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8.

ASPECTOS PARTICULARES DO DIMENSIONAMENTO DE SISTEMAS DE


DRENAGEM DE ÁGUAS RESIDUAIS: AVALIAÇÃO E CONTROLO DOS
EFEITOS DO GÁS SULFÍDRICO
8.1. Considerações introdutórias

Em sistemas de drenagem típicos de grandes aglomerados urbanos, os tempos de


percurso das águas residuais são, em regra, de várias horas ou mesmo de várias dezenas
de horas, e a alteração da qualidade das águas reflecte-se, nomeadamente, na formação
de sulfuretos.

Nos trechos iniciais das redes de drenagem é corrente verificarem-se altos valores do
potencial redox e elevadas concentrações de oxigénio dissolvido no interior da massa
líquida. No entanto, à medida que aumentam os tempos de percurso decrescem, em
regra, tais concentrações, devido ao facto do consumo de oxigénio não ser compensado
pelo rearejamento natural ocorrido através da interface ar-massa líquida.

O oxigénio é consumido, designadamente, em reacções de oxidação da matéria


orgânica, sendo os produtos finais compostos orgânicos mais simples, dióxido de
carbono e substâncias parcialmente oxidadas. Em termos de qualidade das águas
residuais, e no seu conjunto, essas reacções contribuem para uma redução mais ou
menos significativa no valor da carência bioquímica de oxigénio (CBO).

Num sistema de drenagem, após ter sido atingida a condição de anaerobiose, e desde
que satisfeitas certas condições favoráveis, podem resultar das reacções de oxidação
bioquímica da matéria orgânica, libertação de dióxido de carbono e de sulfureto de
hidrogénio. Diz-se, então, que o escoamento se processa em condições de septicidade,
circunstância associada a concentrações positivas de sulfuretos e baixos potenciais
redox, representando o potencial redox, em solução aquosa, o balanço entre as substân-
cias oxidantes e as redutoras. O sulfureto de hidrogénio e o dióxido de carbono tendem,
também, a reduzir o pH da massa líquida.

Na atmosfera dos colectores e das câmaras de visita, à medida que se processa o


escoamento, a tendência é, em regra, de redução do teor de oxigénio e do aumento das
concentrações de dióxido de carbono e de gás sulfídrico no ar.

O sulfureto de hidrogénio (também conhecido por ácido sulfídrico ou gás sulfídrico,


quando presente sob a forma gasosa) é uma das espécies de sulfuretos dissolvidos e a
sua importância para o comportamento dos sistemas deve-se, principalmente, às
seguintes causas:

a) odor que provoca, que é, de entre os gerados no interior das águas residuais, dos
mais intensos e desagradáveis;
b) criação de ambientes tóxicos, por vezes mortais, no interior de atmosferas
confinadas ou ventiladas deficientemente;
c) criação de condições para a ocorrência de corrosão em colectores, câmaras de
visita, poços de bombagem, câmaras repartidoras de caudal e órgãos ou
equipamentos de estações de tratamento;
d) contribuição para a ocorrência, em circunstâncias excepcionais, de atmosferas
explosivas;
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e) contribuição para o mau ou irregular funcionamento de estações de tratamento.

O sulfureto de hidrogénio é moderadamente volátil e a sua libertação da massa líquida


torna-se significativa quando as condições de turbulência são elevadas. O gás sulfídrico,
mesmo em concentrações muito baixas, ataca directamente componentes metálicas,
eléctricas e electrónicas das instalações dos sistemas de drenagem e tratamento, tem um
odor característico a “ovos podres”, e é explosivo em concentrações entre 4,3 e 45,5%.
Quando combinado com a humidade e oxigénio atmosférico pode ser oxidado, a ácido
sulfúrico, cujos efeitos, em termos de corrosão, são responsáveis por grande parte das
rupturas e colapsos totais ou parciais de colectores e emissários gravíticos de águas
residuais.

Os problemas e dificuldades criados pela presença de sulfuretos, nomeadamente do


sulfureto de hidrogénio, em sistemas de drenagem e tratamento de águas residuais,
assumiram especial relevo, sobretudo a partir do 2º quartel do século XX, altura em que
começaram a adquirir particular significado a complexidade e extensão dos sistemas e
se acentuou, nos países desenvolvidos, o sentido do direito público ao bem estar e à
protecção individual, contra toda e qualquer agressão à qualidade de vida ambiental.

Em Portugal, existem extensas regiões onde a temperatura média de verão é bastante


alta e onde, frequentemente, se escoa, nos sistemas de drenagem, água residual com
elevada concentração de matéria orgânica. Estas circunstâncias, associadas à reduzida
energia gravítica disponível para se processar o escoamento (zonas planas ou com pe-
quenos desníveis topográficos) e a tempos de retenção elevados no interior do sistema,
tornam provável a ocorrência de septicidade.

Num inquérito efectuado na década de 80 aos Municípios do Continente e das Regiões


Autónomas da Madeira e Açores, é realçado o facto do efeito do gás sulfídrico evocado
com maior frequência ser o de manifestação de odores desagradáveis, nomeadamente
nos meios receptores (35% de respostas positivas), poços de bombagem de instalações
elevatórias (18%) e obras de entrada e de tratamento de lamas das estações de
tratamento (16%). Apenas em cinco por cento dos Municípios inquiridos é referenciada
a existência de corrosão significativa em colectores de sistemas de drenagem.

Os prejuízos económicos e sociais provocados pela presença de gás sulfídrico em


sistemas de drenagem e tratamento são praticamente incalculáveis, sendo de realçar a
cifra apresentada em Environmental Protection Agency 1985, reportada a 1984, e
referente apenas a custos de reconstrução e reabilitação de sistemas em exploração nos
Estados Unidos da América, devidos a deterioração, maioritariamente atribuída ao gás
sulfídrico: cerca de quinhentos milhões de contos. Esse valor reflecte bem a importância
económica do tema e as preocupações que devem envolver os estudos de concepção e
dimensionamento de sistemas e instalações de drenagem, designadamente de elevada
extensão, com vista a prevenir e controlar os riscos e efeitos da septicidade.

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8.2. Origem, natureza e propriedades do sulfureto de hidrogénio

Nestas folhas, à semelhança do que ocorre em outros textos da especialidade, aplica-se


o termo sulfuretos com o significado de sulfuretos inorgânicos. O sulfureto de
hidrogénio é uma das espécies de sulfuretos inorgânicos dissolvidos. Num colector de
águas residuais, a presença de sulfuretos pode ter várias origens, entre as quais se
salientam as seguintes:

a) descarga de certas águas residuais industriais, provenientes, por exemplo, da


indústria de curtumes, da indústria petroquímica, da indústria de pasta de papel ou
do processamento de matéria animal;
b) infiltração de águas provenientes de aquíferos, onde a concentração de sulfuretos
seja relevante;
c) descarga de águas residuais domésticas, já sépticas, provenientes, por exemplo, de
tanques e poços de bombagem de instalações hoteleiras, onde a massa líquida
permaneça várias horas;
d) formação no interior do sistema, a partir de substâncias, orgânicas e inorgânicas,
que contenham enxofre.

A origem principal encontra-se associada, em regra, à formação no interior do sistema


municipal. Todos os compostos sulfurosos, orgânicos e inorgânicos, podem contribuir,
potencialmente, para a formação de sulfuretos.

As águas residuais domésticas e industriais contêm, em regra, um ou mais compostos de


enxofre. Das mais de trinta espécies de compostos de enxofre que existem, só seis são
termodinamicamente estáveis, em solução aquosa e a temperatura e pressão atmosférica
normal. São elas o ião sulfato (SO42-), o ião bisulfato (HSO4-), o enxofre elementar
(So), o ião sulfureto (S2-), o ião hidrogenosulfureto (HS-) e o sulfureto de hidrogénio
(H2S). Outros compostos inorgânicos, como o ião tiossulfato (S2O32-), também existem
na natureza, mas não são considerados termodinamicamente estáveis. O tiossulfato pode
encontrar-se presente em sistemas de drenagem, nomeadamente como resultado da
oxidação, em condições aeróbias, do ião hidrogenosulfureto. O sulfito também se pode
encontrar presente em colectores, como resultado da descarga de certos efluentes
industriais.

O enxofre inorgânico é incorporado no material celular orgânico, e integra-se, dessa


forma, no ciclo do enxofre. A decomposição da matéria orgânica pode dar origem a
sulfuretos.

Os sulfuretos totais inorgânicos podem ser divididos em sulfuretos solúveis (S2-, HS- e
H2S) e não solúveis em água (FeS, ZnS, ..., etc.). A concentração de sulfuretos não
solúveis é função do pH e da concentração de determinados elementos metálicos, como
o ferro, o zinco, o cobre ou o chumbo, usualmente presentes, embora em baixas
concentrações, em águas residuais domésticas. Esses elementos metálicos reagem com
o ião sulfureto, originando partículas em suspensão que podem precipitar.

Os sulfuretos inorgânicos solúveis em água, ou seja, os sulfuretos inorgânicos totais


dissolvidos, podem apresentar-se sob a forma de sulfureto de hidrogénio (H2S), ião

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hidrogenosulfureto (HS-) ou ião sulfureto (S2-). O sulfureto de hidrogénio dissocia-se
em água, de acordo com as seguintes reacções:
k1 (8.1)
H2S HS- + H+
k2
HS- S2- + H+ (8.2)
sendo as concentrações de H2S, HS- e S= função do pH da solução aquosa, tal como
indicam as seguintes expressões:

log ([HS-]/[H2S]) = pH - pk1 (8.3)


log ([S2-]/[HS-]) = pH - pk2 (8.4)
sendo,

[H2S], [HS-] - actividades, respectivamente, do sulfureto de hidrogénio e do ião


hidrogenosulfureto

[S2-] - actividade do ião sulfureto (moles/l);

pk1, pk2 - cologaritmos, respectivamente, das constantes de ionização das


reacções correspondentes às expressões (8.4) e (8.5).

O valor da constante k1 depende, embora talvez sem muito significado prático, da


temperatura e da força iónica da solução. No entanto, tendo em conta o grau de
incerteza e imprecisão normalmente associado aos estudos de comportamento sanitário
de sistemas de drenagem, é, em regra, considerado razoável admitir o valor do
parâmetro pk1 como constante, e igual a 7.

Para o valor da constante de ionização k2, é vulgar referenciar-se o valor 10-14.

Na Figura 8.1 é apresentada a distribuição das concentrações de equilíbrio das espécies


H2S, HS- e S2-, em função do pH da massa líquida, admitindo pk1 = 7 e pk2 = 14.
Nestas folhas, quando se alude a concentração de H2S, HS- ou dos sulfuretos totais, é
entendido que se referencia a concentração de enxofre, presente em combinação com os
outros elementos. A concentração real de cada espécie pode ser facilmente deduzida,
multiplicando o valor referenciado, pela razão dos pesos moleculares do composto e do
enxofre.

Como se pode constatar pela Figura 8.1, no intervalo comum de pH das águas residuais
domésticas, entre 6,5 e 8,5, a concentração de ião sulfato é praticamente nula, sendo
predominantes as concentrações de sulfureto de hidrogénio e ião hidrogenosulfureto.
Para pH igual a 7, as concentrações de sulfureto de hidrogénio e hidrogenosulfureto são
praticamente idênticas, aumentando a predominância daquele composto à medida que se
reduz o pH da massa líquida.

