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COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS


COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

1
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

b
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COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS


COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

Silvia Ines Coneglian Carrilho de Vasconcelos


Organizadora

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LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

Copyright © dos autores


Todos os direitos garantidos. Qualquer parte desta obra pode ser reproduzida,
transmitida ou arquivada, desde que levados em conta os direitos dos autores.

Capa
NOME DO CAPISTA

Diagramação
Déborah Letícia Ferreira de Sousa

Conselho Editorial
Profa. Dra. Cristina Bongestab (UEPB, Brasil)
Profa. Dra. Eva Paulino Bueno (St. Mary´s University, Estados Unidos)
Profa. Dra. Laura Janaina Dias Amato (UNILA, Brasil)
Prof. Dr. Maged Talaat Mohamed Ahmed Elgebaly (Aswan University, Egito)
Profa. Dra. Marta Lúcia Cabrera Kfouri-Kaneoya (UNESP, Brasil)
Profa. Dra. Mona Mohamad Hawi (USP, Brasil)

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COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

SUMÁRIO

BRINCAR, JOGAR E APRENDER: LAÇOS POSSÍVEIS 07


Silvia Inês Coneglian Carrilho de Vasconcelos

QUAL É A LETRA? UMA PERSPECTIVA LÚDICO- 11


-DIDÁTICA PARA A FAMILIARIZAÇÃO DAS CONVENÇÕES
ORTOGRÁFICAS DO [S] E DO [Z] NO ENSINO DE
PORTUGUÊS COMO LÍNGUA MATERNA
Eloise Andréia dos Santos
Éllen Lisbôa Moreira Ribeiro

PONTUAÇÃO: UMA PROPOSTA LÚDICA ACERCA DO USO 37


DA VÍRGULA EM PRODUÇÕES TEXTUAIS DE ESTUDANTES
DO ENSINO FUNDAMENTAL II
Elizete Soares Geraldi
Paulo Henrique Lohn

O JOGO: DE ATIVIDADE DOMINANTE AOS JOGOS 63


DE SIMULAÇÃO COMO ESTRATÉGIA DE ENSINO-
-APRENDIZAGEM DE LÍNGUA MATERNA
Joselice da Rocha Leal
Aline Moraes Lima

PROPOSTA LÚDICA PARA REFLEXÃO SOBRE O 87


APAGAMENTO DO -R EM FORMAS VERBAIS INFINITIVAS
Jace Mari Costa
Yara de Oliveira Marcomini

O JOGO “PEGA-VARETAS DO /R/ FINAL” COMO RECURSO 111


DIDÁTICO PARA AS AULAS DE LÍNGUA PORTUGUESA
Leila Jennff Monteiro de Oliveira
Fernando Augusto de Lima Oliveira

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LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

O LÚDICO NO ENSINO DE PORTUGUÊS COMO LÍNGUA 131


ADICIONAL: RELATO DE UMA EXPERIÊNCIA
EM TIMOR-LESTE
Daniela Aparecida Camolesi

JOGOS E BRINCADEIRAS NAS AULAS DE PORTUGUÊS 155


COMO LÍNGUA DE HERANÇA: LIDANDO COM A
HETEROGENEIDADE
Tatiana Mazza-Surer
Karina de Rezende-Fohringer

CLUBE DOS BRASILEIRINHOS DE LONDRES: AQUI NÓS 171


APRENDEMOS PORTUGUÊS BRINCANDO
Érika Karina de Oliveira

JOGOS E BRINCADEIRAS NO ENSINO E APRENDIZAGEM DE 195


PLE. A EXPERIÊNCIA NO URUGUAI
Eliane Roncolatto
Maria Angela de Melo

BRINCADEIRAS DA TELEVISÃO BRASILEIRA COMO FONTE 213


PARA ATIVIDADES LÚDICAS NO ENSINO DE PLNM
Silvia Inês Coneglian Carrilho de Vasconcelos
Daniele Pechi

LUDICIDADE EM AULAS DE PLNM NO SUL DA ESPANHA 227


Giselle Menezes Mendes Cintado

PREENCHENDO AS LACUNAS COM BRINCADEIRAS: 241


UMA CONVERSA SÉRIA SOBRE A LUDICIZAÇÃO
NAS AULAS DE PLE
Caio César Christiano

BIODATA DOS AUTORES 263

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COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

BRINCAR, JOGAR E APRENDER: LAÇOS POSSÍVEIS

presente coletânea tem o propósito central de co-


locar em circulação os resultados de investigações
e de práticas lúdicas realizadas com e para apren-
dentes de Língua Portuguesa quer como língua materna ou não
materna.
As quatro primeiras contribuições são fruto de estudo e de
propostas de aplicação de atividades lúdicas em espaço esco-
lar do ensino fundamental realizadas por sete mestrandas e um
mestrando do Mestrado Profissional de Letras (PROFLETRAS)
da Universidade Federal de Santa Catarina, no câmpus de Flo-
rianópolis. Nesse espaço de pesquisa e ensino os estudos e as
aplicações foram desenvolvidas com sucesso porque puderam
contar também com o apoio da coordenação do PROFLETRAS
e da CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior – do Brasil.
A primeira contribuição é de autoria de Eloise Andréia dos
Santos e de Éllen Lisbôa Moreira Ribeiro. Tem por título “Qual
é a letra? Uma perspectiva lúdico-didática para a familiariza-
ção das convenções ortográficas do [s] e do [z] no ensino de
português como língua materna. Trata-se de jogos voltados
para vivências específicas de conscientização do par sibilante
surdo- sonoro e a correspondência na língua escrita. A segunda
contribuição, cujo título é “Pontuação: uma proposta lúdica
acerca do uso da vírgula em produções textuais de estudan-
tes do ensino fundamental II”, é de autoria de Elizete Soares
Geraldi e Paulo Henrique Lohn, que trazem atividades voltadas
para um sinal de pontuação: a vírgula. Tais atividades podem
servir de estímulo a que outros sinais de pontuação possam ser
tema de jogos ou brincadeiras para a sala de aula.
A terceira é das mestrandas Joselice da Rocha Leal e Aline
Moraes Lima. Em “O jogo: de atividade dominante aos jogos
de simulação como estratégia de ensino-aprendizagem de

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LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

língua materna”, as autoras partem de conceitos da abordagem


histórico-cultural e propõem jogos de júri simulado como for-
ma especial de atuação real em Língua Portuguesa dos alunos.
A quarta contribuição, das mestrandas Jace Mari Costa e Yara
de Oliveira Marcomini, tem por título “Proposta lúdica para
reflexão sobre o apagamento do -r em formas verbais infini-
tivas”. Nesse capítulo, as autoras apresentam um jogo do tipo
“trilha” e explicitam as regras do jogo voltado para o exercício
da verbalização do –r final de verbos, já que é uma prática cor-
rente a supressão desse som na fala e, consequentemente, na
escrita.
As demais contribuições vêm de parcerias de colegas
pesquisadores ou praticantes da ludicidade no ensino da Língua
Portuguesa tanto de língua materna quanto não materna.
Seguindo a mesma linha de raciocínio do quarto capítulo de
Costa e Marcomini, mas com jogos de varetas, está o capítulo -
“O jogo ‘pega-varetas do /r/ final’ como recurso didático para
as aulas de língua portuguesa” - de Leila Jennff Monteiro de
Oliveira e de Fernando Augusto de Lima Oliveira, da Universidade
de Pernambuco, Câmpus de Garanhuns, onde já se encontra
instalado o LAJOLI – Laboratório de Jogos de Linguagem,
coordenado por Oliveira, com uma produção intensa de projetos
lúdicos bem como a produção física deles. O capítulo seguinte
é da mestranda do PROFLETRAS da UFSC – Daniela Aparecida
Camolesi – que participou da missão brasileira no Timor-Leste
e lá desenvolveu materiais didáticos para o ensino da Língua
Portuguesa, incluindo jogos pedagógicos. Em seu capítulo – “O
lúdico no ensino de português como língua adicional: relato
de uma experiência em Timor-Leste” – Camolesi revisita as
atividades desenvolvidas e as ilustra de forma que possa servir
de exemplo a jogos variados a serem utilizados no espaço
escolar tanto de PLM quanto de PLNM.
Os dois capítulo seguintes estão voltados para o ensino de
Português como língua de herança (PLH). O primeiro deles
é de autoria de Tatiana Mazza-Surer e de Karina de Rezende-

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COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

Fohringer, brasileiras, que moram e trabalham na Áustria


com Língua Portuguesa. Partindo de um embasamento
teórico acerca do PLH (ou POHL como é denominado em solo
europeu), as autoras apresentam jogos utilizados em atividades
da escola da comunidade, explicitando os passos desenvolvidos
para uma boa orientação do leitor. No segundo - “Clube dos
brasileirinhos de Londres: aqui nós aprendemos português
brincando” – Érika Karina de Oliveira, também brasileira,
descreve algumas das atividades lúdicas que são desenvolvidas
por ela no espaço pedagógico da comunidade brasileira em
Londres como, por exemplo, o jogo “Aquisição de Gramática”.
Os quatro último capítulos são dedicados a atividades
lúdicas voltadas especialmente para o ensino de Português como
língua estrangeira (PLE) ou não materna (PLNM). O primeiro
deles – “Jogos e brincadeiras no ensino e aprendizagem de
PLE. A experiência no Uruguai” - é das brasileiras e autoras de
livro didático de PLE, que moram e trabalham em Montevideo,
Uruguai: Eliane Roncolatto e Maria Angela de Melo. As autoras
trazem atividades – como o jogo da sonoridade aberta e fechada
da Língua Portuguesa, pois é um dos tópicos que merece
atenção ao se ensinar Língua Portuguesa a hispanofalentes -
que são desenvolvidas no curso de Português para uruguaios.
O segundo, intitulado “Brincadeiras da televisão brasileira
como fonte para atividades lúdicas no ensino de PLNM”, foi
escrito por mim e por Daniele Pechi, a idealizadora do Papo
de Profes, disponível em várias plataformas digitais. Embora
inicialmente desenhado para o ensino de PLE, o conjunto
de atividades pode ser aplicado em aulas de Português como
língua materna também. No terceiro – “Ludicidade em aulas
de PLNM no Sul da Espanha” – Giselle Menezes Mendes
Cintado, nos brinda com a criação de atividades lúdicas (como
o Jogo do Tautograma) cada vez mais inclusivas, pluricêntricas
e interdisciplinares para os estrangeiros (e hispanofalantes,
em especial) que estudam Português como língua estrangeira
na Universidade Pablo de Olavide (UPO) na cidade de Sevilha,

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LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

capital da Andaluzia. O quarto e último capítulo desta coletânea


é de Caio César Christiano, intitulado “Preenchendo as lacunas
com brincadeiras: uma conversa séria sobre a ludicização nas
aulas de PLE฀. Neste capítulo, o leitor pode ter acesso a alguns
materiais didáticos utilizados por Christiano em suas aulas em
Macau como, por exemplo, o jogo Batalha Naval, adaptado para
questões de língua.
Ao final da obra seguem os dados biográficos dos autores
para que os leitores possas ter uma ideia mais clara do perfil
dos responsáveis pelas contribuições aqui apresentadas.
Como organizadora da coletânea, expresso aqui minha
expectativa de que as indicações registradas nesses 12 capítulos,
escritos por 20 autores, possam estimular novas trilhas de
investigação e de propostas lúdicas voltadas ao ensino de
Língua Portuguesa nas suas mais diversas denominações como
língua materna, língua não materna, segunda língua, língua
de herança, língua adicional ou de acolhimento, entre muitas
outras denominações disponíveis.

Florianópolis, outono de 2021.

Silvia Inês Coneglian Carrilho de Vasconcelos

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COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

QUAL É A LETRA? UMA PERSPECTIVA LÚDICO-


DIDÁTICA PARA A FAMILIARIZAÇÃO DAS CONVENÇÕES
ORTOGRÁFICAS DO [S] E DO [Z] NO ENSINO DE
PORTUGUÊS COMO LÍNGUA MATERNA

Eloise Andréia dos Santos1


Éllen Lisbôa Moreira Ribeiro2

aquisição da escrita enquanto convenção gráfi-


ca é resultado de um processo pelo qual o aluno
passa desde a alfabetização, quando se inicia a
aprendizagem das correspondências entre fonema e grafema.
O processo de apropriação estende-se por diferentes níveis de
escolarização, sendo marcado por usos/escolhas de letras em
função do seu som que muitas vezes não é a letra convencio-
nada para a escrita em vigor daquela palavra. As possibilidades
de escrita para além do que está vigendo como aceito, com fre-
quência, são categorizadas como erro ou dificuldades de orto-
grafia. Entretanto, a concepção de que há uma interferência da
fonologia no sistema alfabético-ortográfico (SENE; BARBOSA,
2017) justifica as hipóteses criadas pelos aprendizes sobre as
formas ortográficas durante o período de escolarização e altera
a percepção do erro ortográfico.
Essa concepção justifica também a nomenclatura que
adotamos para abordar os erros/desvios/dificuldades dos alunos
na escrita ortográfica, ou seja, o distanciamento/afastamento
da norma de referência da escrita, conforme Faraco (2011)
aponta. Assim, o aluno, ao escolher, hipoteticamente, uma
letra para representar determinado som numa palavra, mostra
uma troca de letra que se distancia da norma de referência da
escrita, que, por sua vez, é um código convencionado.
1
Mestranda do PROFLETRAS – Mestrado Profissional em Letras – da UFSC –
eloisesantoss@gmail.com. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (Bolsa CAPES) - Código de
Financiamento 001.
2
Mestranda do PROFLETRAS – Mestrado Profissional em Letras – da UFSC– ellenelmr@
gmail.com.

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LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

Bortoni-Ricardo (2006) propõe que seja feita uma distinção


funcional entre erros de ortografia que resultam da interferência
de traços da oralidade e erros que se explicam porque a escrita
é regida por um sistema de convenções cujo aprendizado é
lento e depende

da familiaridade que cada leitor vai adquirindo com ela, em


diversos suportes: livros e textos impressos, em geral, áu-
dio-visuais, internet e outros usos do computador, outdoors
e quaisquer objetos portadores de textos (BORTONI-RICAR-
DO, 2006, p. 267).

Numa distinção mais detalhada, Bortoni-Ricardo (2006)


argumenta que as modalidades oral e escrita de uma língua
se distinguem pelo estatuto do chamado erro. Como nosso
trabalho é voltado para a escrita, ativemo-nos em explorar esta
perspectiva, onde o erro representa o afastamento de um código
convencionado e prescrito pela convenção gráfica, a qual supõe
a convenção de um código que não prevê (na maioria das vezes)
variação.
Desta forma, a nomenclatura tomada neste estudo adota
o afastamento da “norma de referência” da escrita, proposta
por Faraco (2011), para abordar as trocas de letras recorrentes
dos alunos do 6° ano do Ensino Fundamental. Destacamos
esta questão de suma importância uma vez que precisa ser
compreendida pelo professor de Língua Portuguesa, para uma
abordagem mais consciente da escrita do aluno sem reforçar
estigmas ou enaltecer preconceitos, levando o aluno a escrever
de modo coerente e reflexivo sem afastar-se da norma de
referência.
Nas palavras de Morais (2008, p. 17-18), “a escola cobra do
aluno que ele escreva certo, mas cria poucas oportunidades
para refletir com ele sobre as dificuldades ortográficas de nossa
língua”. De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais de
Língua Portuguesa (BRASIL, 1997, p. 84): “Ainda que tenha um

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COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

forte apelo à memória, a aprendizagem da ortografia não é um


processo passivo: trata-se de uma construção individual, [...]”.
Implica, portanto, em um processo gradativo, ativo e criativo,
para o qual a mediação pedagógica tem muito a contribuir.
A mediação do professor diante de um afastamento
da ortografia requer a consideração sobre as hipóteses
consideradas pelo aluno na hora da escrita. Bortoni-Ricardo
(2006) explica que o aluno reflete sobre o que está fazendo
e busca subsídios na sua língua oral e nos conhecimentos
que está adquirindo sobre a estrutura da língua escrita para
construir hipóteses sobre a forma correta de se escrever. Logo,
a construção dessas hipóteses vai se tornando mais eficiente
à medida que avança na aprendizagem da escrita, pois, desde
o início, mesmo quando escreve de forma muito diferente da
prevista pelas regras ortográficas, os alunos estão construindo
suas hipóteses. Por isso, cada transgressão deve ser objeto de
produtiva reflexão e debate entre o professor e o aluno de modo
a proporcionar que este verbalize o porquê da sua escolha,
qual raciocínio o levou a escrever de uma forma ou de outra.
Com isso, o professor terá subsídios para elaborar estratégias
eficazes para o trabalho da ortografia.
Em vista do exposto, propusemos um projeto de investigação
para diagnosticar quais pontos em relação à escrita de alunos
do Ensino Fundamental II mereceriam atenção por meio do
desenvolvimento de atividades lúdicas que pudessem provocar
a reflexão dos alunos acerca de seus afastamentos da norma
de referência, bem como a tomada de consciência para a
compreensão das escolhas gráficas aderidas às normas vigentes
da escrita oficial.
No início do ano letivo de 2020, foi aplicada uma atividade
diagnóstica de produção de texto partindo do gênero diário,
já trabalhado e explorado em atividades do livro didático com
alunos das três turmas do 6° ano (total de 66 alunos) de uma
escola pública, na região do litoral do Paraná. Nestas produções
foram observadas diferentes questões importantes a se refletir

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LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

em relação à escrita destes alunos enquanto convenção gráfica.


Após a análise das amostras, identificamos palavras cuja grafia
ainda não estava de acordo com a norma de referência. Em
seguida, fizemos a distinção entre as trocas de letras que são
reflexos de interferência da pronúncia na produção escrita
e outras decorrentes do caráter arbitrário das convenções
ortográficas.
Entretanto, o que nos chamou atenção foi a recorrente
troca nos usos do som [s] e do som [z], como ocorrido em fasia
(fazia); negósio (negócio); casador (caçador), comesa (começa),
sosinha (sozinha); desengonsado (desengonçado), dice (disse) e
disfarse (disfarce). Destaca-se que a questão das sibilantes surda
e sonora recorrente no som do [s] e do [z] estende-se, muitas
vezes, por vários níveis de escolaridade, como no caso das
dúvidas que surgem na escrita das palavras “através” e “talvez”
grafadas “atravez” e “talves”, não somente entre os alunos do
ensino fundamental e médio, como também em estudantes
universitários.
Pellat (1996) explica que, no sistema atual das consoantes
do Português padrão, existem dois fonemas constritivos
fricativos linguodentais, chamados sibilantes, o par [s] e [z],
surdo e sonoro. A representação dessas consoantes é feita por
uma série de grafemas: “c”, “ç”, “sc”, “ss”, “s”, “x”, “xc”, “xç”, “z”.
Segundo o autor, esta variedade provoca confusão desde alunos
da educação básica até adultos escolarizados que estejam
frequentando cursos em nível superior.
A problemática da escrita ortográfica intensifica-se na
maneira como esta vem sendo tratada nas escolas brasileiras,
conforme afirmação dos PCN:

[…] a ortografia ainda vem sendo tratada na maioria das es-


colas brasileiras do ensino fundamental, por meio de ativi-
dades de identificação, correção da palavra errada, seguidas
da cópia e de enfadonhos exercícios de preenchimentos de
lacunas. (BRASIL, 1997, p. 85).

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COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

Em sentido contrário ao acima indicado pelos PCN, destaca-


se que, a partir da década de 1990, emergiu um período em que
muitos estudos e pesquisas marcaram presença na busca de
um ensino mais reflexivo e sistemático, como na difusão de
práticas de ensino contextualizadas e atividades lúdicas.
A relação entre jogo e educação sempre despertou a atenção
de pensadores, desde os tempos mais remotos da humanidade
(KISHIMOTO, 2011). Na difusão de um ensino voltado para o
lúdico no século XX, as teorias de Lev Vygotsky reiteraram a
ideia de que os jogos propiciam um ambiente de ensino e
aprendizagem. O pesquisador russo da área da psicologia foi
pioneiro ao estruturar um pensamento teórico sobre o potencial
educativo das atividades lúdicas. Assim, a importância do
jogo e do brinquedo no processo de aprendizagem para o
desenvolvimento de habilidades cognitivas, emocionais e
corporais da criança remete a suas aplicações como recurso
didático-pedagógico, principalmente nos primeiros anos
escolares (VOLPATO, 2017).
Diante dos afastamentos da convenção gráfica identificados/
analisados nas produções dos alunos do 6° ano e do fato de que
são questões comuns apresentadas no processo de aquisição da
escrita, tomamos como proposta o desenvolvimento de um jogo
visando amenizar o distanciamento da norma de referência da
escrita convencionada.
O objetivo deste capítulo é, pois, apresentar o jogo como
recurso didático-pedagógico com enfoque interculturalista na
perspectiva da produção de material didático para o ensino de
Português como língua materna3 ou como língua adicional,
visando uma melhor apropriação das diferentes grafias dos sons
[s] e [z] e contribuindo para o processo de ensino-aprendizagem
de Língua Portuguesa voltado para crianças e adolescentes.
3
Língua materna (também língua nativa ou língua de herança, para alguns teóricos) é
a primeira língua que uma criança aprende e que, geralmente, corresponde ao grupo
étnico-linguístico com que o indivíduo convive e se identifica culturalmente.

15
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

Adentrando no contexto do ensino de Português como


língua adicional recorremos às explicações de Leffa e Irala
(2014). Segundo os autores,“[…] trata-se de uma língua que o
aluno aprende por acréscimo, além da(s) que ele já sabe […]”
(LEFFA; IRALA, 2014, p. 22). Onde estão situados estes alunos?
Bizon (2013) procura responder a essa questão explicitando que
este alunado advém de uma demanda social contemporânea,
concebida sócio-historicamente, que não tem o Português como
língua materna e que transita, física ou simbolicamente, por
espaços onde a aprendizagem dessa língua pode ser elemento
importante para a produção e democratização de mobilidades
e multiterritorialidades.
Considerar as demandas sociais contemporâneas que
necessitam da aprendizagem da Língua Portuguesa como
adicional é também voltar o olhar para um ambiente multilíngue
tendo em conta a necessidade de alunos de diferentes línguas
e contextos sociais, com nacionalidades diversas, que foram e
estão sendo expostos ao Português como língua adicional (PLA).
Assim, a justificativa deste estudo está atrelada ao auxílio para
professores e pesquisadores que exploram tal realidade, para
que desta maneira desenvolvam atividades e tarefas dinâmicas,
lúdicas e significativas para o processo de aprendizagem.
Justifica-se também a importância deste estudo como do
desenvolvimento do jogo, pela possibilidade de implementação
em práticas metodológicas de ensino-aprendizagem de um
material lúdico-didático voltado para a apropriação reflexiva
da ortografia convencionada e representada por consoantes
a partir dos variados grafemas: “c”, “ç”, “sc”, “ss”, “s”, “x”, “xc”,
“xç”, “z”.
A partir dessa ótica, com uma visão além do livro didático,
foi levantada a seguinte questão: como auxiliar a apropriação
e, consequentemente, a aprendizagem da escrita ortográfica
convencionada a partir do par [s] e [z] de maneira a contribuir
para o uso do modelo de escrita considerado de prestígio na
sociedade?

16
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

Para uma melhor apresentação deste capítulo, inicialmente


faremos uma abordagem sobre o livro didático, muitas vezes
o único material de apoio do professor no dia a dia escolar.
Em seguida, discorremos sobre o teórico que fundamentou
a elaboração do jogo com enfoque interculturalista, sua
importância na perspectiva da base linguística da fonologia e sua
influência na aquisição do sistema ortográfico convencionado.
Na sequência, na parte da metodologia, descrevemos o jogo com
suas regras, possibilidades de aplicação nas práticas didáticas
do ensino da Língua Portuguesa e resultados esperados. Por
fim, nas considerações finais, fazemos uma reflexão geral
das discussões deste capítulo, do jogo disponibilizado e
perspectivas de outros jogos para facilitar tanto a aprendizagem
do Português como língua materna como a do Português como
língua adicional.

INICIANDO DISCUSSÕES: UMA VISÃO ALÉM DO LIVRO DI-


DÁTICO

No ensino da ortografia ou de outros conteúdos relacionados


à prática de linguagem, o livro didático tem se constituído como
principal material de apoio do professor, mesmo para aqueles
que afirmam não usar o livro didático. Morais e Silva (2007, p.
127) destacam que “[...] via de regra, quem diz que não segue um
livro específico tende, na realidade, a inspirar-se em atividades
propostas por vários livros didáticos”. Para os referidos autores,
é fundamental que os professores se debrucem sobre esses
recursos didáticos com um olhar criterioso “[...] para que o
trabalho embasado pelos livros didáticos não ocorra de forma
aleatória e não-consciente” (MORAIS; SILVA, 2007, p. 127).
Coracini (2011) também considera que o livro didático
ainda se constitui como um dos principais materiais didáticos
utilizados em sala de aula, o que, particularmente, acontece
na realidade do contexto escolar das escolas públicas em que
lecionamos. Entretanto, muitos fatores estão relacionados à

17
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

rotinização da aula a partir do livro didático, como, por exemplo,


a falta de recursos da escola, a falta de cursos de formação
continuada por parte das redes de ensino e a questão do tempo
para uma elaboração própria do material didático diante de
tantas outras burocracias e imposições que o professor assume
na sua função cotidiana.
A análise crítica do livro didático (LD), como Coracini (2011)
sinalizou, é algo recente, de modo que sua ocorrência tem sido
feita quase que exclusivamente no ambiente acadêmico, em
pesquisas e publicações de periódicos científicos, de forma
que raramente essa discussão ocorre no âmbito das escolas da
educação básica. A maior análise realizada pelos professores
em relação ao LD é aquela ocorrida a partir do acesso ao guia
do LD, quando da época de seleção do LD a ser encaminhado
à escola. Esse documento apresenta os critérios para a escolha
dos materiais a cada três anos.
Consideramos que uma formação continuada nesses
períodos de escolha seria relevante para o professor
compreender as perspectivas teóricas adotadas nos materiais,
para saber identificar, por exemplo, as concepções relacionadas
aos conceitos-chave como língua, linguagem, discurso, texto,
nos materiais analisados. A compreensão de tais questões não só
ajudaria numa melhor escolha do LD, como no aperfeiçoamento
e experiência para os docentes terem mais autonomia para
atuar e elaborar seus próprios materiais didáticos, usando o LD
como um apoio nas suas práticas de ensino.
Em relação à ortografia, as abordagens metodológicas,
na maioria dos livros didáticos, são baseadas na repetição de
exercícios visando à memorização. Todavia, pode ser verificada
na descrição da metodologia de ensino utilizada para o trabalho
com a ortografia, a partir do Guia do PNLD de 2017, que há
propostas que se direcionam a um trabalho mais reflexivo em
relação à língua e sua representação escrita.

No caso do ensino da norma ortográfica, apesar ainda do

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COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

predomínio de uma abordagem transmissiva, há nas co-


leções algumas atividades que procuram fazer com que o
aluno descubra determinadas regularidades ou reflita […]
(BRASIL, 2016, p. 28, grifo nosso).

No caso das transgressões analisadas na pesquisa realizada


que culminou na presente proposta, a reflexão acerca do fonema-
grafema, baseada na multiplicidade de representações (simples
e complexas) de grafemas para o par [s] e [z], é fundamental
tanto para a relação ensino e aprendizagem como para a relação
docente-discente. Portanto, o uso de outros materiais didáticos
ou a elaboração deste tipo de recurso – jogos pedagógicos
– favorece a efetivação do processo de ensino da Língua
Portuguesa, a partir da perspectiva discursiva, viabilizando
a apropriação mais consciente do uso de letras na escrita
convencionada, como também promovendo a integralização
dos sujeitos nesta sociedade cada vez mais grafocêntrica.
Noções como as descritas anteriormente são fundamentais
para a compreensão do uso de jogos educativos como materiais
didáticos para o ensino de Língua Portuguesa como língua
materna ou como língua adicional.

CONCEPÇÃO DE JOGO NO ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA

A proposta deste capítulo considera o horizonte apontado


por Tomlinson (2013) no que diz respeito à abrangência do
que pode ser considerado como material didático utilizado no
processo de ensino-aprendizagem com o intuito de aprimorar o
entendimento dos alunos em relação aos conteúdos ministrados
durante o ensino de línguas.

Os materiais incluem qualquer coisa que possa ser usada para


facilitar a aprendizagem de uma língua. Podem ser linguísti-
cos, visuais, auditivos ou sinestésicos, e podem ser apresen-
tados em papel, através de apresentações ao vivo ou em […],

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LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

CD-ROM, DVD ou na internet. Podem ser instrucionais, expe-


rienciais, elucidativos ou exploratórios, já que podem infor-
mar os alunos sobre a língua, podem proporcionar experi-
ência da língua em uso, podem estimular o uso da linguagem
ou podem ajudar os alunos a fazer descobertas sobre o idio-
ma por si mesmos (TOMLINSON, 2013, p. 2, tradução nossa).

A partir dessa percepção acerca do termo material didático,


a proposta da utilização de jogos como recurso pedagógico
a ser utilizado no ensino de línguas, tanto materna como
adicional, ganha destaque. Importando, neste ponto, algumas
considerações a respeito da concepção do que é o jogo, o
brinquedo, a brincadeira e a ludicidade.
A distinção entre os termos jogo, brincadeira e brinquedo
é difícil uma vez que, no Brasil, a utilização desses vocábulos
é “indistinta, demonstrando um nível baixo de conceituação
deste campo” (KISHIMOTO, 2011, p. 19). Considerando a
dificuldade existente no Brasil, apontada pela autora no que
diz respeito à conceituação desses termos, apresentamos as
definições propostas por Ferreira (2008, p. 497) que considera
o jogo como “atividade física ou mental fundada em sistema
de regras que definem a perda ou o ganho”. Para esse autor,
brinquedo é o “objeto para as crianças brincarem”(FERREIRA,
2008, p. 188). Enquanto o termo brincadeira é considerado
como “divertimento, sobretudo infantil” (FERREIRA, 2008, p.
188).
Considerando o apontado por Kishimoto (2011) e as
definições de Ferreira (2008), podemos compreender a estreita
aproximação existente em relação ao significado desses
termos. Com a finalidade de estabelecer uma distinção entre
eles, apresentamos o entendimento de Kishimoto (2011) acerca
da definição de brincadeira:

Ação que a criança desempenha ao concretizar as regras do


jogo, ao mergulhar na ação lúdica. Pode-se dizer que é o lúdico

20
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

em ação. Desta forma, brinquedo e brincadeira relacionam-


se diretamente com a criança e não se confundem com o
jogo (KISHIMOTO, 2011, p. 26).

A partir do exposto por Kishimoto (2011) sobre o


termo brincadeira, somos direcionadas para situarmos o
entendimento do termo lúdico e ludicidade, uma vez que
esses termos carecem de esclarecimento para o entendimento
da natureza das relações entre os vocábulos utilizados neste
capítulo. Sendo assim, sinalizamos que, para Ferreira (2008,
p. 524), lúdico é “relativo a jogos, brinquedos e divertimentos”.
Quanto ao termo ludicidade, Rau (2007, p. 31) afirma que:

[…] se define pelas ações do brincar que são organizadas em


três eixos: o jogo, o brinquedo e a brincadeira. Ensinar por
meio da ludicidade é considerar que a brincadeira faz parte
da vida do ser humano e que, por isso, traz referências da
própria vida do sujeito.

O viés da percepção de sentidos e significados do jogo como


material didático e pedagógico foi explorado por muitos autores
das áreas da Educação e da Psicologia. Nesse cenário, Volpato
(2017) traz em sua obra muitas caracterizações e reflexões sobre
o jogo e o brinquedo na perspectiva histórico-cultural e sinaliza
a importância da valorização do jogo no contexto escolar para
romper com preconceitos institucionalizados pelas formas de
ensino tradicionais. Desse modo, entre suas caracterizações,
tem-se a diferenciação do jogo como atividade espontânea e
do jogo como trabalho educativo. O referido autor destaca a
necessidade de a escola vir a ser um lugar mais prazeroso, no
qual o jogo, a brincadeira e o brinquedo possam ser valorizados
e, para isso, basta despirmo-nos de qualquer preconceito e
voltarmos atentamente nosso olhar para as crianças reais da
escola.
Para Volpato (2017), o que caracteriza um jogo ou uma

21
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

brincadeira (sem distinção entre esses dois conceitos) é a


possibilidade que a criança tem de tomar decisões, de combinar
regras, de negociar papéis, de agir de maneira transformadora
sobre conteúdos significativos para ela, de ter liberdade e
prazer. Essas possibilidades dão oportunidade à criança de se
tornar cada vez mais autônoma, mais consciente de suas ações.
Desta maneira, a situação ideal de aprendizagem relaciona-
se com o processo de construção de sentidos significativos
de tal modo que o estudante passe a considerar o processo de
aprendizagem também como uma diversão.
O autor considera que, ao brincar com a língua de seu
país, com os elementos da sua natureza e da sua cultura, as
crianças relacionarão de maneira adequada e prazerosa seus
diversos aspectos, associando-a com as mais diversas áreas
do conhecimento com os quais os jogos/brincadeiras possam
dialogar. Nessa perspectiva, jogo, brincadeira e brinquedo têm
muito a contribuir com as atividades didático-pedagógicas para
o desenvolvimento de qualquer aula, inclusive na tentativa de
diminuir a dicotomia existente entre trabalho e divertimento,
atividade séria e brincadeira (VOLPATO, 2017).
Considerando o aporte teórico exposto até aqui neste
capítulo, salientamos ainda a importância do enfoque
interculturalista nas aulas de Língua Portuguesa como língua
materna e como língua adicional, na medida em que os estudos
na área de ensino e de aprendizagem de língua, em especial
de língua estrangeira, têm oportunizado um espaço para
discussões interculturais.
Significa, assim, nada menos que tratar a língua/linguagem
além do que apenas um objeto de ensino, pois nesta perspectiva,
como aponta Mendes (2011, p. 140), a língua passa a ser uma
ponte de acesso ou ainda “[…] uma dimensão mediadora entre
os sujeitos e os diferentes mundos e culturas. Não obstante,
essas interações interculturais surgem por meio das relações
de diálogo durante a interação”.
Entender a Língua Portuguesa não somente como um

22
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

objeto de ensino implica ainda que o professor realize as


mediações, de modo a trabalhar a interculturalidade em sala de
aula, com atividades dinâmicas e lúdico-didáticas, ampliando
territorialidades, ao mesmo tempo em que aborda elementos
linguísticos e gramaticais na apropriação da língua.
Segundo Aquino (2012, p. 147), “[…] o estudo de uma
língua estrangeira não se restringe apenas à investigação dos
aspectos lexicais e gramaticais, mas também à integração entre
cultura e sociedade […]”. Essa integração, priorizada durante
as aulas, oportuniza aos alunos o contato com a cultura do
país/região, com as construções históricas e sociais, com as
representações existentes. Afinal, não é possível a apropriação
nem o aprendizado de uma língua sem o conhecimento desses
aspectos culturais.
A essência do jogo desenvolvido está na articulação dos
diferentes usos dos fonemas do par [s] e [z] e a correspondência
com as consoantes através dos grafemas que os representam.
Por fim, destacamos que a proposta apresentada se trata de
um jogo com enfoque interculturalista, na perspectiva da base
linguística da fonologia e sua influência na aquisição do sistema
ortográfico convencionado.

METODOLOGIA

Considerando a problematização apresentada sobre a


utilização do lúdico a favor do aprimoramento da relação
ensino-aprendizagem, a presente proposta encontra eco na
busca da superação das questões levantadas no diagnóstico
realizado junto aos alunos de 6ª ano de uma escola do Paraná,
como já dito anteriormente.
“Qual é a letra?” é um jogo de tabuleiro que possui como
finalidade pedagógica trabalhar as dificuldades ortográficas
no uso das letras “s”, “ss”, “sc”, “c”, “ç”, “sç”, “x”, “xc” e “z”, a
partir da simulação de uma viagem pelo território brasileiro
com visitação a pontos turísticos de todas as regiões do país. O

23
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

vencedor será o jogador que terminar primeiro a sua viagem.


O jogo tem o mínimo de dois e o máximo de quatro
participantes (turistas) por grupo que avançarão nas casas do
tabuleiro conforme a resposta em acordo com a convenção
gráfica das palavras propostas. Os materiais que compõem o
jogo são: um tabuleiro (Apêndice A), quatro peões coloridos
representando cada turista (amarelo, azul, verde e vermelho),
um dado, cinco cartas com imagens (Apêndice B), seis cartas
com nomes de pontos turísticos do Brasil (Apêndice C) e noventa
cartas com palavras objeto da aprendizagem ortográfica
(Apêndice D).
Antes de iniciar a partida, cada jogador escolherá um peão
e irá posicioná-lo no tabuleiro no local denominado “Início da
viagem”. Após o posicionamento dos peões, as cartas devem ser
separadas conforme sua categoria: imagens, pontos turísticos
e palavras. As duas primeiras deverão ficar espalhadas ao
redor do tabuleiro, próximas às suas respectivas casas, com as
imagens/nomes virados para cima. Segue abaixo um modelo
de carta “imagens” e um modelo de carta “pontos turísticos”
(Imagem 1).

Imagem 1 – Modelo de carta “imagens” e um modelo de


carta “pontos turísticos”.

FRENTE VERSO FRENTE VERSO

PONTE
OPS! OPS!
HERCÍLIO LUZ
O A PONTE ESTÁ
FAMOSO PONTO
SEMÁFORO
TURÍSTICO DO
ESTÁ ENGARRAFADA.
ESTADO DE
FECHADO VOLTE PARA
SANTA CATARINA
PARA VOCÊ. O INÍCIO DA
LOCALIZADO
FIQUE UMA VIAGEM.
NA CIDADE DE
RODADA
FLORIANÓPOLIS.
SEM JOGAR

Fonte: Autores.

24
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

As cartas “palavras” deverão ficar uma em cima da outra,


sobre a mesa, com as cartas de palavras incompletas viradas
para cima de maneira que o jogador da vez não veja a resposta
no verso da carta. Observe, a seguir, dois exemplos (Imagem 2)
dessa categoria de cartas.

Imagem 2 – Modelos de cartas “palavras”.

Z
S
ACERTOU?
DESPE_A ACERTOU? NARI_
AVANCE 1 AVANCE 1
CASA CASA.

Fonte: Autores.

Após a escolha dos peões e a organização das cartas, os


jogadores disputarão a primeira jogada, lançando o dado.
Aquele que obtiver o maior número iniciará a partida. Após a
primeira jogada, o participante da sua esquerda jogará de modo
que as rodadas seguirão em sentido horário.
O participante que iniciará o jogo deverá lançar o dado
e avançar o número de casas indicado pelo dado. Após o
deslocamento, caso pare numa casa numerada, o jogador da
sua esquerda escolherá alguma carta do monte “palavras”,
tomando o cuidado de só mostrar ao adversário a parte da
frente da carta. Ele deverá dirigir-se ao participante da vez em
alto e bom som: “A palavra é (ler a palavra) … Qual é a letra?”.
O jogador da vez, ao ouvir o som da palavra e visualizá-la de
forma incompleta na frente da carta, deverá responder em voz
alta qual letra ou quais letras estão faltando na palavra. Caso
acerte, o participante avançará a quantidade de casas indicadas
no verso da carta. Caso o jogador expresse oralmente uma letra
diferente da resposta esperada em relação à grafia em vigor,
deverá permanecer na casa onde estava e, na próxima vez,

25
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

antes de lançar o dado, deverá completar outra palavra de uma


nova carta retirada do monte por seu adversário. Se o jogador
cair em uma casa onde há uma imagem ou um ponto turístico,
deverá pegar a respectiva carta, ler em voz alta o que está escrito
e seguir as instruções contidas.
Cada carta do tipo ponto turístico ou imagem deverá
ser entregue ao primeiro participante que passar pela casa,
devendo mantê-la sob sua guarda até o final do jogo, quando
todos os jogadores tiverem terminado a viagem.
Os demais participantes que passarem pelas casas
cujas cartas já foram retiradas do jogo deverão responder o
questionamento de uma carta “palavra” retirada do monte pelo
participante da sua esquerda.
Com esta proposta pedagógica pretende-se viabilizar a
experimentação e a apropriação do sistema escrito normatizado,
a partir de uma atividade lúdica, na perspectiva da língua em
uso, na medida em que simula a realização de uma viagem pelo
Brasil. Além de trabalhar as questões ortográficas, a atividade
trabalha com questões da cultura brasileira, uma vez que
apresenta pontos turísticos das cinco regiões geográficas do
país, selecionados em função de apresentarem em seus nomes
alguma possibilidade de escrita do [s] ou do [z].
Pontuamos a necessidade de outras propostas, a partir
da perspectiva do jogo, da brincadeira ou do brinquedo,
considerando outros aspectos de enfoque interculturalista,
objetivando ampliar o espaço do lúdico durante as aulas de
Língua Portuguesa materna ou adicional.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os afastamentos da convenção para as diversas possibili-


dades de grafia do par [s] e [z] têm sido fonte de preocupação
por parte dos professores de Língua Portuguesa como língua
materna ou como língua adicional. Verificamos em nossa rea-
lidade, enquanto docentes, a recorrência de grafias que se dis-

26
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

tanciam da escrita enquanto convenção gráfica. Apesar de ana-


lisarmos um diagnóstico de alunos de 6° ano do Ensino Funda-
mental Anos Finais, sabemos e vivenciamos essa preocupação
que se estende muitas vezes por toda a vida escolar.
Evidenciamos, assim, que, mesmo em anos e períodos mais
avançados, os alunos necessitam de mediações por parte do
professor, em relação ao processo de aquisição das convenções
gráficas não somente do par [s] e [z], como outras trocas que
ocorrem na utilização do sistema escrito em uma sociedade
grafocêntrica.
A partir do reconhecimento da natureza desses afastamen-
tos ortográficos, o professor pode propor atividades significati-
vas que façam o aluno tomar consciência e refletir sobre suas
escolhas na escrita. Diante desta consideração, apresentamos
neste capítulo uma proposta lúdica que busca oportunizar ao
aluno a vivência da palavra escrita em situação distensa, ca-
racterística do jogo ou da brincadeira, especialmente sobre a
escolha de uma ou outra letra para a grafia de certas palavras
que registrem o [s] ou o [z], assim como a ponderação de ques-
tões sobre a postura do professor no que diz respeito ao diálogo
necessário para o entendimento das hipóteses que os alunos
constroem ao escrever de uma ou outra forma.
Com a finalidade de oportunizar uma melhor apropriação
do sistema escrito, este estudo apresentou como proposta de
trabalho pedagógico um jogo, por entender que “é preciso que
os profissionais de educação reconheçam o real significado do
lúdico para aplicá-lo adequadamente, estabelecendo a relação
entre o brincar e o aprender” (SANTOS, 2001, p. 15).
Independentemente da idade, a ludicidade é indispensável
ao ser humano. As atividades lúdicas proporcionam diversão,
prazer e momentos propícios à criatividade, ao raciocínio, à
coordenação motora, à afetividade, ao desenvolvimento cogni-
tivo, psicomotor e afetivo, de modo que devemos considerá-las
como aliadas do processo de construção do conhecimento.
O lúdico-didático dialoga com a proposta de atividade di-

27
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

nâmica, significativa para o ensino de Português como língua


adicional, contribuindo, deste modo, com professores que atu-
am nestes ambientes multilíngues na contemporaneidade com
alunos de diferentes nacionalidades. O jogo com o viés inter-
cultural envolve o aluno na interação específica de linguagem
enquanto prática social, também nas particularidades culturais
e territorialidades da Língua Portuguesa em aquisição, além de
refletir e tomar consciência das convenções gráficas do [s] e do
[z], que são questões linguísticas, lexicais, gramaticais e fonéti-
co-fonológicas do Português.
Por fim, a desconstituição do erro tanto na língua falada
como na língua escrita é um caminho que precisa sair do
restrito campo de publicações acadêmicas para fomentar
mais discussões nas redes de ensino, nos cursos de formação
de professores, para que, então, com autonomia, coerência,
ludicidade e conhecimentos, os docentes adotem metodologias
e materiais didáticos que ultrapassem os limites do ensino de
Língua Portuguesa centrado numa estéril descrição da língua,
acompanhando os avanços da linguística teórica e aplicada e da
sociolinguística.

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APÊNDICE A – Tabuleiro do jogo “Qual é a letra?”

30
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

APÊNDICE B – Cartas do tipo Imagens

APÊNDICE C – Cartas do tipo Pontos turísticos

31
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

APÊNDICE D – Cartas do tipo Palavras

32
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

33
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

34
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

35
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

b
36
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

PONTUAÇÃO: UMA PROPOSTA LÚDICA ACERCA DO


USO DA VÍRGULA EM PRODUÇÕES TEXTUAIS DE
ESTUDANTES DO ENSINO FUNDAMENTAL II

Elizete Soares Geraldi 1


Paulo Henrique Lohn 2

Questão de pontuação

Todo mundo aceita que ao homem


Cabe pontuar a própria vida:
Que vive em ponto de exclamação
(dizem: tem alma dionisíaca);
Viva em ponto-de-interrogação
(foi filosofia, ora é poesia);
Viva equilibrando-se entre vírgulas
E sem pontuação (na política):
O homem só não aceita do homem
Que use a só pontuação fatal:
Que use, na frase que ele vive,
O inevitável ponto-final.
(1981-1983)
(MELO NETO, 1994, p. 582-583)

presente capítulo apresenta, primeiramente, os


resultados de um levantamento feito em textos
de alunos dos anos finais do Ensino Fundamen-
tal, cujo objetivo foi identificar as ocorrências de fenômenos
relativos ao uso dos sinais de pontuação, especialmente da vír-
gula, para, na sequência, demonstrar a elaboração e a execução
de uma sequência didática que esclareça por que os fenômenos

1
Mestranda do PROFLETRAS – Mestrado Profissional em Letras – da UFSC – elizete.prof.
soares@gmail.com.
2
Mestrando PROFLETRAS – Mestrado Profissional em Letras – da UFSC – pauloh_lohn@
hotmail.com.

37
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

ocorrem e a melhor forma de entendê-los e, assim, contribuir,


por meio de uma atividade lúdica, para uma reflexão sobre o
uso que os estudantes fazem da vírgula em seus textos escritos
e a importância desse uso para o processamento de sentidos.
Para tanto, fundamentamos este trabalho em estudiosos
da língua, como: Celso Cunha e Lindley Cintra (1985); C. H. da
R. Lima (1992); Antoni Zabala (1998); José Carlos de Azeredo
(2018), Terra (1996), Mesquita (1996), Luft (1996) e Borgatto,
Bertin e Marchezzi (2015), por meio dos quais embasamos
as discussões referentes à importância do entendimento e
do ensino dos usos da vírgula e a contribuição dos processos
reflexivos para a construção da linguagem escrita.
Nesse sentido, utilizamos o livro didático nas duas escolas
que fazem parte deste trabalho, o livro didático de Língua
Portuguesa “Projeto Teláris: português – ensino fundamental”
do 8º ano, das autoras Ana Maria Trinconi Borgatto, Terezinha
Costa Hashimoto Bertin e Vera Lúcia de Carvalho Marchezzi
(2015), uma vez que possibilita uma reflexão a partir das
interações com outros textos que dialogam sobre o assunto.
Objetivamos estimular a reflexão acerca dos fenômenos
que surgem na elaboração do texto escrito, especificamente no
que se refere ao uso da vírgula, a partir das diferentes variações
linguísticas existentes. Portanto, mais que ensinar a usar o
recurso da vírgula nas situações linguísticas, objetivamos
estimular uma reflexão acerca desses usos. Assim, o estudante
poderá contextualizar suas experiências com as reflexões sobre
os usos da vírgula, para que a aprendizagem se concretize.
Segundo Celso Cunha e Lindley Cintra (1985), a vírgula
marca uma pausa de pequena duração. Emprega-se não só
para separar elementos de uma oração, mas também orações
de um só período. Logo, percebe-se a importância da vírgula
no processo de entendimento do texto, visto que a relação entre
leitor e autor é fundamental para que haja a aprendizagem,
já que a vírgula indica uma pausa, estabelece fronteira entre
os elementos sintáticos e é responsável pelo sentido geral do

38
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

texto e seu uso inadequado pode comprometer o sentido do


mesmo. Ainda que a definição de Cunha e Cintra (1985) seja
esclarecedora em alguma medida, a prática de escrita em que
o uso da vírgula pode ser exercitado é fundamental tanto para
que o aluno consiga expressar com alguma exatidão os sentidos
pretendidos como para a tomada de consciência de como
operar com esse indicador de pausa e sua consequente marca
sintática.
Com o objetivo de propor atividades para que os nossos
alunos experienciassem o uso da vírgula de modo mais distenso,
elaboramos uma sequência didática com o intuito de provocar
reflexões acerca dos fenômenos linguísticos encontrados na
produção de textos dos nossos alunos, considerando que, com
as práticas promovidas, poderemos ampliar os resultados de
aprendizagem.

O EMPREGO DA VÍRGULA

Segundo os autores Cunha e Cintra (2001), Terra (1996) e


Mesquita (1996), a vírgula é empregada para expressar uma
pequena e breve pausa. Luft (1996, p. 7), no entanto, afirma
que “a nossa pontuação –– pontuação em língua portuguesa
–– obedece a critérios sintáticos, e não prosódicos”, isto é, ao
pontuar, não seguimos características sonoras da fala. Levamos
em consideração, na realidade, as relações sintáticas dos
termos que constituem a oração. Nesse sentido, esse vínculo
que se estabelece entre pausa rítmica da oralidade e vírgula é
responsável pela maioria dos desvios no que se refere ao uso da
vírgula que, consoante o autor, é um “sinal de pontuação que
indica falta ou quebra de ligação sintática no interior das frases”
(LUFT, 1996, p. 9). Logo, a vírgula é empregada em situações
de construção de apostos, orações coordenadas assindéticas,
vocativos, movimentações de termos como adjuntos adverbiais,
enumeração de termos de uma mesma função sintática,
evidenciar elipses etc.

