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MANUEL BANDEIRA

50 POEMAS
ESCOLHIDOS PELO AUTOR

(^

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA

SERVIÇO DE DOCUMENTAÇÃO
OS SAPOS

Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.

Em ronco que aterra,


Berra o sapo-boi:
— "Meu pai foi à guerra!"
— "Não foi!" — "Foi!" — "Não foi!"

O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado,
Diz: — "Meu cancioneiro
E' bem martelado.

Vede como primo


Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos.

— 3
O meu verso é bom Outros, sapos-pipas,
Frumento sem joio. (Um mal em si cabe)
Faço rimas com Falam pelas tripas:
Consoantes de apoio. — "Sei!" — "Não sabe!" — "Sabe!"

Vai por cinquenta anos


Que lhes dei a norma:
Reduzi sem danos Longe dessa grita,
A formas a fornia. Lá onde mais densa
A noite infinita
Clame a saparia Verte a sombra imensa;
Em críticas céticas:
Não há mais poesia, Lá, fugido ao mundo,
Mas há artes poéticas. . . Sem glória, sem fé,
No perau profundo
Urra o sapo-boi: E solitário, é
— "Meu pai foi rei!" — "Foi!"
— "Não foi!" — "Foi!" — "Não foi!". Que soluças tu,
Transido de frio,
Brada em um assomo Sapo cururu
O sapo-tanoeiro: Da beira do rio. . .
— "A grande arte é como
Lavor de joalheiro.
Ou bem de estatuário.
Tudo quanto é belo,
Tudo quanto é vário,
Canta no martelo."
4 —
A SEREIA DE LENAU A DAMA BRANCA

Quando na grave solidão do Atlântico A Dama Branca que eu encontrei,


Olhavas da amurada do navio Faz tantos anos,
O mar já luminoso e já sombrio, Na minha vida sem lei nem rei,
Lenau! teu grande espírito romântico Sorriu-me em todos os desenganos.

Suspirava por ver dentro das ondas Era sorriso de compaixão?


Até o álveo profundo das areias, Era sorriso de zombaria?
A enxergar alvas formas de sereias Não era mofa nem dó. Senão,
De braços nus e nádegas redondas. Só nas tristezas me sorriria.

Ilusão! que sem cauda aqueles seres, E a Dama Branca sorriu também
Deixando o ermo monótono das águas, A cada júbilo interior.
Andam em terra suscitando mágoas, Sorria como querendo bem.
Misturados às filhas das mulheres. E todavia não era amor.

Nikolaus Lenau, poeta da amargura! Era desejo? — Credo! De tísicos?


Uma te amou, chamava-se Sofia. Por histeria. . . quem sabe l á ? . . .
E te levou pela melancolia A Dama tinha caprichos físicos:
Ao oceano sem fundo da loucura. Era uma estranha vulgívaga.

6 — — 7
Ela era o génio da corrupção.
Tábua de vícios adulterinos.
Tivera amantes: uma porção.
Até mulheres. Até meninos.

Ao pobre amante que lhe queria, BALADA DE SANTA MARIA EGIPCÍACA


Se lhe furtava sarcástica.
Com uns perjura, com outros fria, Santa Maria Egipcíaca seguia
Com outros má, Em peregrinação à terra do Senhor.

— A Dama Branca que eu encontrei, Caía o crepúsculo, e era como um triste sorriso de mártir.
Há tantos anos,
Santa Maria Egipcíaca chegou
Na minha vida sem lei nem rei,
À beira de um grande rio.
Sorriu-me em todos os desenganos.
Era tão longe a outra margem!
E estava junto à ribanceira,
Essa constância de anos a fio,
Num barco,
Sutil, captara-me. E imaginai!
Um homem de olhar duro.
Por uma noite de muito frio
A Dama Branca levou meu pai. Santa Maria Egipcíaca rogou:
— Leva-me ao outro lado.
Não tenho dinheiro. O Senhor te abençoe.

O homem duro fitou-a sem dó.


Caía o crepúsculo, e era como um triste sorriso de mártir.

— Não tenho dinheiro. O Senhor te abençoe.


Leva-me ao outro lado.
— 9
O homem duro escarneceu: — Não tens dinheiro,
Mulher, mas tens teu corpo. Dá-me o teu corpo, e vou
[ levar-te.
E fez um gesto. E a santa sorriu,
Na graça divina, ao gesto que ele fez.

Santa Maria Egipcíaca despiu OS SINOS


O manto, e entregou ao barqueiro
A santidade da sua nudez. Sino de Belém,
Sino da Paixão. . .

Sino de Belém,
Sino da Paixão. . .

Sino do Bonfim!. . .
Sino do Bonfim!. . .

Sino de Belém, pelos que inda vêm!


Sino de Belém bate bem-bem-bem.

Sino da Paixão, pelos que lá vão!


Sino da Paixão bate bão-bão-bão.

Sino do Bonfim, por quem chora assim?

Sino de Belém, que graça ele tem!


Sino de Belém bate bem-bem-bem.
10 —
— 11
Sino da Paixão, — pela minha mãe!
Sino da Paixão, — pela minha irmã!

Sino do Bonfim, que vai ser de mim?. . .


*
Sino de Belém, como soa bem! NOITE MORTA
Sino de Belém bate bem-bem-bem.

Sino da Paixão. . . Por meu p a i ? . . . — Não! Não! Noite morta.


Sino da Paixão bate bão-bão-bão. Junto ao poste de iluminação
Os sapos engolem mosquitos.
Sino do Bonfim, baterás por mim?. . .
Ninguém passa na estrada.
*
Nem um bêbedo.
Sino de Belém,
Sino da Paixão. . . No entanto há seguramente por ela uma procissão de
Sino da Paixão, pelo meu irmão. . . [ sombras.
Sombras de todos os que passaram.
Sino da Paixão. . . Os que ainda vivem e os que já morreram.
Sino do Bonfim. . .
Sino do Bonfim, ai de mim, por mim! O córrego chora.
* A voz da noite. . .
Sino de Belém, que graça ele tem!
(Não desta noite, mas de outra maior.)

