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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS - UFAL

CAMPUS ARAPIRACA
CURSO DE GRADUAÇÃO EM LETRAS – LÍNGUA PORTUGUESA

RAFAEL SANTOS SILVA

ANÁLISE DE ASPECTOS CRÍTICOS EM DOCUMENTÁRIO SOBRE O DISCURSO DA


VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

ARAPIRACA - AL
2024
UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS - UFAL
CAMPUS ARAPIRACA
CURSO DE GRADUAÇÃO EM LETRAS – LÍNGUA PORTUGUESA

RAFAEL SANTOS SILVA

ANÁLISE DE ASPECTOS CRÍTICOS EM DOCUMENTÁRIO SOBRE O DISCURSO DA


VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao


Curso de Letras - Língua Portuguesa
(Licenciatura) da Universidade Federal de
Alagoas - UFAL, Campus Arapiraca, como
requisito parcial para obtenção do grau de
Licenciado.

Orientador: Prof. Dr. Deywid Wagner de Melo

ARAPIRACA-AL
2024
Rafael Santos Silva

Análise de aspectos críticos em documentário sobre o discurso da violência contra a mulher

Trabalho de Conclusão de Curso - TCC


apresentado ao Curso de Letras – Língua
Portuguesa da Universidade Federal de Alagoas –
UFAL, Campus de Arapiraca, como requisito
parcial para a obtenção do grau de Licenciada em
Letras – Língua Portuguesa.

Data de Aprovação: ______/______/ _______.

Banca Examinadora

Prof. Dr. Deywid Wagner de Melo


Universidade Federal de Alagoas – UFAL
Campus Arapiraca
Orientador

Profa. Dra. Karla Renata Mendes


Universidade Federal de Alagoas – UFAL
Campus Arapiraca
Examinadora

Prof. Dr. Elias André da Silva


Universidade Estadual de Alagoas – UNEAL
Campus de Palmeira dos Índios
Examinador
AGRADECIMENTOS
Dedico e agradeço este trabalho ao meu orientador, o professor doutor Deywid, por
não somente sua orientação, como sua dedicação e acolhimento em situação adversa que
enfrentei para concluir a graduação em Letras.
A todos meus professores da Universidade Federal de Alagoas estendo meus
agradecimentos, pois todos foram marcantes em algum aspecto de minha vida, seja no amor
pela literatura desenvolvido graças a eles, seja por busca de disciplina pessoal, e por
inspiração para mim ao poder observar intelectos tão bem trabalhados que fazem com que
qualquer pessoa (simplesmente) continue.
À minha família: minha mãe Rita, meu pai Francisco e minha irmã Fabrícia. Para
eles, a marcação e minha vida não é apenas de inspiração para mim, mas também de cuidado,
zelo, honra na palavra e amor que me guiam e fazem com que eu continue a caminhar.
Quanto mais a consciência for influenciada por preconceitos, erros, fantasias e
anseios infantis, mais se dilata a fenda já existente, até chegar-se a uma dissociação
neurótica e a uma vida mais ou menos artificial, em tudo distanciada dos instintos
normais da natureza e da verdade. (Jung, 2015, p. 56)
ANÁLISE DE ASPECTOS CRÍTICOS EM DOCUMENTÁRIO SOBRE O DISCURSO
DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

Rafael Santos Silva

RESUMO: Esse trabalho trata de aspectos críticos em um documentário sobre o discurso da


violência contra a mulher. Tem como objetivo analisar aspectos crítico-discursivos que mais
recorrem nesse documentário em análise. O conceito de discurso adotado nesta pesquisa é
como prática social (Fairclough, 2001). Esse trabalho fundamenta-se principalmente em
Fairclough (2001), Batista Jr., Sato e Melo (2018), Resende e Ramalho (2014). A pesquisa é
de natureza qualitativa (Paiva, 2018), preocupa-se com o processo e não somente com o
produto, tendo como corpus de análise fragmentos de um documentário acerca da violência
contra a mulher, realizado e exibido pela TV Cultura, disponível na plataforma Youtube. As
análises indicam que os aspectos estudados, quais sejam: o modo como o discurso machista é
perpetuado entre sujeitos, como ele se perpetua através do modo como o poder se faz presente
no discurso da população e o modo como estão presentes no discurso de atores sociais que
estão envolvidos nos casos de violência contra a mulher, revelam o machismo e a questão
cultural materializada na sociedade.

Palavras-chave: Aspectos crítico-discursivos. Documentário. Violência contra a mulher.

Considerações Iniciais

Esse trabalho trata de aspectos discursivos que revelam a violência contra a mulher,
fato que se perpetua ordinariamente na sociedade, conforme se veicula nos meios de
comunicação de massa e no meio digital. O fenômeno da violência patrimonial, por exemplo,
que se baseia na inferiorização da mulher na sociedade através do cerceamento de seu
desenvolvimento e autonomia econômica apresenta-se na sociedade brasileira. Tal fato é
atestado considerando que o Código Civil Brasileiro de 1916, tomando-o como exemplo,
quando criado, previa anulação do casamento por defloramento anterior à formalização da
união.
No decorrer do progresso social e político brasileiro, a Constituição Federal, bem
como a sociedade em si, passa a contemplar uma maior diversidade de conquistas acerca dos
direitos femininos e a necessidade de torná-los visíveis à sociedade. Contudo, como aponta
Moura et al (2018), as mulheres ainda “denunciam a sua condição de vítima da violência
familiar, tendo esse fenômeno adquirido maior visibilidade ao cenário público, a partir da
criação dos conselhos e delegacias de defesa das mulheres” (Moura et al, 2018, p. 162).

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Tendo as questões supracitadas em vista, constitui-se a busca no presente artigo para
analisar, do ponto de vista da Análise do Discurso Crítica (ADC), os elementos dos discursos
gerados pela violência contra a mulher que atuam na produção e reprodução desse modo de
poder. Aqui é dito produção e reprodução do poder, pois tais práticas se articulam de modo
social, relacional e dialético, entre esses, destaca-se o aspecto relacional, pois “os elementos e
as redes práticas influenciam-se, de modo a fazer circular um conjunto de conhecimentos e
crenças/valores/desejos que, compartilhados, formam as ordens do discurso.” (Bessa; Sato,
2018, p. 127). A partir dessa discussão, elaboramos a questão norteadora da pesquisa, qual
seja: Quais aspectos críticos da linguagem existem no discurso do patriarcado que se revelam
como violência contra a mulher, materializados em discursos de vítimas e agressores desse
ato? A busca da resposta dessa questão serve como o fato motivador desse estudo.
Neste sentido, este trabalho faz uma explanação dos conceitos de discurso, a tratativa
e o modo de pesquisa que é realizada através da ADC e, adiante, apresenta análises de
fragmentos recortados e contextualizados do documentário “Eles Matam Mulheres”, realizado
e exibido pela TV Cultura, disponível na plataforma Youtube desde o ano de 2020. Desse
modo, este trabalho discorre acerca dos estudos do discurso e a observância da gênese da
análise de discurso crítica e dos conceitos de discurso, ideologia, poder e sujeito, bem como a
multidisciplinaridade da ADC e sua relação com teorizações sociais. Adiante, há análises da
pesquisa por meio das categorias elencadas que se referem à interdiscursividade e à
representação de atores sociais.

1. ESTUDOS DO DISCURSO

Nesse tópico, trataremos sobre os conceitos de discurso, quais sejam seus


aprofundamentos acerca dos elementos do discurso e das ideologias e do poder por ele
propagado. Além disso, o tópico apontará os elementos que tornam a ADC e seus estudos
sobre um discurso com a característica multidisciplinar. E, além do apontamento da
característica multidisciplinar da ADC, apontaremos a motivação e elementos que favorecem
a perspectiva de ser necessária a contínua abrangência da multidisciplinaridade em seus
estudos como campo científico.
E, por fim, serão tratados os elementos das categorias de análise e suas
conceituações, que darão amparo para a verificação e compreensão dos elementos de análise
apresentados pela ADC e seu modo de pesquisa, tema abordado no tópico 2.

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1.1 A gênese da análise de discurso crítica

Sobre a gênese da ADC, há dois paradigmas que não devem ser ignorados durante o
diálogo sobre o surgimento e encadeamento do campo de pesquisa ADC. Eles são os
paradigmas formalista e funcionalista, pois, conforme Resende e Ramalho (2006), “Dessas
duas diferentes abordagens acerca da linguagem emergem também duas diferentes definições
de discurso. No paradigma formalista, o discurso é definido como a unidade acima da
sentença; no funcionalismo, como a linguagem em uso” (Resende; Ramalho, 2006, p. 12).
A perspectiva formalista desenvolve suas pesquisas utilizando a linguagem como
objeto autônomo, ou seja, sua gramática e demais questões da linguagem são objetos
independentes de outros aspectos e fenômenos externos à linguagem. Enquanto isso, na
perspectiva funcionalista há a compreensão de que as funções internas da linguagem são
influenciadas em sua organização, disposição e estrutura, por fatores externos a ela, sendo
esses fatores os sociais. Essa perspectiva faz com que

Tal divergência de prismas entre as abordagens implica os construtos teóricos de


duas gramáticas distintas. De um lado, a gramática formalista trata da estrutura
sistemática das formas de uma língua; de outro lado, a gramática funcionalista
analisa as relações entre as formas e as funções linguísticas [...] (Resende; Ramalho,
2006, p. 13)

