Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Resumo:
O artigo abordará a pesquisa de dissertação que desenvolverei ao longo do Mestrado
com foco na discussão sobre a construção do objeto e metodologia a qual utilizarei.
Pesquisarei sobre consumo e construção de identidade de consumidoras da marca de
acessórios e vestimentas femininas chamada FARM. Um aspecto relevante da cultura da
marca é o senso de pertencimento existente entre as consumidoras que se identificam como
‘Farmetes’ ou ‘Meninas da Farm’. O termo faz menção a estas consumidoras que usam os
produtos da marca na maior parte do tempo. A intenção da pesquisa é entender como se
constitui a identidade e estilo de vida entre este grupo que aumenta e se diversifica ao passar
do tempo, de maneira que pessoas pertencentes a grupos que não faziam parte da estratégia
da marca como consumidoras passam a comprar peças das lojas. Subsidiariamente, é
importante compreender as implicações decorrentes dessas mudanças. Além da diversificação
do público consumidor, surge um mercado paralelo de revenda e compra de roupas usadas da
marca, através de brechós. Ademais, lojas passam a confeccionar roupas e acessórios a partir
de tecidos descartados pela FARM, tornando as peças mais acessíveis em termos de preço. 1
Isso resulta na criação de lojas com um estilo semelhante ao da marca.
Introdução
1 Na parte de Metodologia será abordado alguns dos preços da loja, bem como os materiais que comercializa.
sobre o que é a mercadoria a partir do consumo. Appadurai (1989) aborda que as mercadorias
não são simplesmente objetos físicos com valores econômicos, mas sim entidades sociais
carregadas de significados culturais, simbólicos e políticos. Ou seja, as mercadorias têm uma
"vida social" que vai além das transações comerciais, elas desempenham papéis fundamentais
na formação de identidades e na configuração das relações sociais.
Segundo Douglas e Isherwood, o consumo é o que “acontece aos objetos materiais
quando deixam o posto varejista e passam para as mãos dos consumidores finais” Nesse
contexto, o consumo, se humaniza e adquire uma dimensão cultural significativa à medida
que é adquirido por pessoas. A compra e venda não são apenas transações econômicas, mas
são enraizadas em sistemas simbólicos que conferem significado aos produtos e serviços.
Esses sistemas de classificação são cruciais para a compreensão do consumo como uma
prática cultural.
Compreender quais são os significados atribuídos ao objeto são relevantes pois as
decisões e ocasiões de consumo são pautadas de acordo com contexto cultural do momento.
O que as pessoas consomem pode ser uma expressão de filiação a determinados grupos
culturais, e essas escolhas podem refletir e reforçar relações de poder dentro da sociedade. A
ideia de que o consumo é a "arena" em que a cultura é moldada implica que a cultura não é
estática, mas sim fluida e sujeita a mudanças. As disputas no âmbito do consumo contribuem
para a transformação contínua da cultura, refletindo as tendências, valores e conflitos
emergentes em uma sociedade (DOUGLAS; ISHERWOOD, 2004).
O consumidor é retratado como alguém que busca construir um "universo inteligível"
por meio das escolhas de bens. Isso implica que as preferências de consumo não são apenas
sobre a posse de objetos físicos, mas sobre a criação de um mundo compreensível e
significativo. Mas as escolhas não estão pautadas somente na individualidade, Bourdieu
(1970) argumenta que os gostos são moldados pelas posições sociais das pessoas na estrutura
de classes. Os gostos são vistos como marcadores simbólicos que diferenciam grupos sociais.
O que é considerado esteticamente agradável ou culturalmente valioso em uma classe pode
ser diferente em outra. No entanto, ao decorrer deste trabalho, examinaremos as decisões de
consumo de grupos específicos a partir de um contexto brasileiro, especialmente no século
XXI, onde a globalização exerce uma forte influência sobre a dinâmica e as escolhas de
consumo.
2 "Stand" é uma estrutura temporária, geralmente montada em eventos, exposições, feiras ou convenções, com
o propósito de representar uma empresa, marca.
