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Alba Zaluar - Integração Perversa - Pobreza e Tráfico de Drogas-Editora FGV (2004)
Alba Zaluar - Integração Perversa - Pobreza e Tráfico de Drogas-Editora FGV (2004)
ISBN 978-85-225-1986-6
1a edição — 2004
Capa: aspecto:design
Zaluar, Alba
Integração perversa: pobreza e tráfico de drogas / Alba Zaluar. —
Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004.
440p. — (Violência, cultura e poder)
Inclui bibliografia.
CDD – 301.633098153
SUMÁRIO
Agradecimentos 7
CAPÍTULO 1
Crime e castigo vistos por uma antropóloga 9
CAPÍTULO 2
Crime e diabo na terra de Deus 37
CAPÍTULO 3
Sociabilidade, institucionalidade e violência 57
CAPÍTULO 4
Gênero e educação pública 79
CAPÍTULO 5
Cultura, educação popular e escola pública 107
CAPÍTULO 6
Qualidade de dados: políticas públicas eficazes e democracia 131
CAPÍTULO 7
Violência, dinheiro fácil e justiça no Brasil: 1980-85 149
CAPÍTULO 8
Gangues, galeras e quadrilhas: globalização, juventude e violência 177
CAPÍTULO 9
As imagens da e na cidade: a superação da obscuridade 203
CAPÍTULO 11
Exclusão e políticas públicas: dilemas teóricos
e alternativas políticas 279
CAPÍTULO 12
Violência em três bairros do Rio de Janeiro:
estilos de lazer e redes de tráfico 307
CAPÍTULO 13
Crime organizado, violência e poder: bairrismos fora de lugar 341
CAPÍTULO 14
Masculinidades, crises e violências 365
CAPÍTULO15
Mediadores da paz 397
Bibliografia 415
E ste livro reúne textos escritos ao longo dos últimos 10 anos sobre os
temas da violência urbana, da pobreza e do tráfico de drogas: diagnós-
tico e prevenção. Todos são fruto de pesquisas de campo realizadas ao
longo desses anos em que contei com diferentes equipes de pesquisa-
dores e auxiliares ténicos. A eles, que colaboraram diligentemente na
coleta dos dados e seguiram as orientações da nem sempre tranqüila
coordenadora, o meu reconhecimento pela colaboração no trabalho
coletivo. O CNPq, o Pronex e o Ministério da Justiça financiaram a maior
parte das pesquisas feitas. A pesquisa sobre a escola pública no Rio de
Janeiro foi coordenada junto com Maria Cristina Leal e financiada pelo
Unicef, a Fundação Ford e o Banco Mundial. Os relatórios apresentados
nessas várias pesquisas foram transformados em artigos que agora reú-
no. Minha permanência na Prefeitura do Rio de Janeiro durante um ano
e meio deu-me também a possibilidade de conhecer os projetos de pre-
venção da violência e segurança pública de outras cidades (Chicago e
Paris), além de ter-me levado a escrever um projeto para o Rio de Janei-
ro que continua a ser parcialmente executado. Aos amigos e colabora-
dores da prefeitura, com quem muito aprendi sobre as dificuldades da
política pública, o meu muito obrigada.
A perspectiva adotada nos textos é a da sociologia contemporâ-
nea, que muito deve à abordagem antropológica, na qual fui formada.
Mas hoje a antropologia está marcada pelas dissensões entre as con-
cepções relativistas da disciplina e os direitos universais da cidadania.
No meu entender, aquelas não podem negar esses direitos, conquistas
da humanidade desde o século XVIII, que foram paulatinamente am-
pliados para incluir direitos indígenas, direitos coletivos, direitos de
minorias religiosas, sexuais, étnicas. Ora, tais direitos fazem parte de
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teve que ser ampliado até incluir a organização internacional dos cartéis
das drogas, além, é claro, das instituições locais — a polícia e a justiça
— com as quais esses adolescentes e jovens adultos mantinham per-
manente contato e das quais estavam sempre fugindo.
Até mesmo as barreiras entre a pesquisadora e o seu objeto de es-
tudo tiveram que ser analisadas à luz dessa inclusão do institucional na
análise. Não eram apenas as finas e sutis barreiras socioculturais das
diferenças de gênero, raça, classe, idade e nível de escolaridade, já vi-
venciadas na primeira pesquisa. Eram também as barreiras criadas e
mantidas pelo arranjo institucional que determinava o ilegal, o ilegíti-
mo, o proibido, o passível de repressão e punição severas. Em poucas
palavras, a necessidade de escapar sempre da prisão, nem que fosse
através da mentira reiterada, impedia a confissão a quem não tinha nem
os poderes do inquisidor, nem a confiança merecida por estar identifi-
cado de modo claro e inequívoco com eles. Assim, cerca de 60 jovens
do local e 40 prisioneiros foram entrevistados por assistentes de pes-
quisa que haviam crescido lá, mas que eram estudantes universitários e
participavam do mundo de cá.
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quais já existem instituições legais, mas ainda não há Estado. Isso quer
dizer que a decisão do tribunal, do árbitro, do mediador, do interme-
diário ou do simples defensor não pode ser imposta pela força a quem
perdeu a questão. Por isso mesmo, as instituições jurídicas primitivas
baseiam-se na negociação, nos acordos e compromissos feitos oralmen-
te entre as partes litigantes em obediência a preceitos e valores da vida
cotidiana de todos. Os conflitos são tanto mais facilmente resolvidos
quanto mais próximos estão os envolvidos na disputa, ou quanto mais
laços cruzados houver entre os parentes do agressor e os parentes da
vítima. Mas o princípio é sempre evitar que as desavenças se alastrem
por todos. Ou pior, que a morte de uma pessoa seja vingada pela morte
de outra pertencente à família do assassino e que isso degenere na luta
homicida de todos contra todos dentro da tribo. E isso é feito principal-
mente com indenizações ou, em outras sociedades mais próximas das
grandes civilizações, com sacrifício de animais aos deuses.
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pobres do país: Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Pará, Pa-
raíba e Bahia. No Maranhão, lanterninha das mortes violentas, houve
nos anos 1980 um incremento populacional, que no Piauí, Ceará e Rio
Grande do Norte foi maior que no Rio de Janeiro, Paraná, Pernambuco
e Rio Grande do Sul, estes últimos com taxas de mortes violentas mais
elevadas do que a média nacional.
Quando se excluem os acidentes e os suicídios, o gráfico dos esta-
dos modifica-se: Roraima continua liderando a taxa de mortalidade com
107,30, enquanto o Rio de Janeiro baixa a sua taxa consideravelmente
para 94,63, e Rondônia, ainda mais dramaticamente para 55,19. A con-
clusão óbvia, visto que os suicídios têm taxas baixíssimas em todos os
estados da Federação, é que os acidentes são mais numerosos e estatis-
ticamente importantes nestes dois últimos estados, especialmente o
último, do que no primeiro. São Paulo desce de 91,64 para 35,44; Alagoas,
de 71,38 para 35,19; Mato Grosso do Sul, de 89,83 para 36,30; Pernambu-
co, de 79,42 para 49,26; Paraná, de 69,32 para 18,54; Santa Catarina, de
71,57 para 13,27, pelos mesmos motivos. No Nordeste, a exceção seriam
Pernambuco, cuja posição pouco se altera, e Sergipe, que revela um dra-
mático aumento de homicídios e outras violências. Excluindo Tocantins,
estado de criação recentíssima, os lanterninhas continuam sendo os
mais pobres e de povoamento mais antigo do país, justamente aqueles
que levavam a fama por estarem na região do país onde tradicionalmente
os conflitos interpessoais se resolveriam à moda sertaneja na violência
costumeira, a saber: Maranhão, Bahia, Ceará e Rio Grande do Norte.
A violência nos estados parece ter, a julgar pelas estatísticas, um
cenário urbano. Rio Branco, capital do Acre, coloca o estado entre os
líderes dos assassinatos no país, com a taxa de 63,79 em 1987. Rio de
Janeiro, Recife e Aracaju também aí se encontram, o que revela que em
todos os estados mencionados o homicídio é problema eminentemen-
te urbano. As capitais lanterninhas são as de Santa Catarina, Amapá,
Piauí, Minas Gerais, Bahia, Ceará, Mato Grosso, Paraná e Maranhão, com
taxas em torno de 20.
Entre os movimentos migratórios mais surpreendentes do país, e
que desfazem os preconceitos raciais e étnicos que tentam explicar a
violência, está o que levou um número estimado de 1,5 milhão de agri-
cultores do interior do Paraná para outros estados da Federação duran-
te o período 1980-86, principalmente em direção a Rondônia (Martine,
1994:18), um dos campões da violência no Brasil. Já a capital do estado,
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ouvida nas entrevistas feitas pela equipe de pesquisa. Para mostrar sua
eficiência, ou pressionados para provar que não fazem parte do esque-
ma de corrupção, policiais prendem simples usuários, pequenos por-
tadores (“aviões”) ou pequenos traficantes de drogas. Percentualmente,
esse tipo de crime não é o mais comum. No entanto, é a criminalização
de um ato privado que atinge apenas a pessoa do usuário, o fio da mea-
da que desfaz o enigma do aumento da criminalidade violenta, esta sim
perpetrada contra outrem. Pois é ela que equipa os policiais mal-inten-
cionados com uma grande capacidade de aterrorizar e pressionar esses
jovens a lhes pagarem quantias altas que eles só obtêm por meio de
atividades criminosas que fazem de outras pessoas o seu objeto. É ela
também que faz do jovem usuário um virtual prisioneiro do traficante,
seja nas dívidas contraídas na compra de drogas, que podem se acu-
mular na proporção da intensidade do vício para o qual não recebe ne-
nhum tratamento médico, seja pela constatação de que só pode se li-
vrar do policial, da Justiça, da dívida com o traficante, dos inimigos reais
e imaginários, aprofundando seus laços com a quadrilha e afundando
cada vez mais na carreira criminosa. Mais tarde, se o processo for en-
viado finalmente para a Justiça, a sentença é dada muitas vezes com
base na moralização da força de trabalho. Ou seja, se o jovem tiver um
emprego regular, é mais provável que ele seja absolvido ou condenado
por uso do que se ele for desempregado, favelado, negro e pobre. Nesse
caso, muito provavelmente será visto como um hediondo traficante.
As vantagens do setor informal, interpretado como alternativa ao
capitalismo empresarial oficial, dominante, explorador e opressivo, têm
que ser repensadas. No setor informal, hoje, atividades empresariais
altamente organizadas e ilícitas se valem do clima geral do vale-tudo.
Invasões de terreno, apresentadas como política habitacional alterna-
tiva, e construção de casas e prédios nas favelas e loteamentos clandes-
tinos são implementadas por grileiros e donos de imobiliárias que já
enriqueceram com a revenda e o aluguel desses imóveis irregulares.
Mesmo nos conjuntos habitacionais da Cehab, espertos e empreende-
dores líderes de invasões ocupam os espaços públicos das praças e ruas
para fazer biroscas, bares e até garagens e depois revendê-los. Nas ruas
da cidade, ocupadas por camelôs, objetos roubados de caminhões, de
residências e de passantes, assim como objetos contrabandeados são
vendidos tranqüilamente. Na atividade altamente rendosa do tráfico,
poucas grandes organizações com vínculos internacionais comandam
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O mal, em todas as culturas, não tem definição nem unívoca nem cla-
ra. Até certo ponto, depende das razões e interesses de quem faz o dis-
curso sobre o mal e da situação vivida no momento em que se fala. Essa
primeira definição do mal é, portanto, instrumental e relativista, e dela
só escapam os substantivistas mais renitentes. O malvado, o errado, o
moralmente mau, o pecador são significados fracos e instrumentaliza-
dos no cotidiano de todos.
No entanto, em qualquer cultura, essa definição também tem os
seus limites, pois em todas elas existem valores transcendentes, não
contextualizados e não dependentes de quem fala: valores incontestá-
veis, valores que não são postos em discussão. A morte de pessoas que-
ridas, a guerra ou as doenças epidêmicas que provocam essas mortes e
trazem sofrimento acabam por constituir um mal que atinge todos os
membros do grupo e, por isso, passam a exigir explicações mais gerais.
O mesmo acontece com a humanidade, que hoje também tem valores
absolutos — contra o genocídio, por exemplo — e uma carta de direitos
humanos aprovada pelas Nações Unidas. O mal que atinge o humano,
* Originariamente intitulado “Crime, o mal do Brasil é”, este texto foi apresentado na mesa-
redonda “Lugares da anomalia”, da reunião “O mal e as anomalias no Brasil contemporâ-
neo” (Iser, Uerj, 16 de junho de 1994), posteriormente publicado como “O crime e o diabo
na terra de Deus” (Zaluar, 1994a: 115-136) e revisto para este livro.
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1 Taussig, 1980:145-151.
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orixás que ficam no astral. Não discriminam ninguém: até mesmo pros-
titutas, bandidos e ladrões podem obter a sua proteção mediante paga-
mento. O Exu é sobretudo interesseiro. Na umbanda não há lugar para o
maniqueísmo moralista que caracterizou as religiões cristãs, nem para
o terror espiritual dos sacerdotes do vodu. Não haveria, pois, necessida-
de de destruir seus mensageiros para que o bem reaparecesse.
Todavia, hoje no Brasil, graças a uma peculiar configuração cultu-
ral, institucional e econômica, o medo realista do crime, cujas taxas vêm
aumentando sistematicamente nas últimas décadas, transformou-se em
pavor ou terror irracionais e propiciou a volta da dicotomia nítida e ab-
soluta entre o bem e o mal na preferência de várias camadas da popula-
ção. O nome do diabo passa a ser invocado cada vez mais para atribuir
sentido ao viver sob a insegurança e incerteza das altas taxas de inflação,
da crise econômica, da ineficiência e da corrupção institucionais, além
dos encontros odiosos com os bandidos nas ruas das cidades. E os pró-
prios bandidos, identificados pessoal e profundamente com essa encar-
nação do mal, reinterpretam a sua saga por um pacto fictício com ele.
Que guerra é essa, tão assustadora e intrigante? Não se trata de
nenhuma guerra civil entre pessoas de classes sociais diferentes, nem
mesmo de uma clara guerra entre polícia e bandidos. Nessas mortes, os
pobres não estão cobrando dos ricos nem estão perpetrando alguma
forma de vingança social, pois são eles as principais vítimas da onda de
criminalidade violenta que assola o país, seja pela ação da polícia ou
dos próprios delinqüentes, já que não têm os recursos políticos e eco-
nômicos que lhes garantam acesso à Justiça e à segurança. Os sinais de
um ódio violento e vingativo começam a aparecer cada vez com maior
intensidade e, surpreendentemente para os adeptos das teorias da mo-
dernização, não nos locais mais atrasados, mais místicos, mais tradi-
cionais do país. É nos grandes centros urbanos do Brasil moderno que
vamos nos deparar finalmente com uma guerra clandestina, mas nem
por isso menos maniqueísta, sangrenta e cruel, que se vale dos meca-
nismos simbólicos já conhecidos da separação absoluta entre o bem e
o mal, com suas conseqüências nefastas no plano social.
Fenômenos intrigantes têm acontecido também no resto do mun-
do, apontando para um processo recente de reencantamento do mal e
reaparecimento das dicotomias nítidas entre o bem e o mal em econo-
mias de mercado há muitos séculos estabelecidas. Narrativas de crimes
reais combinam-se com a renovação da fantasia a respeito de diabóli-
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cas criaturas. Notícias sobre seitas satânicas tornam-se mais e mais co-
muns na imprensa. Muitos livros e filmes dedicam-se a exorcizar ima-
ginariamente esse medo que reaparece quase no final do século. O mal
e o bem absolutos tornam-se uma preocupação pós-moderna, num
mundo em que cada vez mais a economia mercantil predomina. Mas
sobre o medo real existem diferentes interpretações: as do cientista so-
cial e as do senso comum.
No senso comum, não por acaso, o mal, segundo um discurso en-
contrado na mídia, está associado a um produto da América indígena
— a coca, planta de uso medicinal milenar e controlado na população
andina — que se transformou em mercadoria vendida ilegalmente num
mercado, por causa da ilegalidade, sem nenhum controle.3 Não é, po-
rém, a cocaína que mata, mas o tráfico, pela forma como se organizou.
Nessa organização, o uso de armas de fogo, importadas ou contraban-
deadas de países do Primeiro Mundo, mata os homens jovens que nela
se envolvem, seja pela guerra entre eles mesmos, seja pelo confronto
com as forças policiais. Isso acontece no mundo inteiro, mas notabili-
zou a Colômbia e ameaça colocar o Brasil negativamente no cenário
internacional. A ideologia conservadora, que surgiu como reação ao
aumento da criminalidade violenta no mundo inteiro, sublinha, porém,
a associação entre o mal e a droga latina. Outro discurso demoniza o
criminoso a tal ponto que não se trata mais de marginais ou maus ele-
mentos apenas identificados com a desordem ou o descontrole social,
mas da encarnação de entidades diabólicas a ameaçar o reino de Deus.
No Brasil, essa é também uma das maneiras comuns de expressar
a dicotomia entre o mal, especialmente clara nas falas de mulheres aci-
ma de 30 anos e de homens mais velhos de várias classes sociais (Za-
luar, 1991a). O lugar dos prisioneiros e dos criminosos é crucial nesse
novo modo brasileiro de pensar o mal, já não tão devedor da festa po-
pular e do santo católico. Outra matriz, de outro conflito, foi usada para
interpretar as agruras do presente e as saídas do futuro utópico. Esse
3 Aqui no Brasil, o tema do mal absoluto tem tido tratamento na mídia eletrônica, com
aparecimento secundário nas novelas. Desde o final de 1993, a novela das 7h da principal
emissora brasileira, entretanto, aborda a questão explicando os casos de corrupção recente
no Brasil como obra de uma seita satânica, cujos membros não podem amar para se dedi-
car apenas à luta pelo poder e o dinheiro. Como sempre, seus líderes estão envolvidos tam-
bém com o tráfico de drogas, e o demônio é uma estatueta pré-incaica encontrada em es-
cavações nos Andes, uma indicação clara dos caminhos seguidos pelo imaginário social
referente aos crimes violentos e ao pavor que inspiram.
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conflito não parece ser, assim, mera oposição entre o amor aos outros e
o amor ao eu, tampouco, como na matriz clássica da tensão entre o ju-
rídico e o religioso, mera luta do indivíduo com as lealdades tradicio-
nais do parentesco, base da religião entre os gregos, e as novas leis da
cidade, ainda não totalmente incorporadas no cotidiano da população.
