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ORIGEM E EVOLUÇÃO DO COOPERATIVISMO NO MUNDO E NO

BRASIL E SUA CONTRIBUIÇÃO PARA CONSTITUIR O


SEGMENTO EDUCACIONAL BRASILEIRO*
.
Antonio José Gomes
Doutor em Educação: História e Filosofia da Educação
Professor Adjunto do Departamento de Fundamentos da Educação (DEFE) e do
Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGEd)/Centro de Ciências da Educação (CCE)/
Universidade Federal do Piauí (UFPI)
e-mails: gomes.pi.@ufpi.br e gomes.pi.@click21.com.br

RESUMO ABSTRACT
Este texto é resultado de trabalho de pesquisa teórica e empírica This text is the result of a theoretical and empirical research which
cuja finalidade foi investigar acerca dos elementos que constituem a objectived to investigate the elements that constitutes the origin and
origem e a evolução do cooperativismo no mundo e no Brasil e mostrar evolution of cooperativism around the world and in Brazil and also
sua contribuição para subsidiar a constituição do segmento shows its contribution to the Brazilian educational segment. It has a
educacional brasileiro. Está formado por uma parte específica e detailed and specific part that concerns about the birth of
detalhada a respeito do nascimento do cooperativismo no universo;
cooperativism; another point describes cooperativism practice in
outra parte descreve acerca de sua prática no Brasil, com destaque
Brazil, which prominences its legalization process such as the
para o processo de sua legalização em território brasileiro e a instituição
institution of a national politic of cooperativism, stimulating the
de uma política nacional de cooperativismo, incentivando o surgimento
de diversas modalidades de cooperativas. O texto é, ao mesmo tempo, appeareance of many segments of cooperatives. The text is, at the
informativo, crítico e esclarecedor de como essa política foi ganhando same time, informative, critical and enlightening, about how this politic
corpo e espaço no aspecto jurídico-legal brasileiro para embasar became powerful in the Brazilian judicial-legal aspect to embase a lot
diversas experiências que foram gestadas com base na legislação of experiences based on the pertinent legislation, inclusively the ones
pertinente, inclusive aquela ligada à educação formal. linked to formal education.

Palavras-chave: Brasil, cooperativismo, mundo, origem, educacional Key words: Brazil, cooperativism, world, origin, educational

Considerações Iniciais OCB, 1996a, p. 5)1, o cooperativismo é visto


e aceito hoje no mundo, equivocadamente,
Os primeiros fatos históricos oficiais que ainda como alternativa para solucionar pro-
deram origem ao cooperativismo no mundo blemas socioeconômicos oriundos da relação
capital x trabalho. Tem sido adotado em so-
demonstram que essa forma de organização
ciedades contemporâneas, tornando-se uma
política e social tem uma ligação forte e se cons-
realidade que sobrevive desde meados do
titui mesmo em uma conseqüência da relação
século XIX até os dias hodiernos, por se apre-
entre o capital e o trabalho, isto é, surgiu como
sentar como modelo de organização social
tentativa de encontrar soluções para problemas
viável, à medida que seus princípios orientam
econômicos advindos dessa relação. No Bra- idéias de mudanças nessas relações. Por isso,
sil, diferentemente de outras partes do mundo expor elementos relativos ao aparecimento do
apareceu como forma de controle social de- cooperativismo como doutrina econômica,
senvolvida pelo Estado brasileiro. política e social, reconstituindo o seu proces-
Definido inicialmente como “uma nova so histórico para melhor compreensão da
forma de pensar o homem, o trabalho e o temática, constitui-se em ponto inicial e im-
desenvolvimento social” (CARTILHA DA prescindível desta discussão, porquanto, co-

* Recebido em: maio 2005.


