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Um ensaio através de referências literárias - “1984” e “fahrenheit

451” - e abordagem de fatos históricos : o totalitarismo como um


sistema estruturado e enraizado.

“O poder não é um meio, é um fim. Não se estabelece uma ditadura para


garantir uma revolução; o que se cria é uma revolta para se estabelecer a ditadura. O
objetivo da perseguição é a perseguição. O objetivo da tortura é a tortura em si. O
objetivo do poder é o poder.”

Esse trecho foi retirado da obra literária “1984” de George Orwell, o livro é uma
narrativa distópica futurista, no entanto utiliza-se de elementos reais para contar a
história a partir da perspectiva de Winston, o protagonista, sobre como é viver dentro
de uma sociedade onde foi implantado o sistema político de uma ditadura
totalitarista. Dentro da trama é possível destacar características da época em que
foi escrito, década de 1940 - durante o período de ascensão desses sistemas no
Ocidente e na União Soviética, além de aspectos que podem ser observados na
atualidade.

A termo “totalitarismo” passou a ser utilizado na década de 1920 para se


referir ao governo italiano facista de Mussolini e posteriormente o governo nazista
de Hitler, onde se consolidou como um conceito político em que o homem age como
servo do Estado.

O totalitarismo é um sistema político, onde o líder e o Estado agem de forma


total, atingindo a sociedade em todos os seus parâmetros, desde ações políticas,
sociais, econômicas, trabalho, polícia até a vida privada, abolindo quaisquer laços
culturais e liberdades individuais a fim de formar uma sociedade alienada e
massificada que apoia e propaga a ideologia enraizada nos discursos proferidos
pela figura do líder.
Perante uma perspectiva histórica é cógnita a variação de modelos
governamentais distinguidos a partir da organização do poder na sociedade. A
criação do Estado está atrelada ao objetivo de concentrar e manter esse poder por
meio de objetos específicos como instituições e figuras políticas adequadas a
determinado sistema de governo.

Um governo totalitarista é sustentado a partir de um tripé: ideologia, massa e


propaganda. Em primeiro lugar, é um sistema que se instala a partir de um
movimento político, utilizando ferramentas populistas para se penetrar e constituir
naquela sociedade, e isso começa através da ideologia disposta em discursos
proferidos por um líder que pretende instigar a população a fim de motivá-la a apoiar
essas ideias. A ideologia surge como uma maneira de manipular as pessoas a
acreditarem e seguirem uma ideia que supostamente regerá progressos, e,
geralmente, é implantada em momentos de vulnerabilidade, como crises políticas ou
socio-econômicas, pois tendem a ser momentos suscetíveis a absorvê-las. Por
exemplo, após o fim da Primeira Guerra Mundial, a Alemanha passava por um
momento de vulnerabilidade devido a derrota e as consequências que isso trouxe
para a população, logo as ideias nacionalistas, que hoje sabemos que na verdade
eram fascistas, deram ao povo um motivo para se reerguer, e unificar-se como uma
nação para se tornarem fortes novamente. Com isso, as ideias antissemitistas
ganharam notoriedade e apoio, pois agora havia se definido um inimigo comum para
perseguir e destruir, os judeos.

Uma das ferramentas mais fortes do nazismo era o intenso investimento na


propaganda, tanto que havia um ministério responsável apenas pelas campanhas
políticas e pela mídia que seria distribuída à população. A propaganda é um meio de
alienação, onde se cria a ideia da presença constante de um antagonista para
manter a população controlada por meio do medo e do terror, e firmar-se na
existência ilusória sobre o papel heróico do Estado. No livro, Winston começou a
notar que a Oceania sempre estava em guerra com outra nação, e já havia se
tornado algo tão comum para seus contemporâneos que eles não conseguiam
perceber as notícias contraditórias nos jornais ou os “coincidentes” motivos
semelhantes para as declarações de guerra, ora com um país ora com outro.
Supletivamente, todos os dias havia o momento “dois minutos de ódio”, onde todos
interrompiam suas tarefas para assistir ao telemonitor em que se repetia uma
espécie de mantra musical ditada pelo Grande Irmão sobre os “defeitos dos
inimigos” para lembrar e instigar esse sentimento de ódio dentro de cada pessoa
que assistia e ouvia.

Outrossim, havia ministérios que auxiliavam no controle da população,


Ministério da Verdade, que se ocupava da imprensa, de entretenimentos, da
educação e das belas- artes; o Ministério da Paz, que se ocupava da guerra; o
Ministério do Amor, que mantinha a lei e a ordem; e o Ministério da Fartura, que era
responsável pelos assuntos econômicos. E que na realidade se tratava de, O
Ministério da Paz lida com a guerra; o Ministério da Verdade, com mentiras; o
Ministério do Amor, com torturas; e o Ministério da Fartura, com a fome.

Apesar de estabelecer um controle total, o único lugar que não podiam ter
acesso era a mente dos indivíduos, então mesmo que ainda existissem pessoas
com pensamentos desalinhados aos ideais do Estado, eles não seriam
externalizados por se sentirem coagidas pela ideologia implantada. Assim, como já
citado, o medo e o terror também eram instrumentos usados para a alienação,
quem não fosse convencido pela ideologia seria calado pelo medo. O totalitarismo
individualiza as pessoas, pois elas passam a temer seus próprios pensamentos e
consequentemente temem exteriorizá-los, ou seja, induz ao isolamento, logo a
abolição da liberdade individual, também é um sistema político contra qualquer tipo
de ética, pois todos devem ser um só para existirem e lutarem por um bem maior,
sua nação.