Essa é a matéria da tragédia grega, na qual as pessoas se vêem obriga-
das a jogar em dois tabuleiros simultaneamente (Vernant, 1992).
O conflito, também trágico, aqui e hoje, dá-se entre a matriz reli-
giosa ou bíblica do trabalho, que lhe dá significado, e a concepção jurí-
dica da pena como privação de liberdade. Mas esse sentido religioso do
trabalho está camuflado na secularidade da visão do trabalho como
mero esforço físico, como labor. O aspecto de parentesco desse sentido
religioso está simplesmente no etos de provedor, isto é, no trabalho exe-
cutado por um membro da família em benefício da coletividade que
ela circunscreve. Se Deus foi quem instaurou a proibição que impedia
os homens de gozarem no Paraíso sem nenhum esforço, nessa concep-
ção popular da origem cultural da humanidade o Estado passa a ocu-
par o lugar de Deus na continuação do interdito. Não é o tabu do inces-
to que inaugura o cultural para os homens nessa cultura, é a obrigação
de trabalhar para viver, é a proibição de gozo sem esforço, sem o signo
do difícil. O Estado deve educar, treinar e dar emprego para que todos
possam cumprir o destino dos homens na Terra. O problema é que o
Estado não conseguiu cumprir essa função nas últimas décadas e, no
seu vazio, diversas crenças no diabo aparecem.
O trágico nessa cultura cindida entre o religioso assim seculariza-
do e o jurídico instituído na responsabilidade individual é que a prisão
rompe com esse sentido do trabalho (e do humano). Mero impedimen-
to a que o indivíduo responsabilizado por uma ação criminosa cometa
novas ações criminosas, a prisão acaba por instaurar um lugar do “pa-
raíso”, ou seja, um lugar em que não é preciso trabalhar para viver. Por
isso a prisão perde sentido para os prisioneiros e para os demais cida-
dãos por eles supostamente ameaçados. Por isso, também, tantos ad-
vogam a pena de morte como saída para esse aparente absurdo, só con-
cebível pelo desconhecimento do que se passa nas precárias prisões
brasileiras. Nestas, os únicos privilégios são destinados aos que podem
pagar por eles, tais como os chefes do crime organizado. Os outros são
chamados de “caídos”, não como os anjos que perderam o reino dos
céus por quererem se igualar a Deus, mas porque não conseguem man-
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tidade negativa, com a qual acaba por se identificar por uma série de
circunstâncias. Essa dicotomia absoluta dá firmeza aos evangélicos para
lutar dentro de si mesmos contra a presença do “diabo” na Cidade de
Deus, centrados, entretanto, na sua salvação individual, na sua igreja,
algumas das quais se proclamam as únicas verdadeiras, excluindo as
outras como coisas do maligno. A vida boa ou tudo que significa avanço,
conquista ou melhora no plano individual é interpretado, nessa cosmo-
logia, como resultado da escolha do caminho de Deus, ou do bem.
Para algumas das recentes igrejas neopentecostais, o diabo está
em muitos lugares de onde se origina o mal que se deve combater sem
tréguas. Bailes funk, sambas, religiões afro-brasileiras, botequim, dro-
gas, tudo isso passa a ser visto de modo estranho como o avesso de Deus
e do bem: portanto, como coisa do diabo. A concorrência no mercado
religioso pela prestação de serviços de salvação faz dos bandidos alvo
da pregação religiosa dos evangélicos, assim como torna as demais con-
gregações religiosas, especialmente as afro-brasileiras, alvo dos ataques
constantes de pastores. Até mesmo a presença delas em movimentos
coletivos, que reúnem toda a população de um bairro, é rejeitada pelos
pentecostais, tal como aconteceu na Casa da Paz, fundada depois do
trauma sofrido pelo massacre de 21 pessoas, inclusive uma família de
crentes, em Vigário Geral.
Na curta e atribulada vida dos bandidos, o cientista social vê a trá-
gica modernidade de um país em que a liberdade foi um signo vazio,
tampado nos períodos autoritários e “liberado geral”, sem direção nem
fundo, nos períodos seguintes. Convive-se, pois, simultaneamente com
um excesso de moralismo autoritário e de liberalismo anti-social cujo
lema é “fazer o que se quiser”. Considerando o processo de seculariza-
ção que vinha ocorrendo até as últimas duas décadas, o Brasil também
sofreu as conseqüências do enfraquecimento das moralidades trans-
cendentes, apoiadas em Deus. No paradoxo nietzschiano da época
moderna — em que Deus morreu e, portanto, não há transcendente
que instaure o certo e o errado, o bem e o mal, onde tudo é possível e
pode o homem exercer sua liberdade, pois não há mais empecilhos de
autoridade moral —, o bandido seria o que escolhe a liberdade de pra-
ticar o mal, o condenado moralmente pelas pessoas comuns, gozando
da impunidade advinda de instituições ineficientes e corruptas. Ele está
onde a moral enfraqueceu a autoridade tradicional e o Estado não ocu-
pou o seu vazio. Ele está onde, na alternativa entre o Estado e o merca-
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4 O conceito de liberdades negativas foi desenvolvido por vários autores, inclusive Isaiah
Berlin, importante filósofo inglês, para distinguir o direito de fazer o que se quer, a despei-
to da opinião e vontade dos outros, do direito positivo de participar em decisões democrá-
ticas. As liberdades negativas são as que circunscrevem os chamados direitos individuais
contra os abusos do poder do Estado. O debate em torno dessa questão tem-se concentra-
do em temas tais como o aborto, a pornografia e o uso de drogas, temas que levantam ime-
diatamente a questão moral e legal. No caso do crime organizado, porém, a falta de defini-
ção legal das liberdades negativas cria um vazio no qual aspectos extremos e maléficos da
ação individual se manifestam, pois não têm efeitos apenas sobre o indivíduo que a prati-
cou, trazendo conseqüências perniciosas para os outros, especialmente as vítimas dos cri-
mes violentos.
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ser o outro lado indiscriminado dessa guerra sem tréguas que pretende
livrar-nos do mal. Essa imagem do “menor”, isto é, da criança e do ado-
lescente pobres é parte da estratégia para justificar a ação policial vio-
lenta e corrupta, na qual já se tornou difícil distinguir o que é repressão
ao crime do que é crime de extorsão, que estimula ou mesmo obriga os
jovens pobres a roubar e assaltar para pagar aos policiais que os achacam
e aos traficantes que lhes vendem a cobiçada droga. Daí a perseguição
violenta e, em algumas tristes cidades, a prática do chamado “extermí-
nio” de crianças e adolescentes pobres — os “menores” — levada a efei-
to por grupos integrados de policiais ou ex-policiais que participam do
crime organizado, extorquindo ou vendendo armas aos jovens envolvi-
dos no tráfico, no assalto e no roubo, estimulando meros usuários a se
iniciar nessas práticas para poderem pagar o preço da extorsão. Mais do
que grupos de extermínio, são grupos de extorsão.
Mas convém não minimizar o estrago ou o mal provocado pelos
novos bandidos do tráfico. No setor que particularmente nos interessa
— os jovens das classes populares, “evadidos” da escola e facilmente
recrutados para morrer nas disputas infindáveis entre as quadrilhas e
entre elas e a polícia — disseminou-se a ideologia da chefia truculenta.
Hoje, entre eles, o negócio da droga é extremamente lucrativo e já virou
sinônimo de guerra. Para segurar uma boca-de-fumo, o chefe não pode
mais vacilar, o que não acontecia na década de 1970, quando o tráfico
era mais modesto e quase familiar: mulheres participavam, o lucro era
comedido; a freguesia, relativamente reduzida e conhecida; a entrega,
por conta do caminhoneiro, também pessoa conhecida. Hoje, o “ho-
mem de frente” tem que manter todos os seus comandados na linha,
tem que olhar para os lados e ver se os seus concorrentes não estão cres-
cendo em demasia, vendendo mais e tendo mais gente armada na qua-
drilha; tem que cuidar do seu fornecedor, que já não é mais apenas um
homem do caminhão, e pagar-lhe direito. Se não, leva banho, tem a sua
boca tomada ou é simplesmente morto por seus concorrentes de den-
tro e de fora da quadrilha. Ter arma na cintura, matar para não morrer e
pensar apenas no poder de estar à frente de uma quadrilha de homens
são coisas do cotidiano do chefe na sua em geral curta vida.5 Alguns
5 Para se ter uma idéia mais precisa do efeito devastador desse crescimento incontrolado
da destrutividade, cerca de 380 pessoas (das quais 77 são menores) estão envolvidas hoje
no tráfico de drogas dentro do bairro popular estudado, que tem cerca de 40 mil habitantes.
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Os 722 jovens mortos na guerra, em apenas 13 anos, representam a substituição total, por
duas vezes, nesse curto período de tempo, do contingente de traficantes e seus ajudantes
menores.
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6 Entretanto, a presença da Igreja Católica nas organizações locais nunca teve um efeito
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dos para mostrar que também são “espertos”. Ela também facilita a cor-
rupção, pois torna a contabilidade e o controle dos orçamentos públi-
cos cada vez mais difíceis. A própria violência também sofre um proces-
so inflacionário, quando a perda dos valores da vida e do entendimento
fazem com que a moeda da sociabilidade positiva deixe de vigorar. O
social passa a ser regido por uma moeda podre também; e, como no caso
da inflação econômica, também ela necessita de políticas públicas ade-
quadas e da mudança de comportamentos dos agentes sociais.
Por isso mesmo as próprias idéias dos que procuram explicar o fe-
nômeno do aumento de crimes violentos entram no rol das causas e
efeitos entrecruzados, na medida em que afetam as políticas públicas
para combater esse aumento, as quais podem ser eficazes ou não. As-
sim acontece quando a economia informal é apresentada como sinal
de resistência ao mundo disciplinar do trabalho, ao mesmo tempo em
que se torna alternativa para o capitalismo oficial das grandes corpora-
ções nacionais e internacionais. O comércio de rua ou a própria resi-
dência na rua foram até mesmo apresentados como o “espaço de liber-
dade” dos “excluídos”, sejam crianças, adolescentes ou adultos. Mas o
comércio informal das ruas, parte da paisagem do Rio de Janeiro e de
outras cidades brasileiras desde quando os escravos “de ganho” nelas
obtinham dinheiro para seu amo e sua alforria, hoje tem outra feição.
Entre as informais, as atividades ilícitas e ilegais têm agora uma organi-
zação clandestina e poderosa. O mercado informal não é mais apenas
o território do trabalhador autônomo e criativo.
O mesmo se deu quando a atual cultura viril da rua foi comparada
com os tempos heróicos da capoeira, da boemia, da malandragem, sem
se compreender como ela foi profundamente modificada pelo crime
organizado. O banditismo, ao qual se nega esse caráter, passa a ser vis-
to, nessa perspectiva, como revolta de jovens oriundos das classes po-
pulares, no modelo da carência absoluta. A imagem do menino de rua
faminto que rouba para comer torna-se o modelo explicativo para o
pandemônio instalado nas cidades brasileiras. Não se perguntou por
que, em pouco tempo, ao final dos anos 1970, esses meninos passaram
a formar bandos ou galeras para brigar entre si nos bailes, nem por que
apenas uma pequena minoria acabou juntando-se às quadrilhas para
seguir carreiras criminosas de ladrões e traficantes. Revolta, sim, mas
com outras explicações e, do ponto de vista da classe social a que per-
tencem todos, sem causa. Não se podem ignorar os diferentes juízos
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apenas essa figura que ostenta todos os atributos do poder que não ad-
mite oposição — a arma na cintura —, bem como os objetos mais cobi-
çados do consumismo atual — o carro do ano, as roupas de grife, o bri-
lho do pó.
Contudo, mesmo para os que se deixam atrair pelo poder das qua-
drilhas, as ilusões do heroísmo bandido vão-se desfazendo à medida
que eles amadurecem — e, para alguns já precocemente envelhecidos
pelas decepções e enganos e que aderiram circunstancialmente ao es-
tilo de vida criminoso, a permanência neste mundo é plena de dúvidas
quanto aos valores e regras de uma atividade que os põe cotidianamen-
te em contato com a morte, com a guerra. É isso que faz desses indiví-
duos personagens trágicos, em conflito consigo mesmos, com seus par-
ceiros, com suas prováveis vítimas. A autoconsciência desses conflitos
morais, embora esteja longe de ser completa, pode trazer ao conheci-
mento de todos o saber por eles acumulado a respeito das falhas, in-
coerências, discriminações e hipocrisias das instituições jurídicas, bem
como dos terríveis aspectos desse mundo marginal autodestruidor, que
ameaça não apenas a sociedade em torno, mas (e principalmente) os
seus próprios membros. Por participarem ao mesmo tempo dessas ins-
tituições, do mercado, da empresa, da vizinhança pobre e da família,
suas falas registradas em entrevistas iluminam de modo inesperado as
relações e as superposições entre esses vários mundos.
O bandido, mais do que o malandro, é quem se perde numa per-
versão da liberdade na qual o outro não é levado em consideração. O
outro e a sua liberdade não impõem limites à ação individual transgres-
sora do bandido. As regras compartilhadas, porque delimitam a liber-
dade de cada um em prol da liberdade de todos os outros, perdem sua
função de conter os excessos da ação individual. Essa absolutização da
liberdade — “ninguém manda em mim, ninguém me influencia, nin-
guém me sugere” — é, de fato, a negação das exigências que os outros
sempre impõem ao indivíduo e através das quais ele descobre sua li-
berdade limitada, seja por regras morais, seja por leis. A afirmação maior
de um bandido é, inclusive, sua disposição em terminar de vez com a
liberdade alheia — em suas palavras, a “disposição de matar” (Zaluar,
1994a). O bandido precisa ser mau para auto-afirmar-se: não pode he-
sitar diante das ações mais condenáveis, sob pena de ser considerado
um homem emasculado, sentimental, fraco. Mas, como eles mesmos
dizem, é uma ilusão, pois outras regras, as de submissão à vontade do
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A figura do jovem revoltado tem que ser, pois, reexaminada. Seu com-
portamento não se explica pela fome nem pela miséria absoluta. Pelos
seus próprios depoimentos, recolhidos em conversas fora dos inquéri-
tos policiais (Zaluar, 1994a), um grande móvel para sua adesão a esse
tipo de crime é o enriquecimento rápido. Após a gradual conversão aos
valores da violência e da nova organização criminosa montada no uso
constante da arma de fogo, esse jovem descobre os prazeres da vida de
rico e com este se identifica. Seu consumo passa a ser uma cópia exage-
rada, orgiástica do que entende ser o luxo do rico: muita roupa, carros,
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negra (dos que nem chegam ao registro policial). Pouco se sabe ainda
sobre esses personagens que lucram com o crime: quem são, onde vi-
vem, como efetuam seus contatos no submundo e como realizam o seu
projeto de ascensão social. Os efeitos da guerra clandestina já se fazem
sentir na parcela da população que abriga os bandidos identificados
como tal: os que saem das camadas mais pobres da população, os que,
por causa da cor de sua pele, não “se dão bem” e não passam a freqüen-
tar os círculos sociais dos ricos e dos negócios legítimos, os que carre-
gam as armas e se expõem na rua aos riscos de topar com um rival, um
policial ou uma vítima mais bem armados. Como as mortes violentas
atingem principalmente homens jovens em idade produtiva, entre 14 e
39 anos (cerca de 80% das mortes violentas em todo o país), as famílias
se vêem privadas daqueles que seriam os mais importantes contribuin-
tes para a renda familiar. Desse quadro de violência resultam também
os mutilados física e psiquicamente, os que se tornam deficientes e pas-
sam a ser apenas mais um peso para as famílias, especialmente as mais
pobres.
Além disso, a violência, além de piorar a qualidade de vida porque
o medo e a insegurança criam mais um problema para todas as famílias
— pobres, remediadas e ricas —, também piora os já combalidos hos-
pitais e escolas do país. Nos hospitais públicos e conveniados, 888.576
internações são feitas por ano para tratamento de vítimas de acidentes
e crimes violentos, com custos altíssimos para o sistema, que já sofre
pela falta de verbas para atender os doentes, os idosos e as crianças (Za-
luar et al., 1994). Essa falta de verbas, como sabemos, não decorre ape-
nas dos limites das verbas federais disponíveis, mas dos grandes prejuí-
zos causados pelas inúmeras fraudes que continuam ocorrendo na rede
de hospitais do país.
As escolas, por sua vez, além dos problemas de currículo, má for-
mação do professor e baixos salários, têm ainda que enfrentar os efei-
tos do crime organizado sobre crianças e jovens em idade escolar. É sa-
bido que as crianças não podem freqüentar a escola por causa dos
tiroteios nos bairros em que moram ou por causa da rivalidade entre as
quadrilhas do bairro em que residem e as do bairro em que estudam.
Nas escolas é cada vez mais comum o porte de armas entre os estudan-
tes. A própria autoridade do professor foi minada pela valorização do
poder adquirido através da posse de arma e do dinheiro fácil (Guima-
rães e De Paula, 1992), assim como a dos líderes comunitários que po-
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Aqui, como em outros países, a cocaína não era novidade, pois costu-
mava ser vendida livremente em farmácias para uso médico e social.
Hoje, entretanto, o seu significado e o contexto social de seu uso estão
muito mudados: associam-se a uma cultura de valorização do dinheiro,
do poder, da violência e do consumismo. Seu comércio, como alhures,
tornou-se uma enorme fonte de lucros altos e rápidos e de violência. A
demanda que garante os altos lucros do empreendimento é decorrên-
cia de mudanças no estilo de vida e nas concepções do trabalho, do
sofrimento e do futuro. Depois da II Guerra Mundial, o hedonismo co-
locou o prazer e o lazer à frente das preocupações humanas. O jogo, as
drogas e a diversão tornaram-se o objetivo mais importante na vida para
muitos setores da população, especialmente os mais jovens. O crime
organizado desenvolveu-se nos atuais níveis porque tais práticas social-
mente aceitáveis e valorizadas foram proibidas por força da lei, possi-
bilitando níveis inigualáveis de lucros a quem se dispõe a negociar com
esses bens. Os lucros não são gerados pela produtividade ou pela ex-
ploração maior do trabalho, mas pela própria ilegalidade do negócio.
