser conquistado. A propaganda teve importante papel neste âmbito,
uma vez que está amplamente ligada à opinião pública, sendo uma importante
ferramenta de influência e parte essencial do processo político. Ela não apenas leva
à adesão a uma ideia, como também confirma os anseios da população, porque
canaliza as ideias que já existem (WELCH, 2007). Ou seja, não apenas a
propaganda convencia as pessoas, mas utilizava de argumentos com base nos
anseios do que a própria população já desejava.

A propaganda tem, ainda, mais um importante papel neste contexto - o de


reforçar determinados ideais esperados pelo partido e por parte da população na
própria população. A repetição contínua ajudava a incutir os valores almejados na
construção da raça superior almejada por Hitler, uma vez que, pela repetição, esses

1
"It is not enough for people to be more or less reconciled to our regime, to be persuaded to adopt a
neutral attitude towards us; rather we want to work on people until they have capitulated to us, until
they grasp ideologically that what is happening in Germany today not only must be accepted but also
can be accepted". Discurso de Joseph Goebbels em 15 de março de 1933 para a imprensa sobre o
estabelecimento do Ministério de Educação Popular e Propaganda do Reich.
13

valores eram não só aceitos, como internalizados. Entra, aí, outro aspecto crucial
para a propaganda do Terceiro Reich, o da doutrinação. Propaganda não está
necessariamente ligada à doutrinação, uma vez que seu papel principal é o controle
e disseminação de informações, enquanto a doutrinação está ligada a questões
ideológicas. Kallis (2005) assinala que a propaganda de Estado serve não apenas
para informar o público, como também para promover os desejos da população e de
continuidade do governo. A propaganda de Estado, desta forma, desenvolve
diversos papeis, como o de integrar as massas, motivá-las e mobilizá-las, guiá-las e
também diverti-las. Funciona, portanto, como meio de por em prática a ideologia
ligada à doutrina. Isto se mostra especialmente essencial em uma ditadura, um
governo autoritário, em que se busca estabelecer uma sociedade com determinados
pensamentos e ações homogêneas, ainda que isso não possa ser alcançado em
sua totalidade, porque, como já foi dito, a sociedade é composta por indivíduos e
suas visões de mundo nem sempre convergem. Mesmo com a prática da coerção e
do terror, há uma eventual resistência às ideias que se procuram fazer aceitas.

O Terceiro Reich foi construído também sob essa óptica. A ideologia nazista
deveria permear todos os âmbitos da vida alemã, o que incluía ditar como as
pessoas deveriam se portar, qual a aparência ideal e os direitos e deveres de cada
um, sobretudo os deveres. O partido nacional-socialista fez, então, uso de forte
propaganda - sobretudo doutrinária, para alcançar seus objetivos, a partir da qual
podemos ver representações de homens e mulheres, adultos e crianças, inimigos e
adeptos do regime, construindo imagens acerca desses indivíduos. Esta propaganda
teve forte influência para o funcionamento e expansão do regime. A produção
propagandística ideológica na Alemanha nazista foi vasta desde que Hitler assumiu
como chanceler, em 1933, mesmo ano em que Joseph Goebbels assume como
Ministro da Propaganda (LONGERICH, 2014). A propagação das ideias do partido
se davam tanto por meio textual, em livros didáticos, cartilhas, panfletos, como
também por meio de imagética, em revistas e outros meios. Buscavam, assim,
reforçar a imagem e o ideal de uma sociedade ariana pura, com papéis de gênero
bem estabelecidos, dando grande importância à família e a valores tradicionais.
14

O próprio Hitler considerava a propaganda algo de grande importância, uma


2
vez que dedicou dois capítulos de seu livro Mein Kampf a respeito deste assunto.
De acordo com David Welch (2007), Hitler via o papel essencial da propaganda em
qualquer movimento que buscava o alcance do poder e que os consumidores dessa
propaganda eram as massas e não os intelectuais. Hitler considerava essas massas
como limitadas e que, portanto, a propaganda deveria ser feita de forma a alcançar
este público de forma clara e efetiva. Deveria ser simples, concentrada em poucos
pontos e repetida muitas vezes.

Quanto mais modesto for o seu lastro científico e quanto mais ela levar em
consideração o sentimento da massa, tanto maior será o sucesso. Este, porém, é a
melhor prova da justeza ou erro de uma propaganda, e não a satisfação às exigências
de alguns sábios ou jovens estetas. A arte da propaganda reside justamente na
compreensão da mentalidade e dos sentimentos da grande massa. Ela encontra, por
forma psicologicamente certa, o caminho para a atenção e para o coração do povo
(HITLER, 1925, p. 171).

O líder do partido foi o principal propagandista do nacional-socialismo nos


primeiros anos em que este emergia. Goebbels apresentava também notório
trabalho de propaganda no partido, alcançando, com isto, a almejada Direção
Nacional de Propaganda em 1930. Foi Goebbels quem ficou responsável, a partir de
então, pela maior parte da ação propagandística do partido e teve um trabalho bem
sucedido, mas seu trabalho mostrou-se efetivo ainda antes. O diretor de propaganda
soube explorar bem a crise que a Alemanha vivia como meio de convencimento,
sobretudo da classe média, o que ajudaria a explicar o grande crescimento de
adeptos ao Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães (NSDAP) entre
1928 e 1930 (WELCH, 2007).

O desapontamento com Weimar e o desejo de retorno aos dias de glória


eram, de fato, razões recorrentes para o apoio às ideias nazistas. A maior parte da
população, e não apenas os nazistas ou simpatizantes dos nazistas, estava farta da

2
Minha Luta, livro escrito em dois volumes, um em 1925 e outro em 1926, pelo chefe de Estado
nazista, em que expunha suas ideias antissemitas, nacional-socialistas e da superioridade racial
ariana.
15

breve experiência de democracia que tiveram. Em sua obra, Robert Gellately (2011)
nos traz a ideia de que a maioria de mulheres e homens que participaram da última
eleição antes do período ditatorial mostraram essa indignação com a democracia
parlamentarista votando em partidos como os de nazistas, nacionalistas ou
comunistas, ou seja, que representassem ideais contrários aos da República de
Weimar. A humilhante derrota na Primeira Guerra Mundial (1914-1919) e suas
consequências, o Tratado de Versalhes (1919), a instabilidade econômica, os
milhões de desempregados, a alta inflação, as eleições sem fim que pareciam nunca
resolver nada são alguns dos motivos que levaram os alemães a apoiarem as ideias
nazistas, aceitando até mesmo a violência que poderia se fazer necessária para
uma mudança de cenário (FRITZSCHE, 2008).

Ainda que não concordassem completamente com as ideias do partido, a


insatisfação com o que viviam sobrepunha as diferenças ideológicas. A medida que
o Terceiro Reich era construído e o nazismo ganhava força, por outro lado, a
ideologia passava a ser cada vez mais aceita e assimilada. Assim como citado no
discurso de posse de Goebbels como Ministro de Propaganda em 1933, o objetivo
era fazer a população compreender que o nazismo era algo possível, não apenas
por meio da imposição, mas também pela aceitação. O que ocorria nos campos de
concentração, as perseguições aos inimigos do regime e a discriminação não eram
segredo para os alemães. Para Gellately (2011), bastava que lessem os jornais ou
ligassem seus rádios para saber o que acontecia, uma vez que a Alemanha era uma
sociedade de comunicação em massa e Hitler fazia questão de transmitir suas
mensagens.

Embora consentimento e coerção caminhassem juntos, a última costumava


ser direcionada a indivíduos específicos, em geral, àqueles que não deveriam fazer
parte do Terceiro Reich.

Os alemães que operavam o esquema de destruição, fosse nos escritórios


ou nos campos, 'não eram um tipo específico de alemão', mas uma 'amostra
bastante variada da população nativa'. Envolvidos em uma grande operação
de extermínio em massa, oficialmente realizada em segredo, pareciam
imunes a qualquer dor de consciência (WISTRICH, 2002, p. 301).
16

A compreensão do consentimento que se dava de forma tão ampla aos


horrores que ocorriam na Alemanha nazista perpassam obrigatoriamente pela
questão ideológica. Hannah Arendt (1989, p. 390) afirma que, em regimes
totalitários, "as massas têm de ser conquistadas por meio da propaganda". Por isso,
ela permeava todos os âmbitos da vida alemã.

Outro ponto que nos auxilia a compreender os motivos da adesão ao nazismo


é o da emancipação feminina ocorrida ainda durante o período da República de
Weimar. As mulheres obtiveram direito de voto em 1919 e uma nova imagem
feminina foi criada durante o período. A Nova Mulher "[...] se recusa a levar uma vida
de uma dama e de dona de casa, preferindo se afastar do caminho estabelecido e
fazer seu próprio caminho" (HERRMANN, 1929, tradução nossa) 3. A sociedade
alemã era ainda, num todo, conservadora e as virtudes dessa emancipação foram
questionadas. As novas mulheres eram aquelas que trabalhavam fora de casa,
mesmo mulheres casadas. Elas estariam relacionadas à queda nas taxas de
natalidade e à liberação do aborto, ou seja, à quebra do papel tradicional designado
às mulheres. Essas mulheres estavam longe de representar maioria em Weimar,
mas o medo de que esta ideologia se espalhasse e o desejo de retorno a uma
sociedade de papéis tradicionais era real. O desejo do retorno ou da manutenção da
mulher no papel tradicional de mãe, esposa e dona de casa era compartilhado,
inclusive, por "mulheres conservadoras, católicas e liberais" que "compartilhavam do
ponto de vista defendido pelos nazistas quanto à 'naturalmente' determinada divisão
sexual do trabalho e à importância de se reconstruir uma 'comunidade nacional' em
que elas se envolveriam principalmente como esposas e mães" (GELLATELY, 2011,
p. 35).

Um dos motivos recorrentes das propagandas não poderia deixar de ser,


portanto, a mulher ideal nazista. O Terceiro Reich tinha como uma de suas ideias
principais a concepção de raça superior, a raça ariana, além da ideia de espaço vital
(SHIRER, 2008), espaço que seria de direito dos alemães e essencial para a
constituição do Reich. A mulher, apesar de não ser igualada ao homem em nenhum
discurso, é exaltada no papel que a ela cabe cumprir no regime: o de mãe para a

3
"[...] refuses to lead the life of a lady and a housewife, preferring to depart form he ordained path and
go her own way".
17

nação. É a partir dela que a raça crescerá e se perpetuará, de forma também a


ocupar o espaço vital. O trabalho para moldar as moças nesta forma começava
desde a infância, não só na educação, mas também por meio das propagandas,
acompanhando-as por toda a vida. Ser mãe era considerado o ideal de feminilidade.
Goebbels, em um discurso para mulheres em 1933, diz que: "Apesar de eu
concordar com Treitschke que homens fazem história, eu não me esqueço que
mulheres criam meninos para serem homens" (tradução nossa)4.