12 — 13
BERIMBAU O CACTO

Os aguapés dos aguaçais Aquele cacto lembrava os gestos desesperados da esta-


Nos igapós dos Japurás [ tuária:
Bolem, bolem, bolem. Laocoonte constrangido pelas serpentes,
Chama o saci: — Si si si si! Ugolino e os filhos esfaimados.
— Ui ui ui ui ui! uiva a iara Evocava também o seco nordeste, carnaubais, caatingas...
Nos aguaçais dos igapós Era enorme, mesmo para esta terra de feracidades ex-
Dos Japurás e dos Purus. [ cepcionais.

A mameluca é uma maluca. Um dia um tufão furibundo abateu-o pela raiz.


Saiu sozinha da maloca — O cacto tombou atravessado na rua,
O boto bate — bite bite. . . Quebrou os beirais do casario fronteiro,
Quem ofendeu a mameluca? Impediu o trânsito de bondes, automóveis, carroças,
— Foi o boto! Arrebentou os cabos elétricos e durante vinte e quatro
O Cussaruim bota quebrantos. [horas privou a cidade de iluminação e energia:
Nos aguaçais os aguapés
— Cruz, canhoto! — — Era belo, áspero, intratável.
Bolem. . . Peraus dos Japurás
De assombramentos e de espantos!

— 15
14 —
PNEUMOTÓRAX POÉTICA

Febre, hemoptise, dispneia e suores noturnos. Estou farto do lirismo comedido


A vida inteira que podia ter sido e que não foi. Do lirismo bem comportado
Tosse, tosse, tosse. Do lirismo funcionário público com livro de ponto expe-
diente protocolo e manifestações de apreço ao sr.
Mandou chamar o médico: diretor
— Diga trinta e três.
— Trinta e três. . . trinta e três. . trinta e três. Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicio-
— Respire. nário o cunho vernáculo de um vocábulo

Abaixo os puristas
— O sr. tem uma escavação no pulmão esquerdo e o Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
pulmão direito infiltrado. Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
— Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax? Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis
— Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.
Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora
de si mesmo.
16 — 17
De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário do aman-
te exemplar com cem modelos de cartas e as dife-
rentes maneiras de agradar às mulheres, etc.

Quero antes o lirismo dos loucos


EVOCAÇÃO DO RECIFE
O lirismo dos bêbedos
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos clowns de Shakespeare Recife
Não a Veneza americana
— Não quero mais saber do lirismo que não é libertação. Não a Mauritsstad dos armadores das índias Ocidentais
Não o Recife dos Mascates
Nem mesmo o Recife que aprendi a amar depois — Re-
cife das revoluções libertárias
Mas o Recife sem história nem literatura
Recife sem mais nada
Recife da minha infância
A rua da União onde eu brincava de chicote queimado
[ e partia as vidraças da casa de dona Aninha Viegas
Totônio Rodrigues era muito velho e botava o pincenê
[na ponta do nariz
Depois do jantar as famílias tomavam a calçada com
[cadeiras, mexericos, namoros, risadas
A gente brincava no meio da rua
Os meninos gritavam:
Coelho sai!
Não sai!
18 —
19
À distância as vozes macias das meninas politonavam: Banheiros de palha
Roseira dá-me uma rosa Um dia eu vi uma moça nuinha no banho
Craveiro dá-me um botão Fiquei parado o coração batendo
(Dessas rosas muita rosa Ela se riu
Terá morrido em botão. . .) Foi o meu primeiro alumbramento
Cheia! As cheias! Barro boi morto árvores destroços re-
De repente demoinho sumiu
nos longes da noite E nos pegões da ponte do trem de ferro os caboclos des-
um sino [ temidos em jangadas de bananeiras
Uma pessoa grande dizia: Novenas
Fogo em Santo António! Cavalhadas
Outra contrariava: São José! Eu me deitei no colo da menina e ela começou a passar
Totônio Rodrigues achava sempre que era São José. [a mão nos meus cabelos
Os homens punham o chapéu saíam fumando Capiberibe
E eu tinha raiva de ser menino porque não podia ir ver — Capibaribe
[o fogo
Rua da União onde todas as tardes passava a preta das
Rua da União. . . [bananas
Como eram lindos os nomes das ruas da minha infância Com o chalé vistoso de pano da Costa
Rua do Sol E o vendedor de roletes de cana
(Tenho medo que hoje se chame do dr. Fulano de Tal) O de amendoim
Atrás de casa ficava a rua da Saudade. . . que se chamava midubim e não era torrado
. . .onde se ia fumar escondido [era cozido
Do lado de lá era o cais da rua da Aurora. , . Me lembro de todos os pregões:
. . .onde se ia pescar escondido Ovos frescos e baratos
Capiberibe Dez ovos por uma pataca
— Capibaribe Foi há muito tempo. . .
Lá longe o sertãozinho de Caxangá A vida não me chegava pelos jornais nem pelos livros
*
20 — - 21
Vinha da boca do povo na língua errada do povo
Língua certa do povo
Porque ele é que fala gostoso o português do Brasil
Ao passo que nós
O que fazemos
E' macaquear LENDA BRASILEIRA
A sintaxe lusíada
A vida com uma porção de coisas que eu não entendia bera
Terras que não sabia onde ficavam A moita buliu. Bentinho Jararaca levou a arma à
cara: o que saiu do mato foi o Veado Branco! Bentinho
Recife. . . ficou pregado no chão. Quis puxar o gatilho e não pôde.
Rua da União. . . — Deus me perdoe!
A casa de meu avô. . . Mas o Cussaruim veio vindo, veio vindo, parou junto
Nunca pensei que ela acabasse! do caçador e começou a comer devagarinho o cano da
Tudo lá parecia impregnado de eternidade espingarda.
Recife. . .
Meu avô morto. . .
Recife morto, Recife bom, Recife brasileiro como a casa
[de meu avô.

