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Leonardo Fernandes

Oppe
e O ENSINO
DE FÍSICA

nheimer
Reflexões sobre Física, Educação Brasileira e
Cinema.
Às explosões que não aconteceram
Apresentação

Bem-vindo ao Oppenheimer e o Ensino


de Física. Este e-book propõe uma
reflexão sobre a Ciência e a Educação
Brasileira, inspirada pelo filme
“Oppenheimer”. Após uma análise
detalhada do filme, ampliarei o escopo
para outros filmes indicados ao Oscar de
2024.
Mais do que análises, este trabalho é
um estímulo para educadores pensarem
sobre suas práticas e como elementos
culturais podem enriquecer o processo
ensino-aprendizagem. Espero que as
reflexões aqui compartilhadas inspirem
uma abordagem inovadora na educação.
Sumário
PARA INÍCIO DE CONVERSA

Responsabilidade
História e Subjetividade

O FILME É AULA DE FÍSICA

Ciência e implicações
Conexões
CIÊNCIA ALÉM DA CIÊNCIA

Formação acadêmica
Explorando o CTS

TAPETE, MIADOS E ESCRITA

Ciência: Teórica e Experimental


Publicação Educacional
TU PODES OUVIR A MÚSICA?

Desenhando Pensamentos
Ciência entre Arte e Poesia

HUMANO PRESTES A EXPLODIR

Antes de tudo
O humano acadêmico
A abolição do humano

PROATIVOS E ROUPA SUJA

Reação em cadeia
Gotas, incerteza e varal

EM QUEM ME TORNAREI?

Barriga de aluguel
O barulho precede a luz?
O que faremos? — Em quem?

OUTROS FILMES DO OSCAR 2024


Para
início de
conversa
Responsabilidade
Em um universo cinematográfico, a complexidade
do enredo de "Oppenheimer" ecoa de maneira
intricada na jornada de desvendar os mistérios do
ensino de física.

Assim como no filme, onde a marcante atuação de


Cillian Murphy e a direção magistral de Christopher
Nolan se entrelaçam para moldar a obra, o ensino de
física requer uma sinfonia de esforços coletivos. Não
se trata de um esforço solitário, mas sim da
harmonia de diferentes elementos — um conjunto
que transforma uma simples ideia em uma produção
digna de reconhecimento.

Ao contemplarmos as 13 indicações
ao Oscar, desde melhor filme até
melhor edição, somos lembrados de
que a grandiosidade de
"Oppenheimer" não se resume a um
único aspecto, mas sim à simbiose
de talentos diversos.
Analogamente, o ensino de física não deve se
restringir ao domínio isolado do professor, mas
abraçar a colaboração entre educadores, famílias e
comunidades.

G Filme Diretor Edição


A
N Trilha sonora original Ator
H
O Ator coadjuvante Fotografia
U

"Oppenheimer", embora possa não agradar a


todos os gostos, é universalmente reconhecido
como uma obra cinematográfica singular. Da
mesma forma, o ensino de física não busca agradar
a todos, mas reconhece a diversidade de públicos e
se adapta a diferentes estilos de aprendizado.
Assim como alguns podem achar o filme lento,
sua completude e qualidade são inegáveis. Da
mesma forma, o ensino de física deve transcender
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superficialidades e buscar a essência,
adipiscing elit, sed do eiusmod tempor
aprofundando-se
incididunt ut labore etna compreensão
dolore magna aliqua. dos estudantes.
A magia do filme reside na capacidade de cativar
tanto cientistas quanto leigos, provando que a
ciência pode ser acessível e intrigante para todos.
Paradoxalmente, nosso ensino científico muitas
vezes se afasta do público em geral. A
complexidade torna-se um obstáculo, e a falta de
conexão com a vida cotidiana afasta os estudantes.
A força do longa-metragem está em como ele
une pessoas diversas em torno de um objetivo
comum: contar uma história impactante e rica.
Essa é a lição para o ensino de física. Precisamos
unir forças — professores, famílias, escolas,
comunidades — para criar uma narrativa
educacional envolvente. Uma narrativa onde a
física não é apenas uma matéria, mas uma peça
essencial do quebra-cabeça da vida.
Enquanto a trama retrata a vida de um cientista
notável, o verdadeiro esplendor está na sinfonia de
talentos e esforços coletivos.

Da mesma forma, o ensino de física deve


transcender as barreiras disciplinares,
incorporando múltiplas perspectivas e habilidades.
Somente ao reconhecer que a educação é uma
produção coletiva, assim como um filme,
podemos almejar um ensino de física que seja
digno de reconhecimento na formação de mentes
curiosas e conectadas com o mundo que as cerca.
História e subjetividade
O filme, dirigido por Christopher Nolan, é uma
imersão na subjetividade de J. Robert
Oppenheimer, usando um intrigante mosaico de
cores que contrastam cenas coloridas e preto e
branco. Nolan não apenas embeleza visualmente,
mas tece a narrativa, diferenciando a subjetividade
do cientista da representação objetiva dos eventos
históricos.
Esta abordagem destaca uma disparidade
intrigante quando comparada ao ensino de física
em nossas salas de aula. Enquanto Nolan ousa
com uma narrativa envolvente e colorida, muitas
vezes restringimos o ensino da física a um
espectro monocromático, carente de contexto
histórico e criatividade.
Assim como Nolan usa um mosaico de cores para
contar a história de Oppenheimer, os professores
podem usar simulações interativas para ilustrar
conceitos como o movimento dos planetas no
sistema solar, permitindo que os alunos visualizem
as leis de Kepler em ação.
O livro "Física Impura" ressoa aqui, lembrando-
nos de que, mais do que as leis estabelecidas por
Kepler, Coulomb ou Newton, o foco deve ser nas
formulações dos estudantes sobre esses conceitos.

MERCHANDISING

Preciso vender meu livro porque...


bem, contas não pagam a si mesmas!

Livro Físico
entre em contato

Versão Digital
abaixo:
A obra enfatiza conectar os estudantes à
subjetividade do conhecimento científico,
explorando não apenas as leis, mas também o
processo criativo e humano por trás da ciência.
Para romper com o ensino monocromático, as
aulas de física poderiam se inspirar no projeto
realizado no município de Ourém, onde um
minicurso abordou a temática do seixo, integrando
questões socioambientais locais na educação
científica. Essa abordagem prática e
contextualizada permite que os alunos investiguem
e compreendam os impactos ambientais e sociais
de fenômenos geológicos locais, aplicando
conceitos de física ambiental em um cenário real e
relevante para a comunidade.

