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Os pesquisadores que se propõem interpretar as ações que têm lugar em

uma escola ou em uma sala de aula começam seu trabalho de pesquisa


procurando responder a três perguntas:
O que está acontecendo aqui?
O que essas ações significam para as pessoas envolvidas nelas? Ou seja,
quais são as perspectivas interpretativas dos agentes envolvidos nessas
ações?
Como essas ações que têm lugar em um microcosmo como a sala de aula se
relacionam com dimensões de natureza macrossocial em diversos níveis: o
sistema local em que a escola está inserida, a cidade e a comunidade
nacional?
Quando se voltam para a análise da eficiência do trabalho pedagógico, esses
pesquisadores estão mais interessados no processo do que no produto.
Também não estão à busca de fenômenos que tenham status de uma
variável-explicativa, mas sim dos significados que os atores sociais
envolvidos no trabalho pedagógico conferem às suas ações, isto é, estão à
busca das perspectivas significativas desses atores.
É tarefa da pesquisa qualitativa de sala de aula construir e aperfeiçoar
teorias sobre a organização social e cognitiva da vida em sala de aula, que é
o contexto.
Série Estratégias de Ensino 8
EDITOR
Marcos Marcionilo
CONSELHO EDITORIAL
Ana Stahl Zilles [Unisinos]
Angela Paiva Dionisio [UFPE]
Carlos Alberto Faraco [UFPR]
Celso Ferrarezi Jr. [UNIFAL]
Egon de Oliveira Rangel [PUC-SP]
Henrique Monteagudo [Universidade de Santiago de Compostela]
José Ribamar Lopes Batista Jr. [UFPI/CTF/LPT]
Kanavillil Rajagopalan [Unicamp]
Marcos Bagno [UnB]
Maria Marta Pereira Scherre [UFES]
Roberto Mulinacci [Universidade de Bolonha]
Roxane Rojo [UNICAMP]
Salma Tannus Muchail [PUC-SP]
Sírio Possenti [UNICAMP]
Stella Maris Bortoni-Ricardo [UnB]
Tommaso Raso [UFMG]
Vera Lúcia Menezes de Oliveira e Paiva [UFMG/CNPq]
Capa e Projeto Gráfico: ANDRÉIA CUSTÓDIO

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA FONTE


SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

B748p
Bortoni-Ricardo, Stella Maris, 1945 -
O professor pesquisador: introdução à pesquisa qualitativa / Stella Maris Bortoni-
Ricardo. - São Paulo : Parábola Editorial, 2008.
(Estratégias de ensino ; 8)

Inclui bibliografia e índice


ISBN 978-85-88456-89-1

1. Pesquisa Educacional. 2. Pesquisa - Metodologia. I. Título. II. Série.

08-4698 CDD 370.78


CDU 37.015.4

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permissão por escrito da Parábola Editorial Ltda.

ISBN: 978-85-88456-89-1

1ª edição - 7ª reimpressão: novembro de 2020


© do texto: Stella Maris Bortoni-Ricardo, 2008
© da edição: Parábola Editorial, São Paulo, novembro de 2008
Dedico este livro a meus
filhos, a meus netos
Sumário

Orelha da quarta capa

Folha de rosto

Página de direitos autorais

Dedicatória

Sumário

Introdução: A pesquisa científica

1. Postulados do paradigma positivista

2. Exemplo de pesquisa quantitativa experimental

3. Postulados do paradigma interpretativista

4. O professor pesquisador

5. As rotinas da pesquisa qualitativa

6. Coleta e análise de dados

7. Elos entre asserções e dados


8. Pesquisa colaborativa na formação continuada de professores

9. Projeto de pesquisa qualitativa

10. Pré-projetos de pesquisas qualitativas

11. O paradigma de redes sociais para a análise qualitativa

Referências bibliográficas

Orelha da capa
Introdução:
A pesquisa científica

E ste é um livro de introdução à metodologia da pesquisa


qualitativa, dirigido especialmente a professores em atividade e aos
professores em formação inicial e continuada. À medida que o texto foi
sendo elaborado, era submetido à apreciação de alunos de pós-graduação
em educação e em linguística e a alunos de graduação do curso de
pedagogia1. Muitos episódios de conversa entre a autora e esses leitores
colaboradores foram gravados, e alguns fragmentos da interação estão
incorporados ao texto para que os leitores possam transitar da reflexão
teórica sobre a pesquisa qualitativa para fragmentos de conversas coloquiais
motivadas pelos temas abordados2.
***
O pensamento científico permeia todos os aspectos da vida moderna: o
alimento que consumimos é resultado da pesquisa em agronomia para a
produção de cereais, verduras e frutos e da pesquisa genética para a
produção de proteínas animais; a roupa que vestimos, os meios de
transporte que usamos, os cuidados com a saúde, os eletrodomésticos de
que nos servimos e, em especial, os meios de comunicação — que
experimentaram uma verdadeira revolução no final do século passado com
o desenvolvimento da informática e o advento da internet —, enfim, tudo o
que nos cerca em nossa rotina diária é produto da evolução científica.
O conhecimento do mundo em que vivemos, a Terra e para além dela,
alterou-se profundamente com o desenvolvimento da astrofísica e da
tecnologia da exploração espacial. Da mesma forma, o conhecimento de
nosso corpo vem se beneficiando constantemente dos progressos das
ciências físicas e biológicas e do refinamento da tecnologia que deles
decorre. Também nosso conhecimento sobre as mais diversas culturas
humanas, sobre as mais diversas etnias que povoam a Terra vem se
acumulando.
A educação e, mais propriamente, o trabalho escolar de ensino e
aprendizagem também têm sido objeto de pesquisa sistemática. Por tudo
isso, é desejável que os professores e todos os atores envolvidos com a
educação tenham uma postura pró-ativa na produção de conhecimento
científico (cf. G. Spindler & L. Spindler, 1987; Bogdan & Biklen, 1998).
A pesquisa em sala de aula insere-se no campo da pesquisa social e
pode ser construída de acordo com um paradigma quantitativo, que deriva
do positivismo, ou com um paradigma qualitativo, que provém da tradição
epistemológica conhecida como interpretativismo. O positivismo e o
interpretativismo são as duas principais tradições no desenvolvimento da
pesquisa social. O positivismo começou a ser empregado nas ciências
exatas e foi depois importado pelas ciências sociais, a partir do início do
século XIX, desfrutando desde então de grande prestígio.
O objetivo deste livro introdutório é permitir que os leitores se
apropriem dos princípios básicos da metodologia da pesquisa qualitativa e
também estejam aptos a ler, com razoável compreensão, relatórios de
pesquisa em geral e artigos em periódicos científicos especializados.

OS OBJETIVOS E O PÚBLICO LEITOR

O. (letra inicial do nome da aluna) - Ah, sim, primeiro eu queria saber pra quem
... este texto aqui, o público que vai ser dirigido, se é pras alunas de Projeto 3,
ou se é para pesquisadoras e qual o objetivo deste texto. Assim, pra quem ele
foi dirigido, porque eu acho que ficou meio...
P (professora) - Interlocutor, quem é nosso interlocutor? Quem é nosso leitor?
O. - E segundo, qual é o objetivo deste texto?
P. - Perfeito. Todo texto tem que ter... ele é direcionado a alguém, não é? Todo
texto é direcionado a alguém. A... a carta é destinada ao destinatário da carta,
o... jornalista que escreve no jornal já está se dirigindo aos leitores daquele
jornal. Aí é que está, você faz uma pergunta muito instigante e uma crítica
muito boa ao texto, porque o texto não, não...Quem é que eu tinha em mente
quando escrevi isso? Então, ah.. em princípio quem vai ler... Este texto foi
direcionado a professores. Agora ah... o que você está sugerindo...
O.- Que a gente primeiro diga a quem o texto se dirige.
P. - Se ele se dirigir a professores, você acha que está bem como está, merece
alterações? E se ele se dirigir a alunos, pensemos nessa outra possibilidade,
se ele se dirigir a alunos, então quer dizer, professores em formação inicial,
alunos que estão em curso inicial de formação de professores. Então este
pode ser um texto lido na formação inicial e pode ser um texto também para
professores que sejam alunos de formação continuada, ou seja, é um texto
para professores em formação inicial ou continuada. Então o que nós vamos
fazer é definir bem o público leitor e vamos definir objetivos, que... que vocês
acham que eu devo colocar em termo de objetivos? Qual é o objetivo deste
texto?
T. - Acho que seria ensinar como pode fazer pesquisa, né? Acho que ajuda a
fazer uma pesquisa.
A. - Ajuda até mesmo nós a fazer um pós-doutorado.
P. - Um pós... um mestrado, tá, um mestrado.
T. - E quanto ao público, eu acho que é interessante a gente fazer isso no
início, porque a gente já tem uma noção de como fazer.
P. - Ah.. Uma sugestão de T., ela acha que nós podemos... que pode ser no
início da formação inicial, né?

Durante o século XX, a humanidade avançou mais na produção de


conhecimento científico do que em todos os milênios de sua existência até
agora. As ciências, desenvolvidas nas universidades e em centros
especializados mantidos pelos governos e pelas grandes corporações, estão
organizadas em associações científicas, guardiãs da tradição e da
fidedignidade da produção dos cientistas e responsáveis pela intensa
divulgação de seus progressos. Mas não se pode imaginar que o nascedouro
das ciências seja contemporâneo das modernas tecnologias. O
conhecimento científico tem avançado juntamente com a história da
humanidade. Contudo, há alguns perío­dos nessa história em que o avanço
foi mais rápido e mais intenso.
Há muitos registros de atividade científica entre os povos antigos.
Exemplos são os conhecimentos de astronomia dos maias, pré-
colombianos; a técnica de mumificação e de construção das pirâmides no
antigo Egito; a tecnologia náutica entre os fenícios e outros povos
navegadores. Mas foram os gregos, no século IV a.C., que usaram
extensivamente a escrita para registrar a evolução de pensamento nas
diversas ciências. Essa herança está, praticamente, nas raízes de todo o
acervo científico ocidental. Datam dessa época os registros escritos sobre a
geometria de Euclides (*360- † 285 a.C.); a matemática de Arquimedes
(*287-†212 a.C.) e a medicina de Hipócrates (*460-†377 a.C.) entre muitos
outros.
Por muitos séculos, o Ocidente permaneceu ignorante dos progressos
científicos entre os povos orientais. Quando o viajante veneziano Marco
Polo (*1254-†1324 d.C.) visitou a China e países vizinhos, trouxe consigo
informações e artefatos que surpreenderam a Europa.
Encerrada a Idade Média, as nações europeias experimentaram um
grande desenvolvimento científico. Nos séculos XVI e XVII, Galileu
Galilei (*1564-†1642 d.C.) construiu telescópios, já de grande precisão, e
conduziu experiências sobre movimento, peso, velocidade e aceleração.
Nesses dois séculos, foram também construídos outros instrumentos para
pesquisa, que permitiram o progresso científico: microscópios, binóculos e
instrumentos náuticos, como astrolábios, mapas e barômetros.
Foi ainda Galileu quem ofereceu evidências de que a Terra e os demais
planetas deste sistema giravam em torno do Sol e refutou a teoria
aristotélica de que os corpos pesados caem mais rapidamente que os leves.
Conta-se dele a história de que havia subido na torre de Pisa e feito
sucessivas experiências de lançar do alto objetos de pesos diferentes,
observando a rapidez de sua queda. Com esse processo de sistemáticas
experimentações, devidamente registradas, Galileu provou que objetos
leves e pesados caem na mesma velocidade.

1 Agradeço a meus alunos de pós-graduação em educação e em linguística e a meus alunos


de graduação em pedagogia, todos da Universidade de Brasília, que contribuí­ram com
comentários ao texto e com a cessão de dados de seus projetos para a ilustração de temas
aqui abordados.
2 Este trabalho foi desenvolvido com uma dotação da Universidade de Brasília – Funpe,
2006. Participaram do projeto como assistentes de pesquisa as alunas licenciandas em
pedagogia: Thaís de Oliveira e Tatiana de Oliveira
Postulados do paradigma
positivista

A ntes de refletir sobre a metodologia da pesquisa qua­litativa,


temos de traçar, em esboço, um quadro descritivo do conflito das
duas vertentes das ciências sociais a partir do século XX: a tradição lógico-
empirista — que estamos denominando paradigma positivista — e a
tradição interpretativa ou hermenêutico-dialética — que denominamos
paradigma interpretativista. A primeira privilegia a razão analítica,
buscando explicações causais por meio de relações lineares entre
fenômenos. A segunda pressupõe a superioridade da razão dialética sobre a
analítica e busca a interpretação dos significados culturais (J. Hughes,
1980).
A tradição explicativa ou cientificista estruturou-se a partir do
positivismo de Auguste Comte (*1798- † 1857) no século XIX e vai ter
grande influência em toda a atividade científica e cultural, no senso comum
e no modo de vida a partir do século XX. De fato, desde meados do século
XIX, a teoria da ciência começou a confundir-se com a própria teoria do
conhecimento, de tal forma que todo o conhecimento considerado legítimo
passou a ter sua fundamentação na pesquisa científica.

Diário de bordo
Pesquise em livros ou na internet definições para positivismo e
interpretativismo. Lembre-se de registrar suas respostas em um caderno
ou arquivo digital.

Entre os precursores intelectuais da tradição cientificista, destacam-se


dois nomes: Francis Bacon (*1561- † 1621) e René Descartes (*1596-
† 1650). Bacon representa a herança aristotélica do empirismo como fonte
de conhecimento, enquanto Descartes alinha-se à tradição racionalista
platônica. A partir de Bacon, desenvolve-se uma escola que privilegia a
experimentação, a indução e a observação exaustiva. Pertencem a essa
escola, entre outros, John Locke (*1632- † 1704), David Hume (*1711-
†1776) e John Stuart-Mill (*1806-†1873).

De acordo com o paradigma positivista, a realidade é apreendida por meio da


observação empírica. As descobertas se dão pela via da indução, que é o
processo de chegar a regras e leis gerais pela observação das regularidades.
Pode-se também trabalhar nesse paradigma pelo processo hipotético-
dedutivo, que concilia a interpretação empírica com as certezas da lógica
dedutiva. Para entender melhor os princípios que regem a pesquisa positivista,
consulte o livro de Pedro Demo, Metodologia científica das ciências sociais.
São Paulo: Atlas, 1980. Cf. também o livro de Antônio Gil, Como elaborar
projetos de pesquisa. São Paulo: Atlas, 1988.

Para Descartes, por outro lado, a matemática, com seus princípios


atemporais e imutáveis, era a linguagem mais adequada para a investigação
da natureza. São seus seguidores os filósofos racionalistas como Baruch
Spinoza (*1632- † 1677) e Gottfried Wilhelm Leibniz (*1646- † 1717) que
tiveram grande influência sobre Comte.
As reflexões sistemáticas sobre a teoria da ciência tiveram início com as
afirmações ontológicas dos filósofos gregos no século IV a.C., isto é,
afirmações sobre tudo o que existe. Relacionadas à reflexão ontológica
estão as reflexões epistemológicas, a respeito de como o mundo vem a ser
conhecido pelo ser humano. É no bojo dessas reflexões epistemológicas que
podemos encontrar as raízes da teoria das ciências, em particular, as raízes
do paradigma positivista, que é marcado pelos seguintes postulados
principais:
Certeza sensível: a realidade consiste naquilo que os sentidos podem
perceber. Na evolução da história das ciências, foram sendo criados
instrumentos, como o microscópio, o telescópio, a radiografia e a
ecografia, que ampliam a percepção dos sentidos humanos.
Certeza metódica: a investigação científica procede de acordo com
métodos rigorosos e sistemáticos.
Antinomia entre o sujeito cognoscente e o objeto cognoscível. A
percepção objetiva do mundo tem de estar dissociada da mente do
pesquisador, que não se apresenta como sistema de referência. As
categorias postuladas devem ser livres de contexto, isto é,
independentes das crenças e valores do próprio sujeito cognoscente e
de sua comunidade.
A ortodoxia positivista também postula uma aversão à metafísica e à
própria filosofia e prevê uma distinção fundamental entre fato e valor (cf. J.
Hughes,1980).
Outra distinção importante que se constituiu com o avanço da teoria da
ciência foi entre o senso comum e o raciocínio científico. Este último
pressupõe a observância dos postulados que acabamos de mencionar,
especialmente, a certeza metódica, isto é, o emprego rigoroso da
metodologia científica. Por exemplo, se um de nós passa por uma rua e vê
uma longa fila formada à frente de um órgão governamental de atendimento
ao público, poderá exclamar: “É só no Brasil que o cidadão precisa ficar em
fila para ter seus direitos contemplados”. Essa observação não decorre de
um rigoroso raciocínio científico, é apenas uma observação baseada no
senso comum. Seria difícil confirmar cientificamente a asserção porque
teríamos de obter dados empíricos em todos os países do mundo para
confirmar se, de fato, somente no Brasil os cidadãos têm de ficar em fila. Se
tal pesquisa fosse realizada, estaria sendo conduzida pelo processo de
indução. Dificuldades como essa na produção de evidência científica
levaram alguns epistemólogos, como Karl Popper (*1902-†1994) e Thomas
Kuhn (*1922- † 1996) a repensar a lógica subjacente ao modo de fazer
ciência. Sua contribuição é conhecida como pós-positivismo.
Segundo eles, a lógica de verificação deve ser trocada por uma lógica
de falsificação. Assim, o processo de indução também será substituído pelo
processo de dedução hipotética (Kamberelis & Dimitriadis, 2005).
Seguindo essa revisão de postulados, seria possível testar cientificamente a
hipótese sobre as filas no Brasil. Bastaria para tal começar a coletar dados
em outros países. Se fosse identificada a existência de filas em qualquer
outro país, a hipótese restaria “falsificada” e poderia ser descartada.

POSTULADOS DA PESQUISA QUANTITATIVA -


1

P. - O positivismo foi justamente o que vocês leram: ele tem alguns princípios,
algumas premissas, alguns pressupostos, um deles, por exemplo, é que haja
uma total... uma precisão total e também um distanciamento total entre o
sujeito cognoscente, o pesquisador, e aquilo que ele está pesquisando, que é
o objeto cognoscível. Nas ciências exatas, é assim. Nas ciências do homem,
nas ciências humanas, isso já pode ser mais difícil, porque a simples presença
do pesquisador já pode alterar o comportamento e a postura de quem está
sendo pesquisado. Quando surgiu uma alternativa para o paradigma
positivista, era justamente uma alternativa que não buscasse necessariamente
a explicação, de tal maneira que você tenha uma variável explicação e uma
variável explicada, né? Você quer estabelecer uma relação entre, entre...
vejamos, vejamos... entre o consumo de... de açúcar e... o consumo de açúcar,
chocolate... e problemas de flutuação no humor, por exemplo. Ou alguma coisa
um pouco mais fácil de medir. Ah, consumo de açúcar... uma coisa que eu vi
esses dias, consumo de refrigerante na base de cola e certos tipos de doença,
tô tentando me lembrar qual era a doença, Pepsi-cola, Coca-cola essas coisas,
esses, esses, o consumo desses refrigerantes e certas doenças, certo?
Consumo de refrigerante como a Coca-cola, Pepsi-cola, né? E a variável
explicada seria a doença que se quer pesquisar, como, por exemplo, algumas
doenças autoimunes, umas doenças assim. Ah... na perspectiva positivista
quantifica-se, quer dizer, você trabalha com dois grupos, um grupo que está
sendo sub... que consome, são consumidores é...? (Então, qual é a variá­vel
explicação?) Consumo de refrigerantes, dividido em dois níveis:
Um grupo que consome um alto nível de refrigerantes e um outro que não
consome e depois, durante um período, e depois você vai ver a incidência
daquela moléstia, se o consumo de tal refrigerante é... teve uma, uma, uma
consequência na incidência daquela doença. Isso é uma possibilidade, então o
que se faz? Geralmente faz-se assim, você tem um... dois grupos, um que está
consumindo bastante aquele produto, outro que não consome e aí depois
ambos os grupos são acompanhados pra ver qual foi o... o resultado em
termos daquela doença. Ah... como é que se faz isso? Faz-se assim: primeiro
você tem um grupo que consome muito, altas doses, e pode ter um grupo que
consome medianamente e um grupo que não consome, você quantifica o
consumo. Ou você pode ter dois grupos, um que consome, outro que não
consome. E depois você vai avaliando, vai contando também quantas pessoas
do, daquela amostra total adoeceram e aí vai ver se houve uma correlação
positiva entre o consumo do refrigerante e a doença. Isso quer dizer, se aquele
grupo que consumiu mais adoeceu mais, quem consumiu menos adoeceu
menos. Se isso aconteceu... não é em termo de grupo, é de quantos membros
daquele grupo adoeceram, né. Depois se faz uma, uma... um teste estatístico
pra ver se aquela correlação não é uma... Não pode ser atribuída ao simples
acaso, ao simples azar. Uma coisa que poderia ter acontecido de qualquer
forma. Se há uma comprovação estatística de que aquela correlação existe.

Diário de bordo
Para fixar o que aprendemos até aqui, responda à pergunta: o que
caracteriza uma pesquisa científica no âmbito do paradigma positivista?
Dê exemplos.

A ortodoxia positivista valoriza o pensamento científico e considera o


senso comum destituído de qualquer valor significativo. Mas, a partir do
século XX, acompanhando as críticas a essa ortodoxia, surge uma tendência
a se conferir relevância também ao senso comum. Considera-se que esse é
diferente em sua natureza do processo científico, mas é importante nas
culturas humanas. Vejamos um exemplo: de acordo com o Código de
Trânsito Brasileiro, podem-se evitar colisões e atropelamento calculando-se
a distância entre um carro e o veículo da frente, denominada distância de
seguimento. É possível calcular essa distância por meio de uma complicada
fórmula científica (matemática), que leva em conta a velocidade dos
veículos em questão, o seu peso e comprimento, o atrito com a superfície da
via, a velocidade do vento, entre outros fatores. Como não é viável fazer
cálculos quando estamos no trânsito, podemos, alternativamente, prevenir
colisões com veículos à frente usando o senso comum, isto é, mantendo um
espaço razoável entre os dois veículos. À medida que se aumenta a
velocidade, essa distância também tem de ser aumentada.
Já vimos que o senso comum na vida contemporânea também é
influenciado pelo pensamento científico. Já vimos também que esses dois
tipos de conhecimento são distintos. O ponto que estamos defendendo aqui
é que o senso comum representa uma dimensão do conhecimento que não
deve ser descartada como primitiva ou produto da ignorância. Pelo
contrário, o senso comum é um componente valioso em nosso
conhecimento de mundo. O cientista social pode valer-se dele para
interpretar as ações socialmente orga­nizadas e a forma como os atores
sociais as veem, posicionam-se em seu interior e constroem seu sistema de
interpretação. Por exemplo, ao examinar como se dá a transmissão de
conhecimentos de uma geração para a geração seguinte, tanto nas famílias
quanto nas escolas, os pesquisadores vão levar em conta evidências
cientificamente comprovadas, mas também a influência do senso comum.
A pesquisa que segue o paradigma positivista pode ser experimental ou
não experimental. Em ambas, o pesquisador está procurando relações
causais entre dois ou mais fenômenos, isto é, entre variáveis. Ele procura
explicar a variável denominada dependente (ou variável explicada)
estabelecendo uma conexão com uma ou mais variáveis independentes (ou
variáveis explicação). Podemos dizer também que, com essa metodologia, o
pesquisador está buscando uma correlação entre os fenômenos, mais
propriamente, uma variação concomitante: alterando-se o fenômeno
antecedente — variável independente — é de se esperar uma alteração
paralela no fenômeno consequente — variável dependente. Quando se
obtém evidência confiável dessa relação, pode-se generalizar a evidência
para casos análogos.
Na pesquisa experimental, também denominada pesquisa de laboratório,
há um alto grau de controle sobre as variáveis. O pesquisador tem de
controlar as diversas variáveis independentes, ou os diversos níveis de uma
variável independente, para que possa estabelecer com certeza a relação
causal entre eles e o fenômeno pesquisado.
Exemplo de pesquisa
quantitativa experimental

TÍTULO DA PESQUISA: Reações de falantes de português à concordância verbal não


padrão1.
JUSTIFICATIVA: no português brasileiro contemporâneo, há uma tendência a não se fazer
concordância entre sujeitos plurais de 3ª pessoa e a forma verbal a eles relacionada. O
fenômeno constitui uma regra variável porque convivemos com duas realizações dessa
concordância: a variante tradicional, prevista pela gramática normativa (por exemplo: “Os
cidadãos do Timor foram ontem às urnas”) e a variante substituta, que é muito
empregada, principalmente em nossas interações informais (por exemplo: “Chegou uns
envelopes pra você”).

A regra variável de concordância verbal tem sido muito estudada por


sociolinguistas em universidades brasileiras, como Anthony Naro,
Marta Scherre e Maria Luiza Braga (cf. Scherre, 2005). Esses estudos mostram
que a escolha entre uma variante ou outra não é completamente aleatória.
Tendemos a usar mais a variante tradicional quando a forma verbal de 3ª
pessoa do plural é mais distinta da forma verbal de 3ª pessoa do singular (por
exemplo: “ele foi/ eles foram”; “ela vai/ eles vão”). Também tendemos a usar
essa variante tradicional quando o sujeito é um ente animado e quando vem
imediatamente antes do verbo. Em resumo, os especialistas demonstraram que
usamos mais a concordância verbal prevista na gramática normativa em
contextos que são mais salientes, mais perceptíveis. Em contextos menos
perceptíveis, há uma maior ocorrência da variante substituta, que não é
abonada por essa gramática.
O conceito da saliência, tão importante no uso dessa regra variável, parece
estar diretamente relacionado ao conhecimento que os falantes têm da
gramática normativa. Usando o senso comum, podemos prever que falantes
com maior grau de escolarização tenderão a usar mais a variante tradicional da
regra que falantes com menor grau de escolarização, se as demais
circunstâncias se mantiverem iguais em ambos os casos. Foi para confirmar
essa asserção, construída com base no senso comum, que realizamos esta
pesquisa quantitativa experimental sobre as reações dos falantes às duas
variantes da regra.
METODOLOGIA: a metodologia consistiu numa variação da técnica de
estudos de atitudes denominada no Canadá “matched guise”, em que os
estímulos foram gravados por uma única pessoa e apresentados oralmente.
Foram observadas as condições básicas para a análise de variância, ou seja, os
tratamentos foram aplicados em amostras independentes, garantindo-se sua
homogeneidade por meio de escolha aleatória.
VARIÁVEIS: na pesquisa foram estabelecidas as seguintes variáveis
independentes:
a) dialeto padrão e dialeto não padrão
b) escolaridade
A variável escolaridade compreendeu dois níveis: universitários e alunos
de supletivo.
A variável dependente consistiu na percepção da concordância não padrão
(variante substituta), medida por meio de uma escala de sete pontos.
DEFINIÇÕES OPERACIONAIS: para efeito da pesquisa, as variáveis
receberam as seguintes definições operacionais:
a) Dialeto padrão: nove sentenças da norma culta do português brasileiro
onde não se verifica a ocorrência de qualquer variante não padrão de
regras variáveis.
b) Dialeto não padrão: as mesmas nove sentenças nas quais foi empregada
a variante substituta da regra variável de concordância verbal, que não é
abonada pela gramática normativa.
c) Universitários: alunos calouros de diversos cursos da Universidade de
Brasília.
d) Alunos do curso supletivo noturno da Escola Classe da Superquadra
Norte 411, em Brasília.
e) Percepção da concordância não padrão indicada numa escala de 7
pontos, na qual a extremidade 1 correspondia a “absolutamente correto”
e a extremidade 7 a “absolutamente incorreto”. Quanto mais próximo
da avaliação 7, maior a estigmatização.
DESENHO DA PESQUISA: a pesquisa seguiu o seguinte delineamento

Dialetos
Escolaridade
padrão não padrão
Universitários Ø–u 1–u
Supletivistas Ø–s 1–s
Figura 1. Delineamento da pesquisa

Na figura acima, temos:


Grupo Ø – u: Universitários que ouviram o dialeto padrão
Grupo Ø – s: Alunos de supletivo que ouviram o dialeto padrão
Grupo 1 – u: Universitários que ouviram o dialeto não padrão
Grupo 1 – s: Alunos de supletivo que ouviram o dialeto não padrão
HIPÓTESES: foram postuladas para a pesquisa as seguintes hipóteses:
a) De efeito principal de dialetos

Independentemente da escolarização do sujeito, o dialeto padrão será


menos estigmatizado do que o dialeto não padrão.
b) De efeito principal de escolarização

Independentemente do dialeto, os universitários estigmatizarão mais a


concordância verbal não padrão do que os alunos do curso supletivo.
c) Hipótese nula
Não haverá efeito de interação entre dialetos e escolarização sobre a
percepção da concordância não padrão, visto que o dialeto padrão será menos
estigmatizado do que o dialeto não padrão, tanto entre os sujeitos
universitários quanto entre os sujeitos de curso supletivo.