22 — 23
PROFUNDAMENTE
ANDORINHA

Andorinha lá fora está dizendo: Quando ontem adormeci


— "Passei o dia à-toa, à-toa!" Na noite de São João
Andorinha, andorinha, minha cantiga é mais triste: Havia alegria e rumor
Estrondos de bombas luzes de Bengala
Passei a vida à-toa, à-toa. . .
Vozes cantigas e risos
Ao pé das fogueiras acesas.
No meio da noite despertei
Não ouvi mais vozes nem risos
Apenas balões
Passavam errantes
Silenciosamente
Apenas de vez em quando
O ruído de um bonde
Cortava o silêncio
Como um túnel.
Onde estavam os que há pouco
Dançavam
Cantavam
E riam
— 25
Ao pé das fogueiras acesas?

— Estavam todos dormindo


Estavam todos deitados
Dormindo
Profundamente. NOTURNO DA PARADA AMORIM

Quando eu tinha seis anos O violoncelista estava a meio do Concerto de Schumann


Não pude ver o fim da festa de São João
Porque adormeci Subitamente o coronel ficou transportado e começou a
gritar: — "Je vois dês anges! Je vois dês an^es!'*
Hoje não ouço mais as vozes daquele tempo
Minha avó — E deixou-se escorregar sentado pela escada abaixo.
Meu avô
O telefone tilintou.
Totônio Rodrigues
Alguém chamava?. . . Alguém pedia socorro?. . .
Tomásia
Mas do outro lado não vinha senão o rumor de um pran-
Rosa
to desesperado!. . .
Onde estão todos eles?
(Eram três horas.
— Estão todos dormindo Todas as agências postais estavam fechadas.
Estão todos deitados Dentro da noite a voz do coronel continuava gritando:
Dormindo — "Je vois dês anges! Je vois dês anges!"
Profundamente.

27
26 —
NOTURNO DA RUA DA LAPA IRENE NO CÉU

A janela estava aberta. Para o quê não sei, mas o Irene preta
que entrava era o vento dos lupanares, de mistura com Irene boa
o eco que se partia nas curvas cicloidais, e fragmentos do Irene sempre de bom humor.
hino da bandeira.
Imagino Irene entrando no céu:
Não posso atinar no que eu fazia: se meditava, se
— Licença, meu branco!
morria de espanto ou se vinha de muito longe.
E São Pedro bonachão:
Nesse momento (oh! porque precisamente nesse mo-
— Entra, Irene. Você não precisa pedir licença.
mento? . . . ) é que penetrou no quarto o bicho que voava,
o articulado implacável, implacável!
Compreendi desde logo não haver possibilidade al-
guma de evasão. Nascer de novo também não adiantava.
— A bomba de flit! pensei comigo, é um inseto!
Quando o jacto fumigatório partiu, nada mudou em
mim; os sinos da redenção continuaram em silêncio; ne-
nhuma porta se abriu nem fechou. Mas o monstruoso
animal FICOU MAIOR. Senti que ele não morreria nunca
mais, nem sairia, conquanto não houvesse no aposento
nenhum busto de Palas, nem na minh'alma, o que é pior,
a recordação persistente de alguma extinta Lenora.

28 — 29
VOU-ME EMBORA P'RA PASÁRGADA
NAMORADOS

Vou-me embora p'ra Pasárgada


O rapaz chegou-se para junto da moça e disse:
Lá sou amigo do rei
— Antônia, ainda não me acostumei com o seu corpo,
Lá tenho a mulher que eu quero
com a sua cara.
Na cama que escolherei
A moça olhou de lado e esperou. , Vou-me embora p'ra Pasárgada
— Você não sabe quando a gente é criança e de repente Vou-me embora p'ra Pasárgada
vê uma lagarta listrada? Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
A moça se lembrava:
De tal modo inconsequente
— A gente fica olhando. . .
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
A meninice brincou de novo nos olhos dela.
Vem a ser contraparente
O rapaz prosseguiu com muita doçura: Da nora que nunca tive
— Antônia, você parece uma lagarta listrada.
E como farei ginástica
A moça arregalou os olhos, fez exclamações. Andarei de bicicleta
O rapaz concluiu: Montarei em burro brabo
— Antônia, você é engraçada! Você parece louca. Subirei no pau de sebo
Tomarei banhos de mar!

30 — — 31
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe d'água
P'ra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar O ÚLTIMO POEMA
Vou-me embora p'ra Pasárgada

Em Pasárgada tem tudo Assim eu quereria o meu último poema


E' outra civilização Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos
Tem um processo seguro [ intencionais
De impedir a concepção Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
Tem telefone automático Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
Tem alcalóide à vontade A pureza da chama em que se consomem os diamantes
Tem prostitutas bonitas [mais límpidos
Para a gente namorar A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.

E quando eu estiver mais triste


Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
— Lá sou amigo do rei —
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora p'ra Pasárgada.

32 — _3
Girafa de duas cabeças
Pecai por todos pecai com todos

Pecai com os malandros


ESTRELA DA MANHÃ
Pecai com os sargentos
Pecai com os fuzileiros navais
Pecai de todas as maneiras
Eu quero a estrela da manhã
Com os gregos e com os troianos
Onde está a estrela da manhã?
Com o padre e com o sacristão
Meus amigos meus inimigos
Com o leproso de Pouso Alto
Procurem a estrela da manhã
Depois comigo
Ela desapareceu ia nua
Desapareceu com quem?
Te esperarei com mafuás novenas cavalhadas
Procurem por toda a parte
[comerei terra e direi coisas
[de uma ternura tão simples
Digam que sou um homem sem orgulho
Que tu desfalecerás
Um homem que aceita tudo
Que me importa?
Procurem por toda a parte
Eu quero a estrela da manhã
Pura ou degradada até a última baixeza
Eu quero a estrela da manhã!
Três dias e três noites
Fui assassino e suicida
Ladrão, pulha, falsário