* Aceito em: junho de 2005
1
As fontes bibliográficas encontradas e utilizadas para fundamentar o texto acerca da origem e evolução do cooperativismo são extremamente
insipientes e algumas vezes apresentaram contradições, ou seja, se constatou divergências de informações e de pontos de vista referentes aos
fatos históricos e de organização do cooperativismo. Mesmo assim, foram muito importantes para subsidiar as discussões aqui apresentadas,
possibilitando uma organização do ponto de vista metodológico bastante significativa e rica para o processo da pesquisa realizada.
Linguagens, Educação e Sociedade Teresina n. 12 13 - 25 jan./jun. 2005
nhecendo-se a história do movimento nente, pode auxiliar no processo de
cooperativista e os motivos pelos quais foi ini- comercialização e procedimento de operações
ciado, facilita-nos o seu entendimento. financeiras e bancárias para os associados.
Em todas as civilizações, a ajuda mútua Os outros dois tipos de associativismo
foi sempre uma das características da huma- que evoluíram posteriormente são o sindica-
nidade, resultando daí bons exemplos de to e a cooperativa. O sindicato é uma socie-
associativismo, que é uma forma de partici- dade civil sem fins lucrativos que trabalha em
pação social, de atuação coletiva de homens defesa dos direitos e dos interesses de deter-
e mulheres que objetivam transformar deter- minada categoria profissional ou de trabalho,
minada realidade, tendo por conseqüência o representando-a legalmente nas ações coleti-
desenvolvimento de relações sociais, produti- vas ou individuais diante de querelas admi-
vas e culturais, constituindo-se em alternativa nistrativas, trabalhistas e judiciais. Igualmen-
necessária para viabilizar atividades econômi- te à associação, não possui capital social e o
cas. Por exemplo, a união de tribos contra seu patrimônio é formado com a arrecada-
inimigos comuns ou para a realização de tra- ção de contribuições sindicais, mensalidades
balho coletivo era uma prática de dos sindicalizados, prestação de serviços e
associativismo que serviu de base para o que doações diversas. Pode se organizar em cen-
hoje se denomina associação, tendo o Esta- trais sindicais, federações e confederações
do, como intermediador de suas relações e como formas de representação geral. No Bra-
regulador jurídico do convívio social. sil, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)
Com o desenvolvimento e aperfeiçoa- proíbe ao sindicato realizar atividade econô-
mento do associativismo, outras formas de mica, mas o permite desenvolver operações
organização e participação foram desenhadas financeiras e bancárias, exceto empréstimos e
e passaram a compô-lo, sendo as mais conhe- aquisições do governo federal por falta de
cidas: associação, cooperativa e sindicato. amparo e autorização legal.
Dentre essas modalidades mais comuns Com o passar dos anos, ocorreram di-
que compõem o associativismo, inicialmente, versas e significativas mudanças na história da
se pode compreender que, a associação, a humanidade, inclusive no que respeita à sua
mais antiga das três, “é uma sociedade civil evolução educacional e o seu modus faciendi
sem fins lucrativos, onde vários indivíduos se (maneira de agir), tendo em vista a necessi-
organizam de forma democrática em defesa dade que se foi impondo para tornar possível
de seus interesses” (CARTILHA DA OCB, aperfeiçoar o seu modus vivendi (modo de
1996d, p. 21). Além de representar, defender viver) e, conseqüentemente, poder pelo me-
e estimular a melhoria técnica, profissional e nos tentar acompanhar o que passou a ser de-
social dos associados pode ter também finali- nominado de progresso pelo capitalismo. Mas,
dades filantrópicas, econômicas, culturais e ci- com o advento da Revolução Industrial, a eco-
entíficas. “Na Grécia antiga havia diversas for- nomia mundial, até então corporativa, tam-
mas de associações, entre as quais as que bém passou por alteração radical, cujas
objetivavam garantir enterro e sepultura de- corporações ou categorias profissionais exis-
cente aos seus associados” (CARTILHA DA tentes perderam espaço político e foram subs-
OCB, 1995, p. 7). tituídas nos seus locus de trabalho pelo capi-
O patrimônio da associação é constituí- talismo empreendedor que passou a contra-
do de taxas pagas pelos associados, doações tar os trabalhadores para as empresas, equi-
e fundos de reservas. Não possui capital soci- padas e possuidoras de máquinas industriais
al e, por isto, tem dificuldade de obter financi- rápidas e eficientes, subtraindo, dessa forma,
amentos diante de instituições financeiras. No o poder de competição do operário-artesão.
plano mais abrangente, geralmente é repre- As conseqüências resultantes do proces-
sentada por federações e confederações. No so de vicissitudes da relação capital x traba-
Brasil, conforme a legislação brasileira perti- lho, logo surgiram, dentre outras: trabalho de
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12 horas para crianças a partir dos nove anos outras idéias igualmente importantes e neces-
de idade; jornada de trabalho de 16 horas para sárias: redução do horário de trabalho, orga-
os adultos; ausência de previdência ou segu- nização de armazéns com produtos adquiri-
rança no trabalho; surgimento da classe assa- dos junto aos produtores e a preços reduzidos
lariada; desemprego em massa; miséria cole- e ativa educação dos trabalhadores.
tiva; desajustes sociais. Com isso, resultou Com as finalidades anteriormente des-
igualmente a necessidade de discutir idéias e critas, em 1769, foi fundada na Escócia a
encontrar possibilidades de criar formas vari- Fenwick Weavers’ Society (Sociedade de Te-
adas de sobrevivência, dentre as quais apare- celões de Fenwick). O ponto de partida foi a
ce o cooperativismo moderno, baseado na aquisição de bens de consumo a preços aces-
experiência de cooperativa, terceiro compo- síveis e sem intermediário, armazenando-os
nente do associativismo. para repassá-los às classes pobres. Mas os
iniciadores desse processo conseguiram avan-
O Cooperativismo no Mundo çar para um estágio maior, promovendo o
beneficiamento dos produtos, pois
O surgimento do cooperativismo orga- objetivavam também atingir o setor de servi-
nizado está diretamente ligado à expressão de ços, inclusive atuar no campo educacional,
um movimento operário europeu, que no sé- atividade iniciada com educação não formal
culo XIX reagiu às condições de extrema ex- e, posteriormente com educação escolar, mo-
ploração à qual os trabalhadores estavam sub- dalidade que conseguiu maior visibilidade no
metidos, conseqüência do desenvolvimento final do século XX, sendo o Brasil o expoente
do capitalismo industrial. Em outras palavras, nesse particular.
o cooperativismo surgiu como uma forma que O inglês Robert Owen, considerado o
a classe operária encontrou para enfrentar os ‘pai da cooperação’, por suas idéias de gran-
problemas econômicos e sociais que estava de reformador social e pela preocupação com
vivendo na Europa. Isto é, reagindo ao libe- o bem-estar econômico e social dos trabalha-
ralismo do capitalismo competitivo, o prole- dores2, em 1820, já defendia a criação de co-
tariado encontrou no cooperativismo uma operativas como alicerce para a instituição de
estratégia de sobrevivência e uma saída para uma nova ordem econômica e social. Por
a situação de exploração em que se encontra- meio de suas obras possibilitou o conhecimen-
va, constituindo também, com base nessa ex- to dos primeiros fundamentos para constituir
periência, um projeto político, cujo processo o cooperativismo organizado. Com base nes-
educativo-crítico-reflexivo tem contribuído ses fundamentos, começaram a surgir tam-
para a construção da cidadania. bém, em outras partes do mundo e com mais
Entretanto, é importante registrar e res- convicção, as primeiras manifestações de ca-
saltar outros acontecimentos que datam his- ráter cooperativista. Owen lutou incansavel-
toricamente de bem antes de ser constituída mente pela multiplicação de cooperativas ope-
a primeira cooperativa de consumo, oficiali- rárias de produção e de consumo, tidas como
zando, assim, o nascimento do cooperativismo forma de transição para que a sociedade,
organizado. No século XVII, na Inglaterra, já oportunamente, fosse organizada de maneira
era uma realidade a idéia cooperativista, cujos integralmente comunista.
defensores propugnavam a criação de coo- Na França, os ideais cooperativistas fo-
perativas por meio de ação de sociedades fi- ram incentivados por Charles Fourier, Saint-
lantrópicas, com o objetivo de comprar bens Simon e Louis Blanc, os quais contribuíram
de consumo de qualidade para distribuí-los a para organizar cooperativas de produção, for-
preço de custo com as pessoas mais necessi- madas principalmente com artesãos arruina-
tadas. Associava-se a esse objetivo principal, dos pelas conseqüências da Revolução Indus-
2
Uma das célebres frases de Owen referindo-se ao ser humano é a seguinte: “o bem deveria florescer no homem através de uma sólida educação
moral e, depois, deveria viver em um ambiente econômico apropriado” (apud Thenório Filho, 1999, p. 28).
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trial. A experiência francesa representa um vo de Rochdale, estabelecimento destinado a
marco na história do cooperativismo mundi- desenvolver atividades de compra e venda da
al, como negação do capitalismo, expressada Cooperativa, objetivando melhorar as condi-
a partir da reação dos trabalhadores france- ções de alimentação dos seus cooperados.
ses às novas e difíceis condições de sobrevi- Refletindo acerca desse primeiro episó-
vência. Naquele dio, é possível perce-
país, o movimen- ber que o elemento
to cooperativista educação já estava
denominou-se de presente no ideário
socialismo desses precursores, à
associacionista medida que, no pro-
utópico. Particu- cesso de constituição
larmente em Paris, da Cooperativa de
no ano de 1823, Rochdale estava
as idéias coope- bem patente o
rativistas tiveram embasamento teóri-
grande repercus- co proporcionado
são, sendo criadas pelas idéias de
160 associações de Owen, Fourier,
ajuda mútua, com Edifício onde foi sediada a Rochdale Equitable Pioneers’ Society Simon e Blanc. Não
aproximadamente 12 mil membros. era somente o aspecto puro e simples de en-
contrar saída econômica para os problemas
Registra-se que, oficialmente, o
econômico-sociais proporcionados pelo capi-
cooperativismo internacionalmente organiza-
talismo, mas também a preocupação de for-
do tem origem no fato histórico importante
mar uma consciência coletiva e cooperativa
de discussão teórico-educativa que repercu-
para a divulgação, organização e desenvolvi-
tiu na criação da primeira cooperativa de con-
mento de uma experiência político-social, que
sumo, na Inglaterra, a Rochdale Equitable
passou a ser conhecida mundo afora e que
Pioneers’ Society (Sociedade dos Probos Pi-
perdura até a contemporaneidade – o
oneiros de Rochdale), em 21 de dezembro de
cooperativismo.
1844, na ruela de nome Toad Lane (Beco do
Sapo), da pequena cidade de Rochdale (vide Apesar da situação de pobreza em que
foto), nos arredores de Manchester. Sua com- se encontravam e das necessidades de pre-
posição contava inicialmente com 28 tece- servação da própria subsistência, aqueles 28
3
lões , trabalhadores esses que estavam enfren- trabalhadores economizaram uma libra ester-
tando dificuldades para sobreviver em virtu- lina cada um, cujo montante arrecadado re-
de das crises econômicas daquele país e que, sultou em modesta quantia destinada à for-
ao saírem de “uma greve fracassada, reuni- mação do capital social da Cooperativa de
ram-se seguidamente debatendo meios para Rochdale. No final do primeiro ano de exis-
minorarem a situação de penúria pela qual tência, a Cooperativa já contava com 80 as-
passavam” (THENÓRIO FILHO, 1999, p. 40) sociados e o seu capital social aumentou de
e decidiram pela constituição da Cooperati- 28 para 180 libras esterlinas.
va. Criaram também o Armazém Cooperati- Os princípios rochdaleanos, com normas

