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INTRODUÇÃO

Os novos cenários e os novos olhares


na pesquisa em educação no Brasil

Wellington Ferreira de Jesus


Célio da Cunha

A solidão, decerto, mas talvez não a


esterilidade
José Saramago –
Manual de Pintura e Caligrafia

As palavras de José de Saramago, de certa forma, exprimem o que é a atuação de


um pesquisador. Por vezes, em sua solidão, ou se quisermos, repensando outro
clássico do pensamento ibero-americano, Octávio Paz, em seu labirinto solitário,
é marcado pelo desafio e pelas incertezas.
Para além dos textos literários, a pesquisa e, em especial, a pesquisa no
campo da Educação nos deixa a procura de certezas nas incertezas, de temas
em temas, aparentemente já explorados, além de cenários e atores novos em um
teatro, à primeira vista, já esgotado em suas possibilidades, entre outros aspectos.
São estes os desafios dos novos pesquisadores, nem sempre novatos, mas

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sempre renovados em uma busca constante que envolve, em primeiro lugar, a
dimensão científica de refazer percursos ainda não trilhados, ou seja, de reacender
a ciência e o conhecimento enquanto construções históricas e sociais. Algo finito,
é bem verdade, porém ilimitado e inconcluso.
Em segundo lugar, a dimensão pedagógica que pressupõe o ensino e a
publicização do conhecimento realizado. De certa forma, o fim de toda pesquisa
não é (e nem pode ser) o limite da produção do conhecimento, mas as possibilidades
de amplificação do saber, de repartir e compartilhar, ou partilhar com, a sociedade
os resultados, sejam as confirmações ou as refutações de pesquisas.
E, por fim, a dimensão pessoal em que estão amalgamados os desafios
profissionais, éticos, da afetuosidade, da sociabilidade, da humanização e da
produção de algo que, embora constituído sob a perspectiva da teoria, resulte na
construção e na ressignificação da concretude da realidade humana.
É, pois, nesse sentido de ganha corpo o pensamento de Saramago: todo o
exercício de produção é sim um esforço solitário, em que pese à presença de quem
orienta, mas há momentos em que a solidão se torna dominante. Momentos em
que o labirinto das possibilidades, dos conceitos, da teoria parece não apenas
desafiar, mas comprimir e obnubilar as possibilidades de saída. No entanto, todo
esse processo não é estéril, gerando mais conhecimento. Além disso, há sempre
um fio de Ariadne a indicar possibilidades de saída do labirinto ao pesquisador.
Esse fio de Ariadne não se trata de algo mítico ou um achado divinizado,
mas a utilização de um método científico, condição sine qua non para qualquer
estudo ou pesquisa científica. Os pesquisadores não contam com a sorte, mas
se desafiam em extensas jornadas de trabalho na solidão dos desertos pessoais.
Nesse sentido, não se contentam com miragens ou com a brevidade de oásis,
mas propondo alternativas nas improváveis soluções. Trata-se, portanto, de um
outro, de um novo olhar sobre uma realidade concreta. A pesquisa científica é
constituída por estes desafios,
Compreende-se que o campo da pesquisa em Educação é também permeado
de tais desafios, sendo que o primeiro deles é a escolha. A escolha de temas da
Educação que se apresenta em uma dimensão polissêmica. Ao pensarmos na
dimensão epistemológica pensamos em formas de aprender e ensinar; história e
a filosofia da educação ao longo dos séculos ou em sua contemporaneidade; as

