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GABRIEL LIMA FERNANDES

A FLEXIBILIZAÇÃO DO PODER DOS ESTADOS ANTE A NECESSÁRIA TUTELA


UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS:
POR UM NOVO DIREITO DOS REFUGIADOS

COIMBRA
2019
GABRIEL LIMA FERNANDES

A FLEXIBILIZAÇÃO DO PODER DOS ESTADOS ANTE A NECESSÁRIA TUTELA


UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS:
POR UM NOVO DIREITO DOS REFUGIADOS

Paper a ser apresentado na Faculdade de Direito da


Universidade de Coimbra, no âmbito do curso de
Mestrado em Direito, na área das Ciências
Jurídico-políticas, com menção em Direito
Constitucional, cuja finalidade é obter aprovação
na disciplina Direito Constitucional II, a qual é
ministrada pela Profª. Drª. Paula Margarida Cabral
dos Santos Veiga.

COIMBRA
2019
3

GABRIEL LIMA FERNANDES

A FLEXIBILIZAÇÃO DO PODER DOS ESTADOS ANTE A NECESSÁRIA TUTELA


UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS:
POR UM NOVO DIREITO DOS REFUGIADOS

Paper a ser apresentado na Faculdade de Direito da


Universidade de Coimbra, no âmbito do curso de
Mestrado em Direito, na área das Ciências
Jurídico-políticas, com menção em Direito
Constitucional, cuja finalidade é obter aprovação
na disciplina Direito Constitucional II, a qual é
ministrada pela Profª. Drª. Paula Margarida Cabral
dos Santos Veiga.

Aprovado em: Coimbra, ____ de __________________ de 2019.

EXAMINADORA

_______________________________________________
Profª. Drª. Paula Margarida Cabral dos Santos Veiga
FDUC

NOTA FINAL: ____


4

RESUMO
Consternado com o atual cenário dos fluxos migratórios de deslocados em função de
sistemáticas violações e/ou insuficiente tutela a direitos humanos, o presente estudo tenciona
lançar - a partir de uma pesquisa analítica, qualitativa e descritiva de dados, normas,
jurisprudência e bibliografia - duas ideias principais, quais sejam, o alargamento do conceito
internacional de refugiado e a flexibilização do Poder dos Estados, por intermédio de
legitimação constitucional, de forma transversal, de um organismo global dotado de autoridade
para gerir, juntamente com os Estados, os referidos fluxos. Para tanto, parte-se do
reconhecimento crítico de que a lógica estadualista e nacionalista de proteção dos direitos
dumanos não mais deve sustentar-se na era da globalização e ante a necessidade de se garantir
a todos, sem distinção de qualquer natureza, uma tutela suficiente aos direitos humanos
universalmente proclamados, encarando esta como medida que se impõe para a realização de
uma democracia global de caráter substancial. Demonstra-se, ainda, após afirmar que um novo
Direito dos Refugiados é preciso, os desafios que as ideias deverão enfrentar – e contornar –
para que haja uma repartição mais justa, entre os Estados, dos esforços para a solução da
problemática dos fluxos migratórios em questão e, principalmente, para que os deslocados
forçados encontrem um lugar ao sol na lógica global de proteção dos Direitos Humanos.
Palavras-chave: Refugiados. Direitos Humanos. Democracia. Globalização.
5

ABSTRACT

Dismayed by the current scenario of migratory flows of displaced persons as


a result of systematic violations and/or insufficient protection of Human Rights, the
present study intends to launch - from an analytical, qualitative and descriptive
research of data, norms, jurisprudence and bibliography – two main ideas which are
to extend the international concept of refugee and to make State power more flexible
by means of constitutional legitimization, in a transversal way, of a global
organization with the authority to manage these flows together with the States. In
order to do so, it is based on the critical recognition that the statehood and nationalist
logic of protection of Human Rights should no longer be sustained in the era of
globalization and faced with the need to guarantee to all, without distinction of any
kind, sufficient protection to universally proclaimed Human Rights, considering it as
a necessary measure for the realization of a substancial global democracy. After
stating that a new Refugee Law is necessary, it is also demonstrated that the
challenges that ideas have to face - and to avoid - in order to ensure a fairer
distribution among States of efforts to solve the problem of migratory flows and
especially for forced displaced persons to find a place in the sun in the global logic
of protecting Human Rights.
Keywords: Refugees. Human rights. Democracy. Globalization.
6

SUMÁRIO

1. Introdução ............................................................................................................................. 7
1.1. Estado-nação .................................................................................................................. 8
1.2. Democracia ................................................................................................................... 11
2. Globalização das conveniências e localização das mazelas ............................................. 13
3. Democracia global e garantia universal dos Direitos Humanos .................................... 15
4. Por um novo Direito dos Refugiados ................................................................................ 19
4.1. A problemática dos refugiados na Ordem Jurídica europeia .................................. 22
4.2. Constitucionalização transversal de um mecanismo global para gestão
compartilhada dos fluxos migratórios derivados de sistemáticas violações a direitos
humanos e/ou de precária tutela local a esses direitos .................................................... 24
5. Considerações finais ........................................................................................................... 27
6. Referências: ......................................................................................................................... 31
7

1. Introdução

Os Direitos Humanos - categoria jurídica representativa dos direitos fundamentais da


pessoa humana que foram arduamente conquistados e reconhecidos durante os séculos que
encerram a história da Existência e que encontraram na Declaração Universal dos Direitos do
Homem, de 1948, sua primeira afirmação global de cunho fortemente consensual – têm como
grande obstáculo, hodiernamente, a dicotomia entre as concepções universalista e relativista
cultural1.

O presente estudo vai encarar tal dicotomia como mais um entrave à realização da
proposta de gestão compartilhada dos fluxos de refugiados – ideia central deste trabalho que
mais adiante ganhará o devido detalhamento – e que, portanto, carece de ser superado para que
se garanta universalmente a tutela dos Direitos Humanos.

É em outro robusto obstáculo à plena realização dos Direitos Humanos, entretanto, que
o estudo se concentrará. Tratear-se-á, especialmente, dos empecilhos erigidos por atores
globais, nomeadamente por Estados nacionais e pela entidade supranacional europeia, em face
do recebimento de pessoas que, em função de terem seus direitos humanos sistematicamente
violados - violação positiva -, ou insuficientemente tutelados - violação negativa -, em seus
países de origem, buscam um lugar no espaço global em que tais direitos são satisfatoriamente
respeitados e garantidos.

Para subsidiar a ideia ora lançada, insta traçar, nesta sede introdutória, alguns
pressupostos históricos e teóricos acerca de dois dos mais importantes e atualmente debatidos
elementos da Teoria Política Normativa2, quais sejam, sucessivamente, o moderno padrão de
afirmação política de um povo sobre um determinado âmbito territorial, caracterizado como
Estado-nação, e a forma de exercício de Poder, ou no mesmo sentido, de governação – não
necessariamente estadual, mas tendencialmente transnacional no dias de hoje – que conta com
a participação ativa – mas também idealmente passiva - do povo na conformação e na
legitimação das suas ações, que é a Democracia.

1
De um lado, os universalistas afirmam os Direitos Humanos como direitos inerentes à condição humana,
reconhecendo que todo ser humano, sem distinção de qualquer natureza, em função da dignidade que lhe deve
ser garantida, é portador de um rol de direitos fundamentais universalmente reconhecidos indispensáveis à
realização da sua dignidade. De outro, os relativistas culturais, em oposição àqueles que justificam a
universalidade dos Direitos Humanos na dignidade inerente à pessoa humana, afirmam que os Direitos Humanos
não podem ser universais pois os fundamentos que sustentam qualquer direito, em dada sociedade, estão
vinculados à sua cultura e aos seus costumes, e, considerando a ampla diversidade cultural existente no mundo,
não se pode falar em uma homogeneidade de direitos universalmente reconhecidos.
2
Em contraposição à Teoria Política Positiva, a Teoria Política Normativa, informada pela Teoria da Justiça
rawlsiana, não busca a realização de generalizações baseadas em conexões de natureza causal passíveis de
demonstrações ou refutações empíricas, mas sim busca a avaliação dos modelos, existentes ou propostos, a
partir de julgamentos suscetíveis a exames racionais. Vide DE VITA, Álvaro. Teoria Política Normativa e Justiça
Rawlsiana in Lua Nova, São Paulo, 102: 93-135, 2017.
8

1.1. Estado-nação

Foram os efeitos das Paz de Westfália, caracterizada por um conjunto de tratados que
pôs fim, em 1648, à destrutiva Guerra dos Trinta Anos3 e se esforçou para delimitar as fronteiras
territoriais dos preliminares Estados europeus, reforçando a soberania destes para com eles
mesmos e de cada um para com o seu povo, inclusive no que se refere à liberdade para optar,
como religião oficial, por outra que não a referente à fé católica, conjugados com os efeitos da
Revolução Francesa, inaugurada em 1789, que, entre outros importantes feitos, como a
liberalização religiosa e a desestratificação social, consubstanciou, a partir da afirmação de uma
única identidade histórica, linguística e cultural do povo francês 4, cujos indivíduos
supostamente comungam um idêntico conceito de vida, as mesmas aspirações de futuro e os
mesmos ideais coletivos5, a Nation6 como elemento justificador da própria existência do
Estado, que a deve representar e defender, e como coletividade a quem devem ser garantidos,
a partir do abstencionismo estatal, os direitos de liberdade, que condicionaram a organização
das diversas manifestações de Poder político, espalhadas pelo mundo e baseadas na
territorialidade, em Estados-nação.

Caracterizam o Estado-nação os três elementos clássicos da concepção moderna de


Estado, a saber, o território, o Poder soberano e o povo, sendo que o nacionalismo inerente a
essa forma de organização das manifestações de Poder político conferiu, no seu apogeu, e, por
vezes, ainda insiste em conferir, ao último elemento uma justaposição com o conceito de Nação,
ignorando os recorrentes multiculturalismos e plurietnicidades existentes na origem de muitos
dos povos que são, ou foram, considerados como nações puras e unas.

Essa confusão conceitual – quase nada involuntária e inconsciente quando afirmada


oficialmente pelos Estados – não poucas vezes justificou e justifica a perseguição e aniquilação
de minorias étnicas, raciais e religiosas substancialmente integrantes de um determinado povo,
mas não necessariamente integrantes de uma afirmada nação composta por uma dada maioria
dominante. A referida confusão ganha especial relevo quando em causa o afluxo de indivíduos

3
Este conflito, um dos mais arrasadores da História, deu-se principalmente por motivos religiosos e territoriais.
A rivalidade crescente entre católicos e protestantes na Europa Central e a grande dominação territorial do
católico Sacro Império Romano-germânico tensionavam o espaço político europeu e deram lugar a batalhas
devastadoras em busca de hegemonia religiosa e expansão territorial.
4
O exemplo francês foi, entretanto, seguido pelos demais Estados no decorrer dos séculos que se seguiram, vindo
a grande maioria deles a afirmar que o seu povo, em detrimento das suas eventuais diversidades étnico-culturais,
representa uma nação unida por uma única identidade cultural, que não raramente lhe foi imposta como tal,
como bem salienta ROSSOLILLO, Francesco. Nação in BOBBIO, Norberto; METTEUCCI, Nicola; PASQUINO,
Gianfranco (orgs). Dicionário de Política, 11. ed. Brasília: Editora UNB, 1998. Vol II, p. 796-797.
5
CAETANO, Marcello. Manual de Ciência Política e Direito Constitucional. 6. ed. rev. e ampliada por Miguel
Galvão Teles. Coimbra: Livraria Almedina, 1983. Tomo I. p. 123.
6
Concepção contraposta à noção germânica, desenvolvida até meados do séc. XVIII, de Staat, ou mais
precisamente de Rechtsstaat (Estado de Direito) alemão - em que o Estado estava posicionado acima do povo,
não havendo que se falar, inclusive, em liberdades políticas a serem respeitadas pelo Estado, onde o direito
posicionava-se em justificação à supremacia estatal em detrimento do restante corpo social -, a Nation francesa
pressupunha a existência do Estado a serviço da nação, devendo garantir a todos franceses as liberdades públicas
proclamadas na Declaração dos Direitos dos Homens e dos Cidadãos de 1789. MATTEUCCI, Nicola.
Constitucionalismo in BOBBIO, Norberto; METTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco (orgs). Dicionário de
Política, 11. ed. Brasília: Editora UNB, 1998. Vol I, p. 251-252.
9

provenientes de outras nações e/ou de outros povos, não raramente considerados potenciais
dilapidadores da puridade e da unidade nacional do Estado-nação que os recebe, e também não
raramente vítimas de práticas xenófobas de nacionalismos radicais.