3
Encontrou-se uma divergência de gênero no que respeita à composição dos membros da cooperativa rochdaleana, pois existem publicações que
fazem referência a 27 tecelões e uma tecelã. Ao aprofundar-se a pesquisa nesse particular, foram encontrados os nomes dos Pioneiros de
Rochdale, que são: Benjamin Jordan, Benjamin Rudman, Charles Howarth (secretário e principal redator dos princípios rochdaleanos), David
Brooks, George Healey, James Bamford, James Daly (secretário), James Maden, James Manock, James Smithies, James Standrind, James
Tweedale, James Wilkinson, John Bent, John Collier, John Garsid, John Hill, John Holt (tesoureiro), John Kershaw, John Sconcroft, Joseph Smith,
Miles Ashworth (presidente), Robert Taylor, Samuel Ashworth, Samuel Tweedale, William Cooper, William Mallalieu e William Taylor. Pelos nomes
encontrados, tudo indica não haver uma mulher na composição da cooperativa, a menos que haja um homônimo tanto para o sexo masculino
quanto para o feminino. O secretário Charles Howarth, segundo Thenório Filho (1999), também foi considerado o autor da seguinte proposta:
distribuição dos lucros entre os associados, na proporção das compras feitas por cada um deles.

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claras e bem definidas, que constavam do es- construir ou comprar casas em condições dig-
tatuto social que oficializou a criação da Coo- nas de habitabilidade para os cooperados,
perativa de Consumo dos Pioneiros de objetivando melhorar a sua vida doméstica e
Rochdale, os quais eram respeitados no dia- social; montar linha de produção que possibi-
a-dia do funcionamento daquela Sociedade, litasse trabalho para os associados desempre-
apesar de serem considerados longos e rígi- gados ou subempregados e para aqueles com
dos, foram inspirados nas idéias e experiênci- salários insignificantes; comprar e arrendar
as de associativismo. Estas evoluíram histori- terras para o cultivo a ser feito pelos desem-
camente desde as primeiras iniciativas pregados, com a finalidade posterior de divi-
cooperativistas, possibilitando a definição dos di-las em propriedades individuais; destinar
princípios aprovados por aqueles tecelões, parte das sobras do que produziam para fun-
quais sejam: adesão livre, controle democrá- dar um estabelecimento destinado à educa-
tico, devolução do excedente, juros limitados ção e ao desenvolvimento moral dos coope-
ao capital, neutralidade política, religiosa ou rados; e organizar o trabalho (produção e dis-
racial, vendas a dinheiro e fomento ao ensino tribuição) e a educação no seu hábitat e com
em todos os graus. Deu-se destaque ao últi- recursos próprios, objetivando criar uma co-
mo princípio para afirmar que os ideais lônia autônoma e ainda, de acordo com as
cooperativistas contribuíram e ainda contribu- possibilidades concretas, ajudar outros grupos
em para o desenvolvimento da educação for- a formarem novas cooperativas e também
mal, citando-se como exemplos a iniciativa dos colônias semelhantes.
Pioneiros de Rochdale que decidiram abrir um
Em relação às diretrizes que os Pionei-
estabelecimento com tal finalidade e, as inú-
ros definiram está claro o aspecto educativo,
meras escolas cooperativas surgidas, no Bra-
principalmente, as duas últimas em que o ele-
sil, nos anos 80 e 90.
mento educacional, mesmo de modo genéri-
Tais princípios vigiram até sua co, aparece como vetor de disseminação das
redefinição em 1966, em um congresso inter- idéias cooperativistas, ou seja, como proces-
nacional de cooperativismo realizado pela Ali- so sócio-político de formação humana e, isso
ança Cooperativa Internacional (ACI), e mes- se tornou uma realidade, pois o crescimento
mo assim a sua essência filosófica e social con- da Cooperativa de Rochdale e do movimen-
tinua nos princípios que hoje norteiam o mo- to cooperativista manifestou-se bastante ex-
vimento cooperativista mundial. pressivo a partir de 1850.
A Cooperativa dos Pioneiros foi incenti- Mesmo com a falta de recursos (finan-
vada por Owen, pertencente à corrente de so- ceiros, materiais), educação deficiente dos seus
cialistas utópicos franceses e ingleses4, intelec- associados, oposição da imprensa e da igreja
tuais que defenderam e contribuíram para a e tendo de conviver com o descrédito por
organização da doutrina cooperativista, sur- parte de comerciantes locais, a Cooperativa
gindo daí a afirmativa de que o de Rochdale cresceu rapidamente, prosperou
cooperativismo é uma das expressões do pen- e exerceu importante função social na região,
samento socialista utópico. à medida que contribuía para minorar muitos
Ao constituírem sua Cooperativa à luz dos problemas enfrentados pela população
dos idéias dos precursores e dos valores de local. Em abril de 1851, contava com 630
ajuda mútua e igualdade de direitos e deve- associados e passou a abrir o dia inteiro em
res, os Pioneiros do movimento cooperativista virtude do aumento na quantidade de servi-
estabeleceram como plano de ação as seguin- ços. Daí em diante, cada vez mais passou a
tes diretrizes: fundar um armazém para forne- admitir associados: dez anos depois de criada
cer alimentos e roupas aos seus associados; (1855), já possuía no seu quadro social 1.400