Esse caráter de análise das relações entre forma e função que a visão funcionalista se
propõe a compreender fez com que a ADC se desenvolvesse e continuamente se utilizasse das
apreciações e compreensões dessa perspectiva funcionalista em suas análises dos fenômenos
da linguagem até o momento de sua consolidação como campo teórico e de pesquisa.
Significa então que “[...] Está claro (...) que o conhecimento funcionalista é indispensável para
que se compreenda como estruturas lingüísticas são usadas como modo de ação sobre o
mundo e sobre as pessoas.” (Idem, 2006, p. 13)
Contudo, Marcuschi (2005) afirma que deve ser de ciência de todos a necessidade de
equilíbrio no momento em que a ADC se utiliza da perspectiva funcionalista, pois: “[...] é
temerário reduzir a linguagem a seu papel de ferramenta social, bem como reduzi-la ao caráter
formal, imanente do sistema lingüístico, pois (...) língua não é forma nem função, e sim
atividade significante e constitutiva”. (Marcuschi, 2005, apud Resende, Ramalho, p. 14).
A Análise do Discurso Crítica, ADC, encontrado como Análise Crítica do Discurso
(ACD), em uma tradução de Fairclough (2005), busca incorporar a materialidade social à
visão de língua e seus estudos. Em sua gênese, há o amparo do campo semiótico, pois será

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apontada a forma de construção dos signos, sejam eles imagens, língua e demais expressões
subjetivas do ser humano e o modo como as relações discursivas entre os interlocutores se
realizam.
Observa-se, então, que a ADC compreende as relações discursivas não como recortes
de interações particulares, pessoais e cuja produção de significantes e significados é à parte de
demais práticas sociais material, social e discursivamente efetivadas. Esse campo surge para
abarcar demais práticas de produção social, assim como Fairclough indica ao explorar o
sentido de que "[...] tais práticas incluem os seguintes elementos: a. atividade produtiva; b.
meios de produção; c. relações sociais; de. identidades sociais; e valores culturais; f.
consciência; g. semiose". (Fairclough, 2005, p. 308).
Contudo, antes de seu pleno surgimento como campo teórico e de pesquisa, a ADC é
precedida por diversas sequências de modos de pesquisa na história que foram basilares para
seu surgimento. Como exemplo, Vieira (2002 apud Vieira; Macedo, 2018) indica que foram
fundamentos teóricos precisos numa perspectiva histórica que levou a ADC atual ao estado de
desenvolvimento em que ela se encontra na contemporaneidade. Fundamentos esses como a
retórica clássica que, conforme Vieira e Macedo (2018) gestou a análise de discurso à luz de
suas singularidades durante a execução dos enunciados e que alicerçou através da filologia
estudos baseados na análise histórica de textos.
Toda essa forma de teorizar, estruturar e determinar o campo da ADC foi excedida
firmemente com Bakhtin; como apontam Vieira e Macedo, “[...] foi com Bakhtin que a
linguagem abandonou seu caráter monológico para assumir seu papel dialógico nas interações
verbais. Aqui os estudos textuais se libertaram da filologia e do estruturalismo e
transcenderam o nível da frase.” (Vieira; Macedo, 2018, p. 54.).
Percebemos que a ADC, em sua gênese, foi um processo diacrônico no qual o texto
passou a ganhar mais relevância, sua estrutura e modo relacional com o mundo passaram a ser
entendidos como modo de produção de ciência. Sendo assim, a ADC ganha relevância como
campo teórico fundamentado e que torna possível a união dos estudos da língua e linguagem e
seus enraizamentos com outros campos das ciências, sendo percebidos não como antagônicos
(no que se refere a um ter mais relevância e ser o produtor do outro), mas sim como
complementares.

1.1 Discurso, ideologia, poder e sujeito

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Sobre o discurso, ele é um termo empregado na ADC com conotações específicas,
que estão fortemente vinculadas com as ciências sociais e a formulação da captação dos
fenômenos sociais para compreensão dos textos produzidos na sociedade. Ferdinand Saussure
(2006) já indicava a existência dos fatores sociais na determinação do discurso através da
dicotomia entre langue (língua) e parole (linguagem) e menciona

Mas o que é língua? Para nós, ela não se confunde com a linguagem; é
somente uma parte determinada, essencial dela, indubitavelmente. É, ao
mesmo tempo, um produto social da faculdade de linguagem e um conjunto
de convenções necessárias, adotadas pelo corpo social para permitir o
exercício dessa faculdade nos indivíduos. Tomada em seu todo, a linguagem
é multiforme e heteróclita; o cavaleiro de diferentes domínios, ao mesmo
tempo física, fisiológica e psíquica, ela pertence além disso ao domínio
individual e ao domínio social; não se deixa classificar em nenhuma
categoria de fatos humanos, pois não se sabe como inferir sua unidade.
(Saussure, 2006, p. 17)

Nessa dicotomia da produção do ato comunicativo identificado por Saussure (2006),


foi considerado como base para pesquisas a langue (língua), pois, para ele, é na estrutura da
linguagem que há acessibilidade para um estudo sistêmico do fenômeno da comunicação. Em
contrapartida, Saussure (2006) se abstém do desenvolvimento do campo teórico com a parole
(linguagem) em centralidade. Fairclough (2001) conduz tal temática observando que

Na tradição iniciada por Ferdinand de Saussure (1959), considera-se a fala


como não acessível ao estudo sistemático, por ser essencialmente uma
atividade individual: os indivíduos usam uma língua de formas
imprevisíveis, de acordo com seus desejos e suas intenções, uma langue
(língua) que é em si mesma sistemática e social. Os lingüistas nessa adição
identificam a parole para ignorá-la, pois a implicação da posição
saussureana é que qualquer estudo sistemático da língua deve ser um estudo
do próprio sistema, da langue, e não de seu ‘uso’. (Fairclough, 2001, p. 90)

É importante observarmos, entretanto, que apesar de não ter sido de interesse de


Saussure o estudo sistêmico da linguagem, ainda assim ele expõe uma característica central
dela e que orientou a compreensão do que hoje temos como discurso, que é o uso da
linguagem por indivíduos tomando como ponto central de uso seus desejos e suas intenções.
Pois é o desejo e intenção que, em certa medida, é reproduzido no discurso, conforme
Saussure (2006).
É dito acima “em certa medida” pelo fato de que para a ADC o indivíduo é um
produto social do discurso e produz discursos, ou seja, ele é um ser simultaneamente agente e
passivo nas relações comunicativas. Ou seja, o desejo e intenção individual exposto pelo ser

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que enuncia o discurso é, também, a captação de discursos proferidos no decorrer de sua
trajetória de vida como um ser subjetivo e que, por conta disso, estará atrelada com conceitos
previamente dispostos e que se tornam intrínsecos ao seu caráter como indivíduo. Esse desejo
e intenção previamente estabelecidos e moldados no ser humano que, com o passar do tempo
os atualiza, é o que Fairclough (2006) nos expõe como ideologia e poder.
Vieira e Macedo (2018) indicam a definição de discurso como a “[...] linguagem
como forma de prática social, e não puramente individual ou situacional” (Vieira; Macedo,
2018, p. 57). Isso significa que o discurso é não apenas uma prática do indivíduo para se
comunicar com o que for exterior a si, mas sim uma prática coletiva e social, que molda a
subjetividade dos indivíduos e forma estruturas de reprodução nessa prática. Ou seja, todo
discurso é coletivo e social, mesmo que a interação seja de indivíduo para indivíduo. Sobre o
discurso, temos que

Um discurso particular (e, aqui, “discursos” refere-se ao conceito mais


concreto) pode incluir presunções acerca do que existe, do que é possível,
necessário, desejável. Tais presunções podem ser ideológicas, posicionadas,
conectadas a relações de dominação (Resende; Ramalho, 2006, p. 48)

Nesses termos, o discurso é a execução da prática social do texto (ou enunciado),


contudo a carga semântica do termo “discurso” traz consigo na ADC a noção de propagação e
manutenção das ideologias e do poder e indica o papel do sujeito nessa prática social e
fenômeno da linguagem que é o discurso. Nesse sentido Fairclough (2006) afirma que

Ao usar o termo “discurso”, proponho considerar o uso da linguagem como


forma de prática social e não como atividade puramente individual ou
reflexo de variáveis institucionais. Isso tem várias implicações. Primeiro,
implica ser o discurso um modo de ação, uma forma em que as pessoas
podem agir sobre o mundo e especialmente sobre os outros, como também
um modo de representação. [...] Segundo, implica uma relação dialética entre
o discurso e a estrutura social, existindo mais geralmente tal relação entre a
prática social e a estrutura social: a última e tanto uma condição como um
efeito da primeira. (Fairclough, apud Resende; Ramalho, 2006, p. 27).