39
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

O autor também explica que as frases podem estar


constituídas por quatro casas que são ocupadas por termos que
fazem parte da oração: na primeira casa estaria o sujeito; na
segunda, o verbo; na terceira, os complementos; e, na quarta,
as circunstâncias. Já Bechara (2009, p. 582) afirma que essa
estrutura está em ordem direta, pois “consiste em enunciar,
no rosto da oração, o sujeito, depois o verbo e, em seguida, os
seus complementos”, isto é, segue a sequência SVC (sujeito ––
verbo –– complementos). Se, no entanto, a sequencialidade dos
termos da frase apareça diferente dessa ordem, então ocorre o
que chamamos de ordem inversa ou ocasional.
De acordo com Mesquita (1996), as vírgulas, entre os termos
da oração, servem para isolar o vocativo, o aposto e os adjuntos
adverbiais que surgem no início ou no meio de orações; para
separar os termos de uma enumeração quando têm a mesma
função sintática; para separar os nomes de lugar nas datas e
nos endereços; para indicar a elipse, ou seja, a supressão de um
termo da oração; para isolar palavras e expressões explicativas
ou conclusivas. O autor afirma ainda que a vírgula deve ser
utilizada para organizar as orações coordenadas assindéticas,
pois são independentes e necessitam de organizadores. Mesquita
(1996) explica que a vírgula também tem a função de separar
as orações subordinadas adjetivas explicativas e as orações
subordinadas adverbiais, principalmente quando aparecem
antes da oração principal, assim como deve ser aplicada entre
as orações intercalares ou interferentes. Para outro autor, Terra
(1996, p. 335), há de se utilizar a vírgula entre “os termos que
se intercalam na ordem direta, quebrando a sequência natural
da frase”, no caso do aposto intercalado; com as expressões
de caráter explicativo ou corretivo; com as conjunções
coordenativas e com os adjuntos adverbiais intercalados. Nesse
sentido, Terra (1996, p. 335) esclarece que “as orações que
compõem um período podem ser separadas por vírgulas ou
não, dependendo do tipo de cada oração”, devendo ser utilizadas
entre as orações subordinadas adjetivas explicativas, as orações

40
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

subordinadas adjetivas restritivas, adverbiais e substantivas, se


estendendo às orações coordenadas e nas intercaladas.
Na sequência, estudamos o renomado autor Bechara
(2009), que explica a vírgula como parte do grupo de sinais
de pontuação considerados fundamentalmente separadores,
cuja função é ser usada na separação de termos coordenados,
mesmo que estejam organizados por uma conjunção;
assim como para separar orações coordenadas aditivas ou
alternativas, quando pronunciadas com pausa; também nas
aposições, exceto no aposto especificativo. O autor especifica
as situações em que o uso da vírgula se faz necessário, quais
sejam: para separar os pleonasmos; nos casos em que é preciso
isolar ou intercalar vocativos; assim como separar as orações
adjetivas de valor explicativo; e ainda para separar as orações
adjetivas restritivas, especialmente nos casos em que há verbos
de duas orações diferentes se encontrando; para separar
orações intercaladas, os adjuntos adverbiais que antecedem o
verbo e as orações adverbiais que se posicionam antes ou no
meio da oração principal; para separar o nome do lugar nas
datas; para separar as partículas e expressões de explicação,
correção, continuação, conclusão, concessão; para separar as
conjunções e advérbios adversativos; para indicar a elipse do
verbo; para desfazer possível má interpretação resultante da
distribuição irregular dos termos da oração; para assinalar a
interrupção de um segmento natural das ideias e se intercala
um juízo de valor ou uma reflexão subsidiária.
Dando continuidade aos estudos sobre vírgula, identificamos
que, para Cunha e Cintra (2001), a vírgula é uma marca de breve
duração, devendo ser usada para separar elementos de uma
mesma oração e orações de um só período. Os autores explicam
que, no interior de uma oração, a vírgula objetiva separar
elementos com a mesma função sintática, a menos que sejam
ligados pelas seguintes conjunções: “e”, “ou”, “nem”; também
para separar o aposto ou outro elemento de valor explicativo;
serve também para isolar o vocativo; isolar palavras repetidas;

41
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

isolar o adjunto adverbial anteposto; separar o nome do local


em datas; e indicar a omissão de um termo, normalmente um
verbo.
Ao se considerar o período composto, Cunha e Cintra (2001)
observam que à vírgula cabe separar orações coordenadas
assindéticas e sindéticas, por exemplo, as orações coordenadas
que possuem sujeitos diferentes e que são ligadas pela conjunção
“e” ou quando a conjunção é utilizada diversas vezes. Afirmam
que se deve usar a vírgula para isolar as orações intercaladas;
isolar as orações subordinadas adjetivas explicativas; separar
as orações subordinadas adverbiais, principalmente quando
estão antepostas à oração principal; e também para separar
as orações reduzidas, nos casos em que forem equivalentes às
orações adverbiais.
Cunha e Cintra (2001) esclarecem que toda a oração ou
termo da oração explicativa deve ocorrer entre pausas e,
portanto, precisam ser isolados por vírgulas na escrita. Para
os autores, não se separam por vírgulas os termos essenciais
e integrantes da oração, uma vez que entre eles não há pausa.
Nessa perspectiva, não é admissível o emprego da vírgula entre
a oração subordinada substantiva e a oração principal. Logo,
Cunha e Cintra (2001) enfatizam que há poucas situações em
que o emprego da vírgula não representa uma pausa real na
fala.
Já Cegala (2008) afirma que a vírgula é usada basicamente
para separar orações e elementos de uma oração, como para
separar palavras ou orações justapostas assindéticas; orações
intercaladas e outras de caráter explicativo; ainda deve ser
utilizada para separar as orações adverbiais reduzidas da sua
principal; os vocativos da oração; os apostos e determinados
predicativos; além de separar certas expressões explicativas
ou retificadas, como: “isto é”, “a saber”, “por exemplo”, “ou
melhor”, “ou antes”, “entre outras”; deve também ser utilizada
para marcar a existência de um termo elíptico; separar termos
que se deseja ressaltar; e separar o nome do lugar, quando se

42
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

escrevem as datas; para separar orações adjetivas explicativas;


separar determinadas conjunções propositivas, como: “porém”,
“contudo”, “pois”, “entretanto”, “portanto”, entre outras; para
separar os elementos justapostos de um provérbio; deve ser
utilizada para separar orações adverbiais desenvolvidas e os
adjuntos adverbiais.
Para o autor há três situações em que não se deve usar a
vírgula: entre o sujeito e o verbo da oração, a menos que estejam
separados por um adjunto ou por uma oração; entre os verbos
e os seus complementos verbais; e, normalmente, antes das
orações adverbiais consecutivas.

SITUAÇÕES EVIDENCIADAS NOS TEXTOS PRODUZIDOS


PELOS ALUNOS

Por meio do trabalho com sequências didáticas que


envolveram a leitura e produção de textos de gêneros discursivos
diversos (notícia e autobiografia), pudemos constatar que
nossos alunos apresentaram dificuldades relativas à ausência
da vírgula para separar elementos de uma enumeração e isolar
vocativos, bem como seu uso fora da norma, separando sujeito
e verbo, conforme é possível verificar nos trechos abaixo
(Quadros 1 a 4):

Quadro 1 – Aluno A – Anos finais – Escola pública da


Grande Florianópolis

Os alunos da xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx, começaram os ensaios


para o Desfile Cívico. Reunindo todas as turmas e a fanfarra para o
evento. Que será no dia 07 de setembro, com início às 9:00 horas da
manhã, na sede do município. Em homenagem a pátria e aos 190
anos de imigração alemã.

Fonte: Autores.

43
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

Quadro 2 – Aluno B – Anos finais – Escola pública da


Grande Florianópolis

A prefeitura municipal, assinou a escritura da compra e venda da


edificação que abrigava a Casa da Cultura em São Pedro de Alcântara,
ás 14 horas do dia 30/05

Fonte: Autores.

Quadro 3 – Aluno A – Anos finais da EJA– Escola pública da


Grande Florianópolis

Nicoly me trouxe esperança felicidade equilíbrio me ensinou


o verdadeiro significado de AMAR, e me fez renascer. Depois de
“renascer” mudei consegui me sentir feliz de novo depois de muito
tempo em depressão eu consegui ser

Fonte: Autores.

Quadro 4 – Aluno B – Anos finais da EJA– Escola pública da


Grande Florianópolis

Oi meu nome Aline aqui vou contar um Pouco sobre minha


história, de vida naci Em Florianópolis mais moro em Barreiros São
José, SC. Sou casada há 8 anos tenho um Filho e meu esposo também
tem um Filho

Fonte: Autores.

PERFIS DAS ESCOLAS E DOS ESTUDANTES

O corpus do presente estudo é constituído por produções


escritas de duas escolas de educação básica da mesorregião da
grande Florianópolis, pertencentes à rede pública municipal.
Identificaremos, a partir de agora, as escolas como Escola A e

44
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

Escola B. Foram observados 49 textos com a finalidade de iden-


tificar os fenômenos gramaticais mais recorrentes.
A escola A é uma unidade de ensino regular. É a única
escola municipal que atende a estudantes de todas as classes
do Ensino Fundamental (1º ao 9º ano). Conta, atualmente,
com 322 estudantes, os quais são oriundos, em sua maioria,
do próprio município, bem como há alguns provenientes da
cidade limítrofe.
O Projeto Político Pedagógico3 (PPP) apresenta como
concepções norteadoras do processo de ensino e aprendizagem
“uma perspectiva histórico-cultural e sócio-interacionista”
(PPP, 2019, p. 12). Aliás, no mesmo documento, é elencado o
objetivo geral da instituição, o qual menciona:

A nossa Escola tem como compromisso oferecer um ensi-


no de qualidade e uma aprendizagem mais significativa, por
meio de práticas pedagógicas que proporcionem a constru-
ção do conhecimento, o exercício da cidadania e o desenvol-
vimento da capacidade crítico-reflexiva frente às questões
políticas, sociais, ambientais e culturais, valorizando a co-
munidade escolar e o reconhecimento do trabalho docente.
(PPP, 2019, p. 12).

Os materiais escritos selecionados dessa escola foram pro-


duzidos por 24 educandos da turma 81 (8º ano matutino), com
faixa etária de 13 e 14 anos. O gênero textual notícia foi mote
das criações dos alunos. Perante questões sociais, torna-se im-
portante registrar que a classe é composta por 14 meninos e 10
meninas, os quais têm suas moradias situadas, predominante-
mente, em regiões urbanas. As rendas das famílias variam en-
tre 03 e 05 salários mínimos mensais. Com relação à estrutura
familiar, 92% da turma têm os pais casados e residem com os
mesmos.
3
O documento PPP (2019) é da unidade de ensino em que foi feito o levantamento de
dados. O nome da escola foi omitido para preservar a identidade dos participantes, por
isso justifica-se a não referenciação do Projeto Político Pedagógico.

45
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

A outra unidade de ensino, escola B, também é pública mu-


nicipal e atende aproximadamente a 550 estudantes do Ensino
Regular de 1º a 9º anos, sendo que oferece educação integral
em tempo integral aos estudantes do Fundamental I. As aulas
da EJA acontecem no período noturno e as turmas são compos-
tas, em média, por 20 alunos, em sua maioria, trabalhadores
ou egressos das turmas regulares do diurno. O público desta
modalidade de ensino é, em grande parte, do próprio bairro e
alguns de outros estados, que migraram em busca de melhores
condições de vida. Nesse sentido, a idade dos estudantes está
entre 16 e 29 anos, com bem poucos acima desta faixa etária.
É importante destacar que os textos foram resultados
de produções escritas de 15 estudantes do 8º ano, sendo 10
meninos e 5 meninas, e 10 do 9º ano (dos quais 6 meninas e
4 meninos) da Educação de Jovens e Adultos, do período
noturno. O cenário da Educação de Jovens e Adultos tem uma
característica bem marcante que é a rotatividade de estudantes
nas aulas, sendo bastante comum ter por volta de 10 alunos
que frequentam regularmente e os outros 10 com ausências
constantes, dificultando um fazer pedagógico contínuo. Por
este motivo é necessário realizar, em quase todas as aulas, uma
retomada do que foi trabalhado na aula anterior para colocar
todos a par do contexto em pauta e, assim, garantir a execução
da sequência didática.
Outrossim, vale ressaltar que a leitura literária não é uma
prática habitual dos estudantes da EJA, refletindo nas produções
autorais a ocorrência de fenômenos linguísticos próprios desta
lacuna. Além disso, seu percurso escolar foi obstaculizado por
fatores sociais e familiares, o que gerou uma fragmentação no
processo de aprendizagem.

46
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

DAS PROPOSTAS DE PRODUÇÕES TEXTUAIS

Os textos produzidos pelos estudantes são oriundos de tra-


balhos docentes realizados por meio de sequências didáticas,
as quais, fundamentadas em Schneuwly e Dolz (2004), enten-
dem que a ação pedagógica através de gêneros textuais possibi-
lita o acesso às mais diversificadas práticas de linguagem, uma
vez que a comunicação oral e escrita é um mecanismo de inte-
ração social.

Elas [sequências didáticas] buscam confrontar os alunos


com práticas de linguagem historicamente construídas, os
gêneros textuais, para lhes dar a possibilidade de recons-
truí-las e delas se apropriarem. Essa reconstrução realiza-
-se graças à interação de três fatores: as especificidades das
práticas de linguagem que são objeto de aprendizagem, as
capacidades de linguagem dos aprendizes e as estratégias
de ensino propostas pela sequência didática. (SCHNEUWLY;
DOLZ, 2004, p. 51).

Torna-se relevante mencionar que os fazeres pedagógicos


adotados assumiram o pressuposto de tomar sempre o texto
como ponto de partida e de chegada para a sequência didática.
No caso da Escola A – em consonância com o preconizado
pela Proposta Curricular do município, com o plano de ensino
anual da unidade de Língua Portuguesa e com o livro didático
adotado Teláris (2015 – 2018) –, a turma do oitavo ano concentrou
seus estudos no gênero notícia. O objetivo era levar o educando
a identificar uma notícia, entender sua finalidade discursiva,
assimilar sua estrutura composicional e produzir uma tendo
como temática algum fato relevante da cidade alcantarense.
A sequência didática foi estruturada e executada de acordo
com as etapas e as atividades do quadro abaixo (Quadro 5):

47
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

Quadro 5 – Sequência didática da Escola A.

Etapas
do Atividades Propostas
Ensino
– Leitura, por meio de projeção na sala de informática, de
textos (notícias).
1ª – Identificação de semelhanças (linguagem, estrutura etc.)
entre as produções escritas.
– Elencar a finalidade discursiva/enunciativa dos textos.
– Apresentar a pirâmide invertida do gênero notícia,
explicando a importância dos itens como: título, subtítulo,
lide e corpo de notícia.
– Solicitar a pesquisa, em casa, de uma notícia para recortar
2ª e colar no caderno. Além disso, cada estudante deveria, após
a leitura, responder as questões: 1) O que foi noticiado?; 2)
Onde ocorreu o fato?; 3) Quando aconteceu?; 4) Quem estava
envolvido?; 5) Como se deu o episódio e o porquê?; 6) Qual o
leitor que se pretende atingir?
– Socializar a tarefa de casa.
– Propor o levantamento de dados, em casa ou na
comunidade, de alguma notícia verídica e atual ocorrida no

município em que foi desenvolvida a atividade, a qual não
deveria ter sido redigida em nenhum meio de comunicação
( jornal, revista, sites oficiais).
– Produzir, em sala de aula, a notícia, tendo como base os
dados elencados.

– Reescrever a notícia após a devolutiva avaliativa do
professor.
– Produzir, com auxílio da professora de informática
5ª educativa, um jornal escolar para propiciar a divulgação das
notícias elaboradas pelos alunos.

Fonte: Autores.

Os estudantes do 8º e 9º anos da Educação de Jovens e Adul-


tos da Escola B realizaram nas aulas de Língua Portuguesa a
produção de textos a partir de sua própria história de vida, tra-
balhando com o gênero autobiografia.
Importante mencionar que as turmas da EJA não fazem uso
de livro didático, portanto, os textos utilizados como base para
motivação e introdução da sequência didática são selecionados

48
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

pela professora. A sequência didática foi utilizada com o


objetivo de que os estudantes de 8º e 9º anos das turmas de
Educação de Jovens e Adultos tivessem contato com o gênero
biografia, identificassem suas características, sua estrutura
composicional e, a partir desse conhecimento, produzissem
um texto sobre sua própria vida, relatando sua origem,
experiências e situações vivenciadas.
Nesse sentido, assim foi planejada e executada a sequência
didática (Quadro 6) que culminou na produção dos textos que
foram alvo dos fenômenos identificados.

Quadro 6 – Sequência didática da Escola B.

Etapas
do Atividades Propostas
Ensino

– Apresentar o documentário da biografia de uma


personalidade (sala de vídeo);
– Leitura de dois textos autobiográficos de personalidades
famosas, selecionados pela professora e entregues aos

estudantes;
– Reconhecimento de semelhanças entre os textos, quanto à
forma e o que contém.
– Explicar os objetivos desse tipo de texto.

– Cada estudante deverá retirar dos dois textos entregues as


principais informações sobre a biografia, em sala de aula;

– A professora mediará discussão para estimular a
compreensão dos textos.
– Produzir, em sala de aula, uma autobiografia, baseando-se

nas informações contidas nos textos lidos.
– Após a devolutiva do texto pela professora, com as devidas

orientações, reescrevê-lo.
– Na sala de informática, passar o texto para o Word, formatar,

emoldurar, para a inserção no livrinho de textos da sala.

Fonte: Autores.

49
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

PROPOSIÇÕES PEDAGÓGICAS

No intuito de trabalhar com as regularidades da Língua


Portuguesa, buscando minimizar as ocorrências fora da norma
de referência de uso da língua produzidas pelos estudantes em
relação ao uso da vírgula, propusemos uma ação pedagógica
voltada para quatro momentos: a) conscientização da relevância
da vírgula para a construção de sentidos; b) realização de
dinâmicas em sala de aula, cujos objetivos reflitam na percepção,
em especial no momento da escrita, das diferentes situações
apresentadas e como elas só podem ser percebidas através
do uso da vírgula; c) associação das atividades práticas com
conceitos gramaticais referentes às questões de utilização da
vírgula em vocativos e em enumerações de termos, bem como
a não possibilidade de uso entre sujeito e verbo; d) reescrita de
texto, oportunidade em que o aluno reescreverá sua produção
textual.
Torna-se necessário destacar que utilizaremos a sequência
didática como proposta metodológica para a organização das
ações. Sua definição é entendida como: “um conjunto de ativi-
dades ordenadas, estruturadas e articuladas para a realização
de certos objetivos educacionais, que têm um princípio e um
fim conhecidos tanto pelos professores como pelos alunos.”
(ZABALA, 1998, p. 18).

O JOGO E A BRINCADEIRA COMO RECURSOS DIDÁTICOS

“O jogo é um caso típico das condutas negligenciadas pela


escola tradicional, dado o fato de parecerem destituídas de
significado funcional.” (PIAGET, 1985, p. 158)

Conforme Fontana e Cruz (1997), é extremamente comum


depararmo-nos com três compreensões bastante divergentes
quanto ao jogo e a brincadeira no espaço escolar. Há aqueles que
entendem como sendo o recreio o único momento destinado

50
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

para essas práticas, uma vez que a escola é local para aprender
e não para brincar. Outros reconhecem como primordial às
crianças o ato de brincar, porém defendem a importância de
existirem espaços temporais distintos para tal, pois, além de
entenderem como importante considerar a idade e a série do
estudante, também argumentam ser fundamental separar a
hora destinada a brincar da hora de estudar, evitando possíveis
prejuízos no planejamento docente. Desse modo, deixam
claro que não vislumbram a brincadeira como algo possível
para todos os anos ou séries da educação básica, assim como
apontam a inviabilidade de fomentar o aprendizado através
de atividades lúdicas. Por sorte, há um terceiro grupo cujo
entendimento introduz a concepção do aprender brincando,
objetivando a relevância do processo de ensino aprendizagem
ser permeado por jogos, brinquedos e brincadeiras para
quaisquer estudantes, independentemente de idade ou etapa
escolar. Afinal, “valorizam a brincadeira e buscam evitar a
distinção entre jogo e ‘tarefas sérias’” (VOLPATO, 2017, p. 96).
Nesse caso, os jogos e brincadeiras das crianças podem e
devem ser introduzidos como recursos didáticos importantes,
pois “brincando a criança aprende” (VOLPATO, 2017, p. 96).
Torna-se prudente destacar que incorporar ao fazer
pedagógico o uso recorrente de jogos e brincadeiras não é
algo simples. Isso porque requer habilidades, competências,
técnicas e conhecimentos – quanto às inúmeras possibilidades
de desenvolvimento da criança, do estudante por meio desses
recursos – que o professor não se sente preparado ou seguro
para trabalhar, fazendo-o priorizar, quando recorre a atividades
lúdicas, aquelas de cunho cognitivo.

Certamente o brincar na escola não deve ser o mesmo que


brincar em casa ou na rua, pelo menos quando não se trata
do brincar na hora do recreio, pois o cotidiano escolar tem
características e funções que a definem enquanto instituição
formadora, responsável pela socialização do conhecimento

51
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

historicamente produzido. Esse objetivo da escola faz com


que, na maioria dos casos, o professor se defronte com
dificuldade de conciliá-lo com o jogo e a brincadeira. Por isso,
o jogo e a brincadeira são negados ou vinculados somente
a objetivos didáticos, privilegiando-se assim a atividade
cognitiva, em detrimento de seu caráter lúdico. […] O risco
que se corre nesse tipo de atividade é que os procedimentos
utilizados para a sua execução, muitas vezes, não vêm ao
encontro de uma proposta que tem o jogo e a brincadeira
como mediadores de aprendizagens significativas para as
crianças, justamente por não assegurarem as características
do jogo (VOLPATO, 2017, p. 114).

Tomar ciência do brincar como meio termo entre diversão


e trabalho/aprendizagem possibilita a redução das distâncias
existentes entre as noções de atividades sérias e lazer. Logo,
jogar no ambiente educacional, por exemplo, já ganha um novo
conceito, uma vez que para Kishimoto (1994, p. 13):

O jogo como promotor de aprendizagem e do desenvolvimento


passa a ser considerado nas práticas escolares como aliado
importante para o ensino, já que coloca o aluno diante de
situações lúdicas. O jogo pode ser uma boa estratégia para
aproximá-lo dos conteúdos culturais a serem vinculados na
escola.

Por sua vez, Vygotsky (1998, p. 81) menciona que:

O brincar é fonte de desenvolvimento e de aprendizagem,


constituindo uma atividade que impulsiona o desenvolvi-
mento, pois a criança se comporta de forma mais avançada
do que na vida cotidiana, exercendo papéis e desenvolvendo
ações que mobilizam novos conhecimentos, habilidades e
processos de desenvolvimento e de aprendizagem.

52
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

Brincadeiras e jogos são excelentes aliados também para


uma aprendizagem significativa, pois permitem ao aluno
internalizar de forma não arbitrária e não literal os saberes
propostos. Em suma, o lúdico possibilita o fornecimento de
novas estruturas e novos conhecimentos partindo de situações
descontraídas, relacionáveis e envolventes aos estudantes. Nas
palavras de Moreira (2006, p. 19, grifo do autor),

[…] uma das condições para ocorrência de aprendizagem


significativa é que o material a ser aprendido seja relacionável
(ou incorporável) à estrutura cognitiva do aprendiz, de
maneira não arbitrária e não literal. Um material com estas
características é dito como potencialmente significativo.

Enfim, segundo Volpato (2017, p. 115):

A situação ideal de aprendizagem é aquela em que a ativida-


de é significativa de tal modo que aquele que aprende a con-
sidera como um trabalho e como um jogo. Ao brincar com
quantidades, com a língua de seu país, com os elementos da
natureza e da cultura, as crianças estarão se relacionando
de maneira adequada e prazerosa aos muitos conteúdos […].

Concebendo a relevância proveniente de um ensino pautado


em jogos e brincadeiras, elaboramos nossas atividades, para o
estudo do emprego da vírgula, alicerçadas na ludicidade, mas
com vistas ao uso real do objeto de conhecimento em situações
de interações sociais. Cabe, ainda, reforçar que:

Jamais pense em usar os jogos pedagógicos sem um


rigoroso e cuidadoso planejamento, marcado por etapas
muito nítidas e que efetivamente acompanhem o progresso
dos alunos. […] Os jogos ou brinquedos pedagógicos são
desenvolvidos com a intenção explícita de provocar uma
aprendizagem significativa, estimular a construção de um

53
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

novo conhecimento (ANTUNES, 2002, p. 37-38).

DADOS INICIAIS

A temática da sequência didática foi intitulada: Pontuação


– Ênfase na Vírgula. O objetivo geral consiste em compreender
a relevância da pontuação, em especial da vírgula, para a
construção de sentidos. Já o objetivo específico está centrado na
apropriação do estudante em virgular vocativos e enumerações
de termos, bem como de não separar sujeito de verbo por meio
da vírgula.
Os recursos utilizados são: dinâmicas, quadro, giz, projetor,
livro didático, vídeo, papel pautado, caneta, lápis, borracha,
corretivo. A duração prevista para a execução dessa proposta é
de cinco aulas de quarenta e cinco minutos cada.
As turmas envolvidas e os gêneros textuais abordados para
reescrita são: 8º Ano da Escola A – com o gênero notícia; 8º e 9º
Anos (EJA) da Escola B – com o gênero autobiografia.

ATIVIDADES CONSCIENTIZADORAS

Nesse momento, uma estratégia é apresentar aos


estudantes, por meio de projeção em uma tela ou entregue em
texto impresso, uma história referente ao Mistério da Herança
(PONTUAÇÃO, 2011), na qual um homem muito rico, em
seus últimos instantes de vida, lembra que precisa elaborar
seu testamento. Então, ele solicita papel e caneta, mas, por
ansiedade, deixa todo o texto sem nenhuma pontuação e todo
escrito em caixa alta, ficando assim: “DEIXO MEUS BENS A
MINHA IRMÃ NÃO A MEU SOBRINHO JAMAIS SERÁ PAGA
CONTA DO PADEIRO NADA DOU AOS POBRES”. (PONTUAÇÃO,
2011, on-line)
Então, o passo seguinte é pedir aos alunos que simulem
pontuações, envolvendo pontos de exclamação, interrogação
e finais. Tudo para mostrar-lhes o poder de construção de

54
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

significados que há na pontuação.


Na continuidade, é exposta a versão que o sobrinho
pontuou, pensando em ser o beneficiado com a herança,
realizou: “DEIXO MEUS BENS A MINHA IRMÃ? NÃO! A MEU
SOBRINHO. JAMAIS SERÁ PAGA CONTA DO PADEIRO. NADA
DOU AOS POBRES.” (PONTUAÇÃO, 2011, on-line). Também a
versão com a pontuação feita pela irmã é apresentada: “DEIXO
MEUS BENS A MINHA IRMÃ. NÃO A MEU SOBRINHO. JAMAIS
SERÁ PAGA CONTA DO PADEIRO. NADA DOU AOS POBRES.”
(PONTUAÇÃO, 2011, on-line)
Em seguida, vai se mostrando a produção elaborada pelo
padeiro: “DEIXO MEUS BENS A MINHA IRMÃ? NÃO! A MEU
SOBRINHO? JAMAIS! SERÁ PAGA CONTA DO PADEIRO. NADA
DOU AOS POBRES.” (PONTUAÇÃO, 2011, on-line). E, por último,
a maneira de pontuar dos pobres: “DEIXO MEUS BENS A MINHA
IRMÃ? NÃO! A MEU SOBRINHO? JAMAIS! SERÁ PAGA CONTA
DO PADEIRO? NADA! DOU AOS POBRES.” (PONTUAÇÃO, 2011,
on-line)
Essa etapa inicial é finalizada, enfatizando aos educandos o
quão importante é a pontuação em nossos textos, uma vez que,
conforme Cunha e Cintra (1985, p. 57),

A língua escrita não dispõe dos inumeráveis recursos


rítmicos e melódicos da língua falada. Para suprir esta
carência, ou melhor, para reconstituir aproximadamente o
movimento vivo da elocução oral, serve-se da pontuação.

Para trazer a vírgula como foco de nossa ação pedagógica,


um texto é entregue aos estudantes: Uma vírgula muda tudo
(PROFESSORA KARINA, [2013?], on-line).

55
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

Texto: “CAMPANHA DOS 100 ANOS DA ABI (Associação


Brasileira de Imprensa).

Vírgula pode ser uma pausa … ou não.


Não, espere.
Não espere..
Ela pode sumir com seu dinheiro.
23,4.
2,34.
Pode criar heróis …
Isso só, ele resolve.
Isso só ele resolve.
Ela pode ser uma solução.
Vamos perder, nada foi resolvido.
Vamos perder nada, foi resolvido.
A vírgula muda uma opinião.
Não queremos saber.
Não, queremos saber.
A vírgula pode condenar ou salvar.
Não tenha clemência!
Não, tenha clemência!
Uma vírgula muda tudo.

(ABI: 100 anos lutando para que ninguém mude uma vírgula
da sua informação.)

Após a leitura, um diálogo deve ser estabelecido com a


turma a respeito dos distintos significados construídos a partir
da inserção da vírgula no período. Enfatizamos que virgular
é uma atividade bastante relevante para garantir que nossas
interlocuções sejam plenamente compreendidas.

56
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

DINÂMICAS

Na primeira dinâmica, começamos propondo aos estudan-


tes uma atividade lúdica com a qual todos contribuirão. Trata-
-se da dinâmica da Lista de Compras. Simulamos a necessidade
de irmos ao supermercado da cidade realizar uma grande com-
pra de produtos para nossa residência. Acrescentamos que to-
dos moram na mesma casa e, portanto, será uma lista coletiva.
Desse modo, não pode haver itens repetidos. Utilizamos o qua-
dro e o giz para registrar as mercadorias que serão adquiridas.
O professor inicia a confecção da lista de compras. Em seguida,
cada aluno anota seus itens.
Como segunda dinâmica, entregamos aos educandos papéis
com pequenos enunciados, os quais versam como comandos –
por meio do imperativo – ou como sentenças afirmativas. Essa
dinâmica tem o nome: O chefe manda ou o chefe afirma. Após a
distribuição, solicitamos que cada aluno leia o que há em seu
papel. Tudo é registrado no quadro para a visualização de todos.

VINCULAÇÃO DAS DINÂMICAS COM A GRAMÁTICA

O momento da sequência didática será de estabelecer


relações entre as dinâmicas realizadas e o que há na gramática
da Língua Portuguesa sobre o uso da vírgula. Para tanto,
recorremos ao seguinte conceito de Lima (1992, p. 459-460):

Usa-se a vírgula: 1) para separar os termos da mesma função,


assindéticos […]; 2) para isolar o vocativo […]; 3) para isolar
o aposto […]; 4) para assinalar a inversão dos adjuntos
adverbiais […]; 5) para marcar a supressão do verbo […].

Portanto, no caso da Lista de Compras, a concepção é a de


enumeração de termos da mesma função. Então, explicaremos
aos estudantes a necessidade do uso da vírgula para separá-los,
uma vez que são assindéticos.

57
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

Na situação de O chefe manda ou o chefe afirma, a ideia


norteadora é que os comandos, os pedidos – quando há algum
chamamento – constituem vocativos e, desse modo, o sujeito
ou o termo que está sendo chamado precisa ser virgulado. Em
contrapartida, nas situações de afirmações, a vírgula não será
utilizada, pois não se pode separar o sujeito do verbo. Nessa
dinâmica, questões de concordância e de conjugações verbais
podem ser elencadas para contribuir no entendimento.
São exemplos de construções frasais que podem ser
utilizadas: “João, pegue o lápis”; “João pega o lápis”; “Manuela
e Pedro comem batata”; “Manuela e Pedro, comam batata”; “A
médica examinou o paciente”; “Examine o paciente, médica”;
“Senhor, posso sair?”; “Senhor pode sair”; “Victor é educado”;
“Victor, seja educado”.

REESCRITA

O último passo será a devolução das produções textuais dos


alunos e a solicitação para que eles realizem a reescrita, toman-
do os conceitos trabalhados como alicerces para a reelaboração
dos textos. O principal é o estudante, após todas as atividades
realizadas, conseguir identificar os fenômenos produzidos e
compreender o porquê da importância de evitá-los em escritas
futuras. Ao professor, a reescrita permitirá averiguar se o tra-
balho desempenhado no processo de ensino e aprendizagem
surtiu efeito positivo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este capítulo teve como objetivo apresentar o trabalho rea-


lizado em duas escolas da região metropolitana de Florianópo-
lis, com turmas de oitavo e nono anos do ensino fundamental
e da EJA.
Nosso fazer pedagógico foi motivado pelas dificuldades
apresentadas pelos alunos em relação ao uso da vírgula em suas

58
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

produções escritas. Esses problemas foram diagnosticados a


partir do trabalho com sequências didáticas – na perspectiva de
Schneuwly e Dolz (2004) –, que envolveram a leitura, o estudo
e a produção de textos de diferentes gêneros discursivos:
notícia e autobiografia. Por meio da análise das produções
escritas de nossos alunos, pudemos constatar que suas maiores
dificuldades se referiam à ausência da vírgula para separar
elementos de uma enumeração e isolar vocativos, assim como
seu uso, fora da norma de referência de uso da língua em vigor,
separando sujeito e verbo.
Uma vez diagnosticadas as dificuldades, elaboramos
algumas atividades que envolveram a conscientização sobre
a importância do uso da vírgula (os alunos foram levados a
compreender que sua colocação pode alterar completamente
o sentido de um enunciado), além de algumas dinâmicas que
trabalharam especificamente com os problemas apresentados
pelos nossos estudantes, a ausência de vírgulas para separar
elementos de uma enumeração e isolar vocativos e seu uso não
considerado correto por vários gramáticos, separando sujeito e
verbo, conforme já mencionamos anteriormente.
Para o preparo e aplicação de tais atividades, foi
imprescindível o respaldo teórico de linguistas como Bechara
(2009), Cunha e Cintra (2001), Cegala (2008), Luft (1996),
Mesquita (1996), entre outros, que nos elucidaram questões
relevantes acerca do emprego adequado da vírgula na Língua
Portuguesa.

REFERÊNCIAS

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Janeiro: Artmed, 2002.
AZEREDO, J. C. de. Gramática Houaiss da Língua Portuguesa. São Paulo: Pu-
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59
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

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60
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

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ZABALA, A. A prática educativa: como ensinar. Porto Alegre: Artmed, 1998.

61
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

b
62
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

O JOGO: DE ATIVIDADE DOMINANTE1 AOS JOGOS


DE SIMULAÇÃO COMO ESTRATÉGIA DE ENSINO-
APRENDIZAGEM DE LÍNGUA MATERNA

Joselice da Rocha Leal2


Aline Moraes Lima3

rincar, jogar e se divertir parecem expressões


próprias da infância e, de certa forma, ainda
pouco valorizadas quando se pensa em escola,
ensino e aprendizagem. São comuns, em sala de aula do Ensino
Fundamental, expressões do tipo “Aqui não é lugar de brincar”,
“Deixa isso para o recreio”, “Agora é hora de estudar”. Essas
expressões refletem uma ideia cristalizada no imaginário social
de que as atividades lúdicas de jogos e brincadeiras devam estar
dissociadas das atividades de estudo para que estas não sejam
prejudicadas por aquelas.
Por muito tempo, desde a Antiguidade, o jogo foi usado
como recreação e uma forma de aliviar o pequeno estudante dos
momentos intensos de estudos (KISHIMOTO, 1999). A partir do
Renascimento, a potencialidade do jogo para a aprendizagem
infantil começou a ser explorada nos espaços educativos do
Ocidente; no entanto, o seu uso como ferramenta pedagógica
em contexto institucionalizado só passou a ganhar força com o
movimento escola novista e a proposição de pedagogias ativas4,
em uma tentativa de superar o ensino descontextualizado e
maçante da Escola Tradicional.
No Brasil, são relevantes, no campo do jogo aliado à práti-
1
O conceito de atividade dominante baseia-se na periodização do desenvolvimento
humano a partir da abordagem histórico-cultural e se encontra explicitado no corpo
deste capítulo.
2
Mestranda do PROFLETRAS – Mestrado Profissional em Letras – da UFSC – joselice.
leal@gmail.com.
3
Mestranda do PROFLETRAS – Mestrado Profissional em Letras – da UFSC – alinemoraes.
tj@gmail.com.
4
Apesar de citar essas perspectivas pedagógicas, este capítulo é construído a partir de
outra perspectiva teórica, a saber, a teoria histórico-cultural, apresentada no tópico 3.

63
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

ca pedagógica, as publicações de Brougère (1995) e Kishimoto


(1998; 1999), que influenciaram, com teorias de Piaget e Vygot-
sky, o desenvolvimento de diversas pesquisas na área da edu-
cação e mudanças na prática pedagógica, sobretudo, na edu-
cação infantil. Muitas dessas pesquisas5 têm demonstrado ser
possível o uso do jogo como potencial recurso no processo de
ensino-aprendizagem, não só para a educação infantil, mas
também para etapas seguintes da educação, sendo possível,
conforme sugere Brougère (1999), usá-lo, até mesmo, na edu-
cação de adultos.
Neste capítulo, a partir da compreensão interacionista
de linguagem e o ensino de língua pautado nos gêneros do
discurso e nas práticas sociais, abordaremos como o jogo pode
ser usado no processo de mediação realizado pelo professor
para o ensino de Português como língua materna. Para tanto,
analisaremos, com base na perspectiva histórico-cultural
(VYGOTSKY, 2003; LEONTIEV, 1999; FACCI, 2004), o jogo como
atividade no desenvolvimento humano e o papel da brincadeira
enquanto instrumento que favorece a criação de zonas de
desenvolvimento proximal. A partir dessa compreensão,
buscaremos apresentar reflexões em relação à permanência do
jogo como proposta complementar à atividade de estudo, que
é a atividade principal durante a fase em que se encontram os
alunos no Ensino Fundamental. E, por fim, como sugestão de
trabalho lúdico e participativo com os alunos, iremos propor
um jogo de simulação para a produção e/ou compreensão de
textos com vistas à interação, participação e construção de
conhecimentos sobre a língua.

5
Neste capítulo, citamos pesquisas como Costa (2008), Silvestre; Ferreira e Araújo (2010)
e Rocha e Ribeiro (2017). Em busca no catálogo de dissertações e teses da Capes, na época
de escrita deste capítulo, foi possível encontrar 11.803 resultados com a palavra-chave
“jogo”, sendo a educação a área com o maior número de trabalhos sobre esse tema.

64
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA, GÊNEROS DO DISCURSO E


PRÁTICAS SOCIAIS

Iniciaremos nossa discussão a partir dos gêneros do


discurso dentro do âmbito escolar com vistas às práticas
sociais e à interação. Nessa perspectiva, o sujeito configura-
se como essencial, pois é ele que interage com outros sujeitos
dialogicamente. Conforme Bakhtin (2011a [1979]), cada sujeito
só se completa a partir da interação, pois nenhum sujeito
possui conhecimento de sua totalidade sem o contato com o
outro. Para compreender essa relação, o autor usa a expressão
excedente de visão:

O excedente de minha visão em relação ao outro indivíduo


condiciona certa esfera do meu ativismo exclusivo, isto
é, um conjunto daquelas ações internas ou externas que
só eu posso praticar em relação ao outro, a quem elas são
inacessíveis no lugar que ele ocupa fora de mim; tais ações
completam o outro justamente naqueles elementos em que
ele não pode completar-se. (BAKHTIN, 2011a [1979], p. 23).

Nessa relação de completude, a partir das relações eu e outro,


permitidas por meio do distanciamento entre os indivíduos em
que os excedentes de visão de um e outro podem relacionar-
se, desenvolve-se a ideia de alteridade, pois “eu devo entrar
em empatia com esse outro indivíduo, ver axiologicamente o
mundo de dentro dele tal qual ele o vê, colocar-me no lugar dele”
(BAKHTIN, 2011a [1979], p. 23). Evidencia-se que, a partir das
concepções defendidas pelo autor, o sujeito necessita do outro,
sua vida sem o outro é vazia, sem sentido, pois sem o outro esse
sujeito não consegue se ver por completo. É na relação com o
outro que os sujeitos experimentam sensações que sozinhos
não são capazes de vivenciar:

65
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

O conjunto da minha vida não tem significação no contexto


axiológico de minha vida. […] O peso emocional de minha
vida em seu conjunto não existe para mim mesmo. Os valo-
res de uma pessoa qualitativamente definida são inerentes
apenas ao outro. Só com ele é possível para mim a alegria do
encontro, a permanência com ele, a tristeza da separação,
a dor da perda, posso encontrar-me com ele no tempo e no
tempo mesmo separar-me dele, só ele pode ser e não ser
para mim. (BAKHTIN, 2011a [1979], p. 96, grifo do autor).

Diante do exposto, podemos definir o sujeito, com base


nas contribuições do Círculo de Bakhtin, como um ser que
se constitui através da interação, pois “o homem tem uma
necessidade estética absoluta do outro, do seu ativismo que vê,
lembra-se, reúne e unifica, que é o único capaz de criar para
ele uma personalidade externamente acabada” (BAKHTIN,
2011a [1979], p. 33). Nesse sentido, compreendemos o sujeito
como um indivíduo que se constrói socialmente, nas interações
dialógicas com outros indivíduos, cujos discursos se constroem
na interação com outros discursos. Entendendo essa relação
entre os sujeitos, os discursos que os compõem por meio da
interação dialógica e também histórica com outros discursos,
surgem, a partir das diversas esferas da atividade humana, os
gêneros discursivos:

Todos os diversos campos da atividade humana estão


ligados ao uso da linguagem. Compreende-se perfeitamente
que o caráter e as formas desse uso sejam tão multiformes
quanto os campos da atividade humana, o que, é claro, não
contradiz a unidade nacional de uma língua. O emprego da
língua efetua-se em forma de enunciados6 (orais e escritos)
concretos e únicos, proferidos pelos integrantes desse ou
daquele campo da atividade humana. Esses enunciados
6
Bakhtin emprega o termo que significa ato de enunciar, de exprimir, transmitir
pensamentos, sentimentos em palavras.

66
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

refletem as condições específicas e as finalidades de cada


referido campo não só por seu conteúdo (temático) e pelo
estilo da linguagem, ou seja, pela seleção dos recursos
lexicais, fraseológicos e gramaticais da língua, mas, acima
de tudo, por sua construção composicional. (BAKHTIN,
2011b [1952/53], p. 261).

Cada enunciado particular é individual, mas cada campo


de utilização da língua elabora seus próprios enunciados. É a
linguagem que nos permite a interação social da comunicação,
é através dela que todas as atividades sociais acontecem. Já
o discurso “sempre está fundido em forma de enunciado
pertencente a um determinado sujeito do discurso, e fora
dessa forma não pode existir” (BAKHTIN, 2011b [1952/53], p.
274). Os enunciados são “um elo na corrente complexamente
organizada de outros enunciados” (BAKHTIN, 2011b [1952/53],
p. 275). Diante da perspectiva de interação dos sujeitos por meio
da linguagem, podemos concluir que, ao ouvirmos o discurso
do outro, já estamos nos preparando para uma resposta:

[…] o ouvinte, ao perceber e compreender o significado


(linguístico) do discurso, ocupa simultaneamente em
relação a ele uma ativa posição responsiva: concorda ou
discorda dele (total ou parcialmente), completa-o, aplica-o,
prepara-se para usá-lo, etc.; essa posição responsiva do
ouvinte se forma ao longo de todo o processo de audição
e compreensão desde o seu início, às vezes literalmente a
partir da primeira palavra do falante. Toda compreensão
da fala viva, do enunciado vivo é de natureza ativamente
responsiva […] toda compreensão é prenhe de resposta, e
nessa ou naquela forma a gera obrigatoriamente: o ouvinte
se torna falante. (BAKHTIN, 2011b [1952/53], p. 271).

Ao ouvirmos um discurso, organizamos nossa resposta e,


mesmo que não a exteriorizemos, ela está lá, formulada em

67
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

nossa consciência. Nos diversos textos, sejam orais ou escritos,


estabelecemos uma interação, pois “compreender outra cons-
ciência, a consciência do outro e seu mundo, isto é, outro su-
jeito” (BAKHTIN, 2011b [1952/53], p. 316) demonstra a dialogia,
já que, em certa medida, “a compreensão é sempre dialógica”
(BAKHTIN, 2011b [1952/53], p. 316). Nesse sentido, quando le-
mos um texto, também há interação entre o leitor e o autor, ali
também se estabelece a dialogia. Os enunciados com os quais
interagimos durante toda a vida se incorporam aos nossos dis-
cursos, vão nos moldando, formando-nos.
Essa compreensão dos enunciados e dos gêneros do
discurso traz implicações diretas para as aulas de Língua
Portuguesa, pois, ao trabalharmos na escola os gêneros
discursivos, compreendendo que os enunciados se diferem
porque as esferas das atividades humanas são diversas, os alunos
perceberão melhor as características constitutivas de cada
construção enunciativa e sua posição em relação aos discursos.
Outro ponto crucial a ser analisado com os sujeitos em sala de
aula é o fato de sempre direcionarmos o enunciado a alguém.
Bakhtin (2011b [1952/53]), quando se refere ao direcionamento
ou endereçamento do enunciado a alguém, vai dizer que “cada
gênero do discurso em cada campo da comunicação discursiva
tem a sua concepção típica de destinatário que o determina
como gênero” (BAKHTIN, 2011b [1952/53], p. 301). Isso significa
dizer que o destinatário também configura o gênero discursivo.
Nesse sentido, esse olhar pedagógico do professor em
relação ao trabalho com os gêneros discursivos em sala de aula
é essencial para que o sujeito passe a compreendê-los e saiba
utilizá-los de forma proficiente, o que será muito útil, primeiro
na escola e depois no cotidiano, pois:

Quanto melhor dominamos os gêneros tanto mais livremen-


te os empregamos, tanto mais plena e nitidamente descobri-
mos neles a nossa individualidade (onde isso é possível e ne-
cessário), refletimos de modo mais flexível e sutil a situação

68
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

singular da comunicação; em suma, realizamos de modo


mais acabado o nosso livre projeto de discurso. (BAKHTIN,
2011b [1952/53], p. 285)

Durante a formação escolar, é imprescindível que os alunos


compreendam que os enunciados não são constituídos apenas
por sua dimensão verbal, mas que a dimensão social também
os integram. A situação social de interação de um enunciado
não é externa a ele, mas parte integrante dele, não podendo ser
ignorada durante o processo de ensino-aprendizagem.
É de suma importância, no Ensino Fundamental, o uso
de estratégias didáticas que possibilitem a reflexão sobre o
contexto de produção dos enunciados; por isso, observando o
papel dos jogos protagonizados no desenvolvimento humano,
buscamos propor o uso deles como uma estratégia pedagógica
que favoreça a compreensão de que os sujeitos produzem
diferentes enunciados, conforme as práticas sociais e as muitas
esferas da atividade humana, enunciando-se a partir de um
projeto de dizer.

A TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL E O JOGO COMO ATIVIDADE

A teoria histórico-cultural (também denominada de só-


cio-histórica) tem seus fundamentos delineados nas obras de
Vygotsky, cujo trabalho se deu em base marxista e com a com-
preensão do psiquismo humano sob uma perspectiva historici-
zada. De acordo com essa teoria, as mudanças no ser humano
e o seu desenvolvimento ocorrem por meio da atividade social,
construída historicamente em consequência das necessidades
do ser humano (FACCI, 2004). Firmados nesses mesmos pres-
supostos, Leontiev e Elkonin estabeleceram as bases de uma
psicologia do desenvolvimento que contemplasse a percepção
da primazia do princípio social sobre o princípio natural-bioló-
gico.
Segundo Leontiev (1999) e Elkonin (1987 apud FACCI, 2004),

69
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

a periodização do desenvolvimento humano na abordagem


histórico-cultural se dá pela definição da atividade principal
ou dominante em cada uma das fases de desenvolvimento. O
estabelecimento de uma nova atividade dominante, suscitada
a partir do surgimento de novas necessidades psíquicas
específicas na criança, caracteriza cada fase por ser o principal
modo de relacionamento da criança com a realidade naquele
estágio do desenvolvimento. De acordo com Facci (2004, p. 72),
“[é] a sociedade que determina o conteúdo e a motivação na
vida da criança, pois todas as atividades dominantes aparecem
como elementos da cultura humana”.
Dessa forma, os sujeitos passam pelos seguintes estágios de
desenvolvimento: comunicação emocional do bebê; atividade objetal
manipulatória; jogo de papéis; atividade de estudo; comunicação
íntima pessoal; e atividade profissional/estudo (ELKONIN, 1987
apud FACCI, 2004). Cada um desses estágios é definido pela
presença de uma atividade principal ou dominante que é assim
entendida não por ser a atividade desenvolvida na maior parte
do tempo pelo sujeito, mas porque em conexão com ela

ocorrem as mais importantes mudanças no desenvolvimento


psíquico da criança e dentro da qual se desenvolvem processos
psíquicos que preparam o caminho da transição da criança
para um novo e mais elevado nível de desenvolvimento
(LEONTIEV, 1999, p. 122).

A fase compreendida como jogo de papéis abrange o


período pré-escolar, em que a atividade principal é o jogo ou a
brincadeira. Para Vygotsky (2003), o brinquedo7 não se define
puramente por ser algo que proporciona prazer à criança,
mas como algo que atende a determinadas necessidades,
configurando-se como uma forma de atividade. Em outras
palavras, o desenvolvimento da criança e a passagem de um
7
Nesse sentido, de acordo com a abordagem histórico-cultural, jogo, brinquedo e
brincadeira, quando relacionados ao estágio dos jogos protagonizados, podem ser termos
intercambiáveis.