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contradições e as lógicas; as políticas educacionais; a avalição; as possibilidades
de conservação ou transformação, de exclusão e inclusão na sociedade, dentre
outros aspectos. Contudo, não basta apenas as escolhas de um caminho em que
se pretende seguir a caminhada. É preciso saber como caminhar.
A presente obra, A pesquisa em educação no Brasil: novos cenários e novos
olhares, integra a Coleção Juventude, Educação e Sociedade, pertencente a conjunto
de uma produção bibliográfica em Educação e que tem como referências o
Programa de Pós-Graduação Sticto Sensu em Educação da Universidade Católica
de Brasília (UCB), a Unesco, a Cátedra Unesco de Juventude, Educação e
Sociedade e objetiva apresentar a pesquisa em educação no Brasil estudantes
de mestrado, doutorado e pós-doutores de Programas de Pós-Graduação em
Educação da UCB, da Universidade de Brasília (UnB), da Universidade Federal
do Oeste do Pará (UFOPA), da Universidade Paulista (Unip) que, seja em
conjunto com seus orientadores com a autorização destes, se lançaram ao desafio
da produção do conhecimento nos temas da educação brasileira.
Na obra em tela são propostos novos cenários e novos olhares de uma
geração de pesquisadores que buscam na pesquisa em Educação a centralidade
para repensar o Brasil. Discutem o local, o regional e o global, bem como, as
conexões entre o pensamento clássico e demandas contemporâneas da sociedade
brasileira. Cunha (1991) alertou-nos ao fato de que educação, Estado e democracia
devem conviver em conjunto e harmonia, caso contrário, como observado no
caso brasileiro, a exclusão será marca da educação.
Nesse sentido, o livro A pesquisa em educação no Brasil: novos cenários e novos
olhares composta por dezessete capítulos, inicia com um estudo Vasconcelos
sobre a metodologia da pesquisa, apresentando a experiência de estudo de casos
múltiplos, vivenciada na experiência de uma pesquisa, cujo tema foi a interação
entre os estudantes de nível superior e os seus professores. Vasconcelos optou por
realizar o trabalho a relatando em primeira pessoa a pesquisa, concluindo que
um trabalho marcado pelo rigor acadêmico não deve ser tomado com dogma,
porém explorar o equilíbrio entre o necessário rigor e flexibilidade, que o mesmo
denomina de dilema existencial a ser enfrentado pelo pesquisador no percurso de
sua investigação.
O capítulo seguinte, A dimensão pedagógica da agricultura familiar: a

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alimentação escolar aproximando o consumo e a produção, em que Lopes e
Cunha, resultado de uma pesquisa sobre o Programa Nacional de Alimentação
Escolar (PNAE). O PNAE constitui-se em política pública singular no mundo
e a pesquisa observou que o Programa aproximou a produção e o consumo, o
agricultor familiar e a alimentação escolar, resultando benefícios tanto para o a
alimentação escolar quanto para o desenvolvimento local. O PNAE promove,
segundo Lopes e Cunha para a reconexão entre a oferta da alimentação escolar
e uma prática educativa para a formação de hábitos alimentares saudáveis.
Como conclusão os autores apontam que o uso do contexto da participação
da agricultura familiar no PNAE pode aproximar a escola, os estudantes e a
comunidade na discussão da produção local de alimentos e dos impactos das
escolhas alimentares na vida da comunidade.
No terceiro capítulo, Conhecimento e pesquisa nas ciências humanas:
perspectiva de professores da educação superior, Braga, Lacerda e Galvão
discutiram a complexidade da temática da produção do conhecimento, a
partir de duas questões: O que vem em sua mente quando você pensa no termo
Conhecimento? Como você produz conhecimento?. A pesquisa constitui-se em estudo
de caso realizado com professores de uma Instituição de Ensino Superior (IES)
e, conforme os autores, Os docentes estabeleceram uma relação entre o mundo
físico e espiritual ao tentarem definir o termo conhecimento, fazendo com que a
Metafísica quanto a Ontologia ganhassem destaques nas falas dos participantes.
Quanto ao nível do conhecimento sensível, os entrevistados privilegiaram a
experiência cotidiana nos discursos, evidenciando falas não carregadas de rigor
e de objetividade.
Políticas públicas e análise de políticas educacionais – concepções e processos
num contexto de globalização é o título do quarto capítulo de autoria de Limeira
que propões uma análise de conceitos como política, políticas públicas e
políticas educacionais no contexto da pesquisa em Educação, ou de forma mais
aprofundada da pesquisa em políticas educacionais. Conforme a autora, a análise
política necessita um criterioso acompanhamento de uma pesquisa em âmbito
regional, local e organizacional que possibilite identificar os níveis de aplicação,
espaços de adequações e de possíveis contradições nos discursos.
Na sequência, sexto capítulo, Pereira realizou um ensaio acadêmico em que