4
Intelectuais considerados os precursores do cooperativismo organizado, que defendiam o ideal de justiça, fraternidade e liberdade, elementos
que passaram mais tarde a constituir os princípios cooperativistas: Charles Fourier, Charles Gide, Felipe Buchez, George Jacob Holyoake, John
Bellers, Louis Blanc, Pierre Joseph Proudhon, Robert Owen, William King e William Thompson.
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cooperados; em 1857, esse número aumen- ro serem necessárias, também, mudanças ge-
tou para 1.850 sócios; e em 1867, o total qua- rais da sociedade, por intermédio das forças
se triplicou e chegou a 5.300 associados. políticas organizadas, requerendo, ainda mais,
Fora do âmbito do quadro social da Co- a difusão e a aplicação dos princípios coope-
operativa dos Pioneiros de Rochdale, dados rativos. Assim sendo, a criação de mais e mais
numéricos mostraram também uma evolução cooperativas torna-se imperativo para contri-
quantitativa muita rápida do cooperativismo buir com o processo de transformação da so-
na Inglaterra, ficando patente que a iniciativa ciedade capitalista.
não agradou as classes dominantes da época, Sendo verdade que na Inglaterra a evo-
mas incentivou outros trabalhadores ingleses lução do cooperativismo não contribuiu para
que se encontravam em situações análogas superar o capitalismo, é mais verdadeiro que
de sobrevivência aos pioneiros de Rochdale, tal experiência colaborou para mudar a sua
pois a experiência contribuiu sobremaneira face, tendo em vista que, a partir de então, o
para influenciá-los fortemente a constituir gru- movimento passou a ter peso na economia
pos que organizaram várias sociedades coo- inglesa, no que respeita ao abastecimento do
perativas. O fato é que, a partir de 1860, país com produtos de primeira necessidade e
muitas cooperativas de consumo foram cons- na definição da política de preços, assim como
tituídas no território inglês, somando cerca de na modernização do comércio. Mas a conse-
500 unidades em 1864 e, 37 anos mais tarde, qüência considerada mais importante e pro-
ou seja, no ano de 1881, chegou a um total porcionada pelo movimento cooperativista
de 1.000 sociedades e 550 mil associados. inglês, sem dúvida, com base no know how
Desde essa época, o ideal cooperativista que essa experiência possibilitou, foi a parti-
se propagou por todos os continentes e até cipação política dos operários no processo de
mesmo em países socialistas, nos quais os tra- formação do Partido Trabalhista inglês.
balhadores eram separados do seu meio de Recorrendo a estudos publicados refe-
produção. Tal doutrina passou a ser reconhe- rentes ao cooperativismo, pôde-se observar
cida e aceita, se apresentando como forma que, segundo o trabalho organizado por
de organização do trabalho e de atendimento Sandroni (1994), são significativas contribui-
de necessidades e interesses das pessoas, ain- ções as formulações teóricas de Beatrice Potter
da que não tenha proporcionado a supera- Webb e de Charles Gide em trabalhos que
ção ou a transformação de qualquer sistema discutem o movimento cooperativista euro-
econômico. peu. Esses trabalhos mostraram que, com o
Nesse sentido, considera-se importante avançar dos anos, e em função de mudanças
registrar que Marx (1866), ao manifestar o seu políticas e econômicas ocorridas naquele con-
pensamento acerca do cooperativismo, elabo- tinente, o conteúdo socialista que deu origem,
rou um fundamento que o enaltece, afirman- forma e vida ao cooperativismo adquiriu ou-
do: “reconhecemos o movimento cooperati- tras características, sendo substituído por pro-
vo como uma das forças transformadoras da postas mais atenuadas de reforma social. As-
sociedade atual, baseada no antagonismo das sim sendo, Beatrice Potter Webb desenvolveu
classes” (MARX et alii [tradução de NAMO- um estudo específico a respeito do
RADO], 1973, p. 21). Mas consciente das li- cooperativismo na Grã Bretanha5 e Charles
mitações dessa forma de organização, concluiu Gide sistematizou a doutrina cooperativista
que “o sistema cooperativo é impotente para universal por meio de diversos escritos6.
transformar por si só a sociedade capitalista” Mas, a partir da experiência européia, a
(Idem, p. 22). Portanto, deixou bastante cla- proposta educativa de organização dos traba-

5
The Co-operative Movement in Great Britain, 1891.
6
De la coopération et des transformation qu’elle est appellée a realizer dans l’ordre économique, 1889; Les associations coopératives de production
en France, 1900; La coopération, 1900; Les societés coopérative de consommation, 1917; Le coopérativisme, 1929; Le programme coopératiste,
1930; e Théoricien de la coopération, 1932.