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Figura 8.1 - Distribuição das concentrações de equilíbrio das espécies H2S, HS e S2-, em função do pH da
massa líquida, admitindo pk1 = 7 e pk2 = 14.

A distinção entre as diversas espécies de sulfuretos torna-se particularmente importante,


devido ao facto de apenas o sulfureto de hidrogénio ser volátil, ou seja, só o sulfureto de
hidrogénio ter potencialidade para se libertar da massa líquida e criar, na atmosfera dos
sistemas de drenagem e de tratamento, efeitos indesejáveis. Quando o sulfureto de
hidrogénio se liberta da massa líquida, o equilíbrio representado pela expressão (8.4) é
reposto, na prática, quase instantaneamente, de forma que as concentrações de H2S e
HS- resultantes se repartem, em equilíbrio, na solução. Quando aparece sob a forma
gasosa, é corrente designar o sulfureto de hidrogénio como gás sulfídrico.

O gás sulfídrico é incolor, 1,19 vezes aproximadamente mais denso que o ar e tem um
odor característico a “ovos podres”. A exposição humana a relativamente pequenas
concentrações desse gás tóxico, da ordem de algumas dezenas de p.p.m. (neste trabalho,
é entendido o termo p.p.m. como referente a concentração em partes por milhão em
volume), pode provocar dores de cabeça, náuseas e irritações de garganta e vista.
Concentrações mais elevadas de algumas centenas de p.p.m., podem conduzir a
paralisia do sistema respiratório e à morte. O gás sulfídrico no ar pode tornar-se
explosivo em concentrações entre 4,3 e 45,5%. O sulfureto de hidrogénio é
moderadamente solúvel em água, decrescendo a solubilidade com o aumento da
temperatura. Para temperaturas de 15 e 25°C, as solubilidades são, respectivamente, de
4150 e 3175 mg/l.

8.3. Formação, libertação e oxidação do sulfureto de hidrogénio

8.3.1. Considerações de âmbito geral

Em redes de drenagem de águas residuais constituídas por colectores de pequeno


diâmetro, com serviço de percurso, e em que as condições de escoamento asseguram
auto-limpeza e ventilação, não é usual o estabelecimento de condições de septicidade.
Essas condições verificam-se, no entanto, e em regra, em emissários, interceptores ou
sistemas de drenagem de longa extensão, mesmo quando se verificam os critérios
hidráulicos de auto-limpeza e de limitação de altura do escoamento. Em países ou
regiões frias, o estabelecimento de condições de septicidade e a manifestação dos seus
efeitos, em sistemas de drenagem de águas residuais, não é, em regra, tão grave, como a
que ocorre em regiões de temperaturas médias elevadas. No entanto, existem sistemas,

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implantados em regiões frias (como em certas áreas dos Estados Unidos da América, da
França, do Reino Unido ou da Dinamarca), onde já foram referenciados efeitos
especialmente graves, provocados pela ocorrência de septicidade em colectores de
águas residuais domésticas, nomeadamente devidos à presença de gás sulfídrico. Nesses
casos, a ocorrência de septicidade deve-se, fundamentalmente, ao facto do escoamento
de águas residuais se processar sob pressão, em condutas elevatórias, trechos de sifões
invertidos ou colectores sub-dimensionados, não havendo pois lugar a rearejamento.

A condição de septicidade está associada à formação de sulfuretos. A formação de


sulfuretos depende de diversos factores ou parâmetros, entre os quais se incluem a
disponibilidade de matéria orgânica e de sulfatos, a temperatura, o pH, a velocidade
média do escoamento, o tempo de percurso, a concentração de oxigénio dissolvido e o
potencial redox da massa líquida. No caso de sistemas de drenagem constituídos
integralmente por colectores com escoamento com superfície livre, a concentração de
sulfuretos na massa líquida não atinge valores muito elevados, devido ao facto do
oxigénio absorvido na interface ar-massa líquida contribuir, directa ou indirectamente,
para a oxidação de substâncias de menor potencial redox, entre as quais se incluem os
sulfuretos, e devido ao facto de uma parcela dos sulfuretos se poder libertar para a
atmosfera do sistema, sob a forma de gás sulfídrico. Naquelas condições, o escoamento
processa-se em anaerobiose, mas com concentrações de sulfuretos inferiores, em regra,
a 2 mg/l. Na Figura 8.2 é ilustrada a condição de septicidade num colector de águas
residuais com escoamento com superfície livre.

Figura 8.2 - Formação de sulfuretos em colectores de águas residuais - condições anaeróbias.

A libertação do gás sulfídrico da massa líquida depende, designadamente, da


concentração de sulfureto de hidrogénio em solução, da temperatura e das condições de
turbulência, sendo superior no caso da existência de quedas, particularmente quedas
bruscas (ou seja, quedas verticais, efectuadas sem transição) e inferior em trechos
rectos, com baixas velocidades de escoamento. Em determinadas condições, ocorre
dissolução do gás sulfídrico na humidade condensada das superfícies expostas, e a
reacção de oxidação a ácido sulfúrico pode verificar-se, no caso de serem satisfeitas
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condições térmicas e de disponibilidade de nutrientes, necessárias ao desenvolvimento
das bactérias intervenientes no processo. O ácido sulfúrico é formado de acordo com a
seguinte reacção:
bactérias
H2S + O2 H2SO4 (8.5)
No caso do revestimento das superfícies ser inerte ao ataque do ácido sulfúrico, como
acontece quando se aplicam tintas à base de resinas epoxídicas especiais, ou se cobrem
as superfícies com membranas ou placas protectoras de materiais resistentes, como PVC
ou grés, o ácido sulfúrico diluído desliza sob acção gravítica, indo finalmente incorporar
a massa líquida.

Na Figura 8.3 são apresentadas as várias fases correspondentes à formação, libertação e


oxidação do sulfureto de hidrogénio em colectores de águas residuais.

Figura 8.3 - Representação esquemática da formação, libertação e oxidação do sulfureto de hidrogénio


num colector de águas residuais.

Para que a concentração de sulfuretos na massa líquida se mantenha positiva ao longo


de um sistema de drenagem, torna-se necessário que a taxa de formação seja, em
princípio, igual ou superior à taxa de remoção dos sulfuretos da solução. A formação de
sulfuretos em colectores pode resultar das seguintes reacções:

a) decomposição de compostos orgânicos contendo enxofre, nomeadamente alguns


aminoácidos;
b) redução do ião sulfato ou, menos frequentemente, redução de outras substâncias
inorgânicas, como dos iões tiossulfato e sulfito ou do enxofre elementar.

Para o decréscimo das concentrações de sulfuretos dissolvidos contribuem os seguintes


factores:
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c) reacções de oxidação, em condições aeróbias, donde podem resultar, teoricamente,
enxofre elementar, tiossulfato ou sulfato;
d) precipitação, por reacção com elementos metálicos usualmente presentes em águas
residuais, como o ião ferro (II) e o zinco;
e) libertação de gás sulfídrico para a atmosfera, a qual ocorre, com mais significado,
em meio ácido, e quando as condições de turbulência são elevadas.
8.3.2. Natureza das reacções

A contribuição dominante para a formação de sulfuretos de hidrogénio provém da


redução bioquímica do ião sulfato, levada a cabo na ausência de oxigénio, e que pode
ser traduzida, simplificadamente, da seguinte forma:
bactérias
SO42- + matéria orgânica S2- + H2O + CO2 (8.6)
S2- + 2H+ H2S (8.7)
Na oxidação bioquímica da matéria orgânica, as bactérias removem átomos de
hidrogénio das moléculas orgânicas, adquirindo, no processo, energia. Após uma série
de reacções bioquímicas, os átomos de hidrogénio são transferidas para um receptor.
Tal receptor pode ser um composto orgânico ou inorgânico.

Em condições aeróbias, o oxigénio livre é o receptor final do hidrogénio, sendo a água o


produto final da reacção.

Nas reacções que se apresentam no Quadro 8.1, e que ocorrem, ou podem ocorrer, em
colectores de águas residuais, são identificados possíveis receptores de hidrogénio e os
correspondentes produtos de reacção.

QUADRO 8.1 - Identificação de reacções em colectores de águas residuais (adaptado de


ENVIRONMENTAL PROTECTION AGENCY 1985)
Número de Receptor de Número de átomos de Produtos de reacção
ordem hidrogénio hidrogénio intervenientes
(1) O2 + 4H+ 2H2O
(2) 2NO3- + 12H+ N2 + 6H2O
(3) SO42- + 10H+ H2S + 4H2O
(4) corpos orgânicos + x H+ compostos orgânicos
oxidados reduzidos
(5) CO2 + 8H+ CH4 + 2H2O

As reacções identificadas com os números de ordem (1), (2) e (5) originam produtos
que não provocam impacte, do ponto de vista dos odores. As reacções (3) e (4) originam
compostos de odor desagradável, respectivamente sulfureto de hidrogénio e,
frequentemente, mercaptanos.

As reacções (2) e (5) são anaeróbias, isto é, desenvolvem-se na ausência de oxigénio


livre, utilizando os microrganismos intervenientes os receptores de hidrogénio, pela
ordem seguida na apresentação das reacções do Quadro 8.1, isto é, primeiro o oxigénio,
depois os nitratos e, finalmente, na ausência dos primeiros, os sulfatos.

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Em águas residuais, a disponibilidade de enxofre orgânico e ião sulfato encontra-se
naturalmente assegurada. Em estudos experimentais realizados num interceptor da
cidade de Bruxelas, reportam capitações de ião sulfato, por habitante e por dia, de 16 g.
Metcalf & Eddy 1979 referenciam contribuições, de origem doméstica, correspondentes
a concentrações na massa líquida entre 15 e 30 mg/l (valores médios correspondentes a
sistemas de drenagem em exploração nos Estados Unidos da América).

No caso de infiltração de água do mar em redes de drenagem de águas residuais, as


concentrações de ião sulfato podem ser de várias centenas de mg/l.

8.3.3. Expressões de cálculo da concentração de sulfuretos

Várias expressões empíricas têm sido propostas no sentido de estimar a formação de


sulfuretos, ou parâmetros com ela relacionados, tanto em condutas com escoamento sob
pressão, como em colectores com escoamento com superfície livre.

O cálculo da formação de sulfuretos em condutas sob pressão não é especialmente


complexo, devido ao facto de, em regra, não ocorrerem nem reacções de oxidação, nem
de libertação de gás sulfídrico para o ar. Ou seja, o aumento da concentração de
sulfuretos no interior da massa líquida pode ser directamente calculado, a partir da
estimativa da taxa de formação de sulfuretos.

No que concerne ao escoamento com superfície livre, as reacções e transformações que


intervêm no balanço de sulfuretos na massa líquida são mais complexas. A partir de
meados deste século, começaram a ser propostas formulações empíricas qualitativas, de
complexidade crescente, preparadas por forma a caracterizar grandezas ou parâmetros,
depois relacionados com estados ou condições mais ou menos favoráveis à formação de
sulfuretos. Mais tarde, na década de setenta, e devido principalmente ao trabalho
profundo e exaustivo levado a cabo por Thistlethwayte, na Austrália, e Pomeroy, nos
Estados Unidos da América, conseguiu evoluir-se, embora com sucesso mais ou menos
limitado, no sentido da estimativa da concentração de sulfuretos em sistemas de
drenagem, a partir do conhecimento de dados de base referentes a características
hidráulicas do escoamento (velocidade, raio hidráulico, tempo de percurso) e de
qualidade da água residual (CBO5, CQO e concentração de ião sulfato).