Outra nota importante acerca dos elementos caracterizadores do Estado-nação reside no


Poder soberano, o qual possui ao menos duas perspectivas, sendo uma voltada ao interior do
Estado, nomeadamente ao seu povo e às suas estruturas orgânicas, e outra voltada ao exterior,
caracterizando sua relação com os demais Estados e com outros atores do Direito Internacional
Público, a qual também se denomina simplesmente como Soberania.

A primeira perspectiva, a qual caracteriza-se como “o poder que tem uma Nação de
organizar-se livremente e de fazer valer dentro de seu território a universalidade de suas
decisões para a realização do bem comum”7, o que, dizendo em outras palavras, consiste na
autoridade do Estado para regular as relações sociais por meio de seus mecanismos legislativos,
executivos e judicantes, e no dever da sociedade de respeitar tal autoridade, não merece deste
estudo tantas considerações, uma vez que é no âmbito das relações externas dos Estados que
residem, principalmente, as incoerências atinentes ao desorganizado e injusto - para não dizer
cruel - tratamento da problemática dos refugiados.

O Poder soberano enquanto Soberania, por sua vez, reflete a independência de um


Estado em relação aos demais, mesmo que estes sejam mais fortes econômica ou militarmente
do que ele, e, contemporaneamente, em função dos fenômenos da internacionalização e da
transnacionalização, também revela a autonomia daquele em relação aos organismos que
transcendem a estrutura do próprio Estado e que não raramente são dotados de Poder e
ingerência, garantindo, assim, aos entes estaduais o lugar de mais alta e derradeira instância
decisória. É, portanto, a afirmação perante a comunidade internacional de que naquele Estado
soberano só as suas próprias normas e decisões são dotadas de observância vinculante por parte
dele mesmo e dos sujeitos que o integram.

Esta perspectiva do Poder soberano é habitualmente invocada pelos Estados,


especialmente por aqueles de forte teor nacionalista e soberanista, para soerguer os já referidos
empecilhos à recepção de indivíduos cujos direitos humanos são sistematicamente violados ou
insuficientemente tutelados em seus países de origem, servindo, por vezes, como alicerce
jurídico-político para camuflar tendências xenófobas e ideais de superioridade étnico-cultural.

Sem questionar a independência que os Estados precisam ter nas relações internacionais,
é precisamente na qualidade de mais alta e derradeira instância decisória que este trabalho vem
apresentar uma proposta de flexibilização em favor de uma mais organizada, justa e efetiva
gestão dos fluxos de refugiados, e, consequentemente, em prol da plena tutela dos Direitos
Humanos, por constatar - como se verá nos próximos parágrafos - que foi na aliança do
soberanismo radical com os ideais de superiodade étnica, racial, religiosa e cultural que o
Estado-nação viu começar, em meados do século XX, o seu declínio, normalmente denominado
de Crise do Estado-nação, e por entender que não há mais lugar para a indiferença com a

7
REALE, Miguel. Teoria do direito e do estado. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 140
10

problemática dos refugiados e a transigência em relação a violações a direitos humanos em


nome da soberania nacional.

Adotando a concepção de Hannah Arendt8 acerca dos motivos que levaram o Estado-
nação à crise que perdura por mais de seis décadas, ilumina-se a letalidade das duas grandes
guerras mundiais ocorridas no século XX e as consequências da primeira, no período entre
guerras - que deram ensejo ao fortalecimento de movimentos ultranacionalistas e autoritaristas
nos países que viriam integrar o Eixo na segunda grande guerra, nomeadamente, o fascismo
italiano e o nazismo alemão - e da segunda, no pós-guerra, como gênese do declínio.

Tais consequências, assim como a letalidade da segunda grande guerra, consistiram,


mormente, na perseguição, por parte dos países vencedores, de minorias nacionais, em especial
daquelas pertencentes aos países vencidos que, em função de seus territórios encontrarem-se
imensamente destruídos e seus meios de subsistência altamente deteriorados, migravam para
aqueles em busca de melhores condições de vida, e na aniquilação, por parte dos países do Eixo,
de minorias étnicas, raciais e religiosas, consideradas inimigas da superioridade nacional desses
países em relação às demais nações, que tem como principal e mais lastimável exemplo o
Holocausto.

Destarte, os Direitos Humanos em geral, mas especialmente os da primeira geração 9,


tão defendidos na origem do Estado-nação, a propósito da Revolução Francesa e da Declaração
dos Direitos do Homem e do Cidadão, mas que se difundiram para os demais Estados e por eles
eram tutelados, já não mais estavam sendo garantidos por todos, mas apenas pelos países
vencedores, gerando uma grande massa de refugiados que restavam excluídos da lógica dos
Direitos Humanos, à semelhança do que ocorre contemporaneamente, como se verá mais
adiante.

8
Filósofa alemã de origem judaica, Hannah Arendt foi vítima do antissemitismo nazista após a chegada de Hitler
ao poder na Alemanha, em 1933, principalmente em função de combater arduamente o nacional socialismo e
seus ideais xenófobos. O livro de sua autoria que serve de base para a elucidação dos seus pensamentos acerca
dos motivos pelos quais o Estado-nação entrou em crise é ARENDT, Hannah. As origens do totaliratismo. 3.
reimp. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. Destaca-se, dentro dessa obra, o subtópico 5 “O declínio do
Estado-nação e o fim dos direitos do homem”, da Parte II “O Imperialismo”, compreendido entre as páginas 300
e 336.
9
Fala-se em primeira geração dos Direitos Humanos, pois adota-se a Teoria Geracional dos Direitos Humanos,
bastante informada pelas lições de Norberto Bobbio em sua obra em geral, mas em especial no seu “A Era dos
Direitos” (p. 5) - onde ilumina que tais direitos não surgiram todos de uma vez, muito menos surgiram eles do
nada, mas sim são consequências, ou melhor, conquistas, das lutas históricas por mais liberdade e igualdade e
por menos opressão. A Teoria em questão é bastante informada pelas lições de Bobbio, mas foi o jurista tcheco
Karel Vasak, em aula inaugural proferida no Curso do Instituto Internacional dos Direitos do Homem, em
Estrasburgo, em 1979, que dividiu os direitos em três gerações, sendo a primeira correspondente às liberdades
públicas, ou seja, ao dever do estado de se abster de cercear a liberdade do indivíduo, e à igualdade formal
perante a lei; a segunda correspondente aos direitos sociais, os quais são capazes de estabelecer a igualdade
material entre os indivíduos e dependem não mais do abstencionismo estatal, mas sim do seu prestacionismo e
da criação das condições para que esses direitos se realizem; e a terceira correspondente aos direitos
transindividuais difusos, cuja titularidade é impossível individualizar senão a partir da atribuição desses direitos
a todos os indivíduos em conjunto, e cuja responsabilidade não pode-se atribuir apenas ao Estado ou apenas ao
indivíduo, mas sim a todos os que integram a sociedade, podendo-se então falar em direitos de fraternidade e
de solidariedade.
11

A questão gira, portanto, em torno da garantia seletiva dos Direitos Humanos, havendo
sempre, no passado e no presente, indivíduos excluídos da lógica desses direitos, o que leva
uma atual releitura de Arendt10 a considerar que há “uma irrefragável contradição entre Estado
de Direito e Estado-Nação: aquele supõe o reconhecimento dos direitos do homem sobre uma
base universal; este reserva o benefício do reconhecimento aos seus próprios membros, e
apenas”, o que condiciona a persistência da crise do Estado-nação e da necessidade de busca de
um modelo que garanta dignidade a todos, indistintamente.

1.2. Democracia

A Democracia, enquanto forma de governação participativa, detém dois sentidos, quais


sejam, formal e substancial - pelo que a democracia perfeita seria a conjugação de ambos11 -
em que pese os formalistas a concebam apenas como mecanismo de participação ativa dos
cidadãos, podendo esta participação ser por representação, como geralmente o é, nos rumos do
Estado.

Em sentido formal, a Democracia se verifica quando há, em um ambiente de tolerância,


solução pacífica dos conflitos sociais, eliminação da violência institucional e revezamento da
classe política12, sem olvidar da inerente participação política ativa dos indivíduos, de forma
direta ou por meio de representantes. Esse sentido não carece de maior atenção por parte deste
estudo, uma vez que é na afirmação do sentido material da Democracia que possivelmente
reside a solução da problemática dos fluxos migratórios derivados de graves e sistemáticas
violações de direitos humanos, ou de sua insuficiente tutela.

10
LOCHAK, Danièle. Étrangers, Refugiés, Migrants: Hannah Arendt Aujourd`hui, in KUPIEC, Anne; LEIBOVICI,
Martine; MUHLMANN, Géraldine; e TASSIN, Étienne. Hannah Arendt – Crises de L´État-Nation. Paris: Sens et
Tonka, 2007. pg. 167. apud CUNHA, José Manoel. Crise do Estado-nação e virtude do federalismo: uma incursão
por Hannah Arendt in Revista Julgar, n. 14, p. 167. Coimbra: Coimbra Editora, 2011.
11
BOBBIO, Norberto. Democracia in BOBBIO, Norberto; METTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco (orgs).
Dicionário de Política, 11. ed. Brasília: Editora UNB, 1998. Vol I, p. 329. Bobbio afirma que a democracia ideal
seria a conjugação do seu aspecto formal com seu aspecto substancial. Afirma, entretanto, que por essa
democracia perfeita ainda não ter se realizado em nenhuma parte do mundo ela se mostra utópica. Tal
concepção, embora carregue um prudente ceticismo político, deve ser mitigada porque, embora o ideal seja de
difícil alcance, a sua busca incessante não pode ser deixada de lado, sob pena de não se ter sequer o suficiente.
Daí concluir-se que a democracia ideal é aquela que possa conjugar, ao máximo, mesmo que não totalmente,
ambos as faces da democracia.
12
BOBBIO, Norberto. Democracia in BOBBIO, Norberto; METTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco (orgs).
Dicionário de Política, 11. ed. Brasília: Editora UNB, 1998. Vol I, p. 326.
12

Em sentido substancial, a Democracia pressupõe pleno respeito à dignidade humana,


garantindo-se a todos igualdade real13 – e não apenas formal - e segurança social, em busca da
realização da justiça social por meio da redução das desigualdades socioeconômicas14.

Igualdade especialmente no que concerne ao acesso à justiça, à participação política, ao


acesso, permanência e bom desempenho nos meios acadêmicos e de qualificação profissional,
à obtenção de trabalho, entre outras questões que não raramente compõem-se de privilégios e
privilegiados.