MERCHANDISING 2
Minha dissertação de mestrado discutiu
sobre Ourém - para quem interessar.

baixar ao lado:

Livro sobre Ourém,


por 4 seixos ouremenses
Livro Físico - entre em contato
Explorar experimentos físicos, a influência do
pensar cientificamente e os embates filosóficos
entre cientistas como Galileu e Aristóteles podem
enriquecer o cenário científico. O exemplo de
Galileu utilizando a metodologia socrática para
questionar as ideias aristotélicas — ler o livro
“Física | Tá falando grego?” — destaca a riqueza
histórica e filosófica que muitas vezes falta em
nossas aulas de física. Uma forma de abordar esses
temas seria tomar emprestado personagens do
"Diálogo sobre os Dois Principais Sistemas do
Mundo" de Galileu, para discutirem outros
argumentos científicos divergentes. Essa
representação teatral poderia ilustrar a importância
do debate científico e da evolução do pensamento.

MERCHANDISING 3
Aqui, debato um pouco sobre a
discussão entre Galileu e Aristóteles
Livro Físico - entre em contato

Versão Digital
ao lado:
Além disso, o gibi "O Multiverso da Física
Moderna", poderia ser utilizado como material
introdutório para discussões sobre modelos
geocêntricos e heliocêntricos, bem como outros
tópicos fundamentais para a cosmologia. Este
recurso visual e narrativo oferece uma maneira
atraente e acessível de envolver os alunos com
conceitos complexos.

MERCHANDISING 4
Gibi feito com estudantes de
licenciatura em física. Ele é fruto de
um projeto maior,:

Site ao lado:

Assim como Nolan utiliza cores para diferenciar


perspectivas em “Oppenheimer,” nosso ensino de
física deve adotar abordagens criativas e
contextualizadas. Desafiar a monotonia conceitual
e apresentar a ciência como uma jornada
fascinante, repleta de histórias intrigantes e
debates filosóficos, pode inspirar uma visão
envolvente do mundo da física.
O filme é
aula de
física
Ciência e implicações
A escolha entre cenas preto e branco e coloridas
transcende a estética, sugerindo possíveis
interpretações. As cenas monocromáticas podem
representar a perspectiva de Lewis Strauss, uma
visão de mundo estreita, enquanto as coloridas
refletem a complexidade da ciência sob a ótica de
J. Robert Oppenheimer.
A monocromia associada a Strauss simboliza
uma visão unidimensional, focada em objetivos
políticos e desprovida de nuances éticas e sociais
da ciência. Essa abordagem "monocromática"
representa a visão restrita de Strauss, contrastando
com a riqueza de considerações de Oppenheimer,
evidenciada pelas cenas coloridas.
Como levar os estudantes a uma investigação
mais profunda sobre a ciência? A resposta está em
promover uma compreensão holística, indo além
das teorias para explorar implicações éticas,
ambientais e sociais. Ao abordar temas como
fissões nucleares, os estudantes são guiados a uma
jornada que envolve não apenas os detalhes
científicos, mas também noções sobre incertezas e
impactos reais.
Essa abordagem multifacetada permite que os
estudantes vejam a ciência como uma força
dinâmica que molda e é moldada por diversos
aspectos da vida. Compreendida em todas as suas
cores, a ciência se revela uma jornada fascinante,
exigindo não apenas conhecimento técnico, mas
também uma apreciação das implicações mais
amplas através do tempo e da sociedade.
Conexões
A busca por sentido parece ser intrínseca tanto à
natureza da ciência quanto à linguagem
cinematográfica. Analisar, descrever e equacionar
fenômenos naturais não são apenas exercícios
acadêmicos, mas uma tentativa de conectar o que
observamos com o que entendemos. O filme
exemplifica essa intrincada rede de conexões,
utilizando uma metáfora visual desde a primeira
cena até o explosivo desfecho.
A escolha inicial de representar gotas de chuva,
perturbando a superfície da água, estabelece uma
conexão artística que espelha a própria essência da
busca científica por compreensão. Ao final do
filme, a perturbação se repete, mas agora, é o fogo
que deixa sua marca. Essa continuidade simboliza
o ciclo de descoberta e destruição inerente à
trajetória científica.
A habilidade do filme em entrelaçar seu início
com o fim, inclusive reintroduzindo Einstein
olhando para a lagoa, revela uma preocupação
constante com as consequências da bomba
atômica. Essa inquietação é visualmente ecoada na
cena inicial, quando Oppenheimer, ao observar a
chuva, levanta questões sobre o significado da
perturbação. A câmera, ao mostrar a água,
provoca uma reflexão sobre a figura jovem que
observa. Oppenheimer, ainda não refletido na
água perturbada, permanece indefinido, em
formação, convidando o espectador a desvendar
seu mistério ao longo do filme. Nem mencionarei
os minutos antes da explosão teste, Trinity, o
como as gotas de chuva permanecem, ainda mais
forte, fora e até dentro, nas capas de chuva dos
personagens — “quais serão os efeitos disto?”, é
esse o significado.