3 Essas informações foram obtidas a partir do site da FARM: farmrio.com.br
Impulsionada por esse sucesso, a FARM inaugurou sua primeira loja em 1999,
localizada no Posto 6, em Copacabana. Em 2001, a segunda loja foi aberta, situada no Fórum
de Ipanema. De acordo com a Revista Exame, hoje a empresa transcende fronteiras e se
tornou a principal marca de moda brasileira internacional. Análises ressaltam que outras
marcas brasileiras com presença global não alcançaram o mesmo patamar em termos de
volume e receita. A Farm Global projetava alcançar R$300 milhões em vendas no ano de
2021, enquanto a Farm Brasil estima atingir aproximadamente R$900 milhões. A marca
possui atualmente 70 lojas no Brasil, uma em Nova York, além de pontos de venda em
diversas cidades dos Estados Unidos, Canadá e Europa. A empresa, buscando expansão
global, tem direcionado investimentos significativos na abertura de novas lojas no exterior.
Juntamente com essas transformações, há também a consolidação da marca no país e o
desejo entre novos públicos de consumidoras.
A FARM procura manter a imagem de uma marca para meninas de vinte e poucos
anos, que morem em determinados bairros, que tenham um determinado estilo. As
mulheres mais velhas que compram lá buscam o ‘espírito jovem’ que a marca
propõe.
Construção de Metodologia
Para discutir sobre os métodos que utilizarei, é necessário, primeiro, discutir sobre o
que é o’ campo’. Autores como Gupta e Ferguson (1997) contribuíram significativamente
para esse debate, ressaltando a importância que o trabalho de campo tem na antropologia,
pois o conhecimento da disciplina é em grande parte “baseado” na experiência a partir deste.
Assim, a diferença fundamental da matéria não é apenas a expertise na compreensão da
diversidade, mas também a metodologia particular para descobrir e entender essa diversidade.
O trabalho de campo, além de ser uma técnica de pesquisa, torna-se a "experiência
constituinte básica" que contribui para definir a antropologia como disciplina. No entanto,
deve haver uma reflexão em relação à adequação dos métodos etnográficos tradicionais em
um mundo globalizado com constantes mudanças, uma vez que o método foi desenvolvido
para estudar sociedades em pequena escala e os interesses de pesquisa, assim como a
pesquisa em questão, passam a não ser os mesmos interesses de pesquisa da antropologia
clássica.
A relação intrínseca entre globalização e antropologia não é exclusiva da era
contemporânea. A antropologia, se desenvolveu, inclusive, a partir da expansão colonial do
século XIX e, o interesse pelos povos primitivos marcou seu surgimento. No entanto, mesmo
que a disciplina sempre tenha lidado com aspectos da globalização, a consolidação dessa
dinamicidade parece não ser refletida por pressupostos estabelecidos, como ideais do que é
considerado o fazer antropológico segundo a antropologia clássica, que persistem nos dias
atuais. A clássica imagem malinowskiana do "etnógrafo solitário, homem branco, vivendo
entre os nativos" é mencionado segundo Gupta e Ferguson como um arquétipo que ainda
influencia a disciplina, uma vez que a partir dessa imagem criou-se uma hierarquização do
que é o "campo", onde estudos em contextos considerados “exóticos” são valorizados mais
do que aqueles próximos de "casa".
O texto, então, sugere que os métodos desenvolvidos para estudar sociedades em
pequena escala precisam ser ajustados para enfrentar os desafios das complexidades
contemporâneas. Fazer o 'campo' exige desvincular-se de pressupostos tradicionais,
considerando contextos específicos ao abordar fenômenos transcendentais com uma
abordagem mais flexível e contextualizada. O modelo tradicional de cultura, baseado na
separação entre sociedades, enfrenta dificuldades diante da complexidade e interconexão
crescente do mundo contemporâneo, marcado por intensos fluxos transnacionais de
informações, pessoas e práticas culturais, o qual é disseminado pelo desenvolvimento das
tecnologias de comunicação e informação, especialmente a internet, o que demonstra a
urgência de repensar o 'campo' na antropologia.