Segurança a ser garantida a partir do pleno acesso a um rendimento mínimo que permita
a todos uma vida digna, a um serviço público qualificado de saúde e a um sistema previdenciário
hígido para o momento da perda da capacidade de trabalho.

A simples abstenção do Estado não é suficiente para garantir a realização da Democracia


em seu sentido substancial. O abstencionismo garante tão somente – e, mesmo assim, de forma
seletiva – os direitos humanos de primeira geração. É necessário que o Estado assuma, por
intermédio de ações afirmativas e políticas públicas de inclusão social15 que tutelem os Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais, um papel prestacionista para a realização da igualdade
material e para a garantia da segurança social, pressupostos indispensáveis para o próprio
exercício pleno das liberdades públicas.
Considerando que o mundo se encontra na era da globalização 16 e que, cada vez mais,
consubstancia-se uma sociedade global a partir de intensos fluxos de mercadorias, capitais,
serviços, informações e pessoas, que reduzem ou até eliminam as fronteiras - embora também
seletivamente, como melhor se abordará no próximo tópico - é cada vez mais desarrazoado
falar-se em garantia de direitos humanos para alguns em detrimento de outros, pelo que, embora
uma democracia global em sentido formal seja de muito difícil realização, como se verificará
mais adiante, incontornável é falar na realização de uma democracia substancial a nível global
com a plena e universal tutela dos Direitos Humanos.

13
Em oposição à igualdade formal, a igualdade real pressupõe que todos tenham seus direitos tutelados de forma
isonômica, observada, entretanto, a medida das suas desigualdades. Dizendo de outra forma, Boaventura de
Sousa Santos afirma “(...) temos o direito de ser iguais quando a diferença nos inferioriza e a ser diferentes
quando a igualdade nos descaracteriza“. SANTOS, Boaventura de Sousa Santos. Os Processos da Globalização in
________. A Globalização e as Ciências Sociais. 2. ed. São Paulo: Cortez Editora, 2002. p. 75.
14
DE MELLO, Celso Antônio Bandeira. A democracia e suas dificuldades contemporâneas in Revista de
Informação Legislativa. Brasília a. 35 n. 137 jan./mar. 1998. p. 263.
15
As ações afirmativas são medidas especiais e temporárias voltadas à eliminação de desigualdades
historicamente estabelecidas por motivos de raça, etnia, religião, gênero, orientação sexual, entre outros, e ao
alcance da igualdade real. Tais ações afirmativas, quando levadas a cabo pelo Estado, o são por intermédio de
políticas públicas de inclusão social.
16
GIDDENS, Anthony. O mundo na era da globalização. Barcarena: Editorial Presença, 2006. p. 19. “Vivemos num
mundo de transformações, que afectam quase tudo o que fazemos. Para o melhor ou para o pior, estamos a ser
empurrados para uma ordem global que ainda não compreendemos na sua totalidade, mas cujos efeitos já se
fazem sentir em nós“.
13

2. Globalização das conveniências e localização das mazelas


Na esteira do referido no tópico introdutório, o mundo vivencia, desde o advento da
revolução técnico-científico-informacional17 e da ascensão do neoliberalismo econômico em
contraposição ao estado do bem-estar social, portanto, desde as três últimas décadas do século
XX, o fenômeno da globalização.

Tal fenômeno tem como cânone fundamental a integração, a nível global - a partir da
tendencial liberalização da circulação - dos fluxos de mercadorias, capitais, serviços,
informações e pessoas que, em função da ausência de técnica hábil e/ou de incentivos
financeiros, quedavam restritos ao âmbito local (nacional) ou, quando muito, encontravam nas
rudimentares tentativas de integração a nível regional caminhos para se agregarem.

Esse processo – muito bem caracterizado como hegemônico por Boaventura de Sousa
18
Santos - não busca, todavia, a integração plena de todos os elementos componentes dos
referidos fluxos, mas apenas daqueles que contribuam para o fortalecimento das economias dos
países desenvolvidos e emergentes e dos conglomerados empresariais multi e transnacionais,
estes que são os principais impulsionadores do fenômeno e são, sem qualquer dúvida, os seus
principais beneficiados19.

A seletividade da globalização bem se observa quando em foco a integração dos fluxos


de pessoas, o que, diga-se, é muito oportuno para a informação deste estudo.

Na dinâmica desse processo vê-se que aos turistas, aos profissionais qualificados, aos
aposentados, aos investidores, aos estudantes e aos pesquisadores, o sinal da livre circulação é
permanentemente verde e as portas dos países do dito “norte global”20, isto é, do “mundo
globalizado”, estão sempre abertas. Por outro lado, o acesso a este mundo é geralmente interdito
aos pobres, aos famintos, aos desabrigados, aos desempregados, aos deslocados 21 e aos

17
Também denominada de terceira revolução industrial, a revolução técnico-científico-informacional é o motor
da globalização e do capitalismo contemporâneo e consubstancia-se na adoção, em todos os setores da vida,
especialmente nos meios de produção, nas infraestruturas de transporte e nas ferramentas de comunicação, das
inovadoras ferramentas informáticas, robóticas, biotecnológicas, nanotecnológicas, entre outras.
18
SANTOS, Boaventura de Sousa Santos. Os Processos da Globalização in ________. A Globalização e as Ciências
Sociais. 2. ed. São Paulo: Cortez Editora, 2002. p. 75-79.
19
Segundo a pesquisa ”2018 Globalization Report: Who benefits most from globalization?“, realizada pela
Fundação Bertelsmann, os países industrializados são os que mais se beneficiam dos processos de integração
que compõem a globalização.
20
Em referência à regionalização do mundo entre os países dotados de elevado Produto Interno Bruto e
condições históricas de acúmulo de poder e de riquezas em relação aos demais, os quais integram o dito norte
global, e os países que apresentam os maiores índices de pobreza, de violência e de desigualdades sociais, sendo
fortemente dependentes economicamente, estes classificados como integrantes do sul global.
21
Refere-se neste ponto aos deslocados internos, pessoas que têm os seus direitos humanos sistematicamente
violados e/ou insuficientemente tutelados nos seus países de origem, mas que dele não conseguem sair para
reclamar por proteção internacional e, por isso, não raramente deslocam-se dentro dos seus próprios países a
procura de mais dignas condições de vida.
14

refugiados. A realidade que se impõe é: àqueles, pontes; a estes, muros 22; vestindo com uma
roupa nova a dicotomia schmittiana amigo/inimigo23.

A globalização possui, de forma geral, mas especialmente no que se refere aos fluxos
de pessoas, portanto, duas faces. A primeira delas, caracterizada como fábula 24, reflete, no
âmbito do fluxo de informações, um espaço global perfeitamente integrado, onde as diferenças
não se desdobram em desigualdade, mas antes enriquecem socio-culturalmente os sujeitos
inseridos no processo, buscando-se afirmar a ideologia da homogeneização da identidade. A
segunda, por sua vez, denominada de perversidade25 - que nada perde em sentido quando
designada como globalização realidade - revela, ou melhor, impõe, que, em função da
seletividade da lógica da globalização, muitos são os totalmente relegados dos benefícios
instituídos pela integração, fadados ao desemprego, à pobreza e à fome nos seus espaços locais.

É exatamente no âmbito da globalização perversidade - ou realidade - que se encontram


inseridos os indivíduos que têm seus direitos humanos sistematicamente violados ou

22
Dentre os vários muros erguidos para impedir que os excluídos da lógica da globalização alcancem o mundo
globalizado, destaca-se o Muro da Cisjordânia, destinado a isolar os palestinos do território israelense; o Muro
do México, destinado a impedir que os mexicanos alcancem os Estados Unidos da América e o tão sonhado - e
difundido pelos EUA como sonho necessário - American Way of Life; os Muros de Ceuta e Melilla, ambos no norte
do Marrocos, voltados a fechar as portas do Mar Mediterrâneo e, consequentemente, da Europa, aos africanos;
o Muro de Calais, destinado à impedir que os refugiados isolados no norte da França atravessem o Canal da
Mancha e cheguem até o Reino Unido; os Muros na fronteira da Bulgária e da Grécia com a Turquia, também
voltados à tampar as portas europeias aos fluxos migratórios, provenientes do oriente médio, que fogem de
conflitos armados ali situados e de situações em que os direitos humanos são sistematicamente violados; e,
ainda, o prometido Muro da Hungria, que servirá como segunda barreira a evitar que os refugiados que já se
encontram em território europeu alcancem os países mais desenvolvidos do continente.
23
Tal dicotomia, teorizada por Carl Schmitt, foi uma das perspectivas fundamentadoras da ideologia nazista,
servindo de pressuposto teórico para o isolamento de judeus em guetos, para a perseguição, detenção e
extermínio de judeus, ciganos e homossexuais, dentre outros grupos minoritários, que não integravam a
almejada raça pura ariana, e consistia na rejeição do pluralismo e na valorização, em forma de defesa, de uma
identidade nacional homogênea, considerando como inimigo todo aquele que fosse diferente, em especial os
estrangeiros. É por verificar que essa dicotomia resiste contemporaneamente que a Prof. Dra. Paula Veiga
questiona-se - por outro propósito diferente do relacionado a este estudo, é verdade, mas com muito valor a
agregar a ele - “haverá lugar para inimigos numa lógica constitucional democrática plural?”. VEIGA, Paula. Direito
de sufrágio activo de estrangeiros legalmente residentes: dicotomia schmittiana, universalismo kantiano ou
inclusividade? in CORREIA, Fernando Alves; MACHADO, Jónatas Eduardo Mendes; LOUREIRO, João Carlos (orgs.).
Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Joaquim Gomes Canotilho. Coimbra: Coimbra Editora, 2012. Vol.
3. p. 980. É por entender que a resposta à essa questão é negativa que este estudo busca demonstrar que não é
mais tolerável que só alguns estejam inseridos na lógica da globalização e da proteção dos Direitos Humanos.
24
SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 6. ed. Rio de
Janeiro: Editora Record, 2001. p. 18-19. Para o autor, a globalização como fábula é o reflexo do mundo “tal como
nos fazem crer”. São exatamente os atores globais que mais se beneficiam da globalização tal como ela é que
fazem crer a todos “um certo número de fantasias, cuja repetição, entretanto, acaba por se tornar uma base
aparentemente sólida de sua interpretação”, como, por exemplo, a apologia de que ”um mercado avassalador
dito global é (...) capaz de homogeneizar o planeta quando, na verdade, as diferenças locais são aprofundadas”.
Verifica-se, portanto, “uma busca de uniformidade, ao serviço dos atores hegemônicos, mas o mundo se torna
menos unido, tornando mais distante o sonho de uma cidadania verdadeiramente universal”.
25
SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 6. ed. Rio de
Janeiro: Editora Record, 2001. p. 19-20. O autor, ao se referir à globalização perversidade como “o mundo tal
como ele é” - em contraposição ao “mundo tal como nos fazem crer”, da globalização fábula - afirma que “a
perversidade sistêmica que está na raiz dessa evolução negativa da humanidade tem relação com a adesão
desenfreada aos comportamentos competitivos que atualmente caracterizam as ações hegemônicas. Todas
essas mazelas são direta ou indiretamente imputáveis ao presente processo de globalização”
15

insuficientemente tutelados nos seus países de origem, aqueles para quem, como dito
anteriormente, o acesso ao “mundo globalizado” está geralmente interditado, estabelecendo-se,
portanto, a globalização daquilo que convém ao já referido cânone fundamental do fenômeno
e a localização das mazelas humanas suportadas nos lugares mais pobres e menos
desenvolvidos do mundo.