As crianças mereciam também foco especial no Terceiro Reich. Elas eram


importantes porque o partido acreditava ser mais fácil atingir as mentes dos infantes
do que as mentes dos adultos. Desta forma, as crianças deveriam exercer o papel
de influenciadoras, educando a seus pais com toda a ideologia que consumiam.
Ademais, elas já cresceriam conformadas no papel de homem ou mulher ideal em
acordo com a ideologia nazista e a Alemanha teria seu futuro garantido para a
continuação da consolidação do Terceiro Reich. Henrik Eberle (2010, s. p.) traz em
sua obra, Cartas Para Hitler, um compilado de cartas para o Führer, como sugere o
título, em que podemos ver exemplos de como toda a população reagia ao regime, o
que incluía as crianças. O autor diz que: "Muitas crianças veneravam Hitler" e traz
dois interessantes exemplos. O primeiro, de 1933, no qual uma criança chamada
Lotti H., preocupando-se com Hitler, escreve-lhe uma carta desejando que ele tenha
algum descanso, pois ele estaria sempre trabalhando e preocupado. O outro, já de
1938, quando a popularidade do lidera era ainda maior. Esta fora escrita por
gêmeas, Susi e Daisy J., que pertenciam à região dos Sudetos e escreviam em tom
de agradecimento por terem sido libertas e acolhidas no Reich. Já estava inculcado
nestas crianças que Hitler era um homem que se esforçava pela Alemanha, por isso
seu cansaço, e que seu trabalho era um trabalho de grandeza, de salvação. Elas
deveriam compreender o que era ser nazista, almejar o sucesso do nazismo e levar
esses ideais a frente.

Uma vez que a doutrinação deveria vir desde a infância, livros didáticos e guias
para professores foram produzidos especialmente para alcançar esse propósito.
Para além disto, entretanto, estavam os grupos de jovens. A escola, embora

4
"Although I agree with Treitschke that men make history, I do not forget that women raise boys to
manhood".
18

compulsória, não era suficientemente eficiente no papel doutrinário. O grupo


principal era a Juventude Hitlerista5, a qual era composta por meninos entre
quatorze e dezoito anos e do qual faziam parte todos os outros grupos de jovens. A
Juventude Hitlerista tinha como um de seus principais objetivos a doutrinação dos
jovens nazista, buscando a formação de perfeitos exemplares arianos, com a prática
de esportes, o ensino da política e do ideal masculino. A parte feminina da mesma
faixa etária era a Liga das Moças Alemãs (BDM) 6. Os grupos, na verdade, tinham
alistamento inicial aos dez anos de idade, uma vez que estes pareciam ser mais
eficientes na doutrinação do que as escolas, tendo o alistamento na Juventude
Hitlerista tornado-se compulsório a partir de 1936. Assim, as meninas entravam aos
dez anos no Jungmädelbund da Juventude Hitlerista, no qual permaneciam até os
quatorze anos, quando eram transferidas para a BDM.

A Liga das Moças Alemãs (Bund Deustscher Madel em Alemão ou BDM) foi
criada para ensinar meninas novas a respeito de seus importantes papéis
na sociedade alemã. Elas tinham seus próprios comícios, apesar de
também participarem nos comícios das mulheres, além de terem sua própria
revista. [...] As meninas eram ensinadas sobre aptidão física, leitura e
fidelidade partidária. Depois que a Alemanha foi para a guerra, as meninas
foram ensinadas a ajudar no esforço de guerra. [...] Meninas novas estavam
sendo moldadas pelo estado para se conformarem ao ideal de mulher que
iria conceber mais crianças para a nação (BRASHLER, 2015, p. 61,
7
tradução nossa) .

Os jovens que participavam da Juventude deveriam ser completamente


imersos na ideologia do partido. A educação se dava, especialmente, fora das
escolas, nesses grupos e isto era ainda mais importante quando se tratava de

5
Hitlerjugend no original.
6
Bund Deutscher Mädel no original.
7
"The League of German Girls (Bund Deutscher Maedel in German or BDM) was established to teach
young girls about their important role in German society. They had their own rallies, although they did
attend the women's rallies as well, and they had their own magazines. […] Girls were taught physical
fitness, and reading and party loyalty. After Germany went to war the girls were taught how they could
aid in the war effort. […] Young girls were being shaped by the state to conform to the ideal woman
who would go on to give more children to the nation".
19

meninas. A importância destas estava no fato de que elas seriam as mães do Reich
e, assim, deveriam ser conformadas na imagem de mulher ideal, como mães fortes.
A educação era algo de responsabilidade do estado, para que nem pais nem
professores buscassem ensinar valores diferentes daqueles apregoados pelo
nazismo. A revista para mulheres, Frauen Warte, na edição de 1936, traz um artigo
intitulado Os Princípios Educacionais da Nova Alemanha, o qual nos dá uma ideia
de quais valores envolvem essa educação: "Todos os envolvidos com a educação
devem ter uma ideia clara e unificada das tarefas educacionais que estão perante
eles. Os quatro pilares de ferro da escola nacional e sistema educacional são: raça,
treinamento militar, liderança e religião!" (tradução nossa)8.

Havia, para auxiliar nessa empreitada, uma revista para as meninas da BDM
chamada A Garota Alemã9, distribuída entre 1933 e 1945. Esta revista demonstrava
claramente as expectativas do partido para com as meninas da Liga das Moças
Alemãs e trazia artigos e imagens sobre a natureza, mulheres jovens que
trabalhavam, instruções nos serviços domésticos, livros recomendados,
aconselhamentos sobre maternidade, dentre outros assuntos que estivessem
ligados ao preparo dessas jovens para servir os propósitos da ideologia nazista na
sociedade alemã. Em geral, são imagens de mulheres jovens realizando atividades
de forma alegre, construindo uma imagem do que toda menina alemã deveria querer
ser, pensando, inclusive, em tempos de guerra.

A mulher ideal que se desejava construir no nazismo, segundo Leila J. Rupp


(1977), não eram simplesmente frágeis donas de casa, pelo contrário, eram
mulheres fortes, vigorosas, atléticas, capazes de realizar trabalhos manuais quando
fosse necessário. Em A Garota Alemã, as meninas eram constantemente retratadas
realizando atividades físicas.

8
"All those involved in education must have a clear and unified idea of the educational tasks before
them. The four iron pillars of the national school and educational system are: race, military training,
leadership, and religion!".
9
Das deutsche Mädel no original.
20

Img. 1: Edição de 1935 de A Garota Alemã. Uma menina pratica arremesso de peso.

Apesar de tanto meninos quanto meninas participarem da Juventude


Hitlerista, em seus respectivos grupos, e o atletismo, a doutrinação, a questão da
obediência estar presente em ambos, a educação se dava de forma diferente entre
estes. A aptidão física era importante para as meninas porque elas deveriam dar a
luz a uma raça superior e os exercícios físicos deveriam fornecer a energia e o corpo
necessário futuramente para isso (BRASHLER, 2015). Além disso, eles deveriam ser
úteis para os esforços de guerra. Não que as meninas e mulheres fossem para os
campos de batalha junto dos homens, mas exercendo tarefas que fossem
necessárias para a manutenção do Reich durante esse período que deveria ser
transitório até que eles alcançassem a vitória e as mulheres pudessem retornar a
seus lares e a seu papel de mães e donas de casa: "a BDM propagou o ideal da
jovem atleta e trabalhadora que mudou pouco durante o Terceiro Reich. [...] A jovem
atleta ou trabalhadora agrícola era, afinal, principalmente uma futura mãe" (RUPP,
1977, p. 378-379, tradução nossa)10. A imagem da mãe ariana era, de fato,
constantemente vista como motivo nas revistas e pôsteres direcionados às meninas,
uma vez que o partido nazista acreditava que as imagens auxiliavam mais na
fixação da ideologia do que textos (FRITZSCHE, 2008)

10
"the BDM propagated an ideal of the Young athlete and worker which changed little during the Third
Reich. […] The young athlete or agricultural worker was, after all, primarily a future mother".
21

Img. 2: Capa de uma das edições de A Garota Alemã. Uma jovem mulher segura um bebê.

O discurso de Jutta Rüdiger, que havia sido então indicada como líder da
BDM, publicado em uma das edições de A Garota Alemã de 1938 (tradução nossa),
deixa claro quais são os deveres e os princípios do programa Nazista para as
meninas:

Os fundamentos do nosso trabalho de educação com as meninas é uma


visão de mundo e educação cultural, treino atlético e serviço social. [...] O
treino atlético não deve servir apenas para a saúde, mas também deve ser
uma escola que treina as meninas em disciplina e no domínio de seus
corpos. Até as Jungmädelbund devem aprender através dos jogos a se
11
colocarem em segundo lugar e a serviço da comunidade.

Ou seja, a partir do exercício físico as meninas aprendiam outro importante


ponto do nazismo, a obediência. Aprendiam ainda que a comunidade estava acima
do indivíduo. Tudo isso estava interligado ao ideal da raça superior ariana. Na parte
específica sobre raça do artigo citado anteriormente sobre Os Princípios
Educacionais da Nova Alemanha (FRAUEN WARTE, 1936, tradução nossa) há a

11
"The foundations of our educational work with girls are worldview and cultural education, athletic
training, and social service. […] Athletic training should not only serve their health, but also be a
school that trains the girls in discipline and mastery of their bodies. Even the Jungmädel should learn
through play to put themselves second and place themselves in the service of the community".
22

ideia de que a criança "[...] deve saber que sem seu povo ele é um mísero nada, e
que é melhor que ele morra do que seu povo e sua pátria pereçam"12. Hitler se
convencera, desde cedo, de que "[...] o destino escolhera os arianos, especialmente
os alemães, para serem a raça dominante" e buscava, portanto, construir um
"[...]Estado que se alicerçasse na raça e que incluísse todos os alemães que então
vivessem além das fronteiras do Reich" (SHIRER, 2008, p. 122).

A vida dos alemães era, então, como uma constante luta pela dominância de
sua raça, na qual as mulheres deveriam exercer importante papel de combate. Elas
precisavam ser fortes para carregarem a próxima geração ariana, tendo corpos e
mentes preparados para isso. Elas deveriam ter em mente que os ideais nazistas
eram mais importantes do que qualquer outra coisa que seus pais tivessem a
ensinar, porque importava servir à comunidade. A obediência deveria ser também
direcionada primariamente ao partido e à ideologia, mais do que aos pais,
principalmente no que se refere ao tratamento de judeus e comunistas.

A propaganda voltada para o racismo e perseguição aos comunistas,


portanto, tinha relevante papel no nazismo também. Não bastava reforçar a imagem
de como a menina deveria ser, mas também mostrar como ela não deveria ser, o
que ela não deveria almejar, em que estava presente a real felicidade dela, quem
deveriam ser suas amigas e qual estilo de vida ela podia ou não escolher. Para
Fritzsche (2008, p. 92, tradução nossa):

Ensaios fotográficos em jornais e revistas, e no material de propaganda do


partido, persistentemente usava a técnica de emparelhar o bom e mal, o
novo e o velho, "geneticamente doente" e "geneticamente saudável",
encorajando telespectadores a olhar de uma imagem para a outra e
13
embarcar na jornada de remodelação do povo germânico .

12
"[...] must know that without his people he is a miserable nothing, and that it is better if he himself
die than that his people and fatherland perish!".
13
"Photo essays on newspapers and magazines, and in the party's propaganda material, persistently
used the technique of pairing good and bad, new and old, 'genetically sick' and 'genetically healthy',
encouraging spectators to glance from one image to the othe and to embark on the journey of
refashioning the German people".
23

A capa da edição de janeiro 1938 de A Garota Alemã (tradução nossa)


demonstra bem essa ideia, porque mostra, lado a lado, meninas germânicas e
meninas soviéticas, contendo um artigo intitulado Quem Iria Querer Trocar de Lugar
com os Sovietes?14, que era parte de uma campanha anticomunista que ocorria no
momento, enquanto em outra capa, da primeira edição após a invasão da União
Soviética, há o contraste entre crianças soviéticas tristes e descritas como
negligenciadas, e crianças germânicas felizes e saudáveis que participavam de
festivais esportivos.