Isso significa que o discurso é o termo e forma gráfica escolhido para indicar a
produção textual no contexto das práticas sociais e suas relações multidisciplinares e
interdisciplinares, diferenciando esse fenômeno e sua forma de estudo do fenômeno do
enunciado ou texto e as suas formas de análises e construções teóricas. Importante salientar
que é utilizado aqui enunciado e texto como a expressão da realização da prática
comunicacional, não compreendendo plenamente outras questões da linguagem que
compreendem esses termos, diferenciando-se do termo discurso, que é utilizado para vincular

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a prática da comunicação com os conteúdos construídos socialmente que, numa perspectiva
da ADC, afetaram diretamente tanto a construção estrutural, como compreensão e reprodução
dos textos.
Seguindo essas caracterizações sobre o discurso, sua motivação pela terminologia
‘discurso’ (diferenciando-o de enunciado e texto) e sua caracterização no campo teórico,
adentramos então no campo de sua prática discursiva, ou seja, de sua efetivação no campo
comunicativo. Desse modo, conforme Resende e Ramalho (2006) a prática do discurso se
relacionada aos modos como os textos são produzidos e naquilo que os envolve, como o
produtor do texto, quem o profere, o sujeito textual, a estrutura do suporte pelo qual o texto é
transmitido e demais características que envolvem sua prática.
Na prática discursiva, a execução do discurso se ocupa da análise da forma e
conteúdo, daquilo que será enunciado de acordo com a intenção e do resultado que é
pretendido. Como exemplo, um artigo científico tem em si a proposta de avanço no
conhecimento científico e compartilhamento de informações entre seus pares na academia.
Contudo, sua execução transpõe tal conceituação, pois o artigo científico tem em si a
intertextualidade e interdiscursividade ao tratar e resgatar textos anteriores que, proferidos,
carregam em si carga discursiva, ou seja, traz consigo conceitos pessoais dos atores que a
produziu, de sua época, de sua cultura, de seu modo de pensar.
Essa retomada no momento de produção leva em conta também o interlocutor que
receberá o enunciado proferido, o suporte utilizado para o enunciado, bem como quais
indivíduos participam indiretamente da execução do enunciado, como exemplo deste último
apontamento, temos a alteração da formalidade do enunciado de acordo com a escolaridade de
quem, por exemplo, fará um comunicado para uma plateia com diferentes níveis de
letramento sobre esse artigo científico hipotético.
Isso significa que há, na produção, execução textual e proferimento do discurso,
alicerces em atores anteriores, cuja determinação é dada sociogonitivamente e compõe traços
que farão a reprodução de determinados conteúdos de modo consciente ou inconsciente.
Sendo “socio” no que se refere às questões sociais reproduzidas no ato do discurso, e
“cognitivo” no que tange às formas estruturais em que serão transmitidos e reproduzidos os
discursos. Sobre a interrelação da prática discursiva temos que

[...] há dimensões ‘sociocognitivas’ específicas de produção e interpretação


textual, que se centralizam na inter-relação entre os recursos dos membros,
que os participantes do discurso têm entre os recursos e trazem consigo para
o processamento textual, e o próprio texto. Este é considerado como um

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conjunto de ‘traços’ do processo de produção, ou um conjunto de ‘pistas’
para o processo de interpretação. Tais processos geralmente procedem de
maneira não-consciente e automática, o que é um importante fator na
determinação de sua eficácia ideológica (...), embora certos aspectos sejam
mais facilmente trazidos à consciência do que outros. (Fairclough, 2001, p
109.)

Por conta dessa caracterização da prática discursiva é possível identificar os


processos tidos como não-conscientes do discurso, os conjuntos de traços que são usados na
produção dos textos. Dessa percepção, identificamos então os fenômenos de ideologia e de
poder que são produzidos e reproduzidos através do discurso e se formam durante a prática
discursiva. Dessa forma, podemos agora caracterizar tais fenômenos para identificar suas
ações efetivas sobre o discurso.
Temos então que, sobre a ideologia, ela se materializa no discurso, mas não
especificamente nas propriedades linguísticas de um discurso. Ela é em si a representação e
sustentação de relações de dominação que reproduz discursos pré-estabelecidos dentro da
subjetividade do indivíduo que o torna material. Aqui podemos utilizar o conceito de
subjetividade encontrando em Bock (2018)

A subjetividade é a síntese singular e individual que cada um de nós vai


constituindo conforme vamos nos desenvolvendo e vivenciando as
experiências da vida social e cultural; é uma síntese que, de um lado, nos
identifica, por ser única; e, do outro lado, nos iguala, na medida em que os
elementos que a constituem são experenciados no campo comum das
condições objetivas de existência.” (Bock et al, 2018, p. 10 (Grifo do autor))

E é nesse sentido da percepção da subjetividade que podemos compreender melhor o


fenômeno da ideologia na ADC, pois é justamente do fato de ser o molde em que o ser é
constituído e efetivado através de sua experiência e vivência que fará com que a ideologia do
que o cerca seja por ele reproduzida. Podemos dizer, então, que a ideologia é um ato
individual, mas de constituição e reprodução social. Sendo assim, a ideologia possui estrutura
e, ao mesmo tempo, sua construção é coordenada pelos eventos sociais que a envolvem numa
perspectiva sincrônica ao tempo em que é produzida e diacrônica em relação à sua história de
estruturação, como é indicado por Fairclough (1995):

A ideologia investe a linguagem de várias maneiras em vários níveis, e nós


não temos de escolher entre diferentes “localizações” possíveis da ideologia,
todas são parcialmente justificáveis e nenhuma inteiramente satisfatória. A
questão chave é se a ideologia é uma propriedade das estruturas ou uma
propriedade dos eventos, e a resposta é “ambas”. E o problema-chave é

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encontrar uma abordagem satisfatória da dialética entre estruturas e
eventos.” (Fairclough, 1995, apud Resende; Ramalho, 2006, p. 48)

Ou seja, a ideologia como objeto de análise deve ser pontuada como objeto com
vantagens em seu uso numa perspectiva somente estruturalista ou somente de ação (ação
como prática no meio social). Neste caso, a desvantagem é a de que uma abordagem centrada
na estrutura diminui a capacidade interpretativa de quem analisa o discurso, pois posiciona os
eventos práticos ocorridos no meio social como realizações de potencial pré-definido, cuja
análise será alocada nesta estrutura pré-determinada, sendo assim, “[..] a capacidade de ação
dos sujeitos não é percebida.” (Idem, 2006, p. 49). Já com relação à perspectiva na ação,
mesmo que haja a vantagem de contemplar fortemente os processos sociais, suas alterações e
processos criativos de eventos, há o risco de uma supervalorização da liberdade de ação em
detrimento da análise do que há de similar e capilarizado entre os eventos das práticas do
discurso e a exposição de suas ideologias. Desse modo, “[...] a solução é não perder de vista a
dialética entre estrutura e ação: a liberdade dos sujeitos, embora não possa ser apagada, é
relativa.” (Resende; Ramalho, 2006, p.49)
Além do que está exposto até o momento, a ideologia ainda tem a seu favor como
maneira de perpetuação entidades ou grupos sociais que expressam seus valores através do
discurso das instituições físicas, como escola, igreja, e instituições não-físicas e cuja
existência está no nível subjetivo, como amigos, família e afins. Fairclogh (2001) especifica
em três dimensões os conceitos de ideologia que até aqui foram expostos: primeiro, dimensão
da existência material da ideologia nas instituições; segundo, dimensão da constituição dos
sujeitos no discurso, ou seja, suas interações e seus papéis; terceira dimensão, a ideologia do
discurso como instrumento de luta entre classes e que utiliza das instituições para delimitar os
espaços.
Sobre a primeira dimensão da ideologia, ela concebe os espaços físicos como
reprodutores da ideologia. Conforme Resende e Ramalho (2006) os espaços físicos são
delimitadores dos sujeitos na sociedade, e essa concepção se é percebida através da
constituição, por exemplo, de áreas das cidades como nobres e periféricas, e nas áreas
periféricas teremos outras divisões que estipularam o papel de cada sujeito (há nas áreas
periféricas regiões onde se concentra a classe média baixa, que entra em contato com a dita
classe ‘nobre’, e as favelas, cujo entendimento e reprodução é a de uma região que se
concentra o sujeito marginal, delinquente). Na perspectiva da segunda dimensão, sobre os
papéis e interações, através da delimitação dos espaços é gerado perspectivas de discurso que

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incluem e excluem os sujeitos, ou seja, é através do discurso que papéis sociais e os modos
socialmente aceitos de interação entre os sujeitos de classes diferentes serão determinados.
Resende e Ramalho (2006) apontam que na terceira dimensão da ideologia, o
discurso é utilizado como instrumento da luta e dominação entre as classes, ou seja, a classe
social que estiver sendo marginalizada nas relações sociais pode utilizar desse instrumento
para se inserir como ator social relevante. Contudo, é comum a perpetuação do domínio da
classe dominante e seu discurso sobre a classe marginalizada, pois é a classe dominante que
possui domínio cultural e dos meios de reprodução dos discursos.
Ainda sobre a ideologia, conforme exposto em Vieira e Macedo (2018), os processos
ideológicos ocorrem através da Legitimação e Dissimulação, Unificação e Fragmentação e,
por fim, a Retificação. Sendo a Legitimação o processo de representar as relações ideológicas
e de dominação como legítimas; Dissimulação é sobre o modo como a dominação e negada
ou obscurecida, para não tornar seu processo evidente a todos; Unificação é a forma de
construção de identidades que são coletivizadas, para a possibilidade de sua existência e
manutenção de sua permanência no poder; Fragmentação é o processo de dissuadir e
fragmentar grupos potencialmente ameaçadores àqueles que detêm a dominância ideológica.
E é nessa dominância que se estabelece a hegemonia que é “[...] liderança tanto quanto
dominação nos domínios econômico, político, cultural e ideológico de uma sociedade”
(Fairclough, 2001, p. 122). Entretanto, a dominação da classe possui um “equilíbrio instável”,
por conta dessa instabilidade que o discurso tem a função de realizar a manutenção da
estabilidade da dominação de uma classe sobre as demais.
Nesse sentido, o poder é a forma de perpetuação da ideologia dentro do discurso. Ele
é baseado nessa hegemonia sobre determinados discursos que são impostos, naturalizados e
aceitos na sociedade. Ter consciência da definição de hegemonia aqui observada é importante,
por conta disso é indicada aqui a definição de que “[...] Hegemonia é a relação de dominação
baseada no consentimento, que envolve a naturalização de práticas [...]” (Vieira; Macedo,
2018, p. 59).
Desse modo, o poder é uma forma de dominação, contudo não emana de um sujeito
“[...], mas do conjunto de relações que permeiam o corpo social [...]” (Vieira; Macedo, 2018,
p. 59). Sendo assim, as relações geradas pelo poder são assimétricas e de dominação, que
estão intrínsecas nas relações sociais, e é através da hegemonia que, apesar de uma relação
explicitamente assimétrica, desigual e de obediência e resignação do dominado pelo
dominador, ainda assim o discurso é perpetuado e mantido o poder.