Essa abordagem cinematográfica contrasta


com a experiência muitas
vezes
desconectada que os estudantes têm ao
aprender física
O filme ilustra a importância de conectar
conceitos, provocar o "Eureka" ao descobrir algo
surpreendente e fazer com que a aula seja mais do
que um mero preparo para avaliações
padronizadas.
Infelizmente, nossos métodos de ensino muitas
vezes negligenciam esse aspecto essencial. Nossas
aulas são frequentemente uma conexão a apostilas
específicas, sem espaço para o entusiasmo ou a
maravilha da descoberta. A física, tal como
ensinada, raramente proporciona o momento
"Aha!" ou o espanto ao perceber algo que sempre
esteve presente, mas ainda não havia sido
plenamente compreendido.
Esta obra de Nolan nos lembra da fissão, onde o
átomo é fragmentado para criar novos elementos.
Da mesma forma, nossas aulas deveriam
fragmentar o conhecimento, acelerando-o em
direção à compreensão, originando novos insights.
O que move o conhecimento científico, o cientista
e a humanidade são elementos interligados, uma
teia complexa que merece ser explorada e
compreendida em toda a sua riqueza de conexões.
Ciência
além da
ciência
Formação acadêmica
O personagem se diz “inútil no laboratório”. E
aqui reside um delineamento interessante que o
filme faz, e real na atuação e formação de um
cientista. Evidencia-se a diferença entre os
departamentos experimentais e teóricos. No caso
de Oppenheimer no filme, isso o leva a buscar
adentrar nas discussões da época, principalmente
no âmbito da física teórica, com Niels Bohr e
outros preconizadores do que seria então
conhecido posteriormente como uma
interpretação da mecânica quântica.
Nessa cena, em que ele deseja assistir à palestra
de Bohr, pareceu muito similar a boa parte das
faculdades de física brasileiras. Pois Oppenheimer
acaba lembrando seus colegas — e até mesmo o
professor — de que Niels Bohr iniciará naquele
horário a palestra.
Da mesma forma, é ou não é comum cada
professor no seu âmbito de produção acadêmica?
É ou não é comum que, ao invés de haver
integração dos professores para uma formação
mais integral do graduando ou licenciando em
física, haja iniciativas isoladas comumente
destinadas ao sucesso de seu grupo de pesquisa?
Como se o objetivo primordial do professor
universitário fosse selecionar gente apta para dar
conta de produzir dentro de seu grupo de
pesquisa. E não tanto a formação holística do
estudante para que, mesmo almejando atuar fora
da minha área, desenvolva uma perspicácia
suficiente a partir da disciplina que ministro.
Diante dessa crítica, é possível notar que,
infelizmente, esse processo formativo brasileiro
ainda persiste.
Em algumas turmas de licenciatura em física, tive
a oportunidade de conduzir os estudantes para
fora da sala. Eles notavam todo o campus
universitário, escolhiam um local, com algum
objeto ou elemento, para, então, pensarem em
como a física pode ser compreendida a partir
desse objeto ou elemento e como uma aula
poderia ser ministrada naquele local específico.
Angustiava constatar que nenhum estudante da
turma havia participado dessa prática
anteriormente. Dava a impressão de que a
compreensão da física se restringia ao tempo de
aula, no ambiente da sala, seja através do quadro,
do pincel ou do projetor. Parecia que a física não
se manifestava na realidade ao redor deles.
Agora, pergunto aos leitores: como esses futuros
professores poderiam conduzir estudantes a uma
compreensão da física no mundo que os cerca, se
nem eles próprios, enquanto estudantes de
licenciatura em física, são desafiados a observar?
Aqui, permito-me tecer uma crítica à
universidade, um espaço que nutro profundo
amor e valorização. A maneira como concebemos
a física em nossos institutos, especialmente no que
se refere à educação que buscamos proporcionar,
revela-se absurdamente insatisfatória. Sinto, com
pesar, que se encontramos bons professores de
física em nosso meio, isso se deve menos a uma
formação excepcional na graduação e mais à
experiência à la Oppenheimer, de profunda
perturbação pelas implicações do que temos
produzido.
Se, conforme dizia Kuhn, a física experimenta as
chamadas revoluções cientificas, devemos acolher
com profunda humildade a necessidade de buscar,
ao menos, uma revolução modesta na forma como
a ensinamos. “Não se levanta uma pedra sem estar
preparado para a cobra que vai se revelar”, disse o
personagem Niels Bohr. E completa de forma a
ecoar aos Oppenheimers de nossas faculdades de
física, no Brasil, “vá para onde o deixam pensar!”.
Explorando o CTS
O filme “Oppenheimer” proporciona uma
imersão profunda na interligação entre ciência,
tecnologia e sociedade (CTS), oferecendo uma
visão enriquecedora sobre como o progresso
científico não apenas molda, mas é moldado por
contextos sociais e tecnológicos.
Ao acompanharmos o personagem principal,
somos levados a refletir sobre como as
descobertas científicas são frequentemente
impulsionadas por necessidades sociais prementes.
Essas descobertas, por sua vez, desencadeiam
mudanças sociais e tecnológicas que redefinem a
sociedade em que vivemos.

C iência

T ecnologia S ociedade
No contexto do ensino de física, é crucial que os
estudantes compreendam essa tríade dinâmica.
Não se trata apenas de absorver fórmulas e teorias,
mas de reconhecer a interconexão desses
conceitos com o mundo ao seu redor. Por
exemplo, a revolução causada pela internet e pelos
smartphones é um testemunho claro de como o
avanço científico molda diretamente a evolução da
sociedade.

À medida que novas tecnologias emergem,


muitas vezes em resposta a desafios sociais, o ciclo
de influência mútua entre ciência, tecnologia e
sociedade se intensifica. A pandemia do COVID-
19, por exemplo, acelerou a demanda por
inovações tecnológicas, resultando em avanços
científicos significativos.
Assim, o ensino de física não deve ser encarado
isoladamente, mas como parte integrante desse
ciclo contínuo. Desafiamos nossos estudantes não
apenas a absorverem informações dos livros
didáticos, mas a questionarem ativamente como a
ciência impacta e é impactada pela sociedade e
pela tecnologia. Encorajamos a participação ativa
nesse diálogo, capacitando-os como futuros
cientistas e cidadãos informados.
Este texto serve como um convite à reflexão ao
iniciar ou concluir um módulo de ensino que
explore a física sob a perspectiva CTS. Meu
objetivo é levar os alunos a considerarem o
impacto da ciência em suas vidas e no mundo,
estimulando uma abordagem, também, reflexiva
durante o estudo da física.
Tapete,
miados e
escrita
Ciência:
Teórica e Experimental
O filme nos mergulha no fascinante universo da
interação entre teoria e experimentação na física,
destacando a publicação científica como elo
crucial nesse processo dinâmico.
Ao contemplarmos a trajetória de J. Robert
Oppenheimer, somos conduzidos a refletir sobre a
simbiose entre teoria e prática na ciência. As cenas
envolvendo publicações científicas revelam como
esses registros servem como fontes de inspiração,
catalisadores para novas investigações e pontes
entre distintas áreas de especialização.
Lawrence e Oppenheimer, apesar de suas
especialidades diversas, são retratados não como
entidades dicotômicas, mas como colaboradores
que se complementam. Essa abordagem ressalta
uma verdade fundamental:

