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3 (2021)
Revista da Pós-Graduação em Letras – UNIANDRADE
Curitiba, Paraná, Brasil
AS MULTIFACES DA CRÍTICA
NUNES, Gabriela Ribeiro. As multifaces da crítica. Scripta Uniandrade, v. 19, n. 3 (2021), p. 291-
308.
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Data de edição: 11 dez. 2021
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Scripta Uniandrade, v. 19, n. 3 (2021)
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CRITICISM’S MULTIFACETEDNESS
ABSTRACT: Literary criticism, highly regulated in the ancient world, underwent a major
upheaval when Kant removed the foundation that governed it with the publication of
his book, Critique of Judgment (1790). Starting Critical Modernity, the gap left by the
philosopher of a foundation for aesthetic judgment resulted in different responses,
searching for new criticism regulations. Among them, this article intends to deal with
three: the biographical/historicist, the hermeneutic and the formalist/organicist. We
also propose to briefly develop the impressionist criticism practiced by Anatole France,
which became viable after the Kantian deregulation. So, it will be possible to observe
how criticism is multifaceted, allowing different value judgments of an aesthetic object,
depending on the conception adopted.
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Em grego, krités significa “juiz”, krineín, “julgar”. O termo kritikós, como “juiz de
literatura”, já aparece em fins do século quarto antes de Cristo. Filitas da ilha de
Cós, que chegou a Alexandria em 305 antes de Cristo para ser professor do futuro
Rei Ptolomeu II, era chamado “poeta e crítico ao mesmo tempo”. A escola de
“críticos” de Pérgamo, dirigida por Crates, fez questão de mostrar que era diferente
da escola de “gramáticos”, dirigida por Aristarco, em Alexandria. Sabemos que
Galeno, no segundo século depois de Cristo, escreveu um tratado, hoje perdido, a
respeito da questão de poder alguém ser kritikós e, ao mesmo tempo, gramatikós.
Mas ao que parece a distinção desapareceu e o termo kritikós caiu em desuso.
Criticus parece ser raro no latim clássico, embora possa ser encontrado em Cícero
e foi usado a respeito de Longino por Hierão, nas suas Epístolas. Criticus era termo
mais elevado que grammaticus, mas evidentemente o criticus interessava-se
também pela interpretação de textos e palavras. Retóricos como Quintiliano e, sem
dúvida, filósofos como Aristóteles cultivavam o que em vernáculo seria hoje
chamado de crítica literária. (WELLEK, 1963, p. 30)
exposición de la analogía; sexta, crítica de los poemas, que es la parte más bella de
todas de la gramática.
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— Como também, continuei, não deve ser dito, em absoluto, que os deuses
declaram guerra a outros deuses, armam ciladas uns para os outros e se
combatem entre si, o que, aliás, não é verdade, caso nos empenhemos em que
os futuros guardas de nosso burgo considerem desonroso criar inimizades
recíprocas por motivos fúteis. Muito menos devemos falar-lhes em batalhas de
gigantes ou apresentá-las em pinturas, nem nas brigas de toda espécie dos
deuses e dos heróis contra seus parentes e familiares. O contrário disso é que
será preciso fazer, se quisermos convencê-los, de fato, de que nunca, até ao
presente, houve inimizade entre os cidadãos, o que constituiria impiedade. Isso,
sim, é o que desde cedo velhos e velhas deverão dizer às crianças; e quando estas
se tornarem grandes, não deverão os poetas fazer para todas suas composições
senão de acordo com tais princípios. Hera, posta a ferros por seu próprio filho, e
Hefesto, precipitado pelo pai, por ter querido defender a mãe quando esta
apanhava daquele, e bem assim todas as batalhas entre os deuses imaginadas
por Homero, é o que será terminantemente proibido contar em nossa cidade,
quer encerrem, quer não encerrem sentido alegórico. Os moços não têm
capacidade para decidir sobre a presença ou ausência de ideias ocultas; as
impressões recebidas nessa idade são indeléveis e dificilmente erradicáveis. Por
isso mesmo, importa, antes de mais nada, que as primeiras criações mitológicas
por eles ouvidas sejam compostas com vistas à moralidade. (PLATÃO, 2014, p.
645-646)
Platão fez uma série de prescrições no decorrer dos livros II, III e X sobre
o que seria ou não aceitável nas composições épicas, dramáticas e líricas,
utilizando os exemplos de Homero, Hesíodo, Ésquilo etc. Em diversos
momentos, se aproxima de uma concepção da crítica como censura, assim como
viam os latinos (criticus), pois em diferentes trechos recomenda o apagamento
de certos fragmentos homéricos, como em: “Pediremos a Homero e aos demais
poetas que não nos levem a mal riscarmos todas essas passagens e outras do
mesmo tipo [coisas do inferno como algo negativo]” (2014, p. 654) ou
“Precisamos, outrossim, rejeitar todos esses nomes terríveis e apavorantes:
Cocito, Estige, espectros, aparições e outras denominações do mesmo tipo [...]”
(PLATÃO, 2014, p. 655, grifo do autor) ou “Como eliminaremos, também, as
queixas e lamentações dos varões famosos” (PLATÃO, 2014, p. 655).