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O sujeito é a soma do discurso, ideologia e poder na ADC que se transfigura no
indivíduo e o torna sujeito. O sujeito é o ser subjetivo, que através da soma das experiências
individuais e coletivas utilizará do discurso para perpetuar a ideologia e o poder que o
formou. Nessa relação, os interlocutores que assumirão os papéis de locutor (enunciador) e
loucutário (intérprete da informação enunciada) terão uma alternância em seus papéis, essa
alternância será de maior ou menor frequência a depender do suporte utilizado para a
comunicação. Pois, como é dito por Fairclogh (2001) “[...] na medida em que os intérpretes
resolvem as contradições interpretativamente, eles estão, eles próprios, também sendo
posicionados (ou tendo posições existentes reforçadas) pelos textos como sujeitos
complexos.” (Fairclough, 2001, p. 172).
Ou seja, quanto maior for a interpretação e resolução dos locutários no processo de
interlocução, mais inseridos no papel de sujeitos eles estarão, pois passam a se posicionar
mediante o discurso enunciado. Serão agentes produtores e reprodutores do discurso.
É importante salientar que o sujeito comumente não reproduz somente o discurso que
o favorece, pois há a naturalização da ideologia e o poder de dominação através do discurso,
como é indicado por Vieira e Macedo (2018), no que tange à ADC e às práticas discursivas e
que em tais práticas contribuem: “[...] para a produção, a reprodução ou a transformação das
relações de dominação; que se tornam mais eficientes quanto mais naturalizadas [...]” (Vieira;
Macedo, 2018, p. 60.)

1.3 A multidisciplinaridade da ADC

A multidisciplinaridade da ADC é um campo teórico que compreende que as práticas


discursivas são um dos elementos que compõem os diversos elementos de pesquisa possíveis
para investigar o mundo. Por conta disso, somente a pesquisa multidisciplinar pode levar em
conta as relações sociais concretas, pois, conforme Wodak (2003)

[...] a Análise do Discurso Crítica (ADC) não é mais que um dentre os


elementos de múltiplos enfoques de que necessitamos. Não apenas devemos
concentrar-nos nas práticas discursivas, mas também devemos nos ocupar de
uma ampla gama de práticas materiais e semióticas. Desse modo, a
investigação em ADC deve ser multiteórica e multimetodológica, crítica e
autocrítica. (Wodak, 2003, p. 103, apud Resende, 2006, p. 1069)

Por relacionar-se com diversas abordagens e perspectivas das ciências sociais, a


ADC se torna uma área com corpo teórico e conjunto de métodos multidisciplinar, também

15
chamado por alguns autores de transdisciplinar, porque ambas as palavras dão conta da
demonstração da capacidade de diálogo entre a ADC e demais campos teóricos e
metodológicos das Ciências Sociais. Sendo assim, a concretização da multidisciplinaridade do
campo é necessária e indispensável, pois, como aponta Resende (2006, p. 1070), “não há uma
relação externa entre linguagem e sociedade, mas uma relação interna e dialética”. E é nesse
contexto que é promovido um arcabouço teórico para as Ciências Sociais, pois “o rompimento
das fronteiras disciplinares traz à Lingüistica a ancoragem em perspectivas teóricas acerca da
estrutura e da ação sociais, e propicia para as Ciências Sociais um arcabouço para análise
textual.” (Resende, 2006, p. 1070)
A relação que é entendida entre a linguagem e as ciências sociais é do fato de que o
texto está presente em todos os âmbitos dos indivíduos. Desse modo, é fato que toda atividade
humana perpassa pelo texto/discurso, atravessado pela ideologia e as relações de poder. Por
conta disso, Fairclogh (2006) aponta que

[...] teorizações sociais baseadas na linguagem (a chamada virada linguística


na teoria social) estão na esteira de um processo concreto vivenciado nas
práticas sociais contemporâneas: a vida é cada vez mais mediada por textos e
papel de textos na vida social é cada vez mais saliente em todos os campos
da atividade humana, como por exemplo a cultura, a política e a economia.”
(Fairclogh, 2006 apud Resende, 2006, p. 1075)

Sendo assim, a ADC busca a transcendência das teorizações que são realizadas pela
Linguística e fazer soma junto às Ciências Sociais. Pois compreende que esse diálogo é a
constituição plena da materialidade do ser social através do discurso na sociedade, bem como
o discurso que se fixa como objeto passível de pesquisa graças a sua materialização que se dá
por meio da sociedade, ou seja, entre a Linguística e as Ciências Sociais há um diálogo que
apesar de haver a possibilidade de serem pesquisados individualmente, são indissociáveis
quando materializados em textos/discursos na sociedade.

1.4. As categorias de análise: intertextualidade, interdiscursividade e dos atores sociais

Discorremos sobre as categorias da ADC: intertextualidade, interdiscursividade e dos


atores sociais, consecutivamente. É importante sempre pontuar que apesar de ser utilizado o
método científico e ser feito uma separação momentânea dos fenômenos supracitados para
análise e estudo, ainda assim eles são simultâneos em suas práticas, ou seja, sua efetivação
ocorre de modo interligado.

16
Sobre o modo de análise que a ADC apresenta, tratamos neste tópico primeiramente
da intertextualidade, que é o modo como um texto apresenta em si elementos de outros textos.
Esses elementos podem ser de diversas formas, como por exemplo: o modo de estruturação, a
discussão, a abordagem através de humor, bem como a construção desse humor, ou público
destinado, entre outras formas relacionais. Sendo assim, Bessa e Sato (2018) afirmam que

Ao analisar os discursos, temos em mente a qualidade dialética em que os


elementos internalizam partes dos demais discursos, sem se reduzirem uns
aos outros. Nesse sentido, a intertextualidade evoca sentidos, significados de
outros elementos trazidos à ação por meio dos gêneros discursivos para
participar de interação [...] (Bessa; Sato, 2018, p. 142).

Isso não significa que a intertextualidade se situa no campo de um mero plágio de


demais enunciados anteriormente proferidos por sujeitos, mas sim de que há uma constante
reprodução dos discursos, ideologias e poder que fazem a geração de novos discursos, porém
pautados em discursos anteriores. Em última instância isso significa que, como Bakhtin
aponta: “Cada enunciado é pleno de ecos e ressonâncias de outros enunciados com os quais
está ligado pela identidade da esfera de comunicação discursiva.” (Bakhtin, 2003, p. 297).
Desse modo, a intertextualidade apresenta também como sua marca a
recontextualização de seu texto, conforme Bessa e Sato (2018), que destacam que mesmo
negações, ironias e pressuposições sobre outros textos são marcas da intertextualidade, ou
seja, na cadeia dos gêneros textuais há “textos e contextos” que conversam entre si mesmos,
seja negando o outro texto, seja validando-se através do outro texto.
Sobre a interdiscursividade, ela abrange o modo que um discurso (ideia) é
consolidado e se perpetua, além das relações lexicais e de seus itens conforme seja
reproduzido. Nesse sentido, é indicado pelo autor anteriormente citado que, por exemplo, o
discurso na esfera política sobre o comportamento de um “ser cidadão” guarda em si
elementos específicos (o voto, democracia e sua efetivação ou omissão, o papel do cidadão
nas eleições que estejam vigentes), já o discurso voltado à questão da impunidade, apesar de
estar também na esfera política, guarda outros elementos (a roubalheira, o “lavajatismo”).
Contudo, apesar de ambos reterem para si elementos discursivos e lexicais específicos que
serão reproduzidos, ainda assim podem ser relacionados através de um mesmo sujeito que os
proferirá.
Nessa linha de pensamento e com os exemplos acerca do tema política, cidadania e
direitos, podemos constatar que dos diferentes discursos que são evocados nos textos é

17
possível verificar “[...] que as práticas das quais eles emergem estão relacionadas e constroem
a ordem do discurso (aspecto semiótico das estruturas/rede de práticas) relacionada às
eleições – prática política, econômica, judiciária e de cidadania.” (Bessa; Sato, 2018, p. 156.).
Acerca dos atores sociais, temos o apontamento do modo como esses atores são
representados e posicionados no discurso. Ou seja, qual o modo com que o texto apresenta os
sujeitos do discurso. Conforme Bessa e Sato (2018) indicam

A representação dos atores sociais é relevante para o processo analítico por


permitir identificar papéis, perceber em quais enquadres os(as) participantes
posicionados nos textos; quais estão presentes e quais deveriam estar;
discutir os possíveis efeitos das formas de representação, inclusive as que
incluem atores nos textos e as que, de maneira explícita ou sub-reptícia, os
“excluem”.” (Bessa; Sato, 2018, p. 149)

Ainda nesse sentido, Fairclough (2003, apud Bessa; Sato, 2018) indica que
elementos textuais estruturais são formas de análise da ADC quando associados às Ciências
Sociais, como por exemplo: ao citar os atores sociais há a inclusão explícita ou implícita deles
através dos elementos gramaticais? O modo que os atores são postos no discurso é através de
pronome ou nome? Esses atores são afetados ou afetam outros atores segundo o discurso
posto? Ou seja, nos atores sociais a ADC busca elementos explicitados nos discursos, sejam
esses elementos evidentes ou dissimulados no texto.
Sendo assim, a intertextualidade, interdiscursividade e atores socais se relacionam no
processo de representação dos conhecimentos e percepções acerca da política, economia e
demais âmbitos da sociedade. Neles há a propagação de elementos individuais que podem ser
estudados para evidenciar seus exatos posicionamentos ideológicos, de natureza discursiva e
seus elementos de propagação do poder.

