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Vol. 6 fevereiro-julho - 2015 - ISSN 2317-4838

A IMPORTÂNCIA DA “CONTAÇÃO” DE HISTÓRIAS PARA O PROCESSO DE


ALFABETIZAÇÃO E NA FORMAÇÃO DE LEITORES

Mariana Carbonero Pastorello1


Aline Aparecida Angelo2
Simone Pádua Torres3

RESUMO

A arte de contar histórias é uma prática muito antiga utilizada por povos ancestrais
como forma de difundirem seus rituais, seus mitos e conhecimentos. A prática da
contação de histórias deve ser um convite ao aluno para adentrar o mundo da
imaginação, e por isso tem sido resgatada em muitas escolas e pela sociedade civil
através de projetos de estímulo a leitura. O presente trabalho aborda o tema da
Contação de Histórias no Processo de Alfabetização e tem como objetivo analisar a
importância da “contação” de histórias em salas de aula nas práticas educativas com
alunos em fase de alfabetização. Esse trabalho foi desenvolvido sob a perspectiva da
pesquisa qualitativa, tendo a pesquisa bibliográfica como instrumento de coleta de
dados para uma revisão teórica visando a intersessão entre os temas “contação” de
história, formação de leitor e alfabetização e letramento. Para isso, realizamos um
diálogo com pesquisas realizadas por Dohme (2001), Ramos (2011), Siqueira (2008)
e outros autores. A partir dessas leituras concluímos que o uso da estratégia da
“contação de histórias” possibilita o aprendizado da escuta e outras aprendizagens.
Portanto é necessária a valorização das narrativas orais no contexto escolar.

Palavras-chaves: “Contação” de histórias, alfabetização e letramento,


desenvolvimento de leitores.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho emerge de uma pesquisa desenvolvida no curso de


especialização em Práticas de Letramento e Alfabetização, da Universidade Federal

1
Professora na E. E Senador César Lacerda de Vergueiro, especialista em Práticas de Letramento e
Alfabetização.
21
Professora na Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG), Mestre em Educação pela UFSJ e doutoranda
em educação pela USP-SP.
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Estudante de Mestrado em Educação pela Universidade Federal de Lavras (UFLA)
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de São João Del-Rei, como Trabalho de Conclusão de Curso. A partir do trabalho


desenvolvido, as autoras sentiram necessidade de ampliar o estudo e aprofundar nas
discussões sobre as possibilidades de aprendizagem e de desenvolvimento do
imaginário oportunizadas pelas histórias contadas por professores de séries iniciais.
O interesse em discutir a importância da contação de histórias para o processo
de alfabetização e letramento surge da experiência das pesquisadoras, sendo a
primeira professora de séries iniciais que sempre conciliou a arte de contar histórias à
sua prática pedagógica, e as demais enquanto professoras universitárias interessadas
por essa discussão. Diante dessa experiência, algumas questões foram surgindo no
exercício da docência da primeira: De que maneira a história narrada contribui para a
alfabetização e o letramento do aluno? Qual o efeito das histórias narradas nos
alunos? Qual a aceitação da prática de “contação” de histórias pelos próprios
professores alfabetizadores e pelos alunos? Por que alguns alunos “recebem” as
histórias com mais facilidade/sensibilidade que outros?
Essa pesquisa foi realizada sob o aporte da pesquisa qualitativa, que tem como
pressuposto o estímulo de pesquisadores a pensarem mais autonomamente sobre
temas, objetos e/ou conceitos, trabalhando com a dimensão subjetiva no processo de
investigação (ANDRADE et al, 2012). A pesquisa bibliográfica foi utilizada como
técnica de coleta de trabalhos de pesquisas sobre o tema, visando à realização de
uma revisão teórica.
Tendo em vista que esse texto permeia a discussão sobre alfabetização e
letramento, trazemos aqui uma breve explanação sobre o entendimento que
passamos quando nos referimos aos termos “alfabetização” e “letramento”. O termo
“alfabetização”, segundo Albuquerque (2007), pode ser definido facilmente por
qualquer pessoa como a ação de ensinar a ler e a escrever. Mas essas ações, ao
longo dos anos, foram tornando-se mais complexas até passarem a envolver, a partir
da década de 1990, o novo termo “letramento”. Assim, a alfabetização deixou de ser
considerada apenas como a habilidade de “codificar” e “decodificar” textos, como era
antes definida. A leitura e seu ensino se tornaram temática e objeto de estudo de
muitos pesquisadores de diversas áreas que buscaram redefinir esses conceitos.
Para Carvalho e Mendonça (2006), o letramento pode ser considerado um
processo complexo, que quase sempre é visto como associado à alfabetização.
Contudo, existem letramentos de natureza variada, inclusive, sem a presença da
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alfabetização. Em suma, pode-se dizer que o letramento é um processo histórico-