o avanço científico ocorre


na confluência entre
teoria e experimentação.
A teoria da relatividade, um dos exemplos
emblemáticos, depende de avanços tecnológicos
para testar seus limites, como no estudo de
buracos negros. O filme, de maneira notável,
evidencia como a compreensão histórica pode
informar e prevenir desastres futuros, como na
cena em que Oppenheimer menciona a explosão
em Halifax, 1917. A narrativa ganha uma camada
extra com o personagem Telles, cuja maestria em
cálculos matemáticos oferece uma perspectiva
única que temporariamente redireciona o curso do
projeto.
Como educadores, é nosso papel transmitir essa
visão integrada da física aos alunos. Não podemos
privilegiar exclusivamente o aspecto teórico ou
experimental; é imperativo envolver os estudantes
em uma metodologia que abrace ambos,
juntamente com elementos como a matemática e a
história.
Ao ensinar física, convidamos estudantes a
explorar a ciência como uma tapeçaria rica, onde
cada fio — teórico, experimental, matemático e
histórico — é essencial para o desenho completo.
Somente através dessa abordagem holística
podemos esperar avançar na educação em física e
preparar pensadores e inovadores no mundo de
amanhã
Publicação Educacional:
Além das fronteiras
Acadêmicas
Enquanto a publicação científica é a espinha
dorsal do avanço acadêmico, sua relevância para a
educação básica é muitas vezes questionada.
Afinal, qual é o valor de um artigo que não ressoa
com professores e estudantes, os verdadeiros
agentes da aprendizagem?
É aqui que devemos repensar nosso propósito ao
publicar. Não basta que um artigo seja apenas um
adendo ao vasto mar acadêmico; ele deve ser um
farol que orienta a educação. Publicações que não
alcançam as salas de aula são como limites
matemáticos que se aproximam de zero —
teoricamente interessantes, mas praticamente sem
impacto.
Portanto, defendo uma nova onda de
publicações educacionais — uma que abrace
gêneros diversos, estilos narrativos, experimentos
linguísticos, quadrinhos, filmes, animações e peças
teatrais. Essas são as mídias que podem capturar a
imaginação dos estudantes e inspirar os
professores a inovar em suas metodologias de
ensino.
Ao reconhecer e valorizar essas formas de
expressão como publicações legítimas, abrimos as
portas para uma educação científica mais inclusiva
e envolvente. Uma educação que não se limita às
paredes da academia, mas que se espalha pelas
salas de aula, laboratórios e até mesmo pelos
corredores, estimulando a curiosidade.
Que este seja o nosso objetivo: criar publicações
que não apenas informem, mas que também
transformem o ensino de ciências. Publicações que
não sejam lidas por seis gatos pingados — que
nem são de Schrödinger —, mas que se tornem
expressão de inovação educacional, ecoando
através das gerações de aprendizes e educadores.
Tu podes
ouvir a
música?
Desenhando
Pensamentos
Nas representações do Projeto Manhattan,
vislumbramos uma narrativa que transcende a
ficção para capturar a essência colaborativa e
interdisciplinar da ciência. Inspirados por esses
elementos, podemos extrair valiosas lições para
enriquecer o ensino de física.
A primeira lição que o filme nos oferece é a
compreensão do desenvolvimento científico como
um processo dinâmico de solução de problemas.
Ao testemunharmos cientistas de diversas
disciplinas — matemáticos, físicos teóricos,
experimentais e metalúrgicos — unindo esforços
em sessões de brainstorming para superar desafios
complexos, somos lembrados da eficácia da
abordagem colaborativa. Essa
interdisciplinaridade, evidenciada no filme, reflete
os princípios do Design Thinking aplicados à
ciência, onde a diversidade de perspectivas e a
liberdade para propor ideias inovadoras são
cruciais.

A segunda lição ressalta a importância de


proporcionar aos estudantes experiências que
reproduzam a realidade da pesquisa científica.
Assim como os cientistas do Projeto Manhattan
são desafiados a selecionar as melhores ideias e
descartar as menos eficazes, os estudantes devem
ser incentivados a pensarem, avaliando soluções
de forma analítica. Essa prática não apenas
desenvolve habilidades reflexivas, mas também
prepara os alunos para eventuais desafios reais que
enfrentarão.
Ao integrar essas lições ao ensino de física,
almeja-se cidadãos não apenas proficientes em
seus campos, mas também capazes de colaborar
de maneira inovadora para solucionar os
problemas prementes de nosso tempo. Ao
oferecer uma perspectiva vívida do trabalho
conjunto de mentes brilhantes, serve como um
lembrete de que a ciência floresce na interseção da
diversidade, colaboração e resolução criativa de
desafios.
Eliot e Picasso: Ciência
entre Arte e Poesia
Naquela cena poderosa, Niels Bohr lançou a
questão intrigante a Oppenheimer: “Você pode
ouvir a música?”. E de repente, nos vemos
envoltos em um mosaico de imagens que se
misturam e se fundem, revelando o intrincado
universo da mente de Oppenheimer. Somos
transportados para diferentes cenários, cada um
representando uma faceta única do cientista.
Primeiro, encontramos Oppenheimer na sala de
aula, imerso nas aulas de física teórica.
O ambiente, que lembra uma catedral ou igreja, é
emblemático. Representa a devoção e reverência
que Oppenheimer tinha pela ciência. É uma
metáfora para o sagrado espaço do conhecimento,
onde ele buscava desvendar os segredos do
universo.
Em seguida, surge o museu de arte, onde
Oppenheimer se depara com a obra “Woman
sitting with crossed arms” de Picasso. Essa cena é
um lembrete da importância da arte e da cultura
no processo de formação de um cientista.
A apreciação da arte
proporciona uma
sensibilidade única, que
alimenta a criatividade e a
capacidade de enxergar o
mundo sob diferentes
perspectivas.

Outro elemento fundamental é a leitura de “La


Terre Vaine”, de T. S. Eliot. Essa escolha literária
não é por acaso. A poesia de Eliot traz
questionamentos profundos sobre a existência
humana e a natureza do conhecimento.

Ao ler tais palavras,


Oppenheimer se conecta
com a essência da busca
pelo saber, explorando a
complexidade da vida e
do universo.
A seguir, somos levados para o céu estrelado do
espaço, uma imagem que simboliza a vastidão do
conhecimento que Oppenheimer buscava
compreender. Os mistérios do cosmos o
fascinavam, e ele se via como uma pequena parte
desse grande quebra-cabeça cósmico. Enquanto as
taças são lançadas ao chão, testemunhamos a
expressão de frustração e inquietação que
Oppenheimer experimentava em sua jornada
intelectual. Suas anotações, cálculos e reflexões
mostram sua dedicação incansável para desvendar
os segredos da natureza.
Finalmente, ocorre a explosão de euforia, o
momento “eureka!”. Oppenheimer, em meio às
conexões entre saberes diversos, alcança uma
epifania. A importância dessas cenas reside no fato
de que a formação de um cientista ou a descoberta
científica não estão limitadas ao conhecimento
específico de uma única disciplina. É a capacidade
de conectar ideias, conceitos e campos diferentes
que impulsiona a verdadeira inovação.
Nesse turbilhão de imagens e significados, o
filme destaca a importância de cultivar uma mente
aberta e curiosa, capaz de transcender fronteiras e
explorar novos horizontes.
Ele realmente pôde ouvir a música. A ciência é
uma sinfonia que une diversas vozes do
conhecimento, e Oppenheimer foi um maestro
extraordinário, harmonizando arte, literatura e
ciência em sua busca pela compreensão do
universo.
Essa cena magistralmente retratada por
Christopher Nolan nos lembra que o
conhecimento é um ecossistema dinâmico, onde
as conexões entre diferentes áreas alimentam a
criatividade e a descoberta. A formação de futuros
cientistas deve abraçar essa interdisciplinaridade,
incentivando a exploração de diversos campos
para enriquecer a jornada intelectual.
Abstrações juvenis
Assim como o jovem Picasso, que percorreu um
caminho de descoberta e ousadia em busca de sua
própria voz artística, Oppenheimer também
trilhou um percurso único e significativo em sua
jornada científica. Ao contemplar a arte abstrata
no museu de Picasso, Oppenheimer pode ter
encontrado inspiração para sua própria abstração
no campo da ciência.

