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AI Handbook:

um guia para
profissionais
in house
Apresentação O uso de sistemas de inteligência artificial
(IA) está se tornando cada vez mais comum
em atividades do dia a dia de organizações,
como, por exemplo, para criação ou
revisão de textos e apresentações,
gestão de documentos, personalização
de produtos e serviços, atendimento ao
cliente etc. Diante desse cenário, o ano
de 2023 foi marcado por debates sobre
regulação, riscos e governança de IA, o que,
consequentemente, impacta a atuação
dos profissionais in house responsáveis por
lidar com temas de mitigação de riscos em
suas empresas.

O desenvolvimento e a implementação de
sistemas que se utilizam de IA em rotinas
internas trazem benefícios e ganhos em
eficiência em níveis sem precedentes.
Nesse sentido, quanto maior for a adoção
dessa tecnologia pelas mais diversas áreas
da organização, mais intensos serão os
debates sobre os riscos.

Para auxiliar profissionais in house a


enfrentarem esses desafios, preparamos
este Handbook.

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Sumário
Apresentação
1. O que é inteligência artificial?
2. Como a IA pode ajudar no seu dia a dia?
3. Quais são os principais debates jurídicos no momento?
Regulação
Privacidade e Proteção de Dados
Propriedade Intelectual
Responsabilidade Civil
Direito do Trabalho e Proteção dos Trabalhadores

4. O que acompanhar no âmbito regulatório?


Brasil
União Europeia
Estados Unidos
China
Canadá

5. O que acompanhar no âmbito judicial?


6. O que acompanhar no mercado?
7. Como iniciar a governança de IA em sua organização?
A abordagem de PVA
8. O que pode ser priorizado neste momento?
Guias para as áreas de negócio e suporte
Conscientização
Adequações contratuais e gestão de terceiros
Inclusão do tema de IA em mecanismos já existentes
Criação de comitê interdisciplinar de ética em IA

9. Como PVA pode ajudar?


10. Como se manter em dia com as novidades?
Saiba mais

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1.
O que é
inteligência
artificial?

O termo inteligência artificial (IA) foi apre- Em primeiro lugar, uma importante distinção
sentado pela primeira vez em 1956 na con- é a compreensão dos termos “inteligência ar-
ferência Dartmouth Summer Research Pro- tificial” e “sistemas de inteligência artificial”.
ject on Artificial Intelligence, para descrever O primeiro refere-se a uma área de estudo,
a ciência e a engenharia de fazer máquinas composta por subcampos que incluem, por
inteligentes. Apesar de a expressão ter sido
cunhada há tanto tempo, atualmente, não
há um consenso sobre um conceito para sis- Quando falamos de um sistema de IA,
temas de IA. a definição mais recente publicada pela
Organização para a Cooperação e o De-
Evidentemente, desde que a expressão foi senvolvimento Econômico (OCDE) es-
tabelece que se trata de um “sistema
utilizada pela primeira vez, houve uma no-
baseado em máquina que, para obje-
tável evolução nesse campo, de modo que
tivos explícitos ou implícitos, infere,
sistemas de IA passaram a criar padrões e a partir da entrada que recebe, como
conhecimentos, bem como gerar modelos gerar resultados, a exemplo de pre-
que podem ser usados para previsões efica- visões, conteúdo, recomendações ou
zes sobre os dados, com capacidade definir decisões que podem influenciar am-
ou modificar regras de tomada de decisão bientes físicos ou virtuais. Diferentes
de forma autônoma. sistemas de IA variam em seus níveis
de autonomia e adaptabilidade após a
implantação”.
Nesse contexto, é essencial explorar as defini-
ções para os termos em debate, uma vez que,
a partir do conceito adotado, os limites de
aplicação de normas previstas em legislações exemplo, linguagem natural, aprendizagem
nacionais e regras de governança criadas por de máquinas, redes neurais e robótica. Por
instrumentos privados ou guias orientativos sua vez, o segundo termo faz referência es-
em âmbito global serão delimitados, criando- pecífica aos sistemas que utilizam as aborda-
-se uma verdadeira moldura normativa. gens técnicas de inteligência artificial.

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A definição da OCDE é particularmente rele- de voz que se adaptam à voz do usuário.
vante porque serve para moldar e influenciar
legislações mundo afora, como já aconteceu No Brasil, o Projeto de Lei nº 2.338, de 2023,
no caso da União Europeia com o AI Act. Se- que é a proposta legislativa com tramitação
gundo essa definição, os objetivos de um sis- mais adiantada no Congresso, apresenta con-
tema de IA podem ser explícitos, por exem- ceito que se aproxima da definição adotada
plo, quando são diretamente programados pela OCDE, estabelecendo que um sistema
por um humano, ou implícitos, por exemplo, de IA é um “sistema computacional, com
quando o sistema é capaz de aprender novos graus diferentes de autonomia, desenhado
objetivos autonomamente, como é o caso de para inferir como atingir um dado conjunto
carros autônomos e large language models. de objetivos, utilizando abordagens baseadas
Além disso, o trecho “inferir, a partir da entra- em aprendizagem de máquina e/ou lógica e
da que recebe” ressalta a função dos inputs representação do conhecimento, por meio de
(regras e dados), que podem ser fornecidos dados de entrada provenientes de máquinas
por humanos ou máquinas, durante o funcio- ou humanos, com o objetivo de produzir pre-
namento de sistemas de IA. Por fim, vale res- visões, recomendações ou decisões que pos-
saltar o trecho “adaptabilidade após a implan- sam influenciar o ambiente virtual ou real”.
tação”, que reflete que alguns sistemas de IA
podem continuar a evoluir após seu projeto Além disso, o Projeto de Lei nº 2.338/2023
e implantação, por exemplo, sistemas de re- apresenta as figuras dos agentes de inteli-
comendação que se adaptam às preferências gência artificial, isto é, fornecedores e ope-
individuais ou sistemas de reconhecimento radores de sistemas de IA:

Fornecedor Operador
Pessoa natural ou jurídica, de natureza pública Pessoa natural ou jurídica, de natureza pú-
ou privada, que desenvolve um sistema de IA, blica ou privada, que emprega ou utiliza,
diretamente ou por encomenda, para colocação em seu nome ou benefício, sistema de IA,
no mercado ou aplicação em serviço por ele for- excetuada atividade pessoal de caráter não
necido, sob seu próprio nome ou marca, a título profissional.
oneroso ou gratuito.