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lhadores em cooperativa transcendeu aos li- por meio de uma empresa de propriedade
mites do Velho Mundo e chegou também à coletiva e democraticamente gerida”
América Latina, atraída não somente pelo fato (CARTILHA DA OCB, 1996c, p. 25).
de que as condições de vida e de trabalho Também, baseados na tradição dos ini-
das populações locais também já não eram ciadores do cooperativismo9, os seus defen-
tão favoráveis à sobrevivência humana, mas sores e praticantes contemporâneos definiram
principalmente em razão dos proveitos eco- como ‘valores da doutrina cooperativista’: aju-
nômicos e financeiros das elites latino-ameri- da mútua e responsabilidade, democracia,
canas. Desse modo, nas décadas de 30 e 40 igualdade, eqüidade e solidariedade. Como
do século XX, países latino-americanos impor- ‘princípios básicos do cooperativismo’, os
taram modelos de cooperativas, sendo seleci- quais são os orientadores que devem propor-
onados aqueles que melhor convinham aos cionar a prática dos valores acima, aprova-
interesses econômicos e sociais locais. Da In- ram: adesão livre e voluntária – as cooperati-
glaterra, por exemplo, trouxeram a idéia de vas devem ser abertas à participação de to-
cooperativa de consumo do século XIX; da das as pessoas aptas para utilizarem os servi-
Alemanha, mesmo século, importaram os ços e com disposição para assumir as respon-
modelos de cooperativas de poupança e cré- sabilidade de associado, independente de
dito. Tanto um quanto o outro modelos fo- raça, cor, credo religioso, sexo, classe social,
ram adotados por conta de sua constituição e opção política; controle democrático pelos
finalidade não interferirem na organização sócios – independente da quantidade de co-
social da produção, mas tão-somente por se tas, a gestão das cooperativas é de responsa-
caracterizarem como formas usufruidoras dos bilidade de cada cooperado que representa
resultados dessa produção. um voto nas decisões de assembléias, na elei-
Destaca-se que um outro fato histórico ção dos dirigentes e no estabelecimento das
internacional importante ocorrido foi a políticas de ação; participação econômica dos
redefinição dos princípios do cooperativismo7, sócios – controlado democraticamente, o ca-
adequando-os ao atual processo de pital social da cooperativa é constituído igual-
globalização da economia. O processo de mente pela contribuição de todos os coope-
revisão dos princípios já vinha ocorrendo em rados; autonomia e independência – embora
vários países, objetivando firmar a doutrina sendo organizações autônomas, as coopera-
cooperativista com maior ênfase e mais clare- tivas só podem recorrer a instituições públicas
za. Assim, em setembro de 1995, ao come- ou privadas com a finalidade de desenvolver
morarem os 100 anos de existência da Alian- ações que beneficiem os seus cooperados, os
ça Cooperativa Internacional (ACI)8, cerca de quais detém o seu controle de funcionamen-
1.600 membros do cooperativismo mundial, to; educação, treinamento e informação – pro-
inclusive do movimento brasileiro, reunidos mover a educação, o treinamento e a instru-
em Manchester, Inglaterra, berço do ção permanentemente aos seus cooperados
cooperativismo, realizaram a Conferência para a prática do cooperativismo e o uso de
Centenária e formularam a atual Identidade equipamentos e de técnicas, e ainda, infor-
Cooperativa, conhecida como ‘Deliberações mar a sociedade acerca das vantagens da co-
de Manchester’, composta dos valores e prin- operação constituem-se nos princípios
cípios do cooperativismo e de uma definição educativos de uma cooperativa; cooperação
de cooperativa, qual seja: “uma associação entre cooperativas – o intercâmbio entre soci-
autônoma de pessoas que se unem, volunta- edades cooperativas é uma das ações básicas
riamente, para satisfazer aspirações e necessi- para o crescimento dos cooperados e, conse-
dades econômicas, sociais e culturais comuns, qüentemente, para o fortalecimento do

