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UNIVERSIDADE ABERTA ISCED

Faculdade de Ciências Sociais e Humanas

Curso de Administração Pública

A legitimidade do uso da força do poder estatal em tempos de pandemia

Lídia Faife Novo Codigo: 61220439

Tete, Julho de 2022

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UNIVERSIDADE ABERTA ISCED

Faculdade de Ciências Sociais e Humanas

Curso de Administração Pública

A legitimidade do uso da força do poder estatal em tempos de pandemia

Trabalho de Campo a ser submetido na


Coordenação do Curso de Administração
Pública do UNISCED.

Tutor: Msc Rafael Francisco Monteiro

Lídia Faife Novo Codigo: 61220439

Tete, Julho de 2022

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Índice
CAPITULO I: NOTAS INTRODUTÓRIAS ...............................................................................4
1.1. Introdução .........................................................................................................................4

1.2. Objectivos .........................................................................................................................4

1.2.1. Objectivo geral ...........................................................................................................4


1.2.2. Objectivos específicos ................................................................................................4
CAPITULO II: FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ......................................................................6
2.1. Legalidade e Legitimidade do Poder .................................................................................6

2.2. Conceito de direitos fundamentais .....................................................................................6

2.2.1. Dimensões de direitos fundamentais ..........................................................................7


2.2.2. Limitações dos direitos fundamentais .........................................................................7
2.2.3.Tipos de restrições .......................................................................................................8
2.4. Análise e discussão ..........................................................................................................10

2.5. Alguns exemplos invulgares da actuação da força policial no tempo de Covid ...............11

Conclusão ...............................................................................................................................13

Referências bibliográficas ......................................................................................................14

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CAPITULO I: NOTAS INTRODUTÓRIAS

1.1. Introdução
O presente trabalho tem como tema a legitimidade do uso da força do poder estatal em
tempos de pandemia, com base nisso procuramos destacar como a protecção da saúde
pública autoriza o Estado a adoptar medidas restritivas de direitos individuais.

Direitos fundamentais referem-se àqueles direitos do ser humano que são reconhecidos
e positivados na esfera do direito constitucional positivo de um determinado Estado
(carácter nacional). Diferem dos direitos humanos com os quais são frequentemente
confundidos na medida em que os direitos humanos aspiram à validade universal, ou
seja, são inerentes a todo ser humano como tal e a todos os povos em todos os tempos,
sendo reconhecidos pelo Direito Internacional por meio de tratados e tendo, portanto,
validade independentemente de sua positivação em uma determinada ordem
constitucional.

Direitos fundamentais podem ser limitados ou até mesmo restringidos quando entram
em conflito com outro direito. Assim analisa-se a colisão de direitos diante do cenário
actual, o recente surto da Covid-19 que gerou uma pandemia mundial.

O trabalho encontra-se estruturado em dois (2) capítulos. No primeiro capítulo


apresentamos a nota introdutória, onde apresentamos a introdução e os respectivos
objectivos. No segundo capítulo debruçamos em torno da revisão bibliográfica, e por
fim apresentamos a conclusão e as referencias bibliográficas.

1.2. Objectivos

1.2.1. Objectivo geral


 Analisar a legitimidade do uso da força do poder estatal em tempos de
pandemia.

1.2.2. Objectivos específicos


 Conceituar a Legalidade e Legitimidade do Poder;
 Discutir até que ponto a protecção da saúde pública autoriza o Estado a ter um
poder limitado que entram em choque com os direitos fundamentais
 Descrever alguns exemplos invulgares da actuação da força policial.

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1.3. Metodologia

O estudo é baseado numa abordagem metodológica de natureza qualitativa e de cunho


descritivo. A pesquisa bibliográfica foi utilizada para atender aos procedimentos
técnicos, com a consulta de diversos autores consagrados no assunto.

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CAPITULO II: FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1. Legalidade e Legitimidade do Poder
 O princípio da legalidade

Wolkmer (1994), assinala que a legalidade reflecte fundamentalmente o respeito a uma


estrutura normativa posta, vigente e positiva, e que a legitimidade “incide na esfera da
consensualidade dos ideais, dos fundamentos, das crenças, dos valores e dos princípios
ideológicos”. Sua aplicação envolve, como concepção do direito, “a transposição da
simples detenção do poder e a conformidade do justo advogados pela colectividade.