Fora do âmbito regulatório, cabe ressaltar algoritmos de aprendizado de máquina que


que o framework desenvolvido pela BSA – podem analisar grandes volumes de dados
The Software Alliance (BSA, 2021) define “in- de treinamento para identificar correlações,
teligência artificial” como sistemas que usam padrões e outros metadados que podem ser

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usados desenvolver um modelo que possa humano. Evidentemente, constante evolução
fazer previsões ou recomendações baseadas dos sistemas de IA contribui para essa dificul-
em futuras entradas de dados. dade na formulação de uma definição unifi-
cada, gerando não apenas desafios teóricos,
Por sua vez, o NIST AI Risk Management Fra- mas também problemas de ordem prática,
mework (AI RMF), desenvolvido pelo Natio- como a compreensão escopo de aplicabilida-
nal Institute of Standards and Technology de de eventuais regulamentações.
(NIST), ligado ao Departamento de Comér-
cio dos Estados Unidos, define “sistema de
inteligência artificial” como um sistema de
engenharia ou baseado em máquina que
pode, para um determinado conjunto de
Diante desse cenário, sem
objetivos, gerar resultados como previsões,
menosprezar a relevância
recomendações ou decisões que influen-
de também acompanhar a
ciam ambientes reais ou virtuais, pontuando
consolidação do conceito de
que tais sistemas são projetados para operar IA especialmente no cenário regulatório
com vários níveis de autonomia. nacional, é importante que profissio-
nais que lidam com o tema em suas
Portanto, nota-se que não há um consen- organizações considerem uma defini-
so sobre uma definição para sistemas de ção ampla sobre IA, de modo que ava-
inteligência artificial e os conceitos em de- liações de riscos se norteiem muito
bate variam significativamente, indo desde mais pelos objetivos e efeitos de uso
abordagens que enfatizam a capacidade de da tecnologia do que pela sua forma
aprendizado e adaptação das máquinas até técnica de construção.
perspectivas que realçam, por exemplo, a si-
milaridade em relação ao comportamento

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2.
Como a IA
pode ajudar no
seu dia a dia?

A otimização de processos e tarefas através documentos arquivados em bases de dados,


de ferramentas de automação e inteligên- preenchimento automático de campos, revi-
cia artificial (IA) tem se tornado um manda- são de cláusulas padrão e definição de ten-
mento no meio corporativo. Isso decorre dos dências e padrões quando há um grande vo-
inegáveis benefícios, como aumento da efi- lume de documentos inseridos no programa.
cácia, refinamento de métodos e significati-
va diminuição de equívocos tipicamente re- Nesse sentido, ainda no campo jurídico, a IA
lacionados à atuação humana. Diante desse pode facilitar a pesquisa jurídica ao analisar
cenário, os profissionais in house têm à sua vastas bases de dados e identificar informa-
disposição diversas ferramentas inovadoras ções relevantes. Ao utilizar técnicas avança-
que contam com sistemas de IA. das de busca, como a análise semântica, a IA
entrega resultados mais precisos e relevan-
Sistemas de IA podem, por exemplo, auxi- tes em um curto espaço de tempo, podendo
liar na automatização de tarefas repetitivas, exercer papel fundamental inclusive na de-
como revisão de elevado número de docu- terminação de estratégias de atuação.
mentos. Ferramentas de processamento de
linguagem natural analisam documentos Além disso, sistemas de IA podem ser usados
contratuais, identificando cláusulas críticas, na prevenção de litígios, por meio de análise
prazos e condições. Isso não só acelera o pro- de dados históricos de casos e identificação
cesso, reduzindo horas de trabalho manual, de padrões para prevenção de potenciais
como também minimiza o risco de omitir in- conflitos. Isso possibilita que os departamen-
formações cruciais. tos jurídicos tomem medidas proativas para
mitigar riscos, antecipando possíveis dispu-
Na mesma direção, existem sistemas que tas contratuais e economizando recursos.
realizam o gerenciamento de documentos
e contratos, englobando armazenamento, Ainda, sistemas de IA podem auxiliar no mo-
coleta de assinaturas, agendamento e cum- nitoramento regulatório e legislativo, pos-
primento de prazos, rápida localização de sibilitando que os departamentos jurídicos

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estejam sempre atualizados, garantindo lizar sistemas de IA para auxiliar a execução
conformidade e minimizando riscos legais e de programas de compliance nos próximos
permitindo uma adaptação proativa às no- quatro anos.
vas exigências legais.
Separamos abaixo algumas rotinas do mun-
Também é possível notar o crescente uso do corporativo que já contam com presença
de assistentes virtuais, também conhecidos marcante de sistemas de IA:
como chatbots, que podem ser projetados
para fornecer orientações e responder per-
guntas frequentes relacionadas à atuação
do departamento jurídico. É possível tam- Redação e
revisão de
bém configurar o aprendizado do algorit- Gestão de
documentos,
tarefas
mo, que cadastrará mais opções de resposta inclusive
jurídicos
conforme os atendimentos sejam realizados.
Apresentações
Traduções
É interessante notar que os usos não se res-
tringem às funções tradicionais do departa- Criações e
Programação edições de
mento jurídico, inclusive, em pesquisa recen- vídeos
te realizada pela International Association of
Privacy Professionals (IAPP) com empresas Criação e gerenciamento de
campanhas de marketing
de diversos setores, cerca de um quarto dos
respondentes disseram que pretendem uti-

Conheça novas
ferramentas de IA
para o seu dia a dia: Atenção: diante da crescente
aplicação de tais ferramentas
Há vários sites que reúnem ferramentas de no mercado, é importante
IA que podem ser úteis nas mais diversas lembrar que a utilização
tarefas. Exemplos: de ferramentas de IA deve
ocorrer em conformidade
theresanaiforthat.com com as diretrizes internas de
cada organização, incluindo
chat.openai.com/gpts observância a eventuais
www.futurepedia.io processos de homologação.

ai.google

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3.
Quais são os
principais debates
jurídicos no momento?

A inteligência artificial introduz uma série de sobre a regulação de novas tecnologias. Nes-
questões complexas para o campo jurídico, se sentido, destaca-se que um dos princi-
tais como automação de decisões, transpa- pais pontos de debate é o equilíbrio entre a
rência algorítmica, vieses discriminatórios e proteção de direitos individuais e a promo-
padrões éticos. Diante desses desafios, tem- ção da inovação e progresso tecnológico, de
-se observado um movimento crescente, em modo assegurar a responsabilidade e a ética
nível internacional e nacional, no sentido de no desenvolvimento e implementação de
estabelecer marcos regulatórios específicos sistemas de IA.
para a inteligência artificial, conforme será
abordado no próximo tópico. Privacidade e
Proteção de Dados
Para além dos debates regulatórios, o de- Sistemas de IA, por sua natureza, depen-
senvolvimento e aplicação de sistemas de dem da coleta e processamento de grandes
IA impacta diversas áreas do direito, de- volumes de dados que incluem, em muitos
mandando que categorias tradicionais se- casos, dados pessoais. Esses dados são ne-
jam repensadas para encarar os novos de- cessários, por exemplo, para o treinamento
safios emergentes dessa tecnologia. Diante de algoritmos, permitindo que os modelos
desse cenário, apresentamos a seguir os de IA aprendam padrões complexos e fa-
principais debates jurídicos envolvendo IA çam previsões precisas. Além disso, siste-
no momento: mas de IA são capazes de analisar conjuntos
de dados e realizar inferências e predições
Regulação que permitem a criação de perfis detalha-
Os debates em torno da regulação da in- dos dos indivíduos.
teligência artificial estão na ordem do dia,
refletindo a importância global do tema. Por essas razões, preocupações relacionadas
Atualmente, diversos países contam com à privacidade e proteção de dados têm esta-
propostas regulatórias específicas para o do no centro dos debates sobre inteligência
tema de IA, suscitando discussões globais artificial, especialmente no que diz respeito