A arte abstrata, ao desvincular-se da


representação fiel da realidade, abre espaço para a
liberdade criativa e para a busca de novas formas
de expressão.
Da mesma forma, na ciência, abstrair significa
fazer um recorte do fenômeno natural e analisá-lo
detalhadamente, buscando compreender suas leis e
princípios subjacentes. Essa capacidade de abstrair
é fundamental para a inovação científica, pois
permite aos cientistas explorar territórios
desconhecidos e fazer descobertas revolucionárias.
Picasso, como um preconizador de tendências
artísticas, estava no limiar do novo, abrindo
caminho para uma forma de expressão que
despertava fascínio e consternação. Da mesma
forma, Oppenheimer, ao se deparar com a arte
abstrata e as obras vanguardistas de Picasso, talvez
tenha encontrado um espelho para sua própria
inquietação e busca por algo inovador no campo
científico.
E, de fato, Oppenheimer se tornou um
preconizador em seu campo. Seu trabalho
revolucionário na física nuclear e sua liderança no
Projeto Manhattan mudaram o curso da história,
dando origem à bomba atômica e inaugurando a
era nuclear.

Essa conexão entre arte e ciência nos revela


como a criatividade, a ousadia e a busca por novas
perspectivas são essenciais para o avanço do
conhecimento humano. A educação científica deve
proporcionar aos estudantes o encontro com as
teorias e tradições científicas, mas também deve ir
além, apresentando os horizontes ainda não
explorados, as interpretações divergentes e as
fronteiras do conhecimento.
Assim como Picasso desafiou as convenções
artísticas de sua época, a ciência também precisa
abraçar a diversidade de pensamentos e
abordagens.
Um exemplo notável é o jovem Albert Einstein,
que propôs a Teoria da Relatividade quando ainda
era um cientista em ascensão. Sua teoria modificou
fundamentalmente a forma como enxergávamos a
física até então. Além disso, Einstein também
contribuiu com o Efeito Fotoelétrico, que
indiretamente influenciou o advento da mecânica
quântica.
À medida que a mecânica quântica crescia,
especialmente com a interpretação de
Copenhague, Einstein se posicionava de forma
contrária, devido à sua própria visão sobre a
natureza da ciência e seu papel
Além disso, na interpretação da mecânica
quântica, coexistem diferentes visões, como a
visão ortodoxa (de Bohr e o grupo de
Copenhague) e outras interpretações, como a de
De Broglie-Bohm e a de Hugh Everett. Permitir
que os estudantes se deparem com essas diferentes
perspectivas é fundamental para estimular o
pensamento reflexivo e criativo, preparando-os
para enfrentar os desafios científicos e
tecnológicos do futuro.
Humano
prestes a
explodir
Antes de tudo
Quero agora abordar o ser humano por trás da
ciência. Fico perplexo quando reflito sobre
alguém, independentemente de sua identidade.
Essa pessoa nasceu, pronunciou suas primeiras
palavras e deu seus primeiros passos. Antes de ser
engenheiro, arquiteto, médico ou matemático, ela
é, antes de tudo, um ser humano. Ela carrega suas
dores, pensamentos, temores e anseios. Pode até
ter interesses discutíveis, mas sua humanidade
prevalece. E, como tal, não podemos perder de
vista que todo cientista também é humano. Não
existe consenso absoluto, nem mesmo na
comunidade científica, sobre dados assuntos.
Com Oppenheimer, essa realidade não era
diferente. Como afirmou Ortega y Gasset: “Eu
sou eu e minha circunstância, e se não salvo a ela,
não me salvo a mim”. Oppenheimer tinha suas
convicções, e o filme habilmente não se limita a
reproduzir apenas o que o verdadeiro
Oppenheimer disse. Ele revela as controvérsias
onde ele próprio era controverso, as ambiguidades
onde ele era dúbio e as incertezas que ele não
expressou completamente. Sua relação com a
política e seus interesses voláteis são artisticamente
apresentados.
O enredo que envolve sua formação, descobertas
e, finalmente, a demonstração da bomba, é
complexo. Tudo é multifacetado e exige que
mergulhemos mais fundo. Não apenas a situação é
complexa, mas Oppenheimer, por dentro, também
é complexo.
Quando ensinamos física, precisamos apresentar
essas múltiplas camadas. Nem sempre a resposta é
simples, e nem sempre cabe em alternativas
predefinidas. Existem dias ou momentos em que
nossas aulas devem abraçar a complexidade.
Devemos reconhecer as múltiplas perspectivas que
divergem, se entrelaçam, se contradizem ou
permanecem em silêncio. Afinal, se a ciência é
feita por cientistas, e esses cientistas são seres
humanos, precisamos ensiná-la também com essa
perspectiva em mente.
O humano acadêmico
Ainda refletindo sobre o humano, desejo prestar
homenagem a todos os cientistas. Se existe um
grupo que merece continência, são eles. Devemos,
todos, atendê-los com honra. Devemos ceder
nosso lugar, mesmo que por um breve momento,
enquanto lhes servimos um café. Esse grupo, em
especial os cientistas brasileiros, dedicam suas
vidas a estudos, mestrados, doutorados e pós-
doutoramentos, buscando aprimorar nossa
compreensão do vasto universo que nos cerca.
Eles recebem tão pouco reconhecimento, e muitos
sequer encontram espaço para exercerem sua
vocação. O cientista merece valorização.
Retornando ao filme, o cientista Oppenheimer
enfrenta problemas familiares. Sua esposa luta
contra o alcoolismo, e o casamento deles é
marcado por traições. Uma cena notável é a da
nudez. Durante um interrogatório, Oppenheimer
se vê nu, como se Jean (sua amante) estivesse ali,
compartilhando um momento íntimo. A nudez é
exposta, diante deles e, principalmente, diante da
esposa. Isso é arte. Ele foi nu diante dela, perante
o mundo. Ela também foi exposta; já sabia da
traição, mas agora ambos estão ali, vulneráveis ao
olhar do mundo. A vergonha é terrível, e imagino
a dor dessa mulher.
Em outra cena, ela diz: “trate de se recompor”,
após a morte da amante. Ninguém conhece essas
crises tão profundamente quanto eles próprios.