70
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

nível de desenvolvimento para o seguinte estão relacionados


com as mudanças que ocorrem nas motivações que levam a
criança a agir. No limiar da idade pré-escolar, a criança passa
a ter desejos que não podem ser realizados imediatamente e o
brinquedo irrompe exatamente como uma forma de satisfazer
a necessidade que a criança tem de “experimentar tendências
irrealizáveis” (VYGOTSKY, 2003, p. 62).
Por exemplo, ao ver uma pessoa dirigindo um carro, uma
criança em idade pré-escolar pode sentir o desejo de fazer o
mesmo, mas não pode realizar esse desejo por não dominar
ainda as operações que propiciem a ela conduzir um veículo
de fato. Assim, para suprir a necessidade de experienciar
a condução de um veículo, que na prática real é algo que ela
ainda não pode realizar, a imaginação possibilitará a criação de
um mundo ilusório onde ela poderá realizar o irrealizável.
Para Vygotsky (2003), brinquedo é esse mundo ilusório e
imaginário em que a criança se envolve para realizar os desejos
impossíveis de serem realizados de fato. A criança se apropria
do mundo concreto, reproduzindo as ações que os adultos
realizam. As brincadeiras das crianças não brotam da intuição,
mas da percepção que a criança tem das atividades humanas
e das relações dela com os adultos e entre os próprios adultos.
É muito comum ver as crianças no estágio de jogo de papéis
reproduzindo relações humanas que elas observam e vivenciam.
Brincam de papai e mamãe, médico e paciente, professor e
aluno, negociação em lojinha e várias outras brincadeiras como
essas, criando enredos e diálogos, assumindo diferentes papéis
e vivenciando-os como se estivessem encenando situações de
comunicação em diferentes esferas de atividade humana.
Nesse contexto, percebe-se que a linguagem é um ponto
de grande relevância para o processo de desenvolvimento dos
sujeitos. É evidente que a importância da linguagem não se
situa apenas na fase dos jogos protagonizados. Sua presença é
fundamental em todo o processo de desenvolvimento humano,
uma vez que a formação dos sujeitos se dá por meio da interação

71
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

social, que é mediada pela linguagem.


Para Vygotsky (2003), o início da atividade de jogar com
regras começa no fim da idade pré-escolar e se desenvolve ao
longo da idade escolar. Isso quer dizer que, apesar da atividade
de estudo figurar-se como a principal atividade durante a idade
escolar, o jogo continua presente. De acordo com distribuição
proposta por Elkonin (1987 apud FACCI, 2004), os estágios de
jogo de papéis e atividade de estudo constituem a segunda infância
e, por estarem situados na mesma época, esses dois períodos
estão ligados regularmente entre si.
Ao entrar na escola, a atividade de estudo passa a ser a
atividade principal no desenvolvimento da criança, pois esse é
o momento em que ela tem a impressão de estar fazendo algo
de fato importante. Nesse estágio, o aluno é introduzido no
estudo dos conhecimentos mais elaborados, que contribuirão
para o surgimento da consciência e do pensamento teórico
e o desenvolvimento das capacidades de reflexão, análise e
planejamento (FACCI, 2004).
Entretanto, isso não quer dizer que não haja desenvolvimento
em outras direções. Diversas são as atividades do sujeito e,
para Elkonin (1987, p. 122, apud Facci, 2004, p. 73), “[…] seu
surgimento e conversão em atividade principal não eliminam
as existentes anteriormente, senão que só mudam seu lugar no
sistema geral de relações da criança com a realidade, as quais
se tornam mais ricas”.
Sendo assim, o jogo protagonizado, apesar de não ser
mais a atividade dominante nos estágios subsequentes do
desenvolvimento humano, ainda pode estar presente entre as
atividades do sujeito, possibilitando a criação de momentos
lúdicos, em que o uso da imaginação possa coexistir e, em
certa medida, contribuir com a atividade dominante de um
determinado estágio, como é o caso da atividade de estudo, no
fim da segunda infância.
É importante destacar que há diferença significativa entre o
jogo como atividade principal e o jogo enquanto outra atividade

72
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

não dominante. Para Leontiev (1999), a brincadeira é um tipo de


atividade caracterizada por uma estrutura, cujo motivo está no
processo. Isso quer dizer que, no estágio de desenvolvimento
pré-escolar, o jogo protagonizado ou jogo de papéis8é uma forma
de a criança agir no mundo, antes mesmo de ela possuir
consciência das coisas e assumir atividade teórica abstrata.
Para a criança nessa fase, ver não é suficiente; ela precisa agir.
O jogo é a maneira que se apresenta a ela para resolver, de
forma lúdica, a contradição entre querer agir e não poder fazê-
lo pela impossibilidade de realizar as operações exigidas por
essas ações. Conforme afirma Leontiev (1999, p. 122), “[…] um
jogo não é uma atividade produtiva; seu alvo não está em seu
resultado, mas na ação em si mesma”.
Já em estágio posterior, como a de atividade de estudo, o jogo
passa, gradativamente, a se constituir como uma atividade não
dominante, de outra qualidade. Vygotsky (2003) observou que
entre a brincadeira infantil e os jogos de regras, como o xadrez
e as competições esportivas, há um ponto essencial em comum
que é a presença de regras. Ocorre que, na brincadeira pré-
escolar, as regras são menos implícitas e o mundo imaginário
mais evidente; já nos outros jogos, as regras passam a se tornar
explícitas, enquanto o seu caráter imaginário se torna menos
evidente. Esse processo é o desenvolvimento que, segundo
Vygotsky (2003, p. 64), “delineia a evolução do brinquedo das
crianças”.
Leontiev (1999) argumenta, de início, que o jogo dos
adultos difere da brincadeira quando o seu objetivo é vencer e
não apenas participar; no entanto, logo em seguida, acrescenta
que o critério da “participação” como forma de caracterizar
brincadeira é algo muito geral, pois o brinquedo:

evolui e a maneira de brincar de uma criança em idade


pré-escolar é muito diferente daquela que encontramos em
uma criança em idade escolar ou em um adulto. Portanto,
8
Leontiev (1999) também se refere ao jogo de papéis como “jogo de teatrinho” ou “jogo
de enredo”.

73
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

é preciso que estudemos as brincadeiras de forma muito


concreta, sem nos limitar a afirmações gerais (o que, aliás,
é um dos principais inconvenientes de muitas teorias do
brinquedo), mas descobrindo aquilo que é específico em
cada estágio de seu desenvolvimento. (LEONTIEV, 1999, p.
123-124).

Nesse sentido, os jogos de simulação que iremos propor


neste trabalho para serem desenvolvidos com alunos do Ensino
Fundamental aproximam-se dos jogos protagonizados, sendo
a participação sua motivação interior, com o estabelecimento
de uma situação de interação em uma determinada esfera
de atividade humana. Embora não estejam mais no nível
de desenvolvimento em que o jogo é a atividade dominante,
as crianças em atividade de estudo podem construir
conhecimentos por meio dessa atividade lúdica à medida que o
professor explore o potencial pedagógico dela em sala de aula.

O LÚDICO, A PARTICIPAÇÃO E A APRENDIZAGEM

Conforme discutido anteriormente, a atividade de estudo


passa a ser a principal atividade no primeiro ano do Ensino
Fundamental (quando se inicia a idade escolar) e o desenvolvi-
mento de processos cada vez mais elaborados, como a aquisi-
ção da escrita, tornam-se centrais em um contexto institucio-
nalizado. Nesse período, o processo de ensino-aprendizagem
deve ser bem orientado, mas não precisa ocorrer, conforme
problematiza Vygotsky (2003), de maneira descontextualizada,
enfadonha, passando as crianças muitas horas sentadas e en-
volvidas em cópias descontextualizadas e pouco inovadoras,
com lápis, caderno, lousa e giz.
O que se percebe é que na mudança da Educação Infantil
para o Ensino Fundamental há uma ruptura ou uma cisão com
o lugar onde se era possível brincar e a introdução da criança
em um espaço com a função única e exclusiva de estudo. Em

74
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

muitos contextos, infelizmente, não se considera o momento


de transição, em que a atividade de jogos protagonizados ainda
é presente e importante para o desenvolvimento da criança,
ignorando-se, muitas vezes, o potencial educativo que os jogos
de papéis possuem.
Apesar das orientações para a inclusão de crianças de
seis anos no Ensino Fundamental de Nove Anos9 citarem
a importância do brincar nos anos iniciais do Ensino
Fundamental, ele ainda é ignorado em nome da atividade de
estudo aqui entendida como ler e escrever, fazer exercícios
sempre sentado na cadeira, utilizando caderno, lápis e outros
materiais didáticos pouco diversificados e nada lúdicos.
Nos primeiros anos do Ensino Fundamental, a criança ainda
vê a brincadeira como uma atividade central na instituição
escolar. Estudos com crianças de primeiro e segundo anos
como os referidos por Silvestre, Ferreira e Araújo (2010) e
por Rocha e Ribeiro (2017) refletem uma percepção um tanto
quanto generalizada de que a sala de aula não é lugar de brincar.
No discurso das crianças entrevistadas nessas pesquisas, a
brincadeira é “permitida” apenas na hora do recreio e da aula
de Educação Física. No entanto, apesar de reconhecerem
a “proibição” de brincar na sala de aula, as pesquisadoras
observaram momentos em que as crianças brincavam, de
maneira “camuflada”, criando linhas de fuga para brincar no
interior da sala de aula, durante as atividades de estudo.
Embora não se ignore que, durante a idade escolar, a
divisão entre trabalho e brincadeira se torne fundamental, a
atividade de estudo pode ser mais aprazível, significativa e,
até mesmo, mais fácil e compreensível para a criança quando

9
“[…] o brincar como um modo de ser e estar no mundo; o brincar como uma das
prioridades de estudo nos espaços de debates pedagógicos, nos programas de formação
continuada, nos tempos de planejamento; o brincar como uma expressão legítima e única
da infância; o lúdico como um dos princípios para a prática pedagógica; a brincadeira nos
tempos e espaços da escola e das salas de aula; a brincadeira como possibilidade para
conhecer mais as crianças e as infâncias que constituem os anos/séries iniciais do ensino
fundamental de nove anos” (BRASIL, 2006, p. 11-12).

75
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

relacionada com situações de jogos, sejam eles protagonizados


ou de regras. Nessa fase do desenvolvimento da criança, o
pensamento abstrato se desenvolve e, em certa medida, o
contexto imaginário promove esse desenvolvimento. Apesar de
o jogo não possuir mais o mesmo significado que no início da
infância, ele continua presente, favorecendo o estabelecimento
de relações entre situações reais e as do pensamento.
Dessa forma, em vez de coibir a imaginação da criança
durante as aulas, ela poderia ser estimulada e devidamente
direcionada visando à aprendizagem. A brincadeira deixaria de
ser apenas uma forma de aprendizagem informal e alheia à sala
de aula, passando a configurar como uma estratégia organizada
e planejada em que o professor pudesse incentivar e mediar a
criação de situações de interação com vistas à construção de
conhecimentos sobre a língua.
De acordo com Vygotsky (2003), o jogo favorece a criação
de zona de desenvolvimento proximal10, pois ele é uma fonte de
desenvolvimento. Na brincadeira, o estudante pode vivenciar
uma experiência que transcende o internalizado, produzindo
novas formas de pensar e agir no mundo.
Para além da oposição entre jogos na infância e fora
dela, Brougère (1999) sugere uma reflexão fundamental em
relação à oposição aprendizagem informal e formal. Todo
jogo, independente do período de desenvolvimento em
que se encontram os participantes, promove algum tipo de
aprendizagem. Quando usado em um contexto pedagógico, o
jogo deixa de ser apenas uma atividade social de lazer e passa
a ocupar um espaço dentro de uma sequência educacional e
resultará em uma aprendizagem formal. Contudo, há que
se considerar que os jogos, mesmo como entretenimento
fora desse contexto educacional planejado, podem levar à
aprendizagem informal.
10
Conceito vigotskiano que expressa a distância entre o nível de desenvolvimento real
(aquilo que o estudante faz sozinho) e o nível de desenvolvimento potencial (aquilo que
está em processo de amadurecimento, pois o estudante ainda necessita de auxílio de um
indivíduo mais experiente para fazer determinada coisa).

76
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

O que diferencia o brincar na educação e o brincar como lazer


é que, de acordo com Brougère (1999), no processo educativo, o
jogo produzirá reflexão com um caráter didático, tornando o que
é um fim em si mesmo em uma parte do complexo processo de
ensino-aprendizagem. Esse momento de reflexão no pós-jogo,
também chamado de debriefing, é o que possibilita a construção
da aprendizagem em contextos formais. Sua importância é tal
que chega a revelar a fragilidade de se pensar o uso do jogo para
promover, diretamente, a aprendizagem em contextos formais.
Ou seja, usar simplesmente o jogo em sala de aula não garante
a aprendizagem se ele não vier acompanhado de reflexão:

Um momento de reflexividade é necessário para tornar


possíveis a transferência e o aprendizado. Podemos citar a
proposta de Thiagarajan (1993) que, no que diz respeito ao
jogo, aponta a presença de três fases: experiência ฀ reflexão
aprendizagem. A experiência pode ser de várias naturezas
(simulação, interpretação de papéis, mais emocional ou
cognitiva). A reflexão envolveria a transferência para a
generalização, para a análise da ação, para alternativas,
sentimentos, conhecimento investido, e assim por diante. No
que concerne à aprendizagem, dependendo do caso, atitudes,
habilidades, conceitos, paradigmas e assim por diante.
O ponto crítico é, na verdade, que essa reflexão permite a
passagem do jogo ao aprendizado; portanto, a importância
do debriefing que aparece como uma contribuição essencial
para pesquisa sobre jogos e jogos na educação. (BROUGÈRE,
1999, p. 142, tradução nossa)11

11
No original: “A moment of reflexivity is required to make transfer and learning possible.
We can mention Thiagarajan’s (1993) proposal that, with respect to gaming, points out
the presence of three phases: experience ฀ reflection ฀ learning. Experience maybe of
various natures (simulation, role-playing, more emotional or cognitive). Reflection would
involve the transfer to generalization, to analysis of action, to alternatives, feelings,
invested knowledge, and so forth. Learning concerns, depending on the case, attitudes,
skills, concepts, paradigms, and so forth. The critical point is indeed that reflection
enables the passage from play to learning; therefore, the importance of the debriefing
that appears as an essential contribution to research on play and gaming in education”.

77
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

Dessa forma, compreendemos que o uso de jogos em


situações formais de aprendizagem, quando acompanhado
de momentos de reflexão sobre a experiência lúdica, pode se
tornar uma ferramenta importante no processo de ensino-
aprendizagem de língua materna.

OS JOGOS DE SIMULAÇÃO

Em seu estudo sobre o lúdico no ensino do Português como


língua materna no Ensino Fundamental, Costa (2008) observou
que jogos de simulação são usados em diferentes abordagens
comunicativas de ensino de língua estrangeira. Uma dessas
abordagens é a Task-based Language Teaching (TBLT), cujo
foco é a realização de TAREFA – a execução de atividade em
que os alunos possam compreender, por meio da interação e a
produção em outro idioma. De acordo com Costa (2008, p. 71,
grifo do autor), a TBLT

requer a simulação de uma situação real; a TAREFA necessa-


riamente é uma atividade lúdica. Portanto, o jogo desempe-
nha função central no método TBLT, porque é a partir dele
que o resto de toda a estrutura do método se desenvolve.

Na mesma linha proposta por Costa (2008), ao estender esse


método para o ensino de língua materna, vemos a possibilidade
de aproximação do ensino de Português a partir de uma
perspectiva sociointeracionista e bakhtiniana com o uso dos
jogos de simulação como estratégia de ensino-aprendizagem,
envolvendo a simulação de situações de comunicação humana
por meio da produção de enunciados em diferentes gêneros do
discurso. Assim, o aluno poderá compreender melhor esses
conceitos na prática, incorporando-os, assumindo sua posição
de autoria e levando em conta a interação, o seu interlocutor e o
seu projeto de dizer – o que dizer, para que e para quem dizer e
as estratégias selecionadas para realizar essas ações, conforme

78
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

indica Geraldi (2010).


Para a realização da atividade de simulação, primeiramente,
é necessário conhecer a situação de comunicação que será
simulada, pois os alunos precisam, por exemplo, reconhecer os
diferentes papéis a serem representados e algumas indicações
de como se organiza a esfera de comunicação na qual essa
situação se insere. Conforme analisa Vygotsky (2003, p. 69),
“[o] brinquedo é muito mais a lembrança de alguma coisa que
realmente aconteceu do que imaginação. É mais a memória em
ação do que uma situação imaginária nova”.
Recordar-se da situação para representá-la na ação está
intimamente ligado ao período de desenvolvimento do jogo
de papéis – as crianças em idade pré-escolar imitam relações
humanas em contextos de atividade que já viram. Para os
alunos maiores, que já estão em idade escolar, não é diferente.
O jogo possibilita experimentar situações que conhecem ou
que ainda vão vivenciar. No caso de ainda não terem vivenciado
essas situações de comunicação, a mediação do professor é
necessária para que os alunos possam conhecê-las melhor.
O professor pode, por exemplo, indicar trechos de filmes ou
séries que ilustrem determinada situação de comunicação e
discutir com os alunos a esfera de atividade humana na qual
se situa aquela situação de comunicação, o gênero do discurso
utilizado e as implicações disso para o posicionamento dos
interlocutores inseridos nessa situação de comunicação.
Considerando o ensino de Língua Portuguesa no Ensino
Fundamental, propomos jogos de simulação como estratégia
de ensino-aprendizagem. Mantendo relação direta com os jogos
de papéis, o jogo de simulação (ou apenas simulação como pre-
ferem alguns autores12) pode funcionar como uma ferramen-
ta eficiente para a compreensão dos elementos de uma situa-
ção de comunicação e o gênero do discurso relacionado a ela.
Nesse sentido, apresentamos o júri simulado como uma
12
Costa (2008) menciona autores que consideram a simulação como um jogo e outros que
estabelecem diferença entre eles. Neste trabalho, consideramos a simulação como um
jogo que tem sua origem nos jogos de papéis.

79
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

sugestão de jogo de simulação a ser desenvolvida com turmas


dos anos finais do Ensino Fundamental (6º ao 9º ano). Cabe
ressaltar que esse jogo de simulação é apenas uma sugestão e
as atividades podem ser adaptadas de acordo com diferentes
objetivos de aprendizagem.
Antes de os alunos iniciarem o jogo de simulação do júri
popular, é necessário trabalhar alguns pontos para o melhor
conhecimento da situação de comunicação. Neste trabalho,
sugerimos alguns textos e vídeos produzidos pelos tribunais
de justiça no Brasil que podem ser trabalhados com os alunos
antes da execução do jogo. Com vistas à elucidação desses
pontos pré-jogo, propomos uma elaboração didática (HALTÉ,
2008) (Quadro 1) que vise contemplar, na prática da sala de aula,
aspectos indissociáveis do saber científico, da prática social de
referência, da especialidade e do conhecimento.
O tema para execução do jogo pode ser discutido e decidido
com os próprios alunos, que pode ser desde bullying até aborto,
por exemplo. Para alunos mais novos, como os do sexto ano,
sugerimos o trabalho com narrativas de contos maravilhosos
alternativos, possibilitando o julgamento da(o) vilã(ão) a partir
de diferentes perspectivas.

80
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

Quadro 1 – Elaboração didática para prática lúdica de “Júri


Simulado”.
O JÚRI SIMULADO13

- Conhecer a esfera jurídica como um campo de atuação na vida


pública;
- Observar alguns gêneros da esfera jurídica presentes em um
Tribunal do Júri;
- Compreender a importância da argumentação e da organização
do discurso de acusação e do discurso de defesa;
- Entender a função dos depoimentos para o processo de tomada
de decisão em um tribunal;
- Compreender o dever cívico de um jurado integrante do júri
Objetivos
popular e a seriedade exigida nesse papel social;
- Observar o registro formal da língua adotado durante a sessão
do tribunal;
- Perceber a importância do aprimoramento de técnicas na
oralidade;
- Listar expressões linguísticas típicas dessa esfera de
comunicação, como, por exemplo, pronomes de tratamento em
função de vocativo (Vossa Excelência, Meritíssimo, senhoras e
senhores do júri).

- A esfera jurídica;
- Gêneros orais e escritos da esfera jurídica: lei, decisão do
juiz, relatório do resumo do processo, depoimento oral das
Conteúdos14 testemunhas, interrogatório do acusado, discurso de acusação,
discurso de defesa;
- Registro formal da língua;
- Técnicas para a produção oral;
- Pronomes de tratamento em função de vocativo.

13
Esse jogo de simulação atende demandas como as que estão previstas em documento
normativo curricular. A Base Nacional Comum Curricular indica que “O campo de
atuação na vida pública contempla os discursos/textos normativos, legais e jurídicos
que regulam a convivência em sociedade, assim como discursos/textos propositivos
e reivindicatórios (petições, manifestos etc.). Sua exploração permite aos estudantes
refletir e participar na vida pública, pautando-se pela ética”. (BRASIL, 2017, p. 491, grifo
nosso)
14
O professor pode prever alguns conteúdos para serem trabalhados nesse jogo, mas é
importante deixar uma abertura para que ele possa trabalhar problemáticas que aflorem
no decorrer na execução da atividade, sempre considerando os questionamentos dos
alunos, suas inquietações e as necessidades do aluno enquanto sujeito histórico, ou seja,
os conhecimentos que precisam ser apreendidos no seu processo de desenvolvimento e
humanização.

81
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

- Vídeos:
1. Entenda o Tribunal do Júri
https://www.youtube.com/watch?v=kY2c8fWZURM (ENTENDA...,
2015).
2.
3. Tribunal do Júri – Orientações para jurados
Recursos https://www.youtube.com/watch?v=2QsYGnW-j64 (TRIBUNAL...,
2019).
- Textos15: lei, decisão do juiz, relatório do resumo do processo,
depoimento oral das testemunhas, interrogatório do acusado,
discurso de acusação, discurso de defesa, quesitos e julgamento
da causa por meio de cédulas;
- Figurino, adereços e objetos de cena para simular o tribunal.
1. Depois de abordar com os alunos os tópicos relacionados
à compreensão da esfera jurídica e os gêneros em circulação
nessa esfera, o professor deve marcar, com os estudantes, uma
data para a execução do jogo de simulação. Além disso, também
é necessário fazer a distribuição dos papéis entre os alunos,
garantindo a participação de todos e a representação dos atores
sociais envolvidos em um Tribunal do Júri.
- Cada aluno deve receber o texto que corresponda ao seu papel
no jogo ou orientações gerais para que ele possa produzir seu
próprio texto. Os textos devem ser distribuídos da seguinte forma:
• Jurados – decisão do juiz, relatório do resumo do processo;
• Acusação – discurso de acusação;
• Defesa – discurso de defesa;
• Testemunhas – depoimento oral;
Sequência de
• Juiz – Texto de abertura do julgamento e relato do caso.
ações
- No dia da execução do jogo, sugerimos que a turma, orientada
pelo professor, organize o espaço da sala de aula para simular o
espaço de um tribunal e, se possível, caracterizem-se conforme os
atores sociais próprios dessa situação de comunicação.
- O ritual do julgamento pode ser feito da seguinte maneira:
Abertura da sessão pelo juiz e relato do caso;
• Depoimentos das testemunhas de defesa e de acusação;
• Questionamentos da defesa e da acusação às testemunhas;
• Depoimento do réu;
• Apresentação aos jurados de argumentos da defesa e da
acusação;
• Reunião entre os jurados para decidirem o veredito;
• Leitura da decisão dos jurados feita pelo juiz e, se for o caso, a
determinação da pena para o réu.

15
Os textos utilizados no jogo de simulação podem ser produzidos pelos próprios alunos
em momentos que antecedem ao jogo ou podem ser disponibilizados prontos pelo
professor para leitura e compreensão dos alunos. Como várias são as demandas para essa
atividade, sugerimos a disponibilização dos textos prontos e que o professor trabalhe,
prioritariamente, a leitura, a compreensão textual e o aprimoramento de técnicas de
comunicação oral.

82
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

Finalizadas as ações do jogo, é necessário promover a reflexão


sobre os diferentes aspectos trabalhados nele. Sugerimos alguns
questionamentos orais para esse momento:
- Como foi vivenciar a experiência de simular um Tribunal do
Júri?;
- Por que é importante apresentar uma argumentação bem
embasada e organizar bem os discursos durante um julgamento?;
Reflexão
- Para os jurados, o que mais os influenciou ao tomarem a decisão
de julgamento do réu?;
- Porque é importante um jurado integrante do júri popular agir
com seriedade enquanto ocupa essa posição?;
- Que relação vocês podem estabelecer entre a forma que os
atores sociais se expressam e o contexto de comunicação aqui
simulado?

Fonte: Autores.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir das discussões apresentadas, torna-se evidente


o papel dos jogos na aprendizagem, destacado aqui o jogo
de simulação que, diante do exposto, mostra-se eficaz ao
reproduzir uma situação “real” em uma experiência de
ficção, possibilitando, portanto, a reflexão que é a chave da
aprendizagem.
A dimensão fictícia proporcionada pelo jogo possibilita o
enriquecimento de experiências usando a linguagem nas mais
diversas situações da atividade humana e ainda possibilita o
desenvolvimento da responsividade por parte dos indivíduos
envolvidos na interação comunicativa.
Diante disso, entendemos que as aulas de Língua Portuguesa
podem ser enriquecidas com uso de jogos de simulação, sendo
possível recriá-los para diversas situações de comunicação,
inserindo às propostas os assuntos que são necessários aos
alunos praticar nas situações de uso.

83
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

REFERÊNCIAS

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para a inclusão da criança de seis anos de idade. + 1 ano é fundamental.
Brasília: SEB/DPE/COEF, 2006.
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Fundamental. Brasília: MEC/Secretaria de Educação Básica, 2017. Disponível
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COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

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85
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

b
86
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

PROPOSTA LÚDICA PARA REFLEXÃO SOBRE


O APAGAMENTO DO -R EM FORMAS VERBAIS
INFINITIVAS

Jace Mari Costa1


Yara de Oliveira Marcomini2

que se coloca em evidência como tema central


deste capítulo é a apresentação de uma propos-
ta de material didático lúdico que possa ser utili-
zado no ensino do Português como língua materna e também
adicional, contribuindo para a reflexão e compreensão do fenô-
meno do apagamento do –r em posição final de signo.
No decorrer da nossa prática, enquanto professoras de Lín-
gua Portuguesa, nas atividades de produção escrita, percebe-
mos a ocorrência da supressão do -r final dos verbos no infini-
tivo.
Ao analisarmos atividades de escrita de alunos da educação
básica, observamos que o fenômeno do apagamento da vibran-
te final, já evidenciado na fala, vem sendo transferido para a es-
crita em algumas situações pontuais, como no caso dos verbos,
distanciando-se da norma de referência, no tocante à grafia pa-
drão, no ambiente escolar.
A temática desta proposta de elaboração de material
didático tem como base uma pesquisa realizada por nós, nas
aulas da disciplina de Fonologia, Variação e Ensino, no mestrado
profissional de Letras – PROFLETRAS – pela qual analisamos
esse fenômeno nas produções textuais dos alunos dos 6º anos
da EMEB Machado de Assis, localizada em Jaraguá do Sul (SC),

1
Mestranda do PROFLETRAS – Mestrado Profissional em Letras – da UFSC – jacemari@
yahoo.com.br. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (Bolsa CAPES) - Código de
Financiamento 001.
2
Mestranda do PROFLETRAS – Mestrado Profissional em Letras – da UFSC – yara.om@bol.
com.br. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento
de Pessoal de Nível Superior – Brasil (Bolsa CAPES) - Código de Financiamento 001.

87
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

e propusemos atividades que despertem a consciência sobre


o fenômeno, estabelecendo a relação entre fala e escrita. Os
resultados deste estudo serviram de base para a formulação de
ações práticas com vistas à superação da ocorrência e à tomada
de consciência por parte dos alunos do referido fenômeno
linguístico por meio de atividades lúdicas, cujas bases foram
acessadas durante a disciplina de Produção de Material
Didático de Língua Portuguesa como Adicional, também do
PROFLETRAS.
Na pesquisa realizada sobre o tema, os resultados indicam
um processo do apagamento da vibrante em posição final de
palavra e, para solucionar a ocorrência da supressão do -r na
escrita, podemos desenvolver atividades complementares que
despertem e reforcem a atenção para os dois aspectos de uso da
língua: a fala e a escrita.
Ao propormos a elaboração de material didático, utilizando-
se do lúdico como estratégia pedagógica, faz-se necessário
esclarecer o que compreendemos como material didático,
aprendizagem cooperativa e colaborativa, jogos e brincadeiras.
Desta forma, o capítulo se organiza em quatro seções, além
da Introdução, das Considerações Finais e das Referências.
Na primeira seção apresentamos algumas concepções sobre
material didático e aprendizagem cooperativa e colaborativa. Na
segunda seção, abordamos o lúdico como recurso metodológico
e apresentamos a definição de jogos, brinquedos e brincadeiras,
apontando as aproximações e distanciamentos entre cada
conceito, além da relevância destes no processo educativo.
Na terceira seção, apresentamos algumas considerações
sobre os gêneros orais e escritos e na quarta seção a proposta
didática utilizando o jogo como recurso metodológico para
a promoção de uma reflexão crítica sobre o fenômeno e,
consequentemente, no uso consciente e adequado da escrita
nos espaços apropriados, segundo a norma de referência em
vigor.

88
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

MATERIAL DIDÁTICO

Geralmente quando se fala em material didático, pensamos


no livro didático. Muitas das vezes ele pode ser o principal
e até o único elemento facilitador do processo de ensino-
aprendizagem nas salas de aula (LIMA; REIS, 2017). Existem
inúmeros materiais didáticos que podem ser usados para
o ensino-aprendizagem de línguas e algumas concepções
tendem a vinculá-los às ações do professor e à sala de aula na
intenção de facilitar a aprendizagem de línguas. De acordo
com Lima e Reis (2017, p. 199), “os materiais são considerados
propostas para ação na sala de aula, mas que, ao mesmo tempo,
respondem às influências do contexto social de fora das salas
de aula”. Além disso:

[…] os materiais didáticos são elementos culturais, de


natureza diversa, que podem ser utilizados para facilitar
o processo de ensino-aprendizagem. Esse, por sua
vez, acontece nos espaços formais de ensino como os
conhecemos, ou fora deles, através de um processo de
interação de natureza complexa que envolve sujeito-sujeito,
sujeito-mundo-sujeito, sujeito-conhecimento-sujeito. A
produção de material didático consiste numa prática social,
cultural e historicamente situada. (LIMA; REIS, 2007, p. 199)

Concordando com as autoras, avançamos na discussão da


temática, problematizando algo a mais. A inclusão sistemática
da reflexão sobre avaliação e elaboração de material didático
nos currículos de formação de professores é uma necessidade.
E essa ação, certamente, fortalecerá a visão do papel do
professor como pesquisador capaz de avaliar e/ou desenvolver
materiais didáticos para atender às necessidades dos seus
diversos contextos de atuação. A escolha de materiais didáticos
deve contribuir para a implementação da autonomia na
aprendizagem de línguas.

89
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

Nicolaides e Tílio (2011) discutem questões teóricas que di-


zem respeito ao estímulo que o material didático pode fornecer
à aprendizagem autônoma. De acordo com os autores: “poucos
professores discordarão da importância de se ajudar aprendi-
zes de língua a tornarem-se mais autônomos” (NICOLAIDES;
TÍLIO, 2011, p. 176) e trazendo a constatação de que a prática é
bem mais complexa que a teoria.

No que cabe ao professor, faz-se necessário que ele mostre


ao aprendiz novos caminhos, até então não traçados. É pre-
ciso dar-lhe, gradualmente, a oportunidade de fazer suas
próprias escolhas baseado, principalmente, nas suas neces-
sidades, preferências, estilos e ritmos de aprendizagem. (NI-
COLAIDES; TÍLIO, 2011, p. 176).

De acordo com Lima e Reis (2017, p. 199), “os materiais


didáticos são elementos culturais, de naturezas diversas que
podem ser utilizados para facilitar o processo de ensino-
aprendizagem”. Sendo assim, o material didático comprometido
com o desenvolvimento da aprendizagem autônoma favorece
o desenvolvimento de competências necessárias para que
o professor possa gerenciar melhor o processo de ensino-
aprendizagem promovendo a inclusão e valorização dos saberes
locais nesse processo, atendendo melhor às expectativas de
aprendizagem dos estudantes.

APRENDIZAGEM COLABORATIVA

A aprendizagem cooperativa e colaborativa pode ser uma


maneira efetiva de tornar o aprendizado envolvente e significativo
aos estudantes no processo de ensino e aprendizagem. De acordo
com Garofalo (2019), a metodologia permite o desenvolvimento
de equipes em torno de um problema real, valorizando o
conhecimento prévio dos estudantes, compartilhando saberes
individuais e coletivos, além de contribuir na construção do

90
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

respeito mútuo e da empatia, trabalhando com a liberdade de


expressão, visando atingir um consenso. Ainda de acordo com
a autora:

O modelo tradicional de ensino já não condiz com nossa


atual sociedade e nem com as demandas e expectativas
dos nossos estudantes. A aprendizagem colaborativa é uma
forma de romper com as estruturas tradicionais de ensino e
alavancá-lo. (GARAFALO, 2019, p. 2).

Fazem coro com Garofalo (2019) as autoras Lima e Reis


(2017). Essas pesquisadoras explicitam que a ampliação do
aprendizado acontece quando os estudantes têm atitudes
positivas para colaborar com o outro naquilo que se sentem
seguros e quando aceitam a colaboração do outro em suas
dificuldades. E acrescentam:

O trabalho em duplas ou pequenos grupos potencializa os


momentos de interação e favorece a comunicação advinda de
necessidades reais dos estudantes. Através dessa interação,
os envolvidos podem dar-se conta do que realmente são
capazes de fazer usando língua, bem como conscientizar-se
de suas limitações. (LIMA; REIS, 2017, p. 200).

Garofalo (2019) destaca que a aprendizagem colaborativa é a


oportunidade do docente avaliar e intervir no processo de ensino
aprendizagem de forma mais próxima. Este modelo permite
que o professor avalie o processo, observando o engajamento
e dialogando com os alunos e seus pares, permitindo, desta
maneira, uma tomada de decisão mais clara, possibilitando,
assim, novos caminhos no processo de ensino-aprendizagem.

91
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

JOGO, BRINQUEDO E BRINCADEIRA. O LÚDICO COMO


RECURSO METODOLÓGICO

Com o intuito de melhor compreender o conceito de jogo,


brinquedo e brincadeira, apresentamos um apanhado geral
dos estudos de Kishimoto (2003) e Volpato (2002) acerca desse
tema. Esses estudos trazem em seu bojo a significação atribuí-
da aos conceitos, que variam de acordo com a época, o lugar e
a cultura.
De acordo com Volpato (2002), as brincadeiras e os jogos
são as formas mais originais que a criança tem de se relacionar
e se apropriar do mundo. Elas possibilitam um relacionamento
da criança com os objetos ao seu redor, promovendo um
aprendizado durante todo o tempo que ela pode ter com as
experiências. É nessa vivência, na interação com o seu grupo
social, que é possibilitada a apropriação da realidade, da vida
em toda a sua plenitude. Apesar da importância do jogo e do
brinquedo no processo educativo e das históricas relações
e associações do jogo com o ensino, o autor diz que ainda
percebe-se um certo preconceito, medo, receio de se trabalhar
de forma mais lúdica em sala de aula.
No intuito de refletir sobre o uso do jogo, do brinquedo e
da brincadeira como espaço de investigação e construção de
conhecimentos, vale expor o que caracteriza cada um deles.
Segundo Kishimoto (2003), tentar definir o jogo não é
tarefa muito fácil. Isso porque a palavra jogo possibilita
diversos entendimentos. Porém, embora recebam a mesma
denominação, há especificidades em cada tipo de jogo que
é preciso considerar. O faz de conta, por exemplo, privilegia
fortemente a imaginação, já um jogo de xadrez, as regras.
Essa pesquisadora acrescenta: “A variedade de fenômenos
considerados como jogo mostra a complexidade da tarefa de
defini-lo” (KISHIMOTO, 2003, p. 15). Uma mesma conduta
pode ser considerada jogo ou não-jogo em diferentes culturas,
dependendo do significado a ela atribuído. A autora utiliza como

92
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

exemplo a ação de uma criança indígena atirando com arco e


flecha. Para um observador externo e alheio àquela cultura,
pode-se tratar de brincadeira, no entanto, para a comunidade
indígena, trata-se de uma forma de preparo para a arte da
caça, necessária à subsistência da aldeia, ainda que possa estar
revestida de caráter lúdico também.
Kishimoto (1992 apud VOLPATO, 2002, p. 91) apresenta uma
definição prévia para jogo:

Chamar-se-á jogo (título provisório) toda situação estruturada


por regras, nas quais o sujeito se obriga a tomar livremente
um certo número de decisões tão racionais quanto possíveis,
em função de um contexto mais ou menos aleatório.

A nomenclatura dos materiais lúdicos trazem complexidade


à questão. Alguns desses materiais são comumente chamados
de jogos e outros de brinquedos. Mas qual é a diferença entre
eles?
A leitura dos estudos de pesquisadores franceses3 auxilia
na compreensão dos termos citados. De acordo com esses
estudos, o jogo apresenta três níveis de diferenciações.
O jogo pode ser visto como:

1. O resultado de um sistema linguístico que funciona


dentro de um contexto social;
2. Um sistema de regras; e
3. Um objeto.

No primeiro caso, enquanto fato social, o jogo assume a


imagem, o sentido que cada sociedade lhe atribui. Esse aspecto
nos possibilita entender as distintas significações dos jogos, a
depender da época e do lugar. Cada contexto social constrói
uma imagem do jogo conforme seus valores e modo de vida,
3
Pesquisadores do Laboratoire de RecherchesurleJeu et leJoulet, da Universitè Paris-
Nord, como Gilles Brougère (1981, 1993) e Jacques Henriot (1983, 1989), citados por
Kishimoto (2003).

93
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

que se expressa por meio da linguagem.


No segundo caso, cada jogo contém um sistema de regras
específico para a sua modalidade. São regras que distinguem
um jogo do outro, utilizando o mesmo objeto, como é o caso
do baralho, que permite jogar buraco ou tranca, por exemplo.
Quando alguém joga, executa as regras do jogo e desenvolve
uma atividade lúdica ao mesmo tempo.
O terceiro sentido refere-se ao jogo materializado em objeto.
O xadrez, por exemplo, se materializa no tabuleiro e nas peças,
que podem ser confeccionadas em madeira, plástico, papelão,
pedra ou metal.
Esses três aspectos possibilitam uma primeira compreen-
são do jogo, com diferentes significados atribuídos por culturas
diferentes, pelas regras e objetos que o caracterizam (KISHI-
MOTO, 2003).
Diferenciando do jogo, Kishimoto (2003) afirma que
o brinquedo permite uma relação íntima com a criança e
permite o seu uso de forma livre, isento de um sistema de
regras, que indeterminam sua utilização. O brinquedo estimula
a representação, a expressão de imagens que evocam aspectos
da realidade, ao contrário de alguns jogos, como xadrez e jogos
de construção, que exigem habilidades definidas por uma
estrutura no objeto e suas regras. Pode-se dizer que o brinquedo
permite que a criança represente o que existe no cotidiano, algo
presente no lugar de algo.
O brinquedo, enquanto objeto, é sempre suporte de
brincadeira. Por meio dele o imaginário infantil é estimulado.
O vocábulo “brinquedo” não pode ser reduzido à pluralidade
de sentidos do jogo, pois conota criança e tem uma dimensão
material, cultural e técnica. Ou seja, ele é o material estimulante
para fazer fluir o imaginário infantil.
Em relação à brincadeira, pode-se defini-la como a ação
que a criança desempenha ao concretizar as regras do jogo,
ao mergulhar na ação lúdica. Pode-se dizer que é o lúdico em
ação. Desta forma, brinquedo e brincadeira relacionam-se

94
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

diretamente com a criança e não se confundem com o jogo


(KISHIMOTO, 2003).
Após a breve apresentação que distingue jogo, brinquedo e
brincadeira, exploramos um pouco mais o termo jogo.
Wittgenstein (1975 apud KISHIMOTO, 2003) afirma que não
existe algo em comum entre os diferentes tipos de jogos, mas,
sim, semelhanças e parentescos, e diz que os jogos “formam
uma família”. Ao analisar diferentes tipos de jogos como jogo
de tabuleiro, de cartas, de bola, amarelinha, paciência, roda,
entre outros, é possível observar semelhanças surgirem e
desaparecem. A ramificação dos sentidos do conceito de
jogo admite o surgimento de imprecisões. Kishimoto (2003)
justifica essa imprecisão ao admitir a dificuldade em elaborar
uma definição de jogo que englobe a multiplicidade de suas
manifestações concretas, pois os jogos possuem peculiaridades
que os aproximam e distanciam.
Huizinga (1996 apud VOLPATO, 2002) considera o jogo como
elemento da cultura e apresenta como critérios fundamentais
do jogo: atividade voluntária e prazerosa; atividade livre; caráter
não sério; separação, suspensão da vida cotidiana; limitação do
tempo e do espaço; existência de regras; e caráter não fictício.
Essas características para a definição de jogo sofreram
diversas críticas que contribuíram para aprofundar o critério
postulado por Huizinga. Dentre as críticas, a fim de aprofundar
o entendimento deste artigo, vale destacar os três primeiros
critérios.
Vygotsky (1994 apud VOLPATO, 2002) afirma que o critério
de prazer pode ser inseguro, pois há jogos em que a atividade
em si não é agradável, estando o prazer no resultado. Apesar
disso, o autor não nega a busca do prazer no jogo, no entanto,
afirma que ela não pode ser definidora do jogo.
O jogo como atividade não séria está relacionado ao lúdico,
que, historicamente, se contrapõe ao trabalho. Essa expressão
pode estar relacionada ao estado de espírito de quem pratica
o jogo, pois uma criança, brincando de faz de conta, realiza

95
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

a atividade de forma bastante compenetrada, não deixando


dúvidas sobre a seriedade existente na ação.
O critério de jogo como atividade livre estabelecido por
Huizinga está relacionado a sua improdutividade, que no jogo
está intimamente ligado, na interpretação de Kishimoto (1997
apud VOLPATO, 2002), com o fato de ser uma ação voluntária,
de não poder criar nada e não visar a um resultado final.
Wallon (1981 apud VOLPATO, 2002) coloca que, se a atividade
se torna utilitária, perde o atrativo e o caráter de jogo. Caillois
(1958 apud VOLPATO, 2002) defende que o jogo, com finalidade
eminentemente pedagógica, com intenção de produzir algo,
anula a característica de liberdade. Essas considerações nos
permitem compreender a demarcação entre o que é jogo e o
que é trabalho pedagógico.
Vygotsky (1994 apud VOLPATO, 2002), como um dos autores
da psicologia histórico-cultural, afirma que seria incorreto
conceber o brinquedo como atividade sem propósito, pois,
segundo ele, a realização do propósito acontece na medida em
que o jogo se desenvolve. Esse autor “busca, nas relações com
o contexto social, compreender o jogo na criança” (VOLPATO,
2002, p. 89).
Na obra “A Formação Social da Mente”, Vygotsky (1994 apud
VOLPATO, 2002) aponta que a fase pré-escolar tem a brincadeira
de faz de conta como principal atividade. Na idade escolar, “a
essência do brinquedo é a criação de uma nova relação entre o
campo do significado e o campo da percepção visual – ou seja,
entre situações no pensamento e situações reais”. (VYGOTSKY,
1994 apud VOLPATO, 2002, p. 91). Esse pesquisador russo abre
a possibilidade de se trabalhar o jogo como recurso didático-
pedagógico e diz que, segundo o entendimento de Volpato
(2002), as propostas pedagógicas na pré-escola deveriam ter a
brincadeira, mais especificamente o faz de conta, como pano
de fundo, e, no ensino fundamental, deveriam ser incentivados
os trabalhos que envolvessem as crianças com jogos de regras
e esportes, por favorecerem a formação da personalidade, por

96
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

meio do confronto entre situações no pensamento e situações


reais, pela negociação, combinação e respeito às regras
coletivas, o que caracteriza o próprio prazer no jogo.
O jogo, a brincadeira e o brinquedo são manifestações
necessárias nos processos de desenvolvimento da criança.
Essa compreensão implica a necessidade de pensar a escola
como lugar que possibilita essas manifestações e, dessa forma,
tornar-se um lugar mais prazeroso, tornar-se um ambiente de
apropriação e produção de conhecimento muito mais agradável.

OS GÊNEROS ORAIS E ESCRITOS

“Toda a atividade discursiva e todas as práticas linguísticas


se dão em textos orais ou escritos com a presença de semiologias
de outras áreas, como a gestualidade e o olhar, na fala, ou
elementos pictóricos e gráficos, na escrita” (MARCUSCHI,
2007, p. 13). Entendemos, assim, que toda a atividade discursiva
situa-se nessas duas modalidades: fala e escrita.
Ressalvadas as distinções entre oralidade e fala, e escrita e
letramento, apontadas por Marcuschi (2007), trataremos estas
modalidades no âmbito geral, sem especificar suas diferenças.
A oralidade está presente nas interações de todo falante
da língua e é a primeira a desenvolver-se. A fala é adquirida
naturalmente, desde o primeiro contato com outro falante, e o
domínio oral é aprendido nas relações sociais, na vivência com
outros usuários da língua. A escrita, por sua vez, desenvolve-se
em segundo lugar e é considerada a manifestação formal do
letramento4. Marcuschi (2001, p. 17) diz que “[…] sua prática e
avaliação social a elevaram a um status mais alto, chegando a
simbolizar educação, desenvolvimento e poder”.
Durante toda a vida o indivíduo produz texto oral, estes
textos podem ser transformados em textos escritos, porém,
apesar dessas modalidades pertencerem ao mesmo sistema
linguístico, cada uma tem a sua particularidade.

4
SOARES, M. Alfabetização e letramento. São Paulo: Contexto, 2018.

97
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

As condições para a produção dessas modalidades são dis-


tintas, pois cada uma delas atende a características específicas,
no entanto, a fala e a escrita não podem ser vistas de forma
dicotômicas. Ambas fazem parte de um continuum, pois “são
atividades discursivas complementares” (MARCUSCHI, 2007,
p. 16).
Na oralidade percebe-se uma enorme variação linguística.
Apesar de validar e valorizar todas as variedades linguísticas,
sabemos que nem todas têm a mesma reputação social. Mar-
cuschi (2007, p. 8) enfatiza que “a fala oferece um nível de cor-
retude gramatical bastante alto, não obstante todas as crenças
populares em contrário. O problema está em confundir varia-
ção com incorretude”. Considerando que a variação linguística
é natural em todas as línguas, não há motivos linguísticos para
eleger uma variante como superior às outras. Bagno (2003 apud
MARCUSCHI, 2007) enfatiza que o preconceito relacionado às
variedades linguísticas não se trata de preconceito linguístico,
e sim preconceito social, uma vez que são discriminadas as va-
riações linguísticas dos grupos nomeados como minorias.
A oralidade é um dos domínios prioritários que deve ser ex-
plorado na escola, e mesmo estando nos documentos oficiais5,
sabemos que o trabalho com essa modalidade como objeto de
aprendizagem específica ainda é tímido.
Vale ressaltar que, apesar de a modalidade escrita ganhar
mais espaço no ensino escolar, ela não se sobrepõe a modalidade
oral, “a escola deve ocupar-se da fala propondo um paralelo de
análise com a escrita” (KATO, 1987, p. 7).
Entendendo a escola como instituição de ensino, “cabe a
ela oportunizar atividades que desenvolvam as capacidades de
linguagem oral à circulação dos saberes, à vida profissional e à
cidadania” (SCHNEUWLY; DOLZ, 2004, p. 45).

5
Parâmetros Curriculares Nacionais. (BRASIL, 1998)

98
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

PROPOSTA DIDÁTICA

Buscou-se, no material didático proposto, promover uma


aprendizagem cooperativa e colaborativa a partir de um jogo
de tabuleiro que se utiliza das práticas linguísticas com ênfase
na atividade discursiva nas modalidades da fala e escrita com
o objetivo de despertar a consciência sobre o fenômeno da
ocorrência da supressão do -r final dos verbos no infinitivo.
O tema utilizado no cenário e contexto contemplam a
cultura brasileira, visto que o jogo pode ser utilizado tanto para
as aulas de Língua Portuguesa como língua materna (LPM)
quanto para aulas de Língua Portuguesa como língua adicional
(LPA) e, nesse contexto, vimos como oportuna a valorização da
cultura do Brasil.
O jogo é de fácil compreensão e aplicabilidade, podendo
ser utilizado em turmas grandes, divididas em pequenos
grupos, valorizando a autonomia dos estudantes. O professor
será mediador do processo, podendo fazer observações,
esclarecimentos e provocações de acordo com o tema, assunto,
participação e envolvimento de todos.

Jogo: É assim?

O jogo é composto por:

1 tabuleiro;
4 peões (1 verde, 1 vermelho, 1 azul e 1 amarelo);
60 envelopes com textos a serem completados com a palavra
correta e duas cartas, sendo uma com alternativa correta e
outra com alternativa incorreta;
20 cartas para as jogadas extras.

Objetivo do jogo

Completar o percurso em primeiro lugar.