Figura 2. Demonstração das hipóteses

AMOSTRA: o universo da pesquisa é a população brasileira adulta residente


em Brasília, que frequenta universidade e curso supletivo.
A amostra se constituiu de 24 alunos (11 homens e 13 mulheres) da
disciplina introdutória de produção de textos aberta para alunos de todos os
cursos da Universidade de Brasília, escolhidos por meio de sorteio aleatório, e
24 alunos (11 homens e 13 mulheres) de curso supletivo noturno da Escola
Classe da Superquadra 411 Norte em Brasília, igualmente escolhidos por meio
de sorteio aleatório. A média de idade do primeiro grupo era de 20 anos e seis
meses e a do segundo grupo de 25 anos e sete meses.

Diário de bordo
Pesquise na internet ou em um livro de introdução à estatística o que é
“sorteio aleatório”.

INSTRUMENTOS E PROCEDIMENTOS:
a) Da amostra:
Na turma da disciplina referida foram sorteados 24 alunos. Os alunos de
números pares ouviram o tratamento zero (Ø: sentenças do dialeto padrão). Os
de número ímpar ouviram o tratamento um (1: sentenças do dialeto não
padrão). O mesmo procedimento foi adotado na turma de supletivistas.
b) Da variável independente:
Foram gravados por uma professora de língua portuguesa, em um
ambiente à prova de ruído, dois textos compostos de nove sentenças cada um.
As sentenças dos dois textos são idênticas, exceto pelo fato de que, no
segundo, havia uma ocorrência da variante não padrão da regra de
concordância verbal2. O primeiro texto ficou assim constituído:
1. Quando acordei, os raios de sol penetravam pelas frestas do barracão.
2. As aves devem ser mais felizes do que nós. Acho que entre elas existem
amizade e igualdade.
3. A vida numa casa sem conforto e a falta de boa alimentação trazem
problemas para o desenvolvimento da criança.
4. Nem quando são consultados, eles se exaltam ou provocam briga. Não
fazem estas pessoas nenhuma arruaça na favela.
5. Tenho pavor destas mulheres da favela. Tudo querem saber. A língua
delas é como os pés de galinha que espalham tudo.
6. Estas crianças são as mais maltrapilhas da cidade. O que elas vão
encontrando nas ruas vão comendo.
7. Em janeiro, quando as águas que desceram do morro invadiram os
armazéns, vi os homens jogando sacos de arroz no rio.
8. Eu me levantei às 7 horas. Estava alegre e contente. Depois é que
vieram os aborrecimentos.
9. Minha falecida mãe era muito boa. Queria que eu fosse professora. Isso
foi o que me disseram minhas tias que a conheceram.
O segundo texto ficou assim:
1. Quando acordei, os raios de sol penetrava pelas frestas do barracão.
2. As aves devem ser mais felizes do que nós. Acho que entre elas existe
amizade e igualdade.
3. A vida numa casa sem conforto e a falta de boa alimentação traz
problemas para o desenvolvimento da criança.
4. Nem quando são consultados, eles se exaltam ou provocam briga. Não
faz estas pessoas nenhuma arruaça na favela.
5. Tenho pavor destas mulheres da favela. Tudo quer saber. A língua delas
é como os pés de galinha que espalham tudo.
6. Estas crianças são as mais maltrapilhas da cidade. O que elas vão
encontrando nas ruas vai comendo.
7. Em janeiro, quando as águas que desceram do morro invadiu os
armazéns, vi os homens jogando sacos de arroz no rio.
8. Eu me levantei às 7 horas. Estava alegre e contente. Depois é que veio
os aborrecimentos.
9. Minha falecida mãe era muito boa. Queria que eu fosse professora. Isso
foi o que me disse minhas tias que a conheceram.
c) Da variável dependente:
Os sujeitos receberam um questionário com as instruções escritas, onde
indicaram sua idade, sexo e o curso. Em seguida, ouviram a gravação e a
avaliaram usando uma escala de 7 pontos, onde, à extremidade 1 foi arbitrada
a avaliação “absolutamente correta” e à extremidade 7, a avaliação
“absolutamente incorreta”. Além das instruções escritas, os sujeitos ouviram,
antes da audição das sentenças, as seguintes instruções gravadas pelo mesmo
falante:
“Você vai ouvir, apenas uma vez, a leitura de 9 sentenças isoladas,
retiradas de um texto. Preste bastante atenção e, quando terminar de ouvir as
sentenças, dê sua avaliação quanto à correção delas, assinalando apenas um
item da escala que você encontra na folha que recebeu. Você está avaliando a
correção gramatical. Não se preocupe com o conteúdo”.
Ambos os grupos, divididos em subgrupos de 6 alunos, ouviram as
gravações em ambiente à prova de ruído, usando audiofones. Dessa maneira,
as condições de aplicação do experimento foram homogeneizadas o mais
possível. A mesma pesquisadora conduziu todos os eventos.
ANÁLISE DOS DADOS: os dados obtidos no experimento estão descritos nas
tabelas 1 e 2 seguintes e no gráfico número 2.
Escolaridade Soma dos escores Média
Universitários 36 3,0
Supletivistas 34 2,8
Tabela 1. Resultados para o dialeto padrão

Escolaridade Soma dos escores Média


Universitários 68 5,6
Supletivistas 30 2,5
Tabela 2. Resultados para o dialeto não padrão

Os dados foram analisados por meio de um procedimento estatístico


denominado análise de variância. A análise confirmou que existe efeito
principal da variável dialeto. O dialeto padrão (média = 2,9) foi avaliado como
sendo mais correto que o dialeto não padrão (média = 4,05). A hipótese foi
confirmada ao nível de significância p< 0,01, isto é, há somente 1% de
possibilidade de que a diferença nas médias deva ser atribuída ao acaso. Foi,
portanto, rejeitada a hipótese nula ao nível de 0.01 de significância.
Encontrou-se também efeito principal da variável escolaridade. Os
universitários apresentaram uma média de avaliação de 4,3, superior à
apresentada pelos supletivistas, de 2,7. A hipótese nula referente à variável
escolaridade foi rejeitada ao nível de 0,01 de significância. Isso indica que a
distinção entre os dois dialetos ocorre significativamente mais entre falantes
universitários do que entre falantes do curso supletivo.
Foi encontrado também efeito de interação entre as duas variáveis
independentes porque, ao contrário do que se havia previsto, o dialeto padrão
não foi mais bem avaliado do que o dialeto não padrão em ambos os grupos. A
percepção das diferenças entre os dois dialetos, representadas pelo emprego
das variantes da regra de concordância verbal, ocorreu entre os universitários,
mas não ocorreu entre os supletivistas. Os resultados estão apresentados na
figura 3 a seguir, em que se pode observar que, para os universitários, há uma
grande distância na avaliação dos dialetos. Para os supletivistas, a distância na
avaliação desses dialetos é muito pequena. A figura 3 mostra ainda o efeito de
interação na sobreposição das linhas.

Figura 3. Relação entre escolaridade e dialetos sobre a avaliação da variante não padrão
da regra de concordância verbal.

A pesquisa que descrevemos permitiu demonstrar que a percepção do uso


das duas variantes da regra variável de concordância verbal depende do nível
de escolarização dos falantes. Para falantes com nível mais alto de
escolarização, a regra é mais saliente que para falantes com pouca
escolarização.
Já vimos no capítulo anterior que a pesquisa quantitativa pode ser de
natureza experimental, como a que acabamos de ilustrar, e não experimental.
Nessa última, as variáveis não podem ser controladas. Apenas se constata sua
existência em seu ambiente natural. Por isso esse tipo de pesquisa também é
chamado de pesquisa ex post facto (depois do fato, ou seja, considerando-se o
fato preexistente).
PESQUISA QUANTITATIVA NÃO EXPERIMENTAL
(ex post facto) - 1

P. – Houve um momento que eu queria chamar a atenção de vocês, aqui na p. 3:


“Pode-se conduzir uma pesquisa quantitativa para se explicar a relação que
existe entre o grau de escolaridade dos pais e o desempenho dos alunos em
testes de interpretação de leitura, como o SAEB”. Aí o que nós queremos saber?
Se há uma correlação entre os dois fenômenos. O grau de escolaridade dos pais
será a variável explicação, que também é chamada de independente. O
desempenho é a variável explicada, ou dependente. Ah... é muito possível que os
testes estatísticos entre esses dois fenômenos, entre os dados referentes ao nível
de escolarização dos pais e os dados referentes ao resultado do SAEB, mostrem
que há uma correlação positiva, essa pesquisa vai constatar de forma sistemática
uma correlação, né?

PESQUISA QUANTITATIVA NÃO EXPERIMENTAL


(ex post facto) - 2

C.- Eu também relacionei, gostei deste texto, relacionei com outra matéria que eu
fiz. Era uma pesquisa quantitativa, e a gente colheu dados, fez uma pesquisa
bibliográfica e foi... foi muito interessante pra mim essa experiência pra poder
entender a pesquisa quantitativa e esse projeto também...
P- Qual era a temática?
C.- O meu foi a influência... a influência dos pais, a influência socioeconômica
na... agora eu me esqueci, até escrevi aqui. É, a influência socioeconômica...
P.- A influência do status socioeconômico dos pais.
C.- Isso, é.
P- No rendimento das crianças?
C- É, No- não, não, no rendimento não, lembrei, agora eu me lembrei. A
influência dos pais na escolha do curso. Na escolha pro curso da faculdade, eu fiz
isso, a gente fez pesquisa aqui, aqui na pedagogia e lá na medicina pra saber por
que eles escolheram isso. Qual era o intuito deles com esse curso, né? E ver se
os pais deles influenciam nisso. Aí eu consegui entender.
P- E qual foi a sua conclusão da pesquisa? Na pesquisa quantitativa que você
fez?
C- Na pesquisa quantitativa? Que, assim, tem certa influência dos pais no caso
dos médicos, dos que escolhem medicina tem certa influência quando tem pais
médicos e tal e tem influências socioeconômicas sim. A gente vê que aqui na
pedagogia tem mais alunos que... que assim, são de mais de baixa renda, porque
não têm oportunidade. E como o curso de pedagogia ele é mais acessível, aí
escolhem o curso de pedagogia, né? É mais acessível por causa da nota, do
vestibular.

PESQUISA QUANTITATIVA NÃO EXPERIMENTAL


(ex post facto) – 3

P. - Porque, no paradigma positivista, vamos... nós vamos medir, criar medidas,


escalas de medidas. Então temos lá, “crianças cujos pais têm até a 4ª série,
crianças... têm até a 8ª série, crianças cujos pais têm ensino médio, crianças
cujos pais têm curso superior. Aí nós teremos 4 grupos, e vamos usar algum
instrumento, pode ser até o próprio SAEB, pra ver o desempenho médio dos
quatro grupos, e vamos procurar relacionar estatisticamente esses desempenhos,
ver se há diferenças, se a diferença na média dos quatro grupos é significativa.
Pra isso existem testes. Se a diferença dos quatro grupos for significativa,
estatisticamente significativa, nós vamos ter uma... uma indicação bastante
robusta de que a diferença na escolaridade dos pais é... tem implicações na
leitura, na capacidade de leitura dos meninos.

PESQUISA QUANTITATIVA NÃO EXPERIMENTAL


(ex post facto) - 4

P. - Agora vocês vejam a pesquisa quantitativa, nós estamos sempre


estabelecendo uma relação entre dois fenômenos, que a gente chama de:
variável explicação e variável explicada, né? Então o que a gente acaba
querendo saber é se aquela variável explicação realmente explica o que se passa
com a variável que nós queremos explicar. Quem é que pode dar um exemplo?
C. – Eu tô fazendo um outro projeto de pesquisa e a gente... eu tô trabalhando
com... com números, por exemplo, diferença de gênero ao assistir televisão, os
programas. E aí pelo que eu já percebi a minha pesquisa tá mais pro lado
quantitativo.
P.- Esse levantamento quantitativo, bem preliminar, porque não é uma pesquisa
quantitativa experimental propriamente, é uma... é uma contagem. Você está né,
você está vendo quantas crianças... Você está trabalhando com um número de
crianças... como é que é? Quantas crianças?
C. - São 15 meninas e 18 meninos.
P. - 15 meninas e 18 meninos. E aí você está vendo quais os programas que as
meninas assistem e quais os que os meninos assistem.
C. – É.
P. - E aí você está tabulando, né? “Meninas” aí você põe os programas e faz
aquela tabela e soma né, e chega à conclusão que as meninas assistem mais tais
programas. Ah, então, como você falou, a gente pode começar um trabalho
fazendo um levantamento e a gente pode e deve, porque uma forma de nós
iniciarmos uma pesquisa é a gente refletir sobre isso. Além de refletir e ler, a
gente pode também procurar levantar alguns dados. Esse levantamento de
dados, para começar, pode ser um levantamento de natureza quantitativa no
sentido de nós estarmos contando, então ainda não estamos usando técnicas
estatísticas, nós estamos apenas contando. /.../ Que mais que você poderia
enfocar na sua pesquisa? Idade? Talvez não, porque você definiu uma faixa
etária. Poderíamos trabalhar também o quê? Classe social: classe trabalhadora,
classe média etc. E nesse caso teríamos estas variáveis, por exemplo, gênero,
faixa etária, classe social e até zona de residência. Se você quiser ver o que
acontece aqui no Plano Piloto, comparando com o que acontece em Santa Maria,
por exemplo, ou em Samambaia ou em outra cidade qualquer... Essas variáveis,
no caso, seriam variáveis explicação e a variável explicada seria a escolha do
programa.

1 Exemplo baseado na primeira parte da dissertação homônima de mestrado apresentada por


Stella Maris Bortoni-Ricardo ao programa de pós-graduação em linguística da Universidade
de Brasília em agosto de 1977. A autora agradece a Luiz Pasquali pela supervisão dos
procedimentos metodológicos da pesquisa.
2 As sentenças foram retiradas do livro de Carolina Maria de Jesus, Quarto de despejo. São
Paulo: Francisco Alves Editora, 1960.
Postulados do paradigma
interpretativista

N o início dos anos 1920, um grupo de pensadores, entre os quais


devemos nomear Theodor Adorno (*1903- † 1969) e Jürgen
Habermas (*1929-), se reúne na chamada Escola de Frankfurt e apresenta
as primeiras críticas sistemáticas ao positivismo clássico de Comte e ao
neopositivismo que se constituiu nessa época em torno de outros
pensadores, como Ernst Mach (*1838- † 1916) e Rudolf Carnap (*1891-
†1970), permitindo a emergência de um paradigma alternativo para se fazer
ciência: o paradigma interpretativista.
Ao desenvolver uma filosofia positivista, Auguste Comte (*1798-
†1857) propôs que as ciências sociais e humanas deveriam usar os mesmos
métodos e os mesmos princípios epistemológicos que guiam a pesquisa das
ciências exatas. A reação a essa postura veio, então, no início do século XX.
Argumentavam os críticos de Comte e de seus seguidores que a
compreensão nas ciências sociais não poderia negligenciar o contexto
sócio-histórico, como, por exemplo, o grande impacto do desenvolvimento
da tecnologia, que alterou as rotinas tradicionais. Citando Eric Vogelin,
Hughes (1980, 109) afirma:
Quando o teórico aborda a realidade social, encontra o campo antecipadamente
ocupado pelo que pode ser chamado de autointerpretação da sociedade. A sociedade
humana não é meramente um fato, ou um acontecimento do mundo exterior, a ser
estudado por um observador como um fenômeno natural... É um pequeno mundo
integral, um cosmos, iluminado de significado a partir de seu interior pelos seres
humanos que incessantemente o criam e conduzem como forma e condição da sua
autorrealização.
Na mesma linha de pensamento, rejeitando a sociologia positivista
fragmentária, baseada na metodologia das pesquisas de surveys
(levantamentos), Silverman (1972, p. 4) assim apresenta o foco da
sociologia:
Nosso foco é particularmente o mundo partilhado de significados sociais, por meio dos
quais a ação social (entendida no sentido de Weber como toda ação que leva em conta
os motivos dos outros) é gerada e interpretada. Como sociólogos /.../, procuramos,
entender as regras utilizadas para localizar (fixar) significados nas ações, expressões,
gestos e pensamentos dos outros.
Segundo o paradigma interpretativista, surgido como uma alternativa ao
positivismo, não há como observar o mundo independentemente das
práticas sociais e significados vigentes. Ademais, e principalmente, a
capacidade de compreensão do observador está enraizada em seus próprios
significados, pois ele (ou ela) não é um relator passivo, mas um agente
ativo. Esse e outros postulados do paradigma qualitativo serão retomados ao
longo deste livro em nossa reflexão sobre a pesquisa qualitativa e, muito
particularmente, sobre a pesquisa etnográfica.
Na área da pesquisa educacional, o paradigma positivista, de natureza
quantitativa, sempre teve maior prestígio, acompanhando o que ocorria nas
ciências sociais em geral. No entanto, as escolas, e especialmente as salas
de aula, provaram ser espaços privilegiados para a condução de pesquisa
qualitativa, que se constrói com base no interpretativismo.
Nos próximos capítulos, vamos aprofundar essa reflexão, especialmente
a que os professores poderão conjugar com seu trabalho pedagógico. O
docente que consegue associar o trabalho de pesquisa a seu fazer
pedagógico, tornando-se um professor pesquisador de sua própria prática ou
das práticas pedagógicas com as quais convive, estará no caminho de
aperfeiçoar-se profissionalmente, desenvolvendo uma melhor compreensão
de suas ações como mediador de conhecimentos e de seu processo
interacional com os educandos. Vai também ter uma melhor compreensão
do processo de ensino e de aprendizagem.

CONCILIAÇÃO ENTRE PESQUISA


QUANTITATIVA E PESQUISA QUALITATIVA
P. - Bem, assim é que se trabalha no paradigma positivista. Parece bom. Por
que então trabalharmos com o paradigma interpretativista? Porque o
interpretativismo, nós vamos falar muito dele, pode complementar dimensões
que não fiquem claras no controle de variáveis, principalmente se estivermos
trabalhando em sala de aula. Por exemplo, se quisermos estabelecer
correlação entre pais separados, que não vivem juntos, o pai e a mãe que não
vivem juntos, e o desempenho do aluno... Será possível estabelecer uma
correlação entre esses dois fenômenos? Pais que são tradicionais, o pai e a
mãe numa casa, e casais que não têm mais esse vínculo ou que se
constituíram em novos casais etc. E aí a pessoa quer ver se há uma
correlação entre o status, ah... marital dos pais e o desempenho dos filhos. É
complicadíssimo, muito complicado. Porque se você... você vai... talvez, só
medir, ver quantos... talvez não seja muito aconselhável... uma pesquisa
interpretativista permitiria o quê? Permitiria que você trabalhasse com a...
turma e fosse examinando, é... acompanhando... o desempenho daquelas...
daquelas crianças, em leitura por exemplo. E depois se você fosse
percebendo, por exemplo: a aluna Rosa. No caso dela, os pais vivem juntos,
mas ela teve um desempenho muito ruim, mas vamos ver que outras
circunstâncias... vamos tentar interpretar pra entender que outras
circunstâncias podem estar afetando, né? Além disso, a pesquisa qualitativa
permite que se pesquise momento a momento, a gente grava, a gente filma,
para fazer uma análise, porque esses fenômenos, como por exemplo, o bom
aproveitamento, não se dão assim no vácuo, eles se dão no dia-a-dia, e essa
pesquisa qualitativa permite a... acompanhar melhor, certo? Analisar assim um
grupo. Ver o que eles efetivamente estão... como é que eles efetivamente
estão... o que é que está acontecendo com eles, né?

Sob a denominação interpretativismo, podemos encontrar um conjunto


de métodos e práticas empregados na pesquisa qualitativa, tais como:
pesquisa etnográfica, observação participante, estudo de caso,
interacionismo simbólico, pesquisa fenomenológica e pesquisa
construtivista, entre outros. Interpretativismo é uma boa denominação geral
porque todos esses métodos têm em comum um compromisso com a
interpretação das ações sociais e com o significado que as pessoas
conferem a essas ações na vida social (cf. Erickson, 1990).
A pesquisa quantitativa procura estabelecer relações de causa e
consequência entre um fenômeno antecedente, que é a variável explicação,
também chamada de variável independente, e um fenômeno consequente,
que é a variável dependente. Já a pesquisa qualitativa não se propõe testar
essas relações de causa e consequência entre fenômenos, nem tampouco
gerar leis causais que podem ter um alto grau de generalização. A pesquisa
qualitativa procura entender, interpretar fenômenos sociais inseridos em um
contexto.

Diário de bordo

Na pesquisa quantitativa, trabalha-se com variáveis procurando


estabelecer uma relação entre elas. A variável dependente é a que é
explicada; a variável independente é a explicação. Na pesquisa
qualitativa, não se procura observar a influência de uma variável em outra.
O pesquisador está interessado em um processo que ocorre em
determinado ambiente e quer saber como os atores sociais envolvidos
nesse processo o percebem, ou seja: como o interpretam.

Para que essas diferenças fiquem mais claras, vejamos mais um


exemplo: pode-se conduzir uma pesquisa quantitativa para explicar a
relação entre o grau de escolaridade dos pais e o desempenho de alunos em
testes de interpretação de leitura, como o SAEB. A pesquisa será delineada
para verificar se há de fato uma correlação entre os dois fenômenos. O grau
de escolaridade dos pais será a variável que fornece a explicação,
considerada então variável independente. O desempenho dos alunos é a
variável explicada, ou variável dependente. É muito possível que os testes
estatísticos entre os dados referentes ao nível de escolarização dos pais e os
dados referentes ao resultado do SAEB mostrem que há uma correlação
positiva entre esses dois conjuntos de dados: pais com alto nível de
escolarização > filhos com bom desempenho nos testes. Essa pesquisa vai
constatar de forma sistemática, e comprovada por meio de números, mais
um efeito perverso do caráter intergeracional das injustiças sociais na
comunidade. Isto é, famílias pobres têm índices mais baixos de escolaridade
e esse problema tende a se perpetuar na medida em que seus filhos tenderão
a ter um desempenho escolar menos expressivo.
Uma pesquisa como essa, de natureza macrossocial, pode ser
complementada com uma pesquisa qualitativa, que se voltará para um
microcosmo, uma sala de aula, por exemplo. A motivação para se produzir
uma pesquisa qualitativa voltada para o mesmo problema já identificado
deriva da convicção de que os efeitos nefastos intergeracionais da má
distribuição de renda no aproveitamento escolar de alunos no país não
ocorrem num “vácuo” social. O problema toma corpo e forma a cada
minuto da ação educativa em sala de aula.
Uma pesquisa qualitativa no microcosmo da sala de aula, que se volte
para a observação do processo de aprendizagem da leitura e da escrita, vai
registrar sistematicamente cada sequência de eventos relacionados a essa
aprendizagem. Dessa forma, poderá mostrar como e por que algumas
crianças avançam no processo, enquanto outras são negligenciadas ou se
desinteressam do trabalho conduzido pelo professor, ou ainda veem-se
frustradas porque fracassam na tarefa de ler e entender os textos que lhes
são apresentados.

Diário de bordo
Pense numa sala de aula em uma escola de periferia frequentada por
jovens provenientes de famílias de baixa renda. Imagine os alunos
recebendo um texto para leitura e discussão e os problemas de
compreensão do texto que poderão surgir, seja porque o tema não faz
parte do universo deles, seja por outras razões.

Para refletirmos mais sobre os benefícios de se conjugar uma pesquisa


qualitativa e uma pesquisa quantitativa, vejamos outro exemplo. Podemos
partir da seguinte questão de pesquisa:
Será que os alunos de ensino médio em uma escola onde os professores
de todas as disciplinas atuam como agentes letradores vão se sair melhor no
ENEM do que os alunos de uma escola onde o trabalho com a leitura
compreensiva é de responsabilidade exclusiva do professor de língua
portuguesa? Entendemos por agentes letradores professores que constroem
uma mediação de maneira a facilitar para os alunos uma leitura
compreensiva dos textos didáticos de suas disciplinas1.
Podemos delinear uma pesquisa quantitativa para responder a essa
pergunta escolhendo duas escolas em função do compromisso dos
professores com o desenvolvimento de habilidades de leitura dos alunos.
Em uma das escolas, esse compromisso é assumido por todos os
professores. Na outra, os professores acreditam que a responsabilidade no
desenvolvimento de habilidades de compreensão dos textos lidos é
exclusiva do professor de português. Na linguagem das variáveis, o
compromisso dos professores com a compreensão da leitura é a variável
explicação, ou independente. O desempenho dos alunos no ENEM é a
variável explicada, ou dependente. Uma pesquisa qualitativa voltada para
esse mesmo tema vai deter-se na análise sistemática do processo de
tratamento de textos didáticos nas duas escolas, verificando como os
professores trabalham a atribuição de significados aos textos e como
professores e alunos percebem esse trabalho e interpretam as ações que
estão relacionadas a ele.

Diário de bordo

Pense em um tema que pode ser desenvolvido por meio de uma pesquisa
quantitativa. No projeto, você vai relacionar dois fatores, por exemplo, a
formação de professores de biologia em nível superior e a aprendizagem
dos alunos de biologia nas aulas. Registre a hipótese principal que vai
funcionar como guia de sua pesquisa. Em seguida, descreva uma
pesquisa qualitativa sobre o mesmo problema, que poderá complementar
a pesquisa quantitativa anterior, na medida em que poderá revelar dados
da interação dos professores de biologia com os seus alunos, que não
apareceriam nos resultados quantitativos da primeira pesquisa.