social. Tal conhecimento é adquirido pelo fato de que estamos inseridos numa
sociedade letrada e as práticas letradas influenciam todos os indivíduos. Por esta
razão, pessoas que vivem em sociedades letradas não podem ser chamadas de
iletradas, mesmo que sejam não alfabetizadas.
Nesse texto, objetivamos apresentar como importantes pesquisas do campo da
literatura infantil contribuem para se pensar o processo de alfabetização e letramento
numa concepção lúdica e exitosa para a aprendizagem de crianças através do uso de
histórias contadas. Estruturamos o texto em uma breve revisão da literatura sobre o
histórico da literatura infantil e da arte de contar histórias.

REVISÃO DE LITERATURA
Histórico da literatura infantil e da arte de contar história

A arte de contar histórias é uma prática muito antiga utilizada por povos
ancestrais para difundirem seus rituais, seus mitos e conhecimentos. Campbell (2005)
afirma que essa prática servia como meio de sintonizar o sistema mental com o
sistema corporal, levando essas populações a viver e a sobreviver, além de servirem
para justificar e interpretar fenômenos naturais que vivenciavam.
A transmissão oral foi à solução encontrada pelas civilizações que não
possuíam escrita para transmitir seus valores, crenças e saberes de geração em
geração, sendo os contadores de histórias figuras de destaque nas comunidades. E
essa prática se estendeu ao longo da história, passando por muitas civilizações.
Segundo Abílio e Mattos (2006), no século VI a.C., na Grécia antiga, Esopo
introduziu as fábulas na tradição escrita. As fábulas são narrativas curtas que
expressam o senso comum através de uma moralidade ao final e, de modo geral, as
personagens são animais que assumem comportamento humano, revelando
questões relacionadas às relações éticas, políticas ou questões de comportamento.
São exemplos de fábulas de Esopo: A cigarra e a formiga, A raposa e a cegonha e A
assembleia dos ratos.
Na Idade Média, os contadores de histórias se valiam do cenário habitado pela
crença em fadas, gigantes, anões, bruxas, castelos encantados, elixires de todo o tipo,
tesouros, fontes de juventude, quebrantos e lugares mágicos para disseminarem suas
histórias. Não havia uma separação nítida entre o real e o fantástico, crianças e
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adultos sentavam-se juntos para escutar os contadores de histórias em praças