99
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

Regras

Antes de iniciar a partida, os jogadores devem definir quem


inicia o jogo (par ou ímpar, dois ou um, dado…).
Cada jogador escolhe seu peão que será de cor diferente
para cada participante.
O ponto de partida no tabuleiro é o círculo verde e o ponto
de chegada, o círculo vermelho.
Cada jogador, na sua vez, tira 1 envelope, que estará
disposto em monte na mesa, faz a leitura do texto em voz alta e
escolhe a carta que completa a lacuna. Devolve o envelope para
a mesa formando outro monte (após terminarem os envelopes
do monte em uso, passa a reutilizar os envelopes do segundo e,
deste modo, sucessivamente, até que termine o jogo). A carta
escolhida indicará “emoji6 feliz” ou “emoji triste” .
“Emoji feliz” significa que o jogador escolheu a palavra
correta e deverá avançar uma casa no tabuleiro, “emoji triste”
significa que a palavra escolhida está incorreta e o jogador
deverá permanecer com seu peão na mesma posição.
Jogada extra: Quando o jogador parar com seu peão nas
casas marcadas por “emoji pensando” , deverá tirar mais um
envelope, responder a questão e pegar uma carta no tabuleiro
“jogada extra” que indicará a jogada de acordo com o acerto ou
não.
Vence quem completar o percurso em primeiro lugar. Caso
haja mais de dois jogadores, o jogo pode continuar para disputa
das próximas colocações.

Participantes

Dois a quatro jogadores.

6
Palavra derivada da junção dos seguintes termos em japonês: e + moji. Com origem no
Japão, os emojis são ideogramas usados em mensagens eletrônicas e páginas web. São
também chamados de emoticons ou smiley.

100
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tendo por finalidade contribuir com o ensino de Língua


Portuguesa como língua materna e também adicional, bem
como oferecer uma proposta de elaboração de material didático
para o trabalho com o ensino da língua a partir de recurso
lúdico como estratégia pedagógica, abordamos algumas
concepções sobre material didático, apresentamos o uso do
lúdico como recurso metodológico, expusemos brevemente
algumas considerações sobre gêneros orais e escritos e, por fim,
apresentamos uma proposta didática a partir da utilização do
jogo como recurso metodológico visando promover a reflexão
e compreensão do fenômeno do apagamento do -r final dos
verbos no infinitivo.
Há ainda um receio de se trabalhar de forma mais lúdica na
escola, principalmente nos anos finais do ensino fundamental.
A expectativa não é o uso do jogo de forma desarticulada, mas
a utilização do recurso lúdico como material didático que
contribua na construção do conhecimento sobre o aprendizado
da Língua Portuguesa e espera-se que o material seja mais um
apoio para a reflexão sobre novas práticas pedagógicas. Portanto,
ainda carecemos de pesquisas que tratem da abordagem lúdica
no ensino de Língua Portuguesa, que explorem mais os jogos
como material didático e que continuem contribuindo para a
melhora da qualidade desse recurso.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares


nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: Língua
Portuguesa. Brasília: MEC/SEF, 1998.
CORACINI, M. J. (org.). Interpretação, autoria e legitimação do livro didático.
São Paulo: Pontes, 1999.

101
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

GAROFALO, D. Como envolver os alunos na aprendizagem colaborativa. In:


NOVA ESCOLA. [S.l.], 19 mar. 2019. Disponível em: https://novaescola.org.
br/conteudo/16167/como-envolver-os-alunos-na-aprendizagem-colaborativ
a?gclid=Cj0KCQjwxNT8BRD9ARIsAJ8S5xbsi7cELS8sk9mQDVqnFEJ8ILz6A
LRHOdZuFbOk2-kzXM9ksBBV8moaAqXdEALw_wcB. Acesso: 24 out. 2020.
JOGO de tabuleiro em PNG para editar grátis. In: ARTE DIGITAL GRÁTIS. [S.l.],
2020. Disponível em: https://www.artedigitalgratis.com/2020/03/jogo-de-
tabuleiro-em-png-para-editar.html. Acesso em: 26 fev. 2021.
KATO, M. No mundo da escrita. Uma perspectiva psicolingüística. 2 ed. São
Paulo: Ática, 1987.
KISHIMOTO, T. M. (org.) Jogo, brinquedo, brincadeira e a educação. 3. ed. São
Paulo: Cortez, 2003.
LIMA, I. A. de O.; REIS, L. M. Princípios teórico-metodológicos para elaboração
de material didático de PLE e a necessidade de inclusão sistemática dessa
discussão nos currículos de formação de professores. Revista a Cor das
Letras, Feira de Santana, v. 18, n. 3, p. 194-206, set./dez. 2017.
MARCUSCHI, L. A. Da fala para a escrita. Atividades de retextualização. São
Paulo: Cortez, 2001.
MARCUSCHI, L. A.; DIONISIO, A. P. Fala e escrita. Belo Horizonte: Autêntica,
2007.
NICOLAIDES, C.; TÍLIO, R. O material didático na promoção da aprendizagem
autônoma de línguas por meio do letramento crítico. In: SZUNDY, P. T.
C.; ARAÚJO, J. C.; NICOLAIDES, C. S.; SILVA, K. A. da. (org.). Linguística
aplicada e sociedade: Ensino e aprendizagem de línguas no contexto
brasileiro. Campinas: Pontes Editores, 2011. p. 175-195.
SCHNEUWLY, B.; DOLZ, J. Oral como texto: como construir um objeto de
ensino. In: SCHNEUWLY, B.; DOLZ, J. Gêneros orais e escritos na escola.
Campinas-SP: Mercado de Letras, 2004. p. 149-185.
SOARES, M. Alfabetização e letramento. São Paulo: Contexto, 2018.
VOLPATO, G. Jogo, brincadeira e brinquedo: uso e significados no contexto
escolar e familiar. Florianópolis: Cidade Futura, 2002.
VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes,
1994.

102
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

ANEXO A – Tabuleiro para o jogo “É assim?”

Fonte: (JOGO..., 2020).

ANEXO B – Envelope para as fichas

Fonte: As autoras.

103
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

ANEXO C – Frente do envelope e fichas (modelo)

Fonte: As autoras.

ANEXO D – Envelope com as fichas

Fonte: As autoras.

104
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

ANEXO E – Partes dos envelopes e fichas

Fonte: As autoras.

105
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

ANEXO F – Cartas para jogadas extras

Fonte: As autoras.

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COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

ANEXO G – Fichas

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LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

108
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

Fonte: As autoras.

109
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

b
110
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

O JOGO “PEGA-VARETAS DO /R/ FINAL” COMO


RECURSO DIDÁTICO PARA AS AULAS DE LÍNGUA
PORTUGUESA

Leila Jennff Monteiro de Oliveira1


Fernando Augusto de Lima Oliveira2

uando estamos diante do desafio de trabalhar a


Língua Portuguesa (LP), temos a consciência de
que há uma pluralidade de aspectos culturais e
sociais nos quais a oralidade e a escrita estão envolvidas, de
modo que não podemos mais localizar a oralidade apenas como
lugar da espontaneidade e da falta de planejamento e a escrita
como um sistema de convenções que não prevê variações.
No entanto, para uma sociedade com tradição de escrita
como a nossa, essa modalidade da língua é considerada um
bem social indispensável. Nesse sentido, compreendemos que
a oralidade e a escrita são modalidades distintas de um mesmo
sistema linguístico, igualmente relevantes.
No contexto escolar, muitos alunos reconhecem essas
duas modalidades de maneira semelhante, ao considerarem
que a escrita é a representação gráfica da fala; e, com isso,
reproduzem, em seus textos escritos, marcas características da
oralidade.
Quando o professor alfabetizador ou um professor de LP
realiza uma atividade de produção escrita e, por exemplo, o
estudante questiona como deve escrever a palavra “CAIXA”, que
gerou dúvida, o professor indica que ele deve pronunciar os sons
para escrever corretamente; no entanto, o estudante pronuncia
“CAXA” e assim a escreve. Ao se deparar com essa forma de
escrita, o professor, normalmente, reage negativamente; e,

1
Professora da Rede Municipal de ensino de Jupi-PE. Mestra em Teorias da Linguagem
e Ensino pelo PROFLETRAS - Mestrado Profissional em Letras, da Universidade de
Pernambuco – Multicampi Garanhuns/PE. - leilajennff@hotmail.com.
2
Docente Permanente do PROFLETRAS - Mestrado Profissional em Letras, da Universidade
de Pernambuco – Multicampi Garanhuns/PE - fernando.oliveira@upe.br.

111
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

muitas vezes, ao realizar a correção, enfatiza em letras garrafais


“CAIXA”. Desta maneira, a escola insere e/ou reproduz essa
ideia errônea de que se escreve como se fala.
O fenômeno morfológico apagamento do /r/ final em
verbos e substantivos também é muito recorrente na escrita dos
estudantes da educação básica, favorecido pela transposição de
marcas da oralidade nas produções escritas. Ora, se na fala o
aluno diz “amá[ø]” ou “vendê[ø]”, possivelmente, apagará, na
escrita, o /r/ em posição de coda silábica.
Marcuschi (2016) reforça a ideia de que não podemos
ver a escrita como uma representação da fala, pois ambas
possuem características próprias a cada modalidade. Ou seja,
há um mesmo sistema linguístico, mas usos diferentes e com
particularidades eminentes a cada modalidade.
Pressupõe-se, então, que a compreensão, pelo professor, de
alguns desencadeadores de erros na escrita pode implicar uma
atuação mais científica e eficaz no tocante ao erro3 que o aluno
comete na hora de escrever. Nesse sentido, durante as aulas de
LP, faz-se necessária uma abordagem que contemple as duas
modalidades, instigando o aluno a desenvolver habilidades
referentes tanto à oralidade quanto à escrita.
Nesse sentido, defendemos que o ensino de aspectos
fonético-fonológicos e ortográficos possam ser ensinados
por meio de materiais concretos, os quais possibilitarão uma
aprendizagem linguística significativa. O presente capítulo,
portanto, objetiva propor um material concreto que possa ser
trabalhado em turmas do ensino fundamental séries finais4.

3
Esclarecemos que julgamos como ‘erros’ as grafias que não correspondem à padronização
ortográfica da língua materna. Considerando que muitos deles são previsíveis, não
os tomamos como um problema, mas como dados que, a partir de sua investigação,
podem nos fornecer instrumentos para que o professor elabore e amplie suas propostas
pedagógicas.
4
Essa proposta é resultante da dissertação de Mestrado da discente Leila Jennff
Monteiro de Oliveira, defendida em 2020, orientada pelo Prof. Dr. Fernando Oliveira, da
Universidade de Pernambuco – Multicampi Garanhuns.

112
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

AS CATEGORIAS DE ERRO: DA ORALIDADE PARA A ESCRITA

Durante as aulas de Língua Portuguesa, faz-se necessária


uma abordagem que instigue o aluno a desenvolver habilidades
referentes tanto à oralidade quanto à escrita. Compreendemos
que na modalidade escrita a percepção de erro não é a mesma
de quando se trata da fala.
Cagliari (1990) apresenta uma análise dos “erros”
ortográficos em produções de textos de alunos da alfabetização
com base nas seguintes categorias: Transcrição fonética (escreve
u em vez de o: tudu (tudo)); Uso indevido de letras (escreve
susego /sossego); Hipercorreção ( jogol /jogou); Modificação da
estrutura segmental das palavras (troca de letras – anigo/ amigo);
Supressão e acréscimo de letras – (macao/ macaco); Juntura
intervocabular e segmentação (eucazeicoéla /eu casei com ela
e a fundou (afundou)); Forma morfológica diferente (adepois –
depois); Forma estranha de traçar as letras (quando se confunde
na escrita cursiva da criança, ela escreve sabe, mas o professor
não entende se foi um b ou v como em save>sabe); Uso indevido
de letras maiúsculas ou minúsculas, acentos gráficos (voce>você);
Sinais de pontuação (era-uma-vez – usam sinais para isolar
palavras); Problemas sintáticos como os de concordância e de
regência.
É relevante que o aluno amplie suas competências
linguísticas usando a fala e a escrita nos diferentes contextos
e nas diversas situações de uso de maneira satisfatória e, para
isso, faz-se necessário promover um processo de ensino-
aprendizagem que não seja relapso à grande contribuição
dada pela fonética e pela fonologia. Nesse sentido, Cagliari
(1990) enfatiza que o ensino deve ser programado ao longo de
todos os anos escolares, cabendo ao professor, por meio de
técnicas fonológicas, propor atividades que motivem os alunos,
ensinando-lhes como os fatos da língua operam: as noções
de valor linguístico, de oposição, de variação, de sistema etc.,
pois, sem uma adequada abordagem fonológica em sala, torna-

113
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

se impossível aos alunos compreenderem os fatos linguístico-


gramaticais.
O professor, de posse de conhecimentos fonológicos, pode
não só planejar atividades para seus alunos, mostrando como
funcionam a fala e a escrita, como permite compreender
melhor o que, de fato, ocorre nos problemas que surgem tanto
na fala quanto na escrita dos alunos e, a partir disso, propor
atividades que contribuam para que os alunos possam entender
melhor o funcionamento da língua e as relações que podem ser
estabelecidas entre a fala e a escrita.
Como é de nosso interesse analisar o “erro” a partir das
implicações da fala na escrita, consideramos mais pertinente
o Modelo de Análise e Diagnose de Erros no ensino de Língua
Materna (LM), desenvolvido por Bortoni-Ricardo (2005), que
nos permite a identificação dos erros, bem como a elaboração
de material didático destinado a atender às áreas cruciais de
incidência, o qual aponta quatro categorias de erros5 divididas
em dois grupos, como podemos visualizar no quadro abaixo
(Quadro 1).

5
Para melhor sistematização da nossa análise e compreensão do leitor, reorganizamos o
quadro original apresentado por Bortini-Ricardo (2005, p. 54). Para tanto, enumeramos
diferentemente, explicitando com os algarismos 1 e 2 as categorias macro que
correspondem: 1. aos erros decorrentes da arbitrariedade da escrita; e 2. aos que são
relacionados à transposição dos hábitos da fala para a escrita. Os algarismos I, II e III
descrevem a categoria 2 e correspondem a subcategorias.

114
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

Quadro 1 – Sistematização do modelo de análise e diagnose de


erros no ensino da língua materna – Bortoni-Ricardo (2005)6

1. Erros decorrentes da própria natureza arbitrária do sistema de convenções


da escrita.
I. Erros decorrentes da interferência de regras
fonológicas categóricas no dialeto estudado.
2. Erros decorrentes da II. Erros decorrentes da interferência de regras
transposição dos hábitos fonológicas variáveis graduais.
da fala para a escrita.
III. Erros decorrentes da interferência de regras
fonológicas variáveis descontínuas.

Fonte: Oliveira (2020).

No quadro acima, a primeira categoria não tem relação


com a oralidade, pois diz respeito à questão ortográfica. Nesse
tipo de erro se encaixam os que resultam do conhecimento
insuficiente das convenções que regem a língua escrita,
provocados pelas pluralidades de representações nas relações
entre fonema e letra, ou seja, um fonema pode ser representado
por mais de uma letra e há letras que representam dois
fonemas. Um exemplo dessa ocorrência seria a troca de letras
com semelhança fonética, como em “casa”/”caza”. As diferenças
ortográficas do sufixo número-pessoal de terceira pessoa do
plural /ãw/, que é grafado “ão”, quando é tônico; e “am”, quando
é átono, também estão ligados a essa categoria.
A outra, que apresenta subcategorias, é decorrente
da transposição dos hábitos da fala para a escrita e suas
subcategorias se distinguem entre si.
A subcategoria I é caracterizada pela interferência de
regras fonológicas categóricas no dialeto estudado, ou seja,
esses fenômenos fazem parte da cadeia sonora da fala de
qualquer indivíduo falante do Português. Foram os seguintes
erros classificados por Bortoni-Ricardo (2005, p. 55-56):

6
Ver modelo original de sistematização em Bortoni-Ricardo (2005, p. 54).

115
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

a) Vocábulos fonológicos constituídos de duas ou mais


formas livres ou dependentes, grafados com um único
vocábulo formal. Exemplo: uque, levalo, janotei;
b) Crase entre vogal final de uma palavra e vogal idêntica
ou foneticamente próxima da palavra seguinte. Exemplo: a
tenção;
c) Neutralização das vogais anteriores /e/ e /i/ e das
posteriores /o/ e /u/ em posição pós-tônica ou pretônica;
d) Nasalização do ditongo em “muito” por assimilação
progressiva.

Para descrição das próximas categorias é importante


explicitar a existência de traços graduais e descontínuos. Os
primeiros constituem um conjunto de usos linguísticos que
se fazem presentes no repertório de todos ou quase todos os
falantes, independentemente do grupo social a que pertencem,
podendo variar apenas a frequência com que ocorrem e a
maneira como são produzidos nos diversos estilos ou registros,
ao passo que os traços descontínuos caracterizam usos mais
específicos a determinadas variedades, sujeitando-se à forte
estigmatização social e marcando, geralmente, o repertório
de grupos de raízes rurais ou falantes de pouco ou nenhuma
escolaridade.
A subcategoria II corresponde à influência de regras
fonológicas variáveis graduais e estão numa estratificação
contínua. Tais regras permeiam o repertório de quase todos
os brasileiros não sendo, portanto, estigmatizadas. Nessa
categoria, Bortoni-Ricardo (2005, p. 56) engloba:

a) Despalatização das sonorantes palatais (lateral e nasal).


Exemplo: olhar>>oliar;
b) Monotongação de ditongos decrescentes. Exemplo:
beira>> bera; outro>> otru;
c) Desnasalização das vogais átonas finais. Exemplo:
homem>> homi;

116
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

d) Assimilação e degeminação do /nd/:/nd >>nn>>n/;


e) Queda do /r/ final nas formas verbais.

Aparecem ainda, nessa categoria, os erros decorrentes da


interferência de regras que modificam ou suprimem morfemas
flexionais. Nessa subcategoria, encontra-se o fenômeno
trabalhado no jogo proposto.
A subcategoria III, que está relacionada à interferência
de regras fonológicas variáveis descontínuas, distingue-se da
anterior pelo fato de os traços descontínuos estarem presentes
em algumas regiões mais isoladas, e são passíveis de uma
avaliação negativa, estigmatizada. Nela, Bortoni-Ricardo (2005,
p. 57-58) relaciona:

a) Semivocalização do /lh/. Exemplo: velho>>véio


b) Epítese do /i/ após sílaba final travada. Exemplo: paz>>pazi;
c) Troca do /r/ pelo /l/. Exemplo: sirva>>silva
d) Monotongação do ditongo nasal em “muito”>> muntu
e) Supressão do ditongo crescente em sílaba final. Ocorrem
dois casos, com ditongo oral e nasal, respectivamente.
Exemplo: veio>>vei/ Padrinho>>padr~iu>>padrim
f) Simplificação dos grupos consonantais no aclive de
sílaba com a supressão da segunda consoante. Exemplo:
dentro>>dentu.
g) Metátese em “satisfeito”.

Como explicitado anteriormente, nessa categoria, há


ainda as regras descontínuas que se interseccionam com a
morfossintaxe, modificando os padrões de concordância. A
autora utiliza o termo “erros” para os desvios da norma. Segundo
Bortoni-Ricardo (2006), a fala prevê a variação, já a escrita não,
ou seja, devem-se respeitar as variadas formas de expressão
linguística na modalidade oral; entretanto, “na modalidade
escrita, a variação não está prevista quando uma língua já venceu
os estágios históricos da sua codificação. A uniformidade de que

117
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

a ortografia se reveste garante sua funcionalidade” (BORTONI-


RICARDO, 2006, p. 273). Para a oralidade, não se considera a
noção de “erro”, porque as variantes constituem maneiras
diferentes de dizer o que se pretende. Na modalidade escrita,
o erro é visto de outra maneira, uma vez que deve obedecer a
uma convenção, uma norma ortográfica.
Considerando a palavra erro relacionada a desvios de escrita
veiculados à norma-padrão, vejamos o diagrama que relaciona
o processo pelo qual se dá a identificação deles e a direção
em que o professor deve seguir. Esse diagrama evidencia que
se deve partir da investigação e análise dos erros produzidos,
do conhecimento prévio sobre o estudante para elaboração
de material didático, planos de aula, sequências didáticas
abordando os conteúdos previstos, mas de forma significante,
direcionando o trabalho pedagógico para a reflexão de análises.
Nesse sentido, o professor pode partir das fragilidades que o
aluno mostra. Observemos o diagrama a seguir (Imagem 1):

Imagem 1 – Diagrama do Processo de Análise e Diagnose de


Erros

Fonte: Bortoni-Ricardo (2005, p. 59)

A realidade brasileira engloba uma população, cuja cultura


linguística é, na maioria das vezes, oral e que não tem acesso
ao padrão da língua escrita, tendo em vista que existe ainda um
grande número de analfabetos, analfabetos funcionais em que
a precariedade da instrução escolar impede o acesso. A análise

118
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

dessa realidade se faz necessária para repensar o processo


de ensino-aprendizagem da língua materna, através de um
trabalho pedagógico que parta da reflexão sobre a oralidade
dos alunos e contribua para a produção de materiais adequados
que atendam a essa clientela, que tem direito de acesso à língua
padrão, como mais uma variedade a ser usada, quando assim
se fizer pertinente.
Bortoni-Ricardo (2005) ainda comenta o papel do professor
na tarefa de corrigir os alunos na modalidade escrita e explicita
que considerar uma transgressão à ortografia como um erro não
significa considerá-la uma deficiência do aluno que dê ensejo a
críticas ou a um tratamento que o deixe humilhado. O domínio
da ortografia é lento e requer muito contato com a modalidade
escrita da língua. Dominar bem as regras de ortografia é um
trabalho para toda a trajetória escolar e, quem sabe, para toda
a vida do indivíduo.

O -R FINAL EM VERBOS E SUBSTANTIVOS

É comum, no ensino básico, que os discentes realizem,


em suas produções escritas, marcas da oralidade. De forma
lógica, muitos estudantes, principalmente os que estão em fase
da aquisição da escrita, acham que a forma como a palavra é
pronunciada deve ser representada na escrita. Dentre vários
erros decorrentes “da transposição da fala para a escrita”
(BORTONI-RICARDO, 2005), destacamos, em especial, o
apagamento de /r/ em coda silábica. Esse processo fonológico
de apagamento constitui um processo antigo, de ocorrência
não só no Português Brasileiro, mas em outras línguas.
Esse fenômeno ocorre com frequência nesse tipo de sílaba
devido à grande variação fonética que o segmento, em posição
de coda (final da sílaba), costuma sofrer. Dentre as consoantes
que podem assumir essa posição (r, s, l, n) destacamos o
apagamento do /r/ pós-vocálico nos infinitivos verbais. Segundo
Bortoni-Ricardo (2005), o apagamento da vibrante ocorre

119
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

em todo território nacional e faz parte dos traços graduais


localizados ao longo de todo o contínuo rural-urbano. Bortoni-
Ricardo (2004, p. 85) afirma que “[o] falante da língua, quando
suprime um /r/ em infinitivo verbal ao escrever, faz isso porque
na língua oral ele já não usa mais esse /r/”.
Mollica (2003), em suas pesquisas sobre o destravamento
silábico na fala e suas consequências na aprendizagem
ortográfica, deixa claro que o problema do cancelamento da
vibrante em posição medial na escrita é praticamente resolvido
até a 4ª série (atual 5°ano); entretanto, quando ocorre em
posição final, por estar muito presente na fala, deve receber
maior atenção até nos anos mais avançados da escolarização.
Ademais, Mollica (2003) ainda evidencia que esse segmento é
mais apagado na fala, em sílabas tônicas e em formas verbais
infinitivas e, consequentemente, é menos representado durante
a escrita. Defendemos que o trabalho pedagógico, mais voltado
a uma reflexão sobre o aspecto linguístico, seja de fundamental
importância para o ensino de Língua Portuguesa. Nesse sentido,
a gramática deve ser ensinada a partir da mobilização do
conhecimento que o aluno já possui sobre a língua, expondo-o
a situações em que seja necessário refletir sobre ela e manuseá-
la enquanto algo concreto.
Roberto (2016, p. 77) declara que “uma realização bastante
produtiva no PB é o apagamento do rótico, principalmente
em posição final de palavra, desde que o vocábulo não seja
monossílabo.” No entanto, em uma pesquisa realizada por nós,
com oito turmas de sexto ano de uma escola pública do agreste
pernambucano7, encontramos nas produções dos alunos
palavras monossílabas com o apagamento do rótico em posição
final, como em IR>>I[ø] / DAR>> DÁ[ø].
Por encontrarmos, frequentemente, na escrita dos alunos,
marcas da oralidade em suas produções escritas, sendo o
apagamento do -r final um deles, principalmente em verbos
do infinitivo, produzimos um jogo pedagógico que pudesse

7
Amostra completa de dados encontra-se na Dissertação de Mestrado de Oliveira (2020).

120
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

fazer com que os estudantes refletissem sobre o sistema


linguístico e, para isso, aprendessem de forma lúdica, através
da confecção de um material concreto que possibilitasse
promover a aprendizagem ativa, por meio do desenvolvimento
de habilidades metacognitivas (PILATI, 2017). Nesse sentido,
criamos o jogo Pega-varetas do “-R” Final, com o intuito de
proporcionar uma reflexão sobre uma escrita monitorada e
sobre a influência da oralidade nessa modalidade.
Em seus estudos, Kishimoto (2003) aborda o jogo no
âmbito da educação infantil, mas percebemos que muitas de
suas constatações se aplicam também ao universo do ensino
fundamental anos finais. Dessa forma, o jogo pedagógico,
conforme Kishimoto (2003, p. 36), permite:

[…] a ação intencional (afetividade), a construção de repre-


sentações mentais (cognição), a manipulação de objetos e o
desenvolvimento de ações sensório-motoras (físico) e as tro-
cas nas interações (social), o jogo contempla várias formas
de representação da criança ou suas múltiplas inteligências,
contribuindo para aprendizagem e o desenvolvimento in-
fantil.

Assim, uma atividade lúdica ou um jogo bem planejado e


utilizado de forma adequada oferece muitas vantagens, entre
elas: facilita a aprendizagem; permite a tomada de decisão; dá
significado a conceitos de difícil compreensão; potencializa a
participação ativa; socializa e estimula o trabalho em equipe.
De maneira similar ao que acontece no desenvolvimento
da criança durante a educação infantil e o primeiro ciclo do
Ensino Fundamental (EF) - anos iniciais – entendemos que
o jogo é um recurso que pode ser utilizado para favorecer
o desenvolvimento de uma prática dinâmica e estimulante
com públicos dos diferentes anos e modalidades de ensino,
por proporcionar ao estudante um comportamento ativo no
processo de construção do conhecimento.

121
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

A partir do que foi exposto, produzimos o jogo Pega-varetas


do -R final e o apresentamos a seguir (Imagem 2), com suas
respectivas regras.

Imagem 2 – Jogo Pega-varetas do “R” Final

Fonte: Oliveira (2020).

Objetivo: Compreender o uso do “R” final em formas verbais


e substantivos, refletindo que, mesmo não sendo pronunciado
oralmente em determinadas situações, ele deve ser mantido
na escrita, uma vez que a supressão está em desacordo com a
norma-padrão da ortografia.
Materiais: Varetas coloridas (azuis, verdes, vermelhas,
amarelas e 01 preta); 01 tabela de conferência; 26 cartelas
coloridas com frases lacunadas (a mesma quantidade de cada
cor das varetas).
Número de jogadores: 02 a 05 participantes.
Como jogar:
• Tirar a sorte para iniciar o jogo.
• O segundo jogador será o sentado à esquerda do
que começar; e, assim, sucessivamente.
• Segurar verticalmente as varetas, soltando-as

122
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

sobre a mesa ou chão para dar início ao jogo.


• O jogador deverá levantar vareta por vareta sem
mover nenhuma outra, pois se movê-las, perderá o
direito de continuar a jogar.
• A única vareta auxiliar, que pode ser utilizada
para ajudar a mexer nas outras, é a de cor preta.
• Para pontuar, é necessário pegar a vareta sem
mover as outras; retirar um cartão da cor correspondente
(Imagem 3) e completar a frase com a palavra correta.
• Terminado o jogo, cada jogador deve contar as
suas varetas e verificar quantos pontos fez (Imagem 4).
Vence o jogador que fizer mais pontos. ATENÇÃO: SÓ
SERÃO PONTUADAS AS VARETAS CORRESPONDENTES
AOS ACERTOS.

Imagem 3 – Fichas do jogo Pega-varetas do -r final

123
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

124
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

125
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

Fonte: Oliveira (2020).

126
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

Imagem 4 – Pontuação

Pontuação
Verde – 5
Azul – 10
Amarelo – 15
Vermelho – 20
Preto – 50

Fonte: Oliveira (2020).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Língua Portuguesa possui modalidades distintas, com


características específicas. Assim sendo, ambas precisam
ser analisadas e refletidas em sala de aula, na perspectiva de
possibilitar ao aluno a compreensão de suas peculiaridades,
uma vez que muitos estudantes desconhecem esses aspectos e
os limites entre oralidade e escrita.
Acreditamos que a ação docente deve ser pautada pelo
diagnóstico inicial dos alunos, que possibilite ao educador o
desenvolvimento de um trabalho pedagógico consciente das
necessidades de aprendizagem dos estudantes, na perspectiva
de conduzi-los à evolução. Sobretudo no ensino de Língua
Portuguesa, esse fazer precisa promover a reflexão; e, para
tanto, atividades mecânicas e repetitivas em nada favorecem a
construção do conhecimento.
Isto posto, sugerimos o uso de jogos pedagógicos, que,
aliados a uma ação planejada, com a atuação consciente do
educador quanto aos objetivos propostos, proporcionam
o desenvolvimento de práticas que motivam e conduzem

127
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

os alunos à reflexão, à análise, à dúvida, ao confronto e,


consequentemente, à construção do conhecimento de forma
compartilhada, podendo ser eficiente e motivador com alunos
de diferentes faixas etárias, em qualquer modalidade da
educação.
Somos conscientes de que não existe uma receita pronta
e acabada que dê conta de resolver todas as problemáticas en-
frentadas diariamente por alunos e professores no processo de
ensino-aprendizagem no contexto educacional, especificamen-
te nas aulas de Língua Portuguesa.
Logo, o material concreto apresentado representa uma
possibilidade de trabalho, em meio a tantas outras, que pode
enriquecer, inspirar ou favorecer o desenvolvimento de novas
práticas. À vista disso, acreditamos que um estudo voltado às
práticas metodológicas utilizadas pelos professores no ensino da
disciplina Língua Portuguesa, após o período de alfabetização,
seria de grande relevância para compreendermos como as
modalidades de uso da língua vêm sendo abordadas em sala
de aula e o porquê dos alunos avançarem em escolarização e
não reconhecerem as peculiaridades em cada modalidade de
uso da língua, a fim de favorecer o desenvolvimento eficiente e
satisfatório da modalidade escrita.

REFERÊNCIAS

BORTONI-RICARDO, S. M. Educação em língua materna: a sociolinguística na


sala de aula. 6 ed. São Paulo: Parábola, 2004.
BORTONI-RICARDO, S. M. Nós cheguemo na escola, e agora?: Sociolinguística
e educação. 2 ed. São Paulo: Parábola, 2005.
BORTONI-RICARDO, S. M. O estatuto do erro na língua oral e na língua
escrita. In: GORSKI, E. M.; COELHO, I. L. (org.). Sociolinguística e ensino:
Contribuições para a formação do professor de língua. Santa Catarina:
Editora da UFSC, 2006. p. 267-288.
CAGLIARI, L. C. Alfabetização & linguística. São Paulo: Scipione, 1990.

128
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

KISHIMOTO, T. M. O jogo e a educação infantil, In: KISHIMOTO, T. M. (org.).


Jogo, brinquedo e brincadeira na educação. 8. ed. São Paulo: Cortez, 2003.
p. 13-43.
MARCUSCHI, L. A. Da fala para a escrita: atividades de retextualização. 10. ed.
São Paulo: Cortez, 2016.
MOLLICA, M. C. Da linguagem coloquial à escrita padrão. Rio de Janeiro: 7
Letras, 2003.
OLIVEIRA, L. J. M. de. As marcas da oralidade na escrita de alunos de 6º
ano: análise e intervenção a partir da escrita escolar e do olhar docente.
2020. Dissertação (Mestrado Profissional em Letras) – Universidade de
Pernambuco, Garanhuns, 2020.
PILATI, E. Linguística, gramática e aprendizagem ativa. 2. ed. Campinas-SP:
Pontes, 2017.
ROBERTO, M. Fonologia, fonética e ensino: guia introdutório. São Paulo:
Parábola, 2016.

129
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

b
130
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

O LÚDICO NO ENSINO DE PORTUGUÊS COMO


LÍNGUA ADICIONAL: RELATO DE UMA EXPERIÊNCIA
EM TIMOR-LESTE

Daniela Aparecida Camolesi1

presente capítulo propõe realizar uma reflexão


sobre o uso de atividades lúdicas no processo de
ensino/aprendizagem de línguas, mais especifi-
camente no que diz respeito ao ensino de Português como lín-
gua adicional. Com esse intuito, farei um relato sobre minha
experiência docente entre os anos de 2009 e 2016 na República
Democrática de Timor-Leste, país localizado no sudeste asiáti-
co.
Para tanto, julgo necessário iniciar este capítulo contextu-
alizando o leitor sobre alguns aspectos relevantes do referido
país, como sua localização geográfica, sua história, seu cenário
linguístico e sua relação com a Língua Portuguesa. Logo após,
procederei à descrição dos períodos de trabalho empreendidos
em Timor-Leste, abrangendo características como o perfil da
equipe de trabalho e do público discente, as dificuldades en-
contradas durante o percurso, o processo de elaboração de ma-
terial didático, a percepção da necessidade do uso de atividades
lúdicas no processo de ensino/aprendizagem etc.
Em seguida, discorrerei sobre o referencial teórico que
embasou este capítulo: as leituras realizadas no âmbito da
disciplina Produção de Material Didático para o Ensino de
Língua Portuguesa Adicional, ofertada no terceiro semestre do
Programa de Mestrado Profissional em Letras da Universidade
Federal de Santa Catarina no ano de 2020.
Para finalizar, detalharei algumas atividades lúdicas
elaboradas e implementadas por mim em meu período como
docente de Língua Portuguesa em Timor-Leste, enfatizando

1
Mestranda do PROFLETRAS – Mestrado Profissional em Letras – da UFSC –
danielacamolesi@hotmail.com.

131
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

aspectos como o nome da atividade, seu objetivo (quais


competências e habilidades visa desenvolver), o público para
o qual foi aplicada (considerando seu nível de conhecimento
da Língua Portuguesa), a descrição de seu passo a passo e,
finalmente, as reflexões sobre sua efetividade e aplicabilidade.

TIMOR-LESTE: LOCALIZAÇÃO, HISTÓRIA, CENÁRIO LIN-


GUÍSTICO E RELAÇÃO COM A LÍNGUA PORTUGUESA

Timor-Leste, oficialmente, República Democrática de


Timor-Leste ou Timor Lorosa’e, em tétum, é um pequeno
país, com cerca de 14.874 quilômetros quadrados de extensão
territorial (uma área inferior ao menor dos estados brasileiros:
Sergipe), localizado no sudeste asiático, mais precisamente,
entre a Austrália e a Indonésia, conforme ilustra o mapa abaixo
(Imagem 1):

Imagem 1 – Localização geográfica de Timor-Leste

Fonte: MEC apud Reginaldo (2012, on-line).

De acordo com os dados do último censo realizado no país


no ano de 2015 (DNE, 2015), Timor-Leste tem uma população
estimada em 1.291.358 habitantes divididos em treze municí-

132
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

pios (Imagem 2): Bobonaro, Liquiçá, Díli, Baucau, Manatuto e


Lautém, na costa norte; Cova-Lima, Ainaro, Manufahi e Vique-
que, na costa sul; Ermera e Aileu, situados no interior monta-
nhoso; e Oecussi-Ambeno, enclave no território indonésio. Em
termos demográficos, Díli, capital do país, concentra o maior
número de habitantes, cerca de 234.026 pessoas.

Imagem 2 – Divisão política de Timor-Leste

Fonte: Timor-Leste (2021, on-line).

Segundo afirma o autor português Humberto de Luna da


Costa Freire e Oliveira (2004), em seu livro “Timor na História
de Portugal”, Timor-Leste já era habitado há cerca de 3.500
anos, informação que pode ser facilmente comprovada através
das pinturas rupestres existentes no Município de Lautem.
Conforme o mesmo autor, historicamente, a civilização
timorense descende das civilizações papua (7.000 a.C.) e
austronésica (3.000 a.C.), visto que os primeiros habitantes que
chegaram à ilha provinham desses dois grupos étnicos.
Já o primeiro contato dos timorenses com os europeus
ocorreu em 1512, quando os portugueses chegaram à ilha
em busca do sândalo branco, madeira nobre utilizada na
fabricação de móveis de luxo e na perfumaria. A exemplo do

133
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

que aconteceu no Brasil, Timor-Leste tornou-se uma colônia de


exploração, dessa forma, durante quatro séculos, os portugueses
se beneficiaram dos recursos naturais do país, mas pouco
investiram em sua infraestrutura. Somente em 1960, a capital,
Díli, passou a dispor de luz elétrica e, na década seguinte, de
água, esgoto, hospitais e escolas, que eram reservadas para
pouquíssimos privilegiados: os filhos dos liurais (chefes tribais)
e dos funcionários da administração pública. O restante do
país, especialmente as zonas rurais, permaneceu desassistido.
O processo de descolonização de Timor-Leste, de acordo
com o diplomata português, José Júlio Pereira Gomes (2010), teve
início em Portugal, em 25 de abril de 1974, data em que ocorreu
a Revolução dos Cravos. Esse evento marcou a restauração
da democracia no país e colocou em evidência o direito à
autodeterminação das colônias portuguesas (GOMES, 2010).
Esse momento de abertura política propiciou o surgimento
de três organizações partidárias em Timor-Leste: a União
Democrática Timorense (UDT), que propunha a integração
de Timor numa comunidade de Língua Portuguesa; a Frente
Revolucionária de Timor-Leste Independente (FRETILIN), que
preconizava o direito à independência; e a Associação Popular
Democrática Timorense (APODETI), que defendia a integração
com autonomia na comunidade Indonésia.
Em 1975, após a contestada vitória da FRETILIN nas
eleições municipais, o clima político ficou tenso, resultando em
uma guerra civil. Nesse contexto, surgem as Forças Armadas de
Libertação e Independência de Timor-Leste (FALINTIL), o braço
armado da FRETILIN, que expulsam os adversários políticos
para a parte indonésia da ilha e proclamam, unilateralmente,
a independência do país, em 28 de novembro de 1975. A
chegada ao poder de um partido de inspiração marxista, em
plena guerra fria, desagradou as potências ocidentais, desta
maneira, com o apoio tácito dos Estados Unidos, a Indonésia
invade Timor-Leste apenas três dias após a proclamação de sua
independência, rebatiza-o como Timor Timur, tornando-o sua

134
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

27ª província. (MORE, 2002)


A truculenta dominação indonésia em Timor-Leste durou
quase vinte e cinco anos. Nesse período, estima-se que um terço
da população do país, o que corresponde a aproximadamente
250 mil pessoas, foi dizimada, configurando-se como um dos
maiores genocídios do século XX (SAKAMOTO, 2015). Além
de cometer inúmeras violações aos direitos humanos, o
Governo pró-indonésio proibiu o uso do Português, censurou
violentamente a imprensa e restringiu o acesso de observadores
internacionais ao território até a queda do ditador indonésio
Hadji Mohamed Suharto, em 1998.
Ainda em 1998, pressionado pela comunidade internacional,
Bacharuddin Jusuf Habibie, sucessor de Suharto, concordou
com a realização de um referendo no qual a população
timorense decidiria entre a restauração da independência ou
a integração à Indonésia. Desta forma, no dia 30 de agosto de
1999, mesmo sob uma intensa onda de violência promovida
por grupos paramilitares pró-Indonésia, 78,5% dos eleitores
optaram pela independência soberana. Depois desse evento,
o país foi incendiado pelos indonésios, cujo lema era “nós
construímos, nós destruímos”, o que culminou em milhares de
mortes e danificou severamente a infraestrutura do país.
De 1999 a 2002, Timor-Leste contou com o apoio da Organi-
zação das Nações Unidas (ONU) para pacificar, redemocratizar
e reconstruir o país. Sob o comando do diplomata brasileiro
Sérgio Vieira de Mello, foram implementadas várias medidas
com o objetivo de desarmar os milicianos e auxiliar no proces-
so de transição democrática. Assim, em 20 de maio de 2002, a
República Democrática de Timor-Leste foi finalmente reconhe-
cida pela comunidade internacional como uma nação indepen-
dente e soberana.
A rica e conturbada história timorense certamente
contribuiu para a pluralidade linguística existente em Timor-
Leste (Imagem 3). Além do Tétum e do Português, idiomas
consagrados pela constituição como línguas oficiais, no país há

135
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

quinze línguas nacionais (Ataurense, Baiqueno, Becais, Búnake,


Cauaimina, Fataluco, Galóli, Habo, Idalaca, Lovaia, Macalero,
Makasa’e, Kemáke e Tokodede) e outros inúmeros dialetos de
origem papua ou astronésica. Falam-se também o Indonésio
(que foi imposto no período de dominação indonésia) e o
Inglês (que se fez necessário com a chegada da ONU e das ONGs
estrangeiras durante o processo de reconstrução do país), que
são consideradas “línguas de trabalho” pela constituição.

Imagem 3 – Mapa linguístico de Timor-Leste

Fonte: web.carta.com (2007) apud Lourenço (2008, p. 10).

Embora seja falada por uma pequena parcela da população


timorense (cerca de 30% dos habitantes), há inúmeros motivos
para a Língua Portuguesa ter sido alçada à condição de língua
oficial quando Timor-Leste conquistou sua independência, em
2002. Conforme sintetiza Costa (2005, p. 215),

[…] A escolha da língua portuguesa contabiliza: um peso


simbólico (por ser língua de resistência à invasão indonésia,
língua usada para dar informações ao mundo sobre a luta e os
efeitos da invasão), um aspecto identitário (o do seu passado
sem grandes imposições, sem grande impacto), um aspecto
afectivo (ligação ao catolicismo, igreja que em conflitos

136
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

de guerra – segunda guerra mundial, invasão indonésia


– nunca abandonou o povo) e um aspecto geoestratégico
(Timor confinado à Indonésia e à Austrália). […]

De acordo com José Alexandre Kay Rala Xanana Gusmão,


líder da resistência timorense e maior herói nacional, o fato
de os timorenses falarem Português também foi determinante
para que a ONU reconhecesse a diferença cultural de Timor-
Leste em relação ao resto da Indonésia e, dessa forma, tutelasse
seu processo de independência: “Somos a metade de uma das
13.000 ilhas da Indonésia e só somos diferentes porque temos
uma cultura diferente, uma identidade diferente… Nossa
língua é o português” (BATORÉO, 2010, p. 125). Pode-se afirmar,
portanto, que são as línguas Portuguesa e Tétum que demarcam
o território de Timor-Leste em relação aos seus países vizinhos,
Austrália e Indonésia.

A EXPERIÊNCIA DOCENTE EM TIMOR-LESTE

Eu tive a oportunidade de trabalhar em Timor-Leste em


três períodos distintos: o primeiro, de 2009 a 2010; o segundo,
no decorrer de 2011 e o terceiro, de 2016 a 2017. Na primeira
ocasião, fiz parte do Programa de Qualificação Docente e
Ensino de Língua Portuguesa em Timor-Leste (PQLP), uma
iniciativa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior (CAPES), em parceria com o Ministério das
Relações Exteriores e o governo de Timor, que tinha como
objetivo principal fortalecer a Língua Portuguesa no país por
meio da cooperação no âmbito educacional.
O programa abrangia quatro projetos de trabalho:
Capacitação de Professores de Educação Secundária
(PROCAPES); Pós-Graduação na Universidade Nacional Timor
Lorosa’e; Capacitação de Professores da Escola Primária
(PROFEP) e Ensino da Língua Portuguesa Instrumental (ELPI).
Eu integrei a equipe de professores de Língua Portuguesa do

137
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

ELPI que, na época, contava com oito profissionais oriundos de


diferentes partes do Brasil.
Alguns docentes já haviam trabalhado em Timor-Leste e
outros tinham alguma experiência no ensino de Português como
língua adicional, mas quase metade de nossa equipe, incluindo
a coordenadora, nunca tinham lecionado essa modalidade
até então, o que exigiu de nós longas horas de dedicação aos
estudos teóricos, que ocorriam semanalmente, em grupo.
Nossos alunos eram funcionários públicos timorenses,
atuantes em diferentes órgãos e ministérios, que necessitavam
aprender ou aprimorar o Português em virtude de sua função,
pois os documentos oficiais de Timor-Leste passaram a ser
redigidos nessa língua após a independência do país. Em dois
anos de trabalho, eu tive a oportunidade de lecionar no Ministério
dos Negócios Estrangeiros, na Comissão Anticorrupção, no
Serviço Nacional de Inteligência e na Universidade Nacional
Timor Lorosa’e.
Além da falta de experiência de alguns membros da equipe
no ensino de Português como língua adicional, enfrentamos
outros obstáculos em nosso percurso de trabalho, como o perfil
desigual de nossos alunos ( já que os níveis de conhecimento da
língua eram muito diferentes) e, principalmente, a inexistência
de material adequado para o ensino de Português brasileiro
em Timor-Leste. Com o objetivo de sanar essas dificuldades,
decidimos, então, elaborar nosso próprio material e submeter
nossos estudantes a um teste de nivelamento, para que, dessa
forma, pudéssemos organizar as turmas de acordo com o nível
de conhecimento da língua: básico, intermediário ou avançado.
A primeira versão do material foi aplicada em cursos
realizados no início de 2010 e, após esse uso experimental,
voltou a ser objeto de trabalho de nossa equipe. Com a
contribuição de todas as vivências e analisando aspectos que
funcionaram bem e outros que evidenciaram a necessidade
de mudanças, procedemos, então, à revisão final das unidades
elaboradas. Como método de ensino, optamos pela adoção de

138
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

uma abordagem comunicativa, que privilegia a aprendizagem


a partir do uso efetivo da língua, aliada a tarefas que estimulam
o aluno a interagir, com o objetivo de facilitar a compreensão
oral e escrita, bem como a conversação e a produção escrita.
Nosso longo e árduo processo de trabalho resultou em três
manuais de ensino de Português brasileiro para timorenses,
níveis básico, intermediário e avançado, intitulados “Brasil
e Timor: português sem limites” (Imagem 4), que foram
publicados ainda em 2010, com o apoio da CAPES, do Ministério
das Relações Exteriores e da Agência Brasileira de Cooperação
(ABC), entidade que passou a financiar nosso projeto a partir de
2011, o que possibilitou a continuidade de nosso trabalho em
Timor-Leste por mais um ano.

Imagem 4 – Capa do manual de nível básico

Fonte: Arquivo pessoal.

Em 2016, tive a oportunidade de retornar a Timor-Leste


para trabalhar em um novo projeto da Agência Brasileira de
Cooperação, que previa, além das aulas regulares nos moldes
já aplicados em 2010 e 2011, um curso de capacitação de multi-
plicadores, destinado aos alunos que haviam concluído o nível
avançado previamente ou que comprovassem tal conhecimen-

139
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

to da Língua Portuguesa mediante aprovação em teste de nive-


lamento.
O material (Imagem 5) utilizado no curso de multiplicadores
foi elaborado em 2014 pela professora Susana Irion Dalcol (que
havia sido coordenadora do ELPI nos anos de 2010 e 2011) e eu,
a pedido da ABC e sob a supervisão do professor Ricardo Caldas
da Universidade Nacional de Brasília. Esse material é composto
por quatro módulos que abrangem os seguintes tópicos:
aperfeiçoamento de conhecimento de Língua Portuguesa; o
processo de ensino-aprendizagem; a compreensão e a produção
oral e escrita; observação, diagnóstico e regência de aulas.
Além desse material, procedemos também à revisão e
atualização dos manuais produzidos em 2010, que foram,
posteriormente, publicados e enviados a Timor-Leste pela
ABC e distribuídos aos cursistas pela Comissão da Função
Pública, órgão governamental timorense, e elaboramos os
livros do professor, que continham as respostas dos exercícios
e sugestões de atividades extras.

Imagem 5 – Manual do curso de formação de multiplicadores

Fonte: Arquivo pessoal.

140
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

Durante todo o meu percurso como professora de Língua


Portuguesa em Timor-Leste, além do material impresso
elaborado por nossa equipe de trabalho, foi essencial a utilização
de atividades lúdicas que propiciassem a interação entre os
cursistas e que desenvolvessem, principalmente, as habilidades
de compreensão e de produção oral. Essas atividades foram
revisitadas à luz do referencial teórico que embasou a disciplina
Produção Material Didático para o Ensino de Língua Portuguesa
Adicional (que faz parte da grade curricular do Programa de
Mestrado Profissional em Letras da Universidade Federal de
Santa Catarina), o qual será objeto de estudo da próxima seção
deste capítulo.

REFERENCIAL TEÓRICO

De acordo com o dicionário Antônio Buarque de Holanda


(1988), o termo “lúdico” deriva da palavra latina “ludus”, que
significa “jogo”, e diz respeito a tudo que é próprio ou relativo
ao jogo, como brincar, brinquedos e divertimentos. Nos
dias atuais, no entanto, o conceito de “lúdico” ultrapassa o
sinônimo de “jogo”, devido às suas implicações educacionais e
relacionadas ao desenvolvimento psicofisiológico.
Durante seu processo de desenvolvimento pessoal, em
várias circunstâncias, o ser humano se depara com atividades
lúdicas. Segundo Winnicott (1975, p. 80),

é no brincar, e somente no brincar, que o indivíduo, criança


ou adulto, pode ser criativo e utilizar sua personalidade
integral, e é somente sendo criativo que o indivíduo descobre
o seu eu. Ligado a isso, temos o fato de que somente no
brincar é possível a comunicação.