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à base legal para atividades de treinamento Com o avanço da geração de obras inédi-
de modelos, qualidade dos dados, transpa- tas e originais por sistemas de inteligência
rência do tratamento e gerenciamento de artificial, surgem questionamentos sobre a
riscos aos titulares envolvidos. possibilidade de conceder proteção autoral
a obras criadas por IA em razão da ausência
de autoria humana. Além disso, caso essa
proteção seja admitida, há um debate sobre
Fique por dentro: quem seria o titular dos direitos autorais – se
o desenvolvedor do sistema de IA, o opera-
Autoridades europeias têm publicado
dor ou a própria máquina.
materiais orientativos com diretrizes so-
bre como implementar sistemas de IA
em conformidade com as normas de Outra discussão importante se refere ao
proteção de dados. Nesse sentido, pode- uso de conteúdos protegidos por direitos
mos citar: autorais no treinamento de sistemas de IA.
As bases de dados que alimentam esses
  utoridade britânica – Information
A
Commissioner’s Office (ICO): Guidan- sistemas podem incluir obras intelectuais
ce on AI and data protection; e de terceiros, o que levanta questões sobre
se o uso de tais obras constitui violação de
 utoridade francesa – Commission
A
direitos autorais, especialmente quando os
Nationale de l’Informatique et des
Libertés (CNIL): Artificial intelligence:
sistemas de inteligência artificial são capa-
Resources for professionals. zes de gerar obras substancialmente seme-
lhantes ao conteúdo original.

Responsabilidade Civil
Propriedade Intelectual A disseminação de sistemas de inteligência
A inteligência artificial incorpora relevantes artificial também levanta uma série de ques-
debates jurídicos no âmbito da Proprieda- tões complexas no âmbito da disciplina da
de Intelectual, os quais estão centrados em responsabilidade civil. Um dos principais de-
duas questões fundamentais: a titularidade bates atuais gira em torno da imputação de
dos direitos autorais sobre obras criadas por responsabilidade em caso de danos causa-
IA e a legalidade do uso de conteúdos prote- dos por sistemas de IA que desempenham
gidos para treinamento de sistemas de inte- funções de forma autônoma, isto é, sem in-
ligência artificial. tervenção humana direta.

Qual posicionamento tem sido adotado no Brasil?

O Conselho da Justiça Federal aprovou, durante a IX Jornada de


Direito Civil, o enunciado 670, segundo o qual, independentemente
do grau de autonomia de um sistema de IA, a condição de autor é
restrita a seres humanos.

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Outro ponto de discussão diz respeito ao bre como uma decisão prejudicial foi toma-
regime de responsabilidade civil – se obje- da, problema conhecido como “caixa preta”.
tiva ou subjetiva – aplicável ao contexto de
desenvolvimento e uso da inteligência ar- Direito do Trabalho e
tificial. Ainda, no caso da responsabilidade Proteção dos Trabalhadores
A inteligência artificial permite a automa-
tização de tarefas atualmente realizadas
por humanos, o que pode levar a mudan-
Fique por dentro: ças significativas no mercado de trabalho.
AI Liability Directive: Em 2022, a Comis- Segundo estudo do Fundo Monetário Na-
são Europeia apresentou proposta de cional (FMI), 40% dos empregos no mundo
diretiva para adaptar as regras de res- serão afetados pelo avanço da IA. Embora
ponsabilidade civil extracontratual para a tecnologia tenha o potencial de aumen-
a inteligência artificial. tar eficiência e produtividade, também há
preocupações de relacionadas à potencial
redução da demanda de trabalho, subre-
subjetiva, segundo a qual se deve avaliar a muneração e perda de empregos.
conduta do agente responsável pelo siste-
ma causador do dano (culpa ou dolo), sur- Além disso, sistemas de IA estão sendo
gem também importantes debates quanto cada vez mais utilizados no âmbito la-
boral, por exemplo, em processos de re-
à determinação da relevância do grau de in-
crutamento, avaliação de desemprenho,
tervenção humana para a atribuição de res-
promoção e até mesmo demissão. Nesse
ponsabilidade. contexto, o uso de IA para a tomada de
decisões que impactam diretamente os
Nesse cenário, a explicabilidade e auditabili- trabalhadores desacompanhado de expli-
dade dos sistemas de IA trazem desafios adi- cação sobre critérios adotados vem susci-
cionais à matéria, visto que a opacidade dos tando suscita debates acerca de transpa-
sistemas pode dificultar a compreensão so- rência e vieses discriminatórios.

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4.
O que acompanhar
no âmbito
regulatório?

A regulamentação do uso e desenvolvimen- proposta apresentada pela CJSUBIA. A pro-


to de sistemas de IA tornou-se uma priorida- posta, que vem contando com contribuições
de em diversos países, de modo que diferen- técnicas do escritório, busca estabelecer nor-
tes estratégias regulatórias estão em debate. mas gerais para o uso de sistemas de inteli-
A seguir, destacamos algumas iniciativas re- gência artificial no país e está em discussão
gulatórias significativas em diferentes partes no Senado Federal.
do mundo:
O PL nº 2.338/23 possui forte inspiração na
Brasil proposta regulatória da União Europeia
No Brasil, houve a formação da Comissão (item a seguir). Entre os pontos tratados pelo
de Juristas responsável por subsidiar a ela- texto, estão:
boração de substituto sobre inteligência ar-
tificial no Brasil (CJSUBIA), que analisou as Abordagem baseada em riscos: a pro-
 
proposições legislativas vinculadas ao tema, posta brasileira prevê duas classificações:
com destaque para os Projetos de Leis nº risco excessivo e alto risco. Vale ressaltar
5.051/2019, 21/2020 (aprovado pela Câma- que o fornecedor deve realizar avaliação
ra dos Deputados e recebido no Senado preliminar, previamente à colocação do
Federal) e 872/2021. Além disso, a CJSUBIA sistema de IA no mercado ou à utilização
realizou audiências públicas e recebeu con- em serviço, para fins de classificação do
tribuições sobre o tema, publicando, em grau de risco do sistema.
dezembro de 2022, seu relatório final e um
anteprojeto de lei para regulamentação da Vedação de sistemas de IA de risco ex-
 
inteligência artificial. cessivo: sistemas que (i) empregam “téc-
nicas subliminares” para induzir a pessoa
Posteriormente, foi apresentado o Projeto de natural a se comportar de forma prejudi-
Lei nº 2.338, de 2023, que dispõe sobre o uso cial ou perigosa; (ii) exploram quaisquer
da inteligência artificial no Brasil, de autoria vulnerabilidades de grupos específicos
do Senador Rodrigo Pacheco, baseado na de pessoas naturais para induzi-las a se