No início do século XX, os princípios da pesquisa positivista de


natureza quantitativa já estavam bem consolidados, especialmente em
ciências exatas, ou ciências da natureza. No entanto, alguns pesquisadores
colocaram em dúvida os pressupostos desse tipo de pesquisa para as
ciências do homem — ciências humanas ou sociais. Um deles foi o polonês
Bronislaw Malinowski (*1884– † 1942), que era aluno de antropologia na
Universidade de Oxford. Ele foi enviado por seus mestres para as Ilhas
Trobriand, hoje oficialmente denominadas como Ilhas Kiriwina, situadas na
Papua Nova Guiné, no Oceano Pacífico, onde permaneceu um longo
período. Durante sua permanência entre os habitantes da ilha, que eram
considerados pelos colonizadores britânicos como um povo primitivo, ele
procurou descrever o modo de vida naquela cultura. Procurou também
entender as crenças e a visão de mundo daquele povo, combinando um
longo período de observação participante com conversas e entrevistas.
Procedendo assim, Malinowski foi capaz de desenvolver uma teoria sobre o
conhecimento cultural implícito dos trobriandenses, do qual eles próprios
não tinham muita consciência porque estavam completamente imersos na
própria cultura. Em suma, o jovem antropólogo conseguiu construir uma
interpretação da percepção que os habitantes das ilhas tinham de seus
valores culturais, seus costumes, suas crenças, seus ritos, enfim, conseguiu
ter acesso às perspectivas interpretativas daquele povo em relação à sua
vida em sociedade, à sua espiritualidade e a todos os demais aspectos
constitutivos de sua cultura, que ele descreveu no livro Argonautas do
Pacífico Ocidental, publicado em 1922.
O relatório da pesquisa de Malinowski foi considerado por muitos como
acientífico, por faltar-lhe a objetividade, que é um dos preceitos básicos da
pesquisa científica positivista. Mas outros pensadores entenderam que
aquela experiência representava uma maneira alternativa de trabalhar com o
conhecimento, maneira essa que era, em essência, interpretativista e, por
isso mesmo, podia levar em conta também as impressões subjetivas do
pesquisador. Desde então, outros pesquisadores adotaram o
interpretativismo e passaram a conduzir pesquisas qualitativas. Entre eles,
devemos citar Margareth Mead (*1901– † 1978) da Universidade de
Columbia, a quem se atribui a primeira monografia etnográfica, produzida
em 1928. Depois da Segunda Guerra Mundial, um número maior de
etnógrafos voltou sua atenção não mais para comunidades isoladas e muito
diferentes das comunidades urbanas europeias, mas sim para ambientes
educacionais. Esses pesquisadores foram diretamente influenciados pelos
trabalhos pioneiros, como os de Malinowski e Mead.
O termo etnografia foi cunhado por antropólogos no final do século XIX para
se referirem a monografias que vinham sendo escritas sobre os modos de vida
de povos até então desconhecidos na cultura ocidental. A palavra se compõe
de dois radicais do grego: ethnoi, que em grego antigo significa “os outros”,
“os não-gregos” e graphos que quer dizer “escrita” ou “registro”. Para conduzir
sua pesquisa, o etnógrafo participa, durante extensos períodos, na vida diária
da comunidade que está estudando, observando tudo o que ali acontece;
fazendo perguntas e reunindo todas as informações que possam desvelar as
características daquela cultura, que é o seu foco de estudo. Hoje em dia, as
pesquisas qualitativas, especialmente as pesquisas conduzidas em
instituições, como presídios ou escolas, não são necessariamente
desenvolvidas por extensos períodos de tempo. Quando ouvimos menção a
“pesquisas etnográficas em sala de aula”, por exemplo, devemos entender
que se trata de pesquisa qualitativa, interpretativista, que fez uso de métodos
desenvolvidos na tradição etnográfica, como a observação, especialmente
para a geração e a análise dos dados. É assim que devem ser entendidas
também neste livro as referências a “etapas”, “procedimentos” e “métodos” da
pesquisa etnográfica em sala de aula.

Antes de concluirmos esta revisão das raízes intelectuais da pesquisa


qualitativa, vamos ainda mencionar dois pesquisadores: Clifford Geertz
(*1926– † 2006) e Dell Hymes (*1927– † 2009). O trabalho de Geertz teve
início a partir dos anos 1960 e ficou conhecido como antropologia
simbólica. Para ele o estudo das múltiplas e variadas formas simbólicas de
cultura podem prover ao pesquisador uma visão da lógica dessa cultura do
ponto de vista de seus membros.
Em seu principal livro A interpretação das culturas (1973), Geertz argumenta
que “o homem é um animal sustentado em redes de significados que ele
próprio tece; o estudo da cultura é em essência o estudo dessas redes”; para
ele a leitura da cultura era como a leitura de textos. A propósito compare
essas ideias de Geertz com as ideias de Paulo Freire sobre a leitura do mundo
e a leitura das palavras.

Dell Hymes é um sociolinguista de formação antropológica que, a partir


de 1962, estabeleceu as bases programáticas de uma dimensão da pesquisa
qualitativa denominada etnografia da comunicação, voltada para a análise
dos padrões do comportamento comunicativo em uma cultura (cf. Saville-
Troike, 1982). Pode-se sintetizar o objeto da etnografia da comunicação
com estas simples perguntas: o que um indivíduo precisa saber para
comunicar-se apropriadamente em uma comunidade de fala? Como ele ou
ela adquire esse saber? Essas questões estão associadas a um conceito
educacional muito importante: a competência comunicativa. A
competência comunicativa permite ao falante saber o que falar e como falar
com quaisquer interlocutores em quaisquer circunstâncias.
O principal componente na proposta de Dell Hymes é a inclusão da
noção de adequação no âmbito da competência linguística. Quando faz uso
da língua, o falante não só aplica as regras estruturais dessa língua para
obter sentenças bem formadas, como também observa normas de adequação
definidas em sua cultura.
A competência comunicativa de qualquer pessoa vaise ampliando à medida
que se ampliam também o rol de ambientes em que ela interage e as tarefas
comunicativas que tem de desempenhar nesses ambientes. Mas é na escola
que o indivíduo tem a oportunidade de desenvolvê-la de forma sistemática e
de agregar novos recursos comunicativos que lhe permitirão construir
sentenças bem formadas. Sentenças bem formadas são sentenças de acordo
com o sistema da língua. Não devemos entender esse conceito como sendo
sentenças que seguiram todas as exigências da gramática normativa.
Quer saber mais sobre competência comunicativa e recursos comunicativos?
Quer entender melhor a diferença entre o conceito de sentenças bem
formadas e o conceito de correção gramatical de acordo com a gramática
normativa? Então leia o livro de Stella Maris Bortoni-Ricardo, Educação em
língua materna. Parábola Editorial, São Paulo, 2004, em especial o capítulo 6:
“Competência comunicativa”. Quando o aluno avança do ensino fundamental
para o ensino médio, carrega consigo uma competência comunicativa bem
desenvolvida. Mas no âmbito de cada disciplina que compõe o currículo
escolar, nas sucessivas fases da escolarização, ele terá oportunidade de
conhecer novas áreas de saber e incorporar vocabulários específicos dessas
áreas, que agregará a seu acervo de recursos comunicativos. A forma como
os professores de cada disciplina introduzem novos conceitos e terminologias,
apoiando-se em ilustrações, em experimentação laboratorial ou em outros
recursos é um bom tema para a condução de pesquisas qualitativas em sala
de aula. Pode-se pesquisar, por exemplo, como os professores associam as
novas informações a conhecimentos anteriores, inclusive os relacionados às
rotinas de vida dos alunos. Foi um trabalho dessa natureza que a etnógrafa
Shirley Brice-Heath, professora da Universidade de Stanford, desenvolveu
com os alunos de ciências nas escolas em que ela e seus alunos de um curso
de formação de professores trabalharam, como veremos nos capítulos
subsequentes (Brice-Heath, 1983).
1 Esta questão de pesquisa foi desenvolvida por Patrícia Vieira da Silva Pereira.
O professor pesquisador

A ssim como os pesquisadores que pesquisam culturas estranhas à


sua, os pesquisadores, em especial os etnógrafos que se propõem a
interpretar as ações que têm lugar em uma escola ou em uma sala de aula
começam seu trabalho de pesquisa procurando responder a três perguntas:
1. O que está acontecendo aqui?
2. O que essas ações significam para as pessoas envolvidas nelas? Ou
seja, quais são as perspectivas interpretativas dos agentes envolvidos
nessas ações?
3. Como essas ações que têm lugar em um microcosmo como a sala de
aula se relacionam com dimensões de natureza macrossocial em
diversos níveis: o sistema local em que a escola está inserida, a
cidade e a comunidade nacional? (Erickson, 1990)
Quando se voltam para a análise da eficiência do trabalho pedagógico,
esses pesquisadores estão mais interessados no processo do que no produto.
Também não estão à busca de fenômenos que tenham status de uma
variável explicação, mas sim dos significados que os atores sociais
envolvidos no trabalho pedagógico conferem às suas ações, isto é, estão à
busca das perspectivas significativas desses atores.
Conforme explica o etnógrafo Frederick Erickson (1990), a tarefa da
pesquisa interpretativa é descobrir como padrões de organização social e
cultural, locais e não locais, relacionam-se às atividades de pessoas
específicas quando elas escolhem como vão conduzir sua ação social. A
pesquisa interpretativista não está interessada em descobrir leis universais
por meio de generalizações estatísticas, mas sim em estudar com muitos
detalhes uma situação específica para compará-la a outras situações. Dessa
forma, é tarefa da pesquisa qualitativa de sala de aula construir e
aperfeiçoar teorias sobre a organização social e cognitiva da vida em sala de
aula, que é o contexto por excelência para a aprendizagem dos educandos.
Nos próximos capítulos deste livro, vamos nos familiarizar com
procedimentos que nos habilitem a conduzir pesquisa qualitativa,
especialmente pesquisa de natureza etnográfica.
Mas antes de passar à discussão desses procedimentos, comentaremos
rapidamente duas pesquisas que se tornaram modelos. Na década de 1970, a
etnógrafa norte-americana Shirley Brice-Heath conduziu uma importante
etnografia em comunidades do sul dos Estados Unidos, no período de 1969
a 1978, enfocando a vida social nas comunidades e no interior de suas
escolas (Brice-Heath, 1983). Ela estava interessada em saber como as
pessoas usavam artefatos de letramento, como livros de histórias, jornais,
mapas, cartas, papéis de parede etc., em atividades e eventos em sua
vivência social. Seu foco de pesquisa foram os modos de falar e de aprender
de crianças em três comunidades: uma comunidade negra, rural, de classe
trabalhadora, uma comunidade branca, rural, de classe trabalhadora, e uma
comunidade de classe média urbana, etnicamente mista. Ela examinou a
interação de adultos e crianças e de crianças entre si na escola, na rua, em
pracinhas e outros espaços públicos. Como professora de linguística e de
antropologia em um curso de formação de professores de uma faculdade,
transformou seus alunos em verdadeiros etnógrafos, levando-os a entender
as maneiras como as crianças lidavam com artefatos de letramento em suas
famílias e comunidades. Dessa forma, induziu à adoção, em salas de aula
das escolas locais, de práticas familiares aos alunos, que facilitassem sua
aprendizagem da língua. Os estagiários, já investidos na função de
etnógrafos, voltaram-se para a observação de como as crianças construíam
suas narrativas, como interpretavam recomendações e perguntas feitas pelos
professores, entre outros aspectos. Os estagiários e as crianças também
foram motivados a prestar atenção a traços da pronúncia local dos grupos
étnicos, muitos dos quais são marcas identitárias para esses grupos. Além
de observar os traços típicos da pronúncia, as crianças e os estagiários
também observavam as mudanças espontâneas que as pessoas faziam em
sua fala, dependendo do contexto.
Com os alunos da 5ª série, Brice-Heath e seus professorandos
desenvolveram um projeto que ela denominou “Tornar-se tradutores de
ciências”, cujo objetivo era observar os saberes tradicionais sobre a
agricultura, hábitos alimentares e a vida das plantas. Eles visitavam os
moradores e os observavam em suas hortas e jardins e os entrevistavam.
Iam também colecionando documentos e artefatos, como livros de receita,
fotografias e histórias de vida. Seu objetivo era observar como as pessoas
da comunidade procuravam traduzir seu conhecimento tradicional em
conhecimento científico ao dar seus depoimentos. Os dados que recolhiam,
como depoimentos e histórias, eram datilografados pela professora e foram
compondo um livro. Os alunos, além de melhorarem muito seu desempenho
na disciplina de ciências, aprenderam a falar sobre modos de obter e
verificar informações. Eles não só fizeram uso de métodos de pesquisa
etnográfica, como aprenderam a falar sobre eles. Ao final do projeto,
estavam aptos a traduzir o discurso da oralidade da tradição local em um
discurso científico (escolar) comparando categorias de um e de outro.

Diário de bordo

O termo letramento é geralmente empregado para indicar um acervo


cultural preservado por meio da escrita. Podemos usar o termo letramento
no plural, ou então nos referir a culturas de letramento para preservar a
ideia de que não existe só uma cultura de letramento. Nas comunidades
sociais, convivem culturas de letramento associadas a diferentes
atividades: sociais, científicas, religiosas, profissionais etc. Também
existem manifestações culturais letradas associadas à cultura popular,
como a literatura de cordel, por exemplo. Uma cultura de letramento é
constituída de práticas sociais em que as pessoas se apoiam em textos
escritos e lidos ou lidos e preservados na memória.

Outra pesquisa de natureza etnográfica que se tornou um modelo é a


que foi conduzida pela professora de Harvard, Courtney Cazden, no início
dos anos 1980. Cazden (1988) focalizou as dimensões de continuidade e
descontinuidade entre o lar e a escola na vida das crianças, dando atenção
especial aos processos interacionais em sala de aula. Assim como Brice-
Heath, ela mostra que certos grupos sociais desenvolvem em casa
atividades de letramento afins às atividades das escolas. Quando isso
acontece, a transição das crianças do lar para a escola é mais facilitada.
Cazden também divulgou o conceito de andaimes, proposto
originalmente pelo psicólogo americano Jerome Bruner com base na teoria
vigotskyana.

Andaime é um termo metafórico que se refere à assistência visível ou audível


que um membro mais experiente de uma cultura presta a um aprendiz, em
qualquer ambiente social, ainda que o termo seja mais empregado no âmbito
do discurso de sala de aula. Na tradição do discurso de sala de aula, os
andaimes são associados às iniciações de um evento de fala pelo professor e
a suas avaliações das respostas dos alunos. Uma característica básica do
processo de andaimes é o estabelecimento de uma atmosfera positiva entre
professor e alunos, por meio de ações simples, como a de se ouvirem e se
ratificarem mutuamente, como aprendemos na pedagogia de Paulo Freire. Cf.,
entre outros livros de Paulo Freire, Pedagogia da autonomia, de 1996.
Um trabalho de andaime, ou andaimagem, pode tomar a forma de um
prefácio a uma pergunta, de sobreposição da fala do professor à do aluno,
auxiliando-o na elaboração de seu enunciado, de sinais de retorno,
comentários, reformulações, reelaboração e paráfrase e, principalmente,
expansão do seu turno de fala. Todas essas estratégias dão ao aluno a
oportunidade de “reconceptualizar” o seu pensamento original, seja na
dimensão cognitiva seja na dimensão formal (Bortoni-Ricardo & Sousa,
2006).
Cazden (1988) associa a reconceptualização ao turno de fala do
professor reservado à avaliação, mas alerta para o fato de que esse turno
não deve ser apenas um veredito sobre a correção ou a incorreção da
contribuição do aluno. Antes, é uma oportunidade de induzi-lo a novas
formas de pensar, de analisar, de categorizar. Segundo a autora, há uma
diferença crucial entre ajudar um aluno a dar uma resposta e ajudá-lo a
atingir uma compreensão conceitual que lhe permitirá produzir respostas
corretas e pertinentes em situações semelhantes. O trabalho de andaime
pode ser feito por professores de qualquer disciplina e em qualquer situação
de sala de aula. A análise desse processo em sala de aula pode-se constituir
em um bom tema para uma pesquisa qualitativa, baseada na observação.
Cazden enfatizou também a necessidade de reproduzir na escola elementos
da cultura original das crianças, como cantigas, jogos, charadas etc. Ela
recomenda, em conclusão, a integração das dimensões macroanalíticas e
microanalíticas na pesquisa educacional.

Diário de bordo

Você pode pensar na interação entre professor e alunos em uma sala de


aula do ensino fundamental ou uma sala de aula do ensino médio de
qualquer disciplina, procurando identificar estratégias do professor que se
caracterizam como andaimes, pois facilitam ao aluno uma melhor
compreensão do que lhe está sendo apresentado. Outra possibilidade é
observar andaimes construídos pelos alunos entre si quando estão
fazendo um trabalho conjunto.

No começo dos anos 1980, dois aspectos na didática de sala de aula


ganharam relevância, especialmente, em países industrializados: a interação
professor-aluno e a qualidade do processo de aprendizagem. Essas duas
tendências motivaram os professores a criar o hábito de investigar seu
próprio trabalho pedagógico, visando identificar a melhor forma de
apresentar um assunto ou tópico em sala de aula e a acompanhar o processo
de aprendizagem dos alunos. Eles começaram a investigar suas próprias
turmas e a trocar experiências, o que lhes permitiu identificarem achados
equivalentes ou contraditórios. À medida que aprofundavam essa
experiência, começaram a desenvolver pesquisa científica e a escrever
monografias e estudos de caso, em que descreviam suas estratégias. Surgia
assim a ênfase na figura do professor pesquisador, cujos trabalhos têm
trazido contribuições para um melhor entendimento do processo de ensino-
aprendizagem (Kamberelis & Dimitriadis, 2005).

Diário de bordo

Reflita e responda:
1) O que significa ser um professor pesquisador?
2) Que aspectos de sua ação pedagógica constituem problemas que
mereceriam investigação?
3) Que benefícios a investigação desses problemas poderá trazer a seu
trabalho?
Não se esqueça de registrar suas respostas!
Sobre o professor pesquisador leia as seguintes obras: O papel da pesquisa
na formação e na prática dos professores, organizada por Marli André, e O
professor e a pesquisa, coordenada por Menga Lüdke.

O professor pesquisador não se vê apenas como um usuário de


conhecimento produzido por outros pesquisadores, mas se propõe também a
produzir conhecimentos sobre seus problemas profissionais, de forma a
melhorar sua prática. O que distingue um professor pesquisador dos demais
professores é seu compromisso de refletir sobre a própria prática, buscando
reforçar e desenvolver aspectos positivos e superar as próprias deficiências.
Para isso ele se mantém aberto a novas ideias e estratégias.
Um problema que se pode apresentar ao professor pesquisador é como
conciliar suas atividades de docência com as atividades de pesquisa. Uma
forma de contornar esse problema é adotar métodos de pesquisa que possam
ser desenvolvidos sem prejuízo do trabalho docente, como o uso de um
diário de pesquisa. Escrever em um diário é uma prática muito familiar aos
professores e é possível fazer anotações entre uma atividade e outra, sem
que isso tome muito tempo. O diário também é uma antiga prática de
letramento bem consolidada em nossas culturas. Um exemplo citado por
Altrichter et al. (1993) são as Confissões de santo Agostinho. Outro
exemplo vem do trabalho de Malinowski, já comentado. Esse pesquisador
fez uso de diários, registrando com riqueza de detalhes suas observações
sobre a comunidade que investigava.
A produção de um diário de pesquisa varia muito de pessoa para pessoa,
mas a literatura especializada traz sugestões para o conteúdo de diários
dessa natureza. Os textos mais comuns que são incorporados aos diários são
descritivos de experiências que o professor deseja registrar, antes que se
esqueça de detalhes importantes. Sequências descritivas nos diários contêm
narrativas de atividades, descrições de eventos, reproduções de diálogos,
informações sobre gestos, entoação e expressões faciais. Esses detalhes
podem ser muito importantes. Falas do próprio professor ou de outra pessoa
devem ser reproduzidas o mais fielmente possível.
Além das sequências descritivas, constam também dos diários as
sequências interpretativas, que contêm interpretações, avaliações,
especulações, ou seja, elementos que vão permitir ao autor desenvolver uma
teoria sobre a ação que está interpretando.
A releitura das notas de um diário é muito útil porque pode propiciar a
inclusão de mais detalhes que voltem à memória. O diário pode incluir
também notas teóricas, que ajudem o professor a construir sua teoria, bem
como notas sobre a sua metodologia já posta em prática, ou propostas para
uma atividade futura. É aconselhável que, ao escrever um diário, seja
manualmente, seja no computador, o autor deixe uma margem razoável à
esquerda, onde poderá acrescentar observações ou lembretes. Note-se ainda
que o professor pesquisador pode tomar notas simultaneamente às suas
atividades ou após o trabalho; no primeiro caso, ele vai precisar
desenvolver algumas estratégias de abreviação para agilizar a escrita.

Diário de bordo

Volte aos registros sobre temas que poderão ser objeto de investigação
em sua prática docente, que você elaborou nesse diário de bordo.
Escolha um desses temas e faça observações em sala de aula que lhe
permitam escrever uma página de um diário com anotações relacionadas
ao tema escolhido.

Uma grande vantagem do trabalho do professor pesquisador é que ele


resulta em uma “teoria prática”, ou seja, em conhecimento que pode
influenciar as ações práticas do professor, permitindo uma
operacionalização do processo ação-reflexão-ação, como se demonstra na
figura 4. Você verá mais sobre essa questão nos capítulos subsequentes.

A AGENDA DE UMA PROFESSORA


PESQUISADORA

P. - Há algum aspecto na sua experiência que poderia ser objeto de sua


pesquisa como professora pesquisadora?
C.- Há!
P.- Já pensou nisso?
C.- Já, já pensei. Até assim, no meu... como estagiária mesmo, se eu
estivesse no lugar da professora, às vezes, eu penso como seria minha própria
prática, como eu faria, se faria diferente, se faria igual a ela, mas penso mais
quando eu for professora de ensino fundamental mesmo, né? Aplicando tudo
isso que eu aprendi aqui.
Figura 4. Relação entre a reflexão e a ação do professor pesquisador
As rotinas da pesquisa
qualitativa1

E ste capítulo tratará de rotinas da pesquisa qualitativa, que se


aplicam também ao trabalho do professor pesquisador.
O objetivo da pesquisa qualitativa em sala de aula, em especial a
etnografia, é o desvelamento do que está dentro da “caixa preta” no dia a
dia dos ambientes escolares, identificando processos que, por serem
rotineiros, tornam-se “invisíveis” para os atores que deles participam. Dito
em outras palavras, os atores acostumam-se tanto às suas rotinas que têm
dificuldade de perceber os padrões estruturais sobre os quais essas rotinas e
práticas se assentam ou — o que é mais sério — têm dificuldade em
identificar os significados dessas rotinas e a forma como se encaixam em
uma matriz social mais ampla, matriz essa que as condiciona, mas é
também por elas condicionada.

O objeto de sua pesquisa: perguntas exploratórias


A pesquisa inicia-se com perguntas exploratórias sobre temas que
podem constituir problemas de pesquisa. É muito importante que o
pesquisador reflita sobre tais temas, para escolher um deles, e avalie a
importância de engajar-se na pesquisa. Nessa fase, o pesquisador poderá
postular perguntas exploratórias. Para chegar a elas, ele se baseia em sua
experiência e em leituras especializadas. A definição de um tema e a
proposição de perguntas exploratórias são etapas iniciais muito importantes
porque não podemos começar uma pesquisa sem razoável clareza do que
vamos pesquisar. Um procedimento que pode ajudar na definição do
problema de pesquisa é a condução de uma pequena pesquisa piloto, na
qual o pesquisador vai certificar-se de que suas perguntas exploratórias são
pertinentes.

A PESQUISA PILOTO

O. – É porque aqui você se refere a pesquisa piloto, aí eu não entendi...


P. - Então vamos lá. Pesquisa piloto. Como é que a gente começa a fazer uma
pesquisa? Você tem uma curiosidade, lê um artigo, uma tese, um relatório de
pesquisa, você tem uma curiosidade ou a sua própria vivência leva você a
dizer: “Não, eu acho que quero entender melhor isso, eu vou pesquisar
sistematicamente isso”, né? E você constrói, delineia sua pesquisa, você
começa daquele jeitinho que vocês já sabem: quais são... quais são as suas
perguntas de pesquisa, quais são os seus objetivos, objetivo geral, objetivo
específico e as asserções, né? Mas ainda assim, o que a gente aconselha?
Uma pequena pesquisa piloto. Antes de entrar em campo pra valer, você testa
seus instrumentos. Que são instrumentos? Por exemplo, seu questionário, a...
o grupo que você vai... se você quer trabalhar com a 4ª série, mesmo que você
ainda não entre na 4ª série que você vai pesquisar, mas você entra numa outra
4ª série e procura fazer anotações de campo que ainda são piloto, quer dizer,
é uma forma de você... é um aquecimento, é um aquecimento. E aí aproveita
pra testar os instrumentos, e até o equipamento não é? Ao invés de você
chegar lá com câmera, gravador e tudo. Aí, de repente, a câmera não
funciona, falta pilha, ou falta, não tem cabo. Então você fez sua pesquisa piloto
que lhe dá muita segurança na hora de começar a pesquisa. Se sua pesquisa
piloto encontrar alguns dados interessantes, depois você os incorpora. Aí você
diz “na fase piloto dessa pesquisa”...

Na evolução do processo investigatório, as perguntas exploratórias estão


sujeitas a revisão e modificações. De fato, na metodologia qualitativa,
especialmente na que se vale de procedimentos etnográficos para a geração
de registros, não há uma divisão rígida entre as fases iniciais de
planejamento e observação e as fases seguintes em que os registros
coletados serão objeto de reflexão e análise. Nesse processo, os registros
tornam-se dados, por isso costumamos chamar essa fase de análise dos
dados. A qualquer momento, se o pesquisador perceber que precisa
modificar suas perguntas exploratórias ou obter mais dados em relação a
alguma dimensão do problema que está investigando, poderá fazê-lo, se lhe
for possível retornar ao campo.

Um objetivo geral para sua pesquisa


Para que o pesquisador tenha mais clareza sobre seu problema de
pesquisa, é aconselhável que procure explicitar em um enunciado o objetivo
geral de sua pesquisa. Supondo que sua pergunta exploratória seja:
Será que o processo de aprendizagem na disciplina “X” se
beneficiará de estratégias verbais e não verbais que a professora vai
empregar sempre que qualquer aluno toma a palavra para fazer
perguntas ou trazer contribuições?
O objetivo geral da pesquisa poderá ser postulado assim:
Investigar as ações responsivas em que a professora da disciplina
“X” se engaja quando os alunos tomam o turno de fala,
individualmente ou de forma coletiva.
Se na postulação de suas perguntas exploratórias e de seu objetivo geral
forem empregadas palavras ou expressões cujo significado pode não ser
facilmente entendido por qualquer pessoa que os leia, o pesquisador deve
prover definições para esses termos. Essas definições às vezes têm caráter
geral, já consagrado na literatura ou na cultura escolar onde a pesquisa se
processa, e às vezes têm um caráter ad hoc, isto é, são definições
operacionais postuladas para a pesquisa em questão.
Por exemplo, no objetivo geral que você acabou de ler, aparece a
expressão “ações responsivas”, que vai merecer uma definição operacional:
Por ações responsivas entendemos, no âmbito desta pesquisa, todo o
comportamento verbal ou não verbal que a professora assume em
resposta a qualquer intervenção dos alunos, que também podem ser
verbais ou não verbais.