É importante salientar que ainda que n’A República o filósofo não
apresentasse a personagem Sócrates como uma espécie de crítico (isso pode ser
pensado apenas anacronicamente), o que está sendo feito é um juízo de valor
partindo-se de poemas de poetas consagrados da época. Inclusive, nesses
diálogos, Platão já estabelece alguns regulamentos de como deve ser o modelo
da boa poesia, aquela a ser seguida:
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Homero mostrou qual o ritmo apropriado à narração dos feitos dos reis e capitães
nas guerras funestas. Em dísticos de versos desiguais encerrou-se de início a
endecha; mais tarde, também a satisfação dum voto atendido. Mas quem seria
o inventor da curta estrofe elegíaca? Discutem-no os filólogos e o processo ainda
se encontra nas mãos do juiz. A cólera armou a Arquíloco [Arquíloco de Paros,
admirado e imitado por Horácio] de jambos todo seus; esse pé adequado ao
diálogo, que sobrepuja a zoada do público e nasceu para a ação, perfilharam-no
os socos e os imponentes coturnos [socos, calçado próprio da comédia; coturno,
da tragédia]. A Musa conferiu à lira o privilégio de celebrar os deuses, os filhos
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Cada obra de um autor, vista, examinada desse modo, no seu contexto, após a
recolocarmos na sua moldura e a cercarmos de todas as circunstâncias que a
viram nascer, adquire todo o seu sentido – seu sentido histórico, seu sentido
literário –, retoma seu justo grau de originalidade, de novidade ou de imitação,
e não se corre o risco, ao julgá-la, de inventar falsas belezas e de admirar à
distância, como é inevitável quando nos apoiamos na pura retórica. (SAINTE-
BEUVE, 2011, p. 524)
Taine foi outro crítico que importou os métodos das ciências naturais
para a sua crítica, tendo como base o trabalho já efetuado por Sainte-Beuve.
Entretanto, para Taine era necessário partir do método de seu conterrâneo para
depois superá-lo, provocando uma “evolução ulterior” (TAINE, 2011, p. 532). De
fato, há diferenças consideráveis na metodologia utilizada por ambos. De acordo
com Hennequin, o método de Taine:
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Desde a origem até o atual estado, a crítica das obras d’arte manifesta em seu
desenvolvimento duas tendências divergentes, cujo antagonismo hoje podemos
verificar. Convém que não confundamos trabalhos tão diferentes como a crônica
dum jornal acerca do livro que acaba de sair a lume, as notas biográficas duma
revista, os folhetins que dão a resenha do Salon ou das peças teatrais
representadas durante a semana com alguns estudos como os de Taine, um
trecho de Rood acerca da pintura, as investigações de Posnett acerca da
literatura do clã, de Parker acerca da origem dos sentimentos que a certas cores
associamos, de Reuton e de Bain acerca das formas do estilo. Ao passo que os
escritos da primeira série se consagram, na realidade, a criticarem, a
apreciarem, a pronunciarem-se categoricamente acerca do valor desta ou
daquela obra, livro, drama, quadro ou sinfonia, os da segunda, como é sabido,
procuram outro objetivo, tendem para deduzir dos caracteres particulares da
obra alguns princípios de estética, ou a existência de determinado mecanismo
cerebral no autor, ou ainda uma condição definida do conjunto social em que se
formou, explicando por leis orgânicas ou históricas as emoções que suscita e as
ideias que exprime. Nada há menos semelhante que a análise dum poema no
intuito de o achar bom ou mau, tarefa quase judicial e comunicação confidencial
que se resume em muitas perífrases, em dar sentenças e confessar preferências,
e a análise desse mesmo poema com o intuito de encontrar indicações estéticas,
psicológicas e sociológicas, trabalho de ciência pura, em que o autor se dedica a
extrair causas dos fatos, leis dos fenômenos, estudando tudo sem parcialidade
e sem predileções. (HENNEQUIN, 1910 [1988], p. 5)
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A CRÍTICA FORMALISTA/ORGANICISTA
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Julgar um poema é como julgar um pudim ou uma máquina. Exige-se que ele
funcione. Só inferimos a intenção do artesão porque seu produto funciona. “Um
poema não deve significar, mas ser.” [...] A poesia triunfa porque tudo ou quase
tudo que nela se diz ou se encontra implícito é relevante; o que não importa foi
excluído, como os caroços de um pudim ou os enguiços de uma máquina. A este
respeito, a poesia difere das mensagens práticas, que são bem-sucedidas se e
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A fluência rítmica, aí, é mesmo voluptuosa. Nada podia ser mais melodioso. O
poema sempre me impressionou de maneira notável. A intensa melancolia que
parece emergir à força até a superfície de todo o dizer alegre do poeta acerca de
seu túmulo faz-nos estremecer no fundo da alma, ao mesmo tempo que esse
estremecimento encerra a mais verdadeira elevação poética. A impressão
deixada é a de uma agradável tristeza. (POE, 2011, p. 417)
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idiossincrático, não uma parte da obra enquanto fato linguístico [...]. (WIMSATT;
BEARDSLEY, 2002, p. 647)
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