Virgem mal-sexuada
Atribuladora dos aflitos

34 —
35
Ias triste e lúcido:
Antes melhor fora
Que voltasses bêbedo
Marinheiro triste!
MARINHEIRO TRISTE
E eu que para casa
Vou como tu vais
Marinheiro triste Para o teu navio,
Que voltas para bordo Feroz casco sujo
Que pensamentos são Amarrado ao cais,
Esses que te ocupam? Também como tu
Alguma mulher Marinheiro triste
Amante de passagem Vou lúcido e triste.
Que deixaste longe
Num porto de escala? Amanhã terás
Ou tua amargura Depois que partires
Tem outras raízes O vento do largo
Largas fraternais O horizonte imenso
Mais nobres mais fundas? O sal do mar alto!
Marinheiro triste Mas eu, marinheiro?
De um país distante
Passaste por mim — Antes melhor fora
Tão alheio a tudo Que voltasse bêbedo!
Que nem pressentiste
Marinheiro triste
A onda viril
De fraterno afeto
Em que te envolvi.

36 — 37
No fundo do mar
Há tanto tesouro!
No fundo do céu
Há tanto suspiro!
No meu coração
BOCA DE FORNO Tanto desespero!

Ah totó meu pai


Cara de cobra, Quero me rasgar
Cobra! Quero me perder!
Olhos de louco,
Louca! Cara de cobra,
Cobra!
Testa insensata Olhos de louco,
Nariz Capeto Louca!
Cós do Capeta Cussaruim boneca
Donzela rouca De maracatu!
Porta-estandarte
Jóia boneca
De maracatu!

Pelo teu retrato


Pela tua cinta
Pela tua carta
Ah totó meu santo
Eh Abaluaê
Inhansã boneca
De maracatu!

38 — 39
MOMENTO NUM CAFÉ' RONDO DOS CAVALINHOS

Quando o enterro passou Os cavalinhos correndo,


Os homens que se achavam no café E nós, cavalões, comendo. . .
Tiraram o chapéu maquinalmente Tua beleza, Esmeralda,
Saudavam o morto distraídos Acabou me enlouquecendo.
Estavam todos voltados para a vida
Absortos na vida Os cavalinhos correndo,
Confiantes na vida. E nós, cavalões, comendo. . .
O sol tão claro lá fora,
Um no entanto se descobriu num gesto largo e demorado E em minh'alma — anoitecendo!
Olhando o esquife longamente
Os cavalinhos correndo,
Este sabia que a vida é uma agitação feroz e sem finalidade
E nós, cavalões, comendo. . .
Que a vida é traição
Alfonso Reyes partindo,
E saudava a matéria que passava
E tanta gente ficando. . .
Liberta para sempre da alma extinta.
Os cavalinhos correndo,
E nós, cavalões, comendo. . .
A Itália falando grosso,
A Europa se avacalhando. . .

Os cavalinhos correndo,
40 — — 41
E nós, cavalões, comendo. . .
O Brasil politicando,
Nossa! A poesia morrendo. . .
O sol tão claro lá fora, A ESTRELA E O ANJO
O sol tão claro, Esmeralda,
E em minh'alma — anoitecendo!
Vésper caiu cheia de pudor na minha cama
Vésper em cuja ardência não havia a menor parcela de
[ sensualidade
Enquanto eu gritava o seu nome três vezes
Dois grandes botões de rosa murcharam

E o meu anjo da guarda quedou-se de mãos postas no


[desejo insatisfeito de Deus.

— 43

42
O MARTELO MAÇÃ

As rodas rangem na curva dos trilhos Por um lado te vejo como um seio murcho
Inexoravelmente. Pelo outro como um ventre de cujo umbigo pende ainda
Mas eu salvei do meu naufrágio [o cordão placentário
Os elementos mais cotidianos.
O meu quarto resume o passado em todas as casas que És vermelha como o amor divino
[habitei.
Dentro da noite Dentro de ti em pequenas pevides
No cerne duro da cidade Palpita a vida prodigiosa
Me sinto protegido. Infinitamente
Do jardim do convento
E quedas tão simples
Vem o pio da coruja
Ao lado de um talher
Doce como um arrulho de pomba.
Num quarto pobre de hotel.
Sei que amanhã quando acordar
Ouvirei o martelo do ferreiro
Bater corajoso o seu cântico de certezas.

44 — 45
ÁGUA-FORTE
A MORTE ABSOLUTA

O preto no branco,
O pente na pele: Morrer.
Pássaro espalmado Morrer de corpo e de alma.
No céu quase branco. Completamente.

Em meio do pente, Morrer sem deixar o triste despojo da carne,


A concha bivalve A exangue máscara de cera,
Num mar de escarlata. Cercada de flores
Concha, rosa ou tâmara? Que apodrecerão — felizes! - - num dia,
Banhada de lágrimas
No escuro recesso, Nascidas menos da saudade do que do espanto da morte,
As fontes da vida
A sangrar inúteis Morrer sem deixar porventura uma alma errante. . .
Por duas feridas. A caminho do céu?
Mas que céu pode satisfazer teu sonho de céu?
Tudo bem oculto
Sob as aparências
Morrer sem deixar um sulco, um risco, uma sombra,
Da água-forte simples:
A lembrança de uma sombra
De face, de flanco,
Em nenhum coração, em nenhum pensamento,
O preto no branco.
Em nenhuma epiderme.

— 47
Morrer tão completamente
Que um dia ao lerem o teu nome num papel
Perguntem: "Quem foi?. . ."

Morrer mais completamente ainda,


— Sem deixar sequer esse nome. CANÇÃO DA PARADA DE LUCAS

Parada do Lucas
— O trem não parou.
Ah, se o trem parasse
Minha alma incendida
Pediria à Noite
Dois seios intactos.
Parada do Lucas
- O trem não parou.
Ah, se o trem parasse
Eu iria aos mangues
Dormir na escureza
Das águas defuntas.
Parada do Lucas
— O trem não parou.
Nada aconteceu.
Senão a lembrança
Do crime espantoso
Que o tempo enguliu.
48 — 49
E a minha vida ficava
Cada vez mais cheia
De afetos e de mulheres.