Img. 3: Edição de janeiro de 1938 de A Garota Alemã. Garotas sovietes aparecem em contraposição
à meninas nazistas e há no canto inferior esquerdo a frase "Quem Iria Querer Trocar de Lugar com os
Sovietes?".

Outro excerto do discurso de Rüdiger nos dá também uma dimensão da


questão do preparo das meninas para o trabalho. O trabalho feminino começava não
durante a vida adulta, mas enquanto estas eram ainda adolescentes. Quando estas
se tornavam adultas e terminavam todo o ciclo da Liga das Moças Alemãs aos 21
anos, a prioridade deveria ser o casamento com um ariano. Por isso, a líder das
Moças diz que: "[...] esperamos que [...] cada garota da BDM receba treinamento em
economia doméstica. Isso não significa que a panela seja o objetivo educacional das
meninas. A garota que é politicamente consciente sabe que qualquer trabalho, seja

14
"Who Wold Wish to Change Places with the Soviets?". O título original da capa está em alemão e
foi traduzido para o inglês por Randall Bytwerk.
24

numa fábrica ou em casa, tem o mesmo valor" 15. Ainda assim, essas meninas
deveriam estar preparadas para o trabalho designado a elas sempre que fosse
necessário. Ela continua discursando que: "Aos 14, as Jungmädelbund se juntam ao
BDM. A maioria entra no mercado de trabalho ao mesmo tempo. Como resultado, as
atividades educacionais do BDM são reforçadas e aprofundadas para que se
adequem ao emprego e à vida prática"16 (RÜDIGER, 1938, tradução nossa). Elas
deveriam servir ao Reich como enfermeiras, cuidando dos soldados feridos, servindo
como professoras de crianças e como secretárias. Dessa forma, elas serviam a
comunidade e ajudavam a trazer sustento para casa em tempos de guerra, quando,
muitas vezes, aqueles que traziam o sustento estavam no front de batalha. Assim, a
imagem de garotas servindo ao Reich nas áreas necessárias, principalmente
durante o período de guerra, era algo comum, em especial como enfermeiras.

Elas também eram preparadas para servirem nas regiões do Reich em que
fossem requisitadas quando se fizesse necessário, na Alemanha Oriental, onde a
mão de obra era mais escassa, mas os ideais nazistas também precisavam ser
levados. Na edição de A Garota Alemã de maio 1942 (tradução nossa), há uma
frase na capa que diz: "Trazendo todo o entusiasmo e a fresca força da juventude,
nossas meninas do Serviço de Trabalho estão servindo no reconquistado território
germânico no Oriente"17, enquanto na edição de novembro do mesmo ano está
escrito: "Da mesma forma que enfermeiras da Cruz Vermelha Alemã estão
constantemente trabalhando em todas as frentes para cumprirem sua
responsabilidade, também as jovens meninas norueguesas alegremente servem
seus camaradas na frente Oriental"18.

15
"[...] expect that [...] each BDM girl Will receive training in home economics. That does not mean
that we make the cooking pot the goal of education for girls. The politically aware girl knows that any
work, whether in a factory or in the home, is of equal value".
16
"At 14, the Jungmädel joins the BDM. Most enter the job market at the same time. As a result, the
BDM's educational activities are strengthened and deepened so that they are suited to employment
and deepened so that they are suited to employment and practical life".
17
"Bringing their full enthusiasm and the fresh strength of youth, our Labor Service girls are serving in
the regained German territory in the East".
18
"Just as German Red Cross nurses are constantly at work on all fronts to do their duty, so also
young Norwegian girls cheerfully serve their comrades on the Eastern Front".
25

Img. 4: Edição de novembro de 1942 de A Garota Alemã. Uma enfermeira norueguesa


atende um compatriota no front da Alemanha Oriental.

As meninas da Alemanha Oriental eram, também, consideradas como sendo


parte do Reich. Para os nazistas, o espaço vital era um espaço que pertencia à
Alemanha e que havia sido tomado dos alemães. Assim, diversos povos germânicos
viviam fora da Alemanha, mas eram considerados como alemães, vivendo nesses
locais que deveriam ser reincorporados pelo Reich. O comprometimento com os
valores nazistas deveria ser o mesmo tanto para os que viviam dentro das fronteiras
da Alemanha quanto para os que viviam nos territórios recém conquistados. As
mulheres que viviam nessas regiões eram vistas como mães que dariam
continuidade à raça superior tanto quanto as que viviam na Alemanha Ocidental e,
por isto, suas meninas deveriam também ser instigadas desde cedo a desejarem
serem mães para o Führer e, assim, servirem à comunidade (BRASHLER, 2015).

Os papéis masculino e feminino na sociedade nazista eram diferenciados e os


nazistas procuravam firmemente manter essa divisão na sociedade. Enquanto
meninos eram, desde cedo, ensinados na Juventude Hitlerista a serem másculos,
mais preocupados com o militarismo do que com a cultura, as meninas estavam
sendo preparadas, física e intelectualmente para criarem uma raça. O militarismo era
importante, porque Hitler acreditava que as raças sempre estariam procurando
dominar umas as outras por meio de guerra e, por isso, construir uma raça forte se
fazia ainda mais importante. Era necessário que o papel feminino fosse inculcado
desde cedo, porque as meninas de todo a Alemanha é que construiriam o futuro da
pátria e do povo, sendo as futuras mães para o Reich.
26

3. MÃES PARA O FÜHRER, MÃES PARA O VOLK

Se é dito que o mundo do homem é o Estado, sua luta, sua prontidão para
devotar seus poderes para o serviço da comunidade, então talvez possa ser
dito que o mundo da mulher é um mundo menor. Porque o mundo dela é
seu marido, sua família, seus filhos e seu lar. Mas o que aconteceria com o
mundo maior se não houvesse ninguém para guardar e cuidar do mundo
19
menor? (HITTLER, 1934, p. 1, tradução nossa) .

A criação de uma raça superior e extensa era um objetivo de extrema


importância para o partido nazista. Eles esperavam que a boa mulher alemã fosse
aquela que passasse os genes arianos a frente, construindo a base da sociedade,
tornando-a mais forte e maior, cumprindo seu propósito racial de procriar o máximo
de filhos arianos para o Führer. O "mundo da mulher" deveria ser aquele no qual ela
cuida da casa, do marido, dos filhos, tudo para o bem do Volk20.

Os nazistas se pautaram no ideal burguês europeu da separação das esferas


pública e privada para definir quais seriam os papeis femininos e os papeis
masculinos. Esse ideal remonta ao surgimento do capitalismo mercantil do século
XVIII, que promoveu uma nova conjuntura das cidades e do comércio havendo,
desta forma, uma crescente contraposição entre as esferas pública e privada
(HABERMAS, 1989). Coube à mulher o espaço privado, o espaço doméstico,
cuidando da casa e dos filhos, enquanto ao homem era dado o espaço público, na
esfera da política e dos negócios (BRASHLER, 2015).

No mesmo discurso citado acima, Hitler diz também que acredita ser
inapropriado que mulheres tentem entrar em mundo que é masculino, em sua
esfera, porque considera "[...] natural que esses dois mundos se mantenham
21
separados" (1934, tradução nossa). Ao passo que homem e mulher seriam, ao

19
"If the man's world is said to be the State, his struggle, his readiness to devote his powers to the
service of the community, then it may perhaps be said that the woman's is a smaller world. For her
world is her husband, her family, her children, and her home. But what would become of the greater
world if there were no one to tend and care for the smaller one?". Trecho do discurso de Adolph Hitler
para a Liga das Mulheres Nacional-Socialistas (NS-frauenschaft) em 1934.
20
Povo.
21
"[…] natural if these two worlds remain distinct".
27

menos no âmbito do discurso, iguais, lutando por uma Alemanha maior e mais forte,
essa luta se daria em esferas separadas, com funções, deveres diferentes para cada
gênero. A batalha do homem era na política, em empregos considerados
essencialmente masculinos e, sobretudo, no campo de batalha. A batalha da mulher
era em casa, com seu marido, no berço. A mulher ideal era aquela que cuidava de
seu corpo, de sua mente, sabia cuidar de sua casa, de sua família e, sobretudo,
dava a luz a filhos fortes e saudáveis, não para elas mesmas, mas para a nação.
Não se tratava de uma dona de casa desocupada, sem propósito de vida. Não se
tratava de uma lady. Koonz (2013) diz que o termo lady não as descrevia bem por se
referir a mulheres da alta sociedade que, na visão deles, apesar de bonitas, eram
inúteis e que as mulheres nazistas serviam a um propósito específico.

Grande parte da propaganda do partido era dirigido às mulheres, para reforçar


esse ideal feminino e lutar contra a imagem da Nova Mulher. O medo da queda nas
taxas de natalidade era algo que rondava toda a Europa, o que não poderia ser
diferente na Alemanha. Segundo Mouton (2006, p. 15, tradução nossa):

Desde seu primeiro dia de trabalho, Hitler alegou que a sobrevivência da


Alemanha dependia da reversão da devastadora queda demográfica, a
eliminação do conflito de classe e a erradicação das contradições da vida
industrial moderna. No centro de seu plano estava a criação de uma
Volksgemeinschaft, uma comunidade monolítica, racialmente pura e
socialmente coesa, que ele via como o antídoto para a doença social da era
22
de Weimar.

O ideal da Nova Mulher era contrário ao que se deseja construir na nova


Alemanha. A Nova Mulher evitava filhos, colocava o casamento em segundo plano e
desejava, ou precisava, trabalhar. Este ideal provavelmente contemplava apenas
uma parte pequena da população, mas apenas o fato de existir a possibilidade de
mulheres saírem de seus papeis tradicionalmente estabelecidos já gerava medo o

22
"From his first day in office, Hitler claimed that Germany’s survival depended on the reversal of the
devastating demographic decline, the elimination of class conflict, and the eradication of the
contradictions of modern industrial life. At the center of his plan for the restoration of German society
was the creation of a Volksgemeinschaft, a monolithic, racially pure, and socially cohesive community,
which he saw as the antidote to the social ills of the Weimar era".
28

suficiente e a crença de que isso destruiria a família tradicional alemã e a sociedade


como um todo (BRASHLER, 2015).

A falta de homens por conta das baixas causadas pela Primeira Guerra
Mundial era algo que influenciava sobremaneira a questão da transição feminina
para a Nova Mulher. Embora muitas tivessem sido impelidas a trabalhar fora para
fazer com que a sociedade continuasse funcionando, cobrindo a falta de homens
nos postos de trabalho e obtendo um sustento, já que seu provedor não estava em
casa, mas no front de guerra, ou morto. Ainda assim, o partido tratou essa questão
da mesma forma que boa parte da sociedade enxergava, propagando a ideia de que
as mulheres haviam roubado os trabalhos que pertenciam a homens, por preferirem
a carreira à família. Isto era, portanto, o legado de uma sociedade que havia se
corrompido pelos ideais liberais e democráticos de Weimar.

Uma característica da era moderna é o rápido declínio da taxa de natalidade


em nossas grandes cidades [...] O governo está determinado a deter esse
declínio da família e o resultante empobrecimento de nosso sangue. Deve
haver uma mudança fundamental. A atitude liberal para com a família e as
crianças é a responsável pelo rápido declínio da Alemanha (GOEBBELS,
23
1933, tradução nossa) .