A legalidade supõe por conseguinte o livre e desembaraçado mecanismo das instituições


e dos actos da autoridade, movendo-se em consonância com os preceitos jurídicos
vigentes ou respeitando rigorosamente a hierarquia das normas, que vão dos
regulamentos, decretos e leis ordinárias até a lei máxima e superior, que é a
Constituição. O poder legal representa por consequência o poder em harmonia com os
princípios jurídicos, que servem de esteio à ordem estatal. O conceito de legalidade se
situa assim num domínio exclusivamente formal, técnico e jurídico.

 O princípio da legitimidade

Já a legitimidade tem exigências mais delicadas, visto que levanta o problema de fundo,
questionando acerca da justificação e dos valores do poder legal. A legitimidade é a
legalidade acrescida de sua valoração. É o critério que se busca menos para
compreender e aplicar do que para aceitar ou negar a adequação do poder às situações
da vida social que ele é chamado a disciplinar. No conceito de legitimidade entram as
crenças de determinada época, que presidem à manifestação do consentimento e da
obediência. A legalidade de um regime democrático, por exemplo, é o seu
enquadramento nos moldes de uma constituição observada e praticada; sua legitimidade
será sempre o poder contido naquela constituição, exercendo-se de conformidade com
as crenças, os valores e os princípios da ideologia dominante, no caso a ideologia
democrática.

2.2. Conceito de direitos fundamentais

Os direitos fundamentais podem ser compreendidos como direitos que pertencem, ou


deveriam pertencer, a todos os homens, ou dos quais nenhum homem pode ser
despojado, (Bobbio, 2004).

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Para Uadi Lâmmego Bulos (2012), direitos fundamentais consistem em um conjunto de
normas, princípios, prerrogativas, deveres e institutos, inerentes à soberania popular,
que garantem a convivência pacífica, digna, livre e igualitária, independente de credo,
raça, origem, cor, condição económica ou status social.

2.2.1. Dimensões de direitos fundamentais


Os direitos fundamentais surgiram conforme as necessidades de cada período histórico,
entende-se, desse modo, que eles foram sendo positivados nos ordenamentos jurídicos
conforme a evolução da própria sociedade.

 Primeira dimensão

São conhecidos como direitos de liberdade, possuem carácter negativo, tendo em vista
que o Estado deve proteger a esfera da autonomia individual, assim como, são também
chamados de direitos de defesa, posto que “protegem o indivíduo contra intervenções
indevidas do Estado, possuindo carácter de distribuição de competências (limitação)
entre o Estado e o ser humano, (Ramos, 2019).

 Segunda dimensão

Quanto aos direitos de segunda dimensão, Bonavides (2004) ilustra que “nasceram
abraçados ao princípio da igualdade”, acrescenta estes direitos requerem prestações
positivas por parte do Estado e dizem respeito aos chamados direitos sociais, culturais e
económicos, com a titularidade expressa nas colectividades e grupos sociais. Assim
como, conferem a paridade de armas aos indivíduos e grupos singularizados, se ligando
assim a reivindicações de justiça social.

 Terceira dimensão

Os direitos de terceira dimensão são direitos difusos ou colectivos, reconhecidos como


direitos de solidariedade. Conforme Branco (2019) peculiarizam-se pela titularidade
difusa ou colectiva, uma vez que são concebidos para a protecção não do homem
isoladamente, mas de colectividades, de grupos.

2.2.2. Limitações dos direitos fundamentais

Os direitos fundamentais tem como característica a universalidade, sendo que essa


característica enseja que todos podem ser titulares desses direitos. Sob esse fundamento
dá-se á entender que não podem ser, de maneira alguma, absolutos, tendo em vista que

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em algum momento, os direitos fundamentais podem ser confrontados por outros
direitos, assim como não podem ser invocados para a prática de actos considerados
ilícitos. Logo, os “direitos fundamentais são de regra direitos submetidos a limites e
susceptíveis de serem restringidos.1

Segundo Farias (1996), a restrição de um direito fundamental é uma limitação do


âmbito de protecção ou pressuposto de fato desse direito fundamental”. Assim, cumpre
esclarecer sobre a teoria interna e externa que busca explicar as limitações dos direitos
fundamentais. Para a teoria interna, o processo de definição dos limites de cada direito é
algo interno a ele.