O vento varria os meses


CANÇÃO DO VENTO E DA MINHA VIDA E varria os teus sorrisos. . .
O vento varria tudo!
E a minha vida ficava
O vento varria as folhas, Cada vez mais cheia
O vento varria os frutos, De tudo.
O vento varria as flores. . .
E a minha vida ficava
Cada vez mais cheia
De frutos, de flores, de folhas.

O vento varria as luzes


O vento varria as músicas,
O vento varria os aromas. . .
E a minha vida ficava
Cada vez mais cheia
De aromas, de estrelas, de cânticos.

O vento varria os sonhos


E varria as amizades. . .
O vento varria as mulheres.

50 — 51
Não recolheu nestas pedras
O orvalho das madrugadas,
A pureza das manhãs!

Beco das minhas tristezas.


ÚLTIMA CANÇÃO DO BECO Não me envergonhei de ti!
Foste rua de mulheres?
Todas são filhas de Deus!
Beco que cantei num dístico Dantes foram carmelitas. . .
Cheio de elipses mentais, E eras só de pobres quando,
Beco das minhas tristezas, Pobre, vim morar aqui.
Das minhas perplexidades
(Mas também dos meus amores,
Dos meus beijos, dos meus sonhos), Lapa - - Lapa do Desterro —,
Adeus para nunca mais! Lapa que tanto pecais!
(Mas quando bate seis horas,
Vão demolir esta casa. Na primeira voz dos. sinos.
Mas meu quarto vai ficar, Como na voz que anunciava
Não como forma imperfeita A conceição de Maria,
Neste mundo de aparências: Que graças angelicais!)
Vai ficar na eternidade,
Com seus livros, com seus quadros, Nossa Senhora do Carmo,
Intacto, suspenso no ar! De lá de cima do altar,
Pede esmolas para os pobres,
Beco de sarças de fogo, — Para mulheres tão tristes.
De paixões sem amanhãs, Para mulheres tão negras,
Quanta luz mediterrânea Que vêm nas portas do templo
No esplendor da adolescência De noite se agasalhar.
52 — — 53
Beco que nasceste à sombra
De paredes conventuais,
És como a vida, que é santa
Pesar de todas as quedas.
Por isso te amei constante,
E canto para dizer-te BELO BELO
Adeus para nunca mais!

Belo belo belo,


Tenho tudo quanto quero.

Tenho o fogo de constelações extintas há milénios.


E o risco brevíssimo — que foi? passou! — de tantas
[estrelas cadentes.

A aurora apaga-se,
E eu guardo as mais puras lágrimas da aurora.

O dia vem, e dia a dentro


Continuo a possuir o segredo grande da noite.

Belo belo belo,


Tenho tudo quanto quero.

Não quero o êxtase nem os tormentos.


Não quero o que a terra só dá com trabalho.
As dádivas dos anjos são inaproveitáveis:
Os anjos não compreendem os homens.

54 — — 55
Não quero amar.
Não quero ser amado.
Não quero combater,
Não quero ser soldado.

— Quero a delícia de poder sentir as coisas mais simples, PISCINA

Só a lua se banha
— Lua gorda e branca
Na piscina verde.
Como a lua é branca!

Corre um arrepio
Silenciosamente
Na piscina verde:
Lua ela não quer.

Ah o que ela quer


A piscina verde

56 —
E' o corpo queimado
De certa mulher
Que jamais se banha
Na espadana branca
Da água da carranca. EU VI UMA ROSA

Eu vi uma rosa
— Uma rosa branca -
Sozinha no galho.
No galho? Sozinha
No jardim, na rua.

Sozinha no mundo.

Em torno, no entanto,
Ao sol de mei-dia,
Toda a natureza
Em formas e cores
E sons esplendia.

Tudo isso era excesso.

A graça essencial,
Mistério inefável
— Sobrenatural —
Da vida e do mundo,

58 — — 59
Estava ali na rosa
Sozinha no galho,
Sozinha no tempo.

Tão pura e modesta,


Tão perto do chão, EXCUSA
Tão longe na glória
Da mística altura,
Dir-se-ia que ouvisse Eurico Alves, poeta baiano
Do arcanjo invisível Salpicado de orvalho, leite cru e tenro coco de cabrito..
As palavras santas Sinto muito, mas não posso ir a Feira de SanfAna.
De outra Anunciação.
Sou poeta da cidade.
Meus pulmões viraram máquinas inumanas e aprenderam
[ a respirar o gás carbónico das salas de cinema.
Como o pão que o diabo amassou.
Bebo leite de lata.
Falo com A., que é ladrão.
Aperto a mão de B., que é assassino.
Há anos que não vejo romper o sol, que não lavo os olhos
[nas cores das madrugadas.

Eurico Alves, poeta baiano,


Não sou mais digno de respirar o ar puro dos currais
[da roça.