públicas (GUIMARÃES e ANDRADE, 2012).
Cademartori (1986) nos conta que o francês Charles Perrault foi pioneiro na
elaboração da literatura infantil. No século XVII, Perrault coletava narrativas populares
e contos da idade média, adaptava-as com valores comportamentais da sociedade
burguesa europeia e editava-as retirando as passagens obscenas de conteúdo
incestuoso e canibalismo, construindo os chamados contos de fada. A Bela
adormecida, Chapeuzinho Vermelho e o Gato de Botas são exemplos famosos de
obras desse autor.
Os irmãos Jacob e Wilhelm Grimm também influenciaram a origem da literatura
infantil. No século XIX, realizaram uma coleta de contos na Alemanha e as
transformaram em literatura infantil (CADEMARTORI, 1986). Em Contos de Grimm,
coletânea de contos de fadas e outros contos publicados em 1812, os irmãos reuniram
170 contos, entre eles Rapunzel, João e Maria e Cinderela.
Siqueira (2008) afirma que nesse período, século XIX, houve a ascensão da
família burguesa por conta da expansão industrial e a escola e a literatura se voltaram
para uma educação normativa, com o objetivo de formar o futuro adulto que, enquanto
criança, deveria comportar-se à imagem e semelhança dos adultos. Os hábitos,
costumes e padrões da sociedade deveriam ser seguidos.
Nas palavras de Siqueira (2008), Zilberman (2003) entende que os ideais
burgueses estavam diretamente ligados à expansão da indústria e que, por isso, foi
imposto um aperfeiçoamento do ensino escolar, por meio de uma pedagogia
controladora, para cumprir as expectativas burguesas nos novos modos e meios de
produção. Ao nascer, a criança tinha a própria história “pré-escrita” pela família, e para
isso, deveria passar, etapa por etapa, pelos moldes impostos que a tornasse o adulto
idealizado nos modos de ser, pensar e fazer dos familiares que a concebeu ao mundo.
O ensino foi enquadrado ao comportamento social da época, cujo foco era somente a
imposição de normas, condutas e preceitos. A literatura infantil, inicialmente, tinha a
finalidade apenas de moldar a criança de acordo com os valores da sociedade vigente
(SIQUEIRA, 2008).
A literatura infantil no Brasil surgiu no século XIX, quando se publicava obras
traduzidas e adaptadas de obras portuguesas. Até esse momento, as crianças
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brasileiras liam textos não literários escritos por pedagogos com intenções didáticas
e/ou moralizantes (RODRIGUES et al, 2013).
Contudo, segundo Abílio e Mattos (2006) tivemos também os contos populares
que foram considerados o primeiro “leite intelectual”, pois através deles se expressam
costumes, ideias, mentalidades, julgamentos e revelam a memória e a imaginação do
povo brasileiro. Os autores afirmam que os contos populares brasileiros trazem
influências e elementos das culturas europeia, indígena e africana, permitindo a
apreensão de certas marcas e de certo caráter de brasilidade presentes nessas
narrativas.
De acordo com Siqueira (2008), citando Cunha (2004), no Brasil, é Monteiro
Lobato quem abre as portas da verdadeira literatura infantil. Lobato criou obras
destinadas às crianças, retratando o Brasil de sua época, o sistema social vigente,
seus valores, comportamentos, organização política e funções. Lobato4 rompeu com
um tipo de literatura ideológica até então consumida pelas crianças brasileiras, em
sua minoria, visto que a maioria estava privada do acesso aos livros. Em suas obras
este autor sempre deixava espaço para a interlocução com seu destinatário,
estimulando a formação da consciência crítica (SIQUEIRA, 2008).

DESENVOLVIMENTO

A partir de uma revisão nas pesquisas de Dohme (2001), Ramos (2011),


Siqueira (2008) e de outros autores aqui descritos, apresentamos o debate sobre a
“contação” de histórias e sua contribuição para a formação da criança a partir de duas
vertentes: as histórias, o processo educacional e a formação de valores; perspectivas
didáticas e a atuação do educador.
Como vimos, a trajetória das histórias e da literatura infantil nos mostra a grande
influência que os contos populares tiveram na formação do imaginário social, nas
crenças e nos modos de educabilidade e formação moral. Com a chegada do século
XXI, Ramos (2011) afirma que, devido à individualização manifestada nas sociedades
modernas, estas estão perdendo os momentos de familiaridade e intimidade que o

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Alguns exemplos de obras desse autor são O sítio do pica-pau amarelo, A menina do nariz arrebitado, Fábulas
do Marquês de Rabicó e Emília no País da Gramática.
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universo das histórias possibilita, fazendo com que as experiências compartilhadas


deixem de existir.