2. A PESQUISA EM ADC

Nesse tópico, trataremos sobre modelo Tridimensional e análise social do discurso, a


metodologia da pesquisa com a caracterização, constituição do corpus e considerações sobre
documentário e os fragmentos que foram selecionados para análise.
Sobre o modelo Tridimensional e análise social do discurso, discorreremos sobre os
aspectos da produção textual, sua estrutura e a forma com que o texto afeta a reprodução da
prática discursiva e prática social e o inverso, como tais práticas afetam o texto. Nessa
perspectiva, não há o isolamento de um fator como causador dos demais e sim a compreensão
da simultaneidade dos fenômenos e suas implicações.

18
Em relação à constituição do corpus e considerações sobre o documentário há a
introdução de sua estrutura e a indicação da sociedade e época ao qual pertencem os
enunciados e o discurso reproduzido por ele.

2.1 Do modelo Tridimensional para a análise social ou multidisciplinar de Fairclough

A concepção tridimensional contempla três instâncias: o texto, a prática discursiva e


a prática social. Essa concepção é proposta por Fairclough (1992), conforme é indicado por
Resende e Ramalho (2004) e que, segundo as autoras, foi por ele aprimorado.
Nesse sentido, o modelo tridimensional revela a forma da produção da linguagem
enquanto fato efetivo em formato de níveis, conforme a figura 1 indica.

TEXTO

PRÁTICA DISCURSIVA

PRÁTICA SOCIAL

Figura 1 – (Conforme Resende e Ramalho, 2004, p. 188)

Desse modo, acabamos por reconhecer o caráter de cada concepção. Iniciando pela
concepção de texto dentro do modelo tridimensional, ele e sua análise são a soma das
categorias que compreende o “[...] vocabulário, a gramática, a coesão e a estrutura do texto.”
(Resende; Ramalho, 2004, p. 187). Sendo assim, é pontuado também que sobre as categorias
que são tratadas nelas temos:

O estudo do vocabulário trata das palavras individuais – neologismos,


lexicalizações, relexicalizações de domínios da experiência, superexpressão,
relações entre palavras e sentidos – e a gramática, das palavras combinadas
em frases. A coesão trata das ligações entre as frases, através de mecanismos
de referência, palavras de mesmo campo semântico, sinônimos próximos e
conjunções. A estrutura textual refere-se às propriedades organizacionais do
texto em larga escala, às maneiras e à ordem em que elementos são
combinados. (Resende; Ramalho, 2004, p. 187)

É possível afirmar que a competência do ato do discurso não é unicamente de caráter


social e que exclui as relações estruturais do texto, seus dados linguísticos e tudo o que o

19
envolve, mas sim que o caráter social das relações sociais, ao se transfigurarem em
linguagem, fará com que essa mesma linguagem remonta as experiências humanas que foram
promotoras de sua existência. Em suma, não é possível verificar o texto sem a sequência o
contexto de seu surgimento, o sujeito que o profere e que faz a exposição do enunciado, e do
locutário, que recebe a informação do discurso proferido e o assimila e decide se o assimila e
reproduz ou se opõe a ele.
Nessa atividade de produção, o enunciado será verificado a partir de três categorias:
força, coerência e intertextualidade (Resende; Ramalho, 2004, p. 187). A força está
relacionada ao tipo de ato de fala que se pratica e a qual tipo de poder está ligado, ou seja, se o
ato de fala se liga ao poder hegemônico ou não; a coerência se refere à capacidade de diálogo
lógico entre a ideologia e o texto que a prática discursiva aponta ou retoma; a
intertextualidade se refere às relações diretas entre textos já produzidos, atentemo-nos que,
diferentemente da coerência (que permeia o diálogo textual no nível ideológico), a
intertextualidade tem apontamento no diálogo direto entre os textos que dialogam diretamente
com o novo enunciado.
A análise da prática social se relaciona aos aspectos ideológicos hegemônicos. Nesse
sentido é importante diferenciar a análise da prática social da prática discursiva: enquanto a
prática discursiva, no nível da coerência, trabalha com o diálogo acerca da ideologia, a análise
da prática social está associada às orientações e estruturas que formam o discurso.
Desse modo, o campo da prática social investigará de um ponto de vista estrutural os
sentidos das palavras, as pressuposições que apontam o discurso, suas metáforas e seu estilo.
De um ponto de vista ligado às relações ideológicas hegemônicas essa prática observará
questões das orientações econômicas, políticas, ideológicas e culturais.

TEXTO PRÁTICA DISCURSIVA PRÁTICA SOCIAL

vocabulário produção ideologia


gramática distribuição sentidos
coesão consumo pressuposições
estrutura textual contexto metáforas
força hegemonia
coerência orientações econômicas,
intertextualidade políticas, culturais,
ideológicas
Figura 2 - Categorias analíticas propostas no modelo tridimensional. (Conforme Resende e
Ramalho, 2004, p. 188)

20
A figura 2 especifica a relação do modelo tridimensional da ADC e suas categorias
de análise. Assim, podemos constatar que enquanto categoria textual, a análise se fixará nos
elementos expostos ou suprimidos no texto, enquanto análise da prática discursiva teremos
uma relação do diálogo entre os discursos que geram diálogos entre si, sejam diálogos
positivos e de reforça ou contraditórios, e enquanto análise da prática social o nível será no
campo da ideologia e hegemonia, constatando os elementos que agrupam ou não o discurso
em determinados campos sociopolíticos e econômicos.
Desse modo, a análise social ou multidisciplinar da ADC se realiza inicialmente em
três passos: conforme Bessa e Sato (2018), no primeiro momento, é preciso identificar um
problema social que esteja concretizado na sociedade e traga implicações no âmbito social,
após isso, faz-se necessária a busca por elementos semióticos para a realização das análises e,
por fim, a investigação dos elementos semióticos no ato da prática social em busca de
compreensão do motivo de sua realização.

2.2 Caracterização da pesquisa qualitativa

O modo de pesquisa aqui empregado é baseado no modelo qualitativo, pois é nesse


modo de realizar a construção da ciência que se torna possível fazer ciência com objetos
material e socialmente concretizados na sociedade. A motivação para isso é a de que esses
objetos geram demandas contínuas das parcelas da sociedade, seja em forma de manutenção
destes, seja em forma de superá-los, pois, conforme Flick (2017), a pesquisa qualitativa
acontece no mundo real com o propósito de “compreender, descrever e, algumas vezes,
explicar fenômenos sociais, a partir de seu interior, de diferentes formas”. (Flick, 2007, p. ix,
apud Paiva, 2019, p. 13). Paiva (2019) indica que as diferentes formas dos fenômenos sociais
incluem em sua análise, no modelo de pesquisa qualitativa, “as experiências individuais ou
coletivas, de interações, de documentos (textos, imagens, filmes ou música)” (Paiva, 2019, p.
13).
Para formar um corpo de pesquisa acerca do tema da violência contra a mulher, que é
fato social e reproduzido materialmente no discurso, o método qualitativo da pesquisa
permitirá o realce de diversas variáveis que propiciam a realização de tal ato. Além disso,
Günther (2006) indica que tal forma de pesquisa é vantajosa por permitir o estudo do
fenômeno no seu contexto natural e realizar uma melhor observação de variáveis estranhas no
processo de ocorrência do fenômeno. O autor também expõe que “[...] este processo deve
seguir regras, que não são uniformes, mas específicas a cada circunstância. Desta maneira, é

21
de suma importância que as regras sejam explicitadas para permitir uma eventual
generalização” (Günther, 2006, p.203).
Nesse sentido, a análise aqui produzida pretende apontar nuances e interpretações
sobre casos de enunciados pegos em um documentário para, assim, criar um corpus que
permita um entendimento acerca da violência contra a mulher. Tendo em vista tal pretensão,
Paiva (2019) aponta a existência de seis tipos de pesquisas no modelo qualitativo de
investigação: pesquisa bibliográfica, estudo de caso, pesquisa-ação, pesquisa narrativa, teoria
fundamentada em dados e pesquisa etnográfica. Entretanto, neste trabalho nos atemos ao tipo
de pesquisa de estudo de caso, pois ele se configura no estudo particular de indivíduos, grupos
de indivíduos e leva em consideração seu contexto para interpretação e análise. Ressalta Paiva
(2019)

Estudo de caso é um tipo de pesquisa que investiga um caso particular


constituído de um indivíduo ou de um grupo de indivíduos em um contexto
específico. É um estudo naturalístico porque estuda um acontecimento em
um ambiente natural e não criado exclusivamente para a pesquisa. (Paiva,
2019, p. 65).