Sensibilizados com a realidade escamoteada pela fábula, soerguem-se movimentos e


pensamentos contra-hegemônicos de globalização26, dentre os quais destaca-se a possibilidade
de uma outra globalização27 defendida por Milton Santos - a que este estudo se filia - e que
consiste na implementação de uma globalização solidária, voltada não apenas ao
desenvolvimento econômico de alguns em detrimento de uma maioria desfavorecida, mas sim
voltada ao desenvolvimento social e à redução das desigualdades, que o mesmo é dizer: a
realização de uma globalização que insira todos, sem distinção e restrição de qualquer natureza,
na lógica da proteção e efetivação dos Direitos Humanos.

3. Democracia global e garantia universal dos Direitos Humanos


Os Direitos Humanos, embora tenham sua origem dispersa nos vários períodos
históricos da Existência e possam ser associados às lutas de emancipação dos indivíduos da
arbitrariedade do Estado e da opressão das classes dominantes, encontraram consenso geral
após as atrocidades verificadas na primeira metade do século XX, especialmente no contexto
da segunda grande guerra mundial.

A Carta das Nações Unidas, assinada em 26 de junho de 1945 por cinquenta países, e
que hoje conta com a adesão de todos os Estados formalmente reconhecidos28, que traz em seu
preâmbulo o objetivo de “preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra, que por duas
vezes, no espaço da nossa vida, trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade”, conquanto não
seja propriamente um documento internacional de direitos humanos, marcou a preliminar
sinalização de uma então formada comunidade internacional pelo reconhecimento universal dos
Direitos Humanos a partir da busca por “uma cooperação internacional para resolver os
problemas internacionais de caráter econômico, social, cultural ou humanitário, e para

26
SANTOS, Boaventura de Sousa Santos. Os Processos da Globalização in ________. A Globalização e as Ciências
Sociais. 2. ed. São Paulo: Cortez Editora, 2002. p. 67-70. Boaventura de Sousa Santos leciona que a globalização
contra-hegemônica - forma de resistência às perversidades geradas pela globalização hegemônica - possui dois
modos de produção, quais sejam, o patrimônio comum da humanidade e o cosmopolitismo, este que mais
interessa a este estudo, uma vez que aquele se refere ”às lutas transnacionais pela protecção e
desmercadorização de recursos, entidades, artefactos, ambientes considerados essenciais para a sobrevivência
digna da humanidade e cuja sustentabilidade só pode ser garantida à escala planetária”. O cosmopolitimo é, por
sua vez, a composição de movimentos e pensamentos contra-hegemônicos que buscam, entre outras coisas, a
realização dos Direitos Humanos em geral, mas em particular os direitos econômicos, sociais e culturais, em meio
aos movimentos de integração que usualmente olvidam tais direitos.
27
SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 6. ed. Rio de
Janeiro: Editora Record, 2001. p. 20-21. O autor defende que a globalização pode assumir o papel de mola
propulsora de um "mundo como [ele] pode ser”, se as ferramentas da globalização, que atualmente servem ao
desenvolvimento do capital, forem canalizadas para servir a fundamentos sociais e políticos mais humanos.
28
Com exceção do Vaticano e de Taiwan.
16

promover e estimular o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais para todos,
sem distinção de raça, sexo, língua ou religião”.

Os propósitos afirmados na referida Carta acerca da “fé nos direitos fundamentais do


homem, na dignidade e no valor do ser humano” serviram de alicerce para a proclamação, em
1948, por parte das Nações Unidas, da Declaração Universal dos Direitos Humanos, primeiro
documento internacional exclusivamente de Direitos Humanos, no qual foram ditos universais
tanto os direitos de primeira geração quanto os direitos de segunda geração.

Dentre os direitos universalmente proclamados na Declaração, deve-se destacar, para os


fins deste estudo, os direitos à vida digna29, à liberdade – inclusive de pensamento, de
consciência e de religião -, à igualdade - direito pelo qual todas as pessoas, “sem distinção
alguma, nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião política ou
outra, de origem nacional ou social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra situação”,
podem invocar os demais direitos elencados no documento em questão e exigir a sua efetivação
-, à nacionalidade, à segurança pessoal e social, ao trabalho e à proteção contra o desemprego,
à uma remuneração que conceda a si e à sua família uma vida digna, à saúde, à alimentação, à
habitação, à fruição das artes e à participação nos benefícios do progresso científico, ao asilo
em caso de perseguição no seu país de origem, assim como, deve-se iluminar também a
universalização das proibições à escravidão, à servidão, à tortura, às penas e ao tratamento
cruéis, desumanos ou degradantes.

A Declaração não foi dotada, no ato de sua proclamação, de efeito vinculante, em função
da persistência, à época, de Estados que consideravam que os Direitos Humanos eram matéria
de competência interna e não deveriam ser disciplinados internacionalmente. Recebeu,
portanto, a forma de resolução da Assembleia Geral, e não de Tratado Internacional, assumindo,
assim, o caráter de soft law, pelo que, por algum tempo, foi encarada como mera recomendação
e diretriz para as ações dos Estados-parte das Nações Unidas em relação aos direitos
fundamentais dos seus nacionais.

Este documento, que de forma muito acertada qualifica todas as pessoas como membras
da família humana, no entanto, carrega – e carregava – valores que deviam ultrapassar os limites
de um texto diretivo não vinculante e logo assumiu - inclusive pelos fatos atrozes que lhe deram
substância e possibilitaram o consenso político em seu entorno - força cogente moral no cenário
internacional, servindo de fundamento para a elaboração dos Pactos Internacionais sobre os
Direitos Civis e Políticos e sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ambos de 1966
- estes sim dotados de vinculatividade e juridicidade no plano do Direito Internacional - assim
como, para os demais documentos regionais de afirmação dos Direitos Humanos, como a
Convenção Europeia dos Direitos Humanos (1950), a Convenção Americana sobre os Direitos
Humanos (1969), a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (1981) e a incipiente
Carta Asiática dos Direitos Humanos30.

29
Art. 3º c/c 25º, da Declaração Universal dos Direitos Humanos – DUDH.
30
Os Direitos Humanos na Ásia, em função da diversidade étnica, cultural, religiosa e política deste continente,
nunca alcançaram um nível mínimo de consenso para que fosse editado um documento regional que consagrasse
o reconhecimento e a proteção desses direitos a nível regional, embora a maioria esmagadora dos Estados que
17

O alcance dos efeitos da Declaração não se restringiu, contudo, ao âmbito internacional,


mas se desdobrou no cenário local, fazendo com que as Constituições adotadas no âmbito dos
Estados-nação passassem a estabelecer, majoritariamente, os direitos fundamentais dos seus
cidadãos com base naqueles afirmados universalmente nos documentos internacionais de
Direitos Humanos, bem como, repercutindo como ratio informadora de decisões
administrativas e judiciais.

É importante frisar que, salvo poucas não ratificações e parcas reservas, os documentos
internacionais de Direitos Humanos, em especial os Pactos Internacionais de 1966, são aderidos
pela quase totalidade de Estados formalmente reconhecidos pela comunidade internacional,
pelo que se torna bastante inviável sustentar a relativização desses direitos e a não consideração
deles como valores universalmente estabelecidos e afirmados, fundados na dignidade da pessoa
humana e encarregados da busca pela paz, inclusive pela abjeção que seria conformar-se com
a proclamação da dignidade da pessoa como mera cláusula de estilo.31

Assim como se dá na globalização perversidade, a lógica de efetivação dos Direitos


Humanos também se revela dual e, porque não, seletiva, mesmo que, como visto, a grande
maioria dos Estados faça parte de documentos internacionais vinculativos de proteção desses
direitos e, ao menos formalmente, os afirmem como valores a eles imprescindíveis.

Em que pese significativa parcela da população mundial esteja inserida em sociedades


que respeitam os Direitos Humanos e componha Estados que tutelam suficientemente tais
direitos, junto com a exclusão de indivíduos dos movimentos de integração espacial e
mercadológica empreendida pela globalização, permanecem, e exacerbam-se, os problemas
relacionados ao desemprego, à pobreza e à fome, para além dos relacionados às perseguições
de cunho étnico, racial, original, sexual, religioso e político operados em pseudo-democracias,
ou democracias de baixa intensidade32, ou em Estados deliberadamente anti-democráticos, que
dão causa a deslocamentos internos e externos de pessoas em busca de paz e de condições
dignas de vida.

a compõem façam parte da Carta Internacional dos Direitos Humanos. Contudo, um grupo de ativistas de Direitos
Humanos e de organizações não governamentais pactuaram, simbolicamente, em 1977, a Carta Asiática dos
Direitos Humanos. Tal documento, entretanto, não possui qualquer força jurídica e tampouco é reconhecida pela
comunidade internacional como um documento hábil a informar a dinâmica dos Direitos Humanos a nível global.
A iniciativa é, todavia, prova de que os Direitos Humanos não são ignorados no oriente, mas que, muito pelo
contrário, há ali sujeitos de Direito Internacional preocupados com a afirmação da universalidade desses direitos.
31
MARQUES, Mário Reis. A dignidade humana: minimvm invulnerável ou simples cláusula de estilo? in CORREIA,
Fernando Alves; MACHADO, Jónatas Eduardo Mendes; LOUREIRO, João Carlos (orgs.). Estudos em Homenagem
ao Prof. Doutor José Joaquim Gomes Canotilho. Coimbra: Coimbra Editora, 2012. Vol. 2. p. 429. O autor se
questiona - e este questionamento mostra-se muito adequado também a este estudo -: “(...) será a dignidade
humana uma mera ‘proclamação retórica’, uma simples cláusula de estilo? Caso a respostas seja positiva estarão
definitivamente abertas as portas à edificação de um direito gestionário, e ter-se-á perdido a oportunidade de
edificar a sociedade e o Estado de direitos humanos”.
32
SANTOS, Boaventura de Sousa; AVRITZER, Leonardo. Para ampliar o cânone democrático in SANTOS,
Boaventura de Sousa (org.). Democratizar a democracia: os caminhos da democracia participativa. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. p. 72-75. O autor entende por democracias de baixa intensidade aquelas
que, embora formalmente democráticas, não contam com um elevado grau de participação do povo na
determinação dos rumos do país.
18

Daí por que o transporte para a contemporaneidade das ideias de Hannah Arendt acerca
da garantia desigual de Direitos Humanos como uma das principais causas da crise do Estado-
nação mostra-se tão pertinente. Prolonga-se – embora agora não mais principalmente por razões
de dominação bélica - a realidade que revela serem os Direitos Humanos para alguns,
essencialmente para aqueles a quem o sinal sempre está verde, em detrimento daqueles a quem
as portas geralmente estão fechadas e que nem no refúgio encontram sempre a adequada
proteção, como melhor se verificará no tópico subsequente.

Como já prenunciado no tópico introdutório, este estudo enxerga na democracia a nível


global o caminho para a minimização das desigualdades regionais, para a emancipação das já
aqui pisadas e repisadas mazelas que assolam a humanidade e para a erradicação das dualidades
existentes no fenômeno da globalização e na lógica dos Direitos Humanos.

A Democracia, enquanto conceito não estanque e, portanto, amoldável ao contexto


histórico em que se insere33, pode informar um “sistema global democrático e coletivamente
racional”34, fundado na fraternidade e solidariedade globais, na afirmação de uma cidadania
global35-36 - ou pós-nacional37 - e no sentimento de pertencimento à uma família humana que
transcende as fronteiras estaduais e os interesses hiperindividuais. Esse sistema, para se tornar
real, carece de uma efetiva distribuição democrática das riquezas38, tanto entre as pessoas como
entre os países, e demanda a garantia universal dos Direitos Humanos.