Objetivos específicos
Além do objetivo geral, podem ser postulados também alguns objetivos
específicos, que contribuem para apontar ao pesquisador caminhos que vai
percorrer ao longo do seu trabalho. Veja alguns exemplos de objetivos
específicos relacionados ao objetivo geral já postulado.
1. Investigar a postura física da professora no momento de suas
ações responsivas.
2. Observar se a professora faz contato visual com o aluno que fez a
intervenção.
3. Observar se a professora menciona o nome do aluno.
4. Observar os movimentos da professora durante suas ações
responsivas, inclusive movimentos de locomoção na sala de aula.
5. Observar se as intervenções mais frequentes dos alunos são
individuais ou coletivas.
6. Observar os momentos da dinâmica de sala de aula que
favorecem a intervenção dos alunos.
7. Observar se os alunos trocam ideias entre si, construindo um piso
paralelo de fala antes de suas intervenções.
8. Observar se há intervenções solidárias em que um aluno
completa ou ratifica a intervenção de um colega.
9. Observar se em sua ação responsiva a professora acolhe
positivamente, por palavras, expressão facial e gestos, as
intervenções dos alunos.
10. Observar se o componente verbal da ação responsiva inclui
apreciação positiva da intervenção e uma expansão da mesma.
11. Observar se as ações responsivas da professora permitem a
reconceptualização da questão pelo aluno.
12. Observar como se processam as reconceptualizações que os
alunos realizam mediante uma ação responsiva positiva da
professora.
13. Observar se as ações responsivas geram estratégias de trabalho
entre os alunos como, por exemplo, a tomada de notas em seus
cadernos.

Asserções
A construção detalhada dos objetivos — geral e específicos — e de
definições vai facilitar o passo seguinte, que é a geração de asserções.
Na pesquisa qualitativa, não se levantam hipóteses como na pesquisa
quantitativa, mas é aconselhável elaborar asserções que correspondam aos
objetivos. A asserção é um enunciado afirmativo no qual o pesquisador
antecipa os desvelamentos que a pesquisa poderá trazer. Por exemplo, em
relação aos objetivos que vimos, podem-se gerar várias asserções como as
seguintes:

Asserção relacionada ao objetivo geral


O processo de aprendizagem na disciplina “X” se beneficiará de
estratégias verbais e não verbais positivas que a professora vai empregar
sempre que qualquer aluno toma a palavra para fazer perguntas ou trazer
contribuições.

Asserções relacionadas a alguns dos objetivos


específicos
1. A postura física acolhedora da professora, marcada pela posição
frontal em relação ao aluno que interveio, será interpretada por ele
como um estímulo a sua iniciativa.
2. Para munirem-se de maior confiança quanto à pertinência e à
correção de suas intervenções, os alunos tenderão a trocar ideias
entre si em voz baixa, construindo um piso paralelo de fala, antes de
suas intervenções em voz alta.
3. As intervenções solidárias de colegas, mediante uma intervenção
inicial de um aluno, vão contribuir para que ele se sinta mais
confiante e podem desencadear maior empenho do professor em sua
ação responsiva.
Até este ponto, as rotinas iniciais da pesquisa qualitativa podem ser
representadas assim:

Figura 5. Processo inicial da pesquisa qualitativa

Diário de bordo

Elabore perguntas exploratórias relacionadas a um problema de pesquisa


qualitativa que você poderá desenvolver.
Postule seu objetivo geral e os objetivos específicos.
Trabalhe a geração de asserções relacionadas a cada objetivo proposto.
Se houver necessidade de esclarecer algum termo empregado, elabore
definições operacionais para eles.
Não se esqueça de registrar tudo.

ASSERÇÕES NÃO CONFIRMADAS


T. - Uma dúvida sobre as asserções.
P. - Asserções?
T. - É. Se uma asserção não for confirmada, ela mesmo assim vai para a
pesquisa, mostrando por que não foi confirmada, ou ela…
P. - Do ponto de vista metodológico… T. tem uma questão essencialmente
metodológica. Sua questão, Á., era uma questão mais de natureza
epistemológica, ou seja, como é ou… qual a relação do pesquisador com o
conhecimento. T. tem uma pergunta que é metodológica, como é que nós
vamos… a gente trabalhou as asserções, construiu, tá tudo bonitinho,
arrumado, mas aí todos os dados que a gente conseguiu coletar indicam que
aquela asserção tem de ser descartada, ela está desconfirmada.
Metodologicamente convém que no seu relatório de pesquisa a asserção
desconfirmada entre, mas com a informação de que ela foi desconfirmada e
com os dados que a desconfirmaram, né? Houve essa… né? esse comentário
de entrevista que é… vai justamente contra sua asserção, houve esse
documento que você pegou no campo, pode ser por exemplo a proposta
curricular, o projeto curricular da escola, certo? Então aí você, no seu relatório,
vai dizer, você começa dizendo quais as suas asserções e depois você diz que
vai mostrar quais as suas asserções que se confirmaram e qual a que ficou
desconfirmada e talvez, se for uma asserção forte, se for uma asserção muito
baseada em evidências anteriores na literatura, vale a pena ela ser retomada
pelo mesmo pesquisador ou por outro. Então, lembre-se que, na medida do
possível, seu relatório deve dar subsídios suficientes pra que outra pessoa
venha e possa repetir sua pesquisa, certo? A pesquisa quantitativa pode ser
replicada, pode ser repetida. É pra ver se chega a resultados semelhantes,
certo? Agora a pesquisa qualitativa interpretativista, Á., ela não pode chegar a
conclusões universais não, naquelas circunstâncias, com aquele grupo,
naquelas circunstâncias percebeu-se isso, certo? Nós não… seria uma falta de
sensatez achar que aquilo que aconteceu com minha proposta e foi percebido
em uma pesquisa interpretativista possa ser generalizado para todas as outras
salas de aula do mundo, do Brasil etc., certo? A pesquisa… a pesquisa
qualitativa interpretativista é mais para gerar teorias, certo? Gerarmos teorias.
1 Essas rotinas da pesquisa qualitativa baseiam-se no trabalho de Frederick Erickson
(1990).
Coleta e análise de dados

T odo trabalho de campo para a coleta de registros que vão se


constituir nos dados da pesquisa tem de começar com as negociações
que permitirão a entrada do pesquisador no campo. Após a preparação
inicial, em que o pesquisador já vislumbra com muita clareza o objeto de
sua investigação, ele precisará tomar algumas providências práticas para
viabilizar seu trabalho. A principal delas é a negociação com as pessoas que
lhe darão acesso ao local da pesquisa. No caso da pesquisa de sala de aula,
isso implica selecionar uma escola onde ela será realizada e procurar o
diretor e os professores das disciplinas em questão. É importante que o
pesquisador discuta com eles a natureza e os objetivos de sua pesquisa e
obtenha autorização para poder frequentar a escola e entrar nas salas de
aula. Geralmente os professores da escola ficam receosos de que o
desvelamento de seu trabalho possa acarretar críticas ou outras
consequências negativas. A negociação, portanto, terá de garantir ao
professor que todos os dados coletados terão caráter sigiloso e que qualquer
divulgação, na forma de relatórios, tese, monografias etc., será discutida
previamente com os professores envolvidos. Eles também terão de informar
se desejam que seus nomes apareçam nos relatórios de pesquisa ou se
preferem permanecer anônimos. O mesmo se aplica à identificação da
escola. Em suma, a pesquisa tem de ser regida por rígidos princípios de
ética, que preservem os colaboradores que dela se dispuserem a participar.
Ainda neste livro vamos discutir a pesquisa colaborativa em que o
professor, cujo trabalho está sendo investigado, participa mais ativamente
das decisões da pesquisa e acompanha seu desenvolvimento mais de perto.
A coleta de dados não deve ser apenas um processo intuitivo, que
consistiria simplesmente em fazer observações em determinado ambiente e
tomar notas. Ela deve ser um processo deliberado, no qual o pesquisador
tem de estar consciente das molduras de interpretação daqueles a quem
observa e de suas próprias molduras de interpretação, que são culturalmente
incorporadas e que ele traz consigo para o local da pesquisa. Isso significa
desenvolver uma visão dos dois lados de uma cerca, que alguns
metodólogos chamam de visão social estereoscópica (cf. Erickson, 1990).
Observe-se também que a pesquisa qualitativa reconhece que o olho do
observador interfere no objeto observado, ou seja, o olhar do pesquisador já
é uma espécie de filtro no processo de interpretação da realidade com a qual
se defronta. Esse filtro está associado à própria bagagem cultural dos
pesquisadores.
Conforme vimos, o paradigma positivista, que fornece a base para a
pesquisa de natureza quantitativa, prevê que haja a maior objetividade
possível na prática do pesquisador, isto é, ele observa os fatos do mundo de
uma forma teoricamente neutra, buscando atingir o ideal da objetividade.
Esse pressuposto não apresenta maiores dificuldades no âmbito das ciências
exatas. Mas, trazido para o âmbito das ciências humanas, encontrou
problemas. Uma forma de trabalhar o problema do necessário
distanciamento entre o sujeito cognoscente (pesquisador) e o objeto
cognoscível de sua pesquisa foi a aceitação, no paradigma interpretativista,
do pressuposto da reflexividade, isto é, a pesquisa qualitativa aceita o fato
de que o pesquisador é parte do mundo que ele pesquisa. Segundo o
paradigma interpretativista, o cientista social é membro de uma sociedade e
de uma cultura, o que certamente afeta a forma como ele vê o mundo.
Portanto, de acordo com esse paradigma, não existe uma análise de fatos
culturais absolutamente objetiva, pois essa não pode ser dissociada
completamente das crenças e da visão de mundo do pesquisador. Assim,
uma linguagem de observação neutra seria ilusória, pois todas as formas de
conhecimento são fundamentadas em práticas sociais, linguagens e
significados, inclusive aqueles do senso comum. O pesquisador não é um
relator passivo e sim um agente ativo na construção do mundo. Sua ação
investigativa tem influência no objeto da investigação e é por sua vez
influenciada por esse. Em outras palavras, o pesquisador nas ciências
sociais, incluindo aí a pesquisa educacional, é parte do mundo social que
pesquisa. Ele age nesse mundo social e é também capaz de refletir sobre si
mesmo e sobre as ações como objetos de pesquisa nesse mundo. Essa sua
capacidade é denominada, na literatura especializada, reflexividade.

REFLEXIVIDADE

P. - Tem também os saberes do senso comum.


O. - Só porque tem que ser científico...
Á. - Será que no final da pesquisa é a realidade?
G. - É a realidade no ângulo dos olhos dele. Porque a pesquisa nada mais é...
O pesquisador também participa da pesquisa. Ele entendeu, é a visão dele.
P. - E isso é o que nós chamamos reflexividade. Quer dizer, você... O
positivismo... um dos pressupostos do positivismo, que eu vou também
procurar incluir aqui para facilitar, um dos pressupostos é que entre o sujeito
cognoscente, quem está tentando entender, e o objeto que está sendo... em
que sua proposta está se debruçando, tem que haver uma total... uma total,
quer dizer, uma distância absoluta. De tal maneira que não haja influência do
pesquisador sobre o objeto pesquisado. Isso é possível nas ciências exatas,
pois se você está estudando ali um formigueiro, ou estudando o
comportamento daquelas formigas, a biologia daquelas formigas etc., etc. ...
Possivelmente, a não ser que você mexa naquele formigueiro, mas você não
vai influir se ficar de longe só olhando, você não vai influir. Mas nas ciências
sociais e numa perspectiva interpretativista, é mais difícil, porque o... na hora
em que você está observando você já usa um primeiro filtro, a gente não
observa tudo ao mesmo tempo e capta tudo ao mesmo tempo, há algumas
coisas que nos atraem mais a atenção e você se fixa mais naquilo e... você
não tem como atentar para tudo simultaneamente. Então você é meio seletivo,
né? Você olha ali, atenta pra isso, atenta pra aquilo. Isso já é um filtro, então
você está mais ou menos selecionando o que você está observando. Depois
na hora de fazer uma análise, é claro que seus princípios, seus valores, suas
crenças vão influir. Uma boa pesquisa deve evitar, primeiro, deve evitar juízo
de valor. Nós não estamos fazendo pesquisa pra sair querendo consertar o
mundo dizendo “isso não tá bem assim, deve ser assim”, fazendo um
proselitismo moral, religioso, não é isso, não é o momento. A pesquisa é pra
gente relatar, descrever, nossa pesquisa qualitativa é pra descrever com a
maior fidelidade possível o que nós vimos, o que nós percebemos, né? Agora
achar que nossa presença não tem nenhum efeito é uma utopia, porque tem
efeito. Então o que a pesquisa interpretativista diz?
Ela fala da reflexividade, ela admite que o pesquisador vai influir no objeto
pesquisado e que o objeto pesquisado vai influir no pesquisador. Há uma...
mesmo assim, nós não vamos encontrar essa absoluta neutralidade, existe até
uma historinha, um exemplo interessante. É o caso do... da pessoa que quer
pesquisar se a luz da geladeira está apagada ou acesa quando a geladeira
está fechada. E no que ela abre a geladeira, a luz está acesa, aí ela fecha a
geladeira. Se ela fecha a geladeira, como saber se a luz está acesa ou
apagada? Aí ela abre a geladeira e está acesa. Então é a mesma coisa, será
que aquelas crianças estão se comportando assim todos os dias, ou é só por
causa da minha presença? Há formas de tentar minimizar esse efeito, um
deles é não fazer uma pesquisa assim... corrida, né? Vou lá um dia e já chego
a “n” conclusões… Não! Mas frequentar aquele local até permitir àqueles
atores se familiarizarem com sua presença... sua presença também não vai
ser uma presença muito intrusiva, né? Você, mesmo que seja uma observação
participante, fica num canto, vai anotando, vai gravando etc. Mas as pessoas,
as crianças, o professor se acostumam com sua presença. Até que chega um
ponto que você fica meio invisível ali, ninguém está ligando pra você, você fica
lá no seu canto fazendo suas anotações. Da mesma maneira a câmera, se
você usa a câmera, no início, as crianças ficam agitadas com a câmera, e
fazem macaquices na frente da câmera, mas depois eles... a câmera fica num
canto, e eles se acostumam com ela. Isso é na parte da coleta. Na parte da
análise, é preciso ter muito, ter muito cuidado pra que a gente não vá... corra
pra uma interpretação, uma interpretação sem suficientes bases, uma
interpretação prematura.

A presença de pesquisadores no local é guiada por decisões deliberadas


que, como já vimos, são explicitadas nos objetivos e nas asserções da
pesquisa.
Quando o pesquisador não conduz a pesquisa baseado em decisões bem
claras, sua coleta de dados pode resultar em quantidades inadequadas de
evidência para confirmar ou desconfirmar as asserções na fase da análise. E
aí pode ser difícil, até impossível, retornar ao ambiente da pesquisa para
obter mais dados.
Quando o pesquisador tem clareza de seus objetivos, sabe que terá de
reunir registros de diferentes naturezas (por exemplo: observação direta,
entrevistas, fotos, gravações de áudio e de vídeo etc.). Esses registros de
diferentes naturezas vão permitir a triangulação dos dados.

A triangulação é um recurso de análise que permite comparar dados de


diferentes tipos com o objetivo de confirmar ou desconfirmar uma asserção.
Pode-se construir também uma triangulação combinando as perspectivas de
diversos atores em uma ação. Por exemplo, a perspectiva do professor obtida
em uma entrevista; a perspectiva de alguns alunos igualmente obtida por
entrevista e a perspectiva do próprio pesquisador ou de outro participante
obtida pela observação. Ao comparar concordâncias ou discrepâncias nas
diferentes perspectivas, o pesquisador terá mais recursos para construir e
validar sua teoria.

Outro problema que pode resultar de dados insuficientes ou


inadequados é a confirmação ou rejeição prematura de uma asserção, que
Erickson (1990) denomina problema de tipificação prematura.
O trabalho de campo para a coleta de dados começa com as perguntas
de pesquisa que direcionam o estudo. É importante que o pesquisador
identifique a gama total de variação da ação que está pesquisando. Por
exemplo, se sua pesquisa se volta para a investigação da ação responsiva da
professora, seus dados deverão incluir um número suficiente de episódios
de ação responsiva, de maneira a poder identificar se determinada ação
responsiva é típica ou atípica (episódica). Embora tenha consigo suas
perguntas e asserções, ao entrar em campo e iniciar a coleta de dados, o
pesquisador pode não ter ainda muita segurança sobre onde focalizar sua
observação. Uma solução é entrar na sala de aula e observar dias inteiros,
identificando uma gama ampla de eventos que ocorreram ao longo do dia e
suas frequências relativas. De posse dessa informação, ficará mais fácil
saber onde e quando vai concentrar seu esforço investigativo. Com o tempo,
a percepção do pesquisador sobre quais fenômenos são mais relevantes no
estudo torna-se mais clara. Observe-se também que as ações que são objeto
da pesquisa são fenômenos complexos, com muitas dimensões que nem
sempre são apreendidas nos primeiros esforços de observação. Mas o
pesquisador pode ir variando o foco de sua atenção analítica, cada vez
prestando atenção a alguns aspectos e desprezando outros.
Um momento muito importante da coleta de dados é quando o
pesquisador passa a limpo suas anotações. Ele deve despender na reescrita
pelo menos o mesmo tempo que despendeu na observação no campo. A
atividade de reescrita favorece a reflexão e permite que elementos que
passaram despercebidos mereçam mais atenção.
A gravação eletrônica em vídeo ou áudio tem uma grande vantagem na
coleta de dados porque permite ao observador “revisitar” os dados muitas
vezes para tirar dúvidas e refinar a teoria que está construindo.
Os dados de uma pesquisa qualitativa podem ser de diversas naturezas,
como nota de campo (NC), comentário de entrevista (CE), documentos
recolhidos no local (DL) — como textos de aluno, planos de aula, pôsteres
etc. — e gravações eletrônicas (GE).
No decorrer da sua coleta de dados, o pesquisador geralmente reúne
uma grande quantidade de registros e pode sentir-se confuso para iniciar a
análise. Esses registros de fato ainda não são dados, mas fontes para dados.
O processo de converter fontes documentais em dados é um trabalho de
indução analítica por meio do qual o pesquisador vai estabelecendo elos
entre seus registros e asserções. Esse processo está representado na figura 6.
Ali se vê que a asserção relacionada ao objetivo geral desdobra-se em
subasserções. Por meio de um método de indução analítica, o pesquisador
revisou todos os seus registros e associou a cada asserção aqueles que dão
embasamento empírico para a confirmação daquela asserção.
Na figura 6, cada quadrinho representa um item dos dados que possui
significância para a confirmação da asserção e alguns deles representam
instâncias análogas de um mesmo fenômeno. Quando uma asserção é
garantida não só por várias instâncias do mesmo tipo de dados, mas também
por itens de outros tipos, o pesquisador pode ter mais confiança de que ela
está confirmada. Uma asserção para a qual não é identificado nos dados
nenhum item que a confirme não poderá ser confirmada. O pesquisador
pode descartá-la ou reservá-la para investigação futura. Além dos dados
confirmatórios, o processo de indução analítica poderá ajudar o pesquisador
a encontrar dados desconfirmatórios, que, como vimos, não devem ser
descartados. O pesquisador precisará avaliar a relevância desses dados para
a pesquisa e decidir-se pela desconfirmação da asserção, ou por incluir um
comentário interpretativo do dado desconfirmatório no relatório final.

Figura 6. Elos entre asserções e dados


Uma figura como essa, que mostra os elos entre os dados e as asserções,
ajudará o pesquisador a chegar às conclusões de sua pesquisa. Ele poderá
abrir um arquivo no computador para cada asserção. À medida que encontra
os dados confirmatórios daquela asserção, eles serão incluídos no arquivo.
O pesquisador poderá também incluir no arquivo destinado a cada asserção,
usando fonte de outra cor se preferir, comentários obtidos na literatura
especializada, que corroboram o tratamento que ele vai dar àquela asserção
em seu relatório. Pode incluir ainda referências, também obtidas na revisão
bibliográfica, que estejam relacionadas à respectiva asserção. Não se trata
de refazer ali longas resenhas de outras pesquisas, cujo lugar é nos capítulos
de revisão bibliográfica. Trata-se apenas de relacionar os resultados obtidos
a resultados análogos, ou até mesmo contraditórios. Nesse último caso, o
pesquisador deve procurar explicar por que são contraditórios.
Os dados que o pesquisador agrega para confirmar uma asserção podem
ser de diversas naturezas. No próximo capítulo, veremos alguns exemplos.
Elos entre asserções e dados

N este capítulo, vamos incluir asserções postuladas em pesquisas


interpretativistas variadas, ilustrando-as com dados coletados nessas
pesquisas, de forma a mostrar a relação entre asserções e dados
confirmatórios.
O episódio seguinte, obtido nas notas de campo da pesquisadora Ilse de
Oliveira para sua tese de mestrado, defendida na Universidade Federal de
Goiás em 1995, é um dado muito significativo para confirmar a seguinte
asserção referente aos usos linguísticos de seus alunos em sala de aula:
Asserção: Em suas interações, os alunos vão alternar usos formais
da língua e usos próprios de sua variedade local informal, dependendo
da percepção que têm quanto à formalidade do respectivo ato de fala

Os alunos estão planejando oralmente o que vão escrever em um texto coletivo, e


os enunciados escritos ou lidos se intercalam com os enunciados falados. (Os
enunciados lidos estão sublinhados).
A1 [lendo o que escrevera] e ele deixou nós irmos rap/ e ele deixou nós irmos.
Rapidamente arrumamos nossas malas e saímos, e fomos.
A2 ih :: aí cê tá (XXX) [ lendo] e saímos e fomos. [falando] é claro que se nóis saiu
nós fomos. Não [lendo] e fomos, e fomos, rap/ e e ele deixou nós irmos
rapidamente arrumamos nossas malas e fomos. [falando] apaga esse ponto aí e põe
“e fomos”.
A3 [falando] e falamos tchau e fomos
A1 [falando] não, e fomos, e a história tá grande demais
A2 [lendo] e nós despedimos
A1 [falando] nóis num vai terminá hoje não
A2 [falando] tem que escrevê muito uai, pra gente ganhá nota.
REPRODUZIDO DE BORTONI-RICARDO, 2004, P. 29.
Nesse episódio, fica claro que os alunos usam variantes formais das
formas verbais quando estão lendo ou antecipando o que vão escrever, e
variantes próprias de sua fala espontânea, não monitorada, quando fazem
rápidos comentários.
Os exemplos seguintes de elos entre asserções e dados foram obtidos na
pesquisa “Currículo bidialetal de língua portuguesa para o 1° grau”
coordenada pela professora Stella Maris Bortoni-Ricardo1, na década de
1990.
Asserção: Os professores não têm consciência da variação em sua
própria fala

Dado obtido em notas de campo:


A. (lendo) A onça resolveu atraí-la a sua furna fazendo corrê notícia de que tinha
morrido e deitando-se no chão da caverna fingiu-se de cadáver. Todos ós bichos
vinheru olhá a defunta contentíssamos.
P. Contentíssimos. ó, psi, depois de contentíssimos tem ponto, tá? Todos os
animais, né, vinheru olhá a defunta contentíssimos.
Neste evento de letramento em que o aluno está lendo um texto onde ocorrem
palavras pouco empregadas em eventos de oralidade, como “atrair” e “furna”, o
professor corrige a pronúncia de “contentíssimos” e a entonação, mas escapa-lhe a
realização da forma verbal “vinheru”, que ele próprio reproduz. Em
“contentíssamos” o aluno cometeu um erro de decodificação, o que geralmente
ocorre com palavras extensas e proparoxítonas. É comum no Brasil a nasalização
da segunda sílaba na forma verbal “vieram”. Isso se explica porque muitas formas
do verbo “vir” contêm segmentos nasais, como “vim” e as formas do imperfeito
“vinha” etc. Ao nasalizar a segunda sílaba em “vinheru”, os falantes estão
transferindo para essa forma a nasalidade que ocorre em outras formas do verbo.
REPRODUZIDO DE BORTONI-RICARDO, 2004, P. 27-28.

Asserção: Com relação à fala dos alunos, os professores cultivam


alguns estereótipos referentes à linguagem rural e à diversidade
regional

Dado obtido em entrevista:


Em entrevista realizada após assistir a um teipe feito em sua sala de aula, o
professor fez o seguinte comentário a propósito de sua intervenção quando um dos
alunos nasalizou, na leitura, a sílaba inicial da palavra “ilusão”:
“Em ‘inlusão’ ele está colocando um ‘n’. Ele tem de ver a diferença entre
‘i’ e ‘in’. Não sei se é devido à região de onde eles vinheru, eles têm certas
dificuldade. Água, eles não falam água, falam auga. É aquele sotaque bem
nordestino mesmo”.
REPRODUZIDO DE BORTONI-RICARDO, 2005, P. 139.

Asserção: A alternância entre a fala monitorada e a fala


espontânea dos professores é condicionada pelas crenças que eles
alimentam a respeito da maneira adequada de lidar com a língua
oral e a língua escrita. Em outras palavras, pelo seu sistema de
crenças sobre o letramento

Dado obtido em notas de campo:


O professor está conduzindo um exercício de interpretação de texto da 2ª série
(P. vai ao quadro e começa a escrever o exercício. Os alunos copiam em silêncio;
retoma a palavra quando conclui a escrita.).
P. Quem sabe fazê aqui agora? Pest’enção aqui, ó. Depois cês copia aí, tá? Tá
escrito aqui (lendo do quadro) Responda. Com quem se parecia o? (para de ler)
Como é o nome da leitura lá? Pega a leitura lá que cê sabe. Pega lá no livro, tá? É
o quê? O palhacinho. Como é o nome da leitura lá? Diga aí.
A. O palhacinho.
P. O palhacinho, né? Vamu trabalhá exatamente. O trabalho é a leitura lá. Nós
vamu vê se nóis entendemos ô não o que tá escrito lá. Então vamu, tá? Tá escrito
aqui, ó. (Lendo) Com que se parecia o palhacinho? (Para de ler.) Cê vai voltá lá
naquela leitura lá. Vai olhá. O palhacinho se parecia com um negócio lá. Com quê?
Com um boneco. Então cê vai dizê. Parecia com um boneco, né? (Lendo) Por que
todos gostavam dele? (Para de ler) tá? Por que todos gostavam dele? Depois
(lendo) Qual era a maior felicidade do palhacinho? Como costumavam chamá-lo?
(Para de ler) Tá? As crianças chamavam ele é (...) de um nome, sei lá. Um apelido
lá, né? Qual era esse apelido dele, tá? (Lendo) Um dia o palhacinho chorou. Por
que ele chorou? (Para de ler) Tá? Aí cê vai dizê qu’ele chorou por isso, por isso,
isso, isso, isso, assim, assim, tá? Isto tá escrito lá no livro. (Lendo) Quantas
crianças haviam mais ô menos no palco? (Para de ler). Ele entrô lá pra fazê a
brincadeira com as crianças. Quantas crianças tinha mais ò menos lá, tá bom?
Então cê vai respondê lá, olhanu no livro e responde, tá?
(P. volta-se para outros alunos e inicia outra atividade.)
REPRODUZIDO DE BORTONI-RICARDO, 2004, P. 38-39.
Nesse evento, é flagrante a mudança de estilo que o professor realiza
quando alterna a leitura e a linguagem oral. Após a leitura de cada pergunta,
redigida no quadro de giz com sintaxe padrão, onde aparece até mesmo uma
hipercorreção (em “haviam”), ele fornece uma paráfrase, isto é, uma
‘tradução’ usando, então, a variedade local. Observe que, ao realizar um
evento de letramento, o professor usa o pronome átono enclítico: “Como
costumavam chamá-lo?”, para em seguida ‘traduzir’ o enunciado em: “As
crianças chamavam ele é...”
Nessa segunda variante, temos o emprego do pronome reto “ele” como
objeto direto, regra muito comum no nosso português oral. Geralmente, só
empregamos os pronomes oblíquos átonos (o, a, os, as) na linguagem
escrita e em estilos muito monitorados.
Na postulação da asserção seguinte, torna-se necessário produzir uma
definição do termo “monitoração na linguagem”. Por linguagem
monitorada, entendemos a linguagem à qual o falante dedica mais atenção e
algum planejamento.
Temos exemplo de elo entre asserção e dados obtidos em A variação
estilística de alunos de 4ª série em ambiente de contato dialetal, dissertação
de Vera Aparecida de Lucas Freitas, Universidade de Brasília, 1986. O sinal
(+) indica pausa de aproximadamente um segundo.
Asserção: Os alunos da 4ª série já exibem em seu repertório
linguístico estilos monitorados

Dado obtido em entrevista, na qual a aluna entrevistada está lendo de seu caderno e
explicando o que leu.
(E) - É a cadeia alimentar + né? O ciclo da vida puque cada uma vai comendo um
animal ou um vegetal pra se alimentá /.../
(E) - A - Isso aqui é a vida na água + fala assim + da fotossíntese + né como é que
eles respira + como é que as plantas fabrica seu próprio alimento + fabricam
[corrigindo] o oxigênio para os peixes respirarem. Aqui a cadeia alimentar/.../
(E) - (passando a folha do livro) Isso aqui nós vamu aprendê. Isso aqui também.
Sim + esse aqui foi como a + o homem e a água + né? Como o homem + começou
+ né + a utilizá a água e como ele tá precisando + como ele precisa da água. Esse
aqui é água vezes progresso. (continua passando as folhas). Agora esse + as plantas
+ o sol + né + que já é capítulo onze. Aqui é as camadas de um terreno + que o
solo com a argila + a areia + húmus + camada de argila. Esse aqui fala sobre o
surgimento e a evolução do solo. No capítulo treze tem o home que + que ele
modifica o solo + que ele coloca + assim + coisas + que ele modifica o solo. Que
ele provoca erosões às vezes. Os minerais e o homem + né + que fa + fala sobre
rochas...
REPRODUZIDO DE BORTONI-RICARDO, 2004, P. 70.