Makarenko (1985, p. 21) corrobora a relevância da ludicidade


no desenvolvimento da cognição humana, afirmando que “o
jogo é tão importante na vida da criança como é o trabalho

141
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

para o adulto, daí o fato de a educação do futuro cidadão se


desenvolver antes de tudo no jogo”.
Conforme Kishimoto (1994), desde os tempos de Platão já
se reconhecia a importância dos jogos no processo educativo.
Entretanto, o casamento decisivo entre o lúdico e a aprendizagem
só se efetuou na primeira metade do século XIX, no Ocidente,
com o advento do primeiro Jardim da Infância, idealizado pelo
pedagogo alemão Friedrich Wilhelm August Fröbel. Segundo
ele, a brincadeira é “uma atividade séria e importante para
quem deseja realmente conhecer a criança” (ARCE, 2002, p. 60),
pois os jogos são “geradores do desenvolvimento na primeira
infância” (ARCE, 2002, p. 60).
Vygotsky (1998) também atribui grande relevância ao ato
de brincar no processo de desenvolvimento infantil, pois “é
brincando, jogando, que a criança revela seu estado cognitivo,
visual, auditivo, tátil, motor, seu modo de aprender e entrar em
uma relação cognitiva com o mundo de eventos, pessoas, coisas
e símbolos.” (VYGOTSKY, 1998, p. 87)
Dessa forma, o jogo pode ser considerado um importante
instrumento didático, pois propicia o desenvolvimento social,
emocional e intelectual dos aprendizes. Entretanto, para que
seja, de fato, significativo, não convém que o jogo seja utilizado
somente como uma atividade isolada no processo de ensino e
aprendizagem, pois, segundo Kishimoto (1999, p. 113), “o jogo
não é um fim visado, mas o eixo que conduz a um conteúdo
didático determinado. Ele resulta de um empréstimo da ação
lúdica para servir à aquisição de informações”.
Nesse sentido, de acordo com Kirby, citado por Freitas
(2002, p. 81), os jogos empregados em atividades didáticas
devem conter, necessariamente:

• Uma meta de aprendizado.


• Definições claras de quais comportamentos fazem ou
não parte da atividade, e quais são as consequências desses
comportamentos.

142
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

• Um elemento de competição entre os participantes


(embora não precise haver contagem de pontos).
• Um alto grau de interação, ao menos entre alguns dos
participantes.
• Um final definido.
• Na maioria dos casos, um resultado definido (vencedores,
perdedores, pontuação).
Embora sejam mais comuns na educação infantil, as
atividades lúdicas trazem benefícios para estudantes de todas
as idades, pois promovem maior interação entre os atores
do processo de ensino/aprendizagem, tornando o cotidiano
da sala de aula descontraído e prazeroso. Esse contexto é
especialmente favorável para o ensino de idiomas, pois, de
acordo com Almeida Filho (2007, p.15), aprender uma língua
estrangeira é “aprender a significar nessa nova língua e isso
significa entrar em relação com os outros numa busca de
experiências profundas, válidas, pessoalmente relevantes,
capacitadoras de novas compreensões e mobilizadoras para
ações subsequentes”.
No mesmo sentido, podemos afirmar que o emprego de
atividades lúdicas no processo de ensino/aprendizagem de
um idioma vem ao encontro da Abordagem Comunicativa,
na qual, segundo Brown (2007), o professor torna-se um
mediador no processo de ensino/aprendizagem, viabilizando
situações comunicativas concretas, aconselhando seus alunos
a cooperarem mutuamente e a se comunicarem através de
atividades lúdicas, como jogos, dramatizações etc. Desse modo,
os aprendizes não se preocuparão apenas com o que dizer, mas
também com a maneira de dizer. Nesse sentido, os cenários
cultural e social obtêm maior relevância, bem como a interação
entre os estudantes.
A utilização de jogos didáticos nas aulas de idiomas
encontra-se, também, em conformidade com os doze princípios
de ensino/aprendizagem de língua estrangeira defendidos por
Brown (2007, p. 62-81), quais sejam:

143
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

– A automatização: imprescindível para a produção oral,


pode ser estimulada por meio dos jogos, pois nessas situações,
deixamos de lado a preocupação excessiva com as regras e as
formas da língua, o que mina a espontaneidade.
– A aprendizagem significativa: também pode ser
desenvolvida por meio de atividades lúdicas, já que o
aluno, inserido em uma situação real de comunicação, liga
conhecimentos prévios a informações novas (requeridas pelo
jogo), assimilando conteúdos linguísticos de maneira efetiva.
– A antecipação da recompensa e a motivação intrínseca:
realizadas plenamente quando há a oportunidade de vencer
uma partida (mesmo que seja somente em um jogo na sala de
aula) contra o adversário.
– O investimento estratégico: a utilização de diferentes
técnicas durante os jogos pode ajudar o professor a identificar
quais são as estratégias de aprendizagem mais eficazes para
seus alunos.
– A autonomia: pode ser alcançada através de situações
descontraídas, nas quais os alunos desenvolverão a
autoconfiança necessária para se expressar tanto na sala de
aula quanto fora dela.
– A nova identidade-linguagem: a utilização de jogos pode
propiciar o desenvolvimento de “uma nova maneira de pensar,
sentir e agir” (BROWN, 2007, p. 72, tradução nossa), conforme
preconiza Brown.
– A vontade de comunicar: as atividades lúdicas podem
despertar a “confiança em si mesmo e em sua capacidade de
realizar tarefas comunicativas”(BROWN, 2007, p. 73, tradução
nossa), levando o aluno a “assumir riscos em suas tentativas de
produzir e interpretar linguagem, ainda que ela ultrapasse um
pouco a sua certeza absoluta” (BROWN, 2007, p. 73, tradução
nossa).
– A conexão língua-cultura: pode ser facilitada através de
situações lúdicas, já que os jogos podem abordar diferentes
aspectos da cultura da língua alvo.

144
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

– O efeito da língua materna e a interlíngua: as atividades


lúdicas podem tornar mais agradável o confronto entre a língua
materna e a língua estudada, promovendo a interlíngua (um
ponto intermediário entre a língua materna e a língua alvo) que,
conforme Brown, desenvolve-se como resultado do feedback
de outros.
– A competência comunicativa: resultado da combinação
de diversos fatores, como “o organizacional, o pragmático,
estratégico e psicomotor” (BROWN, 2007, p. 79, tradução nossa).
Podemos afirmar que só adquirimos essa competência
quando nos tornamos capazes de interagir em um contexto
real de comunicação, que nos é oferecido, em certa medida,
durante uma atividade lúdica, na qual devemos nos expressar
na língua alvo.
A seguir, serão apresentadas algumas atividades lúdicas
elaboradas e implementadas por mim durante meu período
de trabalho em Timor-Leste, entre os anos de 2009 e 2016.
Essas atividades foram revisitadas à luz do referencial teórico
abordado nesta seção.

ATIVIDADES LÚDICAS DESENVOLVIDAS EM TIMOR-LESTE

Conforme mencionado anteriormente, nossos alunos ti-


morenses tinham diferentes níveis de conhecimento de Língua
Portuguesa, o que nos levou a organizar as turmas mediante
um teste de nivelamento realizado no início do curso. Mas as
diferenças entre os estudantes não paravam por aí: como lecio-
návamos para servidores públicos, era comum haver, em uma
mesma sala, funcionários de diferentes níveis hierárquicos, o
que causava certo constrangimento durante as aulas, principal-
mente nos momentos dedicados à produção oral. O receio de
“errar” diante do chefe ou de alguém hierarquicamente inferior
era latente e “travava” os cursistas, gerando um ambiente de
tensão.
Para sanar esses problemas, desenvolvi uma série de ativi-

145
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

dades lúdicas que tinham como objetivo criar um ambiente de


descontração que favorecesse a interação entre os cursistas e
os encorajasse a participar mais ativamente das aulas, facilitan-
do, assim, a produção oral. Essas atividades, posteriormente,
integraram o livro do professor, publicado pela ABC em 2016.
A seguir, discorrerei sobre algumas dessas atividades,
enfatizando aspectos como o seu nome, o seu objetivo (quais
competências e habilidades visa desenvolver), o público para
o qual foi aplicada (considerando seu nível de conhecimento
da Língua Portuguesa), a descrição de seu passo a passo e,
finalmente, as reflexões sobre sua efetividade e aplicabilidade.

ATIVIDADE 1: QUEM É?

NÍVEL: básico
OBJETIVO: desenvolver a compreensão e a produção oral.
CONTEÚDOS TRABALHADOS: pronomes pessoais;
numerais cardinais; verbos de primeira conjugação no presente
do indicativo; verbo “ter” no presente do indicativo; verbo “ser”
no presente do indicativo; adjetivos pátrios.
DESCRIÇÃO: o professor entrega um cartão (Imagem
6) para cada aluno com a imagem de uma personalidade
conhecida por todos e com alguns dados sobre ela: profissão;
idade; nacionalidade; língua que fala; lugar onde mora. Sem
revelar de quem se trata, o aluno deverá formular frases com
essas informações, os demais deverão adivinhar quem é a
personalidade. Ganha quem acertar os nomes do maior número
de personalidades.

146
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

Imagem 6 – Cartões com as personalidades Papa Francisco,


Shakira, Zezé di Carmargo e Luciano

Fonte: Arquivo pessoal.

ATIVIDADE 2: MAIS OU MENOS?

NÍVEL: intermediário.
OBJETIVO: desenvolver a compreensão e produção oral.
CONTEÚDO TRABALHADO: grau comparativo dos adjetivos
(igualdade; superioridade; inferioridade).
DESCRIÇÃO: o professor projeta no quadro imagens
recentes e antigas de lugares e personalidades conhecidas
(Imagens 7 a 9) e pede para que os alunos façam comparações
entre elas, encontrando diferenças ou semelhanças. Nesse
jogo, não há ganhadores ou perdedores, pois a intenção não é
gerar uma disputa, mas propiciar uma conversa informal entre
todos os participantes.

Imagem 7 – José Ramos Horta

Fonte: Arquivo pessoal.

147
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

Imagem 8 – Farol de Díli, Mercado Público de Baucau

Fonte: Arquivo pessoal.

Imagem 9 – Mercado Público de Baucau

Fonte: Arquivo pessoal.

**Observações: na primeira foto, podemos ver José Ramos


Horta, vencedor do Prêmio Nobel da Paz em 1996 e presidente
de Timor-Leste no período de 2007 a 2012. Nas demais imagens,
temos, respectivamente, o farol de Díli e o mercado público de
Baucau.

ATIVIDADE 3: O QUE VOCÊ FARIA?

NÍVEL: avançado.
OBJETIVO: desenvolver a compreensão e a produção oral.
CONTEÚDO TRABALHADO: imperfeito do subjuntivo;
futuro do pretérito.
DESCRIÇÃO: o professor projeta no quadro imagens
(Imagens 10 a 12) que ilustram algumas situações. Cada aluno
escolhe uma imagem e pergunta a um colega o que ele faria

148
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

se estivesse naquela situação. Vence quem der a resposta mais


criativa, a ser indicada por votação entre os colegas da turma.

Imagem 10 – Homem rico

Fonte: Arquivo pessoal.

Imagem 11 – Homem e crocodilo

Fonte: Arquivo pessoal.

Imagem 12 – Família grande

Fonte: Arquivo pessoal.

ATIVIDADE 4: CARAOQUÊ.

NÍVEL: todos.

149
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

OBJETIVO: desenvolver a compreensão e a produção oral.


CONTEÚDO TRABALHADO: adaptável de acordo com o
nível da turma.
DESCRIÇÃO: o professor divide a sala em grupos (o
número de grupos varia de acordo com o número de estrofes
da música) (Imagem 13). Cada grupo canta uma estrofe e todos
juntos cantam o refrão. Vence o grupo que cantar com melhor
pronúncia e mais entusiasmo.

Imagem 13 – Caraoquê na aula de Língua Portuguesa

Fonte: Arquivo pessoal.

As atividades supracitadas não requerem a utilização de


vastos recursos tecnológicos, o que seria um grande proble-
ma no contexto em que eu trabalhava, pois, em Timor-Leste,
as quedas de energia eram constantes e quase nunca dispú-
nhamos de muitos equipamentos. Apesar disso, tais atividades
demonstraram ser muito eficazes, pois ajudaram a “romper o
gelo” entre os cursistas, criando um ambiente descontraído e
amistoso, onde todos se sentiam à vontade para se expressar
em Língua Portuguesa. Além disso, essas atividades propicia-
ram a fixação de estruturas gramaticais essenciais de manei-
ra leve, sem se deter no estudo infrutífero de nomenclatura ou
mera “decoreba”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho teve como escopo refletir sobre o uso de


atividades lúdicas no processo de ensino/aprendizagem de
línguas, mais especificamente no que diz respeito ao ensino de
Português como língua adicional, tendo como pano de fundo
minha experiência docente entre os anos de 2009 e 2016 em

150
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

Timor-Leste.
A fim de contextualizar o leitor sobre dados fundamentais
do mencionado país, foram abordados os seguintes temas: sua
localização geográfica; sua história; seu cenário linguístico e
sua relação com a Língua Portuguesa.
Posteriormente, tratou-se das etapas de trabalho
desenvolvidas em Timor-Leste, detalhando aspectos como o
perfil do público docente e discente; os problemas enfrentados
pela equipe de trabalho; o método de elaboração de material
didático; a compreensão de que era preciso implementar
atividades lúdicas no processo de ensino/aprendizagem etc.
Aprofundando o estudo, foram expostas as bases teóricas
que serviram de suporte para este capítulo: as leituras realizadas
no âmbito da disciplina Produção de Material Didático para o
Ensino de Língua Portuguesa Adicional, ofertada no terceiro
semestre do Programa de Mestrado Profissional em Letras da
Universidade Federal de Santa Catarina.
Por fim, foram propostas algumas atividades lúdicas que
têm como principais objetivos: criar um ambiente descontraído
e amistoso em sala de aula; desenvolver, principalmente,
a compreensão e a produção oral dos aprendizes de
idiomas e abordar argumentos gramaticais de forma leve e
contextualizada.
Pode-se concluir que as atividades lúdicas possibilitam aos
estudantes de idiomas uma aprendizagem significativa através
da interação com o outro em situações efetivas de comunicação.
De acordo com Almeida Filho (2007), quando o aprendizado se
dá dessa maneira, a língua estrangeira se “desestrangeiriza”
para quem a aprende.

151
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

REFERÊNCIAS

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Campinas: Pontes, 2007.
ARCE, A. Friedrich Froebel: o pedagogo dos jardins de infância. Petrópolis-RJ:
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BATORÉO, H. Ensinar português no enquadramento poliglóssico de Timor-
Leste. Palavras, [s.l.], v. 37, p. 7, 2010.
BROWN, D. Teaching by principles: an interactive approach to language
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Temático da Lusofonia. Lisboa: Texto Editores, 2005.
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Ministério das Finanças, 2015.
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Janeiro: Nova Fronteira, 1988.
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GOMES, J. J. P. A internacionalização da questão de Timor-Leste. Relações
Internacionais, Lisboa, n. 25, p. 67-89, mar. 2010.
KISHIMOTO, T. M. O jogo e a educação infantil. São Paulo: Cengage Learning,
1994.
KISHIMOTTO, T. M. Jogo, brinquedo, brincadeira e Educação. São Paulo:
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em Timor-Leste. 2008. 137f. Dissertação (Mestrado em Língua e Cultura
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docplayer.com.br/47407323-Um-quadro-de-referencia-para-o-ensino-do-
portugues-em-timor-leste.html. Acesso em: 26 fev. 2021.
MAKARENKO, A. S. Poema pedagógico. São Paulo: Braziliense, 1985.
REGINALDO. Conheça mais o Timor-Leste. In: UNILAB. Redenção-CE, 26
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conheca-mais-o-timor-leste/. Acesso em: 26 fev. 2021.
MORE, R. F. Fundamentos das operações de paz das Nações Unidas e a

152
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

questão de Timor-Leste. 2002. 151f. Dissertação (Mestrado em Direito) –


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OLIVEIRA, H. de L. da C. F. e. Timor na História de Portugal. Lisboa: Ministério
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SAKAMOTO, L. O que a luta de Timor-Leste contra a Indonésia pode ensinar
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2020.
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VYGOTSKY, L. S. Pensamento e linguagem. Rio de Janeiro: Martins Fontes,
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WINNICOTT, D. W. O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1975.

153
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

b
154
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

JOGOS E BRINCADEIRAS NAS AULAS DE


PORTUGUÊS COMO LÍNGUA DE HERANÇA: LIDANDO
COM A HETEROGENEIDADE

Tatiana Mazza-Surer1
Karina de Rezende-Fohringer2

ensino de Português como língua de herança


(doravante, POLH), tema ainda pouco discutido
na academia brasileira, refere-se à modalidade
de ensino do Português em países, cuja língua majoritária é
uma outra. Tal ensino nasce, muitas vezes, da organização da
comunidade de famílias de migrantes que desejam transmitir a
sua língua e cultura a seus filhos que nascem e/ou crescem fora
dos seus países de origem, sendo institucionalizado ou não nos
países de acolhida, a depender das políticas linguísticas locais.
De modo geral, as atividades de transmissão do Português como
língua de herança tendem a acontecer dentro do âmbito de
ensino não formal, o que significa que essas atividades não são
regulamentadas pelo sistema educacional do país de acolhida.
O fato de não ser a língua oficial, a exposição dos falantes
de herança ao ensino do Português está relacionada com a
oferta de atividades a este público nas cidades onde moram
e, além disso, a disponibilidade de participação nelas, o que
acaba por influenciar no tempo de exposição do falante à
língua de herança e também nos contextos de uso fora do
âmbito familiar. Estes fatores e outros que discutiremos na
seção 2 deste capítulo estão relacionados diretamente com a
característica heterogênea destes falantes, o que faz das aulas
de POLH um desafio pedagógico.
O professor de POLH, a fim de oferecer diferentes contex-
tos de uso da língua e também de diminuir o grau de hetero-
geneidade que há nas aulas, vale-se de diferentes ferramentas
1
Tatiana Mazza-Surer - Professora de PLH – Bildungsdirektion für Wien – tatiana@surer.at.
2
Karina de Rezende-Fohringer – Professora de PLH – Bildungsdirektion für
Niederösterreich – karinafohringer@gmail.com.

155
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

metodológicas, como jogos, brincadeiras, encenações teatrais,


entre outros.
Considerando a realidade do ensino de Português como lín-
gua de herança na Áustria3, no estado de Viena e Baixa Áustria,
este capítulo busca discutir como os jogos e as brincadeiras
são usados como estratégias de ensino para lidar com a hete-
rogeneidade em sala de aula, a partir do uso da metodologia de
cenários de aprendizagem. Apresentaremos na seção 4 deste
capítulo um exemplo didático realizado com alunos entre 6 e 14
anos que frequentam as aulas de POLH na Baixa Áustria.

O PAPEL DA HETEROGENEIDADE NAS AULAS DE POLH

As aulas de POLH sempre são marcadas pela presença de


um alto grau de heterogeneidade linguística entre os alunos,
resultado da intervenção de fatores diversos, tais como:
motivação pessoal em aprender a língua de herança (LH),
incentivo familiar e social, grau de exposição à LH, participação
em aulas de LH, entre outros. Como apontado por Flores e Melo-
Pfeifer (2014, p. 22), o falante de LH possui um “conhecimento
diversificado e heterogêneo de diferentes línguas”, o que acaba
por interferir na aquisição da LH. Ainda segundo as autoras,
a aquisição das competências linguísticas foi estabelecida de
forma desequilibrada por conta do contexto de aquisição.
Valdés (2001, p. 41), ao definir as características dos falantes
de herança, aponta que, para alguns estudiosos, o ser bilíngue
tem não só a habilidade de usar duas línguas, mas também um
alto grau de uso como um falante nativo. Sendo assim, seria o
ser bilíngue uma espécie de dois monolíngues em um, podendo
usar ambas as línguas perfeitamente em todos os contextos e
passar despercebido entre os falantes nativos dessas línguas.
A este tipo de bilíngue a autora dá o nome de mítico (Imagem
3
O ensino de Português como língua de herança faz parte do programa do governo
austríaco intitulado “Muttersprachlicher Unterricht”, em que crianças que tenham uma
outra língua materna ou de herança podem frequentar as aulas dessa língua com carga
horária semanal entre duas a três horas-aulas (45 minutos por hora-aula). O Português faz
parte do programa desde 2010, no caso de Viena, e desde 2018, na Baixa Áustria.

156
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

1) e afirma que é algo raro de existir na realidade. O segundo


tipo – bilíngue real - (Imagem 2) mostra que entre o que pode
ser chamado de falante monolíngue A e o falante monolíngue
B há um contínuo de diferentes formas de desenvolvimento do
bilinguismo.

Imagem 1 – Bilíngue mítico

Fonte: Valdés (2001, p. 40-41) - adaptação

Imagem 2 – Bilíngue real

Fonte: Valdés (2001, p. 40-41) - adaptação

Brehmer e Mehlhorn (2008), baseados nos estudos de De


Bot et al. (2007), definem algumas características dos falantes
de língua de herança que, segundo os autores, permitem
compreender a heterogeneidade existente entre falantes de
uma mesma comunidade de herança num mesmo contexto.
Tais características são (Tabela 1):

157
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

Tabela 1 – Características do falante de LH

Capacidades
• Talento para aprender novos idiomas.
cognitivas

• Frequência de uso da LH;


Motivação na
• Participação de aulas da LH;
aquisição e no uso
• Significado da língua e cultura de LH para sua
da LH
própria identidade.

Idade de aquisição • Bilinguismo simultâneo;


da LH • Bilinguismo sequencial.

• Quantidade e qualidade do input na LH;


Usos da LH além do
• Estratégias discursivas monolíngues vs. bilíngues
contexto familiar
na família.

• Estatuto político-social da LH no país de


residência;
Fatores sociais
• Prestígio da língua;
• Desejo de integração.

• Recursos (livros, outras mídias);


Apoio da família e • Visitas ao país da LH;
da comunidade na • Leituras na LH;
manutenção da LH • Possibilidades de desenvolvimento da escrita;
• Oferta de aulas de LH.

Fonte: Brehmer e Mehlhorn (2008) - adaptação

Diante desse leque de características possíveis que um falante


de LH pode apresentar, entendemos que a heterogeneidade
é um grande desafio para o professor de LH, tendo este que
procurar meios que o permitam lidar com a diversidade
linguística e também extralinguística dentro da sala de aula.
Segundo Lira, Azevedo-Gomes e Mazza-Surer (no prelo), para
usarmos a heterogeneidade a favor do aprendizado da LH, é
necessário diagnosticar os níveis de competência e também de
conhecimento de mundo dos alunos, a fim de buscar, então,
métodos que ajudam a desenvolver as habilidades linguísticas
e extralinguísticas de cada aluno dentro desta LH.
A partir dos diagnósticos dos alunos, o professor pode utilizar
metodologias como os cenários de aprendizagem que consideram

158
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

a heterogeneidade como elemento chave no ensino de línguas.


CENÁRIOS DE APRENDIZAGEM

Cenários de aprendizagem é uma metodologia que foi


desenvolvida para as aulas de Inglês e amplamente trabalhada
por um grupo de pesquisadores alemães nas aulas de Alemão
como segunda língua, devido ao alto grau de heterogeneidade
presente nessas aulas.
Tal metodologia, por considerar o aluno com as suas
heterogeneidades linguística e extralinguística como centro
do processo de ensino-aprendizagem, permite-nos, dentro
da realidade do POLH, trabalhar diversos caminhos didáticos
e interesses. Assim, como numa aula não dirigida, segundo
Hölscher, Piepho e Roche (2006), a parte comunicativa e o
uso da língua são o foco da aula, enquanto que as estruturas
linguísticas são esclarecidas no uso ativo da língua dentro dos
cenários propostos. Como afirmam os autores supracitados,
a língua deve ser trabalhada dentro de um crescimento, não
se trabalha com a língua de forma linear e formal, mas sim
desenvolvida com um crescimento linguístico encenado.
Os alunos, de acordo com o desejo, interesse, predisposição,
escolhem as atividades a serem executadas e a forma de
realização das atividades: se as farão sozinhos, em grupo ou
em duplas com uma parte do conteúdo nuclear. Em grupos
de discussão, eles apresentam resultados que somam com o
trabalho dos demais. Por meio desta união de competências
diversas se desenvolve um resultado pautado na aquisição
comunicativa. A escolha de tarefas e forma social de acordo
com as preferências individuais justifica o trabalho interessado
e comprometido dos alunos.
Durante a execução do mesmo, diferentes técnicas de
aprendizagem são adotadas, permitindo, assim, que o aluno
entre em contato com a língua em uso nos diferentes níveis
de proficiência que pode se ter em uma classe. As diferenças
comunicativas entre os alunos são permitidas e respeitadas,

159
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

fazendo com que alunos que já apresentam um conhecimento


satisfatório da língua colaborem com os que ainda não
conseguem se expressar.
Na execução das atividades, diferentes formas de aprendi-
zagem são apresentadas aos alunos, permitindo que estes en-
trem em contato com a língua nos mais variados contextos de
uso e também relacionem com os demais colegas que podem
apresentar níveis de proficiência diferentes4. Sendo assim, a
heterogeneidade nas aulas de POLH, vista como agravante e
um grande desafio, passa a ser considerada como um fator po-
sitivo para a aprendizagem conjunta em aulas orientadas para
a ação.
Dentro dos cenários de aprendizagem, a apresentação é
elemento essencial, podendo ser realizada por meio de pôster,
textos, gravações sonoras, representações gráficas etc. Nesta
fase, a língua é trabalhada de forma intensificada.
Os cenários de aprendizagem se desenvolvem em sete
fases, sendo: i) definição do tema norteador; ii) escolha das
atividades e das formas de interação; iii) desenvolvimento do
tema; iv) primeira apresentação; v) fase de optimização; vi)
apresentação final; vii) reflexão final.

i. Definição do tema

O tema norteador é escolhido a partir do campo de vivência


dos alunos e este deve permitir que o trabalho seja realizado
por meio de diferentes formas.

ii. Escolha das atividades e da forma de execução / interação

A partir dos interesses pessoais, capacidades e competências,


os alunos escolhem as atividades a serem executadas, que
podem ser desenvolvidas por alunos sozinhos, duplas ou em
grupos. Neste momento, segundo Hölscher (2005), a formação
4
Neste capítulo trataremos, exclusivamente, de atividades mais lúdicas que levam em
consideração jogos e brincadeiras como formas de lidar com a heterogeneidade.

160
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

de grupos por crianças com diferentes níveis de proficiência é


vista como um ponto positivo, uma vez que há atividades que
serão ora produtivas, ora receptivas, fazendo com que cada
aluno se identifique com os papéis de atuação.

iii. Desenvolvimento do tema

Nesta fase, os alunos desenvolvem, estruturam e organizam


as atividades, buscam por informações que os permitam
desenvolver o tema até chegar às conclusões. Por trabalharem
de forma autônoma, desvios linguísticos são esperados,
mas, como afirma Hölscher (2005), isso mostra os estágios
de desenvolvimento linguístico tanto do grupo como de cada
aluno dentro do processo de aprendizagem.

iv. Primeira apresentação

Os primeiros resultados do trabalho desenvolvido na


fase de desenvolvimento serão apresentados. O conteúdo
da apresentação e o uso da língua durante a apresentação
serão explorados pelo professor para explicar ao grupo novo
vocabulário e estruturas linguísticas, fomentando, deste modo,
o desenvolvimento das capacidades linguísticas individuais.

v. Fase de optimização

A partir das observações feitas pelo professor e pelos


colegas do grupo, os alunos aprimoram as suas apresentações.

vi. Apresentação final

Nesta fase, encerra-se o cenário de aprendizagem. Os


alunos podem apresentar os resultados em diferentes formas,
tais como: peças teatrais, apresentações orais, jogos, talkshow,
entre outros.

161
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

A apresentação final é uma parte obrigatória dos cenários


de aprendizagem, pois, por meio dela, podemos observar o
desenvolvimento do aluno.

vii. Reflexão final

Após as apresentações, o professor e os alunos dialogam


sobre como foi o desenvolvimento do cenário de aprendizagem
proposto e como é possível dar continuidade à temática.

Na metodologia cenário de aprendizagem, o aluno ocupa


o papel central do processo de aprendizagem, enquanto o
professor media este processo, acompanhando e apoiando
o que é produzido pelos alunos. A língua, como argumenta
Hölscher (2005), é adquirida durante a execução do cenário de
aprendizagem.
Apresentaremos a seguir como os jogos e as brincadeiras
são utilizados como ferramentas metodológicas dentro dos
cenários de aprendizagem, auxiliando os alunos no processo de
aquisição e manutenção do Português como língua de herança.

JOGOS E BRINCADEIRAS COMO FERRAMENTAS METODOLÓ-


GICAS

Encontra-se no Museu de Arte de Viena, em óleo sobre tela,


a obra Kinderspiele (1560)5 ou jogos infantis, de Pieter Bruegel
([c2020]). O holandês, com seu estilo de retratar cenas como
se as olhasse de cima para baixo, pintou duzentas pessoas
(crianças, mas há também algumas figuras humanas que mais
se assemelham a adultos em miniaturas) que estão a brincar na
rua.
Esconde-esconde, cabo de guerra, pular corda, pião, roda,
perna de pau, subir na árvore, encenar um casamento ou,
simplesmente, tomar banho no rio, são algumas das tantas
5
Kunsthistorisches Museum Wien. Disponível em: https://www.khm.at/objektdb/
detail/321/. Acesso em: 27 set. 2020.

162
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

brincadeiras e dos jogos infantis, registrados por Bruegel


([c2020]), que atravessaram gerações até os dias atuais.
Realizados individual ou coletivamente, o jogo e a brincadeira
permitem que os envolvidos revelem sentimentos e emoções,
reflitam e reelaborem experiências vividas, estabeleçam e se
submetam às regras de convivência social.
Dentro ou fora da escola, o ato de brincar, muitas vezes,
é visto como uma forma de aproveitamento do tempo livre,
ocioso. “Termina a sua tarefa da escola e você pode sair para
brincar”. “Hora de brincar é no recreio”. Quem nunca ouviu
algo assim? Quando as crianças estão brincando de casinha, as
personagens encenadas no mundo do faz de conta reproduzem
narrativas, comportamentos e valores vivenciados e adquiridos
no mundo real.
Nesse sentido, Vasconcellos (2008, p. 52) explica que

Todo jogo comporta uma dimensão que está além das regras
explicitadas. Ele comporta uma narrativa da qual o jogador
se vê obrigado a compartilhar ainda que inconscientemente.
Todo jogo de bonecas traz à luz as experiências familiares.
Toda amarelinha reflete sobre a trajetória da Terra ao Céu,
ou seja, como a maioria dos jogos de percurso, indaga sobre
a vida e a morte, os caminhos do homem e da alma.

É essa dimensão dramática, que todo jogo e toda brincadeira


comportam, que deve ser reconhecida e aproveitada de forma
consciente. Ao planejar as aulas de POLH, o professor se depara
a todo momento com o desafio de eleger estratégias de ensino-
aprendizagem de modo que os jogos e as brincadeiras atendam
à heterogeneidade do grupo, respeitando e aproveitando as
diferenças sociolinguísticas, econômicas e culturais de cada
aluno. Tudo isso sem perder de vista o lúdico (do latim ludus,
ou seja, brincar) que é a mola propulsora para despertar a
capacidade criadora da criança.

163
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

UM EXEMPLO DISCUTIDO: A IMPORTÂNCIA E A EVOLU-


ÇÃO DOS APARELHOS ELETRÔNICOS!

i. Definição do tema

Com a pandemia do Coronavírus e a decretação do lockdown


todos nós nos vimos, quase que de um dia para o outro, e
sem muito preparo, obrigados a nos adaptar às alegrias e às
tristezas do ensino a distância. Os problemas foram muitos,
experimentados em maior ou menor escala, aqui e acolá, e,
dentre outras coisas, nos fizeram reconhecer o poder que a
tecnologia tem nas nossas vidas.
Com o retorno do novo ano letivo e a volta das aulas
presenciais, conversamos com os alunos sobre as novas
maneiras de ser, de estar e de conviver neste contexto de
pandemia; os antigos e os novos hábitos até chegarmos à
importância dos aparelhos eletrônicos que nos mantiveram
conectados com o mundo dentro e, principalmente, fora
do espaço privado. Concordamos que sem algumas dessas
ferramentas seria muito difícil vencer os problemas causados
pelo distanciamento social.
Listamos, então, na lousa, as vantagens e desvantagens de
alguns dos tais aparelhos eletrônicos. Buscamos em jornais e
revistas as imagens dos mais variados aparelhos e aprendemos
a escrita dos nomes em Português. A fim de fixarmos o
vocabulário, propusemos o jogo da adedonha (ou Stop) com os
temas: nomes de homem, nomes de mulher, países, profissões,
hobbies e, é claro, aparelhos eletrônicos.
Na primeira rodada do jogo, os alunos puderam registrar
os nomes em Alemão e/ou Português, pois faríamos a tradução
coletiva dos termos e a revisão ortográfica dos mesmos na lousa.
Na segunda rodada, acordamos que as palavras deveriam ser
registradas somente em Língua Portuguesa. Como atividade de
casa, os alunos deveriam fazer duas perguntas aos membros da

164
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

família: 1) “Qual é o aparelho eletrônico mais importante para


você nos dias de hoje?” e 2) “Qual é a sua idade?”, e registrar as
respostas.

ii. Escolha das atividades e da forma de execução / interação

A partir dos dados colhidos por meio da enquete, os alunos


puderam comparar os dados, montar um gráfico, analisar os
resultados e concluir que as preferências por este ou aquele
aparelho eletrônico estão diretamente ligadas às necessidades
mais importantes de cada indivíduo.
Combinamos que cada um deveria trazer de casa, para a
aula seguinte, um aparelho ou uma fotografia de um aparelho
eletrônico antigo e/ou moderno, acompanhado de uma etiqueta
com algumas informações básicas como: nome do aparelho,
marca, ano e local de fabricação, para fazermos uma exposição
na sala de aula.
Aparelhos celulares, ferro de passar roupa, máquinas
fotográficas e de datilografia, lamparina, rádio vitrola, um
gravador de voz e televisão de tubo foram algumas das peças
que compuseram o nosso museu. Cada aluno(a) apresentou
o seu aparelho aos demais colegas, fornecendo-lhes mais
detalhes, como: a quem pertence, quando foi comprado, se
ainda funciona, entre outros.
Em seguida, sentado em roda, o grupo avaliou que alguns
daqueles aparelhos (gravador de voz, máquina de datilografia
e de fotografia) haviam perdido o sentido com a chegada dos
smartphones e da internet. Esse foi o mote para o início de um
trabalho de pesquisa sobre a importância e o desenvolvimento
dos aparelhos eletrônicos.
O projeto foi, então, organizado de modo que o aluno
tivesse que: i) escolher um dos aparelhos ali expostos que lhe
despertasse maior curiosidade; ii) agrupar-se por afinidade,
considerando o objeto escolhido (havia também a opção de
o trabalho ser desenvolvido individualmente); iii) pesquisar

165
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

sobre o aparelho, retornando ao passado, buscando imagens


(fotografias, recortes de jornais e revistas antigos) e outras
referências sobre a evolução do mesmo; iv) entrevistar pessoas
mais velhas que pudessem contar histórias interessantes
relacionadas ao uso dos aparelhos eletrônicos mais antigos.

iii. Desenvolvimento do tema

O que aconteceu nesta fase do projeto foi uma grande co-


operação entre os grupos. Houve uma surpreendente troca de
materiais, o que enriqueceu e dinamizou o trabalho de pesqui-
sa; intensificação da inter-relação entre as crianças; promo-
ção de momentos de fala, de escrita e de reescrita dos textos.
Um acontecimento despertou a atenção das crianças:
a dupla que estava fazendo a pesquisa sobre a evolução da
televisão construiu uma com uma grande caixa de papelão.
Quase todos (houve a resistência normal por parte dos mais
tímidos) quiseram experimentar a novidade, apresentando-se,
de forma improvisada, em Língua Portuguesa. A curiosidade
aumentou quando a dupla de pesquisadores revelou que, tanto
no Brasil, quanto na Áustria, a televisão foi inaugurada nos
anos 50, completando, portanto, em 2020, 70 anos.
Daí surgiu a ideia de que as apresentações dos trabalhos
dos grupos fossem transmitidas pela TV.

iv. Primeira apresentação

A primeira apresentação deu-se na quinta aula desde o início


dos trabalhos. É preciso destacar a importância desta etapa do
projeto para crescimento pessoal dos alunos. Este é o momento
em que eles testam os conhecimentos adquiridos, tendo para
si os olhares atentos dos demais colegas. Sendo assim, o que
se viu foi um documentário sobre essas coisas de ontem e de
hoje, tudo falado pela TV (de papelão). A dramatização de um
programa de TV transformou as crianças em repórteres mirins,

166
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

que mostraram um ferro de passar roupas que precisava de


carvão para funcionar e a comparação de um vídeo de família
gravado com uma máquina analógica dos anos 70 com um feito
por um iphone hoje, por exemplo.

v. Fase de optimização

Após as apresentações, novamente abrimos o espaço


da roda para que os alunos pudessem tecer comentários,
destacando os pontos positivos e os que ainda poderiam ser
aprimorados para a apresentação final. Surgiram dicas de como
um repórter deveria se portar, de leitura e impostação de voz,
de trajes. Nesta fase do projeto, é preciso orientar aquele que
critica o trabalho do outro a fazê-lo de maneira construtiva e
desenvolver no aluno que recebe a crítica a capacidade de ouvi-
la e aproveitá-la a seu favor.

vi. Apresentação final6

A culminância dos trabalhos se deu de forma mais tranquila


e elaborada por parte dos alunos, pois já conheciam a dinâmica
da apresentação. Alguns utilizaram o texto escrito como
apoio, porque sentiam-se mais seguros assim; outros, porém,
preferiram fazer como num telejornal de verdade, onde o
repórter lê o texto exibido pelo aparelho teleprompter (no nosso
caso, um cartaz que fora segurado por algum colega durante
a apresentação). Fossem espectadores ou apresentadores,
desempenharam os papéis como esperado e, como se
estivessem na sala de casa, comentavam as curiosidades nos
intervalos entre uma apresentação e outra.

vii. Reflexão final

6
Vale ressaltar que, devido às normas de convivência neste período de pandemia, os pais
dos alunos não puderam estar presentes. Na plateia estavam, então, a diretora da escola,
a professora e os demais alunos da turma.

167
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

“Adorei!”, “quando vamos fazer mais trabalhos assim?”,


“aprender e brincar é muito legal!” foram alguns dos comentá-
rios registrados na reflexão final. Assim, aproveitamos a opor-
tunidade e perguntamos: que tal colocarmos propagandas en-
tre as apresentações?
Esse ponto será para um próximo encontro!

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Quando o professor, sobretudo o de POLH, se propõe a


aplicar a metodologia de cenários de aprendizagem, é porque
ele entende a sala de aula como um microcosmo da sociedade
e vê seus alunos como sujeitos atores capazes de intervir,
positivamente, na construção e no desenvolvimento do seu
próprio conhecimento linguístico e de mundo, bem como de
contribuir para o crescimento de outros sujeitos que, com ele,
interagem. A sala de aula é a vida como ela é!
Nesse sentido, o professor retira-se daquele lugar de quem
tem sempre algo a ensinar a alguém e torna-se um colaborador
no processo de ensino-aprendizagem de seus alunos. Isso não
significa dizer que o professor não sabe para onde ir, ou que ele
não planeja suas aulas. Ao contrário, ele precisa conhecer muito
bem as competências de cada um de seus alunos, respeitar e
saber aproveitar as vantagens de estar diante de um grupo tão
heterogêneo, bem como valorizar e potencializar o que há de
homogêneo na heterogeneidade.
Por essa razão, o plano de aula é visto como um cenário do
que poderá acontecer. Imprevisibilidade, mudanças e adapta-
ções fazem parte do processo educativo. O que de fato ocorrerá
depende de uma série de fatores que serão analisados pelo gru-
po ao longo do processo.
Nessa perspectiva que o estudo sobre a importância e o
desenvolvimento dos aparelhos eletrônicos se deu, os jogos e
as brincadeiras utilizados como recursos didáticos permitiram
que, a todo momento, os alunos trouxessem para a cena os

168
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

conhecimentos prévios (de mundo, linguístico, interacional),


de forma que se sentissem desafiados a avançar na aquisição
de novos saberes.

REFERÊNCIAS

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Tübingen-Alemanha: Narr Francke Attempto Verlag, 2018. v. 4.
BRUEGEL, P. Kinderspiele (1560). In: KUNSTHISTORISCHES MUSEUM WIEN.
[S.l., c2020]. Disponível em: https://www.khm.at/objektdb/detail/321/. Aces-
so em: 27 set. 2020.
FLORES, C.; MELO-PFEIFER, S. O conceito “Língua de Herança” na perspeti-
va da linguística e da didática de línguas: considerações pluridisciplinares
em torno do perfil linguístico das crianças lusodescendentes na Alemanha.
Domínios de Lingu@gem, [s.l.], v. 8, n. 3, p. 16-45, 17 set. 2014. Disponí-
vel em: http://www.seer.ufu.br/index.php/dominiosdelinguagem/article/
view/24736. Acesso em: 2 set. 2020.
HÖLSCHER, P. Lernszenarien. Frühes Deutsch, [s.l.], n. 5, p. 4-6, 2005.
HÖLSCHER, P.; PIEPHO, H. E.; ROCHE, J. Handlungsorientierter Unterricht
mit Lernszenarien: Kernfragen zum Spracherwerb. Oberursel: FinkenVer-
lag, 2006.
LIRA, C.; AZEVEDO-GOMES, J.; MAZZA-SURER, T. Cenário de aprendizagem
como metodologia de ensino aplicada ao ensino de Português como língua
de herança: como lidar com a heterogeneidade. In: ANDRADE, G. da S.; SIL-
VA, P. R. M. da (org.). Palavras que educam: o ensino de Português e suas
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VALDÉS, G. Heritage language students: Profiles and possibilities. In: PEYTON,
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preserving a national resource. Long Beach- California: Center for Applied
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Maio de 2008. Rio de Janeiro: MEC, 2008. p. 48-56. Disponível em: https://
docplayer.com.br/7129806-Ano-xviii-boletim-07-maio-de-2008-jogos-e-brin-

169
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

cadeiras-desafios-e-descobertas-2a-edicao.html. Acesso em: 27 set. 2020.

b
170
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

171
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

CLUBE DOS BRASILEIRINHOS DE LONDRES: AQUI NÓS


APRENDEMOS PORTUGUÊS BRINCANDO

Érika Karina de Oliveira1

este capítulo discorrerei sobre o uso de propostas


lúdicas nas aulas de Português como Língua de
Herança do Clube dos Brasileirinhos, em Londres,
Inglaterra. Para compreendermos a realidade desse ambiente
de ensino e aprendizagem, apresentarei a escola e o perfil do
público, abordarei as definições do que é Língua de Herança e
ludicidade e, por fim, trarei exemplos de alguns jogos e brinca-
deiras utilizados durante as aulas.

O CLUBE DOS BRASILEIRINHOS

Localizado a noroeste de Londres, em um ambiente


descontraído e alegre, a escola do Clube dos Brasileirinhos
ensina Português como Língua de Herança (POLH) para
crianças de dois anos e meio a 15 anos. A iniciativa surgiu
quando três mães brasileiras observaram a necessidade de
manter viva a Língua Portuguesa, sua língua nativa, em seus
filhos. Durante aproximadamente seis meses, de janeiro a
junho de 2009, os encontros programados para oportunizar o
uso dessa língua entre as crianças aconteciam aos sábados, por
duas horas. Começaram com apenas oito crianças, em uma sala
de uma igreja Católica e, apesar da localização, os encontros
não tinham cunho religioso. O grupo estava na eminência de
encerrar quando uma das mães reconheceu a existência da
demanda de preservar a Língua Portuguesa pela comunidade
brasileira e, com a preocupação de preservar o uso da língua,
tomou a direção dos encontros e investiu no crescimento de
uma escola.
1
Érika Karina de Oliveira é professora de PLH no Clube dos Brasileirinhos em Londres –
baggio.eka@gmail.com.

172
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

Desde essa época, essa mãe é oficialmente a diretora de


nossa escola. Seu nome é Silvia Rossi-Fermo, nascida em São
Paulo-SP. Silvia se mudou para Londres com 26 anos, antes de
concluir seu curso de Administração de Empresas, em 1993.
Tem vivido na capital inglesa desde então. Antes de ser a direto-
ra do Clube, trabalhou no financeiro da empresa BT (British Te-
lecom), uma empresa multinacional de telecomunicações, por
aproximadamente cinco anos e depois trabalhou com gestão
de negócios próprios na área de hospitalidade, de 1998 a 2010.
Nos últimos 10 anos, além de diretora do Clube, trabalha como
intérprete de serviços públicos como tribunal de júri, vara de
família e prefeitura.
Silvia tem frequentado vários cursos e simpósios de ensi-
no e aprendizagem tanto de Português como Língua de Heran-
ça (POLH) quanto de ensino fundamental Inglês. Atualmente,
atua como conselheira voluntariada na mesa de Educação no
CCRU (Conselho de Cidadania do Reino Unido), na qual cumpre
o mandato de dois anos, 2019 – 2021. Silvia também é Diretora
Fundadora da Entidade Educacional e Cultural POLH UK, des-
de 2019. Desde a época em que os filhos, Sophia e Luigi, tinham
cinco e três anos, respectivamente, Silvia é reiteradamente en-
gajada na Área da Educação. Hoje, sua filha Sophia, depois de
concluir seus estudos no Clube e obter seu certificado de por-
tuguês do GCSE (General Certificate of Secondary Education),
trabalha como assistente na escola.
Já sob direção de Silvia, quando foram iniciadas as
divulgações dos encontros, houve um aumento dos participantes
em tais encontros programados. Com isso, ficou evidenciada a
complexidade do processo pedagógico em função da presença
de idades muito diferenciadas em um grupo com somente uma
professora. A preocupação com o espaço físico e a idade das
crianças fez com que o Clube se mudasse para um ambiente
maior, em uma igreja Presbiteriana. Nesse local, os encontros,
também sem cunho religioso, passaram a acontecer em duas
salas. O Clube ficou quase três anos ali, de setembro de 2009 a

173
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

março de 2013, e oferecia duas turmas: uma para crianças de 3


a 6 anos e outra, de 7 a 10 anos. Com o intuito de separar ainda
mais as crianças por idades próximas, o Clube alugou cinco
salas em uma escola primária, onde permaneceu por mais dois
anos, de abril de 2013 a julho de 2015.
Atualmente, o Clube conta com oito turmas,
aproximadamente cento e vinte alunos e vinte e três funcionários
contratados. Todas as salas de aulas trazem nomes de pássaros,
como papagaios, canarinhos e, alguns, exclusivos da fauna
brasileira, por exemplo, o sabiá.
O ensino é ministrado por professoras, formadas em Letras,
Pedagogia ou outras Licenciaturas. As aulas são baseadas em
uma temática central e perduram por três termos2 de 11 semanas
cada, seguindo o calendário escolar britânico. Proporcionam o
contato com a Língua Portuguesa e com a cultura brasileira,
possibilitando que a criança aprenda e aprimore seu
conhecimento. O dia letivo dura 3 horas e é dividido em duas
etapas, sendo a primeira parte, de duas horas, focada no ensino
da língua, organizada pela faixa etária dos estudantes, e, a
segunda, com uma hora de atividade extracurricular, como:
Capoeira, Contação de História, Teatro, Clube de Ciências ou
GCSE (General Certificate of Secondary Education) – exame de
proficiência do Reino Unido. Os chamados “clubes de terceira
hora” são a oportunidade de praticar Português através de uso
da língua em situação real. Os alunos são separados de acordo
com a idade das crianças e preferência de atividade pelos
responsáveis e alunos.
O Clube dos Brasileirinhos também organiza eventos
culturais como festa de Carnaval, Festa Junina, gincanas,
apresentações musicais e outros. Os alunos desfilam em seus
blocos carnavalescos, dançam quadrilha e experimentam
comidas típicas com o propósito de conhecer e participar de
tradições brasileiras.

2
“Termo” é a expressão usada nas escolas britânicas para indicar os períodos de aula que
geralmente duram entre 3 e 4 meses, o que corresponderia ao semestre letivo no Brasil.

174
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

Depois de anos de intenso trabalho, o selo “Quality Mark”


foi concedido ao Clube pelo NRCSE (National Resource Centre
for Supplementary Education)3. Souza (2016, p. 6, tradução
nossa) explica que o termo “supplementary” é dado às escolas
comunitárias que “focam na manutenção da herança de um
grupo, seja na preservação da língua, da cultura e/ou religião4.”
Esse selo certifica as escolas que estão trabalhando de acordo
com as leis das autoridades locais. Além disso, para receber tal
selo a escola precisa ser um lugar seguro5que atinja todos os
objetivos para o desenvolvimento e aprendizagem dos alunos.
Desde 2019, o Clube dos Brasileirinhos também é um centro
oficial para facilitação do Arts Award – certificado de arte oficial
reconhecido pelo Trinity College. A partir do trabalho dos Arts
Awards Advisers (tutores), o Clube oferece aos seus alunos – a
partir de cinco anos – a oportunidade de obter essa certificação.
O certificado enriquece o currículo estudantil, considerado e
analisado durante toda a vida acadêmica do estudante no Reino
Unido, como, por exemplo, para o ingresso em determinadas
instituições de ensino ou realização de outros cursos.

