Você está na página 1de 11

See discussions, stats, and author profiles for this publication at: https://www.researchgate.

net/publication/304931626

Prandtl

Research · July 2016

CITATIONS READS

0 1,184

1 author:

Denir Paganini Nascimento


University of São Paulo
8 PUBLICATIONS 0 CITATIONS

SEE PROFILE

All content following this page was uploaded by Denir Paganini Nascimento on 06 July 2016.

The user has requested enhancement of the downloaded file.


PME-5232 - Dinâmica das Fluidos e Fenômenos de
Transporte
Prof. Dr. Marcos Pimenta

Aluno: Denir Paganini Nascimento Nº USP 366197

Contribuições de Ludwig Prandtl à


Mecânica dos Fluidos

São Paulo
2016
1 Dinâmica dos fluidos antes de Prandtl

Arquimedes (287-212 A.C) introduziu algumas ideias básicas sobre


fluidos estáticos. Leonardo da Vinci (1452-1519 D.C.) observou e desenhou
as linhas de fluxo de fluidos escoando em torno de alguns objetos. Somente
com Isaac Newton (1642-1727), no segundo livro de Principia Mathematica
(1687), é que a dinâmica dos fluidos começou a ser estudada e entendida de
forma quantitativa e matemática.

Durante o século seguinte à publicação de Newton, muitos esforços


foram empreendidos para descobrir uma formulação matemática para des-
crever o escoamento de fluidos. As grandes mentes foram Daniel Bernoulli
(1700-1782), Jean le Rond d´Alembert (1717-1783) e Leonhand Euler (1707-
1783).

Euler descreveu o escoamento em termos de campos tridimensionais


de pressão e velocidade e modelou o escoamento como uma sucessão
contínua de elementos de fluidos infinitesimais. Aplicando o principio básico
de conservação de massas e a segunda lei de Newton, Euler obteve duas
equações diferenciais não lineares parciais, acopladas envolvendo os campos
de pressão e velocidade do escoamento. Essas equações eram muito difíceis
de serem trabalhadas, além disso, ele não levou em conta os efeitos da
fricção causada pela movimentação dos elementos fluidos, ou seja, ele
ignorou a viscosidade.

Mais de um século se passou até que surgisse uma equação que


levasse em consideração o efeito da fricção interna de um escoamento.
Claude-Louis Navier em 1822 e de forma independente George Stokes em
1845, foram os primeiros a obter esse sistema de equações diferenciais par-
ciais não lineares, chamadas de equação de Navier-Stokes. Até hoje em dia,
essas equações são o padrão matemático para descrever um escoamento
de um fluido, e ninguém conseguiu obter uma solução geral analítica delas.

1
A dificuldade de resolver as equações de Navier-Stokes para problemas
de escoamentos reais é muito frustrante para aqueles que querem calcular
a força de cisalhamento de fricção sobre uma superfície imersa num fluido.
No começo do século XX, essa frustração tornou-se mais evidente depois da
invenção do avião, pois os engenheiros e projetistas daquela época queriam
calcular o empuxo e o arrasto das aeronaves.

Figura 1 – Distribuição da pressão (p) e tensão de cisalhamento (τ) sobre um


perfil aerodinâmico

Considerando o escoamento de um fluido em torno de um corpo com


perfil aerodinâmico conforme visto na figura 1, o fluido exerce uma força
líquida, chamada de força aerodinâmica líquida, sobre o perfil aerodinâmico.
A figura 1 mostra as origens daquela força: a pressão do fluido e a tensão de
cisalhamento, que resulta da fricção entre a superfície e o escoamento.

As distribuições da pressão e da tensão de cisalhamento são os fatores


que interagem com o perfil aerodinâmico e exercem força sobre ele.

Para determinar a força, é preciso calcular as distribuições de pressão


e de tensão de cisalhamento e depois integrar sobre toda a superfície do
perfil aerodinâmico. No começo do século XX, a distribuição de pressão podia
ser obtida por diversas aproximações, assumindo que o fluido não tinha
viscosidade. Porém, para calcular a distribuição de tensão de cisalhamento
é necessário incluir a fricção interna e considerar um escoamento viscoso.
Naquele tempo, não era possível resolver as equações de Navier-Stokes para
essa situação.