60 —
E de Frei Luís de Leão!
Espanha da livre crença,
Jamais a da Inquisição!
Espanha de Lope e Góngora,
De Góia e Cervantes, não
A de Filipe Segundo
7VO FOSSO E EM MEU CORAÇÃO Nem Fernando, o balandrão!
Espanha que se batia
Contra o corso Napoleão!
Espanha no coração: Espanha da liberdade:
No coração de Neruda, A Espanha de Franco, não!
No vosso e em meu coração. Espanha republicana,
Espanha da liberdade, Noiva da revolução!
Não a Espanha da opressão. Espanha atual de Picasso,
Espanha republicana: De Casais, de Lorca, irmão
A Espanha de Franco, não! Assassinado em Granada!
Velha Espanha de Pelaio, Espanha no coração
Do Cid, do GVã-Capitão! De Pablo Neruda, Espanha
Espanha de honra e verdade, No vosso e em meu coração!
Não a Espanha da traição!
Espanha de Dom Rodrigo,
Não a do Conde Julião!
Espanha republicana:
A Espanha de Franco, não!
Espanha dos grandes místicos,
Dos santos poetas, de João
Da Cruz, de Teresa de Ávila

— 63
TEMA E VOLTAS
O LUTADOR

Mas para quê


Buscou no amor o bálsamo da vida,
Tanto sofrimento,
Não encontrou senão veneno e morte.
Se nos céus há o lento
Levantou no deserto a roca-forte
Deslizar da noite?
Do egoísmo, e a roca em mar foi submergida!
Mas para quê Depois de muita pena e muita lida,
Tanto sofrimento, De espantoso caçar de toda a sorte,
Se lá fora o vento Venceu o monstro de desmedido porte
E' um canto na noite? — A ululante Quimera espavorida!
Mas para quê Quando morreu, línguas de sangue ardente,
Tanto sofrimento, Aleluias de fogo acometiam,
Se agora, ao relento, Tomavam todo o céu de lado a lado,
Cheira a flor da noite?
E longamente, indefinidamente,
Mas para quê Como um coro de ventos sacudiam
Tanto sofrimento, Seu grande coração transverberado!
Se o meu pensamento
E' livre na noite?

64 — — 65
Quero a brancura de Elisa
Quero a saliva de Bela
Quero as sardas de Adalgisa
Quero quero tanta coisa
Belo belo
OUTRO BELO BELO Mas basta de lero-lero
Vida noves fora zero.

Belo belo minha bela


Tenho tudo que não quero
Não tenho nada que quero
Não quero óculos nem tosse
Nem obrigação de voto
Quero quero
Quero a solidão dos píncaros
A água da fonte escondida
A rosa que floresceu
Sobre a escarpa inacessível
A luz da primeira estrela
Piscando no lusco-fusco
Quero quero
Quero dar a volta ao mundo
Só num navio de vela
Quero rever Pernambuco
Quero ver Bagdad e Cusco
Quero quero
Quero o moreno de Esteia

66 —
O RIO UNIDADE

Ser como o rio que deflui Minh'alma estava naquele instante


Silencioso dentro da noite. Fora de mim longe muito longe
Não temer as trevas da noite.
Se há estrelas nos céus, refleti-las, Chegaste
E se os céus se pejam de nuvens, E desde logo foi verão
Como o rio as nuvens são água, O verão com as suas palmas e os seus mormaços os seus
Refleti-las também sem mágoa [ventos de sôfrega mocidade
Nas profundidades tranquilas. Debalde os teus afagos insinuavam quebranto e molície
O instinto de penetração já despertado
Era como uma seta de fogo

Foi então que minh'alma veio vindo


Veio vindo de muito longe
Veio vindo
Para de súbito entrar-me violenta e sacudir-me todo
No momento fugaz da unidade.

68 — 69
BOI MORTO
ARTE DE AMAR

Como em turvas águas de enchente,


Se queres sentir a felicidade de arnar, esquece a tua alma. Me sinto a meio submergido
Entre destroços do presente
A alma é que estraga o amor. Dividido, subdividido,
Só em Deus ela pode encontrar satisfação, Onde rola, enorme, o boi morto,
Não noutra alma. Boi morto, boi morto, boi morto.
Só em Deus — ou fora do mundo. Árvores da paisagem calma,
Convosco — altas, tão marginais! —
As almas são incomunicáveis. Fica a alma, a atónita alma,
Atónita para jamais.
Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.
Que o corpo, esse vai com o boi morto,
Porque os corpos se entendem, mas as almas não.
Boi morto, boi morto, boi morto.
Boi morto, boi descomedido,
Boi espantosamente, boi
Morto, sem forma ou sentido
Ou significado. O que foi
Ninguém sabe. Agora é boi morto,
Boi morto, boi morto, boi morto!

70 — — 71
SATÉLITE OS NOMES

Fim de tarde. Duas vezes se morre:


No céu plúmbeo Primeiro na carne, depois no nome.
A Lua baça A carne desaparece, o nome persiste mas
Paira Esvaziando-se de seu casto conteúdo.
Muito cosmogràficamente — Tantos gestos, palavras, silêncios,
Satélite. Até que um dia sentimos,
Desmetaforizada, Com uma pancada de espanto (ou de remorso?),
Desmitificada, Que o nome querido já nos soa como os outros.
Despojada do velho segredo de melancolia, Santinha nunca foi para mim o diminutivo de Santa.
Não é agora o golfão de cismas, Nem Santa nunca foi para mim a mulher sem pecado.
O astro dos loucos e dos enamorados, Santinha eram dois olhos míopes, quatro incisivos claros
Mas tão somente [à flor da boca.
Satélite. Era a intuição rápida, o medo de tudo, um certo modo de
[dizer "Meu Deus, valei-me".
Ah Lua deste fim de tarde,
Demissionária de atribuições românticas, Adelaide não foi para mim Adelaide somente,
Sem show para as disponibilidades sentimentais! Mas Cabeleira de Berenice, Inominata, Cassiopeia.
Fatigado de mais-valia, Adelaide hoje apenas substantivo próprio feminino.
Gosto de ti assim: Os epitáfios também se apagam, bem sei.
— Coisa em si, Mais lentamente, porém, do que as reminiscências
Satélite. carne, menos inviolável do que a pedra dos túmulos.
72 — — 73
NOTURNO DO MORRO DO ENCANTO LUA NOVA

Este fundo de hotel é um fim de mundo! Meu novo quarto


Aqui é o silêncio que tem voz. O encanto Virado para o nascente:
Que deu nome a este morro põe no fundo Meu quarto, de novo a cavaleiro da entrada da
De cada coisa o seu cativo canto. [barra.
Ouço o tempo, segundo por segundo, Depois de dez anos de pátio
Urdir a lenta eternidade. Enquanto
Volto a tomar conhecimento da aurora:
Fátima ao pó de estrelas sitibundo
Lança a misericórdia de seu manto. Volto a banhar meus olhos no menstruo incruento
[das madrugadas.
Teu nome é uma lembrança tão antiga,
Que não tem som nem cor, e eu, miserando, Todas as manhãs
Não sei mais como o ouvir, nem como o diga O aeroporto em frente
Me dá lições de partir:
Falta a morte chegar. . . Ela me espia Hei de aprender com ele
Neste instante talvez, mal suspeitando A partir de uma vez
Que já morri quando o que eu fui morria.
— Sem medo,
Sem remorso,
Sem saudade.