Por fim, a avaliação e análise do discurso da violência contra a mulher é realizada,


neste trabalho, através de um documentário que apresenta o uso de verbalizações e entrevistas
reais em ambientes naturais, possibilitando, assim, análises baseadas na perspectiva
Multidisciplinar, focando os atores sociais conforme são tratados pela ADC. Para isso, parte-
se da questão norteadora: Quais os aspectos críticos da linguagem existentes no discurso do
patriarcado e que se revelam como violência contra a mulher, materializados em discursos de
vítimas e de agressores desse ato? Desse modo, utiliza as concepções de representações dos
atores sociais e das interdiscursividades, o presente trabalho busca evidenciar o que desvela o
discurso de patriarcado materializado em discursos de vítimas e agressores.

2.3 Constituição do corpus

O documentário analisado tem o título Eles Matam Mulheres. Realizado e exibido


pela TV Cultura, disponível na plataforma Youtube a partir do ano de 2020. Em sua exibição
há relatos de mulheres e após os atos de agressão, áudios de mulheres que buscam ajuda
durante o instante das agressões, falas e relatos sobre os atos de discursos machistas

22
proferidos por homens, falas e relatos de homens que estão ou passaram por trabalho de
acompanhamento e reeducação psicossocial e análises de especialistas sobre essas falas.
Separamos três fragmentos de enunciados com intuito de abarcar as temáticas:
enunciados proferidos por mulheres durante a agressão; enunciados proferidos por mulheres
após agressão e seu posterior auxílio e acompanhamento psicossocial; enunciados proferidos
por homem com caráter machista; e, enunciado proferido por homem após reeducação e
acompanhamento psicossocial.

2.4 Considerações sobre documentário

No documentário Eles Matam Mulheres, há a exposição da história sobre a violência


contra as mulheres no decorrer de quarenta anos. Nele são expostos aspectos que acarretam a
realização de tal ato, medidas de punição contra os atos de agressão e medidas que buscam se
antecipar a agressão e resguardar a integridade das mulheres.
Não somente informativo, o documentário produzido mantém posicionamento crítico
acerca das questões que ele exibe, isso demonstra que, para além da perspectiva
informacional, o documentário busca ampliar o conhecimento dos modos de conscientização
e medidas de proteção contra as agressões, expor e deixar nítido o ato da agressão como um
fenômeno que ocorre na sociedade brasileira no decorrer de 40 anos, fazendo com que seu
caráter de fenômeno até então normal na sociedade ganhe críticas pela mesma sociedade e
passe a ser discutido por mais pessoas.

3. AS ANÁLISES

Nesse tópico, serão realizadas três análises com objetivo de materializar o arcabouço
teórico-metodológico exposto nos tópicos anteriores ao utilizar como tema o discurso sobre a
violência contra a mulher. Essa materialidade da análise se dá com ênfase numa crítica e
posicionamento que se expõem nitidamente no texto desenvolvido, pois é característica da
ADC um posicionamento claro acerca do discurso em análise, dando ao discurso o caráter
positivo, negativo ou passivo de seus caracteres que o constituem.
Para tal realização, as análises são tomadas a partir de fragmentos de discursos
proferidos no documentário Eles Matam Mulheres. Como decisão para escolha dos recortes
foi usada como critério de escolha a captação de discursos de sujeitos distintos e em posições
distintas acerca desse fenômeno que ocorre na sociedade. Foram escolhidos para análise: um

23
fragmento do discurso proferido por uma vítima do ato de agressão, um do perpetuador da
manutenção do discurso da violência contra a mulher, um sujeito em processo de reeducação
e um sujeito que profere discurso em favor da mulher.

3.1 Fragmento 1

O presente fragmento traz o relato de uma vítima sobre seus sentimentos e


percepções que surgiam de sua relação com um homem agressor. Ela indica também o modo
como captava e compreendia a situação no momento da agressão contra si.

Vítima: - Aquele sentimento do cuidado, do “cuidar de você” é um sentimento


ótimo que a gente sonha... E ele falou que nunca mais ia acontecer aquilo,
mandava flor, mandava presentes, manda joia, mandava um monte de coisas. Eu
até acreditei que ele tinha mudado mesmo, eu falei “o príncipe encantado da
minha vida”, só que aí é um período, e de repente você fala assim “nossa, o que
aconteceu com aquele homem?”. Então ele começa a virar aquele monstro, aí você
“fala nossa, aquele monstro... revelou”, aí tem a recaída de novo, que é a
agressão de novo, que aí você volta a se sentir um lixo novamente.
Entre o momento de video 00:08:14 00:08:54:

Em seu relato, é possível identificar a definição de papéis socialmente estipulados e


que a vítima internalizou consigo em trechos como “Aquele sentimento do cuidado, do
‘cuidar de você’ demonstra a compreensão por parte da vítima do modo de pensar dualístico e
opositivo, ou seja, há homem e mulher (seres opostos) e esses seres estão em polos
específicos da sociedade. Nessa perspectiva, o homem não é o companheiro, mas sim o
provedor de segurança, saúde, perpetuação da vida da mulher e abarca a responsabilidade de
entregar felicidade à mulher através do cuidado.
As relações entre homem e mulher passam a comumente serem compreendidas como
relação entre o possuidor e possuído, o protetor e protegido, o provedor e quem recebe o
provento, o dominador e dominado, o dono e o objetivo. Ou seja, formas opositivas alicerçam
e fazem a perpetuação de uma aparente “desigualdade biologicamente natural”, em que papéis
sociais estão pré-estabelecidos. Tal fato faz com que haja a assimilação pelo homem de que é
preciso fazer a manutenção do seu poder sobre a mulher e pela mulher há a assimilação de
que é natural “entregar-se” ao homem para receber “felicidade e plenitude” e o papel dele
aparentemente propiciará.
Essa assimilação da mulher como objeto é evidenciada pela manutenção da relação
através de objetos como forma de apaziguamento, como é expresso na fala da vítima “E ele

24
falou que nunca mais ia acontecer aquilo, mandava flor, mandava presentes, manda joia,
mandava um monte de coisas.” e desse modo, para a vítima, o homem se transforma em “o
príncipe encantado da minha vida”, ou seja, aquele que é por direito de nascimento o que
possui a propriedade, mas que trará a transformação (a mulher passa a ser a princesa) e trará a
paz e segurança (o príncipe trará segurança financeira, vida tranquila e sem riscos). Nesse
sentido, a mulher assume o papel de dominado ao reconhecer nos objetos sua própria
objetificação, e ao fazerem isso reafirmam essa percepção cognitiva do mundo.
É nessa indeterminação parcial dos objetos que a vítima passa a questionar a posição
masculina e relata “Então ele começa a virar aquele monstro, aí você “fala nossa, aquele
monstro...”, ou seja, há um antagonismo entre o esperado do homem como o príncipe bem
como todos seus elementos inconscientes que traz consigo, e os atos realizados por seu
agressor, que o transformam em “monstro”.
Das características textuais, é preciso enfatizar que essa representação de sujeito
dominador ganha importância no tipo de dominação psicológica imposta pelo agressor, pois
ele se vale da percepção cognitiva da vítima, expressa nos elementos “cuidado, sonho,
príncipe encantado”, para fazer a manutenção de suas imagens à vítima, dando espaços
temporais em que se apresenta como o ser socialmente esperado para a mulher e, após a
manutenção dessa imagem e o restabelecimento do vínculo afetivo positivo, volta a realizar as
agressões.
Contudo, é nessa percepção antagônica entre a representação dos sujeitos e a
realidade que reside a possibilidade de libertação da vítima, pois é o reconhecimento de que a
submissão plena não faz com que haja a exposição das características por ela esperada de seu
até então companheiro, abrindo a margem para o reconhecimento da vítima como autora da
própria vida e de que o papel da felicidade deve ser por ela imposto a sua própria vida,
antagonizando a percepção vigente da necessidade da procura por um príncipe encantado.

3.2 Fragmento 2

No ano de 1978, conforme indica o documentário Eles Matam Mulheres, há uma


entrevista realizada por uma repórter a Nelson Rodrigues, escritor, romancista, jornalista e
dramaturgo brasileiro. Durante a entrevista, o dramaturgo expõe pensamentos machistas e de
opressão contra as mulheres e utiliza do meio sociocultural numa tentativa de embasamento
de tais pensamentos.

25
1- (Repórter) -Nelson Rodrigues, uma frase muito conhecida do senhor é que todas as
mulheres gostam de apanhar, aliás, só as normais, como o senhor diz. Bom, eu não
concordo, eu já apanhei e não gostei.
2- (Nelson Rodrigues) - Se apanhou e não gostou é neurótica.
3- (Repórter) - Eu, como defensora da mulher brasileira, pergunto ao senhor: o
senhor acha que nós mulheres, aqui no Brasil, já estamos, vamos dizer,
equiparadas com os homens? Já acabou o machismo brasileiro?
4- (Nelson Rodrigues) - Desde o paraíso e antes do paraíso, 40 anos antes do nada, a
mulher já gostava de apanhar. O homem já batia, ouviu? Durante e através das
encarnações, sucessivas e sucessivas, até os nossos dias, gosta.
Entre o momento de video 00:20:35 e 00:21:19

No decorrer do trecho 1 do fragmento, proferido pela repórter e que é atribuído a


Nelson Rodrigues, há elementos gramaticais que buscam generalizar “aquelas que gostam de
apanhar”.
Tais elementos são concretizados ao utilizar o pronome todas. Isso ocorre com
intuito de transformar o ato de agressão como natural na vivência das mulheres e isso faz com
que o ato seja percebido como menos relevante, pois passa a ter caráter de prática social
hegemônica e faz com que a ideologia da ideia de dominação da mulher pelo homem seja
perpetuada.
Como recurso de persuasão, há o uso do fenômeno sintático Elipse. Isso ocorre pelo
fato de que a elipse evocará elementos discursivos que estão subentendidos no enunciado.
Como características desse fenômeno é dito que “[...] Chama-se elipse a omissão de um termo
facilmente subentendido por faltar onde normalmente aparece, ou por ter sido anteriormente
enunciado ou sugerido, ou ainda por ser depreendido pela situação, ou contexto. [...]”
(Bechara, 2009, p. 592)
E é na capacidade de depreender o que está subentendido no enunciado através da
situação e/ou contexto que a elipse é utilizada para proferir aqui o discurso que favorece a
agressão contra a mulher. Isso ocorre por conta do contexto e situação de comunicação
estarem imersos em ideologias que formam a sociedade brasileira e que propagam tal ideal de
dominação da mulher pelo homem e, ao exigir do locutário da mensagem que depreenda o
que foi dito através que ferramentas de retomadas de sua própria compreensão de mundo e,
estando tal compreensão de mundo imersa numa perspectiva de uma sociedade machista, há a
percepção da ocorrência da violência e submissão da mulher em diversos âmbitos na
sociedade, o que é utilizado para estimular que o discurso proferido seja recebido como algo
que ocorre constantemente e de modo natural pelo locutário, mesmo que este locutário
discorde.