Exemplo de elo entre asserção e dados obtidos em Do discurso formal


para o informal, um estudo de variação estilística no meio acadêmico,
dissertação de Cibele Brandão de Oliveira, Universidade de Brasília, 1997.
Asserção: A mudança de estilo pode dar-se em função de
enquadre
Na postulação dessa asserção, é necessário produzir uma definição de
enquadre. O enquadre é um termo da sociolinguística interacional e se
refere às informações explícitas ou implícitas do falante que permitem ao
ouvinte entender uma mensagem como uma brincadeira, uma conversa
séria, um conselho, uma admoestação etc.

Dado obtido em gravação em vídeo


Evento: Reunião de colegiado em uma faculdade da Universidade de Brasília
“Professor: /.../ o risco muito grave é de se ferir frontalmente o princípio de
Arquimedes (+++) dois corpos ou dois titulares ou duas pessoas não podem ocupar
ah:: (+) ao mesmo tempo o mesmo lugar no espaço (+) ou o mesmo cargo na
administração pública ENTÃO na verdade (+) lógico (+) ninguém tem o dom da
da ubiquidade (+) não é? e consequentemente (+) em termos de aposentados isto
não se aplica de FORMA NENHUMA (+) mas é como a história do macaco/ (+)
até (+) o macaco tava correndo porque até provar-se que ele não era elefante (+)
ele tava liquidado (+) tavam degolando tudo quanto era elefante na selva (+++) ele
começou a correr (+) então agarraram o macaco (+) Macaco (+) por que que cê tá
correnu? (+) rapaz (+) é que tão degolando tudo quanto é elefante (+) (narrativa
enunciada em ritmo acelerado) (risos sobrepostos à fala) não (+) é verdade (+) mas
(+) mas (+) (+) você não é elefante! Você é macaco (+) ah:: (+) então prove isso
(+) (risos) cê tá louco! /.../”
REPRODUZIDO DE BORTONI-RICARDO, 2005, P. 46.
No episódio, quando o falante muda de um enquadre mais formal, em
que apresenta alguns conceitos, para um enquadre de uma anedota, alterna
seu estilo, que passa do estilo monitorado para o estilo não monitorado.

1 O Projeto Currículo Bidialetal de Língua Portuguesa para o Primeiro Grau foi apoiado
pelo CNPq. A proposta inicial foi elaborada pelas professoras Stella Maris Bortoni-Ricardo
e Lúcia San Tiago Dantas Quental. Participaram da pesquisa as seguintes mestrandas e/ou
bolsistas: Maria Avelina de Carvalho, Alesandra Vanessa de Aguiar, Cíntia da Costa
Côrrea, Rosa Cecília Freire da Rocha, Vera Aparecida de Lucas Freitas, Márcia Gutierrez
Aben-Athar e Rachel do Valle Dettoni
Pesquisa colaborativa na
formação continuada de
professores

A pesquisa etnográfica colaborativa tem suas raízes na tradição da


teoria social crítica, oriunda do marxismo, neomarxismo e da Escola
de Frankfurt. Como em outras vertentes da pesquisa crítica, entre as quais
podemos citar a pesquisa ação, a pesquisa etnográfica colaborativa tem por
objetivo não apenas descrever, como no caso da etnografia convencional,
mas também promover mudanças no ambiente pesquisado. Dessa forma ela,
é ao mesmo tempo, hermenêutica e emancipatória.

Diário de bordo

Faça uma pesquisa sobre a natureza da pesquisa hermenêutica e da


pesquisa emancipatória, apontando suas principais características. Se
quiser ler mais sobre a pesquisa-ação, recomendamos o livro de René
Barbier, A pesquisa ação. Brasília: Editora Plano, 2002.

Na pesquisa etnográfica colaborativa, o pesquisador não é um


observador passivo que procura entender o outro, que também, por sua vez,
não tem um papel passivo. Ambos são coparticipantes ativos no ato da
construção e de transformação do conhecimento. Para tal, a agenda da
pesquisa é negociada de modo a atender às necessidades do grupo que vai
ser pesquisado (Magalhães, 1994). Vamos ilustrar a etnografia colaborativa
no cenário de um projeto de formação continuada de professores, no qual os
professores formadores atuam como pesquisadores ao acompanharem o
trabalho dos professores em formação. Essa ação dos formadores é
orientada pelos princípios da pesquisa etnográfica colaborativa.
A etnografia colaborativa na educação é muito adequada ao trabalho
que se quer desenvolver no projeto de formação continuada, porque
formador e professor em formação são parceiros de uma pesquisa e de um
projeto de aperfeiçoamento dos atores envolvidos. A tarefa do formador
tem de ser vista sempre como uma parceria e uma produção conjunta com
os professores em formação que acompanha. Sua agenda é definida,
direcionada e, eventualmente, redirecionada em função das propostas
discutidas e negociadas com os professores em formação. Na apresentação
desse projeto de formação continuada, começamos por revisar alguns
conceitos sobre a pesquisa interpretativista.
O objetivo da pesquisa etnográfica de sala de aula, como sabemos, é o
desvelamento do que está dentro da ‘caixa preta’ na rotina dos ambientes
escolares, identificando processos que, por serem rotineiros, tornam-se
‘invisíveis’ para os atores que deles participam.
Valendo-se da metodologia etnográfica, necessariamente adjetivada
como colaborativa, na medida em que o objeto da pesquisa é a
ação/reflexão/ação dos sujeitos parceiros, os formadores têm como
procedimento básico a observação participante.
Na pesquisa etnográfica — ao contrário de pesquisas que seguem outras
metodologias, ou mesmo, outros paradigmas —, não há uma divisão rígida
entre a fase inicial de observação para coleta de dados e a fase de análise. A
pesquisa tem sempre caráter interpretativo e se inicia com algumas
perguntas exploratórias, postuladas com base na leitura da literatura
especializada, na experiência de vida e no senso comum do pesquisador.
Ainda na fase das perguntas exploratórias, uma observação piloto no
campo deverá conduzir à definição do objeto de pesquisa. Para melhor
identificá-lo, estabelecendo seu escopo e limite, deve-se partir, em seguida,
para a definição do objetivo central da pesquisa e dos objetivos específicos,
pois quem não sabe o que procura não o percebe quando o encontra
(Erickson, 1992).
Já sabemos que, definidos os objetivos, o etnógrafo deve produzir uma
asserção geral e subasserções que correspondam, respectivamente, ao
objetivo geral e aos objetivos específicos.
Supondo que o pesquisador deseje estudar aspectos do processo de
produção conjunta da aprendizagem numa sala de 3ª série do ensino
fundamental na rede pública, ele postula um objetivo geral e objetivos
específicos.
OBJETIVO GERAL: Investigar como o professor em formação recebe as
hipóteses heurísticas e contribuições fornecidas pelos alunos.
Na postulação desse objetivo, convém propor uma definição da
expressão “hipóteses heurísticas”, que vêm a ser as hipóteses que os alunos
constroem no seu processo de aquisição de conhecimento.
OBJETIVOS ESPECÍFICOS:
Investigar a flexibilidade do professor cursista para modificar sua
agenda, de modo a acomodar as contribuições trazidas por seus alunos
no processo de construção conjunta do conhecimento.
Investigar como esses alunos se sentem —
motivados/retraídos/ansiosos/temerosos etc. — ao exporem suas
hipóteses heurísticas acerca do tema em discussão.
Investigar como eles se ajudam na construção de suas hipóteses.
Investigar as estratégias empregadas pelo professor em formação à
vista da manifestação de uma hipótese construída por seu aluno, que
pode vir sob a forma de pergunta, observação, sugestão etc.
Verificar como o professor em formação se vale das contribuições dos
alunos para relacionar conhecimento novo a conhecimento
pressuposto, isto é, que já foi trabalhado em sala de aula.
Investigar as estratégias verbais e não verbais que a professora
cursista, em formação, usa para ratificar as contribuições dos alunos.
Vejamos como podem ser construídas as asserções relacionadas a esses
objetivos:
ASSERÇÃO GERAL (correspondente a objetivo geral): a professora em
formação tenderá a receber com entusiasmo as contribuições dos alunos
sempre que elas representem hipóteses heurísticas logicamente relacionadas
às expectativas e à visão que ela própria mantém sobre o assunto abordado.
SUBASSERÇÕES:
As hipóteses heurísticas apresentadas pelos alunos mais participativos
serão recebidas com mais entusiasmo pela professora em formação,
que tenderá a confirmá-las e a expandi-las;
O professor em formação tenderá a ser mais receptivo às hipóteses
heurísticas que relacionam o conhecimento recém-adquirido a
conhecimento já trabalhado em sala de aula.
À medida que a pesquisa (observação) progride, os objetivos e
respectivas asserções podem ser reformulados, para melhor se ajustarem
aos conhecimentos que o pesquisador vai adquirindo no próprio
desenvolvimento da pesquisa. No caso da pesquisa que estamos discutindo,
recomenda-se que o formador esteja sempre discutindo seus achados com
os professores em formação.
Uma vez postuladas as asserções, o etnógrafo (formador) vai
colecionando dados que possam confirmá-las ou desconfirmá-las. Em todo
esse processo, o formador estará sempre trocando impressões com os
professores em formação. É importante que o formador conheça a
perspectiva significativa do professor em formação sobre cada ação
identificada. Em outras palavras: o formador precisa saber como o professor
em formação vê e interpreta a referida ação e verificar se há identidade
entre sua interpretação e a do professor em formação.
Há algumas rotinas no trabalho etnográfico do formador que merecem
uma descrição mais detalhada:
Se o objetivo do formador é contribuir para que o professor em
formação mude determinada prática interativa em sala de aula, o foco da
pesquisa deve estar no modo como a interação se dá e não no conteúdo ou
tema da interação.
Para que se possa enfocar a forma como a interação se dá, é preciso que
o etnógrafo (formador) tenha uma visão a mais completa e detalhada
possível da ecologia social da sala de aula que está investigando. Não basta,
por exemplo, aconselhar o professor em formação: “Nunca deixe de ouvir
uma contribuição do aluno ao assunto que está sendo discutido”. É preciso
mostrar detalhadamente ao professor em que momentos essa ação (de
prestar atenção ao aluno) ocorre e como ela poderia ser conduzida (cf.
Erickson, 1992).
Pesquisas etnográficas em sala de aula, no Brasil, e em outros países,
têm mostrado que os professores que não administram bem os turnos de
fala têm menos chances de obter bons resultados em seu trabalho
pedagógico (Lopes, 1989; Bortoni & Lopes, 1991).
Administrar bem os turnos de fala significa: nomear sucessivamente os
falantes primários; garantir que os falantes primários sejam ouvidos, isto é,
sejam ratificados pelos ouvintes primários, e estabelecer as estruturas
participativas.
Convém definir a esta altura o conceito de “estrutura participativa”, que
é relevante na pesquisa em pauta. Estrutura participativa é a forma como a
interação é organizada em sala de aula, com base em algumas normas
tácitas que distribuem deveres e direitos. Por exemplo: “fala um de cada
vez”; “há momentos de trocar ideias com o colega ao lado e há momentos
de ficar atento, ouvindo o que o professor ou um colega está falando para
toda a turma”; “há momentos em que se estabelecem vários grupos e em
cada um deles os falantes primários vão-se alternando” e “há momentos em
que toda a turma constitui um só grupo”.
Pois bem, já sabemos que o professor que não administra bem o
processo de tomada de turno em sala de aula, de acordo com as estruturas
participativas que ali se estabelecem, tem menos chances de obter bons
resultados e garantir a aprendizagem do aluno.
Se o formador etnógrafo deseja focalizar seu trabalho na administração
da distribuição da fala em sala de aula, deverá começar com uma visão
ampla de todas as rotinas interativas voltadas para essa distribuição. Isso
significa reunir uma gama, a mais completa possível, dos eventos
relacionados a seu foco: a administração da fala em sala de aula.
Cabe aqui mencionar a recomendação de dois procedimentos feitos pelo
professor Frederick Erickson (1992) em relação à visão ampla das rotinas
interativas: identificar a gama completa de variação das ações que são o
foco de interesse da investigação e estabelecer a tipicidade ou atipicidade
das ações, com base em sua frequência relativa. Fazemos isso reunindo
amostras das ações que interessam à pesquisa.
Essas amostras são coletadas via observação participante, entrevistas,
material documental recolhido no ambiente da pesquisa ou pelo emprego de
recursos tecnológicos, como a gravação em vídeo ou em áudio, fotografias
etc.
Ao realizar esses procedimentos, o formador que está realizando uma
etnografia colaborativa vai discutir cada avanço no seu processo de
interpretação da ecologia social da sala de aula com o professor em
formação. Isso é essencial para que o formador possa saber qual a
perspectiva significativa do professor em relação às ações identificadas. Em
outras palavras: o formador precisa saber como o professor interpreta tais
ações.
Em todo esse processo, o formador etnógrafo vai progressivamente
envolvendo-se em exercícios de construção de teoria(s) sobre as ações que
está observando. O diálogo com o professor em formação é essencial na
construção dessas teorias.
Uma vez deslanchada a construção de teoria(s) sobre a organização dos
eventos e das ações que estão sendo estudadas, o formador estará em
condição de identificar, junto com o professor em formação, os pontos
positivos do processo e os pontos negativos que precisam ser modificados.
Nem sempre haverá consenso entre formador e professor em formação
quanto à identificação desses pontos, o que exigirá, de ambos, mais
discussão, mais análise dos dados e mais esforço de cooperação.
Para facilitar ao professor em formação a identificação de aspectos
positivos e negativos em sua ação pedagógica e para que ele possa
participar mais intensivamente da construção da(s) teoria(s) que acabamos
de descrever, é aconselhável que sejam feitos videoteipes de suas
atividades. Esses vídeos poderão ser vistos e revistos pelo professor em
formação e pelo formador para identificação dos eventos típicos e atípicos,
bem como das ações mais positivas e das que precisam ser alteradas.
Havendo concordância na interpretação do formador e professor em
formação em relação à(s) teoria(s) que estão sendo construídas, ambos
podem traçar um projeto que visa consolidar os aspectos positivos
identificados na teoria e a corrigir os negativos.
A partir desse ponto, os objetivos são revistos e eventualmente
redirecionados, postulando-se novas asserções ou ajustando-se as asserções
iniciais.
Quando já se atingiu um alto grau de identificação (homologia) entre as
interpretações do formador e do professor em formação, já se podem
socializar esses avanços na teoria com os outros professores da equipe do
formador. Podem-se também organizar oficinas em que ambos relatam suas
experiências, que deverão ser ilustradas com os registros, inclusive os
vídeos, as gravações em áudio e fotografias.
É importante que todo esse processo de construção de teorias seja
registrado tanto pelo professor em formação quanto pelo formador em
diários, que poderão também subsidiar as oficinas e reuniões.
Quando as experiências de dois ou mais professores da equipe, relativas
às ações estudadas, convergirem, eles devem ser incentivados a produzir um
relato em conjunto, que poderá ser socializado com todo o grupo, sempre
com a anuência e a participação dos principais atores, que são os
professores e o formador que faz parceria com eles.
Abaixo estão resumidas algumas das rotinas do trabalho de etnografia
colaborativa que discutimos neste capítulo:
Ao “entrar em campo”, o formador já deve ter algumas questões
exploratórias, baseadas em sua vivência e discussão no âmbito do
curso.
É necessário definir objetivo(s) que vão ser explicitados, pois, como já
vimos, quem não sabe o que procura não o reconhece quando o
encontra.
Por meio de metodologia etnográfica, especialmente uma sistemática
observação participante, o formador deve identificar a gama completa
de ações relacionadas a seu objetivo de pesquisa.
Entre essas ações, deve identificar as típicas e as atípicas.
Todos esses procedimentos conduzem a uma teoria (permanentemente
em processo de criação) sobre os padrões organizacionais das ações
estudadas, inclusive seu encaixamento em uma matriz social mais
ampla.
A construção da teoria sobre a ecologia social naquela sala de aula é
um trabalho conjunto do formador e do professor em formação e se
baseia nas perspectivas significativas (interpretações) de um e de
outro.
Com base na teoria construída, com razoável convergência
interpretativa, podem-se identificar os pontos fortes e os pontos fracos
na ação do professor em formação, que deverão ser trabalhados.
Recursos tecnológicos, como a gravação em vídeo e áudio, são muito
úteis nesta etapa, porque facilitam a autoavaliação, bem como a
avaliação conjunta.
A identificação dos pontos positivos e negativos conduz a um
diagnóstico, seguido de um projeto e, consequentemente, à postulação
de novos objetivos.
Toda a experiência vivenciada nesse processo deve ser registrada em
diários pelo formador e professor em formação e deverá ser
socializada em reuniões e oficinas em seminários ampliados.
Essas experiências deverão subsidiar as ações futuras do projeto
(Bortoni-Ricardo, 2005).

Diário de bordo

Reflita sobre essa proposta de pesquisa etnográfica colaborativa. Imagine


que ela será implementada em projeto de que você participe ou que você
acompanha. Avalie as chances que tem a proposta de obter bons
resultados e faça sugestões que possam aperfeiçoá-la. Registre seu
texto, para que possa ser objeto de discussão futura.
Projeto de pesquisa qualitativa

N o capítulo 2, discutimos com certo detalhamento uma pesquisa


quantitativa de caráter experimental. Neste capítulo e no próximo,
vamos nos deter na discussão de projetos de pesquisas que seguem o
paradigma qualitativo e se valem de procedimentos etnográficos para a
geração de registros. Começaremos pela descrição mais detalhada de um
projeto sobre rotinas interacionais em sala de aula.

Descrição do projeto
O projeto é uma pesquisa de base etnográfica, sociolinguisticamente
orientado, a ser conduzido no 1° ciclo do ensino fundamental, mais
propriamente na fase imediatamente posterior à alfabetização, onde se deve
processar a consolidação do aprendizado da leitura e da escrita (fase cuja
denominação, em série ou ciclo, varia nos diversos sistemas estaduais ou
municipais).
A vertente etnográfica de estudos sociolinguísticos educacionais propõe
uma teoria da aprendizagem baseada na interação verbal em sala de aula.
Sua metodologia, essencialmente qualitativa e interpretativista, consiste de
registros etnográficos e microetnográficos do processo interacional.
Para Cook-Gumperz (1987), essa vertente de pesquisa estuda
fenômenos linguísticos em ambientes escolares, buscando responder a
questões educacionais. As formas linguísticas interessam à pesquisa na
medida em que permitem identificar, nos eventos em sala de aula,
especialmente a compreensão que os alunos atingem, situando o contexto
social da cognição, onde a fala é o elo entre o cognitivo e o social. Para
aprender, os alunos se baseiam no que já sabem, conferindo significado ao
que a professora lhes apresenta. O discurso de sala de aula permite ao
pesquisador refletir sobre os processos que os alunos usam para relacionar o
novo conhecimento ao conhecimento que já detêm.

Objetivo
O objetivo geral do projeto é identificar, descrever e analisar rotinas no
trabalho pedagógico, voltadas para o desenvolvimento de habilidades
linguísticas, que sejam produtivas, isto é, que resultem na aprendizagem dos
alunos, manifesta em sua fala ou texto escrito. Essas descrições de rotinas,
denominadas “protocolos interacionais” na pesquisa, são definidas como
sequências interacionais bem sucedidas no trabalho pedagógico.
A descrição e análise dos protocolos fornecerão subsídios para a
produção de textos para formação inicial e continuada de professores e para
a elaboração de material didático que eles possam adotar, a fim de obter
melhores resultados nos seus esforços de mediar o desenvolvimento das
habilidades linguísticas de seus alunos.
Na análise das rotinas, a proposta do projeto vai privilegiar aquelas em
que o professor procura estimular os alunos a uma reflexão sobre a estrutura
e os usos da língua portuguesa, que é o código que todos partilham. Muitas
dimensões e propriedades da língua oral e escrita poderão ser objetos dessa
reflexão, desde a correspondência entre sequências fônicas e representação
gráfica; as características da oralidade e da escrita, inclusive as regras
fonológicas e morfossintáticas em variação e mudança, até a estrutura
textual e práticas socioculturais da apropriação da língua escrita. Vamos
denominar esse processo de desenvolvimento da consciência linguística,
que Alliende & Condemarín (1987, 46) descrevem, como “o conhecimento
consciente do indivíduo dos tipos e níveis dos processos linguísticos que
caracterizam as expressões faladas”, entre os quais o de codificar
foneticamente a informação linguística.
Cox & Assis-Peterson (1999, 130), refletindo sobre a contribuição de
David Olson para a alfabetização, observam:
Aprender a escrever uma língua, na perspectiva de Olson, é aprender a pensar sobre a
língua. Para dizer de outro modo, na escrita, a atividade linguística é inalienavelmente
uma atividade metalinguística. Todo sistema de escrita cristaliza certo modo de
recortar os enunciados, ou seja, certo conjunto de categorias analíticas historicamente
construídas. Assim, quem aprende a escrever uma determinada língua necessariamente
reorienta sua percepção do fenômeno linguístico.
O seguinte enunciado de C. Cazden (1988, 99) é também bastante
elucidativo do objetivo descritivo a que o projeto se propõe:
Temos de considerar como as palavras ditas em sala de aula afetam os resultados da
educação: como o discurso observável de sala de aula afeta os processos cognitivos
não observáveis de cada um dos participantes e, consequentemente, a natureza daquilo
que os alunos aprendem.

Problema de pesquisa e justificativa


Sabemos que muitos dos problemas educacionais brasileiros têm início
no ensino fundamental, que não vem atingindo o objetivo consignado na
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de dezembro de 1996, art.
32, I, que é: a formação básica do cidadão mediante o desenvolvimento da
capacidade de aprender, tendo como meios básicos o pleno domínio da
leitura, da escrita e do cálculo. Os Parâmetros Curriculares Nacionais
deixam claro que, no primeiro ciclo dessa fase inicial de escolarização, é
fundamental que os alunos comecem a aprender a utilizar a língua para
aprender.
Levantamento feito pelo MEC indica que há 32% de repetência da 1ª
para a 2ª série, mas há controvérsias quanto à verdadeira natureza do
problema. Algumas pesquisas associam os problemas de alfabetização aos
métodos empregados e outras, mais recentes, indicam que o problema
independe do método e se agrava porque a escola não está comprometida
com a consolidação das habilidades de ler e escrever no início da
escolarização. Análises conduzidas no projeto Geres [Geração Escolar]
(Bonamino et al., 2004), que pesquisa o resultado de leitura e de
matemática em escolas do Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Campinas,
Salvador e Campo Grande, demonstram que não há uma relação necessária
entre sucesso na alfabetização e o método utilizado pela escola. O fator
mais importante para um resultado positivo, de acordo com a pesquisa, é
um sentimento de responsabilidade do professor em relação a seus alunos.
As evidências da pesquisa apontam para problemas na fase posterior à
alfabetização, se a escola não desenvolver estratégias que visem consolidar
as habilidades recém-adquiridas ou se as aprendizagens sobre a leitura e a
escrita ficarem muito fragmentadas (Franco, 2006).
O foco desta pesquisa não serão, portanto, os métodos empregados para
alfabetização. Concordamos com Telma Ferraz Leal, quando afirmou no 2º
Fórum Nacional Extraordinário da União dos Dirigentes Municipais de
Educação (Undime), realizado em Brasília, em maio de 2006, que a
polêmica sobre os usos dos métodos sintéticos, que partem do ensino da
unidade menor (letra, fonema ou sílaba) para o todo; ou analíticos, que
partem do sentido global da escrita (texto, frase) para unidades menores
(palavras, sílabas, letras, fonemas); ou, ainda, os analítico-sintéticos
(combinação dos dois métodos) é uma discussão sem sentido. O importante
é que as unidades linguísticas sejam objeto de reflexão, na medida em que
compõem o texto. O aluno precisa entender que a escrita tem relação com o
som, trabalhando com um texto que faça sentido para ele. A educadora
pernambucana afirmou também que aprender a relacionar sequências
fônicas a notações gráficas não é suficiente, é preciso tempo para consolidar
a alfabetização, é preciso adquirir razoável domínio das habilidades
exigidas de um indivíduo alfabetizado. Na mesma linha de raciocínio,
Elvira Souza Lima, no mesmo Fórum, enfatizou que mais importante do
que entender como a criança aprende é explicar o que acontece quando a
criança não aprende. Para ela, a aquisição de leitura e da escrita está
relacionada ao desenvolvimento da capacidade simbólica do ser humano.
Leitura e escrita não se desenvolvem naturalmente, como a fala, e envolvem
funções diferentes do cérebro. As dificuldades para aprender a escrever e a
ler devem-se, muitas vezes, ao fato de várias aprendizagens sobre o código
escrito ficarem fragmentadas, não constituindo redes neuronais na memória.
O desafio é saber desenvolver, com atividades pedagógicas e culturais, as
redes de neurônios do cérebro para que o aluno faça as conexões para ler e
escrever. Para Elvira Souza Lima, professores e especialistas têm potencial
para fazer isso após conhecerem o processo de desenvolvimento da criança.
Depois de ter atingido a universalização da escolaridade, o Brasil enfrenta o
desafio da universalização da escrita, e é preciso que os sistemas de ensino
busquem com afinco a solução para as crianças que não aprendem. Mas o
grande esforço dos profissionais da educação se ressente da ausência de
registros de suas experiências, que permitirão que eles reflitam sobre suas
práticas e possam aprimorá-las.
O presente projeto incide justamente nessa lacuna, na medida em que se
propõe a registrar, de forma sistemática, experiências de sala de aula que
são bem-sucedidas no intento de desenvolver as habilidades linguísticas dos
alunos.
Há divergência entre os educadores, baseados em diferentes resultados
de pesquisas, quanto à relação entre metodologias de alfabetização e o
sucesso na aprendizagem da leitura e da escrita. No entanto, é consensual
que as fragilidades do trabalho pedagógico no início do ensino fundamental
vão refletir-se no desempenho dos alunos como leitores e produtores de
texto, contribuindo para as altas taxas de repetência e evasão da escola
brasileira ao longo de toda a escolarização. Entre a 1ª e a 4ª série do ensino
fundamental, por exemplo, de acordo com dados do INEP/MEC, observa-se
uma taxa de 21% de repetência, que é muito superior ao que ocorre em
países vizinhos com níveis de desenvolvimento semelhantes aos do Brasil.
Até a 4ª série, o índice de repetência no Chile é de 2%; na Argentina é de
6%; na Venezuela é de 7% e no Uruguai é de 8%, conforme pesquisa da
UNESCO feita com base em dados de 2002. A taxa brasileira de 21% de
repetência coloca o Brasil no 16º lugar num ranking de 45 nações com
graves problemas educacionais e índices de repetência superiores a 10%.
Ficamos atrás de Ruanda e junto com Moçambique, ambos na África, e
com o Laos na Ásia. Mas há que considerar que, diferentemente do Brasil,
onde o português é uma língua majoritária, falada por mais de 99% da
população, esses dois países são multilíngues. As comunidades de fala
multilíngues enfrentam um complicador muito sério, na operacionalização
do ensino da leitura e escrita na língua que é veículo da cultura letrada no
país, a alunos que têm como língua materna outra língua, entre as várias que
coexistem no repertório de suas comunidades.
As taxas de reprovação no ensino fundamental que mencionamos são
apenas um aspecto das estatísticas referentes ao ensino da leitura e da
escrita em nosso país, onde os índices de alfabetismo constituem um dos
mais graves problemas sociais, que está na raiz de todos os demais. Em toda
a sua história, nosso país tem convivido com altas taxas de analfabetismo,
não obstante esforços empreendidos pelos sucessivos governos ou pela
sociedade, principalmente a partir do século XX, com o crescimento da
população residente em áreas urbanas. A própria Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional, já mencionada, que é a matriz da política
educacional brasileira, ao garantir o ensino fundamental, obrigatório e
gratuito, que hoje em dia vem sendo ampliado de 8 para 9 anos nos sistemas
estaduais de ensino, representa uma salvaguarda legal de que todos os
brasileiros sejam introduzidos na cultura de letramento, à qual têm acesso,
historicamente, parcelas restritas da população brasileira. A tabela 3 mostra
a taxa de analfabetismo dos brasileiros de 15 anos ou mais por grupos de
idade no período de 1998 a 2003.