33
BAUMAN, Zigmunt. Entrevista sobre “expectativas para o século XXI, internet, a necessidade de construção de
políticas globais, a construção de uma nova definição de democracia, entre outros temas”, concedida ao Núcleo
de Pesquisa em Estudos Culturais - Npec e produzida pela CPFL Energia e pelo Fronteiras do Pensamento. Npec:
23 jul. 2011. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=1miAVUQhdwM>. Acesso em: 10/01/19.
34
CHASE-DUNN, Christopher. LERRO, Bruce. Democratização da Governança Global: perspectivas históricas
mundiais in Revista Sociologias. Porto Alegre. ano 15, nº 52, jan./abr. 2015. p. 60.
35
CANOTILHO, Mariana Rodrigues. Com lenço e com documento: a propósito do exercício transnacional de
direitos fundamentais in CORREIA, Fernando Alves; MACHADO, Jónatas Eduardo Mendes; LOUREIRO, João Carlos
(orgs.). Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Joaquim Gomes Canotilho. Coimbra: Coimbra Editora,
2012. Vol. 3. p. 211-226. Neste estudo, Mariana Canotilho critica as atitudes de alguns Estados europeus - e a
postura letárgica dos órgãos da União Europeia ante essas atitudes – no sentido de cercear, inclusive com a
suspensão temporária do Acordo de Schengen, o livre manifestar dos cidadãos europeus, oriundos dos vários
países componentes da União, aquando, principalmente, de reuniões dos organismos comunitários. Uma só frase
transcrita do estudo é capaz de dizer tudo que se pretende: “No fundo, há liberdade de circulação para produzir
e fazer trocas comerciais, mas, aparentemente, não há liberdade de circulação para, simplesmente, ser cidadão”.
É essa perspectiva que se transporta, neste estudo, para o plano global. Em plena era da globalização, quer-se o
indivíduo cada vez mais “cidadão do mundo”, cada vez mais integrado, mas, como visto, não todo indivíduo, mas
sim aquele que pode contribuir para o desenvolvimento dos objetivos econômico-financeiros desse fenômeno,
e essa discriminação já não pode mais ser tolerada.
36
Ilumina-se, sobre o complexo conceito de cidadania e os seus hodiernos contornos, o artigo VEIGA, Paula.
Cidadania: cambiante de um conceito e suas incidências político-constitucionais in Boletim da Faculdade de
Direito. Vol. 82. Coimbra: FDUC, 2006., em especial a constatação, contida na página 403, de que “também a
cidadania é hoje um conceito complexo e multidimensional, podendo configurar-se várias cidadanias
concorrentes e/ou sobrepostas”, reconhecendo que, assim como coexistem vários planos de ordens jurídicas -
internacional, regional e nacional -, o mesmo pode - e deve - acontecer com a cidadania.
37
SANTOS, Boaventura de Sousa. Direitos Humanos: o desafio da interculturalidade in Revista Direitos Humanos.
Brasília. jun. 2009. p.11.
38
SANTOS, Boaventura de Sousa Santos. Os Processos da Globalização in ________. A Globalização e as Ciências
Sociais. 2. ed. São Paulo: Cortez Editora, 2002. p. 75.
19

A Democracia perfeita, como já visto, seria a justa conjugação dos seus aspectos formal
e substancial, o que, para os mais céticos, não se alcançou plenamente nem no plano nacional,
que dirá alcançar-se-á no plano global, especialmente em função da dificuldade de
implementação de um mecanismo de accountability internacional às eventuais instituições
globais democráticas39.

Parece mais adequado, outrossim, buscar-se, na esteira do que defende Anne Peters40 e
em curiosa subsunção à premonição de Bauman41, a integração de diversos níveis de
Democracia, caracterizada por um verdadeiro multinível de governação e legitimada pela
participação política do indivíduo na formação da vontade global, sendo suficiente para o
atendimento dos objetivos emancipadores e igualitaristas há pouco elucidados, por ora, a
convivência de democracias em sentido formal, a nível local, com a Democracia em sentido
substancial, a nível global, sendo esta desenhada nos moldes do sistema global democrático e
coletivamente racional, também há pouco conceituado, para cuidar das matérias que,
inevitavelmente, transcendem as fronteiras e o controle estaduais42, como é o caso da necessária
tutela efetiva dos Direitos Humanos de indivíduos que têm esses direitos sistematicamente
violados ou insuficientemente tutelados pelos seus países de origem e que, por isso, deslocam-
se, interna e externamente, em busca de refúgio.

4. Por um novo Direito dos Refugiados

O Direito Internacional dos Direitos Humanos, enquanto disciplina internacionalista que


busca normatizar, globalmente, o sistema de proteção de Direitos Humanos, estatuiu, ao longo
do tempo, principalmente, dois mecanismos de salvaguarda de alguns dos direitos humanos de
indivíduos que enfrentam violações - ou que estejam na iminência de enfrentar – a esses direitos
em seus países de origem.
Frisa-se o “principalmente”, em relação aos mecanismo, porque na prática
jusinternacionalista europeia há outros mecanismos sobre os quais melhor abordar-se-á mais
adiante e o “alguns”, em relação aos direitos humanos salvaguardados por esses mecanismos,
porque estes são voltados, como passa-se a afirmar desde agora, à tutela de alguns dos direitos
fundamentais do ser humano - especialmente dos direitos da primeira geração - e não de todos
os direitos, de forma universal e indivisível, como deve ser.

39
DAHL, Robert. Can international organizations be democratic? A skeptic's view in SHAPIRO, Ian. HACKER-
CORDÓN, Casiano. Democracy's edges. Cambridge: Cambridge University Press, 1999. p.19.
40
PETERS, Anne. Dual Democracy in KLABBERS, Jan; PETERS, Anne; ULFSTEIN, Geir. Constitutionalization of
international law. Oxford: Oxford University Press, 2011. p. 264. A autora vislumbra a possibilidade de um novo
modelo de democracia, mais precisamente uma democracia dual, a realizar-se tanto no âmbito interno dos
Estados quanto no âmbito acima do Estado, embora ressalte que um sistema global democrático não pode
prescindir de mecanismos de accountability.
41
Na entrevista op. cit. Bauman cogita a possibilidade de que as futuras gerações criem uma nova democracia, à
nível global, mas ressalta que essa democracia não será baseada nas instituições criadas para subsidiar o modelo
democrático do Estado-nação, mas sim em mecanismos nada similares àquelas.
42
HELD, David. Democracy and the Global Order: from the Modern State to Cosmopolitan Governance. Stanford:
Stanford University Press, 1995. p. 16-17
20

Um desses mecanismos mais amplamente reconhecidos internacionalmente é o Asilo


Político, adotado sobretudo na América Latina, em função dos períodos autoritários e
repressores pelos quais passaram – e passam – alguns dos países que a integram, notadamente
desde o fim da segunda grande guerra. Tal instrumento de proteção internacional é conformado
como um ato soberano e discricionário do Estado solicitado, pressupõe a ocorrência de uma
perseguição política individual contra a pessoa que o solicita e prescinde da necessidade de o
solicitante encontrar-se fora do seu país de origem.

Verifica-se, portanto, que o Asilo Político se destina, essencialmente, à obstrução de


violações aos direitos de primeira geração, nomeadamente aos direitos civis e políticos, uma
vez que, de forma mais clara, esse mecanismo tem como fim o acolhimento de pessoas que
estejam sendo perseguidas nos seus países de origem em função das suas convicções políticas.

O outro mecanismo – que, diga-se, a este estudo é mais caro - é o Refúgio43. Esse
instrumento foi regulado, a nível internacional, primeiro pela Convenção Relativa ao Estatuto
dos Refugiados, de 1951, e atualmente o é pelo Protocolo Relativo ao Estatuto dos Refugiados,
de 1967. Foram introduzidas alterações naquele primeiro texto convencional, extirpando-se -
em função da necessidade de se ampliar a abrangência do estatuto do refugiado para englobar
novas categorias - as limitações temporal e geográfica, antes estabelecidas para tutelar a
problemática dos deslocados, vítimas das nefastas consequências da segunda grande guerra,
identificados até 01 de janeiro de 1951, apenas no âmbito do continente europeu, passando-se
a reconhecer o estatuto de refugiado a qualquer pessoa no mundo que preencha, a qualquer
tempo, os requisitos materiais exigidos para tanto.

Diversamente do que conforma o instituto do Asilo Político, o Refúgio é disciplinado


por Tratado Internacional a que se vinculam Estados-parte, estes que ficam obrigados, após a
ratificação, sob pena de responsabilização internacional, a conceder o estatuto do refugiado aos
indivíduos que preencham os requisitos materiais exigidos para tanto, embora, quando
observada a realidade, nem sempre seja assim que os fatos se desenrolam44.

São requisitos materiais para a concessão do estatuto de refugiado o temor do indivíduo


de sofrer perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões

43
No Ordenamento Jurídico da União Europeia o instituto do Refúgio recebe a denominação de Asilo, não se
confundindo, entretanto, com o Asilo político de grande tradição latino-americana. No Direito Português,
outrossim, o Asilo tal como concebido na legislação europeia, constante no número 2, do art. 3º, da Lei nº
27/2008, é condensado com o Asilo político, constante no número 1, do art. 2º, da mesma Lei, e tanto os
indivíduos perseguidos por motivos exclusivamente político-ideológicos quanto os que são perseguidos por
motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou político - os quais se amoldam ao conceito geral de
refugiado – podem gozar do direito de Asilo.
44
Para além dos já elucidados muros construídos pela Europa e seus países para fechar as suas portas aos
deslocados, pode-se, ainda, iluminar o recorrente fechamento dos portos da Itália, da Grécia, de Malta e de
outros países da Europa mediterrânica para os navios - e por vezes botes - que vagam no Mediterrâneo
superlotados de refugiados, cujas condições de vida são precaríssimas, provenientes da África e do Oriente
Médio.
21

políticas45 e o fato de encontrar-se fora do país da sua nacionalidade, ou, se apátrida, fora do
país da sua residência habitual46.

Nota-se, portanto, que esse mecanismo também se destina, à semelhança do Asilo


Político, à obstrução de violações a direitos de primeira geração, nomeadamente dos
cerceamentos às liberdades de opinião, de expressão, de reunião, de associação e de religião,
assim como, dos afrontamentos à igualdade formal, embora alguns Estados, ao transporem a
normatização internacional do Estatuto dos Refugiados para o âmbito interno, tenham alargado
– ainda insuficientemente, de forma geral - o conceito de refugiado para abranger não só aqueles
perseguidos por motivos de raça, religião, nacionalidade grupo social ou opiniões políticas, mas
também aqueles que são vítimas de conflitos armados, de violência generalizada ou de massiva
violação a direitos humanos47.

Em função da deficiência da definição de refugiado no âmbito internacional, resta à


iniciativa exclusiva e discricionária dos Estados o referido alargamento, dependendo, portanto,
da verificação, em maior ou menor grau, dos valores já aqui referidos como o nacionalismo, o
soberanismo e a xenofobia, para a que haja um maior ou menor amparo internacional dos
deslocados que não se enquadram perfeitamente no aludido conceito. Esse aspecto exacerba a
injustiça existente no cenário global entre os países que muito acolhem os refugiados e
deslocados em geral48 e aqueles que pouco os acolhem, ou que acolhem somente aqueles que
se ajustem à condição de refugiado tal como internacionalmente normatizada.