26
O recurso aparece no trecho do item 1 “[...] todas as mulheres gostam de apanhar,
aliás, só as normais[...]”. No trecho mencionado e grifado, há distinção das mulheres em dois
grupos através do recurso de categorização das mulheres "normais", ou seja, aquelas com
capacidades mentais e físicas plenas, e um outro grupo que não é expresso gramaticalmente,
mas que é depreendido do contexto do enunciado, que é o grupo das mulheres “anormais”,
compreendendo as mulheres que não gostam de apanhar e que também têm suas capacidades
físicas e/ou mentais fora de uma normalidade perpetuada pela ideologia do discurso
hegemônico. Ou seja, o uso da categorização não busca a formação de um discurso lógico que
ampare o que é dito, mas sim que haja a retomada no subconsciente do locutário de discursos
que ele já tenha sido apresentado com a mesma categorização e, assim, seja realizada a
formação de uma percepção de normalidade através da sua recorrência e exposição dentro da
sociedade.
No trecho 2 o enunciado, agora proferido pelo próprio Nelson Rodrigues, utiliza-se
de um elemento linguístico de cunho negativo que é o termo neurótica para associá-lo com a
repórter e, desse modo, invalidar o fato expresso por ela de já ter passado por situação de
agressão e não ter gostado, pois a associa com alguém que sofre de problemas psíquicos.
Outra característica evidente não somente no trecho 2, como também em todo este
fragmento, é de que há uma associação dissimulada entre a agressão e dominação do homem
contra a mulher junto com um caráter sexual.
O fato que melhor evidencia essa percepção no trecho 2 do fragmento é o da
utilização do verbo gostar, cujo significado se atrela com questões positivas de achar
agradável algo ou o de sentir prazer em/com alguma coisa com o termo suprimido “apanhar”.
O seu uso no enunciado “Se não gostou (de apanhar) é neurótica” constrói e
correlaciona características de mulher anteriormente tida como normal que, para Nelson
Rodrigues, será aquela mulher que sente prazer físico na agressão e, sentindo prazer nessa
agressão, a mulher também não será neurótica, ou seja, terá suas faculdades mentais plenas
por sentir prazer através da agressão. Mas não apenas é criada nesse discurso a personificação
da mulher normal, mas também a personificação de uma mulher anormal, associada à
negatividade e neuroses, que é “a mulher que não gosta de apanhar”, fazendo com que haja a
coerção de toda opinião feminina que se oponha a esse discurso de normalidade da agressão
contra a mulher.
No trecho 4 do fragmento, é realizada a associação de elementos religiosos e de
transcendência que vão para além do material e cognoscível: “Desde o paraíso e antes do
paraíso, 40 anos antes do nada, a mulher já gostava de apanhar. O homem já batia, ouviu?

27
Durante e através das encarnações, sucessivas e sucessivas, até os nossos dias, gosta.”. Os
elementos religiosos invocados são os termos paraíso e encarnações, sendo que paraíso é
atrelado com a percepção de uma consciência judaico-cristã que há no Brasil que remonta a
história bíblica do Jardim do Éden e a criação do homem e da mulher que nela é exposta.
Essa utilização de elementos religiosos é intertextual, pois se utiliza de terminologias
constantes da história bíblica como paraíso e “antes do nada”. Também é interdiscursiva, pois
utiliza o discurso bíblico da criação do homem nos primórdios da terra como ser pleno e
imutável, já que surgiu, homem e mulher, plenos em seu físico e mente como é dito em
Gênesis 1:27: “E criou Deus o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou; homem e
mulher os criou.”. Ou seja, ao retomar o texto bíblico, a intenção do locutor é associar
imagens consideradas simbólicas, sagradas e imutáveis com uma maneira de ser e agir
naturalizado do feminino e da aceitação da agressão como forma de prazer e utilizar o
discurso religioso para subverter a mente de quem é contrário a esse discurso e firmar que,
caso alguém seja contra o discurso de que mulher gosta de apanhar (ser agredida), esse
alguém também vai de encontro a uma das religiões predominantes e que formulou a
sociedade brasileira.
Numa perspectiva das representações dos atores sociais, as maneiras pelas quais
podemos analisar os elementos deste fragmento, segundo Fairclough (2003 apud Bessa e Sato
(2018), pode ser baseando-se na análise da inclusão ou exclusão; do uso de pronome ou
nome; da função gramatical; e do elemento ativo ou passivo.
Ao dar continuidade com a análise e focalizar tais elementos, é possível evidenciar
que temos no fragmento a existência de inclusão e exclusão do feminino simultaneamente na
fala de Nelson Rodrigues. A inclusão ocorre por meio da generalização da mulher, ou seja,
como ser genérico e incluído a um grupo no qual é possível atribuir o elemento de neurose
caso não esteja no padrão por ele mencionado. A exclusão ocorre, simultaneamente com a
inclusão, através da negação por meio do não-uso de elementos textuais que indiquem a
individualidade da mulher, no fragmento 2 em resposta a eu já apanhei e não gostei é dito que
Se (você) apanhou e não gostou é neurótica não é utilizado o pronome “você”, numa busca
por excluir o conceito de indivíduo da repórter para manter e reforçar a generalização do
machismo.
Aqui o uso ou não do pronome é aprofundado e os elementos que referenciam a
repórter deixam de ser aqueles que a caracterizam como indivíduo imbuído de desejos e
personalidade individuais e Nelson Rodrigues opta por excluir de sua fala os pronomes ou
nome e se utiliza do termo mulher, seja ele presente visualmente como em Desde o paraíso e

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antes do paraíso, 40 anos antes do nada, a mulher já gostava de apanhar, seja como
elemento em subentendido no fragmento 2, no qual o ouvinte pode particularizar e
subentender Se (você) apanhou e não gostou é neurótica, como pode generalizar a oração e
concebê-la do seguinte modo: Se (a mulher) apanhou e não gostou é neurótica, ou seja,
subentender um termo que generaliza o conceito de que toda mulher seria neurótica (atípica).
Sobre a função gramatical, podemos indicar que o uso do substantivo mulher no
lugar de pronomes ou o nome da repórter busca impor sobre a mulher um viés de passividade
no meio social. Ou seja, a generalização tem em vista o pré-conceito de que toda mulher tem
tal característica e, por conta disso, colocar a mulher numa perspectiva passiva na sociedade,
na qual ela não poderia ser agente (agir) no meio social por ter características inerentes ao seu
ser.
Sobre a interdiscursividade, o uso de elementos religiosos visa a manutenção e
mantenimento do estado social vigente, pois tais elementos, além de entranhados na
sociedade, resgatam discursos proferidos em sociedades patriarcais anteriores. Como apontam
Bessa e Sato (2018):

Diferentes discursos estão relacionados, por exemplo, a diferentes posições


de pessoas no mundo e a diferentes formas de relações entre pessoas. Dessa
forma, disputas por poder, dominação, competição, cooperação, desejo de
mudança são recursos discursivos socialmente diferenciados. (Bessa; Sato,
2018, p. 153)

Sendo assim, é possível concluir que, acerca das representações dos atores sociais, há
no fragmento a busca pela generalização do que é ser mulher na sociedade, além disso, a
remoção do direito de a mulher ser um ser socialmente ativo na sociedade ao evitar a
individualização de suas características através da constante generalização, conforme
demonstrou nossa análise.
Ademais, a interdiscursividade se realiza na relação de identificação do texto em
análise com os demais textos sociais, com o que se revela, por meio do discurso empregado
por Nelson Rodrigues que é o discurso da mulher como ser passivo e indefeso que deve estar
sujeito ao homem, ou seja, o de que mulher gosta de apanhar; é neurótica (psicologicamente
incapaz); e que mulher foi feita para ser submissa (antes do nada ela já gostava de apanhar).

3.3 Fragmento 3

29
Neste fragmento, há a apresentação de dois homens em processo de ressocialização,
pois foram agressores de suas parceiras. Verificamos aqui em seus discursos nuances que
indicam alterações do discurso machista em comparação às falas do fragmento 2 deste artigo
(com caráter exclusivamente machista).