AS HISTÓRIAS, O PROCESSO EDUCACIONAL E A FORMAÇÃO DE VALORES

Muitas vezes, não nos damos conta da forma como as crianças estão
observando o mundo. Consequentemente, não percebemos como elas estão
formando os seus conceitos sobre a vida, sobre os adultos ou sobre o que é certo e o
que é errado. Parte-se do pressuposto de que a criança absorve somente aquilo que
lhe é ensinado nos momentos “formais” de educação: na escola, na igreja ou em casa,
em momentos que os pais ou professores transmitem conceitos que julgam
importantes. Mas a aprendizagem não acontece exatamente desta forma, pois as
crianças observam tudo ao seu redor. Elas estão aprendendo com as conversas entre
os adultos, dos amigos, com os meios de comunicação, com a observação das
atitudes dos pais e professores.
O reduzido tempo que as crianças passam com os pais, a padronização dos
costumes, o consumo homogêneo e as mudanças da estrutura familiar, sob a
influência da comunicação baseada em interesses capitalistas, são fatos que
caracterizam nossa sociedade atual (SIQUEIRA, 2008).
De acordo com Dohme (2003) a atenção da criança se volta para a mensagem
mais acessível, bem humorada, acompanhada de ação, música, desenhos
engraçados e de cores vistosas, bichinhos e seres fantásticos. Assim, a criança tende
a prestar mais atenção às mensagens apresentadas dessa forma, do que aquelas
apresentadas formalmente pelos adultos responsáveis pela sua educação.
A adoção de um conjunto de valores que norteie a vida de uma pessoa é algo
absolutamente íntimo, não se força e nem se obriga. Esse processo encerra uma
escolha, que deve ser livre e fruto do entendimento de que a decisão de adotar
determinado valor é uma forma de conduta que lhe trará satisfação e poderá conduzi-
la a boas realizações. (DOHME, 2001).
Assim, é necessário que se apresente exemplos de conduta, de modo de vida,
de adoção de atitudes e valores que levem a resultados satisfatórios. Uma estratégia
interessante para essa formação da criança é através da contação de histórias às
crianças, em que esses valores sejam trabalhados e que possibilite o despertar da
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criatividade e sensibilidade nas crianças. Siqueira (2008) defende que a criança (ou
leitor em formação) terá mais estímulo imaginativo com a ficção do que na recepção
de postulados que devam ser decorados.
As crianças estão mais abertas a mensagens alegres, que falem sua linguagem
simples e se as histórias são capazes de fornecer referências para a formação do
caráter da criança, pode-se concluir que as histórias são uma excelente forma de
educar, conforme nos mostra Dohme (2003):

Ler ou estimular a leitura para uma criança é como plantar uma


semente em terreno fértil. A leitura estimula o desenvolvimento do
senso crítico e do raciocínio lógico, faz com que a criança acredite mais
em si e tenha mais imaginação e criatividade. Assim, a leitura contribui
para a formação de cidadãos conscientes, sonhadores e,
principalmente, realizadores (p. 03).

Autoras como Ansolin e Oliveira (2013) defendem a importância das histórias


no sentido de que estas ampliam as possibilidades de construção de linguagem e de
desenvolvimento integral, intelectual e social da criança. Estas autoras, ainda afirmam
que muitos estudos indicam que ouvir histórias é um dos principais meios para o
desenvolvimento da linguagem e para a formação do leitor, pois incentiva a ampliação
do vocabulário e a estruturação de enunciados, além de despertar no ouvinte o
interesse pela leitura.
Após a realização de um trabalho de análise dos efeitos da “contação” de
histórias em uma escola de ensino fundamental no Paraná, Ansolin e Oliveira (2013)
perceberam que o contador da história fornece elementos de estruturação e
organização das histórias, o que pode possibilitar ou favorecer o desenvolvimento da
consciência metatextual das crianças, o que é fundamental em relação ao processo
de elaboração textual. Citando Lins, Silva e Spinillo (2000), as autoras definem
consciência metatextual como a capacidade de reflexão sobre a estrutura do texto, o
que permite que o indivíduo trate o texto como objeto de análise. Além disso,
verificaram também que é possível usar a “contação de histórias” como prática
pedagógica em auxílio à aquisição da leitura e da escrita das crianças em processo
de alfabetização e ainda despertar na criança o interesse pela literatura.