Escoamento sob pressão


De entre as expressões de cálculo da concentração de sulfuretos em condutas sob
pressão, a mais divulgada é, sem dúvida, a expressão proposta por Pomeroy. Pomeroy
1959 propõe uma expressão de cálculo de formação de sulfuretos, em condutas com
escoamento de águas residuais sob pressão, que pode ser apresentada sob a seguinte
forma:

d[S]/dt = Kp CBO5 (1,57 + 4/D) 1,07(T-20) (8.8)


sendo,

d[S]/dt - taxa de formação de sulfuretos expressa em termos da variação da


concentração na massa líquida (mg/(l.h));

Kp - constante empírica, admitida, em regra, como igual a 0,001 (m/h);

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CBO5 - carência bioquímica de oxigénio aos cinco dias e a 20°C (mg/l);

D - diâmetro da conduta (m);

T - temperatura da massa líquida (°C).

A expressão (8.8) é também proposta por Environmental Protection Agency 1985 e


American Society of Civil Engineers 1989. Na segunda parcela do segundo membro da
expressão apresentada, o inverso do raio hidráulico (4/D) figura a multiplicar o termo
correspondente à taxa de formação de sulfuretos no interior do filme biológico
(g/(m2.h)), com vista a expressar essa taxa em termos da concentração na massa líquida,
(sendo as unidades g/(m3.h) ou mg/(l.h)).

A expressão (8.8) foi calibrada com base na análise de resultados experimentais obtidos
em quarenta e duas condutas e pressupõe as seguintes condições:

a) condições favoráveis à formação de sulfuretos, nomeadamente em termos de


potencial redox, desde a secção inicial da conduta;
b) independência entre a taxa de formação de sulfuretos e a velocidade média do
escoamento e a concentração do ião sulfato;
c) proporcionalidade directa entre a CBO5 e a taxa de formação de sulfuretos;
d) desenvolvimento do filme biológico ao longo de todo o perímetro molhado.

Na publicação original, Pomeroy 1959 constata que o valor do parâmetro empírico Kp


parece variar significativamente com o tempo de retenção na conduta, sendo
progressivamente superior para maiores tempos de retenção. Contudo, a expressão (4.8)
tem sido correntemente divulgada admitindo o valor Kp igual a 0,001 m/h. Outros
investigadores atribuem a variação desse parâmetro à existência de oxigénio dissolvido
na secção inicial das condutas, e ao consequente atraso na formação de sulfuretos.

Escoamento com superfície livre

A primeira expressão empírica formulada com vista a prevenir a formação de sulfuretos


em colectores de águas residuais, com escoamento com superfície livre, foi apresentada
por POMEROY e BOWLUS 1946. Essa expressão, cuja aplicação é condicionada a
alturas relativas do escoamento inferiores ou iguais a 0,5, permite estimar a velocidade
crítica do escoamento, abaixo da qual existem condições potenciais para formação de
sulfuretos. Essa expressão pode ser apresentada sob a seguinte forma:

Vcs = 0,042 [(CBO5 1,07(T-20))]1/2 (8.9)


sendo Vcs a velocidade crítica do escoamento, ou seja, a velocidade abaixo da qual as
condições para formação de sulfuretos são potencialmente favoráveis (m/s). Na
expressão (4.14) a CBO5 é dada em mg/l e T é dado em °C.

Davy 1950 postula que, para que a concentração de sulfuretos no interior da massa
líquida seja praticamente nula, torna-se necessário que a taxa de oxidação seja pelo
menos igual à taxa de formação. A oxidação dos sulfuretos é assegurada pela
disponibilidade de oxigénio que depende da turbulência do escoamento, ou seja, do

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número de Reynolds. Combinando argumentos lógicos com os resultados experimentais
obtidos em treze colectores da cidade de Melbourne, na Austrália, aquele autor define
uma expressão que relaciona o valor crítico do número de Reynolds, a partir do qual a
formação de sulfuretos se torna improvável, com a CBO5 e a largura e secção do
escoamento. Essa expressão foi posteriormente modificada, por forma a tornar mais
expedita a sua aplicação, e pode ser apresentada sob a seguinte forma:

Zp = (0,305 CBO5 1,07(T-20)) / (Q1/3 J1/2 f) (8.10)


sendo,

Zp - parâmetro empírico de Pomeroy (-);


Q - caudal (m3/s);
J - perda de carga unitária (m/m).
O parâmetro f pode ser obtido a partir da seguinte expressão:

f = 1,4 b/p (Q/Qsc)0,064 (8.11)


sendo,

b - largura superficial do escoamento (m);


p - perímetro molhado (m);
Qsc - caudal correspondente à secção cheia (m3/s).
Os valores a atribuir às variáveis T, CBO5 e Q devem corresponder a valores médios,
respeitantes aos períodos de seis horas de maior afluência ao sistema, nos três meses
mais quentes do ano (designados por períodos “adversos”).

O parâmetro Zp relaciona-se com a possível ocorrência de sulfureto de hidrogénio, da


seguinte forma:

- para Zp < 5 000 o sulfureto de hidrogénio raramente está presente. Materiais à base
de ligas de prata e de cobre e, possivelmente, tintas contendo chumbo podem ser
escurecidas;
- para 5 000 < Z ≤ 7 500 as concentrações máximas não excedem algumas décimas de
mg/l. É possível a ocorrência de ligeira corrosão em estruturas de betão e alvenaria,
especialmente se o escoamento se processar com turbulência significativa;
- para 7 500 < Zp ≤ 10 000 o sulfureto de hidrogénio pode, por vezes, desenvolver-se
em quantidade suficiente para causar odores desagradáveis e danos substanciais em
estruturas de betão e alvenaria, principalmente se o escoamento se processar com
elevada turbulência. É previsível, mesmo em locais onde a turbulência do
escoamento não seja significativa, ataque ligeiro do betão e do fibrocimento;
- para 10 000 < Zp ≤ 15 000 podem ocorrer períodos em que os odores desagradáveis
se manifestem significativamente, sendo de esperar um rápido ataque das estruturas
de betão. Em colectores de betão de 2,5 cm de espessura, pode dizer-se que são
fortes as probabilidades de ocorrer ruptura nos primeiros 25 anos de vida;

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- para Zp > 15 000 o sulfureto de hidrogénio está praticamente sempre presente na
massa líquida, variando o período de vida útil de pequenos colectores e betão entre 5
e 10 anos.
A expressão (8.10) teve grande divulgação no mundo científico, e foi, praticamente até
meados da década de oitenta, a única que se aplicou, nesse domínio, em países como
Portugal ou Brasil. Esta expressão tem, no entanto, importantes limitações, havendo
autores que limitam a sua aplicação a colectores com diâmetros iguais ou inferiores a
600 mm. No entanto, a maior limitação dessa expressão, segundo alguns autores, é não
ter em conta o tempo de percurso e os efeitos da septicidade acumulada em trechos a
montante, como os que decorrem, em particular, da presença de condutas sob pressão.

Na Figura 8.4 e na Figura 8.5 apresenta-se, a título ilustrativo, a variação do parâmetro


Zp, em função do diâmetro do colector e, respectivamente, da velocidade média do
escoamento e da tensão de arrastamento. Para a elaboração dessas figuras foram
consideradas as seguintes condições de cálculo:

a) CBO5 igual a 400 mg/l e temperatura de 20°C;


b) coeficiente de Manning, N, igual a 0,013 m-1/3s;
c) altura relativa do escoamento igual a 0,50.

Figura 8.4 - Variação do parâmetro Zp, em função da velocidade e do diâmetro do colector.

240
Figura 8.5 - Variação do parâmetro Zp, em função da tensão de arrastamento e do diâmetro do colector.

Em 1977, Pomeroy e Parkhurst apresentaram uma formulação, válida para o


escoamento de águas residuais com superfície livre em condições anaeróbias, e que
permite estimar a concentração total de sulfuretos na massa líquida. O estabelecimento
dessa formulação corresponde a um grande avanço no que se refere à precisão da
formação e efeitos do sulfureto de hidrogénio.

A formulação pode ser sintetizada pelas seguintes expressões:

Sj = Slim - (Slim - Sm) exp (Ct) (8.12)


Slim = M/m CBO5 1,07(T-20) (JV)-0,375 (P/b) (8.13)
Ct = -Lm J0,375 / (3600 dm V0,625) (8.14)
sendo,

Sm, Sj - concentração de sulfuretos totais, respectivamente na secção


inicial e final do trecho de cálculo;
Slim - concentração máxima de sulfuretos, para as condições
hidráulico-sanitárias no trecho, que só pode ser atingida,
teoricamente, se o mesmo tiver uma extensão infinita (mg/l);
M, m - constantes empíricas;
V - velocidade média de escoamento;
P - perímetro molhado (m);
b - largura superficial do escoamento (m);
dm - altura média do escoamento (m);
L - extensão do trecho (m).
Os valores CBO5, T, J e V têm o significado e são apresentados nas unidades já
referidas anteriormente neste capítulo.

Para atribuição dos valores às constantes empíricas M e m aqueles autores sugerem, em


função das características específicas do sistema a dimensionar, e do grau de segurança
pretendido, a adopção de uma das hipóteses a seguir discriminadas:

241
- hipótese moderadamente conservadora: M = 0,32 x 10-3 m/h,
m = 0,96.
- hipótese muito conservadora: M = 0,32 x 10-3 m/h,
m = 0,64.

A formulação proposta tem dado provas de ajustamento adequado à realidade,


principalmente quando se admitem os valores menos conservadores para as constantes
empíricas M e m, anteriormente referidas. Nesta formulação são admitidas,
implicitamente, as seguintes hipóteses:

a) condições favoráveis à formação de sulfuretos, nomeadamente em termos de


condições hidráulicas, ambientais e de disponibilidade de enxofre;
b) proporcionalidade directa entre a taxa de formação de sulfuretos e a CBO5;
c) proporcionalidade directa entre as taxas de oxidação e de libertação de sulfureto de
hidrogénio da solução, e a concentração de sulfuretos.

Em teoria, a hipótese c) é, possivelmente, a mais criticável. A libertação do sulfureto de


hidrogénio (gás sulfídrico) para o ar é função da concentração desse composto em
solução aquosa, e não da concentração de sulfuretos totais. Isto é, em condições de
elevado pH, a concentração de sulfuretos totais pode ser alta e nula a libertação de gás
sulfídrico para a atmosfera, ao contrário do ocorrido em meio ácido, onde a libertação
do gás sulfídrico pode ser elevada, pelo facto dos sulfuretos dissolvidos se apresentarem
quase inteiramente sob a forma de sulfureto de hidrogénio. As consequências práticas
desta incorrecção teórica parecem ser reduzidas, em grande parte, devido ao facto da
fracção de sulfuretos que escapa para a atmosfera ser, em regra, diminuta, quando
comparada com a que é oxidada pelo oxigénio proveniente do rearejamento superficial.

No entanto, em termos práticos, é a primeira hipótese referida que mais condiciona o


rigor da aplicação do modelo de cálculo. Esta situação é claramente exemplificada pelo
facto de, aplicando o modelo, serem determinadas concentrações positivas de sulfuretos,
quaisquer que sejam as características hidráulicas do escoamento, o que, na realidade,
não ocorre. Basta, para isso, por exemplo, que as condições de velocidade e turbulência
sejam favoráveis à persistência de valores positivos de oxigénio dissolvido na solução.