2
2 Contribuições de Prandtl para a mecânica dos flui-

dos

2.1 Conceito da camada limite

Foi diante desse cenário que Prandtl apresentou em 1904, no terceiro


congresso mundial de matemática na cidade de Heidelberg, Alemanha, seu
trabalho seminal entitulado Über Flüssigkeitsbewegung bei sehr kleiner
Reibung, que quer dizer sobre movimento de um líquido com muito pouca
fricção, em tradução livre.

Esse trabalho introduziu o conceito da camada limite. Prandtl postulou


que o efeito da fricção é o que faz o fluido próximo à superfície ficar grudado
nela, ou seja, ele assumiu a condição de aderência na superfície, e que os
efeitos da fricção no fluido só ocorre dentro dessa fina camada, próxima à
superfície. Fora dessa camada limite, o escoamento é considerado invíscido,
ou seja sem viscosidade.

Figura 2 – Escoamento mostrando o conceito da camada limite

O conceito da camada limite é mostrado na figura 2. A descrição de


Prandtl para a camada limite é a seguinte: “Uma explicação satisfatória do
fenômeno físico que ocorre dentro da camada limite Grenzschicht entre o
fluido e o corpo sólido pode ser obtida assumindo a hipótese de aderência
total do fluido na parede do corpo, isto é, assumindo a hipótese que a veloci-
dade relativa entre o corpo e o líquido é zero. Caso a viscosidade seja muito

3
pequena e o deslocamento do fluido não seja muito grande, a velocidade do
fluido deve retornar ao seu valor normal a uma pequena distância da superfí-
cie. Entretanto, dentro dessa fina camada de transição Übergangsschicht a
acentuada variação de velocidade, mesmo com pequenos coeficientes de
fricção, produz efeitos significativos.”.

Um desses efeitos, mostrado na figura 2, é que a velocidade varia


enormemente em uma pequena distância normal à superfície, ou seja, a
camada limite é uma região de grande gradiente de velocidade. E, de
acordo com a lei de Newton para a tensão de cisalhamento é proporcional
ao gradiente de velocidade:
~V
τ = μ∇ (1)

~V o
onde, τ é a tensão de cisalhamento, μ é o coeficiente de viscosidade e ∇
gradiente de velocidade.

Como resultado, a força de arrasto, devido ao atrito superficial, exer-


cida no corpo não pode ser desconsiderada, o que é o oposto do que os
cientistas do século XIX acreditavam. De fato, em perfis aerodinâmicos
esbeltos, o arrasto é causado em maior parte devido ao atrito superficial.

2.2 Ponto de separação da camada limite

Outro efeito apontado por Prandtl é a separação do escoamento. Em


certos casos, em certos pontos determinados pelas condições externas, o
escoamento do fluido pode se descolar da parede do corpo sólido. Conforme
mostrado na figura 3, a camada limite se separa da superfície e o escoamento
se desloca em contra fluxo. Forma-se uma região de baixa energia na esteira
do corpo.

Para gradientes de pressão adverso, quando a pressão aumenta no


sentido de direção do escoamento, a espessura da camada limite aumenta
rapidamente. O gradiente adverso juntamente com a tensão de cisalhamento

4
Figura 3 – Ponto de separação do escoamento

na superfície diminuem a quantidade de movimento da camada limite.

A distribuição de pressão sobre a superfície do corpo muda abrupta-


mente a partir do ponto de separação. Essa mudança causa um arrasto de
pressão que atua na direção do escoamento. Quando a separação é muito
extensa, o arrasto da pressão torna-se maior que o arrasto devido ao atrito
superficial.

No ponto de separação ou deslocamento, os elementos do fluido


dentro da camada limite já perderam grande parte de sua energia cinética
devido à dissipação da energia pela fricção e não conseguem mais voltar
à região onde a pressão é crescente. Portanto, a velocidade da camada
limite praticamente desaparece. No ponto de separação existe um ponto de
inflexão, vide destaque na figura 3 e, a partir desse ponto, a camada limite
se separa da superfície.

Apesar do trabalho de Prandtl ter introduzido o conceito da camada


limite, o termo específico, camada limite, só foi utilizado uma única vez no
trabalho inteiro, em vez disso, ele utilizou o termo camada de transição.
Provavelmente, ele abandonou o último termo para evitar confusão com o
fenômeno da transição turbulenta na camada limite.