Da mesma forma, na grande investigação da vida,


somos pressionados a expor nossa nudez, nossas
fraquezas, pelo menos para aqueles que realmente
importam. E aqui está o ponto que desejo abordar:
apesar de minhas homenagens aos cientistas
brasileiros, muitas vezes seus ambientes de
trabalho os sobrecarregam, tornando difícil lidar
com tudo o que enfrentam.
Talvez consigam produzir mais nove artigos.
Escrever mais um projeto para, quem sabe, por
misericórdia, obter investimento para suas
pesquisas. Talvez até roguem por forças
sobrenaturais para garantir uma bolsa para seus
orientandos. E, então, se não mantiverem o
padrão das revistas, da universidade, do grupo de
pesquisa, serão pressionados. Pressionados para
provar que são dignos de suas posições. E, se
possível, serão expostos, até mesmo desnudados.
Que se exploda o mundo que os perturba. Que se
explodam suas esposas, suas famílias. Filhos? Que
produzam conforme ordeno! Montem a tese ou
perderão a vaga. Síndrome, depressão ou
ansiedade? Todos já passamos por isso, aqui. Ah,
se atrapalharem, que se separem! E a única figura
capaz de impulsioná-los a se recompor, a
enfrentarem a descrição do universo que os
aguarda, é, por fim, indiretamente menosprezada
pela produtividade acadêmica.
A abolição do humano
A escolha do nome Trinity para o teste nuclear
carrega uma ironia profunda. A humanidade,
reduzida a um objeto. As cidades, alvos potenciais
de destruição, são selecionadas com base em
critérios frios de relevância ou conveniência
turística, uma realidade chocante retratada no
filme. O indivíduo é desumanizado, transformado
em mero objeto. A empatia se perde; ninguém
mais se vê através dos olhos do outro. Isso não é
um defeito inerente à ciência, mas sim o resultado
de uma perspectiva científica isolada, que
desvaloriza outras formas de compreensão e
privilegia apenas algumas visões.
Esses poucos se elevam a uma posição divina,
construindo suas torres de onde ditam leis não
naturais. A escolha, a decisão, a definição, a
soberania — tudo isso é usurpado pelo poder
científico do homem.
E assim, conforme C. S. Lewis advertiu,
testemunhamos a abolição do homem, no discurso
de domínio sobre a natureza. Na verdade, é
através da natureza que um grupo de homens
subjuga muitos outros. O ensino de ciências deve,
portanto, valorizar imensamente o conhecimento
científico, mas também deve aprender a se
autoexaminar e se autocriticar, para, no final,
educar cidadãos capazes de manejar o fogo que
Prometeu, na metáfora, nos entregou.
Proativos
e roupa
suja
Reação em cadeia
A inércia da ação frente à urgência da reação
define nossa era. A ciência, em sua essência, é
relegada a um papel secundário, convocada apenas
no limiar do desastre. Mas, seria essa postura
reativa um reflexo do ensino científico? A
educação em ciências, muitas vezes, falha em
estabelecer um ambiente que fomente a iniciativa,
limitando-se a transmitir conhecimento sem
incentivar a reflexão crítica ou a invenção.
A pandemia de coronavírus desnudou essa
realidade. Divididos em espectros políticos, muitos
buscaram na ciência não a verdade, mas a
confirmação de suas ideologias. Quando a ciência
foi chamada a responder, suas vozes foram
abafadas pelo clamor das massas. Iludimo-nos
com a ilusão do saber, enquanto a essência da
ciência nos escapa.
Não é em meio à crise que devemos correr atrás
do prejuízo, tentando em meses alcançar o que
por décadas negligenciamos: compreender e
ensinar a ciência de forma apropriada. O ensino de
ciências deve ser uma jornada de descoberta
contínua, onde o conhecimento científico é
valorizado e a capacidade de questionar e
reinventar é cultivada. Somente assim formaremos
cidadãos equipados para manejar o fogo
prometeico com sabedoria e responsabilidade.
Gotas, incerteza e varal
A serenidade que antecede o furacão da inovação
é palpável. O silêncio que precede a sinfonia do
progresso. Na tranquilidade, a mente de
Oppenheimer se agita, pondera, tece. No limiar
das expectativas e na imensidão do desconhecido,
ele se firma. As repercussões de suas escolhas
ecoam, deixando marcas em gota — não só na
roupa de Kenneth Bainbridge —, mas na
trajetória da humanidade. Tudo é turvo. Será que
irá funcionar? Afinal, o que significa funcionar?
Iniciará o caos? Ou instaurará a ordem no caos? O
clímax da história.
Acontece a explosão e você está aqui porque
naquele instante, tudo funcionou, ou será que
realmente funcionou? Não sei.
E então, 10, 9, 8… Tranquilidade. Isso é física. A
luz, quase instantânea aos olhos. O som,
percorrendo lentamente, até chegar aos nossos
ouvidos. E ele surge, majestoso! Funcionou.
Funcionou? Guarde os lençóis.

Na educação, assim
como na ciência, há
momentos que devemos
cultivar um ambiente de
incertezas. Um espaço
de expectativa.