A organização internacional é complexa, cambiante, móvel e de-
pendente das armas para a resolução de conflitos comerciais, traições
aos princípios e regras da organização ou questões pessoais. No seu seg-
mento menor, mais desorganizado e mais superficial — o dos jovens
encarregados da distribuição e entrega da droga ao consumidor —, o
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7 Estudo recentemente publicado nos Estados Unidos demonstra que, apesar de o trafican-
te estar sujeito a punições severas que têm um aspecto simbólico claro, os autores de ou-
tros delitos menos graves relacionados às drogas também sofrem com a severidade cres-
cente das penas. Nesse processo, o tratamento diferencial nas cortes americanas devido à
raça dos réus aumentou, prejudicando os negros, mais facilmente identificados com os
traficantes perniciosos.
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* Texto escrito em parceria com Maria Cristina Leal, publicado anteriormente na Revista Bra-
sileira de Estudos Pedagógicos (Brasília: MEC-Inep, n. 188/189/190, p. 157-194, 1998) e revisto
para este livro, excluindo trechos repetidos em outros textos aqui também reproduzidos.
8 Folha de S. Paulo, 18 jun. 1996. p. 1-8.
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de 5.384km2 do estado do Rio de Janeiro. Nessa área vivia, até 1991, uma população estimada
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em 9.600.528 habitantes, dos quais 4.587.902 (47%) eram homens, e 5.012.626 (52,2%),
mulheres, segundo dados do IBGE (Censo de 1980). Essa população apresentava a seguinte
distribuição em função da cor da pele: brancos (59,30%); negros (5,87%); pardos (29,86%);
sem declaração (4,86%), caracterizando-se, portanto, o predomínio da população branca,
seguida da de pardos. As principais atividades econômicas da região metropolitana são:
indústrias química, metalúrgica, têxtil, de plásticos e de alimentos, transportes, comércio
varejista e atacadista, serviços e atividade portuária. Dentro da região metropolitana sele-
cionamos três municípios e em cada um deles identificamos áreas pobres para realizar a
pesquisa. Os municípios selecionados foram: Rio de Janeiro, caracterizado por alta con-
centração populacional e índices preocupantes de crimes violentos, desemprego e pobre-
za, além de urbanização desordenada na proliferação e crescimento de favelas, mas que
tem a maior rede de ensino público do país, além de cerca de 18 universidades e socieda-
des de ensino universitário, entre as quais cinco universidades federais e uma estadual;
Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, tradicional cidade-dormitório, também conhe-
cida por significativos índices de miséria e violência; São Gonçalo, uma das áreas que regis-
trou, nas três últimas décadas, crescimento populacional acentuado, urbanização descon-
trolada e numerosos bolsões de pobreza.
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Metodologia
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Amostra
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10 Sobre a violência intra e extramuros escolares, na sua perversa articulação, ver Guima-
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lada pelos professores, que se queixam de ter que ensinar atitudes que
deveriam vir de casa. Porém, os pais (23%), mais do que os alunos (12%),
concebem a educação como tal. Além disso, quando se analisam as re-
presentações acerca de onde se educa e quem educa, a queixa dos pro-
fessores não tem fundamento: 70% dos alunos e 85% dos responsáveis
consideram que na família se educa mais do que na escola. A escola foi
mencionada por 29% dos alunos e 13% dos responsáveis, ou seja, estes
reconheceram mais do que os alunos a importância da educação em
casa. Os docentes, ao contrário, acham que eles próprios são os princi-
pais agentes da educação (57%), mas atribuem essa função aos pais em
43% das entrevistas. Isso mostra que os responsáveis não ignoram suas
responsabilidades e obrigações, mas sofrem os limites impostos pela
situação de vida extremamente dura nas famílias pobres.
Esses dados se complementam com a afirmação de que quem edu-
ca é a mãe (58% dos meninos, 75% das meninas e 79% dos responsá-
veis). Em segundo lugar, para os alunos (20%) e para os responsáveis
(15%), estaria o professor, muito mais importante para os meninos (31%)
do que para as meninas (13%). Os alunos do Ciep valorizam mais o pro-
fessor: para 72% dos alunos da escola comum e para 63% dos alunos do
Ciep, a mãe é quem educa, vindo em seguida o professor (18% dos alu-
nos da escola comum e 22% dos do Ciep). As menções ao pai como edu-
cador são mais numerosas entre os meninos (8%) do que entre as me-
ninas (4%), assim como entre os responsáveis (3%), o que não é de
surpreender, pois os poucos pais entrevistados delegavam tal respon-
sabilidade à mãe, que quase sempre a assumia. A própria dificuldade
de conseguir que os pais, mesmo presentes, concedessem entrevistas
já é conseqüência dessa arraigada representação popular, pois nota-se
que, apesar da entrada maciça das mulheres no mercado de trabalho,
pouco mudaram as idéias acerca dos papéis complementares dentro
da família, fato ainda agravado pela fácil dissolubilidade dos casamen-
tos e o aumento do número de famílias em que a mãe é o único elo
entre os irmãos criados juntos.
Na educação entendida no seu sentido mais amplo, a escola tem,
pois, maior importância para os meninos, embora eles sejam menos apli-
cados do que as meninas, o que por si já exige uma reflexão sobre essa
incongruência. A importância da figura masculina para os meninos e o
fato de ela se fazer menos presente que a figura da mãe ou da professora
podem talvez explicar os problemas apresentados pelos meninos na es-
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— Ah! Mas já perguntei a ela: qual a causa de você não querer ficar mais
no Laguna? Ela respondeu: “mãe, não é a tia, a merenda pra mim é óti-
ma, mas tem uma coisa: as tias não sabem. As colegas têm vícios e já
tentaram fazer até com que eu faça o que elas fazem”. Aí eu perguntei:
mas que vício? Ela respondeu: “não é cigarro, é um pozinho branco que
as meninas colocam na mão dentro de um papel e ficam cheirando no
banheiro e mandaram eu cheirar várias vezes. A senhora sabe me dizer o
que é isso?” Eu falei pra ela: isso é um tipo de tóxico, droga que as profes-
soras e os diretores de repente não estão nem sabendo. Onde é que eles
fazem isso? Ela me falou: “mãe, é no banheiro, a tia nem sabe”. E você
não falou ainda com a tia? “Mãe, eles ameaçam a gente, se eu falar que
eu vi... lá fora eles vão me bater, eles me ameaçam... Ah! Se você contar,
eu vou te arrebentar”. Sabe que criança tem medo. Fica com aquele re-
ceio e não fala. E aí o problema vai crescendo...
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11 Para o conceito de “exclusão”, ver o debate entre Rosanvallon (1995) e Castel (1995). En-
quanto o primeiro o reserva para aqueles que são marginalizados em todos os setores da
vida econômica, social e política do país, o segundo prefere o termo “desafiliação”, que a
seu ver passaria por diferentes processos. Em cada setor ou esfera haveria processos e gru-
pos específicos de excluídos, como, por exemplo, os usuários de droga, os desempregados,
os imigrantes, os negros, os idosos, os doentes mentais. Ambos, no entanto, propõem no-
vas formas de inserção, todas elas compreendendo contrapartidas pela proteção ou ajuda
recebida, assim evitando os problemas da cidadania passiva do Estado assistencial.
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R: — Implica porque eu tenho que botar explicadora para ela não ficar
vazia, né? [responsável na Mangueira].
R: — Inclusive alunos nossos, por exemplo, se ausentam. A gente vai
saber o que é... É porque a mãe está preocupada porque ele está sendo
ameaçado. Eu tenho aluno do pedagógico que foi para o interior do país,
ficou um tempo, voltou agora, voltou porque a gente ficou insistindo,
insistindo, mandava recado. Até mudou de aparência, o cabelo mudou...
para poder freqüentar a escola... [diretor de escola em Jardim Catarina].
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que entre os alunos (17%) e as alunas (11%). Apenas três alunos e seis
responsáveis disseram que o trabalho vem primeiro que o estudo.
Isso confirma uma vez mais a importância da educação para o se-
tor mais pobre da população do Rio de Janeiro, assim como a impor-
tância do trabalho para todos os tipos de alunos, o que sugere que a
obrigação de horário integral se torna um problema para muitos deles.
Por isso mesmo é chocante descobrir que poucos alunos estão de fato
freqüentando cursos profissionalizantes (cerca de 17% de todos os alu-
nos), e que, embora almejem profissões de maior prestígio social, eles
vislumbram uma realidade bem mais dura no futuro. Nesse aspecto o
Ciep mostra superioridade sobre a escola comum: 25% de seus alunos
entrevistados freqüentavam ou sabiam da existência de cursos profis-
sionalizantes, contra apenas 10% dos da escola comum. As profissões
mais desejadas pelos alunos revelam fortes diferenças de gênero, as
quais, por sua vez, explicam as discrepâncias observadas entre os alu-
nos do Ciep, onde predominam mulheres, e os da escola comum, onde
está o maior percentual de homens: 26% das meninas, ou 27% dos alu-
nos do Ciep, e 23% dos meninos, ou 23% dos alunos da escola comum,
querem seguir profissões liberais (médico, engenheiro, advogado); 21%
das meninas, ou 19% dos alunos do Ciep, e 4% dos meninos, ou 7% dos
alunos da escola comum, querem ser professores; e 12% dos meninos,
ou 12% dos alunos da escola comum, almejam seguir a carreira de mili-
tar. Mas quebram esse acordo as profissões de jogador de futebol e es-
portista, desejadas por 15% dos meninos e 10% dos alunos do Ciep, e de
secretária e modelo, almejadas por 21% das meninas, divididas em iguais
percentuais nas escolas comuns e nos Cieps. Ou seja, em termos de as-
piração, a escola não parece travar o sonho de profissões reconhecidas
e que não são marcadas pelo gênero, como as de professor ou profissio-
nal liberal, mas também não inibe o sonho das meninas de se transfor-
marem em modelos ou secretárias, profissões associadas ao desempe-
nho feminino, nem o sonho dos meninos com as glórias militares. Só o
Ciep parece estimular, por cima das diferenças criadas pelo gênero na
sociedade brasileira, o desejo de meninos e meninas de serem espor-
tistas profissionais.
Quando falam da profissão mais provável, os meninos, tanto do
Ciep quanto da escola comum, são os menos otimistas em relação a al-
cançar o seu sonho: 31% deles acreditam que se tornarão de fato opera-
dores manuais de pouca qualificação, enquanto apenas 4% das meni-
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P: — O que mudou na sua vida depois que você entrou para a Igreja?
R: — Mudou o que eu vejo do mundo, não é uma coisa boa, não é uma
coisa importante. A Igreja é totalmente diferente do mundo.
P: — Como assim?
R: — Por exemplo, eu vou muito à Igreja porque eu gosto de cantar na
mocidade, do ambiente de lá, das pessoas. Lá é totalmente diferente do
mundo. É assim, eu não sei como eu posso te explicar. O mundo tem
muitas coisas para você fazer, você vai ao baile, você vai para o pagode,
você bebe cerveja, sua vida acaba se estragando, teu corpo... muitas coi-
sas acontecem. Na Igreja, não. Você já é uma pessoa mais calma. Já é
uma pessoa mais atenciosa naquilo que você quer, entendeu? Quando
você está no mundo só quer saber de bailes, essas coisas todas... Eu es-
tou gostando mais da Igreja, sempre gostei. Eu amo a Deus, eu amo Je-
sus e é por isso que eu sigo a Igreja...
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Essa entrevista revela com clareza alguns dos equívocos com rela-
ção à problemática do gênero decorrentes da teoria da violência sim-
bólica nas escolas, pois não é em casa nem na escola que o menino no
Rio de Janeiro está interiorizando os valores da virilidade que o fazem
responder a desafios através da violência física, e sim na rua, na neces-
sidade de participar das lutas de galeras e turmas do bairro. Por isso
mesmo, a supervalorização de uma suposta cultura popular idealizada
acaba por impedir que se critiquem os seus códigos segundo os quais
vence o mais forte, enquanto os outros vivem discriminados, humilha-
dos e com medo. Essa “cultura popular” também está longe de ser con-
sensual. Na verdade, é mais um “estilo jovem” da cultura de massas con-
temporânea, na qual a comercialização da música, do vestuário e de
outras formas de consumo cultural é fundamental (Hall, 1980). Esse es-
tilo é, pois, restrito a uma faixa de idade e de escolhas de consumo de
massa e tem pouco a ver com uma cultura de classe. É muito mais um
dos efeitos de uma cadeia complexa que vincula o estilo violento a uma
conjuntura do crime organizado em torno do tráfico de drogas e de ar-
mas em várias cidades brasileiras (Zaluar, 1996).
As mães entrevistadas temem que seu filho se torne “teleguiado
por outra cabeça”, quando a própria criança, ainda sem autonomia
moral, “não vai pela cabeça dela, vai sempre pela cabeça dos outros”,
“pega vício”, “rouba”, “perde-se, vai para o mau caminho”. Várias foram
as narrativas trágicas de jovens que acabaram envolvidos pelas quadri-
lhas hoje existentes em todos os bairros. Alguns entrevistados haviam
deixado o município do Rio de Janeiro para ir viver em outro lugar mais
tranqüilo, mas acabaram encontrando a mesma violência. Como disse
uma aluna de 13 anos do Ciep de Jardim Catarina, São Gonçalo:
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em casa esse cara, e meu avô perguntou, e ele falou que mataram ele...
Aí meu pai foi no IML, viu ele, mas não queria dizer pra minha mãe, que
ela já estava ficando maluca, estava batendo em todo mundo... Que o
moço falou que um dia eles pegaram e começaram a judiar do meu ir-
mão, para ele vender o negócio, aí meu irmão não queria mais fazer isso,
e eles obrigaram, que se ele não fizesse isso iam pegar eu e minha irmã.
Aí eles foram e pegaram o meu irmão. Meu irmão queria sair, meu irmão
falou: “Então me mata, mas não faz nada com as minhas irmãs”. Aí ma-
taram ele.
Educação e trabalho
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— Aqui eles vivem brigando um com o outro: “Olha, vou te matar, hein?
Você vai ver, vou pegar um revólver e vou te matar!” Eles só falam coisas
assim, nesse nível... São alunos problemáticos. A gente classifica como
alunos problemáticos os que não têm boa sociabilidade. Alunos que não
têm boa adaptação. A sociabilidade deles é muito agressiva.
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R: — Eu acho que, pela idade, ela não está sabendo quase nada. Ela faz
dois anos agora de colégio, mas não está sabendo quase nada.
P: — E a senhora acha que o problema é dela ou da escola?
R: — Eu acho que é dela, porque a gente acaba de ensinar, eu ensino
muito em casa, daí a pouco ela não sabe mais aquilo. Eu acho que é da
mente dela mesmo...
P: — A senhora acha que a escola é boa?
R: — Eu acho que a escola não tem nada, apesar de que eles brincam
muito... Eu acho que é dela mesmo, uma garota com oito anos que não
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tem noção de quase nada... Ela é assim muito lerda, não é uma criança
muito ativa para aprender.
P: — Todo ano ela passa?
R: — Porque eu acho que em colégio assim, no Ciep, a criança não repe-
te de ano, não.
P: — O que a senhora acha disso?
R: — Eu acho que não é muito certo... porque a criança, no caso, tem que
passar sabendo, né? Ela fez o ano passado, fez a alfa e passou para a 1a,
mas eu acho que ela não tem condições de ficar na 1a. Então eu acho que
isso aí não é o certo. Porque achava melhor ela ficar fazendo a alfa esse
ano e, no ano que vem, passar para a 1a. Eles explicaram que o colégio
Ciep é assim mesmo. Todo ano a criança passa, mas tem mãe que recla-
ma, e eles falam assim: “Não, é isso mesmo”. Mas eu acho que não tem
condições.
Da parte dos diretores, que tendem a dizer que têm muito pouco
respaldo das instâncias superiores, a maior queixa é a falta de recursos
materiais e, principalmente, humanos nas escolas. Muitos professores
estão deixando a rede devido aos baixos salários. A situação se agrava
porque não há esperança de reposição, a curto ou médio prazos, de
professores que abandonam o magistério. Daí a direção da escola lançar
mão do professor colaborador, pedir professor emprestado em outras es-
colas, solicitar ao professor de alguma matéria semelhante que quebre
um galho.
Apesar disso, em suas críticas ao ensino, os docentes reconhecem
o distanciamento entre a escola, os responsáveis e os alunos, e tendem
a culpar estes últimos: não acompanham a matéria (24%) ou são desin-
teressados (14%). Isso é agravado pela falta de maior contato entre res-
ponsáveis e professores (14%). As críticas dos docentes se referem so-
bretudo às turmas grandes (14%) e à aprovação automática (10%).
As sucessivas repetências foram igualmente assinaladas apenas
pelas meninas, o que indica que, para elas, ter êxito nos estudos é mais
importante para continuar a estudar do que para os meninos, apesar
de eles repetirem muito mais do que elas. Por isso mesmo, sair da esco-
la para trabalhar é mais comum entre as meninas, o que também pode
ser explicado pela maior facilidade de obter emprego doméstico, desti-
no de muitas delas.
Mas para alguns entrevistados a evasão é atribuída ao fato de o
professor cobrar demais do aluno:
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— Nós tínhamos aqui uns alunos — a minoria, graças a Deus — que não
passavam de ano. Então você notava. Um dia eu fui agarrar um menino
que estava correndo e então me deu nervoso porque eu senti a pele no
osso... Dá uma sensação assim... É a mesma coisa quando você pega um
sapo... [uma diretora, destacando a carência física].
— Essas crianças são engraçadas; elas aprendem, assim, momentanea-
mente; fazem o primeiro exercício, têm dificuldade, aí fazem um segun-
do, fazem um terceiro... aí fazem o resto. Mas daqui a dois, três dias, ele
já possui certa dificuldade naquilo. O raciocínio deles é meio lento... A
verdade é que eles têm dificuldade de aprender [diretora em Duque de
Caxias, falando da carência intelectual].
— A cultura deles é negativa... A gente aqui dentro procura moldá-los,
né? A gente sempre procura levá-los ao teatro, quando tem uma promo-
ção, para eles se socializarem, para eles terem outra visão na vida [de-
poimento de uma diretora sobre a carência cultural].
— O Rio está entregue à violência... As crianças que não têm essa violên-
cia, que não têm essa realidade, aprendem porque escutam o papo dos
amiguinhos. Eles ficam, vamos dizer, numa contaminação entre aspas
[depoimento de uma diretora sobre a carência moral].