Quando o escoamento se processa em condições de septicidade, a aplicação das


expressões (8.12) a (8.14) fornece valores adequados, tal como ilustram vários estudos
experimentais, a maior parte dos quais realizados nos Estados Unidos da América, em
sistemas de drenagem de águas residuais de grande dimensão.

8.3.4. Libertação de gás sulfídrico e ventilação

Em atmosferas de sistemas de drenagem constituídos por colectores com escoamento


com superfície livre em condições aeróbias, as concentrações dos principais elementos
do ar, nomeadamente do azoto e do oxigénio, são, em regra, muito semelhantes às da
atmosfera livre exterior. Nessas condições, a concentração de gás sulfídrico e de
compostos orgânicos voláteis, como mercaptanos, é nula, e a concentração de dióxido
de carbono poderá ser da ordem de 300 p.p.m..

242
O gás sulfídrico é moderadamente solúvel em água bastante mais, por exemplo, que o
dióxido de carbono, o oxigénio ou o azoto, e segue a lei de Henry com razoável
ajustamento. Em 1903, William Henry postulou que, a temperatura constante, a massa
de gás dissolvida num determinado volume é directamente proporcional, em equilíbrio,
à pressão parcial do gás no ar. Essa lei pode ser apresentada sob a seguinte forma:

xg = KHe Pg (8.15)
sendo,

xg - fracção do gás em equilíbrio (-);


KHe - constante de Henry (atm-1);
Pg - pressão parcial do gás no ar (atm).
Num sistema de drenagem de águas residuais, a concentração de equilíbrio de gás
sulfídrico no ar só é atingida passadas várias horas, e, ainda assim, apenas se não houver
ventilação, fugas de gás para o exterior e reacção com as paredes dos colectores
(condensação, oxidação e corrosão). A constante de Henry depende da temperatura, da
concentração da substância volátil em solução e, embora em menor grau, da
composição química da água. Na Figura 8.6 é apresentada a variação da concentração
de equilíbrio do gás sulfídrico no ar, em função da temperatura e da concentração desse
composto no interior da massa líquida.

Figura 8.6 - Variação da concentração de equilíbrio do gás sulfídrico no ar, em função da temperatura e
da concentração em solução (adaptada de ENVIRONMENTAL PROTECTION AGENCY
1985).

Libertação de gás sulfídrico para o ar


A libertação do gás sulfídrico para a atmosfera dos sistemas de drenagem depende do
grau de septicidade da massa líquida, das condições de temperatura e de turbulência do
escoamento, da composição da água residual e da própria concentração de gás sulfídrico
na atmosfera dos colectores. No caso do teor de gás sulfídrico na atmosfera atingir a
concentração de equilíbrio, a massa de gás sulfídrico libertada da massa líquida torna-
se, obviamente, nula.
243
Por outro lado, a velocidade à qual o gás sulfídrico se escapa da solução, para dadas
condições ambientais, é proporcional à concentração de sulfureto de hidrogénio no
interior da massa líquida. Assim, a pH = 7,0, o gás sulfídrico escapará a
aproximadamente metade da velocidade correspondente à libertação do mesmo gás
numa solução fortemente ácida, com idêntica concentração de sulfuretos dissolvidos.
Quando parte do gás sulfídrico se escapa para o ar, os sulfuretos dissolvidos na massa
líquida repartem-se e equilibram-se, quase instantaneamente, na proporção decorrente
das condições de temperatura e pH.

Em regra, a concentração de gás sulfídrico é muito inferior à concentração de equilíbrio,


ascendendo, usualmente, apenas a valores entre 2 e 20%. Em zonas de queda, sujeitas a
uma turbulência acrescida, a libertação de gás sulfídrico para a atmosfera pode ser
bastante superior à verificada em trechos rectilíneos. Nessas condições, podem ocorrer
concentrações especialmente elevadas de gás sulfídrico, em trechos localizados,
possivelmente com uma extensão inferior a dez a vinte diâmetros. Nesses trechos
localizados a concentração de gás sulfídrico poderá elevar-se, em certas circunstâncias,
a mais de 20% da concentração de equilíbrio.

Em Environmental Protection Agency 1985 é apresentada uma expressão, proposta por


Pomeroy, que permite estimar a taxa de libertação do gás sulfídrico da massa líquida
para a atmosfera de colectores. Esta expressão pode ser apresentada da seguinte forma:

Fi = 1,917 x 10-4 CA θ(T-20) (JV)(3/8) H2SL (1-q) (8.16)


sendo,
Fi - taxa de libertação do gás sulfídrico (g/(m2.s));
CA - factor de turbulência, dado por (1+0,17 V2/(gdm)) (-);
θ - parâmetro representativo do efeito da temperatura e que pode
ser considerado igual a 1,016;
T - temperatura da massa líquida (°C);
J - perda de carga unitária (m/m);
V - velocidade média do escoamento (m/s);
H2SL - concentração de sulfureto de hidrogénio na massa líquida
(mg/l);
q - razão entre a concentração de gás sulfídrico no ar e a
concentração de equilíbrio (ch/ceq);
g - aceleração da gravidade (m/s2);
dm - altura média do escoamento (m).

Para aplicar a expressão (8.16) torna-se necessário conhecer o parâmetro “q” e, por isso,
a concentração de equilíbrio, a qual pode ser determinada a partir da lei de Henry. A
taxa de libertação do gás sulfídrico para o ar (g/(m2.s)) pode ser expressa em termos de
taxa de variação de concentração de sulfuretos dissolvidos em solução (mg/(l.h)) tendo
em conta a largura superficial e a secção do escoamento. Na Figura 8.7 é apresentada a
variação da taxa de libertação de gás sulfídrico, expressa em termos de variação da
concentração na massa líquida, em colectores de águas residuais com escoamento a
meia secção. Para os cálculos foi admitida uma concentração de 1 mg/l de sulfureto de
hidrogénio em solução, um coeficiente de Manning igual a 0,013 m-1/3s, e a aplicação
da expressão (8.16).

244
Figura 8.7 - Libertação do gás sulfídrico em águas residuais sépticas em função do declive do colector
(h/D = 0,50; N = 0,013 m-1/3s; H2SL = 1 mg/l) (adaptada de Matos 1992).

Ventilação em sistemas de drenagem


A ventilação em sistemas de drenagem de águas residuais deve ser promovida tendo em
conta a manutenção de atmosferas respiráveis nas câmaras de visita e nos colectores e a
redução dos riscos de desenvolvimento de atmosferas tóxicas ou explosivas. Por vezes,
recorre-se a ventilação forçada, em trechos limitados, para controlo de odores por
diluição, para controlo da corrosão por redução da humidade relativa do ar, ou,
simplesmente, para se restabelecerem níveis de concentração de oxigénio adequados e
diluir a concentração de substâncias tóxicas ou explosivas.

Em diversos países, como nos Estados Unidos da América, e em várias cidades de


Portugal, a ventilação dos sistemas de drenagem municipais é garantida pela ligação aos
ramais de ventilação domiciliários. Noutros países, como no Reino Unido e na
Austrália, são concebidos, com frequência, sistemas de ventilação específicos ligados
aos colectores municipais e a ventilação ocorre por trechos separados por membranas
flexíveis, que impedem a continuidade da corrente de ar ao longo dos colectores e a
dirige para os postes de ventilação. Por vezes são previstas, também, ranhuras de
ventilação nas tampas das câmaras de visita.

O grau de ventilação natural que ocorre em colectores é difícil de prever, tendo em


conta, nomeadamente, a contínua variação dos diversos parâmetros que o influenciam.
Por vezes, as flutuações dos valores desses parâmetros (caso da temperatura, velocidade
do vento e velocidade e altura do escoamento), mesmo em curtos intervalos de tempo, é
suficiente para alterar não só a velocidade da corrente de ar no interior dos colectores,
como a própria direcção do movimento.

Em dias ventosos, a variação da pressão barométrica é mais significativa, e as correntes


do ar nos colectores são mais notadas. Pelo contrário, em dias calmos, o ar é
movimentado devido, quase exclusivamente, à acção de arraste provocada pela massa
líquida e devido às flutuações do nível de água.

245
Em determinadas condições, pode ocorrer tendência a uma inversão do sentido do
escoamento do ar, ou seja, pode verificar-se um movimento global ascendente do ar, no
sentido contrário ao do escoamento do líquido. Essa tendência pode tomar proporções
mais significativas, em sistemas de drenagem implantados com grandes desníveis, e em
que, simultaneamente, as alturas e velocidades médias do escoamento sejam reduzidas.

8.3.5. Oxidação sobre as paredes dos colectores

O gás sulfídrico da atmosfera dos colectores acaba por dissolver-se na humidade


condensada sobre as paredes, desde que as condições de humidade sejam favoráveis,
originando sulfureto de hidrogénio em solução. A transferência do gás para as paredes
dá-se por penetração e difusão molecular, através da película laminar gasosa que
envolve a fronteira sólida do escoamento do ar. Em condições usuais do escoamento, a
espessura da película laminar pode ser de alguns milímetros e oferece uma maior ou
menor resistência à transferência de massa. Além do gás sulfídrico, outros gases, como
o dióxido de carbono ou o oxigénio, também penetram através da película laminar,
enquanto ocorrem reacções de carbonatação do betão e de oxidação do sulfureto de
hidrogénio a tiossulfato e a ácido sulfúrico.

Sobre a superfície dos colectores novos de betão, a humidade condensada apresenta-se


muito alcalina, com valores de pH entre 11 e 13. O humedecimento do betão e
fenómenos subsequentes de carbonatação e de fixação do sulfureto de hidrogénio,
acabam por fazer baixar o pH a valores entre 7 e 8. Enquanto prosseguem as
transformações puramente químicas, começa a ter lugar a proliferação de
microrganismos capazes de oxidar lentamente o tiossulfato, sem consequências
significativas no pH global. Para pH inferior a 9, existem bactérias que proliferam e
oxidam o tiossulfato a enxofre elementar e a ácido sulfúrico. Essas reacções
bioquímicas prosseguem até se atingirem valores de pH da ordem de 5. Nessas
condições, desenvolve-se a espécie Thiobacillus concretivorus, que origina elevadas
concentrações de ácido sulfúrico, e o pH pode descer abaixo de 1.

O encadeamento dos processos conducentes à redução do pH da superfície do betão é


apresentado, esquematicamente, na Figura 8.8.

246
Figura 8.8 - Representação esquemática do encadeamento dos processos conducentes à redução do pH da
superfície de betão.

8.4. Efeitos do gás sulfídrico

8.4.1. Considerações introdutórias

Os efeitos principais do gás sulfídrico são, sem dúvida, o odor, a toxicidade e a


corrosão.

Em sistemas de águas residuais, o odor e toxicidade manifestam-se, sobretudo, em


volumes confinados com reduzida ventilação, como os que são usuais em câmaras de
visita, poços de bombagem de instalações elevatórias, câmaras repartidoras de caudal e
obras de entrada de estações de tratamento. A corrosão manifesta-se, sobretudo, ao
nível dos próprios colectores e câmaras de visita.