8
Os defensores e participantes do cooperativismo fundaram, em 1895, a Aliança Cooperativa Internacional (ACI), que está sediada em Londres e é
a grande incentivadora do cooperativismo mundial.
9
Os iniciadores do cooperativismo acreditavam e defendiam os valores éticos da honestidade, transparência, responsabilidade social e preocupação
pelo seu semelhante.
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cooperativismo; e preocupação com a comu- constituíam a base fundamental da ação dos
nidade – como prestadoras de serviços, as padres jesuítas durante o processo de
cooperativas devem realizar seus programas catequização do gentio no Brasil.
sócio-culturais de modo que, além de favore- Mas foi no final do século XIX que sur-
cer seus cooperados, promovam também o giu no Brasil o cooperativismo propriamente
bem-estar de suas comunidades. dito, em uma economia predominantemente
Em nível internacional, as primeiras co- agroexportadora, como uma prática imposta
operativas criadas estão também ligadas ao e promovida pelas elites políticas e econômi-
cooperativismo de consumo. Em 1998, aque- cas brasileiras, localizando-se sobretudo na
las desse ramo, localizadas em vários países zona rural do País. Diferentemente do euro-
do continente europeu, com a finalidade de peu, o movimento cooperativista brasileiro
superarem dificuldades oriundas do processo teve sua origem, basicamente no Nordeste,
de globalização da economia, reuniram-se em adotado como uma política de controle social
uma central única de compras para a aquisi- desenvolvida pelo Estado e, por isso com um
ção de mercadorias em quantidade suficiente exercício fortemente caracterizado pela inter-
para serem repassadas com qualidade e pre- venção estatal. Ou seja, inicialmente, não se
ços acessíveis aos cooperados. Esse dado apresentou como busca de alternativa econô-
mostra que, mesmo com a organização dos mica e social para solucionar problemas de
trabalhadores em cooperativas, os problemas sobrevivência dos trabalhadores ou como ins-
não são de todo superados, pois a ordem eco- trumento de mudança social da população,
nômica mundial impõe situações que obriga muito menos de superação do modo de pro-
os cooperados a buscarem outras saídas, tan- dução e de transformação da economia bra-
to agregadas ao cooperativismo quanto fora sileira.
deste.
O cooperativismo no Brasil, sendo niti-
Portanto, na Europa, o movimento damente expressão de uma fórmula importa-
cooperativista, que teve o seu nascimento da para ser adaptada aos interesses das elites
naquele continente, iniciado com característi- políticas e agrárias do País, não possui sua
ca e expressão predominantemente urbanas, origem, portanto, nas lutas do movimento
mesmo com grande aceitação e expansão, operário brasileiro. Mas, à medida que foi se
inclusive para outras partes do mundo, não desenvolvendo passou a constituir-se possibi-
está imune às vicissitudes impostas pelo pro- lidade de organização social e de alternativa
cesso de globalização da economia, tendo que econômica dos trabalhadores brasileiros que
se adequar para sobreviver. começaram a fundar cooperativas em 1847.
Seu nascimento no País se caracteriza muito
O Cooperativismo no Brasil mais como cooperativismo de serviços do que
propriamente de produção. Com o tempo,
As primeiras indicações históricas da pre- ganhou importância no cenário político e eco-
sença de idéias cooperativistas no Brasil, mes- nômico nacionais sendo regulamentado pelo
mo sem a organização que o cooperativismo governo federal e, posteriormente constituiu-
apresenta atualmente, remontam a 1610, se em ‘política nacional de cooperativismo’,
quando os jesuítas iniciaram a construção de regulamentada legalmente desde o final de
um modelo de sociedade solidária, fundamen- 1971 pela Lei n. 5.764 e representada
tado no trabalho coletivo, que valorizava o institucionalmente pela Organização das Co-
bem-estar do indivíduo e da família em detri- operativas Brasileiras (OCB), sediada em
mento do interesse econômico de produção. Brasília–DF.
A persuasão aliada ao amor cristão e ao prin- Estudos acerca do cooperativismo bra-
cípio do auxílio mútuo, prática antiga da hu- sileiro mostraram que existe significativo vo-
manidade desde os povos primitivos, encon- lume de informações quanto à sua evolução,
trada, também, junto aos índios brasileiros, dispersas em diferentes publicações, muitas
20 Linguagens, Educação e Sociedade – Teresina, n. 12, jan./jun. 2005
vezes apresentando antagonismos entre si. Empregados e Operários da Fábrica de Teci-
Silva (1992), por exemplo, afirmou no sua dos da Gávea, no Rio de Janeiro e a Coope-
obra que, exatamente três anos depois dos rativa de Consumo dos Empregados da Via-
Pioneiros de Rochdale – Inglaterra, foi criada ção Férrea (Coopfer), em Santa Maria, RS –
a primeira cooperativa brasileira, a Colônia 1913; esta última foi pioneira em possuir di-
Tereza Cristina, em 1847, no interior do versas iniciativas de cunho social, considera-
Paraná, pelo médico francês Jean Maurice da à época, a maior cooperativa de consumo
Faivre e um grupo de europeus que ali residi- da América Latina.
am, de breve existência mas de significativa Outros acontecimentos históricos ocor-
contribuição coletiva para a formação do reram desde a origem do cooperativismo bra-
cooperativismo no Brasil. Para Schneider sileiro, valiosos pelos subsídios que apresen-
(1982), o cooperativismo brasileiro teve sua taram e igualmente importantes para conhe-
origem e iniciou suas atividades em 1891, com cimento da temática, dentre os quais, no pla-
a fundação da Associação Cooperativa Inter- no organizacional podem ainda ser citados:
nacional da Companhia Telefônica de Limei- criação da Seção de Crédito Agrícola no Mi-
ra, primeira cooperativa de consumo, em Li- nistério da Agricultura, cuja finalidade foi tra-
meira–SP. balhar junto às cooperativas; aperfeiçoamen-
Analisando os trabalhos dos dois auto- to e consolidação da legislação cooperativista;
res, pôde-se constatar que, com relação à ori- criação da Caixa de Crédito Cooperativo, em
gem do cooperativismo no Brasil, há discre- 1943, empresa bancária que antecedeu ao
pância no que respeita à criação da primeira Banco Nacional de Crédito Cooperativo S. A.
cooperativa brasileira e ao ano em que foi (BNCC); criação do Banco Nacional de Cré-
fundada. Isto é, pelo estudo de Silva, reforça- dito Cooperativo S. A., em 1951, instituição
do com um trabalho publicado pela Organi- financeira especial que tinha a finalidade de
zação das Cooperativas Brasileiras (1996c), o estimular e apoiar os diversos projetos liga-
cooperativismo brasileiro surgiu mesmo, ofi- dos ao cooperativismo brasileiro, por meio da
cialmente, em 1847, no Paraná. É possível concessão de financiamentos, assim como
igualmente compreender por meio do estudo abrir linhas de crédito às cooperativas para
da OCB, que corrobora a afirmação de que pudessem desenvolver as suas atividades,
Schneider no que concerne à data, que a co- sendo extinto, em 1990, pelo então presiden-
operativa limeirense não é a primeira do País, te Fernando Collor.
pois foi criada somente em 1891, portanto, Prosseguindo no plano organizacional,
44 anos após a fundação da cooperativa podem ser citados também: instituição do
paranaense. Afora essa discrepância relativa Fundo Nacional de Cooperativismo
ao início oficial do cooperativismo nacional, (Funacoop), em 1966, com recursos do Mi-
os dois estudos coincidem nos demais acon- nistério da Agricultura, sediado junto ao ex-
tecimentos históricos referentes à sua evolu- tinto BNCC e destinado a prover recursos para
ção no Brasil. apoiar o movimento cooperativista nacional;
A partir de 1891 foram criadas outras criação do Conselho Nacional de
cooperativas no território nacional, de traba- Cooperativismo (CNC), em 1967, junto ao
lhadores brasileiros, descrevendo-se como as Instituto Nacional de Colonização e Reforma
mais antigas, as seguintes: Cooperativa Mili- Agrária (Incra), com autonomia administrati-
tar de Consumo, no Rio de Janeiro, antigo va e financeira que, a partir da edição da Lei
Distrito Federal – 1894; Cooperativa de Con- n. 5.764/71 passou a ser responsável pela
sumo de Camaragibe, PE – 1895; Coopera- aprovação de resoluções, que regulamenta-
tiva de Consumo dos Empregados da Com- vam e orientavam a política nacional de
panhia Paulista de Estrada de Ferro, em Cam- cooperativismo, sendo também extinto no
pinas, SP – 1897; Cooperativa de Consumo então governo Collor; criação da União Naci-
dos Funcionários Públicos de Ouro Preto, em onal das Associações Cooperativas (Unasco)
Ouro Preto, MG – 1898; e Cooperativa dos e da Aliança Brasileira de Cooperativas
Linguagens, Educação e Sociedade – Teresina, n. 12, jan./jun. 2005 21
(Abcoop), ambas fundidas em 02 de dezem- de junho de 1926, tratavam das Caixas Ru-
bro de 1969, no IV Congresso Brasileiro de rais Raiffeisen 10 e dos Bancos Populares
Cooperativismo, em Belo Horizonte, MG, para Luzzatti11, instituições financeiras criadas es-
constituir a Organização das Cooperativas pecificamente para financiar cooperativas; De-
Brasileiras (OCB), entidade de representação creto n. 22.239, de 19 de dezembro de 1932,
legal e nacional do sistema cooperativista e conhecido no Brasil como ‘Primeira Lei
órgão técnico-consultivo do governo federal, Rochdaleana’, dispôs acerca das característi-
que congregou as Organizações das Coope- cas e formas de organização e de funciona-
rativas Estaduais (OCEs), sediadas nos vários mento das cooperativas segundo os princípi-
estados brasileiros. os dos Pioneiros de Rochdale e consagrou os
A incorporação da Cooperativa de Con- postulados do sistema cooperativista; foi re-
sumo do Grande ABC pela Cooperativa de vogado em 1934, restabelecido em 1938, re-
Consumo da Rhodia, São Paulo, em 01 de abril vogado novamente em 1943 e reeditado em
de 1991, considerada a maior cooperativa bra- 1945, vigorando até 1966; Decreto n. 24.647,
sileira em dezembro de 1997, ocasião em que de 1934, dispôs acerca do cooperativismo sin-
possuía 535 mil cooperados ativos, a criação e dicalista12; Decreto-Lei n. 8.401, de 19 de de-
funcionamento do Banco Cooperativo do Bra- zembro de 1945, determinou que a fiscaliza-
sil S. A. (Bancoob), em 21 de julho de 1997, ção das cooperativas em geral era competên-
com sede em Brasília, DF e a realização do XI cia do Serviço de Economia Rural (SER), do
Congresso Brasileiro de Cooperativismo, no Ministério de Agricultura; Decreto n. 41.872,
período de 05 a 07 de setembro de 1997, que de 16 de julho de 1957, determinou que as
reafirmou a unicidade do Sistema OCB são cooperativas de crédito e aquelas com seção
fatos históricos relevantes que completam a de crédito, além de serem fiscalizadas pelo
organização aqui referida. SER, sujeitar-se-iam também à fiscalização da
Historicamente também, no plano da re- Superintendência da Moeda e do Crédito
gulamentação para o funcionamento do (Sumoc), do Ministério da Fazenda.
cooperativismo brasileiro, o poder público A partir da década de 60 e em virtude
sancionou vasta legislação desde 1903, estan- de mudanças que começaram a ocorrer na
do boa parte sobrestada e substituída por no- sociedade brasileira, o cooperativismo conti-
vas leis, decretos etc., tendo em vista a neces- nuou em processo de regulamentação, sendo
sidade de organização do movimento aprovado o seguinte: Lei n. 4.595, de 31 de
cooperativista face às mudanças ocorridas na dezembro de 1964, procedeu à reforma ban-
sociedade brasileira. Assim foram aprovados: cária daquele ano, definiu a estrutura do Sis-
Decreto n. 799, de 06 de janeiro de 1903, tema Financeiro Nacional, criou o Conselho
primeiro que mencionou o cooperativismo Monetário Nacional (CMN) e o Banco Cen-
inserindo-o no contexto legal brasileiro e per- tral da República do Brasil, posteriormente
mitia aos sindicatos e às cooperativas de pro- denominado Banco Central do Brasil (Bacen),
dução e de consumo organizarem caixas ru- que passou a ter como uma de suas atribui-
rais de crédito; Decreto n. 1.637, de 05 de ções a normatização e a fiscalização das coo-
janeiro de 1907, reconheceu a utilidade das perativas de crédito; Decreto-Lei n. 59, de 21
cooperativas sem forma jurídica distinta de de novembro de 1966, revogou o Decreto n.
outras empresas; Lei n. 4.948, de 21 de de- 22.239/32, e criou o Funacoop e o CNC; De-
zembro de 1925 e Decreto n. 17.339, de 02 creto n. 60.597, de 19 de abril de 1967, regu-