Tabela 3. Taxa de analfabetismo no Brasil no período de 1998 a 2003 - Fonte: IBGE-


PNADs

Verifica-se que houve um decréscimo no percentual de analfabetos no


período. Não obstante essa queda, os números ainda continuam alarmantes,
principalmente se levarmos em conta que a previsão de redução do
analfabetismo, mesmo considerando-se melhorias no sistema educacional e
a mortalidade nas faixas etárias acima de 50 anos, ainda é muito modesta. O
IBGE prevê um decréscimo de 0,06% no número de analfabetos até 2010 e
de 0,09% até 2020.
É necessário considerar também a mudança no conceito de
analfabetismo. Em 1958, a Unesco definia como analfabeto um indivíduo
que não consegue ler ou escrever algo simples. Duas décadas depois,
substituiu esse conceito pelo de analfabeto funcional, que é um indivíduo
que, mesmo sabendo ler e escrever frases simples, não possui as habilidades
necessárias para satisfazer as demandas do seu dia a dia e se desenvolver
pessoal e profissionalmente. Pesquisas recentes conduzidas pelo Instituto
Paulo Montenegro trabalham com esse conceito (cf. www.ipm.org.br e
Ribeiro, 2004).
O Quinto Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional, divulgado em
setembro de 2005 por esse instituto, mostrou que só 26% dos brasileiros na
faixa de 15 a 64 anos de idade são plenamente alfabetizados. Desses, 53%
são mulheres, 47% são homens e 70%, jovens de até 34 anos.
Com o crescimento quantitativo das matrículas no ensino fundamental,
verificado nas últimas décadas, era de se esperar que, em poucos anos, o
percentual de brasileiros plenamente alfabetizados chegasse aos níveis
verificados em países industrializados. Mas isso não vem ocorrendo porque
a escola brasileira não tem propiciado a um grande contingente de seus
alunos efetivo acesso à cultura letrada. Desde 1990, o Ministério da
Educação vem conduzindo testes nacionais de compreensão de leitura e
habilidades matemáticas com alunos na 4ª e na 8ª séries do ensino
fundamental e na 3ª série do ensino médio, identificados pela sigla SAEB:
Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica1. As tabelas 4, 5 e 6
(Fonte: MEC/INEP) demonstram o percentual de alunos por estágio de
proficiência segundo o nível de ensino, conforme resultados do SAEB de
2003.
Tabela 4. Resultados do SAEB – 4ª série EF

Tabela 5. Resultados do SAEB - 8ª série EF

Tabela 6. Resultados do SAEB – 3ª série EM


Vemos aí que o percentual de alunos de 4ª e 8ª séries do ensino
fundamental cujo desempenho em língua portuguesa e matemática nos
testes do SAEB foi considerado adequado é muito pequeno. Esses alunos
são os que certamente vão prosseguir nos estudos até a universidade. Os
demais vão acumular deficiências no trato com a leitura, a escrita e o
cálculo, que os impedirão de ir suficientemente longe na formação escolar.
Eventualmente abandonam a escola, passando a avolumar as estatísticas dos
brasileiros que são analfabetos funcionais.
Essas deficiências no sistema escolar, que provocam repetências e
evasões, são diretamente proporcionais ao índice de desenvolvimento
humano das regiões brasileiras. Naquelas onde esse índice é mais baixo,
como as regiões Nordeste e Norte, são igualmente mais baixos os resultados
do SAEB, tanto em língua portuguesa quanto em matemática. Já sabemos
também que dois grupos de alunos no ensino fundamental obtêm os piores
resultados no teste: alunos cujos pais não são alfabetizados e alunos com
defasagem idade/série.
Esses problemas relacionados à aquisição de habilidades de letramento
são de tal magnitude e complexidade, que se recomenda que sejam
discutidos em três instâncias: nas instituições governamentais, responsáveis
pela postulação e consolidação das políticas públicas; na sociedade civil em
geral, incluindo-se aí o terceiro setor, e nas universidades e institutos de
pesquisas conduzidas em diversas áreas do saber, que podem fornecer
contribuições para a reflexão necessária.
Problemas educacionais não são um privilégio brasileiro. Muitos países
industrializados e em desenvolvimento enfrentam problemas dessa ordem.
Mas, diferentemente do que acontece no Brasil, grande parte desses países
tem considerado a solução das fragilidades dos seus sistemas educacionais
uma prioridade nacional: empreendem ações sistemáticas voltadas para o
diagnóstico dos problemas e para as propostas de soluções. Em relação às
deficiências no ensino-aprendizagem da leitura e escrita, são conhecidos
muitos exemplos dessas ações no âmbito internacional. Nos Estados
Unidos, os testes de avaliação de desempenho, iniciados na década de 1960
– National Assessment of Educational Progress, aplicados ao final da 4ª, 8ª
e 11ª séries, nas disciplinas de língua inglesa e matemática, indicaram em
1992 que 41% dos alunos da 4ª série não haviam atingido os níveis
considerados mínimos para leitura e compreensão de textos. Esses
resultados foram considerados alarmantes, e os diversos estados americanos
iniciaram políticas voltadas para a solução dos problemas identificados. Um
exemplo é a criação, pelo Congresso norte-americano, de um comitê que
envolveu parlamentares, cientistas e profissionais da educação com a
finalidade de avaliar o ensino da leitura, e que se denominou National
Reading Panel. Esse grupo, no ano 2000, reuniu quase 20 mil artigos, que
foram avaliados quanto à sua qualidade científica e colocados à disposição
de pesquisadores (McGuinness, 2006).
A Inglaterra concluiu em 1997 um relatório — National Literacy
Strategy — que apresenta uma estratégia consistente e detalhada para elevar
o desempenho dos alunos nas suas capacidades de ler e escrever. O
documento aprimorou conteúdos curriculares e apresentou projetos
pedagógicos que foram incluídos nos programas de formação de
professores. Definiu também as competências básicas que devem ser
atingidas pelos alunos de nível 1 (5-7 anos); nível 2 (7-11 anos); nível 3
(11-14 anos) e nível 4 (14-16 anos). De acordo com essas expectativas de
desempenho, o ensino formal da alfabetização naquele país tem início aos 5
anos nas chamadas “classes de recepção” e os alunos deverão estar
perfeitamente alfabetizados ao final do nível 1 (Goodwin, 1999). Na
França, as diretrizes curriculares nacionais de 2002 apresentam um quadro
de referências que devem ser seguidas por todos os professores de escolas
públicas e particulares e que definem os objetivos esperados para cada série
escolar, a partir do final da escola maternal. A aprendizagem da leitura se dá
por volta de 5 a 6 anos (Brasil, Câmara dos Deputados, Comissão de
Educação e Cultura, 2003).
Já, no Brasil, não temos visto uma política pública semelhante a essas
voltada para o letramento da população. Contudo, temos de considerar que,
a partir da última década, a divulgação dos resultados dos sistemas de
avaliação de larga escala, de âmbito nacional, como o SAEB, motivou
projetos de avaliação da aprendizagem e políticas de gestão educacional
voltadas para a solução dos problemas que foram sendo identificados.
Uma dessas iniciativas, já mencionada nesta proposta, é o projeto
Geres, responsável por uma pesquisa longitudinal, que vai acompanhar 20
mil crianças nos quatro primeiros anos do ensino fundamental Os alunos
são avaliados na 1ª e na 4ª série em língua portuguesa e matemática
(Franco, 2006). O Geres está metodologicamente alinhado a pesquisas
educacionais longitudinais desenvolvidas nos Estados Unidos e descritas no
livro Avaliação da educação básica (Bonamino et al., 2004) em que
estamos baseando as informações que se seguem. A professora Valerie Lee,
da Universidade de Michigan, distingue medidas de rendimento versus
medidas de progresso. As primeiras são conseguidas por testes de larga
escala, como o NAEP nos Estados Unidos e o SAEB no Brasil. As medidas
de progresso são obtidas por meio de testes longitudinais que, segundo Lee,
visam obter o “valor agregado do rendimento”, focalizando desigualdades
entre escolas (interescolares) e dentro das escolas (intraclasses). Sabe-se,
por exemplo, que nos Estados Unidos a variância entre escolas responde
apenas por 25% da variância dos escores em sistemas de avaliação de larga
aplicação, como o NAEP (National Assessment of Education Progress).
Com relação a instrumentos construídos para aferir a qualidade na
educação, devemos mencionar também o trabalho realizado pela ONG
Ação Educativa (www.acaoeducativa.org.), responsável pela apresentação
dos indicadores da qualidade na educação. Trata-se de uma iniciativa da
Ação Educativa, do Unicef, do PNUD, INEP/MEC e outras organizações
visando oferecer à comunidade escolar parâmetros para a avaliação de sua
qualidade. São contempladas seis dimensões, a saber: ambiente educativo;
prática pedagógica e avaliação; gestão escolar democrática; formação e
condições dos profissionais de trabalho da escola; ambiente físico escolar e
acesso e permanência dos alunos na escola.
Diversos estados brasileiros têm desenvolvido sistemas de avaliação
educacional no âmbito de projetos de gestão voltados para a melhoria da
educação. Um desses projetos é o do município de Sobral, Ceará (INEP,
2005).
Como metas, o projeto definiu a alfabetização de crianças de 6 e 7 anos
de idade; alfabetização corretiva de todos os alunos de 2ª a 6ª série que não
sabiam ler; a regularização do fluxo escolar; a redução do abandono para
menos de 5%; progressiva universalização e qualificação da educação
infantil; a reestruturação do sistema de ensino das séries terminais de ensino
fundamental e alfabetização de todos os jovens e adultos que não sabiam
ler. Com relação às mudanças na prática pedagógica, a rotina da sala de aula
passou a ser norteada por 10 princípios:
1. A criança precisa falar
2. A criança precisa agir
3. A criança precisa brincar
4. A criança precisa ter limites
5. A criança precisa trabalhar em grupo
6. A criança precisa desenhar
7. A criança precisa ouvir histórias
8. A criança precisa contar histórias
9. A criança precisa ler e escrever
10. A criança precisa ser estimulada
O sistema de avaliação instituído contemplava, entre outras variáveis, a
participação das famílias, que eram motivadas a acompanhar o trabalho
escolar, e a organização e funcionamento da escola, inclusive limpeza,
disciplina, merenda, biblioteca e segurança.

Metodologia
OBJETIVO GERAL: Como já vimos, o objetivo geral do projeto é
identificar, descrever e analisar rotinas no trabalho pedagógico, voltadas
para o desenvolvimento de habilidades linguísticas, que sejam produtivas,
isto é, que resultem na aprendizagem dos alunos, manifesta em sua fala ou
texto escrito.
OBJETIVOS ESPECÍFICOS: Os protocolos interacionais identificados
por meio de observação participante em salas de aula focalizarão rotinas
bem sucedidas voltadas principalmente para o desenvolvimento da reflexão
linguística dos alunos. A análise desses protocolos permitirá a postulação de
objetivos específicos e das asserções referentes a eles.
Listamos a seguir algumas asserções referentes a objetivos específicos
do projeto. No desenvolvimento da investigação, esse inventário de
asserções poderá ser alterado, reduzido ou ampliado, para melhor ajustar-se
às circunstâncias da pesquisa.
Exemplos de asserções relacionadas ao desenvolvimento da
consciência fonológica e do princípio alfabético:
1. A descrição explícita da relação entre sequência fônica e notação
alfabética é uma estratégia que favorece a alfabetização.
2. A ênfase na distinção de padrões sonoros em palavras e frases pode
contribuir para o processo de alfabetização.
3. A escolha de palavras e frases que são parte do universo cultural
dos alfabetizandos para o trabalho de reflexão da relação entre sons
e letras contribui para despertar o interesse do alfabetizando.
4. A análise dos “erros” na produção escrita do alfabetizando,
conduzida individualmente ou em grupo, vai permitir que os
autores do texto tomem mais consciência da relação entre padrões
sonoros e convenções ortográficas.
5. A antecipação pela professora de problemas potenciais na escrita de
um texto poderá basear-se em conhecimentos que ela detém sobre a
fonologia suprassegmental e a fonologia segmental da variedade do
português da região.
6. A identificação de problemas mais produtivos na escrita dos alunos
servirá de balizamento para o trabalho pedagógico subsequente.
7. Estratégias de andaime entre professor e alunos e entre alunos
poderão trazer benefícios para o desenvolvimento da consciência
fonológica.
8. A adoção de um diário no qual o professor registra problemas
individuais e coletivos no reconhecimento da correspondência som-
letra é uma estratégia que favorece a definição da agenda e o
planejamento das aulas.
9. Um desenvolvimento gradual do vocabulário alfabético no
repertório dos alunos é uma prática facilitadora da aprendizagem da
leitura e escrita.
10. A ênfase em rimas, aliterações e homofonias favorece a percepção
da relação som-letra.
11. A construção de um ambiente alfabetizador, incluindo mala de
livros, biblioteca, brinquedoteca, permite que a criança aprenda
brincando.
12. Atividades como teatro, jogral, jornal escolar e programas de rádio
ou vídeo favorecem a familiarização com a língua escrita.
13. Poemas e canções que promovem uma reflexão metalinguística são
recursos favoráveis para o desenvolvimento da alfabetização.
Exemplos de asserções relacionadas ao desenvolvimento da língua
oral e da participação dos alunos em sala de aula:
1. A administração do piso conversacional e das estruturas de
participação pela professora é uma estratégia favorecedora da tomada
de turnos pelos alunos.
2. As reações positivas da professora às intervenções dos alunos podem
estimular a fala e processos cognitivos de aprendizagem.
3. O processo de aprendizagem da leitura e da escrita se beneficiará de
estratégias verbais e não verbais positivas que a professora vai
empregar sempre que qualquer aluno toma a palavra para fazer
perguntas ou trazer contribuições.
4. A postura física acolhedora da professora, marcada pela posição
frontal em relação ao aluno que interveio, será interpretada por ele
como um estímulo a sua iniciativa.
5. Para munirem-se de maior confiança quanto à pertinência e à
correção de suas intervenções, os alunos tenderão a trocar ideias
entre si em voz baixa, constituindo um piso paralelo de fala, antes de
suas intervenções em voz alta.
6. As intervenções solidárias de colegas, mediante uma intervenção
inicial de um aluno, vão contribuir para que ele se sinta mais
confiante e podem desencadear maior empenho do professor em sua
ação responsiva.
Exemplos de asserções relacionadas ao desenvolvimento da escrita e
da leitura:
1. A elaboração de textos coletivos é uma boa oportunidade para a
professora chamar a atenção dos alunos sobre características
específicas dos textos orais e dos textos escritos, antes mesmo que
eles desenvolvam um grande domínio da escrita.
2. Nos relatos de experiência pessoal, a professora pode salientar a
estrutura narrativa e a organização das informações.
3. A sequência cronológica de eventos de uma narrativa pode se tornar
mais evidente com o uso de diagramas.
4. A produção de um texto de instruções, como uma receita culinária
ou a montagem de uma pipa, torna-se mais simples quando
precedida de uma demonstração das respectivas ações em sala de
aula.
5. A elaboração de cartas ou bilhetes é mais interessante quando
contextualizada em situações reais.
6. Diferenças no nível de formalidade da língua podem ser trabalhadas
nos diálogos que constam de narrativas.
7. O preenchimento de balões em histórias em quadrinho favorece a
construção de diálogos orais e escritos.
8. A prática da refacção de textos, precedida de discussão sobre
aspectos do texto que merecem revisão, torna a produção de texto
uma atividade mais espontânea e prazerosa e dá aos alunos mais
confiança.
9. A identificação de informações factuais em textos jornalísticos
contribui para o desenvolvimento de esquemas mentais.
10. A identificação de características editoriais e textuais em livros
infantis ajuda a familiarizar os alunos com esse gênero.
11. O contato com textos sociais e com objetos portadores de texto
prepara os alunos para a participação em práticas sociais letradas.
12. Perguntas do professor relativas a informações implícitas no texto
lido ajudam a desenvolver o leitor crítico.
13. A discussão sobre intertextualidade em um texto lido desenvolve
estratégias de leitura competente.
14. Paráfrases orais e escritas de textos levados à sala de aula
constituem uma estratégia producente no desenvolvimento de
habilidades de elaboração textual.
15. A construção de uma “árvore de poemas” e de painéis temáticos é
atividade prazerosa e estimuladora do trabalho com a leitura e a
escrita.
16. O hábito de consulta a dicionários e enciclopédias favorece a
ampliação do vocabulário e o domínio da ortografia.
17. O contato dos alunos com sistemas (simples) de catalogação de
livros ajuda-os a organizar informações.
18. O reconto de histórias com a alteração do narrador e ponto de vista
ajuda os alunos a trabalhar cadeias anafóricas e outros recursos de
coesão textual.

Protocolos interacionais
Vejamos agora dois exemplos de protocolos interacionais que compõem
o banco de dados do projeto. O primeiro faz parte de pesquisa original de
Rosi Valéri Corrêa Araújo, Rótulos e propagandas na alfabetização:
formam ou apenas informam?, mestrado defendido no Programa de Pós-
Graduação em Educação, FE – UnB, 2004. O segundo é parte do acervo
que está sendo montado no projeto.

1. Episódio de letramento: confecção do alfabeto


A professora (Pr) e os alfabetizandos (Cs) da primeira série iniciam a
confecção do alfabeto com as embalagens dos produtos. Todos se sentam no
chão, em círculo, colocam todas as embalagens no centro e a professora vai
perguntando. As pausas estão indicadas com +.
1. Pr: O que nós temos aqui que começa com a letrinha “A”? [A professora dá aos
alfabetizandos a oportunidade de eles próprios tomarem a iniciativa da atividade.
Observe também o uso do diminutivo (“letrinha”) que se configura como uma
estratégia de envolvimento (afetividade).]
2. Ulisses: Água, tia.
3. Pr: Vocês concordam?
[Como estratégia de ratificação do aluno como interagente legítimo e de sua
resposta acertada, a professora solicita a todo o grupo que o ratifique, o que é
feito pela resposta afirmativa do grupo:]
4. Cs: Sim.
5. Pr: Muito bem, nós temos uma garrafinha d’água. E a palavra água começa com
a letrinha…
6. Cs: “A”
[A professora começa por ratificar a participação do aluno, avaliando-a (“Muito
bem”). Em seguida constrói um andaime descrevendo verbalmente a atividade
que havia sido realizada. Dessa forma repete a palavra-chave “água”. Faz uma
pergunta retórica, deixando-a em aberto para que os alunos percebam que é o
momento de tomarem o turno e responderem. Esse é o primeiro turno de uma
sequência IRA (Iniciação, Resposta, Avaliação)]
7. Pr: Isso mesmo, então vamos colar. +++ E com a letra “B”, o que nós temos?
[A Pr avalia (A) e já inicia outra sequência de turnos, que fecha o episódio.]
8. Júlia: Bolo.
9. Pr: O que vocês acham? Bolo começa com a letrinha “B”?
10. Cs: Começa. (Diário de campo – 05/05/03)
É interessante notar que as crianças reconhecem algumas embalagens
pelo produto, como é o caso da água na letra “A”, do bolo Sol, na letra “B”;
e outras elas reconhecem pela marca, quando escolhem a cerveja SKOL, na
letra “S” ou o sabão em pó RIZZO, na letra “R”.

2. Protocolo de leitura2
A Professora (P) está trabalhando com um aluno de 6ª série (SC). Estão
lendo e comentando um capítulo do livro de história do Brasil.
1. Então vamos ah... começando aqui: (lendo) “A história do Brasil não
é um processo evolutivo e linear em direção ao progresso”. A gente
falou nisso muito depressa. O que é um processo evolutivo linear?
[A professora destaca dois itens lexicais que já haviam sido discutidos na sessão
anterior de leitura com o aluno.]
2. SC: É um processo que não tem ruptura já é...
[O aluno recupera a palavra ‘ruptura’ que havia lido na sessão anterior.]
3. P. Muito bem! Um processo que não tem rupturas, como se ele fosse
assim, direto sem rupturas, mas não é. Não é, tem sido um processo
repleto de rupturas, avanços, recuos e permanências. Então como é
que tem sido?
[A professora relembra os itens lexicais que haviam usado para comentar o
conceito de ‘ruptura’, conforme usado pelo autor do texto.]
4. SC: Vai e volta.
5. P. Vai e volta, avança, recua. Recua é o contrário de avança não é?
Cê sabe, do futebol, o jogador avança para o gol e depois?
6. SC: Recua.
7. P. Recua. Ele pode recuar de costa, mas ele pode virar pra ir lá pro,
pro ah, pro campo, volta pro campo dele pra proteger...
8. SC: O gol.
[Ao começarem a trabalhar com a comparação com o futebol, o aluno mostra ter
entendido perfeitamente o que é ‘avançar’ e ‘recuar.]
9. P. O gol. Então ah... ah... um jogo de futebol é um permanente
avanço e recuo, mas esse... eles também fazem os passes, mas o
movimento dos jogadores é de passar e recuar, né? A história do
Brasil também é… há avanços e recuos, né? Vamo ver alguns desses
avanços e recuos. E muitas rupturas também, lembra o que é
ruptura?
10. SC: É ruptura é...
11. P. Uma coisa que?
[Ao fazer a pergunta e constatar que o aluno busca as palavras adequadas para
responder, a professora demonstra o que é ‘partir ao meio’ unindo as mãos
fechadas e afastando-as rapidamente. O aluno, então, fornece a resposta
adequada.]
12. SC: Se parte no meio.
13. P. Muito bem! Uma coisa que se parte, uma coisa que rompe.
Ruptura é uma palavra parente do verbo romper, correto? Uma coisa
que rompe, que rasga, que se parte, então, houve muitas rupturas,
né? Ah... depois nós vamos voltar um pouco aqui naquele, naquele
esquema que você já fez. Que fizemos juntos. Agora então nós
vamos trabalhar essas... esses avanços e essas rupturas. Então.
Vamos (lendo) “olhando para trás e refletindo sobre o presente”. O
que nós fizemos aqui? Nós olhamos para trás e refletimos sobre o
presente, ah... observamos que mudanças ocorreram, “mas
infelizmente quantas permanências...” Permanência é o contrário de?
[ A professora mostra a relação morfológica e semântica entre o verbo ‘romper’ e
o substantivo ‘ruptura’. Tendo comentado o termo ‘ruptura, a professora agora
quer dar ênfase ao termo ‘permanências’.]
14. SC: de... permanências?
15. P. Olha que... de?
16. SC: De rupturas.
17. P. De mudanças não é? Então, esse autor está sempre usando essas
palavras, mudanças quando a... as coisas se alteram e permanência
quando as coisas?
18. SC: Continuam.
19. P. Continuam iguais, exatamente. Então ele está dizendo, quando ele
está dizendo assim: mas infelizmente quantas permanências? (...)
Que que ele diz, que que cê acha que ele está dizendo “mas
infelizmente quantas permanências”?
20. SC: Por quê...
21. P. Lembra-se da herança colonial? Era boa ou era ruim?
[A professora reaviva a memória do aluno para que ele possa fazer a inferência
corretamente, entendendo por que o autor usou o advérbio “infelizmente”.]
22. SC: Era ruim.
23. P. Era ruim. Então quando ele diz “mas infelizmente quantas
permanências” o que será que ele tem em mente?
24. SC: Que não mudaram muita coisa.
25. P. Coisas que não mudaram para?
[A professora conclui o turno com uma entoação inconclusiva, ascendente, para
que o aluno complete o enunciado.]
26. SC: (***)
27. P. Para melhor, né? Coisas que não mudaram. Me dê um exemplo aí
de uma coisa que não mudou que você aprendeu lá da herança do
Brasil colonial que não mudou muito.
28. SC: Ham...
29. P. O que você pensa?
30. SC: É...
31. P. Lembra a sociedade colonial, ela era, era o quê?
32. SC: Era... era como...
33. P. Era patriarcal.
34. SC: Era patriarcal.
35. P. Era rural.
36. SC: Rural e conservadora.
[A professora constrói andaimes que facilitem ao aluno o
entendimento da argumentação do autor.]

1 O Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB), que acontece desde 1990,
teve nova estrutura definida em 2005. Agora é composto por dois processos de avaliação
distintos: a Avaliação Nacional da Educação Básica (ANEB), que é sistêmica e aplicada
em amostra aleatória de estudantes, e a Avaliação Nacional do Rendimento Escolar
(ANRESC), mais extensa e detalhada, com foco em cada unidade escolar.
2 O livro didático de história do Brasil para a 6ª série é de autoria de Renato Mocellin, São
Paulo: Editora do Brasil, e é distribuído pelo FNDE/MEC. Trata-se da segunda edição, de
2001. A primeira edição é de 1997.
Pré-projetos de pesquisas
qualitativas

R eunimos neste capítulo vários exemplos de pré-projetos de


pesquisas qualitativas1 voltadas para o processo educacional, em
especial o trabalho pedagógico em salas de aula do ensino básico. Os pré-
projetos estão identificados pelos nomes das pesquisadoras e incluem
também alguns comentários feitos por elas antes da conclusão da pesquisa.

1° Nome da pesquisadora:
Patrícia Vieira da Silva Pereira
Objetivo central
Analisar como é desenvolvido, no ensino médio, o trabalho com textos,
que possa colaborar para o processo de letramento dos alunos.