Várias definições têm sido dadas para a concentração ou limite absoluto de percepção
de gases odoríferos (em terminologia anglo-saxónica absolut threshold concentration),
sendo vulgar aquela a que corresponde a concentração mínima do gás odorífero,
detectada por 50% dos indivíduos consultados num painel de odor. O valor limite de
concentração (em terminologia anglo-saxónica threshold limit value - TLV)
corresponde a concentração média máxima à qual trabalhadores podem ser expostos,
sem perigo de consequências gravosas, oito horas por dia, cinco vezes por semana e
cinquenta semanas por ano.

Em atmosferas de sistemas de drenagem, compostas por vários compostos odoríferos, o


odor global é, em regra, bastante superior ao correspondente à concentração de cada gás
considerado isoladamente. Nesse caso, é usual recorrer-se ao conceito de unidade de
odor. A unidade de odor (ou unidade padrão de odor) é a quantidade de ar viciado que,
quando diluído na unidade de volume de ar isento de gases odoríferos, atinge o limite de
percepção.

247
Quando, no interior dos sistemas de drenagem, a concentração de gás sulfídrico atinge
valores muito altos, podem ocorrer acidentes que, em alguns casos, podem conduzir à
morte.

A longo prazo, o efeito mais relevante do gás sulfídrico é a corrosão. Esse gás ataca
directamente elementos metálicos e, indirectamente, após dar origem à formação de
ácido sulfídrico, diversos materiais, entre os quais se realçam o betão, o fibrocimento e
o ferro fundido.

8.4.2. Odor

No Quadro 8.2 são referenciados níveis de odor, em função da concentração de gás


sulfídrico. A percepção do odor varia de indivíduo para indivíduo, e o mesmo indivíduo
pode reagir de forma diversa, em função da condição física e psicológica, ou do tempo
de exposição. Acima de 160 a 250 p.p.m., é perdida a percepção do odor e os efeitos de
toxicidade passam a ser, então, ainda mais graves.

Diversos autores referenciam o valor 1 p.p.m., como limite de reconhecimento do gás


sulfídrico a 100%.

QUADRO 8.2 - Impacte de odor associado ao gás sulfídrico


Concentração de gás Odor
sulfídrico (p.p.m.)
< 0,00021 Limite de percepção.
0,00047 Limite de reconhecimento.
0,5 a 30 Odor forte e ofensivo.
10 a 50 Odor forte. Efeitos tóxicos.

Em sistemas de águas residuais, os efeitos do odor são, em regra, notados localmente,


nas proximidades de estações de tratamento ou de postes de ventilação colocados junto
de instalações elevatórias e das câmaras de montante de sifões invertidos. O transporte e
dispersão do odor depende de vários factores, entre os quais assumem relevância os
seguintes:

a) posicionamento do centro emissor;


b) velocidade e direcção do vento;
c) estrutura turbulenta da atmosfera.

As concentrações mais desfavoráveis são as que se associam a baixas velocidades do


vento e elevada estabilidade da camada inferior da estratosfera (com gradiente térmico
positivo e ocorrência de inversão térmica).

Os modelos de cálculo de diluição e dispersão, nos campos próximo e afastado do local


de emissão, podem ser muito complexos, especialmente se estruturadas para ter em
conta os efeitos aerodinâmicos provocados por topografia e acidentes sobre o solo, e a
sua discussão e análise não é tratada no âmbito destas folhas.

O controlo de odores pode levar à necessidade de confinamento das áreas onde são
libertados, nomeadamente obras de entrada, decantadores primários e espessadores de
estações de tratamento, e ao tratamento do ar colectado, antes da rejeição final. Em

248
Portugal, podem ser referenciados os casos das instalações elevatórias da Barcarena
(Oeiras) e do Gorgulho (Funchal), em que o ar é tratado por filtros de carvão activado, e
as galerias da estação de tratamento preliminar do sistema de drenagem de águas
residuais da Costa do Estoril, em que o ar “viciado” é diluído e oxidado em torres de
ozono (oxidação húmida).

8.4.3. Toxicidade

O espectro de toxicidade do gás sulfídrico, para exposição humana, é apresentado no


Quadro 8.3.

QUADRO 8.3 - Espectro de toxicidade do gás sulfídrico


Concentração de gás Efeito
sulfídrico (p.p.m.)
< 30 Odor mais ou menos ofensivo, desde que a concentração seja superior a
0,00021 p.p.m..
10 a 50 Dores de cabeça, náuseas e irritação da vista, nariz e garganta
50 a 300 Lesão da vista e aparelho respiratório.
300 a 500 Ameaça mortal (edema pulmonar).
> 700 Morte imediata.

O gás sulfídrico é tóxico e tem sido causa de vários acidentes mortais. É mais denso que
o ar, ao contrário do metano, e, por isso, concentra-se muitas vezes nos volumes
inferiores das câmaras de visita dos sistemas de drenagem. Pode, no entanto, devido a
correntes de convexão e a diferenças de temperatura entre o ar e o gás sulfídrico
libertado, suceder precisamente o contrário. Na câmara de parafusos da obra de entrada
da estação de tratamento de águas residuais de Alcanena, foi medido, no Outono de
1989, junto à superfície do líquido, teores de 50 p.p.m., bastante inferiores aos medidos,
na mesma altura, junto à cobertura da câmara (entre 80 e 100 p.p.m.). A toxicidade do
gás sulfídrico tem sido comparada à do ácido cianídrico e têm sido referenciados casos
de acidentes mortais, por exposição humana a concentrações superiores a 300 p.p.m..
Nos Estados Unidos da América, Pomeroy e Bowlus 1946 referenciam dois casos,
ocorridos na mesma altura e no mesmo local, enquanto Keating 1978 referencia que,
apenas no estado do Texas e entre 1974 e 1978, ocorreram vinte e quatro mortes
atribuídas a inalação do gás sulfídrico.

Para exposição em atmosfera confinadas, instituições americanas, como a Occupational


Safety and Health Administration (OSHA), o National Institute for Occupational Safety
and Health (NIOSH) e a American Conference on Governamental Industrial Hygienists
(ACGIH) advogam critérios distintos. A primeira admite exposição de duração de
quinze minutos, em ambientes com teores médios de gás sulfídrico até 20 p.p.m.
(considerando, também, como aceitáveis, exposições a concentrações médias de gás
sulfídrico de 50 p.p.m., durante dez minutos.). O NIOSH adopta valores distintos para a
duração da exposição (apenas dez minutos), e para a concentração média (10 p.p.m.),
admitindo, no entanto, concentrações máximas instantâneas de 50 p.p.m.. A ACGIH
admite 10 p.p.m., como máximo valor médio para a duração de um turno de trabalho, e
15 p.p.m., como máximo valor médio para inalação em quinze minutos (AMERICAN
SOCIETY OF CIVIL ENGINEERS 1989).

8.4.4. Corrosão

249
A corrosão é um fenómeno natural, que consiste na deterioração de um material ou na
alteração das suas propriedades, por acção do meio a que está exposto. A deterioração
pode ocorrer por razões físicas, químicas, electroquímicas e bioquímicas, e pode ser de
vários tipos, incluindo a corrosão selectiva, bimetálica, sob tensão, fadiga, erosão-
cavitação, e devido a acção microbiana. No âmbito destas folhas é analisada a corrosão
provocada pela presença de gás sulfídrico, e que é de origem microbiana.

Processo de corrosão
No caso do betão armado, as características do meio produzido pela hidratação do
cimento, em particular a sua elevada toxicidade (pH > 11), fazem com que o aço se
encontre no estado de passivação. Tal estado, em que a corrosão é pouco provável,
considera-se resultante da formação de uma camada muito fina de óxido, directamente
decorrente de uma reacção electroquímica anódica, camada essa que protege o aço de
corrosão ulterior. O estado de passivação pode ser destruído por abaixamento do pH,
presença de iões agressivos, particularmente de cloretos, e outros factores, como tensões
aplicadas.

O abaixamento do pH pode decorrer da penetração de compostos ácidos, como o


dióxido de carbono (CO2) ou o gás sulfídrico (H2S). Quando se trata de betão pré-
esforçado, a acção do gás sulfídrico pode ter importância directa, devido à sua
intervenção no processo de fragilização pelo hidrogénio, o qual ocorre quando se forma
hidrogénio, sob a forma atómica, à superfície do metal, e nele penetra provocando uma
redução da tenacidade.

Na carbonatação, o dióxido de carbono reage com o hidróxido de cálcio, originando


carbonato de cálcio que é mais insolúvel que aquele. A profundidade da carbonatação,
em betão de boa qualidade, não atinge, em regra, mais do que 4 ou 5 milímetros. Em
betões porosos, a profundidade de carbonatação pode ser muito mais elevada. Todos os
ácidos atacam o betão, nomeadamente o ácido sulfúrico, não se verificando corrosão se
o betão estiver absolutamente seco ou completamente saturado.

Em regra, a corrosão inicia-se pontualmente e depois espalha-se, de forma concêntrica,


ocupando áreas circulares progressivamente maiores, que se fundem formando bandas
contínuas. Com o tempo, a camada superficial de betão transforma-se numa massa
amorfa sem resistência efectiva. A película exterior, negro-acinzentada devido à
incorporação de impurezas de origem orgânica, tem o aspecto de uma crosta. Sobre essa
crosta existe como que uma pasta, efeito directo da corrosão, em regra muito ácida. Sob
este estrato superficial o betão permanece, em regra, inalterado.

A corrosão da superfície interna de um colector não é uniforme, dependendo tal facto de


numerosos factores, que incluem migração do ácido sulfúrico através da superfície,
correntes de ar e eventual exposição à acção da água. As paredes do colector estão, em
regra, mais frias que as águas residuais, principalmente durante o período estival. O ar
arrefecido pelo contacto com a superfície sólida eleva-se, sendo substituído por ar
levemente mais aquecido, e que se evapora do centro da massa líquida. Como resultado,
a máxima intensidade de transferência de gás sulfídrico para as paredes do colector
pode ocorrer junto da coroa do mesmo. O ácido que resulta da oxidação do sulfureto de
hidrogénio tem tendência, depois, a deslizar, sob a acção gravítica, ao longo da
superfície interna do colector, chegando mesmo a incorporar-se na massa líquida. Estes

250
efeitos são visíveis pelos sulcos irregulares deixados ao longo da superfície não
molhada das paredes dos colectores.

A corrosão na zona adjacente à massa líquida é, também, em regra, bastante


pronunciada, devendo-se tal circunstância ao processo de lavagem descontínuo induzido
pelas flutuações do nível da água. Nessa situação, removem-se os produtos da
decomposição originados pela corrosão, voltando a expor-se ao ácido as superfícies
ainda não atacadas.

Na Figura 8.9 apresenta-se, esquematicamente, a secção transversal de um colector de


águas residuais, elucidando-se a distribuição da profundidade da corrosão ao longo do
perímetro não molhado do mesmo.

Figura 8.9 - Distribuição da corrosão num colector de águas residuais.

Modelo de cálculo
A aglutinação dos componentes inertes com que se fabrica o betão, brita e areia, deve-se
à presa e endurecimento resultantes da hidratação dos constituintes do cimento, silicatos
e aluminatos anidridos. A hidratação dá-se com formação de hidróxido de cálcio, que é
a matriz do cimento hidráulico, e, nomeadamente, hidróxido de cálcio, a componente
vulnerável do betão.