10
Homenagem a Friedrich Wilhelm Raiffeisen, ex-prefeito de uma pequena comunidade rural da Alemanha no século XIX e idealizador do modelo
alemão de cooperativas de crédito transplantado para ao Brasil, cuja concepção básica de cooperativismo se estruturou por meio de três princí-
pios: auto-ajuda, autogestão e auto-responsabilidade. Existe no Brasil a cartilha Diretrizes para cooperativas, publicada pela União Internacional
Raiffeisen, em Bonn (IRU), da República Federal da Alemanha, de autoria de Raiffeisen e com os princípios por ele elaborados, e tradução de
André Gil Teixeira Pires, editada em 1995 pela Coopermídia, com a colaboração da OCB/Denacoop/SDR/Maara.
11
Igual homenagem a Luigi Luzzatti, que desenvolveu o modelo italiano de cooperativas de crédito, também trazido para o Brasil.
12
Nas fontes bibliográficas consultadas para este estudo, não foram encontradas informações complementares referentes ao citado Decreto.

22 Linguagens, Educação e Sociedade – Teresina, n. 12, jan./jun. 2005


lamentou o Decreto-Lei n. 59/66, além de vas de crédito; Carta-Patente n. 95.0053.5039,
definir a política nacional de cooperativismo de 26 de março de 1996, publicada pelo Ban-
e, juntamente com aquele de 1966, proporci- co Central do Brasil, autorizou o funcionamen-
onaram o atrelamento das cooperativas bra- to do Banco Cooperativo Sicredi S. A.
sileiras às determinações do Estado, retiran- (Bansicredi), primeiro estabelecimento bancá-
do, inclusive, os incentivos fiscais que recebi- rio cooperativo estadual, sediado em Porto
am, sendo revogados pelo art. 117 da atual Alegre, RS; Decreto n. 6, de 10 de maio de
Lei Cooperativista; Lei n. 5.764, de 16 de 1990, criou o Departamento Nacional de
dezembro 1971, em vigor, define a política Cooperativismo e Associativismo Rural
nacional de cooperativismo, institui o regime (Denacoop), subordinado à Secretaria de
jurídico das sociedades cooperativas e dá ou- Desenvolvimento Rural (SDR), do Ministério
tras providências a respeito a seu respeito13; da Agricultura e do Abastecimento (MA), para
Lei n. 6.981, de 30 de março de 1982, deu cuidar dos assuntos relacionados ao
nova redação ao art. 42 da Lei n. 5.764/71, cooperativismo e ao associativismo no Brasil;
determinando que o sócio de cooperativa sin- Medida Provisória n. 1.715, de 03 de setem-
gular terá direito somente a um voto, inde- bro de 1998 e Decreto n. 3.017, de 06 de
pendente do número de cotas-partes que pos- abril de 1999, instituíram o Serviço Nacional
sua na cooperativa; Lei n. 7.231, de 23 de de Aprendizagem do Cooperativismo
outubro de 1984, transferiu do Instituto Naci- (SESCOOP)14, integrante do Sistema “S”;
onal de Colonização e Reforma Agrária (Incra) Resolução n. 2.608, de 27 de maio de 1999,
para o Ministério da Agricultura e do Abaste- do Banco Central do Brasil (Bacen), facultou
cimento (MA), competências relativas ao o ingresso de parentes de cooperados nas co-
cooperativismo brasileiro, dispôs sobre o re- operativas de crédito; Lei n. 9.867, de 10 de
gime jurídico do pessoal daquele Instituto e novembro de 1999, dispôs a respeito da cria-
deu outras providências; Decreto n. 90.393, ção de cooperativas sociais, visando à
de 30 de outubro de 1984, criou a hoje extin- integração social dos cidadãos; e Medida Pro-
ta Secretaria Nacional de Cooperativismo visória n. 2.168-39, de 26 de julho de 2001,
(Senacoop), no antigo Ministério da Agricul- dispôs sobre o Programa de Revitalização de
tura e deu outras providências; e a Constitui- Cooperativas de Produção Agropecuária
ção da República Federativa do Brasil, de 05 (RECOOP) e autorizou a criação do Serviço
de outubro de 1988, que vetou a interferên- Nacional de Aprendizagem do
cia estatal nos assuntos relativos ao funciona- Cooperativismo (SESCOOP).
mento das cooperativas brasileiras. Com essas medidas histórico-legais, co-
Complementando a regulamentação meçou então a ser engendrada uma política
cooperativista em solo brasileiro e já em um cooperativista no Brasil, como forma de criar
outro momento da vida político-jurídica do um arcabouço jurídico para sistematizar um
Brasil, relaciona-se: Resolução n. 1.914, de movimento que evoluía e necessitava de le-
11 de maio de 1992, do Conselho Monetário gislação pertinente que orientasse sua organi-
Nacional (CMN), regulamentou as cooperati- zação e funcionamento. Desenhada legalmen-
vas singulares de crédito e vetou a criação te, tal política nacional de cooperativismo ga-
daquelas do tipo Luzzatti; Resolução n. 2.193, nhou corpo e, atualmente, está regulamenta-
de 31 de agosto de 1995, do Banco Central da pela Lei Federal n. 5.764/71, obsoleta e
do Brasil (Bacen), permitiu a criação e o fun- carente de reformulação para que se adeque
cionamento de bancos cooperativos com a a um País que vem tentando se modernizar
participação acionária somente de cooperati- jurídico-legalmente desde a promulgação da