A maior parte das mulheres concordava com Goebbels. A atitude liberal de


Weimar parecia ser algo que estava arruinando as famílias. Elas queriam
"Emancipação da Emancipação!"24, já que, de acordo com Koonz (2013), a maior
parte das mulheres, antes mesmo de Hitler chegar ao poder, enxergavam-se como
esposas e estavam dispostas a defender a moral tradicional contra a decadência.
Assim, defendiam uma visão mítica da família ideal. Koonz (2013, p. 114, tradução
nossa) diz ainda que:

23
"A characteristic of the modern era is a rapidly birthrate in our big cities. […] The government is
determined to halt this decline of the family and the resulting impoverishment of our blood. There must
be a fundamental change. The liberal attitude toward the family and the child is responsible for
Germany’s rapid decline". Discurso de Joseph Goebbels na abertura de uma exibição sobre e para
mulheres em Berlim, em 18 de Março de 1933.
24
Slogan utilizado por mulheres conservadoras ainda durante a República de Weimar contra a
emancipação feminina, que mais tarde foi apropriado pelo partido nazista em suas campanhas a
favor da família.
29

Enquanto críticos culturais culpavam as mulheres por falharem em guardar


a moral tradicional, outros autores voltaram seus olhos para a pré-história, a
modelos que guiassem o futuro. No meio de uma reação cultural contra a
Nova Mulher veio o reavivamento da especulação acerca das glórias de um
25
matriarcado há muito perdido .

A imagem da mulher ideal, aquela que dedica sua vida à sua família e à sua
casa foi baseada, portanto, em uma imagem feminina idílica. As mulheres passam a
serem retratadas em pôsteres e revistas com seus cabelos loiros presos e
repartidos, costumeiramente utilizando longos vestidos e aventais. Como a
unificação da Alemanha concluiu-se apenas no século XIX, sua Revolução Industrial
deu-se de forma tardia quando comparada a outros países como a Inglaterra, por
exemplo. Assim, a memória do que seriam tempos mais simples, em que a família
vivia harmoniosamente no campo e a mulher cuidava de todos os afazeres da casa,
dos filhos e, muitas vezes, da produção dos alimentos, estava ainda fresca. Essas
mulheres eram as avós do povo alemão que vivenciava, então, o nazismo, e a
lembrança delas gerava saudosismo e fazia com que os alemães apercebessem
esse passado como algo melhor. A imagem da mulher ideal passa a ser associada,
portanto, a imagem dessas mulheres de antigamente, que vestiam-se com modéstia,
tinham muitos filhos e trabalhavam no campo. Para Koonz (2013, p. 169, tradução
nossa): "Nos anos 1930, o apelo à vida mítica dela estava não nas tarefas que ela
realizava, mas na crença de que uma avó amorosa havia protegido sua família do
corrosivo mundo moderno"26, ou seja, do mundo da Nova Mulher.

Wendy Lower (2014) trabalha com o fato de que havia um ideal de beleza
feminino presente na ideologia nazista. Elas deviam ter um porte atlético e saudável
e é daí que a beleza real deveria vir, de uma boa alimentação e da prática de
exercícios. Cosméticos não eram bem quistos, desta forma, pintar as unhas, o
cabelo ou fazer a sobrancelha e usar batom não eram comportamentos aceitáveis
para uma boa menina ariana. Esses ideais foram preenchidos na figura de Vera

25
"While cultural critics blamed women for failing to guard traditional morality, other authors looked
back to prehistory for models to guide the future. In the midst of a cultural blackash against the New
Woman came a revival of speculation about the glories of a long-lost matriarchy".
26
"In the 1930s, the appeal of her mythic life lay not in the tasks she had perfoemed as much as in the
belief that the loving grandmother had protected her family from a corrosive modern world".
30

Stähli, por exemplo, de quem Lower (2014, p. 78) traz a descrição como alguém que
"[...] preenchia os requisitos de feminilidade ideal nazista: 1,80 m, 72 kg, 'cabeça
redonda, olhos azuis, cabelos louros, nariz reto'”27. Os motivos das propagandas
direcionados às mulheres costumavam ser justamente a imagem de uma mulher,
que preenche esses requisitos, e que carrega consigo seus filhos, para reforçar a
imagem de mãe, muitas vezes com um cenário campestre ao fundo. Ao mesmo
tempo, essas mulheres eram retratadas como sendo fortes, protetoras e amáveis.
Isso representava a volta a uma Alemanha pacífica e também forte, com o
renascimento de sua raça como ela deveria ser.

Img. 5: Pôster de propaganda nazista datado provavelmente de meados dos anos 1930.
Abaixo da imagem da mãe ariana amamentando, há a frase "Ajude o programa de assistência para
28
mães e crianças" (tradução nossa).

Com a imagem de mãe da nação sendo constantemente reforçada por meio


de revistas, pôsteres, comícios do partido, discursos e tantos outros meios quanto
fossem possíveis, ficava claro que as mulheres tinham um papel dado
exclusivamente a elas na sociedade. Isso levava, muitas vezes, a interpretação de
que as mulheres estavam sendo diminuídas e excluídas de outras funções. Hitler e
Goebbels, entretanto, não expressavam em seus discursos que a mulher atuava em
um papel menos importante que o do homem, que elas eram menos importantes. O

27
Os dados a respeito de Vera Stähli foram retirados pela autora dos arquivos referentes ao pedido
de casamento entre Vera e um soldado da Schutzstaffel (SS) feito a Himmler, que eram necessários
para atestar a ascendência ariana.
28
"Support the assistance program for mothers and children”. O pôster foi feito para a
promoção da caridade para o Nationalsozialistische Volkswohlfahrt (NSV), que poderia ser traduzido
como o "Bem Nacional do Povo Nacional-Socialista".
31

papel da mulher era o de servir a nação como mãe, provendo os filhos arianos que o
povo precisava. De acordo com Rupp (1977), isso só se justificava por conta da
política do partido, que glorificava o princípio do bem geral acima do bem individual.
As mulheres apenas prestavam um papel diferente, mas não inferior.

O que o homem demonstra em coragem no campo de batalha, a mulher


demonstra em seu eterno sacrifício, em sua dor e sofrimentos eternos.
Cada criança que uma mulher traz ao mundo é uma batalha, uma batalha
travada para existência de seu povo. E ambos devem, portanto, valorar
mutuamente e respeitar um ao outro quando virem que cada um performa a
tarefa que a Natureza e a Providência ordenaram. E esse respeito mútuo
29
necessariamente resultará da separação das funções de cada (HITLER,
1934, p. 2, tradução nossa).

Esse é o começo de uma nova feminilidade alemã. Se a nação novamente


tem mães que orgulhosamente e livremente escolhem a maternidade, não
poderá perecer. Se a mulher está saudável, o povo estará saudável. Ai da
30
nação que negligencia suas mulheres e mães. Ela se condena
(GOEBBELS, 1933, p. 3, tradução nossa).

Os líderes do partido usavam, portanto, termos como coragem e batalha para


colocar as mulheres figurativamente na mesma posição que os homens, através da
maternidade. Ainda que as mulheres não fossem vistas de fato como iguais, já que
não tinham livre acesso à política e à liderança no partido, uma espécie de culto às
mães foi estabelecido através do discurso nazista. Rupp (1977) diz que os
discursos nazistas acerca da família colocavam a mulher como a figura central
dentro da família. Era ela quem, primeiramente, provia o futuro da nação, garantindo
que a população crescesse e, em época de guerra, garantindo que mais soldados
nascessem, substituindo os que eram perdidos em campo de batalha. Elas eram

29
"What the man gives in courage on the battlefield, the woman gives in eternal self-sacrifice, in
eternal pain and suffering. Every child that a woman brings into the world is a battle, a battle waged for
the existence of her people. And both must therefore mutually value and respect each other when they
see that each performs the task that Nature and Providence have ordained. And this mutual respect
will necessarily result from this separation of the functions of each".
30
"This is the beginning of a new German womanhood. If the nation once again has mothers who
proudly and freely choose motherhood, it cannot perish. If the woman is healthy, the people will be
healthy. Woe to the nation that neglects its women and mothers. It condemns itself".
32

também responsáveis por educar os filhos de acordo com a ideologia nacional-


socialista e por criar um ambiente em que seus maridos se sentissem acolhidos,
bem servidos e cuidados. Por isso a necessidade de se exaltar a figura da mãe, para
demonstrar a importância do papel exercido pelas mulheres no Reich.

As propagandas do partido eram amplamente voltadas para exaltar a mulher


enquanto mãe do Volk, de forma que: "Um dos primeiros passos dos nazistas após a
tomada do poder foi declarar o Dia das Mães como um feriado nacional" 31
(MOUTON, 2006, p. 116, tradução nossa). A instauração do Dia das Mães como um
feriado foi uma forma encontrada para garantir que as mulheres que exerciam sua
função primária no Reich se sentissem queridas e necessárias para a nação,
garantindo que as jovens meninas almejassem o mesmo para elas. Todo ano, no
Dia das Mães, eram feitas festas promovidas pelo partido, não só para celebrar a
data, mas também para marcar a importância de ser mãe, fixando ainda mais esta
ideia nas mentes alemãs. Nem mesmo a guerra impediu que essas festas
continuassem a ser feitas. "[...] até no fim da guerra, o partido encontrou fundos para
celebrar o dia das mães com pompa e circunstância. O governo premiava com a
Cruz de Honra às mães prolíficas e ordenava que a Juventude Hitlerista saudasse
as mulheres que estivessem usando a medalha"32 (RUPP, 1977, p. 371, tradução
nossa).

A revista Frauen Warte dedicava anualmente, no Dia das Mães, uma edição
voltada para a data, de forma a ajudar a valorar e fixar ainda mais o ideal de mãe
entre as mulheres nazistas. Na edição de 1940, podemos ver a intenção da
promoção do Dia das Mães na Alemanha:

No Dia das Mães, a Deutsches Frauenwerk quer mostrar a todas as


mulheres e mães que o Estado Nacional-Socialista reconhece, valoriza e
apoia as mães. No passado, a atenção estava em mães que já haviam tido
filhos. Mais e mais, a tarefa é também providenciar cursos de curto prazo,
mas intensivos, em casamento e na família, que vão construir uma boa

31
"One of the Nazi’s first steps after seizing power was to declare Mother’s Day a national holiday".
32
"[...] even at the end of the war, the party found the resources to celebrate Mother's Day with pomp
and circumstance. The government awarded an Honor Cross to prolific mothers and ordered the Hitler
Youth to salute women wearing the medal".
33

fundação para a futura vida dessas moças que estão noivas, mas que não
têm o tempo ou dinheiro para participar de um curso de treinamento mais
longo em economia doméstica. [...] Assim como os homens cumprem seu
dever, elas estão se preparando para seus deveres como esposas e mães,
33
quando derem a luz, e cuidar e proteger seus filhos (LINHARDT-KÖPKER,
1940, tradução nossa).

.O Partido Nazista buscava, com o Dia das Mães, fortalecer a ideia de que o
sacrifício das mães em ter e criar filhos para o Volk era não só um dever, mas algo
em que elas deveriam ter prazer, dedicando suas vidas a isso. A Deutschen
Frauenwerkes era uma entidade que tinha como função encorajar as mulheres a
terem mais filhos e prepará-las para cumprirem suas funções como mães e esposas
a partir de cursos. As mulheres eram vistas como mães, tendo filhos ou não. As que
ainda não haviam tido filhos eram vistas como tal, apenas mães que ainda não
tiveram filhos, mas que devem ter, para cumprir seu papel com o povo. Em um
cartão feito pelo Ministério da Educação Popular e Propaganda do Reich para o Dia
das Mães de 1944, quando a Segunda Guerra Mundial estava quase em seu fim, há
uma boa explicação do papel da mulher na Alemanha nazista:

Nós todos temos uma coisa que realmente faz nossas vidas valerem a pena
viver nessa terra: é o nosso próprio povo, que para nós alemães é a nossa
Alemanha. Nós estamos dentro desse povo. Nós vivemos com esse povo e
estamos ligados a ele nos bons e nos maus momentos. Nossa maior
missão e a mais sagrada tarefa é preservar esse povo. Para esse objetivo,
34
nenhum sacrifício é grande demais (HITLER, 1944, tradução nossa).