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— E agora entrou uma lei do governo... que a criança, tanto faz saber ler
como não saber, tem que passar [bate nas pernas, mostrando indigna-
ção]. Eu acho isso incrível... se você não souber, você passa, a professora
falou, o diretor falou lá, modificou tudo.
P: — A senhora acha isso bom?
R: — Não, acho isso péssimo. Se a criança não tem condições de passar
de ano, ela tem que voltar tudo de novo. Eles não podem botar na rua,
eles têm que dar pelo menos uma chance àquela criança, entendeu? En-
tão foi por isso que eles saíram, e eu tive que botar em outro colégio [par-
ticular], aí passaram, e eu tornei a colocá-los aí [na escola pública co-
mum].
Considerações finais
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Qualidade de dados:
políticas públicas eficazes e democracia*
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14 Para se ter uma idéia da magnitude do problema, só em 1990 houve 100 mil mortes vio-
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rentes causas, a saber: acidentes de transporte, outros acidentes, suicídio, homicídio e ou-
tras violências. Por violência entende-se, nessa classificação oficial, a mesma definição usada
em outros países, isto é, as “conseqüências de golpes, feridas e traumatismos resultantes de
intervenções exteriores e brutais” (Chesnais, 1981), sendo que estas podem ser intencional
ou acidentalmente infligidas.
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16 Jorge (1988) fez um interessante estudo mostrando que o atestado de óbito tende a privi-
legiar a natureza da lesão, e não a circunstância do evento, além de não caracterizar a víti-
ma do acidente de trânsito — se motociclista, ciclista, passageiro etc. —, mas apenas o tipo
de veículo envolvido. Isso foi finalmente mudado na CID 10, que tem mais categorias do
que a anterior, mas persiste o primeiro problema, além do fato de as informações do BO
não serem incluídas no atestado.
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Nos hospitais públicos e conveniados, são feitas anualmente 888.576 internações para tra-
tamento de vítimas de acidentes e crimes violentos, com custos altíssimos para o sistema
(R$287 milhões por ano), que já sofre com a falta de verbas para atender os doentes, os
idosos e as crianças.
18 À guisa de comparação, as mortes violentas correspondem a 3,4% do total de mortes
entre crianças.
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oficiais deve ser discutido. Em muitas pesquisas, ele tem sua abrangên-
cia reduzida: apenas os menores de idade para a responsabilidade pe-
nal, no Brasil fixada em 18 anos, são considerados jovens. Ora, a juven-
tude tem mais amplitude no senso comum, incluindo os “confiáveis de
menos de 30 anos”, segundo a música de tanto sucesso da década de
1970. Não utilizar o conceito juridicamente mais preciso de “menor”
revela o quanto esse termo tornou-se pejorativo e carregado de conota-
ções por conta dos preconceitos a ele associados. A adolescência, do
ponto de vista da psicologia ou da medicina, também vai bem mais além
dos 18 anos. Alguns autores chegam a apontar como uma das caracte-
rísticas da atual época pós-industrial ou pós-moderna o prolongamen-
to da adolescência, enquanto fase intermediária de dependência dos
pais, resultante das maiores exigências educacionais. Esses cortes, con-
seqüentemente, também têm a ver com a classe social, pois a infância e
a adolescência não têm a mesma duração entre trabalhadores pobres
que não usufruem ainda de um sistema escolar igualitário e universal.
Assim sendo, o corte da população jovem nos 18 anos só deixa de ser
arbitrário pelo fato de a menoridade jurídica estar fixada nessa idade.
Em parte por causa disso, a comparação com pesquisas qualitativas
complica-se porque os referentes do termo jovem não são os mesmos.
A utilização de classes de idade torna-se assim muito importante, o que
significa dizer que o registro correto da idade da vítima ou do autor de
atos violentos ou criminosos é absolutamente crucial para que possa-
mos fazer comparações e generalizar para outros casos, como a opera-
ção teórica exige.
O item raça apresenta aspectos ainda mais complicados porque
as concepções do senso comum variam amplamente, sendo múltiplas
as possibilidades de combinação existentes num país altamente
miscigenado. Nesse item os dados oficiais de criminalidade são parti-
cularmente falhos.19 Isso tem conseqüências importantes para a políti-
ca pública.
19Cabe aqui um reparo com relação ao critério de classificação de negros e brancos. Esse
critério é externo às identificações grupais, pois não é feito pela população. Tomando por
base as informações contidas nos registros policiais e, portanto, dependendo dos critérios
dos policiais, muitos investigadores agrupam todos os pardos na classificação “negros”, o
que é uma audácia até mesmo do ponto de vista da cor da pele. Disso resulta uma divisão
bipolar da população entre brancos e negros, “à la” América do Norte, muito distinta da-
quela que preside o imaginário e o sistema de classificação gradual e situacional da popu-
lação brasileira.
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20 As redes sociais desses personagens são muito importantes para o estudo de vários pro-
blemas de saúde pública, tais como a disseminação do vírus da Aids por uso de drogas
injetáveis (Bastos, 1995) ou as internações e mortes por causas externas, cujos números e
custos econômicos, políticos e morais têm aumentado muito nos últimos 20 anos.
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21 Convém não exagerar, porém, a importância desse dado, visto que, na mesma página do
documento, se revela que os analfabetos participam em 5,68% dos crimes registrados, mas
correspondem a apenas 1,6% da população na cidade de São Paulo. Ou seja, os analfabetos
jovens estão presentes nos registros quatro vezes mais do que na população paulistana.
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nações das estruturas que fazem das pessoas meros fantoches do eco-
nômico. Opta-se pelo modelo interacional onde um conjunto de ações
desencadeia uma cadeia de efeitos que se cruzam entre si, formando
“configurações” (Elias, 1997) ou “constelações” (Adorno, 1973) nas quais
se mantêm as tensões e disparidades internas, em vez de sistemas in-
ternamente solidários. Esses arranjos sempre renovados são mais afins
com os nexos de sentido com que se lida nos fenômenos sociais, feitos
de processos complexos e entrelaçados de coisas e representações, fa-
tos e sentidos pensados, construídos e vividos por agentes. A idéia de
causalidade baseada em eventos sucessivos é, pois, inadequada por não
considerar a simultaneidade e a retroalimentação, tampouco o caráter
interativo e construído dos significados atribuídos ao que é vivenciado
pelas pessoas e que se transmite pelo contágio ou difusão das idéias e
hábitos (Sperber, 1997), ainda mais acelerados nos tempos atuais de fácil
comunicação planetária. No modelo interacional, que considera os
comportamentos em interconexão, a causalidade flui entre eles, o que
permite falar de complexidade, termo cada vez mais presente no dis-
curso dos que pensam sobre os novos processos globais de difusão cul-
tural, seja de novos estilos de consumo, seja de padrões comportamen-
tais, inclusive o da manifestação violenta nas cidades onde os efeitos da
globalização estão presentes (Castels e Mollenkopf, 1992; Sassen, 1991;
Sullivan, 1992; Gendrot, 1994; Zukin, 1995; Maillard, 1997). A metáfora
do fio da meada deve ser substituída pelos padrões de uma complicada
e variada tessitura em que fluxos e discursos se entrecruzam, se alimen-
tando e tensionando mutuamente. Nessa tessitura permanece a tensão
entre a subjetividade e a objetividade, principal desafio do pensamen-
to sociológico hoje (Giddens, 1992; Ricoeur, 1969, 1986).
Nos anos 1980, o Brasil conheceu em quase todos os estados e gran-
des cidades, mas principalmente nas regiões metropolitanas (São Pau-
lo, Rio de Janeiro, Salvador, Belo Horizonte, Recife, Porto Alegre, Brasí-
lia), um novo crescimento da criminalidade. No início do século, no
primeiro período republicano, quando houve outro surto notável de
criminalidade, predominaram os roubos, os furtos, as vinganças priva-
das ou os “crimes de sangue”, cometidos entre conhecidos em espaços
privados, como aconteceu em outros países da Europa (Fatela, 1989).
Após um período de relativa tranqüilidade no pós-guerra, durante a
década de 1980, assim como ocorrera na França e em outros países nos
anos 1960 (Lagrange, 1995), os crimes violentos, especialmente o assal-
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22 O conceito de rede assume dois significados principais nos estudos relativos ao tráfico de
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ção, aplica-se especialmente aos níveis mais baixos do tráfico de drogas, que, ao contrário
dos negociantes atacadistas e grandes financistas do tráfico, que tendem à centralização e
à hierarquia em cartéis e máfias, têm uma intricada malha descentralizada, de difícil con-
trole pela estrutura de gerenciamento do negócio em grandes números e poderosas hierar-
quias (UNDCP, 1997).
23 O conceito de crime organizado está imbricado no de máfia e é objeto de interminável
polêmica iniciada no século passado, seja com referência ao seu caráter organizado ou de-
sorganizado (Arlachi, 1986; Reuter, 1986; Calvi, 1993; Bettancourt e Garcia, 1994; Tullis, 1995;
Labrousse e Koutousis, 1996), seja com referência ao seu estatuto de crime ou trabalho ou
empresa (Reuter, 1986; Thoumi, 1994; Bettancourt e Garcia, 1994). De qualquer modo, não
resta dúvida de que se trata de um conjunto de atividades em rede que tem um componen-
te de empreendimento econômico, ou seja, implica atividades que se repetem ao longo do
tempo (mesmo sem a disciplina, a regularidade e os direitos jurídicos do mundo do traba-
lho), visando ao lucro (tanto mais fácil e alto quanto mais bem colocado se está na rede de
intermediários e atacadistas) e utilizando moedas variáveis nas trocas baseadas em carac-
terísticas comuns às relações secretas ou subterrâneas, bem como valendo-se do escambo.
Parte da dificuldade em se chegar a um acordo está no fato de que muitos procuram uma
organização burocrática proto-estatal na qual haveria controle dos conflitos internos de
modo a evitar homicídios e guerras. O crime organizado não tem organização burocrática,
mas um eficaz sistema de punição mortal dos faltosos e desafiadores, assim como uma
rede de conexões pessoais, além de um sistema de distribuição dos serviços e mercadorias
que são objeto de suas práticas ilícitas e ilegais.
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24 Em todo o mundo, a existência de leis que proíbem tais atividades, também moralmente
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das na troca com as drogas ilegais, chegam ao seu destino final no Para-
guai e na Bolívia, passando pelo interior de São Paulo (Geffray, 1996). A
corrupção e a política institucional, predominantemente baseada em
táticas repressivas da população pobre, adicionam mais efeitos negati-
vos à já atribulada existência dos pobres. A conivência e a participação
de policiais e outros atores políticos importantes na rede do crime or-
ganizado é peça fundamental na resolução do quebra-cabeça em que
se constituiu a repentina explosão da violência no Brasil a partir do fi-
nal da década de 1970 (Zaluar, 1994b; Lins, 1997).
Outra peça é o envolvimento de jovens, nem sempre os mais des-
tituídos, com os grupos criminosos, onde ficaram à mercê das rigorosas
regras que proíbem a traição e o desvio de quaisquer recursos, por mí-
nimos que sejam. Entre esses jovens, no entanto, são os mais destituí-
dos que portam o estigma de eternos suspeitos, portanto incrimináveis,
quando são usuários de drogas, aos olhos discriminatórios das agên-
cias de controle institucional. Com uma agravante: os policiais corrup-
tos agem como grupos de extorsão que pouca diferença guardam com
os grupos de extermínio que se formam com o objetivo de matar esses
jovens. Quadrilhas de traficantes e assaltantes não usam métodos dife-
rentes dos primeiros, e tudo leva a crer que a luta pelo butim entre eles
estaria levando à morte os seus jovens peões. Todas as entrevistas com
os jovens envolvidos pelas quadrilhas na Cidade de Deus, conjunto ha-
bitacional popular no Rio de Janeiro, feitas pela equipe de pesquisa que
coordenei entre 1987 e 1991, mencionaram o mesmo esquema de ex-
torsão e terror por parte de policiais da região, bem como a imposição
dos traficantes para que os pequenos ladrões dividissem o produto de
seu roubo (Zaluar, 1994d; Lins, 1997). No esquema de extorsão e nas
dívidas contraídas com os traficantes, os jovens que começaram como
usuários de drogas foram levados a roubar, assaltar e às vezes até matar
para pagar aqueles que os ameaçavam de morte — policiais ou trafi-
cantes — caso não conseguissem saldar a dívida. Muitos deles acaba-
vam tornando-se membros de quadrilhas, seja para pagar dívidas, seja
para se sentirem mais fortes diante dos inimigos criados, afundando
cada vez mais nesse círculo diabólico que eles próprios denominam
“condomínio do diabo”.
Na atividade altamente rendosa do tráfico no varejo, traficantes
médios, donos de vários pontos-de-venda, realizam grandes lucros: com
a venda de apenas 200 gramas de cocaína pagam um quilo ao “matuto”
160
25 Por causa da facilidade e do nível de lucros daqueles que se envolvem no tráfico, seja
qual for a sua classe social, gênero ou nível de renda, os policiais brasileiros afirmam: “Quem
trafica uma vez sempre volta”. Mas isso não quer dizer que não haja quem trafique “por
necessidade”. No tráfico capilarizado nas pontas nos bairros pobres e nos centros de boemia,
muitas mulheres, mais comumente ex-prostitutas ou de profissões de baixa qualificação,
como manicuras, faxineiras etc., são também vendedoras.
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26 O fluxo refere-se à seqüência dos vários registros envolvendo acusações criminais a pes-
soas dentro do sistema de justiça e que começa com o boletim ou registro de ocorrência
(BO ou RO), passando pelo inquérito policial, que pode ou não se transformar em denún-
cia judicial, por sua vez ocasionando ou não a abertura de um processo judicial que termi-
na com o julgamento ou o arquivamento.
164
meiro referente ao tráfico, o segundo ao uso e posse de drogas. A pesquisa foi feita no rico
município de Campinas, no interior do estado de São Paulo, que em 1996 tinha 907.995
habitantes, atendidos por apenas quatro varas criminais, e no município do Rio de Janeiro,
165
a segunda maior cidade do Brasil, com cerca de 6 milhões de habitantes, onde existem 38
varas. Foram levantados os processos cujos resultados estavam registrados nos Livros de
Tombo dessas varas entre 1980 e 1991, com algumas características dos réus, tais como ida-
de, gênero, profissão declarada. Posteriormente foram feitas entrevistas com advogados,
promotores, juízes, defensores públicos e prisioneiros. No Rio de Janeiro, nove das varas
não puderam ser investigadas, mas o estudo aprofundado de 364 processos relativos aos
crimes de droga de 1991 permitiu acrescentar itens referentes a cor do réu, condição de
defesa e provas materiais constantes no auto de prisão em flagrante (APF).
28 Esse processo, como nos Estados Unidos, contribui para a superpopulação das peniten-
ciárias e adiciona ainda mais descrédito às nossas instituições penais e à Justiça. “A cadeia
está cheia de inocentes”: eis uma frase muito ouvida nas entrevistas feitas pela equipe de
pesquisa.
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29 Segundo o art. 200 do Código Penal, a confissão no interrogatório policial “será divisível
e retratável, sem prejuízo do livre convencimento do juiz, fundado no exame das provas,
em conjunto”.
167
30 O jornal Folha de S. Paulo (16 abr. 1995) fez pesquisa atestando o aumento da participa-
ção feminina no registro das infrações: de 10% em 1993 para 30% em 1995. Esse aumento se
explica porque a prostituição ficou menos rentável devido ao pânico gerado pela Aids e
porque houve uma estratégia dos traficantes de envolver as mulheres na rede de circulação
da droga ilegal por despertarem menos suspeita. Os processos examinados envolviam
mulheres chefes de família, com vários filhos de diferentes pais e que vendiam “por neces-
sidade”, e não “por ambição”, como fariam os homens, segundo elas.
31 O levantamento dos Livros de Tombo das numerosas varas criminais do Rio de Janeiro foi
feito pelos assistentes de pesquisa Jorge Luís Carvalho de Nascimento, Luís Fernando Al-
meida Pereira, Laerte Vallerini e Ana Paula Ribeiro.
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32 Feitas por Beatriz Labate, assim como o levantamento do Livro de Tombo das varas cri-
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detenção, entrou em vigor em 2001 outra lei (no 10.259) que aumentou
o prazo da pena para dois anos, ou seja, alcançou o delito de uso nos
juizados especiais no âmbito da Justiça Federal. Essa lei, a princípio,
seria apenas para delitos julgados na Justiça Federal, mas os juízes a
aplicam também no âmbito estadual, evitando encher as prisões com
jovens que necessitam outro tipo de atendimento do Estado. Mas ela
não resolve todos os efeitos do uso descontrolado que caracteriza a re-
lação do dependente químico com a droga. A perspectiva de uma polí-
tica pública eficaz não pode, portanto, deixar de lado a prevenção e o
tratamento de usuários pesados.
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* Texto publicado anteriormente em Galeras cariocas (Vianna, 1997) e revisto para este livro.
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33 Mesmo hoje, a segregação nos bairros das cidades americanas é marcante. Estudo sobre
um bairro de Chicago mostra a sua rápida transformação quando alguns negros foram lá
morar: em poucos anos, a população negra correspondia a 98% do bairro (Gendrot, 1994).
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34 Os dados são impressionantes. Na Inglaterra, houve 88 agressões por 100 mil habitantes
em 1914, quando a taxa de pobreza ainda era muito alta nas cidades. Esse número subiu a
partir de 1960, chegando a 600 por 100 mil habitantes em 1980 e a 850 em 1989, o que repre-
senta um crescimento de 800%. Os roubos com violência (robbery) subiram de 0,5 por 100
mil habitantes em 1914 para 50 em 1980, ou seja, a taxa aumentou 100 vezes; os homicídios
subiram de 0,5 por 100 mil habitantes em 1914 para 1,1 em 1987, ou seja, um aumento de
100%. Na França, a estatística policial revela o aumento da delinqüência já nos anos 1960,
mas seus índices subiram mais rapidamente nos anos 1970: de 1963 a 1989, os roubos com
violência aumentaram 20 vezes. Entre 1976 e 1986, os roubos em recintos fechados aumen-
taram 110%, os assaltos à mão armada, 110%, os roubos, 130%, o tráfico e consumo de dro-
gas, 100%, enquanto os homicídios voluntários subiram 250% entre 1963 e 1989 (Lagrange,
1995:145).