A ditadura totalitarista é organizada em uma sociedade de massa, que


diferente da sociedade de classes - em que cada classe defende seus próprios
interesses - a população como um todo tem um objetivo em comum. A massa é a
base para a manutenção desse poder, para que ele se mantivesse era preciso o
apoio popular, ou pelo menos contava com sua indiferença. Em primeiro plano há
aquela parte da sociedade que não se importava com a política nem qualquer
aspecto relacionado a esse cenário, então agia de maneira indiferente, que era o
caso do proletariado da Oceania que vivia em uma parte separada da cidade, eles
não lembravam de nada do passado e nem tinham interesse em contestar o que
acontecia no presente, dessa maneira não eram considerados uma ameaça ao
governo. Por outro lado existiam aqueles que se apegavam a esses discursos e
acreditam convictamente que estavam fazendo aquilo por um bem maior,
geralmente sua nação, como era o objetivo do Estado com a pregação da ideologia,
logo essas pessoas obedeciam tais princípios cegamente, como o que acontece no
livro, quando uma das personagens, uma criança, denuncia o próprio pai para Ingsoc
por ele parecer questionar as ideias do governo e mesmo depois de preso o pai se
orgulha da filha por tal feito, o que mostra uma convicção cega nas ações
praticadas, o que Immanuel Kant denominou de mal radical, no caso da Alemanha
nazista, um antissemitismo convicto.

Em súmula, o Estado é maior que tudo e exclui quaisquer especificações,


liberdade e individualidade, sendo hierarquicamente organizado como unipartidário
e com a presença de um líder, que assim como na história de Winston era
onipresente - um telemonitor em todos os lugares, privados ou públicos, onde o
Grande Irmão mantinha uma vigilância incessante e absoluta - e sua figura era
também onipotente - todos, membros do governo, do partido e da sociedade
passam a ser os olhos, bocas e ouvidos desse líder.

Essa vigilância que passa a ser também de responsabilidade civil está


relacionada ao fanatismo que a massa desenvolve quando essa ideologia é
estruturada, desse contexto germina outra configuração: o discurso nacionalista,
que transforma essas “esponjas” em fanáticas e violentas, reverbera na questão que
a própria massa aparta a oposição.

Segundo Hannah Arendt “O domínio do totalitário, porém, usa a abolição da


liberdade e até mesmo a eliminação de toda a espontaneidade do ser humano[...]”,
pois o isolamento e a falta de relacionamentos sociais reais e afetivos transforma o
ser humano em um mecanismo que perde o interesse pelo próprio bem-estar, isso
está refletido no fato das pessoas recorrerem ao suicídio como uma maneira de
tentar se “libertar” desse sistema.

Independentemente do ano da publicação do livro e dos fatos apresentados


estarem localizados cronologicamente em décadas passadas, muitas das
características do sistema totalitarista se encontram presentes no regimento do
sistema capitalista e da sociedade contemporânea em si.

A exploração da mão de obra, a alienação das pessoas através de uma


ideologia voltada ao capital e ao consumo e o controle da massa são apontados
como artifícios da indústria cultural, inobstante da divisão dos poderes e do
estabelecimento de um Estado laico, os principais problemas enfrentados pela
maior parcela da população são provenientes dos predicados fascistas e
alienadores presentes no capitalismo, “Se o governo é ineficiente, despótico e ávido
por impostos, melhor que ele seja tudo isso do que as pessoas se preocuparem com
isso. [...] Encha as pessoas com dados incombustíveis, entupa-as tanto com " fatos "
que elas se sintam empanzinadas, mas absolutamente brilhantes quanto a
informações. Assim, elas imaginarão que estão pensando, terão uma sensação de
movimento sem sair do lugar. E ficarão felizes, porque fatos dessa ordem não
mudam. Não as coloque em terreno movediço, como filosofia ou sociologia com
que comparar suas experiências. Aí reside a melancolia. Todo homem capaz de
desmontar um telão de tevê e montá-lo novamente, e a maioria consegue hoje em
dia está mais feliz do que qualquer homem que tenta usar a régua de cálculo, medir
e comparar universo, que simplesmente não será medido ou comparado sem que
homem se sinta bestial e solitário. [...] Portanto, que venham seus clubes e festas,
seus acrobatas e mágicos, seus heróis, carros a jato, motogiroplanos, seu sexo e
heroína, tudo o que tenha a ver com reflexo condicionado. Se a peça for ruim, se o
filme não disser nada, estimulem-me com o teremim, com muito barulho. Pensarei
que estou reagindo à peça, quando se trata apenas de uma reação tátil à vibração.
Mas não me importo. Tudo que peço é um passatempo sólido.”
REFERÊNCIAS:

Livro “1984” (1949), George Orwell

Livro “Fahrenheit 451” (1953), Ray Bradbury

Livro “Origens do Totalitarismo(1951), Hannah Arendt

https://youtu.be/6jyTS8zAdUw

https://youtu.be/pTFBkWGFNVc

https://youtu.be/QszVD9dXX8Y

https://youtu.be/d3r70E6Dvfs

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