Objetivos específicos
1. Descrever o perfil sociocultural dos alunos, a fim de conhecer o
contexto cultural no qual estão inseridos os estudantes do ensino
médio e suas práticas letradas.
2. Verificar como se dá o acesso aos textos nas diversas disciplinas
observadas.
3. Analisar quais são as estratégias adotadas pelos professores para
trabalhar com textos em sala de aula.
4. Analisar quais são os fatores que influenciam no trabalho com textos
nas duas disciplinas observadas.
5. Identificar a concepção de leitura dos professores.
Asserção geral
O trabalho com textos no ensino médio tenderá a colaborar para o
processo de letramento dos alunos sempre que as estratégias utilizadas
estiverem orientadas para a construção conjunta do conhecimento.

Subasserções
1. O contexto sociocultural dos alunos e suas práticas letradas não são
contemplados pelos professores para a elaboração das atividades em
torno do texto.
2. O acesso aos textos se limitará ao uso do livro didático como
material de leitura.
3. O trabalho com textos em sala de aula priorizará a utilização de
recursos externos nas estratégias pedagógicas. Para efeito dessa
pesquisa, estamos considerando recursos externos à organização da
turma em grupos, as dinâmicas etc. Consideramos recursos internos
as estratégias interacionais adotadas pelo professor visando à melhor
compreensão do texto pelos alunos.
4. O trabalho com textos sofre influência de fatores como: material para
leitura (uso exclusivo do livro didático, falta de recursos para cópias
de outros textos); tempo (festas, atividades extras, cumprimento do
conteúdo programático) e concepção de leitura do professor.
5. A concepção de leitura que os professores dizem ter não é a mesma
demonstrada por eles em sala de aula.

Comentários sobre as asserções


SUBASSERÇÃO 1: com a aplicação do questionário, pude entender o
perfil sociocultural desses alunos, bem como seus hábitos e práticas
letradas. Comparando esses dados com as observações das aulas, confirmei
que a realidade do aluno não é contemplada nas atividades desenvolvidas
com textos.
Por exemplo, os alunos apontaram a revista como tipo de material
impresso mais utilizado fora da escola. No entanto, em 62 aulas já
observadas, não presenciei atividades que utilizassem textos retirados de
revistas.
Outro exemplo: 82,6% dos alunos da 3ª série e 80,6% dos alunos da 1ª
série afirmaram possuir computador em casa e utilizá-lo com muita
frequência. Entretanto, os laboratórios de informática são pouco explorados.
SUBASSERÇÃO 2: No período de observação, percebi que o livro
didático ainda é o material mais utilizado em sala de aula.
Quando perguntados sobre isso em entrevista, os professores falaram
das dificuldades em obter outros tipos de texto, devido à precariedade da
escola pública. Afirmaram, também, que existe uma pressão da própria
escola para que se utilizem os livros didáticos, devido ao fato de terem sido
comprados pelos pais dos alunos.
No questionário aplicado aos alunos, grande parte das respostas mostrou
que as atividades de leitura estão direcionadas para o uso do livro didático
em sala.
SUBASSERÇÃO 3: Durante as observações das aulas, constatei que os
professores utilizam mais recursos externos que internos no trabalho com os
textos.
Tanto nos questionários respondidos quanto nas entrevistas, os
professores manifestaram entender as atividades em grupo como estratégias
eficientes para o trabalho com textos.
No questionário dos alunos, as respostas confirmam que essas
estratégias são as mais frequentes em sala. No entanto, muitos alunos
manifestaram descontentamento e reivindicaram aulas mais atrativas, maior
explicação por parte dos professores e o uso de outros materiais de leitura.
SUBASSERÇÃO 4: Pelo que pude perceber até agora, o trabalho com o
texto poderia ser diferente, mas alguns fatores têm contribuído para que as
atividades não ultrapassem a mera reprodução de um ensino de leitura
tradicional, onde o texto é apenas um pretexto para outros fins. Entre esses
fatores, que foram apontados pelos docentes nas entrevistas, está,
principalmente, a dificuldade em se levar para a sala de aula outros
materiais de leitura: não há papel para fotocopiar textos, a máquina de tirar
cópias está estragada etc. Além disso, um dos professores afirma que existe
certa pressão por parte da escola, e até dos estudantes, para que se utilize o
livro didático.
Outro aspecto importante para a confirmação dessa asserção diz
respeito ao tempo disponível para a leitura. Muitas foram as atividades que
“ocuparam” o lugar das aulas “normais”, contribuindo assim para que
houvesse uma necessidade de se efetuar um trabalho mais rápido, a fim de
que o programa curricular fosse cumprido. Desse modo, a leitura ficou em
segundo plano.
Com relação à concepção de leitura, ainda não tenho uma formulação
concreta, mas posso afirmar que dois dos professores, em entrevista
gravada, mencionaram a leitura como algo “muito importante, sério” e
“como algo prazeroso”. Apesar disso, verifiquei que o trabalho de leitura
realizado por eles não tem essa dimensão.
Esses professores identificaram, ainda, seus alunos como “leitores que
apresentam muitas dificuldades em compreender o que leem”. Todavia, não
presenciei aulas em que fossem desenvolvidas atividades visando sanar, ou
pelo menos reduzir, essa deficiência.

Dificuldades encontradas
1. Substituição de um dos professores colaboradores da pesquisa
2. Observações não realizadas por motivos tais como: comemoração do
aniversário da escola, manifestações estudantis, aplicação de
provas/testes para professores de outras disciplinas, aplicação de
provas bimestrais, troca de horário das aulas, compactação do horário
das aulas devido à realização da Copa do Mundo, problemas de
saúde da pesquisadora;
3. Equipamento para gravação das aulas: o gravador utilizado não
captou, muitas vezes, a fala dos sujeitos colaboradores;
4. Motivação/inexperiência da pesquisadora: no momento em que
percebi que o trabalho de interação professor-aluno para a
compreensão textual era pouco frequente nessas aulas, fiquei
totalmente desmotivada com a pesquisa, muitas vezes achando que
não conseguiria atingir meus objetivos. Essa falta de motivação
também contribuiu para que eu não percebesse outros aspectos
relevantes para a elucidação da problemática. Ou seja, por que
motivo o trabalho com o texto não acontece? Por que o professor não
assume a responsabilidade pelo trabalho de leitura em suas aulas?
Compreendi, então, que estava à procura de algo que, segundo a
perspectiva adotada neste trabalho, julgo ser o melhor a ser feito a fim de
que possamos contribuir para o processo de letramento dos alunos e, com
essa atitude, não enxergava aquilo que realmente acontecia.

2° Nome da pesquisadora:
Miliane Nogueira Magalhães Benício
Questão de pesquisa
Como se processa a inter-relação entre conhecimentos escolares
sistematizados e práticas sociais cotidianas para dois adultos envolvidos em
um processo de alfabetização-letramento: alfabetizadora e alfabetizando?

Objetivo geral
Analisar como o alfabetizando adulto e a alfabetizadora trabalham o
conjunto de saberes organizados e ensinados pela escola e as práticas
cotidianas de oralidade e letramento.

Objetivos específicos
1. Analisar como as práticas sociais dos atores se reconfiguram ao
longo do processo de apropriação e usos de saberes escolares
sistematizados.
2. Analisar a interação coconstruída pelos atores, com base em seus
papéis sociais e no alinhamento mútuo que assumem em cada
instante, no processo de construção de inter-relações entre
conhecimentos escolares sistematizados e práticas cotidianas de
oralidade e letramento.
3. Identificar as concepções e percepções dos atores sobre a leitura e a
escrita ao longo do processo de alfabetização-letramento.

Asserção geral
As inter-relações entre conhecimentos escolares sistematizados e
práticas cotidianas de oralidade e letramento reconfiguram a prática dos
atores envolvidos no processo de alfabetização-letramento.

Subasserções
1. As necessidades e os usos cotidianos da escrita favorecem o processo
de mediação entre conhecimentos sistematizados e práticas sociais.
2. Os atores envolvidos no processo de alfabetização-letramento
recorrem a diferentes saberes (de mundo, escolares, da língua
materna, matemáticos...) para construir inter-relações entre
conhecimentos sistematizados e práticas sociais.
3. A interação coconstruída pelos atores, com base em seus papéis
sociais e no alinhamento mútuo que assumem a cada instante, pode
contribuir ou dificultar a construção de inter-relações entre
conhecimentos sistematizados e práticas sociais.
4. As representações dos atores sobre o que seja a escrita e a leitura
estão mais alinhadas com uma concepção tradicional de ensino,
centrada na memorização e repetição.

Problemas enfrentados
1. Problemas com equipamentos: notebook, gravador digital e gravador
de fita, todos apresentaram algum problema, obrigando a procura de
assistência técnica, acionamento do PROCON ou mesmo aquisição
de novo aparelho.
2. Problemas na coleta de dados: problemas de saúde do colaborador de
pesquisa e de sua família nos obrigaram a uma pausa considerável.
3. Problemas de mudanças e/ou delineamento: houve necessidade de
uma revisão da questão e do objeto de pesquisa, que passaram por
reformulações com base na experiência adquirida no trabalho de
campo.

3° Nome da pesquisadora:
Isabela de Freitas Villas Boas
Objetivos da pesquisa
O objetivo deste estudo é investigar o processo de formação de
produtores de texto em língua inglesa, segundo a abordagem
sociointeracionista de ensino da escrita e relacioná-lo ao processo de
formação desses mesmos escritores na disciplina de língua portuguesa
lecionada em sua escola regular. O objetivo é descrever as abordagens e
metodologias de ensino adotadas nos dois contextos, bem como observar
como o professor interpreta essas diretrizes de ensino e as aplica em sala de
aula. Para a consecução desse objetivo, é necessário analisar de que forma
os alunos lidam com esses dois contextos de aprendizagem, verificando se
há uma interseção entre os processos de aprendizagem nos dois contextos.
Essa intersecção pode levar o aluno a desenvolver sua competência
comunicativa textual escrita de forma geral, independentemente da língua,
por meio da aprendizagem de estratégias eficazes para a elaboração de
textos, tais como o planejamento da escrita, a obtenção e incorporação de
feedback de colegas e do professor, a reescrita e a reflexão a respeito dos
resultados obtidos.

Pergunta de pesquisa
Qual é o papel da prática de redação em língua inglesa no
desenvolvimento do letramento do aluno?
Essa pergunta principal pode ser desdobrada em várias perguntas
específicas:
1. Quais são as características da cultura de letramento da escola de
inglês?
2. E da escola regular?
3. Quais são as interseções entre essas duas culturas e quais são as
divergências?
4. Quais são as dificuldades encontradas nos dois contextos?
5. De que forma as práticas de ensino de redação na escola regular
influenciam o trabalho realizado na escola de inglês e vice-versa?
6. Como o professor de inglês interpreta e põe em prática a abordagem
e a metodologia de ensino da escrita adotada pela escola de inglês?
7. E o professor de redação na escola regular?
8. Como os alunos apreendem e utilizam as estratégias metacognitivas
que podem auxiliá-los no processo de elaboração de textos escritos e
que são trabalhadas por alguns professores no curso de inglês:
planejamento da escrita, revisão em pares, reescrita com a
incorporação do feedback, avaliação do professor por meio de
descritores de desempenho?
9. Os alunos utilizam o conhecimento adquirido no curso de inglês na
sua escrita em língua materna e vice-versa?
10. É possível estabelecer uma ponte entre esses dois contextos de ensino
de forma que o ensino de inglês possa contribuir mais para o
processo de desenvolvimento da escrita em geral?
11. O conhecimento sobre o ensino da escrita em língua inglesa, tanto
como língua materna quanto como língua estrangeira, e a
metodologia usada têm a contribuir para o aperfeiçoamento do ensino
de redação em português?

Asserção geral
A prática de produção de texto em língua inglesa tem potencial para
contribuir para o desenvolvimento do letramento do estudante.

Subasserções
1. A prática de redação na escola regular enfoca basicamente o produto,
e não o processo. Assim sendo, não há reescrita, não há revisão em
pares e não há feedback detalhado a respeito de todos os aspectos
envolvidos na produção do texto.
2. Os professores da escola de inglês têm dificuldades em seguir todos
os preceitos da abordagem de ensino da escrita que enfoca o
processo. Várias razões podem contribuir para isso:
a dissonância desse trabalho com o que é realizado na escola, o que
torna os alunos relutantes.
a falta de conexão entre essa prática de letramento do aluno e suas
outras práticas de letramento, o que faz com que o trabalho
realizado não seja significativo para o aluno.
a ausência de experiências com a escrita como um processo e de
aulas explícitas sobre o ensino de redação nos cursos de letras.
3. A prática de redação na escola regular enfoca o uso da gramática
mais do que a coerência e a coesão do texto.
4. O aluno adolescente entende a importância de praticar redação em
língua inglesa, mas se sente inseguro em fazê-lo quando o professor
não lhe proporciona os andaimes necessários para a realização da
tarefa. O mesmo acontece com a prática de redação em língua
materna.
5. Alguns alunos utilizam as estratégias aprendidas na escola de inglês
na elaboração de textos em português. Outros não. Isso depende do
estilo de aprendizagem do aluno e de seu envolvimento com a
escrita, isto é, de sua cultura de letramento.
À medida que a pesquisa for se desenrolando, outras subasserções
poderão ser geradas.
Análise de dados
Os seguintes procedimentos de coleta de dados serão usados:
1. Preliminarmente, numa primeira fase exploratória, um survey entre
todos os alunos do nível intermediário na faixa etária escolhida e
entre todos os professores desse nível para averiguar sua percepção
do ensino da escrita na escola de inglês e em suas escolas regulares.
O resultado desse survey gerará dados quantitativos que mostrarão o
que pensam, de forma geral, os alunos, comparáveis entre si por
estarem participando da mesma experiência de aprendizagem da
escrita, e também o que pensam os professores, que também são
comparáveis entre si, pois compartilham da mesma experiência
pedagógica. No entanto, no intuito de compreender melhor algumas
conclusões apresentadas no survey, isto é, as especificidades do
fenômeno, serão conduzidas entrevistas semiestruturadas com um
grupo de alunos e professores. Essa primeira fase exploratória será de
fundamental importância para a definição de procedimentos na etapa
principal, a observação participante. Com os dados dessa etapa
exploratória, será possível tornar a observação participante um
processo de coleta de dados mais deliberado, já guiado pelos dados
anteriormente apresentados.
2. A observação participante será o método principal de coleta de dados
e o que definirá o uso dos outros métodos, que acontecerá durante o
período de um ano nas aulas que envolverem o ensino da escrita,
desde o planejamento para a escrita até o retorno das redações com a
avaliação do professor.
3. Gravação das interações entre os sujeitos de pesquisa em eventos de
interação em pares sobre os textos produzidos (revisão em pares)
para a posterior transcrição e análise sociolinguística interacionista
dos modos de participação dos estudantes ao longo do tempo.
Especial atenção será dada à possível aquisição gradual da
metalinguagem usada em redações, tal como “coerência”, “coesão”,
“introdução”, “marcadores de discurso” etc. O foco principal será a
comparação entre a primeira atividade de revisão em pares no ano
letivo, quando os alunos ainda não estarão familiarizados com esse
tipo de atividade, e uma atividade de revisão em pares conduzida ao
final de um ano, quando essa rotina de trabalho já estará bastante
presente no dia a dia da sala de aula e os andaimes para sua execução
já terão sido oferecidos pelo professor. Espera-se que, ao final de um
ano,
os modos de participação dos alunos se modifiquem, isto é, que eles
passem a falar com mais desenvoltura sobre o texto do colega;
os alunos incorporem em sua fala a metalinguagem da redação,
utilizando termos tais como: conteúdo, organização, marcadores de
discurso etc.;
os alunos não fiquem mais tão inibidos ao criticar algum aspecto do
texto do colega; nesse caso, interessa-nos analisar quais os recursos
que o aluno usa para salvar sua face diante de uma situação de fazer
uma crítica, por um lado, e receber a crítica, por outro;
os alunos utilizem­se menos de adjetivos, tais como “sua introdução
está boa” ou termos vagos, tais como “eu gostei da sua introdução”
e passem a utilizar termos mais factuais, tais como “sua introdução
cumpre bem seu papel porque...”.
4. Entrevistas orientadas com os alunos da turma. Elas poderão
acontecer pessoalmente ou via internet. Nesse tipo de entrevista, o
entrevistador focaliza sua atenção em uma experiência dada e seus
efeitos. Ao final de cada processo de elaboração de uma redação, um
ciclo de entrevistas será realizado.
5. Análise das redações dos alunos, tanto em inglês, quanto em
português com o objetivo de identificar transferências de
aprendizagem ou dificuldades, bem como identificar a incorporação
das sugestões oferecidas pelos pares ou pelo professor.
6. Entrevistas orientadas com os professores de redação das escolas
regulares dos alunos da turma escolhidos como sujeitos de estudo.
7. Análise documental do currículo dos principais cursos de letras, para
verificar que tipo de experiências esses professores tiveram na
universidade com relação ao ensino da redação.
8. O diário de pesquisa, que é um registro cotidiano dos acontecimentos
observados, como atividades desenvolvidas, conversas, rotinas
diárias no grupo estudado, manifestações de comportamento etc.
Esses dados, coletados de acordo com as diversas metodologias
descritas acima, precisarão, em seguida, ser triangulados com o objetivo de
confirmar ou desconfirmar cada asserção.

Dificuldades antevistas
1. Acesso aos professores de redação das escolas particulares
escolhidas.
2. Acesso aos alunos fora do horário de aula.

4° Nome da pesquisadora:
Márcia Regina Alves Gondim
Questão central de pesquisa
Um trabalho de mediação entre os saberes da oralidade e da escrita pode
despertar nas crianças o desenvolvimento da consciência fonológica,
levando-as a desenvolver suas capacidades de produção escrita e a ampliar
suas competências comunicativas?

Outras questões de pesquisa


1. Como o espaço da sala de aula pode tornar-se um ambiente
alfabetizador na construção das competências oral e escrita?
2. Qual a relação entre os saberes da oralidade e a construção da
escrita?
3. Como ocorre a mediação para o desenvolvimento da consciência
fonológica das crianças em classes de alfabetização?
4. O desenvolvimento das habilidades de leitura e de escrita guarda
relação direta com um método de alfabetização?

Objetivo geral
Analisar, em uma classe de alfabetização de crianças, como é realizado
o trabalho de mediação entre os saberes da oralidade e a construção da
escrita, trabalho que desperta a consciência fonológica dos alunos para que
possam desenvolver suas capacidades de produção escrita.

Objetivos específicos
1. Observar como o espaço da sala de aula pode tornar-se um ambiente
alfabetizador na construção das competências oral e escrita.
2. Analisar a relação entre os saberes da oralidade e da escrita.
3. Verificar como ocorre a mediação para o desenvolvimento da
consciência fonológica das crianças em classes de alfabetização.
4. Observar se o desenvolvimento das habilidades de leitura e de escrita
guarda relação direta com um método de alfabetização.

Asserção geral
Um trabalho de mediação entre os saberes da oralidade e da escrita pode
despertar, nas crianças alfabetizandas, uma consciência fonológica capaz de
levá-las a compreender a transição da língua oral para a língua escrita.

Subasserções
1. A sala de aula pode tornar-se um ambiente alfabetizador capaz de
levar as crianças a desenvolverem as competências comunicativas
nas modalidades oral e escrita.
2. Um trabalho de mediação com características interventivas pode
despertar a consciência fonológica das crianças, levando-as à
reflexão sobre sua língua oral e escrita.
3. O desenvolvimento da consciência fonológica pode levar a criança à
compreensão da transição entre língua oral e língua escrita.
4. A conquista das habilidades de leitura e escrita não está vinculada
apenas a um método específico de alfabetização.

Dificuldades encontradas
O projeto previa o trabalho em duas classes de alfabetização. Mas por
dificuldades de horário com uma das professoras, não foi possível incluir
sua classe. Outro fator relevante foi meu envolvimento emocional com a
turma observada, pelo fato de eu ter sido professora na escola.

5° Nome da pesquisadora:
Claudia Heloisa Schmeiske da Silva
Questões de pesquisa
1. Quais são as dificuldades encontradas pelos alunos para responder às
questões da Prova Brasil 2005?
2. De que maneira o professor trabalha a leitura em sala de aula?
3. Como a escola contempla a questão do ensino de leitura no seu
projeto pedagógico?

Objetivo geral
Analisar a compreensão que alunos de 4ª série de escolas no DF
demonstram ter de questões constantes da Prova Brasil 2005, considerando-
se os descritores subjacentes à postulação daquelas questões.

Objetivos específicos
1. Analisar as reflexões verbalizadas dos alunos relativas a seu processo
de compreensão das referidas questões, por meio de protocolos
verbais.
2. Analisar a prática pedagógica de um professor de 4ª série do ensino
fundamental em relação ao ensino da leitura.
3. Analisar em que medida a escola contempla projetos de leitura no seu
projeto político e pedagógico

Asserções
1. Os alunos de 4ª série do ensino fundamental têm um mau
desempenho na avaliação da Prova Brasil porque não entendem os
comandos das questões, que contenham palavras e expressões
desconhecidas.
2. Os alunos têm mau desempenho na avaliação da Prova Brasil porque
as questões de compreensão de texto pressupõem conhecimentos de
mundo que os alunos não detêm.
3. Auxiliados pela pesquisadora, por meio de processos de andaime, os
alunos conseguirão resolver as questões da Prova Brasil que não
conseguiram resolver sozinhos.
4. O processo bem sucedido de andaime construído pela pesquisadora
permitirá a proposição de estratégias de interação professor-aluno em
atividades de leitura.
5. Os professores não adotam estratégias adequadas para o ensino de
leitura em sala de aula.
6. As estratégias de leitura adotadas pelos professores não preparam os
alunos para atender às exigências dos teste de compreensão textual
da Prova Brasil.
7. As escolas não contemplam em seu projeto político pedagógico
projeto de leitura atualizado.

6° Nome da pesquisadora:
Ana Dilma de Almeida Pereira
Pergunta exploratória
Será que o processo de formação (inicial e/ou continuada) de
professores da educação básica tem-se beneficiado das contribuições da
(socio)linguística, de modo a operar mudanças significativas na educação
em língua materna?

Objetivo geral
Investigar as contribuições da (socio)linguística no processo de
formação (inicial e/ou continuada) de professores da educação básica.

Objetivos específicos
1. Observar em que medida a formação acadêmica do professor
universitário e do tutor de cursos de educação continuada, na
graduação e na pós-graduação, interfere nas escolhas dos
conhecimentos (socio)linguísticos a ser desenvolvidos nos cursos de
formação.
2. Verificar como os responsáveis pelo processo de formação de
professores da educação básica (professor universitário e tutor)
reconhecem a importância dos conhecimentos (socio)linguísticos,
ampliam suas concepções e modificam sua agenda na formação de
professores na área de linguagem.
3. Observar as teorias linguísticas que têm influenciado os cursos de
formação (inicial e/ou continuada) de professores da educação básica
e contribuído para a melhoria da educação em língua materna.

Asserção geral
O processo de formação (inicial e/ou continuada) de professores da
educação básica se beneficiará das contribuições da (socio) linguística de
modo a operar mudanças significativas na educação em língua materna.

Subasserções
1. A formação acadêmica do professor universitário e do tutor de cursos
de educação continuada, na graduação e pós-graduação, vai interferir
nas escolhas dos conhecimentos (socio)linguísticos a ser
desenvolvidos nos cursos de formação.
2. Os conhecimentos (socio)linguísticos advindos das pesquisas mais
atuais sobre a educação em língua materna alteram as ações do
professor universitário e do tutor na formação de professores da
educação básica.
3. Os estudos sociolinguísticos, os estudos de letramento e a etnografia
contribuirão para os cursos de formação (inicial e/ou continuada) de
professores da educação básica e para a melhoria da educação em
língua materna.

Coleta de dados
Os instrumentos de pesquisa compreendem:
1. observação participante com constituição de diários de campo;
2. entrevistas;
3. coleta de material documental;
4. fotos;
5. gravações em áudio;
6. gravações em vídeo;
7. interação via e-mail.

Problemas enfrentados durante a pesquisa


Até o momento, já realizei minha investigação em contextos de
formação inicial e continuada. Os colaboradores da pesquisa mostraram-se
acessíveis desde o início da investigação. Durante o processo de pesquisa
no contexto de formação inicial, ainda não estava liberada de minhas
atividades profissionais, por isso tive algumas dificuldades, especialmente
no que se refere ao tempo para coleta, organização e análise dos dados,
considerando que a pesquisa etnográfica colaborativa exige que os dados
sejam frequentemente revisitados com os colaboradores de pesquisa e,
dessa forma, os objetivos sejam revistos e as asserções sejam ajustadas ou
não, ou mesmo sejam formuladas novas asserções. Foi a partir de um
processo de indução analítica que verifiquei a necessidade de realizar a
pesquisa etnográfica também em contextos de formação continuada, pois a
princípio só iria investigar contextos de formação inicial.

7° Nome da pesquisadora: Celina Cassal Josetti


Questões de pesquisa
1. Por que contribuições dos estudos da linguagem, tais como a
sociolinguística educacional, a análise do discurso, a teoria da
gramática aplicada ao processo de aprendizagem de deficientes
auditivos, entre outras, com vasta produção acadêmica, são menos
conhecidos na sociedade que as crenças formuladas nas gramáticas
normativas?
2. Qual seria a contribuição específica da sociolinguística educacional
na compreensão do problema histórico da alfabetização no Brasil?
3. Por que o pensamento pedagógico brasileiro revela uma
compreensão dialética da sociedade e, por outro lado, a práxis
pedagógica em nossas escolas ainda encontra vestígios daquela
praticada pelos jesuítas no Brasil colonial?
4. Quais são os pressupostos epistemológicos dos projetos de
alfabetização, letramento e leiturização?
5. Por que antigamente o aluno aprendia na escola pública e hoje isso
não ocorre satisfatoriamente?
6. O que ocorre em uma escola pública que gravita no entorno da
capital do Brasil, que é um emblema de modernidade?
7. O que é a aula de leitura em classes de 6ª série dessa escola de
periferia?

Asserção geral
A compreensão do projeto de modernidade, à luz da sociolinguística
educacional, instaurará o necessário diálogo entre o passado e o presente, o
que contribuirá para esclarecer o problema histórico da alfabetização no
Brasil.

Objetivo geral
Avaliar o projeto de modernidade legado ao Brasil pelos colonizadores,
a partir de seus pressupostos históricos e epistemológicos,
contextualizando-o na configuração da sociedade brasileira, notadamente
em uma escola situada no entorno do Distrito Federal, verificando se essa
proposta se concretiza ou malogra, uma vez que a alfabetização referenda a
ideia de progresso nas modernas sociedades letradas.

Subasserções
1. Compreender os projetos educacionais jesuítico, iluminista e
tecnicista explicará as práticas presentes em nossa escola na
contemporaneidade.
2. Reconstruir a história da educação pela memória de seus ex-
estudantes propiciará uma nova compreensão sobre as práticas
pedagógicas.
3. Empreender etnografia colaborativa numa escola que está situada no
entorno da capital, que é símbolo de modernidade, contribuirá para a
elucidação da hipótese da colisão entre o arcaico e o moderno na
educação brasileira.

Objetivos específicos
1. Investigar o projeto educacional jesuítico.
2. Investigar o projeto educacional proposto pelo Iluminismo.
3. Investigar o projeto educacional tecnicista.
4. Situar a trajetória desses três projetos na educação brasileira.
5. Reconstruir uma memória da escola brasileira dos anos 1930, 1940 e
1950 a partir da coleta de dados categorizados em cartas produzidas
por indivíduos alfabetizados naquelas décadas nos grandes centros
hegemônicos do país.
6. Examinar os pressupostos epistemológicos dos projetos de (1)
alfabetização, (2) letramento e (3) leiturização.
7. Contextualizar historicamente esses três projetos.
8. Observar, registrar e identificar práticas pedagógicas norteadas por
esses projetos.