33
"On Mothers’ Day, the Mothers’ Service wants to show all women and mothers that the National
Socialist state recognizes, values, and supports mothers. In the past, the attention was on mothers
who already had children. More and more, the task is also to provide short-term but intensive courses
in marriage and the family that will build a good foundation for the future life of those girls who are
engaged, but have neither the time nor the money to participate in a longer training course in home
economics. [...] Just as men do their duty, they are preparing for their duties as wives and mothers,
when they will give birth, and care for and protect their children". Erna Linhardt-Köpker, autora do
artigo, era a chefe de departamento da Deutschen Frauenwerkes, do Serviço das Mães.
34
"We all have but one thing that really makes our lives worth living on this earth: That is our own
people, which for us Germans is our Germany. We stand within this people. We live with this people
and are bound to it in good times and bad. Our highest duty and holiest task is to preserve this people.
For that goal, no sacrifice is too great".
34

O Füher precisava dos filhos destas mulheres para criar uma grande e forte
nação e, para isto, precisava que essas mulheres sacrificassem seus filhos na
guerra quando necessário. Uma raça ariana forte era necessária. Por isso havia
locais como a Escola para Noivas, para preparar as moças para que cumprissem
seu papel. Como as mães eram preparadas para serem mães para o Volk e o
importante, principalmente em tempos de guerra, era que filhos fossem gerados, as
mães solteiras também não representavam um problema para o partido. Como a
moral da sociedade era muito ligada a moral burguesa e cristã, a maior parte das
pessoas não aceitavam que mulheres solteiras engravidassem apenas para dar
filhos ao Füher. Em 1939, Heinrich Himmler, na busca de uma Alemanha mais cheia
de racialmente puros, passou uma diretiva secreta para todos os membros da SS e
da Polícia Alemã para que estes procriassem sem medo de estarem engravidando
jovens solteiras e incentivando a engravidar suas esposas também:

Para além dos limites das leis e convenções burguesas, que talvez sejam
necessárias em outras circunstancias, pode ser uma tarefa nobre para
mulheres e meninas alemãs de bom sangue a tornarem-se até fora do
casamento, não despreocupadamente, mas a partir de uma profunda
seriedade moral, mães das crianças dos soldados que vão para a guerra de
35
quem apenas o destino sabe se retornará ou morrerá pela Alemanha
(HIMMLER, 1939, tradução nossa).

Himmler (1940) alegava que mulheres solteiras sempre tiveram e sempre


terão filhos fora do casamento. A moral burguesa deveria ser deixada de lado em
prol do crescimento da população, especialmente no período de guerra em que
passavam. Assim, os soldados eram encorajados a engravidarem meninas e
mulheres antes de partirem para o front de guerra, com garantia de que não teriam
que ajudar nas despesas ou cuidados com as crianças, já que a SS cuidaria de tudo
(MOUTON, 2006). Os soldados serviriam à nação não apenas no campo de batalha,
mas como produtores de crianças legítimas e ilegítimas para o Füher. A intenção do

35
"Beyond the limits of bourgeois laws and conventions, which are perhaps necessary in other
circumstances, it can be a noble task for German women and girls of good blood to become even
outside marriage, not light-heartedly but out of a deep moral seriousness, mothers of the children of
soldiers going to war of whom fate alone knows whether they will return or die for Germany". Heinrich
Himmler era o Reichsführer-SS (Chefe ou Comandante da SS) e Chefe da Polícia Alemã.
35

chefe nazista era a de procriar a maior quantidade de crianças fruto da união entre
homens da SS e da polícia com mães que fossem comprovadamente arianas,
formando uma prole de elite.

Antes mesmo do Decreto de Procriação, em 1935, foi criada também pelo


chefe da SS a Lebensborn36. Este era um local para receber famílias de soldados da
SS com mulheres que estivessem grávidas, mas também meninas e mulheres que
estivessem grávidas mesmo não sendo casadas, desde que pudessem provar que
seus bebês se enquadravam no padrão de higiene racial necessário, sendo filhos de
uma mulher ariana e um soldado alemão (THOMPSON, 1971). Não somente
alemão, na verdade, uma vez que havia casas da Lebensborn também em outros
países ocupados e em que seus habitantes se enquadrassem no padrão racial,
como a Noruega, Áustria, Bélgica e França, por exemplo. Dar a luz a filhos que
serviriam ao Reich não significava, necessariamente, dizer que essas mulheres
exerceriam seu papel de mãe. De acordo com Mouton (2006, p. 216, tradução
nossa):

Himmler também planejava que as casas da Lebensborn servissem às


mulheres e crianças muito além do parto propriamente dito. Sua intenção
era a de encorajar mães solteiras a desistirem de seus filhos - idealmente
produtos de uniões entre mulheres "racialmente puras" e membros da SS -
para a adoção por membros da SS para que eles pudessem ser criados em
37
famílias Nacional-Socialistas .

A família continuava a ser, portanto, a célula base da sociedade. Apesar de


permitir e apoiar que mulheres dessem a luz mesmo sendo solteiras, o ideal é que
essa mulher se casasse com o pai da criança ou então a deixasse para a adoção.
Além disso, essas casas permitiam a mulheres que antes procuravam o aborto como
uma saída para a gravidez indesejada não mais o fizessem, tanto por serem levadas
a crer que apenas estavam cumprindo seu papel de mães para o Füher, quanto por

36
Pode ser traduzido como "Fonte da Vida".
37
"Himmler also planned for the Lebensborn homes to serve women and children well beyond the
delivery itself. He intended to encourage single mothers to give up their children - ideally products of
unions between 'racially pure' women and members of the SS - for adoption by members of the SS so
that they could be raised in National Socialist families".
36

terem a assistência necessária para conceberem estas crianças. Isso não quer dizer
que todas as mulheres eram permitidas a conceber sem estarem casadas. De
acordo com Brashler (2015), às mulheres que não se enquadravam no mais alto
padrão de "racialmente puras" não era permitida ter seus bebês já que eram
consideradas moralmente inferiores por não estarem um casamento. Mães solteiras,
que tiveram muitos filhos, principalmente quando estes eram de pais diferentes
eram, inclusive, esterilizadas. Para terem seus filhos, as mulheres tinham que
comprovar sua pureza racial e a de seu parceiro.
As mulheres eram encorajadas e ensinadas, de fato, a encontrarem maridos
que se encaixassem no padrão da higiene racial. Por serem responsáveis pela
procriação, elas eram vistas, de acordo com Gupta (1991, p. 40, tradução nossa):
"[...] como 'mães da raça' ou, em contraste gritante, difamadas, como as culpadas
pela 'degeneração racial'"38. Assim, o sentido do casamento se dava, para o partido
nazista, apenas para a procriação e crescimento da raça e, para isto, deveria ser
feito entre seus mais desejáveis pares, ou seja, duas pessoas arianas. Como o
partido controlava todas as áreas da vida pública e também boa parte da vida
privada das pessoas, o casamento era também um assunto estatal. Casamentos
entre arianos e não-arianos, principalmente judeus, e também entre pessoas
saudáveis e aquelas com doenças hereditárias foram proibidos pelas Leis de
Nuremberg, em 1935 (MOUTON, 2006). O controle dessas uniões era responsável
por manter a Alemanha livre do crescimento do número de pessoas consideradas
indesejáveis para o nazismo, garantindo a expansão do Lebensraum39 com o
aumento das taxas de natalidade apenas de arianos. Não apenas o controle dos
casamentos indesejáveis, mas também o incentivo a casamentos entre arianos era
necessário.
Assim, um generoso empréstimo para casamento era concedido com a
condição de que a esposa deixasse seu emprego - mas ela também tinha
que passar por exames médicos. Para também encorajá-la a ter filhos, o
regime quase de imediato decretou que as prestações para saldar o
empréstimo seriam reduzidas em um quarto no nascimento de cada nova
criança (GELLATELY, 2011, p. 40).

38
"[...] as 'mothers of the race', or, in stark contrast, vilified, as the ones guilty of 'racial degeneration'".
39
O espaço vital Alemão.
37

O trabalho era algo permitido às mulheres, desde que em áreas consideradas


femininas, mas seu objetivo de vida primário deveria ser exercer seu papel de mãe.
Os cargos que eram mais aceitos para serem ocupados por mulheres eram os de
professora, enfermeira e secretária, por serem trabalhos que exigem um tipo de
atenção considerado especialmente como uma característica feminina. As
professoras e enfermeiras, especialmente, exerciam um papel de nutrir e cuidar,
respectivamente, das crianças e dos feridos, de forma a transmitir uma imagem de
mãe. A mão de obra feminina passou a ser mais exigida conforme a guerra ocorria
e, a partir de 1938, segundo Lower (2014, p. 43): "todas as estudantes que faziam
um curso superior ou escola técnica tiveram uma formação básica em três áreas:
defesa aérea, primeiros socorros e comunicações". Lower também traz a ideia de
que, com o avanço do tamanho da máquina estatal e seus escritórios e com menos
homens a disposição, uma vez que estes estavam indo para a guerra, o partido
passou a depender de "uma força de trabalho feminina no secretariado, como
auxiliares, estenógrafas, telefonistas e recepcionistas" (2014, p. 74).

Img. 6: A edição de abril de 1943 da Frauen Warte traz a imagem de uma mulher trabalhando
em uma fábrica. Abaixo da imagem, lê-se: "Mulheres alemãs sempre sabem que é uma questão de
40
existência e inexistência de seu povo. A guerra total é a demanda do momento. Todos ajudam!"
(tradução nossa)

A Frauen Warte sempre mostrava às mulheres as oportunidades de trabalho


que estas poderiam e deveriam ocupar, sempre como sendo trabalhos femininos. Os

40
“German women always know that it is a matter of the existence or nonexistence of their people.
Total war is the demand of the hour. Everybody help!”.
38

trabalhos eram sempre apresentados como temporários, como uma forma de


sacrifício feito pelas mulheres, da mesma forma que elas se sacrificavam como
mães. Em um artigo intitulado Força do Amor e da Fé: Mulheres Alemãs e o
Aniversário do Führer41, na mesma edição da Frauen Warte da figura acima, há um
trecho que exemplifica bem esta questão, escrito por Kurt Massmann (1943,
tradução nossa):

A mulher alemã serve a seu povo com amor e em meio a sua necessidade
mais profunda, e seu amor dá a ela a força para se sacrificar, para fazer
sem, para fazer seu trabalho diário! [...] Ela quer continuar orgulhosa e sem
parar, apesar de seus sofrimentos pessoais, mantendo a mais alta
42
dignidade da feminilidade em meio a sua dor, até que cheguemos ao fim.

Elas deveriam trabalhar, mas sem parecer masculinas. Sua "dignidade da


feminilidade" deveria permanecer em qualquer circunstância. Ser mãe ainda era a
maior honra de uma mulher. A mulher ideal deveria, em todo tempo, servir ao
Estado, servir a seu povo, em um serviço sacrificial onde quer que ela fosse
necessária. Elas serviam nos postos de trabalho como uma necessidade imediata
de guerra, ou até mesmo antes da guerra, compreendendo que esta é apenas uma
parte temporária de suas vidas, porque era em casa que elas deveriam desejar
estar. O que se esperava destas mulheres, portanto, era que fossem mães do Volk,
pavimentando o futuro do Reich através de sua descendência, através da qual seus
sacrifícios nunca seriam esquecidos.