74 — 75
Não pensem que estou aguardando a lua cheia
— Esse sol da demência
Vaga e noctâmbula.
O que eu mais quero,
O de que preciso CONSOADA
E' de lua nova.

Quando a Indesejada das gentes chegar


(Não sei se dura ou caroável),
Talvez eu tenha medo.
Talvez sorria, e diga:
— Alo, iniludível!
O meu dia foi bom, pode a noite descer.
(A noite com os seus sortilégios.)
Encontrará lavrado o campo, a casa limpa,
A mesa posta,
Com cada coisa em seu lugar.

76 — 77
tam de 1912, através da leitura dos poemas de Guy-Charles Cros
e Mac-Fiona Leod.
A participação de Bandeira no movimento moderno, que se
prolonga historicamente até o ano de 1930, está reunida nas cole-
tâneas O Ritmo Dissoluto (1924) Libertinagem (1930). Sem
MANUEL BANDEIRA o querer, assumira a liderança da nova escola. Houve mesmo
quem o chamasse "o poeta principal". De qualquer modo, apro-
Síntese de uma bibliografia do poeta xima-se o instante da consagração definitiva do poeta: o primeiro
clássico do modernismo brasileiro.
Nascido em 1886, só ,sm 1917, aos 31 anos, publica Manuel Ao completar 50 anos, acrescenta Manuel Bandeira um sopro
Bandeira a sua primeira coletânea de poemas: A Cinza das Horas, renovador à sua mensagem, com os poemas da Estrela da Manhã
livro de inspiração simbolista, mas trazendo a marca dos processos (1936), a que se seguem: Lira dos Cinquenfanos (1944), Belo
parnasianos ainda dominantes no Brasil. Havia, porém, qualquer Belo (1948) e Opus 10 (1952), incorporados às sucessivas edições
coisa diferente nesse livrinho, o que fez João Ribeiro ob&srvar, no que se tiraram das suas Poesias Completas (sexta edição, 1955).
artigo em que saudou o aparecimento de um "verdadeiro poeta": A estas, não quis juntar o poeta o que chamou "versos de circuns-
"A verdadeira arte não comporta compandiosas retóricas e a ver- tância" do Mafuá do Malungo (segunda edição, 1955).
dadeira poesia não tem arte poética". Na obra poética de Bandeira, não é possível omitir a sua ati-
Era dizer muito num momento em que pontificavam, como vidade como tradutor, coligida no volume Poemas Traduzidos
deuses intocáveis, os mestres parnasianos Bilac e Alberto ds (segunda edição, 1948), além de O Divino Narciso, de Soror Jua-
Oliveira. Há no artigo de João Ribeiro, profeticamente intitulado na Inês ds Ia Cruz, publicada nos Anais da Universidade do Bra-
A poesia nova, uma série de adivinhações, e a mais interessante sil (1950, 1951), e mais recentemente o drama em versos de
delas é sem dúvida a frase que citamos acima, antecipando o sen- Schiller, Maria Stuart (1955), vertido para o nosso idioma a pedido
tido que adquirirá, com o tempo, a obra de Bandeira, principal- do Teatro Brasileiro de Comédia.
mente depois que o poeta, "farto do lirismo comedido", liberta-se Essas duas peças teatrais, os Poemas Traduzidos e mais os
do figurino parnasiano e da roupagem simbolista para se integrar versos de circunstância foram incluídos na modelar edição Poesia
no movimento de renovação estética que teve na Semana de Arte e Prosa, 1.° volume, da Editora José Aguilar, Rio de Janeiro (1958),
Moderna, realizada em São Paulo; em jansiro de 1922, o grande acrescida ainda da coletânea de poemas, Estrela ria Tarde, e da
ponto de referência. tradução de Macbeth, feita por encomenda do Teatro Brasileiro
Cumpre, entretanto, assinalar a publicação do Carnaval de Comédia, pronta desde 1956, mas ainda não representada.
(1919), como livro pioneiro do modernismo, sem esquecer os pri- Repito aqui o que já disse no prefácio da citada edição
meiros contatos de Manuel Bandeira com o verso livre, que da- Aguilar: a mensagem de Manuel Bandeira, felizmente, está longe
78 — — 79
de se considerar encerrada, pois o poeta, graças a Deus, continua
cada vez mais rijo nos seus verdes setenta e dois anos. Fora o
que tem para escrever, em prosa e verso, na sua atividade de
jornalista e de académico, escapou à publicação o ato em versos
do vanguardista Jean Tardieu, Conversação Sinfonieta, levado à
cena pela Companhia Tônia-Celi-Autran, no Rio de Janeiro, em OBRA POÉTICA
1958. Sem falar nos poemas inéditos. . .
Grande artífice do verso, poeta autêntico, dos maiores da lín- A CINZA DAS HORAS — Edição do autor — 1917.
gua portuguesa, a personalidade de Manuel Bandeira se confunde CARNAVAL — Edição do autor — 1919.
com a própria poesia. Não é à-tôa que ele diz: "Não faço poesia LIBERTINAGEM — Edição do autor — 1936.
quando quero e sim quando ela, poesia, quer". ESTRELA DA MANHÃ — Edição do autor — 1936.
MAFUÁ DO MALUNGO — Edição de João Cabral de Melo 1948.
Nova Edição, aumentada — Livraria São José — 1955.
OPUS 10 — Edição Hipocampo — 1952.
POEMAS TRADUZIDOS.
l.a edição, da Revista Académica, com ilustrações do Guignard —
1945.
a
2. edição — Editora Globo — 1948.
POESIAS COMPLETAS.
l.a edição — (A Cinza das Horas, Carnaval, O Ritmo Dissoluto) —
Revista de Língua Portuguesa — 1924.
2.a edição — Aumentada com os livros Libertinagem e Estrela da
Manhã — Civilização Brasileira — 1940.
3.a edição — Aumentada com o livro Lira do$ Cinquent'anos —
Americ-Edit — 1944.
4.a edição — Aumentada com o livro — Belo Belo — Livraria-Editôra
da Casa do Estudante do Brasil — 1948.
5.a edição — Aumentada de alguns poemas no livro Belo Belo —
Livraria-Editôra da Casa do Estudante do Brasil — 1951.
6.a edição -— Aumentada de alguns poemas no livro Opus 10 — Li-
vraria José Olympio Editora — 1955.
POESIAS ESCOLHIDAS.
l.a edição — Civilização Brasileira — 1937.
2.a edição — Irmãos Pongetti Editores — 1948.
F. A. B.