PERFIL DO PÚBLICO DO CLUBE DOS BRASILEIRINHOS

A primeira e a principal condição para estudar no Clube é


o estudante ter um ou ambos progenitores brasileiros. Ou seja,
descendentes de casais brasileiros que imigraram para residir
no Reino Unido, assim como crianças das quais um dos pais ou
responsáveis tem cônjuges de outras nacionalidades. Há ingle-
ses ou outros estrangeiros casados com mães e pais brasileiros.
O que se faz importante ressaltar é a intenção desse responsá-
3
Centro de Recurso Nacional para Escolas Comunitárias.
4
No original: “focus on the maintenance of the heritage of a group, be it preservation of
language, culture and/or religion”.
5
O Reino Unido tem leis rigorosas em relação à segurança e ao bem-estar das crianças
fora ou dentro do ambiente escolar. São chamadas de “Safeguarding policies” que atuam
na prevenção de quaisquer tipos de abusos infantil. Todos os profissionais que atuam em
ambientes escolares precisam ser treinados e possuírem certificações de antecedentes
criminais checadas.

175
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

vel brasileiro em promover a conservação da Língua Portugue-


sa de Herança (POLH), independentemente da nacionalidade
de seu cônjuge.
Nesse ambiente, muitas vezes plurilíngue, é que vive o pú-
blico do Clube dos Brasileirinhos. Os alunos estudam formal-
mente o Inglês na escola pública fundamental e, em casa, nor-
malmente falam duas ou mais línguas, sendo uma delas o Por-
tuguês brasileiro. A heterogeneidade linguística é uma carac-
terística comum do ensino e aprendizagem de POLH. Segundo
Melo-Pfeifer (2018, p. 1163), “em termos do perfil de aprendente
e/ou falante de Língua de Herança, os autores convergem fre-
quentemente no reconhecimento da heterogeneidade do seu
perfil linguístico”.
Em relação ao Clube, as turmas abrangem, atualmente, en-
tre 12 a 20 alunos de idades semelhantes, podendo haver perfis
de habilidades linguísticas díspares. Os alunos, comumente, são
fluentes em uma habilidade linguística em oposição a um nível
básico ou quase inexistente em outras, independentemente de
sua idade. Há casos de crianças de cinco anos, por exemplo,
fluentes oralmente no Português sem serem totalmente alfa-
betizadas na escrita. Desse modo, inviabiliza-se a formação de
salas separadas por níveis de proficiência, pois acarretaria em
uma sala com idades discrepantes, o que não é coerente com a
proposta de organização do Clube.

O QUE É LÍNGUA DE HERANÇA?

De acordo com Polinsky (2016), quando alguém nasce em


um país e comunica-se por meio da língua oficial deste país, essa
pessoa domina sua Língua Materna. As pessoas que nascem
no Brasil, por exemplo, falam o Português Brasileiro como
Língua Materna. Já quando em um país aprende-se uma língua
não oficial, considera-se essa como Língua Estrangeira. No
caso brasileiro, as línguas estrangeiras aprendidas são Inglês,
Espanhol, Francês, entre outras. Todavia, quando uma pessoa

176
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

muda e reside em um novo país e tem descendentes nesse novo


ambiente, a língua materna da criança passa a ser a língua do
novo local e se, porventura, os pais ou responsáveis valem-se da
língua que eles falavam no país de origem em certas situações
comunicativas, essa língua dos pais e aprendida pela criança é
definida com Língua de Herança. Considerando que a pessoa
deixe o Brasil para viver na Inglaterra, a língua materna dos
futuros filhos será o Inglês enquanto o Português será a língua
herdada dos pais ou responsáveis, a Língua de Herança (LH).
Segundo Polinsky (2016, p. 1, tradução nossa), “Língua
de Herança é tipicamente entendida como a língua a que
bilíngues iniciantes crescem expostos em casa, antes de se
tornar dominantes na língua principal da sociedade deles6”
e, para Camacho e Nunes (2018, p. 184), “LH é uma língua de
uso restrito a um grupo familiar ou pequena comunidade, num
contexto de imersão numa língua dominante, tratando-se de
uma situação de bilinguismo ou até de plurilinguismo, sendo
adquirida em contexto de migração.” Assim, opto pelo termo
Língua de Herança e não minoritária ou língua de comunidade,
uma vez que esses termos acarretam uma ideologia de língua
de mais ou menos prestígio e importância em relação à língua
majoritária ou dominante, o que não é interessante para o
POLH.
Existem duas nomenclaturas reconhecidas e aceitas no
mundo acadêmico. Ambas abreviam o termo Português como
Língua de Herança, a POLH e a PLH, sendo a primeira mais
utilizada na Europa enquanto a segunda nos Estados Unidos
e bastante referida por pesquisadores no Brasil. Escolhemos
para esse trabalho a abreviatura POLH, pois atuamos no Reino
Unido, sendo parte da Entidade Educacional e Cultural POLH
UK.
O diálogo entre o país de acolhimento e a bagagem
linguística e cultural trazida pelo acolhido é preciosa para o
6
No original: “heritage language is typically understood as the language that early
bilinguals grew up exposed to at home, before becoming dominant in the main language
of their society.”

177
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

ensino e aprendizagem de Português como língua de Herança.


É preferível estabelecer interações entre as vivências e
experiências vividas pelo aprendente no país acolhedor ao
invés da tentativa de anular essas características plurilíngues
durante o processo de ensino e aprendizagem de POLH. Para
Souza (2016, p. 13, tradução nossa), o POLH

permite que o processo dialógico das negociações que


ocorrem entre (e por) pais e seus filhos em relação às suas
experiências sociais, culturais e linguísticas em pelo menos
dois países – seu país de origem e seu país de acolhimento –
seja representado em sua perspectiva ideológica7.

Nesse mesmo sentido, Melo-Pfeifer (2018, p. 1169) afirma


que

Em termos de ensino-aprendizagem, seria, portanto, de


conceber que o PLH não contribui para a formação de
um sujeito duplamente monolíngue, mas, antes, para a
expressão e o bem-estar de sujeitos bilíngues e plurilíngues
com herança mista, em que as línguas e afiliações culturais
e identitárias não se separam ou isolam de forma hermética,
antes estabelecendo constantes interações que deixam
marcas translinguísticas e de hibridização cultural na sua
expressão e na sua identidade.

Portanto, deve-se reconhecer esses plurilinguismos do


aprendente e falante de POLH como aliados e não os considerar
uma ameaça para o ensino e aprendizagem, conforme explica
Chulata (2018, p. 37),

assumir a possibilidade de sermos pluriculturais e plurilín-

7
No original: “POLH enables the dialogical process of the negotiations that take place
between (and by) parents and their children in relation to their social, cultural and
linguistic experiences in at least two countries – their country of origin and their host
country – to be represented in its ideological perspective.”

178
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

gues corresponde a um posicionamento político que não se


subtrai ao reconhecimento da possibilidade de pertencer-
mos a mais de uma língua e a mais de uma cultura, fugindo
assim à catalogação da identidade fixa, estável e homogênea.

Além do reconhecimento de identidade plurilíngue e


cultural do falante de LH, outra implicação é a responsabilidade
desse herdeiro em relação à manutenção e uso da língua. Não
basta só o desejo dos progenitores ou responsáveis em transmitir
e manter a língua viva, ou manter a ligação com os familiares
brasileiros. O herdeiro tem seu papel na percepção e desejo de
conservar a “língua-herança” mesmo que esta não seja a língua
utilizada fora do círculo familiar. Segundo as autoras Morini e
Gomes (2015, p. 23),

A interrelação entre língua e cultura é indissociável. Os


falantes de herança não estão unidos somente por uma
língua, mas sim com a cultura que envolve este idioma, a
qual é um dos elementos formadores de sua identidade
dentro do cenário híbrido composto pela(s) língua(s) e
cultura do país hospedeiro.

Alguns alunos desejam aprender muito mais que somente


a Língua Portuguesa brasileira. Há o desejo de manter viva a
cultura do Brasil ainda que estejam distantes do país. Alguns
querem vivenciar as tradições do país de origem dos progenitores
enquanto outros querem manter o relacionamento familiar com
aqueles que ficaram no Brasil. Não querem perder o contato
com aqueles que mantém uma ligação afetiva. Essa afetividade
pode ser, muitas vezes, ponto crucial para a conservação da
Língua de Herança.

Ainda segundo Morini e Gomes (2015, p. 24),

tão relevante como a transmissão de uma língua de herança

179
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

são as tensões e as relações que emergem destes indivíduos,


isto é, sua percepção da realidade, o contato e a interação
com a cultura dominante e a cultura da família, e como este
sujeito percebe a língua do entorno e a língua de herança.

A afetividade, portanto, se faz importante na percepção de


valor de sua língua-herança pelo herdeiro aprendente de POLH.
A língua de herança não pode ser reconhecida como fardo ou
imposição. Muito menos, como uma língua sem prestígio. Ela
contribui para formação de sua identidade plurilíngue mesmo
estando imersa em outra língua e cultura dominante no país de
acolhimento.
Nos países hospedeiros, o POLH é ensinado tanto por
iniciativas privadas quanto públicas. Em alguns lugares há
apoio governamental, ao passo que em outros, exclusivamente,
através de instituições de caridade ou encontros informais
independentes. É um movimento que vem se fortalecendo
cada vez mais, tendo em vista o aumento mundial do processo
migratório. Segundo estimativa do Itamaraty (2020, on-line),

vivem no exterior cerca de 3 milhões de brasileiros. Esse


número é obtido com base, entre outras fontes, nos Rela-
tórios Consulares, enviados anualmente por Consulados e
Embaixadas, e nas matrículas consulares. Levando em con-
sideração que, em determinados países, parcela expressiva
dos brasileiros encontra-se em situação migratória irregular
e evita participar de sondagens e censos, é difícil estimar o
número com maior grau de precisão.

Vale destacar que os estudos sobre POLH são relativamente


recentes e profícuos para o desenvolvimento de pesquisas e
investigações científicas, principalmente linguísticas.

180
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

LUDICIDADE

O dicionário Michaelis (LÚDICO, c2015, on-line) traz algu-


mas definições para o termo lúdico: “1 Relativo a jogos, brin-
quedos ou divertimentos. 2 Relativo a qualquer atividade que
distrai ou diverte. 3 PEDAG Relativo a brincadeiras e diverti-
mentos, como instrumento educativo.” Ao consideramos essas
definições, percebe-se que lúdico está de alguma forma relacio-
nado a jogos e brincadeiras. Segundo Kishimoto (1998, p. 1), há
uma “dificuldade em definir jogo devido a distintos significados
dado a palavra.”. Existem, segundo a autora, variedades de jo-
gos, como o faz de conta, sensórios e motores, intelectuais ou
cognitivos, individuais ou coletivos, de palavras, de salão, entre
outros, porém, todos os jogos trazem algumas características
específicas: vivência de prazer e desprazer; não seriedade; fic-
ção; e regras.
Um jogo, por exemplo, pode causar ansiedade e nervosis-
mo, todavia o jogador pode decidir continuar jogando mesmo
experimentando desprazer. Existe também o caráter “não sé-
rio”. Os jogos trazem uma sensação de não seriedade, de des-
contração, no entanto, isso não implica que o jogo não seja con-
siderado sério ou não tenha credibilidade. Essa característica
contribui para a sensação de prazer do participante. Outra ca-
racterística é o caráter fictício. Acreditar no imaginário, muitas
vezes, torna o jogo atrativo e interessante. Por fim, a existência
de regras – uma das características mais marcantes de um jogo.
Todos os jogos têm uma seleção de regras a serem seguidas
para viabilizar seu acontecimento. Oliveira (2003), fundamen-
tada na contribuição teórica vigotskyana, afirma que, quando
a criança inventa situações imaginárias ou até mesmo regras
para a brincadeira ou jogo, cria-se “uma zona de desenvolvi-
mento proximal na criança”. (OLIVEIRA, 2003, p. 67)
Os jogos ou brincadeiras, portanto, englobam aspectos

181
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

cognitivos e afetivos, trazem conhecimento e socialização e


ainda desenvolvimento físico e mental para as crianças. Quando
a criança brinca, ela desenvolve consciência, inteligência
prática e abstrata e isso permite a estimulação da internalização
da linguagem, do pensamento reflexivo e do comportamento
voluntário (VYGOTSKY, 1984). Souza (2012) é enfática ao indicar
que as atividades baseadas em brincadeiras estimulam o campo
da memória das crianças porque exigem a organização das
informações a serem lembradas. Em consequência, estimula
o uso de habilidades de linguagem que ajudam a reorganizar
a vivência emocional, o que pode indicar a construção de uma
base psíquica saudável.
Na escola, o lúdico está presente através de histórias,
músicas, jogos, brincadeiras, entre outros. São recursos
diversificados de trabalhar com o intuito de tornar a
aprendizagem prazerosa, facilitando o trabalho do educador.
Jogos educativos, que são elaborados para suporte na atividade
didática, seriam, desta maneira, uma alternativa divertida e
instrutiva para as crianças se familiarizarem com o objeto de
estudo no processo de ensino e aprendizagem.
Kashimoto (1998) pontua que os jogos educativos surgiram
– como prática formal nas ações educativas europeia – no sec.
XVI, visando à aquisição de conhecimento. Estão divididos em
duas funções: a lúdica (a diversão, prazer/desprazer quando se
escolhe de forma voluntária) e a educativa (“ensina qualquer coisa
que complete o indivíduo em seu saber, seus conhecimentos e
apreensão do mundo”) (CAMPAGNE, 1989 apud KASHIMOTO,
1998, p. 19). O equilíbrio entre essas duas funções, para o autor,
é o objetivo do jogo educativo, pois o ensino se perderia se o
lúdico prevalecesse, enquanto se o ensino fosse predominante,
a função lúdica seria perdida. Portanto, faz-se necessária a
preparação do material, do conteúdo e do jogo pelo professor
para que o equilíbrio do ‘lúdico-ensino’ seja sustentado.
No processo de ensino e aprendizagem, algumas crianças
apresentam certa resistência à escola e ao ensino estruturado

182
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

e isso se evidencia também em relação ao POLH, o que pude


vivenciar durante aulas do Clube dos Brasileirinhos. Muitas
vezes, essa resistência ocorre por conta das aulas serem aos
sábados, depois de uma semana repleta de demandas da
escola fundamental. Em parte também pelos aprendentes
não compreenderem o uso da LH como benefício, mas como
imposição dos pais ou responsáveis. Nesse contexto, o lúdico
contribui como um recurso assaz importante para o processo
de ensino e aprendizagem da LH, uma vez que o processo
é aparentemente menos focado na língua e envolvendo seu
uso de forma lúdica, fazendo, assim, com que a afetividade
linguística, cultural e a notabilidade do uso do POLH estejam
presentes nessas situações pedagógicas.
Além disso, a heterogeneidade linguística dos estudantes
demanda ensino com materiais dinâmicos, ativos e inovadores.
As propostas lúdicas estão muito presentes na tentativa de
suprir essa necessidade. Santos (2000, p. 20 apud SANTOS,
c2020, on-line) afirma que:

brincar ajuda a criança no seu desenvolvimento físico, afe-


tivo, intelectual e social, pois através das atividades lúdicas,
a criança forma conceitos, relaciona ideias, estabelece rela-
ções lógicas, desenvolve a expressão oral e corporal, reforça
habilidades sociais, reduz a agressividade, integra-se na so-
ciedade e constrói seu próprio conhecimento.

Os jogos didático-pedagógicos, desse modo, auxiliam no


desenvolvimento das habilidades linguísticas, assim como
amparam-se na afetividade que é um elemento significativo para
manutenção da LH. Seja pelo prazer de jogar ou pela competição
com seus colegas de sala, o interesse dos aprendentes de POLH
pelos jogos faz com que esse recurso se torne, em determinadas
ocasiões, instrumento indispensável para tornar as aulas mais
dinâmicas, interessantes e agradáveis. Além de ser um recurso
ímpar para o desenvolvimento desses alunos com diferentes

183
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

níveis linguísticos.
Portanto, com objetivo de descrever minha experiência,
explicitarei algumas brincadeiras que são utilizadas nas aulas
de POLH no Clube dos Brasileirinhos. Para tal, optei por al-
guns critérios para seleção de brincadeiras: o propósito do jogo
(aquisição de gramática, desenvolvimento de oralidade, aqui-
sição de vocabulário), número de participantes e a idade das
crianças.

OS JOGOS E BRINCADEIRAS NA AULA DE POLH DO CLUBE


DOS BRASILEIRINHOS

Brincadeira 1 – Sílabas ao alvo

Propósito do jogo: Aquisição de gramática


Número de participantes: entre 10 e 15
Faixa etária: 6 a 8 anos
Espaço físico: sala de aula
Tempo de duração: cerca de 30 minutos
Materiais:
• Bola de tamanho pequeno (deve caber dentro do rolo de papel
higiênico);
• Caixa de sapato grande;
• Rolos suportes de dentro do papel higiênico (Imagem 1);
• Folha de sulfite, cola e canetão;
• Lousa.
Preparação:
• Cortar os rolos de papel higiênico horizontalmente ao meio
(Imagem 2);
• Cortar folha de sulfite como rótulo (pode ser substituído por
adesivos próprios para rotular) (Imagem 3);
• Escrever as sílabas escolhidas na folha de sulfite;
• Colar as folhas nos rolos de papel higiênico como rótulos
(Imagem 4);
• Colocar todos os rolos prontos dentro da caixa de sapato

184
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

(Imagem 5).

Imagem 1 – O rolo

Fonte: Autora.

Imagem 2 – O rolo ao meio

Fonte: Autora.

Imagem 3 – O rótulo

Fonte: Autora.

185
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

Imagem 4 – Os rolos prontos

Fonte: Autora.

Imagem 5 – A caixa pronta

Fonte: Autora.

Preparativos em sala:
• Colocar os rolinhos com os rótulos virados de maneira a não
serem vistos;
• Colocar a caixa de sapato na frente da sala;
• Separar as crianças em grupos;
• Fazer tabela de pontuação na lousa com o nome dos grupos
participantes e a quantidade de pontos conseguidos durante o
jogo.

Variações:
• A etapa de preparativos pode ser trabalhada com as crianças.
• Quantidade de alunos: Se quiser trabalhar com grupos
maiores, necessita-se produzir mais de uma caixa.
• Tópico gramatical: O rótulo dos rolos pode ser alterado com
outros pontos gramaticais, de acordo com a necessidade, como,

186
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

por exemplo, adjetivos, verbos, alfabeto.


• Dificuldade: pode ser aumentada, em vez de dizer somente
uma palavra, poderá modificar para duas ou para produção de
frases.
• Pontuação: pode ser alterada para que, se a criança errar ou
repetir palavras, perca um ponto ou se a criança acertar uma
frase completa, ganhe 2 pontos.

Descrição e regras básicas


Separe as crianças em grupos, entregue uma bolinha por grupo
e coloque a caixa na parte da frente da sala de aula. Posicione os
rolinhos com os rótulos virados de maneira a não serem vistos.
Cada criança terá uma tentativa de acertar dentro do rolinho.
Se acertar, retira seu rolinho, lê o rótulo com a sílaba escolhida.
A criança deverá formar, sozinha, uma palavra com aquela
sílaba; se acertar, ganha um ponto. Se errar, entrega a bolinha
para o próximo participante. Na lousa, a professora escreve os
pontos por grupos e as palavras já utilizadas.
8

Brincadeira 2 – Eu fui ao Clubinho

Propósito do jogo: Aquisição de vocabulário e gramática


Número de participantes: a partir de 5
Faixa etária: 8 a 10 anos
Espaço físico: sala de aula, em roda
Tempo de duração: 30 min
Materiais:
• Lousa

Preparativos:
• Sentar-se em roda

Variações:

187
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

• Quantidade de alunos: Pode ser trabalhado com grupos


maiores, porém, isso aumenta a dificuldade de memorização.
• Tópico gramatical: Pode ser alterado com outros pontos
gramaticais, de acordo com a necessidade, como, por exemplo,
palavras com determinados dígrafos, advérbios, letras
específicas do alfabeto.

Descrição e as regras básicas


Cada criança deve falar um item que encontraria no Clube dos
Brasileirinhos, acrescido de um adjetivo. Por exemplo: “Fui ao
Clubinho e encontrei uma banana amarela”. Para aumentar
a dificuldade é necessário que cada criança repita todos os
produtos e adjetivos que já foram ditos desde o início da
brincadeira. A criança é eliminada quando erra a ordem dos
produtos e o jogo termina quando a última criança da fila acerta
a sequência ou sobrar somente uma criança. Exemplo:
Aluno 1 diz: “Fui ao Clubinho e encontrei X amarelo”.
Aluno 2 diz: “Fui ao Clubinho e encontrei X amarelo e Y gostoso”.
Aluno 3 diz: “Fui ao Clubinho e encontrei X amarelo, Y gostoso
e Z crocante” e assim por diante.

Brincadeira 3 – Sacola Mágica

Proposito do jogo: Desenvolvimento da oralidade e aquisição


de vocabulário
Número de participantes: de 10 a 15
Faixa etária: 3 a 5 anos
Espaço físico: sala de aula
Tempo de duração: 30 min
Materiais:
• Sacola ou caixa para colocar os elementos;
• Enfeites para decorar a caixa: papel de presente, adesivos,
laços etc.;
• Objetos variados: ursinho, borracha, cola, régua etc.
Preparação:

188
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

• Separe uma caixa ou sacola grande que poderá ser enfeitada e


na qual devem caber todos os objetos selecionados;
• Encape a caixa e a decore (Imagem 6);
• Selecione os objetos de acordo com o tópico gramatical ou
assunto a ser ensinado (Imagem 7).

Imagem 6 – A sacola

Fonte: Autora.

Imagem 7 – Itens variados

Fonte: Autora.

Preparativos em sala:
• Misture todos os objetos na caixa;
• Posicione a caixa na parte da frente da sala de aula;
• Separe as crianças em dois ou mais grupos, dependendo da
quantidade de alunos em sala;
• Fazer tabela de pontuação na lousa.

189
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

Variações:
• A decoração pode ser trabalhada com as crianças.
• Quantidade de alunos: Se quiser trabalhar com grupos
maiores, pode-se produzir mais de uma caixa ou separar as
crianças em mais grupos.
• Tópico gramatical: pode ser alterado com outros pontos
gramaticais, de acordo com a necessidade, como por exemplo,
cores, alfabeto, formas, dígrafos.
• Dificuldade: pode ser aumentada. Em vez de dizer somente
uma palavra, poderá modificar para palavra com adjetivo,
como, por exemplo, carrinho azul ou numerais etc. O professor
pode também solicitar a construção de frases para o objeto
requerido.
• Pontuação: pode ser alterada com contagem de tempo, ganha
2 pontos se encontrar o objeto em menos tempo.

Descrição e regras básicas

As crianças sentam-se em dois grupos separados. O professor


pedirá, alternadamente, os objetos e uma criança de cada grupo
terá que encontrá-lo na caixa e trazer para o professor. Quando
chegar em frente ao professor, terá que dizer a descrição dada.
Por exemplo, busque uma régua. Quando já tiver o objeto em
mão, em frente ao professor, a criança diz: “uma régua”. O grupo
ganha um ponto se a criança acertar a palavra com o artigo. Se
a criança não se lembrar, ou não usar o artigo, o grupo fica sem
pontos naquela rodada. Na lousa, o professor escreve os pontos
por grupos. Vence o grupo que fizer mais pontos.

REFLEXÃO

Nessa sessão, apontarei algumas vantagens e desvantagens


encontradas durante o uso desses jogos nas aulas de POLH do
Clube dos Brasileirinhos.
De um modo geral, os resultados de utilizar essas propostas

190
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

lúdicas são vantajosos e inspiradores. Mesmo que, por vezes,


algumas crianças se sintam relutantes a usar a língua de herança
durante as aulas, enquanto brincam, elas se envolvem, mostram-
se motivadas e comunicam-se, na maior parte do tempo em
Português. Às vezes, algumas não sabem o vocabulário em
Português, sentem-se amedrontadas, envergonhadas de errar,
mas as propostas lúdicas também facilitam nesse quesito,
pois diminuem o medo ou a vergonha da criança. O foco da
aprendizagem é revestido pelo jogo em que o uso da LH está
no resultado da competição com os colegas de sala. As crianças
sentem-se mais à vontade para se comunicar em Português,
não focando exclusivamente no uso correto da língua.
No decorrer dos jogos, as crianças tentam se expressar como
podem, como sabem, o que é extremamente benéfico para o
ensino e aprendizagem de POLH. Há momentos de intervenção
da língua do país de acolhimento, a língua materna dos
aprendentes, no nosso caso, o Inglês. Todavia, os professores
do Clube não condenam ou combatem esse uso. O intuito disso
é utilizar-se da língua materna deles para promover o ensino e,
por consequência, atingir a aprendizagem de POLH. Conforme
explica Souza (2016, p. 9, tradução nossa), “o uso de línguas
diferentes em suas salas de aula não é um sinal de fracasso por
parte deles [professores] ou dos alunos. Ao invés disso, pode
ser uma maneira das crianças negociarem suas identidades nos
diferentes grupos aos quais pertencem”.9
O uso do Português é promovido e solicitado durante as
aulas do Clube, no entanto, acontece sem o desprezo do saber
trazido pelo aprendente. O aprendente pode utilizar-se de sua
língua materna para estabelecer conexões, contrastar e auxiliar
na sua aprendizagem. Esse uso casual da língua materna é
bem-vindo e saudável para auxiliar no processo de ensino e
aprendizagem de língua de herança.
Outro ponto de dificuldade encontrado durante as aulas de
9
No original: “the use of different languages in their classrooms is not a sign of failure on
their part or on the part of the students. Rather, it can be a way for children to negotiate
their identities in the different groups to which they belong.”

191
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

POLH do Clube e que, muitas vezes, é sanado pelo uso de propostas


lúdicas, como as anteriormente descritas, é a dificuldade de
pronunciar fonemas inexistentes na língua materna, como,
por exemplo, o “nh-”, “lh-” e “-ão” que não estão presentes no
Inglês. Vale ressaltar que, no Clube, não desejamos anular ou
modificar o sotaque dos aprendentes. Acreditamos que essa
seja uma característica inerente da identidade linguística desse
falante de herança. As propostas lúdicas, nesse contexto, são
incluídas com intuito de oportunizar o uso de palavras que
tragam esses pontos de carência de pronúncia.
Sem a pressão comum encontrada nas escolas
fundamentais, muitos pais elogiam e contam que as crianças
pedem para frequentarem as aulas do Clube, pois querem
“brincar” e, muitas vezes, saem falando em Português brasileiro
com eles, o que os deixa satisfeitos e realizados porque suas
crianças querem falar “a língua dos pais”. Como alguns pais
e responsáveis também são fluentes na língua do país de
acolhimento, as crianças optam pela facilidade comunicativa,
deixando de fazer uso do Português em ambiente familiar e,
no decorrer da aula e dos jogos, essa diferença na exposição
de input da Língua Portuguesa evidencia-se. É um assunto de
extrema importância a ser tratado com a família, de forma a
colaborar para aprendizagem desse herdeiro.
Como visto, o ensino e aprendizagem de uma LH é um
trabalho conjunto entre a escola comunitária, progenitores
e herdeiros. Todos com responsabilidades essenciais para
a manutenção do POLH. É um exercício de conscientização
familiar e do aprendente a respeito de quanto mais exposto ao
input da língua de herança, maiores as oportunidades de uso e,
consequentemente, mais eficaz a aprendizagem.
No contexto escolar, as propostas lúdicas, certamente,
viabilizam de maneira eficaz essa exposição e uso dessa herança
linguística e cultural. Existem muitos jogos e brincadeiras
que podem ser adaptados para o ensino e aprendizagem de
Português como Língua de Herança, como, por exemplo: o

192
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

jogo da Batata Quente, para ensinar separação silábica, ou a


brincadeira de “quem sou eu” para trabalhar interrogativas,
entre muitas outras possíveis sugestões.
O ensino e aprendizagem de POLH, como já elucidado
anteriormente, é um campo em vasto crescimento, portanto,
com muitas perspectivas de estudos e pesquisas seja com
enfoque nos aprendentes, nas propostas pedagógicas, ou
na língua. O primordial é expandir o conhecimento tanto de
pais, como aprendentes e professores sobre a manutenção
da Língua Portuguesa de Herança, pois, providos de uma
ampla compreensão sobre o POLH, seu valor e importância,
a probabilidade de estabelecer-se interações linguísticas
saudáveis entre a língua do país hospedeiro e a de herança
aumenta.

REFERÊNCIAS

CAMACHO, I.; NUNES, N. Português Língua de Herança e Português Língua


Não Materna: (Re)construção de identidades através da experiência de
ensino-aprendizagem no curso intensivo de verão para lusodescendentes
da Universidade da Madeira. Diacrítica, [s. l.], v. 32, n. 2, p. 179-210,
2018. Disponível em: http://diacritica.ilch.uminho.pt/index.php/dia/issue/
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transnacional: Tradução, herança e gramática. Campinas-SP: Pontes
Editores, 2018. p. 37-62. Disponível em: https://www.academia.edu/36868590/
Portugu%C3%AAs_como_L%C3%ADngua_de_Heran%C3%A7a_no_
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RELAÇÕES EXTERIORES. Brasília-DF, 22 set. 2020. Disponível em:
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193
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

LÚDICO. In: MICHAELIS. Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa. [S.l.],


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SOUZA, M. M. F. de. A importância da ludopedagogia na alfabetização. 2012.
13f. Artigo (Pós-Graduação) – Fafipa, São Joaquim, 2012. Disponível em:
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Myuki-Fukuschima-de-Souza.pdf. Acesso em: 04 out. 2020.
VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1984.

194
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

195
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

JOGOS E BRINCADEIRAS NO ENSINO E APRENDIZAGEM


DE PLE. A EXPERIÊNCIA NO URUGUAI

Eliane Roncolatto10
Maria Angela de Melo11

istoricamente, os jogos e as brincadeiras sempre


fizeram parte da vida humana e animal e das
manifestações culturais mais primitivas. Quando
pensamos nessas atividades lúdicas, nos vem à mente a época
da infância, quando passávamos horas brincando sozinhos ou
com nossos parentes e amigos. Por outro lado, relacionamos a
aprendizagem de um idioma como algo sério e um compromisso
que assumimos duas ou três vezes por semana. Então, será que
esses dois polos podem caminhar juntos?
Para algumas pessoas, aprender uma língua com jogos e
brincadeiras pode parecer estranho, pois a ideia que eles trans-
mitem é de tempo livre e entretenimento. Entretanto, se o pro-
fessor souber utilizar esses recursos para atingir seu objetivo
didático, veremos que as duas coisas podem funcionar muito
bem!
Estamos enganados se imaginamos que brincar é apenas
para crianças. Se observarmos as pessoas em suas atividades de
lazer ao ar livre ou em casa, veremos que as crianças brincam não
só entre elas, mas também com adultos, os quais curtem muito
essas brincadeiras. É comum vermos adultos brincando com
seus animais de estimação, jogando com amigos, brincando de
pega-pega com a namorada, avós brincando e jogando com seus
netos e poderíamos continuar citando muitos outros exemplos.
Como já dissemos, as brincadeiras e os jogos fazem parte da
vida do ser humano e, com isso, ele vai aprendendo a respeitar
regras, a enfrentar desafios, a lidar com os medos, a desinibir-
-se, a desenvolver habilidades, a memorizar, a focar a atenção,

10
Professora de PLE em Montevideo (Uruguai) – roncolattoeliane@gmail.com.
11
Professora de PLE em Montevideo (Uruguai) – inovacaople@gmail.com.

196
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

a sociabilizar-se, a ter tolerância, a lidar com as frustrações, a


comunicar-se…
Por esses motivos, jogos e brincadeiras têm tudo a ver com
a aprendizagem. Por que não levar à sala de aula aquilo que
todos estamos acostumados a fazer ao longo de nossas vidas:
brincar!

OS TRÊS “DS” DOS JOGOS: DIVERSÃO, DESCONTRAÇÃO, DE-


SAFIO

A incorporação de jogos e brincadeiras nas atividades


escolares têm recebido destaque em virtude do desejo constante
de facilitar a aprendizagem e de buscar inovações e formas
criativas de ensinar.
Além disso, uma das principais finalidades de brincar
também é aprender (SACHSER, 2009). Enquanto se brinca,
descobrem-se e aprendem-se muitas coisas novas, o que implica
em arriscar-se. Durante uma brincadeira ou um jogo, adquire-
se confiança para praticar o que já é conhecido e, ao mesmo
tempo, o jogador é exposto a correr riscos, desenvolvendo
estratégias para atingir seu objetivo. Para isso, é necessário
apoiar-se nas regras. Tudo o que foi aprendido no momento do
jogo fica de certa forma guardado no cérebro, fazendo com que
sejamos capazes de lembrar o que aprendemos por toda a vida.
Assim, é possível que uma estrutura apareça em diferentes
processos de aprendizagem. (SACHSER, 2009)
Tanto as brincadeiras quanto os jogos geram diversão e in-
teração e, ao estar em contato com outras pessoas, proporcio-
nam uma sensação de bem-estar. Essa união de benefícios são
fatores fundamentais para tais atividades, fazendo com que a
aprendizagem seja assimilada de uma forma mais descontraída
e natural.

197
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

CARACTERÍSTICAS DOS JOGOS

Como nos explica Huizinga (2007, p. 21, tradução nossa), o


jogo “não é vida propriamente dita, mas sim consiste em esca-
par-se dela para uma esfera temporária de atividade […]”12. O
jogo, então, propicia uma parada nas atividades de nosso dia
a dia. É como um intervalo em que a fantasia e o não real ocu-
pam um tempo e um espaço delimitados. Define-se como uma
pausa na realidade para proporcionar relaxamento, distração e
diversão.
Huizinga (2007, p. 23, tradução nossa) afirma que “jogamos
dentro de determinados limites de tempo e de espaço. O jogo
esgota seu curso e seu sentido dentro de si mesmo. Ele começa
e, em determinado momento, já se acabou.”13. Entretanto,
podemos voltar a realizar o mesmo jogo e, assim, ele “ganha
sólida estrutura como forma cultural”14 (HUIZINGA, 2007, p.
23, tradução nossa) porque “é transmitido por tradição e pode
ser repetido em qualquer momento.”15 (HUIZINGA, 2007, p. 23,
tradução nossa). O autor ainda analisa outras características do
jogo como a existência de ordem, de regras (e as consequências
do não cumprimento delas), da consciência do não real
(simulação) e da tensão e emoção inerentes.

PROBLEMAS E QUESTÕES A RESOLVER

Se o jogo esgota seu curso e seu sentido dentro de si mesmo,


como direcioná-lo para objetivos didático-metodológicos?
Tanto o aluno, como o professor têm consciência de que usam
o jogo com fins didáticos e não para pura diversão. Desse modo,
o professor vai ter que lidar com dois problemas: que não se
No original: “no es la vida propiamente dicha. Más bien consiste en escaparse de ella a
12

una esfera temporera de actividad [...]”.


13
No original: “Se juega dentro de determinados límites de tiempo y de espacio. Agota su
curso y su sentido dentro de si mismo. Este comienza y, en determinado momento, ya se
acabó.”
14
No original: “El juego cobra inmediatamente sólida estructura como forma cultural”.
15
No original: “es transmitido por tradición y puede ser repetido en cualquier momento.”

198
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

frustre o jogo e não se frustre a aprendizagem.


Nesse âmbito, é fundamental ter todo o cuidado para que
a atividade lúdica escolhida mantenha suas características de
proporcionar diversão, interesse e que tenha uma meta objetiva
com regras que sejam claras e fáceis para atingir o objetivo
linguístico, a meta final. (NEGRA, 2008). Caso contrário, os
estudantes não desenvolverão as emoções necessárias para
adquirir o aprendizado e, portanto, os objetivos previstos não
serão alcançados.
Além disso, temos outra questão relacionada: do mesmo
modo em que o jogo traz benefícios para o ser humano, pode
trazer decepções, como quando um dos jogadores não respeita
as regras, no afã de vencer a qualquer custo. A competição e o
prêmio da vitória empolgam, mas também causam rivalidades.
Esses aspectos podem ocasionar frustração quando os jogos
são aplicados em sala de aula.
Por isso, é importante trabalhar a autoconfiança e o com-
panheirismo entre os alunos a fim de mostrar-lhes os jogos e
as brincadeiras como elementos úteis para propiciar diversão,
interação e aprendizagem, as quais são muito mais importan-
tes do que vencer o jogo. Na vida real, as vitórias e os primeiros
lugares trazem prestígio, status social e, muitas vezes, ganhos
financeiros, mas, em sala de aula, o verdadeiro ganho está na
interação, na diversão e na aprendizagem conquistadas. Então,
é importante destacar para os alunos que os progressos em seu
domínio da língua e as melhorias de suas habilidades e compe-
tências são a verdadeira conquista.
Para conseguir que os alunos se divirtam e aprendam en-
quanto jogam é necessário motivá-los e incentivá-los a serem
protagonistas, a correrem riscos, a seguirem as regras estabe-
lecidas e a aceitarem desafios para obter o objetivo de aprendi-
zado almejado.
Também precisamos fazer com que os alunos percebam
que por meio dos jogos e das brincadeiras podemos ter um
ambiente mais relaxado, informal e alegre. Lembremo-nos de

199
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

que muitos alunos chegam para aula de PLE depois de um dia


inteiro de trabalho ou depois de permanecer horas nas aulas de
outras matérias.
Em nossa opinião, os jogos e as brincadeiras podem
estimular o uso da criatividade, da imaginação, dos
conhecimentos prévios dos alunos e oferecer chances de
melhorar o relacionamento humano, a colaboração, além de
ajudar os alunos mais tímidos ou introvertidos a soltarem-se
e envolverem-se nas atividades. Afinal, queremos que nossos
alunos se lembrem das aulas como momentos gratos e felizes
de suas vidas.
Além dos jogos, são excelentes exemplos de trabalho com o
lúdico, as simulações, como a criação de uma cidade imaginária,
com organização, administração e atividades socioculturais
idealizadas e inventadas pelos alunos. Se o professor está
ensinando o vocabulário da alimentação, por exemplo, por que
não pedir aos alunos que simulem um programa de televisão
sobre receitas culinárias em que cada um faz um papel
(apresentador, convidado, ajudante). Os alunos podem criar
o vestuário de cada um, a decoração do ambiente, as falas e
receitas a serem ensinadas no programa etc.
O mundo do faz de conta surge em sala de aula e constitui
uma ótima ferramenta para fomentar a integração dos alunos,
o ânimo para realizar as atividades e o protagonismo do aluno
como agente criador.

SISTEMATIZAÇÃO DOS JOGOS E BRINCADEIRAS NA APREN-


DIZAGEM DE PLE

Existem vários tipos de jogos e brincadeiras para serem


utilizados nas aulas de PLE e, por isso, é importante que o
professor tenha bem claros quais são os objetivos didáticos da
proposta, ou seja, quais são as competências e habilidades que
deseja que o aluno desenvolva, para, dessa forma, escolher
o tipo de atividade adequada a cada situação. Pode ser um

200
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

jogo linguístico, comunicativo, criativo, intercultural ou


sistematizante. Entretanto, é muito importante conferir se a
atividade vai realmente unir as duas coisas: a diversão do lúdico
e o objetivo didático.
Com os jogos e brincadeiras podemos trabalhar fonética,
vocabulário, tópicos gramaticais, conversação, compreensão
auditiva, produção textual etc.
A seguir listamos algumas sugestões de jogos, a partir de
nossa experiência no Uruguai, que podem ser utilizados em
aulas de PLE:

• Jogos de caixas, tabuleiro, cartas, dados, Stop, bingo e


dominó;
• Jogo da memória; Jogos de relacionar;
• Jogos de adivinhação e de trava-línguas (para trabalhar a
fonética);
• Jogos de perguntas e respostas (roleta ou caixa curiosa);
• Jogo roda-viva (narração de histórias);
• Teatro da colocação pronominal (atuação com cartazes
onde cada aluno representa um papel: verbo, pronome,
palavra atrativa, complementos);
• Palavras cruzadas, caça-palavras.

Também devemos destacar que, com o avanço da tecnologia


e a opção das aulas de idiomas on-line as quais têm tido cada vez
mais procura, os jogos digitais cumprem os mesmos objetivos
dos jogos presenciais. O professor pode escolher entre a imensa
variedade proposta nas plataformas digitais específicas para
esse fim ou tem a possibilidade de criar opções, sempre tendo
o cuidado de adaptá-los às metas de aprendizagem.

EXEMPLOS DE JOGOS E BRINCADEIRAS

Para fins didáticos, definiremos jogos como toda atividade


lúdica que possui competição, ordem, regras, vencedor, além

201
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

da tensão e emoção inerentes. Com o nome de brincadeira,


incluiremos as atividades lúdicas que envolvem diversão,
desafios e emoção, mas não, necessariamente, há competição,
vencedor e pode incluir simulação.

1 – Dominó

Gramática: Pretérito Perfeito Simples do Indicativo


Nível: A2
Faixa etária: Adolescentes e adultos
Material: Cartolina, papelão, EVA (Etil Vinil Acetato), ma-
deira etc.
Regras: O jogo simulará uma situação através de um
diálogo sobre um acontecimento no passado com estruturas do
pretérito perfeito do modo indicativo.
Em todas as fichas (Imagem 1) devem constar uma resposta
e uma pergunta que não estejam relacionadas entre si. Na ficha
inicial, a resposta deve estar de uma cor, e a pergunta, de outra,
para poder funcionar como ponto de partida. As demais fichas
devem ser de uma única cor.
As fichas serão distribuídas para os alunos, e aquele que
tiver a ficha de duas cores começará o jogo colocando-a sobre
a mesa. O aluno seguinte deve colocar a ficha que tenha a
resposta correspondente e assim por diante. O aluno que não
tiver a resposta passa a vez e, desse modo, sucessivamente, até
terminar o jogo, onde o último aluno terá que colocar a ficha
que contém a pergunta da resposta da ficha inicial.
No fim do jogo os alunos lerão o diálogo e analisarão os
verbos destacados no pretérito perfeito e sua conjugação e terão
de criar seu próprio diálogo. Este jogo pode ser feito em duplas
ou em grupos. O professor pode dar diferentes jogos para cada
grupo e aquele que terminar primeiro ganha o jogo. No final
cada grupo lê os diálogos para a turma.
Objetivo: A função didática desse jogo é fazer com que
o aluno aprenda a flexão dos verbos no pretérito perfeito do

202
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

indicativo de uma forma divertida, interativa e contextualizada.


É importante que as estruturas estejam destacadas para que os
alunos possam perceber as regras e sejam capazes de aplicá-las
quando forem realizar seus próprios diálogos.
Outras opções: Esse jogo pode ser utilizado para introduzir
a temática, focando apenas nos verbos regulares ou também
pode ser usado para fazer uma revisão ou para trabalhar verbos
irregulares dependendo da necessidade do grupo. É possível
trabalhar também com outros tópicos gramaticais como a
diferença entre pretérito perfeito e imperfeito do indicativo,
pretérito perfeito simples e pretérito perfeito composto entre
outros.
Observação: Também pode ser usado na versão digital,
com a plataforma wordwall ou outras.

Imagem 1 – Exemplo de algumas peças do jogo 1 para


ilustração:16

Nós nos O que você A que filme


Fui ao
divertimos fez no fim você
cinema.
muito de semana? assistiu?

Assisti ao O João e a
O João foi,
filme Lúcia Vocês se
mas a Lúcia
“Guerra nas também divertiram?
não quis ir.
estrelas”. foram?

Fonte: Autores.

2 – Jogo dos Pronomes

Gramática: Pronomes possessivos


Nível: A1

16
Todas as ilustrações e imagens contidas neste artigo foram elaboradas pelas autoras ou
são de arquivo pessoal.

203
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

Faixa etária: Adolescentes e adultos


Material: Uma sacola, fichas de papel e objetos
pessoais dos alunos (Imagem 2).

Imagem 2 – Exemplo de peças do jogo 2 para efeito de


ilustração

Fonte: Autores.

Regras: O professor leva uma sacola que não seja


transparente, de preferência ecológica, e pede aos alunos que
coloquem dentro dela algum objeto pessoal que não tenha
identificação e, se possível, que seja algo bem inusitado. Isso
deve ser feito de maneira discreta para que ninguém saiba a
quem pertence. Eles podem ser pegos de surpresa ou, se o
professor quiser, pode pedir como tarefa que os alunos levem
alguns objetos especialmente para o dia da aula em que for
realizar esse jogo. Depois que a sacola estiver cheia, distribuir
5 fichas para cada aluno e o professor escolhe ou sorteia um
deles para retirar um item de dentro dela.
O(a) professor(a) como mediador(a) faz as perguntas:

1-O que é isso?


2-Descreva o objeto.
3-Para que serve?
4-De quem você acha que é esse objeto?

Deve ficar bem claro para o aluno que, para responder a

204
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

quarta pergunta, ele não pode dizer o nome do colega e, para


isso, deve usar os pronomes possessivos. Nessa hora, o aluno
deve apontar para o colega e dizer é “dele”/”dela”. E, além disso,
perguntar: “Fulano, este ‘livro’ é seu?”. O aluno apontado deve
responder: “Não, este livro não é meu”. “Sim, este livro é meu!”
E, desta maneira, sucessivamente, até encontrar o dono
do objeto. Nesse momento, devolve-se o mesmo à pessoa e é
ela quem vai jogar e retirar outro item da sacola. Essa atividade
pode também ser trabalhada em duplas e os participantes
podem combinar que algum objeto seja de ambos para ter a
oportunidade de usar os pronomes “nosso(s)”, “nossa(s)”,
“dele(s)”, “dela(s)”. Nesse caso, os objetos que sejam individuais
não devem ser vistos nem pelos participantes da dupla.
Cada vez que um estudante usar o pronome inadequada-
mente, ele deverá pagar com uma ficha que será depositada
numa caixa. O vencedor(a) será aquele(a) que tiver mais fichas
na mão. Pode haver mais de um vencedor. As fichas podem ser
substituídas por balas e, no final, todos podem comê-las.
É recomendável propor uma atividade para reforçar o
conteúdo, pode ser uma música, por exemplo, onde apareçam
esses pronomes.
Objetivo: A função didática desse jogo é fazer com que o
aluno aprenda a usar e/ou praticar os pronomes possessivos
numa situação comunicativa, fazendo a devida concordância
em relação à pessoa, ao gênero e ao número, já que em muitos
idiomas as duas últimas não acontecem. Além disso, neste jogo
trabalha-se e/ou revisa-se vocabulário.
Outras opções: Este jogo pode ser utilizado para introduzir
a temática, focando apenas nos pronomes possessivos “meu(s)”,
“minha(s)”, “seu(s)”, “sua(s)”, em um primeiro momento, para
gerar um clima descontraído.
O jogo também permite que o professor faça uma revisão
dos pronomes possessivos e ou demonstrativos para níveis A2,
B1, B2 ou C1.17 Ou seja, o jogo pode ser aplicado para qualquer
Os níveis citados correspondem à classificação do QCER (Quadro Comum Europeu de
17

Referência) para o ensino de línguas. A1 e A2 (Inicial e Elementar), B1 e B2 (Independente)

205
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

nível e em qualquer momento que o professor perceba ser


necessário trabalhar essa temática.
Observação: Também pode ser usado na versão digital,
realizando-se algumas adaptações como enviando os objetos
para o celular do professor e, em vez de apontar para o colega,
usar o vocativo: “José, esse livro é seu?”.

3 – Jogo dos Fonemas Abertos e Fechados

Fonética
Nível: A2
Faixa etária: Adolescentes e adultos
Material: Cartazes ou Powerpoint
Regras: O professor deve selecionar palavras que possuam
os fonemas /฀/, /o/, /฀/, /e/ escritas num cartaz ou numa
apresentação de powerpoint (Imagem 3). O professor lerá
algumas delas, chamando a atenção para a diferença entre os
sons abertos e fechados da Língua Portuguesa e pedindo que os
alunos repitam. Em seguida, dividirá a classe em grupos e lerá
uma série de palavras e os alunos terão que abrir os braços na
posição horizontal para quando o som destacado for aberto e
fechar os braços, unindo as mãos, para quando o som destacado
for fechado. Eles farão esse movimento enquanto escutam o
professor pronunciar as palavras e, ao mesmo tempo, as leem
nos cartazes e/ou powerpoint.
Num segundo momento, o professor apresentará cartazes
com apenas a figura correspondente às palavras escutadas e
lidas anteriormente.
Cada grupo dirá o nome da figura fazendo o gesto
correspondente com os braços como na etapa anterior. Ganha
o jogo a equipe que fizer mais acertos.
Finalmente, o professor proporá que os alunos escrevam
frases ou parágrafos com as palavras estudadas e as leiam para
a classe.

e C1 e C2 (Proficiente).

206
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

Objetivo: O objetivo desta atividade é sensibilizar para


a conscientização fonética/fonológica de forma divertida e
descontraída durante a qual os alunos têm a oportunidade de
ouvir, reconhecer, repetir e praticar a pronúncia do som em
questão. Nesse jogo também se trabalha vocabulário novo além
de que pode ser utilizado em qualquer nível com a finalidade
de aperfeiçoar dificuldades específicas de fonética ou para
descontrair.
Outras opções: Pode ser aplicado para praticar outros
fonemas, inclusive, acrescentando aos abertos e fechados a
versão dos fonemas /e/ e /o/ que ficam reduzidos em fim de
palavra, variando os gestos que podem ser palmas, braços para
cima e para baixo, abaixar e levantar.
Observação: Também pode ser adaptado para a versão
digital.

Imagem 3 – Exemplos de palavras para o jogo 3

Fonte: Autores.