41
"Strength from Love and Faith: German Women and the Führer's Birthday".
42
"The German woman serves her people with love in the midst of its deepest need, and her love
gives her strength to sacrifice, to do without, to do her daily work! […] She wants to remain proud and
unbroken, despite her personal sorrows, maintaining the highest dignity of womanhood in the midst of
her pain, until we reach the end".
39

4. MULHERES DO NAZISMO, O IDEAL E O REAL

As mulheres não poderiam continuar sem se envolver nessa luta, porque


ela envolvia seu futuro também, e o futuro de seus filhos. Nós ficamos entre
os partidos do antigo sistema, mas estávamos insatisfeitas. Queríamos
encontrar o caminho para nosso povo. Em meio à crise, tínhamos que tomar
43
uma posição, mas onde haveria lugar para nós? (GÜNTHER, 1934,
tradução nossa).

A propaganda e a doutrinação que ocorria em todos os anos em que o Partido


Nazista esteve no poder, somado ao desapontamento ligado ao período da
República de Weimar certamente tiveram influência sobre o comportamento das
pessoas que habitavam todo o território nazista. Fosse para aprovar ou desaprovar a
imagem que se buscava criar dos alemães, a propaganda tinha seu impacto. A
vontade dos indivíduos de participar efetivamente, engajados em cumprir o papel
que lhes era oferecido ou, muitas vezes, empurrado à força, não necessariamente
estava ligado a esta propaganda, no entanto.

Muitas pessoas não precisavam de um convencimento para apoiar o Partido


Nazista. O partido nazista teve grande suporte feminino para chegar e para manter-
se no poder. Essas mulheres ansiavam, de fato, retornar ao seu papel tradicional de
esposa, dona de casa e mãe, sem a necessidade de trabalhar para obter seu
sustento. Mesmo tendo conhecimento dos horrores perpetrados pelos nazistas a
todos aqueles considerados indignos de serem chamados arianos, inclusive muitos
alemães, as pessoas eram não só coniventes, mas participavam efetivamente em
muitas atrocidades cometidas. Para muitas mulheres, havia vantagem em ser
nazista, em trabalhar para nazistas e para o nazismo, em ser esposa de um oficial
da SS, de um policial. Isto implicava, por vezes, em uma escalada social, uma
melhora de vida, das condições financeiras. Havia também a sensação de
pertencimento, o desejo de ser ativa em algo maior. As razões na participação ativa
nas atrocidades nazistas, de forma direta ou indireta podem ser muitas. E mulheres,

43
"Women could not remain uninvolved in this struggle for it involved their future, too, and the future of
their children. — We stood between the parties of the old system, but were unsatisfied. We wanted to
find the way to our people. In the midst of crisis we had to take a stand, but where was there a place
for us". Parte do artigo de Erna Günther para a revista Frauwen Warte, cujo objetivo era explicar o
papel da mulher no Estado Nazista.
40

em toda a sua individualidade escolhiam conscientemente fazer parte disto. Lower


(2014, p. 22) diz que:

O silêncio delas sobre os judeus e outras vítimas do Holocausto também


ilustra o egoísmo da juventude e a ambição, o clima ideológico em que
essas jovens cresceram e o poder de permanência, depois da guerra, de
seus anos de formação. [...] Queriam uma ocupação respeitável e um bom
salário. Queriam ter amigos, roupas boas, viajar, mais liberdade de ação.
Quando admiravam a si mesmas no uniforme da Cruz Vermelha, ou exibiam
orgulhosamente o diploma de um curso de educadora infantil patrocinado
pelo Partido Nazista, ou comemoravam seu emprego de datilógrafa num
escritório da Gestapo, tornavam-se parte do regime nazista,
intencionalmente ou não.

Apesar das vontades individuais, não podemos dizer que a propaganda não
influenciou em nada na formação, no caráter e nos desejos dessas mulheres. A
formação dessas meninas e mulheres foi em meio a toda uma esfera nazista, em
que o Estado interferia em todas as áreas de suas vidas. A doutrinação estava
presente em todos os lados. Além disso, o conhecimento acerca dos horrores do
holocausto estavam muito mais presentes para aqueles que se engajavam na
expansão e ocupação do Leste europeu. Muitas mulheres só se tiveram
conhecimento das más condições de vida dos judeus e das execuções em massa
tardiamente, em geral após 1942. E, mesmo tomando conhecimento do que ocorria,
houve, de fato, entre os alemães, uma banalização do mal. A crença de que judeus,
ciganos, pessoas deficientes e qualquer outro que não se enquadrasse no perfil
racial ariano apenas atrapalhavam o crescimento do Reich, fazia com que essas
mulheres enxergassem as atrocidades cometidas - ou as cometessem - como forma
de vingança contra esses inimigos. As pessoas estavam mais preocupadas "com o
destino de entes queridos lutando contra o 'bolchevismo judaico'" (LOWER, 2014, p.
93).
41

O desejo de ter um lugar na sociedade era algo muito presente entre as


mulheres. Assim, a imagem de esposa, mãe e dona de casa não era algo ruim, pelo
contrário, era algo que interessava a muitas alemãs. Isso não quer dizer que a
imagem da mulher ideal era seguida à risca por elas. Essa imagem era, obviamente,
uma idealização daquilo que o partido desejava para sua sociedade. Magda
Goebbels, a esposa de Joseph Goebbels, era considerada o maior exemplo da
mulher ideal. Ela era:

[...] alta, loira e de olhos azuis e encarnava o ideal de beleza "Ariano". Uma
vez que Hitler não era casado, ela constantemente ficava ao seu lado em
recepções oficiais do estado ou nas funções partidárias. Ela era retratada
em publicações de propaganda como a dona de casa e mãe perfeita. Em
1938, ela tornou-se a primeira mulher a receber a "Cruz de Honra das Mães
Alemãs". No todo, ela deu a Goebbels seis filhos, de quem a vida era feita
44
pública em reportagens regulares em filmes e em noticiários semanais
(GHDI, tradução nossa).

Apesar de ser a maior representante da mulher ideal alemã, que teria o


casamento e família perfeitos, sua vida contrariava essa imagem tão utilizada pela
propaganda nazista. De acordo com o German History in Documents and Images
(GHDI)45, Joseph Goebbels era conhecido por ter diversos casos extraconjugais e
Magda tentou pedir o divórcio em 1938. Ela era leal, sobretudo, ao Füher, mas este
negou o pedido de divórcio do casal. Ou seja, a propaganda não era tão convincente
a ponto de modificar totalmente um indivíduo, de forma que, por vezes, nem mesmo
seus maiores representantes vivem aquilo que demonstram. Ainda de acordo com o
GHDI, em maio de 1945, com a derrota da Alemanha na Segunda Guerra, Joseph e
Magda Goebbels envenenaram seus seis filhos e, depois, cometeram
suicídio.Magda deixou em carta a seu filho mais velho, fruto de seu primeiro

44
"[…] tall, blond, and blue-eyed, and embodied the "Aryan" ideal of beauty. Since Hitler was not
married, she often stood at his side at official state receptions or party functions. She was portrayed in
propaganda publications as the perfect housewife and mother. In 1938, she became the first woman
to receive the "Cross of Honor for the German Mother." Altogether, she bore Goebbels six children,
whose lives were made public in regular reports in films and weekly newsreels".
45
Página da internet cujo título pode ser traduzido como "História Alemã em Documentos e Imagens",
que contém vasto acervo de fontes sobre a história alemã.
42

casamento, que os Goebbels não poderiam viver em uma sociedade que não fosse
nazista. Isso representa, porém, muito mais uma fuga dos julgamentos e
condenações que viriam com a queda do nazismo do que a recusa a se viver em
uma sociedade democrática ou socialista.

Havia, de fato, para muitas mulheres, o desejo de ser enfermeira, professora,


secretária e, paralelamente, esposa de um oficial, mãe, dona de casa. Não era a
todas as mulheres, no entanto, que era permitido exercer o papel da mulher ideal.
Havia aquelas que desejavam, as que não desejavam e as que desejavam
parcialmente ser representantes dessa imagem desenvolvida pelo partido nazista,
mas havia aquelas que simplesmente não podiam tornar-se mulheres ideais, porque
não encaixavam-se no padrão nazista feminino. Judias, ciganas e negras
obviamente estavam excluídas desse processo, uma vez que eram inimigas do
nazismo, inimigas da raça ariana. Por outro lado, havia mulheres alemãs que não
podiam fazer parte da elite racial que se buscava formar. De acordo com Brashler
(2015, p. 34, tradução nossa): "Enquanto a ideologia nazista encorajava grandes
famílias, havia leis postas em prática para dificultar a criação de crianças que o
partido nazista considerava inferiores"46. Abortos em mulheres saudáveis e
consideradas racialmente próprias era crime. Mulheres que sofriam abortos eram
investigadas caso houvesse suspeita de que o aborto não ocorreu por motivos
naturais. A homossexualidade também não era aceita.

Em 1936 Heinrich Himmler, cabeça de todas as forças da polícia e da SS,


estabeleceu a "Agência Central Para a Luta contra Homossexualidade e
Aborto". [...] Em conjunto com a nova legalização antiaborto, uma lei foi
introduzida em 26 de maio de 1933, para legalizar a esterilização eugênica
e proibir esterilização voluntária. [...] Era ordenada a esterilização para
certas categorias de pessoas, em seu notório parágrafo 12 prescrevendo o
47
uso de força contra aqueles que não se submetessem livremente (BOCK,
1983, p. 408, tradução nossa).

46
"While Nazi ideology encouraged large families, there were laws put in place to hinder the creation
of children that the Nazi party found inferior".
47
"In 1936 Heinrich Himmler, head of all police forces and the SS, established a 'Reich's Central
Agency for the Struggle against Homosexuality and Abortion'. [...] Along with the new antiabortion
legislation, a law was introduced on May 26, 1933, to legalize eugenic sterilization and prohibit
43

Vizinhos e até mesmo parentes denunciavam pessoas que fossem portadoras


de doenças genéticas que trouxessem risco a perpetuação de uma raça pura, para
que estes fossem esterilizados. A esterilização ocorria, sobretudo, em mulheres.
Uma vez que elas eram consideradas como sendo as mães da nação, elas eram
responsáveis não só por criar a tal raça pura, mas também pelos racialmente
degenerados. Não apenas a esterilização era uma forma para os nazistas impedirem
a procriação de pessoas com doenças genéticas, mas também a eutanásia foi
amplamente usada, principalmente entre 1939 e 1944 e as mães de tais crianças
eram forçadas a trabalhar na indústria de guerra, de modo que se tornava
impossível cuidar de seus filhos (BOCK, 1983). O alvo da higiene racial não era,
claramente, a mulher ideal. Esta, em conjunto com todos aqueles considerados
dignos de serem chamados alemães, deveria ser convencida de que eliminar todos
os que não pertenciam a essa elite racial era algo necessário.