Um cenário que desafia o aluno a interagir além


das paredes da sala de aula, assim como
Oppenheimer interagiu com os aspectos mais
cotidianos da vida, com sua esposa. É nesse
ambiente que a curiosidade floresce, onde as
perguntas mais significativas são formuladas e
onde o aprendizado se torna uma jornada de
descobertas pessoais e coletivas.
Em
quem me
tornarei?
Barriga de aluguel
O trabalho científico é, em si, ingrato em certa
medida. É barriga de aluguel. Como será usado tal
conhecimento não depende do cientista. É por
isso que é necessário o ensino científico. Não
apenas o desenvolvimento científico. O ensino
nos leva a enxergar a ciência como em uma aula de
anatomia. Como a uma equação matemática. O
conhecimento científico pode ser usado para
interesses alheios e mesquinhos. Mas é o ensino de
ciência que dá senso disso à humanidade
O barulho precede a luz?
Dentro do filme, em um momento crucial após a
explosão da bomba, o público celebra. Como diria
Dilma, todos estão destinados a perder. Nessa
cena, ao contrário do teste Trinity, o som precede
a visão. Metaforicamente, é como se estivéssemos
em um lugar distante, privados da visão do outro.
Estamos mal posicionados, e o som ecoa primeiro.
A figura de Oppenheimer emerge, ovacionada.
Palmas. Uma expectativa de saudar aquele que
tanto fez por nós, personificando a trindade —
ciência, guerra e fogo.
O som prevalece, e só depois a imagem e a luz se
manifestam. Os efeitos da bomba, agora visíveis,
afetam a todos. Japoneses, alemães ou qualquer
inimigo compartilham a humanidade comum:
matamos e morremos, ganhamos e perdemos. Os
que ovacionam são desconfigurados, enquanto
celebram a destruição dos inimigos. Sofrem pela
radiação, ao mesmo tempo em que festejam os
efeitos radioativos futuros sobre seus adversários
Nesse contexto, somos, em certa medida, os
arquitetos da lamentável situação atual do ensino
de física. Este pode nos reconectar com a
realidade. É surpreendente que a física, hoje, seja
frequentemente apontada como dissociada da vida
real. No entanto, sua verdadeira essência deveria
proporcionar um entendimento mais profundo da
realidade que nos cerca.
O que faremos? —
Em quem?
O diálogo final entre Oppenheimer e Einstein
transcende a narrativa do Projeto Manhattan,
desencadeando reflexões profundas sobre
responsabilidade, conhecimento e as
consequências inevitáveis de nossas ações.
Analogamente, encontramos paralelos nas
escolhas educacionais no Brasil. Assim como
Oppenheimer, possuímos uma visão clara das
possíveis ramificações, mas muitas vezes agimos
como cegos diante do abismo iminente.
Assim como Oppenheimer tinha ciência das
implicações catastróficas da bomba atômica, os
educadores no Brasil conhecem as deficiências e
desafios de nosso sistema educacional. Não
mencionarei os inúmeros problemas que nós,
educadores, bem sabemos quais são. No entanto,
assim como Robert, muitas vezes continuamos em
frente, cientes das consequências, mas talvez
sentindo-nos impotentes para mudar o curso da
história.
A previsão sombria de Oppenheimer, expressa
na frase “Nós destruímos”, ressoa como um aviso
silencioso sobre os riscos de ignorar as
consequências de nossas ações. Da mesma forma,
as previsões sobre os desafios educacionais no
Brasil estão presentes há anos, clamando por
atenção e ação. A pergunta crucial que se impõe é:
o que faremos diante dessas previsões?
Assim como Oppenheimer enfrentou as
consequências do Projeto Manhattan, a
comunidade educacional no Brasil deve confrontar
as realidades de nosso sistema. Em vez de agir
como se estivéssemos de olhos vendados, é
imperativo que enfrentemos as deficiências,
invistamos em soluções criativas e, acima de tudo,
assumamos a responsabilidade pelo futuro de
nossa educação. Assim como Oppenheimer e
Einstein, que enfrentaram as repercussões de suas
descobertas, nós, educadores, devemos assumir a
responsabilidade pelas escolhas que fazemos e
pelas consequências que podem surgir. Não
somos impotentes, e a mudança começa com a
ciência e a ação. “Agora eu me tornei a Morte, o
destruidor de mundos”, disse Oppenheimer, ao
que pergunto:

Em quem nos
tornaremos?
Todos os prêmios de
Oppenheimer
Oscar de Melhor Filme 2024 · Christopher Nolan, Emma
Thomas, Charles Roven
Oscar de Melhor Ator 2024 · Cillian Murphy
Oscar de Melhor Ator Coadjuvante 2024 · Robert Downey Jr.
Prêmio Globo de Ouro: Melhor Filme Dramático 2024
Oscar de Melhor Direção 2024 · Christopher Nolan
Prêmio BAFTA de Cinema: Melhor Filme 2024 · Christopher
Nolan, Emma Thomas, Charles Roven
Prêmio Globo de Ouro: Melhor Diretor 2024 · Christopher
Nolan
Prêmio Globo de Ouro: Melhor Ator em Filme Dramático
2024 · Cillian Murphy
Prêmio BAFTA de Cinema: Melhor Ator 2024 · Cillian
Murphy
Prêmio Globo de Ouro: Melhor Ator Coadjuvante em
Cinema 2024 · Robert Downey Jr.
Critics' Choice Awards: Melhor Filme 2024
Oscar de Melhor Trilha Sonora Original 2024 · Ludwig
Göransson
Prêmio do Sindicato dos Atores: Melhor Elenco 2024 · Cillian
Murphy, Emily Blunt, Florence Pugh, ...
Oscar de Melhor Fotografia 2024 · Hoyte van Hoytema
Prêmio Globo de Ouro: Melhor Trilha Sonora Original 2024
· Ludwig Göransson
Oscar de Melhor Montagem 2024 · Jennifer Lame
Prêmio AFI: Melhor Filme do Ano 2024
Prêmio BAFTA de Cinema: Melhor Ator Coadjuvante 2024 ·
Robert Downey Jr.
Prêmio do Sindicato dos Atores: Melhor Ator Coadjuvante
2024 · Robert Downey Jr.
Bandung Film Festival for Imported Film 2023
Prêmio do Sindicato dos Atores: Melhor Ator Principal 2024
· Cillian Murphy
Prêmio BAFTA de Cinema: Melhor Trilha Sonora Original
2024 · Ludwig Göransson
People's Choice Award: Melhor Filme de Drama 2024
New York Film Critics Circle Award de Melhor Diretor 2023
· Christopher Nolan
Prêmio do Sindicato de Produtores da América - Melhor
Filme 2024 · Christopher Nolan, Emma Thomas, Charles Roven
Prêmio BAFTA de Cinema: Melhor Direção 2024 ·
Christopher Nolan
Prêmio BAFTA de Cinema: Melhor Montagem 2024 ·
Jennifer Lame
ASC Award para Melhor Fotografia de Cinema 2024 · Hoyte
van Hoytema
AACTA International Award de Melhor Ator 2024 · Cillian
Murphy
Prêmio BAFTA de Cinema: Melhor Fotografia 2024 · Hoyte
van Hoytema
New York Film Critics Circle Award de Melhor
Cinematografia 2023 · Hoyte van Hoytema
Satellite Award de Melhor Diretor 2024 · Christopher Nolan
Satellite Award de Melhor Elenco 2024
Satellite Award de Melhor Ator em Filme de Drama 2024 ·
Cillian Murphy
Critics' Choice Award: Melhor Ator Coadjuvante 2024 ·
Robert Downey Jr.
AACTA International Award de Melhor Diretor 2024 ·
Christopher Nolan
ADG Award de Melhor Design de Época 2024 · Ruth De
Jong
Critics' Choice Award: Melhor Elenco 2024
Directors Guild of America Award - Melhor Diretor de
Filme 2024 · Christopher Nolan
Robert Award for Best English Language Film 2024 ·
Christopher Nolan, United International Pictures
Critics' Choice Award: Melhor Diretor 2024 · Christopher
Nolan
Critics' Choice Award : Melhor Fotografia 2024 · Hoyte van
Hoytema
Critics' Choice Award: Melhores Efeitos Visuais 2024
Satellite Award de Melhor Filme Dramático 2024
Critics' Choice Award: Melhor Compositor 2024 · Ludwig
Göransson
Critics' Choice Awards: Melhor Edição 2024 · Jennifer Lame
Outros
filmes do
Oscar
2024 8
Pobres Criaturas:
Sensações e Educação
Como medir a formação? Se o dedo mindinho
supera o braço, houve boa formação?
A educação vai além das sensações. Deve tornar
o estudante pleno, capaz de relacionar habilidades
diversas, como Pelé mobilizando pernas e cabeça.
Bella, reprimida por Deus e o mundo, encontra
plenitude dando vazão unicamente ao que sente. A
formação plena para a Base Nacional Comum
Curricular (BNCC), por outro lado, pretende o:
“compromisso com a educação integral.
Reconhece, assim, que a Educação Básica deve
visar à formação e ao desenvolvimento humano
global, o que implica compreender a
complexidade e a não linearidade desse
desenvolvimento, rompendo com visões
reducionistas que privilegiam ou a dimensão
intelectual (cognitiva) ou a dimensão afetiva”.
(BRASIL, 2018, p. 14)