Considerando-se os dois mecanismos discriminados, pode-se afirmar que eles não


respondem suficientemente à problemática dos fluxos migratórios derivados de precária ou
inexistente tutela local a direitos humanos. Isso porque, para além de não abrangerem os
deslocados que se encontram em situação de extrema pobreza, e/ou que têm fome, e/ou que não
têm emprego, e/ou que não têm habitação, também não englobam novas categorias de
deslocados, como a dos refugiados climáticos e ambientais49. Pergunta-se: estão estes fadados

45
Art. 1º, A., 2), Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951
46
Idem.
47
Alguns países, atentos à insuficiência do conceito de refugiado estabelecido pela Convenção Relativa ao
Estatuto dos Refugiados de 1951 face às novas espécies de deslocados, alargaram, em suas legislações internas,
o referido conceito. Dentre esses países pode-se apontar o Brasil, cuja legislação dispõe: “Art. 1º Será
reconhecido como refugiado todo indivíduo que: (...) III - devido a grave e generalizada violação de direitos
humanos, é obrigado a deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outro país”, dispositivo que costa
na Lei nº 9474/97.
48
Atualmente, apenas 10 países acolhem 60% da totalidade de deslocados externos. Os países do mundo que
mais acolheram refugiados e demais categorias de pessoas deslocadas em função de sistemáticas violações a
direitos humanos e/ou insuficiente tutela a esses direitos em seus países de origem foram a Turquia (3,7
milhões), o Paquistão (1,4 milhão), a Alemanha (1,4 milhão) e o Líbano (1 milhão). Na Europa, para além da
Alemanha que figura entre os países que mais acolhem refugiados no mundo, os países que mais acolheram
foram a França (400 mil) e a Itália (350 mil). Dados de: “Where The Most People of Concern Live: Share of
refugees, asylum seekers, and other people of concern in the EU and Turkey - as of end of 2017, Source: ACNUR”.
Disponível em: <https://www.statista.com/chart/14473/share-of-refugees-in-europe/>. Acesso em: 17/05/19. e
“Plataforma de apoio aos refugiados”. Disponível em: <http://www.refugiados.pt/a-crise-dos-refugiados/>.
Acesso em: 17/05/19.
49
Essa categoria de deslocados é referente aos indivíduos que, em função de catástrofes ambientais ou de
consequências das mudanças climáticas como, por exemplo, o desparecimento de regiões litorâneas dado pela
22

à vida indigna, à morte e ao desabrigo por não terem nascido - e, portanto, não serem dotados
dos direitos inerentes à nacionalidade - na porção do mundo considerada como “norte global”50?

É por entender que a essa pergunta deve-se responder negativamente que este estudo
sugere a sua primeira proposta, a qual consiste na alteração, a nível internacional, da definição
de refugiado, a partir de uma revisão dos Tratados Internacionais sobre o Estatuto dos
Refugiados, para abranger, formalmente, todo indivíduo em estado de grave violação ou de
ineficaz tutela a direitos humanos no país da sua nacionalidade ou, em sendo apátrida, da sua
residência habitual.

Invoca-se o acolhimento de pessoas em estado de ineficaz ou insuficiente tutela a


direitos humanos, para além daqueles em estado de grave violação desses direitos, por
compreender que as violações negativas, materializadas principalmente na ausência de
prestação estatal para a efetivação dos direitos de segunda geração, são tão perversas, e
deterioram tanto quanto, ou mais, o ser humano, quanto as graves e sistemáticas violações
positivas aos direitos de primeira geração.

Propõe-se, ainda, em função da não rara dificuldade desse indivíduo de ausentar-se do


seu país de origem, que se derrogue a necessidade de que aquele se encontre fora deste para que
seja considerado refugiado e tenha seus direitos fundamentais tutelados por outro Estado.
Atender-se-á, assim, especialmente, a problemática dos deslocados internos, nesta situação
postos em função de impedimento ou incapacidade de sair do país em que se encontram.

A elucidada proposta de alteração deve ser acompanhada por uma mudança no sentido
do Princípio do Non-refoulement51. Este - que hoje pressupõe a não repulsão do refugiado para
um país onde ele possa ser vítima de perseguição - precisa ganhar em valor a proibição de
expulsão de refugiados para países em que possam ser vítimas de sistemáticas violações a
direitos humanos ou para onde esses direitos não sejam suficientemente tutelados.

4.1. A problemática dos refugiados na Ordem Jurídica europeia

É cediço que a preocupação deste estudo com a inclusão de indivíduos não enquadrados
na definição de refugiado não é inédita - inclusive quando verifica-se que alguns Estados
alargaram internamente as suas concepções desse estatuto -, assim como, com a necessária justa
distribuição dos fluxos entre os Estados que afirmam, por serem partes dos Tratados
Internacionais de Direitos Humanos de âmbito regional e/ou da Carta Internacional dos Direitos

elevação do nível dos mares, perdem as suas habitações e/ou os seus locais de trabalho e, por isso, migram em
busca de um novo espaço para viver.
50
Onde os direitos são consideravelmente menos violados e suficientemente tutelados.
51
O Princípio da não devolução orienta a impossibilidade de expulsão e do rechaço do refugiado para um lugar
onde ele possa vir sofrer perseguições pelos motivos que podem dar ensejo à concessão do estatuto de
refugiado. O dispositivo que informa tal princípio é o Art. 33-1, da Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados
de 1951.
23

Humanos52, como universais, podendo-se apontar a legislação europeia como a que mais
avançou nesses campos.

Os avanços europeus revelam-se no reconhecimento de que há uma distribuição díspar


de refugiados na Comunidade Europeia53, o que acarretou o estabelecimento de que é objetivo
da União Europeia o alcance de uma “política comum de asilo, que inclua um sistema comum
de asilo (...) para estabelecer um espaço de liberdade, de segurança e de justiça aberto às pessoas
que, obrigadas pelas circunstâncias, procuram legitimamente proteção na União”54, na intenção
de aproximar as normas e o conteúdo relativos ao reconhecimento do estatuto do refugiado do
reconhecimento do estatuto da Proteção Subsidiária55 - mecanismo europeu de proteção
internacional voltado à salvaguarda de indivíduos deslocados não abrangidos pelo estatuto do
refugiado - e na fundação de um novo mecanismo, o qual, assim como a Proteção Subsidiária,
é deveras europeu, que é o da Proteção Temporária56, voltado à assistência de iminente ou
efetivo afluxo maciço de pessoas deslocadas.

52
Carta Internacional dos Direitos Humanos é como denomina-se a reunião dos três principais documentos que
informar o sistema global de proteção dos Direitos Humanos, a saber: a Declaração Universal dos Direitos
Humanos, o Protocolo Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e o seu Protocolo Facultativo e o Protocolo
Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.
53
Considerando nº (8) da Diretiva 2011/95/UE
54
Considerando nº (2) da Diretiva 2011/95/UE
55
O mecanismo da Proteção Subsidiária, disciplinado pela Diretiva 2011/95/UE, é, segundo a alínea f), do art. 2º
c/c o art. 15º, destinado à salvaguarda do indivíduo deslocado que preencha, cumulativamente, os seguintes
requisitos: não poder ser considerado refugiado de acordo com o conceito tradicional, encontrar-se fora do seu
país de origem, e ter em seu favor motivos significativos para que se possa crer que, ao regressar ao país de
origem, poderá ser objeto de tortura, pena ou tratamento desumano ou degradante, ou, em estando o seu país
de origem em situação de conflito armado internacional ou interno, tenha a sua vida e a sua integridade física
individual e gravemente ameaçada. Segundo o art. 18º, a concessão do Estatuto da Proteção Subsidiária é de
competência exclusiva dos Estados-membros. Vale iluminar, ainda, que Portugal alargou as hipóteses de
concessão da Proteção Subsidiária, de modo a incluir os indivíduos em favor dos quais hajam motivos a fazer crer
que não podem voltar aos seus países de origem em função de verificar-se lá sistemática violação dos direitos
humanos, conforme observável na alínea x), do art. 2º, da Lei 27/2008. Embora o mecanismo da Proteção
Subsidiária demonstre o esforço da União Europeia para abranger cada vez mais indivíduos deslocados, critica-
se, neste trabalho, o fato da concessão ser de competência exclusiva dos Estados-membros, o que faz com que
o mecanismo seja concedido modicamente, e o fato dos requisitos cumulativos serem demasiadamente
restritos, o que, no final das contas, acaba não incluindo novas categorias de refugiados, inclusive porque persiste
em exigir que o indivíduo encontre-se fora do seu país de origem.
56
O mecanismo da Proteção Temporária, o qual é disciplinado pela Diretiva 2001/55/CE, é destinado, segundo a
alínea a), do art. 1º, à salvaguarda dos indivíduos, compondo um afluxo maciço, atual ou iminente, de pessoas
deslocadas de países terceiros em direção à Europa, que não possam regressar aos seus países de origem. A
Diretiva aponta, em seu art. 1º, alínea c), como elegíveis para beneficiar do Estatuto da Proteção Temporária os
indivíduos que, encontrando-se fora do seu país de origem, eventualmente possam ser abrangidas pelo conceito
de refugiados - mas que não possam beneficiar imediatamente do respectivo Estatuto sem que o sistema de
Asilo tenha o seu correto funcionamento prejudicado -, tenham fugido de zonas de conflito armado e de violência
endêmica ou que tenham estado sujeitas a um risco grave ou tenham sido vítimas de violações sistemáticas e
generalizadas de direitos humanos. Louva-se, neste ponto, a inclusão das sistemáticas e generalizadas violação
a direitos humanos como critério de eleição ao Estatuto da Proteção Temporária, mas segue-se criticando a
necessidade de o indivíduo encontrar-se fora do seu país de origem, mas ilumina-se uma crítica acerca da
necessidade de o indivíduo integrar um coletivo afluxo maciço de pessoas, o que lhe retira o direito de requerer
individualmente a proteção.
24

Paradoxalmente, embora do ponto de vista legal, e até mesmo jurisprudencial 57, os


organismos da regionalização europeia venham despendendo esforços e, alcançando, como
visto, alguns avanços em prol do acolhimento de indivíduos em busca de refúgio, medidas no
âmbito factual - como, a título de exemplo, o acordo58 estabelecido entre a União Europeia e a
Turquia para que esta retenha, em seu território, os refugiados que buscam refúgio no continente
europeu - colocam em xeque a postura da Europa ante a problemática dos fluxos migratórios
derivados de sistemáticas violações a direitos humanos e/ou de insuficiente tutela a esses
direitos, verificadas, principalmente, nos países do dito “sul global”, expondo um enviesado
protecionismo socioeconômico e étnico-cultural do “velho continente”.

4.2. Constitucionalização transversal de um mecanismo global para gestão compartilhada


dos fluxos migratórios derivados de sistemáticas violações a direitos humanos e/ou de
precária tutela local a esses direitos

Este estudo - o qual não almeja encerrar o já prolongado e muito complexo debate
acerca da questão dos refugiados, mas que, muito pelo contrário, tenciona estabelecer linhas
preliminares para uma futura pesquisa mais aprofundada sobre a problemática - verifica que
uma das possíveis soluções para a questão dos refugiados, tanto no que se refere a um total
acolhimento destes, quanto no que se refere a uma distribuição mais justa destes entre os países
de acolhimento, é a legitimação, por parte dos Estados, de um órgão supranacional, de âmbito
global, com autoridade para gerir, de forma compartilhada com os legitimadores, os fluxos
migratórios derivados de sistemáticas violações a direitos humanos e/ou de precária tutela local
a esses direitos.