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comportar de forma prejudicial; e (iii) são Direitos de pessoas afetadas por sis-
 
utilizados pelo poder público para avaliar, temas de IA: pretende-se instituir alguns
classificar ou ranquear as pessoas natu- direitos que poderão vir a ser exercidos
rais de forma ilegítima ou desproporcio- pelas pessoas afetadas por sistemas de
nal (social scoring). IA, como disponibilização de informações
prévias sobre interações com sistemas de
Sistemas de IA de alto risco: são de-
  IA e contestação de decisões e solicitação
terminados a partir de uma lista de fi- de intervenção humana.
nalidades, que inclui (i) aplicação como
dispositivos de segurança na gestão e no Responsabilidade civil: no caso de sis-
 
funcionamento de infraestruturas críti- temas de risco excessivo ou alto risco, a
cas (como controle de trânsito e redes de proposta prevê que fornecedor ou ope-
abastecimento de água e de eletricida- rador respondem objetivamente pelos
de); (ii) recrutamento, triagem, filtragem, danos causados, na medida de sua parti-
avaliação de candidatos, tomada de de- cipação no dano. Caso contrário, a culpa
cisões sobre promoções ou cessações de do agente causador do dano será presu-
relações contratuais de trabalho; (iii) ava- mida, aplicando-se a inversão do ônus da
liação da capacidade de endividamento e prova em favor da vítima. No âmbito das
classificação de crédito de pessoas natu- relações de consumo, prevalecem as re-
rais etc. A proposta legislativa prevê que gras previstas pelo Código de Defesa do
a autoridade competente será notificada Consumidor e, consequentemente, o re-
sobre o sistema de alto risco, mediante o gime de responsabilidade objetiva.
compartilhamento das avaliações preli-
minar e de impacto algorítmico.

Importante lembrar:
Obrigações de governança: pretende-
 
embora o Brasil não
-se criar obrigações gerais de governan-
tenha atualmente uma
ça, que são aplicáveis a todos os sistemas regulação específica sobre
de IA, e, ainda, obrigações específicas di- o tema, o país conta com
recionadas a sistemas de IA de alto risco, normas robustas no que se refere
como a elaboração de avaliação de im- à propriedade intelectual (Lei da
pacto algorítmico. Propriedade Industrial, Lei de Direitos
Autorais e Lei de Software), proteção
de consumidores (Código de Defesa do
Autoridade para lidar com o tema: a
 
Consumidor), de usuários de internet
proposta prevê que o Poder Executivo
(Marco Civil da Internet) e proteção de
designará uma “autoridade competente” dados pessoais (Lei Geral de Proteção
(órgão central de aplicação da lei) para de Dados), sendo tais legislações
zelar, implementar e fiscalizar o cumpri- plenamente aplicáveis a atividades que
mento da norma, inclusive por meio da envolvam o uso de tecnologia de IA.
aplicação de sanções.

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União Europeia
A União Europeia conta com uma proposta
de regulamentação abrangente, atualmen-
te em estágios finais de debate legislativo.
A proposta europeia (Proposal for a Regula- é, sistemas de IA – ainda que listados como de
tion of the European Parliament and of the alto risco – não serão assim considerados se
Council Laying Down Harmonised Rules on não representarem um risco significativo de
Artificial Intelligence And Amending Certain danos para a saúde, a segurança ou os direitos
Union Legislative Act), também conhecida fundamentais das pessoas naturais, conforme
como Artificial Intelligence Act ou “AI Act” critérios estabelecidos pela regulação (ex: sis-
é baseada em uma abordagem de classifi- tema que se destina puramente a executar
cação dos riscos gerados por sistemas de uma tarefa procedimental).
IA, que estabelece obrigações moduláveis a
partir do risco de um determinado sistema. Vale ressaltar que, em 2 de fevereiro de
O objetivo da proposta é assegurar um qua- 2024, o AI Act foi aprovado pelos 27 Estados-
dro normativo harmonizado e promover a -Membros da União Europeia e, atualmen-
construção de confiança em relação ao uso te, encontra-se em fase final de tramitação,
e desenvolvimento de sistemas de IA. restando pendente a votação do texto final
no Plenário, esperada para março. Nesse
O AI Act também conta com previsões de prá- contexto, para além dos efeitos de influên-
ticas vedadas, incluindo, por exemplo, (i) siste- cia gerados pela aprovação de um marco
mas de categorização biométrica que cate- regulatório na União Europeia, é importan-
gorizem individualmente pessoas físicas com te que profissionais in house tenham aten-
base em seus dados biométricos para deduzir ção a este tema diante do escopo de apli-
ou inferir sua raça, opiniões políticas, filiação cação extraterritorial do AI Act, conforme
sindical, crenças religiosas ou filosóficas, vida situações listadas abaixo:
sexual ou orientação sexual; (ii) sistemas que
criem ou expandam bancos de dados de re- Fornecedores que colocam no mercado
 
conhecimento facial por meio da extração não ou colocam em serviço sistemas de IA na
direcionada de imagens faciais da Internet ou União Europeia, independentemente de
de filmagens de CCTV; e (iii) sistemas para infe- estarem estabelecidos ou localizados na
rir emoções de uma pessoa física nas áreas de União Europeia ou em um país terceiro;
local de trabalho e instituições de ensino.
“Provedores” e “implantadores” estabele-
 
Além disso, o AI Act também apresenta lista de cidos ou localizados em país terceiro, mas
sistemas a serem considerados de alto risco, onde o resultado produzido pelo sistema
que envolve finalidades como administração seja usado na União Europeia;
da justiça e de processos democráticos, gestão
da imigração e controle de fronteiras etc. No Importadores e distribuidores de siste-
 
entanto, na proposta europeia, é interessante mas de IA;
notar que há possibilidade de derrogação, isto