8° Nome da pesquisadora:
Maria Aparecida Lopes Rossi
Questões de pesquisa
Se os sentidos de um texto derivam não só da sua materialidade, mas
das relações que ele mantém com quem o produz, com o leitor e com os
outros textos com os quais intertextualiza, indagamos:
1. Na sala de aula, esses sentidos serão os mesmos?
2. Uma vez transformado em um objeto escolar, um texto mantém as
mesmas características sociocomunicativas que detinha antes de sua
entrada na escola?
3. Quais são as transformações sofridas pelo texto nesse processo de
escolarização, quando acontece a passagem de uma instância
discursiva para outra, tanto no que se refere ao sentido como às
propriedades sociocomunicativas?
4. Quais são os objetos que vão portar os textos levados para a sala de
aula, e qual a interferência desses nas práticas escolares de leitura?

Objetivos
1. Fazer um estudo sobre os gêneros textuais que são apropriados pela
escola para o ensino da leitura e as transformações percebidas nos
textos no processo de escolarização.
2. Identificar os gêneros de texto que são apropriados pelas práticas
escolares, no sentido de perceber que modalidades do discurso são
consideradas adequadas para o ensino da língua, verificando as que
são elevadas à condição de modelares e ideais para esse ensino.
3. Perceber se nesse processo de escolarização o texto mantém as
mesmas propriedades sociodiscursivas e as características de gênero
que detinha originalmente, analisando os suportes de textos que são
levados para a sala de aula e as atividades de retextualização
propostas para os diferentes gêneros.
4. Perceber as relações entre os eventos e práticas de letramento
observados na sociedade e os que se encontram nas práticas
escolares, comparando, por exemplo, como um mesmo material
escrito é interpretado na vida cotidiana e na escola, quando é
transformado em objeto de ensino.

Asserção geral
Os textos no seu processo de escolarização passam por transformações,
tanto no que se refere à sua materialidade (suporte) quanto a seus
significados. Assim, ao entrar na esfera escolar, um texto é reconstruído e
perde e ganha traços que podem ser reveladores dos processos sociais que
nessa esfera se realizam.

Dificuldades antevistas
Acredito que uma das dificuldades possíveis é encontrar um número
considerável de textos levados para o professor para a sala de aula que
ainda não tenham passado pelo processo de didatização conferido pelo livro
didático.

9° Nome da pesquisadora:
Maria Alice Fernandes de Sousa
Questões de pesquisa
1. Que contribuições a sociolinguística educacional pode dar à
formação dos professores alfabetizadores de jovens e adultos?
2. O conhecimento, por parte dos professores alfabetizadores de jovens
e adultos, dos saberes da oralidade dos alunos contribui para o
desenvolvimento de estratégias facilitadoras da aquisição de
habilidades de leitura e escrita desses alunos?
3. Que mudanças podem ocorrer na postura pedagógica do
alfabetizador de jovens e adultos ao trabalhar com os conhecimentos
da sociolinguística?

Objetivo geral
Analisar em que medida os conhecimentos de fundamentos da
sociolinguística, por parte do professor alfabetizador de jovens e adultos,
contribui para o desenvolvimento de estratégias facilitadoras da
aprendizagem da leitura e escrita escolar.

Objetivos específicos
1. Verificar se a formação do professor alfabetizador de jovens e adultos
contemplou fundamentos da sociolinguística.
2. Analisar saberes de oralidade de estudantes de uma classe de
alfabetização de jovens e adultos.

Asserção geral
Conhecer os fundamentos da sociolinguística contribui para o
desenvolvimento de estratégias facilitadoras da aprendizagem da leitura e
escrita escolar por parte do professor alfabetizador de jovens e adultos.

Possíveis dificuldades
Antevejo uma dificuldade que poderá ser a duração da pesquisa de
campo. Pretendo fazer uma etnografia colaborativa, e essa abordagem de
pesquisa requer um período prolongado de campo (um ano, imagino para
esse caso) e as turmas de alfabetização de EJA têm uma duração de período
letivo quase sempre inferior a seis meses. Imagino que terei de buscar uma
saída para essa situação, talvez levando em consideração também a pós-
alfabetização. Assim poderei acompanhar a mesma turma. Outro problema
é que possivelmente a professora na etapa da pós-alfabetização seja outra.

1 Todos estes pré-projetos já foram desenvolvidos na forma de teses de doutorado e


dissertações de mestrado.
O paradigma de redes sociais
para a análise qualitativa

E ste capítulo discute o modelo de redes aplicado à pesquisa social


e sociolinguística1. A análise de rede, em sentido amplo, é o estudo
das relações existentes em qualquer sistema. Quando se trata de sistemas
sociais, essa análise é uma estratégia estrutural que pesquisa as relações
entre os indivíduos que formam um grupo. Nessa perspectiva, as relações
interindividuais se tornam mais importantes que os atributos dos indivíduos.
Pode-se definir uma rede social como o conjunto de vínculos entre os
membros de um grupo. Para Guimarães (1970), o reconhecimento do
paradigma de redes como uma ferramenta efetiva na análise social está
relacionado à mudança da ênfase científica, de uma visão monista, do
indivíduo isoladamente, para as relações entre indivíduos.
Inicialmente, o conceito de rede social era usado somente em sentido
metafórico, mas, na primeira metade do século XX, pesquisadores ligados a
diferentes disciplinas desenvolveram metodologias que o
operacionalizaram. Entre essas metodologias, dois modelos merecem
destaque: o empregado nos estudos de psicologia e o difundido na tradição
sociológica e da antropologia social.
O primeiro atendeu a pesquisadores que trabalhavam em condições
experimentais com grupos artificialmente construídos. Nesses trabalhos, a
ênfase era o estudo da relação diádica, com o objetivo de analisar liderança,
escolhas de amizades e parcerias, fluxo de informação etc.
Já o segundo modelo, empregado principalmente em pesquisas
qualitativas, tem sido especialmente aliado à observação participante em
comunidades reais e emprega a técnica de nomeação ou sociometria, isto é,
questionários em que os indivíduos apontam seus interlocutores mais
frequentes. Em uma sala de aula, por exemplo, pode-se usar a técnica de
sociometria para identificar as escolhas e as rejeições dos alunos entre si. A
técnica pode incluir um conjunto de questões referentes a tópicos e
frequência na interação, mas pode restringir-se a uma única pergunta do
tipo: “Quem são seus três melhores amigos no grupo X?”.
Dados sociométricos podem ser representados por meio de matrizes ou
sociogramas como os seguintes, que representam as relações
interindividuais em um grupo de quatro pessoas. No sociograma (figura 7),
as setas indicam as escolhas preferenciais de amigos que os indivíduos
fizeram. Essas mesmas indicações podem ser representadas em uma matriz
binária (figura 8), em que zero (0) indica a ausência de vínculo e um (1) a
presença de vínculo.

Figura 7. Modelo de sociograma


Figura 8. Modelo de matriz

Os dados sociométricos dispostos em matrizes podem ser trabalhados


com técnicas estatísticas, mais empregadas em pesquisas quantitativas. Mas
pesquisas qualitativas também podem se beneficiar das informações
derivadas das análises de rede, mais propriamente do componente
normativo que se constitui em decorrência dos vínculos entre os indivíduos.
Esse componente normativo está associado às expectativas que as pessoas
têm umas em relação às outras. Para entender isso melhor, vamo-nos valer
de dois conceitos do modelo da análise de redes: densidade e
multiplexidade. Uma comunidade em que praticamente todo mundo
conhece todo mundo constitui uma rede de alta densidade. Esse tipo de rede
tende também a apresentar um alto grau de multiplexidade, ou seja, as
pessoas se relacionam entre si em várias capacidades. Por exemplo, dois
indivíduos — pai e filho — também são companheiros de trabalho,
compadres, vizinhos etc.
As comunidades tradicionais, como vilas rurais ou bairros urbanos de
periferia, tendem a sistemas densos e multiplex2. Comunidades urbanas
mais afluentes apresentam redes menos densas e uniplex. Os membros de
comunidades tradicionais tendem a ter comportamentos mais homogêneos e
há mais vigilância mútua. Podemos dizer então que, nessas comunidades,
há maior pressão normativa favorecendo o consenso e atitudes mais
homogêneas. Os desvios são mais percebidos e sofrem sanções sociais.
O adágio popular “dize-me com quem andas e eu te direi quem és” é
revelador da força explanatória da análise de redes, pois quando se examina
a rede social de uma pessoa, acaba-se por descobrir muito sobre essa
pessoa. Cabe observar ainda que, em comunidades de baixa densidade e
predomínio de vínculos uniplex, as pessoas assumem uma maior gama de
papéis sociais. Por exemplo, um indivíduo pode exercer múltiplos papéis:
pai, marido, treinador do time juvenil de futebol, comerciante, fiel em sua
igreja, vereador etc. Já nas comunidades de alta densidade (moral) e
multiplexidade, as pessoas tendem a ter uma gama menor de papéis sociais.
A figura 9 faz um sumário dessas características:

Sociedades
Características Modernas Tradicionais
Multiplexidade Baixa Alta
Densidade (moral) Baixa Alta
Variedade de papéis Alta Baixa
sociais
Figura 9. Características das redes sociais em sociedades tradicionais e modernas

A análise de redes sociais é um instrumento poderoso para explicar


características socioculturais e sociolinguísticas de um grupo social. Como
mostra a figura 10, examinando-se a densidade e a multiplexidade de
determinado sistema, pode-se saber se os membros desse sistema estão mais
propensos ou mais resistentes a inovações, tais como, mudanças culturais,
inovações linguísticas e alterações de hábitos. A análise permite identificar,
por exemplo, se um grupo tende a preservar seus modos de falar
tradicionais ou a assimilar novas formas linguísticas de maior prestígio.
Figura 10. Relação entre a morfologia das redes sociais e tendência a mudanças

Podemos usar a análise de redes para pesquisar diversos tipos de


comunidades. Quando essas comunidades ou grupos tiverem limites bem
definidos, conhecidos a priori, o pesquisador pode optar por identificar
todos os vínculos existentes ou por eleger um indivíduo ou um grupo
nuclear, tomando-os como um ponto de ancoragem, e traçar a rede a partir
desse ponto. Podem-se fazer essas pesquisas com a comunidade de um
colégio, de um hospital, de um grupo de moradores de rua etc.
Quando a comunidade está inserida numa outra maior e seus limites não
são claramente estabelecidos (um bairro de uma cidade, por exemplo), o
pesquisador pode optar por trabalhar com uma amostra de julgamento,
definida pelo método da “bola de neve”: ele começa a pesquisa com um
indivíduo ou com um grupo e, através de indicações sociométricas,
encontra seus interlocutores de primeira ordem (ligados diretamente a eles)
e depois os de segunda ordem (interlocutores de seus interlocutores) e assim
sucessivamente, até que entenda que já dispõe de uma amostra
representativa da comunidade para os fins daquela pesquisa.
Vejamos um exemplo da aplicação da pesquisa de redes sociais na
análise sociolinguística de uma comunidade de migrantes de origem rural
radicados em área urbana (Bortoni-Ricardo, 1985).
O objetivo da pesquisa era descrever o modo de vida e os modos de
falar do grupo de migrantes originários de área rural do noroeste de Minas
Gerais e radicados em uma cidade do Distrito Federal (cf. também Bortoni-
Ricardo, 2005, capítulos 8 e 9). A amostra consistiu de um grupo nuclear de
32 adultos e de seus filhos, netos e sobrinhos (13 jovens). Para esse grupo
nuclear foi identificada sua rede social de interação de primeira ordem: 23
homens e 36 mulheres, por meio de indicações sociométricas.
Essa análise de suas redes nos permitiu verificar quais os indivíduos que
já tinham um círculo grande de relações sociais no novo hábitat, bem como
observar a constituição de suas redes. Interessava-nos saber se essas redes
se constituíam predominantemente de parentes e vizinhos (vínculos pré-
migratórios) ou de conhecidos e amigos já recrutados na cidade onde
haviam se estabelecido. A pesquisa mostrou também que os homens com
redes mais amplas estavam mais integrados, pois suas redes eram mais
heterogêneas, constituídas de vínculos pré e pós-migratórios. Esses
indivíduos mostravam em seu repertório linguístico maior acomodação às
variedades urbanas e, consequentemente, mudanças mais perceptíveis em
sua fala. Já para as mulheres, redes mais amplas não significavam redes
mais heterogêneas, pois elas preservavam em seu círculo de relações os
vínculos de parentesco e vizinhança. Por isso demonstravam menos
acomodação aos modos urbanos de viver e de falar. Com base na análise
das redes, foram trabalhados dois índices:
a) o de integração, que mostrava esse processo de acomodação à vida
urbana, considerando o número de vínculos na rede, de cada
indivíduo;
b) o de urbanização, que levava em conta características de urbanização
dos indivíduos que compunham a rede de cada migrante, tais como
grau de escolaridade, qualificação da mão de obra, mobilidade
espacial, participação em eventos urbanos, exposição à mídia e
informação política.
De posse desses índices, pudemos fazer análises quantitativas,
correlacionando-os à frequência no emprego de alguma regras linguísticas
variáveis muito produtivas na área rural de onde os migrantes se
originavam. As correlações mostraram que, quanto mais alto o índice de
urbanização do migrante, mais acomodado ele estava aos modos de falar
usuais em área urbana. Mostraram também, em relação aos homens, que,
quanto mais alto seu índice de integração, mais adiantado seu processo de
acomodação a variedades linguísticas empregadas em áreas urbanas.
Considerando-se a pesquisa qualitativa etnográfica, conduzida na
comunidade, a análise de redes deitou luzes sobre o processo de integração
de migrantes rurais ao ethos urbano, mostrando entre outras coisas:
a) como os migrantes reproduzem hábitos culturais pré-migratórios no
novo ambiente de residência;
b) como se processa a urbanização numa dimensão intergeracional, pois
as gerações mais jovens vão-se acomodando à vida urbana mais
rapidamente;
c) como as igrejas se constituem em agências importantes na integração
dos migrantes à cidade.

Diário de bordo

Procure o significado da palavra “ethos” para entender o que representou


para os migrantes de origem rural ajustarem-se ao ethos urbano. Em
seguida, pense em um grupo social ou uma comunidade onde você
poderia conduzir uma pesquisa de redes sociais e postule um objetivo
para essa pesquisa e uma asserção correspondente a esse objetivo.

Antes de concluirmos este capítulo final, vamos tecer algumas


considerações sobre a entrevista como método de coleta de informações na
pesquisa qualitativa (cf. Bortoni-Ricardo, 1984).
As entrevistas em um trabalho de campo constituem evento de fala com
características muito especiais. Alguns autores sugerem mesmo que a
entrevista, pelo alto grau de monitoração na fala do entrevistado e pelo viés
que o entrevistador pode criar influenciando as respostas, não seria um
método eficaz de coleta de dados. Contrariamente, podemos argumentar
que é possível conduzir uma entrevista em trabalho de campo, deixando o
entrevistado à vontade para que sua fala não se revista de muita
formalidade, e tomando cuidado para que as suas respostas não sejam
direcionadas a priori.
Como um evento de fala, a entrevista é marcada por três características
relacionadas aos papéis sociais dos participantes, mais propriamente aos
direitos e deveres associados a esses papéis. Essas características são: a
posição assimétrica dos interlocutores; sua disposição para uma
convergência na linguagem e a insegurança linguística de muitos
entrevistados. A segunda e a terceira são decorrência da primeira.
Do ponto de vista social, a interação durante uma entrevista tende a ser
estruturalmente assimétrica: o entrevistador é geralmente um profissional
bem familiarizado com o tema discutido. Já o entrevistado pode não ter
muita familiaridade com o tema ou com a própria situação de fala. Os
esforços do entrevistador para estabelecer uma relação amistosa e cordial
podem minimizar a assimetria, mas não a anulam. Observa-se que cabe a
ele o direito unilateral de fazer perguntas e introduzir tópicos. O
entrevistado, por sua vez, põe em risco a própria face, seja arriscando-se a
fornecer uma resposta, seja recusando-se a fazê-lo. A entrevista pode
representar uma invasão da privacidade do entrevistado e por isso tem de
ser conduzida com muito respeito e tato. Baugh (1979) observa que é
imperativo que o pesquisador desenvolva uma respeitosa consciência
etnográfica, que ele denomina etnossensibilidade. Uma atitude respeitosa
em relação ao colaborador da pesquisa habilita o entrevistador a lidar com a
situação de dominância, atenuando as inevitáveis intromissões na
intimidade de seu interlocutor e evitando que ele se sinta explorado ou
inseguro para falar e expor suas ideias. Quando o pesquisador consegue
fazer com que a entrevista ganhe uma dimensão de espontaneidade e flua
como uma conversa descontraída, fica mais fácil minimizar a assimetria
social. Estabelecendo uma atmosfera de confiança mútua e de descontração,
o pesquisador pode compensar os efeitos dessa assimetria. Mas isso só é
possível após um razoável período de trabalho de campo e de contato com
os colaboradores.
Outra característica da entrevista como evento de fala é a disposição dos
participantes em fazer convergir sua linguagem. A convergência na
linguagem é parte de um processo de acomodação por meio do qual os
falantes procuram minimizar diferenças em suas falas. A acomodação pode
ocorrer por meio de alterações de pronúncia, de intensidade vocal e da
proximidade física e postura amistosa por parte do entrevistador. São
evidências de convergência por parte do entrevistado seu esforço na
monitoração de sua fala e sua boa vontade em fornecer dados que imagina
possam ser relevantes para a pesquisa. Outra estratégia de convergência são
os canais de retorno, que demonstram atenção e envolvimento na conversa.
Exemplos são os meneios de cabeça, indicativos de concordância,
marcadores discursivos que facilitam a troca de turnos e a complementação
mútua dos enunciados. Como exemplo de entrevista em que houve esforços
de convergência bem-sucedidos, vejamos o seguinte fragmento de
entrevista em uma pesquisa sociolinguística entre uma professora e uma
senhora de origem rural recém-radicada em área urbana (Bortoni-Ricardo,
1984, 14).
1. E (entrevistadora): E do INPS ou do Funrural, você já recebeu algum
benefício? Assim, que você estivesse doente, tivesse assistência,
alguma coisa assim?
2. MO (entrevistada): Como que a senhora fala?
3. E: Do instituto. Lá na roça, vocês não tinham instituto, não é?
4. MO: Lá? Assim de ganhar?
5. E: Assim de tê médico de graça…
A entrevistada indica com gestos que entendeu a pergunta e confirma
que antes da migração não tinham acesso à previdência social.

1 Agradeço a sugestão de Cláudia Roncarati de incluir aqui um capítulo sobre a


metodologia de redes sociais.
2 Essas comunidades podem ser referidas como “rurbanas” (cf. Bortoni-Ricardo, 2004).
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University/National Conference on Research in Language and Literacy, 2005.
KIPNIS, B. Elementos de pesquisa e a prática do professor. São Paulo-Brasília: Moderna-
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LOPES, I. A. O processo interacional em sala de aula: um estudo comparativo em dois
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LÜDKE, M. et al. O professor e a pesquisa. Campinas: Papirus, 2001.
LÜDKE, M. & ANDRÉ, M. Pesquisa em educação – Abordagens qualitativas. São Paulo:
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MAGALHÃES, Mª C. C. Etnografia colaborativa e desenvolvimento de professor. Trabalhos
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MCGUINNESS, D. O ensino da leitura. O que a ciência nos diz sobre como ensinar a ler.
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MERRIAM, S. B. Case Study Research in Education – Qualitative Approach. San Francisco:
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RIBEIRO, V. M. (org). Letramento no Brasil, reflexões a partir do INAF 2001. São Paulo:
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SPINDLER, G. & SPINDLER, L. (orgs.). Interpretive Ethnography of Education. Hillsdale:
Lawrence Erlbaum Associates Inc., Publishers, 1987.
Série Estratégias de ensino
1. O ensino do espanhol no Brasil, João Sedycias [org.]
2. Português no ensino médio e formação do professor, Clecio Bunzen &
Márcia Mendonça [orgs.]
3. Gêneros catalisadores — letramento e formação do professor, Inês Signorini
[org.]
4. A formação do professor de português — que língua vamos ensinar?, Paulo
Coimbra Guedes
5. Muito além da gramática — por um ensino de línguas sem pedras no
caminho, Irandé Antunes
6. Ensinar o brasileiro — respostas a 50 perguntas de professores de língua
materna, Celso Ferrarezi Jr.
7. Semântica para a educação básica, Celso Ferrarezi Jr.
8. O professor pesquisador — introdução à pesquisa qualitativa, Stella Maris
Bortoni-Ricardo
9. Letramento em EJA, Maria Cecilia Mollica & Marisa Leal
10. Língua, texto e ensino — outra escola possível, Irandé Antunes
11. Ensino e aprendizagem de língua inglesa — conversas com especialistas,
Diógenes Cândido de Lima [org.]
12. Da redação à produção textual — o ensino da escrita, Paulo Coimbra
Guedes
13. Letramentos múltiplos, escola e inclusão social, Roxane Rojo
14. Libras? Que língua é essa?, Audrei Gesser
15. Didática de línguas estrangeiras, Pierre Martinez
16. A palavra e a sentença — estudo introdutório, Ronaldo de Oliveira Batista
17. Coisas que todo professor de português precisa saber, Luciano Amaral
Oliveira
18. Gêneros textuais & ensino, Angela Paiva Dionisio, Anna Rachel Machado &
Maria Auxiliadora Bezerra [orgs.]
19. As cadeias do texto — construindo sentidos, Cláudia Roncarati
20. Produção textual na universidade, Désirée Motta-Roth & Graciela Rabuske
Hendges
21. Análise de textos — fundamentos e práticas, Irandé Antunes
22. Dicionários escolares — políticas, formas & usos, Orlene Lúcia de Sabóia
Carvalho & Marcos Bagno [orgs.]
23. Inglês em escolas públicas não funciona? Uma questão, múltiplos olhares,
Diógenes Cândido de Lima [org.]
24. Dicionários na teoria e na prática — como e para quem são feitos, Claudia
Xatara, Cleci Regina Bevilacqua & Philippe Humblé
25. Gêneros textuais — reflexões e ensino, Acir Mário Karwoski, Beatriz
Gaydeczka & Karim S. Brito
26. Letramentos de reexistência — poesia, grafite, música, dança: hip-hop, Ana
Lúcia Silva Souza
27. Pesquisar no labirinto — a tese, um desafio possível, Francisco Perujo
Serrano
28. O território das palavras — estudo do léxico em sala de aula, Irandé Antunes
29. Multiletramentos na escola, Roxane Rojo & Eduardo Moura [orgs.]
30. Leitura e mediação pedagógica, Stella Maris Bortoni-Ricardo et alii [org.]
31. Numeramento — aquisição das competências matemáticas, Michel Fayol
32. Letramentos no ensino médio, Ana Lúcia Silva Souza, Ana Paula Corti &
Márcia Mendonça
33. Neologia em português, Margarita Correia & Gladis Maria de Barcellos
Almeida
34. Língua e literatura: Machado de Assis na sala de aula, Alexandre Huady
Torres Guimarães & Ronaldo de Oliveira Batista
35. O ouvinte e a surdez — sobre ensinar e aprender a libras, Audrei Gesser
36. Ensinar na universidade — conselhos práticos, dicas, métodos pedagógicos,
Markus Brauer
37. Os doze trabalhos de Hércules — do oral para o escrito, Stella Maris Bortoni-
Ricardo & Veruska Ribeiro Machado [orgs.]
38. Múltiplas linguagens para o ensino médio, Clecio Bunzen & Márcia
Mendonça [orgs.]
39. Leitura de literatura na escola, Maria Amélia Dalvi, Neide Luzia de Rezende
& Rita Jover-Faleiros [orgs.]
40. Escol@ conectada — os multiletramentos e as tics, Roxane Rojo [org.]
41. Sete erros aos quatro ventos — a variação linguística no ensino de
português, Marcos Bagno
42. Cenas surdas: os surdos terão lugar no coração do mundo?, Renato Dente
Luz
43. Aquisição de linguagem, Michèlle Kail
44. Métodos de ensino de inglês — teorias, práticas, ideologias, Luciano Amaral
Oliveira
45. Aquisição da escrita, Michel Fayol
46. Pedagogia do silenciamento — a escola brasileira e o ensino de língua
materna, Celso Ferrarezi Jr.
47. Por que a escola não ensina gramática assim?, Stella Maris Bortoni-Ricardo
et al. [orgs.]
48. Aquisição de segunda língua, Vera Lúcia Menezes de Oliveira e Paiva
49. Gramática contextualizada — limpando “o pó das ideias simples”, Irandé
Antunes
50. Língua, Linguagem, linguística — pondo os pingos nos ii, Marcos Bagno
51. Hipermodernidade, multiletramentos e gêneros discursivos, Roxane Rojo &
Jacqueline Barbosa
52. Produzir textos na educação básica — o que saber, como fazer, Celso
Ferrarezi Jr. & Robson S. de Carvalho
53. Faça a diferença — ensinar línguas estrangeiras na educação básica, Alex
Garcia da Cunha & Laura Miccoli [orgs.]
54. Coaching instrucional — formação continuada e ensino de línguas, Alex
Garcia da Cunha
55. Fonologia, fonética e ensino — guia introdutório, Mikaela Roberto
56. De alunos a leitores — o ensino da leitura na educação básica, Celso
Ferrarezi Jr. & Robson S. de Carvalho
57. Enunciado de atividades e tarefas escolares — modos de fazer, Denise Lino
de Araújo
58. Tiras no ensino, Paulo Ramos
59. O mundo na sala de aula — intertextualidade nos anos finais do ensino
fundamental, Maria Silvia Gonçalves
60. Textualidade — noções básicas e implicações pedagógicas, Irandé Antunes
61. Poesia na sala de aula, Hélder Pinheiro
62. Ensinar a ler, aprender a avaliar — avaliação diagnóstica das habilidades de
leitura, Robson S. de Carvalho
63. Oralidade na educação básica — o que saber, como ensinar, Robson Santos
de Carvalho & Celso Ferrarezi Jr.
64. Vygotsky — a interação no ensino/aprendizagem de línguas, Francisco José
Quaresma de Figueiredo
65. Intercompreensão — a chave para as línguas, Pierre Escudé & Francisco
Calvo del Olmo
Stella Maris Bortoni-Ricardo é formada em Letras português e inglês pela
PUC-Goiás (1968), tendo cursado o primeiro ano no Lake Erie College, em
Ohio, EUA; tem mestrado em Linguística pela Universidade de Brasília
(1977) e doutorado em Linguística pela Universidade de Lancaster (1983).
Fez estágio de pós-doutorado na Universidade da Pensilvânia (1990). Foi
bolsista Fulbright na Universidade do Texas em Austin (1978-9). É
professora titular aposentada de Linguística da UnB. Atuou durante
dezesseis anos como pesquisadora e docente da Faculdade de Educação da
UnB, tendo orientado mais de cem trabalhos de doutorado, mestrado e pós-
doutorado nas áreas de linguística e educação. Tem experiência na área de
sociolinguística, com ênfase em educação e linguística, atuando
principalmente nos seguintes temas: formação de professores, educação em
língua materna, letramento, alfabetização e etnografia de sala de aula. Suas
publicações mais recentes podem ser acessadas em
www.stellabortoni.com.br.

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