(Homem em processo de ressocialização1)


- Hoje eu reconheço que a culpa foi dos dois, tanto minha quanto
dela. No meu ato de ser um pouco machista, de ser um cara que... tipo assim,
gostaria de ter ela sempre em casa cuidando dos filhos, eu e ela tivemos
parcelas de culpa para que o relacionamento chegasse no ponto que chegou.
(Homem em processo de ressocialização 2)
- Criação que você veio lá atrás, de não aceitar que a outra pessoa
possa crescer profissionalmente, possa se igualar só por ser mulher.
Entre o momento de video 00:23:32 e 00:25:00

À primeira fala, temos uma construção de enunciado baseada na terceira pessoa do


plural (nós). Seu uso é comum na indicação de sujeitos que compartilham algum dado exposto
na oração, contudo, aqui a terceira pessoa do plural é utilizada para atenuar o ato realizado
pelo entrevistado e isso é constatado no trecho “...reconheço que a culpa foi dos dois, tanto
minha quanto dela.”. Essa consideração de análise se baseia na fala que segue, na qual é dito
“No meu ato de ser um pouco machista, de ser um cara que...”, percebe-se que neste
momento não há a indicação do ato feminino que culminou ou instigou o ato de agressão. Ou
seja, o entrevistado tem dificuldade de personificar para si a figura de agressor e, para que tal
figura seja amenizada, ele utiliza o recurso linguístico da terceira pessoa do plural para fazer
com que o interlocutor receba a informação de modo menos impactante em relação ao seu
carácter (de agressor).
Ao fazermos paralelo com o conceito de ideologia e poder no discurso, verificamos
que a hegemonia e poder que são perpetuados de modo normalmente semiconsciente na
sociedade passa a ter variações e relutância de quem o proferirá quando se insere tal discurso
às indagações e questionamentos sobre eles.
No segundo momento, o primeiro fragmento apresenta a seguinte fala “gostaria de
ter ela sempre em casa cuidando dos filhos”, e nisso é perceptível que um dos motivos das
agressões é a divergência entre um discurso machista e que indica a mulher como
propriedade, no qual o lugar feminino na sociedade (“ficar em casa, cuidar da casa e dos
filhos”) e a realidade das necessidades da mulher não apenas como mulher, e sim como ser
humano dotado de desejos e necessidades e inter-relacionamentos.

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Em relação ao segundo trecho do fragmento, é possível notar que as questões
machistas que atingem esse homem diferem daquelas apresentadas no primeiro trecho.
Enquanto o primeiro indica o sentimento de posse em sua fala e tenta diminuir sua
culpabilidade ao trazer para a companheira a responsabilidade da agressão, esse segundo
entrevistado indica os papéis sociais do homem como provedor da casa à vista da sociedade
como importante ao indicar que o homem não pode “não aceitar que a outra pessoa possa
crescer profissionalmente, possa se igualar só por ser mulher”.
O segundo entrevistado demonstra ter conhecimento ao menos básico dos aparatos
ideológicos que são perpetuados no meio social e que ocasionam a minimização e
objetificação da mulher ao falar que a “Criação que você veio lá atrás”, ou seja, o modo que
foi criado e que aprendeu acerca das responsabilidades e papéis sociais masculinos e
femininos impediam-no de aceitar a mulher e seus possíveis desejos de crescer
economicamente.
Nesse sentido, há em sua fala fenômeno da violência patrimonial, que se baseia na
inferiorização da mulher na sociedade através do cerceamento de seu desenvolvimento e
autonomia econômica que se apresenta diacronicamente na sociedade brasileira.
Tendo em vista a compreensão da importância que há em tornar visível a necessidade
de a sociedade como um todo compreender e combater a violência patrimonial, é necessário
perceber que os moldes sociais permanecem voltados ao patriarcado, buscando continuamente
tornar comum o cerceamento do empoderamento patrimonial feminino ao, por exemplo,
distinguir profissões e práticas sociais como ofícios “inerentemente masculinos”, gerando
relatos masculinos que indicam que seu machismo provém não apenas de um sentimento de
ciúmes, mas também da perpetuação da noção da mulher como alguém economicamente
inferior e objetificada. Sobre o cerceamento profissional da mulher, Guimarães, em texto que
se volta à atividade referente ao Direito, e que aqui ampliamos às demais áreas profissionais,
indica que

O mister de advogado parecia facultado apenas aos homens, já que era


qualificado como “ofício viril” pelo Direito Romano. Além disso, na época,
uma mulher que se apresentava num local de sociabilidade inentemente
masculino, como a faculdade de Direito, por si só, já servia de motivo para
escândalo. Ainda mais no caso de Myrthes, a primeira que ousou cometer
tamanha transgressão na antiga capital da República. Sem dúvida, ela deve
ter encarado toda a sorte de preconceitos. Porém, perseverante e aplicada,
conseguiu conquistar o respeito dos colegas do sexo oposto. Bacharelou-se
em Ciências Jurídicas e Sociais, em 1898. (Guimarães, 2012, apud Moura et
al., 2018, p. 164).

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Dado o exposto, é possível verificar que há uma recorrente manutenção da violência
aqui tratada através do modelo social que, baseando-se num molde patriarcal, perpetua o
contexto de inferiorização feminina através da indicação da “incapacidade da mulher” em
atuar em âmbitos profissionais específicos e o reforço da necessidade de uma espécie de tutela
masculina em relação à mulher.

Considerações Finais

Este trabalho fundamentou-se na ADC para realizar a análise de uma problemática


social que é o discurso da violência contra a mulher, o objetivo aqui expresso é o de
demonstrar, através da ADC e suas categorias de análise, tais quais: representação dos atores
sociais e interdiscursividades, os elementos que embasam a perspectiva da existência de um
discurso que perpetua a violência contra a mulher.
Ao longo do trabalho, buscou-se responder a questão norteadora desta pesquisa:
Quais aspectos críticos da linguagem existem no discurso do patriarcado que se revelam como
violência contra a mulher, materializados em discursos de vítimas e de agressores desse ato?
Sendo assim, obtiveram-se respostas, quais sejam: expressões linguísticas que materializam o
discurso patriarcal, por meio de recorrência da instauração do poder que se apresenta com teor
hegemônico, naturalizado e dominante. Esse aspecto do poder, observado pelo campo de
estudos da ADC, a exemplo do discurso de Nelson Rodrigues (vide 3.2 fragmento 2), no qual
se pode notar a busca por afirmações norteadas por uma cultura machista que busca sua
reafirmação como verdade através de outras instituições socialmente estabelecidas, como o
discurso religioso.
Outro importante aspecto observado é a análise social que a ADC requer,
apresentando-se a característica do conceito de feminino nos fragmentos de discurso
analisados que se volta a impor um papel de submissão às mulheres, no qual, posiciona-as
como seres objetificados e aptos a receber orientações, demandas e desejos sem levar em
consideração os próprios desejos. Isso se tornou evidente quando, no fragmento 2, a repórter
afirma “não gostar de apanhar” e, a despeito de sua afirmação e desejo, Nelson Rodrigues
reafirma seu discurso de agressão contra a mulher.
Um terceiro aspecto da ADC analisado foi a multidisciplinaridade, e para além de
aspectos gramaticais, pode-se notar, no fragmento 1, em uma perspectiva literária, a retomada
de histórias relacionadas comumente aos contos de fada, em que, conforme a vítima, há a

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busca pelo príncipe encantado. Nessa perspectiva, podemos observar que o príncipe
encantado tem papel de domínio sobre a mulher e surge para sanar problemáticas na vida
feminina, seja financeira ou física. Em tais contos, o homem surge como via de liberdade e tal
discurso pode ser visto impregnado na percepção de mundo do discurso analisado da vítima.
Diante disso, percebe-se que os aspectos críticos da linguagem estão presentes nos
discursos materializados em fragmentos que foram analisados de uma mulher vítima de
agressão, de um homem escritor que foi entrevistado e de dois agressores em processo de
reabilitação, por meio desses três exemplares considerando a natureza desse trabalho, obteve-
se a resposta da pergunta que motivou a presente pesquisa. Assim, por meio das categorias de
análise escolhidas, representações dos atores sociais e das interdiscursividades constituídas e
dos conceitos críticos como poder e hegemonia, conseguiu-se evidenciar os aspectos críticos
da linguagem pesquisados.
Ao analisar fragmentos do documentário intitulado “Eles Matam Mulheres”, pode-se
verificar de maneira fundamentada em autores como Fairclough (2001), Batista Jr., Sato e
Melo (2018), Resende e Ramalho (2014), não apenas a existência de um discurso machista e
de violência contra a mulher, mas o modo como tal discurso opera, quais os papéis como
atores sociais que são impostos sobre as mulheres e o modo que tal discurso dialoga com
outros textos, discursos e elementos sociais existentes.
A ADC proporciona a investigação do modo como a realidade é construída e o modo
como os discursos dialogam entre si para que haja a manutenção dessa realidade, pois “as
visões particulares de mundo, internalizadas em gêneros, discursos e estilos, não apenas
representam a realidade, mas também contribuem para criar a realidade que se noticia
(Bourdieu, 2003, p. 14, apud Resende; Ramalho, 2006, p. 113).
Sendo assim, o presente trabalho evidenciou não somente elementos linguístico-
discursivos, numa perspectiva crítica que originam representações sociais pré-estabelecidas,
fazendo-se o uso da interdiscursividade articuladas às esferas sociais, mas também a violência
contra a mulher como um fato social presente e materializado em discursos hegemônicos
quase que plenamente legitimados pela sociedade, desmonstrado, por fim, a capacidade da
ADC ser utilizada em escolas como ferramenta para instigar o alunado a superar
problemáticas sociais.

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