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Representantes autorizados de prove-
  tégia de criação de uma nova agência central
dores que não estejam estabelecidos na e com competência exclusiva para atuação no
União Europeia; campo da inteligência artificial, optando por
envolver agências federais já existentes (como
Pessoas afetadas que estejam localiza-
  o NIST), que desenvolverão padrões, ferramen-
das na União Europeia. tas e testes para desenvolvimento de sistemas
de IA seguros e confiáveis.
Estados Unidos
A Presidência dos Estados Unidos emitiu, em China
2023, a Executive Order on Safe, Secure, and Em 2023, a China implementou regulação
Trustworthy Artificial Intelligence, que faz específica sobre a IA Generativa por meio
parte da estratégia abrangente do governo das Medidas provisórias para o gerencia-
Biden-Harris para a inovação responsável e é mento de serviços de inteligência artificial
uma continuidade das ações já tomadas pela generativa, que trazem regras para forneci-
Presidência dos EUA. Vale ressaltar que, nos mento de tais ferramentas ao público chinês,
Estados Unidos, a “Executive Order” (ordem de modo que sistemas de IA desenvolvidos
executiva) é uma ação unilateral tomada pela em instituições de pesquisa ou destinados a
Presidência, em geral, para implementar po- usuários no exterior estão fora do escopo de
líticas executivas, interpretar e aplicar leis exis- aplicação da norma.
tentes, ou lidar com emergências.
Entre as regras existentes destaca-se (i) a
A iniciativa visa garantir a liderança global governança de dados no processo de con-
em inovação, ao mesmo tempo que aborda cepção de algoritmos para prevenir práticas
preocupações éticas e de segurança, com re- discriminatórias com base em etnia, crença,
comendações para o uso e desenvolvimento nacionalidade, região, género, idade, profis-
de sistemas de IA. Trata-se de uma norma es- são, saúde etc.; (ii) a observância aos direitos
sencialmente principiológica, que estabelece de propriedade intelectual e concorrência;
diretrizes a parâmetros legais flexíveis e adap- e (iii) o respeito aos direitos e interesses le-
táveis: (i) padrões de segurança; (ii) proteção gítimos de terceiros, de modo a assegurar
à privacidade; (iii) equidade e direitos civis; (iv) que sistemas de IA não coloquem em risco a
proteção a consumidores, pacientes e estu- saúde física e mental de terceiros ou violem
dantes; (iv) proteção aos trabalhadores; (v) lide- direitos de imagem, reputação, honra, priva-
rança americana; (vii) inovação e competição; cidade e proteção de dados.
e (viii) governança e responsabilidade.
Para além das regras, é interessante notar que
Nota-se que a Executive Order prevê a elabo- a norma incentiva a aplicação inovadora de
ração de guias de boas práticas e diretrizes
setoriais, ressaltando instrumentos de adoção
voluntária, não havendo previsão de sanções e
penalidades. Ainda, vale ressaltar que a Presi-
dência dos Estados Unidos não adotou a estra-

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tecnologia generativa de inteligência artificial tabelecer requisitos comuns para concepção,
em vários setores e campos, inclusive por meio desenvolvimento e utilização de sistemas de
do apoio a organizações industriais, empresas, IA, além de proibir determinadas condutas
instituições educacionais e de pesquisa cien- que possam gerar danos graves a indivíduos.
tífica, instituições culturais públicas e institui- Tais requisitos são aplicáveis a “atividades re-
ções profissionais relevantes, enxergando a gulamentadas”, isto é, atividades relacionadas
tecnologia como um ponto estratégico em ao curso do comércio nacional, internacional
termos econômicos e geopolíticos. ou interprovincial que envolvam (i) processar
ou disponibilizar para utilização quaisquer
Canadá dados relacionados com atividades humanas
Desde 2022, o Canadá está discutindo o Artifi- para efeitos de desenvolvimento ou utilização
cial Intelligence Data Assessment Act (AIDA), de um sistema de IA; e (ii) criar, desenvolver
que busca salvaguardar os direitos e liber- ou disponibilizada para utilização um sistema
dades de cidadãos do Canadá e, ao mesmo de IA ou gerir suas operações.
tempo, garantir o desenvolvimento de IA res-
ponsável no país. De acordo com o governo Por fim, a proposta canadense prevê requi-
canadense, a busca com essa legislação é por sitos relacionados a qualidade e integridade
uma abordagem equilibrada à regulamenta- dos dados utilizados em sistemas de IA nas
ção da IA que apoiará a inovação responsável fases de concepção, desenvolvimento e im-
e assegurará o acesso ao mercado internacio- plementação. Além disso, existem obrigações
nal para as grandes empresas canadenses, específicas para sistemas de IA considerados
sem deixar de levar em consideração as pe- como de “alto impacto”, como sistemas bio-
quenas e médias empresas. métricos utilizados para identificação e inter-
ferência e sistemas que influenciam o com-
Nesse sentido, o AIDA tem como objetivo es- portamento em grande escala.

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5.
O que
acompanhar no
âmbito judicial?

No âmbito judicial, parte das controvérsias vezes incluem informações obtidas da inter-
envolvendo uso e desenvolvimento de siste- net, como textos, imagens, vídeos e outros
mas de IA estão relacionadas ao uso de con- conteúdos protegidos, surgindo discussões
teúdos protegidos por direitos de proprie- sobre quem detém os direitos sobre esses
dade intelectual pela IA, uma vez que tais materiais e em que condições eles podem
sistemas – especialmente modelos de IA ge- ser utilizados pelos sistemas de IA.
nerativa – são treinados a partir de conjuntos
de dados que podem conter conteúdos pro- Além disso, outro tema relevante é o nível
tegidos, incluindo, por exemplo, textos jorna- de originalidade do conteúdo produzido por
lísticos, livros e imagens. sistemas de IA, critério tradicionalmente uti-
lizado para determinar a proteção autoral.
Nesse contexto, surgem ações judiciais que No entanto, a capacidade dos sistemas de IA
discutem temas como (i) propriedade inte- de gerar conteúdo novo e, em alguns casos,
lectual de código-fonte gerado por sistema com níveis elevados de aparente criatividade,
de IA, que, em geral, é treinada com códi- levanta questões sobre como atribuir direitos
gos-fonte abertos; (ii) uso de imagens (como autorais a esse tipo de produção. Essa ques-
fotos e materiais gráficos) para treinamento tão torna-se especialmente complexa quan-
de sistemas de IA generativa; (iii) violação às do se considera que os sistemas de IA podem
legislações de proteção de dados, diante de aprender e se desenvolver continuamente,
potencial coleta excessiva de dados pessoais sem intervenção humana direta.
e impossibilidade de atendimento de deter-
minados direitos dos titulares.
Vale a pena acompanhar:

Tais discussões frequentemente giram em  Getty Images vs. Stability AI




torno das licenças e permissões para o uso  The New York Times vs. OpenAI

de conteúdo disponibilizado na internet. As
 Github Copilot Class Action

fontes de dados para treinamento e alimen-
tação de sistemas de IA são diversas e muitas  homson Reuters Enterprise Centre
T
GmbH et al v. ROSS Intelligence Inc.

17
6.
O que
acompanhar
no mercado?