182
35 O autor mais conhecido dessa corrente é David Matza, que critica o que ele denomina o
“delinqüente positivo”, ou seja, o determinado pelas teorias que, baseadas nos diferenciais
de taxas de delinqüência por classe, etnia e residência urbana, prevêem muito mais delin-
qüência do que realmente ocorre. Entre os jovens, haveria uma alta freqüência de recupe-
ração espontânea (entre 60 e 85%), visto que o compromisso deles com as “subculturas”
que requerem o desrespeito à lei não é nem uma poderosa coação nem uma obrigação. Daí
o caráter, para dizer o mínimo, intermitente e transitório da delinqüência juvenil que ele
prefere denominar “deriva”.
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36 Chesnais afirma que Paris teve um aumento de violência mítico na primeira metade do
século XIX porque estava sobretudo na imaginação dos que escreviam a respeito da cidade
e tinham medo das massas ou dos jovens camponeses recém-chegados. De 1825 a 1970,
período em que a cidade mais cresceu com a migração, a taxa de homicídio diminuiu pela
metade. Paris só se tornaria verdadeiramente perigosa em torno de 1900, quando a violência,
185
crescente até as vésperas da I Guerra Mundial, tornou a probabilidade de alguém ser assas-
sinado duas vezes maior na cidade do que no campo.
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37 Os dados são os seguintes: 3,4/100 mil em 1910-13; 1,9/100 mil em 1921-38; 3,8/100 mil
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lência não tem objeto; não é uma revolta focalizada contra um inimigo
claro.
Mesmo assim, Dubet insiste em examinar os aspectos de classe
social do comportamento juvenil. Nas galères, não seria a frustração em
obter padrões de classe média, mas a raiva decorrente da privação de
consciência de classe que instigaria a marginalidade difusa, a impre-
visibilidade da ação e, portanto, a proximidade com as classes perigo-
sas. Mas atrás das classes perigosas, diz ele, ainda estaria a lógica das
classes trabalhadoras, pois essa mixórdia de reações marginais e con-
dutas decompostas e imprevisíveis pode tornar-se uma ação organiza-
da dos que são mobilizáveis e agregáveis contra coerções de atores ex-
ternos. Na galère poder-se-iam perceber os embriões da autonomia, das
convicções éticas e das definições positivas de si que conduzem à orga-
nização popular. O problema é que, apesar de afirmar que as classes
perigosas desprofissionalizam o crime, Dubet (1987:163-4) aponta os
perigos presentes para o jovem da galère: tombar na delinqüência por
causa de pequenos roubos, brigas e tráfico de drogas. Para ele a droga
seria como a cólera dos anos 1840, uma epidemia que leva as pessoas
ao desespero e ao crime. Assim, transformar essa tendência à delinqüên-
cia num movimento contestatório é uma questão prática e política, não
resolvida no plano da teoria sociológica.
Uma das peças desse quebra-cabeça do final do século aparece
quando se comparam os níveis de violência, em especial o homicídio,
nos países europeus e nos EUA. Nesse país, durante a década de 1960,
quando os direitos civis foram finalmente assegurados aos negros e se
criaram programas de “guerra à pobreza” (nem sempre bem-sucedi-
dos), a taxa de homicídios entre os negros foi quase 20 vezes maior do
que entre os brancos devido às profundas mudanças no comportamento
e à expansão do tráfico de drogas ilegais nos guetos. As gangues juvenis
continuavam a atuar na lógica do orgulho associado ao bairro, criando
mitos de distinção social dentro de grupos socialmente e racialmente
homogêneos. Em Chicago, por exemplo, a gangue dos Blackstone
Rangers e a gangue dos Devil’s Disciples, ambas compostas de negros,
lutavam violentamente entre si tanto pelo orgulho quanto pelo acerto
de contas no tráfico de drogas (Katz, 1988:118).
Em 1970, as taxas entre os negros já eram de 102 mortes por 100
mil habitantes na faixa dos 15 aos 24 anos, de 158 por 100 mil na faixa
dos 24 aos 34 anos e de 126 por 100 mil entre os 35 e 44 anos, taxas que
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38 Nesse debate está presente o jogo da culpa no qual existem três papéis: a vítima, o pobre
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de Paul Ricoeur, como combater o mal? A verdade é que não temos ne-
nhuma resposta substantivista, essencialista, de ordem geral, apesar dos
esforços dos defensores dos direitos humanos. O problema é que na vio-
lência molecular, mesmo que cada vez menos privada, tais termos ge-
rais dos direitos humanos não se aplicam com facilidade. Ao contrário,
criam enormes dissensões entre os que são alvo do terror e sentem
medo, inclusive os adultos das classes populares e os jovens que se dei-
xam fascinar pelo poder assim adquirido. Tornou-se, pois, necessário
analisar cada caso no seu contexto, cada contexto nos seus múltiplos
aspectos, cada aspecto no seu processo específico, e assim teremos não
dois campos opostos de luta, mas uma luta diversificada em várias fren-
tes. Sem cair nas armadilhas do relativismo, praticando porém a relati-
vização, é preciso analisar as conseqüências dos atos violentos para a
pessoa ou grupo que as pratica, assim como os efeitos de seus atos so-
bre terceiros, meros passantes, espectadores, vítimas inocentes da luta
pela sobrevivência traduzida na disputa por territórios urbanos, das ri-
validades em torno das quais se movem homens orgulhosos em busca
de poder e prestígio.
O surpreendente para quem estuda o aumento da violência no
Brasil é que ela segue o mesmo padrão encontrado em países do Pri-
meiro Mundo, com um atraso relativo de uma década. Por que, no Bra-
sil, jovens negros, mulatos, pardos e quase brancos reunidos em qua-
drilhas de traficantes e de assaltantes em diferentes vizinhanças repetem
o modelo de conflito entre as gangues de negros e “hispânicos” dos
guetos exclusivamente negros ou exclusivamente hispânicos nos Esta-
dos Unidos? Por que, no Brasil, jovens, gozando da nacionalidade brasi-
leira, mimetizando em parte as gangues estadunidenses, organizam-se
em galères como os jovens muçulmanos ou árabes em Paris, onde sua
nacionalidade é contestada e eles não são considerados franceses?
Em primeiro lugar é preciso diferenciar “quadrilhas” e “galeras”. As
“quadrilhas” se compõem de um número relativamente pequeno de
pessoas, em geral jovens, que se organizam com a finalidade de desen-
volver atividades ilegais para o enriquecimento rápido de seus mem-
bros. Mesmo entre os “quadrilheiros” ou “bandidos” (nomes locais), é
preciso fazer importantes diferenciações que os colocam em outras ca-
tegorias, avaliadas moralmente pelo mal que causam a suas vítimas.
Do ponto de vista dos trabalhadores, os crimes menos condenáveis
moralmente são os que se justificam pela pobreza, mas estes abran-
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As imagens da e na cidade:
a superação da obscuridade*
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xar vestígio algum de terem existido” (Arendt, 1987). Era essa a princi-
pal característica, aliás, da escravidão nos tempos antigos: o escravo não
tinha direito à palavra e, portanto, à superação da obscuridade. Teriam
os homens (e as mulheres) das cidades modernas deixado inteiramen-
te de lado a busca, mesmo que vã, da fama, da glória ou daquilo que os
gregos chamavam “imortalidade”? Não resta dúvidas de que isso con-
tinuou a ocorrer num espaço público não mais definido pela atividade
política stricto sensu, oposta às relações no mundo privado (Habermas,
1991). As artes, o esporte e, em alguns momentos, a atividade guerreira
na defesa das nações substituíram essa procura, sem se oporem total-
mente ao mundo da intimidade ou à esfera privada. Os muitos modos
pelos quais os meios de comunicação de massa acabaram por afetá-la,
às vezes perversamente, não mereceram ainda a devida atenção para
serem desvelados.
Esse enfoque não chegou a despertar a curiosidade dos primeiros
sociólogos urbanos. Firmou-se a preocupação com os diversos tipos de
organizações por meio das quais os seres humanos passaram a superar
aquelas características pessimistas do mundo urbano moderno. Con-
tudo, como todas as cidades do mundo não são completamente inte-
gradas e sustentam uma pluralidade de organizações e associações, ou
seja, todas elas são de algum modo partidas, trata-se de entender, se-
gundo eles, os modos de sua divisão e as diferentes formas de conflitos
que suscitam, assim como o seu “espírito”. Esse duplo foco — na divisão
espacial concreta e na imaterialidade dos seus valores — foi montado
de diversas maneiras.
O artificialismo das divisões espaciais — quase sempre resultan-
tes da ideologia daqueles que as concebiam, muito mais do que uma
realidade na vida dos urbanitas — tornou-se equivocado no plano tan-
to das práticas sociais quanto das idéias e valores. Quanto mais não seja
porque, no mundo urbano, a pluralidade de culturas em coexistência,
numa área com sistemas de comunicações freqüentes entre suas divi-
sões, impede que cada uma delas se feche para as outras. Mas essa ma-
neira de pensar a cidade manteve-se e foi confirmada pela própria
maneira de fazer a pesquisa urbana, às vezes mantendo-se as etnografias
no nível empirista, meramente descrevendo as culturas “locais” e con-
trastando-as entre si, cada qual reificada por uma identidade, uma re-
ferência a si mesma decorrente dessa visão teórica. Assim, no mundo
urbano desse final de milênio, as “regiões morais” de Park (1967) conti-
205
um bairro de Chicago mostra a sua rápida transformação desde que alguns negros aí con-
seguiram comprar casas: no final de poucos anos, a população negra correspondia a 98%
do bairro, pois os brancos que lá moravam mudaram-se para outro local (Gendrot, 1994).
Não se pode dizer o mesmo da favela, habitada por pessoas de várias misturas raciais, em-
bora nela haja maior proporção de negros do que na população em geral.
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se trata, conhecer seu contexto social, seus limites, os circuitos da dádiva e as regras para a
competição e a negociação de conflitos.
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Qualquer criança
Bate um pandeiro
E toca um cavaquinho;
Acompanha o canto de um passarinho
Sem errar o compasso.
(Tio Hélio da Serrinha)
Ou ainda:
Não me perguntes
Pra que samba eu vou
Porque eu direi:
Eu vou pro Império, sim senhor,
Sou imperiano
Na alegria e na dor,
Sou Império de verdade
Tenho personalidade,
Ser Império não é favor.
210
Assim como:
Meu Império
Vamos caprichar neste carnaval,
Nós iremos disputar
A grande prova real.
Imperial! Quero te ver no jornal
Como uma verdadeira glória
Para ficar com o nome na história.
Provaremos ao subúrbio
E toda a cidade
Que nosso sonho foi realidade.
(Silas de Oliveira)
211
41 A situação das favelas cariocas é hoje muito diferenciada, não só em termos de infra-
estrutura urbana, nível socioeconômico de seus moradores e qualidade das moradias, mas
também pelo maior ou menor poder aí adquiridos pelas quadrilhas de traficantes. Na
Serrinha, por exemplo, os traficantes nunca dominaram tudo, o que facilitou a implemen-
tação do projeto Favela-Bairro. Porém, erros na execução do projeto, especialmente a des-
truição dos muros que a separavam de outras favelas no mesmo complexo e a construção
da sede da associação no alto do morro, modificaram a situação, e a Serrinha conheceu a
guerra de quadrilhas entre 1999 e 2002. A partir daí o projeto Jongo da Serrinha permitiu
novamente o controle do espaço físico, cultural e político da comunidade.
42 Muitas letras de sambas-enredo foram feitas para criticar as escolhas, as decisões dos
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isso mesmo, o processo civilizatório pôde ser retomado nos bailes, atra-
vés dos concursos, do estabelecimento das regras de convivência e da
apresentação controlada do agonismo entre pessoas e grupos. Outro
elemento nessa configuração peculiar de organizações juvenis no Rio
são os apelidos dados aos jovens das galeras e até mesmo aos das qua-
drilhas. São diminutivos carinhosos, de longe os mais comuns, ou
aumentativos irônicos, havendo alguns poucos, mais recentes, que in-
cluem adjetivos como “nefasto”, “diabo” etc. Os apelidos, de fato, ne-
gam o etos da virilidade — tão importante nesse imaginário estruturado
pela posse real da arma de fogo e pelo dinheiro fácil no bolso — e são
como uma alusão irônica aos seus limites. Seguem a mesma lógica en-
contrada nos apelidos dados aos homens que participam do samba e
que se civilizaram na cidade-espetáculo, civilizando-a também. A bus-
ca da imortalidade encontrou aqui um grande espaço para se desen-
volver pela criação de cultura. A fama do crime-notícia pode facilmente
ser substituída, mais uma vez, pela glória conquistada na cidade-espe-
táculo.
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Introdução
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43 O acesso ao Urbandata, dirigido por Lícia Valladares, foi possível graças ao prestimoso
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bre os quais versavam, mesmo que esses não fossem o seu foco princi-
pal. Algumas surpresas me aguardavam. Junto à hegemonia indiscutí-
vel do paradigma marxista ou da criminologia crítica, a questão institu-
cional predominou de longe sobre uma perspectiva sociológica que
focalizasse a sociedade na sua autonomia, o que nos leva a concluir que
os trabalhos de cientistas políticos, “polito-sociólogos” e “polito-antro-
pólogos” tiveram grande importância nos últimos 28 anos. Isso nada
mais é do que outra maneira de afirmar a relevância política que o tema
adquiriu a partir do final da década de 1970.
Um desses autores oferece uma explicação para essa surpresa: é
que o paradigma marxista, que tanto influenciou os cientistas sociais
brasileiros, mostrou-se particularmente fecundo e inovador justamen-
te na crítica feita aos “crimes do capital e aos dispositivos de violência
do Estado” (Misse, 1997), abundantes no período militar e durante a
limitada e incompleta redemocratização. Além disso, desde o final dos
anos 1970, a influência da obra de Foucault sobre os cientistas sociais
brasileiros teria deslocado o enfoque para os “dispositivos que o poder
tem de produzir a verdade criminal e discipliná-la”. É a partir daí que se
faz a crítica às teorias sociológicas canônicas ainda “enfocadas na cau-
salidade” e “envolvidas no próprio objeto”. A combinação Marx-Foucault
pode ter germinado alguns híbridos estranhos aos olhos dos que repe-
lem o ecletismo teórico, mas teve, sem dúvida, eficácia explicativa na-
queles mecanismos mais evidentes do poder estatal e do poder disci-
plinar: a polícia e a prisão (Adorno, 1990, 1991b, 1991c; Carrara, 1991a,
1991b; Corrêa, 1981; Lima, 1989, 1997; Misse e Motta, 1979).
Nos anos seguintes essa hegemonia mostrou suas inúmeras bre-
chas, e outros modelos foram acionados para interpretar a questão. Al-
guns recusaram as teorias que consideram anti-racionais por valoriza-
rem a diferença e o contra-poder como alternativas para a sociedade
burocratizada, esta confundida com o racionalismo e a modernidade.
Várias versões contemporâneas do liberalismo,44 após o fracasso do so-
cialismo real e as crises simultâneas do marxismo e do iluminismo, tam-
44 É claro que não são as idéias do liberalismo econômico acerca da importância primordial
do mercado para o equilíbrio da sociedade que inspiraram esses autores. Foram as teses do
liberalismo político, baseadas na separação entre o poder religioso e o político, assim como
na rejeição à interferência da autoridade política nas crenças, opiniões e ações dos indiví-
duos no exercício de suas liberdades negativas e positivas, e também de seus deveres para
com os outros indivíduos e para com a nação assim constituída.
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O levantamento do tema
incluídos na bibliografia.
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48 É interessante notar que Foucault concebia o poder exercido no corpo, sem um locus ou
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de Justiça e pelo Juizado de Menores reuniu vários sociólogos que discutiram os primeiros
dados sobre a delinqüência juvenil no estado (Misse, 1995b). Em São Paulo, Maria Célia
Paoli realizou pesquisa no final dos anos 1970 com seus alunos da USP, mas não a divulgou.
Em Minas Gerais, Antônio Luís Paixão discutiu teorias da criminologia americana com base
em séries históricas da criminalidade naquele estado. No Rio de Janeiro, Edmundo Cam-
pos Coelho iniciou uma série de estudos discutindo a associação entre pobreza e o aumen-
to da criminalidade observado no final da década de 1970. Outros trabalhos, de menor visi-
bilidade, foram listados por Misse (1995b:86), o que atesta a pouca importância do tema no
cenário nacional e o papel pioneiro de tais estudos.
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50 Participaram desse grupo alguns veteranos sociólogos, como Fernando B. D’Avila e José
Artur Rios.
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tos e liberdades individuais diante dos excessos do poder do Estado e também diante dos
predadores criminosos, mas o primeiro ocupou quase toda a atenção de tais autores.
52 O único a tratar de linchamentos no campo é Almeida (1997), que acentua, porém, o seu
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53 Dumezil e Mircea Eliade apresentam como a razão do enigma do mal a própria ambiva-
cia que um trabalho de Wanderley Guilherme dos Santos (1993) teve nessa produção do
sentido da violência entre os cientistas sociais.
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55 Porém, os linchamentos ou revoltas populares foram excluídos do rol das ações irracio-
que ainda votavam de maneira nem sempre moderna, visto que haveria altas doses de
clientelismo nas escolhas eleitorais dos setores mais pobres da população.
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57 Até muito recentemente, as notícias sobre o Rio de Janeiro na imprensa de outros esta-
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análise das constrições sociais que o levaram a praticar o ato pelo qual é responsável juridi-
camente.
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59 Os dados desse estudo foram depois cedidos a L. E. Soares e L. P. Carneiro, que, traba-
lhando com uma amostra do conjunto de questionários recolhidos nos postos de coleta,
chegaram à conclusão de que mais de 20% da população no Rio de Janeiro apoiavam polí-
ticas despóticas para acabar com o crime (Soares et al., 1996). Eu, que trabalhei com uma
amostra cinco vezes maior, encontrei apenas 5% de apoio a ações extralegais e violentas,
enquanto a pena de morte era apoiada por 35%.
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população, suas experiências enquanto vítimas de crimes, sua disposição para registrar a
queixa no órgão competente, suas imagens da polícia, dos criminosos e das punições a eles
impostas, bem como sobre a avaliação da política pública no setor. Seus dados são portan-
to valiosos para entender as razões do medo da população. Considere-se, por exemplo, o
impacto do crime em suas vítimas: se, em um dado ano, houvesse 90 assassinatos a mais e
100 arrombamentos a menos, a maioria das pessoas diria, seguramente, que as vítimas so-
freram mais, ainda que o número de crimes fosse menor. Dois pontos são enfatizados na
discussão do custo do crime para suas vítimas: o montante agregado do dano resultante do
crime (medido pelo valor das propriedades roubadas e o valor dado a elas pelos indiví-
duos) e a diferente vulnerabilidade de grupos sociais à agressão criminosa (medida pelas
taxas de vitimização por idade, sexo, raça e renda). Essas taxas representam diferenciais do
risco da vitimização que afeta fortemente a qualidade de vida dos diferentes grupos (Pai-
xão, 1987a).