Essa crítica pode ser relacionada à ideia de que, ao analisar diferentes "culturas"
dentro de uma mesma sociedade estratificada, é crucial evitar a projeção de valores ou
julgamentos externos. Em vez disso, busca-se compreender cada uma das práticas culturais
dentro de seu próprio contexto social, considerando as relações de poder e dinâmicas internas
de cada grupo. Isso significa que, ao estudar o grupo de consumidoras e sabendo sobre sua
diversificação, é importante compreender as nuances por meio das dinâmicas internas que
permeiam o grupo, o que pode envolver a investigação das influências sociais, diferenças e
semelhanças de comportamento e de percepções das pessoas que compõem o grupo, bem
como investigar as relações de poder presentes.
Outra contribuição significativa do autor surge quando ele enfatiza que a criação do
objeto de estudo, sem ignorar preconcepções, é inevitável e requer uma ruptura com o
realismo ingênuo. Portanto, o desenvolvimento do conhecimento antropológico demanda
uma abordagem cuidadosa e consciente. Pensando sobre tal aspecto, meu interesse pela
pesquisa se deu de acordo com conhecimento prévio sobre a marca a partir da visualização da
divulgação em redes sociais. Admiro estéticamente as peças da FARM, mas nunca consumi
ou tive acesso aos produtos da marca devido aos preços que são considerados elevados,
segundo minha concepção. A partir de uma análise sobre o preço de algumas das peças 7 da
coleção atual da marca, por exemplo, o preço de um vestido longo varia de R$ 390,00 à R$
1.500,00; enquanto blusas variam de R$ 278,00 à R$ 750,00; sapatos e sandálias de R$
265,00 à R$ 818,00. Para mim, pensando no contexto do país em situação de crise financeira,
7Segundo informações do site a marca vende: vestimentas femininas como:saias, shorts, vestidos, conjuntos,
macacões, camisas, bodys,calças, sobreposição, kimonos, casacos, peças de carnaval, praia e roupas íntimas.
Entre acessórios vende: garrafas, carteiras, calçados, bolsas, capas de laptop, fones de ouvido e acessórios de
decoração para casa.
e com inflação alta o preço da marca conversaria mais com o planejamento financeiro de
pessoas mais privilegiadas economicamente, o que conversa talvez com a ideia da
consumidora ideal ser possivelmente a garota carioca da zona sul; no entanto, é uma visão
simplista considerar tal pressuposto, uma vez que a vida social é composta por
complexidades.
Barth não se limitou a descrever as diferenças entre os grupos estudados, mas também
se dedicou a compreender como essas diferenças surgiram e se desenvolveram ao longo do
tempo. Essa abordagem é fundamental para minha pesquisa, pois pretendo analisar a
ascensão da marca Farm desde sua origem em uma feira de moda até se tornar uma das
marcas de roupas femininas mais populares no Brasil. Durante esse percurso, sabendo que
este não é meu foco principal e que devido ao tempo estabelecido de pesquisa não farei
análises profundas sobre tais aspectos, contudo é crucial entender se a estratégia inicial da
marca de se dirigir exclusivamente à garota da zona sul era apenas uma idealização ou se
realmente teve início dessa forma. Além disso, é importante investigar a partir de qual
momento a marca começou a ser percebida por outros grupos sociais e como isso influenciou
sua imagem e posicionamento no mercado.
Nesse contexto, Geertz sugere que a chave para entender as diferenças entre essas
sociedades reside nos sistemas de pensamento presentes nas sociedades modernas. Ele busca
compreender essa diferença reconhecendo a complexidade e profundidade em ambas as
expressões culturais, propondo uma análise mais abrangente sobre como diferentes culturas
organizam e estruturam seus aspectos culturais, com ênfase no papel fundamental do senso
comum nesse processo. Sob essa perspectiva, o senso comum é considerado uma dimensão
crucial para entender as nuances culturais, abrangendo um vasto território de crenças
influenciadas pela cultura e historicamente construídas ao longo do tempo. Ao examinar
várias culturas simultaneamente a partir de análises de questões específicas, o pesquisador
deve identificar elementos estilísticos distintivos do senso comum transcultural. Esses
elementos se manifestam através de características como praticidade, leveza e acessibilidade,
variando significativamente de lugar para lugar e de período para período.