Perspectivas didáticas e a atuação do educador na arte de contar


histórias
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Compreendemos que a leitura possui um efeito libertador, pois aquele que lê,
mergulha no livro, envolve-se a ele e o único limite será a imaginação do próprio leitor.
É por meio da leitura que se têm uma visão do mundo, que se formulam hipóteses,
formam-se o senso crítico e constroem-se conhecimentos.
Segundo Mollier (2009) o ato de ler ou ouvir um texto está relacionado às
condições socioculturais e pessoais presentes nos alunos. A maneira como se lê e o
sentido que se atribui a um texto depende do lugar e época que o leitor (ou ouvinte)
realiza (ou escuta) a leitura.
A qualidade da história está relacionada com a mensagem que ela transmite.
É necessário que a história seja um meio eficiente de transmissão de uma mensagem
educacional. Por isso a importância da escolha de uma boa história se dá pelo fato de
que a história é uma boa maneira de se transmitir conceitos. O tipo de conceito que
se deseja transmitir e o tipo de ação transformadora que se deseja desencadear
também são relevantes. É preciso um comprometimento do educador para que o
conteúdo educacional de uma história seja transmitido de forma fiel (DOHME, 2003).
É preciso que o educador motive a história, crie expectativa sobre o conteúdo,
acompanhe a forma como a criança está absorvendo cada uma de suas páginas e
ensine a criança a caminhar no local onde a história estiver se desenrolando. Dohme
(2003) diz que, no momento da leitura, tudo estará sendo absorvido pela criança e
nem sempre será possível controlar a intensidade com que isso acontece; assim é
importante que o educador fique atento a todos os tipos de mensagem que a história
pode transmitir. Aos educadores compete a sensibilidade de que as histórias
contribuem com o desenvolvimento da criança em vários aspectos como: afetividade,
raciocínio, senso crítico, imaginação e criatividade.
É possível potencializar o efeito de uma história promovendo atividades que
usem os seus diversos elementos. Pode-se fazer a dramatização das histórias por
meio de mímica, música, quadros parados, fantoches, teatro. Pode-se ainda fazer com
que as crianças continuem a história com um enredo criado por elas mesmas. O
enredo e as mensagens educacionais de uma história também podem ser usados
como tema para reflexão em diversas dinâmicas de grupo.
Dohme (2003) ressalta que a história deve ser apresentada de forma alegre,
leve, colorida e com jeito de criança. O contador da história deve ser encantador, ter
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graça, prender a atenção da plateia. O uso da voz, as posturas facial e corporal e


recursos auxiliares como o uso de fantoches, brinquedos, marionetes, fantasias,
dentre outros são exemplos de técnicas que facilitam o entendimento da história e
aumentam o efeito da história sobre a criança.
Segundo Dohme (2003), o enredo das historias incita o raciocínio e a reflexão,
pois, à medida que a criança vai lendo ou ouvindo uma história, ela vai
acompanhando-a mentalmente. Ela procurará antecipar o final, e quando este chegar,
irá compará-lo com aquilo que pensou. De acordo com Moreno (1999) para a criança,
acompanhar o enredo de uma história força uma análise, um posicionamento. Este
processo pode acontecer espontaneamente ou suscitado pelo professor, através de
discussões em grupo, jogos e outras atividades lúdicas.
Sônia Kramer (2008) contribui com esse debate ao afirmar que as histórias são
importantes em um processo educacional, pois as crianças gostam delas e isso
aumenta a possibilidade de sucesso, pois se cria um ambiente agradável entre
educador-aluno e sabe-se que boas relações permitem o diálogo, maior respeito e,
consequentemente, uma relação de amor.
Além disso, a audição de textos ou de livros permite ao ouvinte aprender e
desenvolver estruturas de frases e textos, bem como ampliar seu repertório de
palavras. A audição possibilita também que o ouvinte relacione a língua falada com a
língua escrita, como por exemplo, o uso de pontuação e os sentidos que podem ser
dados a um texto (RAMOS, 2011). É nesse aspecto que a “contação” de histórias
pode ser um importante instrumento mediador para o processo de alfabetização e
letramento nas séries iniciais.
De outra forma, a “contação de histórias" também influencia a criança no plano
afetivo, pois, segundo Ramos (2011), o ouvinte nutre confiança pelo leitor, seja ele um
familiar ou um professor e essa relação afetiva interfere na intensidade das mudanças
relacionadas aos aspectos cognitivos e linguísticos da criança.
Considerando todos os aspectos positivos da atividade de “contação de
histórias”, cabe ao professor e à escola proporcionarem situações favoráveis de leitura
de modo que, estes pequenos ouvintes-leitores, futuramente, busquem, por si só,
seus caminhos literários e sintam prazer em apenas ler (RAMOS, 2011).
Existe um consenso entre os atores que discorrem sobre literatura infantil,
alfabetização e letramento de que o contato com histórias e literatura durante a
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infância possibilita a criança maiores condições de aprendizado na fase escolar, de