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discute a universidade contemporânea e seus limites e desafios. Nesse sentido,
Pereira realizou uma revisão das concepções e contradições desta universidade no
mundo atual. Analisou documentos das conferências mundiais de sobre educação
superior dos anos de 1998 e 2009, mundo da globalização capitalista, bem como
outros documentos. Sua proposta foi uma reflexão sobre a universidade brasileira
no momento atual e, destacando quais as possibilidades de enfrentamento a esses
desafios.
Ainda no campo da pesquisa em educação superior, Pimentel, no capítulo
sétimo capitulo, realizou intitulado A institucionalização da pós-graduação no
Brasil nas décadas de 1950/1960: as contribuições de Anísio Teixeira e da Capes.
Neste estudo, Pimentel fez uma retrospectiva da participação de Anísio Teixeira
na construção e institucionalização da Pós-graduação no Brasil. É destacada por
Pimentel a relevância da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (Capes), além da retomada histórica, o autor apresenta o papel inovador
e pioneiro de Anísio Teixeira na Educação Brasileira, em especial na educação
superior e destacadamente na pesquisa.
Contribuindo com a discussão relacionada ao papel de intelectuais na
educação nacional, Cardoso e Cunha, destacaram o papel de Álvaro Vieira Pinto,
filósofo e educador brasileiro, apresentado no nono capítulo. Nesse sentido, o
texto intitulado Álvaro Vieira Pinto: educação e identidade nacional, tem com eixo
central a participação do filósofo no Instituto Superior de Estudos Brasileiros
(ISEB), dentro do contexto do nacional desenvolvimentismo. Cardoso e Cunha
trabalharam com uma revisão bibliográfica das principais obras do autor e de
estudiosos sobre o filósofo.
No décimo capítulo, Kunz e Castioni, apresentaram uma reflexão crítica
sobre o conceito de expressão espacial e do raciocínio geográfico como alternativas
metodológicas para o uso de indicadores de avaliação. O capítulo Raciocínio
Geográfico por intermédio da expressão espacial propõe a contribuição dos debates
tendo por referência a epistemologia, a teoria e o método em geografia.
O desafio de discutir o papel do professor da educação básica, em especial
do ensino fundamental, anos finais, tanto na prática docente, quanto na
aprendizagem e a partir de suas concepções de afetividade foi o tema da pesquisa
de Da Silva, Almeida e Legnani. O capítulo décimo primeiro, O professor do 6º

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ano do ensino fundamental e suas concepções sobre afetividade: efeitos na prática
docente e na aprendizagem, identificam na sala de aula o local propício para
o aflorar de emoções. Contudo, reconhecidamente esta relação é ignorada,
prevalecendo, conforme os autores, ainda na atualidade uma cisão entre a visão do
sujeito em sua dimensão integral. A pesquisa realizada com doentes do 6º.ano do
ensino fundamental, revelou a necessidade da compreensão dos alunos enquanto
sujeitos que, além de adquirirem o conhecimento, possam também contribuir
com o processo de humanização da sociedade.
O tema das relações étnico-raciais e, particularmente, da educação
quilombola e de sua resistência em Mesquita, Cidade Ocidental (GO) foi
resultado da pesquisa de Neres. Histórico da resistência negra em Mesquita e a
atualidade da luta emancipatória é o título do capítulo décimo segundo, em
que Neres apresenta a história da constituição do quilombo Mesquita, ainda
em finais do séc. XVII, as fontes históricas existentes nas certidões cartoriais e
eclesiais, até o momento contemporâneo, em que o Estado brasileiro reconheceu
Mesquita com área quilombola. Mas, esse reconhecimento legal não implicou na
efetivação da posse e propriedade por parte dos remanescentes dos quilombolas.
Nesse sentido, Neres situa a disputa entre a especulação imobiliária e a população
local, envolvendo inclusive a gestão escolar.
É incessante observar que os seis capítulos que concluem a obra tem como
temática o financiamento da educação. Aliás, o financiamento da educação,
desde o final dos anos 1990, assumiu centralidade na pesquisa em educação.
Observamos que, seja na educação superior, seja na educação básica, as pesquisas
sobre as políticas de financiamento a educação, ou mesmo no contexto das
políticas educacionais estão na ordem do dia. Na obra em tela não optamos por
realizar uma divisão em duas partes, mas, dada a constância do tema, optou-se
por organizar os capítulos sobre o financiamento em proximidade.
Dessa forma, Wathier e Guimarães-Iosif, em Cifras federais da educação:
pistas para uma análise complexa, capítulo décimo-terceiro, apresentam
a complexidade do tema como uma riqueza que permite que estudos de
financiamento sirvam para compreender diversas dimensões das políticas
educacionais e da sociedade brasileira, ultrapassando as questões financeiras, mas
mantendo ligações com elas, no imbricado jogo de atores e conhecimentos que