Com efeito, os componentes sólidos hidratados do cimento endurecido só são estáveis


na presença de soluções saturadas de hidróxido de cálcio (vulgarmente designada cal), e
qualquer causa, como a presença de ácidos, que elimine esse composto, provoca a
decomposição daqueles, formando também sílica, no caso dos silicatos de cálcio, e
alumina, no caso dos aluminatos de cálcio, que não têm propriedades ligantes.

A taxa média de corrosão em colectores de betão (ou fibrocimento) pode ser deduzida
teoricamente. O seu valor depende, designadamente, da velocidade de formação do
ácido sulfúrico e da reserva alcalina do material (tipo e teor de cimento, e natureza dos
inertes).

Sabe-se que são necessários 32 gramas de enxofre para formar o ácido sulfúrico
suficiente para reagir completamente com 100 gramas de material alcalino, expresso em

251
carbonato de cálcio (CaCO3). De acordo com essa premissa, é possível deduzir a
seguinte expressão de cálculo:

CR = 11,5 Ka Fi1 /Al (8.17)


sendo,

CR - taxa média de corrosão do betão (ou fibrocimento) (mm/ano);


Ka - parâmetro empírico, que traduz a fracção do ácido formado que
reage com as paredes do colector (-);
Fi1 - fluxo de gás sulfídrico para as paredes do colector (g/(m2.h));
Al - alcalinidade do material, expressa em percentagem de carbonato de
cálcio (-).
O fluxo de gás sulfídrico para as paredes do colector pode ser estimado a partir da
expressão (8.16), que permite calcular a taxa de libertação do gás sulfídrico da massa
líquida, multiplicando essa taxa pelo quociente entre a largura superficial do
escoamento e o perímetro não molhado do colector. A expressão de cálculo é a
seguinte:

Fi1 = Fi (b/p1) (8.18)


sendo,

Fi - taxa de libertação de gás sulfídrico do interior da massa líquida, e


que pode ser dada pela expressão empírica (4.16), adaptando as
unidades a (g/(m2/h));
(b/p1) - quociente entre a largura superficial do escoamento e o perímetro
não molhado do colector (-).
O parâmetro Ka aproxima-se da unidade se for lenta a taxa de formação de ácido
sulfúrico, e toma valores entre 0,3 e 0,4, se as condições forem favoráveis e a formação
for rápida (por exemplo, no caso de elevadas temperaturas das águas residuais em
relação à temperatura ambiente). Em colectores onde a formação do ácido seja lenta, dá-
se a neutralização à superfície do colector, e é praticamente nula a fracção que desliza
para o interior da massa líquida.

O valor do parâmetro Al pode tomar valores entre 0,18 e 0,23, no caso de betão
construído com inertes graníticos, ou ascender a 0,9, no caso daqueles inertes serem
calcários (visto dispor-se de maior reserva alcalina). No caso do fibrocimento, é comum
serem admitidos, para dimensionamento, valores entre 0,4 e 0,5.

A corrosão das paredes dos colectores não se processa de forma uniforme. Em trechos
rectilíneos, sem quedas e turbulência significativa, a razão entre as corrosões máxima e
média pode ser, aproximadamente, de um e meio. Em trechos especiais, junto de locais
onde a turbulência é significativa (como em quedas, junções de colectores e transições
de secção bem dimensionadas), a corrosão máxima pode ser duas a cinco vezes superior
à corrosão média, estimada em condições de regime uniforme em trecho rectilíneo.
252
A expressão (8.17) permite estimar a corrosão média que se verifica num determinado
intervalo de tempo, e pode ser adaptada, por forma a se tornar mais prática para efeitos
de dimensionamento. Admitindo um factor de segurança de dois e especificando o
intervalo de tempo, t, correspondente à acção da corrosão (que é, em regra, considerado
igual ao horizonte de projecto da obra) é possível deduzir as seguintes expressões:

t = Ec/(2 CR) = Al Ec/(23 Ka Fi1) (8.19)


Al Ec = 23 Ka Fi1 t (8.20)
sendo,

t - período de exploração do colector de betão ou fibrocimento (anos);

Ec - espessura máxima de colector, ou espessura crítica, que se admite


poder vir a ser deteriorada, sem colapso da infra-estrutura (mm).

Nas expressões (8.19) e (8.20), os símbolos Al, Ka, Fi1 e CR têm o significado e são
expressos nas unidades já previamente definidas.

8.4.5. Critérios de projecto

Existem, fundamentalmente, dois princípios no que respeita ao controlo de sulfureto de


hidrogénio em sistemas de drenagem de águas residuais, e que, por vezes, se
complementam.

O primeiro é essencialmente preventivo, e traduz a preocupação em limitar a


concentração de sulfureto de hidrogénio no interior da massa líquida, a valores baixos,
por forma a que a presença de gás sulfídrico na atmosfera circundante não tenha efeitos
significativos, e não obrigue à aplicação de medidas e procedimentos correctivos. Na
prática, o estabelecimento desse princípio condiciona, de certa forma, a concepção do
sistema. São privilegiados emissários gravíticos implantados com bons declives, não
são admitidas condutas sob pressão de elevada extensão, e é limitada a extensão do
emissário principal, criando, para isso, se necessário, vários sub-sistemas.

O segundo princípio é essencialmente correctivo, e condiciona a concepção e


dimensionamento do sistema, tendo em conta o facto de se poderem vir a atingir
concentrações elevadas de gás sulfídrico. São previstos equipamentos de desodorização,
antes da rejeição do ar viciado para o ambiente exterior, é protegida especialmente a
superfície exposta à acção da corrosão, e são redobrados os cuidados com a inspecção, a
limpeza e a exploração dos sistemas.

No caso de grandes sistemas, é muito usual a aplicação complementar dos dois


princípios definidos. Isto é, dimensionam-se as redes de drenagem e os emissários
secundários, por forma ao escoamento se processar sem problemas especiais, do ponto
de vista de comportamento sanitário, e concebe-se o interceptor ou emissário principal
final prevendo a possibilidade de septicidade.

Thistlethwayte 1972 admite que em sistemas com concentrações médias de sulfuretos


inferiores a 1,5 mg/l, referidas ao período adverso (ou seja, ao período correspondente
às seis horas de maior caudal dos três meses mais quentes do ano) não ocorrem, em
regra, problemas especiais devidos ao gás sulfídrico. É de admitir que este critério possa

253
ser adequado do ponto de vista de corrosão. Em termos de odores, àquelas
concentrações poderão corresponder, em determinadas condições, impactes ambientais
mais ou menos significativos. Para averiguar quantitativamente os efeitos da corrosão,
deve ser aplicada a expressão (8.17), admitindo as condições do escoamento
correspondentes a concentrações médias anuais de sulfuretos.

No que respeita à qualidade do ar na atmosfera dos colectores existem dois


procedimentos muito comuns:

a) conceber e dimensionar os equipamentos de desodorização, ou de controlo de


septicidade da massa líquida, após o sistema estar construído e em exploração, e
poder quantificar-se, no campo, os parâmetros de projecto. Este procedimento tem
inconvenientes óbvios, do ponto de vista de reacção pública da comunidade
afectada durante o período inicial de exploração, em que os efeitos, nomeadamente
de odor, se fazem sentir, mas é, sem dúvida, o procedimento mais comum;

b) conceber e especificar os órgãos e equipamentos de desodorização, do lado da


segurança, admitindo que a concentração de gás sulfídrico na atmosfera é, na
condição do sistema, a máxima potencialmente possível, isto é, admitindo que
aquela concentração iguala a concentração de equilíbrio, dada pela lei de Henry, em
função da concentração de sulfureto de hidrogénio em solução previamente
calculada. Nesse caso, a ordem de grandeza dos erros de sobredimensionamento
variam, muitas vezes e em relação aos valores reais, entre cinco e vinte vezes.

8.5. Regras e procedimentos de controlo dos efeitos do gás sulfídrico

8.5.1. Considerações introdutórias

Nos sistemas de drenagem de águas residuais podem ocorrer outros compostos, para
além do sulfureto de hidrogénio, tais como alguns mercaptanos, susceptíveis de
provocarem odor desagradável. No entanto, o consenso geral é de que a presença desses
compostos se relaciona com a dos sulfuretos, de tal modo que as medidas preventivas e
correctivas conducentes a controlar a formação e efeitos do sulfureto de hidrogénio
também inibem a produção e efeitos de outros compostos odoríferos.

Tem pois sentido, segundo tal perspectiva, controlar a libertação de odor e a corrosão
em sistemas de drenagem de água residual, limitando a valores admissíveis a
concentração de sulfuretos na água residual.

A criação de atmosferas tóxicas, a libertação de odor indesejável e a ocorrência de


corrosão em sistemas de drenagem de água residual podem ser minimizadas, atenuadas
ou mesmo completamente anuladas, implementando os seguintes procedimentos:

1) cumprimento de regras específicas da manutenção e exploração dos sistemas de


drenagem, nomeadamente no que diz respeito ao funcionamento de instalações
elevatórias, e à limpeza periódica das condutas sob pressão e dos colectores
gravíticos com escoamento com superfície livre;

2) tratamento químico da água residual escoada em condições de septicidade;

254
3) alterações estruturais, mais ou menos significativas, na concepção e funcionamento
dos sistemas, incluindo, nomeadamente, redução da extensão das condutas sob
pressão e do número de instalações elevatórias ou sifões invertidos, remodelação de
colectores gravíticos de modo a terem maiores declives, utilização de tubagens
protegidas da corrosão, construção de postos de ventilação, etc..

Nas secções 8.5.2 e 8.5.3 dá-se especial ênfase aos aspectos constantes dos pontos 1) e
2) acabados de referir.

As situações críticas dos sistemas de drenagem, no que respeita ao comportamento


hidráulico-sanitário, são, em regra, motivadas por:

- colectores com atmosfera mal ventilada, como a que se pode desenvolver a montante
de sifões invertidos, instalações elevatórias ou secções das redes de drenagem onde
as obstruções sejam mais frequentes;

- caixas de visita (e colectores vizinhos), onde sejam rejeitados efluentes industriais


com elevadas temperaturas;

- caixas de visita (e colectores vizinhos), onde aflua águas residual transportada sob
pressão;

- colectores onde o escoamento se processe com elevada turbulência, devido à


ocorrência de quedas bruscas ou de mudanças súbitas de direcção da corrente
líquida;

- poços de bombagem, câmaras repartidoras de caudal, descarregadores ou outros


espaços cobertos, porventura mal ventilados, em contacto com a massa líquida.

8.5.2. Regras de exploração de natureza mecânica

Embora constitua matéria própria de exploração de sistemas, considera-se pertinente


incluir aqui algumas considerações relativas à exploração das redes de drenagem, a ter
em mente na fase de projecto.

Existe uma série de acções e medidas, de carácter preventivo e de fácil implementação


prática, que permitem atenuar, pelo menos em parte, os efeitos da formação de
sulfuretos em sistemas de drenagem de água residual. Nestas acções e medidas
consideram-se incluídas operações de limpeza e lavagem, de natureza essencialmente
mecânica, que podem ser levadas a cabo por dispositivos especiais, concebidos para o
efeito, e que são posicionados tangencialmente ao longo da superfície interna dos
colectores, por ordem a promoverem a sua limpeza. Efeito semelhante pode ser
conseguido, através da descarga de caudais adequados pelos colectores, nomeadamente
nos casos de redes de drenagem com baixos declives. As velocidades de escoamento
assim produzidas devem garantir auto-limpeza, promovendo não só o arrastamento de
areias e partículas diversas depositadas na meia cana inferior dos colectores, mas
também o desprendimento, pelo menos parcial, da porção activa do filme biológico
desenvolvido nas respectivas paredes.