4 – Brincadeira da sílaba tônica

Fonética
Nível: B2
Faixa etária: Adolescentes e adultos
Material: Áudio de uma parlenda
Regras: O aluno escutará e lerá, simultaneamente, uma
parlenda do folclore brasileiro (Imagem 4). Enquanto isso,
ele terá que levantar os dois braços toda vez que escutar a
sílaba tônica das palavras. As parlendas são ideais para essa

207
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

prática porque são curtas e são recitadas ou cantadas de forma


sincopada e, ao mesmo tempo, se trabalham aspectos culturais
do folclore brasileiro.
O professor pode escolher outros tipos de textos, como tre-
chos de poesias ou algum parágrafo de textos de interesse ao
perfil do aluno, além de estribilhos de músicas para realizar
esta atividade. Sempre tendo o cuidado de selecioná-lo para
que atenda a necessidade do propósito e que não seja extenso.
Também é importante que o aluno já saiba a diferença entre
acento tônico e acento gráfico.
O aluno que levantar os braços no momento inadequado
sairá da brincadeira. Se a turma for grande é melhor dividir os
alunos em grupos e colocar cantigas diferentes para cada um.
Depois de realizar a brincadeira, o professor deve fornecer
palavras aos alunos para que eles criem uma parlenda ou façam
rimas e leiam para os demais.
Objetivo: O objetivo desta atividade é unir diversão à
aprendizagem da fonética durante a qual os alunos têm
a oportunidade de ouvir e reconhecer a sílaba tônica das
palavras através do movimento, gerando uma combinação que
facilita a captação da entonação do Português brasileiro. Aqui,
também se trabalha a interculturalidade além de vocabulário. É
recomendado para alunos de nível B2 em diante porque requer
um conhecimento um pouco mais profundo do idioma.
Outras opções: Essa atividade pode ser utilizada para
praticar os sons correspondentes a outros fonemas, variando
os gestos que podem ser palmas, braços para cima e para baixo,
abaixar e levantar etc.
Observação: Também pode ser adaptado para a versão
digital.

208
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

Imagem 4 – Exemplo de uma parlenda para trabalhar a


brincadeira 4

:
Fonte: Autores.

5 – Jogo da memória

Gramática: Modo Subjuntivo X Infinitivo Pessoal


Nível: C1
Faixa etária: Adolescentes e adultos
Material: Cartolina, papelão, EVA, madeira etc.
Regras: O jogo possui as mesmas regras de qualquer jogo
da memória comum.
O professor deve confeccionar fichas (Imagem 5) com
frases que contenham estruturas com os tempos simples do
modo subjuntivo e outras com frases equivalentes, mas que
contenham estruturas com o infinitivo pessoal sem que o
sentido das mesmas altere a comunicação.

209
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

Imagem 5 – Exemplo de alguns pares do jogo 5 para ilustração

Fonte: Autores.

As fichas serão colocadas numa mesa ou no chão com


as frases viradas para baixo. Cada aluno vira duas fichas e lê
cada frase em voz alta, buscando fazer um par com as duas
estruturas. Caso não consiga formá-lo, devolve as fichas à sua
posição original, passando a vez a outro jogador. O jogo pode
ser realizado em duplas ou em grupos e vencerá quem tiver
juntado o maior número de pares.
Objetivo: A função didática desse jogo é fazer com que
o aluno identifique a diferença entre ambas as estruturas
trabalhadas (tempos simples do modo subjuntivo X infinitivo
pessoal). É importante que as estruturas estejam destacadas
para que os alunos possam perceber as diferenças enquanto
jogam. Num primeiro momento e para atingir o objetivo do
jogo, é possível que o aluno tente associar os pares através
das palavras-chave que constam em ambas as fichas. Por isso,
é importante que, depois de jogar, o professor proponha que,
em duplas, os estudantes analisem os pares e respondam
perguntas como: “Que diferenças você vê nessas estruturas?”,

210
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

“Há mudança no sentido do contexto?”, “Qual das estruturas


você acha mais fácil e mais usual?”. E depois comparem com as
respostas dos outros colegas e criem pares seguindo os modelos
das fichas.
Outras opções: Esse jogo pode ser utilizado para introduzir
a temática, focando apenas nos verbos regulares ou também
pode ser usado para fazer uma revisão desses temas, visto
que a aprendizagem é cíclica. O jogo da memória pode ser
bem variado, permitindo trabalhar também outros tópicos
gramaticais, vocabulário, conversação etc.
Observação: Também pode ser utilizado na versão digital.

6 – Caixa Curiosa ou Roleta

Conversação
Nível: Todos
Faixa etária: Adolescentes e adultos
Material: Caixa e fichas com perguntas ou roleta de
cartolina, papelão etc.
Regras: A atividade consta de fichas com perguntas na
qual cada participante deve pegar uma ficha da caixa ou girar a
roleta para saber, no momento, o que deve responder.
O professor deve selecionar perguntas que contenham o
vocabulário e os tempos verbais adequados para cada situação
ou nível. Pode-se fazer um sorteio prévio para organizar a
ordem de quem vai responder ou escolher aleatoriamente
durante a mesma.
Objetivo: A ideia principal desta atividade é fazer com
que o estudante seja pego de surpresa com a pergunta, sem
ter nada previamente preparado e, com isso, possa entender
e responder às perguntas de forma coerente, utilizando, para
isso, estruturas e vocabulário adequados para cada situação.
É importante também que sejam incluídas algumas perguntas
que gerem interação com os outros participantes, como,
por exemplo: “O que você fez nas últimas férias?”. Depois de

211
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

responder, escolha um colega e faça uma pergunta a ele sobre


o mesmo assunto.
Outras opções: Essa brincadeira pode ser utilizada
como atividade de pré-leitura, pós-leitura ou audiovisual
para introduzir a temática, pode ser aplicada em uma aula
de conversação como disparador para o tema, para revisar
conteúdos ou para descontrair no momento que o professor
achar conveniente.
Observação: Também pode ser utilizada na versão digital.

7 – Teatro da Colocação Pronominal

Gramática
Nível: B2 em diante
Faixa etária: Adolescentes e adultos
Material: Cartazes de cartolina, papelão etc.
Regras: A brincadeira é composta de um conjunto de
cartazes onde cada um deve conter pelo menos um verbo, um
pronome oblíquo, uma palavra atrativa (advérbio, pronome
relativo, conjunção, pronome demonstrativo etc.) e palavras-
chave com a temática correspondente à proposta. A classe será
dividida em grupos e cada um receberá um conjunto, sendo
estipulado um tempo para que preparem uma cena (Imagem
6). Para isso, devem criar uma situação que inclua todos os
componentes dos cartazes, menos as palavras atrativas que ora
devem aparecer ora não, gerando, assim, um movimento na
ordem das frases. Os alunos terão cinco minutos para fazer sua
atuação, segurando os cartazes na hora oportuna.
Objetivo: A função didática da brincadeira é fazer com que
os alunos aprendam e reforcem os conteúdos vistos sobre esta
temática de uma maneira desafiadora, usando criatividade,
interagindo, desenvolvendo a expressão oral ao mesmo tempo
em que proporciona diversão.
Outras opções: Essa atividade pode ser aplicada para revisar
outras temáticas e/ou vocabulário propondo outras situações.

212
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

Observação: Também pode ser utilizada na versão digital,


arrastando as fichas enquanto representam a cena virtualmente.

Imagem 6 – Exemplo de uma parte da cena realizada por um


grupo de alunos para ilustração do item 7

Fonte: Autores.

REFERÊNCIAS

SACHSER, N. Neugier, Spiel und Lernen: Verhaltensbiologische Anmerkungen


zur Kindheit. In: HERMANN, U. (hrsg.). Neurodidaktik. Grundlagen und
Vorschläge für gehirngerechtes Lehren und Lernen. Weinheim und Basel:
Beltz, 2009. p. 35-47.
HUIZINGA, J. Homo Ludens. Madrid: Alianza Editorial, 2007.
NEGRA, C. A. S. Teoria dos jogos aplicados à educação à distância. Revista
Extraclasse, [s.l.], v. 1, n. 1, fev. 2008.

213
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

BRINCADEIRAS DA TELEVISÃO BRASILEIRA


COMO FONTE PARA ATIVIDADES LÚDICAS NO
ENSINO DE PLNM

Silvia Ines Coneglian Carrilho de Vasconcelos1


Daniele Pechi2

ogos e brincadeiras estão se tornando uma práti-


ca pedagógica mais frequentes em sala de aula nos
diversos níveis de ensino, especialmente devido às
condições a que estamos submetidos nesse tempo de distan-
ciamento social ou físico imposto pela pandemia do corona-
vírus. A rota alternativa para a não interrupção dos processos
de ensino-aprendizagem, em geral, e de línguas, em especial,
foi o ensino remoto tanto na modalidade síncrona quanto na
assíncrona, embora muitas práticas de ensino, em geral, e de
línguas, em particular, já estivessem se utilizando de metodolo-
gias específicas baseadas no mundo digital. Esse novo cenário
acelerou a busca por atividades que pudessem substituir as au-
las presenciais e, ao mesmo tempo, que estimulassem os alu-
nos a participarem mais ativamente das videoaulas. Uma das
opções foi acionar o aspecto lúdico das atividades pedagógicas,
e a busca por uma adequada fundamentação teórica cresceu,
assim como por práticas de ensino que dessem conta de propi-
ciar o aprendizado de conteúdos específicos com o devido en-
volvimento dos alunos.
Tendo em vista esse cenário, a proposta de criar jogos e
brincadeiras a partir de experiências anteriores ganhou vulto.
Neste capítulo apresentamos possibilidades lúdicas para o
ensino de Língua Portuguesa tanto como língua materna
quanto como língua não materna (adicional, estrangeira, de
1
Professora e pesquisadora do Departamento de Língua e Literatura Vernáculas da UFSC
– silviaconeglian@gmail.com.
2
Professora de alemão e de português como língua estrangeira na cidade de São Paulo.
Criadora do PAPO DE PROFES – pechidaniele@gmail.com.

214
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

herança, de acolhimento, segunda língua, entre tantas outras


denominações3) elaboradas a partir de brincadeiras realizadas
em programas de auditório das diferentes emissoras de televisão
brasileira. Antes de adentrar na descrição das atividades que
foram fonte de criação das propostas aqui apresentadas, é
preciso esclarecer que nem todas as brincadeiras da televisão
brasileira podem ser adaptadas ao ensino de línguas, porque
muitas delas são bastante agressivas ou desrespeitosas em
relação aos sujeitos envolvidos. Nesse sentido, selecionamos
algumas que julgamos mais adequadas, bem como filtramos
certas atitudes presentes nos programas que foram a origem
das atividades aqui indicadas.
O objetivo do presente capítulo é, pois, descrever atividades
lúdicas como forma de proposta para que professores do ensino
de Língua Portuguesa tanto materna quanto não materna
possam ter como base para suas aulas.

BASE TEÓRICA

O jogo, a brincadeira, a ludicidade, o cômico, o humor e


o riso estão de alguma forma entrelaçados e incluem, além
de outras características, excitação, prazer, aprendizado e
socialização. Em muitas línguas há somente um termo para
designar o que, em Língua Portuguesa (e mesmo em várias
3
Uma descrição da variada nomenclatura atualmente em vigor foi disponibilizada por
Luis Gonçalves (facebook.com/luis.gonçalves, em 23 de agosto de 2017) e resumidamente
publicada por Vasconcelos (2020), à p. 179 do capítulo “O dispositivo humorístico no
ensino de português como língua estrangeira” da obra Práticas pedagógicas e material
didático no ensino de português como língua não materna. São Carlos: Pedro & João
Editores, 2020, organizada por Vasconcelos: PLN – português Língua Nativa, PLM –
Português Língua Materna, PLH – Português Língua de Herança, POLH – Português
Língua de Herança, PSL ou P2L – Português como Segunda Língua, PL2 – Português
Língua Segunda, PL2E – Português como Segunda Língua para Estrangeiros, PSLS –
Português como Segunda Língua para Surdos, PBSL – Português Brasileiro como Segunda
Língua, PTL – Português como Terceira Língua, PLNM – Português Língua Não Materna,
PFOL – Português para Falantes de Outras Línguas, PLA – Português Língua Adicional,
PBLA – Português Brasileiro como Língua Adicional, PPP – Português Para as Profissões,
PLAc – Português Língua de Acolhimento, PLV 1, 2 e 3 – Português Língua Viva, PFE –
Português para Fins Específicos, PI – Português Instrumental, PBE – Português Brasileiro
para Estrangeiros.

215
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

línguas, especialmente as românicas), se denomina jogo e


brincadeira. Nesse sentido, vários autores buscaram definir o
que é um e o que é o outro como Kishimoto (2011) e Volpato
(2017), diferenciações explicitadas em alguma medida em
vários capítulos desta obra coletiva, indicando que o traço
mais específico do jogo é a competitividade; e da brincadeira,
a ausência da competição. Todavia, essa diferenciação não é
compartilhada por muitos dos autores que tratam desses dois
conceitos. Uma contribuição importante a respeito da temática
jogos ou brincadeiras é a obra do holandês Johan Huizinga
(2007), Homo Ludens: o jogo como elemento da cultura.4
Em se considerando a dicotomia homem x animal ou
homem-cultura x homem-natureza, Huizinga (2007) compara
alguns animais com os homens em atividades lúdicas: “[o]s
animais brincam tal como os homens. Bastará que observemos
os cachorrinhos para constatar que, em alegres evoluções,
encontram-se presentes todos os elementos essenciais do jogo
humano” (HUIZINGA, 2007, p. 3), pois respeitam certas regras
como morder sem violência, correr atrás sem ser perseguição
e parar perante a demonstração de ferocidade do seu parceiro
de brincadeira, como se entendesse que a brincadeira acabou.
Os benefícios do jogo ou da brincadeira para a saúde física
ou mental têm sido o foco de muitas pesquisas como também
a aplicabilidade em processos educativos formais ou não
formais, ou seja, no espaço escolar institucionalizado ou em
espaços comunitários em que processos educativos ocorram.
Essa vertente tem muitas contribuições de autores como o
já citado Johan Huizinga (2007), em que analisa a cultura e o
imaginário humano, aproximando o jogo da representação
teatral, e que antecede à cultura. Em suas palavras, “[o] jogo
é fato mais antigo que a cultura, pois esta, mesmo em suas
definições mais rigorosas, pressupõe sempre a sociedade
humana; mas, os animais não esperaram que os homens os
iniciassem na atividade lúdica” (HUIZINGA, 2007, p. 3). E o
4
Publicado pela Gallimard, Paris, em 1938, com o título “Homo Ludens: Essai sur la
fonction sociale du jeu”.

216
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

termo ludus, de acordo com esse pesquisador, “abrange os


jogos infantis, a recreação, as competições, as representações
litúrgicas e teatrais e os jogos de azar” (HUIZINGA, 2007, p. 41).
Já Grando (2004, p. 8) explicita que o exercício de “atividades
lúdicas representa uma necessidade para as pessoas em
qualquer momento de suas vidas” e que tais atividades se
caracterizam pelo exercício do prazer. Isso pode significar que,
em sala de aula, o prazer pode acionar a motivação que, por sua
vez, pode promover a aprendizagem. E o aumento da motivação
auxilia a construção da autoconfiança.
Nesse sentido, as atividades lúdicas em atividades
pedagógicas promovem a regulagem do filtro afetivo, conceito
proposto por Krashen (1982), como um elemento importante
na aprendizagem ou aquisição de uma língua estrangeira.
Para esse autor, quando o filtro afetivo está mais baixo, a
aprendizagem fica mais fluida e, portanto, ocorre de modo mais
efetivo, pois o aluno está mais aberto a participar das atividades
sem o crivo da censura exterior. Martins, Vaz e Santos (2020)
são bem enfáticas ao explicitar que “o lúdico, quando bem
direcionado e tendo claros seus objetivos ao aprendiz, ajuda a
diminuir a ansiedade no ambiente da sala de aula, atuando na
regulação do filtro afetivo e, consequentemente, amenizando as
possíveis frustrações às quais está sujeito o aprendiz de língua
estrangeira.” (MARTINS; VAZ; SANTOS, 2020, p. 1).
Martins, Vaz e Santos (2020), retomando Grando (2000),
apresentam um quadro com as vantagens e as desvantagens do
uso do lúdico em sala de aula.

217
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

Quadro 01 – Vantagens e desvantagens do ensino com o uso do


lúdico
Vantagens Desvantagens
• fixação de conceitos já aprendidos de • quando os jogos são mal utilizados, existe o
uma forma motivadora para o aluno; perigo de dar ao jogo um caráter puramente
• introdução e desenvolvimento de aleatório, tornando-se um “apêndice” em sala
conceitos de difícil compreensão; de aula. Os alunos jogam e se sentem motivados
• desenvolvimento de estratégias de apenas pelo jogo, sem saber por que jogam;
resolução de problemas (desafio dos • o tempo gasto com as atividades de jogo em
jogos); sala de aula é maior e, se o professor não estiver
• aprender a tomar decisões e saber preparado, pode existir um sacrifício de outros
avaliá-las; conteúdos pela falta de tempo;
• significação para conceitos aparente- • as falsas concepções de que devem ensinar
mente incompreensíveis; todos os conceitos através dos jogos. Então, as
• propicia o relacionamento de dife- aulas, em geral, transformam-se em verdadeiros
rentes disciplinas (interdisciplinari- cassinos, também sem sentido algum para o
-dade); aluno;
• o jogo requer a participação ativa do • a perda de “ludicidade” do jogo pela interfe-
aluno na construção do seu próprio rência constante do professor, destruindo a es-
conhecimento; sência do jogo;
• o jogo favorece a socialização entre • a coerção do professor, exigindo que o aluno
alunos e a conscientização do trabalho jogue, mesmo que ele não queira, destruindo a
em equipe; voluntariedade pertencente à natureza do jogo;
• a utilização dos jogos é um fator de • a dificuldade de acesso e disponibilidade de
motivação para os alunos; materiais e recursos sobre o uso de jogos no
• dentre outras coisas, o jogo favorece ensino, que possam vir a subsidiar o trabalho
o desenvolvimento da criatividade, de docente.
senso crítico, da participação, da com-
petição “sadia”, da observação, das vá-
rias formas de uso da linguagem e do
resgate do prazer em aprender;
• as atividades com jogos podem ser
utilizadas para reforçar ou recuperar
habilidades de que os alunos
necessitem. Útil no trabalho com
alunos de diferentes níveis;
• as atividades com jogos permitem
ao professor identificar, diagnosticar
alguns erros de aprendizagem, as
atitudes e as dificuldades dos alunos;
Fonte: Grando (2000) apud Martins, Vaz e Santos (2010, p. 2).

De acordo com o levantamento de Grando (2000), as


vantagens superam as desvantagens. No entanto, isso ainda não
está incorporado como prática pedagógica comum nas escolas
de modo geral, exceto no nível infantil, em que o jogo é tomado
como proposta educativa, em contraposição com a imagem do

218
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

jogo em aulas de disciplinas de anos posteriores tido, muitas


vezes, como atitude pouco séria do professor.
Dadas as muitas contribuições de pesquisadores e educa-
dores a respeito do desenvolvimento de atividades lúdicas em
sala de aula e a indicação dos aspectos positivos que o uso mo-
derado e adequado de jogos e brincadeiras pode trazer para o
aprendizado de línguas, elaboramos algumas propostas para
serem desenvolvidas em aulas de Língua Portuguesa especial-
mente como não materna, mas que podem ser adequadas às de
língua materna, inspiradas em brincadeiras da televisão brasi-
leira com as devidas adaptações, conforme já anunciado ante-
riormente.

PROPOSTAS LÚDICAS BASEADAS EM BRINCADEIRAS DA TE-


LEVISÃO BRASILEIRA

1) Jogo do Banquinho

Programa de TV de origem: Programa Raul Gil

Link da brincadeira no YouTube:


ht tps://w w w.youtube.com/watch?v=9Ayk AX3wN_0
(PROGRAMA..., 2016)

Instruções originais
Os jogadores são organizados em equipes ou jogam
individualmente. O jogo consiste em uma competição de
adedonha organizada (semelhante ao jogo Stop) em rodadas
eliminatórias, nas quais os participantes respondem a
perguntas como “o que tem na farmácia com a letra r?” e “o que
tem na praia com a letra b?”.
Cada participante ou grupo tem 30 segundos para dar a
resposta. Quem não responde em 30 segundos, é eliminado da
brincadeira. Ganha o jogador ou a equipe que ficar por último.

219
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

Adaptação para aulas de PLNM


Pode ser feito com um grupo de vocabulário ou com classes
de palavras.
Assim:
O que tem no restaurante com a letra “C”, com a letra “B”,
com a letra “S”.
O que tem na escola com a letra “L”, com a letra “C”, com a
letra “G”.
O que tem no automóvel com a letra “D”, com a letra “V”,
com a letra “P”.
O que tem na academia de ginástica como a letra “P”, com
a letra “B”, com a letra “T”.
O que tem na loja de brinquedos com a letra “J”, com a letra
“B”, com a letra “Q”.

Objetivo da brincadeira: desenvolver ou testar o


conhecimento lexical dos alunos.

Conteúdo trabalhado: léxico/vocabulário

Número de participantes: a turma toda

Tempo estimado: 30 a 40 minutos

2) Jogo do Troca-Troca

Programa de TV de origem: É Tudo Improviso.

Link da brincadeira no YouTube:


https://www.youtube.com/watch?v=5gfT_4Jmb14(É...,2010)

Instruções originais
Nesse jogo, os jogadores criam uma cena e, quando o
apresentador disser a palavra “troca”, eles têm de mudar sua

220
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

última fala ou sua última ação na cena.


Adaptação para aulas de PLNM
O professor sorteia um cartão com uma cena na qual
acontece um diálogo e toda vez que o professor disser a palavra
“troca”, os alunos têm de mudar a última palavra da frase.
Para as aulas de idiomas, esse é um jogo de fala que prioriza a
fluência e o trabalho com o vocabulário. Por isso, o professor
deve estabelecer um tempo máximo de poucos segundos para
o aluno que estiver falando trocar a palavra final da frase.

Objetivo da brincadeira: manter a comunicação de forma


fluente e selecionar palavras que façam sentido para a situação
proposta.

Número de participantes: dois, em formato de rodízio.

Conteúdos trabalhados: léxico, fala e semântica.

Tempo estimado: 30 a 40 minutos


Não é necessário ter ganhadores nesse jogo. O mais
importante é o movimento de participação dos alunos e o
esforço em formular frase com sentido diferente do que acabou
de ser dito.

3) Soletrando

Programa de TV de origem: Caldeirão do Huck

Link da brincadeira no YouTube


h t t p s : // w w w.you t u b e.c o m / wa t ch ? v = E cX n 7 9 iT Lvo
(CALDEIRÃO..., 2010)

Instruções originais
Os jogadores devem soletrar corretamente as palavras
sorteadas pelo apresentador do campeonato de soletração.

221
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

Adaptação para aulas de PLM e PLNM


Esse jogo é muito antigo e foi aproveitado por apresentadores
de programas de variedades da televisão brasileira.
Os alunos devem soletrar corretamente as palavras que já
tenham sido trabalhadas com os alunos em aula e que serão
sorteadas pelo professor. O professor pode trabalhar com letras
que possuem vários sons e que podem confundir os alunos na
hora da escrita ou fonemas que são representados pela mesma
letra na língua materna do aluno estrangeiro e que, por isso,
geram dificuldades na hora de o aluno decidir com qual letra
vai representar determinado som.
Para facilitar a atividade, o professor pode entregar letras
móveis e pedir aos alunos que organizem as palavras que ele
ditar em cima de uma mesa. Para aulas online, o mesmo pode
ser reproduzido em um quadro digital como o Google Jamboard.

Objetivos da brincadeira
Oportunizar a verbalização do “nome” das letras das
palavras escolhidas pelo professor; praticar o uso do alfabeto
e da ortografia.
Ajudar o aluno a refletir sobre a ortografia das palavras que
ele conhece no Português e associar de modo cada vez mais
rápido e claro as correspondências entre letras e sons.
Contribuir para o domínio das regras ortográficas.

Conteúdos trabalhados: ortografia e correspondência


grafofonêmica.

Número de participantes: a turma toda.

Tempo estimado: 30 a 40 minutos

Como jogar
Dividir a turma em grupos pequenos. O professor diz uma

222
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

palavra para uma das equipes, que determina um integrante


para soletrá-la. O representante da equipe tenta, então, soletrar
a palavra em um tempo previamente estipulado. Se o tempo
acabar ou o participante cometer um erro, o próximo grupo
tem o direito de responder. Cada vez que um aluno acertar,
sua equipe ganha um ponto. O jogo termina quando todos os
integrantes das equipes participarem e a equipe vencedora é
aquela que fizer mais pontos.

Dicas: As palavras usadas pelo professor devem ser prefe-


rencialmente relacionadas ao tema que estiver sendo trabalha-
do em sala de aula. Essa atividade pode ter uma continuação,
um pouco mais complexa: fazer frases com as palavras sole-
tradas. Verifica-se, assim, se os significados das palavras foram
compreendidos.

Um exemplo para aulas de PLE:


Soletrar as palavras recentemente aprendidas ou as palavras
indicadas abaixo. Esses vocábulos foram selecionados em razão
de distanciamento da articulação de sons da Língua Portuguesa
em relação a línguas como Espanhol, Inglês, Francês ou, ainda,
outras línguas. Em outros termos, podem ser selecionadas
palavras cujos sons apresentem alguma dificuldade de
articulação por parte de aprendentes de Português como língua
adicional.

Verdade – Leite – Brinquedo – Zebra – Chá – Avô – Avó


– Ninho – Telha – Irmão – Irmã – Mãe – Papai – Cunhado –
Impressora – Impressão – Vassoura – Cabelo – Olhos – Lágrima
– Jogo – Meu – Caro – Carro – Mingau – Bota – Painel – Vazio.

4) Jogo dos versos

Programa de TV de origem: Qual é a Música (SBT)

223
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

Link da brincadeira no YouTube


https://www.youtube.com/watch?v=XDjndLJKNHw
(QUAL..., 2008)

Instruções originais
Os cantores que faziam parte da equipe do programa
“Qual é a música” (Vera Lúcia, Ary Sanches e Djalma Lúcio)
interpretavam canções. Quando os intérpretes paravam de
cantar, os participantes tinham que completar o verso seguinte.

Adaptação para aulas de PLNM


O professor pode escolher um grupo de canções,
disponibilizar as letras e reproduzir uma a uma, utilizando
a mesma proposta do quadro do “Qual é a música”, ou seja,
pausando a canção em Português e pedindo aos alunos que
cantem o próximo verso.
Outra possibilidade de uso: No caso das aulas de línguas
estrangeiras, não é esperado que o aluno conheça as músicas
apresentadas pelo professor, por isso, o que o estudante fará é
uma antecipação do que pode vir em termos de sentido. Pode
confirmar depois, ouvindo o restante da música, e verificar
se o aluno deu uma sugestão próxima ou distante da versão
original da letra. Para isso, ele terá que usar intensivamente sua
habilidade de compreensão auditiva e articular sua resposta ao
sentido que a música tem.
Para tornar essa atividade ainda mais desafiadora, o pro-
fessor pode escolher músicas com trechos que rimem e pedir
aos alunos que antecipem o verso rimado. Neste exercício eles
trabalharão a semântica e a fonética ao mesmo tempo.

Objetivo da brincadeira: Oportunizar a compreensão


auditiva do aluno e incentivá-lo a selecionar as palavras que
façam sentido para a situação proposta. Para o desafio, avaliar
o conhecimento que o aluno tem sobre os sons da língua que

224
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

aprende.
Número de participantes: a turma toda, que pode estar
organizada em grupos.

Conteúdos trabalhados: compreensão auditiva, semântica


e fonética.

Tempo estimado: 30 a 40 minutos

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As propostas de atividades lúdicas apresentadas devem ser


tomadas como sugestões a serem desenvolvidas durante as aulas
de Língua Portuguesa, porque é preciso considerar questões
culturais determinadoras dos grupos com os quais vamos
trabalhar. O jogo ou a brincadeira nem sempre é encarada de
forma tranquila no espaço escolar ou mesmo fora dele. As
atividades lúdicas podem ser interpretadas como agressivas ou
desrespeitosas por membros de uma comunidade, e uma forma
de incentivo ao estudo ou à participação efetiva em relação às
práticas propostas é ter adesão do público envolvido, por isso,
devemos ponderar sobre os possíveis impactos da atividade
junto aos alunos. Considerar, primeiramente, os traços
culturais é um gesto de sabedoria. Então, antes de introduzir
alguma proposta lúdica, é aconselhável ter um quadro geral do
que é plausível ou palatável para aquele grupo5.
Outro ponto importante refere-se à explicitação das regras
do jogo de forma clara e compreensível por todos. O jogo ou a
brincadeira – por ter regras – auxilia no processo de formação
do aluno no campo da disciplina interior. Respeitar regras
coletivas é uma forma de exercício do convívio social saudável.
As regras descritas anteriormente na explicação de cada
brincadeira ou jogo podem ser negociadas, reformuladas ou

5
Um exemplo acerca de questões da cultura local a ser levada em conta em aulas de PLE
encontra-se descrita em Vasconcelos (2016, p. 144).

225
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

não de acordo com os pactos que o professor pode fazer com


o grupo de alunos. Uma vez pactuada a regra, essa deve ser
seguida por todos.
Mais um ponto a ser colocado em pauta refere-se à
explicitação dos objetivos de cada jogo ou brincadeira. Explicitar
o que se deseja alcançar com determinada atividade lúdica é
uma forma de revelar seu possível alcance e sua relação com os
conteúdos da disciplina, não ficando, portanto, a proposta do
jogo pelo jogo ou como somente um passatempo sem propósito
durante a aula.
Em suma, nas práticas pedagógicas desenvolvidas em situ-
ações de ensino de línguas – e aqui situadas, exclusivamente,
na Língua Portuguesa – estão as possibilidades de um trabalho
pedagógico com a língua em uso, cuja eficácia já tem sido com-
provada muito mais do que um ensino pautado em descrição
de fatos gramaticais. O aspecto lúdico, por meio de jogos e brin-
cadeiras, como aqui explicitados, confere maior possibilidade
de adesão à participação dos alunos e, consequentemente, o
evidente envolvimento efetivo na aprendizagem da língua em
foco.

REFERÊNCIAS

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watch?v=EcXn79iTLvo. Acesso em: 24 fev. 2021.
É tudo improviso – jogo do troca-troca. [S. l.:s. n.], 2010. 1 vídeo (3 min).
Publicado pelo canal CANALINNOVE. Disponível em: https://www.youtube.
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2000. 224f. Tese (Doutorado) - UNICAMP, Campinas-SP, 2000.
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Paulus, 2004.
HUIZINGA, J. Homo Ludens: jogo como elemento da cultura. São Paulo:

226
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

Perspectiva, 2007.
KISHIMOTO, T. M. Jogo, brinquedo, brincadeira e a educação. 14. ed. São
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KRASHEN, S. Principles and practice in second language acquisition. Oxford:
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VASCONCELOS, S. I. C. C. de. O dispositivo humorístico no ensino de português
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VASCONCELOS, S. I. C. C. de. Ensino de língua portuguesa no Timor-Leste:
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Estudos em português língua estrangeira: homenagem à Profa. Dra.
Regina Célia Pagliuchi da Silveira. Jundiaí: Paco Editorial, 2016. p. 131-145.
VOLPATO, G. Jogo, brincadeira e brinquedo: usos e significados no contexto
escolar e familiar. 2. ed. Criciúma-SC: UNESC/São Paulo: Annablume, 2017.

227
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

LUDICIDADE EM AULAS DE PLNM NO SUL DA ESPANHA

Giselle Menezes Mendes Cintado1

salutar que discentes e docentes estejam inseridos


em atmosferas de estudo com atividades que
resultem em interações de modo crítico e eficaz
que não sejam ambientes só para dar aulas. Freitas (2004, p.
117) aborda este pensamento a seguir:

Educar implica ensinar, ao passo que ensinar não implica,


necessariamente, educar. Conscientizar-se e fazer sentido
disso, creio, contribui para que o professor de LE […] cons-
trua-se ou resgate-se como educador. Isso o afastaria do ris-
co de ser visto como um mero ‘ensinador’ ou ‘auleiro’ como
ainda se costuma ouvir com frequência preocupante em
meio à categoria.

A exposição de uma boa aula fará do docente um encantador


de serpentes, fazendo com que aprendentes desinteressados
juntem-se a outros e estes possam frutificar discussões
acerca dos diferentes modos de interagir com a língua alvo.
Comparamos esse encantamento a uma plateia de teatro ao
final de um grande espetáculo. É sempre prazeroso receber
aplausos ao final de uma boa apresentação. A arte também está
na linguagem, pois estudar uma língua estrangeira, igualmente,
pode ser considerado um dispositivo de representação, onde o
palco é o ambiente de estudo (presencial ou de forma remota) e
o professor-facilitador orienta as cenas tendo seus alunos como
principais atores, às vezes tropeçando, caindo do tablado, mas
com chances reais de todos saírem ovacionados no final da
apresentação.
Tais práticas devem seguir um dos princípios fundamentais

1
Professora de PLNM (Português Língua não Materna) na UPO – Universidad Pablo de
Olavide, Sevilha, Espanha: gmenmen@acu.upo.es.

228
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

para um ensino/aprendizagem eficaz que é a centragem no


aprendente, isto é, “será a análise das necessidades e dos
objectivos do público aprendente, que dependem de diferentes
factores (cognitivos, afectivos, psicológicos e biológicos), que
dará origem à sua identificação e, por consequência, à definição
da metodologia a adoptar.” (TAVARES, 2008, p. 34)
Para falarmos de ludicidade nos exemplos de atividades
aqui abordadas, teremos de visualizar a interação com a
língua alvo (Língua Portuguesa, doravante LP) através da arte
associada a formas alternativas de aprendizagem e à reflexão
crítica em sala de aula. Sobre este aspecto, citamos Telles (2004,
p. 70):

[…] optamos por considerar a reflexão quando esta é


realizada em grupo e não individualmente, o que lhe dá
uma característica de reflexão crítica compartilhada. Assim
[…], reflexão crítica compartilhada envolve interações entre
pessoas empenhadas em identificar, questionar a veracidade
[…] e as estruturas de pressuposições que determinam suas
maneiras de perceberem, pensarem, decidirem, sentirem
e agirem sobre suas experiências; maneiras estas que são
assimiladas culturalmente, ao invés de aprendidas de forma
intencional.

As situações de aprendizagem são diversas, mas devem


ser sempre as mais relevantes para o aprendente, já que lidam
com as emoções e a expressão do pensamento. Tal expressão
é sempre perceptível pela interconexão entre a linguagem e o
mundo, posto que descrevemos a realidade que nos cerca e,
assim, consideramos a comunicação linguística como parte
dos discursos vinculados às argumentações, consensualidades
e ao uso de determinadas regras gramaticais, em concreto em
aulas de segundas línguas. Diversas atividades podem estar
relacionadas a estados emocionais, estados estes que, desde a
frustração e o medo e a alegria ou a felicidade, podem diferir

229
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

em tantos modos relativos às diferentes circunstâncias que os


une ou separa. O docente deve pôr em prática técnicas que não
sejam contrárias à formação de um bom utilizador da língua
ao não saber ouvir e compreender o discente, suas opiniões e
inquietações.
Desta forma, busca-se valorizar o exercício do pensamento
reflexivo. A prática reflexiva contribui para as fases necessárias
para o desenvolvimento de cada competência. Assim, de modo
progressivo, o indivíduo/aluno terá este processo metacognitivo
atado, significativamente, à situações de aprendizagem
relevantes, sejam estas práticas de funcionamento da
língua, produções textuais etc. Essas mesmas situações de
aprendizagem não deveriam ter um foco exclusivo nos erros,
em citação de Peterson e Seligman (2004, p. 58), “an exclusive
focus on what is wrong with people can lead us to overlook
what is right and precludes the possibility that one of the best
ways to undo someone’s weakness is by encouraging his or her
strengths”.
Desta maneira, como na aprendizagem em geral, a práxis de
aprendermos uma língua é ativa e não passiva. As habilidades
no decorrer deste ensino deverão ser construídas dentro de um
ambiente no qual o aprendente interaja com todos os espaços
comunicativos onde os fenômenos linguísticos (desde o ponto
de vista estritamente comunicativo como também os aspectos
culturais) não se entendem sem a partilha das chamadas
situações de comunicação. Sobre esta proposição, citamos Sá
(2018, p. 12):

Se atentarmos nas situações de comunicação em que temos


de recorrer a uma oralidade mais formal, justifica-se lem-
brar que também neste contexto há que pensar nas opera-
ções que, normalmente, associamos à expressão/produção
escrita: - A planificação, que implica a reflexão sobre o tema
a abordar, a seleção de informação relevante a incluir no
discurso oral, a organização dessa informação (incluindo a

230
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

sua hierarquização), a escolha de um tipo/género textual; - A


textualização, ligada à materialização do discurso; - A revi-
são, que promove a reformulação/melhoria do discurso pla-
neado.

Por outro lado, é importante sublinhar no processo de


ensino de segundas línguas as variáveis decisivas que resultam
em boas atividades para o aprendente, sejam estas orais ou
escritas. Segundo Mayor (1994, p. 43):

Las locuciones, textos o discursos construidos con el


sistema lingüístico L2 constituyen obviamente una variable
decisiva, tanto en su modalidad escrita o hablada, como en
el papel de input o de output que desempeñan respecto de
la actividad del aprendiz. Las locuciones, textos o discursos
producidos por el profesor y/o hablante de L2 constituyen el
input que recibe el aprendiz, a partir del cual va poco a poco
adquiriendo el uso de esa L2 y por tanto produciendo, como
output , locuciones, textos o discursos de esa lengua, que es
el objetivo final de adquisición.

Do mesmo modo, concordamos com Baker (2010, p. 334)


quando afirma que aulas em ambientes multiculturais adotem,
naturalmente, uma abordagem variada e eclética, ou seja,
onde há aulas com discentes multilíngues, há potencialmente
um ambiente de aprendizagem, motivação e autoestima. Não
obstante, o saber de uma língua não está somente relacionado
com aspectos motivacionais. Tampouco, unicamente, com o
uso automatizado desta. Em palavras de Vicens (2011, on-line):

El conocimiento de una lengua implica un saber ligado al


uso (automatizado e invisible al mismo hablante) y otro liga-
do al sistema gramatical (opaco y objeto de atención). La in-
terrelación entre estos dos conocimientos abre interrogan-
tes diversos. Estudios llevados a cabo en los últimos años de-

231
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

fienden que no tendría sentido una propuesta de enseñanza


basada únicamente en el uso, y que tampoco tendría sentido
promover únicamente actividades al estudio del sistema.

Criar uma atmosfera agradável em sala de aula vai além


de sugestões que estejam assentadas somente a um grupo
de normas gramaticais e/ ou estratégias motivacionais. Em
palavras de Dörnyei (2001), este ambiente busca docentes
comprometidos com estratégias que criem uma norma de
tolerância, aceitem os erros como parte natural do aprendizado
e crie riscos (risk-taking).
As aulas com jogos e atividades gramaticais também devem
valer sempre a pena se forem ensinadas em uma conjuntura,
isto é, ensinar desde o contexto até a regra gramatical (e não
o contrário!), mantendo vivos o interesse e a motivação no
processo de aprendizagem. Isso significa, provavelmente, que
o professor criou uma necessidade de linguagem com contexto.
Ao fazê-lo, os estudantes podem ter um trabalho gramatical
eficaz, bem como recordar as suas explicações/pontos de
ensino porque passarão a ser aprendentes ativos, assumindo
os seus objetivos e resultados, evitando cenários rotineiros
empobrecidos e sem motivação. Aliás, a rotina de aulas que não
trazem nenhuma expectativa/ fator surpresa ao aprendente
será sempre uma aula, segundo Almeida Filho (2005, p. 81),
“só para passar ações a um interlocutor, [sem] construir no
discurso (a partir de contextos sociais concretos e experiências
prévias) ações sociais (e culturais) apropriadas.”
Vejamos, a seguir, o material lúdico deste ensaio.

MATERIAL LÚDICO DE PESQUISA

1. Jogo do A, V, N.

Número de participantes: a partir de 3 pessoas

232
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

Tempo estimado: 30 a 40 minutos


Sabemos que o contexto sintetiza a forma, o uso e o
significado. Imaginemos uma aula sobre adjetivos, verbos
(regulares e irregulares do Modo Indicativo) e substantivos para
o nível A2 do QECRL – O Quadro Europeu Comum de Referência
para as Línguas2 (o A2 equivale ao segundo nível do básico no
Brasil em um curso de línguas, por exemplo) e comecemos
por selecionar vários adjetivos, verbos e substantivos a partir
de uma caixa colorida que fornece a cada aluno ou grupo um
cartão. Os cartões serão exibidos com letras coloridas – A
significa adjetivos (em azul), V significa verbos (em vermelho)
e N significa substantivos (em verde). Os alunos têm de estar
localizados no grupo a que pertencem – A, V ou N. Também
pode ser interessante (e divertido) porque cada aluno terá a
oportunidade de mostrar o seu cartão diante de toda a turma
e dar um exemplo relacionado com esse cartão (por exemplo,
parte de uma canção ou poema com uma palavra de duplo/
triplo significado: água (substantivo) x água (verbo) x água
(adjetivo)).
Certamente, a sua aula sobre A, V e N será agradável porque
trará aos alunos a gramática em contexto, e não simplesmente
ensinando-lhes A, V e N apenas com a regra.
A criação de material autêntico faz-nos refletir sobre
a ideia de competência comunicativa e o aperfeiçoamento
de uma língua estrangeira sempre que tivermos o discurso
da linguagem gerando processos de ensino/ aprendizagem.
No caso das atividades apresentadas neste capítulo, um dos
exercícios mais divertidos pode ser o jogo chamado “Como é
feito?”.

2
QECR – O Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas, assim denominado no
Português europeu (PE) e MCER – Marco Comum Europeu de Referência para as Línguas,
designado deste modo no Português brasileiro (PB), divide o conhecimento dos alunos em
três categorias, cada uma com duas subdivisões: I. Falante básico – PB/ Utilizador Básico
– PE (A1 Iniciante PB, Inicial PE; A2 Básico), II. Falante independente – PB/ Utilizador
independente – PE (B1 Intermediário PB, Intermédio PE; B2 Usuário independente) e III.
Falante proficiente – PB/ Utilizador competente – PE (C1 Proficiência operativa eficaz PB,
Fluente eficaz PE; C2 Domínio pleno PB, Fluente estruturado PE).

233
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

2. Jogo COMO É FEITO?

Número de participantes: a partir de 4 pessoas

Tempo estimado: 45 a 60 minutos

Link da etapa de fabricação do chocolate (FRANGIONI,


2015):
ht tps://chocolatrasonline.com.br/como - e-feito - o -
chocolate-do-grao-a-barra/
Link da etapa de fabricação do leite (CONHEÇA..., c2017):
http://g1.globo.com/mg/vales-mg/mgintertv-2edicao/
videos/v/conheca-o-processo-de-fabricacao-do-leite/5817494/

Escolhemos o produto chocolate, e em grupos de 4 ou 5


alunos, a equipe vencedora será a que tiver concluído primeiro
o jogo de tabuleiro com os passos para que o chocolate seja feito,
em ordem cronológica. No final da aula, os grupos poderiam
compor outros processos de fabricação. Por exemplo, o processo
do leite / o processo da lã etc. As ilustrações (slides/ pôsteres),
chocolates caseiros feitos pelos próprios alunos ou uma canção
que fale sobre o chocolate acrescentariam um elemento de
criatividade ao mesmo tempo em que ajudariam a transmitir o
significado das frases da voz passiva nesta atividade.

CHOCOLATE (etapa de fabricação em ordem cronológica)


1. Colheita dos frutos maduros; 2. Quebra da cabaça do
cacau; 3. Fermentação; 4. Secagem; 5. Limpeza; 6. Torrefação;
7. Trituração; 8. Moagem; 9. Prensagem; 10. Refinação; 11.
Conchagem; 12. Temperagem; 13. Moldagem.

LEITE
1. Ordenha; 2. Refrigeração e transporte; 3. Armazenamento;
4. Amostragem; 5. Refrigeração; 6. Pasteurização; 7. Refrigeração,
novamente, antes de ser embalado; 8. Engarrafamento.

234
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

Outra sugestão: uma pesquisa em pares (ou individual-


mente) sobre outros tipos de processo de fabricação.
Outro tema que sempre gera um turbilhão lexical e imensa
prática da expressão escrita e também oral (no resultado final)
é o uso de tautogramas em aulas de Português como Língua
Estrangeira (PLE).

3. Jogo do TAUTOGRAMA “Tu, Teresa”

Número de participantes: a partir de 2 pessoas

Tempo estimado: 20 a 30 minutos (dependerá da extensão


do tautograma)

Nível A2/ B1 (Consideramos que um tautograma deva ser


escrito com grupos que já tenham estudado o nível A1, para
que o aprendente possa utilizar o maior número de palavras
estudadas e, desta forma, ter mais vocabulário para escrever o
seu próprio tautograma)
Sabe o que é um tautograma?
Vamos ler o texto “Tu, Teresa” em forma de tautograma.

“Tu, Teresa”
(Giselle Menezes Mendes e Rubén Salcedo)

Tenho tido trabalho torrencial


Tenho tido tempo tíbio
Tanto tempo tive!
Tépida travessia… Tépido tudinho

Tu, tua tempestade, tua tristeza


Teresa!
Tranquiliza-te! Tende tuas teimas
Tens tempo
Teresa!

235
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

Tua tenacidade tem trama


Tens tranquilidade, tens terra turvada
Tens tessitura, trazes tanto tormento
Teces ternura, trazes tanto talento

Tu, tua tempestade, tua tristeza


Teresa!
Tranquiliza-te! Tende tuas teimas
Tens tempo
Teresa!

Turva transparência
Tormenta temida
Tremenda turbulência
Tudo trocaria
Turva transparência
Travessa, transversalidade
Tenta! Troa! Troveja!
Troveja! Toca! Tenta!

Tu, tua tempestade, tua tristeza


Teresa!
Tranquiliza-te! Tende tuas teimas
Tens tempo
Teresa!
Teresa!
Teresa…

Inferência: depois da leitura do texto “Tu, Teresa”, como


podemos descrever a personagem Teresa? Ela parece ser
familiar/conhecida para você?
Expressão escrita: agora tente escrever o seu próprio
tautograma.

Sugestão para o professor: um tautograma pode ser escrito

236
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

com poucas linhas. O aprendente não tem de escrever um texto


com a extensão do tautograma “Tu, Teresa”. Para o nível A2, o
professor poderia usar uma caixa com várias palavras escritas
em fichas/cartões com a mesma letra, por exemplo, a letra
S: Sou, Sei, Sua, Sede, Secreta, Saudável, Saltar, Saudade, Só,
Somos, Sensíveis, Sol, Sabes, Suplicar, Sentir, Sentimento etc. Os
alunos teriam uns minutos ou mesmo o término de uma música
instrumental para formarem, com essas palavras da caixa, um
tautograma. Para o nível B1 (intermediário), depois de terem
lido uma pequena obra ou mesmo um conto, por exemplo, um
texto sobre algum país da CPLP – Comunidade dos Países de
Língua Portuguesa – ou um vídeo sobre a Região Amazônica,
escreveriam os seus próprios tautogramas relacionados a estes
temas.

4. Atividade “SORRIA”

Número de participantes: a partir de 2 pessoas

Tempo estimado: 45 minutos


Como prática relacionada com tempos no pretérito, a
atividade com o texto “Sorria” seria uma boa opção.
Nível A2 (Na maioria dos manuais de PLE, e segundo o
QECR, o tempo verbal Pretérito Imperfeito do Indicativo é
considerado nível A2).
A sugestão para o professor é escrever no quadro ou em
pequenos cartazes/ pequenas fichas:

Era divertido e já não é mais…


Estava difícil de ser preparado e não é mais…
Fazia muito barulho e não faz mais…
Jogava muito rápido e não joga mais…

Vamos ler o texto “Sorria (Era, ainda é saudade!)”, de Giselle


Menezes Mendes Cintado.

237
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

Era, ainda é saudade


Amava, ainda é assim
Dormia, já não acordo mais no meio da noite

Ela vinha, mas perdeu a ilusão


Eu chorava, e sentia seus abraços
Tinha de ser com afagos

Sorria, embora o céu não tivesse estrelas


A vida podia ficar cheia de dores
Porém, o dia que chegavas
Queria viver ao teu lado
o caminhar cativante do amor

Era bom
Tinha alma
Flutuava sem sair do lugar

Sorria, embora o céu não tivesse estrelas


A vida podia ficar cheia de dores
Porém, o dia que chegavas
Queria viver ao teu lado
o caminhar cativante do amor

Sorria… sorria… sorria… sorria… sorria…

Sorria, embora o céu não tivesse estrelas


A vida podia ficar cheia de dores
Porém, o dia que chegavas
Queria viver ao teu lado
o caminhar cativante do amor

Exercício: Conhece bem o seu melhor amigo/ a sua melhor


amiga? Cada aluno vai enviar-lhe um e-mail (pode ser também

238
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

um WhatsApp ou um postal) com 10 frases sobre a sua infância,


destacando o que acha que fazia quando era criança e agora não
o faz mais. Depois, em sala de aula, vão conferir as respostas
de cada um e verificar quem mais acertou, um do outro, as
frases com os verbos no Pretérito Imperfeito do Indicativo. Este
exercício pode ser feito em ambiente híbrido, por exemplo,
na plataforma Zoom e o docente utilizar os breakout rooms para
dividir a sala virtual em grupos, duplas ou trios. Este tipo de
atividade favorece a interação e, certamente, o envolvimento
discente com as tecnologias digitais.