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cercam o campo das políticas públicas de educação em contextos globais e locais,
partindo de uma questão: qual é a representatividade dos recursos destinados à
educação frente às receitas do Governo Federal? Entendendo que é fundamental
que se busque articular as defesas por garantias conjuntas aos setores sociais, de
forma que não concorram entre si. Significa, portanto, dizer que é preciso pensar
a complexidade do sistema, interpretando as redes das políticas de financiamento.
Em sentido correlato, Veiga dos Santos no capítulo décimo-quarto,
Financiamento público na educação superior privada: análise das estratégias
referentes ao FIES na Meta 12 do PNE (2014-2024), capítulo décimo-quarto,
apresenta os tensionamento da relação público x privado na educação brasileira,
particularizando a financiamento estudantil no contexto do Plano Nacional de
Educação, lei 13005/2014, que propõe a expansão das taxas de matrícula no ensino
superior, considerando essa meta, efetivamente há necessidade da ampliação
do repasse de recursos públicos ao setor privado. Então, são apresentadas pela
pesquisadora algumas contradições e perspectivas na efetivação desta meta.
Limão apresentou no capítulo décimo-quinto um estudo também sobre a
comunidade quilombola em Mesquita, Cidade Ocidental (GO). Assim como
Neres, a preocupação de Limão é a organização da comunidade de Mesquita, em
especial no campo da educação básica. Limão desenvolveu como tema O Programa
Mais Educação do governo federal e sua execução na comunidade quilombola
Mesquita – GO. Programa Mais Educação integra as políticas de financiamento
a educação pública básica no Brasil e objetiva contribuir no sentido da melhora
da qualidade e do desenvolvimento da educação integral. Em comunidades como
Mesquita o papel do Programa Mais Educação torna-se fundamental.
A gestão de recursos descentralizados em uma escola pública do Distrito Federal
e sua contribuição para a autonomia escolar é capítulo décimo-sexto, de autoria de
Trindade e resultante de uma pesquisa sobre o financiamento da educação no
Distrito Federal (DF). No estudo realizado em uma região administrativa do DF,
Trindade observou a relevância dos recursos do Programa de Descentralização
Administrativa e Financeira (PDAF) e sua gestão em uma escola de ensino médio.
A temática do financiamento da educação no Distrito Federal também
se apresentou no capítulo de Santos e Jesus. Os autores apresentaram uma
preocupação com os possíveis impactos da crise econômica no cumprimento

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da meta 1 do PNE no DF. A pesquisa que deu origem ao estudo, intitulado
O financiamento da educação no Distrito Federal: uma análise dos prováveis
impactos da crise econômica no cumprimento da meta 1 do Plano Nacional de
Educação, procurou estimar as possíveis limitações do DF no cumprimento da
universalização da educação básica na referida unidade da Federação.
Souza e Bentes apresentaram um estudo sobre o financiamento da educação
no campo, trabalhando com a perspectiva histórica da proteção constitucional
de recursos, também conhecida como vinculação de verbas. O capítulo dezoito,
cujo título é O financiamento da educação do campo no Brasil: a vinculação dos
recursos do Império a atual República democrática, parte de uma análise das
Constituições Brasileiras e seus dispositivos que garantem a vinculação de verbas
para a educação do campo.
A temática do controle social dos recursos é o tema de pesquisa de Ribeiro
e Jesus, os pesquisadores estudaram o Sistema de Informações sobre Orçamentos
Públicos (SIOPE) e apresentou, no décimo nono capítulo, o estudo intitulado
O monitoramento do Fundeb: conhecendo o sistema de informações sobre
orçamentos públicos em educação (Siope). Ribeiro e Jesus procuram demonstra
que o aperfeiçoamento do SIOPE poderá contribuir de forma significativa como
uma ferramenta de controle social e democrático tanto para os gestores públicos
quanto paras os cidadãos em geral no sentido de compreender o que é orçado e o
que é efetivamente gasto com a educação básica brasileira.
Novas gerações de pesquisadores em educação surgem e se consolidam.
Novos olhares sobre o novo ou sobre o já vivenciado se descortinam. Novos
cenários ou os antigos cenários são objeto de novos olhares. Assim o conhecimento
e a ciência se ressignificam, se revigoram e permanecem as esperanças de novos
tempos. Esperamos com essa obra contribuir nesse sentido.

Os organizadores.

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Referências

SARAMAGO, José. Manual de pintura e caligrafia. São Paulo: Cia. das Letras,
2010.

PAZ, Octávio. O labirinto da solidão e post scriptum. São Paulo: Paz e Terra, 1992.

CUNHA, Luiz Antônio. Educação, Estado e democracia no Brasil. São Paulo:


Cortez, 2009.

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