Esta teoria, com algumas variações, tem pensado o problema da delinqüência tendo por
marco a teoria da anomia de Durkheim, reelaborada por Merton: a delinqüência é o com-
portamento de um menor que tenta obter bens desejados socialmente através de meios
ilegítimos.
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61A idéia de vazio é mais antiga. Vem de outro texto (Zaluar, 1988) em que falo do “vazio
criado pela desmoralização das palavras e das regras de convivência respeitosas e equâni-
mes no país”, para explicar a violência entre os jovens.
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É fato aceito hoje, entre os cientistas sociais, que os dados oficiais oriun-
dos da polícia, assim como os não-oficiais sobre crimes e criminosos,
quando existem, dificilmente permitem a construção de séries tempo-
rais e comparações sistemáticas inter e intra-regiões. Além disso, as con-
dições qualitativas de seu registro, que permitiriam posteriormente a
sua quantificação, fazem com que nem sempre sejam confiáveis. Qua-
se todos os estudos alegam também os efeitos perversos do medo da
população para explicar a inadequação da política pública no setor. Mas
apenas os que se batem mais fortemente pela hegemonia do dado es-
tatístico apontam a inexistência de um sistema nacional de estatísticas
criminais como o maior empecilho para a pesquisa sociológica e a defi-
nição de políticas públicas sistemáticas no setor. São eles que denun-
ciam a distorção do debate público em torno do combate ao crime, de-
bate que se nutre sobretudo de crenças sociais e do medo, em vez de se
basear em números representativos das taxas de criminalidade por re-
gião, estado, cidade, idade, gênero, condição social etc. Ora, dizem eles,
como não dispomos de um sistema nacional de estatísticas oficiais de
criminalidade, não podemos responder empiricamente às indagações
mais simples e elementares sobre o impacto real (distinto do socialmen-
te percebido) do crime na vida cotidiana das populações e, portanto,
sobre os modos mais eficientes de minimizá-lo.
O problema se avolumaria por causa da existência de uma avanta-
jada cifra negra da criminalidade, os crimes que não são registrados ofi-
cialmente, seja por ineficiência da polícia ou descrença nela, seja pelo
foco concentrado apenas nos crimes mais cometidos por pessoas vin-
das dos estratos mais pobres da população. Isso criaria, no entender
desses sociólogos, aquilo que foi denominado a “profecia autocumprida”
da associação entre pobreza e criminalidade, tese desenvolvida inicial-
mente por Coelho (1978, 1980, 1987), Oliven (1982) e Paixão (1983, 1987a,
1990) e depois retomada por Zaluar (1985, 1986b, 1994b, 1994d) e Misse
(1995b).
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fácil, sai fácil —, bem como os efeitos desastrosos da guerra entre eles.
A quase totalidade dos mortos no bairro estudado era lançada à conta
dos embates travados entre os próprios bandidos, seja por interesses
comerciais, seja por rixas infantis, seja por um simples olhar atravessa-
do ou mera desconfiança de traição. Havia um outro mal para se pensar
a respeito. Para mim, seria esse o ponto crucial da discussão. Não se
trata de optar pelos preceitos liberais de que cada um faz escolhas ra-
cionais (como pressuposto na associação entre pobreza e crime), livre
das constrições sociais, das aspirações e dos hábitos inculcados nos in-
divíduos. Trata-se de tornar mais complexa a análise dos contextos so-
ciais amplos e locais para entender por que cada vez um número maior
de jovens (de todos os estratos sociais) incorpora práticas sociais que os
tornam predadores do próximo.
Trabalhando desde o início da década de 1980 com a especificida-
de do recrutamento dos jovens pobres para o crime-negócio ou crime
organizado, produzi uma série de textos explorando, a partir de dados
etnográficos, as mudanças havidas na relação desses jovens com seus
pais, com as organizações vicinais e com a própria identidade masculi-
na. Nessa discussão, abordei as questões do “americanismo” nas novas
concepções e práticas dos jovens pobres; da lógica capitalista de acu-
mulação na atividade ilegal; do poder despótico exercido pelos trafi-
cantes fortemente armados, gerando tensão entre estes e os morado-
res. Apontei para diversos e concorrentes processos de socialização que
criariam etos ou hábitos, fazendo a articulação entre o subjetivo e o so-
cial. Assim, afirmei que os jovens pobres, atraídos pelas quadrilhas de
traficantes, constituíam uma pequena minoria nas suas vizinhanças e
teriam uma característica pessoal e interna: a “disposição para matar”.62
Bourdieu ofereceu inicialmente o modelo teórico para pensar so-
bre as questões relativas à honra masculina envolvidas nas guerras en-
tre as quadrilhas. Mas a matriz prática como sistema de disposições que
levariam os homens a fazer escolhas estratégicas, visando obter o máxi-
mo de capital simbólico possível na resposta aos desafios, também não
se aplicava ao caso em questão. Isso porque havia dissenso claro e pro-
fundo quanto ao que era moral no homem — se o trabalho, se o dinhei-
ro fácil conseguido no crime — e quanto à coragem exigida nos desa-
fios entre parceiros desiguais, uns armados e outros não. O revólver,
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dos ricos e poderosos, mesmo dentro das favelas, onde traficantes ocu-
pam tal posição (Leeds, 1998; Shirley, 1997; M. J. Souza, 1994, 1996; Za-
luar, 1985c, 1988, 1989, 1998).
Nas alternativas discutidas sobre o controle da polícia, Paixão des-
taca a força e a capacidade de ação efetiva dos movimentos sociais na
defesa dos direitos civis. Foi exatamente o que ocorreu nos Estados Uni-
dos quando, por conta das manifestações em prol dos direitos civis dos
negros e da denúncia constante dos abusos e ilegalidades policiais, a
correlação entre classe social e criminalidade, entre pobreza e violência,
declinou drasticamente, apresentando “a virtual independência esta-
tística das duas variáveis desde os anos 1970”. Isso encontraria explica-
ção tanto na ação dos movimentos de direitos civis dos negros quanto
nas decisões da Suprema Corte, que mudaram o quadro da vigilância
sobre as pessoas pertencentes às camadas mais pobres da população.
As prisões não poderiam mais se efetuar com base em evidências fluidas.
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64 São elas: a fenomenologia, que concebe a realidade como construção social e rejeita os
pressupostos epistemológicos da ciência social empirista e a objetividade do conhecimen-
to probabilístico ou estatístico por ela gerado. Seriam os indivíduos, nas suas inúmeras
atividades sociais, que construiriam a realidade social na vida cotidiana. A militância, mais
do que a construção de indicadores sociais ou as pesquisas bem-feitas, seria a resposta
adequada para enfrentar a questão; e a concepção liberal da sociedade, que a considera
um sistema auto-regulado que, como o mercado, conteria a mão invisível dos múltiplos
interesses e forças espontâneas que atuam nos processos coletivos. Na teoria liberal de
Hirschman, seriam igualmente irrelevantes as tentativas de intervenção na sociedade.
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Sigaud, Afranio Garcia Jr., Moacir Palmeira, J. V. Tavares dos Santos, Cesar
Barreira e outros têm feito esse trabalho sistemático de denúncia legal
dos assassinatos de lavradores e seus líderes sindicais ou dos demais
movimentos sociais.
Como nas cidades a questão nunca adquiriu os contornos límpidos
da luta de classes observados no campo e apresentava paradoxos e com-
plexidades que desafiaram sempre os esquemas estruturais dualistas, a
missão do intelectual compromissado com a democratização da socie-
dade mostrou-se cheia de dificuldades, impasses, armadilhas e mal-
entendidos. A via jurídica, com participação em comissões parlamen-
tares de inquérito, foi também a maneira encontrada pelos militantes
dos direitos humanos em São Paulo de auxiliar o Ministério Público no
caso das violações cometidas por policiais e grupos de extermínio, além
de ajudar a elaborar o Estatuto de Direitos Humanos do Ministério da
Justiça. S. Adorno de Abreu, N. Cardia, M. Mesquita e P. S. Pinheiro são
alguns dos nomes que se destacaram nessa atividade. No Rio de Janei-
ro, a militância jurídica esteve mais a cargo dos que defenderam a des-
criminalização do uso de drogas psicoativas (A. Zaluar e G. Velho) ou o
estabelecimento de penas alternativas (J. Lemgruber).
Foram poucos os cientistas sociais que, trabalhando com a violên-
cia urbana, especialmente em Minas Gerais e Rio de Janeiro, retoma-
ram de forma mais pragmática a questão das relações entre a categoria
e os formuladores da política pública. O uso de indicadores sociais como
instrumentos de política pública, tendência recente nas ciências sociais
brasileiras, foi defendido principalmente por E. Campos Coelho, A. L.
Paixão, Antonio Augusto Prates, C. Beato e outros sociólogos. Entretan-
to, a utilização das informações geradas pela pesquisa social na inter-
venção proposta por uma política constitui, como afirma Paixão (1987a),
um lado pouco conhecido, o avesso da história da disciplina. Não se
sabe, de fato, como, quando ou quanto os cientistas sociais influencia-
ram as políticas públicas no Brasil.
Dois modelos conhecidos são particularmente interessantes por
representarem respostas opostas ao problema do uso político das desco-
bertas das ciências sociais. Em ambos, os administradores públicos são
os interlocutores privilegiados por serem os usuários mais competentes
do conhecimento sociológico, na medida em que poderiam valer-se dele
para beneficiar a sociedade como um todo. Segundo Paixão (1987a), que
discutiu o problema enfrentado pelos cientistas sociais mineiros que ela-
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O inferno dos vivos não é algo que será; se existe, é aquele que já está
aqui, o inferno no qual vivemos todos os dias, que formamos estando
juntos. Existem duas maneiras de não sofrer. A primeira é fácil para a
maioria das pessoas: aceitar o inferno e tornar-se parte deste até o pon-
to de deixar de percebê-lo. A segunda é arriscada e exige atenção e apren-
dizagem contínuas: tentar saber reconhecer quem e o que, no meio do
inferno, que não é inferno, tentar preservá-lo e abrir espaço.
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* Texto originariamente publicado na Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 12, n. 35, out.
1997, e, em inglês, no número internacional da RBCS, v. 1, 2000. Revisto para este livro.
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Os problemas teóricos
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muito diferentes entre si. Outros, ainda, discutem a justiça como con-
ceito de maior abrangência, que obriga a pensar não apenas as relações
entre sociedade e Estado, mas também as relações interpessoais, os vá-
rios compromissos mútuos e as possíveis participações dos diversos se-
tores da sociedade no espaço público, que não se confunde com o Esta-
do nem com o mercado. Isso nos leva à segunda ordem de problemas.
Os problemas prático-políticos
co da América do Norte e não será objeto de discussão aqui. O livro Liberals and
communitarians apresenta ao leitor interessado uma parte desse debate centrado na obra
de J. Rawls. Os autores aqui discutidos rompem mais claramente com os pressupostos do
individualismo associal ou mesmo com a idéia de contrato entre indivíduos livres e iguais,
base do contrato civil, criticados nos universalistas norte-americanos.
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A reciprocidade na modernidade
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66 No folclore brasileiro, a expressão “ou humilha o homem ou vicia o cidadão” para referir-
se à esmola é a mais perfeita tradução do que queria dizer Mauss a respeito da dádiva não
retribuída.
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(Jones, 1984). Isso quer dizer que os pobres estariam muito mais no fim
do fluxo da criminalidade do que no seu início, pelo menos enquanto
promotores de sua dinâmica inicial.
A corrupção policial encontrou o seu álibi no mesmo dogma da
pobreza ou exclusão que tudo explica: o problema seria unicamente
“social” (leia-se material). Isso garantiu a impunidade dos responsáveis
por atividades ilegais e discriminatórias contra os jovens, especialmen-
te os mais pobres, que o poder público deveria defender, tratando-os
em centros de saúde e educando-os preventivamente nas escolas. Ex-
torquidos e criminalizados pelo uso de drogas, eles acabam nas mãos
de traficantes e assaltantes, ou são vítimas de chacinas que, quando es-
clarecidas, exibem seus reais motivos: a cobrança de dívidas ou a divi-
são dos lucros com policiais corruptos. Mais do que os grupos de exter-
mínio, são os grupos de extorsão que criam o ambiente em que
quadrilhas e grupos ainda mais organizados lutam pelo domínio de ter-
ritórios. A tendência observada em São Paulo e Porto Alegre no final
dos anos 1980 (especialmente na primeira, onde a taxa de homicídios
duplicou e segue crescendo) indica que o tráfico de drogas também está
modificando o panorama da segurança pública nessas metrópoles. A
pergunta que se coloca é se, juntamente com a comunicação de massa
cada vez mais rápida e mais fácil no processo de globalização da cultu-
ra, os policiais corruptos e violentos, que usam com pouquíssimos con-
troles institucionais suas armas, não ajudam também a criar entre os
jovens pobres o fascínio pelo poder militar de tal modo exercido.
A presença de quadrilhas armadas e as guerras entre elas acres-
centaram, pois, mais uma dificuldade à condição de pobre. Mesmo
aceitando o reparo de que nem todos os bandos ou turmas de jovens
estão vinculados à ação criminosa no Brasil, a presença cada vez maior
de quadrilhas de traficantes e assaltantes é hoje uma realidade inegá-
vel em centros urbanos brasileiros. No Rio de Janeiro, as lideranças ima-
turas refeitas em curto espaço de tempo e as mortes cada vez mais pre-
maturas são importantes elos na cadeia de efeitos que redunda na alta
taxa de mortes violentas entre jovens. Assim, seria um terrível engano
argumentar que, como nem sempre o crime é uma escolha pessoal,
não há separação ou diferença entre os pobres em relação às carreiras
criminosas. O que importa é entender os diferentes processos e as in-
terações de seus efeitos que provocam as seguidas rupturas desses jo-
vens não com a lei, mas com as formas diversas de sociabilidade em
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67 Em algumas favelas do Rio de Janeiro, calcula-se que 30% da população original já te-
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racial, do que negros. Não por acaso, ali também se continua a apre-
sentar os jovens que servem de mão-de-obra barata e bucha de canhão
do crime organizado como heróicos revoltados contra a iniqüidade da
desigualdade social no Brasil e vítimas do extermínio perpetrado pela
polícia, sem considerar as complexas relações do crime organizado com
as instituições que deveriam combatê-lo e mesmo com o mundo legal
dos negócios, de modo que alguns enriquecem graças à associação co-
mercial com esses jovens pobres que acabam ou mortos ou presos.
Por isso mesmo, a cidade como espetáculo da rivalidade e encontro
dos diferentes grupos que a compõem também passa por uma transfor-
mação radical. Se antes os conflitos ou competições entre bairros, vizi-
nhanças ou grupos de diversas afiliações eram representados e vivencia-
dos em locais públicos que reuniam pessoas vindas de todas as partes da
cidade, de todos os gêneros, de todas as idades, criando encenações me-
tafóricas e estéticas das suas possíveis desavenças, hoje os bailes “de clu-
be”68 dificilmente conseguem reunir galeras diferentes sem a ocorrência
de violentos e, às vezes, mortais embates. Não que esforços meritórios
não tenham sido feitos para “civilizar” ou, como preferem alguns, “do-
mesticar” esses rituais guerreiros, mas é a sua lógica mais profunda que
mereceria a atenção de todos nós. Os jovens das galeras funk desenvol-
vem um etos de guerreiro em que aprender a brigar e “não dar mole” é a
disposição mais importante que passam a incorporar na adolescência. E
isso tem como suporte a incorporação descontrolada e não crítica do pro-
cesso de globalização da cultura, ainda tão mal estudado entre nós, as-
sim como a adoção de uma política extremamente repressiva em relação
a alguns de seus efeitos, como o consumo de drogas ilegais. Sem o exame
desses aspectos do problema não se formularão políticas públicas efica-
zes para a construção de uma sociedade mais justa e mais pacífica.
No mundo em que as guerras étnicas, agora dentro de uma mes-
ma nação, e as guerras moleculares, dentro dos mesmos grupos, clas-
ses sociais, grupos étnicos e raciais e até das mesmas vizinhanças, pre-
dominam, parece que a teia da sociabilidade, no espaço privado, e a da
civilidade, no espaço público, se desmantelaram. Com tantos focos
reticulares de violência, como definir o mal ou, se preferirmos a opção
68No Rio de Janeiro há hoje dois tipos de baile funk: os “de comunidade”, freqüentados
somente pelos jovens daquele bairro ou favela e nos quais não há conflitos, e os “de clube”,
que reúnem jovens de diferentes locais com o objetivo de se enfrentarem ritualmente, den-
tro do baile, e concretamente, fora dele, após o seu término (Cecchetto, 1997).
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de Paul Ricoeur, como combater o mal? A verdade é que não temos ne-
nhuma resposta substantivista, essencialista, de ordem geral, apesar dos
esforços dos defensores dos direitos humanos.
O problema é que na violência molecular, embora cada vez menos
privada, os termos gerais dos direitos humanos não se aplicam com fa-
cilidade. Ao contrário, criam enormes dissensões entre os que são alvos
do terror e sentem medo e os que se deixam fascinar pelo poder assim
adquirido. Desse modo, cumpre analisar cada caso no seu contexto, cada
contexto nos seus múltiplos aspectos, cada aspecto no seu processo es-
pecífico, e teremos não dois campos opostos de luta, mas uma luta di-
versificada em várias frentes.