A defendida ideia de um mecanismo de gestão para a questão dos refugiados não é de


todo inédita, uma vez que a própria União Europeia, como visto, já se preocupa com a
problemática e, por isso, estabelece como objetivo seu, embora ainda não o tenha alcançado, a

57
Ilumina-se o caso Bundesrepublik Deutschland vs. B e D, apreciado pelo Tribunal de Justiça da União da
Europeia, no qual ficou consagrada a posição da Corte de que o simples fato do requerente de asilo já ter
integrado uma organização tida como terrorista e ter apoiado ativamente a luta armada da mesma não constitui,
por si só e automaticamente, motivo suficiente para que incorra contra ele as cláusulas de exclusão relativas ao
cometimento de crimes graves de direitos comum e/ou de atos contrários aos objetivos e princípios das Nações
Unidas. Outra decisão a ser iluminada é a proferida também pelo Tribunal de Justiça da União Europeia no caso
A, B e C vs. Staatssecretaris van Veiligheid en Justitie, a qual assevera que, quando a perseguição - ou o temor
dela - que subsidia o pedido de asilo se der em função da orientação sexual do refugiado, a prova de tal
orientação não pode ser aferida com base em arguições pormenorizadas das suas práticas sexuais, pela
apresentação de gravações dessas relações ou por “testes” de demonstrem tal orientação.
58
O referido acordo prevê, desde 2016, o fechamento das fronteiras europeias - em especial da Grécia - aos
imigrantes que tentam ingressar irregularmente no espaço europeu através da Turquia, independentemente do
motivo que os levam a imigrar, com exceção de quando suscitam a concessão do Estatuto do Refugiado, tal como
disciplinado pela Convenção de 1951, e têm este pedido deferido. Prevê, ainda, um “mecanismo de instalação”
dos imigrantes no território turco, bancado pela União Europeia por intermédio de aportes bilionários. Para além
de ser um acordo conveniente ao tão postulado ingresso da Turquia no bloco europeu, é conveniente aos países
europeus que pagam à Turquia para que esta suporte os “ônus” sociais e políticos que eles próprios não querem
suportar.
25

implementação de uma política europeia comum de asilo dotada de um sistema europeu


destinado a este fim.

Julga-se como inovadora a ideia deste estudo no que tange à dimensão, uma vez que
compreende que a tutela universal dos Direitos Humanos não se verificará completamente
apenas com a instituição de um órgão regional de gestão dos fluxos migratórios, mas sim com
um órgão globalmente legitimado para tanto, e no que tange à conciliação desta ideia com o
alargamento formal do conceito de refugiado para abranger não só aqueles que, encontrando-
se fora do seu país de origem, receiam sofrer, ou estejam efetivamente sofrendo, perseguições
por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, mas todos os
indivíduos que, independentemente do lugar que se encontrem, tenham seus direitos humanos
sistematicamente violados ou insuficientemente tutelados em seus países de origem.

Essa ideia importa, entretanto, numa flexibilização do Poder dos Estados, leia-se, da
sua soberania, em favor de uma solução para a já insustentável problemática dos refugiados.
Tal flexibilização precisa se dar a partir de uma constitucionalização transversal, ou seja, a ser
verificada em todos os Estados-parte de Tratados Internacionais que proclamem os Direitos
Humanos como universais, da autoridade do aludido órgão supranacional para gerir os fluxos
migratórios e do compromisso em tutelar suficientemente tais direitos dos indivíduos
recepcionados, sem distinção com a tutela conferida aos seus nacionais.

O órgão supranacional em questão - que não necessariamente precisa ser o resultado da


criação de um órgão novo, mas sim de uma reestruturação do estatuto de um dos organismos já
existentes afinados com a questão dos refugiados, das migrações e/ou dos Direitos Humanos,
como, por exemplo, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, o Alto
Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos e a Organização Internacional para
as Migrações - deve ser dotado de competência para ser reportado por indivíduos em estado de
violação ou ineficaz tutela dos direitos humanos, independentemente de encontrarem-se fora
dos seus países de origem; de competência para verificar as condições socioeconômicas dos
Estados-parte para receber aqueles que reportam e para verificar a realidade do estado de
violação ou de insuficiente tutela reportado; e de autoridade para determinar, a partir da análise
dos dados colhidos na competência anterior, para onde devem ir os indivíduos que reportam,
distribuindo-lhes de forma mais justa entre os países acolhedores.

Propõe-se que, para que o mecanismo não seja desvirtuado, mantenham-se as cláusulas
de exclusão59 e de cessação60 do estatuto de refugiado já previstas na Convenção e no Protocolo

59
Estão excluídas da concessão do Estatuto do Refugiado, segundo as alíneas D, E e F, do art. 1º, da Convenção
Relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951, as pessoas que se beneficiam de uma proteção ou assistência por
parte de um organismo ou de uma das instituições da ONU, que não o ACNUR; as pessoas consideradas pelo país
no qual instalou sua residência como tendo os direitos e as obrigações relacionados com a posse da respectiva
nacionalidade; e as pessoas contra as quais houver razões sérias para pensar que cometeram crime contra a paz,
de guerra, contra a humanidade, grave de direito comum fora do país de refúgio, ou que se tornaram culpadas
de atos contrários aos fins e princípios da ONU.
60
A Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951 tem sua aplicação cessada, segundo a alínea C, do
art. 1º, quando o refugiado volta a valer-se da proteção do país de que é nacional, recupera voluntariamente a
nacionalidade perdida, adquire uma nova nacionalidade e passa a gozar da proteção do respectivo país,
estabelece-se de novo, voluntariamente, no país de origem ou fora do país de acolhimento ou quando cessam,
no país de origem, as circunstâncias pelas quais foi reconhecida a condição de refugiado.
26

relativos ao Estatuto dos Refugiados, com exceção da cláusula de exclusão que se refere à
existência de “razões sérias para pensar” que o indivíduo requerente do acolhimento cometeu
crime contra a paz, de guerra, contra a humanidade, grave de direito comum fora do país de
refúgio, ou que tenha se tornado culpado por atos contrários aos fins e princípios da
Organização das Nações Unidas, à qual sugere-se uma reformulação formal para aplicação da
exclusão apenas contra indivíduos que tenham sofrido condenação legítima, ante a observância
do devido processo legal e equitativo, pelas mesmas razões.

Preconiza-se, ainda, que, após o requerimento do acolhimento do indivíduo ao órgão


supranacional de gestão, o exercício por parte deste das suas competências já anteriormente
elencadas, da determinação para que país o indivíduo deve se dirigir e do efetivo acolhimento
pelo país de destino, a conformação do mecanismo deve se dar a partir da garantia, por parte
do Estado acolhedor, dos direitos humanos do indivíduo, inclusive no que respeita à liberdade
religiosa61 e de reunião, mas também do compromisso do indivíduo acolhido de respeitar o
Ordenamento Jurídico acolhedor62. Uma vez verificado o grave e reiterado desrespeito, por
parte do indivíduo acolhido, ao Ordenamento Jurídico do Estado acolhedor, este deve poder
opor em face daquele cláusulas de perda63 do estatuto de refugiado, como, por exemplo, quando
o indivíduo representar perigoso para a segurança interna64, como verifica-se na legislação
portuguesa atinente ao asilo, ou quando exercer atividades contrárias à segurança nacional ou à
ordem pública65, como observa-se na legislação brasileira concernente ao refúgio.

Finalmente, fala-se em compartilhamento da gestão66 porque entende-se que tal


mecanismo de proteção dos direitos humanos dos refugiados só se tornará real, e alcançará o
grau de justiça intentado na distribuição dos indivíduos entre os países acolhedores, se contar
com a colaboração, nas instâncias de avaliação e decisão do órgão supranacional de âmbito

61
Art. 4º da Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951
62
Art. 2º da Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951
63
As cláusulas de perda, enquanto cláusulas diversas das de cessação e de exclusão, mais uniformemente
adotadas seriam se estivessem previstas no Tratado Internacional que informa o Estatuto do Refugiado e, uma
vez tornando-se real a proposta de gestão compartilhada da questão dos refugiados apresentada neste trabalho,
necessária seria a formalização de tais cláusulas para que fossem equitativamente aplicadas em todos os Estados
acolhedores.
64
Art. 9º, 2, b), da Lei Portuguesa nº 27/2008
65
Art. 39, III, da Lei Brasileira nº 9474/97
66
A esse propósito, foi aprovada, em 16 de setembro de 2016, por unanimidade, na Assembleia Geral das Nações
Unidas, o documento que ficou conhecido como “Declaração de Nova Iorque para Refugiados e Migrantes”. Este
acordo teve como razão antecessora a expressiva escalada dos números relacionados aos fluxos migratórios de
deslocados verificado no decorrer da primeira metade da segunda década dos anos dois mil. Neste documento,
os 193 Estados internacionalmente reconhecidos pactuaram a adoção de medidas mais efetivas e humanas para
a solução da problemática dos refugiados e das migrações forçadas em geral. Verifica-se, inclusive, no número
11, do capítulo I - Introdução, que os países acordantes reconhecem que a responsabilidade pela gestão da
problemática é - e deve ser – compartilhada entre todos os Estados, e que tal gestão deve ser realizada por meio
da cooperação internacional, embora não tenham proposto uma gestão compartilhada a nível global, a partir de
um órgão dotado de autoridade para apurar a condição de refugiado e determinar, com base em dados
socioeconômicos, o destino dos indivíduos que suscitam proteção. Tal reconhecimento de responsabilidade
compartilhada foi mais tarde reiterada, em 2018, em dois pactos não vinculativos e derivados da Declaração de
Nova Iorque, aprovados também no âmbito da Assembleia Geral das Nações Unidas, denominados de Pacto
Mundial sobre Refugiados e Pacto Global para uma segura, ordenada e regular migração. Verifica-se em ambos
os documentos a tentativa de densificação de dois Princípios jusinternacionalistas muito valiosos a este trabalho,
quais sejam, o da Distribuição da Carga e o da Responsabilidade Compartilhada.
27

global, para além de sujeitos internacionais independentes, de representantes dos Estados


aderentes à ideia, os quais devem fornecer, fidedignamente, os dados que possibilitem o órgão
exercer a competência que se refere a verificar as condições socioeconômicas Estados para
receber aqueles que reportam e para verificar a realidade do estado de violação ou de
insuficiente tutela reportado.

5. Considerações finais

As ideias de alargamento do conceito de refugiado e de legitimação de um órgão global


dotado de autoridade para gerir os fluxos migratórios de refugiados derivados de sistemáticas
violações a direitos humanos ou insuficiente tutela a esses direitos nos países de origem dão
com um sem-número de entraves – otimistamente encarados por este estudo como desafios – a
serem contornados para que escapem do papel e realizem-se no mundo dos fatos. Destacar-se-
á, nestas considerações finais, alguns desses desafios, notadamente aqueles que mais sofreiam,
ou podem sofrear, a sua efetuação.
Sobreleva-se, incialmente, a evidente necessidade material, de natureza econômico-
financeira, que importaria a efetivação da ideia de gestão compartilhada dos referidos fluxos
migratórios. Todo direito pressupõe um custo e esse custo teria que ser sustentado pelos
próprios Estados de acolhimento, o que, por si só, é fato de afastamento do interesse destes em
gerir compartilhada e solidariamente a questão.

O ônus da prova caber ao postulante do estatuto de refugiado, conforme decidido pelo


Tribunal Europeu dos Direitos do Homem no caso D.N.W vs. Suécia, também se mostra um
obstáculo muito grande à concretização da ideia em si, mas também à própria dinâmica de
concessão do referido estatuto, uma vez que os deslocados mal têm recursos materiais e
emocionais para evadirem-se dos seus países de origem, que dirá para arcar com a produção do
aparato probatório.

(Re)estabelecer o respeito aos Direitos Humanos – sem, entretanto, os impor


arbitrariamente - e a tutela positiva destes nos países em que se originam os fluxos migratórios
em questão, a partir, inclusive, do desenvolvimento desses países por meio de uma internacional
cooperação econômico-financeira e tecnológica, revela-se como um desafio a ser
imprescindivelmente vencido, uma vez que suas consequências trariam resultados preventivos
à problemática dos refugiados, reduzindo significativamente o número de indivíduos
deslocados por motivos de violações positivas a direitos humanos, mas principalmente por
motivos de violações negativas a esses direitos.