5
3 Evolução após o trabalho de Prandtl

O conceito da camada limite de Prandtl permitiu que as equações de


Navier-Stokes fossem reduzidas a uma forma mais simples. Em 1908, Prandtl
e um de seus alunos, H. Blasius, resolveram essas equações simplificadas
dentro da camada limite, para um escoamento laminar sobre uma placa
plana. Obtendo a equação para a espessura da camada limite:
5, 2
δ= p laminar (2)
Re
onde Re é o número de Reynolds local e  a posição ao longo da placa.

E, a equação para o coeficiente de fricção da superfície, que é definido


como a tensão de cisalhamento local:
0, 664
c ƒ = p (3)
Re
Finalmente, após séculos de esforços, as primeiras leis descrevendo o arrasto
fluido dinâmico devido à fricção foram obtidas.

Em 1921, Theodore von Kármán, ex-aluno de Prandtl, obteve a equação


integral do momento, integrando as equações da camada limite ao longo da
camada limite. Chegando ao resultado:
∂ dδ2 dU
ν |y=0 = U2 +U (δ1 + δ2 ) (4)
∂y d d
onde,
∞
‹
Z
δ1 () = 1− dy (5)
0 U
e,

 ‹
Z
δ2 () = 1− dy (6)
0 U U

Essa equação se mostrou aplicável em vários problemas práticos e tec-


nológicos de engenharia, e com isso, o conceito da camada limite começou
a receber maiores atenções e foi melhor aceita na comunidade científica.

Um fato histórico, que mostra como mudou a aceitação da camada


limite, pode ser observado nas edições do livro Hydrodynamics de Horace

6
Lamb. Na quinta edição de 1924, ele dedicou apenas um parágrafo para
a teoria da camada limite, enquanto na sexta edição de 1932, já havia um
capítulo completo dedicado à teoria da camada limite e suas equações.

Prandtl é considerado, com razão, o pai da aerodinâmica. Suas contri-


buições nesse campo foram muito além da camada limite, ele também foi
pioneiro no desenvolvimento da sustentação de asas e na teoria do arrasto.

Seu trabalho foi merecedor de um prêmio Nobel, porém ele nunca


foi laureado. Talvez por causa de suas atitudes políticas perante o nazismo
da época, bem como suas atitudes sociais, jamais se saberá a razão certa.
Entretanto, enquanto as pessoas estudarem fluido dinâmica, o nome de
Prandtl será sempre lembrado.

Para honrar Ludwig Prandtl e homenagear seu trabalho pioneiro na


aerodinâmica foi instituído um prêmio quatro anos após a sua morte. O
objetivo é incentivar o trabalho de futuros especialistas em aerodinâmica e
preservar o seu nome. Foi decidido adotar como símbolo um anel de ouro
com o nome de LUDWIG PRANDTL inscrito em letras maiúsculas. Nesse anel
é encravada uma pedra com a figura de uma águia simbolizando a liberdade
do pensamento.

O dia de nascimento de Prandtl, 4 de fevereiro, foi escolhido como data


para a entrega do prêmio. O primeiro ganhador foi Theodore von Kármán, em
1957. A escolha dos ganhadores é feita pela Wissenschaftliche Gesellschaft
für Luftfahrt (Sociedade cientifica para aviação).

7
4 Tradução dos termos em alemão
Flüssigkeits líquido
Bewegung movimento
klein pequeno
Reibung atrito
Grenzschicht camada Limite
Übergang transição
Schicht camada
Wissenschaft ciência
Gesellschaft sociedade
Luftfahrt aviação

8
Referências

1 J. D. Anderson Jr. Ludwig Prandt´s Boundary Layer. Physics Today,


Dezembro 2005.

2 J. D. Anderson Jr. Introduction to flight. McGraw Hill, 7th edition, 2012.

3 J. A. D. Ackroyd, B. P. Axcell, and A. I. Ruban. Early Developments of


Modern Aerodynamics. Butterworth Heinemann, 2001.

4 V. L.. Streeter and E. B. Wylie. Mecânica dos Fluidos. McGraw Hill, 7


edition, 1982.

5 F. M. White. Viscous fluid flow. McGraw Hill, 3 edition, 2006.

6 H. Schlichting. Boundary-Layer Theory. McGraw Hill, 7th edition, 1979.

7 Johanna Vogel-Prandtl. Ludwig Prandtl - A Personal Biography Drawn from


Memories and Correspondence . Universitätsverlag Göttingen, 2014.

9
View publication stats

Você também pode gostar