O desenvolvimento e uso ético e respon- Microsoft:


sável de tecnologias de IA não é preocupa- A Microsoft idealiza o desenvolvimento de
ção exclusiva de reguladores. Ao contrário, maneira responsável e confiável de sistemas
as principais organizações há muito têm de IA por meio de 6 princípios, são eles: (1)
se dedicado à criação e disseminação de imparcialidade; (2) confiabilidade e seguran-
melhores práticas relacionadas ao tema, ça; (3) privacidade e segurança; (4) inclusão;
contribuindo para que o ecossistema de (5) transparência; (6) responsabilização.
desenvolvimento e uso das tecnologias em
questão equacione adequadamente inova- Meta:
ção e desenvolvimento tecnológico com os Os trabalhos na Meta relacionados ao tema
demais valores em jogo. são orientados por 5 pilares: (1) privacidade
e segurança; (2) imparcialidade e inclusão;
Nesse contexto, vale mencionar abaixo algu- (3) robustez e segurança; (4) transparência e
mas dessas iniciativas, sem prejuízo de ou- controle; (5) governança e responsabilidade.
tras tantas também valiosas:
As propostas mencionadas acima e expostas
Google: publicamente pelas respectivas empresas,
O Google traz à tona 7 princípios de IA res- em nosso entendimento, podem servir de
ponsável que pautam seu compromisso éti- inspiração a organizações que desejam ser
co. Na visão da empresa, aplicações de IA de- protagonistas no cenário de IA. Ao desenvol-
vem ser orientadas a (1) busca por benefícios verem e propagarem iniciativas como essas,
sociais; (2) prevenção de vieses; (3) segurança as organizações endereçam múltiplos obje-
na concepção e demonstrável em testes; (4) tivos desejáveis: internamente, promovem
responsabilidade perante as pessoas; (5) in- uma estrutura ética que orienta o desenvolvi-
corporação de princípios de privacidade; (6) mento, implementação e uso de tecnologias
promoção da excelência científica e (7) ava- de IA, minimiza riscos e facilita o cumprimen-
liação criteriosa frente aos princípios. to de futuras regulações; e externamente, al-
cançam posições de vanguarda, promovem a

18
aceitação social das tecnologias empregues e vidos por uma variedade de entidades sem
impulsionam a construção e fortalecimento fins lucrativos, acadêmicas e agências go-
de relações de confiança com variados stake- vernamentais, os quais podem surgir como
holders, como consumidores, reguladores, importantes ferramentas para implementa-
clientes e fornecedores. ção de programas de governança em IA.

Em paralelo às mencionadas iniciativas Sem a pretensão de exaurir a lista dos instru-


privadas, destaca-se a existência de fra- mentos em referência, chamamos atenção
meworks voltados à gestão de IA desenvol- para os seguintes:

AI Risk Management Framework – NIST ganizações selecionam criteriosamente al-


O AI Risk Management Framework (AI RMF) é gumas das categorias e subcategorias possí-
um conjunto de diretrizes voluntárias desen- veis, outras se veem em condições de aplicar
volvidas pelo National Institute of Standards todas elas. Apesar de não haver uma ordem
and Technology (NIST), ligado ao Departa- específica, como ressaltado anteriormente,
mento de Comércio dos Estados Unidos, para é comum que as organizações iniciem pela
ajudar as organizações de diversos setores e implementação dos resultados contidos na
estruturas a gerenciar os riscos associados à função Govern e, após, sigam para, em or-
inteligência artificial (IA). O instrumento foi dem, as funções Map, Measure ou Manage.
concebido de modo a ser altamente adap- É de se observar, também, que as categorias
tável às necessidades e recursos particula- e subcategorias de algum modo se sobre-
res de cada organização. Para torná-lo ainda põem e, por vezes, podem ser aplicadas a
mais simples de usar, o NIST disponibiliza um múltiplas funções.
Playbook que vale a pena conferir.
ABNT NBR ISO/IEC38507 e ISO/IEC 42001:
Em linhas gerais, o AI RMF é composto de 4 ISO/IEC é uma abreviação que designa a Or-
funções: Govern, Map, Measure e Manage, as ganização Internacional de Normalização
quais são subdivididas em categorias e sub- (ISO - International Organization for Standar-
categorias as quais apontam para ações e re- dization) e a Comissão Eletrotécnica Interna-
sultados específicos. Importa dizer que o Fra- cional (IEC - International Electrotechnical
mework não se trata de checklist, ou seja, não Commission). Ambas são organizações inter-
se espera que determinada organização en- nacionais dedicadas ao desenvolvimento e
derece toda e qualquer ação ou resultado. O publicação de padrões técnicos amplamente
Framework ainda não impõe necessariamen- reconhecidos globalmente.
te uma ordem obrigatória de implementação,
deixando a cargo de cada organização avaliar e As normas ISO/IEC abrangem uma ampla
adotar as providências que entender cabíveis. gama de áreas, como gestão da qualidade,
segurança da informação, sistemas de ges-
O NIST observa que enquanto algumas or- tão, padronização de tecnologias e outros do-

19
mínios, desempenhando um papel crucial na para avaliação da aderência de sistemas de
promoção da consistência e interoperabilida- IA a esses princípios, propiciando elementos
de em nível internacional. para avaliação padronizada para avaliação
ética e responsável da IA em diversas indús-
A norma ABNT NBR ISO/IEC 38507, versão trias e aplicações. Essas métricas consideram
brasileira da norma internacional, elaborada fatores como transparência, responsabilida-
pelo Comitê Brasileiro de Tecnologias da Infor- de perante humanos e medidas de proteção
mação e Transformação Digital, por meio da à privacidade do usuário.
Comissão de Estudo de Inteligência Artificial,
estabelece diretrizes para a governança eficaz European Union’s Ethics Guidelines for
de IA. Ela trata de aspectos como definição de Trustworthy AI
papéis e responsabilidades, harmonização da As Diretrizes Éticas da União Europeia para In-
aplicação de IA com valores e cultura organi- teligência Artificial Confiável foram desenvol-
zacional, governança de dados, entre outros. vidas em 2019 e serviram como guia da polí-
tica europeia de regulação de IA. As diretrizes
Já a ISO/IEC 42001 foca na avaliação sistemá- contemplam 7 requisitos fundamentais, que
tica de riscos de sistemas de IA. De estrutura dialogam com aqueles da Iniciativa da IEEE.
semelhante à famosa ISO/IEC 27001, que tra- Em complemento, a UE disponibiliza uma fer-
ta de segurança da informação, a 42001 tem ramenta online (Lista de Avaliação para Inte-
como contexto de surgimento a pretensão de ligência Artificial Confiável - ALTAI), a ser utili-
funcionar como ferramenta para auxiliar as or- zada por desenvolvedores e utilizadores de IA.
ganizações a, de certo modo, endereçar as exi-
gências futuras das regulações em debate ao AIGA AI Governance Framework
redor do globo. A exemplo da 27001, a 42001 O Framework de Governança de IA da AIGA,
contém anexos bastante relevantes que tra- nascido na Universidade de Turku, visa a tra-
tam de: controles para o tratamento de riscos çar recomendações práticas sobre como im-
(Anexo A); orientações para implementação plementar IA ética na prática, visando a con-
de controles (Anexo B); objetivos organizacio- formidade com a futura regulação europeia.
nais relacionados à IA e fontes de risco (Anexo O Framework abrange 7 princípios essenciais:
C); e diretrizes para o uso e integração de siste- responsabilidade, transparência, explicabili-
mas de gestão para IA (Anexo D). dade, precisão e equidade, privacidade e se-
gurança, controle humano da tecnologia e
IEEE Global Initiative on Ethics of Autono- responsabilidade profissional. Cada desses
mous and Intelligent Systems
princípios se traduz em tarefas ao longo do ci-
A Iniciativa Global da IEEE sobre Ética de Sis-
clo de vida da IA que endereçam o sistema em
temas Autônomos e Inteligentes é um con-
si, os algoritmos e dados utilizados, a fim de
junto de padrões que trata de design de sis-
trazer orientações claras para o uso ético da IA,
temas, certificação e vieses. O Framework
as quais permeiam desde a etapa de design
compreende oito princípios: transparência,
até o monitoramento dos sistemas.
responsabilidade, consciência de limitações,
segurança, confiabilidade, equidade, inclu-
são e proteção da privacidade. Além disso,
o Framework traz um conjunto de métricas