2.2.3.Tipos de restrições

Com base no entendimento de Sarlet, Marinoni e Mitidiero (2019) as restrições podem


ser directamente constitucionais, restrições indirectamente constitucionais e restrições
não expressamente autorizadas pela Constituição. Seguindo este entendimento,
necessário se faz a compreensão das diferenças que determinam os tipos de restrições,
os quais serão na sequência analisados.

 Restrições directamente constitucionais

Segundo Mendes (2019), nas restrições com expressa disposição constitucional,


também conhecidas como restrições imediatas, será o próprio texto constitucional de
forma expressa, que impõe directamente, um limite ao exercício de direitos
individualmente assegurados.

 Restrições indirectamente constitucionais

As restrições constitucionalmente indirectas ou restrições mediatas são aquelas


decorrentes de normas infraconstitucionais, com fulcro na Constituição. A Constituição
não restringe, ela mesma, o exercício do direito fundamental; ela transfere essa
incumbência para o Legislador ordinário, para o Executivo e até para o Judiciário”.
Essas restrições mediatas são classificadas em Reserva legal simples e Reserva legal
qualificada.

1
Sarlet, Ingo Wolfgang. (2012). Eficácia dos Direitos Fundamentais: uma teoria Geral dos direitos
fundamentais na perspectiva constitucional. 11. ed. Porto Alegre.

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 Restrições não expressamente autorizadas pela constituição

Sobre essas restrições pondera Conceição (2016) que o constituinte, ao declarar os


direitos fundamentais, estabelece o seu âmbito de actuação, o seu conteúdo, as suas
fronteiras”. Observa-se, assim que, o autor ao falar dessa modalidade de restrição,
refere-se direitos subjectivos perante o Estado e, como tradicionalmente é concebido,
teriam efeitos directos apenas na relação particular-Estado (relação vertical), enquanto
que nas relações entre particulares teriam efeitos apenas indirectos (relações
horizontais). Portanto, ao analisar os direitos fundamentais, chega-se à conclusão que
podem ser limitados ou restringidos. Contudo, não se pode deixar de discutir que
mesmo essas restrições são limitadas.

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2.4. Análise e discussão
Em Moçambique para conter a propagação da Covid-19 as autoridades impuseram
severas restrições às pessoas físicas e jurídicas, com único o objetivo de frear o avanço
da Covid-19. Foram adoptadas medidas rígidas como o fechamento de fronteiras, a
proibição de aglomerações públicas, restrições para o comércio, adopção de home office
e até a aplicação de multas ou abertura de investigação criminal e de processo contra
pessoas que transitam nas ruas descumprindo as normas, tendo em vista que a principal
forma de transmissão do vírus é através de aglomerações, onde há intenso contacto
físico entre as pessoas, mantendo-se apenas os serviços públicos e actividades
essenciais para a sociedade.

Em marco de 2020 Filipe Jacinto Nyusi, Presidente da República de Moçambique,


através do decreto presidencial número 01/2021 de 13 de Janeiro, publicado no Boletim
da República na última quinta-feira obriga no seu artigo 16, número 3, alínea K), "o
encerramento de bares e barracas destinadas a venda de bebidas alcoólicas”. E o número
15 do mesmo artigo indica que "as barracas de venda de produtos alimentares devem
funcionar das 6 horas às 17 horas, ficando vedada a venda de bebidas alcoólicas”. O
referido decreto permitiu o isolamento de pessoas contaminadas, a restrição de
actividades e separação de pessoas suspeitas de contaminação (quarentena), além da
realização compulsória de exames médicos e outras providências. Uma portaria
interministerial (Ministério da Justiça e Ministério da Saúde) previu também que aquele
quem não se sujeitar às medidas poderia responder pelos crimes de infracção e de
desobediência de medida sanitária preventiva.

Outra acção adoptada foi a aprovação pela Assembleia da República do estado de


calamidade pública, autorizando gastos extraordinários para conter o avanço da doença.
Essas acções e normas excepcionais e adequadas à ordem constitucional vigente.

Todavia, sabe-se que, embora fundamentais, tais direitos não são permanentemente
absolutos. Dessa forma, diante de determinadas circunstâncias, os Direitos
Fundamentais podem ser mitigados sem, contudo, violar a Constituição.