Img. 7: Pôster dos anos 1930, que promovia a revista nazista Neues Volk, ou Novo Povo, o órgão
oficial do partido sobre questões raciais. Lê-se na imagem: "Essa pessoa geneticamente doente vai
custar à comunidade do nosso povo 60.000 marcos durante sua vida. Cidadãos, este é seu dinheiro.
48
Leia a Neues Volk, a mensal do escritório da polícia racial do NSDAP" (NEUES VOLK, tradução
nossa).

voluntary sterilization. [...] It ordered sterilization for certain categories of people, its notorious
paragraph 12 prescribing the use of force against those who did not submit freely".
48
"This genetically ill person will cost our people’s community 60,000 marks over his lifetime. Citizens,
that is your money. Read Neues Volk, the monthly of the racial policy office of the NSDAP”. Tradução
do alemão para o inglês feita por Randall Bytwerk.
44

Nem todas as alemãs tinham um lugar no Reich. Mas para as que


desfrutavam do direito de exercer o papel de mães para o Volk, isso podia não ser
algo ruim. Para Gupta (1991, p. 44, tradução nossa): "Ser uma mãe para a pátria,
salvar a Alemanha, por um fim ao querer - os ideais interligados, tornaram-se
sinônimo de ser mulher"49. A vida privada dessas mulheres era agora assunto
público e era algo prestigiado. Elas não eram deixadas de fora do nazismo, do
contrário, operavam como seu centro (KOONZ, 2013).

Não se pode dizer, no entanto, que o apoio feminino dentre as mulheres


arianas era geral e irrestrito. É difícil mensurar se o apoio feminino foi tão amplo
quanto se fez parecer, porque manifestações contrárias ao partido eram coibidas
pela força e pelo medo. Hitler considerava as mulheres como grandes apoiadoras do
regime e aliadas necessárias. E, apesar de muitas de fato apoiaram o partido, nem
sempre esse apoio se dava de forma total. As formas de resistência eram variadas.
"Mulheres da classe trabalhadora desaceleravam seu trabalho, mulheres de classe
média não se mobilizavam na força de trabalho. A maioria das mulheres se recusava
a ter grandes famílias"50, elas "[...] tornaram impossível alcançar uma mobilização
total de trabalho 'ariano' para a guerra total"51 (GUPTA, 1991, p. 45, tradução nossa).

Wendy Lower (2014) trabalha sobre essa questão a partir de mulheres que
participaram do nazismo. Ela fala de uma mulher chamada Ilse Struwe, uma jovem
secretária que havia sido enviada ao leste europeu durante a Segunda Guerra.
Struwe já estava se habituando a imagem do que enfrentaria no leste antes mesmo
de ir para lá, mas enfrentar a realidade se tornaria algo mais difícil. Ela foi, em 1942,
conhecer o gueto onde os judeus viviam, se é que pode-se dizer que viviam, o que
era proibido, mas havia se tornado um passeio comum entre os alemães no Leste,
como um tipo de aventura. Apesar de ser um acontecimento marcante para ela,
"continuou a trabalhar e a ter uma convivência agradável com as colegas do
dormitório especial onde moravam" (LOWER, 2014, p. 102). Entretanto, a situação
mudou a partir do momento em que Struwe passou a presenciar, durante a noite, os
fuzilamentos de judeus. Os fuzilamentos eram feitos no cinema que ficava em frente

49
"To be a mother for the Fatherland, to save Germany, to put an end to want—the ideals interlocked,
became synonymous with being a woman".
50
"Working class women slowed down on the job, middle-class women could not be mobilized in the
workforce. Most women refused to have large families".
51
"[…] made it impossible to achieve a total mobilisation of 'Aryan' labour for total war".
45

a seu dormitório, ocorrendo de frente para seu quarto. Struwe não deveria
bisbilhotas, mas, ainda assim, olhou pela janela o que ocorria e relatou em seu
diário.

[...] Vi claramente homens, mulheres, crianças, velhos e jovens. [...] Por que
estavam jogando panelas na rua, uma atrás da outra, com tanta raiva? De
repente, me veio. Eles estavam atraindo a atenção [...]. Fiquei atrás da
janela, com vontade de gritar: Façam alguma coisa! Isso não basta!
Peguem armas! Vocês estão em maioria! Uns poucos de vocês podem se
salvar! Aquelas pessoas, pela minha estimativa eram umas trezentas -
depois eu soube que eram muito mais - e estavam sendo levadas por um
punhado de soldados. Mas os prisioneiros [os judeus] arrastavam os pés,
resmungavam de cabeça baixa, seguindo pela rua escura, rendiam-se sem
nenhuma luta. E continuei olhando bem, até a fila desaparecer. Depois
voltei a me deitar (STRUWE, 1942, apud LOWER, 2014, p. 103).

Apesar de estar horrorizada com a situação, a secretária não agiu para mudar
o que viu, pelo menos não de forma visível. Havia indignação com o era visto pela
fresta de sua janela, mas talvez o medo ou o fato de ter se acostumado ao mal. Fato
é que houve uma certa desilusão com o nazismo. A autora diz que Ilse trabalhava
sem emoção, no automático, e que chegou a escrever que: "uma parte de mim
ficava fora de mim" (STRUWE, 1942, apud LOWER, 2014, p. 106).

Ilse Struwe é um exemplo de mulher que, apesar de servir ao nazismo


trabalhando como secretária para o Führer no Leste, servindo na expansão da
Alemanha e no funcionamento do aparato do Estado, de se enquadrar nos padrões
de beleza nazistas e, em resumo, aparentemente poder ser chamada de mulher
ideal, é uma mulher que questiona se as ações nazistas em relação aos grupos que
estavam sendo exterminados eram válidas. O apoio ao partido não era
incondicional, irracional. Ainda assim, havia apoio. Ilse trabalhava para que a
máquina de guerra nazista continuasse funcionando, gostasse ou não. Ela era parte
dos assassinatos que ocorriam nos campos de concentração, uma vez que era uma
das "mulheres que trabalhavam nesses escritórios, as assistentes cujos dedos ágeis
apertavam as teclas das máquinas de escrever e cujas mãos limpas distribuíam as
ordens para matar" (LOWER, 2014, p. 112).
46

Outras mulheres viam no nazismo uma oportunidade de ascensão, de mudar


de vida, fosse pelo casamento ou por meio de trabalho. Talvez algumas mulheres
fossem genuínas apoiadoras do partido e desejassem trabalhar para seu líder, mas,
muitas vezes, o apoio ao regime se dava de forma interesseira, pelo prestígio ou
cargo. Muitas cartas foram enviadas a Hitler pedindo emprego em escritórios do
partido, como pode ser visto no trecho desta a seguir:

[...] Já que alcancei meu 16º ano de vida em julho deste ano e, apesar de
muitos esforços, ainda não consegui encontrar um emprego no escritório ou
em vendas, eu lhe seria imensamente grata. muito honrado senhor
chanceler do Reich, se o senhor pudesse me encaixar em um escritório do
partido, principalmente porque meu pai é o único provedor de cinco
pessoas. Minhas notas são boas (M., 1933, apud EBERLE, 2010, p. 142)

O interesse e o fascínio também poderiam ser coisas imbricadas. Anny M.,


que escreveu a carta, também incluiu um desenho de seu Führer para demonstrar
sua admiração e devoção ao líder do Reich. E o apoio demonstrado em forma de
cartas, muitas vezes se fazia de forma exacerbada, mas demonstrava bem os
sentimentos das pessoas. Ainda em 1933, uma menina de apenas treze anos
chamada Annelene K. (apud EBERLE, 2010), da região da Silésia, escreveu a Hitler
pedindo ações contra judeus e lituanos de sua região, falando destes com evidente
rancor e desejando ser "libertada" deles. Ela ainda trata Hitler como "querido tio" e
se auto intitula "sua pequena sobrinha", mesmo não o sendo. Isso demonstra que os
ideais nazistas já haviam ganhado bastante força em seu primeiro ano no poder e
que Hitler tinha admiradores mesmo em regiões não ocupadas. Até mesmo uma
jovem menina apoiava o partido e era capaz de enviar uma carta ao chanceler do
Reich tamanha era sua veneração pelo Führer e seu interesse em se livrar de
judeus e lituanos, mesmo que, segundo ela, isso não fosse permitido por seus
lideres.

Apesar do sexo feminino ser considerado o segundo sexo, da mulher ser


deixada de fora da política e de se ter trabalhado para tornar o homem mais
masculino e a mulher mais feminina, reforçando os papeis de gêneros tradicionais e
também criando tradições, retirando parte da individualidade, uma vez que o partido
47

buscou tornar tudo público, ainda assim havia grande apoio feminino, qualquer que
fosse o motivo. E as mulheres trabalharam para que o nazismo desse certo, fosse
como esposas, secretárias, enfermeiras, professoras ou como no caso de mulheres
como Gertrud Scholtz-Klink, líder da NS-Frauenschaft. A imagem que Scholtz-Klink
criou para as mulheres do Reich teve importante contribuição em um plano maior,
uma vez que Hitler precisava que as mulheres alemãs transmitissem uma imagem
de limpeza e decência para mascarar um estado assassino.

Scholtz-Klink restaurou a maternidade. Com o total apoio de um estado


totalitário, ela usou incentivos financeiros, programas de radio, atividades de
férias cursos de graduação avançados em assuntos "femininos",
oportunidade de carreira na Frauenwerk, medalhas de maternidade e
cerimônias para fazer mulheres se sentirem em casa em sua Lebensraum
52
doméstica (KOONZ, 2013, p. 353, tradução nossa).

E as mulheres de fato transpareciam ser alemãs limpas, boas mulheres, mas


que não mascaravam o estado assassino, mas sim participavam dos assassinatos.
Elas de fato se sentiam em casa em seus afazeres, fosse na Alemanha Ocidental ou
na Oriental. O trabalho exercido pelas mulheres durante a guerra fez, em
determinadas ocasiões e sobretudo no Leste europeu, com que elas amassem ainda
mais sua Alemanha nazista, como no depoimento de uma enfermeira para um artigo
da Frauen Warte de 1942, escrito por Schumann: "'Nunca amamos nossa Alemanha
mais profundamente do que aqui, após experimentar o bolchevismo, [...]. Nunca
estivemos cheias com tanta gratidão pelo Führer como agora, quando vemos do que
ele nos salvou'"53.

52
Scholtz-Klink restored motherhood. With the full backing of a totalitarian state, she used financial
incentives, radio programs, vacation activities, advanced educational degrees in “womanly” subjects,
career opportunities in the Frauenwerk, motherhood medals, and ceremonies to make women feel at
home in their domestic Lebensraum.
53
Never did we love our Germany more deeply than here, after experiencing Bolshevism,” one nurse’s
letter says. “Never were we filled with such thankfulness toward the Führer as now, when we see what
he saved us from.”
48

Algumas eram enviadas, mas muitas voluntariavam-se para ir trabalhar no


Leste. Era lá que estava as oportunidades e onde havia mais liberdade de ação para
as mulheres. Não eram locais fáceis de se viver, mas funcionava como uma espécie
de rito de passagem nazista.

Nos boletins oficiais de recrutamento e propaganda, as partes ocupadas da


Polônia e Ucrânia eram descritas como um campo de provas, um ambiente
onde eram testados a obstinação e o compromisso com o movimento. [...]
Enquanto muitas achavam a ida para o Leste confusa e difícil, para outras,
era uma entusiástica passagem para a fase adulta, que lhes dava liberdade
e autorrealização (LOWER, 2014, p. 90, 91).