13
Ao ser elaborada e conseqüentemente sancionada, a Lei que regulamenta o cooperativismo brasileiro organizado levou em consideração os
princípios da doutrina cooperativista aprovados no congresso da ACI realizado em 1966, em Viena, Áustria, traduzidos em características e
estabelecidos no seu Capítulo II – Das Sociedades Cooperativas, art. 4º. e incisos.
14
É uma instituição privada, sem fins lucrativo e está vinculada à Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), responsável pelo desenvolvi-
mento educacional dos integrantes do cooperativismo brasileiro.

Linguagens, Educação e Sociedade – Teresina, n. 12, jan./jun. 2005 23


atual Constituição da República Federativa do O trabalho realizado por Gomes (2001),
Brasil, que durante o seu processo de elabo- apresenta um radiografia bastante elucidativa
ração tratou o cooperativismo como ponto do ponto de vista da visibilidade e notorieda-
importante das discussões nacionais e, assim, de que o segmento educacional do
a Carta de 1988, contemplou alguns títulos, cooperativismo ganhou nas décadas de 80 e
artigos, parágrafos e incisos que garantem a 90, no Brasil. Mas apresenta igualmente in-
existência, organização e funcionamento de formações importantes no sentido de demons-
cooperativas de diversos ramos no território trar que o sucesso ou o fracasso dessas inicia-
nacional, quais sejam: - Título II – Dos Direi- tivas educacionais, tão presentes no momen-
tos e Garantias Fundamentais, artigo 5º. inciso to de realização da pesquisa, apresentavam
XVIII; - Título III – Da Organização do Estado, semelhança com o que ocorria em escolas
artigo 21 inciso XXV; e - Título VII – Da Or- públicas estatais e em escolas particulares.
dem Econômica e Financeira, artigos 174
parágrafos 2º., 3º. e 4º., 187 inciso VI e 192 Considerações Finais
inciso VIII.
Além da legislação regulamentadora do O cooperativismo oficial como forma de
cooperativismo brasileiro, a Organização das organização política e social e incentivador da
Cooperativas Brasileiras (OCB) editou, em criação de cooperativas de diversas modali-
1990, uma cartilha intitulada ‘Orientação para dades no mundo e no Brasil contemporâneos
Constituição de Cooperativas’. Esse manual teve sua origem na Inglaterra, com a criação
contempla informações e procedimentos ne- da Cooperativa Rochdaleana, motivada, ini-
cessários ao processo de organização e cria- cialmente, por necessidades econômico-soci-
ção de cooperativas, adaptados à legislação ais de trabalhadores ingleses em um momen-
pertinente em vigor. Traz também, como ane- to de crise do sistema capitalista.
xos, dentre outros, listagem com endereços de Os estudos realizados demonstraram
diversas organizações cooperativistas estadu- que, nessa primeira experiência organizada já
ais, vários modelos de formulários que devem estava presente na consciência dos pioneiros
ser utilizados no processo burocrático de cons- de Rochdale a necessidade de garantir edu-
tituição de determinada cooperativa, assim cação aos seus integrantes, condição indispen-
como as diretrizes e as condições necessárias sável para que, politicamente pudessem en-
à autogestão cooperativista. frentar as dificuldades da realidade em que
Esse arcabouço jurídico-legal protecionis- viviam e promovessem um processo de
ta do cooperativismo brasileiro criou um terre- envolvimento de outros trabalhadores nessa
no fértil para o surgimento de experiências em forma coletiva de possível solução de possí-
outras áreas até então fora do âmbito de atua- vel problemas oriundos das relações capital x
ção cooperativista, como por exemplo a saú- trabalho, e para conhecimento e dissemina-
de, a habitação e, principalmente, a educação ção da doutrina cooperativista e, conseqüen-
que, nos anos 80, diante da crise econômico- temente, o fomento a diversas experiências.
financeira porque o Brasil estava passando, Na verdade, é um movimento político
começou a ganhar visibilidade como ramo es- organizado e originado em meados do século
pecífico junto à OCB. Ou seja, segundo Go- XIX, que repercutiu nas diversas áreas da ati-
mes (2001), as iniciativas cooperativistas edu- vidade humana em muitos países e, mais re-
cacionais em solo brasileiro no referido ano centemente, motivou seus defensores a cria-
totalizavam 383 unidades, de quatro tipos di- rem cooperativas ligadas à área educacional,
ferentes e em diversos estados, notadamente tendo em vista que um dos princípios básicos
Minas Gerais – 67, Rio de Janeiro e São Paulo do cooperativismo é exatamente a promoção
– 43 cada um, Bahia – 40, Piauí – 24, Santa de treinamento, informação e educação.
Catarina – 22, Espírito Santo – 20, Paraná – Esse movimento no campo da educa-
17 e Rio Grande do Sul – 17. ção, no Brasil, se notabilizou nos anos 80 e
24 Linguagens, Educação e Sociedade – Teresina, n. 12, jan./jun. 2005
90, ganhou adeptos e apoio institucional go- te mencionado no texto criou, ao longo dos
vernamental e não-governamental, tanto no anos, uma espécie de blindagem em torno das
plano federal quanto dos estados, como for- cooperativas brasileiras, principalmente da-
ma de incentivar as iniciativas de escolas coo- quelas ligadas à produção e ao consumo e,
perativas a assumirem um papel que é consti- mais recentemente, em volta das que lidam
tucionalmente responsabilidade política do diretamente com educação formal, garantin-
estado brasileiro. Mas isso se deve ao fato de do-lhes uma série de vantagens para continu-
que , o arcabouço jurídico-legal anteriormen- arem funcionando.

REFERÊNCIAS

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de escolaridade básica de segmento de classe média. Tese de doutorado, Programa de Estu-
dos Pós-Graduados em Educação: História e Filosofia da Educação, da Pontifícia Universidade
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_______. Cooperativismo. Brasília: OCB/MA/SDR/Denacoop, 1996a.
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Linguagens, Educação e Sociedade – Teresina, n. 12, jan./jun. 2005 25

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