A não unanimidade da lógica dos Direitos Humanos, ao menos em sua perspectiva


universal, sua caracterização como eurocêntrica e/ou ocidental, e o Relativismo Cultural - não
raramente invocado para subsidiar propósitos autoritários, repressivos e arbitrários na política
interna de vários Estados, em especial daqueles situados à margem do “norte global” - são
outros obstáculos cujo contorno é imperioso tanto preventivamente, uma vez que serve de
pressuposto para o (re)estabelecimento do respeito aos Direitos Humanos e de sua tutela
positiva, quanto sucessivamente, para uma distribuição mais justa dos fluxos migratórios em
28

comento entre todos os Estados – e não apenas entre alguns, como verifica-se atualmente - que,
ao menos formalmente, proclamam os direitos humanos como universais, a partir da análise das
suas reais condições socioeconômicas para acolher os refugiados.

É imperioso acentuar, neste ponto, que não se pretende ingressar na discussão sobre que
corrente doutrinária dos Direitos Humanos é mais sã – se a Universalista, se a Relativista, ou,
ainda, a Multiculturalista ou a Interculturalista –, mas afirmar que as correntes que questionam
a sanidade do Universalismo buscam libertar pessoas supostamente oprimidas pela alegada
imposição ocidental da lógica dos Direitos Humanos nas comunidades não ocidentalizadas, e
elucidar que este estudo trata, contudo, de pessoas que, em função de sentirem seus direitos
violados nos seus lugares de origem, buscam outro sítio no mundo onde tenham esses direitos
não só violados, mas suficientemente tutelados. Para essas pessoas, sem dúvida alguma, impera
a perspectiva de que os Direitos Humanos, tais como afirmados na Carta Internacional dos
Direitos Humanos, são universais.

Aspectos como ultranacionalismo, soberanismo e xenofobia, hodiernamente muito


vinculados ao medo de um terrorismo global67 e ancorados na sobreposição da segurança em
detrimento da liberdade68, e ao discurso de que os estrangeiros - não todos, mas aqueles a quem
as portas do “mundo globalizado” estão geralmente interditas - são uma ameaça real aos direitos
fundamentais dos nacionais de um virtual Estado acolhedor, representando um potencial
abarrotamento do mercado de trabalho local e, consequentemente, um encolhimento das
remunerações, assim como, uma iminente sobrecarga dos serviços de saúde e a dilapidação da
cultura nacional, também precisam ser desbancados69.

Identifica-se, também como entrave a ser superado, a original vinculação dos Direitos
Humanos à lógica do Estado-nação70. Tal concepção, a qual materializa-se, no âmbito do

67
Sobre essa nova configuração do terrorismo, vide DA SILVA, Suzana Tavares. p. 234. “Ao combater esta forma
de terrorismo, os Estados Ocidentais lutam pela sua sobrevivência e os cidadãos pela respectiva liberdade e bem-
estar nos moldes em que aquela forma de organização as tem proporcionado. Embora essa luta, ao reclamar
maior segurança, acabe tolhendo em níveis inimagináveis a própria liberdade individual dentro destes sistemas.”
68
BAUMAN, Zygmunt. Comunidade: A busca por segurança no mundo atual. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,
2003. p. 9-11. “Não seremos humanos sem segurança ou sem liberdade; mas não podemos ter as duas ao mesmo
tempo e ambas na quantidade que quisermos. Isso não é razão para que deixemos de tentar (não deixaríamos
nem se fosse uma boa razão)”. Nesta obra, assim como em “O Retorno do Pêndulo”, Bauman trata a liberdade
e a segurança como valores opostos que, ao desejar-se mais de um, inevitavelmente estar-se-á abdicando em
parte do outro.
69
Propósito norteado pela perspectiva universalista kantiana de uma República não hostil aos estrangeiros, tal
como iluminado em VEIGA, Paula. Direito de sufrágio activo de estrangeiros legalmente residentes: dicotomia
schmittiana, universalismo kantiano ou inclusividade? in CORREIA, Fernando Alves; MACHADO, Jónatas Eduardo
Mendes; LOUREIRO, João Carlos (orgs.). Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Joaquim Gomes
Canotilho. Coimbra: Coimbra Editora, 2012. Vol. 3. p. 980.
70
A esse propósito, ilumina-se a obra “Deslocados Internos: entre a soberania do Estado e a protecção
internacional dos Direitos do Homem”, na qual a Prof. Dra. Márcia Mieko Morikawa distintamente trata da
questão dos deslocados internos e da necessidade - corroborada neste estudo - de que estes também encontrem
um lugar ao sol na lógica de proteção internacional dos Direitos Humanos. Esta citação se faz neste ponto porque,
já naquela altura, em 2004, a jurista enxergava que a problemática das “violações maciças e sistemáticas de
direitos humanos não são assuntos da competência exclusiva do Estado” e, em favor da viabilidade das ideais
deste trabalho, ela previu que “há fortes probabilidades em acreditar que um sistema mais eficaz de proteção e
assistência à pessoa do refugiado (interno e externo) funcionará”. Um sistema – diz ela acertadamente – que
promova “o ‘indivíduo’ e não apenas o ‘Estado-soberano’; ‘pessoas’ e não apenas ‘governos’; ‘direitos’ e não
29

Direito Constitucional, na Teoria Dualista da Aplicação do Direito Internacional71, pressupõe a


responsabilidade do Estado com a tutela de direitos humanos apenas dos seus nacionais e apenas
daqueles direitos que julga serem fundamentais a estes, refugando a concepção da
indivisibilidade dos Direitos Humanos.

Por fim, a suplantação do hiperindividualismo é também medida que se impõe, uma vez
que um profícuo acolhimento de refugiados não pode prescindir do altruísmo da comunidade
local, a qual terá que compartilhar com aqueles os seus direitos e, eventualmente, terá que arcar,
por meio de tributos, com a tutela positiva de direitos àqueles, além de dever acolher
cortesmente os indivíduos refugiados e agir de modo a integrá-los72 à sua sociedade.

Outrossim, estas considerações finais elencam algumas conclusões a que este estudo
chegou.

Primeiramente, registra-se a percepção de que, para que se efetive universalmente a


tutela dos Direitos Humanos, é preciso que a problemática dos refugiados – leia-se no sentido
abrangente proposto neste estudo – seja solucionada e, portanto, que aqueles indivíduos a quem
as portas do “mundo globalizado” estão geralmente interditas sejam incluídos,
independentemente da sua origem e da sua nacionalidade, na lógica de proteção dos direitos
fundamentais da pessoa e inerentes à dignidade humana.
A resolução da referida problemática perpassa pelo contorno, ou ao menos pela
atenuação, de todos os entraves acima referidos, especialmente, no que tange ao objeto deste
trabalho, à derrogação da lógica de que os Estados são responsáveis apenas pela tutela dos
direitos humanos dos seus nacionais e não pela tutela solidária dos direitos de todos os
integrantes da família humana73-74.

apenas ‘boa vontade’; ‘justiça’ e não apenas ‘conformismo’”. MORIKAWA, Márcia Mieko. Deslocados internos:
entre a soberania do Estado e a protecção internacional dos Direitos do Homem - uma crítica ao sistema
internacional de protecção dos refugiados. Coimbra: Coimbra Editora, 2006. p. 289-290.
71
A Teoria Dualista percebe o Direito Internacional e o Direito Interno como duas realidades diferentes e
independentes entre si, pelo que, para que uma norma internacional produza efeitos no Ordenamento Jurídico
do Estado, esta norma precisa ser internalizada a partir do processo legislativo ordinário. Essa Teoria
fundamenta-se, ainda, na prevalência do Direito Interno em relação ao Direito Internacional, em eventual caso
de conflito. Dentre outras críticas que o Dualismo deve suportar, aponta-se, por se imiscuir ao tema deste
trabalho, aquela que se relaciona com o fato de que é muito útil para que os Estados pactuem, no plano externo,
normas de Direitos Humanos, em especial aquelas relativas aos refugiados, e, no plano interno, não as observem,
em clara violação ao Princípio Pacta sunt servanda.
72
Neste mesmo sentido, afirmando que deve-se se dar uma integração, e não uma simples assimilação, do
estrangeiro às comunidades para as quais eles imigram, vide VEIGA, Paula. Entre véus e minaretes: um (possível)
diálogo multicultural in CUNHA, Luís Pedro; QUELHAS, José Manuel. ALMEIDA, Teresa. Boletim de ciências
económicas: homenagem ao Prof. Doutor António José Avelãs Nunes. Vol. LVII. Tomo. III. Coimbra, 2014. p. 3383.
73
Termo constante logo das primeiras linhas do Preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos Humanos,
“família humana” é expressão do reconhecimento de que, embora marcados pelas mais variadas diversidades -
dentre as quais destaca-se, sem o objetivo de as exaurir, a étnica, a cultural, a social, a nacional, a linguística, a
sexual, a geracional, a religiosa e a ideológica - os seres humanos são iguais em dignidade e direitos e pertencem
à uma comunidade cada vez mais interconectada e interdependente, com a qual devem ser solidários, a fim de
que ela alcance o ideal da fraternidade.
74
Neste ponto, para corroborar a afirmada solidariedade com que os Estados e as pessoas têm que lidar com a
problemática dos fluxos migratórios derivados de violações positivas e negativas a direitos humanos, empresta-
se a seguinte assertiva: “Esta é, a nosso ver, a nova gramática do mundo, uma gramática que passa pela
30

É exatamente no caráter solidário que a tutela universal dos Direitos Humanos precisa
ter que reside a necessidade de uma distribuição justa, a partir de uma gestão compartilhada,
dos fluxos migratórios derivados de sistemáticas violações e/ou insuficiente tutela a esses
direitos nos países de origem. Isso porque, atualmente, alguns países vêm suportando, ao
acolher os refugiados, os ônus da problemática em comento enquanto muitos outros
simplesmente a ignoram e, por isso, nada suportam, numa manifesta atitude egoísta.

Mas é na outra face da necessidade de uma gestão dos fluxos migratórios em apreço que
reside o fundamento maior deste estudo, uma vez que não é tanto com a solidariedade dos
Estados que o mesmo se preocupa, mas muito mais com a solidariedade entre as gentes e com
a garantia, a todos os indivíduos, sem exceção, da dignidade humana, pressuposto fundamental
para que se realize, a nível global, a democracia substancial. Fundam-se as ideias nele
brevemente apresentadas na perspectiva de que, respeitadas as diversidades culturais e
observada a necessária dialética intercultural na construção e aperfeiçoamento de direitos, os
Direitos Humanos, para quem os quer protegidos e tutelados – como é o caso dos refugiados
que buscam exatamente esta segurança em outros lugares do mundo que não nos seus países de
origem - são universais, indivisíveis, invioláveis e inalienáveis.

responsabilização não só das presentes mas, também, das futuras gerações relativamente ao tratamento do
fenómeno das migrações, no sentido de se buscarem soluções pacíficas para a resolução de eventuais conflitos,
ao invés de insistirmos em gramáticas ultrapassadas, como são, por exemplo, as de guetização dos estrangeiros
(e da(s) sua(s) cultura(s))”. VEIGA, Paula. Entre véus e minaretes: um (possível) diálogo multicultural in CUNHA,
Luís Pedro; QUELHAS, José Manuel. ALMEIDA, Teresa. Boletim de ciências económicas: homenagem ao Prof.
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