Os mesmos que tanto falam da globalização da economia insistem
em repetir a fórmula usada para criticar a política de segurança da Re-
pública Velha — a questão social não é questão policial —, quando a
criminalidade no Brasil tinha características muito diversas das encon-
tradas hoje nas cidades do país, mas negam-se a perceber o fenômeno
da globalização do crime. Naquela época eram os acusados de vadios e
desordeiros que enchiam as prisões do país. Hoje são os criminosos po-
bres envolvidos nas malhas do tráfico de drogas, assaltando e roubando
para pagar suas dívidas com os traficantes, adquirindo capital através
de seqüestros para se estabelecer no negócio ou iniciando sua carreira
com a condenação de pena privativa de liberdade por causa de um ci-
garro de maconha. Não há como negar a necessidade, hoje, de se enten-
der essa onda recente de violência não apenas como efeito geológico
das camadas culturais da violência costumeira no Brasil, mas dentro do
panorama do crime organizado internacionalmente, do crime também
ele globalizado, com características econômicas, políticas e culturais sui
generis, sem perder algo do velho capitalismo, da busca desenfreada do
lucro a qualquer preço. A necessidade de estender a análise além das
fronteiras nacionais, no caso do estudo da sociedade criminosa, ou seja,
daqueles que optam por viver nem sempre como fora-da-lei, mas numa
mistura peculiar de negócios legais e ilegais, não pode ser negada dian-
te das evidências. A imagem do menino favelado com uma AR-15 ou
uma metralhadora Uzi na mão — para ele símbolos de sua virilidade e
fonte de grande poder local —, com um boné inspirado no movimento
negro da América do Norte, ouvindo música funk, cheirando cocaína
produzida na Colômbia, ansiando por um tênis Nike do último tipo e
um carro do ano não pode ser explicada, para simplificar a questão, nem
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* Este texto, resumo do relatório de pesquisa escrito coletivamente em 2000 para o Ministé-
rio da Justiça, tem versões resumidas em inglês, francês e português: Perverse integration:
drug trafficking and youth in the favelas of Rio de Janeiro (Journal of International Affairs,
New York, v. 53, n. 2, 2000); Violence à Rio de Janeiro: styles de loisirs, de consommation et
de trafic de la drogue (Revue Internationale des Sciences Sociales, Paris, v. 53, n. 3, 2001); A
guerra sem fim em alguns bairros do Rio de Janeiro (Ciência e Cultura, jul. 2002).
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conhece hoje, no caso da cocaína, que é o que mais nos afeta no Brasil,
a indústria é concentrada e não está baseada em pequenos estabeleci-
mentos. Os camponeses produtores recebem uma ínfima parcela da
renda produzida com o negócio. O comércio, por sua vez, tornou-se or-
ganizado em cartéis e máfias nos seus mais altos níveis, porém ramifi-
cado e descentralizado no varejo. Sua lucratividade, embora não exista
consenso a respeito das taxas por causa da dificuldade de obter os da-
dos, favorece principalmente os grandes atacadistas e maiores inter-
mediários na rede hierárquica de conexões (Fonseca, 1992; Salama,
1993; Bettancourt e Garcia, 1994; Tullis, 1995; Labrousse e Koutousis,
1996; UNDCP, 1997).
Outros estudos abordam a dificuldade da separação entre trafican-
te e usuário, sombreada pelos efeitos do vício que a droga proporciona.
Pesquisas do tipo survey ou de levantamento, muito caras e de difícil
metodologia70 (Rydell et al., 1996; Lopes et al., 1996; UNDCP, 1997), fo-
ram conduzidas nacionalmente nos EUA e concluíram que, entre os
usuários de drogas ilegais, há mais homens do que mulheres; mais ho-
mens jovens (18-25 anos) do que homens mais velhos; mais desempre-
gados do que empregados; e mais solteiros e divorciados do que casados.
Existem igualmente estudos focalizados que, empregando várias
metodologias, se concentraram nas relações familiares, de emprego e
de vizinhança mantidas pelos usuários abusivos de drogas. Suas con-
clusões contestam as idéias de senso comum que associam tais com-
portamentos à pobreza ou aos “lares desfeitos”, bem como os resulta-
dos de outras pesquisas que apontam o grupo de pares como crucial na
escolha, pelo adolescente, do uso regular das drogas ilegais. Alguns de-
les procuram mostrar que não apenas a pobreza, mas também as pró-
prias exigências do funcionamento do tráfico desenvolvem o compor-
tamento violento associado ao uso de drogas (Zaluar, 1985c, 1989, 1994d;
Thoumi, 1994). Outros juntam evidências de que não é tanto o fato de a
família ser chefiada pela mulher ou de serem os pais separados, mas as
relações entre pais e filhos — se de diálogo aberto ou não sobre a ques-
70 Todos os estudos mencionados afirmam que tais levantamentos padecem de dois pro-
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tão das drogas — que induzem ao hábito de usá-las. Seriam então a vio-
lência doméstica e a ausência dos pais, mais do que a separação deles,
a razão para o uso de drogas (Carvalho, 1995; UNDCP, 1997). Outro, ain-
da, afirma que a importância da influência do grupo de amigos tem sido
exagerada e que a escolha dos próprios amigos já está marcada pela
preferência por tal ou qual droga e o desejo de experimentá-las. A cu-
riosidade e a valorização do proibido e do próprio risco, características
da adolescência e do desejo de se afirmar como alguém capaz de en-
frentar a morte, fazem do uso de drogas proibidas uma atração cons-
tante para os jovens (Katz, 1988; UNDCP, 1997) só superada pela infor-
mação, pelo diálogo e pela preocupação demonstrada pelos adultos.
A pesquisa
V RA inclui Copabana e Leme; a VIII RA, o bairro da Tijuca, a Praça da Bandeira e o Alto da
Boa Vista; a XV RA, Madureira, Honório Gurgel, Rocha Miranda, Turiaçu, Vaz Lobo, Enge-
nheiro Leal, Cavalcanti, Quintino Bocaiúva, Cascadura, Campinho, Oswaldo Cruz, Bento
Ribeiro e Marechal Hermes, o que faz desta última a maior de todas em território e popula-
ção. Isso significa dizer que todos os dados estatísticos oficiais da prefeitura têm por base a
população das regiões administrativas assim definidas, das quais respectivamente a popu-
lação do bairro de Copacabana corresponde a 92%, a do bairro da Tijuca a 90% e a do bairro
de Madureira a 13,8%. Por isso mesmo consideramos que estatisticamente as diferenças
entre o bairro e a região administrativa nos dois primeiros casos não é significativa, mas no
caso do bairro de Madureira há uma diferença, embora pequena. O bairro de Madureira é
um pouco menos pobre do que os demais bairros que compõem a XV RA, mas não o sufi-
ciente para destacá-lo do padrão encontrado em tais subúrbios. Já as estatísticas de crimes
foram obtidas a partir dos registros de ocorrências da 12a Delegacia Policial e da 13a DP
(Copacabana e Leme); da 19a DP (Tijuca e adjacências); da 28a DP e da 29 a DP (Madureira
e adjacências). Os dados sobre criminalidade, portanto, não cobrem necessariamente as
mesmas áreas da cidade, mas servem de importante fonte de comparação por terem refe-
rências bem próximas.
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Escolaridade
Dados demográficos
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72 Vários estudos apontam para o fato de que hoje há significativa diferenciação social na
favela e nem todos os seus habitantes são pobres, muito embora a grande maioria o seja.
320
sos da cidade, embora não seja a RA mais populosa. São cerca de 43 mil
pessoas de 60 anos ou mais num contingente populacional de cerca de
170 mil, ou seja, 25% do total. A população adulta (30 a 59 anos) soma
quase 70 mil pessoas, ou seja, 41% da população do bairro. O contin-
gente de jovens é muito menor em números absolutos e percentuais do
que nos outros dois bairros: são cerca de 56 mil pessoas entre zero e 29
anos, a maioria entre 15 e 29 anos (63%), correspondendo a 33% da po-
pulação. Esse alto número e percentual de idosos e adultos pode expli-
car também por que o bairro tem a mais alta incidência de furtos em
geral, já que suas vítimas preferenciais são as pessoas mais velhas.
A RA da Tijuca é a mais bem distribuída por classes de idade, o que
indica certa estabilidade das famílias que aí habitam. As crianças e jo-
vens correspondem a 40% da população total (180.520), os adultos, a
40%, enquanto as pessoas com 60 anos ou mais somam 20%. Isso quer
dizer que o contingente juvenil do bairro não constitui a maioria e, por-
tanto, não sofre com a falta de estabelecimentos de lazer ou culturais
alternativos à escola. Não seriam, pois, os aspectos demográficos nem
a importância da família para seus habitantes que poderiam explicar,
nesse caso, o espetacular aumento de vários crimes usualmente asso-
ciados à violência ou ao tráfico de drogas. Em 1997, o bairro, aliás, con-
tava com 46 estabelecimentos culturais, entre museus (1), bibliotecas
(3), centros culturais (2), teatros e cinemas (16), e outros. O número de
escolas da rede municipal é mais que o dobro do de Copacabana. São
26 escolas e mais nove pré-escolas.
A RA de Madureira tem 373 mil habitantes, dos quais 47% são jo-
vens entre zero e 29 anos de idade, e 23% são crianças e pré-adolescen-
tes entre zero e 14 anos,73 ou seja, quatro vezes mais pessoas nesta últi-
ma faixa de idade (83.263) do que a RA de Copacabana (20.391), embora
tenha apenas o dobro da população desse bairro. Os adultos represen-
tam cerca de 40% do total, e as pessoas de 60 anos ou mais, 13%. Madu-
reira tem, relativamente aos dois outros bairros, o maior contingente em
números absolutos e relativos de crianças e jovens, e o menor de idosos.
Esse fato, sem dúvida, contribui para que o bairro seja aquele que
exibe as taxas mais altas de crimes violentos, sobretudo o homicídio,
73 Em algumas favelas selecionadas do Rio de Janeiro, os dados são ainda mais impressio-
nantes: 31% de sua população são crianças de zero a 14 anos; 51,9%, jovens entre zero e 29
anos; 37,6%, entre 10 e 29 anos, segundo tabulações especiais feitas no IBGE por Jane Souto
de Oliveira.
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Estilos de uso
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74 Estudos feitos na Índia, após a recente proibição do uso de certas substâncias, mostra-
ram o desastre que foi tal proibição, pois o uso de drogas, que era conhecido, ensinado e
limitado a situações rituais, passou a depender exclusivamente das regras do mercado, que
introduziu drogas de uso desconhecido e, portanto, sem controles sociais. O abuso tornou-
se um grave problema social.
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Favela-Bairro
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75 Para entender a hierarquia das quadrilhas, ver Zaluar (1994d, 1998, 2002a).
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* A primeira parte deste texto foi lida em 27 nov. 2002, em um seminário organizado pelo
IFCS/UFRJ, tendo sido posteriormente publicada em Miranda e Linardi (2003). A segunda
parte, bastante modificada, é quase inédita.
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dos crimes cometidos. Mas esse quadro está longe de ser uma exclusi-
vidade brasileira. Segundo o Conselho Social e Econômico das Nações
Unidas, o crime organizado transnacional tem hoje a capacidade de
expandir suas atividades a ponto de ameaçar a segurança e a economia
dos países, particularmente os que estão em transição e desenvolvimen-
to, e representa o maior obstáculo que os governos têm que enfrentar
para assegurar sua estabilidade e a segurança de seu povo, a preserva-
ção de toda a tessitura social e a continuidade de seu desenvolvimento.
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76 O índice de desenvolvimento humano (IDH) foi criado pela ONU no início da década de
1990 e compõe-se de três índices a que se atribuem pesos iguais: longevidade, educação e
renda. O IDH varia entre zero e 1; quanto maior o índice, maior o desenvolvimento huma-
no da região. Assim, a ONU classifica os países segundo três níveis: países com baixo de-
senvolvimento humano (IDH até 0,5); países com médio desenvolvimento humano (IDH
entre 0,5 e 0,8); e países com alto desenvolvimento humano (IDH acima de 0,8). O mesmo
se aplica às cidades brasileiras ou mesmo aos seus bairros.
77 De acordo com outra fonte, a Fundação Nacional de Saúde do Ministério da Saúde
(Funasa), foram registrados 1.480 homicídios de residentes na cidade de São Paulo, ou seja,
uma taxa de 17,4 homicídios por 100 mil habitantes; em 1999 foram registrados 6.653 ho-
micídios, ou uma taxa de 66,7 por 100 mil habitantes. A partir de 2000 a FSEADE passou a
contabilizar os homicídios ocorridos na capital com endereço da vítima ignorado como de
residentes no estado de São Paulo em município de residência ignorado, o que provoca
descontinuidade metodológica na série entre 1999 e 2000. Em 2001, a FSEADE registrou
6.006 homicídios de residentes na capital ocorridos no estado (incluindo 24 óbitos por in-
tervenção legal), dos quais 122 em endereço não localizado (Kilsztajn et al., 2003).
351
divulgadas pelo Ministério da Justiça, das cidades com mais de 100 mil
habitantes no estado mais rico e mais desenvolvido do país são ainda
mais assustadoras. Diadema, no ABC paulista, registra a taxa de 149,76/
100 mil numa população total de 333.207; Embú-Guaçu, a única com
menos de 50 mil habitantes (46.130), tem uma taxa de 136,57/100 mil;
Itapecerica da Serra tem 105,5/100 mil numa população de 124.879 ha-
bitantes; Itaquaquecetuba, 82,89/100 mil numa população de 260.573;
Embu, 81,5/100 mil numa população de 219.638; Taboão da Serra, 78,09/
100 mil numa população de 95.926; Osasco, 69,41/100 mil numa popu-
lação de 655.479; São Paulo, 66,89/100 mil numa gigantesca população
de 9.923.063 habitantes; e São Bernardo do Campo, 58,86/100 mil numa
população de 715.222.
Alguns outros dados mostram o quadro grave a ser enfrentado no
que se refere aos segmentos mais atingidos. É sabido que as mortes vio-
lentas atingem principalmente os jovens entre 14 e 25 anos, mas as ta-
xas em algumas metrópoles são realmente assustadoras no que se refe-
re ao homicídio, especialmente por arma de fogo. Os índices brasileiros
já são maiores que os registrados nos EUA, onde anualmente 30 mil pes-
soas são mortas e 84 mil são feridas, desde 1976, e 85% do custos totais
de hospitalização e perda de dias trabalhados são pagos pelos contri-
buintes.
Devido à ineficiência da ação policial e à corrupção de alguns po-
liciais, os traficantes mais perigosos continuam soltos, ameaçando a
segurança dessas cidades. Pelo mesmo motivo, faz-se contrabando de
armamento pesado, como pistolas, metralhadoras AR-15 e K-47, fuzis
automáticos, granadas, rifles, miras de laser, equipamento antitanque
e antiaéreo, cujo poder de fogo nem sempre é noticiado no interior do
país ou nas cidades onde a imprensa procura zelar por suas imagens.
Mas sempre foi noticiado com estardalhaço no Rio de Janeiro, onde se
estima que milhares de jovens armados pelos traficantes controlam
militarmente o território de muitas favelas. Embora os dados mostrem
que a violência cresceu em todo o país, corre a versão de que o estado
do Rio de Janeiro, que não produz nenhuma droga ou arma nem faz
fronteira com os países produtores da cocaína, é a fonte de todo o “mal”
das organizações criminosas. Tenta-se repetir aqui o perverso esquema
que tanto atrasou o conhecimento e o combate efetivo do crime orga-
nizado na Itália. Eis o que diz, por exemplo, a reportagem de um jornal
de São Paulo (Folha Online, 1-3-2003):
352
o Primeiro Comando da Capital (PCC), que está por trás das rebeliões nos
presídios paulistas, começou a funcionar no estado no ano passado como
um “braço” dos traficantes de armas e drogas do Rio. Há duas teses para
sua origem: 1) o PCC seria uma ramificação do Terceiro Comando (TC),
organização que teria se rebelado no início da década de 90 contra sua
matriz, o Comando Vermelho (CV), principal distribuidor de drogas e ar-
mas no país; 2) o PCC seria uma nova dissidência, que se rebelou contra o
já “rebelado” TC, em 1993 ou 94 (não há consenso sobre a data), embora
só tenha entrado para valer nos grandes presídios paulistas no ano pas-
sado. Motivo: os criminosos estariam “cansados” de ser extorquidos por
alguns policiais cariocas que, em troca de propina, permitiriam o trânsi-
to livre de drogas, armas e contrabando para os morros (e, daí, para o
consumidor). Mudando a base de operações para São Paulo, todos os
carregamentos, que costumam partir de países como o Paraguai rumo ao
Sul do Brasil e, depois, por via marítima, para o Rio, passaram a entrar em
São Paulo por rodovias para só então serem enviados ao Rio.
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79 O ADA foi criado por Uê, um dos maiores traficantes do Rio, expulso do CV depois do
2000 informaram à direção da penitenciária que estavam abandonando o TCJ para criar o
PCJ (Folha Online, 1 mar. 2003).
81 Aprimeira facção teria surgido em 1999, no município onde se encontra o maior aero-
porto internacional do país, Guarulhos; e a segunda, em 1996, na penitenciária de Avaré,
interior de São Paulo (Folha Online, 1 mar. 2003).
355
82 Uma cabine da Polícia Militar no Cosme Velho e a estação do Corcovado foram atingidas
por disparos realizados na noite da segunda-feira por pelo menos oito bandidos armados
com fuzis e pistolas. Em Copacabana, duas bombas de fabricação artesanal foram lançadas
em frente a um supermercado e ao Hotel Méridien (Época, 1 abr. 2003). A polícia acredita
356
Nós deixaremos bem claro que nesta segunda-feira, dia 24-2-2003, aquele
que abrir as portas de seus comércios estarão desobedecendo uma or-
dem dada, e será radicalmente punido se desobedecê-la. Pois o que que-
remos é que esse abuso de poder que este governo e essa política hipó-
crita vêm implantando caia por terra, porque não tem mais como aturar
estes governantes com essa política opressora e covarde que vem prati-
cando o terror nas comunidades carentes, mandando os seus vermes
subordinados policiais invadir as favelas e plantar o terror, causando
assim a morte de muitos inocentes e, entre esses inocentes, estão se-
nhoras idosas, crianças e jovens adolescentes, e todo esse abuso acaba
impune como se nada tivesse acontecido, então tá na hora de darmos
um basta nessa hipócrita situação porque o povo já está vendo que os
verdadeiros marginais não estão nas favelas nem atrás das grades, e sim
no alto escalão da política, assim se colocando para roubar, matar e des-
truir o povo mais carente, que nada pode fazer a não ser pedir a Deus
que os protejam e conceda uma vida digna e de paz.
que os atentados tenham sido cometidos pela quadrilha do traficante Jurandir Dias do
Nascimento, o Caju, chefe do tráfico no morro Pavão-Pavãozinho, em Copacabana. Ele e
Gildo César Cerqueira de Freitas, o Copinho, morreram em tiroteio com policiais na ma-
nhã da quinta-feira seguinte. De acordo com os policiais, Caju teria sido o responsável tam-
bém pelos ataques com granadas ao shopping Rio Sul, em Botafogo, naquela semana, e ao
Hotel Méridien, no Leme, em março. Durante a madrugada, duas bombas de fabricação
caseira explodiram em frente a prédios no Leblon, bairro de classe média da Zona Sul do
Rio, sem causar estragos ou ferir alguém. Em Del Castilho, subúrbio carioca, a estação do
metrô foi atacada com tiros e coquetéis Molotov, que também atingiram as portas do cen-
tro comercial Nova América. Em Inhaúma, outro subúrbio próximo ao Complexo do Ale-
mão, bandidos invadiram uma empresa de transportes e incendiaram três dos 22 ônibus
que estavam na garagem (Época, 10 abr. 2003). Portanto, bombas nos centros turísticos do
Rio de Janeiro, na Zona Sul; ônibus queimados e tiros, na Zona Norte. Como sempre, são
poucos os responsáveis por muitas ações violentas.