255
Além de se reduzirem as fontes de formação de sulfuretos, devido ao aumento da
velocidade do escoamento e da turbulência, incrementam-se as trocas de oxigénio na
interface ar-massa líquida, com benefícios óbvios.

A limpeza deve ser regular e preventiva, isto é, deve ser efectuada ciclicamente, de
modo a evitarem-se entupimentos e obstruções totais ou parciais das secções de
escoamento.

Na Figura 8.10 apresentam-se os efeitos da operação de limpeza de um colector, na


evolução da concentração total de sulfuretos na água residual escoada.

Figura 8.10 - Efeito de uma operação de limpeza, num colector de água residual, na concentração total de
sulfuretos (adaptada de Thistlethayte 1972).

A prática, de certo modo bastante utilizada em Portugal, de, em certas condições,


implantar câmaras de corrente de varrer em redes de drenagem, em especial nos trechos
de cabeceira, não conduz, em regra, aos efeitos de desejados. Este facto está, não raras
vezes, associado à falta de cuidados especiais de conservação e manutenção de
equipamentos, muitas vezes automáticos.

No que respeita ao comportamento dos poços de bombagem das instalações elevatórias,


é corrente verificarem-se decréscimos progressivos da concentração de oxigénio
dissolvido, à medida que o tempo de retenção hidráulica da massa líquida aumenta. É
corrente verificarem-se decréscimos de 1 mg/(l.h) (1 miligrama de O2 por litro de água
residual e por hora de retenção no poço de bombagem). Devido a esta circunstância,
torna-se, em regra, especialmente recomendável, segundo esse ponto de vista, diminuir
o volume útil dos poços de bombagem, o que deve estar presente na concepção dos
equipamentos e na definição dos regimes de funcionamento dos grupos elevatórios.

8.5.3. Procedimentos de natureza química

256
O controlo da formação e dos efeitos do sulfureto de hidrogénio, em redes de drenagem
de água residual, pode ser conseguido recorrendo a certos procedimentos, entre os quais
se incluem os seguintes:

- injecção ou adição de ar, oxigénio puro e certos agentes químicos (como cloro,
permanganato de potássio e peróxido de hidrogénio) à massa líquida; estes
compostos actuam, por um lado, oxidando os sulfuretos dissolvidos e, por outro,
inibindo a actividade das bactérias anaeróbias redutoras do ião sulfato;

- adição de nitratos (como o de sódio) à massa líquida; os nitratos, na ausência de


oxigénio livre, oxidam os sulfuretos dissolvidos mas não inibem a actividade das
bactérias redutoras do ião sulfato;

- adição de determinados tipos de reagentes metálicos, como compostos de cobre, de


zinco e de ferro, que entram em reacção com os sulfuretos, originando compostos
insolúveis em água, que precipitam;

- adição de bases fortes, que actuam elevando o pH da massa líquida, induzindo,


assim, a presença de sulfuretos dissolvidos, apenas sob a forma de ião sulfureto (S2-)
e de ião hidrogenosulfureto (HS-); por outro lado, a adição de bases pode inibir a
actividade das bactérias anaeróbias redutoras do ião sulfato.
Injecção de ar
A injecção de ar (a concentração de oxigénio no ar, à temperatura de 20°C e à pressão
atmosférica normal, é de aproximadamente 20,9%, em volume) na água residual que se
escoe em condições de septicidade, origina oxidação dos sulfuretos dissolvidos. Se
fornecido em quantidade suficiente, evita a formação de sulfuretos a jusante. Entre os
vários métodos de arejamento, incluem-se os seguintes:

- injecção directa de ar comprimido nas condutas de compressão;

- recurso a dispositivos de Venturi, que actuam originando depressões que provocam a


entrada de ar e o seu emulsionamento na massa líquida;

- recurso à dissolução do ar em tubagem em U, concebidas por forma a funcionarem


como sifão invertido em condições de pressão e turbulência favoráveis à dissolução
do oxigénio gasoso.

A injecção directa de ar comprimido, recorrendo a dois ou mais compressores, constitui,


possivelmente, o método mais comum de injecção de ar em condutas de compressão. Os
volumes de ar requeridos dependem das taxas de consumo de oxigénio no interior da
massa líquida, do tempo de retenção hidráulica, da temperatura, da pressão na secção de
injecção, do perfil longitudinal da conduta e dos graus de controlo e segurança
pretendidos. Uma regra prática simples sugere, para controlo dos sulfuretos, a injecção
de volumes de ar de 0,75 a 2,25 m3 por m3 de água residual.

Em regra, o dimensionamento de sistema de injecção de ar deve ser precedido de


programas de amostragem, tendo em vista definir os valores e a variabilidade temporal
das taxas de consumo de oxigénio livre no interior da massa líquida e do filme
biológico que reveste as paredes das condutas.

257
A injecção de ar na massa líquida, para ser eficiente, deve efectuar-se em condições de
pressão e de turbulência favoráveis. É corrente considerarem-se essas condições
satisfeitas quando a pressão hidráulica é superior a 0,15 Mpa e a velocidade média do
escoamento excede 0,6 m/s.

São citados alguns casos concretos, na literatura técnica da especialidade, de libertação


de ar em válvulas colocadas nos sistemas elevatórios, que ascende a 30% dos volumes
injectados.

Injecção de oxigénio puro


A injecção de oxigénio puro em condutas de compressão ou em colectores com
escoamento com superfície livre, como meio de controlar a presença de sulfuretos na
massa líquida, tem sido amplamente utilizada, nomeadamente na Grã-Bretanha,
Austrália, Estados Unidos da América e Brasil.

Segundo Environmental Protection Agency 1985 existem em funcionamento, só na Grã-


Bretanha e Austrália, mais de uma centena de instalações de injecção de oxigénio em
sistemas de drenagem de água residual.

O recurso à injecção de oxigénio puro tem, em relação à injecção de ar, as seguintes


vantagens:

- dispensa de compressores de ar;

- maior eficiência dos grupos electrobomba, que se traduz por economia, por vezes
significativa, nos encargos de energia de bombagem;

- garantia de maior solubilidade; para as mesmas condições de pressão e temperatura,


o oxigénio é cerca de cinco vezes mais solúvel na água do que o ar;

- menor necessidade de caudal a injectar, o que traduz, nomeadamente, em redução


das taxas de formação de bolsas de gás, que não chegam a dissolver-se;

- maior eficiência do processo de “tratamento”, criando condições para a presença de


oxigénio dissolvido residual, após a oxidação total dos sulfuretos dissolvidos
inicialmente presentes.

A fim de serem garantidas boas condições de dissolução na massa líquida, a injecção de


oxigénio é efectuada, em regra, recorrendo a difusores constituídos por material flexível
microperfurado, por onde sai o gás para o fluído em movimento. O oxigénio é
armazenado, sob a forma líquida, num tanque protegido, em regra cilíndrico, no interior
do qual a pressão é suficiente para garantir a sua injecção nos locais pretendidos, sem
encargo adicional de energia.

A oxidação dos sulfuretos exige, em regra, um mínimo de 1 g de oxigénio por cada


grama de sulfureto dissolvido presente. A manutenção do escoamento da massa líquida
em condições aeróbias exige a injecção de caudal suficientemente elevado para
satisfazer as necessidades vitais dos microrganismos presentes no interior das condutas
de compressão.

258
Em determinadas circunstâncias, pode justificar-se a utilização de equipamentos
específicos, como bicones (dispositivos com uma forma cónica, concebidos de modo a
promoverem condições de turbulência e de contacto entre o oxigénio gasoso e a água
residual, que possibilitam a sua dissolução), para se garantir adequada eficiência de
“tratamento”. Estas circunstâncias podem estar associadas a condições insuficientes de
velocidade de escoamento, de pressão ou do tempo de contacto oxigénio-massa líquida,
que inviabilizam o método de arejamento por injecção directa.

Adição de cloro
Uma outra técnica alternativa para o controlo sanitário em sistemas de drenagem de
água residual consiste em adicionar hipoclorito ou cloro, sob a forma gasosa, à massa
líquida. Em regra, o hipoclorito é usado em aplicações ocasionais ou quando as ne-
cessidades não são significativas (menores que 2,3 kg/dia).

Se for adicionado cloro em excesso à água residual contendo sulfuretos dissolvidos,


ocorre a seguinte reacção:

HS- + 4Cl2 + 4H2O → SO42- + 9H+ + 8Cl- (8.21)


de acordo com a qual, a oxidação completa de 1 g de sulfuretos exige 8,87 g de cloro.

Se o cloro for adicionado lentamente a uma solução contendo sulfuretos e mantida em


grande agitação, pode ocorrer a seguinte reacção

HS- + Cl2 → S + H+ + 2Cl- (8.22)


segundo a qual, a oxidação de 1 g de sulfuretos exige 2,22 g de cloro.

A água residual inclui, em regra, vários compostos que reagem com o cloro. Devido a
este facto, em aplicações práticas, as taxas de adição de cloro normalmente variam entre
10 e 15 g por grama de sulfuretos dissolvidos a oxidar.

A adição de cloro deve ser efectuada em locais de elevada turbulência, sendo os


sistemas dimensionados de acordo com as necessidades estimadas pelos resultados de
uma campanha de análises previamente realizada.

Adição de peróxido de hidrogénio


O peróxido de hidrogénio oxida o ácido sulfúrico, de acordo com as seguintes reacções:

para pH < 8,5 H2O2 + H2S → S + 2H2O (8.23)


para pH ≥ 8,5 4H2O2 + S2- → SO42- + 2H2O (8.24)
Quando o pH do meio é inferior a 8,5, a oxidação dá-se com o consumo de 1 g de H2O2
por grama de H2S. Na prática, em regra, os volumes de peróxido de hidrogénio
adicionados ao líquido são maiores (até 3 g de H2O2 por grama de H2S), dependendo,
em parte, da intenção de criar um ambiente aeróbio residual, onde a formação de
sulfuretos não tenha lugar. Nessas condições, os volumes a adicionar dependerão da
temperatura, da carência bioquímica de oxigénio e das características hidráulicas do
escoamento.

259
A reacção de peróxido de hidrogénio com o ácido sulfídrico processa-se rapidamente.
Em regra, a reacção completa-se totalmente em 30 a 45 minutos.

A adição de peróxido de hidrogénio, como meio de controlar a presença de sulfuretos


em sistemas de drenagem, tem as seguintes vantagens em relação a processos de
controlo alternativos:

- pode aplicar-se em condutas de compressão ou em colectores com escoamento com


superfície livre;

- os equipamentos e os sistemas de alimentação são relativamente simples e


económicos;

- as reacções dão origem a subprodutos que não são tóxicos para o homem;
- a decomposição do peróxido de hidrogénio fornecido em excesso dá origem a
oxigénio dissolvido, que pode inibir a posterior formação de sulfuretos no sistema;

- com a aplicação de peróxido de hidrogénio em quantidades adequadas, a produção


de sulfuretos é suprimida, num intervalo de tempo entre 3 e 4 horas, após as reacções
de oxidação.

Apesar destas vantagens, é importante salientar que os encargos de exploração


associados à aplicação de peróxido de hidrogénio poderão ser significativos.