alfabetização e letramento. As autoras Ansolin e Oliveira (2013) atribuem dificuldades
de algumas crianças na fase inicial do processo de alfabetização à ausência de
exposição às práticas ligadas à escrita antes da entrada da criança na escola. A falta
dessa exposição pode fazer com que a criança tenha maior dificuldade em relacionar
significados inicialmente expressos por gestos (linguagem corporal ou cênica) com as
palavras e, posteriormente, podendo dificultar a compreensão e a expressão de
conteúdos mais complexos.
Segundo Silva (2006) no Brasil há uma grande deficiência em relação à leitura,
por motivos culturais ou econômicos, por exemplo, a falta de acesso a bibliotecas e
instrumentos de informação. Sendo assim, os brasileiros leem pouco e os nossos
alunos, geralmente, só fazem as leituras pedidas pelo professor e porque sabem que
se não as fizerem terão um reflexo negativo em sua nota.
Tendo em vista esse dado, consideramos que a criança precisa ser estimulada
tanto em casa pelos pais, quanto em sala de aula, onde o professor deve incentivar
os alunos a descobrirem um novo mundo e soltarem a imaginação através da narração
de uma boa história. Isso pressupõe não fazer uso da literatura meramente como um
recurso didático e de avaliação de desempenho.
Ressaltamos isso, pois, segundo Silva (2006), na sociedade moderna grande
parte das atividades intelectuais e profissionais gira em torno da língua escrita. Então,
o saber ler bem garante o exercício de cidadania, o acesso aos bens culturais e a
inclusão social. É sob esse aspecto, que Paulo Freire (1989) e Gimeno-Sácristan
(2008) afirmam que a prática da leitura é necessária para a participação ativa e
autônoma do sujeito, bem como o exercício pleno de sua cidadania.
Para essa formação crítica do leitor, temos na leitura compartilhada um
importante recurso, pois essa estratégia prevê o intercâmbio de ideias, através de
conversas e diálogos, sobre o que foi lido, por professores e alunos. Comentar sobre
o que leu ou ouviu ajuda a atribuir sentido ao texto. Ao ouvir um conto, notícia ou
lenda, o aluno o interpreta com base em seus conhecimentos de mundo e de outros
textos, do que sabe e conhece do gênero ou do autor, do que antecipou durante a
leitura. Além disso, a criança ou adolescente, quando ouve outras interpretações
sobre o mesmo texto, passa a considerar diferentes pontos de vista e revê os seus,
modificando-os, ampliando-os ou reforçando-os (DOHME, 2003). Nesse aspecto,
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ouvir a compreensão que os outros colegas fizeram sobre a história ajuda o aluno a
buscar sentido, a entender melhor o conteúdo e a ampliar sua própria interpretação
sobre aquele texto e sobre outras leituras (PEREIRA2, 2013).
Siqueira (2008), citando Aranha (2006, p. 275) descreve que o conhecimento
não está só no sujeito que o transmite e nem é dado apenas pelo objeto, mas se forma
e se transforma pela interação entre ambos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O desenvolvimento de interesses e hábitos permanentes de leitura é um


processo constante, que começa no lar, aperfeiçoa-se sistematicamente na escola e
continua pela vida afora, através das influências da atmosfera cultural geral e dos
esforços conscientes da educação e das escolas públicas.
Através das discussões aqui defendidas entendemos que é necessário oferecer
as mais diversas possibilidades de literatura à criança. Histórias variadas, que
possibilitem suscitar inúmeras emoções, sentimentos variados, exemplos distintos.
Essas experiências irão se juntar com aquilo que ouviram de seus pais e professores,
que viveram, experimentaram e que formarão um conjunto de experiências capazes
de possibilitar as suas próprias escolhas, que nortearão as suas vidas e serão um
esteio nas horas mais difíceis (DOHME, 2003).
A prática da “contação” de histórias deve ser um convite ao aluno para adentrar
o mundo da imaginação. O uso da estratégia da “contação” de histórias possibilita o
aprendizado da escuta e outras aprendizagens. Portanto é necessária a valorização
dessas narrativas orais.

Referências

ANSOLIN, M., OLIVEIRA, J. P. A “contação de histórias” como elemento


favorecedor do processo de aquisição da linguagem. CIEPG, 2013.
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