As nazistas não eram discípulas cegas, nem seu único objetivo de vida era ter
filhos para o Volk. Elas aprenderam a utilizar as oportunidades do sistema a seu
favor e mantiveram em si algumas características da época de Weimar como
questões de moda e a vontade de trabalhar. Mouton (2006) diz que, mesmo com
todo o esforço de propaganda e incentivos financeiros em alguns casos, os casais
não estavam tendo filhos. As mulheres não estavam se tornando mães para o
Führer. Ainda segundo a autora, o partido falhou em reverter o declínio das taxas de
natalidade entre 1933 e 1945 e, ao invés de terem quatro ou cinco filhos como
desejavam, os casais tinham apenas um ou nenhum. As mulheres também
continuaram a trabalhar, tornando-se um número crescente nas estatísticas. Além
disso, elas "[...] consistentemente evitavam as duas áreas de emprego consideradas
apropriadas para mulheres pelo estado: agricultura e serviço doméstico" 54
(MOUTON, 2006, p. 279, tradução nossa).

54
"[…] consistently avoiding the two areas of employment deemed appropriate for
women by the state: agriculture and domestic service".
49

Img. 8: Mulheres trabalhando na produção de Máscaras de Gás em Hamburgo, 1940.

Nem toda mulher exercia a feminilidade da forma que os panfletos nazistas


apresentavam. Além de não estarem se tornando mães de numerosa prole e
estarem trabalhando fora de casa, a moda e as atividades praticadas também eram
questões que nem toda alemã seguia. O avental, que representava o tradicional,
mas também trazia o ideal de limpeza, não era adotado por todas. Algumas, por
outro lado, adotavam o avental em suas vestimentas, como Erna Petri. Mas a
jovem, no início dos anos 1930, também gostava de pilotar motos, atividade pouco
feminina para os padrões da época. Em um lado mais extremo estava uma mulher
que deixou marido e filha partiu em direção ao Leste e, por meio de cartas,
expressou lealdade como uma honra "viril" à campanha nazista, estando feliz por
poder pegar em armas como um homem (LOWER, 2014).

Arlette Farge (2015, p. 95) diz que o "aspecto moral que faz sentir com
acuidade a noção de justiça e aquela de necessidade autoriza cada membro da
sociedade a formular um julgamento estético e ético sobre aquilo que lhe é dado
ver". As pessoas tinham noção e capacidade de julgar que o que estavam vendo e
fazendo era cruel e, ainda assim, tomavam parte. Mulheres que ocupavam a
Alemanha Oriental, em suas visitas proibidas aos guetos judeus, faziam compras de
seus objetos pessoais, o que também era proibido. Mas, ainda mais cruel, e também
proibido, muitos saques eram feitos aos bens pessoais dos judeus. Esses bens eram
vendidos ou enviados a familiares na Alemanha Ocidental. Muitas esposas de
oficiais participavam nesses crimes. De fato, não apenas nos roubos, mas
diretamente em assassinatos também, acompanhando seus maridos, oficiais da SS,
50

e incitando-os a dar início aos massacres, carregando chicotes e vivendo uma vida
abastada às custas do holocausto e das terras férteis do Leste. Segundo relata
Lower (2014), Erna Petri chegou a assassinar crianças judias que vira fugindo do
campo de extermínio, porque seu marido demorou a chegar em casa para fazê-lo.

A participação, de forma integral ou não, de tantas mulheres no nazismo as


torna no mínimo coniventes com tudo o que ocorreu. Em geral, houve apoio às
práticas nazistas, apesar de que algumas mulheres tentaram permanecer contrárias
aos horrores que se estabeleceram, mesmo que de formas mais sutis. Grande parte
das mulheres não tinha noção da dimensão da máquina de assassinato que era o
estado a que serviam, mas, mesmo sabendo em partes, tomaram a decisão de
apoiar, seja por serem um fruto de seu tempo, por influência da propaganda, pelo
desejo de ascensão ou por medo, elas foram mulheres do nazismo.
51

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A propaganda nazista buscava transformar a realidade alemã e, em parte,


pôde fazê-lo. A imagem da mulher alemã foi sendo construída ao longo de mais de
uma década, modificada sempre que os eventos urgiam. A mulher ideal era aquela
oposta à Nova Mulher, à mulher liberada, que não tinha filhos, que construía
carreira. Ela passava sua infância e juventude se preparando para casar e ter filhos.
Ela tinha um ideal estético, comportamental.

Esse ideal não pode ser sustentado durante a guerra. O ideal passou a ser a
mulher que auxiliava no esforço de guerra, mas sempre olhando para o futuro em
que retornaria para casa, apesar de que as funções cumpridas por mulheres eram
essencialmente femininas. As mulheres deviam ser as perpetradoras da raça ariana,
a raça pura, mas também trabalhar para que o Reich continuasse funcionando. Elas
deveriam ser cúmplices de todas as formas para o crescimento do nazismo.

As mulheres do Terceiro Reich não foram meras vítimas dos acontecimentos


históricos. Não é possível negar às pessoas que viveram no regime nazista o papel
de agentes históricos em suas próprias vidas. Tanto aceitar a ideologia, quanto
negá-la, é uma forma de atuação. A força com que a ideologia era veiculada mostra
a influência do Estado na vida dessas pessoas, mas havia também as escolhas
individuais.

Algumas mulheres optaram por resistir ao regime. Em maior parte, as razões


eram morais, como questões religiosas. Muitas mulheres discordavam do tratamento
dispensado aos portadores de doenças genéticas e deficientes. Algumas mulheres
resistiram em seu campo de trabalho, tanto exercendo tarefas que não eram
consideradas femininas, ou simplesmente por buscarem uma carreira. Outras
resistiram a ideologia dentro de suas casas, recusando-se a constituir largas
famílias, recusando-se a se divorciar de seus maridos judeus e não inscrevendo
seus filhos em associações hitleristas. Nem todas as mulheres vocalizavam suas
discordâncias acerca do nazismo, mas muitas se recusaram a simplesmente se
conformar com o que estava ocorrendo ao seu redor.

Muitas mulheres, por outro lado, acreditavam de fato na causa nazista e foram
importantes partes do seu funcionamento. Essas foram as mulheres atingidas pelas
propagandas e era a elas a quem as propagandas eram direcionadas. Mulheres
52

idosas não tinham tanta serventia para o partido, pois estas já tinham cumprido o
seu propósito de trazer filhos ao mundo, mas as jovens ainda deveriam dar frutos.
Homossexuais, ciganas, judias e deficientes não podiam ser consideradas alemãs,
portanto não poderiam ser enquadradas na propaganda acerca da imagem da
mulher ideal, apenas na anti-propaganda, que tinha como serventia ensinar às
pessoas o que elas não deveriam ser, com quem não deveriam se relacionar, o que
não deveriam almejar para suas vidas, para seu povo.

A construção da imagem da mulher ideal no Terceiro Reich foi importante para


a formação de toda uma geração de mulheres que acreditava que poderia fazer
parte de algo maior, que teria a chance de crescer na vida. Servir ao Reich como
mãe era ser incluída na sociedade, uma vez que sua vida era feita pública. Havia
promessa de dignidade para essas mulheres. Já em tempos de guerra, a vida no
Leste europeu prometia aventura, liberdade, realização pessoal. Mais uma vez, as
mulheres poderiam servir ao Reich, fazer parte de algo maior. Poderiam participar da
guerra, não da mesma forma que os homens, mas ainda assim era uma
participação.

Há uma necessidade intrínseca do ser humano de fazer parte de algo maior, de


pertencer. Isso era o Volk para os alemães, tudo para eles era feito em prol da
comunidade. Nada justifica os horrores praticados durante a guerra, mas, talvez, a
cumplicidade das mulheres que tomaram parte no nazismo fizesse sentido para
elas, a ponto de algumas desejaram cometer crimes também. As mulheres do
nazismo foram estas que, direta ou indiretamente, cumprindo seu papel de mulher
ideal ou não, forneceram parte dos meios para que o Terceiro Reich perdurasse por
longos doze anos.
53

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Fontes

Primárias

BREITMAN, R. German History in Documents and Images. Nazi Germany (1933-


1945). Disponível em: <http://germanhistorydocs.ghi-
dc.org/section.cfm?section_id=13>. Acesso em: 30 set 2018.

BYTWERK, R. German Propaganda Archive. Nazi and East German Propaganda.


Disponível em: <https://research.calvin.edu/german-propaganda-archive/index.htm>.
Acesso em: 30 set 2018.

CRAWFORD, C.; HANSEN, S. Bund Deutscher Maedel Archive. Disponível em:


<http://www.bdmhistory.com/research/posters.html>. Acesso em: 17 set 2018.

EBERLE, H. Cartas Para Hitler. Tradução de Claudia Abeling e Renata Dias Mundt.
São Paulo: Planeta do Brasil, 2010.

HITLER, A. Mein Kampf. Minha Luta. Vol. 1. 1925. Disponível em:


<https://archive.org/details/meinkampf_minha_luta/page/n1>. Acesso em: 20 set
2018.

Secundárias
LOWER, W. As Mulheres do Nazismo. Tradução de Ângela Lobo. Rio de Janeiro:
Rocco, 2014.

Obras de apoio
BRASHLER, K. L. Mothers for Germany: a look at the ideal woman in Nazi
propaganda.

BOCK, G. Racism and Sexism in Nazi Germany. Signs: Journal of Women in Culture
and Society, Chicago, v. 8, n. 3, p. 400-421, 1983. Disponível em:
<http://www.jstor.org/stable/3173945>. Acesso em: 04 jun 2018.
54

FARGE, A. Lugares Para a História. Tradução de Fernanda Scheibe. Belo Horizonte:


Autêntica, 2015.

FRITZSCHE, P. Life and Death in the Third Reich. Cambridge: Harvard University
Press, 2008.

GELLATELY, R. Apoiando Hitler. Consentimento e Coerção na Alemanha Nazista.


Tradução de Vitor Paolozzi. Rio de Janeiro: Record, 2011.

GUPTA, C. Politics of Gender: Women in Nazy Germany. Economic and Political


Weekly, Mumbai, v. 26, n. 17, p. 40-48, abr 1991. Disponível em:
<https://www.epw.in/journal/1991/17/review-womens-studies-review-issues-specials/
politics-gender-women-nazi-germany.html>. Acesso em: 04 jun 2018.

HABERMAS, J. The Structural Transformation of the Public Sphere. An Inquiry into a


Category of a Bourgeois Society. Massachussets: MIT Press, 1989.

KALLIS, A. A. Nazi Propaganda and the Second World War. Nova Iorque: Palgrave
Macmillan, 2005.

KOONZ, C. Mothers in the Fatherland. Women, the Family and Nazi Politics. Nova
Iorque: Routledge, 1987.

LONGERICH, P. Joseph Goebbels. Uma biografia. 1a ed. Rio de Janeiro: Objetiva,


2014.

LOWER, W. As Mulheres do Nazismo. Tradução de Ângela Lobo. Rio de Janeiro:


Rocco, 2014.

MOUTON, M. From Nurturing the Nation to Purifying the Volk. Weimar and Nazi
Family Policy, 1918-1945. Nova Iorque: Cambridge University Press, 2007.

RUPP, L. J. Mobilizing Women for War: German and American Propaganda, 1939-
1945. Nova Jersey: Princeton University Press, 1978.

SHIRER, W. L. Ascensão e Queda do Terceiro Reich. Triunfo e consolidação (1933-


1939). Vol 1. Tradução de Pedro Pomar. Rio de Janeiro: Agir, 2008.

THOMPSON, L. V. Lebensborn and the Eugenics Policy of the Reichführer-SS.


Central European History, v. 4, n. 1, p. 54-77, 1971.
55

WELCH, D. The Third Reich. Politics and Propaganda. Nova Iorque: Routledge,
2007.

WISTRICH, R. S. Hitler e o Holocausto. Tradução de José Roberto O’Shea. Rio de


Janeiro: Objetiva, 2002.

Você também pode gostar