Adição de permanganato de potássio, sais metálicos, nitratos e bases fortes


O permanganato de potássio (KMnO4) é um oxidante forte, reagindo com o ácido
sulfúrico, de acordo com as seguintes reacções:

em meio ácido

3H2S + 2KMnO4 → 3S + 2H2O + KOH + 2MnO2 (8.25)


em meio alcalino

3H2S + 8KMnO4 → 3K2SO4 + 2H2O + 2KOH + 8MnO2 (8.26)


Em aplicações práticas, podem ter lugar diversas reacções intermédias, tornando difícil,
portanto, a previsão das dosagens adequadas. Em regra, são necessários 6 a 7 g de
KMnO4 para oxidar 1 g de H2S. O elevado custo do permanganato de potássio leva a
aconselhar a sua utilização, apenas para aplicações esporádicas.

Diversos sais metálicos têm a capacidade de reagir com os sulfuretos dissolvidos,


originando compostos que precipitam. Um exemplo típico é o da seguinte reacção:

Fe2+ + HS- → Fe S + H+ (8.27)


O zinco também tem sido utilizado para o controlo de sulfuretos em sistemas de
drenagem de água residual, verificando-se, em aplicações práticas, que a remoção de 1
g de sulfuretos dissolvidos exige 10 a 15 g de zinco.

Outros metais, tais como o chumbo e o cobre, podem também ser utilizados com o
mesmo objectivo. No entanto, os elevados encargos que lhe estão associados e os
260
eventuais efeitos negativos, a jusante, nos processos de tratamento biológico da água
residual, podem ser factores que desaconselham a sua utilização.

Na presença de nitratos, as bactérias redutoras ficam inibidas, não se verificando a


redução bioquímica dos sulfatos a sulfuretos. Esta circunstância tem levado à utilização,
nomeadamente de nitrato de sódio para o controlo de sulfuretos em sistemas de
drenagem de água residual. Em regra, são necessários 10 g de nitrato para remover 1 g
de sulfuretos. No entanto, é do consenso geral que o uso de nitratos tem uma utilidade
bastante limitada no que concerne ao controlo sanitário de sistemas de drenagem de
água residual, tendo apenas sentido a sua utilização quando as concentrações de
sulfuretos são elevadas.

A adição de bases fortes (como hidróxido de sódio) à água residual séptica eleva o pH
da solução, reduzindo a percentagem de ácido sulfídrico, em relação aos iões HS- e S2-.
Se a dosagem adicionada for tal que o pH da massa líquida ascenda a mais de 12,6,
durante cerca de 30 minutos, pode esperar-se uma redução praticamente total da
actividade dos microrganismos redutores, e da produção de sulfuretos no troço tratado.
Esse efeito inibidor pode persistir durante alguns dias.

Em regra, a adição contínua de bases fortes em redes de drenagem, de modo a manter a


massa líquida com um elevado pH, não é suficientemente eficiente. A renovação
contínua da água residual afluente e a formação de dióxido de carbono e de ácidos
orgânicos provenientes do metabolismo biológico no interior da massa líquida, tendem
a fazer baixar o pH da solução, verificando-se essa tendência para jusante da secção de
aplicação.

8.6. Apresentação de exemplos de cálculo

Nesta secção são apresentados três exemplos de cálculo ilustrativos do exposto


anteriormente. O primeiro diz respeito à estimativa da formação de sulfuretos numa
conduta sob pressão; para o efeito, aplica-se a expressão de Pomeroy (expressão 8.8). O
segundo exemplo é relativo à avaliação qualitativa das condições de produção de
sulfuretos num colector com escoamento com superfície livre; para tal, aplica-se a
divulgada expressão de “Zp” também proposta por Pomeroy (expressão 8.10). O
terceiro exemplo de cálculo refere-se à avaliação de sulfuretos totais, sulfureto de
hidrogénio na massa líquida e gás sulfídrico no ar. Para tal aplicam-se as expressões
(8.12) a (8.14). Para cada um dos exemplos de cálculo são apreciados os resultados
obtidos.

EXEMPLO DE CÁLCULO 1
Dados de base
- Diâmetro da conduta sob pressão: D = 150 mm

- Extensão: L = 600 m

- Caudal de cálculo: Q = 0,02 m3/s

261
- Carência bioquímica de oxigénio (5 dias a 20°C): CBO5 = 400 mg/l

- Temperatura da massa líquida: T = 20°C

- Concentração nula de sulfuretos na secção inicial da conduta elevatória

Cálculo sanitário
- Velocidade média do escoamento: V = Q/S = (0,02 x 4) / π x 0,152) = 1,13 /s

- Tempo de retenção: tr = L/V = 600/1,13 = 530 s = 0,15 h

- Formação de sulfuretos totais:

Sj = 0,001 CBO5 1,07(T-20) x (4/D + 1,57) tr

= 0,001 x 400 x 1,07(20-20) (4/0,15 + 1,57) x 0,15

= 1,7 mg/l

Comentários
Dado que o valor obtido excede 1,5 mg/l, é de temer alguns problemas sanitários (como
manifestação de odor desagradável e ocorrência de corrosão) nas estruturas de
drenagem e tratamento que se desenvolvem a jusante. Na própria conduta elevatória sob
pressão, estes problemas não se manifestam, visto não haver contacto com a atmosfera
e, por isso, condições para a libertação do gás sulfídrico.

A expressão empírica de cálculo utilizada fornece, em regra, resultados conservativos,


sendo de esperar que tais problemas apenas possam ocorrer em períodos críticos e
localizados no ano, associados a dias de temperatura elevada.

EXEMPLO DE CÁLCULO 2
Dados de base
- Diâmetro do colector: D = 400 mm

- Declive: i = 0,0025 m/m

- Caudal de cálculo: Q = 0,052 m3/s

- Carência bioquímica de oxigénio (5 dias a 20°C): CBO5 = 400 mg/l

- Temperatura da massa líquida: T = 20°C

- Coeficiente de rugosidade de Manning: N = 0,013 m-1/3 s

Cálculos hidráulicos
- Caudal escoado a secção cheia (Qsc):

262
1
Qsc = N S R2/3 J1/2 = π x 0,42 / (4 x 0,013) (0,4/4)2/3 (0,0025)1/2 = 0,104 m3/s

- Largura superficial do escoamento (b): Q/Qsc = 0,5 : b = D = 0,4 m

- Perímetro molhado (p): Q/Qsc = 0,5 : p = π D/2 = 0,63 m

- Parâmetro “f”: f = 1,4 b (Q/Qsc)0,064/p = 1,4 x 0,4 x (0,5)0,064/0,63 = 0,85

Cálculo sanitário
- Parâmetro “Zp”:

Zp = (0,305 CBO5 1,07(T-20)) / (Q1/3 J1/2 f) =

= (0,305 x 400) / (0,0521/3 x 0,00251/2 x 0,85) = 7683

Comentários
Como o valor do parâmetro “Zp” se situa entre 7 500 e 10 000, é de esperar que o
sulfureto de hidrogénio se possa desenvolver em quantidade suficiente para causar odor
desagradável e corrosão nos colectores e nas caixas de visita, principalmente em zonas
de elevada turbulência. Esta expressão, no entanto, apenas permite avaliar, de forma
qualitativa, as condições de formação de sulfuretos no trecho em análise e não tem em
conta o efeito, que é relevante, do tempo de retenção. Em situações de projecto
especialmente críticas ou que requeiram um maior rigor, torna-se recomendável a
aplicação das expressões (8.12) a (8.14), tal como se elucida no exemplo de cálculo 3.

EXEMPLO DE CÁLCULO 3
Dados de base
- Diâmetro do colector: D = 400 mm

- Declive: i = 0,0025 m/m

- Caudal de cálculo: Q = 0,052 m3/s

- Carência bioquímica de oxigénio (5 dias a 20°C): CBO5 = 400 mg/l

- Temperatura da massa líquida: T = 20°C

- Coeficiente de rugosidade de Manning: N = 0,013 m-1/3 s

- Extensão: 3600 m

- pH: pH = 7

- Concentração nula de sulfuretos, na secção inicial do trecho de cálculo: Sm = 0

Cálculos hidráulicos

263
- Caudal escoado a secção cheia (Qsc):

Qsc = 0,104 m3/s (cálculo já apresentado no exemplo de cálculo 2)

- Largura superficial do escoamento (b): Q/Qsc = 0,5 : b = D = 0,4 m

- Perímetro molhado (p): Q/Qsc = 0,5 : p = π D/2 = 0,63 m

- Secção molhada (S): Q/Qsc = 0,5 : S = π x 0,42/8 = 0,063 m2

- Altura média do escoamento (dm): dm = S/b = 0,063/0,4 = 0,16 m

- Velocidade média do escoamento (V): V = Q/S = 0,052/0,063 = 0,83 m/s

Cálculo sanitário
Ct = - L m J0,375 / (3600 dm v0,625)
Slim = M/m CBO5 1,07(T-20) (JV)-0,375 (P/b)
Sj = Slim - (Slim - Sm) exp (Ct)
Admite-se a hipótese moderadamente conservadora para as constantes empíricas M e m,
ou seja,

M = 0,32 x 10-3 m/h e m = 0,96


Ct = -3600 x 0,96 x 0,00250,375 / (3600 x 0,16 x 0,830,625) = -0,72
Slim = 0,32 x 10-3/0,06 x 400 x (0,0025 x 0,83)-0,375 x (0,63/0,4) = 2,1 mg/l
Sj = 2,1 - (2,1-0) exp (-0,72) = 1,1 mg/l
Admite-se que 0,2 mg/l dos sulfuretos totais são insolúveis, encontrando-se a parcela
restante (DS) dissolvida na solução.

DS = 1,1 - 0,2 = 0,9 mg/l

- A concentração de sulfuretos de hidrogénio em equilíbrio na solução pode ser


obtida, conhecendo a concentração de sulfuretos dissolvidos e o pH da solução,
recorrendo à Figura .

DS = 0,9 mg/l e pH = 7: [H2S] = 0,5 x 0,9 ≅ 0,5 mg/l

- A concentração de gás sulfídrico no ar pode ser estimada, de forma


conservativa, admitindo que é igual a 20% da concentração de equilíbrio. A
concentração de equilíbrio pode ser avaliada, recorrendo à Figura 8., em
função da concentração de sulfureto de hidrogénio em solução e da
temperatura da massa líquida.

[H2S] = 0,5 mg/l, T = 20°C → [H2S]eq = 120 p.p.m.

[H2S]ar = 0,2 x [H2S]eq = 0,2 x 120 = 24 p.p.m.

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Comentários
Neste exemplo de cálculo são obtidos os seguintes valores: concentração de sulfuretos
totais - 1,1 mg/l, concentração de sulfureto de hidrogénio em solução - 0,5 mg/l,
concentração de gás sulfídrico no ar - 24 p.p.m..

Embora não seja de esperar ataque significativo do colector devido a corrosão (e que
pode ser quantificada aplicando a expressão (8.17)), a concentração prevista de gás
sulfídrico no ar é muito superior ao limite de percepção, podendo produzir efeitos
tóxicos (dores de cabeça, náuseas, irritação da vista, nariz e garganta) quando ocorra
exposição humana prolongada. Nestas circunstâncias, deve ser evitada a entrada no
sistema de pessoal sem protecções especiais, nomeadamente máscaras apropriadas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DO CAPÍTULO 8

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1982.

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