80 — 81
ÍNDICE
Págs.

Os Sapos 3
A Sereia de Lenau 6
A Dama Branca 7
Balada de Santa Maria Egipcíaca 9
Noite Morta 13
Berimbau 14
O Cacto 15
Pneumotórax 16
Poética 17
Evocação do Recife 19
Lenda Brasileira 23
Profundamente 25
Noturno da Parada Amorim 27
Noturno da Rua da Lapa 28
Irene no Céu 29
Namorados 30
You-me embora p'ra Pasárgada 31
O Último Poema
Estrela da Manhã 34
Aiarinheiro Triste 36
Boca de Forno
40
Momento num Café

~ 83
Rondo dos Cavalinhos 41
A Estrela e o Anjo 43
O Martelo 44
Maçã 45
Água Forte 46
A Morte Absoluta 47
Canção da Parada de Lucas 49
Canção do Vento e da minha Vida 50
Última Canção do Beco 52
Belo Belo 55
Piscina 57
Euvi uma Rosa 59
Excusa 61
No vosso e em meu Coração 62
Tema e Voltas 64
O Lutador 65
Outro Belo Belo 66
O Rio 68
Unidade 69
Arte de Amar 70
Boi Morto 71
Satélite 72
Os Nomes 73
Noturno do Morro do Encanto 74
Lua Nova 75
Consoada 77
Manuel Bandeira 78

84 -
40 — RIMBAUD Uma Estação no Inferno
41 — SILVIO NEVES Postais Ingleses
42 — JOÃO NEVES DA FONTOURA . . Poeira de Palavras
43 — JOSUÉ MONTELO Fonten Tradicionais de Antênlo Nobre
44 — ÁLVARO LINS No Mundo do Romance Policial
45 — STEFAN BACIU Servindo à Poesia
46 — Luís SANTA CRUZ Poética Menor
47 — MIGUEL PAHANHOS r>E Rio
BRANCO Alexandre de Gusmão 3 o Tratado
de 1750
48 — SÉRGIO PÕKTO Pequena História do Jazz
49 — WILSON LOUSADA . . . . O Caçador e as Raposas
50 — ALFREDO MARCARIDO e C. E.
COSTA Doze Jovens Poetas Portugueses
51 — OTTO MARIA CARpcAvíx . . . Respostas e Perguntas
52 — ARTHUR CEZAH FERRSIUA RFJS. Portugueses e Brasileiros na Guiana
Francesa
53 _ THEODORE HARNPEROEU . . . . Os Estados Unidos Através de sua
Literatura
54 — EURICO NOGUEIRA FRANÇA . . A Música no Brasil
55 — DANTE ALiGHiEHt Três Cantos do Inferno
53 — EVARISTO DE MORAI-J FILHO . Francisco Sanches na Renascença
Portuguesa
57 — LOTTRIVAL GOMES MACHADO . Teorias do Barroco
58 — ALMEIDA FISCHER A Ilha e Outros Contos
59 — CASSIANO RICARDO A Poesia na Técnica do Romance
60 — ROBERTO ALVIM CORKÍA . . . Hebe ou da Educação
61 — Luís COSME Horizontes de Música
62 — CELSO KELLY Três Génios Rebeldes
63 — RUBEM BRAGA Três Primitivos
64 — MANUEL BANDEIRA De Poetas e de Poesia
65 — ADONIAS FILHO Jornal de um Escritor
66 — JOSÉ FERNANDO CARNEIRO . Apresentação de Jorge de Lima
67 — FRANCISCO DE Assi.s BARBOSA. Testamento de Mário d'3 Andrade
68 — ANÍSIO TEIXEIRA A Universidade e a Liberdade Humana
69 — PEREGRINO JÚNIOR O Movimento Modernista
70 — AFRÃNIO COUTINHO . . . . Por uma Crítica Estética
71 — PEDRO DE BOTELHO 3 Fragmentos
72 — OLÍVIO MONTENEGRO . . . . Ensaios
73 — PAULO RÓNAI Roteiro do Conto Húngaro
74 — EDGARD CAVALHEIRO Evolução do Conto Brasileiro
75 — ROBERTO MENDES GOHÇ.U.VUS . O Barão Hubner na Corte de São
Cristóvão
76 — EDGARD CAVALHEIRO A Correspondência entre Monteiro Lo-
bato e Lima Barreto
77 — MANUEL BANDEIRA 50 Poemas Escolhidos pelo Autor
78 — SÉRGIO MILLIET Três Conferências
79 — GILBERTO FRHYRE Relnterpretando José de Alencar
80 — GILBERTO FRETRE Manifesto Reglonallsta de 1928
(Contínua

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