Dessa forma, mesmo que Geertz esteja olhando para outro objeto de pesquisa, ele traz
reflexões necessárias para se pensar como realizar metodologicamente uma pesquisa.O
consumo faz parte de uma prática cultural e se manifesta de forma diferente entre diferentes
contextos sociais, assim como Geertz classifica o senso comum. Devido ao fato destes
aspectos da cultura serem construídos a partir da história e contextos diferentes, é
interessante a partir do método comparativo, investigar como se manifesta entre diferentes
grupos. Contudo, ao estudar diferentes dinâmicas, é necessário traçar elementos estilísticos
que compõem tal aspecto cultural para identificá-lo melhor. No caso da pesquisa que
desenvolverei, o consumo se dá de forma diferente entre um grupo que não é homogêneo;
portanto, deve-se compreender quais são os aspectos que compõem alguns padrões dentro de
uma diversidade de nuances. É importante ressaltar que diferente da abordagem de Geertz, a
qual é realizada por meio da comparação entre diferentes locais, farei essa distinção entre
diferentes pessoas de diferentes grupos sociais que passam a compor um grupo em comum,
as “Meninas da Farm”.
Conclusão
Em suma, este artigo oferece uma contribuição significativa para uma compreensão
mais aprofundada e contextualizada do fenômeno do consumo. Destaca-se a importância de
considerar a diversidade cultural e as dinâmicas sociais subjacentes que influenciam as
práticas de consumo em diferentes contextos de grupos sociais que passam a fazer parte de
uma comunidade de consumidoras. Ademais, é discutido sobre a necessidade de desenvolver
metodologias de pesquisa que atendam aos objetivos e especificidades do campo de estudo.
Pensando no trabalho em questão, isto implica em investigar os circuitos percorridos pelas
consumidoras, tanto no mundo físico quanto no virtual, dada a relevância desses dois
aspectos para o grupo, bem como investigação das nuances de comportamento de consumo a
partir de análises comparativas que capturem a complexidade e a riqueza das experiências
vivenciadas pelo grupo em estudo, neste caso, as "Farmetes".
APPADURAI, Arjun. A Vida Social das Coisas: As Mercadorias sob uma Perspectiva Cultural.
Niterói, EDUFF, 2008 [1986]
ARNOULD, Eric; THOMPSON, Craig. Consumer Culture Theory (CCT): Twenty Years Of
Research. Journal of Consumer Research, v. 31, p. 868-882, 2005.
BARTH, Fredrik. O Guru, o iniciador e outras variações antropológicas. Rio de Janeiro: Contracapa,
2000 [1989].
BORDIEU, Pierre. A distinção: Crítica social do julgamento. Porto Alegre: Zouk, 2011 [1979].
CIETTA, Enrico. A Revolução do Fast Fashion: Estratégias e modelos organizativos para competir
nas indústrias híbridas. São Paulo: Estação das Letras e Cores, 2010.
DOUGLAS, Mary, ISHERWOOD, Baron. O mundo dos bens: para uma antropologia do consumo.
Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2004.
GEERTZ, Clifford. O saber local: novos ensaios em antropologia interpretativa. Petrópolis: Vozes.
1997.
GUPTA, Akhil & FERGUSON, James. “Discipline and Practice: “The Field” as Site, Method, and
Location in Anthropology.” Em Akhil Gupta & James Ferguson (eds.) Anthropological Locations:
Boundaries and Grounds of a Field Science. Berkley: University of California Press. Pp. 1-46. 1997.
Leitão, Débora. Nós, os outros. Horizontes Antropológicos, 13(28), 203-230. 2007.
MARINS, Cristina. Internet e trabalho de campo antropológico: dois relatos etnográficos. Ponto Urbe,
27, 2020.
MAGNAMI, José. De perto e de dentro: notas para uma etnografia urbana. Revista Brasileira de
Ciências Sociais, São Paulo, v. 17, n. 49, p. 11-32, 2002.
MARX, Karl. A mercadoria. O capital: crítica da economia política. Livro I. O processo de produção
do capital. Seção I. Mercadoria e dinheiro. Capítulo 1. São Paulo: Abril Cultural, 1983.
ROCHA, Everardo. Magia e Capitalismo. 4. ed. São Paulo: Editora Editora Ática, 2010.
Valenti, Graziella. Farm: a primeira marca global do Brasil e seu potencial no Grupo Soma.
Exame.com, 20 de dezembro de 2021,https://exame.com/insight/farm-a-primeira-marca-global-do-
brasil-e-seu-potencial-no-grupo-soma/p