20
7.
Como iniciar a
governança de IA em
sua organização?

Diante de tantos desafios relevantes, a estru- governança de dados etc. Até mesmo em
turação de uma governança em IA é essencial relação aos temas jurídicos, é importante re-
para promover a inovação dentro de uma orga- conhecer que os debates envolvendo IA vão
nização sem abrir mão de processos seguros, além da matéria de proteção de dados.
de modo a garantir a construção de confiança
entre empresas, pessoas afetadas pelo uso de Por isso, pode ser interessante iniciar a go-
sistemas de IA e sociedade como um todo. vernança em IA a partir de uma perspecti-
va multidisciplinar, por exemplo, por meio
Nesse cenário, uma questão importante para da estruturação de comitês que funcionam
departamentos jurídicos é entender como como mecanismos de consulta e supervi-
iniciar a estruturação de uma governança em são e podem ter composição baseada em
IA dentro de sua organização. Vale ressaltar membros fixos de diferentes formações (por
que o Relatório Privacy and AI Governance, exemplo, técnica, jurídica e ética) e mem-
publicado pela International Association of bros rotativos selecionados de acordo com
Privacy Professionals (IAPP), demonstra que as particularidades de determinado projeto
organizações já estão direcionando esforços (por exemplo, áreas envolvidas no desenvol-
para esta estruturação, inclusive, 50% das or- vimento do produto).
ganizações entrevistadas apontaram que es-
tão construindo a governança em IA a partir Um comitê multidisciplinar poderá desem-
das rotinas já existentes na governança em penhar atividades como:
privacidade e proteção de dados pessoais.
Assessoramento da alta direção (por
 
O desenvolvimento e a aplicação de sistemas exemplo, em prioridades de pesquisa,
de IA possuem relação direta com o tema de estratégia de comercialização, parcerias
proteção de dados, mas é importante notar estratégicas etc.);
que outras áreas serão impactadas, como
tecnologia da informação, segurança da in- Apoio em avaliações de risco, englobando
 
formação, desenvolvimento de produtos, aspectos técnicos, éticos e jurídicos;

21
Supervisão de lançamento de produtos
  Interpretação e implementação de prin-
 
e serviços que envolvam uso de sistemas cípios éticos, frameworks e diretrizes in-
de IA; ternas.

A abordagem Em Prado Vidigal, aproveitamo-nos de nossa

de PVA
posição de pioneirismo e de referência nos de-
bates éticos e jurídicos relacionados ao desen-
volvimento e uso de IA para propor nossa abor-
dagem de estruturação de governança em IA
pautada no AI Risk Management Framewowrk
(“AI RMF”) de NIST, documento que inclusive
contou com nossas contribuições durante seu
desenvolvimento.

Dessa forma, propomos projeto que, resumi-


damente, passa por (i) avaliar do contexto de
IA na organização, (ii) desenhar processos,
políticas e ferramentas e (iii) instruir os atores
principais do programa de IA de modo que, ao
final, a organização seja capaz de executar as
necessárias rotinas para lidar com os riscos e
desafios provocados por IA.

MANAGE GOVERN
Estabelecemos processos e Estabelecemos políticas e
instrumentos relacionados à instrumentos relacionados ao
gestão dos riscos identificados e mapeamento, medição e
avaliados pela organização. gestão de riscos de IA.
GOVERN
Propomos estratégias, processo Realizamos iniciativas de
e cláusulas para lidar com os conscientização e propomos
riscos relacionamento à divisões de responsabilidades
contratação de terceiros. para lidar com o tema.

NIST AI RMF
MANAGE MAP

MEASURE MAP
Sugerimos métricas, Entendemos o contexto de uso
parâmetros e processos para ou desenvolvimento de IA na
medição do programa e dos organização, definimos
riscos relacionados ao estratégias e criamos processos
desenvolvimento e/ou uso MEASURE que possibilitarão à companhia
de IA. identificar usos e riscos de IA.

22
8.
O que pode ser
priorizado neste
momento?

Embora consideremos que o caminho ideal padrão. Ao oferecer um conjunto claro de


para lidar com os riscos relacionados à rápida diretrizes, as empresas podem garantir que
adoção de IA pelas mais diversas áreas das os esforços de IA estejam alinhados com os
organizações seja à da estruturação de um objetivos de negócios e com a governança
programa abrangente de governança em IA, esperada. Além disso, a disponibilização des-
reconhecemos que, diante da novidade do ses guias facilita o entendimento transversal
assunto, muitas empresas ainda não veem entre os departamentos, potencializa a co-
espaço para que isso aconteça de maneira laboração e minimiza os riscos associados
imediata. à implementação de IA. O benefício de ela-
borar esses guias inclui a promoção de uma
Ainda assim, há atividades que exigem me- cultura de governança de IA consistente e a
nos esforço do que a estruturação de um pro- capacitação dos funcionários para tomar de-
grama e que podem ser priorizadas de modo cisões informadas e responsáveis.
a mitigar riscos à organização. Além disso,
qualquer trabalho que seja feito no atual mo- Conscientização
mento automaticamente reduzirá o nível do Promover a conscientização sobre IA entre
esforço que será necessário ao se criar, em os colaboradores é de suma importância
um futuro breve, o programa de governança para garantir que a tecnologia seja utilizada
em IA. Algumas dessas atividades são: de maneira responsável e ética. Programas
de treinamento e workshops podem ser im-
Guias para as áreas plementados para educar os colaboradores
de negócio e suporte sobre os princípios de IA, suas aplicações e
A criação de guias práticos para as áreas de implicações éticas. Estes programas devem
negócio e suporte é uma ferramenta impor- ser desenhados para serem acessíveis a to-
tante para a implementação bem-sucedida dos os níveis hierárquicos e funções da orga-
de IA nas organizações. Esses guias podem nização, garantindo assim que a IA seja com-
incluir melhores práticas, padrões éticos, re- preendida e empregada de maneira eficaz.
quisitos legais e procedimentos operacionais Os benefícios da conscientização incluem a