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dos nós da questão está dentro da prisão por causa das mudanças re-
centemente impostas: o controle das visitas, agora revistadas, a apreen-
são de celulares e a perda de privilégios no consumo de diversos produ-
tos, inclusive a comida. A dificuldade de controle dentro da prisão revela
a incapacidade do sistema penal para lidar eficazmente com o crime
organizado, que tem alto poder de corrupção.
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83 Em 2000 havia 547 favelas na cidade do Rio de Janeiro. Nelas viviam cerca de 1 milhão de
pessoas, de uma população total de 5.897.000 habitantes. Quase 100 favelas foram
urbanizadas no Projeto Favela-Bairro.
84 Depoimento do deputado Carlos Minc, presidente da Comissão Parlamentar de Inquéri-
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AFDC (ajuda a famílias com crianças dependentes), usualmente destinado a mulheres che-
fes de família que vivem em guetos negros, e ao Social Security (seguro de saúde para ido-
sos e aposentados que para tanto contribuíram durante toda a sua vida de trabalho).
372
87% no mesmo período (Gilbert, 1995). Isso quer dizer que mais mães
adolescentes são responsáveis, sem ter a competência necessária, pela
criação de seus filhos. São elas a grande maioria das mulheres atendidas
no AFDC. Muitos autores consideram o programa de ajuda às mães um
estímulo à paternidade irresponsável e ao divórcio, mas as estatísticas
não comprovam isso, pois um pequeno efeito só se nota quando o bene-
fício é grande (Jencks, 1993). Mesmo depois que os benefícios diminuí-
ram muito, o número de mulheres que criavam sozinhas os seus filhos
continuou a aumentar. Portanto, não se pode deixar de considerar a cons-
trução da hipermasculinidade nesse quadro. Os poucos autores que fa-
zem associação entre maternidade incompetente (incompetent parenting)
e desmoralização do gueto sublinham a paternidade irresponsável, mas
não a vinculam a certa concepção de masculinidade nem a relacionam
com o crescimento da violência entre os jovens das famílias subclasse.
Como a maioria dessas famílias é negra, as estatísticas a respeito
dos jovens negros também impressionam. Os jovens negros entre 14 e
24 anos são autores e vítimas de homicídios 10 vezes mais do que os
jovens brancos. Mas tanto uns quanto outros viriam majoritariamente
de família conflitada, com orientação parental inadequada e sem re-
cursos diversos. Além disso, se os jovens negros têm seis vezes mais pro-
babilidade do que os jovens brancos de cometer algum crime violento,
dois terços de todos esses crimes são cometidos por jovens problemáti-
cos das duas “raças” (Jencks, 1993). E a diferença de taxas de crimes entre
elas se deveria ao fato de que a desagregação familiar e a socialização
inadequada das crianças haviam começado, entre os negros, 30 anos
antes, na década de 1960, a década das conquistas dos direitos civis e
do fim da segregação, mas também a da primeira grande epidemia de
uso e tráfico de drogas ilegais: a heroína destruiu muitos negros, inclu-
sive grandes músicos de jazz.88
Entretanto, há muitos estudos que apontam o grupo de pares como
o principal preditivo de delinqüência entre homens jovens, especialmen-
te dos crimes violentos mais graves e do hábito de portar armas (Myers
et al., 1997). A família poderia influir direta ou indiretamente, mas é a
rede de relações do jovem com outros de sua idade ou mais velhos que
aparece como fator mais importante para se entender o seu comporta-
mento. Os que portam armas representam 20% da amostra de adoles-
88 Essas histórias estão na coleção do GNT apresentada em 2002: Jazz, filme de Ken Burns.
373
jovens ligados a gangues; de 1985 até 1989, foram 1.500 homicídios do mesmo tipo a cada
ano. Os homicídios cometidos por membros de gangue são três vezes mais freqüentes do
que os cometidos por não-membros. Os homicídios envolvendo pessoas do mesmo sexo
ocorrem sobretudo entre homens: 91%, como no Brasil.
90 A raiva é o tema dos estudos sobre as galères de jovens árabes na periferia de Paris. Os
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91 Como veremos a seguir, é duvidoso que o desafio oral seja africano, mas certamente não
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92 “Como uma espiral de fazer dinheiro, o rap continua a gerar milhões de dólares de lucro:
em 1990, US$600 milhões, em 1991, US$700 milhões. Em 1996, gerou mais de US$800 mi-
lhões de renda, uma proporção significativa da renda bruta da indústria fonográfica, que
chegou a US$12 bilhões naquele ano. Em 1992, a Recording Industry Association of America
(RIAA) registrou 11 álbuns de rap que alcançaram a marca da platina, vendendo mais de
um milhão de unidades. Vinte e três conseguiram o ouro, com vendas superiores a 500 mil
unidades. Levantamento de 1992 descobriu que 74% do rap vendido nos primeiros seis
meses daquele ano foram comprados por brancos (Phillips 1992). Hip hop e R&B estão-se
tornando a música popular dominante, enquanto o rock descansa. Juntos eles constituem
a categoria ‘música urbana’, um eufemismo da indústria para a música negra. Estatísticas
da Soundscan (sistema implementado em 1991 que rastreia as vendas registradas nas tabe-
las semanais da Billboard) divulgadas em 1997 mostram que os números das vendas foram
os maiores até então para o rap e R&B. O rap vendeu 62 milhões de unidades” (Basu e
Werbner, 2001). Esses dados não incluem o mercado externo da cultura globalizada e do-
minada pela produção dos EUA.
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93 Mas a música pode ser a base para uma ação política pragmática: por exemplo, o Stop the
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to da violência entre homens jovens, mas isso pode fazer com que per-
camos a dimensão do que é um processo macrossocial. Glória Diógenes
(1995, 1998) exemplifica essa perspectiva quando afirma que a violên-
cia fornece novas formas de expressão para os chamados excluídos, que
assim romperiam as barreiras delimitadoras da cidade partida e afir-
mariam, pela desordem, a sua presença na cidade. A masculinidade vio-
lenta seria, então, algo positivo na medida em que serviria à diferença
(pequena), demandando o reconhecimento dela e instituindo novas
redes de sociabilidade, de micropoderes ou solidariedades fechadas.
Mesmo que, segundo a autora, muitas vezes elas deixem rastros de san-
gue, isso não constituiria um problema nem exigiria intervenção de
política pública. No meu entender, trata-se de mais um exemplo de
etnógrafo que mergulha no mundo do outro, identifica-se com ele e re-
pete suas justificativas para ações predadoras e condenadas como se
isso fosse a “cultura” do grupo estudado.
Estaria o etos da masculinidade violenta também encapsulado em
certos setores mais pobres ou mais desintegrados no Brasil? O debate
sobre os efeitos da pobreza e da miséria no aumento das taxas de cri-
mes violentos observadas em todo o país levou ao conhecimento dos
pesquisadores estudos que revelam uma forte correlação entre pobre-
za e crimes violentos nas regiões metropolitanas e uma correlação in-
versa quando se comparam nacionalmente municípios pobres e ricos.
A situação particular dos jovens entre 11 e 24 anos tem sido muito dis-
cutida por causa de sua gravidade no quadro de mortes violentas, em
especial homicídios. Mas ficaram sem resposta algumas questões: como
e por que, nos bolsões de pobreza, a família se fratura, a instituição es-
colar se dilacera pela presença da violência simbólica e física, a classe
social perde suas referências, a hipermasculinidade se instaura nos co-
rações e mentes, as organizações vicinais se paralisam e o movimento
social se esvazia?
Também não há estudos conclusivos sobre o aumento da gravidez
na adolescência ou a incompetência na socialização dos filhos nasci-
dos de mães muito jovens e sem apoio familiar ou de outros protetores.
Tampouco sobre os efeitos dessa socialização na internalização do etos
guerreiro entre os jovens e no seu envolvimento progressivo na carreira
criminosa. De todo modo, uma cena comum nas minhas pesquisas de
campo era ver uma criança apontada pelos vizinhos — “esse vai ser ban-
dido” — justamente porque vivia na rua, praticamente sem cuidado
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95 Wolfgang Sofsky (1988), sociólogo alemão que estudou o terror e escreveu um tratado so-
bre a violência, narra com crueza o que vem a ser essa paixão. Escolhe para ilustrá-la o perso-
nagem Gilles De Rais, nobre francês contemporâneo de Joana D’Arc que adquiriu o gosto de
matar durante a Guerra dos Cem Anos e continuou a fazê-lo quando não havia mais guerra.
Caçou, torturou e matou meninos com a ajuda de seus servos, conforme suas confissões.
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bros, enquanto na gangue estes são ouvidos. No Brasil, as quadrilhas de traficantes seguem
a linha de poder das organizações mafiosas, embora não tenham a mesma origem.
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98 Um conhecido sambista da Vila da Penha foi ameaçado de morte pelas quadrilhas e gale-
ras de uma favela depois que o samba de sua autoria (Quizomba) foi o vencedor e a escola
de samba de Vila Isabel sagrou-se campeã em 1989: ele vinha de um bairro sob outro “co-
mando”.
99 Como prova de que os mundos se interpenetram (Bakhtine, segundo Zaluar, 1985), saber
entrar e saber sair é o passaporte no tráfico para não haver conflito violento entre compar-
sas ou entre traficantes e usuários. Mas isso não funciona para homens que moram em
bairros ou favelas “inimigas”.
100 Segundo o principal historiador do folclore brasileiro (Cascudo, 1984), os desafios can-
tados são provavelmente de origem portuguesa e árabe. Esse mesmo autor afirma que tais
desafios verbais não existiam no continente africano, ao contrário do que afirma Tricia Rose
sobre a origem africana do rap.
391
Deixa de arrastar
O seu tamanco,
Pois tamanco nunca foi sandália.
E tira do pescoço o lenço branco,
Compra sapato e gravata,
Joga fora essa navalha
Que te atrapalha.
Com chapéu de lado deste rapa
Da polícia quero que escapes
Fazendo samba canção.
Eu já te dei papel e lápis,
Arranje um amor e um violão.
Malandro é palavra derrotista
Que só serve pra tirar
Todo valor de um sambista.
Proponho ao povo civilizado
Não te chamar de malandro,
E sim de rapaz folgado.
(Noel Rosa)
392
Você me desrespeitou,
Mexeu com a minha nega.
Você sabe muito bem que em casa de malandro
Vagabundo não pede emprego (...).
Aí eu meti a mão na peixeira,
Porque eu sou de Pernambuco,
Cidade pequena porém decente.
Peguei o Virgulino pelo abdômen (...).
Agora o malandro que é malandro
Não denuncia o outro,
Espera para tirar a forra.
Então diz o malandro:
Vocês não se afobem que o homem
Dessa vez não vai morrer.
Vocês botem terra,
Que este sangue não é guerra,
É brincadeira,
E eu desguiando que a justa já vem (...).
393
Não surpreende que o samba também não seja bairrista, como está
claro nas constantes trocas entre os sambistas, entre as escolas, em ro-
das de samba, pagodes, partidos altos, rodas de choro e comemorações
que fazem da cidade do Rio de Janeiro uma constante fonte de encon-
394
Quem é você
Que não sabe o que diz,
Meu Deus do Céu, que palpite infeliz.
Salve Estácio, Salgueiro e Mangueira,
Osvaldo Cruz e Matriz,
Que sempre souberam muito bem.
A Vila não quer abafar ninguém,
Só quer mostrar que faz samba também.
395
Mediadores da paz
Salvem os meninos.
Luís Carlos da Vila
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400
101 Ver cap. 13. Os dados aqui interpretados foram recolhidos por Luiz Fernando Almeida
401
Dor pra eles é muito natural, morrem duas, três pessoas por semana
aqui. Então a morte para eles é uma coisa constante, não é como pra
gente. Então eles sabem que o pai era traficante, que a mãe era trafican-
te, isso é normal pra eles, mas eles não gostam disso, eles gostariam de
ter uma família normal, natural, como todo mundo tem. Então tem ca-
sos de estupro na família. Casos de violência dentro da família.
Eu não faço trabalho terapêutico aqui, mas eu pego alguns, vejo que tá
demais e tenho que dar uma segurada porque a dor é muito forte mes-
mo. Tem criança aqui que em dois anos perdeu quase toda a família. Pai
morreu, tio morreu, irmão morreu, são vivências com a morte o tempo
inteiro. É muita dor, é conviver com a violência o tempo inteiro. Então a
questão é você trabalhar a criança, mas basicamente a relação das ou-
tras pessoas também. Mostrar que preocupação é essa com as crianças.
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nem disposição para agir como interlocutores dos policiais que tentam
aproximar-se deles. Com isso inevitavelmente se reproduz a ação assis-
tencial ou paternalista que vem sendo tradicionalmente empreendida
tanto por policiais quanto por traficantes. Embora tenhamos que feste-
jar o fim do tiroteio na favela privilegiada, mas não o abandono das ar-
mas que lá continuam escondidas, isso não é suficiente para afirmar
que viramos o jogo do domínio militar, ou seja, da guerra interminável
entre as quadrilhas e entre estas e a polícia no resto da cidade. Esse
modelo de polícia, que se diz comunitária, não funciona onde os trafi-
cantes controlam militarmente o território e amedrontam os morado-
res. O trabalho policial é de pequeno alcance e ainda está sujeito a acu-
sações de conluio com os criminosos.
Terceiro, há um significativo silêncio a respeito dos excessos e abu-
sos de poder que os traficantes bem armados vêm cometendo em mui-
tas favelas do Rio de Janeiro. Esse véu encobre o discurso de muitos líde-
res comunitários e de muitos moradores de favelas, mas também de
intelectuais e jornalistas que se apresentam como defensores dos direi-
tos humanos. Evidentemente não se podem esquecer os perigos a que
estão expostos os que residem nos territórios dominados por traficantes.
O silêncio, no caso deles, não é escolha, mas medida de sobrevivência.
Que fazer então para dar a esses indefesos moradores a possibilidade de
dizer não ao despotismo de policiais violentos e de traficantes tirânicos?
Mas todas essas iniciativas dificilmente surtirão efeito se não hou-
ver sintonia com as políticas de segurança do Estado, que detém o po-
der policial, e com as medidas de desarmamento propostas pelos
movimentos sociais. O desarmamento, por sua vez, só terá o efeito pre-
tendido se conseguir chegar ao armamento pesado em mãos dos trafi-
cantes e se houver rigoroso controle das armas legalmente compradas,
por meio de sua numeração e do efetivo registro pelos comerciantes.
Em Chicago, esse registro cuidadosamente rastreado permite incrimi-
nar não só aquele que cometeu o crime com a arma na mão, mas tam-
bém o que a repassou, vendeu ou emprestou. Os crimes cometidos com
armas de fogo também tiveram sua pena aumentada, e quaisquer pes-
soas que portem armas são detidas para investigação. No estado de
Illinois, o porte de arma não é permitido. Do mesmo modo, é preciso
pensar no agravamento da pena para os que traficam nas imediações
de escolas, postos de saúde e outros órgãos públicos que prestam servi-
ço à população.
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atividades, que duraram uma semana, além das três de preparação dos
mediadores. A proposta era desenvolver as habilidades na arte da ne-
gociação e da mediação para a solução de conflitos, partindo do princí-
pio de que eles existem e jamais devem ser negados. A vinda de idosos
para cantar canções folclóricas tradicionais ou da MPB e dançar com as
crianças e adolescentes acabou por fazer com que estes trocassem o
funk pela música brasileira. A diretora se ressentia da perda de autori-
dade e do comportamento agressivo de alguns alunos. Um bando deles
ficou no telhado da escola, e ela nos disse que nada podia fazer porque
eles sempre a enfrentavam e ameaçavam continuar o conflito com ela
fora da escola. São os chamados localmente de “revoltados”, que nunca
ouvem os mais velhos e não respeitam nenhuma autoridade — ideal do
jovem na cultura estadunidense do revoltado sem causa, predador e
autodestrutivo.
No primeiro ano (2001), formaram-se como mediadores 35 jovens,
que posteriormente atuaram como monitores nas férias participativas
de julho e dezembro, sob a coordenação da Assessoria Especial de Se-
gurança Participativa.102 Em 2002, já havia um grupo de 60 jovens. Em
2003, já eram 120 jovens mediadores da paz, incluindo algumas outras
escolas e creches. Nas férias participativas, já foram realizadas nos dois
últimos anos 10 colônias com 800 crianças de bairros populares. Alguns
casos são dignos de nota:
Diego Mignoni: o padrasto o obrigava a trabalhar e Diego faltava
às aulas para comparecer às reuniões do grupo de mediadores. O pa-
drasto considerava o projeto uma perda de tempo, mesmo tendo sido
alertado de que Diego começava a se envolver com drogas e trafican-
tes. Mas Diego afirmava querer participar dos “Mediadores” porque
pensava que ajudar o próximo era muito importante e essa era a pri-
meira vez que alguém confiava nele. Por isso deixava de ir às aulas para
ir às reuniões. Foram-lhe destinadas atividades alternativas que não
coincidiam com o horário das aulas, tais como pregar cartazes, fazer
inscrições para a colônia de férias, identificar as crianças que não esta-
vam comparecendo à escola e visitar suas famílias. Continua até hoje
prestando apoio ao projeto, apesar de ter deixado a escola após con-
cluir a 8a série.
102 Essa assessoria foi criada em janeiro de 2001, quando assumi sua coordenação; a partir
de julho de 2002, essa função passou a ser desempenhada por Gilda Barbosa A. de Souza,
encarregada da execução do subprojeto “Mediadores”.
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