Diante da situação de pandemia, determinadas restrições e limitações impostas pelo


Poder Público encontram legitimação diante da colisão entre o direito à vida e outros
direitos fundamentais, pois buscam um fim maior.

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A princípio, o direito de locomoção é garantido no art. 5º, XV, que prevê: é livre a
locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos
termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens. Porém, nenhum
direito é absoluto.

A própria Constituição da República prevê situações em que ele pode ser limitado,
como:

 Prisão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de Juiz;


 Prisão civil, administrativa ou especial para fins de deportação, nos casos
cabíveis na legislação específica;
 Durante vigência de estado de sítio, para determinar a permanência da população
em determinada localidade, única situação na qual há permissão expressa de
restrição generalizada deste direito.

Em função da pandemia, foram editadas algumas normas infraconstitucionais prevendo


severas restrições ao direito de locomoção. E o descumprimento de tais medidas pode
levar à prisão do infractor pelo crime do art. 268 do Código Penal, que pune
criminalmente a conduta de “infringir determinação do poder público, destinada a
impedir introdução ou propagação de doença contagiosa, pelo que se nota a gravidade
na restrição do direito de ir e vir.

2.5. Alguns exemplos invulgares da actuação da força policial no tempo de Covid

É do conhecimento de todos que as autoridades policiais, nomeadamente a Polícia da


República de Moçambique e a polícia municipal, são entidades sobre quem recai a
responsabilidade de zelar pelo cumprimento das medidas restritivas no âmbito do estado
de emergência.

A polícia devia, por isso, encarar todas as medidas em vigor da mesma forma e atribui-
las o mesmo peso quando se trata de fiscalizar o seu cumprimento. A higienização das
mãos com água, sabão ou cinza, o distanciamento social e o uso da máscara em lugares
públicos são inegociáveis.. Na hora de fazer cumprir com estes protocolos do Ministério
da Saúde, a polícia estava mais preocupada com algumas áreas em detrimento das
outras.

Ela é mais vista a fiscalizar os chapeiros, o que não seria nenhum problema se o
objectivo fosse o de combater os atropelos que se verificam neste sector de actividade

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em que alguns operadores transportam para além do número autorizado de passageiros.
Estão mais preocupados em ganhar dinheiro do que proteger os seus utentes.

No calar da noite, a polícia azia rusgas à caça dos que teimam em vender bebidas
alcoólicas para o consumo no local. Desde que começou o Estado de Emergência,
centenas de pessoas foram detidas nestas operações, um pouco por todo o país, acusadas
de violação do Decreto presidencial e os seus produtos, apreendidos.

No lugar de responsabilizar os prevaricadores de acordo com a lei, são, eram mais tarde,
soltos e tudo fica como se nada tivesse acontecido.

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Conclusão
Com base nas abordagens destacadas no trabalho foi possível concluir que para evitar o
colapso do sistema de saúde pública moçambicana, o Estado adoptou medidas de
restrição aos seus cidadãos, através da implementação de quarentena restringindo o
direito de locomoção da população em geral, inclusive com aplicação de multa nos
casos de descumprimento. Sendo o direito de locomoção um dos direitos fundamentais
alicerçados na Constituição da República de Moçambique, houveram questionamentos
tanto em mídias sociais e jornalísticas, como no judiciário quanto a legalidade e
consequente cumprimento de medidas que afrontam direitos constitucionalmente
garantidos. Desta forma, o presente estudo buscou clarear a situação do ponto de vista
teórico onde conclui-se que os direitos fundamentais são assim compreendidos por
encerrarem direitos que buscam resguardar a dignidade da pessoa humana, sendo então
indispensáveis em um Estado Democrático de Direito.

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Referências bibliográficas

Bobbio, Norberto. (2004). A Era dos Direitos. 18. ed. Rio de Janeiro: Elsevier.

Bonavides, Paulo. (2004). Curso de Direito Constitucional. 6. ed. São Paulo.

Moraes, Alexandre . (2011). Direitos fundamentais. 9 ed. São Paulo: Atlas.

Sarlet, Ingo Wolfgang. (2012). Eficácia dos Direitos Fundamentais: uma teoria Geral
dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 11. ed. Porto Alegre.

Wolkmer, António Carlos. (1994). Legitimidade e legalidade: uma distinção


necessária. In: Revista de Informação Legislativa, n. 124. Brasília.

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