23
redução de mal-entendidos e medos rela- Inclusão do tema de IA em
cionados à IA, o aumento da confiança na mecanismos já existentes
tecnologia e o fortalecimento da governan- Constantemente, organizações estão revisi-
ça ao se incorporar a IA nas operações diárias tando e melhorando seus processos de com-
de forma segura e ética. pliance, especialmente em matéria de priva-
cidade e proteção de dados. Integrar o tema
Adequações contratuais e de IA nos mecanismos de controle e defesa
gestão de terceiros existentes, por exemplo, fazendo com que as
À medida que as organizações integram so- rotinas revisadas passem a incluir mecanis-
luções de IA, torna-se imprescindível revisar mos de controle em IA, permite que as orga-
e ajustar contratos com fornecedores e par- nizações otimizem esforços quanto à gestão
ceiros para assegurar a conformidade e a e mitigação de riscos decorrentes de IA.
proteção dos dados. Se ajustar os contratos
legados leva tempo e exige bastante esfor- Criação de comitê
ço, é muito importante que os contratos fu- interdisciplinar de ética
turos reflitam os valores éticos da empresa em IA
e estabeleçam cláusulas claras sobre res- Um comitê interdisciplinar de ética em IA
ponsabilidade, privacidade, transparência e pode ser importante aliado para se ter uma
propriedade intelectual. Inclusive, caso essa visão holística sobre o desenvolvimento e
atividade não seja prontamente adotada, o implementação de IA. Esse comitê pode ser
acúmulo de contratos a serem regulariza- composto por membros de diversas áreas,
dos no futuro tornará esse trabalho extrema- incluindo jurídico, TI, operações, recursos hu-
mente penoso e demandante. manos e representantes externos, como es-
pecialistas em ética. Entre outros funções, o
Paralelamente, identificar contratações comitê pode servir para orientar a estratégia
que envolvam o fornecimento de sistemas de IA, revisar projetos e políticas e servir como
de IA neste momento é fundamental para um órgão de consultoria para dilemas éticos.
que, em breve, com rotinas de governança
e gestão de terceiros bem desenhadas, seja
possível efetivamente executar as atividades
definidas pela organização contratante, es-
pecialmente no que se refere à avaliação de
riscos em fornecedores.

24
9.
Como PVA
pode ajudar?

Prado Vidigal é escritório boutique altamen- e jurídicas em IA. Dessa forma, oferecemos
te especializado em Direito e Tecnologia, consultoria jurídica para estruturação do
sendo considerado por rankings nacionais programa de governança em IA das organi-
e internacionais como um dos melhores do zações, bem como para suporte e execução
país nesse campo de atuação. em qualquer outra demanda de natureza
jurídica que o tema possa exigir.
Com base em nossa expertise, estruturamos
linha de serviços especificamente voltamos Abaixo estão alguns dos nossos serviços
aos desafios relacionados a questões éticas em IA:

Estruturação do programa de Definições estratégicas e recomendações


governança em IA jurídicas para proteção de sistemas de IA à
luz do direito de propriedade intelectual.

Construção de políticas, Contratos e gestão de


processos e demais terceiros em negociações
documentos relevantes para as para desenvolvimento e/
rotinas de governança em IA. ou implementação de
sistemas de IA.

Análise de viabilidade jurídica


Demais demandas jurídicas
de desenvolvimento e/ou
que envolvam conhecimento
implementação de produtos ou
específico acerca de regulação
serviços envolvendo IA.
e boas práticas em IA.

Estudos e pareceres sobre


Desenvolvimento de
impactos regulatórios do
estratégias de transparência e
desenvolvimento e/ou da
explicabilidade.
implementação de sistemas de IA.

Ações de conscientização sobre o tema


Elaboração de avaliação de de inteligência artificial e diretrizes
impacto da aplicação e/ou internas referentes ao desenvolvimento
desenvolvimento de sistema de IA e/ou à implementação de
para direitos fundamentais. sistemas de IA.

25
10.
Como se manter
em dia com as
novidades?

O campo da inteligência artificial


Para acompanhar as novidades de de-
 
está em constante evolução, de
senvolvimento da tecnologia: o MIT Te-
modo que, diariamente, surgem
novidades em relação ao desen- chnology Review conta com uma pági-
volvimento da tecnologia e, conse- na específica sobre inteligência artificial
quentemente, novos debates jurí- e publica artigos sobre novos projetos e
dicos, regulatórios e éticos. Por isso, produtos envolvendo uso de IA. Na mes-
é importante que profissionais in ma direção, o portal TechCrunch possui
house acompanhem o tema e suas um tópico destacado sobre inteligência
respectivas atualizações!
artificial, no qual é possível se atualizar

Para auxiliar neste desafio, sepa- sobre as novidades do mercado.


ramos abaixo alguns canais de
comunicação que podem auxiliar Para acompanhar debates regulatórios
 
profissionais a se manterem em no mundo: a International Association of
dia com as novidades da área: Privacy Professionals (IAPP) conta com
hub de conteúdo específico sobre inte-
ligência artificial, no qual são publicados
materiais sobre propostas legislativas de
diversos países.

Para se atualizar e debater o tema com


 
colegas: eventos nacionais como a CPDP
LatAm e o Seminário de Proteção à Priva-
cidade e aos Dados Pessoais (CGI.br) são
boas oportunidades para acompanhar
painéis de discussão sobre governança
em IA. Além disso, internacionalmente,
a IAPP organiza o AI Governance Global
para debater o tema.

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Saiba mais Para mais informações sobre os nossos
serviços em IA, entre em contato conosco:
pradovidigal.com.br/contato/

Material elaborado por Prado Vidigal


Advogados em março/2024. V. 1.0. Todos os
direitos reservados. Proibida a reprodução
sem prévia autorização de Prado Vidigal
Advogados.

Autores(as):
Carolina Giovanini
Flora Sartorelli
Lucas Bulhões
Luis Fernando Prado
Luize Bolzan
Paulo Vidigal
Verônica Marques

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