Desafiador! Como proporcionar uma formação


que mobilize cognição, afeto, perspectivas, e etc.,
quando mestres são formados apenas para a
cognição ou suas afeições imediatas?
Pobres criaturas é um filme bem feito, único.

Porém, em termos
da formação que
tanto almejamos aos
nossos estudantes,
incapaz de ser plena.
Anatomia de uma Queda
e formação investigativa
Em Anatomia de uma Queda, dirigido por
Justine Triet, somos imersos em um conflito de
versões e dúvidas sobre a verdade. O filme
transcende a mera investigação de um crime e
mergulha nas complexidades de uma relação
conturbada.
A trama se desenrola em um chalé isolado nos
Alpes franceses, onde Sandra, uma escritora alemã,
vê sua vida desmoronar quando seu marido
Samuel é encontrado morto na neve. A viúva é
indiciada, e seu próprio filho de onze anos, com
deficiência visual, está no centro do conflito.
O filme nos leva à investigação. Assim como no
caso da mãe e do filho em Anatomia de uma
Queda, nossas aulas de física também não
precisam fornecer todas as respostas. A habilidade
EM13CNT301 da Base Nacional Comum
Curricular (BNCC) destaca: a importância de:

“Construir questões, elaborar hipóteses,


previsões e estimativas, empregar instrumentos
de medição e representar e interpretar modelos
explicativos, dados e/ou resultados
experimentais para construir, avaliar e justificar
conclusões no enfrentamento de situações-
problema sob uma perspectiva científica”.
(BRASIL, 2018, p. 559

O professor deve criar um ambiente que permita


aos estudantes elaborar suas próprias conclusões,
enfrentando situações-problema sob uma
perspectiva científica. Assim como o filme, que
nos deixa com perguntas sem respostas definitivas,
a educação também deve incentivar a busca pelo
conhecimento e a reflexão crítica, em vez de
apenas entregar soluções prontas.
A quem interessa esta
Zona de Interesse?
O quão genuinamente em prol da educação
somos comprometidos? No filme, há um evidente
contraste entre a zona de concentração em
Auchwist e o dia dia da familia Höss. Seus filhos
correm livremente, brincam e gritam, enquanto há
acolá gritos abafados das outras crianças. O muro,
ao menos no seu lado, floresce, enquanto no
mesmo muro, noutro lado, murcha-se a vida.
Vivem no sonho realizado, nas palavras da Sra.
Höss.
Uma familia estranha, “quase normal”, vivendo o
banal. Trabalho, namoro e medo na madrugada.
Doença, sonho de ter um sítio e passeio com
filhos. Risadas, saudades e segredos. Ali habitam e
convivem, tão perto do caos.
E, de maneira mais profunda, só há ali o caos,
porque lá habitam. Eles próprios, são a causa do
que ocorre noutro plano, que artisticamente, o
diretor Jonathan Glazer suprime de nosso olhar.
Para, estranhamente gerar incomodo, como se
estivéssemos na jornada deles, mesmo sabendo o
que realmente acontecia ao lado. Ficamos apáticos
às cenas dos judeus que nem na visão noturna se
mostra. Eu choro, enquanto escrevo. E teimo, não
quero fazer um paralelo com o ensino de física. É
dor. Mas em Oppenheimer, vi os efeitos que a má
interação com a ciência oferece. E teimo diante de
minha teimosia para dizer, em meio a afazeres,
diversões, trabalho, metas e sonhos — estaremos
sensíveis o suficiente para nos colocar no
caminho, em prol do processo de ensino-
aprendizagem científico? Para que ao menos,
quem sabe, evitemos novamente a possibilidade de
tamanha terribilidade. Precisamos:

“Investigar e discutir o uso indevido de


conhecimentos das Ciências da Natureza na
justificativa de processos de discriminação,
segregação e privação de direitos individuais e
coletivos, em diferentes contextos sociais e
históricos, para promover a equidade e o
respeito à diversidade.” (BRASIL, 2018, p. 559
Referências
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é o
mínimo que deveríamos oferecer nas instituições
de ensino básico. Contudo, mal a
compreendemos; dificilmente a mobilizamos em
nosso processo de “montagem didática.
Promover atividades, projetos, aulas ou reflexões
que levem em consideração o que nela está
expresso ainda é desafiador. Não basta ler sobre
Oppenheimer para ter inteira compreensão dele.
É necessário adentrar em seu mundo, notar as
equações no entorno de seu trabalho, não
apenas uma vertente ou variável, mas todas as
possíveis. Na mesma direção, cabe ao educador
refletir sobre todas as nuances que envolvem a
educação, em sua própria caminhada. E, só
assim, não buscará mais uma habilidade para
desenvolver no aluno, mas, sendo ele mesmo,
deformado e formado, munido de dadas
habilidades, agora conduzirá o estudante à
caminhada. Torna-se, assim, uma referência.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria da
Educação Básica. Base Nacional Comum
Curricular. Brasília, 2018.

Oppenheimer. Universal Studios, 20 jul. 2023.


A Vida pergunta: "Posso?". Ao
que respondo: fique à vontade e
sente. E indago: após o intervalo,
qual será a aula? De repente,
chuva. Olho para a Vida e, por
dentro, a pergunto. Os olhos
intensos dela convidam os meus a
prestar atenção na tela.
Oppenheimer? Nesta conclamação
para a cinematografia, respondo
sim, quando, mesmo em silêncio,
passo a contemplar.
Este e-book não tem fins comerciais

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