Sugestão para o professor: As 10 frases também podem ser


feitas em relação a um personagem famoso que se saiba bem
a biografia e o que costumava fazer quando era mais jovem/
quando era criança/ quando vivia no estrangeiro etc. / em
relação a um parente/ em relação a um animal de estimação
etc. E vai perguntar ao colega em sala de aula se as frases
são verdadeiras ou falsas. Exemplo: 1. “A minha mãe cantava
num grupo de pop rock”; 2. “O meu irmão mais velho dançava
flamenco muito bem”; 3. “A minha vizinha era lutadora de jiu-
jitsu”; 4. “O meu pai sempre trazia muitos doces para os filhos
no inverno”; 5. “A cantora favorita da minha irmã era James
Joplin”; 6. “O nosso primeiro gato punha as suas patinhas em
cima da televisão”; 7. “As plantas da nossa primeira casa eram
carnívoras”; 8. “A minha prima mais velha viajava só de avião”;
9. “O meu tio via muitas pessoas famosas em Las Vegas”; 10. “A
minha avó vinha de bicicleta para o trabalho”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Estabelecer discussões que permitam analisar a realidade


de alunos de PLE de acordo com o contexto em que vivenciam
novas técnicas e metodologias em aulas presenciais ou híbri-
das foi o foco neste trabalho que teve a sua espinha dorsal co-
nectada à criação de atividades lúdicas para os estrangeiros (e

239
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

hispanofalantes) que estudam PLE na Universidade Pablo de


Olavide (UPO) no sul da Espanha. O resultado final do uso des-
tas novas atividades ainda terá uma segunda conclusão no final
do curso 2020-2021. Porém, já no último semestre, percebemos
que o corpo discente referido neste ensaio prosperou em suas
competências cognitivas e na aprendizagem da LP, favorecidos
por um ambiente com sujeitos ativos na construção do conhe-
cimento.
Desenvolver, no aprendente, o pensamento crítico e
reflexivo, tendo sua identidade e cultura acopladas a um entorno
harmonioso e com alternativas para incrementar atividades
cada vez mais inclusivas, pluricêntricas e interdisciplinares, em
especial em ambientes multilíngues (como é o caso do grupo de
alunos estrangeiros aqui implicados) foi de suma importância
para (re)conhecer as necessidades reais do corpo discente
mencionado, no que se refere ao processo de aprendizagem
da LP no campo da ludicidade em aulas de segundas línguas.
Por fim, buscamos favorecer um ambiente investigativo, não
somente no campo linguístico, mas também neste novo espaço
que estes aprendentes de PLE escolheram para estudar a língua
do país vizinho – a região da Andaluzia, tão próxima a Portugal
e ainda tão carente de Políticas Linguísticas que fomentem o
ensino de Português, não somente em Institutos de Idiomas,
mas em todas as escolas e universidades no ensino público
andaluz.

REFERÊNCIAS

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COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

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241
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

PREENCHENDO AS LACUNAS COM BRINCADEIRAS:


UMA CONVERSA SÉRIA SOBRE A LUDICIZAÇÃO
NAS AULAS DE PLE

Caio César Christiano1

este capítulo, demonstro o processo pelo qual um


exercício típico de ensino de língua estrangeira
pode se transformar numa série de atividades
mais divertidas e, por conseguinte, mais estimulantes para os
alunos.
Para começar, no entanto, faço uma breve explicação das
razões pelas quais prefiro falar de ludicização, em vez de uma
Abordagem Baseada em Jogos ou de gamificação.
Por fim, partindo de um exercício real de gramática, en-
contrado em um livro de ensino de Língua Portuguesa, propo-
nho quatro formas de transformar um exercício tradicional em
atividade lúdica.

BRINCAR E JOGAR

É bastante comum ler e ouvir referências à palavra saudade


como uma exclusividade da Língua Portuguesa. Entretanto,
os estudiosos das ciências da linguagem há muito sabem que
a afirmação está longe de ser verídica. A filóloga germano-
portuguesa Carolina Michaëlis de Vasconcelos (1914), num
estudo publicado em 1914, já afirmava, em grafia da época:

É inexacta a ideia que outras nações desconheçam esse


sentimento. Ilusória é a afirmação ( já quase quatro vezes
secular), que mesmo o vocábulo Saùdade - mavioso nome
que tão meigo soa nos lusitanos lábios, - não seja sabido dos
Bárbaros estrangeiros (estrangeiro e bárbaro são sinónimos),

1
Professor Adjunto do Instituto Politécnico de Macau (China).
- caio.christiano@ipm.edu.mo.

242
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

não tenha equivalente em língua alguma do globo terráqueo


e distinga unicamente a faixa atlântica, faltando mesmo na
Galiza e alêm-Minho (VASCONCELOS, 1914, p. 33).

Todavia, de um ponto de vista puramente afetivo, para um


ouvido que cresceu na lusofonia, a existência de vocábulos de
significado semelhante em outras línguas não altera em nada o
sabor único da saudade portuguesa e nem as sensações que ela
evoca.
Iniciei este capítulo falando da saudade (ou das saudades,
para quem o sentimento apenas no singular não for suficiente)
apenas como pretexto para poder evocar uma outra
característica do léxico da Língua Portuguesa cuja equivalência
em outras línguas é geralmente inexata: o par brincar/jogar.
Enquanto a frase francesa “L’enfant est en train de jouer”
encontraria um equivalente em Inglês em “the kid is playing”
ou no Mandarim “孩子在玩” (Háizi zài wán), o Português
necessitaria explicitar se o significado da frase é a criança
está brincando ou a criança está jogando. Brincar envolve o
entretenimento e a distração e, principalmente, implica em
não dar demasiada importância aos fatos ocorridos durante
a brincadeira, já que nada do que se passa durante o ato
de brincar é realmente a sério. A capacidade de, ao menos
momentaneamente, deixar de se levar a sério é um pré-
requisito essencial para a participação em uma brincadeira.
Aliás, a suspensão momentânea da (por vezes dura) realidade
poderia ser considerada como o objetivo, por assim dizer, do
ato de brincar.
Jogar, em princípio, também deveria implicar em entreter-
se. Poderíamos então pensar que a diferença essencial está no
fato de o jogo ser uma atividade que tem regras preestabelecidas
e que não podem ser quebradas, como no caso de um esporte
ou de um jogo de cartas ou tabuleiro. Entretanto, a brincadeira
também tem certas regras e é até comum que um dos envolvidos
na brincadeira reclame de algum dos participantes que não

243
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

sabe brincar.
Assim, uma diferença fundamental entre brincar e jogar
parece residir no fato de que, normalmente, o objetivo de quem
joga é ganhar. Além disso, na maioria dos casos, a vitória de um
dos participantes do jogo implica na derrota dos outros. Desta
forma, o jogo, ao contrário da brincadeira, tem necessariamente
vencedores e perdedores.
Diferentemente da brincadeira, o jogo é por vezes levado
muito a sério. Há quem faça do jogo sua profissão; quem
dedique a maioria das horas do dia a se aprimorar na prática do
jogo com o intuito de se tornar imbatível em sua modalidade.
Este tipo de jogador tem no jogo a própria definição de sua vida:
vive para jogar. De uma certa forma, a prática exagerada do jogo
pode matar nele a aptidão para a brincadeira.
Brincar, aliás, é uma aptidão inata de todos os mamíferos.
Quem já tiver observado por alguns minutos um grupo de
filhotes de gato vai certamente ter chegado à conclusão de
que eles ocupam boa parte de seu tempo com brincadeiras.
Há quem pense que estas brincadeiras têm um objetivo muito
claro: simular situações futuras e preparar para as ações que se
repetirão ao longo de suas vidas, principalmente na atividade
de caça. No entanto, os especialistas não encontram evidências
sólidas de que este seja realmente o caso (SHARPE, 2005). O que
sabem é que brincam, sem que isso necessariamente venha
a desenvolver neles algo útil. Em outras palavras, até onde
sabemos, brincamos por brincar.
Como vimos até aqui, o fato de a saudade não ser exclusiva
ao Português, não retira em nada a beleza do vocábulo e nem
o alto valor afetivo que os povos lusófonos sempre lhe deram e
continuarão a dar. Da mesma forma, a falta de certeza sobre as
razões que nos levam, a nós (e a outros animais), a brincar não
são impeditivos para que continuemos a fazê-lo.
Quanto às mencionadas diferenças semânticas entre brincar
e jogar, é altamente provável que o Português não seja a única
língua a distinguir por dois verbos estas duas atividades. Mas,

244
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

tendo em conta os objetivos deste capítulo, esta especificidade


linguística joga a nosso favor, já que o fato de compreendermos
de forma quase intuitiva esta distinção permite que passemos
imediatamente à discussão da inclusão de tanto uma quanto
outra atividade no âmbito do ensino das línguas estrangeiras.
A inclusão de jogos nas aulas de língua estrangeira está
longe de ser uma novidade. Na verdade, o uso de jogos nas
aulas de língua é tão corrente que há duas abordagens distintas
que pregam sua utilização em contextos de sala de aula. A
mais clássica é a Game-Based Learning que em Português é
geralmente traduzida por Aprendizagem Baseada em Jogos
(ABJ). Este tipo de abordagem prega que o uso da mecânica de
jogos preexistentes (tradicionais ou não) terá bons resultados
em contextos pedagógicos pois os jogos já costumam trazer
em si uma motivação intrínseca. Em outras palavras, como as
pessoas já escolhem voluntariamente passar uma boa parte de
seu tempo jogando uma partida de dominós, canastra ou jogo da
velha, os princípios da Aprendizagem Baseada em Jogos dizem
que um professor poderia utilizar estes mesmos jogos na sala de
aula, já que a competição poderia se tornar um fator motivador
para a participação dos estudantes. Obviamente que não se trata
de simplesmente interromper a aula para jogar uma partida de
jogo de damas, mas sim conceber um objetivo pedagógico que
será atingido através do jogo que, normalmente terá muitas
de suas características alteradas para se adaptar aos objetivos
pretendidos pelo professor. Nos últimos anos, os jogos mais
tradicionais têm sido substituídos pelos eletrônicos e, neste
caso, fala-se, em Português, da abordagem de Aprendizagem
Baseada em Games.
Com a massificação da indústria dos jogos digitais, que
deixaram de ser um produto exclusivamente voltado para
crianças e adolescentes e passaram a ser uma forma de
entretenimento para adultos socialmente aceita (além de uma
indústria extremamente lucrativa), começou-se também a

245
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

falar da gamificação2 das atividades de aprendizagem. Segundo


Martins e Giraffa (2015):

A gamificação é a utilização de elementos de jogos digitais


em atividades que, na sua origem, não são jogos. Ou seja,
gamificar uma atividade prática não significa criar um jogo
ou simplesmente jogar. (MARTINS; GIRAFFA, 2015, p. 42).

Ou seja, na gamificação, diferentemente da ABJ, o jogo


não é apenas um pretexto para levar os alunos a atingirem um
objetivo, ele é a essência do que se faz na sala de aula. Cada
pequena parte de uma atividade se transforma em parte de um
grande jogo. Da mesma forma que o personagem de videogames
Super Mário ganha uma moeda a cada vez que pula na pedra
correta e a perde quando pula no poço, o aluno de uma aula
gamificada será recompensado toda vez que realizar uma tarefa
de forma satisfatória e será, de alguma forma, penalizado
quando tiver incorreções.
Em nosso entender, quando se gamifica uma aula de
língua, a aprendizagem vem apenas como um efeito colateral
das atividades pedagógicas, já que o objetivo principal de quem
participa de uma aula deste tipo é receber uma retribuição
em forma de pontos ou qualquer outro benefício. Além disso,
a gamificação valoriza ao extremo a gratificação imediata,
desvalorizando os esforços de longo prazo cujos resultados
não são imediatamente visíveis. Sobre os jogos em geral,
a especialista em ensino de línguas estrangeiras Penny Ur
(2016, p. 25, tradução nossa), escreveu que nos jogos que
envolvem competição e só pode haver um vencedor, alguns
estudantes acabarão geralmente ficando decepcionados e terão
provavelmente menos gosto em jogar: especialmente os mais
jovens e os menos avançados.
Em sua Pedagogia da Autonomia, Paulo Freire (2011) escre-
veu que o ato de ensinar necessariamente exige o reconheci-
2
Pronuncia-se “gueimificação”, por ter origem no inglês “game”.

246
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

mento de que a educação é ideológica, nunca neutra. Os envol-


vidos no processo têm então o pleno direito de não se renderem
a uma abordagem que transforme tudo em competição. Esta é
a razão pela qual, na minha prática de ensino, prefiro utilizar
brincadeiras em vez de gamificar: por acreditar que a valoriza-
ção excessiva da competição, já tão exacerbada no mundo, não
precisa necessariamente se reproduzir na sala de aula.
No entanto, até onde sei, não há nenhuma abordagem
de Aprendizagem Baseada em Brincadeiras e nem uma
brincadeirização da aprendizagem. Existem vários motivos
para que seja assim. Primeiramente, os próprios sentidos
que tem a palavra brincadeira acabam por afastar muitos
professores do seu uso. Quando não está associada ao universo
infantil, muitas das definições para a palavra brincadeira que
apresenta o dicionário Houaiss (2009, p. 327) acabam por ser
pejorativas, por exemplo, falta de juízo, zombaria ou coisa de
pouca seriedade. Este último sentido é bastante frequente na
linguagem cotidiana, como o seguinte excerto do romance A
Festa no Castelo, de Moacyr Sclyar (1982), abaixo reproduzido,
ajuda a ilustrar:

Na hora do ajuste de contas não haverá tolerância para com


eles, Fernando. Não adiantará eles dizerem que não sabiam
de nada, que não estavam falando sério, que estavam só
brincando. Por isso te digo, fica fora da confusão. OK?
(SCLYAR, 1982, p. 74, grifo nosso)

Aqui, vemos materializada na fala da personagem a


associação por antonímia que normalmente se faz entre a
brincadeira e seriedade, como se a presença da primeira fosse
garantia da ausência desta última. Insisto, no entanto, que
nenhum destes sentidos está conotado na forma como utilizo
aqui o verbo brincar. A sisudez que muitas vezes acompanha o
discurso acadêmico leva muitos a pensar que a gravidade com
que se pronuncia um discurso teria a propriedade de aumentar

247
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

a seriedade de seu conteúdo. No entanto, segundo o próprio


dicionário Houaiss (2009, p. 1734), o antônimo de seriedade
não é a brincadeira, mas sim conceitos como ardil, indecência
e indiferença. A arte, através dos séculos, vem dar provas de
que é perfeitamente possível abordar temas sérios com leveza,
como nos quadros de Jan Steen, nos filmes de Charles Chaplin
e nos poemas de Mário Quintana.
Uma abordagem baseada no brincar ao invés do jogar
apoia-se na crença de que a motivação não precisa ter raiz na
competição entre os alunos e nem na transformação dos colegas
em adversários a quem se deva superar. Adicionar ludicidade
e frescor a nossas aulas vai certamente nos ajudar em nossas
tarefas pois, como já afirmei, grande parte da tarefa de um bom
professor de línguas consiste em criar um ambiente saudável
e agradável em que os alunos não tenham medo ou vergonha
de participar e no qual, pelo contrário, tenham vontade de
estar (CHRISTIANO, 2017, p. 144-145). Se a palavra brincadeira,
pelas conotações que tem, ainda for um grande empecilho para
alguns, poderíamos então propor, ao invés da gamificação, uma
ludicização já que, uma vez mais recorrendo a Houaiss (2009,
p. 1200), o lúdico é o que se faz por gosto, sem outro objetivo
que o próprio prazer de fazê-lo. E algo me diz que aprender por
gosto é muito mais benéfico para o indivíduo e para a sociedade
como um todo do que o fazer para conquistar vitórias, ganhar
pontos ou recompensas.

QUATRO PROPOSTAS DE LUDICIZAÇÃO DE UM EXERCÍCIO DE


LÍNGUA

Segundo o velho adágio, “a prática leva à perfeição”. Entre-


tanto, a maioria dos professores de línguas estrangeiras costu-
mam adotar uma versão ligeiramente alterada do provérbio,
que se adapta melhor aos contextos de sala de aula: “as opor-
tunidades para a prática de usos realistas da língua estrangeira
potencializam seu bom domínio”, até porque a perfeição é um

248
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

objetivo impreciso e inatingível quando se fala do contexto das


línguas.
Como sabemos, no processo natural de aquisição da língua
materna, as crianças passam muito tempo ouvindo a língua que
as rodeia antes de pronunciarem sua primeira palavra (evento
que costuma ocorrer entre os 10 e os 14 meses de idade). Depois
disso, durante muitos meses, elas passam por uma fase de muita
experimentação em que fazem vocalizações numa linguagem
toda própria a elas e que não parece fazer muito sentido para
os eventuais interlocutores. Todavia, este processo é essencial
para a aquisição da língua e o desenvolvimento do aparelho
fonador.
Já numa aula de língua estrangeira, não podemos nos dar
ao luxo de passar alguns meses fazendo apenas atividades em
que os alunos apenas ouvem a língua em uso para depois passar
mais alguns anos em que os alunos apenas pratiquem os sons
da língua sem que as frases façam necessariamente sentido.
Nenhuma escola ou curso de línguas no mundo teria condições
para levar a cabo essa experiência e nem é necessário que assim
seja, pois a aquisição de uma língua estrangeira ou segunda é
um processo bastante diferente do da aquisição de uma língua
materna.
Entretanto, algum tipo de repetição será sim necessário
para a aprendizagem da língua estrangeira. Antigamente,
as aulas de língua eram quase que totalmente baseadas na
repetição. Os alunos tinham que repetir inúmeras vezes as
frases-modelo que eram ditas pelos professores (e mais tarde,
as gravações em discos, fitas ou CDs) e realizar uma série de
exercícios extremamente repetitivos. Acreditava-se que, se
os alunos de língua repetissem suficientemente as mesmas
frases, iriam cedo ou tarde internalizar aquelas estruturas e se
tornar usuários proficientes do idioma que queriam aprender.
A experiência e as novas descobertas foram mostrando que não
era bem assim. Mesmo depois de centenas de repetições, quando
confrontados a situações reais, os alunos continuavam a ter

249
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

problemas na compreensão e no uso das estruturas estrangeiras.


As abordagens e métodos de ensino que começaram a ser
desenvolvidos após a revolução chomskyana na linguística,
ocorrida nos anos 1960, propuseram novas formas de ensinar
e aprender línguas estrangeiras. As repetições e os exercícios
mecânicos passaram a ter um espaço cada vez menor na sala de
aula e, em muitos casos, desapareceram por completo.
Quando isso acontece, estamos face a um caso de
extremismo na compreensão e na utilização de um método ou
abordagem de ensino. É bem verdade que uma abordagem de
ensino/aprendizagem como a comunicativa, por exemplo, não
privilegia exercícios mecânicos ou de repetição. No entanto,
não privilegiar é diferente de proibir ou de negar que este tipo
de exercício possa vir a ter algum espaço na sala de aula.
Desta forma, mesmo numa abordagem mais comunicativa,
um professor que não adotasse uma posição extremista
poderia, se julgasse necessário, pensar em usar alguns daqueles
exercícios mecânicos e de repetição. Porém, ainda que os
exercícios mecânicos e de repetição tenham uma importância
no aprendizado de uma nova língua, é bastante difícil negar
que são geralmente maçantes e cansativos, tanto para quem os
realiza quanto para quem os corrige.
Vejamos um exemplo real deste tipo de exercício que
consta de um livro para o ensino de Português como Língua
Estrangeira (PLE) lançado no final dos anos 1970 (Quadro 1).

Quadro 1 – Exercício tradicional com lacunas para completar

250
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

Fonte: Magro e DePaula (1984, p. 2)


Neste exercício temos uma estrutura fixa que se espera que
o aluno domine. Trata-se da estrutura: “SUJEITO + verbo falar
+ NOME DA LÍNGUA.” Pelas características próprias à Língua
Portuguesa, a mudança do sujeito implica também na escolha
da conjugação verbal apropriada, o que pode ser bastante com-
plicado para um aluno iniciante, principalmente se as outras
línguas que domina não tiverem conjugação verbal. Oferecer
uma oportunidade de prática da conjugação verbal é o objetivo
do exercício.
Quem ensinou ou aprendeu uma língua estrangeira
certamente já se deparou com exercícios semelhantes. O
que vamos propor a seguir é a demonstração do processo de
ludicização deste exercício, ou seja, formas de trabalhar o mesmo
conteúdo fugindo da mecanicidade do exercício original e sem
necessariamente promover a competição. Partindo então do
conteúdo do exercício escrito original, farei adaptações para
que se transforme em um conjunto de atividades possivelmente
mais estimulantes para os alunos.

DESCOBRINDO INFORMAÇÕES

O professor desenha no quadro alguns bonecos e pede que


os alunos os copiem (Imagem 1). Por exemplo:

Imagem 1 – Desenho que o professor faz no quadro

251
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

Fonte: Autor.

Note que o professor também vai ter se desenhado no


quadro, mas deve pedir que cada aluno substitua este desenho
por uma representação de si mesmo.
O professor pede agora que os alunos completem, por
escrito, a seguinte frase:

Eu falo .

Caso os alunos falem diversas línguas, podem colocá-las


todas:

Eu falo Português, Inglês e Francês.

Agora, o professor escreve as seguintes frases, pedindo


para os alunos as copiarem, SEM COMPLETÁ-LAS:

1. Miguel fala e .
2. Leila fala , e .
3. Marquinhos fala e .
4. Joana e Tiago falam , e .

O professor divide então a sala em duas partes. A primeira


metade da sala terá de completar, por escrito, as frases 1 e 2 da
forma que escolher.
A segunda metade da sala terá de completar as frases 3 e 4
da forma que escolher.
Os alunos não podem mostrar a ninguém como completaram
as frases.
Uma vez que os alunos tenham completado as frases,
o professor agora divide a classe em duplas formadas
necessariamente por um aluno da metade que completou as
frases 1 e 2 e outro da metade que completou as frases 3 e 4.
Temos agora um aluno que tem metade das informações

252
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

(as línguas que falam Miguel e Leila) e o outro que tem a outra
metade (as línguas que falam Marquinhos, Joana e Tiago).
Um dos alunos da dupla deve, então, através de perguntas,
tentar descobrir que línguas os personagens falam:

Aluno 1: O Miguel fala Inglês?


Aluno 2: Não, não fala.
Aluno 1: O Miguel fala Português?
Aluno 2: Sim, fala.
Aluno 1: O Miguel também fala Russo?
Aluno 2: Não, não fala.
Aluno 1: O Miguel também fala Chinês?
Aluno 2: Sim, fala.

Quando descobrirem todas as línguas que os personagens


falam e terminarem de completar as lacunas, os alunos per-
guntam, um ao outro, sobre as línguas que falam:

Aluno 1: Você fala Português?


Aluno 2: Sim, falo um pouco.
Aluno 1: Você fala Japonês?
Aluno 2: Não, não falo.

Ao dar metade da informação a cada aluno, cria-se a


necessidade real de que os alunos se comuniquem para resolver
um problema. Ao deixar que os próprios alunos decidam as
línguas que seus personagens vão falar, o professor dá um poder
de decisão ao aluno que, mesmo num nível iniciante, já sente
que é capaz de dizer algumas coisas no idioma estrangeiro.

SERÁ QUE EU…

Para esta atividade, será necessário utilizar um bloquinho


de papel tipo post-it. O professor escreve em cada uma das
folhinhas de post-it o nome de uma das línguas que já foram

253
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

apresentadas na aula.
O post-it com o nome da língua deve ser colado no aluno de
forma que ele próprio não consiga ler o que está escrito. Assim,
dependendo da relação que o professor tem com a turma e
com o que for culturalmente apropriado, os post-its podem ser
colados nas costas ou na testa do aluno.
Em pares os alunos começam a fazer perguntas ao colega
sobre as línguas que lhe foram atribuídas:

Aluno 1: Será que eu falo Chinês?


Aluno 2: Não, você não fala Chinês. E eu. Será que eu falo
Francês?
Aluno 1: Não, você não fala Francês. E eu. Será que eu falo
Inglês?
Aluno 2: Sim, você fala Inglês. E eu. Será que eu falo Russo?

O exercício termina quando os dois alunos tiverem


descoberto a língua que cada um fala. O professor pode então
colar post-its diferentes nos alunos, formar novas duplas e
recomeçar a atividade.
Alternativas: Se quiser que a atividade seja um pouco mais
longa, o professor pode escrever mais de uma língua em cada
post-it. Assim, os alunos terão de descobrir mais informações.
Esta atividade tem a vantagem de permitir que se pratique a
pergunta na primeira pessoa de uma forma realista, já que não
é muito fácil encontrar contextos em que fazemos perguntas
sobre nós mesmos.

VERDADE OU MENTIRA

Neste exercício, cada aluno escreve 5 afirmações acerca


de 5 pessoas diferentes (podem ser familiares ou amigos). No
mínimo duas das afirmações devem ser falsas e no mínimo duas
das afirmações devem ser verdadeiras, desta forma, teremos
necessariamente uma mistura de afirmações verdadeiras e

254
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

falsas.
Em grupos, os outros alunos tentarão descobrir se o que foi
dito é verdadeiro ou falso.
Inicialmente, o professor coloca no quadro as palavras
que devem ser usadas para este exercício. Como, em nossos
exemplos, estamos tratando do verbo falar e das línguas, o
professor poderia escrever:

Línguas: INGLÊS, PORTUGUÊS, CHINÊS, JAPONÊS, FRAN-


CÊS, ESPANHOL, ALEMÃO, RUSSO.

Cada aluno deve agora pensar em 5 pessoas. Podem ser


pessoas de sua família ou então amigos ou conhecidos.
O professor então orienta os alunos a escrever uma frase
sobre cada uma das pessoas escolhidas. Nestas frases, o aluno
deve usar o verbo indicado e ao menos uma das línguas no
quadro.
Ao menos duas frases devem ser verdadeiras e ao menos
duas devem ser falsas.
Exemplos de frases de um aluno de origem chinesa:

Minha mãe fala Chinês. (verdadeiro)


Meu irmão fala Inglês. (falso)
Meu primo Chao fala Português. (falso)
Minha prima canadense fala Francês. (verdadeiro)
Minha colega de quarto fala Espanhol. (verdadeiro)

Depois de escrever as frases, o aluno não pode mostrá-las


a ninguém.
Agora, o professor divide a sala em grupos pequenos.
Sugere-se que sejam organizados grupos de 4 ou 5 pessoas, mas
o professor pode fazer adaptações dependendo do número de
alunos que tiver.
Depois de formados os grupos, escolhe-se um dos alunos
para responder as perguntas. Este aluno então se apresenta e, a

255
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

seguir, apresenta as quatro pessoas que escolheu. Por exemplo:

Eu sou a Lin. Esta é minha mãe, este é meu irmão, este é


meu primo, esta é minha prima e esta é minha colega de quarto.

Os outros alunos agora se revezam e fazem perguntas


sobre cada uma das pessoas até obter uma resposta afirmativa.
Perguntas possíveis, são:

Aluno 1: Sua mãe fala Francês?


Lin: Não, não fala.
Aluno 2: Sua mãe fala Português?
Lin: Não, não fala.
Aluno 3: Sua mãe fala Chinês?
Lin: Sim, ela fala Chinês.

Quando o aluno interrogado responde “sim”, os outros


alunos podem passar a fazer perguntas sobre outra pessoa:

Aluno 4: Seu irmão fala Chinês?


Lin: Não, não fala.
Aluno 1: Seu irmão fala Inglês?
Lin: Sim, ele fala Inglês.

E assim sucessivamente.
Quando terminarem de fazer as perguntas sobre cada
uma das quatro pessoas, os alunos agora devem decidir quais
respostas eram verdadeiras e quais eram falsas. Dependendo
do nível dos alunos, eles podem apresentar as razões que os
levam a aceitar as respostas como verdadeiras ou falsas. Por
exemplo:
Eu acho que seu irmão, na verdade, não fala Inglês porque
ele mora na China.

O aluno autor das frases vai confirmando então quem

256
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

está certo ou errado. Este tipo de exercício dá aos alunos a


oportunidade de conhecerem melhor os colegas com quem
convivem em sala de aula, além de normalmente possibilitarem
ótimos tópicos de conversas.

BATALHA NAVAL

Jogo tradicional entre crianças e adultos do mundo inteiro,


a batalha naval normalmente exige apenas lápis e papel para
se jogar.
No jogo original, cada jogador tem um tabuleiro (Imagem
2) formado por 10 números na horizontal e dez letras na
vertical, totalizando 100 espaços. Cada jogador tem o seu
próprio tabuleiro que não pode mostrar para o outro jogador.
No seu próprio tabuleiro, o jogador pode desenhar os seus
navios. Normalmente, existem quatro tipos diferentes de
navios: porta-aviões (cinco espaços), navios-tanque (quatro
espaços), contratorpedeiros (três espaços) e submarinos (dois
espaços). Os próprios jogadores decidem no início quantos
navios poderão ter.

Imagem 2 – Tabuleiro típico da Batalha Naval

257
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

Fonte: Batalha... (2019, on-line).


Ganha o jogo quem afundar todos os navios do adversário
primeiro. Para isso, o jogador tem que tentar adivinhar em que
espaços estão colocados os navios do outro jogador. Para “atirar”,
o jogador combina uma letra e um número. O seu “disparo”
atinge então o espaço que corresponde à intersecção da letra
e o número. Caso não atinja nada, o jogador que está sendo
atacado diz “água”, e a vez de atacar passa para este jogador.
Caso atinja alguma parte de seus navios, o jogador atacado deve
dizer “fogo”, e o atacante pode tentar mais um disparo até errar.
Para a nossa aula de língua, a atividade que propomos,
apesar de baseada no jogo original, não é exatamente a mesma.
Trata-se de uma forma mais lúdica para realizar oralmente
exercícios que exigem muita repetição.
Cada aluno pode desenhar no próprio caderno o tabuleiro
do jogo. Será preciso desenhar dois tabuleiros. Um para marcar
as próprias respostas e outro para tentar descobrir as respostas
do colega. Os tabuleiros se apresentam da seguinte forma
(Imagem 3):

Imagem 3 – Tabuleiro adaptado para Batalha Naval na aula de


línguas

Fonte: Autor.

258
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

Agora, o professor indica as frases que os alunos devem


escrever para preencher os espaços do tabuleiro. Neste caso,
vamos usar as estruturas que estão sendo trabalhadas na aula
(línguas). Nas linhas horizontais, coloca os sujeitos. Nas linhas
verticais, os predicados (MAS SEM CONJUGAR os verbos). Para
a matéria que está sendo trabalhada neste contexto, o tabuleiro
poderia ficar assim (Imagem 4):

Imagem 4 – Tabuleiro preenchido com as estruturas a


trabalhar na aula

Fonte: Autor.

Por fim, no seu próprio tabuleiro, o jogador vai escolher


6 quadradinhos e marcá-los com um X (Imagem 5). Não deve
mostrar o seu tabuleiro ao outro colega.

259
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

Imagem 5 – Tabuleiro de Batalha Naval com os quadradinhos


marcados.

Fonte: Autor.

A brincadeira já pode começar. O professor dá um tempo


(5 minutos, por exemplo) para os alunos fazerem perguntas e
darem as respostas. O objetivo é obter o máximo de respostas
afirmativas. O primeiro aluno pode tentar saber se o colega
marcou um X no primeiro quadrado. Para isso terá que usar
o sujeito da primeira linha horizontal (você) e o predicado da
última linha vertical (falar Chinês). Será necessário conjugar o
verbo para fazer a pergunta corretamente:

Aluno 1: Você fala Chinês?

Se o aluno 2 não tiver colocado um X no primeiro quadrado,

260
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

vai responder:

Aluno 2: Não, não falo Chinês.

É agora a sua vez de fazer a pergunta. Digamos que queira


saber se seu colega tem um X no último quadradinho. Terá de
usar o sujeito da última linha horizontal (O Paulo e a Marta) e o
predicado da última linha vertical (falar Inglês):

Aluno 2: O Paulo e a Marta falam Inglês?

Se o aluno 1 tiver marcado um X neste quadrado, vai ter de


responder:

Aluno 1: Sim, eles falam Inglês.

E a brincadeira segue até que o tempo acabe.


Já ensinei esta atividade a muitos professores ao longo
dos anos. Após a terem usado em suas aulas, muitos relataram
que ficaram impressionados, pois os mesmos alunos que não
gostavam de fazer exercícios de conjugação de verbos na forma
“clássica”, vinham pedir para passar mais tempo fazendo a
batalha naval ou então para repeti-la nas próximas aulas.
Nota: Apesar de na origem se tratar de um jogo, não é
necessário que esta atividade seja feita em forma de competição.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A ludicização das atividades de ensino de línguas não é


nenhuma inovação ou proposta revolucionária. Há décadas,
muitos professores vêm transformando suas aulas de línguas
em lugares nos quais os estudantes desenvolvem atividades por
gosto e para os quais têm vontade de voltar. As vantagens do uso
de atividades lúdicas não se verificam apenas para os grupos de
crianças e adolescentes. Os adultos também costumam responder

261
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

bem a atividades lúdicas, já que ajudam a criar um contexto


em que a prática de língua na sala de aula faz mais sentido.
As quatro atividades propostas neste capítulo necessitam
apenas de materiais comumente encontrados na sala de aula,
sem necessidade de grande preparação prévia. Apesar de
termos proposto aqui atividades para o PLE com um conteúdo
específico, estas mesmas atividades também poderiam ser
adaptadas para o ensino de qualquer outra língua estrangeira e
de muitos outros conteúdos.
Cabe por fim dizer que, apesar das críticas que teci sobre
a gamificação das aulas e o incentivo da competitividade entre
alunos, conheci, ao longo do tempo, muitos professores capa-
zes de utilizar jogos sem que suas aulas se tornassem campos
de batalha entre estudantes. Eu mesmo, em minhas próprias
aulas de língua, às vezes também incluo jogos, esforçando-me,
no entanto, para não valorizar em demasia a vitória. Na verda-
de, confesso que costumo até mesmo fazer o máximo para que
os jogos em sala de aula terminem em empate. Não se trata de
criar um mundo de faz de conta em que simplesmente se igno-
ra o fato de que, no mundo real, existem ganhadores e perde-
dores, mas sim de construir um ambiente no qual a valorização
de cada indivíduo se faz pelo reconhecimento de uma dignida-
de inerente a cada ser. Ainda que o mundo exterior seja o de
competição selvagem, professores e alunos são perfeitamente
capazes de construir um ambiente em que o bem-estar geral
valha mais que a glorificação do vencedor.

REFERÊNCIAS

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263
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

BIODATA DOS AUTORES

Aline Moraes Lima


Professora efetiva nas redes municipal e estadual, atuando des-
de 2005 na educação. Especialista em Língua Portuguesa, co-
ordenação pedagógica e em fase de conclusão de mestrado em
Letras. Além de atuar como professora, possui experiência na
gestão escolar como coordenadora pedagógica e diretora esco-
lar. Acredita na educação e em seu “poder” de mudança, sendo
apaixonada pelo que faz.

Caio César Cristiano


É professor Adjunto no Instituto Politécnico de Macau, na China,
desde 2016. Formado em Letras pela Fundação Santo André,
obteve mestrado em literatura brasileira pela Universidade
de Poitiers (França) e doutorado em Linguística pela mesma
universidade. Atua na área do ensino de língua estrangeira há
mais de duas décadas. No Brasil lecionou em todos os níveis,
da pré-escola ao pós-laboral, passando pelo ensino em ONGs
e centros de línguas. Na França, para onde se mudou em 2004,
lecionou Português para Estrangeiros na Universidade de
Poitiers e no Instituto de Ciências Políticas de Paris. Também foi
leitor do Itamaraty na Universidade Blaise-Pascal. Atualmente,
suas áreas de investigação e docência repartem-se entre a
didática do Português como Língua Estrangeira, a tradução
audiovisual e a linguística de corpus. É autor de “A Prática do
Ensino do Português como Língua Estrangeira” (2017) e coautor
dos dois volumes da coleção Português com Textos, todos
lançados pela editora do Instituto Politécnico de Macau.

Daniela Aparecida Camolesi


Graduada em Letras pela Universidade Estadual Paulista, es-
pecialista em Metodologia de Ensino de Língua Portuguesa e
Literatura pelo Centro Universitário Leonardo da Vinci e mes-
tranda em Letras na Universidade Federal de Santa Catarina.

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COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

Tem experiência na área de Letras, com ênfase no ensino de


italiano e de português como língua materna e adicional. Atuou
como professora de italiano na Universidade Estadual Paulis-
ta e na Universidade do Vale do Itajaí, onde também lecionou
Português para estrangeiros. Foi professora-tutora em cursos
de Pós-Graduação a distância no Centro Universitário Leonar-
do da Vinci (Uniasselvi). Entre os anos de 2009 e 2017, trabalhou
como professora de Português em projetos de cooperação de-
senvolvidos em Timor-Leste. Atualmente é professora efetiva
da rede municipal de São José, em Santa Catarina.

Daniele Pechi
Professora de Português como língua estrangeira e como
língua de acolhimento, jornalista e germanista. Foi repórter
das revistas Exame, Nova Escola e Gestão Escolar e atuou
como coordenadora pedagógica em uma escola de idiomas.
É colaboradora de ONGs da área de Educação, dentre elas o
Instituto Pró-Livro, para o qual produz conteúdos institucionais
e as redes sociais da Plataforma Pró-Livro, que mapeia e divulga
projetos de incentivo à leitura. É fundadora da iniciativa Papo
de Profes, rede que promove cursos para professores de
idiomas nas áreas de metodologia, didática, ensino online e
empreendedorismo. O Papo de Profes também é um ambiente
colaborativo de compartilhamento de ideias e materiais para
aulas de línguas estrangeiras.

Eliane Roncolatto
Licenciada em Letras Português/Espanhol pela Universidade
Estadual Paulista (UNESP), câmpus de Assis/SP, mestre em Lin-
guística pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), câmpus
de Assis/SP, professora formadora do Curso Terciário de PLE
da International House de Montevidéu, professora formadora
de professores do curso on-line “Ensine Português” do “Canal
Papo de Profes” e coautora do Livro “Inovação”, Níveis Básico e
Intermediário de PLE, publicado pela Editora Richmond/ San-

265
LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

tillana do Uruguai.

Elizete Soares Geraldi


Graduada em Letras pela Universidade Federal de Santa
Catarina, especialista em Metodologia de Ensino de Língua
Portuguesa e Literatura pela Faculdade de Ciências e Letras de
Registro e mestranda em Letras (PROFLETRAS) na Universidade
Federal de Santa Catarina. Tem experiência na área de Letras,
com ênfase no ensino de Português como língua materna.
Atuou como professora de Português para os anos Finais do
Ensino Fundamental e para o Ensino Médio na rede estadual
de Santa Catarina e na rede privada. Entre os anos de 2011 e
2016, exerceu função de gestora da EEB Profª Claudete Mara
Hoffmann Domingos, no município de Palhoça e, de 2016 a 2019,
assumiu a Coordenadoria Regional de Educação da Grande
Florianópolis na função de Coordenadora Regional. Atualmente
é professora efetiva da rede municipal de São José, em Santa
Catarina, onde leciona na Educação de Jovens e Adultos. Na rede
estadual, trabalha na Coordenadoria Regional de Educação de
Florianópolis na função de coordenadora do Nepre – Núcleo
de Educação, Prevenção, Atenção e Atendimento às Violências
na Escola e coordena também a equipe de disseminadores do
PlanCon Edu (Plano de Contingência-Educação para prevenção,
monitoramento e controle da disseminação da Covid-19 nos
estabelecimentos dos diversos níveis de Educação/Ensino em
Santa Catarina) nas escolas na região da grande Florianópolis.

Éllen Lisboa
Licenciada em Língua Portuguesa e Literaturas pela Univer-
sidade Veiga de Almeida (2006), especializada em Revisão de
Texto pelo Instituto A Vez do Mestre (2016) e mestranda no Pro-
grama de Mestrado Profissional em Letras pela Universidade
Federal de Santa Catarina (2021). Tem experiência com Ensino
Fundamental, Médio, Educação de Jovens e Adultos e prepa-
ração para concursos militares e civis. É professora efetiva da

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COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

rede municipal de ensino de Biguaçu, estado de Santa Catarina,


Brasil.

Eloise Santos
Graduada em Letras Português e Literaturas pela Universidade
Estadual do Centro-Oeste do Paraná (2006), especializada em
Literatura e Contemporaneidade pela Universidade Estadual
do Centro-Oeste do Paraná (2008) e mestranda no Programa de
Mestrado Profissional em Letras pela Universidade Federal de
Santa Catarina (2021). Tem experiência com Ensino Fundamen-
tal, Médio, Educação de Jovens e Adultos e Ensino Médio Pro-
fissionalizante em Formação de Docentes. É professora efetiva
há dez anos na rede estadual de ensino do estado do Paraná,
Brasil.

Érika Karina de Oliveira


Licenciada em Letras pela UFSCar (Universidade Federal de
São Carlos), com habilitações em Português e Inglês. Atual-
mente, ensina Português como Língua de Herança para o Clube
dos Brasileirinhos e Português como Língua Estrangeira para
executivos. Trabalha como professora assistente nas escolas
regulares inglesas com crianças com necessidades especiais.
No Brasil, foi professora do projeto de extensão Inglês para Co-
munidade UFSCar, ministrando aulas gratuitas de Inglês para
alunos e funcionários da universidade. Trabalhou vários anos
em escolas de idiomas e também lecionou Literatura no Ensino
Médio na rede particular, no Sistema Anglo de Ensino.

Fernando Augusto de Lima Oliveira


Realizou Estágio Pós-Doutoral na Universidade Federal do
Pará, com bolsa de Pós-Doutorado Júnior (PDJ/CNPq), processo
nº 151324/2019-0. Doutor e Mestre em Linguística pela Univer-
sidade Federal de Alagoas, sob a perspectiva teórico-metodoló-
gica da Teoria da Variação Linguística. Graduado em Letras, ha-
bilitação Português e Espanhol, pela Universidade Federal de

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LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

Alagoas. É professor da Universidade de Pernambuco, Campus


Garanhuns; líder do Grupo de Estudos em Análise e Descrição
Linguística – GEADLin (CNPq/UPE); coordenador do Labora-
tório de Jogos de Linguagem (LAJOLI/UPE/CNPq) e Professor
Permanente do Mestrado Profissional em Letras. Atualmente,
coordena o PROFLETRAS da UPE/Garanhuns.

Giselle Menezes Mendes Cintado


Brasileira de São Luís do Maranhão, licenciada em Letras
(Português-Inglês) pela UNIFEOB de São João da Boa Vista
- São Paulo (Brasil) em 2006, é professora de PLE (Português
como língua estrangeira) em Sevilha desde 2007. É professora
de PLE na Universidade Pablo de Olavide, UPO (Sevilha) desde
2018. Lecionou no CELP Sevilha – Centro Oficial de Estudos de
Língua Portuguesa - LAPE, de 2008 a 2017; foi professora de
Português (PLE) na Universidade de Huelva durante os cursos
2010-2011, 2011-2012; tem Mestrado em Ensino Bilíngue pela
Universidade Pablo de Olavide, UPO (Sevilha). Atualmente
é Doutoranda na Área de História e Estudos Humanísticos:
Europa, América, Arte e Línguas na UPO, com estudos
vinculados ao Bilinguismo, Políticas Linguísticas e PLE em zona
de fronteira (entre o sul da Espanha e o Algarve), Afetividade
em aulas de segundas línguas, Educomunicação. Integrante
do Grupo de Pesquisa CNPq Cultura e Identidade Linguística
na Lusofonia - CILL (Mackenzie). Participou como professora
convidada de Português no Mestrado Trilíngue em Línguas
Aplicadas ao Comércio Internacional na Universidade Paris-Est
Créteil (Antiga Universidade Paris XII) Câmpus Val-de-Marne,
França (2013, 2014, 2015). É coordenadora e idealizadora do
programa “O Mundo da Língua Portuguesa”, da RadiOlavide na
UPO (https://www.facebook.com/omundodalinguaportuguesa)
e diretora da APLEPES Sevilla (Asociación de Profesores de
Portugués en España), sucursal da Andaluzia (https://www.
facebook.com/aplepes.sevilla).

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COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

Jace Mari Costa


Graduada em Letras – Língua Portuguesa e Literatura pela
Universidade da Região de Joinville - (Univille). Pós-graduada
em Mídias da Educação pelo Instituto Federal de Santa
Catarina – IFSC. Mestranda do Mestrado Profissional em Letras
(PROFLETRAS) pela Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC). Professora dos anos finais do Ensino Fundamental da
Rede Pública Municipal de Jaraguá do Sul, SC.
E-mail: jacemari@yahoo.com.br

Joselice da Rocha Leal


Mestranda em Letras pela Universidade Federal de Santa Cata-
rina – UFSC – PROFLETRAS. Possui graduação em Letras pelo
Centro Universitário Adventista de São Paulo (2011), especiali-
zação em Docência Universitária pela mesma instituição (2015)
e especialização em Literatura Brasileira pela Faculdade Uni-
na (2020). É professora efetiva da rede municipal de Balneário
Camboriú, atuando nas disciplinas de Língua Portuguesa e Lei-
tura.

Karina de Rezende-Fohringer.
Doutora em Letras pela UFES. Professora de Português como
Língua de Herança (Bildungsdirektion Niederösterreich – Áustria).
Foi professora do Centro de Traduções (Departamento de
Português) da Universidade de Viena. Coordenou (2009-2010) o
Curso de Letras da Faculdade Saberes (ES). Foi professora da
Prefeitura Municipal de Vitória (1994-2011). É membro titular da
cadeira nº 8 da Academia Feminina Espírito-Santense de Letras
e membro correspondente do Instituto Histórico e Geográfico
do Espírito Santo. É autora de Alma de Flor: Maria Antonieta
Tatagiba – vida e obra; O papel da mulher e a mulher de papel: vida
e obra de Maria Antonieta Tatagiba; Chrysallida: vida e obra de
Guilly Furtado Bandeira; e de três livros de poesia: Sentidos,
Horas verdes e Revelações da Estrela Prometida (uma parceria com
o fotógrafo Gabriel de Rezende).

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LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

Leila Jennff Monteiro de Oliveira


Mestre em Letras pelo Mestrado Profissional em Letras
– PROFLETRAS, da Universidade de Pernambuco (UPE)-
Garanhuns, especialista em Ensino de Língua Portuguesa e suas
Literaturas, graduada em Letras-Português e Literaturas pela
UPE-Garanhuns. Professora de turmas do Ensino Fundamental
– anos iniciais e anos finais – dos municípios de Jupi e Lajedo
no estado de Pernambuco.

Maria Angela de Melo


Licenciada em Letras Português/Inglês pela Universidade
Mackenzie de São Paulo, aplicadora dos exames Celpe Bras e
professora do ICUB – Instituto Cultural Uruguaio Brasileiro,
professora formadora do Curso Terciário de PLE da International
House de Montevidéu, professora formadora de professores do
curso on-line “Ensine Português” do “Canal Papo de Profes” e
coautora do Livro “Inovação” Níveis Básico e Intermediário de
PLE, publicado pela Editora Richmond/ Santillana do Uruguai.

Paulo Henrique Lohn


Graduado em Letras – Português e Inglês – pela Universidade
do Sul de Santa Catarina (2008) e em Pedagogia pelo
Centro Universitário Leonardo da Vinci (2014), possui duas
especializações: Psicopedagogia (2011) e Gestão Escolar
(2017), ambas pelo Centro Universitário Leonardo da Vinci.
É mestrando em Letras na Universidade Federal de Santa
Catarina. Tem experiência no ensino de Português e Inglês desde
2004. Foi presidente e primeiro vice-presidente do Conselho
Municipal de Educação de São Pedro de Alcântara no período
de 2014 a 2020. Atuou como assessor de direção da Escola de
Educação Básica Gama Rosa, unidade escolar da rede estadual
de Santa Catarina em São Pedro de Alcântara, entre 2017 e 2019.
Lecionou, no magistério estadual catarinense, as disciplinas
de Inglês e Português de 2004 a 2019. Foi professor de Língua
Inglesa na rede municipal de Santo Amaro da Imperatriz entre

270
COMO LÍNGUA MATERNA E NÃO MATERNA

2008 e 2010. É docente da rede pública pertencente ao município


de São Pedro de Alcântara nos componentes curriculares de
Português e Inglês desde o ano de 2005. Atualmente, além de
professor municipal, está vinculado ao GRUPA – Grupo de
Estudos de Alfabetização – e é assistente de educação na Escola
de Educação Básica Gama Rosa.

Silvia Ines Coneglian Carrilho de Vasconcelos


Graduada em Letras pela Universidade Paulista (1976), mestrado em
Língua Portuguesa (Fonologia) pela Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo (1980), doutorado em Linguística Aplicada e Estudos
da Linguagem (Sintaxe-Semântica) pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (1992), pós-doutorado em Linguística Aplicada
(Análise de discurso, identidade e formação de professores de
Língua Portuguesa como língua estrangeira) pela UNICAMP (2000-
2001) e em Letras (Análise de Material Didático Digital de PLE, PSL
e PLH) pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2016-2017). Foi
Supervisora (1980-1986) e Coordenadora (1986-1990) do Instituto de
Pesquisas Linguísticas “Sedes Sapientiae” para Estudos do Português
(I.P.-PUC/SP). Foi professora da Universidade Estadual de Maringá
(graduação e pós-graduação – Mestrado em Letras, de 1990 a 2003),
onde exerceu, também, o cargo de chefe do Departamento de
Letras, Coordenadora do Curso de Letras, Pró-Reitora de Ensino
de Graduação (1994-1998) e Assessora do Escritório de Cooperação
Internacional (1999-2000). Lecionou na UDESC – Universidade do
Estado de Santa Catarina (Centro de Educação a Distância) entre
2005 e 2010. Atualmente é professora do Departamento de Língua e
Literatura Vernáculas da UFSC (Florianópolis). Tem experiência na
área de Linguística, com ênfase em Linguística Aplicada, atuando
principalmente nos seguintes temas: discurso, mídia, ensino, escrita
acadêmica, pesquisas qualitativas e ensino de Língua Portuguesa
como língua materna e língua estrangeira. Foi a Coordenadora
Acadêmica do Programa CAPES MEC UFSC INFORDEP PQLP TIMOR
LESTE para Língua Portuguesa. Na UFSC, é professora Associado
III, professora do Mestrado Profissional em Letras – PROFLETRAS.

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LUDICIDADE NO ENSINO DE PORTUGUÊS

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